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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DEUSA DE TROIA - P.2 / P. C. Cast
DEUSA DE TROIA - P.2 / P. C. Cast

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

Kat certificou-se de que a voz soasse tão arrogante como a de uma princesa:
- Claro que não. Porque uma deusa me enviou aqui. Só vou embora quando ela me disser para fazer isso.
- Já está querendo me abandonar? - A voz de Aquiles saiu neutra, beirando a indiferença, contudo Kat reconheceu a solidão em seus olhos. A mesma que ela vira na noite anterior.
- Não. Eu não quero deixar você.
E, conforme disse as palavras, soube que elas eram verdadeiras. Ela não queria deixá-lo. Não ainda. Não até que o ajudasse a controlar a Fúria e a mudar seu destino.
Aquiles não fez nenhum comentário. Simplesmente voltou a atenção para a água, e em pouco tempo havia mais dois peixes enormes somados à pilha que se debatia na praia.


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Quando ele lanceou o quarto, nadou de volta até onde ela se encontrava e atravessou os quatro peixes com a lança. Com a arma sobre um ombro tal como uma bizarra mochila, dirigiu-se com ela de volta ao acampamento.
Caminharam por algum tempo em silêncio, o que, ao menos para Kat, não foi constrangedor. Mas, conforme se aproximaram da tenda de Aquiles no acampamento, e a inevitabilidade de passarem outra noite juntos se apresentou, a porção de perguntas sem resposta se tornou pesada demais para ela.
- Eu o vi combatendo a Fúria quando estava treinando com seus homens esta manhã - revelou de uma vez.
Aquiles a encarou por um instante, em seguida desviou o olhar para longe.
- Não corri nenhum risco de ser dominado pela Fúria hoje. Fiquei apenas surpreso. Mas isso, somado ao arranhão de espada que sofri, já era suficiente para que os homens ficassem em alerta. Mas nem a dor nem a surpresa foram grandes o suficiente para fazer com que o monstro me possuísse.
- Pátroclo não pareceu ter medo de você.
Aquiles abriu um de seus raros sorrisos.
- O tolo do meu primo acredita que eu jamais iria feri-lo. Já agiu com imprudência muitas vezes.
- Mas não iria machucá-lo, iria?
- Eu jamais faria isso. Ele é como um irmão ou um filho para mim, e eu daria a minha vida para proteger a dele. Mas a Fúria não sabe o que é lealdade.
Kat refletiu a respeito, perguntando-se até que ponto aquela afirmação era verdadeira. Ulisses havia lhe contado que aquela ira dominava Aquiles desde os dezesseis anos. A Fúria era um ser à parte, movido pela raiva, pelo ódio, pela paixão e pela morte. Mas será que aquilo o impedia de desenvolver uma relação com alguém que era parte integrante de sua vida?
- Onde habitava essa Fúria antes de ela amaldiçoar a sua vida?
- Em Zeus - respondeu Aquiles. - Ele enviou a Fúria quando fiz a minha escolha. Primeiro me ofereceu uma vida longa e feliz, preenchida com o amor de uma mulher decente e o respeito de uma família e amigos. Eu morreria de velhice e seria importante apenas para os meus.
- O que me parece um destino e tanto. Muitas pessoas dariam tudo para ter certeza de que suas vidas seriam cheias de amor e abençoadas por uma família - murmurou Kat.
- Mas eu preferi a segunda alternativa. Escolhi uma vida de lutas constantes, porém repleta de glória. Vou morrer no campo de batalha, diante das muralhas de Troia,
logo após a morte de seu nobre irmão, Heitor. Minha vida será desprovida de amor. Nenhuma criança irá carregar o fardo do meu sangue em suas veias. Mas, mesmo sem
essas coisas, meu nome será lembrado em todos os cantos do mundo civilizado por milhares e milhares de anos.
Kat nada disse. O que poderia dizer? "Foi uma decisão imatura e idiota"?... Nem mesmo precisava afirmar isso. Era mais do que óbvio que o homem maduro em que Aquiles
havia se transformado sabia, no fundo da alma, que a criança que ele fora tinha cometido um grave erro.
- Qual das alternativas teria escolhido, princesa?
Capítulo Quinze
A pergunta de Aquiles pegou Kat desprevenida. Não estava acostumada a ser interrogada a respeito das decisões que tomara na vida. Ela era a terapeuta. Ela colocava
as questões.
Olhou para o guerreiro cheio de cicatrizes que caminhava a seu lado. Ele esperava pela resposta como se realmente se importasse.
- É diferente para as mulheres - murmurou, tentando refletir com a resposta e ser tão honesta com ele quanto possível. - Se alguém tivesse me dado essas alternativas
quando eu era adolescente, elas não teriam sido válidas para mim. Eu nunca quis ser uma grande guerreira. - Sorriu para ele. - E ainda não quero. Mas se eu tivesse
de escolher, digamos... - Kat fez uma pausa, pensativa. - ... entre a sua primeira alternativa, que era ter uma vida feliz, preenchida por coisas normais como casamento,
família, casa etc., e ter um romance de parar o coração, de tirar o fôlego... Como um tórrido caso de amor com alguém que fosse um tabu, mas cujo amor arderia para
sempre na minha alma, mesmo que me consumisse enquanto eu ainda era moça... - Kat apertou as mãos sobre o peito de forma dramática e deu um suspiro exagerado, o
que fez Aquiles rir. - ... Acho que eu teria escolhido a segunda opção. E depois me arrependeria até o último fio de cabelo quando amadurecesse.
- Iria se arrepender de ter amado loucamente?
- Ter uma paixão tresloucada por alguém apenas porque ele está fora dos padrões normais não é amor; é pura ilusão de menina; típica dos contos de fadas. Além do
mais, agora que sou adulta sei que é possível ter as duas coisas se souber escolher com sabedoria.
- As duas coisas?
- Sim. Você pode ter uma paixão duradoura por alguém, e essa pessoa não precisa ser a persona non grata que a sua mãe não aprova. Tem que ser o tipo de fogo que
é alimentado pela realidade, com comunicação, respeito, essas coisas, e não com algo como... - Kat parou ao quase se referir a Romeu e Julieta - ... como uma fantasia
de amor à primeira vista, ou como luxúria. - Olhou para Aquiles, preocupada em ter perdido sua atenção, contudo ele continuava a fitá-la com intensidade e com uma
expressão curiosa no rosto marcado por cicatrizes. - Você também poderia ter tido ambas as coisas.
- De que modo?
O tom abrupto de Aquiles revelou que talvez ela houvesse ido longe demais, porém Kat percebeu que aquele era um caminho sem volta.
- É um guerreiro incrível e um grande líder, mesmo sem a Fúria. Apenas nestes dois dias em que estive aqui, eu o vi enfrentar o rei de uma nação inteira de igual
para igual, liderar seus homens, que o seguem com total lealdade, e combater quatro guerreiros ao mesmo tempo. E fez tudo isso sem ser dominado pela Fúria.
Aquiles não falou por vários minutos. Quando o fez, sua voz soou cheia de pesar.
- O problema é que não se pode fazer voltar o tempo.
- Sim. Acho que não - concordou Kat, enquanto uma imagem da Rainha do Olimpo lhe veio à cabeça.
Kat não demorou a chegar à conclusão de que a ausência de água corrente e de Internet não era nada comparada a não ter um supermercado por perto. Cumprindo a palavra,
Aquiles havia jogado os robalos aos pés de Aetnia e ordenado que esta os assasse. Em seguida, murmurara algo sobre "ir ter com Ulisses" e se afastara, deixando Kat
de testa franzida e tentando ignorar os olhos dos peixes mortos.
Aetnia, obviamente, se erguera de um salto, agarrara os peixes e saíra correndo para fazer o que se faz com os peixes frescos: cortá-los em filés e deixá-los prontos
para a panela ou frigideira.
- Preciso de uma bebida - decidiu Kat. E antes mesmo que pudesse entrar na tenda de Aquiles, na esperança de que o jarro de vinho tivesse sido reabastecido, outra
serva pareceu se materializar a seu lado, oferecendo-lhe um cálice cheio de um delicioso vinho tinto.
- Ah, obrigada! - Kat sorriu para ela.
A moça corou e fez uma reverência delicada.
- Peça o que quiser, princesa! - Em seguida, afastou-se pelo corredor que separava a tenda de Aquiles das outras e se juntou a um grupo de mulheres que, sentadas
todas juntas, costuravam o que, a distância, pareciam peças de roupas, enquanto olhavam ao redor, curiosas, e cochichavam entre si.
Kat suspirou e sentou-se no banco ao lado da barraca de Aquiles. Estava bancando a princesa, o que significava que não deveria se juntar ao grupo e tentar fazer
amigas. Não era nenhuma especialista em Mitologia, mas também não era nenhuma alienada, que não fazia ideia sobre o que se passava no mundo antigo. A nobreza não
se misturava aos servos e ponto-final. Isso era mais do que óbvio pela forma como as mulheres estavam reagindo à franqueza e à espontaneidade de Jacky. Sem dúvida,
ela, Polixena, era a única noiva de guerra nobre no acampamento dos Mirmidões. Se houvesse outras, estas certamente teriam aparecido para se solidarizar com ela.
A coisa mais sensata a fazer, portanto, era se manter o mais discreta possível e ficar longe das outras mulheres, evitando perguntas às quais não tinha como responder,
bem como planos de fuga.
No momento em que Aetnia voltou com o peixe cortado em filés, entretanto, Kat se encontrava mais do que entediada após ter ficado sentada ali sozinha por tanto tempo.
Além do mais, estava odiando o modo como Aetnia a rodeava, toda subserviente, como se sempre preocupada em ofender a princesa. Polixena devia ter sido uma pessoa
terrível.
- Deixe-me ajudá-la com isso.
- Oh, não, princesa! Isso não é trabalho para...
- Aetnia, francamente. Eu vou ajudar porque quero fazer isso - Kat apanhou uma espécie de espátula de madeira na mesa de cozinhar, ao lado do fogo, sobre o qual
uma enorme panela de guisado borbulhava sem parar. Aetnia colocara os pedaços de peixe em duas pesadas frigideiras de ferro sobre as pedras que haviam sido misturadas
às brasas. - Eu frito estes dois e você, os outros. - Kat se postou próxima da frigideira que controlava, adorando o delicioso cheiro de alho, azeite e peixe fresco
frito.
- Como quiser, princesa.
- É noiva de guerra de quem? - Kat perguntou a fim de preencher o silêncio.
- Pertenço a Diomedes, princesa - respondeu a serva.
- Eu ainda não o conheci. Gosta dele?
- Se eu gosto dele? - A moça pareceu confusa. - Bem, ele não me bate - ela elaborou, como se isso respondesse à pergunta. - Diomedes é o guerreiro que feriu Aquiles
ontem.
Kat se lembrava vagamente do rapaz musculoso, dono de uma enorme espada. Desejou que Jacky estivesse ali para que pudessem fazer alguma piada a respeito, mas se
limitou a sorrir para a tímida Aetnia.
- Ele parecia saber o que estava fazendo com aquela espada.
- E-Espero que ele não tenha ofendido Aquiles - murmurou a moça, meio sem fôlego.
- Não, de maneira alguma!
Aetnia pareceu tão aliviada que, por um instante, Kat pensou que ela fosse desmaiar.
- Obrigada, princesa! - ela agradeceu, emocionada.
- Aetnia, por que estava tão preocupada que Aquiles estivesse zangado com Diomedes?
A moça arregalou os olhos e baixou a voz.
- Por causa da Fúria, princesa. Quando ela toma conta de Aquiles, ele se transforma em um verdadeiro monstro. Quando a criatura o possui, ele pode matar qualquer um.
- Já viu Aquiles dominado pela Fúria?
- Apenas de longe, das muralhas da nossa bela cidade. - Aetnia estremeceu. - E já foi terrível o suficiente.
- Está neste acampamento há quanto tempo? Mais de dois anos?
- Sim, princesa.
- E nunca viu a Fúria dominá-lo aqui?
- Não, senhora.
- Talvez porque Aquiles não seja tão descontrolado e assustador como dizem.
Aetnia ficou boquiaberta diante do comentário.
- Mas, princesa, a senhora também já o viu se transformar quando estava nas muralhas de Troia. Já o viu no campo de batalha retalhando nossos homens. Não compreendo
como pode ter algo bom para dizer a respeito dele!
- Aetnia! Diomedes precisa de você. Volte para a sua tenda.
A voz profunda de Aquiles, vinda bem de trás delas, fez ambas pularem. Mas Kat jurou que Aetnia fosse desfalecer.
- S-sim, meu senhor! - A moça fez uma série de nervosas reverências e literalmente fugiu.
Kat franziu o cenho para o carrancudo Aquiles e se preparava para lhe dizer que parasse de bancar o valentão, pois as pessoas ali já o temiam mais do que o suficiente,
quando Jacky fez uma entrada triunfal, seguida de perto por um pálido Pátroclo.
- Ah, meu Jesus Cristinho, esse cheiro é de peixe frito? - Ela apanhou uma tigela de cerâmica da mesa e sentou-se no tronco mais próximo de Kat. - Estou morrendo
de fome! - Encarou-a, estreitando o olhar. - Perdi alguma coisa?... O inferno congelou e você aprendeu a cozinhar?
- Não comece! - ralhou Kat, servindo um pouco do peixe para a amiga.
- Não entendo como está conseguindo comer - comentou Pátroclo. - Não depois dos ferimentos dos quais cuidou hoje.
- Acredite em mim, ela consegue - afirmou Kat, apontando para Jacky com a espátula. - Ela poderia dar conta de um banquete enquanto lanceta um furúnculo ou brinca
com uma bola de solitária!
Jacky revirou os olhos para Kat.
- Não dê atenção a ela. É uma exagerada. Eu jamais brincaria com uma bola de vermes, pois odeio parasitas. Além do mais, como eu já disse a tarde toda... Você passou
a vida nos campos de batalha. Não entendo por que sangue e tripas ainda o afetam tanto!
- Batalha é uma coisa. O que vem depois é outra - racionalizou Pátroclo. Então lançou um olhar de pura adoração na direção de Jacky. - Minha linda não é mesmo como
as outras mulheres.
- Verdade. E por muitas outras razões. - Jacky sorriu para ele, maliciosa. - Uma delas é que acredito em limpeza. - Seu olhar passou da sedução à incredulidade quando
ela se voltou para Kat. - Não ia acreditar no estado em que estava a tenda com os ferid...
- Vinho! - Aquiles tratou de cortar o relato, gritando por cima do ombro para as mulheres que remendavam roupas diante de uma tenda nas proximidades. Várias delas
se esforçaram para atender ao pedido, desaparecendo por um momento e reaparecendo em seguida com cálices para todos, assim como com quatro jarros da bebida.
Era interessante como as mulheres rodeavam Aquiles, porém se mantinham a uma distância segura dele, observou Kat. Uma delas, que já devia tê-lo visto transtornado,
tremia tanto ao tentar encher seu cálice que ela jurou que aquilo não iria acabar bem.
- Tome conta do peixe para mim - Kat pediu a Jacky, e correu na direção da moça. - Pode deixar... Volte para a sua costura. - Tomou o cântaro de suas mãos e deu-lhe
um sorriso amigável. A menina curvou-se e, em seguida, saiu correndo.
Com a mão bem mais estável do que a da pobre, Kat encheu o cálice de Aquiles.
- Se não vivesse gritando ordens para elas, as coitadas iriam parar de tremer nas bases cada vez que está por perto - ela o repreendeu enquanto percorriam a curta
distância até a fogueira juntos.
- Elas têm medo de mim sem nenhuma razão. Dar ordens a elas ou não, não vai mudar nada.
Kat percebeu o quanto ele estava irritado, e concluiu que não podia culpá-lo por isso. As mulheres demonstravam seu pavor por Aquiles tão abertamente que deviam
lhe dar nos nervos.
Serviu peixe e alho para todos os quatro, e até mesmo Pátroclo comeu diante da insistência de Jacky. Então ela e a amiga se acomodaram no banco e se deliciaram com
peixe, pão fresco e vinho, com Pátroclo e Aquiles sentados na areia, a seu lado.
Enquanto comiam e conversaram, Pátroclo apoiou as costas com intimidade nos joelhos de Jacky, Kat notou, divertida, decidindo que gostava de ver a amiga com o guerreiro.
Era evidente que ele era um bom rapaz, e também era dono de um apurado senso de humor, além de aparentar gostar da moça.
E Jacky também gostava dele a despeito de sua natureza cínica.
Kat olhou para Aquiles. Ele se encontrava sentado muito próximo dela, porém mantinha uma postura tão rígida que nenhuma parte de seu corpo a tocava.
Num impulso, inclinou-se para a frente e sussurrou em seu ouvido enquanto ajeitava um longo fio do cabelo dourado.
- Pode se encostar em mim. Parece muito pouco à vontade, assim, todo rijo.
Aquiles a fitou por cima do ombro, grunhiu uma resposta, depois se recostou em suas pernas. Continuou tenso, no entanto, e Kat o acariciou com os joelhos.
- Relaxe - sussurrou em seu ouvido.
Após uma breve hesitação, ele obedeceu, ajeitando-se melhor.
Satisfeita, Kat olhou ao redor enquanto comia o saboroso peixe, e percebeu que todas as mulheres que haviam ido costurar do outro lado da fogueira olhavam para ela
com expressões que variavam do choque ao medo.
Suspirou.
- O que andou fazendo para que essas pobres tenham tanto pavor de você? - perguntou a Aquiles num murmúrio, não querendo ser ouvida, porém foi Pátroclo quem respondeu.
- As mulheres sempre condenam Aquiles. Não importa o que ele diga ou faça. Ele nunca fez mal a elas. Nenhum de nós fez, afinal, não somos bárbaros. As noivas de
guerra que vêm para as nossas camas o fazem espontaneamente. - Pátroclo fez uma pausa longa o suficiente para lançar a Jacky um lindo sorriso.
- Termine logo o seu jantar. Vou dar uma olhada nesses seus pontos depois - Jacky anunciou com naturalidade, e Kat percebeu que a amiga acariciava a lateral da coxa
do rapaz com o pé descalço.
- Vai fazer isso na nossa tenda? A sós comigo? - Os olhos de Pátroclo cintilaram, maliciosos, e, por uma fração de segundo, ele lembrou mesmo o Spike, de Buffy.
Não que ela fosse admitir isso a Jacky, decidiu Kat.
- Por que não? - Jacky respondeu com uma voz rouca e adocicada, numa excelente imitação de Marilyn Monroe. - Alguns exames são muito mais eficientes quando feitos
em particular...
Kat podia jurar que não haviam se passado nem cinco minutos antes que Pátroclo apanhasse um dos jarros de vinho e dois cálices.
- Boa noite! - cantarolou Jacky, dando-lhe uma piscadela antes de desaparecer com o jovem guerreiro em sua tenda.
- Quer dizer, então, que as mulheres sempre tiveram medo de você...? - Kat retomou a conversa assim que se viu sozinha com Aquiles.
Ele respondeu, mas ficou claro que o assunto o deixava pouco à vontade:
- As mulheres têm medo de mim desde a primeira vez em que a Fúria me dominou. Eu estava em companhia da minha noiva. - Sua voz migrou da relutância para a frieza.
Quanto mais Aquiles falava, mais impassível soava, porém Kat percebeu a maneira como seus ombros tornaram a ficar tensos e como ele enrijeceu, esquecendo-se de relaxar
contra ela. - Eu tinha dezenove anos, e ela, dezesseis. Ela era da casa real de Ítaca e uma prima distante de Ulisses. Pensamos em juntar nossas famílias. Eu a conhecia
desde que éramos crianças. Uma noite, antes do nosso casamento, decidimos fugir para ficar um pouco sozinhos. Ela me queria, e eu também a desejava. Mas eu não fazia
ideia de que a Fúria podia me possuir até mesmo nessa situação. - Sua voz se ergueu brevemente, alimentada pela revolta. - Eu não estava em um campo de batalha.
Não havia nenhuma razão para aquilo e... - Aquiles parou e balançou a cabeça.
- O que aconteceu?
- Eu a matei. Violentei-a até a morte. Quando dei por mim, estava com seu corpo ensanguentado sob o meu. Não tive outra mulher desde então.
Aquiles se pôs de pé de repente e, sem nem sequer olhar para trás, desapareceu tenda adentro.
- Diabo, onde se encontra um Xanax e uma boa camisa de força quando se precisa deles?! - Kat tentou fazer graça na tentativa de aliviar a atmosfera opressiva que
a revelação deixara.
Mas claro que não funcionou. O que Aquiles havia dito era terrível. Ele tinha matado a garota que amava e com quem ia se casar!
Kat levantou-se, não querendo que as mulheres interpretassem mal o que viam. Pior do que isso... Uma delas poderia ir até ali e sussurrar outro plano de fuga que
Aquiles pudesse escutar. Olhou para a tenda fechada. Também não estava pronta para entrar ali ainda.
Com um suspiro, tirou os chinelos, ergueu as volumosas saias de seda e começou a andar em direção à praia. Talvez a lua que se refletia nas ondas a acalmasse.
Mal chegou perto da água, uma nuvem de poeira cintilante explodiu à sua frente e, do nada, Vênus apareceu.
- Não está fazendo um trabalho ruim, minha querida, mas achei que talvez precisasse de um pequeno conselho: ame a si mesma.
- Bem... - Kat deu de ombros. - Acho que mal isso não pode fazer.
Capítulo Dezesseis
- É isso. Vocês dois estão se dando tão bem!... - Vênus se materializou em uma túnica de seda obscenamente curta que exibia suas pernas compridas e bem-torneadas.
Permaneceu à beira da água, permitindo que o suave fluxo de ondas banhasse seus pés descalços e panturrilhas. - Adorei quando jogou aquele feitiço nele e fez com
que ambos chegassem ao orgasmo. Foi perfeito!
Kat sentiu o rosto pegar fogo.
- Vamos fazer um acordo. Se eu tirar a roupa, você para de me espionar.
- Mas, querida... - Vênus sorriu. - Você nem tirou a roupa!
- Sabe o que eu quero dizer - Kat replicou por entre os dentes.
A deusa deu um suspiro exagerado.
- Sim, claro. Eu compreendo. Na verdade, só fiquei assistindo para me certificar de que Aquiles não iria se transformar quando ficasse excitado com você, como quase
aconteceu antes, na praia.
- Ele não se transformou - lembrou Kat.
- Não. Não enquanto estava sob o seu feitiço.
- Vênus, não foi um feitiço. Deve saber disso. É apenas hipnose, um truque que se pode aplicar ao subconsciente. É utilizado para remover barreiras conscientes.
Pode-se sugestionar a pessoa durante a hipnose, também, e fazê-la não fumar ou não comer tanto, por exemplo.
- Ou se lembrar do que aconteceu apenas se a pessoa quiser?
- Isso mesmo. Mas, por favor... Não nos espione mais. De qualquer modo, por acaso escutou quando Aquiles contou sobre ter violentado até a morte a moça com quem
ele ia se casar?
- Não foi Aquiles que fez isso. Foi a Fúria. Sabe que eles não são a mesma pessoa ou coisa - lembrou Vênus.
- Eu entendo, mas isso não muda o fim que teve a pobre menina. Ou o meu, caso eu acabe despertando a Fúria.
- Katrina, querida, não acredito que vá fazer isso. - A deusa fez uma pausa e estudou Kat com atenção. - E também não creio que você acredite que vá fazer isso.
- Na verdade, acho que Aquiles pode aprender a controlar o que desencadeia a Fúria. Descobri o que precisa acontecer para que a Fúria seja despertada; e não é apenas
quando ele está física ou emocionalmente excitado. É necessária uma combinação muito específica das duas coisas - afirmou Kat.
Vênus assentiu.
- Então, precisa apenas se certificar de que ambas não se deem no mesmo momento.
- Bem, não é tão simples. Eventualmente elas podem acontecer ao mesmo tempo. O que eu creio que posso fazer é ensinar Aquiles a se controlar o suficiente para que
ele consiga passar ao largo da Fúria, sem que esta o domine.
- E tudo isso vai levar tempo, o que irá mantê-lo longe do campo de batalha e fazer com que uma vitória decisiva de Troia possa ser orquestrada. Excelente! Vou explicar
tudo a Hera e Atena. - O sorriso de Vênus foi radiante. - Eu sabia que era a escolha certa para este trabalho.
- Obrigada. Acho. - Kat não pôde deixar de sorrir de volta para a bela deusa.
- Ah!... Quero que saiba: eu jamais permitira que a Fúria de Aquiles a prejudicasse. Se a tivesse despertado na noite passada, eu a teria protegido. Portanto, sinta-se
livre para praticar a sua deliciosa hipnose. - Vênus levantou o braço bem-torneado, pronta para desaparecer.
- Espere! Escute, não que eu não esteja feliz em saber que a Fúria não pode me violentar ou prejudicar, mas será que podemos combinar alguma forma de você saber
que estou precisando da sua ajuda sem que tenha de ficar espionando os nossos momentos mais íntimos?
- Querida, deusas não "espionam". Apenas observamos e supervisionamos os nossos protegidos.
- Está bem. Se é assim, vamos fazer com que a sua observação não seja tão invasiva, e a sua supervisão seja um pouco menos atenta. Será que não posso ter um botão
de pânico para apertar ou algo assim?
- Que excelente ideia! Na Nattie Blue, uma daquelas joalherias requintadas de Brookside, em Tulsa, vi o objeto perfeito em exposição. Aliás, minha amiga mortal,
Chamberlain Pea, e eu descobrimos um restaurante maravilhoso lá... o Garlic Rose. A comida deles é digna de uma deusa. - Vênus riu. - É claro que eu ia saber!
- O botão de pânico. Lembra-se?
- Ah, claro, querida. - Vênus ergueu o braço novamente e moveu os dedos longos e afilados, fazendo surgir uma nuvem de glitter ao seu redor. Então, com um pequeno
estouro, um medalhão de ouro em forma de coração apareceu em sua mão. Vênus o ergueu à frente do rosto e franziu a testa. - Ele se parece mais com as coisas do mundo
moderno mortal do que eu me lembrava, mas não tem problema. Posso consertar isso. - Fechou aos dedos ao redor do medalhão e soprou no próprio punho. Quando tornou
a abrir a mão, Kat viu que o objeto mantivera sua forma e tamanho, porém seu dourado mudara para o tom amanteigado das joias de ouro de que Agamenon se cercava.
- Perfeito! - A deusa fez um sinal para que Kat colocasse a corrente no pescoço.
Kat olhou para o coração descansando entre seus seios.
- É lindo, Vênus, mas como isso pode me ajudar?
- Simples, querida. Se precisar de mim, abra o coração e diga o meu nome. Inseri um oráculo nele. Dessa forma irei ouvi-la e virei correndo.
- E só vai me ouvir quando eu abrir o medalhão?
- Sim, claro.
Kat ergueu a joia e a estudou pelo lado de fora.
- E ela não vai permitir que você fique me observando muito atentamente?
- Não devia ser tão cínica, Katrina. Isso não é nada bonito - ralhou Vênus.
- Não respondeu à minha pergunta.
- Isto não é um oráculo por meio do qual se possa ver. Apenas ouvir. E apenas quando ele é aberto. Agora volte para o seu Aquiles e lembre-se: o Amor está do seu
lado. - Vênus estalou os dedos e desapareceu em uma nuvem brilhante.
Devagar, Kat caminhou de volta para a tenda de Aquiles. Havia sido sincera com Vênus; achava mesmo que ela e Aquiles estavam se dando bem, e gostava de ficar com
ele. Verdade que ele fazia o tipo macho-alfa, movido por testosterona... Mas também era interessante e sexy.
O problema era que lá estavam eles, de volta ao que haviam começado. E com Aquiles todo na defensiva.
Fez uma pausa do lado de fora da tenda, respirou fundo e endireitou a espinha. Não tinha sido tão ruim uma noite antes. E naquela ela ainda podia contar com o próprio
Amor, portanto talvez pudessem ter um revival. Talvez até mesmo um mais... sofisticado.
Aquiles já havia diminuído a chama das lamparinas quando ela entrou na tenda. E não estava dormindo, pois ela o vislumbrou sentado na cama.
- Pensei que não fosse voltar - ele falou com voz grave.
- Aonde mais eu poderia ir?
- Se as servas lhe ajudassem a fugir, eu não iria impedi-las.
- É bom saber que me quer tanto aqui. - Kat não tentou ocultar o sarcasmo da voz.
- O que eu quero não é importante.
- Pois talvez devesse ser. - Ela atravessou a tenda e afastou o cortinado da cama. - Hoje, quando Diomedes o feriu acidentalmente, queria que a Fúria o possuísse?
- Não, claro que não.
- Por isso mesmo ela não o fez.
- Não é tão simples.
- Aquiles, talvez seja, sim, tão simples.
Ele balançou a cabeça, aborrecido.
- Eu carrego essa maldição há treze anos. Se isso fosse verdade, acha que eu não iria saber?
- Que tal considerar a teoria de que está mais velho agora, que lida com essa Fúria há mais de uma década e que agora a compreende melhor? Droga, Aquiles, você compreende
até a si mesmo melhor! Pode haver uma maneira de usar a sua idade e experiência para lutar contra o que desencadeia a Fúria.
- Então me diga, princesa, como posso pôr em prática essa sua teoria? Em quem corro o risco de descarregar o monstro que existe em mim?
- Do que se lembra da noite passada?
- De tudo.
Kat sentiu um arrepio de emoção diante da forma como a voz dele se aprofundou com apenas aquelas duas palavras.
- Se é assim, também se lembra de que a Fúria não o dominou.
- Não. Mas você se lembra.
Kat se obrigou a não ficar abalada. Particularmente, não gostava que Aquiles acreditasse que ela usara de algum feitiço para controlá-lo, mas de que outra forma
poderia descrever o que tinha feito? E contar sobre seu mestrado e falar sobre as nuances da hipnose não era uma possibilidade.
Em vez disso, limpou a garganta e tentou não parecer muito constrangida.
- Bem, eu lhe fui enviada por uma deusa.
- Um oráculo de Atena na minha cama... - Os lábios de Aquiles se curvaram de leve. - É uma ideia intrigante e sedutora.
- Na noite passada, eu não fiquei na sua cama o tempo todo. - Kat não conseguiu desviar o olhar do azul intenso dos olhos de Aquiles. Deus, ele era tão másculo e
sexy, ainda que aquilo fosse brincar com fogo!...
- Talvez possa remediar isso esta noite - ele murmurou. E então, como se achando que falara demais, acrescentou: - Se achar que é sábio, princesa.
- "Sábio" talvez não seja a palavra. - Como se ele a estivesse puxando por meio de uma corda invisível, Kat se aproximou da cama.
Sem dizer nada, Aquiles se afastou de leve, embora não o suficiente para impedir que seus corpos se tocassem. Kat sentou-se a seu lado, assim como na noite anterior.
- Se é assim, já que eu não saí correndo e gritando com medo de você... não gostaria de tentar o feitiço outra vez?
- Há algumas coisas de que eu gostaria mais.
- Mas vai ter que relaxar primeiro - ela lembrou.
- E você vai ter que me ajudar com isso.
- Feche esses lindos olhos azuis - Kat pediu sorrindo.
Aquiles ergueu as sobrancelhas, surpreso.
- Ah, por favor - ela falou, divertida. - Já devem ter dito a você que os seus olhos são incríveis.
- Não. Ao menos não na última década. - Ele não fez o comentário em tom de autocomiseração, e sim com a naturalidade de quem aceitara seu destino, o que fez o coração
de Kat se apertar.
- Pois eu estou dizendo. Agora feche os olhos. - Ela passou a mão pelo rosto moreno. - Relaxe.
Aquiles mudou um pouco de postura, acomodando-se melhor sobre o espesso colchão, e obedeceu.
- Quero que se concentre na sua respiração. - A voz de Kat mudou, tornando-se mais suave, mais serena, conforme ela começou a conduzir Aquiles através das etapas
de relaxamento que o levariam ao estado de transe. Ele respondeu à indução mais depressa do que na noite anterior e, em poucos minutos, Kat o tinha de novo em sua
praia, profundamente hipnotizado.
- Diga-me o que vê na enseada esta noite, Aquiles.
- O sol está se pondo. Está quente, mas sinto a brisa fresca na pele.
- O que está fazendo?
- Estou me tocando enquanto espero por você.
O corpo de Kat reagiu de imediato ao comentário, e ela quase engasgou. Olhou para baixo. Aquiles não se tocava sob a manta fina, porém ela pôde ver a protuberância
que aumentava a olhos vistos sob o tecido. Ele moveu as pernas, inquieto, e a coberta desceu o suficiente para revelar a cabeça do pênis endurecido que já continha uma gota de umidade na fenda.
- O que quer que eu faça? - ela perguntou em voz baixa.
- Toque-me, princesa. Faz muito tempo que não sou tocado por uma mulher.
A respiração dele se tornou mais pesada, mas não de forma muito alarmante.
Kat inclinou-se para a frente e apoiou as mãos no peito largo, sentindo que ele estremecia sob seu toque.
- Lembre-se - sussurrou, ofegante -, está calmo e sonhando... - Deixou as mãos percorrer o abdômen firme até as coxas, e empurrou de lado a coberta. - É um homem
muito bonito, Aquiles - falou com voz rouca. Para ela, as cicatrizes que cruzavam o corpo moreno só faziam expressar seu poder. Eram sinais claros de sua força,
e das batalhas que ele lutara e vencera.
O pênis de Aquiles se encontrava completamente ereto agora, estendido pelo abdômen reto. Kat o acariciou com cuidado, deixando a mão deslizar mais para baixo até
envolver os testículos macios. Ele arqueou os quadris e gemeu.
- Relaxe... Você continua relaxado... - ela murmurou enquanto o afagava, ainda que não tivesse a menor chance de fazer o mesmo.
Inclinou-se e passou a língua sobre os músculos firmes da barriga de Aquiles, beijando-o e saboreando-o. Ele era salgado e tinha gosto de mar.
Aproximou-se do pênis ingurgitado, embora não aumentasse o ritmo da carícia. Quando tocou com a língua a cabeça lisa, o corpo dele sacudiu em resposta.
- Por todos os deuses!... - gemeu Aquiles.
- Está sonhando... - Kat deixou o hálito quente lhe acariciar a pele em meio aos afagos com a língua. - Está tendo um sonho delicioso, Aquiles...
Devagar, tomou-o por inteiro na boca. Embora ele projetasse os quadris, Kat se recusou a ter pressa. Engoliu-o profundamente, depois o liberou, murmurando palavras
suaves conforme deixava as mãos e a boca brincarem através de seu corpo firme, para em seguida tomá-lo nos lábios mais uma vez.
De alguma forma, em meio ao beijo íntimo, às carícias e aos murmúrios, ela conseguiu se livrar das próprias roupas. Deitou-se em cima de Aquiles, então, e pressionou
o calor úmido que tinha entre as pernas contra o eixo rijo. Beijou-lhe a mandíbula, seguindo o caminho de uma cicatriz até a boca benfeita. Não o beijava desde aquele
dia, na praia, quando a Fúria o havia dominado. O metal frio do oráculo de ouro que carregava entre os seios, porém, era uma lembrança reconfortante de que, na pior
das hipóteses, ela teria uma saída.
Aproveitou a oportunidade, portanto, e roçou a boca na dele num beijo suave. Em resposta, os lábios de Aquiles se apartaram.
- Beije-me, Aquiles! É tudo um sonho...
Ele obedeceu. Kat controlou o ritmo do beijo, recebendo a língua quente na boca, lenta e deliberadamente. Combinou o beijo demorado com um movimento lânguido dos
quadris, deslizando contra o membro endurecido para cima e para baixo.
- Isso mesmo, princesa... Quero mais!... - ele pediu, sonhador, contra sua boca.
Kat se levantou, de modo a montá-lo. Sussurrando palavras carinhosas, ergueu os quadris e então desceu sobre Aquiles devagar, envolvendo centímetro por centímetro
do membro ingurgitado.
- Pelos deuses! - ele exclamou, a respiração saindo em espasmos, os quadris investindo contra os dela.
Mais uma vez, Kat manteve o controle. Não se moveu. Apenas o acariciou no peito a fim de estabilizar sua respiração. Apenas quando conseguiu seu intento começou
a cavalgá-lo. Devagar, ergueu-se do pênis ereto, depois tornou a engoli-lo até que este estivesse mergulhado nela. Fez uma pausa, e recomeçou o movimento.
Kat achou que fosse enlouquecer. Aquilo era uma tortura. Uma maravilhosa e dolorosa tortura!
- Toque-me! - sussurrou para Aquiles.
Sem hesitar, ele levantou as mãos, deslizou-as por suas coxas, passando pela cintura e as costelas até segurar seus seios, as palmas grossas e calejadas pelas espadas
arranhando seus mamilos.
Kat não se conteve. Enquanto as mãos dele se ocupavam em lhe acariciar os seios, e ela se concentrava em manter o ritmo lento e constante de seus corpos unidos,
deixou que os próprios dedos deslizassem para o clitóris endurecido. Acariciou a si própria com intensidade, sentindo o orgasmo espiralar dentro dela. Quando se
viu à beira do êxtase e dominada por seguidas ondas de prazer, falou em meio a um suspiro:
- Goze comigo!
O corpo forte arremeteu contra o dela uma, duas vezes e, em seguida, com um gemido, Aquiles liberou nela sua semente.
Kat desabou contra o peito largo, tentando recuperar o fôlego, sentindo-se como se o coração fosse lhe saltar do peito. Deitou-se, metade do corpo sobre o dele,
a outra para o lado, com seus corpos ainda unidos e úmidos de suor. Beijou o ombro largo, e ele inclinou a cabeça em sua direção, os lábios se curvando num quase
sorriso.
Ela tentava murmurar mais algumas palavras para acalmá-lo quando as pálpebras de Aquiles tremeram e depois se abriram. Olhos azul-turquesa a fitaram, atordoados,
porém cheios de satisfação. Ele desviou o olhar para seus corpos nus e entrelaçados, depois seus lábios se curvaram ainda mais.
Kat ficou surpresa em ver como, de repente, Aquiles pareceu bem mais jovem e despreocupado.
- Não foi um sonho, foi?
- Não - admitiu, prendendo a respiração. - Não foi um sonho, mas é melhor fechar os olhos e dormir agora.
As pálpebras de Aquiles oscilaram novamente e, em seguida, se fecharam. Mas o sorriso permaneceu em seus lábios. Pouco antes de sua respiração se tornar mais regular,
Kat ainda o ouviu sussurrar:
- Duas noites seguidas em que eu durmo e ela me toca...
Aquiles virou-se, então, colocou o braço em torno de sua cintura, puxou-a mais para si, afundou o rosto em seu cabelo e caiu no sono.
Que vá tudo para o inferno!, decidiu Kat. Se eu acordar com um monstro, não será pela primeira vez.
Capítulo Dezessete
Agamenon andava de um lado para o outro, no quarto de sua volumosa tenda, enquanto Briseida descansava na cama, fazendo beicinho.
- Você disse que iríamos a uma festa esta noite. E com aquelas escravas gregas que dançam! - Ela se pôs de joelhos, nua - exceto pelos vários colares de requintadas
pérolas -, ergueu os braços acima da cabeça e ondulou os quadris curvilíneos para a frente e para trás. - Disse que elas iriam me ensinar aquela dança linda!
Agamenon a fitou, os olhos se demorando nos seios tenros e nos mamilos rosados e apetitosos. Claro que a queria de novo, e a teria. Mas agora Briseida era uma distração
da qual não necessitava.
- Eu já disse que não posso ir à festa nenhuma esta noite. Não depois das perdas que sofremos na última batalha.
- Foi por causa dele, não foi? A culpa é de Aquiles - concluiu Briseida, a voz doce tornando-se esganiçada, o rosto redondo e delicado contorcendo-se em um sorriso
de escárnio.
- Ainda aborrecida por ele tê-la substituído com tanta facilidade, docinho? Ora, não se preocupe. Aquiles apenas não apreciou os seus gostos.
Agamenon foi até a cama e acariciou-lhe o cabelo comprido com uma das mãos. Com a outra, beliscou-lhe um mamilo dolorosamente.
Em vez de gritar ou se afastar, Briseida gemeu e arqueou mais o corpo.
- Eu o odeio! Ele destrói tudo! - reclamou, e então ofegou, extasiada, quando Agamenon parou de lhe alisar os cabelos para lhe dar um tapa ardido nas nádegas nuas.
- A culpa pela ausência do nosso querido Aquiles no campo de batalha não é dele, e sim da mulher que a substituiu. - Agamenon sorriu. Gostava mais de Briseida quando
ela estava daquele modo: despida do papel de criada subserviente, disposta a revelar seu lado mais negro e seu desejo ilimitado por todos os tipos de sensação. Que
idiota fora Aquiles por não ter se servido daquele delicioso banquete!...
A mão de Briseida vagou pelo corpo do rei abaixo e começou a esfregar o pênis semiflácido, querendo despertá-lo.
- Não é possível que ela consiga tocá-lo. Nenhuma mulher consegue.
Agamenon beliscou-lhe a outra mama, e a mão de Briseida trabalhou mais rápido.
- Uma pena. Aquiles não sabe o que perdeu com você, doçura.
Ela passou a língua pelo mamilo endurecido, falando contra seu peito:
- As outras noivas de guerra disseram que Polixena colocou um feitiço nele. E que aquela ama dela, a tal Melia, também se transformou em uma feiticeira.
- Como assim? - Agamenon a segurou pelo queixo, sério. - Do que mais está sabendo?
- Apenas que as mulheres do palácio do pai da princesa estão dizendo que Polixena e Melia não parecem mais as mesmas pessoas. Elas falam e agem mais como ninfas
ou bruxas do que como oráculos de uma deusa. Aquiles e Pátroclo estão enfeitiçados.
Agamenon soltou o queixo de Briseida, e ela voltou a lhe lamber os mamilos.
Esquecendo-se convenientemente de que o fato de ele ter tomado Briseida fora o motivo de Aquiles ter recebido Polixena, o rei continuou:
- A bruxa de Troia é a razão pela qual Aquiles decidiu ficar fora da batalha, deixando seus irmãos gregos à própria sorte para ser dizimados.
- Livre-se dela, então, e Aquiles não terá nada com que ocupar seu tempo. Acredite em mim, ele vive para guerrear. Se a princesa não o tivesse enfeitiçado, Aquiles
não suportaria ficar sem lutar.
- Tem toda a razão, docinho. - Agamenon empurrou Briseida de volta para a cama, mas, em vez de montá-la quando ela escancarou as pernas num convite, começou a se
vestir. - Fique aqui... nessa mesma posição. Eu não vou me demorar. - Fez uma pausa, mudando de ideia. - Na verdade, não fique nessa posição. Quero que vá espalhar
um pouco de veneno entre as noivas de guerra.
Briseida se ergueu de um salto, batendo palmas, os olhos cintilando tal qual os de um gato.
- O que posso dizer?
- Coloque fogo nessa conversa de bruxaria, mas concentre-se na serva. Quando falar de Polixena, deixe claro que ouviu rumores de que a mãe de Aquiles, a deusa do
mar Tétis, anda desconfiada da amante de seu filho.
Briseida soltou uma risada seca.
- Eles não podem ser amantes. Aquiles é casto.
- Talvez, mas se eles são amantes, não o serão por muito tempo.
- O que vai fazer com Aquiles? - Briseida indagou, curiosa.
- Ora, eu jamais iria prejudicar o grande guerreiro e herói do meu povo, docinho... - Agamenon riu cruelmente enquanto caminhava para fora do quarto chamando por
Kalchas.
O velho correu até ele, curvando-se, subserviente.
- Lembre-me, Kalchas. Poseidon prefere um touro preto e gordo como sacrifício quando invocamos sua presença, certo?
- Isso mesmo, grande rei.
- Outra coisa, não foi a Poseidon que Laomedonte, ancestral de Príamo, se recusou a pagar após o deus ajudá-lo na construção das impenetráveis muralhas de Troia?
- Sim, grande rei. E, ao fazer isso, Laomedonte, bem como todos os filhos de seus filhos, ganharam a eterna inimizade do deus do mar.
- Então... Em teoria apenas... Se fosse possível que Poseidon tivesse acesso a, digamos, uma representante da família real de Troia... Acredita que o Deus do Mar
ficaria satisfeito com a oportunidade de se vingar do rei troiano?
Os lábios finos de Kalchas se retorceram na caricatura de um sorriso.
- Acredito que sim, grande rei.
- Apenas em teoria - ironizou Agamenon.
- Claro, senhor. - Caminharam em silêncio por alguns instantes, depois Kalchas perguntou: - Devo mandar matar um touro preto e gordo do rebanho, grande rei?
- Sim, acho que sim.
O velho hesitou.
- Perdoe-me, senhor, mas devo lembrá-lo: Zeus deixou claro que favorece Príamo. Apenas em teoria... Não estaria se arriscando a despertar sua ira, levando a filha
de Príamo à morte?
Agamenon sorriu, malévolo.
- Pode-se acreditar que sim, mas acontece que estou sob a proteção de Hera. E nem mesmo Zeus gosta de provocar a ira da Rainha do Olimpo.
- Excelente, senhor. E já sei que touro sacrificar.
Kat acordou devagar. Sentia-se maravilhosa. Espreguiçou-se languidamente, pensando que devia ser sábado, o que significava que não precisava ir para o escritório.
Tomar algumas mimosas seria o máximo. Chamaria Jacky, e elas poderiam se encontrar no café Stone Horse para a rodada especial de mimosas do sábado. Que aquela maldita
dieta fosse para o inferno! Iria tratar de gostar das próprias coxas do modo como estavam. Sem dizer que usar tamanho 42 não era tão ruim.
Rolou na cama, abriu os olhos e mirou o próprio corpo que, naquele instante, lhe pareceu nu demais, jovem demais. Devia vestir, no máximo, um tamanho 38!
Então a realidade se fez presente.
Enquanto prendia a respiração, lançou um olhar - que, esperava, parecesse indiferente - para o travesseiro ao lado. Estava vazio, constatou, aliviada.
Piscou e estreitou os olhos. Não. Aquele lado da cama não estava vazio. Havia algo no travesseiro.
Sentou-se. Era uma linda e delicada flor de lótus, da cor do luar!
Sorrindo, ela a segurou e inalou seu perfume delicado. Aquiles, o famoso guerreiro, sobre o qual escreviam havia milhares de anos, tinha lhe dado uma flor!
E aquilo a deixou ridiculamente feliz.
- Claro que existe Papai Noel, Virginia... - murmurou, fazendo graça.
Levantou-se e se lavou cantarolando baixinho. Nua, exceto pelo pingente de ouro em forma de coração, de Vênus.
Que, aliás, ela nem precisara usar, concluiu, triunfante.
Perambulou em volta da cama, tentando encontrar a túnica de que tinha se livrado. Estava pensando em vesti-la e ir em busca de Jacky, quando notou a roupa de seda
pendurada no encosto de uma cadeira. A túnica de baixo era de um lindo tom manteiga, e o drapeado, daquele mesmo azul de tirar o fôlego dos olhos de Aquiles. O traje
era diáfano, lindo, e decerto devia valer uma pequena fortuna.
Sem dúvida era ótimo ser a namorada de Aquiles.
Trocando o cantarolar desafinado pelo refrão de I Feel Pretty, Kat se vestiu e penteou o cabelo, apreciando as longas e espessas madeixas de Polixena. Em seguida, abaixou-se para deixar a tenda, parando para piscar e ajustar os olhos à luz do sol.
Assim como no dia anterior, encontrou comida pronta sobre o fogo. Satisfeita, ela se espreguiçou, pensando como o sexo sempre a deixava com fome, e se dirigiu para
a mesa a tempo de ver Jacky vindo das barracas dos Mirmidões, também se esticando toda e adoravelmente desgrenhada.
As duas amigas se encontraram ao lado da fogueira, e Jacky olhou Kat da cabeça aos pés.
- Que merda, agora estou preocupada.
- Com o quê? - Kat falou com a boca cheia do excelente queijo de cabra que surrupiara de uma travessa sobre a mesa.
- Com desastres naturais.
- Jacky, do que está falando?
- Quais eram as chances de nós duas fazermos sexo na mesma noite?
Kat riu.
- Hoje em dia, eu diria que muito grandes.
- O que, definitivamente, não é normal. Por isso mesmo estou com medo de ter que enfrentar tempestades, tsunamis, essas coisas.
- Não seja cínica. Vai dar tudo certo. Na realidade, vai ficar tudo ótimo.
- Senhor!... Eu tinha me esquecido de como o sexo deixa você otimista!
- Lindo dia, não? - elaborou Kat.
Jacky balançou a cabeça, desgostosa.
- Pelo visto, a coisa foi boa, mesmo.
Kat cutucou Jacky com o ombro.
- O quê? Pátroclo não é bom de cama?
- Eu não disse isso.
- Está muito mal-humorada.
- Não estou mal-humorada. Estou é dolorida. Este corpo de mulher branca precisa de mais molejo.
- Ah, bom! - Kat riu. - Agora está explicado... Muito bem, quero todos os detalhes.
- Você primeiro. É claro que fornicou com o seu namoradinho também. E ainda está inteira, o que quer dizer que ele não se transformou em nenhum monstro. Detalhes,
por favor.
Kat partiu um pedaço de pão e mergulhou-o em um prato de azeite de oliva temperado.
- Não, Aquiles não se transformou em nenhum monstro. E, sim, nós fornicamos. E, sim, ele foi ma-ra-vi-lho-so!
- E Aquiles ficou sob aquele seu feitiço diabólico o tempo todo?
- Eu não sou diabólica. Sim... na maior parte do tempo. Houve um momento, no final, em que fiquei preocupada, mas acabou tudo bem.
- Em outras palavras, sua xereca mágica fez a noite de Aquiles.
- Claro. É assim mesmo que eu gosto de pensar no assunto! - ironizou Kat. Depois acrescentou, hesitante: - Jacqueline, eu gosto dele.
- Ô-ô.
- Pois é.
- Muito bem, e aonde acha que essa história vai dar?
- Hã?
- Quero dizer, é compreensível que goste dele. Acho bom mesmo. Mas e quanto ao próximo passo? Estamos dando conta da nossa missão?
- Vênus me pareceu satisfeita, e Aquiles parou de lutar. Então, acho que sim.
- Você viu Vênus?!
- Hum-hum. - Kat engoliu outro pedaço de queijo. - Foi ela quem me deu isto. - Levantou o medalhão de coração e deixou que Jacky o examinasse. - É um botão de pânico.
- Não diga! Como funciona?
- Teoricamente eu tenho que abri-lo, chamar por ela e... pronto. Vênus vem correndo, tal qual a cavalaria. Não sei se é bem assim, mas como posso saber? Mal me lembro
das aulas de Ciências Humanas, em que aprendia Mitologia. - Kat tornou a ocultar o medalhão sob as vestes. - Só espero que isto impeça Vênus de ficar nos espiando.
Sabia que ela vê tudo o que acontece?
- Não é surpresa para mim. Ela é a Deusa do Amor. Uma função dessas tem que vir com certa dose de sacanagem. - Jacky franziu a testa para o prato cheio de azeitonas.
- E eu continuo não gostando destas coisas. Pode me passar o pão?
- Muito bem, agora é a sua vez - incitou Kat, fazendo o que a amiga pedia. - Quero todos os detalhes.
- Pátroclo é jovem e cheio de energia. Foi muito bom.
- Só isso? Jovem e cheio de energia? Só pode estar brincando!
- Tudo bem, tudo bem... Foi ótimo. - Jacky se moveu, meio constrangida, e mordiscou um pedaço de carne-seca.
Kat soltou uma exclamação.
- Também está gostando dele!
- E daí? Você se apaixonou por Aquiles.
- Pátroclo é branco! - Kat riu.
Jacky estreitou os olhos.
- Faz décadas que me diz para eu "expandir meus horizontes" e namorar mais rapazes brancos, Katrina Marie!
- Sim, e de preferência com um... - Kat fez uma pausa dramática - ... bem grande!
- Vá em frente. Ria e acabe logo com isso - resmungou Jacky com um suspiro.
- Eu não disse?... - cantarolou Kat.
- Feliz agora?
- Extasiada! - Ela jogou uma das azeitonas que Jacky ignorara na boca. - Eu adoraria ter um pouco de chá ou algo do tipo para beber. Acho que eles nem conhecem café
ainda. Será?
- Não faço ideia - Jacky murmurou enquanto mastigava pão e queijo. - O negócio é fazer como os nativos e partir direto para o vinho como desjejum.
- Disse que gostaria de um pouco de chá, princesa?
Kat olhou do outro lado do fogo e avistou Aetnia, que se curvava nervosamente numa reverência.
- Sim, seria ótimo - falou, satisfeita.
- Acalle, a noiva de guerra de Ajax, sempre tem chá no fogo. Ela precisa estar sempre com a fogueira acesa para mantê-lo alimentado, por isso o acampamento deles
fica na periferia do grego, não muito longe daqui. Não vou levar muito tempo para conseguir um pouco da bebida para a senhora - a serva afirmou, antes de sair correndo.
- Obrigada! - Kat se viu gritando às suas costas.
- Há quanto tempo ela estava sentada ali, ouvindo a nossa conversa? - perguntou-se Jacky, incomodada.
- Precisamos prestar mais atenção ao que acontece à nossa volta.
- Que se dane. - Jacky encolheu os ombros. - Ela é apenas uma serva.
- Jacky, essa gente costuma fazer coisas horrorosas a quem considera diferente, como as bruxas, por exemplo. Podem queimá-las, empalá-las, crucificá-las... E nada
disso me parece muito agradável.
- Essa gente não faz coisas horrorosas com quem sabem ser oráculos dos deuses. - Jacky apontou um pedaço de pão para Kat. - É um oráculo, lembra-se?
- Sim, mas você não!
- ... Ponto para você. - Ela mastigou em silêncio por algum tempo. - Acha que vamos voltar para o nosso tempo algum dia? - Jacky indagou num sussurro.
- Não sei - Kat respondeu em voz baixa.
- Ainda quer voltar, não é?
Ela hesitou.
- Katrina...
- Claro que quero - Kat respondeu depressa. - Mas...
- Quer curar Aquiles primeiro.
- Não apenas isso. - Ela suspirou. - Quero salvá-lo. - Mirou os olhos de formato e cor diferentes da amiga. - Não quero que ele morra.
Jacky abria a boca para responder quando Aetnia se aproximou correndo, com uma enorme chaleira em uma das mãos e uma caneca de cerâmica na outra.
- Aqui está, senhora. Roseira-brava e camomila, com um toque de lavanda, e adoçado com mel.
- Ah, obrigada, Aetnia! - Kat segurou a caneca que a moça lhe estendia enquanto esta lhe servia com a infusão perfumada.
- Não se preocupem comigo. Não estou com a menor vontade de tomar chá - ironizou Jacky com aspereza.
- Relaxe, eu divido com você - Kat sorriu.
- Ah, esqueça. Preciso ir ver os homens feridos. Depois Pátroclo e eu vamos dar um mergulho. Pelados - completou com uma piscadela.
- Onde estão Pátroclo e Aquiles? - Kat quis saber.
- O meu homem disse algo sobre ir afiar armas no acampamento grego. Mas não faço ideia de onde esteja o seu.
- Ah, então agora ele é o "seu homem"...? - Kat riu baixinho, consciente da presença de Aetnia do outro lado da fogueira.
- Pura frescura - Jacky moveu a boca em silêncio. - De qualquer forma - levantou a voz -, preciso ver como estão os guerreiros. Não há descanso para os ímpios, você
sabe. - E, jogando as madeixas loiras, bateu em retirada.
- Senhora? Sei onde pode encontrar Aquiles - revelou Aetnia, aproximando-se dela assim que Jacky se foi.
- Que bom! Onde? - Kat perguntou, não se importando em parecer uma adolescente ansiosa.
- Ouvi dizer que ele iria treinar à beira-mar. - Aetnia apontou para o oceano, mas na direção da praia mais distante de ambos os acampamentos.
- Obrigada! - Kat sorriu, pegou um pedaço de pão e queijo antes de se afastar, depois completou por cima do ombro: - O chá estava uma delícia!
- Tudo o que quiser, senhora - falou a serva.
Kat pôde sentir os olhos de Aetnia sobre ela enquanto caminhava em direção à praia, o que a deixou pouco à vontade. A moça parecia boa pessoa, porém era meio obcecada
em sua devoção à princesa. Sem dizer que também parecia estar emanando uma energia muito estranha.
Mas o que ela, Kat, entendia daquilo? Nunca havia sido princesa antes. Provavelmente estava se baseando em padrões modernos e por isso vinha julgando mal a pobre
coitada.
Prometendo a si mesma ser mais agradável com a moça, rumou para a praia à procura de seu amante.
- Meu amante... - sussurrou, e então riu de si mesma. Que coisa mais esquisita!
Capítulo Dezoito
A praia era linda, ainda que estivesse vazia de Aquiles, ou de qualquer um dos Mirmidões.
- Aonde, diabos, foram parar todos aqueles homens seminus? - Kat se perguntou num murmúrio.
Ela devia ter se informado melhor sobre o paradeiro de Aquiles antes de ir ao seu encontro.
Protegeu os olhos contra o reflexo ofuscante do sol na água. Já devia ser hora do almoço. Por que não trouxera algo para fazer um piquenique? E uma toalha, de preferência,
afinal eles poderiam passar por uma sessão diurna de hipnose...
Claro que isso era difícil de fazer sem o paciente - ou a vítima (como ela quase podia ouvir Jacky dizendo).
Kat suspirou. Obviamente Aetnia havia se enganado. Talvez os homens estivessem treinando na praia entre os dois acampamentos.
Irritada e morta de calor, retornou, andando perto o bastante das ondas para que fosse obrigada a tirar as chinelas e erguer as saias da veste. O mar batendo em
seus pés e panturrilhas estava uma delícia, e ela caminhou, chutando a água até que um movimento não muito distante lhe chamou a atenção.
Parou e olhou para a água cristalina, piscando para clarear a vista. Parecia haver alguma coisa sob a superfície, e ela vislumbrou flashes nas cores prata, branca
e vermelha
Erguendo ainda mais o quitão, Kat avançou um passo, imaginando um daqueles peixes de água salgada dos tanques do Aquário Jenks. Algo ondulava logo abaixo da superfície,
e parecia ter várias formas.
A princípio, ela se viu fascinada por sua beleza ímpar. Era algo gelatinoso e cintilava com um misto de branco e azul que lembrava o interior dos freezers para carne
congelada ou aquelas unidades de armazenamento que os filmes de ficção científica utilizavam para a exploração da criogenia.
Estranho. Podia até jurar que a temperatura da água que batia em torno de suas pernas havia baixado vários graus.
Quando avistou um par de assustadores olhos opacos, Kat mudou de ideia sobre a imagem típica de um aquário e começou a recuar. Pouco depois, sentiu algo úmido e
frio deslizando em volta do tornozelo e levantou o pé para afastar o que decerto não passava de um pedaço de alga.
Foi quando a forte dor de uma picada a sacudiu, seguida por uma terrível sensação de formigamento.
Olhou para baixo. Não eram algas. O que se enroscara em seu pé, agora totalmente entorpecido, era um tentáculo fino e comprido, que parecia a cauda de um rato coberta
por uma membrana transparente!
Com um grito, tentou recuar, contudo sua perna se tornara inútil, e ela caiu de joelhos. A parte mais funda da água revolvia agora com tentáculos e formas brilhantes
que se fechavam em torno dela.
Outro tentáculo serpenteou para fora. Kat afundou e tentou subir à superfície, porém a coisa continuou a puxá-la pelo tornozelo, e se pôs a arrastá-la para o fundo
devagar, na direção do estranho enxame.
- Oh, Deus! Socorro! - Kat gritou. - Aquiles!
Onde estaria seu maldito cavaleiro errante? Onde estava seu herói?!
Conseguiu se arrastar de volta por alguns centímetros, no entanto mais um tentáculo envolto em membrana lhe agarrou o outro tornozelo, aguilhoando-a com mais uma
dolorosa picada, a qual se desfez ainda mais rápido do que a primeira, dando lugar a nova dormência.
Inferno! Aquelas coisas nojentas iriam arrastá-la para o fundo e matá-la! Ela iria morrer naquele mundo antigo, assim como tinha morrido no acidente de carro de
que Vênus...
Vênus!
Soluçando de alívio, Kat agarrou o medalhão e o abriu.
- Vênus! Estão me matando! Socorro!
Um tentáculo se enrolou em seu pulso, e ela gritou de dor, para logo depois sentir a mão e o braço entorpecidos.
Kat soltou o medalhão ainda aberto, cravou a outra mão na areia atrás dela e tentou se segurar.
Por favor, deusa, venha logo!
Aquiles treinava com seus homens na extremidade oposta da praia para onde Aetnia enviara Kat. Tinha parado para enxugar o suor da testa quando Vênus se materializou,
saída de uma nuvem cintilante de fumaça.
Instantaneamente, um dos Mirmidões mais moços caiu de joelhos numa saudação.
- Vênus! Grande deusa! Escutou minhas preces!
- Claro, meu querido. Mas por que não tenta dizer a ela como se sente, em vez de ficar choramingando? - ela falou, mal fitando o rapaz nos olhos. Em vez disso, fez
um gesto para Aquiles e abriu o próprio manto. - Tem que vir comigo. Agora.
Ele piscou, surpreso. Nunca tivera nada a ver com a Deusa do Amor. O que ela poderia querer com ele?
- A princesa está em perigo. Depressa! - incitou Vênus.
Sem hesitar mais, Aquiles agarrou a espada e se pôs ao lado da deusa.
Vênus o envolveu com seu manto, e ambos desapareceram.
Aquelas coisas a estavam puxando para o fundo, e não havia nada que ela pudesse fazer!, Kat pensou, desesperada. Não conseguia mais sentir as pernas, seu lado esquerdo
inteiro se encontrava dormente, e estava com dificuldades para respirar. As criaturas tinham parado de picá-la, e agora seus tentáculos frios deslizavam por todo
o seu corpo, quase numa carícia. Moviam-se com as ondas devagar, em uma terrível paródia de graça e beleza, e tudo o que ela podia fazer era ofegar em busca de ar
e continuar lutando para tentar voltar para a segurança da praia.
Sua cabeça continuava trabalhando, contudo o pânico desaparecera, notou Kat. Aquilo devia ser efeito do veneno que agora preenchia seu organismo.
No fundo, sentia-se grata por isso. Tinha gritado havia poucos instantes para dentro do medalhão, porém devia ser tarde demais. Mesmo que Vênus aparecesse, o veneno
na certa iria matá-la.
Começou a fechar os olhos, disposta a se entregar a seu destino, quando o mundo pareceu explodir e Aquiles se materializou em meio a uma nuvem de fumaça brilhante.
Desimpedido, ele saltou pela água a seu lado e cortou os tentáculos que seguravam seu corpo entorpecido.
- Ah, deusa!... Por favor, não... Polixena! Ouça-me! Não feche os olhos!
Aquiles parecia estar gritando com ela de muito longe, embora Kat tivesse consciência de que ele a tocava, puxando-a para fora da água.
O ritmo lento das criaturas se alterou de repente. Cinco tentáculos serpentearam para fora da superfície e envolveram o braço com que Aquiles empunhava a espada.
Kat reconheceu o momento em que elas o picaram. Viu o choque de dor sacudindo o corpo sólido.
Os olhos dele começaram a brilhar, e ele literalmente a jogou na praia. Em seguida, com um grunhido feroz, nadou de volta para a água mortal.
Aquiles se transformou. Jogada na praia e ainda lutando por ar, Kat assistiu a tudo. Para seu espanto, o corpo do guerreiro ficou ainda maior e, quando ele se virou
- permitindo que ela vislumbrasse seu rosto -, revelou um estranho. Era um demônio mais do que um ser humano. Seus olhos vermelhos faiscavam. Seus lábios estavam
repuxados para trás, exibindo dentes arreganhados. Os sons que soltava eram terríveis, mais parecidos com os de uma fera do que com os de um homem. Parecia uma fotografia
surreal, na qual o corpo de uma pessoa fora sobreposto ao de outra. A Fúria se movia com uma rapidez inumana, despedaçando a massa ondulante de criaturas que a cercara.
Sem dúvida agora estava imune a seu veneno.
Kat deu um grito quando as centenas de pequenos tentáculos foram substituídos por um gigantesco, que serpenteou no ar, tão grosso como a cintura de Aquiles. Sentiu
uma onda de pânico invadi-la ao se dar conta de que era para aquilo que estavam tentando puxá-la.
Aquiles o cingiu, no entanto, como se este fosse feito de geleia. Um assobio estridente vibrou no ar, e depois todos os tentáculos se retraíram em uma massa fervilhante
de sangue e espuma. Ele ainda se lançou atrás desta, gritando num desafio, porém a criatura desapareceu nas profundezas do oceano.
Aquiles se virou em sua direção. Seus olhos ainda ardiam, tão vermelhos como o sangue que lhe cobria o corpo.
- Princesa... - Sua voz estava mudada: baixa, gutural, completamente diferente do normal. Em seguida ele começou a caminhar na água, os lábios retorcidos em um esgar.
Kat quis falar com ele, quis chamar de volta o amante que ela sabia estar dentro da criatura. Mas não conseguiu emitir nenhum som, não conseguiu se mover. Tudo o
que pôde fazer foi ver o monstro, que antes era um homem, se aproximar dela, transfigurado, enfurecido e mortal.
De repente, um flash de luz prateada brilhou no mar atrás dele, e então uma voz doce e calma chegou através das ondas.
- Aquiles, meu filho, venha para mim!
O monstro fez uma pausa, respirando com dificuldade. Virou-se devagar, como se lutando consigo, e Kat viu uma linda mulher com cabelos loiro-platinados erigindo
das ondas.
- Tétis! - ele rosnou o nome dela.
A voz da deusa do mar endureceu:
- Vá embora, Fúria! Meu filho não precisa mais de você. - Ela agitou os dedos na direção dele, e uma onda cristalina se quebrou por cima de Aquiles, cobrindo todo
o seu corpo. Quando esta recuou, havia levado com ela o sangue que recobria o guerreiro, assim como o monstro que o possuíra.
No mesmo instante, Aquiles correu para fora da água, na direção de Kat. Ela suspirou, aliviada por seus olhos não estarem mais vermelhos, e por seu homem parecer
ele mesmo novamente: cheio de cicatrizes e imperfeito, mas o seu Aquiles.
Tentou sorrir para ele. Tentou erguer a mão para tocá-lo... Mas tudo parecia muito longe e cinzento nas bordas. Seu corpo não mais a obedecia.
- Mãe! - Ouviu-o chamar. - Por favor, ajude-a!
Pouco depois, a deusa prateada estava ajoelhada ao lado do filho. Kat respirou fundo, pensando que seu sorriso era o mais suave, e sua expressão, a mais amorosa
que ela já tinha visto.
- Claro que vou ajudá-la, meu tesouro. - A deusa a tocou na testa, e ela sentiu uma onda de calor e amor.
Então tudo escureceu.
Capítulo Dezenove
Kat ouviu Jacky resmungando antes mesmo de abrir os olhos. Estava dizendo algo parecido com "Meu Jesus Cristinho" e "Isso não tem cabimento".
Sorriu. Se tivesse morrido e ido para o inferno, ao menos Jacky viera com ela outra vez.
Abriu os olhos.
- Ei... - resmungou. - Pensei que tomasse conta da língua ao menos quando estivesse de plantão.
Jacky se inclinou sobre ela no mesmo instante, tomando seu pulso, ao mesmo tempo que lhe limpava o rosto com um pano frio.
- Katrina, querida, você voltou!
- Se está me chamando de "querida" é porque a coisa está feia. Perdi uma perna ou algo assim?
- Ah, obrigada, meu Jesus Cristinho, é você mesma! - Jacky a beijou nos lábios sem cerimônia. - Nunca mais me deixe apavorada assim!
- Que diabo, Jacky? Não pedi para aquelas coisas nojentas me atacarem.
- Muito bem, quero que conte meus dedos... - Ela levantou três dedos, tal qual um árbitro de beisebol.
- Três dedos, como o Yoda. A propósito, se não fizer uma manicure em breve e cortar essas unhas, vai ficar ainda mais parecida com ele. - Kat deu um tapinha fraco
na mão da amiga. - Tenho que dormir com você para conseguir algo para beber?
- Felizmente, não, até porque está com um bafo e tanto! - Jacky virou-se para a mesa lateral e despejou a água de um cântaro em um copo. Em seguida, ajudou-a a beber.
- Não é de admirar. Caramba, estou me sentindo uma merda!
- Para uma mulher que ficou em coma por quatro dias, está me parecendo ótima!
- Quatro dias! - ela exclamou em meio a longos goles de água.
- Ei, vá com calma. Vai ficar enjoada se beber demais.
- Já estou enjoada.
- Pois vai se sentir pior. E pode vomitar.
Kat tomou mais um gole e, então, entregou o copo a Jacky, relutante, deitando-se no travesseiro.
- Quatro dias, Jacky? Por quê? A mãe de Aquiles me curou do veneno. Ou ao menos eu pensei que ela tivesse curado.
- E curou, mesmo. Ou melhor, Tétis fez o que pôde, apesar da sua "notável e frágil concha humana", como disse Atena. Mas teve que se recuperar por conta própria
depois.
- Atena estava aqui?
- Hum-hum. Todas as três vieram. Na verdade quatro, se contar a mãe de Aquiles, que já o acompanhava quando ele chegou ao acampamento, carregando-a semimorta, e
quase me matou de susto há quatro dias.
- Nossa. Agora estou me sentindo especial.
Jacky revirou os olhos.
- Você é "especial". - Jacky fez aspas no ar para destacar a palavra. - Tão especial que, quando formos para casa, vou pedir um ônibus da prefeitura para vir te
buscar.
- Espere um pouco... Se todas as deusas estavam aqui, por que elas não usaram seus poderes para me fazer acordar?
- Eu mencionei isso. E talvez não num tom muito educado.
- Você sendo curta e grossa com alguém?... Estou chocada. Imagino o que não deve ter falado para as pobres deusas!
- Acontece que, aparentemente, o monstro melequento que a pegou tinha mais poderes do que parecia. As deusas não conseguiram neutralizar todo o veneno. Seu corpo
também precisou combatê-lo por si só.
- Aposto que isso a deixou num mau humor daqueles. - Kat sorriu para sua melhor amiga.
- Um pouco. - Jacky pegou a mão dela e a apertou. - Estou tão feliz por não ter morrido nas minhas mãos!...
- Eu também. - Kat a apertou de volta. - Desculpe-me se a assustei.
- Tudo bem. Até porque decidi que está me devendo uns sapatos.
- Sapatos?
- Lembra-se daquele seu lindo par de escarpins de couro vermelho que eu cobiço faz tempo?
- ... Sei.
- Pois eu cansei de cobiçá-lo.
- Aff!, você é uma enfermeira perversa!
- Obrigada. Agora me diga que diabo a picou desse jeito.
- Não faço ideia. Em um momento eu estava andando pela praia, tentando encontrar Aquiles; no seguinte, vi algo na água e parei para olhar. Foi então que aquela coisa
cheia de tentáculos me agarrou e me picou, paralisando a minha perna. Fui sendo agarrada e picada seguidas vezes, até que apertei o botão de pânico e gritei para
Vênus. - Kat tocou o medalhão que ainda lhe pendia entre os seios e estremeceu. - Aquelas coisas não estavam para brincadeira. Ficavam ondulando, pareciam o rabo
de um rato, e havia literalmente centenas delas pulando em mim.
Jacky torceu o rosto como se tivesse acabado de chupar um limão.
- Jesus! Eram como caudas de rato? Que coisa nojenta!
- Sim, e elas já estavam me puxando para o fundo, querendo que eu servisse de alimento para o que parecia ser a mãe gigantesca delas, quando Aquiles se materializou,
foi dominado pela Fúria e acabou com elas. Em seguida, a mãe dele apareceu, tocou em mim e eu desmaiei. Fim. Mas Aquiles já não lhe contou tudo isso?
- Hum... não. Aquiles anda todo esquisito desde que a trouxe de volta. Mal trocou duas palavras conosco. Nem mesmo Pátroclo conseguiu conversar com ele. Na verdade,
Pátroclo também anda estressado, e creio que ele já esteja cansado de tentar fazer Aquiles se abrir e só ouvir grunhidos e rosnados.
- Jacky, não está infernizando a vida do rapaz, está?
- Claro que não. Pátroclo e eu estamos bem. Melhor do que bem. É por causa dessa maldita guerra de que ele não está participando e outras coisas de que tem ouvido
falar. Mas, enquanto Aquiles não lutar, Pátroclo também não vai lutar, portanto não estou dando a mínima para esse assunto. - Jacky fez um gesto de desdém. - De
qualquer forma, minha intuição feminina, que é bastante apurada, me diz que Aquiles está preocupado por você tê-lo visto se transformar na coisa, e que agora acha
que vai fugir correndo dele. É claro que é sensata o bastante para não fazer isso, o que eu tentei explicar a ele, mas Aquiles não me escuta. Na verdade, naquela
noite, acho que ele bebeu até cair.
- Talvez devesse ir buscá-lo para que eu possa explicar pessoalmente que eu não tenho juízo...
- Boa ideia - decidiu Jacky. E, em seguida, acrescentou: - Kat, ele se transformou com a tal Fúria, não foi?
- Sim - ela respondeu baixinho.
- E foi horrível. - Jacky não colocou a frase como uma pergunta, porém Kat acenou com a cabeça.
- Foi um horror. Não era mais ele. Seja lá o que for que toma conta de Aquiles, não é humano. Não pode ser.
- Mas Aquiles tinha voltado ao normal quando a trouxe de volta para o acampamento - Jacky observou.
- A mãe dele o chamou na hora, fez algo com a água e foi como se o mar levasse a Fúria embora.
- O que significa que essa coisa pode realmente ser controlada. Estou certa?
- Não está sempre certa?
Jacky soltou uma risada seca.
- Vou buscar o burro e mal-humorado do seu homem - decidiu, mas, antes de sair da tenda, tornou a olhar para Kat. - Prometa que vai tomar cuidado.
- Prometo.
- Você sabe que eu te amo.
- Eu também te amo, Jacky.
Jacky conseguiu sorrir - a despeito de sua preocupação - enquanto se abaixava e deixava a barraca.
Kat estava pensando como seu cabelo devia estar terrível, e tentou penteá-lo com os dedos, quando o corpanzil de Aquiles preencheu a entrada da tenda. Seu olhar
recaiu direto sobre ela, e Kat sorriu.
- Acho que preciso lhe agradecer por ter salvado a minha vida. Na realidade, a você e à sua mãe. - Quando ele não disse nada e apenas continuou a fitá-la, ela continuou,
num murmúrio: - Sua mãe é linda, por sinal. E também parece ótima pessoa, digo, deusa. Se ela ainda estiver aqui, eu adoraria conhecê-la formalmente. Depois que
eu me puser decente, claro.
- Está linda - ele afirmou.
- Deve estar com problemas na vista! Deveria deixar Jac..., quero dizer, Melia, examinar os seus olhos. Os modos dela deixam um pouco a desejar, mas Melia é excelente
enfermeira.
Os lábios de Aquiles se curvaram de leve.
- Melia é muito leal a você. E minha mãe voltou para as profundezas. Ela não pode ficar em terra firme por muito tempo. - Ele parou, prendeu as mãos às costas, em
seguida deixou os braços cairem ao lado do corpo para, então, como se não soubesse o que fazer com eles, correr a mão pelo cabelo. - Não precisa me agradecer por
ter salvado a sua vida. Não fui eu quem lutou contra aquelas criaturas.
Kat manteve o olhar fixo no dele.
- Eu sei disso. Mas foi você quem se apresentou para a luta. Além do mais, aposto que podia ter vencido aquelas coisas nojentas sem a Fúria.
- Não. Eu não poderia ter derrotado as criaturas sem a Fúria. - Aquiles falou devagar, como se quisesse ter certeza de que ela o compreenderia. - O veneno que quase
a matou teria me destruído. A Fúria é que me tornou imune a ele.
- Se é assim, fico contente por ela tê-lo dominado.
- Como pode dizer uma coisa dessas? Eu me transformei em um monstro. Um monstro que a teria estuprado e deixado morta.
- Mas que não fez nada disso. Você voltou. Conteve o monstro.
- Porque minha mãe, uma deusa do mar, interveio!
- Talvez - Kat concordou com bom-senso. - Mas talvez possa aprender a detê-lo também.
Não acredito que isso seja possível.
- Alguma vez acreditou que iria fazer amor com uma mulher sem que a Fúria o possuísse? - ela inquiriu.
- Não - Aquiles respondeu, hesitante. - Nunca.
- O que aconteceu entre nós não foi nenhum sonho. Sabe disso, não sabe?
- Sei.
- O que estou dizendo não faz sentido, então?
- Você é um oráculo da deusa Atena. Tem poderes que as outras mulheres não têm. Por isso pode me tocar e eu continuar sendo um homem.
Kat abriu a boca para afirmar que aquilo não passava de uma enorme bobagem, mas a fechou em seguida. Não podia dizer nada a ele.
De repente, se rebelou. Por que não? Nenhuma das deusas havia dito que ela não poderia fazer isso. Ninguém tinha dito que precisaria ocultar sua verdadeira identidade
de Aquiles. Precisava ludibriar apenas os integrantes do acampamento grego.
Por um instante, Kat desejou poder falar com Jacky primeiro, mas logo chegou à conclusão de que não precisava perguntar nada à melhor amiga. Jacky era a autenticidade
em pessoa. Dizia a verdade até mesmo quando não devia. Por isso mesmo ela, Kat, gostava tanto dela.
Além do mais, era uma estupidez esconder tudo de Aquiles. Se não confiava nele nem mesmo para revelar a própria identidade, não deviam ter tido relações sexuais.
Qualquer pessoa saberia disso.
- Aquiles, será que não pode chegar mais perto? Preciso falar com você a respeito dessa história de oráculo.
Ele atravessou o cortinado da cama com um misto de hesitação e ansiedade. Era óbvio que queria tocá-la, que precisava tocá-la. Tão óbvio quanto o fato de ele temer
ficar muito próximo e ser rejeitado.
Kat estendeu a mão e sorriu.
- Por que não se senta aqui a meu lado?
A única coisa que mudou na expressão velada de Aquiles foi o alívio em seus olhos. Ele obedeceu, cauteloso, e segurou a mão dela como se esta fosse uma borboleta.
Em seguida, surpreendeu-a, beijando seus dedos com delicadeza. Falou ainda olhando para eles e acariciando com o polegar o lugar em que beijara.
- Quando o monstro me deixou e eu a vi deitada lá, pensei que a havia perdido. - Ergueu o olhar, então, e Kat ficou chocada com a profundidade da tristeza em seus
olhos. - Acho que eu não suportaria perdê-la também.
Foi nesse momento que Kat parou de mentir para si mesma. Aquilo não era apenas uma missão. Aquiles não era um projeto que ela assumira, levada por outras pessoas.
De alguma forma, a despeito do tempo, dos mundos e da lógica, ele era o seu destino. Estava ligada a Aquiles como nunca tinha chegado perto de estar com qualquer
outro homem em seu próprio mundo. E não queria abandoná-lo.
E perceber isso foi tão libertador como assustador. Jacky iria matá-la. Definitivamente.
Precisou limpar a garganta antes de falar:
- Eu não sou quem pensa que sou.
- Não é Polixena?... Mas as servas a reconheceram como a princesa.
- Apenas escute. Deixe-me contar tudo e, se não acreditar em mim, a princípio, por achar que é loucura, lembre-se de como é insano você ser possuído por um monstro.
Aquiles franziu a testa.
- Eu vou me lembrar.
- Muito bem. A verdade é que este - Kat apontou para o próprio corpo - é o corpo de Polixena, princesa de Troia. Mas isto - ela fechou o punho e o colocou sobre
o coração -, a alma dentro deste corpo, não pertence à Polixena. Pelo menos não desde o dia em que Ulisses foi ao templo de Hera.
- Não compreendo.
- No dia em que vim para você, Polixena e sua serva, Melia, tinham sido assassinadas por soldados de Agamenon que invadiram o templo de Hera. No mesmo dia, em outro
tempo e em outro mundo, eu também morri em um acidente, junto com a minha melhor amiga. Vênus estava nos observando nesse instante, então pegou as nossas almas e
as colocou nos corpos de Polixena e Melia. - Kat se apressou em continuar antes que ele pudesse dizer qualquer coisa. - Não faz muito sentido para mim, também. A
parte que consigo compreender melhor é que as deusas me queriam aqui. - Ela parou quase a ponto de admitir que o objetivo era mantê-lo fora da guerra, de modo que
Troia pudesse vencê-la. Mas como poderia revelar isso a Aquiles? - Respirou fundo. - Elas queriam que eu viesse para cá por sua causa. Atena, Hera e Vênus, todas
acreditam que seu destino deve ser modificado. E elas acham que eu posso ajudá-lo com isso.
Enquanto ela falava, Aquiles foi se tornando cada vez mais rijo. Mas não puxou a mão da dela, tampouco desviou o olhar do seu.
- Quer dizer que vem de outro mundo?
- Não sei se exatamente de outro mundo, mas de outro tempo. Do futuro. - Ela esboçou um breve sorriso. - De um futuro muito distante, na verdade. Ao menos de dois
mil anos à frente deste tempo.
- E no seu futuro as pessoas me conhecem?
- Conhecem, sim.
Aquiles deixou cair a mão e se pôs de pé, dando as costas para ela.
- De que modo você ou as deusas acreditam que o meu destino possa ser mudado? Ele já aconteceu!
Kat pensou por alguns instantes e encontrou a resposta sem dificuldade.
- É pura ficção.
Ele se voltou para ela.
- Ficção? Como assim?
- No meu tempo, as histórias a seu respeito, e sobre a era em que viveu, são tidas como ficção. Como Mitologia, para ser mais específica. Histórias que não são verdadeiras,
que nunca aconteceram. Ou então que aconteceram, mas que foram exageradas ao longo dos anos. Quer um exemplo? No meu tempo, as pessoas acreditam que é imortal, invulnerável...
exceto pelo seu calcanhar. Dizem que foi atingido por uma flecha exatamente nesse ponto, e que isso foi a sua derrocada.
- No meu calcanhar? - Ele olhou para o pé, cuja aparência era mais do que normal.
- No seu calcanhar - ela repetiu. - Ficou tão famoso por isso que o feixe de fibras que corre atrás do tornozelo - Kat afastou as cobertas de cima da própria perna
e apontou para o tendão - é conhecido como "tendão de Aquiles" no meu mundo inteiro.
- Isso não faz sentido!
- Também acho. A menos que me diga que a única maneira de você morrer é mesmo ser atingido, esfaqueado - ou seja lá o que for - no calcanhar.
- Mas o calcanhar não é uma área vulnerável do corpo. Caso se rompa esse tendão, um homem poderia até ser derrotado porque perderia a utilidade de uma das pernas,
mas o ferimento por si só jamais iria matá-lo.
- O seu calcanhar não é invulnerável, portanto.
- Não.
- E você não é imortal.
- Claro que não.
- Muito bem. Agora escute esta... Diz a Mitologia que Troia foi derrotada por um cavalo oco e gigantesco, recheado de Gregos. Que eles invadiram a cidade se ocultando
na barriga desse falso cavalo.
- Está de galhofa.
- Nunca falei tão sério na vida.
- Mas um cavalo oco e gigante é uma parvoíce!
- Está acompanhando meu raciocínio? Você e a Guerra de Troia foram registrados na história, porém os fatos de sua vida e da guerra foram todos adulterados ou aumentados
com os mitos. O que realmente acontece com você poderia, portanto, ser muito diferente do que lhe foi destinado.
- E qual foi esse destino?
Kat não desviou o olhar dos olhos azuis e penetrantes.
- Você morre aqui, em Troia, neste último ano da guerra.
Capítulo Vinte
Kat imaginou que Aquiles fosse fazer mais perguntas sobre a própria morte, mas, em vez disso, ele apenas acenou com a cabeça breve e desinteressadamente. A única
coisa em que parecia interessado era nela.
- Vai me dizer o seu nome verdadeiro?
- Katrina Marie Campbell. Meus amigos me chamam de Kat.
- E você não é uma princesa?
Kat riu.
- Não. Nem de longe. Sou uma espécie de... médica de cabeça.
- Também é curandeira?
- Oh, Deus, não. Sou terapeuta. Alguém que aconselha as pessoas e as ajuda a equilibrar suas emoções. Minha especialidade é o aconselhamento de casais.
- Por isso sabia o feitiço necessário para me acalmar?
- Sim, mas não é um feitiço. Na verdade, não existe nenhuma mágica no que eu faço. Você pode até aprender a fazer sozinho. Chama-se hipnose. É apenas uma maneira
de relaxar e chegar ao seu subconsciente.
- A mente que sonha? Por isso, no início, eu acreditava que estava apenas sonhando que você me tocava!
Kat sentiu o rosto pegar fogo.
- Sim. Aliás, eu sinto muito por isso. Não tive a intenção de me aproveitar da situação. É que você é tão... másculo e, quando comecei a tocá-lo, não pediu que eu
parasse, então...
A risada de Aquiles soou alta, longa e desinibida.
- O que foi? - Kat franziu o cenho. Queria que ele risse e sorrisse mais, mas não dela!
Ele a beijou na mão mais uma vez.
- Eu não era tocado por uma mulher havia uma década, e ainda me pede desculpas por algo que considerei um milagre. É uma mulher estranha e mágica, Katrina Marie
Campbell.
- Pode me chamar de Kat - ela contrapôs. - E não foi ético o que eu fiz. Não quero que pense que é assim que eu me comporto normalmente.
A expressão divertida de Aquiles tornou-se sóbria.
- Está arrependida do que aconteceu conosco?
- Não, de maneira alguma. Só sinto não ter lhe contado tudo isso antes.
Ele sorriu.
- Eu não teria acreditado em você e decerto a teria mandado embora, pelo seu próprio bem. Não tem nada por que se desculpar, Kat, a menos que não queira a minha
devoção, a minha proteção e o meu amor. Porque eu gostaria de lhe dar essas três coisas, além de muito, muito mais.
Kat tomou ambas as mãos de Aquiles nas dela e o fitou bem no fundo dos olhos azuis.
- Eu não apenas aceito a sua devoção, a sua proteção e o seu amor, como também quero mais.
- Diga. Se estiver ao meu alcance, eu o farei.
- Quero que fique fora dessa guerra até termos a certeza de que consegue controlar a Fúria. E, mais do que isso, quero que fique bem longe de Heitor.
- A profecia diz que estou destinado a morrer depois que eu o matar.
Kat apertou as mãos dele com força.
- Então não o mate! Por que isso seria assim, tão difícil?
- Neste momento, não consigo imaginar o que poderia me levar a lutar com Heitor. - Aquiles soltou uma risada seca. - Não guardo nenhum rancor contra ele. Sei que
Heitor é um homem honrado, muito amado por sua família e pelos Troianos, e não costumo derrubar homens honrados, no auge de suas vidas, quando eles não me fizeram
nada.
- Que bom. Se é assim, está resolvido. Ficaremos juntos aqui, e eu irei ensiná-lo a desenvolver habilidades de auto-hipnose.
Aquiles lançou-lhe um olhar horrorizado.
- Não posso enfeitiçar a mim mesmo!
- Aquiles, quantas vezes tenho que explicar que não se trata de um feitiço? Não é nada mais do que respiração, concentração e relaxamento.
- Acredita mesmo que eu possa aprender a controlar a Fúria?
- Não sei se pode controlá-la - Kat contrapôs, honesta. - O que eu acredito é que posso ensiná-lo a impedir que ela o domine antes que seja necessário você controlá-la.
Aquiles se levantou e começou a andar de um lado para o outro, perto da cama.
- Se a Fúria não voltar a me possuir... - Suas palavras sumiram.
- ... Sua vida não vai girar mais em torno das guerras - Kat terminou por ele. - E seu destino será outro. É isso o que quer? - Ela sentiu o peito se apertar enquanto
aguardava pela resposta.
Aquiles parou e olhou para ela.
- Eu poderia voltar para o meu país, me casar, criar meus filhos, conhecer o amor e a paz, e deixar a guerra, a morte e o ódio para trás.
- Sim, poderia - Kat afirmou.
- Parece um sonho. O tipo de sonho que tive por duas noites seguidas com você.
- Não foram sonhos. Aquilo tudo era real.
- Se é assim, talvez o futuro que eu julgava impossível pode ser real também. Sim. É o que eu quero - ele falou com firmeza.
- Então vamos torná-lo real.
Aquiles voltou para o lado dela, na cama.
- Diz isso com tanta convicção... Como se pudesse mesmo se tornar realidade; como se o meu destino pudesse ser mudado. Quando olha para mim desse modo e fala dessa
maneira, eu quase acredito.
- Pois pode acreditar. E, mais importante do que isso, Aquiles: acredite em si mesmo - pediu Kat.
Ele se inclinou e a beijou suavemente nos lábios. Kat sentiu sua hesitação e soube que Aquiles temia cruzar a linha da intimidade entre eles, o que ela compreendia.
Não precisavam de outro ataque da Fúria, muito menos quando a fé de Aquiles em si mesmo, e em sua capacidade de lutar contra a besta, ainda se encontrava tão frágil.
Por sorte, nesse momento, o estômago dela resolveu soltar um enorme ronco, e Kat riu.
- Estou morrendo de fome!
- Outra vez - ele observou com seu leve sorriso. - Vou pedir que as servas...
- Ah, não! - ela interrompeu, já jogando as pernas para fora da beirada da cama. - Preciso me levantar, andar, tomar um banho!... - Aquiles fez menção de argumentar,
contudo Kat estendeu a mão para ele. - Poderia me ajudar nessas três coisas?
- Tudo o que estiver ao meu alcance - ele reafirmou, segurando sua mão e passando-a pelo braço.
Kat sorriu, sentindo-se surpreendentemente bem para uma mulher que fora envenenada, quase comida viva, e que ficara em coma por quatro dias.
No momento em que chegou ao banco do lado de fora da tenda, tinha as pernas bem mais firmes. Mesmo assim, sentou-se e deixou que Aquiles lhe providenciasse comida
e bebida.
Jacky se encontrava perto da fogueira com Pátroclo (o qual, aliás, parecia mais do que apaixonado), e ambos correram até ela.
- Como está se sentindo? Não está com tonturas, falta de ar, visão turva? Ainda sente alguma coisa paralisada ou formigando?
- Estou bem! Não, não, não e não. Quer fazer o favor de relaxar? Estou ót...
Antes que pudesse terminar a frase, contudo, Aetnia correu até ela e se atirou a seus pés, segurando seus tornozelos e chorando.
- Oh, minha senhora! Mil perdões! Por favor, desculpe! Eu não tinha ideia de que a estava colocando em perigo!
Kat trocou um olhar chocado com Jacky enquanto tentava se desvencilhar do abraço ardente e molhado da serva.
- Aetnia, não foi sua culpa. Estava apenas tentando me ajudar a encontrar Aquiles. Não podia adivinhar que eu ia deparar com aquelas criaturas do mar.
- Não! A culpa foi minha. Eu não devia tê-la escutado. Eu sinto tanto, princesa!... - A moça soluçou, desesperada.
Aquiles a segurou pelo braço e a fez ficar de pé.
- Não devia ter escutado a quem?
Aetnia gritou e se encolheu toda, estendendo a mão para Kat numa súplica.
- Princesa! Não deixe que ele me mate!
- Não seja boba, Aetnia! Aquiles não vai matá-la. - Ignorando o olhar sombrio do guerreiro, Kat o cutucou no braço, obrigando-o a soltar a moça. Pegou Aetnia pela
mão, então, e a fez sentar-se no banco, entre ela e uma carrancuda Jacky.
- Eu não afirmaria isso com tanta convicção, até descobrir o que ela teve a ver com esse ataque contra você - sugeriu Jacky.
Aetnia soltou um chiado, tal qual um camundongo, e chegou mais perto de Kat.
- Não deixe que a bruxa me enfeitice, princesa!
Jacky sibilou para ela e Aetnia gritou, ao mesmo tempo que Kat pensou ter ouvido Aquiles rosnar.
- Está bem! Agora chega! Tratem de se acalmar! - Kat segurou Aetnia pelo ombro, impedindo-a de praticamente subir em seu colo, e apontou para Jacky. - Ela não é
bruxa. - Fez um gesto na direção de Aquiles. - E ele não é nenhum monstro. Agora, respire fundo três vezes e explique, devagar e sem chorar feito uma histérica,
do que estava falando. Respire comigo, vamos. - Embora tivesse vontade de sacudir a mulher, Kat a fez respirar três vezes. - Está bem agora. Fale comigo. - Quando
os olhos da serva se desviaram, nervosos, para Aquiles e Jacky, ela a sacudiu pelos ombros. - Fale comigo, Aetnia!
O olhar da moça se voltou para ela.
- F-Foi... foi quando eu fui até o acampamento grego buscar seu chá.
Kat acenou com um gesto de cabeça, incentivando-a.
- Sim, eu me lembro. Foi muita gentileza sua conseguir o chá para mim. - Ela também se lembrou de que, pouco depois, Aetnia a enviara para aquela praia distante,
onde ela devia ter encontrado Aquiles, contudo manteve a expressão e a voz neutras. - O que aconteceu quando estava no acampamento grego?
- Eu vi Briseida. Ela estava conversando com um grupo de noivas de guerra no acampamento de Acalle. Ela... ela estava falando sobre você e... - Aetnia hesitou, olhando,
apavorada, para Jacky, que torcia os lábios.
- Briseida estava falando sobre Melia e eu - concluiu Kat, apertando os ombros da moça e obrigando-a a desviar a atenção de Jacky. - O que ela estava dizendo?
- E por que isso tem algo a ver com a princesa ter sido atacada? - Aquiles acrescentou, em uma voz que, obviamente, tentava manter razoável.
Kat sentiu Aetnia começar a tremer sob suas mãos.
- Basta falar para mim e tudo vai ficar bem - incentivou em voz baixa. - O que Briseida disse?
- Ela chamou Melia de bruxa. Disse que ela enfeitiçou Pátroclo e que podia até mesmo estar lhe ensinando feitiços.
Kat ouviu Pátroclo soltar uma risada seca, e Jacky teve um pequeno acesso de tosse.
- Isso foi tudo o que Briseida falou?
- Não. Ela ouviu quando pedi um pouco do chá especial de Acalle para a senhora, e afirmou que, se eu quisesse salvá-la do mal de Melia, deveria mandá-la para aquela
praia. Dessa forma, a mãe de Aquiles - Tétis, a deusa do mar - poderia contemplá-la com alguma imunidade contra bruxaria. Por isso eu disse a senhora que Aquiles
estava lá. Pensei que a estivesse ajudando! Por favor, acredite em mim! - suplicou Aetnia antes de se pôr a soluçar mais uma vez.
- Essa vadia lhe preparou uma armadilha! - exclamou Jacky, depois lançou um olhar de desprezo na direção de Aetnia. - Eu não quis dizer esta. Estou falando de Briseida.
- Então voltou a atenção para Pátroclo, que continuava ao lado de Aquiles, e ergueu as sobrancelhas. - Sabia que eu o tinha enfeitiçado, meu anjo?
Pátroclo sorriu.
- Claro que sabia, minha linda.
Jacky jogou-lhe uma série de beijinhos.
Kat os ignorou, concentrando-se em Aquiles, cuja expressão se tornara uma máscara ilegível.
- Nossa. Essa Briseida deve mesmo ser maluca por você. Quer me tirar do caminho a todo custo.
- Bobagem. Ela não me quer coisa nenhuma. Sente o mesmo que todas as outras em relação a mim - ele afirmou, a expressão suavizando por um instante. - Todas menos
você, princesa.
- E por acaso pode ter certeza disso, Aquiles? - interveio Jacky. - Não me leve a mal, mas não me parece um especialista a respeito do que as mulheres querem.
- Não seja maldosa! - ralhou Kat.
- Não estou sendo maldosa! Estou dizendo a verdade! Briseida pode ter sido apaixonada por Aquiles, e ele pode nem ter se dado conta disso! Não disse que ela a fulminou
com o olhar na tenda de Agamenon?
- Verdade - concordou Kat.
- Não é Briseida o problema. É Agamenon - afirmou Aquiles.
- Ahn? - Kat e Jacky indagaram em uníssono.
- Vá, Aetnia. Volte para a fogueira e prepare uma refeição para a princesa - Aquiles ordenou antes de continuar. A moça pulou do banco e saiu correndo, aos tropeços,
em direção ao fogo. - Briseida não a enviou para aquela praia e para o que ela acreditava que seria a sua morte porque me quer. Ela não tem poderes para invocar
criaturas do mar que realizem seus desejos.
- Mas Agamenon tem. Ele já fez isso antes - afirmou Pátroclo.
Aquiles concordou com um gesto de cabeça.
- Briseida foi apenas a porta-voz de Agamenon. Uma ferramenta que ele usou para colocar a princesa em uma posição vulnerável.
- Mas por quê? O que ele tem contra mim?
- Não é contra você. É contra mim - corrigiu Aquiles. - O rei e eu somos inimigos de longa data.
- É mais do que isso - opinou Pátroclo. - Agamenon está tentando obrigá-lo a voltar para a guerra.
- E por que ele acha que me matando faria Aquiles voltar a lutar? - inquiriu Kat.
- Não ouviu? Aquiles e eu fomos enfeitiçados por vocês duas. - O sorriso de Pátroclo foi tão jovial e atraente como de costume, porém Kat ficou surpresa com as olheiras
que notou sob seus olhos expressivos. Pátroclo também tinha perdido peso? Suas maçãs do rosto pareciam mais salientes.
- Então bastaria que vocês dois se vissem livres das bruxas, aqui, e voltariam correndo para a batalha - concluiu Jacky.
- Porque, de acordo com o raciocínio de Agamenon, vocês não têm nada mais importante na vida do que essa guerra - Kat completou, encontrando o olhar azul de Aquiles.
- A guerra é tudo o que tenho para viver na opinião da maioria das pessoas - ele murmurou.
- Eu não faço parte da maioria das pessoas - argumentou Kat.
Os lábios benfeitos do guerreiro se ergueram nos cantos.
- Algo pelo que estou me tornando profundamente grato.
Capítulo Vinte e Um
- O problema é que os homens de Agamenon estão sendo mortos - Pátroclo falou de súbito. - Gregos estão sendo mortos.
Aquiles voltou-se para o primo.
- Agamenon sabia do custo que haveria para o povo grego quando deixou nossas costas para atacar Troia sob o pretexto de estar raptando uma mulher infiel. Muitos
homens foram mortos durante os últimos nove anos.
- Era uma luta equilibrada enquanto ainda estávamos nela.
- Primo, não o estou impedindo de voltar aos campos de batalha. Você, assim como qualquer um dos meus homens, é livre para lutar contra os Gregos.
- Não! - Jacky exclamou, levantando-se e agarrando a mão de Pátroclo. - Não pode lutar sem seu primo, e Aquiles tem excelentes razões para não fazer isso. Agamenon,
esse sujeito que se diz um grande rei e líder, não passa de um mentiroso e um trapaceiro! Ele acabou de tentar matar a princesa para tirá-la do caminho. É como uma
prostituta velha e ardilosa! Não deixe que ele o influencie!
Kat observou Pátroclo acariciando o rosto de Jacky e ficou tocada diante da óbvia adoração nos olhos do jovem guerreiro, que sorriu para a sua melhor amiga.
- Não se preocupe, minha linda. Não pretendo lutar sem meu primo.
- Parece que Agamenon não o conhece muito bem se pensa que o caminho para tê-lo de volta é atacar alguém com quem você se importa - raciocinou Kat.
- Agamenon é um parvo - declarou Aquiles. - Sei reconhecer um tolo porque fui um quase a vida toda. O rei luta pela glória, pois acha que sua imortalidade será assegurada
pela espada, quando a verdadeira imortalidade só pode ser encontrada em nossos filhos e filhas. - Balançou a cabeça, parecendo várias décadas mais velho do que seus
vinte e nove anos, depois sorriu com tristeza para Pátroclo. - Melhor se lembrar disso, primo.
- Nós vamos nos lembrar - afirmou Pátroclo, pondo-se ao lado de Jacky para descansar a mão em seu ombro.
Kat esperava que Jacky fosse empalidecer e fazer algum comentário do tipo "ninguém aqui vai ter filhos", mas, em vez disso, ela sorriu para Pátroclo, parecendo a
mais feliz das criaturas.
- Então decidiu que não vai mais lutar, Aquiles - concluiu Kat. - Mesmo que Agamenon tenha mandado me atacar e que eu quase tenha morrido.
Aquiles tinha começado a relaxar, e seu imediato e férreo autocontrole ficou bastante evidente.
- Gostaria que eu me vingasse em seu nome?
- Não! Claro que não. Eu só queria saber se era essa a sua intenção.
- Minha intenção não se modificou.
- Ainda quer mudar seu destino? - ela quis saber.
- S-Seu jantar, senhora. - Aetnia, sem dúvida escutando o último comentário de Kat, quase derrubou a tigela com o ensopado que havia trazido.
- Deixe a comida e traga vinho para todos - Aquiles comandou com um grunhido.
Servil, Aetnia correu para atender ao pedido.
- Precisa parar de assustá-la assim! - ralhou Kat.
- Pois eu gostei. Assuste mesmo, Aquiles! - incitou Jacky.
- Por fora você é como uma espada, minha linda: afiada, forte e mortal. Mas, por dentro, é como um pêssego suculento, sempre pronta para o meu prazer... - elaborou
Pátroclo.
Kat ergueu as sobrancelhas quando, em vez de crucificá-lo pelo comentário piegas, Jacky riu, deliciada.
- Diz coisas tão lindas, meu anjo! - falou, inclinando a cabeça para trás a fim de receber um beijo.
Kat comeu o ensopado em silêncio enquanto Aetnia corria ao redor, na companhia de outra serva tão tímida quanto ela, distribuindo cálices para todos e enchendo-os
com vinho tinto. Suspirou, pensativa. Estava começando a se sentir bem melhor. A fraqueza parecia ter diminuído, assim como aquela sede insaciável e a sensação de
não pertencer àquele mundo, o que era no mínimo irônico. Claro que não pertencia àquele mundo. E nem Jacky. Mas ali estavam as duas, sentindo-se inegavelmente atraídas
por aqueles dois homens - os quais pareciam agora entranhados em seus destinos.
- Está se sentindo bem mesmo? - A pergunta contundente de Jacky, ainda que feita em voz baixa, a arrancou de sua introspecção.
- Estou meio confusa - admitiu. Aquiles e Pátroclo haviam se afastado em direção à fogueira a fim de apanhar uma bandeja de pão, azeitonas e queijo, e, por insistência
de Jacky, outro jarro de vinho tinto - sem chamar Aetnia para servi-los -, o que deixara as duas a sós por alguns momentos.
- Confusa sobre o quê? - Jacky perguntou.
Kat encontrou o olhar da amiga.
- Eu contei a Aquiles quem nós somos.
- E é isso o que a está incomodando? Eu já contei tudo a Pátroclo faz tempo!
- Você o quê?!
- Escute, eu fui obrigada a fazer o diabo por aqui quando o seu namoradinho a trouxe de volta para o acampamento semimorta. Eles queriam sangrá-la e esfregar mijo
de touro, ranho de porco e sabe-se lá mais o que no seu corpo. Como sou sua amiga, mandei todo o mundo se ferrar.
- E isso não acabou bem, claro.
- Não. Não até que expliquei a Pátroclo exatamente quem éramos e por que entendo mais sobre o tratamento de doentes e feridos do que esses charlatães ridículos e
assassinos do exército grego.
- E como ele reagiu?
Jacky sorriu.
- Com o mínimo de piração. Mas eu tive que prometer que iria fazer o desenho de um carro para ele.
- Um carro?
Jacky encolheu os ombros.
- Sabe como são os rapazes. Eu estava contando como eram as coisas no mundo moderno, uma coisa levou à outra e... puf! Agora ele quer um carro.
- Faria sentido se estivéssemos no meio do Além da Imaginação - ironizou Kat. - Você o ama mesmo, não?
- Infelizmente, acho que sim. E você ama Aquiles, certo?
- É provável.
- Ou seja, estamos fodidas - concluiu Jacky.
- Estamos - ela concordou.
- Pátroclo está ficando entediado longe da luta - revelou Jacky, os olhos se voltando na direção da fogueira, à procura do amante. - Eu até queria que os Gregos
perdessem essa guerra logo, mas as coisas estão muito diferentes agora. Não sei mais o que quero, e muito menos o que fazer.
- Sei bem o que está querendo dizer. Antes eles iam perder e nós seríamos transportadas de volta para a casa. Mas agora eu... - ela hesitou, confusa.
- Agora não tenho certeza se quero voltar - Jacky terminou por ela.
- Exatamente.
Ulisses sentiu-se velho. Seu ombro doía o tempo todo. Naquele dia, tinha sido ferido durante a batalha quando liderava uma leva de soldados contra as malditas muralhas
de Troia e acabara se colocando ao alcance de um arqueiro.
Havia tido sorte. A flecha lhe passara apenas de raspão pelo lado de fora da coxa e não chegara a entrar em seu corpo. Ainda assim, o ferimento era um doloroso incômodo,
o que o fez sentar-se, desanimado, em um velho tronco retorcido.
Distraído, apertou a faixa de linho ensanguentada que passara em torno da ferida na perna. Ao menos tinha aquele trecho de praia apenas para si.
Olhou para o mar embebido pela lua e levou o odre aos lábios.
- Parece cansado.
Ulisses fechou os olhos e deixou a voz macia acariciá-lo. Quando os abriu, a deusa se materializara à sua frente. Usava vestes claras, da cor da asa de uma pomba,
as quais combinavam perfeitamente com seus olhos incomuns. Não trouxera o capacete de guerra nem o escudo, tampouco carregava qualquer outro símbolo de seu poder.
Parecia uma virgem na flor da beleza e juventude.
Inclinou a cabeça.
- Sua presença me rejuvenesce, grande deusa.
Atena dispensou o elogio.
- Não tem dormido bem? Eu já disse que... - Deixou escapar uma exclamação ao perceber a faixa cheia de sangue em sua coxa. Então, como era típico da Deusa da Guerra,
tornou a assumir uma expressão severa. - Por que não me contou que tinha sido ferido?
- Uma flecha me pegou de raspão. Não foi nada - Ulisses afirmou.
- Sou sua deusa. Sou eu quem decido se é ou não é alguma coisa. - Ela avançou um passo e se ajoelhou a seu lado. - Deixe-me ver isto.
- Atena, não... Não devia... - Ulisses começou, segurando o cotovelo de Atena na tentativa de colocá-la de pé.
Ela o pressionou no peito com a mão.
- É o meu desejo ver o quanto meu guerreiro está ferido.
O toque fez o peito de Ulisses se apertar. Com um suspiro, ele soltou o braço delicado e relaxou, esticando a perna para que ela pudesse examinar a ferida. Quando
começou a tirar a bandagem ensanguentada, os dedos suaves da deusa o detiveram.
- Eu faço isso. Basta ficar quieto.
Ulisses permaneceu no lugar, imóvel, aspirando o perfume único de Atena. Ela estava tão perto que, quando se curvou sobre sua perna, o cabelo comprido e dourado
lhe roçou o corpo, deixando-o excitado, ofegante... e preocupado que ela se apercebesse disso. Será que Atena fazia ideia de quanto ele a amava?
Era claro que sim. Ela era sua deusa. Sabia de tudo.
- Isto pode estar infeccionando. Por que não limpou e enfaixou esta ferida como devia? - Atena o encarou com um leve vinco na testa lisa.
Ulisses começou a elaborar uma história sobre estar ocupado demais para isso, porém as palavras que saíram de sua boca foram muito diferentes das que sua mente planejara.
Na verdade, elas partiram de seu coração.
- Eu estava cansado demais para me preocupar com isso, deusa. No fundo, até queria que esse ferimento apodrecesse e me levasse. Então, ao menos, eu poderia descansar.
Os olhos cinzentos se estreitaram de um modo que qualquer pessoa enxergaria como raiva. Mas Ulisses conhecia todas as expressões de Atena, e o que viu foi o choque
que suas palavras causaram.
- Não vai morrer. Eu o proíbo! - A deusa colocou a mão na ferida com cuidado. Fechou os olhos, reunindo seus poderes. Em seguida, sussurrou:
Escuta, carne, da tua deusa o intento.
Ao meu comando, une sangue e pele neste momento!
A mão de Atena começou a brilhar, e Ulisses prendeu a respiração ao sentir seu poder brotar dentro dele. Era como um fogo ardente aquecendo seu sangue, e ele pôde
perceber a carne atendendo ao desejo sussurrado da deusa e curando a si própria.
Quando Atena tirou a mão dele e abriu os olhos, não havia mais nada em sua perna, a não ser uma leve cicatriz rosada.
- Veja só isto! - exclamou, maravilhado, sorrindo para os olhos cinzentos. - Eu disse que a sua presença sempre me rejuvenescia!
Atena abriu um de seus raros sorrisos.
- Homem teimoso. Será que nunca se cansa de me bajular?
- Assim o farei enquanto for seu, minha deusa.
- Então eu ficarei eternamente lisonjeada, pois sempre pertencerá a mim, Ulisses. Devagar, como se lutando contra si mesma, Atena pressionou a mão na coxa firme
de novo, porém, desta vez, seu toque não foi com intenção de cura. Ainda ajoelhada ao lado dele, ela o acariciou na pele. - Quanto tempo faz desde que apareci para
você pela primeira vez?
Ulisses não hesitou.
- Pouco mais de vinte e dois anos, deusa. Apareceu pela primeira vez para mim antes mesmo que eu tivesse barba.
- Era um menino encantador, que já demostrava sua inteligência e sabedoria, e que tinha um rosto muito lindo e doce. - A expressão sóbria da deusa suavizou-se com
um sorriso.
Ulisses pensou que seu coração fosse explodir no peito diante de tanta beleza. Nervoso, ergueu a mão para esfregar o restolho, torcendo para que ela não notasse
o quanto esta tremia.
- Ao contrário de agora, minha diva. Não existe mais aquele rosto macio de menino - afirmou, esperando que ela fosse concordar com ele, rir e reassumir a máscara
divina que ocultava seus sentimentos mais profundos, impedindo-a de demonstrar raiva ou paixão.
Em vez disso, Atena ergueu a mão para acariciá-lo na face, pegando-o desprevenido.
- Eu ainda vejo o menino - disse em uma voz tão baixa que ele teve de se esforçar para ouvi-la acima do coração que batia, ensurdecedor, em seu peito.
Olhou para sua mulher - sua deusa -, a quem ele amava desde que era um garoto inexperiente. Ela já aparecera para ele muitas vezes. Escolhera-o como seu guerreiro,
como o mortal a quem conceder mais bênçãos do que a todos os outros. Mas raramente o tocava, e nunca chegara perto de satisfazer o desejo secreto que ele nutria
por ela.
- O que foi, Atena? O que aconteceu?
A diva tirou a mão de seu rosto e se levantou, dando-lhe as costas.
- Por que haveria algo errado? Não posso tocá-lo apenas porque desejo isso?
Ele se levantou também, e se aproximou dela.
- É claro que pode me tocar. E por qualquer motivo que desejar! - Ulisses levantou a mão num impulso, querendo tomá-la nos braços, porém se conteve. Atena não era
mortal. Ele jamais deveria se esquecer disso.
- Sabia que até mesmo Aquiles encontrou o amor? - ela comentou, ainda de costas para ele.
- Ele a ama, não é mesmo?... Eu bem que me perguntei se ele iria se permitir isso.
- Não me parece surpreso. - Atena virou-se para encará-lo.
Ulisses sorriu e deu de ombros.
- Pelo visto, raramente o amor é previsível.
- Ama Penélope?
À menção do nome de sua esposa, o sorriso de Ulisses oscilou.
- Ela é minha mulher e mãe do meu filho. Eu a respeito e honro como tal.
Atena o tocou no rosto outra vez.
- Mas você a ama?
Quase sem ter consciência disso, Ulisses pressionou a face contra os dedos delicados.
- Ao meu modo.
- E o que isso quer dizer?
- Quer dizer que entreguei meu coração a outra há pouco mais de vinte e dois anos. Desde então, tenho tido muito pouco a doar a qualquer outra pessoa.
- Ah, meu Ulisses!... - Atena sussurrou.
Antes que ele pudesse mudar de ideia, Ulisses se inclinou e pressionou os lábios contra os dela. Quando suas bocas se encontraram, um choque de desejo cortou seu
corpo com tal intensidade que a dor se mesclou ao prazer. Ao senti-lo também, Atena deixou escapar uma exclamação e passou os braços em volta do pescoço forte, puxando-o
para ela e abrindo a boca a fim de aprofundar o beijo.
Ficaram ali durante muito tempo, as línguas se explorando, os corpos pressionados. De repente, Atena interrompeu o beijo, respirando com dificuldade. Tinha os lábios
perfeitos agora inchados e as faces cor-de-rosa graças à aspereza da barba de Ulisses. Olhou para ele, os olhos cinzentos enormes e repletos de diferentes emoções.
Entontecido, o guerreiro orou em silêncio para que aquele desejo e aceitação permanecessem entre eles.
- Vênus estava certa - Atena murmurou. - Devíamos ter nos tornado amantes anos atrás. -Sem sair dos braços fortes, a deusa fez um gesto na direção da praia ao redor
deles, e uma manta de cetim se materializou na areia. Deliberadamente, ela se afastou dele e, em seguida, abriu o broche ornamentado que segurava suas vestes acima
do ombro.
A seda prateada deslizou por seu corpo e se amontou a seus pés, fazendo Ulisses se lembrar mais uma vez das asas delicadas de uma pomba. Atena deu um passo para
fora do monte de tecido e deitou-se com graça, a pele macia luminosa e perfeita ao luar conforme se reclinava no cetim. Depois estendeu a mão para ele.
- Venha e dê-me a prova do amor que diz ter sentido por mim nestes tantos anos, meu Ulisses - falou num sussurro.
Ele deitou-se a seu lado, e se perdeu no corpo de sua amada. Sabia que ela jamais seria totalmente sua. Sabia que aquela poderia ser a única vez em que desfrutaria
seu toque mais íntimo, contudo entregou o corpo à deusa sem hesitação e com total abandono, assim como já tinha lhe entregado o coração havia tantos anos.
Aquilo teria de ser o suficiente, pensou mais tarde, enquanto ainda a segurava nos braços e suas lágrimas se mesclavam. De alguma forma, teria de ser o bastante.
Capítulo Vinte e Dois
- Eu estava errada - exclamou Vênus, irrompendo pelos aposentos particulares de Hera.
- Estava? Acredito que a palavra correta seja "estou", como em "Estou errada em perturbá-la em seus aposentos, minha rainha".
- Eu sei, eu sei. Eu não a teria incomodado se não acreditasse que se trata de uma emergência - explicou a deusa, fazendo surgir no ar um cálice de ambrosia.
- O que aconteceu? Não me diga que a pequena mortal no corpo de Polixena quase conseguiu ser morta novamente. Pelas barbas de Zeus! Essa Guerra de Troia fica mais
irritante a cada dia.
- Não, está tudo bem com Kat. É Atena.
Hera encontrava-se deitada em uma chaise longue dourada, com estofamento em veludo, mordiscando uvas mergulhadas em ambrosia e em açúcar, mas, diante da declaração
de Vênus, sentou-se, preocupada.
- O que foi? O que aconteceu com Atena?
- Ela fez sexo com Ulisses.
Hera piscou uma vez, duas, então balançou a cabeça como se tentando clarear as ideias.
- Creio que não ouvi muito bem. Pensei ter ouvido que Atena fez sexo com Ulisses.
- Foi exatamente o que eu disse. - Vênus sentou-se na chaise ao lado de Hera e fez surgir um cálice de ambrosia também para sua rainha. - Eu estava tomando conta
do acampamento grego. Afinal, não podemos correr o risco de ter outro atentado contra a vida de Kat.
- Claro, claro, precisa ser diligente. O que foi que viu?
- Sexo. Entre Ulisses e Atena. Na praia. - A deusa falou aos poucos, em meio a vários goles de ambrosia. - Atena fez surgir uma manta de cetim para eles!... Foi
muito romântico, apesar de escorregadio.
- Assistiu a tudo, mesmo sabendo quem eles eram?
- Claro que não! - Vênus bebeu o vinho, sem fitar Hera nos olhos. - Embora eu possa afirmar que, pelo pouco que vi, Ulisses parecia bem entusiasmado.
- Que bom para Atena. Ela tem estado séria demais há muito tempo. - Hera ergueu uma sobrancelha fina para Vênus. - Era sobre isso que estava errada? Fico surpresa.
Quantas vezes a ouvi dizendo a Atena que ela precisava ter mais orgasmos, que precisava se soltar, que precisava disso, daquilo... Agora que ela conseguiu um pouco
de tudo, acha que é um problema? Não está fazendo muito sentido, Deusa do Amor.
- Eu queria que ela fizesse tudo isso com Ulisses antes que houvéssemos decidido entrar na Guerra de Troia do lado dos Troianos. Depois do que aconteceu na praia
esta noite, acha que Atena vai permitir que Ulisses e seus homens sejam abatidos?
- Ah, não vai mesmo.
- É justamente esse o problema. Tiramos Aquiles do caminho e criamos situações para levar a guerra ao fim. Agora vem a própria Deusa da Guerra, grudada no traseiro
firme de Ulisses! Mesmo que ela apenas manipule as coisas, sem entrar no combate, vai mais do que compensar a ausência de Aquiles!
- Talvez deva ter uma conversa com a sua mortal. Se enviarmos Aquiles de volta para a frente de batalha com a ajuda de Atena, imagino que essa guerra teria fim em
um instante. E era isso o que nós queríamos - Hera lembrou, soltando um pesado suspiro. - Ainda que a perspectiva de ver aquele miserável do Agamenon saindo vitorioso
me exaspere.
- Talvez eu possa... - começou Vênus.
- Possa o quê?
- Também andei observando Aquiles e Katrina. Eles estão completamente apaixonados - afirmou Vênus.
- E isso é importante para mim porque...?
- Porque se Kat o ama, não vai permitir que ele vá direto para a morte. Não se lembra daquela pequena profecia sobre a qual Aquiles é morto diante das muralhas de
Troia depois de matar Heitor?
- Sua mortal moderna é apenas uma peça neste jogo. Não vou permitir que ela fique no caminho - decidiu Hera.
- Hera, você já lidou com os mortais modernos, e sei que vai a Tulsa visitar seu filho de vez em quando. Não quero ofendê-la, mas, mesmo após toda essa sua interação
com os mortais modernos, parece que não consegue compreendê-los. Eles não nos veneram ou temem como os antigos.
- Pois deveriam! - Hera explodiu. Depois respirou fundo e se controlou. - Sabe que eu não gosto de ser cruel, então vamos esperar mais um pouco e ver o que acontece.
Mas se Atena pender para o lado da Grécia, não teremos escolha a não ser ajudar o Exército a vencer com os nossos poderes. Não vou me arriscar a criar inimizades
com a Deusa da Guerra.
- Dizem que o Amor é mais forte do que a Guerra - lembrou Vênus com uma severidade incomum na voz.
Hera tocou o braço da diva.
- Eu não quis dizer que Atena é mais importante para mim do que você. Mas por acaso o Amor iria querer causar um conflito entre os deuses por conta de uma mortal
moderna?
- Não é disso que estou sendo acusada no mundo antigo? De uma luta que supostamente causei entre Gregos e Troianos por conta de uma mortal?
- Sim, e como se sente a respeito? - Hera perguntou, astuta.
- Tenho horror em pensar que essa guerra seja atribuída a mim - confessou Vênus.
- Se é assim, imagino que não iria gostar se algo semelhante acontecesse no Monte Olimpo.
- Não, não gostaria. - Vênus suspirou. - É melhor esperarmos para ver o que acontece.
- E se Atena ajudar Ulisses?
- Para isso, Aquiles teria de entrar na batalha outra vez - lembrou Vênus.
- Muito bem. Então estamos decididas - resolveu Hera.
- Infelizmente.
Vênus tomou um gole de ambrosia, pensando em como Aquiles ficara perturbado nos quatro dias em que Kat permanecera inconsciente.
Bem, ao menos ele havia conhecido o amor, por mais breve que isso tivesse sido.
- Aquiles, tudo o que eu disse foi que queria um banho de imersão com perfume de rosas, e não mais desses de tigela. Está me levando para fora do acampamento por
causa disso? - Kat perguntou, fazendo piada.
- Eu não disse que lhe daria qualquer coisa que você desejasse se isso estivesse ao meu alcance? - Ele a tocou no braço que ela apoiava no dele.
Kat sorriu. Aquiles vinha fazendo aquilo com mais frequência: tocá-la com breves e suaves carícias. Não se estendia no toque, contudo; tampouco a beijava. Era como
se estivesse tentando se acostumar com ela aos poucos, vencendo pequenas etapas que não despertassem a Fúria.
Sentiu seu olhar e ergueu o dela, vendo que ele a observava, atento.
- Diga-me se estamos indo longe demais. Não quero que se canse.
Eles tinham caminhado pela praia, para longe do acampamento, por algum tempo, depois haviam rumado mais para o interior, seguindo um caminho de cabras. Não fora
uma caminhada muito breve, porém esta não chegara a ser exaustiva.
- Como eu disse a Jacky, parece que dormi por décadas. Estou ótima - Kat declarou com firmeza.
Não que ela não tivesse ficado assustada com o quanto a conversa e a refeição da noite anterior a deixaram esgotada. Planejara outra pequena sessão de hipnose com
Aquiles, mas apagara no momento em que colocara a cabeça no travesseiro. E, pior, dormira até o início da tarde.
Estava se sentindo bem no momento, mas aquilo tudo a deixara assustada. Já havia morrido uma vez. Qual era o limite? E se também perdesse aquele corpo? Vênus iria
salvá-la? E, se a deusa o fizesse, que tipo de corpo poderia obter? Já se apegara àquele, e não queria nem pensar no que poderia acontecer se...
- Está preocupada com alguma coisa? - Aquiles interrompeu seu debate mental.
- Eu estava pensando sobre mortalidade.
- Está aí um assunto em que tenho pensado muito pouco - observou ele.
- Verdade? Pensei que, depois de ter escolhido morrer moço, vivia contando os anos e pensando nisso o tempo todo.
Aquiles soltou uma risada autodepreciativa.
- Quando eu era moço, raramente usava a cabeça. E se usava era apenas para pensar na batalha seguinte ou em uma nova oportunidade para obter a glória.
- Ei, não é nenhum velho, com vinte e nove anos! Ainda é muito moço.
- Não sou moço há mais de uma década.
Kat o fitou, sabendo que as cicatrizes profundas que haviam marcado seu rosto tão cedo também tinham se instalado em sua alma.
- Talvez parte disso possa ser revertida - afirmou.
Ao notar a direção de seu olhar, Aquiles curvou os lábios.
- Sua amiga é uma excelente curandeira, mas nem mesmo ela pode reverter este tipo de coisa. - Aquiles apontou para as próprias cicatrizes.
Kat sorriu.
- Isso foi uma piada? E pensar que o céu não desabou, e você nem mesmo foi atingido por um raio!
- É a sua má influência sobre mim.
- Não vai dizer que eu o enfeiticei também? Lembre-se, Jacky é uma bruxa, eu sou uma bruxa... Há bruxas para todos os lados.
- Tem razão. Você me enfeitiçou. - Ele a surpreendeu, puxando-a para si e abraçando-a com força. - E aqui estamos nós. Segurou-a pelos ombros e a fez se virar.
- Aquiles! É lindo! - Kat exclamou diante do oásis. Salgueiros rodeavam uma bacia formada por calcário cor de manteiga. Um córrego desaguava na piscina natural,
alimentando-a com água; em seguida, escorria, borbulhante, para o outro lado. O lugar era pequeno, porém do tamanho ideal para quem quisesse tomar um banho com conforto.
Diante do oásis havia um pequeno templo que lembrava um gazebo, só que feito de mármore com colunas graciosas e um teto abobadado. No meio do templo, uma manta fora
estendida e uma cesta fora colocada sobre ela.
- O que é tudo isso? - Kat perguntou, caminhando ao redor da piscina até o templo.
- É um santuário dedicado a Vênus. Eu o descobri anos atrás. Foi abandonado por causa da guerra. Já vim aqui muitas vezes para pensar. Para fugir um pouco.
Kat olhou para ele, surpresa, e notou que Aquiles parecia envergonhado.
- Não há nada de errado nisso. Todo mundo precisa ficar um pouco sozinho.
- Sim, mas Aquiles, o terror das donzelas e a Fúria no campo de batalha, não é qualquer pessoa. Se meus homens soubessem que encontrei consolo em um santuário dedicado
à Deusa do Amor... - Ele riu, sem graça, e balançou a cabeça - ... provavelmente iriam acreditar que enlouqueci de vez.
- Mas eles parecem ter se acostumado a me ver na sua companhia. Não é verdade?
Aquiles deu de ombros.
- Neste momento eles estão preocupados demais até mesmo para ficar chocados por estar aquecendo a minha cama.
- Eles querem lutar - concluiu Kat com um aperto no estômago.
- Querem.
- E o que você quer?
- Já me conhece o bastante. Sabe que não desejo nada além de voltar para Phthia e encontrar a paz... - Aquiles fez uma pausa, encontrando seus olhos antes de completar:
- ... e o amor.
- Já encontrou o amor - Kat afirmou baixinho.
Aquiles cobriu a distância que os separava, juntando-se a ela no centro do santuário de Vênus, e a segurou pela mão.
- Encontrei? Mesmo sem sabermos se a Fúria pode ser derrotada?
- Sim, encontrou. E a Fúria pode ser derrotada, tenho certeza. - Lenta e deliberadamente, Kat se pôs na ponta dos pés, enquanto o puxava para si e o beijava com
delicadeza. Preocupada, não alongou ou aprofundou o beijo, mas também não fez menção de recuar. O beijo era sua promessa de que o futuro com que ele sonhava poderia
ser real, contudo não queria fazer nenhum tipo de pressão sobre Aquiles. Sorrindo, ela olhou para a cesta. - Se este santuário está abandonado há anos, como isto
veio parar aqui?
- Seu desejo de tomar banho fez com que eu me lembrasse deste lugar. Enquanto dormia, esta manhã, eu trouxe as coisas para cá. Imaginei que fosse gostar de passar
algum tempo a sós comigo. - Ele disse as palavras com sua habitual confiança, contudo Kat pôde ver a ponta de insegurança em seus olhos. Qualquer sinal de medo ou
hesitação da parte dela o faria desmoronar.
- Pois acertou em cheio. Foi uma ideia maravilhosa.
Aquiles sorriu e curvou-se com uma formalidade exagerada.
- Seu banho a espera, princesa, e depois vamos jantar o que Aetnia preparou sob minha apavorante pressão.
Kat balançou a cabeça.
- Se foi assim, na certa ela preparou um par de sanduíches de arsênico com um cozido de vidro moído para acompanhar. - Olhou para a piscina de águas claras, então,
e sentiu a garganta seca. - Tem certeza de que não há nenhuma criatura nojenta aí, esperando para me comer?
- A palavra de uma deusa do mar iria tranquilizá-la?
Alarmada, Kat olhou ao redor do oásis arborizado.
- Sua mãe está aqui?
- Ela veio comigo esta manhã e certificou-se de que o local era seguro.
- Preciso parar de dormir tanto. Estou perdendo muita coisa! - Kat avançou um passo para mais perto da água. Esta parecia mesmo não oferecer nenhum perigo e era
muito, muito convidativa.
E seria tão bom ficar completamente limpa!...
Aquiles limpou a garganta, e seus olhares se encontraram.
- Vou ficar aqui, de costas, enquanto se banha. Basta me chamar e estarei a seu lado em um instante.
- Não seria melhor se ficasse de olho em mim? E se alguma coisa me agarrar e eu não conseguir chamá-lo? - Kat observou as diferentes emoções que desfilaram no rosto
moreno: desejo, preocupação, necessidade... Quando percebeu que o medo estava vencendo Aquiles, apressou-se em dizer: - Por que a Fúria não o domina quando discute
com Agamenon? Ele não o tira do sério?
Aquiles pareceu surpreso com a pergunta, porém respondeu no mesmo momento.
- É claro que tira. Aquele velho bastardo nunca me poupa de suas idiotices.
- Então por que não é possuído pela Fúria? - ela indagou outra vez.
Ele deu de ombros.
- Acho que é porque já me acostumei com o que ele me faz sentir. Digo a mim mesmo que é só Agamenon. Sem contar que não tenho permissão para lutar com o rei.
- Se é assim, por que não diz a si mesmo que sou apenas Katrina, a mulher que deseja? Afinal é assim que eu faço você se sentir, e também não pode lutar comigo.
Uma chama de esperança brotou e depois morreu nos olhos de Aquiles. Ele tornou a balançar a cabeça.
- Não. Não é a mesma coisa.
- Pode ser, se acreditar que é.
- Não. Não vou correr esse risco.
- Pois eu vou. Escute... Sente uma espécie de aviso antes que a Fúria o domine, não sente?
- Mais ou menos - ele admitiu, relutante.
- Certo. É muito simples. Fique sentado aí, bem à vontade. Há vinho na cesta?
- Sim.
- Pois beba e relaxe enquanto tomo banho. Mas fique de olho em mim para ter certeza de que nada vai me atacar. - Kat levantou a mão quando ele abriu a boca para
protestar. - Sim, eu sei. Jacky já disse que não falo coisa com coisa. Não devia acreditar em tudo o que ela fala.
Os lábios de Aquiles se curvaram num sorriso.
- Neste momento, por exemplo, suas observações me parecem muito perspicazes.
Kat franziu a testa, fingindo-se séria.
- Que seja, mas nem pense em dizer isso a ela! Fique quietinho aí. Vou tomar banho e tudo vai ficar bem.
- E se não ficar?
- Se começar a se transformar, uso o meu botão de pânico. - Ela levantou o medalhão que ainda trazia pendurado ao pescoço.
Aquiles continuou inseguro.
- Vênus pode estar ocupada.
- Não. Ela me deu sua palavra. Além do mais, é uma deusa um tanto quanto intrometida. Vai estar aqui, nem que seja apenas para ter uma boa fofoca para contar depois.
- Kat caminhou de volta para ele e colocou a mão em seu braço. - O negócio é o seguinte: precisa acreditar em si mesmo e em sua capacidade de me manter segura, tanto
quanto eu acredito.
- Acredita que eu possa mantê-la em segurança?
Kat sorriu para o rosto marcado por cicatrizes.
- Claro que acredito. Foi você quem me manteve segura até agora. - Beijou-o suavemente, em seguida rumou com determinação para o banho que a esperava, cruzando os
dedos e enviando uma prece silenciosa a Vênus: Se pretende nos espionar, talvez agora seja um bom momento!
Capítulo Vinte e Três
Em que diabo ela havia pensado?
Kat tentou não hesitar demais enquanto decidia, aflita, qual a melhor forma de tirar a roupa sem parecer muito provocante, e ainda não parecer apavorada até o último
fio de cabelo diante do que aquela água podia esconder.
Esconder?...
Olhou a pequena piscina transparente. Onde estavam as algas e aquela boa dose de poluição quando se precisava delas?
Ande logo com isso, Katrina, ordenou a si própria, livrando-se da leve veste de seda verde que substituíra a azul, destruída por aquelas criaturas marinhas horrorosas.
A túnica de baixo, por sua vez, era feita de uma leve camada de seda branca, e ela a deixou cair em torno dos pés. Até então, não pensara que nenhuma calcinha ou
sutiã tinha vindo com as roupas. Lembre-se apenas de que tem de ficar feliz por ele estar olhando para este corpo jovem e durinho, ao contrário do seu antigo, que
já estava chegando aos quarenta, precisando perder uns cinco quilos e meio. E também de uma boa dose de malhação para aquela bunda flácida.
Tentou manter uma postura régia enquanto entrava nua na piscina natural, e se preparou para congelar. Ao primeiro toque da água tépida, entretanto, sentiu um arrepio
de prazer e, com um suspiro feliz, submergiu. Só depois olhou para Aquiles.
- Ei! Não está gelada!
Ele havia feito o que ela sugerira. Estava sentado sobre a manta, numa postura quase relaxada: recostado num dos pilares de mármore e com um odre aberto no colo.
Parecia um pouco tenso, mas diferente do normal.
- É muito rasa para estar gelada, pelo menos nesta época do ano. O sol a aquece, e os salgueiros lhe proporcionam sombra, o que mantém a água numa temperatura perfeita.
- Enquanto Aquiles falava, Kat percebeu que ele mantinha o olhar fixo no dela, não permitindo que os olhos passeassem por seu corpo, o qual a água pouco fazia para
esconder. - Quando descobri este santuário, imaginei que essa piscina natural deve ter sido a causa de ele ter sido construído e dedicado a Vênus. - Aquiles sorriu,
meio tímido. - Parece-me um lugar perfeito para que uma deusa tome banho.
Kat sorriu de volta.
- Ora, ora, Aquiles, eu não sabia que era um romântico inveterado!
Ele soltou uma risada seca.
- Eu não sou romântico.
- Você deixou uma flor no meu travesseiro! Para mim isso é a prova cabal do seu romantismo.
Ele tomou um longo gole de vinho.
- Como sabe que fui eu quem a pus lá?
- Ah, sim. Deve ter sido Aetnia, então. Ou talvez Briseida. Ambas adoram frequentar a sua tenda.
Aquiles bufou de novo e tentou, sem sucesso, encobrir o riso.
- A prova número dois foi essa cesta de piquenique cheia de guloseimas para mim - insistiu Kat.
- Esta cesta? - Ele colocou a mão dentro dela e tirou um pedaço de queijo envolto em uma espécie de pão sírio. Deu uma mordida grande no sanduíche e completou com
a boca cheia: - Esta cesta é para mim, não para você.
- Claro que é para mim! - ela protestou, enquanto esfregava a sola do pé em um punhado de areia. - E a prova número três do seu romantismo foi essa manta.
- E por que isso é romântico?
- Porque não quer que eu suje a minha pele delicada... - Kat levantou o outro pé, cuja planta continuava suja, e agitou os dedos em sua direção.
A risada de Aquiles soou fácil desta vez, e ela concluiu que era o som mais maravilhoso que já tinha ouvido.
- A manta também é para mim - ele observou.
- Ah, claro. Sei bem como está obcecado por conforto e relaxamento...
Aquiles exagerou em um longo espreguiçar, e foi a vez de Kat cair na risada.
- Falando em conforto, há tempos estou querendo lhe dizer como gosto das tapeçarias da sua tenda. Elas retratam algum lugar em especial ou apenas um cenário qualquer?
- São todas de Phthia. Eu me sinto mais em casa cercado por elas.
- Phthia deve ser muito bonita - murmurou Kat, esfregando o cabelo e desejando estar com seu shampoo e condicionador favoritos.
O breve sorriso de Aquiles foi melancólico.
- E é, de fato. Eu gostaria de levá-la até lá algum dia.
- Eu adoraria ir. - Ela fez uma pausa e, em seguida, decidiu perguntar: - Aquiles, por que não reúne os seus Mirmidões e simplesmente vai embora daqui? Já se retirou
da guerra e rompeu com Agamenon. Por que ficar?
- Já pensei nisso. Se isso envolvesse apenas a mim, ou até mesmo só nós dois, eu o faria. Mas os meus homens são Gregos. Phthia é uma parte da Grécia. Seria muito
ruim para eles e suas famílias se retornassem antes do final da guerra. - Ele balançou a cabeça. - Não. Vamos ficar até o fim. Lutando ou não.
- O que vai fazer se os Gregos perderem?
- Vou voltar para casa.
- E se eles ganharem?
Os lábios de Aquiles se contraíram.
- Vou fazer a mesma coisa.
- Então importa quem vai ganhar ou perder?
- Importa. Eu não quero que os Gregos pereçam, mesmo que Agamenon e Menelau sejam os responsáveis por isso. Sou responsável apenas pela morte dos meus próprios homens.
Espero não perder mais nenhum dos Mirmidões. - Ele fez uma pausa antes de continuar. - Eu não devia ter vindo a Troia. Só fiz isso porque acreditava que meu destino
não poderia ser mudado, e porque Ulisses me pediu.
- E agora acredita que sua sina possa ser mudada. - Kat não fez da frase uma pergunta, contudo ele concordou com um gesto de cabeça.
- Agora acredito em muitas coisas nas quais eu não acreditava há poucos dias.
Ela sorriu e, em seguida, submergiu na água. Quando reapareceu na superfície, assoprando e sacudindo o cabelo, Aquiles parecia relaxado e feliz.
Estudou-o com cuidado por um momento, em seguida decidiu que já era hora de sair da água, e de seu relacionamento avançar mais um passo.
- Ainda me deseja, Aquiles?
Ele piscou, obviamente surpreso com a pergunta.
- Claro que sim.
- Mas aí está você, todo descontraído e conversando comigo. E eu aqui, nua em pelo.
Aquiles ergueu as sobrancelhas.
- Isso é verdade.
- E, se não estou enganada, nenhuma Fúria está em andamento; tampouco prestes a acontecer.
- Não há como se enganar a respeito disso. Não, a Fúria não está me dominando.
- Não está nem perto de acontecer?
- Nem perto.
- Então acha que eu posso sair desta piscina e me aproximar de você?
Kat o viu engolir em seco.
- Nua? - Aquiles quis saber.
Ela sorriu.
- Na verdade, eu estava pensando em lhe pedir que me desse a manta até eu me secar.
- Ah, sim. Claro. - Ele pareceu envergonhado, o que Kat considerou um enorme avanço em relação àquela sua expressão pétrea e neutra, ou aos olhos vermelhos de quando
ele ficava louco.
Quando Aquiles não fez nenhum movimento, insistiu:
- Poderia me trazer a coberta?
Raramente Kat o vira sem graça. Mesmo em repouso, Aquiles apresentava a postura de um guerreiro, mas, quando ele se levantou e apanhou a manta, parecia um elefante
em uma loja de cristais de tão desajeitado, e ela teve de morder a lateral da bochecha para não rir.
Com um suspiro, ergueu-se acima da superfície e caminhou para fora da água. O olhar de Aquiles não deixou o seu em nenhum momento; nem mesmo quando ele abriu a coberta
e ela se aproximou, nua e pingando, de seus braços.
Kat sentiu um tremor percorrer o corpo conforme estes se fecharam em torno dela. Recuou e sorriu para Aquiles como se ele a visse nua todos os dias. O conflito em
seu semblante era evidente, contudo. Não havia sinal da Fúria, porém Aquiles já não parecia tão relaxado.
Ela prendeu a respiração. Com o nível de relaxamento dele diminuindo, e o de estresse aumentando, estava, literalmente, flertando com o perigo.
- Conte-me alguma história - pediu, apressada.
O rosto moreno transformou-se em um ponto de interrogação.
- História?
- Sim. - Kat o puxou com a mão que não estava segurando a manta na direção do santuário onde a cesta de piquenique aguardava. - Conte-me uma história sobre a sua
infância enquanto comemos. Alguma coisa que tenha acontecido em Phthia. - Lançou-lhe um olhar malicioso por sobre o ombro. - Algo proibido, por exemplo.
Ele deixou escapar outra risada seca.
- E se eu era o filho perfeito e não fazia nada proibido?
- Então vou comer a cesta em vez do almoço que obrigou a pobre Aetnia a preparar. - Kat sentou-se ao lado do cesto, arrumando a manta ao redor do corpo, e torceu
o cabelo molhado antes de olhar o que havia para comer. - Hum! Queijo, carne, azeitonas e vinho! Meus grupos favoritos de alimentos: gordura, álcool e sal. - Aquiles
tinha se acomodado a seu lado, recostando-se no pilar outra vez e fazendo um esforço sobre-humano para relaxar e não olhar para seus ombros nus. Divertida, ela lhe
entregou um pouco de pão e carne. - Ainda bem que este meu corpo é tão jovem. Há menos chance de esse queijo todo ir direto para o meu traseiro. Ao menos não tão
depressa.
- No seu tempo você não era moça?
Kat o fitou por cima da comida. Aquiles não parecia chocado ou aborrecido com a ideia de ela ser mais velha; apenas curioso.
- No meu tempo sou quase dez anos mais velha do que você - admitiu sorrindo.
Ele pareceu chocado.
- Deixou seu marido e filhos para vir para cá?
- Ah, Deus, não! Nunca fui casada e não tenho filhos.
- Fez algum voto de castidade para uma deusa?
- Hera e Atena ficaram meio confusas a respeito disso, também. No mundo moderno mortal as mulheres não se casam tão cedo. Pelo menos não as mais cultas e que têm
dentes na boca... Na verdade, algumas de nós nem chegam a se casar ou a ter filhos. Não somos mais obrigadas a isso.
- E o que fazem da vida?
O sorriso de Kat foi longo e lento.
- Exatamente o que queremos fazer.
- Mas então são como os homens! - Aquiles exclamou, como se apenas naquele momento houvesse compreendido.
- Do seu ponto de vista, creio que isso possa ser verdade. - Ela ergueu uma sobrancelha. - E, caso esteja se perguntando, não tenho nenhuma intenção de mudar as
coisas, mesmo depois que vim para este mundo.
Ele a observou, atento.
- Quer dizer que nunca vai querer se casar, nem ter filhos?
Kat ignorou o incômodo que a pergunta lhe causou.
- Não necessariamente. O que significa que, se eu me casar ou tiver filhos, será porque eu quero, e não porque é o que se espera de mim.
- ... Concordo.
- Que bom. Agora quero ouvir alguma história do tempo em que era menino.
- Uma história proibida.
- Claro! São as melhores.
- Está bem. - Aquiles se acomodou melhor contra o pilar e cruzou as pernas na altura do tornozelo, bebericando do odre enquanto Kat remexia na cesta de piquenique.
- Quando eu era menino, achava que jamais poderia me afogar.
- Faz sentido. Afinal sua mãe é uma deusa do mar.
- Teria feito mais sentido se eu também fosse imortal. Mas eu não era, mesmo agindo como se fosse. - Ele balançou a cabeça ao se lembrar. - Costumava deixar minhas
amas loucas e, quando cresci um pouco mais, eram os meus tutores quem eu tirava do sério. Sempre me arrisquei demais, nadando para o meio do oceano, sendo apanhado
em ressacas e mal escapando delas. Fiz muitas coisas ridículas e irresponsáveis. Abusei tanto que meu pai me proibiu de entrar no mar.
- Aposto que sua mãe não gostou nada da ideia.
Ele riu.
- Não, mesmo. Mas ela também não queria que seu único filho morresse em um acidente ainda criança, causado única e exclusivamente por sua irresponsabilidade. Então
os dois se uniram e planejaram me dar uma lição.
- Hum... Isso não está me soando bem. - Kat fez um gesto para que ele lhe passasse o odre.
- Eu não devia ter nem doze anos de idade, e Pátroclo estava com no máximo sete na época. Ele vivia atrás de mim, o que me incomodava sobremaneira, mas, naquele
dia em particular, meu primo me contou que havia descoberto um barco abandonado em uma enseada, e que iria me levar até lá.
- E, uma vez que imaginava ser um deus do mar, um barco era perfeito para você - concluiu Kat.
- É óbvio que está raciocinando como meus pais. E, sim, insisti para que Pátroclo me levasse até o tal barco. No caminho para a praia, o tempo mudou depressa, como
costuma acontecer em Phthia. Uma rajada de vento muito forte começou a soprar, e até vi pescadores retornando para a costa. Cheguei a zombar deles, chamando-os de
covardes. Depois disso, Pátroclo e eu decidimos zarpar.
- Pátroclo estava mancomunado com seus pais?
- Não, eles apenas o usaram como instrumento. Meu primo foi comigo para o mar porque me acompanharia a qualquer lugar.
Kat observou o rosto moreno de Aquiles suavizar enquanto ele falava do primo.
- Você o ama muito, não é?
- Ele é como um irmão ou um filho para mim - admitiu Aquiles. - Pois, então... Nós dois navegamos para a tempestade. Já estávamos em alto-mar, e correndo um enorme
risco, quando uma onda nos atingiu e eu fui lançado para fora do barco. Pátroclo gritou por mim e tentou me jogar uma corda, mas as ondas estavam extraordinariamente
violentas. - Os lábios benfeitos de Aquiles se inclinaram para cima.
- Você disse "extraordinariamente"? Quero dizer, como se uma deusa do mar as estivesse agitando?
- Isso mesmo. Fui tolo, imprudente, mas não era idiota, e não demorou muito tempo para que percebesse que estava me afogando. Lembro-me de tentar invocar minha mãe,
mas as ondas sufocavam os meus gritos. Não posso precisar o quanto engoli de água do mar antes que aqueles golfinhos aparecessem; mas foi o suficiente para que eu
ficasse em pânico.
- Espere um pouco. Disse "golfinhos"?
Ele riu e assentiu com um gesto de cabeça.
- Golfinhos. Eles me cutucaram com os focinhos, nadando ao meu redor e me mantendo na superfície, como se estivessem brincando com um melão, até me levarem para
a praia.
- Foram eles que o salvaram?
- Sem dúvida. Eles me trouxeram em segurança para a principal praia de Phthia, que se encontrava cheia de pescadores e varinas, e também para junto de meus pais,
que, no momento, estavam dando um passeio pelas docas na companhia de grande parte da corte. Estavam todos ali quando fui jogado para fora da água por um cardume
de golfinhos, meio afogado e completamente nu.
- Nu? - Kat começou a rir.
- Nu. - Aquiles concordou. - De alguma forma, enquanto os bichos me cutucavam e me jogavam de um lado para o outro, conseguiram tirar toda a minha roupa; até mesmo
as minhas sandálias.
- Deve ter sido uma cena e tanto! - Kat comentou enquanto tentava controlar o riso.
- Sem dúvida. Falaram sobre isso por anos a fio. Algumas das senhoras do povoado ainda gargalham ao se lembrar.
- E isso teve o efeito desejado em você?
- Quer saber se isso pôs algum juízo na minha cabeça? - Aquiles ergueu um ombro. - Sim e não. Percebi que poderia me afogar e imagino que tenha ficado mais cuidadoso
depois disso. Ou ao menos minhas declarações se tornaram menos arrogantes. A coisa funcionou mais em Pátroclo. Até hoje ele detesta barcos e fica verde só de pensar
em velejar. - Aquiles riu e pegou o odre das mãos dela. - Essa é a minha história de infância proibida, mileide.
Kat riu e aplaudiu quando ele tomou um longo gole de vinho. Ao entregá-lo de volta para ela, Aquiles se inclinou e a beijou nos lábios.
Kat fechou os olhos e se apoiou nele. Não de forma agressiva, apenas de um modo delicado e convidativo, deixando-o definir o ritmo. Quando finalmente se separaram,
ambos arfavam, contudo Kat não viu nenhum sinal da Fúria nos olhos azuis.
- Posso hipnotizá-lo outra vez, se quiser - sussurrou.
- Eu sei que pode. - Ele a tocou no rosto e deixou a mão deslizar, acariciando a curva de um ombro nu. - E eu vou permitir que faça isso, se achar que deve.
- Mas? - ela perguntou.
- Mas eu gostaria de fazer amor com você sem nenhum feitiço. Quero experimentar tudo, e não apenas como um sonho maravilhoso. Vai me deixar fazer isso, Katrina?
Capítulo Vinte e Quatro
Aquiles estudou os expressivos olhos castanhos de Kat enquanto aguardava por sua resposta. Pôde perceber sua própria respiração e batimentos cardíacos se acelerando,
porém ambos sempre se elevavam quando ele treinava, e nem por isso a Fúria o possuía.
Não preciso dela agora... Não preciso dela agora, repetiu para si mesmo em silêncio.
- Sim, Aquiles. Faça amor comigo!
As palavras o aguilhoaram.
- Não está com medo? - ele indagou, perplexo.
- Claro que não. Enquanto você estiver comigo, estou segura.
Ele a puxou para si e a abraçou com força, inalando o perfume dos cabelos úmidos e sentindo a leve umidade de sua pele. Por todos os deuses!, não trairia a confiança
de Kat! Não era mais nenhum adolescente. Aquilo não iria terminar como terminara seu primeiro amor.
Beijou-a, lembrando a si próprio de fazê-lo lentamente e manter o controle. Kat abriu a boca, e sua língua encontrou a dela numa doce exploração. Braços delicados
o envolveram pelos ombros, e ela se inclinou para ele, fazendo com que a manta deslizasse por seu corpo.
Então congelou no meio do beijo.
Num gesto lento e deliberado, Aquiles recuou de leve, de modo a apreciar o corpo nu. Quieto e sem dizer nada, olhou para ela e, em seguida, estendeu as mãos e a
tocou numa longa carícia desde o pescoço, passando pelos seios, pela curva da cintura, até os quadris e coxas. Em seguida seus olhos se encontraram outra vez.
- Você é maravilhosa - falou com reverência.
Kat sorriu, e ele viu o futuro em seus olhos. O seu futuro. Aquele com que tinha parado de sonhar, em que deixara de acreditar. Ela o trouxera de volta como uma
possibilidade real.
Respirou fundo. Não sabia o que havia feito de tão bom para que as deusas o abençoassem com uma mulher tão milagrosa. Mesmo assim, prometeu-lhes em pensamento que,
se elas o contemplassem com uma nova vida ao lado de Kat, de seus filhos, e dos filhos de seus filhos, iria louvá-las para todo o sempre.
Deslizou as mãos pela cintura delgada e a tomou nos braços outra vez, beijando-a com paixão e permitindo que os dedos percorressem a maciez de suas costas até as
nádegas perfeitas. Segurou-as, pressionando-a com mais firmeza contra a ereção que pulsava entre as suas pernas. Kat moveu os quadris em resposta, e uma lembrança
erótica de seu primeiro encontro lhe invadiu a mente. Excitado, ele se lembrou do corpo quente e úmido deslizando para cima e para baixo em seu membro...
Uma onda de desejo o assolou, quase afogando-o com sua intensidade, e ele lutou para se controlar conforme pressentiu o calor da Fúria se insinuar em sua pele aquecida
pela luxúria.
- Abra os olhos, Aquiles! Olhe para mim!
A voz doce de Kat foi como um bálsamo contra o fogo que ameaçava conflagrar em seus pensamentos.
Ofegante, ele obedeceu e encontrou seu olhar. A Fúria o ameaçava. Podia sentir sua sombra à espreita, pronta para possuí-lo, para sufocar e reprimir toda a sua humanidade.
No entanto, Kat não demonstrava medo. Seu sorriso continuava confiante. Não saiu de seus braços, tampouco abriu o medalhão a fim de pedir socorro à deusa.
- Não vai me deixar - ela murmurou com voz calma e melodiosa. - Vai ficar aqui comigo e me manter segura.
- Sim - ele sussurrou de volta, beijando-a de leve. - Vou mantê-la em segurança - afirmou, buscando a própria essência, aquela parte de si mesmo que era a sede de
seu espírito, e se concentrou nela. - Esta paixão é diferente da que preciso para a guerra...
Não havia se dado conta de que tinha dito as palavras em voz alta, até Kat responder:
- É isso mesmo. O seu amor por mim não precisa destruir nada.
- Ao contrário. Quer apenas construir - ele completou, comovido.
Fitando-a nos olhos, mudou de posição de modo a deixá-la por baixo do corpo. Ergueu-se sobre um cotovelo e continuou com o olhar fixo no dela conforme lhe segurava
um seio e acariciava o mamilo endurecido com a palma calejada. Os lábios carnudos de Kat se apartaram, e sua respiração se acelerou. Quando a mão dele se moveu para
a fenda úmida entre suas pernas, Kat gemeu e arqueou os quadris. Ofegante, colocou a mão sobre a dele, guiando-o, ensinando-o a lhe dar prazer. Nem mesmo quando
seu corpo sacudiu, tomado pelo êxtase, desviou o olhar do dele.
Antes que os tremores do clímax de Kat cessassem, Aquiles ergueu o corpo e, devagar, mergulhou o membro túrgido em seu âmago quente e macio.
- Fique comigo, Aquiles! Não me deixe! - Kat pediu num sussurro.
- Eu nunca vou deixar você! - ele prometeu, a voz profunda e rouca com o esforço que fazia para manter o controle. Levantou os quadris, deslizando quase para fora
dela, e então tornou a investir, desta vez com mais firmeza.
- Aquiles! - Kat exclamou, entontecida de prazer com as seguidas estocadas.
Ele continuou arremetendo contra ela, como se querendo possuir não apenas seu corpo, mas também sua alma.
- Aquiles! - Kat gemeu mais uma vez, ancorando-o não só a ela, mas também à sua sanidade e à sua humanidade.
Quando ele finalmente atingiu o orgasmo, foi o nome dela que brotou em seus lábios. Era a imagem dela que preenchia seus olhos. A alma de Kat era dele.
Aquiles e Kat retornaram ao acampamento dos Mirmidões quando o sol já se punha. Andando de mãos dadas e conversando, despreocupados, alcançaram a área iluminada
pela fogueira. Divertida, Kat viu Aetnia arregalar os olhos quando ele jogou a cesta vazia a seus pés e disse "obrigado".
- Estava tudo muito bom, Aetnia - completou em seguida e, enquanto todos o fitavam, boquiabertos, beijou Kat profundamente. - Eu já volto. Vou conversar com Pátroclo
- explicou. Depois se afastou, parecendo muito satisfeito consigo.
- Esperem aí. Aquiles disse "obrigado"? - Jacky se levantou de um salto de onde descansava ao lado do fogo.
- Não sei por que boas maneiras a surpreendem tanto! - contrapôs Kat, acomodando-se a seu lado. - Nossa. Acho que preciso de um cálice de...
- Vinho, princesa?
Ela ergueu a cabeça e sorriu, aceitando a taça que a serva lhe oferecia.
- Aetnia, você é uma verdadeira vidente!
- Eu também vou tomar mais um pouco - decidiu Jacky.
Aetnia hesitou e olhou para Kat, que acenou com a cabeça. Só então a criada encheu o cálice de Jacky com a mão meio trêmula.
- Muitíssimo obrigada, Aetnia - agradeceu Jacky com exagero.
- Não seja desagradável! - Kat sussurrou.
- Buuu! - Jacky bateu os pés diante da serva, e esta disparou para o outro lado da fogueira.
- Tem de provocá-la?! - Kat ralhou, exasperada.
- Para sua informação, ela é uma peste quando você não está por perto. Essa história de "princesa isso", "princesa aquilo" é tudo teatro! Quando não está aqui, Aetnia
só fica espalhando boatos entre aquelas mulheres que vivem nos olhando atravessado. Essa praga está aprontando alguma coisa! Não duvido de que eu seja obrigada a
chutar aquela bunda seca e branquela qualquer hora dessas!
- Jacky, por favor... Lembre-se de que agora a sua bunda também é branca e magra!
- Sim, por isso mesmo estou comendo tanto. Estou determinada a mudar essa situação.
- Ah... Faça o que quiser.
- Às bundas grandes! - Jacky saudou, erguendo a taça.
- À sua futura bunda grande - corrigiu Kat, batendo o cálice no da amiga.
Jacky tomou um longo gole da bebida, depois ergueu uma sobrancelha para Kat.
- Muito bem... Detalhes.
Kat chegou mais perto dela e baixou a voz:
- Fizemos sexo.
- Meu bom Deus... Derrubou o sujeito outra vez? Quero dizer, literalmente?
- Não. Aquiles continuou no total controle de todas as suas faculdades mentais.
- Não ficou inconsciente, pensando que estava sonhando?
- Não.
- Está me dizendo que ambos sabiam que estavam trepando, ao contrário daquelas duas noites em que praticamente cometeu estupro?
- Eu já disse que não estuprei ninguém!
- Estou pouco me lixando para a sua semântica. Responda logo à pergunta.
- Sim. Estávamos ambos conscientes de estarmos trepando.
- Se está rindo feito uma idiota, é porque a coisa foi boa.
- Foi ótima! - garantiu Kat.
- E ele controlou a Fúria?
- Bem, na verdade, Aquiles controlou a si mesmo para que a Fúria não o possuísse.
Jacky tomou um gole do vinho e olhou para o fogo em silêncio.
- O que foi? - Kat indagou.
- Estou meio preocupada por ele não controlar essa coisa.
- Mas que diferença isso faz? Ele se controlou para que a coisa não o possuísse. Não é esse o objetivo?
- Sei não. Se ele for possuído, e se você não estiver por perto, imagino que faça uma grande diferença.
- Talvez não. Quando esta guerra acabar, Aquiles vai voltar para casa e terá uma vida sossegada. Se ele nunca mais entrar em uma batalha, talvez a Fúria não volte
a dominá-lo.
- Em outras palavras, sua teoria é a de que ele precisa apenas ignorar a Fúria, e esta irá embora.
- Não. Não exatamente.
Jacky revirou os olhos, e Kat franziu a testa para a amiga.
- Está bem. Talvez.
- Bem, esperemos que a sua teoria seja mais bem-sucedida com a Fúria do que é com uma gravidez, por exemplo.
- Aquiles vai ficar bem - Kat falou com convicção.
Ambas olharam para o fogo e bebericaram o vinho.
- Vai ficar com ele, não é? - Jacky perguntou por fim.
- Sim. - Kat observou a melhor amiga, pensativa. - E quanto a você? O que vai fazer?
Jacky suspirou.
- Infelizmente, parece que vou passar o resto da minha vida branca.
Rindo, Kat colocou o braço em torno dela.
- Podia pegar uma corzinha... Iria se sentir melhor?
- Claro que não! Não vou ser uma dessas branquelas que ficam se bronzeando para depois ficar parecendo carne-seca aos quarenta anos! Tenho muito bom-senso para isso.
Quantas vezes eu mesma gritei para que tirasse o traseiro do sol?
- Vezes demais para eu contar.
- Pois então. Sou sensata demais em relação a essas coisas - Jacky afirmou. - Sabe do que essas babacas torrando ao sol me fazem lembrar?
- De perus se afogando na chuva porque são estúpidos demais para sair dela ou engolir a água! - Kat respondeu de pronto.
- Como sabe disso?!
- Jacky... Cansou de dizer que eu parecia um peru me afogando na chuva!
- Isso porque também precisava tirar essa sua bunda branca do sol.
Kat estreitou os olhos para fitá-la.
- O que foi? - indagou a outra moça.
- Suas bochechas estão cor-de-rosa demais para o meu gosto. Como se tivesse se bronzeado!
- Ah, merda! Eu só quis pegar um pouco de cor.
- É assim que começam os transtornos obsessivos - apontou Kat, presunçosa.
As duas se entreolharam e depois caíram na risada.
Quando controlaram o riso, Kat enxugou os olhos e examinou a clareira iluminada pelo fogo e ainda frequentada pelo grupo habitual de noivas de guerra - o qual havia
se acomodado o mais distante que podia dela e de Jacky.
- Por que Aquiles e Pátroclo estão demorando tanto?
- Tomara Aquiles esteja metendo um pouco de juízo naquela cabeça-dura do primo dele.
- Por quê? O que está acontecendo? - Kat quis saber.
- Pátroclo está reagindo muito mal a essa história de ficar fora da guerra. Parece que Ulisses bancou o Superman hoje. Estava imbatível e fez seus homens darem tudo
na luta. Dizem que eles podem até vencer se continuarem assim.
- Os Gregos, quer dizer?
- Hã-hã.
- Isso é bom... Acho. Afinal, as deusas só queriam o fim da guerra. Se Ulisses de repente se tornar invencível, isso porá fim à Guerra de Troia. Por que Pátroclo
está tão incomodado?
- Porque quer que Aquiles e o restante dos Mirmidões se juntem ao Exército. Diz que a vitória seria certa se isso acontecesse.
- Oh, Deus!... - Kat murmurou.
- "Oh, Deus!" mesmo.
- Acha que eu deveria incitar Aquiles a lutar? - Kat sentiu o estômago se contrair enquanto esperava pela resposta da amiga.
- Mas seu namoradinho não pode morrer se continuar lutando?
Ela assentiu com um gesto de cabeça.
- Não me lembro muito bem do restante daquela droga de Ilíada, mas esse fato é muito difícil de esquecer: Aquiles morre na Guerra de Troia.
- Então, não! - Jacky falou com firmeza. - Não o deixe lutar. Acabou de encontrá-lo e precisou vir de outro mundo para ficar com ele. É cedo demais para perdê-lo.
Assim como sei que é cedo demais para eu perder Pátroclo. Não quero que aquele tonto volte para a guerra.
- Se é assim, vou me ater ao plano original e fazer o que eu puder para manter Aquiles fora dessa luta.
- Parece o melhor a fazer, mesmo.
- Vamos brindar a isso.
- Parece uma boa ideia.
Elas tocaram os cálices mais uma vez e sentaram-se para esperar por seus homens.
- Pelos testículos peludos dos sátiros, você estava certa! - Vênus caminhou de um lado para o outro da câmara interna do templo de Hera, no Monte Olimpo.
O oráculo da Rainha dos Deuses girava com imagens de Ulisses comandando os Gregos em vitória após a outra contra os Troianos.
- Atena o presenteou com algo além de seus fluidos divinos. O homem está imbatível!
- O que foi que eu disse? Ela nunca tem amantes e agora está encantada com seu brinquedinho humano - comentou Hera, franzindo a testa para o oráculo.
- Isso só prova o que venho dizendo há eras. Atena é muito reprimida, precisa se soltar um pouco! Devia mais era estar se encontrando com Ulisses na praia há anos!
Desse modo, isso não teria sido uma experiência emocional tão violenta para ela. - Vênus suspirou, dramática.
- Isso significa que não haverá conversa com ela, você sabe.
- Então estávamos certas. O que vamos fazer? Essa guerra precisa acabar. Agora!
- Odeio dizer isso, mas acho que devemos apoiar os Gregos. Vamos acabar logo com essa coisa - decidiu Vênus, franzindo o cenho diante do oráculo.
- Vai mandar sua mortal moderna persuadir Aquiles a voltar com os Mirmidões para a batalha?
Vênus hesitou, não querendo contrariar sua rainha.
- Está decidido, Vênus! Precisa se certificar de que Aquiles retorne para a guerra com os Mirmidões.
- Acho que tem razão - a deusa concordou, relutante.
- É claro que tenho. Está resolvido. Agora vamos cuidar para que tudo isso aconteça depressa, antes que Zeus fique sabendo de alguma coisa. O dever dele é permanecer
neutro, motivo pelo qual também deveríamos ficar de fora disso - observou Hera.
- Mas todos sabem que Zeus tende a apoiar os Troianos, principalmente o velho Príamo - Vênus lembrou.
- Eu sei, eu sei... Zeus começou a coisa toda, ficando do lado de Laomedonte contra Poseidon anos atrás, embora nunca devesse ter apoiado um mortal contra o Deus
do Mar. Acontece que aqueles dois estão sempre discutindo sobre alguma coisa, e Zeus é muito rancoroso. Eu gostaria muito que ele...
- Hera! Esposa! Onde está você? - A voz do deus trovejou pelo Olimpo.
Hera deu um pulo, culpada, e Vênus revirou os olhos.
- Ele é tão rude!... Não devia ficar berrando para todo o Olimpo ouvir.
- Acha que eu não sei disso? - Hera correu para o oráculo e fez um gesto para que este ocultasse as cenas que aconteciam em Troia. - E, quando preciso dele, acha
que consigo encontrá-lo? Claro que não. Mas basta Zeus precisar de alguma coisinha e já fica me chamando aos gritos!
- Talvez eu devesse ter uma conversa com ele - Vênus se ofereceu, amável. - O Amor tem direitos que outros imortais não têm. Nem mesmo o Rei do Olimpo deve se privar
de um pequeno conselho amoroso.
- Não, não, obrigada. Melhor não. Nosso casamento vai muito bem.
Vênus torceu os lábios, parecendo duvidar.
- De qualquer forma, querida, preciso que o mantenha ocupado enquanto opero a minha magia lá embaixo. - Fez um gesto na direção do oráculo agora apagado.
- Hera! - Desta vez, a voz de Zeus soou bem mais próxima.
- Já estou indo!... Pode ir, Vênus. Eu cuido das coisas por aqui - garantiu a Rainha do Olimpo.
- Isto vai dar uma ajuda. - A outra deusa moveu os dedos na direção de Hera, banhando-a com um pó cintilante que impregnou sua pele.
- O que... - Hera começou, então ofegou ao sentir o corpo arrepiar e os mamilos enrijecer.
- Apenas um presentinho do Amor para sua rainha. - Vênus piscou para ela e, em seguida, desapareceu.
Com o corpo formigando, Hera correu para fora da câmara e acabou trombando com o corpo sólido do marido.
- Zeus! Por que estava se esgueirando?!
- Esgueirando! O Governante Supremo dos Deuses não precisa se esgueirar! E quanto a você? Por que estava correndo, toda aflita? - ele exigiu, olhando por cima de
seu ombro delicado para a câmara interna que ela acabara de deixar.
- Eu não estava correndo, e muito menos estava aflita. Só queria ir ao seu encontro, como qualquer esposa atenciosa faria.
Zeus apenas bufou, exasperado.
- Por que estava berrando por mim e perturbando o Olimpo inteiro? - Hera ralhou.
- Eu não conseguia encontrá-la. Não estava em nossa sala do trono, nem nos jardins onde costuma caminhar a esta hora do dia. Por isso a chamei. Mas não estava berrando
- ele afirmou com petulância.
- É claro que não - ela ironizou, mudando de humor e sorrindo conforme dispensava o comentário. - O que deseja de mim, meu senhor?
- Eu a tenho visto tão pouco ultimamente que imaginei que fosse gostar de me acompanhar em uma visita ao mundo antigo.
Hera refletiu que precisava mesmo passar mais tempo com o marido, ao menos até que aquela maldita guerra terminasse.
- Como de costume, tem toda a razão, meu amor - concordou com doçura. - Tenho estado muito ocupada com minhas funções divinas.
Zeus deixou escapar um grunhido satisfeito.
- Muito bem. Então está decidido. Vai me acompanhar até Troia. Ouvi dizer que os Gregos fizeram um avanço repentino na guerra. Tão repentino que há rumores de que
houve interferência divina, embora eu tenha proibido os olímpicos de desempenhar qualquer papel ativo na batalha. - Ele estendeu o braço para ela. - Vamos até lá
agora mesmo. Talvez você e eu possamos ter um almoço íntimo na praia depois de eu me certificar de que ninguém andou me desobedecendo.
O estômago de Hera se contraiu com o pânico, e ela tratou de reprimi-lo. Aproveitando-se da nuvem de luxúria com que Vênus lhe polvilhara a pele, aceitou o braço
do marido e sorriu para Zeus com malícia, roçando o mamilo contra o bíceps musculoso.
- Pensei que tivesse chamado por mim, querido...
- E chamei - ele confirmou, tentando não se deixar abalar pela sedução escancarada e incomum da esposa. - Imaginei que deveríamos ir a Troia juntos, formando uma
frente.
- Ah. - Hera fez um beicinho com os lábios rosados e carnudos, e lançou um olhar para o lado. - E eu pensei que me queria para algo mais íntimo do que viajar a trabalho.
- Bem, é claro que quero, mas, como eu disse... - Zeus começou, e depois parou de falar quando a esposa levantou-lhe a mão e levou seu dedo indicador para dentro
do ninho quente e macio da boca, chupando-o profundamente antes de lavá-lo com a ponta da língua. - Ah, mulher!... - ele gemeu quando, com a outra mão, Hera segurou
o membro já endurecido entre suas pernas. - Tenho sentido a sua falta, e você sabe como me agradar!
- Eu apenas comecei a fazer isso, meu amo...
Ao ver sua necessidade de viajar para Troia substituída por outra, mais imediata, Zeus puxou a esposa para os braços e, com um movimento firme, transportou-os para
o quarto onde esta não se fartou de agradá-lo cada vez mais.
Capítulo Vinte e Cinco
- Pátroclo, por que não consegue entender? - insistiu Aquiles. Ele havia encontrado o primo na volta do acampamento grego, e os dois agora caminhavam lado a lado
pela praia enquanto conversavam. - Tenho uma chance de mudar o meu destino, e pretendo aproveitá-la.
- Eu compreendo. - Pátroclo parou e o encarou. - E também quero que seu destino seja outro. Mas isso não significa que não possa liderar nossos homens na batalha.
Só precisa ficar longe de Heitor. Apenas se o matasse estaria fadado a morrer.
Aquiles balançou a cabeça.
- Uma batalha é um verdadeiro caos. Dizer que bastaria eu me manter distante de um dos guerreiros de Troia serviria se eu não estivesse possuído pela Fúria, em meio
à fumaça, ao sangue e à confusão da guerra.
- Posso ajudar você. Todos os Mirmidões irão ajudá-lo e se certificar de que fique longe de Heitor.
Aquiles sorriu e esmurrou o primo leve.
- Se pretendem tomar conta de mim, como querem que eu os lidere na batalha?
Pátroclo se afastou dele.
- Isto não é nenhuma brincadeira.
- Acha que estou brincando com o meu destino?
- Não. - O rapaz suspirou e passou a mão pelo cabelo, frustrado. - Também levo essa profecia a sério, mas a última coisa que desejo é a sua morte, primo.
- Pois já devia ter se acostumado a ela. - Pátroclo começou a protestar, contudo Aquiles o interrompeu. - Eu também já havia me acostumado. Estava preparado para
morrer antes de completar trinta verões, às portas de Troia, depois que matasse Heitor... E a ter meu nome reconhecido por séculos. Foi a escolha que fiz. Quando
eu era jovem, a glória e a imortalidade do meu nome eram tudo o que eu desejava. Mas depois amadureci e compreendi a natureza do que tinha escolhido. Foi quando
eu soube o que era arrependimento. O problema era que meu destino já era uma pedra rolando montanha abaixo. A única coisa que eu poderia fazer era deixá-lo acontecer.
Mas então ela veio e tudo começou a mudar.
- Sim! É exatamente esse o meu ponto. Tudo mudou agora. As deusas arrancaram as almas de Katrina e Jacqueline de outro mundo, de outro tempo, e as trouxeram aqui
para mudar as coisas. Como poderiam permitir que perecesse?
- Talvez se eu fosse tolo o suficiente para ignorar tudo o que elas me proporcionaram e voltasse para a batalha.
- Aquiles, você me disse que conseguiu impedir que a Fúria o possuísse hoje. Pode ter sido um presente das deusas. Será que elas não pretendem que use isso na batalha?
Que tenha a capacidade de lutar e nos liderar sem se perder para a Fúria?
- Meu presente é Katrina. Foi ela quem me permitiu enfrentar a Fúria. E Kat não iria para a frente de batalha comigo. Jamais. - Aquiles colocou a mão no ombro do
primo. - Eu a amo. Desejo passar o resto da minha vida com ela, e não apenas mais alguns dias.
- Eu também amo Jacqueline! - Pátroclo gritou, exasperado. - Mas nem por isso desisti de lutar pela glória da Grécia.
- Não estaria lutando pela glória da Grécia. Estaria lutando pela glória de Agamenon.
- Não é deste modo que a história vai se lembrar desta guerra - declarou Pátroclo.
- A história que se dane! Já estou farto de pensar no que vai ser ditou ou não a meu respeito no futuro.
- Os homens precisam da sua ajuda, Aquiles. Pode salvar vidas!
- Já salvei muitas - ele falou por entre os dentes enquanto mirava o mar iluminado pela lua. - Agamenon se cansou de me usar para lutar em suas batalhas. Pela primeira
vez estou escolhendo salvar a minha própria vida. Pela primeira vez tenho a chance de contar com um futuro com o qual eu apenas sonhava. Não vou jogá-la fora. Não
por Agamenon e sua ganância.
- Não é assim que eu vejo - insistiu Pátroclo. - Eu não estaria lutando por Agamenon. Eu estaria lutando pela Grécia.
- Se é tolo o bastante para arriscar sua vida e jogar fora o amor que lhe foi concedido, então lute. Não sou eu quem irá impedi-lo - decidiu Aquiles, virando-se
e começando a caminhar para longe, na praia.
- Os homens não vão aceitar a minha liderança! - Pátroclo gritou às suas costas. - Eles só iriam seguir os seus comandos. Eu não sou Aquiles!
- Pois eu gostaria que fosse! - ele falou por cima do ombro. - Eu ficaria bem feliz em viver sua vida longa e frutífera enquanto estivesse entrando no campo de batalha
com essa sua teimosia e ansiando por uma morte gloriosa!
Pátroclo observou o primo se afastar, depois apanhou uma concha e, com um grito de frustração, arremessou-a no mar.
- E ele ainda me chama de teimoso! - resmungou para si mesmo enquanto andava de um lado para o outro na beira da praia. - Não sei nem por que está sempre preocupado
em usar aquele elmo de ouro. Nenhuma espada poderia atravessar aquela cabeça-dura! - O jovem guerreiro quis urrar de ódio. Como era possível que Aquiles não enxergasse?
Liderar os Gregos em mais uma batalha - a batalha final da Guerra de Troia - não o levaria à morte. As deusas tinham mudado as coisas. Elas decerto não iriam permitir
que todos os seus esforços fossem desperdiçados.
E ele, Pátroclo, sentia-se muito grato. Não apenas porque agora acreditava que o primo fosse sobreviver, mas também porque havia encontrado a mulher dos seus sonhos.
Não estava ignorando Jacqueline por querer lutar. Estava apenas zelando pela própria honra. De qualquer maneira, ela estaria lá, esperando por ele. E, depois de
tudo, Jacky iria cuidar de suas feridas, recebê-lo em seu corpo macio e curá-lo.
O problema era que não haveria nenhuma batalha final e honrosa. Se Aquiles não estivesse lá para liderar os Mirmidões, estes não iriam lutar e, mesmo com o repentino
destaque de Ulisses no campo de batalha, aquela guerra continuaria a se arrastar indefinidamente.
- Ah, se eu pudesse ser Aquiles!... Nem que fosse apenas por um dia! - murmurou Pátroclo.
- Quer saber, querido? Não é má ideia - conjeturou Vênus após se materializar em uma nuvem de fumaça brilhante a seu lado.
- Deusa! - exclamou Pátroclo, e caiu de joelhos, inclinando a cabeça.
- Levante-se, Pátroclo. Deixe-me olhar para você.
- Como, minha senhora? - ele perguntou, confuso. No entanto se pôs de pé, assim como Vênus havia ordenado.
- Deixe-me ver... - Ela caminhou num círculo lento ao redor do atordoado guerreiro. - Têm quase a mesma altura e constituição física. É óbvio que são parentes. Aquiles
é mais encorpado, claro. E você é bem mais loiro do que ele. Mas, sob a armadura, isso não será tão perceptível. Além do mais, posso usar um pouco de magia aqui,
outro acolá... Basta que use o elmo do seu primo, o restante de sua armadura, e ninguém será capaz de notar a diferença. Ainda mais no calor da batalha.
- Não compreendo, senhora. - Mesmo enquanto proferia as palavras, no entanto, Pátroclo soube que a Deusa do Amor estava fazendo planos, e seu coração disparou, ansioso.
- Não mesmo, querido? Acabou de dizer que gostaria de ser Aquiles para liderar o ataque final dos Gregos contra os Troianos. Pois acredito que eu possa lhe conceder
esse desejo. Se for realmente isso o que quer... É isso o que deseja, jovem Pátroclo?
Pátroclo quis gritar de alegria e aceitar de imediato a oferta da deusa, porém os Olímpicos eram muitas vezes caprichosos, e seus caprichos poderiam ser perigosos
e mortais.
- Por que deseja me ajudar, Afrodite?
A deusa franziu a testa, e o ar ao redor deles se aqueceu, fustigando a pele de Pátroclo.
- Será possível que vocês, Gregos, nunca se lembram de que prefiro ser chamada de Vênus?
Pátroclo inclinou a cabeça.
- Perdão, grande deusa! Eu não quis ofendê-la.
Vênus respirou fundo, a brisa quente cessou, e o agradável frescor da noite voltou à beira-mar. - Claro que não, querido. Eu não devia ser tão sensível, mas tenho
estado sob um terrível estresse nestes últimos tempos. Esta guerra está me dando nos nervos, o que nos traz de volta à razão desta minha pequena visita e à sua pergunta.
Eu gostaria de ajudá-lo porque a Guerra de Troia já foi longe demais. Nós queremos que ela acabe, e pode nos ajudar para que isso aconteça.
- "Nós"? Quer dizer que os deuses estão realmente envolvidos na luta?
- Na verdade, as deusas é que estão envolvidas na guerra.
Pátroclo arregalou os olhos ao compreender tudo.
- Atena está ajudando Ulisses!
- Entre outras coisas - Vênus murmurou e, em seguida, limpou a garganta. - E sim, eu estarei ajudando você.
- Sinto-me honrado, grande deusa. Mas por que eu? Nunca fui fiel à senhora. - Ele sorriu, meio tímido. - A verdade é que, até pouco tempo atrás, eu não sabia quase
nada do amor.
Vênus o tocou no rosto, e Pátroclo sentiu uma onda quente de amor e felicidade percorrer o corpo.
- Mas o encontrou, não encontrou?
Ele assentiu, incapaz de falar.
- Por isso mesmo eu o escolhi. O amor recém-descoberto é a mais poderosa das emoções. Detém uma magia muito especial. Já o vi afastar a morte, curar almas e frustrar
o destino. Usarei a magia do amor recém-descoberto e também a sua semelhança física com o seu primo. Essas duas coisas juntas e abençoadas por mim irão permitir
que se faça passar por Aquiles apenas por tempo suficiente para que lidere os Mirmidões e o exército grego contra os Troianos. Vai ordenar o ataque quando as muralhas
forem violadas.
Pátroclo estremeceu com excitação e seus olhos cintilaram.
- Eu o farei! Farei isso pela Grécia e pela senhora.
Vênus inclinou a cabeça em reconhecimento diante da promessa.
- Fico feliz em ouvir isso. Agora, tudo o que precisa é da famosa armadura de Aquiles e da minha bênção logo após o amanhecer.
- Meu primo guarda a armadura em sua tenda. Como eu...
- Deixe isso comigo. O Amor irá manter Aquiles ocupado - garantiu Vênus.
- Mas e quanto aos Mirmidões? Como faço para reuni-los sem alertar Aquiles?
- Basta espalhar entre as tendas, esta noite, que ele convocou um treinamento especial para amanhã, e todos virão para cá pouco depois do amanhecer. - Vênus fez
um gesto ao redor, apontando a praia onde estavam: bem no meio do caminho entre o acampamento grego e o dos Mirmidões. - Deixe implícito que Aquiles se encontra
inquieto. Os homens já se encontram surpresos com sua decisão de se retirar da luta. Não demorará a convencê-los de que ele retomou seus antigos hábitos.
Pátroclo concordou com um gesto de cabeça, pensativo.
- É verdade. E se o Amor mantiver Aquiles ocupado em sua tenda, ele não vai ouvir falar do treinamento que supostamente teria organizado. - Sorriu de leve. - Meu
primo vai ficar furioso quando descobrir que foi enganado.
O sorriso de Vênus quase o cegou com sua beleza.
- Até lá esta guerra estará terminada e os Gregos terão saído dela vitoriosos. Aquiles estará alegre e ocupado demais, fazendo planos para voltar a Phthia, para
ficar zangado com você.
- É brilhante, senhora! - elogiou Pátroclo com um floreio, curvando-se.
A deusa piscou os longos cílios, toda coquete.
- Claro que sou, querido.
- E quanto aos Gregos? Diremos a eles que Aquiles é que está no comando?
Vênus levantou uma sobrancelha fina.
- Acredito que Ulisses possa nos ajudar a espalhar esse boato.
- Então está decidido.
- Isso mesmo. Ao amanhecer, estarei à sua espera, atrás da sua tenda. - Vênus fez uma pausa ao se lembrar de mais um detalhe. - Precisa tirar Jacqueline do caminho.
Ela é uma mulher moderna e não ficará de braços cruzados enquanto estiver liderando os Gregos na batalha.
Pátroclo assentiu e riu baixinho.
- Jacqueline jamais ficaria de braços cruzados. Ela tem o corpo de uma jovem donzela e o coração de uma guerreira. É uma mulher muito incomum.
- Tem razão, ainda que não tenha conhecido muitas mortais modernas. De qualquer forma, isso será um problema para nós. Ela é obcecada por você e não... - As palavras
de Vênus sumiram quando ela começou a sorrir.
- O que foi, minha deusa?
- Jacky está tão louca por você que deseja muito lhe agradar. Pois acorde-a antes do amanhecer. - Ela sorriu sugestivamente. - Faça-a despertar de uma vez e, em
seguida, diga-lhe que está morrendo de vontade de comer aqueles mariscos frescos que o mar revela na maré baixa.
- Na maré baixa? - ele indagou, sem compreender.
Vênus suspirou.
- A maré baixa acontece quase no meio da noite. Peça a Jacky que vá colher amêijoas enquanto treina com os homens. Ela deixará a tenda durante a madrugada e estará
fora do caminho.
- Tem certeza de que ela faria isso por mim?
- Dê-lhe prazer primeiro, demonstre seu amor por ela, e Jacky irá atrás dos moluscos sem pestanejar. As mortais modernas são muito lógicas. Se fizer algo de bom
para ela, Jacky há de querer retribuir.
Pátroclo sorriu.
- É assim, tão simples?
- Será depois de uma pitada ou duas da minha magia. Agora vá ficar com sua mulher, valente Pátroclo, e amanhã estará preparado para a glória! - Vênus bateu palmas
e desapareceu em uma nuvem cintilante de fumaça.
Sorrindo até as orelhas, Pátroclo correu pela praia, determinado a levar Jacqueline para a tenda e passar o restante da noite fazendo amor.
Não foi difícil encontrar Atena e Ulisses. Nem seria preciso possuir a magia divina do Amor encarnado para reconhecer os gemidos e suspiros da paixão que estes compartilhavam.
Por consideração, Vênus se materializou numa curva da praia, em meio a um bosque de árvores altas e, em silêncio, aproximou-se dos amantes. Atena se encontrava deitada
sobre uma manta de cetim, usando apenas um robe prata transparente. Já Ulisses, completamente nu e - Vênus registou com satisfação - mais bem dotado do que ela imaginava,
beijava o arco do pé da deusa.
Tomara Atena tivesse pedido às ninfas da floresta que lhe fizessem uma pedicure completa!, pensou Vênus, decidida a conversar com a outra mais tarde sobre aquele
tipo de coisa.
Limpou a garganta.
Ulisses agarrou a espada e, num movimento rápido, girou o corpo, agachando-se na defensiva diante de Atena.
Vênus levantou uma sobrancelha.
- Como é protetor, meu querido!...
Atena se pôs de pé em um instante, postando-se entre Ulisses e Vênus.
- Como ousa me interromper? Não tem o direito de...
- Blá, blá, blá... - Vênus revirou os olhos. - Reserve essa sua arrogância para os mortais, Atena. Até porque não vou interrompê-los por muito tempo. Tenho apenas
que dar um recado a Ulisses.
Os olhos da Deusa da Guerra se estreitaram.
- O que quer com ele?
O sorriso da Deusa do Amor foi lento e sábio.
- Ciúme? Que divertido. Ridículo, mas divertido. Fique tranquila. Não tenho nenhuma intenção de seduzir o seu amante. Ulisses, querido... - Vênus desviou os olhos
de Atena, que continuava a fulminá-la com o olhar, e o guerreiro deu um passo para mais perto de sua deusa, o que lhe proporcionou uma agradável vista frontal de
toda a sua glória. - Ah, aí está você... Muito bem de saúde, por sinal.
- O recado! - Atena falou por entre os dentes.
Vênus suspirou.
- Claro. É só que Aquiles vai liderar os Mirmidões na batalha de amanhã, logo após o amanhecer.
Ulisses cerrou os punhos e abriu um sorriso.
- Eu sabia que ele ia ceder! - exclamou. Em seguida, virou-se para Atena e se pôs sobre um joelho.
- Amanhã, minha deusa, meu amor, os Gregos lhe presentearão com a vitória sobre os Troianos.
- Que interessante - Atenas respondeu, porém seus olhos não deixaram a Deusa do Amor um só momento. - E por que isso estaria acontecendo?
- Se não tivesse andado tão preocupada, saberia o motivo. - Vênus fez um gesto para que elas se afastassem alguns metros. - Será que podemos ter uma conversa em
particular?
Ainda franzindo a testa para a outra diva, Atena virou-se para Ulisses.
- Eu já volto - resmungou, e seguiu com Vênus praia abaixo. - Explique-se! - exigiu, tão logo se encontravam distantes do campo de audição do guerreiro.
- Em primeiro lugar, devo repetir: devia tê-lo tomado como amante eras atrás!
- Minha vida amorosa não está aberta a discussões.
- Querida, eu não estou discutindo a sua vida amorosa, apenas a ausência dela até agora. De qualquer modo, a coisa toda é muito simples: tem ajudado Ulisses, o que
basicamente tornou a presença de Aquiles no campo de batalha dispensável.
Atena respirou fundo, preparando-se para elaborar uma desculpa, porém Vênus ergueu a mão, silenciando-a.
- Poupe-me! Foi bom para você. - Lançou um olhar por cima do ombro da deusa para o local onde Ulisses a aguardava. - Na verdade, foi ótimo... Mas acabou prejudicando
o nosso pequeno plano.
- Eu sei - Atena admitiu.
- Por isso mesmo, Hera e eu fizemos algumas alterações nele. Os Gregos podem muito bem vencer agora. Não importa para nós, contanto que essa guerra tenha fim.
- Eu me importo - declarou Atena.
- Imagino. De qualquer forma, isso tudo ficar duas vezes melhor para o seu lado. Os Gregos vencem, seu amante é Grego... E todos viverão felizes para sempre. Ei,
talvez possa manipular as coisas, de modo que Ulisses demore outra década para voltar para casa! Assim poderia tê-lo só para si por muito mais tempo.
Os olhos cinzentos de Atena se estreitaram de novo.
- Eu já disse que não estamos discutindo a minha vida amorosa.
- Pelas nádegas molhadas de Poseidon, você é muito aborrecida! - exclamou Vênus. Em seguida, lembrando-se de onde estava, lançou um olhar nervoso na direção do mar.
- Desculpe-me, querido. Sabe que eu disse isso com amor.
- Quer fazer o favor de manter o foco? E quanto a Aquiles e seu destino? Isso significa que ele vai morrer amanhã? - Atena quis saber.
- Ah, não se preocupe com isso. Aquiles estará dormindo, bem seguro, em sua cama. Será Pátroclo, ajudado por um pouco da minha magia, quem irá liderar os Gregos.
Mas não compartilhe essa informação com o seu namorado!
- Ele não é meu nam... - Atena começou a vociferar.
- Não importa! Só não conte a ele. Eu a verei amanhã, assim que essa coisa toda terminar. A menos que esteja ocupada outra vez...
Vênus jogou um beijo para Ulisses e, em seguida, desapareceu.
Capítulo Vinte e Seis
As enormes tendas de Agamenon vibravam com festa. Naturalmente, a maior parte dos farristas era de contemporâneos do rei - homens muito velhos ou então de posição
proeminente demais para ir a combate, ainda que não se pudesse dizer isso diante de seus brindes e discursos.
Também havia mulheres a rodo. Jovens e submissas noivas de guerra que, se não ansiosas por agradar, ao menos pareciam dispostas a fingir que sim diante das vantagens
que uma noite como aquela poderia lhes proporcionar.
Briseida odiava todos eles. Cada um daqueles bodes velhos no cio, com seus testículos murchos. Mesmo assim, lançava discretos sorrisos àqueles que considerava menos
repulsivos. Agamenon poderia se cansar dela a qualquer momento e, se isso acontecesse, ela poderia se valer de algum daqueles futuros cadáveres até que houvesse
algum guerreiro disposto a lutar por ela contra seus camaradas.
O que ela não daria para pertencer a alguém tão viril como o dourado Aquiles!... Suas cicatrizes nunca a haviam incomodado, e a Fúria sempre a animara mais do que
assustara. Entretanto, quando pertencera a ele, Aquiles não costumava nem mesmo olhar em sua direção, a menos que quisesse vinho ou comida. Desde que ele dera permissão
para que Agamenon a levasse, ela vinha se amaldiçoando por não ter sido mais ousada ao ter uma chance com ele. Devia ter ido para sua cama sem ser convidada. Devia
ter pensado em enfeitiçá-lo, como fizera Polixena.
- Briseida! Mais vinho! - Agamenon ordenou, esticando-se de onde estava, sentado em seu trono de ouro, para lhe agarrar um peito e apertar dele a ponta, apenas para
a delícia dos generais que a tudo assistiam.
Briseida quis cerrar os dentes e sibilar como uma víbora, mas, em vez disso, arqueou as costas num gesto sensual e falou com voz rouca:
- Qualquer coisa que desejar, meu senhor. - Então apanhou o enorme jarro de vinho e desfilou diante dos outros homens, acariciando o lado liso da cerâmica sugestivamente
enquanto lhes permitia apreciar seus jovens mamilos intumescidos e fantasiar sobre tudo o que quisessem.
Assim que saiu da tenda, desistiu do caminhar sensual e passou a se mover com o silêncio de um gato - habilidade que tinha aperfeiçoado quando ainda era apenas uma
criança. E claro que aqueles guerreiros idiotas que se amontoavam ao redor dos barris de vinho não se deram conta de sua aproximação.
Ao ouvir o nome dele, Briseida congelou em meio às sombras.
- Aquiles?! Tem certeza? - indagou um baixinho de aparência rude.
- Ouvi o próprio Ulisses falando. Deve ser verdade! - Foi a resposta de um soldado alto e cheio de marcas.
- Com Aquiles e seus Mirmidões liderando o ataque, irmãos, a vitória será nossa, amanhã!
- Eu não acreditava que ele fosse lutar de novo. Ouvi dizer que a princesa de Troia havia lhe lançado um feitiço - comentou outro homem.
- Ela lançou um feitiço apenas aqui - respondeu o homem baixo, agarrando os genitais e projetando os quadris -, e não aqui. - Com a outra mão, ele levantou a espada
e a fez girar em arco ao redor da cabeça.
Todos os homens riram, e Briseida saiu das sombras.
- Agamenon deseja mais vinho. Encha isto - falou, fria, estendendo o jarro.
O baixinho o apanhou.
- Vou enchê-lo para você... - Seu olhar persistente dizia que ele gostaria de enchê-la assim como faria com o jarro; contudo Briseida sabia que, enquanto ela fosse
o prêmio de guerra de Agamenon, nenhum homem falaria abertamente de sua luxúria. O rei poderia fazer o que quisesse com ela, mas não seus homens.
O homenzinho entregou-lhe o jarro de volta, os olhos fixos nos mamilos eretos por baixo das vestes transparentes.
- Qual é o seu nome? - Briseida quis saber.
Ele sorriu, exibindo os dentes podres.
- Aentoclus, senhora.
- Pois muito bem, Aentoclus. Se olhar de novo na minha direção, direi a Agamenon que tentou me violentar e pedirei ao meu amante, o seu rei, que me traga seus testículos
como compensação.
Enquanto o guerreiro perdia a cor, Briseida sorriu e foi embora, segurando o jarro com cuidado para não derrubar vinho nas vestes.
Voltou para o lado de Agamenon, desta vez ignorando os olhares lascivos dos generais. Encheu seu cálice e inclinou-se para o rei, sussurrando-lhe ao ouvido:
- Tenho notícias sobre Aquiles.
Os olhos perspicazes do monarca se desviaram para os dela, e o que ele viu neles o fez bater palmas e ordenar:
- Mais música e dança!
A música explodiu no ambiente enquanto adolescentes vestidas apenas com correntes de ouro ondularam através da tenda, desviando a atenção dos homens.
- O que ouviu? - ele perguntou com calma.
- Aquiles e os Mirmidões vão liderar o ataque amanhã - Briseida sussurrou, acariciando-lhe o ouvido, e sentiu o choque que atravessou o corpo de Agamenon.
- Tem certeza?
- O próprio Ulisses se encarregou de espalhar a notícia.
- Se isso for verdade - ele passou o braço ao redor de sua cintura -, você é uma joia rara, minha querida.
- E sempre sua, meu amo. Sempre sua. - Briseida sorriu, presunçosa, e se aninhou junto dele, deslizando a mão macia de modo a acariciá-lo no interior da coxa. Não,
Agamenon não se cansaria dela. Não importava o que ela tivesse de fazer: continuaria a ser a noiva de guerra do rei mesmo quando eles voltassem para a Grécia.
- Kalchas! - Agamenon levantou a voz acima da batida sensual dos tambores.
- Aqui, meu senhor. - O velho profeta pareceu materializar-se do nada.
Ele é como uma névoa venenosa, Briseida pensou, alimentando seu desgosto por aquele velho nojento que vivia se esgueirando. Ele era um dos homens favoritos do rei,
e ela, esperta demais para se mostrar sua inimiga.
- Vá chamar Ajax para mim.
- Ajax, senhor?
Briseida notou que os generais que tinham ouvido o comando de Agamenon também ficaram confusos. Ajax era brilhante no campo de batalha. Fora deste, mal conseguia
concatenar as ideias. O homem era, literalmente, tão grande, forte e estúpido como um boi.
- Sim, Ajax. Eu tive um sonho ontem à noite em que ele era fundamental para uma grande vitória amanhã. Quero contar-lhe a respeito desse sonho e da recompensa que
pretendo lhe dar por seus feitos heroicos.
- Sim, senhor. - Kalchas curvou-se e correu para fora da tenda.
Os generais que a tudo haviam escutado sorriram e sinalizaram sua concordância. Sonhos eram enviados pelos deuses, e ver seu rei se baseando em um deles para agir
era algo a que jamais se oporiam.
Mas Briseida sabia: Agamenon estava mentindo. A única coisa com a qual ele sonhara na noite anterior fora com suas pernas abertas. Ele mesmo lhe revelara isso naquela
manhã quando, ao acordar, pusera o rosto entre suas coxas.
Acariciou seu ouvido outra vez enquanto sussurrava:
- O que pretende fazer, amo?
Em um movimento rápido, Agamenon a puxou para o colo de modo que ela montasse em sua ereção e ele pudesse empurrá-la intimamente entre suas pernas. Briseida inclinou-se
sobre ele e, escondido por seus longos cabelos, o rei revelou:
- Se Aquiles lutar contra os Troianos amanhã, será sua última batalha; e também o dia em que seremos vitoriosos. Espero há quase dez verões que a maldita profecia
de sua morte se concretize, e não vou esperar mais.
- Mas ouvi de minhas fontes, no acampamento dos Mirmidões, que Polixena parece estar frustrando a profecia! Talvez isso seja verdade. Sabe que nem mesmo os asseclas
de Poseidon poderiam matá-la.
Agamenon mordeu-lhe o pescoço.
- Tudo o que Aquiles precisa fazer é matar Heitor, e sua morte virá em seguida - sussurrou, malévolo. - Foi Zeus quem decidiu assim. Nem mesmo um oráculo protegido
por uma deusa pode mudar isso. Polixena o tem mantido fora do campo de batalha e, portanto, distante de Heitor. Mas talvez a arrogância de Aquiles o tenha levado
a acreditar que seu oráculo, de alguma forma, vá protegê-lo no campo de batalha. Meu trabalho será apenas garantir que o caminho de Heitor até Aquiles esteja aberto.
O destino fará o restante.
Briseida riu com voz rouca.
- É mesmo brilhante, querido - falou com um gemido, ondulando o corpo contra o membro túrgido de olhos fechados e fingindo que cavalgava o corpo jovem e forte de
um guerreiro.
- Esse feitiço não pode ser assim, tão simples - comentou Aquiles.
- Eu já disse que não é magia, é auto-hipnose. E, sim, ela é muito simples... e complexa ao mesmo tempo - admitiu Kate. - A nossa mente é incrível. Pode fazer uma
pessoa acreditar que está doente ou, melhor ainda, fazê-la acreditar que está bem quando deveria estar doente. Já testemunhei verdadeiros milagres nesses dez anos
de prática.
- E essa auto-hipnose, que não é feitiço, mas se parece muito com um, pode me ajudar a manter a Fúria sob controle - ele concluiu, pegando uma mecha grossa do cabelo
de Kat, enrolando-a no dedo e depois levando-a aos lábios. - Isto é como uma pele de zibelina. Eu nunca vou me cansar de tocá-lo.
- Eu dei sorte - sussurrou Kat, inclinando a cabeça para que Aquiles pudesse acariciar os fios com mais facilidade. - Polixena tinha um cabelo maravilhoso.
Aquiles sorriu.
- Eu me esqueço de que este corpo nem sempre foi seu. Qual era a cor do seu cabelo antes?
- Era loiro. Não tão comprido assim, mas também era bom.
- Seria linda de qualquer forma para mim - ele afirmou, beijando-a nos lábios de leve.
- Que bonitinho... Mas não vai conseguir mudar de assunto tão fácil. Sim, a auto-hipnose, que não é um feitiço coisa nenhuma, pode ajudá-lo a controlar seu corpo
e suas emoções, de modo que consiga se manter relaxado o suficiente para evitar os gatilhos que despertam a Fúria. Não importa o que esteja acontecendo com você.
- Quer dizer, então, que o nosso filho não vai me despertar a Fúria acidentalmente ao acreditar que não pode se afogar por ser neto de uma deusa do mar... - elaborou
Aquiles, fitando-a nos olhos.
Refém das profundezas azuis da alma daquele homem incrível, Kat vislumbrou um futuro em que o amava e vivia a seu lado. Queria, sim, ser a mãe de seus filhos. Assim
como queria netos ou qualquer que fosse o equivalente, no antigo e mágico mundo grego, para a família tradicional. Em uma casa com cerquinha branca, de preferência.
E ainda queria um cachorro. Queria tudo.
- E se for "a nossa filha"?...
Aquiles piscou, pois não tinha considerado essa possibilidade. Depois soltou uma risada seca, e seus lábios se curvaram no esboço de um sorriso.
- Acho que vou ter de aprimorar a minha prática de auto-hipnose. Ou talvez não praticá-la de modo algum. Afinal, ser dominado pela Fúria seria uma coisa boa ou ruim
quando algum pretendente tentasse tirar a minha filha de mim?
Kat sorriu.
- Creio que o controle ainda é a chave nesse caso. Se ele for um sujeito todo largado, daqueles que veste calças de emo e usa delineador, deixamos a Fúria tomar
conta. Mas se for um bom menino, só precisa rosnar e assustá-lo um pouco.
Aquiles franziu a testa, confuso, e Kat caiu na risada.
- Em resumo, você só devora os pretendentes de que não gostarmos, que tal?
Ele continuou de testa franzida.
- A Fúria não devora ninguém.
Ela levantou uma sobrancelha.
- Pelo menos não normalmente - Aquiles acrescentou.
Kat estava decidindo se iria questioná-lo a respeito daquela história de "pelo menos não normalmente" quando o grito de uma mulher chegou até a tenda. Aquiles se
pôs de pé, porém o grito foi seguido por uma explosão de risadas. Ele chegou a dar um passo hesitante em direção à saída, contudo Kat o agarrou pela mão e o puxou
de volta para a cama.
- Por mais embaraçoso que seja admitir, é Jacqueline. E, não, ela não precisa de ajuda.
Aquiles sentou-se na cama a seu lado.
- Ela é sempre tão escandalosa?
- Não. Esse é o seu grito mais espetaculoso. O que significa, e posso afirmar isso com cem por cento de exatidão, que Pátroclo não está mais aborrecido com você.
Está lá fora, proporcionando a Jacky o melhor momento de sua vida.
- Sei - ele resmungou. - Esse pirralho está mais é causando uma balbúrdia. Ele e Jacqueline deveriam ser mais discretos, mais reservados.
Kat ergueu as sobrancelhas.
- Aquiles, está parecendo um velho celibatário! Meu Deus, preste atenção no que está dizendo... Parece ter cem anos de idade!
- Não sou celibatário coisa nenhuma.
- E pensar que Hera e Atena acusaram Jacky e a mim de sermos duas solteironas apenas porque tínhamos um pouco mais de idade! Você, sr. Herói de Guerra, não passa
de um velho resmungão, apesar de nem ser idoso! - Mais risos derivaram através das barracas e, desta vez, foram acompanhados por uma voz masculina profunda, sensual
e insistente. - E ele... - Kat fez Aquiles voltar o queixo em direção à tenda ao lado - ... não é nenhum "pirralho".
- Está cobiçando meu jovem primo? - indagou Aquiles, os olhos azuis cintilando.
- Posso responder a essa pergunta depois que Jacky me contar todos os detalhes amanhã?
- Gosta mesmo de me provocar - resmungou Aquiles antes de, rosnando de brincadeira, puxá-la de volta para a cama com ele.
- E você é um velho solteirão! - insistiu Kat, fingindo se debater.
- Um solteirão faria isto?... - Aquiles se curvou e cobriu a boca macia com a sua.
Não foi um beijo selvagem, fora de controle. Ele se lembrou de como ditar o ritmo, de monitorar a respiração e de certificar-se de que a luxúria não o dominasse,
despertando a Fúria.
Mesmo assim, foi um beijo profundo e apaixonado; uma promessa íntima de muito mais.
Quando Aquiles descolou a boca da dela, Kat estava sem fôlego.
- Se eu retirar essa coisa de solteirão, vai parar de me beijar assim?...
- Nunca - Aquiles garantiu num sussurro.
- Fico feliz em ouvir isso porque não quero que pare. Jamais.
- Não vou parar, minha Katrina... Minha princesa...
Aquiles fez amor com Kat. Lenta, langorosamente, como se seu corpo fosse um projeto e ele fosse construindo seu prazer aos poucos, com um toque de cada vez, até
que ambos encontraram a plena satisfação.
Conforme Kat mergulhava no sono em seus braços refletiu que ter um homem que a amava com tanto vagar e cuidado fora a experiência mais erótica de sua vida.
Vênus materializou-se na penumbra da tenda onde os amantes se encontravam adormecidos. Movendo-se como uma sombra, afastou o cortinado da cama e sorriu para Aquiles
e Katrina. Amor verdadeiro, pensou, feliz. Eu sabia que essa mulher havia nascido para algo muito especial no momento em que a vi. O Amor nunca se engana.
Levantou as mãos sobre o casal e sussurrou o feitiço:
Quero que descanses, herói e guerreiro,
Por toda a manhã, quieto e saciado.
O que o Amor ordena não podes negar...
Apenas quando o sol no céu estiver alto
É que, satisfeito, irás despertar
Ergueu mais a mão, e uma cachoeira de pó cintilante se derramou sobre o corpo de Aquiles. Ele sorriu e mergulhou profundamente no abraço mágico do Amor.
Suspirando, satisfeita, Vênus deixou a cabeceira, encontrando sem dificuldade o canto da tenda onde a famosa armadura do guerreiro jazia, descartada. Com um ligeiro
movimento de pulso, ela e a armadura desapareceram no ar.
Vênus teve que fazer apenas mais uma parada a fim de polvilhar sua magia da conciliação sobre a teimosa Jacqueline. Em seguida só precisaria esperar até o amanhecer,
quando iria ao encontro de Pátroclo para vesti-lo com a armadura emprestada de Aquiles. Bastaria um toque de seu poder depois disso, e então aquela guerra teria
fim.
Suspirou mais uma vez. Trabalho, trabalho, trabalho... Quando aquilo tudo terminasse, trataria de tirar um bom período de merecidas férias!
Capítulo Vinte e Sete
Jacky despertou devagar. Estava tendo o mais delicioso dos sonhos eróticos. Spike (da sexta temporada de Buffy e, portanto, no tempo em que ainda bancava o vilão)
estava com o lindo rosto entre suas coxas morenas e usava sua deliciosa boca com a maior das habilidades. Ela sempre acreditara que aquela boca tinha outras serventias...
Abriu os olhos, sobressaltada.
Estava, de fato, com o rosto de um lindo loiro em meio às pernas; porém suas coxas eram jovens, magras demais para seu gosto e inacreditavelmente brancas.
Não que isso importasse muito no momento.
- Pátroclo! - murmurou.
Ele ergueu a cabeça para fitá-la, fazendo uma pausa em seu trabalho.
- Sim, minha linda. Está acordada?
- Quase - ela admitiu, sonolenta, abrindo mais as pernas para que ele se acomodasse melhor entre elas. - Que tal me fazer despertar de vez?
Conforme Pátroclo retornava à sua tarefa, Jacky pensou que era como se ele tivesse sido abençoado pela própria Deusa do Amor... O que era bem possível, concluiu,
lembrando a si mesma de agradecer a Vênus mais tarde.
O problema era que não estava conseguindo pensar em mais nada!
- Ei, Kat! Acorde, diacho!
As pálpebras de Kat tremeram. Deus!, ela estava tendo um sonho ruim? Podia jurar que Jacky se encontrava debruçada sobre ela, sacudindo-a com uma das mãos enquanto
carregava um balde de madeira (balde?...) na outra.
- Vá embora! - ralhou para o que, esperava, era mesmo um sonho. - Quero que esses malucos se danem hoje! Eles que façam autoterapia!
- Levante-se, sua tonta. Não está sonhando! Preciso fazer uma coisa, e você vai comigo... - Jacky puxou as cobertas da cama, expondo o corpo nu da amiga. - Cacete,
você é menina mesmo! - exclamou, estudando-a com atenção.
Kat saltou da cama e pegou uma túnica de baixo.
- Com licença! Não tem que ficar vendo as minhas particularidades!
- Ah, sem essa! Sempre te vi pelada. A propósito, suas coxas estão bem mais finas nesta vida do que na última.
- E a sua bunda está minúscula, Jacqueline.
Jacky respirou fundo. Estava pronta para contra-atacar quando um profundo ronco transformou ambas em estátuas. Devagar, Kat olhou para o monte de cobertas e o homem
nu em meio a estas. Jacky recuou na ponta dos pés e espiou por sobre um ombro. Aquiles se encontrava deitado de lado, o torso nu e a coxa musculosa, marcada por
uma cicatriz, projetando-se dos lençóis de linho.
Kat virou-se para Jacky e pôs o dedo contra os lábios.
- Shh! - Apanhou o restante das roupas e agarrou a mão de Jacky, puxando-a para fora da tenda.
Lá fora, observou, incrédula, um céu que apenas começava a exibir os primeiros sinais da aurora.
- Que diabo está fazendo? Em primeiro lugar, acordada a esta hora absurda e, em segundo, me acordando também?!
Jacky olhou para o céu, depois para a melhor amiga. Então, se moveu, inquieta.
- Essa não! Aposto que me acordou por uma idiotice! - concluiu Kat.
- Talvez - admitiu Jacky.
- Por que está segurando um balde?
- Precisamos buscar umas coisas.
- Que coisas?
- Umas coisas para Pátroclo - resmungou a moça.
- Pardon moi?
Jacky limpou a garganta.
- Umas coisas para Pátroclo! - repetiu de modo que Kat pudesse ouvi-la.
- Quer ir buscar algo para o seu anjinho. E para isso precisou perturbar o meu sono...?
- Não o chame de "anjinho"! Cheguei à conclusão de que eu o adoro pelo que ele é, não por sua semelhança com o Spike. E você tem que ir comigo porque é a minha melhor
amiga e me ama.
- É alguma coisa constrangedora?
- Mais ou menos.
- Podemos beber a esta hora da manhã?
- Em minha opinião profissional de enfermeira, no mundo antigo é mais saudável beber vinho do que água.
- Isso quer dizer "sim"?
- É óbvio. Posso pegar um odre cheio de vinho antes de deixarmos o acampamento - resolveu Jacky.
- Por acaso há algum sanduíche de pernil pronto por aqui?
- Já pensei nisso também. - Ela apontou para um pacote embrulhado em um pano grosseiro de algodão e aninhado junto do balde.
Kat hesitou ao olhar para a tenda silenciosa de Aquiles.
- Mas por quanto tempo nós vamos...
- Ah, por favor! O seu namoradinho está dormindo como uma velha drogada em um asilo! Ele vai continuar apagado por horas.
- Está bem... Eu vou com você. - Kat seguiu Jacky enquanto esta apanhava um odre da mesa próxima ao fogo apagado. Não havia ninguém por perto, exceto uma serva que
dormia; e ela nem mesmo se moveu enquanto as duas se esgueiravam para fora do acampamento. - Antes que eu me esqueça, o símile está dormindo como um bebê, não como
uma velha drogada.
- Kat, precisa passar mais tempo em um ambiente hospitalar. Bebês praticamente não pregam os olhos enquanto idosas chegam a babar por dias! Fala sério!
- Agora está sendo grossa. Acho melhor eu voltar e...
Jacky agarrou a mão dela.
- Desculpe, desculpe... Esqueça o que eu falei. Não bebo café desde que virei branca, e acho que isso anda me deixando irritada.
- Jacqueline, aonde estamos indo?
- Catar amêijoas.
- Hã? Você disse "catar"?
- Isso mesmo. Uma boa mariscada não lhe parece interessante? Daquelas com muita manteiga?
Kat olhou para Jacky e quase tropeçou em um tufo de algas.
- Espere um pouco. Está me dizendo que vai catar mariscos para Pátroclo? Para ele comer?
- Nós vamos catar. E sim, vamos catar mariscos para Pátroclo comer.
Kat começou a rir baixinho, mas, ao olhar para Jacky, caiu na gargalhada. A moça a fulminou com o olhar, e ela buscou o ar, enxugando os olhos.
- Qual é a graça? - exigiu Jacky.
- Vai cozinhar para um homem! - exclamou Kat, ainda em meio ao acesso de riso.
- Vou coisa nenhuma. Isto é quase como ir ao supermercado comprar os ingredientes para que outra pessoa cozinhe para o meu homem enquanto ele e eu nos sentamos e
desfrutamos um jantar.
- Pobre mulher apaixonada! - provocou Kat, controlando as gargalhadas com dificuldade. - Deixe que a dra. Kat a ajude. Querida... - começou devagar, como se estivesse
falando com um aluno do ensino fundamental. - ... Está saindo para a caça e a colheita, ou seja, foi praticamente domesticada.
- Sabe que eu acabei de vê-la nua, e está magra feito um palito. Não seria nada difícil chutar o seu traseiro.
Kat explodiu em uma gargalhada mais uma vez.
- Além do mais - Jacky acrescentou -, está precisando de uma boa depilação. Do tipo virilha cavada.
- Sério? - Kat perguntou, fingindo inocência. - Tem certeza? Veja direito... - falou, enquanto fazia menção de erguer as vestes. - Este corpo é novo e ainda não
aprendi a lidar com ele muito bem.
- Ah, Jesus amado, não vá levantar essa maldita saia!
- Verdade, enfermeira! Acho até que ando sentindo uma coceira estranha. Não pode me examinar, por favor?
- É a sujeitinha mais sórdida que já conheci! - ralhou Jacky, tentando não rir.
- Por isso mesmo é que me ama! - afirmou Kat, erguendo as saias e dançando como uma bailarina de cancã.
- Quer parar?! Meu homem quer apenas alguns mariscos e isso, junto com o melhor sexo que ele já teve na vida, é exatamente o que eu pretendo lhe proporcionar.
- E por acaso sabe como catar amêijoas, espertinha?
- Como pode me perguntar uma coisa dessas? Meu povo cresceu perto do mar!
- Mas você cresceu comigo bem no centro do país, em Tulsa. Helloo!... Não há oceano lá.
Jacky endireitou a espinha, por mais que sua atual altura fosse mínima, e Kat pensou como era engraçado que ela estivesse presa a um corpo tão diferente do seu e
ainda mantivesse gestos e expressões tão característicos, além da mesma postura determinada.
- Eu pesquisei no Google sobre coleta de mariscos para as nossas férias. Sabe... aquelas que tiramos antes de morrer.
- Sim, tenho uma vaga lembrança. - Kat franziu o cenho. - Mas, nas Ilhas Cayman, não me lembro de nada dizendo que precisávamos catar nossa própria comida. Diacho,
não precisávamos nem mesmo nos levantar para pegar bebida!
- Mas eu pesquisei mesmo assim. Faça o que eu fizer e vai dar tudo certo.
- Ei, e o que Pátroclo está fazendo agora? - Kat quis saber.
- Dormindo, ora. - O sorriso de Jacky foi lento e malicioso. - Não faz ideia das maravilhas de que a boca daquele homem é capaz!
- Desembuche!
- Esta manhã, acordei com o rosto dele entre as pernas. Pensei que fosse morrer de novo, mas desta vez não tive dúvida quanto a estar ou não no Céu!
- E pensar que eu podia ter acordado do mesmo modo se não tivesse ido lá me amolar! - resmungou Kat.
- Relaxe. Seu namoradinho não parecia estar disposto a fazer qualquer tipo de exercício esta manhã. Deixe-o se recuperar, sua assanhada. De qualquer forma, isto
não deve demorar muito. Quem sabe, quando voltarmos, pode deslizar para o lado dele na cama e ainda dar sorte?... A propósito, notei que Aquiles tem uma bela de
uma coxa.
Kat ergueu as sobrancelhas.
- Não é apenas a coxa que ele tem de belo.
Jacky riu, em seguida fitou a amiga nos olhos.
- Estamos completamente apaixonadas por eles, não estamos?
- Completamente - confirmou Kat.
- É tudo muito estranho.
- Verdade. Se quer saber, acho que sinto tanto a falta de champanhe quanto a de água corrente quente.
- Se é assim, pode usar seu desejo para pedir fornecimento vitalício de champanhe - sugeriu Jacky.
- Meu desejo?
- Esqueceu? Assim que a guerra acabar, as deusas terão de nos conceder um desejo.
Kat piscou.
- Merda! Eu tinha me esquecido disso! - Ela ergueu uma sobrancelha para a amiga. - Quer que eu desperdice o meu desejo em champanhe, assim pode beber também!
- Nossa, isso me faz parecer tão superficial, Katrina!
- Acertei, não acertei?
- Que dúvida!...
Elas haviam chegado à praia, cuja maré estava recuada, e Jacky começou a amarrar as saias, sinalizando para que Kat fizesse o mesmo.
- Muito bem, é fácil. Basta irmos sentindo essa faixa de areia exposta com os pés até encontrarmos as amêijoas. Depois as colocamos no balde e as levamos para que
uma das servas as cozinhem.
- Tudo bem, mas se algo tentar me comer...
- Eu sei, eu sei. Abro o seu botão de pânico ou grito para Aquiles. Mas não se preocupe. A mãe dele me garantiu que nada do mar vai atacá-la de novo. Ei, agora que
estou pensando nisso, deve ser muito legal ter uma sogra deusa.
- Tem razão. Infelizmente para você, ouvi dizer que a mãe de Pátroclo é uma harpia.
- Jesus amado! Está de brincadeira comigo?
Kat sorriu para ela e começou a cavar em torno da areia molhada e macia.
- Eu faria isso?...
Jacky tinha razão. As amêijoas praticamente pularam para dentro do balde, o que as fez se perguntar se a deusa do mar, mãe de Aquiles, lhes dera alguma ajuda.
Mal haviam se passado duas horas após o amanhecer quando as duas, já bem alimentadas por sanduíches de pernil e uma boa dose de vinho, começaram a cambalear de volta
ao acampamento.
Foi então que o dia se apresentou.
- O que deu nele? - Kat perguntou, apontando para um guerreiro que se aproximava, correndo como louco pela praia.
Jacky protegeu os olhos e os apertou para enxergar melhor, depois deu de ombros.
- Pátroclo mencionou algo sobre os homens terem de treinar esta manhã. Talvez eles estejam começando com um sprint praia abaixo.
- Treinar? Está falando sério? Estranho Aquiles não ter dito nada.
- Talvez sua boca estivesse ocupada com outras coisas na noite passada - provocou Jacky.
Kat abriu a própria boca para concordar, e ainda acrescentar mais alguns detalhes sórdidos, quando o corredor as avistou e mudou de rumo, vindo em sua direção.
- Há alguma coisa errada - intuiu Jacky.
- Merda! - Kat praguejou, concordando.
O guerreiro chegou por fim. Era Diomedes, o parceiro de Aetnia, Kat reconheceu. Estava ofegante, porém suas palavras soaram dolorosamente claras.
- Princesa, você e Melia precisam vir comigo. É Pátroclo... Ele está morrendo!
Jacky agarrou a mão de Kat.
- Leve-me até ele. Agora! - gritou, aflita.
O guerreiro inverteu seu caminho, diminuindo o ritmo de modo a não se distanciar das duas mulheres. Kat queria perguntar o que havia acontecido, mas não tinha fôlego
para gastar com palavras. Muito menos a mulher pálida e silenciosa que corria a seu lado.
A jornada pareceu durar uma eternidade, porém eles finalmente alcançaram o acampamento dos Mirmidões, e a tenda de Pátroclo. Kat observou a expressão sombria dos
homens manchados de sangue que cercavam a barraca, e sentiu o coração afundar.
Ela e Jacky entraram correndo na tenda e depararam com Pátroclo deitado na cama larga, encharcado de sangue fresco, com Kalchas pairando sobre ele tal qual um abutre.
- Saia de perto dele! - Jacky gritou, empurrando o velho magricela de lado. - Oh, Deus, não!... - Foi tudo o que Kat a ouviu dizer antes que a moça se pusesse a
trabalhar. Olhou para os dois guerreiros de pé ao lado da cabeceira. - Ajudem-me com esta armadura!
Eles a obedeceram de pronto, tirando a armadura cujo dourado se transformara em úmido escarlate.
Kat sentiu uma onda de náuseas ao ter uma visão mais clara do ferimento que Pátroclo trazia no pescoço. O rapaz sangrava por meio de várias outras lacerações no
corpo, entretanto era o corte na garganta o que a apavorava mais.
Jacky se inclinou sobre ele, cutucando-o, examinando-o. Sem fitá-la, dirigiu-se a ela.
- Precisa encontrar algo parecido com um canudo para mim. Não pode quebrar fácil, mas não pode ser muito maior do que um canudo, entendeu? Depressa, Kat!
- Vou encontrar alguma coisa! - Ela se deteve apenas por tempo suficiente para fazer um afago no braço da amiga, então correu para fora da tenda.
Quando viu Ulisses se aproximando, quase gritou com alívio.
- Ele está morto? - indagou o guerreiro.
- Ainda não, mas estou com medo de que morra se não me ajudar a encontrar uma coisa - Kat apressou-se em dizer.
- Farei o que puder.
- Preciso de um pedaço de junco ou algo deste tamanho que seja comprido e oco. - Ela mostrou com as mãos. - Não pode ser frágil nem muito flexível. Não pode se quebrar,
entendeu?
- Sim. Por aqui! - Ele se virou, e Kat tentou alcançá-lo conforme Ulisses corria em direção às dunas. - Por sorte estamos no verão! Eles são muito fracos na primavera
e muito frágeis durante o inverno, mas nesta época do ano podem servir. - O rapaz parecia estar falando mais para si mesmo do que para ela conforme procurava em
meio às gramíneas. - Pensamos que era ele, você sabe.
- Ele?... - Kat mal escutava. Queria apenas ter ideia de como era aquele junco para poder ajudar Ulisses.
- Aquiles! Pensamos que Pátroclo fosse Aquiles. Até mesmo eu me deixei enganar. Ao menos foi isso o que Atena havia dito.
Kat fitou o rosto moreno do guerreiro. Ulisses parecia aborrecido, quase zangado com sua deusa.
Tocou-lhe o braço, e ele parou de procurar a planta para se voltar para ela.
- Não estava sabendo sobre tudo isso, estava? - Ulisses quis saber.
- Não faço ideia do que está falando - afirmou Kat.
- Onde está Aquiles?
A pergunta a pegou de surpresa.
- Ele devia estar aqui com você, ou ao menos com seus homens. Levantei-me muito cedo esta manhã, e imaginei que ele estivesse com os Mirmidões.
Ulisses a observou por algum tempo antes de responder.
- Está falando a verdade. Não teve nada a ver com isso, não é? Não sabe o que Pátroclo fez.
- Ulisses, já chega! O que aconteceu?!
O famoso guerreiro a encarou, capturando-a com seu olhar inteligente.
- Esta manhã, Pátroclo vestiu a armadura de Aquiles. Deve ter contado com a magia de uma deusa porque agiu exatamente como ele. E nós o seguimos até o campo de batalha.
Todos nós.
Capítulo Vinte e Oito
- Não! - Kat exclamou.
Que diabo Pátroclo tinha na cabeça? Ele não devia ter lutado sem Aquiles!
- Ele se cansou de esperar.
- E por isso colocou a armadura de Aquiles e se fez passar por ele?!
- Foi mais do que isso. Pátroclo era Aquiles. Parecia-se com ele, movimentava-se como ele, lutava como ele. Até falava como ele. Mesmo depois que foi ferido, eu
ainda acreditava que ele fosse Aquiles.
Kat sentiu o corpo formigando.
- E Pátroclo conseguiu fazer tudo isso por conta própria? Eles são primos, mas não são assim, tão parecidos! Fomos enganados pelas deusas!
- Atena mentiu para mim.
A profundidade da dor na voz de Ulisses chocou Kat.
- Meu palpite é de que havia mais do que apenas uma deusa nessa história. - Em seguida, outro pensamento, ainda mais terrível, se abateu sobre ela. - Ulisses, quem
feriu Pátroclo? -indagou, mas sabia a resposta.
- Foi o seu irmão, Heitor.
- Oh, Deus!... - Kat sentiu os joelhos falharem e sentou-se na duna.
- Heitor ainda está vivo, princesa - Ulisses tentou acalmá-la.
- Como pode ter acontecido uma coisa dessas? - ela se perguntou, afundando o rosto nas mãos.
- Ajax. Era como se ele estivesse possuído. Gritou um desafio para Heitor, dizendo que Aquiles finalmente tinha vindo até ele, e então abriu caminho entre os dois
guerreiros. Heitor o matou pouco antes de ele e Pátroclo começarem o combate.
- Isso não faz sentido. Aquiles jamais iria lutar com Heitor. Ele não queria lutar com mais ninguém!
- Ele vai querer lutar com Heitor agora - concluiu Ulisses com uma expressão grave.
- O quê?
- Se Pátroclo morrer, Aquiles vai querer vingança pela morte do primo.
Kat olhou para Ulisses quase sem compreender as palavras, e um terrível calafrio deslizou por seu corpo.
- Pátroclo não pode morrer. Encontre esse junco e leve-o para Jacky!
- Jacky?
Kat balançou a cabeça, como se tentando clareá-la.
- Eu quis dizer Melia. Consiga o junco para ela! - Levantou-se, obrigando as pernas a trabalhar. - Vou atrás de Aquiles.
Ulisses a tocou no braço.
- Tenha cuidado, princesa. Aquiles não é a Fúria, mas esta não é humana e pode matá-la. Nunca duvide disso.
Kat assentiu em silêncio e começou a se afastar, contudo as palavras seguintes a detiveram:
- Sei que você e Melia não são o que parecem, mas, a menos que sejam imortais, não creio que possam derrotar a Fúria.
Ela encontrou o olhar do guerreiro apenas por mais um instante antes de bater em retirada. Tinha a mente focada apenas em uma pessoa: Aquiles. Sabia onde ele estava.
O modo estranho como este continuara dormindo mesmo com a maneira escandalosa com que Jacky a acordara fazia sentido agora.
Kat irrompeu tenda adentro. O interior estava frio, pouco iluminado, e Aquiles não se movera desde que ela partira na companhia da amiga. Hesitou ao olhar para seu
rosto adormecido. Ele parecia tão sereno e relaxado, ali, esparramado sobre a cama!... O cabelo dourado cobria-lhe parte do rosto, escondendo as cicatrizes e fazendo-o
parecer tão moço que, por um momento, ela não conseguiu respirar. Sabia que tudo iria mudar depois que o acordasse.
E não queria mudar coisa nenhuma.
Afastou uma mecha dourada do rosto moreno, porém Aquiles não se mexeu. Beijou-lhe a face, e os lábios benfeitos se inclinaram de leve. Então ela apertou o ombro
largo.
- Aquiles, precisa acordar!
Precisou sacudi-lo antes que ele rolasse na cama, ainda grogue, e piscasse para ela.
- Katrina... - Aquiles sorriu. - Eu estava sonhando com você.
O olhar doce do guerreiro fez o estômago dela se apertar. Kat preparou a si mesma e manteve a voz calma e firme:
- Precisa vir comigo. Houve um acidente e Pátroclo foi ferido.
Aquiles se livrou do último vestígio do que o mantivera adormecido por toda a manhã.
- Como ele está? - perguntou enquanto vestia as roupas e rumava para a saída.
- Aquiles... - Ela o segurou pelo braço, e ele fez uma pausa para fitá-la. - Seu primo não está bem. Tem que se preparar. Pátroclo precisa de você, e não da Fúria.
Não há batalha por que lutar, compreendeu? - falou devagar e claramente.
- Sim, sim, eu compreendo - ele respondeu um pouco impaciente. - Onde ele está?
- Em sua tenda. Lembre-se... - ela acrescentou em voz baixa, conforme se apressava para ir atrás dele - ... Jacky é enfermeira, uma curandeira muito talentosa, mas
Pátroclo parece estar mal e... - Sua voz falhou. Ela não foi capaz de mentir. Não poderia dizer a Aquiles que Jacky salvaria Pátroclo.
Em seguida percebeu que não precisava ter se preocupado com o que dissera ou não. Aquiles nem sequer a ouvira. Já estava caminhando direto para a tenda do primo,
e ela precisou correr para acompanhá-lo.
Quando ele avistou os Mirmidões manchados de sangue ainda trajando suas armaduras completas e em pé do lado de fora da barraca, todos em silêncio e com expressões
sombrias, Kat pôde sentir o choque que o atravessou como se fosse em seu próprio corpo. Aquiles fez uma pausa, respirando fundo várias vezes antes de inclinar a
cabeça e se abaixar para entrar na tenda. Preocupada, ela o tocou no braço, e seu olhar encontrou o dela.
- Não há nenhuma batalha para lutar - ele repetiu baixinho.
- Nenhuma batalha - ela concordou, como se as palavras contivessem poder.
Entraram na tenda. Aquiles deu dois passos em direção à cama, e o som terrível de ar borbulhando em meio ao sangue chegou até eles, fazendo-o estacar como se houvesse
trombado com uma parede invisível.
Jacky ergueu a cabeça, e seus olhos passaram de Aquiles para Kat.
- Trouxe o que eu pedi?!
- Ulisses está cortando junco - Kat assegurou. - Deve chegar aqui a qualquer instante.
- Eu preciso dele agora! - gritou a moça.
- É um corte de espada. Ele... Eles andaram lutando! - concluiu Aquiles conforme se postava na lateral da cama, chutando inadvertidamente uma parte ensanguentada
da armadura. Quando olhou para baixo, Kat viu a dúvida em seu rosto. Em seguida, os olhos azuis se arregalaram. - Pátroclo estava usando a minha armadura!
Para Kat, a voz de Aquiles soou baixa, mas, de alguma forma, esta chegou até Pátroclo. Ele abriu os olhos, e seu olhar se voltou imediatamente para o primo.
- Pelos deuses, o que fez?! - indagou Aquiles, estendendo a mão para o rapaz.
Pátroclo não podia falar, entretanto. Tudo o que podia fazer era lutar para respirar. Seus lábios ensanguentados formaram a palavra "Perdão", e então ele revirou
os olhos antes de fechá-los.
- Ele usou a minha armadura e os levou a combate... - Aquiles murmurou com voz sumida enquanto observava o primo, agora inconsciente, ainda lutando por ar.
- Pensamos que ele fosse o senhor - contou Diomedes, falando de um canto escuro da tenda.
Kat viu os olhos de Aquiles faiscarem para o guerreiro, e Diomedes encolheu os ombros, tenso. - Todos pensaram que ele era você. Mesmo Heitor imaginou estar lutando
contra Aquiles até arrancar o elmo de Pátroclo. Foi nesse momento que parou e...
- Heitor!
Kat nunca ouvira nada parecido com a frieza na voz de Aquiles, e gelou até a alma.
- Sim, senhor. Foi Heitor - confirmou Diomedes.
- Heitor o matou - concluiu Aquiles no mesmo tom gélido e sem emoção.
- Ainda não! Pátroclo não está morto! Não diga uma besteira dessas, ele pode estar ouvindo! - gritou Jacky, sem nem mesmo lançar um olhar na direção de Aquiles.
Mais uma vez, seus olhos buscaram os de Kat. - Eu preciso do junco. Agora! Se Ulisses o encontrou, tem que ir atrás dele!
Kat acenou com um gesto de cabeça, mas hesitou por um momento, tão preocupada em deixar Aquiles quanto apavorada com o que poderia acontecer se não conseguisse encontrar
Ulisses e a planta.
- Vá. Encontre-o - falou Aquiles no mesmo tom frio. - Consiga o que é necessário.
Ela mal se voltara na direção da saída quando Ulisses irrompeu tenda adentro. Ofegante, correu para Jacky e entregou-lhe vários pedaços de junco de diferentes tamanhos,
todos na forma de canudos.
- Será que vão servir!
- Têm que servir - ela sussurrou.
Pátroclo parou de respirar.
- Pátroclo! Primo! - Aquiles gritou e começou a sacudi-lo pelos ombros, assim como Kat tinha feito para despertá-lo momentos antes.
- Já chega! - Jacky o interrompeu. - Ulisses, leve Aquiles daqui!
- Eu não vou s... - Aquiles começou a rugir, porém Kat se pôs a seu lado e o tocou no braço.
- Não vai ajudá-lo ficando nesse estado!
Aquiles a fulminou com o olhar, porém ela manteve a voz calma.
- Não há batalha por que lutar aqui, Aquiles. - Kat lançou um olhar rápido na direção de Ulisses. - Leve-o.
O guerreiro assentiu, aproximando-se com cuidado do amigo.
- Vamos, Aquiles. Precisa...
- Quero esta tenda vazia agora! - A voz alterada de Jacky se sobrepôs à de Ulisses. - Quero todos fora daqui, exceto a princesa!
Aquiles ameaçou discutir, e Kat tratou de se colocar entre ele e a cama.
- Não há tempo para isso. E também não temos como lidar com a Fúria aqui dentro. Se existe uma chance de Jacky salvá-lo, precisa sair daqui e se manter sob controle.
Prendeu a respiração quando Aquiles cerrou a mandíbula e seus olhos turquesa se tornaram mais escuros; contudo ele concordou com um gesto tenso de cabeça e, seguido
por Ulisses e Diomedes, deixou a barraca.
Kat voltou-se para a cama a tempo de apanhar um bolo de trapos de linho que a amiga lhe jogava.
- Suba na cama e tente manter todo esse sangue fora do meu caminho - orientou Jacky enquanto inspecionava, apressada, todos os juncos que Ulisses trouxera. Escolhendo
um deles, curvou-se sobre Pátroclo e aproximou uma pequena faca afiada de sua garganta.
Kat cerrou os dentes, combatendo as ondas de náusea enquanto auxiliava a amiga na traqueostomia. Aquilo pareceu demorar dias, mas a lógica lhe dizia que apenas alguns
minutos tinham se passado quando o peito de Pátroclo começou a subir e descer outra vez. Ela respirou fundo, aliviada, então olhou para Jacky, que continuava pálida
e com os lábios apertados.
- Pátroclo está respirando agora - murmurou, preocupada. - Ele não vai ficar bom?
- Por algum tempo. Está com o pescoço estraçalhado. É como colocar um Band-Aid em uma represa... Não vai durar.
- O que mais podemos fazer?
- Levá-lo a um hospital. Com médicos de verdade, medicina de verdade, cirurgia de verdade. - Jacky enxugou a testa molhada na manga, e Kat notou que suas mãos tremiam.
- Ele vai morrer, Kat. Não há nada que eu possa fazer para impedir isso. Não aqui, não agora... - Ela apertou o dorso da mão contra a boca na tentativa de abafar
um soluço.
- Não. Nunca! Pátroclo não vai morrer por causa do plano infeliz de uma deusa! - Kat abriu o medalhão em forma de coração que pendia da corrente em seu pescoço.
- Vênus! É uma emergência! Preciso de você agora! - gritou, e prendeu a respiração, rezando em silêncio.
Por favor... Por favor, apareça!
No centro da tenda, uma nuvem de pó cintilante explodiu, e Vênus surgiu do brilho que se desvanecia.
- O que foi, querida? Tétis garantiu que não haveria mais nenhuma surpresa marítima desagradável. - O olhar da deusa a percorreu de cima a baixo, constatando que
Kat se encontrava ilesa. - E me parece perfeitamente saudável. Katrina, sabe que eu a adoro, mas não pode ficar desperdiçan...
- Não sou eu, é Pátroclo! - Kat a interrompeu, apontando para a cama atrás de Vênus.
A deusa virou-se e soltou uma exclamação.
- Não! Não era para acontecer isso!
Kat se postou a seu lado, tensa.
- Então sabia que ele havia tomado o lugar de Aquiles.
Os belos olhos de Vênus se encheram de lágrimas.
- Foi uma boa ideia. Pátroclo podia ter levado os Gregos à vitória fingindo ser seu Aquiles. A guerra teria acabado, e Aquiles teria sobrevivido. - A deusa balançou
a cabeça para Jacky, inconformada. - Eu não queria que ele fosse ferido.
- Salve-o! - Jacky falou em uma voz baixa e tensa.
- Por favor! - reforçou Kat. - Se não queria que ele se machucasse, precisa salvá-lo!
Vênus se aproximou do corpo alquebrado de Pátroclo. Pressionou a mão em sua testa e fechou os olhos. Um tremor a sacudiu, e ela deixou escapar um doloroso gemido.
- Ele vai morrer. Está além dos meus poderes curá-lo. É o destino.
- Não! - Jacky gritou. - Já mudou o destino antes! Kat e eu morremos, você pegou nossas almas e mudou nossa sina! Faça isso outra vez!
- Não posso. Algumas coisas fogem do alcance até mesmo do Amor.
- Não, não fogem - Kat contrapôs com firmeza. - O Amor é mais poderoso do que qualquer outra coisa. Pode salvá-lo, Vênus! Tudo o que precisa fazer é mesclar seus
poderes com o mundo moderno, e já fez isso antes.
- O que está imaginando, Katrina? - a deusa perguntou, obviamente intrigada.
- Dê-lhe um pouco de sua magia divina. Não o suficiente para mudar sua sina, apenas o bastante para lhe emprestar um pouco de força. E depois envie-o para Tulsa.
Deixe que a medicina moderna cuide do destino de Pátroclo. Os médicos modernos vivem fazendo isso.
- Minha magia e o seu mundo moderno... Talvez tenha razão.
- O Pronto-Atendimento do Saint John´s seria perfeito. Você conhece Tulsa, Vênus. Pode fazer isso!
- Talvez dê certo - concordou a deusa.
- Nada vai dar certo se não se apressar! - lembrou Jacky, levantando o pulso frouxo de Pátroclo.
- Você o ama? - Vênus perguntou de repente.
Jacky encontrou os olhos da diva.
- Sim.
- Se é assim, vou ajudá-la. - A deusa sorriu, beijou a palma da mão e soprou o beijo para Pátroclo, que cintilou brevemente como se tivesse sido mergulhado em glitter.
- Agora, vá com ele e certifique-se de ser a primeira pessoa que ele virá ao acordar. A deusa bateu palmas, e Pátroclo e Jacky desapareceram em uma nuvem brilhante
de fumaça.
Nem Kat nem Vênus viram Agamenon, que deixou a tenda nesse mesmo momento. Também não haviam notado quando o rei grego deslizara para dentro da barraca em silêncio,
preparado para fingir pesar pela morte daquele que devia ser Aquiles.
A verdade era que Kalchas havia lhe trazido a amarga notícia de toda aquela farsa após ele já ter adentrado o acampamento dos Mirmidões. O velho viera tão logo ficara
sabendo que não fora Aquiles quem tombara sob a mão de Heitor.
O problema era que muitos dos guerreiros já o tinham visto. Se ele retornasse, poderia ser culpado pelo embuste que estava custando a vida de Pátroclo.
Sua irritação e frustração, contudo, haviam desaparecido diante da cena que testemunhara entre a deusa e as duas mulheres que fingiam ser Polixena e sua serva.
Então, as deusas estavam mesmo orquestrando a guerra. Ele soubera disso todo o tempo! Talvez a própria Hera tivesse sussurrado em seu ouvido para que ele corresse
até o acampamento dos Mirmidões.
Sim, estava certo de ter ouvido a voz suave da deusa...
E agora sabia exatamente o que fazer.
Em silêncio, Agamenon deixou a tenda e se virou para os Mirmidões que a vigiavam.
- Pátroclo se foi - murmurou, solene, adorando a ironia da verdade que revelava apenas em parte. - Onde está Aquiles? Ele precisa ser avisado.
Diomedes avançou um passo.
- Ele foi para a praia com Ulisses. Ficamos de lhe dar notícias lá.
- Compreendo - respondeu Agamenon. - Devia estar tentando controlar a Fúria caso Pátroclo precisasse dele. Bem, isso não será de nenhuma serventia agora. Seu senhor
precisa saber. Diomedes olhou para a tenda, por cima do ombro do rei.
- As mulheres estão preparando o corpo - prosseguiu Agamenon. - É um momento solene. Não pode haver a presença de guerreiros.
- Quem vai contar a Aquiles?
- Eu sou seu rei. Eu mesmo o farei.
Diomedes hesitou.
- Mas, senhor, talvez...
- Talvez - Agamenon o interrompeu, ríspido - você deva reunir os seus homens à beira do campo de batalha. O que acha que Aquiles vai fazer quando souber da morte
do primo?
- Senhor! - Desta vez foi Automedon quem falou. - Não deveríamos nos preparar para a cerimônia fúnebre de Pátroclo? Ele não será homenageado por sua bravura?
Agamenon arregalou os olhos, fingindo surpresa.
- É óbvio que sim. Mas o que imagina que Aquiles vai dizer? Ou melhor, o que imagina que a Fúria vai fazer?
Os homens murmuraram entre si, e Agamenon sorriu para si mesmo.
- Vamos reunir os soldados e nos preparar para voltar à batalha - decidiu Automedon.
Diomedes concordou com um gesto de cabeça.
- E eu vou dar a Aquiles essa triste notícia - completou Agamenon.
Capítulo Vinte e Nove
- Acho que foi mesmo uma boa ideia - Vênus falou com um longo suspiro após Pátroclo e Jacky desaparecerem. - Como eu ia imaginar que Pátroclo ia deparar com Heitor?
Heitor e Aquiles têm evitado um ao outro durante toda a guerra. Simplesmente não faz sentido.
- Faz se houve algum tipo de interferência divina - afirmou Kat.
- O quê? Está desconfiando de mim? Eu não fiz nada para Heitor! E também não fiz quase nada para Pátroclo, exceto, talvez, incentivar uma ideia que ele próprio havia
tido, jogando um pouco do meu feitiço divino sobre ele.
- Eu não estava desconfiando de você. Todos nós sabemos que há várias deusas envolvidas nesta história.
- E deuses - completou Vênus, pensativa. - Hera precisou manter Zeus ocupado. Ele estava demostrando interesse demais em Troia, e parece que tinha ouvido dizer que
os Olímpicos vinham interferindo na guerra.
- Acha isso?
Vênus franziu a testa para Kat.
- Não estou falando sobre mim, Hera e Atena. Bem, pelo menos não sobre mim e Hera. Atena andou perdendo a cabeça, mas isso ia acabar acontecendo mais cedo ou mais
tarde. Pelo pau duro de Apolo, aquela criatura é tão reprimida! No fim, o que nós três fizemos não foi nada. O único problema é que não devíamos ter atraído a atenção
de Zeus.
- Acho que está subestimando o efeito que vocês três têm sobre os mortais, mas, que seja... O negócio é que esta guerra precisa acabar antes que mais alguém morra.
- Exatamente, querida.
- Então vamos dar um jeito nisso. - Kat lançou um olhar nervoso para a saída da tenda. - Em primeiro lugar, para onde, diabos, vou dizer a eles que Pátroclo e Jacky
foram?
- Não diga nada aos Mirmidões, exceto que a sua serva, uma curandeira dotada pelos deuses, precisa ficar sozinha com Pátroclo para rezar, jejuar e curá-lo. Eles
vão imaginar que deve estar havendo intervenção divina e permanecerão serenos até verem Pátroclo, curado e saudável, caminhando entre eles.
- E vou contar a verdade a Aquiles.
- Se acha que deve... Sabe que algumas coisas até o Amor mantém para si mesmo.
- Ele já sabe.
- Como?
- Eu disse a Aquiles a verdade sobre nós. E Pátroclo também sabe de tudo.
- Ah, claro que sim.
- Não me parece surpresa - observou Kat.
- Querida, você e a gracinha da sua amiga podem ser tudo, menos discretas.
- Verdade. Eu só queria que também soubesse. Agora me diga: como vamos acabar com esta guerra?
- Se parar para pensar, foi por isso que eu trouxe vocês duas - principalmente você - para o meio desta confusão - lembrou Vênus. - Se tivéssemos uma maneira rápida
de impedir esta guerra, já o teríamos feito, mas não sem dar início a outra disputa, desta vez no Olimpo. E uma guerra no Olimpo nenhuma de nós está disposta a provocar.
- Não consigo tirar a história do cavalo da cabeça.
- De que cavalo, querida?
- Do Cavalo de Troia que foi descrito naquela maldita Ilíada - resmungou Kat.
- O tal cavalo gigante de madeira que levou o exército grego para dentro das muralhas de Troia? Da mesma história que afirma que Aquiles só pode ser morto se for
atingido no calcanhar? É desse cavalo que está falando?
- Isso mesmo. Sem dúvida houve licença poética por parte de... sei lá qual era o nome dele, mas talvez haja uma pitada de verdade nisso tudo. Eu mesma vi algumas
das noivas de guerra usando pingentes que pareciam a cabeça de um cavalo.
- Algumas delas também usam pingentes que lembram um falo ereto, mas isso não significa que podemos construir um pênis gigante, enchê-lo com guerreiros e despejá-los
em Troia. Se essa artimanha desse certo, eu já teria pensado nisso anos atrás... Afinal sou especialista em pênis.
Kat coçou a cabeça. Estava se sentindo péssima: cheia de calor, sal e sangue. E Vênus já estava lhe provocando uma enxaqueca!
Também precisava contar a Aquiles que Pátroclo iria ficar bem. Ao menos esperava que tudo fosse ficar bem.
- Tenho que falar com Aquiles - disse a Vênus. - Pátroclo foi mesmo para Tulsa, não foi?
- Claro que sim.
De repente, Kat sentiu o estômago se contrair.
- Vênus, você vai trazê-los de volta, não vai? Jacky e Pátroclo?... Não pode simplesmente abandoná-los lá, com Jacky no corpo errado e tudo o mais. - E, ainda por
cima, num mundo muito diferente do que eu estou!, acrescentou em pensamento, combatendo o pânico.
- É claro que eles vão voltar. Ambos. Se ele sobreviver. Do contrário, não creio que Jacky fosse qu... - A deusa fez uma pausa ao perceber os olhos arregalados de
Kat, depois balançou a cabeça. - Não. Pátroclo tem de viver. E, sim, vou trazê-los de volta. Nesse meio-tempo, lançarei um pouco da minha magia aqui e acolá antes
que fiquem sabendo que eles deixaram esta barraca. Na verdade... - Vênus levantou a mão - ... precisa ir agora, querida. Vou selar a tenda.
- Mas e se alguém perceber? E se alguém tentar entrar?
Vênus sorriu.
- Estamos no mundo antigo, Katrina. Se eles não conseguirem abrir a tenda, vão concluir que ela está amaldiçoada ou abençoada. Tudo dependerá de seu ponto de vista.
- A deusa fez um gesto para Kat. - Vá em frente, vamos!
- Está bem, vou atrás de Aquiles enquanto continua pensando em uma maneira de pôr fim a esta guerra.
- Sim, sim... claro. Chame se precisar de mim - Vênus a orientou.
- Pode contar com isso - murmurou Kat, e abaixou-se para deixar a barraca, sentindo como se uma estranha porta houvesse sido batida e trancada na aba fechada atrás
dela.
Piscou, ajustando os olhos ao sol forte e ofuscante do meio da manhã. Mal podia acreditar que já era quase meio-dia. Parecia que anos haviam se passado.
Mas onde, diabos, estava todo mundo? Não havia um só guerreiro à vista.
- Aquiles? - chamou, caminhando pela lateral da tenda. - Ulisses?...
Ninguém. Nem um só soldado ou noiva de guerra nervosa.
- Isto não está me cheirando bem - falou para si mesma conforme corria para a tenda de Aquiles.
A primeira coisa que notou foi Aetnia, sentada no banco ao lado da fogueira. Quando a moça ergueu a cabeça para fitá-la, Kat viu que esta tinha o rosto banhado em
lágrimas.
- Aetnia! Você está bem?
- Ah, senhora! É tudo tão terrível! Ele vai matar o príncipe Heitor, eu sei que vai!
- O quê? Fale devagar. Quem vai matar Heitor?
- Aquiles, claro! Aquele bruto horroroso! Agamenon foi dar a ele a notícia da morte de Pátroclo. A Fúria vai dominá-lo e, então, o nosso príncipe estará condenado!
- A serva apertou as mãos de Kat de repente. - Talvez possa avisá-lo, senhora! Vamos juntas! Agamenon ainda não deve ter dito nada a Aquiles. O dia está apenas começando,
e Heitor provavelmente ainda se encontra no campo de batalha. A senhora pode adentrar as muralhas quando bem entender! - Aetnia puxou as mãos de Kat, como se querendo
arrastá-la para Troia.
- Pare, Aetnia! Não há tempo para isso!
A moça deixou cair as mãos, o rosto cheio de confusão e choque.
- Diga-me onde posso encontrar Aquiles - ordenou Kat.
Aetnia balançou a cabeça devagar.
- O que aconteceu com a senhora, princesa? Melia também a enfeitiçou?
- Aetnia, essa história de feitiço é bobagem. Por que, diabos, você e todas as outras mulheres daqui se mostram tão dispostas a acreditar que quando alguém age de
modo diferente do normal deve estar enfeitiçado, louco ou coisa mais bizarra? Que tal pensarem apenas que tenho minha própria opinião sobre Aquiles e sobre esta
maldita guerra, e que as coisas podem não ser como o... - Ela se interrompeu, quase dizendo "governo". Depois mudou a palavra para algo que faria mais sentido para
Aetnia: - ... como o soberano deste lugar deseja.
Aetnia abriu e fechou a boca, lembrando quase uma carpa.
- Creio que eu já conheça Aquiles e alguns desses outros homens o suficiente - Kat prosseguiu. - Há quanto tempo está com Diomedes? Dois anos? Talvez esta guerra
seja um total equívoco para ambos os lados. Talvez esteja mais do que na hora de ela acabar. Aliás, Aquiles não é nenhum monstro - acrescentou com firmeza. - Agora
me diga: onde ele está?
Aetnia apontou para o mar atrás de Kat.
- Ele e Ulisses foram para a praia. Agamenon foi atrás deles há apenas alguns minutos.
- Obrigada! - Kat agradeceu rapidamente e se pôs a caminhar. Em seguida, olhou por cima do ombro. - E você... trate de pensar por si mesma daqui para a frente.
Agamenon já tinha visto a Fúria antes. Muitas vezes, na verdade, embora houvesse sido sempre a distância, quando Aquiles derrotava o campeão desta ou daquela tribo
e poupava o exército grego de mais uma desagradável batalha. Em todas essas vezes, ele, o rei, nunca temera a criatura que possuía o guerreiro.
O que não aconteceu naquele momento. O que Agamenon testemunhou, então, o deixou petrificado.
Ele havia alcançado Aquiles e Ulisses na praia, onde o guerreiro cheio de cicatrizes andava de um lado para o outro, próximo da beira-mar, decerto tentando controlar
suas turbulentas emoções.
Ulisses falava com o amigo em uma voz baixa e calma quando notou Agamenon se aproximando, e ambos os homens mergulharam num silêncio tenso enquanto o rei grego se
juntava a eles.
- Diga-me - pediu Aquiles.
- Ele se foi. Pátroclo já não é deste mundo - Agamenon falou sem delongas. - Decidi honrar sua memória vindo lhe dar esta notícia pessoalmente.
- Honrar sua memória? - Aquiles rosnou. - Não há honra, nem justiça ou esperança neste mundo! Meu primo morreu fingindo que era eu, no que não vejo nenhuma honra!
- Discordo, Aquiles - contrapôs Agamenon, dominando a própria satisfação ao ver o autocontrole do guerreiro se desintegrando como a coluna de sustentação de uma
acrópole. - O senso de honra típico dos Gregos é que fez Pátroclo criar essa farsa. E foi o destino que colocou Heitor em seu caminho.
- Destino? Pois eu amaldiçoo o destino e todos os seus asseclas no Olimpo! Este mundo pode não ter honra, nem justiça, nem esperança... mas pode ter vingança! -
As últimas palavras saíram num rosnado.
- Aquiles, meu amigo, vamos voltar para o acampamento e planejar o funeral do seu primo - sugeriu Ulisses, postando-se entre o rei e o guerreiro.
- Ouça o que diz Ulisses, Aquiles. E eu até ordenarei que nenhum Grego vá a combate por dez dias para homenagear Pátroclo... - Agamenon concedeu, fingindo consternação
- ... embora tenhamos que esperar até o fim do dia para cessar o combate. Afinal, muitos dos Mirmidões ainda estão lutando contra Heitor. O príncipe tem guerreado
como se estivesse possuído desde que fez seu primo tombar - completou Agamenon, adorando a ironia evocada nas palavras.
Ulisses agarrou o braço do rei.
- Basta, Agamenon! Sabe que os Mirmidões seguiram suas ord...
Agamenon puxou o braço da mão de Ulisses.
- Como ousa, Itacense!? - De repente silenciou, os olhos se arregalando enquanto recuava vários passos aos tropeços.
Ulisses se virou.
- Aquiles, não!
Era tarde demais. Os olhos do guerreiro já haviam começado a ficar congestionados, tingindo-se de um vermelho escarlate.
- Diga-lhe que o sonho acabou... Ela precisa retornar para sua casa... Peça-lhe que me perdoe - começou a grunhir numa voz que, decididamente, não era humana. Então
ergueu os braços para o céu e soltou um rugir ensurdecedor conforme, numa onda, a ira cascateava por seu corpo.
Agamenon continuou a se afastar do que antes era Aquiles. Aquela posse da Fúria parecia diferente. O corpo do guerreiro crescia e se retorcia com músculos gigantescos.
Suas cicatrizes, sempre grotescas, se espalharam pelo restante de sua pele, de modo que ele parecia feito de retalhos e ferimentos... definido pela dor. Seu rosto
conservava apenas a estrutura daquele do homem, mas sobre essa estrutura formaram-se as feições de uma besta monstruosa, desumana. Uma criatura que não conhecia
nada, a não ser a raiva, a dor e o desejo por sangue.
Agamenon se deu conta do que havia acontecido e, mesmo apavorado, precisou reprimir um grito de vitória. Até aquele momento, Aquiles sempre lutara contra a Fúria.
Lutara para conservar um vestígio de humanidade, de modo que pudesse encontrar o caminho de volta para si mesmo.
Desta vez, entretanto, não parecia ter a intenção de voltar. O que ele estava testemunhando, refletiu Agamenon, era a destruição absoluta do homem. A fragmentação
de sua alma. Embora Aquiles ainda pudesse estar em algum lugar dentro daquela casca torcida, tinha desistido e, por fim, acatado seu destino.
Com outro rugido assustador, aquilo que fora Aquiles correu na direção das muralhas de Troia.
Agamenon respirou, profundamente aliviado. Em seguida sentiu os olhos de Ulisses fixos nele e lançou ao rei de Ítaca um olhar inocente.
- Fiz um favor a Aquiles. Ele vai parar de combater agora e, sem dúvida, seu nome será lembrado por eras pelo que está prestes a fazer. - Aquela parte do plano era
desagradável, Agamenon acrescentou para si mesmo, porém inevitável.
- Você o enervou de propósito.
- Aquiles escolheu a glória há muito tempo. Eu apenas lhe concedi seu desejo.
Ulisses fulminou o velho rei com o olhar.
- Mentira.
Agamenon levantou os ombros cobertos de ouro.
- Claro que não. Pátroclo não pertence mais a este mundo, e os Mirmidões estão no campo de batalha assim como Heitor, tenho certeza.
Ulisses balançava a cabeça e olhava para o rei grego, enojado, quando Kat tropeçou em uma duna, depois se aproximou deles.
- Aquiles! - falou, ofegante, tentando recuperar o fôlego. - Onde ele está?
- Abraçando o destino em vez de você, princesa - ironizou Agamenon com um sorriso sarcástico.
- O que fez, seu velho imbecil?!
- Não se atreva a me falar dessa maneira, mulher!
- Foda-se! - explodiu Kat, o rosto a centímetros do dele, o que fez Agamenon recuar um passo, chocado.
Com um olhar de puro desprezo, ela deu-lhe as costas, voltando-se para Ulisses.
- O que aconteceu?
- Aquiles soube que Pátroclo está morto. A Fúria tomou conta dele por completo, e ele foi matar Heitor - contou o guerreiro.
Kat sentiu como se o mundo estivesse desabando.
- Não! - Ouviu-se dizendo em meio a um estranho zumbido nos ouvidos. - Ele não está morto!
- Mas estará em breve. Não há como detê-lo. O monstro já dominou o homem - Ulisses falou com pesar.
- Não estou falando de Aquiles, estou falando de Pátroclo! - explicou Kat, lutando para não entrar em desespero.
Ulisses cercou Agamenon.
- Afirmou que Pátroclo estava morto!
- Eu disse que ele havia deixado este mundo, o que é não é mentira.
Kat soltou uma exclamação ao ler a verdade nos olhos malévolos de Agamenon.
- Você sabia que Pátroclo não estava morto! Viu quando eles desapareceram!
- O que eu vi foi a prova de que não é a princesa de Troia!
Kat cerrou os dentes para o rei.
- Até que enfim falou uma verdade! Não sou mesmo uma mulher do mundo antigo, que você pode intimidar.
- Verdade? Pois parece muito frágil para mim. - Agamenon ameaçou fazer um movimento em sua direção, contudo Ulisses se pôs rapidamente entre eles.
- Não ouse tocá-la!
Agamenon hesitou, em seguida riu, irônico.
- Imagino que seja justo ficar com ela agora que seu amigo está fora do caminho... Mas saiba que ela está mentindo para você também. Não é nenhum oráculo de Atena.
O que tem é um conluio com a Deusa do Amor. Eu as vi juntas.
- Talvez devesse retornar ao seu acampamento, grande rei - A voz de Ulisses soou dura como pedra. - A batalha está prestes a ser ganha em seu nome, e precisa estar
lá para gozar sua glória.
Agamenon estreitou os olhos para Ulisses.
- Ela é apenas uma mulher. Prefere ficar a seu lado e contra o seu rei?!
- Deus, como você é idiota! - Kat desabafou antes que Ulisses pudesse falar. - Acha mesmo que sou apenas isto? - Ela apontou para o próprio corpo. - Isto não passa
de uma concha. E temporária. É o nosso espírito o que dura e realmente conta.
- Ah, mas acredito no que diz, princesa - falou Agamenon, a voz cheia de sarcasmo. - O que torna o que aconteceu com Aquiles ainda mais trágico. O que havia dentro
dele se foi. Mas não se desespere... Seu nome será lembrado para sempre.
Kat sentiu a raiva erigir dentro dela. Agindo por puro instinto, agarrou o pingente de Vênus com uma das mãos, enquanto apontava um dedo para o rei com a outra.
- Hoje é seu dia de sorte. Acertou duas vezes. Não sou uma princesa antiga, e estou mancomunada com a Deusa do Amor. Portanto, é com o poder de Vênus que afirmo
que o amor vai lhe trair, assim como traiu o meu amor. O amor será a sua morte e a sua maldição.
Agamenon estremeceu, contudo recuperou-se depressa.
- Não pode me amaldiçoar, sua bruxa. Eu tenho a proteção da Rainha dos Deuses!
Kat riu sem vontade.
- É mesmo? Da última vez em que Hera e eu conversamos sobre você, ela me disse que não passava de um cretino arrogante.
- Está mentindo!
- Se estou mentindo, então faça com que os monstros marinhos dos quais Hera ajudou a me salvar venham até aqui me agarrar. - Resoluta, Kat avançou alguns passos
na beira da água. As ondas invadiram seus sapatos enquanto ela esperava, mirando o oceano. Quando a água plácida não fez mais do que se mover, virou-se devagar para
encarar Agamenon. - Está perdido.
Agamenon a fitou, e o que viu em seus olhos o fez perder toda a cor.
- Fique longe de mim, sua feiticeira! - gritou. Depois começou a correr pela praia, de volta ao acampamento grego, o manto dourado voejando às costas como se ele
fosse uma enorme e desengonçada gaivota dourada.
Kat continuou a fitá-lo por algum tempo, rezando com todas as fibras de seu ser para que as maldições realmente dessem certo naquele mundo.
Capítulo Trinta
- Tem que me levar até Aquiles! - pediu Kat.
- Isso só vai matá-la ou coisa pior! - contestou Ulisses. - É muito próxima dele. A Fúria pode avistá-la muito fácil e, se você morrer, o resultado não poderia ser
melhor para Agamenon!
- Bobagem! Trazer Aquiles de volta será o melhor para todo o mundo. Agora, leve-me até ele, por favor!
- ... O campo de batalha é por ali.
Ulisses apontou na direção das dunas que, eventualmente, davam lugar a um campo de trigo, um bosque de adoráveis oliveiras e também a vários templos cheios de gente.
Além dos templos, Kat avistou as maciças muralhas de Troia.
Enquanto eles corriam para a cidade, ela pensou ter reconhecido o templo de Hera, onde ela e Jacky haviam sido trazidas para aquele mundo.
- Vou levá-la para o ponto mais próximo possível do campo de batalha, mas precisa ficar longe de lá. Aquilo não é lugar para uma mulher - alertou Ulisses.
- Ulisses, não vou mentir. Não tenho nenhuma intenção de ficar longe do campo de batalha. Vou aonde Aquiles estiver, e pronto.
- Não é um oráculo de Atena, é?
Ulisses a impediu de se concentrar na barra das saias conforme ela corria para acompanhar suas passadas largas.
- Não - confessou Kat. - Não sou nenhum oráculo de Atena.
- Por acaso é imortal?
- Antes fosse! Não, claro que não. Sou apenas uma mulher comum.
- Não é nem mesmo uma das sacerdotisas de Atena?
Algo na voz de Ulisses a fez fitá-lo, e Kat se deu conta da terrível decepção nos olhos do guerreiro. Lembrou-se, então, de como ele olhava para Atena e, em seguida,
de sua expressão quando ele havia dito que a deusa tinha mentido para ele.
O que Atena fizera com Ulisses, afinal? Ele a amava!, concluiu Kat.
- Bem, não exatamente - respondeu por fim. - Eu trabalho para três deusas. Posso afirmar até que sou bem próxima de Vênus. - Ela não quis parecer muito "divina",
mas aquilo tudo era muito difícil de explicar. - Escute, há muitas coisas acontecendo. Coisas que podem parecer bastante confusas.
- A deusa não confiou em mim. Pensei que ela... - Ulisses desviou o olhar, ferido demais para continuar.
Kat se condoeu por ele. Não sabia muito sobre Ulisses ou Atena, mas conhecia bem o que era se sentir magoada ou traída. Também reconhecia um homem decente quando
via um, e Ulisses era um deles. Sem dúvida.
- Foi Vênus quem ajudou Pátroclo a se fazer passar por Aquiles. Atena não teve nada a ver com isso. Decerto nem está sabendo o que aconteceu.
- Espero que seja verdade. Espero que ela não tenha me usado - Ulisses falou devagar, e Kat percebeu como estava sendo difícil para ele demonstrar tanta vulnerabilidade.
Já tinha visto aquilo muitas vezes em seu consultório: normalmente quando um homem se descobria apaixonado.
Tomara Atena merecesse Ulisses.
Comovida, Kat decidiu contar a ele tanto da verdade quanto conhecia.
- Já vi você e Atena juntos e posso dizer que há algo muito forte entre vocês. Algo que ela também não consegue ignorar.
Ulisses a fitou por muito tempo.
- É difícil amar uma deusa. Eu tenho uma esposa... E ela está esperando há quase dez anos para que eu volte ao nosso reino.
- E você a ama?
- Atena me fez essa mesma pergunta, e minha resposta também foi a mesma: eu honro Penélope como minha esposa e a respeito como a mãe do meu filho. Mas amor?... -
Ele balançou a cabeça. - Meu verdadeiro amor eu conheci quando ainda era menino.
- O que aconteceu nessa época? - Kat fez a pergunta, porém já tinha a certeza da resposta.
- Eu conheci Atena e prometi dedicar minha vida a ela.
- E não percebeu a gravidade da sua escolha?
- Ah, percebi!... Mas me apeguei a ela com todas as forças. Pertenço a Atena desde o primeiro momento em que a vi. Nunca me arrependi do meu amor por ela, mesmo
quando parecia que eu não passava de um brinquedo favorito entre muitos. Nem sequer me importei de ser usado como um peão. Eu era dela, e isso era suficiente...
Até agora. Hoje, pela primeira vez, eu me pilhei desejando não amar Atena.
Ulisses parecia destruído, e até mesmo em meio à turbulência com Aquiles, Pátroclo e Jacky, Kat quis ajudá-lo.
- Você e Atena tornaram-se amantes.
Ulisses concordou com um gesto de cabeça, soltando uma risada autodepreciativa.
- Sim, apesar de saber o quanto isso seria insensato. A verdade é que me joguei com prazer em seus braços. Lembre-se disso, princesa, ou seja lá quem for. Quando
os mortais amam os deuses há um preço a pagar; e em geral é o mortal quem o paga. Aquiles é resultado de um amor assim, e eu o vejo sofrer com sua mortalidade e
sua humanidade desde que o conheci.
- Vou me lembrar - ela prometeu baixinho. - Quer dizer que Aquiles também foi uma vítima.
- Ele não é mais Aquiles. Verá isso em breve.
Não parecia haver mais nada a dizer, e Kat se concentrou em acertar o passo com o de Ulisses enquanto se perguntava que diabo iria fazer quando deparasse com o Aquiles
transformado pela Fúria no meio da batalha. Podia até ouvir a voz de Jacky chamando-a de idiota.
Então percebeu que não era a voz de Jacky o que povoava sua mente, mas as vozes de muitos homens - acompanhadas do som de espadas, cavalos e gemidos - lutando ao
lado de uma renque alinhada de oliveiras.
Kat estacou, chocada, e Ulisses a tomou pelo cotovelo, amparando-a.
- Que merda! - ela deixou escapar.
As muralhas de Troia se estendiam à sua frente, espessas, altas, magníficas. Eram da cor do calcário, e o sol do meio-dia as fazia brilhar com um amarelo suave e
hipnotizante. Podia-se avistar parte da cidade construída em seu lado interno, cujo centro exibia um lindo palácio com pilares que se estendia pelo interior das
muralhas da cidade até o lado esquerdo dos gigantescos portões de entrada. Belíssimas janelas em arco levavam a balcões repletos de heras e flores, os quais deviam
proporcionar excelentes vistas da movimentação plácida e próspera de comerciantes, agricultores e do povo de Troia.
Naquele momento, porém, as varandas desertas davam apenas para o caos.
- São tantos! - murmurou Kat, assistindo ao corpo a corpo de guerreiros que gritavam, lutavam e morriam diante dos muros que cercavam a cidade.
Como vou encontrá-lo?
Mas antes que pudesse fazer a pergunta em voz alta, um rosnado terrível soou do centro do campo de batalha. Tão poderoso que varreu ambos os exércitos.
- Aquiles! - ela exclamou com o coração aos saltos.
- Não é Aquiles - lembrou Ulisses. - Não está lidando com o homem. Está lidando com o monstro.
- O homem ainda está dentro do monstro - ela afirmou, obstinada.
- Talvez. Mas não vi nenhuma evidência disso quando ele se deixou possuir. - Ulisses fez uma pausa e então pousou a mão no ombro dela, fazendo Kat fitá-lo interrogativamente.
- Antes que a Fúria o dominasse, Aquiles pediu que eu lhe transmitisse uma mensagem. Disse que o sonho acabou, e que você precisa voltar para casa. Seu último desejo
foi que o perdoasse. Pense bem, princesa... Imagine o que aconteceria com Aquiles se ele soubesse que matou mais uma vez a mulher amada.
Kat sentiu a garganta arder com as lágrimas contidas. Lembrava-se muito bem da história que Aquiles lhe contara: de quando a Fúria violentara e matara sua jovem
noiva, a qual também era prima de Ulisses.
- Sei que está sendo sensato - murmurou com voz embargada. - Sei que deve estar achando que estou sendo imprudente e teimosa, mas a verdade, Ulisses, é que não pertenço
ao seu tempo. Não pertenço nem mesmo a este seu mundo. Sou diferente das mulheres que conhece porque trago dentro de mim o poder do conhecimento de inúmeras gerações
de pensadores independentes, de mães, irmãs, filhas e amigas. Acredito em mim mesma e na força de uma mulher. Isso me dá um tipo diferente de poder. Um poder que
Vênus, Hera e Atena sabiam ser necessário aqui. Posso mudar o curso das coisas. Tudo o que tenho a fazer é confiar em mim mesma e acreditar que Aquiles fará o mesmo.
Ulisses a escutou com atenção, estudando-a enquanto ela falava.
- Você me faz ter esperanças de que está com a razão, princesa - falou por fim.
- Katrina. Esse é o meu verdadeiro nome. Meus amigos me chamam de Kat.
Ele sorriu de leve.
- E devo acompanhá-la até o meio desse caos, Kat?
Ela fez uma leve reverência.
- Há poucos homens com os quais eu aceitaria ir até lá. Você é um deles.
O campo de batalha não era nada do que Kat podia ter imaginado. Não apenas o cheiro já era horrendo, como eram assustadoras as imagens e os sons.
Assim que eles se aproximaram mais do combate, Ulisses enviou um mensageiro grego para reunir o maior número possível de Mirmidões. Ela esperou atrás das linhas
de batalha, aflita, desejando desesperadamente poder contar com meios modernos de comunicação e transporte, enquanto o rugido da Fúria soava, impregnando o ar com
uma violência tão bestial que os homens lutando e morrendo a apenas alguns metros dali pareciam protagonizar uma cena quase banal.
Os Mirmidões responderam ao chamado de Ulisses muito mais depressa do que Kat imaginava, e logo ela se viu olhando para os rostos surpresos e respingados de sangue
de muitos conhecidos que a cumprimentaram.
- Precisamos levar a princesa até Aquiles! - anunciou Ulisses.
As expressões dos Mirmidões não podiam se mostrar mais confusas.
- Mas ele não é mais Aquiles! - lembrou Automedon.
Como se para confirmar as palavras do guerreiro, outro rugido sacudiu o campo de batalha, fazendo os próprios homens estremecerem.
- Conheço bem a Fúria, mas creio que eu possa recuperar Aquiles - afirmou Kat, olhando de homem para homem. - Pátroclo não está morto. Tudo o que tenho de fazer
é alcançar o Aquiles que ainda existe dentro do monstro e fazê-lo compreender isso.
- Pátroclo vive! - Automedon exclamou, enquanto os homens mais próximos repetiam o brado, fazendo-o ondular através do grupo. Em seguida, o guerreiro virou-se para
ela, sorridente. - Traga Pátroclo ao campo de batalha, princesa! Mesmo transformado pela Fúria, Aquiles deve reconhecer o primo. Quando ele vir que Pátroclo está
vivo, tudo ficará bem outra vez!
- Sim! - concordou outro guerreiro, cujo nome ela não conseguia se lembrar. - Enquanto isso podemos impedir que Aquiles se aproxime de Heitor e se faça cumprir a
profecia!
Todos a fitaram, na expectativa - inclusive Ulisses - e Kat desejou poder trazer um Pátroclo em perfeito estado, andando, falando... Mas claro que aquilo era impossível.
Mesmo que o jovem guerreiro continuasse vivo, provavelmente devia estar passando por uma cirurgia. Arrancá-lo do mundo moderno o poria em risco tanto quanto a espada
de Heitor.
- Pátroclo não pode ser trazido para o campo de batalha, pois acabaria perecendo. Ele está vivo, mas se encontra muito ferido. Sou tudo com o que vocês podem contar.
Precisam me levar até Aquiles!
- Aquiles não a enxergará, senhora - ponderou Automedon com tristeza. - É a Fúria quem está lutando, e não poderemos salvá-la se a criatura decidir atacá-la.
- Eu sei disso. Não terão que me salvar. Tenho como me defender.
Os homens a fitaram como se ela tivesse acabado de dizer que faria brotar uma capa vermelha nas costas e voaria mais rápido do que uma bala.
- Apenas levem-me até ele - Kat repetiu com um suspiro. - Eu cuido do restante. Não vou responsabilizá-los pela minha morte se as coisas não derem certo. E assim
que me levarem até Aquiles, recuem todos. Não quero que ninguém saia ferido.
Kat notou os olhares incrédulos e ouviu alguém murmurar com ironia:
- Ela não quer que saiamos feridos?...
Tentou ignorar o comentário. Eles não estavam ajudando a aumentar seu nível de confiança.
- Muito bem. Vamos levá-la até Aquiles - decidiu Ulisses.
Os homens trataram de obedecer, guerreiros experientes e disciplinados que eram. Criaram uma falange, colocando-a em segurança no meio desta. Depois começaram a
se mover pelo campo de batalha, lutando aos poucos, como um só homem, avançando inexoravelmente e chegando cada vez mais perto dos gritos animalescos que vinham
da criatura que antes era Aquiles.
Kat jamais conseguiria precisar se aquela jornada de pesadelo pelo campo de batalha durara muito ou pouco tempo. Foi como se tivesse entrado em um lugar onde o tempo
não tinha qualquer significado; em um cenário de morte, sangue e violência de Além da Imaginação que seus olhos viam, mas que sua alma se recusou a enxergar ao menos
por algum tempo. Mais tarde, tais imagens lhe viriam à cabeça, a maioria delas como flashes em preto e branco de um filme de horror - mas, naquele momento, ela apenas
se abismou com o que a mente humana era capaz de negar para sobreviver.
Pouco depois, o ritmo do grupo mudou, e este se reorganizou antes de parar. Ulisses se pôs a seu lado, respirando com dificuldade.
- Há apenas mais uma camada de homens entre nós e a Fúria. Vamos passar sem problemas por eles.
- Que bom! Então façam com que eu me aproxime dele.
- Não terá muito tempo antes que a Fúria parta para cima de você - alertou Ulisses.
- Pode deixar comigo.
Ulisses concordou, hesitante, em seguida falou aos homens que os rodeavam.
- Avancem através da linha de batalha, depois abram um corredor para a princesa!
Kat sentiu enjoo de tanto medo. Conforme se viu avançando outra vez junto dos soldados, imaginou que fosse vomitar e apertou os lábios.
De repente, os escudos escuros à sua frente se abriram, deixando passar a luz do dia e expondo o caos.
Aquiles estava parado em meio a uma clareira de mortos, onde o sangue transformara a terra seca em uma lama cor de ferrugem. E estava de costas para ela, o que lhe
deu um bizarro momento de paz no qual ela pôde estudá-lo.
Ulisses e os outros homens tinham razão: aquela criatura não era Aquiles. Seu corpo assumira uma proporção tão gigantesca e disforme que a túnica que ela o vira
vestindo da última vez se rasgara, deixando-o nu, exceto por um envoltório de linho curto, atado ao redor da cintura.
Ela devia ter soltado uma exclamação involuntária porque, de repente, ele se virou para encará-la.
Kat sentiu a tensão dos homens e lançou um olhar na direção de Ulisses.
- Vão! - gritou, antes de afastar de sua proteção.
A criatura rosnou. Ela avançou mais alguns passos, distanciando-se ainda mais dos guerreiros, em seguida parou e encarou os olhos vermelhos do monstro. Sangue lhe
cobria o corpo cheio de cicatrizes e escorria por seu cabelo emaranhado. O rosto também não era o de Aquiles. Assim como o restante de seu corpo, este se encontrava
deformado, como se algo sob a pele tentasse abrir caminho.
- Sou eu, Aquiles, Katrina - ela afirmou numa voz firme e calma, como se ele fosse um paciente pensando em cometer suicídio. Pois não era exatamente isso o que Aquiles
estava fazendo? Ele acreditava ser o responsável pela morte do primo, e agora planejava compensá-la com a sua própria. - Aquiles - repetiu -, Pátroclo não está morto.
Ele curvou os lábios, exibindo os dentes, e começou a se mover em sua direção devagar, com uma graça mortal e quase sedutora. Lembrava uma enorme cobra venenosa,
pensou Kat, contendo o impulso de fazer meia-volta e correr para o mar de guerreiros atrás dela.
Em vez disso, respirou fundo, enviando uma prece silenciosa a Vênus e, implorando por sua ajuda, manteve-se no lugar.
- Aquiles, precisa me ouvir - repetiu com firmeza. - Pátroclo não está morto. Ele está vivo e vai ficar bem.
Conforme ele a circundou, deixou escapar um grunhido que a fez se arrepiar dos pés à cabeça. Foi então que ela percebeu que a criatura ria.
- Aquiles - falou outra vez, virando o corpo de modo a continuar a encará-lo. - Sei que está aí, em algum lugar. Sei que pode me ouvir... Pátroclo não está morto!
- Vou provar você.
A voz que proferiu as palavras era tão horrível, tão inumana e diferente da de Aquiles, que ela cerrou os punhos para que seu tremor não se tornasse óbvio.
- Creio que não. - Kat manteve o tom e os movimentos cuidadosamente neutros, mostrando-se o mais calma possível. - Aquiles me ama, e ele não vai permitir que me
machuque.
O riso do monstro soou terrível, zombeteiro e apavorante.
- Mulher tola. Eu não sou Aquiles. - Quase à distância de tocá-la, ele parou de andar à sua volta.
Kat sentiu o forte cheiro de sangue, suor e masculinidade que emanava do monstro e ergueu o queixo mesmo assim, utilizando todas as habilidades que aprendera em
sua experiência clínica para manter-se serena e não se deixar afetar pela fera.
- Aquiles... - recomeçou, porém a besta a interrompeu.
- NÃO! Aquiles não existe mais!
Conforme ele se lançou em sua direção, Kat cambaleou para trás, sentindo a coragem desmoronar.
- Aquiles! - gritou aos prantos. - Tem que voltar para mim!
Mesmo em pânico, ela viu uma ponta de reconhecimento cintilar nos olhos injetados, resfriando seu tom escarlate e fazendo com que o monstro hesitasse, desajeitado.
- Aquiles! - repetiu, tonta de alívio, mas, antes que pudesse falar mais ou avançar em sua direção, teve um braço puxado para trás e para cima, e se viu içada no
ar para longe da clareira.
- Polixena, minha irmã!... Pelos deuses! Pensamos que estivesse morta! - exclamou o lindo homem de olhos doces que a resgatou para cima da garupa de um imenso e
agitado garanhão preto, amparando-a nos braços.
Kat mal teve tempo de fitar Heitor nos olhos antes que a Fúria rugisse seu desafio e atacasse.
Capítulo Trinta e Um
Mantendo um braço ao redor de Kat, Heitor cutucou o garanhão para que este saltasse de lado, evitando o golpe da Fúria. Com um movimento fluido, o enorme cavalo
girou enquanto Heitor apanhava uma lança da aljava da sela e a arremessava contra a criatura.
Kat gritou, porém, com os reflexos inumanos da Fúria, Aquiles a rebateu como se esta não passasse de um palito.
- Heitor! Não! - Pensando freneticamente, ela puxou o braço do estranho. - Deixe-o! Vamos para dentro das muralhas!
O guerreiro a fitou, tentando manobrar o garanhão para evitar o ataque seguinte de Aquiles.
- Não vai ficar com ela! - rosnou a criatura.
- Pelos deuses! É você quem ele quer! - exclamou Heitor, o braço apertando-a de modo protetor.
- Tire-me daqui, Heitor! - Kat gritou acima do barulho ensurdecedor da batalha.
- Troianos! Venham até mim! Protejam a sua princesa!
Por um instante Kat pensou que ia dar certo e que eles deixariam Aquiles rugindo, impotente, nas muralhas de Troia, o que lhe daria tempo para decidir que diabo
fazer. Heitor começou a fazer o garanhão recuar da clareira enquanto uma linha de guerreiros troianos vinha correndo a seu encontro.
Foi então que a criatura que fora uma vez seu amante soltou um urro terrível e se lançou contra o cavalo. Conforme Aquiles passou por eles voando, sua espada sangrenta
atingiu o flanco do garanhão que relinchou e tropeçou, a pata traseira escorregando na lama sangrenta e traiçoeira. Kat se jogou para a frente num impulso, segurando-se
no pescoço largo do animal ao mesmo tempo que sentia o braço de Heitor soltá-la quando Aquiles o agarrou pelo ombro, arrancando-o de cima da sela.
Tudo aconteceu com ofuscante rapidez. Heitor recuperou o equilíbrio, apanhou a espada e o escudo, e seus olhos encontraram os dela, emanando todo o amor que ele
sentia por Polixena. Kat soube, nesse momento, que Heitor faria qualquer coisa para manter a irmã em segurança.
- Vá para dentro das muralhas! Vou segurá-lo por tanto tempo quanto me for possível. - Dito isso, ele deu um tapa na anca do cavalo, enviando-o a galope em direção
a Troia.
Aquiles ainda tentou alcançar o garanhão, rugindo, mas Heitor correu, saltou e se colocou bem no caminho da Fúria, impedindo-o de chegar até ela. Os guerreiros de
Troia a cercaram, assim como ao animal ferido; contudo Kat ainda conseguiu ter uma excelente vista do campo de batalha conforme estes lutavam contra os Mirmidões
agora liderados por Ulisses, ao mesmo tempo que se moviam na direção dos portões da cidade.
Agoniada, ela manteve os olhos fixos em Aquiles e Heitor, observando tudo como se em câmera lenta. Heitor lutou bravamente, mas não combatia um ser humano. A criatura
era incontrolável. Ainda assim o jovem príncipe se manteve firme até que Aquiles o golpeou nos músculos das coxas, fazendo-o cair de joelhos. Mesmo ferido, o rapaz
lutou nessa posição, mantendo o monstro ocupado até que os enormes portões gemeram, abrindo-se para ela, o garanhão e a guarda do palácio. Mal estes se fecharam,
Kat ouviu um gemido conjunto de desespero soar do alto das muralhas da cidade e soube que Heitor, o Príncipe de Troia, estava morto.
Os soldados a levaram direto até o rei. Príamo a abraçou, e ela chorou com o rei enquanto este a segurava nos braços.
- Um milagre dos deuses... Um milagre dos deuses!... - repetiu o homem diversas vezes. Por fim, ele se controlou e pediu vinho para ambos. Só então Kat conseguiu
encará-lo, e sentiu o coração se apertar. Príamo era a versão mais velha e mais baixa de Heitor, um homem bonito, com olhos castanhos e espessos cabelos escuros
e grisalhos. Chocada, ela percebeu que seus olhos não lhe eram familiares apenas por causa de Heitor. Desde que fora transportada para o mundo antigo e colocada
naquele corpo, aqueles mesmos olhos castanhos e expressivos também se encontravam em seu rosto.
Príamo deixou-se sentar em um trono de madeira de espaldar alto, primorosamente esculpido com garanhões empinados. Suas mãos tremiam quando bebeu o vinho que lhe
fora trazido. Sentindo-se tonta, Kat também tomou um gole da bebida e, em seguida, entregou o cálice de volta para uma serva que chorava em silêncio. Ouviu uma exclamação
abafada e, mais uma vez, alguém a abraçou com força. Uma mulher um pouco mais velha, porém esbelta e elegante, e uma moça muito bonita e delicada, de seus vinte
e poucos anos, soluçavam enquanto a abraçavam com força.
Comovida, Kat só pôde permanecer onde estava, desejando que tudo houvesse sido diferente; que ela tivesse conseguido fazer a coisa certa.
- Heitor está morto. Aquiles o matou.
Junto com as outras mulheres que a abraçavam, Kat ergueu o olhar, querendo saber quem havia falado. Um rapaz magro se encontrava parado na porta em arco que dava
para a espaçosa câmara. Não era muito mais velho do que Polixena e também tinha os mesmos olhos expressivos do restante da família. Uma moça loira se pôs atrás dele,
na sombra do portal - a beleza intocada pelas lágrimas que lhe banhavam as faces -, e olhou com adoração para o rapaz que acabara de se pronunciar.
Kat prendeu a respiração. Nunca vira uma mulher tão linda. Ela rivalizava até mesmo com a beleza de Vênus!
Paris e Helena! Só podiam ser eles!
Foi então que o grupo registrou as palavras terríveis, e a mulher que devia ser a esposa de Príamo, a mãe de Heitor, Paris e Polixena, atirou-se no chão aos pés
do rei, arrancando os cabelos e gemendo, desesperada. A moça que a abraçava não emitiu um só som, porém tombou, inconsciente.
- Vá buscar Astyanax! Segurar o filho de Heitor vai ajudá-la a sobreviver a isso - ordenou o rapaz após adentrar o salão.
- Sim, lorde Paris. - Chorando, a serva apressou-se em atender à ordem.
Paris correu para a mulher caída, cujas pálpebras começavam a se fechar. Levantou-a e a carregou para uma chaise não muito distante do trono de Príamo.
Em seguida, Kat se viu nos braços do rapaz. Abraçou-o com força e pôde sentir os tremores que lhe perpassavam o corpo.
- Você está viva... Viva! - ele sussurrou uma vez mais, o hálito quente se mesclando às lágrimas que lhe umedeciam os cabelos.
Kat não pôde fazer nada além de assentir em silêncio. Sua mente se encontrava em um verdadeiro turbilhão e seu coração parecia estar se partindo ao meio.
Um soluço se fez ouvir atrás deles, e Paris soltou sua suposta irmã, relutante, voltando-se para a chaise.
- Andrômaca, mandei buscar seu filho - falou baixinho para a mulher que voltava a si. - Estão trazendo Astyanax para você. - Ele tocou-lhe a face, depois se ergueu
devagar, quase dolorosamente, e virou-se para o pai.
O rei acariciava o cabelo da esposa. Esta afundara o rosto em seu colo, os gemidos transformados em soluços. O rosto de Príamo não tinha qualquer expressão.
- Pai... - Paris falou com voz embargada, enxugando o próprio rosto com a parte de trás da manga. - Ele está morto!
Os olhos do velho monarca descansaram sobre o filho mais novo por um momento. Sua expressão vazia não se alterou, e então ele focou o olhar acima do ombro de Paris
como se assistindo ao passado.
- Precisa levar sua irmã para o quarto dela. Não conseguirei lhes dar atenção enquanto estiver de luto pelo meu primogênito. - A voz de Príamo não soou cruel. Contudo,
assim como seu rosto, parecia desprovida de emoção, o que tornou tudo ainda mais terrível.
Paris desabou.
- Pai, também sou seu filho!
- Sim, algo sobre o qual os deuses nunca me deixam esquecer - murmurou Príamo. - Vá agora. E só volte à minha presença quando eu chamar. - Ele fez uma pausa, depois
acrescentou: - E leve a sua mulher.
- ... Venha, irmã. - Paris estendeu a mão para Kat.
Sem saber o que fazer, ela a aceitou, permitindo-se ser guiada para longe da sala do trono de Príamo.
Quando passaram por Helena, esta se pôs a caminhar do outro lado de Paris. Manteve a cabeça baixa, reparou Kat, como se tentando ocultar o rosto estonteante com
os lindos cabelos.
Andaram em silêncio por um corredor com piso de mármore e passaram por vários quartos arejados e adoráveis. Mas era como se o desespero caminhasse com eles. Por
todos os cantos do magnífico palácio ecoava o choro de mulheres.
Chegaram a uma porta marchetada com prata, por fim, e Paris se deteve.
- Vou pedir que as servas venham ajudá-la - decidiu, as faces ainda úmidas e a voz rouca pela emoção. - Estou tão feliz por eles não a terem matado, Xena!...
Kat engoliu em seco. Assim como acontecera com Heitor, apesar do pouco tempo que se encontrava ao lado de Paris, podia afirmar que este também amava muito Polixena.
Num impulso, ela o abraçou.
- Obrigada!
Paris se agarrou a ela.
- A culpa é minha! - desabafou com voz entrecortada. - Eu causei a morte dele. Fui o responsável por todas as mortes!
Kat se condoeu pelo rapaz. Ele não passava de um adolescente! Não devia ter mais do que treze ou catorze anos quando tomara Helena dos Gregos.
Aquelas duas crianças haviam começado uma guerra que já durava quase uma década?, perguntou-se Kat, inconformada. Não fora necessário para ela conhecer Agamenon
e seus comparsas para ter certeza de como aquilo tudo era absurdo!
Balançou a cabeça para o inconsolável menino à sua frente.
- Não, Paris. Isso tudo vai muito além da sua culpa.
- Venha, meu amor. Polixena precisa tomar um banho e descansar. Venha comigo, querido! - Helena o persuadiu com uma voz doce.
Ainda soluçando, Paris assentiu em silêncio e se afastou, trôpego, tendo o braço de sua amada ao redor da cintura.
Kat adentrou a câmara ampla sem se deixar tocar por seu esplendor, e lá ficou, entorpecida, enquanto aguardava a chegada das servas. Estas vieram em poucos minutos
- mulheres com expressões alquebradas que a trataram com reverência, mas que, vez ou outra, deixavam escapar um soluço. Kat permitiu que elas a banhassem, ungissem
e vestissem com um quitão de seda simples. Elas lhe providenciaram vinho e comida e, em seguida, ainda em meio a murmúrios e soluços, pareceram se desvanecer.
Sentindo-se sozinha e perdida, Kat atravessou o quarto até uma imensa janela em arco que se encontrava aberta. Cortinas douradas e finas como gaze filtravam a luz
do sol poente, tingindo tudo ao redor com tons de ferrugem, laranja e amarelo. Sons de luta ainda derivavam com a brisa quente, e ela saiu para a varanda que dava
para as muralhas frontais de Troia, as quais proporcionavam completa vista do campo de batalha. Não se permitiu assistir ao combate, entretanto. Assim como não deixou
que os ouvidos reconhecessem - acima de todos os outros gritos e do rumor do confronto entre os dois exércitos - a voz da criatura que possuíra Aquiles. Em vez disso,
mirou o horizonte embaçado a distância, e o sol que morria pouco a pouco no mar. Fitou-o até que lágrimas lhe borraram a visão, transbordaram e correram por suas
faces.
Foi então que, em meio à dor e aos sons caóticos da guerra, ouviu outro ruído, o qual pareceu varrê-la como águas claras e frescas sobre as pedras de um riacho.
Algo nele mexeu com ela, acalmou-a, e a resposta veio ao seu subconsciente antes mesmo que este o compreendesse. Foi um estrépito de corrente seguido por vários
clicks e, pouco depois, um gemido que já tinha ouvido antes - quando atravessara os portões de Troia montada no garanhão ferido de Heitor.
Foi até a beira da sacada. Seguindo o barulho, olhou para baixo e para a esquerda. Havia um recuo do lado de dentro das paredes espessas; um nicho grande o bastante
para abrigar um homem, onde uma única janela estreita proporcionava uma visão parcial do campo de batalha. Ao lado do homem no nicho havia uma enorme corrente, cujos
elos deviam ter a metade do tamanho de seu corpo.
Kat observou-os deslizar para baixo em um buraco, tal qual uma cachoeira de ferro aos pés da sentinela. À frente desta avistou um sistema de alavancas, as quais
o guarda posicionara no sentido descendente.
- Fechem os portões! - Na plataforma do lado de fora do nicho, um guerreiro deu o comando e baixou uma bandeira vermelha que vinha mantendo acima da cabeça. O guarda
no nicho imediatamente moveu todas as alavancas, colocando-as na vertical, e a gigantesca corrente parou de deslizar.
Kat debruçou-se ainda mais sobre o parapeito e viu quando mais de duas dezenas de guerreiros correram para os portões de Troia a fim de ajudar a fechá-los, enquanto
arqueiros tentavam manter o exército grego a distância. Os portões haviam sido escancarados para que todos os soldados troianos se abrigassem dentro da cidade. Dessa
forma, tinham levado um bom tempo para ser fechados, mas, por fim, com outro estranho gemido, a cidade fora selada.
Kat voltou o olhar para o guarda no nicho. Ele e o soldado que segurava a bandeira saudaram um ao outro e depois relaxaram em uma posição que parecia a de descanso.
Então era necessária ao menos uma dúzia de homens para fechar os portões da cidade e apenas um para baixar algumas alavancas e abri-los?...
Sentiu o corpo se aquecer, depois regelar. Foi como se tudo de repente se encaixasse. Ela e Jacky não haviam pegado o espírito da coisa. Não era necessário enfiar
o exército grego inteiro em um ridículo cavalo oco de madeira, do qual este surgiria para acabar com os Troianos como no mito. Bastava que uma só pessoa vencesse
as divinas e impenetráveis muralhas de Troia e abrisse suas portas.
Kat olhou para as alavancas e os dois homens que as guardavam. De maneira alguma estes permitiriam que alguém chegasse perto dali o suficiente para soltar a corrente
e abrir os portões.
Mas a princesa de Troia não era qualquer pessoa.
- Eu sou o cavalo de Troia! - sussurrou, sentindo um terrível calafrio cortá-la dos pés à cabeça.
Capítulo Trinta e Dois
Kat levantou a mão para agarrar o pingente em forma de coração que ainda trazia pendurado ao pescoço, mas, com o canto dos olhos, viu um movimento do lado de fora
da cidade. Tons de ouro e escarlate brilharam ao longe, capturando sua visão. O exército grego já recuara e agora desaparecia por trás do olival. Apenas um guerreiro
permanecera.
- Aquiles! Oh, Deus, não!... - Kat balançou a cabeça, horrorizada. Ele dirigia uma biga, açoitando os cavalos conforme passava diante dos portões da cidade seguidas
vezes, arrastando atrás dele o corpo ensanguentado e brutalizado de Heitor.
A cena terrível a fez decidir. Faria o que fosse preciso para dar fim àquilo tudo.
Resoluta, voltou para o quarto e abriu o medalhão.
- Vênus! - chamou. - Venha aqui, por favor!
Desta vez, o brilho da nuvem divina da deusa pareceu menor quando esta se materializou.
- Heitor está morto, eu sei - Vênus começou. - Ouvi os gritos desesperados de Andrômaca. Eles eram muito apaixonados.
- E viu isso? - Kat fez um gesto aflito na direção da varanda.
A deusa se aproximou o suficiente para olhar o que acontecia lá fora, e Kat viu o choque que atravessou seu corpo quando ela percebeu o que estava testemunhando.
- Aquiles está profanando o corpo de Heitor!
- Não é Aquiles!
- Isso é monstruoso!
- Não é Aquiles! - Kat respirou fundo, tentando se controlar. - Preciso que traga Hera e Atena para cá. E Tétis, também. Acho que sei como pôr um fim nisso, mas
todas terão que me ajudar.
- Não sei se Hera poderá vir. Ela está tentando manter Zeus ocupado. - Vênus lançou um olhar breve para a varanda antes de continuar. - E ela precisa fazer isso.
Se Zeus souber o que está acontecendo lá fora, não teremos a menor chance de salvar seu Aquiles.
- Mas, se a Fúria está aqui, a culpa é de Zeus! Foi ele quem amaldiçoou Aquiles! - Kat falou com raiva.
- Querida... - Vênus começou baixinho - ... a escolha foi de Aquiles. Por isso está sendo tão terrível para ele. Ele está apenas cumprindo com seu destino.
- Pois eu vou mudar isso. O Amor está mudando isso!
- Eu?
- Nós. E mudando o destino de Aquiles vou pôr fim a essa maldita guerra!
- Descobriu uma maneira! - exclamou Vênus.
- Eu sou o Cavalo de Troia - afirmou Kat.
- Como?
- Apenas confie em mim.
- Eu confio. Do que precisa?
- Imagino que Tétis, sendo uma deusa do mar, possa fazer surgir um nevoeiro...?
- Claro que pode, querida.
- Muito bem. Pouco antes do amanhecer, faça com que ela produza um nevoeiro vindo do mar. O suficiente para manter escondidos os Mirmidões. E peça a Atena que faça
Ulisses guiar os homens de Aquiles até os portões da cidade... Eu mesma vou abri-los.
- Você?!
- Sou o Cavalo de Troia, lembra-se?
Vênus assentiu devagar.
- É o que parece.
- Pois então.
Kat suspirou. Fazendo uma analogia melhor talvez fosse Judas, concluiu. Mas tratou de afastar o pensamento. Aquela linha de raciocínio não iria ajudá-los em nada.
- Certifique-se de que Atena faça Ulisses e o exército grego esperarem fora de vista. O exército grego inteiro! Esta é sua única chance.
- Está feito. E o que faremos com Aquiles?
- Nada. Ele é problema meu. - Kat tornou a assumir sua postura profissional, mantendo-se calma, imparcial, livre de emoções virulentas como desespero, culpa e medo.
- Se alguém olhar pelas janelas da cidade, verá Aquiles. A neblina fará o resto. Só assim os Gregos adentrarão as muralhas de Troia. Supõe-se que eles possam acabar
com esta guerra, certo?
- Pode-se dizer que sim - afirmou Vênus. - O que vai fazer?
- Vou tentar trazer Aquiles de volta.
Vênus hesitou antes de falar.
- Preciso alertá-la. Não tente fazer isso. Não deu certo hoje e provavelmente não dará certo amanhã, mas...
- Mas...? - incitou Kat.
- ... Mas eu acredito no poder do Amor - a deusa completou.
- Eu mesma comecei a acreditar nele - murmurou Kat.
Vênus sorriu.
- Eu sabia que tinha feito a coisa certa ao escolher você.
- Esperemos que sim. - Ela respirou fundo. - Muito bem, preciso de mais uma coisa... Uma poção para dormir cujo efeito seja rápido e bem forte.
Sem qualquer hesitação, Vênus estendeu a mão e agitou os dedos. Quase no mesmo momento, uma pequena garrafa de cristal cheia de um líquido claro apareceu em uma
nuvem de poeira cintilante.
- Cuidado com isto. É o que os deuses usam quando precisam relaxar. É feito por ninfas da Ilha dos Lotófagos, os comedores de lótus. Se isto apenas tocar a pele
de um mortal, este já sentirá seus efeitos.
Kat apanhou o frasco com cuidado, colocando-o sobre a superfície polida da penteadeira.
- Obrigada. Parece perfeito.
O vento aumentou de repente, fazendo as cortinas diáfanas que emolduravam a varanda voejar para dentro da câmara e trazendo com ele o rugir insano da Fúria. Vênus
se aproximou de Kat e segurou seu rosto com a palma macia.
- Katrina, eu a deixo agora com a bênção do Amor. - Beijou-a na testa com suavidade, e Kat sentiu uma onda deliciosa de calor e ternura varrer o corpo.
Conforme a deusa levantava a mão, Kat de repente lembrou-se de perguntar:
- Vênus! Pátroclo ainda está vivo?
A deusa sorriu.
- Vivo e se recuperando da cirurgia com a ajuda da enfermeira Jacqueline.
- Então não os traga de volta enquanto eu não puser fim a esta bagunça - Kat pediu, embora com dor no coração por Jacky estar em um mundo tão distante do que ela
se encontrava.
A deusa do amor assentiu, solene.
- Se algo acontecer e eu não conseguir sair desta... - recomeçou Kat - ... promete cuidar de Jacky?
- Claro - concordou Vênus. Em seguida levantou uma sobrancelha fina. - Mais alguma coisa, minha exigente amiga mortal?
Kat mordeu a parte interna da bochecha e, em seguida, decidiu. Por que não?
- Sim. Se eu morrer - desta vez por uma boa causa -, você me deixaria ir para onde a alma de Aquiles for? Ele vai ficar muito sozinho sem mim.
- Tem a minha promessa quanto a isso, Katrina. Se morrer amanhã, irei escoltar sua alma pessoalmente até os lindos Campos Elíseos - garantiu a deusa.
- Nossa. Isso me faz sentir muito melhor.
- Mas não vai morrer amanhã, Kat, querida.
- Tem certeza? - ela perguntou, esperançosa. - Por acaso algum oráculo divino previu meu futuro?
- Chamemos isso de intuição do Amor. Vejo um final muito feliz se aproximando. - Vênus levantou o braço outra vez, moveu o pulso e desapareceu em sua nuvem de fumaça
brilhante.
Kat suspirou.
- Maravilha. Ao menos agora eu sei a origem do ditado "O Amor é cego"...
Ulisses havia perdido as esperanças. Tinha falhado com a princesa que se autodenominava Katrina, com os Mirmidões, com seus próprios homens e com Aquiles.
Uma profunda inquietação corria pelo Exército. Ninguém, nem mesmo um único homem, aprovava o que Aquiles estava fazendo com o corpo de Heitor. A profanação de qualquer
morto irritava os deuses. A profanação de um guerreiro honrado, de um príncipe de sangue real, iria, sem dúvida, fazer o Monte Olimpo descarregar sua ira sobre eles.
Tudo aquilo era muito ruim, porém ele já irritara os deuses antes e nunca se sentira como naquela noite.
Mas sabia por quê. A traição de Atena o cingia até os ossos. Não importava o que Katrina houvesse dito. Ele reconhecia suas palavras pelo que elas eram: apenas uma
tentativa gentil de tranquilizá-lo.
Na verdade, as coisas estavam muito claras agora. Claro que Atena sabia sobre a farsa de Pátroclo. Ela era a Deusa da Guerra. Como podia não saber?
Ulisses deixou-se sentar na cadeira simples da tenda parcamente mobiliada. Olhou para o cálice de vinho do qual se servira, desejando poder ler as respostas no líquido
cor de sangue.
De repente, a atmosfera na tenda mudou: ficou mais quente, mais doce... pouco antes de ela se materializar.
De nada adiantou ele se preparar para encará-la. Sua reação foi a mesma de quando tivera o primeiro vislumbre da deusa quando menino. Desejá-la aquecia e adoçava
seu sangue, assim como acontecera com o ar ao seu redor.
- Meu Ulisses - murmurou Atena. Ela caminhou até ele e lhe ofereceu a mão.
Ulisses a tomou nas dele. Pondo-se sobre um joelho diante de sua diva, fechou os olhos, pressionou os lábios em sua pele e inalou seu perfume.
- Minha deusa - falou num sussurro. Então tornou a abrir os olhos, soltou-lhe a mão e se levantou. - Sinto-me honrado com sua visita - completou, porém sua voz soou
tão vazia quanto seu coração.
Ulisses havia se esquecido de que sua deusa o conhecia muito, muito bem. Os olhos cinzentos de Atena se estreitaram enquanto ela o estudava.
- Não se lavou nem trocou de roupa depois da batalha de hoje... Está um horror. O que aconteceu?
Ele encheu o cálice, usando o gesto como desculpa para não encará-la.
- Creio que saiba o que aconteceu hoje, grande deusa. Aquiles acredita que Pátroclo esteja morto e se entregou completamente à Fúria. A princesa, que me revelou
hoje ser Katrina, tentou fazê-lo voltar a si e foi resgatada por Heitor e seus Troianos - ele pronunciou a palavra com sarcasmo. - Aquiles trucidou o príncipe. No
momento, está profanando o corpo de Heitor.
Atena enrijeceu.
- E você está com raiva de mim.
Ulisses encontrou seu olhar por fim.
- Pensei que me amasse.
Ele viu o choque que as palavras causaram à deusa conforme ela reagia de pronto:
- Mas eu amo você!
- Se me amasse não teria mentido para mim.
Atena nada disse, porém Ulisses viu a verdade em seus olhos. Ele estava certo. Ela sabia de tudo.
- Todas as deusas estavam envolvidas na brincadeira que armou para Aquiles, ou apenas você e Vênus?
- Não foi nenhuma brincadeira - Atena rebateu, os olhos cinzentos faiscando de raiva. - Era para ter funcionado! Devia ter acabado com a guerra.
- Podia ter funcionado se tivesse me contado! Se eu soubesse, podia tê-lo protegido! - Ulisses gritou, as emoções reprimidas explodindo de vez. - Será que valho
tão pouco que nem mesmo confia em mim?
- Tão pouco?! - Atena repetiu. Quando as palavras fizeram o chão sob eles tremer e as paredes da tenda oscilaram, respirou fundo para se acalmar e recomeçou: - É
o único mortal que já amei. Não há um só dia em que eu não tema por sua mortalidade porque sei que eventualmente precisarei me render ao destino e perdê-lo.
- Mas sou um homem de verdade para você? Com um coração, uma alma e uma mente dignos de respeito? Ou apenas o seu brinquedo favorito? - ele perguntou, amargo.
O rosto da deusa corou.
- Como pode dizer uma coisa dessas depois de tudo o que passamos juntos?
- Digo isso porque todos os mortais conhecem bem os caprichos dos deuses.
- Não os meus! Não tomo amantes humanos por capricho. Não tomo nenhum amante por capricho. Imaginei que soubesse disso. Pensei que me conhecesse melhor.
- Eu também. - Ulisses soou derrotado, com os ombros largos caídos. - Mas não confiou em mim.
Foi então que Atena, Deusa da Guerra e da Sabedoria, o surpreendeu por completo.
- Eu estava errada. Completamente errada! - afirmou, encontrando seu olhar. - Perdão... Eu não devia ter mentido.
- Atena, eu... - Ulisses recomeçou, porém uma imensa alegria lhe estreitou a garganta e sufocou as palavras.
A deusa de olhos cinzentos caminhou até ele e descansou a cabeça em seu ombro.
- Meu Ulisses!
Ele a abraçou, comovido.
Mais tarde, deitada a seu lado, Atena revelou tudo sobre Katrina, Aquiles, Vênus e Hera.
Ulisses suspirou, aliviado. Pela primeira vez, a Deusa da Guerra dividia seus planos de batalha com um mortal, em vez de fazê-lo se dobrar a seus caprichos, concluiu,
sentindo o coração leve.
Kat estava tão nervosa que suas pernas tremiam. Quando o negro da noite havia apenas começado a ceder a um tom de cinza, derramou a poção para dormir em um cântaro
de barro cheio de vinho tinto até a metade, pegou dois cálices da cômoda de cabeceira e deixou o quarto.
Era um palácio de luto. Um palácio repleto de lágrimas abafadas e melancólico silêncio. Os corredores se encontravam desertos, iluminados apenas por um ou outro
candeeiro. Desimpedida, ela vagou, fazendo o possível para manter a direção que imaginava ser a certa.
Seu senso de direção sempre fora ótimo, mas já estava começando a acreditar que jamais encontraria o caminho para o nicho na parede quando dobrou uma esquina e deparou
com uma mulher de meia-idade, vestida de modo simples, que saía de uma câmara lateral.
- Sente-se bem, princesa? Há algo que eu possa fazer pela senhora? - a serva indagou, preocupada, após uma rápida reverência.
- Estou perdida - Kat confessou. Tinha ensaiado como reagir às muitas situações em que poderia se meter naquela noite e optou por ficar o mais próxima possível da
verdade, certa de que isso poderia reduzir seus erros. Isso se não gaguejasse!... - Sei que parece absurdo, mas ainda estou meio confusa. Deve ser porque não tenho
dormido o suficiente desde que... - Ela deixou a voz morrer, não encontrando nenhuma dificuldade em parecer triste, assustada e desorientada.
- Oh, senhora! Lembre-se sempre de que não está sozinha. Deixe-me ajudá-la a voltar para o seu quarto.
- Não pode me levar até os guerreiros que estão tomando conta dos portões?
- Quer dizer as sentinelas? Não compreendo, princesa.
- Ouvi falar que os dois homens que vigiam as alavancas que abrem os portões foram fundamentais no meu resgate. - Kat cruzou os dedos mentalmente, esperando não
estar dizendo nenhuma bobagem. O rosto da criada continuou um ponto de interrogação, então ela fez a única coisa que poderia fazer: começou a chorar. - Preciso agradecê-los!
Heitor gostaria que eu fizesse isso! Foi tudo tão terrível!... - falou, soluçando.
- Oh, princesa! Por favor, não chore! Está em casa agora, senhora. Tudo vai ficar bem. - A serva estendeu as mãos, hesitante, como se quisesse tomá-la nos braços
mas não tivesse certeza se podia.
- Vai me levar até os guerreiros que ficam nos portões? Por favor!
- É claro que vou, princesa. Está exausta, abalada, por isso se perdeu. As sentinelas dos portões não ficam muito longe daqui, a senhora vai ver... Já estava quase
lá.
Mantendo com ela uma conversa suave e tranquilizadora, a criada a guiou por uma curva no corredor até uma bifurcação para a direita e, em seguida, deteve-se diante
de um arco estreito. Uma porta se encontrava aberta para uma passarela de pedra, na qual se viam uma plataforma de madeira e o nicho esculpido na muralha de Troia.
Assim como ela vira da varanda, um guerreiro se encontrava posicionado em guarda na plataforma, e o outro, entre a corrente e as alavancas.
Kat fungou e sorriu.
- Obrigada.
- Devo esperar pela senhora para que encontre o caminho de volta para os seus aposentos?
- Não, não... Estava certa. Eu ando muito confusa e abalada, mas sei onde estou agora.
- Como quiser, senhora. - A mulher fez uma reverência, lançou-lhe mais um olhar preocupado, então refez o caminho pelo qual elas tinham acabado de vir, desaparecendo
na curva do corredor.
Kat enxugou os olhos com a manga, colocou sua melhor expressão de donzela sofredora no rosto, e saiu para a passarela.
Ambos os guerreiros se voltaram em sua direção, porém nenhum deles falou qualquer coisa. Ela limpou a garganta e fez a voz soar tão delicada quanto possível.
- Olá... Vim agradecer a vocês dois.
Observou a confusão nos olhos dos homens e sorriu.
- Por terem me salvado daqueles... - Kat parou e começou a soluçar.
No mesmo instante, a confusão dos homens se transformou em pânico.
- Princesa Polixena! Não precisava. Nós não...
- Claro que sim! Vocês me salvaram! Eu ainda podia estar lá, no meio dos Gregos, naquele acampamento horrível onde eles... - Kat prosseguiu choramingando com palavras
ininteligíveis.
Um pouco pálidos, os homens se entreolharam, impotentes.
- Princesa - falou o guerreiro que se encontrava de pé no nicho, juntando-se ao outro soldado na plataforma -, está segura agora. Nossas muralhas sagradas irão protegê-la
para sempre dos Gregos. Tem o nosso juramento.
Sentindo-se a pior das criaturas do Universo, Kat sorriu, inocente, em meio às lágrimas.
- Obrigada, meus queridos - balbuciou, soando como Vênus. E num golpe de misericórdia, acrescentou: - Como agradecimento, eu lhes trouxe um pouco do vinho do meu
próprio quarto. - Entregou a cada um deles um cálice e, mais do que depressa, serviu-os com uma generosa dose da bebida. - Aos guerreiros de Troia! - brindou chorando,
e levantando o punho no ar.
Os dois rapazes se entreolharam, e Kat quase pôde vê-los dar de ombros mentalmente.
- Aos guerreiros de Troia! - ambos repetiram, e viraram os cálices.
- Sinto-me muito melhor agora - Kat balbuciou. - Tomem... Há mais aqui.
Ela mal começara a erguer o jarro para encher o cálice do primeiro homem quando este arregalou os olhos como se em choque. Kat olhou para o outro soldado. Ele tinha
a testa franzida, como se tivesse uma pergunta a fazer e houvesse esquecido qual era. Em seguida, os dois oscilaram e, sem emitir um só som, caíram para trás como
se a mão de um gigante os tivesse atingido.
Kat se curvou sobre os guerreiros apenas por tempo suficiente para se certificar de que ambos roncavam, então apanhou a espadas de um deles, a qual caíra na plataforma.
Conforme agarrou a empunhadura, ficou surpresa em ver como a arma era pesada. Ficou satisfeita, contudo. Decerto esta a impediria de continuar tremendo.
Aproximou-se das alavancas e olhou pela janela estreita e comprida em direção ao campo de batalha. A noite havia passado do tom do carvão para o de ardósia e, com
o crepúsculo, o nevoeiro de Tétis surgira, cobrindo todo o campo com ondas de névoa que, beijando o olival sem pudores, se derramavam sobre a crosta de sangue que
cercava as muralhas de Troia. Em sua beleza sinistra, era um cenário de sonho que logo se transformaria em pesadelo.
Com o coração aos saltos, Kat viu formas se movendo em meio à neblina e a escuridão. Espectros que poderiam ser parte da bruma, homens ou imaginação sua.
Mas, à frente destes, de repente, surgiu a criatura que antes era Aquiles.
Para Kat, essa foi a expressão máxima daquele pesadelo. Ele não havia deixado o campo de batalha. Tinha tocado os cavalos a noite toda ao redor das muralhas de Troia,
arrastando os restos do corpo do príncipe e parando apenas quando os animais caíram de joelhos, sem poder continuar. Então ainda exigira uma nova junta. Automedon
trouxera outros garanhões, e Aquiles continuara sua viagem monótona e sanguinolenta.
Ela sabia disso, pois o observara de sua janela a noite toda. Sentia que precisava fazê-lo. Alguém precisava se preocupar com Aquiles, alguém precisava acreditar
nele! Era necessário que o vigiassem.
Colocou as mãos nas alavancas, fechou os olhos e as puxou para baixo. O estrépito das correntes gigantescas ganhando vida foi alto demais em meio ao silêncio impregnado
por sua culpa.
Kat abriu os olhos e os manteve fixos nas silhuetas fantasmagóricas que vislumbrara em meio à névoa. Logo teve a certeza de ver a figura distinta de Ulisses guiando
os soldados para o mais perto possível dos portões que se abriam devagar. Mesmo escondido pela bruma mágica, o guerreiro emanava uma luz que parecia envolvê-lo,
e que só podia ser uma evidência do favorecimento de Atena.
Tensa, Kat sussurrou uma oração para a deusa sem tirar os olhos de Ulisses:
Ele é um bom homem e a ama muito. Tente mantê-lo em segurança, Atena!
De repente, um grito se fez ouvir logo abaixo dela. Um homem percebera a abertura dos portões maciços, muito embora não houvesse sinal de que o exército troiano
estivesse montado e pronto para sair para o campo de batalha.
Kat correu de volta para a porta que se abria para a passarela e a fechou, trancando-a com uma barra. Em seguida puxou os guerreiros que dormiam para dentro do nicho
e se espremeu contra a parede, tentando se manter oculta.
Os gritos, contudo, foram ficando cada vez mais altos conforme os portões, tal qual no Mito de Sísifo, se abriam irremediavelmente. De onde estava, Kat pôde perceber
que três dos homens que se aproximavam já poderiam atravessá-los.
- Fechem os portões, idiotas! Ninguém ordenou sua abertura até o meio-dia! - veio o comando de uma voz poderosa, logo abaixo dela.
Kat tratou de obliterar os gritos na cabeça e começou a contar até dez.
- Um Mississippi, dois Mississippi, três Mississippi, quatro Mississippi...
Quando chegou a "dez Mississippi", homens esmurraram a porta para a passarela.
Ela olhou para os portões lá embaixo. Mirmidões, liderados por um iluminado Ulisses, começavam a invadir a cidade.
Satisfeita, ergueu a pesada espada acima da cabeça com ambas as mãos, e então desferiu um golpe com toda a força contra o sistema de engrenagens, correntes e contrapesos
que a cidade tão meticulosamente refinara ao longo de vários séculos. Com um guincho que pareceu o de uma mulher ensandecida, a corrente emperrou, e os portões pararam
com um gemido.
Agora tudo o que restava era Aquiles... e a batalha final por sua alma.
Capítulo Trinta e Três
Kat tinha se posicionado entre os corpos dos dois guerreiros desmaiados quando a porta para a passarela se escancarou. Ao ver os outros soldados, ela respirou fundo
e deixou escapar o grito mais ensurdecedor que uma mulher poderia soltar. Em seguida, revirou os olhos e caiu em um desmaio digno de Scarlett O'Hara.
Continuou fingindo enquanto um guerreiro a ergueu nos braços e carregou para longe da guarita em meio a muita discussão sobre o que podia ter acontecido. O consenso
geral era de que algum mal divino se encontrava em andamento.
Kat entreabriu um olho e espiou por sobre o ombro do soldado, vendo os outros guerreiros tentar lidar, impotentes, com o sistema de engrenagens quebrado. A meio
caminho do quarto, "despertou".
- O que aconteceu? - perguntou com voz fraca. Em seguida, soltou uma exclamação e começou a se debater. - Ponha-me no chão! Para onde está me levando?!
O soldado obedeceu como se ela tivesse pegado fogo.
- Foi encontrada na guarita dos portões, princesa. Tanto você como os guerreiros estavam inconscientes.
- Guarita dos portões? - Kat olhou ao redor, forçando os olhos a se encher de lágrimas. - Do que está falando? - O ruído da batalha que se alastrava pela cidade
já subia até eles. Kat segurou o pescoço, parecendo prestes a desmaiar de novo. - O que é esse barulho?
- Os portões foram abertos e a cidade foi invadida, princesa!
Ela soltou novo grito e cambaleou, dramática.
- Princesa, deixe-me levá-la até...
- Não! Tem que ajudar a manter os Gregos longe do palácio! Vá! Eu mesma vou encontrar meu pai. - Quando o rapaz hesitou, ela acrescentou: - Depressa! - Então fez
meia-volta e se afastou pelo corredor.
Por sorte, o soldado não foi atrás dela.
Mesmo com o coração apertado, Kat prosseguiu bancando a princesa histérica enquanto deixava o palácio. Foi mais fácil do que imaginava. O caos reinava absoluto e
o pânico era geral. Mulheres gritavam, correndo desesperadas para fora, depois para dentro ao vislumbrar os guerreiros Gregos, contudo estas nem precisariam ter
se preocupado. Ao menos não naquele momento. Seus inimigos se encontravam muito ocupados com os embates sangrentos com os Troianos para estuprá-las e cometer saques.
As pedras das ruas da cidade ficaram escorregadias com sangue enquanto o céu parecia pegar fogo com o amanhecer. O mundo parecia tingido de vermelho. Os gigantescos
portões continuaram abertos, vomitando guerreiros gregos para dentro da cidade.
Kat espremeu-se contra a muralha, procurando desesperadamente por um rosto familiar. Por fim, percebeu um grupo de Mirmidões lutando não muito longe dali e foi se
movendo através da massa de guerreiros em ebulição, engolindo o pavor à medida que se esquivava das espadas ensanguentadas e dos corpos desmembrados.
- Mirmidões! Ajudem-me! - gritou enquanto lutava para se aproximar deles.
Uma das cabeças protegidas por elmos se levantou, e depois outra. Olhos se arregalavam conforme ela era reconhecida.
- É a princesa de Aquiles! - bradou Diomedes.
Em conjunto, os Mirmidões foram até ela e a rodearam, formando um círculo de proteção.
- Levem-me até Aquiles! Preciso tentar fazê-lo voltar a si!
O olhar incrédulo de Diomedes foi espelhado no dos outros homens.
- Princesa, Aquiles não existe mais. Ninguém conseguiu fazê-lo voltar ao normal!
- Eu posso fazer isso! - ela rebateu com firmeza, agarrando o braço ensanguentado do jovem guerreiro. - Têm que me deixar tentar, e depressa!
- Deixe-nos tirá-la daqui em segurança, princesa! Poderá voltar para Phthia conosco e ser eternamente honrada pelo amor que Aquiles lhe reservou!
- Não desista dele, Diomedes! - ela gritou, desesperada.
- Leve-a até Aquiles de uma vez! - berrou um dos guerreiros cujo nome Kat não conseguia se lembrar.
Automedon avançou, cumprimentando-a.
- Também sou a favor de que a levem até Aquiles.
- Sim! - concordou outro homem.
- Sim! - repetiram em coro vários outros.
- Muito bem. - Diomedes suspirou. - Vamos levá-la até Aquiles. Em forma!
Mover-se em meio à falange foi uma sensação familiar para Kat, ainda que sinistra. Cercada pelos Mirmidões, ela passou sem problemas pelos portões, feliz por sua
visão se encontrar blindada contra o caos pelos ombros largos e os escudos dos homens.
E eu causei tudo isso!, sua consciência a repreendeu.
Mas estou pondo fim a esta guerra!, gritou de volta para si mesma.
A que custo?, contrapôs a culpa que a assolava.
O rugido da Fúria interrompeu seu debate mental, e ela empurrou o ombro de Automedon.
- Deixe-me passar, deixe-me vê-lo!
Os homens se apartaram o suficiente para que ela pudesse vislumbrar Aquiles ainda arrastando o corpo estraçalhado de Heitor atrás da biga. Contudo ele também se
encontrava envolvido na batalha, dizimando qualquer infeliz Troiano que conseguisse ultrapassar os portões da cidade.
- Precisam obrigá-lo a descer do carro!
- De que modo?! - indagou Automedon.
- Cerquem a biga! A princesa e eu faremos o restante!
Kat ergueu o olhar, vendo Ulisses se juntar aos Mirmidões.
- Agora! Espalhem-se em torno dele! - gritou o guerreiro. - Vou protegê-la enquanto estiverem se posicionando!
Os Mirmidões obedeceram ao comando, deixando-a sozinha com Ulisses.
- Eu sei como pode fazê-lo voltar a si - ele falou quando pôde.
- Então diga! - implorou Kat.
- Tem que ser por meio do Amor. Não pense em acalmar Aquiles. É mais do que isso. Não tente discutir com ele ou falar de Pátroclo, pois ele não irá ouvi-la. Basta
que lhe dê a certeza de que, não importando o que aconteceu ou vá acontecer em suas vidas, ele poderá contar com o seu amor. Aquiles tem de acreditar que você o
valoriza acima de qualquer outra coisa, Katrina. Que o vê como alguém verdadeiramente digno. Só assim irá trazê-lo de volta.
Kat fitou os olhos do famoso guerreiro e soube que ele falava com o coração, com a alma e por experiência própria.
- Ela a ama, não é? - falou sorrindo.
Em meio ao caos, os olhos de Ulisses cintilaram como se ele fosse um menino outra vez.
- Ama, sim.
- Princesa! - chamou Diomedes.
Kat e Ulisses ergueram os olhares. Os Mirmidões haviam cercado Aquiles, e ele havia parado de dirigir insanamente os cavalos. Agora continuava sobre a biga, apenas
rosnando para seus homens.
Ulisses estendeu a mão para ela.
- Pronta?
- Como nunca vou estar. - Kat aceitou o gesto, segurando-se em Ulisses como se suas mãos unidas pudessem transferir para ela a força do guerreiro.
Ele a conduziu através do círculo de soldados e parou bem no meio da formação.
- Aquiles! - gritou. - Tenho algo que lhe pertence!
Rosnando, Aquiles virou-se para enfrentá-los. Seus olhos vermelhos e flamejantes se estreitaram ao avistar Katrina e, com uma velocidade espantosa, ele avançou em
sua direção.
Kat não se deu tempo para pensar, para hesitar... Nenhum tempo para reconsiderar. Apertou de leve a mão de Ulisses, em seguida a soltou e deu um passo à frente,
indo ao encontro da criatura. Viu a ponta de surpresa nos olhos cor de sangue, contudo esta logo foi substituída por uma malévola satisfação.
Aquiles a alcançou e a agarrou pelos ombros.
- Agora eu vou prová-la, mulher!
Kat olhou para o rosto transformado à sua frente, vendo que este parecia ter piorado ao longo das últimas vinte e quatro horas. A posse da Fúria tornara-se ainda
mais pronunciada. Ele tinha a pele esticada, os lábios repuxados, expondo dentes que se pareciam mais com presas do que dentes humanos, e sua cabeça se tornara bulbosa
como se estivesse literalmente tentando mudar de forma.
E, para piorar aquele pesadelo, uma camada de sangue e sujeira - além do odor pútrido da morte - o cobria dos pés à cabeça.
Mesmo assim, Kat avançou um passo, deslizando as mãos pelos ombros deformados.
- Não há razão para esta ira, Aquiles. Não vai haver mais nenhuma batalha aqui.
O monstro hesitou e ela pôde sentir o tremor que varreu seu corpo. Concentrou-se, então, em todo o amor, o carinho e o desejo que tinha pela alma complexa que ainda
habitava aquele corpo atormentado. O corpo do seu Aquiles, um homem que acreditava nunca ter sido bom o suficiente e que só pensava em si mesmo como quase um líder,
quase um marido, quase um herói... E que, portanto, não era verdadeiramente digno de amor.
- Eu te amo, Aquiles, e isto não é um sonho... Volte para mim! - falou, emocionada. Em seguida segurou o rosto deformado e o beijou.
O fato de Agamenon ter declarado a morte de Pátroclo e ter sido o porta-voz que selara seu destino fora uma insuportável ironia para Aquiles. Ele sabia que não podia
escapar de sua sina. Por causa de Katrina, fingira acreditar naquela ilusão, porém esta não passara disso: um sonho que ele se permitia ter vez ou outra.
E como todos os sonhos, por sua própria natureza, este precisava ter um fim.
Por isso ele permitira que seu desespero por perder Katrina casasse com a dor pela morte do primo, alimentando a própria revolta e depois se rendendo a esta. Pela
primeira vez não se agarrara à sua humanidade. Em vez disso, dera boas-vindas ao calor escaldante da Fúria, permitindo que a criatura o dominasse e inflamasse sua
agonia. Transforma-se na essência da ira, abraçando o destino que o perseguia havia mais de uma década; e o homem dentro dele se retirara para os confins de sua
alma, onde aguardava que a morte inevitável o libertasse. A luz da consciência o pinçara uma vez, e seu lado humano até se manifestara, mas logo a raiva tornara
a explodir, cegando-o e obliterando sua humanidade.
Quando essa luz voltou a brilhar, não foi apenas como uma breve claridade em meio à escuridão avermelhada da Fúria. Desta vez foi na forma da voz de Katrina, como
um farol cintilante, uma água fresca que apagou o fogo da criatura, abrindo um caminho de amor até o espírito de Aquiles: o homem dentro do homem.
A visão do guerreiro voltou de repente, num choque. Katrina se encontrava em seus braços.
Desorientado, ele percebeu a transformação absurda e hedionda que a Fúria operara em seu corpo e teve vontade de empurrar Kat para longe, depois encontrar um lugar
em águas profundas onde pudesse se esconder para sempre.
Foi então que Katrina voltou a falar:
- Eu te amo, Aquiles, e isto não é um sonho... Volte para mim!
Quando o segurou pelo rosto e o beijou, ela derrubou os pilares de ódio que o sustentavam, permitindo que apenas sua humanidade e seu amor lhe servissem de apoio.
Com um suspiro de alívio, ele a envolveu nos braços e retribuiu o beijo.
Kat se inclinou para trás o suficiente para fitá-lo nos olhos, e Aquiles soube o que ela veria. Embora houvesse recuperado a consciência, seu corpo continuava devastado,
definitivamente transformado pela completa possessão da Fúria.
Consternado, ele se preparou para a rejeição de sua amada, prometendo a si mesmo que combateria a criatura até que Katrina estivesse em segurança.
Foi então que ela sorriu, e seu sorriso foi acompanhado de uma deliciosa risada.
- Eu sabia que ia voltar para mim! - Atirou-se em seus braços, apertando-o contra si. - Aquiles, Pátroclo não está morto! Eu lhe dou a minha palavra, ele está vivo
e bem, na companhia de Jacky!
Exultante, ele a abraçou com força. Pátroclo estava vivo e Katrina o amava apesar de tudo!
De súbito, seu cérebro processou o que havia diante de seus olhos, e ele a empurrou de leve, olhando, incrédulo, para um mundo muito diferente do que ele se lembrava.
Os portões de Troia encontravam-se abertos, a cidade estava em chamas, e ele não fazia ideia de como tudo aquilo acontecera. Antes, sempre que voltava a si, lembrava-se
de tudo o que a Fúria tinha feito, como se num jogo do qual ele participara como mero expectador.
Desta vez não via nada, entretanto. Apenas uma espécie de borrão carbonizado na memória.
Atordoado, percebeu que ele e Katrina se encontravam bem no meio de um círculo de guerreiros ainda em luta. Atrás dele viu a biga e, atado a esta, um corpo ensanguentado
que...
- Aquiles! Meu amigo! - Ulisses falou de repente, segurando-o pelo antebraço. - É verdade... Ele voltou! - gritou para o círculo de Mirmidões, os quais desfizeram
sua formação para se aproximar de seu líder, hesitantes.
- O que aconteceu? - Aquiles perguntou.
- A princesa abriu os portões, e Troia sucumbiu a nós - garantiu Ulisses.
- Você fez isso?
- Bem, tive ajuda das deusas, mas, basicamente... sim - assentiu Kat.
Aquiles percebeu que ela parecia contrafeita e se perguntou qual seria toda a história, ainda que na esperança de ter anos, ou melhor, décadas, para que ela a contasse.
Seus olhos se viram mais uma vez atraídos para o corpo profanado. Havia algo naquele guerreiro morto que...
- Quem é esse?
Ulisses hesitou, Kat empalideceu. Então ele soube.
- Heitor! Eu o matei! - Aquiles sentiu-se varrido por uma onda de horror. - E ainda profanei seu corpo!
- Não foi você quem fez isso, Aquiles! Não foi! - Kat falou com firmeza.
- Pelos deuses!... Por que me deixaram fazer isso?! - Ele caminhou devagar até o cadáver de Heitor e abaixou a cabeça, lutando com os próprios sentimentos, recusando-se
a permitir que a Fúria tivesse outra oportunidade de espalhar mais destruição. Em seguida falou para o corpo dizimado: - Era um príncipe valente, guerreiro e honrado,
meu amigo. Prometo que farei a coisa certa agora: terá uma pira funerária tão grande que até mesmo o Monte Olimpo sentirá o seu calor!
De repente, uma dor lancinante na perna arrancou dele um grito. Aquiles tentou virar-se, agachar-se na defensiva, porém a lança atravessara seu tornozelo e o pregara
ao chão. Agarrando-se inutilmente à arma arraigada no solo, ele girou o corpo a tempo de ver o rapaz esbelto, cujos olhos estavam arregalados com ódio e loucura,
puxar o arco e lançar uma flecha flamejante, coberta de alcatrão.
- Morra, seu monstro! - Paris gritou.
Capítulo Trinta e Quatro
Em chamas, a seta atingiu Aquiles bem no meio do peito, fincando-se até a ponta, derramando o alcatrão derretido por seu corpo abaixo feito lava transbordando. Mesmo
em meio à agonia, ele ouviu o grito de Katrina e a viu correr para ele enquanto os Mirmidões convergiam para Paris, enterrando-o sob uma avalanche de espadas e sangue.
A Fúria recém-banida tornou a dominá-lo, então. Aquiles lutou contra a possessão, contudo seu corpo começou a arder, e a dor foi mais forte.
O rosto de Katrina oscilou diante dele e, em meio a uma bruma vermelha, Aquiles a viu erguer a corrente de ouro do pescoço e abrir o medalhão.
- Vênus! Hera! Atena! Eu as invoco para reclamar a bênção que me devem!
O ar cintilou como a neblina se erguendo do campo pela manhã, e as três deusas surgiram, vendo Aquiles de joelhos. Com o corpo e a mente em chamas, ele ainda lutava
contra o domínio da Fúria.
- Eu cumpri a minha parte do acordo e como bênção quero Aquiles! - bradou Kat. - Reivindico o homem e peço que o salvem do monstro!
Aquiles começou a perder as esperanças quando as deusas trocaram olhares, surpresas. Era demais. Katrina havia tentado. Ele havia tentado. No entanto seu destino
era inevitável. O que fora proposto pelos deuses não podia ser modificado nem mesmo pelos próprios deuses. Fechou os olhos, concentrando-se em manter sua humanidade.
Queria morrer como um homem, não como um monstro.
- Por favor! - Kat olhou, suplicante, para cada uma das deusas.
- Querida, se escolher isso, não poderá retornar à sua antiga vida - alertou Vênus.
- Vai viver e morrer neste mundo antigo - Atena explanou.
- Portanto certifique-se de que é esse mesmo o seu desejo - completou Hera.
- Eu nunca estive mais certa sobre uma coisa na vida! Salvem-no agora... Por favor! - implorou Kat.
Vênus sorriu.
- Você já o salvou. Segure a mão dele e diga seu nome. - A deusa soprou-lhe um beijo, e Kat sentiu o choque do poder divino preenchendo o próprio corpo.
Correu para Aquiles. Ele estava completamente envolvido em fogo, contudo ela não hesitou. Estendeu a mão através das chamas e segurou na dele. Não sentiu calor,
nem dor, apenas o amor que nutria pelo guerreiro.
- Venha, Aquiles! - Sua voz ecoou por toda Troia, ampliada pela magia das deusas, e ela o sentiu estremecer.
Algo cedeu sob sua mão, então. Ela o puxou, e do corpo da Fúria devastado pelo fogo saiu um guerreiro dourado. Era menor em estatura do que Aquiles e parecia anos
mais jovem. Seu corpo não possuía qualquer cicatriz, e seus olhos eram de um azul claro e brilhante. Não via nele a dor, o desespero, o arrependimento e a culpa
que tinham sido seus companheiros por mais de uma década. E ele a fitava com uma expressão tão pura de felicidade, que ela pensou que o coração fosse explodir de
alegria.
Aquiles a puxou para os braços e a beijou com ternura. Depois, ainda segurando sua mão, voltou-se para as três deusas. Pôs-se sobre um joelho, e os homens ao seu
redor fizeram o mesmo.
A luta cessou ao redor e todos os olhos se voltaram para as divindades.
- Meu nome não será lembrado por milhares de anos, mas prometo que meus filhos irão honrá-las enquanto meu sangue correr por suas veias.
- Na verdade, querido, o seu nome ainda será lembrado para todo o sempre - falou Vênus.
- Não, grande deusa. - Ele apontou para o corpo ardente agora quase reduzido a cinzas. - Aquilo é Aquiles. Eu sou apenas um homem. Não uma lenda, um mito... muito
menos um deus.
- Pois eu descobri que ser homem significa muito mais do que qualquer uma dessas coisas - interveio Atena, os olhos cinzentos encontrando os de Ulisses.
- Siga com as nossas bênçãos, mortal. E saiba que quando o amor é forte o bastante, pode fazer até mesmo o destino mudar seu curso - observou Hera.
Ainda de mãos dadas, Aquiles e Katrina deixaram o campo de batalha tendo os Mirmidões em silêncio às suas costas. Os exércitos grego e troiano se apartaram para
deixá-los passar. A guerra, após quase uma década, finalmente terminara.
Portanto, não foi com pouco espanto que Kat ouviu um grito de mulher ensurdecedor. Eles estavam no meio das dunas entre o acampamento grego e o dos Mirmidões quando
um pequeno grupo de soldados surgiu. Havia duas mulheres com eles. Uma delas estava sendo conduzida por uma corda que levava ao redor do pescoço esguio e branco.
Mantinha a cabeça erguida e ignorava tudo e todos à sua volta. A outra se lançava contra o homem que guiava os demais. Era ela quem gritava e chorava.
Kat reconheceu a mulher histérica no mesmo instante.
- Santo Deus, é Briseida!
- Depois de tudo o que fiz por nós, você ousa me trocar por Cassandra, aquela bruxa! -Briseida gritou para Agamenon.
O rei fez a linha de soldados estacar.
- Briseida, eu já lhe garanti que vou mandá-la de volta para o seu pai junto com um bom dote, e ele lhe providenciará um excelente casamento.
- Meu pai é um réprobo! Se estou aqui é porque fugi de sua casa!
- E, mais uma vez, eu lhe digo: isso não é da minha conta. - Agamenon fez um sinal para sua guarda pessoal. - Acompanhem a senhora até o barco que providenciei e
despache-a em segurança com a próxima maré.
Os guerreiros fizeram uma reverência e, com expressões completamente neutras, começaram a se afastar, puxando Briseida.
- Maldito seja, Agamenon! Rejeita o amor, e o amor será a sua ruína!
O rei bocejou.
- Receio que essa sua praga tenha chegado atrasada... Já fui amaldiçoado pelo amor uma vez.
- Imbecil! - murmurou Kat.
Como se a tivesse ouvido, Agamenon voltou-se para onde eles estavam. Kat viu seus olhos passarem por Aquiles, descartá-lo, e em seguida se arregalarem, descrentes,
ao voltar para ele.
Kat olhou para seu amante, então. Ele tinha os lábios curvados num sorriso ao encontrar o olhar chocado do rei.
- Foi amaldiçoado pelo amor três vezes - corrigiu Aquiles sem gritar, a voz derivando, serena, pela duna. - Mas não merece nada, mesmo, além de ser destruído por
tudo aquilo que pensou usar contra os outros.
Agamenon empalideceu, gritou um comando a seus homens, e o grupo saiu correndo de volta em direção ao acampamento grego.
Aquiles olhou para Kat enquanto eles continuavam a andar.
- Foi você quem o amaldiçoou pela primeira vez?
- Claro - ela admitiu.
- Fico feliz por isso - ele confessou com uma risada.
- Eu gostaria de me lembrar o que aconteceu com Agamenon de acordo com a Mitologia grega - Kat cochichou com Aquiles enquanto eles seguiam para a praia dos Mirmidões,
onde navios de velas negras se encontravam ancorados em alto-mar. - Você sabe, Jacky é tão ruim em Mitologia como eu e... - Kat ficou sem palavras conforme a verdade
a atingiu. Jacky ainda estava no mundo moderno!
- Cobre delas - incitou Aquiles.
- Ahn? - ela indagou, confusa.
- As deusas não prometeram uma bênção para Jacqueline também? Cobre delas e, se esse for o desejo de Jacky, elas a trarão de volta para cá.
Kat sorriu.
- E Pátroclo também!
Aquiles espelhou seu sorriso.
- E Pátroclo também.
Ela abriu o medalhão que ainda segurava com força.
- Ahn, Vênus?... Desculpe incomodá-la novamente, mas acho que vocês três se esqueceram de que também prometeram uma bênção para Jacky. E eu sei, com certeza, que
ela gostaria de voltar para cá com Pátroclo. Então, se não for nenhum incômodo, eu gostaria muito que...
Com uma pequena explosão, Jacky e Pátroclo se materializaram na praia à sua frente: ela usando um uniforme completo de enfermeira, justo e curtíssimo - do tipo que
se pode encontrar nas sex-shop por ocasião do Halloween - com meias brancas sete-oitavos, ligas e sandálias vermelhas do tipo "pode vir quente que eu estou fervendo".
Estava, sem dúvida, no meio de um delicioso "rala e rola" e fora apanhada bem no momento em que jogava os cabelos longos e loiros para trás num gesto fatal. Pátroclo,
que se materializou com o traseiro na areia, vestia um avental de hospital aberto na parte de trás. Exibia vários tamanhos e formas diferentes de bandagens, sendo
que a mais evidente envolvia seu pescoço. Encontrava-se obviamente muito vivo, ainda que em fase de recuperação.
Jacky piscou e olhou ao redor. Então arregalou os olhos.
- Jesus amado! Não podiam ter esperado mais alguns minutos?!
- Jacky! - Kat gritou, lançando-se nos braços da amiga enquanto Aquiles e os Mirmidões rodeavam Pátroclo, batendo em suas costas sem muita delicadeza e fazendo comentários
sobre seu estranho traje.
Kat comentava com Jacky o quanto estava se sentindo fedida quando o mar começou a entrar em ebulição. Aquiles postou-se a seu lado, ignorando os protestos de Pátroclo
e colocando-o quase nu atrás dele, junto de Kat e Jacky, e gritou para que os Mirmidões entrassem em formação, ao mesmo tempo que um deus surgia da enseada.
Kat nunca tinha visto, nunca sequer imaginara algo como o ser que se ergueu do mar, avultando-se sobre eles. Ele era enorme. Em vez de pele, possuía escamas sombreadas
com todas as cores dos oceanos. Sua barba branca se desenrolava até o peito largo, combinando com a espessura do cabelo que caía em cachos em torno de seus ombros.
Crustáceos feitos de diamantes, safiras e águas-marinhas lhe ornavam o corpo, e ele carregava um tridente esculpido em coral vermelho, que levantou e em seguida
bateu contra o fundo do mar, provocando ondas de espuma na enseada plácida e fazendo os Mirmidões sacudir precariamente, tal qual brinquedos na banheira de uma criança
mimada.
- As muralhas de Troia foram violadas! - Sua voz ecoou através da água. - Elas já não detêm os Gregos, portanto também não deterão o mar. Essa é uma praga que o
velho Príamo não pode ignorar. - O deus levantou seu tridente mais uma vez, como se estivesse se preparando para um ataque, porém uma voz melodiosa o fez hesitar
e olhar para trás.
A linda Tétis dos Pés Prateados deslizou por cima das ondas como se estivesse caminhando na terra seca.
- E não gostaria de recompensar a mortal que finalmente lhe entregou Troia, Poseidon? - indagou, calma.
O deus levantou as espessas sobrancelhas brancas.
- De fato, encantadora Tétis.
A deusa olhou em sua direção. Aquiles curvou a cabeça em deferência à mãe e, em seguida, segurou a mão de Kat e a conduziu até a beira da praia, curvando-se diante
de Poseidon.
O deus também inclinou a cabeça.
- É um prazer ver que superou a maldição que lhe foi imposta por meu irmão, Aquiles. E, pelo bem de sua mãe, fico feliz por não estar mais sob o domínio da Fúria.
Que recompensa lhe devo por ter violado as muralhas de Troia?
- Grande Deus dos Mares, agradeço sua gentil oferta, mas não é a mim que deve uma recompensa. - Aquiles tomou o braço de Kat e a apresentou a Poseidon. - Esta mortal
é a responsável por lhe abrir as muralhas de Troia.
Poseidon a fitou. Kat não tinha certeza do protocolo correto, por isso ensaiou uma rápida reverência.
- Essa pequena mortal fez o que um exército inteiro de Gregos não conseguiu?
- ... Sim, senhor - ela balbuciou.
Poseidon curvou-se de modo a olhar melhor para ela, então seus olhos se arregalaram.
- Você!? Mas você é a princesa de Troia, Polixena!
- Parece que sim - ela disse apenas.
- Quer dizer que lhe devo uma bênção dupla: uma por me abrir as muralhas de Troia e outra por um ligeiro, ahn, mal-entendido, que poderia ter terminado muito mal
sem intervenção divina. - O deus pareceu realmente consternado e lançou a Tétis um olhar de desculpas. Em seguida tornou a se concentrar em Kat. - E então, princesa,
que recompensa vai escolher? Ofereço-lhe qualquer coisa que estiver nos amplos mares deste mundo.
O olhar de Kat encontrou o de Aquiles.
- Escolha para nós, minha princesa - ele incitou.
Ela olhou por cima do ombro largo para Jacky e Pátroclo, que assentiram e sorriram para ela. Respirou fundo.
- Sei muito bem o que quero. Quero que me dê uma ilha escondida do restante do mundo. Um lugar de inigualável beleza, dedicado à cura, à paz e às deusas.
Poseidon coçou a barba enquanto pensava.
- Acredito que tenho uma ilha assim, mas é muito distante daqui. Em outro tempo e lugar.
Kat apertou a mão de Aquiles.
- Quanto mais distante, melhor.
- Então, venham. - Poseidon fez um gesto abrangendo a enseada, e os barcos de velas negras dos Mirmidões se espalharam como folhas de outono quando uma galera cintilante,
toda cravejada de pérolas, assomou à superfície, vinda do fundo do oceano. As águas da enseada se apartaram, deixando uma trilha de terra seca que conduzia ao navio
iridescente.
Aquiles voltou-se para seus homens.
- Não posso mais liderar vocês. O antigo Aquiles morreu nas chamas do campo de batalha troiano, e eu não desejo mais nenhuma luta, tampouco almejo a glória. Quero
apenas a magia da paz. Se é isso o que também querem para as suas vidas, sintam-se livres para se juntar a mim. - Ele esboçou um sorriso. - Mas apenas se estiverem
dispostos a se curvar às deusas. - Em seguida segurou a mão de Kat, e ambos começaram a descer a trilha aberta pelo Deus dos Mares com Jacky e Pátroclo logo atrás
deles.
Kat olhou para trás e ficou satisfeita ao ver que quase todos os Mirmidões e várias de suas noivas de guerra, inclusive Aetnia, também haviam escolhido tomar o caminho
para o navio perolado.
- Poseidon! - Jacky chamou quando o último dos Mirmidões embarcou e ela, Kat, Pátroclo e Aquiles já se encontravam na proa do navio.
O deus olhou para baixo, avistando-a, e ergueu as sobrancelhas espessas ao ver o que ela vestia.
- Sim, mortal com traje incomum? Tem uma pergunta para Poseidon?
- Tenho, sim. Eu estava pensando... Essa ilha que está dando para K... ahn, para a princesa... Ela tem nome?
- Sim. Os mortais a chamam de Avalon.
Kat e Jacky trocaram olhares atordoados.
- Jesus amado!... - Jacky sussurrou, abanando-se e se apoiando em Pátroclo. - Meu coração! Acho que ele vai parar outra vez!
- Puta merda! - deixou escapar Kat, balançando a cabeça.
- Meu Deus, Kat! Mal posso esperar para conhecer os nativos! - Jacky emendou, rindo baixinho.
Aquiles envolveu Kat nos braços.
- Está tudo bem? Conhece essa ilha chamada Avalon?
Ainda atordoada, Kat fitou os lindos olhos do amante.
- Conheço. E é absolutamente perfeita! - Ela puxou o rosto de Aquiles para si e o beijou enquanto Poseidon fazia um gesto sobre a enseada e as águas voltavam ao
normal.
O navio perolado deslizou em direção ao fundo do mar em uma nuvem que cintilava e ondulava como mágica.
- Tenham uma boa viagem e um futuro abençoado! - falou o Deus dos Mares.
- Kat, pare de namorar e preste atenção! Acho que estamos navegando em um troço que não é normal! - Jacky comentou, cutucando Kat nas costas.
Ela se virou, ainda nos braços de Aquiles, e observou a magia ondulante que os carregava em direção ao futuro.
- É melhor esquecermos qualquer coisa que considerávamos normal - decidiu, resignada.
Jacky se aninhou junto ao peito de Pátroclo, e Kat ficou feliz em ver que os guerreiros haviam arrumado algo mais adequado para o rapaz vestir, ainda que o avental
do hospital houvesse revelado um lado bem interessante do jovem guerreiro...
- Por mim tudo bem. Eu nunca gostei de coisas muito normais, mesmo - concluiu Jacky.
- Talvez porque sempre tenha sido anormal! - Kat provocou.
- Vão ter que me dar outro nome - Aquiles lembrou de repente. - Não quero que nada estrague a nossa vida nova, e Aquiles é um nome que precisa mais é morrer em Troia.
- Tenho uma ideia! - exclamou Jacky, e três pares de olhos se voltaram para ela. - Acho que deveríamos chamá-lo de Angel.
- Jacky, você é uma perturbada! Já está na hora de superar essa sua obsessão por Buffy! Isso não está certo! - contrapôs Kat enquanto os dois homens as fitavam,
confusos.
- Eu não estava me referindo ao Angel de Buffy. Estava pensando em um anjo mesmo, como aqueles tais anjos caídos! Fala sério! Ele nem tem cabelo castanho! - Jacky
resmungou.
Kat balançou a cabeça, desgostosa.
- Não acho uma boa ideia. De qualquer forma, tenho uma melhor.
- Como vai me chamar? - Aquiles quis saber.
Kat virou-se em seus braços.
- Que tal Kirk?
- Kirk - Aquiles testou o nome. - Pode ser. Gostei.
- Soa como o nome de um líder - observou Pátroclo.
- O que achou? - Kat se voltou para Jacky.
- E ainda tem coragem de ficar me passando sermão sobre a minha queda por Buffy, sua maníaca por Jornada nas Estrelas! - provocou a moça.
- Mas não é sem graça, é? - Kat sorriu, maliciosa, para a melhor amiga.
Jacky riu.
- O que eu acho é que o nosso futuro vai ser tudo, menos sem graça!
E o nevoeiro mágico se fechou em torno do navio perolado, lançando-os na direção de um novo tempo, um novo lugar... e um futuro que estava longe de ser entediante.
Epílogo
A batalha havia acabado. Remanescentes dispersos do exército de Troia foram reunidos e, sob a liderança de Ulisses, tratados com misericórdia. Atena ordenou que
os guerreiros gregos percorressem todos os templos do lado de fora das muralhas de Troia para se certificar de que nenhuma sacerdotisa ou sacerdote tivesse sido
maltratado. Quando Poseidon surgiu com seu exército de Oceânides - as ninfas do fundo do mar - e começou a derrubar as muralhas, as três deusas, revirando os olhos,
procuraram um lugar mais seguro no bosque de antigas oliveiras.
Hera encontrava-se inquieta e pulava a cada graveto quebrado ou folha que adejava.
- O que há com você? - Vênus perguntou. - A guerra acabou. Conseguimos o que queríamos. - Eu sei. Atingimos nosso objetivo... mas deixando bem claro que nós três
orquestramos tudo. - Hera fez um gesto abrangendo Troia. - A qualquer momento Zeus vai despertar da exaustão que os nossos magníficos dias de amor lhe provocaram
e então saberá da nossa interferência aqui. "Raiva" chega a ser um eufemismo para o que ele vai sentir, e sabem muito bem o que acontece quando ele fica irritado.
- Nossa... Quer dizer que o deixou esgotado? Parabéns! - congratulou Vênus.
Atena suspirou.
- Para variar, o Amor não entendeu nada.
- Entendi sim, senhora! Mas gostei mais da primeira parte da história - contrapôs a deusa.
- Ele vai ficar louco da vida! - Hera falou em voz baixa. - E nós estávamos nos dando tão bem!...
- O melhor a fazer nesse caso é nos certificarmos de que Zeus não fique sabendo do que andou acontecendo por aqui - concluiu Atena.
- O que sugere? - Hera indagou. - Saiba que não estou em condições de manter o ritmo dos nossos encontros sexuais. Por alguns dias até foi divertido, mas pela eternidade
seria no mínimo doloroso! - Ela fez uma careta.
- Vamos enfeitiçá-los - declarou Atena.
- Ahn? - Vênus indagou. - Enfeitiçar os órgãos genitais do Rei e da Rainha do Olimpo vai ser muito mais difícil do que...
- Será que dá para você esquecer os genitais alheios um pouco? Estou falando sobre os Gregos e os Troianos! Não seria problema se nós três juntássemos os nossos
poderes. Podemos apagar as memórias dos mortais de tudo o que aconteceu após a Fúria ser eliminada.
- Será que podemos? - perguntou Hera, começando a se entusiasmar.
- Não vejo por que não! - respondeu Vênus, estreitando os olhos para Atena. - Quer saber, todo esse sexo teve um excelente efeito sobre você. É claro que odeio dizer
isso de novo, mas eu bem que avisei.
- Apesar de contrariada, eu admito que estava certa... - concedeu a Deusa da Guerra.
O rosto de Vênus se iluminou com um sorriso vitorioso.
- ... Desta vez - acrescentou Atena, os olhos cinzentos se voltando irremediavelmente para o campo de batalha, onde se encontrava o guerreiro alto que ela tanto
amava. - Venha até mim, Ulisses - falou, a voz soando num sussurro.
E, mesmo a distância, ele olhou para ela, sorriu e começou a cobrir a distância que os separava.
- Por que o está chamando? Ainda temos que limpar as memórias dos mortais! - lembrou Hera.
- Não a dele - decidiu Atena. - Não me importo com o restante deles, mas Ulisses sempre se lembrará de tudo.
- É um direito dela - concordou Vênus. - Atena o ama. Mexer com a memória de Ulisses estragaria tudo o que eles compartilharam.
Pela primeira vez, Atena sorriu para a outra deusa, agradecida.
- Obrigada, Deusa do Amor.
- De nada, Deusa da Guerra. - Vênus fez uma breve reverência.
- Mas, se apagarmos as memórias dos mortais, o que vamos colocar no lugar do que aconteceu? - perguntou-se Hera.
- Podemos colocar a culpa em Poseidon - Atena sugeriu. - Ele já está aqui e sempre teve problemas com os Troianos.
- Não. Todos sabem que ele não podia tocar as paredes de Troia até que estas fossem violadas. Poseidon fez esse trato com o rei Laomedonte décadas atrás. Se este
pudesse ter sido rompido antes, ele já o teria feito. Além do mais, ninguém aqui quer provocar a ira do Deus do Mar. Vocês sabem como a coisa fica feia quando os
mares estão turbulentos - lembrou Hera.
Vênus caiu na risada de repente.
- Já sei! E é perfeito! Lembram-se do tal Cavalo de Troia que aquele autor ridículo inventou junto com aquela história toda sobre o calcanhar de Aquiles?
- Claro que sim. É como esse boato imbecil de que fomos nós três que demos início à Guerra de Troia! - Hera falou com desgosto.
- O que é simplesmente inconcebível!
- Pois muito bem, vamos usar esses rumores cretinos e essa baboseira toda em nosso benefício! Vamos mandar o Cavalo de Troia para a cidade e colocar isso na memória
dos mortais - resolveu Vênus.
- Brilhante ideia! - comemorou Hera.
- Também gostei - concordou Atena.
- O que é esse Cavalo de Troia? - Ulisses quis saber.
Atena sorriu para ele, amorosa.
- E ainda podemos dar o crédito para Ulisses!
Atena e Vênus deram de ombros.
- Como quiser - falou a Deusa do Amor.
Hera concordou com um gesto de cabeça.
- Que diabo é um Cavalo de Troia? - Ulisses perguntou outra vez.
- Vou explicar tudo para você mais tarde - disse Atena. - Agora é melhor ficar quietinho.
As três deusas se deram as mãos e, juntas, caminharam pelo campo de batalha devastado. Conforme chegaram mais pertos das muralhas, começaram a cintilar com seus
poderes combinados. Alternadamente, a voz de cada uma delas ressoou sobre a cidade, descendendo sobre os mortais tal qual uma chuva fresca.
Concluída está nossa tarefa
É finda de Troia a guerra
Como é finda destas deusas a lembrança
Que com o sol poente se encerra.
Uma nova era agora começa
E com o alvorecer, uma nova esperança...
Hera concluiu o cântico e, em seguida, as deusas ergueram os braços. Em perfeita sintonia, lançaram seus poderes sobre Troia.
Um gigantesco cavalo de madeira se materializou à sua frente ao mesmo tempo que o sol mergulhava no horizonte, tingindo de vermelho o oceano.
- Bem... É isso! - Vênus falou com um suspiro, batendo as mãos como se ao término de um trabalho benfeito.
- Preciso voltar antes que Zeus desperte! - lembrou Hera. - E querem saber? Isto tudo me revigorou. Talvez eu esteja pronta para mais uma sessão de calistenia...
- Ergueu as mãos para abençoá-las. - Foi um prazer, grandes deusas.
- Grande Rainha... - Vênus e Atena disseram em uníssono, curvando-se respeitosamente conforme Hera desaparecia.
- Eu devia ter explicado tudo a Ulisses - murmurou Atena, os olhos já em busca do amante.
- Pois então vá. E com a bênção do Amor, Atena - Vênus sorriu.
- Obrigada, amiga - A Deusa da Guerra sorriu de volta, em seguida saiu correndo.
Vênus suspirou, feliz, pensando em seu viril marido, Vulcano, com o qual ela não passava tempo suficiente desde que aquela aventura toda começara. Sorriu, já cheia
de ideias na cabeça para o encontro romântico que planejava ter com ele naquela noite.
- Hera tinha razão. Também me sinto revigorada - murmurou consigo. - Afinal de contas, o Amor adora um final feliz! - Ergueu o braço delgado e, com um estalo de dedos, desapareceu, deixando uma nuvem cintilante que se transformou num bando de vagalumes, os quais se espalharam pelo bosque silencioso tal qual pequenos faróis de esperança.

 

 

                                                                                                    P. C. Cast

 

 

 

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