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DEUSA DO AMOR - Parte II
Series & Trilogias Literarias
Capítulo 16
– Você não falou que eu daria as aulas! – Pea protestou.
– Claro que vai dar as aulas. Não posso encantar a faculdade inteira. – Vênus fez uma pausa, pensando por um momento. – Bem, talvez eu possa, mas seria terrivelmente
complicado. E quem poderia dizer como isso afetaria a população em geral? – Balançou a cabeça. – Não. É mais fácil eu ajustar uma coisinha aqui, outra ali, como
fiz com o chefe adjunto, e mantermos isso para nós tanto quanto for possível.
– Vênus, eu nunca dei uma aula na vida!
– Ah, mas não tem nada com que se preocupar. Basta ensinar o que sabe.
– A cozinhar? Para aliviar o estresse?
– Na verdade, querida, eu estava pensando na sua dança.
Pea arregalou os olhos.
– Quer que eu ensine balé para os bombeiros?
– Por que não? – Vênus deu de ombros.
Pea riu.
– Só pode estar brincando!
– Nem um pouco. A dança é uma atividade relaxante, e você, uma dançarina mais do que experiente. Além do mais, irá proporcionar uma boa oportunidade para que todos
aqueles homens deliciosos a vejam na sua melhor forma.
– Eu não sei. E se eles estiverem lá? Griffin e o outro, quero dizer. De maneira nenhuma serei capaz de ensinar com algum deles... você sabe... olhando para mim.
Não depois do que fiz com ele.
– Querida, por favor, lembre-se de que manipulamos os eventos para que os homens venham a você, no seu território, no seu lugar de poder. Está no controle neste
momento. Você faz a escolha. Além disso, serei sua assistente por detrás do palco. Se estiver em apuros, eu simplesmente... – Vênus balançou os dedos.
– Claro. – Pea pareceu apenas um pouquinho menos preocupada.
– Então está decidido. Vamos tomar mais uma xícara deste café divino, e depois partiremos para a faculdade. Não podemos nos atrasar para a aula.
Pea olhou o relógio e franziu a testa.
– O que foi, querida?
– Se tivesse me dito ontem que eu teria de dar uma aula de balé, eu podia ter comprado algo um pouco mais agradável do que aquelas camisetas manchadas de suor que
costumo usar.
O sorriso de Vênus foi lento.
– Eu já cuidei desse pequeno detalhe. Há uma linda mochila nova no seu armário. Dentro dela encontrará tudo o que vai precisar para o seu primeiro dia como instrutora
de dança.
– Você pensa em tudo, Vênus! – Pea a abraçou.
A deusa lhe deu um tapinha no braço.
– Nem tudo, querida. Apenas no que é importante.
Com um esforço, ela afastou o pensamento de que, se realmente calculasse tudo e fosse tão centrada como Pea acreditava, não teria deixado que Griffin a abandonasse,
tampouco estaria escondendo o fato da amiga.
Não importava, concluiu enquanto assoprava o café e observava Pea se apressar pelo corredor até o quarto, a fim de apanhar sua nova bolsa de dança. De alguma forma
iria fazer Griffin se arrepender de ter brincado com o Amor, e descobriria como dar um jeito naquela paixão de Pea pelo infeliz.
Ignorou o mal-estar no estômago. Não era possível que Griffin a houvesse magoado. Ele a tinha apenas surpreendido ao deixá-la sozinha e não voltar mais. Era isso.
Precisava ajudar Pea a encontrar seu amante misterioso ou, se este não fosse adequado, descobrir para a amiga um homem que fosse honesto e íntegro, e que tivesse
apelo sexual. Então voltaria à sua rotina no Olimpo. Talvez pudesse planejar uma deliciosa orgia com sátiros e ninfas da floresta. Um pouco de devassidão talvez
a animasse um pouco.
Afinal, era impossível que a deusa do Amor se sentisse solitária.
– Está linda, querida! Simplesmente linda. – Vênus tirou um cisco inexistente do ombro de Pea. – Eu sabia que esse collant rosa e essa saia transparente iriam combinar
com a sua silhueta e tom de pele. E não se preocupe. Não há nada com que ficar nervosa.
– Eu posso vomitar!
– Não, não pode.
– ... Está bem, mas tem certeza de que encantou todos no meu escritório para que eles achem que essa aula é normal?
– O que os bombeiros virem hoje lhes parecerá completamente natural. E amanhã eles não vão se lembrar de coisa alguma. Vão pensar nessa aula apenas como algo que
foram orientados a fazer; nada fora do comum. A única coisa de que vão se recordar é da sedutora instrutora de dança chamada Pea... – Vênus fez uma pausa, pensativa.
– Depois me avise se ficou interessada em algum deles. Posso fazê-lo pedir o número do seu telefone.
– Nossa... Pode fazer tudo isso mesmo?
– Querida, o Amor pode fazer qualquer coisa.
– Ah, claro. Às vezes eu até me esqueço. Não tenho muita experiência com o amor de verdade.
– Pois vamos corrigir isso muito em breve. – Vênus deu-lhe outro tapinha no braço. – Se está pronta, vamos indo.
Elas caminharam pelo corredor, indo do escritório de Pea para uma enorme sala de aula ali perto. Pararam e olharam pelo pequeno retângulo de vidro da porta fechada.
– Não vou conseguir fazer isso! – Pea se encostou na parede, pálida.
– Claro que vai. Eu estarei bem aqui e...
– Não! Não posso entrar lá sem saber o que esperar.
– Está bem. – Vênus decidiu, pensando rápido. – Eu vou primeiro e... – Hesitou. E o quê?
– Pode fazer a chamada? – arriscou Pea.
– Claro! – Vênus exclamou, aliviada. – Faço a chamada, verifico se todos estão presentes, e pronto. Enquanto eu fizer isso, fica assistindo aqui de fora. Dessa forma
vai saber se Griffin e o seu bombeiro misterioso vieram, então saberá o que esperar.
– E-Está bem – Pea gaguejou, em dúvida.
– Ótimo – Vênus falou com firmeza. Alisou o elegante terninho violeta, ajeitou o corpete de seda preta, cujo decote baixo expunha apenas o topo dos seios macios,
e agitou os dedos. Uma caneta e uma prancheta com aparência profissional, contendo uma lista de nomes, surgiram do nada.
– Eu queria muito que parasse de fazer as coisas aparecerem de repente sem me avisar! – exclamou Pea, sobressaltada.
– Desculpe, querida. Vivo me esquecendo do quanto é sensível. – Vênus verificou o batom no vidro semirrefletivo da porta. – Pronta para a batalha?
– Bem...
– É claro que está. Eu já volto. Encare isto como um reconhecimento do território inimigo.
Vênus ignorou o gemido de Pea e girou a maçaneta da sala de aula que já havia encantado anteriormente, dando fim às carteiras e tudo o que considerara desnecessário.
Sentia-se feliz por Pea estar nervosa. Aquilo a obrigava a dar um bom exemplo e parecer confiante e centrada.
Verdade seja dita: por dentro, a própria deusa do Amor se sentia ridiculamente tensa.
Mas não se permitiria hesitar mais. Adentrou a sala, adotando sua mais séria postura.
Como já era de se esperar, os homens se reuniram no meio da classe em silêncio, lançando-lhe um olhar mais do que apreciativo. Pareciam atentos, porém casuais, vestidos
com jeans e camisetas do Corpo de Bombeiros de Tulsa.
– Bom dia, senhores – Vênus saudou, toda profissional. – Quando eu chamar por seu nome, por favor, digam “presente”. – Começou a recitar a lista em ordem alfabética,
olhando, atenta, para cada bombeiro que respondia. – Allen, James.
– Presente, senhorita.
– Barber, Joshua.
– Presente.
– Bennett, Kevin.
– Aqui, senhorita.
– Carter, Corey.
Ficou contente por pronunciar o nome seguinte sem uma pitada de hesitação.
– DeAngelo, Griffin.
O grupo de homens se afastou, de modo a permitir que ele viesse do fundo da sala.
– É bom vê-la novamente... – Olhos azuis e inconfundíveis encontraram seu olhar frio como o aço. Então Griffin tocou um chapéu imaginário com o sorriso confiante
e sexy que ela conhecia muito bem.
Vênus corou. A deusa do Amor enrubesceu, e o sangue tingiu seu pescoço delgado, assim como as faces benfeitas.
Ao se dar conta disso, ela respirou fundo. Estava ali por uma causa justa, não por amor.
– Griffin? – Vênus repetiu, usando um tom de dúvida.
– Sim, senhorita, Griffin DeAngelo. – Ele se adiantou e estendeu a mão como um perfeito cavalheiro. O brilho em seu olhar era a única evidência de que havia mais
coisas entre eles do que se podia imaginar. – Não creio que tenhamos sido formalmente apresentados naquela noite.
Vênus olhou da mão estendida para os olhos azuis. E, pela primeira vez em sua existência, não soube o que dizer.
Pelos sacos peludos de todos os deuses, que homem arrogante! Ele a tinha violado, depois a deixado, e agora ficava ali, sorrindo e querendo cumprimentá-la como se
fosse um gentleman?
– Não imagina como estou feliz em revê-la, minha deusa – Griffin disse baixinho.
Vênus percebeu que ainda estava olhando para ele, e que a mão morena continuava estendida à sua frente. Endireitando o corpo, tomou-a devagar.
– Muito prazer, Griffin DeAngelo.
Ainda segurando a mão dela, ele sorriu devagar.
– Seu nome é...?
– Vênus. Vênus Pontia.
O sorriso dele se alargou.
– Então é mesmo uma deusa.
– Claro que sou, querido – ela confirmou de pronto, e puxou a mão. Em seguida continuou a chamar os nomes da lista, metódica.
Sua mente, entretanto, entrara em um turbilhão. Tentou ignorar o fato de que podia sentir os olhos azuis e brilhantes fixos nela, com aquele olhar possessivo que
a aprisionara com tanta facilidade antes. Griffin agia como se não tivesse feito nada de errado, porém a deixara – a deusa do Amor! – sentada lá fora, na frente
do restaurante, à sua espera, e não tinha retornado.
E ninguém desprezava uma divindade!
Terminou a lista e, sem nenhum outro olhar para Griffin DeAngelo, saiu da sala.
Recostou-se na porta fechada.
– Griffin está lá dentro! Eu o vi. – Pea olhou por cima dela. – Ei, você está bem?
– Sim, claro que estou. – Vênus respirou fundo e tentou se recompor. Por que permitia que o mortal a afetasse tanto?
E esse, ela temia, era justamente o problema. Não havia permitido coisa nenhuma a Griffin. Pela primeira vez em sua existência, um homem não esperara por sua permissão
para tocá-la, sentir seu gosto, possuí-la.
– Vênus?
Ela sacudiu a cabeça.
– Griffin está lá, mas e quanto ao seu homem misterioso?
– Não. – Pea suspirou.
– Tem certeza?
– Tenho. Quero dizer, eu o reconheceria depois do que fizemos. – Pea ficou da cor do collant que usava.
Vênus respirou fundo.
– Bem, pelo menos isso está resolvido. Ele não está aqui, e Griffin está. Portanto é só ir lá para dentro e dar a aula. Será o centro das atenções durante uma hora
inteira. Se Griffin não demonstrar nenhum interesse por você depois disso, então poderei afirmar que ele não é digno da sua atenção.
– Eu não vou conseguir!
– Claro que vai. – Vênus suspirou. – Pea, todos passamos por esse tipo de coisa. É boa na dança, basta ir até lá e provar isso.
Pea agarrou a mão dela.
– Por favor, não me obrigue a fazer uma coisa dessas!
– Querida, eu não vou obrigá-la a nada. Isso é algo que precisa ter confiança para fazer.
– Vou fazer papel de boba outra vez. – Os olhos de Pea se encheram de lágrimas. – Não é uma questão de confiança, e sim de estar à vontade diante de um grupo de
pessoas. Eu sei que me encantou e fez com que eu enxergasse a mim mesma como os outros me veem, por isso agora sei que não sou mais a pateta que eu era no colégio...
Mas isso não significa que eu seja boa diante de uma plateia. Acho que nunca serei.
– Mas, Pea, você...
Pea não a deixou continuar.
– Mudar o meu jeito de ser é a única forma de ser aceita?
– É claro que não! Eu nunca quis que se sentisse assim. – Vênus a abraçou com força. – Você é boa o suficiente exatamente como é. É assim que quero que se sinta,
Pea.
– Eu sei, mas...
Vênus se afastou e fitou a mortal nos olhos.
– Não queria isto. Não esta parte, não é?
– Ver a mim mesma de forma clara e ter confiança na minha beleza é uma coisa. Conseguir o afeto de um homem fingindo ser algo que não sou é outra. Fiquei parada
aqui, pensando, e decidi que nem quero Griffin se for obrigada a fazer isso.
– Sabe de uma coisa, Dorreth Pea Chamberlain? É muito sábia para uma mortal.
Pea sorriu.
– E então?... Vai dar a aula por mim?
– Mas eu não estou vestida para dançar.
– Ora, por favor. Vai me dizer que não pode fazer surgir uma malha...?
– Eu não sei dançar balé!
– Ensine o que sabe, oras.
– Ensinar o que eu sei? Hum, pode ser interessante – concordou Vênus, pensativa. – Quer saber? Acho que está certa. Vou seguir o seu conselho. – Ela levantou a mão
e, em seguida, olhou para Pea. – Prepare-se. Vou usar magia.
Pea fechou os olhos.
Vênus agitou os dedos, e uma sacola enorme e lotada apareceu.
– Pode abrir os olhos agora – falou, colocando-a sobre o ombro.
– O que vai ensinar?
O sorriso de Vênus foi radiante.
– O que eu sei, é claro, minha querida.
Além de uma lição a um certo mortal, acrescentou para si mesma.
Capítulo 17
– Bom dia novamente! Podem me chamar de Vênus. Serei sua professora de relaxamento. Podem sentar-se em qualquer lugar. – Ela moveu os dedos em direção ao fundo da
sala de aula, e várias cadeiras se materializaram. – Puxem aquelas cadeiras para cá, por favor... Elas estão longe demais. – Foi tão natural que os homens nem sequer
se lembraram de que não havia cadeiras na parte de trás da sala quando tinham entrado ali.
Enquanto os bombeiros arrastavam seus assentos e se acomodavam, Vênus remexeu a bolsa e apanhou várias folhas de papel vegetal, cada uma delas coberta com um complicado
desenho.
Ignorando Griffin que, claro, sentou-se bem na frente e no centro da classe, ela começou a distribuir os papéis.
Os homens olharam os esboços em silêncio, visivelmente confusos.
– Já que vamos falar sobre como dar prazer a uma mulher, vou me referir a esse desenho da flor de lótus feminina durante a nossa discussão. Por favor, sintam-se
livres para fazer perguntas. – Ela fez uma pausa e deixou que os bombeiros assimilassem as palavras. Contudo, notou que muitos pareciam atordoados. – Estão confusos,
senhores? Têm alguma dúvida?
Um dos mais velhos levantou a mão, hesitante, e Vênus acenou com um gesto de cabeça, pedindo que ele se manifestasse.
– Bem, senhorita, creio que a maioria de nós está se perguntando o que esta “flor de lótus feminina” tem a ver com o alívio do estresse.
– Querido, estou usando o termo “flor de lótus feminina” apenas como uma alegoria. – Ela parou e notou que os rapazes continuavam confusos. Então suspirou. – Uma
representação para a vulva – esclareceu de uma vez.
Vários deles a fitaram, chocados, e Vênus tentou ignorar o fato de Griffin estar sorrindo.
– Ahn, senhorita... – O mesmo homem ergueu a mão novamente.
– Sim? – ela respondeu, alegre, tentando ser paciente com o inconveniente mortal.
– Eu ainda não entendi o que a... flor da vulva tem a ver com o alívio do nosso estresse.
– Flor de lótus – ela corrigiu. – Qual é o seu nome?
– J. D. Maples.
– É casado, J. D.?
– Sim, senhorita.
– Não conseguiria aliviar grande parte do estresse em sua vida se soubesse como dar à sua esposa um prazer tal que ela quisesse acolhê-lo em sua cama com muito mais
frequência e procurasse desculpas para que pressionasse seu corpo nu contra o dela?
J. D. abriu e fechou a boca várias vezes.
– Agora compreendo, senhorita.
O restante do grupo murmurou seu acordo.
– Imaginei que compreenderia. – Vênus sorriu. – Muito bem... As mulheres têm vários tipos de orgasmo, mas, para evitar muita discussão hoje, irei me concentrar em
apenas dois deles: o clitoriano e o vaginal. Além disso, vamos falar também sobre a descoberta do principal ponto de prazer de uma mulher... – Vênus pensou por um
momento antes de se lembrar do nome que tinha aprendido durante uma de suas muitas pesquisas no Google. – ... O ponto “G”. Vocês devem saber que as mulheres tendem
a ter preferências sobre um determinado tipo de orgasmo, mas...
Griffin ergueu a mão.
– Sim? – Vênus se obrigou a não franzir a testa. – Disse que seu nome era DeAngelo, certo?
– Griffin – ele corrigiu com aquele sorriso confiante que nunca vacilava. – Pode me chamar de Griffin.
– Muito bem. Tem uma pergunta, Griffin?
– Sim, senhorita. Eu estava pensando sobre os orgasmos. Como podemos saber qual o que nossa amante prefere?
– Basta perguntar a ela – Vênus respondeu, fria. – Mas creio que eu possa responder a parte dessa questão em nome de todas as mulheres... Elas preferem o tipo de
orgasmo que têm com um homem íntegro, o qual mantém sua palavra e não desaparece depois. – Sustentou o olhar, satisfeita ao ver que o sorriso de Griffin tinha desaparecido.
Outra mão subiu no lado esquerdo da sala. – Sim? Qual a pergunta?
– Acho que há algo errado com o meu desenho, senhorita – explicou um bombeiro muito jovem.
Vênus caminhou até ele e olhou a folha.
– Querido, a sua flor de lótus está de cabeça para baixo.
– Ah, perdão – ele murmurou, corando.
– Por favor, não se desculpe. Estão aqui para aprender. E todos sabem que, embora o falo masculino seja extraordinário, a flor de lótus feminina, ou seja, o centro
da sexualidade de uma mulher, é bem mais complexa.
– E, dependendo das circunstâncias, a coisas podem ser ainda mais complicadas – Griffin disse de repente, fazendo com que os homens lhe enviassem olhares curiosos.
Vênus piscou com fingida inocência.
– Não, Griffin, as circunstâncias não importam. A vagina é sempre mais complicada do que o pênis.
Ela tentou não se deixar afetar pelas ruguinhas bem-humoradas ao redor dos olhos azuis, nem pelo fato de que ele agora sorria abertamente diante da argúcia de sua
resposta.
Mas teve que admitir, pelo menos para si mesma, que Griffin era muito bonito.
– Não tenho dúvida alguma de que flores de lótus são tão complexas quanto intrigantes. Eu só queria saber o que um homem deve fazer quando, ahn, a complexidade de
uma situação advém de circunstâncias além do controle do homem e de um orgasmo interrompido... para ambas as partes. O que recomendaria, então?
– Comunicação – Vênus respondeu sem pestanejar.
– Só isso? – Ele sorriu.
– Isso e rastejar! – gritou um homem da parte de trás da sala, fazendo todos cairem na risada.
– Vejo que tenho pelo menos um aluno de nível avançado... – Vênus replicou, sorrindo para a classe e encontrando o olhar de Griffin apenas por um momento.
– E então, senhorita? – ele prosseguiu, abrindo-lhe um sorriso caloroso e íntimo. – Estou pronto para aprender.
Houve um bem-humorado murmúrio de acordo geral.
– Aprecio alunos atentos – parabenizou Vênus, incapaz de evitar os olhos azuis e brilhantes de Griffin. Em seguida, caminhou rapidamente para o quadro-negro e tirou
uma caixa de giz colorido da sacola. Localizando o giz cor-de-rosa, voltou-se para a classe: – Por favor, sigam por meio dos seus próprios desenhos enquanto faço
uma versão mais simples.
Outra mão foi erguida.
– Desculpe-me, senhorita. Devemos tomar notas?
– Só se desejar o prazer de uma mulher.
Ao se voltar para o próprio desenho, Vênus ouviu Griffin rir enquanto ele e o restante dos homens buscavam canetas e lápis.
Talvez ela devesse ouvir o que ele tinha a dizer sobre o porquê de não ter voltado para ela. Dificilmente poderia ficar mais ferida ouvindo o seu lado da história.
Afinal, o amor deveria ser gentil, justo e paciente.
Sim, ela iria escutá-lo, e então se sentaria com Pea e lhe contaria tudo. Se a desculpa de Griffin fosse muito esfarrapada, iria dizer à amiga que canalha ele era;
e que, decerto, esta ficaria melhor sem ele.
Mas se Griffin tivesse um razão razoável para não ter retornado para ela... simplesmente contaria a verdade à moça. Pea era inteligente e compassiva. Iria entender.
Sentindo-se mais leve e feliz do que em muitos dias, Vênus terminou o esboço com um floreio e virou-se de volta para a classe.
– Agora, alguém pode me dizer onde está localizado o clitóris?
Sorriu para a enxurrada de mãos erguidas.
Vulcano não conseguia se concentrar. Verdade que continuava alimentando a grande fornalha que aquecia o núcleo da Terra antiga, e que também prosseguia verificando
vários vulcões, tanto na terra como sob os oceanos. A última coisa de que precisava era de uma erupção aquele dia, ainda mais tendo as emoções já tão tumultuadas.
Como sempre, estava consciente dos muitos incêndios florestais que, supostamente, encontravam-se fora de controle.
Todas essas coisas, entretanto, ele fazia a esmo, pois seus pensamentos estavam em Pea.
Com um grunhido, desistiu de trabalhar e caminhou pelos cômodos resplandecentes de seu palácio subterrâneo até o pilar central da infinita chama. Tocou o fogo e
encontrou o fio que o ligava a Vênus, ao mundo moderno e a Pea.
Como de costume, a linha o levou primeiro a Vênus.
Vulcano franziu o cenho.
O que, por todos os níveis do Submundo, ela estava fazendo? Desenhando uma vulva em uma placa enorme com giz colorido?
Incrédulo, ele ouviu uma sala cheia de homens viris questionando-a sobre o orgasmo feminino. A deusa do Amor estava dando uma aula sobre a arte de estimular uma
mulher!
Vulcano fez um sinal, de modo a materializar uma cadeira, e se acomodou para prestar atenção. Seu casamento não fora um sucesso, contudo não havia dúvida de que
Vênus era incomparável em termos de conhecimento quanto à complexidade do prazer.
E ele sabia que não era muito experiente na arte de fazer amor. Outras deusas tinham se afastado dele porque sabiam que o próprio Amor o desprezara. E, ironicamente,
nenhuma mortal quisera se arriscar a ofender a deusa, cobiçando seu marido. Vulcano respirou fundo. Ao longo das eras, tinha se cansado de tentar explicar que, na
verdade, Vênus não o rejeitara, que o casamento deles era de conveniência, ainda que o arranjo não tivesse dado certo. Assim, fora mais fácil permanecer sozinho.
Até aquele momento.
Com Pea, vinha experimentando algo completamente novo, uma chance de ser amado por quem era, e não pelo que as pessoas imaginavam que ele fosse.
E era evidente que gostaria de usar toda a ajuda que pudesse obter sobre o assunto “sedução”, de forma que tratou de prestar atenção à discussão promovida pela deusa
a respeito de algo que ela chamava de “ponto G” da mulher.
Mas nem assim Vulcano conseguiu tirar Pea da cabeça.
Quando o fio invisível seguiu seus pensamentos, deixando a sala de aula para serpentear, incansável, pelo corredor, não fez nada para impedi-lo. Rápida e silenciosamente,
a linha fez sua vontade.
Pea encontrava-se sentada à organizada mesa de escritório em que ele já a vira trabalhar outras vezes, segurando uma pasta com papéis enquanto fazia perguntas a
um homem de aparência desleixada, sentado à sua frente, do outro lado. Não demorou muito para que Vulcano concluísse: devia haver alguma vaga de professor na faculdade,
no campo de História, à qual o sujeito estava se candidatando.
Pea não pareceu muito impressionada com o sujeito, contudo. Na verdade, suspirou e mordeu o lápis depois que ele deixou a sala.
– Aborrecido... Seco... Não. Não serve. Colocaria todo mundo para dormir na sala de aula – murmurou para si mesma. Depois olhou para o relógio. – Meia hora até a
próxima entrevista. – Suspirou outra vez e começou a mexer no tal computador, uma geringonça que detinha tanto conhecimento que, aparentemente, era a versão moderna
da magia.
Uma próxima entrevista...
Por que não poderia ser com ele?, indagou-se Vulcano de repente. Vênus estava fazendo papel de professora na faculdade de Pea; por que ele não poderia fazer o mesmo?
Endireitou o corpo, chocado com seu próprio pensamento.
Mas por que não? Ele queria vê-la de novo, queria cortejá-la e fazê-la sua. E já decidira que nunca iria trazê-la para o Olimpo, de modo que teria de ir até ela
eventualmente.
Por que não naquele momento? Por que esperar mais? O deus do Fogo estava pronto para agir, e era o que ele faria. Só precisava ficar fora do caminho de Vênus, pelo
menos até que Pea estivesse apaixonada por ele.
Ora, ele já observara que Vênus se encontrava ocupada. Era uma ocasião excelente para fazer outra incursão ao mundo mortal moderno e, com sorte, ao coração de sua
amada. O importante era ficar com Pea outra vez. Poderia se preocupar com detalhes mais tarde.
Precisava apenas das roupas corretas. Algo como o que o outro homem usava, porém menos amarrotado. Seu desleixo certamente não tinha impressionado a moça.
E ele não contava com muito tempo. Precisava chegar lá antes do candidato seguinte, a fim de reorientar o mortal – algo fácil de fazer – e, em seguida, assumir seu
lugar no escritório de Pea a fim de ganhar seu coração.
Porque isso era, de fato, o que ele queria. Que se danassem o Olimpo, os deuses e suas intrigas e preconceitos. Queria alguém como ele próprio, alguém intocado por
eles.
Também queria uma vida própria, e – por todos os níveis escuros do Tártaro! – faria qualquer coisa para consegui-la.
Capítulo 18
– Entre! – Pea disse em resposta à breve batida na porta de seu escritório. Olhou para o relógio. Seu entrevistado estava cinco minutos adiantado.
Bem, pensou, remexendo os papéis sobre a mesa e colocando o arquivo de Robertson Brown no topo da pilha, ao menos o sr. Brown estava ansioso. Tomara ele fosse mais
interessante do que o último candid...
Quando o homem entrou no gabinete, todo o ar deixou seu corpo. Literalmente. Da mesma forma que na ocasião em que ela cometera o erro de andar a cavalo. Havia caído
e não conseguira respirar por vários e desconfortáveis segundos.
Pois a sensação era a mesma. Tudo o que pôde fazer foi continuar sentada, buscando por ar.
– Olá – ele a cumprimentou com um sorriso que pareceu se infiltrar em seu corpo e transformá-la em líquido.
Pea respirou fundo.
– É Robertson Brown, minha próxima entrevista? – indagou de uma só vez.
– Não... Sim! – Ele parou e também respirou fundo. – ... Sinto muito. Parece que estou mais nervoso do que imaginei. Não sou Robertson Brown, porém gostaria de ser
o seu próximo entrevistado.
– Pensei que fosse bombeiro.
Ele assentiu com um gesto de cabeça, como se já esperasse por aquilo.
– Na verdade tenho lidado com fogo já há um bom tempo... Mas decidi mudar.
– Para o ensino de História em nosso Departamento de Educação Continuada? – Ela sentiu-se corar e teve que entrelaçar as mãos a fim de impedi-las de tremer.
– Sim. Eu gostaria muito de fazer isso.
Pea apenas o fitou. Não podia acreditar que ele se encontrava bem ali, na sua frente, em um terno meio fora de moda, mas impecável e que caía muito bem.
E o homem parecia encher seu escritório. Ela não se lembrava de ele ser tão alto, musculoso e imponente.
Mas aquela boca... dessa ela se recordava bem!
– Importa-se com a minha intrusão?
Pea pulou ao se ver arrancada do devaneio.
– Não, não... De modo algum. Mas, se o sr. Brown aparecer, terei que interromper a entrevista. Ele tem hora marcada.
– Sem problemas – Vulcano assentiu.
– Está certo, então. Bem... sente-se.
Em vez de se acomodar na cadeira de couro diante da mesa, porém, ele caminhou até ela, a leve claudicação em nenhum momento ofuscando a força e o poder que emanava.
Estendeu a mão e, persuadindo-a a desentrelaçar as dela, levantou uma delas, levando-a aos lábios.
O calor do toque a cortou dos pés à cabeça. Seus olhos se encontraram, e Pea sentiu o choque de seu olhar como se este também fosse algo físico.
Jamais imaginara aquela conexão. E ela estava ali, na sala com ele, viva, pulsante e real.
– Perdoe-me por tê-la deixado naquela noite.
– Não pensei que fosse vê-lo de novo.
Ainda segurando a mão dela, ele balançou a cabeça.
– Não poderia ficar mais tempo longe de você, pequena.
– Quem é você, afinal?
– Sou o homem que você enfeitiçou.
Pea sorriu e puxou a mão com relutância.
– Não sei se posso colocar isso no seu currículo. Eu quis dizer: qual é o seu nome? – perguntou, tentando recuperar um pouco do profissionalismo.
A pergunta simples o deixou meio perdido, o que a fez se sentir melhor. Ele não estava exagerando quanto a ela deixá-lo nervoso se tinha se esquecido até do próprio
nome.
– V. Cannes – ele murmurou, por fim.
– V. Cannes? C-a-n-n-e-s?
Como se em estado de choque, ele balançou a cabeça devagar.
– O “V” é do quê? Victor, ou algo terrível como Vlad?
– Victor – ele respondeu rapidamente e, parecendo se lembrar, sentou-se.
– Bem, Victor, sabe que não era para ser meu próximo entrevistado, portanto, como ficou sabendo sobre esta vaga? E como diabos me encontrou? Ou isto foi apenas uma
estranha coincidência?
Ele permaneceu imóvel por um momento, a testa franzida, depois limpou a garganta e apontou para o computador.
– Descobri sobre o trabalho por meio do computador, mas não foi apenas por isso que vim aqui. A verdade é que eu precisava ver você novamente.
– Não está se candidatando ao emprego? – Pea tentou soar séria, entretanto não conseguiu evitar que um sorriso lhe curvasse os lábios. Não tinha sido uma coincidência!
– Admito que meu primeiro pensamento foi apenas revê-la. A proposta de trabalho chamou minha atenção depois.
– Então não está aqui porque queria ensinar História?
– Estou aqui por sua causa, mas acredito que gostaria de ensinar História. História antiga.
– Verdade? Que parte da História antiga? – Pea indagou. Céus, precisava parar com aquilo! Aquela não era uma entrevista de verdade!
Mas Victor era tão interessante, tão sexy e...
O sorriso dele foi lento e com uma ponta de malícia.
– Estou bem familiarizado com antigos mitos.
Pea sorriu de volta.
– Eu mesma ando muito familiarizada com a mitologia.
Ele se inclinou para a frente, a expressão indo, de repente, de brincalhona a séria.
– O que acha dos antigos mitos, das histórias de uma época em que deuses e deusas andavam sobre a Terra?
Pensando em Vênus, ela sorriu calorosamente.
– Gosto daquilo que aprendi até agora.
– Mesmo? – Ele cobriu-lhe a mão com a sua.
E aconteceu outra vez. Pea teve vontade de se afogar nele. Assim como naquela noite mágica, os olhos escuros capturaram os dela.
Não. Foi mais do que isso, mais do que apenas seu olhar. Era como se ele conhecesse sua alma.
Como era possível? Parecia real, mas com certeza aquilo devia ser produto de sua imaginação excessivamente romântica.
– Não está imaginando coisas – Victor afirmou com calma.
– Como sabe o que estou pensando?
– Conheço você. Estamos conectados. Não sei como, mas acho que sei por quê. Creio que somos muito parecidos, você e eu. Até conhecê-la, sentia-me como um exilado...
Tinha me resignado a ficar sozinho. Então a vi e senti que havia chegado em casa, enfim. – Ele soltou uma risada fraca. Passou a mão pelo rosto, como se pensasse
estar sonhando e precisasse acordar. – Inacreditável, não é?
– Sim... É incrível.
Quando a decepção começou a tomar conta de seus expressivos olhos castanhos, Pea continuou:
– Parece inacreditável, mas não é.
– Quer dizer que não sou o único que se sente assim? Não estou nisto sozinho?
Pea sabia que devia fazer piada, rir ou dizer algo que contradissesse o que Victor afirmava a fim de amainar o que estava acontecendo entre os dois. Deveria lembrá-lo
de que eles não se encontravam em um filme romântico com uma garantia de final feliz. Amor à primeira vista só era possível no cinema e em livros de ficção. No mundo
real ele desmoronava com frequência, deixando para trás os destroços de um divórcio e corações partidos.
E também havia Griffin.
Mas havia mesmo? Ou sua paixão por ele era mais como a impossibilidade dos filmes, enquanto o que acontecia com o homem à sua frente era mais parecido com a vida
real?
Encontrou seu olhar novamente e não pôde afirmar nenhuma dessas coisas porque o que viu ali era muito forte, muito possível. De repente, ela o quis com uma ânsia
que a surpreendeu. Queria que eles ficassem juntos, e aquela nova possibilidade de um futuro – que não era a vida repleta de animais de estimação e trabalho, de
noites e refeições solitárias, de sonhos com um homem que ela não poderia ter enquanto assistia a tantos outros casais se formando – de repente lhe pareceu viável.
– Não está sozinho nisso – murmurou, mesmo sentindo o estômago se apertar e a respiração em suspenso. – Mas estou com medo. Isto tudo é tão...
– Não diga que as coisas estão acontecendo muito rápido – ele a interrompeu. – Depois de eras sem acreditar que poderia acontecer, como podemos não acolher esta
magia que existe entre nós? Não importa que esteja acontecendo depressa demais. Será que não podemos nos dar uma chance e ver aonde esse novo caminho nos conduz?
Pea franziu a testa enquanto considerava as palavras. Era como se ele tivesse captado exatamente o que ela sentia.
– Por favor, não diga “não”.
Pea continuou a estudá-lo em silêncio e, de súbito, foi como se uma chave girasse dentro dela, destrancando um quarto secreto em sua alma onde todo o amor que havia
guardado para dar a um homem, o seu homem, fora armazenado. Em vez de se sentir insegura, com medo ou hesitante, viu-se preenchida pela incrível sensação de estar
fazendo a coisa certa.
– Victor, eu vou lhe dar uma chance... uma chance para nós, na verdade. Mas tem que me prometer uma coisa.
– Qualquer coisa que estiver ao meu alcance.
– Não vai mais desaparecer.
– Tem a minha palavra. – O sorriso se alargou no rosto moreno. Aliviado, ele a beijou na mão outra vez e seu olhar encontrou o dela, cheio de esperança. – Não vai
se arrepender. Se depender de mim, jamais vai se arrepender, Pea.
– Acredito em você. – Ela teve vontade de rir.
Ele se levantou de um salto.
– Venha! Vamos sair daqui. Vou levá-la a qualquer lugar que quiser. Basta pedir e tornarei seu desejo realidade.
Desta vez, Pea riu.
– Admito que essa foi a melhor proposta que já tive, mas não posso deixar o trabalho pelas próximas... – olhou para o relógio – ... seis horas.
– Seis horas?
Ela assentiu com um gesto de cabeça.
– Mas não tenho planos para esta noite.
Foi a vez de ele sorrir.
– Posso vê-la ainda hoje?
– Pode. – Ficaram sorrindo um para o outro até que Pea se deu conta do tempo passando. – Oh, meu Deus! Onde estou com a cabeça? Minha amiga deve estar terminando
de dar uma aula daqui a pouco. Preciso ir até lá encontrá-la e... – Hesitou. Não podia dizer “... e ver se ela conseguiu chamar a atenção de Griffin a meu respeito”
ou então “... e assegurar que ela não vá fazer coisas surgirem do nada, pondo a classe em polvorosa”. – ... e me certificar de que a aula foi bem. É a primeira dela.
– Se é assim, vou deixá-la terminar seu trabalho e vê-la novamente daqui a seis horas.
– Poderia ser daqui a sete horas? Quero ter tempo para chegar em casa e, você sabe... – Ela fez um gesto, mostrando as roupas.
– Ah, claro. Daqui a sete horas, então. – Vulcano virou-se para sair.
– Ahn, Victor? Não quer ficar com o meu número de telefone e endereço para saber onde me buscar esta noite?
Parecendo envergonhado, ele voltou para a mesa e apanhou um papel onde pudesse rabiscar a informação.
– Não sou muito bom nessas coisas, desculpe. Merecia alguém mais... – Moveu os ombros largos, constrangido. – ... Mais experimente na arte do amor.
O sorriso travesso de Pea se desvaneceu. Ela sabia muito bem o que era se sentir desajeitada e incompetente naquelas coisas.
– Não diga isso. Eu gosto de você como é. Não quero nenhum conquistador. Quero alguém com quem eu consiga me dar bem. Alguém que me entenda e com quem eu possa contar.
– Eu lhe dou a minha palavra de que poderá confiar em mim. Sempre.
– Estou torcendo por isso.
Ele pegou a mão dela e, quando se inclinou, Pea imaginou que Victor fosse beijá-la outra vez. Desta vez, porém, ele a surpreendeu inclinando-se para a frente e beijando-a
nos lábios.
Foi um beijo cheio de promessas, mais do que de paixão, contudo seu perfume a envolveu, assim como o calor de seu corpo. Victor lembrava um fogo quente em uma noite
fria, e ela se viu correspondendo com a mesma intensidade.
Quando os lábios dele deixaram os seus, quis puxá-lo de volta e se perder em sua boca. Em vez disso, porém, reencontrou a própria voz:
– Vejo você daqui a sete horas.
– Até mais tarde, pequena.
Antes de voltar ao Olimpo, Vulcano seguiu as indicações para o centro de pesquisa da faculdade. Precisou lançar alguma magia sobre um ou outro mortal, entretanto
logo estava sentado diante de um computador, testando seu conhecimento rudimentar nas ferramentas de busca.
Não poderia transitar pelo mundo moderno sem ter o mínimo de compreensão quanto àqueles tempos e pessoas.
Com um suspiro, estalou os dedos e começou a manusear e clicar o pequeno e intrigante dispositivo que chamavam de mouse.
Capítulo 19
– Obrigado, senhorita. Foi uma aula e tanto!
Vênus sorriu, carinhosa, para o jovem bombeiro que, no início da aula, havia segurado seu desenho de cabeça para baixo.
– Obrigada, querido. Fico contente que tenha gostado.
– Mais do que isso, senhorita! Mal posso esperar para... – Ele se interrompeu, corando. – Quero dizer, aprendi muito, obrigado.
– De nada! – Vênus falou da porta da sala de aula, de onde se despedia do grupo. Os rapazes tinham ido muito bem, mantendo-se atentos e entusiasmados o tempo todo.
E ela também se divertira, admitiu para si mesma. Principalmente porque o aluno mais atento, animado e bonito da classe fora Griffin, que agora ficara para trás
de propósito, sem dúvida à espera de que o restante dos homens se despedisse e fosse embora.
O último bombeiro saiu por fim, e a deusa sentiu o estômago se contrair conforme Griffin se aproximou, os olhos sorrindo para ela.
– Eu não sabia que era professora.
– Na verdade não sou. Pelo menos não com frequência. Mas acho que mando bem quando o assunto é amor. – Vênus fez uma pausa, torcendo para ter utilizado a expressão
moderna da forma correta.
– É terapeuta?
Aliviada por ele lhe ter atribuído uma profissão viável, ela acenou com um gesto de cabeça e sorriu, inocente.
– Isso mesmo. Terapeuta sexual. Dei esta aula de hoje como um favor para uma amiga que trabalha aqui na faculdade.
– Então vou ter que me lembrar de agradecer à sua amiga por estar aqui hoje.
– Verdade? Por quê? – Exceto pelo incômodo interrogatório a respeito de sua presença ali, Vênus se viu mais à vontade na conversa.
– Voltei para encontrá-la naquela noite, porém você não estava mais lá.
Griffin parecia estar sendo franco, e ela decidiu se igualar a ele na honestidade.
– Esperei até que ficou claro que não estava com nenhuma pressa em voltar para mim. Depois fui embora.
Ele soltou um longo suspiro, frustrado.
– Eu não queria ter demorado tanto, mas o prefeito e meu chefe não deixaram com que eu me afastasse enquanto não expliquei todos os aspectos do plano de educação
da comunidade que propus para a estação de Midtown. Sinto muito se pareceu que eu a desprezei.
Vênus sentiu a respiração se acelerar.
– Eu não achei que havia me desprezado – mentiu, seca. – Apenas me cansei de esperar e resolvi ir embora.
Griffin franziu o cenho em resposta ao tom arrogante.
– Bem, foi ótimo vê-lo novamente. Espero que tenha gostado da aula. – Vênus virou-se e se pôs a encher a sacola com o giz e os desenhos. Por que estava sendo tão
fria e rude? Queria que Griffin conversasse com ela, queria que ele se desculpasse... e ele estava fazendo ambas as coisas. Ainda assim, ela o tratava daquela maneira.
Analisou as próprias emoções em silêncio. Estava magoada! Pelo escroto defeituoso de Hércules, Griffin a tinha magoado ao não retornar, e o fato de ela ter acreditado
que ele a desprezara ainda doía!
– Oh, Deus! Olá, Griffin. – A voz doce de Pea rompeu o silêncio.
Vênus se voltou, vendo Pea estender a mão para o bombeiro, nervosa, e seu coração deu um salto dentro do peito. O sorriso de Griffin parecia genuíno quando aceitou
o cumprimento.
– Olá, vizinha. É um prazer vê-la outra vez, Pea. Eu devia ter imaginado que era a amiga que Vênus estava ajudando aqui na faculdade.
– Devia? – Pea perguntou com um sorriso incerto.
– Sim, no baile de máscaras Vênus contou que vocês duas eram muito próximas. Na verdade, talvez possa me ajudar... Estou tentando convencê-la de que só me afastei
e a deixei sozinha por muito tempo naquela noite por causa do trabalho.
– No baile de máscaras do Lola’s?
– Sim, e agora ela está aborrecida. – Griffin olhou para Vênus, e o que viu o fez acrescentar: – Não que eu a culpe. Mas posso compensá-la por tudo esta noite, com
um jantar. Que tal sair em minha defesa, Pea, e convencê-la de que sou apenas um cara comum, e não um aproveitador?
– Ou um mentiroso – completou Pea. Mas não olhava mais para Griffin. Estava olhando para Vênus.
– Claro que não sou mentiroso! – ele se defendeu. – É justamente isso o que quero provar a ela.
– Pea, eu posso...
A expressão vazia da moça não mudou, porém ela interrompeu a deusa:
– Vênus vai deixar que você a compense por seu deslize, Griffin.
A deusa abriu a boca, contudo Pea tornou a cortá-la:
– Tenho um encontro esta noite, por isso é justo que ela também tenha o dela.
Vênus piscou, chocada.
– Um encontro? Esta noite? Com...
A expressão de Pea abrandou um pouco.
– Com ele. Victor veio ao meu escritório enquanto você estava dando a aula.
– E está tudo bem entre vocês dois?
– Tudo certo – Pea respondeu, fria, antes de lançar um olhar para o bombeiro. – Não há nenhuma razão para que não saia com Griffin. Nenhuma mesmo. – Deu-lhe um sorriso
tenso antes de se afastar rapidamente.
Griffin se aproximou de Vênus, e ela sentiu o estômago se apertar de novo.
– Diga que vai sair comigo esta noite. – Os olhos azuis se fixaram nela, obrigando-a a desviar o olhar das costas de Pea.
Entreolharam-se, então. Griffin estava tão perto que Vênus pôde imaginar seu corpo contra o dele e, a despeito de sua preocupação com Pea, perguntar-se como seria
se eles estivessem nus e dedicando seu tempo a dar prazer um ao outro. Seria tão bom quanto aquele acesso de luxúria que haviam experimentado em seu encontro precipitado
à sombra da árvore?
– Vou – ouviu-se dizendo.
Ele avançou mais um passo, e ela pôde sentir seu perfume, assim como o calor de seu corpo.
– Não vai se arrepender – Griffin falou, rouco.
– E-Eu tenho que falar com Pea – Vênus decidiu, tensa. – Vejo você esta noite. – Começou a se afastar, porém a voz dele a deteve.
– Onde e a que horas?
– Às seis – ela resolveu, distraída, e já concentrada em descobrir o que poderia dizer à amiga. – Ah... Estou morando com Pea no momento. – Ou assim ela esperava,
completou em pensamento.
Griffin sorriu e acenou com a cabeça.
– Estarei lá às seis em ponto, minha deusa.
Pea estava sentada à mesa, olhando para a parede, quando Vênus entrou no escritório sem ter noção de quando já se sentira tão constrangida.
– Perdoe-me, Pea – falou sem preâmbulos. – Eu devia ter lhe contado que estava com Griffin naquela noite.
Pea encolheu os ombros, porém não chegou a encará-la.
– Tudo bem. Você é uma deusa, e deusas podem fazer o que quiser.
– Não, isso não é verdade. – Vênus sentou-se na cadeira de visitantes. – Está certa apenas em parte. Como uma deusa, posso realmente fazer o que quero, mas, sendo
também sua amiga, há coisas que eu não faria.
– Como se insinuar para o homem por quem sou apaixonada faz tempo enquanto finge que está me ajudando a conquistá-lo?
– Não foi isso o que aconteceu.
Pea a encarou, e Vênus detestou ver a mágoa nos olhos da mortal.
– Então explique-se, porque, do meu ponto de vista, parece que foi isso o que se passou. Pior do que isso: está me lembrando uma daquelas meninas que me fizeram
tão mal no colégio.
– Oh, Pea, não! – Vênus sentiu os olhos se encherem de lágrimas. – Por favor, não diga isso... O que aconteceu foi um acidente, e o maior erro que cometi foi justamente
não lhe contar nada.
Pea levantou o queixo e encontrou o olhar de Vênus por fim.
– Eu só quero saber uma coisa: tudo aquilo que falou sobre mim... era tudo mentira?
– Não! – As lágrimas escorreram pelo rosto de Vênus. – Eu não menti para você, nem mesmo sobre Griffin. Eu só não lhe disse tudo o que devia ter dito. E eu queria,
Pea. Até comecei a lhe falar... Mas não quis magoá-la. – Ela enxugou o rosto com as costas da mão. – Não queria perder a sua amizade.
– O que aconteceu, afinal?
Vênus respirou fundo e contou tudo: desde sua conexão instantânea com Griffin, e o esforço que ela fizera para ignorá-lo, até o momento em que ele se aproximara
dela no baile de máscaras. Quando revelou que o bombeiro a tinha tomado sob a árvore, Pea arregalou os olhos. Tensa, Vênus contou como acreditara que o bombeiro
a havia abandonado logo depois.
Pea se mantivera em silêncio até então, mas, nesse ponto, não se conteve:
– Pensou que ele a tinha abandonado! Por isso estava tão estranha e triste quando eu a encontrei do lado de fora do restaurante...
Vênus abriu a boca para garantir a Pea que aquilo não fora nada de mais. Afinal, a deusa do Amor estava sempre no controle, sempre bem.
Mas, antes que proferisse as palavras, percebeu o quanto estas eram falsas.
Também percebeu algo diferente: queria conversar com Pea sobre tudo aquilo. Precisava falar com Pea, porque a mortal realmente se tornara sua amiga.
– Nunca fui desprezada antes e... e-eu não sabia o que fazer nem como agir – admitiu, constrangida. – Por isso fiquei lá, sentada e magoada. Eu devia ter lhe contado
o que tinha acontecido, mas nem sabia como. Depois, quando me falou sobre o seu amante desconhecido, imaginei que, se eu pudesse juntá-los de alguma forma, veria
como esse estranho era melhor do que Griffin. E se, mesmo assim, não se desse conta do quanto Griffin era canalha, dou minha palavra, não teria deixado que ele a
usasse e magoasse.
– Assim como pensou que ele a havia usado e magoado.
– Sim.
– É uma sensação terrível sentir-se rejeitada e enganada por alguém de quem a gente gosta, não é? – Pea indagou, calma.
Vênus não conseguiu reencontrar a voz. Apenas assentiu e enxugou as lágrimas com o lenço que a amiga lhe entregou.
– Gosta mesmo de Griffin? – perguntou Pea.
– Gosto – ela conseguiu responder. – Mas não tanto quanto gosto de você. Se isso a magoa, nunca mais vou vê-lo novamente. Dou-lhe a minha palavra.
Pea sorriu, e Vênus ficou indescritivelmente aliviada ao ver o amor e a confiança regressarem a seus olhos.
– Quer saber? Tinha razão sobre Griffin.
– Ele é um canalha? – Vênus indagou, fungando.
Pea riu.
– Talvez... Mas eu estava me referindo ao que disse sobre Griffin ontem. Em como eu me sentia sobre ele. Não era Griffin que eu queria, Vênus. Era o que ele representava
para mim: o homem perfeito que eu nunca poderia encontrar, nunca poderia ter.
– Está enganada. Pode encontrar o homem perfeito para você e pode fazê-lo seu.
O sorriso de Pea foi mais do que malicioso.
– Agora eu sei disso.
– Sua vez de falar, então! Quero saber tudo sobre esse Victor.
– Eu quero lhe contar sobre ele, mas primeiro acho que vou tirar uma folga pelo restante do dia. Nós duas temos que nos aprontar para os nossos encontros. – Pea
agarrou a bolsa e se levantou, olhando interrogativamente para a deusa quando esta não se moveu.
– Você me perdoa, Pea? – Vênus perguntou, séria.
– Claro que sim, minha deusa. Isso é o que os amigos fazem: perdoam os erros uns dos outros.
Vênus olhou para Pea, comovida.
– Obrigada, Dorreth Pea Chamberlain. Você é mesmo uma pessoa muito boa.
Pea corou e sorriu.
– Prefiro olhar o lado positivo das coisas.
– Excelente prática.
– Aprendi com a Oprah. Como ela diria, ser forte e positiva é a melhor maneira de a gente se tornar poderosa e moderna.
– Oprah?
– Pense nela como uma deusa-irmã.
– Verdade? Uma mulher moderna que é como uma deusa-irmã? Depois quero saber tudo sobre essa Oprah também – decidiu Vênus, pondo-se de pé.
– São deusas demais na minha vida para tão pouco tempo!... – Pea riu, enquanto as duas caminhavam de braços dados para fora do escritório.
– Não há motivo para ficar tão nervosa! – Pea disse a Vênus pela enésima vez.
– Claro que há. Eu nunca tive um encontro antes.
Pea riu.
– Tem noção de como isso é inacreditável? Você é a deusa do Amor!
Vênus franziu a testa.
– Claro que sou. Mas o que isso tem a ver com o meu encontro?
– Como pode nunca ter vivido um encontro antes? É a mulher mais bonita que já vi. Os homens devem se ajoelhar aos seus pés.
A expressão de Vênus se iluminou.
– Obrigada, querida. É verdade que os homens vivem aos meus pés.
– Então por que não teve nenhum encontro até agora?
Vênus suspirou e sentou-se junto a Pea na borda da cama.
– É diferente com os imortais. Nós não namoramos. Temos tórridos casos de paixão. Encontros amorosos que fulguram pelos Céus e que podem até causar guerras ou fazer
uma civilização inteira prosperar.
– Caramba, se é assim, por que está tão preocupada com Griffin?
– Porque ele me tratou como uma mortal. Ele me seduziu. Não porque sou a deusa do Amor, mas porque ele desejava a mulher que acreditava que eu fosse. – A voz de
Vênus soou tão fraca que Pea precisou chegar mais perto para ouvi-la. – Até aquela noite no Lola’s, sempre estive no controle. Se desejo um deus, ele sucumbe a mim.
Se eu desejo as atenções de um mortal, ele me adora, agradecido. Eu sempre fui a sedutora, nunca a seduzida. Estive no controle a ponto de ter me decidido por um
casamento de conveniência.
– Você é casada!?
Vênus acenou com a cabeça, porém deu de ombros.
– Na realidade é um casamento de fachada. Por ele não ser fisicamente perfeito, tornou-se uma espécie de pária no Olimpo. Achou que ganharia aceitação se casando
comigo. E eu imaginei que, se me casasse com ele, eu poderia...
Ela fez uma pausa. Estivera prestes a dizer o mesmo de sempre: que se casara pensando em ganhar um pouco de liberdade. Que até mesmo o Amor se cansava e precisava
de um refúgio de vez em quando, e que imaginara que o estoico Vulcano e seu reino de fogo pudessem lhe proporcionar isso.
Mas ultimamente vinha questionando seus reais motivos.
– Não. Isso não está certo – ouviu-se admitindo em voz alta. – Eu fingi que precisava dele para algo, quando na verdade eu o estava usando como desculpa. Acabei
me escondendo por trás do casamento para não olhar o vazio que era a minha própria vida. – Vênus sorriu para Pea, tristonha, os olhos cor de violeta marejados. –
Pelos membros enormes dos Titãs, há séculos eu não chorava tanto! Ridículo que o Amor possa se sentir solitário, não? – falou com voz embargada.
– Não há nada ridículo em você. – Pea passou o braço pelos ombros da deusa. – Eu a considero linda, amável e surpreendente. E creio que descobrimos algo muito importante
hoje. Não veio até aqui apenas por minha causa. Veio também por você mesma.
– Por mim?
– Talvez a deusa do Amor tenha vindo para Tulsa a fim de encontrar a si mesma.
– Mas eu sei quem sou. Eu sou o Amor.
– E quanto tempo faz que não vive esse sentimento? – Pea indagou baixinho.
Vênus estudou a mortal cujo braço a amparava tão carinhosamente. Mortais antigos não ficavam tão relaxados em sua presença. Estavam sempre evocando seu nome, rogando
para que ela realizasse suas fantasias.
Mas Pea não era assim. Embora seu desejo a houvesse trazido àquele mundo, a moça parecera, desde o início, mais preocupada com o seu bem-estar do que com o dela
própria. Mesmo naquela tarde, quando confessara tê-la traído e pensara tê-la magoado profundamente, Pea permanecera de coração aberto e até a confortara.
Vênus fez algo que não fazia havia eras: respondeu à pergunta de Pea com total honestidade, admitindo a verdade para si mesma.
– Não me lembro da última vez em que me permiti amar. É difícil de acreditar, não é? Fui amada, evoquei o amor, lutei pelo amor e fiz brotar o amor... mas é bem
possível que eu mesma nunca o tenha conhecido.
– Então já é hora de mudar, não acha?
– Não tenho certeza de que saberei como agir.
– Bem, estou longe de ser uma especialista nesse assunto, mas creio que a chave é se deixar levar pelo sentimento.
– Deixar-se levar? – Vênus indagou, sentindo-se perdida. Estava se aconselhando sobre amor com uma mortal que até dois dias antes não sabia nem mesmo como domar
o próprio cabelo!
Quando Vênus fitou os olhos de Pea e viu quanta sabedoria e comiseração havia neles, recordou-se de algo de que nunca devia ter se esquecido: não se encontrava o
verdadeiro amor em um cabelo impecável, em boas roupas, na maquiagem ou nos sapatos perfeitos. O verdadeiro amor se encontrava na alma, assim como a sabedoria e
a compaixão.
– Sim, deixar-se levar. Pense sobre isso. Faz sentido. Não pode conhecer o amor a menos que esteja disposta a abrir mão de uma porção de coisas como o medo, o egoísmo
e o controle.
– Controle?
– Sim, o controle.
– Tem certeza?
– Receio que sim.
– Como pode ser tão sábia, Pea?
Ela sorriu.
– Tenho andado muito com uma certa deusa ultimamente. Foi ela que me lapidou... Agora chega de onda. Trate de fazer surgir um belo par de calças pretas e um suéter
de caxemira violeta. De preferência um da cor exata dos seus olhos, que realce suas curvas e esses seus peitos maravilhosos. Faça aparecer também uma jaqueta preta
para combinar com as calças. E prenda os cabelos esta noite. Assim Griffin poderá ver que lindo pescoço você tem. Se ele for um bom menino, talvez possa soltá-los
para ele mais tarde... – Pea terminou, maliciosa.
Vênus deu-lhe um abraço rápido e então se levantou.
– Preciso lembrá-la de fechar os olhos?
– Não. – Pea os fechou de pronto. – Ah, espere! – Abriu um olho para fitar Vênus. – Esqueça a jaqueta.
– Mas e se o tempo esfriar?
– É provável que esfrie mesmo... e a deixe toda arrepiada, pobrezinha. – Pea deu um suspiro exagerado. – Como Griffin poderá aquecê-la?
– Não me recordo de ter lhe ensinado esse tipo de coisa! – admirou-se Vênus.
– Você me ensinou a atitude. Eu apenas a coloquei em palavras.
– Feche os olhos. – Vênus fez surgir a roupa que Pea recomendara e decidiu que deixar de fora a jaqueta seria mesmo uma estratégia e tanto. Estudou-se no espelho,
satisfeita com o que viu, então olhou de volta para a cama. Pea continuava sentada, com os olhos bem fechados e um leve sorriso nos lábios. Céus, ela adorava aquela
mortal! – Pode abrir os olhos agora, querida, e vamos começar a aprontá-la para o seu próprio encontro.
Pea obedeceu.
– Isso vai ser fácil. Decidi que vou oferecer um jantarzinho para Victor aqui mesmo, e usar aquelas calças jeans maravilhosas que escolheu para mim junto com o suéter
de lã e seda. E minha lingerie nova, de renda branca – completou, corando de leve.
Vênus ergueu as sobrancelhas.
– Planeja deixá-lo ver a sua nova lingerie?
– Oh, meu Deus, espero que sim! – Pea admitiu meio sem fôlego, enrubescendo de vez. – Estou errada? Estou ou não estou? Talvez eu devesse ir mais devagar. Quero
dizer, não importa o que eu vejo no olhar dele, eu não o conheço realmente.
– Querida, se existe algo que eras de experiência me ensinaram é que o amor não segue nenhum calendário. Tenho visto casais sendo cuidadosos e responsáveis acerca
desse sentimento apenas para vê-lo escorregar por seus dedos como areia em uma peneira. Também já vi casais cuja chama ardeu no primeiro momento em que se entreolharam
e nunca se apagou, nem de uma vida para outra. Tem a ver com o casal, não com o tempo.
– E como eu posso saber se é amor de verdade?
– Da mesma maneira que esses amantes souberam por toda a eternidade: tendo confiança em si mesma e ouvindo a voz do coração.
– Está bem. Vou tentar fazer isso, se também tentar.
– Fechado – concordou Vênus. – Agora me ajude a prender meu cabelo, e eu passarei um pouco de óleo de coco nesses seus cachos maravilhosos.
Capítulo 20
– Está bem, agora lembre-se: essa história de namoro não é nada de mais. Quero dizer, não é nada muito importante até que ele a apresente para a família. Aí, sim,
terá todos os motivos para ficar nervosa.
Vênus lançou a Pea um olhar de puro pânico.
– Não, não... Não precisa se preocupar com isso esta noite – corrigiu-se Pea. – Desculpe, eu nem devia ter mencionado esse assunto. O que tem de fazer esta noite
é deixar de lado o seu famoso controle e ver o que ele planejou para vocês dois. Tudo no que tem de se concentrar é em relaxar e curtir.
– Relaxar e curtir – Vênus repetiu.
Mas, que diabo? Estava com as palmas das mãos úmidas? Impossível. A deusa do Amor não ficava com as palmas suadas!
Esfregou-as nas calças só por precaução.
A campainha tocou, e Vênus sentiu o batimento cardíaco disparar no pescoço. Pea piscou para ela, gritou para Chloe parar de latir e abriu a porta.
Pelas gônadas incandescentes de Hermes, pensou Vênus, Griffin estava demais! Usava calças pretas, um suéter da mesma cor e um blazer de caxemira camelo. E estava
bem barbeado, notou. Sabia que se chegasse perto dele seria capaz de sentir aquele cheiro de homem mesclado a apenas um toque de sabonete.
E como ela queria se aproximar dele!
– Olá de novo, Griffin – Pea cumprimentou.
– Olá. – Ele se agachou e estendeu a mão para Chloe, que continuava resmungando. – Lembra-se de mim, terrier gato? Psss-psss...
Pelo visto, Chloe se lembrava, pois seu resmungo cessou, dando lugar a um rabinho que balançava alegremente enquanto ela permitia que Griffin a afagasse na cabeça.
Quando ele se levantou, seus olhos encontraram os de Vênus.
– Boa noite, Vênus.
– Griffin. – Ela disse apenas seu nome, porém este saiu como uma carícia, o que fez os lábios dele se curvarem em resposta.
– Posso saber aonde vão esta noite, crianças? – Pea perguntou, travessa.
Ele riu.
– É surpresa.
Vênus começou a franzir a testa, porém, antes que dissesse que não gostava de surpresas – principalmente de mortais –, Pea já se manifestava.
– Que maravilha! Vênus adora uma surpresa... É tão bom não estar no controle, não é mesmo, amiga?
– Sim – ela respondeu, relutante, captando a mensagem.
– Ótimo – Griffin falou com um suspiro. – E então, está pronta para irmos? Está ficando meio tarde.
– Estou pronta – concordou Vênus, enquanto pensava: “Claro que não!”
Conforme passou por ele na porta, Griffin franziu o cenho.
– Não vai apanhar um casaco?
Vênus lançou um olhar por sobre o ombro, na direção de Pea.
– Não, estou bem... Sou naturalmente quente.
Pea sorriu para ela, discreta, enquanto fechava a porta.
Vênus caminhou, confiante, para o veículo estacionado em frente à casa, até que sua mente registrou o que seus olhos estavam vendo.
– Por que um carro tão grande?
– Bem, eu preciso desse carro para transportar... umas coisas.
– Que modelo é esse?
– Um Dodge Ram Dooley – ele explicou, abrindo-lhe a porta do passageiro. – Desculpe pelo degrau.
Vênus olhou para o interior da enorme caminhonete preta, cujo chão ficava a uma altura quase ridícula do solo.
– Pelo chapéu... fresco de Hermes... caraca! – Vênus se corrigiu depressa, usando uma das imprecações modernas do site Smart Bitches Trashy Books ao se lembrar do
comentário de Perséfone sobre mortais modernos não apreciarem xingamentos envolvendo a genitália divina. – Como vou subir nessa coisa?
Griffin riu.
– Pelo chapéu fresco de Hermes?
– É que todo mundo sabe que ele é gay e usa aquele ridículo capacete alado o tempo todo como bandeira.
– Todo mundo sabe?
O olhar de Vênus se deslocou da caminhonete para Griffin.
– Mitologia é o meu hobby – justificou-se, nervosa.
– Seu nome é Vênus, é terapeuta sexual e seu hobby é mitologia. Tem certeza de que não é mesmo uma deusa? – ele indagou, brincando.
– Se eu fosse, poderia me transportar para dentro dessa coisa com magia – ela murmurou.
Griffin riu outra vez e estendeu a mão.
– Vamos lá... Vou ajudá-la.
Conforme a mão forte a estabilizou e o choque do contato com a carne quente formigou deliciosamente por seu corpo, Vênus se viu grata pela enorme caminhonete e pela
necessidade de obter ajuda.
– Obrigada.
– É um prazer, senhorita. – Griffin estendeu o braço e puxou seu cinto, prendendo-o no suporte, o rosto tão próximo do dela que Vênus pôde sentir o perfume de homem
mesclado ao de banho, como havia fantasiado anteriormente.
Griffin a fitou nos olhos e abriu um sorriso lento e sexy.
– Quero ter certeza de que vai ficar segura – explicou, o hálito quente e doce soprando em sua face.
No entanto, ele não a beijou. Ao contrário, desceu da caminhonete e a contornou.
Vênus ficou surpresa ao ver como o automóvel era suave enquanto se movia, e gostou da sensação de estar acima de todos os outros veículos na estrada. Griffin pressionou
alguns botões e uma música suave flutuou entre eles, lembrando-a da dança lenta que tinham compartilhado... o que acabou mexendo novamente com seus nervos.
– Para onde vamos? – ela quis saber, com uma voz que soou meio áspera. Então respirou fundo. – Quero dizer, disse que era uma surpresa, mas não pode me dar uma dica?
– Desculpe, não queria parecer tão misterioso. Eu só estava brincando com Pea. – Olhou-a de esguelha e Vênus concluiu que ele, também, de repente parecia um pouco
tenso. – Estamos indo à inauguração de uma mostra de arte, se não se importa.
Ela ergueu as sobrancelhas.
– Está me levando a uma exposição de arte?
Griffin a observou em silêncio antes de voltar a se concentrar na estrada.
– Acha difícil de acreditar que eu possa apreciar arte, não é?
Ela levou algum tempo para responder. A voz dele soara neutra, contudo a tensão em seus ombros dizia que, inadvertidamente, ela o ofendera.
– A verdade é que me parece mais um guerreiro do que um artista.
– Não é possível que um homem seja ambas as coisas ao mesmo tempo? Você é a especialista em mitologia; se bem me lembro, vários dos deuses também não eram artistas,
músicos, assim como guerreiros?
Vênus sentiu um pequeno choque de surpresa. Griffin estava certo. Apolo era um músico talentoso, bem como um guerreiro habilidoso e deus da Luz. Ares era o deus
da Guerra, porém também era poeta, embora um tanto seco em sua opinião. Atena, que era a deusa da Guerra e da Sabedoria, também era reconhecida como a deusa das
Artes.
Até Vulcano atuava como um talentoso escultor de metal além de ser deus do Fogo.
– Sim, os deuses e deusas eram conhecidos pela dualidade de suas naturezas. Mas, a menos que pretenda me surpreender esta noite, revelando que também é um deus,
minha experiência diz que os mortais tendem a ser uma coisa ou outra: ou artista ou guerreiro. De qualquer forma... – Vênus fez uma pausa e Griffin olhou para ela,
o que a fez sorrir, feliz. – ... imagino que um mortal excepcional possa mesmo ser as duas coisas.
– Iria me considerar excepcional se descobrisse que sou ambas as coisas?
– Eu disse excepcional? – ela repetiu, brincando. – Quis dizer incomum, anormal, extravagante... ou simplesmente peculiar.
Griffin riu, e Vênus ficou feliz em ver a tensão deixar seus ombros.
Um edifício na rua chamou sua atenção.
– Não foi o Lola’s que acabou de passar?
– Sim, a mostra de arte é no fim da rua, em um dos armazéns reformados da Brady Street. Espero que não se importe em andar um pouco. A noite está uma delícia, e
é difícil encontrar um bom lugar para esta caminhonete na rua, então pensei em parar no estacionamento em frente aos Tribune Lofts e caminhar até lá.
– Não me importo com uma rápida caminhada – ela garantiu, embora a menção aos Tribune Lofts a houvesse distraído. Eles ficavam próximos ao portal. Estranho que tivesse
se esquecido deste, assim como do fato de estar mesmo presa ao mundo mortal moderno.
Engraçado... Não se sentia nem um pouco presa ali. Não depois que Pea abrira sua casa e sua vida para ela. Ela parecia estar bem e feliz, e, depois de seu encontro
daquela noite com o sensual Victor – o qual, pelo visto, era um especialista em sexo oral –, sua vida muito provavelmente seria preenchida com êxtase.
Vênus suspirou. Isso a faria cumprir o juramento que a mantinha cativa naquele mundo. Portanto, era bem possível que pudesse descer a rua naquela noite e desaparecer,
de volta ao mundo antigo... O seu mundo.
– Vamos?
Vênus piscou, saindo de seus devaneios. Griffin havia estacionado a caminhonete, e agora segurava a porta com a outra mão estendida, pronto para ajudá-la a descer
do banco do passageiro.
Ela desafivelou o cinto de segurança e aceitou o auxílio. Pensaria sobre o Olimpo mais tarde.
O armazém reformado era um excelente lugar para uma mostra de arte. Vênus ficou impressionada com a iluminação e com as paredes altas, pintadas de um branco que
lembrava neve recém-caída e noites de inverno. Elas dariam um excelente destaque a qualquer pintura, refletiu.
Mas, naquela noite, a arte exibida era um pouco diferente. Naquela noite a mostra era de esculturas feitas de diferentes tipos de metal, soldadas em um surpreendente
conjunto de formas e tamanhos.
Vênus estudou as peças e não precisou olhar as placas de identificação ou o folheto para reconhecer que todas elas tinham sido criadas pelo mesmo escultor.
– Graça – falou de repente.
– O quê?
Ela olhou da escultura que vinha admirando para Griffin. A tensão estava de volta em seus ombros, e ele parecia apreensivo, como se tivesse um fio esticado demais
dentro de si. Tinha começado a agir daquele modo desde o momento em que eles haviam entrado na galeria.
Verdade que continuava atencioso e charmoso, e que, definitivamente, existia uma forte tensão sexual pairando de forma constante entre eles; entretanto, Griffin
parecia também à beira de um colapso nervoso.
– Acabei de perceber o que todas essas esculturas têm em comum: uma graça inconfundível. Mesmo sendo diferentes entre si, passam a mesma emoção, como se tivessem
sido moldadas com o mesmo sentimento. – Vênus obteve toda a atenção de Griffin com as palavras, o que ela adorou. – Não tenho que ler a placas de identificação para
saber que todas elas foram criadas pelo mesmo homem.
– O que a faz pensar que o artista é um homem?
Vênus sorriu.
– Sei reconhecer o toque de um homem. Por exemplo... – Ela fez um sinal para que Griffin a seguisse até uma escultura de que havia gostado muito. Era uma peça grande
e feita de cobre, intitulada Fênix. Retratava os contornos de uma mulher nua e com asas, voando de um ninho de chamas irregulares. – Olhe para as curvas desta mulher,
principalmente para os quadris e os seios. E veja como ele nos dá a ilusão de cabelos longos e esvoaçantes se misturando com as chamas, de modo que ambos, cabelos
e chamas, pareçam um só. Isto foi criado por um homem que ama as formas femininas e tem uma sensibilidade incrível quanto à beleza.
– Uma mulher também não poderia amar as formas femininas?
– Claro que poderia. Mas esta peça tem a sensualidade e a energia das mãos de um homem.
– Gostou dela?
– Sim, muito. Gostei de todas as esculturas, na verdade. Conhece o artista?
Uma cacofonia de vozes femininas impediu a resposta, e Griffin virou a cabeça em direção à entrada da galeria, vendo um animado grupo de quatro mulheres jovens e
atraentes invadir o armazém.
– Elas vieram – murmurou sem olhar para Vênus, a voz soando tensa.
– Elas? – Vênus franziu a testa para o barulhento grupo. Por que Griffin parecia tão interessado naquelas moças quando estava em um encontro com ela?
– São minhas irmãs. – Ele a fitou por fim. – Espero que não se importe com uma pequena reunião de família...
– Sua família? – Vênus percebeu que soara estridente, porém não conseguiu evitar. Pea tinha dito que conhecer a família só acontecia mais tarde!
Ele sorriu e assentiu, desculpando-se.
– Sim, imagino que eu devia tê-la avisado antes, mas não quis assustá-la.
– Ah... claro – foi tudo o que Vênus conseguiu balbuciar.
– Outra coisa... – Griffin falou, apressado, conforme o grupo de moças o avistava e começava a se deslocar em sua direção rapidamente. – Eu sou o escultor.
– Você é o...? – Vênus começou, depois parou e o encarou, conforme a verdade a atingia. O nome gravado nas placas era “D. Angel”. DeAngelo! Claro que era ele o artista.
Isso explicava por que Griffin estivera tão tenso e silencioso. Aquela exposição de arte era sua!
– Extraordinário – murmurou, atônita.
Capítulo 21
As irmãs de Griffin eram verdadeiros turbilhões femininos e encantadores. Lembravam as ninfas da floresta, pensou Vênus.
E também a lembravam do porquê de ela conseguir ficar apenas algum tempo na companhia das deidades. As pequenas criaturas eram de enlouquecer.
– Verdade! Há anos dizemos a Griffin que ele não devia ser tão discreto a respeito de sua arte. As esculturas são o máximo e não o tornam “menos homem”. Não é como
ser um designer de interiores ou algo assim. Griffin bombeiro. Impossível ser mais macho do que isso – afirmou Alicia, revirando os olhos na direção em que o irmão
tinha desaparecido na companhia do dono da galeria. Era a caçula do grupo, e Vênus concluiu que a moça era dona de uma beleza natural, embora fosse claramente a
mais desmiolada das irmãs.
– Não faz ideia de como foi difícil fazer esta exposição – comentou Sherry, a mais velha e também a mais bonita. Era muito parecida com o irmão, com os cabelos fartos
e escuros e aqueles incríveis olhos azuis.
– Foi mesmo. Sherry precisou tirar fotos do trabalho de Griff às escondidas, e depois levá-las para o dono da galeria, fingindo ser sua empresária – contou Kathy.
Vênus adorou o corte de cabelo curto e espetado da moça, que fazia seu pescoço parecer com o de um cisne. Também gostou do brilho em seus olhos azuis, que era igual
ao de seu irmão.
E o trabalho de Kathy também a fascinou: a moça trabalhava em uma rádio, em algo que chamava de “estação de soft rock”.
Vênus mordeu o lábio. Adoraria saber mais a respeito, até porque poderia escutá-la mais vezes. A voz de Kathy era feminina, rouca e cheia de sex appeal. Era uma
experiência sensual apenas ouvi-la falar.
– ... Eu não estava fingindo – dizia Sherry, jogando os longos cabelos para trás, por cima do ombro, antes de sorrir para Vênus. – Sou publicitária, mas normalmente
promovo bandas, e não escultores.
– E Griffin não está lhe pagando nada – lembrou Stephanie, que também tinha os mesmos cabelos escuros do irmão, porém os olhos mais para o verde do que para o azul.
Ela explicara antes que trabalhava em um estágio avançado da Universidade de Tulsa.
Vênus não sabia o que era uma jurisprudência, mas soou importante, e ela gostava da intensidade de Stephanie.
Sherry riu.
– Claro que Griffin não está me pagando nada. Mas ele prometeu trocar o óleo do meu carro pelos próximos oitenta mil quilômetros.
– Ei! Ele vai mudar o óleo do meu carro – protestou Alicia.
– Já estão brigando por mim outra vez? – Griffin sorriu para as irmãs, em seguida entregou um copo de champanhe gelado a Vênus. – Tome, minha deusa. Achei que fosse
precisar de uma bebida depois de passar algum tempo com este grupo.
– Sua deusa? Não acha que é muita presunção da sua parte? – opinou Sherry.
– Sim, não precisa da permissão de uma deusa antes de torná-la sua divindade pessoal? – Kathy praticamente ronronou.
Vênus sorriu e capturou o olhar de Griffin, divertida.
– Seu irmão é o tipo de homem que pode reivindicar o que quiser. Imagino que seja uma boa coisa Vênus ser a deusa do Amor e não da Guerra. O Amor tem um temperamento
mais dócil.
– Dócil? Você? – Os lábios de Griffin se curvaram.
– Vênus não disse que era dócil, pateta. Disse que era mais dócil do que a maluca da deusa da Guerra, o que significa que deve continuar esperto – alertou Alicia.
– Exatamente – concordou Vênus.
– Pois eu já conclui que ela é mais travessa do que dócil.
– Ele está me insultando? – Vênus perguntou a Sherry.
– Não creio. De certa forma, penso que Griff está lhe fazendo um elogio, isso sim.
– Ei, eu estou aqui!
Em perfeita harmonia, as quatro irmãs viraram os olhos para ele.
– Estão assustando Vênus e me condenando a uma existência solitária e sem paixão, em que serei conhecido como o velho bombeiro e artista maluco, que passa todo o
tempo trocando o óleo dos carros das irmãs e nunca tem um momento para si mesmo.
– E qual seria o problema? – provocou Sherry docemente.
– Por acaso ficaria todo curvado e adotaria um sotaque francês como o de Kevin Kline em Surpresas do Coração, resmungando coisas como “aquelas meninas são um pé
no saco” enquanto traga um cigarro nojento e bebe taças de vinho tinto? – exigiu Kathy.
– Kat, tem que parar com essa assinatura de filmes pela internet! Está gastando tempo demais vendo e revendo filmes – ralhou Sherry.
– Eu gosto de cinema – Kathy protestou com um beicinho.
– Já está com vontade de gritar e sair correndo daqui? – Griffin perguntou a Vênus.
Ela riu.
– Adorei conhecer suas irmãs.
Era evidente que as moças amavam o irmão tanto quanto ele as amava. Que homem multifacetado era Griffin! Bombeiro e guerreiro, artista e irmão amoroso.
As moças continuaram a discutir sobre Griffin e o cronograma de troca de óleo. Vênus tomou um gole de champanhe e olhou por cima da borda da taça, capturando seu
olhar. Enquanto ele a observava, ela pegou o morango que enfeitava a borda do cálice e lambeu a ponta, vendo-o prender a respiração. Sim, ele certamente era multidimensional,
o que incluiu a dose de paixão que, ela sabia muito bem, pairava logo abaixo da superfície. A paixão que ela adoraria provar mais e mais...
– Iu-huuu! Pombinhos? Que tal irem para algum motel? – Alicia deu uma risadinha.
Griffin soltou uma gargalhada, em seguida estendeu a mão para Vênus.
– E então, minha deusa, está com fome? Posso levá-la para casa e alimentá-la.
Vênus sorriu ao ouvir o apelido carinhoso e percebeu, agora que não se sentia tão nervosa a respeito do encontro, que estava mesmo faminta e que gostaria que ele
a levasse para casa. – Sim, estou. – Deu a mão a ele, gostando do modo como Griffin a apoiou no braço, tal qual um guerreiro escoltando a amada que lhe pertencia...
E pensou mais uma vez no quanto estava gostando de ser tratada como uma mulher, e não como uma divindade. Em seguida, lembrou-se exatamente do porquê de eles estarem
ali e acrescentou: – Mas não pode deixar a sua própria exposição.
– Por que não? Minha empresária está aqui. Ela é melhor do que eu nesse tipo de coisa – afirmou Griffin, sorrindo para a irmã. – Vejo vocês mais tarde, meninas –
completou por cima do ombro enquanto puxava Vênus em direção à porta do armazém.
– Adeus, meninas! – ela se despediu da mesma forma.
As moças acenaram, ao mesmo tempo que jogavam beijos para o irmão mais velho.
Lá fora, a calçada se encontrava lotada de pessoas entrando e saindo da exposição de arte e das pequenas lojas que tinham ficado abertas até mais tarde de propósito,
a fim de aproveitar a inauguração da mostra na galeria. A noite estava clara, porém um vento forte soprava, tornando-a um pouco fria, o que fez Vênus se aconchegar
junto a Griffin.
– Aqui, vista isso. – Ele tirou o blazer e o colocou sobre seus ombros. – E deixe-me andar do lado da rua. Nunca se sabe se algum idiota vai beber e subir na calçada
com o carro... – Fez com que ela enroscasse o braço no dele novamente e se pôs do seu lado esquerdo, mantendo-a junto dele.
Vênus se viu envolta por seu calor e sentiu-se protegida e cuidada; dois sentimentos estranhos para a deusa do Amor. Normalmente, era ela que cuidava para que essas
coisas acontecessem na vida de outros. Por acaso alguém, deus ou mortal, já estivera preocupado com algo tão simples, como se ela estava sentindo frio ou calor,
ou se sentia protegida?
Sabia muito bem a resposta. Ela fora adorada por eras. As pessoas faziam peregrinações a fim de pedir pela bênção do Amor em suas vidas. Mas jamais tinham cuidado
dela ou a protegido. Afinal ela era uma grande deusa que não necessitava tampouco desejava seus cuidados...
Pois estavam erradas.
– Obrigado por ser tão paciente com as minhas irmãs. Eu sei que as quatro juntas podem ser meio estressantes.
As palavras invadiram os pensamentos de Vênus, e ela sorriu para Griffin.
– Elas vão ficar zangadas por ter saído tão cedo da exposição.
– Não... Até porque vou passar o resto da vida trocando o óleo de seus carros. O segredo – ele se curvou para sussurrar em seu ouvido – é que eu não me importo de
fazer isso. As meninas sempre ficam agradecidas, e eu gosto de saber que estão sendo bem cuidadas. Também levo o carro da minha mãe para trocar o óleo a cada cinco
mil quilômetros.
Vênus não entendia exatamente por que ele precisava mandar trocar tanto óleo, ou pelo que este deveria ser trocado, mas gostou da ideia de Griffin fazer aquilo pelas
mulheres mais importantes de sua vida quase tanto quanto da maneira como sua respiração fez cócegas em sua orelha, causando-lhe sensuais arrepios pescoço abaixo.
– Pena que não conheceu a minha mãe esta noite. Ela está em um cruzeiro com duas amigas. Vai ficar aborrecida quando voltar e descobrir que perdeu a inauguração
da exposição.
– E quanto ao seu pai?
A expressão aberta e entusiasmada de Griffin oscilou.
– Ele nos deixou quando eu era adolescente. Conheceu uma mulher mais nova e constituiu uma nova família.
– Sinto muito – murmurou Vênus. Então, ele tinha sido pai e irmão das moças, bem como o homem do qual sua mãe dependia. Não admirava que Griffin entendesse tão bem
as mulheres.
– Não precisa. – Ele deu de ombros. – Aconteceu há muito tempo.
– Azar o dele...
– Isso era o que eu costumava dizer às meninas quando elas indagavam sobre o assunto.
Pararam do lado do passageiro da enorme caminhonete.
– É um bom irmão, Griffin DeAngelo – declarou Vênus num impulso. – Que você seja ricamente abençoado por sua bondade para com a sua família...
Beijou-o no rosto, enviando-lhe um pouco de magia com sua bênção. Não o suficiente para que Griffin notasse, mas o bastante para lhe trazer uma sorte incomum nos
dias seguintes.
Quando se afastou, imaginou que ele fosse sorrir, abrir a porta para ela e ajudá-la a subir na caminhonete. Em vez disso, Griffin a surpreendeu, tomando-a nos braços
e baixando a boca para a sua.
Por cima do ombro largo, Vênus avistou a plenitude da lua de inverno, que parecia lançar um feixe de luz prateada sobre eles. Um presságio, pensou, enquanto seus
olhos se fechavam e ela entreabria os lábios para que Griffin se apossasse deles.
A lua dos amantes brilhando para nós é um excelente presságio. Significa que devo me permitir um amante que não seja um suplicante ou um imortal, e que eu preciso
me permitir amar...
Então não foi capaz de pensar em mais nada, exceto na boca de Griffin e na maneira perfeita como eles se encaixavam quando deslizou os braços ao redor de seu pescoço
e se moldou a ele.
– Venha para casa comigo – Griffin murmurou contra seus lábios.
– Está bem – Vênus sussurrou, feliz.
O sobrado de estuque de Griffin ficava na mesma rua da confortável casa de Pea. Ele destrancou a porta e a conduziu para um cômodo espaçoso, pouco iluminado. Instantaneamente,
uma enorme gata malhada começou a se enroscar em torno de suas pernas, ronronando boas-vindas.
Griffin lhe afagou o topo da cabeça.
– Vênus, esta é Cali do Beco. Na verdade ela não é uma gata vira-lata, pelo menos desde que me adotou, mas o nome pegou. Vou lhe dar seu pires de leite, do contrário
ela nunca vai me deixar em paz. Fique à vontade... – Ele correu para algum ponto na parte traseira da casa, depois chamou por cima do ombro. – As luzes ficam perto
da porta. Desculpe, eu devia tê-las acendido para você.
E desapareceu no que Vênus imaginou que fosse a cozinha.
Com um suspiro, ela tateou às suas costas e ligou o interruptor. Virou-se para olhar a sala e congelou, em choque, ao deparar com a imensa escultura de ferro que
predominava na sala. Embora ele tivesse aproveitado a ideia de outro artista, ela sabia que o trabalho era de Griffin. Tinha as mesmas linhas graciosas e sensuais
de todas as suas outras esculturas. Era linda, e a fez se sentir comovida, sem fôlego e mais surpresa do que jamais estivera em séculos.
– Esta peça é a minha favorita. Não a exibi esta noite porque nunca vou colocá-la à venda – ele explicou suavemente, entregando-lhe uma taça de vinho branco.
– É O Nascimento de Vênus, de Botticelli... – Ela ficou espantada por sua voz soar tão normal. – E ao mesmo tempo não é.
– Eu me inspirei na pintura, mas a Vênus de Botticelli nunca me pareceu muito fiel à imagem que eu fazia dela. Então decidi “consertá-la”. – O sorriso de Griffin
saiu meio nervoso. – Ou pelo menos tentei.
– E conseguiu – murmurou Vênus, os olhos ainda fixos na escultura. A concha fora talhada no que parecia uma única e imensa folha de cobre, e Griffin a envelhecera
e manchara com uma tinta verde-musgo que lembrava o mar. A Vênus que nascia do oceano também fora esculpida no cobre, entretanto o metal fora polido até brilhar
como gemas facetadas.
E seus contornos eram arrebatadores e eróticos. A deusa tinha os cabelos feitos com fios de metal sobrepostos, os quais pareciam um rabo de sereia envolvendo as
curvas generosas de seu corpo. Não se parecia mais com uma ninfa. Agora contava com a sensualidade de uma mulher adulta, madura, experiente e intrigante.
Vênus se aproximou da escultura.
– É difícil acreditar que tenha conseguido fazer isso tudo com metal. É tão quente, tão realista...
– É uma espécie de homenagem ao que as mulheres são, não acha? Elas parecem frágeis, porém são mais fortes do que os homens consideram.
Ela olhou por cima do ombro, vendo seu sorriso travesso, contudo não o achou arrogante, e sim sexy e atraente. O homem certamente conhecia bem as mulheres.
– Por que Vênus? – perguntou sorrindo.
Griffin sorriu ainda mais.
– Não se lembra? Quando nos conhecemos, eu disse que ela era a minha deusa favorita.
Vênus assentiu de leve. Não se recordava. Na verdade, nem tinha pensado naquilo.
– Sim, estou intrigado com ela – Griffin continuou, olhando para sua obra.
– A deusa do Amor, nascida do mar, que nem mesmo precisou de um homem para vir a ser. – Ele balançou a cabeça. – Tenho a impressão de que ela sempre foi um pouco
triste.
– Triste? Por quê? – Vênus sentiu os pensamentos alçar voo, como se invadido por inúmeras e confusas borboletas.
– Pense bem. A deusa do Amor não precisa de um homem, o que me faz crer que ela carrega o Amor com ela, designa-o para outras pessoas, mas não o guarda para si mesma.
Ele a faz parecer intocada e intocável. – Griffin ergueu a taça em sua direção, e seu sorriso brincalhão retornou. – Mas a mitologia é o seu hobby. O que acha da
sua homônima?
Ela levou algum tempo para responder. Depois foi o mais honesta que podia.
– Acho que ela adoraria a sua escultura.
Griffin caminhou até ela e tocou os cachos do cabelo loiro-platinado que escapavam do penteado.
– E então, minha deusa, já decidiu o que eu sou?
– O que você é? – A proximidade dele fez a respiração de Vênus se acelerar.
– Antes de chegarmos à galeria, afirmou que um homem que é um artista e um guerreiro tem que ser excepcional, incomum... – Fez uma pausa, enrolando um fio de cabelo
suavemente em torno do dedo. – O que mais disse, mesmo?
Vênus ergueu uma sobrancelha.
– Que um homem que é um artista deve ser excepcional, incomum, anormal, extravagante, ou peculiar.
– E qual é a sua decisão sobre mim, minha deusa? – Os olhos azuis cintilaram, travessos.
– Estou inclinado a dizer que é excepcional ou peculiar.
Griffin se deslocou ainda mais para perto dela.
– Deixe-me ver se posso mudar essa opinião a favor do “excepcional”...
Não lhe deu tempo para responder. Apenas a segurou pelo rosto e se inclinou para lhe tomar a boca.
Vênus permitiu que ele a dominasse com um beijo que pareceu arder por todo seu corpo, e se deliciou com o fato de que aquele homem a tomava sem qualquer hesitação,
sem fazer de seu toque um jogo que terminava sempre com algum pedido de bênção. Tantas vezes, século após século, ela ouvira as palavras: “Aceita o meu corpo como
uma oferenda, grande deusa do Amor, e faz com que a mulher que eu desejo me ame”...
Nem mesmo os imortais se privavam de implorar que ela os ajudasse.
Já Vulcano, por ironia, havia-se casado com ela porque sua vontade fora justamente se esconder do amor.
Pois ela já estava farta daquilo tudo. Naquela noite não seria a deusa Vênus. Naquela noite seria uma mortal sendo amada por um mortal, o que significava que ela
iria abdicar de seu controle em favor de Griffin.
Sem uma só palavra, ele colocou sua taça de vinho ao lado da dele, sobre uma mesa de centro de metal baixa. Em seguida a puxou pela mão em direção à escada larga
que levava ao segundo andar e ao quarto do loft. A cama era grande, com estrutura de ferro, coberta com um edredom escuro e espesso, além de travesseiros king size.
Não acendeu mais nenhuma luz, porém manteve a iluminação da sala lá embaixo, de modo que ela incidia sobre eles, criando um efeito muito parecido com o da luz de
velas.
Griffin sentou-se na cama e a puxou para perto, a fim de que ela ficasse entre suas pernas. Em seguida mergulhou as mãos em seu cabelo, fazendo com que o precário
penteado se desfizesse em torno de suas costas e ombros.
– Eu queria fazer isto desde o momento em que a vi esta noite – sussurrou.
Vênus balançou a cabeça para que todos os cachos pendessem, livres. As mãos de Griffin se moveram pelos fios, depois por seu pescoço, e então, devagar, bem lentamente,
continuaram descendo e delineando seu corpo, como se ele quisesse memorizar sua forma e conteúdo.
Ela estremeceu ao pensar na capacidade daquelas mãos em criar obras de arte tão lindas e sensuais, em como tinham sido capazes de criar uma versão perfeita dela
sem que nem mesmo a conhecessem.
– Está com frio? – Griffin indagou baixinho, as mãos se movendo pela parte de trás de suas coxas, para cima e ao redor, até que seus polegares acariciaram o centro
de sua feminilidade. Vênus deixou escapar um gemido de prazer.
– Posso aquecê-la – continuou ele, a voz saindo rouca, como se falar houvesse se tornado difícil de repente.
Ela moveu os quadris para a frente, de encontro ao toque firme, já excitada com a mão que a acariciava através das camadas suaves da calcinha e mais ásperas das
calças.
– Lembro-me de como reagiu naquela noite e não consegui tirá-la da cabeça desde então. É como uma droga que não sai do meu sangue, Vênus... – A voz de Griffin ficou
mais profunda e sua respiração se acelerou. – Ainda me recordo de como estava quente e úmida, de como deslizei em você, e de como pude senti-la gozar...
Vênus encontrou a paixão nos olhos azuis, e o calor e desejo que viu neles fez o desejo vibrar por seu corpo já sensibilizado.
– Pensou em mim quando se masturbou depois?
– Sem parar! – ele gemeu. – Pensei que a tinha perdido.
– E eu pensei que tinha me usado e depois me abandonado – ela admitiu, ofegante.
– Nunca! – Os olhos dele cintilavam com paixão. – Eu nunca faria isso com você. Venha cá, Vênus... – Ele a puxou para baixo e colou a boca na dela.
Vênus entreabriu os lábios e aceitou a pressão da língua quente, permitindo que Griffin a devorasse. Sem parar de beijá-la, ele a ergueu nos braços e a deitou na
cama, lutando com o zíper das calças. Vênus levantou os quadris para que ele pudesse tirá-las, e Griffin as puxou junto com os scarpins, jogando-os no chão. Seus
dedos se espalmaram sobre o ventre macio, em seguida deslizaram sedutoramente para baixo, cobrindo a seda preta da calcinha que ela ainda usava para lhe circular
o clitóris com o polegar, depois ainda mais para baixo a fim de afagar as dobras macias na mesma carícia que ele usara antes de deixá-la seminua.
– Está tão molhada que até a calcinha está úmida – ofegou, excitado.
Vênus gemeu de frustração quando ele lhe abandonou o clitóris a fim de arrancar as próprias roupas em movimentos impacientes. Era um homem magnífico. Mais moreno
e másculo do que Adonis, mais alto e mais forte do que Aquiles.
O desejo de que Griffin a fizesse sua foi tão violento e tão poderoso que a deixou tonta. Quando ele se deitou a seu lado, Vênus buscou o falo rijo e se permitiu
acariciá-lo enquanto, mais uma vez, as línguas se encontravam. Griffin soltou uma risada abafada e agarrou seu pulso.
– Não quero que isto acabe tão cedo. Esta noite vamos ter um ao outro com calma.
– Eu não sei se posso esperar – ela confessou meio sem fôlego.
– Mas eu posso. – Ele sorriu. – E você também pode. Desta vez serei eu o professor... – Começou a desabotoar sua blusa, seguindo a trilha deixada por seus dedos
com os lábios e a língua.
Quando o sutiã de seda preta ficou finalmente à mostra, ele fez a língua passear ao longo do bojo até encontrar o cerne rijo do mamilo excitado. Lambeu-o e sugou-o
por cima da fina camada de seda, até que Vênus passou a respirar em pequenos espasmos. Suas mãos de artista se lançaram para baixo numa carícia firme, removendo
a calcinha. Então Griffin a segurou pelas nádegas, trazendo-a com firmeza de encontro à sua ereção.
Em vez de mergulhar no corpo úmido, porém, ele posicionou a cabeça do pênis de modo que pudesse deslizar para a frente e para trás, do clitóris para baixo, e depois
de volta. Moveu seu corpo contra o dela, e Vênus soltou uma exclamação, projetando-se para mais perto.
– Está me deixando todo molhado! – Griffin sussurrou contra o mamilo que ainda provocava com a língua e os dentes.
– Entre em mim! – ela pediu num gemido. – Por favor...
– Ainda não, minha deusa, quero que goze primeiro.
– Sim! – Vênus choramingou. – Oh, Griffin, sim! – Esfregou o corpo macio contra a cabeça ingurgitada cada vez mais rápido até sentir uma deliciosa explosão se edificar
entre suas pernas e cascatear pelo corpo.
Em vez de parar durante seu orgasmo, Griffin arrancou-lhe o sutiã e cobriu-lhe os seios em concha com as mãos, massageando-os e acariciando-os enquanto se reposicionava
contra seu calor úmido. Desta vez, a ponta do membro rijo pressionou mais abaixo, de modo a deslizar por toda a extensão de sua intimidade, provocando-a sem nunca
entrar nela.
– Eu me lembro do que nos ensinou na aula de hoje... – A voz dele soou carregada de luxúria. – ... Que se um homem se preocupa verdadeiramente com o prazer de uma
mulher, ela pode ter um orgasmo atrás do outro. Ele só tem que mantê-la excitada e poderá levá-la ao clímax seguidas vezes. – Empurrou o corpo contra o dela, o falo
rijo escorregando em sua umidade macia. – É este o lugar certo?
– Sim! – Vênus gemeu.
Griffin continuou a afagá-la com o próprio corpo, indo para a frente e para trás. Uma de suas mãos a segurou com firmeza pela nádega, a fim de mantê-la no ritmo,
e a outra estimulava um seio, segurando-o de encontro à sua boca quente. Quando Vênus chegou ao orgasmo outra vez, não conseguiu evitar de chamar seu nome.
– Agora... – Griffin ofegou, prensando-a na cama e se controlando até poder fitá-la nos olhos. – ... Agora preciso estar dentro de você – avisou, e afundou dentro
dela, invadindo sua vagina com uma ferocidade que a fez gemer de prazer.
A sensação de plenitude foi quase demais para Vênus suportar. A respiração pesada de Griffin soava em perfeita harmonia com a sua própria, e ela podia sentir o cheiro
de seu sexo se mesclando. Ele capturou sua boca, e Vênus se deliciou com seu gosto salgado e sexy. Tudo se combinava para aumentar seu desejo por ele.
Excitada, Vênus o segurou com uma das mãos, apertando-o suave e provocantemente. Com a outra, acariciou o membro ingurgitado enquanto este se movia para dentro e
para fora dela, adorando perceber que o fluido que cobria seu falo era o seu próprio.
– Você é minha! – Griffin disse em um tom gutural, movendo-se de sua boca para a lateral do pescoço, onde seus dentes provocaram e mordiscaram, como um animal viril
demarcando seu território. Excitada além da imaginação por tal demonstração de posse, Vênus levantou os quadris, investindo contra ele com igual paixão.
Ainda o acariciava quando percebeu que o membro rijo começava a sofrer espasmos. Griffin investiu contra ela tão fundo que encontrou o centro de seu prazer, e finalmente
liberou um prazer esmagador conforme seus gritos de êxtase espelharam os dele.
Capítulo 22
Dois dias antes, Pea teria achado bizarro não estar se sentindo nem um pouco nervosa por estar perambulando pela cozinha e se preparando para um encontro que tinha
potencial para ser incrível.
– Ganhei confiança – ela disse a Chloe, cuja atenção estava toda concentrada nela, como se isso pudesse fazê-la deixar cair alguma coisa interessante.
Chloe suspirou, descontente com a habilidade de Pea.
– É verdade. E não apenas em termos de cabelo, roupas e maquiagem. – Pea continuou conversando com a cadela, ignorando o mau humor de Chloe enquanto temperava a
salada. – Tem a ver com a deusa que eu encontrei aqui dentro. – Apontou para si mesma com uma folha comprida de alface.
Chloe latiu para ela, e Pea riu, dando-lhe um biscoito canino.
– Tente se comportar hoje. Há algo de especial nesse cara... Posso ver isso em seus olhos.
Levou a salada até a varanda, colocando-a sobre a pequena mesa que já se encontrava forrada por uma alegre toalha xadrez em vermelho e branco, com guardanapos combinando.
Seu melhor jogo de porcelana parecia em total harmonia com o chique casual do piquenique italiano que havia preparado. O Chianti já se encontrava aberto, mantinha
o pão de alho aquecido no forno, e o molho para o espaguete estava pronto.
Acendeu as velas sobre a mesa de madeira e colocou mais lenha no aquecedor. Em seguida, deu um toque final, acendendo as pequenas lanternas que pendurara ao longo
da treliça de madeira do deque.
Pea sorriu. Estava tudo perfeito. Até mesmo o tempo estava cooperando e permanecera surpreendentemente quente para aquela época do ano, como previra o sujeito do
Canal 6 de notícias.
– Comer fora em fevereiro... Que coisa mágica!
Aquilo tinha que ser um bom presságio.
Pea estava remexendo o molho quando ouviu a batida na porta da frente. Sentiu o estômago se apertar, porém mais por ansiedade e emoção do que por nervosismo. Então
amassou os próprios cachos mais uma vez e reaplicou o gloss nos lábios rapidamente, antes de abrir a porta.
Ele vestia um suéter de tricô preto e uma camisa escura, com um par de jeans que lhe caíam tão bem que Pea sentiu água juntar na boca por bem mais do que apenas
o espaguete.
– Olá – saudou baixinho.
– Oi – ela respondeu, meio ofegante.
Continuaram parados no lugar, olhando um para o outro e sorrindo, até que o ladrar insistente de Chloe chegou a seus ouvidos.
– Como ela se chama? – ele quis saber.
– Chloe. Desculpe seus modos... Minha cadela não gosta muito de homens, mas assim que se acostumar com você vai ficar quieta.
Ele se agachou e estendeu a mão devagar, a palma para baixo, oferecendo-se para ser farejado.
– É bom que ela a proteja – afirmou, concentrando-se na agitada terrier. – É uma defensora feroz da sua dona, não?
Pea o observou, curiosa. Seu tom era sério. Ele não soava persuasivo ou bajulador como tantas pessoas quando confrontadas por um cão rosnando. Ao contrário, parecia
compreensivo, algo a que Chloe reagiu positivamente, parando de rosnar e inclinando a cabeça, atenta, para o homem alto à sua frente.
– Eu jamais iria fazer mal a Pea... Juro, pequena.
Chloe cheirou a mão dele e abanou o rabo. Então bufou e foi em busca de seu gato.
– Que coisa estranha!... Chloe nunca se dá bem com homens. – Pea sorriu para ele. – O fato de tê-la conquistado deve significar que é seguro deixá-lo entrar.
Victor avançou um passo para dentro da casa e levantou a mão dela, levando-a aos lábios numa saudação, enquanto seus olhos se encontraram.
– As horas passaram muito devagar. – Ele a soltou com relutância.
– Pensei que fosse ser assim comigo também, mas eu precisava ajudar a minha, ahn... – Pea hesitou, sem saber como chamar a deusa – ... amiga a se arrumar para um
encontro esta noite, e o tempo acabou passando rápido demais. Eu tinha muito a fazer.
Ele sorriu e cheirou o ar.
– O cheiro está delicioso. Não vamos sair para jantar esta noite?
– Achei que seria melhor se comêssemos aqui mesmo. – Se não se importar, ela quase acrescentou.
Mas depois pensou melhor. A antiga Pea teria se preocupado e se desgastado, perguntando-se se não estaria sendo muito atrevida decidindo sobre o programa daquela
noite. Mas a nova Pea, recém-reformada por uma deusa, acreditava que tinha o direito de escolher o local do encontro, e que sua vontade era relevante. Queria comer
em casa, portanto iriam comer ali mesmo. Se ele não gostasse de sua comida fabulosa e de sua casa incrível, então não era o homem certo para ela. Ponto.
– Fico honrado que tenha cozinhado para mim.
Pea sorriu. Victor lhe dera uma resposta perfeita.
– Eu amo cozinhar.
– E também tem uma casa muito confortável – ele comentou, olhando em torno da sala de estar.
– Sim, isso é importante para mim – ela assentiu, contente por ele ter notado.
Já trouxera outros namorados para casa antes. Não uma porção deles, apenas alguns. Uns poucos tinham feito comentários pertinentes como “Bela casa”, “Legal aqui”
ou “Esta área vai valorizar muito”, mas nenhum captara seu dom de transformar uma “bela casa” num lar de verdade.
E Chloe havia odiado cada um deles.
– Claro que isso é importante para você – Victor aquiesceu, como se realmente compreendesse. – A casa é uma extensão de nós mesmos.
– Deixe-me mostrar o meu cômodo favorito: a cozinha. – Pea fez um sinal para que ele a seguisse. Foi direto para o fogão e remexeu o molho, sorrindo para ele por
cima do ombro. – Espero que goste de espaguete.
– Vou gostar de qualquer coisa que tenha preparado.
O sorriso dela se alargou.
– Quer experimentar para ter certeza?
– Se é isso o que quer... claro. Esta noite, Pea, todos os seus desejos serão uma ordem.
Pea sentiu a emoção por trás das palavras e começou a tremer. Ela desejava muito aquele homem alto e forte, cuja leve claudicação o tornava, de alguma forma, mais
acessível e humano. Ela o queria e também a promessa de futuro que lia em seus olhos.
Levantou a colher para ele e a soprou delicadamente, como se acariciasse sua pele com a respiração.
– Então prove... Mas tenha cuidado, pois está quente.
Um sorriso enrugou os cantos dos olhos escuros.
– Fico muito à vontade com tudo o que é quente.
Victor experimentou o molho e foi como se a estivesse degustando. Outra vez.
– Uma delícia...
– Está com fome?
– De muitas coisas.
Pea adorou a onda de calor que a cortou dos pés à cabeça. Parte dela desejou largar a colher e fazer com que ele a possuísse ali mesmo, na mesa da cozinha, enquanto
a outra (a parte mais racional) queria prolongar aquele doce jogo de preliminares que havia apenas começado.
Seu lado sensato acabou ganhando, mas por pouco.
– Ótimo. O jantar está quase pronto. – Ela pôs para ferver a água que aguardava pelo macarrão cabelo de anjo. – Vou lhe mostrar onde iremos comer. Levou-o lá para
fora, direto para o pequeno pátio.
– Perfeito – foi tudo o que ele disse.
Contudo, foi mais do que o suficiente: exatamente o que Pea pensava.
– Por que não serve um pouco de vinho para nós enquanto termino a massa?
Na porta, ela voltou atrás, prestes a lhe pedir que alimentasse o aquecedor com um pouco mais de lenha, porém Vitor antecipara seu pedido. A súbita e estranha intensidade
das chamas, no entanto, a fez duvidar de que o fogo precisasse ser mais atiçado.
Bem, pensou Pea, enquanto colocava o macarrão na água fervente, ele era bombeiro. Sabia lidar com fogo melhor do que ninguém.
Não demorou muito para dar os últimos retoques no jantar. Estava ansiosa por ficar junto dele e feliz por ter escolhido macarrão cabelo de anjo, que cozinhava em
um piscar de olhos.
Adorou o modo como seus olhos brilharam quando ela voltou, e ficou ridiculamente feliz com a vontade com que Victor mergulhou na refeição, o que foi um elogio ainda
maior do que suas palavras.
Analisando a refeição, ficou surpresa ao se dar conta dos temas amenos sobre os quais tinham conversado: o clima quente, como as lanternas davam um ar de contos
de fada ao deque, sobre a receita para o espaguete, que ela descobrira em um velho livro de culinária italiano já fora de circulação. Coisas comuns. Coisas mundanas.
Era quase como se tivessem estado sempre juntos.
– Gostei de ter resolvido comer aqui fora – Victor comentou após engolir sua última garfada e servir a ambos mais um copo de Chianti. – Fiquei preocupado que fosse
esfriar, mas a noite continua agradável e o aquecedor foi muito útil.
Pea assentiu em silêncio, surpresa ao perceber que o fogo ainda queimava alegremente.
Victor sorriu.
– Um bom fogo sempre aquece as coisas...
– Nunca imaginei que um bombeiro gostasse tanto de fogo.
– Quando se é íntimo do fogo, fica difícil não apreciá-lo e não aprender com ele, bem como não respeitar sua capacidade destrutiva.
– Apreciá-lo e aprender com ele... – Pea fez uma pausa, bebericando o vinho. – O que o fogo lhe ensinou, afinal?
– O fogo ensina sobre purificação e renovação. Por exemplo, um incêndio que assola uma floresta é, à primeira vista, um desastre. Mas, na verdade, a floresta volta
a crescer mais saudável depois, porque se livrou de ervas daninhas e de madeira morta.
– Faz sentido. O que mais aprendeu?
– Vejo histórias no fogo.
– Histórias? Como assim?
Ele a estudou, atento, antes de responder, e Pea teve a nítida e estranha impressão de que ele considerava o quanto podia revelar.
– Pense no fogo como um oráculo. Ele vive em constante mutação e tem vida própria. O fogo respira, se alimenta e pode morrer. Mesmo assim, ele é antigo como o tempo.
Por que não poderia colecionar histórias?
Pea refletiu a respeito. Aquilo era estranho, mas também fazia sentido.
– Suponho que sim. Mas imagino que seja necessário alguém que saiba ouvi-las e interpretá-las.
O sorriso de Victor foi radiante.
– Exatamente.
– Então me conte algumas delas.
Victor pensou por um momento, olhando para o céu enquanto vasculhava suas lembranças.
– Venha comigo, e eu lhe mostrarei. – Levantou-se e estendeu a mão para ela.
Pea a tomou sem hesitar, e ele a levou para a extremidade da varanda de madeira, cujo parapeito beirava a cintura. Durante a primavera e o verão, Pea mantinha sobre
ele enormes vasos de gerânios, de modo que todo o deque parecia estar em flor.
Victor soltou sua mão, e ela já começara a se ressentir da perda do contato quando ele descansou ambas as mãos sobre sua cintura.
– Posso? – indagou num murmúrio.
Ela fitou os olhos escuros, sem se importar com o que ele perguntava.
Qualquer coisa, pensou. Naquela noite, ela permitiria qualquer coisa.
– Claro – respondeu baixinho.
Surpreendendo-a, ele a levantou a fim de colocá-la sentada no parapeito, então a virou de modo que, em vez de ficar de frente para ele, Pea pudesse se recostar em
seu corpo, e seus braços fortes a amparassem de ambos os lados. Quando falou, seus lábios estavam colados à orelha dela, o rosto descansando em seu cabelo.
– O fogo conta histórias de tempos antigos, antigos povos, antigas crenças. – Apontou para o céu. – Por exemplo, você sabia que a lua cheia deste mês é conhecida
há muito tempo como lua acelerada?
Pea olhou para cima, seguindo sua direção.
– Lua acelerada? O nome é lindo.
Victor desceu a mão e a deixou descansar em sua coxa, onde começou a acariciá-la suavemente, como se seu toque fosse parte da história que tecia para ela. – Há muitas
gerações, ela incitava as pessoas a olhar para dentro delas mesmas e encontrar novas possibilidades, enquanto as criaturas que dormiam no ventre da Terra se encontravam
à beira do despertar da primavera.
– O que mais sabe sobre ela? – Pea perguntou, enquanto apreciava a lua cheia de fevereiro, hipnotizada por sua voz profunda e pelo calor que irradiava de seu toque.
– O fogo deste mundo chama a atenção para o brilho das constelações, dessas estrelas distantes que têm o seu próprio fogo frio. – Ele olhou para o sul e apontou
logo acima do horizonte.
Pea virou a cabeça e sentiu um arrepio delicioso quando ele afastou seu cabelo e beijou-a na curva do pescoço.
– Vê aquela pequena constelação? – Os lábios de Victor roçaram sua pele enquanto ele falava. – A que tem uma estrela dupla?
– Sim. – Murmurou a palavra, de modo que ela soou mais como um gemido do que como um reconhecimento. E pôde sentir os lábios dele se curvando num sorriso, assim
como a ponta da língua quente provocando sua pele.
– Aquela é a constelação de Áries. Diz a lenda que o rei da Tessália teve dois filhos, Frixo e Hele, que sofreram abuso de sua madrasta. Os deuses ouviram os gritos
das crianças, e Hermes enviou um carneiro com pelo de ouro para resgatá-los com segurança em seu dorso. Hele caiu do carneiro enquanto este sobrevoava o mar conhecido
como Helesponto. Frixo ficou com o coração partido, contudo foi levado são e salvo para as margens do Mar Negro, na Cólquida, onde sacrificou amorosamente o carneiro
em agradecimento aos deuses, cuja lã foi guardada por um terrível dragão. Os deuses honraram o carneiro enviando sua alma para os Céus.
Enquanto Pea admirava a beleza das estrelas, Victor a beijou e acariciou, as mãos fortes percorrendo suas coxas enquanto evocava imagens de um passado antigo com
voz rouca. Ela se recostou nele e, erguendo os braços, enlaçou-o por trás do pescoço, dando-lhe completo acesso a seus seios.
– Mais – pediu em um sussurro. – Conte mais.
– Vou lhe contar a história da minha constelação favorita, então. – A mão de Victor a deixou por um instante para apontar outro grupo de estrelas com o qual ela
já estava familiarizada.
– Ali é a Via Láctea e aquele é o Cruzeiro do Sul – ela os reconheceu de pronto.
– Olhe mais além... – ele instruiu, deslizando as mãos hábeis sob o suéter para lhe segurar os seios.
Pea não pôde reprimir um gemido e sentiu que ele sorria contra sua pele novamente.
– No mundo antigo, esse grupo de estrelas é conhecido como Centaurus. As estrelas são a alma de Quíron. – Seus polegares afagaram os mamilos arrepiados e sensíveis.
– Ele foi um dos professores mais talentosos que já viveram, e, em sua honra, o poderoso Zeus colocou a alma do centauro entre as estrelas.
Pea estava fascinado por Victor. Era como se ele houvesse criado um mundo mítico para ela, preenchido com a mágica de sua voz profunda e a paixão de seu toque ardente.
Tanto que se sentia lânguida e muito, muito sexy quando se virou para ele. Os olhos escuros cintilavam de desejo, e suas mãos ainda acariciavam seu corpo intimamente,
como se ele estivesse memorizando cada curva.
– Suas histórias são lindas – ela murmurou sem fôlego.
– Você me faz querer partilhar meu mundo.
– Gosto da maneira como vê o mundo. – Pea o tocou no rosto, depois passou os polegares por seu lábio inferior, lembrando-se de como era sentir aquela boca contra
o corpo. Em seguida, desceu a mão, de modo a pousá-la no peito largo, pressionando-o onde ficava o coração. Pôde senti-lo bater, forte e firme, quando se inclinou
em direção a seu calor.
– Quero que conheça o meu mundo. Eu a quero sempre comigo – ele falou, então se inclinou para cobrir seus lábios.
E o desejo varreu todo e qualquer pensamento a respeito de estrelas e eternidade da mente de Pea.
Quando eles interromperam o beijo, por fim, foi para olharem um para o outro.
Ela tocou o rosto de Victor outra vez.
– Disse que eu poderia ter qualquer coisa que desejasse esta noite?
– Sim.
– O que eu desejo é você.
Capítulo 23
O quarto de Pea era um retrato fiel dela, concluiu Vulcano. Aconchegante e convidativo, exatamente como ele imaginara na noite em que a vira por meio da linha de
fogo, dando prazer a si mesma.
A lembrança tornou seu membro ainda mais rijo, e o sangue que já corria quente e espesso por seu corpo fez suas entranhas doerem com a necessidade dela.
Não tinham se falado mais desde que Pea lhe confessara seu desejo. Ele apenas a beijara de novo com volúpia. Ela interrompera o beijo, então, mas apenas para tomá-lo
pela mão e levá-lo até seu quarto.
Agora se deslocava ao redor, acendendo velas coloridas que perfumavam o ar com a doçura da gardênia.
Vulcano sorriu, observando-a com um desejo que já se tornara algo familiar e tangível. Pea se pôs diante dele, o cabelo pendendo em cachos em torno de seu rosto
e ombros, e captando a luz emanada pelas chamas perfeitas das velas tal qual um véu trabalhado e cintilante. Ele desejou afundar as mãos nos fios e puxá-la para
si, e fez um movimento involuntário em sua direção, mas as palavras sussurradas de Pea o detiveram.
– Quero tirar a sua roupa.
Vulcano sentiu um aperto no estômago ao pensar que ela o veria nu. Sabia que sua perna não era grotesca. Ela apenas se curvava para dentro, e isso era muito mais
perceptível quando ele caminhava do que quando estava parado.
Mas muitas vidas haviam lhe ensinado que até mesmo aquela pequena imperfeição era motivo de zombaria.
– A-A menos que não queira e...
Ele pressionou um dedo contra os lábios macios. Sua hesitação, por conta de suas próprias inseguranças, solapara a autoconfiança que Pea exibira naquela noite, e
ele não pôde suportar a sombra de constrangimento e dúvida em seus olhos.
– Eu quero que me dispa. Mas receio que não vá gostar de ver a minha perna – disse, honestamente.
Ela o tocou no rosto outra vez e acariciou seu lábio com o polegar macio, assim como tinha feito antes, ao lhe confessar seu desejo.
– Jamais pense isso. Eu o quero como você é... Não uma versão perfeita.
Nunca alguém lhe havia dito uma coisa daquelas. Incapaz de falar, ele apenas aquiesceu.
Pea puxou seu suéter de leve e sorriu.
– Você é muito alto. Tem que se abaixar ou eu não vou conseguir fazer isto.
Seu sorriso fácil e doce o seduziu. Vulcano a abraçou com força por um momento, em seguida se inclinou para que ela pudesse lhe tirar a blusa. Sob esta, usava uma
camisa escura, de mangas compridas, em um estilo que parecia popular naquele mundo.
Pea começou a abrir seus botões, e ele teve vontade de arrancar a roupa do corpo e pressioná-la contra seu peito nu... Mas tal coisa não era de seu feitio. Vulcano
respirou fundo, então. Nada do que ele estava fazendo naquela noite era de seu feitio!
Com um movimento firme, rasgou a camisa que o confinava e puxou Pea para os braços.
Ela gemeu e devolveu o beijo, espalmando as mãos em suas costas. O toque em sua pele ultrassensível o fez estremecer.
Mãos delicadas e inquietas moveram-se para baixo, encontrando o botão das calças que a tal internet dizia chamarem “jeans”. Ele a beijou profundamente quando ela
tocou sua ereção, enquanto a outra lutava com o botão acima do zíper.
Pea ergueu a cabeça, seus olhares se encontraram, e os lábios dela se curvaram num sorriso típico de ninfa. Vulcano sorriu de volta, feliz por ver que sua autoconfiança
retornara.
– Gosto que já esteja assim... – ela murmurou e, com a ousadia das palavras, enrubesceu.
Ele sorriu ainda mais.
– É por sua causa. Apenas pensar em você me faz ficar neste estado.
– Que bom – ela falou baixinho e abriu o zíper das calças jeans, liberando sua ereção. Seus olhos encontraram os dele outra vez, só que, desta vez, pareciam um pouco
assustados.
– Sem nada por baixo? Fico contente por não ter percebido isso enquanto estávamos comendo. Não teríamos terminado a refeição, e eu teria perdido as lindas histórias
que me contou.
Vulcano se viu poupado de ter que responder porque Pea tomou seu falo na mão e começou a acariciá-lo por inteiro. Deliciou-se com o toque, sentindo-se tão rijo e
intumescido que sua pele parecia prestes a rasgar.
Pea tirou a mão dele apenas por tempo suficiente para lhe descer as calças, e Vulcano se livrou de delas, assim como dos sapatos, ficando nu – de corpo e alma –
à sua frente.
Os olhos de Pea percorreram seu corpo sólido. Vulcano sabia que ela podia ver claramente como sua perna esquerda se voltava um pouco para dentro, como a marca da
raiva de seu pai marcara sua silhueta, e teve que se obrigar a não fazer com que as pequenas chamas das velas se apagassem e os mergulhassem na escuridão.
– Você é lindo – ela murmurou, ofegante.
Em seguida, antes que ele tivesse tempo para se recuperar das palavras, ela se ajoelhou à sua frente e seus dedos subiram por ambas as suas coxas. O toque leve fez
seus músculos estremecerem e seu falo pulsar com uma mescla de desejo e prazer. Pea não se apressou, seguindo o caminho traçado por seus dedos com a boca, lambendo
e beijando-o até o centro de seu prazer. Segurou seus testículos, apertando-os e provocando-os, e então o envolveu com ambas as mãos, afagando-o, levando seu membro
à maciez rosada de sua boca...
Vulcano estremeceu e soltou um gemido quando, com a língua, ela lambeu a gota de líquido claro que sua excitação fizera brotar da cabeça do pênis. Em seguida, desceu,
girando em torno da ponta intumescida. Ao ouvir o modo como sua respiração saía em espasmos, Pea fez uma pausa e o fitou.
– Quero tê-lo na boca. Quero amá-lo com a boca, com o corpo, com o coração. Posso?
– Claro que sim, Pea... Por todos os deuses, sim! – ele respondeu, rouco.
Sem qualquer hesitação, ela abriu os lábios rosados e tomou no calor úmido da boca tanto quanto podia dele. Vulcano mergulhou as mãos nos cabelos fartos enquanto
ela sugava e se afastava, sugava e se afastava, a língua varrendo também as laterais sensíveis de seu sexo. Sentir o membro rijo em sua boca era uma sensação erótica
física e visual. E ver o falo rijo entrando e saindo dos lábios carnudos e rosados, as mãos de Pea sincronizadas com os movimentos de sua boca, quase foi mais do
que ele podia suportar. Queria explodir, mas ao mesmo tempo não desejava que aquela sensação deliciosa provocada pela boca e língua quentes chegasse ao fim.
Em algum ponto da carícia voluptuosa, ele sentiu o orgasmo se edificar numa doce onda de agonia que ele não podia conter. Quis avisar Pea, quis afastar sua boca,
porém ela não permitiu. Conforme seu corpo se retesou e o calor de sua semente jorrou, liberto, ela o acariciou e sugou com mais vontade até vê-lo seco e saciado.
Quando Vulcano conseguiu se concentrar de novo, ficou surpreso ao perceber que continuava de pé. Era difícil acreditar que não tinha desfalecido de prazer. Suas
mãos ainda estavam enroscadas nos cachos de Pea e, carinhosamente, ele os soltou.
Pea olhou para ele, então, os olhos cintilando.
***
O modo sensual com que Victor tinha contado suas histórias excitara Pea mais do que qualquer outra preliminar que ela conhecia. Tanto que, ao guiá-lo até o quarto,
ela já se sentia úmida, quente e pronta. Após levá-lo ao orgasmo com a boca, sentiu o desejo pulsar pelo corpo e sorriu, deliciando-se com sua expressão de enlevo
e satisfação.
– Minha vez – anunciou, baixando a voz provocantemente. Começou a se despir, amando a intensidade com que ele observava cada movimento seu. Sabia, claro, que Victor
não ficaria excitado de novo tão cedo, contudo mal podia esperar para sentir sua pele nua contra a dele, seus braços fortes envolvendo-a, sua boca na dela...
Nua, ela se deitou na cama. Livre de qualquer inibição, abriu as pernas para ele e assistiu, perplexa, o membro de Victor recomeçar a inchar.
– Quero entrar em você. Preciso ter você... Preciso fazê-la minha – ele decidiu com voz rouca enquanto subia na cama e se ajoelhava entre suas pernas abertas.
Meio descrente, ela estendeu o braço e segurou o eixo rijo, provando a si mesma que não estava imaginando aquela segunda ereção. Acariciou-o, sentindo-se liquefazer
de prazer. Victor era simplesmente incrível!
– Já me fez sua – ela afirmou, encontrando seu olhar, confiando que ele enxergava um futuro para ambos em seus olhos, tanto quando ela o via nos dele.
– Verdade – ele sussurrou. – Pertenceremos um ao outro por toda a eternidade. Amo você, Dorreth Pea Chamberlain... Quero passar minha existência ao seu lado.
Pea sentiu as palavras varrerem sua pele como se fossem palpáveis, ainda que sua mente afirmasse que era impossível que palavras transportassem alguma sensação física.
Aquilo não era racional, mas foi como se, ao confessar seu amor por ela, Victor, de alguma forma, os tivesse unindo mesmo para a eternidade.
– Sim – murmurou, entontecida. – Eu pertenço a você. Para sempre.
Guiou-o para dentro de si e gemeu ao senti-lo deslizar devagar por sua umidade.
Em seguida, toda a delicadeza e hesitação desapareceram diante do calor da paixão que os consumiu. Victor começou a impulsionar o corpo para dentro do dela com volúpia,
e Pea recebeu cada empuxo erguendo os quadris da cama e angulando a pélvis de modo a aceitar cada estocada por inteiro. Amou-a com a antiga dança da luxúria até
que Pea sentiu o corpo se preparando para o orgasmo e levantou as pernas, gemendo. Com uma espécie de grunhido, Vulcano segurou-lhe a perna e a ergueu, ancorando-a
por cima do ombro musculoso e agora escorregadio de suor. A nova posição a abriu ainda mais para ele, permitindo que mergulhasse mais fundo, levando-a à beira do
êxtase.
Pea colocou os braços ao seu redor e explodiu, ofegante. Ele a seguiu nessa doce explosão e gemeu com o prazer que o invadiu.
Pea se agarrou ao seu corpo trêmulo...
... E algo acima do ombro largo chamou sua atenção. Ela piscou, tentando se concentrar e controlar a própria respiração, porém viu claramente quando as chamas das
velas perfumadas que acendera antes estalaram em um sopro forte que quase chegou ao teto!
Gritou, contudo Victor se encontrava no meio do êxtase, e confundiu seus grito com uma manifestação de prazer. Pea se preparava para empurrá-lo de cima dela a fim
de correr para o extintor de incêndio, mas percebeu que, embora as chamas das velas estivessem enormes e brilhantes demais, não queimavam o quarto. Arderam junto
com o orgasmo de Victor como num lança-chamas inofensivo, destituídas de calor e feitas apenas de cor.
Pea continuou a olhar para as chamas, perplexa, enquanto Victor bombeava para dentro dela sua semente. Conforme seu orgasmo se esvaecia, assim aconteceu com as chamas
das velas, até que, enfim, quando ele desabou sobre ela com o rosto afundado na curva de seu pescoço, as pequenas chamas bruxuleantes voltaram ao normal.
Se ela estivesse com os olhos fechados, refletiu Pea, teria perdido aquilo.
Entretanto eles estavam bem abertos. Não era um sonho.
A verdade a atingiu como um raio. Tudo se encaixava: a aparição súbita de Victor coincidindo com a visita de Vênus, sua aura de poder, seus padrões de fala arcaicos
e estranhos, que podiam ter sido evidência de uma boa educação e, talvez, de várias viagens ao exterior, mas que, na verdade, eram causados por algo completamente
diferente. Sem contar seu conhecimento de mitologia antiga e o modo como contava suas histórias.
Victor acariciou seu pescoço com o rosto e a beijou de leve enquanto sussurrava algo doce que ela quase pôde ouvir por meio da pele.
– Quem é você? – Sua voz soou seca e objetiva, contudo naquele momento Victor (ou qualquer que fosse seu verdadeiro nome) não pareceu notar. Continuou a afagá-la.
– O homem que a ama, minha pequena.
– Mentira.
A palavra o atingiu por fim. Vulcano ergueu o corpo e, ao ver sua rígida linguagem corporal, franziu a testa com óbvia preocupação e rolou de cima dela.
Pea ignorou a sensação úmida e sensual do corpo sólido deslizando pelo dela.
– Pea?
– Você não é mortal – ela se ouviu dizendo em voz alta.
O choque nos olhos escuros não foi de “Que diabo?”; mas de “Como, diabos, ela descobriu?”. E Pea soube, sem sombra de dúvida, que seus instintos sobre ele estavam
certos. Ele não era como nenhum outro homem porque não era um ser humano comum.
– Quem é você? – repetiu, cruzando os braços sobre os seios nus. Não que quisesse se esconder dele. Não. Estava simplesmente furiosa.
– Por que está me perguntando isso? Por que acredita que não sou mortal?
– Ora, por favor... Enquanto estava gozando as chamas das velas bateram no teto, como se elas fossem lança-chamas em miniatura! Isso não é normal! – falou cada palavra
em separado, enunciando-as com ênfase.
Visivelmente nervoso, ele se sentou.
– Aconteceu isso com as velas?
– Ah, por acaso mencionei que elas subiram pela parede até o teto, mas não queimaram nada?
Ele olhou para as velas disfarçadamente, como se não quisesse que ela visse.
– Isso também não é normal?
– Sabe que não.
– Eu não sabia que isso ia acontecer. Isto – fez um gesto, apontando para ambos – nunca aconteceu comigo antes. – Arriscou um sorriso. – De qualquer modo, fico feliz
por as chamas não terem queimado nada.
Pea ignorou sua tentativa de aliviar a tensão entre eles.
– Acha que vou acreditar que nunca teve relações sexuais antes?
– Claro que não. Não foi isso o que falei. Eu quis dizer que nunca me apaixonei antes, então eu não tinha como saber que qualquer fogo em minha presença iria, ahn...
responder à intensidade das minhas emoções.
– E por que qualquer fogo reagiria a você? – Pea exigiu. Apesar da raiva que sentia, estava curiosa para descobrir quem ele era.
Ele respirou fundo.
– Meu nome não é Victor. Sinto muito tê-la enganado. Não estou acostumado com o que está acontecendo e não imaginava o que poderia ocorrer depois que a visse novamente.
– Passou a mão pelo rosto. – Eu nem tinha pensado sobre o que eu diria quando perguntasse o meu nome.
– E seu nome é...? – ela exigiu, impaciente.
– Vulcano.
– ... V. Cannes.
– Não sou um mentiroso muito bom.
Pea bufou.
– Podia ter me enganado.
– Mas não enganei. Na verdade, não queria enganar. – Ele lhe estendeu a mão, mas Pea recuou para longe dele.
– Por favor, não se afaste de mim – pediu Vulcano.
– Não ouse me dizer o que fazer! Eu não dou a mínima se é um deus. Não me deixarei intimidar. – Pea percebeu que estava mais confusa do que com raiva, mas não conseguiu
controlar a própria reação. Estava apaixonada por um deus antigo. Só de pensar ouviu um zumbido estranho nos ouvidos. Ficou com medo de que, quando a raiva passasse,
viesse a tristeza, ou pior: o medo.
– Eu jamais iria intimidá-la!
– Ha! Então ia apenas mentir para mim? E mal! Por que não me intimidar? Por que não me transformar em... em uma árvore ou algo assim, se o deixo zangado?
Não era isso o que os deuses faziam quando seduziam mulheres mortais? Por que ela não havia prestado mais atenção às aulas de mitologia na escola? Não tinha uma
cópia daquele livro antigo de mitologia de Hamilton Edith em algum lugar da estante? Caramba, tomara que sim. Havia muito o que estudar.
– Uma árvore? Por que eu haveria de querer transformá-la em uma árvore? – Ele pareceu chocado.
– Como posso saber?! Aliás, como posso saber qualquer coisa sobre você? Não foi tudo mentira?
– Não! – ele gritou, e as chamas das velas tremularam descontroladamente em resposta.
– Veja! – Pea apontou. – Acabou de fazer as chamas aumentarem outra vez.
– Sinto muito. Não vou deixar que nada de mal lhe aconteça.
– Por que tem controle sobre as chamas?
– Porque sou Vulcano.
Pea bufou, frustrada.
– Faz muito tempo que parei de ir à escola, e não costumava prestar muita atenção à mitologia, mas...
Ele franziu a testa, confuso, e Pea revirou os olhos.
– Não sei que deus é Vulcano.
– Ah. – Ele não pareceu ofendido, como ela imaginou que pudesse acontecer. Apenas deu de ombros. – Sou o deus do Fogo. Meu reino fica nas profundezas do monte Olimpo.
Em minha forja, mantenho o fogo da Terra antiga ardendo. Também trabalho com metal. Com coisas que possam ser feitas numa forja.
– Então era tudo mentira mesmo. – Pea sentiu uma onda de náusea.
– Pare com isso! – ele disse em voz alta, e olhou para as velas a fim de se certificar de que elas continuavam queimando tranquilamente antes de continuar. – Menti
apenas a respeito do meu nome, nada mais. Eu lido com o fogo e a venho observando. Estou mesmo apaixonado, Pea.
Ela balançou a cabeça.
– Eu não quis dizer isso. Quis dizer que mentiu sobre ser um pária, sobre não se encaixar no seu mundo. Você é um deus! Um dos imortais. Eu conheço Vênus e sei o
quanto vocês, olímpicos, são incríveis. – Ela mordeu o lábio, determinada a não chorar, e puxou o lençol por cima do corpo. Já era ruim o suficiente que ele estivesse
vendo a nudez de suas emoções. Ela podia não ser boa o suficiente para encobri-las, mas ao menos poderia cobrir a nudez do próprio corpo. – Não é justo que tenha
fingido ser como eu.
– Mas eu sou como você! Eu não estava fingindo. Olhe para mim! – Ele ficou nu ao lado da cama. – Olhe para mim com atenção. Minha perna é torta, eu sou manco. Basta
comparar os meus defeitos à beleza irretocável de Vênus. Estou longe de ser fisicamente perfeito, Pea. Só isso já me torna um eterno pária entre os imortais dourados
do Olimpo.
O zumbido voltou aos ouvidos dela.
– Nada disso importa. – Ela estendeu a mão e tocou-lhe a perna imperfeita.
Vulcano segurou sua mão e se ajoelhou ao lado da cama, afundando o rosto em sua palma.
– É importante para os imortais. Eu sei bem o que é se sentir excluído, e agora que a encontrei, sei como é se sentir aceito e amado. Não posso te perder, Pea. Não
agora. Eu não poderia suportar.
Pea soltou uma exclamação quando se lembrou do que Vênus lhe havia dito e, de repente, tudo fez sentido. “Por ele não ser fisicamente perfeito, tornou-se uma espécie
de pária no Olimpo. Achou que ganharia aceitação se casando comigo...”
– Oh, não... Está casado com Vênus! – disse baixinho.
– Sim, mas...
O restante das palavras se perdeu quando Pea irrompeu em lágrimas.
Capítulo 24
– Pequena, não chore! Tudo vai ficar bem, você vai ver.
– Pegue um lenço para mim – Pea pediu em meio a soluços, apontando para o banheiro anexado ao quarto principal.
Vulcano vestiu o jeans e correu para o cômodo.
Pea respirou fundo, tentando se acalmar.
– O lencinho na caixa cor-de-rosa! – conseguiu gritar.
Como se o deus do Fogo fosse saber o que era um lenço de papel!
Vulcano ressurgiu do banheiro com a caixa, entregou-a e sentou-se na beirada da cama, olhando-a como se esperasse que ela fosse entrar em combustão a qualquer momento.
Pea assoou o nariz e enxugou os olhos. Respirou fundo outra vez e percebeu, satisfeita, que soluçara apenas uma vez. Então nivelou o olhar com o de Vict... com o
de Vulcano, o antigo deus do Fogo, corrigiu-se mentalmente, apertando os lábios.
Serena, e no que considerava um tom calmo e razoável, falou, por fim:
– Está bem. Não sei como são as coisas no Olimpo, sob o Olimpo ou onde quer que seja. Mas aqui, no que Vênus – e, tenho certeza, você também – chama de “mundo mortal
moderno”, uma mulher não costuma se deixar apaixonar pelo marido da amiga. A menos que não preste ou seja muito vulgar.
Pea suspirou diante da expressão confusa no rosto moreno.
– Basta que acredite: não sou nenhuma vagabunda nem promíscua, nem pretendo ser. O que significa que não posso cair de amores pelo marido da minha amiga!
O sorriso de Vulcano foi lento e sexy.
– Você me ama. Acabou de dizer que me ama.
– Ei! Ouviu o restante?
Ele continuou sorrindo.
– Vênus e eu não vivemos como marido e mulher, Pea. Nosso casamento foi um acordo... que acabou não funcionando para nenhuma das partes. Ela não a faz acreditar
que me ama, faz?
Pea mordeu o lábio.
– Não. Contou que era casada, mas que não era um casamento de verdade.
Vulcano assentiu, não parecendo nem um pouco aborrecido pela descrição que a esposa dera para seu relacionamento.
– E não é verdade que Vênus está com outro homem neste momento?
– Talvez. – Estranhamente, Pea sentiu-se como se estivesse traindo Vênus caso dissesse mais.
Vulcano levantou uma sobrancelha.
– Talvez?
– Está bem, é verdade. Ela saiu para um encontro.
– O que, para mim, não representa nenhum problema.
– Isso me parece errado.
Ele segurou sua mão outra vez.
– Iria se sentir melhor se Vênus e eu concordássemos em anular o nosso casamento?
– Eu não sei. – Pea balançou a cabeça, sentindo-se à beira das lágrimas de novo. – As coisas estão acontecendo tão rápido!
– Mas, Pea, minha pequena, já conversamos sobre isso. A rapidez com que o nosso amor está acontecendo não é importante. É o amor em si, essa conexão de almas que
sentimos, o que importa. – Inclinou-se para a frente e a segurou pelo rosto. – Olhe em meus olhos e verá a verdade neles. Vivo sozinho pelo que consideraria uma
eternidade. Até vislumbrar você por meio da minha linha de fogo, poucos dias atrás, eu estava convencido de que a única maneira pela qual eu poderia ter paz era
agindo como o carneiro de Quíron.
Os olhos de Pea se arregalaram.
– Queria morrer e virar uma constelação?
– Sim.
– Mas não pode! É imortal!
– Quíron também era, mas, assim como aconteceu com o centauro, posso morrer se Zeus assim desejar.
– Não!
Vulcano sorriu e lhe acariciou as faces com os polegares.
– Acontece que agora não quero mais morrer e me transformar numa constelação porque encontrei o meu verdadeiro lar aqui, com você. Se me quiser, claro.
– Mas seu reino, a forja...
– Todos esses problemas podem ser solucionados se me amar.
Pea encontrou o olhar dele. Sabia que Vulcano era um deus antigo, mas, de alguma forma, saber disso não mudou nada. Ela não se ligara apenas à sua aparência mortal.
Desde o primeiro momento em que o fitara nos olhos havia reagido a muito mais do que seu lado físico. Aquilo não tinha nada a ver com mortalidade, e sim com eternidade.
– Eu te amo – sussurrou, comovida.
– Então vamos resolver isto. Juntos.
– Juntos – ela repetiu antes que os lábios dele buscassem os dela, e Pea se perdesse em seu gosto e toque, em sua magia e calor.
Griffin acordou como de costume, sem despertador, mas alguma coisa estava errada. Olhou para o mostrador do relógio digital: cinco e meia da manhã. Precisava estar
na estação de incêndio às sete, portanto tinha tempo de sobra.
Sorrindo, virou-se, buscando por Vênus, mas seu lado da cama se encontrava vazio.
Era aquilo o que estava errado. Ela não estava mais ali.
Vestiu a cueca. Vênus também não estava no banheiro.
Foi para a ponta da varanda do loft e olhou para baixo. Ao vê-la sentada no sofá, admirando a escultura e acariciando Cali do Beco, distraída, suspirou aliviado.
Seu alívio, entretanto, não durou muito tempo. Vênus estava chorando. Em silêncio, as lágrimas lhe caíam pelas faces.
O alvorecer começava a filtrar pelas janelas da sala, e a luz da manhã a banhava delicadamente, o que fez com que o artista dentro dele reagisse à visão antes do
homem. A beleza de Vênus era extraordinária, principalmente com aquela sombra de tristeza marcando suas feições. Aquela cena merecia ser pintada, esculpida. Merecia
poesias e canções.
Em seguida, o homem tomou o lugar da artista. Vênus estava chorando. E se fosse por causa dele? E se, de alguma forma, ele a tivesse magoado? Ela estaria lamentando
o fato de eles terem feito amor?
A simples ideia o fez se sentir mal. Vênus era a mulher mais incrível que já tinha conhecido. Não queria que ela se arrependesse de um só momento com ele. Na verdade,
queria passar o resto da vida a seu lado.
O pensamento o chocou. Jamais imaginara um futuro com qualquer uma de suas amantes, namoradas, ou qualquer que fosse o modo como estas se autodenominavam. Vênus
era diferente. Ela o fazia se sentir diferente. E não apenas porque era bonita, espirituosa, inteligente e gentil. Havia algo indescritível nela. Na realidade, juntos
eles possuíam aquele algo mais. Aquela faísca que transformava amizade em amor e amantes em almas gêmeas.
Almas gêmeas? Era isso o que eles eram?
A ideia o abalou ainda mais, porém Griffin não a rejeitou. Tudo dentro dele insistia: é ela! Ela é minha! Aquela por quem eu estive esperando!
Apanhou o roupão e desceu correndo a escada.
Vênus nem sequer notou sua presença até que ele a tocou no ombro. Então deu um pulo e enxugou os olhos depressa.
Cali miou em protesto, em seguida desceu do sofá com arrogância.
Bichana traidora.
– Perdão, eu não queria assustá-la – desculpou-se, percebendo que Vênus vestia o suéter que ele usara na noite anterior. Era muito grande para ela, o que a fazia
parecer ainda mais jovem e muito, muito sexy.
– Tem café? – ela quis saber.
Griffin franziu o rosto. Será que tinha?
Mas não queria falar sobre café. Queria tomá-la nos braços, dizer que a amava e que iria compensá-la por qualquer coisa que a houvesse feito chorar. Suas lágrimas,
contudo, o tiraram do prumo tanto quanto seus próprios pensamentos acerca de almas gêmeas e um futuro em comum.
– Tenho café, sim – respondeu em vez disso.
– Será que pode me fazer um pouco?
– Claro. – Completamente confuso, ele rumou para a cozinha e ligou a cafeteira. – Quer um bolinho ou outra coisa para comer?
– Não... Não, obrigada.
Griffin apertou os lábios. Vênus estava sendo educada demais.
Esperou, impaciente, que o café fosse suficiente para preencher duas canecas e voltou às pressas para junto dela. Vênus continuava sentada no sofá, os olhos ainda
fixos na escultura. Mas tinha parado de chorar.
– Trouxe café preto, está bem? Mas tenho leite e açúcar se quiser.
– Assim está bom, obrigada. – Ela aceitou a caneca e tomou um gole.
Griffin sentou-se a seu lado e, num impulso, inclinou-se e a beijou com suavidade.
– Bom dia – saudou, feliz por ela aceitar o carinho e também se inclinar para beijá-lo.
– Bom dia.
Beberam o café em silêncio, até que ele não suportou esperar mais. Pousou a caneca e se virou para encará-la.
– O que aconteceu? Alguma coisa errada?
Vênus suspirou.
– É difícil colocar em palavras.
– É comigo? Fiz algo que a aborreceu?
– Não. Você foi perfeito.
Inferno. Ela dizia aquilo como se fosse uma coisa ruim.
Ele respirou fundo e fez a pergunta que mais temia:
– Está arrependida pela noite passada?
– Não, claro que não! – Vênus o encarou. – A noite passada foi maravilhosa.
Griffin passou os dedos pelo rosto úmido.
– Então por que está sentada aqui, chorando?
Vênus olhou de volta para a escultura.
– Tinha razão – falou baixinho.
– Sobre?
– Sobre a Vênus.
– E isso a deixa triste?
Ela assentiu.
– Estou triste porque percebi que tenho muito em comum com ela.
– Como assim? – Por alguma razão, as palavras, ou talvez o tom em que ela as pronunciou, fizeram seu estômago apertar.
– Você disse que era como se a Vênus não precisasse de um homem, o que a fazia intocada e intocável. Isso é trágico. A Vênus é o Amor.
Foi a vez de ele concordar em silêncio.
– Eu tenho vivido assim. – Vênus soou introspectiva, como se houvesse se esquecido de que ele continuava ali e falasse para si mesma. – Ajudei tanta gente a encontrar
o amor! Já me pediram tantas vezes que transformassem suas paixões, obsessões e desejos em realidade, mas, quanto a ter essas coisas em minha própria vida... – Deu
de ombros. – O amor tem passado por mim, por cima da minha cabeça, ao meu lado e, às vezes, até me visitado brevemente... porém nunca permanece comigo.
Griffin segurou a mão dela, vendo Vênus se voltar para fitá-lo. Nunca na vida ele quisera tanto uma coisa quanto fazer a tristeza sumir daqueles olhos.
E, enquanto tentava descobrir o que dizer a ela para livrá-la de tanta melancolia, percebeu que sua tão prezada liberdade e sua constante fuga do amor não tinham
sido nada mais do que atitudes vazias em uma vida apenas parcialmente vivida. Perguntou-se se o artista dentro dele não reconhecera a solidão muito antes daquele
momento, e se o principal tema de sua arte não eram as mulheres justamente por esse motivo, por mais que ele houvesse passado a vida evitando compromissos.
Percebeu, então, que estava com medo de dizer o que viria a seguir.
Entretanto, temia não dizê-lo.
– Nunca me casei, Vênus. Nunca fui nem mesmo comprometido. A verdade é que tenho evitado amar tanto quanto você. Depois de ver a quantidade de problemas que minhas
irmãs e minha mãe enfrentaram com isso, concluí que era melhor viver sem ser escravo desse maldito sentimento.
À menção das irmãs dele, os lábios de Vênus se curvaram ligeiramente, o que amainou um pouco a tristeza em sua expressão.
Griffin prosseguiu:
– Depois conheci você. E agora vejo uma chance de ter aquilo que falta em minha vida. Vejo a chance de viver um amor.
– Mesmo que esse amor venha cheio de complicações, problemas e, como você mesmo disse, como um “maldito sentimento”?
Ele sorriu e a acariciou no rosto novamente.
– Mesmo assim.
Vênus tornou a desviar o olhar do dele. Em vez de aliviar sua tristeza, foi como se aquela declaração houvesse tido o efeito oposto sobre ela.
– Vênus, estou interpretando mal o que está acontecendo entre nós? Se acha que não poderia me amar, então...
– Eu poderia te amar – ela concordou depressa. – Eu te amo – acrescentou baixinho.
Griffin sorriu, porém, mais uma vez, seu alívio teve curta duração.
– No entanto, amor nem sempre é suficiente – Vênus afirmou. – As coisas entre nós podem ser muito complicadas.
– Para mim, essa sempre foi a especialidade do amor: complicar as coisas. – Ele tentou usar um tom leve, mas, quando encontrou o olhar dela, o desespero que viu
o fez desistir da brincadeira. – Qual o problema, Vênus? – Ele a puxou para os braços. – O que pode ser tão terrível? – O mal-estar em seu estômago se expandiu até
tomar conta de seu coração. – Existe outra pessoa, é isso?
– Não! Não há mais ninguém. – Ela se ajeitou melhor no abraço, de modo a poder encará-lo. – Sua vida aqui é muito importante para você, não é?
– Sim. É o meu trabalho o que a incomoda? É perigoso, verdade, mas sou muito cuidadoso.
Griffin franziu a testa. Conhecia bombeiros cujas esposas ficavam em pânico a cada vez que o alarme soava, e odiou pensar em Vênus vivendo aquele tipo de medo.
Conseguiria abrir mão daquele emprego? Poderia se manter vivendo apenas como artista?
Não tinha certeza. E, definitivamente, não gostava da possibilidade de ter que escolher entre o amor que nutria pelo trabalho e o amor que sentia por ela.
– Não é o seu trabalho. Respeito muito o que faz e sei que a vida de um guerreiro nunca é isenta de risco. Eu estava pensando na sua família: em suas irmãs e em
sua mãe. Sei que não gostaria de deixá-las.
– Não, eu não faria isso – ele afirmou, compreendendo por fim. – Você não é de Tulsa, é isso?
– Não, não sou. Estou aqui provisoriamente. Prestando um favor para Pea na faculdade. Quando eu terminar de ajudá-la, terei que ir embora.
– De onde você é?
Vênus o fitou, e Griffin percebeu o quanto ela se encontrava angustiada e perdida.
– De muito longe.
Ele sorriu e a beijou na testa.
– De onde? Nova York? Chicago? Ou, que Deus nos ajude... – ele riu – ... de Los Angeles?
– De Roma. E também passei algum tempo na Grécia.
Os olhos de Griffin se arregalaram com surpresa.
– Tem razão. Veio de longe mesmo. Mas não consideraria se mudar para cá?
– Não posso. Também tenho as minhas obrigações – ela afirmou, infeliz.
– Podemos elaborar algum esquema de viagens e ver o que acontece. Uma relação de longa distância não é impossível. O mundo não parece mais tão grande.
Ela o fitou, descrente, e Griffin a abraçou com mais força.
– Não deixaria que a distância mudasse o que sente sobre mim, deixaria?
Vênus o acariciou no rosto, traçando seus lábios com o dedo.
– Não. Mas tenho medo de que, quando perceber o que implica me amar, você mesmo faça isso.
– O que posso fazer para que acredite que não vai se livrar de mim tão fácil?
Ela passou os braços por seus ombros, e Griffin suspirou. Adorava senti-la pressionada contra o corpo. Deslizou as mãos até a curva delgada da cintura, e Vênus estremeceu
em resposta à carícia.
– Apenas me ame agora e deixe que eu viva a fantasia de ter você um pouco mais.
– Não sou nenhuma fantasia, Vênus. Nós não somos nenhuma fantasia – ele afirmou, antes de tomar seus lábios com paixão. Queria dizer mais, garantir que nada nem
ninguém iria ficar entre eles, mas a boca de Vênus desceu por seu peito e encontrou sua crescente ereção. Quando se fechou em torno dela, as palavras sumiram de
sua mente, e Griffin só foi capaz de gemer seu nome.
Capítulo 25
– Ah, merda! Olhe a hora... Já passou das sete! – Pea se desvencilhou dos braços de Vulcano e rumou, nua, para o banheiro.
– Aonde está indo? – ele chamou, sonolento, às suas costas.
– Trabalhar! Preciso estar lá às oito. – Ela pôs a cabeça para fora do banheiro enquanto ajeitava os cachos e os cobria com uma touca de banho. – Eu tiraria o dia
de folga se pudesse, mas tenho outras entrevistas, você sabe, para o trabalho em que fingiu estar interessado. Tenho, mesmo, que estar lá.
– Eu não fingi coisa nenhuma. Acredito realmente que gostaria de ser professor de História.
– Seria um professor excelente!
Vulcano sorriu para ela.
– Esse seu chapéu é engraçado.
Pea estreitou os olhos.
– É uma touca de banho, não um chapéu. Não tem graça.
– Claro que tem. Está uma gracinha.
Se aquilo o seduzia, então talvez a maldita touca que Vênus insistira para ela usar, a fim de proteger os cachos do frizz, tinha valido a pena, concluiu Pea.
Ainda assim, mostrou a língua para Vulcano, o que só fez seu sorriso aumentar.
– Podia usar essa língua de outras maneiras aqui... – ele provocou.
Ela olhou o magnífico corpo nu e percebeu que o sorriso dele não era a única coisa crescendo por ali. Sentiu um calor invadi-la e desejou ter mais tempo para...
– Não! Não posso. Preciso trabalhar. – Voltou para dentro do banheiro, tentando lavar o rosto, escovar os dentes e falar com Vulcano, tudo ao mesmo tempo. – E quanto
a você? Não tem que voltar para o Olimpo, para o seu fogo, forja ou sei lá o quê?
Pea pôde ouvi-lo rir.
– Quer dizer que, mais uma vez, vai me fazer contar as horas até que eu possa vê-la.
– Sim – ela respondeu sem preâmbulos. – Ei, enquanto tomo banho, pode ficar à vontade, a casa é sua. Tenho uma porção de coisas para o café, na cozinha, e a cafeteira
automática já deve estar operando sua magia...
Gritou, com a escova de dentes na boca, quando ele enfiou a cabeça para dentro do banheiro.
– Tem certeza de que não precisa da minha ajuda, senhorita?
– Tenho! – Pea ignorou a provocação e o empurrou para fora, fechando a porta.
Feliz, riu e cantarolou durante todo o banho.
Pea ficou pronta para o trabalho em tempo recorde, e checou o relógio enquanto deixava o quarto, apressada: sete e meia. Poderia tomar um rápido café com Vulcano
e ainda sair para trabalhar na hora certa. Ela nunca se atrasava para o trabalho, e perder alguns minutos não lhe faria mal algum.
Vulcano se encontrava sentado à mesa da cozinha e, surpreendentemente, sua figura enorme não parecia estranha ou fora de lugar ali. Ao contrário, parecia complementar
o cômodo, enchendo-o e tornando-o ainda mais aconchegante. Ele bebia uma caneca de café com os olhos fechados, o que a fez sorrir.
– Nunca tinha bebido café antes?
– Nunca – respondeu antes de abrir os olhos e sorrir para ela. – O cheiro é tão divino quanto o sabor.
– Literalmente, deus do Fogo? – Pea serviu-se de uma caneca.
Vulcano hesitou, depois sorriu como um menino.
– Creio que sim.
Pea riu também, porém seu riso se transformou em uma exclamação quando ele já não bloqueava sua visão. A mesa estava repleta de travessas de prata talhadas à mão,
cheias de pedaços de queijo envelhecido, frutas exóticas, pães que pareciam recém-assados e finas fatias de frios.
– O que é isso tudo? – indagou, perplexa.
Vulcano olhou do banquete para Pea.
– Café da manhã?
– Fez tudo isso aparecer?
Ele a estudou por um momento.
– Como quando sugeriu que eu poderia transformá-la em uma árvore?
– O que você não faria, lembra-se? – ela retrucou por entre os dentes.
– Jamais.
– Pois foi isso mesmo o que quis dizer.
– Sim, eu fiz a comida aparecer.
– Vulcano – ela começou, parou, depois se inclinou para beijá-lo no rosto e lhe afagar as costas de quebra. Ele parecia tão delicioso, ali, sentando em sua cozinha!
E decerto nem fazia ideia disso. – Não fico muito à vontade vendo as coisas surgirem do nada à minha frente. – Sentou-se na cadeira mais próxima, fazendo suas coxas
roçarem. – Isso não costuma acontecer em Tulsa. Verdade! – acrescentou diante de sua expressão incrédula. – Isso iria pirar até o mais moderno dos mortais. – Depois
de uma pausa, começou a encher o prato.
– Pirar? – ele repetiu, confuso.
– Pirar é o mesmo que ficar pouco à vontade, só que multiplicado por dez.
– E isso a faz se sentir pouco à vontade?
– Muito.
– Eu não fazia ideia.
– Eu sei. Vênus também ficou chocada ao descobrir que isso era um problema para mim.
– Se é assim, vou parar de fazer as coisas surgirem do nada.
– Agradeço imensamente!
– O seu pedido é uma ordem, minha senhora. – Ele fez um floreio, mesmo sentado, o que a fez rir e corar.
E foi exatamente nesse momento que Vênus apareceu na cozinha.
– Pea, querida, eu tenho tanta coisa para... – Estacou ao deparar com Vulcano.
– Olá, Vênus – ele saudou.
– Olá, Vênus – repetiu Pea.
– O que, por todos os falos murchos dos deuses, ele está fazendo aqui?! – exigiu a deusa.
Pea olhou para Vulcano, estarrecida.
– Você disse que ela não ficaria aborrecida!
– Sim, mas não disse que ela não ficaria chocada.
– Ela está bem aqui! – protestou a deusa.
– Vênus, por favor, não fique zangada! – implorou Pea, começando a choramingar.
– Eu não estou zangada! – gritou a deusa do Amor. Então fechou os olhos, respirou fundo e recomeçou: – Eu não estou zangada – afirmou em um tom mais calmo. – Por
que eu ficaria zangada? Só estou perguntando por que Vulcano está sentado à sua mesa da cozinha, tomando café da manhã... – Vênus reparou na lauta refeição e arregalou
os olhos – ... O qual, aparentemente, também veio direto do Olimpo.
– Eu disse a ele que ficasse à vontade enquanto eu estava no banho – explicou Pea.
– Foi o que eu fiz – Vulcano se justificou.
– Sim, ele não sabia como me sinto com essa história de fazer as coisas surgirem do nada e...
A mão erguida de Vênus silenciou Pea.
– Escutem aqui. Isso não está fazendo nenhum sentido para mim.
– Desculpe – Pea murmurou, constrangida.
Vulcano deu de ombros, e Vênus estreitou o olhar para observá-lo. Não era comum que ele estivesse tão falante. E parecia relaxado! Usava até jeans e um suéter.
Estudou-o por mais alguns instantes, depois sentiu um choque. Vulcano tinha feito sexo! E dos bons. Podia afirmar isso apenas de olhar para ele.
Abria a boca para dizer que já não era sem tempo quando um pensamento insano cruzou sua mente.
A deusa do Amor desviou seu olhar afiado para Pea, então. A moça não a fitou nos olhos e começou a se mexer na cadeira. Literalmente!
– Pela vagina mais do que usada de Gaia, vocês fizeram sexo! – exclamou, abismada. – Um com o outro!
– Por favor, não fique zangada! – Pea implorou.
– Pare de repetir isso! – ralhou Vênus.
– Pare de intimidá-la! – Vulcano gritou.
– Não ouse gritar comigo!
Chloe correu para a cozinha, as patas deslizando no chão de ladrilhos, latindo, estridente.
– Vejam só o que fizeram! – reclamou Pea, as lágrimas já banhando o rosto quando se curvou para acalmar a agitada terrier.
Vênus respirou fundo, acalmando-se, depois falou baixinho para a cadela:
– Chloe, querida, desculpe se levantei a voz para esse terrível deus do Fogo. Eu não queria assustá-la. – Caminhou até Pea e acariciou o pelo da cachorrinha. Então
sorriu e puxou um dos cachos da amiga. – E também não queria aborrecê-la.
Pea fungou e abriu um breve sorriso.
– Não devia tê-la feito chorar – resmungou Vulcano. Seu tom tinha voltado ao normal, porém ele continuava de testa franzida para a deusa.
Vênus jogou as mãos para cima em sinal de irritação.
– Pode, por favor, me dizer o que, em todos os níveis daquele Submundo sem sexo, está fazendo aqui?
– Talvez esteja interessada em saber que há bastante sexo acontecendo no Submundo, ao menos pelas bandas dos Campos Elíseos.
– Vulcano... – A voz da deusa desceu um tom como alerta.
– Nada de magia! – Pea gritou, fazendo com que Chloe voltasse a rosnar.
– Então é melhor ele...
– Ele é Victor! – Pea desabafou.
Vênus piscou.
– Victor? O do cunilíngua?
– Você contou a ela?! – exclamou Vulcano.
– Como se ela precisasse fazer isso! – ironizou Vênus.
O deus do Fogo bufou.
– Esse mesmo – confirmou Pea.
– Pois trate de se explicar, Vulcano, porque se magoou esta menina, juro que vai sofrer as consequências da minha ira!
O deus do Fogo endireitou o corpo e enfrentou o olhar penetrante da deusa do Amor.
– Agradeço por ser tão protetora quanto a Pea, Vênus, mas não precisa se preocupar. Eu a amo. Jamais iria magoá-la.
– Como pode amá-la?
Pea virou-se para Vênus.
– Não acha que sou digna de ser amada?
– Querida, não foi isso o que eu quis dizer. Acontece que Vulcano e eu somos... – Ela hesitou, escolhendo as palavras com mais cuidado. – Vulcano e eu nos conhecemos
há muito tempo, e o amor não é exatamente algo fácil de obter.
– Ela sabe que somos casados – ele contou de uma vez.
– Então também sabe que é um casamento de fachada.
– Nunca foi fácil para Vulcano sentir amor porque ele ainda não me conhecia – declarou Pea.
Vênus virou-se para a amiga mortal. Seus olhos continuavam marejados e seu rosto, corado; entretanto, Pea sustentou seu olhar durante todo o tempo.
– Você me conhece – insistiu Pea. – E também conhece Vulcano. Não percebe como somos iguais? – Ela desviou o olhar para o deus do Fogo e estendeu-lhe a mão.
Vulcano a aceitou e levou aos lábios.
Até aquele momento, Vênus nunca o imaginara fazendo tal coisa.
Ainda olhando para o deus do Fogo, Pea continuou:
– Não vê que pertencemos um ao outro?
– Sim, deusa do Amor – Vulcano disse enquanto fitava Pea com adoração. – Olhe para nós e diga o que vê.
Vênus o fez. Não com os olhos de uma amiga ou os de uma esposa de conveniência. Olhou para eles com os olhos do Amor, e o que viu a fez suspirar. Eles eram iguais.
Tinham as mesmas almas doces e perdidas que, aparentemente, haviam encontrado enfim o caminho de casa.
– Vocês pertencem um ao outro.
– Oh, Vênus, eu sabia que ia compreender! – Pea jogou os braços em torno da amiga e a abraçou com força enquanto Chloe latia alegremente.
Max entrou na cozinha, fungou com desdém para todos eles, e em seguida saiu, apressado, com a terrier em seus calcanhares.
– Preciso de uma xícara de café – declarou Vênus, quando Pea a soltou enfim.
– Excelente bebida. Quase tão deliciosa como a ambrosia – opinou Vulcano.
– Eu pego. – Pea enxugou os olhos e começou a abrir e fechar os armários, bem-disposta. – Como foi seu encontro com Griffin? – perguntou, por cima do ombro.
Vênus não soube para onde olhar, principalmente quando percebeu o rosto quente.
– Griffin? O bombeiro que foi tão atencioso na sua aula? – indagou o deus do Fogo.
– Pela tetas da... – Vênus começou a praguejar, porém Pea deu-lhe um ligeiro aperto no ombro e ela engoliu a reprimenda, aceitando a xícara do excelente café.
– Sim, Vulcano tem vindo observar o mundo mortal moderno – admitiu Pea num tom calmo e razoável de voz.
– E assisti a uma boa parte da sua aula. Foi mesmo muito interessante e instrutiva – ele afirmou.
– Fico satisfeita por ter podido ajudar – respondeu Vênus com um toque de sarcasmo.
– E quanto ao encontro? – insistiu Pea.
– Correu tudo bem.
– Bem? – ela repetiu. – No sentido de “Fiquei meio entediada, mas foi bom” ou no sentido de “Ele acabou comigo”?
– Bem no sentido de... – Vênus olhou para Pea e, em vez de dizer algo divertido e inteligente, teve uma súbita vontade de dizer à amiga o que lhe ia no coração.
– Acho que estou apaixonada!
Ignorou o olhar chocado de Vulcano e devolveu o carinho de Pea quando a pequena mortal jogou os braços ao seu redor.
– Oh, Vênus! Eu te disse! Eu disse que estava aqui tanto por sua causa quanto pela minha!
– Estava certa, querida. – A deusa jogou os longos cabelos para trás. – Acredito mesmo que está certa. Mas amar um mortal pode ser complicado. – Olhou para Vulcano.
– Por exemplo, como vai fazer para dar certo com Pea?
– Ainda não decidi.
– Nós. Nós ainda não decidimos – corrigiu Pea, lançando um olhar severo a Vulcano. – Só porque é um deus não significa que vai começar a tomar todas as decisões.
– Apontou para o próprio peito. – Eu também tenho uma deusa dentro de mim. Não deve se esquecer disso.
– Bem colocado, Pea – elogiou Vênus, satisfeita pela amiga ter voltado a ser ela mesma, porém com uma dose extra de autoconfiança.
– Tive uma boa professora. – Pea riu. – Ah, por falar nisso, nós temos que ir trabalhar!
– Nós? – Vênus e Vulcano indagaram juntos.
Ela tornou a rir.
– Eu quis dizer Vênus e eu. – Inclinou-se e beijou Vulcano profundamente nos lábios. – Não disse que tinha coisas de deus do Fogo para fazer também?
– Nós? – persistiu Vênus, confusa.
– Com toda aquela correria de ontem, eu me esqueci de lhe dizer: o diretor de treinamento dos bombeiros ligou para o meu escritório para dizer que sua aula de alívio
do estresse foi um sucesso total, e que iria mandar outra turma esta manhã. Ou seja, tem outra aula para dar agora.
– Pelas bolas dos sátiros! – murmurou Vênus. – Eu me esqueci de apagar a lembrança que os bombeiros tinham de mim!
– Vai ter que preencher alguns papéis também. Você sabe, impostos e coisas assim – explicou Pea.
– Impostos?
– Eu explico tudo no caminho para o trabalho. Temos de nos apressar, ou vamos nos atrasar demais.
Vênus franziu o rosto.
– Eu nem consegui terminar o meu café.
– Então vou colocá-lo em um copo para viagem – decidiu Pea.
– Não é a mesma coisa – resmungou a deusa.
Vulcano se levantou e puxou Pea para os braços.
Vênus o observou, abismada. Nunca, ao longo de todas as eras em que o conhecia, o deus do Fogo havia demonstrado alguma inclinação para o romance. E, no entanto,
lá estava ele, tomando Pea delicadamente nos braços e beijando-a com paixão!
Que coisa mais estranha. Sem dizer que toda aquela volúpia o fazia parecer mais forte, bonito e sexy.
Bem, sorte de Pea!
E sorte de Vulcano, também, concluiu Vênus, feliz por eles.
– Eu a vejo esta noite, pequena – ele murmurou.
– Combinado. – Pea saiu de seus braços e fechou os olhos.
Vulcano deu a Vênus um breve e amigável sorriso e, em seguida, desapareceu.
Com os olhos ainda fechados, Pea quis saber:
– Posso abrir os olhos?
– Pode.
– Ótimo, agora pode me contar tudo sobre a noite passada com Griffin, e eu explicarei o que aconteceu comigo e com Vulcano – entusiasmou-se Peã, enquanto procurava
um copo para viagem no armário.
– Sabe que eu poderia nos fazer economizar um bom tempo, transportando-nos para a escola...
– Não! – O rosto de Pea ficou branco.
Vênus suspirou. Algumas coisas sobre os mortais modernos ela nunca entenderia.
Capítulo 26
– Não acredito que Vulcano ficou nos observando! – desabafou Vênus enquanto andava de um lado para o outro do escritório de Pea.
– Bem, na verdade, ele estava me observando – corrigiu a moça.
– Pois então! Isso é muito estranho vindo dele!
Pea sorriu para a deusa.
– O amor faz isso com algumas pessoas.
Vênus levantou uma sobrancelha.
– De fato.
– Falando nisso, vamos conversar sobre Griffin. E não me poupe dos detalhes, pois ficou fora a noite inteira e até falou que está apaixonada!
– Griffin é um amante espetacular e talentoso – contou Vênus.
– Que bom! Mas imagino que seja preciso mais do que isso para que se apaixone por um homem, deus... ou seja lá o que for.
Vênus estudou as próprias mãos. Não imaginava que fosse tão difícil falar de seus sentimentos mais íntimos. Por eras havia encorajado casais a fazerem exatamente
isso, e só agora compreendia por que eles pareciam tão incomodados.
Suspirou e tentou colocar os sentimentos em palavras.
– Sabe como é com você e Vulcano. São tão parecidos que têm a capacidade quase inata de entender um ao outro sem muitas palavras, não é?
– É assim mesmo.
Vênus ergueu o olhar das mãos para encontrar o da amiga e sentiu-se estranhamente à beira das lágrimas.
– É assim que me sinto com Griffin, o que é no mínimo irônico – confessou em meio a um soluço. – Ele é um homem incrível. Devia ter encontrado o amor anos atrás.
E eu... eu sou o Amor e, aparentemente, não me conheci por muito tempo. Não até ter olhado nos olhos de um mortal. Então, de repente, encontrei a mim mesma. – Vênus
enxugou as lágrimas. – Não foi uma idiotice minha?
– Claro que não! – Pea segurou sua mão. – Por que não mereceria um grande amor?
– Pea, estive tão ocupada, assegurando que todo mundo encontrasse o amor, que não pensei em guardar nem um pouco para mim.
– Isso vai mudar agora.
– Acha que é possível?
– Já aconteceu. Você o encontrou. Você o ama. E ele te ama, certo?
– Griffin diz que sim.
– Então, qual é o problema?
– Ele não sabe quem eu sou.
– Claro que sabe. Ele sabe que é linda, doce, inteligente, engraçada e sexy. Exatamente o que você é!
– Mas também sou uma deusa imortal. Um dos Doze Deuses Olímpicos. Meu lugar na eternidade deve ser no monte Olimpo. Pea, não posso abandonar o meu reino. Como o
mundo sobreviveria sem o Amor?
Pea apertou a mão dela.
– Não sobreviveria. Griffin tem que se mudar para o Olimpo. Isso é tudo.
– Eu já pedi isso a ele, de certa forma.
– De certa forma?
Vênus pareceu envergonhada.
– Eu disse a ele que o meu trabalho era em Roma e na Grécia, e que eu não poderia deixá-lo para vir morar em Tulsa.
– E?
– E ele não quer deixar a família. As irmãs e a mãe dependem dele. Griffin falou que poderíamos ter algo que chama de “relacionamento a distância”.
Pea torceu os lábios.
– Urgh... Inaceitável. – Em seguida, seu rosto se iluminou. – Mas seria se ele soubesse quem você é realmente. Pode se transportar do Olimpo para cá e vice-versa,
certo?
– Sim.
– E não pode transportá-lo, também?
– É claro. Mas, se odeia essa magia, talvez ele também odeie.
– Por favor... – zombou Pea. – Griffin é homem. Aposto que vai adorar essa coisa. E, sinceramente, se Vulcano tiver que me transportar também, de modo que ele e
eu possamos ficar juntos, tomo um Xanax e ele faz comigo o que quiser.
– Xanax?
– Ambrosia em pílula.
– Ah. – Vênus aquiesceu, pensativa. – Então acha que eu deveria dizer a verdade a Griffin. Todinha.
– Acho. Na realidade, penso que seja a única saída.
– E se ele não gostar da ideia de ser amado por uma deusa?
– Ora, Vênus! Que homem não gostaria de ser amado por uma deusa? Principalmente pela deusa do Amor! Ele vai ficar exultante.
– Bem, “exultante” decerto soa bem razoável para mim.
– Quando vai vê-lo de novo?
– Mais tarde, hoje. Griffin vai estar de plantão, mas disse que, se eu passasse por lá esta tarde, poderíamos jantar no parque ao lado da estação. Isso se ninguém
provocar algum incêndio que ele tenha de apagar, claro.
– Perfeito. Conte a Griffin quem você é. Ele vai estar no trabalho pelas próximas vinte e quatro horas, pelo menos. Não é assim que funcionam os turnos?
Vênus assentiu.
– Griffin falou que eles geralmente trabalham um dia e em seguida folgam dois.
– Pois então, conte tudo a ele hoje e Griffin terá tempo de se acostumar à ideia antes de tornar a vê-la. Pronto!
– Acha mesmo?
– Claro. Não sou a mortal mais prática que já conheceu?
Vênus sorriu para a amiga.
– Talvez.
– Pois então. Se posso me acostumar a amar um imortal, qualquer um pode.
– Sabe de uma coisa? Você é mesmo muito sábia.
– Eu sei. Agora, moça, tem uma aula para dar, e eu, uma série de entrevistas para conduzir. Esta noite vai resolver tudo com Griffin e eu... – Pea balançou as sobrancelhas
– ... com Vulcano.
Vênus riu. Virou-se para deixar o escritório de Pea e rumar para o que já considerava sua sala de aula, porém estacou ao ouvir as palavras seguintes da pequena mortal.
– Sabe que poderia voltar ao Olimpo a qualquer momento, agora, não sabe?
Ela se voltou para Pea.
– E-Eu não pensei muito nisso, para falar a verdade, mas imagino que sim.
O sorriso de Pea para a deusa foi cheio de calor e amor.
– Claro que pode. Só estava presa aqui até transformar em realidade o meu desejo de felicidade e êxtase. E fez com que eu fosse abençoada com ambos em quantidades
que eu nunca tinha imaginado.
– Oh, Pea! Eu não lhe proporcionei nada disso. Apenas a ajudei a encontrar o caminho, para que você os descobrisse.
– Obrigada, Vênus, deusa do Amor – Pea agradeceu, comovida.
Ela inclinou a cabeça num régio reconhecimento.
– Foi mais do que um prazer, minha querida. – Em seguida, apanhou sua sacola com os desenhos das vulvas e, sorrindo, correu para a sala de aula.
Diante da coluna de fogo, com as mãos nos quadris, Vulcano pendeu a cabeça para trás e riu, feliz. Ele a encontrara, e ela o amava! Pea sabia quem ele era e o aceitava.
Nunca mais na vida seria um poço de solidão, no qual passaria eras em sua própria companhia. Ao contrário, estaria com Pea. Iria amá-la, ter filhos com ela, vê-la
envelhecer e...
Parou de repente. Iria ver seu amor mortal, sua alma gêmea, envelhecer e morrer. Então voltaria ao ponto onde havia estado antes de amá-la.
Não. Seria ainda pior. Seus séculos de solidão já haviam sido ruins o bastante antes que ele a conhecesse. Com a partida de Pea, os seguintes seriam insuportáveis.
– Não! – gritou, e a chama ardeu alta e quente em resposta. – Eu não vou viver sem ela!
Mas que escolha tinha? Talvez pudesse transformá-la em algo como um riacho sempre a fluir, ou um prado de flores silvestres que florescesse eternamente.
Vulcano balançou a cabeça.
– Não posso fazer isso. Pea não suporta o transporte por magia – murmurou, desgostoso por ter considerado a hipótese. – Além do mais, não seria Pea de verdade, e
não estaríamos juntos de fato.
Não. Transformar Pea não era a resposta.
Talvez ele tivesse que transformar a si mesmo. Não muito tempo atrás, estivera ansioso por se tornar uma constelação fria, a fim de se livrar daquela existência
marginal. Fora justamente esse o motivo pelo qual havia voltado a atenção para o mundo mortal moderno. Tivera a intenção de descobrir um mortal que se mostrasse
disposto a tomar seu lugar como deus do Fogo por toda a eternidade.
Vulcano coçou o queixo, pensativo.
– Quem Vênus havia dito que amava?
Um nome pareceu brotar da coluna de fogo: Griffin.
Sim! Aquele era o nome.
O deus do Fogo levantou as mãos e bradou para o pilar de fogo:
– Deixe-me ver o mortal moderno Griffin!
A ordem serpenteou do Olimpo, ardendo pelo fio invisível que ligava um mundo ao outro, até chegar ao Corpo de Bombeiros de Midtown, em Tulsa. Vulcano fez surgir
uma cadeira e se acomodou, a fim de observar o mortal.
Parada na escada sombria dos domínios do deus do Fogo, Hera sorriu, satisfeita, e retornou em silêncio pelos degraus.
– Ei, Capitão! Uma de suas irmãs está aqui!
Griffin olhou por cima da pilha de papéis de inventário que tentava organizar. Por que diabos as contas da mercearia nunca batiam?
– O quê? – rosnou. Robert tinha dito algo sobre uma de suas irmãs?
– Espere, nada disso! Todas as suas irmãs estão aqui!
– Merda! – Griffin praguejou baixinho, e se levantou da velha cadeira de escritório. O que elas estariam fazendo ali? Aquilo iria causar um verdadeiro estouro daquele
bando de idiotas cheios de testosterona.
Checou o relógio enquanto saía correndo do escritório. Vênus estaria ali em menos de uma hora: tempo de sobra para tirar as meninas dali, pôr os homens para jantar
e ter um bem merecido intervalo na companhia de sua deusa.
Mas primeiro as coisas mais importantes.
Dobrou uma esquina e avistou as quatro irmãs no Mustang GT vermelho-cereja de Sherry. O carro estava com a capota abaixada (precisava estar tão quente naquele fim
de fevereiro?) e com a metade do maldito Corpo de Bombeiros em seu entorno, flertando com as sorridentes garotas como se elas fossem costelas num açougue!
Bem, em teoria, ele contava com tempo de sobra. Mas tempo e suas irmãs muitas vezes se colocavam em extremidades opostas.
– Griff! Ei!... Pensamos em passar por aqui para lembrá-lo do nosso encontro amanhã. – Sherry acenou para ele e sorriu como se fosse a miss Estados Unidos.
– Que tal marcar um encontro comigo amanhã, docinho? – arriscou um jovem bombeiro, vestido com um uniforme novo e impecável.
Griffin fulminou o recruta com o olhar. Aquele infeliz mal saíra das fraldas, nunca sentira nem cheiro de fumaça, e tinha coragem de dar em cima de Sher?
– Que tal terminar de limpar as latrinas em vez disso? – rosnou. – Depois disso, você e eu vamos ter uma conversa sobre o motivo de não poder chamar a minha irmã
de “docinho”.
O rapaz enfiou as mãos nos bolsos, murmurou um pedido de desculpas a Sherry, um “sim, senhor” para Griffin, e correu de volta para a estação.
– Muito bem, senhores, o show acabou. Podem cuidar dos seus afazeres.
Relutante, o grupo em torno do Mustang se desfez, dando adeus às meninas, e os homens voltaram devagar para seus jogos de cartas e revistas Sports Illustrated, nos
quais nunca haviam estado muito interessados.
– Griff, como você é chato! – Alicia fez um beicinho.
– E por que o bonitinho não pode me chamar de “docinho”, posso saber? – protestou Sher.
– Porque, como você mesma me explicou exaustivamente durante a maioria dos trinta e poucos anos em que convivemos, termos como “docinho”, “doçura” e “doce de coco”
são depreciativos para as mulheres.
– Eu disse isso? – Sher perguntou a Stephanie.
– O tempo todo – Stephanie aquiesceu.
– E falei que isso valia para bombeiros jovens e bonitos?
– Não que eu me lembre – ajudou Kathy.
– Imagino que não, porque não me senti nem um pouco ofendida. Portanto, existem exceções à reg...
– Por que diabos estão aqui? – Griffin a interrompeu antes que Sherry pusesse mais lenha na fogueira.
– Estávamos apenas passando aqui por perto e, como Sher disse, decidimos parar para lembrá-lo de que ficou de trocar o nosso óleo amanhã – cricrilou Alicia.
– O nosso óleo? Está querendo dizer o óleo de quatro carros? – Griffin fez uma careta para as irmãs.
– Você prometeu que iria trocar! – afirmou Alicia.
– Mas não todos em um dia!
– Mas, irmão, você pode fazer qualquer coisa! – Stephanie sorriu para ele, inocente.
– E eu estou preparando um prato especial... – provocou Kathy.
– Costelas? – Griffin sentiu a irritação se desvanecer.
– Costelas com purê de batatas no alho. – E também descolei um pouco de milho doce para servir cozido na espiga.
– Eu providenciei a cerveja – completou Stephanie.
– Importada ou aquela droga de supermercado?
Stephanie se fez ofendida.
– Importada, claro!
– Eu estou fazendo bolo de abacaxi “de cabeça para baixo” para a sobremesa – anunciou Sherry.
Griffin não pôde evitar sorrir lentamente. Suas irmãs podiam irritá-lo muito algumas vezes. Podiam ser um verdadeiro pé no saco. Mas com certeza sabiam de tudo o
que ele gostava.
– E então? Na minha casa amanhã, às cinco? – indagou Stephanie.
– Está bem. Aceito o suborno.
As meninas caíram na risada e irromperam em entusiasmados aplausos.
– Agora saiam daqui antes que esses pobres e inocentes bombeiros percam a cabeça.
Sherry engatou a marcha do Mustang e, enquanto dava marcha a ré, lembrou:
– Ei! Pode trazer sua nova namorada.
– É! – Alicia gritou. – Gostamos da sua deusa.
– Vou ver o que posso fazer – ele prometeu, acenando e balançando a cabeça quando Sherry saiu cantando os pneus em frente à estação.
Vulcano riu. As irmãs de Griffin eram ninfas divertidas e o adoravam. Como seria ter uma família grande e barulhenta, em que todos cuidavam uns dos outros? Em que
elas brincavam com seu irmão amado e todos comiam juntos, amavam juntos, criavam os filhos juntos e sempre apoiavam uns aos outros enquanto envelheciam e passavam
para a outra vida?
Devia ser maravilhoso.
Ele suspirou. Podia ver Pea se encaixando perfeitamente em uma família como aquela.
E Griffin DeAngelo era apenas um homem. Não contava com vastos poderes, que poderia usar à vontade. Não tinha um reino sob sua responsabilidade. Não era imortal.
Ainda assim, Vulcano o invejou com uma intensidade que fez a coluna de fogo crepitar e assobiar.
Também percebeu que de nada adiantaria considerar aquele mortal como um bom substituto. Griffin jamais iria querer trocar de vida com ele. Por que deveria? Sua existência
transbordava de alegria com a magia de uma família.
Algo que, Vulcano temia, ele só poderia observar e invejar.
Capítulo 27
Pea parou em frente à estação do Corpo de Bombeiros.
– Está certo. Se não quer se transportar de volta para a minha casa, telefone quando acabar o intervalo de Griffin, e eu virei buscá-la.
– Mas não quero interromper o seu encontro com Vulcano!
– Ah, não se preocupe com isso. Ele não sabe que saí do trabalho mais cedo. Não vai aparecer por ao menos mais duas horas e, se aparecer... qual o problema? Ele
disse que estava morrendo de vontade de andar em um carro. Poderá vir junto.
– Estou nervosa – confessou Vênus.
– Isso é perfeitamente normal. Se é que se pode chamar de “normal” dizer a um mortal que você o ama e que é uma deusa! – completou Pea, alegre. – De qualquer forma,
não há nada de errado com o fato de ficar nervosa. E meu instinto me diz que vai dar tudo certo.
– Tomara que sim.
– Estou usando minha intuição de deusa, viu? – Pea sorriu e cutucou a têmpora significativamente. – Ah, não se esqueça da cesta de piquenique! – Entregou a Vênus
o cesto contendo carne de frango fria e alguns restos dos pães, queijos e frutas que Vulcano fizera surgir no café da manhã.
– Verdade. Como a deusa do Amor pode se esquecer de que o caminho para o coração de um homem é por aqui? – Levantou o cesto e apontou o estômago.
– Quer dizer que esse velho ditado é verdade?
– Querida, eu inventei esse ditado.
– Nossa... Eu não fazia ideia de que isso era tão antigo! – exclamou Pea.
– Felizmente, estou bem preservada. – Vênus ainda pôde ouvir Pea rindo conforme ia embora.
Sorriu enquanto caminhava em direção à entrada do Corpo de Bombeiros.
Havia acabado de descobrir que precisava tocar a sineta quando a porta se abriu.
– Eu a vi chegando. Vamos, entre!
Vênus agradeceu ao bombeiro e, em seguida, se lembrou de seu nome.
– Obrigada, J. D.
– Ei, pessoal! – ele gritou para a parte de trás da estação. – Nossa sexóloga está aqui!
Vênus se preparou para a inevitável comoção. Verdade que não estava muito habituada com o mundo moderno dos mortais, mas certamente esse não era o caso em se tratando
da adoração que o sexo masculino em geral lhe reservava. Como de costume, os homens a rodearam, todos falando ao mesmo tempo sobre como a aula havia sido boa e o
quanto suas esposas, namoradas e amantes tinham apreciado seus novos conhecimentos.
A deusa sorriu, inocente, e agradeceu aos bombeiros que ela começava a considerar como “seus meninos”.
– Está bem, está bem, já chega. Desse jeito vão sufocá-la! – Griffin rosnou para os companheiros que, meio contrariados, se separaram para deixá-lo chegar até ela.
– A srta. Pontia vai sair comigo, o que significa que terei o prazer de levá-la para longe de vocês.
Griffin a fez dar o braço a ele e lançou-lhe um olhar tão íntimo, com aqueles olhos azuis, que Vênus teve vontade de devorá-lo dos pés à cabeça.
– Continue olhando para mim desse jeito em público e eu mesmo posso fazer disso um espetáculo – Griffin sussurrou, inclinando-se para mais perto enquanto a afastava
do embasbacado grupo de bombeiros.
– Costumo apreciar uma boa dose de pompa e circunstância – ela sussurrou de volta. – Mas acho que prefiro fazer isso em particular.
– Estarei no parque, mas deixei o pager ligado! – Griffin falou por cima do ombro. – Se acontecer alguma coisa, avisem. Mas apenas se for para algum resgate ou incêndio!
“Nenhum incêndio pode ser mais quente do que ela”, Vênus pensou ter ouvido um dos rapazes comentar em voz baixa, e sorriu, contente.
Homens eram homens. E tudo daria certo. Exatamente como Pea havia dito.
Caminharam lado a lado até o Fontana Park, que dava para o pátio do Corpo de Bombeiros de Midtown. Esperava-se que fosse esfriar naquela noite, porém o sol ainda
tingia o céu de Oklahoma com uma paleta de cores brilhantes, e aquele dia de fevereiro estava ameno e excepcionalmente quente.
Mas era o final do dia, quase hora de o parque fechar, e Vênus ficou satisfeita em ver que ele estava deserto.
Griffin a levou até uma pequena mesa de piquenique, cercada de árvores desnudas pelo inverno.
– Gostei daqui – ela comentou, olhando o parque bem conservado. – Faz a gente se sentir bem. O lugar ideal para uma família confraternizar.
– E é. Na maior parte do ano ele fica lotado com famílias e crianças – contou Griffin. Tentou espreitar a cesta de piquenique, contudo Vênus deu-lhe um tapa na mão,
rindo.
– Vamos fazer as coisas direito! Pea iria ficar aborrecida se soubesse que atacou a comida feito um bárbaro. – Tirou a toalha xadrez e a louça que a amiga havia
embalado meticulosamente para eles. Conforme o fazia, pensou como seria se fosse uma mortal e pudesse vir até ali com Griffin e suas filhas para passar o dia como
uma família...
Interrompeu a própria fantasia. A deusa do Amor jamais poderia ser a esposa mortal de um homem comum. Não importava o quanto pudesse desejar isso. Seu lugar pela
eternidade era no monte Olimpo. O máximo que podia esperar era que lhe fosse permitido um breve intervalo com ele – aquele inesperado amor – antes que fosse obrigada
a voltar para a imortalidade.
Se Griffin pudesse entender isso, aceitar isso!
– Griffin, há algo que preciso lhe contar.
– Não foi você quem fez esse frango – ele deduziu, enquanto mordia uma coxa suculenta.
Vênus franziu a testa.
– Não... Não fui eu.
– Eu já sabia. Aposto que foi Pea.
– É claro que foi. Pea é excelente cozinheira, e é muito generosa. Foi ideia dela encher a cesta com comida.
– Ela é mesmo uma graça de garota. – Griffin enfiou um pedaço do melhor queijo do Olimpo na boca.
– Verdade. – Vênus balançou a cabeça, tentando reordenar os pensamentos. – Mas não é sobre Pea que eu preciso falar com você. Tampouco sobre culinária. – Ela observou
a comida que Griffin atacava com gosto. – Muito menos sobre frangos ou coisas do gênero.
– Desculpe, eu me distraí. Estou morrendo de fome. – Ele limpou a boca com um guardanapo, sorriu para ela, então lhe deu um beijo rápido, porém sincero.
Vênus notou seu ar de menino, e como ele parecia feliz e apaixonado.
– O que quer me dizer? – Griffin indagou, mas, antes que ela pudesse responder, completou: – Ah... Minhas irmãs vieram perguntar se não gostaria de jantar conosco
amanhã. Sei que elas são meio enervantes, e sim, todas as quatro vão estar lá, mas prometo que a comida vai ser boa. – Seus olhos se plissaram num sorriso conforme
ele continuava: – E elas me pediram que a convidassem. Disseram ter gostado da “minha deusa”...
Vênus sentiu a garganta se apertar com a intensidade de suas emoções, e precisou tomar um gole de uma das garrafas de água que Pea providenciara para disfarçar o
fato de não conseguir emitir uma só palavra. As irmãs dele a haviam reconhecido! Não conscientemente, claro. Mas, em algum lugar, nas profundezas de suas almas de
mulher, sabiam quem ela era e a aceitavam.
Aquilo a emocionou além do que pudesse imaginar. Restava saber, agora, se o irmão delas a aceitaria também.
– Eu gostaria muito de jantar com a sua família amanhã – conseguiu dizer por fim.
– Ótimo. Eu estava ansioso por que fosse – ele confessou.
– Griffin... Temos de conversar.
– Já disse isso.
Desta vez, Vênus percebeu que tinha mais de sua atenção. Ao menos ele estava olhando para ela enquanto mastigava.
Respirou fundo.
– Quero que saiba quem eu realmente sou.
– Por mim, tudo bem. Quero saber tudo sobre você.
Sentindo-se paralisada, Vênus bebeu outro longo gole de água.
– Ei, não vai me dizer alguma coisa bizarra como contar que era homem antes, não é? – ele indagou, brincando.
– Claro que eu não era homem! Mas pode achar bizarro o que tenho para lhe dizer.
– Está certo, então vá em frente. – Ele tornou a limpar a boca. – Diga-me o que é tão bizarro.
– Eu sou Vênus, a antiga deusa do Amor Sensual, da Beleza e das Artes Eróticas – ela falou de uma vez, usando seu título mais formal, e decidindo que, já que era
obrigada a se revelar, que fosse da forma mais completa: – Dias atrás, resolvi visitar o mundo moderno mortal, na companhia de Perséfone, para fazer umas compras.
– Franziu a testa ao se lembrar. – Na verdade, a deusa da Primavera foi a responsável por este incidente. Ela me levou ao Lola’s, e isso aconteceu ao mesmo tempo
que Pea se encontrava lá. Pea invocou a minha ajuda, usando algum feitiço, e me manteve presa aqui até que eu a ajudasse. Você sabe... Ela estava péssima. Sempre
foi um doce de pessoa, mas não tinha ideia do que fazer nem com o próprio cabelo. E devia ter visto os sapatos que ela costumava usar... Urgh! De qualquer forma,
eu resolvi ajudá-la, por isso estou morando com ela. Não que eu me arrependa de ter vindo para cá e de ter conhecido você e Pea – acrescentou, depressa. Em seguida,
respirou fundo, tentando se acalmar, temendo que não estivesse conseguindo se explicar adequadamente. – Na verdade, Perséfone e todo o resto não são tão importantes.
O que importa é que saiba que sou mesmo uma antiga deusa. Faço parte dos Doze Deuses Olímpicos. Vivo num templo no monte Olimpo.
Griffin não disse nada. Continuou apenas olhando para ela, com uma expressão estranha no rosto bonito.
Havia parado de comer, porém. Vênus teve a certeza de que contava com toda a sua atenção.
– Meu templo é maravilhoso. Tenho certeza de que iria gostar. E é claro que pode visitá-lo... – Fez uma pausa, franzindo a testa. – ... A menos que o transporte
entre os dois mundos o incomode. Se incomodar, é melhor eu vir até aqui. De qualquer maneira, como você mesmo disse esta manhã, um relacionamento a distância é possível.
E eu te amo, Griffin. Quero que dê tudo certo entre nós – terminou, aflita.
– Bem, pelo menos isso explica por que ficou tão comovida com a minha escultura.
– Exatamente! – ela concordou, começando a sentir uma ponta de alívio. Ele não parecia chocado ou perturbado. Talvez aquilo fosse mais fácil do que ela havia imaginado.
Griffin começou a rir. Então se inclinou e a beijou outra vez.
– Uma das coisas de que eu mais gosto em você é o seu senso de humor. O que está me dizendo realmente é que espera que eu a trate como uma deusa. Está bem. Posso
fazer isso.
Vênus negou com um gesto de cabeça.
– Não, não é nada disso! Eu gosto quando me trata como se eu fosse uma mortal. Não quero que me adore, sinta medo de mim ou me peça bênçãos, como acontece normalmente
com uma deusa. Quero que as coisas continuem sendo exatamente como eram quando nos conhecemos. Mas precisa saber a verdade sobre mim.
– Que é uma deusa...?
Ela assentiu.
– Sou Vênus. Ou Afrodite, se quiser me chamar pelo nome que os gregos usam. Eu sempre preferi Vênus, no entanto.
– E está falando sério. Acredita mesmo que é Vênus.
Ela suspirou. O olhar de Griffin dizia claramente: ele temia que ela estivesse louca.
– Lembra-se de quando nos conhecemos no baile de máscaras? A roupa que eu estava usando não era uma fantasia. Era a que eu costumo usar no Olimpo. Menos a máscara.
Eu simplesmente trouxe as vestes do meu templo para Pea e para mim. – Vênus olhou ao redor. Por sorte, o parque continuava deserto. – Assim... – Passou a mão na
frente do corpo, e seu jeans, blusa e jaqueta começaram a brilhar até que, em instantes, ela surgiu de pé diante de Griffin vestida com o traje esplendoroso e completo
de uma verdadeira deusa.
– Merda! – ele exclamou, e se levantou de um salto, recuando dois passos para longe dela.
– Sinto muito – Vênus se desculpou, apressada, caminhando em sua direção. – Pea também odeia quando faço surgir as coisas, mas eu precisava mostrar que não sou insana.
– Mas eu devo ser! – murmurou Griffin, dando mais dois passos atrás.
Sentindo-se uma tola, Vênus parou de persegui-lo, preocupada.
– Não se preocupe, não está ficando louco. Isto tudo é verdade. Veja... pode tocar minhas vestes, elas são reais. – Esticou o braço envolto em seda, porém ele não
ousou fazer nenhum movimento, e ela deu novo suspiro. – Pea fez o frango que estava comendo, mas o queijo e o pão também vieram do Olimpo. Não precisa se preocupar
em tocar qualquer coisa que venha de lá, elas não lhe farão nenhum mal.
– Eu... preciso me sentar. – Griffin a contornou e sentou-se na bancada da mesa de piquenique. Continuou a fitá-la e a balançar a cabeça.
– Imagino que vá demorar um pouco, mesmo, para se acostumar a tudo isso – ela murmurou. Voltou para a mesa, também, contudo tomou cuidado para não se aproximar muito
dele. Não queria que Griffin se afastasse novamente.
– Um pouco? – ele repetiu, incrédulo.
– Isso não muda o que eu sou, Griffin. Eu sempre fui Vênus, desde o primeiro momento em que falou comigo na festa até agora. Não estou diferente. Na verdade, isso
não muda nada.
– Claro que muda!
Vênus sentiu um arrepio de apreensão correr por seu corpo que a deixou tonta. O tom de Griffin havia mudado por completo. Agora ele falava quase com frieza, sem
emoção. E seus olhos expressivos tinham se transformado nos de um estranho.
– Mas não precisa mudar. Eu ainda te amo. Você ainda me ama.
– Não, deusa. Isso muda tudo – ele afirmou, sério.
Vênus notou, arrasada, que Griffin não fizera nenhum comentário sobre sua declaração de amor, tampouco sobre a lembrança de que ele deveria amá-la em troca.
De repente, sua apreensão começou a se transformar em raiva. Então ele não lhe dissera a verdade?
– Por quê? – exigiu, espelhando sua frieza. – Por que quem eu sou muda tudo? Ou estava mentindo sobre o amor que sentia por mim?
– Está chamando a mim de mentiroso? – Ele se levantou. – E quanto àquela história de nunca ter tido amor na vida até agora? Cristo! Você é o Amor! E quanto a mim,
o que fui? Um brinquedinho mortal com que pôde se divertir? Ou alguma cobaia em uma experiência?
– Como se atreve!? – A ira de Vênus fez as árvores ao redor da bancada tremerem, como se a mão de um gigante – ou de uma deusa – as tivesse chacoalhado.
Griffin fitou os ramos agitados de olhos arregalados.
– Quando eu lhe disse essas palavras, estava abrindo o meu coração. Fui sozinha por muito mais tempo do que o seu cérebro mortal pode começar a compreender!
– A deusa do Amor? Sozinha? Porque sou mortal acha que também sou idiota?
– Até este momento eu não achava.
No fundo da alma, Vênus sabia que as palavras duras eram mais um reflexo do choque e da mágoa de Griffin, por ele pensar que ela o enganara, do que um reflexo de
seus verdadeiros sentimentos por ela. Uma vez que a ira de uma deusa era desperta, contudo, dificilmente podia ser dominada.
E Griffin fizera isso.
– A Vênus que eu amava era como eu – ele prosseguiu, inconformado. – Tinha evitado o amor até me conhecer e estava disposta a se comprometer por fim; a descobrir
uma maneira de construirmos um futuro juntos.
– Eu ainda sou aquela Vênus! – O grito da deusa fez com que o solo ao redor tremesse.
– Como? Como imagina que possamos ter um futuro juntos? Posso não saber muito sobre mitologia, mas creio que esteja certo ao afirmar que é imortal, não é mesmo?
Inferno! Por acaso somos da mesma espécie? Podemos ter filhos? E o que acontecerá daqui a dez, vinte, trinta anos, quando eu for um velho e você ainda estiver jovem
e bonita? Será que pensou sobre qualquer uma dessas coisas quando decidiu brincar com o amor de um homem comum?
Vênus recuou como se tivesse levado um tapa e, ao seu redor, toda sua dignidade e poder de grande deusa começaram a se reunir. Sentiu a luz de sua divindade cintilar
na pele e os cabelos loiro-platinados e fartos começarem a se erguer como se com vida própria. Sabia que seus olhos cor de violeta faiscavam com uma luz sobrenatural,
e que o fulgor desencadeado por sua imortalidade seria difícil de contemplar para qualquer mortal.
Porém não se importou. Queria que Griffin testemunhasse sua magnificência. Queria que ele visse o que havia perdido para sempre.
Quando falou, sentiu a voz ampliada pela magia que era seu direito de primogenitura.
– Não. Eu não parei para pensar nessas coisas quando me permiti amá-lo. Pensei apenas em como nossas almas buscavam uma à outra. Vejo agora que devo ter me enganado.
Sua alma também está maculada pelo medo e pelo egoísmo dos mortais. Não é corajoso o suficiente para merecer a minha. Portanto o deixo agora, Griffin DeAngelo, filho
de um mortal, para retornar ao Olimpo, o lugar a que pertenço. Eu poderia limpar sua memória de mim, com tanta facilidade como apagaria o giz de uma lousa... Mas
não farei isso. Quero que se lembre de que negou a si mesmo o Amor.
E então, Vênus, a deusa do Amor Sensual e da Beleza, levantou os braços e, em uma cascata de faíscas, desapareceu.
Capítulo 28
Quando Vênus se rematerializou dentro da cozinha de Pea, sua raiva já começara a se esvanecer. Latindo feito louca, Chloe veio correndo para o cômodo, mas, ao reconhecê-la,
seu rosnado mudou para um alegre latido, depois para um ganido quando a deusa sentou-se no chão, pegou-a nos braços e caiu no choro.
– Vênus! Oh, meu Deus, o que aconteceu? – Pea correu para a cozinha e se agachou a seu lado.
– Ele me odeia! – ela soluçou.
– Oh, querida! Griffin não poderia odiá-la. Ninguém pode odiá-la. Vamos, sente-se aqui, à mesa. Vou fazer um pouco de café e resolveremos isso. – Puxou Chloe suavemente
do colo da deusa, depois ajudou Vênus a se pôr de pé e a abraçou com força.
– Não... – Vênus soluçou, tomando seu lugar de costume à mesa de Pea. – Não há o que resolver. Pea, ele não me quer mais agora que sabe que sou uma deusa.
Pea pousou duas canecas de café fumegante diante delas.
– Conte-me tudo. E tome. Use este guardanapo de linho como lenço. Afinal, é uma emergência.
Pea escutou enquanto Vênus descrevia a cena com Griffin, parando apenas para soluçar e resmungar sobre como os homens podiam ser estúpidos. Quando terminou, assoou
o nariz e enxugou os olhos.
A outra mulher nada disse. Em vez disso, ela se levantou e trouxe do freezer uma barra comprida de algo duro, embrulhado em papel alumínio.
– É o chocolate belga que mantenho escondido. Pode comer. Garanto que vai ajudar.
Vênus assentiu, tensa, e quebrou um pedaço. Deixou o chocolate escuro dissolver na boca enquanto bebia o delicioso café.
– Tem razão – fungou. – Ajuda mesmo.
– Muito bem. Em primeiro lugar, também estou decepcionada com Griffin. Ele se comportou como um cretino.
– Aposto que o Smart Bitches.com iria chamá-lo de algo pior. Algo como... – A deusa fez uma pausa, pensando enquanto saboreava o chocolate. – “Punheteiro”. Ou talvez
“cuzão”.
– Tem razão. Os xingamentos deles são excelentes... Vamos chamá-lo de “cuzão”, então. É muito pior do que “cretino”.
– Concordo – Vênus decidiu com um suspiro.
– Estamos mesmo muito bravas com Griffin, mas não acho que deva desistir dele.
– Eu tenho que desistir, Pea! Não posso mudar quem eu sou e, mesmo que pudesse, não faria isso.
– Eu só acho que ele ficou chocado, por isso reagiu tão mal. Depois que tiver tempo para pensar como foi idiota...
Vênus levantou uma sobrancelha e Pea se corrigiu:
– ... quero dizer, que cuzão ele foi, vai se arrepender e virá rastejando lhe pedir desculpas.
– Não rejeitou Vulcano quando descobriu que ele era um deus.
– Não é uma comparação justa. Nós já tínhamos feito amizade, portanto eu já havia meio que me acostumado à ideia de ver imortais perambulando por Tulsa.
Vênus negou com um gesto de cabeça.
– Griffin questionou até se éramos da mesma espécie! Não sei se posso perdoá-lo por isso.
– Você o ama?
– Sim – ela admitiu baixinho.
– Então acho que pode aprender a perdoá-lo.
– Eu não sei. De certa forma, ele está certo. Sempre haverá essa questão de mortalidade e imortalidade entre nós. Quando ele estiver velho e encurvado, eu ainda
terei esta mesma aparência. Vou ficar assim para sempre.
Pea empalideceu, e Vênus percebeu a implicação do que tinha dito. Com um suspiro, a deusa segurou a mão da amiga.
– Imagino que saiba. Eu ainda amaria Griffin se ele ficasse velho e curvado, e, depois que ele morresse, choraria eternamente a sua perda, mantendo sua memória sagrada.
Assim como Vulcano fará com você.
– Eu sei. Pelo menos acho que sei. Mas é assustador. E deve ser muito mais apavorante saber que está apaixonado por alguém que nunca irá envelhecer, muito menos
morrer.
– Foi corajosa o suficiente para continuar amando Vulcano.
– Não creio que se possa chamar isso de coragem, mas sim. Vou continuar amando Vulcano.
– Griffin não tem a sua coragem. Ou talvez seja mais próximo da verdade dizer que ele não tem o seu amor. – Vênus piscou, e as lágrimas ameaçaram lhe escorrer dos
olhos outra vez.
– Não desista dele ainda. Os homens não são tão bons para se adaptar às situações quanto as mulheres. Além do mais... – Pea encolheu os ombros, sorriu e jogou mais
um pedaço de chocolate na boca – ... nós temos mais bom-senso.
– Tem razão.
Em seguida, toda a leveza tornou a deixar a voz deusa.
– Não sei se vou conseguir, Pea! Não sei se vou poder me abrir com Griffin outra vez. E se ele me rejeitar de novo?
– Vênus, isso não faz parte do amor? – Pea perguntou, gentil. – Precisa estar vulnerável para se deixar amar verdadeiramente.
– Sim. Se não estiver vulnerável ao amor, nunca poderá experimentá-lo. O problema é que não sei se consigo. Rejeição dói!
– Quem rejeitou quem? – A voz grave de Vulcano retumbou entre elas quando ele se materializou na cozinha.
Pea gritou e levou a mão ao coração.
– Vocês querem parar com essa materialização? Usem a porta, ou vão acabar me fazendo ter um ataque cardíaco!
– Desculpe, pequena. – Vulcano inclinou-se para beijá-la, depois sorriu para Vênus.
– Olá, deusa.
– Vulcano – ela o cumprimentou, distraída.
Ele cheirou a caneca de Pea.
– Café!
Pea riu e deu-lhe um tapa na mão quando ele tentou roubá-lo.
– Quem poderia imaginar que imortais seriam tão loucos por algo tão comum como café? – Apontou para o bule. – Sirva-se.
Vulcano encheu uma caneca, depois arrastou uma cadeira de forma que pudesse sentar-se com um braço em volta de Pea. Olhou para Vênus e, depois, tornou a fitá-la
com mais atenção.
– Estava chorando! – afirmou.
– Griffin não reagiu muito bem ao descobrir que Vênus é Vênus – explicou Pea.
– Ele a rejeitou?
Vênus soltou um longo suspiro.
– Por favor, não precisa ficar repetindo isso.
– Sabe que eu nunca faria isso, minha amiga.
Vênus sorriu, tristonha.
– Sim, eu sei.
– Ele magoou você – deduziu Vulcano.
– Magoou.
– Devo puni-lo? Eu poderia transformar o sangue desse Griffin em lava e fazer seu cérebro ferver – sugeriu, com naturalidade.
Pea franziu a testa e deu uma cotovelada no deus do Fogo.
– Não acho que isso seria uma boa ideia!
– É uma boa oferta, Vulcano, agradeço. Mas temo ter de declinar dela. Parece que, quando se ama alguém, pensar na pessoa sendo torturada não traz o prazer que deveria...
Mesmo que Griffin merecesse um pouco de tortura.
– Eu poderia dar uma boa surra nele. – Vulcano olhou para Pea, que ainda lhe franzia o rosto, e acrescentou depressa: – Mas não tão forte que lhe causasse danos
permanentes.
Vênus negou com um gesto de cabeça.
– Não, obrigada. Vou voltar para o Olimpo e tentar esquecer Griffin DeAngelo. Odeio pensar no tanto de trabalho que tenho pela frente! Estou aqui, negligenciando
meus deveres divinos, há tempo demais. – Levantou-se.
– Espere! Vai embora assim? – questionou Pea.
– Querida, sabia que eu não poderia ficar com você para sempre.
– Mas eu não pensei que fosse embora tão cedo! Vai voltar, não vai? Quero dizer, não importa o que acontecer com Griffin... Vai voltar para me visitar.
Vênus tocou o rosto da pequena mortal.
– Sim, meu anjo, eu voltarei. Como poderia ficar longe? Vamos ao Lola’s para tomar Martinis de romã e dançar, depois voltaremos para cá para tomar chocolate quente
e jogar conversa fora. E aposto que também irá de vez em quando ao Olimpo. O que me faz lembrar... – Vênus voltou a atenção para Vulcano. – Já é hora de você e eu
corrigirmos um erro que fizemos há muito tempo, meu amigo. Tivemos boas intenções, mas nos casarmos por menos do que o que tem com Pea foi uma estupidez.
– Eu sempre lhe desejarei todo o bem do Universo, deusa do Amor. Foi minha única amiga quando todos os outros imortais me evitaram. Jamais me esquecerei disso.
– Pedirei a Zeus e Hera que ouçam a nossa petição amanhã à noite. Junte-se a mim no Salão Nobre, e iremos dissolver nossa união oficialmente.
– Obrigada, Vênus! – agradeceu Pea, piscando contra as lágrimas.
A deusa sorriu.
– Só me prometam uma coisa...
– Qualquer coisa – Vulcano e Pea responderam juntos.
– Prometam-me que vão amar e honrar um ao outro enquanto ambos viverem.
– Eu prometo – Pea se adiantou.
– Tem meu eterno juramento – completou Vulcano.
– Que bom. Vou ficar de olho em vocês. Não me façam descer de novo para repreender nenhum dos dois! – Vênus puxou um dos cachos da amiga, tentando aliviar a comoção
antes que alguém começasse a chorar. – Agora, Pea, precisa fechar os olhos para que a minha magia não a assuste.
– Desta vez acho que vou manter meus olhos abertos. Amo você, Vênus! – ela declarou com voz embargada.
– Eu também te amo, minha querida.
E com essas palavras, a deusa do Amor ergueu os braços e desapareceu.
Vulcano pousou a caneca de café e virou-se para Pea, abrindo os braços.
– Quer chorar um pouco agora?
– Sim! – ela falou em meio a um soluço, e, afundando o rosto no peito de seu verdadeiro amor, caiu no choro.
Capítulo 29
– Eu sou um idiota! – As palavras explodiram de Griffin conforme ele arremessava o livro de registro e suas contas desencontradas por cima da mesa. Durante horas
estivera trancado no gabinete, inconformado.
Quando sua revolta se dissipara, contudo, vira-se diante da verdade nua e crua: ele havia rejeitado a mulher que amava com todo o seu coração e alma.
E por que fizera algo tão estúpido? Por descobrir que ela era uma deusa!
E não apenas qualquer deusa. A mulher que ele amava era a deusa do Amor. Vênus. Afrodite.
Aquela que tantos homens tinham imortalizado por milhares de anos na música, na poesia e nas artes.
E ele a rejeitara!
Griffin se retesou ao se lembrar da dor no rosto delicado quando ele deixara seu choque e medo explodir em forma de raiva e rejeição. Precisava descobrir alguma
maneira de fazer as pazes com Vênus, de pedir desculpas, de reconquistá-la! Então seria um homem de verdade e enfrentaria o fato de que a mulher que ele amava era
realmente uma deusa. Que ela não envelheceria ou morreria, que era dona de um poder inacreditável...
– Ela devia ter incutido algum juízo na minha cabeça dura! – resmungou consigo.
Pensando bem, sorte sua ela não ter feito isso.
E agora? Como poderia consertar o estrago que tinha feito? Vênus dissera que iria retornar ao Olimpo.
Griffin gemeu e esfregou as têmporas que lhe latejavam havia horas. Nem sabia como poderia chamá-la.
Ou sabia? Vênus era uma deusa, portanto deveria escutar as orações dos mortais, não deveria? Talvez valesse a pena tentar.
Limpou a garganta.
– Vênus? – Falou para o vazio. – Está aí? Pode me ouvir? – Engoliu em seco e recomeçou: – Vênus, deusa do Amor Sensual, da Beleza e das Artes Eróticas, eu imploro
que me ouças...
Nada.
Tudo bem, ele iria tentar de outra forma.
– Vênus, me desculpe. Eu te amo! Existe alguma chance de poder me perdoar por eu ter sido um completo idiota? – Fez uma pausa. – Pode mover algo se está me escutando?
Ainda nada. Obviamente, ele não estava lidando com aquilo da maneira correta.
Então como diabos alguém conseguia evocar uma antiga deusa? Ele não fazia a menor ideia.
Endireitou o corpo. Ele não sabia, mas conhecia alguém que devia saber! Vênus tinha dito que Pea usara um feitiço para evocar seu auxílio; assim, bastava que ele
pedisse à moça que o ensinasse!
Olhou para o relógio na parede. Merda! Eram quase duas da manhã. Teria que esperar. Mas, assim que seu turno terminasse, iria direto para a casa de Pea e acamparia
em sua varanda, se necessário, até que ela concordasse em ajudá-lo a fazer contato com Vênus.
A deusa o perdoaria. Precisava perdoar! Ele não desistiria até que ela o fizesse.
Minutos depois, quando o alarme da estação disparou, Griffin ficou até aliviado. Pelo menos se manteria ocupado nas horas seguintes, o que faria o tempo passar mais
rápido.
Como uma máquina bem lubrificada, ele e seus homens entraram em ação. Conforme colocava os mais de dezoito quilos de equipamentos e se deslocava, veloz, para o caminhão,
seu tenente entregou-lhe um pedaço de papel com o endereço do lugar que pegava fogo.
Subiu no banco do condutor com a mente trabalhando tão bem como o grande motor que acionava. O incêndio era na Borders Books and Music da 21st Street.
O lado bom: em primeiro lugar, a loja ficava ali perto, então estariam lá em minutos. Em segundo lugar, eram duas da manhã, por isso a livraria se encontrava fechada
e não devia haver vidas em perigo.
O lado ruim: primeiro, era uma dessas lojas enormes de dois níveis, de modo que o fogo poderia ser grande. Segundo, era lotada de livros, o que representava quilos
de combustível para um incêndio rápido e abrasador. O lugar poderia arder como uma tocha.
Antes mesmo de avistar a Borders, Griffin percebeu que estivera certo ao menos em parte. Era um incêndio enorme. No momento em que pararam no imenso estacionamento,
toda a frente da loja já estava engolida pelo fogo. Chamas brotavam das janelas, estilhaçando os vidros.
E, como sempre acontecia num cenário de incêndio, tudo pareceu acontecer como num filme: os homens saltando para fora do caminhão, os comandos que ele gritava...
A polícia, que já se encontrava no local, começou a afastar os civis, que assistiam a tudo, perplexos, enquanto as mangueiras e escadas eram rapidamente postas em
posição.
– Capitão! – Griffin ergueu a cabeça, vendo Robert correr da escada do caminhão até ele. – Chamado do 911 pelo rádio. Um celular acabou de ligar de dentro da loja!
O vigia está preso perto dos escritórios dos fundos!
– Sigam-me até lá! – ele decidiu no mesmo instante.
Seus bem treinados homens sabiam o que fazer. Agarraram o equipamento adequado e correram atrás de seu capitão.
– Derrubem! – gritou Griffin.
Robert e J. D. começaram a trabalhar com os machados, e a porta de aço se abriu como uma flor sob a força de seus golpes.
Fantasmas de fumaça negra escaparam por cima deles.
– Em que escritório ele está preso? Onde fica? – Griffin perguntou a Robert.
– Não sei. A ligação caiu. Mas o 911 conseguiu contato com o gerente, e ele disse que toda a parte traseira desta coisa é de escritórios e estoques.
– Então ele pode estar em qualquer lugar – concluiu Griffin. Não era uma pergunta. Tampouco houve a necessidade de que alguém a respondesse. – Tudo bem, vamos lá
para dentro. J. D., Robert, vão para a direita. – Ele olhou para o novato, que parecia meio pálido, mas que encontrou seu olhar com decisão. – Bennett, você vem
comigo para a esquerda. Mantenham suas máscaras, a fumaça está densa. Vamos!
Griffin sempre achou que adentrar um prédio em chamas era como entrar em um ser vivo. A coisa tinha personalidade. Respirava e se movia. E era tão imprevisível como
um animal selvagem.
Dessa vez não foi diferente.
Não importava que as chamas ainda não tivessem atingido a parte traseira da loja. O calor estava lá. A fumaça estava lá. O perigo era iminente.
Griffin se deslocou para a esquerda, ignorando o rugido do fogo que se movia cada vez para mais perto. Manteve contato visual com Bennett, e a cada minuto fazia
J. D. e Robert verificarem tudo ao redor. O maldito lugar era um labirinto de estantes e cubículos abarrotados de livros.
Estava se preparando para checar outro escritório quando um grito no corredor à sua frente lhe chamou a atenção. Parecia que alguém estava batendo na porta ao fundo!
– Capitão, parece que aquela porta dá para a livraria! – opinou Bennett.
– Sim, fiquem por perto! – ele orientou e disparou pelo corredor.
A pesada porta se encontrava trancada, e Griffin usou o cabo do machado para golpeá-la duas vezes.
Duas batidas desesperadas responderam de pronto.
– Nós o encontramos! – gritou Griffin. Então colocou o rosto perto da madeira: – Pode me ouvir?
– Sim! Socorro! – Foi a resposta abafada. – Estou preso, e o fogo está avançando!
– Dê um passo para trás! Vou arrombar a porta!
– Depressa! – o vigia implorou.
– Ajude-me aqui! – Griffin pediu a Bennett.
Usaram os machados rapidamente, porém a porta era espessa e foram necessários vários golpes antes que se abrisse apenas o suficiente para que Griffin conseguisse
se espremer por ela.
Do outro lado, ele encontrou um verdadeiro inferno de chamas, fumaça e calor. O vigia se afastara da porta, mas, vencido pela fumaça, caíra em uma pilha de fardos
próxima à parede. No mesmo instante, Griffin tirou a máscara de oxigênio e a colocou sobre o nariz e a boca do homem. Em seguida, ergueu-o para cima das costas,
no modo de carregar tradicional dos bombeiros, segurando uma perna do vigia com a mão e sua cabeça com a outra, e se voltou para a passagem semiaberta, tentando
respirar.
– Aqui! Pegue-o! – Passou o peso do homem inconsciente através da abertura estreita para Bennett. – Pegou?
– Pronto, capitão! – Bennett grunhiu.
– Leve-o daqui! Estarei bem atrás de você!
– Entendido, capitão!
Griffin observou o rapaz desaparecer na fumaça. Começou a se espremer de volta pela porta, e foi nesse momento que o inferno literalmente explodiu ao seu redor.
A explosão o arremessou a pelo menos três metros, e ele aterrissou de costas, sentindo o ar ser arrancado dos pulmões já sobrecarregados. Ainda assim, esforçou-se
para se pôr em pé.
Em seguida, um barulho parecido com o grito de um pássaro agonizante chamou sua atenção, e Griffin ergueu a cabeça bem a tempo de ver o corrimão de uma escada de
ferro curva se soltar e cair em câmera lenta em sua direção.
Não conseguiu se mover. Não pôde fazer nada, exceto se preparar para o impacto do metal derretido e retorcido.
Uma dor lancinante rasgou o lado esquerdo de seu corpo. Então, como uma bênção, a escuridão o envolveu em seus braços frios.
Vulcano se encontrava adormecido. Dormia tão profundamente que imaginou que a voz da mãe fosse apenas parte de um sonho.
– Vulcano, precisa acordar!
Em seu sono, ele suspirou, puxando Pea para mais perto de seu corpo nu.
– Filho, acorde!
Vulcano franziu a testa, recobrando a consciência devagar.
– Vulcano! Acorde agora!
O deus do Fogo abriu os olhos.
– Até que enfim! Não sei de quem puxou esse sono pesado. Seu pai e eu sempre acordamos até com a queda de um alfinete.
– Mamãe?
– Sim, sim, sou eu, Hera, a rainha dos Deuses e sua mãe! E insisto que acorde!
Vulcano se desvencilhou com cuidado de Pea, que continuava profundamente adormecida, e sentou-se. Sua mãe se encontrava em pé no quarto, as vestes cor de marfim
cintilando como se com luz própria.
– Mãe, o que aconteceu?
– Há um incêndio. Precisa vir.
Ao final da palavra “incêndio” Vulcano se pôs em movimento e, no mesmo momento, fez surgir em si o traje de um antigo guerreiro romano.
– É bom se preparar para uma batalha, mesmo. Venha comigo. – Hera o tomou pela mão, e ambos desapareceram.
Quando se rematerializaram, foi no meio do caos: estavam dentro de um prédio em chamas.
O fogo não afetava Vulcano e, no mesmo momento, ele acrescentou sua própria proteção à aura da mãe. Jamais permitiria que as chamas ferissem a rainha dos deuses.
– Veja! – Hera apontou para um canto cheio de entulho que o fogo parecia prestes a engolir, e Vulcano percebeu um movimento fraco.
– Griffin! – gritou, e caminhou para junto do mortal caído, afastando as chamas que o ameaçavam.
Uma vez a seu lado, avaliou a situação e, com a mão, tirou o ferro retorcido de cima do corpo do homem.
Os olhos de Griffin se moveram e, em seguida, se abriram devagar.
– Q-Quem é você? – o rapaz ofegou. Em seguida, seus olhos se desviaram para a bela mulher envolta por um halo de luz, e se arregalaram. – Uma deusa! – exclamou com
voz fraca.
– Sim – confirmou o homem que se ajoelhou a seu lado. – E eu sou um amigo de Vênus. Fique quieto e respire devagar. Vou livrá-lo deste inferno.
– Tarde demais, meu filho.
Os olhos de Griffin deixaram o deus para pousar na divindade que parecia tão serena a seu lado. Surpreendentemente, ela sorriu e o chamou pelo nome.
– Griffin DeAngelo, sou Hera, rainha dos Deuses.
– ... Olá, Hera. – Griffin imaginou que estivesse falando em um tom normal, porém um murmúrio foi tudo o que conseguiu deixar escapar.
– Deve me escutar com atenção, Griffin – ela prosseguiu. – Temos pouco tempo. Como vê, está morrendo.
Griffin pensou que fosse sentir medo ou, no mínimo, ficar chocado com as palavras. No entanto, ficou surpreso com o sentimento de paz que o inundou.
– O vigia... ele está a salvo? – indagou num sussurro.
– Sim – confirmou Hera. – Você trabalhou bem.
Griffin suspirou. Se aquele era para ser o seu fim, ao menos tinha cumprido sua missão a contento.
Sombras começaram a ladear o túnel de sua visão. Pensou nas irmãs e na mãe, e sentiu uma ponta de tristeza pela dor que, ele sabia, sua morte iria causar.
Então pensou em Vênus, e em como estava arrependido por tudo o que lhe havia dito.
Mas ela era uma deusa. Talvez fosse, de alguma forma, saber como ele se sentia. Mesmo depois que morresse...
– Ainda não, Griffin DeAngelo! Ordeno que seu espírito não se vá agora! – Hera bradou.
Os olhos de Griffin se abriram e, quase contra sua vontade, ele piscou, vendo sua visão clarear.
– Mamãe, eu posso levá-lo daqui. Decerto podemos... – Vulcano começou, contudo Hera ergueu a mão, silenciando-o.
– Tarde demais. O corpo dele já foi gravemente danificado. Perdoe-me, mortal. Calculei mal o tempo que o Destino lhe atribuiu. Gostaria de lhe oferecer mais do que
apenas uma opção neste momento.
Griffin quis dizer que a perdoava, no entanto sua voz já não o obedecia.
A deusa se voltou para o filho.
– Há apenas uma maneira de salvá-lo, meu filho. Você e Griffin devem trocar de alma. Ao fazer isso, irá se tornar um mortal e, com o auxílio do meu poder, ainda
terá o suficiente de sua essência imortal para curar seu corpo fraturado e sobreviver. Contudo, se for dessa maneira, será mortal de todas as formas. Compreende?
Vulcano assentiu.
– Sim, minha mãe.
– Entende que, se fizer isso, irá viver uma vida mortal, e apenas uma, aqui no mundo moderno? E que, quando morrer, seu corpo ao pó voltará, e seu espírito irá descer
para os Campos Elíseos?
– Passarei minha vida mortal com a mulher que eu amo. Mas, quando ela também se for, poderá adentrar os Campos Elíseos?
Hera assentiu com um gesto de cabeça.
– Eu lhe dou meu juramento sagrado de que seu espírito vai encontrar um lar lá.
– Então compreendo e concordo.
– Muito bem, meu filho.
Hera se aproximou do corpo caído de Griffin e se ajoelhou a seu lado. Tocou-o no rosto, e ele só conseguiu pensar em como sua mão era suave.
– Escute bem, mortal. Meu filho é Vulcano, o deus do Fogo, marido de Vênus, a quem, acredito, você ama. Ele pode salvar sua alma e sua vida, mas, ao fazer isso,
deverá tomar posse de seu corpo e de sua vida mortal. Você, por sua vez, irá se tornar um dos Doze Olímpicos, o deus do Fogo. Irá manter sua alma e suas lembranças,
porém deverá guardar a forja sagrada e o pilar de fogo por toda a eternidade. Irá se transformar no deus do Fogo. Compreende o que eu digo?
Com um esforço sobre-humano, e a despeito do corpo ferido, Griffin se obrigou a pronunciar as palavras:
– ... Vênus sabe?
Hera negou com um gesto de cabeça.
– Não.
– ... Se eu disser “não”, vou morrer? – ele indagou com voz rouca.
– Sem dúvida. Entretanto, deve saber que não precisa temer a morte. Tem sido um bom homem. Posso lhe garantir a vida póstuma de um guerreiro nos Campos Elíseos.
Os olhos semicerrados de Griffin se voltaram para o deus chamado Vulcano.
– Minhas irmãs... – murmurou.
Vulcano se pôs de joelhos ao lado de Griffin.
– Eu as conheço. Irei valorizá-las e protegê-las como se elas fossem minhas irmãs. Elas nunca vão saber que não sou seu irmão amado.
– ... Quero seu juramento – insistiu Griffin.
– Já tem meu juramento.
Ele fechou os olhos.
– Concordo, então. Vou trocar de alma com você.
Griffin ouviu Hera entoar um canto, palavras que não conseguia compreender, porém seu poder lhe varreu a pele com mais insistência do que as chamas que os ameaçavam.
Sentiu um enorme puxão, como se tivesse sido apanhado em um terrível tornado, e abriu a boca para gritar.
Em seguida, uma imensa escuridão, a mais completa noite que poderia ter imaginado, o engolfou.
Capítulo 30
O telefone tocando acordou Pea.
– Vulcano, pode me passar o fone? – ela murmurou, sonolenta. – Então se lembrou de que ele era um antigo deus e que, provavelmente, não sabia nada sobre telefones.
Abriu os olhos, esperando vê-lo sorrindo para ela, talvez um pouco confuso, porém todo amarrotado, sexy e quente a seu lado.
Não estava. Exceto por Chloe, que piscava de sono ao pé da cama, encontrava-se sozinha no quarto.
Franzindo a testa, Pea estendeu a mão para alcançar o fone.
– Alô?
– Dorreth Pea Chamberlain? – uma voz masculina e tensa perguntou.
– Sim.
– Srta. Chamberlain, aqui é Robert Thomas, do Corpo de Bombeiros de Midtown.
– Que horas são?! – Pea indagou sem pensar.
– Cinco horas da manhã, senhorita. Estou ligando em nome de Griffin DeAngelo.
– Griffin! – Uma sensação horrível, de péssimo agouro, a inundou. – Aconteceu alguma coisa com ele?
– Sim, senhorita, receio que sim. O capitão se feriu enquanto trabalhava. Está no Saint John, sendo preparado para uma cirurgia. Seu único pedido foi que a chamássemos
para que a senhorita fosse imediatamente ao hospital.
– Estarei lá!
Pea desligou e agarrou o jeans e o suéter jogados sobre a cadeira da penteadeira.
– Vulcano? – chamou.
Nenhuma resposta.
– Vulcano! – Desta vez ela gritou seu nome e correu pela casa. E se ele tivesse voltado ao Olimpo? Por que não a tinha chamado? E por que a deixara no meio da noite?
Engatou a marcha do T-Bird e o acelerou para fora da garagem. Griffin estava ferido. Claro que ele iria mandar chamá-la. Compreendia que ela era sua única ligação
com Vênus.
E, se era assim, então ela precisava de Vulcano para enviar uma mensagem ao Olimpo. Vênus precisava voltar o mais rápido possível!
Mas onde estaria Vulcano?
Sentiu o estômago se apertar. Algo estava errado. Alguma coisa estava muito errada!
Correu pela entrada de emergência do Centro Médico Saint John e quase trombou com um bombeiro coberto de fuligem.
– Sou Pea Chamberlain. Chamaram-me para ver Griffin DeAngelo.
– Por aqui, senhorita.
Pea seguiu o jovem e sério bombeiro para as entranhas do pronto- -socorro, até que uma enfermeira os deteve.
– Esta é a mulher que o capitão quer ver – explicou o rapaz.
– Venha comigo, senhorita. Precisa se apressar. Eles já vão levá-lo para a cirurgia. Terá apenas um minuto.
– Como ele está? – Pea quis saber enquanto corria para acompanhar a moça.
– Nada bem – contou a enfermeira sem olhar para ela, e a conduziu até uma sala cercada por vidro e repleta de médicos.
Pea ficou feliz por tudo estar acontecendo tão rápido. Se tivesse tempo para pensar, com certeza vomitaria, ou, pior, iria desmaiar.
Jamais teria reconhecido Griffin. Seu rosto estava enegrecido e ensanguentado. Seus lábios, rachados e inchados. O lado esquerdo de seu corpo, da cintura para baixo,
encontrava-se coberto por gaze, e parecia haver tubos e fios saindo de cada superfície não queimada em sua pele.
– Dois minutos, senhorita – determinou a enfermeira.
Pea se aproximou da cabeceira da pequena maca.
– Griffin? Sou eu, Pea.
Os olhos dele se moveram duas vezes e, em seguida, se abriram. Quando as íris azuis encontraram as dela, Pea sentiu um arrepio... Algo que não soube bem como identificar.
Aproximou-se mais de Griffin, e seus lábios inchados começaram a se mover.
Ela se inclinou para a frente, aflita.
– ... Eu te amo, pequena.
Pea ofegou quando a verdade se abateu sobre ela.
– Vulcano! – exclamou em choque.
O alívio suavizou as feições benfeitas à sua frente. Ele sorriu, então, e fechou os olhos com um suspiro.
– Preciso pedir que saia agora, senhorita. Vamos levá-lo para a cirurgia.
Entorpecida, Pea deixou-se conduzir até a sala de espera. Sentou-se em uma cadeira estofada e negou com um gesto de cabeça, tonta, quando um bombeiro lhe perguntou
se ela queria café.
Griffin não era Griffin. Era Vulcano! Disso ela não tinha absolutamente nenhuma dúvida.
Mas como aquilo havia acontecido?
De repente, sentiu-se claustrofóbica.
– Preciso tomar um pouco de ar – murmurou, ignorando os olhares preocupados do bombeiro quando saiu correndo do quarto, pelo corredor e através das portas automáticas,
onde se recostou na lateral do hospital, respirando fundo na tentativa de não vomitar.
– Você o ama muito, não é?
Pea ergueu a cabeça e viu uma mulher linda e elegante, de pé em um pequeno halo de luz, a seu lado. Seus trajes lembravam os de Vênus, embora ela não se parecesse
em nada com a deusa do Amor.
– Se quer dizer Vulcano, sim. Eu o amo muito – confirmou, sem preâmbulos.
A mulher assentiu.
– Eu sabia. É você seu eterno amor. Sua alma gêmea. Sou Hera.
Pea não necessitava nem mesmo de um mínimo conhecimento escolar acerca de mitologia para saber que deusa era aquela. Precisou apenas de seu instinto feminino.
– É a mãe de Vulcano.
A deusa sorriu.
– Sou. E tenho uma dívida de gratidão para com você, Dorreth Pea Chamberlain. Antes de Vulcano conhecê-la e amá-la, parecia vivo apenas em parte. Você o salvou da
solidão eterna, e mais: tem-lhe dado uma felicidade que nunca imaginei que ele fosse conhecer. Penso que sua imortalidade é um preço muito pequeno a ser pago por
tal bênção.
Pea não teve certeza se tinha ouvido bem a deusa.
– Sua imortalidade? Como assim? O que aconteceu esta noite?
– Meu filho não foi o único imortal que veio observar o seu mundo moderno. Também sei que Griffin DeAngelo se tornou o amado de Vênus. DeAngelo estava morrendo esta
noite, e eu o salvei, fazendo com que meu filho tomasse o seu lugar. Na troca, Vulcano soprou a última centelha de imortalidade que se agarrava a seu espírito na
concha mortal de Griffin. Agora, Vulcano é Griffin, um homem comum, que terá uma vida mortal. E Griffin se tornou Vulcano, deus do Fogo, para a eternidade.
Pea começou a tremer.
– Ele se lembra? Ele ainda é Vulcano?
– Em tudo, menos fisicamente. Sim, ele ainda é Vulcano.
– E ele vai sobreviver?
– Sim. Meu filho terá uma vida longa e feliz. Você e ele terão muitos filhos. Eu serei avó e bisavó várias vezes e, por infinitas gerações, a centelha do deus do
Fogo irá brilhar na família DeAngelo.
Pea começou a chorar.
A deusa se aproximou dela e a tocou na face.
– Meu filho foi sábio em sua escolha.
– E quanto a Vênus e Griffin? – Pea indagou, enxugando os olhos enquanto ainda tentava compreender a enormidade do que a deusa lhe dizia. – O que vai acontecer com
eles?
– Isso, minha querida filha mortal, dependerá do novo deus do Fogo e da deusa do Amor.
Uma comoção no estacionamento impediu a pergunta seguinte que Pea faria à deusa. Ambas olharam para trás a tempo de ver quatro jovens mulheres correndo, desesperadas,
em direção à entrada do setor de emergência do hospital.
– São as irmãs de Griffin. A mais velha e mais sensata chama-se Sherry. Converse com ela primeiro, e as demais seguirão seu exemplo – afirmou Hera. – Agora, vá até
elas. Muito em breve fará parte de sua família.
– Não está indo embora, está?
– Não há mais nada que eu possa fazer aqui, mas não se preocupe... Voltarei muitas vezes para visitar meus netos. – A deusa levantou a mão regiamente. – Que minha
bênção permaneça contigo para todo o sempre.
E, em silêncio, Hera desapareceu.
Pea respirou fundo, querendo se acalmar. Vulcano ficaria bem. Tinha a palavra de uma deusa, e aquilo era mais do que suficiente para ela.
Foi ao encontro das quatro jovens quando elas chegavam às portas da emergência, e escolheu a moça que mais parecia estar no controle de si mesma: a de cabelos longos
e escuros, e com os mesmos olhos espetaculares de Griffin.
– Sherry DeAngelo? – perguntou, tímida.
As quatro estacaram.
– Sim, sou Sherry DeAngelo. Quem é você? Sabe o que aconteceu com nosso irmão?
– Sei. Ele sofreu um acidente.
As mulheres soltaram uma exclamação em uníssono, e a mais jovem se pôs a chorar.
– Griffin foi levado para uma cirurgia, mas vai ficar bem. Tudo vai ficar bem – garantiu Pea. – Eu prometo.
– Quem é você? – Sherry quis saber.
– Meu nome é Dorreth Chamberlain, mas todos me chamam de Pea. Sou a mulher que seu irmão ama... Ele e eu vamos nos casar.
Todas as quatro irmãs se entreolharam, confusas, e Pea sorriu.
– Eu sei que parece estranho. Provavelmente pensaram que ele estava apaixonado por Vênus, aquela linda loira, não é?
Elas acenaram com a cabeça em conjunto.
– Bem, é uma longa história. Na verdade, Vênus é uma grande amiga minha. Mas essa novela não importa agora. O que importa é que Griffin fique bem. Vamos... Vamos
juntas para a sala de espera da cirurgia. Podemos conversar mais lá.
Pea conduziu as quatro moças para dentro do hospital às pressas, enquanto inventava uma história de amor que pudesse soar ao menos razoável entre Griffin e ela.
Uma coisa era certa: naquele caso, sua imaginação hiperativa vinha bem a calhar. Talvez ela até tivesse algum futuro como escritora de ficção.
– Grande deusa, Zeus e Hera declararam que vão recebê-la agora.
A ninfa se curvou quando Vênus passou por ela, tensa.
Onde estaria Vulcano?, perguntou-se a deusa do Amor. Tinha sido um dia cheio. Ela já havia enviado um mensageiro até o reino do deus do Fogo a fim de avisá-lo de
que seus pais haviam concordado em escutar sua petição naquela noite, durante a reunião dos imortais, no Salão Nobre. E Vulcano se dignara a lhe enviar uma resposta?
Um bilhete que fosse, por meio de alguma ninfa, sátiro ou duende dizendo que iria comparecer?
Não.
Que criatura desagradável!
Claro que, se ela fosse honesta consigo, admitiria que tudo nas últimas vinte e quatro horas a irritava. A opulência de seu templo a incomodava. Suas ninfas lhe
davam nos nervos. O vinho parecia muito quente ou muito frio. Até mesmo orações de seus fiéis tinham se acumulado, de modo que o próprio ar ao seu redor parecia
preenchido com uma ensurdecedora e exasperante cacofonia de sons.
Mas todo aquele caos seria suportável se o seu coração e seu espírito não estivessem doendo por Griffin.
Vênus teve de admitir: sentia uma falta terrível do mortal, e precisara de toda a sua força de vontade para não negligenciar seus deveres divinos e partir de volta
para Tulsa, a fim de confrontar Griffin novamente, a fim de lhe dar outra chance. A fim de tentar lhe mostrar que ela não havia mudado, que não o enganara e que
ainda era a mulher por quem ele se apaixonara.
Porém não retornara. Permanecera no Olimpo, usando seu orgulho como um manto. A deusa do Amor não perseguia homem nenhum. A deusa do Amor não tolerava nenhum insulto.
A deusa do Amor tinha orgulho e dignidade.
O suspiro de Vênus veio do fundo da alma:
– A deusa do Amor é infeliz – murmurou para si mesma.
O Salão Nobre do Olimpo se encontrava abarrotado de imortais dourados e ninfas magníficas de todos os tipos, vestidas em trajes diminutos e diáfanos. Vênus reconheceu
até mesmo várias divindades menores, como Hebe, a deusa da juventude, Íris, a deusa do Arco-Íris, além de outras musas e deidades.
Perséfone deu-lhe uma piscadela atrevida conforme ela passava, e Vênus fez o possível para retribuir com bom humor.
Devia estar satisfeita por todo o Olimpo estar presente. Dessa forma, todos poderiam testemunhar a dissolução de seu casamento com Vulcano, o que a pouparia de ter
que ficar se justificando indefinidamente.
Talvez, depois que tudo aquilo tivesse terminado, pudesse voltar para Tulsa na companhia do deus do Fogo. Estava longe de Pea havia apenas um dia, mas já sentia
falta de sua amiga mortal.
Não, ela se corrigiu, melancólica. Vulcano e Pea haveriam de querer ficar sozinhos. Decerto iriam começar a planejar seu casamento, e ela estava feliz por eles.
De verdade.
Ainda que também se sentisse mais do que deprimida.
– Vênus, deusa do amor, e Vulcano, deus do Fogo... ouviremos sua petição agora. – A voz de Zeus retumbou por todo o enorme salão.
Vênus começou a trilhar o caminho até o altar que abrigava os dois tronos fulgurantes onde ficavam o rei e a rainha do Olimpo. Discreta, deixou os olhos percorrerem
o lugar. Onde estaria Vulcano? Poderia fazer aquilo sem ele, mas, se o fizesse, pareceria egoísta e desrespeitosa. Se Vulcano não marcasse presença, mostrando que
a dissolução de seu casamento era uma decisão mútua, não importava o modo como ela iria fazer o pedido – seria como se o Amor o houvesse descartado, e ele seria
tratado com ainda mais desdém.
Talvez ela devesse esperar por ele e solicitar a Zeus e Hera que a petição fosse feita outro dia.
Mas não. Vulcano não iria querer isso, nem Pea. E seria ainda importante para o deus do Fogo o que os outros imortais pensavam dele? Ele havia encontrado seu verdadeiro
amor. Pea era tudo o que lhe importava agora.
Vênus se deteve diante do altar, fazendo uma reverência com tanta graça e beleza que chamou a atenção de todos no salão.
– O que podemos fazer por você, deusa do Amor? – perguntou Zeus. Então, com um olhar severo, acrescentou: – A petição não foi feita por você e nosso filho?
– Foi, meu senhor – ela concordou. – Mas, aparentemente, Vulcano não pôde vir, por isso eu a apresentarei por nós dois.
Zeus bufou, porém Hera respondeu com delicadeza.
– Prossiga, Vênus. Vamos ouvir o seu pedido.
Vênus ergueu o queixo e falou com uma voz clara e confiante que se propagou por todo o Salão Nobre.
– Não é segredo para nenhum de vocês que meu casamento com o deus do Fogo foi incomum. É esse casamento o objeto da nossa petição nesta data. – Fez uma pausa, esperando
que os murmúrios amainassem. – Vulcano e eu temos sido bons amigos, contudo nos casamos sob falsos pretextos. Ironicamente, em nossa união tem faltado amor. Gostaríamos,
portanto, de corrigir o nosso erro. O casamento deve ser baseado em mais do que conveniência; assim, Vulcano e eu pleiteamos que...
– Que sejam testemunhas do nosso novo compromisso.
Assim como o restante da multidão, Vênus soltou uma exclamação de choque com a interrupção. Olhou ao redor do gigantesco salão até que avistou a figura alta de Vulcano
abrindo caminho até ela. Com certeza ela havia interpretado mal suas palavras, pensou, enquanto o observava se juntar a ela diante do trono dos pais.
– Vulcano, o que está dizendo? – Vênus manteve a voz baixa, de modo que apenas ele a escutasse.
O deus do Fogo sorriu para ela, mas, em vez de responder, encarou os pais e se curvou para eles.
– Zeus, Hera... Obrigado por escutarem a nossa petição hoje, e perdoem-me pelo atraso.
– Não há nenhum problema, meu filho – adiantou-se Hera, sorrindo para seu rebento favorito. – Siga em frente com seu pedido. Seu pai e eu estamos prontos para ouvi-lo.
– Vênus estava certa. Demos início ao nosso relacionamento sem amor. Mas agora eu gostaria de corrigir isso. Se Vênus concordar, quero selar novamente a nossa união,
e desta vez será um casamento de verdade.
Ele ignorou os murmúrios de incredulidade e as risadinhas irônicas dos imortais que a tudo assistiam e se virou para Vênus. Em seguida, chocou-a ainda mais ao tomá-la
nos braços.
Quando falou, não baixou a voz. O salão inteiro podia ouvir o que dizia, entretanto suas palavras foram proferidas com confiança, e pareceram pincelar a alma de
Vênus com a profundidade de sua paixão.
– Quem diria que o Amor poderia ser íntimo da solidão?
– O-O quê? Não entendo, Vulcano – ela sussurrou.
Mais uma vez ele se expressou com o coração, e não fez nenhuma tentativa de falar baixo.
– Tem estado muito sozinha, esposa.
Atordoada, sem entender o que estava acontecendo, Vênus repetiu, de modo bizarro, as mesmas palavras que tinha dito dias antes, durante uma conversa similar:
– Sim, tenho. Nós nunca deveríamos ter nos casado. Temos vivido, ambos, insuportavelmente tristes. A amizade pode ser uma bênção, mas não substitui o amor verdadeiro.
– Prendeu a respiração, então, esperando, contra todo o bom-senso, saber quais seriam as palavras seguintes.
– E nenhum de nós o espera ou busca mais? Existe alguma forma de podermos nos reconciliar? Como podemos tornar este relacionamento melhor para nós dois?
Ao ouvir a resposta familiar, a mesma da noite do baile de máscaras, Vênus começou a tremer. De repente, o Salão Nobre pareceu desaparecer ao redor deles, substituído
pela noite de Oklahoma, quando o homem que a fitava nos olhos usava um tipo diferente de máscara.
– É você, Griffin? Como isso aconteceu? – sussurrou, aturdida.
Ele baixou a voz desta vez, de modo que apenas Vênus pudesse escutá-lo.
– Foi fácil, minha deusa. Encontrei a coragem para aceitar o seu amor.
Com um gritinho de felicidade, Vênus jogou os braços ao redor do pescoço de Griffin e sentiu-se derreter quando ele baixou a boca faminta para a sua.
E Vulcano, o deus do Fogo, oficial e formalmente, tomou Vênus, a deusa do Amor, por sua esposa.
Com todo o monte Olimpo como testemunha.
O Salão Nobre explodiu em festa. Em algum lugar, bem no fundo da mente, Vênus percebeu que a balbúrdia em torno dela era constituída de vivas e aplausos, conforme
os Olímpicos reconheciam aquele sinal de amor verdadeiro.
Mas isso era algo com que iria se ocupar e se alegrar mais tarde. No momento, estava muito ocupada se regozijando com o feliz reconhecimento de que lhe fora concedido
o milagre de viver para a eternidade com sua alma gêmea.
Epílogo
Um ano depois
– Querida, não tem nenhum cordeiro aqui! Você se importaria se eu fizesse surgir uma suculenta perna de cordeiro para assar? Adoro cordeiro! – Vênus perscrutava
a geladeira de Pea como se esperasse encontrar um bom pedaço de cordeiro fresco entre o leite e o suco de laranja.
– Vênus, temos bifes de búfalo para comer. Eu os temperei na noite passada. Eles vão ficar deliciosos, confie em mim. Além disso, têm muito menos gordura e colesterol
do que carne de cordeiro.
O belo rosto da deusa era um total ponto de interrogação, e Pea revirou os olhos.
– Carne de búfalo é melhor para você, acredite.
Vênus pensou por um momento, então sua expressão se alterou, como se ela tivesse acabado de dar uma mordida em algo muito desagradável.
– Está querendo dizer que é saudável?
Pea riu.
– Aterrorizando os imortais de novo, pequena?
Vênus observou Vulcano – ou melhor, Griffin (às vezes ainda era difícil lembrar que deveria chamá-lo sempre de Griffin) – caminhar devagar até a esposa. A perna
dele estava ficando cada vez melhor, reparou.
O acidente fora mesmo terrível. Griffin tivera a perna esquerda inteira esmagada. Ela ainda se lembrava dos comentários de seus amigos mortais, durante uma de suas
inúmeras visitas a Pea, nos meses seguintes ao incêndio e à troca bizarra das almas de seus amantes. A opinião dos médicos era a de que Vulcano (que agora vivia
a vida mortal de Griffin) nunca mais voltaria a andar.
Pea e ela haviam trocado sorrisos discretos. Sabiam que os médicos subestimavam a alma dentro do corpo do mortal.
“Griffin” andava lenta e cuidadosamente agora, porém andava.
Pea estava rindo de novo enquanto provocava o marido, dizendo que aterrorizar imortais era um de seus passatempos favoritos, quando o novo deus do Fogo se materializou
na cozinha. A mortal soltou um gritinho e segurou a enorme barriga de grávida.
– Não sei por que não consigo me acostumar a isso! – falou, ofegante.
– Perdão, Pea. – O deus pareceu envergonhado. Curvou-se para beijá-la no rosto e, em seguida, os dois homens se cumprimentaram. – Ainda é estranho – comentou o imortal
que costumava ser mortal.
– Acho que será sempre desconcertante – replicou o mortal que costumava ser o deus do Fogo.
Vênus percebeu que, como sempre, eles apertavam as mãos com vontade. Os dois homens se gostavam e respeitavam um ao outro.
Aquilo, concluiu a deusa do Amor, provava que havia algo intrinsecamente bom e honrado na alma de cada um deles.
Seu marido contornou a mesa, vindo até ela. Pelos peitos enormes de Circe, como ela o amava! Jamais iria se cansar daquele brilho único em seus olhos agora escuros,
ou da maneira como ele fazia o corpo dela vibrar em suas mãos. Ele era incrivelmente forte e poderoso, e, durante o último ano em que Griffin habitara o corpo imortal
de Vulcano, o deus do Fogo tinha perdido por completo a claudicação que, por eras, tanta angústia lhe causara. Irônico que a ferida seguisse mais a alma do homem
do que seu corpo.
Em seguida, quando pressionou o corpo contra o dele e correspondeu ao beijo, Vênus só conseguiu pensar em como seus lábios eram quentes.
– Olá, minha deusa – sussurrou. – Sentiu a minha falta?
– Ah, façam-me o favor! Vênus está aqui, sem você, há apenas um dia, Griffin! – zombou Pea, balançando a cabeça, divertida.
– Eu também sentiria sua falta se ficasse um dia fora – Vulcano se curvou para lhe acariciar o pescoço com o rosto, o que a fez rir e se arrepiar.
– Pare com isso! Não temos tempo. Suas irmãs estarão aqui a qualquer instante, e ainda tenho muito que fazer para que possamos comer e ainda ficarmos prontos para
a inauguração da boutique de Fábio. – Ela se voltou para Vênus com uma expressão severa. – Fábio vai ficar arrasado caso se atrase.
– Como foi que ele decidiu chamar a lojinha, mesmo? – indagou a deusa.
– Deusa’s! – Pea sorriu. – Disse que foi você que inspirou o título.
– É claro que sim.
– Quer que eu leve o carvão para a churrasqueira? – indagou Vulcano.
– Posso fazer isso – emendou o novo deus do Fogo.
– Obrigado, mas eu ainda gosto de mexer com fogo de vez em quando... – Vulcano ergueu as mãos mortais e agitou os dedos numa excelente imitação de como Vênus costumava
fazer surgir as coisas. – Mesmo que isto não funcione mais tão bem para mim.
Vênus bufou, mas, por dentro, pensou que a mortalidade tinha feito muito bem ao senso de humor do amigo.
– Bem, deus do Fogo, se quer ser útil, pode me trazer uma caixa da despensa. Está na última prateleira, e não estou podendo usar a escadinha agora – justificou Pea.
– Acho que coloquei um saco de lascas de madeira de algaroba nela, e quero que a adicionem ao carvão vegetal para dar um sabor a mais nos bifes.
– Ela quer que nos alimentemos “de modo saudável” – Vênus cochichou.
– Ouvi isso! – ralhou Pea.
– Sem problemas. – Griffin apanhou a caixa na despensa e a colocou sobre a mesa da cozinha.
– Vênus, não quer tirar as lascas daí para mim?
– Claro, querida. Contanto que não tente me fazer comê-las – a deusa completou com doçura.
– Muito engraçado. – Pea voltou a cortar o aipo para a salada de batata, enquanto Vênus revirava a caixa.
– Pea, não é este o livro que usou para evocar a minha ajuda?
A outra moça se virou.
– Sim, é esse mesmo. Como ele foi parar nessa caixa?
– Então foi assim que tudo começou... – Griffin tomou o livro com capa de couro trabalhada das mãos de Vênus. – Descubra a Deusa em Você – Liberte Vênus e Abra Sua
Vida para o Amor, por Juno Panhellenius. Essa é muito boa.
Vênus deixou escapar o ar, como se alguém tivesse lhe dado um soco no estômago.
– O quê?! – exclamou em uníssono com Vulcano.
Este mancou até a mesa e tomou o livro de Griffin, enquanto a deusa balançava a cabeça.
– Eu não fazia a menor ideia!
– Nunca tinha visto este livro, Vênus? – Vulcano quis saber.
– Nunca. Pea estava recitando a invocação de cor. Eu simplesmente não acredito!
– O que foi! – Preocupada, Pea se juntou a eles à mesa. – O que há de errado?
Vênus olhou para a amiga mortal.
– A autora. Eu a conheço. – Ela hesitou e depois acrescentou: – E Vulcano também.
– Nós todos a conhecemos – corrigiu Vulcano. – Na verdade, Griffin também a conhece agora.
– Do que estão falando? – Griffin quis saber.
Vênus apontou para as lindas letras metálicas impressas em alto relevo na capa do volume.
– Juno é um dos muitos nomes que Hera utiliza. E Panhellenius quer dizer “deus de todos os gregos”... Um dos epítetos de Zeus.
– Aqueles velhos manipuladores! Estavam por trás de tudo! – Vulcano exclamou, incrédulo.
– Tivemos sua bênção o tempo todo, e nem percebemos isso – completou Vênus.
Pea olhou para seu amado marido, que tinha passado por tanta coisa antes de encontrar a felicidade.
– Isso significa que eles o amam. Muito – concluiu, emocionada.
– Na verdade – Vênus acrescentou, passando o braço pelo ombro da amiga mortal –, significa que eles amam a todos nós, e que todos temos a bênção do rei e da rainha
do Olimpo.
E, enquanto os quatro amigos sorriam um para o outro, um trovão ribombou, brincando no céu sem nuvens de Oklahoma.
1 “Pea” em inglês significa “ervilha” (N. E.).
Capítulo 16
– Você não falou que eu daria as aulas! – Pea protestou.
– Claro que vai dar as aulas. Não posso encantar a faculdade inteira. – Vênus fez uma pausa, pensando por um momento. – Bem, talvez eu possa, mas seria terrivelmente
complicado. E quem poderia dizer como isso afetaria a população em geral? – Balançou a cabeça. – Não. É mais fácil eu ajustar uma coisinha aqui, outra ali, como
fiz com o chefe adjunto, e mantermos isso para nós tanto quanto for possível.
– Vênus, eu nunca dei uma aula na vida!
– Ah, mas não tem nada com que se preocupar. Basta ensinar o que sabe.
– A cozinhar? Para aliviar o estresse?
– Na verdade, querida, eu estava pensando na sua dança.
Pea arregalou os olhos.
– Quer que eu ensine balé para os bombeiros?
– Por que não? – Vênus deu de ombros.
Pea riu.
– Só pode estar brincando!
– Nem um pouco. A dança é uma atividade relaxante, e você, uma dançarina mais do que experiente. Além do mais, irá proporcionar uma boa oportunidade para que todos
aqueles homens deliciosos a vejam na sua melhor forma.
– Eu não sei. E se eles estiverem lá? Griffin e o outro, quero dizer. De maneira nenhuma serei capaz de ensinar com algum deles... você sabe... olhando para mim.
Não depois do que fiz com ele.
– Querida, por favor, lembre-se de que manipulamos os eventos para que os homens venham a você, no seu território, no seu lugar de poder. Está no controle neste
momento. Você faz a escolha. Além disso, serei sua assistente por detrás do palco. Se estiver em apuros, eu simplesmente... – Vênus balançou os dedos.
– Claro. – Pea pareceu apenas um pouquinho menos preocupada.
– Então está decidido. Vamos tomar mais uma xícara deste café divino, e depois partiremos para a faculdade. Não podemos nos atrasar para a aula.
Pea olhou o relógio e franziu a testa.
– O que foi, querida?
– Se tivesse me dito ontem que eu teria de dar uma aula de balé, eu podia ter comprado algo um pouco mais agradável do que aquelas camisetas manchadas de suor que
costumo usar.
O sorriso de Vênus foi lento.
– Eu já cuidei desse pequeno detalhe. Há uma linda mochila nova no seu armário. Dentro dela encontrará tudo o que vai precisar para o seu primeiro dia como instrutora
de dança.
– Você pensa em tudo, Vênus! – Pea a abraçou.
A deusa lhe deu um tapinha no braço.
– Nem tudo, querida. Apenas no que é importante.
Com um esforço, ela afastou o pensamento de que, se realmente calculasse tudo e fosse tão centrada como Pea acreditava, não teria deixado que Griffin a abandonasse,
tampouco estaria escondendo o fato da amiga.
Não importava, concluiu enquanto assoprava o café e observava Pea se apressar pelo corredor até o quarto, a fim de apanhar sua nova bolsa de dança. De alguma forma
iria fazer Griffin se arrepender de ter brincado com o Amor, e descobriria como dar um jeito naquela paixão de Pea pelo infeliz.
Ignorou o mal-estar no estômago. Não era possível que Griffin a houvesse magoado. Ele a tinha apenas surpreendido ao deixá-la sozinha e não voltar mais. Era isso.
Precisava ajudar Pea a encontrar seu amante misterioso ou, se este não fosse adequado, descobrir para a amiga um homem que fosse honesto e íntegro, e que tivesse
apelo sexual. Então voltaria à sua rotina no Olimpo. Talvez pudesse planejar uma deliciosa orgia com sátiros e ninfas da floresta. Um pouco de devassidão talvez
a animasse um pouco.
Afinal, era impossível que a deusa do Amor se sentisse solitária.
– Está linda, querida! Simplesmente linda. – Vênus tirou um cisco inexistente do ombro de Pea. – Eu sabia que esse collant rosa e essa saia transparente iriam combinar
com a sua silhueta e tom de pele. E não se preocupe. Não há nada com que ficar nervosa.
– Eu posso vomitar!
– Não, não pode.
– ... Está bem, mas tem certeza de que encantou todos no meu escritório para que eles achem que essa aula é normal?
– O que os bombeiros virem hoje lhes parecerá completamente natural. E amanhã eles não vão se lembrar de coisa alguma. Vão pensar nessa aula apenas como algo que
foram orientados a fazer; nada fora do comum. A única coisa de que vão se recordar é da sedutora instrutora de dança chamada Pea... – Vênus fez uma pausa, pensativa.
– Depois me avise se ficou interessada em algum deles. Posso fazê-lo pedir o número do seu telefone.
– Nossa... Pode fazer tudo isso mesmo?
– Querida, o Amor pode fazer qualquer coisa.
– Ah, claro. Às vezes eu até me esqueço. Não tenho muita experiência com o amor de verdade.
– Pois vamos corrigir isso muito em breve. – Vênus deu-lhe outro tapinha no braço. – Se está pronta, vamos indo.
Elas caminharam pelo corredor, indo do escritório de Pea para uma enorme sala de aula ali perto. Pararam e olharam pelo pequeno retângulo de vidro da porta fechada.
– Não vou conseguir fazer isso! – Pea se encostou na parede, pálida.
– Claro que vai. Eu estarei bem aqui e...
– Não! Não posso entrar lá sem saber o que esperar.
– Está bem. – Vênus decidiu, pensando rápido. – Eu vou primeiro e... – Hesitou. E o quê?
– Pode fazer a chamada? – arriscou Pea.
– Claro! – Vênus exclamou, aliviada. – Faço a chamada, verifico se todos estão presentes, e pronto. Enquanto eu fizer isso, fica assistindo aqui de fora. Dessa forma
vai saber se Griffin e o seu bombeiro misterioso vieram, então saberá o que esperar.
– E-Está bem – Pea gaguejou, em dúvida.
– Ótimo – Vênus falou com firmeza. Alisou o elegante terninho violeta, ajeitou o corpete de seda preta, cujo decote baixo expunha apenas o topo dos seios macios,
e agitou os dedos. Uma caneta e uma prancheta com aparência profissional, contendo uma lista de nomes, surgiram do nada.
– Eu queria muito que parasse de fazer as coisas aparecerem de repente sem me avisar! – exclamou Pea, sobressaltada.
– Desculpe, querida. Vivo me esquecendo do quanto é sensível. – Vênus verificou o batom no vidro semirrefletivo da porta. – Pronta para a batalha?
– Bem...
– É claro que está. Eu já volto. Encare isto como um reconhecimento do território inimigo.
Vênus ignorou o gemido de Pea e girou a maçaneta da sala de aula que já havia encantado anteriormente, dando fim às carteiras e tudo o que considerara desnecessário.
Sentia-se feliz por Pea estar nervosa. Aquilo a obrigava a dar um bom exemplo e parecer confiante e centrada.
Verdade seja dita: por dentro, a própria deusa do Amor se sentia ridiculamente tensa.
Mas não se permitiria hesitar mais. Adentrou a sala, adotando sua mais séria postura.
Como já era de se esperar, os homens se reuniram no meio da classe em silêncio, lançando-lhe um olhar mais do que apreciativo. Pareciam atentos, porém casuais, vestidos
com jeans e camisetas do Corpo de Bombeiros de Tulsa.
– Bom dia, senhores – Vênus saudou, toda profissional. – Quando eu chamar por seu nome, por favor, digam “presente”. – Começou a recitar a lista em ordem alfabética,
olhando, atenta, para cada bombeiro que respondia. – Allen, James.
– Presente, senhorita.
– Barber, Joshua.
– Presente.
– Bennett, Kevin.
– Aqui, senhorita.
– Carter, Corey.
Ficou contente por pronunciar o nome seguinte sem uma pitada de hesitação.
– DeAngelo, Griffin.
O grupo de homens se afastou, de modo a permitir que ele viesse do fundo da sala.
– É bom vê-la novamente... – Olhos azuis e inconfundíveis encontraram seu olhar frio como o aço. Então Griffin tocou um chapéu imaginário com o sorriso confiante
e sexy que ela conhecia muito bem.
Vênus corou. A deusa do Amor enrubesceu, e o sangue tingiu seu pescoço delgado, assim como as faces benfeitas.
Ao se dar conta disso, ela respirou fundo. Estava ali por uma causa justa, não por amor.
– Griffin? – Vênus repetiu, usando um tom de dúvida.
– Sim, senhorita, Griffin DeAngelo. – Ele se adiantou e estendeu a mão como um perfeito cavalheiro. O brilho em seu olhar era a única evidência de que havia mais
coisas entre eles do que se podia imaginar. – Não creio que tenhamos sido formalmente apresentados naquela noite.
Vênus olhou da mão estendida para os olhos azuis. E, pela primeira vez em sua existência, não soube o que dizer.
Pelos sacos peludos de todos os deuses, que homem arrogante! Ele a tinha violado, depois a deixado, e agora ficava ali, sorrindo e querendo cumprimentá-la como se
fosse um gentleman?
– Não imagina como estou feliz em revê-la, minha deusa – Griffin disse baixinho.
Vênus percebeu que ainda estava olhando para ele, e que a mão morena continuava estendida à sua frente. Endireitando o corpo, tomou-a devagar.
– Muito prazer, Griffin DeAngelo.
Ainda segurando a mão dela, ele sorriu devagar.
– Seu nome é...?
– Vênus. Vênus Pontia.
O sorriso dele se alargou.
– Então é mesmo uma deusa.
– Claro que sou, querido – ela confirmou de pronto, e puxou a mão. Em seguida continuou a chamar os nomes da lista, metódica.
Sua mente, entretanto, entrara em um turbilhão. Tentou ignorar o fato de que podia sentir os olhos azuis e brilhantes fixos nela, com aquele olhar possessivo que
a aprisionara com tanta facilidade antes. Griffin agia como se não tivesse feito nada de errado, porém a deixara – a deusa do Amor! – sentada lá fora, na frente
do restaurante, à sua espera, e não tinha retornado.
E ninguém desprezava uma divindade!
Terminou a lista e, sem nenhum outro olhar para Griffin DeAngelo, saiu da sala.
Recostou-se na porta fechada.
– Griffin está lá dentro! Eu o vi. – Pea olhou por cima dela. – Ei, você está bem?
– Sim, claro que estou. – Vênus respirou fundo e tentou se recompor. Por que permitia que o mortal a afetasse tanto?
E esse, ela temia, era justamente o problema. Não havia permitido coisa nenhuma a Griffin. Pela primeira vez em sua existência, um homem não esperara por sua permissão
para tocá-la, sentir seu gosto, possuí-la.
– Vênus?
Ela sacudiu a cabeça.
– Griffin está lá, mas e quanto ao seu homem misterioso?
– Não. – Pea suspirou.
– Tem certeza?
– Tenho. Quero dizer, eu o reconheceria depois do que fizemos. – Pea ficou da cor do collant que usava.
Vênus respirou fundo.
– Bem, pelo menos isso está resolvido. Ele não está aqui, e Griffin está. Portanto é só ir lá para dentro e dar a aula. Será o centro das atenções durante uma hora
inteira. Se Griffin não demonstrar nenhum interesse por você depois disso, então poderei afirmar que ele não é digno da sua atenção.
– Eu não vou conseguir!
– Claro que vai. – Vênus suspirou. – Pea, todos passamos por esse tipo de coisa. É boa na dança, basta ir até lá e provar isso.
Pea agarrou a mão dela.
– Por favor, não me obrigue a fazer uma coisa dessas!
– Querida, eu não vou obrigá-la a nada. Isso é algo que precisa ter confiança para fazer.
– Vou fazer papel de boba outra vez. – Os olhos de Pea se encheram de lágrimas. – Não é uma questão de confiança, e sim de estar à vontade diante de um grupo de
pessoas. Eu sei que me encantou e fez com que eu enxergasse a mim mesma como os outros me veem, por isso agora sei que não sou mais a pateta que eu era no colégio...
Mas isso não significa que eu seja boa diante de uma plateia. Acho que nunca serei.
– Mas, Pea, você...
Pea não a deixou continuar.
– Mudar o meu jeito de ser é a única forma de ser aceita?
– É claro que não! Eu nunca quis que se sentisse assim. – Vênus a abraçou com força. – Você é boa o suficiente exatamente como é. É assim que quero que se sinta,
Pea.
– Eu sei, mas...
Vênus se afastou e fitou a mortal nos olhos.
– Não queria isto. Não esta parte, não é?
– Ver a mim mesma de forma clara e ter confiança na minha beleza é uma coisa. Conseguir o afeto de um homem fingindo ser algo que não sou é outra. Fiquei parada
aqui, pensando, e decidi que nem quero Griffin se for obrigada a fazer isso.
– Sabe de uma coisa, Dorreth Pea Chamberlain? É muito sábia para uma mortal.
Pea sorriu.
– E então?... Vai dar a aula por mim?
– Mas eu não estou vestida para dançar.
– Ora, por favor. Vai me dizer que não pode fazer surgir uma malha...?
– Eu não sei dançar balé!
– Ensine o que sabe, oras.
– Ensinar o que eu sei? Hum, pode ser interessante – concordou Vênus, pensativa. – Quer saber? Acho que está certa. Vou seguir o seu conselho. – Ela levantou a mão
e, em seguida, olhou para Pea. – Prepare-se. Vou usar magia.
Pea fechou os olhos.
Vênus agitou os dedos, e uma sacola enorme e lotada apareceu.
– Pode abrir os olhos agora – falou, colocando-a sobre o ombro.
– O que vai ensinar?
O sorriso de Vênus foi radiante.
– O que eu sei, é claro, minha querida.
Além de uma lição a um certo mortal, acrescentou para si mesma.
Capítulo 17
– Bom dia novamente! Podem me chamar de Vênus. Serei sua professora de relaxamento. Podem sentar-se em qualquer lugar. – Ela moveu os dedos em direção ao fundo da
sala de aula, e várias cadeiras se materializaram. – Puxem aquelas cadeiras para cá, por favor... Elas estão longe demais. – Foi tão natural que os homens nem sequer
se lembraram de que não havia cadeiras na parte de trás da sala quando tinham entrado ali.
Enquanto os bombeiros arrastavam seus assentos e se acomodavam, Vênus remexeu a bolsa e apanhou várias folhas de papel vegetal, cada uma delas coberta com um complicado
desenho.
Ignorando Griffin que, claro, sentou-se bem na frente e no centro da classe, ela começou a distribuir os papéis.
Os homens olharam os esboços em silêncio, visivelmente confusos.
– Já que vamos falar sobre como dar prazer a uma mulher, vou me referir a esse desenho da flor de lótus feminina durante a nossa discussão. Por favor, sintam-se
livres para fazer perguntas. – Ela fez uma pausa e deixou que os bombeiros assimilassem as palavras. Contudo, notou que muitos pareciam atordoados. – Estão confusos,
senhores? Têm alguma dúvida?
Um dos mais velhos levantou a mão, hesitante, e Vênus acenou com um gesto de cabeça, pedindo que ele se manifestasse.
– Bem, senhorita, creio que a maioria de nós está se perguntando o que esta “flor de lótus feminina” tem a ver com o alívio do estresse.
– Querido, estou usando o termo “flor de lótus feminina” apenas como uma alegoria. – Ela parou e notou que os rapazes continuavam confusos. Então suspirou. – Uma
representação para a vulva – esclareceu de uma vez.
Vários deles a fitaram, chocados, e Vênus tentou ignorar o fato de Griffin estar sorrindo.
– Ahn, senhorita... – O mesmo homem ergueu a mão novamente.
– Sim? – ela respondeu, alegre, tentando ser paciente com o inconveniente mortal.
– Eu ainda não entendi o que a... flor da vulva tem a ver com o alívio do nosso estresse.
– Flor de lótus – ela corrigiu. – Qual é o seu nome?
– J. D. Maples.
– É casado, J. D.?
– Sim, senhorita.
– Não conseguiria aliviar grande parte do estresse em sua vida se soubesse como dar à sua esposa um prazer tal que ela quisesse acolhê-lo em sua cama com muito mais
frequência e procurasse desculpas para que pressionasse seu corpo nu contra o dela?
J. D. abriu e fechou a boca várias vezes.
– Agora compreendo, senhorita.
O restante do grupo murmurou seu acordo.
– Imaginei que compreenderia. – Vênus sorriu. – Muito bem... As mulheres têm vários tipos de orgasmo, mas, para evitar muita discussão hoje, irei me concentrar em
apenas dois deles: o clitoriano e o vaginal. Além disso, vamos falar também sobre a descoberta do principal ponto de prazer de uma mulher... – Vênus pensou por um
momento antes de se lembrar do nome que tinha aprendido durante uma de suas muitas pesquisas no Google. – ... O ponto “G”. Vocês devem saber que as mulheres tendem
a ter preferências sobre um determinado tipo de orgasmo, mas...
Griffin ergueu a mão.
– Sim? – Vênus se obrigou a não franzir a testa. – Disse que seu nome era DeAngelo, certo?
– Griffin – ele corrigiu com aquele sorriso confiante que nunca vacilava. – Pode me chamar de Griffin.
– Muito bem. Tem uma pergunta, Griffin?
– Sim, senhorita. Eu estava pensando sobre os orgasmos. Como podemos saber qual o que nossa amante prefere?
– Basta perguntar a ela – Vênus respondeu, fria. – Mas creio que eu possa responder a parte dessa questão em nome de todas as mulheres... Elas preferem o tipo de
orgasmo que têm com um homem íntegro, o qual mantém sua palavra e não desaparece depois. – Sustentou o olhar, satisfeita ao ver que o sorriso de Griffin tinha desaparecido.
Outra mão subiu no lado esquerdo da sala. – Sim? Qual a pergunta?
– Acho que há algo errado com o meu desenho, senhorita – explicou um bombeiro muito jovem.
Vênus caminhou até ele e olhou a folha.
– Querido, a sua flor de lótus está de cabeça para baixo.
– Ah, perdão – ele murmurou, corando.
– Por favor, não se desculpe. Estão aqui para aprender. E todos sabem que, embora o falo masculino seja extraordinário, a flor de lótus feminina, ou seja, o centro
da sexualidade de uma mulher, é bem mais complexa.
– E, dependendo das circunstâncias, a coisas podem ser ainda mais complicadas – Griffin disse de repente, fazendo com que os homens lhe enviassem olhares curiosos.
Vênus piscou com fingida inocência.
– Não, Griffin, as circunstâncias não importam. A vagina é sempre mais complicada do que o pênis.
Ela tentou não se deixar afetar pelas ruguinhas bem-humoradas ao redor dos olhos azuis, nem pelo fato de que ele agora sorria abertamente diante da argúcia de sua
resposta.
Mas teve que admitir, pelo menos para si mesma, que Griffin era muito bonito.
– Não tenho dúvida alguma de que flores de lótus são tão complexas quanto intrigantes. Eu só queria saber o que um homem deve fazer quando, ahn, a complexidade de
uma situação advém de circunstâncias além do controle do homem e de um orgasmo interrompido... para ambas as partes. O que recomendaria, então?
– Comunicação – Vênus respondeu sem pestanejar.
– Só isso? – Ele sorriu.
– Isso e rastejar! – gritou um homem da parte de trás da sala, fazendo todos cairem na risada.
– Vejo que tenho pelo menos um aluno de nível avançado... – Vênus replicou, sorrindo para a classe e encontrando o olhar de Griffin apenas por um momento.
– E então, senhorita? – ele prosseguiu, abrindo-lhe um sorriso caloroso e íntimo. – Estou pronto para aprender.
Houve um bem-humorado murmúrio de acordo geral.
– Aprecio alunos atentos – parabenizou Vênus, incapaz de evitar os olhos azuis e brilhantes de Griffin. Em seguida, caminhou rapidamente para o quadro-negro e tirou
uma caixa de giz colorido da sacola. Localizando o giz cor-de-rosa, voltou-se para a classe: – Por favor, sigam por meio dos seus próprios desenhos enquanto faço
uma versão mais simples.
Outra mão foi erguida.
– Desculpe-me, senhorita. Devemos tomar notas?
– Só se desejar o prazer de uma mulher.
Ao se voltar para o próprio desenho, Vênus ouviu Griffin rir enquanto ele e o restante dos homens buscavam canetas e lápis.
Talvez ela devesse ouvir o que ele tinha a dizer sobre o porquê de não ter voltado para ela. Dificilmente poderia ficar mais ferida ouvindo o seu lado da história.
Afinal, o amor deveria ser gentil, justo e paciente.
Sim, ela iria escutá-lo, e então se sentaria com Pea e lhe contaria tudo. Se a desculpa de Griffin fosse muito esfarrapada, iria dizer à amiga que canalha ele era;
e que, decerto, esta ficaria melhor sem ele.
Mas se Griffin tivesse um razão razoável para não ter retornado para ela... simplesmente contaria a verdade à moça. Pea era inteligente e compassiva. Iria entender.
Sentindo-se mais leve e feliz do que em muitos dias, Vênus terminou o esboço com um floreio e virou-se de volta para a classe.
– Agora, alguém pode me dizer onde está localizado o clitóris?
Sorriu para a enxurrada de mãos erguidas.
Vulcano não conseguia se concentrar. Verdade que continuava alimentando a grande fornalha que aquecia o núcleo da Terra antiga, e que também prosseguia verificando
vários vulcões, tanto na terra como sob os oceanos. A última coisa de que precisava era de uma erupção aquele dia, ainda mais tendo as emoções já tão tumultuadas.
Como sempre, estava consciente dos muitos incêndios florestais que, supostamente, encontravam-se fora de controle.
Todas essas coisas, entretanto, ele fazia a esmo, pois seus pensamentos estavam em Pea.
Com um grunhido, desistiu de trabalhar e caminhou pelos cômodos resplandecentes de seu palácio subterrâneo até o pilar central da infinita chama. Tocou o fogo e
encontrou o fio que o ligava a Vênus, ao mundo moderno e a Pea.
Como de costume, a linha o levou primeiro a Vênus.
Vulcano franziu o cenho.
O que, por todos os níveis do Submundo, ela estava fazendo? Desenhando uma vulva em uma placa enorme com giz colorido?
Incrédulo, ele ouviu uma sala cheia de homens viris questionando-a sobre o orgasmo feminino. A deusa do Amor estava dando uma aula sobre a arte de estimular uma
mulher!
Vulcano fez um sinal, de modo a materializar uma cadeira, e se acomodou para prestar atenção. Seu casamento não fora um sucesso, contudo não havia dúvida de que
Vênus era incomparável em termos de conhecimento quanto à complexidade do prazer.
E ele sabia que não era muito experiente na arte de fazer amor. Outras deusas tinham se afastado dele porque sabiam que o próprio Amor o desprezara. E, ironicamente,
nenhuma mortal quisera se arriscar a ofender a deusa, cobiçando seu marido. Vulcano respirou fundo. Ao longo das eras, tinha se cansado de tentar explicar que, na
verdade, Vênus não o rejeitara, que o casamento deles era de conveniência, ainda que o arranjo não tivesse dado certo. Assim, fora mais fácil permanecer sozinho.
Até aquele momento.
Com Pea, vinha experimentando algo completamente novo, uma chance de ser amado por quem era, e não pelo que as pessoas imaginavam que ele fosse.
E era evidente que gostaria de usar toda a ajuda que pudesse obter sobre o assunto “sedução”, de forma que tratou de prestar atenção à discussão promovida pela deusa
a respeito de algo que ela chamava de “ponto G” da mulher.
Mas nem assim Vulcano conseguiu tirar Pea da cabeça.
Quando o fio invisível seguiu seus pensamentos, deixando a sala de aula para serpentear, incansável, pelo corredor, não fez nada para impedi-lo. Rápida e silenciosamente,
a linha fez sua vontade.
Pea encontrava-se sentada à organizada mesa de escritório em que ele já a vira trabalhar outras vezes, segurando uma pasta com papéis enquanto fazia perguntas a
um homem de aparência desleixada, sentado à sua frente, do outro lado. Não demorou muito para que Vulcano concluísse: devia haver alguma vaga de professor na faculdade,
no campo de História, à qual o sujeito estava se candidatando.
Pea não pareceu muito impressionada com o sujeito, contudo. Na verdade, suspirou e mordeu o lápis depois que ele deixou a sala.
– Aborrecido... Seco... Não. Não serve. Colocaria todo mundo para dormir na sala de aula – murmurou para si mesma. Depois olhou para o relógio. – Meia hora até a
próxima entrevista. – Suspirou outra vez e começou a mexer no tal computador, uma geringonça que detinha tanto conhecimento que, aparentemente, era a versão moderna
da magia.
Uma próxima entrevista...
Por que não poderia ser com ele?, indagou-se Vulcano de repente. Vênus estava fazendo papel de professora na faculdade de Pea; por que ele não poderia fazer o mesmo?
Endireitou o corpo, chocado com seu próprio pensamento.
Mas por que não? Ele queria vê-la de novo, queria cortejá-la e fazê-la sua. E já decidira que nunca iria trazê-la para o Olimpo, de modo que teria de ir até ela
eventualmente.
Por que não naquele momento? Por que esperar mais? O deus do Fogo estava pronto para agir, e era o que ele faria. Só precisava ficar fora do caminho de Vênus, pelo
menos até que Pea estivesse apaixonada por ele.
Ora, ele já observara que Vênus se encontrava ocupada. Era uma ocasião excelente para fazer outra incursão ao mundo mortal moderno e, com sorte, ao coração de sua
amada. O importante era ficar com Pea outra vez. Poderia se preocupar com detalhes mais tarde.
Precisava apenas das roupas corretas. Algo como o que o outro homem usava, porém menos amarrotado. Seu desleixo certamente não tinha impressionado a moça.
E ele não contava com muito tempo. Precisava chegar lá antes do candidato seguinte, a fim de reorientar o mortal – algo fácil de fazer – e, em seguida, assumir seu
lugar no escritório de Pea a fim de ganhar seu coração.
Porque isso era, de fato, o que ele queria. Que se danassem o Olimpo, os deuses e suas intrigas e preconceitos. Queria alguém como ele próprio, alguém intocado por
eles.
Também queria uma vida própria, e – por todos os níveis escuros do Tártaro! – faria qualquer coisa para consegui-la.
Capítulo 18
– Entre! – Pea disse em resposta à breve batida na porta de seu escritório. Olhou para o relógio. Seu entrevistado estava cinco minutos adiantado.
Bem, pensou, remexendo os papéis sobre a mesa e colocando o arquivo de Robertson Brown no topo da pilha, ao menos o sr. Brown estava ansioso. Tomara ele fosse mais
interessante do que o último candid...
Quando o homem entrou no gabinete, todo o ar deixou seu corpo. Literalmente. Da mesma forma que na ocasião em que ela cometera o erro de andar a cavalo. Havia caído
e não conseguira respirar por vários e desconfortáveis segundos.
Pois a sensação era a mesma. Tudo o que pôde fazer foi continuar sentada, buscando por ar.
– Olá – ele a cumprimentou com um sorriso que pareceu se infiltrar em seu corpo e transformá-la em líquido.
Pea respirou fundo.
– É Robertson Brown, minha próxima entrevista? – indagou de uma só vez.
– Não... Sim! – Ele parou e também respirou fundo. – ... Sinto muito. Parece que estou mais nervoso do que imaginei. Não sou Robertson Brown, porém gostaria de ser
o seu próximo entrevistado.
– Pensei que fosse bombeiro.
Ele assentiu com um gesto de cabeça, como se já esperasse por aquilo.
– Na verdade tenho lidado com fogo já há um bom tempo... Mas decidi mudar.
– Para o ensino de História em nosso Departamento de Educação Continuada? – Ela sentiu-se corar e teve que entrelaçar as mãos a fim de impedi-las de tremer.
– Sim. Eu gostaria muito de fazer isso.
Pea apenas o fitou. Não podia acreditar que ele se encontrava bem ali, na sua frente, em um terno meio fora de moda, mas impecável e que caía muito bem.
E o homem parecia encher seu escritório. Ela não se lembrava de ele ser tão alto, musculoso e imponente.
Mas aquela boca... dessa ela se recordava bem!
– Importa-se com a minha intrusão?
Pea pulou ao se ver arrancada do devaneio.
– Não, não... De modo algum. Mas, se o sr. Brown aparecer, terei que interromper a entrevista. Ele tem hora marcada.
– Sem problemas – Vulcano assentiu.
– Está certo, então. Bem... sente-se.
Em vez de se acomodar na cadeira de couro diante da mesa, porém, ele caminhou até ela, a leve claudicação em nenhum momento ofuscando a força e o poder que emanava.
Estendeu a mão e, persuadindo-a a desentrelaçar as dela, levantou uma delas, levando-a aos lábios.
O calor do toque a cortou dos pés à cabeça. Seus olhos se encontraram, e Pea sentiu o choque de seu olhar como se este também fosse algo físico.
Jamais imaginara aquela conexão. E ela estava ali, na sala com ele, viva, pulsante e real.
– Perdoe-me por tê-la deixado naquela noite.
– Não pensei que fosse vê-lo de novo.
Ainda segurando a mão dela, ele balançou a cabeça.
– Não poderia ficar mais tempo longe de você, pequena.
– Quem é você, afinal?
– Sou o homem que você enfeitiçou.
Pea sorriu e puxou a mão com relutância.
– Não sei se posso colocar isso no seu currículo. Eu quis dizer: qual é o seu nome? – perguntou, tentando recuperar um pouco do profissionalismo.
A pergunta simples o deixou meio perdido, o que a fez se sentir melhor. Ele não estava exagerando quanto a ela deixá-lo nervoso se tinha se esquecido até do próprio
nome.
– V. Cannes – ele murmurou, por fim.
– V. Cannes? C-a-n-n-e-s?
Como se em estado de choque, ele balançou a cabeça devagar.
– O “V” é do quê? Victor, ou algo terrível como Vlad?
– Victor – ele respondeu rapidamente e, parecendo se lembrar, sentou-se.
– Bem, Victor, sabe que não era para ser meu próximo entrevistado, portanto, como ficou sabendo sobre esta vaga? E como diabos me encontrou? Ou isto foi apenas uma
estranha coincidência?
Ele permaneceu imóvel por um momento, a testa franzida, depois limpou a garganta e apontou para o computador.
– Descobri sobre o trabalho por meio do computador, mas não foi apenas por isso que vim aqui. A verdade é que eu precisava ver você novamente.
– Não está se candidatando ao emprego? – Pea tentou soar séria, entretanto não conseguiu evitar que um sorriso lhe curvasse os lábios. Não tinha sido uma coincidência!
– Admito que meu primeiro pensamento foi apenas revê-la. A proposta de trabalho chamou minha atenção depois.
– Então não está aqui porque queria ensinar História?
– Estou aqui por sua causa, mas acredito que gostaria de ensinar História. História antiga.
– Verdade? Que parte da História antiga? – Pea indagou. Céus, precisava parar com aquilo! Aquela não era uma entrevista de verdade!
Mas Victor era tão interessante, tão sexy e...
O sorriso dele foi lento e com uma ponta de malícia.
– Estou bem familiarizado com antigos mitos.
Pea sorriu de volta.
– Eu mesma ando muito familiarizada com a mitologia.
Ele se inclinou para a frente, a expressão indo, de repente, de brincalhona a séria.
– O que acha dos antigos mitos, das histórias de uma época em que deuses e deusas andavam sobre a Terra?
Pensando em Vênus, ela sorriu calorosamente.
– Gosto daquilo que aprendi até agora.
– Mesmo? – Ele cobriu-lhe a mão com a sua.
E aconteceu outra vez. Pea teve vontade de se afogar nele. Assim como naquela noite mágica, os olhos escuros capturaram os dela.
Não. Foi mais do que isso, mais do que apenas seu olhar. Era como se ele conhecesse sua alma.
Como era possível? Parecia real, mas com certeza aquilo devia ser produto de sua imaginação excessivamente romântica.
– Não está imaginando coisas – Victor afirmou com calma.
– Como sabe o que estou pensando?
– Conheço você. Estamos conectados. Não sei como, mas acho que sei por quê. Creio que somos muito parecidos, você e eu. Até conhecê-la, sentia-me como um exilado...
Tinha me resignado a ficar sozinho. Então a vi e senti que havia chegado em casa, enfim. – Ele soltou uma risada fraca. Passou a mão pelo rosto, como se pensasse
estar sonhando e precisasse acordar. – Inacreditável, não é?
– Sim... É incrível.
Quando a decepção começou a tomar conta de seus expressivos olhos castanhos, Pea continuou:
– Parece inacreditável, mas não é.
– Quer dizer que não sou o único que se sente assim? Não estou nisto sozinho?
Pea sabia que devia fazer piada, rir ou dizer algo que contradissesse o que Victor afirmava a fim de amainar o que estava acontecendo entre os dois. Deveria lembrá-lo
de que eles não se encontravam em um filme romântico com uma garantia de final feliz. Amor à primeira vista só era possível no cinema e em livros de ficção. No mundo
real ele desmoronava com frequência, deixando para trás os destroços de um divórcio e corações partidos.
E também havia Griffin.
Mas havia mesmo? Ou sua paixão por ele era mais como a impossibilidade dos filmes, enquanto o que acontecia com o homem à sua frente era mais parecido com a vida
real?
Encontrou seu olhar novamente e não pôde afirmar nenhuma dessas coisas porque o que viu ali era muito forte, muito possível. De repente, ela o quis com uma ânsia
que a surpreendeu. Queria que eles ficassem juntos, e aquela nova possibilidade de um futuro – que não era a vida repleta de animais de estimação e trabalho, de
noites e refeições solitárias, de sonhos com um homem que ela não poderia ter enquanto assistia a tantos outros casais se formando – de repente lhe pareceu viável.
– Não está sozinho nisso – murmurou, mesmo sentindo o estômago se apertar e a respiração em suspenso. – Mas estou com medo. Isto tudo é tão...
– Não diga que as coisas estão acontecendo muito rápido – ele a interrompeu. – Depois de eras sem acreditar que poderia acontecer, como podemos não acolher esta
magia que existe entre nós? Não importa que esteja acontecendo depressa demais. Será que não podemos nos dar uma chance e ver aonde esse novo caminho nos conduz?
Pea franziu a testa enquanto considerava as palavras. Era como se ele tivesse captado exatamente o que ela sentia.
– Por favor, não diga “não”.
Pea continuou a estudá-lo em silêncio e, de súbito, foi como se uma chave girasse dentro dela, destrancando um quarto secreto em sua alma onde todo o amor que havia
guardado para dar a um homem, o seu homem, fora armazenado. Em vez de se sentir insegura, com medo ou hesitante, viu-se preenchida pela incrível sensação de estar
fazendo a coisa certa.
– Victor, eu vou lhe dar uma chance... uma chance para nós, na verdade. Mas tem que me prometer uma coisa.
– Qualquer coisa que estiver ao meu alcance.
– Não vai mais desaparecer.
– Tem a minha palavra. – O sorriso se alargou no rosto moreno. Aliviado, ele a beijou na mão outra vez e seu olhar encontrou o dela, cheio de esperança. – Não vai
se arrepender. Se depender de mim, jamais vai se arrepender, Pea.
– Acredito em você. – Ela teve vontade de rir.
Ele se levantou de um salto.
– Venha! Vamos sair daqui. Vou levá-la a qualquer lugar que quiser. Basta pedir e tornarei seu desejo realidade.
Desta vez, Pea riu.
– Admito que essa foi a melhor proposta que já tive, mas não posso deixar o trabalho pelas próximas... – olhou para o relógio – ... seis horas.
– Seis horas?
Ela assentiu com um gesto de cabeça.
– Mas não tenho planos para esta noite.
Foi a vez de ele sorrir.
– Posso vê-la ainda hoje?
– Pode. – Ficaram sorrindo um para o outro até que Pea se deu conta do tempo passando. – Oh, meu Deus! Onde estou com a cabeça? Minha amiga deve estar terminando
de dar uma aula daqui a pouco. Preciso ir até lá encontrá-la e... – Hesitou. Não podia dizer “... e ver se ela conseguiu chamar a atenção de Griffin a meu respeito”
ou então “... e assegurar que ela não vá fazer coisas surgirem do nada, pondo a classe em polvorosa”. – ... e me certificar de que a aula foi bem. É a primeira dela.
– Se é assim, vou deixá-la terminar seu trabalho e vê-la novamente daqui a seis horas.
– Poderia ser daqui a sete horas? Quero ter tempo para chegar em casa e, você sabe... – Ela fez um gesto, mostrando as roupas.
– Ah, claro. Daqui a sete horas, então. – Vulcano virou-se para sair.
– Ahn, Victor? Não quer ficar com o meu número de telefone e endereço para saber onde me buscar esta noite?
Parecendo envergonhado, ele voltou para a mesa e apanhou um papel onde pudesse rabiscar a informação.
– Não sou muito bom nessas coisas, desculpe. Merecia alguém mais... – Moveu os ombros largos, constrangido. – ... Mais experimente na arte do amor.
O sorriso travesso de Pea se desvaneceu. Ela sabia muito bem o que era se sentir desajeitada e incompetente naquelas coisas.
– Não diga isso. Eu gosto de você como é. Não quero nenhum conquistador. Quero alguém com quem eu consiga me dar bem. Alguém que me entenda e com quem eu possa contar.
– Eu lhe dou a minha palavra de que poderá confiar em mim. Sempre.
– Estou torcendo por isso.
Ele pegou a mão dela e, quando se inclinou, Pea imaginou que Victor fosse beijá-la outra vez. Desta vez, porém, ele a surpreendeu inclinando-se para a frente e beijando-a
nos lábios.
Foi um beijo cheio de promessas, mais do que de paixão, contudo seu perfume a envolveu, assim como o calor de seu corpo. Victor lembrava um fogo quente em uma noite
fria, e ela se viu correspondendo com a mesma intensidade.
Quando os lábios dele deixaram os seus, quis puxá-lo de volta e se perder em sua boca. Em vez disso, porém, reencontrou a própria voz:
– Vejo você daqui a sete horas.
– Até mais tarde, pequena.
Antes de voltar ao Olimpo, Vulcano seguiu as indicações para o centro de pesquisa da faculdade. Precisou lançar alguma magia sobre um ou outro mortal, entretanto
logo estava sentado diante de um computador, testando seu conhecimento rudimentar nas ferramentas de busca.
Não poderia transitar pelo mundo moderno sem ter o mínimo de compreensão quanto àqueles tempos e pessoas.
Com um suspiro, estalou os dedos e começou a manusear e clicar o pequeno e intrigante dispositivo que chamavam de mouse.
Capítulo 19
– Obrigado, senhorita. Foi uma aula e tanto!
Vênus sorriu, carinhosa, para o jovem bombeiro que, no início da aula, havia segurado seu desenho de cabeça para baixo.
– Obrigada, querido. Fico contente que tenha gostado.
– Mais do que isso, senhorita! Mal posso esperar para... – Ele se interrompeu, corando. – Quero dizer, aprendi muito, obrigado.
– De nada! – Vênus falou da porta da sala de aula, de onde se despedia do grupo. Os rapazes tinham ido muito bem, mantendo-se atentos e entusiasmados o tempo todo.
E ela também se divertira, admitiu para si mesma. Principalmente porque o aluno mais atento, animado e bonito da classe fora Griffin, que agora ficara para trás
de propósito, sem dúvida à espera de que o restante dos homens se despedisse e fosse embora.
O último bombeiro saiu por fim, e a deusa sentiu o estômago se contrair conforme Griffin se aproximou, os olhos sorrindo para ela.
– Eu não sabia que era professora.
– Na verdade não sou. Pelo menos não com frequência. Mas acho que mando bem quando o assunto é amor. – Vênus fez uma pausa, torcendo para ter utilizado a expressão
moderna da forma correta.
– É terapeuta?
Aliviada por ele lhe ter atribuído uma profissão viável, ela acenou com um gesto de cabeça e sorriu, inocente.
– Isso mesmo. Terapeuta sexual. Dei esta aula de hoje como um favor para uma amiga que trabalha aqui na faculdade.
– Então vou ter que me lembrar de agradecer à sua amiga por estar aqui hoje.
– Verdade? Por quê? – Exceto pelo incômodo interrogatório a respeito de sua presença ali, Vênus se viu mais à vontade na conversa.
– Voltei para encontrá-la naquela noite, porém você não estava mais lá.
Griffin parecia estar sendo franco, e ela decidiu se igualar a ele na honestidade.
– Esperei até que ficou claro que não estava com nenhuma pressa em voltar para mim. Depois fui embora.
Ele soltou um longo suspiro, frustrado.
– Eu não queria ter demorado tanto, mas o prefeito e meu chefe não deixaram com que eu me afastasse enquanto não expliquei todos os aspectos do plano de educação
da comunidade que propus para a estação de Midtown. Sinto muito se pareceu que eu a desprezei.
Vênus sentiu a respiração se acelerar.
– Eu não achei que havia me desprezado – mentiu, seca. – Apenas me cansei de esperar e resolvi ir embora.
Griffin franziu o cenho em resposta ao tom arrogante.
– Bem, foi ótimo vê-lo novamente. Espero que tenha gostado da aula. – Vênus virou-se e se pôs a encher a sacola com o giz e os desenhos. Por que estava sendo tão
fria e rude? Queria que Griffin conversasse com ela, queria que ele se desculpasse... e ele estava fazendo ambas as coisas. Ainda assim, ela o tratava daquela maneira.
Analisou as próprias emoções em silêncio. Estava magoada! Pelo escroto defeituoso de Hércules, Griffin a tinha magoado ao não retornar, e o fato de ela ter acreditado
que ele a desprezara ainda doía!
– Oh, Deus! Olá, Griffin. – A voz doce de Pea rompeu o silêncio.
Vênus se voltou, vendo Pea estender a mão para o bombeiro, nervosa, e seu coração deu um salto dentro do peito. O sorriso de Griffin parecia genuíno quando aceitou
o cumprimento.
– Olá, vizinha. É um prazer vê-la outra vez, Pea. Eu devia ter imaginado que era a amiga que Vênus estava ajudando aqui na faculdade.
– Devia? – Pea perguntou com um sorriso incerto.
– Sim, no baile de máscaras Vênus contou que vocês duas eram muito próximas. Na verdade, talvez possa me ajudar... Estou tentando convencê-la de que só me afastei
e a deixei sozinha por muito tempo naquela noite por causa do trabalho.
– No baile de máscaras do Lola’s?
– Sim, e agora ela está aborrecida. – Griffin olhou para Vênus, e o que viu o fez acrescentar: – Não que eu a culpe. Mas posso compensá-la por tudo esta noite, com
um jantar. Que tal sair em minha defesa, Pea, e convencê-la de que sou apenas um cara comum, e não um aproveitador?
– Ou um mentiroso – completou Pea. Mas não olhava mais para Griffin. Estava olhando para Vênus.
– Claro que não sou mentiroso! – ele se defendeu. – É justamente isso o que quero provar a ela.
– Pea, eu posso...
A expressão vazia da moça não mudou, porém ela interrompeu a deusa:
– Vênus vai deixar que você a compense por seu deslize, Griffin.
A deusa abriu a boca, contudo Pea tornou a cortá-la:
– Tenho um encontro esta noite, por isso é justo que ela também tenha o dela.
Vênus piscou, chocada.
– Um encontro? Esta noite? Com...
A expressão de Pea abrandou um pouco.
– Com ele. Victor veio ao meu escritório enquanto você estava dando a aula.
– E está tudo bem entre vocês dois?
– Tudo certo – Pea respondeu, fria, antes de lançar um olhar para o bombeiro. – Não há nenhuma razão para que não saia com Griffin. Nenhuma mesmo. – Deu-lhe um sorriso
tenso antes de se afastar rapidamente.
Griffin se aproximou de Vênus, e ela sentiu o estômago se apertar de novo.
– Diga que vai sair comigo esta noite. – Os olhos azuis se fixaram nela, obrigando-a a desviar o olhar das costas de Pea.
Entreolharam-se, então. Griffin estava tão perto que Vênus pôde imaginar seu corpo contra o dele e, a despeito de sua preocupação com Pea, perguntar-se como seria
se eles estivessem nus e dedicando seu tempo a dar prazer um ao outro. Seria tão bom quanto aquele acesso de luxúria que haviam experimentado em seu encontro precipitado
à sombra da árvore?
– Vou – ouviu-se dizendo.
Ele avançou mais um passo, e ela pôde sentir seu perfume, assim como o calor de seu corpo.
– Não vai se arrepender – Griffin falou, rouco.
– E-Eu tenho que falar com Pea – Vênus decidiu, tensa. – Vejo você esta noite. – Começou a se afastar, porém a voz dele a deteve.
– Onde e a que horas?
– Às seis – ela resolveu, distraída, e já concentrada em descobrir o que poderia dizer à amiga. – Ah... Estou morando com Pea no momento. – Ou assim ela esperava,
completou em pensamento.
Griffin sorriu e acenou com a cabeça.
– Estarei lá às seis em ponto, minha deusa.
Pea estava sentada à mesa, olhando para a parede, quando Vênus entrou no escritório sem ter noção de quando já se sentira tão constrangida.
– Perdoe-me, Pea – falou sem preâmbulos. – Eu devia ter lhe contado que estava com Griffin naquela noite.
Pea encolheu os ombros, porém não chegou a encará-la.
– Tudo bem. Você é uma deusa, e deusas podem fazer o que quiser.
– Não, isso não é verdade. – Vênus sentou-se na cadeira de visitantes. – Está certa apenas em parte. Como uma deusa, posso realmente fazer o que quero, mas, sendo
também sua amiga, há coisas que eu não faria.
– Como se insinuar para o homem por quem sou apaixonada faz tempo enquanto finge que está me ajudando a conquistá-lo?
– Não foi isso o que aconteceu.
Pea a encarou, e Vênus detestou ver a mágoa nos olhos da mortal.
– Então explique-se, porque, do meu ponto de vista, parece que foi isso o que se passou. Pior do que isso: está me lembrando uma daquelas meninas que me fizeram
tão mal no colégio.
– Oh, Pea, não! – Vênus sentiu os olhos se encherem de lágrimas. – Por favor, não diga isso... O que aconteceu foi um acidente, e o maior erro que cometi foi justamente
não lhe contar nada.
Pea levantou o queixo e encontrou o olhar de Vênus por fim.
– Eu só quero saber uma coisa: tudo aquilo que falou sobre mim... era tudo mentira?
– Não! – As lágrimas escorreram pelo rosto de Vênus. – Eu não menti para você, nem mesmo sobre Griffin. Eu só não lhe disse tudo o que devia ter dito. E eu queria,
Pea. Até comecei a lhe falar... Mas não quis magoá-la. – Ela enxugou o rosto com as costas da mão. – Não queria perder a sua amizade.
– O que aconteceu, afinal?
Vênus respirou fundo e contou tudo: desde sua conexão instantânea com Griffin, e o esforço que ela fizera para ignorá-lo, até o momento em que ele se aproximara
dela no baile de máscaras. Quando revelou que o bombeiro a tinha tomado sob a árvore, Pea arregalou os olhos. Tensa, Vênus contou como acreditara que o bombeiro
a havia abandonado logo depois.
Pea se mantivera em silêncio até então, mas, nesse ponto, não se conteve:
– Pensou que ele a tinha abandonado! Por isso estava tão estranha e triste quando eu a encontrei do lado de fora do restaurante...
Vênus abriu a boca para garantir a Pea que aquilo não fora nada de mais. Afinal, a deusa do Amor estava sempre no controle, sempre bem.
Mas, antes que proferisse as palavras, percebeu o quanto estas eram falsas.
Também percebeu algo diferente: queria conversar com Pea sobre tudo aquilo. Precisava falar com Pea, porque a mortal realmente se tornara sua amiga.
– Nunca fui desprezada antes e... e-eu não sabia o que fazer nem como agir – admitiu, constrangida. – Por isso fiquei lá, sentada e magoada. Eu devia ter lhe contado
o que tinha acontecido, mas nem sabia como. Depois, quando me falou sobre o seu amante desconhecido, imaginei que, se eu pudesse juntá-los de alguma forma, veria
como esse estranho era melhor do que Griffin. E se, mesmo assim, não se desse conta do quanto Griffin era canalha, dou minha palavra, não teria deixado que ele a
usasse e magoasse.
– Assim como pensou que ele a havia usado e magoado.
– Sim.
– É uma sensação terrível sentir-se rejeitada e enganada por alguém de quem a gente gosta, não é? – Pea indagou, calma.
Vênus não conseguiu reencontrar a voz. Apenas assentiu e enxugou as lágrimas com o lenço que a amiga lhe entregou.
– Gosta mesmo de Griffin? – perguntou Pea.
– Gosto – ela conseguiu responder. – Mas não tanto quanto gosto de você. Se isso a magoa, nunca mais vou vê-lo novamente. Dou-lhe a minha palavra.
Pea sorriu, e Vênus ficou indescritivelmente aliviada ao ver o amor e a confiança regressarem a seus olhos.
– Quer saber? Tinha razão sobre Griffin.
– Ele é um canalha? – Vênus indagou, fungando.
Pea riu.
– Talvez... Mas eu estava me referindo ao que disse sobre Griffin ontem. Em como eu me sentia sobre ele. Não era Griffin que eu queria, Vênus. Era o que ele representava
para mim: o homem perfeito que eu nunca poderia encontrar, nunca poderia ter.
– Está enganada. Pode encontrar o homem perfeito para você e pode fazê-lo seu.
O sorriso de Pea foi mais do que malicioso.
– Agora eu sei disso.
– Sua vez de falar, então! Quero saber tudo sobre esse Victor.
– Eu quero lhe contar sobre ele, mas primeiro acho que vou tirar uma folga pelo restante do dia. Nós duas temos que nos aprontar para os nossos encontros. – Pea
agarrou a bolsa e se levantou, olhando interrogativamente para a deusa quando esta não se moveu.
– Você me perdoa, Pea? – Vênus perguntou, séria.
– Claro que sim, minha deusa. Isso é o que os amigos fazem: perdoam os erros uns dos outros.
Vênus olhou para Pea, comovida.
– Obrigada, Dorreth Pea Chamberlain. Você é mesmo uma pessoa muito boa.
Pea corou e sorriu.
– Prefiro olhar o lado positivo das coisas.
– Excelente prática.
– Aprendi com a Oprah. Como ela diria, ser forte e positiva é a melhor maneira de a gente se tornar poderosa e moderna.
– Oprah?
– Pense nela como uma deusa-irmã.
– Verdade? Uma mulher moderna que é como uma deusa-irmã? Depois quero saber tudo sobre essa Oprah também – decidiu Vênus, pondo-se de pé.
– São deusas demais na minha vida para tão pouco tempo!... – Pea riu, enquanto as duas caminhavam de braços dados para fora do escritório.
– Não há motivo para ficar tão nervosa! – Pea disse a Vênus pela enésima vez.
– Claro que há. Eu nunca tive um encontro antes.
Pea riu.
– Tem noção de como isso é inacreditável? Você é a deusa do Amor!
Vênus franziu a testa.
– Claro que sou. Mas o que isso tem a ver com o meu encontro?
– Como pode nunca ter vivido um encontro antes? É a mulher mais bonita que já vi. Os homens devem se ajoelhar aos seus pés.
A expressão de Vênus se iluminou.
– Obrigada, querida. É verdade que os homens vivem aos meus pés.
– Então por que não teve nenhum encontro até agora?
Vênus suspirou e sentou-se junto a Pea na borda da cama.
– É diferente com os imortais. Nós não namoramos. Temos tórridos casos de paixão. Encontros amorosos que fulguram pelos Céus e que podem até causar guerras ou fazer
uma civilização inteira prosperar.
– Caramba, se é assim, por que está tão preocupada com Griffin?
– Porque ele me tratou como uma mortal. Ele me seduziu. Não porque sou a deusa do Amor, mas porque ele desejava a mulher que acreditava que eu fosse. – A voz de
Vênus soou tão fraca que Pea precisou chegar mais perto para ouvi-la. – Até aquela noite no Lola’s, sempre estive no controle. Se desejo um deus, ele sucumbe a mim.
Se eu desejo as atenções de um mortal, ele me adora, agradecido. Eu sempre fui a sedutora, nunca a seduzida. Estive no controle a ponto de ter me decidido por um
casamento de conveniência.
– Você é casada!?
Vênus acenou com a cabeça, porém deu de ombros.
– Na realidade é um casamento de fachada. Por ele não ser fisicamente perfeito, tornou-se uma espécie de pária no Olimpo. Achou que ganharia aceitação se casando
comigo. E eu imaginei que, se me casasse com ele, eu poderia...
Ela fez uma pausa. Estivera prestes a dizer o mesmo de sempre: que se casara pensando em ganhar um pouco de liberdade. Que até mesmo o Amor se cansava e precisava
de um refúgio de vez em quando, e que imaginara que o estoico Vulcano e seu reino de fogo pudessem lhe proporcionar isso.
Mas ultimamente vinha questionando seus reais motivos.
– Não. Isso não está certo – ouviu-se admitindo em voz alta. – Eu fingi que precisava dele para algo, quando na verdade eu o estava usando como desculpa. Acabei
me escondendo por trás do casamento para não olhar o vazio que era a minha própria vida. – Vênus sorriu para Pea, tristonha, os olhos cor de violeta marejados. –
Pelos membros enormes dos Titãs, há séculos eu não chorava tanto! Ridículo que o Amor possa se sentir solitário, não? – falou com voz embargada.
– Não há nada ridículo em você. – Pea passou o braço pelos ombros da deusa. – Eu a considero linda, amável e surpreendente. E creio que descobrimos algo muito importante
hoje. Não veio até aqui apenas por minha causa. Veio também por você mesma.
– Por mim?
– Talvez a deusa do Amor tenha vindo para Tulsa a fim de encontrar a si mesma.
– Mas eu sei quem sou. Eu sou o Amor.
– E quanto tempo faz que não vive esse sentimento? – Pea indagou baixinho.
Vênus estudou a mortal cujo braço a amparava tão carinhosamente. Mortais antigos não ficavam tão relaxados em sua presença. Estavam sempre evocando seu nome, rogando
para que ela realizasse suas fantasias.
Mas Pea não era assim. Embora seu desejo a houvesse trazido àquele mundo, a moça parecera, desde o início, mais preocupada com o seu bem-estar do que com o dela
própria. Mesmo naquela tarde, quando confessara tê-la traído e pensara tê-la magoado profundamente, Pea permanecera de coração aberto e até a confortara.
Vênus fez algo que não fazia havia eras: respondeu à pergunta de Pea com total honestidade, admitindo a verdade para si mesma.
– Não me lembro da última vez em que me permiti amar. É difícil de acreditar, não é? Fui amada, evoquei o amor, lutei pelo amor e fiz brotar o amor... mas é bem
possível que eu mesma nunca o tenha conhecido.
– Então já é hora de mudar, não acha?
– Não tenho certeza de que saberei como agir.
– Bem, estou longe de ser uma especialista nesse assunto, mas creio que a chave é se deixar levar pelo sentimento.
– Deixar-se levar? – Vênus indagou, sentindo-se perdida. Estava se aconselhando sobre amor com uma mortal que até dois dias antes não sabia nem mesmo como domar
o próprio cabelo!
Quando Vênus fitou os olhos de Pea e viu quanta sabedoria e comiseração havia neles, recordou-se de algo de que nunca devia ter se esquecido: não se encontrava o
verdadeiro amor em um cabelo impecável, em boas roupas, na maquiagem ou nos sapatos perfeitos. O verdadeiro amor se encontrava na alma, assim como a sabedoria e
a compaixão.
– Sim, deixar-se levar. Pense sobre isso. Faz sentido. Não pode conhecer o amor a menos que esteja disposta a abrir mão de uma porção de coisas como o medo, o egoísmo
e o controle.
– Controle?
– Sim, o controle.
– Tem certeza?
– Receio que sim.
– Como pode ser tão sábia, Pea?
Ela sorriu.
– Tenho andado muito com uma certa deusa ultimamente. Foi ela que me lapidou... Agora chega de onda. Trate de fazer surgir um belo par de calças pretas e um suéter
de caxemira violeta. De preferência um da cor exata dos seus olhos, que realce suas curvas e esses seus peitos maravilhosos. Faça aparecer também uma jaqueta preta
para combinar com as calças. E prenda os cabelos esta noite. Assim Griffin poderá ver que lindo pescoço você tem. Se ele for um bom menino, talvez possa soltá-los
para ele mais tarde... – Pea terminou, maliciosa.
Vênus deu-lhe um abraço rápido e então se levantou.
– Preciso lembrá-la de fechar os olhos?
– Não. – Pea os fechou de pronto. – Ah, espere! – Abriu um olho para fitar Vênus. – Esqueça a jaqueta.
– Mas e se o tempo esfriar?
– É provável que esfrie mesmo... e a deixe toda arrepiada, pobrezinha. – Pea deu um suspiro exagerado. – Como Griffin poderá aquecê-la?
– Não me recordo de ter lhe ensinado esse tipo de coisa! – admirou-se Vênus.
– Você me ensinou a atitude. Eu apenas a coloquei em palavras.
– Feche os olhos. – Vênus fez surgir a roupa que Pea recomendara e decidiu que deixar de fora a jaqueta seria mesmo uma estratégia e tanto. Estudou-se no espelho,
satisfeita com o que viu, então olhou de volta para a cama. Pea continuava sentada, com os olhos bem fechados e um leve sorriso nos lábios. Céus, ela adorava aquela
mortal! – Pode abrir os olhos agora, querida, e vamos começar a aprontá-la para o seu próprio encontro.
Pea obedeceu.
– Isso vai ser fácil. Decidi que vou oferecer um jantarzinho para Victor aqui mesmo, e usar aquelas calças jeans maravilhosas que escolheu para mim junto com o suéter
de lã e seda. E minha lingerie nova, de renda branca – completou, corando de leve.
Vênus ergueu as sobrancelhas.
– Planeja deixá-lo ver a sua nova lingerie?
– Oh, meu Deus, espero que sim! – Pea admitiu meio sem fôlego, enrubescendo de vez. – Estou errada? Estou ou não estou? Talvez eu devesse ir mais devagar. Quero
dizer, não importa o que eu vejo no olhar dele, eu não o conheço realmente.
– Querida, se existe algo que eras de experiência me ensinaram é que o amor não segue nenhum calendário. Tenho visto casais sendo cuidadosos e responsáveis acerca
desse sentimento apenas para vê-lo escorregar por seus dedos como areia em uma peneira. Também já vi casais cuja chama ardeu no primeiro momento em que se entreolharam
e nunca se apagou, nem de uma vida para outra. Tem a ver com o casal, não com o tempo.
– E como eu posso saber se é amor de verdade?
– Da mesma maneira que esses amantes souberam por toda a eternidade: tendo confiança em si mesma e ouvindo a voz do coração.
– Está bem. Vou tentar fazer isso, se também tentar.
– Fechado – concordou Vênus. – Agora me ajude a prender meu cabelo, e eu passarei um pouco de óleo de coco nesses seus cachos maravilhosos.
Capítulo 20
– Está bem, agora lembre-se: essa história de namoro não é nada de mais. Quero dizer, não é nada muito importante até que ele a apresente para a família. Aí, sim,
terá todos os motivos para ficar nervosa.
Vênus lançou a Pea um olhar de puro pânico.
– Não, não... Não precisa se preocupar com isso esta noite – corrigiu-se Pea. – Desculpe, eu nem devia ter mencionado esse assunto. O que tem de fazer esta noite
é deixar de lado o seu famoso controle e ver o que ele planejou para vocês dois. Tudo no que tem de se concentrar é em relaxar e curtir.
– Relaxar e curtir – Vênus repetiu.
Mas, que diabo? Estava com as palmas das mãos úmidas? Impossível. A deusa do Amor não ficava com as palmas suadas!
Esfregou-as nas calças só por precaução.
A campainha tocou, e Vênus sentiu o batimento cardíaco disparar no pescoço. Pea piscou para ela, gritou para Chloe parar de latir e abriu a porta.
Pelas gônadas incandescentes de Hermes, pensou Vênus, Griffin estava demais! Usava calças pretas, um suéter da mesma cor e um blazer de caxemira camelo. E estava
bem barbeado, notou. Sabia que se chegasse perto dele seria capaz de sentir aquele cheiro de homem mesclado a apenas um toque de sabonete.
E como ela queria se aproximar dele!
– Olá de novo, Griffin – Pea cumprimentou.
– Olá. – Ele se agachou e estendeu a mão para Chloe, que continuava resmungando. – Lembra-se de mim, terrier gato? Psss-psss...
Pelo visto, Chloe se lembrava, pois seu resmungo cessou, dando lugar a um rabinho que balançava alegremente enquanto ela permitia que Griffin a afagasse na cabeça.
Quando ele se levantou, seus olhos encontraram os de Vênus.
– Boa noite, Vênus.
– Griffin. – Ela disse apenas seu nome, porém este saiu como uma carícia, o que fez os lábios dele se curvarem em resposta.
– Posso saber aonde vão esta noite, crianças? – Pea perguntou, travessa.
Ele riu.
– É surpresa.
Vênus começou a franzir a testa, porém, antes que dissesse que não gostava de surpresas – principalmente de mortais –, Pea já se manifestava.
– Que maravilha! Vênus adora uma surpresa... É tão bom não estar no controle, não é mesmo, amiga?
– Sim – ela respondeu, relutante, captando a mensagem.
– Ótimo – Griffin falou com um suspiro. – E então, está pronta para irmos? Está ficando meio tarde.
– Estou pronta – concordou Vênus, enquanto pensava: “Claro que não!”
Conforme passou por ele na porta, Griffin franziu o cenho.
– Não vai apanhar um casaco?
Vênus lançou um olhar por sobre o ombro, na direção de Pea.
– Não, estou bem... Sou naturalmente quente.
Pea sorriu para ela, discreta, enquanto fechava a porta.
Vênus caminhou, confiante, para o veículo estacionado em frente à casa, até que sua mente registrou o que seus olhos estavam vendo.
– Por que um carro tão grande?
– Bem, eu preciso desse carro para transportar... umas coisas.
– Que modelo é esse?
– Um Dodge Ram Dooley – ele explicou, abrindo-lhe a porta do passageiro. – Desculpe pelo degrau.
Vênus olhou para o interior da enorme caminhonete preta, cujo chão ficava a uma altura quase ridícula do solo.
– Pelo chapéu... fresco de Hermes... caraca! – Vênus se corrigiu depressa, usando uma das imprecações modernas do site Smart Bitches Trashy Books ao se lembrar do
comentário de Perséfone sobre mortais modernos não apreciarem xingamentos envolvendo a genitália divina. – Como vou subir nessa coisa?
Griffin riu.
– Pelo chapéu fresco de Hermes?
– É que todo mundo sabe que ele é gay e usa aquele ridículo capacete alado o tempo todo como bandeira.
– Todo mundo sabe?
O olhar de Vênus se deslocou da caminhonete para Griffin.
– Mitologia é o meu hobby – justificou-se, nervosa.
– Seu nome é Vênus, é terapeuta sexual e seu hobby é mitologia. Tem certeza de que não é mesmo uma deusa? – ele indagou, brincando.
– Se eu fosse, poderia me transportar para dentro dessa coisa com magia – ela murmurou.
Griffin riu outra vez e estendeu a mão.
– Vamos lá... Vou ajudá-la.
Conforme a mão forte a estabilizou e o choque do contato com a carne quente formigou deliciosamente por seu corpo, Vênus se viu grata pela enorme caminhonete e pela
necessidade de obter ajuda.
– Obrigada.
– É um prazer, senhorita. – Griffin estendeu o braço e puxou seu cinto, prendendo-o no suporte, o rosto tão próximo do dela que Vênus pôde sentir o perfume de homem
mesclado ao de banho, como havia fantasiado anteriormente.
Griffin a fitou nos olhos e abriu um sorriso lento e sexy.
– Quero ter certeza de que vai ficar segura – explicou, o hálito quente e doce soprando em sua face.
No entanto, ele não a beijou. Ao contrário, desceu da caminhonete e a contornou.
Vênus ficou surpresa ao ver como o automóvel era suave enquanto se movia, e gostou da sensação de estar acima de todos os outros veículos na estrada. Griffin pressionou
alguns botões e uma música suave flutuou entre eles, lembrando-a da dança lenta que tinham compartilhado... o que acabou mexendo novamente com seus nervos.
– Para onde vamos? – ela quis saber, com uma voz que soou meio áspera. Então respirou fundo. – Quero dizer, disse que era uma surpresa, mas não pode me dar uma dica?
– Desculpe, não queria parecer tão misterioso. Eu só estava brincando com Pea. – Olhou-a de esguelha e Vênus concluiu que ele, também, de repente parecia um pouco
tenso. – Estamos indo à inauguração de uma mostra de arte, se não se importa.
Ela ergueu as sobrancelhas.
– Está me levando a uma exposição de arte?
Griffin a observou em silêncio antes de voltar a se concentrar na estrada.
– Acha difícil de acreditar que eu possa apreciar arte, não é?
Ela levou algum tempo para responder. A voz dele soara neutra, contudo a tensão em seus ombros dizia que, inadvertidamente, ela o ofendera.
– A verdade é que me parece mais um guerreiro do que um artista.
– Não é possível que um homem seja ambas as coisas ao mesmo tempo? Você é a especialista em mitologia; se bem me lembro, vários dos deuses também não eram artistas,
músicos, assim como guerreiros?
Vênus sentiu um pequeno choque de surpresa. Griffin estava certo. Apolo era um músico talentoso, bem como um guerreiro habilidoso e deus da Luz. Ares era o deus
da Guerra, porém também era poeta, embora um tanto seco em sua opinião. Atena, que era a deusa da Guerra e da Sabedoria, também era reconhecida como a deusa das
Artes.
Até Vulcano atuava como um talentoso escultor de metal além de ser deus do Fogo.
– Sim, os deuses e deusas eram conhecidos pela dualidade de suas naturezas. Mas, a menos que pretenda me surpreender esta noite, revelando que também é um deus,
minha experiência diz que os mortais tendem a ser uma coisa ou outra: ou artista ou guerreiro. De qualquer forma... – Vênus fez uma pausa e Griffin olhou para ela,
o que a fez sorrir, feliz. – ... imagino que um mortal excepcional possa mesmo ser as duas coisas.
– Iria me considerar excepcional se descobrisse que sou ambas as coisas?
– Eu disse excepcional? – ela repetiu, brincando. – Quis dizer incomum, anormal, extravagante... ou simplesmente peculiar.
Griffin riu, e Vênus ficou feliz em ver a tensão deixar seus ombros.
Um edifício na rua chamou sua atenção.
– Não foi o Lola’s que acabou de passar?
– Sim, a mostra de arte é no fim da rua, em um dos armazéns reformados da Brady Street. Espero que não se importe em andar um pouco. A noite está uma delícia, e
é difícil encontrar um bom lugar para esta caminhonete na rua, então pensei em parar no estacionamento em frente aos Tribune Lofts e caminhar até lá.
– Não me importo com uma rápida caminhada – ela garantiu, embora a menção aos Tribune Lofts a houvesse distraído. Eles ficavam próximos ao portal. Estranho que tivesse
se esquecido deste, assim como do fato de estar mesmo presa ao mundo mortal moderno.
Engraçado... Não se sentia nem um pouco presa ali. Não depois que Pea abrira sua casa e sua vida para ela. Ela parecia estar bem e feliz, e, depois de seu encontro
daquela noite com o sensual Victor – o qual, pelo visto, era um especialista em sexo oral –, sua vida muito provavelmente seria preenchida com êxtase.
Vênus suspirou. Isso a faria cumprir o juramento que a mantinha cativa naquele mundo. Portanto, era bem possível que pudesse descer a rua naquela noite e desaparecer,
de volta ao mundo antigo... O seu mundo.
– Vamos?
Vênus piscou, saindo de seus devaneios. Griffin havia estacionado a caminhonete, e agora segurava a porta com a outra mão estendida, pronto para ajudá-la a descer
do banco do passageiro.
Ela desafivelou o cinto de segurança e aceitou o auxílio. Pensaria sobre o Olimpo mais tarde.
O armazém reformado era um excelente lugar para uma mostra de arte. Vênus ficou impressionada com a iluminação e com as paredes altas, pintadas de um branco que
lembrava neve recém-caída e noites de inverno. Elas dariam um excelente destaque a qualquer pintura, refletiu.
Mas, naquela noite, a arte exibida era um pouco diferente. Naquela noite a mostra era de esculturas feitas de diferentes tipos de metal, soldadas em um surpreendente
conjunto de formas e tamanhos.
Vênus estudou as peças e não precisou olhar as placas de identificação ou o folheto para reconhecer que todas elas tinham sido criadas pelo mesmo escultor.
– Graça – falou de repente.
– O quê?
Ela olhou da escultura que vinha admirando para Griffin. A tensão estava de volta em seus ombros, e ele parecia apreensivo, como se tivesse um fio esticado demais
dentro de si. Tinha começado a agir daquele modo desde o momento em que eles haviam entrado na galeria.
Verdade que continuava atencioso e charmoso, e que, definitivamente, existia uma forte tensão sexual pairando de forma constante entre eles; entretanto, Griffin
parecia também à beira de um colapso nervoso.
– Acabei de perceber o que todas essas esculturas têm em comum: uma graça inconfundível. Mesmo sendo diferentes entre si, passam a mesma emoção, como se tivessem
sido moldadas com o mesmo sentimento. – Vênus obteve toda a atenção de Griffin com as palavras, o que ela adorou. – Não tenho que ler a placas de identificação para
saber que todas elas foram criadas pelo mesmo homem.
– O que a faz pensar que o artista é um homem?
Vênus sorriu.
– Sei reconhecer o toque de um homem. Por exemplo... – Ela fez um sinal para que Griffin a seguisse até uma escultura de que havia gostado muito. Era uma peça grande
e feita de cobre, intitulada Fênix. Retratava os contornos de uma mulher nua e com asas, voando de um ninho de chamas irregulares. – Olhe para as curvas desta mulher,
principalmente para os quadris e os seios. E veja como ele nos dá a ilusão de cabelos longos e esvoaçantes se misturando com as chamas, de modo que ambos, cabelos
e chamas, pareçam um só. Isto foi criado por um homem que ama as formas femininas e tem uma sensibilidade incrível quanto à beleza.
– Uma mulher também não poderia amar as formas femininas?
– Claro que poderia. Mas esta peça tem a sensualidade e a energia das mãos de um homem.
– Gostou dela?
– Sim, muito. Gostei de todas as esculturas, na verdade. Conhece o artista?
Uma cacofonia de vozes femininas impediu a resposta, e Griffin virou a cabeça em direção à entrada da galeria, vendo um animado grupo de quatro mulheres jovens e
atraentes invadir o armazém.
– Elas vieram – murmurou sem olhar para Vênus, a voz soando tensa.
– Elas? – Vênus franziu a testa para o barulhento grupo. Por que Griffin parecia tão interessado naquelas moças quando estava em um encontro com ela?
– São minhas irmãs. – Ele a fitou por fim. – Espero que não se importe com uma pequena reunião de família...
– Sua família? – Vênus percebeu que soara estridente, porém não conseguiu evitar. Pea tinha dito que conhecer a família só acontecia mais tarde!
Ele sorriu e assentiu, desculpando-se.
– Sim, imagino que eu devia tê-la avisado antes, mas não quis assustá-la.
– Ah... claro – foi tudo o que Vênus conseguiu balbuciar.
– Outra coisa... – Griffin falou, apressado, conforme o grupo de moças o avistava e começava a se deslocar em sua direção rapidamente. – Eu sou o escultor.
– Você é o...? – Vênus começou, depois parou e o encarou, conforme a verdade a atingia. O nome gravado nas placas era “D. Angel”. DeAngelo! Claro que era ele o artista.
Isso explicava por que Griffin estivera tão tenso e silencioso. Aquela exposição de arte era sua!
– Extraordinário – murmurou, atônita.
Capítulo 21
As irmãs de Griffin eram verdadeiros turbilhões femininos e encantadores. Lembravam as ninfas da floresta, pensou Vênus.
E também a lembravam do porquê de ela conseguir ficar apenas algum tempo na companhia das deidades. As pequenas criaturas eram de enlouquecer.
– Verdade! Há anos dizemos a Griffin que ele não devia ser tão discreto a respeito de sua arte. As esculturas são o máximo e não o tornam “menos homem”. Não é como
ser um designer de interiores ou algo assim. Griffin bombeiro. Impossível ser mais macho do que isso – afirmou Alicia, revirando os olhos na direção em que o irmão
tinha desaparecido na companhia do dono da galeria. Era a caçula do grupo, e Vênus concluiu que a moça era dona de uma beleza natural, embora fosse claramente a
mais desmiolada das irmãs.
– Não faz ideia de como foi difícil fazer esta exposição – comentou Sherry, a mais velha e também a mais bonita. Era muito parecida com o irmão, com os cabelos fartos
e escuros e aqueles incríveis olhos azuis.
– Foi mesmo. Sherry precisou tirar fotos do trabalho de Griff às escondidas, e depois levá-las para o dono da galeria, fingindo ser sua empresária – contou Kathy.
Vênus adorou o corte de cabelo curto e espetado da moça, que fazia seu pescoço parecer com o de um cisne. Também gostou do brilho em seus olhos azuis, que era igual
ao de seu irmão.
E o trabalho de Kathy também a fascinou: a moça trabalhava em uma rádio, em algo que chamava de “estação de soft rock”.
Vênus mordeu o lábio. Adoraria saber mais a respeito, até porque poderia escutá-la mais vezes. A voz de Kathy era feminina, rouca e cheia de sex appeal. Era uma
experiência sensual apenas ouvi-la falar.
– ... Eu não estava fingindo – dizia Sherry, jogando os longos cabelos para trás, por cima do ombro, antes de sorrir para Vênus. – Sou publicitária, mas normalmente
promovo bandas, e não escultores.
– E Griffin não está lhe pagando nada – lembrou Stephanie, que também tinha os mesmos cabelos escuros do irmão, porém os olhos mais para o verde do que para o azul.
Ela explicara antes que trabalhava em um estágio avançado da Universidade de Tulsa.
Vênus não sabia o que era uma jurisprudência, mas soou importante, e ela gostava da intensidade de Stephanie.
Sherry riu.
– Claro que Griffin não está me pagando nada. Mas ele prometeu trocar o óleo do meu carro pelos próximos oitenta mil quilômetros.
– Ei! Ele vai mudar o óleo do meu carro – protestou Alicia.
– Já estão brigando por mim outra vez? – Griffin sorriu para as irmãs, em seguida entregou um copo de champanhe gelado a Vênus. – Tome, minha deusa. Achei que fosse
precisar de uma bebida depois de passar algum tempo com este grupo.
– Sua deusa? Não acha que é muita presunção da sua parte? – opinou Sherry.
– Sim, não precisa da permissão de uma deusa antes de torná-la sua divindade pessoal? – Kathy praticamente ronronou.
Vênus sorriu e capturou o olhar de Griffin, divertida.
– Seu irmão é o tipo de homem que pode reivindicar o que quiser. Imagino que seja uma boa coisa Vênus ser a deusa do Amor e não da Guerra. O Amor tem um temperamento
mais dócil.
– Dócil? Você? – Os lábios de Griffin se curvaram.
– Vênus não disse que era dócil, pateta. Disse que era mais dócil do que a maluca da deusa da Guerra, o que significa que deve continuar esperto – alertou Alicia.
– Exatamente – concordou Vênus.
– Pois eu já conclui que ela é mais travessa do que dócil.
– Ele está me insultando? – Vênus perguntou a Sherry.
– Não creio. De certa forma, penso que Griff está lhe fazendo um elogio, isso sim.
– Ei, eu estou aqui!
Em perfeita harmonia, as quatro irmãs viraram os olhos para ele.
– Estão assustando Vênus e me condenando a uma existência solitária e sem paixão, em que serei conhecido como o velho bombeiro e artista maluco, que passa todo o
tempo trocando o óleo dos carros das irmãs e nunca tem um momento para si mesmo.
– E qual seria o problema? – provocou Sherry docemente.
– Por acaso ficaria todo curvado e adotaria um sotaque francês como o de Kevin Kline em Surpresas do Coração, resmungando coisas como “aquelas meninas são um pé
no saco” enquanto traga um cigarro nojento e bebe taças de vinho tinto? – exigiu Kathy.
– Kat, tem que parar com essa assinatura de filmes pela internet! Está gastando tempo demais vendo e revendo filmes – ralhou Sherry.
– Eu gosto de cinema – Kathy protestou com um beicinho.
– Já está com vontade de gritar e sair correndo daqui? – Griffin perguntou a Vênus.
Ela riu.
– Adorei conhecer suas irmãs.
Era evidente que as moças amavam o irmão tanto quanto ele as amava. Que homem multifacetado era Griffin! Bombeiro e guerreiro, artista e irmão amoroso.
As moças continuaram a discutir sobre Griffin e o cronograma de troca de óleo. Vênus tomou um gole de champanhe e olhou por cima da borda da taça, capturando seu
olhar. Enquanto ele a observava, ela pegou o morango que enfeitava a borda do cálice e lambeu a ponta, vendo-o prender a respiração. Sim, ele certamente era multidimensional,
o que incluiu a dose de paixão que, ela sabia muito bem, pairava logo abaixo da superfície. A paixão que ela adoraria provar mais e mais...
– Iu-huuu! Pombinhos? Que tal irem para algum motel? – Alicia deu uma risadinha.
Griffin soltou uma gargalhada, em seguida estendeu a mão para Vênus.
– E então, minha deusa, está com fome? Posso levá-la para casa e alimentá-la.
Vênus sorriu ao ouvir o apelido carinhoso e percebeu, agora que não se sentia tão nervosa a respeito do encontro, que estava mesmo faminta e que gostaria que ele
a levasse para casa. – Sim, estou. – Deu a mão a ele, gostando do modo como Griffin a apoiou no braço, tal qual um guerreiro escoltando a amada que lhe pertencia...
E pensou mais uma vez no quanto estava gostando de ser tratada como uma mulher, e não como uma divindade. Em seguida, lembrou-se exatamente do porquê de eles estarem
ali e acrescentou: – Mas não pode deixar a sua própria exposição.
– Por que não? Minha empresária está aqui. Ela é melhor do que eu nesse tipo de coisa – afirmou Griffin, sorrindo para a irmã. – Vejo vocês mais tarde, meninas –
completou por cima do ombro enquanto puxava Vênus em direção à porta do armazém.
– Adeus, meninas! – ela se despediu da mesma forma.
As moças acenaram, ao mesmo tempo que jogavam beijos para o irmão mais velho.
Lá fora, a calçada se encontrava lotada de pessoas entrando e saindo da exposição de arte e das pequenas lojas que tinham ficado abertas até mais tarde de propósito,
a fim de aproveitar a inauguração da mostra na galeria. A noite estava clara, porém um vento forte soprava, tornando-a um pouco fria, o que fez Vênus se aconchegar
junto a Griffin.
– Aqui, vista isso. – Ele tirou o blazer e o colocou sobre seus ombros. – E deixe-me andar do lado da rua. Nunca se sabe se algum idiota vai beber e subir na calçada
com o carro... – Fez com que ela enroscasse o braço no dele novamente e se pôs do seu lado esquerdo, mantendo-a junto dele.
Vênus se viu envolta por seu calor e sentiu-se protegida e cuidada; dois sentimentos estranhos para a deusa do Amor. Normalmente, era ela que cuidava para que essas
coisas acontecessem na vida de outros. Por acaso alguém, deus ou mortal, já estivera preocupado com algo tão simples, como se ela estava sentindo frio ou calor,
ou se sentia protegida?
Sabia muito bem a resposta. Ela fora adorada por eras. As pessoas faziam peregrinações a fim de pedir pela bênção do Amor em suas vidas. Mas jamais tinham cuidado
dela ou a protegido. Afinal ela era uma grande deusa que não necessitava tampouco desejava seus cuidados...
Pois estavam erradas.
– Obrigado por ser tão paciente com as minhas irmãs. Eu sei que as quatro juntas podem ser meio estressantes.
As palavras invadiram os pensamentos de Vênus, e ela sorriu para Griffin.
– Elas vão ficar zangadas por ter saído tão cedo da exposição.
– Não... Até porque vou passar o resto da vida trocando o óleo de seus carros. O segredo – ele se curvou para sussurrar em seu ouvido – é que eu não me importo de
fazer isso. As meninas sempre ficam agradecidas, e eu gosto de saber que estão sendo bem cuidadas. Também levo o carro da minha mãe para trocar o óleo a cada cinco
mil quilômetros.
Vênus não entendia exatamente por que ele precisava mandar trocar tanto óleo, ou pelo que este deveria ser trocado, mas gostou da ideia de Griffin fazer aquilo pelas
mulheres mais importantes de sua vida quase tanto quanto da maneira como sua respiração fez cócegas em sua orelha, causando-lhe sensuais arrepios pescoço abaixo.
– Pena que não conheceu a minha mãe esta noite. Ela está em um cruzeiro com duas amigas. Vai ficar aborrecida quando voltar e descobrir que perdeu a inauguração
da exposição.
– E quanto ao seu pai?
A expressão aberta e entusiasmada de Griffin oscilou.
– Ele nos deixou quando eu era adolescente. Conheceu uma mulher mais nova e constituiu uma nova família.
– Sinto muito – murmurou Vênus. Então, ele tinha sido pai e irmão das moças, bem como o homem do qual sua mãe dependia. Não admirava que Griffin entendesse tão bem
as mulheres.
– Não precisa. – Ele deu de ombros. – Aconteceu há muito tempo.
– Azar o dele...
– Isso era o que eu costumava dizer às meninas quando elas indagavam sobre o assunto.
Pararam do lado do passageiro da enorme caminhonete.
– É um bom irmão, Griffin DeAngelo – declarou Vênus num impulso. – Que você seja ricamente abençoado por sua bondade para com a sua família...
Beijou-o no rosto, enviando-lhe um pouco de magia com sua bênção. Não o suficiente para que Griffin notasse, mas o bastante para lhe trazer uma sorte incomum nos
dias seguintes.
Quando se afastou, imaginou que ele fosse sorrir, abrir a porta para ela e ajudá-la a subir na caminhonete. Em vez disso, Griffin a surpreendeu, tomando-a nos braços
e baixando a boca para a sua.
Por cima do ombro largo, Vênus avistou a plenitude da lua de inverno, que parecia lançar um feixe de luz prateada sobre eles. Um presságio, pensou, enquanto seus
olhos se fechavam e ela entreabria os lábios para que Griffin se apossasse deles.
A lua dos amantes brilhando para nós é um excelente presságio. Significa que devo me permitir um amante que não seja um suplicante ou um imortal, e que eu preciso
me permitir amar...
Então não foi capaz de pensar em mais nada, exceto na boca de Griffin e na maneira perfeita como eles se encaixavam quando deslizou os braços ao redor de seu pescoço
e se moldou a ele.
– Venha para casa comigo – Griffin murmurou contra seus lábios.
– Está bem – Vênus sussurrou, feliz.
O sobrado de estuque de Griffin ficava na mesma rua da confortável casa de Pea. Ele destrancou a porta e a conduziu para um cômodo espaçoso, pouco iluminado. Instantaneamente,
uma enorme gata malhada começou a se enroscar em torno de suas pernas, ronronando boas-vindas.
Griffin lhe afagou o topo da cabeça.
– Vênus, esta é Cali do Beco. Na verdade ela não é uma gata vira-lata, pelo menos desde que me adotou, mas o nome pegou. Vou lhe dar seu pires de leite, do contrário
ela nunca vai me deixar em paz. Fique à vontade... – Ele correu para algum ponto na parte traseira da casa, depois chamou por cima do ombro. – As luzes ficam perto
da porta. Desculpe, eu devia tê-las acendido para você.
E desapareceu no que Vênus imaginou que fosse a cozinha.
Com um suspiro, ela tateou às suas costas e ligou o interruptor. Virou-se para olhar a sala e congelou, em choque, ao deparar com a imensa escultura de ferro que
predominava na sala. Embora ele tivesse aproveitado a ideia de outro artista, ela sabia que o trabalho era de Griffin. Tinha as mesmas linhas graciosas e sensuais
de todas as suas outras esculturas. Era linda, e a fez se sentir comovida, sem fôlego e mais surpresa do que jamais estivera em séculos.
– Esta peça é a minha favorita. Não a exibi esta noite porque nunca vou colocá-la à venda – ele explicou suavemente, entregando-lhe uma taça de vinho branco.
– É O Nascimento de Vênus, de Botticelli... – Ela ficou espantada por sua voz soar tão normal. – E ao mesmo tempo não é.
– Eu me inspirei na pintura, mas a Vênus de Botticelli nunca me pareceu muito fiel à imagem que eu fazia dela. Então decidi “consertá-la”. – O sorriso de Griffin
saiu meio nervoso. – Ou pelo menos tentei.
– E conseguiu – murmurou Vênus, os olhos ainda fixos na escultura. A concha fora talhada no que parecia uma única e imensa folha de cobre, e Griffin a envelhecera
e manchara com uma tinta verde-musgo que lembrava o mar. A Vênus que nascia do oceano também fora esculpida no cobre, entretanto o metal fora polido até brilhar
como gemas facetadas.
E seus contornos eram arrebatadores e eróticos. A deusa tinha os cabelos feitos com fios de metal sobrepostos, os quais pareciam um rabo de sereia envolvendo as
curvas generosas de seu corpo. Não se parecia mais com uma ninfa. Agora contava com a sensualidade de uma mulher adulta, madura, experiente e intrigante.
Vênus se aproximou da escultura.
– É difícil acreditar que tenha conseguido fazer isso tudo com metal. É tão quente, tão realista...
– É uma espécie de homenagem ao que as mulheres são, não acha? Elas parecem frágeis, porém são mais fortes do que os homens consideram.
Ela olhou por cima do ombro, vendo seu sorriso travesso, contudo não o achou arrogante, e sim sexy e atraente. O homem certamente conhecia bem as mulheres.
– Por que Vênus? – perguntou sorrindo.
Griffin sorriu ainda mais.
– Não se lembra? Quando nos conhecemos, eu disse que ela era a minha deusa favorita.
Vênus assentiu de leve. Não se recordava. Na verdade, nem tinha pensado naquilo.
– Sim, estou intrigado com ela – Griffin continuou, olhando para sua obra.
– A deusa do Amor, nascida do mar, que nem mesmo precisou de um homem para vir a ser. – Ele balançou a cabeça. – Tenho a impressão de que ela sempre foi um pouco
triste.
– Triste? Por quê? – Vênus sentiu os pensamentos alçar voo, como se invadido por inúmeras e confusas borboletas.
– Pense bem. A deusa do Amor não precisa de um homem, o que me faz crer que ela carrega o Amor com ela, designa-o para outras pessoas, mas não o guarda para si mesma.
Ele a faz parecer intocada e intocável. – Griffin ergueu a taça em sua direção, e seu sorriso brincalhão retornou. – Mas a mitologia é o seu hobby. O que acha da
sua homônima?
Ela levou algum tempo para responder. Depois foi o mais honesta que podia.
– Acho que ela adoraria a sua escultura.
Griffin caminhou até ela e tocou os cachos do cabelo loiro-platinado que escapavam do penteado.
– E então, minha deusa, já decidiu o que eu sou?
– O que você é? – A proximidade dele fez a respiração de Vênus se acelerar.
– Antes de chegarmos à galeria, afirmou que um homem que é um artista e um guerreiro tem que ser excepcional, incomum... – Fez uma pausa, enrolando um fio de cabelo
suavemente em torno do dedo. – O que mais disse, mesmo?
Vênus ergueu uma sobrancelha.
– Que um homem que é um artista deve ser excepcional, incomum, anormal, extravagante, ou peculiar.
– E qual é a sua decisão sobre mim, minha deusa? – Os olhos azuis cintilaram, travessos.
– Estou inclinado a dizer que é excepcional ou peculiar.
Griffin se deslocou ainda mais para perto dela.
– Deixe-me ver se posso mudar essa opinião a favor do “excepcional”...
Não lhe deu tempo para responder. Apenas a segurou pelo rosto e se inclinou para lhe tomar a boca.
Vênus permitiu que ele a dominasse com um beijo que pareceu arder por todo seu corpo, e se deliciou com o fato de que aquele homem a tomava sem qualquer hesitação,
sem fazer de seu toque um jogo que terminava sempre com algum pedido de bênção. Tantas vezes, século após século, ela ouvira as palavras: “Aceita o meu corpo como
uma oferenda, grande deusa do Amor, e faz com que a mulher que eu desejo me ame”...
Nem mesmo os imortais se privavam de implorar que ela os ajudasse.
Já Vulcano, por ironia, havia-se casado com ela porque sua vontade fora justamente se esconder do amor.
Pois ela já estava farta daquilo tudo. Naquela noite não seria a deusa Vênus. Naquela noite seria uma mortal sendo amada por um mortal, o que significava que ela
iria abdicar de seu controle em favor de Griffin.
Sem uma só palavra, ele colocou sua taça de vinho ao lado da dele, sobre uma mesa de centro de metal baixa. Em seguida a puxou pela mão em direção à escada larga
que levava ao segundo andar e ao quarto do loft. A cama era grande, com estrutura de ferro, coberta com um edredom escuro e espesso, além de travesseiros king size.
Não acendeu mais nenhuma luz, porém manteve a iluminação da sala lá embaixo, de modo que ela incidia sobre eles, criando um efeito muito parecido com o da luz de
velas.
Griffin sentou-se na cama e a puxou para perto, a fim de que ela ficasse entre suas pernas. Em seguida mergulhou as mãos em seu cabelo, fazendo com que o precário
penteado se desfizesse em torno de suas costas e ombros.
– Eu queria fazer isto desde o momento em que a vi esta noite – sussurrou.
Vênus balançou a cabeça para que todos os cachos pendessem, livres. As mãos de Griffin se moveram pelos fios, depois por seu pescoço, e então, devagar, bem lentamente,
continuaram descendo e delineando seu corpo, como se ele quisesse memorizar sua forma e conteúdo.
Ela estremeceu ao pensar na capacidade daquelas mãos em criar obras de arte tão lindas e sensuais, em como tinham sido capazes de criar uma versão perfeita dela
sem que nem mesmo a conhecessem.
– Está com frio? – Griffin indagou baixinho, as mãos se movendo pela parte de trás de suas coxas, para cima e ao redor, até que seus polegares acariciaram o centro
de sua feminilidade. Vênus deixou escapar um gemido de prazer.
– Posso aquecê-la – continuou ele, a voz saindo rouca, como se falar houvesse se tornado difícil de repente.
Ela moveu os quadris para a frente, de encontro ao toque firme, já excitada com a mão que a acariciava através das camadas suaves da calcinha e mais ásperas das
calças.
– Lembro-me de como reagiu naquela noite e não consegui tirá-la da cabeça desde então. É como uma droga que não sai do meu sangue, Vênus... – A voz de Griffin ficou
mais profunda e sua respiração se acelerou. – Ainda me recordo de como estava quente e úmida, de como deslizei em você, e de como pude senti-la gozar...
Vênus encontrou a paixão nos olhos azuis, e o calor e desejo que viu neles fez o desejo vibrar por seu corpo já sensibilizado.
– Pensou em mim quando se masturbou depois?
– Sem parar! – ele gemeu. – Pensei que a tinha perdido.
– E eu pensei que tinha me usado e depois me abandonado – ela admitiu, ofegante.
– Nunca! – Os olhos dele cintilavam com paixão. – Eu nunca faria isso com você. Venha cá, Vênus... – Ele a puxou para baixo e colou a boca na dela.
Vênus entreabriu os lábios e aceitou a pressão da língua quente, permitindo que Griffin a devorasse. Sem parar de beijá-la, ele a ergueu nos braços e a deitou na
cama, lutando com o zíper das calças. Vênus levantou os quadris para que ele pudesse tirá-las, e Griffin as puxou junto com os scarpins, jogando-os no chão. Seus
dedos se espalmaram sobre o ventre macio, em seguida deslizaram sedutoramente para baixo, cobrindo a seda preta da calcinha que ela ainda usava para lhe circular
o clitóris com o polegar, depois ainda mais para baixo a fim de afagar as dobras macias na mesma carícia que ele usara antes de deixá-la seminua.
– Está tão molhada que até a calcinha está úmida – ofegou, excitado.
Vênus gemeu de frustração quando ele lhe abandonou o clitóris a fim de arrancar as próprias roupas em movimentos impacientes. Era um homem magnífico. Mais moreno
e másculo do que Adonis, mais alto e mais forte do que Aquiles.
O desejo de que Griffin a fizesse sua foi tão violento e tão poderoso que a deixou tonta. Quando ele se deitou a seu lado, Vênus buscou o falo rijo e se permitiu
acariciá-lo enquanto, mais uma vez, as línguas se encontravam. Griffin soltou uma risada abafada e agarrou seu pulso.
– Não quero que isto acabe tão cedo. Esta noite vamos ter um ao outro com calma.
– Eu não sei se posso esperar – ela confessou meio sem fôlego.
– Mas eu posso. – Ele sorriu. – E você também pode. Desta vez serei eu o professor... – Começou a desabotoar sua blusa, seguindo a trilha deixada por seus dedos
com os lábios e a língua.
Quando o sutiã de seda preta ficou finalmente à mostra, ele fez a língua passear ao longo do bojo até encontrar o cerne rijo do mamilo excitado. Lambeu-o e sugou-o
por cima da fina camada de seda, até que Vênus passou a respirar em pequenos espasmos. Suas mãos de artista se lançaram para baixo numa carícia firme, removendo
a calcinha. Então Griffin a segurou pelas nádegas, trazendo-a com firmeza de encontro à sua ereção.
Em vez de mergulhar no corpo úmido, porém, ele posicionou a cabeça do pênis de modo que pudesse deslizar para a frente e para trás, do clitóris para baixo, e depois
de volta. Moveu seu corpo contra o dela, e Vênus soltou uma exclamação, projetando-se para mais perto.
– Está me deixando todo molhado! – Griffin sussurrou contra o mamilo que ainda provocava com a língua e os dentes.
– Entre em mim! – ela pediu num gemido. – Por favor...
– Ainda não, minha deusa, quero que goze primeiro.
– Sim! – Vênus choramingou. – Oh, Griffin, sim! – Esfregou o corpo macio contra a cabeça ingurgitada cada vez mais rápido até sentir uma deliciosa explosão se edificar
entre suas pernas e cascatear pelo corpo.
Em vez de parar durante seu orgasmo, Griffin arrancou-lhe o sutiã e cobriu-lhe os seios em concha com as mãos, massageando-os e acariciando-os enquanto se reposicionava
contra seu calor úmido. Desta vez, a ponta do membro rijo pressionou mais abaixo, de modo a deslizar por toda a extensão de sua intimidade, provocando-a sem nunca
entrar nela.
– Eu me lembro do que nos ensinou na aula de hoje... – A voz dele soou carregada de luxúria. – ... Que se um homem se preocupa verdadeiramente com o prazer de uma
mulher, ela pode ter um orgasmo atrás do outro. Ele só tem que mantê-la excitada e poderá levá-la ao clímax seguidas vezes. – Empurrou o corpo contra o dela, o falo
rijo escorregando em sua umidade macia. – É este o lugar certo?
– Sim! – Vênus gemeu.
Griffin continuou a afagá-la com o próprio corpo, indo para a frente e para trás. Uma de suas mãos a segurou com firmeza pela nádega, a fim de mantê-la no ritmo,
e a outra estimulava um seio, segurando-o de encontro à sua boca quente. Quando Vênus chegou ao orgasmo outra vez, não conseguiu evitar de chamar seu nome.
– Agora... – Griffin ofegou, prensando-a na cama e se controlando até poder fitá-la nos olhos. – ... Agora preciso estar dentro de você – avisou, e afundou dentro
dela, invadindo sua vagina com uma ferocidade que a fez gemer de prazer.
A sensação de plenitude foi quase demais para Vênus suportar. A respiração pesada de Griffin soava em perfeita harmonia com a sua própria, e ela podia sentir o cheiro
de seu sexo se mesclando. Ele capturou sua boca, e Vênus se deliciou com seu gosto salgado e sexy. Tudo se combinava para aumentar seu desejo por ele.
Excitada, Vênus o segurou com uma das mãos, apertando-o suave e provocantemente. Com a outra, acariciou o membro ingurgitado enquanto este se movia para dentro e
para fora dela, adorando perceber que o fluido que cobria seu falo era o seu próprio.
– Você é minha! – Griffin disse em um tom gutural, movendo-se de sua boca para a lateral do pescoço, onde seus dentes provocaram e mordiscaram, como um animal viril
demarcando seu território. Excitada além da imaginação por tal demonstração de posse, Vênus levantou os quadris, investindo contra ele com igual paixão.
Ainda o acariciava quando percebeu que o membro rijo começava a sofrer espasmos. Griffin investiu contra ela tão fundo que encontrou o centro de seu prazer, e finalmente
liberou um prazer esmagador conforme seus gritos de êxtase espelharam os dele.
Capítulo 22
Dois dias antes, Pea teria achado bizarro não estar se sentindo nem um pouco nervosa por estar perambulando pela cozinha e se preparando para um encontro que tinha
potencial para ser incrível.
– Ganhei confiança – ela disse a Chloe, cuja atenção estava toda concentrada nela, como se isso pudesse fazê-la deixar cair alguma coisa interessante.
Chloe suspirou, descontente com a habilidade de Pea.
– É verdade. E não apenas em termos de cabelo, roupas e maquiagem. – Pea continuou conversando com a cadela, ignorando o mau humor de Chloe enquanto temperava a
salada. – Tem a ver com a deusa que eu encontrei aqui dentro. – Apontou para si mesma com uma folha comprida de alface.
Chloe latiu para ela, e Pea riu, dando-lhe um biscoito canino.
– Tente se comportar hoje. Há algo de especial nesse cara... Posso ver isso em seus olhos.
Levou a salada até a varanda, colocando-a sobre a pequena mesa que já se encontrava forrada por uma alegre toalha xadrez em vermelho e branco, com guardanapos combinando.
Seu melhor jogo de porcelana parecia em total harmonia com o chique casual do piquenique italiano que havia preparado. O Chianti já se encontrava aberto, mantinha
o pão de alho aquecido no forno, e o molho para o espaguete estava pronto.
Acendeu as velas sobre a mesa de madeira e colocou mais lenha no aquecedor. Em seguida, deu um toque final, acendendo as pequenas lanternas que pendurara ao longo
da treliça de madeira do deque.
Pea sorriu. Estava tudo perfeito. Até mesmo o tempo estava cooperando e permanecera surpreendentemente quente para aquela época do ano, como previra o sujeito do
Canal 6 de notícias.
– Comer fora em fevereiro... Que coisa mágica!
Aquilo tinha que ser um bom presságio.
Pea estava remexendo o molho quando ouviu a batida na porta da frente. Sentiu o estômago se apertar, porém mais por ansiedade e emoção do que por nervosismo. Então
amassou os próprios cachos mais uma vez e reaplicou o gloss nos lábios rapidamente, antes de abrir a porta.
Ele vestia um suéter de tricô preto e uma camisa escura, com um par de jeans que lhe caíam tão bem que Pea sentiu água juntar na boca por bem mais do que apenas
o espaguete.
– Olá – saudou baixinho.
– Oi – ela respondeu, meio ofegante.
Continuaram parados no lugar, olhando um para o outro e sorrindo, até que o ladrar insistente de Chloe chegou a seus ouvidos.
– Como ela se chama? – ele quis saber.
– Chloe. Desculpe seus modos... Minha cadela não gosta muito de homens, mas assim que se acostumar com você vai ficar quieta.
Ele se agachou e estendeu a mão devagar, a palma para baixo, oferecendo-se para ser farejado.
– É bom que ela a proteja – afirmou, concentrando-se na agitada terrier. – É uma defensora feroz da sua dona, não?
Pea o observou, curiosa. Seu tom era sério. Ele não soava persuasivo ou bajulador como tantas pessoas quando confrontadas por um cão rosnando. Ao contrário, parecia
compreensivo, algo a que Chloe reagiu positivamente, parando de rosnar e inclinando a cabeça, atenta, para o homem alto à sua frente.
– Eu jamais iria fazer mal a Pea... Juro, pequena.
Chloe cheirou a mão dele e abanou o rabo. Então bufou e foi em busca de seu gato.
– Que coisa estranha!... Chloe nunca se dá bem com homens. – Pea sorriu para ele. – O fato de tê-la conquistado deve significar que é seguro deixá-lo entrar.
Victor avançou um passo para dentro da casa e levantou a mão dela, levando-a aos lábios numa saudação, enquanto seus olhos se encontraram.
– As horas passaram muito devagar. – Ele a soltou com relutância.
– Pensei que fosse ser assim comigo também, mas eu precisava ajudar a minha, ahn... – Pea hesitou, sem saber como chamar a deusa – ... amiga a se arrumar para um
encontro esta noite, e o tempo acabou passando rápido demais. Eu tinha muito a fazer.
Ele sorriu e cheirou o ar.
– O cheiro está delicioso. Não vamos sair para jantar esta noite?
– Achei que seria melhor se comêssemos aqui mesmo. – Se não se importar, ela quase acrescentou.
Mas depois pensou melhor. A antiga Pea teria se preocupado e se desgastado, perguntando-se se não estaria sendo muito atrevida decidindo sobre o programa daquela
noite. Mas a nova Pea, recém-reformada por uma deusa, acreditava que tinha o direito de escolher o local do encontro, e que sua vontade era relevante. Queria comer
em casa, portanto iriam comer ali mesmo. Se ele não gostasse de sua comida fabulosa e de sua casa incrível, então não era o homem certo para ela. Ponto.
– Fico honrado que tenha cozinhado para mim.
Pea sorriu. Victor lhe dera uma resposta perfeita.
– Eu amo cozinhar.
– E também tem uma casa muito confortável – ele comentou, olhando em torno da sala de estar.
– Sim, isso é importante para mim – ela assentiu, contente por ele ter notado.
Já trouxera outros namorados para casa antes. Não uma porção deles, apenas alguns. Uns poucos tinham feito comentários pertinentes como “Bela casa”, “Legal aqui”
ou “Esta área vai valorizar muito”, mas nenhum captara seu dom de transformar uma “bela casa” num lar de verdade.
E Chloe havia odiado cada um deles.
– Claro que isso é importante para você – Victor aquiesceu, como se realmente compreendesse. – A casa é uma extensão de nós mesmos.
– Deixe-me mostrar o meu cômodo favorito: a cozinha. – Pea fez um sinal para que ele a seguisse. Foi direto para o fogão e remexeu o molho, sorrindo para ele por
cima do ombro. – Espero que goste de espaguete.
– Vou gostar de qualquer coisa que tenha preparado.
O sorriso dela se alargou.
– Quer experimentar para ter certeza?
– Se é isso o que quer... claro. Esta noite, Pea, todos os seus desejos serão uma ordem.
Pea sentiu a emoção por trás das palavras e começou a tremer. Ela desejava muito aquele homem alto e forte, cuja leve claudicação o tornava, de alguma forma, mais
acessível e humano. Ela o queria e também a promessa de futuro que lia em seus olhos.
Levantou a colher para ele e a soprou delicadamente, como se acariciasse sua pele com a respiração.
– Então prove... Mas tenha cuidado, pois está quente.
Um sorriso enrugou os cantos dos olhos escuros.
– Fico muito à vontade com tudo o que é quente.
Victor experimentou o molho e foi como se a estivesse degustando. Outra vez.
– Uma delícia...
– Está com fome?
– De muitas coisas.
Pea adorou a onda de calor que a cortou dos pés à cabeça. Parte dela desejou largar a colher e fazer com que ele a possuísse ali mesmo, na mesa da cozinha, enquanto
a outra (a parte mais racional) queria prolongar aquele doce jogo de preliminares que havia apenas começado.
Seu lado sensato acabou ganhando, mas por pouco.
– Ótimo. O jantar está quase pronto. – Ela pôs para ferver a água que aguardava pelo macarrão cabelo de anjo. – Vou lhe mostrar onde iremos comer. Levou-o lá para
fora, direto para o pequeno pátio.
– Perfeito – foi tudo o que ele disse.
Contudo, foi mais do que o suficiente: exatamente o que Pea pensava.
– Por que não serve um pouco de vinho para nós enquanto termino a massa?
Na porta, ela voltou atrás, prestes a lhe pedir que alimentasse o aquecedor com um pouco mais de lenha, porém Vitor antecipara seu pedido. A súbita e estranha intensidade
das chamas, no entanto, a fez duvidar de que o fogo precisasse ser mais atiçado.
Bem, pensou Pea, enquanto colocava o macarrão na água fervente, ele era bombeiro. Sabia lidar com fogo melhor do que ninguém.
Não demorou muito para dar os últimos retoques no jantar. Estava ansiosa por ficar junto dele e feliz por ter escolhido macarrão cabelo de anjo, que cozinhava em
um piscar de olhos.
Adorou o modo como seus olhos brilharam quando ela voltou, e ficou ridiculamente feliz com a vontade com que Victor mergulhou na refeição, o que foi um elogio ainda
maior do que suas palavras.
Analisando a refeição, ficou surpresa ao se dar conta dos temas amenos sobre os quais tinham conversado: o clima quente, como as lanternas davam um ar de contos
de fada ao deque, sobre a receita para o espaguete, que ela descobrira em um velho livro de culinária italiano já fora de circulação. Coisas comuns. Coisas mundanas.
Era quase como se tivessem estado sempre juntos.
– Gostei de ter resolvido comer aqui fora – Victor comentou após engolir sua última garfada e servir a ambos mais um copo de Chianti. – Fiquei preocupado que fosse
esfriar, mas a noite continua agradável e o aquecedor foi muito útil.
Pea assentiu em silêncio, surpresa ao perceber que o fogo ainda queimava alegremente.
Victor sorriu.
– Um bom fogo sempre aquece as coisas...
– Nunca imaginei que um bombeiro gostasse tanto de fogo.
– Quando se é íntimo do fogo, fica difícil não apreciá-lo e não aprender com ele, bem como não respeitar sua capacidade destrutiva.
– Apreciá-lo e aprender com ele... – Pea fez uma pausa, bebericando o vinho. – O que o fogo lhe ensinou, afinal?
– O fogo ensina sobre purificação e renovação. Por exemplo, um incêndio que assola uma floresta é, à primeira vista, um desastre. Mas, na verdade, a floresta volta
a crescer mais saudável depois, porque se livrou de ervas daninhas e de madeira morta.
– Faz sentido. O que mais aprendeu?
– Vejo histórias no fogo.
– Histórias? Como assim?
Ele a estudou, atento, antes de responder, e Pea teve a nítida e estranha impressão de que ele considerava o quanto podia revelar.
– Pense no fogo como um oráculo. Ele vive em constante mutação e tem vida própria. O fogo respira, se alimenta e pode morrer. Mesmo assim, ele é antigo como o tempo.
Por que não poderia colecionar histórias?
Pea refletiu a respeito. Aquilo era estranho, mas também fazia sentido.
– Suponho que sim. Mas imagino que seja necessário alguém que saiba ouvi-las e interpretá-las.
O sorriso de Victor foi radiante.
– Exatamente.
– Então me conte algumas delas.
Victor pensou por um momento, olhando para o céu enquanto vasculhava suas lembranças.
– Venha comigo, e eu lhe mostrarei. – Levantou-se e estendeu a mão para ela.
Pea a tomou sem hesitar, e ele a levou para a extremidade da varanda de madeira, cujo parapeito beirava a cintura. Durante a primavera e o verão, Pea mantinha sobre
ele enormes vasos de gerânios, de modo que todo o deque parecia estar em flor.
Victor soltou sua mão, e ela já começara a se ressentir da perda do contato quando ele descansou ambas as mãos sobre sua cintura.
– Posso? – indagou num murmúrio.
Ela fitou os olhos escuros, sem se importar com o que ele perguntava.
Qualquer coisa, pensou. Naquela noite, ela permitiria qualquer coisa.
– Claro – respondeu baixinho.
Surpreendendo-a, ele a levantou a fim de colocá-la sentada no parapeito, então a virou de modo que, em vez de ficar de frente para ele, Pea pudesse se recostar em
seu corpo, e seus braços fortes a amparassem de ambos os lados. Quando falou, seus lábios estavam colados à orelha dela, o rosto descansando em seu cabelo.
– O fogo conta histórias de tempos antigos, antigos povos, antigas crenças. – Apontou para o céu. – Por exemplo, você sabia que a lua cheia deste mês é conhecida
há muito tempo como lua acelerada?
Pea olhou para cima, seguindo sua direção.
– Lua acelerada? O nome é lindo.
Victor desceu a mão e a deixou descansar em sua coxa, onde começou a acariciá-la suavemente, como se seu toque fosse parte da história que tecia para ela. – Há muitas
gerações, ela incitava as pessoas a olhar para dentro delas mesmas e encontrar novas possibilidades, enquanto as criaturas que dormiam no ventre da Terra se encontravam
à beira do despertar da primavera.
– O que mais sabe sobre ela? – Pea perguntou, enquanto apreciava a lua cheia de fevereiro, hipnotizada por sua voz profunda e pelo calor que irradiava de seu toque.
– O fogo deste mundo chama a atenção para o brilho das constelações, dessas estrelas distantes que têm o seu próprio fogo frio. – Ele olhou para o sul e apontou
logo acima do horizonte.
Pea virou a cabeça e sentiu um arrepio delicioso quando ele afastou seu cabelo e beijou-a na curva do pescoço.
– Vê aquela pequena constelação? – Os lábios de Victor roçaram sua pele enquanto ele falava. – A que tem uma estrela dupla?
– Sim. – Murmurou a palavra, de modo que ela soou mais como um gemido do que como um reconhecimento. E pôde sentir os lábios dele se curvando num sorriso, assim
como a ponta da língua quente provocando sua pele.
– Aquela é a constelação de Áries. Diz a lenda que o rei da Tessália teve dois filhos, Frixo e Hele, que sofreram abuso de sua madrasta. Os deuses ouviram os gritos
das crianças, e Hermes enviou um carneiro com pelo de ouro para resgatá-los com segurança em seu dorso. Hele caiu do carneiro enquanto este sobrevoava o mar conhecido
como Helesponto. Frixo ficou com o coração partido, contudo foi levado são e salvo para as margens do Mar Negro, na Cólquida, onde sacrificou amorosamente o carneiro
em agradecimento aos deuses, cuja lã foi guardada por um terrível dragão. Os deuses honraram o carneiro enviando sua alma para os Céus.
Enquanto Pea admirava a beleza das estrelas, Victor a beijou e acariciou, as mãos fortes percorrendo suas coxas enquanto evocava imagens de um passado antigo com
voz rouca. Ela se recostou nele e, erguendo os braços, enlaçou-o por trás do pescoço, dando-lhe completo acesso a seus seios.
– Mais – pediu em um sussurro. – Conte mais.
– Vou lhe contar a história da minha constelação favorita, então. – A mão de Victor a deixou por um instante para apontar outro grupo de estrelas com o qual ela
já estava familiarizada.
– Ali é a Via Láctea e aquele é o Cruzeiro do Sul – ela os reconheceu de pronto.
– Olhe mais além... – ele instruiu, deslizando as mãos hábeis sob o suéter para lhe segurar os seios.
Pea não pôde reprimir um gemido e sentiu que ele sorria contra sua pele novamente.
– No mundo antigo, esse grupo de estrelas é conhecido como Centaurus. As estrelas são a alma de Quíron. – Seus polegares afagaram os mamilos arrepiados e sensíveis.
– Ele foi um dos professores mais talentosos que já viveram, e, em sua honra, o poderoso Zeus colocou a alma do centauro entre as estrelas.
Pea estava fascinado por Victor. Era como se ele houvesse criado um mundo mítico para ela, preenchido com a mágica de sua voz profunda e a paixão de seu toque ardente.
Tanto que se sentia lânguida e muito, muito sexy quando se virou para ele. Os olhos escuros cintilavam de desejo, e suas mãos ainda acariciavam seu corpo intimamente,
como se ele estivesse memorizando cada curva.
– Suas histórias são lindas – ela murmurou sem fôlego.
– Você me faz querer partilhar meu mundo.
– Gosto da maneira como vê o mundo. – Pea o tocou no rosto, depois passou os polegares por seu lábio inferior, lembrando-se de como era sentir aquela boca contra
o corpo. Em seguida, desceu a mão, de modo a pousá-la no peito largo, pressionando-o onde ficava o coração. Pôde senti-lo bater, forte e firme, quando se inclinou
em direção a seu calor.
– Quero que conheça o meu mundo. Eu a quero sempre comigo – ele falou, então se inclinou para cobrir seus lábios.
E o desejo varreu todo e qualquer pensamento a respeito de estrelas e eternidade da mente de Pea.
Quando eles interromperam o beijo, por fim, foi para olharem um para o outro.
Ela tocou o rosto de Victor outra vez.
– Disse que eu poderia ter qualquer coisa que desejasse esta noite?
– Sim.
– O que eu desejo é você.
Capítulo 23
O quarto de Pea era um retrato fiel dela, concluiu Vulcano. Aconchegante e convidativo, exatamente como ele imaginara na noite em que a vira por meio da linha de
fogo, dando prazer a si mesma.
A lembrança tornou seu membro ainda mais rijo, e o sangue que já corria quente e espesso por seu corpo fez suas entranhas doerem com a necessidade dela.
Não tinham se falado mais desde que Pea lhe confessara seu desejo. Ele apenas a beijara de novo com volúpia. Ela interrompera o beijo, então, mas apenas para tomá-lo
pela mão e levá-lo até seu quarto.
Agora se deslocava ao redor, acendendo velas coloridas que perfumavam o ar com a doçura da gardênia.
Vulcano sorriu, observando-a com um desejo que já se tornara algo familiar e tangível. Pea se pôs diante dele, o cabelo pendendo em cachos em torno de seu rosto
e ombros, e captando a luz emanada pelas chamas perfeitas das velas tal qual um véu trabalhado e cintilante. Ele desejou afundar as mãos nos fios e puxá-la para
si, e fez um movimento involuntário em sua direção, mas as palavras sussurradas de Pea o detiveram.
– Quero tirar a sua roupa.
Vulcano sentiu um aperto no estômago ao pensar que ela o veria nu. Sabia que sua perna não era grotesca. Ela apenas se curvava para dentro, e isso era muito mais
perceptível quando ele caminhava do que quando estava parado.
Mas muitas vidas haviam lhe ensinado que até mesmo aquela pequena imperfeição era motivo de zombaria.
– A-A menos que não queira e...
Ele pressionou um dedo contra os lábios macios. Sua hesitação, por conta de suas próprias inseguranças, solapara a autoconfiança que Pea exibira naquela noite, e
ele não pôde suportar a sombra de constrangimento e dúvida em seus olhos.
– Eu quero que me dispa. Mas receio que não vá gostar de ver a minha perna – disse, honestamente.
Ela o tocou no rosto outra vez e acariciou seu lábio com o polegar macio, assim como tinha feito antes, ao lhe confessar seu desejo.
– Jamais pense isso. Eu o quero como você é... Não uma versão perfeita.
Nunca alguém lhe havia dito uma coisa daquelas. Incapaz de falar, ele apenas aquiesceu.
Pea puxou seu suéter de leve e sorriu.
– Você é muito alto. Tem que se abaixar ou eu não vou conseguir fazer isto.
Seu sorriso fácil e doce o seduziu. Vulcano a abraçou com força por um momento, em seguida se inclinou para que ela pudesse lhe tirar a blusa. Sob esta, usava uma
camisa escura, de mangas compridas, em um estilo que parecia popular naquele mundo.
Pea começou a abrir seus botões, e ele teve vontade de arrancar a roupa do corpo e pressioná-la contra seu peito nu... Mas tal coisa não era de seu feitio. Vulcano
respirou fundo, então. Nada do que ele estava fazendo naquela noite era de seu feitio!
Com um movimento firme, rasgou a camisa que o confinava e puxou Pea para os braços.
Ela gemeu e devolveu o beijo, espalmando as mãos em suas costas. O toque em sua pele ultrassensível o fez estremecer.
Mãos delicadas e inquietas moveram-se para baixo, encontrando o botão das calças que a tal internet dizia chamarem “jeans”. Ele a beijou profundamente quando ela
tocou sua ereção, enquanto a outra lutava com o botão acima do zíper.
Pea ergueu a cabeça, seus olhares se encontraram, e os lábios dela se curvaram num sorriso típico de ninfa. Vulcano sorriu de volta, feliz por ver que sua autoconfiança
retornara.
– Gosto que já esteja assim... – ela murmurou e, com a ousadia das palavras, enrubesceu.
Ele sorriu ainda mais.
– É por sua causa. Apenas pensar em você me faz ficar neste estado.
– Que bom – ela falou baixinho e abriu o zíper das calças jeans, liberando sua ereção. Seus olhos encontraram os dele outra vez, só que, desta vez, pareciam um pouco
assustados.
– Sem nada por baixo? Fico contente por não ter percebido isso enquanto estávamos comendo. Não teríamos terminado a refeição, e eu teria perdido as lindas histórias
que me contou.
Vulcano se viu poupado de ter que responder porque Pea tomou seu falo na mão e começou a acariciá-lo por inteiro. Deliciou-se com o toque, sentindo-se tão rijo e
intumescido que sua pele parecia prestes a rasgar.
Pea tirou a mão dele apenas por tempo suficiente para lhe descer as calças, e Vulcano se livrou de delas, assim como dos sapatos, ficando nu – de corpo e alma –
à sua frente.
Os olhos de Pea percorreram seu corpo sólido. Vulcano sabia que ela podia ver claramente como sua perna esquerda se voltava um pouco para dentro, como a marca da
raiva de seu pai marcara sua silhueta, e teve que se obrigar a não fazer com que as pequenas chamas das velas se apagassem e os mergulhassem na escuridão.
– Você é lindo – ela murmurou, ofegante.
Em seguida, antes que ele tivesse tempo para se recuperar das palavras, ela se ajoelhou à sua frente e seus dedos subiram por ambas as suas coxas. O toque leve fez
seus músculos estremecerem e seu falo pulsar com uma mescla de desejo e prazer. Pea não se apressou, seguindo o caminho traçado por seus dedos com a boca, lambendo
e beijando-o até o centro de seu prazer. Segurou seus testículos, apertando-os e provocando-os, e então o envolveu com ambas as mãos, afagando-o, levando seu membro
à maciez rosada de sua boca...
Vulcano estremeceu e soltou um gemido quando, com a língua, ela lambeu a gota de líquido claro que sua excitação fizera brotar da cabeça do pênis. Em seguida, desceu,
girando em torno da ponta intumescida. Ao ouvir o modo como sua respiração saía em espasmos, Pea fez uma pausa e o fitou.
– Quero tê-lo na boca. Quero amá-lo com a boca, com o corpo, com o coração. Posso?
– Claro que sim, Pea... Por todos os deuses, sim! – ele respondeu, rouco.
Sem qualquer hesitação, ela abriu os lábios rosados e tomou no calor úmido da boca tanto quanto podia dele. Vulcano mergulhou as mãos nos cabelos fartos enquanto
ela sugava e se afastava, sugava e se afastava, a língua varrendo também as laterais sensíveis de seu sexo. Sentir o membro rijo em sua boca era uma sensação erótica
física e visual. E ver o falo rijo entrando e saindo dos lábios carnudos e rosados, as mãos de Pea sincronizadas com os movimentos de sua boca, quase foi mais do
que ele podia suportar. Queria explodir, mas ao mesmo tempo não desejava que aquela sensação deliciosa provocada pela boca e língua quentes chegasse ao fim.
Em algum ponto da carícia voluptuosa, ele sentiu o orgasmo se edificar numa doce onda de agonia que ele não podia conter. Quis avisar Pea, quis afastar sua boca,
porém ela não permitiu. Conforme seu corpo se retesou e o calor de sua semente jorrou, liberto, ela o acariciou e sugou com mais vontade até vê-lo seco e saciado.
Quando Vulcano conseguiu se concentrar de novo, ficou surpreso ao perceber que continuava de pé. Era difícil acreditar que não tinha desfalecido de prazer. Suas
mãos ainda estavam enroscadas nos cachos de Pea e, carinhosamente, ele os soltou.
Pea olhou para ele, então, os olhos cintilando.
***
O modo sensual com que Victor tinha contado suas histórias excitara Pea mais do que qualquer outra preliminar que ela conhecia. Tanto que, ao guiá-lo até o quarto,
ela já se sentia úmida, quente e pronta. Após levá-lo ao orgasmo com a boca, sentiu o desejo pulsar pelo corpo e sorriu, deliciando-se com sua expressão de enlevo
e satisfação.
– Minha vez – anunciou, baixando a voz provocantemente. Começou a se despir, amando a intensidade com que ele observava cada movimento seu. Sabia, claro, que Victor
não ficaria excitado de novo tão cedo, contudo mal podia esperar para sentir sua pele nua contra a dele, seus braços fortes envolvendo-a, sua boca na dela...
Nua, ela se deitou na cama. Livre de qualquer inibição, abriu as pernas para ele e assistiu, perplexa, o membro de Victor recomeçar a inchar.
– Quero entrar em você. Preciso ter você... Preciso fazê-la minha – ele decidiu com voz rouca enquanto subia na cama e se ajoelhava entre suas pernas abertas.
Meio descrente, ela estendeu o braço e segurou o eixo rijo, provando a si mesma que não estava imaginando aquela segunda ereção. Acariciou-o, sentindo-se liquefazer
de prazer. Victor era simplesmente incrível!
– Já me fez sua – ela afirmou, encontrando seu olhar, confiando que ele enxergava um futuro para ambos em seus olhos, tanto quando ela o via nos dele.
– Verdade – ele sussurrou. – Pertenceremos um ao outro por toda a eternidade. Amo você, Dorreth Pea Chamberlain... Quero passar minha existência ao seu lado.
Pea sentiu as palavras varrerem sua pele como se fossem palpáveis, ainda que sua mente afirmasse que era impossível que palavras transportassem alguma sensação física.
Aquilo não era racional, mas foi como se, ao confessar seu amor por ela, Victor, de alguma forma, os tivesse unindo mesmo para a eternidade.
– Sim – murmurou, entontecida. – Eu pertenço a você. Para sempre.
Guiou-o para dentro de si e gemeu ao senti-lo deslizar devagar por sua umidade.
Em seguida, toda a delicadeza e hesitação desapareceram diante do calor da paixão que os consumiu. Victor começou a impulsionar o corpo para dentro do dela com volúpia,
e Pea recebeu cada empuxo erguendo os quadris da cama e angulando a pélvis de modo a aceitar cada estocada por inteiro. Amou-a com a antiga dança da luxúria até
que Pea sentiu o corpo se preparando para o orgasmo e levantou as pernas, gemendo. Com uma espécie de grunhido, Vulcano segurou-lhe a perna e a ergueu, ancorando-a
por cima do ombro musculoso e agora escorregadio de suor. A nova posição a abriu ainda mais para ele, permitindo que mergulhasse mais fundo, levando-a à beira do
êxtase.
Pea colocou os braços ao seu redor e explodiu, ofegante. Ele a seguiu nessa doce explosão e gemeu com o prazer que o invadiu.
Pea se agarrou ao seu corpo trêmulo...
... E algo acima do ombro largo chamou sua atenção. Ela piscou, tentando se concentrar e controlar a própria respiração, porém viu claramente quando as chamas das
velas perfumadas que acendera antes estalaram em um sopro forte que quase chegou ao teto!
Gritou, contudo Victor se encontrava no meio do êxtase, e confundiu seus grito com uma manifestação de prazer. Pea se preparava para empurrá-lo de cima dela a fim
de correr para o extintor de incêndio, mas percebeu que, embora as chamas das velas estivessem enormes e brilhantes demais, não queimavam o quarto. Arderam junto
com o orgasmo de Victor como num lança-chamas inofensivo, destituídas de calor e feitas apenas de cor.
Pea continuou a olhar para as chamas, perplexa, enquanto Victor bombeava para dentro dela sua semente. Conforme seu orgasmo se esvaecia, assim aconteceu com as chamas
das velas, até que, enfim, quando ele desabou sobre ela com o rosto afundado na curva de seu pescoço, as pequenas chamas bruxuleantes voltaram ao normal.
Se ela estivesse com os olhos fechados, refletiu Pea, teria perdido aquilo.
Entretanto eles estavam bem abertos. Não era um sonho.
A verdade a atingiu como um raio. Tudo se encaixava: a aparição súbita de Victor coincidindo com a visita de Vênus, sua aura de poder, seus padrões de fala arcaicos
e estranhos, que podiam ter sido evidência de uma boa educação e, talvez, de várias viagens ao exterior, mas que, na verdade, eram causados por algo completamente
diferente. Sem contar seu conhecimento de mitologia antiga e o modo como contava suas histórias.
Victor acariciou seu pescoço com o rosto e a beijou de leve enquanto sussurrava algo doce que ela quase pôde ouvir por meio da pele.
– Quem é você? – Sua voz soou seca e objetiva, contudo naquele momento Victor (ou qualquer que fosse seu verdadeiro nome) não pareceu notar. Continuou a afagá-la.
– O homem que a ama, minha pequena.
– Mentira.
A palavra o atingiu por fim. Vulcano ergueu o corpo e, ao ver sua rígida linguagem corporal, franziu a testa com óbvia preocupação e rolou de cima dela.
Pea ignorou a sensação úmida e sensual do corpo sólido deslizando pelo dela.
– Pea?
– Você não é mortal – ela se ouviu dizendo em voz alta.
O choque nos olhos escuros não foi de “Que diabo?”; mas de “Como, diabos, ela descobriu?”. E Pea soube, sem sombra de dúvida, que seus instintos sobre ele estavam
certos. Ele não era como nenhum outro homem porque não era um ser humano comum.
– Quem é você? – repetiu, cruzando os braços sobre os seios nus. Não que quisesse se esconder dele. Não. Estava simplesmente furiosa.
– Por que está me perguntando isso? Por que acredita que não sou mortal?
– Ora, por favor... Enquanto estava gozando as chamas das velas bateram no teto, como se elas fossem lança-chamas em miniatura! Isso não é normal! – falou cada palavra
em separado, enunciando-as com ênfase.
Visivelmente nervoso, ele se sentou.
– Aconteceu isso com as velas?
– Ah, por acaso mencionei que elas subiram pela parede até o teto, mas não queimaram nada?
Ele olhou para as velas disfarçadamente, como se não quisesse que ela visse.
– Isso também não é normal?
– Sabe que não.
– Eu não sabia que isso ia acontecer. Isto – fez um gesto, apontando para ambos – nunca aconteceu comigo antes. – Arriscou um sorriso. – De qualquer modo, fico feliz
por as chamas não terem queimado nada.
Pea ignorou sua tentativa de aliviar a tensão entre eles.
– Acha que vou acreditar que nunca teve relações sexuais antes?
– Claro que não. Não foi isso o que falei. Eu quis dizer que nunca me apaixonei antes, então eu não tinha como saber que qualquer fogo em minha presença iria, ahn...
responder à intensidade das minhas emoções.
– E por que qualquer fogo reagiria a você? – Pea exigiu. Apesar da raiva que sentia, estava curiosa para descobrir quem ele era.
Ele respirou fundo.
– Meu nome não é Victor. Sinto muito tê-la enganado. Não estou acostumado com o que está acontecendo e não imaginava o que poderia ocorrer depois que a visse novamente.
– Passou a mão pelo rosto. – Eu nem tinha pensado sobre o que eu diria quando perguntasse o meu nome.
– E seu nome é...? – ela exigiu, impaciente.
– Vulcano.
– ... V. Cannes.
– Não sou um mentiroso muito bom.
Pea bufou.
– Podia ter me enganado.
– Mas não enganei. Na verdade, não queria enganar. – Ele lhe estendeu a mão, mas Pea recuou para longe dele.
– Por favor, não se afaste de mim – pediu Vulcano.
– Não ouse me dizer o que fazer! Eu não dou a mínima se é um deus. Não me deixarei intimidar. – Pea percebeu que estava mais confusa do que com raiva, mas não conseguiu
controlar a própria reação. Estava apaixonada por um deus antigo. Só de pensar ouviu um zumbido estranho nos ouvidos. Ficou com medo de que, quando a raiva passasse,
viesse a tristeza, ou pior: o medo.
– Eu jamais iria intimidá-la!
– Ha! Então ia apenas mentir para mim? E mal! Por que não me intimidar? Por que não me transformar em... em uma árvore ou algo assim, se o deixo zangado?
Não era isso o que os deuses faziam quando seduziam mulheres mortais? Por que ela não havia prestado mais atenção às aulas de mitologia na escola? Não tinha uma
cópia daquele livro antigo de mitologia de Hamilton Edith em algum lugar da estante? Caramba, tomara que sim. Havia muito o que estudar.
– Uma árvore? Por que eu haveria de querer transformá-la em uma árvore? – Ele pareceu chocado.
– Como posso saber?! Aliás, como posso saber qualquer coisa sobre você? Não foi tudo mentira?
– Não! – ele gritou, e as chamas das velas tremularam descontroladamente em resposta.
– Veja! – Pea apontou. – Acabou de fazer as chamas aumentarem outra vez.
– Sinto muito. Não vou deixar que nada de mal lhe aconteça.
– Por que tem controle sobre as chamas?
– Porque sou Vulcano.
Pea bufou, frustrada.
– Faz muito tempo que parei de ir à escola, e não costumava prestar muita atenção à mitologia, mas...
Ele franziu a testa, confuso, e Pea revirou os olhos.
– Não sei que deus é Vulcano.
– Ah. – Ele não pareceu ofendido, como ela imaginou que pudesse acontecer. Apenas deu de ombros. – Sou o deus do Fogo. Meu reino fica nas profundezas do monte Olimpo.
Em minha forja, mantenho o fogo da Terra antiga ardendo. Também trabalho com metal. Com coisas que possam ser feitas numa forja.
– Então era tudo mentira mesmo. – Pea sentiu uma onda de náusea.
– Pare com isso! – ele disse em voz alta, e olhou para as velas a fim de se certificar de que elas continuavam queimando tranquilamente antes de continuar. – Menti
apenas a respeito do meu nome, nada mais. Eu lido com o fogo e a venho observando. Estou mesmo apaixonado, Pea.
Ela balançou a cabeça.
– Eu não quis dizer isso. Quis dizer que mentiu sobre ser um pária, sobre não se encaixar no seu mundo. Você é um deus! Um dos imortais. Eu conheço Vênus e sei o
quanto vocês, olímpicos, são incríveis. – Ela mordeu o lábio, determinada a não chorar, e puxou o lençol por cima do corpo. Já era ruim o suficiente que ele estivesse
vendo a nudez de suas emoções. Ela podia não ser boa o suficiente para encobri-las, mas ao menos poderia cobrir a nudez do próprio corpo. – Não é justo que tenha
fingido ser como eu.
– Mas eu sou como você! Eu não estava fingindo. Olhe para mim! – Ele ficou nu ao lado da cama. – Olhe para mim com atenção. Minha perna é torta, eu sou manco. Basta
comparar os meus defeitos à beleza irretocável de Vênus. Estou longe de ser fisicamente perfeito, Pea. Só isso já me torna um eterno pária entre os imortais dourados
do Olimpo.
O zumbido voltou aos ouvidos dela.
– Nada disso importa. – Ela estendeu a mão e tocou-lhe a perna imperfeita.
Vulcano segurou sua mão e se ajoelhou ao lado da cama, afundando o rosto em sua palma.
– É importante para os imortais. Eu sei bem o que é se sentir excluído, e agora que a encontrei, sei como é se sentir aceito e amado. Não posso te perder, Pea. Não
agora. Eu não poderia suportar.
Pea soltou uma exclamação quando se lembrou do que Vênus lhe havia dito e, de repente, tudo fez sentido. “Por ele não ser fisicamente perfeito, tornou-se uma espécie
de pária no Olimpo. Achou que ganharia aceitação se casando comigo...”
– Oh, não... Está casado com Vênus! – disse baixinho.
– Sim, mas...
O restante das palavras se perdeu quando Pea irrompeu em lágrimas.
Capítulo 24
– Pequena, não chore! Tudo vai ficar bem, você vai ver.
– Pegue um lenço para mim – Pea pediu em meio a soluços, apontando para o banheiro anexado ao quarto principal.
Vulcano vestiu o jeans e correu para o cômodo.
Pea respirou fundo, tentando se acalmar.
– O lencinho na caixa cor-de-rosa! – conseguiu gritar.
Como se o deus do Fogo fosse saber o que era um lenço de papel!
Vulcano ressurgiu do banheiro com a caixa, entregou-a e sentou-se na beirada da cama, olhando-a como se esperasse que ela fosse entrar em combustão a qualquer momento.
Pea assoou o nariz e enxugou os olhos. Respirou fundo outra vez e percebeu, satisfeita, que soluçara apenas uma vez. Então nivelou o olhar com o de Vict... com o
de Vulcano, o antigo deus do Fogo, corrigiu-se mentalmente, apertando os lábios.
Serena, e no que considerava um tom calmo e razoável, falou, por fim:
– Está bem. Não sei como são as coisas no Olimpo, sob o Olimpo ou onde quer que seja. Mas aqui, no que Vênus – e, tenho certeza, você também – chama de “mundo mortal
moderno”, uma mulher não costuma se deixar apaixonar pelo marido da amiga. A menos que não preste ou seja muito vulgar.
Pea suspirou diante da expressão confusa no rosto moreno.
– Basta que acredite: não sou nenhuma vagabunda nem promíscua, nem pretendo ser. O que significa que não posso cair de amores pelo marido da minha amiga!
O sorriso de Vulcano foi lento e sexy.
– Você me ama. Acabou de dizer que me ama.
– Ei! Ouviu o restante?
Ele continuou sorrindo.
– Vênus e eu não vivemos como marido e mulher, Pea. Nosso casamento foi um acordo... que acabou não funcionando para nenhuma das partes. Ela não a faz acreditar
que me ama, faz?
Pea mordeu o lábio.
– Não. Contou que era casada, mas que não era um casamento de verdade.
Vulcano assentiu, não parecendo nem um pouco aborrecido pela descrição que a esposa dera para seu relacionamento.
– E não é verdade que Vênus está com outro homem neste momento?
– Talvez. – Estranhamente, Pea sentiu-se como se estivesse traindo Vênus caso dissesse mais.
Vulcano levantou uma sobrancelha.
– Talvez?
– Está bem, é verdade. Ela saiu para um encontro.
– O que, para mim, não representa nenhum problema.
– Isso me parece errado.
Ele segurou sua mão outra vez.
– Iria se sentir melhor se Vênus e eu concordássemos em anular o nosso casamento?
– Eu não sei. – Pea balançou a cabeça, sentindo-se à beira das lágrimas de novo. – As coisas estão acontecendo tão rápido!
– Mas, Pea, minha pequena, já conversamos sobre isso. A rapidez com que o nosso amor está acontecendo não é importante. É o amor em si, essa conexão de almas que
sentimos, o que importa. – Inclinou-se para a frente e a segurou pelo rosto. – Olhe em meus olhos e verá a verdade neles. Vivo sozinho pelo que consideraria uma
eternidade. Até vislumbrar você por meio da minha linha de fogo, poucos dias atrás, eu estava convencido de que a única maneira pela qual eu poderia ter paz era
agindo como o carneiro de Quíron.
Os olhos de Pea se arregalaram.
– Queria morrer e virar uma constelação?
– Sim.
– Mas não pode! É imortal!
– Quíron também era, mas, assim como aconteceu com o centauro, posso morrer se Zeus assim desejar.
– Não!
Vulcano sorriu e lhe acariciou as faces com os polegares.
– Acontece que agora não quero mais morrer e me transformar numa constelação porque encontrei o meu verdadeiro lar aqui, com você. Se me quiser, claro.
– Mas seu reino, a forja...
– Todos esses problemas podem ser solucionados se me amar.
Pea encontrou o olhar dele. Sabia que Vulcano era um deus antigo, mas, de alguma forma, saber disso não mudou nada. Ela não se ligara apenas à sua aparência mortal.
Desde o primeiro momento em que o fitara nos olhos havia reagido a muito mais do que seu lado físico. Aquilo não tinha nada a ver com mortalidade, e sim com eternidade.
– Eu te amo – sussurrou, comovida.
– Então vamos resolver isto. Juntos.
– Juntos – ela repetiu antes que os lábios dele buscassem os dela, e Pea se perdesse em seu gosto e toque, em sua magia e calor.
Griffin acordou como de costume, sem despertador, mas alguma coisa estava errada. Olhou para o mostrador do relógio digital: cinco e meia da manhã. Precisava estar
na estação de incêndio às sete, portanto tinha tempo de sobra.
Sorrindo, virou-se, buscando por Vênus, mas seu lado da cama se encontrava vazio.
Era aquilo o que estava errado. Ela não estava mais ali.
Vestiu a cueca. Vênus também não estava no banheiro.
Foi para a ponta da varanda do loft e olhou para baixo. Ao vê-la sentada no sofá, admirando a escultura e acariciando Cali do Beco, distraída, suspirou aliviado.
Seu alívio, entretanto, não durou muito tempo. Vênus estava chorando. Em silêncio, as lágrimas lhe caíam pelas faces.
O alvorecer começava a filtrar pelas janelas da sala, e a luz da manhã a banhava delicadamente, o que fez com que o artista dentro dele reagisse à visão antes do
homem. A beleza de Vênus era extraordinária, principalmente com aquela sombra de tristeza marcando suas feições. Aquela cena merecia ser pintada, esculpida. Merecia
poesias e canções.
Em seguida, o homem tomou o lugar da artista. Vênus estava chorando. E se fosse por causa dele? E se, de alguma forma, ele a tivesse magoado? Ela estaria lamentando
o fato de eles terem feito amor?
A simples ideia o fez se sentir mal. Vênus era a mulher mais incrível que já tinha conhecido. Não queria que ela se arrependesse de um só momento com ele. Na verdade,
queria passar o resto da vida a seu lado.
O pensamento o chocou. Jamais imaginara um futuro com qualquer uma de suas amantes, namoradas, ou qualquer que fosse o modo como estas se autodenominavam. Vênus
era diferente. Ela o fazia se sentir diferente. E não apenas porque era bonita, espirituosa, inteligente e gentil. Havia algo indescritível nela. Na realidade, juntos
eles possuíam aquele algo mais. Aquela faísca que transformava amizade em amor e amantes em almas gêmeas.
Almas gêmeas? Era isso o que eles eram?
A ideia o abalou ainda mais, porém Griffin não a rejeitou. Tudo dentro dele insistia: é ela! Ela é minha! Aquela por quem eu estive esperando!
Apanhou o roupão e desceu correndo a escada.
Vênus nem sequer notou sua presença até que ele a tocou no ombro. Então deu um pulo e enxugou os olhos depressa.
Cali miou em protesto, em seguida desceu do sofá com arrogância.
Bichana traidora.
– Perdão, eu não queria assustá-la – desculpou-se, percebendo que Vênus vestia o suéter que ele usara na noite anterior. Era muito grande para ela, o que a fazia
parecer ainda mais jovem e muito, muito sexy.
– Tem café? – ela quis saber.
Griffin franziu o rosto. Será que tinha?
Mas não queria falar sobre café. Queria tomá-la nos braços, dizer que a amava e que iria compensá-la por qualquer coisa que a houvesse feito chorar. Suas lágrimas,
contudo, o tiraram do prumo tanto quanto seus próprios pensamentos acerca de almas gêmeas e um futuro em comum.
– Tenho café, sim – respondeu em vez disso.
– Será que pode me fazer um pouco?
– Claro. – Completamente confuso, ele rumou para a cozinha e ligou a cafeteira. – Quer um bolinho ou outra coisa para comer?
– Não... Não, obrigada.
Griffin apertou os lábios. Vênus estava sendo educada demais.
Esperou, impaciente, que o café fosse suficiente para preencher duas canecas e voltou às pressas para junto dela. Vênus continuava sentada no sofá, os olhos ainda
fixos na escultura. Mas tinha parado de chorar.
– Trouxe café preto, está bem? Mas tenho leite e açúcar se quiser.
– Assim está bom, obrigada. – Ela aceitou a caneca e tomou um gole.
Griffin sentou-se a seu lado e, num impulso, inclinou-se e a beijou com suavidade.
– Bom dia – saudou, feliz por ela aceitar o carinho e também se inclinar para beijá-lo.
– Bom dia.
Beberam o café em silêncio, até que ele não suportou esperar mais. Pousou a caneca e se virou para encará-la.
– O que aconteceu? Alguma coisa errada?
Vênus suspirou.
– É difícil colocar em palavras.
– É comigo? Fiz algo que a aborreceu?
– Não. Você foi perfeito.
Inferno. Ela dizia aquilo como se fosse uma coisa ruim.
Ele respirou fundo e fez a pergunta que mais temia:
– Está arrependida pela noite passada?
– Não, claro que não! – Vênus o encarou. – A noite passada foi maravilhosa.
Griffin passou os dedos pelo rosto úmido.
– Então por que está sentada aqui, chorando?
Vênus olhou de volta para a escultura.
– Tinha razão – falou baixinho.
– Sobre?
– Sobre a Vênus.
– E isso a deixa triste?
Ela assentiu.
– Estou triste porque percebi que tenho muito em comum com ela.
– Como assim? – Por alguma razão, as palavras, ou talvez o tom em que ela as pronunciou, fizeram seu estômago apertar.
– Você disse que era como se a Vênus não precisasse de um homem, o que a fazia intocada e intocável. Isso é trágico. A Vênus é o Amor.
Foi a vez de ele concordar em silêncio.
– Eu tenho vivido assim. – Vênus soou introspectiva, como se houvesse se esquecido de que ele continuava ali e falasse para si mesma. – Ajudei tanta gente a encontrar
o amor! Já me pediram tantas vezes que transformassem suas paixões, obsessões e desejos em realidade, mas, quanto a ter essas coisas em minha própria vida... – Deu
de ombros. – O amor tem passado por mim, por cima da minha cabeça, ao meu lado e, às vezes, até me visitado brevemente... porém nunca permanece comigo.
Griffin segurou a mão dela, vendo Vênus se voltar para fitá-lo. Nunca na vida ele quisera tanto uma coisa quanto fazer a tristeza sumir daqueles olhos.
E, enquanto tentava descobrir o que dizer a ela para livrá-la de tanta melancolia, percebeu que sua tão prezada liberdade e sua constante fuga do amor não tinham
sido nada mais do que atitudes vazias em uma vida apenas parcialmente vivida. Perguntou-se se o artista dentro dele não reconhecera a solidão muito antes daquele
momento, e se o principal tema de sua arte não eram as mulheres justamente por esse motivo, por mais que ele houvesse passado a vida evitando compromissos.
Percebeu, então, que estava com medo de dizer o que viria a seguir.
Entretanto, temia não dizê-lo.
– Nunca me casei, Vênus. Nunca fui nem mesmo comprometido. A verdade é que tenho evitado amar tanto quanto você. Depois de ver a quantidade de problemas que minhas
irmãs e minha mãe enfrentaram com isso, concluí que era melhor viver sem ser escravo desse maldito sentimento.
À menção das irmãs dele, os lábios de Vênus se curvaram ligeiramente, o que amainou um pouco a tristeza em sua expressão.
Griffin prosseguiu:
– Depois conheci você. E agora vejo uma chance de ter aquilo que falta em minha vida. Vejo a chance de viver um amor.
– Mesmo que esse amor venha cheio de complicações, problemas e, como você mesmo disse, como um “maldito sentimento”?
Ele sorriu e a acariciou no rosto novamente.
– Mesmo assim.
Vênus tornou a desviar o olhar do dele. Em vez de aliviar sua tristeza, foi como se aquela declaração houvesse tido o efeito oposto sobre ela.
– Vênus, estou interpretando mal o que está acontecendo entre nós? Se acha que não poderia me amar, então...
– Eu poderia te amar – ela concordou depressa. – Eu te amo – acrescentou baixinho.
Griffin sorriu, porém, mais uma vez, seu alívio teve curta duração.
– No entanto, amor nem sempre é suficiente – Vênus afirmou. – As coisas entre nós podem ser muito complicadas.
– Para mim, essa sempre foi a especialidade do amor: complicar as coisas. – Ele tentou usar um tom leve, mas, quando encontrou o olhar dela, o desespero que viu
o fez desistir da brincadeira. – Qual o problema, Vênus? – Ele a puxou para os braços. – O que pode ser tão terrível? – O mal-estar em seu estômago se expandiu até
tomar conta de seu coração. – Existe outra pessoa, é isso?
– Não! Não há mais ninguém. – Ela se ajeitou melhor no abraço, de modo a poder encará-lo. – Sua vida aqui é muito importante para você, não é?
– Sim. É o meu trabalho o que a incomoda? É perigoso, verdade, mas sou muito cuidadoso.
Griffin franziu a testa. Conhecia bombeiros cujas esposas ficavam em pânico a cada vez que o alarme soava, e odiou pensar em Vênus vivendo aquele tipo de medo.
Conseguiria abrir mão daquele emprego? Poderia se manter vivendo apenas como artista?
Não tinha certeza. E, definitivamente, não gostava da possibilidade de ter que escolher entre o amor que nutria pelo trabalho e o amor que sentia por ela.
– Não é o seu trabalho. Respeito muito o que faz e sei que a vida de um guerreiro nunca é isenta de risco. Eu estava pensando na sua família: em suas irmãs e em
sua mãe. Sei que não gostaria de deixá-las.
– Não, eu não faria isso – ele afirmou, compreendendo por fim. – Você não é de Tulsa, é isso?
– Não, não sou. Estou aqui provisoriamente. Prestando um favor para Pea na faculdade. Quando eu terminar de ajudá-la, terei que ir embora.
– De onde você é?
Vênus o fitou, e Griffin percebeu o quanto ela se encontrava angustiada e perdida.
– De muito longe.
Ele sorriu e a beijou na testa.
– De onde? Nova York? Chicago? Ou, que Deus nos ajude... – ele riu – ... de Los Angeles?
– De Roma. E também passei algum tempo na Grécia.
Os olhos de Griffin se arregalaram com surpresa.
– Tem razão. Veio de longe mesmo. Mas não consideraria se mudar para cá?
– Não posso. Também tenho as minhas obrigações – ela afirmou, infeliz.
– Podemos elaborar algum esquema de viagens e ver o que acontece. Uma relação de longa distância não é impossível. O mundo não parece mais tão grande.
Ela o fitou, descrente, e Griffin a abraçou com mais força.
– Não deixaria que a distância mudasse o que sente sobre mim, deixaria?
Vênus o acariciou no rosto, traçando seus lábios com o dedo.
– Não. Mas tenho medo de que, quando perceber o que implica me amar, você mesmo faça isso.
– O que posso fazer para que acredite que não vai se livrar de mim tão fácil?
Ela passou os braços por seus ombros, e Griffin suspirou. Adorava senti-la pressionada contra o corpo. Deslizou as mãos até a curva delgada da cintura, e Vênus estremeceu
em resposta à carícia.
– Apenas me ame agora e deixe que eu viva a fantasia de ter você um pouco mais.
– Não sou nenhuma fantasia, Vênus. Nós não somos nenhuma fantasia – ele afirmou, antes de tomar seus lábios com paixão. Queria dizer mais, garantir que nada nem
ninguém iria ficar entre eles, mas a boca de Vênus desceu por seu peito e encontrou sua crescente ereção. Quando se fechou em torno dela, as palavras sumiram de
sua mente, e Griffin só foi capaz de gemer seu nome.
Capítulo 25
– Ah, merda! Olhe a hora... Já passou das sete! – Pea se desvencilhou dos braços de Vulcano e rumou, nua, para o banheiro.
– Aonde está indo? – ele chamou, sonolento, às suas costas.
– Trabalhar! Preciso estar lá às oito. – Ela pôs a cabeça para fora do banheiro enquanto ajeitava os cachos e os cobria com uma touca de banho. – Eu tiraria o dia
de folga se pudesse, mas tenho outras entrevistas, você sabe, para o trabalho em que fingiu estar interessado. Tenho, mesmo, que estar lá.
– Eu não fingi coisa nenhuma. Acredito realmente que gostaria de ser professor de História.
– Seria um professor excelente!
Vulcano sorriu para ela.
– Esse seu chapéu é engraçado.
Pea estreitou os olhos.
– É uma touca de banho, não um chapéu. Não tem graça.
– Claro que tem. Está uma gracinha.
Se aquilo o seduzia, então talvez a maldita touca que Vênus insistira para ela usar, a fim de proteger os cachos do frizz, tinha valido a pena, concluiu Pea.
Ainda assim, mostrou a língua para Vulcano, o que só fez seu sorriso aumentar.
– Podia usar essa língua de outras maneiras aqui... – ele provocou.
Ela olhou o magnífico corpo nu e percebeu que o sorriso dele não era a única coisa crescendo por ali. Sentiu um calor invadi-la e desejou ter mais tempo para...
– Não! Não posso. Preciso trabalhar. – Voltou para dentro do banheiro, tentando lavar o rosto, escovar os dentes e falar com Vulcano, tudo ao mesmo tempo. – E quanto
a você? Não tem que voltar para o Olimpo, para o seu fogo, forja ou sei lá o quê?
Pea pôde ouvi-lo rir.
– Quer dizer que, mais uma vez, vai me fazer contar as horas até que eu possa vê-la.
– Sim – ela respondeu sem preâmbulos. – Ei, enquanto tomo banho, pode ficar à vontade, a casa é sua. Tenho uma porção de coisas para o café, na cozinha, e a cafeteira
automática já deve estar operando sua magia...
Gritou, com a escova de dentes na boca, quando ele enfiou a cabeça para dentro do banheiro.
– Tem certeza de que não precisa da minha ajuda, senhorita?
– Tenho! – Pea ignorou a provocação e o empurrou para fora, fechando a porta.
Feliz, riu e cantarolou durante todo o banho.
Pea ficou pronta para o trabalho em tempo recorde, e checou o relógio enquanto deixava o quarto, apressada: sete e meia. Poderia tomar um rápido café com Vulcano
e ainda sair para trabalhar na hora certa. Ela nunca se atrasava para o trabalho, e perder alguns minutos não lhe faria mal algum.
Vulcano se encontrava sentado à mesa da cozinha e, surpreendentemente, sua figura enorme não parecia estranha ou fora de lugar ali. Ao contrário, parecia complementar
o cômodo, enchendo-o e tornando-o ainda mais aconchegante. Ele bebia uma caneca de café com os olhos fechados, o que a fez sorrir.
– Nunca tinha bebido café antes?
– Nunca – respondeu antes de abrir os olhos e sorrir para ela. – O cheiro é tão divino quanto o sabor.
– Literalmente, deus do Fogo? – Pea serviu-se de uma caneca.
Vulcano hesitou, depois sorriu como um menino.
– Creio que sim.
Pea riu também, porém seu riso se transformou em uma exclamação quando ele já não bloqueava sua visão. A mesa estava repleta de travessas de prata talhadas à mão,
cheias de pedaços de queijo envelhecido, frutas exóticas, pães que pareciam recém-assados e finas fatias de frios.
– O que é isso tudo? – indagou, perplexa.
Vulcano olhou do banquete para Pea.
– Café da manhã?
– Fez tudo isso aparecer?
Ele a estudou por um momento.
– Como quando sugeriu que eu poderia transformá-la em uma árvore?
– O que você não faria, lembra-se? – ela retrucou por entre os dentes.
– Jamais.
– Pois foi isso mesmo o que quis dizer.
– Sim, eu fiz a comida aparecer.
– Vulcano – ela começou, parou, depois se inclinou para beijá-lo no rosto e lhe afagar as costas de quebra. Ele parecia tão delicioso, ali, sentando em sua cozinha!
E decerto nem fazia ideia disso. – Não fico muito à vontade vendo as coisas surgirem do nada à minha frente. – Sentou-se na cadeira mais próxima, fazendo suas coxas
roçarem. – Isso não costuma acontecer em Tulsa. Verdade! – acrescentou diante de sua expressão incrédula. – Isso iria pirar até o mais moderno dos mortais. – Depois
de uma pausa, começou a encher o prato.
– Pirar? – ele repetiu, confuso.
– Pirar é o mesmo que ficar pouco à vontade, só que multiplicado por dez.
– E isso a faz se sentir pouco à vontade?
– Muito.
– Eu não fazia ideia.
– Eu sei. Vênus também ficou chocada ao descobrir que isso era um problema para mim.
– Se é assim, vou parar de fazer as coisas surgirem do nada.
– Agradeço imensamente!
– O seu pedido é uma ordem, minha senhora. – Ele fez um floreio, mesmo sentado, o que a fez rir e corar.
E foi exatamente nesse momento que Vênus apareceu na cozinha.
– Pea, querida, eu tenho tanta coisa para... – Estacou ao deparar com Vulcano.
– Olá, Vênus – ele saudou.
– Olá, Vênus – repetiu Pea.
– O que, por todos os falos murchos dos deuses, ele está fazendo aqui?! – exigiu a deusa.
Pea olhou para Vulcano, estarrecida.
– Você disse que ela não ficaria aborrecida!
– Sim, mas não disse que ela não ficaria chocada.
– Ela está bem aqui! – protestou a deusa.
– Vênus, por favor, não fique zangada! – implorou Pea, começando a choramingar.
– Eu não estou zangada! – gritou a deusa do Amor. Então fechou os olhos, respirou fundo e recomeçou: – Eu não estou zangada – afirmou em um tom mais calmo. – Por
que eu ficaria zangada? Só estou perguntando por que Vulcano está sentado à sua mesa da cozinha, tomando café da manhã... – Vênus reparou na lauta refeição e arregalou
os olhos – ... O qual, aparentemente, também veio direto do Olimpo.
– Eu disse a ele que ficasse à vontade enquanto eu estava no banho – explicou Pea.
– Foi o que eu fiz – Vulcano se justificou.
– Sim, ele não sabia como me sinto com essa história de fazer as coisas surgirem do nada e...
A mão erguida de Vênus silenciou Pea.
– Escutem aqui. Isso não está fazendo nenhum sentido para mim.
– Desculpe – Pea murmurou, constrangida.
Vulcano deu de ombros, e Vênus estreitou o olhar para observá-lo. Não era comum que ele estivesse tão falante. E parecia relaxado! Usava até jeans e um suéter.
Estudou-o por mais alguns instantes, depois sentiu um choque. Vulcano tinha feito sexo! E dos bons. Podia afirmar isso apenas de olhar para ele.
Abria a boca para dizer que já não era sem tempo quando um pensamento insano cruzou sua mente.
A deusa do Amor desviou seu olhar afiado para Pea, então. A moça não a fitou nos olhos e começou a se mexer na cadeira. Literalmente!
– Pela vagina mais do que usada de Gaia, vocês fizeram sexo! – exclamou, abismada. – Um com o outro!
– Por favor, não fique zangada! – Pea implorou.
– Pare de repetir isso! – ralhou Vênus.
– Pare de intimidá-la! – Vulcano gritou.
– Não ouse gritar comigo!
Chloe correu para a cozinha, as patas deslizando no chão de ladrilhos, latindo, estridente.
– Vejam só o que fizeram! – reclamou Pea, as lágrimas já banhando o rosto quando se curvou para acalmar a agitada terrier.
Vênus respirou fundo, acalmando-se, depois falou baixinho para a cadela:
– Chloe, querida, desculpe se levantei a voz para esse terrível deus do Fogo. Eu não queria assustá-la. – Caminhou até Pea e acariciou o pelo da cachorrinha. Então
sorriu e puxou um dos cachos da amiga. – E também não queria aborrecê-la.
Pea fungou e abriu um breve sorriso.
– Não devia tê-la feito chorar – resmungou Vulcano. Seu tom tinha voltado ao normal, porém ele continuava de testa franzida para a deusa.
Vênus jogou as mãos para cima em sinal de irritação.
– Pode, por favor, me dizer o que, em todos os níveis daquele Submundo sem sexo, está fazendo aqui?
– Talvez esteja interessada em saber que há bastante sexo acontecendo no Submundo, ao menos pelas bandas dos Campos Elíseos.
– Vulcano... – A voz da deusa desceu um tom como alerta.
– Nada de magia! – Pea gritou, fazendo com que Chloe voltasse a rosnar.
– Então é melhor ele...
– Ele é Victor! – Pea desabafou.
Vênus piscou.
– Victor? O do cunilíngua?
– Você contou a ela?! – exclamou Vulcano.
– Como se ela precisasse fazer isso! – ironizou Vênus.
O deus do Fogo bufou.
– Esse mesmo – confirmou Pea.
– Pois trate de se explicar, Vulcano, porque se magoou esta menina, juro que vai sofrer as consequências da minha ira!
O deus do Fogo endireitou o corpo e enfrentou o olhar penetrante da deusa do Amor.
– Agradeço por ser tão protetora quanto a Pea, Vênus, mas não precisa se preocupar. Eu a amo. Jamais iria magoá-la.
– Como pode amá-la?
Pea virou-se para Vênus.
– Não acha que sou digna de ser amada?
– Querida, não foi isso o que eu quis dizer. Acontece que Vulcano e eu somos... – Ela hesitou, escolhendo as palavras com mais cuidado. – Vulcano e eu nos conhecemos
há muito tempo, e o amor não é exatamente algo fácil de obter.
– Ela sabe que somos casados – ele contou de uma vez.
– Então também sabe que é um casamento de fachada.
– Nunca foi fácil para Vulcano sentir amor porque ele ainda não me conhecia – declarou Pea.
Vênus virou-se para a amiga mortal. Seus olhos continuavam marejados e seu rosto, corado; entretanto, Pea sustentou seu olhar durante todo o tempo.
– Você me conhece – insistiu Pea. – E também conhece Vulcano. Não percebe como somos iguais? – Ela desviou o olhar para o deus do Fogo e estendeu-lhe a mão.
Vulcano a aceitou e levou aos lábios.
Até aquele momento, Vênus nunca o imaginara fazendo tal coisa.
Ainda olhando para o deus do Fogo, Pea continuou:
– Não vê que pertencemos um ao outro?
– Sim, deusa do Amor – Vulcano disse enquanto fitava Pea com adoração. – Olhe para nós e diga o que vê.
Vênus o fez. Não com os olhos de uma amiga ou os de uma esposa de conveniência. Olhou para eles com os olhos do Amor, e o que viu a fez suspirar. Eles eram iguais.
Tinham as mesmas almas doces e perdidas que, aparentemente, haviam encontrado enfim o caminho de casa.
– Vocês pertencem um ao outro.
– Oh, Vênus, eu sabia que ia compreender! – Pea jogou os braços em torno da amiga e a abraçou com força enquanto Chloe latia alegremente.
Max entrou na cozinha, fungou com desdém para todos eles, e em seguida saiu, apressado, com a terrier em seus calcanhares.
– Preciso de uma xícara de café – declarou Vênus, quando Pea a soltou enfim.
– Excelente bebida. Quase tão deliciosa como a ambrosia – opinou Vulcano.
– Eu pego. – Pea enxugou os olhos e começou a abrir e fechar os armários, bem-disposta. – Como foi seu encontro com Griffin? – perguntou, por cima do ombro.
Vênus não soube para onde olhar, principalmente quando percebeu o rosto quente.
– Griffin? O bombeiro que foi tão atencioso na sua aula? – indagou o deus do Fogo.
– Pela tetas da... – Vênus começou a praguejar, porém Pea deu-lhe um ligeiro aperto no ombro e ela engoliu a reprimenda, aceitando a xícara do excelente café.
– Sim, Vulcano tem vindo observar o mundo mortal moderno – admitiu Pea num tom calmo e razoável de voz.
– E assisti a uma boa parte da sua aula. Foi mesmo muito interessante e instrutiva – ele afirmou.
– Fico satisfeita por ter podido ajudar – respondeu Vênus com um toque de sarcasmo.
– E quanto ao encontro? – insistiu Pea.
– Correu tudo bem.
– Bem? – ela repetiu. – No sentido de “Fiquei meio entediada, mas foi bom” ou no sentido de “Ele acabou comigo”?
– Bem no sentido de... – Vênus olhou para Pea e, em vez de dizer algo divertido e inteligente, teve uma súbita vontade de dizer à amiga o que lhe ia no coração.
– Acho que estou apaixonada!
Ignorou o olhar chocado de Vulcano e devolveu o carinho de Pea quando a pequena mortal jogou os braços ao seu redor.
– Oh, Vênus! Eu te disse! Eu disse que estava aqui tanto por sua causa quanto pela minha!
– Estava certa, querida. – A deusa jogou os longos cabelos para trás. – Acredito mesmo que está certa. Mas amar um mortal pode ser complicado. – Olhou para Vulcano.
– Por exemplo, como vai fazer para dar certo com Pea?
– Ainda não decidi.
– Nós. Nós ainda não decidimos – corrigiu Pea, lançando um olhar severo a Vulcano. – Só porque é um deus não significa que vai começar a tomar todas as decisões.
– Apontou para o próprio peito. – Eu também tenho uma deusa dentro de mim. Não deve se esquecer disso.
– Bem colocado, Pea – elogiou Vênus, satisfeita pela amiga ter voltado a ser ela mesma, porém com uma dose extra de autoconfiança.
– Tive uma boa professora. – Pea riu. – Ah, por falar nisso, nós temos que ir trabalhar!
– Nós? – Vênus e Vulcano indagaram juntos.
Ela tornou a rir.
– Eu quis dizer Vênus e eu. – Inclinou-se e beijou Vulcano profundamente nos lábios. – Não disse que tinha coisas de deus do Fogo para fazer também?
– Nós? – persistiu Vênus, confusa.
– Com toda aquela correria de ontem, eu me esqueci de lhe dizer: o diretor de treinamento dos bombeiros ligou para o meu escritório para dizer que sua aula de alívio
do estresse foi um sucesso total, e que iria mandar outra turma esta manhã. Ou seja, tem outra aula para dar agora.
– Pelas bolas dos sátiros! – murmurou Vênus. – Eu me esqueci de apagar a lembrança que os bombeiros tinham de mim!
– Vai ter que preencher alguns papéis também. Você sabe, impostos e coisas assim – explicou Pea.
– Impostos?
– Eu explico tudo no caminho para o trabalho. Temos de nos apressar, ou vamos nos atrasar demais.
Vênus franziu o rosto.
– Eu nem consegui terminar o meu café.
– Então vou colocá-lo em um copo para viagem – decidiu Pea.
– Não é a mesma coisa – resmungou a deusa.
Vulcano se levantou e puxou Pea para os braços.
Vênus o observou, abismada. Nunca, ao longo de todas as eras em que o conhecia, o deus do Fogo havia demonstrado alguma inclinação para o romance. E, no entanto,
lá estava ele, tomando Pea delicadamente nos braços e beijando-a com paixão!
Que coisa mais estranha. Sem dizer que toda aquela volúpia o fazia parecer mais forte, bonito e sexy.
Bem, sorte de Pea!
E sorte de Vulcano, também, concluiu Vênus, feliz por eles.
– Eu a vejo esta noite, pequena – ele murmurou.
– Combinado. – Pea saiu de seus braços e fechou os olhos.
Vulcano deu a Vênus um breve e amigável sorriso e, em seguida, desapareceu.
Com os olhos ainda fechados, Pea quis saber:
– Posso abrir os olhos?
– Pode.
– Ótimo, agora pode me contar tudo sobre a noite passada com Griffin, e eu explicarei o que aconteceu comigo e com Vulcano – entusiasmou-se Peã, enquanto procurava
um copo para viagem no armário.
– Sabe que eu poderia nos fazer economizar um bom tempo, transportando-nos para a escola...
– Não! – O rosto de Pea ficou branco.
Vênus suspirou. Algumas coisas sobre os mortais modernos ela nunca entenderia.
Capítulo 26
– Não acredito que Vulcano ficou nos observando! – desabafou Vênus enquanto andava de um lado para o outro do escritório de Pea.
– Bem, na verdade, ele estava me observando – corrigiu a moça.
– Pois então! Isso é muito estranho vindo dele!
Pea sorriu para a deusa.
– O amor faz isso com algumas pessoas.
Vênus levantou uma sobrancelha.
– De fato.
– Falando nisso, vamos conversar sobre Griffin. E não me poupe dos detalhes, pois ficou fora a noite inteira e até falou que está apaixonada!
– Griffin é um amante espetacular e talentoso – contou Vênus.
– Que bom! Mas imagino que seja preciso mais do que isso para que se apaixone por um homem, deus... ou seja lá o que for.
Vênus estudou as próprias mãos. Não imaginava que fosse tão difícil falar de seus sentimentos mais íntimos. Por eras havia encorajado casais a fazerem exatamente
isso, e só agora compreendia por que eles pareciam tão incomodados.
Suspirou e tentou colocar os sentimentos em palavras.
– Sabe como é com você e Vulcano. São tão parecidos que têm a capacidade quase inata de entender um ao outro sem muitas palavras, não é?
– É assim mesmo.
Vênus ergueu o olhar das mãos para encontrar o da amiga e sentiu-se estranhamente à beira das lágrimas.
– É assim que me sinto com Griffin, o que é no mínimo irônico – confessou em meio a um soluço. – Ele é um homem incrível. Devia ter encontrado o amor anos atrás.
E eu... eu sou o Amor e, aparentemente, não me conheci por muito tempo. Não até ter olhado nos olhos de um mortal. Então, de repente, encontrei a mim mesma. – Vênus
enxugou as lágrimas. – Não foi uma idiotice minha?
– Claro que não! – Pea segurou sua mão. – Por que não mereceria um grande amor?
– Pea, estive tão ocupada, assegurando que todo mundo encontrasse o amor, que não pensei em guardar nem um pouco para mim.
– Isso vai mudar agora.
– Acha que é possível?
– Já aconteceu. Você o encontrou. Você o ama. E ele te ama, certo?
– Griffin diz que sim.
– Então, qual é o problema?
– Ele não sabe quem eu sou.
– Claro que sabe. Ele sabe que é linda, doce, inteligente, engraçada e sexy. Exatamente o que você é!
– Mas também sou uma deusa imortal. Um dos Doze Deuses Olímpicos. Meu lugar na eternidade deve ser no monte Olimpo. Pea, não posso abandonar o meu reino. Como o
mundo sobreviveria sem o Amor?
Pea apertou a mão dela.
– Não sobreviveria. Griffin tem que se mudar para o Olimpo. Isso é tudo.
– Eu já pedi isso a ele, de certa forma.
– De certa forma?
Vênus pareceu envergonhada.
– Eu disse a ele que o meu trabalho era em Roma e na Grécia, e que eu não poderia deixá-lo para vir morar em Tulsa.
– E?
– E ele não quer deixar a família. As irmãs e a mãe dependem dele. Griffin falou que poderíamos ter algo que chama de “relacionamento a distância”.
Pea torceu os lábios.
– Urgh... Inaceitável. – Em seguida, seu rosto se iluminou. – Mas seria se ele soubesse quem você é realmente. Pode se transportar do Olimpo para cá e vice-versa,
certo?
– Sim.
– E não pode transportá-lo, também?
– É claro. Mas, se odeia essa magia, talvez ele também odeie.
– Por favor... – zombou Pea. – Griffin é homem. Aposto que vai adorar essa coisa. E, sinceramente, se Vulcano tiver que me transportar também, de modo que ele e
eu possamos ficar juntos, tomo um Xanax e ele faz comigo o que quiser.
– Xanax?
– Ambrosia em pílula.
– Ah. – Vênus aquiesceu, pensativa. – Então acha que eu deveria dizer a verdade a Griffin. Todinha.
– Acho. Na realidade, penso que seja a única saída.
– E se ele não gostar da ideia de ser amado por uma deusa?
– Ora, Vênus! Que homem não gostaria de ser amado por uma deusa? Principalmente pela deusa do Amor! Ele vai ficar exultante.
– Bem, “exultante” decerto soa bem razoável para mim.
– Quando vai vê-lo de novo?
– Mais tarde, hoje. Griffin vai estar de plantão, mas disse que, se eu passasse por lá esta tarde, poderíamos jantar no parque ao lado da estação. Isso se ninguém
provocar algum incêndio que ele tenha de apagar, claro.
– Perfeito. Conte a Griffin quem você é. Ele vai estar no trabalho pelas próximas vinte e quatro horas, pelo menos. Não é assim que funcionam os turnos?
Vênus assentiu.
– Griffin falou que eles geralmente trabalham um dia e em seguida folgam dois.
– Pois então, conte tudo a ele hoje e Griffin terá tempo de se acostumar à ideia antes de tornar a vê-la. Pronto!
– Acha mesmo?
– Claro. Não sou a mortal mais prática que já conheceu?
Vênus sorriu para a amiga.
– Talvez.
– Pois então. Se posso me acostumar a amar um imortal, qualquer um pode.
– Sabe de uma coisa? Você é mesmo muito sábia.
– Eu sei. Agora, moça, tem uma aula para dar, e eu, uma série de entrevistas para conduzir. Esta noite vai resolver tudo com Griffin e eu... – Pea balançou as sobrancelhas
– ... com Vulcano.
Vênus riu. Virou-se para deixar o escritório de Pea e rumar para o que já considerava sua sala de aula, porém estacou ao ouvir as palavras seguintes da pequena mortal.
– Sabe que poderia voltar ao Olimpo a qualquer momento, agora, não sabe?
Ela se voltou para Pea.
– E-Eu não pensei muito nisso, para falar a verdade, mas imagino que sim.
O sorriso de Pea para a deusa foi cheio de calor e amor.
– Claro que pode. Só estava presa aqui até transformar em realidade o meu desejo de felicidade e êxtase. E fez com que eu fosse abençoada com ambos em quantidades
que eu nunca tinha imaginado.
– Oh, Pea! Eu não lhe proporcionei nada disso. Apenas a ajudei a encontrar o caminho, para que você os descobrisse.
– Obrigada, Vênus, deusa do Amor – Pea agradeceu, comovida.
Ela inclinou a cabeça num régio reconhecimento.
– Foi mais do que um prazer, minha querida. – Em seguida, apanhou sua sacola com os desenhos das vulvas e, sorrindo, correu para a sala de aula.
Diante da coluna de fogo, com as mãos nos quadris, Vulcano pendeu a cabeça para trás e riu, feliz. Ele a encontrara, e ela o amava! Pea sabia quem ele era e o aceitava.
Nunca mais na vida seria um poço de solidão, no qual passaria eras em sua própria companhia. Ao contrário, estaria com Pea. Iria amá-la, ter filhos com ela, vê-la
envelhecer e...
Parou de repente. Iria ver seu amor mortal, sua alma gêmea, envelhecer e morrer. Então voltaria ao ponto onde havia estado antes de amá-la.
Não. Seria ainda pior. Seus séculos de solidão já haviam sido ruins o bastante antes que ele a conhecesse. Com a partida de Pea, os seguintes seriam insuportáveis.
– Não! – gritou, e a chama ardeu alta e quente em resposta. – Eu não vou viver sem ela!
Mas que escolha tinha? Talvez pudesse transformá-la em algo como um riacho sempre a fluir, ou um prado de flores silvestres que florescesse eternamente.
Vulcano balançou a cabeça.
– Não posso fazer isso. Pea não suporta o transporte por magia – murmurou, desgostoso por ter considerado a hipótese. – Além do mais, não seria Pea de verdade, e
não estaríamos juntos de fato.
Não. Transformar Pea não era a resposta.
Talvez ele tivesse que transformar a si mesmo. Não muito tempo atrás, estivera ansioso por se tornar uma constelação fria, a fim de se livrar daquela existência
marginal. Fora justamente esse o motivo pelo qual havia voltado a atenção para o mundo mortal moderno. Tivera a intenção de descobrir um mortal que se mostrasse
disposto a tomar seu lugar como deus do Fogo por toda a eternidade.
Vulcano coçou o queixo, pensativo.
– Quem Vênus havia dito que amava?
Um nome pareceu brotar da coluna de fogo: Griffin.
Sim! Aquele era o nome.
O deus do Fogo levantou as mãos e bradou para o pilar de fogo:
– Deixe-me ver o mortal moderno Griffin!
A ordem serpenteou do Olimpo, ardendo pelo fio invisível que ligava um mundo ao outro, até chegar ao Corpo de Bombeiros de Midtown, em Tulsa. Vulcano fez surgir
uma cadeira e se acomodou, a fim de observar o mortal.
Parada na escada sombria dos domínios do deus do Fogo, Hera sorriu, satisfeita, e retornou em silêncio pelos degraus.
– Ei, Capitão! Uma de suas irmãs está aqui!
Griffin olhou por cima da pilha de papéis de inventário que tentava organizar. Por que diabos as contas da mercearia nunca batiam?
– O quê? – rosnou. Robert tinha dito algo sobre uma de suas irmãs?
– Espere, nada disso! Todas as suas irmãs estão aqui!
– Merda! – Griffin praguejou baixinho, e se levantou da velha cadeira de escritório. O que elas estariam fazendo ali? Aquilo iria causar um verdadeiro estouro daquele
bando de idiotas cheios de testosterona.
Checou o relógio enquanto saía correndo do escritório. Vênus estaria ali em menos de uma hora: tempo de sobra para tirar as meninas dali, pôr os homens para jantar
e ter um bem merecido intervalo na companhia de sua deusa.
Mas primeiro as coisas mais importantes.
Dobrou uma esquina e avistou as quatro irmãs no Mustang GT vermelho-cereja de Sherry. O carro estava com a capota abaixada (precisava estar tão quente naquele fim
de fevereiro?) e com a metade do maldito Corpo de Bombeiros em seu entorno, flertando com as sorridentes garotas como se elas fossem costelas num açougue!
Bem, em teoria, ele contava com tempo de sobra. Mas tempo e suas irmãs muitas vezes se colocavam em extremidades opostas.
– Griff! Ei!... Pensamos em passar por aqui para lembrá-lo do nosso encontro amanhã. – Sherry acenou para ele e sorriu como se fosse a miss Estados Unidos.
– Que tal marcar um encontro comigo amanhã, docinho? – arriscou um jovem bombeiro, vestido com um uniforme novo e impecável.
Griffin fulminou o recruta com o olhar. Aquele infeliz mal saíra das fraldas, nunca sentira nem cheiro de fumaça, e tinha coragem de dar em cima de Sher?
– Que tal terminar de limpar as latrinas em vez disso? – rosnou. – Depois disso, você e eu vamos ter uma conversa sobre o motivo de não poder chamar a minha irmã
de “docinho”.
O rapaz enfiou as mãos nos bolsos, murmurou um pedido de desculpas a Sherry, um “sim, senhor” para Griffin, e correu de volta para a estação.
– Muito bem, senhores, o show acabou. Podem cuidar dos seus afazeres.
Relutante, o grupo em torno do Mustang se desfez, dando adeus às meninas, e os homens voltaram devagar para seus jogos de cartas e revistas Sports Illustrated, nos
quais nunca haviam estado muito interessados.
– Griff, como você é chato! – Alicia fez um beicinho.
– E por que o bonitinho não pode me chamar de “docinho”, posso saber? – protestou Sher.
– Porque, como você mesma me explicou exaustivamente durante a maioria dos trinta e poucos anos em que convivemos, termos como “docinho”, “doçura” e “doce de coco”
são depreciativos para as mulheres.
– Eu disse isso? – Sher perguntou a Stephanie.
– O tempo todo – Stephanie aquiesceu.
– E falei que isso valia para bombeiros jovens e bonitos?
– Não que eu me lembre – ajudou Kathy.
– Imagino que não, porque não me senti nem um pouco ofendida. Portanto, existem exceções à reg...
– Por que diabos estão aqui? – Griffin a interrompeu antes que Sherry pusesse mais lenha na fogueira.
– Estávamos apenas passando aqui por perto e, como Sher disse, decidimos parar para lembrá-lo de que ficou de trocar o nosso óleo amanhã – cricrilou Alicia.
– O nosso óleo? Está querendo dizer o óleo de quatro carros? – Griffin fez uma careta para as irmãs.
– Você prometeu que iria trocar! – afirmou Alicia.
– Mas não todos em um dia!
– Mas, irmão, você pode fazer qualquer coisa! – Stephanie sorriu para ele, inocente.
– E eu estou preparando um prato especial... – provocou Kathy.
– Costelas? – Griffin sentiu a irritação se desvanecer.
– Costelas com purê de batatas no alho. – E também descolei um pouco de milho doce para servir cozido na espiga.
– Eu providenciei a cerveja – completou Stephanie.
– Importada ou aquela droga de supermercado?
Stephanie se fez ofendida.
– Importada, claro!
– Eu estou fazendo bolo de abacaxi “de cabeça para baixo” para a sobremesa – anunciou Sherry.
Griffin não pôde evitar sorrir lentamente. Suas irmãs podiam irritá-lo muito algumas vezes. Podiam ser um verdadeiro pé no saco. Mas com certeza sabiam de tudo o
que ele gostava.
– E então? Na minha casa amanhã, às cinco? – indagou Stephanie.
– Está bem. Aceito o suborno.
As meninas caíram na risada e irromperam em entusiasmados aplausos.
– Agora saiam daqui antes que esses pobres e inocentes bombeiros percam a cabeça.
Sherry engatou a marcha do Mustang e, enquanto dava marcha a ré, lembrou:
– Ei! Pode trazer sua nova namorada.
– É! – Alicia gritou. – Gostamos da sua deusa.
– Vou ver o que posso fazer – ele prometeu, acenando e balançando a cabeça quando Sherry saiu cantando os pneus em frente à estação.
Vulcano riu. As irmãs de Griffin eram ninfas divertidas e o adoravam. Como seria ter uma família grande e barulhenta, em que todos cuidavam uns dos outros? Em que
elas brincavam com seu irmão amado e todos comiam juntos, amavam juntos, criavam os filhos juntos e sempre apoiavam uns aos outros enquanto envelheciam e passavam
para a outra vida?
Devia ser maravilhoso.
Ele suspirou. Podia ver Pea se encaixando perfeitamente em uma família como aquela.
E Griffin DeAngelo era apenas um homem. Não contava com vastos poderes, que poderia usar à vontade. Não tinha um reino sob sua responsabilidade. Não era imortal.
Ainda assim, Vulcano o invejou com uma intensidade que fez a coluna de fogo crepitar e assobiar.
Também percebeu que de nada adiantaria considerar aquele mortal como um bom substituto. Griffin jamais iria querer trocar de vida com ele. Por que deveria? Sua existência
transbordava de alegria com a magia de uma família.
Algo que, Vulcano temia, ele só poderia observar e invejar.
Capítulo 27
Pea parou em frente à estação do Corpo de Bombeiros.
– Está certo. Se não quer se transportar de volta para a minha casa, telefone quando acabar o intervalo de Griffin, e eu virei buscá-la.
– Mas não quero interromper o seu encontro com Vulcano!
– Ah, não se preocupe com isso. Ele não sabe que saí do trabalho mais cedo. Não vai aparecer por ao menos mais duas horas e, se aparecer... qual o problema? Ele
disse que estava morrendo de vontade de andar em um carro. Poderá vir junto.
– Estou nervosa – confessou Vênus.
– Isso é perfeitamente normal. Se é que se pode chamar de “normal” dizer a um mortal que você o ama e que é uma deusa! – completou Pea, alegre. – De qualquer forma,
não há nada de errado com o fato de ficar nervosa. E meu instinto me diz que vai dar tudo certo.
– Tomara que sim.
– Estou usando minha intuição de deusa, viu? – Pea sorriu e cutucou a têmpora significativamente. – Ah, não se esqueça da cesta de piquenique! – Entregou a Vênus
o cesto contendo carne de frango fria e alguns restos dos pães, queijos e frutas que Vulcano fizera surgir no café da manhã.
– Verdade. Como a deusa do Amor pode se esquecer de que o caminho para o coração de um homem é por aqui? – Levantou o cesto e apontou o estômago.
– Quer dizer que esse velho ditado é verdade?
– Querida, eu inventei esse ditado.
– Nossa... Eu não fazia ideia de que isso era tão antigo! – exclamou Pea.
– Felizmente, estou bem preservada. – Vênus ainda pôde ouvir Pea rindo conforme ia embora.
Sorriu enquanto caminhava em direção à entrada do Corpo de Bombeiros.
Havia acabado de descobrir que precisava tocar a sineta quando a porta se abriu.
– Eu a vi chegando. Vamos, entre!
Vênus agradeceu ao bombeiro e, em seguida, se lembrou de seu nome.
– Obrigada, J. D.
– Ei, pessoal! – ele gritou para a parte de trás da estação. – Nossa sexóloga está aqui!
Vênus se preparou para a inevitável comoção. Verdade que não estava muito habituada com o mundo moderno dos mortais, mas certamente esse não era o caso em se tratando
da adoração que o sexo masculino em geral lhe reservava. Como de costume, os homens a rodearam, todos falando ao mesmo tempo sobre como a aula havia sido boa e o
quanto suas esposas, namoradas e amantes tinham apreciado seus novos conhecimentos.
A deusa sorriu, inocente, e agradeceu aos bombeiros que ela começava a considerar como “seus meninos”.
– Está bem, está bem, já chega. Desse jeito vão sufocá-la! – Griffin rosnou para os companheiros que, meio contrariados, se separaram para deixá-lo chegar até ela.
– A srta. Pontia vai sair comigo, o que significa que terei o prazer de levá-la para longe de vocês.
Griffin a fez dar o braço a ele e lançou-lhe um olhar tão íntimo, com aqueles olhos azuis, que Vênus teve vontade de devorá-lo dos pés à cabeça.
– Continue olhando para mim desse jeito em público e eu mesmo posso fazer disso um espetáculo – Griffin sussurrou, inclinando-se para mais perto enquanto a afastava
do embasbacado grupo de bombeiros.
– Costumo apreciar uma boa dose de pompa e circunstância – ela sussurrou de volta. – Mas acho que prefiro fazer isso em particular.
– Estarei no parque, mas deixei o pager ligado! – Griffin falou por cima do ombro. – Se acontecer alguma coisa, avisem. Mas apenas se for para algum resgate ou incêndio!
“Nenhum incêndio pode ser mais quente do que ela”, Vênus pensou ter ouvido um dos rapazes comentar em voz baixa, e sorriu, contente.
Homens eram homens. E tudo daria certo. Exatamente como Pea havia dito.
Caminharam lado a lado até o Fontana Park, que dava para o pátio do Corpo de Bombeiros de Midtown. Esperava-se que fosse esfriar naquela noite, porém o sol ainda
tingia o céu de Oklahoma com uma paleta de cores brilhantes, e aquele dia de fevereiro estava ameno e excepcionalmente quente.
Mas era o final do dia, quase hora de o parque fechar, e Vênus ficou satisfeita em ver que ele estava deserto.
Griffin a levou até uma pequena mesa de piquenique, cercada de árvores desnudas pelo inverno.
– Gostei daqui – ela comentou, olhando o parque bem conservado. – Faz a gente se sentir bem. O lugar ideal para uma família confraternizar.
– E é. Na maior parte do ano ele fica lotado com famílias e crianças – contou Griffin. Tentou espreitar a cesta de piquenique, contudo Vênus deu-lhe um tapa na mão,
rindo.
– Vamos fazer as coisas direito! Pea iria ficar aborrecida se soubesse que atacou a comida feito um bárbaro. – Tirou a toalha xadrez e a louça que a amiga havia
embalado meticulosamente para eles. Conforme o fazia, pensou como seria se fosse uma mortal e pudesse vir até ali com Griffin e suas filhas para passar o dia como
uma família...
Interrompeu a própria fantasia. A deusa do Amor jamais poderia ser a esposa mortal de um homem comum. Não importava o quanto pudesse desejar isso. Seu lugar pela
eternidade era no monte Olimpo. O máximo que podia esperar era que lhe fosse permitido um breve intervalo com ele – aquele inesperado amor – antes que fosse obrigada
a voltar para a imortalidade.
Se Griffin pudesse entender isso, aceitar isso!
– Griffin, há algo que preciso lhe contar.
– Não foi você quem fez esse frango – ele deduziu, enquanto mordia uma coxa suculenta.
Vênus franziu a testa.
– Não... Não fui eu.
– Eu já sabia. Aposto que foi Pea.
– É claro que foi. Pea é excelente cozinheira, e é muito generosa. Foi ideia dela encher a cesta com comida.
– Ela é mesmo uma graça de garota. – Griffin enfiou um pedaço do melhor queijo do Olimpo na boca.
– Verdade. – Vênus balançou a cabeça, tentando reordenar os pensamentos. – Mas não é sobre Pea que eu preciso falar com você. Tampouco sobre culinária. – Ela observou
a comida que Griffin atacava com gosto. – Muito menos sobre frangos ou coisas do gênero.
– Desculpe, eu me distraí. Estou morrendo de fome. – Ele limpou a boca com um guardanapo, sorriu para ela, então lhe deu um beijo rápido, porém sincero.
Vênus notou seu ar de menino, e como ele parecia feliz e apaixonado.
– O que quer me dizer? – Griffin indagou, mas, antes que ela pudesse responder, completou: – Ah... Minhas irmãs vieram perguntar se não gostaria de jantar conosco
amanhã. Sei que elas são meio enervantes, e sim, todas as quatro vão estar lá, mas prometo que a comida vai ser boa. – Seus olhos se plissaram num sorriso conforme
ele continuava: – E elas me pediram que a convidassem. Disseram ter gostado da “minha deusa”...
Vênus sentiu a garganta se apertar com a intensidade de suas emoções, e precisou tomar um gole de uma das garrafas de água que Pea providenciara para disfarçar o
fato de não conseguir emitir uma só palavra. As irmãs dele a haviam reconhecido! Não conscientemente, claro. Mas, em algum lugar, nas profundezas de suas almas de
mulher, sabiam quem ela era e a aceitavam.
Aquilo a emocionou além do que pudesse imaginar. Restava saber, agora, se o irmão delas a aceitaria também.
– Eu gostaria muito de jantar com a sua família amanhã – conseguiu dizer por fim.
– Ótimo. Eu estava ansioso por que fosse – ele confessou.
– Griffin... Temos de conversar.
– Já disse isso.
Desta vez, Vênus percebeu que tinha mais de sua atenção. Ao menos ele estava olhando para ela enquanto mastigava.
Respirou fundo.
– Quero que saiba quem eu realmente sou.
– Por mim, tudo bem. Quero saber tudo sobre você.
Sentindo-se paralisada, Vênus bebeu outro longo gole de água.
– Ei, não vai me dizer alguma coisa bizarra como contar que era homem antes, não é? – ele indagou, brincando.
– Claro que eu não era homem! Mas pode achar bizarro o que tenho para lhe dizer.
– Está certo, então vá em frente. – Ele tornou a limpar a boca. – Diga-me o que é tão bizarro.
– Eu sou Vênus, a antiga deusa do Amor Sensual, da Beleza e das Artes Eróticas – ela falou de uma vez, usando seu título mais formal, e decidindo que, já que era
obrigada a se revelar, que fosse da forma mais completa: – Dias atrás, resolvi visitar o mundo moderno mortal, na companhia de Perséfone, para fazer umas compras.
– Franziu a testa ao se lembrar. – Na verdade, a deusa da Primavera foi a responsável por este incidente. Ela me levou ao Lola’s, e isso aconteceu ao mesmo tempo
que Pea se encontrava lá. Pea invocou a minha ajuda, usando algum feitiço, e me manteve presa aqui até que eu a ajudasse. Você sabe... Ela estava péssima. Sempre
foi um doce de pessoa, mas não tinha ideia do que fazer nem com o próprio cabelo. E devia ter visto os sapatos que ela costumava usar... Urgh! De qualquer forma,
eu resolvi ajudá-la, por isso estou morando com ela. Não que eu me arrependa de ter vindo para cá e de ter conhecido você e Pea – acrescentou, depressa. Em seguida,
respirou fundo, tentando se acalmar, temendo que não estivesse conseguindo se explicar adequadamente. – Na verdade, Perséfone e todo o resto não são tão importantes.
O que importa é que saiba que sou mesmo uma antiga deusa. Faço parte dos Doze Deuses Olímpicos. Vivo num templo no monte Olimpo.
Griffin não disse nada. Continuou apenas olhando para ela, com uma expressão estranha no rosto bonito.
Havia parado de comer, porém. Vênus teve a certeza de que contava com toda a sua atenção.
– Meu templo é maravilhoso. Tenho certeza de que iria gostar. E é claro que pode visitá-lo... – Fez uma pausa, franzindo a testa. – ... A menos que o transporte
entre os dois mundos o incomode. Se incomodar, é melhor eu vir até aqui. De qualquer maneira, como você mesmo disse esta manhã, um relacionamento a distância é possível.
E eu te amo, Griffin. Quero que dê tudo certo entre nós – terminou, aflita.
– Bem, pelo menos isso explica por que ficou tão comovida com a minha escultura.
– Exatamente! – ela concordou, começando a sentir uma ponta de alívio. Ele não parecia chocado ou perturbado. Talvez aquilo fosse mais fácil do que ela havia imaginado.
Griffin começou a rir. Então se inclinou e a beijou outra vez.
– Uma das coisas de que eu mais gosto em você é o seu senso de humor. O que está me dizendo realmente é que espera que eu a trate como uma deusa. Está bem. Posso
fazer isso.
Vênus negou com um gesto de cabeça.
– Não, não é nada disso! Eu gosto quando me trata como se eu fosse uma mortal. Não quero que me adore, sinta medo de mim ou me peça bênçãos, como acontece normalmente
com uma deusa. Quero que as coisas continuem sendo exatamente como eram quando nos conhecemos. Mas precisa saber a verdade sobre mim.
– Que é uma deusa...?
Ela assentiu.
– Sou Vênus. Ou Afrodite, se quiser me chamar pelo nome que os gregos usam. Eu sempre preferi Vênus, no entanto.
– E está falando sério. Acredita mesmo que é Vênus.
Ela suspirou. O olhar de Griffin dizia claramente: ele temia que ela estivesse louca.
– Lembra-se de quando nos conhecemos no baile de máscaras? A roupa que eu estava usando não era uma fantasia. Era a que eu costumo usar no Olimpo. Menos a máscara.
Eu simplesmente trouxe as vestes do meu templo para Pea e para mim. – Vênus olhou ao redor. Por sorte, o parque continuava deserto. – Assim... – Passou a mão na
frente do corpo, e seu jeans, blusa e jaqueta começaram a brilhar até que, em instantes, ela surgiu de pé diante de Griffin vestida com o traje esplendoroso e completo
de uma verdadeira deusa.
– Merda! – ele exclamou, e se levantou de um salto, recuando dois passos para longe dela.
– Sinto muito – Vênus se desculpou, apressada, caminhando em sua direção. – Pea também odeia quando faço surgir as coisas, mas eu precisava mostrar que não sou insana.
– Mas eu devo ser! – murmurou Griffin, dando mais dois passos atrás.
Sentindo-se uma tola, Vênus parou de persegui-lo, preocupada.
– Não se preocupe, não está ficando louco. Isto tudo é verdade. Veja... pode tocar minhas vestes, elas são reais. – Esticou o braço envolto em seda, porém ele não
ousou fazer nenhum movimento, e ela deu novo suspiro. – Pea fez o frango que estava comendo, mas o queijo e o pão também vieram do Olimpo. Não precisa se preocupar
em tocar qualquer coisa que venha de lá, elas não lhe farão nenhum mal.
– Eu... preciso me sentar. – Griffin a contornou e sentou-se na bancada da mesa de piquenique. Continuou a fitá-la e a balançar a cabeça.
– Imagino que vá demorar um pouco, mesmo, para se acostumar a tudo isso – ela murmurou. Voltou para a mesa, também, contudo tomou cuidado para não se aproximar muito
dele. Não queria que Griffin se afastasse novamente.
– Um pouco? – ele repetiu, incrédulo.
– Isso não muda o que eu sou, Griffin. Eu sempre fui Vênus, desde o primeiro momento em que falou comigo na festa até agora. Não estou diferente. Na verdade, isso
não muda nada.
– Claro que muda!
Vênus sentiu um arrepio de apreensão correr por seu corpo que a deixou tonta. O tom de Griffin havia mudado por completo. Agora ele falava quase com frieza, sem
emoção. E seus olhos expressivos tinham se transformado nos de um estranho.
– Mas não precisa mudar. Eu ainda te amo. Você ainda me ama.
– Não, deusa. Isso muda tudo – ele afirmou, sério.
Vênus notou, arrasada, que Griffin não fizera nenhum comentário sobre sua declaração de amor, tampouco sobre a lembrança de que ele deveria amá-la em troca.
De repente, sua apreensão começou a se transformar em raiva. Então ele não lhe dissera a verdade?
– Por quê? – exigiu, espelhando sua frieza. – Por que quem eu sou muda tudo? Ou estava mentindo sobre o amor que sentia por mim?
– Está chamando a mim de mentiroso? – Ele se levantou. – E quanto àquela história de nunca ter tido amor na vida até agora? Cristo! Você é o Amor! E quanto a mim,
o que fui? Um brinquedinho mortal com que pôde se divertir? Ou alguma cobaia em uma experiência?
– Como se atreve!? – A ira de Vênus fez as árvores ao redor da bancada tremerem, como se a mão de um gigante – ou de uma deusa – as tivesse chacoalhado.
Griffin fitou os ramos agitados de olhos arregalados.
– Quando eu lhe disse essas palavras, estava abrindo o meu coração. Fui sozinha por muito mais tempo do que o seu cérebro mortal pode começar a compreender!
– A deusa do Amor? Sozinha? Porque sou mortal acha que também sou idiota?
– Até este momento eu não achava.
No fundo da alma, Vênus sabia que as palavras duras eram mais um reflexo do choque e da mágoa de Griffin, por ele pensar que ela o enganara, do que um reflexo de
seus verdadeiros sentimentos por ela. Uma vez que a ira de uma deusa era desperta, contudo, dificilmente podia ser dominada.
E Griffin fizera isso.
– A Vênus que eu amava era como eu – ele prosseguiu, inconformado. – Tinha evitado o amor até me conhecer e estava disposta a se comprometer por fim; a descobrir
uma maneira de construirmos um futuro juntos.
– Eu ainda sou aquela Vênus! – O grito da deusa fez com que o solo ao redor tremesse.
– Como? Como imagina que possamos ter um futuro juntos? Posso não saber muito sobre mitologia, mas creio que esteja certo ao afirmar que é imortal, não é mesmo?
Inferno! Por acaso somos da mesma espécie? Podemos ter filhos? E o que acontecerá daqui a dez, vinte, trinta anos, quando eu for um velho e você ainda estiver jovem
e bonita? Será que pensou sobre qualquer uma dessas coisas quando decidiu brincar com o amor de um homem comum?
Vênus recuou como se tivesse levado um tapa e, ao seu redor, toda sua dignidade e poder de grande deusa começaram a se reunir. Sentiu a luz de sua divindade cintilar
na pele e os cabelos loiro-platinados e fartos começarem a se erguer como se com vida própria. Sabia que seus olhos cor de violeta faiscavam com uma luz sobrenatural,
e que o fulgor desencadeado por sua imortalidade seria difícil de contemplar para qualquer mortal.
Porém não se importou. Queria que Griffin testemunhasse sua magnificência. Queria que ele visse o que havia perdido para sempre.
Quando falou, sentiu a voz ampliada pela magia que era seu direito de primogenitura.
– Não. Eu não parei para pensar nessas coisas quando me permiti amá-lo. Pensei apenas em como nossas almas buscavam uma à outra. Vejo agora que devo ter me enganado.
Sua alma também está maculada pelo medo e pelo egoísmo dos mortais. Não é corajoso o suficiente para merecer a minha. Portanto o deixo agora, Griffin DeAngelo, filho
de um mortal, para retornar ao Olimpo, o lugar a que pertenço. Eu poderia limpar sua memória de mim, com tanta facilidade como apagaria o giz de uma lousa... Mas
não farei isso. Quero que se lembre de que negou a si mesmo o Amor.
E então, Vênus, a deusa do Amor Sensual e da Beleza, levantou os braços e, em uma cascata de faíscas, desapareceu.
Capítulo 28
Quando Vênus se rematerializou dentro da cozinha de Pea, sua raiva já começara a se esvanecer. Latindo feito louca, Chloe veio correndo para o cômodo, mas, ao reconhecê-la,
seu rosnado mudou para um alegre latido, depois para um ganido quando a deusa sentou-se no chão, pegou-a nos braços e caiu no choro.
– Vênus! Oh, meu Deus, o que aconteceu? – Pea correu para a cozinha e se agachou a seu lado.
– Ele me odeia! – ela soluçou.
– Oh, querida! Griffin não poderia odiá-la. Ninguém pode odiá-la. Vamos, sente-se aqui, à mesa. Vou fazer um pouco de café e resolveremos isso. – Puxou Chloe suavemente
do colo da deusa, depois ajudou Vênus a se pôr de pé e a abraçou com força.
– Não... – Vênus soluçou, tomando seu lugar de costume à mesa de Pea. – Não há o que resolver. Pea, ele não me quer mais agora que sabe que sou uma deusa.
Pea pousou duas canecas de café fumegante diante delas.
– Conte-me tudo. E tome. Use este guardanapo de linho como lenço. Afinal, é uma emergência.
Pea escutou enquanto Vênus descrevia a cena com Griffin, parando apenas para soluçar e resmungar sobre como os homens podiam ser estúpidos. Quando terminou, assoou
o nariz e enxugou os olhos.
A outra mulher nada disse. Em vez disso, ela se levantou e trouxe do freezer uma barra comprida de algo duro, embrulhado em papel alumínio.
– É o chocolate belga que mantenho escondido. Pode comer. Garanto que vai ajudar.
Vênus assentiu, tensa, e quebrou um pedaço. Deixou o chocolate escuro dissolver na boca enquanto bebia o delicioso café.
– Tem razão – fungou. – Ajuda mesmo.
– Muito bem. Em primeiro lugar, também estou decepcionada com Griffin. Ele se comportou como um cretino.
– Aposto que o Smart Bitches.com iria chamá-lo de algo pior. Algo como... – A deusa fez uma pausa, pensando enquanto saboreava o chocolate. – “Punheteiro”. Ou talvez
“cuzão”.
– Tem razão. Os xingamentos deles são excelentes... Vamos chamá-lo de “cuzão”, então. É muito pior do que “cretino”.
– Concordo – Vênus decidiu com um suspiro.
– Estamos mesmo muito bravas com Griffin, mas não acho que deva desistir dele.
– Eu tenho que desistir, Pea! Não posso mudar quem eu sou e, mesmo que pudesse, não faria isso.
– Eu só acho que ele ficou chocado, por isso reagiu tão mal. Depois que tiver tempo para pensar como foi idiota...
Vênus levantou uma sobrancelha e Pea se corrigiu:
– ... quero dizer, que cuzão ele foi, vai se arrepender e virá rastejando lhe pedir desculpas.
– Não rejeitou Vulcano quando descobriu que ele era um deus.
– Não é uma comparação justa. Nós já tínhamos feito amizade, portanto eu já havia meio que me acostumado à ideia de ver imortais perambulando por Tulsa.
Vênus negou com um gesto de cabeça.
– Griffin questionou até se éramos da mesma espécie! Não sei se posso perdoá-lo por isso.
– Você o ama?
– Sim – ela admitiu baixinho.
– Então acho que pode aprender a perdoá-lo.
– Eu não sei. De certa forma, ele está certo. Sempre haverá essa questão de mortalidade e imortalidade entre nós. Quando ele estiver velho e encurvado, eu ainda
terei esta mesma aparência. Vou ficar assim para sempre.
Pea empalideceu, e Vênus percebeu a implicação do que tinha dito. Com um suspiro, a deusa segurou a mão da amiga.
– Imagino que saiba. Eu ainda amaria Griffin se ele ficasse velho e curvado, e, depois que ele morresse, choraria eternamente a sua perda, mantendo sua memória sagrada.
Assim como Vulcano fará com você.
– Eu sei. Pelo menos acho que sei. Mas é assustador. E deve ser muito mais apavorante saber que está apaixonado por alguém que nunca irá envelhecer, muito menos
morrer.
– Foi corajosa o suficiente para continuar amando Vulcano.
– Não creio que se possa chamar isso de coragem, mas sim. Vou continuar amando Vulcano.
– Griffin não tem a sua coragem. Ou talvez seja mais próximo da verdade dizer que ele não tem o seu amor. – Vênus piscou, e as lágrimas ameaçaram lhe escorrer dos
olhos outra vez.
– Não desista dele ainda. Os homens não são tão bons para se adaptar às situações quanto as mulheres. Além do mais... – Pea encolheu os ombros, sorriu e jogou mais
um pedaço de chocolate na boca – ... nós temos mais bom-senso.
– Tem razão.
Em seguida, toda a leveza tornou a deixar a voz deusa.
– Não sei se vou conseguir, Pea! Não sei se vou poder me abrir com Griffin outra vez. E se ele me rejeitar de novo?
– Vênus, isso não faz parte do amor? – Pea perguntou, gentil. – Precisa estar vulnerável para se deixar amar verdadeiramente.
– Sim. Se não estiver vulnerável ao amor, nunca poderá experimentá-lo. O problema é que não sei se consigo. Rejeição dói!
– Quem rejeitou quem? – A voz grave de Vulcano retumbou entre elas quando ele se materializou na cozinha.
Pea gritou e levou a mão ao coração.
– Vocês querem parar com essa materialização? Usem a porta, ou vão acabar me fazendo ter um ataque cardíaco!
– Desculpe, pequena. – Vulcano inclinou-se para beijá-la, depois sorriu para Vênus.
– Olá, deusa.
– Vulcano – ela o cumprimentou, distraída.
Ele cheirou a caneca de Pea.
– Café!
Pea riu e deu-lhe um tapa na mão quando ele tentou roubá-lo.
– Quem poderia imaginar que imortais seriam tão loucos por algo tão comum como café? – Apontou para o bule. – Sirva-se.
Vulcano encheu uma caneca, depois arrastou uma cadeira de forma que pudesse sentar-se com um braço em volta de Pea. Olhou para Vênus e, depois, tornou a fitá-la
com mais atenção.
– Estava chorando! – afirmou.
– Griffin não reagiu muito bem ao descobrir que Vênus é Vênus – explicou Pea.
– Ele a rejeitou?
Vênus soltou um longo suspiro.
– Por favor, não precisa ficar repetindo isso.
– Sabe que eu nunca faria isso, minha amiga.
Vênus sorriu, tristonha.
– Sim, eu sei.
– Ele magoou você – deduziu Vulcano.
– Magoou.
– Devo puni-lo? Eu poderia transformar o sangue desse Griffin em lava e fazer seu cérebro ferver – sugeriu, com naturalidade.
Pea franziu a testa e deu uma cotovelada no deus do Fogo.
– Não acho que isso seria uma boa ideia!
– É uma boa oferta, Vulcano, agradeço. Mas temo ter de declinar dela. Parece que, quando se ama alguém, pensar na pessoa sendo torturada não traz o prazer que deveria...
Mesmo que Griffin merecesse um pouco de tortura.
– Eu poderia dar uma boa surra nele. – Vulcano olhou para Pea, que ainda lhe franzia o rosto, e acrescentou depressa: – Mas não tão forte que lhe causasse danos
permanentes.
Vênus negou com um gesto de cabeça.
– Não, obrigada. Vou voltar para o Olimpo e tentar esquecer Griffin DeAngelo. Odeio pensar no tanto de trabalho que tenho pela frente! Estou aqui, negligenciando
meus deveres divinos, há tempo demais. – Levantou-se.
– Espere! Vai embora assim? – questionou Pea.
– Querida, sabia que eu não poderia ficar com você para sempre.
– Mas eu não pensei que fosse embora tão cedo! Vai voltar, não vai? Quero dizer, não importa o que acontecer com Griffin... Vai voltar para me visitar.
Vênus tocou o rosto da pequena mortal.
– Sim, meu anjo, eu voltarei. Como poderia ficar longe? Vamos ao Lola’s para tomar Martinis de romã e dançar, depois voltaremos para cá para tomar chocolate quente
e jogar conversa fora. E aposto que também irá de vez em quando ao Olimpo. O que me faz lembrar... – Vênus voltou a atenção para Vulcano. – Já é hora de você e eu
corrigirmos um erro que fizemos há muito tempo, meu amigo. Tivemos boas intenções, mas nos casarmos por menos do que o que tem com Pea foi uma estupidez.
– Eu sempre lhe desejarei todo o bem do Universo, deusa do Amor. Foi minha única amiga quando todos os outros imortais me evitaram. Jamais me esquecerei disso.
– Pedirei a Zeus e Hera que ouçam a nossa petição amanhã à noite. Junte-se a mim no Salão Nobre, e iremos dissolver nossa união oficialmente.
– Obrigada, Vênus! – agradeceu Pea, piscando contra as lágrimas.
A deusa sorriu.
– Só me prometam uma coisa...
– Qualquer coisa – Vulcano e Pea responderam juntos.
– Prometam-me que vão amar e honrar um ao outro enquanto ambos viverem.
– Eu prometo – Pea se adiantou.
– Tem meu eterno juramento – completou Vulcano.
– Que bom. Vou ficar de olho em vocês. Não me façam descer de novo para repreender nenhum dos dois! – Vênus puxou um dos cachos da amiga, tentando aliviar a comoção
antes que alguém começasse a chorar. – Agora, Pea, precisa fechar os olhos para que a minha magia não a assuste.
– Desta vez acho que vou manter meus olhos abertos. Amo você, Vênus! – ela declarou com voz embargada.
– Eu também te amo, minha querida.
E com essas palavras, a deusa do Amor ergueu os braços e desapareceu.
Vulcano pousou a caneca de café e virou-se para Pea, abrindo os braços.
– Quer chorar um pouco agora?
– Sim! – ela falou em meio a um soluço, e, afundando o rosto no peito de seu verdadeiro amor, caiu no choro.
Capítulo 29
– Eu sou um idiota! – As palavras explodiram de Griffin conforme ele arremessava o livro de registro e suas contas desencontradas por cima da mesa. Durante horas
estivera trancado no gabinete, inconformado.
Quando sua revolta se dissipara, contudo, vira-se diante da verdade nua e crua: ele havia rejeitado a mulher que amava com todo o seu coração e alma.
E por que fizera algo tão estúpido? Por descobrir que ela era uma deusa!
E não apenas qualquer deusa. A mulher que ele amava era a deusa do Amor. Vênus. Afrodite.
Aquela que tantos homens tinham imortalizado por milhares de anos na música, na poesia e nas artes.
E ele a rejeitara!
Griffin se retesou ao se lembrar da dor no rosto delicado quando ele deixara seu choque e medo explodir em forma de raiva e rejeição. Precisava descobrir alguma
maneira de fazer as pazes com Vênus, de pedir desculpas, de reconquistá-la! Então seria um homem de verdade e enfrentaria o fato de que a mulher que ele amava era
realmente uma deusa. Que ela não envelheceria ou morreria, que era dona de um poder inacreditável...
– Ela devia ter incutido algum juízo na minha cabeça dura! – resmungou consigo.
Pensando bem, sorte sua ela não ter feito isso.
E agora? Como poderia consertar o estrago que tinha feito? Vênus dissera que iria retornar ao Olimpo.
Griffin gemeu e esfregou as têmporas que lhe latejavam havia horas. Nem sabia como poderia chamá-la.
Ou sabia? Vênus era uma deusa, portanto deveria escutar as orações dos mortais, não deveria? Talvez valesse a pena tentar.
Limpou a garganta.
– Vênus? – Falou para o vazio. – Está aí? Pode me ouvir? – Engoliu em seco e recomeçou: – Vênus, deusa do Amor Sensual, da Beleza e das Artes Eróticas, eu imploro
que me ouças...
Nada.
Tudo bem, ele iria tentar de outra forma.
– Vênus, me desculpe. Eu te amo! Existe alguma chance de poder me perdoar por eu ter sido um completo idiota? – Fez uma pausa. – Pode mover algo se está me escutando?
Ainda nada. Obviamente, ele não estava lidando com aquilo da maneira correta.
Então como diabos alguém conseguia evocar uma antiga deusa? Ele não fazia a menor ideia.
Endireitou o corpo. Ele não sabia, mas conhecia alguém que devia saber! Vênus tinha dito que Pea usara um feitiço para evocar seu auxílio; assim, bastava que ele
pedisse à moça que o ensinasse!
Olhou para o relógio na parede. Merda! Eram quase duas da manhã. Teria que esperar. Mas, assim que seu turno terminasse, iria direto para a casa de Pea e acamparia
em sua varanda, se necessário, até que ela concordasse em ajudá-lo a fazer contato com Vênus.
A deusa o perdoaria. Precisava perdoar! Ele não desistiria até que ela o fizesse.
Minutos depois, quando o alarme da estação disparou, Griffin ficou até aliviado. Pelo menos se manteria ocupado nas horas seguintes, o que faria o tempo passar mais
rápido.
Como uma máquina bem lubrificada, ele e seus homens entraram em ação. Conforme colocava os mais de dezoito quilos de equipamentos e se deslocava, veloz, para o caminhão,
seu tenente entregou-lhe um pedaço de papel com o endereço do lugar que pegava fogo.
Subiu no banco do condutor com a mente trabalhando tão bem como o grande motor que acionava. O incêndio era na Borders Books and Music da 21st Street.
O lado bom: em primeiro lugar, a loja ficava ali perto, então estariam lá em minutos. Em segundo lugar, eram duas da manhã, por isso a livraria se encontrava fechada
e não devia haver vidas em perigo.
O lado ruim: primeiro, era uma dessas lojas enormes de dois níveis, de modo que o fogo poderia ser grande. Segundo, era lotada de livros, o que representava quilos
de combustível para um incêndio rápido e abrasador. O lugar poderia arder como uma tocha.
Antes mesmo de avistar a Borders, Griffin percebeu que estivera certo ao menos em parte. Era um incêndio enorme. No momento em que pararam no imenso estacionamento,
toda a frente da loja já estava engolida pelo fogo. Chamas brotavam das janelas, estilhaçando os vidros.
E, como sempre acontecia num cenário de incêndio, tudo pareceu acontecer como num filme: os homens saltando para fora do caminhão, os comandos que ele gritava...
A polícia, que já se encontrava no local, começou a afastar os civis, que assistiam a tudo, perplexos, enquanto as mangueiras e escadas eram rapidamente postas em
posição.
– Capitão! – Griffin ergueu a cabeça, vendo Robert correr da escada do caminhão até ele. – Chamado do 911 pelo rádio. Um celular acabou de ligar de dentro da loja!
O vigia está preso perto dos escritórios dos fundos!
– Sigam-me até lá! – ele decidiu no mesmo instante.
Seus bem treinados homens sabiam o que fazer. Agarraram o equipamento adequado e correram atrás de seu capitão.
– Derrubem! – gritou Griffin.
Robert e J. D. começaram a trabalhar com os machados, e a porta de aço se abriu como uma flor sob a força de seus golpes.
Fantasmas de fumaça negra escaparam por cima deles.
– Em que escritório ele está preso? Onde fica? – Griffin perguntou a Robert.
– Não sei. A ligação caiu. Mas o 911 conseguiu contato com o gerente, e ele disse que toda a parte traseira desta coisa é de escritórios e estoques.
– Então ele pode estar em qualquer lugar – concluiu Griffin. Não era uma pergunta. Tampouco houve a necessidade de que alguém a respondesse. – Tudo bem, vamos lá
para dentro. J. D., Robert, vão para a direita. – Ele olhou para o novato, que parecia meio pálido, mas que encontrou seu olhar com decisão. – Bennett, você vem
comigo para a esquerda. Mantenham suas máscaras, a fumaça está densa. Vamos!
Griffin sempre achou que adentrar um prédio em chamas era como entrar em um ser vivo. A coisa tinha personalidade. Respirava e se movia. E era tão imprevisível como
um animal selvagem.
Dessa vez não foi diferente.
Não importava que as chamas ainda não tivessem atingido a parte traseira da loja. O calor estava lá. A fumaça estava lá. O perigo era iminente.
Griffin se deslocou para a esquerda, ignorando o rugido do fogo que se movia cada vez para mais perto. Manteve contato visual com Bennett, e a cada minuto fazia
J. D. e Robert verificarem tudo ao redor. O maldito lugar era um labirinto de estantes e cubículos abarrotados de livros.
Estava se preparando para checar outro escritório quando um grito no corredor à sua frente lhe chamou a atenção. Parecia que alguém estava batendo na porta ao fundo!
– Capitão, parece que aquela porta dá para a livraria! – opinou Bennett.
– Sim, fiquem por perto! – ele orientou e disparou pelo corredor.
A pesada porta se encontrava trancada, e Griffin usou o cabo do machado para golpeá-la duas vezes.
Duas batidas desesperadas responderam de pronto.
– Nós o encontramos! – gritou Griffin. Então colocou o rosto perto da madeira: – Pode me ouvir?
– Sim! Socorro! – Foi a resposta abafada. – Estou preso, e o fogo está avançando!
– Dê um passo para trás! Vou arrombar a porta!
– Depressa! – o vigia implorou.
– Ajude-me aqui! – Griffin pediu a Bennett.
Usaram os machados rapidamente, porém a porta era espessa e foram necessários vários golpes antes que se abrisse apenas o suficiente para que Griffin conseguisse
se espremer por ela.
Do outro lado, ele encontrou um verdadeiro inferno de chamas, fumaça e calor. O vigia se afastara da porta, mas, vencido pela fumaça, caíra em uma pilha de fardos
próxima à parede. No mesmo instante, Griffin tirou a máscara de oxigênio e a colocou sobre o nariz e a boca do homem. Em seguida, ergueu-o para cima das costas,
no modo de carregar tradicional dos bombeiros, segurando uma perna do vigia com a mão e sua cabeça com a outra, e se voltou para a passagem semiaberta, tentando
respirar.
– Aqui! Pegue-o! – Passou o peso do homem inconsciente através da abertura estreita para Bennett. – Pegou?
– Pronto, capitão! – Bennett grunhiu.
– Leve-o daqui! Estarei bem atrás de você!
– Entendido, capitão!
Griffin observou o rapaz desaparecer na fumaça. Começou a se espremer de volta pela porta, e foi nesse momento que o inferno literalmente explodiu ao seu redor.
A explosão o arremessou a pelo menos três metros, e ele aterrissou de costas, sentindo o ar ser arrancado dos pulmões já sobrecarregados. Ainda assim, esforçou-se
para se pôr em pé.
Em seguida, um barulho parecido com o grito de um pássaro agonizante chamou sua atenção, e Griffin ergueu a cabeça bem a tempo de ver o corrimão de uma escada de
ferro curva se soltar e cair em câmera lenta em sua direção.
Não conseguiu se mover. Não pôde fazer nada, exceto se preparar para o impacto do metal derretido e retorcido.
Uma dor lancinante rasgou o lado esquerdo de seu corpo. Então, como uma bênção, a escuridão o envolveu em seus braços frios.
Vulcano se encontrava adormecido. Dormia tão profundamente que imaginou que a voz da mãe fosse apenas parte de um sonho.
– Vulcano, precisa acordar!
Em seu sono, ele suspirou, puxando Pea para mais perto de seu corpo nu.
– Filho, acorde!
Vulcano franziu a testa, recobrando a consciência devagar.
– Vulcano! Acorde agora!
O deus do Fogo abriu os olhos.
– Até que enfim! Não sei de quem puxou esse sono pesado. Seu pai e eu sempre acordamos até com a queda de um alfinete.
– Mamãe?
– Sim, sim, sou eu, Hera, a rainha dos Deuses e sua mãe! E insisto que acorde!
Vulcano se desvencilhou com cuidado de Pea, que continuava profundamente adormecida, e sentou-se. Sua mãe se encontrava em pé no quarto, as vestes cor de marfim
cintilando como se com luz própria.
– Mãe, o que aconteceu?
– Há um incêndio. Precisa vir.
Ao final da palavra “incêndio” Vulcano se pôs em movimento e, no mesmo momento, fez surgir em si o traje de um antigo guerreiro romano.
– É bom se preparar para uma batalha, mesmo. Venha comigo. – Hera o tomou pela mão, e ambos desapareceram.
Quando se rematerializaram, foi no meio do caos: estavam dentro de um prédio em chamas.
O fogo não afetava Vulcano e, no mesmo momento, ele acrescentou sua própria proteção à aura da mãe. Jamais permitiria que as chamas ferissem a rainha dos deuses.
– Veja! – Hera apontou para um canto cheio de entulho que o fogo parecia prestes a engolir, e Vulcano percebeu um movimento fraco.
– Griffin! – gritou, e caminhou para junto do mortal caído, afastando as chamas que o ameaçavam.
Uma vez a seu lado, avaliou a situação e, com a mão, tirou o ferro retorcido de cima do corpo do homem.
Os olhos de Griffin se moveram e, em seguida, se abriram devagar.
– Q-Quem é você? – o rapaz ofegou. Em seguida, seus olhos se desviaram para a bela mulher envolta por um halo de luz, e se arregalaram. – Uma deusa! – exclamou com
voz fraca.
– Sim – confirmou o homem que se ajoelhou a seu lado. – E eu sou um amigo de Vênus. Fique quieto e respire devagar. Vou livrá-lo deste inferno.
– Tarde demais, meu filho.
Os olhos de Griffin deixaram o deus para pousar na divindade que parecia tão serena a seu lado. Surpreendentemente, ela sorriu e o chamou pelo nome.
– Griffin DeAngelo, sou Hera, rainha dos Deuses.
– ... Olá, Hera. – Griffin imaginou que estivesse falando em um tom normal, porém um murmúrio foi tudo o que conseguiu deixar escapar.
– Deve me escutar com atenção, Griffin – ela prosseguiu. – Temos pouco tempo. Como vê, está morrendo.
Griffin pensou que fosse sentir medo ou, no mínimo, ficar chocado com as palavras. No entanto, ficou surpreso com o sentimento de paz que o inundou.
– O vigia... ele está a salvo? – indagou num sussurro.
– Sim – confirmou Hera. – Você trabalhou bem.
Griffin suspirou. Se aquele era para ser o seu fim, ao menos tinha cumprido sua missão a contento.
Sombras começaram a ladear o túnel de sua visão. Pensou nas irmãs e na mãe, e sentiu uma ponta de tristeza pela dor que, ele sabia, sua morte iria causar.
Então pensou em Vênus, e em como estava arrependido por tudo o que lhe havia dito.
Mas ela era uma deusa. Talvez fosse, de alguma forma, saber como ele se sentia. Mesmo depois que morresse...
– Ainda não, Griffin DeAngelo! Ordeno que seu espírito não se vá agora! – Hera bradou.
Os olhos de Griffin se abriram e, quase contra sua vontade, ele piscou, vendo sua visão clarear.
– Mamãe, eu posso levá-lo daqui. Decerto podemos... – Vulcano começou, contudo Hera ergueu a mão, silenciando-o.
– Tarde demais. O corpo dele já foi gravemente danificado. Perdoe-me, mortal. Calculei mal o tempo que o Destino lhe atribuiu. Gostaria de lhe oferecer mais do que
apenas uma opção neste momento.
Griffin quis dizer que a perdoava, no entanto sua voz já não o obedecia.
A deusa se voltou para o filho.
– Há apenas uma maneira de salvá-lo, meu filho. Você e Griffin devem trocar de alma. Ao fazer isso, irá se tornar um mortal e, com o auxílio do meu poder, ainda
terá o suficiente de sua essência imortal para curar seu corpo fraturado e sobreviver. Contudo, se for dessa maneira, será mortal de todas as formas. Compreende?
Vulcano assentiu.
– Sim, minha mãe.
– Entende que, se fizer isso, irá viver uma vida mortal, e apenas uma, aqui no mundo moderno? E que, quando morrer, seu corpo ao pó voltará, e seu espírito irá descer
para os Campos Elíseos?
– Passarei minha vida mortal com a mulher que eu amo. Mas, quando ela também se for, poderá adentrar os Campos Elíseos?
Hera assentiu com um gesto de cabeça.
– Eu lhe dou meu juramento sagrado de que seu espírito vai encontrar um lar lá.
– Então compreendo e concordo.
– Muito bem, meu filho.
Hera se aproximou do corpo caído de Griffin e se ajoelhou a seu lado. Tocou-o no rosto, e ele só conseguiu pensar em como sua mão era suave.
– Escute bem, mortal. Meu filho é Vulcano, o deus do Fogo, marido de Vênus, a quem, acredito, você ama. Ele pode salvar sua alma e sua vida, mas, ao fazer isso,
deverá tomar posse de seu corpo e de sua vida mortal. Você, por sua vez, irá se tornar um dos Doze Olímpicos, o deus do Fogo. Irá manter sua alma e suas lembranças,
porém deverá guardar a forja sagrada e o pilar de fogo por toda a eternidade. Irá se transformar no deus do Fogo. Compreende o que eu digo?
Com um esforço sobre-humano, e a despeito do corpo ferido, Griffin se obrigou a pronunciar as palavras:
– ... Vênus sabe?
Hera negou com um gesto de cabeça.
– Não.
– ... Se eu disser “não”, vou morrer? – ele indagou com voz rouca.
– Sem dúvida. Entretanto, deve saber que não precisa temer a morte. Tem sido um bom homem. Posso lhe garantir a vida póstuma de um guerreiro nos Campos Elíseos.
Os olhos semicerrados de Griffin se voltaram para o deus chamado Vulcano.
– Minhas irmãs... – murmurou.
Vulcano se pôs de joelhos ao lado de Griffin.
– Eu as conheço. Irei valorizá-las e protegê-las como se elas fossem minhas irmãs. Elas nunca vão saber que não sou seu irmão amado.
– ... Quero seu juramento – insistiu Griffin.
– Já tem meu juramento.
Ele fechou os olhos.
– Concordo, então. Vou trocar de alma com você.
Griffin ouviu Hera entoar um canto, palavras que não conseguia compreender, porém seu poder lhe varreu a pele com mais insistência do que as chamas que os ameaçavam.
Sentiu um enorme puxão, como se tivesse sido apanhado em um terrível tornado, e abriu a boca para gritar.
Em seguida, uma imensa escuridão, a mais completa noite que poderia ter imaginado, o engolfou.
Capítulo 30
O telefone tocando acordou Pea.
– Vulcano, pode me passar o fone? – ela murmurou, sonolenta. – Então se lembrou de que ele era um antigo deus e que, provavelmente, não sabia nada sobre telefones.
Abriu os olhos, esperando vê-lo sorrindo para ela, talvez um pouco confuso, porém todo amarrotado, sexy e quente a seu lado.
Não estava. Exceto por Chloe, que piscava de sono ao pé da cama, encontrava-se sozinha no quarto.
Franzindo a testa, Pea estendeu a mão para alcançar o fone.
– Alô?
– Dorreth Pea Chamberlain? – uma voz masculina e tensa perguntou.
– Sim.
– Srta. Chamberlain, aqui é Robert Thomas, do Corpo de Bombeiros de Midtown.
– Que horas são?! – Pea indagou sem pensar.
– Cinco horas da manhã, senhorita. Estou ligando em nome de Griffin DeAngelo.
– Griffin! – Uma sensação horrível, de péssimo agouro, a inundou. – Aconteceu alguma coisa com ele?
– Sim, senhorita, receio que sim. O capitão se feriu enquanto trabalhava. Está no Saint John, sendo preparado para uma cirurgia. Seu único pedido foi que a chamássemos
para que a senhorita fosse imediatamente ao hospital.
– Estarei lá!
Pea desligou e agarrou o jeans e o suéter jogados sobre a cadeira da penteadeira.
– Vulcano? – chamou.
Nenhuma resposta.
– Vulcano! – Desta vez ela gritou seu nome e correu pela casa. E se ele tivesse voltado ao Olimpo? Por que não a tinha chamado? E por que a deixara no meio da noite?
Engatou a marcha do T-Bird e o acelerou para fora da garagem. Griffin estava ferido. Claro que ele iria mandar chamá-la. Compreendia que ela era sua única ligação
com Vênus.
E, se era assim, então ela precisava de Vulcano para enviar uma mensagem ao Olimpo. Vênus precisava voltar o mais rápido possível!
Mas onde estaria Vulcano?
Sentiu o estômago se apertar. Algo estava errado. Alguma coisa estava muito errada!
Correu pela entrada de emergência do Centro Médico Saint John e quase trombou com um bombeiro coberto de fuligem.
– Sou Pea Chamberlain. Chamaram-me para ver Griffin DeAngelo.
– Por aqui, senhorita.
Pea seguiu o jovem e sério bombeiro para as entranhas do pronto- -socorro, até que uma enfermeira os deteve.
– Esta é a mulher que o capitão quer ver – explicou o rapaz.
– Venha comigo, senhorita. Precisa se apressar. Eles já vão levá-lo para a cirurgia. Terá apenas um minuto.
– Como ele está? – Pea quis saber enquanto corria para acompanhar a moça.
– Nada bem – contou a enfermeira sem olhar para ela, e a conduziu até uma sala cercada por vidro e repleta de médicos.
Pea ficou feliz por tudo estar acontecendo tão rápido. Se tivesse tempo para pensar, com certeza vomitaria, ou, pior, iria desmaiar.
Jamais teria reconhecido Griffin. Seu rosto estava enegrecido e ensanguentado. Seus lábios, rachados e inchados. O lado esquerdo de seu corpo, da cintura para baixo,
encontrava-se coberto por gaze, e parecia haver tubos e fios saindo de cada superfície não queimada em sua pele.
– Dois minutos, senhorita – determinou a enfermeira.
Pea se aproximou da cabeceira da pequena maca.
– Griffin? Sou eu, Pea.
Os olhos dele se moveram duas vezes e, em seguida, se abriram. Quando as íris azuis encontraram as dela, Pea sentiu um arrepio... Algo que não soube bem como identificar.
Aproximou-se mais de Griffin, e seus lábios inchados começaram a se mover.
Ela se inclinou para a frente, aflita.
– ... Eu te amo, pequena.
Pea ofegou quando a verdade se abateu sobre ela.
– Vulcano! – exclamou em choque.
O alívio suavizou as feições benfeitas à sua frente. Ele sorriu, então, e fechou os olhos com um suspiro.
– Preciso pedir que saia agora, senhorita. Vamos levá-lo para a cirurgia.
Entorpecida, Pea deixou-se conduzir até a sala de espera. Sentou-se em uma cadeira estofada e negou com um gesto de cabeça, tonta, quando um bombeiro lhe perguntou
se ela queria café.
Griffin não era Griffin. Era Vulcano! Disso ela não tinha absolutamente nenhuma dúvida.
Mas como aquilo havia acontecido?
De repente, sentiu-se claustrofóbica.
– Preciso tomar um pouco de ar – murmurou, ignorando os olhares preocupados do bombeiro quando saiu correndo do quarto, pelo corredor e através das portas automáticas,
onde se recostou na lateral do hospital, respirando fundo na tentativa de não vomitar.
– Você o ama muito, não é?
Pea ergueu a cabeça e viu uma mulher linda e elegante, de pé em um pequeno halo de luz, a seu lado. Seus trajes lembravam os de Vênus, embora ela não se parecesse
em nada com a deusa do Amor.
– Se quer dizer Vulcano, sim. Eu o amo muito – confirmou, sem preâmbulos.
A mulher assentiu.
– Eu sabia. É você seu eterno amor. Sua alma gêmea. Sou Hera.
Pea não necessitava nem mesmo de um mínimo conhecimento escolar acerca de mitologia para saber que deusa era aquela. Precisou apenas de seu instinto feminino.
– É a mãe de Vulcano.
A deusa sorriu.
– Sou. E tenho uma dívida de gratidão para com você, Dorreth Pea Chamberlain. Antes de Vulcano conhecê-la e amá-la, parecia vivo apenas em parte. Você o salvou da
solidão eterna, e mais: tem-lhe dado uma felicidade que nunca imaginei que ele fosse conhecer. Penso que sua imortalidade é um preço muito pequeno a ser pago por
tal bênção.
Pea não teve certeza se tinha ouvido bem a deusa.
– Sua imortalidade? Como assim? O que aconteceu esta noite?
– Meu filho não foi o único imortal que veio observar o seu mundo moderno. Também sei que Griffin DeAngelo se tornou o amado de Vênus. DeAngelo estava morrendo esta
noite, e eu o salvei, fazendo com que meu filho tomasse o seu lugar. Na troca, Vulcano soprou a última centelha de imortalidade que se agarrava a seu espírito na
concha mortal de Griffin. Agora, Vulcano é Griffin, um homem comum, que terá uma vida mortal. E Griffin se tornou Vulcano, deus do Fogo, para a eternidade.
Pea começou a tremer.
– Ele se lembra? Ele ainda é Vulcano?
– Em tudo, menos fisicamente. Sim, ele ainda é Vulcano.
– E ele vai sobreviver?
– Sim. Meu filho terá uma vida longa e feliz. Você e ele terão muitos filhos. Eu serei avó e bisavó várias vezes e, por infinitas gerações, a centelha do deus do
Fogo irá brilhar na família DeAngelo.
Pea começou a chorar.
A deusa se aproximou dela e a tocou na face.
– Meu filho foi sábio em sua escolha.
– E quanto a Vênus e Griffin? – Pea indagou, enxugando os olhos enquanto ainda tentava compreender a enormidade do que a deusa lhe dizia. – O que vai acontecer com
eles?
– Isso, minha querida filha mortal, dependerá do novo deus do Fogo e da deusa do Amor.
Uma comoção no estacionamento impediu a pergunta seguinte que Pea faria à deusa. Ambas olharam para trás a tempo de ver quatro jovens mulheres correndo, desesperadas,
em direção à entrada do setor de emergência do hospital.
– São as irmãs de Griffin. A mais velha e mais sensata chama-se Sherry. Converse com ela primeiro, e as demais seguirão seu exemplo – afirmou Hera. – Agora, vá até
elas. Muito em breve fará parte de sua família.
– Não está indo embora, está?
– Não há mais nada que eu possa fazer aqui, mas não se preocupe... Voltarei muitas vezes para visitar meus netos. – A deusa levantou a mão regiamente. – Que minha
bênção permaneça contigo para todo o sempre.
E, em silêncio, Hera desapareceu.
Pea respirou fundo, querendo se acalmar. Vulcano ficaria bem. Tinha a palavra de uma deusa, e aquilo era mais do que suficiente para ela.
Foi ao encontro das quatro jovens quando elas chegavam às portas da emergência, e escolheu a moça que mais parecia estar no controle de si mesma: a de cabelos longos
e escuros, e com os mesmos olhos espetaculares de Griffin.
– Sherry DeAngelo? – perguntou, tímida.
As quatro estacaram.
– Sim, sou Sherry DeAngelo. Quem é você? Sabe o que aconteceu com nosso irmão?
– Sei. Ele sofreu um acidente.
As mulheres soltaram uma exclamação em uníssono, e a mais jovem se pôs a chorar.
– Griffin foi levado para uma cirurgia, mas vai ficar bem. Tudo vai ficar bem – garantiu Pea. – Eu prometo.
– Quem é você? – Sherry quis saber.
– Meu nome é Dorreth Chamberlain, mas todos me chamam de Pea. Sou a mulher que seu irmão ama... Ele e eu vamos nos casar.
Todas as quatro irmãs se entreolharam, confusas, e Pea sorriu.
– Eu sei que parece estranho. Provavelmente pensaram que ele estava apaixonado por Vênus, aquela linda loira, não é?
Elas acenaram com a cabeça em conjunto.
– Bem, é uma longa história. Na verdade, Vênus é uma grande amiga minha. Mas essa novela não importa agora. O que importa é que Griffin fique bem. Vamos... Vamos
juntas para a sala de espera da cirurgia. Podemos conversar mais lá.
Pea conduziu as quatro moças para dentro do hospital às pressas, enquanto inventava uma história de amor que pudesse soar ao menos razoável entre Griffin e ela.
Uma coisa era certa: naquele caso, sua imaginação hiperativa vinha bem a calhar. Talvez ela até tivesse algum futuro como escritora de ficção.
– Grande deusa, Zeus e Hera declararam que vão recebê-la agora.
A ninfa se curvou quando Vênus passou por ela, tensa.
Onde estaria Vulcano?, perguntou-se a deusa do Amor. Tinha sido um dia cheio. Ela já havia enviado um mensageiro até o reino do deus do Fogo a fim de avisá-lo de
que seus pais haviam concordado em escutar sua petição naquela noite, durante a reunião dos imortais, no Salão Nobre. E Vulcano se dignara a lhe enviar uma resposta?
Um bilhete que fosse, por meio de alguma ninfa, sátiro ou duende dizendo que iria comparecer?
Não.
Que criatura desagradável!
Claro que, se ela fosse honesta consigo, admitiria que tudo nas últimas vinte e quatro horas a irritava. A opulência de seu templo a incomodava. Suas ninfas lhe
davam nos nervos. O vinho parecia muito quente ou muito frio. Até mesmo orações de seus fiéis tinham se acumulado, de modo que o próprio ar ao seu redor parecia
preenchido com uma ensurdecedora e exasperante cacofonia de sons.
Mas todo aquele caos seria suportável se o seu coração e seu espírito não estivessem doendo por Griffin.
Vênus teve de admitir: sentia uma falta terrível do mortal, e precisara de toda a sua força de vontade para não negligenciar seus deveres divinos e partir de volta
para Tulsa, a fim de confrontar Griffin novamente, a fim de lhe dar outra chance. A fim de tentar lhe mostrar que ela não havia mudado, que não o enganara e que
ainda era a mulher por quem ele se apaixonara.
Porém não retornara. Permanecera no Olimpo, usando seu orgulho como um manto. A deusa do Amor não perseguia homem nenhum. A deusa do Amor não tolerava nenhum insulto.
A deusa do Amor tinha orgulho e dignidade.
O suspiro de Vênus veio do fundo da alma:
– A deusa do Amor é infeliz – murmurou para si mesma.
O Salão Nobre do Olimpo se encontrava abarrotado de imortais dourados e ninfas magníficas de todos os tipos, vestidas em trajes diminutos e diáfanos. Vênus reconheceu
até mesmo várias divindades menores, como Hebe, a deusa da juventude, Íris, a deusa do Arco-Íris, além de outras musas e deidades.
Perséfone deu-lhe uma piscadela atrevida conforme ela passava, e Vênus fez o possível para retribuir com bom humor.
Devia estar satisfeita por todo o Olimpo estar presente. Dessa forma, todos poderiam testemunhar a dissolução de seu casamento com Vulcano, o que a pouparia de ter
que ficar se justificando indefinidamente.
Talvez, depois que tudo aquilo tivesse terminado, pudesse voltar para Tulsa na companhia do deus do Fogo. Estava longe de Pea havia apenas um dia, mas já sentia
falta de sua amiga mortal.
Não, ela se corrigiu, melancólica. Vulcano e Pea haveriam de querer ficar sozinhos. Decerto iriam começar a planejar seu casamento, e ela estava feliz por eles.
De verdade.
Ainda que também se sentisse mais do que deprimida.
– Vênus, deusa do amor, e Vulcano, deus do Fogo... ouviremos sua petição agora. – A voz de Zeus retumbou por todo o enorme salão.
Vênus começou a trilhar o caminho até o altar que abrigava os dois tronos fulgurantes onde ficavam o rei e a rainha do Olimpo. Discreta, deixou os olhos percorrerem
o lugar. Onde estaria Vulcano? Poderia fazer aquilo sem ele, mas, se o fizesse, pareceria egoísta e desrespeitosa. Se Vulcano não marcasse presença, mostrando que
a dissolução de seu casamento era uma decisão mútua, não importava o modo como ela iria fazer o pedido – seria como se o Amor o houvesse descartado, e ele seria
tratado com ainda mais desdém.
Talvez ela devesse esperar por ele e solicitar a Zeus e Hera que a petição fosse feita outro dia.
Mas não. Vulcano não iria querer isso, nem Pea. E seria ainda importante para o deus do Fogo o que os outros imortais pensavam dele? Ele havia encontrado seu verdadeiro
amor. Pea era tudo o que lhe importava agora.
Vênus se deteve diante do altar, fazendo uma reverência com tanta graça e beleza que chamou a atenção de todos no salão.
– O que podemos fazer por você, deusa do Amor? – perguntou Zeus. Então, com um olhar severo, acrescentou: – A petição não foi feita por você e nosso filho?
– Foi, meu senhor – ela concordou. – Mas, aparentemente, Vulcano não pôde vir, por isso eu a apresentarei por nós dois.
Zeus bufou, porém Hera respondeu com delicadeza.
– Prossiga, Vênus. Vamos ouvir o seu pedido.
Vênus ergueu o queixo e falou com uma voz clara e confiante que se propagou por todo o Salão Nobre.
– Não é segredo para nenhum de vocês que meu casamento com o deus do Fogo foi incomum. É esse casamento o objeto da nossa petição nesta data. – Fez uma pausa, esperando
que os murmúrios amainassem. – Vulcano e eu temos sido bons amigos, contudo nos casamos sob falsos pretextos. Ironicamente, em nossa união tem faltado amor. Gostaríamos,
portanto, de corrigir o nosso erro. O casamento deve ser baseado em mais do que conveniência; assim, Vulcano e eu pleiteamos que...
– Que sejam testemunhas do nosso novo compromisso.
Assim como o restante da multidão, Vênus soltou uma exclamação de choque com a interrupção. Olhou ao redor do gigantesco salão até que avistou a figura alta de Vulcano
abrindo caminho até ela. Com certeza ela havia interpretado mal suas palavras, pensou, enquanto o observava se juntar a ela diante do trono dos pais.
– Vulcano, o que está dizendo? – Vênus manteve a voz baixa, de modo que apenas ele a escutasse.
O deus do Fogo sorriu para ela, mas, em vez de responder, encarou os pais e se curvou para eles.
– Zeus, Hera... Obrigado por escutarem a nossa petição hoje, e perdoem-me pelo atraso.
– Não há nenhum problema, meu filho – adiantou-se Hera, sorrindo para seu rebento favorito. – Siga em frente com seu pedido. Seu pai e eu estamos prontos para ouvi-lo.
– Vênus estava certa. Demos início ao nosso relacionamento sem amor. Mas agora eu gostaria de corrigir isso. Se Vênus concordar, quero selar novamente a nossa união,
e desta vez será um casamento de verdade.
Ele ignorou os murmúrios de incredulidade e as risadinhas irônicas dos imortais que a tudo assistiam e se virou para Vênus. Em seguida, chocou-a ainda mais ao tomá-la
nos braços.
Quando falou, não baixou a voz. O salão inteiro podia ouvir o que dizia, entretanto suas palavras foram proferidas com confiança, e pareceram pincelar a alma de
Vênus com a profundidade de sua paixão.
– Quem diria que o Amor poderia ser íntimo da solidão?
– O-O quê? Não entendo, Vulcano – ela sussurrou.
Mais uma vez ele se expressou com o coração, e não fez nenhuma tentativa de falar baixo.
– Tem estado muito sozinha, esposa.
Atordoada, sem entender o que estava acontecendo, Vênus repetiu, de modo bizarro, as mesmas palavras que tinha dito dias antes, durante uma conversa similar:
– Sim, tenho. Nós nunca deveríamos ter nos casado. Temos vivido, ambos, insuportavelmente tristes. A amizade pode ser uma bênção, mas não substitui o amor verdadeiro.
– Prendeu a respiração, então, esperando, contra todo o bom-senso, saber quais seriam as palavras seguintes.
– E nenhum de nós o espera ou busca mais? Existe alguma forma de podermos nos reconciliar? Como podemos tornar este relacionamento melhor para nós dois?
Ao ouvir a resposta familiar, a mesma da noite do baile de máscaras, Vênus começou a tremer. De repente, o Salão Nobre pareceu desaparecer ao redor deles, substituído
pela noite de Oklahoma, quando o homem que a fitava nos olhos usava um tipo diferente de máscara.
– É você, Griffin? Como isso aconteceu? – sussurrou, aturdida.
Ele baixou a voz desta vez, de modo que apenas Vênus pudesse escutá-lo.
– Foi fácil, minha deusa. Encontrei a coragem para aceitar o seu amor.
Com um gritinho de felicidade, Vênus jogou os braços ao redor do pescoço de Griffin e sentiu-se derreter quando ele baixou a boca faminta para a sua.
E Vulcano, o deus do Fogo, oficial e formalmente, tomou Vênus, a deusa do Amor, por sua esposa.
Com todo o monte Olimpo como testemunha.
O Salão Nobre explodiu em festa. Em algum lugar, bem no fundo da mente, Vênus percebeu que a balbúrdia em torno dela era constituída de vivas e aplausos, conforme
os Olímpicos reconheciam aquele sinal de amor verdadeiro.
Mas isso era algo com que iria se ocupar e se alegrar mais tarde. No momento, estava muito ocupada se regozijando com o feliz reconhecimento de que lhe fora concedido
o milagre de viver para a eternidade com sua alma gêmea.
Epílogo
Um ano depois
– Querida, não tem nenhum cordeiro aqui! Você se importaria se eu fizesse surgir uma suculenta perna de cordeiro para assar? Adoro cordeiro! – Vênus perscrutava
a geladeira de Pea como se esperasse encontrar um bom pedaço de cordeiro fresco entre o leite e o suco de laranja.
– Vênus, temos bifes de búfalo para comer. Eu os temperei na noite passada. Eles vão ficar deliciosos, confie em mim. Além disso, têm muito menos gordura e colesterol
do que carne de cordeiro.
O belo rosto da deusa era um total ponto de interrogação, e Pea revirou os olhos.
– Carne de búfalo é melhor para você, acredite.
Vênus pensou por um momento, então sua expressão se alterou, como se ela tivesse acabado de dar uma mordida em algo muito desagradável.
– Está querendo dizer que é saudável?
Pea riu.
– Aterrorizando os imortais de novo, pequena?
Vênus observou Vulcano – ou melhor, Griffin (às vezes ainda era difícil lembrar que deveria chamá-lo sempre de Griffin) – caminhar devagar até a esposa. A perna
dele estava ficando cada vez melhor, reparou.
O acidente fora mesmo terrível. Griffin tivera a perna esquerda inteira esmagada. Ela ainda se lembrava dos comentários de seus amigos mortais, durante uma de suas
inúmeras visitas a Pea, nos meses seguintes ao incêndio e à troca bizarra das almas de seus amantes. A opinião dos médicos era a de que Vulcano (que agora vivia
a vida mortal de Griffin) nunca mais voltaria a andar.
Pea e ela haviam trocado sorrisos discretos. Sabiam que os médicos subestimavam a alma dentro do corpo do mortal.
“Griffin” andava lenta e cuidadosamente agora, porém andava.
Pea estava rindo de novo enquanto provocava o marido, dizendo que aterrorizar imortais era um de seus passatempos favoritos, quando o novo deus do Fogo se materializou
na cozinha. A mortal soltou um gritinho e segurou a enorme barriga de grávida.
– Não sei por que não consigo me acostumar a isso! – falou, ofegante.
– Perdão, Pea. – O deus pareceu envergonhado. Curvou-se para beijá-la no rosto e, em seguida, os dois homens se cumprimentaram. – Ainda é estranho – comentou o imortal
que costumava ser mortal.
– Acho que será sempre desconcertante – replicou o mortal que costumava ser o deus do Fogo.
Vênus percebeu que, como sempre, eles apertavam as mãos com vontade. Os dois homens se gostavam e respeitavam um ao outro.
Aquilo, concluiu a deusa do Amor, provava que havia algo intrinsecamente bom e honrado na alma de cada um deles.
Seu marido contornou a mesa, vindo até ela. Pelos peitos enormes de Circe, como ela o amava! Jamais iria se cansar daquele brilho único em seus olhos agora escuros,
ou da maneira como ele fazia o corpo dela vibrar em suas mãos. Ele era incrivelmente forte e poderoso, e, durante o último ano em que Griffin habitara o corpo imortal
de Vulcano, o deus do Fogo tinha perdido por completo a claudicação que, por eras, tanta angústia lhe causara. Irônico que a ferida seguisse mais a alma do homem
do que seu corpo.
Em seguida, quando pressionou o corpo contra o dele e correspondeu ao beijo, Vênus só conseguiu pensar em como seus lábios eram quentes.
– Olá, minha deusa – sussurrou. – Sentiu a minha falta?
– Ah, façam-me o favor! Vênus está aqui, sem você, há apenas um dia, Griffin! – zombou Pea, balançando a cabeça, divertida.
– Eu também sentiria sua falta se ficasse um dia fora – Vulcano se curvou para lhe acariciar o pescoço com o rosto, o que a fez rir e se arrepiar.
– Pare com isso! Não temos tempo. Suas irmãs estarão aqui a qualquer instante, e ainda tenho muito que fazer para que possamos comer e ainda ficarmos prontos para
a inauguração da boutique de Fábio. – Ela se voltou para Vênus com uma expressão severa. – Fábio vai ficar arrasado caso se atrase.
– Como foi que ele decidiu chamar a lojinha, mesmo? – indagou a deusa.
– Deusa’s! – Pea sorriu. – Disse que foi você que inspirou o título.
– É claro que sim.
– Quer que eu leve o carvão para a churrasqueira? – indagou Vulcano.
– Posso fazer isso – emendou o novo deus do Fogo.
– Obrigado, mas eu ainda gosto de mexer com fogo de vez em quando... – Vulcano ergueu as mãos mortais e agitou os dedos numa excelente imitação de como Vênus costumava
fazer surgir as coisas. – Mesmo que isto não funcione mais tão bem para mim.
Vênus bufou, mas, por dentro, pensou que a mortalidade tinha feito muito bem ao senso de humor do amigo.
– Bem, deus do Fogo, se quer ser útil, pode me trazer uma caixa da despensa. Está na última prateleira, e não estou podendo usar a escadinha agora – justificou Pea.
– Acho que coloquei um saco de lascas de madeira de algaroba nela, e quero que a adicionem ao carvão vegetal para dar um sabor a mais nos bifes.
– Ela quer que nos alimentemos “de modo saudável” – Vênus cochichou.
– Ouvi isso! – ralhou Pea.
– Sem problemas. – Griffin apanhou a caixa na despensa e a colocou sobre a mesa da cozinha.
– Vênus, não quer tirar as lascas daí para mim?
– Claro, querida. Contanto que não tente me fazer comê-las – a deusa completou com doçura.
– Muito engraçado. – Pea voltou a cortar o aipo para a salada de batata, enquanto Vênus revirava a caixa.
– Pea, não é este o livro que usou para evocar a minha ajuda?
A outra moça se virou.
– Sim, é esse mesmo. Como ele foi parar nessa caixa?
– Então foi assim que tudo começou... – Griffin tomou o livro com capa de couro trabalhada das mãos de Vênus. – Descubra a Deusa em Você – Liberte Vênus e Abra Sua
Vida para o Amor, por Juno Panhellenius. Essa é muito boa.
Vênus deixou escapar o ar, como se alguém tivesse lhe dado um soco no estômago.
– O quê?! – exclamou em uníssono com Vulcano.
Este mancou até a mesa e tomou o livro de Griffin, enquanto a deusa balançava a cabeça.
– Eu não fazia a menor ideia!
– Nunca tinha visto este livro, Vênus? – Vulcano quis saber.
– Nunca. Pea estava recitando a invocação de cor. Eu simplesmente não acredito!
– O que foi! – Preocupada, Pea se juntou a eles à mesa. – O que há de errado?
Vênus olhou para a amiga mortal.
– A autora. Eu a conheço. – Ela hesitou e depois acrescentou: – E Vulcano também.
– Nós todos a conhecemos – corrigiu Vulcano. – Na verdade, Griffin também a conhece agora.
– Do que estão falando? – Griffin quis saber.
Vênus apontou para as lindas letras metálicas impressas em alto relevo na capa do volume.
– Juno é um dos muitos nomes que Hera utiliza. E Panhellenius quer dizer “deus de todos os gregos”... Um dos epítetos de Zeus.
– Aqueles velhos manipuladores! Estavam por trás de tudo! – Vulcano exclamou, incrédulo.
– Tivemos sua bênção o tempo todo, e nem percebemos isso – completou Vênus.
Pea olhou para seu amado marido, que tinha passado por tanta coisa antes de encontrar a felicidade.
– Isso significa que eles o amam. Muito – concluiu, emocionada.
– Na verdade – Vênus acrescentou, passando o braço pelo ombro da amiga mortal –, significa que eles amam a todos nós, e que todos temos a bênção do rei e da rainha
do Olimpo.
E, enquanto os quatro amigos sorriam um para o outro, um trovão ribombou, brincando no céu sem nuvens de Oklahoma.
1 “Pea” em inglês significa “ervilha” (N. E.).
P. C. Cast
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