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DIAMOND FIRE / Ilona Andrews
DIAMOND FIRE / Ilona Andrews

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Cordialmente convidam a todos vocês para participar da cerimônia do seu casamento.
Evocação, manipulação do tempo e outras atividades mágicas, estritamente proibidas.
Catalina Baylor estava ansiosa para usar seu vestido de dama de honra e ver sua irmã mais velha caminhar pelo corredor da igreja. Então, as organizadoras de casamento são escoltadas para fora do local, a inestimável tiara da noiva desaparece e a enorme família de Rogan invade a casa de sua mãe. Alguém está traindo, alguém está mentindo e alguém está planejando assassinato.
Para que esse casamento aconteça, Catalina terá que fazer o que mais teme: usar sua magia. Mas ela é uma Baylor e não há nada que não faria pela felicidade de sua irmã.
Nevada terá seu casamento de conto de fadas.

 


 


Prólogo


Nevada


Todas as famílias têm momentos estranhos. A nossa família só os tem com mais frequência que as outras.

Sentei-me à mesa da nossa cozinha e enchi minha cara de panquecas.

Arabella, minha irmã mais nova, olhava para mim do outro lado da mesa. — Por que você está aqui? Você nem mora mais aqui, Nevada.

Eu tinha oficialmente saído ontem de casa. Passei os últimos nove anos da minha vida na suíte do segundo andar do armazém que servia como nossa casa e nosso negócio. Dado que agora passava a maior parte do meu tempo com Connor, também conhecido como Louco Rogan, e recentemente nos tornamos oficialmente noivos, decidi me mudar. Houve surpreendentemente pouca bagunça. Eu não tinha muita coisa acumulada e levei menos de um dia para colocar meus pertences em caixas.

O pessoal de Rogan veio buscar na noite passada e os levou para a sua casa, nos arredores de Houston. Vovó Frida chorou um pouco e mamãe fez muitos resmungos mal-humorados, então passei a noite no QG1 de Rogan do outro lado da rua, caso elas decidissem de repente ter um colapso nervoso sobre isso.

Eu não deveria ter me preocupado.

— Deixe-a em paz, —mamãe chamou a atenção de Arabella. — Essa é só a sua terceira panqueca.

— Então? —Arabella olhou para mim.

Mostrei minha língua para ela e cortei outro pedaço de panqueca com o garfo.

— Ela está descontando o estresse na comida, —a avó Frida explicou. — Rogan vai passar por aqui daqui a cinco minutos e vai levá-la para conhecer a mãe dele. Ela está com medo.

Obrigada vovó. Engasguei com a minha panqueca e engoli meu café. — Não estou com medo.

Estava apavorada. Rogan queria me levar para conhecer a sua mãe logo após os testes, mas eu implorei por três dias que adiássemos. Agora não havia escapatória. Eu tinha que conhecer minha futura sogra.

Arabella olhava para mim. Vovó Frida já passava dos setenta anos e Arabella ainda tinha quinze anos, mas naquele momento eram incrivelmente parecidas: ambas de olhos azuis, ambas de cabelos claros—embora os cabelos de vovó Frida fossem brancos por causa de sua idade—e ambas usassem expressões ardilosas idênticas.

— Você está vestindo um par de jeans novos e sua blusa verde-oliva favorita, —disse Arabella.

— E daí?

Minha irmã mergulhou a cabeça loira debaixo da mesa. — E lindas sandálias com tiras. E suas unhas estão feitas.

— Faço sempre minhas unhas dos pés. —Normalmente eu usava tênis porque ocasionalmente precisava correr no decorrer do meu trabalho, mas também possuía três pares de sandálias.

— É melhor escovar os dentes, —disse a vovó Frida. — Você não vai querer hálito de café.

Minha escova de dentes estava no QG do Rogan. Droga.

— Parem com isso, vocês duas, —mamãe rosnou e se virou para mim. — Vai ficar tudo bem.

Depois que meu pai morreu, minha mãe se tornou uma rocha firme em nosso mar turbulento. Não importava o que acontecesse, ela estaria lá, suportando tudo. Levei muito tempo para aprender a olhar além dessa armadura. O último ano tornou isso especialmente claro. Mas hoje eu precisava dessa rocha e então agarrei-a.

— Mamãe diz que vou ficar bem, —eu disse a elas. — Você conheceu a minha futura sogra, Arabella. Poderia me dizer como ela é.

Arabella sorriu. — Não. Eu gosto de ver você sofrer.

Meu telefone tocou. Um texto de Rogan:


Você está perdendo o show.

Você está perdendo o show.


Que show?

Que show?


Venha aqui fora.

Venha aqui fora.

 


Realmente queria correr para o meu antigo quarto e trancar a porta. Não podia fazer isso por dois motivos. Um, eu era uma adulta, e dois, minha outra irmã, Catalina, se mudou para o meu quarto, então não era mais tecnicamente meu.

Isso era uma vergonha. Eu era uma investigadora particular treinada com quase dez anos de experiência. A Agência de Investigação Baylor existia hoje porque assumi o controle quando papai adoeceu e contra todas as probabilidades era uma agência de sucesso. Não só isso, mas eu era uma Superior, o nível mais alto de usuário de magia que alguém poderia alcançar. Minha avó paterna tinha o mesmo talento que o meu e as pessoas se encolhiam quando ouviam o nome dela. Eu enfrentei a minha avó e uma dúzia de outros Superiores. No ano passado, fui baleada, atropelada, queimada, teletransportada e congelada quase até a morte. Um ônibus quase caiu em cima de mim, enfrentei um psiônico que quase destruiu minha mente. Disse a Connor Rogan, o Flagelo do México, ‘não’ repetidamente e mantive-me firme. Conhecer a mãe do meu noivo deveria ser fácil para mim.

Eu poderia fazer isso.

Levantei-me, coloquei meu prato na pia, abracei minha mãe e fui até a porta.

Um Range Rover2 cinza-metálico aguardava em frente ao nosso armazém. A menos que você olhasse de perto e soubesse o que estava procurando, nunca imaginaria que o carro era blindado.

Rogan se apoiava no veículo. Eu já o tinha visto em um terno de vinte mil dólares e também em jeans manchados de sujeira e uma camiseta. Não importava o que usasse, ele sempre tinha uma áurea de masculinidade áspera. Você tinha a sensação de que nada poderia derrubá-lo. O que quer que surgisse, ele lidaria com isso e não entraria em pânico. O fato dele ser enorme—mais de um metro e oitenta de altura e com um corpo de lutador de artes marciais—acrescentava ainda mais a essa imagem. Hoje ele usava um par de jeans e uma camiseta verde-oliva. Com sua pele bronzeada e cabelo escuro, parecia uma espécie de explorador da selva.

Ah não!

Eu parei.

— O que foi? —Ele perguntou.

— Nós estamos vestidos iguais, —eu me virei.

— Como assim?

— Eu vou mudar de roupa.

Ele pegou minha mão e me puxou para ele. Seus olhos azuis escuros estavam rindo enquanto se inclinou e me beijou. Tinha gosto de hortelã e café e o toque de seus lábios me acalmou. Sabe de uma coisa? Tudo vai ficar bem.

— Você está ótima. Além disso, se entrar novamente, perderá a melhor parte.

Ele acenou para a minha esquerda. Eu olhei naquela direção.

Um Maserati GranCabrio3 azul-safira estava estacionado no meio-fio. Próximo a ele, diretamente sob minha janela—não, sob a janela da minha irmã—estava Alessandro Sagredo.

Quando vi pela primeira vez a foto de Alessandro pouco antes dos testes, achei que ele parecia o filho de um gladiador pronto para a primeira batalha. Essa impressão foi mais forte quando o conheci pessoalmente. Seu rosto ainda tinha traços suaves, resquícios da adolescência, mas eles estavam desaparecendo rapidamente. As linhas de expressão estavam se tornando duras e precisas, mas qualquer que fosse a sua aparência no futuro, uma coisa permaneceria certa—Alessandro seria amaldiçoado por passar sua vida sendo ridiculamente bonito.

Minha tímida e tranquila irmã estava inclinada para fora da janela e parecia claramente agitada.

— Não! —Catalina declarou.

— Por que não? —A voz de Alessandro continha apenas o menor sinal de um sotaque italiano.

— Porque o que você está sentindo por mim não é real.

— Quem disse que estou sentindo alguma coisa? Só estou sugerindo que você venha a um passeio comigo.

Alessandro acenou para a Maserati, brilhando de um azul intenso sob à luz do sol. — O carro está bem aqui.

— Não.

Apenas alguns dias atrás, nossa família teve que passar pelos testes para provar que possuíamos pelo menos dois Superiores e, portanto, poderíamos ser declarados como uma Casa. Nós precisávamos das proteções concedidas às Casas emergentes desesperadamente, o que significava que eu e minhas irmãs tivemos que demonstrar nossas habilidades mágicas diante de uma banca de juízes Superiores. Alessandro foi o juiz de Catalina. Um poderoso Antistasi4 Superior, ele poderia anular a magia dos outros, enquanto minha irmã possuía a habilidade de convocar o amor genuíno, podia fazer as pessoas amá-la. No teste, Catalina e Alessandro ficaram de frente um para o outro, com uma linha branca entre eles. Então Catalina contou-lhe uma história sobre nossas férias na Flórida e, no final, Alessandro cruzou a linha e lutou contra as quatro pessoas que tentaram detê-lo. Ele recuperou o controle em segundos, mas minha irmã foi declarada como Superior.

— Eu pensei que a magia de Catalina se desgastava com o tempo, —disse Rogan em voz baixa.

— Sim. Não acredito que ele está aqui por causa da magia dela. Ele a seguiu no Instagram bem antes dos testes.

As sobrancelhas escuras de Rogan subiram uma fração de centímetro. — E isso é importante por quê?

— Ele é uma celebridade adolescente e o queridinho do Herald’s, seguido por um par de milhões de pessoas no Instagram. Ele segue somente três pessoas e acabou seguindo também Catalina. Ela se tornou uma famosa do Instagram da noite para o dia e acabou excluindo sua conta.

Em nosso mundo, os Superiores eram as celebridades mais relevantes. Havia uma rede social inteira dedicada obsessivamente a eles—o Herald’s, onde os membros publicavam especulações, rumores e fanfic5. Alessandro Sagredo, sendo jovem, solteiro e devastadoramente bonito, era o pop star do grupo, e Catalina detestava qualquer tipo de atenção. Ela tinha boas razões para isso. Eu teria dado qualquer coisa para tornar as coisas mais fáceis para ela, mas toda a magia vinha com um preço e minha irmã tinha tirado o palito mais curto6.

— Você precisa se distanciar de mim, —declarou Catalina. — Vai se desgastar com o tempo e a distância.

Alessandro baixou a cabeça, seu longo cabelo castanho caindo sobre o rosto.

— Per l'amour del cielo!7

Eu me virei para o Rogan. — O que ele disse?

— Também não entendi.

— Eu não estou sob a influência da sua magia. Não estou subindo pelas paredes para chegar até você. Estou aqui apenas para convidá-la a dar uma passeio rápido.

Uma longa pausa se seguiu.

Alessandro inclinou a cabeça e olhou para a janela. Romeu moderno em jeans de luxo ao lado de seu corcel de cento e setenta mil dólares.

O silêncio se estendeu.

— Ela vai responder a ele? —Rogan me perguntou.

— Não.

— Vai deixá-lo parado lá esperando?

— Não, eu quis dizer que a resposta será não. —Sorri para ele. — Vamos lá. Isso é difícil o suficiente para Catalina, e nós não estamos ajudando.

— Eu odeio essa janela, —disse Rogan, quando entramos em seu carro.

Do outro lado da rua, uma caixa pesada flutuava alguns centímetros do chão.

— Não se atreva, —eu disse a ele. A lembrança da última vez que discutimos naquela janela ainda estava fresca. Rogan era um Superior Telecinético e ele não gostou de discutir comigo pela janela. Então empilhou pneus, paletes e uma escada de incêndio ancorada com sacos de cimento contra a parede do nosso armazém e depois subiu até a janela para conversar comigo cara a cara. — Sério, isso não vai ajudá-la.

A caixa pousou de volta na calçada. Rogan saiu do estacionamento. — Coitado do Conde.

Eu olhei para ele. — O que você quer dizer?

— Alessandro é um Conde. Conde di Sagredo. A família se originou por volta do século XII.

— Não diga isso a Catalina, —eu disse.

Minha irmã já era bastante tímida em torno de pessoas comuns. Conversar com alguém que veio de uma antiga família nobre a faria ficar obcecada com cada palavra que teria que proferir, tentando se certificar de que ela não dissesse algo embaraçoso ou chamasse atenção para si mesma.

Era o suficiente que Alessandro fosse bonito, um Superior e uma celebridade adolescente. Jogar um título nobre na mistura só pioraria as coisas.

 


Percorríamos um longo caminho entre colinas acidentadas, com verdes cedros-da-montanha8 e carvalhos-do-sul9 erguendo-se na paisagem. Estávamos subindo o caminho para o noroeste, para o Texas Hill Country10. O chão parecia seco, com grandes pedras calcárias cobertas de uma fina camada de solo superficial. Depois da umidade de Houston, olhar pela janela do carro me deixou com sede.

— Por que aqui? — Perguntei.

— Ela diz que as colinas a lembram de casa, —disse ele.

— Onde é essa casa?

— Espanha. País Basco, perto de Navarra, nas montanhas. Eu já estive lá. Não se parece tão perfeitamente assim, mas é seco e acidentado em alguns lugares, como aqui.

A estrada virou e, quando Rogan percorreu a curva, eu vi a casa. Coroando a colina, uma linda mansão mediterrânea, com suas paredes de tijolos interrompidas por altas janelas reluzentes. Continuamos curvando e a casa continuou aparecendo e aparecendo ...

— E se ela não gostar de mim?

— Ela vai gostar de você. Eu te amo e isso é tudo o que realmente importa. Mas minha mãe vai gostar de você.

A estrada nos levou ao ápice da colina, a um muro de pedra coberto por um telhado de telhas de barro vermelho. Um portão de metal robusto vigiava a entrada. O portão se abriu e o Range Rover percorreu a longa estrada, passando pelo gramado muito bem cuidado e chegando a outra entrada arqueada. Nós passamos por ela, indo para o pátio com uma fonte bonita em seu centro. Rogan parou o carro.

— Essa é uma casa gigante, —eu disse.

— Rosa da Montanha. Vinte e dois mil metros quadrados. Dez quartos. Doze banheiros. Duas piscinas. Quadra de tênis, jardins, obras de arte. —Rogam fez uma careta. — Uma vez eu perguntei a minha mãe por que ela precisava de uma casa tão grande e ela disse: 'Para os netos'.

— Você não tem irmãos, não é?

— Não. —Ele moveu a mão, indicando o comprimento da casa. — Um quarto para ela, um para nós, o que deixa oito quartos de netos, todos nos nossos ombros.

— Ótimo. —Não era com meus ombros que eu estava preocupada, mas se eu dissesse qualquer coisa sobre isso, levaria mais dez minutos para ele esgotar todas as piadinhas sobre o tema.

Nós permanecemos sentados no carro por um longo momento. Eu não queria sair.

— Medo? —Ele perguntou.

As pessoas mentiam todos os dias, até mesmo uma dúzia de vezes por dia, muitas vezes pelas melhores razões, mas sempre que alguém mentia, minha magia me avisava. Então, há muito tempo, decidi mentir o mínimo possível, e para Rogan nunca havia mentido. Ele não podia mentir para mim e precisávamos construir esse relacionamento como iguais. — Sim.

— Vai ficar tudo bem. —Ele estendeu a mão e me beijou. Foi um beijo rápido, destinado a tranquilizar, mas cerca de meio segundo depois, Rogan mudou de ideia. Sua mão pegou meu cabelo. Ele tinha gosto de sândalo, hortelã e Connor. Eu relaxei e beijei ele de volta. Não havia nada igual como beijar Rogan. Todas as minhas preocupações desapareceram e era somente eu e ele, seu gosto, seu cheiro, seu toque ...

Nós quebramos o beijo. Seus olhos azuis ficaram mais escuros. Ele parecia que iria se perder a qualquer segundo.

Nós não poderíamos ficar no carro. Arrosa Rogan era uma Superior. Ela morava em uma mansão com segurança de primeiro nível, o que significava que nossos beijos provavelmente estavam sendo gravados em detalhes horripilantes em HD nas telas internas de segurança.

Eu abri minha porta. Ele sorriu para mim e saímos do carro.

O interior da casa era tão impressionante quanto o exterior. As paredes, cobertas com delicados redemoinhos de gesso bege e creme, subiam até os altos tetos. O piso era de mármore travertino, colocado em grandes placas em vez das típicas placas pequenas.

A mobília tinha a mesma qualidade atemporal que as peças da casa de Rogan, mas aqui, enquanto os móveis eram rústicos e quase planos, com muitos ângulos quadrados, os sofás e as cadeiras eram mais ornamentadas e delicadas. Havia algo inegavelmente feminino nisso.

Ninguém veio nos cumprimentar. Estranho. Isso era algum tipo de teste? Ela estava me colocando no meu lugar fazendo-me esperar? Todo meu nervosismo voltou de repente.

Rogan foi até a cozinha e abriu a enorme geladeira. Quase pedi para ele parar, mas me segurei. Para mim, era uma mansão. Para ele, era a casa de sua mãe e, como qualquer garoto que voltasse para casa, foi direto para a geladeira. Eu fiz a mesma coisa quando entrei pela porta do armazém esta manhã.

— Gostaria de uma bebida?

— Quais são as minhas opções?

— Água com gás, chá gelado, suco ...

— Chá. Obrigada.

A cozinha era enorme, com armários marrons escuros e belas bancadas de granito. Aparelhos de última geração esperavam para ser usados. O fogão parecia algo saído de um show de competição de cozinha.

Rogan encheu dois copos grandes de chá. Deslizei minha bunda para um banquinho do outro lado da ilha e ele empurrou um copo na minha direção. Eu peguei e bebi.

Oito quartos para os netos. Certo.

Sempre me perguntei por que Rogan era o único filho. Superiores guerreavam entre si como as cidades-estados11 medievais, e a maioria das famílias Superiores se esforçava para garantir um herdeiro e um substituto. Na Casa Rogan não havia substitutos. Havia apenas Rogan. Já faz algum tempo que quero perguntar o porquê, mas continuo me esquecendo, e agora não parecia ser o melhor momento.

Um sussurro mecânico me fez virar. Uma mulher em uma cadeira de rodas motorizada entrou na cozinha. Ela era de meia-idade e bonita, com cabelos escuros que emolduravam olhos escuros cinzentos e profundos e pele bronzeada.

Oh.

Rogan aproximou-se dela, inclinou-se e beijou-a no rosto. — Oi mãe.

Ela sorriu para ele. Eles eram tão parecidos.

— Há peito defumado na geladeira, —disse ela.

— Eu vi.

Arrosa se virou para mim. — Olá querida.

— Oi. —Lembrei-me de sair do banquinho, dei alguns passos para a frente e parei, sem saber o que fazer comigo mesma.

— Ela está nervosa, porque você é assustadora. —Rogan disse a ela.

Seu traidor. Vou me lembrar disso.

Minha futura sogra inclinou a cabeça para trás e riu.

 


Nós nos sentamos sob o teto de uma sacada no segundo andar. Rogan tinha saído para fazer chá para sua mãe. A chuva finalmente chegou e o ar ficou fresco e frio.

— Ele não falou sobre a cadeira, não foi? —Perguntou Arrosa.

— Não.

Ela sorriu. — Garoto bobo. Aconteceu quando ele tinha três anos de idade. Seu pai foi alvo de um assassinato. Ele foi a essa viagem sozinho, mas eu tive um mau pressentimento sobre essa viagem e fui atrás dele, estávamos em um quarto de hotel em Nova York. Enfim, ele e eu sobrevivemos e isso foi tudo que importou.

Ela se machucou tentando proteger seu marido. — Eu sinto muito.

— Já estou acostumada. E minha magia torna as coisas muito mais fáceis. Está com frio?

— Estou bem.

— Você parece sentir frio. Aqui.

O grande baú de madeira ao lado do sofá ao ar livre se abriu e um cobertor flutuou para mim. Como Connor, Arrosa era um Telecinética Superior.

— Obrigada. —Coloquei o cobertor em volta de mim.

— A maioria dos homens na posição de Will teria se divorciado de mim. Connor era nosso único filho. Era um risco confiar em apenas um herdeiro para levar a linhagem Rogan adiante. Mas Will me amava muito e aqui estamos nós.

— Rogan disse que o seu casamento foi arranjado. —Eu provavelmente não deveria ter dito isso.

Os olhos de Arrosa brilharam. — Ele disse, não foi? Connor ficou muito zangado com meu pai. Sim, começou assim. Minha família não é uma Casa. A linhagem da minha família frequentemente produz usuários mágicos de calibre Significativo e Médio, mas meu avô era um Superior. A família sempre esperou que outro Superior nascesse e quando aprovei no teste como Superior, meus parentes deram a maior festa. Centenas de pessoas foram convidadas. Meu pai, o avô de Rogan, tinha grandes esperanças para mim. Eu não deveria me casar, eu ficaria com a família, meu esposo se juntaria à família e tomaria meu nome, e seria esperado que nós dois tivéssemos tantos filhos quanto possível, na esperança de que produzíssemos mais Superiores.

Faz sentido. Eu pesquisei sobre a família Ramírez. Para ser considerado um Casa, eles tinham que ter no mínimo dois usuários mágicos Superiores em três gerações.

O avô de Arrosa morreu antes dela nascer, mas se Arrosa tivesse um filho que fosse aprovado como Superior, a família Ramírez poderia pedir para se tornar uma Casa.

Arrosa apertou o xale em volta dos ombros. — Todos esses planos ... e então Will Rogan apareceu. Meu perfil genético correspondia às suas necessidades e ele viajou para a Espanha para me conhecer. Lembro da primeira vez que o vi. Eu estava de pé na biblioteca, tentando organizar os livros, tinha vários livros flutuando sobre a minha cabeça, e ele estava andando e parou na porta. Nós apenas ficamos de pé e nos entreolhamos. Eu nunca tinha visto alguém como ele.

Ela sorriu para as memórias. Eu também tive um momento assim. A primeira vez que vi Connor, ele estava andando em minha direção pelo parque e eu apenas sentei lá, observei-o e desejei que um dia eu pudesse encontrar alguém como ele.

— O que aconteceu? —Perguntei.

— Meu pai disse que não. Não muitas pessoas diziam ‘Não’ para Will Rogan. Ele era uma terceira geração de Superiores. Sua magia era fora de série. Ele tinha contatos militares, contatos civis, contatos estrangeiros e metade do mundo lhe devia um favor. É justo dizer que, em alguns aspectos, Connor é muito parecido com o pai.

Na minha experiência, Connor agia como se a palavra não significasse nada, a menos que ele fosse o único a dizer isso.

— Will fez questão de me encontrar quando eu estava na cidade. Então nos apresentamos novamente e conversamos. Foi tão fácil falar com ele. Nós éramos diferentes, mas essas diferenças não importavam. Então, ele veio ver meu pai novamente, e meu pai, que àquela altura percebeu que ofender a Casa Rogan não terminaria bem, disse a Will que ele teria que compensar a família pela perda de uma Superior. Ele determinou uma quantia escandalosa de dinheiro. Will escreveu o cheque no local. Quase levou a si próprio a falência. —Os olhos de Arrosa se estreitaram e vi um vislumbre de poder, agudo e assustador. Alarme passou por mim.

— Meu pai me chamou para a biblioteca e me disse que Will me comprou, e eu tinha que ir com ele. E você sabe o que meu Will disse a ele?

— Não.

— Ele disse: 'Você não vai perguntar se ela quer vir comigo? É a decisão dela.' E meu pai disse que eu faria o que fosse melhor para a família. Ele não entendeu. Ele nunca entendeu.

Eu concordava cem por cento com o Rogan. Também não gostei do avô dele. — Você alguma vez se arrependeu?

— Nunca. Will foi tudo para mim. Nós chegamos em casa. Sua família não ficou muito feliz dele ter assinado um cheque de quase três quartos de seus bens. Seu pai uma vez me chamou de compra da Louisiana12. Não importava. Trabalhamos juntos para reconstruir o que ele havia perdido. Nós éramos uma ótima equipe. Ele me amava, Nevada. Tive a honra de experimentar o tipo de amor que poucas pessoas experimentam. Sinto falta dele todos os dias. Às vezes acordo e me aproximo do seu lado, esperando que ele esteja na cama comigo. Mas ele nunca está lá. Eu ainda falo com ele. Ele está enterrado nos jardins, ao lado de seus pais.

Isso poderia ser eu. Se eu me casasse com Rogan, em alguns anos eu poderia estar sentada em seu lugar, lamentando a morte do meu marido. Superiores nadavam em águas perigosas. Isso era quase o suficiente para fazer qualquer um pensar duas vezes antes de dar esse passo que eu estava dando, mas eu queria muito Connor. Uma semana ou cinquenta anos, não importa, aproveitaria o tempo que pudéssemos ter juntos.

—Você ama Connor? —Arrosa perguntou.

— Sim. —Não era exatamente uma pergunta.

— E as crianças? Você provavelmente não é geneticamente compatível. Isso te incomoda?

— Eu quero ter seus filhos. Tendo ou não magia, vou amá-los do mesmo jeito.

Os olhos de Arrosa se estreitaram novamente. — Connor, você e seus filhos estarão em perigo com muito mais frequência do que a maioria das pessoas. Você é uma Superior. Vivemos por regras diferentes e meu filho fez inimigos poderosos. Algumas mulheres escolheriam um caminho mais fácil.

Certo, eu não gostei do que ela estava sugerindo. Levantei minha cabeça. — Posso não ser telecinética, mas prometo a você, qualquer um que achar que pode prejudicar Connor ou nossos futuros filhos terá que passar por mim e eles mudarão de ideia rapidamente. Terão sorte de terem um cérebro quando eu terminar.

Ela examinou meu rosto. — E se eu decidir que não gosto deste casamento?

Meu coração deu um pulo no meu peito. Eu estava com medo disso. — Então eu sinto muito. Tenho o mais profundo respeito por você e ainda vou me esforçar para ser a melhor nora que puder ser. Mas eu o amo e vou me casar com ele de qualquer jeito.

Connor escolheu esse momento para entrar na sacada, carregando uma bandeja com três canecas fumegantes cheias de chá. — Você acabou de torturar Nevada?

— Eu gosto dela, —disse Arrosa.

O que?

— Como no mundo você conseguiu conquistá-la?

— Ele me sequestrou e me acorrentou ao chão em seu porão.

— O que?!

— Foi um mal-entendido, —disse Rogan me lançando um olhar. Sim, o retorno é uma puta. Lide com isso.

— Vou precisar saber de toda essa história, —disse Arrosa.

— Isso significa que você vai estar presente no nosso casamento? —Ele perguntou.

— Que tipo de pergunta é essa?

E meu futuro marido apenas desviou com sucesso a linha de pensamento de sua mãe e a enviou para uma nova direção. Maravilhoso.

Arrosa flutuou sua xícara para ela e tomou um gole. — Vocês já marcaram uma data?

— Em algumas semanas, —disse Connor.

— Impossível. Só para informar toda a família precisarei dessas algumas semanas.

Família? Que família? Eu olhei para Connor. — Pensei que você não tinha família?

— Oh, ele tem. Ele tem um avô, quatro tios, duas tias, catorze primos, alguns deles com seus próprios filhos, e isso sem contar o resto dos parentes. A maioria deles são da minha família e eles moram na Espanha. Connor simplesmente não gosta muito de alguns deles.

Eu me virei para Connor.

— Alguns deles são abutres, —disse ele bebendo o chá. — Eu quero um casamento simples, mãe.

— Connor Ander Rogan.

Oh-oh. Nome completo. Isso nunca era um bom sinal.

— Eu estava planejando convidar tio Inigo, —disse ele. — E tio Mattin. E se nós apenas convidarmos os parentes que gosto? Se estamos convidando a todos, talvez devêssemos convidar Kelly.

Oh, isso foi um golpe baixo. Kelly Waller era prima de Connor e ela e seu filho eram os únicos parentes de sangue sobreviventes do lado de seu pai. Em uma família de usuários de magia, ela nasceu com um talento fraco, enquanto o poder de Connor era incrível. Ela se casou por amor ao invés de genética, e seus pais a cortaram. Do ponto de vista dela, ela havia perdido tudo. Kelly e o marido passaram por dificuldades, e esperavam que Connor, seu primo caçula, resolvesse as coisas quando ele se tornasse um adulto. Em vez disso, Connor se alistou no exército e foi lutar sua própria guerra. Ela se sentiu duas vezes traída.

Quando ele voltou e tentou se aproximar, a inveja e ressentimento dela se tornaram tóxicos. Kelly odiava tanto Connor e a família que tentou matá-lo em várias ocasiões. Para este propósito foi capaz de dar seu único filho, Gavin, para um psicopata Superior, que o usou para matar um policial de folga. Agora Gavin estava na prisão, e apenas a influência de Connor e uma grande quantidade de trabalho investigativo feito por mim impediu dele ser fuzilado.

Nós provavelmente convidaríamos Gavin e seu pai. Eu estava razoavelmente certa de que o nome da família Rogan conseguiria dar a Gavin um dia de liberdade provisória. Kelly era uma fugitiva, tanto da lei quanto da Assembleia da Câmara. Se eu visse Kelly, colocaria uma bala entre os olhos dela sem hesitar. Eu não tentaria prendê-la ou falar com ela. Eu atiraria nela até que acabasse as balas.

Arrosa olhou para ele. — Isso é um casamento de interesse para você? Você está pensando em se divorciar de Nevada e casar-se de novo?

O rosto de Rogan assumiu aquele olhar de intensa concentração que normalmente significava que ele esperava que alguém atirasse em nós. — Não.

A magia saiu da minha sogra e eu quase caí da cadeira.

— Você é meu único filho, —declarou Arrosa Rogan.

A mãe amorosa havia desaparecido. Sua expressão endureceu, seus olhos se estreitaram e o tom de comando em sua voz me fez querer baixar a cabeça e obedecer. Ela passaria a vovó Victoria para trás.

— Se a sorte sorrir para nós, este será seu único casamento. E ele será um evento formal. Sua noiva vai estar vestindo um vestido de tirar o fôlego, você estará vestindo um smoking13, e eu vou assistir vocês dois trocarem seus votos e se beijarem na frente de toda a nossa família e todos os nossos amigos, e vou brilhar com orgulho neste momento. Você não vai me roubar essa alegria. Mais tarde contarei ao seu pai sobre isso e lhe direi como foi lindo. Você me entendeu?

O Flagelo do México e o mais aterrorizante Superior de Houston flexionou os músculos de suas mandíbulas viris, abriu a boca e disse a única coisa que podia dizer: — Sim, mãe.

— Maravilhoso. Vamos definir a data daqui a três meses. Isso vai dar a todos tempo para reorganizar seus horários. — Arrosa se virou para mim e sorriu, toda feliz e iluminada novamente. — Estou tão animada! Minha querida, o vestido, o cabelo, as flores. Você tem tantas decisões maravilhosas para tomar.


Capítulo 1


Catalina


Dois meses e duas semanas depois


Eu corri pelo corredor da casa Rosa da Montanha tentando evitar as crianças. Tudo o que li sobre meu futuro cunhado no Herald’s sugeria que Connor Rogan era um solitário sem família próxima, além de sua mãe e sua prima, Kelly Waller, que não contava.

O Herald’s mentiu.

O bando de crianças estava vindo direto para mim.

Agarrei meu tablet próximo ao meu peito e me preparei.

Eles correram ao meu redor em círculos, rindo, e passaram pelo corredor, deixando para trás uma menina segurando um unicórnio de pelúcia. Soltei um suspiro.

Rogan tinha muitos parentes espalhados por todo o Mediterrâneo e todos vieram à casa da mãe dele para assistir ao casamento. Eu gostava de crianças, mas na casa haviam entre vinte e trinta crianças com menos de doze anos que se locomoviam em bandos. A última vez que encontrei essa gangue de pré-adolescentes, eles tiraram o tablet de minhas mãos.

Nada poderia acontecer com o tablet. Todos os arquivos do casamento estavam lá.

A garotinha e eu nos entreolhamos. Ela provavelmente tinha cinco anos e era uma fofinha, com cabelos castanhos e grandes olhos escuros. Usava um lindo vestido lavanda decorado com minúsculas flores de seda. Se mamãe tivesse me colocado nesse vestido quando eu tinha a idade dela, ele estaria coberto de lama e graxa de motor em cerca de cinco minutos. Quando eu tinha cinco anos, brincava na rua ou na garagem da vovó Frida, enquanto ela consertava tanques e artilharia de guerra.

— Oi. —eu disse. — Eu sou Catalina.

— Mia Rosa García Ramirez Arroyo del Monte.

Eu já a tinha visto antes por aí. Ela sempre parecia seguir a Senhora Rogan por perto. Sentava-se com ela na varanda, ia para o escritório, para sala de TV. Até queria se sentar ao lado da Senhora Rogan na sala de jantar.

Mia Rosa empurrou seu unicórnio para cima. Era quase tão grande quanto ela e decorado com joias de plástico azul e prata do tamanho de uvas e muitos brilhos.

— Essa é Safira.

— Ela é muito bonita.

— Ela vive nas nuvens da meia-noite e seu chifre brilha com o luar.

Claro. Fábulas de joias14. Era um desenho animado infantil popular com animais míticos. Eu era velha demais para ter gostado disso, mas Arabella, minha irmã mais nova, pegou o começo da febre que foi esse desenho. Tudo tinha que ser Fábulas de joias por um tempo: cadernos, mochilas, capas de telefone ... E então Arabella foi para o ensino médio e foi o fim da obsessão.

— Eu quero uma pistola brilhante —Mia Rosa anunciou em uma voz levemente acentuada.

— Hum? Uma o que?

— Uma pistola para colar mais joias.

— Você quer uma pistola de cola?

Mia Rosa assentiu várias vezes. — Sim. Minha mãe disse que você é ‘a menina’ e eu deveria perguntar a você.

A menina. Eu escondi um suspiro. — Verei o que posso fazer. Qual é o nome da sua mãe, assim posso entregar para ela a pistola?

— Teresa Rosa Arroyo Roberto del Monte. Obrigada. Mas não dê para a mamãe. Dê isso para mim.

Uau. Ela disse obrigada. — Não há de que.

Ela fez uma reverência e correu atrás das crianças, arrastando seu unicórnio.

Meu telefone tocou. Olhei para a mensagem de texto. Arabella escreveu:

Onde está você??? Corre aqui!!!


Onde está você??? Corre aqui!!!


E adicionou um gif de um bebê chorando rios de lágrimas.

Saí correndo.

Tudo começou com Nevada demitindo a planejadora do casamento. A primeira planejadora de casamentos.

Geralmente minha irmã mais velha era uma pessoa perfeitamente razoável. Bem, tão razoável quanto alguém pode ser quando se é um detector de mentiras humano. No entanto, há duas semanas, Simon Nightingale desapareceu e a Casa Nightingale nos contratou para encontrá-lo. Apenas três meses atrás, nossa família se registrou como uma Casa, e nossa pequena firma de investigação particular foi de Agência de Investigações Baylor para Agência de Investigações Casa Baylor. O caso de Nightingale foi nossa primeira investigação importante depois de virarmos Casa. Toda a elite de Houston estava nos observando, e isso deixava Nevada um pouco maluca. Melhor, muito louca. Ela era praticamente uma doida varrida.

A primeira organizadora de casamentos foi demitida porque discutiu com Nevada. Minha irmã explicou o jeito que ela queria que as coisas fossem feitas e a planejadora a informou o porquê que ela não poderia fazer da maneira que queria. Na maioria das vezes, ‘não poder’ significava ‘não vamos fazer dessa forma porque é um casamento de Superiores e não é assim que as coisas são feitas’. Então, a planejadora explicou a Nevada que não era realmente o casamento dela, mas sim um casamento da Casa Rogan e minha irmã precisava parar de atrapalhar seu trabalho com ‘exigências ridículas’, como por exemplo servir queijo como aperitivo no jantar de ensaio. A planejadora foi prontamente escoltada das instalações.

A segunda planejadora foi demitida, porque insistia em mentir continuamente. Sua principal preocupação no planejamento do casamento era enganar a noiva, fingindo que tudo estava sob controle, mesmo quando não estava. Ela não queria ser gerenciada. Mas, minha irmã era uma aberração épica no controle e sua atenção aos detalhes era lendária dentro da família. Nevada perguntava a planejadora se havia algum problema, e a planejadora repetidamente assegurava que tudo estava sob controle, apesar de ter sido advertida de que Nevada podia sentir suas mentiras. As coisas explodiram quando Nevada perguntou se ela e a Senhora Rogan tinham chegado a um acordo sobre o serviço de bufê. Depois de ser informada pela décima vez para não se preocupar porque tudo estava sob controle, Nevada quebrou. Percebi que a segunda planejadora foi demitida quando a vi correndo para o carro em saltos de quinze centímetros e uma expressão de puro pânico no rosto. Minha irmã apareceu na varanda atrás dela, gritando: — Está tudo sob controle agora? Ainda está tudo sob controle?

Nós nem nos preocupamos mais em arranjar uma terceira planejadora de casamentos. Arabella e eu passamos um final de semana armadas com comida e depois de trinta episódios estranhos de ‘De quem é o casamento15?’ e quatro temporadas de Noivas Neuróticas16, decidimos planejar o casamento nós mesmas. Era isso ou não haveria casamento.

Infelizmente, enquanto Rogam e sua mãe nos tratavam com perfeita cortesia, o resto de sua família não tinha certeza sobre a nossa posição. Arabella e eu éramos registradas como Superiores, mas nossos registros estavam sob sigilo e ninguém sabia exatamente quais eram os nossos dons mágicos. Além disso, nossa família não era rica e Rogan era um bilionário. Eu tinha dezoito anos e Arabella dezesseis, então eles não sentiam que tivéssemos qualquer autoridade. Tinha a sensação de que nós fomos colocadas na posição de ‘parentes pobres que levam recados’, em algum lugar logo acima dos auxiliares contratados. Aparentemente, eu era ‘a menina’. Eu nem queria saber o que era Arabella.

Isso era só o que me faltava. Eu já me sentia como um invasora desajeitada em todo esse belo luxo. Esta não era minha casa. Minha casa ficava no sótão do armazém. Se houvesse alguma maneira de não estar aqui, eu teria aceitado. Mas amava minha irmã mais velha.

Seria muito mais fácil se pudéssemos fazer tudo isso na casa de Rogan, mas Rogan e Nevada declararam que a casa deles seria uma zona livre de casamentos e se escondiam lá sempre que podiam.

Virei a esquina e entrei em uma sala onde Nevada estava em um pequeno tablado, usando sapatos de salto alto e o vestido de noiva em construção, que atualmente era de musselina marcado com linhas azuis. Duas pessoas se arrastavam ao redor dela, prendendo a barra.

Arabella estava na frente dela, os braços cruzados sobre o peito. Tanto Nevada quanto Arabella eram loiras, mas o cabelo de Nevada estava mais perto de um loiro mel, enquanto Arabella lembrava os cabelos de milho dourado. Eu era a única morena da família, além da mamãe. Agora as semelhanças entre as minhas duas irmãs eram realmente aparentes, e se você não olhasse para seus rostos, Arabella parecia uma cópia menor e mais baixa de Nevada.

Oooo, eu deveria dizer isso a ela da próxima vez que brigarmos. Ela odiaria isso.

— O que foi? —Eu perguntei.

— Ela quer lilás17 em seu buquê de casamento.

— Certo ... —Nevada disse que queria cravos, mas nós podíamos colocar alguns lilases na cor rosa clarinho ali. Eu não via um problema.

— Azul. —exclamou Arabella. — Ela quer lilases azuis.

Aí também não. — Nevada ...

— Ontem precisei me esconder em um arbusto de lilases franceses e elas eram tão bonitas e cheiravam tão bem. A placa na árvore dizia: ‘Maravilha Azul18: prolífico em flor e exuberante em perfume.’

Eu pesquisei a flor lilás francês, Maravilha Azul. Era azul. Azul como o rosto de Nevada agora19.

— Por que você estava se escondendo em um arbusto?

— Ela estava sendo baleada, —disse Arabella com uma cara azeda.

— Então você parou para cheirar os lilases enquanto as pessoas estavam atirando em você? —Eu não conseguia nem imaginar.

— Humm. Encontrei uma estufa e achei que elas dariam um lindo esconderijo.

Decidi usar a lógica. Minha irmã era uma pessoa lógica. — Você pediu por um casamento de primavera. Você escolheu rosa, branco e sálvia20 como suas cores. Não há azul em nenhum lugar do casamento.

— Agora há.

— Seu buquê tem cravos cor-de-rosa, flores rosa de ervilha, rosas brancas e mosquitinho21. —Três variedades de cravos cor-de-rosa, porque ela não conseguiu escolher uma. E Nevada nunca conheceria o pânico nos olhos da designer floral quando dissemos a ela que tinha que ser um buquê de cravo. Aparentemente, os cravos não eram sofisticados o suficiente para o casamento de Louco Rogan. A pobre mulher continuava tentando sugerir orquídeas.

— E lilás azul. —disse Nevada.

— Não vai combinar, —rosnou Arabella.

Abri o arquivo com a imagem do vestido de dama de honra, peguei o tablet, levei em direção a Nevada e rolei as imagens. — Olhe as flores. Rosa e branco. Rosa. Rosa. Branco. Rosa e branco.

— Eu não me importo, —disse Nevada. — Quero lilás azul.

E eu quero voar para longe daqui, mas isso não aconteceria tão cedo, não é?

— De qualquer forma, tenho que voltar ao escritório, — disse Nevada. — Me mandem uma mensagem se precisarem de qualquer coisa.

— A rainha está nos dispensando, —anunciou Arabella.

Eu caí em uma profunda reverência, dobrando meu corpo. — Como quiser Vossa Majestade.

— Odeio vocês duas.

— Nós te odiamos de volta. —Arabella disse a ela.

— Nós já odiávamos você antes do casamento.

— Mas antes era legal odiar você.

— Vão embora! —Nevada rosnou.

Saí do quarto.

Arabella me alcançou. — Não podemos usar as flores lilases. Isso estraga o tema.

— Eu sei.

— O que nós vamos fazer?

— Vamos pensar em uma solução, —eu disse a ela. Hora de irmos para casa.

— Catalina. —Uma mulher chamou.

Eu me virei para o som. Arrosa Rogan, futura sogra de Nevada, acenou para mim da porta do escritório, sentada em uma cadeira de rodas.

— Posso falar com você em particular, querida?

Oh-oh Isso não poderia ser bom. — Sim, senhora.

— Eu vou esperar por você lá fora. —Disse Arabella.


Capítulo 2


Eu segui a Senhora Rogan mais profundamente na sala. O grande escritório se estendia diante de mim, paredes e mais paredes de estantes cheias de livros de todas as idades, espessuras e cores. A luz do dia se derramava das grandes janelas arqueadas à direita, e o piso polido de mármore travertino brilhava onde os raios do sol o tocavam. Abaixo de cada janela tinha um banco de leitura coberto com almofadas turquesas e outras almofadas bordadas. Cobertores brancos, pretos e lavanda, estavam dobrados em cada banco. Delicadas lanternas marroquinas22 pendiam do teto ornamentado, pintado com um intrincado padrão geométrico de rosa, branco e azul.

Deveria ter entrado em conflito, mas em vez disso tudo se fundiu em uma mistura perfeita de Texas, Espanha e Marrocos. Havia algo de mágico nisso. Como abrir um livro de contos de fadas e percorrer nas páginas o interior de algum castelo de fantasia. E a Senhora Rogan se movimentava pelo espaço com elegância sem esforço, uma graciosa rainha do palácio. Até mesmo sua cadeira de rodas de alguma forma se encaixava.

Eu olhei para o chão. Claro que ela se encaixava aqui. Ela pertencia aqui. Era a casa dela. Não era culpa de ninguém que esta casa me fazia me sentir uma estranha. Estar aqui era como andar por uma loja de móveis caros ou por um museu cheio de antiguidades inestimáveis e ter medo de tocar em qualquer coisa. Era o espaço de outra pessoa e eu só queria sair daqui e voltar para o espaço familiar do nosso armazém.

— Eu gostaria de mostrar-lhe uma coisa. —Um pesado volume encadernado em couro escorregou da prateleira de cima e flutuou para a mão da Senhora Rogan. Ela abriu.

Cheguei mais perto e fiquei à sua esquerda. Em uma página grossa, uma fotografia velha e amarelada mostrava um homem de uniforme escuro e uma linda mulher em um vestido preto com um véu preto, segurando um buquê de flores brancas em sua mão.

Uma linda tiara segurava o véu. No centro da tiara, sob o cume mais alto, estava uma joia deslumbrante em forma de coração. Tinha que ser do tamanho de uma noz e brilhava até mesmo através do velho papel gasto.

— Minha bisavó em seu casamento, —disse a Senhora Rogan.

— Oh uau. Mas o vestido é preto.

— Vestidos de casamento tradicionais espanhóis são pretos. —Senhora Rogan sorriu.

— O catolicismo tem culpa nessa parte um pouco mórbida. Usar um vestido preto significa que as mulheres católicas prometem amar o marido até a morte.

Isso era mais do que um pouco mórbido. Quem quer pensar sobre a morte durante um casamento?

— Vestidos pretos para devoção e flores de laranjeira para fertilidade e felicidade. Os vestidos de noiva brancos não entraram em moda até a realeza britânica adotá-las no século 19. Famílias europeias de elite fizeram o mesmo, mas minha bisavó era uma defensora das tradições.

A Senhora Rogan virou a página. Outra linda noiva, em um vestido branco desta vez, ao lado de um noivo em um terno preto. A calda de seda do vestido foi espalhada na frente deles pelo chão. A mesma tiara segurando um lindo véu.

— Minha avó.

— Muito bonita.

— Obrigada.

Outra página. Uma terceira noiva em um vestido branco de cintura justa ao lado de um homem de smoking, com um penteado de 1960. A mesma coroa segurando um véu que soprava ao vento, mas desta vez a fotografia estava colorida e o verde azulado da joia me tirou o fôlego.

— Minha mãe. —disse a Senhora Rogan.

— Ela também é muito bonita.

Por que não temos algo assim? Assim que eu chegasse em casa, compraria um álbum de fotos online e faria a vovó Frida e mamãe desenterrarem suas fotos de casamento.

— Obrigada.

A senhora Rogan virou a página e eu a vi, jovem e radiante, ao lado de um homem que se parecia com Louco Rogan. Ela estava brilhando. Seu vestido era delicado como teias de aranha. A tiara empoleirava-se em seu cabelo escuro como se sempre tivesse pertencido ali.

— Uau.

A Senhora Rogan riu. — Muito obrigada por me animar. Vou adicionar a foto de Nevada a este álbum. Rogan é meu único filho, mas eu estarei ganhando uma filha e sua foto pertencerá a este álbum.

— Ela vai ficar muito honrada, —eu disse a ela.

— Você notou a tiara? —Ela perguntou.

— Sim. É linda.

— É chamada de coroa de ‘Luz do Mar’. Tecnicamente, é um kokoshnik23, não é uma coroa, mas coroa soa mais impressionante. A joia é uma aquamarine24. A maioria das pessoas não sabe disso, mas a pedra aquamarine é frequentemente encontrada naturalmente na cor verde. Eles a alteram através do aquecimento para atingir os tons azuis. Mas esta pedra não foi alterada de forma alguma. Esse tom específico de verde azulado é exclusivo de nossa família.

Rogan dera a Nevada um lindo colar com um pingente. Na época em que ganhou o colar ela pensou que era uma esmeralda, mas acabou descobrindo se tratar da Lágrima do Mar Egeu25, um diamante verde azulado único. Agora totalmente fazia sentido.

— Você vai deixar Nevada usar a tiara? —Eu provavelmente não deveria ter perguntado isso.

Fui rude.

— Estou contando com isso. Depois do casamento, a Luz do Mar pertencerá a Nevada, assim ela poderá passar a joia para os filhos que ela tiver com Connor. —A Senhora Rogan suspirou.

— Mas há um pequeno problema.

— Qual?

— A coroa desapareceu.

— O que você quer dizer com desapareceu?

 


A preocupação cintilou sobre as características da Senhora Rogan. — Estava no seu lugar habitual dois dias atrás e hoje não está mais lá. Infelizmente, temos que concluir que foi roubada.

Considerando quantas pessoas tinham entrado e saído da casa, não era chocante. Verificamos todos, mas as verificações de antecedentes nunca lhe diziam tudo que precisávamos saber. Uma equipe de paisagistas preparou o terreno para o casamento, carpinteiros estavam construindo o caramanchão26 personalizado, outra equipe estava levantando uma enorme tenda clara, pelo menos oito pessoas estavam pendurando luzes nas árvores, o designer de interiores e seu pessoal, os entregadores de móveis ... isso seria muita gente para entrevistar. Nevada levaria pelo menos duas horas.

Levá-la a ficar parada por tanto tempo seria um desafio.

— A Luz do Mar está marcada com um sensor, —disse a Senhora Rogan. — Ele está embutido na coroa e não pode ser removido sem destruir a tiara. O sistema pode rastreá-la através de um satélite com a precisão de um pouco mais de um quilometro e meio. No momento, o sistema de rastreamento diz que a tiara ainda está no local. Eu gostaria que você encontrasse.

Eu? Trabalhava para a nossa agência desde os 12 anos, primeiro fazendo pequenas coisas como vigilância e atendimento telefônico, depois passando para investigação, mas nenhum dos meus casos foi tão significativo. Lidei principalmente com fraudes de seguros porque eram de baixo risco e adolescentes fugitivos porque as crianças me contavam coisas que normalmente não contariam a um adulto. Isso aqui agora era um grande salto.

— Gostaria de aceitar, mas ... —Eu era uma idiota rude. Deveria agradecê-la por sua confiança primeiro.

— Quero dizer, obrigada por confiar em mim. Mas devemos entrevistar pelo menos cem funcionários, muitos deles recém-chegados a propriedade. Nevada faria isso em uma fração muito menor de tempo do que eu, e ela o faria com total precisão. Minha irmã nunca teve um falso positivo.

— Eu não acho que o culpado seja um funcionário. —A Senhora Rogan parecia ter mordido um limão azedo. — Estou confiante de que foi um membro da minha família.

— Por quê?

A Senhora Rogan virou-se para as estantes de livros. Uma delas tinha dois metros de largura e doze prateleiras altas, todas amontoadas até a borda, a prateleira subiu cerca de vinte centímetros do chão e se moveu em nossa direção.

Segurei minha respiração. O peso tinha que ser enorme.

A estante de livros passou por nós e pousou gentilmente no chão, revelando uma passagem curta que levava a uma câmara redonda. As luzes se acenderam, destacando as paredes pintadas de vermelho claro cheias de alcovas e nichos, cada um guardando um tesouro: estátuas, joias, pergaminhos e livros em caixas lacradas a vácuo, e no centro, no lugar de proeminência, um nicho com um vazio porta joias.

Lembrei de respirar.

— Mover a estante de livros por meios normais levaria várias pessoas, —disse a Senhora Rogan. — Eles teriam que tirar os livros da estante, arrastá-la sem danificar o chão, depois recolocá-la no lugar e colocar os livros de volta. Estive neste escritório durante toda a tarde de ontem e quase o dia inteiro no dia anterior. À noite, o escritório é bloqueado e protegido por vários alarmes instalados pelo pessoal de Connor. Para desarmá-los, o ladrão precisaria do código e da minha impressão digital. As janelas aqui estão voltadas para o penhasco e também são protegidas por alarmes.

Embora a maioria dos sistemas de segurança biométrica fosse difícil de contornar, isso poderia ser feito. Impressões digitais e até íris podem ser clonadas digitalmente usando imagens, às vezes até mesmo aquelas tiradas com um celular normal. — Quem conhece o código?

— Connor e eu. O servidor da rede de computadores da casa registra toda vez que a porta se abre, e não houve tentativas de entrada depois que tranquei o escritório a noite quando fui dormir.

— Você costuma travar o escritório durante o dia, quando precisa sair dele por um curto período de tempo?

— Não. As crianças gostam de jogar aqui, e como só um poderoso telecinético poderia abrir o cofre, achei que ninguém tocaria nele.

Eu olhei para os cantos onde a câmera de segurança nos observava. — E as imagens gravadas de segurança?

A Senhora Rogan parecia envergonhada. — As câmeras não estão ativadas.

— Por quê?

Ela suspirou. — Porque uma mulher tem direito à privacidade dentro de sua própria casa. As câmeras que cobrem os pontos de entrada e saída estão sempre ligadas e a filmagem de segurança é monitorada pelo pessoal do Connor, mas eu não quero que estranhos me observem dentro da minha casa. Combinei isso com Connor.

Conhecendo meu futuro cunhado, tenho certeza que ele não gostou nem um pouco. Connor Rogan era profundamente paranoico quando se tratava de segurança. Nevada também era. Estremeci ao pensar como seriam seus filhos.

— Entende agora? —Disse a Senhora Rogan. — Não houve oportunidade para remover a Luz do Mar por meios comuns. O culpado é um poderoso telecinético, o que torna isso um assunto de família. E é exatamente por isso que não quero envolver sua irmã. Eu tive a oportunidade de observar Nevada nos últimos três meses e tenho muito respeito e carinho pela sua irmã.

— Então por que não deixar ela lidar com isso?

A Senhora Rogan cruzou as mãos no colo. — Meu filho não se importa com alguns membros da minha família. Ele tem razões perfeitamente justificáveis para isso. Eles são difíceis, autoritários e muitas vezes ingratos. No entanto, ainda são meus parentes. Lembro-me de brincar no jardim com meus irmãos e irmãs, as viagens para a praia e as celebrações familiares. Tenho esperanças de que vamos consertar o abismo que se alarga entre nós. Se pedirmos a sua irmã para lidar com esse roubo, ela vai ter que acabar interrogando a família.

Fazia sentido para mim. — E você não quer isso?

— Não. Não quero que Nevada entre para família dessa forma. Ela sendo a interrogadora e eles os suspeitos.

Sem mencionar que quando minha irmã usava plenamente sua magia, ela poderia paralisar seu alvo e extrair todos os seus segredos de suas mentes. Aqueles que passavam por essa experiência nunca se esqueciam dela. É por isso que nossa avó paterna, Victoria Tremaine, era tão temida por outros Superiores.

— Eu sei que você já tem muito em seus ombros, —disse a Senhora Rogan. — Desculpe, mas não tenho mais ninguém para contar. Se eu for atrás de Connor, meu filho vai segurar meus parentes de cabeça para baixo um por um e sacudi-los até que confessem.

O que seria muito divertido de assistir.

— Você tem experiência investigativa e eu quero manter isso dentro de nossa família. Vai fazer isso por mim, Catalina? Como um favor.

— Claro. —eu disse. — E não é um favor. Os membros de uma família não devem favores uns aos outros.

Aqueles idiotas roubaram a coroa da minha irmã. Nevada usaria a Luz do Mar em seu casamento, mesmo que eu tivesse que rasgar a casa até a laje para encontrá-la.

Eu encarei a Senhora Rogan. — Entendo que sua condição é que Nevada não pode saber?

— Sim.

— Eu também tenho algumas condições. Primeiro, precisarei de acesso e autoridade para questionar seus parentes. Não posso ir muito longe se eles se recusarem a me responder.

— Isso não será um problema, —disse ela.

— Precisarei acessar suas filmagens de segurança. Também gostaria de colocar algumas câmeras de vigilância adicionais dentro de casa. Elas serão monitoradas pelo meu primo, não por alguém de fora, e vamos apagá-las assim que a tiara for encontrada.

— Isso pode ser evitado?

— Não. —Uma das primeiras coisas que aprendi sobre investigação é a importância de reunir o máximo de informações possível.

— Muito bem. —Senhora Rogan assentiu.

— Por último, eu tenho que contar a Connor.

— Contanto que ele não interfira.

— Também preciso alertar algo a senhora, —eu disse. Eu já tinha ouvido Nevada dar esse discurso antes e parecia estranho repeti-lo. — Quando uma investigação inclui membros de uma família, muitas vezes encontramos algo que todos desejam que tivesse permanecido enterrado. Você precisa estar preparada para essa possibilidade.

A Senhora Rogan considerou isso. — Se um deles colocar em risco o casamento do meu filho, quero que seja encontrado. E castigado. A família perdoará o constrangimento, mas não a traição.


Capítulo 3


Entrei no Honda Element27 azul que pegamos emprestado da mamãe. Nossas opções de carros eram limitadas. A maioria dos carros que possuíamos eram antigos e discretos, dessa forma eles não seriam notados durante a vigilância, e o Element era o veículo disponível mais bonito que tínhamos.

— O que está acontecendo? —Perguntou Arabella.

— Senhora Rogan quer minha ajuda com um roubo.

Os olhos de Arabella se iluminaram. — O que foi roubado?

— Uma tiara de casamento.

— Nevada sabe?

— Não. E não pode saber. Dirija para casa de Rogan.

— O que eu sou, sua motorista?

— Eu dirigi até aqui, você dirige de volta.

A viagem entre a nossa casa e a mansão da Senhora Rogan durava cerca de três a três horas e meia, dependendo do trânsito. Normalmente, poderíamos resolver um monte de coisas fora da mansão, mas à medida que o casamento se aproximava, precisávamos vir até aqui com mais frequência. E porque agora éramos uma Casa recém-formada e nossa irmã estava se casando com Louco Rogan, os dois insistiram que nunca fizéssemos a viagem sozinhas.

Arabella franziu o nariz. — Sim, mas a casa de Rogan está a meia hora além do caminho.

Eu tirei vinte dólares. — Tudo bem, você está formalmente contratada. — Eu cobraria da agência por isso.

Arabella pegou o dinheiro das minhas mãos. — Meu.

— Vamos lá.

Os olhos da minha irmã se estreitaram. — Em um minuto.

Eu olhei na direção de seu olhar. Um rapaz estava andando em nossa direção.

Ele era magro, com um corte de cabelo escuro ondulado no topo. Tinha um rosto bonito com olhos castanho-chocolate, sobrancelhas largas e lábios carnudos. Sua mandíbula estava bem barbeada. Tinha que ter pelo menos a minha idade, mas havia algo de celebridade adolescente sobre ele, algo deliberadamente simples mas ao mesmo tempo sofisticado, como se ele saísse da cama, despenteasse o cabelo, acidentalmente se enrolasse em roupas de grife, e agora estava vagando, sem saber o que fazer com ele e se lamentando por aí por ser tão bonito.

— Está vindo para cá, —disse Arabella.

— Se você sair agora, não teremos que falar com ele.

— Eu quero falar com ele. Ele é fofo.

Ugh. — Dirija.

— Não. Você é como uma velha senhora às vezes.

Ugh.

O cara nos alcançou. Por um momento, pensei que ele fosse para o lado de Arabella, mas mudou de rumo e bateu na minha janela. Ah ótimo. Ótimo. Eu queria poder me derreter no banco do carro.

O vidro do lado da minha janela deslizou para baixo. Vou matar minha irmã.

Ele se inclinou no teto do nosso carro para poder olhar pela janela e sorriu. Tinha um sorriso tão bonito. Isso iluminou seu rosto.

Não. Não, você não pode gostar do sorriso dele. Você sabe exatamente o que acontece quando você gosta de alguém. Pare com isso.

— Oi. —ele disse.

— Oi. —disse Arabella.

Ele estava olhando para mim. — Olá. —eu disse.

— Sempre estou vendo você por aí, —ele me disse. — Tento dizer oi, mas você está sempre muito ocupada.

Você já disse oi, agora vá embora.

— Eu sou Xavier, —disse ele.

Esperei Arabella falar, mas pela primeira vez em sua vida, ela de repente decidiu manter a boca fechada. Traidora.

— Eu sou Catalina. —eu disse.

Ele sorriu novamente. — Eu sei.

Esta era uma conversa estúpida.

— Você gosta de tênis? —Ele perguntou.

Que? Como? Diga algo ...

— Ela adora. —disse Arabella.

— Talvez pudéssemos jogar algum dia. —Ele deu de ombros. — Desculpe, eu sei que não é a melhor ideia, mas a cidade mais próxima fica a uma hora de distância e eles não me deixam dirigir. Não há muito a fazer aqui. Então o que você diz?

— Claro. —Esta era a maneira mais rápida de se livrar dele.

— Ótimo. Até a próxima.

Ele se afastou, me deu outro sorriso deslumbrante e foi embora. Eu levantei minha janela. Arabella dirigiu para fora dos jardins.

— Ela adora isso? Eu nem sei como jogar!

— Ele não se importa com o tênis e sabe o seu nome.

— Percebi. —rosnei. — Você sabe que eu não posso.

— Não, você não vai fazer mal a ele. Tem controlado sua magia cada vez melhor.

— Não posso correr o risco.

— Na verdade você nem quer tentar. —Arabella balançou a cabeça.

— Seria irresponsável!

— Sair com um cara fofo é irresponsável. Escute a si mesma. Você tem dezoito anos, não trinta.

— Não posso tratar as pessoas como brinquedos. Eu poderia começar a gostar dele. Eu posso querer sair com ele.

— E?

— E às vezes é preciso fazer sacrifícios.

— Por que você não desiste e se torna freira, então!

— Talvez eu vá!

Nós andamos em silêncio.

— Eu não estou dizendo que você deve se apaixonar ou ficar com ele ou persegui-lo gritando, ‘quero me casar agora!’ — Disse Arabella.

— Eu sei.

— O que estou querendo dizer é que você poderia dar uma chance a ele. Uma pequena chance. Uma única chance. Qual o pior que pode acontecer?

— Meu controle pode escorregar um pouco. Minha magia pode vazar. Ele vai ficar embriagado por causa da minha magia e me seguir com um olhar de veneração no rosto ouvindo cada palavra que eu disser e fazendo coisas assustadoras como roubar fios de cabelo da minha escova para que ele possa escondê-los debaixo do travesseiro e cheirar a noite quando ficar sozinho.

Arabella olhou para mim. — Isso foi estranhamente detalhado.

— Michael Sanchez no meu primeiro ano. Preste atenção na estrada.

— Suponha que isso aconteça. —Minha irmã tocou o pneu na faixa do meio. — Digamos que ele se torne ‘obcecado’. E daí? Ele está indo embora daqui a uma semana. Sua magia se desgasta com o tempo e a distância. Mesmo que o pior aconteça, daqui a um mês ele ficará bem. As paixões ocorrem normalmente nas férias de verão e elas demoram muito mais para acabar.

— Ainda assim não está certo. —Eu não tinha o direito de manipular os sentimentos de outras pessoas. Não importava se era de propósito ou não. A possibilidade existia.

— Você se lembra do rancho? —Arabella perguntou.

O rancho era de propriedade de um dos amigos da mamãe, mil quilômetros quadrados de arbustos e pedras no meio do nada. Nós levávamos Arabella até lá, para que ela pudesse se metamorfosear sem que ninguém se apavorasse.

— Íamos ao rancho para eu poder praticar. E toda vez que fui sempre fiz o meu melhor. Mesmo quando eu tinha doze anos e era uma bomba louca de raiva. Sempre soube que se eu quisesse ter qualquer tipo de vida, teria que aprender a controlar a minha magia. Tive que descobrir o que eu poderia fazer, quanto tempo poderia fazer, o que eu não poderia fazer. É como dirigir e descobrir até em que velocidade o carro pode andar e com que rapidez ele pode parar. Você não pratica.

Eu olhei para ela. — Eu pratico o tempo todo.

— Sim, você pratica não usá-lo. Você é excelente em não usar seu poder. Você domina muito bem essa parte.

— Eu sou realmente excelente em não usá-lo. Tenho que ser.

Os olhos de Arabella se estreitaram. — Então Xavier não está em perigo, não é?

Ela me pegou. — Eu te odeio às vezes.

— Você odeia que eu esteja certa. Sério, qual é o mal em conversar com Xavier? Você vai para a faculdade no outono. Vai haver todo tipo de gente lá. Pessoas, Catalina. Haverá caras fofos da faculdade.

— Talvez eu não vá para a faculdade.

— Claro. —disse Arabella.

Eu não falei nada.

— Espere, você está falando sério?

— Sim.

— Por quê?

Por que era complicado? Havia muitas razões. Era caro. Eu não sabia qual curso queria fazer e não queria perder meu tempo e o dinheiro da família. Mas acima de tudo, era porque eu tinha passado os últimos quatro anos correndo para a linha de chegada da graduação de ensino médio, tentando tirar a maior pontuação em tudo. Eu existia em um estado de pressão constante, onde havia sempre alguma obrigação escolar a fazer e uma vez que terminava, já estava atrasada para o próximo trabalho, o próximo exame, ou o próximo projeto. Quando finalmente o ensino médio acabou neste Natal, senti como se tivesse respirado ar fresco pela primeira vez desde que comecei a estudar. Seria ainda obrigada a voltar para o evento de formatura e teria que subir no palanque. Iria me formar em maio. Finalmente estaria livre.

E quando eu disser a mamãe e vovó Frida sobre minha decisão, será um inferno para pagar. Eu tinha feito 1580 no SAT28 de um máximo de 1600. Estava no top 1 na percentagem nacional. Tinha a possibilidade de escolher a faculdade que quisesse. Poderia conseguir uma bolsa de estudos em quase qualquer lugar. Elas me diriam que eu estaria jogando fora meu futuro.

— Mesmo se não for para a faculdade, terá que interagir com pessoas de fora da família eventualmente. Eu não quero que você fique sozinha, Catalina. Se você quer ficar sozinha, tudo bem, mas eu não quero que seja forçada a ficar sozinha porque acha que não tem escolha. Se for apenas a magia que está te impedindo, então você poderia sair com Alessandro. Ele é um Antistasi Superior. Ele pode resistir a sua magia.

Ela tinha que trazer isso. — Ele foi exposto ao poder total da minha magia.

Arabella fez uma careta. — Oh, não venha com essa. Eu vi pessoas depois que você as encantou. Ele não tinha nenhum dos sintomas. Tudo o que ele queria fazer era levá-la para um passeio de carro e falar com você. Você ameaçou chamar a polícia se ele não fosse embora. Sério, do que você tem medo?

— De que nunca seria real. —As palavras caíram como tijolos. — Ninguém gosta de mim por quem realmente sou, Arabella. —E eu realmente queria que ele gostasse.

O silêncio se estendeu.

Arabella estendeu a mão e acariciou a minha. Ela continuou acariciando, como se eu fosse um cachorro.

— Pare com isso.

— Pronto, pronto.

— Eu disse pare com isso.

— Como eles podem gostar de você por quem você é, se nunca fala com eles? Quem fora da família conhece você? Isso é uma coisa séria. As pessoas deveriam telepaticamente procurá-la para fazer amigos?

Eu gemi. — Se eu der uma chance a Xavier, você vai calar a boca?

— Sim!

— Então tudo bem. Se ele vier até mim de novo, falarei com ele. Feliz?

— Em êxtase.

— Bom.

Ela tinha razão. Eu não podia continuar reclamando que ninguém gostava de mim de verdade se eu não desse a ninguém a oportunidade de me conhecer. Talvez se eu começasse devagar. Apenas um garoto. Apenas uma conversa. Eu manteria um controle de aço na minha magia.

Talvez não fosse tão ruim.

 


Eu gostava muito mais da casa de Rogan do que da mansão de sua mãe. Ainda era cheia de móveis caros, mas parecia diferente—mais simples, rústica. Era mais como uma casa e menos como um palácio. Estar aqui era quase como estar no armazém. Eu tinha ligado antes para ter certeza de que Rogan estaria, mas nós poderíamos ter aparecido sem avisar e ninguém teria ficado surpreso.

Toquei a campainha. A porta se abriu, revelando um homem robusto com ombros largos e cabelo loiro curto. Como a maioria do pessoal de Rogan, ele era ex-militar.

— Senhoritas. —disse Troy. — Estou autorizado a dizer que há sushi na cozinha.

— Ooo. —Minha irmã saiu correndo, direto para a cozinha.

— O major está esperando por você no escritório, —disse Troy.

— Obrigada. —Subi as escadas, atravessei a varanda e entrei na parte de negócios da casa, onde Rogan conduzia seus negócios. Acenei para as pessoas que conhecia no caminho até chegar à sala de vigilância, onde um homem macérrimo de cabelos escuros estava sentado diante de nove monitores. Ele girou a cadeira quando me ouviu chegando. Seu rosto se contraiu.

— Oi Besouro.

— Oi.

Besouro era um enxame. Enxames existiam no reino arcano. Ninguém sabia muito sobre o reino arcano ou sobre as criaturas dentro dele. Invocadores e outros magos arcanos poderiam alcançá-lo e conjurá-lo, mas eles realmente não o entendiam.

Por exemplo, era um fato estabelecido que implantar um enxame em um ser humano dispararia suas capacidades de vigilância, permitindo-lhes processar informações visuais a uma taxa insana. Também era um fato estabelecido que esses seres humanos modificados morriam dentro de alguns anos. Besouro se ofereceu para o procedimento durante seu tempo na Força Aérea. Tudo correu como planejado. Ele sobreviveu ao processo de implantação, tornou-se um enxame e recebeu um bônus substancial. Havia apenas um problema: Besouro não morreu. Quando Nevada o encontrou pela primeira vez, ele estava louco. De alguma forma Rogan conseguiu curá-lo e agora Besouro era o responsável por toda a vigilância de Rogan.

— Xavier Ramírez Secada. —disse ele. — Idade 19 anos, primeiro filho e herdeiro de Iker Ramírez Madrid e Eva Secada Escudero. Avaliado como Telecinético Significativo de baixo nível. Ele gosta de dizer às pessoas que é o Sobrino29 de Rogan.

— E?

— Ele não é sobrinho de Rogan. Seu pai, Iker Ramírez, é primo de Rogan, o que torna Xavier primo de segundo grau ou primo por detrás da serra. Má ideia, Catalina. Má ideia.

— Fique fora da minha vida, Besouro. —Continuei andando.

— O Instagram dele é chamado de Boss Moves30, —ele gritou.

— Fique fora!

Tomei outro rumo e fui ao escritório de Rogan. Na maior parte do tempo ele usava o quarto ao lado do ‘ninho’ de Besouro, mas de vez em quando ele se escondia nos fundos, em seu escritório. Bati na pesada porta de carvalho vermelho. Ela se abriu sozinha, me convidando para dentro.

Como sua mãe, Rogan devotava toda a parede, do chão ao teto, aos livros, mas aqui a madeira era escura, as cadeiras eram de couro macio cor de chocolate e o piso era de madeira envelhecida. Rogan sentava-se atrás de uma mesa grande, seus dedos dançando sobre o teclado de um notebook. Uma cadeira deslizou sozinha para mim. Eu sentei. Um copo de vidro grande com um canudo extra largo flutuou e esperou no ar vazio imóvel. Eu peguei e tomei um gole. Humm, chá de lichia31. Meu favorito.

Eu não sabia se Rogan realmente gostava da gente, ou se ele nos tratava bem porque éramos importantes para Nevada e ele a amava. Preferia acreditar que ele gostava da gente.

Rogan levantou os olhos do notebook. — Atualização do orçamento?

— Na sua caixa de entrada.

Ele verificou o arquivo. — Uma pistola de cola por US $ 19,99?

— É uma pequena ferramenta que prende cristais ao tecido.

Ele franziu a testa. — Isso é para o véu dela? Porque você sabe que não posso ter nada a ver com essa parte.

Minha irmã e Rogan chegaram a um acordo. Nenhum deles queria um casamento caro. Nossa família não poderia arcar com a metade dos custos também, não na escala que este casamento estava acontecendo, então foi decidido que, já que não negariam o casamento dos sonhos a Senhora Rogan, a nossa família arcaria com as despesas do vestido, do véu, dos sapatos e do buquê e Rogan pagaria por todo o resto. Rogan teria ficado feliz em pagar por tudo isso, mas Nevada insistiu, e se ela descobrisse que estávamos a enganando de alguma forma, haveria um inferno a pagar.

— Não, a pistola de cola não é para o véu. É para o unicórnio de Mia Rosa García Ramírez de Arroyo del Monte.

— Está bem então. Próximo?

— A Luz do Mar está desaparecida, —eu disse a ele.

Houve um segundo de silêncio.

— Esses idiotas a roubaram, —disse ele.

Uau. Ele foi direto no alvo.

— Senhora Rogan me pediu para investigar o roubo. Ela quer que isso seja tratado de forma mais discreta possível, e não quer que Nevada se envolva.

Rogan suspirou. — Claro. Quanto menos minha futura esposa tiver a ver com aqueles idiotas, melhor.

— São todos idiotas?

— Não. Tio Inigo, sua esposa Emilia e seus três filhos têm minha total confiança. O mesmo para o tio Mattin e sua família. Eu não concordo com a política deles, mas eles nunca desonrariam o nome da família. Podemos riscá-los da lista. Tia Miren e sua filha, prima Gracia, são mulheres de integridade impecável, e confio no esposo de Gracia e seus dois filhos. Mas os irmãos mais novos da minha mãe são perfeitamente capazes de roubar a noiva no casamento.

Eu me inclinei para trás. — Me fale sobre eles?

Ele suspirou. — Meu avô é um daqueles homens que acredita que os filhos pertencem somente às mães até que tenham idade suficiente para contribuir com os negócios da família. Ele é um velho bastardo rabugento. Ele se casou com minha avó e teve quatro filhos, incluindo minha mãe. Quando mamãe tinha dez anos, sua mãe morreu, deixando meu avô com quatro filhos e sem nenhuma ideia de como criá-los. Assim que terminou a fase de luto, ele se casou novamente. A segunda esposa era apenas doze anos mais velha que minha mãe. Ele se casou com ela porque tinha o pedigree certo, o conjunto certo de poderes e era jovem e saudável. Eu a conheci. Ela era muito jovem quando se casou, e sonhava com um marido amoroso e uma família linda, e em vez disso se viu relegada ao papel de uma babá glorificada e meu avô a ignora grandemente.

Isso não era justo.

— Vovô teve três filhos com ela. Quando o último nasceu, os filhos mais velhos já estavam criados e assumindo suas responsabilidades, então assumiram todos os negócios da família. Os três mais jovens foram deixados para cuidar de si mesmos e sua mãe nunca lhes negou nada. Eles cresceram mimados e sem limites. Eles têm um profundo desdém pelo nosso lado da família e, quando o velho morrer, a família provavelmente se separará. Mas minha mãe se lembra deles como os bebês fofos que ela cuidava. Ela está determinada a perdoar suas falhas, e eles estão perfeitamente dispostos a usá-la. A única vez que ouço deles é quando querem alguma coisa: dinheiro, influência, garantias e assim por diante. Nem sequer se incomodam em dar a ela o básico de atenção, como enviar cartões de Natal para ela, por exemplo. Então você tem Inigo, Mattin, Miren e minha mãe de um lado e Markel, Ane e Zorion do outro.

Eu chequei meu tablet para o mapa de hóspedes, que peguei do notebook da Senhora Rogan antes de sair. Ela colocou os três irmãos mais velhos e seus filhos na ala leste e os três meio-irmãos e seus filhos no oeste. Isso facilitava meu trabalho. — Seu avô não está vindo para o casamento?

— Não. Ele tinha uma estranha rivalidade com meu pai. Era só por parte dele, mas agora que papai se foi, essa rivalidade se virou para mim. Sua saúde está falhando e ele não quer que ninguém, especialmente eu, saiba disso.

— Algum de seus parentes poderia abrir o cofre da Senhora Rogan?

Rogan fez uma careta. — É possível. Eles se orgulham de esconder toda a extensão de seus poderes. É um jogo familiar. Curiosamente, mantém a paz. Ninguém tem certeza de quão forte é o outro, então ninguém quer arriscar um confronto. A maior parte desse lado da família está na faixa Significativa, mas de vez em quando, geralmente uma vez por geração, eles produzem um Superior. Minha mãe é uma. Meu pai veio para o País Basco porque ela combinava com o conjunto certo de poderes que ele queria em uma noiva e uma vez que a conheceu, ele se recusou a deixá-la ir. Pagou ao pai dela mais da metade do que tinha para se casar com ela.

— Então, seu avô a vendeu?

— Exatamente. Peça a ela para contar a história em algum momento.

Isso ficava cada vez melhor. — Quem saberia que as câmeras no escritório não estão funcionando?

— Todos. Mamãe assegurou a todos que eles teriam privacidade dentro de casa.

Nós nos encaramos com expressões idênticas. Às vezes mamãe fazia coisas assim. Como quando dizíamos ‘não suba no telhado hoje, porque sua perna está doendo’, e ela fazia isso de qualquer maneira e depois passava a noite esfregando Gelol32 no joelho e mancando.

— Eu vou ligar as câmeras de dentro de casa, —eu disse a ele.

— Minha mãe concordou com isso?

— Sim, com a condição de que ninguém, exceto alguém da família, fiscalize a gravação. Bernard é da família.

Rogan se recostou. — Você conseguiu muito mais do que eu consegui nos últimos doze anos. Parabéns.

— Obrigada. Ela realmente quer que a Luz do Mar seja encontrada. Ela me mostrou o álbum de casamento.

— O que você precisa de mim?

— Eu preciso de arquivos de todos os seus parentes, até mesmo as pessoas que você não suspeita. Preciso de alguém para entrar disfarçado como parte da equipe de paisagismo e instalar as câmeras. Eu poderia pedir que Bern fizesse isso, mas se os seus parentes fizeram o dever de casa direitinho, eles o reconhecerão e eu não quero arriscar. Além disso, gostaria que você assumisse o monitoramento do sensor de localização da Luz do Mar.

— O que é uma antiguidade. —Rogan fez outra careta.

— Quero ser notificada imediatamente se a tiara sair da área.

— Muito bem, —disse ele.

— Além disso, preciso que você convença Nevada de que as flores lilases azuis não encaixam ao seu buquê.

Seus olhos brilharam. — Boa tentativa. Mas isso você resolve.

— Não custou tentar.


Capítulo 4


A s pessoas diziam que a cozinha era o coração da casa. Se isso fosse verdade, o que seria a mesa da cozinha? Um dos átrios, porque a comida fluía para ele, ou um dos ventrículos, porque comíamos a comida e fluímos?33 Às vezes, coisas estranhas como essa ficavam presas no meu cérebro. Normalmente, quando eu estava cansada, meu cérebro queria fazer outra coisa.

Esfreguei meu rosto e tomei mais café. A mesa estava coberta de tablets e blocos de notas. À minha direita, meu primo Bern brincava com Beija-flores34—minúsculas câmeras à prova d'água em forma de caixinhas que podiam ter a cor de sua escolha. Decidimos escondê-los nos belos arbustos. Bern era um enorme urso loiro, as câmeras eram minúsculas e ele lidava com elas com a precisão de um cirurgião. Ele era o mais velho de todos nós, depois de Nevada.

Do outro lado da mesa, Arabella estava examinando o cardápio de bufê em seu tablet. Quando a Senhora Rogan era uma criança, foi quase envenenada em uma festa de aniversário. Sua pequena prima havia morrido em seu lugar. Agora ela mesma preparava a maior parte da sua comida no dia-a-dia, mas isso não era uma opção para o casamento. Nevada concedeu à Senhora Rogan a decisão de escolher a empresa que prepararia a comida, e depois de entrevistar dezessete empresas de refeições, ela finalmente se estabeleceu em uma. Agora nós tínhamos que selecionar o cardápio rapidamente, porque a Senhora Rogan protelou até o último minuto.

Ao lado de Arabella, o irmão de Bern, o moreno e magro Leon, havia desmontado algum tipo de arma e estava limpando-a. Desde que Leon descobriu seu talento mágico há alguns meses, era tudo sobre armas o tempo todo. Mamãe nem tentou mais pará-lo. Ela estava na pia, tentando derramar gelatina em forminhas de silicone com a precisão de uma atiradora. Arabella havia dito a ela que os ursinhos de gelatina comprados na loja nuca teriam o mesmo sabor dos que a mamãe fazia em casa. Agora, metade da geladeira estava ocupada com bandejas de forminhas de silicone.

Meu cérebro zumbia, tentando analisar os arquivos com as informações do segundo ramo da família que Rogan suspeitava.

Todos nós gostávamos de sentar aqui quando precisávamos fazer o dever de casa.

— O que é um canapé? —Perguntou Arabella.

— Algo com melão. —disse Leon.

— É uma coisa feita de pão. —disse Bern.

Uma porta se abriu no armazém e alguns momentos depois vovó Frida apareceu vestindo um par de macacões jeans pesados, borrados com graxa de motor. Seus cachos brancos platinados emolduravam seu rosto como um halo e seus olhos azuis brilhavam. Vovó Frida quase nunca estava de mau humor. Uma vez perguntei o porquê e ela disse que não tinha muito mais tempo sobrando, então não queria desperdiçá-lo sendo infeliz. Fiquei aterrorizada com cada tosse que ela deu por um mês depois disso.

— Vovó, o que é um canapé35? —Perguntou Arabella.

Vovó Frida pousou na cadeira e franziu o nariz. — Não é uma sobremesa cremosa italiana?

— Isso é cannoli36, —disse mamãe.

— Pesquise no google, —disse Leon.

Arabella rosnou baixinho. — Toda vez que eu minimizo a janela de pedido do cardápio, ela é redefinida e meu telefone está morto.

Eu passei o meu para ela.

— Como está indo? —Perguntou a mãe.

— Se eu eliminar todos com menos de dez anos e todos aqueles que Rogan garantiu que não eram capazes de terem roubado a joia, tenho 12 suspeitos principais. —eu disse.

— Um adulto pode fazer uma criança fazer o seu trabalho sujo, —disse a vovó Frida.

— Sim, mas qualquer pessoa com menos de dez anos não guardaria segredo, —eu disse.

— Essas crianças correm pela casa em bando, sem supervisão, —disse Arabella. Elas iriam tagarelar uma hora ou outra. Além disso, Bern estava certo. Canapé é uma coisa feita com pão.

Estudei minha lista de suspeitos. Eu os tinha organizado quarto por quarto na ala oeste, indo de norte a sul. Os nomes espanhóis eram terrivelmente confusos e alguns deles eram muito longos, então por uma questão de praticidade e clareza, os resumi para o primeiro nome e um sobrenome de casado. O sobrenome principal da família era Ramírez. A Senhora Rogan tinha três irmãos hospedados na ala oeste, seus dois meio-irmãos, Markel e Zorion, e sua meia-irmã, Ane.

Primeiro, havia Markel, o meio-irmão mais velho da Senhora Rogan e sua segunda esposa, Isabella. Markel não parecia estar empregado. Ele vivia dos lucros dos investimentos da família. Uma pesquisa no Facebook de Isabella revelou uma casa luxuosa e bons carros. No entanto, nos arquivos de Rogan havia a informação de que Markel repetidamente reclamou em particular a Rogan que seu salário não era grande o suficiente. Nenhuma dessas remunerações parecia chegar até ao seu filho e filha.

O quarto ao lado hospedava Mikel Ramírez, filho de Markel, e sua esposa Maria. Mikel administrava a Ramírez Capital, uma empresa de capital de risco de propriedade da família, com foco em empresas de telecomunicações e internet. Era um homem alto e moreno, com uma barba prematuramente grisalha e olhos tristes. Sua esposa era uma mulher magra e excessivamente bronzeada, com cabelos loiros descoloridos, que gostava de roupas de grife, geralmente de branco e joias de ouro puro. Eu a vi duas vezes. Nas duas vezes ela tinha um copo de vinho na mão e nas duas vezes perguntou se eu tinha visto o marido. Eles tiveram quatro filhos, três com menos de doze anos.

Em seguida vinham o casal Lucian e June de Baldivia. June era filha de Markel, uma mulher gordinha com pele morena e uma riqueza de cabelos escuros encaracolados. Seu marido era alto, atlético e bonito, com cabelos escuros e olhos estreitos e surpreendentemente azuis. Ele corria pela propriedade todas as manhãs. Lucian trabalhava para uma empresa de computadores especializada em segurança cibernética, enquanto June estava fortemente envolvida em uma empresa emergente que tentava limpar o plástico dos oceanos. Eles tinham duas filhas, que pareciam exatamente com sua mãe.

Então, havia Zorion e Teresa Rosa del Monte, os pais da menina pistola de cola. Zorion, o meio-irmão mais novo da Senhora Rogan, tinha quarenta anos, era elegante, atlético e bonito. Ele vivia dos rendimentos da família e parecia ter dois interesses: futebol e carros. Teresa era uma dona de casa com um corte de cabelo bem curtinho e espetado. Ela cuidava de seus dois filhos e estava tentando escrever um romance. Uma pesquisa de sua atividade online mostrou um uso intenso do Twitter, onde seguia vários escritores de romances e agentes literários, tanto dentro quanto fora da Espanha. O casal não estava em grande dificuldade financeira.

O quarto ao lado estava ocupado por Ane, a meia-irmã da Senhora Rogan, que chegara acompanhada por um ‘garotão’, como Arabella o chamou. O ‘garotão’ tinha vinte e tantos anos, era loiro, de olhos azuis, bonito e se chamava Paul Sarmiento. Ane não trabalhava, vivia da sua parcela dos investimentos da família. Paul não tinha ficha criminal e o pessoal de Rogan não conseguiu encontrar as impressões digitais em nenhum dos bancos de dados, e não estava claro o que ele realmente fazia para ganhar a vida. Eu marquei em destaque o nome dele.

Finalmente, no extremo sul, tínhamos Iker e Eva Ramírez. Iker, único filho de Ane, tinha pele morena e cabelo loiro escuro e era arquiteto. Ele trabalha em sua empresa nos últimos quatro anos. Sua esposa era pequena e delicada. Ela começou sua carreira como atriz, mas isso voou pela da janela quando se casou com Iker. Eles tinham apenas um filho, Xavier.

— Uma coisa que eu não entendo, —disse Leon, manipulando as partes da arma desmontada. Ele fazia isso sem olhar para baixo, como se suas mãos estivessem no piloto automático.

— Por que essas pessoas roubariam a Luz do Mar? Eles são todos ricos.

— Deixe-me ver uma foto dessa joia de novo, —vovó Frida pediu.

Eu puxei uma imagem da Luz do Mar e mostrei a ela.

Vovó Frida olhou e bateu na aquamarine. — Está aqui a sua resposta.

Eu balancei a cabeça. — Não acredito que seja sobre dinheiro. A Luz do Mar é avaliada e segurada por duzentos e cinquenta mil, principalmente por causa de sua idade e os pequenos diamantes emoldurando a aquamarine. A pedra maior de aquamarine por si só vale provavelmente setenta e cinco mil. Os três irmãos ovelhas negras recebem anualmente mais de um milhão de dólares dos investimentos da família. Sem fazerem nada.

— Deve ser bom, —disse mamãe.

Arabella franziu a testa. — Então, se eles forem pegos roubando a tiara, quase certamente serão cortados dos rendimentos da família. Você arriscaria um milhão de ganho fácil por roubar algo que valesse um quarto disso?

Bern bateu palmas. — Você fez as contas na sua cabeça, estou muito orgulhoso.

Arabella mostrou-lhe o dedo do meio.

— Eu vi isso, —mamãe retrucou.

— Desculpe. —Minha irmã não parecia arrependida.

— Mesmo que eles roubassem, —eu disse, — o que fariam com a joia? Nenhum deles esteve nos EUA nos últimos cinco anos. Eles não conhecem compradores e nenhum joalheiro legítimo iria aceitar negociá-la. Se você procurar no Google, a foto aparece como ‘A coroa Luz do Mar, herança da Casa Rogan’. Ninguém no Texas tocaria em algo roubado de Louco Rogan. Eles não arriscariam tanto.

— Talvez estejam planejando levar para casa, —disse Arabella.

— Eles teriam que declará-la no aeroporto, —disse Leon.

— Como você sabe disso? —Perguntou mamãe.

— Ele pesquisou sobre o transporte de armas pelo ar, —disse Arabella.

Mamãe parou de encher a lava-louças e deu a Leon um olhar duro.

— Apenas tentando estar preparado, isso é tudo, —disse ele.

Eu me inclinei para trás e suspirei. — Eles não podem vender e não podem levar para casa. Então, não é sobre o dinheiro.

— Bem, o que é então? —Vovó Frida perguntou.

— É sobre a Senhora Rogan, Connor ou Nevada, —eu disse. — Ou eles odeiam a Senhora Rogan ou Connor, e eles querem envergonhá-los, ou eles odeiam Nevada e eles não querem que ela use essa coroa. É por isso que ela não sabe, e nós temos que lidar com isso sozinhos e fazermos com que ela continue sem saber.

— Concordo. —disse Bern.

— Então, basicamente, você tem que descobrir quem mais odeia Rogan e Nevada, —disse Arabella. — Xavier é um suspeito?

Morra.

Vovó Frida veio à vida como um tubarão cheirando uma gota de sangue na água. — Quem é Xavier?

— Ninguém. —Que resposta brilhante que dei. Isso vai fazê-las desistir. Só que não.

— Xavier é um primo fofo de Rogan, eeeeee ele gosta dela, —disse a Irmã-do-Mal-Enviada-das-Entranhas-do-Inferno.

— Se acha ele é fofo, fique à vontade para falar com ele, —eu disse.

Arabella fez grandes olhos para mim. — Ela disse a ele o nome dela e ele disse: 'Eu sei'.

Vovó Frida e Leon fizeram uôôô para mim.

Minhas bochechas estavam ficando quentes. Odiava quando minhas bochechas ficavam quentes.

— Você deveria aceitar conversar com ele, —vovó Frida disse.

Isso era o suficiente. — Mãe.

— O que aconteceu com aquele lindo garoto italiano? —Perguntou a vovó Frida.

— Ela o expulsou. —disse Leon. — Ela disse a ele para sair da frente da nossa casa ou ela chamaria a polícia. —Ele rosnou ‘a polícia’ como se estivesse com a boca cheia de cascalho.

Eles estavam falando de mim como se eu não estivesse lá. — Mãe!

— Deixem-na em paz, —disse mamãe. — Ela está tentando trabalhar.

— Talvez você devesse tentar, —disse a vovó Frida. — Você tem controlado bem sua magia

— Sim. —disse Leon. — E se as coisas não derem certo, posso sempre atirar nele, e ninguém nunca encontrará o corpo.

Peguei meu tablet e arquivos e fui para o meu quarto.

 


Eu estava ao lado de uma escada no quarto de Iker e Eva observando Rivera instalar uma pequena câmera no detector de fumaça. Rivera era um dos melhores caras do Rogan.

Normalmente ele era elegante e bem cuidado, mas hoje estava usando uma peruca debaixo de um boné de beisebol encardido e sua mandíbula ostentava uma barba escura de dois dias. Parecia ridículo.

Cada um dos casais de hóspedes tinha uma suíte e estávamos colocando câmeras nas salas de estar. Do lado de fora, Simone, uma das especialistas em vigilância de Rogan, instalava câmeras Beija-flor nos arbustos.

— Ei. —disse Xavier atrás de mim.

Eu consegui não pular e me virar. Ele se inclinou casualmente contra a moldura da porta. Certo. Era o quarto dele também.

— Oi. —Consegui falar.

— Oi. —ele disse.

Passei muito tempo na viagem de casa para a mansão Rosa da Montanha pensando sobre o que fazer se eu visse Xavier. Eu havia prometido a Arabella que falaria com ele. Infelizmente, eu não era muito boa em falar com pessoas, especialmente pessoas da minha idade. No final, decidi que precisava conversar com Xavier. Não só porque ele era fofo e parecia interessado em falar comigo, mas também porque era uma potencial fonte de informação. Ele era adolescente e membro da família estendida de Rogan. Os adultos geralmente nos viam como crianças e muitas vezes diziam coisas ao nosso redor sem pensar.

Depois que eu decidi que Xavier era um trabalho, as coisas ficaram muito mais fáceis. Eu só tinha que fazê-lo gostar de mim sem usar minha magia.

— Você precisa de algo da sala? Estamos quase terminando.

— Não, eu acabei de te ver pela janela e me perguntei o que você estava fazendo na minha suíte. O que você está fazendo?

Ele soava como se suspeitasse que tínhamos mexido em sua gaveta de roupas íntimas.

Rivera revirou os olhos.

— Estamos verificando todos os detectores de fumaça e substituindo as baterias, —eu menti.

— Por quê?

— Senhora Rogan está preocupada que, se um incêndio começar, algumas pessoas não saiam.

— Cada quarto nesta ala tem portas francesas que se abrem para o jardim, —disse Xavier. — Você não acha que é um pouco exagerado? Não é provável que fiquemos presos e a maioria de nós é telecinético.

Ele parecia o garoto-propaganda da frase ‘adultos são irracionais e idiotas’. Eu passei por essa fase também. Quando tinha doze anos. — Verdade. Mas ela é paranoica e tenho que fazer isso. Você sabe como é. —Dei de ombros. — Pessoas de idade.

Xavier sorriu e olhou para Rivera, depois de volta para mim. — Você tem que supervisionar, ou posso roubá-la um pouquinho? Eu preciso da sua ajuda com uma coisa.

Os olhos de Rivera ficaram com um brilho perigoso. Eu tinha que tirar Xavier daqui antes que ele perguntasse demais ou dissesse alguma coisa que fizesse Rivera perder a paciência.

— Você pode fazer sozinho? —Eu perguntei.

— Sim, senhora, —disse Rivera.

— Por favor, deixe-me saber quando você terminar. —Eu me virei para Xavier. — Certo.

Nós caminhamos por um corredor. Xavier virou à esquerda e seguimos em frente por um outro longo corredor até o extremo norte da casa, passamos pelas portas francesas e para outro lado do jardim. Um caminho feito de granito rústico começava na porta e virava à direita, correndo pelo pomar até o lado nordeste da colina que margeava o penhasco.

Xavier começou a andar pelo caminho, virou-se graciosamente e sorriu para mim. Ele realmente era muito bonito. Quase tão bonito quanto Alessandro Sagredo, mas era um tipo diferente de beleza. Xavier parecia que seria perfeito para o papel principal em algum reality-show sobre adolescentes ricos e angustiados em uma escola preparatória. Havia algo sofisticado, mas indiferente sobre ele. Alessandro parecia que precisava de uma espada e uma armadura.

Xavier era fofo, mas eu realmente gostava de Alessandro. Gostei dele desde a primeira vez que o vi em uma foto. Fiquei sentada lá por vários minutos olhando para ela, sem pensar em nada. Era como se meu cérebro tivesse ficado calmo.

Isso quase nunca acontecia. E então eu o conheci e sabia que estava perdida.

— Em que você precisa de ajuda? —Eu perguntei.

— Preciso de ajuda para deixar de estar entediado. Você é a única pessoa interessante que conheci por aqui. Vamos fazer algo divertido. Você precisa relaxar, não é?

— Eu tenho que trabalhar. —Você não sabe o que está pedindo. Se eu relaxar em torno de você, não vai acabar bem para nenhum de nós.

— O que vai acontecer se você parar de trabalhar por um tempo? —Ele deu de ombros. — A casa cairá? Arrosa vai te demitir? Ela não pode demitir a irmã da noiva. Venha, pelo menos caminhe comigo. Minha companhia é pior do que trabalhar?

Não, ele não era pior do que trabalhar; ele era o trabalho. Ele era uma fonte potencial de informação, uma que eu tinha que explorar. Não é mesmo?

— Um segundo, —eu disse. Abri a janela de bate-papo no meu tablet e enviei a Rivera um texto rápido:


Por favor, troque a localização da câmera na suíte de Xavier.


Por favor, troque a localização da câmera na suíte de Xavier.


Os arquivos de Rogan apontavam Xavier como Significativo de baixo nível, o que significava que, quando devidamente motivado, provavelmente poderia remover o detector de fumaça do teto de quase quatro metros de altura com sua magia e examiná-lo. Eu não queria dar a ninguém uma chance de encontrar as câmeras.

O tablet apitou de volta. Olhei:

Feito.


Feito.


— Certo. —Eu desci os degraus para o caminho de pedra. — Estou pronta. Mas só até as duas horas.

— O que vai acontecer às duas? —Ele perguntou.

— Minha irmã vai apresentar o menu de bufê para a Senhora Rogan e vou apoiá-la. —Arabella não precisava de apoio. Na maioria das vezes ela era o apoio, a artilharia de campo e o suporte aéreo, mas Nevada me ensinou a sempre ter uma estratégia de saída. Eu sorri para Xavier, tentando parecer entusiasmada.

— Lidere o caminho.

Nós passeamos pelo caminho.

— Você está preocupada que aquele cara vai roubar alguma coisa?

O que? — Não, todas as pessoas que contratei foram examinadas.

— Você que contratou? —Ele deixou sair.

— Sim, bem, Arabella e eu os contratamos. Fizemos uma extensa verificação de antecedentes, histórico de empregos, histórico criminal e verificações de crédito. Todos no terreno agora têm referências.

A máscara indiferente de Xavier deslizou por um segundo e ele olhou para mim. — Como você sabe como fazer tudo isso?

— É o meu trabalho. Eu trabalho para o nosso negócio da família.

— Sim, eu sei. Mas achei que sua família era dona do negócio. Quero dizer, você é uma criança como eu. Por que eles fazem você trabalhar? Você é ... pobre? —Ele disse a palavra pobre como algo sujo ou vergonhoso.

Eu escondi um suspiro. Não era culpa de Xavier. Ele cresceu com padrões diferentes. Não o fazia melhor ou pior do que eu, apenas diferente. — Ninguém me faz trabalhar. Eu gosto. Todos da minha família trabalham para a agência. Até a minha avó, que tem o seu próprio negócio, às vezes faz plantão para nós. É interessante. Com o meu trabalho posso ajudar as pessoas. E eu nunca tenho que pedir dinheiro à minha mãe. Recebo um cheque de pagamento, e ninguém me diz o que fazer com ele. Como essa questão do dinheiro funciona para você?

— Nós sempre temos dinheiro. Se eu precisar de algo ou quiser algo, uso minha mesada, se eu não tiver o suficiente, peço à minha mãe.

— O que você faz para ganhar sua mesada?

— O que?

— O que você faz? Você tira boas notas, faz tarefas? Você ajuda em casa? Cortara grama? —Eu pisquei para ele.

— Você está me provocando, —disse ele, parecendo levemente ferido.

— Talvez um pouco. Mas, falando sério, como isso funciona na sua família? Eu sei que Rogan usou a magia de telecinese dele para conseguir muitos contratos militares para a Casa Rogan. Seus pais estão esperando que você use sua magia para os negócios da família ou estão discutindo sobre empurrar você para faculdade também?

Xavier encolheu os ombros. — Eu não acho que eles se importam. Minha mãe tem feito alguns comentários sobre eu ir para a universidade, mas é mais só por falar, porque acha que precisa. Meu pai recebe dinheiro de investimentos familiares. Não me lembro deles terem empregos. Não o tipo onde devem estar lá o dia todo. Eu gostaria que eles tivessem empregos. Isso os tiraria de casa.

Quando eu estava no ensino médio, esse período me assustou até a morte. Eu tinha estudado em casa anteriormente. Então, enquanto pesquisava para um trabalho, tropecei no livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas37. Eu aprendi duas coisas desse livro: as pessoas gostavam de falar sobre si mesmas e as pessoas gostavam de você quando você concordava com elas.

— Seus pais estão pegando no seu pé, não estão? Eu odeio quando adultos fazem isso.

— Sim. —Ele estalou os dedos. — Eles pegam no pé. Realmente não se importam, apenas ficam por perto, nos rodeando. Eles só me notam quando precisam me arrastar para algum festival familiar.

— Você não queria vir para o casamento? —Abri os olhos em surpresa fingida.

— Não, eu queria ter ficado sozinho em casa.

— Sim, entendo. Para ser sincera, não me sinto confortável aqui, mas sou uma garota propaganda de monachopsis.

— O que?

— Monachopsis. Significa um sentimento sutil, mas persistente, de não se encaixar e saber que você não pertence ao lugar em que está. Esta mansão é demais para mim. Muito grande, muitos quartos. Eu não cresci rica.

— Minha família tem dinheiro, mas eu também não me sinto confortável aqui. —Seus olhos acenderam. Seu rosto ficou animado, como se ele estivesse prestes a andar numa montanha-russa. — Há dinheiro aqui. Rogan tem muito dinheiro. Dinheiro investido em todo mundo. Você sabia que Rogan vale US $ 1,27 bilhão? E não há contrato pré-nupcial. Sua irmã vai ficar com metade disso. Se ele morrer, ela fica com tudo isso.

Bem, isso ficou mórbido rápido.

Xavier sorriu. — Bom momento para ser legal com a irmã, hein?

Eu pensei em contar a ele que Nevada estava pagando por seu próprio vestido de noiva, mas ele não iria conseguir entender.

— Você está certo. Melhor ser legal com ela.

Até agora nada nesta conversa fez Xavier atraente. Ele poderia simplesmente estar desconfortável em falar comigo e tentava dizer coisas para me impressionar, mas se esse for seu objetivo, estava falhando. Já passei por isso.

— É verdade que sua irmã é uma Buscadora da Verdade Superior? —Ele perguntou.

— Sim. — Ao contrário dos meus poderes e de Arabella, o registro de Nevada agora era público. Arabella e eu éramos registradas como Superiores, mas nossos registros estavam sob sigilo.

— Então, você não pode mentir para ela. Como lida com isso?

— Você pode, mas ela vai saber. —Agora era um bom momento. — Sua família está incomodada por Nevada estar se casando com Rogan? Nem muitas famílias acolheriam uma Buscadora da Verdade.

— Ela está fazendo-os desconfortáveis. —Ele sorriu. — Sua irmã entra na sala e todo mundo se cala. Toda vez que vovó Ane a vê, seu rosto fica verde. O primo Mikel corre dela. Eu amo isso.

Ele não respondeu a minha pergunta.

O caminho nos trouxe para a frente da casa. Duas garotas da minha idade estavam perto da fonte, conversando. Uma era alta e loira, a outra era mais baixa com cabelos escuros e quase pretos. Uma terceira garota, vestida de branco, com o cabelo castanho trançado sobre o ombro esquerdo, estava sentada na beira da fonte, digitando em seu telefone. A loira alta era a filha mais velha de Gracia, Adriana, a que tinha cabelos muito escuros era Samanta ou Malina, uma das filhas de Lucian e June. Elas eram tão parecidas que era difícil diferenciá-las. A garota ao telefone era filha de Mikel e Maria. Como sua mãe, Elba gostava de se vestir de branco e de usar joias de ouro.

Adriana ou Samanta—eu tinha 75% de certeza de que ela era Samanta, —acenou. Adriana me notou e seus olhos se estreitaram. Samanta parecia desconfortável.

— Você não sabe que não deveria falar com os nossos funcionários? —Perguntou Elba sem levantar os olhos do telefone.

Bem, olá para você também, senhorita cadela. Eu sorri.

— Seu pai sabe disso? —Perguntou Xavier. — Quantos funcionários ele pagou até agora aqui? Três ou quatro? Todos nós perdemos a conta.

— Que te folle un pez38 —disse Elba.

Eu espero que você seja fodido por um peixe? O que isso significa? O espanhol deles era diferente do que eu estava acostumada no Texas, mas eu entendia bem o suficiente.

Xavier colocou o braço em volta de mim e eu tive que me impedir de empurrar meu cotovelo em suas costelas. Eu não gostava de ser tocada. Especialmente por pessoas que eu não conhecia. Ele fez isso de forma protetora, mas ainda assim não gostei.

— Não ligue para ela, —disse Xavier.

Atravessamos o pátio de volta para a ala oeste. Meu tablet soou. Eu olhei para ele. As câmeras estavam online.

— Eu tenho que ir.

— Sério? —Xavier se abaixou um pouco para olhar para o meu rosto. — Você tem certeza?

— Sim.

— Gostei do nosso tempo juntos, —disse ele, e soou como se quisesse dizer isso. Talvez ele realmente gostou.

A coisa era que eu também tinha gostado. Claro, ele disse algumas coisas questionáveis, mas tentou ter uma conversa real comigo, e isso não acontecia todos os dias. E tentou me proteger de sua prima. Eu não precisava de ajuda, mas foi meio que cativante. Além disso, ele me disse que sua avó e Mikel tinham algo a esconder.

— Também me diverti muito, —eu disse.

— Então vamos fazer isso de novo, certo? —Ele perguntou. — Diga sim, Catalina.

Ele disse meu nome. — Sim. Nós vamos fazer isso de novo.

 


Entrei em uma das salas de conferência em frente às suítes e verifiquei as imagens das câmeras uma a uma. Todas as câmeras da suíte estavam funcionando. Mudei para as câmeras Beija-flor do lado de fora. Um dois três quatro ... nove? Deveria ter sido apenas seis. Fixei na imagem da câmera sete. Mostrava uma área de estar no lado oeste, do lado de fora do prédio. A câmera oito cobria o caminho no lado leste de onde Xavier e eu acabamos de chegar. A câmera nove foi instalada no topo da fonte. Bern deve ter desejado uma cobertura adicional.

Xavier estava andando em direção a suas primas.

Meu celular tocou. Eu reconheci o número. Eventos e Refeições Valentina. Ah não. Não, não, não. Arabella estava encarregada do cardápio. Se eles estavam me ligando, havia um problema.

Eu atendi o telefone. — Catalina Baylor.

A voz de Valentina soou no meu ouvido. — Tivemos um pequeno, insignificante, minúsculo problema. Alguém invadiu nosso restaurante.

Porcaria. — Estou indo para aí.


Capítulo 5


A sede da Eventos e Refeições Valentina fica em New Braunfels, uma cidade muito alemã no meio do Texas. Nós tínhamos entrevistado grandes empresas de refeições em Austin e San Antonio, mas a Senhora Rogan decidiu que confiava na Valentina e é com ela que decidimos ficar.

Estacionei em frente a um antigo prédio de tijolos. Leon saiu do banco do passageiro. Arabella ainda estava na escola e hoje teria que terminar de escrever uma redação de duas mil palavras, que lhe foi atribuída há um mês e que ela havia começado só esta manhã. Leon era meu companheiro de batalha para esta missão e ele estava emocionado.

— Loja de bolos, —disse ele.

— Sim.

Leon soltou um longo suspiro de sofrimento. — Você tem certeza de que eu vou ser o suficiente? Esses lugares podem ficar bem difíceis. Você entra em uma confeitaria e então um pistoleiro lhe diz: ‘Você não é daqui, parceiro’, e a próxima coisa que acontece é que você está no meio da rua, seu cavalo está morto, o vilão pegou sua garota pelos cabelos e você está baleado.

— O que se passa por essa sua cabeça?

— É um lugar escuro e sem lei, Catalina. Muito escuro.

Eu revirei meus olhos. — É um pequeno restaurante e doceria. A maior parte da renda vem do serviço de bufê, mas eles têm uma pequena loja de bolos a cerca de duas quadras de distância. Quatro funcionários em tempo integral, além da proprietária. Eles contratam garçons para grandes eventos.

— Então, estamos contratando alguém que está contratando outras pessoas? Quem está verificando os garçons?

— Nós é que estaremos contratando os garçons neste caso, —eu disse a ele. Rogan tinha me dado um orçamento quase ilimitado e me certifiquei de contratar garçons com ótimas referências.

— Este é o único lugar em que a Senhora Rogan confia para atender ao casamento, então fizemos o que podíamos para garantir a segurança do local. O pessoal de Rogan instalou um excelente sistema de alarme e segurança.

— Eu pensei que você disse que eles descobriram o arrombamento esta manhã. —Leon olhou para o prédio.

— Sim, eles fizeram.

— Então, seu excelente sistema de alarme não estava funcionando?

— Vamos descobrir.

A maior parte do prédio era ocupada por uma grande cozinha. Longas mesas de metal se estendiam pelo espaço em duas fileiras. À esquerda, dois refrigeradores industrializados estavam encostados na parede, junto com três grandes pias, uma lava-louças e uma fileira de fornos. Ao lado deles, uma porta levava a uma sala estreita com dois freezers igualmente grandes. Mais internamente, diretamente em frente à entrada, outra porta oferecia acesso a uma grande despensa. Uma fileira de janelas na parede à nossa direita inundava o espaço com luz natural. Era um espaço limpo e organizado. O ar cheirava levemente a bebida alcoólica.

Valentina pulou da cadeira quando entramos. Uma mulher branca de trinta e poucos anos, seu cabelo loiro curto tinha algumas mechas vermelhas. Seus óculos deslizavam pelo nariz e ela continuava empurrando-os de volta. Suas bochechas estavam avermelhadas. Ela claramente parecia estressada e à beira das lágrimas. Seu gerente, Carlos, um homem atlético na casa dos cinquenta, com cabelos negros e pele bronzeada, estava ao lado dela, as mãos nos quadris.

— Eles invadiram a noite passada, —disse Valentina. — Três pessoas com capuzes escuros.

Leon acenou com a cabeça para a primeira janela à nossa direita, com o peitoril da janela manchado de pó cinza de coleta de impressões digitais. — Foi assim que eles entraram?

— Sim. —disse Carlos. — Nós abrimos muito as janelas para arejar a cozinha.

— O alarme não disparou? —Perguntei.

Tanto Valentina como Carlos pareciam querer entrar em um buraco no chão.

— O sensor sem fio da janela estava desligando aleatoriamente, —disse Carlos.

— Por que você não nos informou que o sensor estava com defeito? —Perguntei.

— Não parecia ser importante. É uma janela muito pequena. Nós geralmente ignoramos isso, —disse Valentina. — Costuma se desligar no meio da noite.

— São moleques. —Carlos rosnou, seu rosto ficando vermelho escuro. — Provavelmente testaram a janela, perceberam que ela estava destrancada e se arrastaram para dentro. Aposto que é esse idiota do Hudson. Ele e seu parceiro estão sempre no parque do outro lado da rua. Tramando sempre algo nada bom. Eles se sentam no parque, bebem cerveja o dia todo e procuram entrar sempre em problemas. Quando eu tinha a idade deles, trabalhava. Tinha responsabilidades. Eu ...

Tinha que cortá-lo antes que ele me desse uma palestra completa sobre as crianças nos dias de hoje. — O que eles levaram?

Valentina fez uma careta. — Champanhe. Eles levaram uma boa quantidade. Provavelmente tudo o que puderam carregar. É pesado. E destruíram o resto que ficou.

— Duzentos e cinquenta garrafas, duzentos e vinte dólares por garrafa, —cuspiu Carlos.

Cinquenta mil dólares de Champanhe. E tudo se foi.

— Droga. Que chato. —Leon ofereceu de forma útil.

Valentina parecia verde.

— Você tem a filmagem de segurança? —Eu perguntei.

Um minuto depois, observava três figuras de capuzes escuros com badanas sobre os rostos borrifarem as câmeras de segurança com chantilly, que encontraram na geladeira.

— Normalmente, não usamos chantilly enlatado, —disse Valentina. — A cliente pedira especificamente para sua festa de despedida de solteira. Nós não argumentamos sua vontade.

Os sons de champanhe sendo esmagados vieram da tela. Olhei para Leon. Ele assentiu.

Rebobinei a gravação. — Vejam. Eles atravessam a janela e vão direto para a geladeira. Eles sabiam que a janela estaria destrancada e com o alarme desligado, e eles sabiam exatamente onde estava o chantilly.

— O que você está querendo dizer? —Perguntou Carlos. Seus olhos se arregalaram. — Conheço todos que trabalham aqui. Ponho minha mão no fogo por todos que trabalham aqui.

Os humanos lidam com o perigo fingindo que ele não existe. Mesmo que milhares de pessoas morram todos os anos em acidentes de carro, nós ainda entramos em nossos carros e dirigimos todos os dias. Construímos ilusões de segurança em torno de nós mesmos e acreditamos nessas ilusões, ou é isso ou ficamos loucos.

Um lar é uma dessas ilusões vitais. É o nosso abrigo, o lugar onde baixamos a guarda. Nada de ruim deveria acontecer com você em sua casa. Quando nosso armazém foi atacado por mercenários, parecia que meu mundo estava rachado. Isso me fez sentir fraca e desamparada.

Valentina e Carlos estavam se sentindo impotentes agora. A perda financeira foi esmagadora, mas a violação de sua cozinha provavelmente foi pior. Este era um pequeno negócio. Os funcionários provavelmente eram mais parecidos com a família do que com empregados.

Eles passavam muito tempo juntos nesta cozinha, fazendo comida deliciosa e belos bolos. Alguém havia quebrado todas aquelas lembranças felizes em pedaços.

A ideia de que um deles poderia ter feito isso era demais.

— Há alguma garrafa sobrando? —Perguntou Leon.

Valentina chegou debaixo do balcão e puxou uma garrafa pesada para fora. Leon pegou a garrafa pelo pescoço e bateu contra a parede. A garrafa não quebrou.

— Ei! —Carlos gritou.

Eu levantei minha mão. — Reembolsaremos vocês.

Leon levou mais duas tentativas antes que a garrafa finalmente quebrasse.

Ofegando um pouco, ele segurou a garrafa para mim. — Duzentas garrafas quebradas desse jeito?

Eu me virei para Valentina. — Se vocês são apenas crianças invadindo para roubar um pouco de vinho, vocês pegariam algumas garrafas e sairiam. Isso levou muito tempo e esforço. A questão é por quê.

— Sim, por quê? Por que alguém faria isso? —Valentina perguntou.

— Duas possíveis razões, —eu disse. — Primeiro, eles encobriam o som de outra coisa que estavam fazendo e, segundo, planejaram que vocês se concentrassem na perda do champanhe. Nosso contrato com vocês específica que devem nos ligar imediatamente em caso de qualquer complicação. Por que não nos ligaram?

— Nós ligamos para a polícia, —disse Carlos.

— Você não entende, —disse Valentina, seu rosto vermelho agora. — Entramos e havia pilhas de vidro no chão. Todo esse champanhe, o cheiro ...

E ela queria limpá-lo o mais rápido possível, para apagar a profanação de sua bela cozinha.

— Foi uma distração. —Leon acenou para a garrafa quebrada no chão. — Garrafas quebradas, cacos de vidro, bebida cara no chão, tudo cheirando a champanhe, tudo manchado e pegajoso. Vocês olham para isso e, se nada mais parecer que foi mexido, vocês se concentram em somente limpar as coisas.

Olhei para Valentina e Carlos, e minhas entranhas tentaram se espremer em uma bola dolorida e apertada. Havia coisas que eu tinha a dizer agora, coisas ásperas e cruéis, e eu tinha que dizê-las a duas pessoas que já estavam desesperadas e traumatizadas. Eu me sentia mal e desconfortável. Mas era o meu trabalho. Eu prometi que faria isso.

— Vocês violaram o contrato, —eu disse. — Foram contratados pela Casa Rogan. Este é um negócio da Casa. Regras normais não se aplicam aqui. Isso ficou claro quando passamos o contrato com vocês. Minha irmã e eu nos sentamos nesta mesa e lemos o contrato parágrafo por parágrafo e vocês disseram que entenderam e assinaram. Primeiro, vocês não ligaram o alarme.

Carlos sugou uma lufada de ar, prestes a dizer alguma coisa, mas Valentina colocou a mão em seu braço.

— Segundo, vocês não nos notificaram sobre o arrombamento. O contrato especifica explicitamente que devemos ser informados no caso de qualquer problema antes de qualquer contato com a polícia, a menos que seja uma emergência com risco de vida. Terceiro, vocês limparam tudo, destruindo as evidências.

Ninguém disse nada.

Valentina mordeu o lábio. — Se você cancelar tudo agora, nós estaremos arruinados.

Eu sabia exatamente o que ela estava pensando. Ela estava olhando para o futuro e vendo a morte de seus negócios. E eu era a pessoa que decidiria se ele viveria ou morreria. Nunca quis tanto me teletransportar em toda a minha vida. Se eu pudesse, teria fugido e fingido que isso nunca aconteceu.

— Existe alguma coisa que podemos fazer para corrigir isso? —Valentina perguntou.

— Depende, —eu disse. — Eu gostaria de ter acesso ao seu computador. Serei capaz de tomar uma decisão melhor, dependendo do que encontrarmos. Sob os termos do nosso contrato, não posso obrigar você a me conceder acesso. Você pode recusar se quiser.

— E se o recusarmos? —Perguntou Carlos.

Eu levantei minhas mãos. — Nós vamos embora.

— Vá em frente. —Valentina acenou para uma pequena mesa no canto da sala, onde havia um computador.

Ativei a função de gravação no meu celular. — Aqui é Catalina Baylor. Hoje é 20 de abril. Estou aqui com Valentina Krueger, dona da Eventos e Refeições Valentina. Posso ter acesso ao seu computador comercial?

— Sim.

— Obrigada.

Leon foi para o computador. Seus dedos voaram sobre o teclado. — Você desligou o computador antes de sair?

— Sim. —disse Valentina. Ela soou como se esperasse que a gente batesse nela com um taco de beisebol. — Nós desligamos todas as noites antes de sairmos.

— Qual foi a última coisa que você trabalhou? —Leon perguntou.

— Lista dos fornecedores de peixes, —disse Valentina.

— Bem, —disse Leon. — Alguém ligou novamente no momento da invasão e acessou o arquivo ‘Bolos Rogan’.

Porcaria. Eu me virei para Valentina e Carlos. — Posso ter seus celulares, por favor? Eu não preciso que vocês os desbloqueiem, eu só quero que os coloque sobre a mesa. E não os toquem, até eu devolvê-los a vocês.

— Oh meu Deus. —Os olhos de Valentina ficaram grandes. —Eles mexeram no bolo. Mas ainda não foram feitos. Começamos a fazer os recheios e as coberturas.

— Telefones, por favor, —disse Leon. O tom dele era banal, mas havia algo no modo de falar que transmitia a impressão de que desobedecê-lo seria uma ideia muito ruim.

Dois telefones pousaram na mesa de metal.

— Eu gostaria que vocês fossem à despensa e revisassem seu inventário. Não toquem em nada. Se algo parecer errado, se foi movido ou a tampa não está no lugar certo, me avisem imediatamente. Por favor, mantenha a porta da despensa aberta para que eu possa ver vocês.

Os dois doceiros entraram na despensa. Eu disquei o número de Rogan. Ele respondeu no segundo toque. — Sim?

— Acredito que alguém envenenou seu bolo de casamento. Como você gostaria que eu resolvesse isso?

 


Em meia hora, as tropas de Rogan, designadas para a casa da Senhora Rogan, chegaram em dois carros blindados. New Braunfels ficava a meia hora da Rosa da Montanha, mas pareceu demorar uma eternidade para chegarem. Passei o tempo tentando descobrir quem poderia ter envenenado o bolo de Nevada. Rogan e Nevada fizeram muitos inimigos quando pararam uma conspiração de várias Casas proeminentes para tomar o poder no Texas. A maioria desses inimigos estavam mortos ou na cadeia.

Quando Superiores matam alguém em vingança, eles querem que o mundo inteiro saiba disso. Eles não mandam outros fazerem. Querem ter o prazer pessoalmente de olhar em seus olhos enquanto a magia deles sufoca a sua vida. O veneno parecia tão mundano. E, como acabamos de nos tornar uma Casa, nenhum dos Superiores poderia nos atacar legalmente pelos próximos três anos.

Além disso, muitos Superiores estariam presentes. A lista de convidados é conhecida no Herald’s como a ‘Lista Poderosa e Influente’. Quem envenenou o bolo teria matado membros da elite mágica de Houston. Não haveria lugar para ele se esconder. Não parecia uma tentativa política ou financeiramente motivada. Parecia ódio. Ódio cego faz você esquecer sua própria segurança.

Eu fiz uma lista de suspeitos. Havia alguém que eu suspeitava mais do que os outros. Alguém que era invejoso, detestável e imprudente e que odiava Rogan.

Rivera foi o primeiro a passar pela porta. Atrás dele vinha uma mulher com o uniforme solto que muitos funcionários de Rogan usavam. Um boné de beisebol estava puxado para baixo firmemente em sua cabeça. O resto da tripulação assegurou o perímetro, espalhando-se através e fora da loja.

A mulher tirou o boné. Ela tinha mais ou menos a minha idade, ruiva, com a pele tão pálida que quase brilhava. Um dos meus avós era negro e não tínhamos certeza de como era o outro. Ambas as minhas avós eram brancas, e todos os genes misturados me davam uma pele naturalmente bronzeada e cabelo castanho escuro. Muitos dos meus amigos eram mais claros do que eu, mas essa garota tinha níveis épicos de pele clara. É como se ela nem soubesse o que era sol. Como ela sobrevivia no Texas?

— Runa Etterson da Casa Etterson, Magus Venenata39. — Ela estendeu a mão para mim.

Venenata era latim para veneno. Runa era uma maga especialista em venenos e ela sorria para mim e estendia a mão. Provavelmente poderia me envenenar apenas respirando na minha direção.

— Catalina Baylor. Da Casa Baylor. —Apertei a mão dela.

Ela sorriu para mim. — Aha, você pensou duas vezes. Não se preocupe, só enveneno estranhos aleatórios às terças-feiras.

— Hoje é terça-feira, —disse Leon.

— Oops. Bem, tudo bem. Você me disse seu nome, então não somos mais estranhas. Está segura. —Ela se virou para Leon. — Mas eu não sei quem você é. Sem promessas.

— Este é meu primo, Leon.

— Prazer em conhecê-lo, primo Leon. Então, onde estão as guloseimas potencialmente envenenadas?

Eu a levei até as geladeiras e abri as portas. Potes de recheio cremoso para bolo e glacê em todas as cores enchiam as prateleiras. Runa esfregou as mãos juntas.

— Vamos, pessoal, não fiquem aí parados. Peguem uma colher e vamos nos ocupar.

Ninguém disse nada ou se mexeu.

— O que? Como vocês acham que isso funciona? Que eu vou mexer o nariz e farejar o veneno? Quem me dera. Nãoooo, vocês comem e se morrerem, eu posso dizer: ‘Sim, foi envenenado’.

Rivera suspirou. — Senhorita, por favor, leve isso a sério. De acordo com o contrato entre a Casa Rogan e a Casa Etterson ...

— Sim, sim. Estou presa no QG por duas semanas só esperando que alguém possa ser envenenado neste casamento. Deixe-me me divertir um pouco.

Runa levantou as mãos. Uma leve névoa verde se espalhou, passou pelos refrigeradores e se dissipou. Ela deu um passo à frente, pegou um pote de glacê branco como neve, abriu-o, tirou um pouco do glacê e colocou-o na boca.

— Humm, delicioso cianureto40. Moda antiga. Hipoxia histotóxica41 para você, hipoxia histotóxica para sua família, hipoxia histotóxica para sua vaca42. Espere. —Ela levantou a mão. — O que é esse sabor de peixe?

Runa comeu um pouco mais e bateu os lábios ruidosamente. — Está na ponta da língua. Ooo, Tetrodotoxina43. Sorrateiro. Cianeto te mataria em questão de minutos, mas se acontecer de você tomar um antídoto para o cianeto, a tetrodotoxina ainda te mataria.

Runa estendeu as mãos. — Cada pote aqui foi envenenado. Todo o glacê. Se o envenenador quisesse simplesmente assassinar o casal feliz, eles poderiam ter usado tálio. É inodoro, insípido, letal e leva vários dias para começar a agir. O que essa pessoa fez é tão sutil quanto pegar um martelo e esmagar a cabeça da noiva e o noivo com ele. Vocês devem procurar por alguém em que a morte de Connor e Nevada seria profundamente pessoal. Essa pessoa quer vê-los sofrer e morrer. Ele ou eles provavelmente estarão na festa de casamento ou perto dela. O desejo de infligir dor e testemunhar é tão grande que estão dispostos a arriscar sua segurança pessoal. Eles estão ansiosos por isso. Há alegria nisso e uma malícia horrível.

A análise dela estava alinhada com tudo que eu estava pensando até agora. Peguei meu principal suspeito e mostrei o tablet para Rivera e Leon. Os olhos de Rivera se estreitaram.

— Faz sentido, —disse ele.

Um sorriso maluco puxou a boca de Leon. — Oh, eu espero que sim. Eu realmente espero.

— Quem é o responsável pelo glacê? —Perguntei.

— Jeremy. —disse Carlos. — Mas ele é um bom garoto. Não faria isso.

Rivera falou em seu telefone. — Besouro, eu preciso de uma investigação completa sobre Jeremy Wagner. Pagamentos, histórico de dívidas, qualquer conexão com Rogan ou Baylor. Eu quero saber onde ele estava e o que estava fazendo desde que Valentina foi contratada para o casamento. Qualquer coisa que você possa desenterrar.

Nós tínhamos feito uma verificação de antecedentes em todos os funcionários. Jeremy Wagner estava limpo, o que significava que ou éramos incompetentes ou o seu lado negro estava bem escondido. Tentar refazer os passos de Jeremy nos últimos dias, mesmo com o talento de Besouro, levaria tempo. Nós não tínhamos tempo. Agora, em Rosa da Montanha, a Senhora Rogan poderia estar servindo limonada envenenada para as crianças.

Eu tinha que usar minha magia. Senti frio, náuseas e torpor, como se tivesse sido envenenada. Era uma sensação horrível. Meu coração estava martelando no meu peito. Eu queria ir para algum lugar tranquilo e isolado, em qualquer lugar, menos aqui. Queria que isso fosse problema de outra pessoa.

Eles iriam envenenar minha irmã, Rogan e sua mãe. E todos os seus amigos, parentes e filhos. Mia Rosa com seu unicórnio enfeitado. Eu só conseguia pensar em uma pessoa que tivesse esse tipo de ódio.

— Vou entrevistar Jeremy.

Rivera me olhou chocado. Leon franziu a testa para mim. — Você tem certeza?

— Sim.

— O alvo real aqui, Catalina, é a pessoa que contratou Jeremy, —disse Rivera.

— Eu estou ciente disso. A investigação de Besouro levará tempo e pode não gerar nada. É uma questão simples do que seria mais rápido e produziria os melhores resultados. Se eu perguntar a ele, ele vai me dizer.

Rivera falou devagar e deliberadamente. — Se eu quisesse envenenar alguém mexendo no bolo de casamento, observaria a loja para garantir que a adulteração com o veneno não fosse descoberta. No momento em que você questionar Jeremy, nós teremos que segurá-lo. Se o envenenador suspeitar que sabemos do bolo envenenado, ele tentará novamente, e desta vez talvez não o encontremos a tempo. Rastrear o empregador de Jeremy por meio de Besouro é mais discreto e traz menos riscos.

— E se Besouro não encontrar nada? —Leon perguntou.

Seja o que fosse a minha decisão, sabia que meu primo estaria do meu lado.

— Se ele não encontrar nada, então apertamos Jeremy, — disse Rivera.

— Eu posso questionar Jeremy e ter certeza de que ele não vai se lembrar disso.

As sobrancelhas de Leon subiram.

— Tem certeza? —Rivera perguntou.

Eu não tinha certeza, mas mais cedo ou mais tarde tinha que tentar. Isso tinha que funcionar. A vida da minha irmã dependia disso.

— Sim. Afinal é esperado que entrevistemos todos os funcionários depois do arrombamento.

— Se Catalina diz que pode fazê-lo, ela pode fazê-lo, — disse Leon.

— Tudo bem, —disse Rivera.

Eu me virei para Valentina. — Por favor, chame seus funcionários. Deixe-os saber que houve um assalto e eles serão entrevistados. Enquanto isso, preciso que você substitua todo o glacê por um produto idêntico. Se Jeremy estiver nisso, ele não vai tocar no glacê, porque sabe que está envenenado, e não sabe que foi trocado.

— Oooou, —disse Runa. — Podem me deixar purificar o glacê para vocês, não há necessidade de substituir ou jogar fora nada.

— Mas será seguro? —Perguntou Valentina.

O sorriso desapareceu do rosto de Runa. De repente, sua expressão ficou fria e dura. — Deixem que eu me apresente novamente. Sou Runa Etterson da Casa Etterson, uma Superior Magus Venenata. Entrei em uma casa cheia de gás sarin44 e depois que terminei, a família, que havia se escondido em um quarto seguro, saiu e fez café para mim em sua cozinha. Louco Rogan confia em minha Casa com a segurança das pessoas que são mais preciosas para ele. Se eu digo que usar o glacê será seguro depois que eu terminar com ele, é porque será seguro. Afastem-se por favor.

Runa pegou um giz e um círculo arcano começou a ser desenhado no chão.


Capítulo 6


Sentei no pequeno escritório do outro lado do edifício. Normalmente, esta sala era usada para se encontrar com os clientes e analisar os cardápios e livros de bolos. Hoje haveria perguntas sobre bolos, mas eles teriam um sabor diferente.

Rivera levava seu trabalho como chefe de segurança muito a sério. Ele e mais dois de seus homens não saíram de sua posição atrás de mim. Runa se sentou na cadeira, folheando um álbum de fotos cheio de belos bolos, os quais teriam sido usados por Jeremy para me envenenar.

Leon se inclinou na mesa ao meu lado. — Você está bem? —Ele perguntou baixinho.

— Sim. —Eu teria que usar minha magia com sutileza. As poucas vezes que a usei foi de uma forma mais intensa, e por incrível que pareça não precisou de muito esforço para isso. Usá-la de forma sutil era totalmente diferente.

Quando nasci, a enfermeira que ajudou a fazer o parto, me pegou do berço ao lado da minha mãe e correu. Os seguranças do hospital a agarraram antes que ela conseguisse sair do prédio, e quando me tiraram dos braços dela, a enfermeira gritou e chorou. Em vinte anos de enfermagem, ela nunca havia feito nada parecido. Aquela mulher teve sua carreira destruída porque eu nasci com o tipo de magia que fazia as pessoas me amarem.

Ela foi a primeira, mas não a última. Ao longo dos anos, houveram outros. Um dentista que examinava meus dentes tentou me esconder em seu escritório e depois afirmou que eu tinha fugido. Eu tinha dois anos de idade. A professora da pré-escola me colocou em seu carro e tentou atacar minha mãe quando ela tentou impedi-la de me levar.

Quando íamos fazer compras, estranhos me seguiam enquanto eu andava no carrinho e os empregados tentavam me dar coisas de graça.

Outros bebês e crianças eram encorajados a serem fofos. Fui ensinada a nunca chamar a atenção para mim mesma, a não sorrir para estranhos e a não fazer amigos. Quando eu me aproximava de outras crianças, elas abandonavam tudo para brincar comigo. Mas logo estarem próximas a mim não era o suficiente. Elas me seguiam, hipnotizadas, e então iriam querer me tocar, iram querer um pedaço de mim, um pedaço do meu vestido, uma mecha do meu cabelo, um pouco de pele, talvez um dedo. Uma vez que isso começava, eu não sabia como parar. Apenas minha família e meu pediatra eram imunes.

Estudei em casa até o ensino médio, quando ficou claro que eu poderia controlar meu poder bem o suficiente para evitar usá-lo sem querer. Eu tinha praticado controlar minha magia desde o momento em que entendi que arruinava vidas. Meu talento era extremamente raro, mas estudei magias similares, pratiquei círculos arcanos e li tudo sobre teoria da magia, mas a teoria, por definição, não era prática.

Eu tinha experimentado antes em minhas irmãs, porque elas eram imunes, mas não tinha como saber se algo que aprendi realmente funcionaria. Rivera não precisava ter se incomodado com a palestra que me deu mais cedo. Precisava dele e do seu pessoal aqui. Ele sabia o que eu poderia fazer. Se eu não conseguisse controlar o meu poder e Jeremy me atacasse, vítima da minha magia, eles iriam puxá-lo para longe de mim.

A porta se abriu e Jeremy Wagner entrou. Assim como em suas fotos, que eu vi quando examinamos o seu perfil, Jeremy era um homem alto, de cabelos negros, de vinte e poucos anos. Ele tinha um daqueles rostos genéricos, nem feio nem bonito, mas em geral agradável. Havia algo suave e envergonhado em seu comportamento. Ele parecia um homem tímido que sabia que era tímido e decidiu usar isso para sua vantagem.

Ele deveria estar nervoso, preocupado, no mínimo, possivelmente defensivo. A maioria das pessoas ficariam em guarda. Em vez disso, ele parecia um pouco sonolento. Pode ter sido porque passou a noite invadindo a loja, mas suas fotos confirmavam que ele sempre parecia assim.

— Por favor, sente-se, —eu disse.

— Oi. —Ele se sentou e me deu um sorriso. Até o jeito que sorriu para mim reforçou a timidez, como se estivesse tentando dizer: — Moça, eu estou encrencado, mas não sou fofo?

— Você está aqui porque alguém invadiu a loja na noite passada.

— Oh, foi mesmo? Eles levaram alguma coisa?

Quando minha magia foi avaliada por um júri de Superiores, o Guardião dos Registros, que registrava os membros de cada Casa em Houston, teve que inventar um nome para o meu tipo de poder. Ele me batizou de Sereia. A maioria das pessoas pensava em sereias como criaturas aquáticas, mas nos mitos originais elas tinham penas e asas. Eu também tinha asas. Fascinantes, belas asas que brilhavam com magia. Ninguém as via, exceto eu, mas quando as abria, as pessoas se concentravam em mim e esqueciam de tudo.

Para a maioria das pessoas, a magia requer pensamento e esforço conscientes. Como socar uma bolsa ou fazer uma flexão. Eles praticavam e ficavam mais fortes. Para mim, era o oposto. Manter minhas asas fechadas quando eu estava perto de estranhos era sempre como prender a respiração. Abri-las não precisava de esforço algum.

Eu não precisava usar meu poder total em Jeremy. Só preciso de um pouquinho dele, então deixei que ele visse um pouco das minhas asas. Ele piscou e sorriu para mim.

Abri minha boca e minha magia se esticou para frente, fundida com a minha voz, e tocou Jeremy, um fio invisível que o atraiu para dentro. O esforço para segurar o meu poder, só deixando passar um pouquinho, era exaustivo.

— Eles quebraram as garrafas de Champanhe. Você gosta de champanhe, Jeremy?

Ele estava focado completamente em mim agora. — Sou mais um cara de cerveja. Eu gosto de todos os tipos de cerveja. Gosto mais de IPA45. Você sabe, nelas a gente pode realmente provar o lúpulo. É uma cerveja de verdade. É como estudar o surrealismo. Você bebe uma IPA e não há nada abstrato ou vago sobre isso. É cítrico e o lúpulo...

Eu o peguei. No canto, Runa endireitou-se e pôs o livro de fotos no chão.

— ... uma IPA deve servir como base de comparação a todas as outras cervejas. Por exemplo: o que é mais forte que uma IPA? É mais doce ou menos lupulado? Você gosta de cerveja? Há um ótima cervejaria que poderíamos ir agora e vou comprar uma IPA para você.

— Jeremy, você é bom em decorar bolos?

— Eu sou um excelente decorador de bolos. Melhor que os decoradores que passam na tv. —Os olhos de Jeremy se arregalaram. — Eu assisto o programa O Desafio de Bolos e a maior parte dessa merda é pura porcaria. Eu sou um maldito mago do glacê. Se tivéssemos algum glacê agora, eu poderia realmente mostrar-lhe uma coisa.

— Há glacê na loja, —eu disse.

— Oh não, não podemos usar ele. Está envenenado.

Leon sorriu.

— Isso é estranho. Quem o envenenou?

Jeremy acenou com a mão. — Meu irmão mais novo e dois de seus colegas do ensino médio. Isso não foi importante. Foi eu que fiz todo o trabalho duro. Eu planejei isso.

Minha voz envolveu-o, sedutora e reconfortante. — Uau, você deve ser muito esperto, Jeremy. Por que planejou isso?

— Eu nunca gostei de Superiores. Eles agem como se fossem muito melhores que nós. Ah, e uma mulher me pagou cem mil em dinheiro. Eu o enterrei no meu quintal. Sou rico. Não tenho que trabalhar mais aqui. Você deveria fugir comigo. Poderíamos ir para o South Padre46.

Liguei meu tablet e mostrei a imagem que eu havia baixado.

— É ela, —ele disse. — Você a conhece? Ela te deu dinheiro também? Eu te daria dinheiro. Eu tenho dinheiro.

— Você sabe como ela conseguirá entrar no casamento? —Perguntei.

— Não. Ela só me deu um monte de seringas com material dentro e disse para injetar no glacê. E me disse para não os provar e usar luvas de plástico. —Ele revirou os olhos. — Dââ, como se eu fosse estúpido.

Agora vinha a parte mais difícil.

Eu abri minha boca e cantei. As palavras cantadas não importavam, apenas a minha magia era importante.

Jeremy escutou, sua mandíbula se afrouxou. A magia envolveu-o, como um véu cintilante, e ele começou a cantar comigo. — Baa baa ovelha negra, você tem alguma lã, sim senhor, sim senhor, três sacos cheios ...47

Fiquei em silêncio e gentilmente afastei minha magia dele, enquanto sussurrava em sua mente. Esqueça, esqueça, esqueça.

Sua cabeça caiu, o queixo caindo em seu peito. Ele se inclinou para frente devagar.

Seu estômago tocou a mesa. Jeremy acordou. Ele piscou para mim, seus olhos parecendo selvagens.

— Eles quebraram as garrafas de champanhe, —eu disse. — Você gosta de champanhe, Jeremy?

— Eu sou mais um cara de cerveja.

— Você teve alguma coisa a ver com o arrombamento? —Perguntei a ele.

— Não. É uma pena, no entanto. Quero dizer, quem seria burro o suficiente para invadir uma loja de bolos?

— Onde você estava ontem à noite entre uma e duas da manhã? —Estava muito cansada agora. Minha voz tremia.

— Eu estava em casa. Meu irmão pode atestar por mim. Ficamos jogando videogames.

— Certo, Jeremy, você está livre para ir.

— Ótimo. —Ele se levantou e me ofereceu sua mão. Aceitei e o cumprimentei. Seu aperto de mão estava flácido. — Prazer em conhecê-la. —Ele saiu.

Ninguém disse nada. Rivera olhou para o celular. Leon estava sorrindo para mim como um lunático e segurando dois polegares para cima.

Rivera olhou para cima. — Certo, ele foi para a cozinha.

— Bem, isso foi incrível. —disse Runa.

Um pensamento rebelde me ocorreu. Estiquei minha mão em direção a ela e me apresentei. — Catalina Baylor, da Casa Baylor, Superior Sereia.

Runa olhou para a minha mão, pegou-a com cuidado e apertou-a. — Fique fora da minha cabeça.

— Não envenene ninguém que eu conheço, e eu vou.

— A perda de memória é permanente? —Rivera perguntou.

— Eu não sei, —disse.

— Vamos observá-lo, —disse Rivera. — Meu palpite é que ele contou tudo o que sabe e ela é esperta demais para lhe dar qualquer coisa que possa nos levar até ela. Vamos continuar como se tivéssemos acreditado na história do vandalismo dos champanhes pelos adolescentes. Iremos colocar seguranças aqui, mas isso já seria esperado por quem estar por trás disso.

— Se ela vai tentar entrar no casamento, terá que ser disfarçada de garçonete, —eu disse.

Rivera assentiu. — Parece o mais provável.

Leon se mexeu. — Carlos será um problema. Se ele suspeitar que Jeremy fez isso, não será capaz de se controlar.

Rivera sorriu. — Nós diremos a ele que Jeremy passou no teste com êxito. Você já conseguiu que os proprietários assinassem o Acordo de Confidencialidade.

Rogan havia me enviado a pouco um contrato de sigilo que proibiria Valentina e Carlos de mencionar a palavra veneno pelas próximas duas semanas. Se eles quebrassem este acordo, nós rescindiríamos imediatamente nosso contrato. Se conseguissem manter o sigilo, Rogan pagaria pelas garrafas de champanhe quebradas. Eu tive que explicar a eles com detalhes excruciantes que, suas comunicações online e seus telefonemas seriam monitorados até depois do casamento. Isso fez eu me sentir como um gângster. Como se eu tivesse entrado na loja destruída deles e exigido dinheiro para proteção, mas tudo era legal e obrigatório.

— Acredito que é hora de irmos, —eu disse a Leon.

 


Leon dirigia enquanto eu passava pelas minhas mensagens de texto. A Senhora Rogan queria saber se houve algum progresso sobre o desaparecimento da Luz do Mar. Como não havia, respondi a ela que estávamos trabalhando nisso. Rogan queria saber se eu estava bem. Eu não estava, mas respondi a ele que estava bem. Mamãe queria saber se íamos voltar para casa para o jantar. Íamos jantar em casa, então respondi que sim. Arabella queria saber se poderia colocar um pedaço de fita adesiva na boca e prender os dedos de Nevada, para que ela parasse de trocar as coisas do casamento estúpido. Eu respondi a Arabella que ela não podia. Eu recebi um e-mail muito bonitinho de Mia Rosa digitado por sua mãe, que me agradeceu pela pistola de cola. Achei isso bem legal. Alguém te pede alguma coisa, você faz, e ela fica feliz e agradece.

A última mensagem no telefone era de Bern:

Onde está você?

Onde está você?


No carro, com Leon.


No carro, com Leon.


Você vai voltar para Rosa da Montanha?

Você vai voltar para Rosa da Montanha?


Sim, mas só por um minuto. Preciso ter certeza de que montaram a tenda direito.

Sim, mas só por um minuto. Preciso ter certeza de que montaram a tenda direito.


Quero que vocês encontrem um lugar seguro para parar. Estou enviando algumas imagens. Preciso que as veja antes de chegar lá?

Quero que vocês encontrem um lugar seguro para parar. Estou enviando algumas imagens. Preciso que as veja antes de chegar lá?


Envie as imagens. Vou olhando enquanto Leon dirigi.

Envie as imagens. Vou olhando enquanto Leon dirigi.


Não, eu preciso que vocês parem.


Não, eu preciso que vocês parem.


Suspirei. — Seu irmão está estranho.

— E onde isso é novidade?

— Você pode pegar a próxima saída e encontrar um bom lugar para parar?

Dois minutos depois, Leon parou em um posto de gasolina e estacionou. Enviei um texto para Bern. Meu e-mail apitou e iniciei o download no meu telefone. Isso levaria uma eternidade.

— Aquilo lá na loja de bolos foi incrível, —disse Leon. — Eu não sabia que você poderia fazer aquilo

— Eu não tinha certeza se poderia.

— Você se sente bem quando usa sua magia?

— É bom não precisar controlá-la.

Se não estivéssemos em um estacionamento em público, eu abriria minhas asas e apenas descansaria. Mas estava com medo de fazer isso enquanto dirigimos. Não podia arriscar alguém se fixando em mim e causando um acidente.

— Ele ia envenenar todos nós, Leon. Quando penso nisso, me assusta. Qualquer um, todo mundo que comesse aquele bolo teria morrido. Crianças pequenas teriam morrido. E ele não se importava. Eu senti, enquanto Jeremy falava, que uma parte do porquê ele fez isso era por causa de dinheiro, mas foi principalmente porque nos odeia. Ele nem nos conhece. Não sente nenhum remorço pelo que fez, Leon, muito pelo contrário, estava orgulhoso disso.

Leon recostou-se no banco. — Todo mundo na nossa família tem magia. Tia Penélope, vovó Frida, você, suas irmãs, Bern ... eu pensei que não tinha magia. Pensei que era um fracasso. Há uma maneira de chegar ao telhado do sótão, costumava subir lá e andar na beira do telhado.

— Por que no mundo você faria isso?

— Pensei que talvez se eu me assustasse o suficiente, meus poderes sairiam.

Leon fez uma careta. — Você pode praticar e ser bom nos esportes. Pode estudar e tirar boas notas. Mas a magia, você tem ou não tem. É isso aí. E é muito injusto. De repente você nasce, e em um acaso do destino, algo em seu DNA, sobre o qual você não tem controle, decide antes mesmo de você nascer como vai ser sua vida.

Não lembrava de uma única vez em que eu não tinha que lidar com a minha magia. Era essa coisa assustadora que dominava a minha vida. Eu nunca disse a Leon sobre como eu desejaria não ter minha magia, porque sabia que ele teria desistido de metade de sua vida por um pouco desse poder.

— Mas você não envenenou as pessoas, —eu disse.

— Quem eu envenenaria? Vocês são minha família. Eu os amo. Não iria nem mesmo envenenar a minha mãe se ela voltasse. Eu a odiava, você sabe. Ainda a odeio. Primeiro lugar, se ela tivesse dormido com o pai de Bern, em vez de quem quer que fosse meu pai, eu teria tido magia. Alguma magia. Em segundo lugar, ela é uma mãe ruim.

Sempre tentava ver o lado bom das pessoas. Não havia nada de bom na tia Gisele. Costumava pensar que ela era mal-entendida, mas depois ela apareceu e destruiu a nossa vida, e agora eu a odiava também.

— Jeremy é um ser humano desprezível, —disse Leon. — Ele é muito estúpido e não percebe que não é inteligente. Mas vê todos os Superiores nas notícias e no Herald’s, e ele os inveja. A inveja está comendo-o vivo. Quando o casamento terminar, Rivera se certificará de que ele seja entregue às autoridades competentes.

Rogan poderia fazer Jeremy desaparecer, mas ele não faria isso. Uma vez perguntei a Nevada sobre coisas desse tipo e ela disse que ser uma Casa significava projetar uma demonstração de força. Se alguém como Jeremy ataca uma Casa, a Casa precisa fazer do atacante um exemplo público.

O arquivo baixou. Eu cliquei nele. A imagem de uma das câmeras beija-flor encheu a tela. Xavier estava andando em direção a suas primas. Eu liguei o som.

Adriana, a loira alta, deu um passo em direção a Xavier, com o rosto marcado de raiva. Palavras espanholas voaram para fora. — Por que você está fazendo isso? Ela é uma garota legal. Deixe-a em paz.

Eles estavam falando de mim.

— Cala a boca, —disse Xavier.

Elba riu, sentada em seu lugar na fonte, as pulseiras de ouro nos braços bronzeados deslizando para frente e para trás enquanto ela acenava com as mãos.

— Estou falando sério. — Adriana cruzou o espaço entre eles e ficou cara a cara com Xavier. — Deixe Catalina em paz. Ela está trabalhando muito duro. Ela não sabe que você é uma cobra. Encontre outra pessoa para você brincar.

Xavier cruzou os braços. Adriana era alta, mas ele era mais alto do que ela em pelo menos dez centímetros. — Ou o que? O que vai fazer? Deixe-me dizer o que vai fazer: nada. Você não tem feito nada. Nenhum de vocês está fazendo nada sobre este casamento. Ele vai se casar com essa puta.

Meu coração martelava no meu peito. Minhas bochechas estavam ficando quentes. Adriana estava certa. Ele era uma cobra. E eu quase deixei ele me morder.

— O por que isso é da sua conta? —Samanta, aquela com cabelo escuro encaracolado, disse. — Deixe-o se casar com quem ele quiser.

Ele se virou para ela. — Se parasse de empurrar comida na boca o tempo suficiente para pensar, você perceberia a situação. Você quer explicar para ela, Elba?

— Rogan leva uma vida perigosa. —disse Elba. — Ele tem inimigos poderosos. Pense nisso, ele é velho, tem uns trinta e tantos anos, e esta é a primeira vez que tenta se casar com alguém. Sua mãe está em uma cadeira de rodas porque as pessoas tentaram muitas vezes matar seu pai. Além disso, todo mundo sabe que ele é um maluco. Então esta cadela, uma completa ninguém, aparece e agora ele está se casando com ela sem um acordo pré-nupcial.

— Exatamente. —Xavier pulou dentro — Ele morre um dia após o casamento, ela fica com tudo, e nós ficamos com nada. Deixe-me explicar para você em poucas palavras, para que possa entender. Nossos avós estão ganhando dinheiro com investimentos familiares. Eles não estão recebendo tanto, um a dois milhões por ano para cada um. Nossos pais precisam trabalhar. No momento em que os nossos avós morrerem, nossos pais terão que dividir esse dinheiro que os nossos avós recebem e esse dinheiro será bem menos, já que será dividido com mais pessoas. Nós vamos ter que trabalhar e quando for a nossa vez, poderá não haver mais nada. Você sabe quem tem dinheiro?

— Rogan. —Disse Elba. — Lindos bilhões.

— Rogan será morto mais cedo ou mais tarde. Meu pai diz que ele fez muitos inimigos poderosos no ano passado. Arrosa é velha. Tudo o que temos a fazer é esperar. —Xavier estalou os dedos. — E nós vamos herdar. Mas para que isso aconteça, precisa que não haja esposa nem herdeiro.

— O que você vai fazer, Xavier? —Adriana zombou dele. — Mesmo que você consiga acabar com esse casamento, vai segui-lo por aí com preservativos para se certificar de que ele não faça filhos?

— Me preocuparei com isso mais tarde. Neste momento, temos um problema mais urgente. Ele está se casando com essa puta.

— Os Baylor são Superiores, —disparou Samanta.

— Sim, da última vez que chequei, Xavier, você não era um Superior. —Adriana cruzou os braços.

— Nem você, —disse Xavier. — Olhei para os registros deles e descobri que acabaram de se tornar uma Casa. Ela é uma Buscadora da Verdade, há um mago de padrões Significativo de alto nível, mas os registros de todos os outros estão sob sigilo. Eles são iniciantes. Se tivessem magia útil, teriam anunciado isso. Que tipo de Superior não revela sua magia? Confie em mim, eles são lixo. Você viu Catalina correndo com seu tablet, parece uma ratinha atrás de um pedaço de queijo velho? Ela é uma Superior? Por favor. Uma esquisita Superior. Ela sabe que não pertence aqui. Ela me disse que se sente ‘desconfortável’. Se sentirá desconfortável de verdade quando eu a chutar e sua irmã para fora dessa casa.

Eu vi vermelho. Realmente vi vermelho, como se alguém de repente puxasse uma cortina vermelha translúcida, abrindo-a na minha frente.

— Eu vou enfiar uma bala no traseiro desse desgraçado, —Leon rosnou.

Xavier andava de um lado para o outro. — Tudo o que estou exigindo de você é que mantenha a boca fechada e fique fora do meu caminho, enquanto eu faço essa ratinha se apaixonar por mim. Ela tem todos os planos do casamento e provavelmente metade dos segredos de sua família no tablet que carrega. Vou pegar aquele tablet.

— Você é mesmo um imbecil. —disse Adriana.

— Não se preocupe, —disse Xavier. — Mesmo que o bisavô tenha expulsado sua mamãe da família por ser lésbica, você e eu podemos trabalhar em algo quando herdamos.

— Xavier! —Samanta olhou para ele.

Elba sorriu. — Não seja invejosa. Se eu fosse você, estaria fazendo tudo que pudesse para nos ajudar. Do jeito que Lucian dorme com qualquer uma, você terá que compartilhar sua herança com um exército de bastardos.

— Ugh! —Adriana se virou e foi embora. Samanta observou ela ir embora, olhou para Xavier e Elba e correu atrás de Adriana.

— Não se preocupe, —disse Elba. — Samanta é uma covarde e Adriana não vai dizer nada. Ela já comprou na minha mão, algumas vezes, as pílulas de Isabella. Samanta tem ‘ansiedade’ e se a mãe dela descobrir, vai matá-la.

Xavier fez uma careta. — Bom, mantenha-as sob controle e eu vou lidar com o resto.

A gravação parou.

— Eu vou matá-lo porra. —Leon rosnou. — Eu vou afogá-lo naquela maldita fonte e então vou ressuscitá-lo e afogá-lo novamente.

Um buraco se abriu no meu estômago. Provei ácido na minha língua e engoli de volta. Lágrimas quentes molharam minhas bochechas, queimando a pele. Era como se eu tivesse sido envenenada e meu corpo estivesse desesperadamente tentando expulsá-lo.

— Não chore, Catalina, ele não vale a pena. Não deixe ele te deixar triste.

Leon pairou ao meu lado. — Por favor, não chore. Vai ficar tudo bem. Apenas não chore, ou eu vou acabar chorando junto, e então você vai contar para todo mundo, e eu ficarei envergonhado. Você precisa de lenços? Eu tenho lenços.

Ele pegou uma caixa de lenços de papel no banco de trás e colocou-os em minhas mãos. — Não fique triste.

— Eu não estou triste, —cerrei meu dentes. — Estou com raiva.

Leon piscou. — Você não fica com raiva.

Eu me virei e olhei para ele. Ele recuou.

— Esse desperdício de ser vivo realmente pensa que tem uma chance contra nós. Ele acha que estou tão lisonjeada por ele ter prestado atenção em mim por dez minutos que farei o que ele quiser. Acha que fiquei deslumbrada por ele. Aquele idiota arrogante!

Leon se encolheu.

— E o plano brilhante deles! Eles vão pegar meu tablet, porque é onde guardamos todos os segredos vergonhosos da nossa família.

— Nós temos segredos vergonhosos? —Leon perguntou.

— Não, mas eles têm, e eu encontrarei cada um deles. Eles acham que podem acabar com o casamento, então em algum futuro distante Rogan morrerá sozinho. Eu nem acredito nisso! Essa é a coisa mais idiota que já ouvi. É como um programa de tv para adolescentes.

— Sim, isso é alguma merda do nível daquele filme ‘Operação Cupido48’.

— É algo que uma criança de doze anos iria inventar. Xavier é um adulto! Elba tem dezesseis anos. Não podem cuidar de si mesmos, são petulantes, imaturos, não sabem coisas básicas da vida, são burros, e sua magia não está nem perto da nossa. De onde vem essa atitude superior?

Leon ligou o carro e trancou as portas. — Certo, —ele disse em uma voz tranquila. — Seu rosto está ficando roxo e eu nunca vi isso acontecer antes. Realmente acho que devemos ir para casa.

— Não, estamos voltando para Rosa da Montanha e vou empurrar este tablet na garganta dele.

— Bem, quem está dirigindo sou eu, então digo que estamos indo para casa.

— Leon!

— Apenas pense um pouco, —disse Leon entrando na estrada, — eu sou seu primo e você me ama. Se você me atacar enquanto eu estiver dirigindo, nós dois morreremos e ele ganhará. Não o deixe ganhar, Catalina.

 


Sentei na cozinha, passando pelos arquivos com as informações dos suspeitos. Leon tinha ido para o seu quarto tomar banho. Bern estava trabalhando na sala de computadores que chamávamos de Cabana do Mal. Era só eu, Arabella, mamãe e vovó Frida na cozinha.

Olhei para os arquivos ontem, mas eles tinham uma milha de comprimento e eu não os revisei o quanto precisava. Graças ao pequeno discurso de Xavier, eu tinha alguns bons suspeitos.

Concentrei-me em Mikel, que administrava Ramírez Capital, e era o marido de Maria, aquela que bebia muito e usava roupas brancas e joias de ouro. Mikel era pai de Elba, que era uma cadela viciosa. Quando Xavier fez seu pequeno espetáculo para mim enquanto caminhávamos pela fonte, ele disse a Elba algo sobre o pai dela estar pagando os funcionários da casa. No caminho de volta ao armazém, eu vasculhara o arquivo dele. No papel, Mikel extraia um salário equivalente a 1,4 milhões de dólares anuais. Ele não tinha outras fontes significativas de renda. Maria gastava dinheiro a um ritmo alarmante. Eles moravam em uma mansão de sete milhões de dólares tinham uma segunda casa em Barcelona, avaliada em cinco milhões, possuíam quatro carros de luxo, totalizando mais de oitocentos mil dólares, um iate, e não mostravam sinais de conter gastos. De onde vinha todo o dinheiro para bancar esse estilo de vida? Pedi a Besouro para vasculhar suas demonstrações financeiras e me avisar assim que ele encontrasse algo.

Lucian de Baldivia era o próximo da minha lista. Ele era casado com June, mas parecia que todos na família sabiam que ele estava tendo casos extraconjugais. Eu vinha rastreando traidores há anos e sabia que as traições deixavam rastros.

Hotéis, presentes, encontros, escapadelas de luxo disfarçadas de conferências ou convenções de trabalho, mais presentes, desta vez para o cônjuge traído. Os arquivos de Rogan listavam vinte e três mulheres com quem Lucian dormira desde que se casara com June vinte anos atrás, e doze desses relacionamentos eram de longo prazo. A cada dois anos ele tem uma coceira e arranja alguém para arranhá-lo. Seu último caso terminou dezoito meses atrás. Ele estava prestes a começar um novo, e a Luz do Mar faria um lindo presente.

Ainda havia Paul Sarmiento, o garotão, que parecia ter se materializado do nada. Ele era um mistério: ninguém o conhecia, ninguém sabia como Ane o conhecia e ninguém sabia o que ele fazia. Duzentos e cinquenta mil dólares podem não ser um enorme lucro para os Ramírez e Baldivias, mas era um prêmio atraente para um ladrão comum ...

Arabella gemeu e dramaticamente bateu a cabeça na mesa.

Mamãe e vovó Frida largaram o que estavam fazendo e aplaudiram, provocando-a.

— Para mim chega, —minha irmã anunciou. — Ela não vai ter lilases nesse maldito buquê e ponto final.

— Se ela quer lilases, deixe-a ter as lilases. Qual é o mal? —Perguntou vovó Frida.

— As cores da decoração do casamento são rosa, branco e sálvia, tudo clarinho. Azul vai chocar com isso. Vai ficar feio. As imagens do buquê estarão espalhadas por todos os lugares e todo mundo vai notar o quanto ele ficou feio. Você não entende, vovó. As pessoas no Herald’s são cruéis. Eu não quero que Nevada seja esculachada. Eles vão ser cruéis. Estão com inveja. Ninguém quer ouvir uma história sobre um casamento bonito, mas todo mundo vai tirar sarro de uma noiva Superior que está se casando com um bilionário, mas não podia se dar ao luxo de ter um buquê decente. Não!

— Desde quando nos importamos com o que as pessoas no Herald’s pensam? —Perguntou mamãe.

— Desde que nos tornamos uma Casa e todo mundo acha que somos caipiras.

Arabella se virou para mim. — Catalina, diga a eles.

Todo mundo olhou para mim.

— Foda-se o Herald’s, —eu disse.

Vovó Frida deixou cair o garfo.

— Foda-se os Superiores, foda-se os paparazzi, e se Nevada quer lilases, ela terá todas as lilases do mundo. Eu mesma comprarei as malditas flores com meu próprio dinheiro. —Peguei meu tablet e saí.

Atrás de mim, Arabella disse: — Mãe?

— Eu acho que sua irmã está um pouco estressada, — disse mamãe.

Virei à esquerda para outro corredor e caminhei até a Cabana do Mal. Quando vendemos nossa casa para pagar o tratamento médico do papai e nos mudamos para o armazém, o plano original era montá-lo da forma mais familiar possível. Mas em vez disso, apenas jogamos paredes onde quer que fossem necessárias e acabamos com alguns pontos incomuns. Para um estranho, nosso layout49 não faria muito sentido, mas para nós, funcionava muito bem. A Cabana do Mal era um desses lugares estranhos. Era uma pequena sala dentro de um espaço maior, com a porta e um telhado, e levantada do chão para acomodar todos os cabos e os motores de refrigeração. Eu tive que subir três degraus para entrar.

A temperatura lá dentro era pelo menos cinco graus mais fria que no resto da casa. Bern sentava-se em seu lugar habitual na frente de três monitores. Eu me sentei na cadeira de Leon.

— Dia difícil? —Perguntou Bern.

— Eles mentem, enganam e roubam. E pensam que são melhores que nós, porque trabalhamos e não temos muito dinheiro. Este é o tipo de família em que Nevada está se casando.

— Nevada vai se casar com Rogan. Eu gosto de Rogan. Também gosto da Senhora Rogan, e o lado da ala leste da família parece ser decente. Olhe, a maioria deles voltará para a Europa depois disso, e nós nunca mais os veremos novamente. Apenas temos que passar por esse casamento.

— Não, Nevada tem que passar pelo casamento. Nós temos que pegar um ladrão e impedir um assassinato em massa na cerimônia de casamento. Você já viu um deles fazendo algo estranho? Algo que poderia nos ajudar a encontrar a Luz do Mar ou quem a pegou?

Bern hesitou. — Bem, não tenho certeza se está relacionado, mas você tem que ver isso. Espere. —Seus dedos voaram pelo teclado e uma imagem apareceu na tela do meio, uma mesa em um pátio, ladeada por algumas cadeiras. Os pitorescos arbustos farfalharam e um homem alto e magro saiu deles, como uma espécie de explorador da selva emergindo do mato. Mikel Ramírez ajeitou os óculos, olhou em volta e desceu um atalho, afastando-se do prédio para o pomar.

— Continue assistindo, —disse Bern.

Um longo minuto passou.

Maria Ramírez apareceu na tela, seus saltos grossos fazendo barulhos no pátio. Uma leve mancha verde manchava seu vestido branco. Havia um galho em seu cabelo loiro e descolorido. Ela estava segurando um copo de martini na mão. Ela tirou os óculos escuros, fez uma pausa, como um cão rastreando um cheiro, e partiu na direção em que o marido havia ido.

Eu coloquei minha mão sobre a minha boca e balancei a cabeça. — Isso é apenas bizarro.

— Ela o persegue assim, por toda a casa. —Bern virou a cabeça loira e olhou para mim. — No almoço, ele se retirou da mesa e nunca mais voltou. Acho que se arrastou para fora da casa por uma janela porque nenhuma das câmeras de saída o pegou, e então ele estava do lado de fora. Ele poderia ter roubado a Luz do Mar. Ele é muito bom em se esgueirar por aí.

— Sim, mas ele é um péssimo telecinético, quase um Médio, e tudo em seu arquivo diz que ele está desesperado pela aprovação de seu pai, então é improvável que esteja escondendo seu poder. Ele não seria capaz de levantar a parede. E quanto a Paul Sarmiento?

Bern digitou uma sequência rápida nas teclas. Ane e Paul apareceram.

Eles se sentavam nas poltronas macias com vista para as colinas distantes. Paul estendeu a mão para a mesa, ergueu a pequena chaleira e serviu uma xícara de chá para Ane.

— Eles estão sempre muito juntos, —disse Bern. — Se ele roubou a Luz do Mar, ela o ajudou, porque nunca os vejo separados por mais de dez minutos. Além disso, a maioria deles usou seus poderes desde que comecei a observá-los. Levitam algo pequeno ou abrem uma porta com um aceno de mão. Vou verificar melhor, mas até agora ele não fez nada que demonstrasse algum poder. Não acho que ele seja telecinético.

Em outras palavras, ainda não tínhamos nada.

— Você estará aqui amanhã?

— Sim. —disse Bern. — Por quê?

— Vou cutucar esse ninho de cobra com uma vara e talvez precise de muita ajuda.

— Estarei aqui. —Bern prometeu. — Catalina, não deixe isso torna-se pessoal. Vamos encontrar a joia, pegar o envenenador e acabar com isso. O que eles pensam de nós não importa. Esta é uma investigação como qualquer outra. Eles são suspeitos. Você só interage com eles para chegar ao seu objetivo.

— Eu sei.

Nós nos sentamos juntos em um silêncio confortável, observando Lucian conversar com seu sogro sobre alguns uísques e charutos.

— Você gostou dele? —Perguntou Bern.

— Não muito. —Não tanto quanto eu gostara de Alessandro Sagredo. Andar com Xavier tinha sido bom, antes que eu descobrisse que ele era um idiota de duas caras, mas não foi nada de especial. Quando eu vi Alessandro a primeira vez, eu queria abrir minhas asas o máximo que pudesse e deslumbrá-lo com tudo que eu tinha, então ele seria meu para sempre. Eu gostava muito dele, mas tinha que deixá-lo ir.


Capítulo 7


Era quase hora do lanche, e eu estava andando pelo jardim da mansão Rosa da Montanha, carregando uma mimosa50 em cada mão.

— Vire à sua direita, —disse Bern em meu fone de ouvido.

Eu me virei e parei na mesinha com duas cadeiras. Os jardins estavam cheios desses pequenos recantos, belos lugares para se sentar e desfrutar do ar livre. Olhei para o caminho de pedras e me concentrei, deixando apenas um pouco da minha magia sair, lentamente. Eu ainda estava cansada de ontem. Meus livros diziam que eu ficaria melhor com a prática. Tentei não pensar em como conseguiria essa prática.

— Entrando em três, dois, um.

Maria Ramírez tropeçou no caminho. Ela usava um vestido branco que tinha um decote modesto, mas deixava seus ombros bronzeados e braços nus. Uma corrente grossa de ouro pendia de seu pescoço e um bracelete correspondente rodeava seu antebraço.

Eu dei a ela um vislumbre das minhas asas e lancei minha isca brilhante de magia com a minha voz. — Você gostaria de uma mimosa?

Maria congelou. Sua expressão relaxou e então ela se dirigiu para mim. — Eu adoraria uma.

Nós nos sentamos à mesa e bebemos nossas mimosas.

— É pacífico aqui, —disse Maria. — É legal.

— É bom. —Eu disse, saturando minhas palavras com mais magia.

— Você viu meu marido? —Perguntou Maria. — Ele iria gostar disso aqui.

— Não. Me conte sobre seu marido. Que tipo de homem ele é?

— Ele é gentil e inteligente. Eu o amo muito. É por isso que dói muito quando ele me trai. —Lágrimas brotaram nos olhos de Maria. — Ele me trai com homens. Eu não posso competir com isso. Eu posso ser mais bonita, posso ser mais magra, mas não posso ser homem. E é disso que ele gosta.

Oh Deus. — Como você sabe que ele gosta de homens?

— Ele tinha um secretário e eu os peguei conversando algumas vezes sozinhos. Quando eu me aproximava a conversa encerrava. Logo depois o secretário foi demitido, mas Mikel pagou-lhe quinhentos mil dólares. Eu vi o registro do pagamento em seu escritório. Então houve o jardineiro. Eu os via quando eles achavam que eu não notaria. Passavam um para o outro recadinhos em pedaços de papel dobrados como crianças na escola. Cartas de amor.

— Você leu alguma?

— Não.

De alguma forma, duvidei que pedaços de papel dobrados corresponderia a cartas de amor. Drogas seria uma explicação muito mais lógica.

— E agora ele está fazendo isso de novo. Você sabe com quem ele está fazendo isso? —Ela se inclinou para mim. — Lucian. Meu marido está tendo um caso com Lucian. Vi Mikel sair no meio da noite para se encontrar com ele.

Maria engoliu o resto da mimosa. — Eu preciso encontrá-lo. —Seus olhos se arregalaram, o lábio inferior tremeu. Ela parecia em pânico. Todas as suas emoções estavam focadas em Mikel. Eu não tiraria muito dela e seria cruel tentar.

— Eu acho que ele foi por esse caminho. —Apontei para o caminho e puxei minha magia de volta.

Maria deu um pulo e desceu o caminho sem olhar para trás.

Nada disso fazia qualquer sentido. Se Lucian fosse bissexual, ele teria tido casos com homens e mulheres. Lucian tinha um apetite sexual selvagem, ele não se negaria a nada. Se quisesse homens, ele teria homens e não havia registro de nenhum amante masculino.

Mandei uma mensagem para Rogan:

Desculpa por interromper. Você sabe por que Mikel pagou um grande bônus ao seu secretário depois de demiti-lo? Não há nada nos arquivos.

Desculpa por interromper. Você sabe por que Mikel pagou um grande bônus ao seu secretário depois de demiti-lo? Não há nada nos arquivos.


Não, eu nunca perguntei a minha mãe sobre isso.


Não, eu nunca perguntei a minha mãe sobre isso.

 


Mandei uma mensagem para a Senhora Rogan com a mesma pergunta. Uma bolha cinza me avisou que ela estava digitando a resposta. Estava demorando um pouco. Tamborilei meus dedos na mesa e bebi um pouco mais da minha mimosa.


Ele não era um secretário, querida. Era Angel. Ele é o que as pessoas da minha geração chamam de filho ilegítimo. Mikel teve períodos selvagem na sua adolescência que resultou em um filho aos dezesseis anos. A família compensou bem a mãe, mas quando Angel cresceu, o garoto queria um relacionamento com seu pai. Ele é um menino doce, mas não deu certo. Mikel não era o que Angel estava esperando. Algum progresso com a Luz do Mar?


Ele não era um secretário, querida. Era Angel. Ele é o que as pessoas da minha geração chamam de filho ilegítimo. Mikel teve períodos selvagem na sua adolescência que resultou em um filho aos dezesseis anos. A família compensou bem a mãe, mas quando Angel cresceu, o garoto queria um relacionamento com seu pai. Ele é um menino doce, mas não deu certo. Mikel não era o que Angel estava esperando. Algum progresso com a Luz do Mar?


Ainda não obrigada.

Ainda não obrigada.


Você tem minha total confiança.


Você tem minha total confiança.

 


O telefone tocou. A Senhora Rogan me enviou uma selfie dela e de Mia Rosa no seu escritório. Elas estavam fazendo o V de vitória com os dedos.

Se Lucian e Mikel não estavam tendo um caso, por que Mikel saía para encontrá-lo?

Um pensamento me ocorreu. — Bern, você pode enviar uma mensagem de texto, mas fazer parecer que veio de outra pessoa?

— Sim. Para quem você quer que eu envie?

— Eu vou te dizer quando chegar em casa. —Isso iria funcionar melhor se eu não estivesse aqui. Eles baixariam a guarda se todos nós tivéssemos ido embora.

Eu não podia sair ainda. Teria que me encontrar com Paul Sarmiento em dez minutos. Pedi à Senhora Rogan para preparar o meu encontro com ele, dessa forma Paul não teria desculpas para não aceitar.

— Isso foi impressionante, —disse um homem.

Eu olhei para cima. Paul estava encostado a uma árvore.

— Você está planejando fazer isso comigo também? — Ele perguntou.

 


Encarei Paul. Ele me pegou usando minha magia. Sabia meu segredo.

Normalmente eu teria tentado escapar do confronto. Mas algo aconteceu nos últimos dias, em algum lugar entre o bolo envenenado e Xavier me chamando de ratinha. Isso destruiu a timidez em mim.

Uma vez nossos pais nos levaram para umas férias de inverno no Colorado. Nós esquiamos e montamos trenós o dia todo e eu me diverti mais do que a minha criança de oito anos poderia lembrar. Na noite anterior a que deveríamos ir para casa, saí da nossa cabana ao anoitecer e montei meu trenó pela colina até a mata. Era tão bonito, a neve caía suavemente e, por um tempo, fiquei ali. Então o sol se pôs, o vento aumentou e tudo passou de mágico a assustador.

A neve cobriu meus rastros e eu não sabia para onde ir. Tentei gritar, mas ninguém me escutou. O frio estava queimando meu rosto e percebi que tinha que me salvar. Escolhi uma direção e eu andei. Depois de um tempo, não consegui sentir meus pés nem meus dedos. Estava tão frio e doía tanto que acabei me acostumando. Aceitei e fiquei entorpecida. Apenas continuei andando com a dor, até que meu pai me encontrou e me levou de volta para a cabana.

Isso era como estava sendo agora. Coisas ruins e desconfortáveis estão acontecendo, uma atrás da outra. Qualquer uma dessas coisa teria me deixado em pânico sozinha, mas todas juntas me deixaram entorpecida. Eu tinha que sair desta floresta. Eu tinha me conformado que não seria fácil ou agradável.

Olhei para Paul e perguntei: — Depende, vai me obrigar a fazer isso com você ou prefere se sentar e conversar?

Ele se aproximou e sentou-se à mesa. — Como posso ajudá-la?

— Eu tenho um problema. De acordo com cada verificação de antecedentes que executamos, você não existe. Você não tem carteira de motorista, suas impressões digitais não estão em nenhum dos bancos de dados e os documentos que acompanham a maioria das pessoas ao longo da vida, como certidões de nascimento, diplomas e currículos, simplesmente não podem ser encontrados. Então, eu tenho duas perguntas: quem é você e por que está aqui?

— E se eu me recusar a responder?

— Receio ter que obrigar você a responder. Tivemos algumas complicações e a segurança dos convidados do casamento está em jogo.

— Eu não acho que você esteja com receio.

Paul enfiou a mão no bolso, tirou uma carteira e tirou um cartão de visitas. Ele deslizou através da mesa para mim. Era um cartão azul-claro com duas palavras gravadas em azul-escuro — Poço dos Desejos. Sob as palavras estava um endereço localizado em Seattle, com um número de telefone.

— Meu nome é Lance Gibson. Eu sou um funcionário do Poço dos Desejos. Nossa sede corporativa está no Japão, mas eu trabalho no escritório de Seattle. Ane é uma de minhas clientes.

Não havia maneira diplomática de fazer a próxima pergunta. — Você é um acompanhante?

— Eu não sou um prostituto, mas, de certa forma, sou o acompanhante de Ane. Nossa empresa é especializada no cumprimento de desejos de uma natureza muito específica. Você já sentiu que sente falta de uma pessoa importante em sua vida?

Eu sentia falta do meu pai todo dia. — Não estou entendendo. É como um namorado de aluguel?

— Pode ser, mas normalmente não é. —Lance juntou os dedos. — As pessoas vêm até nós porque há um buraco em suas vidas. Por exemplo, suponha que um homem abandone sua esposa e seu filho pequeno. A esposa se divorcia dele. A criança precisa de um pai, mas não consegue entrar em outro relacionamento. Ela pode vir até nós e por uma taxa, um de nós vai se tornar seu cônjuge divorciado para seu filho.

— Então, você se faz passar por pessoas? Como um ator?

— Exatamente. No entanto, um ator assume uma pessoa diferente apenas por um curto período de tempo, enquanto podemos fazê-lo por anos. Um casal me contratou, porque eles têm uma filha que está sofrendo de lupus51. Na época, ela tinha oito anos de idade. Adorava o irmão mais velho, quinze anos mais velho que ela. Ele era um indivíduo notável, talentoso, compassivo e aventureiro. Devido à natureza do seu trabalho de caridade ele viajava muito, mas sempre arranjou tempo para ligar ou enviar e-mail à sua irmã mais nova. Um dia os e-mails pararam de chegar. Ele morreu em um conflito em Belize52. Seus pais estavam com medo de que a notícia matasse a menina. Então, pouco a pouco, eles substituíram suas fotografias pelas minhas. Começamos com e-mails, depois telefonemas e, um dia, o irmão dela entrou pela porta. Eu estou lá para todos os aniversários. Sou a pessoa que ela chama quando tem problemas na escola ou com os pais. Este verão eu vou levá-la em um passeio pela faculdade.

— Mas você não é irmão dela.

Lance sorriu. — Não. Mas eu estou cumprindo o papel dele.

Eu não sabia o que pensar sobre isso. — Você vai dizer a ela?

— Não. Isso é proibido. Seus pais podem dizer a ela, se e quando eles escolherem. Talvez, quando ela não precisar mais de um irmão, eu faça uma saída elegante. Um acidente de avião, um acidente de paraquedismo. Mas, por enquanto, estou lá para oferecer um ombro de apoio, o amor incondicional e a gentileza que se espera de um irmão mais velho.

— Então, o que você é para Ane?

— Ane é solteira por opção. Ela gosta de ser solteira. Mas foi pressionada a se casar, e depois que seu marido morreu, está sendo pressionada para se casar novamente. Em vez disso, ela me contratou. Nosso relacionamento não é sexual. Eu a acompanho para eventos familiares e férias, cuido dela durante esses passeios de uma maneira que um parceiro amoroso deveria cuidar, e de vez em quando, ajo como seu guarda-costas. Meus serviços vêm com uma garantia que um relacionamento real não pode oferecer. Eu nunca vou envergonhá-la. Nunca vou ficar bêbado, causar uma cena, traí-la, tentar roubá-la ou coagi-la a fazer qualquer coisa em meu benefício. Tudo isso ela experimentou em seus relacionamentos anteriores. Ane está no controle total. Ela utiliza meus serviços como deseja e pode encerrar nosso relacionamento comercial a qualquer momento.

— Você não se incomoda com o fato das pessoas acharem que você é um gigolô53?

Lance sorriu novamente. — Por que eu me importaria com o que alguém além de Ane pensa de mim? As necessidades da minha cliente são a única coisa que importa. Sou pago para antecipar as complicações e suavizá-las, e é por isso que estou falando com você agora. Enviei minhas credenciais por e-mail para o Senhor Rivera, a quem eu entendo ser responsável pela segurança. Você encontrará todos os documentos necessários em anexo. Estou livre para ir, Senhorita Baylor?

Ninguém nunca me perguntou isso antes. — Sim.

Lance se levantou e foi embora.

— Você pegou isso? —Perguntei a Bern.

— Sim, eu peguei.

— Estou voltando para casa. —eu disse a ele. — Acho que já tive o suficiente por hoje.

 


Mandei uma mensagem para Troy, um dos homens de Rogan. Bern e eu tínhamos decidido que deveríamos manter Leon tão longe de Xavier quanto fosse humanamente possível, então Troy era meu companheiro de batalha do dia. Ele é quem estaria dirigindo o carro.

Comecei a descer pelo caminho que me levava ao pátio. No centro, perto da fonte, Xavier e Raul, um dos primos de Rogan da Ala Leste, lutavam com espadas. A Senhora Rogan e outros adultos observavam da sombra da varanda. O bando de adolescentes que os rodeavam alternava entre gritar encorajamentos e fingir estar entediados.

Ótimo. Eu teria que passar por eles em direção ao meu carro. Comecei a me mover, esperando que ninguém me notasse.

— Catalina! —Xavier correu em minha direção. O círculo de garotos se separou para deixá-lo passar. As pessoas estavam assobiando.

Eu fiz o meu melhor para ignorá-lo. Era isso ou socá-lo na garganta.

Normalmente as pessoas visam o rosto, porque é isso que você via nos filmes e na tv, mas eu cresci em uma família de veteranos. Um soco na garganta não machucava sua mão e desativava seu oponente.

Xavier correu na minha frente e bloqueou meu caminho. Ele estava segurando dois floretes de treino54 e me ofereceu um. — Vamos treinar. Será divertido.

Ah babaca. Você é um grande babaca. Se vovê soubesse.

— Xavier! —Raul chamou. — Estamos fazendo isso ou o quê?

— Vamos. —disse Xavier. — Eu vou te mostrar.

— Eu não sei como usá-lo e tenho coisas para fazer. —Todo mundo estava olhando para mim. Era como um pesadelo, mas era real e estava acontecendo agora.

— Vamos. —ele repetiu. — Não seja uma velha senhora.

Eu estava tão brava que minhas mãos tremiam. Este era o pior cenário possível. Toda a família estava lá, todas as crianças e todos os adultos, e só eu sem ninguém do meu lado.

Xavier acenou para o florete na minha frente.

Algo em mim estalou. Eu peguei dele e entrei no círculo.

Raul fez uma reverência e deu um passo para o lado. Xavier tomou posição à minha frente e deslizou em uma posição. Ele provavelmente tinha aulas de esgrima em qualquer escola que frequentasse.

Eu não tive aulas, mas tinha muito ódio. Eu não tinha ideia de qual era o objetivo dele nisso, além de me envergonhar.

— A primeira coisa que você faz é entrar na posição en garde55. Como isso. Vire o pé da frente, dobre os joelhos, certifique-se de que os joelhos estão a frente dos dedos dos pés.

Eu apenas fiquei de lado, do jeito que sempre ficava quando praticávamos defesa pessoal.

— Dobre os joelhos. —disse Xavier.

Alguém deu uma risadinha.

— Vamos lutar ou você vai conversar o dia todo? —Perguntei.

As crianças fizeram ôôôô. Raul me deu um sinal de positivo.

— Vou pegar leve com você, —disse Xavier. — Vou te atacar, tente se defender.

A raiva e minha magia se fundiram. O mundo recuou para apenas Xavier e eu. A espada parecia leve e flexível na minha mão, uma extensão de mim, quase como um braço. Segurei na minha frente apontando para o meio dele.

Ele pulou.

Eu me esquivei do caminho dele e empurrei a ponta protegida do florete em suas costelas à sua esquerda.

— Touché. —alguém gritou.

Xavier recuou, raiva cintilando em seu rosto. — Eu deixei você fazer isso. Está pronta?

— Você está?

Ele atacou. Eu não sabia como, mas sabia exatamente onde ele iria atacar.

Parecia que a própria espada me guiava para fora do caminho. Eu me esquivei e trouxe minha espada com toda a minha força em cima de sua lâmina, derrubando-a de sua mão.

Xavier olhou para mim.

— Você não estava pronto, —eu disse. — Sua espada está ali. Você deveria ser bom nisso?

Xavier pegou seu florete. Seu rosto estava vermelho agora. Ele mostrou os dentes e se lançou. Eu vi, como se estivéssemos ambos debaixo d'água, a ponta de seu florete apontando diretamente para o meu rosto desprotegido. De alguma forma eu sabia que não havia tempo para me proteger, então eu fui em frente, chocando meu florete contra o dele, tentando forçá-lo à minha direita. Nós colidimos. A sua lâmina deslizou contra a minha, e de repente nossos rostos estavam muito próximos.

Os olhos de Xavier estavam loucos.

Ele bateu com a testa no meu rosto. Eu recuei, mas não longe ou rápido o suficiente. Círculos escuros explodiram na frente dos meus olhos. Isso machucou. Isso realmente doeu.

Raul estava correndo em nossa direção e também Adriana. Xavier me empurrou de volta. Algo bateu nele pela direita, derrubando-o como se não pesasse nada.

O chão sob meus pés tremeu e uma voz terrível soou de todos os lugares ao mesmo tempo. — Basta.

Adriana colocou os braços em volta de mim. — Você está bem?

Pisquei tentando limpar as lágrimas dos meus olhos. Xavier estava esparramado no chão a vinte metros de distância, um olhar chocado no rosto. Uma almofada havia voado e o prendido no lugar. Ele estava lutando para se levantar, seus braços tremendo com o esforço. Ele deveria ter sido capaz de levantá-la, mas a almofada o prendia como se fosse feita de cimento.

O pátio estava completamente silencioso. Eu me virei e vi a Senhora Rogan na varanda. Magia emanava dela, como uma coroa invisível. Eu não conseguia ver, mas senti e o poder nela me tirou o fôlego. Era como estar no olho de uma tempestade catastrófica. Você não podia ver o vento, mas podia sentir tudo ao seu redor e, se desse um passo, isso o destruiria. Eu não conseguia me mexer, não conseguia falar. Apenas fiquei lá, sentindo o terror me rolar em ondas geladas.

Atrás dela, seus três irmãos mais velhos e seus filhos pareciam indignados. As pessoas da ala oeste não compartilhavam a indignação. Markel e Zorion estavam desdenhosos, Lucian levantou as sobrancelhas, divertido, Mikel e Maria pareciam alarmados, Eva, a mãe de Xavier, olhava para a Senhora Rogan e Iker, o pai de Xavier, usava uma expressão completamente neutra. A linha que divide a família no meio nunca foi tão clara.

A Senhora Rogan virou a cabeça e olhou para Eva. Sua magia se voltou para ela também, como um dragão antigo percebendo um intruso.

Eva olhou para os próprios pés. Seu lábio inferior tremeu.

Iker parou na frente de sua esposa e inclinou a cabeça. — Nossas sinceras desculpas. Ele é jovem e estúpido. Nós não pretendíamos desrespeitar você.

A Senhora Rogan falou, e sua voz reverberou através de mim, pulsando em meus ossos. A água na fonte tremeu. — Leve-o para sua suíte. Ele não sairá de lá a menos que eu autorize.

Iker andou a passos largos para o filho. A almofada voou pelo ar novamente se erguendo sozinha e voltou para o sofá ao ar livre na varanda. Ninguém se mexeu para ajudar Iker. Ele agarrou Xavier pelo ombro direito e puxou-o para cima.

— Você está bem, querida? —Perguntou a Senhora Rogan.

O dragão estava olhando para mim. Eu tinha que dizer algo, e foi tão difícil.

— Sim, senhora.

— Sinto muito, —disse a Senhora Rogan. — Por favor me perdoe.

Eu queria cavar um buraco no chão e continuar cavando até estar do outro lado do mundo. — Está bem. Estou bem, está tudo bem. Está tudo bem. —Travei minha mandíbula antes que qualquer outro absurdo saísse.

— Muito bem. Acho que irei relaxar no meu escritório. Eu tive toda a excitação que pude suportar por hoje. —O dragão dobrou as asas, desmoronando de volta, e a Senhora Rogan virou a cadeira de rodas e voltou para a casa.

Eu me virei e corri em direção ao portão o mais rápido que pude. Um familiar Honda Element atravessou os portões em minha direção, Troy ao volante. Eu quase corri. O Honda parou e eu pulei no banco do passageiro. Troy estava olhando para minha mão e percebi que ainda segurava o estúpido florete. Havia sangue na lâmina. Eu devo ter cortado Xavier de alguma forma.

— O que diabos aconteceu? —Troy perguntou.

— Muito complicado. Você poderia apenas dirigir?

Troy virou o carro e saiu da Rosa da Montanha.

— Por que você demorou tanto? —Perguntei.

— Encontramos a Luz do Mar, —disse ele e deixou cair uma mochila no meu colo.

Eu abri o zíper da mochila preta. A coroa reluzente olhava de volta para mim, os diamantes brilharam quando captaram a luz.

A aquamarine em forma de coração estava faltando.


Capítulo 8


Sentei-me no sofá da sala escura de TV, observando as imagens da câmera de segurança. Bern havia encaminhado para a nossa TV. A Luz do Mar sem a joia aquamarine descansava no sofá à minha esquerda. O florete manchado de sangue estava no meu colo. Todo meu rosto tinha inchado. Um caroço se formou no lado direito da minha testa. Isso latejava. Minha pele estava quente e pronta para explodir. Eu tinha uma sensação absurda de que, quando o caroço da minha testa estivesse curado e meu rosto estivesse desinchado, a pele ao redor do meu rosto despencaria. Se eu fizesse uma pesquisa sobre isso o Google provavelmente me diria que eu era louca, mas a verdade é que eu não me importava o suficiente para fazer essa pesquisa. Depois de tudo que passei durante o dia parei de me importar com muitas coisas. Hoje tinha sido esse tipo de dia.

Na tela, a mesa e as cadeiras onde eu havia entrevistado Maria e Lance esperavam em silêncio pelas vítimas das mensagens falsas de telefone que Bern enviou.

Mamãe entrou na sala e acendeu as luzes. — Por que você está sentada sozinha no escuro? —Ela viu meu rosto, ficou em silêncio e sentou no sofá perto de mim. Nós nos sentamos juntas e assistimos a mesa vazia.

— Eu não quero ir para a faculdade, —disse.

Mamãe apenas olhou para mim.

— Há muita pressão para ir para a faculdade. Começa no primeiro dia do ensino médio e nunca mais para. Todas as séries, todos os testes, todos os clubes, todos os esportes, tudo é importante, e não porque você queira fazer isso, mas porque isso pode valer pontos para o cartão de pontuação da faculdade. Somos obrigados a ter uma excelente nota no SAT, obter uma bolsa de estudos, se formar com honras e, em seguida, deixar o ensino médio para ter essa incrível experiência universitária. Os vencedores vão para as faculdades, os perdedores ficam em casa e trabalham em empregos ruins. Bem, eu sou uma perdedora, mãe. Acredito que alguém só deveria ir para a faculdade se o que ela quer fazer não pode realmente ser feito sem um diploma. Eu não sei o que quero fazer. Não vou desperdiçar seu dinheiro e não vou me torturar só porque alguém pode pensar que falhei na vida porque não me mudei para o outro lado do país para conseguir um diploma que eu não quero.

Eu me preparei para o desapontamento esmagador no rosto da minha mãe.

— Tudo bem. —disse mamãe.

Tudo bem? O que significa tudo bem?

Nós ficamos em silêncio um pouco mais.

— Alguém envenenou o bolo de casamento de Nevada, conheci um homem que trabalha substituindo os parentes mortos ou desaparecidos das pessoas. Besouro me disse que a empresa que esse homem trabalha tem um plano médico realmente bom, além disso, eu entrei em uma luta de espadas.

— Você ganhou? —Perguntou a mãe.

— Eu não perdi e ele trapaceou. —Olhei para ela. — Além disso, aprendi a usar minha magia para fazer com que as pessoas me contassem seus segredos e, em seguida, fiz com que elas se esquecessem disso. Eu sou como Nevada e vovó Victoria, exceto que não preciso forçar ninguém. Quando violei suas mentes, apenas balancei minha magia na frente delas e elas tropeçaram em si mesmas para me contar tudo o que sabem.

Eu olhei de volta para a tela.

Mamãe me abraçou.

— Você está brava com a minha decisão sobre a faculdade? —Perguntei.

— Não. Fiz o meu trabalho. Eu te criei para ser uma boa pessoa. Você é gentil e inteligente e quando vê um erro, tenta consertar. Isso é tudo que uma mãe pode esperar. O resto é com você. É a sua vida. Você tem que viver isso, e seria uma mãe terrível se tentasse forçá-la a fazer o que não quer. Não tenho dúvidas de que, se você quiser um diploma universitário no futuro, você irá atrás disso. O caminho de todos é diferente, Catalina.

— Encontramos a coroa sob alguns arbustos, —eu disse. — Eles pegaram a pedra aquamarine e deixaram os caros diamantes para trás. Não faz nenhum sentido, não é?

— Não faz sentido, porque você acha que o ladrão queria a coroa pelo dinheiro ou porque queria constranger a família. Talvez eles só quisessem a joia desde o começo.

Bern entrou no quarto carregando seu notebook. Ele pousou na poltrona reclinável.

— Você viu o e-mail do Besouro sobre Mikel?

— Eu vi. —O e-mail explicou muitas coisas.

— Estamos prontos para isso? —Perguntou Bern.

Eu assenti. Bern digitou uma sequência rápida. A câmera ampliou ligeiramente, trazendo a mesa para um melhor foco.

— O que está acontecendo? —Perguntou a mãe.

— Hoje cedo enviamos a Lucian uma mensagem com o número do telefone de Mikel dizendo para Lucian se encontrar com ele naquele ponto às oito horas. —Eu apontei para a TV. — Enviamos uma mensagem idêntica para Mikel com o número de Lucian. São sete e cinquenta e cinco.

— Mãe. —gritou Arabella das profundezas do armazém.

Mamãe me abraçou de novo, beijou minha testa e saiu.

Lucian apareceu na imagem. Ele olhou em volta, claramente impaciente. Um minuto se passou. Outro.

Mikel veio andando pelo caminho. Ele correu para a mesa e aproximou-se de Lucian. Eles eram da mesma altura, mas onde Mikel era magro e desajeitado, Lucian parecia em forma e atlético.

— O que foi? —Mikel falou entredentes, claramente irritado. — Fiz o pagamento. Que diabos você quer de mim?

— Eu não quero nada de você. Você é que ...

— Então fique longe de mim. Não tenho mais. Você já me explorou o suficiente. Me deixe em paz.

Mikel saiu pelo caminho quase correndo.

Lucian olhou ele se afastar e zombou. Havia algo muito familiar naquele desdém. Lucian pegou o telefone e digitou alguma coisa.

— A quem ele está enviado mensagem? —Eu perguntei em voz alta.

— Não há como saber, —disse Bern. — Com a câmera nesse ângulo não dá para ver.

Lucian não parecia com pressa para sair. Nós esperamos.

Uma figura magra desceu o caminho e parou à mesa, com o cabelo castanho caindo sobre o ombro.

— Você perdeu a cabeça? —Eva perguntou.

— Eu sinto sua falta, —disse Lucian.

O que?

— Mesmo? Logo aqui nesse lugar, agora, com toda a família aqui, você sente minha falta?

Lucian se aproximou dela e ela recuou.

— O que eu e você tivemos é passado, —disse Eva. — Acabou. Tem que acabar.

— Nunca acabará, não é? Algumas consequências não podem ser ignoradas. Especialmente quando elas resultam em erros tão graves. —Ele deu outro passo em direção a ela. — Vamos, Eva. Deixe-me ajudá-la a sair desta casa, mesmo que seja por uma ou duas horas.

Ela se virou e correu pelo caminho. Lucian revirou os olhos e começou a caminhar na direção da casa a um passo vagaroso.

— Claramente, esta não é a noite de Lucian, —disse Bern.

— Você pode aproximar a imagem de Lucian? —Eu perguntei.

O rosto de Lucian encheu a tela. Ele era um homem muito bonito. Cabelos escuros e uma linha distinta da mandíbula.

Peguei meu telefone e disquei o número de Rogan. Ele respondeu: — Sim.

— Posso ter permissão para solicitar um teste de DNA no Banco de Dados Scroll para determinar se alguém é parente da Casa Rogan?

— Por quê? —Rogan perguntou.

Eu disse a ele.

— Vou fazer a ligação, —disse ele.

Eu agradeci e desliguei.

— Bem, isso é uma coisa infernal, —disse Bern.

Esfreguei meu rosto e desejei que não tivesse certa sobre a minha suspeita. Isso iria machucar. — Esta é uma família confusa.

— Eu tenho uma foto muito boa de Isabella recebendo dinheiro de Elba e reabastecendo-a com Oxy56 —disse Bern. — Isso te anima?

— Nós ainda não sabemos quem roubou a Luz do Mar.

— Você deveria descansar, —disse Bern. — Vai se sentir melhor de manhã.

— Quero ver mais algumas imagens. Talvez tenha algo que eu tenha perdido.

Bern se levantou e colocou o notebook na minha frente. — As pastas estão marcadas por data. Divirta-se.

Já passava de uma da manhã, quando vi na tela de uma das filmagens um grupo de crianças correndo pelo corredor.

Atrás delas, a Senhora Rogan seguia em sua cadeira de rodas, com um sorriso feliz no rosto. Você nunca pensaria que ela era um dragão. Mia Rosa a empurrava, arrastando o unicórnio de pelúcia.

Eu estava tão cansada que quase perdi esse detalhe. Mamãe deve ter me ouvido rindo como uma lunática, porque ela entrou, confiscou o notebook e me levou para a cama.

 


Era sexta-feira, dois dias depois que Xavier me deu uma cabeçada na testa e o inchaço finalmente diminuiu. Eu tinha outro machucado no ombro, porque na manhã de quinta-feira Arabella viu meu rosto e nós tivemos que impedi-la fisicamente de pular no carro, dirigir para Rosa da Montanha e ‘consertar o rosto de Xavier tão bem que sua mãe não o reconheceria’. Ela acidentalmente me deu um soco enquanto balançava os braços, e então se sentiu mal por isso, e me seguiu pela casa o dia inteiro me oferecendo chocolate que ela comprou para mim.

Além disso, na quinta-feira Nevada ligou. Ela finalmente havia encerrado a investigação de Nightingale. A Casa Nightingale estava satisfeita, e Rogan e minha irmã queriam celebrar. Arabella e a vovó Frida queriam saber para qual restaurante todos estavam indo, e a resposta foi: Domino’s57. Pedimos pizza e passamos a noite assistindo a filmes ruins.

Hoje era o dia do jantar de ensaio. Nenhum dos convidados de alto escalão estava vindo, então seriam apenas as duas famílias, a de Rogan e a nossa. O casamento era no sábado e todos os envolvidos passariam a noite na Rosa da Montanha.

Eu tinha ido até a casa de Rogan e o encontrei em sua cozinha, enquanto Nevada estava se preparando. Rogan estava com pressa, então usava sua magia para fazer várias coisas ao mesmo tempo. Eu nunca me acostumaria com a garrafa de café derramando o café sozinha.

— O que está acontecendo? —Ele perguntou, enquanto a caneca de café pousava em sua mão.

— Descobri alguns segredos sobre sua família que provavelmente você deveria saber. Eles são desagradáveis.

— Eu sei disso há anos.

— Não, eu quis dizer que os segredos que descobri é que são desagradáveis.

— Eu entendi o que você quis dizer, —disse ele. — Por que não me diz o que está a incomodando?

— Eu posso expor todas essas coisas, ou posso dizer a você e a Senhora Rogan em particular. Se eu fizer isso em público, será desagradável.

— Você está com medo? —Ele perguntou.

— Não. —eu disse. — Mas não quero que você ou a Senhora Rogan fiquem constrangidos ou desconfortáveis. Você é o cliente. Me diga o que gostaria que eu fizesse.

— Alguma dessas coisas compromete ou tem o potencial de comprometer a segurança da família? —Ele perguntou.

— Sim.

Rogan bebeu seu café. — Então eu digo o que fazer: vamos colocar tudo para fora. Por mais que minha mãe queira manter sua privacidade, ela seria a primeira a lhe dizer que possíveis problemas de segurança se sobrepõem a isso. Faça o que precisa fazer.

— Certo. —Eu só esperava que ele não se arrependesse.

 


O jantar de ensaio aconteceu no pátio.

Em vinte e quatro horas todo mundo iria estar formalmente vestido, então para o ensaio fomos vestidos casualmente. Mesas foram colocadas e cobertas com toalhas brancas. Jarros de limonada e chá gelado foram distribuídos. Cestas de pães foram colocadas nas mesas, ao lado de simples buquês de flores silvestres em vasos de vidro. A Eventos e Refeições Valentina preparou um churrasco tradicional do Texas e travessas de carnes defumadas percorriam cada mesa—peito bovino cozinhado e assado, frango defumado e peru, carne bovina e costelinha de porco, linguiça com pimenta jalapenõ, seguido de tigelas de salada de repolho, milho na espiga e feijões cozidos.

Sentei-me à mesa principal, com Rogan e Nevada, junto com Arabella, Bern, Leon, mamãe e vovó Frida e a Senhora Rogan. Meu assento estava à esquerda de Nevada, porque eu era a dama de honra. Minha irmã praticamente brilhava.

Eu me sentia tão mal. Tinha avisado a ela que algumas coisas desagradáveis iriam acontecer, mas não entrei em detalhes. Não tinha escolha, ou eu estragaria o jantar do ensaio ou o casamento. O jantar era o menor dos dois males.

A Senhora Rogan sorriu para mim. — É a hora, querida.

Eu me levantei e caminhei até a varanda elevada, onde Rogan tinha montado uma enorme TV de tela plana. À minha direita estava uma estante coberta com um pedaço de tecido azul.

Toda a família de Rogan estava na minha frente. Minha família também. Tantas pessoas.

Eles estavam todos olhando para mim. Meus músculos estavam tensos. Olhei ao redor das mesas, observando os rostos familiares. Lucian e June. Maria e Mikel. Markel e Isabella. Iker e Eva com um Xavier carrancudo sentado entre eles. Ane e Lance. Zorion e Teresa ...

Respirei fundo. Passei uma boa hora escrevendo a introdução do meu discurso e tentando soar o mais adulto possível. — Recentemente, ficamos sabendo que a tiara Luz do Mar, que é tradicionalmente usada pelas noivas da família Ramírez foi roubada.

O pátio ficou quieto, surpresa e preocupação registrando-se nos rostos das pessoas. O pano azul que escondia o púlpito caiu no chão, revelando uma almofada de veludo azul com a Luz do Mar nele, sua joia ainda faltando.

— Conseguimos recuperar a Luz do Mar e, no processo de nossa investigação, vários fatos vieram à tona, que agora compartilharei com vocês.

Olhei para Elba sentada à mesa com os pais dela, Mikel e Maria. Elba sorria debochadamente para mim. Continue sorrindo. Vamos ver se você ainda estará sorrindo quando eu terminar.

Eu sorri de volta e olhei para a mesa onde Markel e sua esposa, Isabella, estavam sentados. — Isabella Ramírez está comprando e vendendo medicamentos controlados e está usando Elba e duas outras crianças, não relacionadas à família, para distribuí-las. Aqui está a filmagem dela reabastecendo Elba e coletando o dinheiro.

A tela plana ganhou vida mostrando Isabella contando as pílulas de Oxy no pote e entregando-as para Elba.

— As autoridades em Bilbao58 já estão cientes de suas atividades ilegais devido aos pais de uma das crianças que fizeram um boletim de ocorrência na polícia. —Uma cópia do Boletim policial apareceu na tela. Besouro realmente era um mago.

O sorriso saiu do rosto de Elba. Isabella ficou vermelha e depois branca.

Markel olhou para ela. — Por quê?

— Porque você me dá em uma mesada miserável como se eu fosse uma criança, —ela retrucou. — Esse homem é um avarento, mesquinho. Ele quer saber para onde vai cada euro. Ele racionaria meus absorventes se pudesse.

Maria estava olhando para Elba. A próxima parte seria ainda melhor.

— Maria Ramírez, —eu disse.

Maria ficou rígida em seu assento.

— Seu marido não é bissexual. Ele não está tendo um caso com Lucian. Mikel está executando um esquema Ponzi59 através do Ramírez Venture Capital. Até o momento, ele desviou trinta e quatro milhões de euros dos investidores. Lucian de Baldivia tomou conhecimento do roubo, porque sua empresa fornece segurança cibernética para a Ramírez Capital. Ele vem chantageando seu marido nos últimos cinco meses. Aqui estão as demonstrações financeiras para provar isso. Eles também foram enviados para todos os seus endereços de e-mail.

O pátio explodiu. Todos gritaram de uma vez. O Ramírez Venture Capital era o cofrinho da família.

— Eu fiz alguns investimentos ruins! —Mikel gritou acima do barulho.

— Você não tinha autoridade para fazer nenhum investimento! —Trovejou Mattin Ramírez. — Você deveria só sentar a sua bunda na cadeira e ficar de olho no dinheiro. Qualquer idiota poderia ter feito isso.

— Eu devolverei cada euro com juros! —Mikel gritou.

— Como? —Ane exigiu. — Com mais fraude?

— Você não está tendo um caso? —Maria gritou. — Por que então continua fugindo de mim?

— Porque você me deixa louco! —Mikel disparou de volta.

Rogan apoiou o cotovelo na mesa e apoiou o queixo na mão, observando o caos como se fosse um desenho animado de uma manhã de sábado. A Senhora Rogan estava esfregando as têmporas. Nevada se escondeu da vista da sogra e me deu um sinal de positivo.

— Eu quero o divórcio! —Maria anunciou.

— Eu não terminei, —anunciei. — Por favor, deixe-me terminar.

— Não acredito que há mais, —disse Zorion Ramírez.

A imagem na TV piscou, substituída por Xavier na fonte. Eu deixei seu discurso rolar em toda a sua glória. Quando chegou ao ponto de herdar, o pátio ficou completamente silencioso. Todos olhavam horrorizados. O olhar no rosto de Xavier era puro ódio. Pressionei a pausa no controle remoto e olhei diretamente para ele.

— Xavier, você sabe por que seu plano infantil não vai funcionar?

Ele me xingou.

Apertei o play novamente. Duas imagens apareceram na tela, lado a lado. Lucian e Eva. Uma terceira imagem, um documento com o logotipo do Scroll, apareceu embaixo deles.

— Nós obtivemos permissão de Mattin Ramírez, que é o chefe interino de sua família durante a visita, para testar seu sangue, que você deixou no meu florete. Você não compartilha DNA com ninguém da família Ramírez. Seu perfil de DNA, no entanto, indica com uma certeza de 99,999998% que essas duas pessoas são seus pais. Você não herdará nada, porque não está relacionado com Rogan.

O silêncio foi ensurdecedor. Todos olhavam para Lucian e Eva.

Lucian mostrou os dentes enquanto Xavier levantou-se. — Não é verdade! Mãe, diga a eles que não é verdade!

Eva desmaiou e caiu mole em seu assento. Iker olhava para ela como se ele não soubesse quem ela era.

— Quase esqueci, —eu disse. Peguei a Luz do Mar, saí da varanda, caminhei até a mesa das crianças e sorri para Mia Rosa. — Posso ver Safira, por favor?

Mia Rosa levantou o unicórnio. Uma joia azul brilhante na forma de um coração cintilava na testa do brinquedo de pelúcia, o pelo branco em torno dele manchado com manchas roxas de cola comum escolar.

— Você tentou grudá-la com a pistola de cola? —Perguntei.

— A pistola não tinha cola suficiente, —disse Mia Rosa. — Então usei essa outra cola.

— Sinto muito, mas essa pedra não é sua. —Peguei a joia da cabeça de Safira e a coloquei de volta na coroa. A Luz do Mar estava inteira de novo.

— Você deveria devolver a coroa a sua tia, —eu disse a ela.

Mia Rosa, Telecinética Superior, suspirou. A tiara flutuou de minhas mãos, esquivando-se dos convidados com precisão cirúrgica, e pousou gentilmente na mesa em frente à Senhora Rogan.

Atrás de mim uma mesa virou quando Iker Ramírez se jogou em Lucian de Baldivia, atacando-o.


Epílogo


O casamento foi lindo.

Nevada parecia uma princesa com a tiara Luz do Mar na cabeça, enquanto Rogan parecia desconfortável vestindo um smoking. A poderosa elite mágica do Texas compareceu com força total. O Herald’s declarou que um convite para esse casamento exclusivo foi o mais cobiçado nos últimos dez anos. Eles também conseguiram colocar uma espiã dentro do casamento. Eu disse à Rivera para não prendê-la até depois que os votos fossem ditos. Quando a mulher foi gentilmente expulsa, seu último post no Herald’s anunciou que o buquê com flores lilases de Nevada estava de arrasar. Aparentemente, poder e riqueza superavam cores conflitantes.

A cerimônia de casamento terminou e a recepção começou. A lista de convidados dizia quem era quem nas Casas do Texas: Superior Augustine Montgomery, padrinho;

Superior Linus Duncan;

Superior Lenora Jordan;

Casa Harrisson;

Casa Latimer;

Casa Ade-Afefe;

Casa Etterson.

Casa, Casa, Casa ... até a avó Victoria conseguiu garantir uma liberação temporária supervisionada. Ela dançou com Linus Duncan e teve uma conversa civilizada com a vovó Frida, e enquanto eu achei essa conversa terrivelmente assustadora, Arabella simplesmente dormiu.

Tantas pessoas ricas e poderosas se reuniram em um só lugar. Xavier teria amado isso. Infelizmente para ele e meia dúzia de outros parentes de Rogan, seus convites foram revogados e eles a essa hora ainda voavam de volta para a Europa. Da ala oeste, apenas Zorion e Teresa, Ane e Lance permaneceram. June e suas filhas foram convidadas, mas se recusaram a ficar.

Na feliz comoção, ninguém notou a mim, Rivera e vários soldados de Rogan irmos em direção até a cozinha, onde uma garçonete e um funcionário da Eventos e Refeições Valentina estavam preparando os vários pratos para a recepção. Ninguém prestou atenção em mim enquanto eu caminhava até uma mulher mais velha com cabelos loiros recentemente descoloridos. Ela estava arrumando o uniforme de garçonete.

— Kelly Waller? —Eu perguntei.

Ela olhou para cima, com um lampejo de pânico em seus olhos, mas eu já havia lançado minha magia na sua direção.

— Dê-me sua arma, —eu disse. E ela fez sem hesitar. E então ela e Jeremy me seguiram mansamente para fora da casa e para dentro de um veículo blindado que os esperava. Assim terminou a história de Kelly Waller, sem escândalos, sem choradeira, como ela merecia.

O que aconteceu com ela depois disso, não me fazia sentir mal. Seu filho, Gavin, estava no casamento e teria comido o bolo envenenado. Seu ódio era tão forte que ela estava disposta a sacrificar seu filho por isso. Eu escrevi um e-mail para Rogan e Nevada relatando tudo que aconteceu e a prisão de Kelly. Era o meu presente de casamento. Eles iriam ler mais tarde quando tivessem uma chance.

Eu tinha visto Nevada e Connor dançarem sob as luzes brilhantes penduradas nas árvores. Eles pareciam ter saído de um conto de fadas. A felicidade iluminava o rosto da minha irmã e fez tudo valer a pena. Ela cuidou de nós por tanto tempo. Merecia ter toda a felicidade do mundo.

Eles ainda estavam dançando, mas eu estava exausta. Vaguei pela casa, longe da música que desaparecia, até que acabei no escritório da Senhora Rogan. Ela não se incomodou em trancá-lo. Sentei-me no banco da janela e olhei para a lua.

Eu me sentia tão cansada e vazia.

Queria chorar.

Um sussurro mecânico me fez virar.

— Aí está você, —disse a senhora Rogan. — Eu estive procurando por você.

— Eu sinto muito. Não deveria ter invadido seu espaço privado.

— Você não está invadido. Queria te agradecer por me ajudar. Foi um fardo muito pesado que coloquei para alguém tão jovem. Se eu soubesse o quão difícil seria, provavelmente não teria pedido para você fazer isso.

— Eu não queria estragar o relacionamento entre você e alguns membros da sua família.

— Não estragou nada. Você não enganou, não roubou e não planejou lucrar com a morte do meu filho. Mas você parece tão triste, Catalina. Trabalhou tão bem nesse casamento. Todo mundo está orgulhoso de você. Eu pensei que estaria comemorando.

As palavras meio que caíram sozinhas. — Eu não pertenço aqui.

A Senhora Rogan franziu a testa. — Aqui onde? Nesta casa?

— Não. Nessa nova condição. —Eu não estava explicando isso muito bem. — Antes de Nevada conhecer Connor, todos nós fingimos que éramos comuns. Mesmo depois que ela o conheceu, quando eu tive que usar minha magia, ainda podia fingir que aqueles momentos foram incidentes isolados. Ninguém sabia que eu era uma Superior, exceto as pessoas de minha confiança. E então nos tornamos uma Casa. Quando eu estava trabalhando nesse casamento, tive que usar minha magia. E funcionou. Fiz coisas com ela que eram puramente teóricas, mas funcionou.

— Por que isso é motivo de preocupação? —Senhora Rogan franziu a testa.

— Porque minha magia sempre veio com um preço. Era usada apenas como último recurso. Não havia expectativa para mim. Eu não esperava nada de bom vindo da minha magia para mim mesma. Agora aprendi que posso usá-la como qualquer outro Superior. Não há como escondê-la mais. Da próxima vez que eu estiver envolvida em uma investigação para a nossa agência, provavelmente usarei ela. Mais cedo ou mais tarde, as pessoas perceberão que sou uma Superior e isso me assusta.

— Porque ser uma Superior coloca você em maior perigo? —Senhora Rogan perguntou.

— Não. Eu só sei ser Catalina Baylor, a pessoa comum. Eu sei o que se espera de mim. Não tenho ideia é de como ser uma Superior. Não sei quais são as regras. Eu preciso das regras. Elas me fazem sentir segura. Durante toda minha vida precisei seguir regras para conviver com a minha magia, dessa forma ninguém se machucaria. —Eu acenei para os meus braços. — Todas as minhas regras se foram. Eu não sei o que fazer. Não sei quando outras pessoas estão quebrando as regras e como devo reagir a elas. É como a decoração deste escritório. —Apontei para o banco onde eu me sentei e os travesseiros coloridos. — Eu não sei como misturar esses padrões diferentes. Se eu tentasse, não tenho ideia se o resultado seria de bom gosto ou brega. Eu sinto que estou me afogando.

Eu não deveria ter dito tudo isso.

A Senhora Rogan se recostou na cadeira. — Quando saí da Espanha e vim para cá com o pai de Connor, senti que também estava me afogando. Eu não conhecia ninguém. Não tinha ideia de como ser uma Superior no Texas. Eu não sabia o que era esperado de mim e não sabia dizer se estava fazendo papel de boba. Mas eu aprendi. Todas essas coisas que você listou podem ser aprendidas.

— Não tenho ninguém para me ensinar.

A Senhora Rogan sorriu. — Isso não é verdade. Você tem a mim. E eu não tenho nada além de tempo. Acho que devemos começar com a esgrima60. Eu suspeito que há muito mais na maneira que você moveu sua espada do que pura sorte.

 

 

                                                    Ilona Andrews         

 

 

 

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