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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DOLORES / Horácio Nunes
DOLORES / Horácio Nunes

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Horácio Nunes

 

 

 

 

DRAMA EM DOIS ATOS
PERSONAGENS: DOLORES (19 anos)  BARÃO DAS LARANJEIRAS (50 anos)  COMENDADOR MOREIRA (39 anos)  DOUTOR CASTRO (45 anos)  AUGUSTO DE AZEVEDO (24 anos)  CARLOS DE SÁ (20 anos)  MANOEL DE MIRANDA (40 anos)  CONVIDADOS CRIADOS   Este drama foi representado 3 vezes, sempre com sucesso, pela sociedade "Álvaro de Carvalho", no teatro do mesmo nome.  
 
                 ESCLARECIMENTOS: 
 1 — O drama Dolores, antes de ser incluído no volume Bastidores, foi publicado no Jornal do Comércio, de Desterro, em 26 partes sucessivas, do dia 3 de janeiro até 21 de março de 1889.  
2 — Esse jornal, no dia em que iniciou a publicação, esclarecia: “O pequeno e modesto trabalho que segue já foi três vezes julgado pelo público — a primeira vez, em 25 de maio de 1884; a segunda, em 30 de agosto do mesmo ano; e a terceira, em 2 de dezembro de 1885.” 
 3 — O Jornal do Comércio de 24 maio de 1884 anotava que a Sociedade Fraternal Beneficente preparava representação de “nova composição dramática do seu consórcio, Sr. Horácio Nunes Pires, ornada de música pelo professor, Sr. Roberto Grant”.  
4 — O mesmo jornal anunciava, em 25 de maio de 1884, que “a simpática sociedade dramática Amadores da Arte representa hoje em seu teatrinho, à Rua do Príncipe, o drama Dolores, do Sr. Horácio Pires, e a comédia Comi o meu amigo.  
5 — No dia 26 de maio de 1884 especificava ainda o mesmo jornal que a peça representada no teatro São Luís fora “escrita expressamente para a referida Sociedade” e adaptada “às forças de uma associação simplesmente de amadores”. Acrescentando que “numeroso foi o concurso de pessoas à récita”.  
6 — Já no dia 2 de dezembro de 1885 esse jornal comenta que, em benefício do Imperial Hospital de Caridade, foi representado o drama no teatro Santa Izabel, por um grupo de amadores, uma vez que estava extinta a Sociedade Amadores da Arte, para quem fora escrito.    
ATO I Salão luxuoso e iluminado. Portas ao fundo, deixando ver outras salas iluminadas. À direita, uma porta e uma janela. À esquerda, portas. Ao subir o pano, ouvem-se os últimos compassos de uma valsa. Vários convidados atravessam as salas do fundo, conduzindo damas. 

 
CENA I Barão e Moreira.
  MOREIRA (entrando, de braço dado com o Barão)  Como deve considerar-se feliz hoje, meu caro Barão! 
 
(Sentam-se no sofá)   BARÃO Hoje, como ontem, amanhã, como hoje, meu amigo.  
 
MOREIRA (acendendo um charuto)  Sim?   BARÃO O pai que ama seus filhos, que vê neles outras tantas partículas de sua alma, outros tantos pedaços do seu coração, não pode ficar de gelo, quando eles são felizes. O comendador não compreende estas alegrias íntimas, porque nunca foi casado. Case-se, meu amigo, casese, se quer experimentá-las.   MOREIRA Oh! Compreendo perfeitamente. O turbilhão dos prazeres do mundo, essas alegrias, que por aí se nos oferecem a cada instante, não valem um único dos seus sorrisos. As alegrias do lar são as únicas verdadeiras na vida. As mais passam rápidas como o vento, deixando quase sempre após si os desenganos cruéis, as lágrimas da amargura, as tristezas eternas...    BARÃO E quando se tem uma filha como eu tenho, uma filha dócil, meiga, um verdadeiro anjo, essas alegrias não têm limites: são grandes como o mundo, profundas como mar...    MOREIRA E bela!... Oh! não há beleza que se lhe compare! Estive na Itália, viajei pela França, percorri a Espanha, e em nenhum desses países — tão decantados pela beleza de suas mulheres — encontrei beleza igual!   BARÃO E o meu Carlos! Sem ofensa à mocidade presente, Carlos é o mancebo mais generoso, mais nobre e de mais talento que conheço. Dolores é minha alegria; Carlos é o meu orgulho. Para ser perfeita a minha felicidade na terra, só me falta a minha pobre Maria... Era uma santa. Há dez anos que a perdi, e ainda a choro. O que a matou mais depressa não foi a moléstia: foi a dor de separar-se de nós. Oh! se a visse poucos momentos antes de morrer! Como chorava aquela pobre alma!... Carlos e Dolores soluçavam em completo desespero, beijando as suas mãos já frias... É porque eles, apesar de bem pequenos, compreendiam o que perdiam.   MOREIRA Para que recordações tristes, Barão!... Para que pensar na morte, quando nos rodeia a vida em toda a sua pujança? Veja: essas salas esplendidamente iluminadas, essas catadupas de flores que derramam os seus perfumes inebriantes, esse movimento, essa animação tumultuosa — chamam-nos à plena vida. A saudade, neste momento, é uma flor exótica, que não pode desabrochar por falta de seiva...    BARÃO Não se escolhe ocasião para pensar naqueles que nos são caros. Se assim fora, a saudade seria um cálculo e não um sentimento.   MOREIRA Bem raros são os amores que vão além da campa. Quando encontramos um amor assim, devemos venerá-lo como um objeto sagrado e curvarmo-nos à sua sublime grandeza.   BARÃO É desse amor que nasce a felicidade do casamento, a tranquilidade da família, o bem-estar da vida. Os casamentos que assentam sobre tal base são os que mais benefícios prometem à sociedade e que mais garantias lhe oferecem. O homem pobre que trabalha — mais do que muitas vezes está nas suas forças — para obter com honra o pão da vida, quando, cansado e abatido, volta ao lar, enxugando o suor que lhe orvalha a fronte — o que vai procurar, sôfrego e palpitante?... Um olhar raso de ternura, um sorriso repleto de amor, o movimento precipitado dos afetos do coração, o ósculo puro e santo da esposa querida e meiga — toda carinhos e solicitude...    MOREIRA De pleno acordo, Barão.  
BARÃO O casamento não é só a união de duas individualidades: é o enlace de dois corações, é a junção de duas almas, que têm por fim amparar-se mutuamente, enxugar as lágrimas que o sofrimento arranca, compartilhar os sorrisos perfumados da felicidade, ver com os mesmos olhos, sentir com o mesmo ardor, caminhar para o mesmo norte. Quando um coração goteja o pranto doloroso das úlceras que o martirizam, aí está o outro para levar-lhe o bálsamo consolador na palavra convincente — que lhe lembre o céu, que lhe mostre a luz sagrada da esperança, que lhe aponte o caminho da fé. É desta igualdade de sentimentos que nasce a ventura; são os casamentos por amor que consolidam a ordem e a moralidade da sociedade. É nessas alegrias celestes e inseparáveis das grandes almas, é nessas explosões dos corações generosos que consiste a verdadeira ventura, a vida, a animação, a coragem, a resignação, a esperança no céu; é no perfumado e franco sorriso do lar que se bebe a longos haustos a vontade para trabalhar, o desejo de viver, o estímulo para vencer nas lutas tempestuosas da vida...    MOREIRA Perfeitamente! (À parte, indo à janela para deitar fora o charuto) Soberbo! Isto num drama de Rosier era de um efeito prodigioso.   BARÃO O casamento por conveniência muda de face. É o pacto da baixeza com o ouro, da vilania com a opulência. Neste não se encontra, como no inspirado pelo amor, a calma serenidade que, perfumando a alma do homem, transforma a mulher em anjo enviado por Deus à terra para nos fazer entrever os gozos divinais do paraíso; não se vê cintilar nos lábios da mulher o sorriso odoroso da alma descuidosa; não aparece nos olhos do homem a luz vibrante que anuncia, em esplendores divinos, a tranquilidade do íntimo. A mulher e o homem que se unem por conveniência enlaçam as mãos por cima de um abismo, sem consciência de que estão prestes a medir-lhe o fundo. Não há felicidade possível: é a desordem, a discussão eterna, o vício, o crime muitas vezes, o ódio sempre, sempre o arrependimento. Mas quando chega o arrependimento, é tarde. Não há recuar: para condenar o que recua, aí está a sociedade. É caminhar sempre, com a fronte erguida e o sorriso nos lábios, para que a sociedade não veja na mulher um demônio ou uma mártir, e não encontre no homem um miserável ou um desgraçado sem nome. Compra-se a ouro uma mulher ou um homem; mas não há ouro que possa comprar o amor. O amor verdadeiro é eterno, desde que a alma é imortal. (Outro tom) Mas estou aqui aborrecendo-o com as minhas tristezas e as minhas opiniões sobre o casamento, quando o meu amigo é talvez desejado nos salões...    MOREIRA Afirmo-lhe que não. Não sou amigo do tumulto. Acho-me aqui à vontade. Prefiro a sua companhia à de todos esses mancebos estouvados que doidejam por essas salas.   BARÃO Deveras?     CENA II Os mesmos, Doutor e Miranda.   DOUTOR Ora, Sr. Miranda, deixe-se disso. O senhor não inventou a pólvora...    MIRANDA Garanto-lhe, doutor.   DOUTOR Mas eu não acredito enquanto não o vir pôr em prática o seu invento. Sigo exatamente o sistema de São Tomé: ver para crer.   BARÃO O Sr. Miranda inventou alguma coisa?   MIRANDA Um novo passo de valsa, Sr. Barão, um novo passo de valsa.
MOREIRA (irônico)  Um novo passo de valsa!   MIRANDA Oh! é porque os senhores ainda não o viram. É uma coisa estupenda, nunca vista, Sr. Barão. Se não fôssemos eu e o acaso, ficava o mundo sem esse progresso mais. E que progresso, Sr. Barão! que progresso!...    BARÃO Então foram o senhor e o acaso?   DOUTOR Eles conhecem-se.   MIRANDA É verdade. Foi ao levantar-me da cama. Estendi a perna direita para alcançar a chinela, que estava um pouco longe... e zás!   MOREIRA (irônico)  Descobriu a pedra filosofal!   MIRANDA (olhando-o de um modo aborrecido)  Eu estou falando com o Sr. Barão. (Ao Barão) Não descobri coisa nenhuma, mas caí sentado no chão! (Riem-se todos)   DOUTOR Ora!   MIRANDA Não se riam. Aquela queda foi providencial; para levantar-me, tive de estender a perna esquerda... e zás!   MOREIRA (olhando-o e sorrindo ironicamente)  O quê?  
MIRANDA (como acima)  Eu estou falando com o Sr. Barão. (Ao Barão) Escorreguei e ia caindo outra vez; mas pude restabelecer o equilíbrio e... zás!   MOREIRA (irônico)  Mais alguma desgraça!   MIRANDA (como acima)  Eu estou falando com o Sr. Barão. (Ao Barão) Estava descoberto o novo passo de valsa. Os senhores hão de ver logo. Como disse há pouco, é uma coisa maravilhosa, nunca vista, monumental! Custoume uma queda e um escorregão, mas dou-me por satisfeito.   DOUTOR Por que não tira privilégio, Sr. Miranda?...    MIRANDA Hei de tratar disso. Quero primeiramente aperfeiçoar o meu invento, preencher algumas lacunas e fazer certas mudanças indispensáveis... (Outro tom) É verdade, Sr. Barão: a quantas andamos a respeito de política? A sua candidatura vinga de uma maneira esplêndida... tão esplêndida como a minha valsa!   BARÃO Estou convencido disso, graças aos esforços dos meus amigos, que entenderam dever apresentar-me pelo nono distrito, conquanto eu me esquivasse o mais possível à semelhante honra. Positivamente não nasci para a política.   DOUTOR Mas vossa excelência não tinha o direito de esquivar-se. Os homens de talento pertencem à pátria e não a si próprios.   BARÃO Doutor...    DOUTOR Se os partidos mandassem para as câmaras somente homens como vossa excelência, o nosso pobre país não andaria tão enfermo...    MIRANDA É o que eu digo. Assim como eu, casualmente, inventei um novo passo de valsa, o Sr. Barão pode inventar qualquer coisa útil ao país... por exemplo: a direção dos balões, que tem dado o que fazer a tanta gente boa.   MOREIRA (irônico)  Este Sr. Miranda tem ideias gigantescas! Por que não se faz eleger deputado, Sr. Miranda?   MIRANDA (com mau modo)  Para quê?   MOREIRA Quando mais não fizesse, poderia recrear os seus colegas executando, nas horas vagas, o seu novo passo de valsa...    MIRANDA (dando-lhe as costas)  O senhor tem muito espírito!... (Voltando-se) Pode ceder-me alguns quilômetros dele, se lhe não fazem falta?   MOREIRA Não tenho tanto como o senhor, pois ainda não inventei coisa alguma.   MIRANDA Nem mesmo...    MOREIRA O quê?   MIRANDA Nada... nada... O senhor é que devia fazer-se deputado para ensinar os seus colegas, nas horas vagas... 
  MOREIRA Ensinar o quê?   MIRANDA Eu cá me entendo... (Sobe)   DOUTOR Já me ia esquecendo, Sr. Barão: a sua presença é necessária na sala do jogo.   BARÃO Mas eu não jogo.   DOUTOR Mas anima os jogadores. Vamos.   BARÃO (a Moreira)  Não nos acompanha, meu amigo?   MOREIRA Fico. A companhia do Sr. Miranda é tão divertida, que não me animo a deixá-la. 
(O Barão e o Doutor vão subindo)   MIRANDA (descendo)  Mas o senhor pensa que eu fico?   MOREIRA Penso.   MIRANDA Pois está enganado. Ponho-me também a panos. (Sobe)   MOREIRA Venha cá, Sr. Miranda.
MIRANDA (voltando-se)  Ora, não seja cacete! Olhe que o senhor sempre é um massista de conta! Aposto que se me conhecesse melhor, não desejava tanto a minha companhia! (Sai pelo fundo. O Doutor aparece à esquerda)     CENA III   MOREIRA Ah! ah! ah! Quanto mais experiência se adquire, mais tolo se fica... É justamente o que se dá com este pobre Barão! (Senta-se)     CENA IV Moreira e o Doutor.   DOUTOR (descendo)  Mas o que não se dá com os outros.   MOREIRA Fala comigo?   DOUTOR Sem dúvida. O Sr. Comendador é um homem de tino e sabe como se fazem as coisas; mas fique convencido de que nem todos são tolos.   MOREIRA O que quer dizer?   DOUTOR Quero dizer que não é só o Sr. Barão que está para ser vítima do seu tino; quero dizer que o dono desta casa tem amigos, e amigos verdadeiros, que velam pela sua honra e felicidade.   MOREIRA Creio que o movimento das salas e as sensações do jogo transtornaram-lhe as ideias, Doutor. A não ser assim, não posso compreender como é que se anima a vir abusar da minha condescendência, a insultar-me quase.   DOUTOR Está enganado, senhor. Nunca desci a insultar a quem quer que seja, assim como nunca me aviltei tentando insinuar-me para fins menos dignos no ânimo de ninguém.   MOREIRA O doutor é um enigmista de força. Não o supunha com mais esse talento.   DOUTOR O Sr. Comendador não me compreende, porque não lhe convém compreender-me. Pois bem: vou falar-lhe mais claro.   MOREIRA Então há de dar-me licença. Como pelo exórdio o sermão promete ser longo, quero preparar-me para não adormecer antes da peroração. Permite, doutor?... (Tirando charutos) Aceita um charuto? São verdadeiros havanos: perfumados como um buquê e agradáveis como um moralista... quando está calado. Quer?   DOUTOR O senhor é de um sangue-frio admirável!...    MOREIRA Que quer? É o meu gênio. Sou um homem de gelo!   DOUTOR Ouça-me, senhor. Aproveitemos, peço-lhe, esta ocasião em que estamos sós.   MOREIRA (recostando-se no sofá) 
Pois não, doutor. Dá licença que me conserve sentado, não?... (Acende o charuto) Pode principiar.   DOUTOR Em 1863 estava eu na Bahia. Tinha concluído os meus estudos e formara-me naquele ano. Como única riqueza, possuía um diploma de médico, e nada mais...    MOREIRA Como os tempos mudam, doutor!... Hoje calcula-se a sua fortuna em perto de duzentos contos.   DOUTOR Honrado fruto do meu trabalho, Sr. comendador. Nem todos poderão dizer o mesmo.   MOREIRA Talvez.   DOUTOR Mas continuemos. Estava eu hospedado na casa de um alfaiate meu amigo e pouco mais rico do que eu. Esse homem havia-se casado no ano anterior com uma formosa menina, a quem amava estremecidamente. Paulo de Medeiros, por interesses de seu negócio, teve de fazer uma longa viagem, e partiu, deixando-me encarregado da vigilância de sua casa...    MOREIRA Bravo! Formou-se em medicina para dirigir alfaiatarias!   DOUTOR E por que não? Antes ser operário humilde, mas honrado, do que titular sem honra. As honras não dão honra, Sr. Comendador. (Outro tom) Dois meses passaram-se, e o alfaiate não apareceu. Sua mulher...    MOREIRA Era bonita, já mo disse, e isso era suficiente para matar no doutor as saudades do amigo ausente.   DOUTOR Sabe o Sr. Comendador que é uma infâmia o que acaba de dizer?   MOREIRA (levantando-se)  Senhor!... (Sentando-se, a sorrir) É de uma amabilidade extraordinária, doutor!...   DOUTOR Sua mulher, impressionável por natureza, teve uma noite um acesso nervoso, que me obrigou a fazê-la recolher ao seu quarto e a dar-lhe um calmante...    MOREIRA E o marido ausente! Dou-lhe os meus parabéns, doutor!... Mas isso é história velha. Conte-me outra coisa.   DOUTOR Ouça. Subi para o meu quarto, e, como costumava, sentei-me à mesa e comecei a escrever. Passaram-se as horas. À meia-noite, pouco mais ou menos, ouvi uns gemidos sufocados, como de quem está sob a influência de um pesadelo. Levantei-me e desci a escada. Ao chegar ao último degrau, um grito, um grito só, mas terrível e penetrante, fez-me recuar. Era a mulher do meu amigo que pedia socorro...    MOREIRA Ou que sonhava com o doutor... também era possível.   DOUTOR De um salto ganhei a distância que me separava do quarto dela, e parei à porta... (Fitando Moreira) Vejo-o empalidecer, Sr. Comendador... Sabe o que vi?   MOREIRA Não, nem tenho curiosidade de sabê-lo. A sua história é horrivelmente maçante, doutor. Se não fosse este amável charuto, creio que já teria adormecido...    DOUTOR Vi a janela do quarto aberta de par em par; vi a pobre moça estorcendo-se no leito com um ataque horrível; vi um homem saltando para a rua...    MOREIRA Era uma cena um tanto dramática... Mas foi só isso?   DOUTOR Ainda não é tudo. Conheci esse homem pelas costas...    MOREIRA E quem era ele, se a pergunta não é indiscreta.   DOUTOR Não é preciso que lho diga. O senhor sabe tão bem como eu.   MOREIRA Eu?   DOUTOR Quem era esse homem, Sr. Comendador?   MOREIRA A pergunta é interessante, creia... Como quer que...    DOUTOR Pois bem: esse homem... era o senhor!   MOREIRA (erguendo-se)  Eu?   DOUTOR Sim: o senhor, que acabava de praticar uma infâmia, de lançar a desgraça ao seio de uma família, de desonrar um homem de bem. Era o senhor!   MOREIRA (sentando-se)  É da sua vontade que fosse eu? Fui.   DOUTOR Acudi a infeliz, e consegui fazê-la tornar a si. Oh! o senhor não calcula as lágrimas, o desespero, as agonias dela!... Tentei acalmá-la, dar-lhe resignação e coragem. Em vão. “Direi tudo a meu marido!” — exclamava ela. Lutei, lutei muito para obter a promessa de que nada diria. Nove meses decorreram e Paulo de Medeiros continuava ausente. O senhor tinha desaparecido. Chegou o termo do prazo fatal. A mulher do alfaiate deu à luz uma criança. Tomei-a nos braços e saí. Enjeitei-a à porta de uma casa. A esposa, virtuosa e santa, — apesar de tudo. — não queria desonrar o lar com a presença desse inocente. Quando voltei à casa, achei Elvira morta. No dia seguinte o alfaiate chegou. Conduzi-o, em silêncio, ao quarto mortuário. Ele não disse uma palavra. Ajoelhou à beira do leito e começou a chorar...    MOREIRA Muito bem, doutor! O senhor conta admiravelmente uma história!   DOUTOR Já vê que o conheço de sobra e que sei com quem tenho de lidar.   MOREIRA Deveras?   DOUTOR O senhor é um miserável!   MOREIRA (erguendo-se)  Doutor! 
(Valsa, dentro)   DOUTOR Como quer que o considere?   MOREIRA Vou dançar esta valsa... Até logo, doutor... Ah! é verdade: devo preveni-lo que a sua história não me assusta, porque o senhor não tem provas para afirmar o que disse. E o homem que avança uma proposição sem prová-la é um... caluniador!   DOUTOR Senhor!   MOREIRA Ah! ah! ah! Até logo, doutor, até logo! (Sai pelo fundo. O doutor desce, depois de vê-lo sair)     CENA V Doutor e Miranda.     DOUTOR Tenho de lutar com um inimigo perigoso... Mas não importa: hei de vencê-lo!   MIRANDA (enxugando o suor com um lenço vermelho)  Não posso mais... perseguem-me de todos os lados... querem por força... (Sentando-se) Ah! doutor, estou desesperado, furioso!...    DOUTOR Por quê?   MIRANDA São capazes de pôr-me louco por causa do meu passo de valsa... Olhe que suei o topete para desvencilhar-me deles... 
DOUTOR Mas o que foi que houve?   MIRANDA Calcule. Fui rodeado por todos: moços, moças, velhos e velhas. Ainda se fosse só pelas moças, a coisa seria outra... Mas pelas velhas! Livra! Um puxava-me pelas abas da casaca, outro pela gola, este pelas mangas, aquele... As velhas eram as piores: chegavam a puxar-me pela ponta do nariz e a dar-me beliscões nas barrigas das pernas!... E todos a gritarem como uns doidos: “Dance! dance!” Ainda neste ponto as velhas sobressaíam, porque gritavam mais do que todos, fazendo um berreiro dos meus pecados...    DOUTOR E o Sr. Miranda o que fez?   MIRANDA O que fiz?... Isso nem se pergunta. Fugi.   DOUTOR Sem atender a um pedido feito com tanta instância?   MIRANDA Sem dúvida, para meter figas às velhas. Além disso, ainda não é tempo. O doutor sabe que nos jantares guardam-se as melhores iguarias para o fim. É o que eu quero fazer. O meu novo passo de valsa há de ser exibido no fim do baile. Quero arrebatar essa gente, doutor! São capazes de levar-me em triunfo por essas ruas!...    DOUTOR Conte com o meu concurso.   MIRANDA E conto, por certo... Sei que o Doutor é um entusiasta das grandes ideias, e a minha ideia é uma ideia que a bem poucas ideias cede a palma... 
DOUTOR Passando de um polo a outro, Sr. Miranda: quando o senhor esteve na Bahia, conheceu um alfaiate que lá havia, chamado Paulo de Medeiros?   MIRANDA Perfeitamente, conquanto não entretivesse relações com ele.   DOUTOR E que opinião formava o senhor a respeito desse homem?   MIRANDA A melhor possível. Diziam todos que Paulo era um homem honrado a toda prova. A mulher era uma verdadeira teteia, um brinco, doutor.   DOUTOR Sim... Mas no ano antecedente ao da morte dela, correram certos boatos...    MIRANDA Já sei onde quer chegar. Dizia-se pela boca pequena que houve quem visse uma noite um homem saltando a janela do quarto dela, quando Paulo de Medeiros, por causa do seu negócio, andava em viagem. Lembro-me de tudo como se fosse hoje.   DOUTOR E o senhor deu crédito a isso?   MIRANDA Acreditei, porque vi.   DOUTOR Viu?   MIRANDA O doutor talvez não saiba que nos meus bons tempos dei também um cavaquinho pelas aventuras amorosas, e que, em consequência disso, costumava fazer as minhas excursões noturnas. Pois, nessa noite, era já bastante tarde, passando casualmente pela rua onde morava o alfaiate, vi um sujeito saltar a janela e desandar a correr, como se levasse o diabo engalfinhado nas costas.   DOUTOR Conheceu esse homem?   MIRANDA Ora, que dúvida! Conheci.   DOUTOR Quem era?   MIRANDA Faz muito empenho em saber? 
DOUTOR Empenho... não; simples curiosidade.   MIRANDA Pois era o comendador Moreira, que, nesse tempo, chamava-se simplesmente Antônio Moreira, e tinha um negociozinho, um armarinho de má morte, lá num beco de cujo nome não me lembro agora.   DOUTOR Tem certeza disso, Sr. Miranda?   MIRANDA Plena certeza.   DOUTOR E se um dia, em qualquer ocasião, for necessário o seu testemunho, está pronto a dá-lo?
MIRANDA Estou, porque tenho provas.   DOUTOR Provas?... que provas?...    MIRANDA Uma bolsa que lhe saltou da algibeira, quando ele atirou-se da janela abaixo. Essa bolsa tem em um dos lados o nome do proprietário escrito com todas as letras. Guardei-a como uma curiosidade.   DOUTOR Bem, Sr. Miranda. Creio que, não é preciso pedir-lhe segredo, o maior segredo, sobre isso.   MIRANDA Mas o que pretende o doutor fazer?   DOUTOR Por ora, nada; mais tarde, talvez muito.   MIRANDA Basta, doutor. Pode contar comigo.   DOUTOR (apertando-lhe a mão)  E conto.   MIRANDA Agora há de dar-me licença. Vou ver se os amigos já estão mais calmos, para poder andar livremente nos salões. (Vai sair)   DOUTOR Eu o acompanho. 
 
(Saem. A cena fica vazia um momento)  
 
 
CENA VI Augusto e Dolores.
  AUGUSTO (entrando de braço com Dolores)  Como? Pois serão tão tristes os seus pensamentos? (Conduz Dolores ao sofá, e fica de pé)   DOLORES (depois de um momento de silêncio, hesitando)  Não sei...    AUGUSTO É bem verdade que, de certo tempo a esta parte, tenho notado uma extraordinária mudança na sua vida. (Senta-se ao lado de Dolores) A senhora era alegre como os passarinhos na primavera: amanhecia sorrindo e anoitecia cantando. Nunca no céu azul dos seus olhos vi passar uma nuvem de tristeza, nunca de seus lábios ouvi partir uma queixa. As rosas da saúde e da ventura brilhavam no seu angélico rosto com todos os seus encantos, e a senhora dizia ser a mais feliz das mulheres. Depois mudou: começou a empalidecer, a tornar-se triste. Por quê?... O coração não passa por semelhante transformação sem que tenha sofrido um grande abalo... Por que não é franca comigo e não me revela o motivo desse abalo?...    DOLORES Mas eu não sofri abalo algum... Nem sempre estamos com disposição para cantar e rir...    AUGUSTO A senhora tenta iludir-me e iludir-se talvez... mas não consegue o seu fim, porque eu bem vejo que sofre. Quando temos um amigo que nos abre o coração — um coração cheio de afetos — para receber as nossas queixas, é ingratidão de nossa parte ficarmos mudos e desprezarmos as consolações que nos oferecem. E bem sabe que eu sou um amigo dedicado e capaz de todos os sacrifícios para vê-la como outrora alegre e feliz.  
DOLORES Bem sei que o senhor tem uma alma generosa... mas...    AUGUSTO Concede-me permissão para fazer-lhe uma pergunta?   DOLORES Sem dúvida.   AUGUSTO Promete dizer a verdade, a verdade inteira?   DOLORES Mas, Sr. Augusto...    AUGUSTO Peço-lhe que responda.   DOLORES Pergunte...    AUGUSTO A senhora ama...    DOLORES Eu!   AUGUSTO Sim. A senhora ama pela primeira vez, e como só se pode amar uma vez na vida: com todo o amor de uma alma virgem, com toda a paixão de um coração de mulher. Mas não acho que isso seja motivo de tristeza. Pelo contrário: quando a mulher principia a amar, enceta uma vida nova; entra num mundo desconhecido, cheio de luz e de flores, de cantos e de perfumes, num mundo onde só imperam as alegrias, onde só se ouvem os hinos da ventura e da descuidosa felicidade...   
DOLORES Quem sabe?   AUGUSTO Por acaso não é correspondida?... O homem a quem dedica todos os seus sentimentos não será digno de merecê-los?... Quanto à primeira hipótese, seria um coração de gelo aquele que não palpitasse ante as suas virtudes e a sua beleza de anjo... Quanto à segunda hipótese... (Fitando-a, com pausa) A menos que uma invencível fatalidade a arrastasse, parece-me impossível que a senhora fosse olhar para um homem que não a merecesse...    DOLORES Oh? não!   AUGUSTO Se há reciprocidade de sentimentos e igualdade de virtudes, por que entristece?... Conte-me tudo: não pode calcular a felicidade que me dará, dando-me a sua confiança.   DOLORES Isso o faria feliz?   AUGUSTO Oh! muito!   DOLORES (confusa)  Pois bem... eu... amo...    AUGUSTO (ansioso)  Eu já o sabia. Mas a quem?... A quem?   DOLORES Mas...    AUGUSTO Oh! diga!... Peço-lhe que diga... 
  DOLORES (muito comovida)  Ao... senhor...    AUGUSTO (tomando-lhe as mãos, com ardor)  A mim!... Oh! repita... repita essa palavra, Dolores!...    DOLORES O senhor ama-me também?...    AUGUSTO Oh! se te amo!... Nunca leste nos meus olhos a paixão que me devora, nunca te revelaram o meu amor as horas que eu passava, silencioso e mudo, contemplando-te de longe, seguindo-te como a tua sombra, procurando adivinhar os teus menores pensamentos para realizá-los?...    DOLORES E por que nunca me disse?   AUGUSTO Porque tinha medo de ver repelido o meu amor, porque temia que outrem tivesse conquistado o teu afeto... Amas-me!... O que mais posso eu ambicionar?... O teu amor é tudo para mim: a vida, o júbilo, a felicidade, a riqueza, a glória, tudo!   DOLORES Vê?... Já não estou triste... Sou tão feliz também!... Como o senhor disse há pouco, parece-me que entro num mundo desconhecido, cheio de luz e de flores, de cantos e de perfumes!   AUGUSTO Amo-te, Dolores! Amo-te! 
(Moreira aparece ao fundo, onde fica)    
 
CENA VII Os mesmos e Moreira.
  MOREIRA (ao fundo, à parte)  Como arrulham aqueles dois pombinhos! Interessantes crianças!...    DOLORES Já sabe porque eu era triste, porque o sorriso me fugiu dos lábios, porque muitas vezes me viu os olhos rasos de lágrimas... Agora sou feliz. A nuvem da tristeza passou e o sol da ventura brilha com todo o seu esplendor...    AUGUSTO (beijando-lhe a mão)  Dolores!   MOREIRA (descendo)  Peço-lhe perdão, minha senhora, se venho incomodá-la.   DOLORES (afastando-se de Augusto)  Ah!   MOREIRA Assustei-a?... Não tem razão. Creia que as intenções com que entrei nesta sala são as mais pacíficas do mundo. Sou um homem inteiramente inofensivo... (Com intenção) E avesso a penetrar os segredos dos outros...    AUGUSTO Se é uma ironia, Sr. Comendador, declaro-lhe que não surpreendeu segredo algum. Se entre mim e esta senhora tivesse de haver troca de confidências, não escolheríamos por certo esta sala, que está sendo a cada momento frequentada...    MOREIRA O meu amigo recebe o recado à porta da escada... Deixe passar a frase chata e vulgar.  
AUGUSTO Vulgar e chata como as intenções com que o Sr. Comendador penetrou aqui.   MOREIRA Não se exalte, meu amigo. A ira é má conselheira. Não surpreendi segredo algum, não só porque não me dou ao trabalho de fazer coleções de curiosidades, como mesmo porque não tenho por hábito andar à pista dos segredos alheios. Vossas excelências conversavam. É tão natural! Procuraram esta sala para estarem mais à vontade. É naturalíssimo! No meio da sua inocente palestra trocaram algumas palavras mais ardentes... falaram talvez...    AUGUSTO Em quê?   MOREIRA (sorrindo, com intenção)  Em amor.   AUGUSTO E se assim fosse?   MOREIRA Era tão natural também, que nada havia nisso que pudesse causar admiração. O que é a mocidade? Um conjunto de ilusões, uma Babel de sonhos, e nada mais. (Ferindo as palavras) É necessário que aproveitemos o tempo, porque após a ilusão vem o desengano, após o sonho, a realidade... (A Dolores) É verdade, minha senhora: aproveito a ocasião para lembrar que vossa excelência prometeu-me a 5ª quadrilha.   DOLORES Eu?   MOREIRA Já se não lembra?... Tem razão. A mocidade pensa em tanta coisa ao mesmo tempo, que, por fim de contas, de nada se recorda.
AUGUSTO Suponho que vossa senhoria está enganado. A 5ª quadrilha foi-me concedida.   MOREIRA Depois de ter-me sido concedida. É bem possível.   AUGUSTO Senhor Comendador!   DOLORES Senhor Comendador, eu nada lhe concedi, e, por consequência, peço permissão para retirar-me.   MOREIRA Mas, minha senhora...    DOLORES (a Augusto)  O seu braço. 
(Saem)    
CENA VIII
  MOREIRA (acompanha-os com a vista, e depois desce)  Aqui está uma despedida em regra! (Rindo) Oh! mas eu pouca importância ligo a estes arrufos, porque nunca encontrei obstáculos à realização dos meus desejos!... Como César, posso dizer: Veni, vidi, vinci! Há de ser minha! Jamais quis, que não conseguisse!... (Senta-se)     CENA IX Moreira e Carlos   CARLOS Como, senhor comendador!... Pois foge das salas para vir isolar-se aqui? É imperdoável...    MOREIRA Por um momento só. O excessivo prazer também cansa, e eu vim procurar aqui um instante de repouso.   CARLOS Julgava-o aborrecido. A nossa festa talvez não seja bastante esplêndida para prender-lhe a atenção. (Senta-se)   MOREIRA É mais do que esplêndida, é uma festa de fadas. Se no paraíso se dessem bailes, estou convicto de que não seriam mais atraentes. É verdade, o que faz o nosso literato? Toma apontamentos para algum novo drama, ou escreve algum romance de sensação?   CARLOS Estou escrevendo um drama que tem por assunto um fato inteiramente real.   MOREIRA Sim! E como é o título?   CARLOS “O fruto do crime.”   MOREIRA É um título de reclame. Há de fazer furor. E o enredo?   CARLOS O enredo é simples como tudo quanto é possível. Há uma mulher...    MOREIRA (sorrindo)  Não se pode passar sem as mulheres...    CARLOS Essa mulher é casada...    MOREIRA O interesse da peça triplica.   CARLOS O marido, um dia, parte para uma longa viagem. Um miserável sedutor aproveita-se da ocasião, e penetra uma noite na casa dela. Abusa covardemente do sono da infeliz, e foge...    MOREIRA (à parte)  O doutor contou-lhe tudo... Experimentemos. (Alto) Mas esse marido é um tolo. Quando se tem uma mulher moça e bonita, não se parte para uma longa viagem, deixando-a só... ou mal acompanhada.   CARLOS O fato é verídico. Deu-se na Bahia, em 1863.   MOREIRA (à parte)  Simulemos. (Alto) Suponho que o doutor já me falou nisso...    CARLOS É muito possível, porque foi ele quem mo contou.   MOREIRA Disse-lhe o nome dessa mulher?   CARLOS Não.   MOREIRA E o do sedutor?   CARLOS Também não.  
 
MOREIRA Nem a mim. (À parte) Estou tranquilo. Continuemos a simular. (Alto) E depois?   CARLOS Nove meses depois, essa mulher dá à luz uma criança. A desgraçada enjeita-a.   MOREIRA (como que distraído)  Ah!   CARLOS Um momento depois de ter dado o último beijo na desgraçada criancinha, estrangula-se...    MOREIRA (erguendo-se)  Estrangula-se! (À parte, sentando-se) Eu não sabia...    CARLOS No dia seguinte o marido chega e encontra morta a esposa. Não podendo resistir à dor, envenena-se...    MOREIRA Envenena-se!... (À parte) E fui eu a causa de tudo!... (Alto) E a criança?... A criança?...    CARLOS O doutor há de dar-me o resto dos apontamentos. Só por eles poderei saber o destino da criança... (Pausa) Compreende, Sr. Comendador, como pela perversidade de um só homem, tantas desgraças sucedem?   MOREIRA Compreendo... sim...    CARLOS Que castigo, que punição deve-se infligir ao sedutor?... 
 
MOREIRA (pensativo)  Não sei... Como posso eu saber?   CARLOS Matá-lo com uma bala, com uma punhalada?... É pequeno o castigo para tamanha culpa. Hei de matá-lo aos poucos, lentamente, cheio de remorsos, miserável, desprezado, leproso...    MOREIRA Oh! mas isso...    CARLOS Acha pouco ainda?... Que punição merece então o homem, que vai, a sangue frio, calmo, com a consciência tranquila, lançar a desonra e a morte no seio de uma família?... Pode-se cometer outro qualquer crime, porque momentos há de desespero tão profundo, tão grande, que o homem perde a razão, mas...    MOREIRA Basta!... (Erguendo-se) O seu drama há de ser soberbo... mas peço-lhe que não me tire o prazer da surpresa... (À parte) Que suplício!...    CARLOS Garanto-lhe que a noite da representação do meu drama será para aqueles que o virem uma noite de sensações, de verdadeiras comoções... (Música, dentro)   MOREIRA Sim... sim... mas... não vai dançar?   CARLOS Fez bem lembrar-me. Estou comprometido com a filha do conselheiro Mascarenhas, e não quero ficar em falta. Até já. (Sai)    

CENA X
MOREIRA Miserável!... desprezado... leproso... — disse ele. Oh! seria um castigo tremendo!... (Pausa) E não foi tremenda a culpa?... (Pausa) Ora!... O que passou, passou. Ela estrangulou-se?... Ele morreu envenenado?... Que importa, se não fui eu que ministrei a corda nem o veneno?... A minha consciência está perfeitamente tranquila!... (Outro tom) Mas este médico quer perder-me. Sabe tudo, e é capaz de pôr em praça o meu passado... Oh! mas eu saberei fazêlo calar-se!... Hei de reduzi-lo à impotência!... (Sobe e encontra-se com Augusto)     CENA XI Moreira e Augusto.   AUGUSTO Uma palavra, Sr. Comendador.   MOREIRA Quantas quiser, meu amigo. Já dançou a quadrilha de que tão delicadamente me esbulhou?   AUGUSTO Mas...    MOREIRA Oh! eu não me incomodo por isso. O meu amigo, que teve a preferência, necessariamente possui mais direitos do que eu a...    AUGUSTO Basta, senhor. Não vim procurá-lo para entreter uma conversação de ironias de mau gosto, mas para exigir uma satisfação pelo que disse há pouco.   MOREIRA Exigir? A palavra é um pouco dura, meu caro senhor. Por acaso não achou outra mais suave no seu vocabulário? (Senta-se)   AUGUSTO Achei, mas não quis empregá-la. O senhor ameaçou-nos...    MOREIRA (sorrindo)  Magnífico plural! Ameaçou-nos!... A quem?... Ao senhor e a D. Dolores, não?... Sabe o meu amigo que se se casassem formariam um lindíssimo par de pombinhos, capaz de causar inveja aos próprios anjos?   AUGUSTO Peço-lhe que não continue a jogar a arma vilã da ironia, porque eu não responderei pelas consequências...    MOREIRA Não se altere, meu amigo. Pois responde desse modo a um elogio que lhe teço? É de muito mau gosto.   AUGUSTO Exijo uma satisfação, Sr. Comendador.   MOREIRA E se eu não quiser dá-la?   AUGUSTO Se não quiser dá-la, é um... covarde!   MOREIRA (erguendo-se)  Um covarde! (Sentando-se, calmo) Relevo o insulto, porque o ciúme desvaira-o.   AUGUSTO Senhor!   MOREIRA Ora vamos: acalme-se e conversemos como dois bons amigos.   AUGUSTO Nega-se a satisfazer a minha exigência?   MOREIRA Positivamente, meu caro amigo, positivamente.   AUGUSTO E se eu obrigá-lo?   MOREIRA Obrigar-me!... Tinha vontade de ver como arranjaria isso.   AUGUSTO (erguendo a mão)  Pois veja!   MOREIRA (segurando-lha)  Abaixe as patinhas, meu amigo! Não promova um escândalo sem a menor necessidade. Seria ridículo para tão galante campeão de damas ameaçadas...    AUGUSTO (calmo)  Já vejo que é impossível obter-se do senhor qualquer ato de dignidade. Retiro-me, mas havemos de nos encontrar. O senhor é um miserável! Não lhe toquei no rosto, mas vale a intenção: esbofeteei-o! (Sai)     CENA XII   MOREIRA Hei de esmagá-lo também... depois de ter esmagado o outro!... Vamos!... Se nos incomodássemos por todas as contrariedades que nos sucedem, a vida seria uma coisa bem estúpida!...     
 
CENA XIII Moreira e Miranda.
  MIRANDA (pensativo, sem ver Moreira)  Está chegando a hora do meu triunfo... O meu novo passo de valsa...    MOREIRA Oh! Sr. Miranda...    MIRANDA Ah! está aqui?... (À parte) Mau! mau!   MOREIRA O senhor fica maluco com o seu novo passo de valsa!... Se até já fala sozinho?   MIRANDA Senhor Comendador, peço-lhe que não me incomode. Acho melhor que guarde o seu espírito para...    MOREIRA Para quê?   MIRANDA Para quando tiver de entrar por escalada nas casas alheias.   MOREIRA O que quer dizer?   MIRANDA Quero dizer... eu vou para o salão executar o meu novo passo de valsa... passe bem. (Sai)   MOREIRA Se o diabo me ajudar, a ocasião é ótima! Vamos! (Sai pela esquerda)    
 
CENA XIV
  DOUTOR (do fundo)  É um perfeito palhaço este homem com o seu novo passo de valsa! Tenho pena dele... (Palmas e bravos, dentro) E julga um triunfo o ridículo em que está caindo... Não posso ser testemunha destas cenas: revoltam-me... (Bravos e palmas, dentro. Indo à janela) Vamos para o jardim... Lá anda Carlos embebido nos seus devaneios, como um amante ou como um pateta... que é a mesma coisa. (Sai)     CENA XV Moreira e Dolores.   DOLORES Mas o que quer?   MOREIRA Quero pedir-lhe perdão. Sinto que a ofendi há pouco. Momentos há na vida, minha senhora, em que seríamos capazes de desrespeitar a Jesus Cristo se Jesus Cristo tomasse o nosso caminho... Eu tive um momento desses...    DOLORES Mas...    MOREIRA Quando sentimos o coração cheio da imagem de uma mulher, quando amamos com toda a exuberância da alma, quando esse amor é a nossa vida, o nosso orgulho, a nossa felicidade, e que vemos essa mulher entregar o seu coração a outrem, matando assim a nossa mais doce esperança, o desespero cega-nos e tornamo-nos loucos...    DOLORES Mas, Sr. Comendador...   
MOREIRA Não se ofenda outra vez. Não fui arrancá-la ao turbilhão da festa, às adorações que a cercavam, para fazer-lhe uma declaração de amor. Oh! não! Isso seria inútil... Trouxe-a para pedir-lhe perdão do mal que lhe fiz... Vossa excelência é um anjo, e os anjos não guardam ódios...    DOLORES Senhor Comendador, meu pai e minha mãe ensinaram-me sempre a esquecer as ofensas. De nada me lembro.   MOREIRA (apertando-lhe as mãos)  Obrigado, minha senhora. Mas isso não basta: dê-me uma prova, um sinal de que tudo esquece.   DOLORES Que prova posso eu dar-lhe, além da minha palavra?   MOREIRA Deixe-me beijar a sua mão.   DOLORES Oh! mas...    MOREIRA Que mal há nisso?... Não é o ósculo do amor, minha senhora; é o ósculo da gratidão. Permita...    DOLORES (estendendo a mão)  Ei-la.   MOREIRA (beijando-lha)  Oh! como é boa! Num corpo de anjo, só um coração de santa podia palpitar... Como é boa!...    DOLORES Agora permita que me retire.
  MOREIRA (conservando entre as suas as mãos de Dolores)  Oh! um momento mais. Como é formosa, e como eu a amo... amoa... (Atraindo-a a si e passando-lhe o braço em volta da cintura) Amo-a como um louco!...    DOLORES (assustada, querendo esquivar-se)  Senhor...    MOREIRA Amo-a... amo-a! (Curva-se para dar-lhe um beijo)     CENA XVI Os mesmos e o Barão.
BARÃO (aparecendo ao fundo)  Ah!   DOLORES (fugindo a Moreira e escondendo o rosto nas mãos!)  Meu pai!   MOREIRA (sorrindo)  Senhor Barão... 
(O doutor aparece à esquerda, onde fica)   BARÃO Nunca pensei que o Sr. Comendador abusasse assim de minha confiança para tentar desonrar-me!   DOLORES Meu pai!   BARÃO Cale-se! Era esta a recompensa que reservava aos carinhos com que sempre a tratei... era este o amor que me tinha, que tinha ao nosso nome... não é verdade?...    MOREIRA (sorrindo, tranquilamente)  Senhor Barão, se por acaso cometi uma falta, estou pronto a reparála.   DOLORES (à parte)  O que diz ele?   BARÃO Senhor Comendador, amanhã procurá-lo-ei.   MOREIRA Estou às suas ordens.   BARÃO (dando o braço a Dolores)  Vamos!... 
(Saem)
   
CENA XVII Moreira e o Doutor.
  MOREIRA (acompanhando-os com a vista e depois de vê-los sair)  Consegui o escândalo: é minha!   DOUTOR (descendo)  Ainda não!   MOREIRA Ah! é o doutor?... Quer por força lutar comigo... pois bem: veremos quem vence.   DOUTOR Veremos!   MOREIRA Advirto-o de que não haverá obstáculos, considerações, honra nem dignidade que me façam recuar!   DOUTOR (cruzando os braços, com calma)  O senhor é um canalha!...    (Moreira recua um passo. Cai o pano)    
 
ATO II  A mesma vista do 1º ato. É dia.
 
CENA I 
  BARÃO (sentado no sofá, em atitude meditativa)  E eu que a estremecia tanto... que depositava tanta confiança nela... Como são enganadoras as aparências!... Quando pensei eu, vendo-a tão meiga, tão virtuosa, que aquela meiguice e aquela virtude não eram mais do que uma máscara?... Quando pensei eu que debaixo daquelas formas de anjo ocultava-se uma alma cheia de hipocrisia?...      CENA II Barão e Carlos.   CARLOS (deixa o chapéu em um aparador e desce)  Bom dia, meu pai.   BARÃO Bom dia, Carlos. Vais sair?   CARLOS Vou.   BARÃO Fica. Preciso falar-te.   CARLOS Mas de que modo me diz isso, meu pai! O que tem? Está doente?...    BARÃO Antes estivesse, meu filho, porque talvez não sofresse tanto... Sofro muito, Carlos!   CARLOS Como, meu pai?   BARÃO Senta-te e ouve-me.   CARLOS (sentando-se)  Estou às suas ordens, meu pai.   BARÃO Sabes, — e tens orgulho disso — que o nosso nome é imaculado...    CARLOS Sei, meu pai, e sei também que no dia em que o nosso nome recebesse uma nódoa, nesse dia a nossa vida tornar-se-ia impossível.   BARÃO Muito bem, meu filho, muito bem! Dá-me a tua mão... (Aperta-lhe a mão) Tu és um homem de bem. Se todos os membros da nossa família pensassem assim, seríamos bastante felizes.   CARLOS O que quer dizer, meu pai? Não o compreendo.   BARÃO Ouve. Ontem, cansado do tumulto e do movimento do baile, dirigime a esta sala para repousar um momento e ao mesmo tempo para não assistir ao espetáculo pouco atraente que o Sr. Miranda ia dar perante os nossos convidados. Ao chegar à porta, um espetáculo cem vezes mais vergonhoso do que aquele a que eu não queria assistir, ofereceu-se-me à vista. Recuei, como se uma víbora me houvesse mordido, e não pude conter um grito...    CARLOS Mas que espetáculo foi esse, meu pai?   BARÃO Ânimo, filho, ânimo. Vi tua irmã — a minha filha, a minha alegria, o meu orgulho — nos braços do comendador Moreira!   CARLOS (erguendo-se)  Dolores... Dolores nos braços desse homem!... Perdão, meu pai mas isso... é impossível!   BARÃO Antes fosse; mas é a verdade...    CARLOS Meu pai, vou procurar esse homem.   BARÃO Para quê?   CARLOS Precisamos uma reparação: vou exigi-la.   BARÃO Não é necessário. Ele está pronto a reparar a falta, casando com tua irmã.   CARLOS E meu pai consente?
  BARÃO Essa pergunta! Consinto, certamente.   CARLOS Se dependesse de mim, eu não consentiria, meu pai.   BARÃO Por quê?   CARLOS Para castigá-la da sua fraqueza, da sua leviandade. E não houve mais quem visse?   BARÃO Felizmente, não.   CARLOS Felizmente! Oh! meu pai, que escândalo se esta sala fosse invadida pelos nossos convidados nessa ocasião!   BARÃO O mal podia ter sido maior. Quando ouviram o meu grito, separaram-se: ela, ocultando o rosto nas mãos, ele, baixando os olhos. Tomei o braço de Dolores e retirei-me...    CARLOS E onde está ela agora?   BARÃO No seu quarto. Chorou toda noite, porque a ouvi soluçar. Eu também não consegui repousar um momento.   CARLOS Meu pai...    CRIADO (anunciando) 
O Sr. Manoel de Miranda! (Sai)   CARLOS É um importuno este homem!   BARÃO Mas é um homem honrado. Agora, meu filho, pela nossa própria dignidade, não devemos mostrar no rosto o que nos vai pelo coração.     CENA III Os mesmos e Miranda.   MIRANDA Peço perdão por vir incomodá-los tão cedo. Mas tendo de passar por aqui, não quis deixar de entrar um instantinho. (Apertando a mão ao Barão) Como passou, Sr. Barão? (O mesmo a Carlos) E o Sr. Carlos?... Sempre rapaz bonito e mimoso das damas, hein?   BARÃO Sente-se, Sr. Miranda.   MIRANDA (sentando-se)  Pois eu vou indo regularmente... Um pouco fatigado do exercício que fiz ontem, mas forte sempre. Então, Sr. Barão: o que me diz do meu novo passo de valsa?   BARÃO É magnífico.   MIRANDA Hein?... Não calcula como esse seu juízo dá-me prazer. Quando um homem como vossa excelência diz: “Isto é bom”, é porque é verdadeiramente bom. Obrigado... É verdade: já leu o Jornal de hoje?  
BARÃO Ainda não.   MIRANDA Traz um artigo do seu competidor no nono distrito. O homem está furioso e dá a entender que perde a eleição por causa das inúmeras tranquibérnias que têm havido. Chega a dizer que vossa excelência comprou votos a dois e três contos de réis.   BARÃO Oh! mas isso é uma infâmia!   MIRANDA Ora! Desabafos de candidato derrotado. Pois vossa excelência não sabe o que é a política? O pretendente que perde tem sempre mil razões para desculpar o fiasco... ora é a cabala desenfreada, ora é a intervenção do governo, ora... Do que nunca se lembra é de confessar que perde porque não pode com o adversário. Eu, no seu lugar, não dava resposta.   BARÃO Não responderei, mesmo porque não tomei a menor parte nessa eleição. Se for eleito, deverei à boa vontade dos meus amigos, e não à minha influência, porque não a tenho.   MIRANDA Vamos lá, Sr. Barão... nada de modéstia... (A Carlos) A propósito: dou-lhe os meus parabéns.   CARLOS Por quê?   MIRANDA O Jornal ocupa-se também da sua pessoa.   CARLOS De mim?
  MIRANDA E em termos tão encomiásticos que...    CARLOS E a que propósito?   MIRANDA A propósito de um novo drama que o meu amigo está escrevendo. A julgar pelo talento do autor, deve ser uma obra-prima.   CARLOS Obrigado.   MIRANDA Não tome isto como incenso. Eu cá nunca tive queda para sacristão. Mas vejam os meus amigos como são as coisas deste mundo! O senhor principia a escrever um drama, e já os jornais começam a espalhar a fama da nova obra; eu invento um novo passo de valsa, e não há uma folha que diga uma palavra a respeito. Pois olhem: escrever um drama não é mais difícil do que inventar um novo passo de valsa! (Erguendo-se) E com esta, vou-me... (Apertando a mão ao Barão) Sr. Barão...    BARÃO Até a vista, Sr. Miranda.   MIRANDA (apertando a mão ao Carlos)  Senhor Carlos... Sem cerimônia... sem cerimônia... (Sai)     CENA IV Barão e Carlos.   CARLOS (que acompanhou Miranda, descendo) 
Afinal de contas, o que veio este homem fazer cá? (Indo ao pai) Não se aflija, meu pai, peço-lhe que não se aflija. Juro que o comendador há de reparar a falta que cometeu.   BARÃO O que mais me entristeceu não é isso, é lembrar-me que estivemos à beira do abismo da desonra. O que teria sucedido, se eu não aparecesse naquele momento?   CARLOS Uma desgraça, talvez.   BARÃO A nossa desonra, estou certo. Quando penso nisso, tenho medo de enlouquecer!   CARLOS Coragem, meu pai, coragem. Vá descansar um pouco, peço-lhe.   BARÃO Não. Preciso sair. Tenho de ir procurar esse homem. Emprazei-o para hoje, e não devo faltar.   CARLOS Por que não me deixa ir em seu lugar?   BARÃO Não é possível. Até logo. (Sobe)   CARLOS Até logo, meu pai. Quer que o acompanhe?   BARÃO Para quê? (Sai)    

CENA V 
CARLOS O que pretenderia aquele homem, afastando Dolores dos salões?... Premeditava talvez uma infâmia... E eu que o julgava um cavalheiro, um homem de honra...    CRIADO (anunciando) O Sr. Augusto de Azevedo! (Sai)   CARLOS (subindo)  Augusto!     CENA VI Carlos e Augusto.   AUGUSTO Bom dia, Carlos.   CARLOS Bom dia, Augusto. Mas que ar é esse, meu amigo? Parece que a felicidade te rebenta por todos os poros!   AUGUSTO E tens razão. Considero-me hoje o homem mais feliz do mundo... Não trocaria um átomo da minha ventura nem pela coroa de um rei!   CARLOS Tiraste a sorte grande?   AUGUSTO Se fora isso, não sei onde estaria o motivo para o prazer que sinto. O que é o ouro? Metal mesquinho e vil, que a tantas misérias arrasta, que tantas desgraças espalha, que tantas infâmias faz cometer!   CARLOS Nem sempre. O ouro, em certas mãos, é um caudal de sorrisos; é o manto da misericórdia que cobre os nus, é o olhar de Deus que enxuga todas as lágrimas...    AUGUSTO Mas nem todos chamam-se Barão das Laranjeiras ou Carlos de Sá; nem todos pensam e obram como esses dois protótipos da honra e da caridade...    CARLOS Não fales em nós, peço-te.   AUGUSTO Não falarei, porque não quero que suponhas que te embriago com o fumo da lisonja, para depois, com mais segurança de bom acolhimento, expor-te o motivo que me traz aqui...    CARLOS Eu te conheço, Augusto; és um homem de bem. Se o não foras, eu não te daria o nome de amigo.   AUGUSTO Obrigado, Carlos. Essas palavras animam-me.   CARLOS Mas, vamos a saber: o que é que tens a comunicar-me?   AUGUSTO Não vais sair?   CARLOS Não. Estou inteiramente ao teu dispor. Sentemo-nos. (Sentam-se)   AUGUSTO Então, ouve-me.   CARLOS Pelo tom em que me falas, fazes-me supor que se trata de negócio muito sério.   AUGUSTO Sério e muito sério. Trata-se do meu sossego, da minha tranquilidade.   CARLOS Bem, meu amigo: fala.   AUGUSTO Carlos, eu amo...    CARLOS Fazes bem, e feliz considero a mulher a quem consagras o teu amor.   AUGUSTO A mulher a quem amo é o símbolo da modéstia, da meiguice e da beleza. Amo-a com toda a minha alma, e o meu amor é retribuído... Mas há um abismo que nos separa...    CARLOS Como, se o amor é recíproco?   AUGUSTO Ela é rica, imensamente rica, ao passo que eu vivo dos parcos rendimentos de um emprego público. Se eu me unisse a essa moça, não faltaria quem dissesse que me casei com o seu ouro, que fiz do casamento uma miserável especulação...    CARLOS Não. Aqui estaria eu para desmentir a quem se atrevesse a avançar semelhante proposição.   AUGUSTO E todos dar-te-iam crédito?  
CARLOS E por que não, se eu a todos convenceria com a lógica da verdade e da razão? Nada temas. Realiza o teu sonho cor-de-rosa, e sê feliz, porque bem o mereces... Mas ainda não disseste o nome da beleza que assim te cativou...    AUGUSTO (erguendo-se)  É... tua irmã.   CARLOS (erguendo-se admirado)  Minha irmã!   AUGUSTO Aí está o que eu temia...    CARLOS O quê?   AUGUSTO Recebes mal minha confissão... Bem sei que...    CARLOS (constrangido)  Não... não é isso...    AUGUSTO O que é então?...    CARLOS Mas... amas verdadeiramente?   AUGUSTO Espero que não duvides. Creio que não me julgas capaz de representar um papel menos digno...    CARLOS Oh! não! Perdoa-me... Eu nem sei o que disse. (À parte) Tenho pena dele... (Alto) Mas, diz-me... se por acaso... sim... se por qualquer circunstância... minha irmã não puder coroar os teus desejos... não puder realizar o teu sonho?...    AUGUSTO O que quer dizer?   CARLOS Nada, estabeleço apenas uma hipótese.   AUGUSTO Pois bem: lamentarei a minha desventura e continuarei a viver na minha humilde obscuridade, procurando fugir o mais possível de vê-la. Se a visse, não sei se teria forças para resistir... Deixarei mesmo o Rio de Janeiro e...    CARLOS Farás isso?... Abandonarás o Rio de Janeiro, deixarás o teu emprego, a tua família, os teus amigos?...    AUGUSTO Farei. Juro-o!   CARLOS Basta. Dá-me a tua mão, Augusto. (Aperta-a) Se o meu consentimento bastasse, desde já chamava-te meu irmão.   AUGUSTO O que dizes?   CARLOS Mas eu não posso deliberar.   AUGUSTO E teu pai?...    CARLOS Meu pai?... saiu... (À parte) Como hei de dissuadi-lo?
  AUGUSTO Mas tu intercederás por mim, não é verdade?...    CARLOS Farei o que estiver ao meu alcance para resolvê-lo...    AUGUSTO Oh! obrigado, muito obrigado, Carlos! Adeus.   CARLOS Já?   AUGUSTO Já. Sou cativo dos meus deveres, e nada pode fazer-me faltar a eles. Adeus. (Sai)     CENA VII    CARLOS Pobre rapaz! Se soubesses como eras atraiçoado, não virias fazer-me semelhante pedido... (Senta-se) E minha irmã!... Que papel representa ela em tudo isto?... Quem a julgaria capaz de tanta vilania?... Ainda com os lábios trêmulos dos juramentos de amor que fez a um, vai repetir esses mesmos juramentos a outro, sem pejo, sem a menor consideração por si mesma, sem ver que se aviltava e caía tanto!...      CENA VIII Carlos e Barão.   BARÃO É um miserável!   CARLOS E então, meu pai?   BARÃO Tinha saído. Foge de mim, talvez!   CARLOS Vou procurá-lo, meu pai.   BARÃO Sê prudente. Não desças a insultá-lo. 
(Carlos vai sair)   
 
CENA IX Os mesmos e Doutor.
  DOUTOR (da porta)  Onde vais?   CARLOS Não sei, doutor. Deixe-me passar.   DOUTOR Sei eu. Vais procurar o comendador Moreira.   CARLOS Pois sabe?   DOUTOR Para que tenho eu olhos e ouvidos, senão para ver e ouvir, Sr. Barão? Ontem vi e ouvi tudo quanto se passou nesta sala entre vossa excelência e o muito honrado comendador Antônio Moreira.   BARÃO (severamente)  E...   
DOUTOR Peço-lhe que se acalme. O comendador Moreira é um miserável. Conheço-o há muitos anos e tenho provas do seu péssimo procedimento. Esse homem é um sedutor de profissão...    CARLOS Então, o que ele queria...    DOUTOR Era seduzir tua irmã, era arrastá-la, como tem arrastado tantas outras, ao caminho da perdição. Desculpem, meus amigos, a minha linguagem áspera e rude; mas é a linguagem da verdade.   BARÃO Fui procurá-lo há pouco. Negou-se a receber-me, ou saiu, para não encontrar-se comigo.   CARLOS Mas não há de escapar-me. Até logo, meu pai. (Vai sair)   DOUTOR (impedindo-o)  Fica.   CARLOS Como! Manda-me ficar, quando devia impelir-me a procurar esse homem, a esbofeteá-lo?   DOUTOR De que serviria isso, se aquele rosto não coraria, se aquele coração continuaria a palpitar calmo e tranquilo?... Não são homens daquela estofa que repelem um insulto.   CARLOS Que importa isso?... Mas eu desafrontarei a nossa dignidade. Deixeme passar, doutor!   BARÃO Ordeno-te que fiques.   CARLOS (descendo)  Meu pai...    DOUTOR Criança! O sangue ferve-te ainda nas veias, e não te deixa refletir. Nós, os velhos, que não temos mais ardores nem mais ímpetos, encaramos diversamente as coisas. Nem sempre devemos repelir um insulto com outro insulto. Ocasiões há em que vale mais o desprezo. O insulto, quer por meio da palavra, quer por meio do escrito, é a arma baixa e vilã da canalha. Despreza esse homem, Carlos.   BARÃO Mas ele tentou ferir-nos no que temos de mais santo, de mais sagrado: a nossa honra!   DOUTOR Mas, felizmente, não chegou a ferir. Se ele tivesse realizado os seus intentos, a minha linguagem seria outra. Não diria “insulte-o”, mas diria “mate-o”!   CARLOS A intenção vale a ação, doutor. Esse homem tentou desonrar-nos, e...      CENA X Os mesmos e Dolores.   DOLORES (pálida e abatida)  Meu pai...    CARLOS (friamente)  Nós não a chamamos.   DOLORES Bem sei que não me chamaram; mas eu já estou cansada de ser vítima dos maus juízos, e preciso desabafar.   DOUTOR (tomando-lhe as mãos, com carinho)  Sente-se, minha senhora... As suas mãos estão quentes. Tem febre. Descanse um momento...    DOLORES É a febre da indignação, doutor!   BARÃO Da indignação!   DOLORES Sim, meu pai. O senhor é injusto para comigo, e meu irmão é injusto também. Nem a tudo devemos dar crédito...    BARÃO Mesmo quando vemos?   DOLORES Mesmo quando vemos, meu pai...    CARLOS Como?   DOLORES As aparências iludem tantas vezes!... Ontem, meu pai, depois do que se deu, pedi-lhe cinco minutos de atenção. O senhor voltou-me as costas e retirou-se. Não quis ouvir-me, porque supôs, talvez, que eu ia inventar alguma história para salvar-me.   BARÃO E o que poderia dizer que me convencesse?...    DOLORES A verdade, meu pai.
  BARÃO A verdade! A verdade tive-a diante dos olhos.   DOLORES Perdão... o que o senhor viu não foi a verdade; foi a traição, foi a infâmia.   BARÃO E confessa ainda que foi uma infâmia!   DOLORES Meu pai!   BARÃO Quer justificar-se, não é assim?... Pois bem: faça-o, se pode.   DOLORES Peço-lhe que me ouça. Ontem, momentos antes de dar-se o fato de que meu pai foi testemunha, o Sr. Comendador havia-me ofendido...    CARLOS Ofendido? Como?...    DOLORES Desprezando a ofensa, retirei-me para o salão. O Comendador foi procurar-me lá e, mostrando-se sinceramente arrependido do que havia feito, pediu-me um momento de atenção. A princípio negueime a satisfazer-lhe o desejo; mas instou tanto, tanto suplicou, que a cedi. Conduziu-me para esta sala, então deserta, e, em vez de pedirme perdão, como cumpria a um cavalheiro, declarou que me amava e que estava louco de amor por mim.   DOUTOR (à parte)  Ah!   DOLORES Tomou as minhas mãos entre as suas e apertou-as, apesar da minha resistência. No momento em que meu pai apareceu, acabava ele de enlaçar-me pela cintura. É esta a verdade, meu irmão. Pode acreditar ou não. A minha consciência está tranquila...    DOUTOR (hesitando)  E... a senhora ama-o?...    DOLORES Amá-lo! Eu, doutor?   DOUTOR (à parte)  Felizmente, não o ama.   BARÃO Mas há de amá-lo, porque assim é necessário.   DOLORES Como, meu pai?   BARÃO Porque depois do que houve, só há um passo a dar.   DOLORES Um passo! Qual é?   BARÃO Ser esposa desse homem.   DOLORES Meu pai!   DOUTOR (à parte)  O que diz ele?... (Alto) Mas, Sr. Barão...    BARÃO Perdão, doutor. Esta é a minha vontade única e irrevogável.
  DOLORES Mas eu não o amo, meu pai!... Não me sacrifique, peço-lhe... Esse homem é um miserável, e eu detesto-o.   BARÃO É a minha última vontade. Com licença, doutor. (Sai)   CARLOS Tenho pena, não por si, porque não merece a nossa compaixão; mas pelo outro, a quem a senhora iludiu. (Sai)     CENA XI Doutor e Dolores.   DOLORES Oh! meu amigo!...    DOUTOR (tomando-lhe as mãos)  Coragem! Eles não lhe deram crédito, minha filha, mas eu acredito.   DOLORES Juro que disse a verdade, doutor. Eu sou uma vítima dos indignos manejos desse homem, e não...    DOUTOR Sei, minha filha, sei.   DOLORES Depois, como poderia eu amá-lo, se amo outro — um homem generoso, nobre, honrado, e que me ama com extremo?...    DOUTOR Não te aflijas, criança. Conheço-te e sei quanto vales. Descansa, que não serás esposa do comendador Moreira, porque aqui estou eu para impedir que te sacrifiquem... 
  DOLORES Mas como, se meu pai e meu irmão querem?   DOUTOR Não é preciso que to diga. Quando eu apresentar a teu pai as armas que tenho contra o comendador Moreira, ele não poderá deixar de recuar. Descansa.   DOLORES Oh! o senhor é o meu verdadeiro, o meu único amigo, doutor!   DOUTOR Não. Teu pai e teu irmão amam-te muito também. O que os faz injustos para contigo é a desconfiança.   DOLORES Tenho fé no senhor e deposito a minha felicidade nas suas mãos. Se a vontade de meu pai for inabalável, eu morrerei, mas não serei esposa do comendador Moreira.   DOUTOR Não morrerás, não, porque eu te salvarei.   DOLORES Doutor!   DOUTOR Tu és um anjo, Dolores, e quero que devas a mim a tua felicidade futura. Até logo.   DOLORES Já?   DOUTOR Já, mas voltarei cedo. Adeus.  
DOLORES Adeus, doutor. 
 
(O doutor sai. Dolores senta-se no sofá, descansando o rosto na mão. Pouco depois Miranda aparece à porta)     CENA XII Dolores e Miranda.   MIRANDA (da porta)  Dá licença, Sr. Barão?   DOLORES (levantando a cabeça e limpando os olhos)  Quem é?   MIRANDA (descendo)  Ah! é a menina? Como passou vossa excelência? Eu vou indo regularmente. Não pergunto pelo papá nem pelo maninho, porque estive com eles hoje.   DOLORES Sente-se, Sr. Miranda.   MIRANDA (sentando)  Muito obrigado.   DOLORES Já esteve cá?   MIRANDA Tive essa honra. Quando teremos outro baile como o de ontem?   DOLORES Não sei.   MIRANDA Que festa, menina! Que festa!... E o meu novo passo de valsa?... Tenho tido dois grandes “dias” na minha vida: a “noite de ontem” e o dia em que nasci. Duas datas célebres! Calcule: o dia em que um homem nasce e a noite em que esse homem põe em prática um invento que vai revolucionar os domínios de Terpsícore! A menina conhece mitologia?   DOLORES Não, Sr. Miranda.   MIRANDA É verdade; o doutor não está cá?   DOLORES Já esteve. Saiu poucos momentos antes do senhor entrar.   MIRANDA Pois Terpsícore é a deusa da música e da dança... mas prefere a dança à música. É doidinha pela dança. Tenho-a visto coroada de grinaldas, com uma harpa na mão e... (Reparando) Mas agora reparo: a menina a chorar!   DOLORES Eu... Por quê?...    MIRANDA Por quê?... Mas, minha senhora, eu sou amigo do seu pai... e sei tudo...    DOLORES Sabe tudo?... E o que sabe o senhor?   MIRANDA Basta que lhe diga que sei tudo, porque o doutor tudo contou-me.   DOLORES Ah!
  MIRANDA Mas descanse. Esse casamento não se realizará. Eu e o doutor impedi-lo-emos.   DOLORES Com que direito, Sr. Miranda?   MIRANDA Porque faremos ver a seu pai quem é o comendador Moreira. Quando o Sr. Barão conhecer o passado negro desse homem, não quererá decerto sacrificar o futuro de vossa excelência.   DOLORES Mas meu pai não os atenderá, Sr. Miranda.   MIRANDA Por quê?   DOLORES Porque supõe o seu nome manchado, a sua honra nodoada. Ontem arrastei-me a seus pés, chorei, supliquei, e ele, insensível, retirou-se, deixando-me banhada em lágrimas e com o coração despedaçado...    MIRANDA Torno a repetir-lhe: descanse. Não se aflija e deixe o tempo correr. Vossa excelência conhece o doutor e conhece-me: entregue-se a nós, porque haveremos de salvá-la.   DOLORES Obrigada, Sr. Miranda.   MIRANDA Agora há de dar-me licença. Vou tratar dos meus negócios; mas dentro em uma hora estarei aqui... Sem mais incômodo, minha senhora, sem mais incômodo... (Sai)  
 
 
CENA XIII Dolores e Carlos.
  DOLORES Mas o que fiz eu, para ser tratada assim?... Que crime cometi, para merecer tamanha punição?...    CARLOS (que tem ouvido as últimas palavras, descendo)  Pergunte à sua consciência.   DOLORES A minha consciência está tranquila e de nada me acusa, meu irmão. Sempre fui filha obediente e boa irmã, e procurei sempre fazer respeitar o nosso nome.   CARLOS Nem sempre. Um dia esqueceu o respeito que devia a esse nome, à sociedade e a si própria, para dar um passo que a degradava e que nos cobria de vergonha.   DOLORES Diga o que quiser. Já me defendi, já disse toda a verdade. Não me acreditaram: paciência. Fiquem, porém, certos de que não direi nem mais uma palavra para justificar-me.   CARLOS E orgulhosa ainda! E orgulhosa sempre!... Por que não sustentou ontem essa altivez, quando, sem o menor sentimento de dignidade, atirou-se nos braços...    DOLORES Mente!   CARLOS Minto! E meu pai mente também?... Não viu ele o comendador abraçá-la?... 
  DOLORES Viu, é verdade.   CARLOS E então?   DOLORES E então?... (Pausa) Já lhe disse uma vez que não me justificaria mais. Pode dizer o que entender, pode julgar o que quiser, porque eu não responderei.   CARLOS Porque é impossível a justificação a quem não pode justificar-se. Felizmente, a falta há de ser reparada.   DOLORES Está enganado. Quando não há falta, não pode haver reparação. Eu nunca serei esposa do comendador Moreira (Sai)     CENA XIV    CARLOS (acompanhando Dolores com os olhos até ela desaparecer)  Veremos! A esta hora todos sabem do fato escandaloso que deu-se ontem aqui, e esperam pelo resultado... A sociedade olha-nos, e nós temos obrigação de curvar a cabeça ante ela e dar-lhe uma satisfação...     CENA XV Carlos e Augusto.   AUGUSTO E então?   CARLOS (apertando-lhe a mão e hesitando) 
O quê?   AUGUSTO Falaste-lhe?   CARLOS Ainda não.   AUGUSTO Por quê?   CARLOS Ouve-me, Augusto. Sabes que somos ricos?...    AUGUSTO Sei.   CARLOS Sabes que meu pai tem um título de nobreza?   AUGUSTO Sei.   CARLOS Sabes que ocupamos uma posição elevada na sociedade?   AUGUSTO Sei. Mas a que ponto pretendes chegar?   CARLOS Pretendo chegar a que o casamento de minha irmã contigo é... um casamento desigual...    AUGUSTO Carlos!   CARLOS A sociedade é severa e exigente. Se se realizassem os teus desejos, diriam que te vendeste por um punhado do nosso ouro, por um pouco da nossa opulência... Já refleti e sou absolutamente da tua opinião.   AUGUSTO Mas...    CARLOS Seria uma calúnia, bem sei, mas uma calúnia que não teria resposta, porque não poderias desfazê-la. Bem sabes se sou teu amigo e que desejaria ver-te no grêmio da minha família. Mas a minha consciência revolta-se ante o sacrifício que irias fazer do teu sossego e da tua dignidade.   AUGUSTO Basta. Não é a tua amizade que fala: é o teu orgulho!   CARLOS O meu orgulho!   AUGUSTO O teu orgulho, sim. Eu fui um louco, um verdadeiro louco, em vir revelar-te o meu segredo. Devia ter refletido primeiro. Se o fizera, não passaria agora por esse vexame com que me acabrunhas... A tua amizade! Se fosses um inimigo, o que acabas de dizer-me seria uma vingança; mas como és um amigo, é uma prova de amizade! Obrigado! Sempre pensei que a amizade levantasse, que protegesse e que servisse de amparo, mas não que ferisse, que massacrasse, que insultasse assim!...    CARLOS Augusto!   AUGUSTO Conheces os Íntimos de Victorien Sardou, já viste representar essa obra-prima?... Pois bem: a tua amizade é igual à amizade de um Marecat, de um Vigneux: amizade que fere, que calca, e que em vez de trazer nos lábios o sorriso franco da consciência pura, traz apertado na mão convulsa o estilete da morte!...    CARLOS Augusto! (À parte) E não poder dizer-lhe tudo!...    AUGUSTO (calmo, depois de uma pausa)  Tens razão... A opulência e a grandeza de teu pai não podiam receber em seu seio o pobre empregado público desconhecido e sem nome...    CARLOS Juro que não falo por orgulho, mas pela tua felicidade... Esquece minha irmã... esquece-a, porque não faltam mulheres virtuosas, sinceras e dignas de ti.   AUGUSTO Esquecê-la! Oh! Tu nunca amaste, nunca o teu coração palpitou por mulher alguma, nunca sentiste a alma estremecer de amor... É por isso que me dizes com essa indiferença de gelo, com essa frieza de mármore: “Esquece!” Dize ao amor, que se revolve batido pelas raivas da tempestade: “Suspende!” Dize ao vento, que desencadeado e tremendo desola a natureza na sua passagem vertiginosa: “Basta!” Dize à nuvem que corre no espaço arrastada convulsamente nas asas do furacão: “Para!” E se o vento, a nuvem, o mar obedecerem à tua voz, eu obedecerei também; eu esquecerei! (Subindo) Adeus!   CARLOS Onde vais?   AUGUSTO Que te importa? Adeus!   CARLOS Mais uma palavra.
  AUGUSTO O que mais tens a dizer-me?   CARLOS Augusto, pela memória de minha santa mãe, juro que é a necessidade e não o orgulho que me obriga a falar-te assim.   AUGUSTO Como?   CARLOS Ah! meu amigo, os telhados cobrem tanta coisa que o mundo ignora!   AUGUSTO Mas não te compreendo.   CARLOS Não me perguntes coisa alguma, porque nada poderei responder-te. Há segredos que se não revelam. Talvez um dia, quando o fogo da tua paixão estiver extinto, eu te faça depositário do meu doloroso segredo...    AUGUSTO Não. Guarda-o. A amizade vale tanto hoje como amanhã. Se hoje não mereço confiança, não merecerei depois.   CARLOS Pois bem: vou contar-te tudo. Só assim ficarás convencido de que minha irmã não pode ser tua mulher.   AUGUSTO Mas assustas-me...    CARLOS E não me assustei eu, que sou seu irmão, eu, em cujas veias corre o mesmo sangue dela, eu, que tanto orgulho tinha da sua virtude?...    AUGUSTO Então...    CARLOS De nós dois, meu amigo, o mais infeliz sou eu. Tu não lhe és coisa alguma. Tens-lhe amor, um grande amor, estou certo; mas o tempo, que tudo consome, arrefece os amores mais ardentes, as paixões mais violentas. Ouve.     CENA XVI Os mesmos e Dolores.   DOLORES (à porta, à parte)  Meu Deus!   AUGUSTO (à parte)  Ela!...    DOLORES (descendo e cumprimentando)  Senhor Augusto...    AUGUSTO Minha senhora...    CARLOS (à parte)  Tenho pena deles!... 
 
AUGUSTO (baixo, a Carlos)  Como está pálida! 
 
CARLOS (baixo)  Chorou toda a noite.  
 
DOLORES Meu irmão, daquela porta ouvi que se propunha contar ao Sr. Augusto os motivos por que não posso ser sua esposa. Não se constranja. Pode dizer tudo. Se por acaso repugna-lhe recordar esse fato, que tanto abalo lhe tem causado, falarei eu...    AUGUSTO Não, minha senhora. Para que sacrificá-la com uma narração que, pelo que vejo, lhe deve ser extremamente penosa?   DOLORES Penosa, é verdade, mas necessária, porque eu não quero que o senhor faça pairar sobre mim a menor suspeita. Meu pai e meu irmão não me deram crédito; mas o senhor será mais justo. Juro que vou dizer a verdade.   AUGUSTO Oh! não precisa jurar. Creio em tudo quanto vossa excelência disser.   CARLOS (fitando Dolores, que não baixa os olhos)  Anima-se?   AUGUSTO Carlos!   DOLORES Animo-me, sim. Eu estava no salão. A título de pedir-me perdão do que momentos antes me dissera e que o senhor testemunhou, o comendador Moreira...    AUGUSTO O comendador Moreira!   DOLORES Sim. O comendador Moreira conduziu-me para esta sala, e aqui, de surpresa, sem que eu pudesse defender-me, enlaçou-me nos braços... 
  AUGUSTO Pois ele?... Miserável!   DOLORES Era um escândalo que procurava para prender-me. Eu bem compreendi. Meu pai apareceu à porta naquele momento e tudo viu. Julgou-me uma mulher leviana e fraca, anteviu, talvez, a sua desonra, e, sem proferir uma palavra, conduziu-me para o meu quarto. Pedi-lhe cinco minutos de atenção para justificar-me. Olhoume severamente e retirou-se. Hoje, nesta sala, contei tudo quanto se passou. Mas meu pai negou-se a dar-me crédito e declarou-me positivamente que eu seria esposa do comendador Moreira.   AUGUSTO Sua esposa!   DOLORES Agora despreza-me, odeia-me, não me julga mais digna do seu amor... não é assim?...    AUGUSTO Oh! não! não! Amo-a mais ainda... muito mais!   DOLORES Então acredita-me?...    AUGUSTO Acredito, porque os anjos não mentem.   DOLORES Senhor Augusto!   AUGUSTO Carlos, aquele homem é um miserável. O seu único fim, vindo ontem a esta casa, era promover um escândalo, porque momentos antes de dar-se o fato que tua irmã acaba de relatar, já o comendador Moreira nos tinha ferido, alegando que D. Dolores estava comprometida com ele para a quinta quadrilha, quando essa quadrilha já me havia sido generosamente concedida...    DOLORES Crês agora, meu irmão?   AUGUSTO Crê. Sob minha palavra de honra, garanto que ela disse a verdade.     CENA XVII Os mesmos e Miranda.   MIRANDA Ora viva a bela companhia!... Uf!... Estou suando como um bruto!... Andei correndo a “via-sacra”. Visitei todas as pessoas que estiveram ontem no baile e...    CARLOS Para quê?   MIRANDA Para saber o que pensam do meu novo passo de valsa. Todos são unânimes em achá-lo esplêndido. É um delírio por aí... não se fala em outra coisa. O Sr. Augusto não viu?   AUGUSTO Não, Sr. Miranda.   MIRANDA (admirado)  Não viu?   AUGUSTO Retirei-me antes de o senhor executá-lo...    MIRANDA Pois olhe, sinto isso. Não sabe o que perdeu. Eu, como inventor, declaro-lhe que não cedo o meu invento nem por cinquenta contos... (Tira o lenço e deixa cair uma bolsa. Limpando o suor) Nem por cinquenta contos...    CARLOS (apanhando a bolsa)  E por quantos cederia o senhor isto?   MIRANDA (tomando-lha)  Onde foi o senhor buscar esta bolsa?   CARLOS Aí no chão. O senhor deixou-a cair. (Augusto vai para a janela, onde Dolores já se acha)   MIRANDA Esta bolsa vale milhões, Sr. Carlos...    CARLOS Mesmo vazia como está?   MIRANDA Sim, porque mesmo vazia, encerra a felicidade de uma mulher.   CARLOS Como?   MIRANDA Ah! é uma história comprida... muito mais comprida do que o meu novo passo de valsa... (Indo a Dolores) Minha senhora, peço-lhe que guarde esta bolsa para entregá-la no momento em que lhe for pedida. Assim como eu a deixei cair agora, posso perdê-la em outra ocasião, o que traria um grande prejuízo. Esse pedaço de veludo é uma prova esmagadora contra um homem.   CARLOS Conte-nos essa história, Sr. Miranda.
  MIRANDA De boa vontade o satisfaria, se o segredo me pertencesse... É verdade: já concluiu o seu novo drama?   CARLOS Ainda não. Faltam-me os últimos apontamentos, que o doutor ficou de dar-me.   MIRANDA Pois então, vá preparando a pena, porque o doutor pretende dar-lhe hoje esses apontamentos.   CARLOS Sim?   MIRANDA É verdade. E antes que me esqueça: o Sr. Barão já tem conhecimento do resultado final da sua eleição?   CARLOS Não sei.   MIRANDA Um triunfo esplêndido, meu amigo! Esplêndido!... Oitocentos votos por duzentos e tantos!... Eu já esperava este resultado. E se o Sr. Barão se tivesse envolvido no pleito, estou convencido que o seu competidor não obteria nem os tantos votos que obteve sobre os duzentos. Seria uma derrota completa. Decididamente, temos outro baile!... O Sr. Barão não há de deixar passar desapercebida uma vitória destas...    CARLOS Creio que se engana.   MIRANDA Como?
  CARLOS Meu pai não dará mais bailes.   MIRANDA Por quê?   CARLOS Não sei. O de ontem foi o último.   MIRANDA O que me diz, homem? E eu que estava fazendo algumas alterações no meu novo passo de valsa, para tornar a exibi-lo na primeira ocasião?   CARLOS Fará isso em outra parte, Sr. Miranda. O conselheiro Mascarenhas dá um baile quarta-feira. Por que não aproveita a ocasião?   MIRANDA Hein? O conselheiro Mascarenhas? Vou já arranjar um convite. (Toma o chapéu)   CARLOS Seja feliz, Sr. Miranda.   MIRANDA Obrigado. (Sobe e encontra-se com o Barão)     CENA XVIII Os mesmos e o Barão.   BARÃO Senhor Miranda...    MIRANDA Parabéns, Sr. Barão, muitos parabéns, mil parabéns!   BARÃO Por quê?   MIRANDA Pelo seu esplêndido triunfo.   BARÃO Não me dá isso o menor prazer.   MIRANDA Como?   BARÃO Porque não são os triunfos que dão vida; mas o sossego do espírito e a tranquilidade do coração. De que servem essas efêmeras grandezas, quando sentimos o coração ulcerado e cheio de lágrimas?... (Outro tom) Mas já se retirava? (Dolores e Augusto descem)   MIRANDA Já. Vou arranjar um convite para o baile do conselheiro Mascarenhas. Preciso tornar conhecido o meu novo passo de valsa. Esperava que o Sr. Barão desse outro baile; mas, à vista do que me disse o Sr. Carlos... Com licença... (Baixo a Dolores) Conte comigo. (Alto) Minha senhora... Sr. Carlos... Sr. Augusto... Sr. Barão... sem...    CRIADO (anunciando)  O Sr. Comendador Moreira! (Sai)   MIRANDA Ele! Não saio mais! (Vai para a janela)   BARÃO (à parte)  Finalmente!   DOLORES (à parte) 
Como eu sou desgraçada.
   
CENA XIX Os mesmos e Moreira.
  MOREIRA (introduzido pelo criado, que sai logo)  Peço perdão por vir incomodá-lo, Sr. Barão; mas como vossa excelência faltou, talvez por ponderosos motivos, à entrevista que me havia marcado, considerei do meu dever vir procurá-lo.   BARÃO Não fui eu que faltei, Sr. Comendador; foi vossa senhoria que se esquivou à minha presença.   MOREIRA (a Augusto e Carlos)  Meus senhores... (A Dolores) Minha senhora... Como passou vossa excelência de ontem para cá? Acho-a um pouco pálida... Oh! os bailes são sempre prejudiciais...    DOLORES Quando para eles são convidados homens honrados e generosos como vossa senhoria.   MOREIRA Ou como o Sr. Augusto de Azevedo...    AUGUSTO Senhor Comendador...    BARÃO Senhor Augusto, tendo de tratar de um negócio inteiramente familiar com o Sr. comendador Moreira, peço-lhe o obséquio de passar à outra sala.   AUGUSTO Eu me retiro, Sr. Barão.
  CARLOS Eu te acompanho. Vamos, Dolores. 
(Dolores segue-os)   MIRANDA Eu também vou. (À parte, olhando para Moreira) Ah! patife!... 
(Saem)  
 
CENA XX Barão e Moreira.
  MOREIRA Achava desnecessário saírem. Era melhor saberem já o que têm de saber depois. 
(O Barão convida-o a sentar-se e sentam-se)   BARÃO Quero saber, Sr. Comendador, o que pretende vossa senhoria fazer, em vista do fato que ontem se deu.   MOREIRA Creio que já tive a honra de dizê-lo a vossa excelência Se cometi uma falta, estou pronto a repará-la.   BARÃO Se cometeu uma falta! Pois o que fez o senhor?... Cometeu mais do que uma falta, Sr. Comendador, cometeu um crime, porque não só abusou da minha boa fé, como aproveitou-se da inexperiência de minha filha...    MOREIRA A inexperiência de sua filha, Sr. Barão!... Vossa excelência escolheu mal a ocasião para fazer espírito.   BARÃO Como?   MOREIRA A mulher é inexperiente enquanto desconhece o amor, enquanto não sente o coração palpitar-lhe com mais força à vista de um homem, enquanto esse homem não a faz corar e baixar os olhos, segredando-lhe, com voz trêmula e comovida, palavras de amor, e...    BARÃO O que quer dizer, Sr. Comendador?   MOREIRA Nada. Somente que sua filha não está nesse caso. Sua filha conhece de há muito os perigos do amor, sem que eu lhos mostrasse...    BARÃO Senhor Comendador, exijo uma explicação.   MOREIRA Não tenho que dar explicações, Sr. Barão. Pode anunciar o meu casamento com sua filha, porque eu não sou desses homens que levam o escrúpulo até a estupidez de sindicarem do passado de uma mulher, para julgarem das felicidades que lhes possa ela dar no futuro... (Indo ao fundo) Entrem, meus senhores. Os negócios de família do Sr. Barão estão concluídos. (Descendo) Peço permissão para ser eu o primeiro a anunciar o meu futuro paraíso de venturas.     CENA XXI Os mesmos, Carlos, Dolores, Augusto, Miranda e Doutor.   MOREIRA Meus senhores, tenho o grato prazer de anunciar-lhes que o Sr. Barão das Laranjeiras acaba de conceder-me gentilmente a mão de sua filha.   DOLORES (à parte, deixando-se cair no sofá)  Ah!   AUGUSTO (à parte)  Meu Deus!   MIRANDA (à parte, rindo e esfregando as mãos)  Havemos de ver... havemos de ver...    DOUTOR (baixo, a Dolores)  Coragem! Eu aqui estou.   MOREIRA O Sr. Barão quer... (Fitando o doutor) Eu quero...    DOUTOR Mas eu não quero!   BARÃO Como!   MIRANDA (como acima, à parte)  Havemos de ver... A bomba está quase rebentando!   MOREIRA O senhor não quer?   DOUTOR Não, porque só falta este casamento para coroar a sua vida de infâmias, Sr. Comendador.   MOREIRA Senhor!
  CARLOS Doutor...    DOUTOR Aceitou a luta que ontem lhe propus, senhor, e declarou-me que não haveria obstáculos, considerações, honra nem dignidade que o fizesse recuar. Pois bem: a luta está travada: esmague-me, se não quer ser esmagado.   BARÃO Doutor, que direitos tem para vir impor a sua vontade em minha casa?   MOREIRA Ou o senhor explica-se de modo que eu o compreenda, ou considero-o um miserável!   DOUTOR Não me atinge o insulto. Os abissínios apedrejam o sol; mas o sol aquece-os generosamente com a sua luz. Eu quero ser generoso também: quero levar-lhe — no meio das trevas em que a sua consciência se estorce — um raio de luz, um sorriso de aurora...    MOREIRA Senhor...    DOUTOR Olhe para aquela mulher, senhor caia de joelhos a seus pés, e, de rastos, com a fronte cosida à terra, peça-lhe perdão do que a tem feito sofrer... Vamos, senhor! De joelhos!...    BARÃO Doutor!...    DOUTOR (a Moreira)  Aquela mulher é... sua filha!
  TODOS  Oh!   MOREIRA Minha filha!... Ah! ah! ah! Isso é simplesmente absurdo!... As provas, onde estão as provas?...    DOUTOR (tomando a bolsa da mão de Dolores)  Conhece esta bolsa, senhor?...    MOREIRA Essa bolsa...    MIRANDA (à parte, esfregando as mãos)  Anda, meu patife!... Defende-te agora...    DOUTOR O senhor perdeu-a, há vinte anos, saltando a janela de uma casa, depois de cometer o mais infame, o mais miserável de todos os crimes... Foi na noite de trinta de dezembro de mil oitocentos e sessenta e três...    MIRANDA Na Bahia... na Bahia...    MOREIRA (como que se recordando)  Trinta de dezembro... na Bahia...    MIRANDA Lembre-se, lembre-se... A mulher do alfaiate...    MOREIRA A mulher do alfaiate... Oh! Basta! Basta!... Isto enlouquece!...    DOUTOR Fui eu que enjeitei esta criança à porta de sua casa, Sr. Barão, e há dezenove anos que não a perco de vista um só momento. Procurei a sua amizade, para mais de perto velar por ela...    BARÃO Doutor, para que revelou esse segredo, que eu guardo há dezenove anos, e que julgava só de mim conhecido, por isso que nem a meu próprio filho o confiei?...    DOUTOR Bem vê que era necessário, Sr. Barão.   BARÃO Dolores, há dezenove anos que te adotei, há dezenove anos que te considero minha filha, há dezenove anos que minha pobre mulher, depondo na tua fronte de criança o ósculo maternal, disse-me “É nossa filha; amemo-la como tal; e que entre ela e Carlos os direitos sejam iguais”. (Abraçando-a) Tu és minha filha, Dolores!...    CARLOS Eu não sabia, Dolores... mas serei sempre teu irmão!   DOLORES Obrigada! Oh! Obrigada!... (A Moreira) Meu pai...    MOREIRA (tomando-lhe as mãos)  Como és formosa!... E eu queria perder-te... Oh! eu não sou teu pai!... Teu pai é aquele que te criou, que te educou e que te amou sempre... Eu sou um miserável!... (Ao Barão) Sr. Barão, hoje é o último dia que nos vemos. Tenho um favor a pedir-lhe...    BARÃO Fale, senhor. Estou pronto a satisfazê-lo.   MOREIRA Peço a mão de minha... de sua filha para o Sr. Augusto de Azevedo. Eles amam-se: faça-os felizes.
  AUGUSTO Senhor comendador...    MOREIRA (a Dolores)  Agora, dá-me um beijo... Será o primeiro e último que receberás de teu pai... (Beijando-a na fronte) Perdoa-me... e adeus!... (Sai)     CENA XXII Os mesmos, menos Moreira.   DOLORES (hesitando um momento e subindo depois)  Meu pai! Meu pai!   BARÃO (recebendo-a nos braços)  Chora-o, filha. O pai, por muito criminoso, por muito miserável que seja, é sempre pai!   DOLORES Doutor, como poderei pagar-lhe?   DOUTOR Sendo feliz, minha filha.   DOLORES (a Augusto)  E agora, depois de saber quem é meu pai, ama-me da mesma forma?   AUGUSTO (beijando-lhe a mão)  Sempre!   DOLORES (aproximando-se de Carlos)  Meu irmão!...    CARLOS (abraçando-a)  Sê feliz, minha irmã!  
MIRANDA (esfregando as mãos)  Ora, pois! Agora temos decididamente outro baile, e o meu novo passo de valsa vai ficar numa ponta enorme!... (Faz o gesto de quem vai dançar. — Cai o pano)

 

 

                                                                  Horácio Nunes

 

 

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