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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DOIS ESTRANHOS / Sandra Brown
DOIS ESTRANHOS / Sandra Brown

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

DOIS ESTRANHOS

 

O veterano do Vietnã Cooper Landry possuía ressentimentos profundos em relação a mulheres atraentes. Ele já havia escapado de situações perigosas, e a queda de um avião no meio de uma floresta não seria o suficiente para colocar sua vida em risco. Rusty Carlson, linda executiva e segura c e si, após o acidente experimentava o medo de estar sozinha em um lugar assustador e com um homem que a aterrorizava. Ela morreria, mas não dependeria da ajuda dele. Entretanto, predadores selvagens e humanos eram mais uma ameaça. Rusty e Cooper estariam preparados para se entregarem a um forte desejo enquanto lutavam pela sobrevivência?

 

Todos estavam mortos. Menos ela. Tinha certeza.

Não imaginava quanto tempo transcorrera desde o impacto nem quanto tempo ficara dobrada, com a cabeça sobre os joelhos. Poderiam ter sido segundos, minutos, anos-luz. O tempo poderia ter parado eternamente, ao que parecia. O metal torcido se movera antes de se assentar com um gemido. As árvores mutiladas — vítimas inocentes da colisão — pararam de estremecer. Nem ao menos uma folha se movia agora. Tudo estava assustadoramente calmo. Não havia sons.

Ergueu a cabeça. Os cabelos, os ombros e as costas se encontravam cobertas por estilhaços do plástico que antes fora a janela ao lado. Sacudiu a cabeça, produzindo pequenos ruídos que trincavam o silêncio. Vagarosamente, forçou-se a abrir os olhos. Um grito tentou emergir da garganta, porém não conseguiu emiti-lo. As cordas vocais pareciam paralisadas. Um acidente era pior que o mais terrível dos pesadelos de um controlador de tráfego aéreo.

Os dois homens que ocupavam os assentos logo à frente ao dela, a julgar pela conversa animada durante o percurso, parecera-lhe serem bons amigos, estavam agora mortos. As risadas e brincadeiras para sempre silenciadas. A cabeça de um deles havia voado pela janela, percebeu ela, sem, no entanto, olhar mais de perto. Havia um mar de sangue ao redor. Tornou a fechar os olhos e não os abriu até que tivesse virado o rosto. Do outro lado do corredor, outro homem jazia morto, a cabeça apoiada no acolchoado do assento, como se estivesse dormindo durante a queda do avião. O Esquivo. Assim ela o rotulara antes de levantarem voo. Devido ao fato de o aeroplano ser pequeno, havia regras restritas sobre o peso da carga. Enquanto os passageiros tinham suas bagagens pesadas antes de embarcarem, o Esquivo se mantivera separado do grupo com atitude hostil de superioridade. A antipatia que demonstrava não deixava espaço para conversa com nenhum dos outros passageiros, que se gabavam ruidosamente de suas caças. A indiferença que ele demonstrava o isolara, assim como o fato de ser uma mulher a segregara. Era a única a bordo. E agora, a única sobrevivente. Dirigindo o olhar à cabine da frente, constatou que o banco do piloto fora arrancado da fuselagem como a tampa de uma garrafa e se encontrava retorcido, alguns metros adiante. O piloto e o copiloto, ambos jovens, alegres e simpáticos, estavam mortalmente feridos. Engoliu a bile que lhe subiu à garganta. O piloto robusto e barbudo que a ajudara a subir a bordo dissera-lhe, em tom de flerte, que raramente havia mulheres entre os passageiros de seu avião e que nunca se pareciam com modelos de capa de revista. Os outros dois passageiros, irmãos de meia-idade, ainda se encontravam presos aos assentos da frente pelos cintos de segurança. Morreram por causa dos galhos grossos de uma árvore que cortara a cabine como um abridor de latas. Os familiares sentiriam aquela tragédia com intensidade dobrada.

Começou a chorar. A desesperança e o medo a oprimiam. Tinha medo de desmaiar, de morrer e, ao mesmo tempo, tinha medo de não continuar acordada e viva. A morte dos companheiros de viagem fora imediata e indolor. Provavelmente morreram no primeiro impacto. Talvez fosse melhor assim. Sua morte seria lenta porque, pelo que podia ver, milagrosamente não possuía um ferimento. Morreria lentamente de sede e fome, desabrigada. Imaginou por que ainda estava viva. A única explicação era que estava sentada na última fileira. Ao contrário dos demais passageiros. Deixara alguém para trás na estalagem em Great Bear Lake e aquela despedida se prolongara, de modo que fora a última passageira a entrar no avião. Todos os assentos haviam sido ocupados, exceto os da última fileira.

Quando o copiloto a guiou pela aeronave, os diálogos animados cessaram abruptamente. Com a cabeça inclinada devido ao teto baixo do interior do avião, encaminhara-se ao único assento disponível. Sentira-se evidentemente desconfortável, era a única mulher a bordo. Era como entrar em uma sala envolta em fumaça, onde um jogo acalorado de pôquer estava em andamento. Algumas coisas eram essencialmente masculinas e não havia igualdade de sexos que as mudassem. Assim como outras serão sempre exclusivamente femininas. Um avião partindo de uma área de caça e pesca dos territórios do noroeste era uma das coisas essencialmente masculinas.

Tentou tornar sua presença imperceptível, o mais que fosse possível, manteve-se em silêncio e observava a paisagem pela janela. Em um determinado momento, durante a decolagem, girara a cabeça e encontrara o olhar do homem sentado do outro lado do corredor. Ele a encarara com aparente desaprovação e ela voltara a olhar pela janela.

Além dos pilotos, provavelmente fora a única passageira a avistar a tempestade. Acompanhada pela densa neblina, a chuva torrencial a deixara nervosa. Logo, os demais ocupantes começaram a sentir a turbulência. Aos poucos, a conversa animada foi substituída por preocupados gracejos sobre sobreviver àquela tempestade e como estavam felizes por ser o piloto que dirigia o aeroplano e não um deles. Porém, os pilotos estavam tendo dificuldades, o que logo se tornou evidente aos passageiros. Por fim, todos silenciaram e cravaram os olhares nos homens sentados na cabine de comando. A tensão dentro da aeronave aumentou quando os dois perderam o contato com o rádio da torre. Os instrumentos do painel não eram mais confiáveis, porque as informações que forneciam eram aparentemente imprecisas. Devido à nebulosidade, não avistavam o solo desde que haviam decolado.

Quando o avião entrou em um mergulho espiralado e o piloto gritou para os passageiros: "Estamos caindo. Deus esteja conosco", todos aceitaram a notícia com resignação e calma surpreendentes. Ela dobrou o corpo e colocou a cabeça entre as pernas, cobrindo-a com os braços e rezando durante toda a queda, que pareceu demorar uma eternidade. Nunca esqueceria o choque do primeiro impacto. Embora prevenida, não estava preparada para aquilo. Não sabia por que fora poupada da morte instantânea, a não ser que sua estatura menor a tivesse permitido se entocar entre os dois assentos de maneira mais segura e amortecer o impacto.

No entanto, sob as atuais circunstâncias, não estava certa de que ter sobrevivido fora vantagem. A estalagem de caça, na extremidade noroeste do Great Bear Lake só podia ser alcançada por avião. Milhas de mata virgem a separavam de Yellowknife, o destino ao qual se dirigiam. Só Deus sabia quanto o avião havia se desviado do plano de voo quando caiu. As autoridades poderiam procurar por meses sem encontrá-la. Até lá — se um dia conseguissem — estaria extremamente só e contaria apenas consigo mesma para sobreviver. O pensamento a estimulou a agir. Em um frenesi quase histérico, lutou para soltar o cinto de segurança. Quando conseguiu, caiu para frente, batendo com a cabeça no assento próximo. Esgueirou-se pelo corredor apertado, engatinhando em direção ao rombo aberto no meio do avião.

Evitando contato direto com os corpos, ergueu o olhar para o metal rasgado. A chuva cessara, mas as nuvens pesadas e cinzentas pareciam tão ameaçadoras que davam a impressão de que explodiririam. O céu tinha aparência fria, úmida, assustadora, e trovejava. Ajustou a gola do casaco vermelho de pele ao pescoço. Não havia vento e, por isso, sentia-se agradecida. Do contrário, o frio seria bem mais intenso. Mas se não havia vento, de onde vinha aquele som agudo?

Prendendo a respiração, esperou. Lá estava ele de novo!

Girou a cabeça e escutou. Não era fácil ouvir qualquer coisa além das batidas desenfreadas do próprio coração.

Um movimento.

Dirigiu o olhar ao homem que estava sentado do lado oposto do assento que ela ocupara. Seria apenas sua ansiosa imaginação ou as pálpebras do Esquivo se mexeram? Arrastou-se pelo corredor, esbarrando no braço ensangüentado de uma das vítimas, o qual evitara cuidadosamente minutos atrás.

— Oh, por favor, Deus, permita que ele esteja vivo — pediu, fervorosamente.

Alcançando o assento onde ele estava, fixou o olhar na face inanimada. Parecia estar descansando em paz. As pálpebras imóveis. Nenhuma tremulação. Nenhum som escapava dos lábios, que se encontravam quase que totalmente ocultos por um grosso bigode. Escorregou o olhar para o peito, mas o homem estava usando um casaco acolchoado, o que tornava impossível perceber se estava respirando ou não.

Colocou o dedo sobre a curva superior do bigode, logo abaixo das narinas. Deixou escapar um palavrão ao sentir a úmida passagem de ar. Fraca, mas definitivamente presente.

— Graças a Deus, graças a Deus! — Começou a chorar, ria ao mesmo tempo, enquanto dava palmadas leves no rosto do homem. — Acorde, senhor. Por favor, acorde.

O homem gemeu, porém não abriu os olhos. A intuição lhe dizia que o quanto antes ele recobrasse a consciência, melhor. Além disso, precisava se certificar de que ele não estava morto ou nem estaria prestes a morrer. Ao menos não de imediato. Precisava desesperadamente saber que não estava sozinha. Imaginando que o ar frio talvez o ajudasse, resolveu tirá-lo do avião. Não seria uma tarefa fácil. Aquele homem devia ter uns 45 quilos a mais que ela.

Sentiu cada grama dele ao desatar o cinto de segurança e o corpo flácido tombar sobre ela como um saco de concreto. Escorando-o com o ombro direito e o sustentando lá, arrastou-o recuando pelo corredor em direção à abertura. Levou meia hora para percorrer a distância de pouco mais de dois metros. O braço ensangüentado oferecia um empecilho à passagem. Ela teve de superar a repulsa e afastá-lo para o lado. As mãos se sujaram com o sangue pegajoso, fazendo-a choramingar, horrorizada. Comprimindo os lábios trêmulos, trincou os dentes e continuou arrastando o homem pelo corredor. Um agonizante e trabalhoso centímetro de cada vez.

De repente, ocorreu-lhe que poderia estar piorando o estado daquele homem ao movimentá-lo. Mas chegara até ali e não pararia agora. Traçar uma meta e alcançá-la parecia muito importante, se por mais nada, ao menos para provar que não estava impotente. Decidira tirá-lo do avião e assim o faria mesmo que aquilo a matasse. O que talvez acontecesse mesmo, pensou minutos mais tarde. Ela o havia arrastado em direção à abertura o máximo possível. De vez em quando, ele gemia, mas fora isso, não dava mais sinais de vida. Deixando-o por alguns instantes, ela subiu pelos galhos do pinheiro. Todo o lado esquerdo da fuselagem fora literalmente rasgada, portanto seria uma questão de arrastá-lo pelos galhos da árvore. Usando as mãos, quebrou a maior parte dos ramos menores antes de retornar ao homem desacordado.

Demorou cinco minutos apenas para virá-lo, de forma que pudesse sustentá-lo com as mãos sob seus braços. Em seguida, dirigindo-se ao túnel estreito e espinhoso que abrira, puxou-o junto com ela. Os espinhos lhe espetavam a face. A casca áspera da árvore lhe arranhava as mãos. Felizmente, o tecido grosso da roupa que trajava lhe protegia a maior parte do corpo.

A respiração se tornou ofegante à medida que se esforçava. Pensou em parar para descansar, mas temeu não juntar forças suficientes para recomeçar. Seu fardo gemia constantemente agora. Sabia que ele devia estar sentindo dor, mas não podia parar, caso contrário ele poderia retornar a uma profunda inconsciência. Por fim, sentiu o ar fresco lhe soprar a face. Colocou a cabeça para fora do último galho e saiu para o espaço aberto. Recuando alguns passos cambaleantes, puxou o homem pelo restante do caminho, até que ambos alcançassem a clareira. Exausta e com os músculos dos braços, pernas e costas ardendo pelo esforço, deixou-se cair sentada no chão. A cabeça do homem pendeu sobre seu colo.

Envolvendo o próprio corpo com as mãos, inclinou a cabeça em direção ao céu e ficou naquela posição até recobrar o fôlego. Pela primeira vez, enquanto puxava o ar gélido para dentro dos pulmões, pensou que era bom estar viva. Agradeceu a Deus por sua vida e pela do homem.

Baixou o olhar e só então percebeu o inchaço na testa do Esquivo. Ostentava um clássico galo na têmpora. Não havia dúvidas de que fora aquilo que lhe causara a inconsciência. Erguendo-lhe os ombros o suficiente para retirar as pernas debaixo deles, agachou-se ao lado do corpo forte e começou a desabotoar o casaco acolchoado, rezando para não descobrir nenhum ferimento mortal. E não conseguiu avistar nenhum. Encontrou apenas a camisa de tecido quadriculado de flanela que nenhum caçador deixaria de usar. Não havia vestígios de sangue nela. Da gola olímpica da camisa que ele usava por baixo ao topo das botas de cadarço, não conseguia avistar nenhum sinal de sangramento.

Deixando escapar um suspiro de alívio, inclinou-se sobre o homem e mais uma vez deu palmadas leves em seu rosto. Ele estava próximo dos quarenta anos, mas não parecia ter uma vida fácil. Os cabelos castanhos eram um tanto longos e ondulados, assim como o bigode. Porém, as sobrancelhas possuíam nuances loiras. A pele tinha um bronzeado curtido por anos de exposição ao sol. Um traçado de linhas finas lhe vincava os cantos dos olhos. A boca era grande e fina. O lábio inferior era apenas um pouco mais carnudo que o superior. Aquele rosto rude não combinava com um escritório. Devia passar um bom tempo ao ar livre. Tinha um semblante agradável, de beleza clássica, firmeza impressionante e inflexível inacessibilidade que também sentira na personalidade daquele homem.

Pensou, receosa, o que ele pensaria quando recobrasse a consciência e se visse sozinho naquela selva com ela. Não teve de esperar muito para descobrir. Instantes depois, as pálpebras do Esquivo tremularam e se abriram. Os olhos tão insensivelmente cinza quanto o céu que testemunhava aquela cena, se cravaram nela. Em seguida, se fecharam para tornarem a abrir. Ela queria falar, mas o medo a deteve. A primeira palavra que escapou dos lábios daquele desconhecido era impronunciável. Ela se retraiu, mas atribuiu o linguajar vulgar à dor. Mais uma vez o homem fechou os olhos e esperou vários segundos antes de tornar a abri-los.

— Nós caímos — disse por fim e ela concordou, balançando a cabeça. — Há quanto tempo?

— Não sei ao certo. — Ela sentiu os dentes tiritarem. Não estava assim tão frio, portanto devia ser de medo. Dele? Por quê? — Talvez, há uma hora.

Grunhindo de dor, ele levou a mão à têmpora e se ergueu utilizando a outra como alavanca. Ela se afastou para o lado para que o homem pudesse se sentar.

— E quanto aos outros passageiros?

— Estão todos mortos.

O homem tentou se erguer, apoiando-se em um dos joelhos e oscilou, tonto.

Instintivamente, ela estendeu a mão para ajudá-lo, mas ele a afastou.

— Tem certeza?

— Que estão mortos? Sim. Acho que sim.

Girando a cabeça, ele lhe dirigiu um olhar de reprovação.

— Verificou a pulsação deles?

Não, aqueles olhos não eram da cor do céu, pensou ela. Eram ainda mais frios e encerravam piores presságios.

— Não, não verifiquei — admitiu parecendo arrependida.

O homem a encarou com olhar crítico por vários segundos e, em seguida, com grande dificuldade, conseguiu se erguer. Utilizando a árvore atrás dele como suporte, lutou para ficar de pé e recobrar o equilíbrio.

— Como... como se sente?

— Com vontade de vomitar.

Tinha de admitir que aquele homem não media palavras.

— Talvez devesse se deitar.

— Sem dúvida que sim.

— E então?

Ainda segurando a cabeça com uma das mãos, ele a ergueu e a encarou.

— Está se voluntariando para entrar lá e verificar a pulsação daqueles homens? — Observou a palidez que ela exibiu é lhe dirigiu um sorriso torto, como que a ridicularizando. — Foi o que pensei.

— Eu o tirei de lá, não tirei?

— Sim — retrucou o homem em tom seco. — Você me tirou de lá.

Não esperava que ele lhe beijasse as mãos por ter lhe salvado a vida, mas um simples agradecimento não seria mau.

— É um ingrato...

— Poupe-me — disse ele.

Imóvel, observou o homem se desencostar da árvore e se encaminhar, cambaleante, em direção ao aeroplano destruído, afastando os galhos com uma força que ela não conseguiria reunir nem em um mês.

Deixou-se cair sobre o solo pantanoso e apoiou a cabeça nos joelhos erguidos, sentindo-se tentada a chorar. Podia ouvi-lo se movimentando pela cabine de comando. Quando ergueu a cabeça, avistou-o através do pára-brisa da cabine que fora arrancada do avião. Ele tocava os corpos dos pilotos com frieza.

Minutos depois, o homem retornou através da árvore caída.

— Tem razão. Estão todos mortos.

O que esperava que ela respondesse? Que descoberta impressionante?

O homem pousou um estojo branco de primeiros socorros no chão e se ajoelhou ao lado. Pegou um frasco de aspirinas e, em seco, engoliu três de uma vez. — Venha cá — ordenou ele em tom áspero. Ela se moveu ligeira e o homem lhe entregou uma lanterna. — Direcione-a diretamente para os meus olhos. Um de cada vez e me diga o que acontece.

Quando ela acendeu a lanterna, verificou que o tubo estava quebrado, mas ainda funcionava. Direcionou a luz alternadamente entre os olhos dele.

— As pupilas se contraem.

O homem lhe tomou a lanterna das mãos e a apagou.

— Ótimo. Sem concussão. Apenas uma infernal dor de cabeça. Você está bem?

— Acho que sim. — Dirigindo-lhe um olhar cético, ele concordou, balançando a cabeça. — Meu nome é Rusty Carlson — apresentou-se ela de maneira polida.

O homem emitiu uma risada curta. Os olhos cinza se moveram para seus cabelos.

— Rusty, é?

— Sim, Rusty — respondeu, impaciente.

— Parece mais um apelido.

Aquele homem tinha os mesmos modos que um porco.

— Tem um nome?

— Sim, tenho. Cooper Landry, mas não estamos em uma festa, portanto, perdoe-me se não tiro o chapéu e digo: prazer em conhecê-la.

Para dois únicos sobreviventes de um desastre de avião, estavam começando mal. Naquele momento, ela queria ser confortada, assegurada de que estava viva e de que continuaria assim. Tudo que obtivera daquele homem fora um sarcasmo injustificado.

— O que há com você? — indagou Rusty, irritada. — Age como se a queda do avião fosse culpa minha.

— Talvez tenha sido. ¯ Rusty ofegou, incrédula.

— O quê? Não fui responsável pela tempestade.

— Não, mas se não tivesse arrastado a despedida chorosa e emocionada de seu doce namorado, talvez não tivéssemos ficado presos na tempestade. Por que decidiu partir antes dele? Tiveram uma briga de amantes?

— Isso não é de sua conta — retrucou ela entre dentes cerrados, que certamente haviam sido dispostos à perfeição por um excelente ortodontista.

A expressão do rosto de Cooper não se alterou.

— E você não tinha nada de estar em um lugar como este... — Os olhos cinza a percorreram de cima a baixo. — sendo o tipo de mulher que é.

— E que tipo seria?

— Deixe para lá. Digamos apenas que eu estaria bem melhor sem você. — Dizendo isso, ele retirou uma faca de caça de aparência letal da bainha de couro atada ao cinto. Rusty imaginou se ele iria lhe cortar a garganta com aquilo e se livrar do inconveniente que ela significava. Em vez disso, Cooper girou e começou a cortar os galhos pequenos da árvore, abrindo um caminho mais acessível até a fuselagem.

— O que está fazendo?

— Tenho de retirá-los de lá.

— Os... os outros? Por quê?

— A não ser que queira dormir com eles.

— Irá enterrá-los?

— Essa é a idéia. Tem uma melhor?

Não, claro que não tinha, portanto se calou. Cooper Landry desbastou a árvore até que só restassem os galhos maiores. Eram mais fáceis de serem escalados. Rusty o ajudava, afastando os galhos descartados.

— Ficaremos aqui, então?

— Por enquanto, sim. — Cruzando o caminho que havia aberto, Cooper entrou no aeroplano e sinalizou para que ela o seguisse.

— Retire as botas dele, sim?

Rusty dirigiu o olhar às botas de um dos corpos. Não poderia fazer aquilo. Nada em sua vida a preparara para tal tarefa. Aquele homem não podia esperar que executasse algo tão grotesco. Porém, erguendo o olhar e encontrando os implacáveis olhos cinza, soube que era exatamente aquilo que ele esperava. E sem discussões.

Um por um, removeram os corpos do aeroplano. Cooper fez a maior parte do trabalho. Ela apenas o ajudava quando requisitada. A única forma que encontrara para agir era afastando a mente da tarefa funesta. Perdera a mãe quando era adolescente. Há dois anos, o irmão morrera. Porém, nas duas ocasiões, vira-os apenas quando estavam deitados em um caixão forrado de cetim branco, rodeado de flores e da música de um órgão. A morte parecia irreal. Mesmo os corpos da mãe e do irmão não lhe pareceram reais, mas sim cópias idênticas das pessoas que amara. Manequins criados à imagem e semelhança dos dois pelo agente funerário.

Aqueles corpos eram reais.

Mecanicamente, obedecia aos comandos que Cooper Landry emitia em tom de voz inflexível. Aquele homem devia ser um robô, decidiu ela. Não demonstrava nenhuma emoção, enquanto arrastava os corpos para a vala comum que fora capaz de cavar com a faca de caça e uma pequena machadinha que encontrara em uma caixa de ferramentas abaixo do banco do piloto. Ele empilhou pedras sobre a sepultura quando terminou.

— Não deveríamos dizer alguma coisa? — indagou Rusty, baixando o olhar à pilha de pedras colocadas lá para proteger os corpos dos cinco homens dos animais que se alimentavam de carniça.

— Como o quê?

— Citar uma escritura sagrada ou uma prece.

Cooper deu de ombros, negligente, enquanto limpava a lâmina da faca.

— Não conheço nenhuma escritura sagrada. E há muito não faço preces. — Virando de costas para a cova, retornou ao avião.

Rusty fez uma breve oração em silêncio, antes de segui-lo. Mais que tudo, temia ficar sozinha de novo. Se perdesse aquele homem de vista, ele talvez a abandonasse. O que era pouco provável. Pelo menos por algum tempo. Cooper fora vencido pela fadiga e parecia estar prestes a desmaiar.

 

— Por que não se deita e descansa? — sugeriu. A força a havia abandonado muito tempo atrás. Agia apenas sob o efeito da adrenalina.

— Por que está anoitecendo muito rápido — respondeu ele. Temos de remover os bancos da aeronave para termos espaço para nos esticar lá dentro. Do contrário, terá de dormir ao relento pela primeira vez em sua vida — completou, sarcástico, antes de entrar no avião. Instantes depois, Rusty o ouviu praguejar vigorosamente. Cooper saiu com um profundo vinco entre as sobrancelhas em uma expressão furiosa.

— Qual o problema?

Cooper ergueu a mão em frente o rosto dela. Estava úmida.

— Combustível.

— Combustível?

— Combustível é inflamável — disse ele, impaciente com a ignorância que Rusty demonstrava. — Não podemos permanecer aqui. Uma faísca e voaremos pelos ares.

— Então não acenda uma fogueira. Cooper a encarou com olhar severo.

— Assim que escurecer desejará uma fogueira — afirmou em tom irônico. — Além disso, bastaria uma fagulha vinda de qualquer lugar. Um pedaço de metal poderia atritar contra o outro e estaríamos destruídos.

— E o que faremos?

— Pegaremos o que pudermos e sairemos daqui.

— Achei que fosse melhor ficarmos no avião. Li isso em algum lugar. As buscas terão como alvo a fuselagem de uma aeronave. Como irão nos encontrar se sairmos do local da queda?

Cooper inclinou a. cabeça com arrogância.

— Quer ficar? Ótimo, fique. Vou sair daqui. Mas antes devo lhe avisar que acho que não há água por perto. A primeira coisa que farei pela manhã será procurar água.

O comportamento sabichão daquele homem era insuportável.

— Como sabe que não há água?

— Não há rastos de animais por perto. Acho que poderá subsistir com a água da chuva, mas quem pode dizer o quanto ela durará?

Quando e como ele percebera que não havia rastos de animais por perto? Rusty nem ao menos pensara em procurar. Na verdade, a falta de água era tão assustadora quanto a possibilidade de lidar com animais selvagens para consegui-la. Procurar água? Como se fazia isso? Animais selvagens? Como se defenderia de um ataque?

Morreria sem Cooper. Após alguns instantes de reflexão, chegara à triste conclusão. Não tinha outra escolha senão se juntar a quaisquer que fossem as táticas de sobrevivência que ele conhecia e agradecer o fato de aquele homem estar ali.

— Está bem — concordou ela, engolindo o orgulho em seco. — Vou com você. Cooper nem ao menos lhe dirigiu o olhar. Não tinha como saber se sua decisão o agradava ou não. Ao que parecia, era indiferente. Ele focara a atenção na pilha de coisas que salvaria dos destroços. Determinada a não ser ignorada, Rusty se ajoelhou ao lado dele.

— O que posso fazer para ajudar?

Cooper apontou com a cabeça para um compartimento de bagagem da aeronave.

— Vasculhe a bagagem de todos os passageiros. Pegue o que poderá ser útil mais tarde. — Entregou-lhe várias chaves de malas que obviamente retirara dos bolsos dos defuntos antes de enterrá-los.

Rusty estudou com cuidado as malas. Algumas haviam sido abertas com o impacto da batida. Os pertences pessoais das vítimas se encontravam espalhados pelo chão úmido.

— Não estamos... violando a privacidade deles? As famílias poderiam se ressentir...

Cooper girou em um impulso tão repentino quase a fez cair para trás.

— Quando vai crescer e encarar os fatos? — Segurou-a pelos ombros e a sacudiu. — Olhe ao redor. Sabe quais são as chances de sairmos disso vivos? Vou lhe dizer: zero. Antes de entregar os pontos, lutarei como um louco para permanecer vivo. É um hábito que tenho. — O rosto rude se aproximou do de Rusty. — Isso não é uma aventura de bandeirante. E sobrevivência, madame. Dane-se a etiqueta e o decoro. Se quiser vir comigo, terá de fazer o que eu mandar e quando eu mandar. Entendeu? Não poderemos perder tempo com sentimentalismos. Não desperdice lágrimas com aqueles que não conseguiram sobreviver. Eles se foram e não há nada que possamos fazer quanto a isso. Agora, mova seu traseiro e faça o que mandei.

Cooper a soltou com um safanão e começou a recolher as peles que os caçadores estavam levando para casa como troféus. A maioria era de caribus, mas também havia de lobos, castor e de um pequeno mink.

Suprimindo as lágrimas amargas do estresse e da humilhação, ela se inclinou sobre as malas e começou a escolher entre os objetos como fora instruída. Gostaria de nocauteá-lo. Queria desmoronar sobre aquele amontoado de bagagem e gritar até perder o fôlego. Porém, não lhe daria a satisfação de vê-la fazer nada daquilo. Tampouco não lhe daria motivo para deixá-la para trás. Provavelmente, Cooper se agarraria a sua mais ínfima fraqueza. Meia hora depois, Rusty acrescentou seus achados à pilha de artigos que ele havia recolhido. Aparentemente, Cooper aprovou a seleção, que incluía dois frascos de bebida alcoólica. Não conseguiu identificar pelo cheiro, mas ele parecia familiarizado com a bebida e ao que tudo indicava gostou do revigorante gole que tomou de um dos frascos. Rusty observou o pomo de adão descer e baixar enquanto ele engolia. Cooper tinha um pescoço forte e uma mandíbula bem marcada. Típico, pensou ela, irônica, de mulas empacadas.

Cooper fechou o frasco e o atirou na pilha de caixas de fósforos, um kit de costura de viagem e algumas roupas que ela havia empilhado. Não fez nenhum elogio à seleção de Rusty. Em vez disso, indicou com a cabeça a pequena maleta que ela estava carregando.

— O que é isso?

— É minha.

— Não foi o que perguntei. — Cooper lhe arrancou a maleta das mãos e a abriu. As mãos grandes violaram a impecável pilha de roupas de baixo de seda em tons pastéis, camisolas e lingeries variadas. Pegou uma das leggings entre o dedo indicador e o polegar. Os olhos cinza encontraram os dela. — Seda? — Rusty lhe lançou um olhar frio sem, no entanto, responder. O sorriso estampado no rosto largo era malicioso. Insinuava coisas que ela nem ao menos queria pensar. — Muito bonita. — E então, o sorriso desapareceu sob o bigode e ele lhe atirou a peça de roupa. — Leve dois pares de roupa íntima longa de inverno, dois pares de meias. Um boné, luvas e este casaco — acrescentou, pegando um casaco de esqui no topo da pilha de roupas que selecionara. — Um par extra de calcinhas e dois suéteres.— Abriu a bolsa plástica de viagem, onde Rusty guardara seus cosméticos.

— Preciso de tudo isso — disse ela, rapidamente.

— Não para onde vai. — Cooper vasculhou entre os artigos de toalete, atirando, negligentemente, uma fortuna em cremes e maquiagem sobre as folhas úmidas e apodrecidas. — Uma escova de cabelo, pasta, escova de dentes e sabonete. Só isso. E por que sou benevolente, pode levar isto. — Entregou-lhe um caixa de absorventes internos.

Rusty arrancou-lhe a caixa das mãos a atirou dentro da bolsa de plástico, junto com os outros objetos que ele lhe permitira levar. Mais uma vez ele sorriu. A justaposição dos dentes brancos e o largo bigode lhe emprestavam uma aparência pecaminosa.

— Acha que sou um verdadeiro calhorda, certo? Mas é muito educada para dizer.

— Não, não sou. — Os olhos castanho-avermelhados de Rusty faiscavam. — Acho mesmo que é um calhorda.

O sorriso de Cooper apenas se aprofundou.

— Isso vai apenas piorar antes de melhorar. — Ergueu-se, olhando o céu escuro, preocupado. — Vamos. É melhor partirmos.

Tão logo Cooper deu as costas, ela recolheu do monturo um brilho labial, um frasco de xampu e um aparelho de barbear na bolsa. Talvez ele não precisasse fazer a barba antes que chegassem à civilização, mas ela com certeza precisaria se livrar de alguns pelos.

Rusty se sobressaltou quando ele girou para encará-la.

— Sabe como manejar um desses? — perguntou, erguendo um rifle de caça. Rusty negou com a cabeça. No dia anterior vira uma linda cabra ser abatida com um rifle como aquele. Era uma lembrança desagradável. Em vez de celebrar a caça, toda sua compaixão fora para com o animal abatido. — Era o que eu temia... — resmungou Cooper. — Pode carregá-lo mesmo assim. — Pendurou o rifle pesado sobre um dos ombros de Rusty e outro, que provavelmente lhe pertencia, sobre o dele. Em seguida, enfiou uma pistola de aparência ameaçadora na cintura e percebeu o olhar cauteloso que ela lhe lançava.

— É uma pistola de sinalização. Fique atenta a possíveis aviões de busca. — Atando a gola de um suéter com um cordão de sapato, Cooper produziu uma mochila. Amarrou-a em volta do pescoço de Rusty pelas mangas. — Muito bem — disse ele, inspecionando-a. — Vamos.

Lançando um último e preocupado olhar à fuselagem rasgada do avião, ela o acompanhou. As costas largas o tornavam um alvo fácil de seguir. Descobriu que mantendo os olhos focados em um ponto entre as omoplatas de Cooper era capaz manter a mente quase em transe e esquecer os corpos que haviam deixado para trás. Gostaria de imergir no esquecimento. Continuava a caminhar, perdendo energia a cada passada. A força parecia se esvair dela com uma rapidez alarmante. Não sabia dizer quanto haviam se distanciado, mas não deviam ter caminhado muito até que lhe parecesse impossível dar mais uma passada. As pernas tremiam de fadiga. Não mais afastava para os lados os galhos que se interpunham no caminho, mas os deixava colidir contra ela. A imagem de Cooper começou a enevoar e, em seguida, oscilar a sua frente como um fantasma. As árvores pareciam possuir tentáculos que tentavam lhe arrancar as roupas, os cabelos e lhe segurar os tornozelos, impedindo-a de progredir. Tropeçando, baixou o olhar e se surpreendeu ao perceber que ele estava se aproximando rapidamente de seu rosto. Que extraordinário, pensou Rusty.

Em um gesto instintivo, segurou-se a um galho próximo para amparar a queda.

— Coo... Cooper — chamou-o com um fio de voz.

A queda foi forte, mas era uma benção deitar no chão frio e úmido. As folhas molhadas eram como uma compressa contra sua face. Era magnífico poder fechar os olhos.

Cooper deixou escapar um xingamento, enquanto se livrava da mochila que trazia às costas e do rifle pendurado ao ombro. Com um movimento bruto, girou-a para que ficasse deitada de costas e lhe abriu as pálpebras com os polegares. Rusty o encarou, sem saber que sua face se encontrava mais pálida do que a de um defunto. Até os lábios estavam tão cinza quanto as nuvens acima.

— Desculpe-me por atrasá-lo. — Sentiu-se vagamente surpresa com o som fraco da própria voz. Podia sentir os lábios se moverem, mas não tinha certeza se conseguia dar voz às palavras. Parecia crucial se desculpar por detê-lo e ser um transtorno. — Tenho de descansar pelo menos por um minuto.

— Sim, está bem, Rusty, descanse. — Cooper trabalhava no colchete enterrado na gola de pele de raposa do casaco que ela vestia. — Machucou-se?

— Não. Por quê?

— Nada. — Ele lhe abriu o casaco e escorregou as mãos para dentro do suéter, pressionando-lhe, cuidadosamente, o abdome. Seria aquilo apropriado?, pensou Rusty, indistintamente. — Poderia estar sangrando em algum lugar e não saber.

Aquelas palavras serviram para esclarecer tudo.

— Internamente? — perguntou ela em pânico.

— Não sei. Eu não... espere! — Com um movimento rápido, fechou o casaco de Rusty. O ar lhe escapava entre os dentes. Ela se ergueu em um dos cotovelos para ver o que o fizera franzir a testa daquela maneira.

A perna direita de sua calça comprida estava banhada em sangue que havia lhe embebido a meia de lã e escorrido pela bota de couro.

— Quando se feriu? — Os olhos cinza, cortantes como uma lâmina, encontraram os dela. — O que aconteceu? — Assombrada, ela encarou Cooper e, sem dizer uma palavra, sacudiu a cabeça. — Por que não me disse que estava ferida?

— Não sabia — retrucou Rusty com voz fraca. Cooper retirou a faca da bainha. Em seguida lhe cortou a calça desde a bainha até o elástico da calcinha. Chocada e temerosa, Rusty inspirou profundamente e o ouviu deixar escapar um profundo suspiro, enquanto lhe observava a perna.

— Diabos!

 

A cabeça de Rusty começou a rodar. Estava nauseada. Sentia as orelhas pulsarem e a garganta arder como fogo. Cada folículo capilar parecia como uma agulha a lhe espetar a cabeça. As pontas dos dedos dos pés e das mãos formigavam. Uma vez desmaiara após fazer um canal dentário. Conhecia os sintomas. Mas, diabos, eles tinham de afligi-la naquele momento? Na frente de Cooper?

— Calma, calma. — Ele a segurou pelos ombros e a deitou no chão. — Não se lembra de ter se ferido? — Rusty sacudiu a cabeça, silenciosamente. — Deve ter sido quando o avião caiu.

— Não senti nenhuma dor.

— Estava muito chocada. Como se sente agora? Só então Rusty se deu conta da dor.

— Nada mal. — Os olhos cinza escrutinaram os dela, exigindo a verdade. — Sério, não estou tão mal assim. Porém, sangrei muito, não foi?

— Sim. — Com o rosto tenso, Cooper vasculhou o estojo de primeiros socorros. — Terei de limpar o sangue para que possa ver de onde está vindo.

Arrancou-lhe a mochila improvisada que ela estivera carregando e escolheu uma camisa de baixo de algodão para limpar o sangue. Rusty sentiu a pressão das mãos fortes, mas nada além disso, enquanto erguia o olhar para os galhos da árvore acima. Talvez tivesse sido apressada em agradecer a Deus por estar viva. Talvez sangrasse até morrer deitada no chão e não haveria nada que ela e Cooper pudessem fazer. Na verdade, ele ficaria feliz em se livrar dela.

O suave xingamento que ele deixou escapar a despertou dos macabros pensamentos. Rusty inclinou a cabeça para cima e cravou o olhar na perna machucada. Ao longo da tíbia, um corte profundo, que começava logo abaixo do joelho, se estendia até onde começava a meia, deixando à mostra carne e músculos. Era nauseante e ela choramingou.

— Deite-se, droga!

Fraca, Rusty obedeceu à ordem enfática.

— Como isso aconteceu sem que eu tenha sentido?

— Talvez tenha aberto como a casca de um tomate no momento do impacto.

— Pode fazer algo?

— Limpar com água oxigenada. — Cooper abriu o frasco plástico marrom-opaco que encontrara no estojo de primeiros socorros e embebeu a manga da camiseta com a água oxigenada.

— Vai doer?

— Provavelmente.

Ignorando-lhe os olhos assustados e úmidos, Cooper esfregou suavemente o ferimento. Rusty prendeu o lábio inferior entre os dentes para não gritar, mas a face se contorcia de dor. Na verdade, o pensamento da água oxigenada efervescendo no corte era tão ruim quanto a dor.

— Respire pela boca se sentir vontade de vomitar — recomendou ele com voz neutra. — Estou quase terminando.

Rusty fechou os olhos com força e não os abriu até ouvir o som de tecido se rasgando. Cooper estava retalhando outra camiseta em tiras. Uma por uma, amarrou-as em torno da panturrilha, enfaixando-lhe a perna, com força.

— Isso irá resolver por ora — disse ele, mais para si mesmo do que para Rusty. — Levante os quadris — ordenou, pegando mais uma vez a faca. Ela sentia as mãos ásperas trabalhando sob suas coxas e entre elas. As juntas calejadas das mãos de Cooper roçando a pele macia e quente, mas ela não se sentia envergonhada. Parecia estar cortando um bife a julgar pela emoção que deixava transparecer.

— Certamente não poderá andar.

— Posso! — insistiu Rusty, enfática.

Temia que ele fosse embora sem levá-la. Cooper se encontrava de pé em frente a ela com as pernas apartadas, olhava ao redor. Exibia uma carranca e sob o bigode, ela percebeu que mordia o lábio como se estive pensando seriamente em algo. Estaria ponderando suas opções? Decidindo se devia ou não deixá-la ali? Ou talvez estivesse pensando em matá-la rápida e misericordiosamente em vez deixar que sangrasse até morrer?

Por fim, Cooper se abaixou e a ergueu, com as mãos em suas axilas até que ela ficasse sentada.

— Tire seu casaco e vista o de esqui.

Sem discutir, Rusty deixou o casaco de peles escorregar pelos ombros. Usando a machadinha que trouxera, ele cortou três galhos novos. Em silêncio, ela o observou construir com eles um "H", deixando a linha transversal mais comprida do que o normal. Atou as interseções com as tiras de couro cru que retirara das botas dos homens que enterrara. Em seguida, pegou o casaco de peles e passou uma das mangas sobre a extremidade de cada uma das varas mais longas. Rusty se encolheu quando ele perfurou a pele e o cetim do forro, produzindo um rombo em seu preciso casaco. Cooper ergueu o olhar e a encarou.

— Qual o problema?

Rusty engoliu em seco, percebendo que ele a estava testando.

— Nada. O casaco foi um presente, só isso. Observando-a por alguns segundos antes de fazer um rombo similar na outra extremidade, ele continuou a tarefa, passando as varas pelos buracos no tecido. Rusty estava impressionada com a inventividade e habilidade daquele homem e bastante aliviada por ele parecer não ter intenção de abandoná-la nem de dar um fim nela. Cooper pousou a geringonça improvisada no chão. Girando em direção a Rusty, deitou-a sobre a pele macia e, em seguida, depositou várias peles sobre ela.

— Nunca vi nenhum animal por aí com uma pele com esta aparência — disse ela, escorregando a mão sobre a lã fina e curta.

— Umingmak.

— O que disse?

— E assim que os inuítes chamam o boi almiscarado. Significa "o barbudo". Não fui eu quem o caçou. Trouxe apenas a pele. E muito quente — explicou ele, enfiando a lã por baixo do corpo de Rusty e atirando outra pele sobre aquela. — Você decide se quer ficar deitada e permanecer coberta.

Erguendo-se, Cooper enxugou o suor da testa com as costas da mão. Fez uma careta quando roçou o inchaço na têmpora. Ela ficaria de repouso na cama por uma semana se tivesse um ferimento como aquele, pensou Rusty. Devia estar doendo muito.

— Obrigada, Cooper — agradeceu com voz suave. Paralisando, ele baixou o olhar para encará-la, aceitou o agradecimento com um aceno rápido de cabeça e, em seguida, girou e começou a juntar toda a parafernália que traziam. Jogou as duas mochilas no colo de Rusty, junto com ambos os rifles.

— Segure esses também, sim?

— Aonde vai?

— Sudeste. — Foi a resposta sucinta de Cooper.

— Por quê?

— Mais cedo ou mais tarde toparemos com um posto fronteiriço de civilização.

— Oh. — Rusty temia se mover, prevendo que a jornada não seria nada agradável. — Posso tomar uma daquelas aspirinas, por favor?

Cooper abriu o frasco plástico e depositou duas aspirinas na mão dela.

— Não posso engoli-los sem água.

Cooper deixou escapar um muxoxo de impaciência.

— Ou os engole a seco ou com conhaque.

— Conhaque, por favor. — Entregando-lhe o frasco da bebida, ele a observou de perto. Rusty encostou o gargalo aos lábios e, corajosamente, tomou um grande gole para que as aspirinas descessem. Sufocando, estalou a língua. Lágrimas lhe encheram os olhos, mas ela lhe devolveu o frasco com dignidade e equilíbrio. — Obrigada.

Os lábios finos se retorceram pela vontade de sorrir.

— Talvez não tenha muita sensatez, mas tem coragem, madame.

Aquilo, pensou Rusty, era o mais próximo de um elogio que conseguiria arrancar de Cooper Landry. Ele segurou as extremidades dos galhos novos sob o braço e foi em frente, arrastando a padiola atrás dele. Após percorrer alguns irritantes metros que lhe esfoliaram o traseiro, Rusty percebeu que não estava muito melhor na padiola do que estaria andando. O processo requeria toda sua concentração apenas para não escorregar da geringonça improvisada. Ficaria com as nádegas roxas de hematomas, um legado das pedras com as quais se deparava em cada exaustivo passo. Não ousava pensar no forro de cetim sendo reduzido a frangalhos pelos escombros da floresta, enquanto era arrastado pelo solo áspero.

O dia se tornou progressivamente escuro e frio. Uma fina precipitação começou — flocos de neve, que os meteorologistas chamavam de grânulos de gelo não maiores do que grãos de sal. A perna machucada começou a doer, Rusty preferia morder a língua até parti-la ao meio antes de reclamar. Podia ouvir a respiração pesada de Cooper. Para ele também não estava sendo fácil. Se não fosse por ela, já teria percorrido três vezes aquela distância.

A escuridão se abateu repentinamente, tornando ainda mais arriscado progredir no terreno desconhecido. Cooper estacou na próxima clareira que alcançaram e soltou os cabos da padiola.

— Como está se sentindo?

Rusty não pensou na fome, sede e desconforto que sentia.

— Bem — respondeu.

— Sim, claro. Como está realmente se sentindo? — Ele se ajoelhou e afastou as peles sobre o corpo de Rusty. O curativo estava ensopado de sangue fresco. Rapidamente, Cooper a cobriu outra vez. — E melhor pararmos para passar a noite. Agora que o sol se pôs, não posso saber a direção que estou tomando. Cooper estava mentindo. Dizia aquilo apenas para que se sentisse melhor. Rusty sabia que ele prosseguiria se não fosse por ela. Duvidava que a escuridão o intimidasse ou que o tempo inclemente o detivesse. Embora ele a estivesse arrastando por horas, aparentava ter energia suficiente para percorrer o dobro do caminho. Cooper caminhou ao redor da clareira e começou a amontoar galhos de pinheiro no chão. Espalhou as peles sobre eles e se aproximou de Rusty.

— Cooper?

— O que é? — rugiu ele, com o esforço de erguê-la da padiola.

— Tenho de ir ao toalete.

Rusty não conseguia vê-lo claramente na escuridão, mas sentiu o olhar chocado que ele lhe lançou. Envergonhada além do limite aceitável, ela manteve a cabeça baixa.

— Está bem — respondeu Cooper após instantes. — Sua perna a sustentará enquanto...

— Sim, acho que sim. — Rusty apressou-se em dizer. Carregando-a até a margem da clareira, ele a pousou gentilmente de pé no chão, apoiando-a na perna esquerda.

— Ampare-se no tronco da árvore — instruiu ele, bruscamente. — Chame-me quando terminar.

Era mais difícil do que Rusty esperara. Quando acabou de fechar o que restara de sua calça comprida, estava trêmula pela fraqueza e os dentes tiritavam de frio.

— Ok. Acabei.

Cooper emergiu da escuridão e a ergueu nos braços outra vez. Rusty nunca imaginara que folhagem de pinheiros e peles de animais proporcionassem uma sensação tão boa, mas suspirou de alívio quando ele a deitou sobre o colchão improvisado, permitindo-lhe relaxar. Cooper envolveu-a com as peles.

— Vou acender uma fogueira. Não será grande, pois não há madeira seca suficiente, mas será melhor que nada e talvez ajude a afastar os visitantes. Rusty estremeceu e puxou as peles para cobrir a cabeça, tanto para protegê-la do simples pensamento da visita de animais selvagens quanto da precipitação gelada que continuava a cair. Porém, a dor progressiva na perna não lhe permitiria cochilar. Tornou-se inquieta e por fim espreitou sob a coberta.

Cooper conseguira acender a fogueira. Havia enchido a cova rasa que escavara no chão com pedras para impedir que o fogo incendiasse a cama que ele lhe preparara. Relanceando-lhe o olhar, Cooper abriu um dos muitos zíperes do casaco que usava, tirou algo de lá e atirou para Rusty, que o segurou com uma das mãos.

— O que é isso?

— Barra de cereais.

O simples pensamento da comida lhe fez o estômago roncar alto. Abriu a embalagem pronta para engoli-la de uma vez. Porém, deteve-se.

— Você... não precisa dividir comigo — disse com um fio de voz. — E sua e pode precisar dela mais tarde.

Os olhos cinza tinham a aparência fria e dura da estrutura de um canhão quando se voltaram para encará-la.

— Não é minha. Encontrei-a no bolso de um casaco que pertencia aos outros.

Cooper parecia ter prazer em lhe dizer tal coisa, insinuando que se a barra de cereais fosse dele, pensaria duas vezes antes de dividi-la com ela. Não obstante a intenção, Cooper guardara para ela, a barra tinha o gosto de serragem, mas a mastigou e engoliu mecanicamente. A falta de sabor se devia em parte à secura de sua boca.

— Se não encontrarmos água amanhã, estaremos perdidos — disse ele, como se lhe lesse os pensamentos.

— Acha que encontraremos?

— Não sei.

Rusty se aconchegou às peles, contemplativa.

— Em sua opinião, qual foi o motivo da queda do avião?

— Não sei. Uma combinação de fatores, talvez.

— Tem idéia de onde estamos?

— Não. Poderia ter alguma noção se não fosse a tempestade.

— Acha que estávamos fora da rota?

— Sim, mas não sei quanto.

Rusty descansou a face em uma das mãos, com o olhar fixo na chama fraca que lutava para não se extinguir. — Esteve em Great Bear Lake antes?

— Uma vez.

— Quando?

— Há alguns anos.

— Costuma caçar com freqüência?

— De vez em quando.

Cooper não era exatamente loquaz, certo? Queria manter uma conversação para desviar a mente da dor que sentia na perna.

— Acha que nos encontrarão?

— Talvez.

— Quando?

— O que acha que sou? Uma maldita enciclopédia? — O grito reverberou pelos troncos das árvores ao redor, enquanto ele se erguia de modo abrupto. — Pare de me fazer tantas perguntas. Não tenho respostas.

— Só queria saber — gritou Rusty, chorosa.

— Eu também, mas não sei. Diria que as chances de eles nos encontrarem se o avião estivesse na rota pré-definida são boas e extremamente remotas se tivesse se afastado muito, está bem? Agora, cale a boca e não fale mais nisso. — Rusty imergiu em profundo silêncio. Cooper vagou pela clareira à procura de matéria seca para alimentar o fogo. Acrescentou alguns gravetos às chamas antes de se aproximar dela. — E melhor deixar que eu cuide de seu ferimento. — Atirou as cobertas para o lado de modo brusco. O fogo projetava uma luz frouxa sobre o curativo. Manejando a faca com maestria, cortou os nós que fizera mais cedo e começou a desenfaixar o curativo ensangüentado.

— Isso dói?

— Sim.

— Bem, tem toda a razão em doer — disse com voz austera, enquanto estudava o ferimento. A expressão no rosto rude não era muito encorajadora. Enquanto Rusty segurava a lanterna, ele embebeu o corte profundo com água oxigenada mais uma vez e aplicou um curativo limpo. Quando terminou, lágrimas enevoavam a visão de Rusty e seus lábios se encontravam vermelhos de tanto ela os morder. Porém, não chorou.

— Onde aprendeu a fazer curativos tão bem?

— No Vietnã — A resposta concisa, indicava que o assunto estava encerrado. — Pegue, tome mais duas aspirinas. — Cooper lhe passou o frasco, após retirar duas. Ele não reclamava, mas a cabeça devia estar explodindo. — E tome mais conhaque. Pelo menos, dois goles. Precisará deles pela manhã.

— Por quê?

— Sua perna. Amanhã provavelmente será o pior dia. Depois disso, deverá melhorar.

— E se não melhorar?

Cooper não lhe respondeu. Não precisava.

Com as mãos trêmulas, Rusty segurou o frasco de conhaque e tomou um gole. Agora que o fogo havia pegado, ele adicionou mais alguns gravetos secos às chamas. Porém, não esquentara a ponto de Cooper retirar o casaco, como surpreendentemente estava fazendo. Em seguida, descalçou as botas e lhe disse para fazer o mesmo. Fazendo uma trouxa com os casacos e os calçados, enfiou-a no meio das peles.

— Para que está fazendo isso? — Rusty sentia o pé esfriar.

— Se suarmos dentro das botas e depois o suor esfriar, ficaremos com bolhas nos pés. Role para o lado.

Rusty lhe dirigiu um olhar apreensivo.

— O quê? — Suspirando, impacientemente, Cooper se aninhou ao lado dela, forçando-a a se mover e lhe dar lugar sob a pilha de peles. — O que está fazendo? — indagou, alarmada.

— Deitando para dormir. E conseguirei se calar a boca.

— Aqui?

— Acomodações com camas separadas não estão disponíveis.

— Não pode...

— Relaxe, senhorita... qual seu sobrenome mesmo?

— Carlson.

— Sim, srta. Carlson. A combinação do calor de nossos corpos ajudará a nos aquecer. — Ele se chegou mais para perto e puxou as peles sobre a cabeça dos dois, os entocando debaixo delas. — Vire de lado, de costas para mim.

— Vá para o inferno.

Rusty podia senti-lo contando até dez.

— Ouça, não quero congelar. E não estou disposto a cavar outra cova para enterrá-la. Portanto, faça o que digo. Agora.

Cooper devia ter sido um comandante no Vietnã, pensou ela, petulante, enquanto deitava de lado. Pousando-lhe um dos braços sobre a cintura, ele a puxou para perto até que ficassem em posição de concha. Rusty quase não conseguia respirar.

— Isso é mesmo necessário?

— Sim.

— Não vou a lugar algum. Não tenho para onde ir. Não precisa ficar com o braço aí.

— Você me surpreende. Achei que gostaria disso — disse ele, pressionando a palma da mão sobre o estômago de Rusty. — Você é bem atraente. Não espera que os homens a sua volta fiquem enlouquecidos?

— Solte-me.

— Esses cabelos longos de tonalidade rara.

— Cale-se.

— Orgulha-se de seu traseiro curvilíneo e seios empinados, certo? Estou certo que a maioria dos homens a acha irresistível. Aquele copiloto certamente achava. Estava babando em cima de você como um doberman diante de uma cadela no cio.

— Não sei a que está se referindo. Cooper lhe acariciou o estômago.

— Oh, sim, sabe. Deve ter se divertido, encantando a todos aqueles homens no avião a ponto de deixá-los sem voz quando subiu a bordo com a gola de seu casaco de peles levantada, esbarrando em sua face rosada e lábios sensuais.

— Por que está fazendo isso? — soluçou Rusty. Cooper xingou com voz baixa antes de falar. O tom não era animado nem provocante, mas sim cansado.

— Para que descanse segura de que não me aproveitarei de você durante a noite. Ruivas nunca foram minhas preferidas. Além disso, seu corpo ainda está aquecido pela cama de seu amante. Por tudo isso, sua virtude está segura comigo.

Rusty fungou, tentando suprimir as lágrimas de humilhação.

— Você é cruel e vulgar. Cooper soltou uma risada.

— Agora parece ofendida pelo fato de eu não querer estuprá-la. Decida-se. Se estiver ansiando por sexo esta noite, posso satisfazê-la. Meu corpo não está tão dolorido quanto minha cabeça. Afinal, está bem escuro aqui. Sabe o que dizem sobre os gatos no escuro. Pessoalmente, prefiro um ambiente mais seguro e confortável para me refestelar no sexo. Portanto, durma, está bem?

Rusty trincou os dentes, ultrajada. Manteve o corpo enrijecido e colocou uma barreira entre eles, se não física, ao menos imaginária. Tentou ignorar o calor do corpo forte, que lhe penetrava as vestes, a respiração que lhe soprava o pescoço cada vez que Cooper expirava e a latente pressão das coxas musculosas que se colavam à parte posterior das dela. Gradualmente e com a ajuda do conhaque que ingerira, Rusty relaxou e, por fim, adormeceu.

Foi seu próprio gemido que a despertou. A perna latejava de dor.

— O que foi?

A voz de Cooper soou áspera, mas ela sabia que o motivo não era por ter sido acordado de maneira abrupta. Intuitivamente, sabia que ele estivera acordado.

— Nada.

— Diga-me. Qual o problema? É a sua perna.

— Sim.

— Está sangrando outra vez?

— Acho que não. Não me parece úmida. Apenas dói.

— Beba mais conhaque. — Cooper esticou o braço e pegou o frasco da bebida alcoólica, que colocara sob as peles.

— Já estou tonta.

— Ótimo. Está funcionando. — Encostou o gargalo nos lábios de Rusty e o inclinou. Ela não teve outra escolha senão beber.

A bebida forte lhe queimou a garganta e, ao menos por alguns segundos, desviou-lhe a mente da dor.

— Obrigada.

— Abra as pernas.

— Como disse?

— Abra as pernas.

— Quanto conhaque andou tomando, sr. Landry?

— Faça o que estou dizendo.

— Por quê?

— Para que eu possa colocar a minha entre elas. — Sem lhe dar chance de argumentar, ele escorregou uma das mãos entre as coxas de Rusty e lhe ergueu a perna machucada. Em seguida, posicionou o joelho entre os dela e suavemente lhe, pousou a perna direita sobre a dele. — Assim. Mantê-la elevada ajudará a aliviar a pressão. Além disso, evitará que eu esbarre nela durante a noite.

Rusty se encontrava muito perplexa para adormecer de imediato. E extremamente ciente da proximidade daquele homem. Havia algo mais que a mantinha desperta: um incômodo sentimento de culpa.  

— Cooper, conhecia alguns dos outros homens?

— Os que estavam a bordo? Não.

— Os dois que estavam sentados nos bancos da frente eram irmãos. Enquanto estavam guardando a bagagem, eu os ouvi comentar sobre reunir as famílias para o feriado de Ação de Graças próximo. Iriam lhes mostrar as fotos que tiraram esta semana.

— Não pense nisso.

— Não consigo evitar.

— Sim, consegue.

— Não consigo. Fico me perguntando por que estou viva. Por que fui poupada? Não faz sentido.

— Não precisa fazer sentido — retrucou Cooper com voz amarga. — E assim que as coisas são. Era a hora deles, só isso. Acabou. Esqueça.

— Não consigo.

— Tente tirar isso de sua mente.

— Foi isso que fez?

— Sim.

Rusty estremeceu.

— Como pode ser tão frio em relação a outro ser humano?

— Prática.

A palavra teve o efeito de uma bofetada no rosto de Rusty. Fora cruelmente dita para calá-la e conseguiu. Mas não a impediu de pensar. Imaginou quantos dos companheiros Cooper vira abatidos no Vietnã. Dúzias? Centenas? Ainda assim, não conseguia imaginar a si mesma tão acostumada com a morte. Praticara lidar com a perda, mas não na mesma proporção que ele. Não era algo que pudesse bloquear, descartar por opção. Ainda lhe doía pensar na morte de seus parentes.

— Minha mãe morreu de derrame cerebral — revelou Rusty com voz calma. — Sua morte foi quase um alívio. Se sobrevivesse, ficaria seriamente incapacitada. Tive uma semana para me preparar. Porém, a morte do meu irmão foi repentina. — Cooper não devia estar interessado em ouvir nada daquilo, mas ela queria falar.

— Irmão?

— Jeff Morreu em um acidente de carro há dois anos.

— Não tem outros parentes?

— Apenas meu pai. — Rusty deixou escapar um leve suspiro. — Era o homem com quem eu estava na estalagem de caça. Aquele de quem estava me despedindo. Não é um amante. É meu pai.

Esperou por um pedido de desculpas, mas não o logrou. Se o corpo de Cooper não estivesse tão tenso, pensaria que ele havia adormecido.

— O que ele pensará quando tiver a notícia da queda do avião? — perguntou Cooper, quebrando o próprio silêncio.

— Oh, meu Deus! — Em um reflexo, ela segurou a mão forte que se encontrava pousada sobre seu estômago. — Não havia pensado nisso.

Podia imaginar o desespero do pai quando recebesse a notícia. Perdera a esposa e depois o filho. Agora, a filha. Ficaria desconsolado. Não suportava pensar no sofrimento pelo qual ele iria passar, o desespero da incerteza, sem saber o que lhe acontecera. Esperava que para o bem dela e do pai, fossem resgatados em breve.

— Aquele homem me pareceu bastante resoluto — disse Cooper. — Instigará as autoridades até que nos encontrem.

— Tem razão. Meu pai não descansará até saber o que aconteceu comigo.

Rusty tinha certeza. Seu pai era um homem poderoso, dinâmico e possuía tanto o talento quanto os recursos para conseguir que agissem. Não havia burocracia que resistisse a sua reputação e fortuna. Saber que não haveria um centímetro de terra que o pai não revirasse até que ela fosse resgatada lhe proporcionou um fio de otimismo ao qual se agarrar. Surpreendeu-a também o fato de Cooper não ser tão retraído e inacessível quanto aparentara. Antes de embarcarem no avião, mantivera-se afastado dos demais passageiros. Porém, percebera tudo. Ao que parecia, seu companheiro naquela jornada era um observador por natureza. E a natureza o estava influenciando agora. Enquanto Rusty falava, sentira a solidez do sexo de Cooper contra suas nádegas e deixou escapar:

— É casado?

— Não.

— Nunca foi?

— Nunca.

— Está envolvido com,alguém?

— Ouça, já tive minha cota de sexo, está bem? E sei por que de repente ficou tão curiosa. Acredite-me, também percebi, mas não posso fazer nada quanto a isso. Na verdade, posso, mas como discutimos antes, não é uma solução muito prática dadas as circunstâncias. Temo que as alternativas que nos restam iriam nos deixar envergonhados.

As faces de Rusty se tornaram rubras.

— Gostaria que não fizesse isso.

— O quê?

— Falar desse jeito.

— Que jeito?

— Você sabe. Com palavreado chulo.

— Acabou de deixar uma estalagem de caça. Não ouviu nenhum gracejo chulo? Não ouviu sem querer comentários lascivos? Pensei que a essa altura estivesse acostumada à linguagem obscena.

— Pois não estou. E para sua informação, fui a essa viagem de caça por causa do meu pai. Não me diverti muito.

— Ele a obrigou a ir?

— Claro que não.

— Coagiu-a a acompanhá-lo? Em troca de um casaco de peles, talvez?

— Não — respondeu Rusty entre dentes. — A viagem foi idéia minha. Sugeri que fôssemos juntos.

— E escolheu os territórios do noroeste por acaso? Por que não o Havaí? Ou St. Moritz? Eu poderia pensar em milhares de outros lugares no globo terrestre, onde teria se encaixado melhor.

O suspiro que Rusty deixou escapar era sinal de que ele estava certo. Em um grande torneio de caçada, sentira-se tão deslocada quanto um prego enferrujado em uma sala de cirurgia.

— Meu pai e meu irmão costumavam caçar juntos. Quatro semanas por ano. Era uma tradição familiar. — Assolada pelo remorso, Rusty fechou os olhos. — Papai não caçava desde que Jeff morreu. Pensei que a viajem lhe faria bem. Insisti para que fosse. Quando o percebi em dúvida, ofereci-me para acompanhá-lo.

Esperava comentários de concordância e compreensão. Talvez até mesmo um elogio sussurrado, uma menção qualquer à atitude nobre e abnegada. Em vez disso, tudo que ouviu de Cooper foi uma repreensão.

— Fique calada, sim? Estou tentando dormir.

 

"Pare com isso, Rusty."

Era a voz do irmão ecoando no sonho. Estavam discutindo, como apenas dois irmãos ou irmãs que se odiavam ou se amavam intensamente poderiam. Entre ela e Jeff, a última opção era a verdadeira. Não tinham sequer muita diferença de idade entre eles. Quando Rusty dera seus primeiros passos, eram amigos inseparáveis e companheiros de recreação. Para o deleite do pai e preocupação da mãe, viviam travando combates corpo a corpo que sempre acabavam em gargalhadas.

Porém, no momento, não havia suavidade na voz de Jeff, enquanto ele a segurava pelos pulsos e os prendia no chão nas laterais da cabeça de Rusty. "Pare com isso, agora", aconselhou-a com voz severa. "Vai se machucar se não parar de se agitar."

Rusty despertou e abriu os olhos. Não era o rosto tão lembrado e amado do irmão que estava vendo, mas o do homem. O Esquivo. Ficou feliz que ele estivesse vivo, mas não gostava muito dele. Como se chamava? Oh, sim. Cooper. Cooper...? Cooper alguma coisa.

— Fique quieta — ordenou ele.

Rusty parou de se agitar. O ar estava frio contra sua pele exposta e se deu conta de que havia chutado as peles com que ele os cobrira durante a noite. Ajoelhado, Cooper se encontrava montado sobre o seu tronco e se inclinava em direção a ela. Os pulsos de Rusty se encontravam presos acima da cabeça.

— Saia de cima de mim.

— Está bem agora?

Rusty confirmou com a cabeça. Estava tão bem quanto uma mulher poderia estar ao acordar e encontrar um homem das proporções de Cooper Landry — aquele era seu sobrenome — montado sobre ela com pernas que cresciam como colunas acima para se encontrarem... Desviou o olhar daquela junção que a deixava nervosa.

— Por favor — ofegou ela. — Estou bem.

Cooper se afastou e ela inspirou um ar tão gelado que lhe fez doer os pulmões. Mas Deus! Era agradável contra sua face em chamas. Porém, apenas por um segundo. Em seguida, estremeceu de frio, sentindo os dentes tiritarem. A testa de Cooper encontrava-se vincada com uma expressão preocupada. Ou furiosa. Não sabia dizer. Podia estar tanto apreensivo quanto aborrecido.

— Está ardendo em febre — disse ele de modo áspero. — Saí da cama para alimentar o fogo. Começou a delirar e gritar por alguém chamado Jeff.

— Meu irmão. — Os tremores que sacudiam o corpo de Rusty eram convulsivos e ela envolveu o corpo com um das peles.

Não chovera ou garoara desde que anoitecera. Podia ver as chamas e os carvões incandescentes sob os gravetos que Cooper adicionava à fogueira. Eram tão fortes que pareciam lhe queimar os globos oculares, fazendo-os doer.

Não, impossível. Devia ser a febre.

Deixando uma das peles cobrir a parte superior do corpo de Rusty, ele ergueu a outra parte delas para lhe cobrir as pernas. Mais uma vez, descobriu o curativo com extremo cuidado e observou a ferida aberta. Ela o encarou.

Quando por fim, Cooper lhe dirigiu o olhar, os lábios estavam estreitados.

— Não vou enganá-la. Infeccionou. Há um frasco de antibióticos no estojo de primeiros socorros. Eu os estava guardando para o caso de isso acontecer, mas não sei se são adequados para tratar do seu ferimento.

Rusty engoliu com dificuldade. Até mesmo seu cérebro febril podia assimilar o que ele estava dizendo. Erguendo-se nos cotovelos, cravou o olhar na perna machucada. Teve vontade de vomitar. De cada lado do corte profundo, a pele estava levantada e enrugada pela infecção. Tombando para trás, ofegou. Umedeceu os lábios, mas não surtiu efeito. A febre lhe ressecara ainda mais a boca.

— Posso ter uma gangrena e morrer, certo? Cooper forçou um meio sorriso.

— Ainda não. Temos de fazer o possível para impedir que isso aconteça.

— Como amputar a perna?

— Deus! Você é mórbida. O que tinha em mente era lancetar o pus e fechar o corte com pontos.

A face de Rusty se tornou cinza.

— Isso também parece mórbido.

— Não tanto quanto cauterizá-lo, o que poderá acabar acontecendo. — Agora as faces de Rusty se tornaram pálidas. — Mas por enquanto, vamos dar alguns pontos. Não se mostre aliviada — disse ele, franzindo a testa. — Vai doer como o diabo.

Rusty se fixou na profundeza dos olhos cinza. Por mais estranho que parecesse, por mais problemático que tivesse sido o começo entre eles, confiava naquele homem.

— Faça o que tiver de fazer.

Cooper concordou com a cabeça bruscamente e começou a agir. Primeiro, retirou um par de leggings de seda da mochila que improvisara do suéter.

— Fico feliz que use roupas de baixo de seda. — Rusty exibiu um sorriso trêmulo diante do gracejo, enquanto ele começou a puxar fios dos cós.

— Utilizaremos estes fios para suturar. — Cooper indicou o frasco prateado com a cabeça. — É melhor começar a beber esse conhaque. Aproveite para engolir uma das cápsulas de penicilina. Não é alérgica a essa substância, certo? Ótimo — disse ele, quando Rusty negou com a cabeça. — Beba o conhaque até que se sinta bêbada. Mas não beba tudo. Terei de esterilizar os fios e embeber a gaze com ele.

Rusty ainda não se encontrava anestesiada o suficiente quando ele se inclinou sobre a perna machucada. A faca de caça que Cooper esterilizara no fogo, foi equilibrada, pronta para entrar em ação sobre a ferida infectada.

— Preparada? — Rusty confirmou com a cabeça. — Tente não se mexer. — Ela repetiu o gesto. — E não ofereça resistência se sentir que vai desmaiar. Ambos estaríamos em melhor situação se você desfalecesse. — A primeira perfuração que Cooper fez na pele vermelha e enrugada a fez gritar e encolher a perna. — Não faça isso, Rusty! Tem que ficar parada.

Foi um processo agonizante e pareceu durar uma eternidade. Cooper lancetou, meticulosamente, as áreas infectadas. Quando ele banhou o corte com o conhaque, Rusty gritou. Depois daquilo, os pontos não lhe pareceram tão dolorosos. Ele utilizou a agulha do kit de costura que trouxera na bagagem. Após mergulhar um a um os fios de seda no conhaque, ele a costurou atando com firmeza as bordas da ferida. Rusty notou o vinco profundo entre as sobrancelhas e Cooper. Gotículas de suor lhe brotavam na testa, apesar do frio. Ele nunca desviava os olhos da tarefa que executava, exceto quando ocasionalmente lhe relanceava o olhar. Cooper estava sensibilizado com a dor que ela sentia. Até mesmo compassivo. As mãos fortes trabalhavam com surpreendente suavidade para um homem tão bruto e que parecia ter uma pedra fria e insensível no lugar do coração. Por fim, o vinco entre as sobrancelhas começou a sair de foco. Embora permanecesse imóvel, a cabeça de Rusty rodava com a dor, o trauma e os efeitos do conhaque. Apesar do conselho de Cooper, lutou para permanecer acordada, temendo nunca mais despertar. Finalmente, parou de lutar e permitiu que os olhos se fechassem. Seu último pensamento foi que seria uma pena o pai nunca saber como fora corajosa até o momento da morte.

— Muito bem — disse Cooper, sentando nos calcanhares e limpando o suor do rosto. — Não está bonito, mas acho que vai funcionar.

Dirigiu o olhar a Rusty com um sorriso satisfeito e otimista. Porém, ela não viu aquele sorriso. Estava inconsciente.

 

Rusty despertou, surpresa por estar viva. A princípio, pensou que ainda estava escuro, mas ao erguer a cabeça alguns centímetros, a pequena pele de mink escorregou e pôde ver que era dia. Porém, era impossível precisar a hora. O céu estava escuro. Com uma sensação de medo esperou que a dor da perna lhe penetrasse a mente, mas milagrosamente não sentiu nada. Ainda tonta devido ao conhaque que consumira, conseguiu se sentar. Por um horripilante momento pensou que não doía porque talvez Cooper a tivesse amputado afinal. Porém, quando afastou a pele de veado, encontrou a perna intacta e o curativo feito com pedaços de tecido de algodão branco. Não havia sinais de sangue fresco. Certamente, não estava apta a correr uma maratona, mas se sentia bem melhor. O esforço para se sentar a exaurira e Rusty caiu para trás em meio às peles, puxando-as até o queixo. A pele estava quente e seca, mas sentia frio. A febre ainda não cedera. Talvez fosse melhor tomar mais algumas aspirinas. Mas onde estavam? Cooper devia saber. Ele... Onde estava Cooper?

A letargia de Rusty desapareceu, enquanto ela tornava a se sentar. Os olhos buscando, frenéticos, ao redor da clareira. Nenhum sinal. Ele havia partido. O rifle de Cooper também não estava ali. O outro se encontrava ao alcance de sua mão. Na fogueira, as brasas acesas ainda proviam algum calor, mas seu protetor a havia abandonado. Forçando-se a controlar a histeria, concluiu que estava tirando conclusões precipitadas. Cooper não seria capaz. Não a teria tratado com tanto cuidado apenas para deixá-la sozinha em meio à selva. Seria?

Não poderia ser... A menos que fosse um bastardo sem coração. Mas não fora exatamente daquela forma que o julgara?

Não poderia ser... Era um homem severo. Durão. Cínico, certamente, mas não completamente destituído de emoção. Caso contrário, ele a teria abandonado no dia anterior. Então, onde estaria? Deixara-lhe um dos rifles. Por quê? Talvez aquele fosse o limite máximo de sua humanidade. Esforçara-se ao máximo para tratar de sua ferida. Provera-lhe meios de se proteger. Talvez agora fosse cada um por si. A sobrevivência do mais forte. Bem, ela morreria. Se não de febre, de sede. Não tinha água, comida ou abrigo. Dentro de pouco tempo o suprimento de galhos secos que ele cortara e empilhara ali perto, acabaria. Morreria congelada se esfriasse mais. Uma ova que morreria! De repente, Rusty se sentiu furiosa com o fato de ele tê-la abandonado. Mostraria a Cooper e ao pai. Rusty Carlson não era uma chorona fraca e acabada. Jogou as cobertas para o lado e vestiu a jaqueta de esqui. Por enquanto, não calçaria a bota esquerda, porque o par ainda se encontrava no fardo de peles, fora de seu alcance. Além disso, se um dos pés estava descalço o outro também poderia ficar. Ainda mais quando gastara toda a energia apenas para vestir o casaco.

Comida e água.

Aqueles eram dois itens essenciais e que teria de encontrar primeiro. Mas onde? Na melhor das hipóteses, os arredores eram intimidadores e na pior, aterrorizantes. Num ângulo de 360°, tudo que conseguia ver era mata virgem. Além das árvores próximas — algumas tão altas que não conseguia lhes enxergar o topo — havia infindáveis milhas de outras exatamente iguais. Antes que pudesse ir à busca de água, tinha de conseguir se levantar, o que lhe parecia uma tarefa impossível. Porém, trincou os dentes, determinada a fazê-lo.

Quando descobrissem seu corpo, não seria escondido debaixo de uma pilha de peles!

Esticando o braço o máximo que pôde, fechou os dedos em torno de um graveto que estava na pilha da madeira para alimentar o fogo e o trouxe para perto. Utilizando-o como apoio, ergueu-se, fixando a força no joelho esquerdo, enquanto mantinha o direito esticado à frente do corpo. Parou para tomar fôlego. O ar que lhe escapava da boca formava fumarolas de vapor branco diante do rosto.

Repetidamente, Rusty tentou se erguer, mas não conseguiu. Não passava de uma gatinha fraca e recém-nascida. E insensata. Maldito Cooper Landry! Não era de se admirar que a tivesse estimulado a beber tanto conhaque. Queria que ela desmaiasse para que não percebesse quando se esgueirasse para fora das cobertas e partisse como o patife miserável que era. Fazendo um último e hercúleo esforço, apoiou todo o peso no pé esquerdo e se levantou. A terra girava miseravelmente. Fechando os olhos, segurou o graveto que lhe servia de muleta em total desespero. Quando percebeu que era seguro abrir os olhos, soltou um guincho fraco de surpresa. Cooper estava parado do outro lado da clareira.

— Que diabos pensa estar fazendo? — vociferou ele, jogando o que carregava, inclusive o rifle, ao chão e correndo em direção a ela. Segurando-a pelas axilas, atirou o graveto para o lado e a deitou na cama de peles, puxando as cobertas sobre o corpo trêmulo de Rusty. — Que diabos estava tentando fazer?

— Encon... encontrar água — gaguejou ela, entre dentes tiritantes.

O xingamento que Cooper deixou escapar foi tão fervoroso que parecia tangível. Espalmou a mão contra a testa de Rusty para lhe aferir a temperatura.

— Está fria e azul. Nunca mais tente uma loucura dessas, entendeu? E minha função, buscar água. A sua é ficar quieta. Compreendeu?

As palavras grosseiras continuavam a escapar da boca de Cooper como moedas de uma máquina caça-níqueis. Ele se voltou em direção ao fogo e começou a atiçá-lo, atirando, enraivecido, gravetos aos carvões em brasa e trazendo o fogo à vida. Quando as chamas cresceram, cruzou a clareira e pegou a carcaça de coelho que havia deixado cair ao chão. Pegou também uma garrafa térmica, que trouxera na bagagem. Abrindo-a, encheu a tampa que também servia como caneca e se ajoelhou ao lado dela.

— Tome. Tenho certeza de que está com a garganta seca e dolorida. Mas não beba com muita pressa.

Rusty colocou as mãos em concha sobre as dele e encostou a caneca aos lábios. A água estava tão gelada que lhe fez doer os dentes, mas não se importou. Tomou três goles antes de Cooper retirar o recipiente.

— Eu disse para ter calma. Há muita.

— Encontrou uma fonte? — indagou ela, passando a língua pelos lábios para sorver os pingos de água remanescentes.

— Sim — respondeu Cooper, com os olhos cravados naquele movimento. — Em um córrego, mais ou menos 250 metros distante daqui. — Indicou a direção com a cabeça. — Deve ser um afluente do MacKenzie.

Rusty dirigiu o olhar à carcaça inanimada, próximo à bota de Cooper.

— Você matou o coelho?

— Com uma pedra. Não queria desperdiçar munição, a menos que precisasse. Vou prepará-lo e colocá-lo no fogo. Podemos... Oh, droga! Qual o problema? — Para seu próprio desânimo, Rusty caiu em prantos. Os soluços lhe sacudiam o corpo inteiro. Cobriu a face com as mãos, porém mesmo desidratada como se encontrava, grossas lágrimas lhe escapavam entre os dedos. — Ouça, era ele ou nós — disse Cooper, alterado. — Temos de comer. Não pode ser tão...

— Não é o coelho — balbuciou ela.

— E então o que é? Sua perna está doendo?

— Pensei que havia... me abandonado. Deixado para trás por... por causa da minha perna. E talvez devesse. Estou atrapalhando. Provavelmente podia ter alcançado um lugar seguro a essa hora se não fosse por mim e por minha perna. — Soluçou várias vezes para poder continuar. — Mas minha perna não faz muita diferença, porque de qualquer forma, sou um fracasso em situações como esta. Detesto a vida ao ar livre. Acho que não é nada além de uma imensidão. Detesto-a. Até mesmo o acampamento de verão nunca me atraiu. Estou com frio e assustada. Sentindo-me culpada por reclamar, quando estou viva e todos estão mortos.

Rusty cedeu a uma nova torrente de lágrimas. Os ombros sacudindo pelo choro convulsivo.

Cooper deixou escapar um suspiro longo e exasperado, vários xingamentos e andou para sua frente, ficou de joelhos para tomá-la nos braços, pressionando-lhe os ombros entre as mãos fortes. A primeira reação de Rusty foi enrijecer o corpo e tentar se soltar, mas ele manteve as mãos onde estavam e a puxou contra o corpo. A promessa de consolo era muito atraente para que resistisse. Desabando sobre o peito largo, ela apertou o grosso casaco de Cooper com as mãos.

A fragrância refrescante de pinho impregnada no tecido e nos cabelos ondulados se somava ao aroma das folhas úmidas e à neblina. No estado embriagado e frágil em que se encontrava, aquele homem lhe parecia anormalmente grande e tão fantástico quanto os heróis das lindas fábulas infantis. Poderoso. Forte. Impetuoso, porém benevolente. Capaz de derrotar qualquer dragão. Quando uma das competentes mãos lhe envolveu a nuca, Rusty enterrou a face mais fundo no tecido acolchoado do casaco e se regozijou com a sensação de segurança que não experimentava desde a queda do avião. Até mesmo antes, ao deixar a estalagem de caça e o desapontado pai. Por fim, a agitação passou. As lágrimas secaram. Não havia por que Cooper continuar a abraçá-la. Portanto, Rusty recuou, envergonhada, mantendo a cabeça baixa. Ele parecia relutante em soltá-la, mas por fim, as mãos fortes despencaram.

— Está melhor agora? — perguntou Cooper, bruscamente.

— Sim, obrigada. — Limpou o nariz com as costas da mão, como se acostumada àquele gesto.

— E melhor eu cozinhar o coelho. Deite-se.

— Estou cansada de ficar deitada.

— Quero que coma o coelho, e tenho medo que perca o apetite se assistir enquanto lhe retiro as entranhas.

Carregando o coelho para a margem da clareira, pousou a carcaça sobre uma pedra lisa e começou a eviscerá-lo, enquanto Rusty mantinha o rosto virado.

— Foi por isso que nós discutimos — disse ela, calmamente.

Cooper olhou por sobre o ombro.

— Você e quem?

— Meu pai. Ele abateu um carneiro. — Rusty soltou uma risada destituída de humor. — Era um lindo animal. Fiquei com pena dele, mas fingi estar extasiada com a caça. Papai contratou um dos guias para eviscerá-lo, mas queria supervisionar para garantir que o rapaz não causasse nenhum dano à pele do animal. — Piscando para dispersar as lágrimas, continuou. — Não consegui assistir. Causava-me náusea. Papai... — Estacou para suspirar profundamente. — Acho que o aborreci e desapontei.

Cooper estava limpando as mãos em um lenço de pano que umedecera com a água da garrafa térmica.

— Por que não podia suportar ver uma evisceração?

— Não apenas por isso. Foi a gota d'água. Revelei-me uma péssima atiradora, mas não podia sair matando qualquer coisa que se movesse e colocasse o nariz contra o cano da minha espingarda. Não gostei de nada do que vi. — Adicionou com voz suave, quase para si mesma. — Não me saí tão bem na vida ao ar livre quanto meu irmão Jeff.

— Era isso que seu pai esperava? — indagou Cooper, espetando o coelho em um galho verde e o suspendendo sobre o fogo.

— Acho que sim.

— Então é um tolo. Não tem compleição física para caçadora.

Os olhos cinza baixaram para o tórax de Rusty e lá se detiveram. Um calor intenso se espalhou pelos seios firmes, tornando-os intumescidos, pesados e lhe enrijecendo os mamilos.  

A reação a apavorou. Instintivamente, desejou cobri-los com as mãos e fazer com que voltassem ao normal, mas aquele olhar fixo a impedia. Não ousou se mover, temendo quebrar algo terrivelmente frágil, que não poderia ser reparado ou substituído. Qualquer movimento descuidado seria desastroso, irreversível e resultaria em algo terrível. Aquela era a primeira vez que Cooper lhe fazia algum elogio com breve alusão sexual, além das vulgaridades que verbalizara na noite anterior. Antes ele fizera aquilo apenas para irritá-la. Agora não, o que estava acontecendo no momento era totalmente diferente; desta vez, ele era tanto a vítima quanto o predador.

Cooper forçou-se a desviar o olhar para o fogo e aquele momento passou. Porém, os dois permaneceram em silêncio por um longo tempo. Rusty fechou os olhos, fingindo estar tonta, mas observou-o. ocupado no que gradualmente ia se transformando em um verdadeiro acampamento. Cooper afiou a faca em uma pedra e verificou como estava o assado de coelho, girando-o várias vezes. O tempo todo se movendo com surpreendente agilidade para um homem daquela estatura. Rusty tinha certeza de que muitas mulheres deviam achá-lo belo, principalmente agora que o queixo e a mandíbula estavam cobertos pela barba de um dia. O bigode largo e curvado era sexy... para quem gostava de pelos faciais. Cobria-lhe completamente o lábio superior, o que instigava a procurá-lo. Rusty surpreendeu-se com o olhar cravado nos lábios finos, quando ele se inclinou em sua direção.

— O que... o que disse? — perguntou ela. Cooper lhe dirigiu um olhar estranho.

— Seu olhos estão vidrados. Não vai delirar outra vez, certo? — Pressionou a mão sobre a testa de Rusty.

Impaciente com ele e consigo mesma devido às fantasias de adolescente, Rusty lhe afastou a mão.

— Não. Estou bem. O que disse?

— Perguntei se está disposta a comer.

— O que é um eufemismo. Estou faminta. Cooper a ajudou a se sentar.

— Deixei-o esfriar por alguns minutos. Deve estar no ponto. — Arrancou o espeto do coelho e separou uma das pernas pela junta, entregando-a em seguida, para ela.

Hesitante, Rusty a aceitou.

-— Comerá isso nem que eu tenha que enfiá-lo pela sua goela abaixo. — Mordeu um pedaço da carne com os dentes fortes e brancos. — Não está nada mau. Prove. — Rusty despregou um pedaço de carne do osso e colocou na boca, mastigando e engolindo rapidamente. — Não coma tão rápido — aconselhou Cooper. — Ou se sentirá nauseada.

Balançando positivamente a cabeça, ela mordeu outro pedaço. Com um pouco de sal, ficaria até mesmo saboroso.

— Há ótimos restaurantes em Los Angeles que servem coelho — disse ela em tom de conversa. Instintivamente, fez um movimento para pegar um guardanapo, mas percebendo que não havia nenhum, deu de ombros e lambeu os dedos.

— Mora em Los Angeles?

— Beverly Hills para ser mais exata. Cooper a estudou à luz da fogueira.

— E alguma artista de cinema ou algo parecido?

Rusty tinha quase certeza de que ele não ficaria impressionado nem se lhe dissesse que por três vezes havia ganhado o prêmio do Oscar. Duvidava que Cooper valorizasse a fama.

— Não sou artista de cinema. Meu pai possuiu uma empresa imobiliária, que tem ramificações por todo o sul da Califórnia. Trabalho para ele.

— E boa nisso?

— Tenho tido êxito.

Cooper mastigou uma porção da carne e atirou o osso limpo ao fogo.

— Como não teria, sendo filha do patrão?

— Trabalho arduamente, sr. Landry. — Rusty se ressentiu com a maliciosa insinuação de que o pai era responsável pelo sucesso que alcançara. — Detive o recorde de vendas das empresas no ano passado.

— Bravo.

Ofendida pela falta de entusiasmo de Cooper, resolveu questioná-lo no mesmo tom.

— O que faz? Em silêncio, ele lhe ofereceu outro pedaço de carne, o qual ela cortou como se comesse carne fresca de coelho assada em uma fogueira a céu aberto todos os dias de sua vida.

— Sou rancheiro — respondeu Cooper.

— Gado?

— Algum. A maioria cavalos.

— Onde?

— Rogers Gap.

— Onde fica isso?

— Em Serra Nevada.

— Nunca ouvi falar.

— Isso não me surpreende.

— Consegue se sustentar apenas administrando um rancho?

— Sim.

— Rogers Gap fica próximo a Bishop? As pessoas costumam esquiar lá?

— Temos algumas pistas. Esquiadores profissionais as consideram um desafio. Particularmente, acho que são as melhores de todo continente.

— Então por que nunca ouvi falar desse lugar?

— Nós o guardamos em segredo e queremos que permaneça assim. Não fazemos propaganda.

— Por quê? — Cooper lhe aguçara o interesse. Nunca deixava escapar uma oportunidade para encontrar novas e interessantes propriedades para os clientes investirem. — Com um bom incorporador imobiliário cuidando da região, poderia fazer algo interessante em Rogers Gap. Se possui pistas tão boas para esqui quanto diz, poderia se transformar em uma nova Aspen.

— Deus me livre! — disse Cooper em voz baixa. — Esse é o problema. Não desejamos ser incluídos no mapa turístico. Não queremos que nossas montanhas sejam cobertas de condomínios de concreto ou que a comunidade pacífica seja assolada por um bando de esqueitistas arruaceiros vindos de Beverly Hills, mais interessados em exibir suas roupas de grife da Rodeo Drive do que preservar a paisagem.

— Todos os habitantes têm a mesma filosofia?

— Felizmente, sim, ou não estariam vivendo lá. Não dispomos de muitos recursos a não ser a vista espetacular e a tranqüilidade.

Rusty atirou os ossos limpos ao fogo.

— Soa como alguém pertencente aos anos 1960.

— E sou. Rusty o provocava com o olhar.

— Por acaso era um hippie, que pregava a harmonia universal? Marchou pela paz e participou de protestos contra a guerra?

— Não — respondeu Cooper em um tom cortante que lhe fez o sorriso desaparecer. — Não podia esperar para me alistar. Queria ir para a guerra. Era muito ignorante para perceber que teria de matar pessoas ou seria morto. Não barganhei quando fui capturado e aprisionado. Após sete meses naquele buraco fedorento, escapei e voltei para casa como herói. — Ele quase rosnou a última frase. — Os homens daquele acampamento de prisioneiros de guerra seriam capazes de matar uns aos outros por uma refeição como esta. — Os olhos cinza tinham a aparência de uma lâmina cintilante que a cortava. — Portanto, sou imune ao seu brilho e glamour de Beverly Hills, srta. Carlson — acrescentou, levantando-se abruptamente. — Vou buscar mais água. Não fique vagando por aí.

Não fique vagando por aí, Rusty o imitou em silêncio, Muito bem, ele a havia colocado em seu lugar, mas ela não usaria roupas de pano de saco pelo resto de sua vida. Muitos homens retornavam da guerra do Vietnã para levarem vidas felizes e produtivas. Se Cooper era um desajustado, a culpa era dele. Era do tipo que vicejava em sua própria amargura. Aquele era seu combustível. Cultivava mágoa para com a sociedade porque achava que ela lhe devia algo. Talvez devesse, mas não era culpa dela. Não era responsável por qualquer infortúnio pelo qual ele passara. Só porque ele desfilava por aí com uma mágoa do passado do tamanho do Monte Everest, não significava que fosse melhor pessoa que ela.

Cooper voltou, mas os dois mantiveram um silêncio hostil, enquanto ela bebia sua cota de água da garrafa térmica. Sem dizer uma palavra, ajudou-a a deixar a clareira quando Rusty necessitou de alguns momentos de privacidade. Quando Cooper a deitou sobre as grossas peles, que se tornaram o centro do mundo para eles, resolveu quebrar o silêncio.

— Preciso ver como está sua perna. Segure a lanterna para mim.

Rusty observou, enquanto ele removia o curativo para revelar uma irregular fileira de pontos. Ela olhava horrorizada, mas Cooper parecia satisfeito com seu trabalho manual.

Colocando a mão sob os músculos da panturrilha, ele lhe ergueu a perna para inspecionar mais de perto.

— Nenhum sinal de uma nova infecção e está desinchado.

— A cicatriz — sussurrou ela, com voz rouca. Cooper lhe dirigiu o olhar.

— Não há muito que possa fazer quanto a isso. — O lábio inferior se contraiu até se tornar invisível sob o bigode. — Devia ficar feliz por eu não ter de cauterizar a pele.

— Eu estou.

Cooper exibiu um sorriso de escárnio.

— Tenho certeza que um bom cirurgião plástico de Beverly Hills poderá apagar essa cicatriz.

— Precisa ser tão detestável?

— E você tão superficial? — Cooper apontou um dedo na direção do avião caído. — Tenho certeza que qualquer um daqueles homens que deixamos para trás preferiria uma cicatriz na canela.

Cooper tinha razão, claro, mas aquilo não tornava suas críticas fáceis de engolir. Rusty mergulhou em um silêncio mal-humorado, enquanto ele lhe banhava o corte com água oxigenada e refazia o curativo. Em seguida, entregou-lhe um dos comprimidos de penicilina e duas aspirinas, que ela engoliu com água. Graças a Deus que não precisava mais tomar conhaque. A embriaguez lhe havia despertado a sexualidade. Não queria pensar em Cooper Landry como nada mais do que um carrancudo desprezível. Aquele homem era um ogro mal-humorado e irascível, que nutria ódio pela humanidade.

Se não dependesse dele para sobreviver, nunca iria querer conviver com um tipo como aquele. Rusty havia se acomodado sob a pilha de peles, quando ele escorregou para dentro do leito improvisado e a abraçou como na noite anterior.

— Por quanto tempo teremos de ficar aqui? — indagou Rusty, irritada.

— Não sou clarividente.

— Não estou lhe pedindo que faça previsões sobre quando seremos resgatados. Estava me referindo a esta cama. Não pode montar uma espécie de abrigo? Um lugar em que possamos nos mover?

— As acomodações não são do seu gosto, milady! Rusty soltou um suspiro, exasperado.

— Oh, deixe para lá.

— Há um conjunto de pedregulhos próximo ao córrego. A parte lateral do maior deles sofreu erosão. Acho que com alguma criatividade e trabalho árduo, poderia transformá-lo em um galpão. Não será o ideal, mas será melhor que isto. E mais próximo da água.

— Eu o ajudarei — ofereceu-se Rusty, ansiosa.

Não que ela desgostasse daquele abrigo. Salvara-lhe a vida na noite anterior, mas era desconcertante dormir colada a Cooper. Desde que ele tirara o casaco, como fizera da primeira vez, ficara intensamente ciente do peito musculoso contra suas costas. Da mesma forma, tinha certeza de que aquela proximidade também afetava Cooper, já que ela também tirara o casaco.

Rusty não conseguiu pensar em mais nada, quando a mão comprida encontrou um apoio confortável em um ponto entre seus seios e a cintura. Cooper encaixou o joelho entre os dela, erguendo-lhe a perna machucada como fizera na noite anterior. Pensou em lhe perguntar se aquilo era necessário, mas como se sentia muito melhor daquela forma, resolveu não fazer nenhum comentário.

— Rusty?

— O que é? — O hálito quente lhe roçava a orelha e lhe fazia o baço arrepiar. Ela se aconchegou ao corpo forte.

— Acorde. Temos de levantar.

— Levantar? — gemeu ela. — Por quê? Coloque as cobertas sobre nós. Estou congelando.

— Essa é a questão. Estamos encharcados. Sua febre cedeu e o suor se espalhou por nosso corpo. Se não nos levantarmos e nos secarmos, temos uma grande chance de ficarmos com úlceras produzidas pelo frio.

Rusty despertou completamente e se deitou de costas. Ele estava falando sério e já afastava as peles.

— O que quer dizer com secar?

— Tiramos a roupa e nos secamos — explicou ele, desabotoando a camisa de flanela.

— Enlouqueceu? Está congelando! — Obstinada, Rusty puxou as cobertas sobre o corpo, porém, ele as arrancou no mesmo instante.

— Tire todas as suas roupas. Agora! — ordenou, livrando-se da camisa e a pendurando sobre um arbusto próximo. Com um movimento rápido, segurou a bainha da camiseta de gola olímpica e a arrancou pela cabeça. O movimento lhe fez os cabelos levantarem de modo engraçado, mas Rusty não estava com vontade de rir. A risada — assim como qualquer outro som — ficou presa em sua garganta. A visão do peito mais definido e trabalhado que jamais vira a deixou sem fala.

Os músculos pareciam tão duros quanto pedra, perfeitamente esculpidos sob a pele forte. Os mamilos eram escuros se encontravam enrijecidos pelo frio. Tudo, tentadoramente coberto por uma camada de pelos crespos que espiralavam de maneira sedutora.

O corpo era tão trabalhado que Rusty podia contar cada músculo. O abdome era reto e retesado como um tambor. Não conseguia ver o umbigo muito bem, pois se encontrava oculto por um tufo de pelos.

— Ande logo, Rusty, ou terei de despi-la. — A ameaça a arrancou do transe. Mecanicamente, ela retirou o suéter, sob qual estava usando uma camiseta de gola olímpica parecida com a dele. Começou a retirá-la pela cabeça, observando-o escorregar a calça jeans pelas pernas. A roupa íntima longa de inverno não era a visão mais tentadora de que Rusty desfrutara, mas Cooper Landry despido seria. Dentro de instantes, a silhueta perfeita, desenhada contra a luz frouxa do fogo, se encontrava totalmente nua diante dela. As formas eram tão perfeitas e tão generosamente dotadas que Rusty não conseguia desviar o olhar. Aquele homem literalmente lhe tirava o fôlego. Cooper pendurou as roupas descartadas sobre o arbusto. Em seguida, envolveu as mãos em um par de meias e começou a se secar, deslizando-as por todo o corpo antes de removê-las. Ajoelhando-se, vasculhou em uma das mochilas à procura de roupas íntimas. Pegou uma cueca, muito à vontade e sem um pingo de modéstia. Quando girou e percebeu que ela não havia se movido, franziu a testa irritado. — Ande logo, Rusty. Depressa. Está muito frio aqui fora. Esticou a mão para pegar o suéter, que até aquele momento, fora a única peça que ela havia retirado, e o pendurou para secar. Esperando pelo restante, estalou os dedos repetidamente para apressá-la. — Rápido! — Lançando-lhe um olhar ansioso, ela retirou a camiseta e lhe entregou.

O choque causado pelo ar frio lhe tirou o fôlego. No mesmo instante começou a tremer tão violentamente que não conseguia desabotoar a calça comprida.

¯ Deixe-me fazer isso, droga. Ou ficarei de pé aqui a noite toda. — Cooper se inclinou sobre ela com um joelho de cada lado das coxas de Rusty. Em seguida, empurrou-lhe as mãos para que pudesse lhe baixar o zíper da calça. Com expressão desinteressada, retirou-a e a atirou sobre o arbusto mais próximo. Porém, foi detido temporariamente pelo que obviamente não esperava. Uma exígua calcinha extremamente feminina. Pelo que pareceu uma eternidade, cravou o olhar na peça antes de ordenar de modo brusco:

— Tire-a.

Rusty movimentou negativamente a cabeça.

— Não.

A expressão de Cooper se tornou determinada.

— Tire-a. — Ela repetiu o gesto. Porém, antes que pudesse impedir, Cooper encostou a mão no triângulo de seda e renda. — Está úmida. Tire-a.

Os olhos, assim como a determinação de ambos, entraram em conflito. Foi o frio da noite e o que via refletido no olhar de Cooper que a levaram a obedecer.

— Agora, seque-se.

Cooper lhe entregou uma meia de algodão como aquelas que havia utilizado. Ela a esfregou na parte inferior do corpo. Mantendo a cabeça baixa, tateou, cegamente, para pegar a lingerie que Cooper lhe estendia. Ele não optara pela roupa íntima longa de inverno, porque a peça lhe atritaria a ferida. Rusty vestiu a calcinha parecida com aquela que acabara de retirar e que agora pendia do galho mais baixo do arbusto, oscilando como a bandeira da vitória na manhã seguinte à festa da cerveja de uma fraternidade.

— Agora o sutiã. — A peça era tão diminuta quanto a calcinha que lhe fazia o conjunto. Na manhã em que deixara a estalagem de caça, vestira-se para voltar à civilização. Após usar roupa íntima térmica por vários dias, enfadara-se dela. Inclinando-se para a frente, segurou o fecho do sutiã, mas os dedos se encontravam tão entorpecidos pelo frio que não conseguia abri-lo. Resmungando, Cooper esticou o braço e simplesmente rasgou o fecho. Ela desceu as alças pelos braços e deixou-o cair, encarando-o com ar desafiador.

Sob o bigode, os lábios de Cooper se contraíam em uma inflexível linha fina. Estacou pela fração de um segundo, antes de começar a esfregar a meia de algodão, rudemente, sobre o pescoço, o colo, os seios e o abdome de Rusty. Em seguida, envolvendo-lhe o corpo com os braços, aplicou o mesmo tratamento às costas. Estavam tão próximos que a respiração de Rusty lhe soprava o pelo do peito. Seus lábios perigosamente próximos de tocar os mamilos distendidos de Cooper. Os dela, totalmente enrijecidos pelo frio roçaram a pele forte. Recuando rapidamente, ele vestiu a camiseta térmica pela cabeça de Rusty. Enquanto ela escorregava os braços pelas mangas, Cooper arrancou as peles úmidas onde estiveram deitados e as substituiu por outras. — Não são tão macias, mas estão secas.

— Ficarei bem — disse ela com voz rouca.

Finalmente, deitaram-se em posição de concha outra vez. Rusty não opôs resistência, quando ele a puxou para perto. Tremia incontrolavelmente e os dentes tiritavam pelo frio, mas não demorou muito para que se aquecessem. Seus corpos se encontravam um caos devido à visão que tiveram. Impressões eróticas lhes impregnavam as mentes.

Permanecer nos braços de Cooper totalmente vestido fora enervante o suficiente, mas fazer o mesmo com ele trajando apenas cueca deixava os sentidos de Rusty em frangalhos. A febre cedera, mas seu corpo parecia pegar fogo no momento. A sensação das coxas musculosas contra as dela era deliciosa. Gostava da textura dos pelos que as cobriam. O fato de estar sem sutiã a fazia ainda mais ciente da mão forte que se encontrava pousada bem próximo aos seus seios, quase os tocando.

Cooper também não estava imune àquela intimidade forçada. Havia se esforçado para trocar as peles e se livrar das roupas rapidamente, mas aquela não era a única razão pela qual tinha a respiração acelerada. O peito musculoso arfava contra as costas de Rusty com movimentos ritmados, porém rápidos.

Além disso, havia a inexorável evidência da ereção.

— Acho que não há necessidade de... uh... colocar minha perna em cima da sua.

Um gemido baixo se formou no peito de Cooper.

— Não se atreva a tocar nesse assunto. E, pelo amor de Deus, não se mova. — O aborrecimento na voz grave era evidente.

— Desculpe.

— Pelo quê? Não tem culpa de ser linda. E eu não tenho culpa de ser homem. Acho que teremos de lidar com isso.

Rusty obedeceu e não moveu um só músculo. Não abriu os olhos depois que os fechou, mas adormeceu com um leve sorriso nos lábios.

Embora inadvertidamente, Cooper revelara que a achava linda.

 

Aquilo interferiu no relacionamento dos dois.

A intimidade forçada da noite anterior não os aproximou. Em vez disso, criou um desagradável constrangimento entre eles. A conversa na manhã seguinte era afetada. Evitavam fazer contato visual. Vestiram-se de costas um para o outro e se movimentavam desajeitadamente, com certa insegurança. Como paraplégicos que haviam acabado de recobrar o movimento das pernas.

Taciturno e retraído, Cooper lhe entregou um par de muletas, improvisadas a partir de dois galhos fortes de uma arvore próxima. Esteticamente, não eram grande coisa, mas Rusty ficou imensamente agradecida por elas, pois permitiam-lhe a mobilidade. Não ficaria mais confinada à cama. Quando ela agradeceu, Cooper grunhiu um reconhecimento e disparou, resoluto, pela folhagem para pegar água. Quando ele retornou, Rusty se acostumara às muletas improvisadas e caminhava pela clareira se apoiando nelas.

— Como está sua perna?

— Bem. Limpei o corte com água oxigenada e tomei outro comprimido de antibiótico. Acho que ficará bem.  

Rusty conseguira até mesmo colocar as meias e as botas. A dor havia passado quase totalmente, de forma que a pressão da roupa não irritava a ferida.

Os dois beberam a água da garrafa térmica, que lhes serviu como desjejum.

— É melhor eu começar a construir aquele abrigo hoje.

Quando acordaram, haviam encontrado seu casulo coberto por flocos de neve. Dessa vez, não se tratava apenas de grânulos. Eram reais e assustadores prenúncios de uma tempestade de neve. Ambos sabiam o quanto o inverno poderia ser rigoroso naquela região. Era premente que tivessem um abrigo até que fossem regatados. Caso não fossem encontrados, um abrigo temporário não adiantaria muito, mas nenhum dos dois queria pensar naquela possibilidade.

— O que posso fazer para ajudá-lo?

— Pode cortar aquele casaco de camurça em tiras. — Cooper indicou com a cabeça, o casaco de uma das vítimas e lhe entregou uma faca extra. — Precisarei de muitas tiras para amarrar as varas. Enquanto trabalha, vou ver o que temos para jantar.  — Rusty lhe dirigiu um olhar irônico. — Coloquei algumas armadilhas na floresta ontem.

Rusty olhou ao redor, apreensiva.

— Não se afastará muito, certo?

— Não muito. — Pendurou o rifle no ombro e conferiu para ver se havia colocado a caixa de munição no bolso. — Estarei de volta antes que o fogo precise ser alimentado. Mantenha a faca e o rifle à mão. Não encontrei nenhum rastro de urso, mas nunca se sabe.

Sem nem mais uma palavra, girou e desapareceu entre a densa folhagem. Rusty permaneceu amparada nas muletas, com o coração descompassado. Ursos? Após alguns instantes, afastou o medo paralisante.

— Isso é bobagem — murmurou para si mesma. — Nada vai me incomodar.

Desejou ter um rádio, televisão, qualquer coisa que quebrasse o opressivo silêncio, interrompido apenas ocasionalmente pelo crepitar da madeira no fogo ou o farfalhar das folhas, provocado por invisíveis animais da floresta que desempenhavam sua rotina de caça diária. Os olhos de Rusty procuravam aqueles importunadores, mas eles se mantinham escondidos e, portanto, mais assustadores. Não conseguia afastar da mente a menção de Cooper aos ursos.

— Provavelmente disse aquilo de propósito só para me assustar. — Rusty deu voz ao pensamento, enquanto cortava a camurça dura com ferocidade, usando a faca que Cooper lhe deixara. Era menor do que a que ele usava constantemente embainhada na cintura.

Sentiu o estômago roncar e, no mesmo instante, pensou em croissants frescos e quentes para o café da manhã, rosquinhas tostadas, cream cheese, donuts aquecidos, panquecas com bacon, presunto e ovos. Aquilo conseguiu apenas lhe fazer a fome aumentar. A única coisa que podia fazer era encher o estômago vazio com água.

No entanto, beber demais criava outro problema. Rusty adiou o máximo que pode, mas por fim não teve outra escolha, senão largar o trabalho manual. Com cuidado e sem um pingo de graça ou coordenação, amparou-se às muletas e tomou a direção oposta de Cooper. Logo, encontrou um lugar para se aliviar.

Enquanto lutava com as muletas e com as roupas ao mesmo tempo, verificando se não havia asquerosos répteis no chão, imaginou se aquela era realmente Rusty Carlson, a princesa das imobiliárias de Beverly Hills, procurando um lugar na floresta para urinar!

Seus amigos nunca imaginariam que tivesse chegado Aquele ponto sem enlouquecer. O pai jamais acreditaria, mas se ela vivesse para contar, se sentiria orgulhoso. Estava fechando o zíper da calça comprida, quando ouviu um movimento próximo. Girando a cabeça naquela direção, tentou escutar. Nada.

— Provavelmente é apenas o vento. —A voz saiu anormalmente alta e animada. — Ou uma ave. Ou Cooper voltando. Se estiver me assustando de brincadeira, nunca o perdoarei.

Ignorou outro farfalhar de folhas, ainda mais alto e próximo do que o último e se encaminhou o mais rápido que conseguiu à clareira. Determinada a não fazer algo tão covarde como choramingar ou gritar, contraiu a mandíbula de medo, enquanto tropeçava pelo solo irregular. Toda a coragem a abandonou, quando uma forma se materializou entre os troncos de dois pinheiros e assomou diretamente em seu caminho. Rusty ergueu a cabeça e deparou com os olhos pequenos e redondos, a face peluda e ameaçadora. Um grito lancinante lhe escapou da garganta.

 

Cooper estava com pressa para retornar à clareira, mas antes decidiu eviscerar os dois coelhos. Dissera a si mesmo que não estava testando a coragem de Rusty, quando realizou aquela tarefa em um local que ela pudesse ver. Porém, em seu íntimo, sabia que era exatamente aquilo que fizera. Perversamente, desejara que Rusty se encolhesse de repugnância, tivesse ânsia de vômito e se tornasse histérica, demonstrando alguma fraqueza feminina. Mas ela não teve nenhuma daquelas reações. Agüentara firme. Melhor do que esperara.

Jogou as entranhas dos animais para o lado e começou a retirar as peles. Seriam úteis mais tarde, pois eram quentes e poderiam ser utilizadas para que Rusty... ela outra vez! Será que não conseguia pensar em outra coisa? Cada pensamento seu tinha de se voltar, inexoravelmente, para ela? Em que momento haviam se tornado um casal tão inseparável quanto Adão e Eva? Não poderia pensar em um sem se lembrar do outro? Recordou o primeiro pensamento que lhe veio à mente, quando recobrara a consciência. A face, sedutoramente emoldurada pelos cachos de cabelos ruivos, inclinava-se sobre a dele. Naquele instante, esteve prestes a verbalizar a mais vil das obscenidades, em que nenhum marinheiro fora capaz de pensar.

Ficara feliz por estar vivo, mas nem tanto. Era melhor ter morrido do que ter de lidar com aquele fardo de cabeça de vento, com casaco de peles caro e perfume sensual. Na mata virgem, teria o mesmo destino que um marshmallow na fogueira de um acampamento. Imaginara que antes que a aventura terminasse, provavelmente teria de matá-la para aliviar o sofrimento de ambos. Aquele era um pensamento inquietante e pouco atraente, mas tivera de fazer coisa pior para salvar a própria vida no Vietnã. A queda do avião o fizera automaticamente retornar à lei da selva e ao papel de sobrevivente.

Regra número um: matar ou morrer. Tem de se manter vivo não importa a que preço. As táticas de sobrevivência ensinadas aos destacamentos especiais do exército não incluíam escrúpulos. Tem de se fazer o que for necessário para sobreviver a mais um dia, uma hora, um minuto. Fora treinado nessa doutrina e a praticara um maior número de vezes do que podia se lembrar. Demais, para conseguir se esquecer. Obviamente, aquilo o deixara com uma gama de outros problemas. Nunca expressava sua admiração. Não queria admirar Rusty Carlson, mas descobriu-se fazendo exatamente aquilo. Também havia chegado à conclusão de que estava perdido no meio do nada, com um tentador exemplar de feminilidade e talvez permanecessem sozinhos e dependentes um do outro por muito tempo. Os demônios que lhe guiaram o destino deviam estar se divertindo às suas custas. Fizeram o mesmo, muitas vezes no passado, mas daquela vez transformaram sua vida em uma piada.

Tradicionalmente, desprezava mulheres como Rusty Carlson. Não tinha paciência para socialites ricas, tolas e superficiais, que cresceram com talheres de pratas em suas bocas. Elas não sabiam, ou não queriam saber, de nada que não pertencesse às suas gaiolas de ouro. Não tinha tido á sorte de se deparar com uma que conquistara seu cético respeito por se manter firme na pior das circunstâncias? Mas aquilo não era o suficiente para os maliciosos deuses. Rusty poderia ser uma socialite tola que não ficava devendo nada a um javali africano no quesito beleza. Ou possuir uma voz que fizesse estalar o vidro. Em vez disso, o destino lhe impingira uma mulher que parecia um sonho. Certamente, o demônio a havia esculpido. Era a própria tentação encarnada. Com cabelos cor de canela nos quais qualquer homem gostaria de se enroscar. Com mamilos que pareciam ser tão doces como o mel. Com uma voz que seria capaz de derreter manteiga. Era naquilo que pensava toda a vez que a ouvia falar.

Que piada cruel! Porque não iria tocá-la. Nunca. Aquela era uma estrada com a qual não estava familiarizado. Mulheres como Rusty se pautavam pela moda. Não apenas em roupas, mas em tudo. Quando conhecera Melody, ela achara moderno amar um veterano. E assim o fizera, durante o tempo que lhe foi conveniente.

Se arranhasse a superfície sedosa de Rusty Carlson, encontraria outra Melody. Rusty só o estava bajulando porque dependia dele para sobreviver. Parecia um doce suculento, mas o seu interior era provavelmente tão podre e falso como o de Melody. Atirando as peles dos coelhos por sobre o ombro e embrulhando a carne em um pedaço de pano, retornou ao acampamento improvisado. Ela não iria envolvê-lo. Não podia fraquejar em relação a Rusty. Na noite anterior, deixara-a chorar, porque achara que ela merecia desabafar, mas não mais. Iria abraçá-la durante a noite, porque era necessário mantê-los aquecidos, mas manteria distância daquela mulher dali em diante. Tão logo construísse o abrigo, não precisariam mais dormir colados. Não seria obrigado a suportar o corpo macio colado ao dele e aquele traseiro acolchoado lhe pressionando a involuntária ereção. Pare de pensar sobre isso!, repreendeu-se em silêncio. Esqueça a sensação daquele abdome macio sob suas mãos, o formato dos seios firmes e a cor dos cabelos entre as coxas perfeitas.

Gemendo, embrenhou-se na floresta, determinado a manter os pensamentos focados. Tão logo construísse o abrigo, tal proximidade não seria mais necessária. Manteria os olhos e as mãos... O grito aterrorizado o trouxe imediatamente de volta à realidade. Se tivesse colidido com uma parede invisível não teria estacado tão abruptamente. Quando o próximo grito de Rusty trincou o silêncio da mata, instintivamente assumiu o papel de salvador da floresta com uma facilidade impressionante. Silenciosamente, serpenteou pelas árvores em direção ao som dos gritos, com a faca em punho e os dentes trincados.

— Quem... quem é você? — A mão de Rusty estava pousada na garganta, onde a pulsação se encontrava desenfreada.

O rosto barbudo do homem exibia um sorriso largo. Ele girou a cabeça e disse:

— Ei, pa, ela quer saber quem eu sou.

Rindo entre dentes, outro homem, que parecia ser a versão envelhecida do primeiro, surgiu entre as árvores. Os dois encaravam Rusty. Ambos eram pequenos, tinham olhos escuros e fundos.

— Poderíamos lhe fazer a mesma pergunta — disse o mais velho. — Quem é você, mocinha?

— Eu... eu... eu sobrevivi à queda do avião. — Os dois homens a observaram, perplexos. — Não estão sabendo do acidente?

— Não sabemos.

Rusty apontou o dedo trêmulo na direção do local da queda.

— Lá, há dois dias. Cinco homens morreram. Minha perna ficou ferida — informou ela, indicando as muletas com a cabeça.

— Alguma outra mulher?

Porém, antes que ela pudesse responder, Cooper, surgiu atrás do homem mais velho e encostou a faca no pescoço peludo. Agarrando-lhe um dos braços, torceu atrás do corpo do homem, apertando-lhe a mão entre as omoplatas. O rifle de caça do desconhecido tombou ao chão.

— Afaste-se dela ou eu o matarei — disse Cooper ao abismado homem mais novo, que olhava para Cooper como se ele fosse o satanás em pessoa, emergido do chão, vindo do inferno. Até mesmo Rusty se encontrava paralisada pela ameaça demoníaca estampada nos olhos cinza, embora tremesse de alívio ao vê-lo. — Disse para se afastar dela. — A voz de Cooper parecia tão mortal quanto a faca que segurava. Era inflexível e fria. O homem mais jovem deu dois passos exageradamente grandes, afastando-se de Rusty. — Agora, atire o rifle no chão — ordenou.

Quando, por fim, lhe pareceu que o agressor era humano, o homem mais jovem adotou uma atitude rebelde.

— Pa, tenho de...

— Faça o que ele disse, Reuben.

Relutante, o mais novo jogou o rifle de caça no chão. Cooper chutou os dois rifles para fora do alcance dos donos e, gradualmente, diminuiu a força com que segurava o homem. Em seguida, contornou o homem mais velho e parou ao lado dela. — Rusty. — Ela se sobressaltou. — Você está bem?

— Sim.

— Eles a machucaram?

— Só me assustaram. Acho que não tinham intenção de me fazer nenhum mal.

Cooper não desviava o olhar dos dois homens, observando-os com cautela.

— Quem são vocês?

O rugido de Cooper tinha mais autoridade do que a pergunta frágil de Rusty.

— Quinn Gawrylow — respondeu o mais velho no mesmo instante. — E meu filho, Reuben. Vivemos aqui.

Cooper nem ao menos piscou e o homem continuou.

— Do outro lado do desfiladeiro — informou, indicando o local com o queixo.

Cooper descobrira o desfiladeiro no dia anterior. O córrego no qual estivera pegando água se estendia ao sopé dele. Não o explorou, porque não queria deixar Rusty sozinha por muito tempo. Agradecia a Deus por não tê-lo feito. Aqueles homens podiam ser perfeitamente hostis. Mas também podiam não ser. A natureza desconfiada o ajudara em algumas ocasiões. Até que provassem o contrário, ele os consideraria inimigos. Até agora não tinham feito nada que os incriminasse, mas não gostava da forma como o mais novo olhava para Rusty, como se ela fosse uma visão celestial.

— O que os fez cruzar o desfiladeiro? — perguntou Cooper.

— Sentimos o cheiro da fumaça na noite passada e esta manhã viemos investigar. Não costumamos ver gente nos nossos bosques.

— Nosso avião caiu.

— Foi o que a mocinha nos disse.

Rusty fora catapultada ao posto de mocinha. Silenciosamente agradeceu, a Cooper por salvá-la. Também a enervava o olhar do homem mais novo. Portanto, se encostou ao companheiro de aventura, encontrando abrigo sob seu braço.

— A que distância estamos da próxima cidade? — indagou ela.

— A centenas de milhas. — As esperanças de Rusty despencaram vertiginosamente. O homem obviamente percebeu. — Mas o rio não fica muito longe.

— O Mackenzie?

— Exatamente. Se conseguirem alcançá-lo antes quecongele, poderão pegar um barco até Yellowknife.

— Qual a distância daqui até o rio? — perguntou Cooper. O homem coçou a cabeça sob gorro de lã.

— Entre 16 a 25 quilômetros, o que acha, Reuben?

O homem mais novo sacudiu a cabeça, sem desviar o olhar faminto de Rusty. Cooper lhe relanceou um olhar malévolo e ameaçador.

— Podem nos levar até o rio?

— Sim — respondeu Gawrylow. — Amanhã. Hoje vamos alimentá-los e deixá-los descansar. — Dirigiu um olhar rápido à carne que Cooper deixara cair. — Gostariam de nos acompanhar até nossa cabana?

Rusty ergueu um olhar esperançoso a Cooper. A expressão dele permanecia uma máscara, enquanto estudava cautelosamente os dois desconhecidos.

— Obrigada. Rusty precisa de uma refeição decente e de descansar. Vocês vão na frente — disse ele, apontando com o rifle a saída da clareira.

Os dois homens se abaixaram para recolher as espingardas. Rusty sentiu o corpo de Cooper se enrijecer, mas tanto o pai quanto o filho penduraram o rifle nos ombros e tomaram a direção indicada. Cooper baixou o olhar a ela e sibilou entre dentes.

— Fique perto de mim. Onde está a faca que lhe dei?

— Deixei-a aqui, quando fui...

— Mantenha-a com você.

— O que há com você?

— Nada.

— Não parece muito satisfeito em encontrá-los. Estou animada. Eles podem nos guiar para fora daqui.

— Sim — foi o único e conciso comentário que Rusty ouviu.

Os Gawrylow ficaram impressionados com as improvisações de Cooper. Ajudaram a juntar as peles e os pertences que ele e Rusty haviam salvado do acidente. Nada na mata virgem era desperdiçado. Reuben chutou pedras para fogueira para se certificar de que estava apagado. O grupo, sob o comando de Quinn, seguido do filho, partiu em direção à cabana. Cooper caminhava atrás de todos para manter o olhar atento aos Gawrylow e a Rusty, que fizera um progresso admirável no uso das muletas. Aqueles homens pareciam bem intencionados, mas Cooper aprendera da forma mais dura a nunca confiar em ninguém. Testemunhara muitos soldados explodirem em pedacinhos por granadas entregues a eles por crianças sorridentes.

Quando alcançaram o córrego, estacaram para descansar. Os pulmões de Rusty pareciam na iminência de um colapso. O coração batia com velocidade redobrada e as muletas estavam machucando suas axilas, embora Cooper tivesse forrado as extremidades com panos.

— Como está se sentindo? — perguntou Cooper, destampando a garrafa térmica e entregando a Rusty.

— Bem — respondeu ela, forçando um sorriso.

— Sua perna está doendo?

— Não. Parece apenas pesar uma tonelada.

— Não devemos estar muito longe e então poderá descansar pelo resto do dia.

Os Gawrylow esperavam, pacientemente, por perto, até Rusty recobrar o fôlego e estar apta a continuar.

— Cruzaremos o ponto mais fácil — informou o homem mais velho a Cooper.

Caminharam ao longo do leito do córrego por centenas de metros. Em outra situação, Rusty estaria encantada com a paisagem. A água do córrego era cristalina. Gorgolejava entre as pedras que haviam sido polidas como espelhos pela quantidade de água que corria sobre elas. As copas das árvores altaneiras se entrelaçavam formando dosséis acima de suas cabeças. As sempre-vivas possuíam um verde intenso. A folhagem das árvores em muda variava de um tom vermelho vivo a amarelo intenso. A invasão do inverno havia provocado a queda de muitas folhas, formando um tapete que estalava sob as passadas.

O peito de Rusty queimava pelo esforço quando os Gawrylow estacaram. Ela jogou as muletas no chão e, agradecida, descansou sobre uma grande pedra à margem do córrego, que era raso naquele ponto. A lateral do desfiladeiro, do outro lado do riacho, parecia tão alta quanto o Himalaia.

— Lá está — disse Quinn. -— Vou liderar o caminho. Reuben pode carregar a moça. Você pode carregar os apetrechos.

— Reuben pode carregar a bagagem. Eu levarei a moça — corrigiu Cooper em tom metálico.

O homem mais velho deu de ombros e ordenou que o filho retirasse ps fardos de Cooper. Reuben obedeceu, mas não sem antes dirigir um olhar cáustico a Cooper, que não se importava se o agradara ou não. Não permitiria que encostasse aquelas mãos sujas em Rusty.

Quando o pai e o filho se afastaram o suficiente para não ouvi-los, ele lhe sussurrou ao ouvido.

— Não hesite em usar essa faca. — Rusty lhe dirigiu um olhar assustado. — No caso desses bons samaritanos se virarem contra nós. — Colocou as muletas sobre o colo de Rusty e a ergueu nos braços.

Os Gawrylow haviam alcançado o outro lado do desfiladeiro. Cooper os seguiu, mantendo um olho neles e outro na traiçoeira e íngreme inclinação. Se caísse, Rusty iria com ele. Embora tivesse agüentado firme, sabia que a perna devia estar lhe causando um considerável desconforto.

— Acha mesmo que seremos resgatados amanhã? — perguntou ela.

— Parece que temos uma boa chance. Se conseguirmos alcançar o rio e se tiver algum barco por lá. — Cooper respirava com dificuldade. Gotas de suor lhe brotavam na fronte e a mandíbula estava contraída com uma expressão determinada.

— Precisa se barbear. — O comentário viera do nada, mas indicava o quanto Rusty o estivera observando. Sem mover a cabeça, baixou o olhar para encará-la. Envergonhada, ela desviou o olhar. — Sinto muito. Sou muito pesada.

— Nem um pouco. Suas roupas pesam mais que você. As palavras lembraram aos dois que ele sabia exatamente o quanto daquele peso era roupa e o quanto era osso e carne. Vira-a despida, certo? Rusty decidiu que, se todos os diálogos entre eles acabariam de maneira embaraçosa, seria mais seguro se manter calada. Além disso, haviam alcançado o topo do desfiladeiro. Quinn estava mastigando folhas de tabaco. Reuben havia retirado o gorro de lã e se abanava com ele. Os cabelos negros, emplastados na cabeça. Cooper pousou-a no chão. Em silêncio, Quinn lhe ofereceu as folhas de tabaco prensadas. Rusty agradeceu em silêncio, quando Cooper negou com a cabeça.

— Esperaremos até que descansem — disse Quinn.

Cooper baixou o olhar a Rusty. A face estava pálida devido à fadiga. A perna devia estar doendo. O vento úmido havia diminuído consideravelmente a temperatura. Não havia dúvida de que ela necessitava descansar, mas considerando as condições em que se encontravam, quanto mais cedo tivesse um teto, comida e descanso, melhor.

Ajudou-a a se apoiar nas muletas, percebendo-lhe a careta de dor. Porém, recusando-se a ceder à compaixão, indicou a seus hospedeiros que estavam prontos para prosseguir. Pelo menos no restante do trajeto até a cabana o solo era plano. Quando lá chegaram, no entanto, a energia de Rusty se esvaíra por completo, fazendo-a colapsar na varanda curva, como uma boneca de pano.

— Vamos levá-la para dentro — disse Quinn, enquanto abria a porta.

A frágil porta estava ligada ao caixilho por tiras de couro. O interior da cabana era tão pouco atrativo quanto a toca de um animal. Rusty dirigiu um olhar temeroso à abertura. No mesmo instante, decidiu que havia coisas piores do que ficar exposta ao relento.

Cooper permanecia com expressão amorfa, enquanto a erguia nos braços e a carregava para o interior sombrio da cabana. As pequenas janelas se encontravam tão escurecidas pela fuligem que quase não permitiam a infiltração de luz. Um fogo débil e fumacento produzia uma iluminação fraca, mas o que Rusty e Cooper viram, seria melhor que ficasse oculto no escuro. A cabana imunda encontrava-se envolta em fedor de lã úmida, banha rançosa e homens sujos. Seu único mérito era estar aquecida. Cooper a carregou em direção à lareira de pedra e a acomodou em uma cadeira de espaldar reto e sem estofado. Em seguida, emborcou um balde de alumínio e pousou o pé de Rusty sobre ele. Revolveu o carvão com um atiçador de ferro. As chamas fracas mostraram nova força, quando adicionou mais gravetos da caixa de madeira junto à lareira.

Os Gawrylow entraram. Reuben fechou a porta, aumentando a escuridão do interior. Apesar do calor que as chamas renovadas começavam a prover, Rusty estremeceu e ajustou o casaco ao corpo.

— Devem estar com fome. — Quinn se dirigiu ao fogão de lenha em um dos cantos. Ergueu a tampa de uma caçarola fumegante e espiou. — O guisado parece pronto. Querem um pouco?

Rusty estava tentada a recusar, mas Cooper respondeu pelos dois.

— Sim, por favor. Têm café?

— Claro. Reuben coloque água para ferver para o café.

O homem mais novo não tirara os olhos de Rusty desde que entrara e depositara os pertences deles no chão.

Cooper seguiu o olhar embasbacado do rapaz. Desejou que a luz do fogo não tivesse realçado o brilho dos cabelos de Rusty. Mesmo pálida e esgotada como estava, os olhos tinham uma aparência vulnerável e feminina. Para aquele jovem, que aparentemente vivia sozinho na mata virgem tendo apenas o pai por companhia, uma mulher não precisaria nem ao menos ser bonita para lhe parecer excitante. Rusty devia personificar suas mais ousadas fantasias.

Reuben pegou uma lata de alumínio com pó de café e colocou um pouco em uma panela esmaltada. Encheu-a de água da bomba sobre a bancada de pia seca e a colocou no fogão a lenha para ferver. Dentro de alguns minutos, Rusty e Cooper receberam pratos cheios de um guisado inidentificável. Ela estava certa de que seria melhor não saber do que se tratava, portanto não arriscou perguntar. Apenas mastigava e engolia rapidamente. Ao menos estava quente e a saciava. O café era tão forte que Rusty fez uma careta ao ingerir o primeiro gole, mas acabou bebendo quase tudo.

Enquanto comiam, eram observados. O homem mais velho era mais discreto do que o filho, mas talvez mais observador. Os olhos fundos não perdiam um movimento que eles faziam.

— São casados? — perguntou Quinn, quebrando o silêncio.

— Sim — mentiu Cooper com naturalidade. — Há cinco anos.

Rusty engoliu a última garfada, esperando que os Gawrylow não percebessem o quanto era difícil fazer aquela comida descer. Ficou feliz por Cooper ter tomado a iniciativa de responder. Achava que não seria capaz de articular uma palavra.

— Têm filhos?

Dessa vez, Cooper se calou, forçando-a a responder.

— Não — disse ela, esperando que a resposta fosse satisfatória para seu "marido". Planejou lhe perguntar mais tarde porque havia mentido, mas por ora entraria no jogo de Cooper. A prudência daquele homem podia ter proporções absurdas, mas estaria melhor com ele do que com os Gawrylow.

Cooper terminou a refeição, empurrando o prato e a caneca para o lado, antes de olhar ao redor do interior da cabana.

— Não possuem um transmissor? Um radioamador?

— Não.

— Ouviram algum avião passar por esta região ultimamente?

— Eu não. E você Reuben? — perguntou Quinn cutucando o joelho do embasbacado filho. Só então, o rapaz desviou o olhar de Rusty.

— Aviões? — indagou, abobado.

— Caímos há dois dias — explicou Cooper. — A esta altura já estão cientes. Pensei que pudesse haver aviões vasculhando esta área à procura de sobreviventes.

— Não ouvi nenhum avião — respondeu Reuben abruptamente, voltando a fixar o olhar em Rusty.

— Como conseguem viver longe de tudo? — perguntou ela. Aquele isolamento forçado a afligia. Não conseguia se imaginar sem as facilidades que uma cidade podia oferecer, especialmente por escolha própria. Mesmo a vida rural seria suportável se as pessoas pudessem ir à cidade de vez em quando. Mas cortar todo o contato com a civilização deliberadamente...

— Caminhamos até o rio e pegamos uma carona até Yellowknife duas vezes por ano — explicou Quinn. — Em abril e em outubro. Ficamos lá alguns dias, vendemos algumas peles, compramos os suprimentos de que necessitamos e pegamos uma carona de volta. Esse é todo o contato que queremos com o mundo exterior.

— Por quê? — perguntou Rusty.

— Estou farto de cidades e pessoas. Vivi em Edmonton, enquanto trabalhava nas docas como estivador. Um dia, o meu patrão me acusou de roubo.

— E você roubou?

Rusty se surpreendeu com a audácia de Cooper, mas o homem não pareceu ofendido com a pergunta grosseira. Limitou-se a cuspir um bocado de tabaco na lareira.

— Foi mais fácil desaparecer do que ir a julgamento e provar minha inocência — respondeu, evasivamente. — A mãe de Reuben estava morta. Éramos apenas nós dois. Não trouxe nada conosco, a não ser o dinheiro que tínhamos e as roupas do corpo.

— Há quanto tempo isso aconteceu?

— Há dez anos. Vagamos por aí durante algum tempo e, gradualmente, migramos para cá. Gostamos daqui e ficamos.  — concluiu Quinn, dando de ombros. — Nunca sentimos necessidade de voltar.

Rusty acabara de fazer a refeição, mas os Gawrylow pareciam gostar de observá-los.

— Se nos dão licença — disse Cooper após um silêncio constrangedor. — Gostaria de verificar como está o ferimento de minha esposa.

As palavras "minha esposa" pareceram escapar com muita facilidade dos lábios de Cooper, mas soaram falsas aos ouvidos de Rusty. Imaginou se os Gawrylow estavam convencidos de que formavam um casal.

Quinn levou os pratos para a pia, onde bombeou água sobre eles.

— Reuben, vá fazer suas tarefas.

O rapaz parecia inclinado a argumentar, mas o pai lhe lançou um olhar desafiador, e não lhe restou alternativa senão se encaminhar à porta, enquanto vestia o casaco e o gorro. Quinn se encaminhou à varanda e começou a empilhar madeira seca, recostando-a à parede da cabana.

Rusty se deitou e Cooper se ajoelhou em frente a ela.

— O que acha?

— De quê?

— Deles — respondeu Rusty em tom áspero. Cooper posicionou a faca na bainha da calça larga que ela usava e a cortou na costura.

— Por que fez isso? — indagou Rusty, irritada. — Essa é minha última calça comprida. Não me restará nada para vestir se as continuar cortando.

Quando ele ergueu a cabeça, os olhos cinza a encararam, austeros.

— Prefere retirá-las e proporcionar a Reuben a visão dessas calcinhas diminutas que usa?

Rusty abriu a boca, mas descobriu que não tinha uma resposta apropriada e, portanto, se calou. O ferimento não parecia ter sofrido as conseqüências da caminhada, mas voltara a doer. Mentir para Cooper seria inútil, já que não conseguia disfarçar a careta de dor, quando ele acabou de refazer curativo.

— Está doendo?

— Um pouco — admitiu ela.

— Fique em repouso pelo resto do dia. Sente-se aqui ou deite na padiola que vou fazer.

— Padiola? Que tal as camas? — Rusty dirigiu o olhar às duas camas recostadas à parede oposta da cabana. — Acha que vão me oferecer uma?

Cooper soltou uma gargalhada.

— Tenho certeza que Reuben adoraria dividi-la com você. Mas a menos que queira ser infestada por piolhos, é melhor ficar longe delas.

Rusty encolheu a perna. Será que Cooper não conseguia ser gentil? Eram companheiros, porque não tinham outra escolha, mas definitivamente não eram amigos.

 

Pareceu uma eternidade até chegar a hora de dormir. Durante a tarde, fizeram outra refeição com os Gawrylow. A discussão sobre a extensa caminhada até o rio MacKenzie se estendeu até muito depois de terminarem de comer.

— Não há nenhuma trilha para seguir. É um terreno acidentado, portanto a caminhada leva um dia inteiro — informou Quinn.

— Partiremos com a primeira luz da manhã. — Cooper não a havia perdido de vista. Vigiara-a durante toda a tarde. Agora, Rusty ocupava a cadeira de espaldar reto e ele se encontrava sentado no chão, com um braço possessivo pousado em sua coxa. — Não precisaremos levar muita coisa. Apenas o que for absolutamente necessário.

— E quanto à moça? — indagou Quinn. — Ela nos atrasará.

— Ficarei aqui com ela, pa — ofereceu Reuben em tom galanteador.

— Não. — A resposta de Cooper foi tão cortante quando uma lâmina afiada. — Ela vai conosco. Não me importa quanto tempo levaremos.

— Para nós dá no mesmo — respondeu Quinn com seu dar de ombros característico. — Mas pensei que estava com pressa de contatar seus amigos e família. Devem estar preocupados com vocês.

Rusty baixou o olhar à cabeça de Cooper.

— Cooper? — chamou ela, obtendo atenção imediata. — Não me importo em ficar aqui sozinha. Se pode cobrir uma distância maior sem mim, então faz sentido eu ficar, certo? Pode telefonar para meu pai assim que chegar lá. Ele enviará alguém para me pegar. Isso pode estar terminado amanhã à noite.

Cooper observou a expressão ansiosa de Rusty. Ela concordaria em ir e agüentar o sacrifício se insistisse, mas não seria fácil para Rusty caminhar os vinte e quatro quilômetros, mesmo que não estivesse ferida. Sem ter culpa de nada, causaria atrasos intermináveis, e os forçaria a montar acampamento durante a noite.

Ainda assim, não gostava da idéia de se separar dela. Não importava o quanto fosse irritante, não estava em condições de se defender. Naquele ambiente, encontrava-se tão impotente quanto uma borboleta. Não estava sendo sentimental, disse a si mesmo, mas Rusty havia sobrevivido apesar de todos os percalços e detestaria que algo lhe acontecesse agora que o resgate não era mais um sonho distante.

Fechou a mão, protetoramente, em torno do joelho de Rusty.

— Vamos esperar e ver como se sente pela manhã.

As próximas horas pareceram se arrastar. Rusty não conseguia entender como os Gawrylow mantinham a sanidade. Não havia nada para fazer, ler, ouvir ou olhar, a não ser uns para os outros. E quando aquilo os cansava, desviavam o olhar para a lamparina a querosene que produzia mais fumaça negra do que luz. Era de se esperar que aqueles eremitas os enchessem de perguntas sobre o mundo exterior, mas os Gawrylow não demonstravam nenhum interesse pelo que se passava além dos limites daquela floresta. Sentindo-se suja e encardida, Rusty, timidamente, solicitou uma bacia de água. Reuben tropeçou sobre seus pés grandes, enquanto a trazia, e entornou algumas gotas sobre ela, antes de conseguir pousá-la. Rusty dobrou as mangas do suéter até os cotovelos e lavou as mãos e o rosto com o sabonete que Cooper lhe permitira trazer na bagagem. Gostaria de se luxuriar com a sensação de banhar a face por muito tempo, mas três pares de olhos se encontravam cravados nela. Quando Cooper lhe entregou a própria camiseta para que se enxugasse, aceitou-a com certo pesar e secou a face. Em seguida, pegou a escova e começou a pentear os cabelos, que não só se encontravam sujos como nunca antes estiveram, como também despenteados e emaranhados. Havia apenas começado a desfazer os nós, quando Cooper lhe tirou a escova das mãos.

— Basta — disse em tom autoritário.

Rusty lhe dirigiu um olhar furioso, pronta para protestar, mas a expressão pétrea no rosto rude a impediu. Cooper agira de modo estranho durante todo o dia, mais do que costumava fazer. Gostaria de perguntar que diabos havia de errado com ele, mas sabiamente, decidiu que aquele não era o momento oportuno para discussões. Mas aquilo, não a impediu de lhe arrancar a escova de volta e colocar em sua preciosa nécessaire. Ela continha suas únicas recordações de que havia algum lugar no mundo em que água quente, condicionador, perfume e espuma de banho ainda eram reais.

Por fim, todos se recolheram. Ela dormiu com Cooper como fizera nas últimas duas noites. Deitada de lado, com a perna machucada pousada na esquerda, Rusty observava o fogo. Sob o corpo se encontrava a padiola que Cooper montara com as peles que trouxeram. Ele recusara delicadamente a oferta de Quinn para que dormissem nas camas. Cooper não deitou em concha com ela como fizera nas outras vezes, mas sim de costas, rígido. Nunca completamente relaxado e sempre vigilante.

— Pare de se mexer — sussurrou ela, passada meia hora. — O que há com você?

— Cale-se e durma.

— E por que você não faz o mesmo?

— Não consigo.

— Por quê?

— Quando sairmos daqui eu lhe explicarei.

— Explique agora.

— Não precisaria se conseguisse perceber os sinais.

— Tem algo a ver com o fato de ter dito que somos casados?

— Tem tudo a ver com isso. Rusty ponderou por instantes.

— Admito que eles são meio esquisitos, pela maneira que ficam nos olhando, mas tenho certeza que é apenas curiosidade. Além disso, parecem adormecidos agora.

O coro de roncos devia ser a segurança de Cooper de que os Gawrylow estavam adormecidos e não ofereciam perigo.

— Certo — disse ele em tom de voz seco. — Você também deveria estar. Boa noite.

Exasperada com Cooper, ela rolou para o lado outra vez. Por fim, Rusty caiu em um sono profundo que durou pouco.

Parecia ter se passado apenas alguns minutos, quando Cooper a cutucou para que acordasse. Ela gemeu, mas se lembrou que aquele era o dia em que seu martírio teria fim e se sentou. A cabana ainda estava imersa em total escuridão, embora pudesse ver as silhuetas de Cooper e dos Gawrylow se movimentando. Quinn estava na cozinha, fazendo café e mexendo a panela de guisado, que nunca devia acabar, pois ele estava sempre adicionando mais ingredientes aos restantes, pensou, esperando não voltar para casa com intoxicação alimentar.

Cooper se ajoelhou ao lado dela.

— Como está se sentindo?

— Com frio — respondeu ela, esfregando os braços com as mãos. Embora não tivesse dormido nos braços de Cooper, o calor do corpo forte a mantivera aquecida durante toda a noite. Aquele homem era melhor do que qualquer cobertor elétrico em que ela dormira.

— Estou me referindo à sua saúde. Como está sua perna?

— Retesada, mas não tão dolorida quanto ontem.

— Tem certeza?

— Sim.

— Levante-se e caminhe. Vamos fazer um teste. Cooper a ajudou a se erguer. Após Rusty vestir o casaco e se amparar nas muletas, saíram da cabana para que ela pudesse ter alguma privacidade. A cabana dos Gawrylow não tinha encanamento nem toalete. Quando Rusty retornou do tosco toalete do lado de fora da casa, a luz do sol emprestava um tom cinza-aquoso ao céu. A luminosidade apenas lhe intensificava a palidez. Cooper percebia que o esforço de deixar a cabana e se dirigir ao toalete a depauperara. A respiração ofegante formava pequenas nuvens de vapor em torno da cabeça de Rusty.

Cooper xingou entre dentes cerrados.

— O que foi? — perguntou ela, ansiosa.

— Nunca conseguiremos chegar ao rio, Rusty. Levará alguns dias. — Com as mãos nos quadris, Cooper exalou sua frustração em um profundo suspiro. — Que diabos farei com você?

Cooper não suavizou a pergunta com entonação terna ou compassiva. O tom sugeria que ela era um fardo indesejável.

— Desculpe-me por ser uma inconveniência para você, sr. Landry. Por que não me atira aos ursos? Assim pode ir praticando corrida até o rio.

Cooper deu um passo à frente e quase encostou o rosto ao dela.

— Ouça, Poliana, ao que parece é muito ingênua para perceber, mas há muito mais em jogo aqui do que apenas chegar ao rio.

— Não no que me diz respeito — rebateu ela. — Se pudesse criar asas e voar até lá, para mim seria uma maravilha. Quero sair deste lugar, afastar-me de você e voltar para casa, que é o meu lugar.

O lábio inferior de Cooper quase que desapareceu sob o bigode.

— Está bem. -— Girou e marchou, resoluto, em direção à cabana. — Chegarei lá mais rápido sem você me atrasando. Fique aqui.

— Ótimo — gritou ela às costas de Cooper.

Em seguida, estampando no rosto um ar de desafio, Rusty transpôs vagarosamente a inclinação que levava à cabana. Os homens discutiam, quando ela alcançou a porta, que Cooper em seu acesso de raiva, havia deixado entreaberta. Usando os cotovelos para escancará-la, Rusty entrou.

— Seja sensato, Gawrylow — dizia Cooper. — Reuben é uns vinte anos mais novo que você. Quero chegar lá o mais rápido possível. Ele vai comigo e você fica com minha... minha esposa. Não posso deixá-la sozinha aqui.

— Mas pa... — Reuben ameaçou protestar.

— Ele tem razão. Você é mais ágil que eu. Se tiverem sorte, poderão chegar ao rio no meio da tarde.

O plano não agradava a Reuben nem um pouco. O rapaz dirigiu um último e furioso olhar a eles e disparou pela porta, resmungando. Cooper não parecia mais feliz do que ele. Puxou Rusty para o lado e lhe entregou a pistola sinalizadora, instruindo-a rapidamente como usá-la.

— Acha que consegue?

— Não sou uma idiota.

Cooper parecia inclinado a discutir, mas mudou de idéia.

— Se ouvir o som de um avião, saia da casa o mais rápido que puder e atire para cima.

— Por que não a está levando com você?

A pistola sinalizadora estivera em poder dele desde que haviam deixado o local do acidente.

— Por que o telhado de uma cabana é bem mais visível do que dois homens caminhando. Fique com isto, também. — Antes que Rusty previsse o que ele ia fazer, Cooper lhe puxou o cós da calça comprida e escorregou para dentro dela uma faca de retirar peles de animais. A sensação do couro macio e frio contra a pele do abdome, a fez ofegar. Cooper sorriu diante da reação surpresa.

— Isso servirá para que mantenha a mente aí o tempo todo.

— Por que deveria ficar atenta a isso? Cooper a encarou por um longo instante.

— Espero que nunca precise saber por quê.

Rusty lhe sustentou o olhar. Até aquele instante, não havia percebido o quanto odiava o pensamento de vê-lo partir, deixando-a para trás. Adotara uma atitude corajosa, mas a idéia de cruzar milhas de mata virgem, apoiada em muletas era deprimente. De certa forma, ficara feliz por ele ter decidido por deixá-la ali, mas agora que Cooper estava realmente partindo, desejava se agarrar àquele corpo musculoso e implorar para que ficasse.

O que obviamente não fez. Cooper não a tinha em alta estima. Considerava-a uma menina mimada da cidade grande. Claro que ele estava certo, porque naquele exato momento, apavorava-a pensar no tempo que passaria até que ele retornasse.

Cooper quebrou a magia, com um xingamento impaciente e virou de costas.

— Cooper!

— O quê? — perguntou ele, girando rapidamente.

— Tome... tome cuidado.

Dentro de um segundo, Rusty se encontrava ancorada contra o peito largo. Os lábios possessivos cobrindo os dela em um beijo que a incendiou até a alma. Surpreendeu-a a forma com que se deixou entregar contra o corpo forte. Os braços musculosos a envolviam pela cintura, comprimindo-a e a erguendo de modo que seus pés balançassem centímetros acima das botas de Cooper. Lutou para recobrar o equilíbrio, agarrando-se às lapelas do casaco acolchoado que ele usava. Os lábios firmes pressionavam os dela, possessivos e rígidos. Porém, a língua era quente, macia e úmida, enquanto lhe explorava o interior da boca. O desejo que vinha se acumulando nas últimas 48 horas sobrepujou o rígido controle de Cooper. Atirara a autodisciplina pela janela, mas lhe restara a maestria.

Aquele era um beijo ousado, que nada tinha a ver com romance e sim com paixão. Primitiva. Carnal. Egoísta.

Tonta, Rusty lhe envolveu a nuca com um dos braços e atirou a cabeça para trás para lhe facilitar o acesso, o que Cooper aproveitou imediatamente. A mandíbula coberta pela barba de dois dias lhe arranhava a pele, mas ela não se importava. O bigode era surpreendentemente macio e a excitava. Precocemente para Rusty, ele interrompeu o beijo, afastando a cabeça de modo abrupto e lhe deixando os lábios entreabertos, úmidos e ansiando por mais.

— Voltarei o mais rápido possível. Adeus, querida.

Querida? Querida?

Cooper a soltou e girou em direção à porta. Naquele instante, ela percebeu Quinn Gawrylow, sentado à mesa, mascando distraidamente tabaco e os observando com a mesma concentração e silêncio de uma onça.

O coração de Rusty pareceu descer para os pés. Cooper a beijara para que Quinn os visse e não por vontade própria. E certamente não para agradá-la.

Lançou um olhar venenoso às costas de Cooper. Bons ventos o levem!, pensou ela. Como ele se atrevera... Porém, logo percebeu que os olhos do homem mais velho estavam cravados nela e mudou a expressão do olhar para o de uma esposa saudosa.

— Acha que ele vai ficar bem?

— Reuben sabe o que faz. Tomará conta do sr. Landry. — Indicou com a mão a padiola ainda estendida próximo à lareira. — Ainda é cedo. Por que não volta a dormir?

— Não, eu, uh... — Rusty clareou a garganta. — estou muito agitada para dormir. Acho que ficarei sentada aqui por um tempo.

— Quer café? — indagou Quinn, gesticulando para o fogão.

— Por favor.

Rusty não estava com a menor vontade de tomar café, mas segurar a caneca nas mãos ajudaria a passar o tempo. Pousou as muletas e a arma sinalizadora na lareira, ao alcance das mãos e deixou-se afundar na cadeira. A bainha da faca lhe pressionou o baixo ventre. Por que não se enterrara nela quando Cooper a puxou contra o seu... O coração de Rusty flutuou com o pensamento. Não fora apenas a solidez da faca que sentira contra o abdome. Ao que parecia, Cooper se divertia muito a humilhando daquela forma.

Revoltada, retirou a faca da cintura e a pousou na lareira. Aceitando a caneca de café que Quinn lhe oferecia, tentou relaxar para enfrentar o que provavelmente seria o dia mais longo de sua vida.

 

Cooper supunha que não havia percorrido um quilômetro e meio, quando Reuben puxou conversa. Por ele, poderiam perfazer o percurso de 24 quilômetros em silêncio, mas talvez aquela fosse uma maneira de fazer o tempo passar mais rápido e ajudá-lo a afastar a mente de Rusty.

— Por que não têm filhos? — perguntou Reuben. Os instintos de Cooper entraram em alerta. O arrepio na nuca, com o qual sempre contara para preveni-lo de que algo não estava certo, não o abandonara desde que ouvira Rusty gritar e a encontrara cara a cara com os Gawrylow. Poderia estar lhes fazendo uma grande injustiça. Provavelmente eram pessoas corretas, mas probabilidades não valiam nada. Até que devolvesse Rusty em segurança às autoridades, não daria a nenhum daqueles reclusos o benefício da dúvida. Se provassem ser confiáveis, teriam sua gratidão eterna. Até lá... — E então? — estimulou Reuben. — Por que não...

— Ouvi o que disse. — Cooper seguia o caminho percorrido pelo rapaz, sem deixá-lo se distanciar, mas tomando o cuidado de não se aproximar demais. — Rusty tem uma carreira. Somos pessoas muito ocupadas, mas teremos filhos em breve.

Esperava que aquilo colocasse um fim à conversa. Filhos e família eram tópicos que Cooper sempre evitava abordar. Naquele momento, não queria conversar. Pretendia concentrar toda sua energia em alcançar o rio o mais rápido possível.

— Se estivéssemos casados por cinco anos, já teríamos cinco filhos — gabou-se Reuben em tom áspero.

— Mas não estão.

— Talvez não esteja fazendo a coisa da maneira certa.

— O quê?

Reuben lhe dirigiu um malicioso piscar de olhos por sobre o ombro, referindo-se, em seguida, ao ato sexual com um palavrão.

A expressão não ofendeu Cooper. Costumava usá-la habitualmente, mas chocou-o ouvir a palavra chula ligada ao nome de Rusty. Não lhe ocorreu que na noite anterior, ele mesmo a utilizara. Estava muito ocupado desejando que até o fim do dia não tivesse de esmurrar o rosto de Reuben, caso se referisse a Rusty mais uma vez naquele contexto.

— Se ela fosse minha mulher...

— Mas não é. — A voz de Cooper reverberou como um chicote no ar.

— Mas será. — Dizendo isso, Reuben estampou um sorriso diabólico na face e girou, apontando o rifle para o peito de Cooper, que inconscientemente estivera esperando por aquilo durante toda a manhã e ergueu o próprio rifle um segundo após o atacante. Porém, Reuben disparou o primeiro tiro.

— O que foi isso? — perguntou Rusty, sobressaltando-se e percebendo que estivera cochilando na cadeira. Quinn estava sentado à mesa.

— O quê?

— Acho que ouvi algo.

— Não ouvi nada.

— Podia jurar...

— Os toros crepitaram na lareira. Só isso.

— Oh. — Envergonhada pelo próprio nervosismo, Rusty relaxou mais uma vez na cadeira. — Devia estar cochilando. Quanto tempo se passou desde que partiram?

— Não muito.

Quinn se ergueu e caminhou em direção a ela, ajoelhando-se em frente à lareira para alimentar o fogo. O calor aqueceu a pele de Rusty e a fez fechar os olhos outra vez. Por mais feia e suja que fosse aquela cabana, ao menos lhe provia um teto e proteção contra o vento que vinha do oeste. Sentia-se agradecida. Após passar dias...

Os olhos de Rusty se abriram quando ele a tocou. Quinn estava ajoelhado em frente a ela, segurando-lhe a panturrilha.

— Pensei que talvez quisesse elevar a perna outra vez — disse ele.

A voz era suave como a de um anjo, mas os olhos, demoníaco, enquanto a encaravam de suas grutas fundas. O terror a invadiu, mas o bom senso a aconselhou a não demonstrar.

— Não obrigada. Na verdade — disse Rusty, com voz fraca. — Acho que vou dar uma volta para exercitá-la.

Esticou as mãos para pegar as muletas, mas Quinn as arrebatou.

— Deixe-me ajudá-la.

Antes que Rusty pudesse protestar, ele a puxou pelo braço, erguendo-a da cadeira. O movimento a pegou de surpresa e a fez colidir contra o corpo de Quinn. No mesmo instante, ela recuou, mas descobriu que não conseguiria se afastar muito, pois a outra mão do homem se encontrava pressionada contra sua coluna lombar, empurrando-a para a frente.  — Não!

— Estou apenas tentando ajudá-la — disse Quinn com voz macia, obviamente se divertindo com o nervosismo que ela demonstrava.

— Então, por favor, me solte, sr. Gawrylow. Eu conseguirei.

— Não sem ajuda. Vou substituir seu marido. Ele me recomendou que tomasse conta de você, certo? — As mãos sujas escorregaram pelos quadris de Rusty, fazendo-a congelar de medo.

— Não me toque dessa maneira. — Ela tentou se soltar, mas aquelas mãos pareciam estar por todos os lugares. — Tire essas mãos de mim!

— O que há de errado com elas? — A expressão de Quinn de repente se tornou ameaçadora. — Não são limpas o suficiente para você?

— Não... sim... eu... eu quis dizer que Cooper irá...

— Cooper não fará nada — retrucou o homem com um sorriso sinistro. — De agora em diante, eu a tocarei da maneira que quiser.

Quinn a puxou contra o corpo de uma forma que não deixava dúvidas quanto a sua intenção. Rusty empregou toda a força que possuía para se afastar. Pressionou os punhos contra os ombros de Quinn e arqueou as costas, tentando se soltar e evitar o beijo iminente.

As muletas escorregaram e tombaram no chão. Rusty teve de se apoiar na perna machucada e sentindo uma fisgada lancinante na cicatriz, gritou.

— Pode gritar. Não me importo. — O hálito era pútrido e quente contra a face de Rusty. Ela virou o rosto, mas Quinn lhe segurou o queixo entre os dedos firmes e o puxou de volta. Antes que os lábios asquerosos entrassem em contato com os dela, ouviram o som de passos do lado de fora da cabana.

— Socorro! — gritou ela.

— Reuben? — chamou Quinn em voz alta. — Entre. — Em seguida, girou a cabeça em direção à porta, mas não era Reuben que irrompeu pela cabana. O rosto suado de Cooper era uma máscara de ódio e revolta. Os cabelos cobertos por folhas e galhos finos. Havia cortes com sangue no rosto e nas mãos. A camisa estava salpicada de sangue. Para Rusty, no entanto, nunca ninguém tivera melhor aparência.

— Solte-a, seu animal nojento — ordenou Cooper, parado com as pernas apartadas e os pés firmemente plantados no chão. Rusty despencou quando Quinn obedeceu, virando, em seguida. Ao mesmo tempo, esticou a mão para trás das costas. Antes que Rusty percebesse o que aconteceu, ouviu um baque surdo. Em seguida, viu o cabo da faca de Cooper no meio do peito de Quinn. A lâmina se encontrava totalmente enterrada entre as costelas do homem, que exibia uma expressão perplexa, enquanto fechava os dedos em torno do cabo da faca e caía de joelhos. Segundos depois, tombou de cabeça no chão. Rusty encolheu os braços e as pernas contra o corpo, enroscando-se no chão. Levou as mãos à boca, observando a forma inanimada do homem com os olhos arregalados, enquanto prendia a respiração.

Cooper aproximou-se rapidamente, chutando os móveis para os lados e se agachou em frente a ela.

— Você está bem? — perguntou, tocando-lhe o ombro. Porém, ela se contraiu de medo. Cooper congelou. Os olhos cinza a encaravam, pétreos. — Não precisa me agradecer.

Aos poucos, Rusty baixou as mãos e soltou o ar que prendia nos pulmões. Quando dirigiu o olhar a Cooper, os lábios tremiam de medo.

— Você o matou. — Mas as palavras quase não possuíam som.

— Antes que ele me matasse, sua tola. Olhe! — Cooper apontou para as costas do homem caído no chão. Um pequeno revólver estava enfiado no cós da calça de Quinn. — Ainda não entendeu? — trovejou ele. — Iriam se livrar de mim e mantê-la presa aqui. Planejavam dividi-la entre eles.

Rusty estremeceu de repulsa.

— Não!

— Oh, sim — rebateu Cooper, balançando a cabeça afirmativamente. Parecendo exasperado com ela, ergueu-se e desvirou o corpo de Quinn.

Fechando os olhos, Rusty virou o rosto, mas ouviu o som do morto sendo arrastado pelo assoalho da cabana em direção à porta. As botas de Quinn batendo contra os degraus da escada, enquanto Cooper o levava para fora.

Não sabia precisar quanto tempo permaneceu deitada naquela posição fetal, mas ainda não havia se mexido quando Cooper retornou e assomou sobre ela.

— Ele a machucou?

Rusty movimentou a cabeça negativamente.

— Responda, droga! Ele a machucou?

— Não! — gritou ela, erguendo a cabeça e o encarando.

— Ele ia estuprá-la. Tem noção disso, certo? Ou a ingenuidade a impede de enxergar a realidade?

O que a impedia de enxergar eram as lágrimas. Rusty experimentava uma reação tardia ao choque.

— O que está fazendo aqui? Por que voltou? Onde está Reuben? O que dirá quando ele voltar?

— Nada. Reuben não voltará.

Rusty prendeu o lábio inferior trêmulo entre os dentes e fechou os olhos. Grossas lágrimas lhe escorriam pela face.

— Você o matou também, certo? E o sangue dele em sua camisa.

— Sim, droga! — disparou Cooper, inclinando-se sobre ela. — Matei-o em legítima defesa. Reuben me guiou para dentro da floresta por uma distância suficiente para nos separar e apontou uma arma com a intenção de me matar e fazer de você sua "mulher". — Cravando o olhar em Cooper, ela negou com a cabeça, o que pareceu enfurecê-lo. — E não ouse se mostrar surpresa. Você os fez babar de desejo e sabe disso.

— Eu? Como? O que fiz?

— Escovou os cabelos, pelo amor de Deus!

— Escovei...

— Apenas sendo você. Com essa aparência!

— Pare de gritar comigo! — soluçou Rusty. — Não fiz nada!

— A não ser me fazer matar dois homens! — gritou Cooper. — Pense nisso enquanto eu os enterro lá fora — acrescentou, disparando pela porta.

As chamas na lareira estavam fenecendo e a cabana se tornou fria. Porém, Rusty não se importou.

Ainda se encontrava sentada no chão, chorando, quando Cooper voltou. Sentia-se cansada. Não havia um centímetro em seu corpo que não doesse pela noite que dormira no chão, peloatrito das muletas e pelos abusos rudes de Gawrylow.

Desejava um bom prato de comida. Trocaria seu Maserátide bom grado por um copo de leite. Os galhos das árvores e os atos destemperados daquele bárbaro com o qual se encontrava isolada haviam transformado suas vestes em andrajos. O casaco de peles do qual tanto se orgulhava servia agora como padiola. E vira homens morrerem! Cinco com a queda do avião e dois pelas mãos do homem que no momento se agachava ao lado dela. Cooper lhe ergueu a face segurando-lhe o queixo.

— Levante-se — ordenou. — Limpe o rosto. Não passará o resto do dia chorando como um bebê.

— Vá para o inferno! — disparou ela, virando rosto. Cooper estava tão furioso que mal movia os lábios enquanto falava.

— Ouça, se estava interessada em Reuben e em Quinn, deveria ter me avisado. Desculpe por ter arruinado suas conquistas.

— Seu bastardo!

— Ficaria muito feliz em deixá-la neste paraíso e procurar o riosozinho. Mas devo lhe dizer que Reuben planejava ter muitos filhos. Claro que nunca saberia se os filhos que iria parir eram dele ou do pai.

— Cale-se! — Rusty ergueu a mão para esbofeteá-lo, mas Cooper foi mais rápido e lhe segurou o braço no ar. Encararam-se por alguns tensos segundos. Por fim, Cooper relaxou os dedos em torno do pulso delicado. Resfolegando, furioso, ergueu-se e chutou uma cadeira contra a parede oposta da cabana.

— Era eu ou eles — afirmou em uma voz que vibrava de raiva. — Reuben atirou primeiro. Tive sorte e desviei o rifle dele bem a tempo. Não tinha outra escolha.

— Não precisava matá-los.

— Não?

Nenhuma alternativa lhe vinha à mente, mas Rusty estava certa de que encontraria alguma se pensasse por um tempo. Por ora, condescendente, baixou o olhar.

— Por que não partiu sem mim? Os olhos cinza se estreitaram ao encará-la.

— Acha que não pensei nisso?

— Oh — rangeu Rusty. — Não vejo a hora de me livrar de você.

— Acredite-me, a recíproca é verdadeira, mas por enquanto teremos de tolerar um ao outro. A primeira coisa que temos de fazer é limpar este lugar. Não vou passar outra noite neste buraco fedorento.

O queixo de Rusty quase caiu de perplexidade. Vagarosamente, ela olhou ao redor da cabana encardida.

— Limpar este lugar? Foi isso que disse?

— Sim. É melhor começarmos. O dia está passando. Cooper levantou a cadeira que havia derrubado e se encaminhou às camas sebentas de Reuben e Quinn.

A risada que Rusty emitiu beirava a histeria.

— Não está falando sério?

— Uma ova que não estou.

— Passaremos a noite aqui?

— E todas as outras até sermos resgatados.

Rusty se ergueu, apoiando-se em uma das muletas, enquanto o observava arrancar as roupas de cama e as empilhar no chão.

— E quanto ao rio?

— Pode ter sido tudo mentira.

— O rio Mackenzie é real.

— Mas a que distância está daqui?

— Poderia caminhar indefinidamente na direção que eles indicaram até encontrá-lo.

— Poderia e também poderia me perder, ferir ou ficar encalhado. Se fosse comigo, talvez não conseguíssemos alcançá-lo antes de a neve chegar e nesse caso, morreríamos congelados. Se permanecesse aqui, e algo me acontecesse, morreria de fome antes de o inverno acabar. Nem ao menos estou certo de que a direção em que Reuben me levou era a correta. Há pelo menos 359 outras escolhas partindo desta cabana e experimentar todas levaria no mínimo um ano. — Com as mãos nos quadris ele a encarou. — Nenhuma dessas alternativas me parece atraente. Por outro lado, se limparmos esta cabana, poderemos sobreviver. Não é nenhum hotel de Beverly Hills, mas é um abrigo com constante suprimento de água.

Rusty não apreciou o sarcasmo e deixou seu desagrado transparecer. Aquele homem a tratava como uma tola que não havia percebido a situação sem que ele tivesse de explicar e lhe lançava um desafio que não pretendia recusar. Fora fraca aquela manhã, mas nunca mais seria.

Dobrou as mangas do suéter.

— O que quer que eu faça?

— Comece pelo fogão.

Sem dizer mais nada, ele juntou as roupas de cama imundas e as levou para fora da cabana.

Rusty se atirou à limpeza do fogão com afinco e, como se estivesse se vingando de algo, poliu-o do topo ao fundo. Utilizando mais esforço físico do que sabão. Era um trabalho árduo, especialmente por ter de se manter apoiada em uma das muletas. Do fogão, passou para a pia seca e de lá para as janelas. Em seguida, cada milímetro dos móveis foi limpo.

Após ferver a roupa de cama em um caldeirão e colocá-las para secar — ou congelar se a temperatura baixasse muito — Cooper entrou na cabana e limpou as pedras da lareira. Encontrou uma colônia de insetos mortos sob a pilha de toros. Provavelmente haviam morrido de velhice, já que certamente aquela lareira nunca fora varrida.

Mantendo a porta e as janelas abertas para que o ar fresco penetrasse, Cooper reforçou com escoras a varanda da frente e empilhou toros de madeira no lado sul da cabana para protegê-la da violência das tempestades.

Rusty não podia varrer o chão, portanto ele o fez. Porém, quando terminou, ela se apoiou nas mãos e nos joelhos e o esfregou. As unhas bem tratadas quebraram uma a uma. Quando antes uma ponta quebrada a fazia perder a cabeça, agora simplesmente deu de ombros e continuou a esfregar, orgulhando-se do resultado de seu trabalho.

Cooper trouxe para o jantar duas aves plumosas e decapitadas, cuja espécie ela não reconheceu. Rusty fez um inventário dos suprimentos dos Gawrylow e ficou satisfeita ao encontrar uma boa quantidade de enlatados. Aparentemente, haviam feito a viagem de outubro para Yellowknife e estavam bem providos para o inverno. Não era nenhuma chefe de cozinha, mas não era necessário muito talento para cozinhar as aves juntamente com duas latas de vegetais e uma pitada de sal. Quando o guisado ficou pronto, o aroma a fazia salivar.

Estava escurecendo quando Cooper trouxe as roupas de cama para dentro.

— Retirou os piolhos? — indagou ela, virando de costas para o fogão.

— Acho que sim. Fervi-os por bastante tempo. Não sei se estão totalmente secos, mas se os deixasse lá fora por mais tempo, congelariam. Verificaremos depois do jantar e se não estiverem secos, podemos pendurá-los próximo ao fogo.

Cooper lavou as mãos na pia, que cintilava se comparada ao estado em que se encontrava antes.

Sentaram-se à mesa que Rusty havia corajosamente limpado. Cooper sorriu quando desdobrou o que antes era uma meia e agora servia de guardanapo, estendendo-a sobre o colo, mas não comentou a ingenuidade de Rusty. Se percebeu o jarro com um arranjo da folhagem de outono no centro da mesa, não demonstrou. Comeu dois pratos do guisado, mas também não disse uma palavra sobre ele. Rusty estava desolada. Ele poderia ter dito algo agradável. Ao menos, uma palavra de encorajamento. Até mesmo um filhote de cachorro necessitava que estimulassem seu bom comportamento com palmadas leves na cabeça. Desanimada, ela carregou os pratos para a pia. Enquanto acionava a bomba, jogando água sobre a louça, Cooper surgiu atrás dela.

— Trabalhou duro o dia todo.

A voz era suave e baixa e soava bem acima da cabeça de Rusty. Ele estava muito próximo. O físico avantajado a subjugava, fazendo-a se sentir trêmula.

— Você também.

— Acho que merece um prêmio, concorda?

O coração de Rusty flutuou, sem peso, como um balão. A lembrança do beijo de Cooper naquela manhã lhe preencheu a mente, enquanto um desejo intenso de repeti-lo a invadia. Vagarosamente, ela girou para encará-lo.

— O que tem em mente? — indagou, ofegante.

— Um banho.

 

— Um... banho? — ninguém poderia ter dito aquela palavra com maior ansiedade.

— De verdade. Com água quente e sabonete. — Cooper se encaminhou à porta, escancarou-a e arrastou uma grande tina para dentro. — Encontrei isto atrás da cabana e a limpei.

Rusty não se lembrava de ter se sentindo tão agradecida quando abriu o presente dado pelo pai e encontrou o casaco de pele de raposa vermelho e comprido. Juntou as mãos sob o queixo.

— Oh, Cooper, obrigada.

— Não fique muito animada — aconselhou ele em tom queixoso. — Ficaríamos tão nojentos quanto os Gawrylow se não tomássemos banho. Mas não o faremos todos os dias.

Rusty não permitiu que ele lhe estragasse o humor. Cooper não apreciava que as pessoas se mostrassem agradecidas. Bem, aquele era um problema dele. Por ora, fizera algo verdadeiramente atencioso para com ela. Que mais poderia fazer além de agradecer? Cooper devia saber o quanto aquilo significava para ela, mesmo que quisesse bancar o desmancha prazeres agora. Rusty encheu várias caçarolas e chaleiras com água da bomba e ele as carregou para o fogão a lenha, alimentando o fogo para apressar o processo. Em seguida, arrastou a tina pelo chão até posicioná-la diretamente em frente à lareira. O metal estava gelado, mas logo o fogo iria aquecê-lo. Rusty o observou fazer todos aqueles preparos com expressão ansiosa e depois com crescente preocupação.

— O que farei para uh...

Sem nada dizer e com expressão amorfa, Cooper desdobrou um dos ásperos lençóis de musselina que fervera e arejara durante o dia. No teto da cabana havia vigas expostas. Ao que parecia os Gawrylow penduravam carne nelas, pois havia vários ganchos de metal enterrados na madeira escurecida.

Cooper subiu em uma cadeira e espetou um dos ganchos em uma das pontas do lençol. Reposicionando a cadeira várias vezes, em pouco tempo havia produzido uma cortina que escondia a tina.

— Obrigada — agradeceu ela. Ficou feliz por aquela proteção, mas percebeu que à luz da lareira, o lençol se tornava translúcido. A silhueta da tina era visível e a de quem estivesse dentro dela também.

Cooper também devia ter notado, pois desviou o olhar e esfregou as mãos nas laterais do corpo parecendo nervoso.

— Acho que a água deve estar aquecida.

Rusty selecionou seu precioso kit de higiene pessoal que compreendia um sabonete de agradável fragrância, um pequeno frasco de xampu, um aparelho de barbear. Pousou todos os itens sobre uma cadeira, próximo à tina.

Durante o dia, separara o minguado estoque de roupas que lhes restavam e as dobrou em pequenas pilhas em prateleiras separadas. Uma para ela e outra para Cooper. Selecionou uma legging e uma camiseta sem mangas de sua pilha e as dobrou sobre o espaldar da cadeira.

Quando tudo estava pronto, ela aguardou, acanhada, enquanto Cooper despejava com cuidado as caçarolas com água aquecida na tina. Nuvens de vapor subiam, mas Rusty não acreditava que estivesse insuportavelmente quente. Tinha de esfregar a sujeira e a fadiga acumulada durante quatro dias. Além disso, estava acostumada a tomar banhos de imersão relaxantes todos os dias na banheira de sua casa.

— Com que vou me enxugar? — perguntou Rusty. Cooper lhe atirou uma toalha áspera e puída da pilha de roupa de cama que lavara mais cedo.

— Encontrei duas dessas penduradas do lado de fora. Fervi-as, também. Nunca foram mergulhadas em amaciante de roupas, mas são melhores que nada.

A textura da toalha estava mais para lixa, mas Rusty a aceitou sem nada dizer.

— Acho que está bom — disse ele em tom brusco, esvaziando o conteúdo da última chaleira na tina. — Entre com cuidado. Não vá se queimar.

— Está bem.

Parados em lados opostos da tina, os dois se encararam. Os olhares se encontrando através do vapor. A umidade já estava frisando os cabelos de Rusty e tornando sua compleição úmida e rosada.

Cooper virou o rosto de modo abrupto e impacientemente afastou a cortina para o lado e saiu, tornando a fechá-la. Rusty podia ouvir os passos pesados dos pés calçados com botas contra o assoalho irregular. Cooper saiu da cabana e fechou a porta. Rusty suspirou resignada. Ele tinha humor azedo, era só. Não iria filosofar sobre os defeitos daquele homem enquanto se refestelava com seu primeiro banho em quatro dias. Não permitiria que Cooper estragasse aquele momento, não importava o quanto tivesse se mostrado desagradável.

Despir-se foi um desafio, já que ainda evitava apoiar o peso na perna machucada. Quando conseguiu, foi uma aventura ainda maior entrar na tina. Por fim, conseguiu, usando os braços como apoio, sentando-se vagarosamente e colocando a perna direita por sobre a beirada da tinha.

O banho pareceu-lhe mais divinal do que imaginara. Cooper tinha razão em preveni-la. A água estava bastante quente, porém deliciosa. Levou algum tempo para se acostumar ao assoalho áspero da tina, mas o deleite de estar submersa na água quente e suavizante lhe desviou a mente daquele mínimo desconforto.

Imergiu o máximo que pôde e recostou a cabeça à borda da tina, fechando os olhos. Estava tão relaxada que nem um músculo se contraiu quando ouviu Cooper retornar à cabana. Apenas franziu a testa de leve, quando uma lufada de ar frio a atingiu antes de ele fechar a porta. Por fim, estendeu um braço e pegou o sabonete sobre a cadeira. Ficou tentada a se ensaboar excessivamente, mas se conteve. O sabonete talvez tivesse de durar por muito tempo. Apoiando um pé sobre a borda da tina, raspou as pernas, escorregando a lâmina com cuidado para evitar os pontos. Angustiada, percebeu que ficaria com uma cicatriz horripilante, mas logo se envergonhou da própria futilidade. Tinha sorte de estar viva. Tão logo retornasse a Beverly Hills, faria uma cirurgia plástica para remover o bem intencionado, porém disforme trabalho manual de Cooper. De repente, se deu conta do barulho dentro da cabana.

— O que está fazendo?

— Estou arrumando as camas — grunhiu ele. —- Estes estrados são feitos de carvalho sólido e pesam uma tonelada.

— Mal posso esperar para deitar em uma delas.

— Não pense que será muito melhor do que o chão. Não há colchões. Apenas um leito de lona como catres. Porém, se tivessem colchões estariam repletos de piolhos, portanto é melhor assim.

Pousando a lâmina, Rusty pegou o frasco de xampu e, após mergulhar a cabeça na água, derramou um pouco na mão. O xampu teria de ser ainda mais racionalizado que o sabonete. Esfregou com força do couro cabeludo às pontas dos cabelos. Em seguida, mergulhou mais uma vez a cabeça para enxaguá-los e torceu-os o máximo que pôde.

Encostando a cabeça contra a beirada da tina, jogou os cabelos úmidos para trás para que começassem a secar. Pingaria água no chão, mas aquela certamente era a substância menos ofensiva que pingara naquele assoalho. Mais uma vez, fechou os olhos e se refestelou no calor da água, na fragrância floral do xampu e do sabonete e na sensação inebriante de se sentir limpa de novo. Por fim, a água começou a esfriar e Rusty percebeu que era hora de sair do banho. Além disso, duvidava de que Cooper se deitasse antes dela. Devia estar exausto pela atividade intensa desde que acordara com o raiar do dia. Não tinha idéia da hora. Não viam relógios desde a queda do avião. O tempo era medido pelo nascer e pôr do sol. Os dias eram curtos, mas aquele fora longo, tanto emocional quanto fisicamente. Rusty apoiou os braços na beirada da tina e tentou se erguer. Para seu desânimo, caiu como um talharim mole. Permanecera por muito tempo na água quente e os músculos se encontravam sem força. Tentou o movimento várias vezes, sem sucesso. Decidiu por outras estratégias, mas nenhuma funcionou devido à perna machucada, na qual não podia se apoiar.

Por fim, sentindo cada vez mais frio e sabendo que não poderia adiar o inevitável, chamou Cooper.

— O que é?

A resposta irritada não era encorajadora, mas Rusty não tinha outra escolha.

— Não consigo me levantar daqui.

— O quê? — perguntou ele, após um silêncio que lhe pareceu uma eternidade.

Rusty fechou os olhos.

— Não consigo me levantar da tina.

— Saia da mesma forma que entrou.

— Sinto-me fraca pelo tempo que permaneci na água quente. Meus braços não conseguem me sustentar por tempo suficiente para que eu possa sair.

Os xingamentos eram tão ardentes, que Rusty não entendeu por que o lençol que servia de cortina não pegou fogo. Quando o ouviu se aproximar, cruzou os braços sobre os seios.

O ar frio soprou a pele úmida e exposta das costas de Rusty quando ele afastou a cortina. Ela fixou o olhar na lareira, sentindo os olhos cinza cravados nela. Por um longo tempo Cooper ficou parado sem nada dizer. Os pulmões de Rusty estavam a ponto de explodir pela tensão interna quando ele falou.

— Colocarei as mãos sob suas axilas. Levante-se, apoiando o peso na perna esquerda. Enquanto a seguro, erga-a e a coloque no chão. Está bem?

Rusty afastou alguns centímetros os braços colados ao corpo. Embora esperasse, o toque dos dedos longos contra sua pele escorregadia e úmida lhe provocou um choque. Não por ser uma sensação desagradável, mas por não ser. E se tornou ainda melhor. As mãos fortes e confiantes escorregaram para suas axilas, segurando-a com força. Cooper escancarou as pernas e Rusty prendeu a respiração com uma careta.

— Qual o problema?

— Minhas... axilas estão doloridas — informou Rusty, ofegante. — Por causa das muletas. — Cooper soltou um xingamento tão chulo que ela esperou não ter ouvido direito.

As mãos longas escorregaram por sua pele molhada e lhe emolduraram as costelas.

— Vamos tentar desta forma. Está pronta? — Obedecendo às instruções de Cooper, ela apoiou o peso do corpo na perna esquerda, deixando a direita pendendo, imóvel, quando ele a ergueu da água. — Até aqui tudo bem? — Rusty balançou positivamente a cabeça. — Pronta? — Ela repetiu o gesto. Cooper lhe amparou todo o peso nas mãos, enquanto Rusty erguia o pé esquerdo e o apoiava no chão.

— Oh!

— O que foi agora?

Cooper estava quase a soltando quando ela deixou escapar a exclamação e tombou levemente para a frente. Rápido como um raio, ele envolveu o corpo de Rusty com o braço, pousado logo abaixo dos seios firmes.

— O chão está frio.

— Jesus Cristo! Não me assuste desse jeito.

— Desculpe, mas tomei um susto.

Rusty tateou em direção ao espaldar da cadeira para se apoiar e rapidamente agarrou a toalha, encostando-a à parte frontal do corpo. Embora a parte traseira ainda permanecesse exposta ao olhar de Cooper, confiava que como um cavalheiro não estivesse tirando vantagem de sua posição.

— Você está bem?

— Sim.

As mãos fortes se moveram da frente do corpo de Rusty para as laterais, sem, contudo, soltá-la.

— Tem certeza?

— Sim — respondeu Rusty, tensa. — Estou bem. Cooper retirou as mãos e ela soltou um suspiro de alívio... porém, prematuro.

— Que diabo é isso? — Rusty ofegou quando a mão forte se espalmou em seu quadril. O polegar de Cooper escorregando longa e vagarosamente pelas nádegas firmes para retirar a água. O outro lado foi igualmente examinado. — Que diabo lhe aconteceu? — Pensei tê-la ouvido dizer que ele não a machucou?

— Não sei a que está se referindo. — Ofegante e zonza, Rusty girou a cabeça e olhou por sobre o ombro.

Um vinco profundo se formara entre as sobrancelhas de Cooper e o bigode estava curvado para baixo, mostrando desagrado.

— Está toda roxa.

Rusty fixou o olhar ao longo do corpo. A primeira coisa que percebeu foram as mãos morenas contra sua pele pálida, compondo um cenário sensual. Apenas quando ele moveu cuidadosamente o polegar outra vez foi que ela percebeu os hematomas.

— Oh, isso. Fiquei assim por causa da viagem na padiola. Os olhos cinza procuraram os dela e lá se fixaram, faiscantes. Cooper continuou a tocá-la. A voz grave saiu terna como o toque das mãos longas.

— Deveria ter dito que estava se machucando.

Rusty se encontrava hipnotizada com o movimento do bigode, enquanto ele pronunciava as palavras. Talvez aquele fosse o motivo de sua voz soar como um sussurro.

— Dizer algo faria alguma diferença?

Alguns fios de seus cabelos se encontravam presos entre os pelos curtos da barba recente, conectando-os como um filamento de luz. Não que precisassem daquilo. O olhar que trocavam era quase palpável. Durou uma eternidade e o encanto foi quebrado por um toro que crepitou na lareira. Ambos se sobressaltaram, sentindo-se culpados.

Cooper retomou a expressão contemplativa.

— Não, não faria.

Segundos depois, a cortina improvisada fechou atrás dele. Rusty estava trêmula. Pelo frio, assegurou-se em silêncio. Ele a deixara parada ali por tempo suficiente para que congelasse. Envolvendo o corpo com a toalha, enxugou-se rapidamente. O tecido era tão áspero, que lhe fazia a pele formigar. Esfolava as partes mais sensíveis do corpo, especialmente os mamilos. Quando terminou, estavam anormalmente róseos. Rígidos. Pulsantes. Quentes.

— E o efeito da toalha — resmungou enquanto vestia a legging.,

— O que é dessa vez? — A voz irritada vinha do outro lado da cortina.

— O quê?

— Ouvi-a dizer algo.

— Disse que essa toalha parece uma esponja abrasiva.

— Foi o melhor que consegui.

— Não estava criticando.

— Isso é uma novidade.

Rusty resmungou outra coisa entre dentes para que ele não escutasse já que se tratava de um epíteto pouco lisonjeiro à linhagem dele. Irritada, vestiu a camiseta pela cabeça. Os mamilos se projetavam através do tecido colante. A maciez, que deveria ser suavizante após o atrito da toalha, apenas parecia irritá-los ainda mais.

Guardou seus artigos de higiene pessoal na nécessaire e afundou na cadeira. Inclinando o corpo para frente, baixou a cabeça e secou os cabelos com a toalha e os penteou. Cinco minutos depois, ergueu-se e os cabelos quase secos lhe caíram pelos ombros em ondas vermelhas. Não estavam modelados, mas estavam limpos, o que era uma evolução.

Quando guardava e escova na nécessaire, percebeu o estado em que se encontravam suas unhas. Algumas descascadas e outras quebradas. Rusty deixou escapar um gemido alto.

No mesmo instante a cortina se abriu e Cooper se materializou na frente dela.

— O que foi? É a sua perna? Está... — ele se calou quando percebeu que Rusty não estava sentindo dor. Porém, mesmo que aquela conclusão não o tivesse calado, a visão dela sentada contra a luz dourada do fogo, com um halo de cabelos ondulados cor de canela emoldurando-lhe a face teria lhe causado a mesma reação. Ela estava usando uma camiseta colada ao corpo que mais revelava do que escondia. O contorno dos mamilos lhe atraía o olhar como um imã. Ainda sentia a firmeza dos seios de Rusty contra seus antebraços minutos atrás.

O sangue começou a lhe correr nas veias como lava incandescente: quente, grosso e violento, concentrando-se em seu sexo e lhe causando uma indesejada reação de intensidade dolorosa. Até que pudesse aliviá-la, Copper liberava aqueIa tensão em forma de fúria. A expressão do rosto se tornando sombria e ameaçadora. As sobrancelhas espessas, mais douradas do que castanhas à luz do fogo, pareciam intimidadoras, franzidas como estavam sobre os olhos. Já que não podia saboreá-la com a língua, como ansiava por fazer, utilizou-a para agredi-la.

— Está gemendo por causa de suas malditas unhas? — trovejou ele.

— Estão todas lascadas e quebradas. — Rusty devolveu o grito.

— Antes elas que seu pescoço, sua tola.

— Pare de me chamar assim, Cooper. Não sou tola.

— Nem ao menos percebeu que aqueles dois matutos desejavam estuprá-la.

Os lábios de Rusty formaram um beicinho que serviu apenas para inflamá-lo ainda mais, porque desejava beijá-la enlouquecidamente. O desejo frustrado o levava a dizer palavras feias e ofensivas.

— Fez tudo que estava a seu alcance para seduzi-los, não foi? Sentando-se próximo à lareira, porque sabe o efeito que a luz do fogo tem sobre seus olhos e compleição, escovando os cabelos até fazê-los quebrar. Sabe o efeito que esse tipo de coisa tem sobre os homens, não sabe? Tem perfeita ciência de que isso os leva à loucura. — Percebendo que suas palavras soavam mais como uma confissão, apelou para o escárnio. — Não sei como não se levantou no meio da noite e se insinuou para Reuben, o pobre idiota.

Os olhos de Rusty se encheram de lágrimas. A avaliação de Cooper sobre seu caráter era ainda mais vil do que imaginava. Não só a considerava uma inútil, como pensava que não passava de uma mulher vulgar.

— Não fiz nada disso de propósito. Sabe muito bem disso, não importa o que diga. — Em um gesto instintivo de autodefesa, Rusty cobriu o peito com os braços.

De repente, Cooper caiu de joelhos em frente a ela e lhe afastou os braços, ao mesmo tempo em que desembainhava a faca letal da cintura. Rusty guinchou de medo, quando ele lhe segurou a mão esquerda com força e ergueu a lâmina faiscante. Rápida e eficientemente, reparou-lhe as unhas. Quando terminou, soltou-lhe a mão.

Rusty as avaliou com pesar.

— Estão horríveis.

— Bem, sou o único por aqui para tratá-las e não dou a menor importância. Dê-me a outra mão.

Rusty obedeceu. Não tinha escolha. Se medissem forças, jamais o venceria. E agora, seus seios eram alvo do olhar condenatório de Cooper. Porém, quando ele ergueu os olhos do bizarro trabalho de manicure que executava, não havia nada de condenatório neles. Faiscavam de interesse masculino e faziam borboletas flutuarem no estômago de Rusty.

Cooper deteve-se por um bom tempo nas unhas da mão direita, como se precisassem de mais cuidado e atenção do que as da esquerda. O rosto se encontrava no mesmo nível que o peito de Rusty. Apesar das ofensas que lhe atirara minutos atrás, ela desejava passar as mãos nos cabelos longos e ondulados. Observou os lábios finos, contraídos firmemente em uma carranca e não pôde evitar se lembrar o quanto poderiam se tornar macios, quentes e úmidos quando a beijavam. E a sensação deliciosa do bigode sedoso! Se fora tão prazeroso sobre seus lábios, como não seria em contato com outras partes de seu corpo? No pescoço? No lóbulo das orelhas? Nos seios, enquanto os dentes brancos lhe mordiam os mamilos com voracidade gentil? Cooper terminou de lhe cortar as unhas e embainhou a faca, porém não lhe soltou a mão. Permaneceu segurando-a, com o olhar cravado nela, antes de pousá-la sobre a coxa de Rusty e cobri-la com a dele. Ela pensou que o peito fosse explodir pela pressão interna.

Cooper mantinha o olhar baixo, fixo no ponto onde mantinha a mão sobre a coxa macia. Do ângulo em que Rusty se encontrava, os olhos cinza pareciam fechados. Os cílios eram espessos e, como o bigode e as sobrancelhas, filetados de dourado. No verão, seus cabelos deviam ter uma tonalidade quase loira.

— Rusty.

A voz de Cooper soou como um rangido, um protesto contra a emoção primitiva. Ela não se moveu, mas o coração batia tão acelerado e desgovernado que fazia vibrar a seda que mal conseguia lhe ocultar o corpo.

Soltando-a, ele apoiou as mãos nas laterais da cadeira, como que lhe emoldurando os quadris. Permaneceu com o olhar fixo na mão de Rusty, que continuava pousada sobre a coxa. Parecia inclinado a baixar a cabeça e descansar o queixo sobre a mão delicada, beijá-la com ternura ou mesmo morder de leve as pontas dos dedos de onde acabara de cortar as unhas. Se ele o fizesse, Rusty não iria impedi-lo. Sentia o corpo quente, úmido e receptivo a tal idéia. Estaria preparada para o que acontecesse. Mas não estava. Porque Cooper se ergueu rapidamente.

— E melhor ir para a cama.

Rusty se encontrava perplexa com a mudança de expressão dele. A magia fora estilhaçada e o momento íntimo, dissipado. Sentiu-se tentada a argumentar, mas se deteve. O que poderia dizer? Beije-me outra vez, Cooper? Toque-me? Aquilo apenas corroboraria a imagem vulgar que tinha dela.

Sentindo-se rejeitada, recolheu seus pertences, incluindo a pilha de roupas sujas e contornou a cortina. As duas camas encontravam-se feitas, com lençóis e cobertores. Ao pé de cada uma se encontrava uma pele dobrada. Em casa, sua cama era coberta por lençóis caros e enfeitada com uma pilha de travesseiros macios, mas nunca parecera tão atraente quanto aquela. Guardou a nécessaire, descartou a roupa suja e se deitou. Enquanto isso, Cooper fazia várias viagens para fora da cabana, esvaziando a tina. Quando restava apenas um pouco no fundo, arrastou-a pela porta e despejou o conteúdo do lado de fora. Trouxe a tina de volta para o interior da cabana, colocando-a outra vez atrás da cortina e começou a encher caçarolas com água retirada da bomba.

— Vai tomar banho, também?

— Alguma objeção?

— Não.

— Fiquei cortando madeira para a lareira durante muito tempo e minhas costas estão doendo. Além disso, acho que estou começando a feder.

— Não senti.

Copper lhe dirigiu um olhar cáustico, mas quando percebeu que estava sendo sincera, quase sorriu.

— Sentirá, agora que está limpa.

A água começou a ferver e Cooper ergueu duas chaleiras do fogão e as despejou na tina.

— Quer que massageie? — perguntou Rusty, de modo casual, mas a pergunta teve o efeito de um soco entre os olhos de Cooper. — Suas costas?

— Oh, uh... — Os olhos cinza a varreram. A camiseta colada ao corpo deixava-lhe o pescoço e os ombros à mostra, ocultos apenas pela massa espessa de cachos vermelhos. — Não... — recusou, conciso. Disse-lhe para ir dormir. Temos muito trabalho para fazer amanhã — acrescentou, voltando a se concentrar em sua tarefa.

Aquele homem não permitia que ninguém fosse cortês com ele. Pois que apodrecesse! Irritada, escorregou para dentro dos lençóis e se deitou. Porém, não fechou os olhos. Em vez disso, observou, enquanto Cooper se sentava na beirada da cama e retirava as botas, esperando a água das outras caçarolas esquentar. Jogou as meias na pilha de roupa suja que Rusty fizera e começou a desabotoar a camisa. Estava usando apenas uma devido ao trabalho árduo que executara do lado de fora da cabana. Retirou-a para fora da calça jeans e a despiu.

Rusty se ergueu para a posição sentada.

— O que aconteceu com você?

Cooper atirou a camisa na mesma pilha em que jogara as meias. Não era necessário perguntar a que ela estava se referindo. Se tivesse uma aparência tão ruim quanto a dor, o ferimento seria percebido até à luz frouxa.

— Meu ombro bateu no cano da espingarda de Reuben. Tive de desviá-la dessa forma para poder apontar meu rifle.

Rusty fez uma careta. A ferida do tamanho de um punho cerrado na parte externa da clavícula parecia extremamente dolorosa.

— Está doendo?

— Para diabo.

— Tomou alguma aspirina?

— Não. Estou querendo poupá-la.

— Mas se está sentindo dor...

— Não as tomou para diminuir a dor dos ferimentos que tem no traseiro.

O comentário a emudeceu, mas não por muito tempo.

— Ainda acho que se tomasse dois comprimidos de aspirina iria se sentir melhor.

— Quero poupá-los. Você pode ter febre outra vez.

— Oh, entendo. Não pode tomar aspirina para abrandar a dor do seu ombro, porque as desperdicei com minha febre.

— Não disse que desperdiçou. Disse que, oh... — Cooper disse uma palavra que não deveria ser verbalizada por pessoas educadas. — Vá dormir, está bem?

Trajando apenas a calça jeans, dirigiu-se ao fogão, aparentemente decidindo que a água estava quente o suficiente, embora ainda não tivesse fervido e despejou todas as caçarolas na tina. Rusty voltou a se deitar, mas continuou observando, enquanto a silhueta do corpo musculoso projetada pela luz do fogo retirava a calça e entrava na tina. Os contornos do corpo de Cooper não deixavam nada para a imaginação, especialmente de perfil.

Ouviu-o xingar quando se sentou na tina. A banheira improvisada não o acomodava tão facilmente quanto a ela. Como Cooper esperava que fosse dormir, fazendo todo aquele barulho, ela não sabia. Transbordou mais água do que restava na tina, quando ele se ergueu para se ensaboar. Cooper imergiu até a cintura e com as mãos atirava água sobre a cabeça. Quando saiu do banho, enxugou-se com negligência masculina, passando a toalha apenas uma vez pelos cabelos e os penteando com os dedos. Por fim, enrolou o tecido áspero em torno dos quadris e executou a árdua rotina de esvaziar a tina e colocá-la do lado de fora. Rusty percebeu que ele tremia, enquanto se encaminhava à lareira para alimentar o fogo. Usando uma cadeira como escada, retirou a cortina improvisada da mesma forma que a colocara. Em seguida, dobrou o lençol, pousou-o sobre uma das prateleiras pregadas na parede e soprou para apagar a lamparina sobre a mesa. A última coisa que fez antes de escorregar para dentro das cobertas foi arrancar a toalha da cintura.

Durante todo o tempo, evitava olhar em direção a Rusty. Embora se sentisse magoada por ele nem ao menos ter lhe desejado boa noite, sabia que não seria capaz de responder, pois ainda sentia a boca seca.

 

Recitar poesia não o ajudou muito, ainda mais quando as únicas que sabia de cor eram poemas humorísticos e libertinos. Portanto, continuou deitado de costas, com as mãos sob a cabeça, fitando o teto e imaginando quando a potente ereção pararia de empurrar as cobertas e relaxaria a ponto de deixá-lo dormir. Sentia-se exausto. Todos os músculos de seu corpo imploravam descanso, mas seu sexo não lhe dava ouvidos. Ao contrário do resto do corpo, sentia-se em ótima forma. Era como se Cooper tivesse sido espancado, mas ele estava de sentinela: alerta, vivo e com toda a potência. Desesperado escorregou a mão para baixo das cobertas. Talvez... retirou a mão rapidamente. Não. Não faça isso. Tentar pressioná-lo para baixo, apenas aumentaria o problema.

Furioso com Rusty por deixá-lo naquele estado, rolou para o lado. Até mesmo aquele movimento, criou um atrito indesejado, fazendo-o emitir um gemido involuntário, que rapidamente disfarçou tossindo. O que poderia fazer? Nada que não fosse humilhante. Portanto, teria de pensar em outra coisa. Mas, droga! Ele tentara. Por horas, tentara, mas seus pensamentos voltavam sempre para Rusty. Para os lábios macios, a boca, vulnerável, curiosa e por fim se abrindo para ele.

Trincou os dentes, pensando na forma como os lábios sedosos haviam se fechado em torno de sua língua. Deus! Ela era saborosa. Quisera prolongar aquele beijo indefinidamente, explorando aquele interior macio com a língua até decidir exatamente qual era o sabor de Rusty. O que seria uma tarefa impossível e interminável, porque ela tinha um sabor único. Não deveria tê-la beijado, nem mesmo para enganar Quinn. Quem enganara a quem?, indagou-se, pensativo. Beijara-a porque era aquilo que desejava fazer. Suspeitara de que apenas um beijo não o satisfaria, mas agora tinha certeza. Por que estava sendo tão duro consigo mesmo? Estava naquele estado porque ela era a única mulher disponível. Sim, só podia ser. Provavelmente. Possivelmente. Talvez. Mas não podia negar o fato de Rusty ter um rosto estonteante, cabelos sensuais, um corpo que suplicava para ser possuído, seios que haviam sido criados para o deleite de um homem, um gracioso traseiro, coxas que inspiravam ereções instantâneas o que havia entre elas...

Não!, gritou a mente de Cooper. Não pense nisso ou terá de fazer o que milagrosamente e com extrema autodisciplina evitara fazer aquela noite. Está bem. Chega. Finis. No más. Fim. Pare de pensar como um adolescente com os hormônios em ebulição e vá dormir. Cooper fechou os olhos e se concentrou em mantê-los daquela forma. Quando ouviu a lamúria vinda da outra cama, pensou ser sua imaginação. Então, Rusty se ergueu, jogando as cobertas para o lado. Não era sua imaginação. Ou algo que pudesse ignorar fingindo estar adormecido.

— Rusty?

— O que é isso?

Mesmo tendo como única fonte de luz o fogo quase extinto, ele percebeu que os olhos de Rusty estavam arregalados de medo. Pensou que ela estivesse sob o efeito de um pesadelo.

— Deite-se outra vez. Está tudo bem.

A respiração de Rusty estava ofegante, enquanto ela puxava as cobertas até o queixo.

— Que barulho é esse?

Teria feito algum barulho? Não teria conseguido suprimir seus gemidos?

— Que...?

Mas antes que completasse a pergunta, Cooper ouviu o som lamurioso. Rusty tampou os ouvidos e se encolheu.

— Não suporto isso — gritou ela.

Jogando as cobertas para o lado, ele se encaminhou à cama de Rusty.

— São lobos. Lobos cinzentos. É só. Não estão tão próximos quanto parece e não podem nos fazer mal algum.

Suavemente, afastou-lhe as cobertas da cabeça e a deitou outra vez. Porém, a expressão de Rusty estava longe da tranqüilidade. Os olhos, apreensivos, vasculhavam o breu no interior da cabana, como se ela tivesse sido invadida por demônios da noite.

— Lobos?

— Sentiram o odor...

— Dos corpos.

— Sim — concordou Cooper, pesaroso.

— Oh, Deus! — Rusty cobriu a face com as mãos.

— Calma. Eles não conseguirão pegá-los, porque cobri as covas com pedras. Desistirão e irão embora. Agora, fique em silêncio e durma.

Estivera tão absorto em seu próprio problema que não prestará atenção aos uivos da matilha que rondava a cabana. Porém, percebia que o medo de Rusty era genuíno. Ela lhe segurou as mãos com força e as encostou sob o queixo, como uma criança faria com seu urso de pelúcia para aplacar os temores noturnos.

— Odeio este lugar — sussurrou ela.

— Eu sei.

— Tentei ser corajosa.

— Você tem sido. Rusty negou, balançando freneticamente a cabeça.

— Não, sou uma covarde. Meu pai percebeu e por isso sugeriu que eu partisse antes do fim da temporada de caça.

— Muitas pessoas não suportam ver matarem os animais.

— Eu desmoronei e chorei na sua frente hoje. Você sempre soube que eu era uma inútil. Não sou boa nisso e nem quero ser. — A voz tinha um tom de desafio que não combinava com as lágrimas que lhe cobriam a face. — Acha que eu sou uma péssima pessoa.

— Não acho.

— Sim, acha.

— Sinceramente, não.

— Então por que me acusou de ter seduzido aqueles homens?

— Estava furioso.

— Por quê?

Porque você me seduz, também, e não quero ser seduzido, respondeu Cooper em silêncio.

— Esqueça.

— Quero voltar para casa onde é seguro, aquecido e limpo.

 Cooper podia argumentar que as ruas de Los Angeles não eram consideradas muito seguras, mas sabia que não era hora para comentários jocosos. Era contra sua natureza lhe fazer elogios, mas percebeu que ela merecia.

— Tem se saído excepcionalmente bem. Rusty cravou os olhos úmidos nele.

— Não tenho.

— Melhor do que jamais imaginaria.

— É mesmo? — indagou Rusty, esperançosa.

A voz ofegante e a feminilidade atraente na face de Rusty foram demais para ele.

— Agora ignore os lobos e volte a dormir. — Cooper afastou as mãos e girou, mas antes que pudesse se erguer, outro lobo uivou. Rusty soltou um grito e se atirou contra o corpo forte.

— Não me importo se sou covarde. Abrace-me, Cooper. Por favor, me abrace.

Por puro reflexo, os braços musculosos a envolveram. Cooper experimentou a mesma sensação de impotência que sentiu da primeira vez em que a abraçou, enquanto ela chorava. Era pura insanidade tomá-la nos braços por qualquer motivo, mas seria muito cruel lhe virar as costas naquele momento. Portanto, embora em agonia e êxtase, puxou-a contra o corpo e enterrou os lábios na massa espessa de cabelos ruivos.

Quando falou, as palavras eram sinceras. Disse-lhe que sentia muito que aquilo tivesse acontecido com ela. Desejava que fossem resgatados e queria que ela voltasse para casa em segurança. Sentia muito que ela estivesse assustada. E que se houvesse algo que pudesse fazer para tirá-los daquele sofrimento, ele o faria.

— Está fazendo todo o possível, mas me abrace por mais um minuto — suplicou ela.

— Está bem.

Cooper continuou a envolvê-la nos braços, porém não moveu as mãos. Não confiava em si mesmo para lhe acariciar as costas e não ir adiante. Queria tocar todo aquele corpo perfeito, massagear-lhe os seios e explorar o ponto macio e quente entre suas coxas. O desejo o fez estremecer.

— Você está congelando. — As mãos delicadas esfregaram a pele arrepiada dos antebraços de Cooper.

— Estou bem.

— Venha para baixo das cobertas.

— Não.

— Não seja bobo. Vai pegar um resfriado. Qual o problema? Dormimos juntos nas últimas três noites. Venha — convidou Rusty, levantando as cobertas.

— Não. Vou voltar para minha cama.

— Disse que iria me abraçar. Por favor. Só até eu dormir.

— Mas, eu estou...

— Por favor, Cooper.

Xingando baixo, ele se juntou a Rusty debaixo das cobertas. Ela se aninhou ao peito largo, roçando a face na segurança excitante dos músculos rígidos. O corpo macio se tornando maleável contra o dele. Cooper trincou os dentes.

Segundos após relaxar, Rusty recuou, assustada.

— Oh! — exclamou em tom suave. — Esqueci que você estava...

— Nu. Isso mesmo, mas agora é tarde, querida...

 

Apenas os impulsos masculinos o governavam agora. A boca cobriu a dela em um beijo longo, profundo e explorador, enquanto pressionava o corpo contra a maciez aveludada de Rusty. Alternando o ângulo da cabeça de um lado para o outro, fez amor com a boca sedosa e quente.

O choque foi a reação inicial de Rusty. A estonteante nudez daquele homem a deixara perplexa. E antes que pudesse se recuperar, fora arrebatada naquele beijo tempestuoso. A reação seguinte foi ditada pelo desejo espontâneo que floresceu em seu íntimo, oprimindo-lhe a mente e o coração, obliterando tudo, exceto o homem que lhe violava a boca com extrema maestria. Envolveu o pescoço largo com os braços e o puxou para perto, arqueando, instintivamente o corpo contra o dele. Deleitando-se com a rigidez dos contornos musculosos.

Gemendo alto, Cooper afundou o rosto no pescoço delicado.

— Deus! Estou a ponto de explodir.

— O que você quer, Cooper? Cooper soltou uma risada áspera.

— Isso é óbvio, não acha?

— Eu sei, o que quer que eu faça?

— Pode tocar todo o meu corpo ou não tocá-lo. — A respiração de Cooper saía em rápidas baforadas contra a face delicada. — Mas o que quer que decida, faça-o agora. — Rusty hesitou por apenas um milésimo de segundo, antes de escorregar os dedos de uma das mãos pelos cabelos castanhos ondulados e pressioná-los contra o couro cabeludo de Cooper. Com a outra mão, massageou os músculos do peito que tanto a encantavam. Os lábios se encontraram em outro beijo arrebatador. Ele traçou com a língua o contorno da boca de Rusty, e lhe sugou os lábios. A sensualidade do movimento a eletrificou. Encorajado com o gemido de prazer que ela deixou escapar, deu início a uma viagem vertiginosa de beijos ao longo do pescoço e do colo macio. Cooper não era homem de pedir permissão. Atrevido, espalmou a mão sobre um dos seios firmes, segurou e massageou. — Quase enlouqueci desejando-a — disse com a voz rouca. — Pensei que fosse enlouquecer antes de tocá-la, prová-la. — Fechou os lábios sobre a pele macia exposta pela camiseta justa. Beijou-a ardentemente, sugando-a ao mesmo tempo em que deslizava, vagarosamente a ponta do polegar sobre os mamilos de Rusty. Quando enrijeceram, acelerou o ritmo com que os estimulava até quase levá-la ao delírio.

— Pare, Cooper — ofegou ela. — Não consigo respirar.

— Quero que não consiga respirar — respondeu Cooper, baixando a cabeça e, através do tecido da camiseta, roçando a língua sobre o mamilo intumescido antes de mordê-lo de leve. Os calcanhares de Rusty se cravaram na cama, enquanto os quadris se erguiam. Porém, a resposta abandonada não o satisfez.

 — Diga que me quer — pediu Cooper com voz baixa e rouca.

— Sim, eu o quero. Sim, sim.

Tomada por um desejo primitivo, incontrolável e sem medir as conseqüências, Rusty o empurrou para trás e começou a ditar o ritmo. Os lábios se movendo pelo pescoço largo, escorregando para o peito musculoso e mais abaixo, pelo abdome reto. Cada vez que a boca tocava a pele coberta de pelos, ela sussurrava o nome de Cooper. Era como uma oração, crescendo em veemência a cada beijo.

— Você é lindo, lindo — sussurrou ela contra o umbigo de Cooper. A respiração açoitando os pelos do corpo avantajado.

As palavras de amor que Rusty sussurrava tinham o ritmo mais erótico que ele já ouvira. Os lábios... Oh, Deus!, os lábios... deixavam um rasto de fogo por onde passavam. A cabeça de Rusty se movendo sobre ele era a visão mais sensual e bela que já vira. Aquilo o apavorou. Empurrando-a para o lado, Cooper rolou para fora da cama. De pé ao lado dela, tremia visivelmente, xingando em tom baixo.

Podia lidar com sexo passional, irracional e impetuoso, mas não com aquilo. Não queria nenhum sentimento ou emoção envolvidos no ato. Experimentara as mais variadas e fisicamente possíveis carícias com uma mulher, mas nenhuma nunca expressara um desejo tão genuíno. O que Rusty fizera sugeria uma intimidade entre ambos que ultrapassava os limites físicos. Não precisava daquilo. Não queria romance ou amor. Encontrava-se temporariamente responsável pela sobrevivência de Rusty Carlson, mas não iria se responsabilizar por sua estabilidade emocional. Se desejava fazer sexo, ótimo, mas não queria que ela se iludisse, pensando que aquilo significava mais do que satisfação carnal.

Permitiria que Rusty fizesse o que quisesse com seu corpo, que satisfizesse seus mais selvagens desejos eróticos, mas era só. Não permitia que ninguém lhe tocasse o coração. Rusty o encarou, perplexa e magoada.

— O que há de errado? — Envergonhada, ergueu o lençol até a altura do queixo.

— Nada. Cooper cruzou a sala e atirou outro toro de madeira na lareira. O movimento espalhou várias fagulhas pelo ar que, embora breves, emprestaram certa incandescência ao ambiente. Em meio à parca luminosidade, Rusty percebeu que ele ainda estava completamente excitado.

Cooper se deparou com os olhos questionadores e desiludidos.

— Durma — disse, irritado. — Os lobos se foram. Além disso, já lhe disse que eles não podem nos fazer mal. Agora pare de bancar o bebê chorão e não me incomode mais.

Retornando à própria cama, ele jogou as cobertas sobre o corpo e a cabeça. Dentro de segundos, seu corpo se encontrava coberto de suor. Maldita Rusty! Ainda estava queimando de desejo.

Maldita! Por que havia reagido daquela forma? Tão honestamente, sem reservas, sem afetação. Os lábios doces haviam sido tão receptivos. O beijo, generoso. Os seios, extremamente macios e os mamilos, enrijecidos ao seu toque. Trincou os dentes com a lembrança. Seria um tolo? Um maldito tolo por não ter tomado o que ela lhe oferecia incondicionalmente? Mas aquele era o problema. Tal doação não era incondicional. Do contrário, estaria deitado entre aquelas coxas sedosas em vez de se encontrar em uma poça de suor. A expressão enlevada na face de Rusty lhe dizia que o ato significava mais para ela do que simples satisfação sexual. Esperava mais do que ele jamais poderia lhe dar.

Oh, podia se enterrar na maciez daquela feminilidade e satisfazer a ambos, mas não seria capaz do sentimento e era aquilo que Rusty desejava. Talvez até mesmo o que merecesse. Não possuía nenhum sentimento para dar. Seu coração era como o solo infértil do Saara. Não. Era melhor magoá-la agora e acabar de vez com aquilo, bancar o patife do que tomar proveito da situação. Não costumava tomar parte em relacionamentos duradouros. E qualquer ligação entre eles não daria em nada quando fossem resgatados.

Até lá, apenas sobreviveriam. Ao contrário da crença popular, um homem não morreria se vivesse permanentemente excitado. Não seria confortável, mas agüentaria.

 

 

Na manhã seguinte, os olhos de Rusty se encontravam tão inchados pelo choro, que mal conseguia abri-los. Com esforço, descerrou as pálpebras e percebeu que a outra cama estava vazia. As cobertas haviam sido cuidadosamente dobradas.

Ótimo. Daquela forma, Cooper não notaria seus olhos inchados até ter a oportunidade de banhá-los com água fria. Ficara furiosa consigo mesma pela fragilidade que demonstrara na noite anterior. Irracionalmente, os uivos dos lobos a assustaram. De alguma forma, personificavam todas as ameaças que a rondavam e tornavam a precariedade de sua situação ainda mais real. Por alguma razão inexplicável, seu terror se manifestara na forma de desejo. Cooper a correspondera, mas graças a Deus que ele recobrara o bom senso antes que algo drástico tivesse acontecido.

Desejava apenas ter sido ela a tomar aquela atitude. Cooper poderia erroneamente pensar que o desejava. Na verdade, tudo que quisera era ter alguém e ele era o que estava disponível. Se Cooper estivesse pensando em algo além disso, estava redondamente enganado. Imitando o modo como ele fizera a cama, embora nunca pretendesse lhe dizer que era um excelente sobrevivente, encaminhou-se à pia seca e acionou a bomba para lavar o rosto e escovar os dentes. Vestiu a mesma calça comprida do dia anterior. Que agora possuía um ar condicionado produzido por Jack o estripador, pensou, irônica. Porém, optou por uma blusa de flanela limpa. Escovou os cabelos e os prendeu com um cadarço de sapato. Só quando estava vestindo as meias foi que se deu conta de que estivera andando pela cabana sem o auxílio das muletas. A perna machucada quase não doía. Podiam não ser esteticamente atraentes, mas os pontos de Cooper serviram para lhe curar a ferida.

Recusando-se a sentir qualquer tipo de amabilidade em relação a ele, dirigiu-se ao fogão a lenha e o alimentou com alguns gravetos. Encheu uma chaleira de água e adicionou pó de café a ela, pensando, tristonha, na máquina de café expresso digital que se encontrava na cozinha de sua casa. Afastando uma onda de melancolia, começou a preparar mingau de aveia para o café da manhã. Leu as instruções na lateral da lata cilíndrica que encontrou entre o estoque de alimentos e ficou feliz em saber que a preparação não exigia nenhuma habilidade culinária, além de ferver água e colocar a porção certa do cereal.

Infelizmente, estava enganada. Cooper entrou na cabana com passadas largas e perguntou, sem preâmbulos, se o desjejum estava pronto.

— Sim. Sente-se. — retrucou Rusty, não muito indulgente. Queria lhe servir um prato de mingau de aveia cremoso como os dos comerciais da televisão. Em vez disso, quando ergueu a tampa da panela, deparou com uma massa pegajosa com a aparência e consistência de concreto.

Desanimada, mas determinada a não demonstrar, aprumou os ombros e retirou duas colheras e a colocou dentro de pequenas tigelas, onde a preparação aterrissou como chumbo. Carregou os dois recipientes para a mesa, pousou-as sobre a superfície áspera com evidente desdém e sentou-se na cadeira em frente à dele.

— Fez café?

Rusty mordeu o lábio, consternada, mas se levantou, serviu duas canecas de café e retornou à mesa sem dizer uma só palavra. Deixou que a linguagem corporal deixasse claro seu desagrado com a atitude de "senhor da casa" que ele assumia.

Cooper enfiou a colher no mingau, avaliando o peso da preparação e a encarando com olhar cético. Silenciosamente, ela o desafiou a fazer qualquer comentário que desabonasse o mingau, mas Cooper apenas o engoliu.

Como se o instruísse como fazer, Rusty colocou uma colherada na boca, mas quase o cuspiu imediatamente. Em vez disso, percebendo o olhar avaliador de Cooper, mastigou. A massa grudenta parecia se expandir dentro da boca, em vez de diminuir. Sem outro recurso, Rusty o engoliu. Seu estômago devia estar pensando que ela estava comendo bolas de golfe. Em seguida, sorveu um gole escaldante do café.

A colher de Cooper tiniu contra a tigela.

— Isso é o melhor que sabe fazer?

Rusty desejou lhe perguntar: a noite de ontem é o melhor que sabe fazer? Porém, ponderou que fazer tal insulto às habilidades sexuais de um homem era cortejar o homicídio, portanto optou pelo bom senso.

— Não costumo cozinhar em casa.

— Muito ocupada, vagando de um restaurante da moda para outro, suponho.

Com expressão de nojo, Cooper se forçou a engolir outra colherada. — Esta não é a mistura para mingau de aveia que já vem com sal e açúcar, em embalagens com desenhos de ursos de pelúcia e coelhos. Isto aqui é aveia comum. Adicione sal à água da próxima vez. Utilize apenas a metade do que colocou e polvilhe açúcar sobre ele, mas não muito. Temos de poupar nossos suprimentos.

— Se sabe tanto de culinária, chefe dos escoteiros, por que não faz você mesmo? — perguntou Rusty com voz doce.

Cooper empurrou a tigela para o lado e apoiou os antebraços na mesa.

— Por que tenho de caçar, pescar e cortar lenha. Mas pensando bem, cozinhar é bem mais fácil. Quer trocar? Ou pretende se deitar vendo suas unhas voltarem a crescer, enquanto faço todo o trabalho?  

Com um som rangente de madeira contra madeira, Rusty se ergueu da cadeira e se inclinou sobre a mesa.

— Não me importo em dividir o trabalho e sabe muito bem isso. O que não me agrada é ter meus maiores esforços criticados por você.

— Se isso é o maior esforço que pode fazer, morreremos de fome dentro de uma semana.

— Vou aprender a fazer melhor — gritou ela.

— Mal consigo esperar.

Oh!

Rusty girou repentinamente e, com o movimento, a blusa de flanela que tinha deixado desabotoada, abriu. Cooper esticou a mão e a segurou pelo braço.

— O que é isso? — indagou ele, puxando a alça da camiseta de seda.

Rusty seguiu o olhar que se encontrava cravado na curva de um de seus seios, percebeu o hematoma redondo e ergueu o olhar para encará-lo.

— Foi onde você... beijou... — incapaz de continuar, fez um gesto impotente com a mão. — Ontem à noite — acrescentou com voz rouca.

Cooper retirou a mão rapidamente, sentindo-se tão culpado quanto Adão quando mordeu a maçã. Ela podia sentir o rubor do rosto se espalhar pelo pescoço. E se alastrou com mais intensidade, enquanto os olhos cinza se moviam por seu corpo. Cooper percebeu a esfoliação rósea em torno dos lábios, face e pescoço, onde seu rosto não escanhoado atritara. Fez uma careta de arrependimento, levou a mão ao queixo e o coçou, trincando o profundo silêncio.

— Desculpe.

— Não tem importância.

— Está... doendo?

— Não muito.

— Doeu, quando...?

Rusty balançou negativamente a cabeça.

— Eu nem os notei.

Os dois desviaram o olhar, antes de Cooper caminhar em direção à janela. Estava garoando lá fora. De vez em quando, uma pelota de granizo se chocava contra o vidro.

— Acho que lhe devo uma explicação sobre ontem à noite — disse ele com voz baixa e grave.

— Não. Não é necessário.

— Não quero que pense que sou impotente ou algo parecido.

— Sei que não é impotente.

Cooper girou e os olhares se encontraram.

— Acho que não poderia ocultar o fato de estar pronto e capaz.

Rusty engoliu com dificuldade e baixou a cabeça.

— Não.

— Resta então a vontade. — Ela manteve a cabeça baixa. — Não está nem ao menos curiosa para saber por que não continuei? — indagou Cooper instantes depois.

— Não disse que não estava curiosa. Apenas que não tem de explicar. Afinal, somos praticamente estranhos. Não devemos satisfações um ao outro.

— Mas imaginou por quê — afirmou, apontando um dedo acusatório em direção a ela. — Não negue que não se perguntou por que não levei aquilo adiante.

— Presumi que tenha alguém o esperando. Uma mulher.

— Não há nenhuma mulher — rosnou ele. — Diante da expressão chocada de Rusty, acrescentou. — E nenhum homem, também.

— Isso nunca me ocorreu — retrucou ela, rindo, pouco à vontade.

Porém, os segundos de humor logo desapareceram. O sorriso de Cooper foi substituído por uma carranca.

— Não costumo me comprometer sexualmente. Rusty ergueu o queixo.

— Não me recordo de ter lhe pedido isso.

— Não precisava. Se nós... se eu... Estando apenas nós dois aqui, Deus sabe por quanto tempo, isso fatalmente aconteceria. Estamos dependentes um do outro para tudo mais. Não precisamos piorar ainda mais esta situação.

— Não poderia concordar mais — disse Rusty, com entonação jovial. Nunca conseguira lidar bem com a rejeição, mas também não estava disposta a demonstrar seus sentimentos. — Perdi a cabeça ontem à noite. Estava assustada. Mais exausta do que imaginava. Você estava por perto e me confortou. O resultado foi que as coisas saíram do controle. Só isso.

Os vincos que ladeavam os lábios de Cooper se aprofundaram.

— Exatamente. Se nos encontrássemos em qualquer outra situação, não arriscaríamos um segundo olhar um ao outro.

— Dificilmente — retrucou ela, forçando uma risada. — Não combinaria em nada com meu cenário cosmopolita. Iria se sentir um peixe fora d'água.

— E você seria ridicularizada nas montanhas por suas roupas caras.

— Então está tudo bem — disse ela.

— Sim.

— Está esclarecido.

— Certo.

— Não temos mais problemas.

Porém, eles se encaravam como dois pugilistas prontos para atacar. A animosidade gravitava na atmosfera. Chegaram a um acordo e, figurativamente, assinaram um acordo de paz, mas pareciam beligerantes. Cooper foi o primeiro a virar as costas, dando de ombros, irritado. Em seguida, pegou o casaco e o rifle.

— Vou ver o que consigo pescar no córrego.

— Está planejando atirar nos peixes? — perguntou ela, com um gesto de cabeça em direção ao rifle.

O sarcasmo o fez franzir a testa.

— Montei uma linha de pesca, enquanto você dormia languidamente esta manhã. — Não lhe deu tempo de rebater, antes de acrescentar: — Também acendi o fogo sob o caldeirão lá fora. Lave a roupa.

Seguindo o olhar de Cooper, ela encontrou a pilha de roupa suja. Com evidente espanto, voltou a encará-lo, mas o local onde ele se encontrava de pé estava vazio.

— Eu lavaria a roupa sem que você me mandasse — gritou ela às costas de Cooper. Se ele a escutou, não lhe deu resposta.

Xingando, Rusty bateu a porta com força. Limpou a mesa e passou a próxima meia hora tentando arear a panela na qual fizera o mingau. Da próxima vez teria de se lembrar de deixá-la de molho com água quente, logo que retirasse o mingau.

Em seguida, se dedicou à lavagem da roupa suja como se estivesse descontando sua raiva nas peças do vestuário. Quando Cooper retornasse, queria ter concluído a tarefa para a qual fora sumariamente designada. Era crucial provar a ele que o episódio da noite anterior não passara de um mero acaso.

Após vestir o casaco, carregou o primeiro fardo de roupas para fora da cabana e as atirou dentro do caldeirão. Pensara que aquela caçarola preta gigante, suspensa sobre carvões em brasa existisse apenas nos filmes. Utilizou um galho liso para mexer as roupas. Quando as julgou limpas, retirou-as da água com o galho e jogou-as em uma cesta que Cooper higienizara no dia anterior.

Quando terminou de lavar todas as roupas, utilizando o método arcaico, sentia os braços moles pela fadiga. E quando acabou de pendurá-las sobre o arame que se estendia de um dos cantos da cabana até uma árvore próxima, os membros pareciam querer se desprender do corpo. Além disso, as mãos estavam quase congelando, assim como o nariz, cuja coriza era constante. A perna direita também recomeçara a doer.

Um gratificante senso de dever cumprido a ajudou a aliviar um pouco daquele sofrimento. O fato de ter feito um bom trabalho era seu único conforto. Retornando ao interior da cabana, aqueceu as mãos sobre o fogo. Quando a circulação se normalizou, retirou as botas e, extenuada, deitou-se na cama. Se alguém merecia um cochilo antes do jantar, era ela.

Aparentemente, adormecera mais profundamente do que pretendia. Quando Cooper entrou com passadas largas, chamando-a pelo nome, ela se levantou tão repentinamente que sentiu a cabeça rodar.

— Rusty! — gritou ele. — Você... diabos, o que está fazendo na cama? — O casaco de Cooper estava aberto, os cabelos despenteados e o rosto rubro. A respiração acelerada como se tivesse corrido quilômetros.

— O que estou fazendo na cama? — repetiu ela com um sonoro bocejar. — Dormindo.

— Dormindo! Dormindo! Não ouviu o avião?

— Avião?

— Pare de repetir cada palavra que digo! Onde está a pistola sinalizadora?

— A pistola sinalizadora?

Cooper parecia prestes a espumar pela boca.

— Onde está a pistola sinalizadora? Estou ouvindo um avião sobrevoar a área.

Os pés de Rusty tocaram o chão.

— Está a nossa procura?

— Como diabos posso saber? — Cooper cruzou a cabana, vasculhando tudo que via pela frente, à procura da pistola.

Onde ela está... aqui!

Com a pistola em punho, correu para fora, saltou sobre a varanda e varreu o céu com o olhar.

Com os pés protegidos apenas pelas meias, Rusty o seguiu, apressada.

— Consegue vê-lo?

— Cale-se! — Cooper inclinou a cabeça para o lado, enquanto tentava escutar. Ambos reconheceram imediatamente o inconfundível barulho do motor de um avião, porque voava baixo. Porém, seguia na direção oposta. Lançar os sinalizadores naquele momento não teria nenhum propósito, a não ser desperdiçá-los. Dois pares de olhos permaneceram cravados na figura que diminuía gradativamente até o perderem de vista. Quando o barulho se extinguiu, restou apenas um silêncio sepulcral e com ele se foi a chance de um possível resgate.

Cooper girou lentamente. Os olhos cinza se fixaram em Rusty, frios, sem vida e tão ameaçadores que a fizeram recuar um passo.

— Por que diabos estava dormindo?

Rusty preferia quando ele gritava. Sabia como lidar com a eloqüência e os xingamentos de Cooper, mas o tom suave, cortante e sinistro como uma serpente a aterrorizava.

— Eu... terminei de lavar a roupa — apressou-se em se justificar, mas as palavras pareciam tropeçar umas nas outras. — Estava exausta. Tinha de erguer...

De repente lhe ocorreu que não lhe devia nenhuma desculpa. Desde o começo, Cooper se responsabilizara pela pistola sinalizadora. Sempre ficara na posse dele, desde que deixaram o local do acidente.

Em atitude beligerante, Rusty levou as mãos aos quadris.

— Como ousa me culpar por isso! Por que saiu sem levar o sinalizador?

— Porque estava furioso esta manhã quando saí e o esqueci.

— Então é culpa sua e não minha se não conseguimos sinalizar!

— Foi culpa sua eu estar tão aborrecido quando saí.

— Se não consegue controlar seu temperamento explosivo, como espera que eu o faça?

Os olhos cinza escureceram.

— Mesmo que eu estivesse com o sinalizador e o disparasse, talvez eles não vissem, mas certamente conseguiriam avistar fumaça saindo de nossa chaminé. Mas não, você precisava de um belo descanso. Portanto, adormeceu e deixou o fogo apagar.

— Por que não acendeu uma fogueira bem grande onde estava? Uma que não passasse despercebida a um potencial avião de resgate?

— Não pensei que precisasse de uma. Não com uma chaminé. Claro que não contava com seus cochilos vespertinos.

Rusty vacilou por instantes.

— Fumaça de chaminé não lhes atrairia a atenção — afirmou na defensiva. — Não é nada fora do comum.

— Em um local tão isolado é. Iriam ao menos circular em volta para investigar.

Rusty se agarrou a outra justificativa.

— O vento está muito forte para que uma coluna de fumaça consiga se elevar da chaminé. Mesmo que o fogo estivesse aceso, não teriam localizado a fumaça.

— Ao menos haveria uma chance.

— Não tão boa quanto avistar um sinalizador, se tivesse levado a pistola com você.

Seria prudente não apontar a negligência de Cooper naquele momento em particular. Seu lábio inferior havia desaparecido sob o bigode e ele deu um passo ameaçador para frente.

— Poderia facilmente matá-la por ter deixado o avião passar.

Rusty inclinou a cabeça para trás.

— Por que não o faz? Preferia que fizesse isso a continuar apontando minhas fraquezas.

— Mas você me abastece com um arsenal delas. São tantas, que mesmo que ficássemos presos aqui por anos, não conseguiria apontar todas.

O rosto de Rusty enrubesceu de indignação.

— Admito isso! Não sou qualificada para viver em uma cabana rústica no meio do nada. Não foi o estilo de vida que escolhi para mim.

Cooper ergueu o queixo.

— Não sabe nem ao menos cozinhar.

— Nunca quis nem precisei saber. Sou uma executiva — vociferou ela, orgulhosa.

— Isso não está me ajudando em nada.

— Eu, eu, eu — gritou Rusty. — Tem pensando apenas em si mesmo durante toda esta provação.

— Ah! Seria ótimo, mas em vez disso, tenho que pensar em você, que não tem passado de um albatroz.

— Não tenho culpa se feri minha perna.

— E suponho que vá dizer que também não foi culpada pelo fato de aqueles dois homens enlouquecerem por você.

— Não fui.

— Não? — disparou ele, com ironia. — Não se cansou de dar sinais de que me queria entre suas pernas.

Mais tarde, Rusty não conseguiria acreditar que fizera aquilo. Nunca imaginara possuir veia tão violenta. Até mesmo quando criança, evitava discutir com as outras, para evitar o confronto. Porém, diante das palavras ofensivas de Cooper, atirou-se contra ele, com as mãos em garra em direção ao rosto rude, mas não conseguiu alcançá-lo. Tropeçou, caindo sobre a perna machucada que dobrou sob seu corpo. Gritando de dor, bateu contra o chão gelado.

Imediatamente, Cooper se materializou a seu lado, erguendo-a nos braços. Rusty lutou violentamente para se soltar.

— Fique quieta, senão eu terei que fazer com que desfaleça.

— Você seria capaz, não é? — indagou Rusty, ofegante devido aos esforços.

— Claro que sim. E me divertiria.

Os movimentos de Rusty cessaram, mais por dor e exaustão do que por capitulação. Cooper a carregou para o interior da cabana e a sentou na cadeira próxima ao fogo. Dirigindo-lhe um olhar de reprovação, ajoelhou em frente à lareira e, meticulosamente, a acendeu.

— Sua perna ainda está doendo?

Rusty balançou negativamente a cabeça. Doía absurdamente, mas preferia cortar a língua a admitir. Não iria mais falar com Cooper, não após a calúnia que ele inventara. Aquela podia ser uma atitude infantil, mas se manteve resoluta, mesmo quando Cooper lhe afastou as partes rasgadas da calça comprida, baixou-lhe as meias e examinou a costura em zigue-zague.

— Não pise com ela pelo resto do dia. Use as muletas se precisar se movimentar. Vou voltar para pegar o peixe. Deixei-ocair na pressa de retornar à cabana. Espero que algum urso não o tenha transformado em jantar. — Quando alcançou a porta, girou para encará-la. — Eu cozinharei os peixes, se não se importa. Parecem bons e você os arruinaria. Cooper saiu batendo a porta com força.

Na verdade, eram peixes deliciosos. Cooper os cozinhara em uma frigideira até que a pele se soltasse da espinha. Crocantes por fora e macios por dentro. Rusty lamentou declinar do segundo, mas não iria devorá-lo esfomeadamente como fizera com o primeiro. Cooper a ofendeu ainda mais, comendo o peixe quando ela o recusou. Esperava que ele se engasgasse com uma espinha e morresse. Em vez disso, Cooper lambeu os dedos de maneira ruidosa e levou a mão ao estômago.

— Estou farto.

Oh, Rusty tinha excelentes respostas para aquele comentário, mas se manteve em um silêncio pétreo.

— Limpe essa bagunça — ordenou Cooper, sucintamente, deixando a mesa e o fogão sujos ao encargo dela.

Rusty obedeceu, mas não sem fazer um desnecessário barulho que ecoava pela floresta. Quando terminou, atirou-se na cama e fitou o teto. Não sabia se o que sentia era mágoa ou raiva. Mas o fato era que Cooper Landry havia lhe suscitado mais sentimentos do que qualquer outro homem. As emoções variavam da gratidão à aversão. Era o ser humano mais odioso e cruel que jamais conhecera. Odiava-o com uma intensidade que a assustava. Era bem verdade que lhe suplicara para vir para a cama dela na noite anterior. Mas para confortá-la e não fazer sexo! Não fora aquilo que pedira ou que quisera. Apenas aconteceu. Certamente Cooper estava ciente disso, porém o ego colossal o impedia de admitir. Bem, de uma coisa tinha certeza: de agora em diante seria tão recatada quanto Uma freira. Cooper veria apenas a pele de sua face, no máximo de seu pescoço e certamente das mãos, mas era só. Não seria fácil. Viverem juntos naquela... Os pensamentos de Rusty foram interrompidos quando seus olhos captaram algo que seria a solução de seus problemas.

Havia ganchos sobre sua cama, iguais aos que Cooper utilizara para pendurar a cortina à frente da tina. Decidida, Rusty ergueu-se rapidamente da cama e pegou um lençol extra da pilha na prateleira encostada à parede. Ignorando Cooper completamente, pois sabia que ele a observava, arrastou uma cadeira pelo chão e a pousou sob um dos ganchos. De pé sobre a cadeira, teve de esticar os músculos das panturilhas, mais do que costumava esticá-los nas aulas de aeróbica, para alcançar o gancho, mas por fim, conseguiu. Repetindo o movimento, pendurou o lençol que iria lhe prover alguma privacidade.

Dirigiu um olhar presunçoso a Cooper antes de fechar a cortina improvisada. Pronto! Agora ele que a acusasse de pedir "aquilo". Estremeceu diante da lembrança das palavras cruéis que Cooper lhe dissera e adicionou mais um "grosseiro" à lista de apelidos desagradáveis que lhe imputara mentalmente. Despiu-se e escorregou para baixo das cobertas. O cochilo daquela tarde a impedia de adormecer. Mesmo após ouvir Cooper se deitar e a respiração cadenciada que indicava que ele havia dormido, permaneceu acordada, observando a miríade de sombras que o fogo da lareira projetava no teto. Quando os lobos começaram a uivar, rolou para o lado e cobriu a cabeça com o lençol, tentando não escutá-los. Colocou um dedo entre os dentes e o trincou com força para evitar gritar, sentir-se sozinha e desamparada e acabar suplicando para que Cooper a abraçasse.

 

Cooper se encontrava imóvel como um caçador espreitando um antílope. Os pés afastados fincados firmemente no chão, os cotovelos apoiados nos joelhos e os dedos em ventosas sob o queixo. Acima deles, os olhos cinza a observavam sem piscar. Aquela foi a primeira visão de Rusty quando acordou na manhã seguinte. Demonstrando surpresa, mas conseguindo não se sobressaltar, percebeu que a cortina que tão ingenuamente pendurara em torno de sua cama, fora arrancada e se encontrava em uma rodilha no chão.

Apoiou-se em um cotovelo e afastou, irritada, uma mecha de cabelos do rosto.

— O que está fazendo?

— Quero conversar com você.

— Sobre o quê?

— Nevou muito ontem à noite.

Rusty estudou o rosto inexpressivo a sua frente.

— Se está querendo construir um boneco de neve, não estou disposta — disse ela com ressentimento.

O olhar de Cooper não vacilou, embora ela percebesse o autocontrole de que lançava mão para não estrangulá-la.

— A neve é importante — retrucou Cooper com a voz calma. — Quando o inverno chegar, as chances de sermos resgatados se reduz drasticamente.

— Sei disso — replicou Rusty em um tom sério que condizia com o comentário. — O que não entendo é qual a gravidade disso neste exato momento.

— Porque antes de passarmos mais um dia juntos, temos que acertar algumas coisas e adotar algumas regras. Se iremos ficar presos aqui durante todo o inverno — o que parece uma perspectiva real — então temos que chegar a um entendimento sobre vários pontos.

Rusty se sentou, mas manteve o lençol erguido até o queixo.

— Como, por exemplo?

— Como, por exemplo, nada de pirraças. — A testa de Cooper estava franzida em uma expressão reprovadora. — Não vou mais tolerar esse tipo de criancice de você.

— Oh, não vai? — indagou Rusty, forçando um tom de voz doce.

— Não, não vou. Não é uma criança, portanto não aja como uma.

— Você pode me insultar, mas eu tenho que virar a outra face, certo?

Pela primeira vez, Cooper desviou o olhar, aparentemente vexado.

— Acho que não deveria ter dito o que lhe disse ontem.

— Não, não devia. Não sei que pensamentos perniciosos andou cultivando em sua mente suja, mas não me culpe por eles.

Cooper mordeu a lateral do bigode.

— Estava furioso com você.

— Por quê?

— Principalmente porque... não gosto muito de você, mas ainda sinto vontade de dormir com você. E não estou me referindo apenas a adormecer a seu lado. — Se Cooper a tivesse esbofeteado, não se sentiria mais perplexa. Os lábios de Rusty se entreabriram em um ofego, mas ele não lhe deu a chance de dizer nada. — Não é o momento de fazer rodeios ou medir palavras, certo?

— Certo — repetiu ela com voz rouca.

— Espero que aprecie minha honestidade.

— Aprecio.

— Muito bem, ponto concedido. Nós nos sentimos atraídos fisicamente um pelo outro. Para ser mais direto, queremos fazer sexo juntos. Isso pode não fazer sentido, mas é um fato. — Rusty desviou o olhar para o colo. Ele esperou até que sua paciência se esgotasse.

— E então?

— E então, o quê?

— Diga alguma coisa, pelo amor de Deus!

— Concordarei com os dois pontos. Cooper deixou escapar um longo suspiro.

— Muito bem, então. Sabendo disso, cientes de que é irracional fazer algo quanto a isso e que o inverno será longo, temos que deixar algumas coisas claras, concorda?

— Sim.

— Primeiro. Não vou mais difamá-la. — Os olhos castanho-avermelhados o encararam, frígidos. — Admito ser mais culpado por isso do que você — acrescentou, a contragosto. — Vamos prometer não nos insultarmos daqui em diante.

— Prometo.

Cooper balançou positivamente a cabeça.

— O clima será nosso maior inimigo. Requererá toda nossa atenção e energia. Não poderemos nos dar ao luxo de brigar um com o outro. Nossa sobrevivência depende de morarmos juntos e nossa sanidade depende de fazermos isso em paz.

— Estou escutando.

Cooper se calou para organizar os pensamentos.

— Em minha opinião, nossos papéis devem ser tradicionais.

— Você, Tarzan. Eu, Jane.

— Mais ou menos isso. Proverei a comida e você irá cozinhá-la.

— Como tão grosseiramente afirmou, não sou boa cozinheira.

— Você aprenderá.

— Vou tentar.

— Não se coloque na defensiva se lhe der algum conselho.

— Então não faça comentários ácidos a respeito de minha falta de talento. Sou boa em outras coisas.

Os olhos cinza se cravaram nos lábios de Rusty.

— Não posso negar. — Após um longo momento de silêncio, Cooper se ergueu. — Não espero que me paparique.

— Também não espero isso de você.

— Eu a ajudarei a manter a cabana e as roupas limpas.

— Obrigada.

— Vou lhe ensinar a atirar para que possa se proteger, enquanto eu estiver fora.

— Estiver fora? — repetiu Rusty com voz fraca, sentindo como se um tapete lhe tivesse sido puxado sob os pés.

Cooper deu de ombros.

— Se o rio congelar, terei de sair à procura de comida.

Rusty encararia com medo o tempo que tivesse de ficar sozinha, talvez até mesmo por dias. Mesmo um Cooper irritante e grosseiro era melhor do que nenhum Cooper.

— E esse é o ponto mais importante. — Ele esperou até que tivesse a total atenção de Rusty. — Eu sou o chefe — afirmou, batendo no peito. — Não nos enganemos. Esta é uma situação de vida ou morte. Pode saber tudo que há para saber sobre imóveis e sobre o estilo de vida refinado dos californianos ricos e famosos, mas aqui isso não vale para nada. Em seu habitat pode fazer o que bem entender e acredito que tenha feito, mas aqui terá de obedecer.

Rusty sentia-se ofendida com a insinuação de Cooper de que sua área de conhecimento não tinha muita utilidade fora de Beverly Hills.

— Pelo que me lembro, nunca tentei lhe usurpar a posição de macho provedor.

— Pois continue assim. Na vida selvagem, não há coisas como igualdade de sexos. — Quando se ergueu completamente, os olhos de Cooper se depararam com o lençol atirado ao chão. — Mais uma coisa. Nada de cortinas inúteis. A cabana é muito pequena e vivemos de modo muito íntimo para perder tempo com idiotices como essa. Já nos vimos nus, nos tocamos nus. Não há mais segredos. Além disso — acrescentou, varrendo-a com o olhar. — Se a desejasse muito, não seria um lençol que me deteria. E se tivesse intenção de estuprá-la, já o teria feito há muito tempo.

Ambos se encararam. Por fim, Cooper virou de costas.

— Está na hora de levantar. Já comecei a fazer o café.

O mingau de aveia daquela manhã estava consideravelmente melhor do que o do dia anterior. Ao menos não grudava no palato como um sanduíche velho de manteiga de amendoim. Fora frugalmente temperado com açúcar e sal. Cooper comeu todo o conteúdo da tigela, mas não lhe fez nenhum elogio. Porém, Rusty não se sentiu ofendida como antes. O fato de não tê-la criticado já constituía um elogio. Prometeram não se agredir verbalmente, mas aquilo não implicava em cobrir um ao outro de elogios. Cooper saiu após o café da manhã e quando retornou para um almoço composto de biscoitos e sopa enlatada, confeccionou um calçado para neve a partir de alguns toros caídos e folhas de videira entrelaçadas. Atou-os às botas e caminhou desajeitado pela sala, exibindo-os para ela.

— Isto facilitará o transporte pela ravina entre a cabana e o córrego.

Copper passou a tarde fora. Ela limpou a cabana, mas a tarefa não consumiu mais que meia hora, o que a deixou sem nada a fazer, senão esperar, impaciente, até vê-lo através janela ao entardecer, aproximando-se desajeitadamente sobre os calçados arranjados. Rusty disparou em direção à varanda, para recebê-lo com uma caneca de café bem quente e um sorriso hesitante, achando-se ridícula por estar tão satisfeita em vê-lo retornar são e salvo.

Desprendendo os calçados de neve e os encostando à parede externa da cabana, Cooper lhe dirigiu um olhar desconfiado e aceitou a caneca que ela lhe estendia.

— Obrigado. — Observou-a através da nuvem de vapor que levantava da caneca e tomou um gole da bebida quente.

O movimento a fez perceber que a pele dos lábios de Cooper estava rachada e as mãos, esfoladas e vermelhas apesar das luvas de poda que sempre usava quando estava fora. Ficou tentada a expressar sua compaixão, mas decidiu não fazê-lo. O discurso que ele fizera aquela manhã desencorajava tudo além da mútua tolerância.

— Teve sorte no córrego? — perguntou Rusty. Cooper gesticulou com a cabeça para o cesto que pertencera aos Gawrylow.

— Está cheio. Deixaremos alguns aqui fora para congelarem e os guardaremos para os dias que eu não conseguir transpor a ravina. Podíamos começar enchendo aqueles vasilhames com água para o caso de a bomba congelar.

Concordando com a cabeça, Rusty carregou o cesto de peixes para dentro da cabana, orgulhosa do apetitoso aroma do guisado que fizera com carne-seca que encontrara no estoque de enlatados dos eremitas. O aroma apetitoso enchia a cabana. Cooper comeu duas tigelas e a fez ganhar o dia ao dizer "Muito bom", quando concluiu. Os dias seguiam um padrão. Cooper fazia suas tarefas, Rusty as dela e os dois se ajudavam mutuamente. Eram escrupulosamente educados e até mesmo distantes. Porém, enquanto os dias eram preenchidos com atividades, as noites pareciam intermináveis e chegavam rapidamente. Quando o sol se ocultava sob a linha de árvores, imergindo os arredores em sombras, as tarefas externas se tornavam ainda mais perigosas e os forçavam a se recolher no interior da cabana. Quando o sol era engolido pela linha do horizonte, escurecia, embora a noite não tivesse chegado. Quando acabavam de jantar e lavavam os pratos, restava pouco a fazer. Não havia tarefas internas suficientes para mantê-los ocupados e separados. Não tinham nada a fazer exceto observar as chamas da lareira, evitando olharem um para o outro — algo que requeria extrema concentração de ambas as partes.

A primeira tempestade de neve derreteu no dia seguinte, mas a da noite seguinte se perpetuou pelo dia. Devido à baixa temperatura e vento, Cooper retornou à cabana mais cedo do que de costume, o que fez a noite se tornar insuportavelmente longa. Os olhos castanho-avermelhados, girando de um lado para o outro, como pêndulos, o observaram andar de um lado para o outro da cabana como uma pantera enjaulada. As quatro paredes a estavam deixando claustrofóbica e a agitação de Cooper a irritava ainda mais. Quando Rusty o viu cocar o queixo, algo que percebera que vinha fazendo com freqüência, quebrou o silêncio.

— Qual é o problema?

Cooper girou de repente, como se disposto a brigar e satisfeito por ter encontrado alguém disponível.

— Problema com o quê?

— Com você.

— O que quer dizer com isso?

— Por que esfrega o queixo constantemente?

— Por que está coçando.

— Coçando? — A barba. Está no estágio da coceira.

— Bem, isso está me deixando maluca. Por que não faz a barba?

— Por que não tenho uma lâmina.

— Eu... — Ela se calou percebendo que falara demais, mas Cooper estreitou os olhos, desconfiado e não teve outra escolha. — Eu tenho uma. Trouxe-a junto com os outros itens de higiene e aposto que agora está satisfeito que eu a tenha trazido.

Erguendo-se da cadeira, Rusty se encaminhou ao local onde estava a nécessaire. Guardava-a como um miserável guardaria uma sacola de ouro. Pegou o aparelho descartável e entregou a Cooper, junto com outra coisa.

— Passe isso em seus lábios — disse ela, entregando-lhe um bastão de brilho labial. — Percebi que eles estão rachados. — Cooper aceitou e escorregou o bastão pelos lábios. Parecia disposto a fazer vários comentários, mas se deteve. Rusty riu pela forma desajeitada com que ele usava o brilho. Quando acabou, devolveu o bastão a Rusty e ela lhe entregou o aparelho descartável. — Fique à vontade.

— Obrigado. — Cooper girou a lâmina de barbear nas mãos, estudando cada ângulo do objeto. — Por acaso malocou algum creme para mãos ou algo parecido?

Rusty ergueu as mãos. Como as dele, encontravam-se ressecadas e esfoladas pela água, o vento e o frio.

— Parecem ter visto algum hidratante ultimamente?

Os sorrisos de Cooper eram tão raros que aquele que lhe dirigia no momento lhe derreteu o coração. E então, no que parecia ser puro reflexo, ele lhe tomou uma das mãos e depositou um beijo leve nas juntas dos dedos com os lábios amaciados pelo cintilante brilho labial. O bigode lhe fez cócegas na pele. E em uma bizarra correlação que não fazia o menor sentido, lhe causou a mesma sensação na garganta. O coração parecia dar cambalhotas no peito. Percebendo repentinamente o que fizera, Cooper lhe soltou a mão.

— Eu a usarei amanhã de manhã.

Rusty não queria que ele lhe soltasse a mão. Na verdade, estivera tentada a girá-la e lhe tocar os lábios e o bigode. Desejava senti-los lhe acariciar a pele sensível daquela região. Devido à pulsação acelerada, tinha dificuldade em falar.

— Por que não se barbeia agora?

— Não tenho espelho. Posso me cortar.

— Eu poderia barbeá-lo.

Por um momento nenhum dos dois falou, deixando apenas a tensão sexual preencher o silêncio. Rusty não sabia dizer de onde viera aquele impulso, apenas se deixara levar por ele e falara antes de pensar. Talvez porque fazia dias que haviam se tocado e ela se sentia carente. Como um corpo anseia por certo tipo de comida, quando necessita das vitaminas e minerais que ele contém, inconscientemente expressara seu desejo de tocá-lo.

— Está bem. — A permissão de Cooper fora dada em tom áspero.

Nervosa, agora que ele concordara com a sugestão, Rusty levou as mãos à cintura.

— Por que... por que não se senta próximo à lareira. Vou pegar os apetrechos.

— Está bem.

— Enrole a gola de sua camisa para dentro e prenda uma toalha nela — sugeriu Rusty por sobre o ombro, enquanto entornava um pouco de água em uma tigela rasa. Puxou uma cadeira para perto da de Cooper e pousou o vasilhame e a lâmina nela. Pegou seu sabonete na prateleira, bem como uma toalha extra.

— E melhor umedecer o rosto antes. — Cooper mergulhou a toalha que ela trouxera na tigela de água quente. — Oh, diabos! —xingou quando tentou torcê-la.

— Está quente.

— Não brinca!

Jogou a toalha quente de uma mão para a outra, antes de aplicá-la sobre a porção inferior do rosto e deixou escapar um grito curto. Manteve o tecido aquecido contra a pele coberta pela barba, embora Rusty não conseguisse entender como ele agüentava.

— Não está muito quente? — Em silêncio, Cooper confirmou, balançando a cabeça. — Está fazendo isso para amaciar os pelos, certo? — Mais uma vez ele apenas balançou a cabeça positivamente. — Tentarei fazer bastante espuma.

Hesitante, Rusty umedeceu as mãos na tigela de água quente e pegou o sabonete. Cooper observou cada movimento, enquanto ela esfregava o sabonete nas mãos até que ficassem envoltas em uma camada espessa de espuma com fragrância de madressilva de aparência cremosa. A visão era extremamente sexy, embora ele não soubesse explicar por quê.

— Quando estiver preparado —; disse ela, posicionando-se atrás dele.

Gradualmente, Cooper baixou a toalha. Da mesma forma, ela ergueu as mãos para lhe tocar o rosto. Olhando para baixo, da posição em que se encontrava atrás dele, os contornos rígidos da face máscula pareciam ainda mais marcados. Porém, havia uma vulnerabilidade nos cílios castanho-dourados que lhe deu coragem de pousar as palmas das mãos espumadas contra a pele coberta pela barba crescente. Rusty o sentiu enrijecer sob seu toque. A princípio, não moveu as mãos. Manteve-as paradas sobre a face quente, esperando que ele lhe dissesse que aquela não era uma boa idéia.

Era óbvio que não era uma boa idéia.

Imaginava apenas qual dos dois iria admitir primeiro e dar um fim aos procedimentos. Porém, Cooper não se manifestou e ela não queria parar, portando começou a fazer movimentos circulares sobre o rosto áspero. A sensação era sedutora. Ela moveu as mãos para espalhar a espuma e descobriu que a mandíbula de Cooper era tão delineada e rígida ao toque quanto parecia. O queixo quadrado possuía uma discreta depressão no centro e Rusty escorregou a lateral de um dedo por ela, sem, no entanto, explorá-la como desejava. Em seguida, baixou as duas mãos ao mesmo tempo, aplicando a espuma no pescoço largo. Seus dedos planaram sobre o pomo de adão e vagaram para a base, onde sentiu a pulsação forte de Cooper. Arrastando os dedos de volta ao rosto, esbarrou com a lateral de um deles nos lábios e bigode de Cooper.

Estacou, deixando escapar um suspiro audível.

— Desculpe — murmurou, removendo as mãos e as mergulhando na tigela de água. Inclinou-se para a frente para inspecionar o trabalho que acabara de fazer por outro ângulo. Havia respingos de espuma no lábio inferior e no bigode de Cooper. Com o dedo, limpou o excesso.

Um som baixo emergiu da garganta de Cooper, fazendo-a paralisar, mas os olhos castanho-avermelhados se fixaram nos dele.

— Vá em frente — rosnou ele.

Com o rosto parcialmente coberto pela espuma branca, Cooper não parecia tão ameaçador. Porém, seus olhos faiscavam contra a luz tremeluzente do fogo. Rusty podia ver as chamas dançando nas profundezas cinza e percebeu a ameaça latente que ele mantinha sob rígido controle. Aquilo a incitou a se posicionar atrás dele para escapar do perigo.

— Cuidado para não me cortar — preveniu ele, enquanto Rusty levava a lâmina ao rosto.

— Não cortarei se não se mexer e ficar calado.

— Já fez isso antes?

— Não.

— Era isso que eu temia.

Cooper parou de falar no momento em que ela escorregou a lâmina pela lateral de seu rosto.

— Até aqui tudo bem — disse Rusty com a mesma suavidade com que mergulhava a lâmina na tigela. Cooper resmungou algo, tentando manter a boca fechada, mas ela não captou. Estava concentrada em concluir a tarefa, sem lhe cortar a pele. Quando a parte inferior do rosto estava livre dos pelos, Rusty suspirou, aliviada e satisfeita.

— Lisa como bumbum de bebê.

Uma gargalhada rouca emergiu da garganta de Cooper. Nunca antes o vira rir com tanta vontade antes. Suas gargalhadas eram sempre pontuadas pelo cinismo.

— Não se vanglorie antes do tempo e não esqueça meu pescoço. Pelo amor de Deus, seja cuidadosa com essa lâmina.

— Não está tão afiada.

— Essas são as piores.

Rusty mergulhou o aparelho na água e lhe pousou uma das mãos sob o queixo.

— Incline a cabeça para trás.

Cooper obedeceu e a cabeça colidiu com força contra os seios firmes. Incapaz de se mover por alguns instantes, ela deixou a lâmina pousada sobre o pescoço largo. O pomo de adão de Cooper se moveu, enquanto, involuntariamente, engolia em seco. Para afastar a mente da posição em que se encontravam, desviou a atenção para a tarefa que executava, o que só piorou as coisas. Teve de se erguer na ponta dos pés e se inclinar para a frente para aumentar o campo de visão. Quando acabou de lhe escanhoar o pescoço, a cabeça de Cooper estava totalmente apoiada em seus seios, que se mostravam extremamente sensíveis àquele contato.

— Aí está. — Rusty deu um passo atrás e deixou cair a lâmina como se ela fosse a única evidencia incriminatória em um processo de acusação por assassinato.

Cooper arrancou a toalha da gola da camisa e enterrou o rosto nela pelo que pareceu horas, sem se mover ou baixar a toalha.

— Como está? — perguntou Rusty.

— Ótimo. Está ótimo.

Em seguida, ergueu-se abruptamente e atirou a toalha sobre a cadeira. Arrancando o casaco da cavilha presa à porta, vestiu-o, escorregando os braços de modo bruto pelas mangas.

— Aonde vai? — perguntou Rusty, ansiosa.

— Lá para fora.

— Para quê?

Cooper lhe dirigiu um olhar flamejante que não combinava em nada com a nevasca que caía do lado de fora da porta.

— Acredite, não iria querer saber.

Cooper continuara a agir com a mesma volatilidade até a tarde do dia seguinte. Durante toda a manhã a nevasca não cessara, portanto ficaram presos dentro da cabana. Na maior parte do tempo, ele a ignorou e Rusty agiu da mesma forma. Após várias tentativas frustradas de entabular uma conversação, acabou por desistir e imergiu em um silêncio tão sepulcral quanto o dele.

Fora um alívio quando o vento parou de uivar incessantemente e Cooper anunciou que iria dar uma volta nos arredores da cabana. Ficara preocupada com a segurança dele, mas se refreou de persuadi-lo a ficar. Precisavam de se afastar um do outro por algum tempo.

Além disso, Rusty necessitava de um pouco de privacidade. Ele não era o único que estivera se coçando ultimamente. A incisão em sua perna comichava constantemente. A medida que a pele começava a cicatrizar se tornara retesada e seca. As roupas apenas lhe agravavam a situação. Decidiu tirar os pontos sem envolver Cooper no processo, ainda mais quando o relacionamento deles se encontrava espinhoso e o humor de seu parceiro tão imprevisível.

Decorridos poucos minutos da partida de Cooper, ela se despiu e aproveitou a oportunidade para tomar um banho de gato. Quando terminou de se lavar, sentou-se em frente à lareira, envolta em um lençol para se aquecer. Pousou a perna machucada sobre o outro joelho e a examinou. Que dificuldade teria cortar aqueles pontos e puxá-los?

Um tempo atrás o pensamento lhe daria arrepios, mas no presente Rusty se lançou à tarefa, de modo prático.

O primeiro obstáculo foi encontrar algo que cortasse os pontos feitos com fio de seda. A faca que Cooper lhe dera era muito grosseira para tal fim. A única coisa afiada e delicada o suficiente era sua lâmina.

Parecera-lhe uma boa idéia, mas quando posicionou a lâmina sobre o ponto, descobriu que suas mãos estavam suadas devido ao nervosismo. Inspirando profundamente, encostou a lâmina ao fio.

Naquele instante, a porta se escancarou com força e Cooper a transpôs, com os calçados de neve e tudo o mais. Havia coberto a cabeça com uma das peles, portanto estava todo protegido. A própria respiração havia se congelado sobre o bigode, emprestando uma aparência fantasmagoricamente branca aos pelos que cobriam o lábio superior. Rusty emitiu um guincho assustado ao se sobressaltar.

Porém, sua surpresa não se comparava à dele. Rusty compunha uma visão tão sobrenatural quanto a dele, porém de maneira totalmente oposta.

Silhuetada como estava contra a luz do fogo, as chamas se refletiam em seus cabelos. Uma das pernas se encontrava erguida, expondo um tentador pedaço de coxa. O lençol com o qual envolvera o corpo após o banho havia escorregado por um dos ombros revelando um dos seios cor creme. Quando os olhos de Cooper se fixaram nele, o mamilo se enrijeceu pela lufada de ar frio que entrou na cabana.

— Que diabos está fazendo sentada aí dessa forma?

— Pensei que demoraria.

— Poderia ser qualquer um — rugiu ele.

— Quem?

— Ora... — Droga! Não conseguia pensar em uma única pessoa que pudesse ter entrado na cabana como ele acabara de fazer, para se deparar com visão tão estonteante como aquela em uma rude cabana dos bosques canadenses. Sentiu a parte da frente da calça comprida retesar com a instantânea ereção. Ou Rusty não tinha de fato idéia do efeito que lhe provocava ou estava se utilizando daquilo para levá-lo à loucura. Qualquer que fosse a explicação, o resultado era o mesmo. Frustrado, arrancou a pele da cabeça e sacudiu a neve que a cobria. As luvas voaram pelo ar. Rasgou as tiras que lhe prendiam os calçados de neve às botas. — Vou lhe perguntar mais uma vez: que diabos está fazendo?

— Retirando meus pontos.

A cavilha na parede segurou o casaco que ele atirou naquela direção.

— O quê?

A postura machista arrogante atritou os nervos de Rusty como uma pedra-pomes. Sem mencionar a superioridade expressa no tom de voz de Cooper. Ela o encarou.

— Estão coçando. A ferida fechou. Está na hora de retirar os pontos.

— E para isso está usando uma lâmina?

— O que sugere?

Cooper cruzou a cabana com três longas passadas, enquanto desembainhava a faca de caça. Quando se agachou ao lado dela, Rusty recolheu a perna e ajustou o lençol ao corpo.

— Não pode usar isso!

A expressão no rosto rude era austera, quando ele desenroscou o cabo da faca e retirou de lá vários itens dos quais Rusty desconhecia a existência. Entre eles estava uma pequena tesoura. Em vez de se sentir satisfeita, ficou furiosa.

— Se tinha uma tesoura, por que cortou minhas unhas com esse facão de caça?

— Por que quis. Agora me dê sua perna — ordenou ele, estendendo a mão.

— Eu farei isso.

— Dê-me sua perna. — As palavras foram pronunciadas lentamente, enquanto Cooper lhe lançava um olhar severo sob as sobrancelhas. — Se não me, der, enfiarei a mão sob esse lençol e a pegarei a força. — A voz adotou uma tonalidade sedutora. — Sem mencionar o que poderei encontrar no caminho.

Sediciosa, Rusty estendeu a perna.

— Obrigado — agradeceu ele em tom sarcástico.

— Seu bigode está pingando em mim.

Os flocos de gelo começavam a derreter e Cooper os limpou com a manga da camisa, sem lhe soltar o pé, que parecia pequeno e pálido na mão longa. Rusty amava aquela sensação, mas lutou contra tal sentimento. Teve de travar uma batalha interna quando ele lhe prendeu a perna entre as coxas e ofegou ao encostar na protuberância rígida que lhe preenchia o arco do pé.

Os olhos cinza se ergueram, sardônicos.

— Qual o problema?

Cooper a desafiava a falar, mas ela morreria antes de demonstrar que lhe percebera a ereção.

— Nada — retrucou ela com indiferença. — Suas mãos estão frias, só isso.

O brilho nos olhos de Cooper deixou claro que sabia que ela estava mentindo. Rindo, ele baixou a cabeça e se concentrou na tarefa. Cortar os fios de seda não era complicado e Rusty concluiu que ela mesma poderia ter feito aquilo. Porém, quando Cooper pegou a pequena pinça e puxou o primeiro, ela percebeu que o pior estava por vir.

— Isso não vai doer, mas talvez repuxe um pouco — preveniu ele, puxando o fio. Em um movimento reflexo, Rusty contraiu a perna.

— Ah, Deus! — gemeu ele. — Não faça isso.

Não faria, pensou ela. Definitivamente, não. Manteria o pé tão imóvel quanto uma pedra, mesmo que Cooper puxasse os fios com os dentes.

Quando a pinça retirou o último fio, lágrimas de tensão e ansiedade banhavam os olhos de Rusty. Ele fora tão gentil quanto possível e se sentia agradecida, mas a sensação não fora agradável.

Ela pousou uma das mãos no ombro de Cooper.

— Obrigada.

— Vista-se — ordenou ele, afastando-lhe a mão com um movimento do ombro. — E prepare logo o jantar — acrescentou com a graciosidade de um homem das cavernas. — Estou faminto.

Porém, logo depois ele começou a beber.

 

Havia garrafas de uísque entre os suprimentos dos Gawrylow. Cooper os descobrira no dia em que limparam a cabana. Ficara eufórico com a descoberta, mas aquilo fora antes de prová-los. Sorvera um grande gole e o engoliu sem saborear. O líquido lhe parecera muito viscoso para deixá-lo algum tempo na boca. A bebida não passava de um contrabando barato e ordinário que lhe queimara as entranhas como um meteoro.

Rusty rira ao vê-lo tossir e quase engasgar, porém ele não achara graça. Quando recuperou a voz disse-lhe que não havia motivo para rir, pois o álcool lhe queimava o esôfago. Até aquele momento, não tocara mais nas garrafas de uísque. Dessa vez, não havia nada de divertido na forma como ele bebia. Após alimentar o fogo na lareira, retirou a rolha da garrafa e cheirou o conteúdo. Rusty se surpreendera, mas não fez nenhum comentário, enquanto ele tomava um hesitante gole. E em seguida, outro. A princípio pensara que Cooper estava bebendo para se esquentar. A expedição pelos arredores fora breve, mas suficiente para lhe congelar o bigode. Não havia dúvidas de que estava congelado até a medula.

No entanto, aquela desculpa não serviu por muito tempo. Cooper não parou naqueles dois goles. Carregou a garrafa consigo e se sentou na cadeira em frente à lareira e bebeu a quantidade referente a várias doses antes de Rusty colocar a mesa. Para lhe aumentar a irritação, trouxe a bebida com ele e quase encheu uma caneca com o líquido âmbar, bebendo grandes goles entre as garfadas do guisado de coelho que Rusty preparara.

Ponderou preveni-lo para que não bebesse muito, mas depois de algum tempo, sentiu-se constrangia em dizer algo. A regularidade com que tomava os goles da bebida a estava enervando. E se ele desmaiasse? Teria de dormir onde caísse, pois não seria capaz de removê-lo. Lembrava-se do esforço hercúleo que fizera para arrastá-lo para fora da fuselagem do avião. Na ocasião, grande parte daquela força fora gerada pela adrenalina. E se Cooper se aventurasse a sair da cabana e se perdesse? Milhares de aterrorizantes possibilidades se acotovelavam em sua mente.

— Pensei que não conseguisse beber isso — disse por fim.

Cooper interpretou o comentário preocupado como uma reprimenda.

— Acha que não sou homem o suficiente?

— O quê? — perguntou Rusty, confusa. — Não, quero dizer, sim. Acho que é homem suficiente, mas achei que não tivesse gostado do sabor.

— Não estou bebendo para apreciar o sabor e sim por que não temos coisa melhor.

Cooper ansiava por uma briga. Podia ver o convite estampado nos olhos cinza, ouvir a inflexão desafiadora na voz grave. Mas era esperta o suficiente para não puxar a cauda de um leão, mesmo que estivesse balançando para fora da jaula. Também era bastante inteligente para não acenar com uma bandeira vermelha para Cooper quando sua expressão era ameaçadora e perigosa. No estado de humor em que se encontrava, era melhor deixá-lo em paz e não provocá-lo, embora precisasse se esforçar para ficar calada. Ansiava por lhe dizer que beber apenas para ficar bêbado era uma estupidez. O que parecia ser exatamente a intenção de Cooper. Ele quase derrubou a cadeira quando se ergueu da mesa. Apenas os treinados reflexos, tão rápidos e precisos quanto os de uma cobra cascavel, evitaram que a cadeira caísse ao chão. Retornando à lareira, continuou a beber, enquanto Rusty lavava os pratos.

Quando ela acabou de limpar a louça do jantar, varreu o chão, mais para se manter ocupada do que por necessidade. Por mais inacreditável que fosse, passara a se orgulhar do modo como arrumava e mantinha a cabana limpa. Por fim, as tarefas acabaram e Rusty permaneceu parada no meio da sala, enquanto decidia o que fazer. Cooper se encontrava esparramado na cadeira, observando a lareira, contemplativo, enquanto bebia. O mais sensato a fazer era se manter afastada dele, mas a cabana só possuía um cômodo. Uma caminhada estava fora de questão. Não estava com muito sono, mas ir para a cama lhe parecia a única alternativa.

— Eu, uh, acho que vou para a cama, Cooper. Boa noite.

— Sente-se.

A caminho da cama, Rusty estacou abruptamente. Não fora o que ele dissera que a fizera parar, mas a maneira como se expressara. Teria preferido um comando estridente a pedido tão calmo e mortal.

Girando, ela o encarou, interrogando-o com o olhar.

— Sente-se — repetiu Cooper.

— Vou...

— Sente-se.

A arbitrariedade suscitou uma resposta rebelde, mas Rusty a suprimiu. Não era um capacho, mas também não era tola. Irritada, cruzou a cabana e afundou na cadeira.

— Você está bêbado.

— Tem razão.

— Ótimo. Seja ridículo. Faça papel de bobo. Não poderia me importar menos, mas é embaraçoso ficar assistindo. Portanto, se não se importa, prefiro ir dormir.

— Eu me importo. Fique onde está.

-— Por quê? Que diferença isso faz? O que você quer? Cooper tomou um gole da bebida ordinária, encarando-a por sobre a borda fendida da caneca.

— Enquanto me embebedo, quero que fique sentada aqui. Vou ficar... olhando para você e a imaginando... — Bebeu outro gole e soluçou. — nua. — Rusty se ergueu da cadeira como se tivesse sido ejetada dela, mas ao que parecia, nenhum grau de bebedeira conseguia diminuir os reflexos de Cooper. Um dos braços musculosos se esticou para segurá-la pela manga da camisa, puxando-a de volta à cadeira. — Disse-lhe para ficar onde está.

— Solte-me! — Rusty conseguiu desprender-se do braço que a segurava. Estava tão preocupada quanto indignada. Aquela não era uma brincadeira tola de bêbado ou uma discussão sem sentido de alguém embriagado. Tentou se convencer de que Cooper não iria machucá-la, mas não tinha certeza, certo? Talvez o álcool agisse como o catalisador que libertaria a violência que ele mantinha sob controle. — Deixe-me em paz! — exclamou uma coragem que estava longe de sentir.

— Não pretendo tocá-la. -— E então o que quer?

— Pode chamar isso de uma espécie masoquista de autorrealização. — Os cílios espessos baixaram em um gesto sugestivo. — Tenho certeza que pode encontrar um termo adequado.

Rusty sentiu a face queimar de vergonha.

— Conheço um termo correto para defini-lo. Muitos, para ser exata.

Cooper soltou uma risada.

— Guarde-os para si. Já ouvi todos. Em vez de pensar em nomes feios para me definir — disse Cooper, após beber outro gole de uísque. — Falemos sobre você. Seus cabelos, por exemplo.

Rusty cruzou os braços sobre o peito e fitou o teto em uma clara demonstração de enfado.

— Sabe o que pensei a primeira vez em que os vi? — Não se mostrando desencorajado pela falta de resposta, inclinou-se para a frente, sussurrando: — Pensei como seria bom senti-los espalhados em minha virilha.

Rusty voltou a encará-lo. Os olhos cinza se encontravam ardentes e não apenas pela bebida. Não possuíam o vazio de uma pessoa embriagada. As pupilas estavam faiscantes, ignore-as. A voz agora soava mais clara. Não arrastava as palavras. Tudo aquilo tornava impossível para Rusty interpretá-lo de maneira errada ou fingir fazê-lo.

— Estava parada sob a luz do sol na pista de decolagem, falando com um homem... seu pai. Mas naquela hora, não sabia que era seu pai. Eu a vi abraçá-lo, beijar-lhe a face e fiquei pensando: aquele bastardo sortudo conhece a sensação de se enroscar naqueles cabelos.

— Pare, Cooper. — Os punhos de Rusty se encontravam cerrados nas laterais de seu corpo. Estava sentada ereta e tensa como um foguete prestes a ser lançado.

— Quando entrou no avião, desejei esticar a mão e tocar seus cabelos. Segurá-los para baixar sua cabeça até minhas coxas.

— Pare com isso!

De repente, Cooper parou de falar e tomou outro gole de uísque, porém seus olhos se tornaram mais escuros e sinistros.

— Gosta de ouvir isso, certo?

— Não.

— Gosta de saber o poder que tem sobre os homens.

— Está enganado. Muito enganado. Senti-me extremamente desconcertada naquele avião, sendo a única mulher a bordo.

Cooper deixou escapar uma obscenidade e tomou outro gole da bebida forte.

— Como hoje?

— Hoje? Quando?

Cooper pousou a caneca sem derramar uma gota. A coordenação motora, assim como os reflexos, ainda intacta. Ele era um bêbado desprezível e sujo, mas não cambaleante. Em seguida, inclinou-se para frente, sobre a beirada da cadeira e colocou a face a centímetros da de Rusty.

— Quando entrei e a encontrei enrolada nua em um lençol...

— Não foi algo planejado. Calculei mal. Não tinha como saber que voltaria tão cedo. Nunca o fez antes. Costuma ficar fora por horas. Por isso, decidi tomar um banho de gato enquanto estava ausente.

— Sabia, desde que cruzei aquela porta, que havia tomado banho -— disse ele com um murmúrio. — Podia sentir a fragrância do sabonete em sua pele. — Os olhos cinza se moveram para baixo, escorregando pelo corpo de Rusty, como se a estivesse vendo nua, apesar do suéter de lã. — Você me presenteou com o vislumbre do seu seio, não foi?

— Não!

— Uma ova que não foi.

— Não fiz isso! Quando percebi que o lençol havia escorregado, eu...

— Tarde demais. Eu vi seu mamilo. Rosa e rígido.

A respiração de Rusty se acelerou. Aquele diálogo bizarro estava produzindo um estranho efeito nela.

— Não diga mais nada. Prometemos não ser insultuosos um com o outro.

— Não estou sendo insultuoso. Talvez comigo mesmo, mas não com você.

— Sim, está. Por favor, Cooper, pare com isso. Não sabe...

— O que estou dizendo? Sim, sei exatamente o que estou dizendo. — Cooper lhe sustentou o olhar. — Podia beijar seus mamilos por uma semana seguida sem me cansar.

A rouquidão da voz provocada pela bebida tornava as palavras quase inaudíveis, mas Rusty as ouviu e se sentiu intoxicada por elas. Fechou os olhos na esperança de bloquear as palavras ultrajantes e as imagens que inspiravam. A língua quente e macia de Cooper se movendo sobre sua pele, gentil, ardente, áspera e excitante.

Em seguida, abriu os olhos e o encarou, defensiva.

— Não ouse falar comigo dessa forma.

— Por que não?

— Não gosto.  

 Cooper lhe dirigiu um olhar presunçoso e cético:

— Não gosta que lhe diga como tenho desejado tocar seu corpo todo? Fantasiado suas coxas se abrindo para me receber? Que deito todas as noites naquela maldita cama, escutando sua respiração e desejando estar enterrado em você?

— Pare com isso! — Rusty se ergueu da cadeira e passou como uma flecha por ele, na intenção de escapar pela porta e sair da cabana. Sobreviveria ao frio implacável mais facilmente do que ao calor de Cooper.

Porém, ele foi mais rápido e Rusty não conseguiu alcançar a porta. Quando havia dado dois passos, ele a prendeu em um inescapável abraço, arqueando-lhe as costas quando se inclinou sobre ela. O bafo de bebida alcoólica soprando-lhe a face.

— Se meu destino era ficar preso neste lugar abandoando, por que tinha de ser com uma mulher com a sua aparência? — Cooper a sacudiu de leve como se exigisse uma explicação lógica. — Por que tinha de ser tão diabolicamente linda e sexy? E ter uma boca desenhada para levar um homem à loucura?

Rusty tentou se soltar.

— Não quero ouvir isso. Solte-me.

— Por que não podia ter ficado preso com uma mulher feia e doce? Alguém que pudesse levar para a cama e não me arrepender depois? Alguém que ficasse contente por ter minha atenção e não uma tola superficial que se satisfaz deixando os homens loucos. Não uma socialite como você.

— Estou avisando — disse ela entre dentes, lutando contra os braços que a apertavam.

— Alguém menos atraente, porém útil. Uma mulher que soubesse cozinhar. — Cooper exibiu um sorriso sórdido. — Aposto que sabe o que fazer na cama, onde certamente serve seus melhores pratos. — Uma das mãos fortes escorregou pelas nádegas de Rusty e a ergueu contra o corpo musculoso, roçando os quadris aos dela. — Não a diverte saber o que faz comigo?

Sim, mas não o tipo de diversão ao qual ele se referia. O contato íntimo com a rigidez do corpo de Cooper a fazia perder o fôlego. Rusty lhe segurou os ombros para se apoiar e os olhares dos dois se encontraram. Por segundos, ambos se encararam. Em seguida, ela o empurrou. Odiava-o por fazê-la passar por aquilo. Porém, também sentia vergonha pela reação involuntária a tudo que Cooper dissera. Por um breve momento, ficara na dúvida sobre o que fazer.

— Afaste-se de mim — disse ela com voz deliberadamente trêmula. — Estou falando sério. Caso contrário, enfiarei a faca que me deu em você. Está me escutando? Não me toque outra vez. — Passou por ele, pisando fundo e se atirou na cama com a face contra o travesseiro, usando o áspero lençol para ocultar as faces rubras.

Cooper ficou parado no centro da sala. Ergueu as duas mãos e as escorregou pelos cabelos, afastando-os do rosto. Em seguida, afundou outra vez na cadeira em frente à lareira, pegou a garrafa de uísque e a caneca.

Quando Rusty arriscou um olhar em direção a ele, ainda estava sentado no mesmo lugar, bebendo.

Entrou em pânico na manhã seguinte, quando acordou e viu a cama de Cooper intocada. Teria ele saído da cabana durante a noite e algo terrível lhe acontecido? Jogando as cobertas para o lado, embora não se lembrasse de tê-las estendido sobre o corpo, cruzou a cabana e escancarou a porta. Apoiou o peso ao batente, aliviada por vê-lo. Cooper estava cortando madeira. O céu estava claro e o sol brilhava. O que no dia anterior foram pingentes de gelo projetando-se do telhado agora eram incessantes pingos. A temperatura estava bem mais moderada. Ele nem ao menos usava casaco. A camisa saía para fora do cós da calça e, quando girou, Rusty percebeu que estava desabotoada. Cooper lhe notou a presença, mas nada disse e atirou vários toros na pilha recostada à varanda. Tinha uma aparência abatida e halos escuros lhe circundavam os olhos vermelhos.

Rusty entrou na cabana, mas deixou a porta aberta para circular o ar. Ainda estava frio, mas o sol tinha um efeito purificante. Parecia dispersar a hostilidade que gravitava nas sombras do interior da casa. Lavou o rosto e escovou os cabelos. As chamas do fogão a lenha haviam se extinguido por completo, mas já sabia como acendê-lo. Dentro de minutos, produzira um fogo encorpado o suficiente para fazer café. Para variar, abriu uma lata de apresuntado enlatado e as fritou em uma frigideira. O aroma da comida a fez salivar. Esperava que aquilo despertasse o apetite de Cooper, também. Em vez de mingau de aveia, cozinhou arroz. Trocaria sua virtude por um pouco de margarina. Felizmente, não teve de fazer tal escambo e se contentou em colocar as fatias suculentas do apresuntado sobre o arroz, que milagrosamente tinha aparência e sabor decentes. Excedendo-se, abriu uma lata de pêssegos em calda, colocou-os em uma tigela e a pousou sobre a mesa junto com o resto da comida. Não ouvia mais o ruído da madeira sendo quebrada e presumiu que Cooper entrasse em breve. E não se enganou. Ele surgiu momentos depois. O andar mais desajeitado do que de costume. Enquanto Cooper lavava as mãos na pia, ela colocou dois tabletes de aspirina sobre o prato dele, que os tomou com um copo d'água.

Obrigado — agradeceu, sentando-se vagarosamente.

— De nada. — Rusty sabia que não devia rir, mas a forma cautelosa com que ele se movia indicava que a ressaca era das mais intensas. Serviu uma caneca de café forte e lhe entregou. As mãos fortes tremiam ao aceitá-la. O exercício extenuante de cortar madeira fora um castigo que Cooper se impusera por ter bebido daquela forma. Era uma sorte que não tivesse cortado um pé, pensou Rusty. Ou coisa pior.

— Como se sente?

Sem movimentar a cabeça, Cooper ergueu o olhar.

— Até meus cílios doem.

Rusty suprimiu um sorriso. Também resistiu à tentação de esticar a mão sobre a mesa e lhe afastar algumas mechas de cabelos úmidas de suor do rosto.

— Acha que conseguirá comer?

— Sim. E melhor me alimentar. Passei horas, uh, lá fora. Não tenho nada no meu estômago.

Enquanto Cooper pousava os cotovelos na mesa, com as mãos nas laterais do prato, ela serviu a comida. Cortou o apresuntado que iria lhe servir em pedaços pequenos e colocou o prato na frente dele. Suspirando profundamente, Cooper pegou o garfo e, hesitante, mordeu o primeiro pedaço. Quando se certificou de que não iria devolvê-lo, deu outra garfada e logo estava comendo normalmente.

— Está ótimo — elogiou ele, após alguns minutos de silêncio.

— Obrigada. E melhor que mingau de aveia, para variar.

— Sim.

— Percebi que o tempo melhorou.

Na verdade, o que notara foi a umidade dos cabelos do peito de Cooper devido ao exercício pesado. Ele abotoara a camisa, antes de vir para a mesa, mas se encontrava aberta o suficiente para que tivesse um vislumbre do magnífico peito.

— Com sorte talvez possamos ter alguns dias assim antes da próxima tempestade de neve.

— Isso seria ótimo.

— Sim, isso me permitiria fazer muitas coisa por aqui. Nunca tiveram uma conversa tão educada e casual antes.

O bate-papo informal era mais desconcertante do qualquer discussão anterior, portanto ambos se calaram. No silêncio profundo, podiam ouvir os pingos que se precipitavam do telhado lá fora. Terminaram a refeição e beberam mais uma xícara de café.

— Acho que a aspirina fez efeito. Minha dor de cabeça quase passou — disse ele, quando Rusty se levantou para retirar a mesa.

— Que bom.

Cooper clareou a garganta e mexeu, nervosamente, no garfo e na faca pousados sobre o prato vazio.

— Ouça, sobre ontem à noite, eu, uh, e... não há desculpas para meu comportamento.

Rusty lhe dirigiu um sorriso compreensivo.

— Se conseguisse suportar o gosto daquele uísque, talvez já tivesse me embebedado. Várias vezes desde o acidente, desejei esse tipo de válvula de escape. Não precisa se desculpar.

Retornando à mesa, ela esticou a mão para pegar o prato de Cooper, mas ele a segurou. O gesto, ao contrário de tudo que Cooper fizera desde que o conhecera, era inseguro e hesitante.

— Estou tentando me desculpar pelas coisas que falei. Rusty fixou o olhar nas costas da mão longa, coberta parcialmente pelos cabelos castanho-dourados.

— Estava falando sério, Cooper?

Tinha plena ciência de que o estava convidando para fazer amor. Também o desejava. Não havia sentido em se enganar. Ele a atraía como nenhum outro homem e, ao que parecia, a atração era mútua. Não conseguiriam manter a sanidade mental se não satisfizessem aquele desejo carnal. Talvez conseguissem transpor o inverno sem se tornarem amantes, mas quando chegasse a primavera, estariam ensandecidos. Aquela atração sexual, por mais irracional que fosse, não poderia mais ser suprimida. Um relacionamento entre eles seria impraticável sob circunstâncias normais. Mas aquela era uma situação inusitada. De nada adiantava se ater ao fato de seus estilos e filosofias de vida serem tão diferentes. Aquilo não importava. O que pesava no momento era a necessidade básica de satisfação carnal com o sexo oposto.

Cooper ergueu a cabeça lentamente,

— O que disse?  

— Perguntei se você sente de fato tudo aquilo que disse. Os olhos cinza nem ao menos pestanejaram.

— Sim, sinto.

Cooper era um homem de ação e não de palavras. Esticou a mão e fechou os dedos em torno da nuca de Rusty, inclinando-a para baixo e se apossando dos lábios macios. Ao mesmo tempo, deixou escapar um som como o de um animal selvagem, enquanto lhe invadia o interior da boca com a língua e Rusty o correspondeu com a mesma impetuosidade.

Erguendo-se, levemente desequilibrado, deixou a cadeira tombar para trás com um baque, que nenhum dos dois pareceu ouvir. Os braços fortes envolveram a cintura fina ao mesmo tempo em que ela erguia os dela para lhe enlaçar a nuca. Cooper a puxou para perto, colando os corpos ardentes de desejo.

— Oh, Deus! — Ele interrompeu o beijo, pressionando os lábios contra o pescoço delicado, enquanto enterrava uma das mãos nos cabelos ruivos, deixando os fios sedosos se entrelaçarem, sedutoramente, em seus dedos. Inclinando-lhe a cabeça para trás, encarou-a, com as feições tensas de desejo.

Rusty lhe sustentou o olhar sem timidez.

— Beije-me outra vez, Cooper.

A boca exigente se apossou dos lábios ainda túrgidos pelo beijo anterior, em uma exploração erótica que tirou o fôlego de Rusty. Enquanto a beijava, uma das mãos ágeis se fechou em torno do zíper da calça comprida que ela usava e o desceu. Quando os dedos longos se introduziram sob o elástico do cós da lingerie, ela ofegou. Esperava por uma progressão de carícias em preliminares prolongadas, mas agradeceu o fato de Cooper se mostrar tão ousado e impaciente. Aquela atitude era como um afrodisíaco que lhe fazia o corpo explodir de desejo. Arqueando os quadris para frente, preencheu a palma da mão longa com sua maciez.

As palavras eróticas que Cooper deixava escapar pelos lábios eram bem vindas, pois deixavam clara a extensão da excitação que ele sentia. Como uma canção sensual. Cooper se esforçou para abrir a braguilha da calça jeans, liberando a masculinidade excitada. Uma pressão quente e firme entre suas coxas.

— Sinto seus cabelos em minha pele — sussurrou ele. — São tão macios!

A massagem erótica dirimiu as forças de Rusty. Inclinando-se contra a mesa, baixou as mãos e as escorregou para dentro da calça jeans de Cooper.

— Por favor, agora.

Com apenas uma firme investida Cooper a preencheu, fazendo-a ofegar pela dor prazerosa. Ele prendeu a respiração. Colavam-se um ao outro como sobreviventes de uma catástrofe, o que na verdade eram. Como se a existência de cada um dependesse de nunca mais se soltarem. A unidade era essencial para a sobrevivência.

Era impossível saber quem se moveu primeiro. Talvez tivesse sido simultâneo. Após o instante inicial de puro deleite pela total possessão, Cooper começou a investir mais fundo. Movimentava os quadris contra os dela como se seu objetivo fosse alcançar o âmago dá alma de Rusty.

Gritando em êxtase, ela atirou a cabeça para trás, enquanto Cooper lhe beijava o pescoço exposto, movendo em seguida, os lábios pelos seios sobre o suéter de lã. Porém, as carícias das preliminares eram desnecessárias. Nada seria capaz de aumentar aquelas labaredas. Ele sentia o corpo mais quente e rígido a cada investida.

E então não teve outra escolha.

— Você é linda, mulher.

Rusty ergueu o olhar ao amante, com um dos braços dobrado sobre a cabeça e a outra mão pousada sobre o ombro largo. A pose era provocativa, mas aquela era sua intenção. Não importava que seus seios estivessem expostos e audaciosamente convidativos. Queria expô-los para o prazer de Cooper. Gostava de ver os olhos cinza faiscarem todas as vezes que os cravava nos mamilos rígidos. Talvez Cooper estivesse certo. Desde que o conhecera tinha se mostrado pouco modesta. Talvez tivesse se mostrado deliberadamente sedutora porque o desejava desde que o vira pela primeira vez. Ansiara por aquela languidez após um ato que a deixara saciada.

— Acha que sou linda? — indagou com ar tímido, escorregando os dedos pelos cabelos castanhos e sorrindo como uma gata que acabara de saltar em um pote de creme.

— Sabe que acho.

— Não precisa se mostrar tão aborrecido com isso.

Os dedos longos traçaram-lhe os contornos das costelas até alcançarem o umbigo.

— Mas estou. Não queria ceder aos seus encantos. Perdi a batalha para a minha própria luxúria.

— Fico feliz com isso. — Rusty ergueu a cabeça e lhe beijou a boca com suavidade.

Cooper lhe roçou os dedos de leve no umbigo.

— Por enquanto, eu também.

Rusty não queria que ficassem limitados a um período restrito de tempo.

— Por que "por enquanto"?

Não levou muito tempo para que se despissem e colocassem a padiola em frente à lareira. Estirada e nua sobre a pilha de peles, com os cachos ruivos em desalinho, os lábios rosados e úmidos pelos beijos freqüentes e os olhos sonolentos pelo ato apaixonado, Rusty parecia o prêmio conquistado em uma batalha de vândalos. Cooper nunca fora um homem poético, muito menos depois de fazer sexo e o pensamento lhe fez brotar um sorriso involuntário nos lábios, enquanto se deliciava com a visão do corpo de curvas perfeitas.

— Nada. Esqueça.

— Diga. Quero saber.

— Tem algo a ver com o que somos, mas realmente não quero falar sobre isso. — Cooper inclinou a cabeça e beijou os pelos encaracolados entre as coxas macias. Estavam úmidos e tinham o aroma dele. Aquilo lhe fez o corpo responder imediatamente. O gemido baixo de Rusty era como uma carícia aveludada na crescente ereção. Cooper deixou escapar um suspiro.

— Sabia que você é muito estreita? — sussurrou ele contra o triângulo de pelos púbicos. As coxas de Rusty relaxaram e se entreabriram.

— Sou?

— Sim.

— Não sou tão experiente assim.

O olhar duvidoso de Cooper pousou na face delicada, mas o que viu foi honestidade.

— Quantos?

— Que pergunta indelicada!  

— Quantos?

Rusty titubeou em lhe contar. Por fim, com olhar evasivo, decidiu confessar.

— Menos do que se pode contar nos dedos de uma das mãos.

— Em um ano?

— No total.

— Menos que cinco?

— Sim.

— Menos que três? — Rusty desviou o olhar. — Só um? —- Ela balançou a cabeça afirmativamente. — O coração de Cooper deu um salto estranho no peito e uma emoção parecida com felicidade o atingiu. Mas não tinha experiência com tal sentimento, portanto não podia ter certeza.

— E não viveu com ele, certo?

— Não.— Rusty girou a cabeça para o lado e mordeu o lábio inferior ao toque indolente do polegar que a acariciava. Aquela superfície calosa fora agraciada com uma magia e toque intuitivo na medida certa para satisfazer o corpo feminino.

— Por que não?

— Meu pai e meu irmão não aprovavam nosso relacionamento.

— Tudo que faz tem de ter o aval de seu pai?

— Sim. Não... eu... Cooper, pare — ela ofegou, lutando por ar. — Não consigo raciocinar quando está fazendo isso.

— Então não raciocine.

— Mas eu não quero... você sabe... oh, por favor, não... Quando os últimos espasmos de prazer feneceram, Rusty abriu os olhos e se deparou com um sorriso provocante.

Descobrindo que ainda lhe sobrara energia para responder à provocação, ergueu a mão e lhe tocou o bigode com as pontas dos dedos.

— Não queria que tivesse acontecido tão rápido. Desejava olhar para você um pouco mais.

— Acho que isso coloca um fim na discussão sobre você e seu pai.

Rusty franziu a testa.

— É muito complexo. Ele ficou arrasado e eu também quando Jeff morreu. Meu irmão era... — Procurou por uma palavra abrangente. — Maravilhoso. Era capaz de fazer tudo que quisesse.

Cooper roçou os lábios macios com o bigode.

— Nem tudo — afirmou, misteriosamente. — Não podia... — Inclinou a cabeça e lhe sussurrou ao ouvido o que Jeff não poderia fazer com ele, utilizando um termo que a fez corar. Porém, enrubesceu de prazer e não de afronta. — Vê? Não há razão para se sentir inferior a seu irmão. — Antes que Rusty pudesse dar qualquer explicação, ele a calou com um beijo excitante e faminto. — Agora me diga por que queria olhar mais para mim.

Como ainda se encontrava ofegante, Rusty inspirou profundamente.

— Não olhei o suficiente. — Ela admirou por instantes o peito largo e ergueu a mão para tocá-lo, dirigindo-lhe o olhar como se pedisse permissão. Em seguida, pousou-a sobre os pelos crespos.

— Vá em frente covarde. Eu não mordo. — A maneira como ela o olhou era eloqüentemente sensual e o fez soltar uma risada. — Touché. Eu mordo, mas não o tempo todo.

Inclinando-se, Cooper sussurrou:

— Apenas quando estou enterrado na mais doce sedosidade entre duas pernas.

Enquanto Rusty lhe explorava o corpo, ele lhe mordia de leve o lóbulo da orelha e a lateral do pescoço. Quando os dedos delicados lhe roçaram os mamilos, Cooper inspirou profundamente. Rusty retirou a mãos de imediato, mas ele a segurou e a colocou de volta sobre o peito.

— Não foi um som de dor — explicou Cooper com a voz rouca de desejo. — Foi como se tivesse conectado dois fios desencapados. Não estava preparado para o choque. Faça outra vez. E tudo mais que desejar.

Rusty obedeceu. E foi mais além. Tocou-o de maneira ousada até que a respiração de Cooper se acelerasse.

— Acho que há algo mais que está precisando de sua atenção, mas é melhor não. — Ele lhe segurou a mão. — Não se quisermos que desta vez seja lento e suave.

— Deixe-me tocá-lo.

Diante daquela súplica sussurrada, Cooper não teve como negar. Fechou os olhos e resistiu às carícias curiosas até que não pudesse mais agüentar. Então, retirou a mão que executava aquela doce tortura e satisfez a ambos com um beijo ardente.

— Minha vez. — Um dos braços de Rusty ainda se encontrava dobrado atrás da cabeça. Os seios se assomavam como duas abóbodas perfeitas, coroadas por mamilos róseos e delicados. Cooper cobriu cada um deles com as mãos e os estimulou. — Muito doloroso?

— Muito bom — suspirou ela.

— A noite em que a beijei aqui... — Cooper lhe tocou a curva macia do seio.

— Sim?

— Quis marcá-la.

Os cílios sonolentos logo se ergueram.

— Por quê?

— Porque sou mau, foi por isso.

— Não, não é. Apenas quer que todos pensem que é.

— E funciona, não acha? Rusty sorriu.

— Às vezes. Teve momentos em que pensei que era um homem muito vil, mas em outros, percebi que estava sentindo muita dor e ser duro, era a única forma de lidar com ela. Acho que é algo que tem relação com seus dias como prisioneiro de guerra.

— Talvez.

— Cooper?

— O quê?

— Faça outra marca se quiser.

Os olhos cinza se cravaram nos dela. Em seguida, Cooper se moveu sobre o corpo macio e lhe beijou os lábios, enquanto com as mãos, continuava a lhe massagear os seios.

Roçou o bigode nos lábios túrgidos e avermelhados, antes de arrastá-lo pelo pescoço, aplicando-lhe mordidas leves enquanto descia pela clavícula e a curva dos seios.

— Sou o causador dos hematomas em suas nádegas. Depois, fiz-lhe uma marca no seio. Acho que de algum modo primitivo, queria marcá-la como minha. Agora não há mais necessidade disso — disse Cooper, movendo os lábios suavemente sobre a pele sedosa. — Você me pertence. Pelo menos por algum tempo.

Rusty ficou tentada a discutir a escolha de palavras de Cooper e lhe dizer que lhe pertenceria por quanto tempo ele quisesse, mas os lábios provocadores lhe esvaziaram a mente. Ele beijou cada milímetro dos seios firmes, evitando os mamilos. Em seguida, escorregou a língua pelos dois ao mesmo tempo, como uma criança se deliciando com uma casquinha de sorvete. Quando Rusty julgou não poder mais agüentar, cravou as mãos nos cabelos espessos e ondulados e lhe dirigiu a cabeça para um de seus seios. Ele friccionou a língua contra os mamilos rígidos até que a cabeça de Rusty se agitasse de um lado para o outro sobre as peles. Cooper utilizou o bigode para estimulá-la e a provocar. Quando fechou os lábios sobre um dos mamilos e o sugou, ela gritou seu nome.

— Oh, querida, você é maravilhosa. — A boca experiente lhe explorava o corpo de modo voraz, porém gentil.

— Cooper?

— Humm.

— Cooper?

— Humm.

— Cooper? — Fechando os dedos em torno das orelhas de Cooper, ela o puxou até que os rostos dos dois ficassem nivelados.

— Por que faz isso?

— Faço o quê?

Cooper evitava encará-la, fixando o olhar em um ponto além do topo da cabeça de Rusty.

— Você sabe o que. — Ela umedeceu os lábios, ansiosa. — Por que você... sai... antes...

Sentia-se apreensiva e desapontada, como da primeira vez, quando beirando o ápice do prazer, Cooper a privara de senti-lo atingir o clímax dentro dela. Cooper ficou imóvel. Por um momento Rusty temeu que o tivesse irritado e que ele se levantaria, deixando-a sozinha na padiola. Mas após um longo e tenso momento, Cooper voltou a encará-la.

— Acho que merece uma explicação. — Rusty permaneceu calada. —- Talvez tenhamos de ficar aqui por um longo tempo. Acho que não precisamos de outra boca para alimentar.

— Um bebê? — A entonação de Rusty era de temor. Porém, a idéia bailou em sua mente por alguns instantes e não lhe pareceu tão repugnante. Na verdade, um sorriso largo lhe curvou os lábios. — Não pensei nisso.

— Mas eu pensei. Somos adultos jovens e saudáveis. Sei que não está usando nenhum contraceptivo porque tenho noção de tudo que trouxemos conosco para esta cabana. Estou certo?

— Sim — respondeu ela, timidamente, como uma criança confessando uma travessura.

— Não trouxe nenhum preservativo na mala quando viajei para a estalagem de caça.

— Mas provavelmente não vai acontecer.

— Não podemos ter certeza. Não quero arriscar, portanto...

— Mas se acontecesse — interrompeu Rusty, animada. — Ficaríamos encantados mesmo antes do nascimento da criança.

— Provavelmente, mas...

— Mesmo que não ficássemos, eu seria a responsável por alimentá-lo — disse Rusty.

Aquela conversa o estava deixando nervoso. Os lábios finos se contraíram na familiar linha rígida. Porém, se suavizaram ao perceber a sinceridade, quase ingênua.

— É só por isso — disse Cooper em tom brusco, movendo os lábios em direção aos seios macios. — Não consigo suportar o pensamento de dividi-la com ninguém.

— Mas...

— Sinto muito, mas vai ter que ser assim.

Rusty desejou protestar e continuar aquela conversa, mas ele utilizou as mãos, os lábios e a língua de forma tão talentosa que os levou a um alucinante e simultâneo orgasmo, antes que ela percebesse que mais uma vez Cooper recuara bem a tempo. A saciedade sexual fora tanta que nenhum dos dois sentiu frio, fome ou cansaço. Fizeram amor durante todo o dia e se alongaram pela noite. Por fim, exaustos, se aconchegaram um ao outro sob as peles e dormiram.

Apenas o inesperado barulho das hélices de um helicóptero conseguiu lhes perturbar o sono.

 

Ele perderia o helicóptero. Sabia que sim. Sempre soubera. De qualquer forma, continuava correndo. Sempre fazia aquilo. A folhagem da floresta lhe bloqueava o caminho. Rasgava as folhas, abrindo caminho até a clareira. A respiração era audível até mesmo para seus ouvidos. Mas ainda ouvia as hélices rotativas do helicóptero. Próximo. Mais próximo. Barulhento.

— Tenho de conseguir desta vez, gritou para si mesmo. — Terei de conseguir ou serei capturado.

Mas sabia que não conseguiria, embora continuasse a correr, correr, correr...

Como sempre, depois do pesadelo, Cooper se sentava, com o peito arfando pelo esforço e ensopado de suor. Deus! Dessa vez era real. As hélices daquele helicóptero pareciam... De repente, percebeu que ainda ouvia o mesmo som. Estaria acordado? Sim, estava. Lá estava Rusty, dormindo profundamente a seu lado. Não estava no Vietnã. Aquele era o Canadá e, por Deus, ouvia um helicóptero! Cambaleando, pôs-se de pé e cruzou a cabana, pisando descalço no chão frio. Desde o dia em que haviam deixado passar aquele avião, a pistola sinalizadora permanecia em uma prateleira, próximo à porta. Cooper a pegou em seu caminho em direção à saída. Quando disparou, saltando a varanda e caindo no chão, ainda estava nu, mas a pistola sinalizadora segura na mão.

Com a mão esquerda lhe servindo de viseíra, escrutinou o céu. O sol brilhava no nível do topo das árvores. Sentiu os olhos lacrimejarem porque a luz era muito clara. Não conseguia ver nada e tinha apenas seis sinalizadores. Não devia desperdiçá-los. Agindo em um impulso, disparou dois deles para cima.

— Cooper, é um...

— Helicóptero.

Rusty saiu para a varanda e lhe atirou a calça jeans. Quando acordara, a princípio com a intuição de que o amante não se encontrava mais a seu lado e depois com o som do helicóptero, vestira-se rapidamente. Agora, ela também usava a mão em concha para proteger os olhos da luz do sol e procurava no céu a fonte do barulho.

-— Ele deve ter visto os sinalizadores — gritou Cooper, animado.— Está voltando!

— Não vejo nada. Como sabe?

— Pelo som.

Ao que parecia Cooper estava certo. Dentro de segundos, o helicóptero assomou sobre o topo das árvores e circundou sobre a cabana.

Cooper e Rusty começaram a acenar com os braços e gritar, embora fosse óbvio que os dois homens sentados no helicóptero os estivessem visualizando. Podiam até mesmo identificar seus largos sorrisos através do vidro.

— Eles nos viram! Oh, Cooper!

Rusty se atirou nos braços fortes e ele a ergueu do chão, rodopiando.

— Conseguimos, querida, conseguimos!

A clareira em torno da cabana era larga o suficiente para acomodar um helicóptero. Enquanto ele descia, os dois correram de encontro à aeronave de mãos dadas. Rusty não prestava atenção na dor em sua perna. O piloto acomodado no assento direito, retirou o cinto de segurança e desceu do helicóptero. Acocorando-se para evitar as hélices, correu ao encontro deles.

— Srta. Carlson, certo? — O sotaque sulista era grave. Rusty balançou a cabeça positivamente, sentindo-se, de repente, tímida e sem voz. Em um reflexo se encostou ao braço de Cooper.

— Cooper Landry — apresentou-se ele, estendendo a mão e cumprimentando o piloto com um aperto forte. — Estamos muito felizes em vê-los.

— Também estamos. O pai da srta. Carlson nos contratou para procurarmos por ela. As autoridades não estavam obtendo sucesso.

— Esse é o meu pai — gritou Rusty sobre o barulho das hélices rotativas.

— Foram os únicos sobreviventes? — Os dois confirmaram com a cabeça em um gesto solene.

— Bem, a não ser que queiram permanecer aqui por mais tempo, podemos ir para casa. Seu pai ficara muito feliz em vê-la.

Ao mencionar o pai da jovem, o piloto lançou um olhar preocupado a Cooper, observando o jeans desabotoado. Era óbvio que a calça fora vestida às pressas e que não usava nada por baixo. Rusty possuía a aparência devassa e desgrenhada de uma mulher que fizera amor durante toda a noite. O piloto percebeu imediatamente, sem que precisassem lhe contar. Ambos retornaram à cabana por tempo suficiente para se vestirem. Cooper pegou o rifle caro que trouxera na bagagem. E fora a espingarda, não levaram mais nada. Ao transpor a porta da cabana pela última vez, Rusty lançou um olhar melancólico ao interior. A princípio, odiara aquele casebre, mas agora que o estava deixando, sentia-se invadia por uma espécie de tristeza. Cooper não parecia compartilhar daquele sentimento. Ele e o piloto riam e faziam piadas, ao descobrirem que haviam sido veteranos da mesma guerra. Rusty teve de apressar o passo para alcançá-los. Quando conseguiu, Cooper passou o braço por seus ombros e lhe sorriu. Aquilo fez tudo parecer melhor.

— Sou Mike — apresentou-se o piloto, enquanto os ajudava a se acomodarem. — E esse é meu irmão gêmeo, Pat. — O outro piloto os saudou.

— Pat e Mike? — gritou Cooper. — Estão brincando? Aquilo parecia extremamente engraçado e todos riam incontrolavelmente enquanto o helicóptero decolava e se erguia por sobre o topo das árvores, ganhando altitude.

— O local do acidente foi avistado por um avião de busca, dias atrás — informou Mike, apontando para baixo. Rusty observou o local e ficou surpresa que tivessem conseguido cobrir tamanha distância a pé, ainda mais com Cooper a arrastando em uma padiola feita à mão. Nunca teria sobrevivido se não fosse ele. E se Cooper tivesse morrido no acidente? Estremecendo diante do pensamento, pousou a cabeça no ombro largo. Ele lhe envolveu nos braços e a puxou para perto. A mão de Rusty se fechou sobre a coxa musculosa em um gesto que demonstrava confiança.

— Os outros cinco tripulantes morreram com o impacto — disse Cooper aos pilotos. — Rusty e eu estávamos sentados na última fileira. Acho que foi por isso que sobrevivemos.

— Quando recebeu a notícia de que o avião não havia pegado fogo, o sr. Carlson insistiu na busca por sobreviventes — informou Mike. — Contratou meu irmão e a mim lá em Atlanta. Somos especializados em missões de resgate. — Escorou o ombro no encosto do assento e girou a cabeça para encará-los. — Como chegaram até aquela cabana?

Cooper e Rusty trocaram um olhar sério.

— Preferimos contar essa história apenas uma vez se não se importa — respondeu Cooper.

Mike concordou com a cabeça.

— Enviarei uma mensagem pelo rádio, informando que foram resgatados. Muita gente tem procurado vocês. O tempo tem estado cruel. Desculpe, srta. Carlson.

— Tudo bem.

— Tivemos de permanecer em solo até ontem, quando o tempo finalmente melhorou. Não encontramos nada, então fizemos nova tentativa esta manhã.

— Para onde estão nos levando? — perguntou Cooper.

— Para Yellowknife.

— Meu pai está lá?

Mike balançou negativamente a cabeça.

— Está em Los Angeles, mas acho que correrá para lá antes do final do dia.

Aquela era uma boa notícia para Rusty. Não sabia explicar por que, mas temia contar os detalhes de sua provação para o pai. Saber que não teria de encará-lo de imediato era um alívio. Talvez devido ao que acontecera na noite anterior. Ainda não tivera tempo de analisar o que ocorrera. Desejava saborear a experiência que tivera com Cooper e o resgate fora uma espécie de intromissão. Ficara feliz, claro, mas queria ficar sozinha com seus próprios pensamentos. A única pessoa que queria que a distraísse era Cooper. Mediante tal pensamento, a incomum timidez a atingiu outra vez, fazendo-a se aninhar ao corpo musculoso.

Cooper parecia ler seus pensamentos. Erguendo-lhe a face, encarou-a. Em seguida, inclinou a cabeça, depositou-lhe um beijo sonoro nos lábios e lhe encostou a cabeça contra o peito, segurando-lhe os cabelos com um gesto ao mesmo tempo protetor e possessivo. Permaneceram naquela posição pelo resto da viagem. Nenhum dos pilotos tentou puxar conversa, respeitando a privacidade do casal. As perguntas pertinentes poderiam esperar.

— Vocês atraíram uma multidão — disse Mike, olhando por sobre o ombro e apontando em direção ao solo, à medida que se aproximavam do aeroporto, pequeno se comparado com aos das grandes cidades, mas largo o suficiente para acomodar um jato.

Rusty e Cooper viram que havia um grupo enorme de pessoas, próximo ao local de pouso. Elas nem ao menos respeitavam as áreas restritas da pista de decolagem. Vans com logotipos de estações de rádio e televisão se encontravam estacionadas ao longo da pista. Naquela área remota dos territórios do noroeste, não era comum tal comoção da mídia.

Cooper soltou um xingamento entre dentes.

— Quem diabos é responsável por isso?

— A queda do avião foi muito divulgada — informou Mike com um sorriso apologético. —Vocês são os únicos sobreviventes. Acho que todos querem ouvir o que têm a dizer.

No instante em que Pat pousou o helicóptero, a multidão de repórteres o cercou como uma barreira temporária. Os policiais tiveram dificuldade para abrir passagem. Vários oficiais se aproximaram. O vento provocado pelas hélices do helicóptero fazia esvoaçar seus ternos e as gravatas colidirem com seus rostos. Finalmente os motores foram desligados. Mike pulou para o chão de concreto e ajudou Rusty a sair. Ela se escondeu, timidamente, na lateral do helicóptero até que Cooper pulasse e se posicionasse a seu lado. Em seguida, após agradecerem profusamente aos pilotos, deram alguns passos à frente com as mãos firmemente entrelaçadas. Os homens que os cumprimentaram eram representantes da Segurança da Aviação e dos Transportes do Canadá. A agência americana fora solicitada a investigar o acidente, já que todos os passageiros envolvidos eram daquela nacionalidade.

Os burocratas deram-lhes as boas vindas de volta à civilização e os levaram através da horda barulhenta de repórteres, cujo comportamento era tudo, menos civilizado. Os profissionais da imprensa os bombardeavam de perguntas disparadas como o pente de uma metralhadora. Os zonzos sobreviventes foram guiados por uma das entradas de funcionários, através de um corredor até um dos escritórios particulares que havia sido disponibilizado para eles.

— Seu pai já foi notificado, sita. Carlson.

— Muito obrigada.

— Ficou feliz em saber que estava bem — disse o sorridente oficial. — Sr. Landry, há alguém a quem devamos comunicar seu resgate?

— Não.

Rusty girou para encará-lo, curiosa com a resposta. Cooper nunca mencionara a família, portanto concluíra que não tinha parentes. Parecia-lhe terrivelmente triste que ninguém estivesse esperando por ele. Desejou esticar a mão e lhe tocar a face, mas os oficiais estavam agrupados em volta deles. Um dos burocratas deu um passo à frente.

— Pelo que sei foram os dois únicos sobreviventes do acidente.

— Sim. Os outros morreram imediatamente.

— Notificamos às famílias. Alguns estão aí fora e querem falar com vocês. — A face de Rusty se tornou tão branca quanto as juntas dos dedos, entrelaçados aos de Cooper. — Mas isso pode esperar — acrescentou o homem rapidamente, percebendo-lhe o nervosismo. — Podem nos dar alguma idéia do motivo do acidente?  

— Não sou piloto — respondeu Cooper, conciso. — Mas acho que a tempestade foi a causa. Os pilotos fizeram tudo que podiam.

— Não os culpariam pelo acidente? — indagou o oficial.

— Podem me dar um copo de água, por favor? — pediu Rusty em tom suave.

— E algo para comer — acrescentou Cooper no mesmo tom. — Não tomamos nem ao menos o desjejum esta manhã.

— Claro. Agora mesmo. — Um deles se incumbiu de solicitar o desjejum.

— É melhor chamarem as autoridades. Tenho de relatar a morte de dois homens.

— Que homens?

— Os que matei. — Todos pareceram congelar. Cooper conseguira lhes atrair a total atenção. — Estou certo de que alguém terá de ser notificado, mas antes, que tal aquele café? — A voz de Cooper soava autoritária e impaciente. Era surpreendente como colocou todos em ação. Pela próxima hora, os circundaram como abelhas no mel.

Foi servido um lauto café da manhã, com bifes e ovos. Mais do que tudo que continha a bandeja, Rusty se refestelou com o suco de laranja. Não conseguia parar de beber. Enquanto faziam a refeição, respondiam a uma rodada interminável de perguntas. Pat e Mike foram designados a verificar a localização da cabana em relação ao local do acidente. Aproveitando o tempo bom, equipes foram mandadas para o local da queda do avião para exumar os corpos que Cooper enterrara.

Em meio àquele caos, um telefone foi colocado na mão Rusty e a voz do pai soou do outro lado da linha.

— Rusty, graças a Deus! Você está bem?

Lágrimas lhe inundaram os olhos, impedindo-a de falar por alguns instantes.

— Estou bem. Minha perna está muito melhor.

— Sua perna! O que aconteceu a sua perna? Ninguém me disse nada sobre isso.

Rusty explicou resumidamente, com frases desarticuladas.

— Mas agora estou bem.

— Não estou acreditando, mas não se preocupe com nada — disse ele. — Resolverei tudo daqui. Será trazida para Los Angeles esta noite e estarei no aeroporto a aguardando. Foi um milagre ter sobrevivido.

Rusty relanceou o olhar a Cooper.

— Sim, um milagre — concordou com voz suave.

Por volta do meio dia, foram levados para um hotel do outro lado da rua e guiados aos quartos para que pudessem tomar banho e vestir a roupa providenciada pelo governo canadense. Quando chegou à porta do quarto que lhe foi designado, ela largou, relutante, a mão de Cooper. Não suportava a idéia de perdê-lo de vista. Sentia-se como uma estranha.

Deslocada. Nada daquilo parecia real. Tudo e todos surgiam a sua frente como faces distorcidas de um pesadelo. Tinha dificuldade de encontrar palavras para adjetivar o que estava passando. Tudo lhe parecia estranho, exceto Cooper. Apenas ele era a realidade.

Cooper não parecia mais satisfeito que ela com aquelas providências, mas não seria apropriado dividirem o mesmo quarto.

— Estarei no quarto ao lado — disse ele, apertando-lhe a mão. Observou-a entrar e fechar a porta do quarto em segurança antes de se encaminhar ao dele, onde se sentou em uma cadeira e cobriu a face com as mãos.

— E agora? — questionou as paredes.

Se tivesse esperado mais uma noite. Se Rusty não lhe tivesse feito aquela pergunta na manhã anterior, após o desjejum. Se ela não fosse tão atraente, em primeiro lugar. Se não estivessem no mesmo avião. Se o avião não tivesse caído. Se alguém mais tivesse sobrevivido e não estivessem sozinhos.

Poderia pensar em milhares de "ses" e no final o fato de terem feio amor durante todo o dia e noite anteriores não teria mudado. Não se arrependia nem por um segundo, mas não sabia como lidaria com aquilo dali por diante. Certamente, poderia fingir que nada acontecera e ignorar o brilho da paixão recíproca que cintilava nos olhos de Rusty, mas aquele era o problema: não conseguiria ignorar os olhares ardentes que ela lhe lançava. Também não poderia negligenciar insensivelmente o modo como Rusty dependia dele. As regras que seguiram na cabana ainda estavam em vigor. Ela ainda não havia se aclimatado. Estava apreensiva. Acabara de sobreviver a um trauma. Não podia sujeitá-la a outro tão prematuramente. Rusty não era tão forte quanto ele. Tinha de ser tratada com delicadeza e tato. Depois de tudo que a fizera passar, achava que ela merecia aquela consideração.

Claro que teria de se resignar em dar as costas para ela. Esperava que Rusty o fizesse primeiro. Aquilo o livraria da responsabilidade de magoá-la. Mas, droga! Ela não tomaria tal atitude. E não poderia decepcioná-la. Não ainda. Não até que fosse absolutamente necessário se separarem. Até lá, embora soubesse que era imprudente, continuaria a desempenhar o papel de seu Lancelot, protetor e amante.

Deus! Adorava aquele papel. Era uma pena que fosse apenas temporário.

O banho quente lhe proporcionava uma sensação maravilhosa e ajudava a revigorá-la física e mentalmente. Rusty massageou os cabelos com xampu duas vezes e os enxaguou bem. Quando saiu da banheira, sentia-se quase normal. Mas não estava. Geralmente não teria percebido como eram macias as toalhas do hotel. Contaria com aquela maciez. Outras mudanças haviam se operado nela, também. Quando apoiou o pé na beirada da banheira para secá-lo, percebeu a disforme e recortada cicatriz que se estendia pela canela. Possuía outras cicatrizes. Mais profundas. Que se encontravam indelevelmente gravadas em sua alma. Rusty Carlson nunca mais seria a mesma. As roupas que lhe haviam fornecido eram de grifes caras e um número acima do seu, mas a faziam se sentir humana e feminina outra vez.

Os sapatos couberam, mas pareciam estranhos e extraordinariamente leves em seus pés. Aquela era a primeira vez em semanas que usava algo que não fosse botas de caminhada. Uma semana na estalagem de caça e quase duas desde o acidente. Duas semanas? Tão pouco tempo? Quando saiu do quarto, Cooper a estava esperando do lado de fora. Ele havia tomado banho e se barbeado. Os cabelos ainda estavam úmidos e bem penteados. As roupas pareciam não combinar com sua compleição forte.

Aproximaram-se cautelosos, tímidos e quase culpados. E então os olhares se encontraram, faiscando com a familiaridade e algo mais.

— Parece diferente — sussurrou Rusty. Cooper balançou a cabeça.

— Não, não estou. Posso parecer diferente, mas não mudei em nada. — Ele lhe tomou a mão e a puxou para o lado, dirigindo um olhar ameaçador às pessoas que provavelmente iriam se acercar deles. Todas se mantiveram a uma distância segura. — Em meio a toda essa confusão, não tive a chance de lhe dizer algo.

Limpo, exalando as fragrâncias do sabonete, creme de barbear e creme dental, Cooper estava ainda mais lindo. Os olhos de Rusty se moviam sobre ele, incapaz de absorver completamente aquele novo Cooper.

— O que é?

— Adoro a sensação da sua língua em meu umbigo.

Rusty ofegou, desviando o olhar para o grupo de pessoas que se mantinha a discreta distância. Todos os olhavam, curiosos.

— Você é ultrajante.

— Não me importo nem um pouco. — Cooper se aproximou ainda mais. —Vamos lhes dar algo para especular. — Escorregou a mão pelo pescoço de Rusty, erguendo o queixo com o polegar. — E então a beijou de modo inclemente, tomando o que desejava e dando mais do que ela jamais ousaria pedir. Cooper não tinha pressa. A língua lhe explorava o interior da boca em um ritmo puramente sexual. — Queria beijar seu corpo todo dessa forma — disse, quando por fim interrompeu o beijo. — Mas isso terá de esperar — completou, lançando um olhar aos perplexos observadores.

Estavam se dirigindo de volta ao aeroporto, mas Rusty não se lembrava nem de ter deixado o hotel. O beijo de Cooper a hipnotizara. A tarde pareceu se arrastar eternamente. Outra refeição lhes foi servida. Rusty pediu uma enorme salada do chef. Ansiava por vegetais frios, crocantes e frescos, mas só conseguiu comer a metade. A falta de apetite se devia apenas parcialmente ao lauto desjejum que fizera horas atrás, mas também por estar ansiosa com o questionário a que ela e Cooper estavam sendo submetidos. A maior parte das perguntas se relacionava a Quinn e Reuben Gawrylow.

Um escrevente de júri fora trazido até lá para tomar o depoimento de Cooper. Ele contou como conheceram os dois reclusos, o abrigo que eles lhes deram, a promessa de resgate e depois o ataque.

— Nossas vidas estavam em perigo — disse Cooper. — Não tinha outra escolha. Foi legítima defesa.

Rusty avaliou a reação dos policiais e percebeu que eles não estavam convencidos. Murmuravam entre si e continuavam a lançar olhares suspeitos a Cooper. Começaram a lhe fazer perguntas sobre sua permanência no Vietnã e trouxeram à tona o fato de ele ser um ex-prisioneiro de guerra. Perguntaram-lhe para relatar os eventos que culminaram com sua fuga do campo dos prisioneiros de guerra. Porém, Cooper se recusou, dizendo que aquilo não tinha nenhuma ligação com a questão em pauta.

— Mas você foi forçado a... a...

— Matar? — perguntou Cooper, em tom brusco. — Sim. Matei muitos durante minha fuga. E faria tudo de novo.

Olhares significativos foram trocados. Alguém tossiu, desconfortável.

— Ele está esquecendo um detalhe vital — disse Rusty de repente. — Todos os olhares se voltaram para ela.

— Rusty, não — disse Cooper. Os olhos cinza a encararam, suplicando-lhe cautela e discrição. — Não tem que fazer isso.

Mas ela lhe voltou um olhar amoroso.

— Sim, tenho. Está tentando me poupar e lhe agradeço por isso, mas não posso deixar que pensem que matou aqueles dois homens sem uma forte motivação. — Rusty encarou os policiais. — Os Gawrylow iriam matar Cooper para... ficar comigo.

O choque se estampou nas faces que os encaravam.

— Como sabe disso, srta. Carlson?

— Ela apenas sabe, está bem? Podem suspeitar de que eu esteja mentindo, mas não têm razão para pensar isso dela.

Rusty colocou a mão no braço de Cooper para calá-lo.

— O mais velho, Quinn me atacou. — De modo direto, contou-lhes o que Gawrylow fizera naquela manhã na cabana. — Minha perna estava machucada. Encontrava-me totalmente indefesa. Cooper chegou bem a tempo de evitar o estupro. Gawrylow ameaçou pegar o revólver. Se Cooper não tivesse agido rapidamente como fez, estaria morto em vez de Quinn. E eu ainda estaria à mercê daquele homem.

Rusty trocou um olhar cúmplice com Cooper. Ela não havia instigado os eremitas deliberadamente. Viu aquela afirmação estampada nos olhos cinza, que lhe suplicavam para que lhe perdoasse os insultos. Ela também lhe fez um pedido tácito para que a perdoasse por ter sentido medo dele. A mão longa se espalmou na nuca de Rusty, puxando-lhe a cabeça contra o peito. Ignorando os demais presentes, abraçaram-se balançando levemente para a frente e para trás. Meia hora depois, Cooper foi isento de toda a culpa pelas mortes dos Gawrylow. Agora, teriam de encarar os parentes das vítimas. O grupo choroso e em luto foi encaminhado ao escritório. Por quase uma hora Rusty e Cooper conversaram com eles, fornecendo-lhes todas as informações possíveis. Os familiares conseguiram encontrar algum consolo no fato de seus entes queridos terem morrido instantaneamente e sem muito sofrimento. E, por fim, agradeceram aos sobreviventes pelas informações. Foi uma experiência comovente para todos os envolvidos.

O encontro com a imprensa foi algo totalmente diferente. Quando Rusty e Cooper foram guiados para dentro do salão designado para a conferência, foram recebidos por uma multidão agitada. Uma nuvem de tabaco obscurecia o teto. Sentados em uma mesa atrás da fileira de microfones, responderam a uma enxurrada de perguntas tão objetiva e concisamente quanto possível. Alguns questionamentos eram tolos, outros inteligentes e alguns dolorosamente pessoais. Quando um inconveniente repórter perguntou como era dividir uma cabana com um completo estranho, Cooper se dirigiu aos oficiais.

— Basta. Tirem Rusty daqui.

Os burocratas não agiram tão rapidamente quanto ele desejava. Tomando a tarefa de livrar Rusty daquela atmosfera carnavalesca, lhe espalmou uma das mãos nas costas e a ajudou a se levantar. Quando estavam se encaminhando à porta de saída, um homem se aproximou correndo e acenou com um cartão de visitas, próximo ao rosto de Cooper, que o identificava como o repórter de um jornal. Ofereceu-lhes uma quantia astronômica em dinheiro pelos direitos exclusivos daquela história.

— Mas se isso não for suficiente — gaguejou o repórter, quando Cooper lhe lançou um olhar malévolo. — Aumentaremos a oferta. Suponho que não tenham tirado nenhuma foto, certo?

Deixando escapar um rugido feroz, Cooper empurrou o repórter para o lado e lhe disse o que ele deveria fazer com a oferta, utilizando-se de termos que não deixavam dúvidas de sua irritação.

Quando embarcaram no jato que os levaria a Los Angeles, Rusty se encontrava tão exausta que mal conseguia andar. A perna direita doía e Cooper praticamente a carregava para dentro do avião. Acomodou-a no assento de primeira classe, próximo à janela e se sentou ao lado dela. Em seguida, pediu à comissária de bordo que trouxesse uma dose de conhaque imediatamente.

— Não vai beber? — indagou Rusty, depois de alguns goles revigorantes.

Cooper balançou a cabeça negativamente.

— Jurei não tomar nenhuma bebida alcoólica durante algum tempo. — Um leve sorriso lhe curvou um dos cantos dos lábios.

— Você é lindo, sr. Landry — disse ela em tom suave, encarando-o como se o estivesse vendo pela primeira vez.

Cooper lhe removeu o copo das mãos.

— Foi o conhaque que lhe soltou a língua.

— Não. Foi você. — Rusty ergueu as mãos e lhe tocou os cabelos, fazendo-os deslizar sedosamente por seus dedos.

— Fico feliz que pense assim.

— Desejam jantar, srta. Carlson, sr. Landry?

Surpreenderam-se ao perceber que o avião já havia estabilizado. Estavam tão preocupados um com o outro que não perceberam a decolagem. O que fora uma grande vantagem. A viagem de helicóptero não fora tão traumática porque Rusty não teve como prevê-la, porém à medida que o dia passava, o pensamento de voar para Los Angeles a tornava mais apreensiva. Levaria um tempo para que pudesse se sentir relaxada em um voo, se um dia conseguisse.

— Quer jantar? — indagou Cooper. Ela negou com a cabeça. — Não, obrigado. Fomos muito bem alimentados hoje — disse, dirigindo-se à comissária de bordo.

— Se precisarem de alguma coisa, é só me chamar — ofereceu a jovem, solícita, antes de se afastar pelo corredor. Eram os únicos passageiros na cabine de primeira classe e, portanto, foram deixados a sós pela primeira vez desde que haviam sido resgatados.

— É engraçado — disse Rusty, pensativa. — Ficamos tão próximos o tempo todo que pensei que iria gostar de ficar na companhia de outras pessoas. — Segurou o bolso da camisa de Cooper. — Mas detestei aquela multidão hoje. Todo aquele tumulto. Toda vez que o perdia de vista, entrava em pânico.

— E natural — sussurrou Cooper, enquanto lhe afastava uma mecha de cabelos da face. — Dependeu de mim por muito tempo e criou o hábito. Isso passará.

Rusty inclinou a cabeça para trás.

— Será?

— Não?

— Não estou certa se é isso que desejo.  

Sussurrando o nome de Rusty, ele se apossou dos lábios macios com um beijo ardente, como se fosse o último. Havia certo desespero nele que persistiu, quando ela lhe envolveu a nuca com os braços e enterrou a face na curva do ombro largo.

— Salvou minha vida. Já lhe agradeci? Disse-lhe que teria morrido sem você?

Cooper estava ocupado lhe beijando o pescoço, as orelhas e o cabelo.

— Não precisa me agradecer. Quis proteger e tomar conta de você.

— Fez isso muito bem. — Beijaram-se outra vez até que fossem forçados a recuar para recobrar o fôlego.

— Toque-me.

Cooper observou os lábios, ainda úmidos pelo beijo, sussurrarem as palavras.

— Tocá-la? Aqui? Agora?

Com um gesto rápido, ela confirmou com a cabeça.

— Por favor, Cooper. Estou com medo. Preciso saber que está aqui... realmente aqui.

Cooper abriu o casaco que o governo Canadense lhe dera e escorregou a mão para dentro, tocando-lhe o seio, sentindo-o firme, macio e quente sob o suéter que ela usava. Encostou o rosto ao dela.

— Seu mamilo já está rígido.

— Hmm...

Os dedos longos brincaram com a protuberância enrijecida através do tecido de lã.

— Não parece surpresa.

— Não estou.

— Eles estão sempre assim? Onde estava quando eu tinha quatorze anos?

Rusty deixou escapar uma risada baixa.

— Não estão sempre assim. É que eu estava pensando sobre ontem à noite.

— A noite passada demorou uma eternidade. Seja específica.

— Lembra-se quando — Rusty sussurrou uma lembrança erótica.

— Deus, sim! — gemeu ele. — Mas não fale sobre isso agora.

— Por quê?

— Se o fizer, terá de sentar no meu colo. Rusty lhe tocou o sexo.

— Para esconder isto.

— Não, Rusty — disse ele entre dentes cerrados. Quando Cooper detalhou o que fariam se ela se sentasse em seu colo, a mão que o tocava se afastou castamente.

— Acho que não é apropriado para o momento. Aliás, o que estamos fazendo também não é. Talvez seja melhor parar.

Cooper afastou a mão do suéter. Os dois mamilos de Rusty se encontravam rígidos, projetando-se pelo tecido de lã. Ambos trocaram um olhar frustrado.

— Queria que não tivéssemos sido tão teimosos e tivéssemos feito amor antes.

Cooper deixou escapar um profundo suspiro.

— Concordo.

Um soluço se formou na garganta de Rusty.

— Abrace-me. — Ele a puxou contra o corpo e enterrou a face na massa sedosa de cabelos ruivos. — Não me abandone.

— Não vou abandoná-la. Não agora.

— Nunca. Prometa.

Porém, o sono a venceu antes que obtivesse resposta. O que também a poupou de ver a expressão melancólica no rosto de Cooper.

 

Parecia que toda a população da cidade os estava aguardando no aeroporto. Haviam feito uma escala breve em Seattle, mas não tiveram de mudar de avião. Nenhum dos passageiros se juntara a eles na primeira classe. Aquele voo transcorrera sem percalços.

Agora, antecipando o cenário caótico, o chefe dos comissários de bordo, aconselhou-os a esperar que todos os passageiros desembarcassem primeiro. Rusty ficou satisfeita com aquele atraso. Sentia-se extremamente nervosa. As palmas das mãos transpiravam. Crises daquele tipo não lhe eram familiares. Sempre à vontade nos eventos sociais, não podia imaginar por que estava tão ansiosa no momento. Não largava o braço de Cooper, embora continuasse a lhe sorrir com fingida confiança. Se ao menos pudesse voltar a sua rotina em toda aquela agitação! Mas aquilo não seria fácil. No momento em que transpôs a porta do avião e entrou no terminal, seus piores medos se justificaram. Por um momento os holofotes das emissoras de televisão a cegaram. Microfones lhe foram encostados no rosto. Alguém, inadvertidamente, esbarrou com a bolsa de uma câmera em sua perna machucada. O barulho era ensurdecedor. Porém, em meio à cacofonia, uma voz familiar se dirigiu a ela.

— Papai?

Em segundos, Rusty se encontrava aconchegada no abraço do pai. O braço perdeu o contato com o de Cooper. Mesmo correspondendo ao abraço, procurou pela mão forte e calejada, mas não a encontrou. A separação a deixou em pânico.

— Deixe-me ver o estrago. — Bill Carlson afastou a filha e a manteve à distância de um braço. Os repórteres abriram um círculo maior em torno deles, mas as câmaras registravam, incessantemente, a cena comovente. — Não está tão mal assim, apesar das circunstâncias. — Escorregou o casaco que ela usava pelos ombros. — Por mais que eu esteja agradecido ao governo Canadense por ter cuidado de você hoje, acho que se sentirá melhor nisso.

Uma caixa enorme se materializou nas mãos de um dos bajuladores assistentes do pai. Dele, Carlson retirou um casaco vermelho e comprido de pele de raposa, exatamente igual ao que ela estava usando no momento da queda do avião.

— Soube do fim que levou seu casaco, querida — disse ele, enquanto orgulhosamente o ajustava em torno dos ombros da filha. — Portanto quero substituí-lo por este.

Um burburinho emergiu da multidão. Os repórteres se aproximaram para tirar mais fotos. O casaco era esplendoroso, mas extremamente quente para o frio ameno da noite de inverno do sul da Califórnia. Porém, Rusty não percebeu. Estava alheia a tudo. Os olhos procuravam, aflitos, por Cooper.

— Pai, quero que conheça...

— Não se preocupe com sua perna. Será tratada pelo mais renomado cirurgião plástico. Providenciei um quarto para você no hospital. Vamos para lá imediatamente.

— Mas Cooper...

— Oh, sim, Cooper Landry, certo? O homem que também sobreviveu ao acidente. Estou agradecido a ele, claro, por ter salvado sua vida. Nunca esquecerei isso. — Carlson falava em um tom alto para garantir que os microfones ao redor lhe captassem a voz.

Diplomaticamente, o assistente utilizou a embalagem do casaco para abrir caminho pela multidão.

— Senhoras e senhores, nós os informaremos quando tivermos alguma novidade sobre o acidente — disse Carlson, enquanto guiava Rusty em direção a um carro de golfe que os aguardava para transportá-los através do terminal.

Rusty procurou em todas as direções, mas não conseguiu avistar Cooper. Por fim, reconheceu os ombros largos se afastando do local onde estavam os repórteres.

— Cooper! — O carro deu um solavanco e ela se agarrou ao acento para não perder o equilíbrio. — Cooper! — chamou outra vez, mas ele parecia não escutá-la em meio a tanto barulho.

Desejava saltar do carro e ir atrás dele, mas o pequeno veículo já estava em movimento e o pai falava com ela. Tentou assimilar as palavras de Carlson, mas parecia que ele estava falando em um idioma desconhecido.

Lutou contra o pânico crescente, enquanto o carro de golfe abria caminho pela multidão, buzinando para afastar os pedestres. Por fim, Cooper foi engolido pela multidão e ela o perdeu de vista.

Dentro da limusine, dirigindo-se ao hospital onde um quarto lhe fora providenciado, o pai lhe segurou a mão fria e úmida.

— Temi muito por você, minha filha. Pensei que a havia perdido, também.

Rusty recostou a cabeça ao ombro do pai e lhe apertou o braço.

— Eu sei. Fiquei preocupada com sua reação ao receber a notícia do acidente, enquanto eu tentava me manter em segurança.

— Sobre nossa discussão no dia em que partiu...

— Por favor, pai, não vamos pensar nisso agora. — Rusty ergueu a cabeça e lhe sorriu. — Posso não ter sobrevivido às entranhas daquele carneiro, mas sobrevivi a uma queda de avião.

Carlson riu entre dentes.

— Não sei se lembra disso... era muito jovem... mas Jeff saiu sorrateiro da cabana que ocupava no acampamento de escoteiros durante um verão. Passou a noite inteira na floresta. Perdeu-se e só foi encontrado no meio do dia seguinte. Mas aquele fujão não ficou nem um pouco assustado. Quando o encontramos, tinha montado um acampamento e estava tranqüilamente pescando o peixe que comeria no jantar.

Rusty voltou a recostar a cabeça ao ombro do pai. O sorriso se apagando gradualmente.

— Cooper fez isso tudo por mim.

Sentiu a tensão repentina no corpo do pai. Uma reação que Costumava ter quando não aprovava alguma coisa.

— Que tipo de homem é esse Cooper Landry?

— Que tipo?

— Se bem entendi, é um veterano do Vietnã.

— Sim, foi prisioneiro de guerra, também, mas conseguiu escapar.

— Ele... a tratou bem?

Oh, sim!, pensou Rusty. Porém, guardou a fonte de lembranças apaixonadas que borbulhava dentro dela trancadas como um champanhe arrolhado.

— Sim, pai, muito bem. Não teria sobrevivido sem ele. Achava prematuro lhe contar sobre seu envolvimento pessoal com Cooper. O pai seria informado sobre seus sentimentos gradualmente. Bill Carlson era um homem dogmático e os encararia com resistência.

Mas também era intuitivo. Não era fácil lhe embotar a visão.

— Pode tentar localizá-lo para mim esta noite? — perguntou Rusty, mantendo o tom de voz o mais casual possível. Aquele não era um pedido inusitado. O pai tinha contatos por toda a cidade. — Diga-lhe onde estou. Fomos separados no aeroporto.

— Por que é necessário ver esse homem outra vez? Seria a mesma coisa que lhe perguntar por que era necessário respirar outra vez.

— Queria lhe agradecer por ter salvado minha vida de maneira apropriada — respondeu ela com voz neutra.

— Verei o que posso fazer — afirmou Carlson, quando o chofer manobrou o carro pela entrada de veículos da clínica particular.

Embora o pai tivesse preparado o caminho, duas horas se passaram até que Rusty se visse sozinha em seu sofisticado quarto. Decorado com obras de arte originais e mobília contemporânea, parecia-se mais com um apartamento do que com um quarto de hospital. Deitou-se na cama automática firme e confortável, com travesseiros macios sob a cabeça. Estava trajando a camisola de um novo estilista. Uma das muitas que o pai havia colocado em sua mala. Todos os seus cosméticos e artigos de higiene pessoal favoritos se encontravam dispostos na bancada do toalete. O staff estava a seu dispor. Tudo que tinha a fazer era erguer o fone do aparelho sobre o criado mudo.

E estava péssima.

A perna doía devido ao exame minucioso do cirurgião. Como medida de segurança, foram feitos raios X, mas não revelaram nenhum osso quebrado.

— Cooper me disse que não havia nada quebrado. — Rusty informou ao médico, que franzia a testa para a cicatriz disforme. Quando comentou sobre a precariedade dos pontos, ela saltou em defesa de Cooper. — Ele estava tentando salvar minha perna — disparou.

De repente, sentia-se orgulhosa daquela cicatriz e não muito animada em vê-la apagada, o que, segundo lhe informaram, iria requerer, no mínimo, três cirurgias reparadoras. Para ela, a cicatriz era como um símbolo de coragem. Além disso, Cooper passara muito tempo na noite anterior, beijando e acariciando a pele distorcida e lhe garantindo que em vez de desestimulá-lo, a cicatriz o deixava extremamente excitado. Rusty considerou dizer aquilo para o pomposo cirurgião plástico. Mas não disse. Na verdade, não falara muito desde que chegara. Não tinha energia. Tudo em que pensava era como seria bom ficar sozinha e dormir.

Porém, agora que tinha a oportunidade, não conseguia. Dúvidas, temores e tristeza a mantinham acordada. Onde estaria Cooper? Por que não a seguira? Haviam armado um circo no aeroporto, mas certamente podia ter ficado a seu lado se de fato quisesse.

Quando a enfermeira entrou, oferecendo-lhe um sedativo, aceitou imediatamente. Do contrário, não conseguiria adormecer sem o abraço forte e seguro de Cooper.

 

— Meu Deus! Não podíamos acreditar nisso! Nossa Rusty em um acidente de avião!

— Deve ter sido tenebroso.

Rusty ergueu o olhar do travesseiro da cama de hospital para as duas mulheres bem vestidas e desejou que desaparecessem em uma nuvem de fumaça. Tão logo a bandeja de desjejum fora retirada do quarto por uma eficiente e agitada enfermeira, as duas amigas entraram.

Exalando perfumes exóticos e aguçada curiosidade, disseram-lhe que queriam ser as primeiras a exprimirem suas condolências. Rusty suspeitou de que o que realmente queriam era serem as primeiras a ouvir os deliciosos detalhes do que alguém rotulara como "travessura canadense".

— Não posso dizer que foi muito divertido — disse Rusty com voz cansada. Acordara muito antes do café da manhã ser servido. Acostumara-se a despertar com a luz do sol. Graças à pílula tranqüilizante conseguira adormecer profundamente. A falta de ânimo que sentia se devia mais à melancolia do que à fadiga. Seu astral estava extremamente baixo e os esforços das amigas para erguê-lo surtiam efeito contrário.

— Tão logo saia daqui, nós a levaremos para uma completa recauchutagem no salão. Cabelos, pele, massagem. Veja suas pobres unhas! — Uma delas lhe ergueu a mão flácida, estalando a língua. — Estão devastadas!

Rusty sorriu, abatida, recordando como se aborrecera quando Cooper lhe cortara as unhas com a faca de caça.

— Não tinha como tratá-las em uma manicure. — O comentário era para ser jocoso, mas as amigas a olhavam com compaixão. — Estava muito ocupada tentando sobreviver.

Um delas sacudiu os cachos loiros intencionalmente enrolados, fazendo com que o lenço Hermes em seu pescoço deslizasse. Os doze ou mais braceletes em seu pulso tilintaram como guizos nos pescoços das renas de Natal.

— E tão corajosa, Rusty! Acho que preferia morrer a passar por tudo que passou.

Rusty estava a ponto de responder, quando se lembrou que não muito tempo atrás teria feito o mesmo comentário superficial.

— Sempre pensei assim, também. Ficaria surpresa em descobrir como são fortes os instintos de sobrevivência. Em uma situação como aquela, são eles que nos comandam.

Mas as amigas não estavam interessadas em filosofia. Queriam ouvir as futilidades. Os detalhes sórdidos. Uma delas se encontrava ao pé da cama e a outra sentada na cadeira ao lado do leito, com o corpo inclinado para a frente. Pareciam aves de rapina prontas para lhe separar a carne dos ossos tão logo sucumbisse.

A história sobre o acidente e os eventos que se seguiram estampava a primeira página do jornal aquela manhã. O autor da matéria, errando apenas alguns pequenos aspectos, detalhou a provação por que haviam passado Rusty e Cooper. A reportagem era séria e de cunho jornalístico. Porém, o público tinha tendência de ler entrelinhas. Queriam saber o que foi omitido. Incluindo as amigas de Rusty, os leitores queriam os fatos esmiuçados.

— Foi apenas tenebroso? Quando o sol se punha não era terrivelmente escuro?

— Tínhamos várias lanternas na cabana.

— Não, estou me referindo ao lado de fora. Antes de irem para a cabana, quando tiveram que dormir na floresta.

Rusty suspirou, exausta.

— Sim, era escuro. Mas tínhamos uma fogueira.

— O que vocês comiam?

— Na maioria das vezes, coelhos.

— Coelhos! Eu morreria.

—- Eu não morri — disparou Rusty. — E você também não morreria. — Por que estava fazendo aquilo? As amigas pareciam magoadas e confusas, sem entenderem o motivo de sua agressividade. Por que não dizia algo agradável, como o fato de a carne de coelho ser servida nos melhores restaurantes? Seguindo aquela linha de pensamento, não pôde evitar recordar de Cooper. Uma pontada aguda de saudade a invadiu. — Estou muito cansada — disse, sentindo necessidade de chorar e não ter de explicar por quê.

Mas a sutileza não funcionava com aquela dupla, que não aproveitou a deixa e partiu.

— E sua pobre perna! — A que ostentava os braceletes levou a mão a boca, horrorizada. — O médico está certo de que pode consertar isso?

Rusty fechou os olhos, enquanto respondia.  

— Razoavelmente certo.

— A quantas cirurgias terá de se submeter para se livrar dessa cicatriz horrorosa? — Rusty sentiu o ar se agitar contra seu rosto, enquanto a outra amiga acenava, frenética, para que a dos braceletes se calasse.

— Oh, não quis dizer isso. Não está horrorosa, quero dizer...

— Sei o que quer dizer — afirmou Rusty, abrindo os olhos. — Está horrorosa, mas é melhor do que estar amputada, o que por um tempo achei que fosse acabar acontecendo. Se Cooper... — calou-se, percebendo que inadvertidamente dissera o nome dele. Agora que havia escapado, as aves de rapina se prenderam ao comentário com suas garras curiosas.

— Cooper? — indagou uma delas em tom inocente. — O homem que sobreviveu à queda do avião com você?

— Sim.

As duas mulheres trocaram olhares cúmplices, como se apostando mentalmente qual delas faria a primeira das inúmeras perguntas sobre ele.

— Vi-o no noticiário da televisão ontem à noite. Meu Deus, Rusty! Ele é lindo.

— Lindo?

— Bem, não lindo no sentido de perfeito. Não é um modelo de perfeição. Quis dizer, grande, másculo, suado, cabeludo. Lindo no sentido sensual.

— Ele me salvou a vida — disse Rusty em tom suave.

— Eu sei minha querida. Mas se a vida de alguém tem de ser salva, melhor que seja por alguém com a aparência de Cooper Landry. Aquele bigode! — A amiga exibiu um sorriso malicioso e umedeceu os lábios.

— O que dizem sobre os bigodes? Lembra-se daquela piada?

Rusty se lembrava. As faces se tornaram rubras e os lábios, pálidos. O que diziam sobre bigodes era verdade.

— Os ombros dele são mesmo tão largos? — perguntou a outra amiga, afastando as mãos a uma distância de noventa centímetros.

— Sim, ele é muito musculoso — admitiu Rusty, impotente.

— Mas ele...

— Os quadris dele são estreitos assim? — As mãos da segunda amiga exibiam uma distância de trinta centímetros. As duas davam risadinhas.

Rusty tinha vontade de gritar.

— Aquele homem sabia fazer coisas que nunca pensei que existissem. Construiu uma padiola, usando meu casaco de peles. Com ela, me transportou por quilômetros do local do acidente. Não tinha me dado conta do quanto nos afastamos até que vi a distância do helicóptero.

— Há algo deliciosamente perigoso naquele homem. — Uma das amigas estremeceu de leve. — Algo ameaçador em seus olhos. Sempre achei esses traços primitivos extremamente sensuais.

A que estava sentada na cadeira fechou os olhos, quase em êxtase.

— Pare! Estou ficando com calor.

— No jornal desta manhã estava escrito que ele matou dois homens por sua causa.

Rusty quase se levantou da cama.

— Não foi isso que foi publicado!

— Somei dois mais dois.

— Foi em legítima defesa!

— Querida, acalme-se — a amiga lhe deu palmadas leves na mão. — Se está dizendo que foi legítima defesa, eu acredito. — Piscou para Rusty. — Ouça, meu marido conhece Bill Friedkin. Ele acha que sua história daria um excelente filme. Os dois almoçarão juntos na próxima semana e...

— Um filme! — Rusty se sentia irritada com o pensamento. — Oh, não. Por favor, diga a ele para não comentar nada nesse sentido. Não quero tirar nenhum proveito dessa situação. Só quero esquecer e seguir em frente com minha vida.

— Não queríamos aborrecê-la. — A que estava sentada na cadeira se ergueu e estacou ao lado da cama, pousando uma das mãos sobre o ombro de Rusty, como a confortá-la. — É que somos suas melhores amigas. Se há algo terrível, que deseje comentar conosco, como... você sabe... algo pessoal que aconteceu no desastre, que não queira discutir com seu pai, estamos a seu dispor.

— Como o quê? — Rusty afastou a mão da amiga e as encarou com um olhar furioso. As duas trocaram outro olhar significativo.

— Bem, ficou sozinha com aquele homem por quase duas semanas.

— E? — perguntou Rusty, irritada.

— E... — A amiga inspirou profundamente. — No jornal estava escrito que a cabana só possuía um cômodo.

— E daí?

— Ora, Rusty. — A paciência da amiga se esgotou. — Toda essa situação suscita muitas especulações. E uma mulher muito atraente e jovem. Cooper Landry é certamente delicioso e bastante viril. Os dois são solteiros. Você estava ferida e ele cuidou de você. Estava quase totalmente dependente dele. Pensaram que ficariam presos lá até o fim do inverno.

A outra amiga aproveitou a deixa pára acrescentar, excitada.

— Vivendo juntos daquele modo, tão próximos, no meio da mata virgem... bem, é a coisa mais romântica de que já ouvi falar. Sabe onde queremos chegar.

— Sim, sei. — A voz de Rusty era fria, mas os olhos castanhos faiscavam. — Querem saber se dormi com Cooper.

Naquele instante a porta se abriu e o tópico daquela conversa se materializou à porta. O coração de Rusty quase saltou pela boca. As amigas giraram em um impulso, ao perceber o sorriso radiante que se estampou em sua face. Os olhos cinza encontraram os dela. O olhar eletrizante que trocaram respondia a todas as perguntas relativas à intimidade.

— Uh, Cooper, essas são minhas melhores amigas. — Rusty as apresentou pelo nome. Ele dirigiu a cada uma delas um olhar desinteressado e com um gesto de cabeça as cumprimentou.

— Oh, sr. Landry, estou tão honrada em conhecê-lo — um delas disparou, ofegante e com os olhos arregalados. — O Times publicou que você foi prisioneiro de guerra. Isso me deixou louca! Quero dizer, pensar em tudo que já passou e depois ainda sobreviver à queda de um avião.

— Rusty nos disse que salvou a vida dela.

— Meu marido e eu gostaríamos de lhes oferecer um jantar íntimo quando Rusty estiver em condições. Por favor, diga que irá.

— Quando decidiu isso? — perguntou a outra em tom provocador. — Era eu quem queria lhes oferecer um jantar dançante.

— Eu falei primeiro.

O fútil diálogo era irritante e embaraçoso. A tola discussão as fazia parecer as meias-irmãs na história da Cinderela.

— Tenho certeza que Cooper não poderá ficar aqui por muito tempo — interrompeu Rusty, percebendo a crescente impaciência do amante, que combinava com a dela. Agora que ele estava ali, queria se livrar das amigas o mais rápido possível para que pudessem ficar a sós.

— Já permanecemos por muito tempo — disse uma delas, pegando a bolsa e o casaco. Em seguida, inclinou-se sobre Rusty e a beijou na face.

— Você, sua danadinha — sussurrou. — Não vai escapar. Quero saber de tudo.

A outra também se inclinou para perto.

— Estou certa que esse homem valeu o acidente de avião. E divino. Tão primitivo. Tão... bem, estou certa de que não preciso lhe dizer o que ele é.

As duas estacaram a caminho da porta para se despedirem de Cooper. Uma delas até mesmo lhe deu uma palmada leve no peito, de maneira insinuante, ao lembrá-lo do jantar que estava planejando em homenagem a ele. Em seguida, se afastaram, dirigindo um sorriso presunçoso a Rusty por sobre os ombros, antes de fecharem a porta.

Cooper as observou partir e, em seguida, aproximou-se da cama.

— Não vou a droga de jantar nenhum.

— Não esperava que concordasse. Quando a novidade passar, direi a ela para esquecer essa idéia.

Olhar para ele se revelou arriscado. Sentiu-se frustrada ao perceber que lágrimas lhe banhavam os olhos. Envergonhada, limpou a face com as mãos.

— Algo errado?

— Não eu... -— Rusty hesitou em lhe contar, mas decidiu tomar coragem. O tempo de guardar segredos entre eles há muito se fora. Decidida, ergueu a cabeça e lhe sustentou o olhar. — Estou muito feliz em vê-lo. — Cooper não a tocou, embora parecesse tê-lo feito. O olhar era tão possessivo quanto carinhoso e percorreu toda a extensão do corpo deitado sob o lençol fino antes de perfazer o caminho de volta. Deteve-se algum tempo nos seios fartos, que se encontravam sedutoramente delineados sob a camisola de seda. Exibindo nervosismo, Rusty ergueu a mão e brincou com a renda da gola. — A, uh, camisola estava aqui no quarto quando cheguei.

— E bonita.

— Qualquer coisa é melhor que roupa íntima longa de inverno.

— Ficava bem com ela.

O sorriso de Rusty vacilou. Ele estava lá. Podia vê-lo, sentir a fragrância de sabonete e ouvir a voz grave. Cooper estava vestindo roupas novas. Calça comprida larga, uma camisa esporte e jaqueta. Mas os trajes não eram responsáveis pela atitude distante. Rusty não queria percebê-la, mas ela estava lá. Tão óbvia quanto uma parede de concreto.

— Obrigada por ter vindo me ver — agradeceu, sem encontrar algo melhor para dizer. — Pedi ao meu pai para localizá-lo e lhe dizer onde eu estava.

— Seu pai não me disse nada. Eu a encontrei sozinho. — Aquilo lhe tocou o coração. Cooper estivera procurando por ela. Talvez a noite toda. Enquanto ela dormia com a ajuda do tranqüilizante, Cooper estivera varrendo a cidade com um pente fino em uma busca frenética. Porém, ele lhe destruiu as esperanças, acrescentando: — Li no jornal da manhã que estava internada aqui. Pelo que entendi, um cirurgião plástico corrigirá a cicatriz que lhe deixei.

— Defendi sua sutura.

Cooper deu de ombros, indiferente.

— Funcionou. É tudo que me importa.

— E tudo o que me importa, também.

— Claro.

— E verdade! — Rusty se sentou ereta, irritada com o tom condescendente de Cooper. — Não foi idéia minha vir diretamente para cá do aeroporto e sim do meu pai. Preferia ter ido para casa, verificar minha caixa de e-mails, regar minhas plantas e dormir em minha própria cama.

— Você é uma mulher adulta. Por que não fez isso?

— Acabei de lhe dizer. Meu pai tomou todas as providências. Não podia pedir para que suspendesse tudo.

— Por quê?

— Não seja obtuso. E por que não deveria querer remover essa cicatriz? — gritou, irritada.

Cooper desviou o olhar, mordendo a lateral do bigode.

— Claro que deveria.

Desabando, tristonha, Rusty recostou-se outra vez aos travesseiros e enxugou o canto dos olhos com o lençol.

— O que há de errado conosco? Por que estamos agindo assim?

Cooper lhe dirigiu o olhar, com uma expressão triste, como se fosse lhe destruir a inocência.

— Não deveria passar o resto da vida com essa cicatriz em sua perna. Não queria sugerir que o fizesse.

— Não estou me referindo à cicatriz, mas sim a tudo. Por que desapareceu no aeroporto ontem à noite?

— Eu estava lá, à vista de todos.

— Mas não estava comigo. Eu gritei por você. Não me escutou?

Cooper não lhe deu uma resposta direta.

— Não parecia estar precisando de atenção.

— Queria a sua atenção. Eu a tinha até descermos do avião.

— Não poderíamos fazer diante daquela multidão o que estávamos fazendo a bordo. — Os olhos cinza baixaram para encará-la, insultuosamente. — Além disso, estava muito ocupada. — Os lábios finos exibiram o sorriso cínico outra vez. Parecia-lhe pouco familiar agora, pois não o via desde que fizeram amor. Sentia-se desnorteada. Onde e quando as coisas entre eles começaram a dar errado?

— O que esperava que acontecesse quando aterrisássemos em Los Angeles? — Éramos e somos notícia, Cooper. Não foi culpa minha se os repórteres estavam lá. E meu pai também. Ele estava muito preocupado comigo. Financiou nosso resgate. Acha que ele encararia minha volta como algo casual?

— Não. — Cooper passou os dedos pelos cabelos. — Mas tinha de protagonizar tamanha exibição? Por que tão grande produção? Aquele casaco, por exemplo.

— Foi algo muito sensível da parte dele. — Até mesmo agora se sentia envergonhada com o gesto extravagante do pai, mas saltou em defesa dele. O casaco fora a expressão do amor e da alegria em vê-la retornar em segurança. Não importava o fato de ter sido uma demonstração de opulência de mau gosto. Era desagradável que Cooper não compreendesse e simplesmente refutasse as idiossincrasias de seu pai.

Cooper se movia, agitado, pelo quarto, como se o achasse confinante. Os movimentos eram abruptos e constrangidos, como os de um homem pouco à vontade com roupas que não combinavam com ele.

— Ouça, tenho de ir.

— Agora? Por quê? Para onde vai?

— Para casa.

— Para Rogers Gap?

— Sim. De volta aonde pertenço. Tenho um rancho para administrar. Não sei como o encontrarei quando lá chegar.

Como que em uma reflexão tardia, dirigiu o olhar à perna direita de Rusty.

— E quanto a sua perna? Ficará bem?

— Um dia, sim — respondeu ela, entorpecida. Ele está partindo. Indo embora. Afastando-se de mim. Possivelmente para sempre. — Serão necessárias algumas cirurgias. A primeira será a pior...

— Espero que não tenha lhe causado mais mal do que bem.

A garganta de Rusty se fechou pela emoção.

— Não causou.

— Bem, acho que é hora de dizer adeus. — Cooper se dirigiu à porta, tentando não aparentar estar fugindo.

— Talvez algum dia eu possa dirigir até Rogers Gap para visitá-lo. Nunca se sabe quando os negócios poderão me levar naquela direção.

— Sim, claro. Seria ótimo. — O sorriso forçado de Cooper lhe dizia o contrário.

— Com... com que freqüência vem a Los Angeles?

— Raramente — respondeu ele honestamente. — Bem, até logo, Rusty. — Girando nos calcanhares, Cooper esticou a mão em direção à maçaneta.

— Cooper, espere! — Ele girou. Rusty estava sentada na cama, pronta para correr atrás dele se necessário. — E assim que acabará?

Cooper concordou com a cabeça.

— Não consigo. Não depois de tudo que passamos juntos.

— Tem de ser assim.

Rusty balançou a cabeça com tanta força, que os cabelos voaram em todas as direções.

— Você não me engana mais. Está sendo insensível para se proteger. Está lutando contra isso. Sei que está. Quer me abraçar tanto quanto eu quero me atirar em seus braços.

O queixo quadrado se contraiu, quando ele trincou os dentes. Nas laterais do corpo, os punhos fecharam. Por alguns instantes, travou uma batalha hercúlea em seu íntimo, mas acabou capitulando.

Em poucas passadas, cruzou o quarto e a tomou nos braços. Inclinando-se sobre a cama, puxou-a contra o corpo com força. Abraçados, ambos balançaram juntos. O rosto de Cooper enterrado nos cabelos cor de canela e o dela, no pescoço largo.

— Rusty, Rusty.

— Ontem à noite, dormi a poder de tranqüilizante — disse, emocionada com a angústia que captava na voz de Cooper. — Ficava ouvindo sua respiração. Senti falta de seus braços em volta do meu corpo.

— E eu senti falta de seu traseiro encostado em meu quadril.

Cooper baixou a cabeça no mesmo instante em que ela a ergueu. O beijo era desesperado, repleto de desejo. Ele enterrou os dez dedos nos cabelos sedosos, imobilizando-lhe o rosto, enquanto fazia amor com a boca de Rusty.

— Desejei-a tanto ontem à noite que pensei que fosse morrer — confessou Cooper com voz rouca, quando interrompeu o beijo.

— Não quis se separar de mim?

— Não daquela forma.

— Então por que não me respondeu quando o chamei? Você me escutou, certo?

Cooper parecia vexado, mas balançou a cabeça afirmativamente.

— Não podia tomar parte daquele circo. Não via a hora de me afastar dali. Quando retornei do Vietnã, fui recebido como um herói. — Ele enrolou uma mecha dos cabelos cor de canela no dedo. — Não me sinto um herói. Tenho vivido em um inferno. Algumas das coisas que tive de fazer... bem, não foram muito heróicas. Não merecem holofotes e honrarias. Não as merecia. Queria apenas que me deixassem em paz para que pudesse esquecer. — Inclinou a cabeça para o lado. — Não mereço nem quero holofotes agora, também. Fiz o que era necessário para garantir nossa sobrevivência. Qualquer homem teria feito o mesmo.

Rusty lhe tocou o bigode de modo carinhoso.

— Não qualquer homem. Cooper deu de ombros.

— Tenho mais experiência em técnicas de sobrevivência do que a maioria das pessoas, só isso.

— Não quer ficar com o crédito que merece, certo?

— E isso que deseja, Rusty? Crédito por ter sobrevivido? Ficaria satisfeita em ouvir alguns elogios do pai por sua bravura. Em vez disso, ele se referira a escapada de Jeff do acampamento dos escoteiros e como o irmão havia reagido mediante uma situação potencialmente fatal. Aquela não fora uma atitude maliciosa. O pai não quisera minimizá-la diante do exemplo do irmão, mas tivera tal efeito em Rusty. O que precisaria fazer, pensou ela, para merecer a admiração do pai? Porém, por alguma razão, receber a aprovação de Carlson não lhe parecia mais tão importante quanto antes. Estava muito mais interessada na opinião de Cooper a seu respeito.

— Não quero crédito. Tudo que desejo é... — calou-se antes de dizer "você". Em vez disso, encostou a face ao peito rnusculoso. — Por que não veio comigo? Não me quer mais?

Cooper pousou a mão sobre o seio firme e o acariciou com as pontas dos dedos.

— Sim, quero.

O desejo que lhe tornava a voz tão desesperada não era estritamente físico. Rusty percebeu, porque sentia o mesmo. Vinha de um vazio que a invadia sempre que ele não estava por perto.

— Então de que se trata?

— Não a segui ontem à noite, porque queria antecipar o inevitável.

— O inevitável?

— Rusty — sussurrou ele. — Essa dependência física que sentimos um pelo outro é perfeitamente normal. É comum entre pessoas que sobreviveram a crises juntas. Até mesmo reféns e vítimas de seqüestro muitas vezes se sentem atraídos por seus captores.

— Sei de tudo isso. A Síndrome de Estocolmo. Mas isso é diferente.

— É? — As sobrancelhas de Cooper se ergueram com expressão cética. — Uma criança passa a amar qualquer pessoa que a alimente. Até mesmo um animal selvagem se afeiçoa a alguém que lhe dê comida. Cuidei de você. Foi apenas a natureza humana que a fez dar mais importância...

De repente, Rusty o afastou, irritada. A expressão indignada, os olhos faiscantes o desafiavam.

— Não ouse minimizar o que houve entre nós com padrões psicológicos. Isso é besteira. O que sinto por você é real.

— Não disse que não era. — A indignação de Rusty o excitou. Gostava mais quando ela o desafiava. Puxou-a contra o corpo.

— Sempre teremos isto. — Mais uma vez lhe envolveu o seio com a mão e roçou o polegar sobre o mamilo. Rusty fraquejou, murmurando um frouxo "não", que ele ignorou e continuou a acariciá-la. Os olhos castanhos se fecharam.

— Quando nos aproximamos, eu me excito. Você se derrete. Sempre. Acontece desde que nos vimos pela primeira vez naquele avião. Estou certo?

— Sim — admitiu ela.

— Desejei-a antes de decolarmos.

— Mas nem ao menos sorriu, falou comigo ou me encorajou a puxar conversa com você.

— Isso mesmo.

— Por quê? — Rusty não conseguia raciocinar com ele a tocando daquela forma e lhe retirou a mão. — Diga-me por quê.

— Porque logo percebi ,o que sei agora: que pertencemos a mundos diferentes e não estou falando geograficamente.

— Sei o que quer dizer. Acha que sou tola e superficial como minhas amigas, que acabou de conhecer. Pois não sou!

— Ela pousou as mãos nos antebraços de Cooper. — Elas também me irritaram. Sabe por quê? Porque vejo a mim mesma... o modo como costumava ser. Eu as estava julgando como fez comigo quando nos conhecemos. Mas, por favor, seja tolerante com elas. Comigo. Aqui é Beverly Hills. Nada é real. Há regiões nesta cidade nas quais eu não me enquadro.

A cabana dos Gawrylow estava além do universo da minha compreensão, mas estou mudada. Realmente estou. Não sou mais como elas.

— Nunca foi, Rusty. Pensei que fosse, mas agora vejo que não. — Cooper lhe segurou a face. — Mas esta é a vida que conhece. São as pessoas com quem convive. Eu nunca me adaptaria. Nem ao menos gostaria de tentar. E você não se adaptaria ao tipo de vida que levo.

Magoada com a dolorosa veracidade do que ele estava dizendo, Rusty reagiu com raiva e lhe afastou as mãos com força.

— Sua vida! Que vida? Afastado do resto do mundo? Sozinho e solitário? Utilizando-se da severidade como armadura? Chama isso de vida? Tem razão, Cooper. Eu não conseguiria viver assim. Viver constantemente magoada com o passado seria muito difícil de suportar. Os lábios de Cooper se contraíram, formando uma linha severa sob o bigode. Ela sabia que lhe atingira o calcanhar de Aquiles, mas não se sentia vitoriosa.

— Então entendeu — disse ele. — E isso que estava tentando lhe dizer. Na cama, somos perfeitos, mas nunca conseguiríamos viver juntos.

— Por que é muito cabeça dura para tentar! Alguma vez considerou se comprometer com alguém?

— Não. Não quero ser parte desse cenário. — Cooper fez um gesto com as mãos para englobar o luxuoso quarto e tudo que havia além da ampla janela.

Rusty apontou um dedo acusatório para ele.

— Você é um esnobe.

— Esnobe?

— Sim. Esnoba a sociedade porque se sente superior às massas. Superior e íntegro devido à guerra da qual fez parte e ao seu aprisionamento. Sarcástico, porque vê tudo que há de errado no mundo. Escondido em sua montanha, brinca de Deus, olhando de cima todos nós que temos a coragem de tolerarmos uns aos outros apesar de nossos defeitos. — Não é nada disso — rosnou ele.

— Não? Não vê que não passa de um homem que se considera virtuoso e crítico? Se nosso mundo é tão errado, se o ridiculariza tanto, por que não faz alguma coisa para mudá-lo? O que ganha se afastando dele? A sociedade não o evita, é você quem a rechaça.

— Eu não a abandonei até que...

— Quem? — A face de Cooper se destituiu de toda emoção e se transformou em uma máscara impassível. O brilho nos olhos cinza se extinguiu, tornando-os implacáveis e duros. Chocada, Rusty levou a mão ao coração. A fonte do cinismo de Cooper era uma mulher! Quem? Quando? Uma centena de perguntas lhe cruzou a mente. Queria respostas para todas aquelas perguntas, mas por ora se concentrava apenas em sustentar o olhar hostil e frio. Cooper estava furioso consigo mesmo e com ela. Levara-o a ressuscitar algo que desejava manter enterrado. O coração acelerado de Rusty bombeava ciúmes por suas veias. Alguma mulher conseguira exercer tanta influência sobre Cooper a ponto de lhe alterar o curso da vida. Certamente era um rapaz confiante antes de aquela loba cravar as garras nele. Para que aquela amargura perdurasse por tanto tempo, ela devia ter sido importante. Cooper ainda sentia sua influência. Teria amado tanto?, indagou-se Rusty, desanimada. Um homem como Cooper Landry não ficaria muito tempo sem uma mulher, mas imaginara que seus relacionamentos fossem superficiais, por satisfação física e nada mais. Nunca lhe ocorrera que ele estivera seriamente envolvido com alguém. Mas estivera e a separação fora traumática e dolorosa. — Quem era ela?

— Esqueça.

— Conheceu-a antes de ir para o Vietnã?

— Esqueça isso, Rusty.

— Ela se casou com outro, enquanto estava aprisionado?

— Disse para esquecer.

— Você a amava?

— Ouça, ela era boa na cama, mas não tão quente quanto você, está bem? E isso que está querendo saber? Quais as diferenças entre as duas? Bem, vejamos. Ela não era ruiva, portanto não tinha sua natureza ígnea. Tinha um corpo espetacular, mas não se comparava ao seu.

— Pare com isso!

— Os seios eram mais fartos, mas não mais responsivos. Os mamilos? Mais largos e escuros. As coxas? Tão macias quanto as suas, mas não tão fortes. — Cravou o olhar na junção das coxas de Rusty. — Seu sexo pode levar um homem a loucura.

Rusty cobriu a boca com a mão para impedir um soluço de angústia e mágoa. A respiração tão ofegante quanto a dele. Encaravam-se com uma hostilidade tão feroz quanto a paixão que os envolvia quando faziam amor. Foi em meio àquela atmosfera carregada de eletricidade que Bill Carlson entrou no quarto.

— Rusty?

Sobressaltando-se com a voz do pai, ela girou.

— Papai! — exclamou. — Entre... bom dia. Este... — Rusty descobriu que tinha a boca seca e que a mão que ergueu para gesticular em direção a Cooper estava trêmula. — Este é Cooper Landry.

— Ah, sr. Landry. — Carlson estendeu a mão e ele a apertou, firmemente, porém com evidente antipatia. — Tenho muita gente tentando localizá-lo. — Como Cooper não forneceu nenhuma indicação de onde esteve na noite anterior, continuou: — Queria lhe agradecer por ter salvado a vida da minha filha.

— Não é necessário.

— Claro que é. Ela significa tudo para mim. E pelo que Rusty me contou, você significou a diferença entre a vida e a morte. Na verdade, foi minha filha quem pediu para encontrá-lo.

Cooper baixou o olhar a Rusty e voltou a encarar Carlson, que retirava um envelope do bolso do paletó.

— Rusty gostaria de lhe agradecer de um modo especial. Entregou o envelope a Cooper. Ele o abriu e observou o conteúdo por um longo instante, antes de ergueu o olhar e fixá-lo nela. Os olhos cinza estavam frígidos e repletos de desdém. Um dos cantos do bigode curvado em um sorriso sórdido.

Em seguida, rasgou ao meio o envelope e o cheque administrativo que se encontrava dentro, atirando-o as duas metades no vale entre as coxas de Rusty.

— Obrigado mesmo assim, srta. Carlson, mas em nossa última noite juntos fui muito bem pago por todos os meus serviços.

 

Carlson se voltou para encarar a filha, após observar a saída intempestiva de Cooper.

— Que homem desagradável!

— Pai, como pôde lhe oferecer dinheiro? — gritou Rusty, transtornada.

— Achei que era isso que queria.

— O que lhe deu essa impressão? Cooper... o sr. Landry... ele é um homem orgulhoso. Acha que salvou minha vida por dinheiro?

— Não ficaria surpreso. E um tipo desagradável pelo que ouvi falar.

— Andou perguntando por aí?

— Certamente. Tão logo o identificaram como o homem que estava com você quando foram resgatados. Estar isolada com ele não deve ter sido fácil.

— Tínhamos nossas diferenças — replicou Rusty com um sorriso cauteloso. — Mas ele podia ter me abandonado e salvado a si mesmo a qualquer momento.

— Ele não faria isso. Não quando poderia obter uma recompensa por tê-la salvado.

— Ele não sabia que teria.

— É um homem sagaz. Deduziu que eu não mediria despesas para regatá-la se ainda estivesse viva. Talvez tenha ficado ofendido com a quantia. — Carlson ergueu o cheque rasgado e o estudou por instantes. — Pensei ser uma recompensa generosa, mas talvez ele seja mais ganancioso do que imaginei.

Rusty fechou os olhos e deixou a cabeça pender sobre os travesseiros, sentindo-se derrotada.

— Pai, ele não quer seu dinheiro. Ficou muito satisfeito em se livrar de mim.

— O sentimento é mútuo. — Carlson se sentou na beirada da cama. — No entanto, é uma pena que não possamos tirar proveito de seu infortúnio.

Os olhos de Rusty voltaram a se abrir.

— Tirar proveito? A que está se referindo?

— Não tire conclusões precipitadas até escutar o que tenho a dizer.

Rusty já tirara várias conclusões e nenhuma delas a agradara.

— Não está se referindo a um filme, certo? — Quando uma das amigas o mencionara, sentira-se aterrorizada.

Carlson bateu de leve em sua mão.

— Nada tão grosseiro, minha querida. Temos mais estilo que isso.

— Então, de que se trata?

— Um de seus problemas sempre foi a falta de visão, minha filha. — Com um gesto afetuoso, Carlson fingiu lhe socar o queixo. — Seu irmão teria vislumbrado de imediato as possibilidades empreendedoras que esse episódio nos proporcionaria.

Como sempre, a comparação com o irmão a fez se sentir inferior.

— Como o quê?

— Fez seu nome no mercado imobiliário. E não debaixo de minhas asas. Posso ter plantado algumas oportunidades em seu caminho, mas soube se valer delas.

— Obrigada, mas aonde quer chegar?

— No seu próprio bem. É uma espécie de celebridade nesta cidade. — Ela sacudiu a cabeça, com expressão de escárnio. — Estou falando sério. Seu nome é conhecido nos círculos mais importantes. E nos últimos dias, seu nome e sua foto estamparam as notícias de todos os meios de comunicação. Foi transformada em uma espécie de heroína popular. Esse tipo de publicidade grátis é tão bom quanto dinheiro no banco. Proponho que tomemos vantagem desse desastre.

Beirando o pânico, Rusty umedeceu os lábios.

— Quer dizer promover o fato de que sobrevivi à queda do avião para incrementar nossos negócios?

— Que mal poderia haver nisso?

— Deve estar brincando! — Mas o pai não estava. Não havia nada em seu comportamento ou expressão que indicasse aquilo. Rusty baixou a cabeça. — Não, pai. Absolutamente não. Essa idéia não me agrada nem um pouco.

— Não negue de imediato — disse Carlson de forma paternalista. — Pedirei a nossa agência de publicidade para trabalhar em algumas novas idéias. Prometo não levar nenhuma adiante sem consultá-la e obter sua aprovação.

De repente, o pai lhe era um estranho. A voz, o rosto, as maneiras polidas, eram familiares, mas não conhecia o coração e a alma do homem sob o verniz.

Não o conhecia de fato.

— Nunca aprovarei. Aquele acidente de avião matou cinco pessoas. Cinco homens, pai. Encontrei os familiares deles — as viúvas, os filhos e pais. Conversei com todos e ofereci minhas mais sinceras condolências. Tirar vantagem da desgraça deles... — Rusty estremeceu de repugnância. — Não, pai. Isso eu não posso fazer.

Bill Carlson mordeu o lábio inferior, como sempre fazia quando estava pensativo.

— Muito bem: Por enquanto, vou deixar essa idéia de lado, mas outra me ocorreu. — Apertou as mãos da filha entre as dele. Rusty teve a nítida impressão que estava sendo contida por uma medida cautelar, como se o que ele estava a ponto de dizer fosse desencadear uma discussão.

— Como lhe disse, fiz um levantamento completo sobre o sr. Landry ontem. É proprietário de um grande rancho em uma bela região das Sierras.

— Sim, ele me contou.

— Ninguém explorou as terras em volta dele.

— É aí que reside a beleza do local. A região permaneceu praticamente intocada. Mas não estou conseguindo entender o que isso tem a ver conosco.

— O que há com você? — perguntou o pai em tom provocador. — Tornou-se uma conservacionista após passar duas semanas na mata? Pretende circular panfletos acusando os construtores de crime ambiental toda vez que um novo condomínio de casas for erguido?

— Claro que não, pai. — O tom provocador de Carlson beirava a censura. Havia um toque de reprovação sob o sorriso que exibia. Rusty não queria desapontá-lo, mas se apressou em rechaçar qualquer idéia que estivesse acalentando sobre Cooper e empreendimentos naquela região. — Espero que não esteja considerando nenhum empreendimento comercial próximo à propriedade do sr. Landry. Posso lhe garantir que ele não iria gostar. Na verdade, se oporia a você.

— Tem certeza? O que acha de idéia de uma sociedade com ele?

Rusty o fitou, incrédula.

— Uma sociedade entre mim e Cooper? Carlson confirmou com a cabeça.

— Ele é um veterano de guerra. Isso é extremamente promocional. Vocês sobreviveram à queda de um avião e amargaram inacreditáveis privações nas florestas do Canadá até serem resgatados. Isso também é altamente dramático e vendável. O mercado absorverá isso de imediato.

Todos, inclusive o pai, pareciam encarar o acidente de avião e a experiência dramática que o sucedeu como uma grande aventura, um melodrama protagonizado por Cooper e ela. A Rainha Africana, passado em diferentes locação e época.

Carlson se encontrava mergulhado demais em seus planos para perceber a reação negativa da filha.

— Poderia fazer algumas ligações e até à noite reunir um grupo de investidores que adoraria construir condomínios naquela área. Há uma pista de esqui em Rogers Gap, mas é mal administrada. Poderíamos modernizá-la e aperfeiçoá-la, antes de construirmos ao redor. Claro que envolvendo Landry nisso, para facilitar o acesso aos habitantes locais. Ele não é o tipo sociável, mas meus detetives informaram que tem grande influência naquela região. O nome dele é tido em alta conta. Assim que os condomínios começassem a ser construídos, poderíamos vendê-los. Seria um negócio milionário.

As objeções de Rusty a tal proposta eram tantas que não poderia enumerá-las, portanto nem ao menos tentou. Tinha de abater aquela idéia antes que levantasse voo.

— Pai, caso não tenha entendido, o sr. Landry não está interessado em enriquecer. — Rusty ergueu as duas metades do cheque e as agitou na frente do pai. — Lucrar com um empreendimento imobiliário será como uma maldição para ele. Ele ama aquele lugar e quer que ele permaneça como está, intocado pelos empreendedores. Adora o modo como a natureza o povoa.

— Landry talvez apoie a filosofia de Walden Pond — disse o pai, cético. — Mas todo o homem tem seu preço.

— Não Cooper Landry. Carlson acariciou a face da filha.

— Sua ingenuidade é tocante.

O brilho nos olhos do pai era familiar e alarmante. Indicava que estava farejando um grande negócio. Em uma comunidade de tubarões capitalistas, o pai era um dos que tinha a mandíbula mais mortal. Rusty lhe segurou as mãos e as apertou.

— Prometa-me que não fará isso. Você não o conhece.

— E você, conhece? —.O brilho no olhar do pai diminuiu e os cílios baixaram. Gradualmente, Rusty lhe soltou as mãos. Carlson se afastou, receoso, como se tivesse acabado de descobrir que ela estava com uma doença contagiosa.

— Não lhe fiz nenhuma pergunta embaraçosa, Rusty. Queria nos poupar disso. No entanto, não sou cego. Landry é a caricatura típica do macho alfa. Faz o tipo esquivo beligerante pelo qual as mulheres se derretem e a quem fantasiam domar. — Ergueu o queixo da filha para que pudesse encará-la. — Certamente é muito inteligente para se apaixonar por um par de ombros largos e um corpo forte. Espero que não tenha se envolvido emocionalmente com aquele homem. Isso seria desastroso.

Inconscientemente, o pai repetira a teoria Cooper. Que seus sentimentos eram baseados na dependência um do outro.

— Sob tais circunstâncias, não seria natural formar esse tipo de ligação?

— Sim, mas as circunstâncias mudaram. Não está mais isolada da selva com Landry. Está em casa. Tem uma vida que não deve ser negligenciada por uma empolgação juvenil. O que quer que tenha acontecido lá — disse Carlson, gesticulando a cabeça elegante em direção à janela. — Acabou e deve ser esquecido.

Cooper dissera o mesmo. Mas não havia acabado. Nem de longe. E também não podia ser esquecido. O que sentia por ele não iria enfraquecer ou um dia fenecer por falta de estímulo. Não formara uma dependência psicológica com Cooper que desapareceria gradualmente à medida que retomasse sua rotina. Apaixonara-se. Cooper não era mais seu provedor e protetor, mas algo muito mais abrangente. Era o homem que amava. A despeito de estarem juntos ou separados, aquilo nunca iria mudar.

— Não se preocupe. Sei exatamente o que sinto pelo sr. Landry. — Estava sendo sincera. O pai que tirasse suas próprias conclusões.

— Boa menina — disse Carlson, dando palmadas leves no ombro da filha. — Sabia que podia contar que saísse dessa experiência mais fortalecida e experiente do que nunca. Assim como seu irmão, tem a cabeça no lugar.

 

Rusty estava em casa havia uma semana, após ter saído do hospital, recuperando-se da primeira cirurgia. A cicatriz não tinha melhor aparência do que antes, mas o médico lhe garantira que, após a série de cirurgias, ficaria praticamente imperceptível.

Fora uma discreta frouxidão na perna, sentia-se bem. O curativo havia sido removido, mas o cirurgião recomendara para que não a cobrisse com roupa e usasse muletas para se apoiar.

Recuperara os quilos perdidos após a queda do avião. Passava mais ou menos meia hora por dia sob o sol no deque de pau-brasil de sua piscina para recuperar o bronzeado. As amigas cumpriram a promessa e, como Rusty não estava em condições de se locomover com facilidade, trouxeram o salão até ela. Um cabeleireiro lhe lavou e restaurou os cabelos, que recuperaram o brilho usual. Uma manicure lhe reconstruíra as unhas, além de lhe massagear as mãos ressecadas e rachadas.

Enquanto observava a manicure trabalhar, pensava sobre o cesto de roupa que lavara e pendurara para secar em um arame tosco do lado de fora da cabana. Sempre fora uma peleja fazer a roupa secar antes de congelar. Mas não fora assim tão mau. Ou a lembrança tinha o poder de tornar as coisas melhores do que realmente foram? Àquilo podia ser aplicado em tudo mais. Teriam os beijos de Cooper sido realmente entontecedores? Teriam os braços fortes e as palavras sussurradas sido tão confortantes durante a noite? Se não haviam sido, por que freqüentemente acordava, ansiando pela proximidade e pelo calor do corpo másculo?

Nunca se sentira tão solitária.

Não ficaria sozinha. Pelo menos, não ficava sozinha por muito tempo. Amigos a visitavam para lhe trazer presentes

frívolos na esperança de lhe dissipar a melancolia. Fisicamente, estava se recuperando bem, mas não conseguira recuperar o ânimo. Amigos e colegas de trabalho se mostravam preocupados com seu estado. Dede a queda do avião, nunca mais voltara a demonstrar alegria. Eles lhe proviam tudo, desde chocolates Godiva e tacos mexicanos às melhores especialidades dos mais finos restaurantes de Beverly Hill's, preparados especialmente para ela pelos chefs que conheciam as preferências gastronômicas de Rusty.

Tinha tempo de sobra, mas nunca se mantinha desocupada. O vaticínio do pai se tornara real: de repente, tornara-se uma célebre corretora de imóveis. Todos que desejavam vender ou comprar imóveis queriam se aconselhar com ela sobre as flutuações do mercado. Todos os dias recebia telefonemas de clientes em potencial, incluindo um expressivo número de artistas de cinema e televisão. Quase criou um calo na orelha devido às horas que passava ao telefone. Em outra ocasião, teria subido à lua por uma lista de clientes daquele calibre. Em vez disso, sentia-se invadida por um tédio que não sabia explicar ou superar.

O pai não se referira mais aos empreendimentos em Rogers Gap. Esperava que a idéia tivesse sido abortada. Todos os dias, ele a visitava para verificar seu progresso. Porém, Rusty suspeitava, talvez injustamente, de que o pai estava mais interessado em colher rapidamente essa nova safra de negócios do que em sua recuperação.

As linhas ao redor dos lábios de Carlson se tornavam tensas de impaciência e o jocoso encorajamento para que voltasse a trabalhar estava começando a soar forçado. Embora estivesse seguindo ordens médicas, sabia que estava esticando sua recuperação ao máximo. Estava determinada a não retornar à atividade até que se sentisse em condições. Naquela tarde, em particular, gemeu temendo o que estava por vir, quando a campainha da porta ecoou pela casa. O pai lhe telefonara mais cedo, dizendo que devido a um compromisso de trabalho, não poderia visitá-la aquele dia. Rusty se sentira aliviada. Amava o pai, mas apreciara aquele intervalo na visitação diária, que sempre a deixava exausta.

Obviamente a reunião fora cancelada e ela não teria direito à moratória afinal. Apoiando os braços nas muletas, se encaminhou pelo hall em direção à porta da frente. Vivia naquela casa há três anos. Era pequena, revestida de reboco branco e coberta por telhas vermelhas, ao estilo do sul da Califórnia, embutida em uma elevação e coberta por viçosas buganvílias. Rusty se apaixonara por ela à primeira vista. Transferindo o peso do corpo para uma das muletas, girou a maçaneta e abriu a porta.

Cooper nada disse. Nem Rusty. Apenas se encararam por um longo tempo, antes de ela silenciosamente se afastar para lhe dar passagem. Ele transpôs a porta em arco e Rusty a fechou, girando, em seguida, para encará-lo.

— Olá.

— Olá.

— O que está fazendo aqui?

— Vim ver como está sua perna. — Cooper baixou o olhar à panturrilha que ela projetara para à frente. — Não parece muito melhor.

— Mas ficará. — O olhar cético de Cooper se moveu para encará-la. — O médico garantiu — disse ela na defensiva.

Ainda parecendo em dúvida, ele não argumentou. Olhou ao redor, inspecionando a residência. — Gosto da sua casa.

— Obrigada.

— E muito parecida com a minha.

— E mesmo?

— A minha parece mais forte, talvez. Não tão bem decorada, mas são similares. Cômodos grandes. Muitas janelas.

Rusty considerou que tivesse se recuperado o suficiente para se mover. Ao revê-lo, o joelho no qual estava se apoiando ameaçou fraquejar. Agora se sentia confiante o suficiente para caminhar e gesticular para que a seguisse.

— Entre. Gostaria de beber algo?

— Um refresco.

— Limonada?

— Ótimo.

— Levarei apenas um minuto para fazer.

— Não se incomode.

— Não é incômodo algum. Também estou com sede. Rusty cruzou a sala de jantar em direção à cozinha nos fundos da casa è ele a seguiu.

— Sente-se. — Ela gesticulou em direção à mesa de madeira no centro da cozinha e se encaminhou ao refrigerador.

— Posso ajudá-la? — ofereceu Cooper.

— Não, obrigada. Tenho praticado.

Rusty girou pronta para sorrir, mas o surpreendeu com o olhar cravado na parte posterior de suas pernas. Pensando que estaria sozinha durante todo o dia, optara por bermudas com a bainha desfiada e não se incomodara com calçados. As extremidades inferiores da blusa de cambraia se encontravam amarradas na altura da cintura. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo irregular no topo da cabeça. O resultado era uma versão Beverly Hills de Daisy Mae.

Pego em flagrante, Cooper se remexeu na cadeira.

— Isso dói?

— O quê?

— Sua perna.

— Oh, não. Bem, um pouco. De vez em quando. Ainda não fui liberada para dirigir, andar ou coisa do tipo.

— Voltou ao trabalho?

O rabo de cavalo atritou contra o pescoço de Rusty, quando ela sacudiu a cabeça.

— Estou conduzindo alguns negócios por telefone. Os serviços de mensagem me amam. Eu os mantenho ocupados. Porém, ainda não me sinto apta a voltar. — Rusty retirou uma lata de limonada concentrada do refrigerador. — Esteve ocupado desde que voltou para casa?

Rusty entornou o líquido espesso em uma jarra e adicionou uma garrafa de club soda. Quando sentiu alguns respingos na mão, ela a ergueu à boca e os sugou. Em seguida, dirigiu um olhar questionador a Cooper.

Como um gavião, ele observava cada movimento. O olhar cravado nos lábios de Rusty. Lentamente, ela baixou a mão e retornou ao que estava fazendo. Trêmula, pegou dois copos e os encheu com cubos de gelo.

— Sim, estive ocupado.

— Como estavam as coisas quando retornou?

— Bem. Um vizinho se incumbiu de alimentar meu gado. Acho que faria aquilo indefinidamente se eu não tivesse voltado.

— E um bom vizinho. — Rusty queria injetar um pouco de leveza na conversa, mas a voz soava fraca. O que não combinava com a atmosfera tão pesada e opressiva quanto o verão de Nova Orleans. O ar estava abafado. Não conseguia encher os pulmões o suficiente.

— Ninguém o ajuda a administrar b rancho? — perguntou ela.

— De vez em quando. Mão de obra temporária. A maioria de esquiadores que não têm o que fazer e trabalham apenas para sustentar o hobby. Quando ficam sem dinheiro trabalham alguns dias para comprar as passagens de telesquis e comida. Esse esquema é bom para ambos os lados.

— Por que não gosta de ter gente por perto.

— Certo.

Rusty afastou o profundo desânimo que se abateu sobre ela, perguntando:

— Você esquia?

— Um pouco. E você?

— Sim, quer dizer, esquiava. — Rusty dirigiu o olhar à perna. — Talvez tenha de pular essa temporada.

— Talvez não, já que o osso não estava quebrado.

— Talvez.

E aquilo parecia ser tudo o que tinham a dizer. Em um acordo tácito, colocaram um fim às amenidades e fizeram o que realmente desejavam: olhar um para o outro.

Cooper cortara o cabelo, mas ainda estava em um comprimento fora de moda. Gostava do jeito como os fios cobriam a gola da camisa esporte. A mandíbula e o queixo se encontravam impecavelmente escanhoados, mas não sabia dizer se aparara o bigode. O lábio sob os pelos sedosos permanecia tão austero e rígido como sempre. Porém, as linhas nos cantos da boca pareciam mais profundas, o que lhe tornava a aparência ainda mais masculina. Não pôde se furtar a imaginar que preocupação em particular teria causado aquilo.

As roupas não eram de alta costura, mas iriam causar comoção na Rodeo Drive e seria uma prazerosa mudança em comparação com os garbosos trajes que desfilavam por lá. A calça jeans realçava mais o físico masculino do que qualquer outra vestimenta. E valorizava mais o corpo de Cooper do que o da maioria dos homens. Claro que havia outros detalhes que o favoreciam. A protuberância entre as coxas musculosas fazia com que borboletas flutuassem no estômago de Rusty. A camisa de algodão se encontrava colada a um peito com o qual ela ainda sonhava. As mangas estavam enroladas até o cotovelo, deixando à mostra os antebraços.

Cooper trouxera um casaco de couro marrom, que agora estava pendurado no espaldar da cadeira que ocupava, esquecido. Na verdade, parecia ter esquecido tudo, exceto da mulher a poucos centímetros de distância, embora a anos-luz de seu alcance.

Os olhos cinza vagaram pelo corpo de Rusty, despindo-a por completo. Como se lhe retirassem cada peça de roupa, ela sentiu a pele queimar. Quando o olhar explorador pousou na bainha da bermuda, onde os fiapos de tecido lhe roçavam as coxas, Rusty se encontrava quente e úmida. Cooper voltou a encará-la e o desejo que viu faiscar nos olhos castanhos refletia o dele. Era como se a atraísse como um imã. Apoiada nas muletas, Rusty fechou a distância que os separava, nunca perdendo o contato visual. Ele também lhe sustentava o olhar. Enquanto ela se aproximava, Cooper teve de inclinar a cabeça para trás para continuar a encará-la. Pareceu durar uma eternidade, mas levou apenas alguns segundos para que Rusty estivesse parada diante dele, apoiando-se nas muletas.

— Não acredito que esteja realmente aqui.

Gemendo, ele baixou a cabeça e a pressionou com força contra os seios firmes.

— Rusty. Droga! Não consegui me manter afastado.

Uma avalanche de emoções a fez fechar os olhos. Inclinando a cabeça para trás, ela se rendeu ao amor que sentia por aquele homem complexo e lhe sussurrou o nome.

Cooper lhe envolveu a cintura com os braços e aconchegou a face no sulco entre os seios fartos. As mãos espalmadas nas costas delicadas, puxando-a para perto, embora ela não pudesse se mover.

— Senti sua falta — confessou Rusty com voz rouca. Não esperava ouvir declaração similar e de fato Cooper não o fez, mas a ânsia com que a envolvia nos braços era uma prova tácita do quanto sentira saudades. — Ouvia sua voz e girava esperando vê-lo. Dizia-lhe algo, antes de perceber que não estava lá.

— Deus! Adoro seu cheiro. — Entreabrindo os lábios, ele mordeu a curva interna suave dos seios macios, prendendo tecido e todo o resto entre os dentes fortes e brancos.

— Tem a fragrância das montanhas — disse ela, beijando-lhe os cabelos.

— Tenho de lhe dar... — As mãos longas procuravam, frenéticas, desfazerem o nó da blusa de Rusty. — apenas uma... — Conseguiu desatá-lo e deu um puxão no tecido, fazendo voar os botões. — mordida. — A boca ávida se moveu para a protuberância do seio acima do sutiã.

Ao primeiro contato quente dos lábios firmes contra a pele, Rusty arqueou a cabeça para trás e gemeu. As juntas dos dedos se tornaram brancas no local onde apertava as muletas. Ansiava por soltá-las e enterrar as mãos nos cabelos ondulados e macios. Sentiu-os lhe roçarem a pele, quando ele girou a cabeça para lhe beijar o outro seio. Cooper aplicava mordidas leves sobre o tecido diáfano do sutiã e lhe sugava os mamilos. Rusty deixou escapar um som parecido com um soluço. Era ao mesmo tempo frustrante e excitante não poder usar as mãos. A sensação de impotência era estimulante.

— Cooper — sussurrou ela, quase implorando. Escorregando as mãos em torno das costas macias, ele abriu o fecho do sutiã, e lhe escorregou as alças até que ficassem presas nas mangas da blusa. Mas aquilo era suficiente. Havia exposto os seios firmes por completo. Os olhos cinza se deleitaram com aquela visão, antes de ele envolver com os lábios firmes um dos mamilos rígidos e o sugar suavemente. Em seguida, massageou-o com a língua antes de provocá-lo com o bigode. Todo o rosto de Cooper se movia pelos seios macios, friccionando-os contra o queixo, a boca o nariz e a testa. Rusty mal conseguia se apoiar nas muletas, repetindo o nome dele como em um fervoroso cântico religioso.

— Diga-me o que quer. Qualquer coisa — disse ele, com voz cavernosa. — Diga-me.

— Eu quero você.

— Mulher, você já me tem. O que você quer?

— Tocá-lo e ser tocada.

— Onde?

— Cooper...

— Onde?

— Você sabe onde — gritou ela.

Com um movimento brusco, Cooper desceu o zíper da bermuda. A diminuta calcinha mal conseguia lhe cobrir o triângulo de pelos púbicos. Cooper teve vontade de sorrir, mas as feições tensas pela paixão o impediram. Apenas gemeu sua aprovação, enquanto lhe baixava a lingerie juntamente com a bermuda. Em seguida, plantou uma trilha de beijos ardentes, descendo pelo corpo de curvas perfeitas.

Toda a força abandonou Rusty. Soltando as muletas, deixou-as cair no chão. Oscilou para a frente, utilizando os ombros largos como suporte. E quando ela o fez, Cooper escorregou para fora do assento da cadeira e caiu de joelhos à frente dela. Rusty mordeu com força o lábio inferior para conter um grito de prazer, enquanto os dedos longos se introduziam em sua maciez úmida para logo serem substituídos pela língua. E não parou por aí. Ele não interrompeu as carícias eróticas enquanto as primeiras ondas do êxtase a envolvessem. Nem quando Rusty experimentou o segundo clímax arrebatador. Continuou até que uma fina camada de suor cobrisse o corpo trêmulo pelos espasmos de prazer, colando-lhe os cabelos cor de canela à face e ao pescoço. Só então, Cooper se ergueu e a tomou nos braços.

— Onde está? — O rosto de Cooper estava mais suave do que ela jamais vira. A frieza defensiva não mais refletida no olhar fora substituída por faíscas de um sentimento intenso que Rusty ousou esperar que fosse amor.

Erguendo a mão, ela apontou na direção do quarto. Cooper o encontrou sem dificuldade. Como Rusty o estava utilizando com grande freqüência ultimamente, o cômodo tinha uma aparência aconchegante que o agradou. Ele sorriu enquanto a carregava pela porta. Gentilmente, pousou-a na cama e afastou as cobertas.

— Deite-se.

Rusty obedeceu, observando-o se encaminhar ao toalete. Em seguida, ouviu o som de água escorrendo. Instantes depois, ele retornou trazendo consigo uma toalha molhada. Cooper não disse nada. O olhar falava por ele, enquanto a erguia para a posição sentada e lhe retirava a blusa. Apenas deslizando as alças pelos braços delicados, livrou-a do sutiã.

Rusty o encarou, completamente despida e sem nenhum resquício de vergonha.

Cooper lhe escorregou o tecido felpudo úmido e frio pelos braços, ombros e em torno do pescoço. Após recostá-la novamente sobre os travesseiros, ergueu-lhe os braços sobre a cabeça e passou a toalha pelas axilas. Rusty ronronou, satisfeita. Ele inclinou a cabeça e lhe tomou os lábios. Em seguida, moveu o tecido sobre o peito macio e mais abaixo pelos seios. Sorriu quando os mamilos se enrijeceram outra vez e tocou um ponto rosado em que a pele do seio esfolara.

— Sempre a deixo marcada — disse Cooper em tom arrependido. — Sinto muito.

— Eu não.

O olhar de Cooper pareceu incendiar quando se moveu pelo abdome e se fixou no umbigo de Rusty. Limpou, as gotículas de suor que lá se acumulavam, antes de lhe escorregar a toalha pelo ventre e as pernas, cuidadosamente evitando a recente cicatriz.

— Vire de costas.

Rusty o questionou com o olhar, mas obedeceu, sustentando a face nas mãos.

Preguiçosamente, Cooper lhe limpou as costas com o tecido felpudo, pausando, ao escorregá-lo pela protuberância arredondada das nádegas.

— Hmmm — suspirou Rusty.

— Eu é que deveria dizer isso.

— Vá em frente.

— Hmm. — Cooper gastou mais tempo que o necessário para livrá-la de todos os vestígios da transpiração, prosseguindo pelo comprimento da parte posterior das pernas torneadas até as solas dos pés, que descobriu serem sensíveis às cócegas. No caminho de volta, deteve-se para saborear o posterior dos joelhos.

— Relaxe por alguns minutos — sugeriu ele, enquanto se erguia da cama para se despir.

— E fácil para você falar. Não foi submetido a um banho de gato.

— Prepare-se querida. Ainda tem mais.

Porém, Rusty não estava preparada para a sensação do corpo quente e nu colado ao longo de suas costas. Inspirou profundamente e estremeceu ao impacto dos pelos encaracolados contra a maciez de sua pele. As coxas musculosas se abriram para ensanduichar as delas. As nádegas macias pressionadas contra o membro rígido de desejo, que possuía a maciez de uma capa de veludo recobrindo aço.

Cooper lhe cobriu as costas das mãos com as palmas das dele, entrelaçando os dedos de ambos. Utilizando o nariz, afastou-lhe o rabo de cavalo para que seus lábios lhe tocassem a orelha.

— Não conseguia me concentrar em nada, desejando-a — sussurrou ele. Não podia trabalhar, dormir nem comer. Não há mais consolo em minha casa-esconderijo. Você o arruinou. Não vejo mais beleza nas montanhas. Seu rosto me cega para elas. — Cooper se moveu para frente, pressionando o corpo ainda mais ao dela. — Pensei que poderia arrancá-la do meu mundo, mas até agora não consegui. Cheguei a ir a Las Vegas e pagar a uma mulher para ir para a cama comigo. Quando chegamos ao hotel, fiquei sentado olhando para ela, bebendo e tentando despertar meu desejo. A mulher praticou seus truques mais extravagantes, mas não senti nada. Não conseguia fazer nada. Não queria fazer. Por fim, mandei-a para casa, antes que se sentisse tão aborrecida comigo quanto eu mesmo me sentia. Cooper enterrou a cabeça na curva do pescoço macio. — Sua bruxa ruiva, o que fez comigo naquelas montanhas? Eu estava bem, entende? Bem, até que você apareceu com seus lábios aveludados e pele sedosa. Agora minha vida não está valendo mais nada. Tudo em que posso pensar, ver, ouvir, tocar, cheirar, saborear é você. Você. — Rolou sobre ela, prendendo-a sob o corpo. Os lábios firmes tomaram os dela, invadindo-lhe a boca com a língua possessiva. — Tenho de possuí-la. Agora.

Pressionou o corpo contra o dela como se quisesse fundi-los em um só. Apartando-lhe os joelhos com movimentos dos quadris, mergulhou na profundeza macia e envolvente da feminilidade de Rusty. Gemendo de prazer, ele baixou a cabeça ao colo sedoso, apelando para todos os deuses do céu e do inferno para livrá-lo daquele tormento. A respiração de Cooper se tornou irregular contra os seios fartos e os mamilos responderam de imediato. Adorava senti-los na boca. A pele firme se encontrava quente. Queimava a mão que Rusty escorregava pelos músculos tensos das costas e dos quadris. Segurando com força as nádegas musculosas, enterrou-o ainda mais fundo dentro dela. Gemendo o nome de Rusty, ele uniu os lábios de ambos em um beijo repleto de simbolismo carnal. Rusty não se sentia subjugada pela força viril daquele homem, embora ela fosse avassaladora. Ao contrário, experimentava uma sensação de liberdade forte o suficiente para voar e transpor os limites do universo. Como seu corpo estava aberto para recebê-lo, assim estavam seu coração e alma. O amor transbordava abundantemente entre eles. Cooper tinha de senti-lo e reconhecê-lo.

Rusty tinha certeza que sim, pois ele repetia seu nome na mesma cadência com que a penetrava. A voz, repleta de emoção. Porém, a um segundo de perder a capacidade de raciocinar, ela o sentiu retroceder.

— Não! Não ouse!

— Sim, Rusty, sim.

— Eu o amo, Cooper. — Ela cruzou os calcanhares sobre cintura reta. — Eu o quero. Por completo.

— Não, não — gemia ele, tanto de transtorno quanto de êxtase.

— Eu o amo.

Trincando os dentes, Cooper jogou a cabeça para trás e se entregou ao orgasmo com um longo, baixo e primitivo gemido, oriundo do âmago de sua alma. E daquela forma, inundou a mulher que o amava com sua seiva.

 

O suor lhe escorria pela face e lhe cobria o corpo todo. Os pelos encaracolados do peito se encontravam úmidos, quando Cooper deixou-se desabar sobre ela. Rusty abraçou-o com força. O instinto maternal aflorou. Queria acalentá-lo como a uma criança.

Pareceu transcorrer uma eternidade até que Cooper encontrasse forças para se mover, mas nenhum dos dois tinha pressa para se separar. Por fim, ele rolou para o lado e se deitou de costas, saciado. Rusty observou o rosto tão querido. Os olhos cinza se encontravam cerrados. As linhas que lhe pregueavam os cantos dos lábios haviam relaxado consideravelmente desde que ele transpusera a porta da frente. Recostou a face ao peito largo e acariciou o abdome definido, enterrando os dedos nos pelos crespos e úmidos.

— Não foi só comigo que colocou isso em prática, certo? — De alguma forma, Rusty sabia que fazia tempo que ele não completava um ato de amor.

— Não.

— Não era por medo de eu engravidar, não é verdade?

— Não, não era.

— Por que fazia amor dessa forma? — Ele abriu os olhos e Rusty os observou. Estavam contidos. Aquele homem, que ela considerava totalmente destemido, estava com medo de uma mulher despida, deitada, impotente, ao lado dele e totalmente apaixonada. Que ameaça poderia representar? — Por que impôs esse tipo de disciplina a si mesmo? — perguntou com voz suave. -— Diga-me.

Cooper cravou o olhar no teto.

— Houve uma mulher. — Ah, a mulher, pensou Rusty — O nome dela era Melody. Conheci-a logo depois que voltei do Vietnã. Eu estava arrasado. Amargo. Furioso. Ela...— Cooper fez um gesto desamparado. — colocou tudo sob perspectiva. Deu um foco em minha vida. Eu estava cursando a faculdade no GI Bill. Iríamos nos casar tão logo eu completasse o curso. Pensei que tudo estivesse bem. Estava. — Fechou os olhos outra vez e Rusty percebeu que ele se aproximava da parte mais dolorosa da história. — Então, ela engravidou e, sem meu conhecimento, fez um aborto.— Cerrou os punhos e a mandíbula se contraiu pela fúria. Rusty quase deu um salto quando ele se voltou abruptamente para encará-la. — Ela matou meu filho. Depois de presenciar todas aquelas mortes, ela... — A respiração de Cooper se tornou tão pesada que a fez temer que ele estivesse tendo um ataque cardíaco. Rusty pousou uma das mãos no peito musculoso e lhe sussurrou o nome.

— Sinto muito, querido. Sinto muito mesmo. Cooper inspirou profundamente até encher os pulmões de ar.

— Sim.

— Ficou furioso com ela desde então.

— A princípio. Depois, passei a odiá-la demais para me sentir apenas furioso. Havia compartilhado tantas confidencias com Melody. Ela sabia o que se passava em minha mente, o que sentia em relação às coisas. Estimulava-me a falar, sobre o campo de prisioneiros e tudo que aconteceu lá.

— Sentiu como se ela tivesse traído tal confiança?

— Sim. — Com a ponta do polegar, limpou uma lágrima que escorria pela face de Rusty. — Ela me segurou nos braços, enquanto eu chorava como um bebê, contando-lhe sobre os companheiros de guerra que vi... mortos — completou Cooper com um sussurro rouco. — Contei-lhe o inferno por que passei em minha escapada e o que fiz para sobreviver até ser resgatado. Mesmo depois que lhe descrevi a forma como me deitei em meio a corpos em putrefação para não ser capturado...

— Cooper, por favor, não. — Rusty o abraçou e o aconchegou ao corpo.

— Ela teve a coragem de destruir nosso bebê. Depois de eu ter visto bebês sendo despedaçados. Provavelmente, também matei alguns, ela...

— Shh, shh. Não faça isso.

Rusty lhe aninhou a cabeça contra os seios e murmurou palavras doces, enquanto lhe acariciava os cabelos. As lágrimas lhe turvavam a visão. Sentia o sofrimento de Cooper e desejava poder passá-lo todo para ela. Beijou-lhe o topo da cabeça.

— Sinto muito, meu querido.

— Deixei Melody e me mudei para as montanhas, comprei gado e construí minha casa.

E um muro em torno do seu coração, pensou Rusty, tristonha. Não era de se admirar que ele desprezasse a sociedade.

Fora traído duas vezes. Uma pelo seu próprio país, que não queria ser lembrado daquele erro, e outra, pela mulher que amara e em quem confiara.

— Não quis arriscar que outra mulher ficasse grávida de um filho seu.

Cooper ergueu a cabeça e a encarou.

— Isso mesmo. Até este momento. — Cooper lhe tomou a face nas mãos. — Até você. Não consegui me furtar de completar o ato dentro de você. — Beijou-a profundamente. — Quero que isso dure para sempre.

Sorrindo, Rusty girou a cabeça e lhe mordiscou a ponta do polegar.

— Sempre pensei que fosse durar.

Cooper lhe devolveu o sorriso, parecendo satisfeito consigo mesmo.

— É verdade? — Escorregou a mão entre as coxas macias e a espalmou contra a maciez úmida da feminilidade. — Deixei uma marca especial em você desta vez. Está carregando uma parte de mim dentro de você. — Ergueu a cabeça do travesseiro e roçou a boca contra os lábios inchados pelos beijos.

— Era isso que eu queria. Não o deixaria me escapar dessa vez.

— Oh, não? — Havia um brilho arrogante e provocador nos olhos cinza. — E o que teria feito?

— Lutaria com você com todas as forças. É assim que o quero. Completo.

Cooper lhe sugou o lábio inferior, escorregando a língua por sua maciez.

— Uma das coisas que mais gosto em você... — começou, descendo os lábios ávidos pelo pescoço delicado.

— Sim?

— E que sempre parece majestosamente... — Cooper disse uma palavra grosseira que somente ele poderia fazer parecer sexy.

— Cooper! — Fingindo-se ofendida, Rusty sentou-se nos calcanhares e levou as mãos à cintura.

A gargalhada espetacular que ele deixou escapar era tão encorajadora que a fez adotar uma expressão ainda mais puritana. Aquilo o fez rir com mais vontade. Uma risada genuína e não permeada de cinismo. Rusty desejava que aquele som a envolvesse como um cobertor. Que a aquecesse como o primeiro dia de verão. Fizera Cooper Landry rir. Aquilo era um grande feito, particularmente nos últimos anos. Muito poucos poderiam se vangloriar de ter feito aquele homem gargalhar.

Os lábios finos ainda se encontravam curvados em um sorriso largo, enquanto ele a imitava como uma idosa pudica.

— Cooper! — Vexada com a imitação que ele fizera, Rusty lhe socou a coxa. — Não tenho culpa se tem cabelos sensuais e olhos castanhos sedutores. — Ele esticou a mão e lhe roçou o lábio inferior com um dedo. — Não posso evitar, quando sua boca tem a constante aparência de que acabou de ser beijada e está implorando por mais. Se seus seios estão sempre ansiosos.

— Ansiosos? — Ofegou Rusty, quando ele espalmou a mão sobre um deles.

— Tenho culpa se seus mamilos estão sempre rígidos e prontos?

— Na verdade, sim.

Cooper gostou da resposta. Sorrindo, prendeu o mamilo entre os dedos e o estimulou suavemente.

— Mas prontos para quê?

Inclinando a cabeça para a frente e utilizando a língua e os dentes, Cooper lhe demonstrou, fazendo-a sentir a familiar sensação no baixo ventre. Suspirando, ela lhe afastou a cabeça. Ele a encarou, confuso, mas não opôs resistência, quando Rusty o deitou sobre o travesseiro.

— O que está fazendo?

— Desta vez, farei amor com você para variar.

— Pensei que tivesse acabado de fazer.

Rusty sacudiu a cabeça. Em algum momento o rabo de cavalo havia se soltado e os cabelos se encontravam despenteados.

— Você fez amor comigo.

— Qual a diferença?

Exibindo um sorriso felino e com o olhar cheio de promessas, Rusty se deitou ao lado dele e começou a lhe morder de leve o pescoço.

— Espere para ver.

Nos momentos que se seguiram ao ato de amor, permaneceram deitados, com os braços e pernas entrelaçados.

— Pensei que apenas as profissionais pudessem fazer isso certo. — A voz grave ainda se encontrava rouca por ter gritado o nome de Rusty. Os dedos longos, quase sem energia para escorregarem pelas costas macias.

— Fiz certo?

Cooper baixou o olhar à mulher que se encontrava esparramada sobre seu peito.

— Não percebeu? — Os olhos castanhos faiscavam de amor quando ela os ergueu para encará-lo, sacudindo a cabeça com tímida insegurança. — Foi a primeira vez que...? — Rusty confirmou com a cabeça. — Cooper deixou escapar um xingamento com voz suave e a puxou para um beijo terno. — Sim, fez muito bem — respondeu com um traço de humor, quando afastou os lábios. — Muito bem.

— Que tipo de vida familiar teve? — perguntou ela, após um longo silêncio.

— Vida familiar? — Enquanto organizava seus pensamentos, ele roçou distraidamente a perna contra a perna esquerda de Rusty, sempre tomando o cuidado para não machucá-la. — Faz muito tempo, quase não me recordo. O que me lembro de meu pai é que ele ia trabalhar todos os dias. Era um representante de vendas. Por fim, o trabalho lhe causou um fulminante ataque do coração e o matou instantaneamente. Eu ainda cursava o ensino fundamental. Mamãe nunca se conformou que ele tivesse morrido tão prematuramente e a deixado viúva. E nunca superou a raiva que sentia de mim por eu... existir, suponho. Representava um fardo para ela. Tinha de trabalhar para nos sustentar.

— Sua mãe não se casou outra vez?

— Não. — Talvez tivesse culpado o filho inocente por aquilo também. Rusty conseguia preencher as lacunas e visualizar toda a situação. Cooper crescera sem amor. Não era de se admirar que, no presente, quando lhe estendiam a mão em um gesto de ternura ele a mordesse, em vez de aceitá-la. Não acreditava na bondade humana nem no amor. Nunca os experimentara. Seus relacionamentos foram turvados pela dor, desilusão e traição. — Entrei para a Marinha tão logo me graduei no segundo grau. Mamãe morreu durante meu primeiro ano no Vietnã. Câncer de mama. Era uma mulher muito teimosa, não tentou o tratamento até quando já foi tarde demais.

Rusty lhe acariciou o queixo com o polegar e, de vez em quando, acariciava lhe uma pequena fissura causada pela mágoa. Sentia o coração contrito pela criança solitária e não amada. Tanta infelicidade! Sua vida fora fácil em comparação com a dele.

— Minha mãe também morreu.

— E perdeu seu irmão.

— Sim, Jeff.

— Conte-me sobre ele.

— Jeff era magnífico — afirmou Rusty com um sorriso afetuoso. — Todos gostavam dele. Era sociável. O tipo de pessoa para quem ninguém é um estranho. As pessoas eram automaticamente atraídas por ele. Era um líder nato e sempre conseguia fazer os outros sorrir. Podia fazer qualquer coisa.

— Sempre lhe repetiram isso. Rusty ergueu a cabeça rapidamente.

— O que quer dizer?

Cooper pareceu ponderar a conveniência de prosseguir com aquele assunto, mas acabou por decidir a favor de continuar.

— Seu pai não continua citando seu irmão como um exemplo a ser seguido?

—Jeff tinha um futuro promissor no mercado imobiliário. Meu pai quer o mesmo para mim.

— Mas é seu futuro ou o do seu irmão que ele quer para você?

Rusty se afastou e desceu as pernas para a beirada da cama.

— Não sei a que você está se referindo.

Cooper lhe segurou um punhado de cabelos para evitar que ela saísse da cama. Em seguida, ajoelhou-se por trás dela.

— Uma ova que não sabe. Tudo que me contou sobre seu pai e seu irmão me leva a crer que ele espera que você tome o lugar de Jeff.

— Meu pai apenas quer o que é melhor para mim.

— O que ele considera ser o melhor. É uma mulher linda e inteligente. Uma filha amorosa. Tem uma carreira de sucesso. Isso não é o suficiente para seu pai?

— Não! Quero dizer, claro que é. A questão é que ele quer que eu atinja meu potencial plenamente.

— Ou o do Jeff — Rusty tentou se soltar, mas ele a segurou pelos ombros. — Como aquela viagem a Great Bear Lake.

— Disse-lhe que foi idéia minha, não do meu pai.

— Mas por que sentiu necessidade de ir? Por que se sentiu obrigada a levar adiante a tradição que ele mantinha com Jeff

— E o que há de errado nisso?

— Nada. Se fosse apenas um gesto de sacrifício, de amor. Mas fazendo aquela viagem, acho que queria provar algo para seu pai. Suponho que desejava que ele visse que era tão maravilhosa quanto seu irmão.

— Bem, fracassei.

— É aí que quero chegar! — gritou Cooper. — Não gosta de caçar e pescar. E daí? Por que isso deveria fazê-la pensar que fracassou? — Rusty conseguiu escapar. Tão logo se levantou, girou para encará-lo.

— Você não entende.

— Claro que não. Não consigo compreender por que seu pai não acha suficiente que você seja como é. Por que tem que estar sempre provando que é capaz para ele? Seu pai perdeu o filho, infelizmente e de maneira trágica. Porém, ainda tem uma filha. E está tentando transformá-la em algo que ela não é. Ambos são obcecados por Jeff O que quer que ele fizesse, estou certo de que não conseguia caminhar sobre as águas.

Rusty apontou um dedo acusador em direção a ele.

— E um belo exemplo para falar sobre a obsessão alheia. Alimenta sua dor de maneira obsessiva. Chega até mesmo a sentir prazer em seu desespero.

— Isso é loucura.

— Exatamente. É muito mais fácil se encarapitar no alto de sua montanha do que conviver com outros seres humanos. Dessa forma, teria de se abrir um pouco mais e deixar que tivessem um vislumbre do homem que é por dentro. Isso o aterroriza, certo? Porque poderá ser descoberto. Alguém poderá descobri que não é o bastardo insensível, duro e frio que finge ser e achar que é capaz de dar e receber amor.

— Querida, desisti da idéia de amar há muito tempo.

— Então o que significou tudo isto? — Rusty gesticulou em direção à cama.

— Sexo. — Cooper fez a palavra soar o mais suja possível. Rusty se retraiu mediando o tom repugnante, mas inclinou a cabeça em atitude desafiadora.

— Não para mim. Eu o amo, Cooper.

— Foi você quem disse.

— E estava falando sério.

— Estava no auge da paixão quando disse isso. Não pode ser levado a sério.

— Não acredita que eu o amo?

— Não. Isso não existe.

— Oh, existe. — Rusty jogou seu maior trunfo. — Você ainda ama o filho que não nasceu.

— Cale-se.

— Lamenta sua perda, por que o amava. Ainda ama todos aqueles homens que viu morrer naquele campo de prisioneiros.

— Rusty... — Cooper saiu da cama e a obstruiu com a própria altura, ameaçadoramente.

— Viu sua mãe passar a vida alimentando raiva e amargura. Vicejava no próprio infortúnio. Quer viver do mesmo jeito?

— Melhor do que viver constantemente tentando ser alguém que não é.

A hostilidade gravitava entre eles. Era tão oprimente, que nem ao menos ouviram o toque da campainha. Só quando Bill Carlson gritou o nome da filha foi que se deram conta de que não estavam sozinhos.

— Rusty!

— Sim, pai. — Ela se sentou na beirada da cama e começou a se vestir.

— Está tudo bem? De quem é aquele carro velho parado ai em frente?

— Estou indo, pai.

Cooper também estava se vestindo de maneira mais tranqüila que ela. Rusty não pôde deixar de imaginar se ele nunca se vira em uma situação como aquela. Talvez com a aparição inesperada de um marido.

Quando estavam totalmente vestidos, ele a ajudou a se levantar e lhe entregou as muletas. Juntos, saíram do quarto e cruzaram o corredor. Com a face ruborizada, sabendo que trazia os cabelos em desalinho e que exalava a fragrância almiscarada de sexo, Rusty entrou na sala de estar.

Carlson caminhava, impaciente, sobre o chão de tábua corrida. Quando girou e viu Cooper, não pôde esconder a expressão de desaprovação. Lançou um olhar frio ao visitante, antes de encarar a filha com olhos críticos.

— Detesto deixar um dia se passar sem vê-la.

— Obrigada, papai, mas não é necessário que venha todos os dias.

— Estou vendo.

— Lembra-se de Cooper Landry?

Os dois homens cumprimentaram-se, friamente, com a cabeça, medindo-se como a opostos em uma batalha. Cooper se mantinha obstinadamente calado e o embaraço deixava Rusty sem palavras. Carlson foi o primeiro a quebrar o silêncio tenso.

— Na verdade, esse é um encontro oportuno — disse ele. — Tenho algo a discutir com os dois. Podemos nos sentar?

— Claro — respondeu Rusty, nervosa. — Desculpe. Uh, Cooper? — Gesticulou em direção a uma cadeira. Ele hesitou, mas acabou por se acomodar no assento estofado da poltrona. A insolência de Cooper lhe beliscava os nervos já agitados. Ela lhe dirigiu um olhar furioso, que não foi notado, já que Cooper tinha os olhos cravados em Carlson. Ele fitara os Gawrylow com a mesma suspeita cautelosa que no momento dedicava a seu pai. A lembrança a perturbou. Que correlação poderia ele fazer entre os eremitas e o pai? Rusty se dirigiu a uma cadeira, próximo a de Carlson.

— O que deseja discutir conosco?

— Aquele negócio imobiliário ao qual me referi algumas semanas atrás. — Os pulmões de Rusty esvasiaram de uma vez, tinha a impressão de que uma membrana colaria na outra. A face se tornou pálida e as palmas das mãos, úmidas pela transpiração. O som de sinos funerários lhe ressoou aos ouvidos.

— Achei que esse assunto estava resolvido. Carlson riu entre dentes.

— Não exatamente. Mas agora o resolveremos, já que os investidores tiveram a chance de colocar algumas idéias no papel. Gostaria de apresentá-las ao sr. Landry.

— Alguém poderia me dizer o que está se passando? ¯ interrompeu Cooper em tom rude.

— Não.

— Claro. — Carlson ignorou a negativa da filha e ganhou terreno. Em sua peculiar maneira cordial, detalhou suas idéias para transformar a região no entorno de Rogers Gap em um exclusivo resort de esqui.

— Antes de o concluirmos — disse Carlson, resumidamente. — Trabalhando com os melhores e mais inovadores arquitetos e construtores, o empreendimento rivalizará com Aspen, Vail, Keystone e qualquer coisa nas Rockies ou nas imediações do Lake Tahoe. Em alguns anos, aposto que estaremos aptos a abrigar as Olimpíadas de Inverno. — Recostando-se ao encosto da cadeira, exibiu um sorriso expansivo, antes de acrescentar: — Muito bem, sr. Landry, o que acha?

Cooper, que nem ao menos piscara durante a explanação de Carlson, ergueu-se lentamente. Caminhou entre a mobília da sala como e estivesse analisando cada ângulo da proposta. Como proprietário das terras que seriam utilizadas e com a oferta de Carlson para assumir o cargo remunerado de coordenar local do projeto, faria uma fortuna.

Carlson piscou, otimista, para a filha.

— O que penso? — repetiu Cooper.

— Foi o que perguntei — disser Carlson, entusiasmado. Cooper lhe dirigiu um olhar direto.

— Acho que você é um monte de lixo e que suas idéias são lamentáveis. — Atirou as palavras no ar como uma tonelada de tijolos e acrescentou: — E para sua informação, sua filha também.

Fulminou-a com um olhar que poderia tê-la petrificado. Nem ao menos se deu ao trabalho de bater a porta quando saiu. Rusty e Carlson ouviram o barulho do motor sendo ligado e o som do atrito no cascalho, quando arrancou em disparada.

Carlson limpou a garganta.

— Bem, vejo que tinha razão sobre ele.

Sabendo que nunca se recuperaria da ferida que Cooper havia aberto dentro dela, Rusty se dirigiu ao pai com voz entorpecida.

— Não podia estar mais errado.

— Ele é um homem rude.

— Honesto.

— Um ser sem ambição e traquejo social.

— Sem vaidade.

— E aparentemente sem moral. Tirou vantagem de sua solidão e confiança.

Rusty deixou escapar uma risada suave.

— Não me lembro exatamente quem levou quem para o quarto, mas Cooper certamente não me forçou a ir para a cama com ele.

— Então são amantes?

— Não mais — respondeu ela, chorosa.

Cooper pensava que, assim como Melody, ela também o havia traído. Achava que fora o instrumento do pai, utilizando-se de sedução para obter lucro. Nunca a perdoaria, porque não acreditava que ela o amava.

— Tem sido amante dele durante todo esse tempo? Por trás das minhas costas?

Rusty pensou em dizer que do alto de seus 27 anos, não era obrigada a lhe dar satisfação de sua vida amorosa, mas de que adiantaria? O que importava? Toda a energia a abandonara. Sentia-se abatida, derrotada e sem vontade de viver.

— Quando estávamos no Canadá, sim, nos tornamos amantes. Naquele dia, quando Cooper deixou meu quarto no hospital, voltou para casa e não apareceu mais. Até esta tarde.

— Então, ao que parece, ele é mais sensato do que imaginei. Tem ciência de que vocês são completamente diferentes. Como a maioria das mulheres, você vê essa situação através do véu róseo do romance. Permitindo que suas emoções a guiem em vez de seu cérebro. Achei que estava acima dessa fragilidade feminina.

— Pois não estou. Sou feminina e possuo todas essas fragilidades, assim como a força que nasce com uma mulher.

O pai se ergueu e cruzou a sala. Em seguida, deu-lhe um abraço conciliatório. Rusty se apoiava nas muletas, portanto ele não percebeu o quanto seu corpo estava tenso em resistência àquele contato.

— Vejo que o sr. Landry a aborreceu outra vez. E um patife por ter dito aquilo sobre você. É melhor esquecê-lo, Rusty, acredite-me. No entanto — continuou Carlson, animado. — Não permitiremos que a falta de traquejo daquele homem nos impeça de fazer negócio com ele. Pretendo levar adiante nosso planos, apesar das objeções do sr. Landry.

— Pai, eu lhe suplico...

Carlson pousou um dedo sobre os lábios da filha.

— Não diga mais nada. Não vamos mais falar sobre isso esta noite. Amanhã se sentirá melhor. Ainda está emocionalmente abalada. Fazer uma cirurgia logo após sofrer a queda do avião, não foi boa idéia. E perfeitamente compreensível que não esteja em seu estado normal. Dentro de alguns dias, voltará a si e será a mesma Rusty de sempre. Estou certo de que não me decepcionará. — Beijou a testa da filha. — Boa noite, minha querida. Pense nessa proposta — propôs Carlson, retirando uma pasta da maleta de pele de lagarto e a pousando sobre a mesa de centro. — Voltarei pela manhã, ansioso por ouvir sua opinião.

Depois que o pai partiu, Rusty trancou a casa e voltou ao quarto. Em seguida, tomou um demorado banho de espuma, o que fazia todos os dias desde que o médico a liberara para molhar a perna. Porém, após se secar e massagear o corpo com hidratante, não conseguiu se livrar das marcas do ato de amor. Encontrava-se prazerosamente dolorida entre as coxas. A pele esfolada em um dos seios ainda estava rosada, tão indelével quanto uma tatuagem. Os lábios, sensíveis e intumescidos. Toda vez que os umedecia com á língua, sentia o gosto de Cooper. Analisando o reflexo que lhe devolvia o espelho, admitiu que ele estava certo. Tinha a aparência de quem acabara de se engajar em turbulenta sessão de sexo. A cama lhe parecia tão ampla e vazia como um campo de futebol fora da temporada de torneios. Os lençóis ainda guardavam a fragrância de Cooper. Repassou na mente cada momento que passaram juntos aquela tarde. O prazer dado e recebido, os diálogos eróticos. Até mesmo agora, o ouvia lhe sussurrar ao ouvido palavras ousadas, que lhe faziam o sangue esquentar. Ansiava por ele e não conseguia encontrar consolo no pensamento de que sua vida seria uma sucessão de dias vazios e noites tristes como aquela.

Teria o trabalho, claro. E o pai. O amplo círculo de amigos. As atividades sociais. Mas nada daquilo seria suficiente.

Havia um grande buraco negro em seu coração que deveria estar ocupado pelo homem que amava.

Sentou-se na cama e puxou o lençol para se cobrir, como se a conclusão a que acabara de chegar lhe fosse escapar se não se agarrasse a ela até que pudesse pô-la em prática. Suas escolhas eram claras. Podia rolar para o lado e se fingir de morta ou lutar por Cooper. Seu maior adversário seria ele mesmo. Era um cabeça-dura desconfiado. Mas por fim, iria vencê-lo, convencendo-o de que o amava e de que ele também a amava. Sim, ele amava! Podia negar até morrer, mas ela nunca acreditaria nele. Porque logo depois que o pai fizera aquela odiosa revelação e o rosto de Cooper se endureceu, conseguira perceber uma dor imensa estampada nele. Não teria o poder de feri-lo daquela forma se ele não a amasse.

Voltou a se deitar, entusiasmada com sua decisão e sabendo exatamente o que teria de fazer na manhã seguinte.

 

O pai foi tomado de surpresa. Mesmo sendo um estrategista tão astuto quando o general Patton, titubeou. Não estava esperando um ataque surpresa. Quando Rusty se fez anunciar em seu escritório na manhã seguinte, Carlson ergueu o olhar da mesa laqueada de branco, alta e polida.

— Rusty! Que... que surpresa agradável.

— Bom dia, papai.

— O que está fazendo aqui? Não que a razão me importe. Estou feliz por vê-la tão ativa.

— Tinha de vê-lo e não queria esperar para ser incluída em sua atribulada agenda.

Carlson optou por ignorar a pontada de censura na voz da filha. Contornou a mesa com as mãos estendidas para segurar as dela.

— Vejo que se sente bem melhor. A sra. Watkins lhe ofereceu café?

— Sim, mas recusei.

Carlson reparou os trajes casuais de Rusty.

— Ao que parece não vai trabalhar.

— Não, não vou.

Inclinando a cabeça para o lado, como se obviamente esperasse uma explicação.

— Onde estão suas muletas? — perguntou, no silêncio que se seguiu.

— No meu carro.

— Dirigiu até aqui? Pensei que...

— Sim, dirigi. Queria vir caminhando até aqui com meus próprios pés.

Carlson recuou e recostou os quadris contra a quina da mesa. Em seguida, cruzou casualmente os tornozelos e também os braços sobre o peito. Rusty reconhecia a postura tática que o pai assumia quando se sentia encurralado, mas não queria que seus rivais percebessem.

— Suponho que tenha lido a proposta. — Com um gesto suave, indicou com a cabeça a pasta que Rusty trazia debaixo do braço.

— Sim.

— E?

Rusty rasgou a pasta em duas e atirou as duas metades sobre o tampo de vidro da mesa.

— Deixe Cooper Landry em paz. Desista do projeto Rogers Gap. Agora.

Carlson não pôde conter uma risada pelo gesto imaturo e deu de ombros, antes de abrir os braços.

— E um pouco tarde, Rusty, querida. O baile já começou.

— Pois coloque um fim nele.

— Não posso.

— Então está enrascado com os investidores que conseguiu. — Rusty se inclinou para a frente. — Por que vou me opor particular e publicamente a você nesse negócio. Mobilizarei cada grupo conservacionista do país para bater à sua porta em protesto. Acho que não vai querer isso.

— Rusty, pelo amor de Deus, volte a si — sibilou Carlson.

— Foi isso que fiz. Em algum momento entre a meia-noite e 2h da manhã, percebi que há algo muito mais importante para mim do que um vultoso negócio imobiliário ou que obter sua aprovação.

— Landry?

— Sim. — A voz de Rusty retiniu de convicção. Não seria influenciada.

Porém, Carlson decidiu tentar.

— Abriria mão de tudo que construiu por ele?

— Amar Cooper não me tira nada que construí no passado ou que construirei no futuro. Um amor tão forte só faz acrescentar e não destruir.

— Tem noção do quanto soa ridícula?

Rusty não se ofendeu. Em vez disso, soltou uma gargalhada.

— Acho que sim. Os apaixonados sempre balbuciam tolices, certo?

— Isso não tem graça, Rusty. Se seguir adiante, será uma decisão irreversível. Uma vez que abra mão de sua posição aqui, estará tudo acabado.

— Acho que não, pai — retrucou ela, desafiando o pai a provar o que dizia. — Pense em como será ruim para os negócios se despedir sua mais famosa funcionária. — Retirou uma chave do bolso do casaco esportivo de nylon. — Do meu escritório. — Jogou-a sobre a mesa. — Tirarei uma licença por tempo indeterminado.

— Está fazendo papel de boba.

— Fiz papel de boba em Great Bear Lake. E também fiz aquilo por amor. — Girou nos calcanhares e se dirigiu à porta.

— Para onde vai? — trovejou Bill Carlson. Não estava acostumado a ver alguém lhe virar as costas.

— Para Rogers Gap.

— Fazer o quê?

Rusty encarou o pai. Amava-o muito, mas não podia mais sacrificar a própria liberdade por ele.

— Vou fazer algo que Jeff nunca poderia fazer — respondeu com inabalada convicção. — Vou ter um bebê.

 

Rusty estacou no rochedo íngreme e respirou profundamente o ar frio e encrespado. Nunca se cansava daquela vista. Era sempre a mesma, mas ainda assim, surpreendente. Naquele dia, o céu era como uma tigela de porcelana azul emborcada sobre a terra. A neve ainda encimava os picos das montanhas no horizonte. As árvores se alternavam desde a cor azul-esverdeada das sempre-vivas ao verde suave dos galhos florescentes da primavera.

— Não está sentindo frio?

O marido surgiu por trás dela e a envolveu nos braços. Rusty se recostou a ele.

— No momento, não. Como está o potro?

— Tomando o café da manhã, para o deleite dele e da mãe.

Rusty sorriu e inclinou a cabeça para o lado. Ele lhe afastou a gola olímpica do suéter e lhe beijou o ponto sensível sob a orelha.

— E como está a outra nova mamãe do rancho?

— Ainda não sou uma nova mãe — disse ela, irradiando felicidade e roçando as mãos do marido contra o ventre abaulado.

— Para mim, é assim que parece.

— Acho que essa minha nova versão é engraçada, concorda? — Rusty franziu a testa, dirigindo-lhe o olhar por sobre o ombro, mas era difícil manter aquela expressão quando ele a olhava com tanto amor.

— Eu amo essa versão.

— Eu o amo. Ambos se beijaram.

— Eu também a amo — sussurrou ele, quando interrompeu o beijo. Palavras que considerava impossíveis de serem ditas antes, agora lhe escapavam com facilidade pelos lábios. Ela o ensinara a amar de novo.

-— Não tem outra escolha.

— Sim, lembro-me daquela noite em que você apareceu na soleira da minha porta tão molhada quanto uma gata de rua em dia de tempestade.

— Considerando pelo que havia passado, achei que estava com boa aparência.

— Não sabia se a beijava ou a espancava.

— Fez as duas coisas.

— Sim, mas a surra só veio bem mais tarde. — Riram ao mesmo tempo, mas ele ficou sério. — Não conseguia acreditar que dirigiu por toda aquela distância sob um temporal. Não ouviu a previsão do tempo no rádio do carro? Não soube da previsão da nevasca? Chegou em meio à primeira forte tempestade de neve da temporada. Toda vez que penso nisso, estremeço. — Puxou-a para perto, cruzando as mãos sobre os seios fartos e roçando a face nos cabelos macios.

— Tinha de encontrá-lo logo, antes que perdesse a coragem. Enfrentaria o inferno para chegar aqui.

— Foi quase isso que fez.

— Na hora, não me pareceu tão mau. Além disso, sobrevivi à queda de um avião. O que significava um pouco de neve?

— Aquilo estava longe de ser um pouco de neve. E dirigir com a perna recém-operada!

Rusty deu de ombros, indiferente. Para deleite dos dois, o gesto fez os seios subirem e descerem contra as mãos fortes. Murmurando sua aprovação, ele os envolveu completamente, massageando-os suavemente, ciente do desconforto que proporcionavam à esposa ultimamente devido à gravidez avançada.

— Sensíveis? — perguntou ele.

— Um pouco.

— Quer que eu pare.

— De forma alguma.

Satisfeito com a resposta, ele recostou a cabeça sobre a cabeça de Rusty e continuou a massageá-los.

— Fiquei feliz em ter de adiar as cirurgias na minha perna até que o bebê nasça — disse ela. — Isso é, se não se importar em olhar para minha disforme cicatriz.

— Sempre fecho os olhos quando fazemos amor.

— Eu sei. Também fecho.

— Então como sabe que os meus estão fechados? — provocou ele.

Riram em uníssono outra vez, porque nenhum dos dois fechava os olhos enquanto faziam amor. Estavam muito ocupados fixando o olhar um no outro, vendo-se juntos e observando o nível de excitação de cada um.

— Lembra-se o que me disse no momento em que abri a porta? — Cooper perguntou, enquanto assistiam a um gavião descer preguiçosamente em espirais.

— Eu disse: terá de permitir que eu o ame, Cooper Landry, mesmo que isso o mate.

Cooper riu diante da recordação, que ainda lhe aquecia o coração, como o fizera naquela noite, quando pensou na coragem que ela precisou reunir para vir até ali e fazer aquele bizarro pronunciamento.

— O que teria feito se eu tivesse batido a porta na sua cara?

— Mas você não bateu.

— Presumindo que eu tivesse batido. Rusty ponderou por um instante.

— Teria invadido sua casa, retirado as roupas, jurado amor eterno e o ameaçado de violência se não correspondesse ao meu amor.

— Foi isso que fez.

— Oh, sim — concordou Rusty com uma risadinha. — Bem, eu teria continuado a fazer até que parasse de me recusar.

Cooper roçou os lábios ao lóbulo da orelha delicada.

— Você se ajoelhou na minha frente, pediu para que me casasse com você e lhe desse um filho.

— Que memória boa você tem.

— E não foi apenas isso que fez enquanto estava de joelhos. Rusty girou na segurança do abraço do marido.

— Não me lembro de ouvi-lo reclamar — disse com voz doce. Ou aquelas frases que saíram de sua boca eram reclamações?

Cooper jogou a cabeça para trás, soltando uma gargalhada. Coisa que fazia freqüentemente agora.

De vez em quando, ele se tornava o homem reservado e amargo que um dia fora. Quando a mente o levava de volta às fases aterrorizantes de sua vida, onde ela não poderia acompanhá-lo. A recompensa de Rusty era a capacidade de trazê-lo de volta. Com paciência e muito amor, estava acalmando as lembranças perturbadoras e as adicionando-lhe outras felizes. Rusty beijou o pescoço forte.

— É melhor entrarmos e nos prepararmos para a viagem a Los Angeles.

Todo o mês, viajavam à cidade, onde passavam dois ou três dias na casa de Rusty. Durante aquelas temporadas, freqüentavam os melhores restaurantes, assistiam a concertos e filmes, faziam compras e até compareciam a reuniões sociais. Rusty mantinha contato com as amigas, mas estava encantada com as novas amizades que ela e Cooper cultivavam como casal. Quando ele estava disposto, podia ser muito charmoso e versar sobre vários assuntos. Aproveitavam também a estadia em Los Angeles, para que Rusty resolvesse alguns assuntos de negócios que necessitavam de sua atenção. Desde que se casara, fora promovida a vice-presidente da empresa imobiliária do pai. Cooper trabalhava como conselheiro voluntário em uma terapia de grupo de veteranos de guerra e colocara em prática vários programas de autoajuda que estavam sendo imitados em outras partes do país.

Agora, com os braços em volta da cintura um do outro, retornaram à casa que ficava abrigada em um bosque de pinheiros e dava vista para um vale espetacular. Cavalos e bois pastavam na parte da montanha abaixo da linha das árvores.

— Sabe de uma coisa? — disse Cooper, quando entraram no quarto de paredes de vidro. — Falar naquela noite em que chegou aqui me deixou excitado e aborrecido. — Retirou a camisa.

— Está sempre excitado e aborrecido. — Rusty retirou o suéter pela cabeça. Nunca usava sutiã quando estavam sozinhos em casa.

Observando os seios mais fartos, Cooper desceu o zíper do jeans e caminhou, com andar afetado, em direção a ela.

— E a culpa é sempre sua.

— Ainda me deseja, apesar de eu estar fora de forma? — Rusty gesticulou em direção ao ventre avantajado.

Em resposta, ele lhe segurou a mão e a encostou contra a braguilha da calça. Ela lhe apertou o membro rígido, fazendo-o gemer.

— Eu a desejo. — Dobrando os joelhos, Cooper lhe beijou um dos seios. — E sempre a desejarei.

— Fico feliz com isso. — Rusty suspirou. — Porque assim como nos dias que se seguiram à queda do avião, está preso a mim.

 

                                                                                            Sandra Brown  

 

                      

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