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DÍVIDA DE HONRA
DÍVIDA DE HONRA

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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30

POR QUE NÃO?

 

O alvorecer chegava como um relâmpago naquela parte do mundo; pelo menos, era o que dizia o poema. A verdade era que o sol estava muito quente, pensou o almirante Dubro, quase tão quente quanto seu mau humor. Era uma pessoa normalmente tranquila, mas já aguentara demais tanto o calor tropical quanto a indiferença administrativa. Os burocratas do planejamen­to e da política estavam cometendo o mesmo erro: pensar que ele e sua força de combate podiam passear por ali indefinidamente sem ser detectados, fazendo o papel de caça-fantasmas, intimidando os indianos com sua simples presença. Era um jogo interessante, claro, mas não podia durar para sempre. A ideia era aproximar-se do inimigo sem ser detectado e em seguida atacá-lo de surpresa. Os porta-aviões nucleares eram uma arma excelente para isso. A manobra podia ser usada uma, duas, até três vezes, se o comandante da força fosse hábil o suficiente, mas não podia ser repetida impunemente por um número ilimitado de vezes, porque o outro lado também tinha seus estrategistas, e mais cedo ou mais tarde alguma coisa daria errado.

No caso, não foram os jogadores que falharam, e sim a equipe de apoio, e não chegou nem a ser um erro. Da forma como os oficiais de operações reconstituíram os fatos, um Sea Harrier indiano, no final do seu voo de patrulha, estava com o radar ligado e detectara um dos navios-tanque de Dubro. O navio estava rumando para nordeste a toda velocidade a fim de reabastecer os navios da escolta, cujos tanques tinham ficado quase vazios depois da rápida manobra para contornar a extremidade meridional do Sri Lanka. Uma hora depois, outro Harrier, provavelmente desarmado, se aproximara o suficiente para observar visualmente o navio. O comandante do grupo de reabastecimento mudara o curso, mas o estrago estava feito. A posição onde se encontravam os dois navios-tanque e sua escolta de duas fragatas só podia significar que Dubro agora estava a leste quarta a sudeste do cabo Dondra. De acordo com as fotos dos satélites, a esquadra indiana mudara imediatamente de curso, dividindo-se em dois grupos e rumando também para nordeste. Dubro não tinha outra escolha a não ser permitir que os navios-tanque mantivessem a rota traçada. Descobertos ou não, os navios da sua escolta estavam com as reservas de combustível perigosamente baixas, e isso era um risco que não podia correr. Dubro bebeu o primeiro café da manhã enquanto seus olhos faziam furos na divisória de metal. O comandante Harrison sentou-se em frente à mesa do almirante e diploma­ticamente não disse nada até o chefe dirigir-lhe a palavra.

— Qual é a boa nova, Ed?

— Nossas forças ainda são superiores, almirante — replicou o chefe de operações. — Talvez esteja na hora de demonstrarmos isso.

Superiores. Pensou Dubro. Sim, era verdade, mas apenas dois terços das aeronaves encontravam-se em condições de entrar em combate. Tinham passado muito tempo longe da base; as peças sobressalentes necessárias para manter os aviões em funcionamento estavam se esgotando. Nos hangares, havia várias aeronaves com as janelas de inspeção abertas, à espera de peças que não estavam mais disponíveis. Essas peças tinham sido levadas de avião até Diego Garcia e no momento estavam a bordo dos navios de reabasteci­mento. Três dias depois que chegassem, poderia contar de novo com todos os aviões, mas seus homens estavam cansados. Na véspera, dois homens tinham-se ferido no convés de voo. Não porque fossem incompetentes. Não porque fossem inexperientes. Porque estavam fazendo a mesma coisa havia muito tempo, e a fadiga era ainda mais perigosa para a mente do que para o corpo, especialmente no ambiente frenético do convés de voo de um porta-aviões. O mesmo se aplicava a todos os integrantes da força de combate, desde o mais humilde taifeiro até... ele próprio. Estava começando a se ressentir da tensão a que vinha sendo submetido nos últimos dias, e tudo que podia fazer era passar a beber café sem cafeína.

— Como estão os pilotos? — perguntou Mike Dubro.

— Farão o que o senhor mandar, almirante.

— Certo. Vamos iniciar uma operação de patrulhamento. Quero dois Tom no ar o tempo todo e pelo menos mais quatro em prontidão de cinco minutos, armados com mísseis ar-ar. O curso para hoje é um-oito-zero, velocidade vinte e cinco nós. Vamos nos encontrar logo com os navios de reabastecimento e colocar nossas forças em ordem. Afora isso, quero que o pessoal fique de folga. Eles estão precisando de um descanso. Nossos amigos começarão a caçada amanhã e o jogo ficará interessante.

— Vamos apostar corrida com eles? — Vamos — confirmou Dubro.

 

Consultou o relógio. Já era noite em Washington. As pessoas de bom senso deviam estar indo para a cama. Estava na hora de pedir novas instruções e queria que seu pedido fosse passado adiante, de preferência por alguém que compreendesse a urgência da situação. Já estava mais do que na hora de pagar para ver, e tudo que sabia era que o confronto surgiria inesperadamente... e depois disso, o Japão? Harrison e sua equipe já passavam metade do tempo discutindo o assunto.

O serviço, mais uma vez, era parecido com os dos filmes de espionagem da TV; o único consolo era que talvez os russos estivessem certos. Scherenko podia estar contando a verdade e não tivessem nada a temer por parte da DISP. Clark, porém, continuava desconfiado, porque se acostumara a não esperar nada de bom por parte dos russos.

— A roleta pode estar viciada — murmurou consigo mesmo... em inglês! De qualquer forma, o que haviam feito tinha sido ridiculamente simples. Nomuri parou seu carro no mesmo estacionamento onde o hotel mantinha vagas para os hóspedes e deixou um disquete no carro de aluguel de Clark. Clark e Chavez entraram no carro e saíram da garagem. Enquanto Clark dirigia, Chavez introduziu o disquete no laptop e copiou-o para o disco rígido, apagando-o em seguida. O relatório era prolixo. Chavez leu-o em voz baixa, ligou o rádio do carro a todo volume e resumiu os pontos principais para o companheiro.

— Área de Recursos do Norte? — perguntou John.

— Da. Uma expressão curiosa — concordou Ding, pensando. Ocorreu-lhe que sua dicção era melhor em russo do que em inglês, talvez porque aprendera inglês nas ruas e russo em um curso formal, de pessoas que tinham respeito pela língua. O jovem agente não gostou da ideia.

Área de Recursos do Norte, pensou. Por que as palavras lhe pareciam familiares? Entretanto, tinha outras coisas com que se preocupar. Ding descobrira havia algum tempo que, embora apreciasse o aspecto paramilitar do trabalho, os serviços de espionagem não faziam bem seu gênero. Não gostava de passar o tempo todo com medo.

Isamu Kimura estava no local combinado. Felizmente, seu trabalho exigia que se ausentasse com frequência e se encontrasse com estrangeiros. Uma das vantagens era que conhecia vários pontos de encontro razoavelmente seguros. Aquele ficava perto do cais. No momento, não estava muito movimentado, mas ao mesmo tempo era um lugar onde um encontro como aquele não chamaria a atenção. Além disso, dificilmente seriam ouvidos; os ruídos do porto abafariam a conversa, contanto que falassem em voz baixa.

Clark estava ainda menos à vontade, se é que isso era possível. Como no caso de qualquer recrutamento, havia um período durante o qual os contatos eram seguros, mas a segurança diminuía linearmente com o tempo a uma taxa elevada, embora desconhecida, e além disso havia outras considerações. A motivação de Kimura era... o quê? Clark não sabia que argumentos Oleg Lyalin usara para recrutá-lo inicialmente. Não era dinheiro. Os russos nunca lhe haviam pagado um tostão. Não era ideologia. Kimura não tinha nada de comunista. Seria seu ego? Julgar-se-ia com direito a um cargo melhor do que o que ocupava? Ou, o que poderia ser ainda mais perigoso, seria ele um patriota fanático, daquele tipo que julga ser o único a saber o que é melhor para o país? Ou, como Ding poderia ter comentado, seria apenas um lunático? Não era uma possibilidade muito agradável, mas, de acordo com a experiência de Clark, também não podia ser totalmente desprezada. A simples verdade era que Clark não sabia; entretanto, qualquer que fosse a razão, o homem estava traindo seu país, e o agente jamais se sentira à vontade com esse tipo de pessoa. Talvez os policiais também não gostassem de lidar com informantes, pensou John. Isso não era um grande consolo.

— O que há de tão importante para discutirmos? — perguntou Kimura, enquanto passeavam ao longo de um cais abandonado.

Ao longe, os navios ociosos na baía de Tóquio eram claramente visíveis; Clark imaginou se o japonês não escolhera aquele lugar para o encontro exatamente por esse motivo.

— Seu país dispõe de armas nucleares — afirmou Clark, laconicamente.

— O quê? Kimura olhou para ele, parou de andar e ficou muito pálido.

— Foi isso que o embaixador japonês em Washington disse ao presidente americano no sábado. Os americanos estão muito assustados. Pelo menos, foi o que o Centro de Moscou nos contou. — Clark deu um sorriso muito russo. — Gostaria de observar que vocês conquistaram minha admiração pessoal por terem feito isso tão abertamente; a compra dos nossos foguetes para serem os veículos de lançamento, em especial, foi um golpe de mestre. Entretanto, a verdade é que o governo do meu país está muito preocupado com as consequências de tudo isso.

— Os foguetes poderiam ser facilmente apontados contra nosso país — acrescentou Chavez, secamente. — Isso é suficiente para deixar qualquer um nervoso.

— Não sei de nada a respeito. Vocês têm certeza? — perguntou Kimura, começando a caminhar de novo, só para fazer o sangue circular.

— Temos um informante em uma alta posição do governo americano. Não há possibilidade de engano.

Ding observou que o tom de voz de Clark era frio e profissional: AH, seu carro está com o para-choque arranhado. Conheço um bom mecânico para consertá-lo.

— Então foi por isso que acharam que podia fazer aquilo impunemente. — Kimura não precisava dizer mais nada. Era óbvio que acabara de encontrar a explicação para algo que o intrigava fazia algum tempo. Respirou fundo antes de acrescentar: — Isto é uma loucura.

Aquelas foram as quatro palavras que John ouviu com mais prazer desde o dia em que voltara para casa de Berlim para ser informado de que a esposa dera à luz seu segundo filho e tudo estava bem. Chegara a hora de ir direto ao assunto. Falou sem sorrir, assumindo plenamente o papel de agente russo veterano, treinado pela KGB para ser um dos melhores do mundo: — Sim, meu amigo. Toda vez que alguém ameaça uma grande potência, está cometendo uma verdadeira loucura. Seja quem for que dirige este jogo, espero que compreenda os riscos que assumiu. Preste atenção às minhas palavras, Gospodin Kimura. Muitos países estão muito preocupados. Você me entende? Muito preocupados. Vocês nos fizeram de tolos diante dos Estados Unidos e do mundo inteiro. Agora dispõem de armas com as quais podem ameaçar meu país tão facilmente quanto podem ameaçar a América. Atacaram os Estados Unidos sem nenhuma razão palpável. Isso os torna imprevisíveis aos nossos olhos, e um país com foguetes nucleares e instabilidade política não é uma perspectiva nada agradável. A crise vai aumentar até que pessoas sensatas tomem alguma providência. Não estamos interessados nas disputas comerciais entre vocês e os americanos, mas a possibilidade de guerra nos preocupa, e muito.

Kimura ainda estava muito pálido.

— Qual é seu posto, Klerk-san?

— Sou coronel pleno do Sétimo Departamento da Primeira Diretoria da Comissão de Segurança do Estado.

— Pensei que...

— Sim, o novo nome, o novo posto, toda essa bobagem — observou Clark, com um muxoxo. — Kimura-san, sou um agente do serviço de inteligência. Estou aqui para proteger meu país. Esperava que esta missão fosse simples e agradável, mas agora me vejo... já lhe contei a respeito do nosso Projeto RYAN? — Já o mencionou uma vez, mas...

— Quando os americanos elegeram o presidente Reagan (eu era capitão na época, como o nosso amigo Chekov), nossos líderes examinaram os antecedentes ideológicos do homem e acharam que era possível que ele se sentisse tentado a desfechar um ataque nuclear contra nosso país. Imediatamente, iniciamos um esforço concentrado para descobrir quais eram suas verdadeiras intenções. Mais tarde chegamos à conclusão de que tudo fora um engano, de que Reagan, embora odiasse a União Soviética, não era nenhum tolo.

Agora, porém, o que vemos? — prosseguiu o coronel Klerk. Uma nação que desenvolveu artefatos nucleares em segredo. Uma nação que, por razões obscuras, se dispôs a atacar um país que é mais um parceiro comercial do que um inimigo. Uma nação que atacou a Rússia mais de uma vez. Por isso, as ordens que recebi são mais ou menos as mesmas do que na época do Projeto RYAN. Está me entendendo agora?

— O que você quer? — perguntou Kimura, embora já conhecesse a resposta.

— Quero saber a localização desses foguetes. Eles saíram da fábrica de trem. Quero saber onde estão agora.

— Como acha que eu vou... Clark interrompeu-o com um olhar.

— Isso é problema seu, meu amigo. Estou lhe dizendo o que é preciso.

— Fez um pausa, para que suas palavras calassem mais. — Pense bem, Isamu: fatos como esses adquirem vida própria. De repente, passam a dominar os homens que foram responsáveis por eles. A entrada de armas nucleares na equação pode ter consequências muito mais graves do que você imagina. Sei do que estou falando — prosseguiu o coronel Klerk. — Tive nas mãos uma análise do que os americanos podiam nos fazer e do que podíamos fazer aos americanos. Participei do Projeto RYAN, certo? Ameaçar uma grande potência é no mínimo uma temeridade.

— Mas se você descobrir onde estão os foguetes, o que acontecerá?

— Isso eu não sei. Só sei que meu país se sentirá muito mais seguro com esse conhecimento nas mãos. Tenho minhas ordens. Posso forçá-lo a nos ajudar? Não, não posso. Entretanto, se não o fizer, estará colocando seu país em sério perigo. Pense bem — concluiu, com a frieza de um coronel.

Clark apertou a mão do homem com efusão exagerada e foi embora.

— Cinco vírgula sete, cinco vírgula seis, cinco vírgula oito do juiz da Alemanha Oriental... — murmurou Ding quando se afastaram o suficiente.

— Puxa, John, você é um russo!

— Pode apostar, garoto — disse John, sorrindo.

Kimura permaneceu no cais por alguns minutos, olhando para os navios inativos espalhados pela baía. Alguns eram do tipo usado para transportar veículos, mas havia muitos cargueiros convencionais, de linhas elegantes, daqueles que singravam os oceanos transportando containers com os mais variados produtos. Aquele aspecto aparentemente prosaico das relações internacionais era quase uma religião para Kimura. O comércio ajudara a unir as nações em torno de um objetivo comum, fornecendo a elas um bom motivo para manter a paz, independentemente das suas divergências. Entretanto, Kimura conhecia história o suficiente para saber que nem sempre as coisas funcionavam daquela forma.

Você está violando a lei, disse a si próprio. Está desonrando seu nome e o da sua família. Está ofendendo os amigos e colegas de trabalho. Está traindo seu país.

Alto lá! Que país estava traindo? O povo escolhia os membros da Dieta e eles por sua vez escolhiam o primeiro-ministro, mas o povo, em si, não tinha nenhuma responsabilidade pelo que estava acontecendo. Os cidadãos, como o Ministério onde trabalhava, como os próprios membros da Dieta, não passavam de meros espectadores. Estavam sendo enganados. O país estava em guerra, mas a população não fora informada! O país se dera ao trabalho de construir artefatos nucleares, mas sem o conhecimento da população. De quem partira a ordem? Do governo? O governo acabara de mudar, mais uma vez, e isso queria dizer... o quê? Kimura não sabia. O que sabia era que o russo estava certo; os riscos envolvidos eram difíceis de prever. O país corria perigo, um perigo maior do que todos que tivera de enfrentar nas últimas décadas. Os governantes estavam à beira da loucura, e não havia médicos para diagnosticar o problema; a única certeza de Kimura era a de que o problema estava tão acima da sua esfera de competência que não sabia nem por onde começar.

Entretanto, alguém precisava fazer alguma coisa. A que altura, perguntou-se Kimura, um traidor se transformava em patriota e um patriota se tornava um traidor? Deveria estar contrariado, pensou Cook, quando finalmente conseguiu ir para a cama, mas não estava. Pensando bem, o dia fora favorável. Os outros pareciam torcer para que se desse mal, especialmente os dois AIN. Deviam se considerar muito espertos, refletiu, com um largo sorriso. Entretanto, não sabiam de nada. Será que estavam cientes disso? Provavelmente não. Tinham sempre um ar superior, mas quando chegava a hora da verdade era sempre por um lado, senhor, logo seguido de por outro lado, senhor. Como alguém podia tomar decisões com base nesse tipo de análise? Cook, por outro lado, sabia o que estava acontecendo, e o fato de que Ryan tinha consciência disso o promovera à liderança de facto do grupo de trabalho, o que fora visto ao mesmo tempo com inveja e alívio pelos outros membros. Muito bem, deviam estar pensando, vamos deixar que ele assuma os riscos. No conjunto, achava que conseguira se sair muito bem. Os outros não o enfrentariam mas se manteriam a distância, fazendo algumas ressalvas a suas propostas para se garantir se as coisas corressem mal, como secretamente esperavam, mas apoiando a posição geral do grupo para compartilhar do sucesso se tudo desse certo.

 

As preliminares haviam terminado; as posições iniciais estavam definidas. Adler comandaria o grupo de negociação e Cook seria seu assistente.

Do lado japonês, o chefe seria o embaixador e Seiji Nagumo o assistente. As negociações seguiriam um ritual tão rígido e estilizado quanto o teatro Kabuki. Os dois lados da mesa assumiriam posições pouco realistas, e a ação real teria lugar durante os intervalos, quando os membros dos dois grupos conversariam informalmente com seus pares. Isso permitiria que Chris e Seiji trocassem informações, controlassem as negociações e, com um pouco de sorte, conseguissem impedir que aquela briga sem sentido ficasse ainda pior do que já estava.

Eles vão lhe pagar pelas informações, insistiu a voz. Sim, era verdade, mas Seiji também lhe daria informações e o objetivo final era acalmar os ânimos e salvar vidas! O propósito da diplomacia era manter a paz, e isso significava salvar vidas, como os médicos, mas com uma eficiência ainda maior. Os médicos eram bem pagos, não eram? Ninguém os censurava por ganhar dinheiro. A medicina era considerada uma profissão nobre, muito mais do que, por exemplo, a de espião. O que a tornava tão especial.

O importante é restaurar a paz, droga. O dinheiro não importava. O dinheiro era secundário. E como era secundário, merecia recebê-lo, ou não? Claro que sim, decidiu Cook, fechando os olhos, afinal.

Os engenheiros estavam trabalhando com dedicação, observou Sanchez, de volta a sua cadeira no Pri-Fly. Tinham recolocado e realinhado dois rolamentos do eixo, cruzado os dedos e aberto um pouco mais os aceleradores do Número Um. Onze nós, quase chegando a doze, o suficiente para lançar algumas aeronaves em direção a Pearl Harbor, o suficiente para trazer para bordo o COD com uma equipe completa de engenheiros para ajudar o engenheiro-chefe a avaliar o estado do sistema de propulsão. Como um dos oficiais mais antigos a bordo, Sanchez seria informado a respeito dos resultados da avaliação durante o almoço. Poderia ter voado para terra com o primeiro grupo de caças, mas seu lugar era a bordo. Àquela altura, o Enterprise ficara muito para trás, totalmente coberto por caças P-3 operando a partir de Midway, e a Inteligência da Esquadra estava mais convencida do que nunca de que não havia inimigos nas vizinhanças, tanto que Sanchez já começava a acreditar que fosse verdade. Além do mais, as aeronaves antissubmarino tinham lançado tantas boias de sonar, que o mar estava coalhado delas.

Os tripulantes estavam acordados e ainda um pouco intrigados e aborrecidos. Estavam acordados porque sabiam que em breve chegariam a Pearl; intrigados, porque não faziam ideia do que estava acontecendo; aborre­cidos, porque seu navio fora avariado. Àquela altura, também sabiam que dois submarinos tinham sido dados como desaparecidos. Embora os superiores tentassem esconder a extensão das baixas, era difícil guardar segredos no ambiente de um navio de guerra. Os operadores de rádio recebiam men­sagens, os ordenanças as entregavam, os camareiros escutavam as conversas dos oficiais. O Johnnie Reb tinha quase seiscentos homens a bordo, e os fatos às vezes se perdiam no meio dos boatos; entretanto, mais cedo ou mais tarde, a verdade sempre vinha à luz. O resultado era previsível: revolta. Era parte da profissão militar. Por mais que os marinheiros do porta-aviões falassem mal dos colegas do Exército, por maior que fosse a rivalidade entre as duas armas, no momento eram irmãos a quem deviam apoiar.

Apoiar de que forma? Quais seriam as ordens? Mensagens dirigidas ao CINCPAC tinham ficado sem resposta. O Grupo Três de Mike Dubro não recebera nenhuma ordem para voltar correndo ao Pacífico Ocidental, como seria de esperar. Afinal, aquilo era ou não uma guerra?, perguntou Sanchez ao sol poente.

— Como soube disso? — perguntou Mogataru Koga.

O ex-primeiro-ministro usava um quimono tradicional, o que não era comum, mas agora estava de folga pela primeira vez em trinta anos. Mesmo assim, concordara prontamente em recebê-lo e escutara em silêncio durante dez minutos, prestando muita atenção às palavras do funcionário do MCII.

— Tenho muitos contatos, Koga-san — respondeu Kimura, de olhos baixos. — Isso é necessário na minha posição.

— Na minha, também. Por que ninguém me contou? — Mesmo dentro do governo, poucas pessoas foram informadas.

— Não está me contando tudo que sabe.

Kimura imaginou como Koga poderia ter percebido isso, mas bastaria olhar-se no espelho para compreender. Passara a tarde na sua mesa, fingindo que trabalhava. Folheara muitos papéis, mas não se lembrava mais de nenhum documento, apenas das perguntas que tinham passado pela sua mente. O que fazer? A quem contar a verdade? A quem procurar em busca de conselhos? — Não posso revelar minhas fontes de informações, Koga-san.

O ex-primeiro-ministro aceitou a evasiva com um gesto de cabeça.

— Então está me dizendo que atacamos os Estados Unidos e construí­mos armas nucleares? — Hai.

— Eu sabia que Goto era um idiota, mas não pensei que fosse louco.

— Koga refletiu por um momento sobre o que acabara de dizer. — Não, ele não tem imaginação suficiente para fazer isso sozinho. Sempre foi um lacaio de Yamata, não é mesmo? — Raizo Yamata sempre foi seu... seu...

— Patrocinador? — perguntou Koga, em tom irônico. — Esse é o termo educado.

Deu um muxoxo e desviou os olhos. Sua irritação agora tinha um novo alvo. Exatamente o que você tentou impedir. Tentou e não conseguiu, não é mesmo? — Goto frequentemente lhe pede conselhos.

— Está certo. E agora, o que vai acontecer? — perguntou a um homem visivelmente fora do seu meio.

A resposta era previsível.

— Não sei. Sou um burocrata; não entendo de política. Estou com medo, mas não sei o que fazer.

Koga sorriu ironicamente e tornou a encher a xícara de chá do visitante.

— Sabe que eu poderia dizer o mesmo? Mas uma coisa me deixou intrigado. Eu também tenho alguns contatos. Desde a semana passada que fui informado sobre as baixas que causamos à Marinha dos Estados Unidos. Entretanto, ninguém falou em armas nucleares.

A simples menção das duas palavras deixou-os constrangidos; Kimura admirou-se de que o político pudesse continuar a falar em tom normal.

— Nosso embaixador em Washington contou aos americanos, e um amigo do Ministério do Exterior...

— Também tenho amigos no Ministério do Exterior — afirmou Koga, bebendo um gole de chá.

— Não posso dizer mais nada.

— Você andou falando com americanos? — perguntou o ex-primeiro-ministro.

— Não — respondeu Kimura, sacudindo a cabeça.

 

O dia em geral começava às seis, mas isso não o tornava mais fácil, pensou Jack. Paul Robberton apanhara os jornais e esquentara o café. Andrea Price também apareceu e ajudou Cathy com as crianças. Ryan ficou pensando no assunto até ver o carro parado na entrada da garagem. Então o Serviço Secreto achava que estavam em guerra! Seu passo seguinte foi ligar para o escritório, e um minuto depois o fax começou a imprimir as notícias da manhã. A primeira era de domínio público, mas importante: os europeus estavam tentando vender Obrigações do Tesouro dos Estados Unidos, mas ninguém parecia disposto a comprá-las. Buzz Fiedler e o presidente do Fed deviam estar muito atarefados. O corretor que havia em Ryan começou a se preocupar. Era como o menino holandês com o dedo no furo do dique. O que aconteceria quando aparecesse mais um vazamento? Mesmo que conseguisse tapá-lo, também, não surgiria um terceiro? Não havia grandes novidades na frente do Pacífico, mas os detalhes começavam a chegar. O John Stennis estava quase chegando a Pearl Harbor, mas o Enterprise levaria mais tempo do que o previsto. Aparentemente, não estavam sendo seguidos pelos japoneses. Ótimo. A caçada aos mísseis nucleares iniciara, mas ainda não havia resultados, o que não era de surpreender. Ryan nunca estivera no Japão, uma omissão da qual agora estava se ressentindo. O pouco que sabia se devia a fotografias tiradas por satélites. Nos meses de inverno, quando o tempo no Japão era excepcionalmente bom, o Escritório Nacional de Reconhecimento usara o país (entre outros) para calibrar suas câmaras em órbita, e Ryan se lembrava da elegância dos jardins. Também conhecia alguma coisa da história do Japão. Entretan­to, de que valiam esses conhecimentos nas presentes circunstâncias? A história e a economia eram um casal estranho, não eram? Cathy e as crianças se despediram com os beijos de costume, e logo depois Jack estava viajando para Washington no carro oficial. Como único consolo, a viagem era mais curta do que para Langley.

— Pelo menos, o senhor deve estar descansado — observou Robberton. Normalmente não puxava conversa com políticos, mas por alguma razão aquele sujeito o deixava muito mais à vontade. Pelo menos, Ryan não tinha nada de afetado.

— Acho que sim, mas os problemas ainda estão aí.

— O da Wall Street ainda é o número um? — É, sim. — Ryan trancou os documentos secretos na maleta e olhou para a paisagem do campo. — Estou começando a perceber que isto pode provocar uma crise de proporções mundiais. Os europeus estão tentando vender obrigações do tesouro, mas não encontram comprador. O mercado pode entrar em pânico. Nossa liquidez está a zero e a deles está principal­mente nas nossas obrigações do tesouro.

— Liquidez significa dinheiro em espécie, certo? Robberton mudou de pista e acelerou. Aquele tipo de placa mantinha os guardas rodoviários a distância.

— Isso mesmo. As pessoas preferem dinheiro em espécie quando estão preocupadas... e se não o conseguem, ficam mais preocupadas ainda.

— Está falando em alguma coisa como o que aconteceu em 1929, Dr. Ryan? Jack olhou para o guarda-costas.

— Provavelmente, a menos que consigam refazer os registros em Nova York. É como lutar de mãos amarradas ou entrar em uma roda de pôquer sem dinheiro no bolso. Uma droga. — Ryan sacudiu a cabeça. — Nunca aconteceu antes. Os corretores estão desorientados.

— Como é que pessoas tão espertas podem entrar em pânico?

— Como assim? — O dinheiro não continua no sistema? Ninguém explodiu a casa da moeda. — Robberton fez um muxoxo. — Seríamos os primeiros a saber! Ryan sorriu.

— Quer uma aula completa? Paul deu de ombros.

— Sou formado em psicologia e não em economia. A resposta deixou Jack surpreso.

— Melhor ainda.

 

A Europa estava pensando na mesma coisa. Pouco antes do meio-dia, uma teleconferência dos presidentes dos bancos centrais da Alemanha, Inglater­ra e França resultou em pouco mais do que uma confusão multilíngue a respeito das providências a serem tomadas. A reconstrução dos países da Europa Oriental representara um ônus gigantesco para as economias dos países da Europa Ocidental, que estavam na verdade pagando a conta por duas gerações de caos econômico. Para se garantir contra o enfraquecimento de suas moedas, tinham comprado dólares e obrigações do tesouro ameri­cano. A paralisação dos negócios nos Estados Unidos resultará em uma queda no movimento na Europa, mas nada de muito sério. Tudo mudou, porém, depois que o último comprador adquiriu o último lote de Obrigações do Tesouro Americano a preços de ocasião, usando dinheiro obtido com a venda de ações. Esse comprador chegara à conclusão de que cometera um grande erro e se maldizia por ter sido tão imprevidente. Às 10:30 da manhã, hora local, a Bolsa de Paris entrou em queda acentuada; em menos de uma hora, os comentaristas europeus estavam falando em efeito dominó, pois o mesmo acontecera em todas as bolsas de todos os centros financeiros. Eles também observaram que os bancos centrais europeus estavam tentando fazer a mesma coisa que o Fed americano tentara no dia anterior. Não que não fosse uma boa ideia. Acontece que medidas como aquela funcionavam apenas uma vez, e os investidores europeus não estavam comprando. Pelo contrário; o mercado era claramente vendedor. Foi um alívio quando as pessoas começaram a comprar ações por preços ridiculamente baixos, o alívio foi ainda maior quando ficou claro que as ações seriam pagas em ienes, a única moeda que se fortalecera no processo.

— Quer dizer que a situação é muito grave? — perguntou Robberton, abrindo a porta que dava para a Ala Oeste.

— Paul, você se considera uma pessoa inteligente? — perguntou Jack. O agente do Serviço Secreto pareceu surpreso.

— Sim, eu me considero inteligente. Por quê?

— Por que imagina que as pessoas que trabalham no mercado financeiro são mais espertas do que você? Não são, Paul. Podem ter um trabalho diferente, mas ele exige apenas instrução e experiência. Aqueles homens não entendem nada de investigações criminais. Nem eu. Não, eles não são mais inteligentes do que você, e talvez sejam menos inteligentes. Só que o trabalho deles é manter os mercados financeiros funcionando e o seu, não.

— Minha nossa! — murmurou Robberton, despedindo-se de Ryan na porta do escritório.

A secretária de Jack passou-lhe um maço de bilhetes. Um deles estava marcado Urgente!, e Ryan ligou para o número indicado.

— É você, Ryan?

— Eu mesmo, Winston. Queria falar comigo pessoalmente. Quando? — perguntou Jack, abrindo a maleta e tirando os documentos confidenciais.

— Quando quiser. Dê-me apenas noventa minutos para chegar aí. Tenho um carro à espera lá embaixo, um Gulfstream com os motores aquecidos e um carro me esperando no aeroporto doméstico de Washington.

Sua voz disse o restante. O caso era grave e urgente. Além disso, Ryan conhecia a reputação de Winston.

— Presumo que tenha a ver com o que aconteceu sexta-feira.

— Exatamente.

— Por que eu e não o secretário Fiedler? — quis saber Ryan.

— Você trabalhou no mercado financeiro. Ele, não. Se quer que ele participe do encontro, por mim está bem. Ele vai entender, mas acho que você vai entender mais depressa. Acompanhou as notícias financeiras desta manhã?

— Parece que a Europa não confia mais em nós.

— E a coisa vai piorar — afirmou Winston. Provavelmente estava certo, pensou Jack.

— Sabe o que fazer para consertar as coisas? Ryan quase pôde ver o interlocutor sacudir a cabeça, irritado e frustrado.

— Gostaria de saber, mas pelo menos posso lhe contar o que realmente aconteceu.

— Estou interessado. Venha assim que puder. Diga ao motorista para usar a entrada oeste. Os guardas estarão à sua espera no portão.

— Obrigado pela atenção, Dr. Ryan.

A linha ficou muda, e Jack imaginou há quanto tempo George Winston não dizia aquilo a alguém. Depois, começou a despachar os papéis que estavam sobre a mesa.

 

Ainda bem que os vagões usados para transportar os foguetes H-l 1 da fábrica até o local de destino eram de bitola padrão. Menos de 8% das ferrovias do Japão usavam aquela bitola; além disso, era algo que podiam distinguir claramente nas fotografias dos satélites. A função da CIA era colher informa­ções, a maioria das quais jamais seriam usadas para alguma coisa útil e a maioria das quais, ao contrário do que mostravam os filmes e livros, eram obtidas em fontes de domínio público. Era apenas uma questão de arranjar um mapa ferroviário do Japão para ver onde ficavam as ferrovias de bitola padrão. Entretanto, havia mais de três mil quilômetros de trilhos daquele tipo, o tempo sobre o Japão nem sempre ajudava e os satélites nem sempre fotografavam o país diretamente de cima, para mostrar melhor o fundo dos vales que infestavam um país formado a partir de montanhas vulcânicas.

Entretanto, era também um trabalho que a CIA estava acostumada a fazer. Os russos, com sua esperteza e sua mania de manter tudo em segredo, tinham ensinado os analistas da CIA a procurar em primeiro lugar os lugares menos prováveis. Uma planície aberta, por exemplo, era um local provável, de fácil acesso, fácil de defender. Era nelas que os Estados Unidos tinham apostado na década de 1960, imaginando erradamente que os mísseis jamais seriam precisos o suficiente para atingir um alvo pontual em uma vastidão desolada. O Japão certamente não cometeria o mesmo engano. Assim, os analistas tinham de procurar nos lugares difíceis. Florestas, vales, colinas... a busca levaria muito tempo. Havia dois fotossatélites KH-11 em órbita, além de um satélite de radar KH-12. Os primeiros podiam distinguir objetos do tamanho de um maço de cigarros; o segundo produzia uma imagem monocromática de resolução muito menor, mas em compensação podia penetrar nas nuvens e, em circunstâncias favoráveis, até no solo, atingindo uma profundidade de mais de dez metros. Na verdade, fora desenvolvido com o objetivo de localizar silos para mísseis e outras instalações camufladas dos soviéticos.

Essa era a boa notícia. A má notícia era que as imagens tinham de ser examinadas por um grupo de especialistas, uma de cada vez; cada detalhe suspeito tinha de ser reexaminado; apesar da urgência da tarefa, o tempo envolvido era imenso. Analistas da CIA, do Escritório Nacional de Reconhecimento e do Centro de Análise de Informações e Ameaças (I-TAC) estavam reunidos para executar o trabalho, procurando vinte buracos no solo sem saber mais nada além do fato de que os buracos tinham de ter no mínimo cinco metros de diâmetro. Podia ser um grupo de vinte buracos ou vinte buracos muito espaçados. O primeiro passo, todos concordavam, seria obter novas fotos de todas as ferrovias de bitola padrão. A tarefa era dificultada pelo mau tempo e pelo ângulo desfavorável dos satélites, de modo que, no terceiro dia da caçada, ainda faltava cobrir 20% do território. Já haviam sido identificados trinta locais suspeitos, que seriam fotografados de ângulos ligeiramente diferentes para permitir a geração de imagens tridimensionais. Alguns dos analistas estavam se lembrando da busca dos Scud em 1991. Não era uma recordação agradável para eles. Embora tivessem aprendido muitas lições, a principal era a seguinte: não era muito difícil esconder um, dez, vinte ou mesmo cem objetos relativamente pequenos dentro das fronteiras de uma nação, mesmo que ela fosse plana e desprovida de florestas. O Japão não era nenhuma das duas coisas. Nas circunstâncias, encontrar todos os mísseis parecia uma tarefa quase impossível. Mesmo assim, tinham de tentar.

Eram onze horas da noite e seus deveres para com os ancestrais estavam em dia. Nunca seriam totalmente cumpridos, mas as promessas que fizera aos espíritos tantos anos antes tinham sido concretizadas. O que era solo japonês no dia do seu nascimento voltara a ser solo japonês. O que era terra de sua família voltara a ser terra de sua família. A nação que humilhara seu país e assassinara sua família finalmente fora humilhada e levaria muito tempo para se recuperar. Tempo suficiente para que seu país ocupasse, enfim, o lugar que merecia entre as grandes nações.

Na verdade, um lugar ainda mais importante do que planejara, pensou. Bastava olhar para os relatórios financeiros que chegavam, via fax, ao seu hotel. O pânico financeiro que planejara e executara estava agora atravessando o Atlântico. Era incrível, pensou, que não tivesse previsto este desdobramento. As complexas manobras financeiras tinham deixado de repente os bancos de negócios do Japão com muito dinheiro em caixa e os empresários estavam aproveitando a oportunidade para comprar ações europeias. Com isso, aumentariam a riqueza nacional, garantiriam sua posição nas economias dos vários países da Europa e dariam a impressão ao público de que estavam ajudando o restante do mundo em um momento de crise. Yamata achava que o Japão se esforçaria realmente para ajudar a Europa. Afinal, o país precisava de mercados externos e agora que os empresários japoneses tinham se tornado proprietários de muitas indústrias na Europa, talvez os políticos europeus se dispusessem a ouvir com mais atenção os seus conselhos. Não era certo, pensou, mas era possível. O que eles certamente ouviriam era o poder. O Japão agora estava enfrentando os Estados Unidos. Os Estados Unidos jamais conseguiriam derrotar o Japão, não com a economia interna em crise, os militares mal equipados e o presidente politicamente desgastado. Além do mais, era um ano de eleição. Não havia melhor estratégia, pensou Yamata, do que semear a discórdia na casa do inimigo. Fora o que fizera, usando uma tática que não ocorrera aos militares estúpidos que haviam levado o país ao desastre em 1941.

— E então? — disse ao anfitrião. — Como posso ajudá-lo?

— Yamata-san, como sabe, vamos eleger o governador local. — O burocrata serviu uma dose de uísque escocês. — Você tem uma propriedade na ilha. Tem interesses comerciais aqui. Acho que é o homem perfeito para o cargo.

Pela primeira vez em muitos anos, Raizo Yamata ficou perplexo.

 

Em outro quarto do mesmo hotel, um almirante, um major e um capitão da Japan Airlines tiveram uma reunião de família.

— Então, Yusuo, o que vai acontecer agora? — perguntou Torajiro.

— O que acho que vai acontecer agora é que você vai voltar aos voos regulares entre o Japão e os Estados Unidos — afirmou o almirante, terminando seu terceiro drinque. — Se eles forem tão inteligentes como julgo, compreenderão que a guerra já terminou.

— Há quanto tempo está trabalhando nisto, titio? — perguntou Shiro, em tom respeitoso.

Agora que sabia o que o tio fizera, sentia-se orgulhoso com a coragem do militar.

— Desde a época em que eu era um nisa, supervisionando a construção do primeiro navio que comandei nos estaleiros de Yamata-san. Quanto tempo faz? Mais de dez anos. Ele apareceu para conversar, jantamos juntos e ele me fez algumas perguntas teóricas. Yamata aprende depressa, para um civil — afirmou o almirante. — Acho que há muito mais por trás disso do que parece.

— Como assim? — perguntou Torajiro.

Yusuo tornou a encher o copo. Sua esquadra estava em segurança e podia se dar ao luxo de relaxar um pouco, especialmente com o irmão e o sobrinho, agora que o pior passara.

— Conversamos muitas vezes nos últimos anos, mas mais ainda depois que ele comprou aquela firma de investimentos americana. Agora, o que acontece? Minha pequena operação ocorre no mesmo dia em que a bolsa americana desaba...? Uma coincidência interessante, não acham? — pergun­tou, com um sorriso irônico. — Ainda me lembro de um dos primeiros conselhos que lhe dei, há muitos anos. Em 1941, atacamos a periferia dos Estados Unidos. Atacamos os braços, mas não a cabeça ou o coração. Um país pode criar novos braços, mas no caso de um coração, ou de uma cabeça, é muito mais difícil. Acho que ele me escutou.

— Sobrevoei a cabeça muitas vezes — observou o capitão Torajiro Sato. Uma das suas duas rotas normais era para o Aeroporto Internacional Dulles. — E uma cidade esquálida.

— E vai fazê-lo de novo. Se Yamata fez o que estou pensando, vai precisar novamente de nós, e não vai demorar muito — declarou o almirante Sato, com convicção.

 

— Deixe-o passar — ordenou Ryan pelo telefone.

— Mas...

— Se isso o faz sentir-se melhor, abra e olhe, mas se ele pedir para não radiografar, não radiografe, está bem?

— Mas o senhor nos disse que era um só e são dois!

— Não há problema — disse Jack ao guarda que tomava conta da entrada oeste. O problema dos alertas de segurança era que atrapalhavam os esforços necessários para resolver a crise. — Mande-os subir.

Levaram quatro minutos pelo relógio de Jack. Provavelmente tinham desmontado o computador portátil que o sujeito estava carregando para ter certeza de que não havia uma bomba no interior. Jack saiu de sua mesa e foi se encontrar com eles na porta da antessala.

— Desculpem. Lembram-se da velha canção da Broadway, "O Serviço Secreto me Deixa Nervoso?" Ryan convidou-a a entrar com um gesto. Supôs que o mais velho fosse George Winston. Lembrava-se vagamente do discurso do Harvard Club, mas não da fisionomia do palestrante.

— Este é Mark Gant. É meu auxiliar mais competente e fez questão de trazer seu laptop.

— Será mais fácil assim — explicou Gant.

— Compreendo. Eu também gosto deles. Sentem-se, por favor. — Jack apontou para duas cadeiras. A secretária trouxe uma bandeja com café. Enquanto a bebida estava sendo servida, acrescentou: — Um dos meus assistentes está acompanhando os mercados europeus. A coisa não vai bem.

— Acho que está sendo pouco realista, Dr. Ryan. Podemos estar assistindo ao início de um pânico mundial, de consequências imprevisíveis — afirmou Winston.

— Até agora, Buzz está se saindo bem — replicou Jack, em tom cauteloso. Winston levantou os olhos da xícara de café.

— Ryan, se acredita realmente nisso, vim ao lugar errado. Pensei que conhecesse melhor a Street Fez um excelente trabalho na Silicon Alchemy... foi você, realmente, ou assumiu o crédito pelo trabalho de outra pessoa? — Apenas duas pessoas falam comigo nesse tom: uma é a minha mulher e o outro tem um escritório logo ali — apontou Jack. Depois, sorriu. — Sr. Winston, a Silicon Alchemy foi trabalho exclusivamente meu. No momento, tenho dez por cento das ações da empresa em minha carteira particular. Como pode ver, estou muito interessado no futuro da companhia.

— Nesse caso, devia saber que não vamos conseguir manter as coisas sob controle por muito tempo — disse Winston, ainda sondando o anfitrião.

Jack pensou por um momento e fez que sim com a cabeça.

— Eu sei. Foi o que disse a Buzz no domingo. Mas não sei quanto tempo os investigadores levarão para reconstruir os registros; estive ocupado com outras coisas.

— Certo.—Winston estava curioso para saber que outras coisas podiam estar tomando o tempo de Ryan, mas chegou à conclusão de que isso não era importante. — Não posso lhe dizer o que fazer, mas pelo menos acho que descobri como tudo começou.

Ryan olhou para o receptor de TV. A CNN começara a transmitir ao vivo da Bolsa de Valores de Nova York. O som estava baixo demais para que ouvisse alguma coisa, mas a comentarista falava rapidamente, sem sorrir. Quando olhou de novo para os visitantes, Gant abrira o laptop e estava chamando alguns arquivos.

— De quanto tempo dispomos? — perguntou Winston.

— Deixe que eu me preocupo com isso — replicou Jack.

31

O COMO E O QUÊ

 

Bosley Fiedler, o secretário do Tesouro, não conseguira dormir três horas seguidas desde que voltara de Moscou e caminhava com tanta dificuldade pelo túnel que ligava o Edifício do Tesouro à Casa Branca que os guarda-costas começaram a imaginar se não estaria na hora de usar uma cadeira de rodas. O presidente da Federal Reserve não se encontrava em melhor forma. Os dois estavam discutindo mais uma vez a situação no escritório do secretário quando chegou o recado, “Larguem tudo e venham para cá”, peremptório mesmo para alguém como Ryan, que frequentemente quebrava os protocolos do governo. Fiedler começou a falar antes mesmo de entrar no escritório do colega.

— Jack, daqui a vinte minutos tenho uma teleconferência com os presidentes dos bancos centrais de cinco países da Euro... quem são eles? — perguntou o secretário do Tesouro, surpreso.

— Senhor secretário, meu nome é George Winston. Sou presidente e diretor-gerente do...

— Não é mais. Você vendeu a empresa — protestou Fiedler.

— Estou de volta, por decisão dos acionistas. Este é Mark Gant, um dos meus diretores.

— Acho que devemos escutar o que eles têm a dizer — afirmou Ryan, dirigindo-se aos recém-chegados. — Sr. Gant, repita tudo desde o início, por favor.

— Que droga, Jack, tenho apenas vinte minutos. Menos do que isso — corrigiu, olhando para o relógio.

Winston fez uma careta, mas falou como se estivesse se dirigindo a outro corretor experiente: — Fiedler, vou tentar ser conciso: os mercados foram deliberadamente sabotados por um ataque sistemático e bastante sofisticado e acho que posso provar isso. Está interessado?

O secretário do Tesouro piscou várias vezes.

— É claro que estou. Como foi que isso aconteceu? — perguntou o presidente do Fed.

— Sentem-se e vou lhes mostrar — disse Gant. Ryan abriu caminho e os dois recém-chegados se sentaram ao lado de Gant e seu computador. — Tudo começou em Hong Kong...

 

Ryan foi até a escrivaninha, ligou para o escritório de Fiedler e pediu à secretária dele que redirecionasse a teleconferência para o escritório de Ryan. Uma secretária executiva típica, ela poderia lidar com a mudança de última hora bem melhor do que o chefe. Gant era um técnico de primeira e sua segunda explicação, na opinião de Jack, foi ainda melhor do que a primeira. O secretário e o presidente do Fed eram bons ouvintes, que conheciam o jargão. Não foi necessária nenhuma pergunta.

— Não imaginava que alguma coisa assim fosse possível — comentou o presidente do Fed, depois de oito minutos de explicações. Winston se encarregou de responder.

— Todas as salvaguardas embutidas no sistema foram desenvolvidas para evitar acidentes e fraudes individuais. Ninguém imaginou que houvesse necessidade de protegê-lo contra este tipo de ataque. Quem estaria disposto a perder tanto dinheiro de propósito?

— Alguém com um objetivo mais importante em mente — comentou Ryan.

— O que pode ser mais importante do que... Jack interrompeu-o.

— Muita coisa, Sr. Winston. Vamos deixar essa discussão para depois.

— Voltou-se para o secretário do Tesouro. — O que acha, Buzz?

— Gostaria de confirmar isso com os dados do meu departamento, mas parece que ele está certo.

— Sabe de uma coisa? Não sei nem ao menos se o que ele fez é crime — observou o presidente do Fed.

— No momento, isso não é importante — declarou Winston. — Hoje vai ser um dia decisivo. Se as bolsas da Europa continuarem caindo, teremos um pânico mundial. O dólar está em queda livre, as bolsas americanas não podem operar, a liquidez atingiu níveis perigosos baixos e o pequeno investidor vai ficar apavorado assim que os meios de comunicação percebe­rem o que está acontecendo. A única coisa que evitou o pânico até agora é que os jornalistas financeiros não entendem nada do assunto.

— Se entendessem, estariam trabalhando para nós — comentou Gant, entrando na conversa. — Ainda bem que a imprensa está tratando do assunto de forma muito discreta, mas acho que isso pode mudar de uma hora para outra.

O telefone de Ryan tocou e ele atendeu.

— Buzz, é a sua teleconferência.

O mau estado de saúde do secretário ficou evidente quando ele se levantou. O homem começou a cambalear e teve de se apoiar nas costas de uma cadeira para não cair. O presidente do Fed era apenas ligeiramente mais ágil, e os dois estavam ainda mais abalados por causa do que acabavam de ouvir. Consertar alguma coisa quebrada já era uma tarefa difícil; consertar algo destruído deliberadamente podia ser mais difícil ainda. E era preciso trabalhar depressa, antes que todas as nações da Europa e da América da Norte mergulhassem em um abismo profundo, do qual, na melhor das hipóteses, só conseguiriam sair depois de anos de sofrimentos. As consequências políticas a longo prazo de uma convulsão econômica de tais proporções eram impossíveis de prever, mas a simples ideia do que os aguardava era suficiente para deixar Ryan arrepiado.

Winston olhou para o conselheiro de Segurança Nacional e este não teve dificuldade para adivinhar o que estava pensando. A alegria que sentira com a descoberta passara agora que a compartilhara com outros. Deveria ter mais alguma coisa a dizer: como consertar as coisas. Entretanto, era como se tivesse gastado toda a sua energia intelectual na investigação; ainda não tivera oportunidade de continuar a análise. Ryan compreendeu isso e cumprimentou-o com um sorriso respeitoso: — Bom trabalho.

— A culpa é minha — disse Winston em voz baixa, para não atrapalhar a teleconferência. — Eu não devia ter me afastado.

— Eu também dei o fora, lembra-se? — comentou Ryan, tornando a sentar-se. — Todos nós precisamos de uma mudança de vez em quando. O senhor não podia adivinhar o que estava para acontecer.

— Acho que você tem razão — concordou Winston. — Agora conhecemos o estuprador, mas será que podemos ajudar a vítima? O que está feito, está feito. Mas foram meus investidores que ele fodeu. Essas pessoas confiaram em mim.

Ryan olhou para ele com admiração. Era assim que todos os empresários deviam pensar.

— Nesse caso, o que devemos fazer? — perguntou. Gant e Winston trocaram um olhar.

— Ainda não chegamos a uma conclusão.

— Uma coisa é certa: no momento, vocês sabem mais do que o FBI e a SEC. E sabem de uma coisa? Ainda não tive tempo de ver como está minha carteira de ações.

— Seus dez por cento da Silicon Alchemy não lhe darão prejuízo, pelo menos a longo prazo — afirmou Winston. — Os novos dispositivos de comunicações continuarão sendo um bom negócio, independentemente do que acontecer.

— Certo, está tudo resolvido, pelo menos por enquanto — declarou Fiedler, juntando-se novamente ao grupo. — Todas as bolsas europeias vão permanecer fechadas até a poeira assentar.

Winston olhou para ele.

— Está havendo uma inundação, e nossa resposta tem sido aumentar a altura da barragem. Se os sacos de areia acabarem antes que a água do rio se esgote, os estragos serão ainda piores quando finalmente perdermos o controle.

— Estamos abertos a sugestões, Sr. Winston — observou Fiedler, educadamente.

A resposta de George foi igualmente educada.

— Até onde sei, o senhor tomou as medidas corretas. Simplesmente não consigo enxergar uma saída.

— Nem nós — comentou o presidente do Federal Reserve Board. Ryan se levantou.

— Isso pode mudar, senhores. Acho que agora precisamos colocar o presidente a par do que está acontecendo.

 

— Que ideia interessante! — comentou Yamata.

Sabia que bebera demais. Entretanto, estava comemorando o sucesso do golpe financeiro mais ambicioso da história. Não se sentia tão satisfeito consigo mesmo desde... desde quando? Mesmo quando chegara à presidên­cia do conglomerado não se sentira tão realizado. Esmagara uma nação poderosa, levara seu próprio país à liderança e mesmo assim jamais imaginara a possibilidade de exercer um cargo público. Por que não?, perguntou-se. Porque sempre tinha sido um lugar para homens medíocres.

— Por enquanto, Yamata-san, Saipan terá um governador local. Vamos convocar eleições, com supervisão internacional. Precisamos de um candidato — acrescentou o representante do ministro do Exterior. — Deve ser uma pessoa influente, de preferência alguém em quem Goto confie e que tenha interesses na ilha. Peço-lhe apenas para pensar na proposta.

— Farei isso — afirmou Yamata, levantando-se e dirigindo-se para a porta.

Que surpresa. Imaginou o que o pai teria pensado. Seria forçado a deixar a presidência da empresa, mas... mas o quê? Quais os píncaros da vida empresarial que ainda não galgara? Não estava na hora de mudar de atividade? De dedicar-se à vida pública? Depois que o problema do governo local fosse solucionado, o que lhe restaria? Entrar para a Dieta, com grande prestígio, porque alguns saberiam que servira aos interesses da nação, que, mais do que o próprio Imperador Meiji, ajudara a colocar o Japão entre as maiores nações do mundo. Quando o Japão tivera um líder político digno de sua gente? Por que não aceitar uma posição compatível com sua capacidade? Levaria alguns anos, mas tinha esses anos para empenhar. Mais do que isso: tinha visão e coragem para transformar o sonho em realidade. No momento, apenas os seus pares no mundo dos negócios conheciam a importância do que realizara, mas isso poderia mudar e seu nome de família seria lembrado por algo mais do que navios e televisores. Não seria mais uma marca registrada, mas um nome. Uma tradição. Isso não deixaria o pai orgulhoso?

 

— Yamata? — perguntou Roger Durling. — Um magnata japonês, certo? Devo ter cruzado com ele em alguma recepção quando era vice-presidente.

— Pois foi ele — afirmou Winston.

— O que estão dizendo que ele fez? — perguntou o presidente. Mark Gant colocou o computador sobre a mesa do presidente, com um agente do Serviço Secreto observando todos os seus movimentos, e dessa vez a explicação levou muito mais tempo porque Roger Durling, ao contrário de Ryan, Fiedler e o presidente do Fed, não conhecia os meandros do sistema financeiro. Mesmo assim, revelou-se um ouvinte atento, interrompendo a apresentação para fazer perguntas, tomando notas e por três vezes pedindo que parte da apresentação fosse repetida. Finalmente, olhou para o secretário do Tesouro.

— Buzz?

— Quero que meu pessoal verifique todas as informações...

— Isso não será difícil — afirmou Winston. — Os registros das outras grandes corretoras devem ser muito parecidos com os nossos. Se quiser, podemos ajudá-lo.

— E se for verdade, Buzz?

— Nesse caso, presidente, o problema está muito mais na esfera do Dr. Ryan do que na minha — respondeu o secretário do Tesouro, sem hesitação.

Seu alívio era temperado pela revolta contra a atrocidade que fora cometida contra os Estados Unidos. Os dois estranhos ainda não tinham entendido o que se passava. Ryan estava pensando furiosamente. Ignorara a nova explicação do Gant Embora a apresentação ao presidente fosse mais clara e detalhada do que as duas anteriores (o homem daria um excelente professor de administração), as partes importantes já estavam fixadas na mente do conselheiro de Segurança Nacional. Agora sabia o como, o que não era pouco. O plano fora cuidadosamente elaborado e executado. O fato de o colapso de Wall Street haver ocorrido no mesmo momento em que submarinos e porta-aviões americanos eram atacados no Pacífico não podia ser mera coincidência. Esses eventos tinham de fazer parte de um plano integrado. Entretanto, esse plano não fora descoberto pela rede de espiões russos, e era isso que mais o intrigava.

A rede dos russos está infiltrada no governo japonês. Provavelmente, conta com elementos nos órgãos de segurança. Mesmo assim, os russos não foram informados a respeito do lado militar da operação, e Sergey Nikolayevich ainda não percebeu que existe uma ligação entre o que aconteceu em Wall Street e os ataques contra nossos navios.

Está na hora de mudar o modelo, Jack, disse a si próprio. Está na hora de mudar o paradigma. De repente, teve uma inspiração. — Foi por isso que eles não descobriram — murmurou Ryan, em voz baixa. Era como viajar em uma estrada com neblina; os trechos de boa visibilidade alternavam-se com os trechos de cerração. — Quem planejou tudo não foi o governo, mas os empresários como Yamata. É por isso que os russos estão interessados na Operação CARDO.

Ninguém na sala estava entendendo nada.

— O que você disse? — perguntou o presidente.

Jack olhou para Winston e Gant e se limitou a sacudir a cabeça. Durling compreendeu e mudou de assunto.

— Quer dizer que foi tudo parte de um plano?

— Sim, senhor, mas ainda não sabemos de tudo.

— Como assim? — perguntou Winston. — Eles arrasam a nossa economia, provocam um pânico mundial e você está dizendo que não é só isso?

— George, quantas vezes você esteve no Japão ultimamente? — perguntou Ryan, mais para que os outros ficassem sabendo.

— Nos últimos cinco anos? Acho que uma vez por mês, no mínimo. Já acumulei milhas suficientes para meus netos usarem até o fim da vida.

— Quantas vezes se encontrou com membros do governo japonês? Winston deu de ombros.

— Eles circulam bastante, mas não são importantes.

— Por quê? — perguntou o presidente.

— Presidente, existem apenas vinte ou trinta pessoas que mandam alguma coisa no Japão, o senhor entende? Yamata é o mais importante de todos. O Ministério do Comércio e Indústria Internacional é a interface entre os empresários e o governo e serve também para eles se tornarem íntimos dos políticos, o que acontece com muita frequência. É uma das coisas de que Yamata fazia alarde quando estávamos negociando a venda do meu grupo. Em uma das festas a que compareceram estavam presentes dois ministros e vários parlamentares e todos eles tratavam Yamata como se ele fosse um velho amigo.

Winston lembrou-se de que na época achara que aquilo depunha a favor dos representantes do povo, mas agora não estava tão certo.

— Posso falar abertamente? — perguntou Ryan. — Gostaria de ouvir a opinião deles.

Durling assumiu a palavra: — Sr. Winston, o senhor sabe guardar segredos?

O empresário começou a rir. — Contanto que depois não venham me acusar de estar usando informações privilegiadas, certo? Nunca tive problemas com a SEC e pretendo continuar assim.

— Isto não tem nada a ver com o mercado de ações. Estamos em guerra com o Japão. Eles afundaram dois dos nossos submarinos e danificaram dois porta-aviões — revelou Ryan.

— Está falando sério? — perguntou Winston.

— Perdemos duzentos e cinquenta homens, os tripulantes do USS Asheville e do USS Charlotte. Eles também ocuparam o arquipélago das Marianas. Ainda não sabemos se será possível retomar as ilhas. Temos mais de dez mil cidadãos americanos no Japão como reféns em potencial, mais a população das ilhas, mais os militares que estão sendo mantidos em custódia pelos japoneses.

— Mas a imprensa...

— Por incrível que pareça, a imprensa ainda não sabe — explicou Ryan. — Se fosse informada, talvez não acreditasse.

— Oh. — Winston levou mais um segundo para entender. — Eles arrasam nossa economia e não temos vontade política para... alguém já tentou fazer algo parecido?

O conselheiro de Segurança Nacional sacudiu a cabeça.

— Não que eu saiba.

— Mas o verdadeiro perigo para nós... é o problema da bolsa. Que filho da puta — observou George Winston.

— Como vamos resolvê-lo? — perguntou Durling.

— Não sei. O golpe da DTC foi brilhante. As manobras na bolsa foram bem feitas, mas o secretário do Tesouro poderia ter consertado as coisas com a nossa ajuda. Entretanto, sem registros, todos os negócios ficaram paralisados — afirmou Winston. — Tenho um irmão que é médico e ele me disse uma vez...

Uma campainha começou a tocar no cérebro de Ryan, tão alto que ele parou de prestar atenção. Havia uma coisa muito importante relacionada com médicos. O que era?

— Recebemos uma estimativa a noite passada — estava dizendo o presidente do Fed. — Eles precisam de uma semana para refazer os registros. Acontece que não podemos esperar tanto tempo. Esta tarde temos uma reunião com as grandes corretoras. Vamos fazer o possível para...

O problema é a falta de registros, pensou Jack. As operações estão paralisadas porque não há registros, e portanto as pessoas não sabem de quanto dinheiro dispõem...

— A Europa também está paralisada... — estava dizendo Fiedler, enquanto Ryan olhava para o carpete.

De repente, Jack levantou a cabeça.

— Se você não escreve, é como se não tivesse acontecido.

Todos pararam de falar, e Jack percebeu que era como se ele tivesse dito O lápis é azul.

— O quê? — perguntou o presidente do Fed.

— É o que minha mulher costuma dizer: "Se você não escreve, é como se não tivesse acontecido." — Olhou em volta. Os outros ainda não tinham compreendido, o que não era de espantar, pois ele próprio estava ainda tentando colocar seus pensamentos em ordem. — Ela também é médica, George. Trabalha no Hopkins e leva sempre junto um caderno de notas. Quando tem uma ideia, trata de anotá-la imediatamente, pois não confia na memória.

— Meu irmão também é assim. Usa uma dessas agendas eletrônicas — afirmou Winston. — Continue.

— Não existem registros oficiais das transações, existem? — prosseguiu Jack.

Fiedler se encarregou da resposta.

— Não. Os dados da Depository Trust Company foram totalmente apagados. Como eu já disse, vamos levar...

— Esqueça isso. Não podemos esperar, podemos?

Isso deixou o secretário do Tesouro mais deprimido ainda. — Não, não podemos. Mas também não podemos fazer o tempo parar.

— Claro que podemos. — Ryan olhou para Winston. — Não podemos? Durling estava acompanhando a conversa como se fosse um espectador de uma partida de tênis, e a tensão da situação o deixara impaciente.

— De que vocês estão falando? O plano de Ryan agora estava quase completo. Ele se voltou para o presidente.

— É muito simples, presidente. Vamos dizer que a crise jamais aconteceu. Vamos dizer que depois do meio-dia de sexta-feira as bolsas simplesmente pararam de funcionar. Será que vamos conseguir fazer isso impunemente? — perguntou Jack. Antes que alguém tivesse tempo de responder, prosseguiu: — Por que não? Não existem registros para provar que estamos mentindo. Ninguém pode provar que foram realizadas transações depois do meio-dia.

— Como quase todo mundo perdeu dinheiro, a ideia será bem recebida — afirmou Winston, captando rapidamente a ideia. — Poderíamos reabrir as bolsas... na sexta-feira. Na sexta-feira ao meio-dia. Simplesmente esqueceríamos uma semana completa, certo?

— Ninguém vai concordar com isso — protestou o presidente do Fed.

— Errado. — Winston sacudiu a cabeça. — Ryan tem razão. Em primeiro lugar, eles terão que concordar. Não há uma transação sem registros por escrito. Ninguém pode provar que comprou ou vendeu ações até que os registros da DTC tenham sido refeitos. Em segundo lugar, a maioria das pessoas está arrependida do que fez e ansiosa por uma nova oportunidade. Oh, sim, eles vão concordar, amigo. Mark?

— Entrar em uma máquina do tempo e voltar para sexta-feira passada? — O riso de Gant foi irônico a princípio. Depois, ele pareceu concordar. — Onde é que eu assino?

— Não podemos fazer isso com todas as transações — objetou o presidente do Fed.

— Não, não podemos — concordou Winston. — As transações internacionais com Obrigações do Tesouro fogem ao nosso controle. Mas o que podemos fazer, presidente, é entrar em contato com os bancos europeus, contar-lhes o que aconteceu e propor uma estratégia comum...

Agora foi a vez de Fiedler: — Isso mesmo! Eles vendem ienes e compram dólares. Nossa moeda se valoriza e a moeda deles se desvaloriza. Os bancos asiáticos vão acompa­nhá-los. Os bancos centrais da Europa, também.

— Teremos de manter elevadas as taxas de juros — afirmou Winston.

— Isso será um peso para nós, mas é muito melhor do que a alternativa. A taxa de juros tem que continuar elevada para que as pessoas parem de vender Obrigações do Tesouro. Queremos fazer com que o iene se desvalorize. Os europeus vão gostar da ideia, porque isso impedirá que os japoneses continuem a comprar ações europeias a preços aviltados, como estão fazendo desde ontem. — Winston levantou-se e começou a andar de um lado para outro, de cabeça baixa, como estava acostumado a fazer. Não sabia que estava violando um protocolo da Casa Branca e ninguém, nem mesmo o presidente, queria interrompê-lo, embora os dois agentes do Serviço Secreto se remexessem, inquietos. Era óbvio que estava examinando rapidamente o plano, à procura de possíveis falhas. Ficou uns dois minutos em silêncio, enquanto todos aguardavam sua opinião. De repente, levantou os olhos. — Dr. Ryan, se um dia decidir voltar à vida privada, não deixe de falar comigo. Senhores, o plano vai dar certo. É extremamente ousado, mas talvez isso funcione a nosso favor.

— O que vai acontecer na sexta-feira? — perguntou Jack.

— As bolsas abrirão em baixa acentuada — respondeu Gant

— E o que há de bom nisso? — perguntou o presidente.

— Acontece, presidente, que depois de cair uns duzentos pontos a bolsa vai se recuperar — explicou Gant. — Vai fechar ainda em baixa, oh, de uns cem pontos, talvez nem tanto. Na segunda-feira, todos recuperam o fôlego. Algumas pessoas se interessam por ações baratas. A maioria, provavelmente, ainda está com medo. A bolsa cai novamente, mas fecha estável ou com uma queda de cinquenta pontos, no máximo. Durante o restante da semana, a situação volta ao normal. Calculo que na sexta-feira seguinte a bolsa deverá se estabilizar em um nível cem ou cento e cinquenta pontos abaixo da posição em que estava sexta-feira ao meio-dia. Isso é uma consequência inevitável do que o Fed precisa fazer com a taxa de juros, mas nada com que Wall Street não possa conviver. — Apenas Winston compreendia a ironia do fato de que Gant entendera perfeitamente o plano de Ryan. — Pode ser um tropeço, mas não será o fim do mundo.

— E a Europa? — quis saber Ryan.

— Na Europa vai ser mais difícil, porque eles não são tão bem organizados, mas em compensação os bancos centrais têm mais poder do que aqui — afirmou Gant — Os governos europeus também podem influir diretamente nas bolsas de valores. Isso é ao mesmo tempo uma vantagem e uma desvantagem. O resultado final, porém, será o mesmo. Tem que ser, a menos que todo mundo assine o mesmo pacto de suicídio. Quem trabalha no nosso ramo não costuma fazer isso.

— Por onde começamos? — perguntou Fiedler.

— Precisamos reunir imediatamente os presidentes das grandes instituições financeiras — respondeu Winston. — Posso ajudar, se quiserem. Conheço todos eles.

— Jack? — perguntou o presidente, voltando-se para a conselheiro de Segurança Nacional.

— De acordo, presidente.

Roger Durling pensou por mais alguns segundos antes de se voltar para um dos agentes do Serviço Secreto.

— Diga aos fuzileiros que mandem vir meu helicóptero. Peça à Força Aérea que prepare um voo para Nova York.

— Tenho meu avião particular, presidente — protestou Winston.

— George, o pessoal da Força Aérea é muito eficiente — interveio Ryan. — Confie em mim.

Durling levantou-se e apertou a mão de todos os presentes antes que os agentes do Serviço Secreto os acompanhassem ao jardim da Casa Branca, onde pousaria o helicóptero. Ryan ficou com o presidente.

— Será que dará certo? Podemos realmente consertar as coisas? O político que havia em Roger Durling não confiava em soluções mágicas. Ryan percebeu que ele não estava totalmente convencido e respondeu de acordo.

— Acho que sim. Todo mundo está atrás de uma saída; agarrarão com unhas e dentes a primeira que aparecer. Acho que devemos deixar claro que a crise foi provocada intencionalmente. Se o público souber disso, aceitará com mais facilidade uma solução irregular.

— Vamos ver. — Durling fez uma pausa. — O que isso nos diz sobre o Japão?

— Que o plano original não partiu do governo japonês. Este fato tem vantagens e desvantagens. As vantagens são que o plano pode estar mal organizado sob certos aspectos, que o povo japonês provavelmente não sabe de nada e que pode haver elementos no governo extremamente descontentes com o rumo que as coisas tomaram.

— E as desvantagens? — quis saber o presidente.

— Ainda não sabemos exatamente o que eles pretendem. O Exército está cumprindo seu papel. Assumiu uma posição estratégica muito sólida no Pacífico Ocidental, que ainda não sabemos como enfrentar. O que mais me assusta, porém, são os...

— São os mísseis nucleares — completou Durling. — É o maior trunfo de que eles dispõem. Nunca entramos em guerra com um país armado com mísseis nucleares, não é?

— Não, senhor. Isso também é uma novidade.

 

A transmissão seguinte de Clark e Chavez começou pouco depois da meia-noite, hora de Tóquio. Dessa vez, Ding se encarregou de escrever o artigo; John não tinha nada interessante a dizer a respeito do Japão. Sendo mais jovem, Chavez escreveu um artigo mais leve, a respeito dos adolescen­tes e suas atitudes. Era apenas um disfarce, mas tinha de ser bem-feito. Felizmente, Ding aprendera a escrever com desembaraço na George Mason University.

Área de Recursos do Norte?, perguntou John, digitando a pergunta na tela do computador. Depois, fez o laptop girar sobre a mesinha.

Eu já devia ter pensado nisso. Está em um dos livros que ficaram em Seul, mano. A Indonésia, que na época era uma colônia holandesa, era chamada de Área de Recursos do sul quando eles cometeram o Erro N2 2. Sabe qual era a do norte? Clark deu apenas uma olhada e empurrou o computador de volta.

— Yevgeniy Pavlovich, pode mandar.

Ding apagou o diálogo na tela e ligou o modem ao fio do telefone. Segundos depois, o despacho foi enviado. Os dois agentes trocaram um olhar satisfeito. Apesar de tudo, o dia fora produtivo.

Não podiam ter escolhido uma hora melhor: 00:08 em Tóquio correspondia a 18:08 em Moscou e 10:08 em Langley e na Casa Branca. Jack estava entrando de volta no escritório, depois de sua conversa com o presidente, quando a UTS-6 começou a tocar.

— Alô.

— Aqui é Ed. Acabamos de receber uma mensagem importante dos seus amigos. Estou mandando o fax. Sergey também vai receber uma cópia.

— Certo. Estou esperando.

Ryan ligou a chave apropriada e viu a impressora começar a funcionar.

 

Winston não era um homem fácil de impressionar. A versão VC-20 do jatinho executivo Gulfstream-III fora tão bem equipada quanto sua aeronave particular. Os assentos e o carpete podiam não ser tão luxuosos, mas o equipamento de comunicações era fabuloso. Deixaria fascinado até mesmo alguém como Mark, acostumado com tecnologia de ponta, pensou. Os dois homens mais velhos aproveitaram a oportunidade para pôr em dia o sono atrasado, enquanto ele observava os tripulantes da Força Aérea concluírem os preparativos para a decolagem. Não era muito diferente do que seus tripulantes faziam, mas Ryan estava certo. Aquelas insígnias militares no ombro faziam alguma diferença. Três minutos depois, o jato militar levantava voo em direção ao Aeroporto La Guardiã, em Nova York, com a vantagem adicional de que tinham prioridade para pousar, o que lhes pouparia quinze minutos no final da viagem. Ouviu o sargento encarregado das comunicações pedir que um carro do FBI fosse esperá-los no terminal para aviões particulares; ao mesmo tempo, o FBI devia estar convocando os presidentes de todas as grandes corretoras para uma reunião na sede da sua empresa em Nova York. Era bom ver o governo funcionar de modo tão eficiente, pensou. Não acreditara que eles não fossem assim o tempo todo.

Mark Gant não estava prestando atenção a nada disso. Trabalhava no computador, preparando o que chamava de discurso da acusação. Precisaria de uns vinte minutos para imprimir as provas em folhas de acetato para transparências, algo que o FBI provavelmente estaria equipado para fazer. Daquele ponto em diante... quem faria a apresentação? Eu, provavelmente, pensou Winston. Deixaria que Fiedler e o presidente do Fed propusessem a solução. Era justo. Afinal, fora encontrada por um funcionário do governo. É brilhante, pensou Winston, com um sorriso de admiração. Por que não pensei nisso? — Mark, faça uma anotação. Os rapazes dos bancos centrais europeus terão de vir aqui para ver essas informações. É impossível transmitir tudo isso por telefone.

Gant consultou o relógio.

— Teremos de agir depressa, George, mas acho que não haverá problema. Existem vários voos noturnos para Nova York... sim, eles poderão estar aqui amanhã de manhã, a tempo de combinarmos tudo para que as bolsas reabram na sexta-feira.

Winston olhou para a parte traseira do avião.

— Vamos contar a eles assim que chegarmos. No momento, acho que estão precisando descansar.

Gant fez que sim com a cabeça.

— Vai dar certo, George. Esse tal de Ryan é muito esperto, não acha?

 

Era melhor não se precipitar, pensou Jack. Estava quase surpreso com o fato de o telefone ainda não ter começado a tocar, mas, pensando melhor, era provável que Golovko estivesse lendo o mesmo relatório, olhando para o mesmo mapa na parede e também dizendo a si próprio que era melhor ir com calma.

As coisas estavam começando a fazer sentido. "Área de Recursos do Norte" só podia significar a Sibéria Oriental. A expressão "Área de Recursos do Sul", como Chavez observara em seu relatório, fora usada pelo governo japonês em 1941 para designar as Índias Orientais Holandesas, em uma época em que o principal objetivo estratégico do Japão era o petróleo, do qual precisava para fazer funcionar seus navios de guerra. Na verdade, continuava precisando de petróleo, só que agora para suas indústrias. Apesar de um grande esforço para produzir eletricidade a partir da energia nuclear, o Japão continuava a ser o maior importador de petróleo do mundo. Além de petróleo, o país tinha de importar muitos outros recursos; na verdade, quase tudo, exceto carvão. Os superpetroleiros tinham sido inventados pelos japoneses justamente para transportar petróleo com maior eficiência do golfo Pérsico para os terminais japoneses. Entretanto, precisavam de outros insumos, e como eram uma ilha, tudo tinha devir do mar. Acontece que a Marinha japonesa era pequena, pequena demais para garantir as rotas marítimas.

Por outro lado, a Sibéria Oriental era a maior região inexplorada do mundo, o Japão estava executando um levantamento dos recursos naturais da região e as rotas marítimas do continente asiático para o Japão... Puxa, eles podem ate' construir um túnel e fazer o transporte de trem!, comentou Ryan consigo mesmo.

Só que havia um problema. O Japão já havia sido muito ousado em fazer o que fizera, mesmo levando em conta que o poder militar americano estava muito enfraquecido e havia oito mil quilômetros de oceano entre o continente americano e o arquipélago japonês. A Rússia estava ainda mais debilitada que os Estados Unidos, mas uma invasão era mais do que um ato político. Era um ato contra um povo, e os russos não tinham perdido seu orgulho. Os russos não se renderiam sem luta, e o país ainda era muito maior do que o Japão. Os japoneses podiam ser os únicos a dispor de mísseis balísticos nucleares, mas os russos tinham bombardeiros, caças-bombardei­ros e mísseis de cruzeiro capazes de transportar bombas nucleares, possuíam bases perto do Japão e não hesitariam em usá-las. Tinha de haver mais alguma coisa. Jack se recostou no assento e ficou olhando para o mapa. Depois, pegou o telefone e ligou para uma linha direta.

— Almirante Jackson.

— Robby?

— Jack. Tenho uma pergunta.

— Mande.

— Você disse que um dos nossos adidos em Seul teve uma conversa com...

— Isso mesmo. Disseram a ele que estavam esperando para ver como ficam as coisas — afirmou Jackson.

— O que foi exatamente que os coreanos disseram?

— Eles disseram... espere um minuto. É apenas meia página. Acho que guardei uma cópia. Um momento. — Jack ouviu o barulho de uma gaveta sendo aberta. — Certo, aí vai. Disseram que este tipo de decisão é político e não militar, que é preciso considerar muitos fatores, que têm medo de que os japoneses fechem seus portos ao comércio, que têm medo de uma invasão. Ainda não tornamos a falar com eles — concluiu Robby.

— Qual é a OrBat para a Coreia? — perguntou Jack.

A expressão significava "ordem de batalha", ou seja, uma avaliação das forças militares do país.

— Tenho uma cópia aqui comigo.

— Faça um resumo — pediu Ryan.

— É pouco maior que a do Japão. Houve um certo enxugamento depois da reunificação, mas sem perda de qualidade. As armas e a doutrina são essencialmente americanas. A força aérea é de primeira. Já fizemos alguns exercícios com eles e...

— Se você fosse um general da República da Coreia, estaria com medo do Japão?

— Estaria preocupado — respondeu o almirante Jackson. Não propriamente com medo, mas preocupado. Lembre-se de que eles nunca se deram muito bem com os japoneses.

— Eu sei. Mande-me cópias daquele relatório do adido e da OrBat da Coreia.

— Certo — disse o almirante, antes de desligar.

Logo depois, Ryan ligou para a CIA. Mary Pat ainda não estava disponível, mas o marido atendeu. Ryan não perdeu tempo com preliminares.

— Ed, recebeu alguma mensagem da nossa filial em Seul?

— Os coreanos estão nervosos. Não parecem muito dispostos a cooperar conosco. Temos amigos no Serviço Secreto da Coreia, mas eles se fecharam em copas.

— Está acontecendo alguma coisa fora do normal no país?

— Está, sim — respondeu Ed Foley. — A força aérea coreana nunca esteve tão ativa. Você sabe que eles estabeleceram uma grande área de treinamento no norte do país, não sabe? Pois resolveram executar uma série de exercícios não programados. Temos algumas fotografias tiradas por satélites.

— O que me diz de Pequim? — perguntou Ryan.

— Não temos praticamente nada. A China prefere ficar de fora. Eles dizem que não estão interessados no caso. Não têm nada a ver com os japoneses.

— Pense um pouco, Ed — ordenou Jack.

— Bom, é claro que têm algo a ver com os japoneses... oh...

Não era justo, e Ryan sabia disso. Ele dispunha de mais informações que os outros e começara a analisar os fatos muito antes.

— Acabam de surgir algumas informações interessantes. Vou mandá-las para vocês assim que estiverem digitadas. Quero que venham para cá às duas e meia para discutirmos o assunto.

— Estaremos aí — prometeu o subvice-diretor de operações.

Ryan olhou de novo para o mapa. Não era difícil perceber o que estava acontecendo; bastava contar com as informações corretas e pensar um pouco.

A Coreia não era um país de se deixar intimidar pelo Japão. No início do século, os coreanos tinham sido governados pelos japoneses durante quase cinquenta anos e não guardavam boas memórias desse período. Tratados como escravos pelos conquistadores, havia poucas maneiras de morrer mais depressa do que chamar um coreano de japona. A antipatia era real; com a expansão da economia coreana e a competição cada vez maior com o Japão que isso acarretava, o ressentimento passara a ser bilateral. Na base de tudo estava o elemento racial. Embora os coreanos e os japoneses tivessem uma grande identidade genética, os japoneses ainda encaravam os coreanos da mesma forma como Hitler encarara os poloneses. Além disso, os coreanos tinham uma tradição militar bem diferente. Haviam enviado duas divisões ao Vietnã e tinham desenvolvido um exército respeitável para fazer frente à ameaça, agora extinta, dos vizinhos do norte. De colônia do Japão, tinham se transformado em um país forte e muito, muito orgulhoso. O que, então, os faria trair seus compromissos com os Estados Unidos? Não podia ser o Japão. A Coreia não tinha por que temer um ataque direto, e o Japão jamais se atreveria a usar armas nucleares contra a Coreia; o vento se encarregaria de transportar a precipitação radiativa para o território do agressor.

Por outro lado, ao norte da Coreia estava o país mais populoso do planeta, com o maior exército do globo, e isso era suficiente para intimidar os coreanos, assim como intimidar qualquer um.

O Japão necessitava desesperadamente de recursos naturais. Desenvolvera uma base econômica soberba, contava com mão de obra altamente qualificada, dominava todas as tecnologias de ponta. Entretanto, tinha uma população relativamente pequena.

A China contava com uma imensa população, mas era um país em desenvolvimento, com uma população pouco instruída e algumas deficiências tecnológicas. Como o Japão, a China precisava de recursos.

Ao norte da China e do Japão estava o último tesouro inexplorado do planeta.

Ocupando as Marianas, os japoneses podiam impedir que o principal instrumento estratégico dos Estados Unidos, a Marinha, se aproximasse da região de interesse. A única outra forma de proteger a Sibéria era pelo oeste, atravessando a Rússia. Na prática, isso significava que a região no momento estava entregue à própria sorte. A China tinha armas nucleares suficientes para intimidar a Rússia e um grande exército para ocupar os territórios conquistados. Era um jogo arriscado, é claro, mas com as economias dos Estados Unidos e da Europa falidas, impedidas de ajudar a Rússia, tinham boas probabilidades de êxito. Guerra em prestações.

A tática, além do mais, não tinha nada de novo. Primeiro abalar o inimigo mais forte, depois engolir o mais fraco. Exatamente o mesmo que os japoneses tentaram em 1941-1942. Os japoneses jamais haviam pensado em conquistar os Estados Unidos; o objetivo era atingi-los tão duramente, que eles teriam de aceitar suas conquistas locais. Na verdade, era muito simples, pensou Ryan. Bastava saber o que procurar. Nesse momento, o telefone tocou. Era a linha número quatro.

— Alô, Sergey — disse Ryan.

— Como você sabia que era eu? — perguntou Golovko.

Jack poderia ter respondido que aquela linha estava reservada para uso exclusivo do russo, mas não o fez.

— Porque você está pensando a mesma coisa que eu.

— O que você está pensando?

— Acho que eles estão atrás de vocês, Sergey Nikolayevich. Provavelmente vão atacá-los no ano que vem — disse Ryan, em tom inconsequente, ainda excitado pela descoberta.

— Mais cedo do que isso. No outono, imagino. É quando o tempo estará mais favorável para esse tipo de operação. — Fez uma longa pausa. — Vocês podem nos ajudar, Ivan Emmetovich? Não, a pergunta é outra. Vocês querem nos ajudar?

— As alianças, como as amizades, são sempre bilaterais — observou Jack. — Você precisa ter uma conversa com o seu presidente. Eu, também.

32

RELATÓRIO ESPECIAL

 

Como um oficial que sempre desejara ser o comandante de um navio como aquele, o comandante Sanchez estava satisfeito por ter decidido permanecer a bordo em vez de voar no seu caça até a Estação Aeronaval de Barbers Point. Seis rebocadores tinham ajudado o USS John Stennis a entrar na doca seca.

Havia mais de cem engenheiros a bordo, incluindo os cinquenta que trabalhavam para os Estaleiros de Newport News e estavam examinando o sistema de propulsão. A doca estava cercada por caminhões e centenas de empregados do estaleiro, que pareciam médicos ou enfermeiros de uma equipe de emergência, pensou Bud, prontos para atender a um paciente acidentado.

Enquanto o comandante Sanchez observava, um guindaste retirou a primeira peça e outro começou a girar para levantar o que parecia ser um reboque, provavelmente para colocá-lo no convés. A comporta da doca ainda nem estava totalmente fechada. Deviam estar com muita pressa.

— Comandante Sanchez? Bud voltou-se e viu que era um cabo dos fuzileiros. O homem bateu continência e entregou-lhe uma mensagem.

— O senhor está sendo esperado no centro de operações do CINC-PACFLT, comandante.

 

— Isso é uma loucura total — afirmou o presidente da Bolsa de Valores de Nova York, que foi o primeiro a falar.

O auditório da filial do FBI em Nova York parecia uma sala de tribunal, com lugares para cem ou mais pessoas. Estava com menos da metade dos assentos ocupados. A maioria dos presentes trabalhava para o governo. Quase todos eram agentes do FBI e funcionários da SEC que estavam trabalhando no caso desde a noite de sexta-feira. Entretanto, a primeira fila estava tomada por presidentes e diretores de corretoras e instituições financeiras.

George acabava de apresentar sua versão dos acontecimentos da semana anterior, usando um projetor de transparências para mostrar as tendências do mercado e procurando ser o mais claro possível, pois o cansaço provavelmente afetava o grau de compreensão da plateia. Nesse momento, o presidente do Fed entrou no auditório, depois de concluir seus telefonemas para a Europa. Fez um sinal para Winston e Fiedler com o polegar para cima e sentou-se em uma das últimas filas.

— Pode ser uma loucura, mas foi o que aconteceu. O presidente da NYSE pensou um pouco.

— Está tudo muito bem — afirmou, depois de alguns segundos, querendo dizer que nada estava bem, e todos sabiam disso. — Acontece que estamos atolados no meio de um pântano, e os jacarés se aproximam. Não acho que vamos conseguir mantê-los por muito tempo a uma distância segura.

Todos concordavam quanto a isso. Os ocupantes da primeira fila ficaram surpresos ao ver o ex-colega sorrir. Winston voltou-se para o secretário do Tesouro.

— Buzz, por que não se encarrega de dar a boa notícia?

— Senhoras e senhores, existe uma saída — declarou Fiedler. Durante os sessenta segundos que se seguiram, a plateia escutou em um silêncio incrédulo. Os corretores não tinham nem coragem de olhar uns para os outros. Embora a proposta não chegasse a gerar aplausos de aprovação, ninguém protestou, mesmo depois de um tempo aparentemente interminável de reflexão.

O primeiro a falar, previsivelmente, foi o diretor-gerente da Cummings, Carter e Cantor. A CCC dera o último suspiro por volta das 3:15 da sexta-feira anterior, apanhada na contramão do mercado, as reservas em dinheiro esgotadas, depois que a Merrill Lynch recusou um pedido de ajuda, algo que o diretor-gerente, em sã consciência, não podia censurar.

— Isso é legal? — perguntou.

— A cooperação de vocês não será considerada ilegal nem pelo Departamento de Justiça nem pela Securities and Exchange Commission. Por outro lado — acrescentou Fiedler —, qualquer tentativa de tirar proveito da situação será punida com rigor. Entretanto, se trabalharmos juntos, acredito que todos os problemas com a legislação antitruste e outros poderão ser contornados em nome da segurança nacional. Trata-se de um procedimento irregular, mas que a partir deste momento tem o aval do governo dos Estados Unidos.

Espantoso, pensou a plateia, especialmente os agentes do FBI.

— Todos sabem o que aconteceu conosco na CCC — disse o diretor-gerente, olhando em volta, enquanto seu ceticismo natural começava a ser temperado por um alívio autêntico. — Não temos escolha. Vamos apoiar a proposta.

— Tenho algo a acrescentar — disse o presidente do Fed, levantando-se do seu lugar e dirigindo-se para a frente do auditório. — Acabei de ligar para os presidentes dos bancos centrais da Inglaterra, França, Alemanha, Suíça, Bélgica e Holanda. Todos voarão para cá esta noite. Vamos nos reunir aqui mesmo amanhã de manhã para formular um plano de ação conjunto. Vamos estabilizar o dólar. Vamos recuperar o mercado das Obrigações do Tesouro. O sistema bancário americano não vai soçobrar. Vou propor à Comissão do Open Market que todos os investidores que concordarem em renovar suas Obrigações do Tesouro, isto é, reaplicar o dinheiro por mais três ou seis meses, conforme o caso, recebam uma bonificação de cinquenta pontos como recompensa do governo americano por nos auxiliar nesta situação difícil. Vamos oferecer a mesma bonificação a quem comprar Obrigações do Tesouro nos primeiros dez dias depois que os mercados forem reabertos.

Boa ideia, pensou Winston. Isso atrairia dinheiro estrangeiro para os Estados Unidos e sugaria dinheiro do Japão, ajudando a estabilizar o dólar e ao mesmo tempo ameaçando o iene. Os bancos asiáticos que se haviam desfeito de dólares seriam os maiores prejudicados. A brincadeira funciona nos dois sentidos, não é mesmo?

— Vamos precisar de uma lei especial para isso — objetou um técnico do Tesouro.

— Isso não será problema. No momento, esta é a política oficial da Federal Reserve, aprovada e apoiada pelo presidente dos Estados Unidos — afirmou o presidente do Fed.

— O que o governo quer é salvar a nossa vida, pessoal — declarou Winston, andando de um lado para o outro em frente à grade de madeira. — Fomos atacados por inimigos que queriam nos derrubar. Estavam atrás do nosso pescoço. Pois não vão conseguir nada. Daqui a uma semana, estaremos prontos para outra.

— Sexta-feira ao meio-dia, hein? — perguntou o presidente da NYSE.

— Exatamente — afirmou Fiedler, olhando firme para o outro, à espera de uma resposta.

O executivo pensou um pouco e depois assentiu.

— Pode contar com a cooperação total da Bolsa de Valores de Nova York.

O prestígio da NYSE foi suficiente para acabar com todas as dúvidas. Em mais dez segundos, todos os representantes das instituições financeiras estavam de pé, sorrindo e já pensando em colocar novamente suas empresas para funcionar.

— Não haverá mais corretagem por computador até segunda ordem — advertiu Fiedler. — Esses "sistemas especialistas" quase acabaram conosco. Sexta-feira será um dia muito importante. Queremos que as pessoas usem a cabeça e não jogos da Nintendo.

— Entendido — disse o presidente da NASDAQ em nome dos outros.

— Acho que estava mesmo na hora de reavaliarmos certas coisas — disse o presidente da Merrill Lynch, em tom pensativo.

— Vamos coordenar os trabalhos através deste escritório. Pensem no assunto — pediu o presidente do Fed. — Se tiverem alguma ideia para tornar a transição mais suave, gostaríamos de ser informados. Vamos nos reunir novamente às seis horas. Senhoras e senhores, estamos todos no mesmo barco. Nos próximos dias, não vamos ser competidores e sim membros de uma mesma equipe.

— Mais de um milhão de investidores dependem da minha empresa — lembrou Winston. — Alguns de vocês têm uma clientela ainda maior. Não podemos nos esquecer disso.

Não havia nada como um apelo à honra. A honra era uma virtude que todos apreciavam, mesmo os que não a possuíam. A honra era uma dívida, um código de comportamento, uma promessa. Todos naquela sala queriam que os outros olhassem e vissem uma pessoa merecedora de respeito e confiança, ou seja, uma pessoa honrada. A honra era um conceito muito útil, pensou Winston, especialmente em tempos difíceis.

 

Uma coisa de cada vez, pensou Ryan. Em situações como aquela, era melhor cuidar primeiro dos problemas simples e deixar os complicados para depois.

A missão agora era mais evitar a guerra do que vencê-la, mas o segundo objetivo seria parte do primeiro.

A invasão da Sibéria Oriental pelo Japão e pela China teria como consequência a criação de um novo... um novo o quê? Um novo eixo? Não exatamente. Certamente um novo centro econômico, um rival para os Estados Unidos em todas as categorias do poder. O Japão e a China estariam com uma grande vantagem em termos econômicos.

Isso em si podia não ser uma ambição censurável, mas os métodos usados para consegui-la, sim. O mundo já fora regido por leis tão simples quanto as da selva. Quando você pegava alguma coisa primeiro, ela era sua... contanto que você fosse forte o suficiente para conservá-la. Essas regras não eram propriamente elegantes, nem exatamente justas pelos padrões contemporâneos, mas tinham sido aceitas porque as nações mais fortes em geral proporcionavam aos indivíduos estabilidade política em troca da sua lealdade, e esse era em geral o primeiro passo para o crescimento de uma nação. Depois de algum tempo, porém, a necessidade humana de paz e segurança transformava-se em algo mais: um desejo de participar do governo do país. De 1789, o ano em que os Estados Unidos ratificaram a constitui­ção, até 1989, o ano em que o bloco da Europa Oriental se desfez, nesses meros dois séculos, alguma coisa nova nascera na mente coletiva da humanidade. Era conhecida por muitos nomes: democracia, direitos huma­nos, autodeterminação, mas era basicamente o reconhecimento de que a vontade das pessoas devia ser respeitada.

Os japoneses não queriam respeitar essa vontade. Entretanto, a época das velhas regras passara, pensou Jack. Os homens que estavam naquela sala teriam de mostrar isso ao Japão.

— De modo que esta é a situação geral no Pacífico — afirmou, terminando sua exposição.

A Sala do Gabinete estava repleta, a não ser pelo assento do secretário do Tesouro, que se fizera representar pelo subsecretário. Em volta da mesa estavam os chefes dos vários órgãos do Poder Executivo. Membros do Congresso e militares graduados ocupavam lugares perto das quatro paredes.

O próximo a falar seria o secretário de Defesa. Em vez de se dirigir para o atril, porém, como Ryan fizera, começou a falar de onde estava, praticamente sem consultar suas notas.

— Não sei se conseguiremos atingir todos os objetivos — começou o SecDef, fazendo os homens e mulheres do Gabinete da Presidência se remexerem nervosamente nos assentos. "O problema é essencialmente prático. Não temos força suficiente para...

— Espere um momento — interrompeu Ryan. — Quero chamar atenção para alguns detalhes, certo?

Ninguém objetou. Até o secretário de Defesa pareceu aliviado por não ter de falar.

— Há quase um século que a ilha de Guam pertence aos Estados Unidos. Seus habitantes são cidadãos americanos. O Japão tomou a ilha de nós em 1941, e nós a recuperamos em 1944. Muitos soldados morreram para que isso fosse possível.

— Achamos que podemos conseguir Guam de volta por meios diplomáticos — afirmou Hanson.

— É uma boa notícia — replicou Ryan. — E o restante das Marianas?

— Meus homens acham que isso será difícil de conseguir por meios pacíficos. Vamos insistir, é claro, mas...

— Mas o quê? — perguntou Jack. Não houve resposta. — Está bem, vamos deixar outra coisa bem clara. Ao contrário do que afirmou o embaixador japonês, as Marianas Setentrionais jamais pertenceram ao Japão. Elas eram um Território Livre, sob a custódia da Liga das Nações, e portanto não podem ser consideradas como despojos de guerra. Em 1947, foram declaradas pelas Nações Unidas como Território Livre sob a proteção dos Estados Unidos. Em 1952, o Japão renunciou oficialmente a qualquer pretensão em relação às ilhas. Em 1978, a população das Marianas Setentrionais optou por se tornar uma Comunidade politicamente unida aos Estados Unidos e elegeu o primeiro governador. Levamos muito tempo para permitir que eles o fizessem, mas isso finalmente aconteceu. Em 1986, a ONU decidiu que havíamos cumprido nossas obrigações para com os residentes das ilhas e no mesmo ano eles receberam a cidadania americana. Finalmente, em 1990, o Conselho de Segurança da ONU encerrou oficialmente a custódia.

"Estão entendendo? Os habitantes dessas ilhas são cidadãos americanos, com passaportes dos Estados Unidos. Não porque foram forçados a isso, mas através de uma escolha livre. Isso é chamado de autodeterminação. Levamos a ideia àquele recanto longínquo e as pessoas devem ter achado que estávamos falando sério.

— Nem sempre se pode fazer tudo que se deseja — afirmou Hanson. — Podemos negociar...

— Negociar uma ova! — esbravejou Jack. — Quem foi que disse que não podemos lutar? O SecDef levantou a cabeça de suas anotações.

— Jack, levaríamos vários anos para reativar... as forcas que desativamos. Se precisa de um culpado, pode me culpar por isso.

— De qualquer forma, quanto isso nos custaria? — perguntou o secretário de Saúde e Serviços Humanos. — Temos muitos problemas urgentes aqui mesmo!

— Então vamos deixar um país estrangeiro violar os direitos de cidadania de americanos apenas porque é difícil defendê-los? — perguntou Ryan, em tom mais ponderado. — E depois? O que faremos da próxima vez que isso acontecer? Digam-me, quando foi que deixamos de ser os Estados Unidos da América? É uma questão de vontade política, nada mais — afirmou o conselheiro de Segurança Nacional. — Será que temos essa vontade?

— Dr. Ryan, temos de ser realistas — observou o secretário do Interior. — Vale a pena colocar em risco as vidas de todos os habitantes das ilhas?

— Costumávamos dizer que a liberdade era mais importante do que a própria vida. Costumávamos dizer a mesma coisa a respeito dos nossos princípios políticos — replicou Ryan. — O resultado é o mundo que esses princípios ajudaram a construir. O que chamamos de direitos... não nos foram dados por ninguém. Não senhor. Tivemos de lutar por essas ideias. Muitos homens morreram para defendê-las. Os habitantes dessas ilhas são cidadãos americanos. Será que não lhes devemos alguma coisa?

Hanson estava ficando nervoso com a argumentação de Ryan. Outros também estavam, mas deixaram que ele protestasse.

— Podemos negociar a partir de uma posição de força... mas temos de agir com muita cautela.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Ryan.

— Que droga, Ryan, não podemos nos arriscar a uma guerra nuclear por causa de alguns milhares de...

— Secretário, qual é o número mágico, então? Um milhão? O lugar que ocupamos no mundo baseia-se em ideias simples... e muita gente deu a vida para defender essas ideias.

— Isso é filosofia barata — rebateu Hanson. — Escute, minha equipe já iniciou as negociações. Vamos conseguir Guam de volta.

— Não, senhor. Vamos conseguir todas as ilhas de volta. E vou lhe explicar por quê. — Ryan inclinou-se para a frente e varreu a mesa com os olhos. — Se não o fizermos, não poderemos evitar uma guerra entre a Rússia de um lado e o Japão e a China do outro. Conheço os russos; eles não entregarão a Sibéria sem luta. Precisam dos recursos daquela região para recuperar economicamente o país. Os russos podem recorrer a armas nucleares. O Japão e a China provavelmente pensam que eles não chegarão a esse extremo, mas estão enganados, e vou lhes explicar por quê.

"Se não enfrentarmos o Japão, os russos acharão que estão sozinhos. Nesse caso, não hesitarão em recorrer a todas as armas disponíveis. A mortandade será algo nunca visto na história da humanidade. Eu não gostaria de assistir a uma nova idade das trevas; vocês gostariam? "A verdade, portanto, é que não temos escolha. Podem discutir o quanto quiserem, mas a conclusão só pode ser uma: temos uma dívida de honra para com a população daquelas ilhas, que optou pela cidadania americana. Se não defendermos esse princípio, não teremos autoridade moral para defender mais nada. Ninguém mais confiará em nós, ninguém nos respeitará. Se dermos as costas a essa gente, não somos a nação que dizemos que somos e tudo que fizemos até hoje não passa de uma farsa.

Durante toda a discussão, o presidente Durling permaneceu em silêncio, muito quieto, observando os presentes, especialmente o secretário de Defesa e atrás dele, perto da parede, o chefe do Estado-Maior Conjunto, o homem que o SecDef escolhera para ajudá-lo a desmantelar as forças armadas. Os dois homens achavam-se de olhos baixos, e era evidente que não estavam à altura da situação. Também era claro que o país tinha de tomar uma atitude.

— Como podemos recuperá-las, Jack? — perguntou Roger Durling.

— Ainda não sei, presidente. Antes de mais nada, temos de decidir se vamos tentar ou não, e isso, presidente, depende do senhor.

Durling pensou em consultar o gabinete a respeito, mas olhou em volta e não gostou do que viu. Lembrou-se da época em que servira no Vietnã e dissera aos soldados que estavam ali que defendessem uma causa justa, embora soubesse tratar-se de uma mentira. Jamais se esquecera da expressão nos seus rostos; embora poucas pessoas soubessem disso, todo mês, na escuridão da noite, ia até o Monumento às Vítimas do Vietnã, onde conhecia a localização exata do nome de cada homem que morrera sob seu comando e visitava esses nomes, um por um, para lhes dizer que sim, que realmente fora por uma causa justa, que aquelas mortes tinham contribuído para alguma coisa e que o mundo mudara para melhor, tarde demais para eles, mas não tarde demais para o restante da população. Durling lembrou-se de uma coisa: ninguém jamais tomara um território dos Estados Unidos. Talvez tudo se resumisse a isso.

— Brett, quero que comece imediatamente as negociações. Deixe claro que os Estados Unidos consideram inaceitável a situação atual no Pacífico Ocidental. Não aceitaremos nada menos do que a devolução de todas as ilhas do arquipélago das Marianas. Nada menos — repetiu Durling.

— Sim, presidente.

— Quero planos e opções para a remoção das forças japonesas dessas ilhas se as negociações fracassarem — disse o SALTADOR ao secretário de Defesa.

O SecDef fez que sim com a cabeça, mas sua expressão deixava claro que ele não acreditava que fosse possível atender ao presidente.

O almirante Chandraskatta sabia que demorara muito, mas era paciente e podia se dar a esse luxo. O que vai acontecer agora?, perguntou-se.

 

Poderia ter agido mais depressa. Procedera com cautela, procurando conhecer os processos mentais do adversário, o contra-almirante Michael Dubro. Ele era um inimigo de peso, um homem inteligente e preparado, mas, justamente por causa disso, tendia a subestimar o oponente. Era óbvio havia mais de uma semana que a formação americana se encontrava a sudoeste; rumando para o sul, induzira Dubro a dirigir-se para o norte e depois para leste. Mesmo que seus cálculos estivessem errados, a esquadra americana teria de ir para a mesma região, a leste do cabo Dondra, forçando os navios-tanque da esquadra a usar a rota mais curta. Mais cedo ou mais tarde, eles seriam avistados pelas patrulhas aéreas, como realmente aconte­cera. Agora, tudo que tinha a fazer era segui-los; Dubro não podia afastar-se deles a não ser rumando para leste. Entretanto, isso significava afastar-se também do Sri Lanka, permitindo que a formação anfíbia da Marinha indiana despejasse na ilha sua carga de soldados e blindados. A única alternativa dos americanos era ficar e enfrentar sua esquadra em combate.

Os americanos não fariam isso... fariam? Não. A única coisa sensata que restava aos Estados Unidos era mandarem Dubro e seus dois porta-aviões recuarem para Pearl Harbor, onde aguardariam a decisão política em relação ao Japão. Os americanos tinham dividido a esquadra em duas, violando a máxima de Alfred Thayer Mahan, que Chandraskatta aprendera, fazia apenas alguns anos, na Escola de Guerra Naval, em Newport, Rhode Island, onde estudara da mesma turma que Yusuo Sato. Ainda se lembrava das conversas que tivera com o japonês, enquanto caminhavam ao longo da orla marítima, admirando os iates e discutindo como era possível as marinhas pequenas derrotarem as grandes.

Chegando a Pearl Harbor, Dubro convocaria as equipes de inteligência e operações do comando da Frota do Pacífico; eles analisariam todas as informações disponíveis e chegariam à conclusão de que não havia nada a fazer. Chandraskatta podia imaginar a frustração do almirante americano.

Antes, porém, queria ensinar-lhe uma lição. Agora, ele era o caçador e os americanos, a caça. Apesar de toda a agilidade da frota, mais cedo ou mais tarde ficaria sem espaço para manobrar. Agora podia empurrá-la para longe, abrindo caminho para a primeira conquista do seu país. Uma pequena conquista, quase desprezível, mas mesmo assim importante, porque os americanos recuariam, permitindo que seu país avançasse, como o Japão avançara. Quando os americanos recuperassem as forças, seria tarde demais. Na verdade, era tudo uma questão de espaço e tempo. Ambos trabalhavam contra um país assolado por dificuldades internas e portanto sem vontade política. Os japoneses tinham sido muito espertos ao perceber isso.

— Foi melhor do que eu esperava — comentou Durling.

Pela primeira vez, fora até o escritório de Ryan para conversar com o conselheiro de Segurança Nacional.

— O senhor acha mesmo? — perguntou Jack, surpreso.

— Não se esqueça de que herdei de Bob a maior parte do gabinete — disse o presidente, sentando-se. — Eles se preocupam muito mais com os assuntos internos. Desde o início, isto tem sido um problema.

— Está precisando de um novo SecDef — observou Ryan, em tom seco.

— Eu sei, mas o momento não é propício. — Durling sorriu. — Isso dá a você uma responsabilidade ainda maior, Jack. Mas eu queria lhe fazer uma pergunta.

— Não sei se vamos ganhar esta parada — observou Ryan, rabiscando algo no bloco de anotações.

— A primeira coisa a fazer é neutralizar aqueles mísseis.

— Eu sei disso, presidente. Vamos encontrá-los, de uma forma ou de outra. Os outros trunfos do inimigo são os reféns e nossa dificuldade para chegar até as ilhas. Esta guerra, se é que se trata de uma guerra, tem regras diferentes. Ainda não sei bem quais são.

Ryan ainda estava trabalhando na parte pública do problema. Como o povo americano reagia à notícia? Como os japoneses reagiriam? — Quer ouvir a opinião do comandante-em-chefe? — perguntou Durling.

Isso foi suficiente para produzir outro sorriso.

— Claro que sim.

— Lutei em uma guerra na qual era o outro lado que fazia as regras — afirmou Durling. — Não foi muito agradável.

— O que me leva a uma pergunta — disse Jack.

— Diga.

— Até que ponto podemos ir?

O presidente pensou um pouco.

— Está sendo muito vago.

— Os comandantes inimigos são considerados alvos legítimos, mas nas outras guerras essas pessoas usavam uniformes.

— Está falando em irmos atrás dos zaibatsu!

— Isso mesmo. Tudo indica que são eles que estão por trás de tudo. Entretanto, são civis, e se os matássemos poderíamos ser acusados de assassinato.

— Vamos atravessar essa ponte quando chegarmos lá, Jack. O presidente levantou-se para ir embora; já dera seu recado.

— Está certo.

Uma responsabilidade ainda maior, pensou Ryan. Isso podia significar muitas coisas. Provavelmente queria dizer que estava autorizado a comandar a reação, mas teria que fazer isso sozinho, assumindo pessoalmente todos os riscos. Já fiz isso antes, pensou Jack

 

— O que nós fizemos? — perguntou Koga. — O que permitimos que eles fizessem?

— E muito fácil para eles — respondeu um assessor político. Não precisava dizer quem eram eles. — Com a oposição dividida, podem colocar o país no rumo que quiserem. Já faz algum tempo... — o homem deu de ombros.

— Já faz algum tempo que a política do nosso país é decidida por vinte ou trinta homens eleitos por assembleias de acionistas. Mas não acha que foram longe demais? — perguntou Koga.

— Longe demais? — Estamos onde estamos. De que adianta negar a realidade?

— Mas quem protegerá o povo? — perguntou o ex-primeiro-ministro.

— Goto, é claro.

— Não podemos permitir que isso aconteça. Sabe muito bem a quem ele serve. — O assessor de Koga fez que sim com a cabeça e teria sorrido se a situação não fosse tão grave. — Diga-me uma coisa — prosseguiu Mogataru Koga. — O que significa a honra? O que ela exige no momento?

— Nosso primeiro dever, primeiro-ministro, é para com o povo — respondeu um homem que era amigo do político desde o tempo em que ambos estudavam na Universidade de Tóquio. Então lembrou-se de uma frase dita por um ocidental de nome Cícero: — "A suprema lei é o bem do povo." Isso dizia tudo, pensou Koga. Imaginou se a traição sempre começaria daquela forma. Era algo para pensar na hora de dormir, só que não tinha esperança de conseguir dormir naquela noite. Nesta manhã, corrigiu-se, depois de consultar o relógio.

 

— Temos certeza de que a bitola é padrão? — Pode examinar pessoalmente as fotos — disse Betsy Fleming. Estavam de volta à sede do Escritório Nacional de Reconhecimento, no Pentágono.

— O vagão de transporte que nossos agentes viram era de bitola padrão.

— Será que não estavam tentando despistar? — perguntou o analista do NRO.

— O SS-19 tem um diâmetro de dois metros e oitenta e dois centímetros _ replicou Chris Scott, passando ao companheiro um fax vindo da Rússia. — Acrescente a isso dois metros e setenta centímetros para o invólucro. Fiz os cálculos pessoalmente. A bitola estreita estaria no limite para um objeto dessa largura. É possível, mas por uma margem muito pequena.

— É preciso levar em conta que eles dificilmente estariam dispostos a correr riscos desnecessários — prosseguiu Betsy. — Além do mais, os russos também consideraram a possibilidade de transportar os mísseis de trem, e todas as suas ferrovias usam uma bitola...

— É mesmo. Eu tinha me esquecido desse detalhe. A bitola dos russos é maior do que a nossa, não é? Certo, isso torna nossa tarefa bem mais fácil.

O analista foi até o computador e chamou uma ordem que preparara algumas horas antes. Para cada passagem sobre o Japão, as câmaras de alta resolução fariam um rastreamento de acordo com coordenadas bem defini­das. Curiosamente, quem dispunha dos melhores dados a respeito das ferrovias japonesas era a AMTRAK, e naquele exato momento um dos executivos da empresa estava recebendo instruções com relação às normas de segurança para aquele tipo de informação. As instruções na verdade eram muito simples. Conte a alguém o que você sabe e irá passar umas longas férias em Marion, Illinois.

A ordem gerada pelo computador foi enviada a Sunnyvale, Califórnia, daí para um satélite militar de comunicações e daí para os dois satélites KH-11, um dos quais deveria sobrevoar o Japão dali a cinquenta minutos; o outro faria o mesmo dez minutos mais tarde. Não sabiam até que ponto os japoneses eram competentes em matéria de camuflagem; talvez não tivessem chance de descobrir. Tudo que podiam fazer, na verdade, era esperar. Examinariam as fotografias à medida que fossem chegando, mas a menos que houvesse indícios óbvios do que estavam procurando, o trabalho poderia levar vários dias para dar frutos. Isso se tivessem sorte.

 

O Kurushio estava na superfície, algo que sempre deixava um comandante de submarino um pouco preocupado. Não ficariam ali por muito tempo. O combustível estava sendo bombeado para bordo através de duas man­gueiras de grosso calibre, e outros suprimentos, principalmente comida, estavam sendo transportados por um guindaste para o convés do submari­no. O comandante Ugaki sabia que sua marinha não dispunha de um navio especializado no atendimento a submarinos. Em geral, usavam navios-tanque para esse fim, mas no momento eles estavam ocupados em outras tarefas, e ele se vira forçado a recorrer a um navio mercante cuja tripulação era entusiástica mas que não estava habituada àquele tipo de serviço.

Seu submarino fora o último a entrar no porto de Agana porque era o que estava mais afastado das Marianas quando começara a ocupação. Havia disparado apenas um torpedo e ficara muito satisfeito com o desempenho do Tipo 89. O navio mercante não dispunha do equipamento necessário para remuniciá-lo, mas, pensou o comandante, ainda lhe restavam quinze torpedos, além de quatro mísseis Harpoon, e se os americanos lhe ofere­cessem um número igual de alvos, tanto melhor.

Os tripulantes que não estavam ocupados arrumando os suprimentos na popa estavam aglomerados no convés, tomando banho de sol, como na verdade o próprio comandante estava fazendo, sem camisa, bebendo chá e com um largo sorriso. A próxima missão seria patrulhar a região a oeste das ilhas Bonin para interceptar qualquer navio ou submarino americano que tentasse se aproximar do Japão. Provavelmente, seria uma missão típica de um submarino, pensou Ugaki: monótona, mas cansativa. Teria de conversar com a tripulação sobre a importância do trabalho que tinham pela frente.

 

— Onde está a linha de patrulhamento? — perguntou Jones.

— No momento, concentrada no meridiano 165 leste — informou o almirante Mancuso, apontando para o mapa. — Estamos com falta de pessoal, Jones. Antes de mandá-los para a guerra, quero que se acostumem com a ideia. Pedi aos oficiais para redobrar os treinamentos. A gente nunca está totalmente preparado para o combate, Ron. Nunca.

— É verdade — concordou o civil. Chegara com algumas listagens do SOSUS para mostrar que todos os contatos de submarinos estavam fora da tela. Dois conjuntos de hidrofones que eram operados a partir da ilha de Guam não funcionavam mais. Embora estivessem ligados por cabo submarino ao restante da rede, evidentemente tinham sido desligados pela estação de Guam, e ninguém em Pearl conseguira reativá-los. A boa notícia era que uma rede de reserva perto de Samar, nas Filipinas, ainda estava funcionando, mas não podia detectar os SSK japoneses que, de acordo com as fotos dos satélites, estavam se reabastecendo perto de Agana. Tinham até mesmo conseguido identificá-los. Possivelmente, pensou Mancuso. Os japoneses ainda pintavam os números no casco e eles eram visíveis nas fotos dos satélites. A menos que os japoneses, como os russos e depois os americanos, tivessem aprendido a frustrar os satélites espiões mudando os números ao acaso.

— Seria bom se tivéssemos mais alguns submarinos rápidos, não seria? — observou Jones, depois de passar um minuto examinando o mapa.

— Claro que seria. Talvez, se falarmos com Washington... — Mancuso interrompeu o que estava dizendo e pensou um pouco. O mapa mostrava a localização de todos os submarinos sob seu comando, mesmo os que estavam sofrendo reparos. Os submarinos disponíveis eram mostrados em preto; os que estavam no estaleiro apareciam em branco, com as datas previstas para o retorno à ativa, o que não era muito útil no momento. Mas havia cinco desses símbolos em Bremerton, não havia?

 

O letreiro Pronunciamento Especial apareceu em todas as redes de TV. Em todas elas, um locutor informou ao público que a programação da rede seria interrompida para um discurso do presidente a respeito da crise econômica que sua administração estava enfrentando desde o fim de semana. Em seguida, foi mostrado o Selo Presidencial. Aqueles que estavam acompa­nhando os acontecimentos ficaram surpresos ao ver o presidente sorrir.

— Boa noite.

"Meus amigos, na semana passada o sistema financeiro americano passou por um momento crítico.

"Quero começar meu pronunciamento dizendo que a economia ameri­cana nunca esteve tão forte. Essa declaração pode parecer estranha — ele sorriu —, considerando o que devem ter lido nos jornais e visto na televisão. Gostaria de explicar por que isso é verdade. Vou começar com uma pergunta: "O que mudou? Os operários americanos ainda estão fabricando carros em Detroit e em outros -lugares. Os operários americanos ainda estão fabricando aço. Os fazendeiros do Kansas já colheram o trigo do inverno e estão se preparando para plantar outra vez. Ainda estamos fazendo compu­tadores no Vale do Silício. Ainda estamos fazendo pneus em Akron. A Boeing ainda está fabricando aviões. Ainda estamos extraindo petróleo no Texas e no Alasca. Ainda estamos extraindo carvão em Virgínia Ocidental. Estamos fazendo tudo que estávamos fazendo há uma semana atrás. O que mudou, então?

"O que mudou foi o seguinte: alguns elétrons viajaram em alguns fios de cobre, fios telefônicos como este (o presidente mostrou um fio de telefone e estendeu-o sobre a mesa) e isso foi tudo — afirmou, na voz de um vizinho simpático que se dispõe a oferecer um conselho. — Ninguém morreu. Nenhuma empresa foi à falência. A riqueza da nossa nação não mudou. Não perdemos nada.

"No entanto, meus amigos, entramos em pânico... por quê?

"Nos últimos quatro dias, verificamos que houve uma tentativa deliberada de manipular os mercados financeiros dos Estados Unidos. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, com a ajuda de alguns dedicados americanos que trabalham nesses mercados, está agora iniciando um processo criminal contra as pessoas responsáveis pelo problema. Não posso entrar em detalhes, porque mesmo o presidente não pode privar alguém do direito a um julgamento justo e imparcial. Entretanto, sabemos o que aconteceu e que isso foi totalmente artificial.

— O que vamos fazer a respeito? — perguntou Roger Durling.

— Os mercados financeiros estiveram fechados a semana inteira. Reabrirão sexta-feira ao meio-dia e...

33

PONTOS DE REVERSÃO

 

— Não pode dar certo — afirmou Kozo Matsuda, ao ouvir a tradução. — O plano de Raizo foi perfeito... mais do que perfeito — prosseguiu, falando tanto para si mesmo como para o interlocutor. Antes da crise, trabalhara com um banqueiro amigo para aproveitar a oportunidade e obter um bom lucro nas transações com as Obrigações do Tesouro, o que ajudara a recapitalizar as suas enfraquecidas empresas. Também concentrara seu capital de giro em ienes. Mas isso não era um problema, era? Não com a força renovada do iene e a fraqueza correspondente da moeda americana. Podia até fazer sentido, pensou, comprar interesses americanos através de intermediários... uma boa estratégia quando as bolsas de valores dos Estados Unidos fossem reabertas.

— Quando serão abertos os mercados europeus? — perguntou. Por alguma razão, estava tão animado que não conseguia se lembrar.

— Londres está nove horas atrasada em relação a nós; a Alemanha e a Holanda, oito horas. Às quatro da tarde — respondeu o homem do outro lado da linha. — Nossos homens têm suas instruções. — As instruções eram claras: usar o novo poder da moeda nacional para comprar o máximo possível de ações europeias, de modo que quando o pânico financeiro terminasse, dali a dois ou três anos, o Japão estivesse totalmente integrado à economia multinacional, tão integrado que sua retirada envolvesse o risco de um novo colapso financeiro. E isso eles não podiam aceitar, não depois de superarem a pior crise econômica das últimas três gerações, não depois de o Japão desempenhar um papel tão importante e tão altruístico na recuperação financeira de trezentos milhões de europeus. Os americanos suspeitavam de que a crise fora provocada, mas Yamata-san garantira que não existiam registros das transações. Não tinha sido um golpe genial, apagar todos os registros e substituí-los pelo caos? As empresas não podiam funcionar sem um registro de todas as transações; na falta desses registros, tinham simplesmente estagnado. Para reconstituí-los, seriam necessários vários meses, pensou Matsuda, durante os quais a paralisação permitiria que o Japão, ou, mais precisamente, seus colegas zaibatsu, tirassem proveito da situação, imitando a brilhante estratégia praticada por Yamata através dos órgãos do governo. A natureza integrada do plano era a razão pela qual todos os grandes empresários tinham concordado com ele.

"Na verdade, não faz muita diferença, Kozo. Conquistamos a Europa, também. A única liquidez que resta no mundo é a nossa.

— Gostei de ver, chefe — disse Ryan, apoiando-se no umbral da porta.

— Ainda resta muito a fazer — afirmou Durling, levantando-se e saindo da Sala Oval antes de continuar.

O presidente e o conselheiro de Segurança Nacional entraram na Casa Branca e passaram pelos técnicos, que eram as únicas pessoas presentes. Ainda não estava na hora de enfrentar os repórteres.

— Estou impressionado com a filosofia da situação — declarou Jack, quando tomaram o elevador para o andar residencial.

— Metafísica, hein? Você estudou em uma escola jesuíta, não foi? — Na verdade, estudei em três escolas jesuítas. O que é a realidade? — perguntou Jack. — A realidade para eles são elétrons e telas de monitores, e se existe uma coisa que aprendi em Wall Street, é que eles não entendem nada de investimentos. Com exceção de Yamata, suponho.

— Ele se saiu muito bem, não foi? — perguntou Durling.

— Ele não devia ter mexido com os registros. Se tivesse deixado as coisas seguirem seu curso normal... — Ryan deu de ombros. — Hoje estaríamos em um buraco tamanho família. Acho que não lhe ocorreu que pudéssemos violar as regras do jogo. — E isso, pensou Jack, seria a chave de tudo. O discurso do presidente tinha sido uma boa mistura de coisas ditas e não ditas, e o alvo do discurso fora bem escolhido. Era o equivalente psicológico de uma declaração de guerra.

— A imprensa não pode ficar para sempre alheia à situação.

— Eu sei. — Ryan sabia que alguém poderia revelar tudo; se isso não acontecera até o momento, era graças ao FBI. — Mas precisamos mantê-los assim por mais algum tempo.

Os preparativos começaram com cautela, não como parte de um plano operacional, mas mais como os preparativos para um. Quatro bombardeiros B-l B Lancer decolaram da Base Aérea de Elmendorf, no Alasca, seguidos por dois aviões-tanque KG10. A combinação de latitude e época do ano garantia a escuridão. Os compartimentos de bombas continham combustí­vel em lugar de armas. Cada aeronave levava uma tripulação de quatro homens: piloto, copiloto e dois operadores de sistemas.

O Lancer era uma aeronave esguia, um bombardeiro equipado com um manche de caça em lugar da meia-lua mais convencional dos aviões maiores; os pilotos diziam que o B-l B era uma espécie de F-4 Phantom ligeiramente mais pesado, seu maior peso e tamanho proporcionando ao bombardeiro maior estabilidade. No momento, a esquadrilha de seis B-l B seguia a rota internacional R-220, mantendo a distância lateral prevista para aeronaves comerciais.

Depois de estarem voando há duas horas e terem percorrido 1.500 quilômetros, passando por Shemya e abandonando a área coberta pelos radares de superfície, as seis aeronaves tomaram o rumo norte. Os aviões-tanque conservaram a altitude, enquanto os bombardeiros, um a um, baixavam para receber combustível, um processo que durou em média doze minutos para cada aeronave. Terminada a operação, os bombardeiros continuaram no rumo sudoeste, enquanto os aviões-tanque pousavam em Shemya, onde reabasteceriam seus próprios tanques.

Os quatro bombardeiros desceram para 7.500 metros, o que os deixou abaixo das rotas comerciais, permitindo-lhes mais liberdade de manobra. Continuaram a seguir a R-220, a mais ocidental das rotas comerciais, que passava pela península de Kamchatka.

Os equipamentos eletrônicos foram ligados. Embora tivesse sido pro­jetado para ser um bombardeiro de penetração, o B-l B podia desempenhar muitos papéis, entre eles o de avião de reconhecimento. A fuselagem de qualquer avião militar é coalhada de pequenas estruturas, que parecem barbatanas de peixe. Esses objetos são antenas e a forma delgada não tem um objetivo mais sinistro do que o de reduzir o arraste. O Lancer dispunha de muitas delas, destinadas a receber ondas de radar e outros sinais eletrônicos e encaminhá-las aos equipamentos internos, que analisavam os dados. Parte do trabalho era executada em tempo real pela tripulação. A ideia era que o bombardeiro monitorasse radares hostis para facilitar a tarefa da tripulação de evitar o inimigo e soltar as bombas.

No ponto de referência NOGAL, a cerca de quinhentos quilômetros da Zona de Identificação da Defesa Aérea Japonesa, os bombardeiros se separaram para formar uma linha de patrulhamento, mantendo uma distância de cerca de oitenta quilômetros uns dos outros e descendo para três mil metros. Os tripulantes esfregaram as mãos, apertaram um pouco mais os cintos de segurança e procuraram se concentrar. As conversas foram reduzidas ao mínimo necessário, e os gravadores foram ligados. Os satélites informavam que a Força Aérea Japonesa dispunha de aeronaves de obser­vação, E-767, operando de forma quase contínua, e essas eram as defesas que as tripulações dos bombardeiros mais temiam. Voando a grande altitude, os E-767 podiam ver muito longe. Extremamente ágeis, eram capazes de reagir a emergências com alto grau de eficiência. Pior ainda: quase sempre trabalhavam em conjunto com os caças. Os caças dispunham de olhos; por trás dos olhos havia cérebros, e armas dotadas de cérebros eram as mais perigosas de todas.

— Muito bem, lá está o primeiro — disse um dos operadores de sistemas. Na verdade, não era o primeiro. Para praticar, tinham ajustado os equipamentos para os radares de defesa aérea dos russos, mas, pela primeira vez na memória coletiva dos dezesseis homens, não eram os radares e caças russos que os deixavam preocupados. — De baixa frequência, fixo, localiza­ção conhecida.

Estavam recebendo o que os operadores chamavam de "flocos". O radar em questão se encontrava além do horizonte, longe demais para detectar as aeronaves semi-invisíveis. Da mesma forma como você pode ver alguém com uma lanterna na mão muito antes que a pessoa possa vê-lo à luz da lanterna, um transmissor de radar de alta potência revela inevitavel­mente sua localização ao inimigo. A posição, frequência, taxa de repetição dos pulsos e potência estimada do radar foram determinadas e anotadas. Um indicador no painel do oficial de guerra eletrônica mostrava a cobertura daquele radar. A mesma informação era mostrada no painel do piloto, com a região perigosa assinalada em vermelho, para que ele se mantivesse afastado.

— Mais um — afirmou o OGE. — Puxa, que potência! E este é aéreo. Deve ser um dos novos. Está se movendo de norte para sul. A marcação atual é dois-zero-dois.

— Entendido — disse o piloto, varrendo com o olhar o céu noturno.

O Lancer estava sendo dirigido pelo piloto automático, mas a mão direita do piloto encontrava-se a apenas alguns centímetros do manche, pronta para mudar o rumo. Havia caças em algum lugar à sua direita, dois F-15, provavelmente, mas eles não se afastariam dos E-767.

— Acaba de aparecer um terceiro, em um-nove-cinco... a frequência é diferente e... espere um momento — disse o oficial de guerra eletrônica. Certo, a frequência mudou de forma brusca. Ele provavelmente está agora em condições de enxergar além do horizonte.

— Será que pode nos ver? — perguntou o piloto, verificando de novo a tela de cobertura. Em volta da zona em vermelho havia uma região amarela que o piloto chamava de zona do "talvez". Faltavam apenas alguns minutos para entrar nessa zona, e o "talvez" de repente lhe pareceu muito perigoso no local onde se encontrava, a quase cinco mil quilômetros da Base Aérea de Elmendorf.

— Não sei. E possível. Recomendo que desvie para a esquerda — respondeu o OGE.

Imediatamente, sentiu a aeronave mudar de rumo. Não estavam ali para correr riscos, e sim para colher informações, como um jogador que observa a mesa antes de sentar-se e fazer sua aposta.

— Acho que há alguém ali — comentou um dos operadores do E-767. — Marcação zero-um-cinco, rumando para o sul. O sinal está muito fraco.

Havia poucos rotodomos no mundo como o que adornava o teto do E-767, e eram todos de fabricação japonesa. Três deles estavam operando a leste do arquipélago japonês. Irradiando até três milhões de watts de energia elétrica, tinham uma potência quatro vezes maior do que qualquer radar aéreo dos americanos, mas a verdadeira sofisticação do sistema não estava na potência e sim no modo de irradiá-la. Basicamente uma versão menor do radar SPY que equipava os contratorpedeiros da classe Kongo, o radar era composto de milhares de diodos semicondutores capazes de executar varreduras mecânicas ou eletrônicas e mudar a frequência de acordo com as necessidades do momento. Para detecção a grandes distâncias, era melhor usar uma frequência relativamente baixa. Entretanto, embora isso permi­tisse detectar objetos situados um pouco mais longe que o horizonte visual, a resolução era prejudicada. O operador estava recebendo um sinal a cada três varreduras, se tanto. O software do sistema ainda não aprendera a distinguir o ruído de fundo de um alvo significativo, especialmente para aquela frequência...

— Tem certeza? — perguntou o outro controlador pelo intercomunica-dor. Ele acabara de examinar a tela e não vira nenhum sinal.

— Está aqui. — O primeiro homem usou o cursor para mostrar o alvo no momento em que ele apareceu de novo. Gostaria que estivessem usando um software mais avançado. — Espere! Olhe aqui! — Escolheu outro ponto e marcou-o, também. Ele desapareceu quase de imediato, mas voltou quinze segundos depois. — Viu? Está rumando para o sul com uma velocidade de mil quilômetros por hora.

— Excelente.

O outro controlador ligou o transmissor de rádio e avisou à estação de terra que as defesas aéreas japonesas estavam sendo postas à prova pela primeira vez. A única surpresa, na verdade, era que levara mais tempo para acontecer do que supunham. As coisas agora ficarão interessantes, pensou, imaginando o que aconteceria em seguida, agora que a brincadeira havia começado.

— Mais algum E-767? — perguntou o piloto.

— Não. Apenas aqueles dois. Pensei que tinha visto um terceiro sinal, faz um minuto, mas ele sumiu — disse o OGE.

Não precisava explicar que com a sensibilidade daqueles instrumentos, devia estar captando até as transmissões dos controles remotos de portas de garagem. Logo depois, localizaram outro radar de terra. A linha de patrulha rumou para oeste depois de passar pelos dois E-767, ainda no curso geral sudoeste, agora a meio caminho da maior ilha do arquipélago japonês, Honshu, que estava mais de quinhentos quilômetros à direita. Os copilotos das quatro aeronaves olhavam agora exclusivamente para oeste, enquanto os pilotos olhavam para a frente, atentos a um possível tráfego aéreo. Era um voo tenso mas rotineiro, como passar de carro por um bairro perigoso. Enquanto os sinais estivessem todos verdes, você não ficava preocupado... mas não gostava da forma como estavam olhando para seu automóvel.

A tripulação do terceiro E-767 não estava satisfeita, e os caças da escolta menos ainda. Aeronaves inimigas tinham começado a rondar as ilhas japonesas; embora estivessem a seiscentos quilômetros de distância, repre­sentavam uma presença incômoda. Decidiram desligar os aparelhos de radar. Deviam ser aviões de reconhecimento EC-135, preparando o terreno para um ataque dos Estados Unidos. Se a missão americana era colher informações, o melhor que tinham a fazer era evitar que as conseguissem. E isso era fácil, ou pelo menos assim pensavam os controladores dos aparelhos de radar.

Vamos chegar mais perto da próxima vez, pensou o piloto da aeronave. Antes, os especialistas teriam de examinar os dados para verificar o que era seguro ou não. A vida de outros oficiais da Força Aérea dependeria do acerto dessas conclusões. Era um pensamento confortador. Os membros da tripulação deram um suspiro de alívio, bocejaram e começaram a conversar a respeito da missão e do que haviam descoberto. Mais quatro horas e meia, e estariam em Elmendorf para um banho de chuveiro e um repouso merecido.

Os controladores japoneses ainda não estavam totalmente convencidos de que tinham captado um sinal de verdade, mas isso poderia ser verificado através de um exame das fitas gravadas. Os padrões de patrulhamento voltaram à observação normal das rotas comerciais, e alguns comentários foram trocados entre tripulantes que queriam saber por que ainda havia tráfego aéreo. Os interlocutores se limitaram a dar de ombros e arquear as sobrancelhas; na verdade, sabiam tão pouco a respeito disso quanto da realidade dos pontinhos que tinham aparecido nas telas de radar. Quando você observava um monitor de radar por mais do que algumas horas, sua imaginação começava a funcionar, e quanto mais você se preocupava, mais forte era o efeito. Mas isso, eles sabiam, era algo que devia estar afetando o outro lado, também.

Os presidentes dos bancos centrais estavam acostumados a um tratamento VIP. Todos os voos chegaram ao Aeroporto Internacional John F. Kennedy dentro de um intervalo de uma hora. Os presidentes foram recebidos por diplomatas graduados das delegações à ONU dos respec­tivos países, passaram pela alfândega e foram para a cidade em carros de placa diplomática. O destino surpreendeu a todos, mas o presidente do Fed explicou que o escritório do FBI em Nova York era um lugar melhor para se reunir do que a filial do Federal Reserve Bank, principalmente porque tinha tamanho suficiente para acomodar os diretores das grandes corretoras; as leis antitruste tinham sido suspensas no interesse da segurança nacional. Essa informação deixou os visitantes europeus ainda mais surpresos. Finalmente, pensaram todos, os Estados Unidos reco­nheciam que as questões financeiras eram importantes para a segurança nacional. Já era mais do que tempo.

Depois de uma introdução de Fiedler e do presidente do Fed, George Winston e Mark Gant apresentaram sua versão dos acontecimentos da semana anterior.

— Eles foram diabólicos — comentou o presidente do Banco da Ingla­terra com o colega alemão.

— Jawohl — murmurou o outro.

— Como podemos impedir que fatos como esses se repitam? — pergun­tou um deles.

— Para começar, temos de manter melhores registros — respondeu Fiedler, mais alerta depois de algumas horas de sono. — O que mais...? Precisamos estudar o assunto. No momento, estamos mais interessados em sair da crise atual.

— Para isso, o iene precisa ser penalizado — observou o presidente do Banco da França. — E a melhor forma de proteger nossas moedas nacionais é ajudá-los a proteger o dólar.

— Isso mesmo — concordou o presidente do Fed. — Jean-Jaques, fico satisfeito ao constatar que pensa exatamente como eu.

— E para salvar o mercado de ações, o que vocês pretendem fazer? — perguntou o presidente do Bundesbank.

— Isto pode parecer loucura, mas achamos que dará certo — começou Fiedler, descrevendo as medidas que o presidente Durling não revelara em seu discurso e cuja execução dependia, em grande parte, da cooperação dos europeus.

Os visitantes trocaram olhares, primeiro de incredulidade e depois de aprovação. Fiedler sorriu.

— Posso sugerir que nossas atividades sejam coordenadas para começa­rem sexta-feira? Nove da manhã era considerada uma hora pouco apropriada para o início de negociações diplomáticas, o que facilitava as coisas. A delegação americana chegou à embaixada do Japão, na Massachusetts Avenue, N.W., em carros particulares, para não despertar a atenção.

As formalidades foram observadas à risca. A sala de conferências era espaçosa e dispunha de uma mesa também grande. Os americanos tomaram seus lugares de um lado da mesa e os japoneses do outro. Apertos de mãos foram trocados, porque era assim que procediam os diplomatas. Havia chá e café à vontade, mas a maioria se serviu apenas de água gelada. Para desconforto dos americanos, alguns japoneses estavam fumando. Scott Adler imaginou se tinham feito isso apenas com intenção de irritá-lo e por isso, para mostrar que não estava ligando, pediu um cigarro ao ajudante do embaixador japonês.

— Obrigado por nos receber — começou, em tom cauteloso.

— Seja bem-vindo, mais uma vez, à nossa embaixada — respondeu o embaixador do Japão, com uma leve mesura.

— Vamos começar? — perguntou Adler.

— Por favor.

O embaixador recostou-se na cadeira e adotou uma postura relaxada para mostrar que estava à vontade e escutaria polidamente o que o americano tinha a dizer.

— Os Estados Unidos estão muito preocupados com os acontecimen­tos do Pacífico Ocidental — começou Adler. Muito preocupados era a expressão correta. Quando um país fica muito preocupado, isso significa em geral que está pensando em uma ação armada. — Como sabe, os habitantes do arquipélago das Marianas se tornaram cidadãos america­nos por sua livre escolha, expressa através de uma eleição realizada há quase vinte anos. Por esse motivo, os Estados Unidos, em nenhuma circunstância, aceitarão que os japoneses ocupem essas ilhas, e solid... não — corrigiu-se Adler —, exigem que essas ilhas retornem imediatamente à soberania americana, com a retirada total das tropas japonesas dos territórios em questão. Exigimos ainda que todos os cidadãos americanos mantidos sob custódia pelo governo japonês sejam libertados de imedia­to. Se não atenderem a essas exigências, as consequências serão extre­mamente sérias.

Todos os presentes acharam que a declaração inicial fora bastante clara. Talvez tivesse pecado um pouco por excesso, pensaram os japoneses, mesmo aqueles que consideravam as ações do seu país como uma loucura.

— Eu, pessoalmente, lamento o tom do seu pronunciamento — replicou o embaixador, dando uma bofetada diplomática em Adler. — Quanto ao mérito das exigências, estamos dispostos a escutar seus argumentos e considerá-los à luz dos nossos próprios interesses de segurança.

Era uma forma de dizer que Adler teria de repetir o que acabara de dizer, com maiores detalhes. Estava implícito o convite para uma nova declaração da qual constassem algumas concessões, em troca das quais seu governo poderia conceder alguma coisa.

— Talvez eu não tenha sido suficientemente explícito — afirmou Adler, depois de beber um gole d'água. — Seu país cometeu um ato de guerra contra os Estados Unidos da América. As consequências de atos desse tipo são necessariamente graves. Oferecemos ao seu país a oportunidade de voltar atrás antes que haja mais derramamento de sangue.

Os outros americanos que estavam sentados à mesa tiraram a sua conclusão: jogo duro. Não houvera tempo para que combinassem exatamente a estratégia a seguir, mas Adler tinha ido mais longe do que esperavam.

— Mais uma vez, considero o seu tom deplorável — declarou o embai­xador japonês, depois de pensar um pouco. — Meu país tem direito a um mínimo de segurança e foi vítima de uma legislação impensada que poderá causar graves danos à nossa economia. O artigo 51 do Estatuto das Nações Unidas reconhece explicitamente o direito de qualquer nação soberana a adotar medidas de autodefesa. Não fizemos mais do que isso.

Era uma argumentação hábil, reconheceram os americanos, e a crítica ao tom áspero de Adler representava uma abertura para as negociações. As discussões iniciais prosseguiram por noventa minutos sem que nenhum dos dois lados cedesse um milímetro. Limitavam-se a repetir o que já haviam dito, praticamente palavra por palavra. Então chegou a hora do intervalo. Os seguranças abriram as portas que davam para o belo jardim da embaixada, e todos saíram, supostamente para tomar ar fresco, mas na verdade para continuar o trabalho. O jardim era grande demais para que fossem instalados equipamentos de escuta.

— Então, Chris, finalmente a coisa começou — disse Seiji Nagumo, bebendo um gole de café. Escolhera a bebida para mostrar que simpatizava com os americanos; pela mesma razão, Christopher Cook estava bebendo chá.

— O que esperava que disséssemos? — perguntou o assistente do subsecretário de Estado.

— O discurso de abertura não nos surpreendeu — afirmou Nagumo. Em vez de encarar o japonês, Cook olhou para o muro do jardim.

— De que vocês vão abrir mão? — perguntou, em voz baixa.

— De Guam, certamente, mas ela terá de ser desmilitarizada — respon­deu Nagumo, no mesmo tom. — E vocês? — Até agora, de nada.

— Você precisa me dar alguma coisa para trabalhar — observou Nagumo.

— Não tenho nada a oferecer, exceto talvez a cessação das hostilidades... antes que comecem de verdade.

— Quando elas vão começar? — Ainda não há data prevista, graças a Deus. Temos tempo para trabalhar. Vamos aproveitá-lo.

— Vou passar a notícia adiante. Obrigado — disse Nagumo, afastando-se para se reunir aos membros da sua delegação.

Cook imitou-o. Três minutos depois, estava conversando com Scott Adler.

— Guam, desmilitarizada. Isso é garantido. Talvez outras concessões, mas não é garantido.

— Interessante — observou Adler. — Então você estava certo quando disse que eles nos ofereceriam alguma coisa. Bom trabalho, Chris.

— O que ofereceremos em troca? — Absolutamente nada — disse, em tom seco, o Subsecretário de Estado.

Estava pensando no pai, na tatuagem no braço, no dia em que descobrira que um 9 era um 6 de cabeça para baixo e na forma como a liberdade do pai fora roubada por um país que se aliara ao dono daquela embaixada e do seu elegante jardim. Não era uma atitude profissional, e Adler sabia disso. O Japão fora um abrigo seguro durante aqueles anos para uns poucos judeus europeus, um dos quais se tornara secretário de governo na administração de Jimmy Carter. Se seu pai tivesse sido um desses afortunados, talvez sua atitude fosse diferente, mas isso não acontecera. — Para começar, vamos pressioná-los e ver o que acontece.

— Acho que estamos cometendo um erro — afirmou Cook.

— Talvez — admitiu Adler. — Mas quem errou primeiro foram eles.

Os militares não estavam nada satisfeitos. Menos ainda os civis, que haviam preparado o local cinco vezes mais depressa do que aqueles idiotas de uniforme teriam conseguido, além de fazê-lo em total segredo e por um custo muito menor.

— Nunca ocorreu a vocês camuflar o local? — perguntou o general japonês.

— Como alguém poderia nos encontrar neste fim de mundo? — replicou o engenheiro-chefe.

— Eles têm câmaras em órbita capazes de fotografar um maço de cigarros.

— E um país inteiro para procurar. — O engenheiro deu de ombros. — Estamos no fundo de um vale cujas encostas são tão íngremes, que um míssil balístico não pode penetrar aqui sem se chocar com aqueles picos. — O homem apontou. — E agora eles nem mesmo dispõem de mísseis balísticos — acrescentou.

O general tinha instruções para ser paciente e tratou de cumpri-las, depois do rompante inicial. Agora, o local estava sob o seu comando.

— Quanto menos o outro lado souber, melhor.

— Então acha que devemos nos esconder? — perguntou o engenheiro, educadamente.

— Isso mesmo.

— Que tal instalarmos redes de camuflagem? Tinham feito isso na fase de construção.

— Se elas estão aqui, é um bom começo. Mais tarde vamos pensar em medidas mais permanentes.

De trem, hein? — comentou o funcionário da AMTRAK depois de ouvir a explicação. — Quando comecei no ramo, trabalhava para a Great Northern e a Força Aérea nos procurou meia dúzia de vezes com a ideia de transportar mísseis de trem.

— Quer dizer que a ideia chegou a ser discutida? — perguntou Betsy Fleming.

— Oh, sim. — O funcionário fez uma pausa. — Agora posso ver as fotos? — A maldita preleção sobre segurança representara várias horas de ameaças desnecessárias, depois das quais o funcionário fora mandado de volta ao hotel para ler os formulários... enquanto o FBI examinava sua ficha, pensou.

Chris Scott ligou o projetor de diapositivos. Ele e Fleming já tinham feito sua própria análise, mas o objetivo de chamar um consultor de fora era ouvir uma opinião imparcial. A primeira fotografia mostrava apenas o míssil, para dar uma ideia do seu tamanho. Em seguida, passaram a uma foto do vagão.

— Sim, parece um vagão-plataforma, mais comprido do que o normal, provavelmente fabricado sob medida. Estrutura de aço. Os japoneses são muito bons neste tipo de coisa. Bons engenheiros. Estou vendo um guindaste. Quanto pesa um desses monstros? — O míssil deve pesar umas cem toneladas — respondeu Betsy. — O invólucro, mais vinte.

— Isso é muita coisa para uma carga única, mas está perfeitamente dentro da capacidade do vagão e da via férrea. — Fez uma pausa. — Não estou vendo nenhuma ligação eletrônica, apenas os cabos dos freios e da sinalização. Acha que serão lançados diretamente dos vagões? — Não sei. O que você acha? — perguntou Chris Scott — A mesma coisa que disse ao pessoal da Força Aérea há vinte e poucos anos, quando me perguntaram sobre o MX. Sim, é possível transportá-los de um lado para o outro, mas isso não os torna particu­larmente difíceis de ser localizados, a menos que sejam fabricados muitos vagões exatamente com o mesmo aspecto. Mesmo assim, como no caso na linha principal na Northern, é muito fácil localizar o alvo. Basta procurar uma linha fina e comprida. A nossa linha principal, de Minneapolis a Seattle, era mais comprida do que todas as outras linhas de bitola padrão deste país.

— E daí? — quis saber Fleming.

— Daí que este não é um vagão de lançamento, apenas um vagão de transporte. Não precisavam de mim para descobrir isso.

Não, mas é bom saber que alguém concorda conosco, pensou Betsy.

— Mais alguma coisa? — A Força Aérea vivia me dizendo que esses bichinhos são delicados.

Devem ser tratados com carinho. Na velocidade normal de operação, seriam submetidos a uma aceleração lateral de 3g e a uma aceleração vertical de 0,5g. Isso não seria bom para o míssil. O outro problema é o de tamanho. Esse vagão tem vinte e sete metros de comprimento e os vagões-plataforma normais têm dezoito metros ou menos. A maioria das ferrovias japonesas é de bitola estreita. Sabem por quê? — Imaginamos que eles simplesmente tinham escolhido...

— É tudo uma questão de engenharia, entendem? Com a bitola estreita, podem-se fazer curvas mais fechadas, passar em lugares mais apertados, de modo que ela se presta a projetos de pequeno porte. No caso do Shin-Kansen, porém, os japoneses tiveram de recorrer à bitola padrão, que oferece mais estabilidade e permite velocidades maiores. O comprimento da carga e o comprimento correspondente do vagão também constituem uma limitação importante, porque em curvas fecha­das o vagão pode invadir o espaço da linha vizinha, o que representa um risco de colisão, a menos que você bloqueie o tráfego no sentido oposto cada vez que está transportando esses monstros. E por isso que o local para onde foram transportados os mísseis está ao lado da linha do Shin-Kansen. Tem de estar. Em seguida, vem o problema da carga. Este realmente é complicado.

— Prossiga — disse Betsy Fleming.

— Como os mísseis são delicados, o trem teria de se mover muito devagar, o que representaria um imenso transtorno para nossos horários. Acabamos recusando o trabalho. Estávamos interessados no dinheiro, é claro, mas as dificuldades eram tantas que não valeria a pena. O mesmo se aplica a eles, não é mesmo? É até pior. O Shin-Kansen é um trem de passageiros de alta velocidade. Eles têm um horário tão rígido, que vocês nem acreditam, e não gostariam de nada que os perturbasse. Querem saber meu palpite? Eles usaram esses vagões apenas para transportar os mísseis da fábrica para algum lugar e ponto final. Aposto como fizeram o serviço à noite. Se eu fosse vocês, trataria de procurar os vagões até encontrá-los em algum entroncamento, abandonados. Em seguida, procuraria uma linha nas vizinhanças que não levasse a lugar nenhum.

Scott mudou o diapositivo.

— Conhece bem as estradas de ferro japonesas? — Conheço. Não foi por isso que me chamaram? — Então me diga o que acha desta aqui — pediu Scott, apontando para a tela.

— É um radar potente — comentou um dos técnicos.

O reboque tinha sido levado de avião até Elmendorf para apoiar a missão do B-l. As tripulações do bombardeiro estavam dormindo, e os técnicos de radar, oficiais e praças examinavam os registros em fita das observações.

— Um radar aéreo? — perguntou um major.

— E o que parece. Muito melhor que o APY-1 que vendemos a eles faz dez anos. Estamos falando de dois milhões de watts e do modo como a intensidade do sinal varia. Sabe o que temos aqui? Um domo rotativo, provavelmente uma única rede planar — afirmou o primeiro-sargento. — Está girando, mas também é possível apontá-la eletronicamente.

— Varrer e rastrear ao mesmo tempo? — Por que não? Pode mudar de frequência quando quiser. Eu adoraria ter um desses. — O sargento pegou uma fotografia do avião. — Esta coisa vai ser um problema para nós. Toda essa potência... fico imaginando se eles não conseguiriam detectar o B-l.

— Dessa distância? O B-1B não era, estritamente falando, um avião invisível. De frente, praticamente não refletia ondas de radar; de lado, porém, sua seção reta para o radar era bem maior, embora ainda mais reduzida do que no caso de uma aeronave convencional com as mesmas dimensões.

— Sim, senhor. Gostaria de dar mais uma olhada nas fitas.

— O que está procurando? — O rotodomo provavelmente descreve seis rotações por minuto. Os pulsos devem ter sido registrados mais ou menos com esse intervalo. Qualquer outro significa que estavam apontando o radar para nós.

— Bem pensado, sargento. Mãos à obra.

34

TODOS A BORDO

 

Yamata não gostou de voltar a Tóquio. Sua forma de operação em trinta anos de negócios fora estabelecer as diretrizes mestras e deixar que um grupo de subordinados cuidasse dos detalhes, enquanto se dedicava a outros assuntos. No caso em questão, esperava que o trabalho diminuísse com o tempo. Afinal, os vinte zaibatsu mais importantes estavam agora a seu serviço. Não que reconhecessem o fato, pensou Yamata-san, com um sorriso irônico. Fazer o governo cantar sua música tinha sido brincadeira de criança; conseguir o mesmo daqueles homens exigira anos de persuasão. Entretanto, eles estavam cantando sua música e só precisavam do maestro de tempos em tempos. Por isso, voara para casa em um avião comercial quase vazio, com o objetivo de tranquilizá-los.

— Não é possível — garantiu.

— Mas ele disse...

— Kozo, o presidente Durling pode dizer o que quiser. Estou afirmando que para reconstituir todos os registros eles levarão pelo menos algumas semanas. Se tentarem reabrir as bolsas hoje mesmo, o resultado será o caos. E o caos trabalha a nosso favor — lembrou.

— E os europeus? — quis saber Tanzan Itagake.

— Eles acordarão no fim da semana que vem e descobrirão que compramos o continente inteiro — afirmou Yamata. — Em cinco anos, os Estados Unidos serão nosso supermercado e a Europa a nossa butique. A essa altura, o iene será a moeda mais forte do planeta. A essa altura, teremos uma economia nacional totalmente integrada e um aliado continental poderoso. Ambos seremos autossuficientes. Não precisaremos mais abortar nossos bebês para evitar a superpopulação. Além disso, teremos uma liderança política à altura de nossa posição. Este é o próximo passo, meus amigos.

É mesmo? pensou Binichi Murakami, por trás de um rosto impassível. Lembrou-se de que um dos motivos que o levara a assinar o pacto fora o fato de ser agredido por um mendigo bêbado nas ruas de Washington. Seria possível que alguém tão esperto como ele pudesse se deixar influenciar por uma irritação mesquinha? Mas isso acontecera, e agora estava junto com os outros. O industrial bebeu um gole de saque e ficou em silêncio, enquanto Yamata-san falava com entusiasmo do futuro do país. Estava na verdade falando a respeito do próprio futuro, é claro, e imaginou quantos dos homens em volta da mesa compreendiam isso. Eram todos uns tolos. Não, não era justo chamá-los assim. Afinal, era um deles.

O major Boris Scherenko tinha não menos do que onze agentes em altos postos do governo japonês, um dos quais era vice-chefe da DISP, um homem que recrutara havia alguns anos, durante uma viagem de sexo e jogo a Formosa. Era a pessoa ideal para controlar; um dia provavelmente se tornaria chefe do órgão, permitindo que a rezidentura de Tóquio acompanhasse e influenciasse as atividades de contraespionagem em todo o país. O que deixava intrigado o oficial russo era que nenhum dos seus agentes descobrira nada de valor até o momento.

Havia também a questão de trabalhar com os americanos. Dada sua experiência e seu treinamento profissional, é como se estivesse chefiando a comissão de boas-vindas para uma delegação de marcianos. O despacho vindo de Moscou tornava a aliança mais fácil de aceitar. Parecia que os japoneses estavam planejando roubar, em cumplicidade com a China, as reservas mais preciosas do seu país e usá-las para se tornar a nação mais poderosa do mundo. O mais estranho era que Scherenko achava o plano viável. Em seguida, vinha sua missão específica.

Doze mísseis, pensou. Era uma área pela qual nunca se interessara. Afinal, os mísseis tinham sido vendidos por Moscou. Certamente haviam pensado na possibilidade de que fossem usados para... não, é claro que não haviam pensado. Scherenko prometeu a si próprio que falaria com aquele tal de Clark, um homem experiente, e depois de quebrar o gelo com alguns drinques, perguntaria delicadamente se as diretrizes americanas eram tão estúpidas quanto as que recebia, independentemente do governo em questão. Talvez o americano tivesse algo útil a dizer. Afinal, o governo dos Estados Unidos mudava a cada quatro ou oito anos. Provavelmente já estavam acostumados.

Vinte mísseis, pensou. Com seis ogivas cada um. Tinha havido uma época em que era comum pensar em mísseis em termos de milhares de unidades, e os dois lados tinham sido suficientemente insanos para aceitar esse fato com naturalidade. Agora, porém, a possibilidade de existirem dez ou vinte mísseis nucleares... para quem estariam realmente apontados? Os america­nos ficariam mesmo do lado dos novos... o quê? Amigos? Aliados? Sócios? Ou eram simplesmente ex-inimigos cuja nova posição ainda não fora definida em Washington? Os americanos ajudariam seu país a se defender do novo/antigo perigo? Não podia tirar da cabeça o pensamento: Vinte mísseis vezes seis ogivas nucleares. O suficiente para arrasar a Rússia. O suficiente para arrasar os Estados Unidos.

Acho que Moscou tem razão, pensou Scherenko. A melhor solução era cooperar com os americanos. Eles queriam saber a localização dos mísseis, provavelmente com a intenção de destruí-los. E se não fizerem isso, nós faremos.

O major cuidava pessoalmente de três dos agentes. Os subordinados cuidavam dos outros; a seu comando, mensagens foram preparadas para todos eles. O que você sabe a respeito... Quando responderiam a esse pedido de informações? O perigo não era tanto que os agentes não conseguissem a informação solicitada, mas que um ou mais deles decidisse contar tudo ao governo. Ao abordar um assunto de tamanha importância, corria o risco de dar a um dos agentes a oportunidade de se redimir, tornando-se um patriota e revelando as ordens que recebera. Entretanto, era um risco que tinha de correr. Depois da meia-noite, saiu para dar uma volta a pé, escolhendo ruas movimentadas para deixar os recados e fazendo os sinais apropriados para alertar seus agentes. Esperava que aquela região estivesse sendo coberta pela metade da DISP sob seu controle. Achava que sim, mas nesse campo nunca se podia ter certeza.

Kimura sabia que estava correndo um risco, mas já passara do estágio de preocupar-se com isso. Tudo que esperava era que as pessoas compreendes­sem seu patriotismo quando fosse executado por traição. O outro consolo era que não morreria sozinho.

— Posso arranjar um encontro com o ex-primeiro-ministro Koga — afirmou, em tom lacônico.

Que merda, pensou Clark. Sou um espião e não um diplomata do Departamento de Estado, teve vontade de dizer. A única coisa boa no momento era que Chavez não mostrara nenhuma reação. Provavelmente, o coração do rapaz tinha parado, pensou John. Como o seu quase parará.

— Com que objetivo? — perguntou.

— A situação é grave, não é? Koga-san não teve nada a ver com isso. Ele ainda tem muita influência política. O governo americano deve estar interessado nas suas opiniões.

É, talvez você tenha razão. Mas Koga também era um político fora do governo e possivelmente disposto a trocar as vidas de alguns estrangeiros pela volta ao poder; ou talvez um homem que colocava sua pátria à frente das ambições pessoais... Clark não poderia dizer qual dessas hipóteses era verdadeira.

— Antes de mais nada, preciso pedir instruções ao meu governo — afirmou John.

Não gostava de contemporizar, mas aquela situação era realmente nova.

— Nesse caso, sugiro que o faça sem perda de tempo — declarou Kimura, levantando-se.

— Sempre imaginei se meu mestrado em relações internacionais seria útil para alguma coisa — comentou Chavez, olhando para o copo pela metade. — Claro que isso se viver tempo suficiente para receber o diploma.

Gostaria também de me casar, ter filhos e talvez até mesmo levar uma vida normal, pensou.

— E bom ver que não perdeu o senso de humor, Yevgeniy Pavlovich.

— Eles vão nos dar sinal verde. Sabe disso.

— Da — concordou Clark, tentando pensar como um russo.

Será que o manual da KGB falava de uma situação como essa? O da CIA certamente que não.

Como sempre, as fitas eram mais claras do que uma análise apressada dos operadores poderia indicar. Havia três, talvez quatro (o mais provável era que fossem quatro, dados os padrões de operação dos americanos, opinaram os especialistas) aeronaves sondando as defesas aéreas japonesas. Entretan­to, não eram aviões EC-135. Essas aeronaves, baseadas em um projeto desenvolvido havia quase cinquenta anos e cobertas de antenas suficientes para receber todos os sinais de TV gerados no hemisfério, teriam produzido uma imagem muito maior no radar. Além do mais, os americanos prova­velmente não dispunham de quatro aeronaves daquele tipo. Assim, só podia ser outro tipo de avião, provavelmente um bombardeiro B-l B, afirmaram os especialistas. E o B-l B era um bombardeiro, cujo propósito era muito mais sinistro do que simplesmente coletar sinais eletrônicos. Então os americanos estavam pensando no Japão como um inimigo cujas defesas precisavam ser vencidas com o objetivo de semear a morte, uma ideia considerada nova para os dois lados naquela guerra... se é que se tratava de uma guerra, acrescentaram os mais moderados. Mas o que mais poderia ser?, perguntou a maioria dos analistas, estabelecendo o tom para as missões daquela noite.

Três E-767 estavam novamente no ar, dois deles ativos e um de vigia. A potência dos radares fora aumentada, e os parâmetros do software de processamento de sinais alterados para permitir o rastreamento de alvos a grandes distâncias. Tudo se baseava na física. O tamanho da antena, combinado com a potência do sinal e a frequência das ondas eletromagnéticas, tornava possível detectar praticamente qualquer coisa. Isso era ao mesmo tempo bom e ruim, pensaram os operadores, porque agora estavam recebendo sinais de todos os tipos. Havia uma diferença, porém. Quando achavam que um sinal distante parecia promissor, faziam com que os caças se dirigissem para aquele local. Os Eagle jamais se aproximavam mais do que cento e cinquenta quilômetros. Os sinais de retorno sempre ficavam mais fracos quando os E-767 mudavam a frequência, passando do grande comprimento de onda do sinal de longo alcance para o pequeno comprimento de onda do sinal de rastreamento, o que não era compatível com a banda Ku usada em um ataque de verdade. Isso mostrava que os americanos continuavam sondando as defesas e talvez soubessem que estavam sendo detectados. O exercício pelo menos servia para treinar os caças, pensaram todos. Se aquilo era realmente uma guerra, ela estava se tornando cada vez mais real.

— Não acredito — afirmou o coronel.

— Senhor, tudo indica que estavam rastreando sua aeronave. A taxa de repetição observada foi duas vezes maior do que a que pode ser atribuída à rotação do domo. O radar que eles usam é totalmente eletrônico. Podem dirigir o feixe e estavam fazendo isso.

O tom do sargento era respeitoso, embora o oficial parecesse orgulhoso demais para lhe dar ouvidos. Depois de ouvir com impaciência o que o subalterno tinha a dizer, limitou-se a dar de ombros.

— Está bem, talvez tenham captado algum sinal. Estávamos de lado para eles. Da próxima vez, vamos estender a linha de patrulha e fazer uma penetração direta. Com isso, nosso perfil para o radar ficará bem menor. Temos de instigá-los um pouco para ver como reagem.

Antes você do que eu, pensou o sargento. Olhou pela janela. A Base Aérea de Elmendorf ficava no Alasca e estava sujeita a um tempo horroroso no inverno, o maior inimigo de qualquer máquina fabricada pelo homem. Em consequência, os B-l estavam todos nos hangares, que os escondiam dos satélites espiões que o Japão podia ter ou não em órbita; ninguém sabia ao certo.

— Coronel, sou apenas um sargento especializado em eletrônica, mas se fosse o senhor tomaria muito cuidado. Tenho o pressentimento de que esse aparelho de radar é melhor do que se pensa.

— Tomaremos cuidado — prometeu o coronel. — Amanhã à noite teremos outro conjunto de gravações para você analisar.

— Sim, senhor.

Antes você do que eu, pensou pela segunda vez.

O USS Pasadena fora se juntar à extremidade norte da linha de patrulha, a oeste de Midway. Os submarinos podiam comunicar-se via satélite sem revelar suas posições, exceto para a PacFltSubOps.

— Essa linha não me impressiona — observou Jones, olhando para o mapa. Acabara de chegar para ver o que havia disponível no SOSUS a respeito dos movimentos navais dos japoneses, o que no momento não era muito. A melhor notícia era que o SOSUS, mesmo com o software de rastreamento mais moderno desenvolvido por Jones, não estava captando nada na linha guarnecida pelo Olympia, Helena, Honolulu, Chicago e agora o Pasadena. — Costumávamos ter mais navios do que esses apenas para vigiar a Brecha.

— Esses são todos os submarinos nucleares disponíveis, Ron — argu­mentou Chambers. — Sei que não são muitos. Mesmo assim, tenho pena dos submarinos diesel japoneses que se aventurarem a romper o bloqueio.

Washington tinha sido claro em suas ordens: qualquer movimento dos navios de guerra japoneses em direção a leste não seria tolerado, e a eliminação de um dos submarinos seria provavelmente aprovada. Entretan­to, o submarino americano envolvido teria primeiro que se comunicar com a base para obter autorização. Mancuso e Chambers não tinham revelado a Jones esse detalhe; não queriam irritá-lo ainda mais.

— Temos vários submarinos de reserva...

— Dezessete na Costa Oeste, para sermos exatos — observou Cham­bers. — Precisamos de seis meses, no mínimo, para reativá-los, sem contar o treinamento da tripulação.

Mancuso levantou os olhos.

— Espere um momento. E os meus 726? Jones olhou para ele.

— Pensei que tivessem sido desativados. O ComSubPac sacudiu a cabeça.

— Os ecologistas não deixaram. Estão sendo mantidos por tripulações reduzidas.

— São cinco — afirmou Chambers. — O Nevada, o Tennessee, o Virgínia Ocidental, o Pennsylvania e o Maryland. Vale a pena consultarmos Washing­ton a respeito.

— Oh, sim — concordou Jones.

Os submarinos da classe 726, mais conhecida pelo nome do primeiro deles, o Ohio, já transformado em lâminas de barbear, eram muito mais lentos do que os submarinos de ataque rápido da classe 688 e também menos ágeis, mas eram silenciosos. Na verdade, mais silenciosos do que qualquer outro modelo de submarino.

— Wally, acha que será fácil arranjar tripulações para eles? — Não vejo por que não, almirante. Podem estar prontos para entrar em ação em uma semana... dez dias, no mais tardar, se conseguirmos falar com as pessoas certas.

— Isso é uma coisa que eu sei fazer—disse Mancuso, pegando o telefone.

O dia comercial começou na Europa Central às dez horas da manhã, hora local, o que correspondia a nove horas em Londres e quatro horas da madrugada em Nova York Nesse momento eram seis da noite em Tóquio, depois de uma semana que começara animada e terminara monótona, permitindo que as pessoas apreciassem a genialidade do golpe que haviam praticado.

Os funcionários das casas de câmbio da capital japonesa ficaram surpresos quando as transações começaram normalmente. As bolsas entra­ram nas redes de computadores da mesma forma como uma loja abriria as portas aos fregueses para uma liquidação anunciada havia muito tempo. Fora anunciado que seria assim, mas ninguém acreditara. Os funcionários logo telefonaram aos supervisores a fim de pedir instruções, surpreendendo-os com as notícias chegadas de Berlim e outros centros europeus.

No escritório da FBI em Nova York, computadores ligados à rede interna­cional de comércio mostravam os mesmos dados que nos outros continen­tes. O presidente do Fed e o secretário Fiedler estavam observando atentamente os acontecimentos. Ambos tinham fones nos ouvidos, ligados através de um circuito confidencial aos colegas europeus.

O Bundesbank dera a partida, trocando quinhentos bilhões de ienes pelo equivalente em dólares no Banco de Hong Kong, uma transação muito cautelosa, apenas para testar o terreno. Hong Kong aceitara o negócio com naturalidade, esperando lucrar com o erro dos alemães. O Bundesbank era suficientemente ingênuo para imaginar que a reabertura das bolsas de valores de Nova York levaria a uma recuperação ao dólar. Fiedler viu que a transação fora executada; olhou para o presidente do Fed e piscou o olho. O passo seguinte foi dado pelos suíços, que ofereceram um trilhão de ienes pelas Obrigações do Tesouro dos Estados Unidos que ainda estavam em poder do Banco de Hong Kong. Essa transação também foi concretizada em menos de um minuto. A transação seguinte foi mais direta. O Banco Comercial de Berna comprou francos suíços de um banco japonês, pagando com ienes, mais uma transação estranha, causada por um telefonema do governo da Suíça.

Com a abertura das bolsas europeias, outras transações de vulto ocorreram. Bancos e outras instituições que haviam procurado compensar as aquisições japonesas na Europa comprando ações de empresas japonesas começaram a vendê-las, transformando de imediato a receita em ienes em outras moedas. Foi então que a primeira luz vermelha se acendeu em Tóquio. A tática dos europeus podia ser encarada como uma simples realização de lucros, mas as transações sinalizavam uma queda esperada para o iene, e uma queda considerável, e era uma noite de sexta-feira em Tóquio, com todos os mercados financeiros fechados, a não ser as casas de câmbio que trabalhavam com os mercados europeus.

— A esta altura, eles devem estar ficando nervosos — comentou Fiedler.

— Eu ficaria — afirmou Jean-Jacques, em Paris.

O que ninguém queria dizer era que a Primeira Guerra Econômica Mundial acabara de começar. Estavam todos excitados, embora os aconte­cimentos não correspondessem de forma alguma ao que haviam aprendido na escola.

— Sabem de uma coisa? Não tenho nenhum modelo para isto — afirmou Gant, a três metros de distância dos dois funcionários do governo.

A tática adotada pela Europa, embora ajudasse os americanos, desafiava todos os modelos de computador.

— Meu amigo, é para isso que temos uma cabeça —respondeu Winston, sem pestanejar.

Mas o que nossas bolsas vão fazer? Winston sorriu.

— Vamos descobrir daqui a... hum... daqui a umas sete horas e meia, Onde está seu senso de aventura.

— Ainda bem que alguém está gostando.

Havia regras mundiais para o câmbio. Ele era interrompido quando a desvalorização de uma moeda passava de determinado limite, mas não foi o que aconteceu naquele dia. Todos os governos da Europa tiraram o tapete de baixo do iene, os negócios não pararam, e a moeda continuou a despencar.

— Eles não podem fazer isso! — exclamou alguém em Tóquio.

Mas estavam fazendo, e ele pegou o telefone, já antecipando quais seriam suas instruções. O iene estava sendo atacado. Tinham que defendê-lo; a única forma era usar as reservas em moedas estrangeiras para fortalecer o iene e tirá-lo da mira dos especuladores. O pior era que não havia razão para aquilo. O iene estava forte, especialmente em relação ao dólar. Logo se tornaria a moeda de referência, especialmente se os mercados financeiros americanos fossem suficientemente tolos para reabrir naquele dia. Os europeus estavam cometendo um erro grosseiro; restava aos operadores japoneses aplicar sua experiência à situação e agir de acordo. A ironia do momento teria sido deliciosa se estivessem em condições de apreciá-la. A reação foi praticamente automática. Francos, franceses e suíços, libras inglesas, marcos alemães, florins holandeses e coroas dinamarquesas foram usados em grandes quantidades para comprar ienes, cujo valor relativo, todos em Tóquio sabiam, só poderia subir, especialmente se os europeus atrelassem suas moedas ao dólar.

Havia um elemento de nervosismo na operação, mas eles a executaram, obedecendo às ordens dos superiores, que naquele momento estavam saindo de casa para se dirigir aos edifícios comerciais onde eram conduzidos os negócios do mundo. Ações também foram vendidas na Europa e os pagamentos em moeda local convertidos em ienes. Mais uma vez, a expectativa era de que quando a queda das bolsas americanas recomeçasse, as moedas europeias se enfraquecessem e com elas os valores de todas as ações. A essa altura, o Japão poderia comprar uma quantidade ainda maior de ações de empresas europeias. A tática dos europeus era um caso triste de lealdade ou confiança indevida, pensaram os japoneses, mas, triste ou não, trabalhava a seu favor. Ao meio-dia, hora de Londres, o movimento atingira grandes proporções. Os investidores individuais e pequenas insti­tuições financeiras, observando o que os grandes haviam feito, decidiram acompanhá-los. Erradamente, pensaram os japoneses. Meio-dia em Londres correspondia a sete da manhã na Costa Leste dos Estados Unidos.

— Meus amigos — disse o presidente Durling, exatamente às 7:05, em todas as redes de TV. — Na quarta-feira à noite comuniquei à nação que as bolsas americanas seriam reabertas no dia de hoje...

— Aí vai — disse Kozo Matsuda, assistindo ao pronunciamento do presi­dente americano pela CNN no escritório, ao qual acabara de chegar. — Ele vai dizer que as bolsas não podem abrir, e a Europa entrará em pânico. Excelente — acrescentou, voltando-se para os assessores.

O presidente americano estava sorrindo e parecia muito confiante. Bem, um político tinha de saber representar, para mentir melhor aos cidadãos.

— Os problemas que o mercado experimentou na semana passada foram consequência de um ataque deliberado à economia americana. É a primeira vez que acontece algo semelhante e vou explicar o que aconteceu, como aconteceu e por que aconteceu. Levamos uma semana para reunir essas informações e neste exato momento o secretário do Tesouro Fiedler e o presidente do Federal Reserve Board se encontram em Nova York, trabalhando com os presidentes das grandes instituições financeiras americanas para corrigir algumas distorções.

"O que aconteceu realmente na sexta-feira passada? — perguntou Roger Durling.

Matsuda colocou o drinque sobre a mesa quando viu o primeiro gráfico aparecer na tela.

Jack observou com interesse. O segredo, como sempre, era fazer uma história muito complicada parecer simples, e essa tarefa envolvera dois professores de economia, metade da equipe pessoal de Fiedler e um diretor da Securities and Exchange Commission, todos trabalhando em colabora­ção com a melhor escritora de discursos do presidente. Mesmo assim, foram necessários vinte e cinco minutos e seis gráficos.

— Eu lhes disse na quarta-feira à noite que nada, absolutamente nada de grave, acontecera à nossa economia. Nenhuma propriedade foi afetada. Nenhum fazendeiro perdeu um centavo sequer. Cada um de vocês é a mesma pessoa que era há uma semana, com os mesmos talentos, a mesma casa, o mesmo emprego, a mesma família, os mesmos amigos. O que aconteceu na sexta-feira foi um ataque, não ao nosso país, mas à nossa confiança no país.

"Nossa confiança é um alvo mais difícil e mais resistente do que os outros imaginam, e é isso que estamos empenhados em provar a partir de hoje.

A maioria das pessoas que trabalhavam no mercado financeiro estava a caminho do escritório e perdeu o discurso, mas seus patrões tinham gravado tudo, e havia também cópias em todas as mesas e em todos os terminais de computador. Além disso, as bolsas só começariam a funcionar ao meio-dia, e antes disso haveria reuniões em todas as empresas para uma tomada de posição, embora ninguém soubesse exatamente o que fazer. A reação mais óbvia à situação era na verdade tão óbvia que ninguém sabia se devia adotá-la ou não.

— Estão acabando conosco — disse Matsuda, olhando para a tela. — O que podemos fazer para impedi-los? — Depende do comportamento do mercado de ações — respondeu seu operador mais antigo, sem saber o que responder e nem ao menos o que esperar.

— Acha que dará certo, Jack? — perguntou Durling. Tinha dois discursos guardados na gaveta e não sabia qual deles usaria naquela noite.

O conselheiro de Segurança Nacional deu de ombros.

— Não sei. Eles têm uma saída. Se vão usá-la ou não, é difícil dizer.

— Então, só nos resta esperar? — Exatamente.

A segunda reunião teve lugar no Departamento de Estado. O secretário Hanson conversou com Scott Adler, que depois se reuniu com o grupo de negociadores e esperou. A delegação japonesa chegou às 9:45.

— Bom dia — disse Adler.

— E um prazer revê-lo — replicou o embaixador, apertando-lhe a mão, mas com menos confiança do que no dia anterior.

Ainda não tivera tempo de receber instruções detalhadas de Tóquio, o que não era de admirar. Adler esperava que os japoneses pedissem um adiamento da reunião, mas isso teria sido um sinal de fraqueza, razão pela qual o embaixador, um diplomata experiente, se encontrava agora na mais precária de todas as posições diplomáticas: era forçado a representar o governo sem nada para apoiá-lo a não ser sua inteligência e seu conhecimen­to. Adler acompanhou-o até seu assento e depois voltou para o lado oposto da mesa. Como os Estados Unidos dessa vez eram os anfitriões, o Japão seria o primeiro a falar. Adler fizera uma aposta com Hanson a respeito do pronunciamento de abertura.

— Em primeiro lugar, gostaria de dizer que meu governo protesta veementemente contra o ataque à nossa moeda coordenado pelos Estados Unidos...

Está me devendo dez pratas, senhor secretário, pensou Adler, por trás de um rosto impassível.

— Senhor embaixador — replicou —, poderíamos dizer a mesma coisa em relação ao Japão. Aqui estão os dados que colhemos com relação aos acontecimentos da última semana. — Pastas apareceram sobre a mesa e foram passadas aos diplomatas japoneses. — Preciso lhe dizer que estamos concluindo uma investigação que pode muito bem levar à prisão de Raizo Yamata por fraude e procedimento irregular.

Era uma cartada ousada, por várias razões. Mostrava tudo que os americanos sabiam a respeito do ataque a Wall Street e sugeria que ainda havia coisas a serem descobertas. Na verdade, poderia prejudicar o processo contra Yamata e seus aliados, mas isso era secundário. Adler tinha de pôr fim a uma guerra, e quanto antes, melhor. Deixaria que os rapazes do Departamento de Justiça se preocupassem com o restante.

— Seria melhor se o seu país se preocupasse com esse homem e suas ações — prosseguiu Adler, oferecendo uma saída honrosa ao embaixador e ao governo que representava. — Como hoje se pode ver, esse homem pode causar um mal maior ao seu país do que ao nosso.

"Agora, se me permite, voltaremos à questão do arquipélago das Marianas.

Como era de esperar, o duplo golpe deixara abalada a delegação japonesa. Como sempre, o mais importante ficara de fora: Sabemos o que vocês fizeram. Sabemos como fizeram. Estamos preparados para reagir. As acusações diretas tinham por objetivo esconder o verdadeiro problema dos americanos, que era a impossibilidade de uma retaliação militar no futuro próximo, mas também oferecia ao Japão a oportunidade de separar os atos do governo dos atos de alguns cidadãos. E esse, Ryan e Adler tinham concluído na noite anterior, era o melhor meio de conseguir uma solução rápida e satisfatória para o problema.

— Os Estados Unidos buscam pouco mais do que uma volta às relações normais. A evacuação imediata das Marianas nos permitirá discutir uma interpretação menos rigorosa da Lei de Reforma do Comércio. Isto, também, é algo que desejamos incluir nas negociações.

Era, provavelmente, um erro misturar tantos assuntos, pensou Adler, mas a alternativa seria prosseguir com a guerra e com o derramamento de sangue. No final da primeira sessão de negociações formais, algo interes­sante acontecera. Nenhum dos dois lados repetira sua posição. Tinha havido, em termos diplomáticos, uma troca livre de pontos de vista, poucos deles planejados com antecedência.

— Chris — sussurrou Adler, quando ele se levantou. — Descubra o que eles estão realmente pensando.

— Está certo — respondeu Cook.

Serviu-se de café e foi para a varanda, onde Nagumo estava junto à amurada, admirando o monumento a Lincoln.

— E uma saída honrosa, Seiji — comentou Cook — Vocês estão nos pressionando demais — afirmou Nagumo, sem se virar.

— Se estão atrás de uma oportunidade para sair desta confusão antes que mais alguém morra, esta é a melhor.

— A melhor para vocês, talvez. E os nossos interesses? — Podemos fazer um acordo comercial.

Cook não estava entendendo. Pouco versado em questões financeiras, ainda não sabia o que estava acontecendo naquele setor. Para ele, a recuperação do dólar e a proteção da economia americana eram um fato isolado. Nagumo sabia que as coisas não eram bem assim. O ataque do seu país fora anulado por um contra-ataque. O efeito não seria uma volta ao estado de coisas anterior, mas um grave prejuízo para a economia japonesa, que viria se somar aos prejuízos causados pela Lei de Reforma do Comércio. Nagumo sabia de mais uma coisa: a menos que os americanos concordassem com as exigências territoriais do Japão, a guerra seria inevitável.

— Precisamos de tempo, Christopher.

— Seiji, não há mais tempo. Escute, a imprensa ainda não sabe o que aconteceu, mas isso pode mudar a qualquer momento. Se o público descobrir, estaremos perdidos.

— Pode ser, Chris. Mas estou protegido pela imunidade diplomática; e você, não.

— Espere um momento, Seiji...

— Meu país precisa de mais do que vocês estão oferecendo — replicou Nagumo, friamente.

— Estamos oferecendo a vocês uma saída honrosa.

— Isso não é suficiente. — Agora, não havia como voltar atrás, certo? Nagumo imaginou se o embaixador compreendia isso ou não. Provavelmen­te não, pensou, pela forma como o velho diplomata olhava na sua direção. De repente, tudo ficou claro para ele. Yamata e seus aliados tinham levado o país a uma posição da qual não podia recuar; era difícil dizer se sabiam disso ou não desde o começo, mas agora era irrelevante. — Precisamos de algo concreto — prosseguiu — como recompensa por nossos esforços.

Cook então percebeu como fora ingênuo. Olhando para os olhos de Nagumo, compreendeu tudo. Não era propriamente crueldade, mas deter­minação. O assistente do subsecretário de Estado pensou no dinheiro da conta numerada, nas perguntas que teria de responder e nas possíveis explicações que daria.

No momento em que o relógio digital passou de 11:59:59 para 12:00:00, uma campainha assinalou o início dos trabalhos.

— Obrigado, H.G. Wells — murmurou um operador no pregão da Bolsa de Valores de Nova York. A máquina do tempo começara a funcionar. Pela primeira vez na história, o chão estava limpo àquela hora do dia. Não havia uma única folha de papel fora do lugar. Os operadores, nos seus quiosques, olharam em volta e viram alguns sinais de normalidade. Os monitores estavam funcio­nando fazia meia hora, mostrando as mesmas cotações da semana anterior. Na verdade, era uma forma de preparar as mentes de todos para o novo dia, e todos usaram aqueles dados como referência, como um contato pessoal com algo que ao mesmo tempo era real ou não.

O discurso do presidente, cinco horas antes, fora um grande sucesso.

Todos os operadores tinham visto o pronunciamento pelo menos uma vez, seguido por uma análise do presidente da NYSE que teria deixado Knute Rockne, o famoso treinador de futebol americano, orgulhoso. Tinham uma missão naquele dia, mais importante do que seu bem-estar pessoal e que, caso fosse bem-sucedida, garantiria o futuro para eles próprios e para o restante do país. Tinham passado a manhã reconstituindo as atividades da sexta-feira anterior, de modo que cada operador conhecia exatamente sua posição. Alguns se lembravam até mesmo das transações que pretendiam fazer, mas a maioria delas se baseava em expectativas de alta, e a memória coletiva impedia-os de concretizá-las.

Lembravam-se muito bem do pânico que ocorrera na tarde da sexta-feira anterior; sabendo agora que fora artificial, não queriam que se repetisse. Além do mais, a Europa mostrara em termos inequívocos a confiança que depositava no dólar. O mercado de obrigações estava firme como rocha, e as primeiras operações do dia tinham sido para comprar Obrigações do Tesouro dos Estados Unidos e aproveitar as vantagens oferecidas pelo presidente do Fed. Essas operações serviram para aumentar a confiança dos investidores.

Durante mais de noventa segundos, de acordo com o relógio de um dos operadores, não aconteceu rigorosamente nada no pregão. Os monitores permaneciam parados. O fenômeno causou muxoxos de incredulidade entre os funcionários. Os pequenos investidores, sem saber o que esperar, quase não ligavam para as corretoras, e os que o faziam eram aconselhados a aguardar os acontecimentos. A maioria obedeceu à recomendação. Os poucos que colocaram ordens de venda foram atendidos diretamente pelas corretoras, que lançaram mão das suas reservas de ações. As grandes instituições financeiras também não estavam negociando. Cada uma delas estava esperando que as outras tomassem a iniciativa. A inatividade de um minuto e meio pareceu uma eternidade para os operadores, acostumados a um movimento frenético; quando a primeira negociação aconteceu, foi um alívio para todos.

A primeira grande transação do dia, como era de esperar, foi realizada pelo Columbus Group: uma compra maciça de ações ordinárias do Citi­bank. Segundos depois, a Merrill Lynch começava a comprar ações do Chemical Bank.

— E isso aí — comentaram algumas vozes no pregão.

Fazia sentido, ou não? O Citibank era vulnerável a uma queda do dólar, mas os europeus tinham apostado em uma valorização da moeda, e isso tornava as ações do First National City Bank uma boa opção. Em conse­quência, o índice Dow Jones abriu em alta, desafiando as previsões dos computadores.

— É, já dá para ver a tendência do mercado — comentou outro operador.

— Estou comprando cem Manny-Hanny a seis — anunciou.

O Manufacturers Hannover, popularmente conhecido como "Manny-Hanny", seria o banco seguinte a se beneficiar com a valorização do dólar, e o operador acreditava que conseguiria vender as ações a seis e um quarto. As ações que tinham levado a bolsa a despencar na semana anterior estavam agora provocando uma alta, e pelas mesmas razões. Por estranho que parecesse, isso fazia sentido, pensaram todos. E quando o restante do mercado acompanhasse a tendência, todos sairiam lucrando.

Os monitores também mostravam as principais notícias do dia. A GM estava recontratando vinte mil operários para suas fábricas na região de Detroit, preparando-se para um aumento nas vendas de automóveis. A notícia omitia o fato de que o aumento dos efetivos levaria nove meses para ocorrer, e era resultado de um pedido das Secretarias do Comércio e do Trabalho, mas foi suficiente para aumentar o interesse pelas ações das empresas de automóveis, o que por sua vez aumentou a procura de ações de indústrias de máquinas-ferramentas. As 12:05:30, o Dow subira cinco pontos. Podia não ser muito, em comparação com a queda de quinhentos pontos verificada na semana anterior, mas parecia o Everest para as corretoras.

— Não acredito — comentou Mark Gant no Javits Federais Office Building, a alguns quarteirões de distância.

— Onde está escrito que os computadores não podem errar? — pergun­tou George Winston, com outro sorriso forçado.

Ele tinha suas próprias preocupações. Comprar ações do Citibank não deixara de ser um risco, mas a medida surtira o efeito desejado. Quando elas subiram três pontos, começou um lento processo de venda para realizar lucros, enquanto outras corretoras acompanhavam a tendência inicial. Isso era previsível, ou não? O rebanho precisava de um líder. Era só mostrar a tendência que eles a seguiriam. Se fosse pouco ortodoxa, tanto melhor.

— A primeira impressão é de que está funcionando — disse o presidente do Fed aos colegas europeus.

Todas as teorias diziam que daria certo, mas em momentos como aquele as pessoas não confiavam em teorias. Ele e o secretário Fiedler estavam observando Winston, que mastigava uma caneta enquanto falava ao telefo­ne. Podiam ouvir o que estava dizendo. Pelo menos sua voz era calma, embora a postura fosse a de um homem preparado para a luta, com todos os músculos retesados. Depois de cinco minutos, porém, ele sorriu, relaxou, voltou-se e disse alguma coisa a Gant, que se limitou a sacudir a cabeça, incrédulo, enquanto via a tela do computador fazer coisas que não julgava serem possíveis.

— Ora, ora — comentou Ryan.

— Deu certo? — perguntou Durling.

— Deixe-me colocar as coisas desta forma: se eu fosse o senhor, daria uma dúzia de rosas de presente à mulher que escreveu esse discurso e diria a ela que seu emprego está garantido até o final do seu mandato.

— Ainda é cedo para comemorar, Jack — replicou o presidente, descon­fiado.

Ryan fez que sim com a cabeça.

— Sim, eu sei. Acontece que o seu discurso foi um sucesso. Os mercados podem... os mercados vão oscilar o restante do dia, mas não despencarão, como temíamos inicialmente. É tudo uma questão de confiança. O senhor restaurou a confiança do público. Isso é inegável.

— E os japoneses.

— Nós lhe oferecemos uma chance de recuar. Saberemos a resposta até o final do dia.

— E se eles não voltarem atrás? O conselheiro de Segurança Nacional pensou um pouco.

— Arranjaremos um meio de derrotá-los sem causar muitos estragos. Teremos de localizar os mísseis nucleares e acabar com essa guerra antes que ela escape de controle.

— Isso é possível? Ryan apontou para a tela.

— Não pensamos que isso fosse possível, não é mesmo?


35

CONSEQUÊNCIAS

 

Aconteceu em Idaho, em uma comunidade próxima da Base Aérea de Mountain Home. Um sargento que servia na base viajara para a Base Aérea de Andersen, em Guam, a fim de operar um radar de tráfego aéreo. A mulher dera à luz uma semana mais tarde e tentara ligar para ele na mesma noite, para avisar que tivera uma menina, mas descobrira que as linhas estavam interrompidas por causa de uma tempestade. Com apenas vinte anos de idade, e uma educação apenas regular, ficara muito desapontada. As linhas militares estavam todas ocupadas, explicara um oficial, de forma tão convincente, que ela fora para casa com lágrimas nos olhos. No dia seguinte, conversou com a sogra e a surpreendeu com a informação de que o marido ainda não sabia do nascimento da filha. Mesmo durante uma guerra, pensou a mãe, havia sempre um meio de fazer notícias como aquela chegarem ao seu destino. Por isso, ligou para a estação de TV local e pediu para falar com o encarregado do serviço de meteorologia, um homem muito esperto, na casa dos cinquenta, capaz de anunciar com antecedência os tornados que assolavam a região na primavera, salvando assim as vidas de muitos residentes.

O encarregado da previsão do tempo era do tipo que gosta de ser abordado nos supermercados com comentários elogiosos e tomou a pergun­ta como um cumprimento por sua competência profissional. Entretanto, nunca colhera informações sobre o tempo no oceano Pacífico. Isso, porém, não era difícil. Entrou em contato com o sistema de satélites da NOAA e usou um computador para retroceder no tempo e ver que tipo de tempestade assolara aquelas ilhas. Sabia que naquela época do ano não havia tufões, mas as ilhas ficavam no meio do oceano, onde as tempestades eram frequentes.

As fotos dos satélites mostravam algumas nuvens, mas o tempo em geral parecia bom. Passou-lhe pela cabeça que o oceano Pacífico, como o Arkansas, poderia estar sujeito a ventanias, mesmo com bom tempo, mas, pensando melhor, isso não lhe pareceu provável, pois essas tempestades adiabáticas resultavam principalmente de variações de temperatura e relevo, difíceis de ocorrer no mar. Conversou com um colega que trabalhara como meteorologista da Marinha e ficou ainda mais confuso. Achando que talvez a informação estivesse errada, consultou a lista telefônica e ligou para o serviço de meteorologia da ilha Guam. Uma gravação informou que as linhas estavam interrompidas por causa de uma tempestade. Só que não houvera uma tempestade. Será que era o primeiro a descobrir? Seu próximo passo foi falar com o departamento de noticiários. Minutos depois, estavam em contato com uma das agências de notícias.

— Ryan.

— Jack, aqui é Bob Holtzman. Tenho uma pergunta para você.

— Espero que não seja sobre Wall Street — observou Jack, procurando aparentar indiferença.

— Não, é sobre Guam. Por que as linhas para lá estão interrompidas?

— Bob, você perguntou isso à companhia telefônica? — sugeriu Ryan.

— Perguntei. Eles disseram que houve uma tempestade. Acontece que essa explicação não convence, por três razões. Primeiro, não há notícias de nenhuma tempestade na região. Segundo, existe uma ligação por cabo submarino e outra via satélite. Terceiro, uma semana é muito tempo. O que está acontecendo? — perguntou o repórter.

— Quantas pessoas estão querendo saber? — No momento, só eu e uma estação de TV de Little Rock que consultou a Associated Press. Daqui a meia hora, serão outros. O que vocês estão escondendo? Será que é algum tipo de...

— Bob, por que não vem até aqui conversar comigo? — sugeriu Ryan. Você sabia que o segredo não podia durar para sempre, disse Jack para si próprio. Ela melhor ligar para Scott Adler. Mas bem que podia ter durado mais um dia...

O Yukon estava abastecendo a segunda leva de navios. Para ganhar tempo, o navio-tanque da esquadra atendia a dois contratorpedeiros ao mesmo tempo, um de cada lado, enquanto seu helicóptero transportava peças e outros suprimentos para os navios da formação, mais da metade das quais eram as peças necessárias para colocar os aviões do Ike em condições de voo. O pôr do sol ocorreria dentro de meia hora, mas as operações continuariam pela noite adentro. A força de combate de Dubro rumara para leste a toda velocidade, afastando-se da esquadra indiana, e novamente entrara em silêncio de rádio, com todos os radares desligados e as aeronaves de observação empenhadas em manobras para despistar. Entretanto, ti­nham perdido de vista os dois porta-aviões indianos, e enquanto os Hawkeye continuavam as buscas, Dubro se preocupava.

— Os vigias avistaram aeronaves desconhecidas aproximando-se a dois-um-cinco — comunicou uma voz pelo alto-falante.

O almirante deixou escapar uma imprecação, levantou o binóculo e olhou na direção sudoeste. Ali estavam. Dois Sea Harrier. Sabiam o que estavam fazendo. Voavam a cerca de 1.500 metros, mantendo a formação de dois aviões usada em espetáculos aéreos e combates táticos, mantendo a altitude constante e tomando cuidado para não sobrevoar nenhum navio. Antes de passar pelo primeiro círculo de contratorpedeiros, uma dupla de Tomcats estava atrás e acima deles, pronta para abatê-los se revelassem qualquer intenção hostil. Entretanto, revelar intenção hostil significava atirar contra a frota e na guerra moderna praticamente todo disparo significava uma baixa, independentemente do que acontecesse depois com a aeronave responsável. Os Harrier passaram pela formação e foram embora. Pareciam transportar tanques de combustível suplementares e talvez uma cúpula de radar, mas nenhuma arma. Dubro sabia que o almirante Chandraskatta não era tolo. Seu adversário jogara um jogo de paciência, mantendo-se fiel à missão original e ao mesmo tempo observando a esquadra americana. O comandante da força de combate não estava nada satisfeito com a situação.

— Vamos segui-los? — perguntou o comandante Harrison, em tom neutro.

Mike Dubro sacudiu a cabeça.

— Mande um dos Hummer sobrevoar a frota e ficar de sobreaviso para os sinais de radar.

Quando Washington se convenceria de que uma confrontação era iminente? — Senhor embaixador — disse Scott Adler, dobrando um bilhete que um assessor lhe entregara. — E provável que dentro das próximas vinte e quatro horas a ocupação das Marianas pelo Japão chegue ao conhecimento do público. Nesse ponto, a situação sairá do nosso controle. O senhor tem autoridade para negociar uma solução satisfatória...

Mas ele não tinha, como Adler começara a suspeitar, apesar das garantias em contrário. Também começara a perceber que pressionara demais o embaixador. Não que tivesse muita escolha. O caso começara fazia apenas uma semana. Na diplomacia, esse era o tempo necessário apenas para escolher o tipo de cadeira onde se sentariam os negociadores. Sob aquele aspecto, as conversações estavam condenadas ao fracasso desde o começo, mas Adler era um diplomata profissional, que jamais perdia as esperanças. Mesmo agora, ao concluir seu último pronunciamento, olhava nos olhos do embaixador em busca de algo que pudesse comunicar à Casa Branca.

— Durante nossas conversas, ouvimos falar muito das exigências dos Estados Unidos, mas nada foi dito a respeito da preocupação legítima do meu país com a segurança. Hoje, seu país atacou de forma direta e sistemática nossa estrutura financeira e econômica e...

Adler inclinou-se para a frente.

— Senhor embaixador! Há uma semana, o Japão fez o mesmo conosco, como demonstram as informações que estão à sua frente. Há uma semana, o Japão atacou a Marinha dos Estados Unidos. Há uma semana, o Japão invadiu território americano. Por justiça, senhor, não há como criticar nossos esforços para recuperar a estabilidade econômica. — Fez uma pausa momentânea, censurando-se mentalmente pelo tom pouco diplomático do rompante, mas o caso era sério demais para sutilezas desse tipo. — Oferecemos a seu país a oportunidade de examinarmos em conjunto uma versão da Lei de Reforma do Comércio que seja aceitável para as duas partes envolvidas. Estamos dispostos a aceitar uma desculpa pelas perdas causadas à nossa Marinha. Por outro lado, exigimos a evacuação imediata das forças japonesas que ocupam hoje o arquipélago das Marianas.

Entretanto, era tarde demais para isso, como bem sabiam todos os presentes. O tempo simplesmente acabara. Adler sentiu o peso terrível da inevitabilidade. Não havia mais nada que pudesse fazer. Outros eventos e outras pessoas tinham tirado o caso de suas mãos e também das mãos do embaixador. Viu o mesmo olhar no rosto do interlocutor. Seu tom de voz era mecânico.

— Antes de responder, preciso consultar meu governo. Até então, proponho que este encontro seja suspenso.

Adler concordou com mais tristeza do que irritação.

— Como queira, senhor embaixador. Se precisar de nós, é só ligar.

— Meu Deus, vocês mantiveram isso em segredo? Como conseguiram? — perguntou Holtzman.

— Vocês estavam preocupados com outros assuntos — explicou Jack. — Além disso, sempre dependeram demais de nossas informações.

Arrependeu-se imediatamente de suas palavras; soavam como uma crítica. Deve ser a tensão, pensou.

— Mas vocês mentiram para nós a respeito dos porta-aviões e não nos contaram o que aconteceu com os submarinos! — Estamos tentando resolver este problema antes que a situação piore — afirmou o presidente Durling. — Neste exato momento, o embaixador japonês está conferenciando com o secretário de Estado.

— Vocês tiveram uma semana movimentada — reconheceu o jornalista.

— Como vai o caso Kealty? — Ele está conversando com o Departamento de Justiça e com as supostas vítimas.

— O principal era reparar os danos que os japoneses causaram nas bolsas — afirmou Ryan. — Isso foi o pior...

— Como assim? Eles mataram americanos! — protestou Holtzman.

— Bob, por que acha que a imprensa não parou de falar em Wall Street durante toda a semana? O mais preocupante em todo esse ataque foi a forma como eles paralisaram os mercados financeiros e provocaram uma queda do dólar. Tínhamos de consertar isso primeiro.

Bob Holtzman teve de concordar.

— Como vocês conseguiram? — Puxa, foi melhor do que esperávamos! — exclamou Mark Gant.

A campainha acabara de tocar, encerrando o pregão. O Dow caíra quatro pontos e um quarto, com quatrocentos milhões de ações negociadas. O S&P 500 subira ligeiramente, o que também acontecera com o NAS­DAQ, porque as blue chips tinham sido mais afetadas pela tensão reinante do que as pequenas empresas. Por outro lado, o mercado de obrigações ia bem, e o dólar estava estável. O iene, por outro lado, sofrerá uma grande queda em relação a todas as moedas ocidentais.

— As mudanças nas obrigações vão fazer as bolsas caírem na próxima semana — afirmou Winston, enxugando o suor do rosto e agradecendo à Providência pela sua sorte. Os temores residuais fariam as pessoas procu­rarem locais mais seguros para seu dinheiro, embora a valorização do dólar contribuísse para amenizar o efeito.

— Na próxima semana? — repetiu Gant. — Pode ser. Não tenho tanta certeza. Muitas ações ainda estão cotadas abaixo do que valem.

— Sua ideia de comprar Citibank foi brilhante — afirmou o presidente do Fed, sentando-se ao lado dos dois.

— Eles não mereciam a queda que tiveram semana passada, e todos sabiam disso. Fui apenas o primeiro a comprar — replicou Winston, modestamente. — Além disso, ganhamos dinheiro com a transação.

Procurou não atribuir muita importância ao fato. Apenas usara de psicologia; fizera algo ao mesmo tempo lógico e inesperado para iniciar uma breve tendência e depois auferira os lucros. Era um negócio como qualquer outro.

— Tem ideia de como o Columbus se saiu hoje? — perguntou o secretário Fiedler.

— Devemos ter ganhado uns dez — respondeu Gant, querendo dizer dez milhões de dólares, um lucro bem razoável nas atuais circunstâncias. -Vamos nos sair melhor na próxima semana.

Um agente do FBI apareceu.

— A DTC ligou. Estão registrando normalmente todas as transações. Esta parte do sistema parece ter voltado ao normal.

— E Chuck Searls? — quis saber Winston.

— Revistamos seu apartamento e encontramos dois folhetos sobre a Nova Caledônia, uma ilha do Pacífico que pertence à França. Pedimos aos franceses que o procurassem.

— Querem um conselho? — Sr. Winston, estamos sempre interessados em bons conselhos -respondeu o agente, com um sorriso. O clima da sala era contagioso.

— Procurem também em outros lugares.

— Já estamos fazendo isso.

— Sim, Buzz? — disse o presidente ao telefone. Ryan, Holtzman e dois agentes do Serviço Secreto viram o SALTADOR fechar os olhos e deixar escapar um longo suspiro. Estava recebendo relatórios de Wall Street a tarde inteira, mas não acreditou até ouvir a notícia dos lábios do secretário Fiedler.

— Obrigado, meu amigo. Por favor, diga a todos que eu... que fico muito agradecido. Até logo. — Durling colocou o fone no gancho. — Jack, você é a pessoa certa para ter por perto quando se tem de enfrentar uma tempestade.

— Obrigado.

— Então está tudo resolvido? — perguntou Holztman, interpretando erroneamente as palavras de Durling.

Ryan se encarregou de responder.

— Ainda não sabemos.

— Mas...

— O incidente com os porta-aviões foi explicado como um acidente, e não saberemos o que realmente aconteceu com os submarinos até exami­narmos os cascos. Eles estão a quatro mil e quinhentos metros de profun­didade. — Jack se detestou por estar dizendo aquilo, mas estavam em guerra, e guerra era uma coisa que se tentava evitar. Se fosse possível, acrescentou mentalmente. — Ainda há uma chance de que tudo seja explicado como apenas um mal-entendido.

— E você está me contando? — Isso o deixa em uma posição difícil, não é? — perguntou Jack. — Na verdade, a escolha é simples, Bob. Ou nos ajuda a manter as coisas em segredo ou põe tudo a perder. Bem-vindo ao clube, Sr. Holtzman.

— Escute, Ryan, eu não posso...

— Claro que pode. Já fez isso antes.

Jack notou que o presidente se mantinha à margem da conversa, limitando-se a escutar. Talvez não quisesse se comprometer com a posição de Ryan, mas talvez, também, estivesse gostando do que via. E Holtzman parecia disposto a colaborar.

— O que isso significa? — perguntou Goto.

— Significa que eles estão blefando — afirmou Yamata. Significa que nosso país precisa de liderança, teve vontade de dizer. — Eles não podem tomar as ilhas de volta. Não têm recursos para nos atacar. Podem ter resolvido temporariamente seus problemas financeiros, mas a Europa e a América não podem passar sem nós indefinidamente, e quando perceberem isso estarão à nossa mercê. Ainda não entendeu? Estamos lutando pela nossa independência'. Quando conseguirmos isso, tudo mudará.

— E no momento? — No momento, nada mudou. As novas leis de comércio americanas teriam um efeito devastador sobre nossa economia. Assim, pelo menos conseguiremos algo em troca e teremos a oportunidade de decidir sobre nosso próprio destino.

Era isso que os outros não entendiam, pensou Yamata. Seu país podia fabricar os produtos que quisesse, mas enquanto precisasse dos mercados mais do que os mercados precisavam dele, as leis do comércio podiam arrasá-lo de uma hora para outra. Eram sempre os americanos. Sempre eles, levando a guerra russo-japonesa a um final prematuro, contrariando as ambições expansionistas do Japão, permitindo que sua economia se expan­disse apenas para cortar-lhe as asas no momento certo. Já haviam feito isso três vezes, as mesmas pessoas que haviam assassinado sua família. Será que eles não viam? Agora o Japão revidara, mas a timidez ainda impedia as pessoas de enxergar a realidade. Yamata tinha de se controlar para não demonstrar o que sentia em relação àquele homem mesquinho e tolo. A verdade era que precisava de Goto, embora o primeiro-ministro fosse tolo o suficiente para não perceber que tinham entrado em um caminho sem retorno.

— Tem certeza de que eles não podem... retaliar? — perguntou Goto, depois de pensar um pouco.

— Hiroshi, é como venho lhe dizendo há vários meses. Não podemos deixar de vencer... a menos que nos recusemos a lutar.

— Eu gostaria que pudéssemos usar esse sistema para fazer nossos levanta­mentos.

A beleza daquelas imagens não estava nas fotografias isoladas mas nos pares de fotografias, em geral tiradas pela mesma câmara com uns poucos segundos de intervalo, que eram transmitidos dos satélites para as estações terrestres de Sunnyvale e Fort Belvoir. Observações ao vivo eram ótimas para despertar a imaginação dos congressistas ou contar objetos em situações de emergência. Para trabalhos sérios, os especialistas usavam fotografias, dispostas em pares e observadas através de um estereoscópio, melhor do que a vista humana para conferir às imagens uma qualidade tridimensional. Era quase tão satisfatório quanto sobrevoar a região de helicóptero. Talvez ainda melhor, pensou o funcionário da AMTRAK, porque você podia ver as fotos na ordem desejada.

— Esses satélites custaram rios de dinheiro — observou Betsy Fleming.

— Eu sei. O equivalente ao nosso orçamento anual, não é? Esta aqui é interessante.

Um grupo de especialistas em interpretação de imagens estava anali­sando todas as fotos, naturalmente, mas a verdade era que a CIA e o NRO tinham deixado de se interessar pelos aspectos técnicos da construção de ferrovias há muito tempo. Localizar composições isoladas carregadas com tanques ou mísseis era uma coisa; o problema que estamos tentando resolver é outro bem diferente.

— Interessante por quê? — A linha do Shin-Kansen é uma linha comercial. Este trecho provavel­mente será deficitário. Talvez possam abrir um túnel aqui — prosseguiu, manipulando as fotos. — Talvez possam estender os trilhos até esta cidade... mas se fosse eu, passaria pelo outro lado e economizaria bastante dinheiro. Só se for um desvio para fazer a manutenção da linha principal.

— Hein? O técnico nem levantou os olhos do estereoscópio.

— Um lugar para estacionar vagões de serviço, limpa-neves, esse tipo de equipamento. A localização parece adequada para esse fim. Mas acontece que a linha está vazia.

A resolução das fotos era simplesmente fantástica. Tinham sido toma­das por volta do meio-dia, hora local, e dava para ver o reflexo no sol nos trilhos. O técnico calculou que a largura dos trilhos estava no limite de resolução das câmaras, um fato interessante que não estava autorizado a revelar a ninguém. Os dormentes eram feitos de concreto, como no restante da linha do trem-bala, e a qualidade do trabalho era de fazer inveja a qualquer engenheiro. O técnico levantou os olhos com relutância.

— Não pode ser uma linha comercial. As curvas estão todas erradas. A velocidade não pode passar de cinquenta quilômetros por hora e os trens-bala viajam a mais de cento e cinquenta. O mais engraçado, porém, é que a linha desaparece de repente.

— É mesmo? — perguntou Betsy.

— Veja você mesma. — O técnico levantou-se para deixar que a Sra. Fleming usasse o estereoscópio. Pegou um mapa da região para se localizar melhor. — Sabe, quando Hill e Stevens construíram a Great Northern... — Betsy não estava interessada.

— Chris, venha dar uma olhada nisto aqui. O técnico levantou os olhos do mapa.

— Oh. O caminhão? Não sei de que cor os japoneses pintam os...

— De verde é que não é.

O tempo em geral trabalhava a favor da diplomacia, mas não era o que estava acontecendo naquele caso, pensou Adler ao entrar na Casa Branca. Conhecia o caminho e tinha um agente do Serviço Secreto para guiá-lo, caso se perdesse. O subsecretário de Estado ficou surpreso ao ver um repórter na Sala Oval e mais ainda quando permitiram que ficasse.

— Pode falar — disse Ryan.

Scott Adler respirou fundo e começou seu relatório.

— Eles não querem recuar um milímetro. O embaixador não parece satisfeito com a situação. Acho que se limita a obedecer às instruções de Tóquio, e isso me deixa preocupado. Chris Cook acredita que eles estão dispostos a nos devolver Guam, contanto que seja desmilitarizada, mas querem conservar as outras ilhas. Acenei para eles com um possível abrandamento da LRC, mas eles não esboçaram nenhuma reação. — Fez uma pausa antes de prosseguir. — Não vai funcionar. Podemos continuar durante uma semana ou durante um mês, mas não vai funcionar. A verdade é que não fazem ideia da gravidade da situação. Não conseguem separar os aspectos econômicos dos militares. Não compreendem que passaram dos limites e não admitem a necessidade de recuar.

— Está dizendo que não há como evitar a guerra — observou Holtzman, para deixar as coisas bem claras.

Sentiu-se um pouco estúpido por ter feito o comentário, sem notar que todos os presentes também estavam perplexos. Adler fez que sim com a cabeça.

— Infelizmente, é o que parece.

— O que vamos fazer? — O que você acha? — perguntou o presidente Durling.

O comandante Dutch Claggett nunca esperara se ver naquela situação. Promovido várias vezes por merecimento depois de se formar na Academia Naval dos Estados Unidos, fazia vinte e três anos, sua carreira na Marinha sofrerá um golpe fatal a bordo do USS Maine, quando, no posto de oficial executivo, fora um dos responsáveis pela primeira e única perda de um submarino americano equipado com mísseis balísticos. A ironia estava no fato de que a ambição de sua vida tinha sido comandar um submarino nuclear, mas o comando do Tennessee já não significava nada para ele; considerava-a apenas como mais uma linha no currículo para quando se reformasse. Sua missão oficial era transportar mísseis balísticos Trident-II, mas os mísseis não existiam mais, e a única razão pela qual o submarino ainda não fora desativado era porque o movimento ecológico local protes­tara na justiça contra o desmonte e o juiz, que pertencia havia muitos anos ao Sierra Club, concordara com os argumentos dos ecologistas; o processo estava sendo agora apreciado pelo Tribunal de Apelação. Claggett estava no comando do Tennessee havia nove meses, mas a única vez que movimentara o submarino tinha sido para transferi-lo de um lado do cais para o outro. Não era bem assim que esperava que terminasse sua carreira. Podia ser pior, pensou consigo mesmo, na privacidade da cabina. Poderia estar morto, como tantos outros tripulantes do USS Maine.

Mesmo assim, o Tennessee era todo seu (não precisava nem mesmo dividi-lo com um segundo comandante) e estava no comando de um vaso de guerra; sua tripulação reduzida de oitenta e cinco homens praticava todo dia, porque era assim que tinha de ser, mesmo em uma embarcação amarrada no cais. O reator, apelidado pelos operadores de Companhia de Luz e Força do Tennessee, era ligado pelo menos uma vez por semana. Os operadores de sonar usavam fitas gravadas para ensaiar operações de detecção e rastreamento, e outros tripulantes operavam todos os sistemas de bordo, até o único torpedo Mark 48 de que dispunham. Tinha de ser assim. Afinal, os outros tripulantes não estavam encostados como Claggett, e tinham de se manter em forma, porque a qualquer momento poderiam ser transferidos para um submarino em atividade.

— Mensagem do SubPac, comandante — anunciou um ordenança, com uma prancheta na mão.

Claggett recebeu a mensagem e assinou o recibo. Preparar para partir o mais cedo possível.

— O que está acontecendo? — perguntou às paredes. Então percebeu que a mensagem não podia ter sido transmitida diretamente de Pearl, mas devia ter passado primeiro pelo Grupo. Pegou o telefone e discou para o SubPac. — Almirante Mancuso, por favor. Aqui é o Tennessee.

— Dutch? Qual é o estado do seu submarino? — perguntou Bart Mancuso, sem rodeios.

— Está tudo funcionando, almirante. Fizemos nosso ESOR há duas semanas sem nenhum problema.

Claggett estava se referindo ao Exame das Salvaguardas Operacionais do Reator, que ainda era o Santo Graal da Marinha Nuclear, mesmo no caso de embarcações que em breve seriam transformadas em lâminas de barbear.

— Eu sei. De quanto tempo precisa? — perguntou Mancuso. O tom seco da pergunta parecia coisa do passado.

— Ainda falta carregar alimentos e torpedos. Também vamos precisar de mais trinta tripulantes.

— Quais são suas deficiências? Claggett pensou por um momento. Seus oficiais eram relativamente jovens, mas isso não era grave, porque podia contar com muitos suboficiais experientes.

— Não consigo pensar em nenhuma. Minha tripulação está bem treinada.

— Isso é ótimo. Dutch, estou preparando as ordens para vocês partirem assim que for possível. O Grupo está sendo montado neste exato momento. Esteja preparado para passar noventa dias no mar.

— Sim, senhor.

Depois que o almirante desligou, Claggett convocou os chefes de departamento para uma reunião na praça-d'armas. A reunião ainda não começara quando o telefone tornou a tocar. Era do comando do Grupo, perguntando quais as necessidades exatas de Claggett em termos de tripulação.

 

— Sua casa tem uma bela vista. Está à venda? Oreza sacudiu a cabeça.

— Não, não está — disse ao homem que batera à porta.

— Talvez devesse pensar no assunto. É pescador, não é?

— Sou, sim. Tenho um barco de aluguel...

— Eu sei. — O homem olhou em volta, admirando tamanho e localização do que era na verdade uma casa bastante comum pelos padrões americanos. Manuel e Isabel Oreza haviam-na comprado fazia cinco anos, pouco antes que o custo das propriedades em Saipan disparasse. — Posso fazer uma boa oferta por ela — acrescentou.

— Onde eu iria morar? — perguntou Portuga.

— Mais de um milhão de dólares — insistiu o homem. Curiosamente, a proposta deixou Oreza irritado. Afinal, a casa ainda estava hipotecada, e todo mês pagava a prestação (na verdade, era a mulher que pagava, mas isso não vinha ao caso). O típico ritual americano de arrancar um cupom do talão, preencher um cheque, enfiar os dois papéis em um envelope impresso e colocar o envelope no correio no primeiro dia do mês... aquela sequência de operações servia para lembrá-los de que possuíam sua primeira casa depois de passarem mais de trinta anos morando em propriedades do governo. A casa era deles.

— Meu amigo, a casa é minha, entende? Moro aqui e gosto daqui.

O homem podia ser insistente, mas era também educado. Entregou-lhe um cartão.

— Eu sei. Desculpe o incômodo. Gostaria que ligasse para mim depois de pensar na minha oferta — concluiu, dirigindo-se para a casa ao lado.

— Que coisa estranha... — murmurou Oreza, fechando a porta.

— O que foi? — perguntou Pete Burroughs.

— Um cara está disposto a pagar um milhão de dólares pela minha casa.

— A vista é bonita — observou Burroughs. — Na costa da Califórnia, você conseguiria um bom preço por ela, mas bem menos do que um milhão. O mercado imobiliário local deve estar bem aquecido.

— Um milhão de dólares? E aquela tinha sido apenas a primeira oferta, pensou Oreza. O homem estacionara o Toyota Land Cruiser no final da rua e estava indo de casa em casa, obviamente à procura de alguém disposto a vender sua propriedade.

— Oh, ele pode ter uma oferta ainda maior, ou talvez esteja pretendendo alugá-la.

— Mas onde iríamos arranjar outra casa?

— Talvez isso não seja necessário — respondeu Burroughs. — Aposto que eles dariam a vocês duas passagens de primeira classe para os Estados Unidos como brinde. Pense no assunto — sugeriu o engenheiro.

 

— Isso é muito interessante — disse Robby Jackson. — Mais alguma novidade?

— Não, senhor. As coisas estão voltando ao... as coisas estão normais, a não ser pela presença dos soldados.

— Algum problema?

— Não, senhor. Os mesmos navios de suprimentos, os mesmos navios-tanque, nada mudou. O tráfego aéreo diminuiu bastante. Os soldados não deixaram a ilha, mas quase não aparecem mais. Ainda existem muitas florestas por aqui. Devem estar acampados fora das cidades. Não posso sair para procurá-los, o senhor entende?

— Entendo. Fique calmo, sargento. Obrigado pelo relatório. Agora preciso voltar ao trabalho.

— Está bem, almirante.

Jackson fez algumas anotações. Deveria ter entregado o caso a um subordinado, mas Oreza parecia satisfeito ao ouvir uma voz familiar do outro lado, e de qualquer forma as conversas estavam sendo gravadas para o pessoal da inteligência.

A verdade, porém, era que ele estava muito ocupado. Naquela noite, a Força Aérea estaria sondando novamente as defesas aéreas japonesas. A linha de patrulhamento dos submarinos nucleares seria deslocada mais cento e cinquenta quilômetros para oeste, e os técnicos recolheriam grande quantidade de informações, principalmente dos satélites espiões. O Enter­prise estava para chegar a Pearl Harbor a qualquer momento. Havia dois grupos de esquadrilhas na Estação Aeronaval de Barbers Point, mas nenhum porta-aviões para transportá-las. A 25Divisão de Infantaria do Exército ainda estava no Quartel de Schofield, a alguns quilômetros de distância, mas também não havia navios para transportar os soldados. O mesmo acontecia com a Primeira Divisão de Fuzileiros de Camp Pendleton, Califórnia. Na última vez em que os americanos tinham desembarcado nas Marianas, em 15 de junho de 1944, como se dera ao trabalho de descobrir, contavam com 535 navios e 127.571 soldados. Todos os navios da Marinha dos Estados Unidos, somados a todos os navios mercantes de bandeira americana, não chegariam nem perto do primeiro número; o Exército e os Fuzileiros, juntos, teriam dificuldade para encontrar um número suficiente de soldados de infantaria para igualar o segundo. A Quinta Esquadra do almirante Ray Spruance, que não existia mais, contara com nada menos do que quinze porta-aviões rápidos. A Esquadra do Pacífico agora não tinha nenhum. Cinco divisões tinham sido empregadas na missão de retomar as ilhas, apoiadas por mais de mil aeronaves táticas, encouraçados, cruzadores, contratorpedeiros...

E você é o felizardo que tem de formular um plano para recuperar as Marianas. De que jeito? Não podemos enfrentá-los na base da força, pensou Jackson. Os japoneses estavam bem entrincheirados nas ilhas e contavam com um excelente armamento, quase todo projetado nos Estados Unidos. A maior complicação era a presença de civis. Os "nativos", todos cidadãos america­nos, eram quase cinquenta mil, a maioria dos quais morava em Saipan; qualquer plano que sacrificasse muitos desses civis em nome da libertação seria um peso que sua consciência não estava preparada para suportar. Era um tipo de guerra totalmente novo, com um novo conjunto de regras, poucas das quais compreendia bem. Entretanto, as questões centrais permaneciam as mesmas. O inimigo tomou algo que nos pertence e temos de tomá-lo de volta ou os Estados Unidos são serão mais uma grande potência. Jackson não passara toda a vida adulta de uniforme para assistir a esse tipo de vexame. Além do mais, o que diria ao primeiro-sargento Manuel Oreza? Não podemos enfrentá-los na base da força. Os Estados Unidos não tinham mais a capacidade de deslocar um grande exército, a não ser de uma base para outra. Na verdade, não dispunham nem de um grande exército para deslocar nem de uma marinha para deslocá-lo. Também não dispunham de bases avançadas para apoiar uma invasão. Ou será que dispunham? Os Estados Unidos ainda ocupavam a maior parte das ilhas do Pacífico Ocidental e todas dispunham de algum tipo de pista aérea. Os aviões modernos tinham uma grande autonomia e podiam ser reabastecidos em pleno ar. Os navios podiam permanecer no mar quase indefinidamente, uma técnica que fora introduzida pela Marinha dos Estados Unidos havia mais de oitenta anos e consideravelmente facilitada pela energia nuclear. Mais importante ainda era o fato de que a tecnologia de armamentos evoluíra de forma considerável. Não era mais necessário usar tacapes; agora havia espadas. E fotografias tiradas por satélites. Saipan. Era lá que a guerra seria decidida. Saipan era a chave para o arquipélago. Jackson pegou o telefone.

— Ryan.

— Robby. Jack, até que ponto temos liberdade de ação?

— Não podemos matar muita gente. Não estamos em 1945 — afirmou o conselheiro de Segurança Nacional. — E o inimigo dispõe de mísseis nucleares.

— Ouvi dizer que estamos à procura deles e sei que serão nosso primeiro alvo se conseguirmos encontrá-los. E se não conseguirmos?

— Temos de conseguir — replicou Ryan. Temos?, pensou. Segundo as informações disponíveis, esses mísseis estavam nas mãos de Hiroshi Goto, um homem de inteligência limitada e que detestava os Estados Unidos. Mais importante ainda era o fato de que não confiava na sua capacidade de prever as atitudes do homem. O que parecia irracional a Ryan poderia parecer razoável para Goto e para as pessoas que o aconselhavam, entre as quais estava provavelmente Raizo Yamata, que começara toda a história e cujas motivações pessoais eram simplesmente desconhecidas. — Robby, temos de colocá-los fora de combate e para fazê-lo, sim, você tem carta branca. Deixarei isso bem claro com o CSFA — acrescentou, referindo-se ao Chefe Supremo das Forças Armadas, o termo que o Pentágono usava para designar o presidente dos Estados Unidos.

— O que me diz de armas nucleares? — perguntou Jackson.

Fazia parte do seu trabalho pensar em todas as possibilidades, por mais assustadoras que fossem.

— Rob, não queremos recorrer a elas a não ser em último caso, mas está autorizado a planejar seu uso.

— Acabo de receber um telefonema de um amigo em Saipan. Parece que alguém ofereceu uma fortuna pela casa dele.

— Parece que eles vão realizar eleições, como um referendo para a ocupação militar. Se conseguirem tirar americanos da ilha ganharão alguns votos, não acha? — Não queremos que isso aconteça, não é?

— Não, não queremos. Preciso de um plano, Rob.

— Vamos preparar um para você — prometeu o segundo em comando do J-3.

Durling apareceu de novo na TV às nove horas da noite, hora de Nova York. Os boatos já começavam a circular. Depois das notícias sobre Wall Street, os repórteres tinham feito referências confusas ao acidente com os porta-aviões na semana anterior e a negociações urgentes entre o Japão e os Estados Unidos com relação ao arquipélago das Marianas, onde, observa­ram, as comunicações estavam interrompidas devido a uma suposta tem­pestade. Eles se sentiam muito pouco à vontade ao falar de um assunto sobre o qual conheciam tão pouco. Àquela altura, os correspondentes em Washington estavam trocando informações, surpresos por terem deixado escapar algo tão importante. Essa surpresa transformou-se em indignação com o governo por ter mantido os fatos em segredo. Entrevistas coletivas, que começaram às oito, ajudaram a amenizar um pouco a situação. Sim, o importante era o que estava acontecendo em Wall Street Sim, isso tinha uma influência muito mais direta sobre o bem-estar das famílias americanas do que a situação em ilhas que a maioria das pessoas nem sabia onde ficavam. Mas não, o governo não tinha o direito de manter a imprensa à parte em relação aos acontecimentos. Alguns, porém, reconheceram que a Primeira Emenda garantia o direito de investigar os fatos, não de ser informado a respeito deles. Outros compreenderam que o governo estava tentando pôr um fim à disputa sem derramamento de sangue, o que ajudou a acalmá-los, mas não totalmente.

— Meus amigos — começou Durling, pela segunda vez no dia, e ficou logo evidente que, ao contrário do que sucedera com os eventos da tarde, as notícias da noite seriam desagradáveis.

Foi exatamente o que aconteceu.

Existe algo na inevitabilidade que ofende a natureza humana. O homem é uma criatura cheia de inventividade e esperança, virtudes que se baseiam na ideia de que as coisas podem ser mudadas. Entretanto, o homem também é uma criatura passível de erros, e esses erros às vezes tornam inevitáveis justamente o que se pretendia evitar.

Os quatro bombardeiros B-1B Lancer estavam agora a oitocentos quilômetros do litoral, novamente em uma linha situada a leste de Tóquio. Dessa vez, rumaram direto para oeste e reduziram a altitude. Os oficiais de guerra eletrônica a bordo das aeronaves agora sabiam bem mais do que na antevéspera. Pelo menos, podiam fazer as perguntas certas. Usando infor­mações adicionais, colhidas por satélites, tinham determinado a localização de todos os radares de defesa aérea do país e sabiam que eles podiam ser iludidos. A parte mais importante da missão daquela noite era avaliar a capacidade dos E-767, e isso exigia mais cautela.

O B-1B fora remodelado várias vezes desde a década de 1970. Agora estava mais lento, mas também se tornara ainda menos visível. Visto de frente, o Lancer tinha uma seção reta para o radar, ou SRR, de um pássaro de grande porte, ao contrário do B-2A, que tinha a SPR de um pardal tentando se esconder de um falcão. Também era muito veloz em baixa altitude, sempre a melhor forma de evitar um confronto quando atacado, como era intenção das tripulações. A missão para aquela noite consistiria em "cutucar" as aeronaves de patrulha, esperar que reagissem eletronica­mente, dar meia-volta e retornar a Elmendorf com melhores dados, a partir dos quais pudessem formular um plano de ataque. As tripulações tinham se esquecido apenas de uma coisa: a temperatura do ar era de -0,5' C numa extremidade da aeronave e 2" C na outra.

O Kami-dois estava voando cento e cinquenta quilômetros a leste de Choshi, seguindo uma linha precisa norte-sul a oitocentos quilômetros por hora. A cada quinze minutos, o avião invertia o curso. Estava patrulhando aquela região fazia sete horas e seria substituído ao amanhecer. Os homens estavam cansados mas alerta; a missão ainda não se tornara suficientemente rotineira para entorpecer-lhes os sentidos.

O problema real era técnico, e deixava os operadores muito frustrados. O radar, embora muito sofisticado, estava se revelando menos eficiente do que gostariam. Projetado para tornar possível a detecção de aviões invisíveis, atingia esse objetivo, possivelmente (ainda não tinham certeza), através de várias pequenas inovações. O radar em si tinha uma potência elevada; além disso, como se baseava em dispositivos semicondutores, era ao mesmo tempo muito preciso e extremamente confiável: As melhorias internas incluíam circuitos receptores resfriados com nitrogênio líquido, que ofere­ciam uma sensibilidade quatro vezes maior, e um software de processamento de sinais que não deixava escapar quase nada. Aquele era o maior problema. Os monitores do radar eram tubos de TV que mostravam uma imagem gerada por computador chamada de "raster-scan" em lugar da imagem rotativa usada desde a invenção do radar na década de 1930. O software fora desenvolvido para mostrar qualquer coisa que produzisse um eco, e com a potência e a sensibilidade para as quais o aparelho estava ajustado no momento, podia detectar alvos irrelevantes, como pássaros migratórios, por exemplo. Os engenheiros de software tinham programado um limiar de velocidade para ignorar qualquer coisa que se movesse a menos de cento e trinta quilômetros por hora, caso contrário o radar começaria a rastrear carros nas estradas a oeste, mas o software examinava todos os ecos antes de decidir se deviam ou não ser mostrados ao operador. Quando algum sinal era detectado em duas posições próximas com alguns segundos de intervalo, era considerado como uma provável aeronave. Assim, por exem­plo, dois albatrozes voando a um quilômetro de distância um do outro podiam ser confundidos pelo computador com um único avião. Isso estava deixando loucos os operadores e com eles os pilotos dos dois caças Eagle que voavam trinta quilômetros de cada lado do avião de reconhecimento. O resultado do problema de software era uma irritação que já se transfor­mara em impaciência. Além do mais, o sistema era tão sensível, que o movimento de aviões comerciais podia ser facilmente interpretado como uma esquadrilha de bombardeiros. Pelo menos, o Kami-um, um pouco mais ao norte, estava cuidando do problema, classificando e descartando os voos comerciais.

— Contato, um-zero-um, quatrocentos quilômetros — disse um dos operadores de radar pelo intercomunicador. — Altitude, trezentos metros... descendo. Velocidade, oitocentos quilômetros por hora.

— Outro pássaro? — perguntou o coronel que comandava a missão, de mau humor.

— Negativo... desta vez, o sinal está firme.

Outro aviador com a patente de coronel empurrou o manche para a frente a fim de baixar o nariz do bombardeiro. O piloto automático agora estava desligado. Para dentro e para fora, pensou, olhando para o céu à sua frente.

— Lá está nosso amigo — disse um dos OGE. — Marcação dois-oito-um. Automaticamente, piloto e copiloto olharam para a direita. Não viram nada, o que não era de surpreender. O copiloto olhou de novo para a frente. Em voos noturnos, era melhor não tirar o olho dos instrumentos. A falta de referências externas aumentava o risco de uma vertigem, a perda de orientação espacial que todos os aviadores temiam. Pareciam estar se aproximando de algumas nuvens. Seus olhos examinaram o indicador de temperatura externa. Dois graus positivos, o que era bom. Se a temperatura caísse mais uns dois ou três graus, poderia começar a se formar gelo, e o B-l, como a maioria das aeronaves militares, não contava com nenhum dispositivo de aquecimento das superfícies externas. Bem, a missão era eletrônica, e não visual, e as nuvens não prejudicariam o funcionamento do radar.

Entretanto, as nuvens estavam carregadas de umidade, e o copiloto esquecera-se de que o medidor de temperatura estava localizado no nariz; a cauda ficava bem mais alta. A temperatura ali era de menos -0,5 °C e começou a se formar uma camada de gelo no leme do bombardeiro. Não era suficiente para ser percebida nos controles, mas alterava sutilmente a forma da aeronave, cuja baixa seção reta para o radar dependia de tolerâncias milimétricas.

— É um contato firme — disse o operador de radar do Kami-dois. Usou os controles para rastrear o alvo, transmitindo os sinais para o monitor do coronel. — Posso estar captando outro agora.

— Estou vendo.

O coronel observou que o alvo parará de descer e estava rumando diretamente para Tóquio. Não podia ser um avião de passageiros. Não usava o transponder. O curso estava errado. A altitude estava errada. A velocidade estava errada. Tinha de ser um inimigo. Depois de chegar a essa conclusão, mandou os dois caças atrás dele.

— Posso repetir o sinal...

— Não — ordenou o coronel pelo intercomunicador.

Os dois caças F-15J tinham acabado de encher os tanques e estavam bem localizados para interceptar o alvo. Os símbolos alfanuméricos nos monitores do Kami mostraram que estavam próximos, e a bordo dos caças os pilotos podiam ver a mesma imagem e não precisavam ligar seus radares de rastreamento. Viajando a uma velocidade de mil quilômetros por hora em direção a um alvo que também se movia à mesma velocidade, não podiam levar muito tempo para encontrá-lo.

Ao mesmo tempo, uma mensagem foi transmitida ao quartel-general regional de defesa aérea, e logo muitas pessoas estavam assistindo ao espetáculo eletrônico. Havia agora três aeronaves, dispostas como se estivessem se preparando para atacar. Se fossem bombardeiros B-l, todos sabiam, podiam estar transportando bombas ou mísseis de cruzeiro, que poderiam lançar a qualquer momento. Isso criou um problema para o comandante de defesa aérea, e a hora tardia não ajudava em nada. Suas instruções não eram suficientemente precisas, e não havia ninguém acor­dado em Tóquio para aconselhá-lo. Mas os alvos estavam dentro da Zona de Identificação da Defesa Aérea, eram provavelmente bombardeiros inimi­gos, e portanto... o quê?, perguntou-se o general. Para começar, mandou que os caças se separassem, cada um se dirigindo para um alvo diferente. Tudo estava acontecendo depressa demais. Poderia ter feito muitas outras coisas, mas eram bombardeiros inimigos, estavam muito próximos e não havia tempo a perder.

— Estamos captando sinais em excesso? — perguntou o piloto.

Ele pretendia não se aproximar a menos de cento e cinquenta quilômetros do avião de patrulha e já estava planejando a rota de fuga.

— Negativo, senhor. Estou captando uma varredura a cada seis segun­dos, mas ninguém ainda apontou o feixe para nós.

— Acho que assim eles não conseguem nos ver — observou o piloto.

— Se conseguirem, sempre podemos sair correndo — disse o copiloto, torcendo para que sua confiança não fosse infundada.

Os caças não podiam perseguir os bombardeiros. Estavam acima das nuvens, e atravessá-las, naquelas circunstâncias, seria muito arriscado. A ordem deixou os pilotos frustrados, depois de todos os treinamentos e uma longa noite de patrulha. O Kami-dois mudou de frequência e dirigiu o feixe para os três contatos.

— O sinal mudou — informou o OGE, logo depois. — Estou captando uma rápida sequência de pulsos na banda Ku.

— Provavelmente, eles acabam de nos ver.

Isso fazia sentido, ou não? Assim que descobrissem um alvo, tentariam rastreá-lo. Isso lhe daria um pouco mais de tempo. Continuaria em frente por alguns minutos, pensou o coronel, só para ver o que acontecia.

— Ele não mudou de rumo — informou o operador de radar.

Devia ter voltado imediatamente, não devia?, pensaram todos a bordo. Só podia haver uma razão para que não o fizesse, e a ordem resultante era óbvia. O Kami-dois mudou outra vez de frequência, passando para o modo de controle de tiro, e um caça Eagle lançou dois mísseis guiados por radar. Ao norte, outro Eagle ainda estava fora do alcance do alvo, mas o piloto aumentou a velocidade para corrigir isso.

— Alguém disparou um míssil contra nós!

— Desviando para a esquerda.

O coronel empurrou o manche e aumentou a potência dos motores, mergulhando em direção ao mar. Uma série de granadas luminosas, misturadas com folhas de alumínio, emergiu da cauda do bombardeiro. Elas pararam quase de imediato no ar gelado e ficaram flutuando, praticamente imóveis. O sofisticado radar a bordo do E-767 identificou as folhas de alumínio e ignorou-as, apontando o fino feixe do radar para o bombardeiro, o único alvo que ainda estava se movendo. Tudo que o míssil tinha a fazer era segui-lo. Todos os anos de trabalho no projeto do sistema agora estavam rendendo frutos; os operadores pensaram consigo mesmos a respeito da ironia da situação. O sistema fora planejado para protegê-los dos russos, não dos americanos.

— Não consigo despistá-lo.

O OGE experimentou usar a interferência ativa, mas o feixe de radar que estava martelando a fuselagem de alumínio do Lancer tinha uma potência de dois milhões de watts, e o dispositivo de interferência não conseguiu despistá-lo. A aeronave descreveu uma série de manobras em parafuso. Eles não sabiam onde estavam os mísseis e podiam fazer apenas o que dizia o manual, mas o manual, como perceberam um pouco tarde demais, não previra aquele tipo de adversário. Quando o primeiro míssil explodiu ao tocar a asa direita, estavam próximos demais da água para usar os assentos ejetáveis.

O segundo B-l teve mais sorte. Sofreu um impacto que inutilizou dois motores, mas mesmo com a potência reduzida à metade conseguiu se afastar da costa japonesa, enquanto os tripulantes torciam para conseguir chegar a Shemya antes que algum componente vital se desprendesse da aeronave de cem milhões de dólares. Os outros aviões também se retiraram, esperando que alguém pudesse lhes explicar o que acontecera de errado.

O mais importante era que outro ato hostil fora cometido, mais quatro homens estavam mortos, e seria ainda mais difícil para os dois lados voltar atrás de uma guerra ainda sem regras.

36

CONSIDERAÇÃO

 

Não fora realmente uma surpresa, pensou Ryan, mas isso não serviria de consolo para as famílias dos quatro oficiais da Força Aérea. O que deveria ser uma missão simples, sem grandes riscos, terminara em tragédia, revelando ao mesmo tempo que o Japão dispunha da melhor defesa aérea do mundo. Para destruírem os mísseis intercontinentais, teriam de vencê-la. Havia uma pilha de documentos sobre sua mesa. Relatórios da NASA a respeito do SS-19. Dados sobre os voos de teste. Estimativas da capacidade dos mísseis. Cálculos a respeito das ogivas. Na verdade, não passavam de simples palpites. Gostaria de contar com mais do que isso, mas as informações da inteligência eram assim mesmo. Nunca se dispunha de dados suficientes para tomar uma decisão bem fundamentada, de modo que o remédio era tomar uma decisão mal fundamentada e rezar para que os palpites estivessem corretos. Foi um alívio, no momento em que a UTS-6 começou a tocar.

— Olá, MP. Alguma novidade?

— Koga quer se encontrar conosco — afirmou a Sra. Foley, sem mais delongas. — Parece que não está satisfeito com os últimos acontecimentos. Mesmo assim, é um risco — acrescentou.

Seria muito mais fácil se eu não conhecesse esses dois, pensou Ryan.

— Aprovado — foi o que disse. — Precisamos de todas as informações que pudermos conseguir. Temos de saber quem é que realmente está tomando as decisões no Japão.

— Tudo indica que não seja o governo. É a única explicação para o fato de o RVS não ter sido informado com antecedência. De modo que a pergunta óbvia é...

— E a resposta a essa pergunta é sim, Mary Pat.

— Alguém terá de assinar embaixo, Jack — declarou a vice-diretora de operações.

— Alguém vai assinar — prometeu o conselheiro de Segurança Nacional.

 

Ele era assistente do adido comercial, um jovem diplomata, de apenas vinte e cinco anos de idade, raramente convidado para eventos importantes; quando o era, limitava-se a circular como um pajem do passado, servindo ao chefe, indo buscar drinques e de modo geral parecendo uma pessoa insignificante. Era um agente secreto, é claro, e estava havia pouco tempo no emprego. Sua tarefa era recolher encomendas a caminho da embaixada sempre que os sinais apropriados estavam presentes, como aconteceu naquela manhã, um domingo em Tóquio. A tarefa significava um desafio à criatividade, porque tinha de fazer o que era planejado parecer casual e agir de cada vez de forma diferente, mas não tão diferente a ponto de despertar suspeitas. Era apenas seu segundo ano como espião, mas já começava a pensar como as pessoas conseguiam permanecer naquele trabalho por muito tempo sem perder a razão.

Ali estava. Uma lata de refrigerante, no caso uma lata vermelha de Coca-Cola, jogada na rua entre a roda traseira esquerda de um Nissan e o meio-fio, vinte metros à frente, bem no lugar indicado. Não podia estar ali havia muito tempo; caso contrário, alguém já a teria recolhido e jogado na cesta de lixo mais próxima. Ele admirava a limpeza de Tóquio e o orgulho cívico que simbolizava. Na verdade, admirava quase tudo naquele povo educado e trabalhador, mas isso servia apenas para deixá-lo preocupado quanto à eficiência do serviço de contraespionagem para o qual trabalhava. Bem, pelo menos contava com o disfarce de diplomata e não tinha nada a temer a não ser uma mancha em uma carreira que podia abandonar assim que quisesse: o trabalho na embaixada lhe ensinara muita coisa a respeito de negócios. Abriu caminho entre os transeuntes, curvou-se e pegou a lata de refrigerante. O fundo era côncavo; removeu rapidamente o objeto preso com fita adesiva e jogou a lata na cesta de lixo da esquina antes de dobrar à esquerda e se dirigir para a embaixada. Acabara de completar mais uma missão importante, embora aparentemente não tivesse feito mais do que zelar pela limpeza de uma das cidades mais limpas do mundo. Dois anos de treinamento, pensou, para acabar como lixeiro. Talvez em alguns anos pudesse recrutar seus próprios agentes. Assim, não precisaria sujar as mãos.

Depois de entrar na embaixada, foi direto ao escritório do major Scherenko para entregar-lhe a encomenda antes de começar o trabalho do dia.

Boris Scherenko estava mais ocupado do que nunca. Sua posição deveria ser a de um tranquilo espião industrial, aprendendo técnicas que seu país pudesse copiar com facilidade, mais um burocrata do que um aventureiro. A perda da rede CARDO de Oleg Lyalin fora uma catástrofe profissional que vinha tentando corrigir fazia algum tempo sem muito sucesso. Lyalin, o traidor, tinha sido um mestre na arte de se insinuar em operações comerciais, enquanto ele próprio usava a tática mais convencional de se infiltrar nos órgãos do governo japonês, e seus esforços para repetir o sucesso do primeiro estavam começando a dar frutos quando sua missão tomara um rumo totalmente imprevisto, um rumo tão surpreendente para ele quanto a situação atual estava sem dúvida se revelando para os americanos, que haviam sido tão duramente golpeados pelos antigos aliados. Apenas mais um truísmo que os americanos tinham esquecido: não se pode confiar em ninguém.

Pelo menos o pacote que acabava de receber não tinha mistérios: dois negativos de filme preto e branco de trinta e cinco milímetros. Era só remover o invólucro de papel cinzento, o que levou alguns minutos. Por mais sofisticado que fosse o órgão para o qual trabalhava, as missões de espionagem eram muitas vezes tão monótonas quanto montar um brinque­do de criança. Naquele caso, usou um canivete e uma lâmpada de mesa para desembalar o filme e quase se cortou no processo. Montou os dois negativos em molduras de papelão, que introduziu, uma de cada vez, em um visor de transparências. A tarefa seguinte foi copiar os dados para um pedaço de papel, outro trabalho tedioso. Mas valia a pena, como logo percebeu. Os dados teriam de ser confirmados por outras fontes, mas a notícia que traziam era excelente.

— Lá estão seus dois vagões — afirmou o técnico da AMTRAK. Era um lugar tão óbvio, que tinham levado um dia para encontrá-lo. Os dois vagões-plataforma maiores do que o normal estavam na base de lançamento de Yoshinobu, e ao lado deles havia três invólucros de foguetes SS-19/H-l 1, abandonados no pátio. — Este pode ser mais um, apenas com a ponta para fora do edifício.

— Tem de haver mais do que dois vagões, não acha? — perguntou Chris Scott.

— Acho — respondeu Betsy Fleming. — Mas este pode ser apenas um dos lugares que eles escolheram para guardá-los.

— O outro pode ser a fábrica — propôs Scott.

No momento, esperavam as informações do radar. O único satélite KH-12 em órbita estava se aproximando do Japão e fora do programado para examinar de perto um certo vale. As informações visuais já haviam fornecido uma pista importante. Cinquenta metros de trilhos daquele ramal tinham desaparecido entre uma das passagens do KH-1 1 e a seguinte. As fotografias mostravam as torres metálicas normalmente usadas para sustentar a rede elétrica, só que não havia fios pendurados nas torres. Era provável que tivessem instalado as torres para fazer o desvio parecer normal aos passageiros dos trens-bala.

— Seria melhor não terem feito nada... — comentou o técnico da AMTRAK, olhando novamente para as fotos do satélite.

— É verdade — concordou Betsy, consultando o relógio. Alguém estava pendurando redes de camuflagem nas torres. Os passageiros de trem não perceberiam nada, e nem eles teriam percebido, se não dispusessem de dois conjuntos de fotografias tiradas em diferentes ocasiões. — Se você fosse responsável por esta tarefa, o que faria em seguida? — Pela tarefa de camuflar os mísseis? Essa é fácil — afirmou o técnico. — Trataria de providenciar alguns vagões de conserto de trilhos. Isso explicaria a falta daquele trecho. Eles já deviam ter feito isso havia muito tempo. As pessoas cometem esse tipo de erro o tempo todo? — Não é o primeiro — respondeu Scott.

 

— E agora, o que estão esperando? — perguntou o homem.

— Você verá.

Lançado em órbita oito anos antes pelo ônibus espacial Atlantis, o satélite KH-12, fabricado pela TRW, excedera em muito a vida prevista, como acontecia com muitos produtos daquela empresa, que a Força Aérea chamava de TR-Wonderful. Entretanto, o combustível de que o satélite de reconhecimento por radar necessitava para manobrar estava totalmente esgotado; era preciso esperar que chegasse ao local desejado e torcer para que a altitude fosse a mais apropriada para a missão.

O satélite era um cilindro com mais de dez metros de comprimento e imensos painéis solares para alimentar o radar, que operava na banda Ku. Com o passar dos anos, a radiação intensa danificara as células solares, de modo que só era possível ligá-lo por alguns minutos em cada órbita. Os controladores de terra tinham esperado o que parecia ser um longo tempo por aquela oportunidade. O satélite passava sobre a região de noroeste para sudeste, apenas a seis graus da vertical, o que lhes permitia observar o fundo do vale. Já sabiam muita coisa sobre o local. A história geológica era clara. Um rio, agora bloqueado por uma represa hidrelétrica, cavara uma garganta profunda. Naquele ponto, mais parecia um desfiladeiro do que um vale; as encostas abruptas tinham sido o principal fator para a escolha. Os mísseis podiam ser lançados verticalmente, mas os mísseis inimigos seriam impe­didos de atingi-los pelas montanhas a leste e oeste. Não fazia diferença de quem fossem os mísseis. A forma e orientação do vale teriam o mesmo efeito sobre mísseis russos ou americanos. Outra vantagem era que o fundo do vale constituía-se de rocha sólida; cada silo dispunha de uma proteção natural. Por todos esses motivos, Scott e Betsy tinham empenhado sua reputação profissional ao recomendar que o vale fosse investigado pelo KH-1Z.

— Está quase na hora, Betsy — afirmou Scott, olhando para o relógio da parede.

— O que esperam ver? — perguntou o técnico da AMTRAK.

— Se estiverem lá, não deixaremos de detectá-los. Tem acompanhado a tecnologia espacial? — perguntou Betsy.

— Está falando com um fã de Jornada nas Estrelas.

— Na década de 1980, a NASA colocou em satélite desses em órbita, e a primeira coisa que ele obteve foi uma imagem do delta do Nilo, mostrando os aquíferos subterrâneos que se comunicam com o mar Mediterrâneo. Fizemos um mapa deles.

— Como fizeram com os canais de irrigação no México, abertos pelos maias, se não me engano. O que está tentando me dizer? — perguntou o técnico da AMTRAK.

— Que fizemos isso para mostrar aos russos que não podiam esconder os silos dos nossos satélites. Eles entenderam o recado — explicou a Sra. Fleming.

Nesse momento, o fax começou a funcionar. Os sinais do KH-12 tinham sido transmitidos a um satélite em órbita geoestacionária acima do oceano Índico, e desse satélite para o continente americano. Os sinais ainda não tinham sido processados em computador mas serviriam para um primeiro exame. Scott tirou a primeira imagem da máquina e a colocou em cima da mesa, debaixo de uma luz forte, ao lado de uma fotografia do mesmo local.

— Diga-me o que está vendo.

— Muito bem. Aqui está a linha principal... oh, esta coisa pega apenas os dormentes. Os trilhos são estreitos demais, não são?

— Isso mesmo.

Betsy localizou o desvio. Os dormentes de concreto tinham quinze centímetros de largura e produziam uma imagem nítida para o radar, que parecia uma linha tracejada.

— Ela se estende até quase o final do vale, não é? — O técnico da AMTRAK estava quase com o rosto encostado no papel, apontando com a caneta. — Quantas curvas! O que são essas coisas? — perguntou, mostrando uma série de círculos brancos.

Scott colocou uma pequena régua sobre a folha de papel.

— Betsy?

— Usaram um sistema de alta densidade. Deve ter custado uma fortuna.

— Belo trabalho — murmurou Scott. A linha era sinuosa, e a cada duzentos metros havia um silo a menos de três metros de distância dos dormentes.

— Tudo foi muito bem planejado.

— Não estou entendendo.

— Trata-se de um sistema de alta densidade — afirmou a Sra. Fleming.

— Isso quer dizer que se tentarmos bombardear o vale, a primeira explosão vai jogar tanto detrito para o ar, que os mísseis seguintes ficarão desorientados.

— Isso quer dizer que não podemos usar armas nucleares para neutralizar todos os silos — completou Scott.

— Agora me diga o que está vendo — ordenou.

— Este é um desvio que não faz nenhum sentido do ponto de vista comercial. Não leva a parte alguma. É longo demais para ser uma linha de serviço. Usa bitola padrão, provavelmente para aumentar a capacidade de carga.

— E está sendo camuflado — concluiu Betsy, já pensando nas palavras que usaria no relatório. — Chris, encontramos o lugar.

— Mas só estou vendo dez silos. Ainda faltam dez.

 

Era difícil pensar nisso como uma vantagem, mas o enxugamento da Marinha resultara em excesso de pessoal, de modo que não foi difícil arranjar mais trinta e sete homens. Com isso, a tripulação do Tennessee aumentou para cento e vinte pessoas, trinta e sete a menos do que a tripulação normal de um submarino da classe Ohio, mas um número que Dutch Claggett considerava aceitável. Afinal, não precisaria dos técnicos em mísseis.

A tripulação teria uma alta proporção de suboficiais, outro problema sem grande importância, pensou o comandante, de pé no convés, observan­do os homens carregarem as provisões à luz de possantes luminárias. O reator já estava em funcionamento. Naquele exato momento, o oficial de engenharia estava realizando um treinamento. Perto da proa, um torpedo ADCAP Mark 48, pintado de verde, estava sendo introduzido na escotilha de carregamento de armas, sob os olhos atentos de um especialista. Pretendiam levar apenas dezesseis torpedos, mas esperava que esse número fosse suficiente para a missão que tinham em vista. Pensou no Asheville e no Charlotte. Fora amigo de alguns tripulantes dos dois submarinos, e se Washington o autorizasse, talvez tivesse a chance de vingar a morte deles.

Um carro estacionou ao lado do submarino, e um suboficial saltou com uma valise de metal na mão. Subiu a bordo, abrindo caminho entre os tripulantes, e desceu por uma escotilha.

— E o novo software para o sonar — informou o imediato. — Aquele que estão usando para rastrear baleias.

— Quanto tempo levarão para carregá-lo?

— Apenas alguns minutos, penso eu.

— Quero estar pronto para partir antes do amanhecer.

— Não haverá problema. Nossa primeira parada será em Pearl? Claggett fez que sim com a cabeça e apontou para os outros submarinos da classe Ohio, que também estavam sendo abastecidos.

— E quero ser o primeiro a chegar lá.

Não era uma visão agradável. O Johnnie Reb estava apoiado em blocos de madeira e se projetava acima do piso da doca seca, como se fosse um imenso edifício. O comandante Sanchez tinha ido ver de perto os reparos e estava acompanhado pelo comandante do navio. Enquanto olhavam, um guindaste removeu os restos do hélice número três. Operários e engenheiros com seus capacetes multicoloridos afastaram-se e depois se aproximaram nova­mente da popa, avaliando as avarias. Outro guindaste começou a retirar o eixo número quatro. Teve de ser puxado horizontalmente para trás, depois que a parte dianteira foi desconectada do restante do sistema.

— Filhos da mãe — murmurou o comandante.

— Vamos consertá-lo — observou Sanchez.

— Mas o conserto levará quatro meses, no mínimo — acrescentou o comandante.

Simplesmente não tinham as peças necessárias para realizar o conserto em um tempo mais curto. O maior problema, previsivelmente, eram as engrenagens redutoras. Teriam de fabricar seis conjuntos completos de engrenagens, e isso levava tempo. Todo o sistema de propulsão do Enterprise sofrerá avaria; os esforços para levar o navio para águas seguras o mais depressa possível tinham danificado o único sistema de engrenagens que talvez tivesse conserto. No caso do Enterprise, o conserto levaria no mínimo seis meses, e isso se o empreiteiro conseguisse organizar três turnos de trabalho. Os outros reparos eram relativamente simples.

— Quanto tempo levarão para consertar o eixo número um? — perguntou Sanchez.

O comandante deu de ombros.

— Não mais do que dois ou três dias.

Sanchez hesitou antes de fazer a pergunta seguinte. Devia saber a resposta e tinha medo de parecer estúpido... oh, que diferença fazia? Tinha de ir a Barbers Point de qualquer maneira. Além disso, as únicas perguntas estúpidas, como sempre dissera, eram aquelas que você deixava de fazer.

— Almirante, desculpe a pergunta, mas qual a velocidade que ele pode atingir com apenas dois eixos?

 

Ryan se surpreendeu desejando que a Sociedade da Terra Plana estivesse certa. Nesse caso, o mundo teria apenas um fuso horário. Do jeito como as coisas eram, as Marianas estavam quinze horas à frente, o Japão quatorze, Moscou oito. Os principais mercados financeiros da Europa Ocidental estavam cinco ou seis horas à frente, dependendo do país. O Havaí estava cinco horas atrás. O conselheiro de Segurança Nacional tinha contatos em todos esses lugares; era difícil lembrar-se de quem estava acordado e quem estava dormindo. Resmungou consigo mesmo na cama, lembrando-se com saudade da confusão que sempre sentia nos voos internacionais. Naquele exato momento, coisas estavam acontecendo em outros lugares; era melhor dormir para estar preparado para lidar com elas quando o sol voltasse à parte do mundo onde vivia e trabalhava. Entretanto, o sono não vinha, e tudo que via era o teto de madeira do quarto.

— Alguma ideia? — perguntou Cathy. Jack fez um muxoxo.

— Eu devia ter ficado no mercado financeiro.

— Quem estaria cuidando do país? Um longo suspiro.

— Outra pessoa.

— Não tão bem, Jack — afirmou a esposa.

— Tem razão — admitiu Ryan.

— Como acha que as pessoas vão reagir a esta situação?

— Não sei. Não sei nem mesmo como eu estou reagindo. As coisas não deviam ser assim. Estamos metidos numa guerra que não faz o menor sentido. Acabamos com os últimos mísseis nucleares há dez dias, e agora eles estão de volta, apontados para nós, e não temos nenhum para apontar para eles. Se não pararmos logo com isso... não sei não, Cathy.

— Passar a noite em claro não ajudará em nada.

— E o que dá ser casado com uma médica. — Ryan sorriu. — Meu bem, pelo menos você nos evitou um problema.

— Como consegui isso?

— Sendo esperta.

Usando a cabeça o tempo todo, pensou Ryan. A esposa não fazia nada sem pensar primeiro. Trabalhava muito devagar, pelos padrões da profissão. Talvez isso fosse normal para alguém que estava explorando as fronteiras do conhecimento, sempre observando, planejando e analisando (como um bom espião, na verdade) e então, quando tudo estava previsto e calculado, zap com o laser. Sim, essa era uma boa forma de trabalhar, não era?

 

— Acho que eles aprenderam uma lição — afirmou Yamata.

Uma aeronave de salvamento recolhera dois corpos e alguns pedaços do bombardeiro americano. Os corpos seriam tratados com dignidade. Os nomes tinham sido enviados a Washington através da embaixada do Japão, e no devido tempo os restos mortais seriam devolvidos. Mostrar piedade era a coisa mais acertada a fazer, por muitas razões. Um dia os Estados Unidos e o Japão seriam novamente amigos, e Yamata não queria estragar essa possibilidade. Também não era bom para os negócios.

— O embaixador comunicou que eles não cederam um milímetro — observou Goto, depois de pensar por um momento.

— Ainda não tiveram tempo de avaliar sua posição e a nossa.

— Será que conseguirão pôr em ordem seu sistema financeiro?

Yamata franziu a testa. — Talvez. Mesmo assim, terão de enfrentar grandes dificuldades. Ainda precisam comprar de nós, ainda precisam nos vender... e não podem nos vencer militarmente, como quatro dos seus aviadores, possivelmente oito, acabam de descobrir. — As coisas não tinham acontecido exatamente de acordo com os planos, mas desde quando elas aconteciam? — Precisamos mostrar que os residentes de Saipan preferem ser governados por nós. Isso fará com que a opinião mundial fique do nosso lado e esfriará consideravelmente a situação.

Até o momento, pensou Yamata, as coisas estavam correndo bem. Os Estados Unidos tão cedo não tentariam aproximar-se de novo do arquipélago do Japão. No momento não tinham poder militar suficiente para retomar as Marianas, e antes que o tivessem, bem, o Japão poderia contar com um novo aliado, e talvez até mesmo uma nova liderança política...

 

— Não, não estou sendo vigiado — assegurou-lhes Koga.

— Como repórter... não, você sabe que isso não é verdade, não sabe? — perguntou Clark.

— Sei que é um agente secreto. Sei que Kimura tem mantido contato com vocês.

Estavam em uma agradável casa de chá perto do rio Ara. Ao lado havia uma pista de regatas, construída para a olimpíada de 1964. Também havia uma delegacia de polícia nas vizinhanças, lembrou John. Por que, pensou, sempre temera se envolver com a polícia? Nas circunstâncias, só lhe restava admitir a gravidade da situação em que se encontrava.

— Nesse caso, Koga-san, estamos a sua mercê.

— Presumo que os chefes de vocês estejam a par dos acontecimentos. De todos os acontecimentos — acrescentou, com ar de nojo. — Também falei com os meus contatos.

— A Sibéria — disse Clark, em tom lacônico.

— A Sibéria — repetiu Koga. — Isso é parte do problema. O ódio que Yamata-san sente pelos Estados Unidos também é parte de problema, mas não tem nenhuma lógica.

— Não estamos aqui para discutir a reação dos Estados Unidos, mas posso lhe assegurar que meu país não aceitará de forma passiva que seu território seja invadido — afirmou John, calmamente.

— Mesmo que a China esteja envolvida? — perguntou Kimura.

— Especialmente se a China estiver envolvida — disse Chavez, apenas para que os outros soubessem que estava ali. — Imagino que conheçam história tão bem como eu.

— Temo pelo meu país. A época de aventuras como esta já passou há muito tempo, mas as pessoas que... sabem como as decisões são tomadas aqui? A vontade do povo não é considerada. Tentei mudar isso. Tentei acabar com a corrupção.

Clark estava pensando furiosamente, tentando decidir se o homem estava sendo sincero ou não.

— Nos Estados Unidos tivemos problemas semelhantes, como deve saber. A questão é a seguinte: o que faremos agora? A aflição do homem era evidente.

— Não sei. Pedi para falar com vocês na esperança de que o governo americano entenda que nem todos aqui são insanos.

— Não deve se considerar um traidor, Koga-san — disse Clark, depois de pensar por um momento. — Claro que não é. O que pode fazer um homem quando percebe que o governo do seu país está agindo de maneira errada? Está muito certo em pensar que as consequências das atitudes recentemente tomadas pelo Japão podem ser bastante sérias. Meu país não tem tempo nem energia para gastar em conflitos, mas, se sentir que é a única solução, não hesitará em agir. Agora preciso lhe fazer uma pergunta.

— Sim, eu sei.

Koga olhou para a mesa. Pensou em estender a mão para o copo, mas teve medo de que sua mão tremesse.

— Vai cooperar conosco para evitar que isso aconteça? Esta é uma missão para alguém muito mais graduado do que eu, pensou John, mas estava ali e seus superiores não.

— O que quer que eu faça?

— Não saberia lhe dizer exatamente o que, mas pretendo consultar meu governo a respeito. Pelo menos, vamos precisar de informações e de sua influência política. O senhor ainda é respeitado nos círculos do governo. Tem amigos e aliados na Dieta. Não lhe pedirei que faça uso deles levianamente. São muito valiosos para serem desperdiçados.

— Posso falar contra esta loucura. Posso...

— O senhor pode fazer muitas coisas, Koga-san, mas por favor, pelo bem do seu país e do meu, não faça nada sem antes pensar nas consequências. — Minha próxima carreira, pensou Clark. Conselheiro político. — Então concorda conosco que o mais importante é evitar uma guerra?

— Hai.

— Qualquer idiota pode começar uma guerra — afirmou Chavez, agradecendo à Providência pelo curso de mestrado. — Entretanto, é preciso um sábio para evitá-la.

— Vou escutar seus conselhos. Não prometo que seguirei a todos, mas vou escutar.

Clark fez que sim com a cabeça.

— Isso é tudo que podemos pedir.

O restante do encontro foi mera formalidade. Não seria prudente tornarem a se reunir; Kimura cuidaria das mensagens dali em diante. Clark e Chavez saíram primeiro e foram a pé para o hotel. Era muito diferente de lidar com Mohammed Abdul Corp. Koga era honesto, inteligente, e queria fazer a coisa certa, mesmo que pudesse ser acusado de traição. Entretanto, John percebeu que suas palavras não tinham sido ditas apenas com o objetivo de convencer o ex-primeiro-ministro. Chegava um certo ponto em que a política de governo se tornava uma questão de consciência, e sentia-se aliviado porque aquele homem parecia ter uma.

 

— Escotilhas fechadas — anunciou o chefe do barco do seu posto no canto dianteiro esquerdo do centro de ataque. Como era costume, o suboficial mais antigo a bordo era responsável pela verificação. Todas as aberturas do casco estavam hermeticamente fechadas, e os círculos vermelhos no mapa de mergulho tinham sido substituídos por linhas horizontais. — Pressurizar.

— Todos os sistemas verificados. Estamos prontos para mergulhar — anunciou o OD.

— Certo, vamos descer. Iniciar mergulho. Profundidade trinta metros. Claggett olhou em volta, examinando primeiro as escotilhas e depois os tripulantes. O Tennessee não mergulhava fazia mais de um ano; o mesmo se podia dizer da tripulação. Enquanto o oficial de quarto dava os comandos apropriados, procurou sinais de nervosismo nos rostos dos tripulantes. Era normal que alguns dos jovens sacudissem a cabeça, lembrando a si próprios que eram submarinistas, afinal, e deviam estar acostumados àquele tipo de situação. O ruído do ar escapando não deixava margem a dúvidas. O Tennessee assumiu uma inclinação de cinco graus. Durante os minutos seguintes, o submarino seria examinado da proa à popa, para garantir que a embarcação estava bem equilibrada e todos os sistemas de bordo funcio­navam corretamente, como os testes e inspeções realizados até o momento haviam sugerido. O processo levou meia hora. Claggett poderia ter sido mais rápido, e da próxima vez certamente seria, mas no momento era importante que todos se sentissem à vontade.

— Sr. Shaw, leme à esquerda, novo curso dois-um-zero.

— Sim, senhor. Leme dez graus à esquerda, novo curso dois-um-zero — repetiu o timoneiro, colocando o submarino do curso planejado.

— Em frente a toda força — ordenou Claggett — Em frente a toda força.

A toda força, o hélice principal imprimia ao Tennessee uma velocidade de vinte e seis nós. Na verdade, podia-se conseguir mais quatro nós usando também o hélice auxiliar. Era um fato pouco conhecido que alguém cometera um engano com os submarinos da classe Ohio. Projetados para uma velocidade máxima de pouco mais de vinte e seis nós, os primeiros testes a toda força com o protótipo da classe tinham revelado uma velocidade máxima de vinte e nove nós, e os modelos mais recentes eram ainda mais velozes. Bem, pensou Claggett com um sorriso, a Marinha dos Estados Unidos nunca simpatizara muito com embarcações lentas; tinham menos chance de escapar do combate.

— Até agora, tudo bem — comentou Claggett com o OD.

O tenente Shaw fez que sim com a cabeça. Mais um oficial prestes a sair da Marinha, fora convocado para ser o navegador. Como já servira com Claggett, aceitara participar da missão.

— Está respondendo como deve, comandante.

— Temos economizado bastantes neutrons ultimamente.

— Qual é a missão?

— Ainda não sei ao certo, pelo visto, este é o maior submarino de ataque rápido jamais fabricado — observou Claggett. — Hora de lançar o sonar.

— Então faça isso, Sr. Shaw.

Um minuto depois, o comprido conjunto de sonar foi lançado à água. Mesmo em alta velocidade, o sistema logo começou a enviar sinais para o operador, localizado na parte dianteira do centro de ataque. O Tennessee estava agora viajando à velocidade máxima e aumentando a profundidade para duzentos e quarenta metros. O aumento da pressão da água eliminou a possibilidade de que o sofisticado sistema do hélice produzisse ruídos de cavitação. O sistema de resfriamento do reator não usava bombas capazes de gerar ruídos. As linhas aerodinâmicas da embarcação tornavam sua passagem pela água praticamente silenciosa. No interior, os tripulantes usavam sapatos de sola de borracha. As turbinas estavam montadas em plataformas ligadas ao casco por molas para isolar e desacoplar os sons do sistema de propulsão. Projetados para não produzir nenhum tipo de ruído e conhecidos universalmente, até mesmo na comunidade de ataque rápido, como "buracos negros", os submarinos daquela classe eram de fato a embarcação mais silenciosa jamais projetada pelo homem. Embora grandes, relativamente lentos e desajeitados, o Tennessee e seus irmãos ainda eram imbatíveis quanto àquele importante parâmetro de desempenho. Até mesmo as baleias tinham dificuldade para perceber sua presença.

 

Força contra força, pensou Robby Jackson mais uma vez. Se isso era impossível, o que fazer? — Ora, se essa guerra não pode ser uma luta de pesos-pesados, que seja um jogo de pôquer — disse para si mesmo, sozinho do escritório.

Levantou os olhos, surpreso, mas percebeu que ouvira apenas as próprias palavras, ditas em voz alta. Não era muito profissional sentir ódio, mas o contra-almirante Jackson se permitiu essa emoção. O inimigo (era o termo que estava usando agora) tinha o desplante de pensar que ele e seus colegas do J-3 eram incapazes de desenvolver uma estratégia adequada para combatê-los. Para eles, tratava-se de uma questão de espaço, tempo e poder militar. O espaço era medido em milhares de quilômetros; o tempo, em meses e anos; o poder militar, em divisões e esquadras.

E se estivessem enganados?, perguntou-se Jackson.

A distância entre Shemya e Tóquio era de 3.200 quilômetros. Entre Elmendorf e Tóquio, de mais 1.600. Mas o espaço era tempo. Tempo para eles representava o número de meses ou anos necessários para reconstruir uma marinha capaz de fazer o que fizera em 1944, mas isso não estava sendo cogitado e portanto era irrelevante. E o poder militar não era tudo que se possuía, apenas o que conseguia usar contra o inimigo. O restante era desperdício de energia, ou não? Mais importante ainda era a impressão causada ao inimigo. O inimigo tinha uma tendência a avaliar os outros de acordo com seus próprios parâmetros. Ele definia guerra nos seus termos e se os Estados Unidos aceitassem esses termos, estariam condenados à derrota. Assim, sua tarefa mais importante constituía-se em definir um novo conjunto de regras. E pretendia fazê-lo, pensou Jackson. Foi por onde começou, em uma folha de papel sem pauta, consultando frequentemente o mapa-múndi pendurado na parede.

 

O encarregado do turno da noite na CIA era um homem esperto, pensou Ryan. Esperto o suficiente para saber que uma informação recebida às três da madrugada podia esperar até as seis, coisa rara na comunidade de inteligência e pela qual se sentia imensamente grato. Os russos tinham transmitido o despacho para a rezidentura de Washington e dali fora transportado por um mensageiro até a CIA. Jack imaginou o que haviam pensado os guardas uniformizados da CIA quando o agente russo atravessou o portão. Dali, o despacho tinha seguido para a Casa Branca, e o correio estava esperando por Ryan na antessala quando ele chegou.

"Segundo nossas fontes, existem nove (9) foguetes 'H-ll' em Yoshino-bu. Outro míssil está ainda na fábrica, sendo usado em testes de uma futura modificação estrutural. Com isso, restam dez (10) ou onze (11) foguetes, mais provavelmente a primeira hipótese, em local desconhecido. Boas novas, Ivan Emmetovich. Presumo que os satélites de vocês estejam bastante ocupados. Os nossos, pelo menos, estão. Golovko." — Sim, eles estão, Sergey Nikolayevich — murmurou Ryan, abrindo a segunda mensagem entregue pelo correio. — Estão, sim.

 

Aí vai, pensou Sanchez.

O AirPac era um vice-almirante, e estava tão mal-humorado quanto todos os outros oficiais da Base Naval de Pearl Harbor. Responsável por todas as aeronaves navais e porta-aviões a oeste de Nevada, devia ter sido o principal comandante americano na guerra que começara fazia alguns dias, mas além de não poder dizer o que queria aos seus dois porta-aviões que navegavam no oceano Índico, podia ver os outros dois porta-aviões a poucos metros de distância, nas docas secas. E pelo visto permaneceriam ali por vários meses, como a reportagem da CNN estava deixando claro naquele momento para os espectadores do mundo inteiro.

— O que desejam? — perguntou o AirPac aos visitantes.

— Está planejando alguma missão no Pacífico Ocidental? — perguntou Sanchez.

— Não tão cedo.

— Posso ir para lá em menos de dez dias — anunciou o comandante do Johnnie Reb.

— É mesmo? — perguntou o AirPac, mal-humorado.

— O eixo número um está bom. Se consertarmos o número quatro, poderemos fazer vinte e nove, talvez trinta nós. Mais ainda, possivelmente. Nos testes com dois eixos, os hélices dos outros dois estavam no lugar. Se o arraste desses dois for eliminado, poderemos chegar a trinta e dois.

— Continue falando — disse o AirPac.

— Nossa primeira missão tem de ser eliminar as aeronaves inimigas, certo? — disse Sanchez. — Para isso, não preciso de Hoovers nem de Intruders. O Johnnie Reb pode levar quatro esquadrilhas de Tomcats e mais quatro de Hornets, além dos VAQ de Robber para fazer a interferência eletrônica e um grupo extra de Hummers. Sabe de uma coisa?

O AirPac fez que sim com a cabeça.

— Isso equivale praticamente a toda a força aérea que o inimigo enviou para as ilhas — disse. Podia ser perigoso. Um porta-aviões contra duas bases terrestres não era exatamente... mas as ilhas ficavam relativamente distantes uma da outra, não ficavam? O Japão tinha alguns navios na área, e também submarinos, que eram o que ele mais temia.

— Talvez seja um começo.

— Precisamos de outros elementos — concordou Sanchez. — Alguém vai dizer que não quando pedirmos?

— Não no que depender de mim — assegurou o almirante, depois de pensar um pouco.

 

A repórter da CNN fizera a primeira transmissão ao vivo do alto da doca seca. Ela mostrava os dois porta-aviões nucleares apoiados em blocos de madeira, como se fossem gêmeos recém-nascidos em seus berços. Alguém do CINCPAC devia ter sido repreendido por permitir a entrada da repórter, pensou Ryan, porque a segunda tomada fora feita de muito mais longe, as belonaves do outro lado do porto mas ainda claramente visíveis atrás na moça, que dizia praticamente as mesmas coisas, acrescentando que, de acordo com fontes autorizadas, poderia levar até seis meses para que o Stennis e o Enterprise voltassem a navegar.

Só faltava essa, resmungou Jack consigo mesmo. A estimativa da repórter era tão boa quanto a de alguém sentado ali, com uma pasta onde estava escrito Secreto em letras vermelhas. Talvez até melhor, já que o informante provavelmente fora um operário do estaleiro com uma grande experiência naquela que era a maior de todas as oficinas mecânicas. Depois da repórter, foi a vez de um comentarista, um almirante reformado que trabalhava em uma firma de consultoria de Washington. Ele afirmou que, em sua opinião, seria extremamente difícil tomar as Marianas de volta.

O problema de contar com uma imprensa livre era que ela fornecia informações a todos, de forma indiscriminada, e nas últimas duas décadas tornara-se uma fonte tão boa de informações, que os próprios serviços de espionagem recorriam a ela para obter dados urgentes. Por seu lado, o público tornara-se mais sofisticado em suas demandas de notícias, e as redes tinham reagido aperfeiçoando os processos de coleta e análise dos fatos. Naturalmente, a imprensa tinha alguns pontos fracos. Para obter informações, especialmente em Washington, os repórteres recorriam com frequência a informantes em vez de gastar a sola dos sapatos; para analisá-las, muitas vezes escolhiam as pessoas erradas. Entretanto, quando se tratava de coisas que se podia ver, a imprensa muitas vezes trabalhava bem melhor do que os agentes do governo.

O outro lado também tinha acesso aos meios de comunicação, pensou Jack. Da mesma forma como estava assistindo àquele programa de TV, outras pessoas, no mundo inteiro...

— Você parece ocupado — disse o almirante Jackson, da porta. Estou esperando enquanto posso — respondeu Ryan, convidando com um gesto o amigo a sentar-se. — A CNN acaba de colocar no ar uma reportagem sobre os porta-aviões.

— Ótimo — comentou Robby.

— Ótimo?

— Podemos ter o Stennis de volta ao mar em sete a dez dias. Um velho amigo meu, Bud Sanchez, é o comandante do grupo de esquadrilhas do porta-aviões e tem algumas ideias que me deixaram animado. O AirPac, também.

— Uma semana? Isso é impossível!

Outro efeito dos noticiários da TV era que as pessoas geralmente acreditavam mais neles do que nos dados oficiais, embora naquele caso o relatório confidencial dissesse a mesma coisa que...

 

Três deles ainda se encontravam em Connecticut e outros três estavam sendo submetidos a testes em Nevada. Tudo neles era pouco convencional. O local onde eram montados, por exemplo, parecia-se mais com uma alfaiataria do que com uma fábrica de aviões. O material de que era feita a fuselagem chegava em rolos e era estendido em uma mesa comprida, onde lasers controlados por computador cortavam as peças nas formas apropriadas. Elas eram então laminadas e tratadas em um forno, até que o tecido de fibras de carbono formasse um sanduíche mais resistente do que o aço, mas muito mais leve... além de, ao contrário do aço, ser transparente a ondas eletromagnéticas. Quase vinte anos de pesquisas estavam envolvidos naquele projeto, e o primeiro conjunto de especifi­cações transformara-se em um livro tão grosso quanto uma enciclopédia de vários volumes. Um programa típico do Pentágono, levara um tempo excessivo e custara uma verdadeira fortuna, mas o produto final, se não compensava a espera, certamente não era de desprezar, mesmo custando vinte milhões de dólares a unidade, ou, como os pilotos gostavam de dizer, dez milhões de dólares por passageiro.

Os três de Connecticut estavam estacionados em um galpão aberto quando os empregados da Sikorsky chegaram. Cada um deles voara apenas o suficiente para que os pilotos de prova se convencessem de que eram capazes de voar. Todos os sistemas tinham sido verificados pelo computador de bordo que, naturalmente, também era capaz de verificar a si próprio. Depois de reabastecidos, os três foram rebocados até a pista e levantaram voo logo após o amanhecer, tomando o rumo norte, em direção à Base Aérea de Westover, em Massachusetts, onde seriam colocados a bordo de um Galaxy da 327â Esquadrilha de Transporte Militar e levados para um lugar a nordeste de Las Vegas que não aparecia nos mapas oficiais, embora sua existência não fosse propriamente um segredo. Em Connecticut, três réplicas de madeira foram rebocadas para dentro do galpão, de onde podiam ser vistas pelos residentes da vizinhança e por quem passava de carro pela estrada, a trezentos metros de distância. Podia-se inclusive ver os operários trabalhando neles durante a semana toda.

Mesmo que os detalhes da missão ainda não fossem conhecidos, os objetivos básicos não podiam se desviar muito das expectativas. Quando estava a oitocentos quilômetros da costa, o Tennessee diminuiu a velocidade para vinte nós.

— A casa de máquinas confirma dois terços à frente, comandante.

— Muito bem — disse o comandante Claggett. — Leme vinte graus à esquerda, novo curso zero-três-zero. — O timoneiro repetiu a ordem e o comando seguinte de Claggett foi: — Silêncio total a bordo.

Ele já conhecia a física do que estava fazendo; mesmo assim, foi até a mesa de plotagem para conferir o movimento do submarino. A inversão de curso visava medir o ruído produzido pela embarcação. Em todo o submarino, os equipamentos desnecessários foram desligados, e os tripulantes que não estavam de serviço foram para seus alojamentos.

Atrás do Tennessee, na extremidade de um cabo de um quilômetro, havia uma rede de hidrofones com trezentos metros de comprimento. Um minuto mais tarde, o submarino era como um cachorro perseguindo a própria cauda e ainda viajando a vinte nós, enquanto os operadores de sonar tentavam detectar os ruídos produzidos pela própria embarcação. Claggett se dirigiu em seguida à sala de sonar para observar pessoalmente os monitores. Era uma espécie de incesto eletrônico: o melhor sistema de sonar do planeta tentando localizar o submarino mais silencioso jamais fabricado.

— Lá estamos nós, comandante — mostrou o chefe dos operadores de sonar, apontando com um lápis. O comandante procurou não ficar muito decepcionado. O Tennessee estava fazendo vinte nós, e os detectores encontravam-se a apenas mil metros de distância.

— Ninguém pode ser totalmente invisível — observou o tenente Shaw.

— Vamos voltar ao curso original e tentar de novo a quinze nós — disse o comandante para o timoneiro. Depois, dirigiu-se ao chefe dos operadores de sonar: — Coloque um homem competente nas fitas. Vamos descobrir qual é esse ruído na popa, está bem? Dez minutos depois, o Tennessee iniciava outro teste.

 

— Temos de agir depressa, Jack. Da maneira como vejo as coisas, o tempo trabalha a favor deles e contra nós.

O almirante Jackson não estava propriamente satisfeito com aquela maneira de proceder, mas parecia não haver outro jeito: aquela guerra seria do tipo "venha como estiver" e "faça as regras à medida que as coisas forem acontecendo".

— Você pode estar certo do ponto de vista político. Eles vão realizar eleições nas ilhas e parecem estar confiantes de que...

— Não ouviu falar? Estão levando civis para lá às pressas — informou Jackson.

— Por que fariam isso?

— Aposto que todos se tornarão residentes instantâneos e vão votar. Nossos amigos em Saipan estão observando o aeroporto. Os voos diminuíram um pouco, mas observe os números! Existem provavelmente quinze mil soldados na ilha. Todos podem votar. Some a isso os turistas japoneses e os civis que estão chegando e verá que eles vão ganhar por uma larga margem.

O Conselheiro de Segurança Nacional franziu a testa.

— Parece fácil, não é?

— Lembro-me muito bem do dia em que a Lei dos Direitos de Voto foi aprovada. Fez uma grande diferença no Mississipi, quando eu era criança. Não é ótimo quando as pessoas podem usar a lei em seu benefício?

— Que guerra mais civilizada, não acha?

Ninguém disse que eles eram bobos, pensou Jack. Os resultados da eleição seriam falsos, mas tudo que pretendiam realmente era criar dúvidas na opinião pública mundial. O uso da força tinha de ser justificado de alguma forma. As negociações eram apenas parte de uma estratégia para ganhar tempo. O outro lado ainda estava determinando quais seriam as regras do jogo. Os Estados Unidos ainda não dispunham de uma estratégia definida.

— É isso que precisamos mudar.

— Como?

Jackson passou-lhe uma pasta.

— Aqui estão as informações de que preciso.

 

O Mutsu estava em comunicação permanente via satélite com o quartel-general da esquadra, em Yokohama, podendo receber até sinais de televisão. No momento, o almirante Sato estava assistindo ao programa da CNN, muito satisfeito com o que via. O Enterprise com três hélices destruídos e o quarto visivelmente danificado. O John Stennis com dois hélices já removidos e um terceiro inutilizado; o quarto, infelizmente, parecia estar intacto. Não dava para ver os danos internos. Enquanto observava, um dos gigantescos hélices de bronze-manganês foi removido do segundo navio e um guindaste aproximou-se, provavelmente para remover parte do eixo externo de boreste, observou o oficial de engenha­ria do contratorpedeiro.

— Cinco meses — disse, em voz alta, pouco antes que a repórter estimasse o tempo necessário para os reparos em seis meses, repetindo a opinião de algum operário do estaleiro.

— É o que o quartel-general calcula.

— Eles não podem nos derrotar com contratorpedeiros e cruzadores — observou o comandante do Mutsu. — Mas será que tirarão aqueles dois porta-aviões do oceano Índico?

— Não se os nossos amigos continuarem a pressioná-los. Além disso — prosseguiu Sato —, dois porta-aviões não são suficientes, não contra os cem caças de que dispomos em Guam e Saipan... mais ainda, se eu requisitar, como provavelmente farei. Agora o problema passou a ser político.

— E os submarinos americanos? — perguntou o comandante do contratorpedeiro, muito nervoso.

 

— Por que não podemos? — perguntou Jones.

— Guerra total está fora de cogitações — declarou o ComSubPac.

— Deu certo da outra vez.

— Da outra vez eles não tinham armas nucleares — disse o comandante Chambers.

— Oh. — Isso era verdade, admitiu Jones para si próprio. — Já temos um plano?

— No momento, a ideia é mantê-los afastados — afirmou Mancuso. Não era exatamente uma missão que deixasse Chester Nimitz empolgado, mas era preciso começar em algum lugar. — O que você tem para mim?

— Detectamos alguns submarinos usando os respiradouros a leste das ilhas. Nada suficiente para iniciar uma caçada, mas acho que vamos mandar alguns P-3 para lá de qualquer maneira. Mas o pessoal do SOSUS está na ponta dos cascos. Ninguém vai passar por nós. — Fez uma pausa. — Outra coisa. Temos uma indicação (uma indicação era menos segura do que um contato) de um submarino perto da costa de Oregon.

— É o Tennessee — explicou Chambers. — O submarino de Dutch Claggett. Deve chegar aqui às duas horas de sexta-feira.

Jones estava impressionado com a eficiência do seu próprio sistema.

— Puxa, um classe Ohio! Quantos são ao todo?

— Cinco. O último vai partir daqui a mais ou menos uma hora. — Mancuso apontou para o mapa na parede. — Pedi a todos eles que passassem perto daquela rede do SOSUS para um teste de ruído. Sabia que você não deixaria de detectá-los. Não fique muito satisfeito por causa disso. Eles estão vindo para Pearl a toda velocidade.

Jones fez que sim com a cabeça.

— Estou gostando, comandante.

— Ainda não fomos derrotados, Dr. Jones.

 

— Que droga, tenente! — exclamou Claggett.

— A culpa foi minha, comandante — disse o chefe do barco, assumindo a responsabilidade como homem. Era uma caixa de ferramentas. Fora encontrada entre um cano de água salgada e o casco, em um lugar onde as vibrações da plataforma suspensa por molas faziam as chaves no interior chocalharem o suficiente para que o ruído fosse detectado pelo sonar. — Não é uma das nossas; provavelmente foi esquecida por um operário do estaleiro.

Três outros suboficiais estavam presentes para testemunhar a reprimenda. Poderia ter acontecido com qualquer um, mas sabiam o que iria acontecer. O comandante respirou fundo antes de prosseguir. Chegara a hora de mostrar seu descontentamento.

— Quero que vasculhem cada centímetro, desde a proa até a popa. Quero que examinem cada porca, cada parafuso, cada ferramenta. Se estiver no chão, recolham. Se estiver frouxo, apertem. Quero este submarino tão silencioso que eu possa ouvir as coisas desagradáveis que estão pensando a meu respeito.

— Será feito, comandante — prometeu o CDB. É melhor eu ir me acostumando a passar as noites em claro, pensou, e com razão, porque...

— É isso mesmo, CDB, nada de sono até que este submarino esteja mais silencioso do que um túmulo.

Pensando melhor, Claggett achou que poderia ter escolhido uma metáfora menos sinistra. O comandante retirou-se, dizendo a si mesmo que precisava agradecer ao chefe dos operadores de sonar por haver identificado a causa do ruído. Estava satisfeito com o fato de a caixa de ferramentas ter sido encontrada logo no primeiro dia, mas não devia deixar que isso transparecesse. Em particular, tinha de tomar cuidado para não sorrir em hipótese alguma. O comandante, afinal, devia se aborrecer ao encontrar algo errado; em poucos minutos, os suboficiais comentariam com os outros tripulantes que ele estava furioso e se sentiriam da mesma forma.

As coisas já haviam mudado, observou ao passar pela sala do reator. Como médicos em uma sala de operação, os tripulantes estavam de pé ou sentados, de acordo com o que mandava o regulamento, observando os mostradores e fazendo anotações nos momentos apropriados. Estavam no mar havia menos de um dia e já existiam cópias Xerox da frase Pense em Silêncio pregadas dos dois lados de todas as portas estanques. Os poucos tripulantes que encontrou nos corredores deram-lhe passagem, muitas vezes com um rápido e orgulhoso cumprimento de cabeça. Sim, também somos profissionais, comandante. Dois tripulantes estavam se exercitando na sala de mísseis, um compartimento comprido e no momento inútil, e Claggett, como mandava a etiqueta, abriu caminho para eles, quase sorrindo ao fazê-lo.

— Uma caixa de ferramentas, hein? — comentou o imediato quando o comandante voltou ao centro de ataque. — Isso aconteceu comigo no Hampton, depois de nossa primeira revisão.

— Sei. — Cloggett fez que sim com a cabeça. — Na próxima mudança de turno, vamos fazer uma vistoria completa.

— Poderia ter sido pior, comandante. Conheço um submarino que teve de voltar para a doca seca depois de um serviço de manutenção. Era uma escada de mão esquecida dentro de um dos tanques de lastro. Histórias como aquela davam arrepios aos submarinistas.

— Era uma caixa de ferramentas, comandante? — perguntou o chefe dos operadores de sonar.

Agora podia sorrir. Claggett encostou-se no umbral da porta e assentiu tirando do bolso uma nota de cinco dólares.

— Bom trabalho, tenente.

— Não foi nada — disse o suboficial. Mesmo assim, aceitou a nota. No Tennessee, como em muitos submarinos, todas as ferramentas de bordo tinham o cabo mergulhado em vinil líquido, o que, além de permitir uma pega melhor, principalmente com a mão suada, diminuía a probabilidade de que chocalhassem. — Aposto que foi deixada por algum idiota das docas — acrescentou, piscando o olho.

— Não vou pagar nem mais um tostão — observou Claggett — Algum novo contato?

— Navio movido a diesel, de um eixo, marcação três-quatro-um, a grande distância. O contato foi chamado de Sierra-Trinta. O curso está sendo levantado neste momento. — Fez uma pausa e mudou de tom. — Comandante?

— O que foi, tenente?

— O que estão dizendo sobre o Asheville e o Charlotte... é verdade?

O comandante Claggett fez que sim com a cabeça. — Acho que sim.

— Vamos acertar as contas com eles, comandante.

 

Roger Durling aceitou a folha de papel. Estava escrita à mão, o que era raro para os documentos que chegavam às mãos do presidente.

— Isto é muito pouco, almirante.

— Presidente, não vai autorizar um ataque sistemático ao Japão, vai? — perguntou Jackson.

Durling sacudiu a cabeça.

— Não, não pretendo chegar a esse ponto. Nosso objetivo deve ser retomar as Marianas e evitar que executem a segunda parte do plano.

Robby respirou fundo. Era para isso que estava se preparando.

— O plano deles tem uma terceira parte, também — anunciou Jackson. Os outros dois homens ficaram atônitos.

— Pode explicar, Rob? — pediu Ryan, depois de um momento.

— Acabamos de descobrir, Jack. O comandante da força-tarefa indiana, como é mesmo o nome dele? Chandraskatta? Ele fez um curso em Newport Sabe quem foi colega de turma dele? — Fez uma pausa. — Um certo almirante japonês de nome Sato.

Ryan fechou os olhos. Por que ninguém falara nisso antes? — Quer dizer que três países têm ambições imperialistas...

— É o que parece, Jack. Lembra-se da Esfera de Coprosperidade da Ásia Oriental? Boas ideias não morrem. Precisamos acabar logo com isso — afirmou Jackson, com veemência. — Passei vinte e tantos anos treinando para uma guerra que ninguém queria... com os russos. Prefiro treinar para manter a paz. Para isso, esses caras têm de ser detidos o quanto antes.

— Será que este plano vai funcionar? — perguntou o presidente.

— Não é certo, presidente. Jack me disse que existe um prazo diplomático e político para a operação. O Japão não é o Iraque. No momento, somos apoiados apenas pelos europeus, e isso não vai durar para sempre.

— Jack? — perguntou Durling.

— Se vamos agir, acho que esta é a melhor forma.

— Acho muito arriscado.

— Presidente, claro que é arriscado — concordou Robby Jackson. — Se acha que podemos conseguir as Marianas de volta por via diplomática, ótimo. Prefiro sinceramente que ninguém seja morto. Mas se eu fosse os japoneses, não devolveria aquelas ilhas de jeito nenhum. Precisam delas para a segunda fase, e se ela for iniciada...

Será um salto gigantesco para trás, pensou Ryan. Uma nova aliança, que poderia se estender do Círculo Ártico até a Austrália. Três países com artefatos nucleares, muitos recursos naturais, economias gigantescas e vontade política para usar de violência para atingir seus objetivos. Uma repetição do século XIX, em escala bem maior. Competição econômica apoiada pela força, a fórmula clássica para a guerra.

— Jack? — perguntou de novo o presidente.

Jack concordou lentamente com a cabeça.

— Acho que é a única saída. Pode escolher as razões que quiser. A conclusão será sempre a mesma.

— Aprovado.

37

VIRANDO O JOGO

 

"Normalidade" foi a palavra que os comentaristas mais usaram, quase sempre acompanhada por adjetivos como "estranha" e/ou "tranquilizadora", para descrever a rotina da semana. Os políticos de esquerda gostaram de saber que o governo estava procurando resolver a crise por meios diplomáticos, enquanto a direita se queixou de que a Casa Branca se comportava com excessiva timidez. Na verdade, a falta de liderança e a ausência de qualquer declaração de peso deixaram todos convencidos de que Roger Durling era um presidente para uso interno, que não sabia cuidar de questões internacionais. Muitas dessas críticas estenderam-se ao conse­lheiro de Segurança Nacional, John P. Ryan, que, embora tivesse uma experiência considerável no campo da inteligência, ainda não provara sua competência como especialista em questões de segurança nacional e certa­mente não estava assumindo uma atitude firme diante da presente crise. O enxugamento das forças militares americanas, opinaram os analistas, torna­va extremamente difícil qualquer ação armada; embora as luzes permane­cessem acesas à noite no Pentágono, não havia nenhuma forma de recon­quistar as Marianas. Em consequência, afirmaram outros comentaristas diante das câmaras de TV, o governo faria o possível para aparentar tranquilidade enquanto tentava encontrar uma solução. Daí a ilusão de normalidade para esconder a fraqueza da posição americana.

— Está nos pedindo que não façamos nada? — perguntou Golovko, irritado.

— Deixe por nossa conta. Se vocês agirem cedo demais, alertarão a China, que por sua vez alertará o Japão. — Além do mais, pensou Ryan, o que vocês podem fazer? — O exército russo estava ainda em pior forma do que o americano. Eles podiam transferir algumas aeronaves para a Sibéria Oriental, mas se enviassem tropas para a fronteira com a China, provavel­mente haveria uma reação por parte dos chineses. — Os satélites de vocês estão mostrando a mesma coisa que os nossos, Sergey. A China não se mobilizou.

— Ainda — afirmou o russo, em tom lacônico.

— Tem razão. Ainda não. E se fizermos direito nossa parte, isso nunca vai acontecer. — Ryan fez uma pausa. — Alguma novidade sobre os mísseis? — Estamos investigando vários lugares — informou Golovko. — Con­firmamos que os foguetes que descobrimos em Yoshinobu estão sendo usados para fins não militares. Provavelmente se trata de um disfarce para testes militares, mas nada mais do que isso. Meus especialistas estão convencidos disso.

— Deve ser ótimo contar com especialistas que têm certeza das coisas — observou Ryan.

— O que vocês farão, Jack? — perguntou diretamente o chefe do RVS.

— Neste exato momento, Sergey Nikolayevich, estamos dizendo a eles que não aceitamos a ocupação das ilhas. — Jack fez uma pausa para recuperar o fôlego e lembrou a si mesmo que, gostasse ou não, tinha de confiar naquele homem. — Se não quiserem sair, teremos de expulsá-los.

— Mas como? — perguntou o homem, olhando para as estimativas preparadas por especialistas militares do Ministério da Defesa.

— Há dez, quinze anos, vocês não diziam aos políticos que éramos adversários temíveis?

— Vocês faziam a mesma coisa — observou Golovko.

— Hoje em dia, temos mais sorte. Eles não se preocupam conosco. Acham que já ganharam a guerra. Não posso lhe dizer mais no momento. Talvez amanhã. Mas estou enviando instruções por escrito para que transmita ao seu governo.

— Deixe por minha conta — prometeu Sergey.

 

— Meu governo respeitará a vontade da população das ilhas — repetiu o embaixador, antes de acrescentar uma novidade. — Também podemos estar dispostos a discutir a diferença entre Guam e o restante do arquipélago. Afinal, os americanos ocuparam essa ilha pela primeira vez há quase cem anos — admitiu, pela primeira vez.

Adler se manteve impassível, como exigia o protocolo.

— Senhor embaixador, os habitantes dessas ilhas são cidadãos americanos por livre escolha.

— E terão a oportunidade de reafirmar essa opção. Os Estados Unidos defendem a ideia de que a autodeterminação deve ser consentida uma única vez? — perguntou. — Isso parece estranho para um país com uma tradição de imigração e emigração sem restrições. Como eu já disse, vamos permitir uma cidadania dupla para os nativos que preferirem conservar seus passa­portes americanos. Vamos indenizá-los por suas propriedades se decidirem partir e... — O restante do pronunciamento foi uma repetição do que já dissera em outras ocasiões.

As negociações diplomáticas, pensou Adler, combinavam os piores aspectos de discutir com a sogra com os de explicar uma coisa complicada a uma criança pequena. Eram monótonas. Eram cansativas. Eram irritantes. E eram necessárias. Momentos antes, o Japão fizera uma concessão. Isso já era esperado. Cook extraíra a informação de Nagumo na semana anterior, mas agora se tornara oficial. Essa era a boa notícia. A má notícia era que teria de oferecer algo em troca. As negociações diplomáticas levavam sempre a soluções de compromisso. Jamais se conseguia tudo que queria, mas também jamais se concordava com todas as exigências do adversário. O problema era que a diplomacia supunha que nenhum dos dois lados seria forçado a entregar alguma coisa de interesse vital... e que os dois lados reconhecessem quais eram esses interesses vitais. Acontece que, na prática, às vezes eles não o faziam, e nesses casos a diplomacia estava condenada ao fracasso, para decepção daqueles que acreditavam, de forma errada, que as guerras eram sempre causadas pela inépcia dos diplomatas. Frequentemente, eram resultado de interesses nacionais tão incompatíveis, que qualquer solução de compromisso se tornava simplesmente impossível. De modo que agora o embaixador esperava que Adler cedesse apenas um pouco de terreno.

— Falando apenas em meu nome, fico satisfeito ao ver que seu governo reconhece o direito incondicional do povo de Guam de conservar sua cidadania americana. Também me agrada ter conhecimento de que seu governo permitirá que a população das Marianas Setentrionais determine seu próprio destino. Posso contar com sua garantia de que seu governo aceitará o resultado da eleição, seja ele qual for?

— Pensei que tivesse deixado esse ponto suficientemente claro — replicou o embaixador, ainda sem saber se estava conseguindo alguma coisa ou não.

— As eleições estarão abertas a...

— A todos os residentes das ilhas, é claro. Meu país acredita no sufrágio universal, como vocês. Na verdade — acrescentou —, faremos uma concessão adicional. No Japão, a idade para votar é vinte anos, mas para esta eleição vamos baixar o limite para dezoito. Não queremos que ninguém conteste a legitimidade do plebiscito.

Seu filho de uma puta, pensou Adler. Era uma tática infalível. Todos os soldados presentes na ilha poderiam votar, e a medida agradaria aos observadores internacionais. O subsecretário de Estado fingiu surpresa e fez uma anotação no seu caderno. Do outro lado da mesa, o embaixador achou que finalmente conseguira marcar um ponto. Já era tempo.

 

— É tudo muito simples — afirmou o conselheiro de Segurança Nacional.

— Vocês vão nos ajudar ou não? O encontro não fora planejado para deixar ninguém feliz. Começara com uma explicação de um advogado do Departamento de Justiça de que a Lei de Espionagem, Título 18 do Código dos Estados Unidos, Parágrafo 793E, aplicava-se a todos os cidadãos americanos e de que as liberdades de manifestação e de imprensa não se aplicavam a violações daquele estatuto.

— Estão nos pedindo que participemos de uma farsa — observou um jornalista veterano.

— Exatamente — concordou Ryan.

— Temos o dever profissional...

— Vocês são todos cidadãos americanos — lembrou Jack. — Os moradores daquelas ilhas, também. Minha missão não é exercer os direitos que estão levantando agora. Minha missão é garantir esses direitos a vocês e todos os outros cidadãos deste país. Ou nos ajudam ou se recusam a fazê-lo. No primeiro caso, poderemos fazer nosso trabalho mais depressa, com menos gastos e com menos derramamento de sangue. No segundo, muita gente vai se machucar.

— Duvido que Madison e os outros quisessem que a imprensa americana ajudasse o inimigo em tempo de guerra — observou uma funcionária do Departamento de Justiça.

— Jamais faríamos isso — protestou um jornalista da NBC. — Mas o que estão nos pedindo é contra os nossos...

— Senhoras e senhores, não tenho tempo para discutir a constitucionalidade dos nossos atos. Trata-se literalmente de uma questão de vida ou morte. O governo está pedindo ajuda a vocês. Se negarem essa ajuda, mais cedo ou mais tarde terão de responder pelas consequências perante o povo americano. — Jack imaginou se alguém já os ameaçara daquela forma. Era bom para eles verem como os políticos normalmente se sentiam em relação à imprensa, pensou. Chegara a hora de demonstrar sua perspicácia. — Estou disposto a assumir toda a responsabilidade. Para todos os efeitos, vocês não sabiam de nada.

— Não me venha com essa. A verdade vai transpirar — protestou o jornalista da CNN.

— Nesse caso, terão de explicar ao povo americano que agiram como patriotas.

— Não foi isso que eu quis dizer, Dr. Ryan!

— Eu sei — concordou Jack, com um sorriso. — Mas pense um pouco. Em que isso vai prejudicá-lo? Além do mais, como o público vai ficar sabendo? Quem publicará a notícia? Os jornalistas eram suficientemente cínicos (era quase um pré-requisito da profissão) para compreender a ironia de Ryan, mas foi sua declaração anterior que os convenceu. Estavam enfrentando um drama de consciência, e era natural que procurassem resolvê-lo pensando nos aspectos práticos da questão. Se se recusassem a ajudar o governo, ainda que alegando razões éticas... bem, os espectadores de TV não eram tão sensíveis a esses argumentos quanto seria de desejar. Além disso, Ryan não estava pedindo muito. Se fizessem a coisa direito, talvez jamais viesse a público.

Os representantes dos meios de comunicação teriam preferido deixar o recinto e discutir o pedido em particular, mas ninguém lhes ofereceu essa oportunidade e nenhum deles teve coragem de pedir. Assim, depois de se entreolharem, todos os cinco fizeram que sim com a cabeça.

Um dia vai nos pagar por isso, era o que pareciam estar pensando. Era um preço que estava disposto a aceitar, pensou Ryan.

— Muito obrigado — disse, laconicamente, encerrando a reunião. Quando os jornalistas saíram, Ryan dirigiu-se à Sala Oval.

— Conseguimos — informou ao presidente.

— Sinto muito por não ter podido apoiá-lo.

— É um ano eleitoral — reconheceu Jack. Faltavam apenas duas semanas para as convenções de Iowa, e embora Durling não tivesse oposição dentro do partido, era melhor não se expor. Não queria desagradar a imprensa. Mas era para isso que tinha um conselheiro de Segurança Nacional; os ocupantes dos cargos de confiança eram descartáveis.

— Quando tudo isto terminar...

— De volta ao golfe? Estou precisando treinar.

Era outra coisa que apreciava em Ryan, pensou o presidente. Não se importava de brincar de vez em quando, embora estivesse com olheiras maiores do que as suas. Era mais uma razão para agradecer a Bob Fowler pela sua recomendação pouco ortodoxa e talvez lamentar a filiação política de Ryan.

 

— Ele quer ajudar — afirmou Kimura.

— A melhor forma de fazer isso é continuar a agir normalmente — replicou Clark. — Koga é um homem honrado. Seu país precisa de uma voz de moderação.

Não tinham sido exatamente as instruções que esperava. Era bom que Washington soubesse o que estava fazendo, pensou. As ordens estavam chegando através do escritório de Ryan, o que não deixava de ser um consolo. Pelo menos, seu agente local pareceu aliviado.

— Obrigado. Não gostaria de colocar a vida dele em risco.

— Ele é valioso demais para isso. Talvez os Estados Unidos e o Japão consigam chegar a uma solução diplomática. — Clark não acreditava realmente que isso fosse possível, mas declarações como aquela sempre deixavam os diplomatas felizes. — Nesse caso, o gabinete de Goto vai cair e talvez Koga-san recupere seu antigo cargo.

— Pelo que ouvi dizer, Goto não está disposto a recuar.

— Foi também o que ouvi, mas as coisas mudam. Seja como for, este é o nosso recado para Koga. Qualquer contato adicional conosco seria muito arriscado — prosseguiu "Klerk". — Obrigado pela ajuda. Se precisarmos de você novamente, entraremos em contato pelos canais de costume.

Para demonstrar sua gratidão, Kimura pagou a conta antes de sair.

— Isso é tudo, hein? — comentou Ding.

De volta ã estaca zero, pensou Chavez consigo mesmo. Dessa vez pelo menos tinham ordens, por mais incompreensíveis que fossem. Eram dez da manhã, hora local, e se separaram ao chegar à rua. Passaram as horas seguintes comprando telefones celulares, três cada um, de um novo modelo digital, antes de se encontrarem de novo. Os aparelhos eram compactos e cabiam no bolso de uma camisa. Até as embalagens eram pequenas; os dois agentes não tiveram a menor dificuldade para escondê-las.

Chet Nomuri já fizera o mesmo, dando como endereço um apartamento em Hanamatsu, uma identidade falsa que contava com cartão de crédito e carteira de motorista. Independentemente do que estivesse acontecendo, tinha menos de trinta dias para cumprir o restante da missão. Sua próxima tarefa era visitar mais uma vez a casa de banhos antes de desaparecer da face da terra.

 

— Uma pergunta — disse Ryan, em tom tranquilo.

Sua expressão deixou Trent e Fellows pouco à vontade.

— Vai nos fazer esperar? — perguntou Sam.

— Conhecem as limitações que enfrentamos no Pacífico. Trent remexeu-se na cadeira.

— Está querendo dizer que não temos meios para...

— Depende dos meios que usarmos — declarou Jack.

Os dois congressistas ficaram pensativos por um momento.

— Vai ser franco conosco? — perguntou Al Trent.

Ryan fez que sim com a cabeça. — Totalmente. Vão nos criar problemas?

— Depende das suas intenções. Conte-nos o que pretendem fazer — pediu Fellows.

Ryan atendeu-o.

— Está realmente disposto a correr esse risco? — perguntou Trent.

— Não temos escolha. Seria bonito disputar a batalha no campo de honra, mas não temos os meios, lembra-se? O presidente precisa do apoio do Congresso. Só vocês vão conhecer a parte suja da coisa. Se ficarem do nosso lado, o restante do Congresso os acompanhará.

— E se não der certo? — perguntou Fellows.

— Nesse caso, muitas cabeças vão rolar, incluindo as de vocês — declarou Ryan.

— Garantimos o apoio da comissão — afirmou Trent. — Está envolvido em um jogo perigoso, meu amigo.

— Sei disso — concordou Jack, pensando nas vidas que seriam colocadas em risco.

Sabia que Al Trent estava se referindo ao lado político, também, mas Ryan se condicionara a deixar aqueles pensamentos de lado. Não podia reconhecer isso, é claro. Trent teria considerado o fato uma fraqueza de sua parte. Era impressionante como duas pessoas podiam ser tão diferentes. O importante, porém, era que a palavra de Trent merecia crédito.

— Vai nos manter informados?

— De acordo com a lei — respondeu o conselheiro de Segurança Nacional, com um sorriso. A lei exigia que o Congresso fosse notificado depois que operações "irregulares" fossem executadas.

— E o que nos diz da Diretriz Executiva?

Uma diretriz que remontava ao governo Ford proibia os órgãos de inteligência do país de planejarem assassinatos.

— Temos um parecer — respondeu Ryan. — A diretriz não se aplica quando o país está em guerra.

Um parecer era essencialmente um decreto presidencial esclarecendo a intenção de uma lei. Em resumo: tudo que Ryan propusera podia ser considerado legal, contanto que o Congresso estivesse de acordo. Seria torcer um pouco os fatos, mas era assim que as democracias funcionavam.

— Então colocamos os pingos nos is — comentou Trent.

— E cortamos as pernas dos tês — concordou Fellows.

Os dois deputados viram o conselheiro de Segurança Nacional pegar o telefone e apertar uma tecla.

— Aqui é Ryan. Pode começar.

 

A primeira medida foi eletrônica. Apesar dos protestos do CINCPAC, três equipes de TV montaram suas câmaras no alto das docas secas que abrigavam o Enterprise e o John Stennis.

— Não estamos autorizados a mostrar os danos sofridos pelas popas dos navios, mas fomos informados de que são ainda maiores do que parecem — declararam todos os repórteres, com pequenas variações.

Durante as gravações, as câmaras foram mudadas várias vezes de lugar para mostrar os porta-aviões de vários ângulos. Foram feitas também algumas tomadas do outro lado do porto. Eram apenas cenas de fundo, que mostravam os navios e as docas sem nenhum repórter em primeiro plano. Essas fitas foram entregues a um técnico e digitalizadas para serem usadas no futuro.

— Esses dois navios estão muito avariados — comentou Oreza, irritado.

Cada um deles representava mais do que a tonelagem total da Guarda Costeira dos Estados Unidos, e a Marinha, que se dizia esperta, permitira que levassem um tiro no traseiro. O primeiro-sargento reformado sentiu a pressão subir.

— Quanto tempo vão levar para consertá-los? — perguntou Burroughs.

— Vários meses. Muito tempo. Seis meses... até a estação dos tufões — afirmou Portuga, ainda mais aborrecido. Quanto mais pensava no assunto, mais revoltado ficava. Também não lhe agradava a ideia de a ilha ser invadida pelos fuzileiros navais. Ali estava ele, a poucos metros de uma bateria de mísseis terra-ar que certamente atrairia o fogo das tropas de assalto. Talvez vender a casa por um milhão de dólares não fosse uma má ideia, afinal. Com o dinheiro, poderia comprar outro barco, outra casa e fazer suas pescarias na Flórida. — Sabe de uma coisa? Você pode tomar um avião e cair fora, se quiser.

— Oh, qual é a pressa? Cartazes eleitorais já estavam sendo impressos e pendurados nas paredes. O canal do governo no sistema de TV a cabo da ilha transmitia notícias frequentes a respeito dos planos para Saipan. O ambiente na ilha estava ficando cada vez mais descontraído. Os turistas japoneses mostravam-se extremamente educados, e os soldados circulavam quase todos sem armas. Os veículos militares estavam sendo usados para consertar as estradas. Os soldados visitavam as escolas. Dois campos de beisebol foram construídos praticamente da noite para o dia, e um novo campeonato foi criado. Havia boatos de que dois times japoneses da primeira divisão treinariam na primavera em Saipan e para isso teria de ser construído um estádio. Além disso, diziam que pela primeira vez Saipan teria um time disputando o campeonato nacional. Isso fazia sentido, pensou Oreza. A ilha ficava mais perto de Tóquio do que Kansas City de Nova York. Não que os residentes estivessem satisfeitos com a ocupação. Simplesmente não viam nenhuma alternativa e, como a maioria das pessoas em tal situação, procuravam conviver com ela. Os japoneses estavam fazendo o possível para agradá-los.

Na primeira semana, os protestos tinham sido diários. Entretanto, o comandante japonês, general Arima, não se negara a receber nenhum grupo. Convidava sempre os líderes para uma conversa no seu escritório, em geral transmitida ao vivo pela TV. Em seguida, vieram as respostas mais sofisticadas. Funcionários civis do governo e homens de negócios deram uma entrevista coletiva para explicar que muito dinheiro fora investido na ilha, mostrando que isso faria muita diferença para a economia local e prometendo muito mais para o futuro. Não chegaram a eliminar os ressentimentos, mas mostraram que os aceitavam com resignação, prome­tendo o tempo todo que respeitariam os resultados das eleições previstas para breve. Moramos aqui, também, não se cansavam de repetir. Moramos aqui, também.

Não devia perder a esperança. Duas semanas tinham se passado, pensou Oreza, e tudo que ouvia eram notícias de supostas negociações. Desde quando os Estados Unidos concordavam em negociar depois de uma agressão como aquela? Talvez fosse isso. Talvez fosse a fraqueza demonstrada pelo seu país que o deixava desanimado. Ninguém estava reagindo. Diga-nos que o governo está fazendo alguma coisa, teve vontade de pedir ao almirante do outro lado da linha...

— Ora, que droga.

Oreza entrou na sala de estar, colocou as pilhas de volta no telefone, introduziu a antena no furo da tigela e digitou o número.

— Almirante Jackson — atendeu a voz o outro lado.

— Aqui é Oreza.

— Alguma novidade?

— Sim, almirante. O modo como as eleições serão conduzidas.

— Não estou entendendo.

— A CNN mostrou nossos dois porta-aviões no estaleiro e as pessoas dizendo que não podemos fazer nada. Almirante, até quando os argentinos tomaram as malditas Falklands os ingleses disseram que a coisa não ficaria assim. Não estou ouvindo ninguém dizer a mesma coisa. O que o senhor quer que eu pense? Jackson pensou na resposta por alguns segundos.

— Não preciso lhe lembrar que estou impedido de falar sobre nossos planos. Sua tarefa é nos fornecer informações, entende?

— Tudo que ouço dizer é que eles vão realizar eleições. A bateria de mísseis ao lado da minha casa agora está camuflada...

— Sei disso. O radar de busca no topo do monte Takpochao está funcionando e existem cerca de quarenta aviões de caça no aeroporto e em Kobler. Outros sessenta estão estacionados em Guam. Oito submarinos japoneses estão patrulhando as águas a leste de Saipan e um grupo de navios-tanque aproxima-se deles para reabastecê-los. Mais alguma coisa que deseje saber? — Mesmo que Oreza estivesse "comprometido", um eufemismo para estar detido, o que Jackson duvidava, nada do que dissera era segredo. Todos sabiam que os Estados Unidos contavam com satélites de reconhecimento. Por outro lado, Oreza precisava saber que Jackson dispu­nha de informações atualizadas e, o que era mais importante ainda, que estava interessado no que acontecia na ilha. Ficou um pouco envergonhado com o que disse em seguida: — Sargento, esperava mais de uma pessoa como o senhor.

A resposta, porém, o fez sentir-se melhor.

— É exatamente o que eu precisava ouvir, almirante.

— Se aparecer alguma novidade, não deixe de nos avisar.

— Sim, senhor.

Jackson desligou e começou a examinar um relatório sobre o Johnnie Reb que acabara de chegar.

— Não perde por esperar, sargento — murmurou.

 

Estava na hora de receber os soldados da Base Aérea de MacDill que, ironicamente, estavam todos usando uniformes verde-oliva do Exército. Não sabia que eles o fariam se lembrar de algo que vira alguns meses antes.

Os homens tinham de falar espanhol fluente e parecer espanhóis. Felizmente, isso não era muito difícil de conseguir. Um perito em documentos voou de Langley para Fort Stewart, Geórgia, levando consigo todo o equipamento necessário, incluindo dez passaportes em branco. Para facilitar as coisas, usariam os nomes verdadeiros. O primeiro-sargento Julio Vega se sentou diante da câmara, usando seu melhor terno.

— Não sorria — recomendou o técnico da CIA. — Os europeus não sorriem quando estão posando para fotografias de passaportes.

— Sim, senhor.

O nome de guerra do homem era Oso, "urso", mas apenas os ex-colegas de turma o chamavam assim. Para o restante dos comandos da Companhia Foxtrot, Segundo Batalhão, 175s Regimento de Comandos, seu nome era simplesmente "Primeiro-sargento", um homem experiente que acompanharia seu capitão na missão para a qual acabara de se oferecer.

— Precisará de roupas melhores, também.

— Quem está pagando? — perguntou Vega, agora sorrindo, embora a foto fosse mostrar a mesma expressão sisuda que reservava para os soldados que deixavam de cumprir suas obrigações. Esse não seria o caso dos participantes daquela missão, pensou. Oito homens, todos com curso de paraquedismo (todos os comandos eram obrigados a fazer o curso), todos com experiência de combate e, o que era incomum para os membros do 175s, todos homens que não haviam cortado o cabelo à moda dos mohawks. Vega se lembrou de um grupo parecido com aquele e parou de sorrir. Nem todos tinham saído vivos da Colômbia.

Fluentes em espanhol, pensou, ao sair da sala. Nas Marianas provavelmente se falava espanhol. Como a maioria dos sargentos do Exército, cursara o terceiro grau à noite, diplomando-se em história militar. Parecia a coisa certa a fazer, dada a carreira que escolhera. Além disso, o Exército pagava as mensalidades. Se o espanhol fosse realmente a língua oficial naquelas paragens, isso lhe dava um motivo adicional para pensar em termos positivos a respeito da missão. O nome da operação, que ouvira em uma breve conversa que tivera com o capitão Diego Checa, também parecia auspicioso. Fora chamada de Operação ZORRO, um nome tão curioso que o capitão se sentira obrigado a contar ao primeiro-sargento. O nome do "verdadeiro" Zorro era Don Diego, não era? Não se lembrava mais do sobrenome, mas o capitão se encarregou de refrescar-lhe a memória. Com o sobrenome Vega, como posso deixar de participar desta missão?, pensou Oso consigo mesmo.

 

Era bom que estivesse em forma, pensou Nomuri. Simplesmente respirar ali exigia algum esforço. A maioria dos turistas ocidentais que visitavam o Japão conhecia apenas as grandes cidades e não percebia que o país era tão montanhoso quanto o Colorado. Tochimoto era um pequeno povoado nas montanhas que definhava no inverno e explodia no verão, quando os locais deixavam as cidades para passar as férias no campo. No momento, a cidadezinha, que ficava no final da Estrada Nacional 140, estava vazia, mas Chet conseguiu alugar um bugre e disse ao proprietário que precisava de apenas algumas horas para espairecer. Em troca do dinheiro recebeu um conselho severo, embora polido, para seguir a trilha e tomar cuidado, pelo qual agradeceu ao homem antes de partir, seguindo o rio Taki (mais um regato do que um rio) montanha acima. Uma hora depois, tendo percorrido uns dez quilômetros, desligou o motor, tirou o tapa-ouvido e começou a escutar.

Nada. Não vira um único rastro no caminho de barro e cascalho que acompanhava o riacho, nem qualquer sinal de ocupação nas casas rústicas de campo pelas quais passara, e agora, escutando, não conseguia ouvir nada a não ser o vento. Havia uma passagem a vau marcada no mapa, três quilômetros adiante. Quando chegou lá, constatou que estava em boas condições, permitindo que rumasse para leste, em direção a Shiraishi-san. Como a maioria das cordilheiras, aquela possuía vários vales esculpidos pelo tempo e pela água; o monte Shiraishi tinha um vale particularmente belo, ainda intocado por casas ou cabanas. Talvez os escoteiros fossem ali no verão para acampar e comungar com a natureza que o restante do país trabalhara tanto para destruir. Mais provavelmente, era apenas um lugar sem riquezas naturais que justificassem a construção de uma estrada ou rodovia. Ficava também a quase duzentos quilômetros de Tóquio, e para todos os efeitos práticos era como se ficasse na Antártida.

Nomuri tomou o rumo sul e subiu por uma parte suave da encosta até chegar ao topo. Queria dar mais uma olhada na região. Embora avistasse uma casa semiconstruída alguns quilômetros abaixo, não viu nenhuma coluna de fumaça saída da fogueira de um acampamento, nem nenhuma nuvem de vapor produzida pelo banho quente de alguém, nem ouviu nenhum som que não fosse da natureza. Nomuri passou trinta minutos investigando as vizinhanças com um par de binóculos compactos; depois, voltou-se para norte e para oeste, sem encontrar vestígio de presença humana. Finalmente satisfeito, voltou ao rio Taki, seguindo a trilha até a cidade.

— Ninguém vem aqui nesta época do ano — afirmou o homem que lhe alugara o jipe quando Nomuri finalmente chegou, pouco depois do anoitecer. — Posso lhe oferecer um chá?

— Dozo — disse o agente da CIA. Aceitou o chá com uma mesura. — A região é linda.

— Fez bem em vir agora — disse o homem, que parecia ansioso para conversar com alguém. — No verão, as árvores estão mais encorpadas, mas o ruído dessas coisas — apontou para os bugres — estraga a paz das montanhas. Mas são eles que me sustentam — admitiu o homem.

— Preciso vir aqui mais vezes. As coisas são tão agitadas no meu escritório! E ótimo vir aqui e sentir o silêncio.

— Por que não conta aos seus amigos? — sugeriu o homem, evidentemente interessado em conseguir mais alguns fregueses fora da estação.

— Sim, vou fazer isso — assegurou-lhe Nomuri.

Depois de mais uma mesura, o agente da CIA entrou no carro e dirigiu três horas de volta a Tóquio, ainda curioso para saber por que recebera uma missão tão agradável e aparentemente tão inócua.

 

— Vocês acham mesmo que vai dar certo? — perguntou Jackson aos oficiais do SOCOM.

— Robby, agora é tarde demais para recuar — observou o oficial mais antigo. — Se eles são estúpidos o suficiente para deixar que civis americanos circulem livremente pelo país, vamos tirar vantagem disso.

— A inserção ainda me preocupa — observou o representante da Força Aérea, olhando alternadamente para os mapas de navegação aérea e as fotos dos satélites. — Temos um bom perfil da região, mas alguém precisa cuidar dos AWACS* para que a coisa funcione. [*Abreviação de Airborne Warning and Control System, ou seja, Sistema Aéreo de Advertência e Controle, aeronave equipada com radar para rastrear aeronaves e mísseis inimigos e coordenar medidas defensivas. (N. doT.)]

— Não se preocupe — observou um coronel do Comando de Combate Aéreo. — Vamos acender o céu para eles, e vocês poderão usar esta brecha — acrescentou, mostrando o terceiro mapa.

— E as tripulações dos helicópteros? — perguntou Robby.

— No momento, estão praticando no simulador. Terão tempo para dormir durante o voo.

O simulador usado para ensaiar a missão era tão realista que chegava a enganar o ouvido interno de Sandy Ritcher. O aparelho estava a meio caminho entre o Nintendo que o filho mais moço usava para jogar videogames e os simuladores das companhias aéreas. O capacete que tinha na cabeça era parecido com o que usava no seu Comanche, mas infinita­mente mais sofisticado. O que começara como um monitor monocular no Apache AH-64 era agora uma visão panorâmica tridimensional do mundo exterior. Gostaria que fosse ainda mais perfeito, mas mostrava ao mesmo tempo a paisagem gerada em computador e todas as informações de voo; suas mãos estavam no manche e acelerador de um helicóptero virtual que atravessava o oceano em direção à costa escarpada.

— Estamos na rota — disse ao ocupante do banco traseiro, que na verdade estava sentado a seu lado, porque a simulação não exigia esse tipo de fidelidade.

Naquele mundo artificial, viam o que viam, estivessem onde estivessem, embora o tripulante a seu lado contasse com dois instrumentos adicionais. O que viam era o produto de seis horas de trabalho de um supercomputador. As fotografias tiradas por satélites nos últimos três dias tinham sido analisadas, dobradas, enroladas, amassadas e transformadas em uma imagem tridimensional que parecia uma transmissão de TV de baixa resolução.

— Centro populacional à esquerda.

— Entendido. Estou vendo. — O que viu foi uma mancha azul, que na realidade deveria ser amarelada, e por deferência aumentou a altitude em relação aos quinze metros que vinha mantendo nas últimas duas horas. Puxou o manche, e os outros que estavam na sala e observavam o treinamento ficaram surpresos com a forma como os dois corpos se inclinaram para compensar as forças de inércia que existiam apenas no computador que controlava a simulação. Poderiam ter rido, mas ninguém ria de Sandy Richter.

No momento em que chegaram à costa virtual, subiu até a crista de uma montanha e passou a segui-la. Era ideia de Richter. Havia estradas e casas nos vales que desembocavam no mar do Japão. Era melhor evitar emissões acústicas, pensou o piloto, e arriscar com o radar. Em um mundo justo, poderia cuidar daquele perigo durante a viagem de ida, mas aquele não era exatamente um mundo justo.

— Caças acima de você — advertiu uma voz feminina, como aconteceria na missão de verdade.

— Vou descer um pouco — respondeu Richter à voz do computador, descendo abaixo do pico à direita. — Se conseguir me ver a quinze metros do solo, estarei perdido, querida.

— Espero que este negócio realmente funcione.

Os americanos estavam muito preocupados com o radar dos F-15 japoneses. Na verdade, eles tinham derrubado um B-l e avariado outro e ninguém ainda sabia exatamente como aquilo acontecera.

— Logo saberemos.

O que mais podia dizer o piloto? Naquele caso, o computador chegou à conclusão de que o avião estava realmente invisível. A última hora de voo virtual foi mera rotina, mas suficientemente cansativa para que, depois de pousar o Comanche, Richter sentisse necessidade de um banho de chuveiro, que, tinha certeza, não estaria disponível no lugar para onde iriam. Embora um par de esquis pudesse ser útil.

— E se o outro lado...

— Nesse caso, teremos de aprender a gostar de arroz.

Não adiantava se preocupar excessivamente. As luzes foram acesas, tiraram os capacetes, e Richter se viu em uma sala de tamanho médio.

— Inserção bem-sucedida — decretou o major que presidia o exercício. — Estão preparados para uma pequena viagem? Richter pegou um copo de água gelada na mesa do fundo da sala.

— Sabe de uma coisa? Não pensei que conseguisse chegar tão longe.

— E o restante do material? — quis saber o operador de armas.

— Será carregado quando chegarem lá.

— E como vamos voltar? — perguntou Richter.

Estaria se sentido melhor se tivessem dito alguma coisa a respeito.

— Vocês terão duas opções. Três, talvez. Ainda não decidimos. O caso está sendo estudado — assegurou-lhe o oficial do SOCOM.

 

A boa notícia era que todos eles pareciam ter apartamentos de cobertura. Era de esperar, pensou Chavez. Aqueles filhos da mãe eram tão ricos, que podiam se dar ao luxo de ficar no alto do edifício onde moravam. Isso fazia as pessoas sentirem-se mais importantes, poderem olhar para todo mundo de cima, como os magnatas de Los Angeles olhavam dos arranha-céus para as favelas onde Chavez passara a infância. Isso mostrava que nenhum deles fora um soldado. Os soldados não gostavam de se expor daquela forma. Preferiam ficar junto ao chão, no meio dos ratos e dos peões. Bem, todo mundo tinha suas limitações, pensou Ding.

Era só uma questão, portanto, de encontrar um local elevado. Isso não foi difícil. Outra vez, foram auxiliados pela natureza pacífica da cidade. Simplesmente escolheram um edifício apropriado, entraram, tomaram o elevador até o último andar e dali alcançaram o telhado. Chavez montou a câmara em um tripé, escolheu a lente mais possante e começou a fotografar. O tempo cooperou, pois era uma tarde cinzenta, de céu nublado. Tirou dez fotos de cada edifício, rebobinando e ejetando os cartuchos de filme, que foram rotulados e guardados de volta em suas latas. A operação completa levou apenas meia hora.

— Você se acostumou a confiar no cara? — perguntou Chavez, depois que entregaram o material.

— Ding, simplesmente me acostumei a confiar em você — respondeu Clark, aliviando a tensão do momento.

38

O RIO RUBICÃO

 

— E então? Ryan levou algum tempo pensando na resposta. Era melhor contar alguma coisa a Adler. Devia haver uma certa honestidade nas negociações. Jamais se revelava toda a verdade, mas também não precisava mentir.

— Tudo continua como antes — afirmou o conselheiro de Segurança Nacional.

— Estamos fazendo alguma coisa. Não era uma pergunta.

— Não ficamos parados, Scott. Eles não estão dispostos a ceder, estão? Adler sacudiu a cabeça.

— Acho que não.

— Tente convencê-los a rever sua posição — sugeriu Jack. Podia não ser muita coisa, mas era algo para dizer.

— Cook acha que existem forças políticas no Japão trabalhando a favor de uma atitude mais moderada. Pelo menos, foi o que disse seu informante.

— Scott, temos dois agentes da CIA trabalhando no Japão, disfarçados de jornalistas russos. Foram falar com Koga. O ex-primeiro-ministro não está nada satisfeito com as últimas medidas. Dissemos a ele que agisse normalmente. Não queremos queimá-lo, mas se... que tal você pedir a Cook que descubra com o amigo dele quais são exatamente os elementos da oposição e qual a força que têm? Mas não deve, em hipótese alguma, revelar que estivemos em contato com Koga.

— Certo, eu falo com ele. E quanto às negociações? Continuo insistindo na mesma tecla? — perguntou Adler.

— Não lhes ofereça nada de substancial. Pode contemporizar? — Acho que sim. — Adler consultou o relógio. — Hoje será em nosso território. Preciso combinar alguns detalhes com Brett antes da reunião.

— Mantenha-me informado.

— Pode deixar — prometeu Adler.

Ainda era noite em Groom Lake. Dois aviões de transporte C-5B taxiaram até o final da pista e decolaram. A carga era leve; levavam apenas três helicópteros cada um e alguns equipamentos, nada de mais para aeronaves projetadas para transportar dois tanques de uma vez. Entretanto, seria um longo voo para uma delas, mais de oito mil quilômetros, e no caso de ventos contrários seriam necessários dois reabastecimentos em voo. Também estavam levando uma tripulação de reserva para cada avião. Com isso, os passageiros tinham sido relegados à popa, onde os assentos eram menos confortáveis.

Richter levantou os braços do conjunto de três assentos e colocou os tapa-ouvido. Assim que o avião decolou, levou automaticamente a mão ao bolso da camisa onde costumava guardar os cigarros, mas se lembrou de que deixara de fumar fazia alguns meses. Droga. Como poderia entrar em combate sem antes dar uma tragada?, perguntou-se. Depois, deitou-se, com a cabeça apoiada em um travesseiro e adormeceu quase de imediato. Não chegou nem a sentir o balanço do avião quando ele entrou no jet stream, sobre as montanhas de Nevada.

Na proa do avião, o piloto tomou o rumo norte. O céu estava escuro, e permaneceria assim durante quase todo o voo. Os tripulantes não teriam nenhum trabalho a não ser o de permanecer acordados. Os equipamentos automáticos se encarregariam de pilotar a aeronave, e a hora era tal, que os voos noturnos comerciais já haviam terminado e os voos da manhã ainda não tinham começado. O céu era todo deles, com nuvens esparsas e um ar muito frio em contato com a fuselagem de alumínio, a caminho do destino mais estranho que poderiam imaginar. A tripulação do segundo Galaxy tinha mais sorte. Ele tomou o rumo sudoeste, e em menos de uma hora estava sobrevoando o oceano Pacífico, a caminho da Base Aérea de Hickam.

O USS Tennessee chegou a Pearl Harbor uma hora antes do previsto e seguiu até o ancoradouro usando seus próprios motores, dispensando o prático do porto e sendo acompanhado apenas por um rebocador da Marinha. Não acenderam nenhum farol; a manobra foi executada usando apenas as luzes do porto como referência. A única coisa fora do comum era a presença de um grande caminhão-tanque na beira do cais. O carro oficial e o almirante de pé ao lado do veículo já eram de esperar, pensou o comandante Claggett A prancha de desembarque foi instalada rapidamente, e o ComSubPac subiu a bordo antes mesmo que a bandeira fosse içada na popa do submarino. Mesmo assim, bateu continência naquela direção.

— Bem-vindo a bordo, almirante — disse o comandante da sala de controle, descendo em seguida a escada para encontrar o almirante Mancuso na porta do seu camarote.

— Dutch, ainda bem que pôde vir logo — disse Mancuso, com um sorriso temperado pela gravidade da situação.

— Estou satisfeito por finalmente entrar em ação — afirmou Claggett. — Temos todo o combustível de que precisamos, almirante — acrescentou.

— Teremos de esvaziar um dos seus tanques.

Além do tanque principal, o Tennessee dispunha de um tanque auxiliar.

— Para quê, almirante? — Para carregá-lo com JP-5. — Mancuso abriu a maleta e tirou de dentro as ordens para a missão. A tinta mal tivera tempo de secar. — Você vai participar de uma missão secreta.

Claggett teve vontade de perguntar Por que eu?, mas em vez disso começou a examinar os papéis para saber onde seria a missão.

— Posso encontrar inimigos no caminho, almirante — observou.

— Suas ordens são para evitar qualquer tipo de combate, mas a regra de costume está em vigor.

Isso queria dizer que Claggett, como comandante, teria liberdade para tomar a decisão que achasse mais apropriada.

— Atenção — anunciou uma voz pelo sistema de alto-falantes. — O aviso de não fumar está suspenso em toda a embarcação. O aviso de não fumar está suspenso em toda a embarcação.

— Você permite que os tripulantes fumem? — perguntou o ComSubPac. A maioria dos comandantes proibia que se fumasse a bordo.

— Isso fica a critério do comandante, lembra-se? A dez metros de distância, Ron Jones estava na sala do sonar, tirando um disquete de computador do bolso.

— Já fizemos a atualização — explicou o operador.

— Esta aqui acabou de ficar pronta. — O empreiteiro introduziu o disquete na unidade de disco do computador de reserva. — Captei vocês na primeira noite, quando passaram pelos detectores do SOSUS na costa de Oregon. Alguma coisa solta a bordo? — Uma caixa de ferramentas. Já cuidamos dela. Passamos por mais duas redes de hidrofones — observou o operador.

— A que distância? — perguntou Jones.

— Passamos bem por cima da segunda.

— Não captamos nada, e estávamos usando o mesmo software que acabei de carregar. Seu submarino é mesmo silencioso. Fizeram uma vistoria completa? — Fizemos. Ordens do comandante. Não há mais nada solto a bordo.

— Fez uma pausa. — A não ser as pontas dos rolos de papel higiênico.

Jonas sentou-se em uma das cadeiras e olhou em volta. Aquele era o seu lugar. Tinha apenas uma vaga ideia do objetivo da missão. Mancuso lhe perguntara a respeito das condições da água, mostrara-se preocupado com a possibilidade de os japoneses terem capturado intacta a estação do SOSUS em Honshu, e isso era tudo. Parecia certo que o Tennessee estava prestes a entrar na briga. Seria talvez o primeiro submarino da Esquadra do Pacífico a fazê-lo. Não sei se foi uma boa escolha, pensou. Ele é grande e desajeitado. Uma mão tocou a estação de trabalho.

— Sei quem é o senhor, Dr. Jones — disse o operador, lendo seus pensamentos. — Conheço meu trabalho, também, certo? — Quando os submarinos estão usando o respiradouro...

— Devemos ficar atentos para a linha de mil hertz. Temos a versão traço-cinco e todas as atualizações. Incluindo a sua, penso eu.

O operador estendeu a mão para a xícara de café e, pensando melhor, encheu outra xícara para o visitante.

— Obrigado.

— Perdemos o Asheville e o Charlotte? Jones assentiu, olhando para a xícara.

— Você conheceu Frenchy Lavai? — Ele foi meu instrutor, há muitos anos.

— Frenchy foi meu chefe no Dallas, quando servi sob as ordens do almirante Mancuso. O filho dele estava a bordo do Asheville. Eu o conhecia, também. Para mim, é uma questão pessoal.

— Entendo — foi tudo que o operador encontrou para dizer.

— Os Estados Unidos da América não aceitam a situação atual, senhor embaixador. Pensei que tivesse deixado isso bem claro — declarou Adler, duas horas depois de iniciada a sessão.

Na verdade, era a oitava vez que deixava aquilo bem claro desde que as negociações haviam começado.

— Sr. Adler, a menos que seu país deseje continuar a guerra, o que não traria nenhum benefício para ninguém, é melhor que respeite o resultado das eleições que pretendemos realizar... e que serão fiscalizadas por uma comissão internacional.

Em algum lugar da Califórnia, lembrou-se Adler, havia uma estação de rádio que tocara durante várias semanas todas as versões conhecidas de "Louie Louie". Talvez o Departamento de Estado pudesse colocar o sinal da estação no sistema de alto-falantes do edifício, em lugar da música funcional. Estaria mais de acordo com aquele tipo de reunião. O embaixador do Japão estava esperando uma resposta dos Estados Unidos à generosa oferta que seu país fizera de devolver a ilha de Guam (como se não tivesse sido tomada pela força em primeiro lugar) e agora se mostrava irritado porque Adler não oferecia nada em troca do seu gesto magnânimo. Será que não tinha mais nada a dizer? Caso tivesse, aparentemente não o faria até que Adler lhe oferecesse algo.

— Estamos satisfeitos, é claro, com a disposição do seu país de submeter as eleições a uma fiscalização internacional, e também com sua declaração de que os resultados da eleição serão respeitados, sejam eles quais forem; isso, porém, não muda o fato de que se trata de um território soberano, cuja população já optou pela cidadania americana. Infelizmente, nossa possibilidade de tomar sua declaração como verdadeira está sendo compro­metida pela realidade dos fatos.

O embaixador levantou as mãos, aborrecido por ter sido chamado de mentiroso em termos diplomáticos.

— Como posso convencê-los dos nossos bons propósitos? — Evacuando as ilhas já, é claro — respondeu Adler.

Entretanto, ele já fizera uma concessão. Ao afirmar que os Estados Unidos estavam satisfeitos com a promessa do Japão de realizar eleições, oferecera alguma coisa ao embaixador. Não muito, não tanto quanto ele queria, mas alguma coisa. As duas posições foram reafirmadas mais uma vez antes que as negociações fossem interrompidas para o recesso da manhã.

A varanda estava fria e ventosa, e, como da vez anterior, Adler e o embaixador se retiraram para cantos opostos do recinto, que no verão era usado como sala de jantar ao ar livre, enquanto os membros das duas equipes se misturavam para explorar opções com as quais os chefes das negociações não podiam se envolver oficialmente.

— Não foi uma grande concessão — observou Nagumo, bebendo um gole de chá.

— Não deviam esperar nem isso. Sabemos que existe quem não concorde com o que o governo de vocês está fazendo.

— É verdade — concordou Seiji. — Eu mesmo lhe disse isso.

Chris Cook se conteve para não olhar em torno à procura de espiões. Teria sido excessivamente teatral. Em vez disso, bebeu um gole de chá e olhou para sudoeste, na direção do Kennedy Center.

— Houve alguns contatos informais.

— Com quem? — Com Koga — revelou Cook.

Se Adler não sabia como conduzir as negociações, estava na hora de tomar a iniciativa, pensou.

— Ah! Parece uma escolha lógica.

— Seiji, se soubermos conduzir a situação, poderemos sair disso como heróis.

O que seria a solução ideal para todos, não seria? — Que tipo de contatos? — quis saber Nagumo.

— Tudo que sei é que têm sido muito irregulares. O que eu queria lhe perguntar é o seguinte: Koga é o líder da oposição a que você se referiu? — Koga é um dos líderes, naturalmente — respondeu Nagumo. Aquela informação era valiosa. Os americanos não pareciam dispostos a ceder e agora a razão era clara: esperavam que a frágil coalizão parlamentar que mantinha Goto no governo sucumbisse a uma combinação de tempo e incerteza. Se acabasse com as esperanças dos americanos em uma mudança de governo, eles não teriam nenhuma alternativa senão concordar com as propostas do seu país. E a previsão de Chris quanto a saírem dali como heróis estaria certa, pelo menos em parte, não estaria? — Existem outros? — perguntou Cook. A resposta era previsível.

— Claro que existem, mas não posso lhe revelar quem são. Nagumo estava pensando no que acabara de ouvir. Se os americanos tinham decidido apostar na subversão política, era porque não confiavam no seu poder militar. Era uma excelente notícia.

O primeiro avião-tanque KC-10 decolou de Elmendorf e se encontrou com o G5 a leste de Nome. Foram necessários alguns minutos para chegarem a uma região onde o ar não estivesse muito turbulento; mesmo assim, era difícil executar o que talvez fosse a operação menos natural conhecida pelo homem, o acoplamento em pleno voo de duas aeronaves com várias toneladas de peso. A manobra era mais perigosa porque o piloto do C-5 não podia ver muito mais do que o nariz do avião-tanque e tinha de voar em formação cerrada durante vinte e cinco minutos. Pior ainda: o KC-10 era um avião de três turbinas e a descarga da turbina montada na cauda atingia diretamente a cauda em forma de T do Galaxy, criando uma forte turbulência, que exigia constantes correções de curso. É por isso que nos pagam tão bem, pensou o piloto, suando no interior do traje de voo. Finalmente, os tanques ficaram cheios e os aviões se separaram, o Galaxy diminuindo um pouco de altitude e o avião-tanque fazendo uma curva para a direita. A bordo do C-5, todos respiraram aliviados, enquanto a aeronave prosseguia para oeste, atravessando o estreito de Bering. Outro avião-tan­que decolaria em breve de Shemya e também entraria no espaço aéreo da Rússia. Sem que soubessem, outra aeronave americana já fizera o mesmo, como parte de uma procissão secreta para um lugar assinalado nos mapas de navegação aérea como Verino, uma cidade à margem da Estrada de Ferro Transiberiana que datava da virada do século.

O novo eixo estava finalmente no lugar, depois do que pareceu ao coman­dante o conserto mais demorado da história. No interior do casco, rolamen­tos foram recolocados e vedações instaladas ao longo de todo o corredor do eixo. Cem homens e mulheres estavam trabalhando naquela tarefa. A equipe de engenharia estava trabalhando em turnos de vinte horas, mais ou menos o mesmo regime que fora exigido dos operários civis do estaleiro, encarregados de operar os equipamentos pesados que cercavam a imensa caixa de concreto. Logo estariam preparados para a última fase do reparo. Uma imensa ponte rolante já começava a mover um novo hélice em direção à extremidade livre do eixo. Em mais duas horas, a grande estrutura, com dez metros de diâmetro, estaria firmemente presa ao que seria em breve o mais caro navio de dois hélices do mundo.

A reportagem da CNN foi ao ar quando estava amanhecendo. Ryan observou que as cenas estavam sendo filmadas do outro lado do porto, com a legenda "Vivo" no canto inferior esquerdo da tela. Não havia nada de novo em Pearl Harbor, declarou a repórter, de microfone na mão.

— Como podem ver atrás de mim, o Enterprise e o John Stennis permanecem em doca seca. Dois dos mais sofisticados vasos de guerra jamais fabricados pelo homem dependem agora de um exército de operários para voltar a navegar, o que vai levar...

— Vários meses — completou Ryan. — Continue a dizer isso.

Os noticiários das outras redes de TV forneceriam em breve a mesma informação, mas era principalmente na CNN que Jack estava confiando. Um recado para o mundo inteiro.

O Tennessee começou a descer. Dois helicópteros antissubmarino acompa­nhavam a partida e havia também um contratorpedeiro da classe Spruance nas vizinhanças, em missão de treinamento, que pediu, através de sinais luminosos, que o submarino passasse nas proximidades para um rápido exercício de rastreamento.

Cinco militares do Exército dos Estados Unidos, que tinham subido a bordo pouco antes da partida, foram alojados de acordo com suas patentes. O oficial, um primeiro-tenente, ficou na cabina que seria ocupada pelo oficial de mísseis, se houvesse mísseis a bordo. O segundo mais antigo, um segundo-sargento, ficou com os suboficiais. Os outros ficaram com os marinheiros. A primeira providência foi dar a cada um deles um par de sapatos de solas de borracha e alertá-los quanto à importância de fazerem o mínimo ruído possível.

— Por quê? Qual é o problema? — perguntou o segundo-sargento, olhando para a cama beliche no alojamento dos suboficiais e imaginando se um caixão seria mais confortável.

Ba-uá! — O problema é esse — respondeu um segundo eletricista. Não chegava a estar tremendo, mas acrescentou: — Nunca vou me acostumar com esse barulho.

— O que é?

— O sonar SQS-53 de um contratorpedeiro. Se você ouve tão alto, é porque já fomos detectados. E os japoneses têm um igual, sargento.

— Ignore — disse o chefe dos operadores de radar. Ele estava de pé, atrás de um aprendiz, observando o monitor.

A nova atualização do software realmente tornava mais fácil captar as emissões do Prairie/Masker, especialmente quando se sabia que o céu estava azul lá em cima e não havia motivos para acreditar que estivesse chovendo.

— Ele nos pegou direitinho.

— Apenas porque o comandante lhe deu permissão para nos rastrear. Não vamos dar essa sopa de novo.

 

Verino era apenas mais uma antiga base de caças MIG. Exatamente com quem os russos estavam preocupados era difícil de dizer. Daquele lugar, poderiam ter atacado o Japão ou a China ou se defendido de qualquer um dos dois, dependendo da situação política do momento, pensou o piloto. Nunca estivera naquela região e mesmo com a mudança nas relações entre os dois países não esperava fazer mais do que uma visita amistosa à Rússia Ocidental, como as que a Força Aérea dos Estados Unidos costumava organizar periodicamente. Agora, ali estava um caça interceptador Sukhoi-27 a mil metros de distância, com mísseis de verdade pendurados nas asas e provavelmente um piloto com ideias de jerico. Puxa, que alvo enorme As duas aeronaves tinham se encontrado uma hora antes, porque não houvera tempo de arranjar um oficial que falasse russo para a missão e não queriam se arriscar a conversar em inglês na frequência de controle aéreo.

Assim, o avião de transporte seguia o caça como um cão pastor obedientemente acompanhando um terrier.

— Pista de pouso à vista — anunciou o copiloto, com voz cansada.

Houve a costumeira turbulência de baixa altitude, que aumentou quando os flaps e o trem de pouso foram baixados. Apesar disso, a aterrissagem transcorreu sem novidades até o piloto avistar dois C-17 na beira da pista. Então a sua não era a primeira aeronave americana a pousar ali! Talvez as outras duas tripulações conhecessem um bom lugar para passar o tempo de folga.

O 747 da JAL decolou lotado, rumando para oeste contra o vento e deixando o Canadá para trás. O comandante Sato não sabia muito bem o que pensar. Estava satisfeito, como sempre, por levar para casa tantos conterrâneos, mas também tinha a impressão de que muitos estavam fugindo dos Estados Unidos, e a ideia não lhe agradava. Seu filho contara-lhe a respeito do incidente com os B-l. Se o Japão era capaz de avariar dois porta-aviões americanos, destruir dois submarinos e derrubar um ou dois bombardeiros invisíveis, o que tinham a temer? A direita, avistou a silhueta de outro 747, com o emblema da Northwest/KLM, a rota do Japão, certamente cheio de homens de negócios americanos que estavam fugindo. Não que tivessem algo a temer. Talvez estivessem fugindo de vergonha, pensou. A ideia o fez sorrir. O restante da viagem seria fácil. Quatro mil e seiscentas milhas náuticas. Tempo de voo: nove horas e meia, se as previsões de tempo estivessem corretas. Os 366 passageiros a bordo desembarcariam em um país renascido, guardado por seu filho e seu irmão. Voltariam aos Estados Unidos no momento oportuno, andando um pouco mais eretos e parecendo um pouco mais orgulhosos, como seria apropriado, pensou Sato. Lamentou-se por não pertencer mais às forças armadas, responsáveis pela mudança da situação, mas aquele fora um erro que cometera havia muito tempo e não podia mais corrigir. Assim, faria a pequena parte que lhe cabia naquele momento histórico, pilotando o grande avião de passageiros com todo o cuidado.

 

A notícia chegou a Yamata na manhã do dia em que planejava voltar a Saipan para começar a campanha para governador da ilha. Ele e os amigos tinham sido avisados pelos órgãos do governo. Tudo que chegava a Goto e ao Ministério do Exterior agora também era comunicado a eles. Não era tão difícil. O país começava a mudar, e estava na hora de as pessoas que exerciam realmente o poder serem tratadas de acordo com seu valor. Em pouco tempo, a população reconheceria esse fato, como os burocratas já estavam fazendo.

Koga, você é um traidor, pensou o industrial. Aquilo não era totalmente inesperado. O ex-primeiro-ministro tinha ideias muito estranhas a respeito da honestidade do processo político e do respeito à opinião popular, como se sentisse uma saudade inexplicável de algo que nunca existira. Era óbvio que os políticos precisavam ser guiados e apoiados por pessoas como ele. Era óbvio que deviam respeitar a vontade dos seus mestres e patrocinadores. O que faziam, afinal, a não ser preservar a prosperidade que outros, como Yamata e seus pares, tanto tinham se esforçado para conseguir para o país? Se o Japão dependesse do governo para atender às necessidades da população, onde estaria naquele momento? Mas tudo que pessoas como Koga podiam oferecer eram ideais que não levavam a lugar algum. As pessoas comuns... o que sabiam? O que faziam? Elas sabiam e faziam o que a classe dominante lhes dizia; e dessa forma, obedecendo sem discutir, tinham contribuído para o progresso da nação. Não era simples? Não era como se estivessem no período clássico, quando o país era governado por uma nobreza hereditária. Aquele sistema fora adequado por dois milênios, mas não combinava com a era industrial. Os nobres consumiam-se na própria arrogância. Não, seu grupo era composto por homens que haviam demonstrado seu valor, primeiro servindo em posições subalternas e depois conquistando posições através do trabalho e da inteligência (e da sorte, admitiu para si próprio) até chegarem ao topo. Eram eles os responsáveis pela grandeza do Japão. Tinham conduzido aquela ilha humilde das cinzas e da ruína para uma posição de destaque no mundo. Eles, que haviam humilhado uma das "grandes" potências, estavam se preparando para humilhar uma segunda, levando com isso o país à liderança mundial, algo que nem mesmo os militaristas como Tojo haviam conseguido.

Koga não tinha nada a fazer no processo a não ser sair do caminho ou submeter-se a eles, como Goto. Entretanto, não fizera nem uma coisa nem outra e agora estava conspirando para negar ao Japão a oportunidade histórica de ocupar o verdadeiro lugar que lhe cabia entre as nações. Por quê? Porque os métodos que haviam adotado não combinavam com suas ridículas ideias do que era certo e o que era errado, ou porque achava que o caminho que estavam trilhando era perigoso, como se qualquer conquista verdadeira não envolvesse algum tipo de risco.

Bem, não podia permitir que Koga atrapalhasse seus planos, pensou Yamata, pegando o telefone para ligar para Kaneda. Nem Goto concordaria com isso. Era melhor cuidar do assunto com seus auxiliares diretos. Estava na hora de começar a exercer seu poder pessoal.

 

Na fábrica da Northrop, o avião fora apelidado de "tatu". Embora a fuselagem fosse tão aerodinâmica que a natureza poderia ter dado sua forma a um pássaro marinho, o B-2A não era exatamente o que aparentava ser. Os materiais compósitos que formavam a superfície visível eram apenas parte da tecnologia de invisibilidade aplicada à aeronave. A estrutura metálica interna era angulosa e segmentada como o olho de um inseto, de modo a refletir as ondas de radar para longe do transmissor que pretendia iludir. O perfil gracioso das linhas externas fora desenvolvido para reduzir o arraste e assim aumentar o alcance e reduzir o consumo de combustível. No conjunto, tudo funcionava a contento.

Na Base Aérea de Whiteman, no Missouri, o 5092 Grupo de Bombardeiros levava fazia anos uma existência tranquila, executando suas missões de treinamento sem nenhum alarde. Os bombardeiros projetados para penetrar nas defesas aéreas soviéticas e rastrear e destruir mísseis intercontinentais (uma tarefa pouco realista, reconheciam os tripulantes) eram realmente capazes de passar por qualquer defesa sem ser detectados. Pelo menos, era o que seus construtores pensavam até recentemente.

— É grande, é potente e detectou um B-l — declarou um oficial ao chefe de operações do grupo. — Finalmente, descobrimos o que aconteceu. É um radar de fase escalonada. Pode mudar rapidamente de frequência e operar em um modo de controle de tiro. No caso do B-l que pousou em Shemya (ainda estava lá, enfeitando a única pista de pouso da ilha, enquanto os técnicos tentavam consertá-lo o suficiente para que conseguisse chegar ao Alasca), o míssil veio de uma direção e os pulsos de radar estavam chegando de outra.

— Interessante — observou o coronel Mike Zacharias. Para ele, era óbvio: os japoneses tinham desenvolvido uma ideia que era originalmente dos russos. Enquanto os soviéticos haviam projetado caças que podiam ser controlados a partir de bases terrestres, o Japão desenvolvera uma técnica através da qual os caças permaneciam totalmente silenciosos enquanto lançavam seus mísseis. Aquilo podia ser um problema até mesmo para o B-2, projetado para ser invisível a radares de busca de grande comprimento de onda e radares aéreos de alta frequência. A invisibilidade era conseguida através do uso de uma tecnologia sofisticada e não de passes de mágica. Um radar aéreo de alta potência e capaz de mudar rapidamente de frequência podia obter um sinal suficientemente forte para localizar e abater o B-2. Por mais ágil e esguio que fosse, o B-2 era um bombardeiro e não um caça; oferecia um alvo relativamente grande para qualquer caça moderno. — Qual é a boa notícia? — perguntou Zacharias.

— Vamos brincar mais um pouco com eles e tentar avaliar melhor do que são capazes.

— Meu pai costumava fazer o mesmo com os mísseis antiaéreos. Acabou passando uma boa temporada no Vietnã do Norte.

 

— Eles também estão trabalhando no plano B — informou o oficial de inteligência.

— É só o que faltava — comentou Chavez.

— Não é você que não se sente bem em missões de espionagem? — perguntou Clark, fechando o laptop depois de apagar as ordens que acabara de receber. — Pensei que gostasse de saber que nossa próxima missão vai ser paramilitar, como as que estamos acostumados a executar.

— Às vezes eu falo demais — afirmou Ding, sentando-se no banco do parque.

— Com licença — disse uma terceira voz.

Os dois agentes da CIA levantaram os olhos e viram um policial uniformizado com uma pistola na cintura.

— Olá — disse John, com um sorriso.

— Que manhã bonita, não acha?

— Acho — concordou o policial. — Tóquio é muito diferente dos Estados Unidos?

— Também é muito diferente de Moscou, nesta época do ano.

— Moscou?

Clark enfiou a mão no bolso do paletó e tirou seu passaporte. — Somos jornalistas russos.

O guarda examinou o passaporte e devolveu-o.

— É muito mais frio em Moscou nesta época do ano?

— Muito mais — confirmou Clark.

O policial foi embora, dando por satisfeita sua curiosidade.

— Não esteja tão certo, Ivan Sergeyevich — observou Ding, depois que o homem se afastou. — Aqui também pode fazer muito frio.

— Você sempre pode arranjar outro emprego.

— E perder toda a diversão? Os dois se levantaram e caminharam em direção ao carro. Havia um mapa no porta-luvas.

 

O pessoal da Força Aérea da Rússia em Verino estava muito curioso, mas os americanos não pareciam dispostos a cooperar. Agora havia mais de cem militares americanos na base, alojados nas melhores acomodações. Os três helicópteros e dois reboques tinham sido guardados nos hangares que antes abrigavam caças MIG-25. As aeronaves de transporte eram grandes demais para isso, mas tinham sido empurradas para dentro tanto quanto suas dimensões permitiam. As caudas ficaram do lado de fora, mas poderiam ser facilmente confundidas com as de aviões IL-86, que ocasionalmente paravam ali. O pessoal de terra estabeleceu um perímetro de segurança que evitava qualquer tipo de contato entre os militares da força aérea dos dois países, o que deixou os russos muito desapontados.

Os dois reboques no interior do hangar mais a leste estavam ligados eletronicamente por um grosso cabo coaxial. Outro cabo levava a uma antena parabólica, também muito bem guardada.

— Certo, vamos fazê-la girar — disse um sargento, observado por um oficial russo. O protocolo exigia que os americanos permitissem a presença de pelo menos um militar local; aquele certamente pertencia ao serviço de inteligência. A imagem girou na tela do monitor, como se fosse um disco visto de cima. Em seguida, girou em torno de um eixo vertical. — Perfeito — disse o sargento, fechando a janela na tela do computador e clicando onde dizia UPLOAD para transmitir o sinal aos três helicópteros.

— O que você acaba de fazer? Pode me explicar? — perguntou o russo.

— Estamos ensinando o computador a reconhecer o alvo.

A resposta não fez nenhum sentido para o russo, embora fosse verdadeira.

A atividade no segundo reboque era mais fácil de entender. Fotos de alta resolução de vários edifícios altos foram digitalizadas, sua localização determinada com uma precisão de alguns metros e comparada com outras fotografias tiradas de cima, que só podiam ter sido obtidas por satélites. O oficial aproximou-se para apreciar melhor a qualidade das imagens, para desagrado do oficial americano, que, porém, tinha ordens para não fazer nada que pudesse ofender os russos.

— Parece um edifício de apartamentos, não é? — perguntou o russo, realmente curioso.

— Parece, sim — respondeu o americano, de má vontade, apesar de toda a hospitalidade com que fora recebido.

Com ordens ou sem ordens, era um crime mostrar aquele tipo de coisa a uma pessoa não autorizada, ainda que fosse um americano.

— Quem mora aí?

— Não sei.

Por que esse cara não me deixa em paz? A noite, os outros americanos saíram dos alojamentos. Incompreensivelmente com os cabelos em desalinho, sem se parecerem absolutamente com soldados, começaram a trotar em volta da pista principal. Uns poucos russos se juntaram a eles, e começou uma espécie de disputa, com os dois grupos correndo em formação. O que começara com uma brincadeira se tornou uma competição de verdade. Logo ficou claro que os americanos eram soldados de elite, que não se conformavam em perder para ninguém, mas os russos tinham a vantagem de estar mais bem aclimatados. Spetnaz, começaram a murmurar os russos uns para os outros, quase sem fôlego. Como não tinham muita coisa para fazer, e o comandante era muito severo, estavam em tão boa forma que conseguiram acompanhar os americanos durante dez quilômetros. Depois disso, os dois grupos se misturaram o suficiente para perceber que a barreira da língua impedia uma intimidade maior, embora a tensão estivesse clara no rosto dos visitantes.

 

— Eles são bem estranhos — comentou Chavez.

— Foi sorte nossa que eles tenham escolhido este lugar.

Mais uma vez era uma questão de segurança, pensou John. Os caças e bombardeiros também tinham sido colocados todos juntos em Pearl Harbor, em uma tentativa de protegê-los contra sabotagem ou qualquer outro perigo imaginário que se revelara contraproducente. Outro fator talvez tivesse sido a facilidade de manutenção, mas as aeronaves não se destinavam original­mente àquela base, de modo que os hangares não eram suficientemente grandes. Em consequência, seis E-767 estavam estacionados ao ar livre, a três quilômetros de distância, facilmente identificáveis pela forma incomum. Melhor ainda: o país era populoso demais para que a base ficasse em um lugar isolado. Os mesmos fatores que faziam com que as cidades ficassem em lugares planos aplicavam-se aos aeroportos, mas as cidades tinham chegado primeiro. Havia vários prédios industriais nas vizinhanças, e a base era cercada por estradas. O passo seguinte foi examinar as árvores para determinar a direção do vento. Vento noroeste. Para pousar, as aeronaves teriam de vir do sudeste. Agora só restava encontrar um poleiro.

Agora estavam usando tudo que era possível. Satélites espiões de baixa altitude também colhiam informações, localizando as aeronaves antissubmarino, não com a mesma precisão dos aviões de reconhecimento, mas com muito mais segurança. O passo seguinte seria usar submarinos no trabalho, mas alguém lhes dissera que isso levaria tempo. Já não dispunham de muitos submarinos, e os que estavam em condições de navegar tinham muito para fazer. Isso não era novidade. O panorama eletrônico estava ficando cada vez mais claro, e embora nem tudo que os técnicos em guerra eletrônica descobriam fosse favorável, pelo menos dispunham de dados a partir dos quais o pessoal de operações podia formular um plano. No momento, o importante era que os padrões de voo adotados pelos três E-767 tinham sido determinados com grande precisão. Eles pareciam permanecer constantes de um dia para outro. As pequenas variações observadas provavelmente resultavam apenas em mudanças na intensidade e direção do vento. Isso também era uma boa notícia.

O hotel de quatro estrelas era mais caro do que aqueles nos quais costumavam se hospedar, mas ficava ao lado da base. Talvez os ruídos fossem tão frequentes naquele país, que os habitantes se acostumavam a ignorá-los, pensou Chavez, lembrando-se do movimento incessante na rua onde ficava o hotel de Tóquio. Os quartos dos fundos eram os melhores, afirmou o homem da recepção, mas o único vago era um de canto. O barulho era muito pior na fachada do hotel, pois a pista terminava a apenas meio quilômetro da porta da frente. Eram as decolagens que faziam tudo tremer; os pousos eram em geral muito mais discretos.

— Acho que não vou gostar daqui — observou Ding, quando entraram no quarto.

— Quem foi que disse que você precisa gostar? — replicou John, arrastando uma cadeira até a janela para iniciar a vigília.

— E assassinato, John.

— E, acho que sim.

Ding tinha razão, mas alguém mais graduado pensava de outra forma e era isso que importava. Até certo ponto.

— Não há outras opções? — perguntou o presidente Durling.

— Não, senhor. Pelo menos, é o que parece. — Era a primeira vez que Ryan se encontrava naquela situação. Conseguira evitar uma guerra. Combatera com sucesso uma operação irregular que ameaçava causar um grande prejuízo político ao seu país. Agora, estava prestes a iniciar outra operação irregular... bem, não exatamente, pensou. Não fora o primeiro a usar de meios escusos, embora o que estava prestes a fazer não lhe agradasse nem um pouco. — Eles não cederão.

— Devíamos ter sido mais cautelosos — afirmou Durling, sabendo que era tarde demais para esse tipo de pensamento.

— Talvez a culpa seja minha — observou Ryan, sentindo que era seu dever assumir a responsabilidade. Afinal, a segurança nacional era a sua esfera de ação. Pessoas iriam morrer por causa dos seus erros e pessoas iriam morrer por causa dos seus acertos. Apesar de todo o poder que emanava daquela sala, não tinham muita liberdade de escolha, tinham? — Vai funcionar? — Presidente, isso é algo que teremos de pagar para ver.

Na verdade, foi mais fácil do que esperavam. Três das deselegantes aeronaves de duas turbinas taxiaram em fila indiana até a extremidade da pista, onde, uma de cada vez, se voltaram de frente para o vento noroeste, parando, aumentando a potência dos motores, reduzindo a potência para ver se os motores apagavam e, constatando que tudo estava bem, tornando a aumentar a potência, mas dessa vez soltando os freios e acelerando até decolar. Clark consultou o relógio e desdobrou um mapa rodoviário de Honshu.

Bastou um telefonema. O Grupo de Aviões Comerciais da Boeing divulgou uma Diretriz de Emergência relativa ao sistema de pouso automático do Boeing 767. Um defeito de origem desconhecida afetara a aterrissagem de um avião da TWA em St. Louis; até que a natureza da falha fosse esclarecida, os operadores eram fortemente aconselhados a desativar aquela parte do sistema de controle de voo até segunda ordem. A diretriz foi enviada por correio eletrônico, telex e carta registrada a todas as empresas que trabalha­vam com o 767.

39

PRIMEIRO OS OLHOS

 

Não foi surpresa para ninguém quando os consulados do Japão em Honolulu, San Francisco, Nova York e Seattle foram fechados. Agentes do FBI apareceram simultaneamente em todos eles e explicaram que teriam de ser desocupados. Depois de protestos peremptórios, que receberam atenção polida mas insensível, os diplomatas trancaram os escritórios, saíram escoltados (principalmente para protegê-los de manifestantes, sempre observados atentamente pela polícia local), embarcaram em ônibus e foram levados para o aeroporto mais próximo, de onde voaram para Vancouver, no Canadá. No caso de Honolulu, o ônibus passou tão perto da base naval de Pearl Harbor que os diplomatas puderam ver os dois porta-aviões nas docas secas e até mesmo fotografá-los. O fato de não serem impedidos pelos agentes do FBI que os acompanhavam na viagem não lhes causou nenhum espanto. Afinal, os meios de comunicação americanos estavam mostrando tudo que acontecia, como era sua obrigação. A operação foi conduzida profissionalmente em cada detalhe. As malas foram radiografadas em busca de armas e explosivos (nada foi encontrado, é claro), mas não foram abertas, porque se tratava de diplomatas, cuja imunidade ainda estava garantida por um tratado internacional. O governo americano fretara um avião comercial para eles, um 737 da United, que, logo depois de decolar, sobrevoou a base naval, permitindo que o cônsul tirasse mais cinco fotografias dos porta-aviões, de uma altitude de 1.500 metros. Ainda bem que fora previdente e embarcara com a câmara na mão, pensou o cônsul, antes de se ajeitar para dormir, preparando-se para o voo de cinco horas até Vancouver.

— Os eixos um e quatro estão como novos, comandante — anunciou o engenheiro-chefe para o comandante do Johnnie Reb. — Vai poder fazer trinta, talvez trinta e dois nós.

Os eixos dois e três, os dois eixos internos, tinham sido removidos e suas aberturas fechadas e soldadas. Com isso, o John Stennis perdera potência, mas a remoção dos hélices também reduzira o arraste, de modo que a velocidade máxima permanecera relativamente elevada. A parte mais delicada da operação fora instalar o eixo número quatro, que tinha de estar mais bem equilibrado do que as rodas de um carro de corrida para que não se despedaçasse ao atingir a velocidade de rotação nominal. Os testes foram realizados fazendo girar o hélice e observando o comportamento de todos os rolamentos ao longo do comprido eixo. Agora, estava tudo pronto, e a doca podia ser inundada. O comandante subiu lentamente os degraus de concreto até o alto daquele imenso desfiladeiro artificial e usou uma prancha para chegar ao navio. Foi uma longa caminhada até seu camarote, de onde deu um telefonema.

Estava quase na hora. Clark olhou para sudeste pela janela do quarto. O céu estava claro, com algumas nuvens esparsas a distância, ainda iluminadas pelo sol, enquanto as sombras já tomavam conta da paisagem.

— Está preparado? — perguntou.

— Tudo em cima, cara.

A grande mala de material fotográfico de Ding estava aberta no chão. O conteúdo passara pela alfândega havia algumas semanas e tinha tudo para ser tomado como o equipamento típico de um repórter fotográfico, embora um pouco mais simples do que o que a maioria costumava usar. No interior da mala, forrado com espuma de borracha, havia espaço para três câmaras e uma boa coleção de lentes, além de refletores que tinham uma aparência perfeitamente normal mas eram algo bem diferente. As únicas armas que levavam com eles não se pareciam absolutamente com armas, o que já lhes fora útil uma vez, na África. Chavez levantou uma delas, observou o indicador de carga da bateria e decidiu que não era necessário ligá-la na tomada da parede. Ligou a chave e ouviu o zumbido característico que mostrava que os capacitores estavam sendo carregados.

— Aí vem ele — disse John quando viu as luzes, tão insatisfeito com aquele trabalho quanto o parceiro. Mas quem dissera que precisava gostar? O E-767 ligara as luzes internas quando a altitude caíra para três mil metros e agora estava baixando o trem de aterrissagem. Logo depois, os faróis de pouso foram acesos. A oito quilômetros de distância, seiscentos metros acima do bairro industrial onde ficava a base aérea, o piloto viu as luzes da pista e sacudiu a cabeça para afastar o sono depois de um longo e monótono voo de patrulha.

— Baixar flaps — ordenou.

— Baixar flaps — repetiu o copiloto, estendendo a mão para a alavanca que fazia baixar os flaps no bordo posterior das asas, permitindo uma maior sustentação em baixa velocidade.

— Kami-três preparando-se para pousar — disse o piloto, dessa vez pelo rádio, para a torre de controle.

A torre autorizou o pouso, e o piloto segurou os controles com um pouco mais de força, preparando-se para uma possível manobra de última hora e observando o espaço à frente, atento à possibilidade de que uma aeronave qualquer invadisse aquele espaço aéreo restrito. A maioria dos acidentes ocorria no momento da aterrissagem; era por isso que a tripulação tinha de estar particularmente alerta naquela fase final do voo.

— Está na mira — afirmou Chavez, sem nenhuma emoção na voz, enquanto pedia à consciência que calasse a boca.

Seu país encontrava-se em guerra. Os ocupantes daquele avião usavam uniformes, e por isso eram um alvo legítimo. Era tudo muito simples. Lembrou-se da primeira vez em que matara alguém. Fora fácil, também, tão fácil que podia ser chamado de assassinato. Na época, sentira orgulho, lembrou-se Chavez, envergonhado de si próprio.

— Estou precisando de um banho quente e uma massagem — declarou o copiloto, permitindo-se um pensamento pessoal, enquanto seus olhos examinavam a pista, a três quilômetros de distância. — A pista está livre.

O piloto assentiu e estendeu a mão direita para os aceleradores, diminuindo a potência dos motores e permitindo que o atrito com o ar reduzisse a velocidade para a velocidade nominal de pouso de 145 nós, relativamente elevada por causa da reserva de combustível que as aeronaves da classe Kami sempre transportavam.

— Dois quilômetros, e tudo continua normal — anunciou o copiloto.

— Agora — murmurou Chavez.

A extensão cilíndrica do refletor agora estava apoiada no seu ombro como seu fosse um rifle, ou melhor, como se fosse uma bazuca apontada para o nariz da aeronave que se aproximava. Apertou o botão.

A luz "mágica" que haviam usado na África não era mais do que uma lanterna incrementada, mas esta contava com uma lâmpada de xenônio capaz de produzir três milhões de velas. A parte mais complexa do sistema era o refletor, um espelho de aço de alta precisão que confinava o feixe a um diâmetro de menos de dez metros a uma distância de um quilômetro e meio. Seria fácil ler um jornal àquela distância à luz do aparelho, mas se a pessoa olhasse diretamente para o feixe, mesmo de tão longe, ficaria momentaneamente cega. Projetado e vendido como uma arma não letal, o sistema usava um filtro para eliminar os raios ultravioleta, que podiam causar danos permanentes à retina. O pensamento passou pela cabeça de Ding quando ele apertou o botão. 'Não letal. Não letal uma ova! A luz branco-azulada atingiu em cheio os olhos do piloto. Era como olhar diretamente para o sol. Tirou as mãos dos controles e colocou-as na frente do rosto, enquanto gritava de dor. O copiloto não estava olhando na direção da arma quando ela foi disparada, mas o olho humano é atraído pela luz, especialmente no escuro, e o cérebro não teve tempo de preveni-lo contra aquela reação perfeitamente normal. Os dois aviadores estavam cegos, com a aeronave a duzentos e cinquenta metros do solo e a 1.500 metros da pista. Os dois eram homens altamente treinados e competentes. Com os olhos ainda fechados, por causa da dor, o piloto estendeu a mão para o manche e tentou estabilizar o avião. O copiloto fez o mesmo, mas seus movimentos não foram exatamente iguais, e no instante seguinte estavam lutando um contra o outro e não contra a aeronave. Os dois também não dispunham de nenhuma referência visual, e a vertigem causada pela desorientação não podia atingi-los exatamente da mesma forma. O piloto achou que a aeronave estava se desviando em uma certa direção e o copiloto tentou usar os controles para corrigir um movimento diferente. Com apenas duzentos e cinquenta metros entre eles e o chão, não havia tempo para decidir quem estava certo; a luta pelo manche significava apenas que assim que o mais forte dos dois conseguisse assumir o controle, seus esforços os conduziriam ao desastre total. O E-767 se desviou para o norte, em direção às fábricas, vazias àquela hora, e começou a perder altitude bem rápido. Os controladores da torre tentaram advertir o piloto pelo rádio, mas ele nem chegou a ouvi-los. Seu último ato consciente foi estender a mão para os aceleradores, em uma tentativa desesperada de arremeter com a aeronave. No momento em que conseguiu encontrá-los, os sentidos revelaram-lhe que sua vida estava prestes a terminar. Seu último pensamento foi de que o país fora atingido por mais uma bomba nuclear.

— Meu Deus! — murmurou Chavez.

O clarão durara apenas um segundo, talvez até menos. O nariz da aeronave brilhou no escuro por um breve instante e logo depois ela se desviou para o norte, como um pássaro ferido. Ding forçou-se a afastar os olhos do local do impacto. Não queria saber onde o E-767 caíra, mas uma bola de fogo iluminou tudo, atingindo o rapaz como um soco no estômago e fazendo-o ter ânsias de vômito.

O Kami-cinco assistiu a tudo, de oito quilômetros de distância. O clarão amarelado à direita da pista de pouso só podia querer dizer uma coisa. Piloto e copiloto sentiram um vazio no estômago. Pensaram nos colegas que tinham acabado de se espatifar no solo, cujas famílias receberiam visitas indesejadas, cujas vozes nunca mais ouviriam, cujos rostos nunca mais veriam. Instintivamente, olharam em volta, à procura de irregularidades. As turbinas estavam em ordem. Os instrumentos estavam em ordem. Os controles estavam em ordem. Independentemente do que tivesse acontecido com a outra aeronave, aquela se encontrava em perfeitas condições.

— Torre, aqui é Cinco. O que aconteceu? Câmbio.

— Cinco, aqui é torre. O Três acaba de cair. Ainda não sabemos a causa. A pista está livre.

— Aqui é Cinco. Entendido, continuando a aproximação, pista no visual.

O piloto tirou o dedo do botão do rádio. Os dois aviadores trocaram um olhar. O Kami-três. Bons amigos. Mortos. Seria mais fácil aceitar um ataque inimigo do que a ignomínia de algo tão prosaico quanto um acidente de pouso. Logo, porém, voltaram a olhar para a frente. Apesar de toda a tristeza que sentiam, ainda tinham uma missão para terminar e vinte e cinco tripulantes para devolver em segurança a suas famílias.

— Quer que eu cuide do próximo? — perguntou John.

— O trabalho é meu, cara.

Ding verificou outra vez a carga dos capacitores e enxugou o suor do rosto. Cerrou os punhos para combater um leve tremor, reação que ao mesmo tempo o deixou envergonhado e aliviado. Os faróis de pouso mostravam que outro alvo estava chegando. Estava ali a serviço do seu país, como eles estavam a serviço do país deles, e não havia como evitar um confronto. Mas era melhor lutar com uma arma apropriada. Talvez, deduziu, os caras que usavam espadas tivessem pensado o mesmo quando as armas de fogo foram inventadas. Chavez sacudiu a cabeça e apontou sua arma para a aeronave que se aproximava, afastando-se um pouco da janela. Havia uma proteção na frente para evitar que os passantes vissem o clarão, mas não queria correr riscos desnecessários...

... quase na hora...

... já! Apertou de novo o botão e mais uma vez a fuselagem da aeronave iluminou-se por um breve instante. A esquerda, podia ouvir as sereias dos carros de bombeiros, dirigindo-se para o local do primeiro desastre. São muito diferentes das sereias dos carros americanos, pensou, de forma imprópria. A princípio, nada aconteceu com o E-767 e chegou a pensar que escaparia incólume. Então, o ângulo dos faróis de pouso mudou, mas a aeronave não se desviou do curso; simplesmente embicou para o chão. Parecia que ia chocar-se com o hotel, pensou Chavez. Era tarde demais para fugir; talvez Deus o estivesse punindo por haver matado cinquenta pessoas. Sacudiu a cabeça e começou a desmontar a arma, procurando distrair-se com uma tarefa mecânica.

Clark viu o que estava acontecendo. Ele também sabia que não adiantava sair do quarto. O avião devia arremeter... o piloto aparentemente teve a mesma ideia, porque de repente o nariz subiu, fazendo com que o Boeing passasse uns dez metros acima do telhado do edifício. John correu para a janela lateral e viu a asa passar pelo prédio, girando enquanto o fazia. A aeronave começou a subir, tentando fazer uma curva de cento e oitenta graus, mas não tinha potência suficiente e perdeu sustentação a meio caminho da pista, batendo com a asa esquerda no solo e explodindo em outra bola de fogo. Nem ele nem Ding agradeceram a Deus por uma salvação que talvez nem merecessem.

— Guarde a arma e pegue sua câmara — ordenou Clark.

— Para quê?

— Somos repórteres, lembra-se? — disse, dessa vez em russo.

As mãos de Ding tremiam tanto, que ele teve dificuldade para guardar a arma, mas John não mexeu um dedo para ajudá-lo. Era difícil alguém se acostumar com situações como aquela. Afinal, não tinham matado bandidos cruéis e sim pessoas como eles, cujo único crime fora o de estar a serviço de pessoas que não mereciam sua lealdade. Chavez finalmente pegou uma câmara na mala, escolheu uma lente de cem milímetros para a Nikon F5 e seguiu o chefe para fora do quarto. O pequeno saguão do hotel já estava cheio de hóspedes, quase todos japoneses. "Klerk" e "Chekov" passaram por eles, saíram do edifício e correram pela rua até a cerca do aeroporto, onde o segundo começou a tirar fotografias. Dez minutos depois, um policial aproximou-se.

— O que estão fazendo! — exclamou, no que era mais uma acusação do que uma pergunta.

— Somos repórteres — explicou "Klerk", mostrando-lhe as credenciais.

— Parem de tirar fotografias! — ordenou o guarda.

— Infringimos alguma lei? Estávamos naquele hotel na hora do desastre. — Ivan Sergeyevich olhou para o policial e fez uma pausa. — Ah! Vocês foram atacados pelos americanos? Vai apreender nosso filme?

— Vou! — confirmou o policial, depois que um súbito lampejo passou-lhe pelos olhos. Estendeu a mão, satisfeito com o fato de os repórteres se mostrarem tão cooperativos.

— Yevgeniy, entregue imediatamente seu filme ao policial. "Chekov" rebobinou o filme, ejetou-o e entregou-o ao homem.

— Voltem para o hotel, por favor. Se precisarmos de vocês, iremos procurá-los.

Aposto que sim.

— Quarto quatrocentos e dezesseis — informou Clark. — Isso é terrível. Houve sobreviventes?

— Não sei. Vão agora, por favor — disse o policial, fazendo um gesto para que atravessassem a rua.

— Deus tenha piedade deles — disse Chavez em inglês, com toda a sinceridade.

Duas horas depois, um KH-11 sobrevoou a área e fotografou-a com câmaras sensíveis ao infravermelho. Os especialistas em reconhecimento aéreo do Escritório Nacional de Reconhecimento localizaram de imediato os dois montes de destroços fumegantes. Os dois E-767 estavam destruídos, observaram, satisfeitos. Eram funcionários da Força Aérea e, distantes do aspecto humano da tragédia, tudo que viam eram dois alvos atingidos. As imagens foram enviadas a vários destinatários. No setor J-3 do Pentágono, foi constatado que a primeira parte da Operação ZORRO fora executada da forma prevista. Teriam dito da forma esperada, mas isso poderia dar azar. A CIA demonstrara, afinal, que servia para alguma coisa, pensaram os oficiais.

 

Era noite em Pearl Harbor. Para encher a doca tinham sido necessárias dez horas, pouco mais do que o previsto, o que diminuía a segurança da operação, mas as regras de segurança em estado de guerra eram um pouco menos rígidas. Depois de abertas as comportas, e com a ajuda de dois grandes rebocadores, o John Stennis foi retirado, deixando o Enterprise para trás. O prático conduziu nervosamente o porta-aviões para fora do porto em tempo recorde e foi levado de volta para terra de helicóptero. Antes da meia-noite, o Johnnie Reb estava em águas profundas, fora das linhas normais de navegação, rumando para oeste.

A equipe de investigação de acidentes, cujo quartel-general ficava em Tóquio, não levou muito tempo para chegar. Era um grupo eclético, formado por militares e funcionários civis, mas naquele caso a opinião que realmente contava era a dos civis, pois se tratava de um avião comercial modificado para uso militar. A "caixa preta" (que na verdade era pintada de laranja fosforescente) do Kami-cinco foi recuperada quase de imediato, mas a do Kami-três foi um pouco mais difícil de encontrar. As duas seriam levadas de volta a Tóquio para ser analisadas. Para os militares japoneses, o problema era muito mais difícil. Dois dos seus preciosos E-767 estavam destruídos e outro se encontrava fora de serviço, passando por uma revisão e atualização dos sistemas de radar. Com isso, restavam sete; seria impossível manter três deles em serviço contínuo. Era uma simples questão de aritmética. As aeronaves tinham de sofrer manutenção e as tripulações precisavam descansar. Mesmo com nove aeronaves em operação, conservar o tempo todo três delas em atividade, três no solo e três de prontidão era uma tarefa extenuante. Havia também a questão da segurança. Um dos membros da equipe de investigação tomou conhecimento da diretriz de Emergência para os 767 e verificou que se aplicava ao modelo que os japoneses tinham convertido para uso militar. Os sistemas de pouso automático logo foram desativados, e a conclusão natural dos investigadores civis foi de que os pilotos, talvez cansados depois de um longo turno de patrulha, tinham ligado o sistema quando estavam se aproximando da base.

Os militares da equipe teriam aceitado a hipótese sem discussão, a não ser por um detalhe: poucos pilotos gostavam dos sistemas automáticos de pouso, e os pilotos militares seriam os últimos a confiar a vida a um punhado de microprocessadores. Entretanto, o corpo do piloto do Kami-três fora encontrado ainda com a mão nos aceleradores. Não era lógico, mas todos os indícios apontavam naquela direção. Um conflito de software, talvez, em algum ponto do sistema. Um motivo fútil para a perda de duas aeronaves preciosas, embora houvesse precedentes naquela era de aviões controlados por computadores. No momento, a realidade era que podiam manter apenas duas aeronaves nos voos de patrulha, embora com uma terceira pronta para levantar voo a qualquer momento.

Os satélites espiões acusaram a presença de três E-767 no ar, e os técnicos da Inteligência da Força Aérea e da Agência de Segurança Nacional se perguntaram, preocupados, se a Força Aérea do Japão tentaria desafiar todas as regras para a operação de aeronaves. Consultaram os relógios e perceberam que seriam necessárias mais seis horas para conhecer a verdade, enquanto os satélites continuavam a registrar as emissões eletromagnéticas.

 

Jackson agora estava preocupado com outras informações fornecidas pelos satélites. Havia quarenta e oito caças estacionados em Saipan e outros sessenta e quatro na antiga Base Aérea de Andersen, em Guam, cujas largas pistas e grandes tanques de combustível subterrâneos proporcionavam todo o conforto às novas aeronaves. A distância entre as duas ilhas era de cerca de duzentos quilômetros. Tinham também de considerar as instalações que o Comando Aéreo Estratégico mandara construir nas ilhas durante a Guerra Fria. Havia duas pistas paralelas na extremidade noroeste de Guam, ambas em condições de uso, além do Aeroporto Internacional de Agana, no centro da ilha. Havia também um aeródromo comercial em Rota, outra base abandonada em Tinian e o campo de Kobler, em Saipan, além do aeroporto comercial. Estranhamente, os japoneses tinham ignorado todas as pistas secundárias, com exceção do campo de Kobler. Na verdade, de acordo com os satélites, a ilha de Tinian não fora nem ocupada. Pelo menos, as fotos não mostravam veículos pesados. Talvez estivesse sendo guardada por soldados de infantaria, transportados por helicóptero de Saipan; as duas ilhas eram separadas apenas por um estreito canal.

A principal arma de que dispunha o almirante Jackson eram 112 caças. Eles seriam apoiados por aeronaves de observação E-2, mais os helicópteros que os marinheiros levavam aonde quer que fossem. Eram caças F-15 e F-3, apoiados ainda por mísseis terra-ar e artilharia antiaérea. Seria uma grande missão para apenas um porta-aviões, mesmo usando a ideia de Bud Sanchez para aumentar seu poder de fogo. O segredo, objetivo, porém, não era tanto infligir prejuízos materiais ao inimigo como abalá-lo psicologicamente, fator importante em qualquer guerra, mas que com o passar dos séculos era alternadamente reconhecido e ignorado. Não contava, porém, com o que estava para acontecer.

Para surpresa de Clark, a polícia não voltou para procurá-los. Talvez tivessem encontrado alguma utilidade para as fotografias, mas não era provável. Independentemente do que acontecesse, não iriam ficar ali para descobrir. De volta ao carro alugado, deram uma última olhada nos destroços fumegantes perto do final da pista no momento em que o primeiro dos três E-767 pousou normalmente na base, para alívio de todos. Uma hora antes, tinham visto dois E-767 decolarem, em lugar dos três de costume, o que indicava que a sinistra missão surtira efeito. O fato já fora confirmado pelos satélites, dando sinal verde para outra missão a respeito da qual os agentes da CIA nada sabiam.

 

O mais difícil ainda era acreditar no que estava acontecendo. As notícias na primeira página do jornal em inglês que haviam comprado na portaria do hotel antes do café não eram muito diferentes das que haviam lido no primeiro dia de sua estada no Japão. Havia duas reportagens sobre as Marianas e duas a respeito de Washington, mas o restante da primeira página era dedicado a notícias econômicas e a um editorial segundo o qual o país devia reatar relações com os Estados Unidos, mesmo que para isso tivesse de fazer algumas concessões. Talvez a situação real fosse estranha demais para que as pessoas a aceitassem, mas era também provável que a imprensa estivesse sendo mantida sob censura. Por exemplo: os jornais não tinham dito uma palavra a respeito dos mísseis nucleares, ainda escondidos em algum lugar. Alguém estava sendo muito esperto ou muito tolo... ou talvez as duas coisas, dependendo do desfecho. John e Ding haviam chegado à conclusão de que nada daquilo fazia o menor sentido, mas isso não serviria de consolo às famílias das vítimas de ambos os lados. Mesmo na luta pelas ilhas Falkland houvera discursos inflamados para empolgar as massas, mas naquele conflito era como se Clausewitz tivesse sido tirado do túmulo para dizer que a guerra era uma extensão da economia e não da política e que o capitalismo, mesmo do tipo selvagem, era uma atividade mais civilizada do que aquela em que se empenhavam os políticos. As ruas estavam cheias de pessoas empenhadas em sua rotina diária, embora algumas olhassem de passagem para os destroços na base aérea; diante de um mundo que parecia estar virando de cabeça para baixo, os cidadãos comuns apegavam-se à realidade que conheciam, relegando a parte que não compreendiam a um número reduzido de pessoas, que por sua vez se surpreendiam com a naturalidade com a qual a maioria dos habitantes estava aceitando a nova situação.

Ali estava ele, pensou Clark, um espião estrangeiro, fazendo-se passar por jornalista de um terceiro país, violando frontalmente os preceitos do que, de acordo com a Convenção de Genebra, era considerado uma guerra civilizada... esse sim, era um conceito contraditório! Ajudara a matar cinquenta pessoas não fazia nem doze horas e agora, dirigindo um carro alugado em direção à capital do inimigo, sua maior preocupação era lembrar-se de dirigir do lado esquerdo da estrada e evitar colidir com os motoristas que achavam que manter uma distância de mais de três metros do carro da frente queria dizer que você estava pedindo para ser ultrapas­sado.

Tudo isso mudou a três quarteirões do hotel, quando Ding avistou um carro parado na contramão, com o para-sol baixado do lado do carona. Era sinal de que Kimura precisava encontrar-se urgentemente com eles. O sinal serviu para lembrar a eles que não estavam tendo um pesadelo. Suas vidas estavam novamente em perigo. Isso, pelo menos, era real.

As operações de voo tinham começado pouco depois do amanhecer. Quatro esquadrilhas completas de caças F-14 Tomcat e mais quatro de F/A-18 Hornet estavam agora a bordo, juntamente com quatro E-3C Hawkeye. As aeronaves de apoio estavam em Midway; a força-tarefa de um porta-aviões usaria as ilhas do Pacífico como bases auxiliares para a missão. Uma das primeiras coisas que fizeram foi praticar operações de reabastecimento em voo, usando aviões-tanque da Força Aérea que acompanhavam a frota. Assim que passaram por Midway, uma patrulha permanente de quatro aeronaves foi estabelecida, embora sem o apoio dos Hawkeye, como seria normal. Os E-3C produziam muitas emissões eletromagnéticas, e a principal preocupação da força-tarefa era pegar o inimigo de surpresa, embora no caso do Johnnie Reb isso envolvesse manter invisível um objeto do tamanho de uma pequena ilha.

Sanchez estava no centro de operações aéreas. Sua tarefa era tomar o que parecia ser uma batalha muito equilibrada e transformá-la em um embate desigual. A ideia de uma luta justa era tão estranha para ele quanto para qualquer militar. Bastava olhar em volta para compreender por quê. Ele conhecia aqueles homens. Não conhecia os soldados inimigos, o que fazia toda a diferença do mundo. Podiam ser seres humanos. Podiam ter esposas, filhos, casas, automóveis e tudo que seus comandados possuíam, mas isso não importava. Sanchez não ordenaria ou aprovaria fantasias do cinema como gastar munição em paraquedistas (homens que, naquela situação, eram de qualquer forma alvos muito difíceis), mas tinha que abater os aviões inimigos, e na era dos mísseis isso significava que na maioria das vezes o piloto não teria chance de se salvar. Felizmente, na guerra moderna, o alvo em geral não passava de um ponto a ser assinalado no monitor do sistema de controle de armas. Isso tornava as coisas muito mais fáceis, e se um paraquedas emergia dos destroços, bem, não se incomodava de resgatar um colega de profissão, desde que não pudesse fazer mal a seus comandados.

— Koga está sumido — informou Kimura, muito pálido.

— Será que foi preso? — sugeriu Clark.

— Não sei. Temos alguém dentro da organização de vocês?

John amarrou a cara.

— Sabe o que fazemos com os traidores? — Todo mundo sabia. — Meu país precisa deste homem. Vamos cuidar do assunto. Pode ir, agora.

Chavez esperou que o japonês se afastasse antes de falar.

— Acha que houve um vazamento?

— É possível. Também é possível que os caras que estão dando as cartas queiram calar a voz da oposição. — Agora me transformei em analista político, pensou. Bem, também era um repórter credenciado da Agência de Notícias Interfax. — O que acha de fazermos uma visita à nossa embaixada, Yevgeniy? Scherenko estava se preparando para sair quando os dois apareceram na porta do escritório. Não era estranho?, pensou. Dois agentes da CIA entrando na embaixada da Rússia para um encontro de negócios com o RVS! — O que houve? — perguntou.

John Clark se encarregou de responder.

— Koga sumiu.

O major Scherenko sentou-se e convidou os visitantes a imitá-lo. Não precisou pedir para fecharem a porta.

— Será que estava mesmo para acontecer ou houve um vazamento? — perguntou Clark.

— Não acredito que a DISP tenha feito isso. Nem Goto teria força suficiente para obrigá-los. A situação política está... vocês têm ideia de como está a situação política?

— É melhor fazer um resumo para nós — disse Clark.

— O governo está muito confuso. Goto continua no poder, mas ninguém sabe ao certo o que pretende. Sua coalizão ainda é frágil. Koga é um homem muito respeitado. Não teriam coragem de mandar prendê-lo.

Pelo menos, é o que eu acho, pensou Scherenko. O que poderia afirmar com toda a confiança havia apenas duas semanas agora não passava de mera especulação. Para os dois americanos, as palavras de Scherenko faziam muito sentido. Clark pensou por um segundo antes de falar.

— É melhor começar a sacudir a árvore, Boris Ilich. Nós dois precisamos desse homem.

— Vocês o recrutaram para trabalhar para a CIA?

— Não, pelo contrário. Pedimos que agisse normalmente... além disso, pensa que somos russos. Nossas instruções eram apenas para verificar o que estava fazendo; tentar controlar uma pessoa como Koga é muito arriscado. A qualquer momento, podia dar uma de superpatriota e nos mandar passear. E bem melhor deixar que defenda o que considera correto.

Scherenko pensou mais uma vez que a ficha que lera a respeito daquele homem estava certa. Clark tinha um talento natural para trabalhar como agente. Fez que sim com a cabeça e esperou que Clark prosseguisse.

— Se você tem acesso à DISP, precisamos descobrir imediatamente se eles estão mantendo Koga prisioneiro.

— E se estiverem?

Clark deu de ombros. — Então terá de dar um jeito de libertá-lo. Esta parte da operação é sua. Não posso interferir. Por outro lado, se o desaparecimento de Koga se deve a alguma outra causa, talvez eu possa fazer alguma coisa.

— Preciso falar com Moscou.

— Eu já imaginava. Não se esqueça de que Koga pode ser nosso melhor trunfo para sair desta confusão. Avise Washington, também.

— Pode deixar — prometeu Scherenko. — Uma última pergunta: sabe alguma coisa sobre os dois aviões que caíram a noite passada? Clark e Chavez já estavam na porta. Foi o mais jovem que falou, sem se virar: — Que acidente horrível, não acha?

 

— Você está louco afirmou Mogataru Koga.

— Sou um patriota — replicou Raizo Yamata. Vou tornar meu país realmente independente. Graças a mim, o Japão será de novo uma grande potência.

Estavam sentados frente a frente no apartamento de cobertura de Yamata. Os seguranças do executivo tinham ficado do lado de fora; aquelas palavras eram apenas para os dois.

— Você agrediu nosso mais importante aliado e parceiro comercial. Está levando o país à falência. É responsável por centenas de mortes. Subornou militares e funcionários públicos.

Yamata fez que sim com a cabeça, como se estivesse orgulhoso.

— Hai. Fiz todas essas coisas, e não foi difícil. Diga-me, Koga, o que um político não faz por dinheiro?

— E seus amigos, Matsuda e os outros?

— Todo mundo necessita de conselhos uma vez ou outra.

Quase todo mundo, pensou Yamata. — Quando isto terminar, teremos uma economia totalmente integrada, dois poderosos aliados e um comércio internacional tão ativo quando antes, porque os outros países precisam de nós.

Será que o político era cego? Será que não entendia? — Você conhece os americanos tão mal assim? Nossas dificuldades atuais começaram porque uma família americana sofreu um acidente de automóvel. Eles não são parecidos conosco. Pensam de forma diferente. Têm uma religião diferente. A cultura deles é a mais violenta do mundo, mas defendem a justiça. Seu deus é o dinheiro, mas pregam o idealismo. Não vê que o que está fazendo é uma loucura? Eles jamais vão aceitar as nossas condições! — Koga fez uma pausa. — E seus planos para a Rússia? Acha realmente que...

— Com a China nos apoiando? — Yamata sorriu. — A Rússia não será páreo para nós.

— Acha que a China realmente ficará do nosso lado? — perguntou Koga. — Matamos vinte milhões de chineses durante a Segunda Guerra Mundial. Eles nunca nos perdoarão por isso.

— Acontece que precisam de nós, Koga-san. Juntos, poderemos...

— Yamata-san — disse Koga, com toda a educação, porque era esse seu feitio —, você entende muito menos de política do que de negócios. Isso será sua perdição.

— Pelo menos não sou um traidor — replicou Yamata. — Sei que esteve em contato com os americanos.

— Não é verdade. Há várias semanas que não falo com nenhum americano.

Uma reação indignada não teria a mesma força que a forma tranquila como negou a acusação.

— Seja como for, prefiro que seja meu hóspede por uns dias — afirmou Raizo. — O futuro mostrará que está errado quando afirma que não entendo de política. Daqui a dois anos, serei o primeiro-ministro. Daqui a dois anos, seremos uma superpotência.

Yamata se levantou. O apartamento ocupava toda a cobertura do edifício de quarenta andares, e a vista era magnífica. O industrial caminhou até uma das janelas panorâmicas e olhou para a cidade que em breve seria sua capital. Era lamentável que Koga não compreendesse como as coisas realmente funcionavam. No momento, porém, tinha de voar de volta a Saipan para iniciar sua carreira política. Olhou para o prisioneiro.

— Você verá. No momento, considere-se meu hóspede. Comporte-se bem e será bem tratado. Tente escapar e seu corpo será encontrado em pedaços nos trilhos de uma ferrovia, com um bilhete ao lado pedindo perdão pelos erros políticos cometidos.

— Você não terá essa satisfação — replicou friamente o ex-primeiro-ministro.


40

CÃES E RAPOSAS

 

Scherenko planejara ouvir as respostas pessoalmente, mas outros negócios urgentes impediram-no de fazê-lo. Não fez muita diferença. A mensagem, enviada através de um disquete de computador, era do seu principal agente, o vice-diretor da DISP. Independentemente de quais fossem os hábitos pessoais do homem, ele era um observador político arguto, embora um tanto prolixo em suas análises e relatórios. Os militares japoneses, dizia, não estavam descontentes em absoluto com os acontecimentos recentes. Sentindo-se frustrados depois de receber durante muitos anos o rótulo de "forças de autodefesa" e serem relegados, aos olhos do público, ao papel de enfrentar Godzilla e outros monstros absurdos (quase sempre sendo derrotados), consideravam-se os herdeiros de uma orgulhosa tradição guer­reira, e agora, finalmente, com uma liderança política corajosa, podiam mostrar do que eram capazes. Os oficiais superiores, quase todos educados e treinados nos Estados Unidos, tinham examinado a situação e anunciado a todos que quisessem ouvir que o Japão tinha tudo para ganhar aquela guerra limitada... e que tinham uma boa chance de conquistar a Sibéria, concluía o diretor da DISP.

Essa análise e o relatório dos dois agentes da CIA foram enviados imediatamente a Moscou. Então havia divergências entre os políticos japoneses, e pelo menos um dos departamentos do governo estava fora de contato com a realidade! Era ótimo saber disso, pensou o russo, mas também se lembrou de que um chefe do serviço de inteligência alemão chamado Canaris conseguira o mesmo tipo de informação em 1939 e não conseguira fazer absolutamente nada com ela. Era um precedente histórico que não pretendia imitar. O segredo para lidar com as guerras era não permitir que se espalhassem. Scherenko não concordava com a teoria de que a diplomacia podia evitar que as guerras começassem, mas acreditava que um bom serviço de inteligência e uma intervenção segura podiam impedir que fossem longe demais... se houvesse vontade política para agir no momento certo. O que o deixava preocupado, porém, era o fato de que os americanos é que deviam mostrar essa vontade política.

 

— O nome é Operação ZORRO, presidente — informou Robby Jackson, mostrando o primeiro mapa.

Os secretários de Estado e de Defesa estavam na Sala da Situação com Ryan e Arnie van Damm. Os dois assessores do presidente não se sentiam muito à vontade, mas o mesmo acontecia com o vice-chefe do J-3. Ryan encorajou-o a prosseguir com um gesto de cabeça.

— A missão consiste em abalar a estrutura de comando do inimigo eliminando os indivíduos que...

— Está falando em matá-los? — perguntou Brett Hanson, olhando para o SecDef, que permaneceu impassível.

— Senhor secretário, não queremos envolver a população civil. Isso significa que não podemos atacar a economia japonesa. Não podemos bombardear as cidades. As forças militares estão muito dispersas para...

— Isso é um absurdo — interrompeu Hanson.

— Senhor secretário — disse Ryan, friamente —, podemos pelo menos ouvir qual é o plano antes de decidirmos se é adequado ou não? Hanson assentiu, de má vontade, e Jackson continuou sua explicação.

— Já está quase tudo preparado. Destruímos dois aviões de reconhecimento...

— Quando foi isso? Como foi?

— Aconteceu na noite passada — respondeu Ryan. — Como foi não vem ao caso, presidente.

— Quem autorizou? — perguntou o presidente Durling.

— Eu mesmo, presidente. A operação foi um sucesso total. Durling respondeu com os olhos que Ryan mais uma vez passara dos limites.

— Quantos homens morreram? — perguntou o secretário de Estado.

— Uns cinquenta, ou seja, duzentos a menos do que os que eles mataram até agora, senhor secretário.

— Com um pouco de paciência, podemos convencê-los a nos devolver as ilhas pacificamente — afirmou o secretário de Estado, e agora a discussão era bilateral, com todos os outros assistindo.

— Não é o que pensa Adler.

— Chris Cook acha que sim, e ele tem um amigo do outro lado.

Durling observava impassível, deixando mais uma vez que seus auxiliares (era assim que os considerava) conduzissem o debate. Para ele, o problema era diferente. Se não conseguisse resolver aquela crise, jamais conseguiria se reeleger. Em consequência, os Estados Unidos teriam um novo presidente, que seria forçado a enfrentar uma crise ainda maior no ano seguinte. Pior ainda: se a análise dos russos estivesse correta e o Japão e a China invadissem a Sibéria no outono, outra crise atingiria os Estados Unidos durante a eleição, transformando toda a questão em um debate político, com uma economia ainda tentando se recuperar de uma queda de cem bilhões de dólares no comércio.

— Se não agirmos agora, senhor secretário, as consequências serão imprevisíveis — afirmou Ryan.

— Podemos resolver o problema por vias diplomáticas — insistiu Hanson.

— E se isso não for possível? — perguntou Durling.

— Nesse caso, poderemos pensar em uma ação militar limitada — afirmou o secretário de Estado, com uma confiança que evidentemente não era compartilhada pelo secretário de Defesa.

— Tem alguma coisa a acrescentar? — perguntou o presidente a este último.

— Vamos levar muito tempo, anos, talvez, para reunir uma força capaz de...

— Não dispomos de anos — interrompeu Ryan.

— Não, acho que não — concordou Durling. — Almirante, acredita no sucesso da operação?

— Acredito, presidente. Teremos de contar com um pouco de sorte, mas o que conseguimos a noite passada já é meio caminho andado.

— Não dispomos de forças suficientes para garantir o sucesso — afirmou o SecDef. — O comandante da força-tarefa acaba de mandar seu relatório e...

— Eu já li esse relatório — declarou Jackson, sem conseguir esconder sua preocupação com o teor do documento. — Acontece que conheço o comandante do grupo aéreo, comandante Bud Sanchez. Conheço-o há muitos anos. Ele acha que é possível, presidente, e acredito nele. Não nos devemos deixar impressionar pelos números. Não estamos falando apenas em números. Estamos falando em ganhar uma guerra e temos mais experiência nisso do que eles. Estamos falando em usar de psicologia e dar mais destaque às nossas qualidades do que aos nossos defeitos. A guerra mudou muito. Antigamente, precisava-se de um grande poder militar para destruir a capacidade do inimigo de resistir e de coordenar suas forças. Há cinquenta anos, era preciso muita coisa para isso, mas os alvos a serem atingidos são na verdade muito pequenos; se você conseguir atingir esses pequenos alvos, conseguirá a mesma coisa do que se estivesse usando um milhão de homens.

— Isso é assassinato a sangue frio — rosnou Hanson. Jackson olhou para ele.

— Concordo com o senhor, mas desta forma não estaremos matando um pobre infeliz de dezenove anos que entrou para o exército porque achava o uniforme bonito. Estaremos matando o filho da puta que o mandou para o campo de batalha sem ao menos conhecer seu nome. Com todo o respeito, secretário, já matei muita gente e sei exatamente qual é a sensação. Só uma vez, só desta vez, gostaria de ter a oportunidade de pôr as mãos nos homens que dão as ordens em lugar dos pobres coitados que são forçados a executá-las.

Durling quase sorriu ao ouvir aquilo, lembrando-se de todas as fantasias e até mesmo de um anúncio de TV que vira uma vez a respeito de como seriam as coisas se os presidentes, primeiros-ministros e outras autoridades tivessem de lutar pessoalmente nas guerras.

— Mesmo assim, teremos de matar muitos garotos — afirmou o presidente.

O almirante Jackson respirou fundo antes de responder.

— Sei disso, presidente, mas, se tivermos sorte, serão muito menos do que temíamos a princípio.

— Para quando vão precisar de uma resposta?

— Já está quase tudo preparado. Podemos iniciar a operação em menos de cinco horas. Depois disso, estaremos limitados apenas pela luz do dia.

— Obrigado, almirante Jackson. Podem me dar licença? — Todos se preparavam para sair quando Durling mudou de ideia. — Jack? Fique. Preciso falar com você.

Jack tornou a sentar-se.

— Temos de ir em frente. É preciso eliminar aqueles mísseis nucleares...

— Eu sei.

O presidente olhou para a mesa. Todos os relatórios, mapas e gráficos estavam espalhados. Pelo menos fora poupado das estimativas de baixas, provavelmente por iniciativa de Ryan. Depois de um segundo, ouviram a porta se fechar. Ryan foi o primeiro a falar.

— Presidente, há mais uma coisa a considerar. O ex-primeiro-ministro Koga foi detido... ou melhor, sabemos apenas que desapareceu.

— O que isso significa? Por que não me contou antes?

— O desaparecimento aconteceu menos de vinte e quatro horas depois que contei a Scott Adler que nossos agentes tinham estado com Koga. Não disse a ele quem eram os agentes. Pode ter sido simples coincidência. Talvez Goto e seu chefe tenham decidido que era melhor silenciá-lo antes de prosseguir com seus planos. Mas também pode estar havendo um vazamento de informações.

— Quem sabia?

— Ed e Mary Pat, na CIA. Eu. O senhor. Scott Adler. Qualquer um a quem Scott Adler tenha contado.

— Mas não temos certeza de que houve um vazamento.

— Não senhor, mas é muito provável.

— Esqueça o assunto por um momento. Que tal não fazermos nada?

— Não podemos ficar de braços cruzados, presidente. Se o fizermos, o mínimo que vai acontecer é uma guerra entre a Rússia de um lado e o Japão e a China do outro. A CIA ainda está examinando todas as possibilidades, mas acho quase certo que os dois lados acabem recorrendo a artefatos nucleares. A Operação ZORRO pode não ser a coisa mais bonita que já fizemos, mas é a nossa melhor oportunidade de resolver a situação. As questões diplomáticas não são importantes — prosseguiu Ryan. — Estamos agora envolvidos em algo muito maior. Se pudermos matar os responsáveis por esta bagunça, o governo de Goto irá por terra e a situação voltará ao normal.

Curiosamente, pensou Durling, era difícil saber quem estava sendo moderado e quem estava sendo radical. Hanson e o SecDef eram a favor da linha diplomática clássica: queriam estar certos de que todas as possibilidades de negociação estavam esgotadas antes de partirem para uma solução militar, que, caso adotada, certamente envolveria o país em um longo e sangrento conflito. Ryan e Jackson, por outro lado, eram a favor de usar a violência de forma localizada para evitar que a guerra assumisse maiores proporções. Acontece que havia bons argumentos a favor das duas posições; a única forma de saber com certeza quem tinha razão seria ler os livros de história dali a vinte anos.

— Se o plano não der certo...

— Teremos sacrificado em vão as vidas de alguns americanos — observou Jack, com toda a honestidade. — O senhor também pagará um preço bem alto por isso, presidente.

— O que me diz do comandante da esquadra... quero dizer, o cara que está comandando o grupo do porta-aviões?

— Ele é um elemento fundamental para o sucesso da operação.

— Substitua-o — ordenou o presidente. — A missão está aprovada. Havia mais um assunto para ser discutido. Ryan conversou a respeito com o presidente antes de sair da sala para dar seus telefonemas.

Uma missão perfeita da Força Aérea, gostavam de dizer os homens de uniforme azul, era comandada por um simples capitão. Aquela era comandada localmente por um coronel das operações especiais, mas pelo menos se tratava de um homem que tinha sido recentemente preterido nas promoções para general, algo que depunha a seu favor aos olhos dos subordinados, que sabiam por que deixara de ser escolhido. Os oficiais que trabalhavam nas operações especiais não se adaptavam ao perfil do generalato. Eram... excêntricos demais.

O plano final para a missão foi preparado a partir de dados enviados em tempo real de Fort Meade, Maryland, para Verino. Os americanos ainda sentiam arrepios com a ideia de que os russos estavam aprendendo muita coisa a respeito da capacidade dos Estados Unidos de reunir e analisar dados eletrônicos através de satélites e outros meios. Afinal, esses recursos tinham sido desenvolvidos para ser usados contra eles. As posições exatas dos dois E-767 em operação foram cuidadosamente plotadas. Dados visuais, obtidos com o auxílio de satélites, tinham permitido obter uma estimativa do número de caças (pelo menos os que estavam estacionados ao ar livre) e o KH-12, em sua última passagem, localizara os caças que estavam no ar. O coronel que comandava o destacamento examinou pela última vez a rota de penetração que formulara pessoalmente com a tripulação, e embora todos estivessem preocupados, os dois jovens capitães encarregados de pilotar o avião de transporte C-l 7A mastigaram seus chicletes e aprovaram com a cabeça o plano de voo. Um deles chegou a brincar que estava na hora de o "caminhão de lixo" fazer algo que prestasse.

Os russos tinham sua parte no plano, também. De Vuzhno-Sakalinsk Sul, na península de Kamchatka, oito interceptadores MIG-31 decolaram para um exercício de defesa aérea, acompanhados por uma aeronave de observação IL-86 Mainstay. Dez minutos depois, quatro caças Sukhoi levantaram voo de Sokol para fazer o papel do inimigo. Os Sukhoi tomaram o rumo sudeste, permanecendo a uma distância prudente do espaço aéreo japonês. Os controladores dos dois E-767 japoneses logo perceberam do que se tratava: um exercício de treinamento dos russos, sofisticado mas rotineiro. Mesmo assim, envolvia aviões de guerra e merecia ser observado de perto, ainda mais porque estava sendo executado nas proximidades da rota aérea mais provável para aviões americanos como o B-l que recentemente testara as defesas aéreas japonesas. Assim, os dois E-767 foram deslocados um pouco para nordeste, e com eles os caças da escolta. O AWACS de reserva quase recebeu ordem para decolar, mas o comandante da defesa aérea achou que não era necessário.

O C-l 7A Globemaster-III era a mais recente e mais dispendiosa aeronave de transporte aéreo a passar pelo sistema de concorrências do Pentágono. Todos os que conheciam de perto esse sistema preferiam enfrentar a artilharia antiaérea do inimigo. As missões de bombardeio pelo menos eram planejadas para ter sucesso, enquanto o sistema de detecção parecia ter sido concebido para dar errado. O fato de que às vezes dava certo era um tributo à imaginação das pessoas que se dedicavam a frustrá-lo. Nenhuma despesa fora poupada, e o orçamento recebera até um reforço, mas o resultado era um "caminhão de lixo voador" (o termo mais usado pelos pilotos de caça) com ares de avião de guerra.

Aquele C-l 7A decolou pouco depois da meia-noite, hora local, rumando para su-sudoeste como se se tratasse de um voo civil para Vladivostok. Pouco antes de chegar a esta cidade, recebeu combustível de um avião-tanque KC-135 (o sistema de reabastecimento russo não era compatível com as aeronaves americanas) e deixou o continente asiático, voando para o sul exatamente ao longo do Meridiano 132.

O Globemaster era a primeira aeronave de carga jamais projetada com o objetivo de executar operações especiais. A tripulação normal de apenas dois homens era suplementada por dois "observadores" que podiam dispor de vários tipos de instrumentos, instalados de forma modular. Neste caso, ambos eram oficiais de guerra eletrônica, empenhados em registrar as numerosas bases de radar de defesa aérea que juncavam a costa da Rússia, China, Coreia e Japão e orientar os pilotos para que passassem o mais longe possível dessas bases. No momento, isso exigia uma descida rápida e uma guinada para leste.

— O senhor não adora este trabalho? — perguntou o primeiro-sargento Vega ao comandante.

Os comandos estavam sentados em bancos dobráveis no compartimento de carga, usando uniformes de combate que os tinham feito cambalear para dentro da aeronave fazia uma hora, sob os olhos atentos do mestre de carga. Era voz corrente no Exército que a Força Aérea premiava as tripula­ções que conseguissem fazer os passageiros vomitarem, mas naquele caso não haveria queixas. Estavam na parte mais perigosa da missão, apesar dos paraquedas, coisa que os tripulantes, curiosamente, não se davam ao trabalho de usar. Eles não serviriam para nada se um caça atacasse o avião antes de chegarem ao local programado para o salto.

O capitão Checa se limitou a fazer que sim com a cabeça. Gostaria de estar no chão, o lugar apropriado para um soldado da infantaria, em vez de ficar ali sentado, tão indefeso quanto um feto no útero de uma mulher viciada em danças de discoteca.

Lá na frente, os monitores estavam ficando congestionados. A tela retangular mostrava a posição de todas as instalações de radar conhecidas da costa japonesa. Não fora difícil obter essa informação, pois quase todas tinham sido instaladas pelos americanos uma geração ou duas atrás, no tempo em que o Japão era uma gigantesca base militar para ser usada contra a União Soviética e por isso mesmo um alvo possível dos ataques russos. Os aparelhos de radar tinham sido modernizados depois disso, mas toda cerca tem suas imperfeições, que eram conhecidas pelos americanos e tinham sido reexaminadas pelos satélites espiões na semana anterior. A aeronave agora estava rumando para sudeste, apenas sessenta metros acima do mar e mantendo a velocidade máxima em baixa altitude de setecentos e trinta quilômetros por hora. Isso resultava em uma viagem turbulenta, embora a tripulação não notasse isso, por já estar acostumada. O piloto estava usando óculos de visão noturna e varria o céu com os olhos, enquanto o copiloto se concentrava nos instrumentos. O copiloto também dispunha de um visor parecido com o de um caça, que mostrava o curso, a altitude, a velocidade do ar e também uma linha verde para indicar o horizonte, que ele às vezes podia ver diretamente, dependendo da lua e das nuvens.

— Estou vendo luzes muito altas, às dez horas — comunicou o piloto. Devia ser um avião comercial em sua rota padrão. — Nada mais.

O copiloto deu mais uma olhada na tela. O curso que estavam seguindo passava no meio de um corredor preto muito estreito cercado por manchas vermelhas e amarelas, que mostravam as regiões cobertas pelos radares de defesa e de controle aéreo. Quanto mais baixo voassem, maior a margem de segurança, mas já estavam voando tão baixo quanto podiam.

— Estamos a oitenta quilômetros da costa.

— Entendido — disse o piloto. — Como estamos indo? — perguntou, um segundo mais tarde. As penetrações em baixa altitude deixavam todos tensos, mesmo quando a aeronave estava sendo dirigida por um piloto automático controlado por computador.

— Sem problemas — respondeu o copiloto. — Não era bem assim, mas era o que o piloto esperava ouvir. A parte mais perigosa da missão estava bem ali, na passagem pela base de radar de Aikawa. A parte mais fraca do perímetro de defesa do Japão em baixas altitudes era um espaço entre uma península e uma ilha. Os radares dos dois lados quase cobriam toda a brecha de cento e dez quilômetros, mas eles eram antigos, da década de 1970, e não tinham sido atualizados desde a queda do regime comunista da Coreia do Norte. — Descendo mais um pouco — disse o copiloto em seguida, ajustando o controle de altitude do piloto automático para vinte metros.

Teoricamente, poderiam voar em segurança quinze metros acima de uma superfície plana, mas a aeronave estava pesada, e agora a mão do copiloto estava no manche, outra ilusão de que aquele aparelho era um avião de caça. Se avistasse um barco de pesca, trataria de subir um pouco para evitar um possível choque com o mastro da embarcação.

— Estamos chegando à costa — anunciou um dos oficiais de guerra eletrônica. — Recomendo desviar à direita para um-seis-cinco.

— Desviando para a direita.

A aeronave inclinou-se ligeiramente. Havia poucas janelas no compartimento de bagagem. O primeiro-sargento Vega estava perto de uma delas; olhando para fora, viu a ponta da asa de aproximar de uma superfície escura, quase invisível, na qual aparecia de vez em quando uma mancha branca de espuma. Achou melhor desviar os olhos. Não podia fazer nada para ajudar e se caíssem na água, não teria tempo para perceber o que estava acontecendo. Pelo menos, era o que alguém lhe dissera uma vez.

— Costa à vista — comunicou o piloto, avistando as luzes. Estava na hora de tirar os óculos e pilotar o avião. — Reassumindo o comando.

— Piloto reassumindo o comando — repetiu o copiloto, respirando fundo.

Cruzaram a costa entre Omi e Ichifuri. O piloto começou imediatamente a subir. O sistema automático anticolisões tinha três posições. Ele escolheu a posição Rápido, que sacrificava o avião e mais ainda os passageiros, mas era a mais segura.

— E os AWACS? perguntou ao OGE.

— Estamos captando as emissões de um deles há nove horas, muito fracas. Se mantiver este curso, estaremos seguros.

— Peguem os sacos de vomitar, rapazes. — Para o mestre de carga: — Dez minutos.

— Dez minutos — anunciou o sargento da Força Aérea, no compartimento de carga. Nesse exato momento, o avião subiu bruscamente e guinou para a direita, desviando-se de um morro. Logo em seguida, tornou a descer. Júlio Vega se sentiu como se estivesse em uma montanha-russa particularmente desagradável. Lembrou-se de que jurara jamais se submeter novamente àquele tipo de tortura. Era uma promessa que quebrara várias vezes, mas dessa vez, novamente, havia homens armados à sua espera. E não eram traficantes colombianos, mas soldados bem treinados.

— Espero que eles mantenham o avião parado uns dois minutos para podermos chegar até a porta — comentou, entre dois acessos de vômito.

— Não conte com isso — disse o capitão Checa, antes de usar seu saco, sendo imitado por vários comandos.

O truque era manter as montanhas entre eles e os transmissores de radar. Para isso, era preciso voar nos vales. O Globemaster estava indo mais devagar agora, com uma velocidade do ar que não passava de quatrocentos e trinta quilômetros por hora e mesmo com os flaps baixados e um sistema de controle auxiliado por computador, o voo era extremamente irregular. Os instrumentos mostravam agora um corredor montanhoso, com mensagens vermelhas de advertência aparecendo a todo momento. O piloto automático estava se saindo muito bem, obrigado, mas não sem deixar o piloto e o copiloto com um frio na espinha. Os aviadores jamais confiavam integralmente naqueles aparelhos; no momento, havia duas mãos nos manches, quase assumindo o controle mas não o fazendo, no que era quase um jogo sofisticado, com o computador tentando à sua maneira ser mais corajoso que os aviadores, obrigados a confiar nos circuitos integrados para fazer funções que estavam além da sua capacidade. Olharam para as formas verdes que representavam montanhas de verdade, dezenas delas, a maioria com bordos indistintos por causa da vegetação e quase todas acima da trajetória da aeronave até o último segundo, quando o nariz se inclinava bruscamente para cima e seus estômagos lutavam para acompanhar o movimento, apenas para descer de novo no momento seguinte.

— Lá está o ponto de inserção. Cinco minutos — avisou o piloto.

— De pé! — gritou o mestre de carga para os passageiros.

A aeronave estava descendo de novo, e um dos comandos quase perdeu o equilíbrio ao se levantar. Dirigiram-se para a porta de passageiros de bombordo, que já estava aberta. Enquanto enganchavam as cordas de abertura dos paraquedas , a escotilha de carga foi aberta e dois soldados da Força Aérea removeram os ganchos de segurança do caixote que ocupava o centro do compartimento de carga. O Globemaster nivelou-se pela última vez. Pela abertura da porta, Checa e Vega podiam ver um vale sombrio abaixo da aeronave e uma alta montanha à esquerda.

— Cento e cinquenta metros — disse o piloto pelo alto-falante.—Vamos em frente.

— O vento está a favor — anunciou o copiloto. — Um minuto.

A luz verde ao lado da porta foi acesa. O mestre de carga ficou parado na porta, com um cinto de segurança na cintura, barrando o caminho dos comandos. Dirigiu-lhes um olhar carinhoso.

— Tomem cuidado lá embaixo, ouviram?

— Desculpe a sujeira — disse o capitão Checa. O mestre de carga riu.

— Já vi piores.

Fez uma verificação final. Os comandos estavam todos a postos, e não havia ninguém atrás do caixote. A carga seria lançada primeiro.

— A popa está livre — informou, pelo comunicador.

O mestre de carga recuou, permitindo que Checa tomasse seu lugar perto da porta, com uma mão de cada lado e o pé esquerdo ligeiramente para fora.

— Dez segundos — disse o copiloto.

— Entendido, dez segundos. — O piloto estendeu a mão para a alavanca de lançamento, abriu a tampa de segurança e pousou o dedo no botão.

— Cinco.

— Cinco.

— Três... dois... um... já!

— Carga lançada — anunciou o piloto.

Na popa, os comandos viram o caixote deslizar em direção à porta cavernosa. A cauda da aeronave baixou por alguns segundos e depois voltou à posição normal. Logo em seguida, a luz verde ao lado da porta começou a piscar.

— Em frente! — gritou o mestre de carga.

O capitão Diego Checa, dos Comandos do Exército dos Estados Unidos, tornou-se o primeiro americano a invadir o Japão ao dar um passo para fora e cair na escuridão. Um segundo depois, a corda abriu seu paraquedas e o guarda-chuva de plástico preto começou a frear sua queda a apenas noventa metros do solo. O tranco violento e muitas vezes dolorido foi recebido com alívio. Como estavam saltando de uma altura de apenas cento e cinquenta metros, um paraquedas de reserva seria um luxo totalmente inútil. Primeiro olhou para cima e para a direita para ver se os outros também tinham pulado e se os paraquedas estavam todos abertos; em seguida, olhou para baixo. Lá estava a clareira. Tinha certeza de que não erraria, mas mesmo assim puxou um dos tirantes para mirar bem no meio da clareira e aumentar a margem de segurança. Finalmente, largou a mochila, que caiu cinco metros e ficou pendurada na ponta do cabo de segurança. Os trinta quilos de equipamento chegariam primeiro no chão, diminuindo o choque da queda, a menos que caíssem bem em cima da maldita bagagem e quebrasse alguma coisa. Afora isso, mal teve tempo de pensar antes que o vale subisse ao seu encontro. Pés juntos, joelhos dobrados, costas retas, comece a rolar assim que chegar ao chão. Sentiu um choque súbito, que lhe arrancou o ar dos pulmões, e de repente se viu deitado de bruços, tentando descobrir se os ossos estavam intactos ou não. Segundos depois, ouviu os ais e ufas dos companheiros. Checa levou três segundos para chegar à conclusão de que ainda estava inteiro e se pôr de pé, livrar-se do cabo de segurança e sair correndo para recolher o paraquedas. Depois, colocou os óculos de visão noturna e reuniu os comandados.

— Todo mundo está bem?

— Tudo em ordem, capitão — disse Vega, que foi o primeiro a aparecer, levando a reboque outros dois homens.

Os outros estavam chegando, todos carregando os paraquedas pretos.

— Vamos ao trabalho, comandos.

O Globemaster continuou na direção sul. A oeste de Nomazu, reduziu a altitude a quase zero, mantendo uma península montanhosa entre ele o distante E-767 pelo maior tempo possível. Em seguida, rumou para sudoes­te, afastando-se cada vez mais, até que, a trezentos quilômetros da costa do Japão, pôde voltar em segurança à altitude de cruzeiro, tomando a rota comercial G223. A única dúvida que restava era se o avião-tanque KOI 0 estaria à espera no local combinado para permitir que completasse o voo até Kwajalein. Só então poderiam quebrar o silêncio no rádio.

Os comandos puderam quebrar o silêncio primeiro. O sargento de comunicações ligou um transmissor, orientou-o na direção de um satélite, transmitiu uma série de cinco letras e ficou esperando uma resposta.

— Eles chegaram bem — informou um major do Exército a Jackson no Centro Nacional de Comando Militar.

O problema vai ser tirá-los de lá, pensou o almirante. Mas uma coisa de cada vez. Pegou o telefone para ligar para a Casa Branca.

— Jack, os comandos estão lá.

— Obrigado pela notícia, Rob. Precisarei de você aqui.

— Para quê? Tenho muito que fazer e...

— Venha logo, Robby — insistiu Ryan, antes de desligar.

A tarefa seguinte era cuidar da carga. Caíra a menos de duzentos metros do alvo, o que estava de acordo com as previsões. Um por um, pares de comandos lutaram com sacos de combustível vazios, carregando-os morro acima até o que parecia ser um bosque, Em seguida, estenderam uma mangueira e bombearam dez mil quilos de JP-5 de um saco grande para seis sacos pequenos, dispostos aos pares em locais escolhidos. A operação levou uma hora, enquanto quatro comandos patrulhavam as vizinhanças, à procura de sinais de presença humana, mas tudo que viram foram sinais de um quadriciclo, o que já esperavam. Quando a operação de bombeamento terminou, o saco de combustível vazio foi dobrado e enterrado. Em seguida, a carga sólida teve de ser carregada para o lugar apropriado e coberta com uma rede de camuflagem. Essa operação consumiu mais duas horas, levando os comandos ao limite de suas forças com a combinação de trabalho duro e tensão permanente. Logo o sol iria nascer, e era preciso esconder todos os vestígios da sua presença. O primeiro-sargento Vega supervisionou o trabalho de camuflagem. Quando terminou, os comandos que ainda estavam fora do bosque marcharam em fila indiana em direção a ele, com o último homem remexendo no mato para diminuir os sinais da passagem. Não era perfeito, mas teria de servir. Ao alvorecer, no final do que representara para eles um período de vinte e quatro horas extremamente desagradável, estavam todos a postos, hóspedes indesejados em uma terra estrangeira, tremendo de frio, proibidos de acender uma fogueira para se aquecer, comendo rações frias.

— Jack, tenho trabalho para fazer no meu escritório — afirmou Robby, entrando na sala.

— Não tem, não. Eu e o presidente conversamos sobre o assunto na noite passada.

— Como assim?

— Pode começar a fazer as malas. Você vai assumir o comando do grupo de combate do Stennis.

Ryan teve vontade de dar parabéns ao amigo, mas mudou de ideia. Estava mandando o amigo para uma missão perigosa. A novidade deixou Jackson atônito.

— Tem certeza?

— Já está decidido. O presidente assinou a nomeação. O CINCPAC foi informado. O almirante Seaton...

— Já trabalhei com ele — comentou Robby.

— Você tem duas horas. Um Gulfstream está à sua espera em Andrews. Precisamos de alguém que conheça os limites políticos da missão — explicou o conselheiro de Segurança Nacional. Leve até onde puder, Rob, mas não vá se exceder. Temos de ganhar esta parada na base da astúcia.

— Compreendo.

Ryan levantou-se e apertou a mão do amigo.

— Não sei se devia estar fazendo isso com você...

— E o meu trabalho, Jack.

 

O Tennessee chegou ao local planejado, perto da costa do Japão, e finalmente reduziu a velocidade para cinco nós, a velocidade normal de patrulha. O comandante Claggett levou apenas um momento para determinar a posição, com base em um penhasco conhecido pelos marinheiros como Mulher de Lot, e depois levou o submarino para uma profundidade de duzentos metros, abaixo da camada térmica. O sonar não indicava nada no momento, o que era estranho para uma rota de navegação normalmente movimentada, mas foi recebido com alívio por todos a bordo depois de quatro dias e meio viajando sem parar a toda velocidade. O pessoal do Exército adaptara-se com relativa facilidade e começara a fazer exercícios com os marinheiros no compartimento de mísseis. No momento, as ordens eram simples: permanecerem escondidos e recolherem o máximo possível de informações a respeito dos movimentos do inimigo. Não era propriamente emocionante, mas apenas Claggett conhecia a importância real da missão.

A transmissão via satélite avisou a Sandy Richter e seus colegas que a missão prosseguia normalmente. Isso queria dizer mais tempo de simulação para todos, enquanto os mecânicos preparavam os Comanches. Infelizmente, isso queria dizer instalar acessórios visíveis ao radar dos dois lados da aeronave, além de tanques suplementares, mas Sandy sabia disso desde o começo e ninguém se dera ao trabalho de lhe perguntar se gostava da ideia. No momento havia três cenários diferentes no simulador; as tripulações passaram por eles, sendo submetidas aos movimentos apropriados, sem saber o que estavam fazendo no mundo real, enquanto seus corpos e mentes brincavam no mundo virtual.

— Como vamos fazer isso? — perguntou Chavez, indignado.

Um russo não questionaria suas ordens daquela forma, pensou Scherenko.

— Estou apenas transmitindo as ordens dos seus superiores — afirmou. — Também sei que nenhum órgão oficial foi responsável pelo desaparecimento de Koga.

— Será que foi Yamata? — perguntou Clark. A informação fornecida pelo russo reduzia a gama de possibilidades.

— É um bom palpite. Sabe onde ele mora, não sabe?

— Já vimos a casa dele de longe — confirmou Chavez.

— Ah, sim... as fotos que vocês tiraram.

— O major adoraria saber mais a respeito do assunto, mas não adiantava perguntar e ele nem estava certo de que os americanos conheciam a resposta. — Se podem contar com outros recursos no Japão, talvez esteja na hora de usá-los. Estamos usando os nossos. Koga é provavelmente a solução política para a crise.

— Se existir uma — observou Ding.

 

— É bom voar de novo com o senhor, comandante Sato — disse Yamata, em tom cordial.

Estava satisfeito com o convite para visitar a cabina. Podia ver que o piloto era um patriota, um homem orgulhoso e competente, capaz de compreender o que estava acontecendo. Pena que tivesse escolhido uma carreira tão humilde.

Sato tirou os fones de ouvido e se espreguiçou.

— Isto é melhor do que pilotar para a Canadian.

— O que os canadenses estão achando da situação?

— Conversei com alguns executivos. Eles acham que os americanos estão mais confusos do que nunca.

— Entendo — disse Yamata, com um sorriso. — Eles se confundem com facilidade.

— Podemos esperar uma solução diplomática para esta crise, Yamata-san?

— Acho que sim. Eles não podem nos atacar militarmente.

— Meu pai comandou um contratorpedeiro durante a guerra. Meu irmão...

— Conheço muito bem o seu irmão, comandante.

O comentário fez os olhos de Sato brilharem de orgulho.

— E meu filho é piloto de caça. Pilota um Eagle.

— Até agora, estão se saindo muito bem. Derrubaram recentemente dois bombardeiros americanos, você sabe. Os americanos estavam testando nossas defesas aéreas — disse o industrial. — Devem ter sido aprovadas.

41

FORÇA-TAREFA 77

 

— O senhor voltou! — exclamou o homem que alugava bugres, sinceramente satisfeito.

Nomuri sorriu e fez que sim com a cabeça.

— Isso mesmo. Tive um dia particularmente favorável no escritório. Não preciso lhe contar como é estressante um dia que considero "bom", preciso? O homem resmungou alguma coisa, como quem concorda.

— No verão, meus melhores dias são aqueles em que passo a noite em claro. Desculpe minha aparência — acrescentou.

Estivera trabalhando nos veículos toda a manhã, que para ele começara pouco depois das cinco. O mesmo se aplicava a Nomuri, mas por uma razão totalmente diversa.

— Eu compreendo. Também tenho meu próprio negócio. Quem trabalha para si mesmo trabalha mais do que os outros, não é verdade?

— Acha que os zaibatsu concordam com isso?

— Não os que eu conheço. Mesmo assim, o senhor tem sorte de viver em uma região tão tranquila.

— Nem sempre é assim. A Força Aérea devia estar fazendo exercícios na noite passada. Um jato passou aqui perto, voando baixo. O barulho me acordou e não consegui dormir de novo.

Limpou as mãos e serviu duas xícaras de chá, oferecendo uma delas ao recém-chegado.

— Dozo — agradeceu Nomuri. — Esses exercícios estão ficando cada vez mais perigosos — afirmou, imaginando qual seria a reação do homem.

— Acho bobagem, mas quem se importa com o que eu penso? Não o governo. Ele só escuta as pessoas "importantes".

O dono dos bugres bebeu um gole de chá e olhou em volta.

— A verdade é que estou preocupado. Espero que Goto encontre uma saída antes que as coisas saiam de controle.

Nomuri olhou para fora. O tempo estava ficando cinzento e ameaçador. A outro fez um muxoxo de desprezo.

— Goto? Goto é como o restante dos políticos. Alguém tem uma coleira no seu pescoço... ou em outro lugar do corpo, se os boatos que ouvi estiverem corretos.

Nomuri riu.

— Também ouvi esses boatos. Dizem que ele é insaciável... — Fez uma pausa.

— Posso alugar um dos seus bugres para hoje?

— Leve o número seis. — O homem apontou. — Acabei de fazer uma revisão nele. Cuidado com o tempo — advertiu. — Vai nevar esta noite.

Nomuri mostrou a mochila.

— Quero tirar algumas fotos das montanhas para minha coleção. Este lugar é muito bonito e muito tranquilo.

— Apenas no inverno — disse o homem, voltando ao trabalho. Nomuri já conhecia o caminho e seguiu o Taki morro acima por uma trilha sinuosa. Seria bem melhor se o bugre tivesse um silencioso decente. Pelo menos, o ar pesado ajudaria a atenuar o som, ou assim esperava, pensou, usando o mesmo caminho que tomara da última vez. Pouco depois, estava olhando para um descampado, sem ver nada fora do comum e imaginando... imaginando muitas coisas. E se os soldados tivessem caído em uma emboscada? Nesse caso, pensou Nomuri, estou frito. Mas não havia como recuar. Ajeitou-se no banco e começou a descer a encosta, parando como estava combinado no meio da clareira e tirando o capuz da parka vermelha. Observando com mais atenção, avistou marcas na relva. Foi então que um vulto apareceu e acenou para ele. O agente da CIA engrenou uma primeira e rumou naquela direção.

Os dois soldados que foram ao seu encontro não lhe apontaram nenhuma arma. Não era necessário. Os rostos estavam pintados e os uniformes de camuflagem disseram-lhe tudo que precisava saber.

— Meu nome é Nomuri — afirmou. — A senha é Foxtrot — Capitão Checa — replicou o oficial, estendendo a mão. — Já traba­lhamos com a CIA. Você é o cara que escolheu este lugar? — Não, mas estive aqui antes.

— É um bom lugar para uma casa de campo — observou Checa. — Vi alguns veadinhos no caminho. Espero que não esteja na temporada de caça.

— O comentário pegou Nomuri de surpresa. Não pensara naquela possibi­lidade; não sabia como era a caça no Japão. — Então, o que você tem para mim? — Isto aqui — disse Nomuri, tirando os telefones celulares da mochila.

— Está brincando? — Os militares japoneses têm ótimos equipamentos para monitorar comunicações militares. Afinal, eles inventaram boa parte da tecnologia que nós usamos. Mas estes aqui — Nomuri sorriu — são usados por todo mundo, são codificados e cobrem o país inteiro. Funcionam até aqui, neste fim de mundo. Existe uma antena repetidora naquele morro. É mais seguro de usar do que os comunicadores convencionais. E a conta já está paga — acrescentou.

— Vai ser bom ligar para casa e dizer à minha mulher que tudo está correndo bem — pensou Checa em voz alta.

— Acho que não será possível. Aqui estão os números que você pode chamar — disse Nomuri, passando-lhe uma folha de papel. — Este é o meu. Este é de um cara chamado Clark. Este é o de outro agente de nome Chavez...

— Ding está aqui? — perguntou o primeiro-sargento Vega.

— Você o conhece? — Estivemos juntos na África, na primavera passada — explicou Checa.

— Em um trabalho especial. Está mesmo autorizado a revelar os nomes deles? — Estão trabalhando com identidades falsas. Talvez seja melhor falar com eles em espanhol. Poucos japoneses falam espanhol. Não preciso recomendar que falem o mínimo possível — acrescentou Nomuri.

Checa fez que sim com a cabeça e formulou a pergunta mais importante.

— Como vamos sair daqui? Nomuri voltou-se para mostrar, mas o acidente geográfico em questão estava escondido pela neblina.

— Há uma passagem ali. Depois, é só descer até uma cidade chamada Hirose. Vou pegá-los em Hirose e colocá-los em um trem para Nagoya, onde pegarão um voo para Formosa ou para a Coreia.

— Parece muito fácil.

O comentário não fora feito em tom de pergunta, mas mesmo assim ficou uma dúvida no ar.

Existem mais de cem mil homens de negócios estrangeiros neste país. Vocês são onze espanhóis tentando vender vinho aos japoneses, lembram-se? — Bem que uma sangria viria a calhar — disse Checa, aliviado ao ver que o agente da CIA parecia bem informado a respeito da missão. Nem sempre era assim. — E agora, o que devemos fazer? — Esperem a chegada do restante das forças. Se algo der errado, liguem para mim e caiam fora. Se não conseguirem falar comigo, chamem os outros. Se não conseguirem falar com ninguém, arranjem um jeito de deixar o país. Vocês têm passaportes, roupas e...

— Deixe conosco.

— Está bem.

Nomuri tirou a câmara da mochila e começou a fotografar as montanhas parcialmente escondidas pelas nuvens.

— Aqui é a CNN, falando ao vivo de Pearl Harbor — terminou o repórter, sendo imediatamente substituído por um comercial.

O analista da inteligência rebobinou a fita para reexaminá-la. Era ao mesmo tempo espantoso e perfeitamente normal que pudesse obter infor­mações vitais com tanta facilidade. Os Estados Unidos estavam realmente nas mãos dos meios de comunicações, pensou, e nem sempre isso era uma vantagem. Tinham usado aquele acidente trágico no Tennessee para induzir a nação a tomar medidas precipitadas, o que por sua vez produzira uma reação por parte do seu país. As únicas boas notícias eram as que via na tela da TV: dois porta-aviões ainda em doca seca e outros dois ainda no oceano Índico, de acordo com as últimas notícias daquela parte do mundo, e os outros dois porta-aviões da Esquadra do Pacífico em Long Beach, também em doca seca por tempo indeterminado. Em consequência, as Marianas estavam seguras. Tinha de formalizar essa conclusão com algumas páginas de prosa, mas a verdade é que os Estados Unidos não estavam em condições de recuperar a posse das ilhas. Em consequência, a probabilidade de um confronto no futuro próximo parecia extremamente remota.

Jackson não se importava de ser o único passageiro a bordo do VC-20B. Um homem podia se acostumar a esse tipo de tratamento e ele tinha de admitir que os aviões executivos da Força Aérea eram melhores que os da Marinha. Na verdade, a Marinha não dispunha de muitos aviões executivos e eram quase todos Orions P-3 com motores turboélice que atingiam uma velocidade duas vezes menor do que a de um jatinho executivo de duas turbinas. Com apenas uma breve parada para reabastecimento na Base Aérea de Travis, perto de San Francisco, chegara ao Havaí em menos de nove horas, o que o deixou de bom humor até que, antes de pousar em Hickam, o avião sobrevoou a base naval e ele viu o Enterprise ainda na doca seca. O primeiro porta-aviões nuclear, que recebera o nome mais querido da Marinha dos Estados Unidos, não poderia participar daquela guerra. O aspecto psicológico já era importante; do ponto de vista prático, seria muito melhor poder contar com dois porta-aviões do que com apenas um.

— Você tem a sua força-tarefa, rapaz — murmurou Robby para si mesmo.

Era o sonho de todos os aviadores navais. A Força-tarefa 77, nominal­mente a maior força aérea da Esquadra do Pacífico, mesmo com apenas um porta-aviões, estava nas suas mãos, a ponto de partir para a briga. Talvez, cinquenta anos antes, tivesse sido um acontecimento a ser comemorado. Talvez, quando a principal formação ofensiva da Esquadra do Pacífico se pusera a caminho sob o comando de Bill Halsey ou Ray Spruance, os homens em comando estivessem antegozando o momento em que entra­riam em ação. Era o que mostravam os filmes de guerra e também o que revelavam os diários de bordo, mas até que ponto isso seria mera encena­ção?, perguntou-se Jackson, pensando na sua própria posição. Será que Halsey e Spruance tinham perdido o sono ao pensar que estavam mandando jovens para a morte, ou o mundo na época era um lugar diferente, onde a guerra era considerada um acontecimento tão normal como uma epidemia de poliomielite, outro flagelo que se tornara uma coisa do passado? Comandar a Força-tarefa 77 tinha sido a ambição de uma vida, mas na verdade nunca desejara participar de uma guerra... oh, sim, admitiu para si mesmo, quando era cadete, ou mesmo tenente, a ideia de um combate aéreo não lhe desagradava, principalmente porque sabia que, como aviador naval dos Estados Unidos, estava entre os melhores do mundo, muito bem treinado, com equipamento de primeira à disposição e ansioso por provar seu valor. Com o tempo, porém, vira muitos amigos morrerem em acidentes. Derrubara um inimigo na guerra do Golfo e mais quatro sobre o Mediter­râneo em uma noite estrelada, mas os últimos quatro tinham sido abatidos por engano. Matara seres humanos sem nenhuma razão, e embora jamais tivesse comentado a respeito com ninguém, nem mesmo com a esposa, sentia-se horrorizado por haver chegado a tal ponto. Não fora sua culpa; tinha sido o tipo de erro que qualquer um poderia cometer. Mas a guerra era assim mesmo, apenas um grande erro, e agora tinha de desempenhar seu papel em outro erro daqueles em vez de usar da FT-77 da forma como devia ser, apenas para ser mostrada, e, pelo simples fato de ser mostrada, evitar que as guerras acontecessem. O único consolo no momento era que, mais uma vez, o engano, o acidente, não tinha sido culpa sua.

Se querer fosse bastante, murmurou consigo mesmo enquanto a aeronave taxiava na pista. A aeromoça abriu a porta e jogou a sacola de Jackson para outro sargento da Força Aérea, que acompanhou o almirante até um helicóptero para um curto voo até o escritório do CINCPAC, almirante Dave Seaton. Estava na hora de Jackson assumir sua personalidade profis­sional. Mal aproveitado ou não, Robby Jackson era um guerreiro prestes a assumir um importante comando. Já examinara suas dúvidas e temores e estava na hora de colocá-los de lado.

— Eles foram muito legais conosco — observou Durling, usando o controle remoto para desligar a TV.

A tecnologia fora desenvolvida para mostrar anúncios durante os jogos de beisebol. O uso de computadores de última geração permitia que uma adaptação dos sistemas de tela azul responsáveis por efeitos especiais nos filmes de cinema fosse usada em tempo real, fazendo com que o cenário atrás do rebatedor parecesse um anúncio de banco ou de um revendedor de automóveis quando era de fato o gramado do estádio. Naquele caso, um repórter podia transmitir ao vivo de Pearl Harbor (de fora da base naval, é claro) e no fundo apareciam dois porta-aviões, com pássaros no ar e os operários trabalhando; tudo parecia tão real quanto qualquer outra coisa que fosse mostrada como uma imagem de TV que, na verdade, não passava de um conjunto de pontinhos coloridos.

— Eles são americanos — comentou Jack. Além do mais, fora ele que os convencera a participar da encenação, mais uma vez protegendo o presidente de uma tarefa arriscada do ponto de vista político. — Têm de estar do nosso lado. Bastou fazermos com que se lembrassem disso.

— Será que dará certo? Aquela era a pergunta mais importante.

— Não por muito tempo, mas talvez por tempo suficiente. Nosso plano é bem razoável. Precisamos contar com a sorte, mas até agora ela já nos ajudou duas vezes. A verdade é que estamos mostrando a eles exatamente o que esperam ver. Esperam que os dois porta-aviões estejam ali e esperam que a imprensa faça disso um acontecimento. Os espiões não são diferentes das outras pessoas. Eles também têm preconceitos.

— Quantas pessoas vamos ter que matar? — perguntou o presidente.

— Tantas quantas for necessário. Ainda não sabemos qual é esse número. Tentaremos mantê-lo o mais baixo possível, mas, presidente, a missão é...

— Eu sei. Sei tudo sobre missões.

Durling fechou os olhos e se lembrou da Escola de Infantaria, em Fort Benning, Geórgia, fazia muitos anos. A missão estava sempre em primeiro lugar. Era assim que um tenente tinha de pensar, e agora, pela primeira vez, tinha consciência de que um presidente tinha de pensar da mesma forma. Não parecia justo.

 

O sol não costumava aparecer por muito tempo naquela latitude e naquela época do ano; o coronel Zacharias preferia que fosse assim. O voo de Whiteman para Elmendorf levara apenas cinco horas e fora realizado totalmente no escuro porque o B-2A só voava à luz do dia em missões de propaganda, o que não era absolutamente o caso. E tinha voado muito bem, provando, muito anos depois, que a ideia que Jack Northrop defendera na década de 1930 estava basicamente correta: uma aeronave constituída exclusivamente por asas tinha a forma aerodinâmica mais eficiente possível. O problema era que os sistemas de controle necessários para aquele tipo de aeronave tinham de ser tão precisos que precisavam ser controlados por computador, algo que só se tornara exequível pouco antes da morte do engenheiro. Pelo menos, ele tinha visto um modelo da aeronave, embora não vivesse o suficiente para vê-la voar.

Quase tudo no B-2A era eficiente. Graças à forma, podia ser guardado em qualquer lugar; três deles cabiam em um hangar projetado para uma única aeronave convencional da mesma capacidade. Subia como um eleva­dor e era extremamente econômico, bebendo combustível aos copos e não aos barris; pelo menos, era o que o comandante do grupo de esquadrilhas gostava de dizer.

O B-1B avariado estava pronto para voar de volta a Elmendorf. Teria de fazer a viagem com três turbinas, o que não era problema, pois não levaria nenhuma carga a não ser o combustível e a tripulação. No momento, havia outras aeronaves em Shemya. Dois AWACS E-3B, enviados da Base Aérea de Tinker, em Oklahoma, mantinham uma patrulha aérea parcial, embora a ilha dispusesse de aparelhos de radar, o maior dos quais era o possante sistema de detecção de mísseis Cobra Dane, desenvolvido e instalado na década de 1970. Teoricamente, os japoneses poderiam, com a ajuda de aviões-tanque, chegar até a ilha, repetindo a proeza dos israelenses ao atacar o quartel-general da OLP no norte da África; embora essa possibilidade fosse remota, não podia ser desprezada.

Para se defender dessa ameaça, contavam com os únicos caças Rapier F-22A da Força Aérea, os primeiros caças invisíveis do mundo, requisitados em um campo de provas na Base Aérea de Nellis e enviados com quatro pilotos experientes e suas tripulações para aquela base remota. Entretanto, o Rapier, conhecido entre os pilotos pelo nome que o fabricante, Lockheed, escolhera inicialmente, "Lightning-II", não fora projetado para defesa, e agora, com o sol novamente escondido depois de uma breve aparição, estava na hora de usá-lo para sua verdadeira finalidade. Como sempre, o avião-tanque decolou primeiro, antes mesmo que os pilotos do caça subissem a bordo para começar o trabalho da noite.

 

— Se ele viajou ontem, por que as luzes estão acesas? — perguntou Chavez, olhando na direção do apartamento de cobertura.

— Será que mandou instalar um timer para enganar possíveis ladrões? — sugeriu John, de brincadeira.

— Aqui não é Los Angeles, cara.

— Então deve haver alguém lá dentro, Yevgeniy Pavlovich — disse John, dobrando em uma rua transversal.

Sabemos que Koga não foi preso pela polícia. Sabemos que o cabeça disso tudo é Yamata. Sabemos que seu chefe de segurança, Kaneda, provavelmente assassinou Kimberly Norton. Sabemos que Yamata está fora da cidade. E sabemos que as luzes do apartamento estão acesas...

Clark estacionou o carro a alguns quarteirões de distância. Ele e Chavez voltaram a pé, primeiro dando a volta no quarteirão, à procura de movi­mentos suspeitos e oportunidades, em um processo denominado reconhe­cimento que parecia exigir mais paciência do que realmente exigia.

— Ainda não sabemos muita coisa — sussurrou Chavez.

— Pensei que você quisesse ver os olhos de alguém, Domingo — disse John ao companheiro.

Ele tinha olhos sem vida, pensou Koga, quase como se não fossem humanos. Eram escuros e grandes, mas pareciam secos e olhavam para ele sem demonstrar qualquer sentimento... ou talvez estivessem apenas voltados na sua direção, pensou o ex-primeiro-ministro. Fosse como fosse, não forneciam a menor indicação do que estava se passando na cabeça do dono. Ovira falar de Kiyoshi Kaneda; o termo mais frequentemente usado para descrevê-lo era ronin, uma referência histórica a guerreiros samurais que tinham perdido seu amo e não conseguiam encontrar outro, o que na época era considerado uma grande desgraça. Esses homens tornavam-se bandidos depois de abandonar o código bushido que por mais de mil anos regera a conduta dos elementos da população japonesa autorizados a portar e utilizar armas. Quando encontravam um novo amo, tornavam-se fanáticos, lembrou-se Koga; tinham tanto medo de voltar à situação anterior que seriam capazes de qualquer coisa para evitar que isso acontecesse.

Era um devaneio sem sentido, pensou, olhando de soslaio para Kaneda. A era dos samurais ficara para trás e junto com ela os senhores feudais que os empregavam, mas ali estava aquele homem, bebendo chá e assistindo a um filme sobre samurais na NHK, sem perder uma única cena. Não demonstrava nenhuma reação, como se estivesse hipnotizado pela história altamente estilizada, que era na verdade a versão japonesa dos filmes americanos de faroeste da década de 1950, melodramas altamente simplifi­cados do bem e do mal, exceto pelo fato de que o herói, sempre lacônico, sempre invencível, sempre misterioso, usava uma espada em vez de um revólver de seis tiros. Kaneda era apaixonado por essas histórias, como tivera ocasião de descobrir nos últimos dois dias.

Koga se levantou e dirigiu-se para a estante. Logo, o homem virou a cabeça. Cão de guarda, pensou Koga enquanto escolhia outro livro para ler. E um cão de guarda respeitável, especialmente com mais quatro por perto, dois dormindo, um na cozinha e o outro do lado de fora da porta. Não tinha a menor chance de escapar, pensou o político.

Quem era Kaneda, afinal?, pensou. Um ex-yakuza, provavelmente. Entretanto, não tinha nenhuma daquelas tatuagens grotescas que os mem­bros daquela subcultura gostavam de exibir, procurando ser diferentes mas se revelando ainda mais conformistas em sua marginalidade. Pelo contrário: usava um terno convencional cuja única concessão ao conforto era o paletó desabotoado. Mesmo a postura do ronin era rígida, observou Koga, tornando a sentar-se com um livro na mão mas sem tirar os olhos do captor. Sabia que não podia enfrentar o homem desarmado e levar a melhor. Koga jamais se dera ao trabalho de aprender as artes marciais pelas quais seu país se tornara famoso; além disso, Kaneda era muito forte e não estava sozinho.

Ele era um cão de guarda. Aparentemente impassível, aparentemente relaxado, na verdade mais parecia uma mola comprimida, pronto para saltar à menor provocação, civilizado apenas enquanto ninguém o incomodasse; deixava isso tão claro, que tentar alguma coisa seria loucura. O político sentiu um pouco de vergonha por se deixar amedrontar com tanta facilidade, mas estava amedrontado, porque era um homem inteligente e não estava disposto a desperdiçar sua oportunidade, se houvesse alguma, com um gesto irrefletido.

Muitos industriais tinham capangas como Kaneda. Alguns chegavam a portar armas, o que era considerado inadmissível no Japão, mas a pessoa certa podia procurar o funcionário certo e conseguir uma licença muito especial. Essa possibilidade deixava Koga mais revoltado do que temeroso. A espada de um ronin já era uma coisa desagradável, e naquele contexto teria valor apenas simbólico, mas uma pistola para Koga era pura maldade, algo que não fazia parte da sua cultura, uma arma dos covardes. Mas era exatamente com gente desse tipo que estava envolvido. Kaneda era sem dúvida um covarde, incapaz de decidir o próprio destino, incapaz até mesmo de violar a lei a não ser para cumprir ordens, mas capaz de tudo para cumprir uma ordem. Que desserviço estavam prestando ao país! Pessoas assim eram usadas pelos patrões para intimidar sindicatos e competidores. Gente como Kaneda espancava manifestantes, às vezes à luz do dia, e escapava impune porque os policiais fingiam não ver ou davam um jeito de não estarem presentes, embora a cena fosse presenciada por repórteres e fotógrafos. Eram pessoas como ele e seus patrões que impediam a prática da verdadeira democracia no Japão. Esse fato era ainda mais penoso para Koga porque ele dedicara a vida a mudar as coisas e fracassara. Ali estava, no apartamento de cobertura de Yamata, vigiado de perto. Provavelmente o libertariam um dia, quando não tivesse mais nenhuma influência política, para ver o país cair totalmente nas mãos de um novo tipo de ditadura... ou de um tipo antigo, corrigiu-se. E não havia nada que pudesse fazer. Por isso, ficava ali sentado, com um livro nas mãos, enquanto Kaneda assistia a um programa na TV onde um ator representava uma história cujo começo, meio e fim já tinham sido encenados milhares de vezes, fingindo que era tudo novo e verdadeiro, quando não era nenhuma das duas coisas.

 

Batalhas como aquela tinham sido travadas apenas em simulações ou talvez nas arenas romanas de outra era. Ambos contavam com aeronaves de observação, E-767 do lado dos japoneses e E-3B do lado dos americanos, tão distantes que não podiam se "ver" nas telas de radar, embora monitorassem os sinais do inimigo em outros instrumentos. Entre elas se encontravam os gladiadores, porque pela terceira vez os americanos estavam testando as defesas aéreas do Japão, e pela terceira vez estavam perdendo.

Os AWACS americanos estavam a mil quilômetros de Hokkaido, com os caças F-22A duzentos quilômetros à frente, "pescando", nas palavras do líder da esquadrilha, e os F-l 5 japoneses também haviam chegado, entrando na área coberta pelas aeronaves de observação americanas, mas sem abandonar a cobertura das suas próprias aeronaves.

A um comando, os caças americanos separaram-se em dois grupos de duas aeronaves cada um. O líder do primeiro grupo rumou para o sul, a quase 1.500 quilômetros por hora, aproximando-se obliquamente da linha de defesa do Japão.

— Eles são rápidos — observou um controlador japonês.

Era difícil manter o contato. As aeronaves americanas eram quase invisíveis, mas o tamanho e potência do radar das aeronaves Kami tinham derrotado novamente a tecnologia da invisibilidade, e o controlador começou a plotar a trajetória dos Eagle. Apenas para ter certeza de que os americanos sabiam que estavam sendo rastreados, selecionou os pontos apropriados com o cursor e programou o radar para dirigir o feixe naquelas direções a cada poucos segundos. Eles precisavam saber que todos os seus movimentos estavam sendo seguidos, que sua tecnologia não era suficien­temente avançada para derrotar algo tão novo e radical. Apenas para tornar a brincadeira um pouco mais interessante, mudou a frequência do trans­missor para o modo de controle de tiro. Estavam muito longe para que um míssil os atingisse, mas mesmo assim seria mais uma prova de que podiam ser facilmente abatidos pelas defesas japonesas, caso se aproximassem das ilhas. O sinal ficou mais fraco a princípio, quase desapareceu, mas o software conseguiu reconhecê-lo no meio do ruído e os pontos se firmaram na tela, enquanto o operador aumentava a potência dirigida para a posição dos dois caças americanos, porque só podiam ser caças. O B-l, embora rápido, não era tão ágil. Sim, aquele era o melhor trunfo de que os americanos dispunham, e não parecia suficiente. Se eles reconhecessem isso, talvez fosse possível chegar a um acordo diplomático que trouxesse a paz ao Pacífico Norte.

— Veja como os Eagle do inimigo estão cerrando fileiras — comentou o controlador americano, observando os pontos na tela.

— E como se estivessem presos por uma corda aos 767 — concordou o companheiro. Era um piloto de caça recém-chegado da Base Aérea de Langley, quartel-general do Comando de Combate Aéreo, onde seu trabalho era desenvolver táticas para a aviação de caça.

Outra tela mostrava que havia três 767 no ar. Dois estavam em missão de patrulha, enquanto o terceiro se mantinha de prontidão, perto da costa de Honshu. Isso não era totalmente inesperado. Pelo contrário: parecia a coisa mais sensata a fazer. As três aeronaves de observação estavam com o radar ajustado para a potência máxima, como tinham de fazer para detectar aviões invisíveis.

— Agora está claro como conseguiram atingir os dois Lancer — comentou o piloto da Virgínia. — Podem mudar rapidamente para uma alta frequência e iluminar o alvo para os Eagle. Nossos pilotos nem chegaram a perceber o que estava acontecendo. Muito engenhoso.

— Seria ótimo se tivéssemos um equipamento semelhante — observou o controlador.

— Mas agora sabemos o que fazer para derrotá-los — declarou o piloto. O controlador não parecia tão certo.

— É o que descobriremos daqui a algumas horas — afirmou.

 

Sandy Richter estava voando ainda mais perto da água do que o Gl 7 ousara chegar. Estava também mais lento, a apenas trezentos quilômetros por hora, e a curiosa mistura de tensão e monotonia daquele voo sobre o oceano o deixara muito cansado. Na noite anterior, ele e os outros dois pilotos da sua esquadrilha tinham ido para Petrovka Oeste, outra base de MIG desativada perto de Vladivostok. Ali, tinham dormido algumas horas antes de decolar às 22:00 para iniciar sua parte na Operação ZORRO. Cada helicóptero dispunha agora de asas com flutuadores, além de tanques de combustível suplementares. Os tanques eram necessários, por causa da extensão do voo, mas comprometiam seriamente a invisibilidade da aeronave, embora fossem feitos de fibra de vidro, em uma tentativa de torná-los mais transparentes ao radar. Além do traje normal de voo, o piloto estava usando um colete salva-vidas inflável. Era apenas uma concessão aos regulamentos para voos sobre o oceano; a água, quinze metros abaixo, estava tão fria que não conseguiria sobreviver por muito tempo, caso fosse obrigado a pousar. Procurou colocar a ideia de lado, ajeitou-se no assento e concentrou-se em pilotar o helicóptero, enquanto o artilheiro, no banco de trás, se encarregava dos instrumentos.

— Tudo bem, Sandy.

A tela do monitor continuava vazia quando rumaram para leste, em direção a Honshu.

— Entendido.

Atrás deles, a intervalos de quinze quilômetros, mais dois Comanches os acompanhavam.

Embora não passasse de um pequeno helicóptero, o R AH-66A também era, sob alguns aspectos, a aeronave mais sofisticada de todos os tempos. Na fuselagem, feita de materiais compósitos, transportava os dois compu­tadores mais potentes jamais colocados no ar, e um deles era simplesmente uma unidade de reserva. No momento, sua principal tarefa era investigar a cobertura de radar e calcular a seção reta relativa das superfícies da aeronave para os aparelhos do inimigo. Quanto mais se aproximavam do arquipélago japonês, maiores as regiões amarelas de detecção possível e as regiões vermelhas de detecção inevitável.

— Fase Dois — disse o homem do Comando de Combate Aéreo, a bordo do AWACS.

Todos os caças F-22 levavam equipamentos de interferência, projetados para aumentar a sua invisibilidade. A um sinal, esses equipamentos foram ligados.

— Já era de prever — pensou o controlador japonês.

Eles devem ter percebido que estão sendo rastreados. De repente, a tela ficara cheia de pontos, traços e clarões de ruído eletrônico gerado pelos caças americanos. Tinha duas formas de lidar com a situação. Em primeiro lugar, aumentou ainda mais a potência, para que os sinais se tornassem mais intensos do que o ruído que os americanos estavam produzindo. Em seguida, fez com que o radar começasse a mudar a frequência de forma aleatória. Logo percebeu que a primeira medida era mais eficaz do que a segunda, já que os dispositivos de interferência dos americanos tinham sido projetados para acompanhar a frequência dos aparelhos de radar que estavam tentando iludir. Era uma medida imperfeita, mas suficiente para incomodar. O programa de computador responsável pelo rastreamento baseava-se em certas suposições. Começava com a posição conhecida ou estimada da aeronave americana e, conhecendo a velocidade provável do alvo, procurava sinais que correspondessem à trajetória esperada, como fizera com os bombardeiros que no passado haviam sondado as defesas aéreas japonesas. Havia, porém, um problema. Quando o sistema estava usando uma potência muito elevada, começava a detectar pássaros e correntes de ar. Os ecos foram ficando cada vez mais confusos, até que o operador apertou outro botão, fazendo com que o computador passasse a rastrear os próprios sinais de interferência, mais fortes do que qualquer eco. Com isso, os dois alvos voltaram a aparecer na tela com toda a clareza. O processo levara apenas dez segundos. Só para mostrar aos americanos que não fora despistado, colocou a potência no máximo, passou para o modo de controle de tiro e atingiu os quatro caças americanos com uma carga de energia eletromagnética suficiente para queimar os equipamentos eletrônicos de bordo, caso não estivessem bem protegidos. Seria uma forma interessante de derrubar um avião, pensou, lembrando-se de que uma vez dois caças alemães da classe Tornado tinham caído depois de passar perto demais da antena de uma estação de FM. Para sua decepção, os caças americanos simplesmente foram embora.

— Alguém ligou dispositivos de interferência a nordeste.

— Ótimo. Bem na hora — replicou Richter. — Olhou para a tela e viu que faltavam poucos minutos para entrarem na região amarela. Teve vontade de coçar o rosto, mas as duas mãos estavam ocupadas. Os medidores de combustível indicavam que os tanques suplementares estavam quase vazios. — Vou me livrar das asas.

— Boa ideia.

Richter removeu a tampa protetora do botão de ejeção. Era um dispositivo que fora acrescentado recentemente ao projeto do Comanche, quando alguém percebera que era possível tornar o helicóptero menos visível eliminando durante o voo os elementos desnecessários. Richter reduziu um pouco a velocidade e apertou o botão, detonando cargas explosivas que fizeram com que as asas e os tanques suplementares fossem lançados no mar do Japão.

— Separação concluída — informou o artilheiro.

No momento em que as asas foram ejetadas, as manchas coloridas na tela diminuíram de tamanho; o computador fora programado para avaliar continuamente o grau de invisibilidade da aeronave. Richter tornou a aumentar a velocidade e seguiu em frente.

— Eles são previsíveis, não são? — comentou o controlador japonês com o primeiro auxiliar.

— Acho que acabamos de provar isso. Melhor ainda: acabamos de provar do que somos capazes.

Os dois oficiais entreolharam-se. Ambos estavam preocupados com a capacidade do caça americano Rapier e ambos agora se sentiam aliviados. Podia ser uma aeronave perigosa, que os pilotos dos Eagle tinham de tratar com respeito, mas não era invisível.

— Eles reagiram da forma esperada — comentou o controlador americano.

— E revelaram o que queríamos saber. Dez segundos, o senhor diria? — E uma margem pequena, mas suficiente. Vai funcionar — afirmou o coronel de Langley, estendendo a mão para a xícara de café. — Agora vamos terminar de despistá-los.

Na tela principal, os F-22 rumaram para o norte; no limite de detecção dos AWACS, os F-l 5J os imitaram, cobrindo a manobra americana como barcos a vela envolvidos em um duelo, procurando manter-se o tempo todo entre os caças americanos e os insubstituíveis E-767, que os trágicos acidentes ocorridos alguns dias antes tornavam ainda mais preciosos.

A visão de terra serviu para acalmá-los. Bem mais ágil do que o transporte usado na noite anterior, o Comanche procurou uma região deserta e começou a sobrevoar o solo montanhoso, protegido das aeronaves de patrulha por rochas que as ondas eletromagnéticas não podiam penetrar.

— Só nos restam quarenta minutos de combustível — comentou o companheiro de Richter, depois de um suspiro de alívio.

— Você sabe bater asas? — perguntou o piloto, também satisfeito por não estarem mais sobrevoando o oceano. Se alguma coisa desse errado, comer arroz não era tão mau assim, era? O visor do capacete mostrava o terreno como sombras verdes; não havia nenhuma luz lá embaixo, nem de ruas, nem de automóveis, nem de casas. A pior parte do voo ficara para trás. Até o momento, evitara pensar na missão que os aguardava. Era melhor se preocupar com uma coisa de cada vez.

O último morro apareceu no lugar esperado. Richter diminuiu a velocidade e começou a voar em círculos, para avaliar a direção do vento, enquanto olhava para baixo em busca dos soldados que deviam estar à sua espera. Ali estavam. Alguém acendeu um facho de luz verde, seu sistema de visão noturna pareceu mais forte que a lua cheia.

— Líder ZORRO chamando Base ZORRO. Câmbio.

— Líder, aqui é Base. Autenticação Golf Mike Zulu. Câmbio — respondeu a voz, identificando-se corretamente.

Richter torceu para que o homem não estivesse com uma pistola encostada na cabeça.

— Entendido. Desligo.

Desceu em espiral e pousou em uma clareira. Assim que o helicóptero tocou o solo, três homens surgiram do meio das árvores. Estavam usando uniformes do Exército dos Estados Unidos, e Richter respirou fundo enquanto resfriava um pouco os motores antes de desligá-los. O rotor ainda não completara a última revolução quando uma mangueira foi ligada à entrada do tanque de combustível.

— Bem-vindo ao Japão. Sou o capitão Checa.

— Sandy Richter — disse o piloto, saltando do helicóptero.

— Teve algum problema no caminho?

— Não, senhor.

Bolas, eu cheguei aqui, não cheguei?, teve vontade de dizer, ainda tenso depois da maratona de três horas para invadir o país. Invadir? Onze comandos e seis aviadores. Estejam presos, todos vocês'., pensou.

— Aí vem o segundo... — observou Checa. — Como são silenciosos!

— Não queremos chamar atenção, capitão.

Era talvez a característica mais surpreendente do Comanche. Os engenheiros sabiam havia muito tempo que a maior parte do ruído gerado por um helicóptero resultava do conflito entre o rotor principal e o rotor da cauda. O rotor da cauda do RAH-66 era blindado e o rotor principal tinha cinco pás relativamente espessas, feitas de material compósito. O resultado era um aparelho com menos de um terço do barulho provocado por qualquer outro helicóptero jamais construído. E o lugar tinha sido bem escolhido, pensou Richter, olhando em volta. Muitas árvores e o ar frio da montanha. Nada mau, concluiu, enquanto o segundo Comanche pousava a cinquenta metros de distância. Os homens que tinham reabastecido sua aeronave já começavam a cobri-la com uma rede de camuflagem, apoiando-a em galhos retirados da floresta de pinheiros.

— Venha forrar o estômago.

— Está falando em comida de verdade ou rações do exército? — perguntou o piloto.

— Nem sempre as coisas são como a gente gostaria que fossem, Sr. Richter — observou Checa.

O aviador lembrou-se do tempo em que as Rações-C do Exército incluíam cigarros. A mania de saúde acabara com aquilo, e seria inútil pedir cigarros a um comando. Malditos atletas! Os Rapier se afastaram uma hora depois, convencidos, os japoneses tinham certeza, de que não podiam penetrar na linha de aeronaves Kami-Eagle que patrulhavam o oceano a nordeste do arquipélago do Japão. Mesmo as melhores aeronaves e os melhores sistemas americanos tinham se revelado incapazes de enfrentar o desafio; isso era ótimo. Viram os sinais dos caças ficarem cada vez mais fracos nas telas e logo as emissões dos E-3B também desapareceram. Deviam estar voltando a Shemya para comunicar o fracasso aos comandantes.

Os americanos eram realistas. Guerreiros corajosos, com toda a certeza; os responsáveis pelos E-767 não cometeriam o mesmo erro dos antepassados, que haviam julgado os americanos incapazes de lutar. Aquele erro custara-lhes caro. Entretanto, a guerra dependia de recursos, e os americanos haviam permitido que esses recursos caíssem abaixo do limite para o qual ainda havia esperanças de recuperação. Pior para eles.

Os Rapier tiveram de se reabastecer no caminho de volta e não usaram toda a capacidade de economizar combustível porque isso não era necessário. O tempo estava de novo horrível perto de Shemya, mas os caças foram orientados pelo controle de terra e pousaram normalmente. Depois, taxiaram até os hangares, que estavam mais apertados com a chegada de quatro F-l 5E Strike Eagle da base de Mountain Home, em Idaho. Todos consideraram a missão um sucesso.

42

ATAQUE DE SURPRESA

 

— Está maluco? — perguntou Sherenko.

— Pense bem — disse Clark, que estava de volta à embaixada da Rússia.

— Preferimos uma solução política, não preferimos? Koga pode ser a nossa única esperança. Você mesmo disse que o governo não mandou prendê-lo. Como explica seu desaparecimento? Aposto como está bem ali.

Por coincidência, o edifício era visível da janela do escritório de Scherenko.

— Será possível? — perguntou o russo, com medo de que o americano pedisse uma ajuda que não estava em condições de prestar.

— Claro que há um risco envolvido, mas não acredito que mantenha um exército lá em cima. Afinal, daria na vista. Não, deve haver cinco ou seis pessoas, no máximo, tomando conta de Kogo.

— E vocês são apenas dois! — insistiu Scherenko.

— Deixe conosco — declarou Ding, com um sorriso pretensioso. Parecia que o velho arquivo da KGB estava certo. Clark não era propriamente um espião, mas um tipo paramilitar, e o mesmo se podia dizer do seu jovem e arrogante parceiro.

— Não posso dispor de nenhum dos meus homens.

— O que me diz de algumas armas? — perguntou Clark. — Quer que eu acredite que não tem nada aqui que possamos usar? Que tipo de rezidentura é esta? Clark sabia que o russo teria de consultar os superiores. Lamentava que aquela gente não tivesse permissão para tomar nenhuma iniciativa.

— Precisarei de autorização de cima.

Clark fez que sim com a cabeça, satisfeito por ter adivinhado o que estava se passando na cabeça do outro. Abriu o laptop.

— Nós também. Fale com seu chefe que eu falo com o meu.

Jones apagou o cigarro no cinzeiro de alumínio. O maço fora esquecido no fundo de uma gaveta, talvez à espera de uma ocasião como aquela. Quando começava uma guerra, as regras para tempo de paz eram postas de lado. Os velhos hábitos, principalmente os maus, voltavam à tona... mas, afinal, uma guerra podia ser enquadrada na mesma categoria, não podia? Percebeu que o almirante Mancuso também estava louco para fumar e por isso certificou-se de que a ponta estava bem apagada.

— O que você tem para nós, Ron? — Os primeiros resultados estão começando a aparecer. Boomer e eu passamos a semana analisando os dados. Começamos com os navios. — Jones se aproximou do mapa na parede. — Plotamos as posições de todas as embarcações...

— Que atravessaram o... — interrompeu o comandante Chambers, mas Jones não o deixou terminar.

— Que atravessaram o Pacífico, sim, senhor. Usamos sonar de banda larga e sonar de banda estreita. Aqui está o resultado — afirmou Jones, apontando para as marcas no mapa.

— Fico muito satisfeito, Ron, mas para isso temos as fotografias dos satélites — observou o ComSubPac.

— Elas confirmam minhas informações? — perguntou o civil.

— Praticamente — admitiu Mancuso. Depois, apontou para as outras marcas no mapa.

— Isso mesmo, Bart. Depois de rastrearmos os navios, começamos a procurar os submarinos. Sabe de uma coisa? Não é difícil pegar os sacanas quando eles sobem para respirar. Aqui está a linha de defesa dos japoneses. Conseguimos detectá-los mais ou menos um terço do tempo, e as marcações são razoavelmente constantes.

O mapa na parede mostrava seis contatos firmes. Essas marcas estavam no centro de círculos com trinta a cinquenta quilômetros de diâmetro. Mais duas estavam assinaladas com pontos de interrogação.

— Nem todos estão aí — observou Chambers.

— E verdade, mas pelo menos pegamos seis, talvez oito — afirmou Jones. — Não conseguimos sinais aproveitáveis perto da costa do Japão, porque ela está muito distante. Estou rastreando os navios mercantes que se dirigem para lá ou saem de lá, mas isso é tudo — admitiu. — Também estou acompanhando um grande navio de dois hélices que se dirige para leste em direção às ilhas Marshall e notei que uma das docas secas amanheceu vazia.

— Isto é segredo — observou Mancuso, com um sorriso.

— Se eu fosse vocês, diria ao Stennis para tomar cuidado com aquela linha de defesa. Talvez fosse melhor mandar alguns submarinos na frente para abrir caminho.

— Podemos fazer isso, mas estou preocupado com os submarinos que ainda não conseguimos detectar — declarou Chambers.

— Aqui é o operador de sonar.

— Pode falar — disse o tenente Ken Shaw, o oficial de serviço.

— Possível contato de sonar em zero-seis-zero... provavelmente um objeto submerso... muito fraco, tenente — informou o operador.

Depois de todos os exercícios a que tinham sido submetidos durante a viagem de Bremerton até Pearl, a reação foi automática. O grupo de rastreamento e controle de tiro logo começou a plotar o curso do objeto. Um técnico colheu os dados diretamente nos instrumentos de sonar e usou-os para calcular a distância. O computador levou apenas um segundo para fornecer uma resposta.

— E um sinal direto, tenente. A distância é de menos de vinte quilômetros.

Dutch Claggett não conseguia dormir direito. Como a maioria dos comandantes, limitava-se a cochilar de vez em quando. Estava sonhando com alguma coisa muito vaga e confusa sobre um dia de pescaria, com os peixes atrás dele, na praia, tentando surpreendê-lo pelas costas, quando o operador de sonar deu o alarma. Acordara instantaneamente e agora estava no centro de ataque, descalço, apenas de cuecas. Depois de conferir a profundidade, o curso e a velocidade, aproximou-se do operador de sonar para verificar pessoalmente o que estava acontecendo.

— Mostre-me o objeto.

— Está bem aqui, na linha de sessenta hertz — disse o operador, batendo com o lápis na tela. O sinal era intermitente, uma série de pontos correndo pela tela, todos na mesma linha de frequência. Parecia deslocar-se lentamen­te da direita para a esquerda.

— Estão no mar há mais de três semanas... — pensou Claggett em voz alta.

— E muito tempo para um submarino diesel — concordou o operador.

— Será que está voltando para se reabastecer? Claggett se inclinou para a frente, como se a proximidade da tela fizesse alguma diferença.

— Pode ser. Talvez esteja apenas mudando de posição. E razoável que eles sigam uma linha de patrulha ao longo do litoral. Mantenha-me informado.

— Sim, senhor.

— E então? — perguntou Claggett ao grupo de rastreamento.

— Distância quatorze quilômetros. Está se movendo para oeste a uma velocidade de seis nós.

Claggett sabia que o alvo estava ao alcance dos torpedos ADCAP. Entretanto, suas ordens não permitiam que tomasse nenhuma atitude. Não era maravilhoso? — Vamos aquecer dois torpedos — disse o comandante. — Quando conhecermos a rota precisa do nosso amigo, vamos nos desviar para o sul. Se ele se aproximar, tentaremos nos manter afastados, mas se não nos deixar outra escolha, teremos de afundá-lo.

Não precisou olhar em volta para saber o que a tripulação achava da ideia. Até o ritmo da respiração dos seus comandados mudara.

— O que acha? — perguntou Mary Pat Foley.

— Interessante — afirmou Jack, depois de examinar por um momento o fax que chegara de Langley.

— Parece uma boa oportunidade — observou Ed Foley. — Por outro lado, pode ser um tiro no escuro.

— Nem ao menos sabemos se ele está lá — disse Ryan, relendo a mensagem. Tinha todas as marcas de John Clark. Era honesta. Incisiva. Positiva. O homem sabia manter a cabeça no lugar, e embora muitas vezes estivesse na base da cadeia alimentar, conseguia ter uma visão de conjunto.

— Tenho de ir lá em cima falar sobre isso com o chefe, pessoal.

— Cuidado para não tropeçar no caminho — advertiu MP, em tom irônico. Ela ainda era a especialista em missões de campo. — Recomendo que a proposta seja aprovada.

— E você, Ed? — perguntou Jack.

— Não deixa de ser um risco, mas às vezes é preciso confiar no instinto dos nossos agentes. Para conseguirmos uma solução política, temos de contar com o apoio de um político moderado. Talvez esta seja a nossa última oportunidade de salvar a vida de Koga.

O conselheiro de Segurança Nacional podia ver os dedos cruzados do outro lado da linha da UTS-6. Os dois Foley pareciam muito previsíveis. O mais importante, no caso, era que estavam perfeitamente de acordo.

— Volto a falar com vocês em vinte minutos. Ryan pegou o telefone comum.

— Preciso falar com o chefe, imediatamente — disse à secretária do presidente.

O sol estava nascendo para outro dia quente, sem vento. O almirante Dubro percebeu que perdera um pouco de peso. A cintura da calça caqui parecia mais folgada do que de costume, fazendo-o apertar um pouco o cinto. Seus dois porta-aviões agora mantinham contato regular com os indianos. Às vezes, eles se aproximavam o suficiente para uma observação visual, mas em geral suas naves eram detectadas apenas pelos radares dos Harrier, a uns cem quilômetros de distância. O pior é que tinha ordens para permitir que os indianos vissem seus navios. Por que diabo não o deixavam rumar para leste, em direção ao estreito de Málaca? Estavam em guerra. Embora considerasse uma possível invasão do Sri Lanka pelos indianos como um insulto pessoal, o Sri Lanka não era território americano como as Marianas e os seus eram os únicos porta-aviões com os quais Dave Seaton podia contar.

É verdade que não poderia aproximar-se discretamente da região de conflito. Teria de passar por algum dos estreitos para entrar no oceano Pacífico, e todos eles eram tão movimentados quanto o Times Square ao meio-dia. Havia até a possibilidade remota de serem recebidos por subma­rinos, mas contava com uma escolta de contratorpedeiros e podia derrotar qualquer submarino que tentasse impedir-lhe a passagem. Entretanto, suas ordens eram para permanecer no oceano Indico e ser visto pelo inimigo.

Os tripulantes sabiam o que estava acontecendo, é claro. Não fizera o menor esforço para guardar segredo. Mesmo que tentasse, não teria conseguido, e seus comandados tinham o direito de saber, para se prepara­rem adequadamente para o combate. Precisavam saber para levantar a cabeça, para se munirem de toda a determinação antes de passarem de uma mentalidade de paz para uma mentalidade de guerra. Depois disso, porém, era importante que entrassem em ação, e isso não ocorrera.

O resultado era o mesmo para ele e para todos os homens e mulheres da força de combate: frustração, mau humor, impaciência. No dia anterior, um dos pilotos dos Tomcat passara entre dois Harrier indianos, apenas para mostrar que sabia controlar seu aparelho, e embora tivesse deixado os visitantes apavorados, sua atitude não tinha sido exatamente profissional... Mike Dubro se lembrou dos tempos de tenente e se imaginou fazendo a mesma coisa. Isso não o impedira de repreender o piloto. Tinha de fazê-lo, embora soubesse que mais tarde os colegas do rapaz estariam resmungando que o velho decrépito que comandava o navio não sabia o que era ser um piloto de caça, porque os Spad que conhecera na juventude provavelmente eram movidos a corda...

— Se eles derem o primeiro tiro, vão se machucar — observou o comandante Harrison, depois de anunciar que a patrulha da madrugada partira no horário.

— Se dispararem um Exocet contra nós, daremos a ordem de "Taifeiros, peguem suas vassouras", Ed.

A piada não tinha muita graça, mas Dubro não se sentia muito inspirado no momento.

— Não se eles tiverem sorte e acertarem um tanque de combustível. Agora o oficial de operações estava ficando pessimista. Isso não é nada bom, pensou o comandante da força de combate.

— Mostre a eles que não estamos gostando — ordenou Dubro.

Logo depois, os navios da escolta ligaram os radares de controle de tiro e apontaram-nos para os intrusos. Olhando de binóculo, Dubro viu que o cruzador Aegis mais próximo tinha mísseis pintados de branco nas rampas de lançamento. Logo depois, eles se afastaram, e os radares de iluminação foram desligados. A mensagem era clara: Não se aproximem.

Poderia ter enviado outro despacho aflito para Pearl Harbor, mas Dave Seaton tinha problemas suficientes, e as decisões estavam sendo tomadas em Washington, por pessoas que não conheciam de perto o problema.

— Acha que vale a pena?

— Sim, senhor — respondeu Ryan, tendo chegado a essa conclusão a caminho do escritório do presidente, embora significasse colocar dois amigos em risco. Afinal, estavam fazendo o trabalho deles e ele estava fazendo o seu. Era fácil dizer essas coisas, mesmo sabendo que por causa delas não conseguiria dormir direito à noite. — Os motivos são óbvios.

— E se não der certo?

— Dois dos nossos agentes estarão em sério perigo, mas...

— Mas é para isso que estão lá? — perguntou Durling, com uma certa simpatia.

— Os dois são meus amigos, presidente. Se acha que estou gostando da ideia de...

— Calma — disse o presidente. — No momento, muitos americanos estão correndo perigo, e sabe de uma coisa? Não saber quem são torna as coisas mais difíceis e não mais fáceis. Aprendi isso por experiência própria.

Roger Durling olhou para a mesa coalhada de papéis que não tinham a menor ligação com a crise do Pacífico mas tinham de ser despachados de qualquer forma. O governo dos Estados Unidos era um negócio gigantesco e nenhuma de suas partes podia ser ignorada, por mais importante que uma delas de repente se tornasse. Será que Ryan compreendia isso? Jack viu os papéis, também. Não precisava saber exatamente o que eram. Nenhum deles estava assinalado como secreto. Eram o lixo do dia-a-dia com o qual todo homem tinha de lidar. O chefe era obrigado a pensar em tanta coisa ao mesmo tempo! Não parecia justo, especialmente para alguém que não chegara propriamente a se oferecer para aquele posto. Mas ali estava o dedo do destino; Durling aceitara o cargo de vice-presidente porque estava na sua natureza servir aos outros, como também estava na de Ryan. No fundo, os dois eram parecidos, pensou Jack.

— Presidente, peço desculpas pelo que disse. Sim, senhor, levei os riscos em consideração, mas esse é realmente o trabalho dos dois. Além do mais, a proposta veio do próprio John. A ideia foi dele. John é um bom agente e conhece tanto os riscos com os possíveis dividendos desta operação. Mary Pat e Ed estão de acordo. A decisão cabe ao senhor, mas estas são as recomendações.

— Não estamos nos arriscando muito por migalhas? — quis saber Durling.

— Não são migalhas, presidente. Esta missão pode ser muito importante.

— Espero que tomem cuidado.

— Oh, é exatamente o que eu queria — observou Chavez.

A pistola automática russa PSM era calibre 215, um diâmetro menor até do que as 22 que os adolescentes americanos (pelo menos os politica­mente incorretos) usavam para praticar tiro ao alvo nos acampamentos de escoteiros. Era também a arma padrão dos militares e policiais russos, o que talvez explicasse por que os criminosos russos não tinham o menor respeito pela polícia local.

— Pelo menos, temos nossa arma secreta no carro — comentou Clark, sopesando a pistola. O silenciador ajudava a melhorar um pouco seu equilíbrio. Ela era mais uma prova de algo que vinha observando havia muitos anos: os europeus não entendiam nada de armas portáteis.

— Vamos precisar dela — concordou Chavez. A embaixada da Rússia tinha uma pista de tiro para os guardas de segurança. Chavez colocou um alvo de papel no suporte e rodou a manivela para afastá-lo até a distância correta.

— Tire o silenciador — recomendou John.

— Por quê? — quis saber Ding.

— Olhe para ele.

Chavez obedeceu e viu que o silenciador russo estava cheio de palha de aço.

— Ele vai aguentar apenas cinco ou seis tiros.

A pista dispunha de tapa-ouvido, o que já era alguma coisa. Clark colocou oito cartuchos no estojo, apontou para o alvo e disparou três tiros.

A pistola era barulhenta e a bala, muito pequena. Sentiu saudade da sua 22 automática. Pelo menos, a arma russa era precisa.

Scherenko observou-o em silêncio, aborrecido com o desprezo que os americanos estavam demonstrando pelas armas do seu país e envergonhado porque talvez tivessem razão. Aprendera a atirar fazia muitos anos e não tinha muito jeito para aquilo. Era uma habilidade raramente exigida dos espiões, apesar de tudo que mostravam os filmes de Hollywood. Por outro lado, os americanos pareciam exímios atiradores; ambos estavam acertando na mosca de cinco metros de distância, atirando em uníssono. Quando a munição acabou, Clark removeu o estojo, tornou a carregá-lo, introduziu-o na arma e carregou outro estojo, que guardou no bolso. Chavez imitou-o.

— Se um dia for nos visitar em Washington, vou lhe mostrar nossas armas — prometeu Ding.

— E a "arma secreta" de que você falou? — perguntou Scherenko ao agente mais velho.

— É segredo — respondeu Clark, dirigindo-se para a porta, acompanhado por Chavez.

Tinham o dia inteiro para esperar pela oportunidade, se é que podiam chamá-la assim, e roer as unhas enquanto esperavam.

 

Em Shemya, o tempo continuava péssimo. O gelo, acelerado por um vento de cem quilômetros por hora, martelava a única pista de pouso, fazendo um barulho que não deixava os pilotos dormirem. Dentro dos hangares, os oito caças estavam bem protegidos das intempéries. Isso era especialmen­te importante no caso dos F-22, pois ninguém sabia direito os danos que os elementos podiam causar ao acabamento da fuselagem e portanto à invisibilidade do avião. Não estava na hora de descobrir. A tempestade passaria em algumas horas, previam os entendidos, embora os ventos fortes devessem continuar pelo restante do mês. Lá fora, o pessoal de terra preocupava-se com as amarras do avião-tanque e dos AWACS e corria de um lado para o outro, usando volumosos agasalhos, para ter certeza de que estavam bem seguras.

Os outros aspectos da segurança da base tinham a ver com o sistema Cobra Dane. Embora parecesse uma tela de um velho cinema drive-in, era de fato uma versão ampliada do mesmo sistema usado nos E-767 japoneses e também nos cruzadores e contratorpedeiros americanos e japoneses. Instalado originalmente para acompanhar os testes dos mísseis soviéticos e mais tarde para fazer pesquisas para o projeto Guerra nas Estrelas, tinha potência suficiente para vasculhar milhares de quilômetros do espaço. Suas sondas eletrônicas estavam no momento em plena atividade, mas observavam apenas aviões comerciais, que mesmo assim eram observados com muita atenção. Um F-l 5E Strike Eagle carregado de mísseis ar-ar poderia ser lançado em dez minutos se algum deles fizesse qualquer movimento considerado ameaçador.

A rotina continuou durante todo o dia. Durante poucas horas, o tempo clareou o suficiente para mostrar que o sol ainda estava no céu, mas quando os pilotos foram acordados, era como se as janelas do alojamento tivessem sido pintadas de preto, porque até mesmo as luzes da pista tinham sido apagadas para não deixar nenhuma pista para alguma visita indesejada.

— Perguntas? A operação fora planejada rapidamente, mas com atenção para os detalhes; os quatro pilotos mais antigos haviam participado das discussões e realizado alguns testes na noite anterior. Haveria riscos, é claro, mas isso era inevitável.

— Vocês dos Eagle acham que são capazes de garantir a nossa retaguarda? — perguntou o piloto de um dos Rapier. Era tenente-coronel, mas isso não o protegeu da resposta.

— Não se preocupe, coronel. Eu adoro estar na sua retaguarda — declarou uma major, mandando-lhe um beijo.

O coronel, na verdade um piloto de provas tirado de um trabalho de desenvolvimento que estava executando nos F-22 na Base Aérea de Nellis, conhecia a "velha" Força Aérea apenas através dos filmes e histórias que ouvira quando era criança, mas aceitou a brincadeira com esportividade. Os caças Strike Eagle podiam não ser invisíveis, mas eram uma arma respeitável. Estavam se preparando para uma missão de combate, e o posto não importava tanto quanto a competência e a confiança.

— Muito bem, pessoal (no passado, ele teria dito homens), chegou a hora. Vamos andando.

Os tripulantes dos aviões-tanque discutiram entre si como a Força Aérea mudara. A major era uma gracinha, observou o piloto de um deles. Talvez um dia fosse contratada pela United, comentou com o capitão que seria seu copiloto.

— Um homem não faria um melhor trabalho — afirmou o outro.

Os aviões-tanque decolaram vinte minutos depois, seguidos por um dos E-3B.

Os caças, como sempre, foram os últimos a decolar. Os tripulantes estavam usando trajes de voo para o frio e coletes salva-vidas, o que era uma piada em se tratando do Pacífico Norte naquela época do ano, mas regulamentos eram regulamentos. Um por um, os pilotos dos Rapier se dirigiram para as aeronaves, seguidos pelos tripulantes dos Eagle, que caminhavam aos pares. O coronel que comandava a missão arrancou de forma ostensiva a insígnia com a palavra RAPIER presa com velcro no seu traje, e substituiu-a por uma extraoficial, feita pelos empregados da Lockheed, que mostrava a silhueta do P-38 Lightning original, superposta ao perfil gracioso do produto mais recente da empresa e decorada ainda com um raio amarelo. A tradição, afinal, valia alguma coisa, pensou o coronel, embora não fosse ainda nascido quando o último dos P-38 fora parar no ferro-velho. Entretanto, lembrava-se de haver construído um modelo do primeiro caça americano de longo alcance, usado apenas uma vez para seu objetivo original, e que garantira a imortalidade a um piloto chamado Tex Lamphier. Esta missão não seria muito diferente daquele dia sobre as ilhas Salomão.

Os caças tiveram de ser rebocados para fora do hangar; antes mesmo de ligar os motores, os tripulantes puderam sentir a força do vento. Era a hora em que os pilotos tocavam de leve nos controles e se ajeitavam nos assentos. Um por um, os caças ligaram as turbinas e taxiaram até a extremidade da pista. As luzes foram acesas, linhas azuis paralelas que se perdiam na escuridão, e os caças levantaram voo em fila indiana, com um minuto de diferença entre as decolagens, porque decolagens múltiplas com o tempo que estava fazendo seriam muito arriscadas; aquela não era uma noite para erros desnecessários. Três minutos depois, as duas esquadrilhas de quatro aviões reuniram-se acima das nuvens, onde o céu estava claro, com estrelas luminosas e uma aurora multicolorida à direita, uma cortina azul e verde produzida pelo impacto de partículas solares na atmosfera terrestre.

A primeira hora foi mera rotina, as oito aeronaves voando para sudoeste com as luzes piscando na ponta das asas para evitar uma possível colisão. Aproveitaram para testar todos os sistemas de bordo enquanto não chegava a hora do encontro com os aviões-tanque.

Os tripulantes dos aviões-tanque, todos reservistas que trabalhavam em companhias aéreas na vida civil, tinham escolhido locais livres de turbulên­cia, e os pilotos dos caças agradeceram-lhes. Foram necessários mais de quarenta minutos para encher os tanques de todos os caças; em seguida, os aviões-tanque foram embora, provavelmente para que as tripulações pudes­sem pôr em dia a leitura do Wall Street Journal, pensaram os pilotos dos caças, rumando outra vez para sudoeste.

Agora a situação era diferente. Chegara na hora de trabalhar.

Sandy Richter foi quem planejou a missão, é claro, porque a ideia partira dele, meses antes, na Base Aérea de Nellis. Tudo funcionara muito bem na ocasião, e tudo que tinha a fazer era assegurar que tudo desse certo de novo. Na verdade, estava provavelmente apostando sua vida nisso.

Richter estava envolvido com a Força Aérea desde os dezessete anos, quando conseguira enganar a idade por ser um rapaz alto e forte. Anos mais tarde, corrigira sua ficha, mas ainda estava no vigésimo nono ano de serviço, prestes a se reformar. Durante todo esse tempo, pilotara helicópteros de guerra, e apenas helicópteros de guerra. Se um helicóptero não transportava armas, não se mostrava interessado. Depois de começar com o AH-1 Cobra, passara para o AH-64 Apache, com o qual participara de sua segunda guerra nos céus da península Arábica. Agora estava comandando a última aeronave que teria oportunidade de pilotar. Depois de ligar os motores do Comanche, começou sua 6.651hora de voo.

As duas turbinas ganharam velocidade e o rotor começou a girar. A equipe de terra, existente apenas para fins decorativos, estava a postos com um único extintor de incêndio. Mas seria suficiente para apagar um cigarro, pensou Richter, aumentando a potência para decolar. O ar rarefeito das montanhas causava um efeito negativo sobre o desempenho, mas não era muito grande, e de qualquer forma logo estaria ao nível do mar. O piloto sacudiu a cabeça para se certificar de que o capacete estava bem ajustado e rumou para leste, acompanhando as encostas cobertas de árvores do Shiraishi-san.

— Lá estão eles — disse o piloto do primeiro F-22 para si próprio.

O sinal começou a soar nos fones de ouvido, logo seguido por uma informação no seu receptor: RADAR DE DEFESA AÉREA, AERO-TRANSPORTADO, TIPO J, MARCAÇÃO 213. Em seguida, chegaram dados transmitidos pelo E-3B, que estava no lugar havia tempo suficiente para descobrir sua posição. O Sentry não estava com o radar ligado naquela noite. Afinal, os japoneses tinham ensinado uma lição aos americanos na noite anterior, e eles precisavam de tempo para absorvê-la... DISTÂNCIA PARA O ALVO, 2.330 QUILÔMETROS. Ainda muito longe da aeronave japonesa para ser avistado, transmitiu o primeiro comando verbal da missão: — Líder Lightning para esquadrilha. Dividir em elementos, agora! Os dois grupos de quatro aeronaves logo se dividiram em pares, separados por uma distância de dois mil metros. Em todos os pares os F-22 iam na frente, com os F-l 5E voando perigosamente próximos, de modo a criar uma só imagem para o radar. O coronel procurou manter uma trajetória estável e sorriu ao se lembrar do comentário da major. Tinha prazer em estar na sua retaguarda, hein? Era a primeira mulher a voar com os Thunderbird. As luzes das asas foram apagadas, e ele torceu para que os óculos de visão noturna da major estivessem funcionando direito. O E-767 mais próximo estava a seiscentos e cinquenta quilômetros de distância. Os caças viajavam a mil quilômetros por hora, mantendo-se a uma altitude de 10.500 metros, para economizar combustível.

Devido ao horário de trabalho dos executivos japoneses, a entrada dos americanos chamou menos atenção do que se estivessem nos Estados Unidos. Havia um homem na portaria, mas estava vendo televisão, e Clark e Chavez passaram por ele como se soubessem aonde iam. De qualquer forma, em Tóquio ninguém se preocupava com assaltos. Entraram no elevador, um pouco ofegantes, e apertaram um botão, trocando um olhar de alívio que logo se transformou em preocupação. Ding levava uma maleta, Clark estava de mãos vazias, e ambos vestiam seus melhores ternos, parecendo dois homens de negócios chegando para uma reunião noturna ou algo parecido. O elevador parou a cinco andares da cobertura, em um andar escolhido por causa da falta de luz nas janelas. Clark pôs a cabeça para fora, sabendo que isso era uma atitude suspeita, mas o corredor estava vazio.

Atravessaram o corredor com passos rápidos, encontraram a escada de serviço e começaram a subir. Procuraram por câmaras de segurança e constataram, aliviados, não haver nenhuma. Clark olhou para cima e para baixo. Ninguém nas escadas. Continuaram a subida, atentos a qualquer movimento.

 

— Nossos amigos estão de volta — anunciou um dos controladores pelo intercomunicador. — Marcação zero-três-três, distância quatro-dois-zero quilômetros. Um... não, dois contatos, formação cerrada, aeronaves militares, velocidade mil quilômetros por hora — concluiu.

— Muito bem — disse o chefe dos controladores, transferindo o sinal para sua tela, enquanto selecionava um canal do transmissor. — Alguma atividade de radar a nordeste?

— Nenhuma — respondeu de imediato o oficial de contramedidas eletrônicas. — Ele pode estar recebendo nossas transmissões, é claro. — Wakaremasen [Não tenho certeza].

A medida seguinte seria enviar ao encontro do inimigo os dois caças que se encontravam a leste da aeronave Kami. Os dois F-l 5J tinham chegado havia pouco tempo e estavam com os tanques quase cheios. O controlador­chefe solicitou mais dois à Base Aérea de Chitose. Eles levariam cerca de quinze minutos para chegar, mas isso não importava, pensou o controlador. Tinham tempo de sobra.

— Comece a rastreá-los — ordenou ao operador.

— Então vocês já sabem que estamos aqui? — disse o coronel a si mesmo.

— Ótimo.

Manteve o curso e a velocidade, para que determinassem precisamente sua posição. O resto era uma questão de matemática. Os Eagle devem estar agora a uns trezentos quilômetros de distância. Seis minutos para a separação. Olhou para o relógio e varreu o céu com os olhos, à procura de uma luz um pouco mais forte do que a de uma estrela.

 

Havia uma câmara no último lance de escadas. Então Yamata era um pouco paranoico. Mas até os paranoicos tinham inimigos, pensou Clark, observando que a câmara parecia estar apontada para o lance seguinte. Dez degraus até aquele lance e mais dez até o seguinte, onde ficava a porta. Resolveu parar para pensar. Chavez girou a maçaneta da porta à sua direita. Não parecia estar trancada. Provavelmente o regulamento de combate a incêndios proibia que as portas da escada de serviço fossem trancadas, pensou Clark, aceitando a informação com um gesto de cabeça mas ao mesmo tempo preparando suas ferramentas de arrombamento.

— Então, o que acha?

— Acho que preferia não estar aqui. — Ding segurou a lanterna, enquanto John fixava o silenciador na pistola.—Vamos depressa ou devagar? Estava na hora da escolha. Uma abordagem lenta, fazendo-se passar por homens de negócios, que tinham errado o caminho... não, não daquela vez. Clark mostrou um dedo, respirou fundo e subiu correndo os degraus. Cinco segundos depois, girou a maçaneta da porta que ficava no alto da escada e abriu-a com força. Jogou-se no chão, a pistola apontada para o alvo. Ding pulou por cima dele e também apontou sua arma.

O guarda estava olhando para outro lado quando a porta que dava para a escada foi aberta. Virou-se de imediato e viu um homem deitado no chão, provavelmente apontando um revólver para ele. Isso o fez sacar a pistola. Havia um segundo homem, de pé, com alguma coisa na mão..

 

Àquela distância, a luz tinha um efeito devastador. Os três milhões de velas transformaram o mundo da superfície do sol; a sobrecarga de energia invadiu o sistema nervoso do homem através do nervo trigêmeo, que vai do olho até a base do cérebro, comunicando-se com os circuitos nervosos que controlam os músculos voluntários. O efeito, como na África, foi sobrecarregar o sistema nervoso do guarda. Ele caiu no chão como um boneco, a mão direita ainda segurando a pistola. A luz era tão forte, que Chavez ficou ofuscado com o reflexo nas paredes brancas, mas Clark se lembrara de fechar os olhos e correu para a porta dupla, que abriu com o ombro.

Havia apenas um homem à vista, levantando-se de uma cadeira em frente ao aparelho de TV, com uma expressão de surpresa no rosto. Não estava na hora de ter piedade. Clark segurou a arma com as mãos e apertou o gatilho duas vezes, apontando para a testa do homem. Sentiu a mão de Ding no ombro e tomou o corredor da direita, quase correndo, olhando para dentro dos quartos. A cozinha, pensou. Havia sempre gente na...

O palpite estava certo. O homem era quase da sua altura e já estava com a arma na mão quando saiu da cozinha, gritando um nome e uma pergunta, mas era um pouco lento, estava com a arma apontada para baixo e encontrou-se com um adversário já preparado. Foi a última coisa que viu. Clark precisou de mais meio minuto para percorrer o restante do apartamento de luxo, mas encontrou apenas quartos vazios.

— Yevgeniy Pavlovich? — chamou.

— Vanya, venha cá! Clark correu para a sala, aproveitando para dar uma olhada rápida nos homens em que atirara, apenas para ter certeza de que estavam bem mortos. Sabia que se lembraria para sempre daqueles corpos, que eles voltariam nos sonhos, que tentaria convencer a si mesmo de que as mortes tinham sido necessárias.

Koga estava ali sentado, muito pálido, enquanto Chavez/Chekov acabava de revistar a sala. O sujeito que estava vendo televisão não chegara a tirar a pistola do coldre. Provavelmente era uma ideia que tirara de um filme, pensou Clark. Aquelas coisas só serviam para atrapalhar em caso de emergência.

— Tudo tranquilo à esquerda — afirmou Chavez, lembrando-se de falar em russo.

— Tudo tranquilo à direita.

Clark procurou acalmar-se, olhando para o homem caído ao lado do receptor de TV, imaginando qual dos que matara tinha sido responsável pela morte de Kim Norton. O da cozinha, provavelmente não.

— Quem são vocês? — perguntou Koga, com uma mistura de medo e indignação, sem perceber que já conhecia a dupla. Clark respirou fundo antes de responder.

— Koga-san, viemos para salvá-lo.

— Você os matou! — exclamou o homem, apontando com um dedo trêmulo.

— Podemos falar sobre isso depois. Quer vir conosco, por favor? Não precisa ter medo de nós.

Clark admirou a preocupação do ex-primeiro-ministro com os homens mortos, embora evidentemente não fossem seus amigos. Mas estava na hora de tirá-lo dali.

— Qual deles era Kaneda? — perguntou Chavez.

Koga apontou para o que morrera ao lado da TV. Ding aproximou-se para dar uma última olhada e conseguiu não dizer nada antes de voltar os olhos para Clark, com uma expressão que apenas os dois eram capazes de entender.

— Vanya, está na hora de sair daqui.

 

O sistema parecia ter enlouquecido. A tela enchera-se de manchas vermelhas e amarelas, e uma voz feminina não se cansava de lhe dizer que fora detectado, mas nesse caso estava mais bem informado do que o computador, pensou Richter, e era bom saber que nem sempre aquelas máquinas diabólicas sabiam o que faziam.

Não fora fácil chegar até ali; embora o Apache se mostrasse suficientemente ágil para aquela missão, sentia-se mais à vontade pilotando o RAH-66. Seu corpo não revelava qualquer sinal de tensão. Anos de prática permitiam que se sentasse confortavelmente no assento do piloto, com o antebraço direito apoiado no descanso e a mão controlando o manche. Varria constantemente a paisagem com os olhos, comparando o horizonte real com o gerado por um sensor instalado no nariz da aeronave. A cidade de Tóquio era o cenário ideal para aquele tipo de trabalho. Os edifícios deviam estar gerando uma infinidade de ecos para os aparelhos de radar que tentava iludir; mesmo os melhores programas de computador não seriam capazes de eliminar um ruído de fundo daquela magnitude.

O rio Tone o levaria até quase o destino. Do lado sul do rio havia uma estrada de ferro, onde no momento passava um trem rumo a Choshi. O trem viajava a mais de duzentos quilômetros por hora, e Richter se posicionou sobre ele, com um olho na composição e outro em um indicador na tela. Manteve o helicóptero trinta metros acima das torres de eletricida­de, acima do último vagão, acompanhando o movimento do trem.

— Engraçado... — murmurou o operador do Kami-dois, que acabara de observar um eco, reforçado pelo computador, que se aproximava da aerona­ve. Ligou o intercomunicador. — Temos um possível alvo em baixa altitude — anunciou, assinalando o eco e transferindo-o para a tela do controlador-chefe.

— E um trem — replicou imediatamente o homem, consultando um mapa.

Era um dos problemas de usar aquele sistema muito perto de terra. O software de reconhecimento, comprado dos americanos, fora modificado, mas não em todos os detalhes. O radar aerotransportado podia detectar qualquer objeto em movimento, mas não havia computadores capazes de classificar e mostrar todos os ecos produzidos por carros e caminhões. Para descongestionar as telas, nada que se movesse a menos de cento e cinquenta quilômetros passava pelo sistema de filtragem do computador, mas isso não era suficiente, não quando o país dispunha dos trens mais rápidos do mundo. Só para ter certeza, o controlador-chefe observou o sinal durante alguns segundos. Sim, estava seguindo a linha principal entre Tóquio e Choshi. Não podia ser um avião a jato. Um helicóptero, teoricamente, poderia fazer algo parecido, mas nesse caso o sinal teria de ser muito mais forte. Não, só podia ser o eco de um trem.

— Ajustar o discriminador de velocidade para duzentos — disse aos controladores.

A ordem levou três segundos para ser cumprida. No mesmo momento, o sinal nas proximidades do rio Tone e dois outros ecos mais óbvios desapareceram. Tinham coisas mais interessantes para fazer, pois o Kami-dois estava recebendo os dados dos Kami-quatro e seis e retransmitindo-os para o quartel-general da Defesa Aérea, nos arredores de Tóquio. Os americanos estavam outra vez testando as defesas aéreas, usando provavel­mente os F-22, para ver se conseguiam derrotar os Kami. Desta vez, não teriam uma recepção tão amistosa. No momento, oito interceptadores F-l 5 Eagle estavam no ar, quatro sob o controle de cada E-767. Se os caças americanos se aproximassem, seriam abatidos.

Tinham de arriscar uma transmissão aberta, o que deixava o coronel nervoso, mas era inevitável.

— Líder Lightning para esquadrilha. Separar na contagem de cinco. Cinco... quatro... três... dois... um... Separar! Puxou o manche para trás, afastando-se do Strike Eagle que passara a última meia hora colado à sua cauda. No mesmo instante, usou a mão direita para desligar o transponder de radar que usara para reforçar o sinal de retorno que os japoneses estavam recebendo de sua aeronave. Atrás e abaixo dele, a major que pilotava o F-15E descera ligeiramente e se desviara para a esquerda. O Lightning subiu rapidamente, perdendo na operação quase toda a sua velocidade para a frente. O coronel aumentou a potência das turbinas e deu uma guinada na direção oposta, aumentando ainda mais a velocidade de separação.

O radar japonês poderia receber ou não algum tipo de eco da sua aeronave, pensou o coronel, mas uma coisa era certa: o radar estava operando com alta potência e recebendo todo o tipo de sinais espúrios, que o computador tinha de processar antes de apresentar aos controladores do sistema. Na verdade, fazia um trabalho semelhante ao de um operador humano, embora de forma mais rápida e eficiente. Entretanto, não era perfeito, como ele e os outros três Lightning queriam provar.

— Desviando para o sul — informou o controlador, desnecessariamente, porque agora havia quatro pessoas observando os movimentos dos intrusos. Nem ele nem os companheiros podiam saber que o computador detectara alguns sinais desviando-se para o norte, mas eram muito mais fracos do que todos os outros ecos que se moviam com velocidade suficiente para ser classificados como aeronaves. Também não seguiam uma trajetória consi­derada provável para uma aeronave. De repente, a situação começou a se complicar.

— Os intrusos estão produzindo sinais de interferência.

O primeiro Lightning está agora subindo quase na vertical. Isso era arriscado, já que nessa posição oferecia aos E-767 a parte menos invisível da aeronave, mas por outro lado seu movimento lateral se reduzia a quase zero, de modo que tinha tudo para ser confundido com um eco fantasma, especialmente no meio do ruído eletrônico que estava sendo gerado pelos Strike Eagle. Em menos de trinta segundos, os Lightning chegaram a dezesseis mil metros e pararam de subir. O coronel estava observando atentamente o monitor. Se os japoneses soubessem onde estava, mostrariam isso bombardeando o seu caça com ondas de radar... mas não o fizeram. O aparelho se mostrava suficientemente invisível para ser confundido com o ruído. O monitor começou a mostrar lobos secundários. O E-767 passara para o modo de controle de tiro, usando sinais de alta frequência, mas não estava apontando para ele. Muito bom. Aumentou a potência das turbinas, e o Lightning acelerou para 1.600 quilômetros por hora, enquanto o piloto colocava o sistema HUD* no modo de controle de tiro.

— Está lá em cima, há uma hora, Sandy — informou o artilheiro, do banco de trás. — Posso ver as luzes.

'Head-Up Display, sistema no qual alguns dados são projetados no visor do capacete do piloto. (N. do T.) O trem passara em uma estação de subúrbio, e o Comanche o deixara para trás. Agora, estava viajando trezentos e vinte quilômetros por hora em direção à cidade costeira. Richter flexionou os dedos uma última vez, olhou para cima e viu as luzes piscantes da aeronave. Estava quase abaixo dela, e por melhor que fosse o aparelho de radar, jamais conseguiria transmitir diretamente para baixo, através da fuselagem... sim, não havia nenhuma mancha colorida no centro do monitor.

— Aí vamos nós — disse, pelo intercomunicador.

Colocou os aceleradores no máximo e puxou o manche para trás. O Comanche começou a subir em espiral. Sua única preocupação era a temperatura dos motores. Tinham sido projetados para resistir a muita coisa, mas estavam funcionando perto do limite. Um sinal de advertência apareceu no monitor do capacete, uma barra vertical que aumentava de altura e mudava de cor quase tão rápido quanto os números cresciam no indicador de altitude.

— Puxa! — murmurou o artilheiro, ajustando o monitor para mostrar o sistema de armas, antes de voltar ao modo de supervisão. — Tráfego nulo.

Isso era natural, pensou Richter, Os japoneses não haviam de querer ninguém por perto de uma aeronave tão valiosa. Melhor assim. Agora podia ver claramente o alvo, enquanto o helicóptero passava dos três mil metros de altitude, subindo como o avião de caça que era, movido por rotores ou não.

Já podia vê-lo no monitor, ainda longe demais para ser atingido, mas mesmo assim um ponto bem nítido na tela. Era hora de verificar. Ativou seu próprio sistema de detecção. O F-22 era equipado com um radar LPI, isso significava que era pouco provável que as transmissões fossem detectadas pelo inimigo. Entretanto, essa previsão revelou-se excessivamente otimista.

— Acabamos de ser atingidos — informou o operador de contramedidas eletrônicas. — Acabamos de ser atingidos por uma onda de alta frequência, marcação desconhecida — acrescentou, consultando os instrumentos em busca de novas informações.

— Provavelmente é um eco de nossas próprias transmissões — disse o controlador-chefe, preocupado em orientar os caças na direção dos invaso­res.

— Não, não, a frequência é diferente.

O técnico tornou a consultar os instrumentos, mas não havia mais nada para apoiar aquela estranha sensação que lhe provocava arrepios.

— Alerta de superaquecimento. Alerta de superaquecimento — estava dizendo a voz, porque ele insistia em ignorar as indicações do monitor.

— Eu sei, querida — replicou Richter.

Sobre o deserto de Nevada, conseguira subir rapidamente para 6.300 metros de altitude, um desempenho tão fora do comum para um helicóptero que o deixara assustado, lembrou-se Richter, mas isso fora com o ar relativamente quente, enquanto ali estava bem mais frio. Passou pela marca dos seis mil metros ainda com uma velocidade vertical considerável, enquanto o alvo mudava de curso, afastando-se dele. Parecia mover-se a cerca de seiscentos quilômetros por hora, provavelmente usando um motor para propulsão e outro para alimentar o radar. Não estava a par dos detalhes, mas isso lhe pareceu razoável. O que importava era que estava chegando ao alcance de tiro, e as grandes turbinas do avião de passageiros adaptado eram alvos convidativos para seus mísseis Stinger.

— Chegamos ao alcance de tiro, Sandy.

— Entendido.

Estendeu a mão esquerda para o painel de armas e selecionou os mísseis. Os alçapões laterais da aeronave abriram-se. De cada lado havia três mísseis Stinger. Removeu a tampa de segurança do botão de disparo e apertou-o seis vezes. Todos os mísseis deixaram seus suportes e se projetaram para cima em direção ao alvo, que devia estar a pouco mais de três quilômetros de distância. Feito isso, Richter diminuiu a potência dos motores e mergu­lhou com o helicóptero para resfriar os motores, observando o solo, enquanto o artilheiro acompanhava a trajetória dos mísseis.

O primeiro Stinger perdeu força e não chegou a alcançar o alvo. Os outros cinco se saíram melhor, e embora um deles passasse ao largo, quatro acertaram em cheio, três na turbina da direita e um na turbina da esquerda.

— Temos impactos, impactos múltiplos.

O E-767, em baixa velocidade, não tinha a menor chance de escapar. As ogivas dos Stinger não eram muito potentes, mas as turbinas da aeronave, projetadas para uso comercial, não ofereciam nenhuma resis­tência a danos. Ambas logo perderam potência e a que estava sendo usada para propulsão foi a primeira a se despedaçar. Fragmentos das pás da turbina romperam a carcaça e atravessaram a asa direita, danificando os controles de voo. A aeronave rolou imediatamente para a direita e não conseguiu se recuperar. O desastre apanhara a tripulação de surpresa. Metade da asa de boreste separou-se da aeronave; no solo, os operadores de radar viram o símbolo alfanumérico que assinalava a posição do Kami-dois mudar para o código de emergência 7711 e depois simples­mente desaparecer.

— Alvo destruído, Sandy.

— Entendido.

O Comanche agora estava descendo rapidamente, dirigindo-se para a costa. A temperatura dos motores voltara ao normal, e Richter esperava que não tivessem sofrido nenhum dano permanente. Quando ao restante, não era a primeira vez que matava alguém.

— O Kami-dois acaba de cair — informou o técnico de comunicações.

— O que disse? — perguntou o controlador-chefe, distraído com a missão de interceptação.

— Houve uma explosão, algo assim, e ele desapareceu dos monitores.

— Espere um instante. Tenho de orientar meus Eagle.

A situação devia estar ficando difícil para os F-l 5E, pensou o coronel. No momento, o trabalho deles era servir de isca, atrair os Eagle japoneses para longe da ilha, enquanto os Lightning entravam atrás deles para destruir as aeronaves de observação e montar a armadilha. A boa notícia no momento era que o terceiro E-767 acabara de ser derrubado. Isso queria dizer que a outra parte da missão fora concluída com sucesso. Isso era ótimo, para variar. Quanto ao restante...

— Dois, aqui é o líder, executando, agora! — O coronel ligou os radares de iluminação a trinta quilômetros da aeronave inimiga. Em seguida, abriu o alçapão, oferecendo aos mísseis AMRAAM a oportunidade de verem a presa. Tanto o Um como o Dois engajaram o alvo, e ele os disparou. — Fox-Dois, Fox-Dois lançando dois Slammer contra Alvo Norte! A abertura do alçapão logo tornou o Lightning tão invisível quanto um arranha-céu. Apareceram ecos em cinco telas diferentes, juntamente com avisos adicionais quanto à velocidade e curso da aeronave recém-descoberta. O comentário do técnico de contramedidas eletrônicas equivalia a uma sentença de morte.

— Estamos sendo iluminados de curta distância, marcação zero-dois-sete!

— O quê? Quem está falando? — perguntou o controlador-chefe.

Os Eagle estavam se preparando para lançar mísseis contra as aeronaves americanas. O Kami-seis acabara de passar para o modo de controle de tiro, a fim de permitir que os interceptadores atacassem os inimigos sem precisar iluminá-los com seus próprios aparelhos de radar, como tinham feito com os bombardeiros B-l. Não podia voltar atrás, pensou o controlador-chefe O último aviso chegou tarde demais para qualquer ação efetiva. A oito quilômetros de distância, os mísseis ligaram seus próprios radares de aproximação. Estavam viajando a Mach 3, movidos por foguetes de combustível sólido em direção a um alvo de grande porte; o novo AMRAAM AIM-120, mais conhecido como Slammer, era uma arma de última geração. O piloto finalmente foi avisado. Rolou a aeronave para a esquerda, tentando um mergulho em parafuso que logo percebeu ser perda de tempo, porque no último segundo viu as chamas amarelas da descarga do foguete.

— Está morto — murmurou o Líder Lightning consigo mesmo. — Esquadrilha Lightning, aqui é o líder. Alvo Norte destruído.

— Líder, aqui é Três. Alvo Sul destruído — ouviu em seguida.

Agora, pensou o coronel, usando um eufemismo particularmente cruel da Força Aérea, estava na hora de matar alguns filhotes de foca. Os quatro Lightning estavam entre o litoral do Japão e oito interceptadores F-15J Eagle. Do outro lado dos aviões japoneses, os F-15E Strike Eagle deviam estar investindo contra eles, ligando seus próprios radares e disparando seus próprios AMRAAM. Alguns acertariam no alvo, e os caças japoneses que escapassem tentariam voltar para casa, caindo nos braços dos Lightning.

Os radares de terra não puderam acompanhar o combate aéreo; ele aconteceu longe da costa, abaixo do horizonte do radar. O que viram foi uma aeronave se aproximando do litoral, que sabiam ser japonesa por causa do código do transponder. De repente, perderam o sinal. No quartel-general de defesa aérea, os dados recebidos dos três Kami derrubados não forneciam nenhuma pista para que os oficiais entendessem o que acontecera, exceto uma: a guerra que seu país começara, era agora muito real e sofrerá uma reviravolta inesperada.

43

DANÇANDO CONFORME A MÚSICA

 

— Sei que vocês não são russos — afirmou Koga, viajando no banco de trás do carro com Chavez, enquanto Clark dirigia.

— Por que diz isso? — perguntou John, com ar inocente.

— Porque Yamata disse que estive em contato com americanos. Vocês dois são os únicos estrangeiros com quem conversei desde que começou esta loucura. O que está acontecendo? — perguntou o político.

— Acontece que acabamos de salvá-lo de ser morto por bandidos.

— Yamata não faria uma tolice dessas — replicou Koga, ainda não recuperado do choque de assistir a uma cena de violência fora dos limites de uma tela de TV.

— Ele começou uma guerra, Koga-san. O que é sua morte comparada com isso? — perguntou, delicadamente, o homem ao volante.

— Então vocês são americanos — insistiu. Que saco, pensou Clark.

— Somos, sim.

— Espiões? — Agentes de informações — corrigiu Chavez. — O homem que estava na sala com o senhor...

— Aquele que vocês mataram? Kimura? — Sim, senhor. Ele assassinou uma jovem americana chamada Kimberly Norton. Não me arrependo do que fiz.

— Quem era ela? — Ela era amante de Goto — explicou Clark. — Quando se tornou politicamente incômoda para o novo primeiro-ministro, Raizo Yamata decidiu eliminá-la. Viemos ao Japão com a missão de levá-la para casa. Isso é tudo — concluiu Clark, omitindo parte da verdade.

— Nada disto era necessário — protestou Koga. — Se o Congresso de vocês tivesse me dado uma chance de...

— Talvez o senhor tenha razão — admitiu Chavez. — Mas isso não faz muita diferença agora, não é? — Digam-me, então: o que pretendem fazer? — Acabar com esta idiotice antes que mais pessoas saiam machucadas — explicou Clark. — Já estive em mais de uma guerra e elas não são nada divertidas. Muitos garotos acabam morrendo antes de ter chance de se casar e ter filhos, e isso é ruim, o senhor não acha? — Clark fez uma pausa antes de prosseguir. — E ruim para o meu país e tenho certeza de que vai ser ainda pior para o seu.

— Yamata acha que... u — Yamata é um homem de negócios — interrompeu Chavez. — Espero que compreenda isso. Ele não sabe o que começou.

— Sim, vocês americanos são muito bons para matar. Pude ver isso pessoalmente, há menos de meia hora.

— Nesse caso, Sr. Koga, espero que tenha reparado que deixamos um deles com vida.

A resposta irritada de Clark deixou a conversa em suspenso por alguns segundos. Koga teve de pensar um pouco para se convencer de que era verdade. O homem no corredor estava vivo quando passaram por ele, gemendo e se estrebuchando como se estivesse sendo submetido a choques elétricos, mas certamente vivo.

— Por que vocês não...

— Porque não havia necessidade de matá-lo — explicou Chavez. — Não vou chorar por Kimura. Ele teve o que merecia. Além disso, quando entramos na sala, tentou sacar a pistola. Mas não estamos participando de um filme. Não matamos pessoas por diversão e viemos salvá-lo porque precisamos de alguém para pôr fim a esta maldita guerra... está me entendendo? — Mesmo assim... mesmo assim, o que o Congresso americano fez conosco... como vamos sobreviver economicamente...

— Será melhor para todos se a guerra continuar? — perguntou Clark — Se o Japão e a China se unirem contra a Rússia, o que acontecerá? Quem o senhor acha que vai pagar o preço? A China? Não acredito.

A primeira notícia chegou a Washington via satélite. Um dos satélites espiões da ASN estava por acaso em posição favorável para registrar a cessação de sinal (era o termo usado pela ASN) por parte de três aeronaves E-767 japonesas. Outros postos de escuta da ASN registraram as últimas conversas pelo rádio com as aeronaves. Os analistas estavam no momento estudando essas conversas, dizia o relatório nas mãos de Ryan.

Derrubei apenas um, pensou o coronel. Bem, teria de se contentar com isso. O seu ala acabara com o último F-l 5J. Os outros Lightning tinham apanhado três e os Strike Eagle haviam abatido outros quatro depois que os E-767 saíram inesperadamente do ar, deixando-os entregues à própria sorte. Provavelmente, o terceiro E-767 fora destruído pelo grupo ZOR­RO. No conjunto, não estava nada mau para uma noite de trabalho, pensou, unindo-se aos outros três Lightning para o voo até o local de encontro com os aviões-tanque, de onde voltariam para Shemya. O pior era manter silêncio pelo rádio. Alguns dos seus comandados deviam estar muito orgulhosos com o sucesso da missão e doidos para falar sobre ela. O silêncio forçado obrigou-o a pensar no que acontecera. Era a primeira vez que derrubava um avião inimigo. Havia trinta pessoas a bordo. Que droga, devia estar contente por ter acertado o alvo, não devia? Então, por que não estava? Algo interessante acabara de acontecer, pensou Dutch Claggett. Ainda estavam captando alguns sinais de submarinos, mas eles estavam rumando para o norte, para longe deles, permitindo que o Tennessee permanecesse na rota prevista. A maneira dos submarinos de patrulha, navegava suficien­temente próximo da superfície para lançar a antena e rastrear as aeronaves de observação japonesas, recolhendo o máximo possível de informações a respeito delas. A coleta eletrônica de informações era uma das missões dos submarinos antes mesmo que ele entrasse para a academia de Annapolis, e sua tripulação incluía dois técnicos em eletrônica muito competentes. Entretanto, dois sinais que estavam rastreando tinham desaparecido de uma hora para outra. Logo depois, captaram algumas conversas pelo rádio, que pelo tom pareciam urgentes, e uma dessas vozes também saíra de repente do ar, em algum lugar a norte dali.

— Será que estamos começando a marcar pontos, comandante? — perguntou o tenente Shaw, certo de que o comandante sabia de alguma coisa, porque as tripulações achavam que os comandantes estavam a par dos acontecimentos.

— É o que parece.

— Aqui é o operador de sonar.

— Pode falar.

— Nosso amigo está respirando de novo, marcação zero-zero-nove — informou o operador de sonar.

— Começarei a rastreá-lo, declarou Shaw, encaminhando-se para a mesa de plotagem.

— O que aconteceu? — perguntou Durling.

— Derrubamos três naves de observação e uma esquadrilha inteira de caças — respondeu Ryan, deixando claro, pelo tom, que aquilo era apenas o começo.

— Agora estamos entrando na parte mais difícil? — Sim, senhor. Gostaríamos de mantê-los confusos por mais algum tempo, mas agora sabem que algo está acontecendo. Eles sabem...

— Sabem que isto pode se transformar em uma guerra de verdade. Alguma notícia de Koga? — Ainda não.

Eram quatro da madrugada, e os três homens demonstravam isso. Koga superara o choque, pelo menos temporariamente, e tentava usar a cabeça, enquanto os anfitriões (não conseguia pensar neles de outra forma) rodavam com ele pela cidade e se perguntavam se fora sensato deixar um dos guardas com vida do lado de fora do apartamento de Yamata. Será que já entrara em contato com o patrão? Teria coragem de chamar a polícia? Quais seriam as consequências da aventura daquela noite? — Como vou saber se posso confiar em vocês? — perguntou Koga, depois de um longo silêncio.

Clark apertou o volante com força suficiente para deixar impressões digitais no plástico. O cinema e a TV eram os responsáveis por perguntas idiotas como aquela. Nos filmes, os espiões faziam mil coisas complicadas na tentativa de ser mais espertos do que os adversários igualmente brilhantes que estavam enfrentando. Na vida real, as coisas eram diferentes. A ideia era manter as operações o mais simples possível, porque até mesmo as coisas mais simples podiam não dar certo, e se o outro lado fosse realmente esperto, você não chegaria nem a saber quem eram os agentes inimigos. Além disso, a maneira mais fácil de obrigar as pessoas a fazer alguma coisa que não queriam era coagi-las fisicamente e não enganá-las, e mesmo assim os resultados nem sempre correspon­diam às expectativas.

— Acabamos de arriscar a vida para salvá-lo, mas está bem, não é obrigado a confiar em nós. Jamais me passou pela cabeça lhe dizer o que fazer. Para começar, a política japonesa é um mistério para mim. O que estou lhe dizendo é muito simples: vamos começar a agir. De que forma, ainda não sei, de modo que não posso lhe contar. Queremos acabar com esta guerra com o mínimo de violência, mas um pouco de violência é inevitável. O senhor quer que a guerra acabe, certo? — Claro que sim — respondeu Koga, em tom ofendido — Nesse caso, faça o que achar melhor, está bem? Como vê, Sr. Koga, não precisa confiar em nós; nós é que estamos confiando em que fará o que for melhor para o seu país e para o nosso.

O rompante de Clark teve efeito imediato.

— Oh! — exclamou o político. — E isso mesmo. Você tem toda razão.

— Onde quer ficar? — Na casa de Kimura — respondeu Koga, sem hesitação.

— Está bem.

Clark perguntou o endereço e entrou na Estrada 122. De repente, percebeu que descobrira algo muito importante naquela noite. Depois de deixar aquele sujeito em um lugar relativamente seguro, sua primeira prioridade seria enviar essa informação a Washington. As ruas desertas ajudaram; embora sentisse falta de uma xícara de café para ajudá-lo a se manter acordado, levou apenas quarenta minutos para chegar ao bairro de pequenas casas onde morava o funcionário do MCII. As luzes já estavam acesas quando estacionou em frente à casa e esperou até que Koga batesse à porta. Ela foi aberta por Kimura, que abriu uma boca quase do tamanho da porta antes de mandar entrar o ex-primeiro-ministro.

Quem foi que disse que os japoneses não demonstram o que estão sentindo?, perguntou-se Clark.

— Quem você acha que é o delator? — perguntou Ding, ainda no banco traseiro.

— Ah, também chegou a essa conclusão? — Não se esqueça de que sou o único aqui com um diploma de terceiro grau, meu amigo — disse Ding, abrindo o computador para enviar um despacho para Langley, novamente através de Moscou.

— Eles fizeram o quê? — berrou Yamata ao telefone.

— Isto é muito sério — disse o General Arima, que acabara de receber pessoalmente a notícia de Tóquio. — Eles esmagaram nossas defesas aéreas e foram embora sem sofrer nenhuma baixa.

— Como conseguiram fazer isso? — quis saber o industrial. Não lhe tinham dito que as aeronaves Kami eram invencíveis? — Ainda não sabemos, mas estou lhe dizendo que é muito sério. Agora os americanos podem nos atacar quando quiserem.

Pense, disse Yamata para si próprio, sacudindo a cabeça para tirar as teias de aranha.

— General, eles não podem invadir nossas ilhas. Enquanto tivermos armas nucleares...

— Não me arriscaria a prever o que podem ou não fazer. Os americanos não estão agindo da forma que esperávamos.

O comentário deixou o futuro governador de Saipan irritado. Tinha escolhido exatamente aquele dia para começar a campanha. Está certo, superestimara os efeitos da sua sabotagem sobre os mercados financeiros americanos, mas tinham conseguido avariar os porta-aviões, tinham ocupa­do as ilhas, estavam a salvo de uma invasão das Marianas, e os Estados Unidos jamais iniciariam uma guerra nuclear. Sendo assim, continuavam em vantagem. Não era de esperar que os americanos reagissem de alguma forma? Claro que sim. Yamata ligou a televisão com o controle remoto, pegando o começo de um noticiário da CNN. Lá estava a repórter americana, no Havaí; atrás dela havia dois porta-aviões, ainda nas docas secas, impotentes.

— Quais são as informações do oceano Índico? — perguntou ao general.

— Os dois porta-aviões americanos ainda estão lá — assegurou-lhe Arima. — Ontem mesmo foram detectados visualmente e no radar, a menos de quatrocentos quilômetros do Sri Lanka.

— Então não podem nos atacar, não é mesmo? — Não, não podem — concordou o general. — Mas precisamos nos prevenir contra outros perigos.

— Então cuide disso, Arima-san — replicou Yamata, em um tom tão delicado que chegava a ser insultuoso.

O pior de tudo era não saber o que acontecera. As comunicações com as três aeronaves Kami tinham sido interrompidas com a eliminação de Kami-dois. Assim, era preciso obter as informações por via indireta. As estações de terra que estavam captando as transmissões de Kami-quatro e Kami-seis afirmavam que elas tinham cessado quase simultaneamente. Nenhuma das três aeronaves transmitira qualquer mensagem de emergên­cia. Elas simplesmente tinham desaparecido, deixando apenas destroços boiando no mar. Quanto aos caças... bem, havia algumas gravações de conversas pelo rádio. As fitas tinham apenas uns quatro minutos de duração. Primeiro, os comentários lacônicos, confiantes, dos pilotos apro­ximando-se dos alvos; depois, uma série de exclamações de surpresa, seguidas por pedidos urgentes para ligar os aparelhos de radar e avisos de que estavam sendo rastreados. Um piloto chegara a comunicar que fora atingido antes de sair do ar. O que o atingira? Não era possível que as mesmas aeronaves que haviam derrubado os Kami também tivessem abatido os caças. Os americanos dispunham de apenas quatro dos novos F-22, e eles estavam sendo rastreados pelos Kami. Como explicar o que acontecera? Mas era esse exatamente o problema. Não havia nenhuma explicação plausível.

Os especialistas em defesa aérea e os engenheiros que haviam desenvol­vido o mais sofisticado sistema de radar aerotransportado do planeta limitavam-se a sacudir a cabeça, desanimados. Das dez aeronaves Kami que tinham sido construídas, cinco não existiam e apenas quatro estavam disponíveis. Todos concordavam em que seria muito arriscado enviá-las em novas missões sobre o mar. Estavam tentando reativar as aeronaves E-2C que os E-767 tinham substituído, mas usavam sistemas muito mais primitivos, projetados pelos americanos. Não, era preciso aceitar a dura realidade e reconhecer que as defesas aéreas do Japão estavam seriamente comprome­tidas.

 

Eram sete da noite, e Ryan estava se preparando para voltar para casa quando o fax começou a funcionar. Antes mesmo que o papel aparecesse, o telefone tocou.

— Vocês não sabem guardar segredos? — perguntou uma voz com um forte sotaque.

— Sergey? Qual é o problema?

— Koga é a nossa melhor chance de acabar com as hostilidades e alguém do seu lado informa aos japoneses que ele está em contato com vocês! — Golovko estava quase gritando, embora fossem três da madrugada na sua casa. — Querem que o homem seja morto? — Sergey Nikolayevich, quer se acalmar, pelo amor de Deus? — Jack recostou-se na cadeira. Àquela altura, tinha uma página para ler. Vinha da embaixada dos Estados Unidos em Moscou e era obviamente uma mensagem do RVS.

— Que merda! — Pausa. — Muito bem, nós conseguimos salvá-lo, não conseguimos?

— Vocês têm um traidor nos altos escalões, Ivan Emmetovitch.

— Isso às vezes acontece.

— Estamos tentando descobrir quem foi — declarou o russo, ainda zangado.

Era só o que faltava, pensou Jack, de olhos fechados. Chefe do Serviço de Inteligência Interna da Rússia acusa americano de traição.

— Poucas pessoas sabiam disso. Vou investigar e depois darei notícias.

— Fico satisfeito em saber que vocês não compartilham informações sigilosas com a nação inteira, Jack.

O russo desligou. Ryan digitou um número.

— Murray.

— Ryan. Dan, venha para cá o mais depressa possível.

O telefonema seguinte de Jack foi para Scott Adler. Depois, dirigiu-se ao escritório do presidente. O lado positivo do caso, pensou, era que o outro lado não soubera como usar as informações de que dispunha. Ali estava novamente o dedo de Yamata, tinha certeza, agindo mais como um homem de negócios do que como um espião profissional. Ao sequestrar Koga, deixara claro que contava com um informante. O homem não conhecia suas limitações. Mais cedo ou mais tarde pagaria por essa fraqueza.

As últimas ordens de Jackson antes de partir incluíam a requisição de doze bombardeiros B-1B do 3842 Grupo de Bombardeiros, que deveriam dirigir-se para leste a partir de sua base, no sudeste do Kansas, fazendo escala em Lajes, nos Açores, antes de voar para Diego Garcia, no oceano Índico. A viagem de dezesseis mil quilômetros levou mais de um dia; quando as aeronaves chegaram à base americana mais distante dos Estados Unidos, as tripulações estavam totalmente exaustas. Os três KC-10 que levavam mecânicos e peças de reposição pousaram logo depois. Em poucos minutos, estavam todos dormindo.

 

— O que disse? — perguntou Yamata.

Era uma notícia inquietante. Seu apartamento fora invadido. Por quem?

— Disse que Koga desapareceu e que Kaneda está morto. Um dos guardas de segurança ainda está vivo, mas tudo que viu foram dois ou três gaijin. Sabe que o puseram sem sentidos, mas não soube explicar como.

— Que providências vocês tomaram?

— A polícia foi informada — disse Kazuo Taoka. — Claro que não contei nada a respeito de Koga.

— Ele precisa ser encontrado o mais depressa possível.

Yamata olhou pela janela. A sorte ainda estava do seu lado. Pelo menos, o telefonema encontrara-o em casa.

— Não sei...

— Eu sei. Obrigado pela informação. Yamata desligou e fez outra chamada.

 

Murray passou rapidamente pela segurança da Casa Branca, depois de deixar a pistola de serviço no carro oficial. Seu mês não tinha sido melhor que o do restante dos membros do governo. Estragara o caso Linders com um erro primário. Uma combinação de conhaque com remédio para gripe, repetiu mais uma vez para si próprio, imaginando o que Ryan e o presidente teriam a dizer. A acusação perdera toda a força e seu único consolo era que pelo menos não levara a julgamento um homem possivelmente inocente, deixando o FBI ainda mais embaraçado. Para o funcionário do FBI, o fato de Ed Kealty ser ou não culpado de alguma coisa era irrelevante. Se as provas não eram suficientes para convencer um júri, o réu era inocente e ponto final. Além do mais, aquele homem em breve estaria deixando para sempre o governo, pensou Murray, enquanto um agente do Serviço Secreto o conduzia, não para o escritório de Ryan, mas para o que ficava no canto oposto da Ala Oeste.

— Olá, Dan — disse Jack, levantando-se quando ele entrou.

— Senhor presidente — disse Murray, voltando-se para Durling. Ele não conhecia o terceiro homem presente.

— Olá. Meu nome é Scott Adler.

— Muito prazer. — Murray apertou-lhe a mão. Oh, era aquele cara que estava negociando com os japoneses.

Já tinham feito alguns progressos. Ryan não podia acreditar que o informante fosse Adler. Além dele, os únicos que sabiam eram ele próprio, o presidente, Brett Hanson, Ed e Mary Pat e talvez algumas secretárias. E Christopher Cook.

— Estamos vigiando os diplomatas japoneses? — perguntou Ryan.

— Não podem fazer nada escondido de nós — assegurou Murray.

— Estamos falando de espionagem?

— Provavelmente. Uma informação muito importante vazou.

— Tem que ser Cook — declarou Adler. — Só pode ser ele.

— Muito bem, aqui estão algumas coisas que vocês precisam saber — disse o conselheiro de Segurança Nacional. — Há menos de três horas, atingimos duramente as defesas aéreas japonesas. Dez ou onze aeronaves foram destruídas.

Ryan poderia ter dito muito mais, mas se conteve. Afinal, ainda era possível que o traidor fosse Adler e o passo seguinte da Operação ZORRO dependia do elemento surpresa.

— Isso vai deixá-los nervosos, e ainda contam com armas nucleares. É uma combinação perigosa, Jack — observou o subsecretário de Estado.

Armas nucleares?, pensou Murray. Minha nossa!

— Alguma mudança nas exigências dos japoneses? — perguntou o presidente.

Adler sacudiu a cabeça.

— Nenhuma, presidente. Eles nos oferecem Guam de volta, mas querem ficar com o restante das Marianas. Nada do que eu disse os fez mudar de ideia.

— Certo. — Ryan se voltou para o recém-chegado. — Dan, estivemos em contato com Mogataru Koga...

— Está falando do último primeiro-ministro, certo? — perguntou Dan, procurando mostrar-se bem informado.

Jack fez que sim com a cabeça.

— Isso mesmo. Temos dois agentes da CIA no Japão, fazendo-se passar por russos, e eles foram falar com Koga, usando esse disfarce. Pouco depois, Koga foi sequestrado pelo sujeito que, ao que parece, está dando as cartas no Japão. O sujeito disse a Koga que sabia que ele estivera em contato com americanos.

— Tem que ser Cook — insistiu Adler. — Ninguém mais na delegação sabe disso, e Chris é o responsável pelos meus contatos informais com o segundo em comando do lado deles, Seiji Nagumo. — O diplomata fez uma pausa e depois acrescentou, em tom revoltado: — Só faltava essa, hein?

— Quer que a gente faça uma investigação de espionagem? — perguntou Murray.

Achou curioso o fato de o presidente deixar a resposta por conta de Ryan.

— Uma investigação rápida e discreta, Dan.

— E depois? — quis saber Adler.

— Se for ele, podemos usar o filho da puta.

— Como assim, Jack? — perguntou Durling.

— E uma ótima oportunidade. Os japoneses têm um espião infiltrado entre nós e já mostraram que estão dispostos a agir com base nas informações que ele lhes fornecer. Podemos usar isso a nosso favor — explicou Jack. — Divulgamos algumas informações falsas e depois enfiamos no rabo deles.

 

A necessidade mais urgente era reforçar as defesas aéreas do Japão. Essa conclusão deixou o quartel-general japonês muito preocupado. O pior era que se baseava em informações incompletas, não nos dados precisos que tinham sido usados para elaborar o plano operacional que o alto comando estava tentando seguir à risca. Os melhores sistemas de radar de que o país dispunha estavam a bordo dos quatro contratorpedeiros Aegis da classe Kongo, que no momento patrulhavam o litoral das Marianas. Eram navios respeitáveis, com sistemas de defesa aérea autossuficientes. Podiam não ser tão ágeis quanto a combinação E-767/F-15J, mas tinham mais poder de fogo e também eram menos vulneráveis. Antes do amanhecer, portanto, uma ordem foi enviada aos quatro navios a fim de se dirigirem para o norte e formarem uma linha de defesa a leste do arquipélago japonês. Afinal, a Marinha dos Estados Unidos estava temporariamente incapacitada, e se conseguissem reforçar as defesas, ainda teriam uma boa chance de conseguir uma solução diplomática.

A bordo do Mutsu, o almirante Sato compreendeu a situação e deu ordem para que os navios rumassem sem demora para o local indicado. Entretanto, estava preocupado. Sabia que seus sistemas de radar SPY podiam detectar aeronaves invisíveis, algo que os próprios americanos tinham demonstrado nos testes, e que seus navios tinham como se defender de ataques aéreos. O que o preocupava era que, pela primeira vez naquela guerra, seu país não estava tomando a iniciativa, mas reagindo a uma iniciativa dos americanos. Esperava que aquilo fosse temporário.

— Isso é interessante — observou Jones.

Os sinais tinham sido colhidos fazia poucos minutos, mas havia dois deles, provavelmente representando mais de dois navios em formação cerrada, fazendo muito barulho e com uma ligeira mudança de curso para o norte.

— E claro que são navios — afirmou Boomer. — Este aqui é o ruído do casco...

Interrompeu o que estava dizendo quando Jones marcou outro sinal com um círculo vermelho.

— Este aqui é o ruído do hélice. Mais de trinta nós. Isso quer dizer navios de guerra, e com muita pressa. — Jones foi até o telefone e ligou para o ComSubPac. — Bart? Ron. Temos novidades. Aqueles navios que estavam vigiando as Marianas.

— O que houve com eles? — perguntou Mancuso.

— Estão indo para o norte a toda velocidade. Isso é esperado? Jones lembrou-se de que lhe haviam perguntado insistentemente a respeito das águas perto de Honshu. Mancuso não lhe contara tudo que sabia, o que era de esperar nas circunstâncias. O modo como se esquivasse à pergunta seria a verdadeira resposta, pensou o civil.

— Pode me dar o curso? Pronto.

— Pode me dar uma hora? Os dados ainda estão meio nebulosos...

— Está certo.

O almirante não parecia muito desapontado com a resposta, pensou Jones.

— Muito bem, almirante. Vamos mantê-lo informado.

— Bom trabalho, Ron.

Jones colocou o fone no gancho e olhou em volta.

— Operador-chefe? Vamos plotar este sinal.

Havia alguém à espera no lugar para onde estavam indo os navios japoneses. Quem poderia ser? Pensou um pouco e julgou ter encontrado a resposta.

O tempo agora estava ajudando o outro lado. Hiroshi Goto abriu a reunião do gabinete às dez horas da manhã, hora local, que correspondia à meia-noite em Washington, onde se encontravam os negociadores. Estava claro que os americanos não pretendiam ceder facilmente, embora alguns dos presentes pensassem que aquilo não passava de encenação, que haviam recorrido a uma demonstração de força apenas para ser levados a sério na mesa de negociações. Sim, tinham causado sérios danos ao sistema de defesa aérea, mas isso era tudo. Os Estados Unidos não podiam e não lançariam ataques sistemáticos contra o Japão. Os riscos eram grandes demais. Para começar, o Japão dispunha de mísseis nucleares. Além disso, contava com um sofisticado sistema de defesa, apesar dos acontecimentos da noite anterior. Havia também uma questão de simples aritmética. Quantos bombardeiros os americanos possuíam? Com que frequência podiam usá-los para atacar o Japão, mesmo que não encontrassem nenhuma resistência? Por quanto tempo conseguiriam manter os bombardeios? Te­riam o apoio do Congresso e do povo? As respostas a essas perguntas eram todas favoráveis ao Japão, pensaram os membros do gabinete, ainda fascinados com o objetivo final, que reluzia diante dos seus olhos. Além do mais, cada homem naquela sala tinha um patrocinador para assegurar que as decisões certas fossem tomadas no momento adequado. Isto é, todos menos Goto, cujo patrocinador estava ausente no momento.

Ficou decidido que o embaixador japonês em Washington protestaria veementemente contra o ataque dos americanos e se recusaria a continuar as negociações até receber garantias de que ele não se repetiria. O embaixa­dor também deixaria claro que qualquer ataque às ilhas japonesas seria considerado um ato extremamente grave; afinal, o Japão ainda não realizara nenhuma ação hostil contra o continente americano... ainda. Essa ameaça pouco velada faria os americanos pensarem duas vezes antes de se lançarem a novas aventuras.

Goto concordou com as sugestões, lamentando que o patrocinador não estivesse por perto para apoiá-lo e lembrando-se de que Yamata já passara por cima de sua autoridade, entendendo-se diretamente com os chefes militares. Teria de pedir a Raizo que não fizesse mais aquilo.

— E se eles voltarem a atacar? — perguntou.

— Estaremos em alerta máximo a partir desta noite. Quando os contratorpedeiros chegarem, nossas defesas serão ainda mais respeitáveis do que antes. Sim, eles fizeram uma demonstração de força, mas não chegaram nem mesmo a sobrevoar nosso território...

— Precisamos fazer mais do que isso — declarou Goto, lembrando-se das instruções que recebera. — Podemos intimidar os americanos tornando público o fato de que dispomos de mísseis nucleares.

— Não! — protestou imediatamente um dos ministros. — Isso causaria o caos aqui! — Também causaria o caos nos Estados Unidos — replicou Goto, sem muita convicção, pensaram os outros ministros. Mais uma vez, perceberam, estava falando por outra pessoa. Sabiam quem era. — Eles serão obrigados a mudar de tom.

— Também podem se sentir obrigados a nos atacar.

— Eles têm muito a perder — insistiu Goto.

— E nós não temos? — retrucou o ministro, imaginando onde terminava a lealdade de Goto ao seu patrocinador e onde começava a lealdade aos seus conterrâneos. — E se eles decidirem lançar um ataque preventivo? — Não podem fazer isso. Nossos mísseis estão em um local inexpug­nável.

— Nossas defesas aéreas também eram imbatíveis — observou outro ministro, em tom irônico.

— Talvez nosso embaixador possa insinuar que estamos pensando em revelar ao mundo que dispomos de armas nucleares. Talvez isso seja suficiente — sugeriu um terceiro ministro.

Os outros membros do gabinete concordaram com a ideia, que foi aprovada por Goto, apesar das instruções que recebera.

Apesar de todos os agasalhos, Richter ainda sentia frio. Aninhou-se no saco de dormir e se permitiu um vago sentimento de culpa pelo fato de os Comandos terem que manter postos avançados em torno da pista de pouso improvisada que haviam instalado naquele vale gelado. Seu maior medo era aparecer um defeito em uma das três aeronaves. Apesar de todas as redundâncias, havia várias peças que, se quebrassem, não poderiam ser consertadas. Os Comandos sabiam abastecer as aeronaves, sabiam carregar as armas, mas isso era tudo. Richter já decidira deixar que se preocupassem com a segurança do acampamento. Se um simples pelotão aparecesse, estariam perdidos. Os Comandos podiam matar todos os intrusos, mas bastaria um chamado pelo rádio para que um batalhão estivesse ali em questão de horas, e não podiam combater um batalhão. Operações espe­ciais, pensou. Eram ótimas quando davam certo, como qualquer operação militar, mas na situação atual a margem de segurança era tão estreita que dava para ver através dela. E ainda havia o problema de saírem dali, lembrou-se o piloto. Talvez tivesse sido melhor entrar para a Marinha.

— Bonita casa.

As regras eram diferentes em termo de guerra, pensou Murray. Os computadores tornavam tudo mais fácil, um fato que o FBI custara um pouco para descobrir. Depois de reunir um grupo de jovens agentes, a primeira tarefa fora a de consultar o cadastro do serviço de proteção ao crédito, conseguindo assim um endereço. A casa era imponente; um alto funcionário do governo federal só conseguiria dinheiro suficiente para comprá-la se economizasse cada tostão durante muitos anos, algo que Cook certamente não fizera. O homem fazia todas as transações bancárias no First Virginia e o FBI conseguira ter acesso aos registros do banco, constatando que, como a maioria das pessoas, Christopher Cook gastava a maior parte do que ganhava; sua poupança se resumia a quatorze mil dólares, quantia que reservara provavelmente para a educação dos filhos, e nisso, pensou Murray, estava sendo muito otimista, do jeito que as mensalidades das universidades estavam aumentando ultimamente. Entretanto, ao se mudar para a nova casa, não tocara nas economias. Tinha uma hipoteca, mas o valor era de menos de duzentos mil dólares, quantia essa que, mesmo somada aos cento e oitenta que conseguira com a venda da antiga casa, deixava uma diferença considerável, que os registros bancários eram inca­pazes de explicar. De onde viera o resto do dinheiro? Uma ligação para um amigo do Serviço de Imposto de Renda, mencionando um possível caso de evasão fiscal, fornecera outros registros de computador, suficientes para mostrar que não havia outra renda familiar significativa. Uma nova investigação revelou que os pais de Cook e da esposa eram falecidos e não tinham deixado uma fortuna para eles. Os dois carros do casal estavam pagos; embora um deles tivesse quatro anos de idade, o outro era um Buick que provavelmente ainda estava com cheiro de novo e que tinha sido comprado à vista. O que tinham, em suma, era um homem vivendo acima de suas posses.

— O que me dizem? — perguntou Murray a sua equipe.

— Ainda não temos um caso, mas a coisa está cheirando mal — respondeu o segundo agente mais antigo. — Precisamos dar uma olhada em outros registros bancários. — Para isso, necessitariam de uma ordem judicial, mas já sabiam que juiz procurar. O FBI tinha uma lista de juízes liberais.

Naturalmente, tinham realizado uma investigação semelhante em relação a Scott Adler, descobrindo que era divorciado, morava sozinho em um apartamento de Georgetown, pagava pensão à ex-esposa e um auxílio para a educação do filho e tinha um bom carro, mas levava uma vida normal. O secretário Henson era um homem rico, depois de uma carreira bem-sucedida como advogado, e uma pessoa difícil de ser subornada. As fichas de todos os suspeitos tinham sido reexaminadas, e nada de anormal fora encontrado, exceto a casa e o carro de Cook. Era questão de tempo até encontrarem o cheque usado para completar o pagamento da casa. Ali estava uma coisa boa dos bancos; eles mantinham registros de tudo. Era difícil fazer uma transação financeira sem deixar vestígios.

— Muito bem, vamos partir da suposição de que ele é o nosso homem. O vice-diretor assistente olhou para o grupo de agentes que, como ele, tinham deixado de pensar na possibilidade de que Barbara Linders estivesse tomando um remédio que reagira com o conhaque de Ed Kealty. Estavam tão envergonhados quanto ele próprio. Isso não era de todo ruim, pensou Dan; as pessoas trabalhavam com mais dedicação depois de cometer um erro tolo.

Jackson sentiu um solavanco quando a aeronave tocou no convés do porta-aviões, e logo depois, a desaceleração brusca produzida pelo cabo que o comprimiu contra o assento do compartimento de passageiros, voltado para a cauda. Tinha sido uma experiência muito desagradável, pensou. Preferia mil vezes pousar em um porta-aviões com as próprias mãos nos controles do que confiar a vida a um tenente novato. Pelo menos, era assim que o almirante considerava todos os jovens oficiais. Sentiu a aeronave fazer uma curva para a direita, dirigindo-se a uma parte desocupada do convés de voo. Finalmente, uma porta foi aberta, e ele saltou. Um tripulante bateu continência e apontou para uma porta aberta na superestrutura do navio. O sino do navio estava ali, e assim que entrou, um fuzileiro naval prestou continência e um suboficial bateu com o martelo no sino, anunciando pelo sistema de alto-falantes: — Força-tarefa Setenta e Sete, chegando.

— Bem-vindo a bordo, almirante — disse Bud Sanchez, com um sorriso, muito elegante no seu traje de voo. — O capitão está na ponte.

— Nesse caso, ao trabalho.

— Como está a perna, Robby? — perguntou o comandante do grupo aéreo enquanto subiam a escada.

— Meio emperrada, depois de passar tanto tempo sentado.

A viagem fora longa. Depois de uma reunião de despedida em Pearl Harbor, voara para Eniwetok, onde tivera que esperar pelo C-2A encarregado de transportá-lo até o porta-aviões. Jackson estava tão acostumado a viajar que não se perturbava mais com as diferenças de fuso horário.

— Eles acreditaram na versão oficial? — perguntou Sanchez.

— É difícil dizer, Bud. Só vamos saber quando chegarmos lá. Jackson permitiu que um fuzileiro abrisse a porta da casa do leme. A perna estava realmente emperrada; era mais um lembrete de que seus dias de piloto estavam terminados.

— Bem-vindo a bordo, almirante — disse o comandante, levantando os olhos de uma pilha de despachos.

O ruído das turbinas mostrou a Jackson que o Johnnie Reb estava realizando operações de voo, e ele olhou na direção da proa a tempo de ver um Tomcat decolar. O porta-aviões estava a meio caminho entre as Carolinas e Wake. Esta última ilha ficava mais perto das Marianas e por isso não seria usada para nada. Wake dispunha de uma pista excelente, ainda mantida pela Força Aérea. Eniwetok era apenas um campo de emergência, conhecido como tal, e por isso seria uma base mais discreta, embora muito menos conveniente em termos de recursos.

— O que aconteceu desde que saí de Pearl? — perguntou Jackson.

— Temos boas notícias — respondeu o comandante, passando-lhe um dos despachos.

— Não há a menor dúvida — afirmou Jones, olhando para os registros de sonar.

— Eles estão com muita pressa — concordou Mancuso, avaliando a velocidade e a distância e não gostando do que via, o que confirmava as suspeitas de Jones.

— Quem esta à espera deles? — Ron, não podemos...

— Almirante, como vou ajudá-lo se não souber o que está acontecendo? Acha que não mereço confiança? Mancuso pensou um pouco antes de responder.

— O Tennessee está parado bem acima do monte submarino Eshuna-daoki, apoiando uma operação especial que começará nas próximas vinte e quatro horas.

— E os outros Ohio? — Estão perto do atol de Ulithi, rumando para o norte, um pouco mais devagar agora. A força de submarinos nucleares vai preceder o porta-aviões. Os Ohio serão os primeiros a penetrar. — Isso fazia sentido, pensou Jones. Os submarinos eram lentos demais para operar com eficiência dentro da força-tarefa, que ele também estava rastreando com o SOSUS, mas eram ideais para vencer uma linha de patrulha de submarinos... contanto que os comandantes fossem espertos. Havia sempre essa ressalva. — Os navios japoneses vão passar por cima do Tennessee em mais ou menos...

— Eu sei.

— O que mais tem para mim? — perguntou o ComSubPac, mudando bruscamente de assunto.

Jones conduziu-o até o mapa da parede. Havia agora sete marcas de submarino, das quais apenas uma tinha um sinal de interrogação. O sinal estava na passagem entre a mais setentrional das Marianas, chamada Moug, e as Bonin, a mais famosa das quais era Iwo Jima.

— Estamos tentando nos concentrar nessa passagem — afirmou Jones. — Recebemos alguns sinais, mas nada muito seguro. Se eu fosse eles, porém, certamente vigiaria o lugar.

— Eu também — concordou Chambers.

Uma alternativa para os americanos seria colocar uma patrulha de submarinos no estreito de Luzon, para tentar impedir que os petroleiros chegassem ao arquipélago japonês. Entretanto, havia certas dificuldades. A Esquadra do Pacífico ainda não estava autorizada a atacar navios mercantes japoneses; além disso, a maioria dos petroleiros usava bandeiras de conve­niência, o que poderia levar a todo tipo de ramificações políticas. Não podemos nos arriscar a ofender a Libéria, pensou Mancuso com uma careta. Ou será que podemos? — Por que os navios japoneses estão correndo de volta para casa? — perguntou Jones, para quem a medida não fazia muito sentido..

— Ontem à noite fizemos um estrago nas defesas aéreas do Japão.

— Entendo. Nesse caso, só vão parar quando estiverem a oeste das Boninas... o que significa que logo vou perdê-los de vista. Seja como for, a velocidade é de trinta e dois nós e o curso ainda está muito claro, mas tudo indica que estejam indo para casa. — Jones fez uma pausa. — Estamos começando a deixá-los nervosos, não é? Mancuso se permitiu um sorriso.

— Exatamente.

44

JOGO PERIGOSO

 

— Tem de ser assim? — perguntou Durling.

— Repetimos vinte vezes a simulação — declarou Ryan, repassando os dados. — É uma questão de segurança, presidente. Não podemos deixar escapar nenhum.

O presidente olhou de novo para as fotos tiradas por satélites.

— Ainda não estamos cem por cento seguros, não é mesmo? Jack sacudiu a cabeça.

— Não senhor. Isso seria quase impossível. Entretanto, tudo indica que nossas conclusões estão corretas. Os russos concordam conosco, e têm tantos motivos quanto nós para se preocupar. Existem dez mísseis naquele lugar. Estão bem enterrados e o local parece ter sido escolhido justamente porque é difícil de atacar. Essas são indicações positivas. Não se trata de uma operação para despistá-los. O problema é saber se vamos conseguir destruir todos eles. E temos de fazê-lo rapidamente.

— Por quê? — Porque os japoneses estão levando para a costa navios que talvez sejam capazes de detectar nossas aeronaves.

— Não existe outro meio? — Não, senhor. Para que a operação seja bem-sucedida, teremos que executá-la esta noite.

E aquela noite, pensou Ryan, olhando para o relógio, já começara do outro lado do mundo.

— Protestamos veementemente contra o ataque dos americanos ao nosso país — começou o embaixador. — Evitamos deliberadamente cometer qualquer tipo de agressão e esperávamos a mesma atitude por parte dos Estados Unidos.

— Senhor embaixador, não sou consultado em matérias militares. As forças americanas atacaram território japonês? — perguntou Adler.

— Sabe muito bem o que fizeram e deve saber também que isso só pode ser a preparação para um ataque. E importante que compreenda — prosse­guiu o embaixador — que um ataque ao nosso território terá consequências funestas.

Deixou a última frase suspensa no ar, como uma nuvem de gás venenoso. Adler levou alguns segundos para responder.

— Em primeiro lugar, gostaria de chamar atenção para o fato de que não fomos nós que iniciamos o conflito. Além disso, seu país fez uma tentativa direta de prejudicar nossa economia...

— Como vocês fizeram com a nossa! — vociferou o embaixador, mostrando um descontrole que podia estar escondendo alguma coisa.

— Desculpe, mas acho que estava na minha vez de falar.—Adler esperou pacientemente que o embaixador se acalmasse; era óbvio que nenhum dos dois tivera uma boa noite de sono. — Gostaria de lembrar ainda que seu país matou militares americanos; se esperavam que não tivéssemos uma atitude, semelhante, certamente se enganaram.

— Jamais prejudicamos interesses vitais dos americanos.

— A liberdade e segurança dos cidadãos americanos é, em última análise, o único interesse vital do meu país, embaixador.

A mudança de atmosfera na sala de negociações não podia ser mais óbvia, e havia uma boa razão para isso. Os Estados Unidos estavam se preparando para tomar uma atitude, e essa atitude podia ser tudo, menos pacífica. Os rostos dos diplomatas reunidos em torno da mesa, novamente no último andar do Departamento de Estado, poderiam ter sido talhados em pedra. Ninguém queria ceder um milímetro nas sessões formais. Cabeças podiam se voltar ligeiramente quando o chefe de uma delegação começava a falar, mas não mais do que isso. A ausência de expressões faciais era de fazer inveja a qualquer jogador profissional... mas a verdade era que se tratava mesmo de um jogo, embora não envolvesse cartas ou dados. Quando chegou a hora do primeiro recesso, ainda estavam discutindo a devolução das Marianas.

— Estou preocupado, Scott — disse Cook, saindo para a varanda com o chefe.

Pelas olheiras, era fácil ver que Adler passara a noite em claro, provavelmente na Casa Branca. A época das eleições primárias estava chegando. A imprensa não se cansava de falar dos porta-aviões avariados em Pearl Harbor e agora também havia reportagens na TV diretamente de Saipan e Guam, com pessoas falando com rostos cobertos e vozes disfarça­das, dizendo que por um lado queriam ser cidadãos americanos e por outro temiam estar naquelas ilhas se os Estados Unidos lançassem um contra-ata­que. A ambivalência era exatamente o tipo de coisa capaz de confundir o público e, as pesquisas de opinião estavam divididas, embora a maioria se mostrasse indignada com a atitude dos japoneses e uma maioria ligeiramen­te maior expressasse o desejo de que a crise fosse resolvida por meios diplomáticos, se possível. Entretanto, 46% dos entrevistados, segundo uma pesquisa do Washington Post/ABC divulgada naquela manhã, não acredita­vam na possibilidade de uma solução pacífica. Um fator adicional era a posse de armas nucleares por parte do Japão, algo que não fora divulgado em nenhum dos dois países, em ambos os casos para não aterrorizar as respectivas populações. Todos os diplomatas que participavam daquelas sessões tinham começado o trabalho com a esperança sincera de que se pudesse chegar a uma solução pacífica, mas boa parte dessa esperança desaparecera em um período de apenas duas horas.

— Agora o problema é político — explicou Adler, deixando escapar a tensão em um profundo suspiro. — Isso era inevitável. Chris.

— E os mísseis nucleares? O subsecretário de Estado deu de ombros.

— Achamos que eles não serão loucos de usá-los.

— Vocês acham? Quem foi o gênio que chegou a essa conclusão? — perguntou Cook.

— Ryan, é claro. — Adler fez uma pausa. — É ele que está comandando o espetáculo. Segundo Ryan, o que devemos fazer agora é criar um bloqueio... definir uma zona marítima de exclusão, como os ingleses fizeram na guerra das Falklands. Impedir que os japoneses recebam petróleo.

— Vamos repetir mil novecentos e quarenta e um? Pensei que aquele cabeça-dura conhecesse história! Foi assim que começou nossa guerra com o Japão! — Talvez fique só na ameaça. Se Koga tiver a coragem de vir a público, pode ser que o governo caia. Assim, é importante que você descubra o que o outro lado... quero dizer, qual é a força da oposição japonesa.

— Estamos envolvidos em um jogo muito perigoso, cara.

— É verdade — concordou Adler, olhando de frente para o auxiliar. Cook voltou-se e foi até o outro lado da varanda. Antes, Adler achara aquilo normal, uma parte das negociações, e como era ridículo, pensando bem, que as conversações mais sérias fossem mantidas durante os recessos e regadas a café, chá e biscoitos apenas porque os diplomatas não queriam se arriscar a fazer pronunciamentos oficiais... bem, aquelas eram as regras. E o outro lado soubera fazer bom uso delas. Observou os dois homens de longe. O embaixador japonês parecia muito menos à vontade, o que está realmente pensando? Adler daria a vida para descobrir. Era muito fácil agora pensar no homem como um inimigo pessoal, o que seria um erro. Ele era um profissional, servindo ao país como era pago para fazer. Os olhos dos dois se encontraram por um momento, ambos deliberadamente desviando o olhar de Nagumo e Cook, e a máscara profissional rompeu-se por um instante, apenas por um instante realmente, quando os dois homens perceberam que estavam falando de guerra, de vida e de morte, questões que lhes tinham sido impostas por outras pessoas. Foi um estranho momento de camaradagem, no qual os dois homens se perguntaram como as coisas tinham chegado àquele ponto e como sua capacidade profissional estava sendo explorada por outros.

— Isso seria uma grande tolice — afirmou Nagumo, com um sorriso forçado.

— Se você tem algum canal de comunicação com Koga, está na hora de usá-lo.

— Claro que tenho, mas ainda é muito cedo para isso, Christopher. Precisamos receber alguma coisa em troca. Será que vocês não entendem isso? — Durling não será reeleito se virar as costas a trinta e tantos mil cidadãos americanos. Se tiver de matar alguns milhares de japoneses para libertá-los, não hesitará em fazê-lo. A alternativa é ameaçar a economia do Japão, na esperança de que vocês voltem atrás.

— O povo americano não o apoiaria se soubesse que nós temos...

— E como acha que o povo japonês reagiria se descobrisse? Cook conhecia suficientemente bem o Japão para saber que a população sentia uma profunda repugnância por armas nucleares. O interessante era que o povo americano compartilhava desse sentimento. Talvez o bom senso acabasse por prevalecer, pensou o diplomata, mas não com a rapidez necessária, e não naquele contexto.

— Eles vão compreender que essas armas são vitais para os nossos novos interesses — respondeu Nagumo, para surpresa do americano. — Mas você tem razão: também é vital que elas nunca sejam usadas, e para isso temos de evitar que vocês estrangulem nossa economia. Se isso acontecer, muita gente vai morrer.

— De acordo com o que seu chefe disse há pouco, muita gente já está morrendo, Seiji — observou Cook, afastando-se do japonês.

— Alguma novidade? — perguntou Adler.

— Ele me disse que pode entrar em contato com Koga.

Aquela parte era tão óbvia que não ocorrera ao FBI, e eles nem quiseram acreditar na sua versão, mas Adler conhecia Cook. Ele estava gostando de Participar das negociações, gostando até demais, sentindo-se mais impor­tante do que nunca. Ainda não lhe ocorrera que falara mais do que devia. Adler estava convencido de que o responsável pelo vazamento tinha sido realmente Cook, e agora ele provavelmente deixara escapar mais uma informação, exatamente como Ryan esperava. Adler se lembrou de que alguns anos antes, quando Ryan fazia parte de um grupo externo, encarre­gado de investigar os métodos usados pela CIA, chamara a atenção dos superiores por ter inventado a Armadilha para Canários. Pois estava sendo novamente usada.

O tempo naquela manhã estava tão frio, que as delegações voltaram para a sala antes da hora para começar a segunda rodada de negociações. Aquela poderia levar a algum resultado concreto, pensou Adler.

O coronel Michael Zacharias se encarregou de fazer um resumo da missão. Seria um trabalho de rotina, a despeito do fato de que os B-2 jamais haviam disparado um tiro (na verdade, jamais haviam deixado cair uma bomba, mas a ideia era a mesma). O 5092 Grupo de Bombardeiros datava de 1944. O primeiro comandante tinha sido o coronel Paul Tibbets, da Força Aérea dos Estados Unidos. A base, sugestivamente, ficava em Utah, pensou o coronel, o estado onde nascera. O comandante da esquadrilha, um briga­deiro, pilotaria a primeira aeronave. O subcomandante da esquadrilha ficaria com a número dois. Como subcomandante de operações, a ele caberia a número três. Sua parte era a mais desagradável da operação, mas ela era tão importante que, depois de meditar a respeito do papel da ética na guerra, chegara à conclusão de que os parâmetros da missão estavam dentro dos limites de tolerância impostos aos guerreiros pelos legisladores e filósofos.

Fazia muito frio em Elmendorf quando os jipes transportaram os aviadores para os bombardeiros. Naquela noite, voariam com tripulações de três homens. Os B-2 fora projetados para voar apenas com piloto e copiloto, com a opção de um terceiro homem para cuidar dos sistemas defensivos que, segundo o fabricante, podiam ser facilmente operados pelo copiloto. Entretanto, no caso de uma operação de guerra, era sempre melhor contar com uma boa margem de segurança; antes mesmo que as aeronaves deixassem o Missouri, mais de cento e cinquenta quilos de equipamentos tinham sido colocados a bordo, além dos quase cem quilos do oficial de guerra eletrônica.

Havia muita coisa estranha naquela aeronave. Os números de série dos aviões da Força Aérea dos Estados Unidos eram tradicionalmente pintados na cauda, mas o B-2 não tinha cauda, de modo que o número ficava no alçapão da roda dianteira. Por se tratar de um bombardeiro de penetração, tinha sido projetado para voar a grande altitude (embora o governo tivesse resolvido mais tarde alterar o projeto para que pudesse também participar de missões de curta distância), como os aviões de passageiros, para econo­mizar combustível. Uma das aeronaves mais dispendiosas jamais construí­das, combinava a envergadura de um DC-10 com uma invisibilidade quase total. Pintado de cinza para ser confundido com o céu noturno, era agora uma esperança luminosa para o fim rápido da guerra. Apesar de ser um bombardeiro, os homens que tinham planejado a missão esperavam que ela transcorresse de forma pacífica. Enquanto colocava o cinto de segurança, Zacharias achou mais fácil pensar naquela missão como uma missão de bombardeio.

As quatro turbinas GE foram ligadas, uma de cada vez; os indicadores em forma de fita se moveram até mostrar a rotação nominal, na qual as turbinas consumiam combustível como se estivessem trabalhando com a potência máxima na altitude de cruzeiro, enquanto o copiloto e o OGE verificavam os sistemas de bordo. Pouco depois, os três bombardeiros taxiaram em direção à pista em fila indiana.

— Até agora, não encontraram nenhuma resistência — pensou Jackson em voz alta, no Centro de Informações de Combate, abaixo do convés de voo. O plano de operações previa essa possibilidade, embora não quisesse se fiar demais nela. Seu adversário mais perigoso eram os quatro contratorpedeiros Aegis que os japoneses haviam despachado para vigiar as Marianas. A Marinha ainda não sabia como derrotar a combinação radar-mísseis, e Jackson esperava que a missão lhe custasse vidas e aeronaves, mas, de qualquer forma, os Estados Unidos agora estavam com a iniciativa. O outro lado estava manobrando apenas para se defender, o que sempre fora uma tática suicida.

Robby podia sentir nos ossos: o John Stennis aumentara a força dos seus motores para a potência máxima, rumando para noroeste a trinta nós. Consultou o relógio e imaginou se as outras operações que ajudara a planejar no Pentágono também estavam transcorrendo sem problemas.

Dessa vez, seria um pouco diferente. Richter ligou os motores do Coman­che, como fizera na noite anterior, imaginando se teria a mesma sorte e lembrando o provérbio, muito usado pelos militares, que dizia que o mesmo equipamento raramente funcionava duas vezes. Lamentava que o sujeito que inventara aquele provérbio não estivesse presente para vê-lo. Sua última divagação foi imaginar se seria aquele piloto de caça da Marinha que conhecera em Nellis, fazia alguns meses. Era pouco provável, pensou; aquele sujeito parecia ser uma pessoa muito séria.

Mais uma vez, os comandos cercaram o helicóptero com seus extintores ridiculamente pequenos e mais uma vez eles não foram necessários. Richter decolou sem nenhum incidente e subiu rapidamente, acompanhando as encostas do Shuraishi-sen e tomando o rumo leste, em direção a Tóquio, desta vez seguido por duas outras aeronaves.

— Ele quer falar pessoalmente com Durling — afirmou Adler. — Disse isso no final da sessão da manhã.

— O que mais? — perguntou Ryan.

Como era do seu temperamento, o diplomata transmitira primeiro o recado.

— Cook é o nosso homem. Ele me contou que o seu contato tem ligações com Koga.

— Você...

— Sim, eu disse a ele o que me pediu. E o caso do embaixador? Ryan consultou o relógio. Não podia ser naquele momento, e não esperava aquela complicação, mas talvez o outro lado tivesse decidido colaborar.

— Marque para daqui a noventa minutos. Vou falar com o chefe.

O oficial de guerra eletrônica também era encarregado de verificar os sistemas de armas. Capazes de transportar oitenta bombas de 250 quilos, os compartimentos de bombas tinham espaço para apenas oito das bombas de penetração de uma tonelada, e 8 vezes 3 era igual a 24. Era essa aritmética que tornava necessária a parte final da missão. Uma solução muito mais simples seria recorrer a bombas nucleares, mas essa possibilidade não fora aventada, para alívio do coronel Zacharias. Ele queria viver em paz com sua consciência.

— Está tudo em ordem, coronel — informou o OGE.

Isso não era surpresa, já que todas as armas tinham sido verificadas pessoalmente por um oficial de armamentos, um primeiro-sargento e um engenheiro da empreiteira e submetidas a uma dúzia de simulações antes de serem carregadas no bombardeiro como se fossem frutas frescas. Tinham de agir assim para manter o nível do fabricante em 95%, que, embora elevado, ainda estava longe da certeza absoluta. Na verdade, gostariam de contar com um número maior de aeronaves naquela missão, mas já fora difícil reunir três B-2; mais do que isso, seria impossível.

— Muito bem, dê-me um curso — ordenou Zacharias, olhando para seu monitor.

— Um-nove-zero parece bom, no momento.

Os instrumentos identificavam cada radar pelo tipo, e a melhor tática parecia ser a de explorar o mais antigo deles, afortunadamente um projeto americano cujas características conheciam muito bem.

À frente dos B-2, os Lightning estavam novamente em ação, dessa vez sozinhos e em segredo, aproximando-se de Hokkaido pelo leste, enquanto os bombardeiros vinham de sudeste. O exercício agora era mais mental do que físico. Um dos E-767 estava no ar, dessa vez sobre terra e provavelmente escoltado por caças, enquanto os E-2C, menos capazes, patrulhavam o oceano. Os pilotos de caça deviam estar mais atentos; a tela mostrou que alguns Eagle usavam seus radares APG-70 para vasculhar o céu. Está na hora de fazê-los pagar por isso. Os dois aviões desviaram-se ligeiramente para a direita, dirigindo-se para os dois Eagle mais próximos.

Dois ainda estavam no solo, um deles com um andaime em volta da cúpula de radar. Talvez fosse o que estava sendo reformado, pensou Richter, aproximando-se cautelosamente. Ainda tinha algumas montanhas para se esconder, mas havia uma instalação de radar em uma delas, um sistema de defesa aéreo de grande porte. O computador de bordo escolheu uma rota segura, e o piloto desceu um pouco para segui-la. Acabou a cinco quilôme­tros da estação de radar, mas abaixo dela. Estava na hora de trabalhar.

Richter ultrapassou o topo da última montanha, e o radar Longbow varreu a área à sua frente. A memória computadorizada selecionou os dois E-767 em seu catálogo de formas hostis e os iluminou no monitor. A tela à esquerda de Richter os mostrou como ícones 1 e 2. O piloto escolheu Hellfire no menu de armas, os alçapões do depósito de armas se abriram, e ele disparou duas vezes. Os mísseis Hellfire foram lançados e se dirigiram para a base aérea, a oito quilômetros de distância.

O Alvo Quatro ficava em um edifício de apartamentos, felizmente no último andar. ZORRO-três chegara à cidade pelo sul, e agora o piloto estava inclinando a aeronave, preocupado com a possibilidade de ser visto do chão mas à procura de uma janela iluminada. Ali. Não parecia uma lâmpada acesa, pensou o piloto. Devia ser um receptor de TV. Também servia. Usou o controle manual para engajar o sistema no ponto de luz azulada.

Kozo Matsuda estava tentando descobrir como se metera naquela enrascada e chegava sempre à mesma conclusão: expandira demais seus negócios e por isso fora obrigado a se unir a Yamata. Onde estava o amigo agora? Em Saipan? Precisavam dele no Japão. O Gabinete estava ficando nervoso, e embora Matsuda tivesse certeza da lealdade do primeiro-ministro, descobri­ra havia poucas horas que os ministros estavam começando a pensar por conta própria, e isso não era nada bom... como também não eram os últimos acontecimentos. Os americanos tinham conseguido vencer as defesas do país, o que era uma grande surpresa. Será que não compreendiam que a guerra tinha de terminar o mais cedo possível, deixando as coisas como estavam? Parecia que o poder militar era a única coisa que eles entendiam, mas enquanto Matsuda e os outros tinham pensado que o poder militar estava do lado deles, os americanos não tinham se deixado intimidar.

E se eles... e se eles não cederem? Yamata-san lhe assegurara o contrário, mas também lhe assegurara que o sistema financeiro americano entraria em colapso e os filhos da mãe tinham conseguido reverter a situação com mais facilidade do que Mushashi em uma de suas lutas de espada, como a que estava assistindo no momento na TV. Agora não podiam mais recuar. Tinham de ir até o fim ou teriam que enfrentar um destino pior do que a sua... imprudência quase infligira ao conglomerado que presidia. Impru­dência?, perguntou-se Matsuda. Ora, compensara isso aliando-se a Yamata. Se pelo menos o colega voltasse a Tóquio e os ajudasse a manter o governo na linha, talvez...

A televisão mudou de canal. Estranho. Matsuda pegou o controle remoto e mudou o canal de volta. O canal tornou a mudar sozinho.

 

A quinze segundos do alvo, o piloto do ZORRO-três ativou o laser de infravermelho usado para guiar o míssil antitanque. O Comanche agora estava sendo controlado pelo piloto automático, o que permitia que controlasse manualmente a arma até o alvo. Não lhe ocorreu que o raio infravermelho do laser tivesse a mesma frequência que o aparelho que as crianças usavam em casa para escolher um canal de desenhos animados.

Que droga! Matsuda mudou de canal pela terceira vez e a televisão voltou a mostrar um noticiário. O que havia com o maldito aparelho? Era um modelo de tela grande, fabricado pela sua empresa. O industrial se levantou da cama e encostou o controle remoto no receptor, mas mesmo assim o canal tornou a mudar.

— Bakayaro! — rosnou, ajoelhando-se em frente ao aparelho e mudando manualmente o canal. Mais uma vez, a TV voltou para o noticiário. As luzes estavam apagadas no quarto, e no último momento Matsuda viu uma mancha amarelada na tela. Seria um reflexo? Voltou-se e viu um semicírculo amarelo de fogo se aproximando da janela, um segundo antes que o míssil Hellfire explodisse na viga de aço ao lado da cama.

O ZORRO-três observou a explosão no último andar do edifício, fez uma curva brusca para a esquerda e se dirigiu ao alvo seguinte. Era uma missão interessante, pensou, melhor do que as que executara na Força-tarefa NORMANDIA, fazia seis anos. Não estava nos seus planos se tornar piloto de helicóptero, mas ali estava, fazendo o trabalho de um. O disparo seguinte foi semelhante ao primeiro. Teve de fechar os olhos para protegê-los do clarão, mas podia garantir que em um raio de vinte metros do lugar onde o míssil explodiu ninguém sobrevivera para contar a história.

Quando o primeiro Hellfire se aproximou da aeronave, havia vários tripulantes nas proximidades. O E-767 foi atingido em cheio no nariz, mas Richter calculou que alguns deles podiam ter escapado da explosão. O segundo míssil, que, como o primeiro, era guiado exclusivamente por computador, destruiu a cauda do segundo E-767. O Japão agora estava reduzido a dois daqueles aparelhos, os que estavam no ar naquele momento. Eles provavelmente não teriam coragem de voltar para aquela base, mas, para ter certeza, Richter fez meia-volta, selecionou o canhão e fez picadinho do radar de defesa aérea antes de ir embora.

Binichi Murakami estava saindo do edifício depois de uma longa conversa com Tanzan Itagake. Estava disposto a se reunir com os amigos do gabinete na manhã seguinte e aconselhá-los a parar com aquela loucura antes que fosse tarde demais. Sim, o Japão tinha mísseis nucleares, mas tinham sido construídos na expectativa de que sua existência fosse suficiente para impedir que fossem usados. A simples ideia de revelar a presença desses mísseis em solo japonês ameaçava destruir a coalizão política que mantinha Goto no poder; compreendia agora que só era possível controlar os políticos, enquanto eles não se davam conta do poder que tinham nas mãos.

Um mendigo na rua, era a imagem que sempre voltava a sua mente. Se não fosse ele, jamais teria se deixado convencer pelos argumentos de Yamata. Que pena, estava pensando, no momento em que o céu ficou branco acima de sua cabeça. O guarda-costas de Murakami estava perto dele e jogou-o no chão ao lado do carro, enquanto ambos eram atingidos por uma chuva de cacos de vidro. O ruído da explosão ainda ecoava no ar quando ouviu um barulho semelhante a alguns quilômetros de distância.

— O que aconteceu? — perguntou, antes de perceber que estava com o rosto sujo de sangue.

O sangue vinha do braço do empregado, que fora aberto por um caco de vidro. O homem mordeu os lábios e manteve a dignidade, mas o ferimento era sério. Murakami ajudou-o a entrar no carro e mandou o motorista se dirigir para o hospital mais próximo. Enquanto o motorista se preparava para cumprir a ordem, outra explosão iluminou o céu.

 

— Mais dois filhotes de foca — murmurou o coronel consigo mesmo.

Chegara a uma distância de oito quilômetros antes de lançar os mísseis Slammer, e apenas um dos Eagle ensaiara uma medida evasiva, mas sem sucesso. Entretanto, o piloto conseguira acionar o mecanismo de ejeção e agora estava descendo de paraquedas . Era suficiente, por ora. Voltou o Lightning para nordeste e ajustou a velocidade para Mach 1,5. Sua esquadrilha de quatro aparelhos abrira um buraco nas defesas de Hokkaido; a Força Aérea do Japão teria de deslocar aeronaves para fechar a brecha, o que era exatamente o objetivo da missão daquela noite. Durante anos, o coronel repetira para quem quisesse ouvir que não podia haver lealdade em uma guerra e sabia que não havia covardia maior do que usar um avião invisível para atacar aeronaves conven­cionais. Era como matar filhotes de foca. Entretanto, homens não eram focas, o que estava fazendo era praticamente assassinato, e o oficial teria preferido que nada daquilo fosse necessário.

O OGE os fizera passar entre dois radares de defesa aérea e a menos de duzentos quilômetros de um E-2C em órbita. O canal de rádio estava cheio de conversas, tensas e animadas, entre as estações de terra e os caças, todos agora ao norte de onde se encontravam. Chegaram ao litoral acima de uma cidade chamada Arai. O B-2A estava a treze mil metros, viajando com uma velocidade de pouco menos de 1.200 quilômetros por hora. Sob a primeira camada de tecido, uma malha de cobre absorvia a maior parte da energia eletromagnética que no momento incidia sobre a aeronave. Era um princí­pio simples, que podia ser encontrado em qualquer livro de física elementar. Os fios de cobre absorviam a maior parte da energia como se fossem antenas de rádio, transformando-a em calor, que logo se dissipava no ar frio da noite. O restante dos sinais era dispersado pela estrutura interna em vez de ser refletido de volta para a fonte. Pelo menos, era o que todos esperavam.

Ryan recebeu o embaixador e acompanhou-o até a Ala Oeste, cercado por cinco agentes do Serviço Secreto. A atmosfera era o que os diplomatas chamavam de "franca". Não houve nenhuma descortesia, mas a atmosfera era tensa, e faltavam as pequenas gentilezas que em geral caracterizavam aquele tipo de encontro. Ninguém falou mais do que o estritamente necessário; quando entraram na Sala Oval, Jack estava imaginando que tipo de ameaça o embaixador poderia fazer naquele momento tão inoportuno.

— Senhor embaixador, sente-se, por favor — disse Durling.

— Obrigado, presidente.

Ryan sentou-se entre o diplomata visitante e Roger Durling. Era uma ação automática para proteger o presidente, mas desnecessária. Dois dos agentes tinham entrado e não deixariam mais a sala. Um ficou na porta; o outro colocou-se exatamente atrás do embaixador.

— Fui informado de que tinha alguma coisa para me dizer — observou Durling.

A reação do diplomata foi instantânea.

— Meu governo quer informá-lo de que pretendemos tornar público o fato de que dispomos de armas estratégicas. Achamos que seria justo que soubesse.

— Isso será considerado como uma ameaça ao nosso país, embaixador — declarou Ryan, resguardando o presidente da necessidade de falar diretamente.

— Só será uma ameaça se vocês assim a desejarem.

— O senhor está ciente de que também possuímos armas nucleares e podemos usá-las contra o Japão — observou Jack.

— Como já fizeram uma vez — replicou o embaixador, sem pestanejar. Ryan fez que sim com a cabeça.

— Sim, no caso de outra guerra que seu país começou.

— Volto a insistir que só será uma guerra se vocês assim a desejarem.

— Embaixador, quando um país invade território americano e mata soldados americanos, isso só pode ser considerado um ato de guerra.

Durling acompanhava a discussão praticamente impassível, desempe­nhando seu papel, enquanto o conselheiro de Segurança Nacional desem­penhava o dele. Conhecia o auxiliar suficientemente bem para saber que estava nervoso, pela forma como cruzava os pés, pelas mãos crispadas, e o admirou por manter a voz calma e pausada, apesar na natureza da conversa. Bob Fowler estava certo, mais ainda do que o ex-presidente e o atual haviam pensado. Um bom homem para ter por perto durante uma tempestade. Roger Durling pensou na frase, que datava da época em que os homens tinham começado a navegar. Por mais voluntarioso e impaciente que fosse às vezes, em momentos de crise Ryan se comportava como um médico em uma sala de operação. Seria algo que aprendera com a esposa?, pensou o presidente. Talvez fosse a experiência dos últimos dez ou doze anos, em que mais de uma vez servira ao governo. Uma boa cabeça, um bom instinto e nervos de aço sempre que necessário. Que pena que não gostasse de política! O pensamento quase fez Durling sorrir, mas aquele não era o lugar apropriado. Não, Ryan não se daria bem na política. Ele era do tipo que gostava de lidar diretamente com os problemas. Mesmo suas sutilezas eram algo irônicas e não sabia mentir de forma convincente, mas apesar disso era um bom homem para ter por perto em tempo de crise.

— Queremos chegar a uma solução pacífica para esta disputa — dizia o embaixador. — Para isso, estamos dispostos a fazer concessões.

— Não aceitaremos nada menos que o retorno ao status quo ante — replicou Ryan, iniciando uma linha de ação que o fez cruzar os pés com mais força. Detestava fazer aquilo, mas agora tinha de representar a cena que ele e o presidente haviam planejado. Se algo desse errado, o erro teria sido de Ryan, e não de Roger Durling. — E a eliminação de todas as armas nucleares do Japão, sob supervisão internacional.

— Está nos forçando a fazer um jogo muito perigoso.

— Esse jogo foi inventado por vocês. — Ryan teve de usar de todo o autocontrole para manter a calma. Cobriu o pulso esquerdo com a mão direita. Podia sentir o relógio, mas não queria olhar para ele com medo de revelar que estava preocupado com a hora. — Violaram o Tratado de Não Proliferação. Violaram o Estatuto das Nações Unidas. Violaram vários tratados com os Estados Unidos da América. Como esperam que aceitemos tudo isso e ainda a escravização de cidadãos americanos? Como pensam que a população japonesa vai reagir quando souber da verdade? Os acontecimentos da noite anterior do norte do Japão ainda não eram de conhecimento público. O governo japonês estava controlando a impren­sa com maior rigor do que Ryan estava fazendo com as redes de TV americanas, mas esse tipo de comportamento tinha um grande problema: a verdade sempre acabava por vir à tona. O que era uma boa coisa quando a verdade era conveniente para seus propósitos e uma coisa terrível quando não era.

— Precisam nos oferecer alguma coisa em troca! — insistiu o embaixa­dor, perdendo visivelmente a compostura.

Atrás dele, o agente do Serviço Secreto se remexeu, preocupado.

— O que oferecemos a vocês é a chance de restabelecer a paz com dignidade.

— Isso não é nada! — Isso é assunto para o subsecretário Adler e seus auxiliares. Conhece nossa posição — acrescentou Ryan. — Se decidirem tornar pública a questão das armas nucleares, não podemos impedi-los. Tenho o dever de preveni-lo, porém, que isso conduzirá a um agravamento da situação que não será bom nem para nós nem para vocês.

O embaixador olhou para Durling, à espera de algum tipo de reação. Faltava pouco tempo para as eleições primárias de Iowa e New Hampshire, e o presidente certamente queria começar a campanha pela reeleição com o pé direito... seria essa a razão para aquela postura inflexível?, pensou o diplomata. As ordens de Tóquio eram para que conseguisse algum espaço de manobra, mas os americanos não estavam colaborando, e o culpado disso só podia ser Ryan.

— O Dr. Ryan está autorizado a falar em nome dos Estados Unidos? O coração de Jack deu um pulo quando o presidente fez que não com a cabeça.

— Não, embaixador. Quem fala pelos Estados Unidos sou eu. — Durling fez uma pausa antes de acrescentar: — Neste caso, porém, o Dr. Ryan está falando em meu nome. Tem mais alguma coisa a nos dizer? — Não, presidente.

— Nesse caso, não tomarei mais seu tempo. Espero que seu governo compreenda que a melhor solução para a presente crise é a que propomos. Qualquer outra opção seria incomparavelmente pior. Tenha um bom dia.

Durling não se levantou para acompanhar o embaixador até a porta. Ryan foi com ele, mas dois minutos depois estava de volta.

— Quando vai ser? — perguntou o presidente.

— A qualquer momento.

— E bom que dê certo.

O céu estava limpo abaixo deles, embora houvesse alguns resquícios de nuvens cirros a quinze mil metros. Mesmo assim, o ponto inicial, chamado de PI, era praticamente invisível a olho nu. Pior ainda: não conseguia avistar as outras duas aeronaves da esquadrilha, embora, de acordo com os planos, devessem estar apenas seis e doze quilômetros à frente, respectivamente. Mike Zacharias pensou no pai, em todas as missões que executara desafian­do as defesas mais sofisticadas da época, na forma como fora abatido, apenas uma vez, e sobrevivido milagrosamente em um campo de prisioneiros que por pouco não fora seu túmulo. Aquela missão era mais fácil, sob alguns aspectos, mas também mais difícil, já que o B-2 se mostrava incapaz de executar qualquer tipo de manobra exceto para ajustar ligeiramente sua posição de acordo com o vento dominante.

— Bateria de Patriot a duas horas — advertiu o capitão encarregado dos equipamentos de guerra eletrônica. — Acaba de ligar o radar.

Zacharias logo compreendeu por quê. Apareceram os primeiros clarões no solo, alguns quilômetros à frente. Isso quer dizer que os relatórios da inteligência estavam corretos, pensou o coronel. Os japoneses não tinham muitos mísseis Patriot e não os instalariam ali de graça. Olhando para baixo, podia ver as luzes de um trem em movimento bem perto do vale que estavam para atacar.

— Interrogar — ordenou o piloto. A parte perigosa estava começando. O radar LPI localizado na parte inferior do nariz da aeronave apontou automaticamente para o local designado pelo sistema de navegação baseado em satélites, determinando a posição do bombardeiro em relação a um acidente geográfico conhecido. A aeronave fez uma curva para a direita e dois minutos depois repetiu a leitura.

— Míssil lançado! Temos um Patriot no ar... um, não, dois! — informou o OGE.

Devem estar atrás do Número Dois, pensou Zacharias. Provavelmente o pegaram com os alçapões abertos. O bombardeiro deixava de ser invisível quando abria o alçapão do compartimento de bombas, mas precisava de apenas alguns segundos para...

Ali estão. Viu os Patriot saírem de trás de uma colina, viajando muito mais depressa do que os SA-2 que o pai tivera de enfrentar. Moviam-se tão rápido que não pareciam foguetes e sim raios de luz, que a vista mal conseguia acompanhar. Seria impossível esquivar-se deles. Entretanto, os dois foguetes, separados apenas por algumas centenas de metros, continua­ram em linha reta, passando pela altitude em que estava o bombardeiro e explodindo como fogos de artifício quando chegaram a dezoito mil metros. Os cientistas estavam certos: esse negócio de invisibilidade realmente funciona contra os Patriot. Os operadores do sistema antiaéreo deviam estar muito surpresos, pensou Zacharias.

— Começando a primeira passagem — anunciou o piloto.

Os alvos eram dez. De acordo com as informações disponíveis, eram silos de mísseis, e o coronel teria prazer em eliminá-los, embora isso custasse mais algumas vidas humanas. Eram três aviões, cada um carregado com oito bombas. Assim, dispunham de apenas vinte e quatro bombas para cumprir a missão, duas para cada silo e as últimas quatro de Zacharias para o último alvo. Duas bombas para cada alvo. Cada bomba tinha 95% de probabilidade de explodir a menos de quatro metros do alvo, o que era uma precisão muito boa, exceto pelo fato de que em missões como aquela não havia margem para erro. A probabilidade teórica era de 2,5% de que as duas bombas errassem o alvo, mas isso queria dizer que a probabilidade de que pelo menos um dos silos escapasse era de 22%, algo intolerável.

— Sistemas? — perguntou, pelo intercomunicador.

— Normais — respondeu o OGE.

Os olhos do capitão estavam no sistema de navegação GPS, que recebia sinais de quatro relógios nucleares em órbita e determinava a posição exata da aeronave em três dimensões, usando-a ainda para calcular o curso, velocidade em relação ao solo e velocidade do vento. Todas essas informa­ções eram transmitidas para o sistema de bombardeio, já programado para conhecer a localização dos alvos. O primeiro bombardeiro encarregara-se dos alvos de 1 a 8. O segundo bombardeiro cuidara dos alvos de 3 a 10. O avião de Zacharias bombardearia pela segunda vez os alvos 1, 2, 9 e 10. A ideia era evitar que uma das aeronaves bombardeasse duas vezes o mesmo alvo.

— A bateria de Patriot ainda está funcionando. Parece que fica na entrada do vale.

Azar o deles, pensou Zacharias.

— Bomba lançada! — exclamou o copiloto. A resposta do OGE foi instantânea.

— Eles os viram! — exclamou. — Míssil lançado! — Não há perigo — afirmou Zacharias, com mais confiança do que realmente sentia.

A segunda bomba foi lançada. O coronel teve uma ideia súbita. E se o comandante da bateria fosse mais esperto do que ele pensava? E se tivesse tirado suas conclusões depois do insucesso da primeira dupla de mísseis? Meu Deus, a missão poderia fracassar se...

Dois segundos mais tarde, a última bomba foi lançada e os alçapões do compartimento de bombas fecharam-se, fazendo com que o B-2 ficasse novamente invisível ao radar.

— Só pode ser um bombardeiro invisível — declarou o controlador. — Veja! O grande alvo que aparecera de repente no céu sumira. O possante aparelho de radar de fase escalonada anunciara a presença do alvo tanto visualmente como através de um sinal sonoro, mas agora a tela estava vazia, embora não totalmente. Quatro pequenos objetos estavam descen­do, como oito haviam descido no minuto anterior. Bombas. O coman­dante da bateria sentira e ouvira o impacto no vale da explosão dos dois mísseis no ar. Da última vez, tentara atingir os bombardeiros, desperdi­çando dois mísseis preciosos, e os dois que acabara de lançar também se perderiam... será que...

— Mudar de alvo! — gritou o comandante da bateria para seus subor­dinados.

— Eles não estão nos seguindo — afirmou o OGE, com mais esperança do que convicção. O radar de rastreamento mudou de direção e parou, mas não apontado para eles.

Como medida de segurança, Zacharias mudou de rumo, o que seria necessário de qualquer forma para cumprir a segunda parte da missão. Isso o faria sair da trajetória dos mísseis, evitando a possibilidade de um impacto fortuito.

— Continue! — ordenou o piloto.

— Eles passaram por nós...

As palavras do OGE foram confirmadas quando dois riscos luminosos iluminaram as nuvens acima deles. Os três tripulantes ficaram esperando pelas explosões, mas não viram nem sentiram nada. Os mísseis deviam ter explodido muito longe da aeronave.

Parece que estamos a salvo.

— Eles ainda estão... ainda estão usando o radar de controle dos mísseis! — informou o OGE. — Mas...

— Na nossa direção? — Não, de jeito nenhum. Não sei...

— As bombas! Que merda! — exclamou Zacharias. — Estão rastreando as bombas! Havia quatro delas, as mais inteligentes das bombas inteligentes, caindo rapidamente agora, mas não tão rápido quanto um bombardeiro de mergu­lho. Cada uma delas sabia onde se encontrava no espaço e no tempo e também para onde ir. O computador do B-2 lhes fornecera todos os dados: posição, altitude, velocidade e direção da aeronave, velocidade e direção do vento; com base nessas informações, os computadores das bombas compa­ravam sua localização com a localização do alvo para o qual tinham sido programadas. Agora, em plena queda, estavam ajustando continuamente a trajetória, de modo que a probabilidade de errarem o alvo era muito pequena. Entretanto, as bombas não eram invisíveis, porque ninguém pensara em fazê-las assim, e eram suficientemente grandes para ser rastreadas.

A bateria de Patriot ainda dispunha de mísseis para ser lançados e de uma base para defender; embora o bombardeiro tivesse desaparecido, havia quatro objetos na tela e o radar era capaz de segui-los. Automaticamente, o sistema de rastreamento começou a acompanhar os novos alvos, enquanto o comandante da bateria se censurava por não ter tido aquela ideia mais cedo. Obedecendo a um comando, o operador girou a chave que permitia que o sistema de mísseis funcionasse no modo autônomo. O computador não sabia que os alvos que se aproximavam não eram aeronaves. Estavam se movendo no ar, podia vê-los claramente e os operadores humanos diziam: derrube.

O primeiro dos quatro mísseis saiu do lançador e começou a transfor­mar o combustível sólido em um risco branco no céu noturno. O sistema de direção rastreava os alvos através do próprio míssil; embora complexo, era praticamente imune a interferências e de grande precisão. O primeiro míssil engajou o alvo, transmitindo sinais para o solo e recebendo instruções dos computadores da bateria. Se o míssil tivesse um cérebro, teria sentido uma satisfação íntima ao acompanhar o alvo, escolhendo um ponto no espaço e no tempo para se encontrar com ele...

— Em cheio! — exclamou o operador, quando a noite transformou-se em dia e o segundo míssil começou a rastrear a segunda bomba.

A luz lá embaixo dizia tudo. Zacharias viu o reflexo nas encostas rochosas, cedo demais para que fossem bombas. Isso significava que a pessoa que planejara aquela missão não tinha nada de paranoica...

— Lá está o PI Dois — disse o copiloto, trazendo o coronel de volta à realidade.

— Alvo engajado — informou o OGE.

Dessa vez, Zacharias podia ver o alvo com clareza, uma mancha azul-escura, muito diferente do solo escuro daquela região montanhosa, e que terminava em uma faixa branca. Chegou a avistar as luzes da casa de máquinas.

— Alçapões abertos.

A aeronave subiu alguns metros quando as quatro bombas foram lançadas. Os controles de voo compensaram a súbita perda de peso; o bombardeiro fez uma curva para a direita e tomou o rumo leste, conside­rando a missão cumprida.

O comandante da bateria deu um soco no painel de instrumentos e um grito de satisfação. Conseguira acertar três das quatro bombas e o quarto míssil, mesmo errando o alvo, talvez tivesse explodido suficientemente perto da bomba para desviá-la, embora tivesse sentido o solo tremer com o impacto. Pegou o telefone de campo e ligou para a casamata do comando de mísseis.

— Vocês estão bem? — perguntou, preocupado.

— O que nos atingiu? — quis saber o oficial. O comandante dos Patriot ignorou a pergunta.

— O que aconteceu com os mísseis? — Oito foram destruídos, mas acho que dois escaparam. Terei de ligar para Tóquio e pedir instruções.

O oficial estava surpreso com o fato de dois mísseis terem ficado intactos e seu primeiro impulso foi atribuir o fato à escolha do local. Os silos tinham sido cavados na rocha, o que ajudara a proteger pelo menos dois dos ICBM. Que ordens receberia, agora que os americanos tinham tentado desarmar seu país? Espero que mandem lançar os que sobraram, pensou o comandante dos Patriot mas não teve coragem de dizer isso em voz alta.

As últimas quatro bombas do terceiro B-2 foram lançadas sobre a represa hidrelétrica no final do vale. Tinham sido programadas para atingir de baixo para cima a parede de concreto armado, com a mesma precisão das bombas que tinham sido usadas contra os silos dos mísseis. Sem que ninguém visse ou ouvisse coisa alguma, caíram em fila indiana, separadas por apenas trinta metros.

A represa tinha cento e trinta metros de altura e quase exatamente a mesma largura na base; a estrutura estreitava-se progressivamente até um vertedouro de apenas dez metros. De construção sólida, tanto para suportar o peso do reservatório como para resistir aos frequentes terremotos que assolavam o Japão, vinha produzindo eletricidade havia mais de trinta anos.

A primeira bomba caiu setenta metros abaixo do vertedouro. Uma arma pesada, com uma espessa carcaça de aço endurecido, penetrou quinze metros no concreto antes de explodir, abrindo uma pequena caverna, no momento em que a segunda bomba atingia a imensa parede em um ponto cinco metros acima do primeiro.

A represa era guardada por um vigia, que acordou com o barulho das explosões do outro lado do vale. Ele estava imaginando o que acontecera quando viu o primeiro clarão, que parecia vir de dentro da represa. Ouviu quando a segunda bomba se chocou com o concreto e um segundo depois o choque quase o fez cair de costas.

— Conseguimos pegar todos eles? — perguntou Ryan.

Contrariamente à crença popular, e para frustração de Jack, os compu­tadores do Escritório Nacional de Reconhecimento não estavam ligados em tempo real à Casa Branca. Por isso, era forçado a acompanhar a operação do Pentágono.

— Não temos certeza. Todas as bombas caíram perto do alvo... quero dizer, quase todas, porque algumas explodiram antes do tempo...

— Como assim? — Parece que três bombas, todas do último bombardeiro, explodiram no ar. No momento, estamos analisando as fotos e...

— Sobrou algum silo intacto? — interrompeu Ryan, impaciente.

— Um, talvez dois, não temos certeza. O senhor pode me dar alguns minutos? — disse o analista, em tom de quem pede desculpas. — Outro satélite vai passar sobre o local daqui a alguns minutos.

A represa poderia ter suportado duas explosões, mas a terceira, a vinte metros do vertedouro, abriu uma fenda, ou melhor, soltou um bloco de concreto de forma triangular. O bloco escorregou para a frente e parou, mantido no lugar pelo imenso atrito. Por um segundo, o vigia imaginou que a represa fosse resistir. A quarta bomba atingiu o bloco bem no centro, fragmentando-o. Quando a poeira assentou, ele fora substituído por uma nuvem de espuma, enquanto a água precipitava-se por uma fenda de trinta metros na parede da represa. A fenda cresceu diante dos olhos do vigia, e só então lhe ocorreu ir ao escritório às pressas e avisar por telefone às pessoas que estavam no vale. Àquela altura, um rio renascido depois de três décadas de sono forçado estava descendo o vale que cavara durante centenas de milhares de anos.

— Qual é a situação? — perguntou uma voz, em Tóquio.

— Um dos mísseis parece intacto: o número nove. O número dois... o número dois pode ter sofrido danos leves. Ele está sendo examinado neste exato momento. Quais são as ordens? — Preparar para um possível lançamento e aguardar.

— Hai.

A linha ficou muda.

E agora, o que vou fazer?, perguntou-se o oficial de serviço. Era novo naquele trabalho e nunca pensara em cuidar de mísseis nucleares, um trabalho que realmente não queria, mas ninguém se dera ao trabalho de lhe perguntar. Lembrou-se das ordens que recebera, pegou um telefone (um telefone preto, comum; os japoneses não tinham tido tempo de adotar todo o aparato que cercava o uso de armas nucleares por parte dos americanos) e ligou para o primeiro-ministro.

— Alô. Quem fala? — Goto-san, aqui é do Ministério. Nossos mísseis foram atacados! — O quê? Quando? — perguntou o primeiro-ministro. — Os estragos foram grandes? — Apenas um dos mísseis está em condições de funcionar. Um sofreu danos leves e os outros provavelmente foram destruídos. No momento, estamos trabalhando no míssil avariado.

O oficial ouviu a exclamação de raiva do outro lado da linha.

— Em quanto tempo podem ser lançados? — Menos de uma hora. Já dei ordens para iniciarem os preparativos. O oficial abriu um manual para ficar a par dos detalhes do lançamento.

Recebera instruções completas, é claro, mas agora, no calor do momento, sentia necessidade de ter um documento por escrito, enquanto os compa­nheiros reuniam-se à sua volta, em um silêncio soturno.

— Agora preciso me reunir com o gabinete! — exclamou o primeiro-mi­nistro, desligando.

O oficial olhou em volta. Viu algumas expressões de ódio, porém mais forte do que o ódio era o medo. Tinham sido alvo de um novo ataque e agora reconheciam a importância das incursões anteriores por parte dos americanos. Eles tinham descoberto onde estavam os mísseis e usado os ataques contra o sistema de defesa aérea japonês para esconder suas verdadeiras intenções. O que o Japão poderia fazer agora? Iniciar um ataque nuclear? Isso seria loucura. Era o que pensava o general, e percebeu que os colegas mais sensatos do centro de comando comparti­lhavam a sua opinião.

Fora quase um milagre. O silo número nove continuava praticamente intacto. Uma bomba explodira a apenas seis metros de distância, mas a rocha em torno do... não, constatou o oficial, a bomba não explodira. Havia um buraco no solo rochoso do vale, mas à luz da lanterna podia ver um objeto no interior. Era a bomba. Uma bomba inteligente com uma espoleta defeituosa. Não era incrível? Resolveu dar uma olhada no silo número dois. Enquanto se dirigia para o local, ouviu uma espécie de buzina e imaginou o que estaria acontecendo. Enquanto caminhava, admirou-se com o fato de os americanos não terem bombardeado a casamata de controle. Dos dez mísseis, oito tinham sido totalmente destruídos. Os vapores dos propelentes fizeram-no tossir e achou melhor colocar uma máscara contra gases que lhe cobriu o rosto e, infelizmente, os ouvidos.

O silo número dois fora atingido por uma única bomba. Atingido não era bem o termo. A bomba errara o alvo por mais de dez metros; embora tivesse deslocado toneladas de rochas e rachado o revestimento de concreto, tudo que tinham a fazer era remover o entulho; o míssil provavelmente estava intacto.

Malditos americanos'., pensou, tirando do bolso o rádio portátil para chamar a casamata de controle. Estranhamente, não houve resposta. Então notou que o chão parecia tremer, mas desconfiou que fossem apenas as suas pernas. Respirou fundo, mas os tremores não pararam. Um terremoto... e o que era aquele barulho de trovoada, que podia ouvir apesar da máscara contra gases? Quando viu o que estava acontecendo, não havia mais tempo para correr até as encostas do vale.

A guarnição da bateria dos Patriot também ouviu o barulho, mas ignorou-o. Os soldados encarregados do transporte tiveram mais sorte. Estavam na extremidade do desvio, cuidando de um comboio com mais quatro mísseis, quando ouviram a parede branca explodir do outro lado do vale. Alguns conseguiram chegar a um local seguro antes que a onda de trinta metros de altura cobrisse o local.

A trezentos quilômetros de altura, um satélite cruzava o vale de sudoeste para nordeste, todas as nove câmaras acompanhando a passagem da onda.


45

LINHA DE COMBATE

 

— Lá vão eles — disse Jones.

As marcas a lápis no formulário contínuo eram quase idênticas: traços finos na linha de 1.000Hz, que indicavam que os sistemas Prairie-Masker estavam ligados, e traços semelhantes em baixa frequência característicos de motores diesel. Havia sete desses conjuntos, e embora as marcações ainda não estivessem variando muito depressa, isso poderia mudar a qualquer momento. Todos os submarinos japoneses estavam agora perto da superfície e na hora errada. Costumavam usar os respiradouros na hora certa, em geral uma hora depois de começar o turno, o que permitia que os homens que estavam entrando de serviço se acostumassem à rotina depois de um período de descanso e também que realizassem uma verificação no sonar antes de se colocarem em posição vulnerável. Entretanto, passava vinte e cinco minutos da hora certa, e todos tinham começado a usar os respiradores dentro do mesmo período de cinco minutos. Isso só podia significar que haviam recebido novas ordens. Jones pegou o telefone e apertou o botão do SubPac.

— Aqui é Jones.

— O que está acontecendo, Ron? — A isca que o senhor jogou na água está atraindo os peixes. Temos sete sinais — informou. — Quem está esperando por eles? — Não posso dizer pelo telefone, Ron — explicou Mancuso. — Como vão as coisas aí? — Tudo sob controle — respondeu Jones, olhando em volta. — Seus auxiliares eram pessoas competentes para começar; o treinamento extra deixara-os em excelente forma.

— Por que não traz os dados para cá, então? Você merece isso.

— Estarei aí em dez minutos — disse o empreiteiro.

— Sucesso total — declarou Ryan.

— Tem certeza? — perguntou Durling.

— Veja o senhor mesmo.

Jack colocou sobre a mesa do presidente três fotos que tinham acabado de chegar do NRO.

— Esta era a situação até ontem. — Não havia nada para ver, exceto a bateria de mísseis Patriot A segunda foto mostrava mais. Embora fosse uma foto de radar, em branco e preto, fora combinada com uma fotografia convencional para oferecer uma visão mais precisa do campo de mísseis. — Esta aqui foi tirada há sete minutos — afirmou Ryan, apontando para a terceira fotografia.

— Parece um lago! O presidente levantou a cabeça, surpreso, embora já soubesse o que esperar.

O lugar está debaixo de trinta metros de água e permanecerá assim por mais algumas horas — explicou Jack. — Esses mísseis estão acabados...

— Junto com quantas pessoas? — perguntou Durling.

— Mais de cem — respondeu o conselheiro de Segurança Nacional, logo perdendo o entusiasmo. — Presidente... não havia outro jeito.

Durling fez que sim com a cabeça.

— Eu sei. Temos certeza de que os mísseis...? — As fotos tiradas antes da inundação mostram que sete dos mísseis foram destruídos. O oitavo provavelmente sofreu sérias avarias. Nada sabemos sobre os outros dois. Acontece que as tampas dos silos não aguentam muita pressão e a enxurrada deve ter carregado grande quantidade de detritos. Não, esses mísseis jamais serão usados, e conseguimos isso sem recorrer a armas nucleares. — Jack fez uma pausa. — Foi tudo ideia de Robby Jackson. Obrigado por me deixar recompensá-lo pelo feito.

— Ele está a bordo do porta-aviões? — Sim, senhor.

— Bem, parece ser o homem certo para o trabalho, não acha? — perguntou o presidente, de forma retórica, claramente aliviado com as últimas notícias. — E agora? — Agora, presidente, tentaremos resolver este problema de uma vez por todas.

Nesse momento, o telefone tocou. Durling atendeu.

— Oh. Sim, Tish? — O governo japonês anunciou que dispõe de armas nucleares e espera que...

— Não, elas não existem mais — disse Durling, interrompendo o diretor de comunicações. — E melhor fazermos logo nosso pronunciamento.

— Oh, sim — disse Jones, olhando para o mapa na parede.—Você conseguiu fazer isso em tempo recorde, Bart.

A linha fora formada a oeste das Marianas. O submarino mais ao norte era o Nevada. Cinquenta quilômetros ao sul, estava o West Virgínia. Mais cinquenta quilômetros ao sul, o Pennsylvania. O que estava mais ao sul era o Maryland. A linha tinha cento e cinquenta quilômetros de comprimento, sem contar o alcance dos navios das extremidades, que era de vinte e cinco quilômetros. Estavam trezentos quilômetros a oeste na linha de submarinos japoneses, que por sua vez estavam se deslocando para oeste.

— Isso faz lembrar outra guerra, não é? — observou Jones, reparando que aqueles submarinos tinham nomes de antigos encouraçados; mais do que isso, de belonaves atacadas de surpresa em uma manhã de dezembro, quando ele nem era nascido. Os donos originais daqueles nomes tinham sido desenterrados da lama e enviados para tomar aquelas ilhas de volta, apoiando soldados e fuzileiros comandados por Jesse Oldendorf; certa noite escura, no estreito de Surigao... mas não estava na hora de falar de história.

— E os navios? — perguntou Chambers.

— Nós os perdemos de vista quando passaram pelas ilhas Bonin comandante. A velocidade e o curso mantinham-se praticamente constan­tes. Devem chegar ao local onde está o Tennessee por volta da meia-noite, hora local, e a essa altura nosso porta-aviões...

— Você já sabe tudo sobre a operação — observou Mancuso.

— Estou monitorando o oceano interior para o senhor. O que esperava? — Senhoras e senhores — disse o presidente, na Sala de Imprensa da Casa Branca. Estava falando de improviso, notou Ryan, usando apenas alguns lembretes escritos à mão, algo que sempre deixava o chefe do executivo pouco à vontade. — Esta noite, ouviram o governo do Japão anunciar que fabricou e instalou mísseis intercontinentais com ogivas nucleares.

"Há várias semanas que o fato é do conhecimento do governo deste país; é por esse motivo que a administração tem usado de extrema cautela ao lidar com a crise do Pacífico. Como podem imaginar, a possibilidade de um conflito nuclear afetou nossas decisões e norteou nossa resposta à agressão japonesa contra o território e os cidadãos americanos nas Maria­nas.

"Agora, posso informar a todos que esses mísseis foram destruídos. Eles não existem mais — declarou Durling, em tom incisivo.

"A situação atual é a seguinte: os militares japoneses ainda ocupam o arquipélago das Marianas. Os Estados Unidos da América não podem aceitar essa situação. Os habitantes dessas ilhas são cidadãos americanos e as forças americanas farão o que for necessário para restituir sua liberdade e seus direitos humanos. Repito: faremos o que for necessário para reaver essas ilhas.

"Hoje à noite, vamos pedir ao primeiro-ministro Goto que retire imediatamente todas as tropas japonesas das Marianas. Se não formos atendidos, teremos de retirá-las à força.

"Isto é tudo que tenho a dizer no momento. Qualquer pergunta será respondida pelo meu conselheiro de Segurança Nacional, Dr. John Ryan.

O presidente retirou-se para um canto da sala, ignorando um coro de perguntas, enquanto alguns cavaletes eram instalados. Ryan se dirigiu ao atril, fazendo todos esperarem enquanto se concentrava em falar pausadamente e com clareza.

— Senhoras e senhores, vou lhes falar a respeito da Operação TORNADO. Primeiro, gostaria que vissem quais foram os alvos.

Foi mostrada a primeira foto, e pela primeira vez o povo americano pôde ver do que eram capazes os satélites de reconhecimento. Ryan pegou uma vareta e começou a explicar a cena, dando tempo para que as câmaras de TV a focalizassem de perto.

— Que merda! — observou Manuel Oreza. — Então foi por isso!

— Parece uma razão muito boa — concordou Pete Burroughs. De repente, a imagem desapareceu.

— Lamentamos informar que a transmissão da CNN foi interrompida temporariamente por motivos técnicos — informou uma voz.

— Motivos técnicos uma ova! — exclamou Portuga.

— O próximo alvo seremos nós, não acha?

— Já está mais do que na hora — disse Oreza.

— E aquela bateria de mísseis na colina? — perguntou a mulher de Oreza.

— Estamos preparando cópias de todas essas fotos para os senhores. Devem ficar prontas daqui a cerca de uma hora. Desculpem a demora — disse Jack.

— Temos estado muito ocupados.

"A missão foi executada por bombardeiros B-2, sediados na Base Aérea de Whiteman, no Missouri...

— De onde eles partiram? — perguntou um repórter.

— Sabe muito bem que essa informação é sigilosa — replicou Jack.

— Esses bombardeiros transportam armas nucleares — afirmou outra voz. — Então nós...

— Não. O ataque foi executado com armas convencionais de alta precisão. Próxima foto, por favor — disse Ryan ao homem que estava ao lado do cavalete. — Como podem ver, o vale ficou praticamente intacto...

Estava sendo mais fácil do que esperava; ainda bem que não tivera muito tempo para se preocupar com a apresentação. Ryan se lembrou da primeira vez que falara na Casa Branca. Ficara muito mais nervoso, embora não houvesse as luzes da TV para incomodá-lo, como agora.

— Vocês destruíram uma represa?

— Sim, destruímos. Tínhamos que estar absolutamente certos de que essas armas seriam destruídas e...

— E quanto às baixas?

— Todas as nossas aeronaves estão a caminho de casa. Talvez já tenham chegado, mas não tenho confirmação de que...

— E quanto às baixas dos japoneses? — insistiu a repórter.

— Quanto a isso, não tenho nenhuma informação — respondeu Jack, em tom incisivo.

— O senhor se importa? — perguntou a repórter, tentando provocá-lo.

— Nossa missão era eliminar armas nucleares que ameaçavam os Estados Unidos, mantidas por um país que já atacara território americano. Está me perguntando se matamos japoneses? Sim, matamos. Quantos? Não sei. Nossa preocupação nesse caso era com as vidas dos americanos. Gostaria de lembrar à senhora que não fomos nós que começamos esta guerra, e sim o Japão. Quem começa uma guerra tem de suportar as consequências. Sou o conselheiro de Segurança Nacional do presidente e minha missão, antes de tudo, é ajudar o presidente Durling a proteger este país. Está bem claro? — perguntou Ryan.

As últimas palavras foram ditas com um pouco de irritação, e o olhar indignado da repórter não impediu que alguns dos seus colegas fizessem que sim com a cabeça.

— Mas vocês pediram à imprensa que mentisse, o que não pode ser considerado...

— Pare! — gritou Ryan, com o rosto vermelho. — Quer colocar as vidas dos soldados americanos em risco? Qual é o seu objetivo? O que espera ganhar com isso?

— Vocês forçaram as redes a...

— Esta entrevista está sendo transmitida para o mundo inteiro. A senhora sabe disso, não sabe? — Ryan fez uma pausa para tomar fôlego. — Senhoras e senhores, gostaria de lembrar que quase todos que estão nesta sala são cidadãos americanos. Falando agora em meu nome — prosseguiu, sem ter coragem de olhar na direção de Durling —, vocês percebem que o presidente é responsável pelas mães, pelos pais, pelos filhos, pelas esposas deste país que vestem um uniforme para defendê-lo? No momento, muitos deles se encontram em perigo. Seria bom que vocês da imprensa não se esquecessem disso.

— Minha nossa! — murmurou Tish Brown ao ouvido de Durling. — Presidente, acho que devíamos...

— Não. Deixe-o falar.

Houve um silêncio momentâneo. Depois, alguém gritou alguma coisa para a repórter, que ainda estava de pé, e ela se sentou, visivelmente envergonhada.

— Dr. Ryan, Bob Holtzman do Washington Post — disse outro repórter, desnecessariamente. — Quais são as chances de que este conflito seja encerrado sem mais violência?

— Isso só depende do governo japonês. Como disse o presidente, os habitantes das Marianas são cidadãos americanos e nosso país tem obrigação de defendê-los. Se o Japão retirar suas forças, poderá fazê-lo em paz. Caso contrário, continuaremos nossas operações.

— Obrigado, Dr. Ryan – disse Holtzman.

Jack se dirigiu apressadamente para a porta, ignorando novas perguntas.

— Bom trabalho — observou Durling. — Por que não vai para casa dormir um pouco?

 

— E o que é isto? — perguntou o fiscal da alfândega.

— Meu equipamento fotográfico — respondeu Chekov.

Abriu espontaneamente a maleta. Fazia calor no terminal; o sol dos trópicos que entrava pelas janelas panorâmicas estava levando vantagem sobre o ar condicionado. Tinha sido muito fácil cumprir as novas ordens. Os japoneses queriam jornalistas nas ilhas, tanto para cobrir a campanha eleitoral como para assegurar, com sua simples presença, que os ameri­canos pensariam duas vezes antes de tentar uma invasão. O fiscal olhou para as câmaras e pareceu satisfeito ao constatar que eram todas japone­sas.

— E isto aqui?

— Meu equipamento de iluminação é russo — explicou Ding, falando inglês com sotaque. — Fabricamos lâmpadas muito boas. Talvez um dia seu país se interesse em importá-las — acrescentou, com um sorriso.

— Pode ser — disse o fiscal, fechando a maleta e marcando-a com giz.

— Onde vão ficar?

— Não tivemos tempo de fazer reserva — explicou "Klerk". — Ainda vamos procurar um hotel.

— Não sabem o que os espera, pensou o fiscal. Estava todo mundo indo para as ilhas; tinha certeza de que os hotéis de Saipan estavam lotados. Mas isso não era problema seu.

— Podemos alugar um carro no aeroporto?

— Podem. É ali — disse o homem, apontando. O russo mais velho parecia nervoso, pensou.

— Está atrasado.

— Desculpe — disse Oreza. — Não tenho nada de novo para contar, talvez os caças estejam um pouco mais ativos, mas isso não...

— Vocês vão receber duas visitas — informou Jackson.

— Quem são? — Dois repórteres. Querem entrevistá-los — respondeu o almirante, que não podia ter certeza de que Oreza não estava nas mãos dos japoneses.

— Quando? — Devem chegar aí hoje mesmo. Está tudo bem com você, sargento? Primeiro-sargento, seu presunçoso, pensou Portuga.

— Tudo bem. Vimos parte do discurso do presidente e ficamos um pouco preocupados porque existe uma bateria de mísseis aqui perto e...

— Vão ser avisados com antecedência. Sua casa tem porão? — pergun­tou a voz.

— Não.

— Está bem. Fique calmo, certo? — Sim, senhor. Até logo.

— Sua casa tem porão?

— Não.

— Está bem. Fique calmo.

— Se está bem, por que você perguntou? Oreza tirou o telefone do aparelho, removeu as pilhas e foi até a janela. Dois Eagle estavam decolando. Parecia uma coisa tão mecânica... Algo estava acontecendo, mas não sabia o quê. Talvez os pilotos também não soubessem; só de olhar para as aeronaves era impossível adivinhar o que estavam pensando.

Shiro Sato fez uma curva para a direita com seu F-15J para sair das rotas comerciais. Se os americanos atacassem, fariam como no ataque ao Japão, partindo de ilhas distantes e reabastecendo os aviões em pleno ar. Wake era uma possibilidade, mas havia outras ilhas estrategicamente posicio­nadas para aquele tipo de operação. Teria de enfrentar aeronaves parecidas com a sua, equipadas com radar. Seria uma luta equilibrada, a não ser que os filhos da puta usassem aviões invisíveis. Malditos aviões invisíveis. Contra eles, nem os Kami eram suficientes. Mas os americanos tinham poucas aeronaves daquele tipo, e se voassem à luz do dia, se arriscariam a perdê-las. Pelo menos, não seriam apanhados novamente de surpresa. Tinham um grande radar de defesa aérea no ponto culmi­nante de Saipan, e podiam contar com o apoio dos caças estacionados em Guam. Não, não seria fácil derrotá-los, pensou, subindo para a altitude de patrulha.

— Então, qual é o problema? — perguntou Chavez, olhando para o mapa.

— Se eu lhe contasse, você não acreditaria.

— Acho que devemos pegar a próxima à esquerda. — Chavez levantou os olhos do mapa. Havia soldados por toda parte e estavam cavando trincheiras, algo que já deviam ter feito havia muito tempo, pensou. — Aquilo ali é uma bateria de Patriot? — E o que parece.

O que vou dizer a ele?, perguntou-se Clark, entrando na rua sem saída. Sabia de cor o número da casa. Estacionou o carro, saltou e dirigiu-se para a porta da frente.

Quando a campainha tocou, Oreza estava no banheiro, tomando banho, enquanto Burroughs se encarregava de contar as aeronaves que pousavam e decolavam de Kobler.

— O que deseja? — Você não sabe? — perguntou Clark, olhando em volta. Quem seria aquele sujeito... — São repórteres, certo? — Isso mesmo.

— Está bem.

Burroughs abriu a porta e olhou para a rua, com ar desconfiado.

— Quem é você? Pensei que aqui fosse a casa de...

— Não pode ser! Você está morto! — Oreza estava de pé no corredor, usando apenas uma bermuda caqui, os cabelos do peito formando um emaranhado tão espesso quanto a única floresta que restava na ilha. Os cabelos pareciam ainda mais pretos pelo contraste com a palidez que tomara conta do corpo. — Você está morto! — repetiu.

— Olá, Portuga — disse Klerk/Clark/Kelly. — Há muito tempo que não nos vemos.

— Eu vi você morrer. Fui ao seu enterro! — Ei, conheço você! — exclamou Chavez. — Estava no barco onde nosso helicóptero pousou. Trabalha para a CIA? Oreza estava atônito. Não se lembrava do mais jovem, mas o mais velho parecia... não podia ser... mas era. Impossível. Mas era.

— John? — perguntou, incrédulo.

Foi demais para o homem que fora conhecido como John Kelly. Pousou a mala no chão e correu para abraçar o amigo, surpreso com as lágrimas que lhe vieram aos olhos.

— Sim, Portuga, sou eu. Como vai? — Mas como...

— No meu enterro não usaram a frase "na certeza de que o mar devolverá seus mortos"? Pois foi o que ele fez — concluiu, rindo.

Oreza fechou os olhos e tentou se lembrar do que acontecera fazia vinte anos.

— Foram aqueles dois almirantes, certo? — Acertou em cheio.

— O que você tem...

— Estou na CIA, cara. Eles acharam que precisavam de um...

— Eu me lembro muito bem dessa parte.

John não mudara muito. Parecia mais velho, mas com o mesmo cabelo e os mesmos olhos, tão abertos e francos como sempre, pensou Portuga, mas por baixo havia uma sugestão de algo mais, como uma fera enjaulada, mas um animal que tivesse a chave da jaula.

— Ouvi dizer que você está indo bem para um marujo reformado.

— Primeiro-sargento. — O homem sacudiu a cabeça. O passado podia esperar. — O que está acontecendo? — Passamos algumas horas sem notícias. Alguma novidade? — O presidente falou na televisão. A transmissão foi interrompida no meio, mas...

— Eles realmente tinham armas nucleares? — perguntou Burroughs.

— "Tinham?" — perguntou Ding.

— Conseguimos destruí-las?

— Foi o que o presidente disse. Quem é você, afinal? — quis saber Oreza.

— Domingo Chavez — respondeu o rapaz, estendendo a mão. — Estou vendo que você e Clark se conhecem.

— Meu sobrenome agora é Clark — explicou John.

Como era bom falar com alguém que conhecia seu verdadeiro nome, pensou.

— Ele sabe? John sacudiu a cabeça.

— Pouca gente sabe. Quase todos que sabiam estão mortos, entre eles, o almirante Maxwell e o almirante Greer. Uma pena. Foram eles que me salvaram.

Oreza voltou-se para o rapaz.

— É uma grande história, meu amigo. Ainda bebe cerveja, John?

— Especialmente quando é de graça — confirmou Chavez.

 

— Não compreende? Está tudo acabado!

— Quem mais eles pegaram? — perguntou Yamata.

— Matsuda, Itagake... os patrocinadores de todos os ministros, exceto você e eu — afirmou Murakami, omitindo o fato de que escapara por pouco.

— Raizo, está na hora de acabarmos com isto. Ligue para Goto e diga a ele que proponha a paz.

— De jeito nenhum! — exclamou Yamata.

— Não entende? Nossos mísseis foram destruídos e...

— Isso não quer dizer muita coisa. Podemos fabricar mais ogivas nucleares e ainda temos alguns mísseis em Yoshinobu.

— Sabe o que os americanos farão se insistirmos em ameaçá-los?

— Eles não teriam coragem!

— Você disse que o sistema financeiro dos Estados Unidos não iria se recuperar tão cedo. Disse que nossas defesas aéreas eram imbatíveis. Disse que nossos mísseis nucleares estavam bem protegidos — Murakami parou para tomar fôlego. — Você disse isso tudo... e estava errado. Agora chegou a minha vez de falar. Diga a Goto que proponha a paz!

— Eles jamais conseguirão tomar as ilhas de volta. Jamais!

— Diga o que quiser, Raizo. De minha parte, está acabado.

— Se é assim, procure um bom lugar para se esconder! — Yamata teria batido com o telefone, mas estava usando um celular. — Assassinos — murmurou. Passara a maior parte da manhã colhendo informações. Os americanos haviam eliminado seus amigos zaibatsu. Como? Ninguém sabia. Haviam penetrado nas defesas que os militares consideravam inexpugnáveis e destruído os mísseis intercontinentais.

— Como? — perguntou.

— Parece que subestimamos a qualidade das forças armadas americanas — respondeu o general Arima, dando de ombros. — Isso não é o fim. Ainda nos restam algumas opções.

— Ah, é? Parece que nem todo mundo se considera derrotado...

— Eles não podem invadir as ilhas, porque não dispõem de um número suficiente de embarcações anfíbias. Mesmo que conseguissem desembarcar uma força de invasão... teriam coragem de lutar no meio de seus próprios cidadãos? Claro que não. — O general Arima sacudiu a cabeça. — Não correriam esse risco. O que desejam é uma paz negociada. Ainda temos uma chance.... se não de um sucesso total, pelo menos de chegarmos a um acordo que nos permita ficar com as ilhas.

Yamata recebeu bem as palavras do general, olhando pela janela para a ilha que queria que fosse sua. Ainda podia ganhar as eleições, pensou. Para isso, bastava atacar a vontade política dos americanos, o que não seria muito difícil.

O comandante Sato estava surpreso com o grande número de passageiros na viagem do 747 de volta para Narita. Trinta minutos depois da decolagem, uma aeromoça contou-lhe pelo intercomunicador que dos onze passageiros com quem conversara, nove haviam dito que tinham negócios urgentes para tratar no Japão. Que negócios urgentes podem ser esses?, pensou. O comércio internacional do país estava reduzido a apenas alguns navios viajando entre o Japão e a China.

— A coisa não vai bem — comentou o copiloto, depois de uma hora de voo. — Olhe lá embaixo.

Era fácil ver navios de uma altitude de dez mil metros, e ultimamente Sato passara a viajar com binóculo para poder identificá-los. Apontou-os para o local indicado e viu as formas características dos contratorpedeiros Aegis, ainda rumando para o norte. Obedecendo a um impulso, mudou a frequência do rádio.

— Voo da JAL chamando Mutsu. Câmbio.

— Quem está falando? — respondeu imediatamente uma voz. — Saia desta frequência!

— Aqui fala o comandante Torajiro Sato. Quero falar com o comandante da frota! — disse, com voz autoritária.

A ordem levou apenas um minuto para ser atendida.

— Irmão, você não devia ter feito isso — repreendeu-o Yusuo.

O silêncio no rádio era não só uma formalidade mas também uma necessidade estratégica. Ele sabia que os americanos dispunham de satélites de reconhecimento; além disso, os radares SPY do seu grupo estavam funcionando. Se houvesse aeronaves americanas por perto, saberiam onde estavam os navios. Era um fato que na semana anterior não o teria incomodado, mas agora não estava tão certo.

— Só queria dizer que confio em você e nos seus homens. Pode nos usar como alvo de prática para o radar — acrescentou.

No CIC do Mutsu, os controladores do sistema de armas já estavam fazendo isso, mas o almirante achou melhor não contar a Sato.

— Obrigado. Foi bom falar com você. Agora, se me desculpa, tenho muito trabalho para fazer.

— Entendido, Yusuo. Desligo. — Sato tirou o dedo do botão do rádio. — Está vendo? — disse ao copiloto. — Eles estão fazendo o trabalho deles e temos de fazer o nosso.

O copiloto não estava tão certo, mas Sato era o comandante do 747 e ele preferiu ficar calado. Como a maioria dos japoneses, estava acostumado a pensar na guerra como algo a ser evitado a todo custo. A novidade de um conflito com os Estados Unidos... bem, no princípio até que a ideia de ensinar uma lição aos gaijin lhe parecera interessante, mas logo percebera que aquilo não passava de uma fantasia. Pouco depois, sofrerá um duplo choque: a notícia de que o Japão construíra armas nucleares (o que lhe parecia uma loucura), imediatamente seguida pela declaração americana de que essas armas tinham sido destruídas. Afinal, o avião que estavam pilotando era uma aeronave americana, um Boeing 747-400PIP, com cinco anos de idade, mas representando o que havia de mais moderno sob todos os aspectos, robusto e confiável. Os Estados Unidos eram os líderes mundiais em engenharia aeronáutica; se podiam construir um avião comercial tão bom quanto aquele, como seriam suas aeronaves militares mais avançadas? Os aviões da Força Aérea do Japão eram todos cópias de projetos americanos, a não ser pelos 767 de guerra eletrônica de que tanto ouvira falar, primeiro para dizer que eram invencíveis e mais recentemente para noticiarem que, infelizmente, tinham sido quase todos destruídos. Aquela loucura tinha que parar. Será que não entendiam isso? Alguns, pelo menos, deviam entender. Se não fosse assim, por que aquele avião estaria cheio de pessoas que haviam preferido não ficar em Saipan, apesar do entusiasmo inicial? Entretanto, o comandante parecia pensar de forma diferente, pensou o copiloto. Torajiro Sato estava ali sentado a seu lado, olhando fixamente para a frente, como se tudo estivesse normal, quando na realidade não estava.

Tudo que tinha a fazer era olhar para baixo, para aqueles contratorpedeiros iluminados pelo sol da tarde. O que estavam fazendo? Protegendo a costa do Japão de um possível ataque inimigo. Isso era normal? — Aqui é o operador de sonar.

— Pode falar.

Claggett assumira o leme no turno da tarde. Queria que a tripulação o visse trabalhando e, além disso, era bom para não perder a prática.

— Possíveis múltiplos contatos ao sul — informou o operador de sonar.

— Marcação um-sete-um. Parecem navios em alta velocidade.

Deviam ser eles, pensou o comandante, dirigindo-se para a sala do sonar. Sua intenção era ordenar que plotassem o curso, mas quando chegou lá, constatou que dois contramestres haviam iniciado a tarefa, e o analisador de raios já começava a imprimir os primeiros resultados. A tripulação agora estava bem treinada e as coisas aconteciam automaticamente. Melhor do que isso: além de agir, eles também sabiam pensar.

— Anda estão muito distantes, mas olhe para isto, comandante — disse o operador. Era claramente um contato real. Os sinais apareciam em quatro frequências diferentes. O operador prestou atenção no ruído dos fones. — Parece que há mais de um hélice; estou ouvindo muita turbulência e cavitação... sim, são vários navios, viajando em grupo.

— E nosso outro amigo? — perguntou Claggett.

— O submarino? Os sinais desapareceram. Deve estar viajando com a força das baterias, a cinco nós ou menos.

O submarino tinha sido detectado pela última vez a mais de trinta quilômetros de distância.

— Comandante, a distância inicial dos novos contatos é de cem quilômetros — informou outro técnico.

— A marcação é constante — observou o operador de sonar. — Devem estar vindo exatamente na nossa direção. Quais são as condições na superfície, comandante?

— Ondas de dois a três metros — respondeu Claggett. Cem quilômetros. Mais de cinquenta milhas náuticas. Os navios iriam passar bem por cima dela, mas tinha ordens para não atirar. Droga. Voltou para o leme.

— Leme dez graus à direita, novo curso dois-sete-zero.

O Tennessee mudou um pouco de curso para que os operadores de sonar pudessem rastrear melhor os contratorpedeiros que se aproximavam.

Em um ambiente mais teatral, na frente de câmaras, o clima talvez fosse outro; do jeito que as coisas eram, todos se sentiam apenas deprimidos e enregelados. Embora aqueles homens fossem soldados de elite, seria mais fácil combater o inimigo do que o desconforto. Os comandos, todos usando camuflagem branca, procuravam movimentar-se o mínimo possível, mas a falta de atividade física os deixava ainda mais vulneráveis ao frio e à monotonia, o pior inimigo dos soldados. Entretanto, isso era bom, pensou o capitão Checa. Para um único pelotão a mais de seis mil quilômetros de distância da base americana mais próxima (e essa base era a de Fort Wainwright, no Alasca), era muito mais seguro sentir um tédio profundo do que ser estimulados por um combate no qual não podiam esperar qualquer tipo de apoio. Checa tinha de enfrentar um problema muito comum para os oficiais: estava sujeito ao mesmo desconforto e às mesmas dúvidas que os seus homens, mas não tinha direito de reclamar. Não havia outros oficiais a quem se queixar, e lamentar-se na frente dos seus coman­dados não seria bom para o moral, embora provavelmente eles fossem os primeiros a lhe dar razão.

— Vai ser ótimo quando estivermos de volta a Fort Stewart, capitão — comentou o primeiro-sargento Vega. — Já estou me vendo passando filtro solar no corpo e indo para a praia...

— Não vai sentir uma falta danada de toda essa neve, Oso? — É claro, capitão, mas já tive minha cota de merda quando passei a infância em Chicago.

Olhou em volta. Os comandos eram muito disciplinados; seria preciso chegar muito perto para conseguir enxergar os sentinelas.

— Está pronto para a missão desta noite? — Contanto que nosso amigo esteja à espera do outro lado daquela colina...

— Ele vai estar, tenho certeza — mentiu Checa.

— Nesse caso, estou pronto, capitão. — Se um podia fazer aquilo, por que não dois? pensou Vega. — Até agora tudo correu bem? Os pilotos estavam dormindo em buracos forrados com galhos de pinheiro e cobertos com mais galhos para protegê-los contra o frio. Além de vigiar os pilotos, os comandos tinham que cuidar do seu bem-estar, como se fossem crianças, uma missão estranha para soldados de elite, mas eram eles que em geral recebiam as missões mais estranhas.

— E que eles dizem. — Checa consultou o relógio. — Vamos acordá-los daqui a duas horas.

Vega fez que sim com a cabeça. Esperava que as pernas não estivessem duras demais para a caminhada.

O patrulhamento obedecia a um plano estabelecido com antecedência. A cada um dos quatro submarinos correspondia um setor de sessenta quilô­metros e cada setor era dividido em três segmentos de vinte quilômetros. Os submarinos deslocavam-se apenas no segmento central, deixando vazios os segmentos ao norte e ao sul, que podiam atingir facilmente com suas armas. Os movimentos de cada submarino ficavam a critério dos respectivos comandantes. No momento, o Pennsylvania viajava para o norte a apenas cinco nós, como costumava fazer nas missões de patrulha do tempo da Guerra Fria, quando estava equipado com mísseis Trident. O submarino era tão silencioso que poderia correr o risco de ser abalroado por uma baleia se estivesse na época das baleias naquela parte do Pacífico, o que não era o caso. Atrás dele, na extremidade de um cabo comprido, viajavam os hidrofones do sistema de sonar. De duas em duas horas, o submarino invertia o sentido do movimento; eram necessários apenas dez minutos para que o cabo ficasse totalmente esticado e o sonar voltasse a funcionar com a eficiência máxima.

O Pennsylvania se encontrava a duzentos metros, a profundidade ideal para o sonar, dadas as condições da água naquele dia. Estava anoitecendo lá em cima quando o primeiro sinal apareceu nas telas de sonar. Começou como uma série de pontos amarelos no monitor, que desciam bem devagar, deslocando-se para o sul, mas bem devagar. Provavelmente, pensou o chefe dos operadores, o alvo estivera usando as baterias durante as últimas horas; caso contrário, teria captado os sinais mais fortes dos motores diesel usados para carregá-las. Ali estava, porém, o contato, na linha de 60Hz, conforme esperava. Enviou os dados sobre o alvo aos encarregados do controle de tiro.

Era interessante, pensou o operador de sonar. Passara a vida inteira em submarinos lança-mísseis, rastreando alvos que sua embarcação manobrava para evitar, embora a frota de orgulhasse de dispor dos melhores torpedeiros da esquadra. O Pennsylvania levava apenas quinze armas a bordo; os torpedos ADCAP estavam em falta, e tinham decidido que nas circunstâncias seria inútil transportar armas menos sofisticadas. Também dispunham de três unidades parecidas com torpedos, que eram chama­das de LEMOSS, a abreviação de Long-Endurance Mobile Submarine Simulator (Simulador Móvel de Submarino de Longo Alcance). O comandante, outro veterano dos submarinos, explicara os planos de ataque à tripulação e todos haviam aprovado. Na verdade, a situação em que se encontravam era extremamente favorável. Os japoneses tinham que passar por ali. Era praticamente impossível que conseguissem transpor a Linha de Combate, como o comandante se acostumara a chamá-la, sem ser detectados.

— Atenção — disse o comandante, pelo sistema de alto-falantes. O volume estava quase no mínimo, de modo que os tripulantes tiveram que fazer força para entender. — Temos um contato provável em nosso setor. Vamos executar um ataque da forma planejada. Postos de combate — concluiu, no tom de alguém que estivesse pedindo um desjejum no Howard Johnson's.

Seguiram-se sons tão fracos que apenas um operador de sonar experien­te poderia ouvi-los, e isso porque estava muito perto do centro de ataque. Tinha havido uma troca, de forma que apenas os homens mais experientes (e uma mulher) guarneciam os painéis de armas. Os tripulantes mais modernos espalharam-se pelo submarino em grupos de controle de avarias. Vozes anunciaram pelo intercomunicador ao centro de ataque que estavam todos a postos; em seguida, o submarino ficou tão silencioso quanto um cemitério à meia-noite.

— O contato continua firme — sussurrou o operador de sonar. — A marcação está mudando para oeste; no momento é zero-sete-cinco. Estou pegando o ruído dos hélices, muito fraco. A velocidade estimada é de dez nós.

Isso mostrava que era realmente um submarino. Não que houvesse alguma dúvida. O submarino movido a diesel também tinha seu sonar, que tentava usar da melhor forma possível, acelerando por algum tempo e depois reduzindo a velocidade para reduzir o nível de ruído e poder detectar sinais mais fracos.

— Os tubos um, três e quatro estão carregados com torpedos ADCAP anunciou um técnico em armas. O tubo dois está com um LEMOSS.

— Preparar para lançar — disse o comandante.

— A distância estimada para o alvo é de vinte e dois mil metros — disse o chefe do grupo de rastreamento.

O operador de sonar viu um sinal novo na tela e ajeitou melhor os fones.

— Transitório, transitório, parece um eco do Sierra-Dez. O alvo está mudando de profundidade.

— Aposto que está subindo — observou o comandante. — Vamos lançar o LEMOSS. Ajuste o curso para zero-zero-zero. Mantenha silêncio durante os primeiros dez mil metros e depois suba para o nível normal de transmissão.

— Sim, senhor.

O técnico apertou as teclas do painel de programação; o oficial de armas verificou as instruções e atestou que estavam corretas.

— Tubo dois preparado.

— O contato Sierra-Dez está ficando mais fraco, comandante. Prova­velmente chegou à camada térmica.

— O sinal que vem do alvo é direto — afirmou o técnico de rastreamen­to.

— Tubo dois preparado — repetiu o oficial de armas.

— Disparar tubo dois — ordenou o comandante. — Carregar outro LEMOSS.

O LEMOSS foi ejetado, fazendo o Pennsylvania estremecer. O sonar pegou-o de imediato. Tinha sido lançado para a esquerda, mas logo mudou de curso, dirigindo-se para o norte a apenas dez nós. Construído a partir de uma velha carcaça de torpedo Mark 48, o LEMOSS era basicamente um tanque de combustível com um pequeno sistema de propulsão e um grande transdutor sônico que fazia o mesmo ruído que os motores de um submarino nuclear. Na verdade, fazia mais barulho que os submarinos da classe Ohio, mas ninguém parecia notar esse fato. Os submarinos de ataque sempre iam atrás dele, até mesmo os america­nos, que deviam saber a diferença. O novo modelo podia se manter em movimento por mais de quinze horas, e era lamentável que tivesse sido desenvolvido apenas alguns meses antes de o último submarino nuclear ser retirado de serviço.

Agora era preciso ter paciência. O submarino japonês diminuiu ainda mais a velocidade, provavelmente fazendo uma última verificação com o sonar antes de se dirigir para oeste com potência máxima. O operador de sonar continuou a rastrear o LEMOSS. O sinal estava quase desaparecendo quando o sistema de som foi ativado, a oito quilômetros de distância. Três quilômetros adiante, atravessou a camada que separava a água quente da água fria e o jogo começou para valer.

— O Sierra-Dez acaba de mudar de velocidade. A rotação dos hélices diminuiu, comandante — anunciou o operador de sonar.

— Devem ter um bom sonar — disse o comandante, que estava bem atrás do operador. O Pennsylvania subira um pouco, colocando os hidrofones acima da camada térmica para enxergar melhor o alvo, enquanto o submarino continuava abaixo da camada. Voltou-se para o oficial de armas. — Armas? — Os tubos um, três e quatro estão preparados. Temos soluções para todos eles.

— Ajuste os quatro para o curso inicial zero-dois-zero.

— Curso ajustado, comandante.

— Disparar tubo quatro — ordenou o comandante da porta da sala do sonar, acrescentando: — Carregar outro ADCAP.

O Pennsylvania estremeceu de novo quando a versão mais recente do venerável torpedo Mark 48 foi lançada e se dirigiu para noroeste, controlada pelo fio que saía de sua cauda.

Era como em um exercício, pensou o operador de sonar, só que mais fácil.

— Mais algum contato? — perguntou o comandante.

— Não, senhor.

O operador de sonar apontou para as telas. Só havia estática, e um monitor auxiliar fazia testes completos a cada dez minutos para assegurar que todos os sistemas estavam funcionando como deviam. Era curioso: depois de quase quarenta anos de operações com submarinos lança-mísseis e quase cinquenta anos de operações com submarinos nucleares, o responsável pela primeira vitória americana contra um submarino ini­migo desde a Segunda Guerra Mundial seria um modelo praticamente ultrapassado.

Viajando muito mais depressa que os dois submarinos, o torpedo ADCAP atravessou a camada térmica a poucos quilômetros do alvo. Imediatamente, começou a usar seu próprio sonar ultrassônico, enviando os sinais para o Pennsylvania através do cabo.

— Contato firme, distância três mil metros. Todos os sistemas funcio­nando — disse o operador de sonar.

A ajudante do oficial de armas concordou com a cabeça, olhando para o seu monitor.

— Vá para o inferno — murmurou o oficial de armas, observando os dois pontos se aproximarem no monitor.

De repente, o Sierra-Dez aumentou a velocidade e mergulhou abaixo da camada térmica. Entretanto, as baterias não deviam estar totalmente carregadas, e ele não conseguiu fazer mais do que quinze nós, enquanto o ADCAP viajava a mais de sessenta. A caçada durou apenas três minutos e meio e terminou com um clarão na tela e um barulho ensurdecedor nos fones de ouvido. Pouco depois, ouviram o ruído do aço sendo esmagado pela pressão da água.

— Alvo destruído, comandante. Alvo destruído.

Dois minutos depois, um sinal de baixa frequência ao norte mostrou que o West Virginia também fora bem-sucedido.

— Christopher Cook? — perguntou Murray.

— Ele mesmo.

Era mesmo uma linda casa, pensou o vice-diretor assistente, enquanto mostrava sua identificação.

— FBI. Preciso conversar com o senhor a respeito de seu relacionamento com Seiji Nagumo. Poderia me acompanhar? O sol ainda estava alto no céu quando os Lancer foram para a pista. Aborrecidos com a perda recente de um dos aparelhos, os tripulantes estavam participando da missão de má vontade, mas ninguém se dera ao trabalho de perguntar o que pensavam. Com os compartimentos de bombas tomados por tanques de combustível, os aviões levantaram voo, um por um, e subiram até seis mil metros, onde iniciaram a longa viagem para nordeste.

Era mais uma maldita demonstração, pensou Dubro, e imaginou o que alguém como Robby Jackson teria pensado, mas ele também tinha suas ordens e os dois porta-aviões se voltaram contra o vento, a oitenta quilômetros de distância um do outro, para lançar quarenta aviões cada um. Embora todos estivessem armados, tinham ordem para não atirar, a menos que sofressem algum tipo de provocação.

46

DESTACAMENTO

 

— Estamos quase vazios — afirmou o copiloto, em tom impessoal, depois de examinar a lista de passageiros como parte dos preparativos para a decolagem.

— O que há com essa gente? — rosnou o comandante Sato, examinando o plano de voo e verificando as condições do tempo.

O tempo estava bom ao longo de todo o percurso, com uma zona de alta pressão tomando conta do Pacífico ocidental. A não ser por algumas rajadas de vento perto do arquipélago do Japão, os trinta e quatro passageiros a bordo teriam uma viagem muito tranquila até Saipan. Trinta e quatro!, pensou, revoltado. Em um avião capaz de transportar mais de trezentos!

— Comandante, teremos de sair daquelas ilhas em breve. O senhor sabe disso — disse o copiloto.

Para ele, estava tudo muito claro. As pessoas, os homens e mulheres comuns, não estavam mais confusos e sim amedrontados... talvez essa não fosse a palavra certa. Jamais vira algo parecido. Eles se sentiam... traídos? Os jornais estavam começando a questionar a política seguida pelo governo, e embora as críticas não fossem ainda contundentes, eram suficientes para mostrar que tudo não passara de uma ilusão. O Japão não estava mais preparado para a guerra no plano psicológico do que no plano material, e as pessoas de repente começavam a descobrir o que acontecera. Os rumores do assassinato (o que mais poderia ser?) de alguns zaibatsu importantes provocaram um rebuliço no governo. O primeiro-ministro Goto estava evitando aparecer em público para não ter de encarar perguntas que não podia responder. Entretanto, apesar de tudo, o comandante não perdera a fé, pensou o copiloto.

— Não, não vamos sair! Como pode dizer isso? Aquelas ilhas são nossas!

— O tempo dirá — comentou o copiloto, dando a conversa por encerrada.

Tinha muito que fazer: verificar novamente o combustível, a direção do vento e outros dados técnicos. Todas as coisas, em suma, que faziam com que operar um avião comercial moderno fosse muito mais complicado do que simplesmente entrar na cabina e decolar, como os passageiros pareciam julgar que faziam.

— Dormiu bem?

— Muito bem, capitão. Sonhei com um dia quente e uma mulher quente.

Richter levantou-se e os primeiros movimentos desmentiram suas palavras. Estou muito velho para essa merda, pensou o suboficial. Estava naquela missão quase por acaso. Ninguém tinha mais experiência com o Comanche do que ele e os colegas, e alguém achara que eram suficientemente inteligentes para fazer aquele trabalho sem nenhum coronel por perto para atrapalhar. Agora estava na hora de mostrar que tinham razão. Olhou para cima e viu que o céu estava claro. Podia ser melhor. Para aquele tipo de missão, preferia que houvesse algumas nuvens.

— Os tanques estão cheios.

— Um café viria bem — pensou em voz alta.

— Aqui está, Sr. Richter. — Era Vega, o primeiro-sargento. — Café gelado, como servem nos melhores hotéis da Flórida.

— Oh, muito obrigado, cara — disse Richter, pegando a caneca de metal com uma risada. — Alguma novidade? As coisas não iam bem, pensou Claggett. A linha dos Aegis se desfizera e agora um dos malditos contratorpedeiros estava a quase vinte quilômetros de distância. Pior ainda: tinham lançado um helicóptero não fazia muito tempo, de acordo com as informações da antena, que arriscara lançar, embora estivesse nas proximidades do melhor radar do mundo. Entretanto, três helicópteros do Exército dependiam dele, e pronto. Ninguém dissera que seria fácil entrar na briga.

— E nosso outro amigo? — perguntou ao operador de sonar. O homem sacudiu a cabeça.

— Saiu de novo da tela.

O vento na superfície era de trinta nós, o suficiente para interferir com o sonar. Estava ficando difícil até mesmo rastrear o contratorpedeiro, agora que reduzira a velocidade para quinze nós. O submarino ao norte desaparecera novamente. Talvez tivesse ido embora, mas não podia se fiar nisso. Claggett consultou o relógio. Tinha menos de uma hora para decidir o que fazer.

Estariam entrando na briga quase às cegas, mas isso era uma necessidade desagradável. Normalmente, teriam colhido informações com uma aerona­ve de observação; o mais importante no caso, porém, era o elemento surpresa. O porta-aviões e sua escolta tinham evitado as rotas aéreas comerciais, procurado se esconder debaixo das nuvens e, de modo geral, se esforçado ao máximo para não ser detectados durante o percurso. Jackson estava convencido de que tinham sido bem-sucedidos. Entretanto, para manter o segredo, teriam de se basear apenas nas informações a respeito das ilhas fornecidas pelos submarinos, que se limitaram a confirmar que o inimigo tinha várias aeronaves E-2C em operação, além de um monstruoso radar de defesa aérea. Seria uma grande batalha aérea. Bem, era para isso que tinham se preparado nas últimas duas semanas.

— Preciso de uma informação — disse o almirante a Oreza. — Kobler está sendo usado exclusivamente por aviões militares?

— Afirmativo, almirante. Depois dos primeiros dois dias, não vi mais nenhum avião comercial pousar aqui. — Teve vontade de perguntar para que o almirante queria saber, mas achou que seria perda de tempo. Bem, talvez uma pergunta indireta: — Quer que fique acordado esta noite?

— Como preferir, sargento. Agora posso falar com seus hóspedes?

— John? Telefone para você — anunciou Portuga, antes de se dar conta da normalidade quase idiota do que acabara de dizer.

— Clark — disse John, ao atender. — Sim, senhor... está certo, almirante. Mais alguma coisa? Não? Até logo. — Apertou o botão de desligar. — Quem teve a ideia de instalar esse telefone?

— Fui eu — afirmou Burroughs, levantando os olhos da mesa de jogo. — Funciona, não é?

— Claro que funciona — concordou John, sentando-se novamente e jogando uma moeda de vinte e cinco centavos no meio da mesa. — Pago.

— Trinca de damas — anunciou o engenheiro.

— Você tem muita sorte — disse Clark, jogando fora suas cartas.

— Sorte uma ova! Esses filhos da puta estragaram minha viagem!

— John, quer que eu faça um pouco de café para esta noite?

— O café que ele faz é uma delícia — afirmou Burroughs, recolhendo o dinheiro. Ele estava ganhando seis dólares.

— Portuga, faz tempo que não bebo o seu café. Claro, vá em frente. Ele é chamado de café de carvoeiro, Pete. Uma velha especialidade dos marujos — explicou Clark, apreciando o dia de descanso.

— John? — perguntou Ding.

— Mais tarde, garoto.

Pegou as cartas e começou a embaralhá-las como um profissional. Fosse o que fosse, podia esperar.

 

— Tem certeza de que o combustível é suficiente? — perguntou Checa.

Entre os suprimentos havia tanques de combustível auxiliares, mas Richter sacudiu a cabeça.

— Não se preocupe. São apenas duas horas até o ponto de reabastecimento.

— Onde fica? A mensagem do satélite de comunicações dizia apenas DIRIGIR-SE AO PONTO PRIMÁRIO.

— A duas horas de distância — respondeu o suboficial. — Segurança, capitão, segurança.

— Estamos ajudando a escrever a história, sabia? — Espero sobreviver para poder contar o que fizemos. — Richter fechou o traje de voo, ajeitou o cachecol e subiu a bordo. — Até a vista! Os comandos reuniram-se para vê-los partir. Sabiam que os extintores eram inúteis, mas alguém insistira para que os levassem. Um por um, os helicópteros decolaram, os vultos verdes desaparecendo rapidamente na escuridão. Logo depois, os comandos começaram a jogar o equipamento que sobrara nos buracos que haviam cavado durante o dia. O trabalho levou uma hora. Só restava caminhar até Hirose. Checa pegou o telefone celular e digitou um número que sabia de cor.

— Alô — disse uma voz, em inglês.

— Vejo você pela manhã — afirmou Checa, em espanhol.

— Estarei lá, señor.

— Montoya, vá na frente — ordenou o capitão. Iriam por dentro da floresta até onde fosse possível. Os comandos seguraram com força as armas, que até aquele momento não tinham sido usadas, e torceram para que continuassem assim.

— Recomendo dois torpedos — disse o tenente Shaw. — Vamos lançá-los fazendo um ângulo de dez graus, mudar o curso abaixo da camada térmica e acertá-lo ao mesmo tempo na proa e na popa.

— Gostei da ideia. — Claggett aproximou-se do mapa para um último exame da situação tática. — Pode executá-la.

— O que vamos fazer? — perguntou um dos sargentos do Exército, na entrada no centro de ataque. O problema com aqueles malditos submarinos era que não se tinha nada para fazer.

— Antes de reabastecermos aqueles helicópteros de vocês, precisamos nos livrar do contratorpedeiro — explicou um suboficial.

— Isso é difícil? — Acho que todos preferíamos que não fosse necessário. Vamos ter de revelar nossa posição.

— Está preocupado? — Não — mentiu o homem.

Nesse momento, os dois ouviram a voz do comandante.

— Sr. Shaw, pode anunciar postos de combate para lançamento de torpedo.

Os Tomcat decolaram primeiro, um a cada trinta segundos, até que doze estavam no ar. Depois foi a vez de quatro aeronaves de guerra eletrônica EA-6B, lideradas pela comandante Roberta Peach. Os quatro aparelhos dividiram-se em dois grupos de dois, que acompanhariam as duas esquadri­lhas de Tomcat O comandante Bud Sanchez era o líder da primeira divisão de quatro aeronaves; não confiaria a mais ninguém aquele ataque do seu grupo aéreo. Estavam a oitocentos quilômetros de distância, rumando para sudoeste. Sob vários aspectos, aquele ataque lembrava uma operação que executara no início de 1991, mas com algumas diferenças, como o menor número de pistas disponíveis para o inimigo e um tempo maior para estudar suas rotinas. Os japoneses eram muito regulares nas patrulhas. Aquilo era uma consequência natural da rigidez da vida militar e uma tentação muito perigosa. Deu uma olhada para trás, para as aeronaves que comandava, e procurou concentrar-se na missão.

— Um e três preparados.

— Sincronizar cursos programados e disparar — disse Claggett, calma­mente.

O técnico de armas deslocou a alavanca para e esquerda e depois para a direita, repetindo a operação para o segundo tubo.

— Um e três lançados, comandante.

— Um e três no curso — anunciou o operador de sonar, logo depois.

— Muito bem — disse Claggett Já ouvira aquelas palavras a bordo de um submarino nuclear. Naquela ocasião, o torpedo errara o alvo, e só por isso estava vivo. Não conhecia a posição do contratorpedeiro tão bem quanto gostaria, mas não tinha escolha. Os dois ADCAP viajariam devagar durante os primeiros dez quilômetros, abaixo da camada térmica, antes de passarem para a velocidade máxima, de setenta e um nós. Com um pouco de sorte, o alvo não conseguiria descobrir de onde tinham vindo os torpedos. — Recarregar um e três com torpedos ADCAP.

O tempo, como sempre, era crucial. Jackson deixou a ponte depois que os caças decolaram e foi para o centro de informações de combate, de onde poderia coordenar melhor a operação. Os personagens seguintes a entrar em cena eram os dois contratorpedeiros Spruance, agora cinquenta quilô­metros ao sul do porta-aviões. Isso o deixava nervoso. Os Spruance eram seus melhores navios antissubmarino; embora o SubPac houvesse comunicado que os submarinos inimigos estavam se dirigindo para oeste, onde havia uma armadilha à sua espera, preocupava-se com a possibilidade de terem deixado para trás um submarino capaz de inutilizar o último porta-aviões da Esquadra do Pacífico. Eram muitas coisas para coordenar ao mesmo tempo, pensou, olhando para o ponteiro dos segundos do relógio da parede.

Precisamente às 11:45:00, hora local, os contratorpedeiros Cushing e Ingersoll ficaram de lado para o vento e começaram a lançar seus mísseis Tomahawk, comunicando o fato via satélite. Quarenta mísseis de cruzeiro subiram no ar, descartaram os foguetes auxiliares de combustível sólido e mergulharam de volta no oceano. Depois do lançamento, que levou seis minutos, os contratorpedeiros aumentaram a velocidade para se juntar ao grupo de combate, imaginando se o ataque com os mísseis surtiria algum efeito.

— Qual será aquele ali? — murmurou Sato.

Já tinham passado por dois contratorpedeiros Aegis, visíveis apenas pela esteira em forma de V.

— Por que não fala de novo com eles? — Meu irmão não vai gostar, mas eles devem estar se sentindo sozinhos lá embaixo.

Sato mudou novamente a frequência do rádio e apertou o botão.

— Voo da JAL chamando Mutsu.

O almirante Sato teve vontade de dizer um desaforo, mas era uma voz amiga. Tirou o microfone das mãos do técnico de comunicações e apertou o botão.

— Torajiro, se você fosse um inimigo, estaria no papo.

Observou o monitor. Só havia aviões comerciais na tela. O radar SPY-1D mostrava tudo que existia em um raio de duzentos quilômetros e quase tudo em um raio de quinhentos. O helicóptero SH-60J do navio acabara de se reabastecer para mais uma patrulha antissubmarino, e embora estivesse no mar em tempo de guerra, podia se permitir uma brincadeira com o irmão que voava lá em cima em uma grande banheira de alumínio, certamente cheia de conterrâneos.

— Está na hora, comandante — disse Shaw, consultando o relógio digital.

Claggett fez que sim com a cabeça.

— Pode ativar.

O comando foi transmitido aos torpedos, agora separados por uma distância de mais de três quilômetros, um de cada lado do alvo. A versão ADCAP (additional capability) do Mark 48 dispunha de um sistema de sonar transistorizado no nariz. O torpedo lançado do tubo número um estava ligeiramente mais próximo, e seu computador reconheceu o casco do contratorpedeiro na segunda varredura. O torpedo desviou-se de imediato para a direita, rumando diretamente para o alvo.

— Torpedo inimigo em dois-três-zero! — gritou um operador de sonar. Sato olhou na direção da sala de sonar, e no momento seguinte um novo objeto apareceu no monitor. Que droga, pensou. O Kurushio disse que a área estava limpa! O submarino estava a apenas alguns quilômetros de distância.

— Contramedidas! — ordenou o comandante do Mutsu. Em questão de segundos, o contratorpedeiro jogou no mar um chamariz Nixie, projetado nos Estados Unidos. — Lançar helicóptero! — Irmão, o dever me chama. Faça uma boa viagem. Adeus. — O circuito de rádio ficou mudo.

A princípio, o comandante Sato atribuiu o fim da conversa ao fato de que o irmão realmente tinha muita coisa para fazer, mas de repente, lá embaixo, o contratorpedeiro fez uma curva fechada para a esquerda, enquanto a espuma na popa indicava que a velocidade havia aumentado bruscamente.

Alguma coisa está errada, pensou consigo mesmo.

— Nós o pegamos, comandante — anunciou o operador de armas.

— O alvo está aumentando a velocidade e se desviando para boreste — comunicou o operador de sonar. — Os dois torpedos engajaram.

— A distância do torpedo um para o alvo é de dois mil metros. A da unidade dois é de dois mil e duzentos. Os dois torpedos estão rastreando o alvo, comandante.

O operador de armas olhava fixamente para o monitor, pronto para assumir o controle caso o sistema automático cometesse algum engano. Àquela altura, era como se o ADCAP fosse um pequeno submarino camicase. Claggett ficou satisfeito ao perceber que o comandante do contratorpedeiro não estava tentando contra-atacar, mas concentrara todos os esforços em salvar o navio. Era uma boa opção...

— Há outro à nossa frente, marcação um-quatro-zero!

— Eles nos pegaram — murmurou o comandante, olhando para o monitor e pensando que estava sendo atacado por dois submarinos ao mesmo tempo.

Tinha de tentar alguma coisa. Ordenou uma guinada para bombordo. O Mutsu tinha o centro de gravidade elevado, como os primos americanos, e inclinou-se violentamente para a direita. Assim que a curva foi completada, o comandante mandou inverter as máquinas, na esperança de que o torpedo passasse à frente da proa.

Não podia ser outra coisa. Sato estava perdendo a batalha de vista; por isso, desligou o piloto automático e fez uma curva fechada para a esquerda, enquanto o copiloto acendia apressadamente o aviso de apertar cintos. Podia ver com nitidez a cena à luz de uma lua em quarto crescente. O Mutsu fizera uma curva para um lado e depois uma curva para o outro. Viu uma luz piscar na popa quando o helicóptero se preparou para decolar e perseguir o que quer que... sim, tinha de ser um submarino, pensou o comandante Sato, um submarino covarde e traiçoeiro atacando o contratorpedeiro do irmão. Ficou surpreso ao ver o navio diminuir a velocidade até quase parar e imaginou qual seria o objetivo daquela manobra. Lembrou-se do axioma das aeronaves, que julgava aplicar-se também aos navios: Velocidade E Vida...

— Ruídos de cavitação. Parece uma parada de emergência, comandante — informou o operador de sonar.

O técnico de armas não esperou que Claggett se pronunciasse.

— Não tem importância. Vamos pegá-lo de qualquer jeito. Preparando o número três para explosão de contato, encontrando interferência magné­tica de um... devem estar usando o nosso Nixie, não é?

— Isso mesmo, marujo.

— Mas sabemos como a coisa funciona. O número um está a quinhentos metros de distância e se aproxima bem rápido.

O técnico desligou um dos fios, deixando que o torpedo entrasse no modo autônomo. O sensor magnético foi ativado, procurou e encontrou o metal do alvo...

O helicóptero decolou do contratorpedeiro, agora quase parado. Assim que o navio voltou a se mover, uma clarão esverdeado iluminou a água perto da proa, bem debaixo do depósito de mísseis. A silhueta afilada do casco ficou claramente visível naquela luz fantasmagórica. Diante dos olhos horroriza­dos de Sato, um dos mísseis explodiu, seguido por quarenta outros, e a metade dianteira do Mutsu se desfez em mil pedaços. Três segundos depois, outra explosão teve lugar, e quando a fumaça se dissipou, só restava uma mancha de óleo na superfície da água. Como acontecera com o navio do mesmo nome no porto de Nagasaki, em 1943...

— Comandante! — O copiloto teve de arrancar o controle da mão do comandante antes que o Boeing perdesse sustentação. — Comandante, temos passageiros a bordo! — Meu irmão...

— Pelo amor de Deus, temos passageiros a bordo! — Sem resistência agora, ele estabilizou o 747, com a ajuda da bússola giroscópica. — Comandante1.

Sato ficou olhando para trás, mas perdeu de vista o túmulo do irmão, enquanto a aeronave retomava o rumo sul.

— Sinto muito, comandante Sato, mas temos um trabalho a fazer. — O copiloto ligou o piloto automático antes de se voltar para o colega. — O senhor está melhor? Sato olhou para a frente, para o céu vazio. Fez que sim com a cabeça e procurou controlar-se.

— Estou bem. Obrigado. Sim, estou bem — repetiu, com mais firmeza. Pelas convenções de sua cultura, tinha de colocar as emoções de lado. O pai fora comandante de um contratorpedeiro e sobrevivera para comandar um cruzador, no qual morrera ao lado de Samar, vítima de contratorpedeiros americanos e seus torpedos. Agora...

— O que foi isso? — perguntou o comandante Ugaki aos operadores de sonar.

— Torpedos, dois deles, ao sul daqui — disse um deles, um primeiro-tenente. — Afundaram o Mutsu.

— Quem os lançou? — Uma embarcação não identificada, comandante — respondeu o operador, timidamente.

— Rumo sul, velocidade oito nós.

— Isso nos levará diretamente para...

— Eu sei.

— Alvo destruído — declarou o operador. As imagens na tela do sonar não deixavam margem a dúvidas. — Não estou mais captando o ruído do motor, mas peguei uma explosão principal e uma secundária. Nós o pegamos, comandante.

Richter chegou ao oceano passando pela mesma cidade que o C-l 7 havia sobrevoado alguns dias antes, e embora alguém pudesse ter ouvido o barulho, já não estava muito preocupado. Além do mais, à noite todos os helicópteros eram parecidos. Levou o Comanche para uma altitude de cruzeiro de quinze metros e tomou o rumo sul, repetindo para si próprio que era óbvio que a Marinha estaria à sua espera, era óbvio que conseguiria pousar em um navio, era óbvio que tudo daria certo. O vento de cauda o deixou satisfeito até que viu as ondas que estava provocando. Que merda...

— Senhor embaixador, como sabe, a situação mudou bastante — disse Adler, tranquilamente.

A sala de conferências jamais ouvira o som de mais de uma voz, mas agora parecia ainda mais silenciosa.

Seiji Nagumo, sentado ao lado do chefe, notou que a cadeira ao lado da de Adler estava ocupada por um desconhecido. Onde estaria Chris Cook? O que significava aquilo?

— Enquanto falamos — prosseguiu Adler —, aeronaves americanas estão atacando as Marianas. Enquanto falamos, navios americanos estão atacando navios japoneses. Devo lhe dizer que temos certeza de que nossas operações serão bem-sucedidas e conseguiremos isolar as Marianas do restante do mundo. A próxima etapa da operação, se for necessária, consistirá em declarar uma zona de exclusão marítima em torno do arquipélago do Japão. Não temos nenhum interesse em atacar seu país, mas estamos em condições de estabelecer um bloqueio de todas as rotas comerciais em questão de dias.

"Senhor embaixador, está na hora de colocarmos um ponto final neste...

 

— Como podem ver, um porta-aviões deixou a doca seca — afirmou o repórter da CNN, enquanto a câmara mostrava o USS Enterprise e um espaço vazio a seu lado. — Estamos informados de que neste exato momento o porta-aviões está comandando um ataque contra as ilhas Marianas, ainda nas mãos dos japoneses. O governo pediu-nos que participássemos de uma operação para despistar, e depois de examinarmos o assunto, chegamos à conclusão de que a CNN é, afinal, uma empresa americana de notícias...

— Filhos da puta! — esbravejou o general Arima, olhando para a estrutura de concreto, agora ocupada apenas por poças d'água e pedaços de madeira. Então o telefone começou a tocar.

Quando ficou óbvio que tinham sido detectados pelos E2-C japoneses, os dois AWACS da Força Aérea ligaram seus radares. Eles tinham começado a viagem no Havaí, chegando ali depois de fazer uma escala em Dyess, no atol de Kwajalein. Seria uma luta equilibrada em termos eletrônicos, mas os americanos tinham mais aviões no ar para se certificar de que a luta não seria equilibrada sob outros aspectos. Havia quatro Eagle japoneses no ar, e seu primeiro impulso foi rumar para nordeste, em direção aos invasores, para que os colegas tivessem tempo de decolar e se juntar à batalha. Ao mesmo tempo, as defesas de terra foram alertadas para a presença de aeronaves hostis.

Sanchez ligou o radar quando os caças japoneses estavam a mais de cento e cinquenta quilômetros de distância, preparando-se para lançar os mísseis. Acontece que os japoneses estavam armados com mísseis AM-RAAM, e ele dispunha de mísseis Phoenix, que tinham um alcance duas vezes maior. Ele e três outros lançaram dois mísseis cada um. Os oito mísseis descreveram uma trajetória balística, subindo a trinta mil metros antes de mergulhar com uma velocidade de Mach 5 em direção ao inimigo. Os Eagle perceberam o ataque e tentaram esquivar-se, mas segundos depois dois dos F-15J foram varridos do céu. Os outros dois continuaram em frente. A segunda onda de Phoenix cuidaria deles.

— O que foi isso? — exclamou Oreza.

O ruído de muitas turbinas sendo ligadas interrompeu o jogo de cartas, e os quatro homens correram para as janelas. Clark lembrou-se de apagar todas as luzes e se apossou do único binóculo da casa. Assim que focalizou a pista, os primeiros aviões estavam decolando de Kobler. Eram monomotores, a julgar pelas chamas que saíam do cano de descarga.

— O que está acontecendo, John?

— Ninguém me contou, mas não deve ser difícil de adivinhar. Todas as luzes do campo estavam acesas. O que importava era colocar os caças no ar o mais depressa possível. A mesma coisa devia estar acontecendo em Guam, que ficava a uma boa distância dali; sendo assim os dois grupos de caças teriam de combater os americanos separadamente, o que anulava a vantagem numérica dos japoneses.

— O que é isso? A comandante Peach e seus aviões de guerra eletrônica também estavam em ação. O radar de busca podia ser potente, mas, como todos do seu tipo, captava ondas de baixa frequência, que eram as mais fáceis de gerar. A criação de alvos falsos tinha duas vantagens: impedir que o inimigo tivesse uma visão geral do ataque e diminuir sua capacidade de detectar os pequenos mísseis de cruzeiro. Na verdade, os caças que poderiam ser capazes de derrubá-los tinham passado por eles, deixando o caminho livre até os alvos da ilha. O radar de busca, no alto do monte Takpochao, captou os mísseis quando estavam a apenas cinquenta quilômetros de distância, e não cento e cinquenta, como esperavam, e tinha ainda que se preocupar com os caças. Os três operadores levaram um susto, mas eram homens bem treinados e logo entraram em ação. Um deles se encarregou de avisar às baterias de mísseis Patriot da ilha.

A primeira parte da operação estava correndo bem. A Patrulha Aérea de Combate fora eliminada sem nenhuma baixa, observou Sanchez, imaginan­do se um dos seus mísseis acertara no alvo. Isso era algo que jamais saberia. A tarefa seguinte era acabar com as aeronaves de observação japonesas antes que os outros caças chegassem. Para isso, uma divisão de quatro Tomcat atacou-as diretamente com seus mísseis.

Os japoneses eram muito corajosos, observou Sanchez. Os Hawkeye deviam ter recuado e os Eagle que os defendiam deviam ter feito o mesmo, mas os pilotos preferiram enfrentar a primeira leva de caças. Provavelmente pensaram que se tratava de um ataque maciço e não apenas de uma missão preparatória. A divisão de quatro Tomcat, chamada Esquadrilha Cegante, cumpriu sua missão limitada de derrubar os aviões de radar inimigos e voltou ao John Stennis para se reabastecer. Agora, os únicos aviões de observação no ar eram os americanos. Os caças japoneses continuaram tentando repelir o ataque que não existia, procurando alvos cujo único objetivo fora atrair a atenção dos interceptadores.

De repente, os operadores do radar perceberam que a maioria dos mísseis estava indo na direção deles e não da pista de pouso. Não fizeram nenhum comentário a respeito porque não houve tempo. Viram os E-2 caírem, longe demais para que pudessem saber exatamente por que, mas as outras aeronaves de observação ainda estavam na pista de Kobler. Os caças decolavam às pressas, e os primeiros deles se aproximavam das aeronaves americanas, que, surpreendentemente, não estavam rumando diretamente para a ilha. Guam agora estava no rádio, pedindo informações ao mesmo tempo que anunciava que seus caças estavam decolando para repelir o ataque.

— Dois minutos para os mísseis de cruzeiro chegarem — disse um dos operadores pelo interfone.

— Diga a Kobler que mande os E-2 decolarem imediatamente — ordenou o oficial mais antigo da estação de radar, quando viu que os dois E-2 que estavam no ar tinham sido derrubados.

O caminhão de controle do radar ficava a cem metros do transmissor, mas não tinha ainda sido entrincheirado. Pretendiam fazê-lo na semana seguinte.

— Puxa! — exclamou Chavez.

Agora estavam do lado de fora da casa. Algum espertinho desligara a energia elétrica naquela parte de ilha, o que permitira que saíssem de casa para apreciar melhor o espetáculo. A oitocentos metros de distância, o primeiro Patriot foi lançado. O míssil subira apenas uns duzentos metros quando o sistema de controle o fez descrever uma curva fechada, dirigindo-o para um ponto abaixo do horizonte visível. Segundos depois, foi seguido por mais três mísseis.

— Aí veem alguns mísseis de cruzeiro — observou Burroughs.

— Aposto que vão acabar com aquela estação de radar no alto do morro — comentou Clark.

Seguiu-se uma série de clarões, que delinearam a montanha a leste. O ruído das explosões levou um pouco mais de tempo para chegar. Outros Patriot foram disparados, e os civis viram quando a guarnição da bateria preparou-se para carregar outra carga de mísseis no caminhão. Também puderam ver que o processo estava levando tempo demais.

A primeira onda de vinte Tomahawk agora estava subindo. Tinham viajado apenas três metros acima das ondas em direção à escarpada costa leste de Saipan. Armas automáticas, não eram capazes de evitar ou mesmo detectar projéteis dirigidos contra elas. A primeira leva de mísseis Patriot se saiu bem, com doze disparos resultando em dez acertos, mas os dez Tomahawk restantes estavam agora subindo, todos apontados para o mesmo alvo. Mais quatro mísseis foram derrubados pelos Patriot e um quinto perdeu potência e explodiu contra o rochedo, em Laolao Kattan. Os radares dos Patriot perderam-nos de vista naquele ponto, e os comandantes das baterias enviaram mensagens de alerta para a estação de radar, mas era tarde demais; uma por uma, as ogivas de 2.500 quilos explodiram no alto do monte Takpochao.

— Caso encerrado — observou Clark, quando as explosões cessaram.

Parou para escutar. Outras pessoas tinham saído de casa para ver o que estava acontecendo. Os gritos da guarnição da bateria de mísseis foram abafados por uma salva de palmas.

Os caças ainda estavam decolando do campo de Kobler, quase sempre aos pares. As chamas azuladas das descargas das turbinas fizeram uma curva no céu antes de desaparecer, enquanto os caças japoneses manobravam para entrar em formação e enfrentar os atacantes. O último a decolar, apesar da advertência dos operadores de radar, agora mortos, foi o Hawkeye.

A ilha ficou silenciosa por alguns momentos, enquanto as pessoas tomavam fôlego e esperavam o segundo ato daquele espetáculo noturno.

A apenas oitenta quilômetros da costa, o USS Pasadena e três outros submarinos nucleares subiram quase até a superfície e lançaram seis mísseis cada um. Alguns foram apontados para Saipan. Quatro foram para Tinian e dois para Rota. Os restantes viajaram em direção à Base Aérea de Andersen, em Guam.

— Subir periscópio! — ordenou Claggett. O periscópio começou a subir. — Pare! — exclamou, quando a parte superior do instrumento saiu da água.

Girou lentamente o periscópio, à procura de luzes no céu. Nada.

— Certo, agora a antena.

A antena de UHF foi levantada. O comandante continuou a olhar pelo periscópio e fez um gesto com a mão direita. Estavam recebendo sinais de radar de transmissores distantes, mas nenhum capaz de detectar o submarino.

— CARROS INDY, aqui é o BOXE — disse o técnico de comunicações no microfone.

— Graças a Deus! — exclamou Richter, ligando o microfone. — BOXE, aqui é LÍDER INDY, diga a senha. Câmbio.

— Foxtrot Whiskey.

— Charlie Tango — respondeu Richter, consultando o livro de senhas.

— Estamos a caminho. Câmbio.

— Prepare-se para pousar — disse o operador.

— Vamos para a superfície — ordenou Claggett. — Em seguida, pelo interfone: — Estamos subindo para a superfície. Manter postos de combate. Equipe do Exército, a postos.

Os equipamentos, especiais tinham sido guardados a meia-nau, entre a saída de emergência e o local onde ficava o sistema de controle dos mísseis balísticos. Um dos grupos de controle de danos do Tennessee tinha a missão de passar os equipamentos e um técnico se encarregaria de operar a mangueira de combustível.

— O que foi isso? — perguntou pelo rádio o piloto do INDY DOIS. — Líder, aqui é Dois, helicóptero ao norte. Repito. Helicóptero ao norte — Acabe com ele! — ordenou Richter, sem pestanejar. Não podia haver helicópteros amigos por perto. Voltou-se para olhar. O sujeito estava até com as luzes acesas. — BOXE, aqui é LÍDER INDY. Detectamos um helicóptero ao norte. Sabem de algum coisa? Câmbio.

Claggett não ouviu a mensagem. O Tennessee já estava na superfície e ele subira para o convés. Shaw se encarregou de responder.

— E provavelmente um helicóptero antissubmarino de um contratorpedeiro que afundamos há pouco. Acabem com ele, acabem com ele depressa! — Radar aéreo ao norte! — comunicou logo depois um técnico. — Helicóptero se aproximando! — Dois, acabe com ele! — repetiu Richter.

— Estou indo, Líder — respondeu o piloto do segundo Comanche, mudando de curso e baixando o nariz para aumentar a velocidade. Indepen­dentemente de quem fosse, era muito azar. Escolheu sua arma. Debaixo da aeronave, um canhão de vinte milímetros emergiu do receptáculo em forma de canoa. O alvo estava a oito quilômetros de distância e não viu o inimigo se aproximar.

O piloto americano constatou que se tratava de outro Sikorsky, provavelmente montado na mesma fábrica em Connecticut que o seu Comanche, a versão da Marinha do UH-60, um alvo fácil. Dirigiu-se diretamente para ele, esperando conseguir abatê-lo antes que se comunicasse com alguém pelo rádio. Não era provável. Arrependeu-se por não ter escolhido um míssil Stinger, mas era tarde demais para mudar de ideia. Enquadrou o alvo e disparou cinquenta tiros, quase todos no nariz do helicóptero. O resultado foi instantâneo.

— Alvo destruído — anunciou. — Acabei com ele, Líder.

— Entendido. Como está de combustível?

— Tenho o suficiente para trinta minutos — respondeu Dois.

— Voe em círculos e fique de olhos abertos — recomendou o Líder.

— Entendido, Líder. — Quando chegou a cem metros, teve outra surpresa desagradável. — Líder, aqui é Dois. Radar ao norte. O sistema está indicando que é de um navio.

— Só faltava essa — rosnou Richter, aproximando-se do submarino. A área de pouso não era tão pequena assim, mas seria muito mais fácil se a maldita coisa não balançasse tanto. Richter se aproximou com cautela e baixou o trem de aterrissagem, preparando-se para pousar.

— Vamos ficar de frente para o vento — recomendou Claggett ao tenente Shaw. — Precisamos diminuir esse balanço.

— Está bem, comandante.

Shaw deu as instruções necessárias, e o Tennessee tomou o rumo noroeste.

— A postos nas escotilhas! — ordenou o comandante em seguida. Enquanto observava, o helicóptero desceu lentamente, com todo o cuidado, e, como de costume, o pouso o fez pensar em dois porcos-espinhos fazendo amor. Não era falta de disposição; mas não havia muita margem para erros.

Agora estavam frente a frente como dois exércitos medievais, pensou Sanchez, com os japoneses a trezentos quilômetros da extremidade nordeste de Saipan e os americanos quase duzentos quilômetros adiante. Aquele combate fora simulado pelos dois lados, às vezes usando os mesmos programas de jogos de guerra. Os dois lados contavam com radares de busca; os dois lados agora podiam ver e avaliar as forças inimigas; restava saber quem tomaria a iniciativa. Os japoneses estavam em desvantagem e sabiam disso. Os E-2C sobreviventes ainda não se achavam em posição. Pior do que isso: não conheciam as intenções dos adversários. A um comando de Sanchez, os Tomcat subiram rapidamente para lançar os mísseis Phoenix que restavam. Dispararam de uma distância de oitenta quilômetros, e mais de uma centena das sofisticadas armas se transformou em uma onda de chamas amarelas que subiram ainda mais antes de mergulhar em direção aos alvos, enquanto as aeronaves que as haviam lançado davam meia-volta e recuavam.

Aquele foi o sinal para uma movimentação geral. Os caças japoneses aumentaram a velocidade e investiram contra os americanos, na esperança de passar por baixo dos Phoenix e poderem lançar seus próprios mísseis. Era uma manobra extremamente delicada, difícil de executar sem o auxílio das aeronaves de observação, pelas quais não haviam esperado.

Não houvera tempo suficiente para treinar os tripulantes, mas mesmo assim um grupo de marinheiros segurou como pôde o helicóptero enquanto o pessoal do Exército amarrava o Comanche ao submarino. Em seguida, as mangueiras foram encaixadas nos bocais e as bombas começaram a funcio­nar, enchendo os tanques o mais rápido possível. Um tripulante passou a Richter um telefone na ponta de um fio comum.

— Como foi? — perguntou Dutch Claggett — Emocionante. Será que dava para me arranjar uma xícara de café? Quente, de preferência.

— Deixe comigo, garoto.

Claggett encomendou à cozinha uma xícara de café.

— Que helicóptero era aquele? — perguntou Richter, enquanto observava a operação de reabastecimento.

— Tivemos de nos livrar de um contratorpedeiro faz uma hora. Ele estava no caminho. Acho que lançou o helicóptero antes de afundar. Quer saber seu destino?

— Não é Wake?

— Negativo. Há um porta-aviões à sua espera em vinte e cinco norte, cento e cinquenta leste. Repetindo: dois-cinco norte, um-cinco-zero leste.

O piloto repetiu as coordenadas duas vezes e elas foram confirmadas pelo comandante. Um porta-aviões inteiro para pousar? Que droga, pensou Richter.

— Entendido e obrigado, comandante.

— Obrigado pela visita, INDY.

Um tripulante bateu com a mão na lateral do helicóptero e fez um sinal com o polegar para cima. Ele também entregou ao piloto um boné do Tennessee. Richter notou que havia uma saliência no bolso da camisa do homem, estendeu a mão e arrancou um maço de cigarros pela metade. O tripulante começou a rir e jogou-lhe um isqueiro.

— Afastem-se! — gritou Richter.

Os homens que estavam no convés recuaram, mas um tripulante apareceu na escotilha com uma garrafa térmica, que logo foi passada para o piloto. Menos de um minuto depois, o Comanche decolou, abrindo espaço para o Dois, e ficou voando em círculos. Trinta segundos mais tarde, o piloto estava bebendo café. Era diferente da marca usada pelo Exército, muito mais gostoso. Se pudesse pingar um pouquinho de conhaque, pensou, ficaria perfeito.

— Sandy, olhe para o norte! — exclamou seu companheiro, do banco de trás, no momento em que o Dois pousava no submarino. Os controladores do AWACS informaram que a primeira salva de mísseis tinha derrubado seis Eagle e mais dois estavam avariados e fora de combate. Sanchez não pôde ficar para ver, porque estava fugindo dos caças inimigos. De acordo com o plano, os Tomcat seriam substituídos pelos Hornet. Estava funcionando. Os japoneses continuaram a persegui-los, afastando-se cada vez mais da ilha e aparentemente expulsando os americanos. O monitor de Sanchez informou que havia mísseis inimigos no ar, mas eram mísseis projetados pelos americanos e sabia exatamente o que esperar deles.

 

— O que foi isso? — perguntou Oreza.

A princípio, era apenas uma sombra. Por alguma razão, as luzes do campo de Kobler ainda estavam acesas e todos viram um vulto branco cruzar a cabeceira da pista. Fez uma curva fechada e começou a descer a pista. De repente, mudou de forma; o nariz abriu-se e pequenos objetos espalharam-se no concreto. Uns poucos explodiram; os outros desapareceram, pequenos demais para ser vistos daquela distância, a menos que estivessem em movimento. Depois apareceu outro, e mais outro, todos fazendo a mesma coisa, a não ser o que foi direto para a torre de controle, reduzindo-a a mil pedaços e com ela o sistema de rádio da esquadrilha de caças.

Mais ao sul, as luzes do aeroporto comercial também estavam acesas. Havia quatro 747 na pista, mas não foram atacados. A leste, a bateria de Patriot lançou vários mísseis e depois teve de parar para recarregar, o que levava tempo. Estavam conseguindo acertar alguns mísseis inimigos, mas não todos.

— Eles não quiseram destruir as baterias de Patriot — observou Chavez, pensando que deviam estar em um lugar mais seguro, mas... mas tinham ido todos para a rua, como se aquilo fosse uma colossal queima de fogos.

— Estão evitando áreas civis, Ding — explicou Clark.

— É muita gentileza deles. A propósito: que história é essa de Kelly?

— É meu nome verdadeiro.

— John, quantos daqueles filhos da mãe afinal você matou? — quis saber Oreza.

— Hein? — perguntou Chavez.

— Na época em que nós dois éramos crianças, seu chefe aqui se envolveu em uma guerra pessoal contra os traficantes de drogas — explicou Oreza.

— Isso jamais aconteceu, Portuga. — John sacudiu a cabeça e sorriu. — Pelo menos, ninguém pode provar — acrescentou. — Estou realmente morto, sabia?

— Nesse caso, escolheu as iniciais certas para seu novo nome. — Oreza fez uma pausa. — E agora, que vamos fazer?

— Sei tanto quanto você, amigo.

Segundos depois, alguém se lembrou de desligar a eletricidade no restante da ilha.

O helicóptero do Mutsu anunciara a presença de um submarino na superfície, mas nada mais. Isso fizera com que o Kongo lançasse seu Seahawk, que no momento estava se dirigindo para o sul. Duas aeronaves antissubmarino P-3C Orion também estavam se aproximando, mas o helicóptero chegaria primeiro, carregando dois torpedos. Ele estava chegan­do a sessenta metros, com o radar desligado, mas as luzes piscando.

— Isto aqui está ficando muito movimentado — observou Richter. — Estava a cento e cinquenta metros, e o alvo acabara de aparecer no horizonte.

— BOXE, aqui é LÍDER INDY. Temos outro helicóptero nas vizinhanças.

— Acabe com ele!

— Entendido.

Richter aumentou a velocidade para a interceptação. Em matéria de tomar decisões rápidas, ninguém ganhava da Marinha. Richter selecionou STINGER no menu de armas e disparou a oito quilômetros. Fosse quem fosse, não esperava encontrar aeronaves hostis na área, e a água fria do mar fazia um bom contraste para o sensor de calor do míssil. O Seahawk caiu sem explodir, e Richter imaginou se haveria algum sobrevivente. Entretan­to, não estava em condições de executar uma operação de salvamento e não se aproximou o bastante para ter certeza.

O Dois já estava no ar e ficou voando em círculos, aguardando o líder. Richter sobrevoou pela última vez o submarino, para despedir-se, e foi embora. Não tinha nem tempo nem combustível para esperar mais.

— Já reparou que agora somos um porta-aviões? — perguntou Ken Shaw, enquanto o terceiro e último helicóptero era reabastecido.—Até derrubamos aeronaves inimigas...

— Quanto mais cedo voltarmos a ser um submarino, melhor — respondeu Claggett, nervoso.

Enquanto os dois observavam, o piloto do Três ligou o motor. Dois minutos mais tarde, o convés estava quase vazio. Um tripulante jogou o lixo no mar e entrou na escotilha.

— Evacuar a ponte! — ordenou Claggett — Deu uma última olhada em volta antes de apertar o botão do microfone pela última vez. — Vamos descer.

— Ainda não estamos estanques — protestou o chefe do barco, no centro de ataque.

— Você ouviu o comandante — replicou o oficial de quarto.

Os tanques principais de lastro começaram ser inundados. Um segundo depois, o símbolo da escotilha da ponte deixou de ser um círculo e transformou-se em um traço. Claggett apareceu logo depois e fechou a escotilha inferior, a última que faltava.

— Tudo pronto. Vamos dar o fora daqui!

 

— É um submarino — anunciou o tenente. — Está enchendo os tanques... preparando-se para mergulhar.

— Distância?

— Para isso, terei de usar o sonar ativo — advertiu o operador.

— Então faça isso! — ordenou Ugaki, em tom sibilante.

— O que são esses clarões? — perguntou o copiloto. Estavam aparecendo pouco acima do horizonte, à esquerda do lugar para onde iam. Era difícil calcular a distância, mas certamente eram muito fortes. De repente, um deles se transformou em uma linha vertical, que terminou no mar. Outras linhas apareceram na escuridão, quase todas da direita para a esquerda. O copiloto compreendeu o que eram. — Oh!

— Aeroporto de Saipan, aqui é o voo sete-zero-dois da JAL. Estou a trezentos quilômetros da pista. O que está acontecendo? Câmbio.

Não houve resposta.

— Vamos voltar para Narita? — propôs o copiloto.

— Não! Não farei isso! — respondeu Torajiro Sato.

Era preciso ser muito profissional para não perder a calma. O major Shiro Sato já conseguira se esquivar de dois mísseis e ainda não entrara em pânico, apesar de o ala não ter tido a mesma sorte. O radar mostrava mais de vinte alvos, fora do alcance dos mísseis, e embora alguns colegas tivessem disparado os AMRAAM, não os imitaria enquanto não estivesse mais próximo. O monitor também mostrava que havia vários radares rastreando sua aeronave, mas não havia nada que pudesse fazer. Pilotava o Eagle como um louco, fazendo manobras bruscas sem diminuir a velocidade. O que começara como uma batalha organizada era agora uma confusão total, com os caças totalmente entregues à própria sorte, como samurais na escuridão. Rumou para o norte, escolhendo os alvos mais próximos. O sistema IFF interrogou-os automaticamente, e a resposta foi negativa. Sato então disparou seus mísseis e rumou para o sul. Não estava sendo absolutamente o que esperava, uma batalha justa, perícia contra perícia em uma luta aberta. Aquilo fora um encontro caótico na escuridão, e ele simplesmente não sabia quem vencera. Agora estava na hora de recuar. Coragem era uma coisa, mas os americanos haviam-no atraído para tão longe que mal tinha combustível suficiente para voltar. Jamais saberia se os mísseis que lançara haviam acertado o alvo. Que pena! Aumentou a potência e desviou-se um pouco para a direita a fim de evitar os caças que chegavam do sul. Deviam ser os reforços vindos de Guam. Desejou-lhes boa sorte.

 

— PERU, aqui é LÍDER PERU. Abandonar ataque. Repito: abandonar ataque! Sanchez agora se encontrava bem longe da batalha, lamentando-se por não estar pilotando um Hornet. As notícias continuavam a chegar. Embora tivesse perdido algumas aeronaves e a batalha não transcorresse exatamente da forma como gostaria, sabia que estava sendo um sucesso. Dirigiu-se para o norte, mas com cuidado para não exceder as reservas de combustível. Foi então que viu luzes a dez horas e aproximou-se para investigar.

— Minha nossa, Bud, é um avião de passageiros! — exclamou o operador de radar. — E da JAL. A cegonha vermelha pintada no leme era inconfundível.

— É melhor avisá-lo. — Sanchez ligou as luzes da sua aeronave e falou pelo rádio: — 747 da JAL, 747 da JAL, aqui é uma aeronave da Marinha dos Estados Unidos à sua esquerda.

— Quem é você? — perguntou uma voz.

— Somos da Marinha dos Estados Unidos. Está havendo uma batalha aérea nesta região. Sugiro que inverta o curso e volte para casa. Câmbio.

— Não tenho combustível suficiente para voltar.

— Nesse caso, dirija-se para Iwo Jima. Há um campo de pouso lá, mas cuidado com a torre de rádio a sudoeste da pista. Câmbio.

— Obrigado — foi a resposta lacônica. — Continuarei a seguir meu plano de voo. Desligo.

— Idiota.

Sanchez não disse isso pelo rádio, embora ele e o operador de radar achassem que era exatamente o que o piloto do 747 merecia ouvir. Em uma guerra de verdade, teriam derrubado o avião sem piedade, mas aquela não era uma guerra de verdade ou pelo menos era o que seus chefes pensavam. Sanchez jamais conheceria as consequências do seu erro.

— Comandante, o que está fazendo é muito perigoso! — A pista de Iwo Jima não é iluminada. Vou me aproximar pelo oeste e não haverá problema — afirmou o comandante Sato, sem se deixar abalar pelo que acabara de ouvir.

Desviou o curso para oeste e o copiloto não disse mais nada.

— Sonar ativo a boreste, marcação zero-um-zero, baixa frequência, provavelmente um submarino.

Não era uma boa notícia.

— Preparar para lançar torpedo! — ordenou Claggett, imediatamente. A tripulação tinha praticado de forma exaustiva para essa possibilidade.

— Preparando tubo quatro — respondeu o suboficial encarregado das armas. O torpedo foi ativado. — Inundando tubo quatro. Tudo pronto.

— Curso inicial zero-um-zero — disse o oficial, observando o monitor, que não revelava muita coisa. — Cortar os fios, ajustar ativação para mil metros! — Ajustado! — Lançar torpedo! — ordenou Claggett.

— Quatro disparado! — exclamou o marinheiro, depois de quase quebrar a alavanca.

— Distância, quatrocentos metros — anunciou o operador de sonar. — Grande alvo submerso. Temos um transitório... ele lançou um torpedo! — E o que vamos fazer. Lançar um, lançar dois! — gritou Ugaki. — Leme todo à esquerda — acrescentou, no momento em que o segundo torpedo foi lançado. — Toda a força à frente! — Torpedo na água. Dois torpedos na água, marcação zero-um-zero. Os torpedos estão no modo de busca! — anunciou o operador de sonar.

— Que merda! Já passei por isso antes — observou Shaw, lembrando-se de uma experiência muito desagradável que tivera a bordo do USS Maine. O oficial do Exército que estava a bordo e seu sargento mais antigo tinham acabado de entrar no centro de ataque para agradecer ao comandante sua cooperação na missão dos helicópteros. Eles pararam onde estavam e olharam em volta, sentindo a tensão reinante.

— Sala de seis polegadas, lançar chamariz! — Lançando chamariz.

Logo depois, ouviram um leve ruído, apenas um jato de ar comprimido.

— Temos um MOSS preparado? — perguntou Claggett.

— No tubo dois, comandante — respondeu o suboficial.

— Pode ligar.

— Feito, comandante.

— Certo.

O comandante Claggett respirou fundo e procurou pensar. Não tinha muito tempo para isso. Quão inteligente seria o torpedo japonês? O Tennessee estava fazendo dez nós e se encontrava a cem metros de profun­didade. Certo.

— Sala de seis polegadas, preparar um conjunto de três chamarizes para lançar ao meu comando.

— Tudo pronto, comandante.

— Ajustar o MOSS para cem metros, fazendo a curva mais fechada possível. Ativá-lo assim que sair do tubo.

— Ajustando... pronto. Tubo inundado.

— Lançar.

— MOSS lançado, comandante!

— Sala de seis polegadas, lançar! O Tennessee estremeceu novamente quando os três chamarizes foram lançados, junto com uma isca em forma de torpedo. O torpedo inimigo tinha agora um falso alvo muito atraente para perseguir.

— Vamos subir! Subida de emergência! — Subida de emergência — repetiu o chefe do barco, estendendo a mão para a válvula de ar. — Lemes de profundidade no máximo para cima! — Máximo para cima! — repetiu o timoneiro, puxando a alavanca de controle.

— Aqui é o operador de sonar. Torpedos inimigos continuam enviando sinais. Eles estão sendo recebidos pelo MOSS.

— Pessoal, esse torpedo é como nossos velhos 48 — disse Claggett, com toda a calma. Por dentro, estava morrendo de medo, mas esperava que a tripulação não percebesse. — Vocês se lembram das três regras de um 48. Tem de ser um alvo válido, tem de estar a mais de oitocentos metros de distância e tem de estar em movimento. Timoneiro, parada total.

— Parada total. Comandante, a casa de máquinas confirma parada total.

— Muito bem, vamos esperar — disse o comandante, na falta de coisa melhor.

Olhou para o pessoal do Exército e piscou o olho. Eles estavam muito pálidos. Bem, essa era uma das vantagens de ser preto, não era?, pensou Claggett.

O Tennessee inclinou-se para cima de um ângulo de trinta graus e perdeu velocidade tão rápido que vários tripulantes caíram no chão. Claggett teve que se segurar na roda vermelha e branca do periscópio para não cair também.

— Profundidade?

— Estamos chegando à superfície, comandante! — informou o CDB. Logo depois, houve uma série de ruídos do lado de fora e o submarino começou a balançar.

— Silêncio total a bordo.

O hélice agora estava parado. O Tennessee ficou boiando na superfície enquanto, cem metros abaixo e quinhentos metros atrás, o MOSS viajava em círculos em torno dos chamarizes. O comandante fizera tudo que era possível. Um tripulante enfiou a mão no bolso para pegar o cigarro e descobriu que perdera o maço.

 

— Nosso torpedo engajou o alvo! — informou o operador de sonar.

— Leme à direita! — ordenou Ugaki, tentando manter a calma, apesar de tudo.

O torpedo americano tinha ignorado o chamariz... como o seu torpedo havia feito, lembrou-se. Olhou em volta. Todos os olhares estavam voltados na sua direção, como da outra vez, mas agora o inimigo disparara primeiro, e bastava olhar para o monitor para ver que jamais saberia se o segundo ataque a um submarino americano tinha sido tão bem-sucedido quanto o anterior.

— Sinto muito — disse à tripulação.

Poucos tiveram tempo de responder com a cabeça ao pedido de desculpas.

— Em cheio! — anunciou o operador de sonar.

— Obrigado, sonar — agradeceu Claggett.

— Os torpedos inimigos estão fazendo círculos abaixo de nós, comandante... sim, estão perseguindo a isca... devem ter nos detectado, mas...

— ... mas os primeiros 48 ignoravam alvos estacionários — completou Claggett, em voz baixa.

Parecia que os dois eram os únicos homens vivos a bordo. Bem, nesse número também podia ser incluído Ken Shaw, que estava guarnecendo o painel de armas. O mais enervante era que ninguém podia ouvir o ruído ultrassônico do sonar de um torpedo.

— O combustível desses sacanas custa para acabar.

— É verdade — concordou Claggett — Levante a antena — acrescentou, em uma inspiração súbita.

O barulho da antena subindo fez todos se encolherem.

— Comandante, estou detectando um radar aéreo. Marcação três-cinco-um.

— Intensidade?

— Baixa, mas aumentando. É provavelmente um P-3, comandante.

— Muito bem.

Foi demais para o oficial do Exército.

— Vamos continuar aqui parados?

— Vamos.

 

Sato pousou o 747 guiado principalmente pelo instinto. Não havia luzes na pista, mas o luar era suficiente para que tivesse uma ideia do que estava acontecendo; mais uma vez, o copiloto admirou a perícia do companheiro, que se valeu do reflexo dos faróis do avião nas lâmpadas de terra. Tocaram a pista um pouco à direita da linha central, mas Sato conseguiu manter uma linha reta até pararem, dessa vez sem a olhadela de costume para o colega mais novo. Estava taxiando para fora da pista quando viram um clarão distante.

O Eagle do major Sato foi o primeiro a voltar a Kobler, depois de passar por duas aeronaves avariadas no caminho. Havia movimento em terra, mas os únicos sinais de rádio que conseguiu captar eram incoerentes. Entretan­to, não tinha escolha; o tanque de combustível estava praticamente vazio. A pista também se encontrava às escuras, mas conseguiu descer no lugar certo. Nem chegou a ver a bomba do tamanho de uma laranja contra a qual a roda da frente se chocou. O nariz do caça tocou o solo e o Eagle começou a rodopiar, saindo da pista. Ainda havia combustível suficiente nos tanques para iniciar um incêndio, que logo provocou uma violenta explosão. Um segundo Eagle, quinhentos metros atrás de Sato, atropelou outra minibomba e explodiu. Os outros vinte caças arremeteram, pedindo instruções pelo rádio. Seis deles foram para o aeroporto comercial. Os outros se dirigiram para as duas pistas de Tinian, sem saber que elas também tinham sido semeadas com minibombas pelos mísseis Tomahawk. Menos de metade sobreviveu ao pouso.

O almirante Chandraskatta estava na sala de controle, observando a tela do radar. Logo teria que chamar os caças de volta. Não gostava de arriscar os aviões e os pilotos em missões noturnas, mas os americanos estavam fazendo outra de suas demonstrações de força. Claro que podiam atacar e destruir sua esquadra quando quisessem, mas teriam coragem de fazer isso? No meio de uma guerra com o Japão, estariam dispostos a iniciar hostilidades contra outro país? Claro que não. A força anfíbia indiana já estava no mar; dali a dois dias, ao anoitecer, entraria em ação.

Os B-l estavam voando mais baixo do que nunca. A tripulação era constituída por reservistas, a maioria pilotos de linhas aéreas comerciais, convocados por um Pentágono mais compreensivo que de costume (graças à pressão de alguns membros influentes do Congresso) para pilotar aviões militares pela primeira vez em muitos anos. Nas missões de treinamento, que eram realizadas em terra, não podiam descer a menos de sessenta metros, porque mesmo as fazendas do Kansas tinham moinhos de vento, e as pessoas montavam torres de rádio nos lugares mais inesperados. No mar, porém, esse tipo de problema não existia. Ali estavam, a menos de quinze metros da superfície da água, e fumando, observou um piloto, confiando nervosamente a aeronave ao sistema automático de controle de altitude. O grupo de oito aviões estava se dirigindo para o sul, depois de mudar de direção sobre o cabo Dondra. Os outros quatro tinham tomado o rumo noroeste, usando um outro radiofarol. Havia muita atividade eletrônica à frente, o suficiente para deixá-lo preocupado, embora ainda não tivesse sido detectado. Entregou-se à satisfação de voar a mais de Mach-1, tão perto da água que o bombardeiro deixava uma esteira parecida com a de uma lancha de corrida, talvez cozinhando alguns peixes na passagem... Ali estava o alvo.

 

— Contatos ao norte, em baixa altitude!

— O quê? — O almirante levantou os olhos. — Distância?

— Menos de vinte quilômetros, diminuindo rapidamente!

— São mísseis?

— Não sabemos, almirante! Chandraskatta olhou para o monitor. Ali estavam, do lado oposto ao do porta-aviões americano. Seus caças não se encontravam no lugar certo para...

— Aeronave inimiga! — avisou um vigia.

— Engajar? — perguntou o capitão Mehta.

— Como? Chandraskatta correu para a porta, emergindo no convés de voo a tempo de ver a esteira branca no mar antes mesmo que a aeronave responsável por ela.

— Vou subir agora — disse o piloto, a poucos metros da ponte do porta-aviões.

Puxou o manche, e, quando o navio desapareceu, consultou o altímetro.

— Suba! — advertiu a voz feminina do sistema de alerta.

— Já subi, Marilyn.

O piloto da TWA achava aquela voz parecida com a de Marylin Monroe. Olhou para o indicador de velocidade. Estava a pouco menos de 1.800 quilômetros por hora. O ruído devia ter sido ensurdecedor...

O estrondo sônico gerado pela aeronave pareceu a explosão de uma bomba, derrubando o almirante e quebrando as vidraças da casa do leme, além de danificar algumas antenas. Outra se seguiu segundos mais tarde, e outras mais, enquanto o bombardeiro sobrevoava outros navios da esquadra. Chandraskatta se levantou, ligeiramente desorientado, e caminhou de volta, pisando em cacos de vidro. Por alguma razão, achava que o seu lugar era na ponte.

— Dois radares estão inutilizados — ouviu um suboficial dizer. — O Rajput comunica que os lança-mísseis pararam de funcionar.

— Almirante — chamou um tenente de comunicações, com um telefone na mão.

— Quem fala? — perguntou Chandraskatta.

— Aqui é Mike Dubro. Da próxima vez, será para valer. Quero que saiba que neste exato momento, o embaixador dos Estados Unidos está reunido com a primeira-ministra da Índia... — Será melhor para todos os envolvidos que as operações da esquadra indiana sejam imediatamente interrompidas — afirmou o ex-governador da Pensilvânia, depois das gentilezas de praxe.

 

— Não aceitaremos ordens dos Estados Unidos.

— Isso não é uma ordem, primeira-ministra, mas apenas uma constatação. Fui incumbido de informar a senhora de que meu governo convocou uma sessão extraordinária do Conselho de Segurança das Nações Unidas para discutir a possibilidade de uma invasão do Sri Lanka por parte da Índia. Vamos oferecer ao Conselho de Segurança os serviços da Marinha dos Estados Unidos para proteger a soberania daquele país. Perdoe-me a franqueza, mas não toleraremos mais qualquer atitude agressiva com relação ao Sri Lanka. Como disse, será melhor para todos os envolvidos que não haja uma confrontação direta.

— Não temos nenhuma intenção de invadir o Sri Lanka — declarou a primeira-ministra, surpresa com o tom do embaixador.

— Nesse caso, está tudo resolvido — disse o embaixador Williams, com um sorriso. — Vou comunicar o fato imediatamente ao meu governo.

Depois de uma eternidade, pouco mais de meia hora, no caso, o primeiro torpedo parou de circular e logo foi imitado pelo segundo. Não tinham achado o MOSS, um alvo suficientemente grande para ser atacado, mas também não tinham encontrado nenhum outro alvo.

— Qual é a intensidade daquele radar? — perguntou Claggett.

— Já é quase suficiente para nos detectar, comandante.

— Vamos descer, Sr. Shaw. Está na hora de darmos o fora.

— Sim, senhor.

Shaw deu as ordens necessárias. Dois minutos depois, o USS Tennessee estava debaixo d'água, e depois de mais cinco minutos estava a duzentos metros de profundidade, rumando para sudeste a uma velocidade de dez nós. Pouco depois, detectaram ruídos na superfície, provavelmente boias sônicas, mas o P-3 levaria algum tempo para colher dados suficientes para um ataque, e antes disso o Tennessee estaria longe dali.

47

VASSOURAS

 

— Sem muito alarde? — perguntou o presidente.

— Isso mesmo — concordou Ryan, colocando o fone no gancho.

As fotos dos satélites mostravam que além das baixas sofridas na batalha aérea, os japoneses tinham perdido mais quatorze aeronaves por causa das bombas colocadas nas pistas de pouso. Os principais radares de busca tinham sido destruídos, e eles tinham gastado uma boa parte dos mísseis terra-ar. O passo seguinte seria estabelecer um bloqueio aéreo e marítimo das ilhas, o que poderia ser feito até o fim da semana. Já estava sendo preparada uma declaração à imprensa para ser usada em caso de necessida­de.

— Ganhamos a guerra — declarou o conselheiro de Segurança Nacional. — Agora é só convencer o outro lado.

— Você fez um bom trabalho, Jack — disse Durling.

— Presidente, se eu tivesse feito meu trabalho como devia, esta coisa nem teria começado — replicou Ryan, depois de pensar por um momento.

Estava se lembrando de que começara a agir nesse sentido com uma semana de atraso. Droga.

— De acordo com a mensagem que Dave William me enviou, parece que conseguimos isso no caso da Índia. — O presidente fez uma pausa. — Então, o que vamos fazer agora com o Japão?

— Nossa primeira preocupação deve ser a de conseguir um cessar-fogo.

— E depois?

— Depois oferecemos a eles uma saída honrosa.

Depois de explicar os detalhes, Jack teve a satisfação de contatar que o Chefe concordava com ele. Havia mais uma coisa que Durling não comentou, porque preferia pensar um pouco mais a respeito. No momento, era suficiente que os Estados Unidos ganhassem aquela guerra, que lhe garantiria a eleição, por ter salvado a economia e defendido os direitos dos cidadãos americanos. Tinha sido um mês interessante, pensou o presidente, olhando para Ryan e imaginando o que aconteceria se não tivesse contado com sua ajuda. Depois que ele saiu, deu um telefonema para o Congresso.

 

Uma vantagem dos radares aerotransportados era que facilitava a contagem dos acertos. Nem sempre se podia apurar que míssil abatera qual aeronave, mas eles sempre mostravam os sinais desaparecendo da tela.

— O Port Royal comunica que a recuperação foi completada com sucesso — anunciou um alto-falante.

— Obrigado — disse Jackson. Esperava que os aviadores do Exército não tivessem ficado muito decepcionados por pousar em um cruzador e não no Johnnie Rebb, porque aquele espaço no convés faria falta.

— Contei vinte e sete aeronaves destruídas — afirmou Sanchez. Três dos seus caças tinham sido abatidos, e apenas um dos pilotos fora resgatado. As baixas eram menores do que o esperado, embora isso não tornasse mais fácil para o comandante do grupo aéreo a tarefa de escrever para as famílias das vítimas.

— Não foi exatamente um passeio, mas conseguimos bons resultados. Pode acrescentar mais quatorze por conta dos Tomahawk Isso equivale a metade dos caças disponíveis e uma boa parte dos F-l 5. Além disso, ficaram apenas com um Hummer. De agora em diante, estão em séria desvantagem numérica. — O comandante da força de combate repassou o restante das informações. Um contratorpedeiro afundado e os outros Aegis longe da zona de combate. Oito submarinos destruídos. A estratégia consistira em separar primeiro os braços do corpo, como no golfo Pérsico, e isso se revelara ainda mais fácil de fazer no oceano do que no deserto. — Bud, se você fosse o comandante do outro lado, o que tentaria fazer agora?

— Ainda não podemos invadir as ilhas. — Sanchez fez uma pausa.

— Não vejo nenhuma saída decente, mas da última vez que estivemos nesta situação... — interrompeu a frase no meio e olhou para o almirante.

— Bud, prepare um Tomcat Você vai me dar uma carona.

— Sim, senhor — disse Sanchez, afastando-se.

— Está pensando o que eu... — perguntou o comandante do Stennis, levantando uma sobrancelha.

— O que temos a perder, Phil?

— Um grande almirante, Rob — respondeu, em tom carinhoso.

— Onde ficam os rádios desta banheira? — perguntou Jackson, piscando o olho.

 

— Onde esteve? — perguntou Goto, surpreso.

— Escondido, depois que o seu patrão me sequestrou. — Koga entrou sem se fazer anunciar, sentou-se sem ser convidado e mostrou uma falta total de cerimônia que prenunciava sua volta ao poder. — O que tem a dizer em sua defesa? — perguntou o ex-primeiro-ministro.

— Não pode falar comigo nesse tom! — protestou Goto, sem a menor convicção.

— Muito interessante. Você leva nosso país ao desastre, mas faz questão de ser tratado com respeito por alguém que seu patrão quase matou. Foi com seu conhecimento? — perguntou Koga.

— Claro que não! E quem foi que assassinou os...

— Quem assassinou os criminosos? Eu que não fui — declarou Koga. — Mas tenho uma pergunta mais importante: o que pretende fazer?

— Ainda não decidi.

— Você quer dizer que ainda não falou com Yamata?

— Não preciso dele para tomar minhas decisões.

— Ótimo. Então decida agora mesmo.

— Não recebo ordens de você!

— Por que não? Logo estarei ocupando seu lugar. Você tem duas opções: ou renuncia agora ou hoje à tarde vou falar na Dieta e pedir um voto de desconfiança. Sabe que o voto vai ser aprovado por larga maioria. Goto, você está acabado — afirmou Koga, levantando-se para sair. — Pelo menos, saiba retirar-se com dignidade.

Quando o comandante Sato atravessou o saguão do aeroporto, escoltado por um militar, viu que as pessoas formavam filas nos balcões para comprar passagens para casa. Seu acompanhante era apenas um jovem tenente, um paraquedista aparentemente ansioso para entrar em combate, o que era mais do que se podia dizer das outras pessoas presentes. Tomaram um jipe, que os levou diretamente para o aeroporto militar. Os nativos estavam na rua, ao contrário de antes, carregando cartazes que exigiam a retirada imediata dos "japonas". Alguns deles deviam ser fuzilados pela ousadia, pensou Sato, ainda traumatizado com o que acontecera. Dez minutos depois, entrou em um dos hangares de Kobler. Caças sobrevoavam a ilha, provavelmente com medo de se afastarem muito, pensou.

— Entre, por favor — disse o tenente.

Sato entrou no prédio com toda a compostura, o quepe do uniforme debaixo do braço esquerdo, as costas eretas, olhando para a frente. O tenente parou e descobriu o corpo.

— Sim, é o meu filho.

Felizmente, o rosto não estava desfigurado; provavelmente, fora protegido pelo capacete, enquanto o resto do corpo sofria queimaduras horríveis por causa do acidente com o caça. Quando fechou os olhos, o que viu foi o seu único filho se contorcendo na cabina, menos de uma hora depois que seu irmão se afogara. Como o destino podia ser tão cruel? Por que aqueles que defendiam seu país tinham de morrer, enquanto um mero transportador de civis era poupado?

— O comando da esquadrilha acha que ele derrubou um caça americano antes de voltar — informou o tenente.

Era uma mentira que acabara de inventar, mas tinha de dizer alguma coisa, não tinha?

— Obrigado, tenente. Agora preciso voltar ao meu avião.

Os dois não trocaram nenhuma palavra no caminho de volta para o aeroporto civil. O oficial deixou o piloto com sua tristeza e sua dignidade.

Vinte minutos depois, Sato estava na cabina do 747, agora totalmente lotado. Os americanos tinham prometido deixá-lo passar. O reboque puxou o Boeing para longe do túnel de embarque. Era dirigido por um nativo e o gesto que dirigiu ao piloto quando terminou a manobra não foi propria­mente amistoso. O insulto final, porém, ocorreu quando já estava na pista, aguardando autorização para decolar. Um caça aterrissou à sua frente, não um Eagle pintado de azul, mas uma aeronave cinza com a inscrição NAVY nas carcaças dos reatores.

 

— Bom trabalho, Bud — disse Jackson, no momento em que pousaram.

— Faço o que posso, almirante — respondeu Sanchez, com voz cansada. Enquanto taxiava para a direita, o comitê de recepção aproximou-se.

Todos usavam uniformes verdes de faxina e carregavam rifles. Quando a aeronave parou, encostaram uma escada de alumínio na porta. Jackson foi o primeiro a saltar; quando pisou o chão, um oficial superior bateu uma continência caprichada para ele.

— É um Tomcat — afirmou Oreza, passando o binóculo. — E aquele oficial não é nenhum japona.

— Tem toda razão — confirmou Clark, observando o oficial preto embarcar em um jipe.

Que efeito isso teria sobre as ordens que recebera? Por mais vontade que tivesse de pôr as mãos em Raizo Yamata, mesmo aproximar-se o suficiente para avaliar as possibilidades (suas instruções atuais) não era uma tarefa das mais promissoras. Também passara informações aos superiores a respeito da situação em Saipan, que, no seu entender, era boa. Os soldados japoneses que vira naquele dia não pareciam nem um pouco animados, embora alguns oficiais, principalmente os mais modernos, ainda parecessem muito entusiasmados com sua missão, independentemente de qual fosse. Era assim que se comportavam os tenentes em qualquer exército.

A casa do governador, que ficava ao lado do centro de convenções, era muito bonita. Jackson estava banhado em suor, porque o sol tropical estava muito quente, e o traje de voo de nomex era impermeável. Quando saltaram do jipe, foram recebidos por um coronel, que os conduziu para o interior da casa.

Robby reconheceu o general Arima imediatamente, pois tinha visto sua ficha nos arquivos do Pentágono. Os dois tinham mais ou menos a mesma altura e o mesmo peso. O general bateu continência. Jackson, sem quepe e em local coberto, estava impedido de fazê-lo pelo regulamento da Marinha. Pelo menos, não lhe pareceu a coisa apropriada a fazer. Por isso, limitou-se a cumprimentar o general com a cabeça.

— General, podemos conversar em particular? Arima fez que sim e conduziu Jackson até um cômodo que parecia uma combinação de sala de leitura e escritório. Robby sentou-se, e o general teve a gentileza de lhe oferecer um copo de água gelada.

— O senhor é...

— Sou o comandante da Força-Tarefa Setenta e Sete. Pelo que ouvi dizer, o senhor é o comandante das forças japonesas em Saipan.

Robby bebeu o copo de água de uma vez. Sentia-se constrangido por estar transpirando daquele jeito, mas não tinha como evitar.

— Isso mesmo.

— Nesse caso, general, estou aqui para pedir que se renda. Esperava que o general compreendesse a diferença entre "pedir" e "exigir", o verbo mais usado em ocasiões como aquela.

— Não estou autorizado a fazer isso.

— General, gostaria de lhe transmitir a posição do meu governo. Vocês poderão deixar as ilhas sem ser incomodados. Poderão levar as armas leves com vocês. Terão de deixar para trás os equipamentos pesados e as aeronaves, cujo destino será decidido mais tarde. No momento, todos os cidadãos japoneses terão de deixar a ilha e não poderão voltar até que sejam restabelecidas as relações normais entre nossos países.

— Não estou autorizado a...

— Estarei dizendo a mesma coisa em Guam daqui a duas horas. O embaixador dos Estados Unidos em Tóquio solicitou uma entrevista com o primeiro-ministro.

— Vocês não estão em condições de tomar esta ilha de volta, quanto mais todo o arquipélago.

— Isso é verdade – admitiu Jackson. — Também é verdade que podemos facilmente impedir que qualquer navio tenha acesso aos portos japoneses por tempo indeterminado. Também podemos impor um bloqueio aéreo e marítimo a esta ilha.

— Está nos ameaçando? — perguntou Arima.

— Estou, sim. O Japão não aguentaria por muito tempo uma situação como essa. A economia do país entraria em colapso. Ninguém sairia ganhando com isso. — Jackson fez uma pausa. — Até agora, os únicos a sofrer foram os militares. Somos pagos para correr riscos. Se essa guerra continuar, todos sofrerão, mas o maior prejudicado será o Japão. Haverá também ressentimentos de parte a parte, quando poderíamos restabelecer rapidamente a normalidade das nossas relações.

— Não estou autorizado a...

— General, há cinquenta anos o senhor poderia dizer isso; sei que os japoneses costumavam lutar até o último homem. Também costumavam tratar as populações dos países ocupados de uma forma que hoje vocês mesmos consideram desumana. Digo isso porque, desta vez, agiram de forma civilizada, sob todos os aspectos. Pelo menos, foi o que me disseram. Agradeço-lhe esse tratamento, general – prosseguiu Jackson, com toda a calma. — Não estamos nos anos quarenta. Quando a guerra terminou, eu ainda não tinha nascido e o senhor era uma criança. Este tipo de comportamento é coisa do passado. Não há lugar para ele no mundo de hoje.

— Meus soldados se comportaram com correção – confirmou Arima, sem saber o que mais dizer nas circunstâncias.

— A vida humana é um bem precioso, general Arima, precioso demais para ser sacrificado inutilmente. Limitamos nossas operações a alvos de importância militar. Ainda não ferimos nenhum inocente. Nem vocês. Entretanto, se a guerra continuar, as coisas serão diferentes, e quem vai sofrer mais é o povo japonês. Ninguém deseja isso. Seja como for, agora preciso voar para Guam. Pode falar comigo pelo rádio, se quiser — concluiu Jackson, levantando-se.

— Preciso aguardar instruções do meu governo.

— Compreendo — replicou Robby, satisfeito porque Arima estava disposto a acatar as ordens... do governo.

Quando Al Trent visitava a Casa Branca, em geral fazia-se acompanhar por Sam Fellows, principal representante da minoria na Comissão Especial. Daquela vez, porém, foi diferente, porque Sam pertencia ao outro partido. Quem estava também presente era um membro da liderança do seu partido no Senado. O adiantado da hora fazia da reunião um encontro político; a maioria dos funcionários da Casa Branca já tinha ido para casa, e o presidente se permitia um atitude mais relaxada, depois de um dia de trabalho estafante.

— Presidente, ouvi dizer que as coisas estão indo muito bem. Durling fez que sim com a cabeça, com cautela.

— O primeiro-ministro Goto ainda não pôde receber o embaixador. Não sabemos por que, mas o embaixador Whiting acha que não há razão para preocupações. A opinião pública no Japão está mudando rapidamente.

Trent aceitou o copo que um sargento da Marinha lhe ofereceu. Os funcionários da Casa Branca deviam ter uma lista das bebidas preferidas dos políticos. No caso de Al, era vodca com água tônica, vodca finlandesa, um hábito que adquirira quarenta anos antes, quando estudava na Tufts University.

— Jack disse o tempo todo que eles não sabiam com quem estavam lidando.

— Ryan é um cara esperto — concordou o senador. — Já lhe prestou bons serviços, Roger. — Trent observou, irritado, que aquele baluarte do que gostava de chamar de "câmara alta" se achava com o direito de chamar o presidente pelo primeiro nome. Um senador típico, pensou o deputado.

— Foi uma boa recomendação de Bob Fowler — admitiu Trent. O presidente concordou com a cabeça.

— É verdade, e foi você que ajudou a convencê-lo a aceitar, não foi, Al? — Confesso-me culpado — declarou o deputado, rindo.

— Tive uma ideia que gostaria de compartilhar com vocês dois — disse o presidente.

O pelotão de comandos do capitão Checa chegou à margem da floresta pouco depois do meio-dia, encerrando uma jornada extremamente cansativa por um terreno coberto de neve e de lama. Tinham chegado a uma estrada estreita. Aquela parte da cidade devia ser frequentada apenas no verão, pensou o capitão. Os estacionamentos dos hotéis estavam quase vazios, embora houvesse um miniônibus em um deles. Tirou do bolso um telefone celular e digitou um número.

— Alô.

— Senhor Nomuri?

— Ah, Diego! Há horas que estou esperando seu telefonema. Como foi a viagem ao interior? — perguntou o homem, rindo.

Checa estava pensando na resposta quando os faróis do miniônibus piscaram duas vezes. Dez minutos depois, todos os comandos estavam no interior do veículo, onde encontraram café quente e espaço para mudar de roupa. No caminho de volta, o agente da CIA escutou rádio, e os soldados viram que ele parecia totalmente relaxado. Levariam algum tempo para poder se sentir da mesma forma.

 

O comandante Sato realizou mais uma aterrissagem perfeita no Aeroporto Internacional de Narita sem prestar absolutamente atenção no que estava fazendo. Nem mesmo ouviu o elogio do copiloto quando completou a corrida pela pista. Aparentemente calmo, sentia-se vazio por dentro, execu­tando o trabalho de forma automática. O copiloto não interferiu, talvez por pensar que a atividade mecânica ajudaria a distrair o capitão dos seus sofrimentos. Por isso, limitou-se a observar enquanto Sato taxiava o 747 em direção ao túnel de embarque, parando, como de costume, com precisão milimétrica. Em menos de um minuto, as portas foram abertas, e os passageiros começaram a saltar. Pelas janelas do aeroporto podiam ver a multidão que os esperava, a maioria mulheres e filhos de pessoas que tinham voado recentemente para Saipan com o objetivo de se radicarem na ilha como cidadãos japoneses. Agora estavam voltando para casa, e foram recebidos pelas famílias como se estivessem voltando de um pesadelo. O copiloto sacudiu a cabeça, aborrecido com o absurdo da situação, sem reparar que a expressão de Sato ainda não sofrerá nenhuma mudança. Dez minutos depois, a tripulação deixou o aeroporto. Outra tripulação levaria o 747 de volta a Saipan, para continuar a evacuação da ilha.

Ao saírem do aeroporto, viram que havia pessoas esperando nervosa­mente por outros voos. Algumas liam com sofreguidão as notícias dos jornais da tarde, que tinham acabado de ser distribuídos.

Goto Caiu, dizia a manchete. Koga se Prepara para Formar Novo Governo.

As filas para os voos internacionais estavam menores que de costume. A maioria dos passageiros eram europeus, que olhavam em torno com curiosidade, alguns deles sorrindo discretamente enquanto observavam os quadros de avisos, repletos de voos provenientes de Saipan. Seus pensa­mentos não podiam ser mais óbvios, especialmente os das pessoas que aguardavam voos para o leste.

Sato também reparou no que estava acontecendo. Parou e olhou para uma banca de jornais, mas precisou apenas ler a manchete para compreender. Em seguida, olhou para os estrangeiros e murmurou: — Gaijin...

Tinha sido a única palavra desnecessária que pronunciara nas últimas duas horas e não disse mais nada a caminho do estacionamento. Talvez um pouco de sono lhe fizesse bem, pensou o copiloto, dirigindo-se para seu próprio carro.

 

— Não devíamos voltar lá e...

— E fazer o que, Ding? — perguntou Clark, guardando no bolso as chaves do carro depois de uma volta de trinta minutos pela parte sul da ilha. — As vezes é melhor deixar que as coisas simplesmente aconteçam. Acho que esta é uma dessas ocasiões, filho.

— Está dizendo que tudo acabou?

— Dê uma olhada em volta.

Ainda havia caças no céu. Uma equipe de limpeza acabara de remover os destroços da periferia do Campo Kobler, mas os caças ainda não tinham sido transferidos para o aeroporto internacional, cujas pistas estavam tomadas pelos aviões comerciais. A leste do conjunto residencial, as guarnições dos Patriot estavam de prontidão, mas os soldados que não se encontravam dentro dos caminhões se reuniam em pequenos grupos, conversando entre si, em vez de tentar confraternizar com a população. Os residentes agora estavam se manifestando, às vezes em altos brados, em vários locais da ilha, e ninguém tinha coragem de prendê-los. Em alguns casos, os oficiais, escoltados por guardas armados, pediam educadamente aos manifestantes que se mantivessem afastados das tropas; a população atendia prudentemente a essas advertências. No caminho, Clark e Chavez tinham assistido a meia dúzia de incidentes desse tipo, e era sempre a mesma coisa: os soldados pareciam mais envergonhados do que zangados. Não parecia um exército pronto para lutar, pensou John. Mais importante ainda era o fato de que os oficiais estavam vigiando seus homens de perto. Isso só podia significar que tinham ordens de cima para não se envolver em encrencas.

— Acha que tudo acabou? — insistiu Oreza.

— Com um pouco de sorte, acho que sim, Portuga.

O primeiro ato oficial do primeiro-ministro Koga depois de formar um gabinete foi mandar chamar o embaixador Charles Whiting. Uma indicação política de que as últimas quatro semanas no país tinham sido muito tensas e preocupantes, a primeira coisa que Whiting observou foi que a guarda de segurança em torno da embaixada reduzira-se à metade. Seu carro com placa do corpo diplomático foi escoltado pela polícia até o edifício da Dieta. Havia câmaras para registrar sua chegada à entrada VIP, mas elas foram mantidas a distância e dois ministros recém-nomeados encarregaram-se de conduzi-lo à presença do primeiro-ministro.

 

— Obrigado por atender tão prontamente ao nosso convite, Sr. Whiting.

— Senhor primeiro-ministro, o prazer é todo meu.

Os dois homens apertaram as mãos e realmente pareciam satisfeitos por se encontrar, embora tivessem muitos assuntos delicados para discutir.

— O senhor está ciente de que nada tive a ver com... Whiting interrompeu-o com um gesto.

— Não precisa continuar. Sim, eu sei disso, e lhe asseguro que meu governo também sabe. Sua boa vontade não está em discussão. Minha presença aqui é prova disso — acrescentou o embaixador.

— E qual é a posição do seu governo? Exatamente às nove horas da manhã, o carro do vice-presidente Edward Kealty entrou na garagem subterrânea do Departamento de Estado. Agentes do Serviço Secreto conduziram-no ao elevador VIP que o levou ao sétimo andar, onde um dos assistentes pessoais de Brett Hanson o levou à presença do secretário de Estado.

— Olá, Ed — disse Hanson, levantando-se para cumprimentar o homem que conhecia fazia duas décadas, dentro e fora do governo.

— Olá, Brett.

Kealty não parecia triste. Nas últimas semanas, acertara as contas com muita coisa em sua vida. Em poucas horas, faria uma declaração pública pedindo desculpas a Barbara Linders e várias outras mulheres, que seriam citadas nominalmente. Antes disso, porém, tinha de fazer o que exigia a Constituição. Kealty enfiou a mão no bolso do paletó e entregou um envelope ao secretário de Estado. Hanson recebeu-o e leu os dois curtos parágrafos que comunicavam a renúncia de Kealty. Não precisava dizer mais nada. Os dois velhos amigos apertaram-se as mãos novamente, e Kealty se retirou. Dali iria para a Casa Branca, onde os assistentes arrumavam seus pertences. A noite, o escritório já estaria pronto para o novo ocupante.

— Jack, Chuck Whiting está apresentando nossa proposta, e ela é muito parecida com a que você sugeriu ontem à noite.

— As consequências políticas podem ser um pouco desagradáveis — observou Ryan, sentindo-se internamente aliviado porque o presidente Durling se dispusera a correr o risco.

O presidente sacudiu a cabeça.

— Não acredito, mas mesmo que seja verdade, não mudarei minha posição. Daqui por diante, quero que nossas tropas se limitem a ações defensivas.

— Ótimo.

— As coisas levarão muito tempo para voltar ao normal. Jack assentiu.

— Sim, senhor, mas podemos conduzir a transição da forma mais civilizada possível. O povo do Japão não participou desta aventura. Quase todos os responsáveis estão mortos. Temos de deixar esse fato bem claro. Quer que eu cuide disso? — Boa ideia. Vamos conversar a respeito hoje à noite. Que tal trazer sua mulher para o jantar? Só nós quatro, para variar — sugeriu o presidente, com um sorriso.

— Acho que Cathy vai gostar.

A professora Caroline Ryan estava terminando uma operação. A sala de cirurgia lembrava mais um laboratório de eletrônica; a médica nem preci­sava usar luvas cirúrgicas. O paciente estava apenas levemente sedado, enquanto a cirurgia operava os controles do laser, procurando o último capilar doente na retina do velhinho. Ela colocou o ponto luminoso na marca com todo o cuidado e apertou um botão. Houve um breve clarão de luz esverdeada, e o capilar foi cauterizado.

— Terminei, Sr. Redding — disse Caroline, segurando a mão do paciente.

— Obrigado, doutora — agradeceu o homem, com a voz um pouco pastosa.

Cathy Ryan desligou o aparelho e se levantou, espreguiçando-se. No canto da sala, a agente especial Andrea Price, ainda disfarçada de professora do Hopkins, assistira a toda a operação. As duas mulheres saíram da sala e depararam com o professor Bernard Katz, cujos olhos brilhavam.

— Sim, Bernard? — disse Cathy, pensando no que iria escrever na ficha do Sr. Redding.

— Tem algum espaço livre em cima da lareira, Cathy? — perguntou o professor, conseguindo finalmente atrair a atenção da moça.

Katz passou-lhe um telegrama, ainda a maneira correta de transmitir aquele tipo de notícia.

— Você acaba de ganhar o prêmio Lasker, meu bem — disse Katz, abraçando-a com tanta força, que Andrea Price quase sacou da pistola.

— Oh, Bernie!

— Você mereceu. Pode ser, quem sabe, que também ganhe uma viagem à Suécia. Dez anos de trabalho. E uma grande descoberta, Cathy.

Nesse momento, outros professores apareceram, aplaudindo e apertando a mão da médica. Para Caroline Muller Ryan, doutora em medicina e membro do Colégio Americano de Cirurgiões, era um momento tão importante quanto o nascimento de um filho. Ou melhor, pensou, quase tão importante...

O bip da agente especial Andrea Price tocou, e ela se dirigiu para o telefone mais próximo. Depois de anotar a mensagem, voltou para o lado da médica.

— Esse prêmio é tão importante assim? — perguntou, afinal.

— O prêmio Lasker é nada menos do que o prêmio mais importante do país na área da medicina — afirmou Katz, enquanto Cathy se deliciava com os cumprimentos dos colegas. — Você ganha uma pequena reprodução da Vitória de Samotrácia, além de uma boa quantia em dinheiro. O mais importante, porém, é saber que seu trabalho foi reconhecido. Ela é uma excelente profissional.

— Não podia chegar em melhor hora — afirmou Andrea. — Agora, preciso levá-la para casa para se arrumar.

— Para quê?

— Para jantar na Casa Branca — respondeu a agente, piscando o olho. — O marido dela também fez um ótimo trabalho.

Boa parte do trabalho de Ryan era segredo para a grande maioria da população, mas não para o Serviço Secreto, para o qual não havia segredos.

— Embaixador Whiting, gostaria de pedir desculpas ao senhor, ao seu governo e à população do seu país pelo que aconteceu. Prometo que não acontecerá de novo. Prometo também que os responsáveis serão punidos de acordo com nossas leis — declarou Koga, de forma altiva, embora um pouco contida.

— Primeiro-ministro, sua palavra é suficiente para mim e para meu governo. Faremos o que for necessário para reatar nossas relações de amizade — prometeu o embaixador, comovido com a sinceridade do primei­ro-ministro e arrependido, como muitos americanos, por ter lhe retirado o apoio seis semanas antes. — Pretendo comunicar imediatamente sua posição ao meu governo. Acredito que nossa resposta será altamente favorável.

 

— Preciso da sua ajuda — disse Yamata, muito sério.

— Que tipo de ajuda? — perguntou o interlocutor.

Tinha gastado a maior parte do dia para encontrar Zhang Han San e agora a voz do homem estava tão fria quanto seu nome.

— Posso pegar meu jato aqui e voar diretamente para...

— Isso seria encarado como um ato hostil contra dois países. Não, sinto muito, mas não posso concordar. — Seu idiota, teve vontade de dizer o chinês. Não conhece o preço para esse tipo de fracasso?

— Mas... mas somos aliados!

— Aliados em quê? — perguntou Zhang. — Você é um homem de negócios e eu sou um funcionário do governo.

A conversa poderia ter prosseguido por muito tempo sem levar a lugar algum, mas a porta do escritório de Yamata foi aberta e o general Tokikichi Arima entrou, acompanhado por dois outros oficiais. Eles não tinham se dado ao trabalho de falar com a secretária na antessala.

— Precisamos conversar, Yamata-san — declarou o general.

— Ligo para você mais tarde — disse o industrial ao telefone, antes de desligar, sem saber que, do outro lado da linha, o chinês instruíra seu pessoal para dar alguma desculpa caso ele voltasse a telefonar. Não que fizesse muita diferença.

— O que deseja? — perguntou, dirigindo-se ao general.

— Tenho ordens para lhe dar voz de prisão.

— Ordens de quem?

— Do primeiro-ministro Koga em pessoa.

— Qual é a acusação?

— Traição.

Yamata fez uma careta. Olhou para os outros militares, que agora ladeavam o general, e não viu nenhuma simpatia nos olhos deles. Então era assim! Aqueles autômatos sabiam cumprir ordens, nada mais do que isso. Talvez pelo menos compreendessem o que era a honra.

— Com sua permissão, gostaria de passar alguns minutos a sós. O significado do pedido era evidente.

— Tenho ordens de levá-lo vivo para Tóquio — afirmou Arima.

— Mas...

— Sinto muito, Yamata-san, mas não poderá usar esse recurso para escapar.

O general fez um gesto para um dos oficiais, que deu três passos à frente e algemou o industrial. O frio do aço assustou Yamata.

— Tokikichi, você não pode...

— Estou apenas cumprindo meu dever.

O general lamentava não poder permitir que o... amigo? Não, não tinham sido realmente amigos. Mesmo assim, lamentava não poder permi­tir que Yamata pusesse fim à própria vida para expiar seus pecados, mas as ordens do primeiro-ministro tinham sido muito claras. Teria de conduzi-lo à delegacia de polícia que ficava ao lado do edifício do governo, onde seria vigiado por dois homens para evitar qualquer tentativa de suicídio.

 

Quando o telefone tocou, todos se surpreenderam ao perceber que era o telefone comum e não o aparelho de Burroughs. Isabel Oreza atendeu, esperando que fosse alguém do trabalho. Ouviu um pouco e depois chamou: — Sr. Clark?

— Obrigado — disse o agente, pegando o fone.

— Sim?

— John, aqui é Mary Pat Sua missão terminou. Pode voltar para casa.

— Devo conservar o disfarce?

— Afirmativo. Bom trabalho, John. O mesmo se aplica a Ding.

A linha ficou muda. A vice-diretora de operações violara as normas de segurança, mas a ligação durara apenas alguns segundos, e usar um telefone comum tornava a mensagem ainda mais oficial.

— O que foi? — perguntou Portuga.

— Querem que a gente volte para casa.

— Sem sacanagem? — perguntou Ding. Clark passou-lhe o fone.

— Ligue para o aeroporto. Diga que somos repórteres credenciados e talvez consiga lugares para nós. — Clark voltou-se para Oreza.

— Portuga, pode me fazer um favor e esquecer que me viu? A mensagem foi bem recebida, embora surpreendesse a todos.

 

O Tennessee logo tomou o rumo leste e aumentou a velocidade para quinze nós, permanecendo nas profundezas do mar. Na sala de oficiais, os tripulantes estavam mexendo com o tenente do Exército.

— Precisamos de uma vassoura — declarou o oficial de engenharia, muito sério.

— Temos uma a bordo? — perguntou o tenente Shaw.

— Nenhum submarino deixa o porto sem uma vassoura, Sr. Shaw. Já está conosco há tempo suficiente para saber disso — observou o comandante Claggett, piscando o olho.

— Do que é que vocês estão falando? — perguntou o tenente do Exército.

— Atiramos contra dois navios e afundamos os dois — explicou o engenheiro. — Isso significa que tivemos um aproveitamento de cem por cento. Assim sendo, vamos entrar em Pearl com uma vassoura amarrada no periscópio número um. É o que manda a tradição.

— Vocês marinheiros têm tradições muito estranhas — afirmou o único homem a bordo vestido de verde.

— E quanto aos helicópteros? Vamos colocar uma vassoura por eles, também? — perguntou Shaw ao comandante.

— Eles foram derrubados por nós! — protestou o oficial do Exército.

— Mas isso só foi possível porque vocês decolaram do nosso submarino! — observou o tenente.

 

— Puxa, vocês são fogo!

Toda aquela discussão ocorrera durante o café da manhã. O que aprontariam os marinheiros na hora do almoço? O jantar foi informal, servido no mesmo andar da Casa Branca onde ficavam os quartos de dormir. A comida podia ser simples, mas estava deliciosa.

— Os dois estão de parabéns — disse o presidente.

— Como assim? — perguntou o conselheiro de Segurança Nacional, que ainda não sabia da novidade.

— Jack, ganhei o Lasker — explicou Cathy.

— Vocês são um casal vinte — declarou Al Trent, levantando o copo de vinho para fazer um brinde.

— Concordo plenamente — afirmou Durling. — Jack, se não fosse por você, não sei como teríamos saído desta confusão. Bom trabalho, Dr. Ryan.

Jack agradeceu com a cabeça, mas agora já estava calejado. Sabia que o presidente estava aprontando alguma para ele.

— Presidente, tenho orgulho de servir a meu país. Obrigado pela confiança e também pela paciência que teve comigo quando eu...

— Jack, o país precisa de pessoas como você. Cathy, você sabe tudo que Jack tem feito nos últimos anos?

— Jack? Contar alguma coisa para mim do trabalho? Muito engraçado! — exclamou a moça.

— Al?

— Cathy, pergunte-me o que quiser — observou Trent, para aflição de Jack.

— Há uma coisa que me deixou intrigada. Vocês dois são muito amigos, mas na primeira vez que se encontraram, eu seria capaz de jurar que...

— Está falando daquele jantar, pouco antes de Jack voar para Moscou? — Trent bebeu um gole do chardonnay da Califórnia. — Foi quando ele conseguiu que o antigo chefe da KGB passasse para o nosso lado.

— O quê?

— Conte a história, Al, temos tempo de sobra — sugeriu Durling. — A esposa, Anne, também parecia interessada. Trent acabou falando vinte minutos sem parar, contando várias histórias, apesar do constrangimento de Jack.

— Esse é o seu marido, Dra. Ryan — disse o presidente, quando Trent terminou.

Jack ficou olhando para Trent, desconfiado. Aonde ele e o presidente estavam querendo chegar? — Jack, o país precisa de você para mais uma missão — afirmou o deputado.

— Qual? — Qualquer coisa, menos uma embaixada, pensou. Durling colocou o copo sobre a mesa.

— Jack, nos próximos nove meses estarei empenhado na campanha para a reeleição. Gostaria de contar com você na minha equipe.

— Presidente, eu já estou...

— Quero que seja meu vice-presidente — afirmou Durling, com toda a calma. Todos na sala fizeram silêncio. — Como sabe muito bem, a partir de hoje o cargo está vago. Ainda não escolhi meu companheiro de chapa e não estou lhe pedindo que ocupe esta posição por mais do que... por mais do que onze meses. Como Rockefeller no governo de Gerry Ford. Preciso de uma pessoa que o público respeite, alguém que possa cuidar do país na minha ausência, alguém que entenda de política internacional. Sei que está querendo deixar a vida pública. Depois de servir como vice-presidente, não poderá ser convocado para um cargo permanente.

— Espere um momento. Nem ao menos sou do seu partido! — De acordo com a Constituição original, o vice-presidente seria o segundo candidato mais votado para a presidência. James Madison e os outros tinham certeza de que o patriotismo seria mais forte do que as divisões partidárias. Infelizmente, estavam errados — admitiu Durling. — Neste caso, porém... Jack, eu conheço você. Não pretendo usá-lo politica­mente. Nada de discursos ou de beijar crianças.

— Jamais pegue uma criança no colo para beijá-la — recomendou Trent — Elas sempre fazem xixi em você e alguém sempre fotografa a cena. Beije sempre os nenéns no colo das mães.

O conselho prático teve o efeito de desanuviar um pouco a atmosfera.

— Seu trabalho será manter a Casa Branca organizada, cuidar das questões de segurança nacional e reforçar a equipe de política externa. Depois disso, prometo que o deixaremos em paz. Você será um homem livre, Jack. Livre para sempre! — Oh, meu Deus! — exclamou Cathy.

— É isso que você queria, também, não é? Caroline concordou com a cabeça.

— É, sim. Mas... mas eu não entendo nada de política. Será que...

— Você está com sorte — observou Anne Durling. — Em menos de um ano, não terá mais que se preocupar com ela.

— Acontece que tenho meu trabalho e...

— E nada a impedirá de continuar a fazê-lo. O cargo inclui uma casa muito bonita — acrescentou o presidente. — Que tal, Jack? — perguntou, voltando-se para Ryan.

— O que lhe faz pensar que o Congresso vai aprovar meu...

— Deixe isso conosco — interveio Trent, em um tom que deixava claro que aquela questão já estava resolvida.

— Não vai me pedir para...

— Prometo que não — assegurou-lhe o presidente. — Suas obrigações terminam em janeiro do ano que vem.

— Como vice-presidente, eu seria presidente do Senado. No caso de uma votação apertada, minha posição ficaria...

— E claro que tentarei convencê-lo a votar a meu favor, mas sei que votará de acordo com sua consciência e não tenho nenhuma objeção. Na verdade, se achasse que agiria de outra forma, não estaria lhe fazendo esta proposta.

— Além do mais, não estamos prevendo nenhuma votação apertada para os próximos meses — assegurou-lhe Trent.

Também haviam conversado sobre esse assunto na noite anterior.

— Acho que devemos prestar mais atenção aos militares — afirmou Jack.

— Se me apresentar suas recomendações, farei questão de incluí-las no orçamento. Já me ensinou uma lição e talvez possa me ajudar a repassá-la ao Congresso.

— Eles vão dar ouvidos a você, Jack — afirmou Trent.

Meu Deus, pensou Ryan, arrependido por ter abusado do vinho. Olhou para a mulher, como era de esperar. Seus olhos encontraram-se e ela fez que sim com a cabeça. Tem certeza?, perguntou Jack com o olhar. Cathy fez novamente que sim.

— Presidente, nos termos da sua proposta, e se é apenas para completar o atual mandato, a resposta é sim.

Roger Durling fez um gesto para uma agente do Serviço Secreto, avisando a ela que Tish Brown podia fazer a declaração à imprensa a tempo para que a notícia aparecesse nos jornais da manhã.

Oreza se dispôs a sair de barco pela primeira vez desde o dia em que Burroughs fisgara uma albacora. Eles deixaram o porto ao amanhecer e o engenheiro pôde encerrar a viagem com outra pescaria memorável antes de pegar um voo da Continental para Honolulu. Tinha muitas histórias para contar no trabalho, mas deixaria de fora o fato de que o dono do barco jogara fora uma mala cheia de equipamentos fotográficos assim que se afastaram da ilha. Devia ter um bom motivo para isso.

Clark e Chavez, ainda disfarçados de russos, conseguiram, depois de muita insistência, dois lugares em um voo da JAL para Narita. Quanto estavam embarcando, viram um japonês de terno sendo levado algemado por uma escolta militar, e de cinco metros de distância, quando o levavam para a primeira classe, Ding Chavez olhou nos olhos do homem que ordenara a morte de Kimberly Norton. Gostaria de estar com uma arma no bolso, mas infelizmente não estava. O voo até o Japão levou apenas duas horas e pouco e os dois foram logo para o terminal internacional com sua bagagem de mão. Tinham reservas na primeira classe para outro voo da JAL até Vancouver, de onde voariam para Washington em avião de uma empresa americana.

— Boa noite — disse o comandante, primeiro em japonês e depois em inglês. — Quem fala é o comandante Sato. Esperamos uma viagem tranquila até Vancouver. O vento está favorável. Chegaremos por volta das sete da manhã, hora local.

A voz soava ainda mais mecânica por causa dos alto-falantes baratos, mas a verdade era que todos os pilotos gostavam de falar como robôs.

— Graças a Deus — comentou Chavez baixinho, em inglês.

Fez alguns cálculos de cabeça e chegou à conclusão de que estariam na Virgínia por volta das nove ou dez da manhã.

— Concordo com você — disse Clark.

— Quero me casar com sua filha. Vou fazer o pedido oficial nos próximos dias.

Pronto, estava dito. A expressão de Clark ao ouvir essas palavras fez Ding encolher-se.

— Um dia você vai entender o que isso significa para um pai, Ding. Minha filhinha?, pensou, tão vulnerável no momento como qualquer homem, ou talvez até mais.

— Não quer um mexicano na família?

— Não se trata disso. É que... oh, que droga, Ding. É mais fácil soletrar Chavez do que Wojohowitz. Se ela estiver de acordo, por mim não há problema.

— Tão fácil assim? — Pensei que você fosse arrancar minha cabeça fora com uma dentada.

Clark se permitiu uma risada.

— Não. Prefiro usar um revólver para esse tipo de trabalho. Pensei que você soubesse...

— O presidente não podia ter escolhido melhor — declarou Sam Fellows no "Bom-dia, América". — Conheço Jack Ryan há quase oito anos. Há poucos homens tão inteligentes quanto ele no atual governo. Posso lhes dizer agora que foi um dos principais responsáveis pela rápida conclusão das hostilidades com o Japão, além de desempenhar um papel decisivo na recuperação do nosso mercado financeiro.

— Têm havido rumores de que o trabalho dele na CIA...

— Sabe que não estou autorizado a revelar informações confidenciais. — Outras pessoas se encarregariam de falar sobre aqueles boatos; os senadores dos dois partidos estavam sendo informados a respeito naquela mesma manhã. — O que posso dizer é que o Dr. Ryan serviu ao país com extrema dignidade. Não me lembro de outro agente de segurança que tenha conquistado a mesma confiança e respeito por parte do governo e da população.

— Mas dez anos atrás... o incidente com os terroristas. Nunca tivemos um vice-presidente que já...

— Que já matou alguém?

— Fellows olhou para o repórter e sacudiu a cabeça. — Muitos presidentes e vice-presidentes serviram no Exército. Jack apenas defendeu a família de um ataque covarde, como qualquer americano teria feito em seu lugar. Eu lhe asseguro que no Arizona, minha terra natal, ninguém condenaria um homem por isso.

— Obrigado, Sam — murmurou Ryan, olhando para a TV do escritório. A primeira onda de repórteres deveria chegar em trinta minutos e ainda tinha de ler vários relatórios e a folha de recomendações escrita por Tish Brown. Não fale depressa demais. Não dê uma resposta direta a nenhuma pergunta política.

— Estou muito feliz por ter sido escalado — disse Ryan para si mesmo. — Espero corresponder às expectativas. Não é isso que costumam dizer os jogadores novatos? — pensou em voz alta.

 

O 747 pousou ainda mais cedo do que o piloto prometera, o que era ótimo, mas não os dispensava de esperar pela conexão. A boa notícia foi que os passageiros da primeira classe saltaram na frente e, melhor ainda, um funcionário do consulado americano recebeu Clark e Chavez na saída e ajudou-os a passar pela alfândega. Os dois tinham dormido durante o voo, mas seus organismos ainda estavam fora de sincronismo com a hora local. Um velho LIOU da Delta decolou duas horas depois em direção ao Aeroporto Internacional Dulles.

O comandante Sato continuou sentado na cabina. O problema das viagens internacionais era que todas se pareciam. Aquele terminal podia ficar em qualquer país do mundo, a não ser pelo fato de que todos em volta eram gaijin. Teria um dia de folga antes de voar para casa, certamente com o avião cheio de executivos japoneses deixando o país.

Era isso que o esperava para o resto da vida: levar pessoas que não conhecia a lugares que não o interessavam. Se pelo menos tivesse ficado nas Forças de Autodefesa... Era o melhor piloto de uma das melhores companhias aéreas do mundo; suas habilidades talvez tivessem feito alguma diferença. Agora, porém, estava tudo acabado e era apenas mais um piloto de mais uma aeronave comercial, a serviço de um país que deixara de ocupar o lugar que lhe cabia na história. Paciência. Levantou-se, recolheu os mapas de voo e outros papéis, guardou-os na maleta e desembarcou. A saída agora estava vazia e logo se viu no saguão do aeroporto. Pegou um exemplar do USA Today em uma loja e sua atenção foi despertada pela reportagem da primeira página. Hoje, às nove da noite? A ideia levou apenas um momento para tomar forma; na verdade, era apenas uma questão de velocidade e distância.

Sato olhou em torno mais uma vez e depois se dirigiu para o setor de administração do aeroporto. Precisava de um mapa meteorológico. Já sabia exatamente o que fazer.

 

— Há uma coisa que eu gostaria de fazer — afirmou Jack, mais à vontade do que nunca na Sala Oval.

— O que é?

— Conseguir um indulto para um agente da CIA.

— O que foi que ele fez? — perguntou Durling, desconfiado.

— Matou algumas pessoas — respondeu Ryan, com toda a sinceridade. — Por coincidência, meu pai cuidou do caso quando eu estava na faculdade. Os homens que ele matou não valiam nada...

— Isso não é desculpa.

O futuro vice-presidente levou dois ou três minutos para explicar o que ocorrera. A palavra mágica era "drogas". Quando terminou, o presidente fez que sim com a cabeça.

— O que aconteceu depois?

— Ele tem sido um dos nossos melhores agentes. Foi quem cuidou de Qati e Ghosn na Cidade do México.

— Ah, é esse o homem?

— Sim, presidente. Acho que merece seu nome de volta.

— Está bem. Vou ligar para o secretário de Justiça e ver se podemos fazer a coisa discretamente. Não vai me pedir mais nenhum favor pessoal? — perguntou o presidente. — Para um amador, está aprendendo depressa. A propósito: fez um bom trabalho com a imprensa, esta manhã.

Ryan agradeceu o cumprimento com uma mesura.

— Também devemos muito ao almirante Jackson, mas acho que a Marinha se encarregará de recompensá-lo.

— Um pouco de interesse por parte do presidente nunca fez mal à carreira de um militar. Você tem toda a razão. Foi muita esperteza dele voar até as ilhas para conversar com os generais japoneses.

— Nenhuma baixa — afirmou Chambers. E tinham causado sérias baixas ao inimigo. Por que, então, não se sentia feliz? — O que aconteceu com os submarinos que afundaram o Charlotte e o Asheville? — perguntou Jones.

— Vamos tentar descobrir, mas pelo menos um deles deve ser sido destruído.

Era uma questão de probabilidade.

— Bom trabalho, Ron — disse Mancuso.

Jones apagou o cigarro. Agora teria de abandonar de novo o vício. Agora também compreendia o que era uma guerra e agradecia a Deus por não ter participado de nenhuma. Talvez fosse uma coisa apenas para homens bem mais jovens. Entretanto, fizera a sua parte e esperava que dali em diante não precisassem mais dele. Afinal, era muito mais agradável rastrear baleias.

— Obrigado, comandante.

 

— Um dos nossos 747 teve problemas mecânicos — explicou Sato. — Só vai ficar pronto daqui a três dias. Tenho de levar um avião até Heathrow para substituí-lo. Outro 747 tomará o lugar do meu na rota do Pacífico — concluiu, entregando o plano de voo.

O funcionário canadense examinou o papel.

— Vai levar passageiros?

— Não, mas vou precisar de combustível para a viagem.

— Espero que sua empresa nos reembolse, comandante — observou o funcionário, com um sorriso. Assinou o documento, guardou uma via e entregou a outra ao piloto. Deu uma última olhada no plano de voo. — Vai pela rota sul? São mais oitocentos quilômetros.

— Não estou gostando do vento — mentiu Sato.

Era uma mentira segura. As pessoas raramente questionavam os pilotos em decisões daquele tipo. O funcionário nem pestanejou.

— Boa viagem — disse, voltando a sua papelada.

Uma hora depois, Sato estava olhando para o avião, que se encontrava em um hangar da Ar Canada porque o espaço no terminal fora ocupado por outro jato de grande porte. O japonês realizou a inspeção de voo com todo o cuidado, procurando vazamentos de fluido hidráulico, rebites soltos, pneus em mau estado, qualquer tipo de irregularidade, enfim, mas consta­tou que estava tudo em ordem. O copiloto já estava a bordo, aborrecido com o voo não programado, apesar da perspectiva de passar três ou quatro dias em Londres, uma das cidades favoritas dos tripulantes dos voos internacionais. Sato terminou o exame e subiu a bordo, passando pela cozinha antes de se dirigir para a cabina.

— Tudo pronto? — perguntou.

— Tudo pronto — confirmou o homem, segundos antes que a faca penetrasse no seu peito. Os olhos se arregalaram mais de surpresa do que de dor.

— Desculpe, mas não havia outro jeito — disse Sato, apertando o cinto de segurança antes de iniciar a sequência de decolagem. O pessoal de terra estava longe demais para ver o interior da cabina e não tinha como saber que havia apenas uma pessoa viva a bordo.

— Torre de Vancouver, aqui é o voo extraordinário da JAL Cinco-Zero-Zero, pedindo permissão para taxiar.

— Cinco-Zero-Zero liberado para a pista Dois-Sete-Esquerda. Vento em dois-oito-zero a quinze.

— Obrigado, Vancouver. Cinco-Zero-Zero liberado para a pista Dois-Sete-Esquerda — repetiu Sato, colocando a aeronave em movimento.

O piloto levou dez minutos para chegar à cabeceira de pista e teve de esperar mais um minuto porque o avião à sua frente era outro 747, cuja decolagem podia gerar uma perigosa turbulência. Estava prestes a violar a regra mais importante da aviação, segundo a qual os pilotos deviam fazer o possível para que o número de pousos fosse igual ao número de decolagens. Entretanto, seus conterrâneos já haviam violado essa regra no passado. Quando foi liberado pela torre, Sato aumentou a potência dos motores, e o Boeing vazio acelerou rapidamente, decolou e rumou para o norte para deixar o espaço aéreo controlado em torno do aeroporto. Em pouco tempo atingiu a altitude de cruzeiro de doze mil metros, para a qual o consumo de combustível era mínimo. O plano de voo o faria viajar paralelamente à fronteira entre Canadá e Estados Unidos, deixando o continente um pouco ao norte da cidade pesqueira de Hopedale. Logo depois, sairia do alcance dos radares de terra. Quatro horas, pensou Sato, bebendo chá enquanto o piloto automático dirigia a aeronave. Rezou uma prece pelo companheiro. Gostaria que a alma do copiloto estivesse em paz, como a sua estava.

O voo da Delta pousou em Dulles com apenas um minuto de atraso. Clark e Chavez descobriram que havia um carro à espera deles. Entraram no Ford com placa oficial e se dirigiram para a Interstate-64, enquanto o motorista que levara o carro até o aeroporto pegava um táxi.

— O que acha que vai acontecer com ele?

— Yamata? Vai para a cadeia ou coisa pior. Comprou um jornal? — perguntou Clark.

— Comprei. — Chavez desdobrou-o e passou os olhos pela primeira página.

— Essa é boa!

— O que foi?

— Parece que o Dr. Ryan vai ganhar uma senhora promoção.

Mas Chavez tinha outras coisas em que pensar enquanto se dirigiam para a costa da Virgínia, como por exemplo que palavras usaria para fazer a Patsy a Grande Pergunta. E se a moça dissesse que não? As sessões conjuntas do Congresso eram sempre realizadas no plenário da Câmara, porque era maior, e também, comentavam os membros da câmara "baixa", porque no Senado os assentos eram reservados, e aqueles filhos da puta não gostavam que ninguém se sentasse no lugar deles. A segurança em geral funcionava muito bem. O Capitólio tinha sua própria força policial, que estava acostumada a trabalhar em colaboração com o Serviço Secreto. Alguns corredores tinham sido fechados com cordas e os guardas uniformizados estavam mais atentos do que de costume, mas isso era tudo.

O presidente chegaria ao Capitólio no carro oficial, todo blindado, acompanhado por vários carros Chevy Suburban ainda mais bem protegidos e carregados de agentes do Serviço Secreto armados até os dentes. Era como a caravana de um circo; como os artistas de circo, aquelas pessoas estavam sempre em processo de mudança. Quatro agentes, por exemplo, montaram lançadores de mísseis Stinger no telhado, nos locais de costume, examinando as vizinhanças para ver se as árvores não tinham crescido demais; elas eram podadas periodicamente para aumentar a visibilidade. O Grupo de Combate a Franco-atiradores do Serviço Secreto também se instalou em posições estratégicas no telhado do Capitólio e de edifícios próximos. Os melhores atiradores do país retiraram os rifles Magnum de 7mm, fabricados sob encomenda, de suas caixas forradas com espuma de borracha e usaram binóculos para examinar os telhados que não pretendiam ocupar e que não eram muitos, pois outros funcionários do serviço secreto usaram elevadores e escadas para chegar ao alto de todos os edifícios próximos ao que seria visitado pelo SALTADOR naquela noite. Quando escureceu, equipamentos de visão noturna foram ligados e os agentes beberam café para espantar o sono.

Sato agradeceu à Providência pela hora que tinham escolhido para a cerimônia e pela existência do Sistema TCAS. Embora as rotas transatlân­ticas nunca estivessem vazias, as viagens entre a Europa e a América eram programadas para coincidir com os hábitos de sono da maioria das pessoas, de modo que não havia muitos voos da Europa para os Estados Unidos àquela hora. O TCAS o alertaria para a presença de aeronaves próximas. No momento, não havia nenhuma: a tela mostrava a mensagem LIVRE DE CONFLITOS, o que queria dizer que nenhum avião fora localizado em um raio de cento e trinta quilômetros. Isso permitiu que entrasse com facilidade em uma rota para os Estados Unidos, que acompanhava a costa leste a uma distância de quinhentos quilômetros do litoral. O piloto comparou a hora com o plano de voo que tinha na memória. Os cálculos tinham de ser exatos, porque os americanos gostavam de ser pontuais. Às 20:30, tomou o rumo oeste. Estava muito cansado, pois passara a maior parte das últimas vinte e quatro horas no ar. O tempo estava chuvoso, e provavelmente teria de enfrentar alguma turbulência quando começasse a descida, mas nada muito sério para um piloto experiente como ele. A única coisa que lamentava era ter abusado do chá. Agora estava louco para ir ao banheiro, mas não podia abandonar os controles. Ainda bem que teria que suportar o desconforto durante apenas uma hora.

— Papai, o que vai acontecer conosco? Teremos de mudar de escola? — perguntou Sally do banco traseiro do carro. Cathy se encarregou de responder.

— Não, e vão ter um motorista só para vocês.

— Que legal! — exclamou o pequeno John.

O pai deles estava arrependido, como sempre ficava depois de tomar uma decisão importante, mesmo sabendo que era tarde demais para voltar atrás. Cathy olhou para ele, adivinhou seus pensamentos e sorriu.

— Jack, será apenas por alguns meses e depois...

— E verdade — concordou o marido. — Depois poderei melhorar meu golfe.

— E ensinar. E isso que você quer fazer. E isso que você precisa fazer.

— Acha que não devo voltar ao mercado financeiro? — Não sei como conseguiu permanecer nele tanto tempo.

— Você é uma cirurgia e não uma psicóloga.

— Podemos discutir o assunto — disse Cathy, ajeitando o vestido de Katie.

O que mais lhe agradava era que depois de ocupar aquele cargo por menos de um ano, o marido não precisaria mais servir ao governo. Tinha sido um belo presente do presidente Durling.

O carro oficial parou em frente ao Edifício Longworth, onde ficavam os escritórios dos congressistas. O lugar estava quase vazio; apenas alguns assessores transitavam por ali no momento, observados por agentes do Serviço Secreto, que também escoltaram os Ryan para o interior do edifício. Al Trent os recebeu na entrada.

— Querem vir comigo? — Por quê...

— Depois que você for confirmado no cargo, vai entrar na sala para prestar o juramento e depois ocupará o lugar atrás do presidente, ao lado do presidente — explicou Sam Fellows. — Foi ideia de Tish Brown. Vai dar boa impressão.

— Isto não passa de teatro de ano eleitoral — observou Jack, friamente.

— E nós? — perguntou Cathy.

— Vocês compõem uma excelente imagem de família — afirmou Al.

— Não sei por que estou tão animado com tudo isso — queixou-se Fellows, de bom humor. — Quanto melhor nos sairmos, mais difícil vai ser novembro para todos nós. Já pensou nisso? — Não, Sam, eu não tinha pensado — respondeu Jack, com um sorriso tímido.

— Esta espelunca foi meu primeiro escritório — declarou Trent, abrindo a porta do conjunto de escritórios que vinha usando havia dez mandatos. — Eu a conservo porque me dá sorte. Sentem-se, por favor, e descansem um pouco.

Um dos assessores chegou com refrigerantes e gelo, sob os olhos atentos dos seguranças de Ryan. Andrea Price começou a brincar de novo com os filhos de Ryan. Isso parecia pouco profissional, mas não era. As crianças tinham de se sentir à vontade na sua presença, e já estava trabalhando nisso.

O carro do presidente Durling chegou sem incidentes. O presidente foi conduzido ao escritório do presidente, ao lado do plenário, para dar uma última olhada no discurso que estava prestes a pronunciar. JASMIM, a Sra. Durling, com seus próprios guarda-costas, tomou o elevador para as galerias. Àquela altura, o plenário estava começando a encher. Atrasos não eram vistos com bons olhos em cerimônias como aquela. Os congressistas reuniam-se em pequenos grupos de amigos e entravam no recinto, dirigin­do-se a seus lugares, separados em dois blocos por uma linha invisível, porém muito real. Todos os nove juízes da Suprema Corte, todos os membros do Gabinete que se encontravam na cidade (dois não estavam) e os membros do Estado-Maior Conjunto, em seus uniformes de gala, foram conduzidos para a primeira fila. Em seguida, foi a vez dos chefes dos órgãos independentes. Bill Shaw, do FBI. O presidente da Federal Reserve. Finalmente, diante dos olhos nervosos dos agentes de segurança e dos funcionários do governo, estava tudo pronto.

As sete redes de televisão interromperam a programação normal. Foi anunciado que o Discurso do Presidente começaria em alguns minutos, dando tempo aos espectadores para ir até a cozinha preparar um sanduíche.

O porteiro da Casa, detentor de um dos cargos mais supérfluos do país (um excelente salário e praticamente nenhuma responsabilidade) foi até o meio do recinto e desempenhou sua função, anunciando, em tom pomposo: — Senhor presidente, o presidente dos Estados Unidos.

Roger Durling entrou na sala e caminhou pelo corredor central, com uma pasta vermelha debaixo do braço, parando a cada momento para apertar as mãos dos congressistas. Na pasta estava uma cópia impressa do seu discurso, para ser usada caso houvesse algum problema com o teleprompter. Os aplausos foram entusiásticos e sinceros. Mesmo os membros da oposição reconheciam que Durling cumprira a promessa de preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos, e por mais importante que fosse a política, também era preciso pensar em valores como honra e patriotismo, especialmente em ocasiões como aquela. Durling tomou seu lugar no atril, e foi a vez do presidente da Casa desempenhar seu papel na cerimônia: — Membros do Congresso, tenho o distinto privilégio e a elevada honra de apresentar o presidente dos Estados Unidos.

Todos aplaudiram de pé. Parecia que os dois partidos estavam compe­tindo para ver quem batia palmas mais alto e por mais tempo.

— Certo, vou repetir mais uma vez...

— Não é preciso, Al! Eu entro, o presidente da Suprema Corte toma meu juramento e eu me sento. Tudo que tenho a fazer é repetir o que ele disser.

Ryan bebeu um gole de Coca e enxugou o suor da mão na calça. Um agente do Serviço Secreto foi buscar uma toalha para ele.

— Centro de Washington, aqui é o voo Meia-Cinco-Nove, da KLM. Temos uma emergência a bordo.

Pelo tom de voz, parecia coisa séria. O controlador de tráfego observou que o ícone alfanumérico triplicara de tamanho na tela e ligou o microfone. A tela mostrava o curso, velocidade e altitude da aeronave. Sua primeira impressão foi de que estava descendo rapidamente.

— Meia-Cinco-Nove, aqui é o Centro de Washington. Quais são suas intenções? — Torre, aqui é Meia-Cinco-Nove. A turbina número um explodiu e as turbinas um e três pararam de funcionar. A integridade estrutural é precária. O controle, também. Solicito vetor para Baltimore.

O controlador fez um gesto urgente para o supervisor, que se aproximou para ver o que estava acontecendo.

— Espere um momento. Quem está falando? Ele consultou o computador e não encontrou nenhuma informação a respeito do KLM-659.

— Meia-Cinco-Nove, identifique-se, por favor.

— Centro de Washington, aqui é Meia-Cinco-Nove da KLM, um voo charter para Orlando com trezentos passageiros a bordo — disse a voz. — Repetindo: estamos com duas turbinas paradas e danos estruturais na asa de bombordo e na fuselagem. Solicito vetor imediato para Baltimore! — Não podemos brincar com isso — disse o supervisor. — Fique com ele. Ajude-o a descer.

— Sim, senhor. Meia-Cinco-Nove, estou vendo você no radar. Altitude quatro mil metros, velocidade seiscentos quilômetros por hora. Recomendo mudar a rota para dois-nove-zero e descer para três mil metros.

— Meia-Cinco-Nove descendo para três mil metros, mudando a rota para dois-nove-zero — respondeu Sato.

O inglês era a língua oficial nas viagens internacionais, e o inglês de Sato era excelente. Até ali, tudo bem. Ainda conservava mais de metade do combustível nos tanques e faltavam menos de duzentos quilômetros para o destino, de acordo com o sistema de navegação de bordo.

No Aeroporto Internacional de Baltimore-Washington, o posto de bombeiros localizado nas proximidades do terminal principal logo foi alertado. Os empregados do aeroporto que normalmente tinham outras funções correram para o edifício, enquanto os controladores decidiam rapidamente quais aeronaves poderiam pousar antes que o 747 avariado chegasse e quais teriam de esperar. Como em todos os grandes aeropor­tos, já existia um plano de emergência. A polícia e outros serviços foram alertados, e literalmente centenas de pessoas foram arrancadas da frente de receptores de TV.

— Quero lhes contar a história de um cidadão americano, um filho de policial, um ex-fuzileiro naval que ficou inválido depois de um acidente de treinamento, um professor de história, membro da comunidade financeira, marido, pai, patriota, servidor público e autêntico herói americano — disse o presidente, diante das câmaras de TV.

Ryan parecia constrangido com o discurso e mais ainda com os aplausos que se seguiram. As câmaras voltaram-se para Fiedler, o secretário do Tesouro, que falara com um grupo de repórteres financeiros a respeito do papel desempenhado por Jack na recuperação de Wall Street Até mesmo Brett Hanson estava aplaudindo, e com muito espírito esportivo.

— É sempre embaraçoso, Jack — comentou Trent, rindo.

— Muitos de vocês o conhecem, muitos de vocês trabalharam com ele. Hoje conversei com os membros do Senado. — Durling indicou com um gesto os líderes da maioria e da minoria, ambos os quais sorriram e fizeram que sim com a cabeça para as câmaras do C-SPAN. — Com a aprovação de vocês, gostaria de propor o nome de John Patrick Ryan para o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos. Proponho ainda que os membros do Senado aprovem esta nomeação por voto simbólico.

— Isso é muito irregular — observou um comentarista, enquanto os dois senadores se levantavam.

— O presidente Durling foi muito hábil — replicou o analista político.

— Jack Ryan praticamente não tem inimigos nesta cidade e esta escolha bipartidária...

— Senhor presidente, senhor presidente, membros do Senado e amigos e colegas da Câmara — começou o líder da maioria. — E com grande satisfação que eu e o líder da minoria...

— Tem certeza de que isto é legal? — perguntou Jack.

— A Constituição diz que a sua nomeação tem de se aprovada pelo Senado, mas não especifica como — afirmou Sam Fellows.

— Torre de Baltimore, aqui é Meia-Cinco-Nove. Estou com um problema.

— Meia-Cinco-Nove, qual é o problema? — perguntou o controlador da torre.

Já podia ver na tela parte do problema. O 747 não obedecera ao seu último comando. Começou a temer pela sorte daquela aeronave.

— Meus controles não estão respondendo... não sei se vou conseguir... Baltimore, estou vendo uma pista a uma hora... não conheço direito esta região... estou perdendo potência...

O controlador estudou a situação no monitor e chegou a uma conclusão.

— Meia-Cinco-Nove, o que você está vendo é a Base Aérea de Andrews. Eles têm duas pistas muito boas. Acha que consegue chegar a Andrews? — Acho que sim, acho que sim.

— Espere um momento. — O controlador tinha uma linha direta para a base. — Andrews, vocês podem...

— Estamos acompanhando o caso — informou o controlador de An­drews. — Fomos informados pelo Centro de Washington. Precisam de ajuda? — Ele pode descer aí? — Afirmativo.

— Meia-Cinco-Nove, aqui é Baltimore. Vou orientá-lo para pousar em Andrews. Pode passar para a rota três-cinco-zero? — perguntou o controla­dor.

— Acho que sim, acho que sim. A turbina não está mais pegando fogo, mas tenho um vazamento de fluido hidráulico...

— Voo Meia-Cinco-Nove da KLM, aqui é a Torre de Andrews. Estou vendo você no radar. Distância quatro quilômetros, rota três-quatro-zero, altitude mil e duzentos metros e descendo. A pista Zero-Um-Esquerda está livre e nossos carros de bombeiros já estão indo para lá — disse o capitão da Força Aérea. Ele já havia alertado a base e a equipe de emergência, bem treinada, entrara em ação. — Mude a rota para zero-um-zero e continue a descer.

— Meia-Cinco-Nove — respondeu Sato, em tom lacônico.

O piloto não compreendia a ironia da situação. Embora houvesse muitos caças estacionados em Andrews, na Base Aérea de Langley, no Centro de Testes da Aviação Naval de Patuxent River e na Base Aeronaval de Oceana, todas a menos de duzentos quilômetros de Washington, não ocorrera a ninguém manter uma patrulha aérea sobre a cidade; por isso, suas mentiras e manobras elaboradas eram totalmente desnecessárias. Sato mudou de rumo bem devagar, para simular um defeito mecânico, orientado o tempo todo por um controlador americano muito preocupado e compe­tente. E isso, pensou, era uma pena.

— Sim! — Contra? Houve um silêncio geral, seguido logo depois por uma salva de palmas. O presidente se levantou.

— O porteiro da Casa admitirá o vice-presidente à Câmara, para que ele preste juramento.

— Está na hora. Vamos — disse Trent, levantando-se e dirigindo-se para a porta.

Os agentes do Serviço Secreto espalharam-se pelo corredor, conduzindo o cortejo pelo túnel que ligava o Edifício Longworth ao Capitólio, pintado de amarelo e decorado, estranhamente, com desenhos de crianças pequenas.

 

— Não há nenhum sinal de fumaça ou fogo — disse o controlador da torre, com os binóculos apontados para a aeronave. Ela estava agora a menos de dois quilômetros de distância. — Não estou vendo o trem de pouso! Meia-Cinco-Nove, seu trem de pouso está levantado! Repito, seu trem de pouso está levantado!

Sato poderia ter respondido, mas preferiu não fazê-lo. Não era mais necessário. Empurrou os aceleradores, aumentando a velocidade acima dos trezentos e vinte quilômetros por hora necessários para o pouso, mas conservando a altitude de trezentos metros. O alvo já estava à vista; tudo que tinha a fazer era dar uma guinada de quarenta graus para a esquerda. No último momento, acendeu as luzes externas, iluminando a garça vermelha da cauda.

— O que ele está fazendo?

— Não é da KLM! Veja! — apontou o tenente.

Quando estava exatamente acima da base, o 747 fez uma curva para a esquerda, perfeitamente sob controle, os quatro motores rugindo com a potência máxima. Os dois oficiais entreolharam-se, sabendo exatamente o que estava para acontecer e que não havia nada que pudessem fazer. Avisar ao comandante da base era apenas uma formalidade que não teria nenhum efeito prático. Mesmo assim, ligaram para o comandante e também para a Primeira Esquadrilha de Helicópteros. Feito isso, suas opções se esgotaram e eles se prepararam para assistir ao espetáculo cuja conclusão já haviam adivinhado. Levaria pouco mais de um minuto para terminar.

Sato estivera várias vezes em Washington e conhecia os principais pontos turísticos, incluindo o Capitólio, que visitara mais de uma vez. Era um edifício grotesco, pensou, vendo-o crescer à sua frente. Ajustou a trajetória da aeronave e começou a descer a Pennsylvania Avenue, em direção ao rio Anacostia.

A visão foi tão surpreendente que deixou paralisado o agente do Serviço Secreto que estava no telhado da ala da Câmara. A paralisia, porém, durou apenas um momento. O homem se pôs de joelhos e arrancou a tampa de uma grande caixa de plástico.

— Tirem o SALTADOR daí! Depressa! — gritou o homem, enquanto retirava o Stinger do invólucro.

— Vamos! — gritou um agente no microfone, tão alto que todos que estavam no interior do prédio levaram um susto.

Para os agentes do Serviço Secreto, a palavra significava que tinham de levar o presidente para longe. Instantaneamente, homens tão bem treinados quanto qualquer jogador de futebol profissional entraram em ação, embora não tivessem a menor ideia de qual era o perigo. Na galeria acima da Câmara, a segurança da primeira dama tinha uma distância menor para percorrer, e embora uma das agentes tropeçasse nas escadas, conseguiu segurar Anne Durling pelo braço e arrastá-la para fora.

— O que foi? — perguntou Andrea Price, a única a falar no túnel.

Os outros agentes que cercavam a família Ryan sacaram suas armas, quase todas pistolas, embora também houvesse duas submetralhadoras. Olharam todas as direções, à procura de algum sinal de perigo, mas não viram nada.

— Abaixem-se! — Abaixem-se! — Abaixem-se! No plenário da Câmara, seis homens correram para o atril, também com armas na mão, em uma cena que milhões de telespectadores jamais esqueceriam. O presidente Durling olhou para o chefe dos agentes, perplexo, mas o homem se limitou a pedir que continuasse andando.

O agente que estava no telhado levou o Stinger ao ombro em tempo recorde e o sinal sonoro revelou que o alvo tinha sido engajado. Apertou o botão de disparo, mesmo sabendo que não faria a menor diferença.

Ding Chavez estava sentado no sofá, segurando a mão de Patsy, a mão onde estava a aliança, até ver os agentes sacarem as armas. O soldado que sempre haveria nele o fez aproximar-se da TV em busca de sinais de perigo; mesmo não vendo nenhum, sabia que o perigo estava presente.

O risco luminoso assustou Sato, e ele se encolheu um pouco, mais de surpresa do que de medo, ao ver o míssil se dirigir para a turbina interna do lado esquerdo. O ruído da explosão foi surpreendentemente forte, e os alarmas mostraram que a turbina tinha sido totalmente destruída, mas ele estava a apenas um quilômetro do edifício branco. A aeronave inclinou-se ligeiramente para a esquerda. Sato corrigiu automaticamente a trajetória, apontando para a ala sul da sede do legislativo americano. Estariam todos lá: o presidente, os congressistas, todos. Fez os últimos ajustes com a mesma precisão do que em qualquer pouso de rotina e seu último pensamento foi que teriam de pagar um preço muito especial por terem matado sua família e humilhado sua pátria. Seu último ato voluntário foi escolher o ponto de impacto, a dois terços do patamar superior da escadaria de pedra. Era o lugar ideal...

Quase trezentas toneladas de aeronave e combustível atingiram a face leste do edifício a uma velocidade de seiscentos quilômetros por hora. O 747 se desintegrou instantaneamente. Embora frágil como um pássaro, sua velocidade e massa já haviam pulverizado as colunas externas no prédio. Em seguida, foi a vez da própria construção. Assim que as asas se quebraram, as turbinas, que eram na verdade os únicos objetos maciços da aeronave, projetaram-se para a frente e um deles penetrou no plenário da Câmara. Não havia vigas de aço no Capitólio; o edifício pertencia a uma época em que pedra sobre pedra era considerada a forma mais sólida de construção. Toda a face leste da ala sul do edifício foi reduzida a escombros, mas os danos de verdade levaram mais um ou dois segundos para ocorrer, o tempo necessário para que o teto desabasse sobre as novecentas pessoas que se encontravam na Câmara. Cem toneladas de combustível irromperam dos tanques despedaçados, vaporizando-se ao passar pelos blocos de pedra. Um segundo depois, o combustível explodiu, e uma imensa bola de fogo tomou conta do edifício. As chamas expandiram-se, procurando o ar nos corredores e fazendo com que uma onda de pressão se infiltrasse por todo o edifício, chegando até mesmo ao porão.

O impacto inicial foi suficiente para jogar todos no chão; os agentes do Serviço Secreto estavam quase em pânico. O primeiro instinto de Ryan foi agarrar a filha mais moça, empurrar o restante da família para o chão e cobri-los com o próprio corpo. Nesse momento, alguma coisa o fez olhar para trás, para a extremidade norte do túnel. O ruído vinha dali; um segundo depois, apareceu uma massa de chamas alaranjadas. Empurrou para baixo a cabeça da mulher e mais dois corpos o cobriram. Não havia nada a fazer, a não ser olhar para as chamas que se aproximavam...

... e passavam por cima de suas cabeças; o suprimento de oxigênio começava a se esgotar. A nuvem em forma de cogumelo projetou-se para cima, sugando o ar e os vapores de combustível para fora do edifício...

... mas parou de subir, a menos de trinta metros de altura, e começou a encolher, criando um vendaval que atravessou o túnel na direção oposta. Uma porta foi arrancada das dobradiças e arremessada na direção do grupo, mas não feriu ninguém. A pequena Katie começou a chorar, assustada. Cathy estava de olhos arregalados, olhando para o marido.

— Vamos! — gritou Andrea Price.

Os agentes ajudaram os membros da família a se levantar e os arrastaram de volta para o Edifício Longworth, deixando para trás os dois deputados, que tiveram de se arranjar sozinhos. Quando chegaram à extremidade do túnel, a agente especial Andrea Price foi novamente a primeira a falar: — Presidente, o senhor está bem? — Que foi que... — Ryan olhou para as crianças. Estavam muito nervosas, mas pareciam não ter sofrido nenhum ferimento. — Cathy?

— Estou bem, Jack. — Examinou as crianças, como fizera uma vez em Londres. — Elas estão bem, Jack. E você? Houve uma explosão que fez o chão tremer, e Katie Ryan começou a chorar de novo.

— Price para Walker — disse a agente, no microfone. — Price para Walker... responda, por favor! Qualquer um, por favor, responda!

— Price, aqui é RIFLE TRÊS. O estrago aqui foi muito grande. O teto desabou. Como está o ESPADACHIM?

— O que aconteceu? — perguntou Sam Fellows, ofegante. Andrea nem ouviu a pergunta.

— Afirmativo, afirmativo. ESPADACHIM, CIRURGIA e... que merda, ainda não escolhemos nomes para eles. As crianças estão... todos aqui estão bem — disse pelo rádio, enquanto o ar ainda passava por eles para alimentar as chamas que consumiam o Capitólio.

Aos poucos, os agentes começavam a recuperar a compostura. Ainda estavam com as armas na mão, e se um faxineiro aparecesse naquele momento no fim do corredor sua vida estaria em sério perigo, mas, um por um, respiraram fundo e se acalmaram um pouco, tentando se concentrar no que tinham sido treinados para fazer.

— Por aqui! — exclamou Andrea, indo na frente. — RIFLE TRES, vá buscar um carro no estacionamento... depressa!

— Entendido.

— Billy, Frank, abram caminho! — ordenou Andrea.

Jack não sabia que ela era a chefe da sua segurança pessoal, mas os dois agentes não discutiram. Saíram correndo na direção da saída. Trent e Fellows limitaram-se a observar a cena, acenando para que os outros fossem na frente.

— Tudo calmo! — disse um dos agentes, com uma Uzi na mão, no final do corredor.

— Presidente, o senhor está bem?

— Espere um minuto. O que aconteceu com...

— O SALTADOR morreu — informou Andrea, em tom lacônico.

Os outros agentes tinham ouvido a mesma notícia pelo rádio e formaram um círculo apertado em torno do novo chefe da nação. Ryan ainda estava tentando entender o que acontecera.

— Temos um Suburban esperando lá fora! — chamou Frank. — Vamos!

— Presidente, temos de tirá-lo daqui o mais depressa possível. Venha comigo, por favor — disse Andrea Price, baixando ligeiramente a arma.

— Espere um momento. O que está dizendo? O presidente, Helen...

— RIFLE TRÊS, aqui é Price. Alguém conseguiu sair?

— Ninguém, Price. Ninguém — respondeu o atirador de elite.

— Presidente, temos de levá-lo para um local seguro. Siga-me, por favor. Quando chegaram lá fora, encontraram não um, mas dois dos miniônibus à espera. Jack foi forçado a se separar da família e empurrado para o interior do primeiro.

— E a minha família? — perguntou, vendo agora a pira alaranjada no lugar que havia apenas alguns minutos fora a sede do poder Legislativo. — Oh, meu Deus...

 

 

                                                   Tom Clancy         

 

 

 

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