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Series & Trilogias Literarias
Ao ser destruído a sua inocência, a jovem viúva Tally Bernand jurou que nunca confiaria em um homem outra vez. Mas quando seu irmão desaparece, a única opção que fica é fazer um pacto com o diabo.
Embora ele não queira nada mais que viver uma vida tranqüila em seu rancho, Simeon Kavanagh não pode evitar a herança homem lobo de seu pai. O instinto animal que o impede de ser totalmente humano, faz-o, também, um rastreador brilhante, obrigando-o a sobreviver graças ao desespero das pessoas em apuros.
A atração entre estas duas almas feridas é imediata, primitiva... E perigosa. E se Simeon tiver alguma esperança de salvação em Tally, ele deverá fazer o que sempre resistiu e fundir tanto o homem como à besta em seu interior. Mas se ela não puder aceitar sua transformação, sua opção pode custar a Simeon a única coisa de valor que deseja possuir, o amor de Tally.
Prólogo
Hat Rock, Texas, 1866
O velho bêbado, Charlie, foi o único que veio dizer a Sim que sua mãe estava morta.
Outros teriam informado antes, é obvio, a madame do bordel, o companheiro de Evelyn nesse sujo antro... E qualquer que fosse o número de clientes, respeitáveis e nem tanto, que freqüentassem a Rosa do Texas. Os falatórios viajavam rápido em um prostíbulo.
Nenhum deles se incomodou em informar as trágicas notícias ao único filho de Evelyn. Charlie veio, não porque se importasse com Sim, mas sim porque comunicar a história o fazia sentir-se importante. Mais importante que um desprezível e bagunceiro vagabundo de dezesseis anos.
Sim, parado na poeirenta rua frente à patética desculpa de banco de Hat Rock, escutou impassível o discurso mal pronunciado de Charlie. Tinha aprendido a muito tenra idade a esconder seus sentimentos quando compreendeu que não podia confiar em sua Mamãe de um momento a outro. Às vezes ela o abraçava e o chamava "meu filho", mas com mais freqüência o amaldiçoava por ser a origem de sua desgraçada vida, a carga que tinha tirado todas as boas coisas que merecia.
Sim apertou os punhos e caminhou para fora da nuvem empapada em uísque do fôlego de Charlie. Dirigiu-se rua abaixo pelo centro da Rua Main, vagueando pelas carruagens, carretas e cavaleiros que circulavam por ali.
Mamãe estava morta. Tinha estado agonizando por muito tempo, crivada com uma espécie de enfermidade degenerativa. Mas ela tinha continuado trabalhando, mesmo que só os clientes mais pobres a tomavam. E Sim tinha visitado a Rosa cada dia para ver se ela precisava de algo de seu único descendente, para ver se aceitava um pouco do dinheiro que ele ganhava ou roubava de cada pequena forma que tinha aprendido em seus anos na rua.
Em sua última visita o tinha cuspido. Ele limpou o cuspe da bochecha e partiu, embora Madame Rose tentasse suborná-lo com promessas de uma comida quente e um turno grátis depois. Tinha jurado não retornar. Tinha planejado romper seu juramento essa tarde. Poderia ter se despedido.
Ela poderia ter dito que o amava.
Lançou uma gargalhada, sobressaltando o assustadiço cavalo de alguma elegante dama. Sua escolta, um rico rancheiro enfeitado como um fanfarrão, esporeou seu castrado cavalo do Leste em frente a Sim e rasgou o ar com seu chicote.
—Sai da rua, selvagem — Grunhiu.
Sim jogou para trás a aba de seu andrajoso chapéu e olhou o homem nos olhos. O homem puxou as rédeas.
—Mendigo asqueroso — Resmungou.
— Não melhor que um...
Seu cavalo relinchou quando o extremo de um comprido e pesado chicote de couro baixou sobre a garupa do refinado animal. A besta saiu correndo como uma bala, e o cavalo da dama se precipitou atrás deste.
Caleb riu da forma em que sempre o fazia, forte e longamente. Bateu o couro cru contra sua própria palma.
—“Descascado” — Mofou.
— Acredito que ele é muito bom para que lhe caiamos bem.
Seu olhar pousou em Sim como se fosse o abraço de um irmão. Além de Mamãe, ele era a coisa mais próxima que Sim tinha de um parente real. Salvo que Mamãe tinha sabido que se estava morrendo e finalmente disse a Sim que tinha um papai. Um inclusive mais importante que o de Caleb.
Caleb deixou de rir e deu a Sim um duro olhar.
—O que está errado com você? Foi comer restos do lixeiro de Mowbray outra vez?
Sim afastou o rosto e se dirigiu para o beco mais próximo. Tinha um nó na garganta, e temia começar a chorar a gritos. Era suficientemente mau fazê-lo em frente à Caleb, mas se alguém mais o via...
Caleb o agarrou por braço.
—É essa rameira, não é? O que fez desta vez?
—Nada. — Sim se liberou de um puxão e a grandes pernadas entrou nas profundidades do beco, onde as sombras o faziam sentir-se seguro.
Caleb tirou o chapéu de Sim de sua cabeça.
—Mentiroso. — Entrecerrou os olhos estudando o rosto de Sim.
— Seus olhos estão completamente vermelhos. Te bateu? — Sim assentiu com a cabeça e tentou agarrar seu chapéu. Caleb o sustentou fora de seu alcance.
— Sei muito bem que nunca devolveu o golpe, sem importar quanto o merecesse.
O coração de Sim se encolheu em um doloroso nó.
—Ela não merece nada mais — Disse — Está morta.
Caleb praguejou
—Merda — Retornou o chapéu de Sim sobre sua cabeça e suavemente o pressionou no lugar.
— Quem lhe disse isso?
—Charlie.
—Imaginava — Caleb se apoiou na parede e dobrou um joelho, colocando o calcanhar de sua bota contra as tabuletas.
— Não te deixou nada, não é?
Sabia que Caleb perguntaria primeiro isso. Ele era quem pelo geral planejava seus pequenos roubos e projetos rentáveis; sempre havia alguma pequena bagatela que desejava fervorosamente, algum luxo que devia possuir, já que seu pai com toda condenada segurança não lhe daria o dinheiro. O Marshall Smith era tão miserável como quando chegou, ao menos com sua própria família. A cidade inteira sabia que a senhora Smith e seu filho viviam como os imigrantes mais pobres, enquanto que Marshall gastava o que ganhava ele e a formosa “puta” que mantinha em uma casa no limite do povoado.
Às vezes Sim se perguntava se ele vivia melhor que Caleb. Ao menos Evelyn não o tinha exortado sobre o diabo e as chamas do inferno todo o dia e noite como fazia à senhora Smith. Sim não tinha os grandes sonhos de seu amigo para o futuro, assim não se decepcionaria. A única coisa que realmente tinha querido alguma vez estava para sempre, além de seu alcance.
A menos que pudesse encontrar seu pai.
—Melhor retorna à Rosa e te assegurar que sua Mamãe não deixou nada, ou uma das outras certamente o roubarão — Disse isso Caleb, dando um chute à parede.
— Tem o direito de tomar tudo o que ela tinha.
Uns quantos farrapos de roupa muito grandes para seu desgastado corpo, pintura para esconder suas bochechas afundadas, um punhado de bijuteria velhas. Sim não desejava nada daquilo. Mas iria de qualquer modo, para assegurar-se de que Mamãe tivesse um enterro decente. E se ela não tinha economizado o suficiente, ele encontraria o dinheiro em algum lugar.
Seu nariz começou a picar pelo esforço de agüentar as lágrimas. Tirou um lenço com as desiguais iniciais S.W.K bordadas no gasto linho. Simeon Wartrace Kavanagh. Mamãe tinha bordado o tecido para ele dois Natais antes, quando havia se sentido extraordinariamente caridosa.
Retornou o lenço a seu colete. Mamãe estava melhor morta que sofrendo. Ele tinha desejado que acontecesse bastante freqüentemente. Odiava-a a metade do tempo. Odiava o que ela era e o que nunca poderia ser.
—Ei — Disse Caleb.
— Me assegurarei que consiga o que te corresponde, não se preocupe. As damas me conhecem. — Deu uma palmada no ombro de Sim.
— Agora não a tem para te atormentar, é livre. Pode deixar este pestilento povoado. Podemos ir daqui e fazer tudo o que falamos.
—Descobrindo minas perdidas e tesouros enterrados? — Disse Sim. As palavras quebraram vergonhosamente.
—Infernos, isso só é o princípio. Ambos seremos ricos antes que cheguemos aos vinte. Juro isso, irmão, todos eles recordarão nossos nomes.
Caleb se asseguraria que recordassem o seu. Se ele não podia obrigar a seu pai a emprestar atenção a seus delitos de menor quantia quebrando janelas do povoado e roubando bens da loja, as travessuras que a contra gosto permitia ao filho de Marshall, então encontraria algum outro modo de conseguir a espécie de vida que desejava. Ele nunca se pareceria com sua Mamãe, tentando ignorar a humilhação e a pobreza acreditando que os bens mundanos eram os ladrilhos que levavam ao inferno.
Não, Caleb tomaria tudo o que pudesse reunir, pedir emprestado ou roubar, e nunca olharia para trás.
—C'mon — Disse Caleb, puxando a descolorida camisa de flanela de Sim — Vamos, ponhamos à velha rameira em sua tumba.
Sim ficou rígido.
—Não — Disse ele baixo — Não a chame assim de novo, Caleb.
—Ou o que? — Riu Caleb.
— Recorda quando nos conhecemos? Chorava a gritos atrás das quadras porque sua Mamãe tinha te batido e te chamava sua maldição. Ela disse que lamentava não ter desfeito de você antes que nascesse.
—Acha que não o recordo?
—Chorei uma vez, quando tinha seis anos e Mamãe usou o cinturão sobre minhas costas para tirar os demônios de mim. Esgotei todas as lágrimas nesse dia então. Ainda tem um pouco em você, Sim. Desfaz delas. Agora que a guerra se aproxima, há fortunas para ser feitas no Novo México e no Território do Arizona. Vamos encontrar minas espanholas perdidas e o ouro Asteca antes que alguém ganhe a mão. — Deu palmadas no ombro de Sim.
— Saiamos deste infernal povoado, e não retornemos.
—Há algo que devo fazer primeiro.
—Encontrar seu papai?
Sim agiu sem pensar, agarrando a frente da camisa de Caleb.
—O que sabe sobre ele?
— Já disse gosto das damas. — Caleb encolheu os ombros.
— Frank MacLean. Um dos boiadeiros mais ricos no condado de Palo Pinto. Estou seguro que está impaciente por reconhecer seu filho bastardo perdido faz tanto tempo... Se na verdade é seu filho.
Sim recuou, batendo na parede atrás dele em vez de bater em Caleb.
—Mamãe me ordenou que o encontrasse. Foi uma das últimas coisas que me disse. Não teria mentido.
—Então vá. Não vou deter você. Talvez esperarei pelos arredores até que consiga que um pouco de sentido comum entre nessa sua dura cabeça.
—Não me faz nenhum favor.
—Ei. — Caleb agarrou Sim atrás de seu pescoço e o sacudiu como um cachorrinho recém-nascido. Levantou a palma de Sim para fazer que mostrasse a cicatriz cheia de grumos que se fez há seis anos com uma faca velha para recordar um juramento que duraria pela eternidade.
— Somos irmãos de sangue. Nada pode mudar isso. Assim faz o que tenha que fazer, e depois iremos deste povoado tão rápido que inclusive o pó prenderá fogo.
Sim quase sorriu. Caleb era bom pintando imagens com as palavras, fazendo que Sim acreditasse que tudo era possível. Inclusive para o filho de uma puta com um dos grandes MacLeans.
—Tenho que ir — Disse Sim.
— Se não retornar, saberá que meu papai me aceitou.
—Ou que está morto — Disse Caleb, só meio brincando — Se eles o matarem, vingarei-te corretamente, não se preocupe por isso.
Sim empurrou a aba de seu chapéu de tal maneira que lhe tampasse os olhos.
—Por que me matariam?
Caleb não se viu obrigado a responder. Os MacLeans eram ricos, e também desumanos protegendo sua propriedade e seu nome. Frank MacLean nunca havia retornado a ver a Evelyn depois que Sim nasceu. Ele podia desfazer-se de um intruso sem atrair a mínima atenção de alguém que pretendesse fazer respeitar a lei.
Deliberadamente Sim enrolou um cigarro, tomando especial cuidado com o precioso tabaco. Caleb o acendeu por ele e enrolou o próprio. Fumaram juntos em silêncio. Depois Sim o esmagou sob sua bota e saiu para onde o empresário de pompas fúnebres. Caleb seguiu seu próprio caminho, mas Sim sabia que tudo o que tinha que fazer era assobiar e Caleb estaria ali, bem a seu lado.
Se Frank MacLean aceitasse seu filho bastardo, Sim tentaria levar Caleb com ele. Sim nunca tinha acreditado no destino, mas sabia que só havia dois caminhos pelos que sua vida podia discorrer. Se ele não encontrasse um lugar com a família de seu pai, Caleb determinaria o curso para ambos.
Sim tremeu a pesar do calor da tarde e quase fez o sinal da cruz como sua mãe tinha ensinado quando era muito jovem. Não acreditava que existissem Santos ou anjos no céu que escutassem as orações de pessoas como ele. Nem sequer tentaria rezar por ele mesmo. Mas não havia ninguém mais que rezasse por ela, por isso iria à igreja, acenderia uma vela e fingiria que alguém podia lhe ouvir.
—Ei, menino! — Gritou Charlie do passeio cercado de Cock´n Bull Saloon ao outro lado da rua.
— Sua mãe estava acostumada ser boa deitando-se. — Levantou a garrafa em sua mão.
— Poderão dizer isso todas as putas do Texas. Elas nunca poderão...
Começou a fugir quando Sim volteou irado e começou a caminhar a grandes passos para o bar. Sua mão mediu em seu quadril procurando uma arma que não estava ali, mas sua expressão era a arma suficiente. Charlie gritou e tropeçou com as portas batentes.
Os dedos de Sim se curvaram ao redor do extremo invisível de sua pistola imaginária. Não podia permitir uma arma. Caleb disse que tinha algo para ele que funcionava tão bem como um revólver de seis tiros para dissuadir às pessoas... Quando se decidisse a usá-lo. Sim realmente não sabia que queria dizer Caleb, mas estava contente de que ninguém o incomodasse outra vez.
Dirigiu-se aonde o empresário de pompas fúnebres e encontrou que "as amigas" de sua mãe na Rosa tinham pago seu caixão e o enterro. Não foi ao bordel. Tinha o lenço de Evelyn, e era a única lembrança dela que queria conservar.
Na manhã seguinte partiu para o rancho MacLean, montando em um cavalo de lavoura que Ethan Cowell tinha emprestado em troca do trabalho de dois dias em seus estábulos. O cavalo voltou para o povoado antes que ele o fizesse. O doutor anunciou que era um autêntico milagre que Sim sobrevivesse à surra, sem mencionar que pudesse retornar a pé a Hat Rock.
Quando Sim se recuperou o suficiente para montar a cavalo, ele e Caleb roubaram cavalos das quadras e abandonaram tão rápido Hat Rock que o pó prendeu fogo. Sim ria apesar de que o vento se saciava com suas lágrimas.
Capítulo 1
Condado de Cochise, Território do Arizona, 1881
Tally odiava Tombstone. Odiava suas poeirentas ruas revestidas com bares e bordéis, sua multidão de mineiros, jogadores profissionais e “vaqueiros” procurando um pouco de "diversão", odiava seu quase desesperado intento de respeitabilidade.
Tombstone fazia que Tally recordasse a si mesma. Ela era tão poeirenta como suas ruas, tão falsa como as fachadas brilhantes que atraíam ao ingênuo e imprudente nas curvas dos jogos de azar, onde as fortunas eram perdidas e ganhas em cada hora do dia e a noite. Ela se misturava perfeitamente com a classe mais ordinária de homens, e isso era exatamente do modo em que o queria. Ninguém olhou duas vezes à figura vestida com uma folgada calça de lã e uma camisa de flanela solta, ou a um rosto manchado com sujeira sob um chapéu manchado pelo suor.
Miriam, com sua pele escura e seu simples vestido de algodão, apenas atraiu mais atenção, e Federico nem sequer o fez. Pessoas de todas as raças vinham às minas ou passavam através dos desertos e as montanhas do Sul do Arizona. Tombstone já não era o acampamento mineiro de faz alguns anos, mas sim havia se tornado totalmente uma cidade de sete mil almas, com cinco jornais, seu próprio armazém de ferrovia e um telégrafo. Havia todo um novo mundo para ser ganho aqui, uma nova vida para ser feita por aqueles desejosos de trabalhar... Ou arriscar tudo na sorte.
Tally desejava trabalhar, mas a sorte definitivamente não estava a seu favor. Esquivou uma pesada carreta carregada com madeiras para alguma nova construção na esquina das ruas Second e Fremont. O aroma de perfume barato ia à deriva do prostíbulo mais próximo, substituindo temporalmente ao entristecedor fedor do esterco de cavalo, uísque e roupa sem lavar.
Se André estava aqui, tomaria dias encontrá-lo. Mas Tally não sabia onde mais procurar. Seu irmão tinha feito preparativos para comprar cinqüenta novilhos de dois anos a um rancheiro do norte do vale Sulphur Spring, mas deveria ter retornado a Cold Creek há uma semana. Ela tinha enviado Elijah atrás dele ao término da primeira semana, e agora seu capataz estava desaparecido, também.
Deus sabia que o rancho não podia permitir-se perder nenhum homem em meio da temporada de parto, apesar de que os ladrões de gados tivessem escapado com a metade de seu gado no último inverno. Bart e Pablito se arrumariam como melhor pudessem, mas um velho e um jovem de dez anos não tinham o tempo ou a força para dirigir tudo o que se devia fazer.
Havia uma possibilidade de que André topou com alguma desgraça. Os apaches renegados assaltavam assentamentos americanos de vez em quando, e o Arizona era um refúgio para os proscritos. Mas Tally não acreditava que André tivesse tido essa aula de problemas. Era muito mais provável que se distraiu nos salões de jogo e as tentações carnais de Tombstone.
Tally suspirou e subitamente tirou um lenço de seu bolso, limpando o pó de sua boca. Miriam, a quem Tally não pensaria enviar a procurar nos bares, comprava provisões no armazém enquanto que Federico investigava os desmantelados estabelecimentos que proviam de comida e bebida aos comerciantes mexicanos e mineiros. Isso deixava a Tally com dúzias de bares e bordéis que visitar. Sobre tudo sentia pavor pelos bordéis.
Por esta razão como qualquer outra, escolheu o Hafford Saloon, mais conhecido pelas centenas de aves exóticas pintadas em suas paredes, que por suas sujas pombas. Aproximou-se do brilhante bar e se apoiou contra esta como qualquer dos homens.
—Que deseja? — Perguntou o dono de cantina.
Tally considerou sua limitada provisão de moedas e pediu o gole menor que pudesse pedir.
—Talvez possa me ajudar — Disse ela quando o dono de cantina estampou o copinho de uísque no balcão frente a ela.
— Procuro meu irmão... André Bernard. Cabelo loiro, olhos marrons, uns centímetros mais alto que eu. Você o viu?
O dono de cantina a olhou com receio sob suas povoadas sobrancelhas cinza.
—Só descreveu umas centenas de homens que passaram por aqui nos últimos dois dias. Não posso recordar a todos.
—Então possivelmente tenha visto um homem negro, muito alto...
—Não que recorde. — Ele arranhou a descuidada barba.
— Poderia perguntar ao crupier. Ele sempre recorda um rosto.
Tally mostrou seu desgosto e bebeu de um gole seu uísque. Isto há afetaria um pouco, mas não muito. Tinha aprendido a ser ousada com o licor nesses primeiros anos em Nova Orleáns.
—Escuta, jovem — Disse o dono de cantina com o ar confidencial de fazer um grande e bom favor — Deixaria esse assunto se fosse você. Espera até que seja um pouco maior. E faz fila nos subúrbios do Grande Nariz de Kate!(bordel muito famoso) — Ele riu ruidosamente de sua "brincadeira" e deu palmadas contra o balcão com tanta força que a taça vazia de Tally saltou.
Uma sombra caiu sobre Tally e o dono da cantina. O recém-chegado parecia muito alto em comparação com o rechonchudo taberneiro, era magro com apenas músculos, vestido com calças de lã e o casaco de um “vaqueiro”, em vez das meias de um mineiro. Seu chapéu negro ocultava seu rosto, mas algo em sua maneira, na forma que apoiou um quadril contra o bar e dominou o espaço a seu redor, fez que o instinto de Tally repicasse diante o perigo. Ela pagou sua bebida e virou para partir.
—Ouça — Chamou o garçom, agarrando-a pela manga de sua camisa.
— Que nome deveria dar se seu irmão vem te buscando?
—Tal — Disse ela, mantendo baixa a voz.
— Tal Bernard.
—Boa sorte.
Tally inclinou seu chapéu em agradecimento, mas ele já estava servindo o alto recém-chegado. A pele entre as omoplatas de Tally estremeceu. Caminhou rapidamente às mesas de jogo e procurou o crupier. Parecia uma pantera a ponto de atacar quando ela se aproximou, mas foi bastante agradável quando lhe explicou sua missão. Alguns dos jogadores se compadeceram do jovem e especularam entre si quando o crupier pôs os naipes na mesa.
—Acredito que o vi — Ofereceu um mineiro.
— Muito alto, com o cabelo encaracolado? Vi-o na roleta do Crystal Palace, ah, mais ou menos dez dias. Diz que ele é seu irmão?
Tally assentiu com a cabeça, seu coração se afundou até as reveste de suas botas.
—Não acredito que o fizesse muito bem. Perdeu um montão de dinheiro. Ouvi-o falar sobre comprar equipamentos e dirigir-se ao Chiricahuas para fazer fortuna. — O mineiro riu entre dentes.
— Pobre sujeito. Parecia como se soubesse algo sobre vacas, mas de mineração... —Sacudiu a cabeça.
— Perguntaria nas lojas de arreios e quadras. Necessitava um bom casal de mulas, como mínimo.
Tally agradeceu ao mineiro e saiu com dificuldade do bar. André devia ter ficado louco. Sabia que o dinheiro estava destinado ao gado ou o rancho poderia quebrar. E sabia menos de mineração que ela. Se realmente tivesse ido às montanhas, provavelmente era porque estava muito envergonhado para enfrentar a ela e tinha ideado algum retorcido plano para recuperar suas perdas.
Não, André não estava louco, só era imprudente e às vezes irrefletido. Tinha esperado que desta vez fosse responsável. Teve que lhe confiar o dinheiro que tinha salvado de seu casamento, necessitava que demonstrasse que se preocupava tanto por Cold Creek como ela.
Tinha esperado muito.
De qualquer modo, imprudente ou não, André era seu irmão. Ele sabia o que ela tinha sido, e não tinha dado as costas. Era a única família que ficava. Inclusive se todo o dinheiro sumisse, ela tinha que o encontrar e trazê-lo para casa.
Tally começou a exaustiva tarefa de visitar os numerosos currais de Tombstone, quadras e lojas de fornecimento. Antes da última hora da tarde sabia que, em efeito, André tinha comprado um par de mulas e todo equipamento apropriado, e tinha deixado Tombstone fazia mais de uma semana. O caminho mais provável que tomaria seria o Leste, para Chiricahuas, muito ao norte do pequeno vale junto a Cold Creek.
Tally murmurou a maldição que só usava nas piores situações e retornou à quadra onde tinha deixado a carreta e os cavalos. Miriam e Federico a esperavam às sombras do edifício. Federico se via como se tivesse tragado o suco de um limão azedo, e Miriam tecia furiosamente o xale grande que tinha começado na viagem a Tombstone. Parou quando viu Tally.
—Más notícias? —Perguntou suavemente.
—Muito más. André jogou o dinheiro em vez de comprar o gado e retornou às montanhas equipado como mineiro.
—”Mãe de Deus” — Resmungou Federico.
—Elijah? — Disse Miriam.
A preocupação de sua voz revelava muito mais que seu desapaixonado rosto. Tally sabia quanto carinho sentia ela por Elijah, e ele por ela. Deus ajudasse ao homem se ele alguma vez fizesse chorar a Miriam.
—Não pude encontrar nenhuma prova de que Elijah tenha estado alguma vez em Tombstone — Disse Tally.
—Foi faz uma semana — Disse Miriam, enrugando o xale grande entre suas elegantes mãos.
—Pode ser que tenha ido procurar André no Vale. É uma grande área por cobrir. —Tally puxou para trás seu chapéu e secou a transpiração de sua frente.
— Não podemos nos permitir um hotel esta noite. Dormiremos no carroção e decidiremos o que fazer pela manhã... Se não se importa deitar com os cavalos, Rico.
O mexicano encolheu os ombros.
—O que faremos amanhã, ”senhorita”?
—Posso encontrá-lo por você.
Tally virou para estar frente ao homem do Hafford... O único que tinha ocasionado que um inusitado calafrio corresse por sua coluna. Estava de costas ao sol, assim que ela ainda não podia distinguir seus traços. Mas sua altura era inconfundível, e sua voz, profunda e áspera, fez-a pensar em becos escuros e fumegantes armas. Era o que as moças em La Belle Hélène estavam acostumados a chamar "um comprido e grande gole de água no meio do deserto". Em efeito, a boca de Tally repentinamente se tornou muito seca.
Ela manteve sua posição, elevou o olhar para as sombras de seus olhos sob a borda do chapéu negro.
—Quem é você?
—Alguém que tem o que você precisa — Ele inclinou a cabeça de tal forma que ela pôde ver que seus olhos eram do cinza mais claro matizado com tons de verde, aninhados em uma rede de rugas esculpidas pelo sol e o vento. Seu cabelo era de um marrom tão escuro que quase parecia negro. Por separado nenhum traço de seu rosto poderia chamar-se de atraente, embora o efeito total era de um atrativo irresistível e força interior. Poucas mulheres deixariam de o olhar duas vezes.
—Seguiu-me até aqui — Acusou Tally.
—Ouvi que procurava seu irmão — Assinalou ele, dando uma olhada sobre seu ombro a seus companheiros. Federico deu um passo para frente, obrigado apesar de sua natureza tranqüila a assumir o papel de galante protetor.
— Pare seu homem. Não quero fazer nenhum dano.
—Tudo está bem, Rico — Disse ela, sem afastar o olhar do estranho.
— Por que acredita que pode nos ser de ajuda?
O homem se aproximou ainda mais, apertando a Tally contra a parede do estábulo. Ela escapuliu com cuidado, guardando as distâncias. Ele cheirava a transpiração, como todo aquele que vivia no deserto, mas não era um aroma desagradável. De fato, cheirava diferente de qualquer homem que tivesse conhecido. Movia-se leve e suavemente, como um puma ou uma raposa. Mas não exsudava ameaça, e se levava uma arma, estava bem escondida sob seu casaco.
—Meu nome é Sim Kavanagh — Disse o homem.
— Escutei que seu irmão escapou às montanhas depois de perder muito bem no Crystal Palace. Dizem que é um novato que não saberia diferenciar um pico de uma pá, assim que imaginei...
—André não é nenhum novato. Temos um rancho no outro lado do vale Sulphur Spring. Ele... — Não admitiria a irresponsabilidade de André a este homem— Ás vezes, tem sonhos —Terminou torpemente.
Kavanagh estreitou seus olhos.
—É seu irmão maior? Soa como se o protegesse. Ele perdeu todo seu dinheiro?
Tally se arrepiou.
—Qual é seu interesse em meu irmão, senhor Kavanagh?
—Era explorador do exército. Conheço todas as cordilheiras... As Dragoons, Chiricahuas, As Mulas. Rastrear é meu ofício. E agora mesmo preciso de um trabalho.
Sua confissão fez que Tally se sobressaltasse em silêncio. Um homem como este Sim Kavanagh não era do tipo que admitia tal necessidade a alguém como ela. Examinou-o mais minuciosamente. Sua roupa, embora de boa qualidade, estava muito gasta e remendada. Não tinha tido uma boa rajada por algum tempo... Ou talvez fosse simplesmente um descarado fugindo. Com certeza nem sequer um proscrito consideraria que eles tivessem um pouco de valor para roubar.
Federico apareceu junto a seu ombro.
—Como sabemos que é quem diz ser, ”senhor”? Como sabemos que é bom no que faz?
Kavanagh encolheu os ombros.
—Desejo receber meio pagamento antes, a outra metade depois que seu irmão seja encontrado.
—Não posso pagar muito — Esclareceu Tally — Faria melhor em procurar emprego em outra parte.
—Quando seu estômago está vazio — Disse Kavanagh— Até um punhado de pesos parecem muito bem. Conseguiu provisões?
Isto ia muito rápido para Tally. Ela não confiava nos homens. Essa era a regra de ouro de sua vida.
—Não podemos estar seguros que ele tenha ido a Chiricahuas — Disse ela.
— Enviei meu capataz em sua busca, mas ele não retornou, nenhum dos dois.
—Tão logo deixe a cidade, serei capaz de assinalar que direção tomou seu irmão... E também seu capataz, se esteve em Tombstone — Disse Kavanagh com uma convicção brusca que não tolerava nenhum argumento.
— Seu irmão se dirigirá ao leste pelo caminho a Turquoise se for pelo vale. Paga-me dois dólares agora, dá-me o rumos de seu rancho, e entregarei seu irmão dentro das próximas duas semanas.
Tally riu.
—Dois dólares são sua idéia de meio pagamento? — Deu as costas a Kavanagh, e o gelo correu de acima a abaixo por sua coluna. Gelo como a cor de seus olhos.
— Se o contratar, será um dólar agora e o resto quando trouxer André. Vivo.
Kavanagh também gargalhou, e o som não era agradável.
—Tem uma recompensa sobre sua cabeça?
—Não. E também posso dizer que não pode ter muito dinheiro, então roubar não será de muito benefício. E como você assinalou, não pode diferenciar uma pá de um pico. Se encontrasse algo digno de escavar, seria um milagre.
Federico pôs sua mão no braço dela em advertência. Kavanagh apenas se moveu, mas Tally foi consciente do movimento do rastreador, como se ele devesse ser o único em tocá-la.
—Não me tem em muito alta estima, não é assim, jovem? — Disse ele com um fraco sorriso.
— O que te ensinou a ser tão desconfiado a tão tenra idade?
A vida, quis ela responder. E homens como você. Deu à volta e se encontrou com seus olhos frios.
—Não o conheço — Disse ela.
— Não sei se algo do que diz é verdade. Eu poderia gastar outro dia perguntando na cidade por referências, mas não quero perder mais tempo.
—Dou minha palavra que farei exatamente o que digo ou perco o dinheiro.
Sua palavra. A palavra de um homem significava tão pouco para ela como um estalo de seus dedos, mas o olhar fixo de Kavanagh seguia tão firme que começou a acreditar nele. Esses olhos...
Ela sacudiu a cabeça para esclarecer suas idéias.
—Há só uma forma em que o contrate, senhor Kavanagh, e é que o acompanhe.
—Trabalho sozinho.
Ela o ignorou.
—Federico, retorna com a Miriam ao rancho e espera. Talvez Elijah e André aparecerão enquanto estou fora.
As sobrancelhas negras de Federico se enrugaram em cima de seus olhos marrons.
—Não, “senh”..., senhor Bernard. Não o deixarei sozinho com este homem.
—Não acreditará que tenho medo? —Ela riu diante o Kavanagh.
— O que poderia o senhor Kavanagh me fazer, Rico? Roubar-me uns dólares e meu cavalo?
Kavanagh soprou.
—Não virá comigo, moço.
—Farei-o ou não haverá trato. —Tirou uma moeda de seu moedeiro e a atirou ao ar, agarrando-a em uma mão.
— Um dólar agora, outro depois, e vou com você. Tome-o ou deixe-o.
Ela esperava que Kavanagh o deixasse. Podia ver em seus olhos quão pouco gostava que lhe dessem ordens, e havia uma suave ameaça fervendo a fogo lento sob a fria calma de indiferença. Ela estava um pouco assustada. Se descobrisse que era uma mulher... E havia uma grande possibilidade, com ambos viajando juntos...
Maldição. Não havia uma só coisa que pudesse lhe fazer que já não tivessem feito. E levaria seu 44 escondido sob seu casaco. Estava pronta para disparar se algum homem a tocasse contra sua vontade, e a lei estaria de seu lado uma vez que soubessem que era uma mulher. Ao menos enquanto não soubessem que espécie de mulher.
—É duro na hora de negociar, menino — Disse Kavanagh bruscamente.
— Mas te esclareço uma coisa. Se não puder manter meu ritmo, se ficar para trás, estará por sua conta, e ainda consigo meu dinheiro por entregar seu irmão.
Tally assentiu com a cabeça.
—Estou de acordo. —Esperou a ver se ele oferecia sua mão, e quando não o fez, armou-se de coragem e ofereceu a sua.
— Meu nome é Tal Bernard.
Ele vacilou, depois agarrou sua mão com tanta força para quebrar os ossos. A sensação de sua pele áspera não repeliu como esperava. Separou sua mão, flexionando seus dedos atrás de suas costas, e lhe lançou a moeda. Ele tomou tão rápido que ela nem sequer viu o gesto.
—Partimo-nos amanhã ao amanhecer — Disse ele.
— Pode me dizer mais enquanto montamos.
—E as provisões?
—Tenho as minhas. Tem um esteira e rações?
—As suficientes para alguns dias.
—Não traga muito. Isso sobrecarregará os cavalos.
—Encontrarei-o no extremo sul do povoado amanhã, senhor Kavanagh. Tenho meus próprios negócios esta noite.
Seu lábio se curvou em uma forma que sugeria que ele sabia que negociou trataria ela.
—Não se desgaste muito, menino. Monto a cavalo rápido e com força.
—Estou pasmo pela preocupação — Disse ela.
Ele se inclinou perto, e ela notou que seu fôlego não guardava o mais mínimo indício de álcool.
—Fala muito bonito, moço. Bem educado e prospero, arrumado. Mas toda a fantástica educação do mundo não te ajudará ali fora.
Está enganado, pensou ela. Há certos tipos de educação que são inestimáveis em um lugar como este.
—Ao amanhecer. Amanhã — Disse ela, se despedindo — Boa noite, senhor Kavanagh.
Ele recuou, baixando a aba de seu chapéu sobre seus olhos. Um momento depois se foi. Tally soltou o fôlego e encontrou o olhar de Miriam.
—O que opina? — Perguntou a sua amiga.
—Perigoso, seguro, mas acredito que dizia ao menos algo de verdade. — Miriam olhou pela rua por onde Kavanagh se foi.
— Deve ser muito cuidadosa, senhorita Tally. Muito cuidadosa.
—Isto não está bem — Indicou Federico.
—Tem que ser assim. Sabe que não tomarei riscos.
—Sem riscos — Se queixou Federico— “Ai, Deus!”
—Só te assegure que Miriam retorne a Cold Creek.
—Rezarei por você e o senhor André — Disse Miriam. E pelo Elijah, mas não teve que dizê-lo.
—Obrigado, Miriam. —Tally foi ver o dono do estábulo para falar sobre passar a noite ali e deu uma olhada aos cavalos. Ela, Miriam e Federico compartilharam o pão fresco que Miriam tinha comprado na padaria e uma porção de queijo, junto com a carne seca que haviam trazido de Cold Creek. Federico se deitou em um montão de palha limpa, enquanto Miriam e Tally colocavam mantas na cama dentro da carreta.
Antes do cantar do galo da manhã, Federico arriou os cavalos da carreta. Ele e Miriam começaram o caminho de cinqüenta duras milhas para casa, enquanto Tally tomava Muérdago (nome do cavalo no original), seu malhado, e cavalgou para o extremo sul da cidade.
Kavanagh estava esperando-a. Parecia a Morte mesma, perfilado contra o céu que clareava, as colinas achaparradas e as montanhas atrás dele. Tally vacilou só um momento e depois impulsionou Muérdago a reunir junto a ele.
Tinha o pressentimento de que necessitaria cada reza que Miriam pudesse realizar por ela.
Capítulo 2
Sim olhou o esbelto cavaleiro subindo a colina a trote, admirando sua postura elegante e firme assento. Não tinha o hábito de admirar mulheres... Com esta única e notável exceção... Mas tinha que lhe dar crédito por ter as coragem de fazer-se passar por um homem e a habilidade de levá-lo a cabo.
É obvio que ele soube que era uma mulher no instante em que ficou a seu lado no Hafford Saloon, depois de escutar que alguém chamado Bernard procurava um irmão chamado André. Tinha-a seguido a certa distância pelas ruas de Tombstone, esperando o momento preciso para aproximar-se mais e ouvir a história completa. Parecia muita sorte que tivesse localizado sua presa tão facilmente, mas ali estava ela, justo onde Caleb havia dito que procurasse.
Caleb tinha mencionado que André tinha uma irmã que tinha vivido com ele no Texas, mas nada do que Caleb disse tinha sugerido que ela fosse essencial para a missão de Sim. Qual era seu nome...? Chantal. Uma pista tão elegante como sua forma de falar. Fez rodar o nome com a língua, degustando-o. Preferia o nome que ela se deu a si mesma: Tal.
Não se preocupou perguntando-se por que ela ocultava seu sexo. Emitia uma potente impressão de ousadia... Que inclusive ele se viu energicamente forçado a sentir sua inquietação, mas devia estar condenadamente muito assustada por algo. Com medo, e ainda muito precavida para impedir que alguém olhasse muito perto ao que se escondia sob sua máscara.
Suspeitava que quando estivesse limpa seria muito mais agradável do que seu aspecto externo indicava. Seus traços sob a sujeira eram fortes, mas bastante delicados para um rapaz, seus lábios eram cheios, seus olhos da cor do café iluminados com creme fresco, e salpicados com cristais de açúcar. Devia ter uma figura debaixo aquela roupa folgada. Mas só era um meio para um fim, sem importância para ele, exceto como uma forma de chegar até o André.
Provavelmente não sabia nada sobre o mapa ou seria um pingo malditamente mais esperto do que já era. Ela não tinha nem idéia do por que André entrou nas Chiricahuas equipado para uma escavação. Mas se André tinha falado sobre o tesouro, Sim se inteiraria muito em breve. Enquanto isso, deixaria-a continuar fingindo enquanto isto servisse a seu propósito.
Saudou-a com a cabeça quando ela conduziu seus cavalos junto a Diabo. Uma fibra de cabelo loiro escapou de seu chapéu, a mecha não era mais comprida do que um rapaz poderia ter. Colocou-o atrás com um gesto tanto ingênuo como impaciente. Seu malhado se movia sigilosamente, e Diabo tentou morder o flanco do cavalo castrado.
—Seu cavalo tem uma disposição desagradável — Comentou ela.
—Igual a mim — Disse ele.
— Está preparado?
—Adiante.
Ele virou para o leste e forçou Diabo em um galope, percorrendo costa abaixo o poeirento caminho de quão mineiros apontava para as Dragoons. Diabo tinha algo que demonstrar e se mostrou brioso, deixando Tal e a seu cavalo castrado morder o pó. Mas ela estava a fim de competir. Em uns minutos seu malhado estava do lado de Diabo. O que Sim vislumbrou do perfil de Tal foi uma aparência séria sem diversão. Quando Diabo teve expulso algo de seu rancor, Sim o refreou e reduziu a marcha a um trote estável.
Tal lhe dirigiu um sorriso debruado com raiva.
—Tentando tão logo se desfazer de mim? — Disse ela, respirando com força — Ou só era uma prova?
—Dependia de você. —Ele notou que o chapéu dela tinha caído para trás um curto trecho. Ela captou seu olhar e o colocou para frente.
—Agora me conte sobre seu irmão — Disse ele.
Ela piscou diante sua repentina mudança de tema.
—Que mais tem que saber?
—Quão familiarizado está com as montanhas?
—Nosso rancho está nos contrafortes perto do extremo sul das montanhas, no vale de Cold Creek, entre as Chiricahuas e as Lebres.
O que significava que ela e seu irmão eram ocupantes ilegais na terra que esperavam reclamar uma vez que o vale Sulphur Spring fosse prospectado e aberto a reclamação conforme as leis de terra americanas. Até que pudessem reclamá-lo legalmente, teriam que manter sua propriedade contra todos os competidores, inclusive os ladrões de gados que populavam no vale como piolhos na barba de um mineiro. O respeito de Sim para Tal aumentou.
—Esta é a primeira vez que seu irmão mostrou interesse em procurar uma mina? —perguntou ele.
—Quando vivíamos no Texas falou de ficar rico no Território do Arizona. Eu nunca... —Ela fez uma pausa, lançando ao Sim um cauteloso olhar.
— Disse que era um sonhador.
—E estava preparado para ficar em marcha sem a devida preparação.
Seus lábios eram uma linha reta.
—É jovem.
—E você não o é?
Ela encolheu os ombros.
—Que fazia ele em Tombstone?
—Não sei. Supunha-se que estava no vale, comprando mercadorias para o rancho.
—Não soa como se devesse ter acreditado nele.
Fulminou-o com um frio olhar.
—Não está aqui para julgar André, senhor Kavanagh, só para encontrá-lo.
Sim arranhou a nova barba do dia que tinha crescido no queixo. Tal estava à defensiva com seu irmão, mas ainda o suficientemente ingênua para conduzir um estranho direto para ele. Ela francamente não acreditava que André possuísse algo digno de roubar. Valorava-o mais do que ele merecia, e Sim não podia imaginar o por que.
—Seu irmão é um bêbado —Disse ele.
—Não o é todo mundo?
O desdém em sua voz quase a delatou.
—Falas como um abstêmio — Disse ele — Mas te vi beber no Harford.
—Penso melhor quando estou sóbrio.
—Eu também. Mas pelo que disseram em Tombstone, seu irmão fala quando bebe. Esse não é um costume inteligente neste território. É uma boa coisa que não tenha nada que esconder... Exceto de você.
—Estava envergonhado de retornar a casa sem o dinheiro. Isso é tudo.
—Está seguro de que planejava voltar?
—Estou seguro. — Mas sua voz tinha uma pequena greta. Ela não estava tão segura sobre algo que ignorava. Ela cavalgaria com todas suas forças para demonstrar-se a si mesma como a Sim, mas debaixo dessa dura pele havia uma fraqueza que ele tinha a intenção de explorar.
Perguntou-se como dirigiria ela sua primeira noite juntos. Teriam que parar ao menos em um acampamento entre aqui e os contrafortes das Chiricahua.
—E esse seu capataz? É bom como rastreador?
—Elijah esteve com a Décima Cavalaria, assim tem habilidade para isso. Ele pode muito bem estar procurando ainda no Vale.
—Mas deseja que me encarregue de seu irmão.
—Elijah pode cuidar de si mesmo.
O que significava que André não podia. Isso concordava com tudo o que Sim tinha ouvido até o momento.
Uma vez que estiveram bem longe dos esmagadores aromas de Tombstone, Sim desmontou.
—Trouxe com você algo que pertença a seu irmão? — Perguntou ele.
Ela baixou o olhar para ele, perplexa.
—Não. Por que?
—Não importa. — Sim se ajoelhou perto da terra. Cem cavalos, mulas, bois e homens a pé tinham passado por este caminho. Ele localizou um par de rastros de mulas acompanhadas pelos rastros de bota de um homem sozinho.
Sim recolheu um beliscão desse pó e o sustentou junto a suas fossas nasais. A sujeira se fundia com um aroma fraco mas distinto que unia a este viajante com a mulher que montava a cavalo ao lado dele.
—O que está procurando? —Perguntou Tal.
Ele não se incomodou em lhe dar uma resposta que ela não entenderia.
—Seu irmão veio por este caminho — Disse ele, montando outra vez — Provavelmente passou por Turquoise. Deteremo-nos ali logo.
Montou a cavalo um pouco diante de Tal para farejar com seu nariz. A terra começou a elevar-se, e o rastro girou ao sul para formar uma curva ao redor do final das Dragoons. Dezessete milhas sem sombra em um caminho com tantas curvas, colinas e planas apenas o faziam um passeio agradável, sobre tudo com o crescente calor do dia, mas Tal não se queixou. Bebeu frugalmente de seu cantil como um viajante do deserto com experiência. Inclusive Sim estava contente, vislumbrava a vista das Chiricahuas quando finalmente alcançaram Turquoise.
Sabia que os índios tinham cavado uma vez a rocha azul brilhante destas montanhas, mas os brancos estiveram muito mais interessados no chumbo, prata e cobre que tinham encontrado uns anos atrás. As colinas estavam marcadas com a escavação recente e os escombros de refugos da atividade humana. O acampamento em si mesmo não era mais que uma série de choças ruinosas, suficiente para a dura forma de vida de mineiros solteiros.
Uma das choças era algum tipo de bar, anunciado pelo esboço grosseiramente desenhado de uma garrafa na porta. Sim atou seu cavalo a um poste e entrou.
A proprietária era uma mulher desalinhada de meia idade e provavelmente a única mulher em um raio aproximado de dez milhas, possivelmente era a esposa de um dos mineiros, mais provavelmente uma companheira complacente de alguém que pudesse pagar. Seu estabelecimento estava vazio de clientes. As moscas espalhavam prazerosamente perto do teto de lata. Sim deixou cair uma moeda na larga e tosca mesa que servia como balcão.
—Como vai o negócio? — Perguntou ele.
A mulher, cujas bochechas vermelhas eram a única parte de cor em um rosto duro e cinza como o granito, olhou-o de acima a abaixo.
—Talvez melhor do que estava — Disse ela. Deixou um copinho de uísque frente a ele. A porta rangeu atrás de Sim, e Tal entrou.
—Moços procuram estabelecer alguma reclamação? Complacente Mary pode ajudar a começar, conseguir tudo o que necessitem. Inclusive um pouco de diversão. — Olhou com lascívia a Sim, e ele empurrou o uísque de volta a ela. Ela o bebeu de um gole.
— Não, você não é mineiro. Está de caminho a um assunto mais importante, diria eu. —Piscou os olhos a Tal sobre o ombro de Sim.
— Agora ele não parece como se tivesse praticado o rodeio absolutamente. Darei-lhe um bom preço, “vaqueiro”. A metade do usual para montá-lo na cadeira. — Riu com voz rouca até que notou que Sim não sorria.
Sim deu uma olhada atrás para Tal. Era difícil dizer se ela estava ruborizada sob o pó e o bronzeado, mas não podia confundir a compaixão em seus olhos. A compaixão por esta casca seca de uma mulher, que provavelmente estava pega a este lugar porque não podia competir com as putas mais jovens em Tombstone.
—Procuramos alguém — Disse Tal antes que Sim pudesse responder.
— Talvez ele passou por este caminho. — Ela descreveu seu irmão como fez antes, mas não encontrava o olhar da avara mulher mais velha.
—Sim, vi alguém que encaixa com essa descrição comum — Disse Complacente Mary, inclinando-se para frente para mostrar a fofa generosidade de seu seio.
—Disse algo? — Perguntou Sim, ignorando a vista que ela oferecia.
—Bem, isso depende. Estava um pouco bêbado... Não se via como se tivesse estado sedento por muito tempo. —Ela secou a taça com uma toalha suja e cantarolou entre dentes.
Sim escondeu de um golpe outra moeda.
—O que disse?
Complacente Mary pestanejou.
—Bem, isto foi faz alguns dias, e meu estabelecimento estava lotado... Quando os mineiros baixam necessitam entretenimento...
Sim deu uma palmada na mesa. A mulher saltou e quase deixou cair à taça. Ela olhou nos olhos do Sim.
—Bem, ele... Não tinha muito sentido. Falava de algum lugar chamado Castelo Canyon, no lado oeste de Cherrycows. Estava totalmente equipado, mas todo mundo sabe que não há nenhuma mina ali.
—Castelo Canyon? —Repetiu Sim, sustentando o olhar.
—S... Sim. —Ela tragou, e a fofa carne de seu pescoço tremeu — O que ele fez, senhor?
—Ele é meu irmão — Disse Tal, agarrando o braço de Sim.
— Vamos, Kavanagh.
Sim se deixou conduzir fora mais pela choque que por cooperação. Uma vez fora do bar se desfez do agarre dela sobre seu braço e se dirigiu ao reservatório de água mais próximo, onde estava seu cavalo, e afastou a espuma da água com um varrido de sua mão. O cavalo de Tal afundava o nariz no extremo oposto do reservatório de água, receoso de Diabo.
—Nunca faça isso outra vez — Disse Sim baixo.
—O que?
—Me tocar desse modo. Arrastar-me.
—Não tinha que ameaçar essa mulher.
—Essa puta? Teria roubado a um cego se pudesse. —Ele separou Diabo da água — O que te fez pensar que eu a ameaçava?
Tal acariciou o pescoço de seu cavalo.
—Não com palavras. Mas estava aterrorizada de você. —Tal deu uma olhada de lado.
— O modo em que a olhou... Odeia todas as mulheres, ou só a um tipo em particular?
Sim riu dissimuladamente.
—O que sabe sobre mulheres, moço?
Tal apertou a cilha do cavalo castrado e montou.
—Tive uma mãe — Disse suavemente.
— Pedirei para comportar-se com cortesia e decência enquanto for meu empregado. Inclusive com as putas.
Sim subiu sobre o lombo de Diabo. Então ela esperava decência, verdade? Acaso sua couraça tão resistente e capaz era uma coberta tão falsa como seu masculino disfarce? Deixe-lhe que coloque algum vestido elegante e quererá provavelmente que faça reverências e te arranhe como algum dândi vindo do Leste.
Ela teria uma verdadeira surpresa quando descobrisse que ele sabia quem era. Imaginava com muita ilusão esse momento.
—Acreditei que disse que tinha vivido no Texas — Disse ele.
—Isso importa?
—A maior parte de quão texanos conheço não são tão delicados em suas formas. Mas claro, tem educação.
Ela decidiu fazer pouco caso de suas brincadeiras.
—Nasceu no Texas, não é?
—Não conhece a cidade. Onde você viveu?
Imediatamente ela ficou alerta.
—Tínhamos uma casa no condado de Palo Duro.
Ela claramente não queria continuar com esse tema. Sim assobiou umas notas introduções e depois começou a cantar.
—Venho do Alabama com meu banjo sobre meu joelho, eu vou a Louisiana, ver meu verdadeiro amor. — Sorriu abertamente diante a dúbia expressão de Tal — Louisiana.
—O que?
—É onde nasceu.
Ela franziu o cenho.
—Notou por minha forma de falar.
—Como disse, estive por toda parte.
Ela considerou isto com uma inclinação pensativa de sua cabeça.
—É muito jovem para ter lutado na guerra.
—Igual a você.
—Vi o que isto fez às pessoas de ambos os lados.
—Essa foi à razão de que deixou o Texas?
—Meu irmão viu a promessa neste território — Disse ela — Vislumbrou no que podia transformar-se.
Um sonhador, igual Caleb. Procurando algo que não podia ver com os olhos, nunca contente com o que tinha bem diante dele. Sempre desejando mais.
E exatamente como se diferencia do um ou do outro?
Sim esporeou adiantando-se. Tal ficou a seu lado, e deixaram atrás Turquoise e Dragoons. Ao Leste se elevava Chiricahuas, uma variedade de picos que se estendiam do norte ao sul através do horizonte. A extensão coberta de grama do vale Sulphur Spring se estendia quase sem interrupção durante mais de vinte milhas, mas Castelo Canyon quase estava outras vinte milhas ao norte uma vez que tivessem cruzado a planície. Sim não tinha a intenção de empurrar os cavalos com muita força quando logo estariam em terreno muito mais áspero nas montanhas.
A grama era alta onde a água descia pelo centro do vale. Uns rancheiros fortes se agachavam sobre a terra mais rica junto a mananciais e riachos. Sim sabia que a infame equipe do McLaury tinha seu próprio assentamento perto do Soldier´s Hole, mas Tal e ele não tinham nenhuma razão para passar por aquele caminho.
—Acamparemos nas colinas Squaretop — Disse ele, indicando o cacho de colinas que se elevavam do vale a aproximadamente quinze milhas ao nordeste.
— Ali devera haver água para os cavalos.
Com cuidado observou Tal, notando o leve retesamento de seus ombros e a proeminência de seu queixo. Ela não sugeriu parar em um dos imóveis ilegais ou em algum dos ranchos estabelecidos entre essa zona e as montanhas.
—Conhece Castelo Canyon? — Perguntou ela.
—Sei onde está — Disse ele.
— É longo e profundo, tem fissuras nas rochas altas. Centenas de agulhas e pináculos como torres em um castelo. Isso é o que deu ao canyon seu nome.
Tal o olhou com as sobrancelhas levantadas.
—Tem um pouco de poeta, senhor Kavanagh.
Ele quase cedeu diante o impulso de cuspir.
—A puta... A dama... Em Turquoise tinha razão. Não há nenhuma mina lá em cima, ao menos não na ladeira Oeste. Há algo mais no canyon que poderia interessar a seu irmão?
—Não, que eu saiba. Ouvi que há habitantes ali... Uma família com o nome de Bryson. Não os conheço.
—Se seu irmão foi por esse caminho, eles poderiam te-lo visto.
Ela concordou perdida em seus próprios pensamentos. Deixaram o minguante atalho e montaram a cavalo cruzando correntes e ravinas, passando alguma ocasional vaca pastando na amarelada grama, arbustos e galhos que prosperavam no vale. A temporada de seca estava sobre o Território do Arizona, mas Sim sentia a chuva por chegar nos seguintes dias. Com um pouco de sorte, não cairia até que tivesse com André Bernard sob seu nariz.
As sombras se alargavam quando alcançaram as Colinas Squaretop. Sim escolheu um local para acampar parcialmente protegido por uma grossa árvore de mesquite e desmontou de Diabo. Tal se ocupou de seu próprio cavalo enquanto Sim, farejando, descobriu água correndo justo sob o leito de um riacho quase seco.
Desenterrou uma bacia e deixou que os cavalos bebessem. Uma vez que foram escovados e assegurados para a noite, Sim foi caçar. Caçou dois coelhos e os levou ao acampamento, onde Tal tinha juntado já lenha para um pequeno fogo. Outra vez se viu obrigado à contra gosto a admirar seu pragmatismo, sem importar quão educada pudesse ser quando a verdade a golpeava.
Malditas fossem todas as mulheres. A maioria não valia a confusão que indevidamente traziam com sua presença. Mas quando começou a cortar os coelhos, recordou o por que tinha pensado com tanta expectativa nessa noite.
Jogou os ensangüentados animais a Tal. Caíram no chão junto ao fogo recém feito, e ela deu um pequeno salto. Sim sufocou um sorriso de satisfação.
—Consegui nosso jantar — Disse ele — Você cozinha isto.
Ela recolheu um dos corpos, examinou-o com olho crítico.
—Não muito, não é? — Disse ela.
— Bem, eu mesmo não tenho muita fome.
Sim ficou de pé.
—Quantos quer?
—Disse que não tenho fome.
Ela tirou uma faca e ficou a trabalhar sem o mais leve sinal de delicadeza. Ele parou sobre ela, as mãos nos quadris.
—Nunca ouvi de qualquer moço que não estivesse sempre faminto.
Ela enrugou o nariz, cheirou e agitou ao ar como se tivesse captado algo desagradável, e depois de um momento ele se deu conta que seus amplos gestos apontavam em sua direção.
—Algumas coisas podem estragar até o apetite mais são.
—Você mesmo não é exatamente um buquê — Grunhiu ele.
— Se só soubesse quanta pessoas má... —Desprendeu-se da consternação e rapidamente se recuperou.
— Recuperaria seu apetite se eu me lavasse as mãos, Bernard? — Afrouxou seu lenço, tirou a jaqueta de couro e desabotoou seu colete.
— Encontrei um pouco de água que não está muito lamacenta. Você esfregaria minhas costas, e eu esfregaria a sua.
O esperado rubor fez que seu rosto se voltasse rosado sob toda essa capa de pó.
—Não será necessário. —Ela enfocou sua atenção nos coelhos.
— Pode fazer-se útil forjando um assador... Quer dizer é obvio, se você tiver apetite.
—Um homem no negócio do rastreamento toma o que pode conseguir... Inclusive se não é a espécie de carne que ele prefere.
A faca dela caiu, e ele se perguntou se tinha adivinhado que tinha visto através de sua mascarada. Sim fez o assado como solicitou, deixando-a fazer o resto. Apoiou-se sobre os cotovelos algo perto do fogo e a estudou quando a noite caiu sobre o vale. A lua e as estrelas tinham o efeito peculiar de suavizar os traços de Tal, transpassando seu disfarce com mais eficácia que a luz do sol mais brilhante.
Sabia que ele a olhava, mas ela pareceu não se dar conta.
—Seu jantar está pronto — Disse ela, recuando do fogo.
— Estarei com os cavalos.
—Prefere sua companhia à minha?
Ela afirmou suas mãos sobre seus quadris e baixou a vista para ele.
—Não tenho que lhe dar explicações, Kavanagh. Está bastante claro?
Sim sorriu abertamente, mostrando todos os dentes.
—Muito claro, homem. — Ficou de cócoras ao lado do fogo e comeu a carne com entusiasmo. Quando terminou com um dos coelhos, tirou de seus alforjes um prato de lata e um garfo estranha vez usado, lavou-os nas frescas águas de um atoleiro, e cortou em partes a fumegante carne do segundo coelho. Amontoou-os no prato e foi em busca de Tal.
Não o ouviu aproximar-se. Tinha posto sua roupa de cama ao lado da mesquite onde os cavalos estavam amarrados e agora se sentava com as pernas cruzadas sobre as mantas, seu chapéu a seu lado, rastelando seus dedos pela enredada massa de cabelo muito loiro. Não era tão curto como Sim tinha imaginado, já que o tinha amarrado em tranças tão apertadas que cabiam sob a taça de seu chapéu. Tinha a vaidade natural de uma mulher depois de tudo.
Sim ficou em cócoras e aspirou o aroma de mulher que emanava de seu corpo. Tinha mentido quando sugeriu que ela necessitava um banho. Não havia nada desagradável em seu aroma. Maldição, era justamente o contrário. Cheirava como uma verdadeira mulher... Natural e quente, como Esperança, mas diferente...
A lembrança de Esperança esclareceu suas idéias rapidamente. Ele deixou o prato aonde até um humano o encontraria e se retirou tão silenciosamente como tinha chegado. Percorreu a ladeira da colina, desfez-se de suas roupas e Mudou de forma.
Inclusive depois de tantas vezes, ainda se maravilhava da milagrosa novidade de sua transformação de homem a lobo. Era bom correr livre... Livre em uma forma que ele nunca tinha entendido antes de aceitar seu sangue MacLean, livre como nenhum humano poderia entender. Mais forte que um homem ou lobo ordinário, contendo o melhor de ambas as partes, um corpo ágil como poderoso.
Sacudiu sua grosa pele marrom e seus grandes pés se moveram alerta. Correu ao nível do vale, agitando os matos secos e saltando sobre os arbustos de cresol (flor parecida com dente de leão),e flauta doce. O vento cantou em sua pele. Os ratos se apressavam sob suas amplas patas, e uma assustada vaca com seu jovem bezerro girou para lhe fazer frente como se pudesse o afugentar, com seus chifres em posição de ataque e seus bufos de alerta.
Deixou-a em paz. Depois de tudo não procurava uma presa essa noite, e quando caçava o gado era por obter um prêmio diferente ao de encher o ventre. Não era que o lobo houvesse trazido alguma vez algum benefício, mas isto... Isto substituía à lei humana, à consciência humana e o desejo humano.
Abriu seus sentidos até limites quase dolorosos, ouviu os frenéticos batimentos do coração , as codornas em seus ninhos e cheirou o almíscar de uma gambá zangada. Peneirou uma essência da seguinte e encontrou o lugar onde André Bernard tinha acampado fazia umas noites. O rastro do homem se ia junto à de uma carreta que viajava paralela às ladeiras de Chiricahua.
Sim deu a volta e retornou às colinas Squaretop e recuperou sua forma humana e roupas. Lavou seu rosto no atoleiro e estendeu suas mantas sob o céu aberto.
Ainda estava acordado quando Tal se aproximou, com os pés pesados como todos os humanos, mas com mais graça que a maioria. Ele ouviu como se agachava a vários metros de distância, sentiu que ela o estudava do mesmo modo que ele a tinha observado antes, com atordoamento sentiu como um zumbido atrás de seus olhos.
—Está acordado? —Perguntou ela. Ele girou para estar frente dela, descansando seu queixo sobre seus braços dobrados.
—Não durmo muito.
Ela cabeceou como se esse fato fosse de pouca surpresa para ela. A aba de seu chapéu ocultava seu rosto, mas ele podia ver o brilho de seus olhos.
—Não tinha que fazê-lo —Disse ela em voz baixa — A comida, quero dizer. Posso cuidar de mim.
—Não se renúncia a uma comida fresca enquanto segue uma pista — Disse ele. Sentou-se, esfregando o pêlo de seu rosto.
— Comeu?
—Sim. —Ela colocou seu prato limpo e o garfo sobre a grama, ficando fora de alcance—. Só vim... Para agradecer-lhe. Aquelas palavras foram difíceis para ela, talvez tão difíceis como eram para ele. Ele tinha dado obrigado talvez à meia dúzia de pessoas em sua vida, com muita dificuldade. E nunca por uma coisa tão pequena.
—Se deite — Disse ele.
— Farei guarda.
Ela se retirou torpemente. Escutou como se deitava, movia-se e acomodava suas mantas, tentando ficar cômoda. Ele não pensou em que razão fosse que ela era muito delicada para a inflexível terra. Algo em seu aroma tinha trocado, e ele sabia por instinto o que era.
Até agora, ela o tinha considerado como um empregado temporário e o tinha tratado como um. Tinha sido consciente de que ele era um homem do mesmo modo em que qualquer mulher o faria, avaliando-o sem ter consciência dele, fria e objetiva. Mas em algum momento entre suas brincadeiras sobre o banho e sua aceitação de comer o que trouxe, ela tinha começado a olha-lo de forma diferente. Não tão objetiva. Nem de nenhuma forma fria.
Seu corpo reagiu apesar dele, e blasfemou suavemente. E o que se estava interessada? Ela nunca o admitiria. Estava segura brincando de ser um rapaz, e nenhuma razão absolutamente para agir contra seus impulsos, dado que ele era um estranho e ela queria guardar sua respeitabilidade.
André Bernard tinha sido algo menos que respeitável no Texas. Tal devia saber que o rancho deles em Palo Duro tinha sido um asilo para ladrões de gados, mas não parecia a espécie de pessoa que aprovasse sortes atividades ilegais. Ela tinha dado muitas desculpas pelo André Bernard, mas não teria dirigido a propriedade do Texas.
Sim cobriu com a mão seus olhos. Por que criava desculpas para ela? Ele não dava uma única oportunidade a outros, e nada resultaria de um pouco de atração, sobre tudo quando era tão significativo como um touro e novilla pastando em um campo.
Isso era tudo o que era para ele... Cio. Que deixassem cair suas calcinhas e os agradeceria com um obrigado, MA´an. Elas sempre eram putas, e ele sempre se odiava quando terminava tudo.
Só deixaria de odiar-se quando tomasse a Esperança em santo matrimônio, e tocasse aquela pele imaculada, sabendo que ela o aceitaria. Necessitaria. Amaria.
Essa noite só sonharia com Esperança. Mas quando caiu no infernal mundo de sombras e lembranças, viu Esperança adornada com a plumagem gritã de uma pomba quebrada, dando as costas a Sim com repugnância em seus olhos. Era Tal Bernard, em uma virginal camisola branca, quem levantava os braços lhe dando a bem-vinda a casa.
Capítulo 3
Tally se afiançou no pomo da cadeira como um novato com o rosto imberbe, tentando manter-se acordada. Tinha dormido miseravelmente a noite passada, e não devido à comida que Kavanagh tinha endossado. Não era a primeira vez que tinha comido carne assada sobre um fogo a campo aberto e uma vez que decidiu aceitar "o presente" de Kavanagh, tinha estado contente por conseguir algo de saudável sustento depois de um comprido dia de viagem.
Seria mais exato dizer que o homem em si era a fonte de sua insônia. Deus sabia que ela não tinha esperado que ele se separasse de sua rotina para alimentá-la... E por isso se perguntou com cada dentada quanto teria visto ele quando deixou o prato ao lado de sua cama.
Deu uma olhada a ele sob a aba do chapéu. Ele não tinha mostrado nenhum novo comportamento a última noite ou esta manhã. Ainda a tratava com uma indiferença brusca que às vezes confinava com o desprezo, tal e como ela esperaria que um homem como ele tratasse alguém a quem claramente considerava um moço inexperiente e sobre educado.
Ela tinha procurado esconder cada mecha de seu rebelde cabelo e cobrir seu rosto com uma fresca capa de pó quando eles desarmaram o acampamento cedo essa manhã. Kavanagh, por outra parte, tinha lavado seu rosto e tinha penteado seu cabelo escuro, quase como se ele tivesse tomado ao pé seus grosseiros comentários sobre aromas desagradáveis.
Desde que o tinha conhecido, tinha estado na defensiva. Ele não a tinha ameaçado não, mas sentia a necessidade de seguir provando-se, batendo antes que ele batesse. Algo que era absurdo, sobre tudo quando ele apenas se incomodava em conversar e parecia contente ignorando-a a maior parte do tempo. Não tinha falado do café da manhã exceto para confirmar que André tinha seguido o caminho ao norte do Turkey Creek para Castelo Canyon.
Embora sabia que a estava observando. Talvez tinha adivinhado seu segredo e só esperava uma oportunidade para expô-lo. Mas se ele podia mover-se tão sigilosamente como a última noite, por que esperar? Talvez simplesmente ele não estava interessado na verdade, de uma ou outra maneira.
Dieu du do(Deus bendito), ela deveria estar tomada de gratidão por que ele era tão indiferente.
Algum tipo de pássaro trilou de um prado ao leste. Tally clareou sua garganta. Kavanagh fixou seu olhar nela para logo afastá-lo outra vez, voltando-se para os contrafortes de Chiricahua. As montanhas pareciam uma parede impenetrável do vale, mas Tally sabia que estavam repletas de arroios e correntes que se transformariam em gotas ao chegar ao manancial, cobrindo a abundante vida selvagem das ribeiras de seus poucos charcos fundo. Aves de brilhante plumagem apareciam como jóias na escuridão do bosque. Os lobos e os pumas vagavam pelas terras altas tal e como uma vez o tinham feito os apaches. Os mineiros podiam escavar e peneirar a terra procurando metais preciosos, mas os poucos habitantes que tinham construído casas nas fendas tinham feito até agora pouco para trocar o mundo antigo que os índios se viram obrigados a abandonar.
André não notaria a beleza desta terra. A promessa que ele via só consistia no ganho que poderia obter.
—Petit fou (pequeno louco)— Resmungou ela.
—Isso é francês, não é?
Tally deu a bem-vinda ao som áspero de sua voz mesmo que isto afogou a canção melodiosa da cotovia.
—É uma língua bastante comum na Louisiana.
—Vejo que é útil para amaldiçoar.
Ela riu apesar de sim. Dirigiu-lhe um olhar insondável. Ela se perguntou se sua voz tinha sido muito alta e rapidamente sufocou sua incongruente diversão.
—Ensina-me — Disse ele.
—O que?
—Faremos outro passeio de dez milhas até Castelo Creek — Disse ele.
— Imagino que deveria estar bem aprender novas más palavras.
—Não posso acreditar que um homem como você necessite dessa espécie de instrução.
—E que tipo de instrução necessito, moço? —Ele riu dissimuladamente diante seu silêncio e estalou os extremos de suas rédeas sobre suas magras coxas.
— Sabe, quando nos encontramos em Tombstone, pensei que talvez tinha mais experiência do que seu aspecto sugere. Mas Complacente Mary... Como a maior parte das putas, tem um dom para a presa fácil. Nunca esteve com uma mulher, não é?
Ele não sabia. Tally tragou um suspiro de alívio.
—E que lhe importa isso?
Ele encolheu os ombros.
—Me deixe te dar um pequeno conselho, homem. Afaste-se de bares e bordéis. Quando encontrar seu irmão, se concentre nesse pequeno rancho e nunca confie em ninguém que te ofereça uma cavalgada grátis.
—É uma advertência apoiada na experiência pessoal?
Um silêncio sinistro matou a risada dele, como a calma antes da tormenta.
—Tudo custa algo. Não consegue nada sem pagar por isso.
—O que faz que odeie tanto às mulheres, senhor Kavanagh?
—Só em uma ocasião encontrei uma mulher em quem se podia confiar tanto como um homem pode fazê-lo... —Sua voz se suavizou em quase um sussurro.
— Ela é mais um anjo que uma mulher.
—Qual é seu nome?
—Esperança.
A garganta de Tally se apertou pelo temor e a ternura de suas palavras.
—É ela a única a quem ama?
Ele recuou as rédeas e seu garanhão soprou em protesto. Kavanagh murmurou uma maldição ao cavalo e fulminou com o olhar a Tally.
—Não falo dela.
—Acaba de fazer.
—Já basta.
—Como deseje.
Ela fez que seu cavalo se adiantasse um pouco e sentiu que seu olhar queimava as costas como uma marca vermelho vivo. Mal podia acreditar que um homem como Kavanagh pudesse amar a alguém. Mas não havia confusão em seu olhar e no som de sua voz. Ela se perguntou que tipo de comparação poderia ganhar tal devoção... E como um anjo poderia amá-lo em troca.
Tally sabia que não havia nenhum anjo na terra, se fosse homem ou mulher. Em seus dois anos de casamento com Nathan Meeker, ela tinha conhecido a ambiciosas damas de sociedade que aspiravam à perfeição. Todas elas tinham caído vítimas de suas fraquezas muito humanas. Ninguém entendia tais fraquezas melhor que Chantal Bernard.
Perguntou-se quanto tomaria a Kavanagh dar-se conta que seu anjo tinha pés de barro em vez de asas.
Cavalgaram pela ampla boca do Castelo Canyon, onde o Castelo Creek tinha esculpido uma cunha na ladeira e tinha aberto a um lado um vale encantador pontilhado com carvalhos. O gado levantou suas cabeças ao notar aos intrusos e logo retornou a seu aprazível pastar. A grama cedeu o passo a juncos e prova de que o úmido prado estava perto do leito de um riacho e seu manancial. Kavanagh se dirigiu ao ”pântano”, e os dois cavalos apressaram seus passos ante a expectativa de doce água fresca.
A bem-vinda sombra de várias árvores, entre eles sicomoros, fresnos, nogueiras e álamo da Virginia, cobriu os ombros de Tally como um bálsamo. As coloridas aves revoavam alegremente de árvore em árvore. As libélulas passavam roçando-os cruzando os lagos com leito de rocha.
Kavanagh desmontou, encheu os cantis com a borbulhante água do manancial e brevemente fechou os olhos como se sentisse o curativo espírito do lugar tanto como Tally o fazia.
—Duas mulas se detiveram aqui faz poucos dias — Disse ele.
—Então não podemos estar muito longe de André —Disse Tally, unindo-se a Sim junto ao manancial.
— A cabana dos Brysons deveria estar um pouco mais longe do canyon.
Sim lançou a Tally seu cantil e bebeu do próprio. Ele limpou seus lábios com o dorso de sua mão.
—Acamparemos aqui esta noite.
—Ainda temos horas de luz.
—É melhor que tenhamos um início fresco pela manhã. Este território é áspero lá encima, a cavalo ou a pé.
Tally olhou fixamente os picos das montanhas cheios de árvores. Eram muito mais imponentes no extremo norte da cadeia de montanhas perto de Cold Creek.
—Se está preocupado por mim, não há nenhuma necessidade. Posso seguir o ritmo.
—Talvez — Disse Kavanagh molhando seu lenço e limpando o suor de seu rosto.
— Tomará um banho agora ou esperará a ver se os Brysons têm uma tina?
—Não se preocupe, senhor Kavanagh. Assegurarei-me de ficar a favor do vento.
Sem nenhuma advertência, ele molhou sua mão no manancial, recolheu água em sua palma e salpico a Tally. Ela caiu para trás sobre seu traseiro com um grito de surpresa, fiapos de afresco líquido se deslizavam por suas costas desde seu pescoço e convertiam em barro o pó de seu rosto.
—Esse é um bom começo — Disse ele.
Ela se recuperou em um instante, pronta para devolver o fogo. Mas ele se moveu rápido como uma raposa, saltando da borda e colocando o cinzento tronco de um sicomoro entre ele e os mísseis aquosos dela.
Tally estava muito surpreendida para continuar. Kavanagh estava brincando. Simplesmente não era possível. Ele estava rindo dela da forma em que um moço faria, tratando-a como um companheiro. Um amigo. E isto não cabia não com o Kavanagh que ela estava começando a conhecer.
Tão repentinamente como tinha começado, Kavanagh terminou o jogo. Ele saiu do sicomoro, agarrou a Diabo e se balançou sobre a cadeira como se o estranho interlúdio nunca tivesse passado. Tally sabia que se mencionasse algo disto, lhe faria apartar os olhos com esse olhar frio que tinha e atuaria como se ela fosse à única desenquadrada.
Deixaram o mágico santuário e montaram a cavalo entrando no canyon. Os carvalhos de prado deixavam cair suas folhas como o faziam cada primavera, conservando a vida para os calorosos dias por vir. As árvores de mesquite nas ladeiras penduravam pesados com amentos amarelos. Os abutres davam voltas prazerosamente no brilhante céu azul, pressagiando a morte.
Tally tremeu. André não estava morto. Fez que Muérdago trotasse e mostrou o caminho entre costas mais escarpadas vestidas com pinheiros em suas cúpulas. O prado se estreitou e logo Tally captou a imagem de um cerco de árvores.
A cabana dos Bryson era pequena, construída com troncos destruídos do bosque em vez do tijolo cru freqüentemente visto na planície ou mais perto da fronteira. Um curral guardava a uns bezerros, enquanto um celeiro parecido a um abrigo estava preparado para os cavalos cansados. Os frangos bicavam junto a um galinheiro inclinado.
O primeiro sinal de vida humana foi uma moça magra de quinze ou dezesseis anos pendurando roupa para secar em uma corda. Ela deu um pequeno grito de surpresa quando viu os cavaleiros aproximando-se, alisou sua saia e correu dentro da cabana. Uns momentos mais tarde uma mulher muito maior, forte e normal, saiu pela porta principal. A moça a seguiu. Tally desmontou e conduziu ao Muérdago o resto do caminho, tocando a aba de seu chapéu a modo de saudação.
—Boa tarde — Disse ela. — Você deve ser a senhora Bryson?
—Essa sou eu. —A mulher sombreou seus olhos e olhou para Kavanagh.
— Bem-vindos. Esta é minha filha, Beth. O senhor Bryson está no canyon, mas se vocês moços gostam de tomar um refresco...
—Obrigado, MA´an. Seria muito amável. —Tally ouviu o fraco roçar dos passos de Sim atrás dela e ficou um pouco mais direita.
— Meu nome é Bernard... Tal Bernard. Este é o senhor Kavanagh. Viemos de Tombstone, procurando meu irmão André. Viu por acaso um homem jovem de cabelo claro com duas mulas passar por este caminho?
—Meu Deus — Disse a mulher, juntando o avental entre suas mãos — Realmente vimos alguns mineiros e lenhadores, embora a maioria estejam do outro lado das montanhas. Tombstone, diz você? Pelo geral vamos a Willcox por provisões.
—Vi-o — Disse Beth.
— Mãe estava no celeiro atendendo a Daisy quando ele passou cavalgando. Pai o convidou a ficar, mas tinha pressa, como se alguém o perseguisse. — Ela estudou a Tally e Sim com curiosos olhos azuis brilhantes.
— Por que o está procurando? Na verdade é seu irmão?
—É suficiente bate-papo — Disse a senhora Bryson.
— Vai para dentro, Beth, e prepara um pote fresco de café. Vocês moços quererão descansar um pouco e falar com o senhor Bryson. Espero que retorne em qualquer momento.
Tally olhou a Kavanagh, cujo rosto carecia de expressão.
—Estamos agradecidos, MA´an — Disse ela.
—Então atendam a suas montarias e venham dentro. Se me perdoarem, tenho uma panela no fogo. —Ela meneou de um lado a outro a cabeça e entro pela porta.
—É bom que não sejamos proscritos — Resmungou Kavanagh, deixando atrás a Tally ao levar a Diabo.
—A hospitalidade é tradicional no Território — Disse Tally — A maioria das pessoas dão a bem-vinda aos visitantes.
—Melhor que espere não conseguir mais hospitalidade no que a você concerne.
Ele avançou antes que ela pudesse perguntar o que tinha querido dizer. Seguiu-o ao celeiro, vazio de inquilinos exceto por uma solitária vaca leiteira. Tally despojou Muérdago de seus arreios e lhe deu uma medida de aveia de seus alforjes. Sim fez o mesmo com Diabo.
Beth chegou à porta do celeiro, sem fôlego e emocionada.
—Mãe queria que lhes dissesse que o jantar... Está quase preparado. Pai deveria estar aqui de um momento a outro. —Seu olhar voou de Tally a Kavanagh—. Mãe também disse... Se vocês...? —Seu rubor se fez mais profundo.— Podemos esquentar água se querem banhar-se.
Kavanagh ladrou uma gargalhada. Tally imaginou quão agradável seria ter uma mula de patas nervosas que fora o suficientemente rápida para lhe dar um bom coice no traseiro.
—É muito generosa, senhorita — Disse Tally.
— Mas não queremos incomodar. Tínhamos planejado seguir montando a cavalo até...
—Mãe não quererá ouvir isso — Disse a moça com um pouco de espírito — Nem tampouco o fará Pai. Temos um quarto extra que guardamos para meu irmão, George. Ele está no exército. —Seu rosto bonito tomou uma expressão pensativa — Me contará sobre Tombstone, senhor Bernard?
O estômago de Tally decidiu nesse momento retumbar a todo motor.
—Bem, eu... —Beth girou para a porta e olhou para trás com espera.
Tally não viu nenhuma saída. Os Brysons claramente tinham a intenção de tirar a maior partida possível de seus inesperados convidados. Eles não só insistiriam em proporcionar comida e uma cama limpa, mas também fariam cem perguntas sobre os sucessos em Tombstone e de toda partes do vale. Tally teria que manter seu disfarce na maior parte do interrogatório... E depois estava o problema com Sim Kavanagh. Beth tinha mencionado só um quarto extra.
Em seu coração, Tally sabia que não poderia manter sua mascarada para sempre, igual a tampouco poderia seguir escondendo-se em Cold Creek, evitando o contato com outros granjeiros. A segurança era uma ilusão. Cedo ou tarde alguém descobriria que o irmão menor de Bernard era uma mulher. Possivelmente era tempo de deixar cair sua fachada.
Mas ainda não. Não enquanto montasse junto com Sim Kavanagh.
Ela seguiu Beth a casa, meio escutando as suaves pisadas como as de um felino de Kavanagh. Suas próprias botas ressonavam no liso chão de madeira. O aroma de carne e verduras fervendo a fogo lento enchia o quarto principal da cabana, que continha tanto a cozinha como uma sala com uma lareira. A sala alardeava de um sofá que deviam ter trazido de trem do Leste, imperando ostentosamente sobre as cadeiras caseiras mais humildes e a mesa da sala. Uma vistosa tapeçaria pendurava em uma parede.
—Espero que vocês gostem de guisado de veado — Disse a senhora Bryson da cozinha, empurrando o cabelo úmido de sua testa com o dorso de sua mão.
— Por favor, sentem-se.
Tally se sentou em uma das cadeiras da mesa da copa que se localizava entre a cozinha e a sala, admirando o desfiado tapete tecido que cobria a maior parte do chão. Kavanagh caminhou com passo majestoso em um lento círculo como uma besta em uma jaula.
Beth se precipitou no quarto com uma jarra, derramando a água no piso da cozinha.
—Pai está em casa — Anunciou ela. Kavanagh se deteve na lareira e levantou à cabeça, suas fossas nasais flamejaram.
—Ele sempre sabe quando está pronto o jantar — Disse a senhora Bryson com uma risada indulgente. Ela abriu a porta pesada do forno e tirou uma bandeja de bolachas, perfeitamente douradas.
— Traz a manteiga, Beth.
A moça se deu pressa em obedecer e uns momentos mais tarde um homem grande com o cabelo salpicado com alguns fios brancos caminhou com pernadas pela cabana. Seu rosto estava úmido e levava a roupa muito remendada mas limpa como se tivesse feito algum esforço de fazer-se apresentável para seus convidados. Tally ficou de pé e tomou a mão que oferecia.
—Miles Bryson — Disse ele, quase esmagando os dedos.
— Me alegro de conhecê-lo, senhor Bernard. —Ele olhou sobre o ombro dela.
— Senhor Kavanagh.
Sim saudou com a cabeça sem mover-se de seu lugar junto ao lar.
Tally sorriu amplamente.
—Espero que não lhe causemos muitos problemas, senhor Bryson.
—Absolutamente. —Ele soltou a dolorida mão de Tally, reuniu-se com sua esposa junto à estufa e colocou um braço sobre os ombros.
— A senhora Bryson ama exibir sua cozinha.
—OH, Miles! —Ela fingiu estar ofendida, mas seus olhos brilhavam com prazer. Beth chegou com a manteiga e começou a pôr a mesa. Os pratos eram de porcelana, descascada, mas meigamente conservados de alguma casa antiga, mais refinada. Logo a mesa esteve repleta com uma vasilha do saboroso guisado, um prato de bolachas e um pote fumegante de café.
Kavanagh ainda não se moveu, e Tally esteve a ponto de arriscar-se a chamá-lo quando ele se sentou ao lado dela. Bryson se sentou à cabeceira da mesa e uma vez que Beth e a senhora Bryson tiveram terminado suas tarefas de servir, sentaram-se em duas das três cadeiras restantes.
Bryson dobrou sua cabeça e sua família fez o mesmo. Sim contemplou o teto. Tally baixou seus olhos para a superfície minuciosamente polida da mesa, recitando a oração com lábios rígidos. Se a senhora Bryson tivesse alguma noção de quem se sentava ao lado de sua inocente filha...
—Amém —Murmurou Bryson. Sem outra palavra ele se serviu a comida, passando a vasilha do guisado a Tally e Kavanagh antes de servir a sua família. A senhora Bryson olhou a Tally com espera até que ela provou a comida e fez os ruídos apropriados de satisfação. Kavanagh comeu com a decidida concentração e nem sequer uma vez elevou a vista de seu prato.
Tally encontrou difícil tragar, embora a comida fosse tão boa como a que fazia Miriam em casa. As olhada curiosa de Beth eram mais perspicazes que as de seus pais. Possivelmente ela tinha adivinhado que algo não ia bem com o “senhor” Bernard. Mas Kavanagh ganhou as mais fascinadas olhadas e Tally se conteve tudo o que pôde para não gritar uma advertência.
Afaste-se de homens assim, MA bonne fille(Boa menina). Espera e encontra um moço de sua idade. Não atire a boa fortuna que te deu...
Ela apartou seu prato e acariciou seu estômago.
—MA´an, não acredito ter provado algo tão delicioso em anos. Se fosse mais falador, estou seguro que o senhor Kavanagh diria o mesmo.
Kavanagh levantou o olhar de seu prato limpo. Seus claros olhos se fixaram primeiro em Tally e logo rapidamente se moveram a Beth e ao senhor Bryson.
—Bom — Disse ele.
—Seu amigo na verdade fala, senhor Bernard — Disse Bryson com um generoso bom humor.
—Tal — Disse Tally. Bryson ofereceu a Kavanagh e a ela um par de cachimbos, que ambos recusaram. O granjeiro acendeu o seu e se instalou em uma das cadeiras de couro cru da sala. Tally tomou a outra, enquanto que Kavanagh ficou em cócoras junto à lareira.
Bryson sorriu através de sua povoada barba.
—Beth me disse algo do por que você e o cavalheiro estão no canyon. Realmente encontrei um homem que encaixa com a descrição que deu Tal, mas ele tinha pressa por seguir seu caminho — Ele calcou o tabaco em seu cachimbo.
— O seguiu desde Tombstone?
Tally viu que não havia perigo em lhe contar ao menos uma parte da verdade.
—Nosso rancho está no vale de Cold Creek, ao sul de Chiricahuas —Disse ela.— Meu irmão partiu para comprar gado com alguns rancheiros do norte do vale faz duas semanas, mas desapareceu e nos inteiramos de que tinha vindo para aqui... Supostamente para procurar uma mina.
—Você deve ser mais novo que seu irmão, por isso parece —Disse Bryson.
— Sinto que seu familiar lhe esteja dando problemas.
—Estou preocupado de que André... Pudesse haver-se perdido por aqui. Por isso contratei o senhor Kavanagh para rastreá-lo nas montanhas.
Kavanagh murmurou algo entre dentes. As panelas ressonavam na cozinha. Bryson soprou em seu cachimbo.
—Esteve no exército, senhor Kavanagh? —Perguntou ele. Kavanagh deu uma olhada a Bryson sem interesse.
—De vez em quando. — Os olhos do Bryson se enrugaram divertidos.
—Os exploradores do exército são homens notoriamente taciturnos, Tal. Os melhores deles quase nunca fazem um som, sem mencionar permitir uma conversa ociosa.
—Assim o aprendi. — Ela sentiu que Kavanagh a olhava fixamente e se moveu em seu assento.
— Nosso capataz foi procurar André faz uma semana —Disse ela.— Ele é um antigo soldado de Búfalo da Décima Cavalaria, é muito alto...
—Temo-me que não vi a tal homem. Entretanto, ouvi coisas boas sobre a Décima. Lutadores formidáveis.
Eles foram à deriva seguindo os movimentos do exército, os apaches e os taxadores de gado. Tally deixou que Bryson fizesse a maior parte da conversa, enquanto que Kavanagh guardava seus pensamentos para ele. Finalmente a senhora Bryson e Beth se reuniram com eles, trazendo cadeiras da mesa da copa.
—Contará-nos sobre o Tombstone, senhor Bernard? —Perguntou Beth com impaciência.
— É tão mau como contam?
—Se comporte, Beth —Reprovou a senhora Bryson.
O senhor Bryson riu entre dentes.
—Terá que perdoar a nossa filha, Tal. Ela ouviu muitas histórias extravagantes. — Baixou seu cachimbo.
— Willcox é bastante selvagem para nós. Eu gostaria de ouvir mais de seu rancho já que se encontra ao extremo sul do vale. Não há muitos de nós aqui, mas seremos mais cada dia agora que os apaches foram expulsos. Se não fosse pelos ladrões de gados... —Jogou um olhar a Beth e pensou melhor no assunto.
Tally perguntou à senhora Bryson sobre a tapeçaria na parede, cercando uma conversa inofensiva sobre o tecido e costura. Tally escutou com a incompreensão cortês de qualquer homem comum. Depois que Beth e a senhora Bryson se retiraram, Bryson pediu a Tally notícias gerais do Vale e seus residentes.
Tally tinha pouco que lhe contar. Ela tinha passado a maior parte de seus dias deliberadamente confinada em Cold Creek, trabalhando com o gado e deixando o trato com o mundo exterior a André. Se Bryson encontrou estranha sua ignorância, não o demonstrou. Levou a Tally e Kavanagh ao singelo e ordenado quarto que eles compartilhariam essa noite.
—Fez muito feliz a Ida elogiando sua cozinha —Disse Bryson.— Ela se sente um pouco só no canyon só com Beth por companhia. —Ele acendeu um abajur de querosene e a pôs em uma mesa perto da porta.
— Ambos são bem-vindos aqui em qualquer momento.
—Como você é em Cold Creek — Disse Tally, contente de que Bryson não tivesse nenhuma causa para tal visita. Agradeceu-lhe outra vez e fechou a porta do quarto, seu coração golpeando desagradavelmente rápido no pesado silêncio.
Kavanagh se sentou na cama de madeira, tirando-as botas e meias. O momento da verdade estava à mão.
Tally deu a volta e se apoiou contra a porta, cruzando os braços sobre seu peito.
—Posso lhe fazer uma pergunta?
Kavanagh arqueou suas costas até que fez estalar os ossos.
—Quando precisou da minha permissão?
—Por que foi tão rude com os Bryson? É porque dois deles são mulheres?
Ele a olhou com uma expressão de genuína surpresa.
—Ainda espera maneiras finas de mim, moço? Pensei que te tinha desenganado de tais idéias.
—Contratei-o para fazer um trabalho, e estou preparado para pagar o preço. Os Bryson não nos conhecem, mas eles foram anfitriões generosos. Ao menos merecem o respeito devido à pessoas decente.
Ele se levantou da cama e caminhou para ela com um ar preguiçoso de tolerante diversão.
—Vai me despedir porque fui desrespeitoso com pessoas decente e apropriada ali fora?
Ela se afastou pouco a pouco da porta.
—Por sorte, não acredito que tenham tomado com ofensa. Eles confiam em vez de julgar e os admiro por isso.
Kavanagh parou no meio do quarto e levantou a cabeça.
—Tomou carinho por essa potra, Beth, não é assim, moço?
—Não do modo em que insinua.
—Ela esta ansiosa por um pouco de liberdade, verdade? O que acha que fará em Tombstone?
Tally apertou os punhos.
—Seus pais cuidam dela. Eles se amam. Nunca teve essa aula de família, não é assim, Kavanagh? Uma irmã, um irmão de quem cuidar, ou que cuidasse de você.
—Não. — A negação rangeu como um groso ramo de carvalho ao romper-se em uma tormenta. — Eu nunca tive uma família como essa.
Ela encontrou seu pétreo olhar, tragando o nó em sua garganta. Ela podia ver a dor que ele tentava ocultar, dor que ela viu só porque se tornou tão perspicaz em discernir os motivos dos homens.
—Sinto-o — Disse ela — Não é de minha incumbência.
Ele parecia como se não a ouvisse.
—Tive uma mãe, um pai e meio-irmãos. Nunca vivemos juntos.
Mon Dieu. Implicava isso que ele era um bastardo? No Oeste não era uma coisa tão terrível como no elegante Leste, mas isto o tinha marcado. Ela se sentia na obrigação de compensar sua confissão com uma própria... Que loucura, tomando em conta o fato de que eles estavam aqui juntos, só nesse quarto.
—Meu pai abandonou a minha família quando eu era jovem — Disse ela.
O olhar dele voltou a posar-se nela.
—Isso é uma maldita pena, moço — Disse ele, só meio zombando.
— Sua Mamãe criou você e André?
—Ela trabalhou muito. —Tally olhou ansiosamente o lavabo, com sua água doce e toalhas limpas. Ela estava desesperada por lavar a sujeira de seu rosto, tirar o chapéu e desatar seu cabelo. Mas isso não aconteceria essa noite.
—Adiante-se e durma um pouco, Kavanagh. Vou comprovar os cavalos.
Ela se dirigiu para a porta. Kavanagh esteve ali primeiro.
—É um péssimo mentiroso — Disse ele diretamente.
— Por que tem tanto medo de estar neste quarto comigo?
—Não tenho medo. —Ele estava a apenas dez centímetros de distância, seus peitos quase se tocavam.— Só que eu gosto de guardar minha privacidade.
Ele se aproximou ainda mais. Seu fôlego fez que se movessem os finos cabelos de suas têmporas.
—Suponho que o faz. — O agudo olhar dele caiu sobre seus lábios.
— Alguma vez esteve com um homem, Tal - moço?
Ela saltou para cima e escapuliu por um lado, tonta pela surpresa. Não era possível. Ela teria sabido. Tinha encontrado homens assim antes...Os bordéis de Nova Orleáns satisfaziam cada gosto, sem importar quão excêntrico fosse. Mas Kavanagh tinha falado de seu anjo Esperança. Gostava das mulheres. Embora todos esses comentários sobre banhos... Talvez tinha debilidade como ambos...
Ela não tinha tempo para pensar. Ela arrancou o chapéu de seu cabelo e puxou as tranças. Seu cabelo caiu solto sobre os ombros.
—Não sou um moço, cochon (porco), assim mantém suas mãos sobre você mesmo.
Capítulo 4
Kavanagh riu. Riu tão forte e alto que Tally temeu que despertaria a toda a casa. Carregou contra ele e o empurrou até a longínqua parede a um lado da cama, pressionando uma mão contra sua boca.
—Taisez-vous, derange! (cale-se, me desagrada)—Gritou.
Ele segurou seus pulsos e levantou as mãos do rosto dele. Sua boca caiu sobre a dela, com os lábios apenas abertos, como se unicamente tivesse a intenção de machucá-los em vez de acariciá-los. De forma igualmente repentina, soltou-a. Tally esfregou a boca enquanto ele voltava para a cama e alargava as pernas, apoiando a cabeça nos pulsos, os pés nus cruzados à altura dos tornozelos.
—Agora já parece — Disse ele. — A menos que queira mais do mesmo.
Tally o olhou sem compreender. Bom Deus, enganou-se com ele absolutamente em quase todos os aspectos. E ele estava rindo dela. Ria.
Apoiou-se contra a parede e conteve o fôlego, com os pulmões rígidos contra as vendagens que mantinham os seios planos.
—Desde quando sabe? —Exigiu saber.
—Desde que nos conhecemos —Bocejou, e fechou os dentes com um golpe seco como um animal.— Sabia que sairia à luz cedo ou tarde. Só era uma questão de quando.
Tally rememorou com rapidez cada encontro que tinham tido com os habitantes de Tombstone, a mulher em Turquoise e com os Brysons.
—Como pôde descobrir se ninguém mais o fez?
—Posso ver coisas que estão ocultas — Disse ele.— Sou muito bom nisso.
—Então esteve brincando comigo. —Ela sorriu, agarrou o chapéu e o deixou sobre a mesa — Estou segura que foi o que mais te divertiu.
—Você é quem estava brincando, não eu — Disse ele.— Assustam-lhe os homens, ou só desejaria ter algo mais entre as pernas?
Tally proferiu sua maldição mais refinada.
—Não seria um dos de seu sexo por nada do mundo. E quanto a estar assustada... —Ergueu-se ao pé da cama — Soube como me proteger desde que tinha quinze anos.
Ele se recostou sobre os cotovelos e olhou intencionadamente os seios.
—Talvez não é medo. Só o diabo sabe o que tem abaixo esse traje. Possivelmente simplesmente te assusta que nenhum homem possa te desejar.
Como desejou ela nesse momento lhe demonstrar quantos homens a tinham desejado, que ainda a desejavam, cada vez que a viam como era, como podia ser. Mas ele ainda estava brincando com ela como um gato com um rato. Estava provando sua debilidade. Os homens não obteriam que fosse fraca.
—Pode que — Disse ela— Eu seja quem não os deseje.
Ele umedeceu os lábios, e ela se estremeceu ante a lembrança dessa boca sobre a sua. Cochon(porco). Deveria lhe dar um tiro. E ali estava o 44 em seu quadril...
—Que idade tem... Tal? —Perguntou ele, interrompendo suas fantasias — Qual é seu verdadeiro nome?
—Uma dama nunca revela sua idade —Respondeu ela — E Tal vai bem. Não necessito coisas bonitas. Só minha liberdade.
—Liberdade para montar grosseiramente por aí sem que as pessoas decente saiba?
O calor alagou suas bochechas.
—Não faço mal a ninguém. Trabalho no rancho como meu irmão, como nossos peões Bart e Federico. Não tenho filhos nem marido dos que me ocupar.
Ele se levantou da cama de um salto, cruzou o quarto até a bacia de lavar mão, e umedeceu uma toalha. Tally adivinhou o que tentava mas se negou a fugir. Ele lavou o seu rosto com surpreendente cuidado, tirando a imundície acumulada. Assobiou suavemente.
—Limpa é realmente bonita — Disse ele.— Suponho que a fealdade não é seu problema.
Arrebatou-lhe a toalha das mãos e retornou a bacia. Seu próprio rosto, emoldurada pelo dourado cabelo, devolveu-lhe o olhar do espelho ovalado.
—Não tenho problemas — Disse ela — Enquanto as pessoas me deixem em paz.
A seu reflexo se uniu o de Kavanagh. Solene, sem brincadeira, sem crueldade.
—Por que? —Perguntou ele.— Acredito que se eu sabia te danificaria?. Feriu-te algum homem, Tal?
A acariciadora nota em sua voz a fez balançar-se como um salgueiro sob o vento do deserto. OH, sim, o homem era bom descobrindo mistérios. Mas havia dito que ela era uma péssima mentirosa, e isso significava que também ele, podia equivocar-se. Com absoluta sinceridade ela se tornou muito boa mentindo.
—Vi o que um homem pode fazer a uma mulher — Disse ela, lhe sustentando o olhar no espelho.— Prefiro me manter sem confusões.
Elevou-lhe uma mecha de cabelo com seus ásperos dedos.
—Vai casar, né, Tal? Não tenho interesse nas mulheres.
—Exceto por Esperança.
Ele entrecerrou os olhos com aborrecimento e voltou a relaxar-se.
—Alguma vez quis um homem?
—Nunca.
—Sempre esteve a salvo comigo.
—Não posso estar segura disso. Se me visto de homem, significa que espero viver no mundo dos homens. Sem favores especiais... —Sem que me desejem por como me visto. Sem jazer sob algum pestilento e suarento porco que não pode ou não quer ser fiel a sua mulher. Não mais hipocrisia.
—Disse-me que nunca te tocasse como o fiz em Turquoise — Disse ela — Agora te digo o mesmo a você. Não me volte a tocar.
Para sua grande surpresa, ele recuou, elevando as mãos para proteger-se de um ataque. Sua boca se curvou em um sorriso.
—Não entra em meus planos — Disse ele — Foi unicamente para provar que, salvo os negócios, não havia nada entre nós.
Porque o homem a tinha beijado e não havia sentido nada. Era uma maravilha, um milagre, fiel a seu sonho de uma única mulher e sem sentir-se tentado no mais mínimo por tal intimidade com outra.
Sua opinião sobre ele seguia trocando, e ela só queria sair fugindo daquela casa e respirar o doce ar noturno até limpar sua cabeça daquele constante caos.
—Deus sabe por que — Disse ela lentamente — Mas acredito.
—É uma dessas religiosas, né, Tally-garota? — Perguntou ele, dirigindo-se à porta — Reza por mim.
—Duvido que minhas orações lhe fizessem bem.
—Talvez não — Assinalou a bacia com o queixo — Se Lave; voltarei em uma hora, Tally-garota.
—Kavanagh! Não me chame Tally-gar...
Ele saiu do quarto fechando a porta. Tally mediu o caminho até a cama e desabou nela. O suor lhe picava na nuca, e se deu conta do que tinha negado durante os últimos dez minutos.
Tinha estado aterrorizada. Unicamente uma parte desse medo tinha sido do mesmo Kavanagh. O resto vinha de sua total falta de controle, de seu engano ao subestimar um homem que, deveria ter sabido, era mais perigoso do que podia imaginar.
Movendo-se com curtas e ágeis sacudidas, desabotoou o colete, desabotoou a arma, tirou a camisa e soltou as vendagens que levava debaixo. Doíam-lhe os seios. Tirou os calções de homem e os suspensórios que os mantinham subidos à altura de sua cintura. Capa a capa, despiu-se e nua se dirigiu até a bacia. Usouu duas das toalhas para lavar o corpo, escovou-se o cabelo até que esteve livre de enredos e ataduras, e tirou a camisa de reserva do alforje. Contou cada minuto que passava no quarto.
Quando esteve de novo vestida, agarrou a bacia e o voltou a encher na bomba que estava entre a cabana e o celeiro. A roupa ondeava com a brisa noturna, mas não havia nem rastro do Kavanagh.
Encontrou-se com ele na entrada do quarto. Seu cabelo estava úmido e tinha o rosto limpo. Olhou-a e lhe dirigiu um curto movimento de cabeça.
—Bem. Esta noite dormirei no celeiro.
—Sem favores especiais, Kavanagh.
—Seria um maldito desperdício se não usasse essa cama.
Não havia nenhuma insinuação que matizasse suas palavras. Tally relaxou.
—De acordo. Você a usará durante três horas, e depois a usarei eu.
—Depois de que eu tenha sujado os lençóis? Isso não o desejaria a ninguém. Vai você primeiro.
—É um cabezota tête de mule,(cabeça de mula) Kavanagh.
—Seja o que seja isso, tomarei como um elogio. — Tocou a borda do chapéu e se girou para partir. Ela se moveu para detê-lo. Ele parou.
—Por que? —Perguntou-lhe.
— Você não gosta das mulheres. Não confia nelas. Agora que sabe o que sou...
Ele se voltou, erigindo-se sobre ela, embora não era uma mulher pequena nem delicada no mais mínimo, exceto na mente dos homens que queriam que fosse assim.
—Se fosse uma mulher normal — Disse ele — Deixaria-te aqui e me esqueceria de seu irmão.
—Suponho que devo tomar isso como um comprimento.
—Toma-o como quer — Disse ele — Continua comigo como até agora e não haverá problemas entre nós.
Tally o observou passar pelo vestíbulo e sair pela porta dianteira. O quarto pareceu estranhamente vazio. Tirou tudo exceto a camisa e se deitou, tensa ao princípio, tentando captar a essência de Sim nos lençóis. Era muito tênue para ser percebida. Concentrou-se no som dos grilos e um bacurau(ave) na pradaria próxima até que a fadiga a reclamou. Despertou uma vez, brevemente, ante o som na distância do uivo de um lobo.
A alvorada penetrou através das finas cortinas de musselina. Tally tirou as pernas por um lado da cama e colocou as calças. O alforje de Kavanagh tinha desaparecido.
Terminou de vestir-se depressa, dividida entre sua irritação com Sim e o deleite ante o rico aroma do bacon frito. Possivelmente haveria ovos frescos, também tortinhas, e descobriu que estava faminta.
Com o alforje sobre os ombros, deixou o quarto e entrou na sala. A senhora Bryson tinha preparado a mesa para o café da manhã. Beth trouxe uma vasilha de leite fresco do celeiro. Sorriu a Tally.
—Se busca seu amigo, está flá ora com meu pai —Disse ela. Dando uma olhada de soslaio a sua mãe e ruborizou um pouco.
—Espero que tenha dormido bem — Disse a senhora Bryson. Levava pão torrado e ovos à mesa e os colocou em uma travessa.
—Maravilhoso — Disse Tally.— Obrigado, senhora.
—O senhor Kavanagh disse que queria deixá-lo descansar o que ficava do dia. Bem poderia estar fora com os cavalos até depois do entardecer; já ajudou o senhor Bryson a reparar a cerca do curral. —Aproximou-se com animação ao forno.— Para ser um homem que não fala muito, certamente pode fazer-se de útil.
Totalmente certo, pensou Tally.
—Temo-me que esse não é meu caso.
—Não se preocupe. Os homens deveriam vir logo. — Como havia predito, Bryson e Kavanagh chegaram uns minutos mais tarde, compartilhando a silenciosa camaradagem dos homens que trabalham juntos. Kavanagh mal olhou na direção de Tally. Bryson convidou a sentar-se a seus convidados, dando as obrigado, benzeu a mesa.
Tally observou a Kavanagh pela extremidade do olho. Não tinha ido ap quarto em toda a noite, mas os Brysons não se deram conta. Seu segredo estava a salvo. Quando finalizou o café da manhã, Bryson os levou até o celeiro. Os cavalos esperavam selados e preparados.
—Tomem cuidado lá em cima — Disse Bryson, passando a Kavanagh um fardo que Tally supôs continha comida fresca.
— Pelo que sei, não há índios apaches, mas segue havendo muitos lugares onde meter-se em problemas. Ultimamente estive escutando lobos.
Kavanagh pareceu tomar a advertência convenientemente. Sentou-se à cadeira.
—Arrumaremo-nos.
Bryson elevou a vista ao céu.
—Juraria que vai chover. Não é que me queixe, acredite... A chuva em temporada seca sempre é bem-vinda. Mas espero que não interfira em sua busca.
Tally seguiu seu olhar. Não tinha tido em conta que o mau tempo seria um fator a ter em conta na busca do André, mas Bryson estava no certo. As nuvens se reuniram em algum momento da noite, e seu aspecto pressagiava uma anormal e tardia chuva primaveril.
Ocultou sua preocupação e segurou com força a mão de Bryson.
—Por favor, dê as obrigada a sua mulher e a sua filha pela hospitalidade.
—Farei-o. Sempre serão bem-vindos. Boa sorte. —Ela tocou levemente o chapéu e montou ao Muérdago. Com um último gesto da mão, dirigiu-se pelo Leste para o canyon que serpenteava no profundo das montanhas. Deixou que o cavalo escolhesse o caminho, posto que só havia um e de todas as formas seus pensamentos estavam ocupados. Kavanagh montava a seu lado, com sua postura e expressão relaxadas.
O que havia dito ontem à noite depois de beijá-la? Agora já parece. Era um refrão do que ela não podia desfazer-se, uma irritante distração a vencer. Certamente nada mal tinha saído disto, exceto um pequeno machucado em seu orgulho.
Então por que não podia deixá-lo passar como fazia ele? Era raiva o que sentia, porque um homem a tivesse vencido... Ou era algo completamente diferente?
—Que tal dormiu? —Perguntou ela casualmente.
—Quase tão bem como você.
—Deixou-me a cama toda à noite. Está em perigo de que o confundam com um cavalheiro, Kavanagh.
Lançou-lhe um sério e duro olhar.
—Eu não sou um cavalheiro, e você não é uma dama. Esse é o trato.
Tally sabia que somente significa que ele não esperava nada dela, exceto que fizesse sua parte na busca de André. Kavanagh não conhecia o prezado presente que lhe tinha feito: o presente da igualdade e o respeito.
Perguntou se teria outorgado a Esperança o mesmo privilégio.
A luz da manhã lançava largas sombras sobre o canyon. A ascensão com o passar do leito trouxe mais pinheiros misturados com carvalhos. O bosque se fechava a ambos os lados do caminho; os vermelhos esquilos se moviam cintilando suas caudas em advertência. As nuvens continuavam reunindo-se ao sudoeste, mais volumosas e escuras que antes.
Os primeiros cumes dentados apareceram justo quando os cavalos rodearam uma inesperada curva do arroio. Colunas vermelhas, muitas delas unidas em forma de muro sobre os aterros, outras solitárias, elevavam-se sobre as árvores. Algumas tinham formas de estranhos animais, pássaros e homens fazendo gestos. Umas profundas juntas, como pequenas fendas entalhadas, corriam entre eles.
—Veremos muitos desses — Remarcou Kavanagh, guiando com habilidade seu cavalo sobre uma apertada massa de rochas.
— Este terreno acidentado foi o que fez que os Chiricahuas fossem tão bons para que os apaches tentassem escapar do exército. Para os homens não era fácil persegui-los a cavalo. — Deu uma olhada ao encapotado céu — Não se preocupe. Encontrarei-o.
Kavanagh seguiu montado na cadeira durante uma milha mais. Ágil como um gato, inclinava-se insistentemente, sobre o barril que carregava Diabo, para examinar o chão. Quando o caminho se bifurcou, Kavanagh se decidiu pelo mais insignificante. Mas este logo se voltou mais acidentado e irregular, abrindo-se passo entre ocres torres e grosas fileiras de pinheiros.
—Caminharemos — Disse por fim. Tally desmontou e tomou as rédeas de Muérdago. O ar ali estava mais rarefeito que em Cold Creek, mais frio e seco. Viu restos de neve nos topos mais altos. Ao meio-dia, pararam brevemente para dar conta dos sanduíches da senhora Bryson, feitos com o pão fresco da manhã e o que ficava do bacon. Kavanagh revisou os cascos dos cavalos em busca de pedras, e logo continuaram pelo atalho. Examinou cuidadosamente o pó do caminho entre os dedos e fez uma pausa para contemplar as mesmas rochas, como se falassem.
—Seu irmão passou por aqui — Disse em resposta ao olhar interrogativo de Tally.
— Ia devagar. Uma de suas mulas estava coxa. —Observou a levantada costa que tinham pela frente. Era quase impossível distinguir alguma pista entre os escombros, os arbustos e os pinheiros.
— Vou seguir sozinho, a pé. Os cavalos não podem viajar o suficientemente rápido por aqui. Terá que permanecer com eles e vigiá-los.
—De acordo, senhor Kavanagh — Disse ela.
— Montarei o acampamento.
Ele piscou, como se tivesse esperado que ela discutisse com ele da forma em que o faria uma mulher “normal”. E então sorriu. A expressão o transformou por um instante, sem mais, o suficiente para que Tally conseguisse vislumbrar o alegre menino que a tinha salpicado no Castelo Creek.
Devolveu-lhe o olhar a aquele menino como a garota de treze anos de Prairie D’Ors, a menina que tinha crescido com o pó da granja entre os dedos dos pés e que tinha como seus santuários a todos os lugares selvagens. A garota que era tão boa fingindo.
Antes de poder arrepender-se do que seu próprio sorriso revelava, Kavanagh estendeu as rédeas de Diabo, sentou-se na pedra mais próxima e tirou as botas e as meias três - quartos. Levantou-se de um salto e correu agilmente pelo atalho. Rápido como ia, seus pés nus não fizeram saltar muitos pedras brutas. Tomou uma curva e se perdeu de vista.
Tally conduziu os cavalos até a sombra de um despenhadeiro. A forte luz do entardecer se ocultou detrás da espessa coberta de nuvens, e acreditou cheirar a chuva. Os cavalos estavam inquietos, sentindo tanto a mudança de tempo como seu desconforto.
Sentou-se com as costas para o despenhadeiro e fechou os olhos, obrigando a que seus pensamentos se afastassem de André. Perguntou se Sim teria aprendido a rastrear dos índios. Nunca tinha ouvido falar de nenhum homem branco que corresse descalço pelas montanhas. Nunca tinha ouvido falar de ninguém parecido a Kavanagh.
Uma hora depois, começou a cair uma ligeira chuva. Logo se transformou em um aguaceiro, e Tally moveu Muérdago e Diabo até o refúgio de uma fileira de pinheiros. Passeou inquieta fazendo círculos ao redor dos cavalos, a água gotejando pela aba de seu chapéu. O entardecer caiu rapidamente. Kavanagh retornou justo quando a tormenta chegava a um abrupto final.
—Encontrei André — Disse ele.
Tal não gaguejou nem desmaiou. Seu olhar sustentou o de Sim esperando o pior.
—Morto? — Sussurrou ela.
—Vivo. Com muita dificuldade. — Puxou-a pelo braço e fez que se sentasse. Ela estremeceu diante o contato. Ele a deixou ir logo que esteve seguro de que ela não cairia.
— Está a só uma milha daqui, mas estava oculto por um arroio. Não vi nenhum sinal das mulas.
—Disse algo?
Sim sabia que não podia proporcionar nada exceto a verdade, ao menos sobre a condição de seu irmão.
—Não há muito sangue ou alguma ferida profunda que eu pudesse ver, mas está inconsciente. Parece que caiu e bateu com a cabeça. Poderia ter estado ali dois dias.
—OH, Deus!
—Está de uma peça. Só sei isso.
Tally se esfregou o rosto com as mãos.
—Deixou-o sozinho.
Ele se ergueu, como se a acusação tivesse o poder de feri-lo. Ela não podia saber que, escondendo sua roupa em uma greta até que pudesse voltar, ele tinha rastreado a maior parte do caminho como um lobo. A chuva tinha feito sua busca muito mais difícil. Inclusive transformado em lobo, tinha tido sorte de encontrar ao André.
—Não quis me arriscar a movê-lo — Disse Sim bruscamente— Então vim por Diabo. —Farejou o ar.
— Não choverá mais esta noite. Há um lago ao outro lado dessa pequena colina. Encontra um pouco de madeira seca, e se puder, acende um fogo.
Aturdido os olhos de Tally o olharam.
—André me necessita.
—Pode ajudá-lo melhor quando o trouxer de volta. —Tirou uma grande lata vazia de um alforje e o colocou nas mãos dela.
— Pode usar isto para esquentar um pouco de água.
Ela tomou a lata e ficou de pé.
—Vai. Terei tudo preparado.
Ele desatou Diabo e partiu imediatamente. O garanhão era de pé firme e desejoso de seguir Sim aonde o conduzisse. A noite tinha caído quando o homem e a besta chegaram ao alto plataforma do profundo e estreito desfiladeiro onde estava André.
Sim dificultosamente abriu passo pelo rosto rochosa até o fundo, logo se ajoelhou ao lado do homem caído. André não se moveu desde que Sim partiu; ainda respirava, e o batimento de seu coração era estável, mas seu cabelo cheio de areia estava condensado com sujeira e sangue, e um de seus braços estava quebrado.
A outra mão agarrava um fragmento rasgado de papel, quase desintegrado pela chuva. Ficava bastante deste para que Sim reconhecesse o que tinha estado procurando. Alguém tinha estado aqui com o André... Alguém que tinha tomado o resto do mapa e tinha escapado limpamente com as mulas e o equipamento.
O primeiro pensamento de Sim foi que o tinha feito Caleb, mas Caleb estava entre grades em Amarillo.. Por esse motivo tinha enviado Sim. Todo os rastros gerados pelo intruso e as mulas tinham sido eliminadas pela tormenta. A roupa de André estava muito suada para guardar qualquer outro aroma que não o próprio. Nem sequer um lobo teria muitas esperanças em alcançar ao ladrão.
Sim se ajoelhou junto a André, recolheu da mão do jovem a parte de papel empapado. Se não fosse por Tal, ele seguiria com a busca do mapa sem importar quais fossem suas possibilidades de encontrá-lo. Mas ela estava esperando, e tinha prometido encontrar a seu irmão.
—Encontrei-te — Disse com desgosto.— Não merece o esforço. Se fosse por mim te deixaria aqui para as águias.
André não respondeu. A ascensão e queda de seu peito eram o único sinais externo de que estava vivo. Havia algum risco em movê-lo, mas as probabilidades de André de sobreviver eram inexistentes se não o tiravam das montanhas.
Zangado, Sim agarrou o homem e o levantou, tentando não mover o braço quebrado mais do necessário. Pôs André sobre seus ombros, assegurou-se de seu equilíbrio, e subiu de volta a ladeira do escarpado.
Diabo soprou e agitou as fossas nasais, bufando a André com franca desaprovação. Sim acalmou o cavalo, subiu André a seu lombo e assegurou a inoportuna carga com a corda dos alforjes. André estava tão flácido como um saco de grão.
A escuridão fazia perigosa a ascensão, mas a penetrante visão de Sim escolheu o caminho mais acessível. A luz da fogueira dirigiu seu rumo os últimos quatrocentos metros. Quando chegaram, Tally correu para Diabo e se deteve para contemplar o pálido rosto de seu irmão. Ela murmurou palavras em francês com uma voz quebrada pelo horror.
Sim lutou contra o impulso de atirar de cabeça André e acabar com sua turbulenta vida de uma vez por todas
—Seu irmão ainda vive, e ao menos não sangra — Disse enquanto desatava as cordas. Tally ajudou Sim a colocar André em terra, embalando a cabeça do homem ferido entre suas mãos. Fazia uma cama com as mantas e tinha rasgado alguns tecidos para os usar como ataduras, mas Sim estava bastante seguro de que as piores feridas do André eram internas, onde ela não podia alcançar.
Tal cortou a desfeita roupa de seu irmão, cobriu-o com mantas e seguiu lhe falando em um francês melodioso, repreendendo e suplicando alternativamente. Repreender era todo um ato para manter a raia as lágrimas, mas parecia que funcionava.
Sim reuniu ramos resistentes para fazer uma tabuleta para o braço do André, enquanto Tally limpava seus cortes, e lavava seu rosto e o princípio de seu cabelo com água quente, revelando um enorme vulto e um feio corte onde bateu a cabeça ao cair.
Tal conteve o fôlego e fechou os olhos.
—Poderia ter morrido sangrado — Disse Sim torpemente — A gravidade das feridas o possibilitava. Foi afortunado.
—Afortunado. —Ela tremeu — Como pôde acontecer isto?
—Parece que perdeu o equilíbrio — Disse Sim, o qual não era realmente uma mentira.
— Algo comum por aqui.
—Mon pauvre. (Meu pobrezinho) — Ela enxaguou um pano com a água quente do recipiente e esfregou suavemente a ferida.
— Viu as mulas?
—A chuva apagou seus rastros. Devem ter escapado quando André caiu. A estas alturas poderiam estar do outro lado das montanhas, se um puma não as alcançou.
—Nenhum sinal do Elijah?
—Provavelmente nunca encontrou o rastro de seu irmão.
—Provavelmente já esteja de retorno no rancho. —Ela desenredou o úmido e enredado cabelo do André.
— O importante é que conseguimos salvar André. Explicará-nos o que passou quando ele... —Ela mordia com força o lábio inferior.
— Não tem que me dizer isso Há homens que batem a cabeça e não despertam...
Ela ainda lutava contra as lágrimas, e Sim não podia suportá-lo.
—Alguns se recuperam — Disse ele.
—Alguns — Repetiu ela. Agachou-se para beijar a sobrancelha de André.
— Aqui não há muito mais que possa fazer por ele, mas os Brysons devem ter uma carreta que podemos pedir emprestada para levá-lo a casa.
—Deveria deixá-lo com eles até que possa conseguir um doutor.
—Não. Quero-o em casa, onde eu... —Sacudiu a cabeça.
— Demoraremos dias em conseguir um doutor, não importa onde estejamos. —Ela se levantou e procurou em seus alforjes. As moedas tilintavam em uma pequena bolsa de couro. Agarrou três dólares de prata e as ofereceu em sua palma aberta.
— Ganhou mais que seus honorários, senhor Kavanagh. Pagarei-te a mesma quantidade outra vez se subir até Tombstone e envias um doutor a Cold Creek.
Sim contemplou fixamente as moedas com uma repentina e esmagante aversão.
—E como levará a seu irmão a casa?
—São menos de quarenta milhas da entrada do Castelo Canyon. Posso conduzir uma carreta.
A raiva oprimiu o peito de Sim até que mal pôde respirar.
—Por que deveria me incomodar em ganhar o dinheiro quando poderia tomá-lo agora mesmo?
Ela fechou seu punho ao redor das moedas.
—Poderia ter feito isso em qualquer momento, senhor Kavanagh.
—Não me chama assim. — Sim levantou e se afastou da fogueira com majestoso passo, girou e a confrontou outra vez.
— Nunca ninguém me chamou senhor.
—Como quer que te chame?
—Sim. Só Sim.
—Pelo geral em casa me chamam Tally.
—Quando não é um moço.
Ela se inclinou, olhando fixamente no fogo.
—Meu nome de batismo é Chantal.
Sim sentiu que a cólera se evaporava tão rapidamente como tinha chegado.
—Simeón — Replicou ele
—É um nome agradável.
—Não há nada agradável em mim. Mas cavalgarei até Tombstone, e não tem que me pagar um centavo.
—Acreditava que necessitava o dinheiro.
—Tomarei os dois dólares.
Solenemente lhe entregou as moedas, e ele as guardou em seu bolso.
—Agora dorme um pouco —Pediu ele.
— Farei a guarda.
—Não mais argumentos? Deixa-me confiar em você depois de tudo?
Ele assinalou sua esteira.
—Dorme. Cavalgarei para Tombstone assim que consigamos uma carreta dos Brysons e te encontre de caminho a casa.
Sorriu-lhe carinhosamente, e ele teve medo que estivesse a ponto de dizer algo estúpido e sentimental. Mas ela se foi a suas mantas e se deitou de lado, olhando fixamente o inexpressivo rosto de seu irmão.
Sim se sentou sobre seus calcanhares junto ao fogo e esperou. Finalmente o comprido dia passou, e Tally dormiu. Ele identificou no ar a essência de dois intrusos quadrúpedes. Nada se movia. Jogou calhaus no fogo até que o converteu em cinzas, considerando como seguir melhor com seu plano.
O mapa se esfumou, e não havia nenhuma história de quão perto tinha estado André de seu objetivo quando topou com seu "acidente". Sim provavelmente não encontraria o tesouro procurando arbitrariamente cada arroio, estabelecendo um campo mineiro e escavando nas Chiricahuas. Mas era uma aposta segura que o ladrão o buscaria. Sim tinha que ficar no local se queria apanhar a sua presa.
Só havia outra forma de conhecer o conteúdo do mapa, devia esperar e ver se André se recuperava o bastante para falar.
Uma ou outra possibilidade apresentava o mesmo desafio. Sim tinha que encontrar uma desculpa legítima para permanecer no Vale, perto de Cold Creek. E tinha uma idéia de como fazê-lo, embora isto complicasse sua vida mil vezes mais. Inclusive embora tivesse que seguir mentindo a Tally por todo o tempo que demorasse.
O problema era que gostava dela. Inferno e condenação, caía-lhe bem e respeitava a uma mulher que não tinha o suficiente sentido comum de vê-lo tal como era.
Esperança sabia. Ela tinha visto no mais profundo de sua alma. Sem ela...
O uivo de um lobo ressonou entre as cume . Tally despertou sobressaltada.
—Sim?
—Aqui.
Ela esfregou os olhos e abandonou as mantas.
—Escutei o uivo de lobos.
—Não nos farão mal.
O uivo começou outra vez. Tally avançou lentamente para o André e tocou sua bochecha.
—Poderiam ter atacado André e fazer que ele caísse?
—Não é provável. Os lobos têm mais medo dos homens que os homens deles.
—A maioria das pessoas os considerariam perigosos.
—A maioria das pessoas não os conhecem.
Ela suspirou, acariciando o cabelo de André.
—Todas as criaturas selvagens abandonam as montanhas — Disse ela com uma dor e tristeza quase tangíveis.
— Os apaches perderam seu país, e logo os lobos se extinguirão.
—uns quantos sobreviverão.
—Os mais fortes. Os mais desumanos.
—Culpa-os?
—Não. Não culpo a nada que tente manter-se vivo.
—Então volta a dormir. Estarei aqui.
Ela remeteu as mantas ao redor dos ombros de André e tombou outra vez.
—Bonne nuit, Simeon. Boa noite.
Os lobos responderam por ele.
Capítulo 5
—Retornou — Disse Miriam ofegante, fazendo uma pausa na entrada do celeiro onde Elijah estava ferrando a égua parda do Federico.
— A senhorita Tally retornou!
Eli baixou o casco da égua e se endireitou para limpar o suor de sua frente. Seu coração golpeou várias vezes como o martelo de um ferreiro e logo voltou para seu ritmo regular.
—Como vai?
—Ainda não posso dizê-lo. Pablito a viu vir caminho abaixo em uma carreta. Queira Deus que tenha encontrado o senhor André.
Eli fechou os olhos.
—Cavalgarei para lhe dar alcance.
—Como está essa perna?
—Bem. Disse-te que não era nada.
—Diria isso embora tivessem transformado o joelho em coalho. Deve tomar cuidado enquanto subida. Conseguirei que essa pobre criatura coma algo. — Ela se foi correndo, com um só objetivo em mente, como era sempre que tinha alguém a quem cuidar. Especialmente Tally. Elas tinham uma larga história juntas, irmãs em tudo, exceto na cor de sua pele.
A primeira vez que se topou com Tally e Miriam, Eli tinha invejado aquela peculiar intimidade feminina. Miriam tinha nascido em escravidão, e Tally Bernard tinha suportado sua própria forma de servidão, mas tinha sido o suficientemente livre para fazer suas próprias escolhas. Igual a Eli.
Levou a égua parda ao curral e selou seu cavalo favorito, um castrado cinzento de constituição forte que ele chamava Ferro pela cor desse metal. Pablo, o filho de dez anos de Federico, estava no pátio, repetindo excitadamente as notícias a sua pequena irmã Dolores. Bart e Federico estavam penteando as quebradas procurando as vacas com bezerros recém-nascidos, mas estariam de volta a tempo para o jantar.
Elijah montou no pátio, deixou atrás o abrigo e a casa principal seguindo o caminho de terra que corria paralelo a Cold Creek. O caminho e o riacho surgiam de um “bosque” de sicómoros, fresnos e álamos em uma terra de abruptas colinas coroadas com carvalhos e pinheiros. Por todos os lados as montanhas se elevavam... Lebres ao oeste, Chiricahuas ao nordeste e Pedregosas ao sul. Algo de gado —lastimosamente pouco— Se destacava contra o pasto seco como gordos barris nos que um cão covarde poderia esconder-se.
Uma esteira de pó assinalava a posição da carreta, Elijah incitou a Ferro a ir a seu encontro. Ele podia distinguir uma forma humana atada ao soalho da carreta.
André. Ele não se movia, mas Tally não havia coberto seu rosto. Sua cabeça levava grosas ataduras e seu braço direito tinha sido entalado e assegurado em uma tipóia a seu peito. Os traços de Tally eram suspensos e cansados, mas ainda assim lhe dirigiu um sorriso a um dos poucos homens nos quais ela confiava.
—Elijah — Chamou ela quando ele se deteve ao lado da carreta — Graças a Deus que está aqui.
Eli tocou a aba de seu chapéu.
—Sinto se lhe causei preocupação, senhorita Tally. Acabo de retornar ontem à noite. Cavalguei mais de meio vale procurando notícias do senhor André, mas... —Ele cortou suas desculpas e sacudiu a cabeça.
— Você o encontrou.
—Faz dois dias, em Castelo Canyon. —Ela jogou uma olhada sobre seu ombro a seu irmão e Eli viu o medo que estranha vez revelava.
— Está vivo, mas ferido gravemente.
Eli olhou fixamente à cama na carreta. André não parecia vivo.
Qualquer homem poderia confundir-se e pensar o contrário.
—Quando Miriam me disse que tinha ido a Tombstone...
—Não se culpe, Eli — Disse Tally.
— Sei o que fez o que podia. —Ela franziu o cenho — O que aconteceu com sua perna?
Ele esfregou o rígido membro.
—Ferro tropeçou com uma toca de esquilos de terra e me lançou. Só é uma pequena ferida.
—Me alegro que esteja bem.
Sua saúde era a última coisa do que queria falar.
—Miriam disse que tinha contratado a um rastreador. Esteve doente de preocupação.
—Sei. —Tally gemeu por seu par de pés doloridos. Os cavalos já tinham cheirado a água do manancial e tinham aumentado o passo, as orelhas aguilhoavam para a verde franja de árvores.
— O rastreador cavalgou diretamente a Tombstone para trazer o doutor. Espero a ambos em qualquer momento.
—Miriam sabe que está chegando, senhorita Tally. Contarei-lhe sobre o senhor André. —Eli fez girar a Ferro e cavalgou de retorno à casa, agradecido de evitar a horrível vista do pálido rosto de André, quem parecia olhar fixamente. Miriam saiu logo que ele desmontou perto do jardim.
—Encontrou ao André —Disse Eli — Ele está ferido gravemente, mas virá um doutor.
—Então precisaremos preparar uma cama extra — Disse Miriam.
— E a senhorita Tally?
—Tão bem como pode esperar-se. Cansada até os ossos e está de coração partido.
—Sozinha?
—Alguém enfaixou André, mas agora está sozinha. O rastreador que contratou foi procurar ao doutor em Tombstone.
Miriam apertou os lábios.
—Não sabia nesse então se a senhorita Tally fazia o correto ao contratá-lo, mas agora vejo que estava equivocada ao duvidar de seu julgamento. —Olhou atentamente o rosto do Eli.
— E por que esse aspecto compungido, sargento Patterson? O Senhor nos benzeu este dia.
Eli pretendeu ajustar a brida de Ferro. Miriam sempre sabia o que ele sentia, mesmo que não o mostrasse.
—Falhei com a senhorita Tally, Miriam.
Agarrou-lhe o antebraço com uma forte e esbelta mão.
—Foi o senhor André quem lhe falhou primeiro. Agora ajuda à senhorita Tally e deixa retornar a meu trabalho.
Ela se precipitou ao interior da casa, deixando o fraco e consolador aroma de farinha detrás dela. Pablito correu para o Eli e atirou de sua manga.
—Posso montar Ferro, Eli?
Agora te esconde atrás de um menino, pensou Eli quando colocou ao moço na cadeira. Mas estava contente pelo incessante bate-papo do Pablito, sobre tudo quando Tally fez a última volta do riacho e deixou atrás ao curral mais afastado. Eli foi ao encontro da carreta, deixando Pablito ficar sobre o lombo de Ferro enquanto ele levava a André dentro da casa.
Miriam abraçou fortemente a Tally na entrada e falou suavemente com sua amiga. Tally respondeu, mas Eli não ouviu suas palavras. André parecia pele e ossos ao levá-lo nos braços. Ele não se moveu nem sequer quando Eli o deitou na cama.
—Obrigado, Eli — Disse Tally. Tocou-lhe o braço e se ajoelhou ao lado da cama de seu irmão.
—Sabe como aconteceu isto? — Perguntou Eli, sentindo que o estômago revolvia.
—Não a incomode com perguntas — Disse Miriam. Ela colocou uma bacia fumegante de água a um lado da mesa.
— Só está estorvando, Elijah Patterson.
Sabia que ela tinha razão, mas se atrasou uns momentos, olhando o rosto do André procurando alguma sinal de consciência.
—Sinto muito, senhorita Tally.
Mas ela estava perdida em suas próprias preocupações e Miriam não tinha tempo para ele. Deixou o quarto e a casa, baixou Pablito do lombo de Ferro, e montou a cavalo até uma colina onde se podia ver a maior parte do vale e o caminho ao longo de Cold Creek. Ao anoitecer vislumbrou uma esteira de pó e logo a dois cavaleiros que se aproximavam em um galope estável.
Encontrou-os a meia milha da fazenda e rapidamente examinou os recém chegados. O homem mais velho se dobrava sobre seu cavalo pelo cansaço, mas o mais jovem se sentava erguido na cadeira, e seu olhar fixo era a de um predador puro. Este era o rastreador do que Miriam tinha falado com tal cautela. Eli girou para o outro homem.
—Doutor?
—Johansen — Tossiu o homem.
— Espero que o paciente ainda esteja vivo depois... De todo este caminho.
—Está vivo. Por favor me siga.
O doutor suspirou e deu um chute ao flanco suado de seus arreios. O rastreador atirou da rédea de seu garanhão junto a Ferro.
—Adivinho que Tally retornou bem — Disse ele.
Tally. Eli se arrepiou pela informalidade, mas tomou cuidado em não mostrar seu aborrecimento.
—O senhor Bernard chegou com seu irmão faz umas horas — Disse ele.
O rastreador riu.
—Mantenha seu segredo com o doutor, mas não se incomode comigo. Sei muito bem que é uma dama.
Eli apertou os punhos nas rédeas de Ferro.
—Duvido-o, senhor Kavanagh.
—Tally falou de mim.
—Ela mencionou ter contratado a um rastreador em Tombstone.
Kavanagh estalou a língua.
—Isso lhe faz justiça já que passamos juntos muito pouco tempo. E quem é você?
—Elijah Patterson, capataz do Cold Creek.
Os pálidos olhos de Kavanagh brilharam com o último raio de luz do dia.
—O homem que desapareceu procurando o André. Tally disse que provavelmente estaria aqui.
Eli manteve suas emoções sob controle. Nem Tally nem Kavanagh podiam saber algo do que estava em seu coração a menos que ele lhes deixasse vê-lo.
—Procurei no vale. A senhorita Bernard encontrou a seu irmão nas montanhas.
—Teve sorte de que eu estivesse em Tombstone para dar uma mão — Disse Kavanagh— Ou o senhor Bernard há esta hora seria carne de puma.
—Estou seguro de que emprestou sua ajuda sem pensar em alguma recompensa, senhor Kavanagh.
Kavanagh sorriu.
—Calculo que você é um dos que faz escapar a qualquer inseto que incomode aos Bernards.
—Tenho esse privilégio.
—E para você sou um desses insetos. —Kavanagh não fez nenhuma demonstração ou ameaça aberta, mas Eli sabia que um homem de sua natureza levaria consigo ao menos uma arma e com segurança uma coleção de facas de boa qualidade.
—A senhorita Bernard o contratou. Não estou acostumado a questionar seu bom julgamento.
—Que leal é você, Patterson.
—É da opinião de que a senhorita Bernard não merece tal lealdade, senhor Kavanagh?
O rastreador franziu o cenho.
—Tally me pediu para trazer o doutor até sua porta e isso é o que tenho feito.
—Então seus serviços já não são necessários. Pagarão-lhe o que lhe deve, pode passar a noite aqui. Sugiro-lhe que não incomode à senhorita Bernard. Sou claro, senhor Kavanagh?
—Entendi o que me disse Tally, e entendo a você.
—Então nos entendemos sem problemas. Verei-o nos barracos. —Recuou para reunir-se com Johansen, quem quase caía de seu cavalo. Eli dirigiu doutor para as lanternas que Miriam tinha posto ao redor do pátio para iluminar o caminho dos viajantes. Bart e Federico tinham chegado desde as quebradas; eles cuidaram de seus cavalos, enquanto que Pablo orgulhosamente levava as alforjes do doutor à casa. Miriam tomou sob sua custódia o doutor um momento depois.
Kavanagh quase chegou à porta antes que Eli pudesse detê-lo. Eli bloqueou a soleira e dobrou seus braços sobre seu peito.
—Não tem nada que fazer na casa — Disse ele — Aparte-se, comerá comigo e os homens.
O rastreador era uns centímetros mais baixo que Eli, mas seu agudo olhar era tão potente como uma adaga nas vísceras.
—Não recebo ordens de você — Disse ele.
—Faz-o ou sobe a seu cavalo e parte neste instante.
—Não, Eli. Tudo está bem.
Tally o roçou ao passar a entrada. Ela seguia com seu chapéu e roupas poeirentas para assim poder apresentar-se a si mesmo a Johansen como o irmão do André, mas era óbvio para o Eli que ela precisava descansar desesperadamente.
—Senhor Kavanagh — Disse ela, caminhando entre os dois homens— Agradeço-lhe que tenha retornado tão rápido com o doutor.
Kavanagh cabeceou bruscamente.
—Está bem?
—Estou bem. O doutor... Ele necessita um pouco de tempo para examinar André. Não há muito mais que qualquer de nós possa fazer, salvo esperar.
—Estava-lhe dizendo que pode comer com os homens esta noite — Disse Eli.
— Pagarei o lembrado, senhorita Tally. Não é necessário que se você preocupe mesma.
—Não é nenhum problema, Eli. Todos comeremos nos barracos de modo que André possa permanecer tranqüilo. —Ela se girou para Kavanagh — Há algo mais que necessite, senhor Kavanagh?
Eli olhou confuso de Tally ao rastreador. Kavanagh apenas se tinha movido desde que Tally tinha aparecido, mas seu curtido rosto mostrava a desconcertante expressão de um potro selvagem capturado que foi selado e montado ao redor do curral antes que nem sequer pudesse pensar em apresentar batalha. Tally fazia isso nele com umas quantas palavras tranqüilizadoras.
—Posso ver que está bem —Disse Kavanagh depois de uma larga vacilação. Ele brincou com a aba de seu chapéu e puxou deste até cobrir as sobrancelhas — Irei ver diabo.
—Pedirei a Pablo que dê a ele e ao cavalo do doutor uma ração extra de aveia. Boa noite. —Ela sorriu a Kavanagh e retornou à casa. Kavanagh não tentou segui-la.
—Acredita que possa encontrar o caminho ao estábulo? —perguntou Eli intencionadamente.
—Encontrei ao irmão de Tally — Disse Kavanagh — Procura não perder você mesmo, Patterson.
—Não o farei, senhor Kavanagh. —Eli esperou até que Kavanagh girasse sobre os calcanhares de suas botas e caminhasse a grandes pernadas para o estábulo. Miriam se deteve ao lado do Eli, para fixar seu olhar na escuridão.
—Fez o que prometeu — Disse ela.
—Pode ser. Mas não é um bom homem, Miriam. Quando estava no exército... caçávamos a homens como ele. Conheço um assassino quando o vejo.
—Então por que não feriu Tally quando teve a oportunidade?
Ferir. Tinham «ferido» a Miriam mais de uma vez, e ninguém tinha menos raciocínio para perdoar que ela.
—Não sei — Disse ele.
— Não sei por que Tally confiou nele em primeiro lugar. Mas esse homem não está nisto por uns quantos dólares. Tem muito interesse na senhorita Tally. Ou em algo mais... Em Cold Creek.
Miriam descansou sua bochecha contra o braço do Eli, e o coração dele deu um doloroso golpe.
—Não tem suficiente fé, Elijah. Há bondade em cada homem. E há uma razão para que este fosse enviado à senhorita Tally.
Eli lhe cobriu a mão com a sua. Não podia negar a Miriam o consolo de sua fé. Ele, também, acreditava em certos poderes sobrenaturais que não podiam ser vistos, nem tocados.
—Estarei observando até que deixe Cold Creek.
—Alguma vez deixará de ser um soldado?
—Um homem não tem que ser um soldado para proteger às pessoas que lhe importa.
Guardaram silêncio por um momento. Os coiotes uivavam nas colinas, e vozes sussurraram da casa.
—Vêem e me ajude a levar o jantar aos barracos — Disse Miriam finalmente.
— Tenho que fazer que a senhorita Tally coma algo e descanse bem esta noite, ou desmoronará.
—Ela não deixará a cabeceira de André.
—Sentarei-me com o senhor André assim ela poderá dormir.
Eli se dobrou ante a superior vontade da Miriam e a ajudou a encher vários pratos de frango e bolachas, uma comida especial que ela esperava tentaria a que Tally comesse antes que a larga noite chegasse a seu fim. Ele falou com o Federico e Bart sobre o que tinha passado, deixou-os comendo, tomou uma lanterna para dirigir-se ao estábulo e ver Kavanagh.
O rastreador tinha estendido sua esteira no cubículo de seu garanhão, pelo visto indiferente a que o nervoso animal pudesse pisoteá-lo enquanto dormia. Seus olhos brilharam vermelhos à luz da lanterna como os de um animal que caça na noite.
—Está cômodo, senhor Kavanagh? — Perguntou Eli.
—Muito cômodo. —Kavanagh se estirou, fazendo trovejar seus nódulos — Doces sonhos, senhor Capataz.
Ele sabia tão bem como Eli que ninguém em Cold Creek conseguiria dormir muito. E que as noites do Eli seriam problemáticas por muito tempo.
Sim podia ir até Tally no momento que quisesse. Ninguém o ouviria transpassar a porta da casa principal ou deslizar-se por uma janela... Não, nem sequer Elijah Patterson, com seu ar de soldado e desconfiado olhos.
Mas ele não tinha nenhuma razão para vê-la até a manhã. Esta peculiar necessidade se parecia com uma pequena lasca alojada na palma de sua mão, apenas dolorosa até que te causava freqüente desconforto. Embora tinha estado ausente dois dias, durante esse tempo Tally tinha sido uma presença constante em seus pensamentos sem importar quanto tentasse livrar-se dela.
Senhorita Tally. O modo em que o homem negro falava dela, podia fazer que um estranho pensasse que ela era uma espécie de princesa do outro extremo do mundo em vez de uma mulher franca, relativamente sensata que usava calças de montar masculinos e um maltratado além de extravagante chapéu.
—Ja — Resmungou Sim, e fez rodar um cigarro. Ele não os fumava mais, mas ainda gostava de fazê-los rodar. O hábito era difícil de romper, e dava a seus dedos algo que fazer. O gosto do tabaco não tinha caído bem desde que começou a Trocar e correr como um lobo.
Diabo deixou cair cabeça e mordiscou o cabelo do Sim. Sim suavemente afastou a grande a cabeça.
—Está um pouco brincalhão depois de um passeio tão comprido — Disse Sim — Cheira à égua, verdade?
Diabo soprou bruscamente pelo nariz.
—Sabia que deveria ter te castrado — Disse Sim. Diabo sacudiu a cabeça. — Acha que eu também deveria sê-lo? Isto não funciona dessa forma, companheiro. — Tirou as botas e se deitou em sua esteira, o cigarro sem acender agarrado fortemente entre seus dentes.
— A única cura que preciso é que André desperte e fale do entesado...
O fraco rangido de botas no cascalho o fez calar imediatamente, sentou-se com sua arma na mão antes que reconhecesse os passos. Afrouxou seu agarre sobre a culatra de marfim e ficou de pé para encontrar-se com ela.
Tally entrou lentamente na casinha, como se tivesse medo de onde se estava colocando. Sim acendeu um fósforo e o sustentou perto de seu rosto.
—Estou acordado — Disse ele.
—Elijah me disse que rejeitou sua oferta de um beliche com os outros homens — Disse ela. Ele apagou o fósforo, deixando o estábulo em escuridão. Sim não necessitava luz suplementar. Via-a bastante bem, e o que viu fez que sua voz enrouquecesse pela surpresa.
—Que mais te disse Elijah? — Perguntou ele.
Tally saltou sobre a separação do cubículo e se sentou ali, perfeitamente equilibrada.
—Disse-me que não confiava em você... Mas acredito que já sabe isso.
—Ele é rápido ao decidir o que não gosta.
—Eu também. Mas quando concerne a Cold Creek, sigo meu próprio julgamento.
Sim contemplou os pés nus firmemente afiançados na separação, absolutamente delicados, mas estranhamente fascinantes. Ela ainda levava calças de montar, mas os desvendados seios de uma mulher empurravam contra o magro tecido da camisa de granjeiro. E tinha feito algo com seu cabelo. Ele o havia visto solto antes, como o levava agora, embora não se imaginou que poderia ver-se tão limpo e brilhante, como um campo de trigo amadurecido que se balançava ao vento. E seu rosto... Não sabia em que tinha trocado, mas nenhum homem em seus cabais a confundiria alguma vez com um moço.
Sim mordeu com tanta força o cigarro que conseguiu um bocado do tabaco. Cuspiu-o e em troca se abarrotou uma parte de palha em sua boca.
—Como está seu irmão?
—O doutor o examinou e lhe pôs ataduras novas, mas não havia muito mais que ele pudesse fazer. André... Pode ou não recuperar-se. Necessita descanso, calma... E tempo.
Seu tom desenvolto significava que tentava esconder a tristeza que devia sentir, tal como Sim disfarçou sua própria desilusão. Desilusão, inferno... Isto era um desastre, se o pior prognóstico do doutor era correto.
—Sinto-o — Disse ele, assombrado de quão sinceras soavam essas palavras na boca de um homem que estranha vez tinha a ocasião das usar.
—Acredito que o faz.
Ele se ajoelhou e pretendeu examinar de perto a perna dianteira de Diabo.
—Dirigirá o rancho por si mesma — Disse ele.— Estará escassa de pessoal.
—Elijah é um capataz muito bom, não é que alguma vez tenhamos tido os suficientes homens que requeremos. Não somos uma equipe grande. Ainda não. —Tally afastou o cabelo fora de seu rosto com um casual e elegante gesto que fez que o coração de Sim saltasse até sua garganta.
— Quais são seus planos depois disto, Sim? Aonde irá? A Esperança?
A menção do nome golpeou Sim como um punho duro. Ele não se esqueceu de Esperança. Nem por um segundo. Mas ela parecia muito longe naquele pequeno povoado em Sonora, sem sequer sabia que ele iria por ela.
Quando? Quando finalmente vai faze-lo?
Ele tinha aprendido faz muito que era melhor dizer uma parte da verdade que um pacote de mentiras.
—Não sou exatamente um homem rico — Disse ele.— Decidir ir a Esperança quando tiver um pouco mais de dinheiro economizado, então poderemos nos casar.
—É bastante compreensível. Onde está ela?
—México.
Sim olhou a Tally pela extremidade dos olhos, absorto pela forma em que ela mordia seu lábio inferior. Ele recordou a sensação desses lábios sob os seus. Tinha beijado a Esperança só duas vezes, e tinha dificuldade em visualizar esses longínquos momentos em sua mente.
Beijar a Tally estava como ser uma cura, e a tentação final a desviar-se de seu sonho. Tally devia havê-lo visto tal como era. Claro que devia.
—Tenho uma oferta para você, Sim — Disse ela. Sim rompeu a palha em dois.
—E em que consiste?
—Eu gostaria que ficasse aqui e trabalhasse para mim. Considerando os problemas que tivemos com os ladrões de gados o inverno passado, posso usar um homem para tomar o lugar de André até que ele esteja bem outra vez. Não posso te prometer um bom pagamento... Poderia conseguir algo melhor em outro lugar...
—Nesta época do ano? —Sim se apoiou contra a parede oposta à casinha e escolheu uma parte fresca de palha.
— Inclusive os grandes ranchos se despedem de homens no verão.
—Pode ser, mas aqui estamos à espera de melhores tempos. Elijah assim o escolheu. Ao igual à Miriam. Federico perdeu a sua esposa faz dois anos, e Miriam cuida de sua menina enquanto ele cavalga. Bart tem uma mão entrevada que faz mais difícil para ele encontrar trabalho em lugares onde os donos e capatazes podem permitir-se ser mais suscetíveis sobre aos quais contratam.
—E você não pode.
—Fui muito afortunada.
—O que te faz pensar que um rastreador do exército faria de um “vaqueiro” aceitável?
—É bom com os cavalos. Suspeito que trabalhou com gado quando era jovem, e tem feito todo o resto que se requer em um pequeno lugar como o nosso.
Todo o resto era correto. Ele tinha tentado umas quantas provas de penoso e honrado trabalho, mas o trabalho de ferreiro e de cavaleiro de rodeio não tinha deixado o suficiente dinheiro para começar uma vida nova com Esperança. A classe de gado com o que trabalhava, Sim sabia bem, não teria a aprovação de Tally.
Mas aqui estava ela, lhe oferecendo um modo de ficar perto do André e seguir procurando o ladrão que tinha tomado o mapa. Se seu irmão não se recuperava para o final do verão, provavelmente nunca o faria. Um trabalho estável em Cold Creek daria a Sim comida, refúgio e tempo para estudar atentamente o que faria se o mapa... Ou, no pior dos casos, o tesouro... Foi-se para sempre.
Tinha visto o bastante de Cold Creek para saber que Tally não era modesta sobre seu tamanho ou prosperidade. A terra em si mesmo era uma promessa, com um manancial e um riacho que fluía a maior parte do ano, mas ela não podia reclamar legalmente nada disso até que esta parte do Arizona fosse oficialmente prospectada. A casa principal feita de tijolo cru era funcional, como era o estábulo e alguns outros edifícios anexos, mas não eram o trabalho de alguém com grandes ambição de riqueza e status. Tally tinha confessado que tinha perdido gado com os ladrões de gado, e possivelmente não havia possuído muito de um início.
Aquelas mesmas desvantagens faziam sua obstinada coragem tão mais notável. Ela sabia o que possuía e planejava melhorá-lo, sem se importar que as probabilidades estivessem contra. Não havia duvida na mente de Sim que ela sempre tinha sido a mandante em Cold Creek.
“Ai, muito louco”. Ele estava louco por considerar seriamente em permanecer em qualquer lugar perto de uma mulher que o interessava do modo em que Tally o fazia. Nenhuma boa desculpa que desse a si mesmo poderia fazer que olhasse a Tally e não sentir... Não sentir algo que nem sequer Esperança, com toda sua pureza e bondade...
Maldição. Tally e Esperança não se pareciam. Não tinham nada em comum. Enquanto o recordasse, estaria seguro. Enquanto recordasse que tinha que ganhar em Esperança da maneira em que um homem ganha seu caminho ao céu.
Se começasse a sentir-se apanhado, o lobo lhe daria uma saída.
—Ao Patterson não gostará disto — Disse ele.
—Aceitará minha decisão. —Tally se deslizou baixando-se da separação.
— Quer o trabalho?
—Tomarei, ao menos no verão.
Ela vacilou, depois ofereceu sua mão. Ele tomou, sentindo os calos de sua palma e a firme força de seu apertão.
—Há só outra coisa — Disse ela, sustentando seu olhar tão firmemente como sua mão.
— Todos em Cold Creek guardam meu segredo longe do rancho ou ao redor dos estranhos como o doutor. Sou Tal, irmão do André. Essa é a forma em que me apresentei aqui, e como tenho a intenção de seguir.
Ele soltou sua mão, dobrando seus dedos para aliviar o formigamento neles.
—Se chame como quer. Não tenho nenhuma razão de me preocupar de uma ou outra forma.
—Não sabia isso. — Ela sorriu, da mesma forma em que sorria a Elijah e Miriam e provavelmente a todos os que trabalhavam para ela—. Informarei a Elijah. Amanhã de noite pode dormir em um beliche.
Sim assentiu e recuou fora do alcance de seu aroma e tato.
—Agora dormirá um pouco, chefa?
—Sim — Disse ela baixo — Acredito que o farei.
Ela saiu do estábulo. Sim se apoiou contra Diabo e aspirou o aroma familiar da carne de cavalo até que a cabeça do garanhão se inclinou e Sim se rendeu ao misericordioso descanso dos sonhos.
Capítulo 6
O doutor Johansen deixou Cold Creek na manhã do seguinte dia. Não tinha devotado ao André mais esperanças da que tinha dado ao chegar, mas ao menos admitiu ante Tally que a recuperação era possível.
Tally pagou Johansen de suas tão limitadas reservas de dinheiro e ideou um plano para que ela ou Miriam estivessem com o André a todas as horas. Ele continuava deitado sem mover-se, abrindo às vezes os olhos mas sem ver, outras vezes gemendo silabas desconexas que não tinham sentido. Miriam preparou uma fina mistura de papa que André foi capaz de comer da forma em que faria um bebê, mas Tally estava preocupada de que sua saúde piorasse ainda mais rápido com uma dieta assim.
O trabalho diário de levar o rancho ajudava a Tally a manter-se acordada depois de passar várias horas ao lado do leito de seu irmão. Elijah era capaz de encarregar-se do imóvel sem sua ajuda, mas Tally não podia suportar ficar dia após dia dentro de casa como fazia Miriam. Voltou a cavalgar pelas pradarias, trabalhando com o Federico e Bart marcando animais extraviados e bezerros órfãos, curando as cabeças de gado doentes, e limpando tanques e poços de água.
Elijah tinha outra tarefa. Não se tinha mostrado contente quando Tally lhe tinha falado do Sim, mas seu trabalho era ensinar os novos trabalhadores como funcionava tudo. Os dois homens teriam que aceitar um ao outro cedo ou tarde, e Tally tinha a intenção de que fosse cedo.
Tally mal viu o Sim ou Eli durante dias. A terceira tarde, ambos apareceram a tempo para jantar e ocuparam seu lugar sem cerimônias, Elijah na cadeira do André e Sim no assento do capataz, ao lado do Bart.
Federico, a meio caminho entre franzir o cenho a seus filhos por suas má maneiras na mesa e descrever o recente encontro com uma vaca arisca, guardou silêncio quando Sim se sentou à mesa. Bart agarrou uma bolacha e a mordiscou, arriscando-se à ira da Miriam por comer antes de ter bento a mesa. Pablito e Dolores, sentados em sua própria mesa em miniatura, olharam com grandes e fascinados olhos ao estranho.
Miriam se comportou como se aquela não fosse mais que outra comida normal. Serviu os feijão, o presunto e as batatas, e tomou assento ao outro extremo de Tally. Seus escuros olhos se encontraram com cada par de olhos de toda mulher e homem sentado à mesa, chegando por último ao Sim.
—Rezemos — Disse ela.
Todas as cabeças se inclinaram e os olhos se fecharam, mas Sim olhava a Tally. Devolveu-lhe o olhar. Miriam deu as obrigado, possivelmente um pouco mais alto do normal. Tinha um sentido infalível para detectar as almas perdidas.
A Tally não surpreendeu que Sim não dissesse a prece. Tampouco descobrir que o tinha sentido falta de todo esse tempo, inclusive seu sarcasmo e seus comentários de duplo sentido. A noite em que tinha aparecido com o doutor, encontrou-se indo falar com ele ao estábulo, e sem nenhuma boa razão que não fosse sua própria solidão. Tinha encontrado um estranho consolo em sua imperturbável incapacidade ou inapetência a lhe oferecer as palavras bonitas de sempre destinadas a aliviar sua pena. Quando Sim falava, o que dizia era o que pensava.
Ali, entre as austeras comodidades de sua casa, Sim parecia tão desconjurado como o tinha estado no lar dos Brysons. Seus olhos pareciam mais vívidos, seus traços mais definidos e de algum jeito mais ferozes à luz do abajur. Tally era incapaz de ler o que havia detrás de seu olhar ou adivinhar o que ele via na sua.
Mas sabia que não tinha cometido um engano ao lhe oferecer o trabalho. Elijah havia o trazido para a mesa; isso era o mais perto de um sinal de aceitação que Sim poderia conseguir nunca do ex-soldado. Ao menos não tinham chegado às mãos...
—Amém — Disse Miriam.
—Amém — Repetiu o resto. Miriam dirigiu a Tally um olhar de recriminação. Elijah se serviu uma colherada de feijão. Pablito e Dolores se aplicaram a suas respectivas comidas com entusiasmo.
Tally se esclareceu garganta.
—A estas alturas todos se deram conta de que temos um novo trabalhador em Cold Creek. —Sorriu, tentando aliviar o inconfundível ar de desconforto que pendurava na sala — Claro que aqui nunca fomos muito dados às formalidades, assim não começaremos agora. Eu gostaria de lhes apresentar ao Simeon Kavanagh. Trabalhará conosco este verão, até que André possa ficar em pé outra vez.
Seu último comentário foi seguido por um pesado silêncio. Uniu as mãos sobre a mesa e respirou fundo.
—Pode parecer que tudo tenha trocado da noite para o dia. Ninguém poderia haver... Esperado que meu irmão se perdesse e o ferissem, mas se não fosse pelo senhor Kavanagh, nunca o teria encontrado. Não perdi a esperança, e lhes peço que ponham de sua parte para manter as coisas iguais à sempre. Isso é o que teria querido André.
Federico elevou a vista de seu prato.
—Como você quiser, senhorita Tally. Devemos seguir como antes. —Dirigiu-lhe um assentimento de cabeça a Sim.
— Bem-vindo senhor Kavanagh. Eu sou Federico Rodríguez, e estes são meus filhos, Pablo e Dolores. —Olhou com falsa severidade a seu filho e logo a sua filha.
— O que se diz, mihijos?
—Bem-vindo — Disse Pablo obediente, e sorriu mostrando seu bocado de feijões. Dolores se meteu o dedo no nariz. A boca de Sim se contraiu, mas para o Tally se fez óbvio que não sabia como falar com meninos.
Bart se moveu nervoso em sua cadeira.
—Bart Stanfield — Disse a Sim o “vaqueiro” de cabelo cinza, lhe oferecendo a mão. Sim o olhou nos olhos, e Bart retirou a mão, esfregando-as palmas aos lados da calça.
Tally olhou a Sim com o cenho franzido.
—Bart está no Território mais tempo que ninguém. Lutou contra os apaches e viveu para contá-lo.
Bart agachou a cabeça.
—Todo mundo fazia um pouco parecido naqueles dias — Disse ele.
Sim se apoiou para trás em sua cadeira até que rangeu perigosamente e se balançou sobre duas patas.
—Stanfield — Disse pensativo.— Ouvi falar de você.
Os apagados olhos azuis do homem mais velho subiram com rapidez para o Sim, brilhantes de esperança. Voltou para sua comida com gosto.
—A Miriam já a conhece — Disse Tally.
— Ela se encarrega da casa e de nossas reservas de comida. Não a faça zangar a menos que queira muito o Chile em seus feijões.
Sim lhes dirigiu um inesperado sorriso, todo dente branco e um pingo de humor negro.
—Eu gosto da comida picante.
—Imagino que Miriam poderia conseguir um pouco de ceva de rato se o propõe — Disse Elijah.
Bart se afogou com a bolacha. Miriam se levou uma mão à boca, e Federico suspirou. Pablito riu bobamente. Sim continuou Sorrindo.
—Conhece algum rato por aqui que precise matar? — Perguntou a Elijah.
Eli lhe devolveu o sorriso.
—Até os ratos podem ser úteis de vez em quando.
A cadeira do Sim caiu com estrépito sobre suas quatro patas.
—Elijah e eu demos um agradável passeio por suas pradarias, senhorita Tally —disse ele — O senhor Patterson é um chefe muito bom.
—E você está satisfeito com o trabalho do senhor Kavanagh? — Perguntou Tally a Elijah.
Conhecia o Eli o bastante bem para esperar que lhe diria a verdade, inclusive se esta pudesse envergonhá-la ou ao Sim. Eli se tomou seu tempo para responder. Estendeu manteiga sobre uma bolacha e a comeu com delicadeza.
—Demônios, sim — Disse por fim.— Até que o senhor Bernard esteja bem outra vez.
—Me alegro de ouvir isso. —Tally agarrou uma fatia de presunto. Teria que falar com a Miriam sobre tão generoso gasto de comidas de cada dia, inclusive embora sabia que sua amiga o fazia por seu bem. Deus sabia que não tinha tido muito apetite—. Já que saiu o tema dos ratos, houve algum sinal dos ladrões de gado desde que fui a Tombstone?
—Nada — Disse Eli.— Devem haver-se figurado que não temos muito mais de valor que roubar.
—Temos um novo turno de bezerros — Disse Bart.— Uma vez que sejam desmamados...
—Não voltarão a obtê-lo — Disse Eli em tom grave — Os estaremos esperando.
—Tem alguma estratégia em mente, meu amigo? — Perguntou Federico. Virou-se para o Sim.
— O senhor Patterson lutou com os soldados de Búfalo, na Décima Cavalaria. Tenho entendido que você também serviu no exército, senhor Kavanagh.
Sim encolheu os ombros. Eli dirigiu a Federico um eloqüente olhar. Odiava falar sobre seu passado no exército. Tally só conhecia recortes de sua história. Como ela, Eli não tinha podido escapar de toda a influência de sua ex-profissão. A disciplina e a destreza eram evidências de seu treinamento, igual a sua educada maneira de falar.
—Interessam-me mais as sugestões do senhor Kavanagh sobre como lutar com os ladrões de gado — Disse Elijah.
Sim observou o outro homem através de uns entrecerrados olhos.
—Não sabia que te interessava minha opinião.
—Suponho que vocês dois não falaram muito estes dias —Disse Tally com ironia.
— Tem alguma sugestão, Sim?
O brilho do caçador lhe iluminou os olhos.
—Sabem quem são? Eu ouvi falar dos McLaury nesta parte do Território.
—Nunca lhes pudemos jogar uma boa olhada — Informou Bart.
— Mas os McLaury se diz que estão entre os piores “vaqueiros” do vale.
—Eu gosto de saber o nome de meu inimigo — Disse Sim. Manteve o olhar a Tally.
— Não precisa preocupar-se com esses “vaqueiros”, senhorita Tally. Não voltarão a incomodá-la.
Elijah se inclinou sobre a mesa.
—Bonito bate-papo, Kavanagh. Faz que me pergunte se conhecer essa classe de homens um pouco melhor do que está deixando entrever.
Tally se levantou. Cortesmente, todos os homens à exceção do Sim ficaram de pé de um salto.
—Por favor, sentem-se — Disse ela firmemente — Elijah, preferiria que não fizesse acusações sem ter provas. Sinto-me satisfeita tanto com os antecedentes do senhor Kavanagh como com suas habilidades. Em momentos como este, não podemos nos permitir nos pôr uns contra os outros.
Eli se sentou, mas seus músculos estavam rígidos pela tensão.
—Devo-lhe uma desculpa, senhor Kavanagh, e a tem.
—Se alguma vez necessitar uma — Disse Sim— A aceitarei.
Tally golpeou a mesa com a mão.
—Cavalheiros — Disse, dando a entender deliberadamente que não se mereciam aquele nome — Acredito que já é suficiente por esta noite. Sim, ficará nos barracos?
Sim assentiu, mas Tally pôde ver que seus pensamentos estavam postos em outra coisa. Miriam se levantou para limpar os pratos, pondo de maneira efetiva um final à comida. Federico levou seus filhos para que se lavassem antes de ir-se à cama, e Bart se foi com tanto silêncio que ninguém pareceu dar-se conta de que se foi. Elijah falou brevemente com a Miriam e saiu pela porta principal.
Sim empurrou sua cadeira para trás e se levantou estirando-se de maneira extravagante. Rodeou a pernadas a mesa, interceptando a Miriam com sua braçada de pratos sujos.
—A comida estava deliciosa — Disse, lhe tirando os pratos das mãos. Piscou os olhos a Tally — Melhor que a da senhora Bryson, devo dizer.
Miriam o observou fixamente, boquiaberta, e deu um passo atrás.
—Vá... Obrigado, senhor Kavanagh.
—Ninguém me chama assim — Disse ele. Deixando os pratos ao lado da pia — Me chame Sim.
Miriam intercambiou um olhar de assombro com o Tally.
—Sim — Repetiu.
— Simeon.
—Ninguém me chama tampouco assim — Disse ele. De algum jeito conseguiu colocar-se ao lado de Tally sem que sequer parecesse que se moveu para cruzar a sala. Tirou-a pela porta até o alpendre. Uma ligeira brisa se levantou e se levava o calor do dia. Tally girou o rosto para a carícia do vento.
Sim tirou um cigarro do bolso do colete e o contemplou como se fosse um rival que devia ser derrotado.
—O que disse aí dentro era a sério — Disse ele.
—O dos ladrões de gados? Não o duvidei nem por um momento.
Lançou-lhe um olhar de soslaio.
—Sem perguntas? Sem suspeitas?
Tally se recostou contra a refrescante parede de tijolo cru da casa.
—Pode que Elijah tenha razão. Não sou tola, Sim. Nunca desprezei a possibilidade de que tenha vivido a ambos os lados da lei.
Sim deixou cair o cigarro e o esmagou com a bota.
—Alguns homens poderiam ofender-se diante essa insinuação.
—E você?
—Pareço zangado?
Tally não estava disposta a admitir o difícil que lhe resultava ler a expressão do rosto do Sim.
—Então Elijah tem razões para estar preocupado.
—Ainda deseja que fique?
—Todo mundo merece a oportunidade de uma nova vida. Uma vida melhor. —Ela o olhou nos olhos.— Não é isso o que você quer, Sim?
Ele elevou a mão com lentidão, os dedos estendidos. Tally se esqueceu de respirar. Logo que sentiu o roce dos dedos do Sim em sua bochecha.
—Isso acreditava — Disse ele.
— É mais fácil o outro caminho.
—Sempre é mais fácil não mudar.
Sim deixou cair sua mão.
—Possivelmente seja impossível.
—Sozinho, sim. Mas não está sozinho em Cold Creek.
Então seus olhos fizeram algo extraordinário, permitiram-lhe captar um brilho de vulnerabilidade, inclusive de medo. Viu um menino que tinha perdido tanto como ela mas que se tornou com raiva para a perda, explodindo-se contra seu poder e inclusive contra sua lembrança.
Mas as lembranças não estavam mortas. Ela havia tornado a revivê-los. Em um segundo, o menino atrás de seus olhos se converteu em um homem, furioso porque uma mulher tinha aberto uma brecha em sua esmerada couraça.
Ela se girou longe dele.
—Obrigado pelo que disse a Bart e a Miriam. Quanto ao Elijah...
A escada do alpendre rangeu. Sim tinha ido, perdido na escuridão. Um minuto depois, Elijah se uniu a ela.
—Segue com a intenção de conservá-lo? — Perguntou.
—Deu-lhe sua aprovação — Disse ela.— Entendo que o disse a sério.
Eli agarrou com força o corrimão do alpendre.
—É um bom trabalhador, rápido e forte. Sabe de gado e cavalos. De fato, diria que tem uma misteriosa facilidade com eles. Mas eu não gosto, e nunca gostarei.
—De verdade acha que é um ladrão de gado?
—Não sei. Não fala de seu passado, em realidade não fala muito sobre nada. Só faz o que lhe digo.
—Ao menos não se parece com muitos dos homens no Texas.
—Refere-se aos que não aceitariam ordens de um negro? —Eli sorriu.— Eles não são os mais perigosos. Nem de longe.
—Estou disposta a correr o risco, Eli.
Ele baixou a vista para ela.
—Aqui há algo mais que encontrar uma substituição para o André, não é assim?
—Ele me ajudou a salvar a vida do André.
—Também é algo mais que isso. —Eli sacudiu a cabeça — Você e eu... Somos amigos, Tally. Possivelmente para o mundo que um homem negro e uma mulher branca possam ser amigos é algo estranho. Mas construímos um paraíso aqui que é seguro para todos nós... Para ser o que somos.
Tocou-lhe o ombro.
—Sei, Eli. É por isso que não podemos lhe dar as costas a alguém que possivelmente necessite um lugar como este.
—Compaixão por um homem como Sim?
—Se alguma vez se converter em algo mais que isso, acredito que saberá. —Lhe deu um ligeiro empurrão para a porta.
— Entra. Miriam está esperando.
Ele se foi, a contra gosto e lançando atrás algumas olhadas. Tally se apoiou no corrimão do alpendre. A voz do Federico, cantando alguma canção de ninar mexicana, chegava flutuando desde sua pequena cabana detrás da casa principal. Ouvia-se o estrondo dos pratos na cozinha, enquanto Eli e Miriam compartilhavam sua própria linguagem secreta.
Tally os invejava. A primeira vista, pareciam ter pouco em comum. Elijah tinha nascido em uma próspera família no Norte e tinha lutado pela União durante a guerra; quando seu pai tinha perdido sua fortuna, ele tinha seguido ao exército até a fronteira oeste. Miriam tinha nascido escrava, e tinha sido liberada quando as tropas da União tinham vencido aos confederados. Ela encontrava um grande consolo em sua fé, enquanto que Eli não professava nenhuma.
Mas ambos sabiam o que era o sofrimento e o enfrentar-se aos ignorantes julgamentos de outros. Eli tinha sido tratado de má maneira no Texas depois de que abandonasse o exército. Miriam tinha encontrado trabalho como donzela em um bordel, ganhando uma diminuta fração do que ganhavam as prostitutas vendendo seus corpos. Uma vez que tinha conseguido a liberdade, nunca a deixou escapar.
Eli e Miriam bem poderiam ter abandonado o Texas e haver-se construído uma vida própria longe das lembranças que vinham com o André e Chantal Bernard. Tally nunca havia lhes perguntando o por que escolheram o que tinham eleito. Eram uma família, e Eli se transformou em um irmão para ela mais do que o tinha sido André.
O que acontecia a Sim?
Afastou-se do alpendre e caminhou sem rumo ao redor da granja. O que sentia ela pelo Sim Kavanagh? Certamente, não pena. Não era um homem que ninguém pudesse compadecer. Se estava sozinho, era porque assim o tinha querido.
Não obstante, gostava, sua destreza, seu brusco respeito por ela como pessoa, seus inesperados e estranhos momentos de compaixão e inclusive de alegria. Luzia seu cenho como arma, mas nunca a tinha julgado por vestir ou viver da maneira em que o fazia. Tally o achava atraente, igual a uma mulher normal encontraria a qualquer homem de aparência agradável.
Enfer, isso era impossível. Não tinha encontrado um homem atraente desde que se acreditou apaixonada à tenra idade de quatorze anos. “Mademoiselle Champagne” não sentia desejo físico por nenhum de seus amantes. Tally nem sequer estava segura de no que consistiam tais sentimentos. Seu casamento não tinha estado apoiado no amor ou a paixão, a não ser na conveniência; ela simplesmente tinha saído de uma forma de escravidão para meter-se em outra. Tinham-na criado para detestar o toque do corpo de um homem ou inclusive o pensamento de submeter-se a isso de novo.
Tinha poucas ilusões respeito do Sim. Possivelmente se sentia atraída porque ele se declarou a si mesmo inalcançável, ligado a outra mulher.
Tally se sentou sobre um toco perto do galinheiro e elevou a vista às estrelas. Os coiotes gritaram na lonjura, mas seus gritos se viram cortados pelos profundos uivos de uns lobos, muito mais perto.
Os lobos poderiam dizimar o que ficava da manada de Cold Creek, mas até fazia uma semana tinham permanecido no norte das Chiricahuas. Tally sentiu pavor ante a idéia de colocar armadilhas. O cativeiro de qualquer tipo lhe produzia náusea. Mas se era a sobrevivência de Cold Creek a que estava em jogo...
Havia dito a Sim que não o culpava por nada por tentar manter-se com vida, e era verdade.
Levantou-se e caminhou de volta à casa. Miriam tinha terminado de limpar e estava sentada com André em seu quarto. Tally se deteve na entrada.
—Deveria haver me recordado isso, Miriam. Tocava-me.
—Não me importa, senhorita Tally — Disse Miriam, baixando seu trabalho de ponto.
—Acreditei que você gostaria de passar um pouco de tempo mais com o Eli.
—Não quando está deste humor.
—Pelo Sim Kavanagh.
Miriam suspirou.
—Não sei exatamente o que pensar dele.
—Nem eu. Vá à cama, Miriam. Eu ficarei acordada um pouco mais.
—Me chame quando me necessitar. —Miriam levou seu trabalho ao outro lado do vestíbulo e fechou a porta. Tally tomou assento perto da cama.
—Não sei se pode me ouvir, André — Disse ela. — Mal posso te reconhecer já. —Colocou a cadeira mais perto, e lhe alisou o cabelo a seu irmão. Suas pálpebras se contraíram, mas seu rosto não demonstrou expressão alguma.— O que haveria dito você do Sim? Sempre foi rápido em confiar na pessoas... Oo menos nos errados —Sorriu com tristeza — Por que foi às montanhas? Tanto medo tinha de se enfrentar a mim depois de ter perdido o dinheiro? Esperei muito de você, mon cher?
É obvio que sim, disse-se a si mesmo. Queria que as coisas fossem diferentes aqui. Queria construir um novo começo. Mas o coração de André nunca pareceu estar no rancho. Havia algo mais que o chamava, e você não se interessou por seus sonhos...
—Está jazendo aqui por minha culpa, André?
Ele não respondeu. Ela não se teria atrevido a pedir-lhe se ele tivesse podido. Lhe tinha dado um lar quando Nathan morreu, inclusive sabendo o que tinha sido. Quando aquela casa resultou não ser ideal, ele tinha estado disposto a tentar trocá-la. Suas falhas eram muito mais irrefutáveis que sua debilidade. Inclinou-se sobre a cabeça e lhe tocou a testa com a sua.
—Sobreviveremos a isto, André. Tem que seguir lutando. Prometa-me que o fará.
Suas lágrimas salpicaram as bochechas de André, e Tally as secou com os polegares. Ninguém a tinha visto chorar desde aquela terrível noite de sua “iniciação” em Nova Orleáns, e se jurou que ninguém mais a veria nunca.
Se morrer, verei-me obrigada a romper minha promessa. Vive, André. Vive pelos dois.
Sim ouviu o pranto de Tally, embora o som era tão suave que os ouvidos humanos não poderiam havê-lo detectado. Farejou suas lágrimas através do grosso cristal da janela do quarto do André. Ela chorava por ele, um choro que não merecia sua pena, e Sim odiava André por convertê-la em outra mulher ordinária.
Caminhou a grandes pernadas longe da casa, escutando o uivo dos lobos nas colinas. Seus pensamentos corriam uma e outra vez em círculos, como um cão que se perseguia a cauda. Mentiu-se quando chamou ordinária a Tally. Tinha mentido porque tinha entregue muito esta noite, e era mais cômodo culpá-la que admitir sua própria estupidez.
Tinha-lhe perguntado se ele queria uma nova vida. Uma vida melhor. Durante um momento, ali no pórtico, ele tinha esquecido de tudo da Esperança. Tally era tudo o que via, tudo o que podia imaginar. Havia tocado nela. E com esse toque tinha enganado à única mulher que poderia fazer possível que ele mudasse, e tivesse uma nova vida.
Um toque e soube que deveria se deitar com Tally Bernard. Não sabia se ela era virgem. Usava o nome de seu irmão, mas poderia ser por amparo e liberdade, igual ao disfarce masculino. Poderia ser uma viúva, pelo pouco que sabia. Era respeitável, sim, mas havia algo —seus sentidos de lobo, possivelmente— que lhe diziam que ela não era inocente.
A diferença de Esperança. Quando imaginava uma vida com Esperança, ele tentava imaginá-los compartilhando uma cama. Tinha-a beijado no Novo México, com cólera mais que por paixão, mas esses beijos não o incitavam absolutamente a continuar. Ele não podia ver-se sustentando seu corpo nu entre seus braços, ouvindo seus gemidos de prazer enquanto tomava. A imagem quase era obscena.
Mas com Tally, nada interferia com suas fantasias. Podia imaginar-se cada linha e curva de seu corpo sob a singela roupa masculina. Estar perto dela o afetava. Não tinha tido a uma mulher em meses, porque não sujaria seu sonho entre as pernas de putas baratas e rondando a garçonetes ligeiras de cascos.
É mais fácil tomar o outro caminho, havia dito a Tally. Ele sempre tomava o caminho fácil, o caminho ao inferno. Seria muito simples deixar nesse momento Cold Creek, esquecer do mapa, esquecer a Esperança. Esquecer a redenção.
Tally lhe havia dito que não estava sozinho, mas estava equivocada.
A metade de caminho aos barracos, Sim girou sobre seus calcanhares e se dirigiu aos estábulos. Diabo estava fora nos pastaria para pastar e descansar depois de levar Sim por toda parte do rancho; um aprazível cavalo castrado ocupava a casinha, e o velho companheiro não tinha nenhum interesse em um homem que se despojava de suas roupagens, escondia sob a palha e entrava correndo nu na noite.
Sim sabia que os lobos estavam perto. Ele tinha escutado suas chamadas cada noite desde sua chegada a Cold Creek, e estava seguro que era a mesma manada que Tally e ele tinham ouvido em Castelo Canyon. Não podia estar seguro se eles o tinham seguido até aqui. Mas agora ele os necessitava... Necessitava sua fúria, sua liberdade, sua indiferença à alegria e sofrimento humano.
Trocou e deixou que seu nariz o conduzisse ao Leste, correu ligeiro sobre as colinas e arroios do vale, e escalou até as mastreadas a planície das montanhas. Os lobos agora estavam silenciosos. Sabiam que ele vinha. Sim cheirava o medo, a curiosidade e o desafio. Então o vento trocou de direção, e a manada também.
Eles o levavam mais alto às montanhas. O líder da manada deixou sua essência em rochas e árvores, zombando e ameaçando a quem pudesse atrever-se usurpar seu lugar. Mas inclusive ele estava cansado. Levou seus companheiros para que descansassem em uma concha rochosa cercada por altos pinheiros, esperando Sim, com a cauda arrepiada, e preparado para a batalha.
Sim estava mais que preparado para uma luta. Era maior que o macho cinza que o encarava, maior que qualquer lobo que tivesse deslocado alguma vez no Território. Mas até se tivesse sido a metade de seu tamanho, isso não teria feito nenhuma diferença. Tinha sobrevivido a centenas de confrontações mortais.
De algum jeito, os lobos eram como os homens: fanfarronavam. E se seu inimigo convidava a alardear e resultava superior, eles... Retiravam-se ou morriam.
Avançou com a pata rígida, olhando fixamente os tendenciosos olhos amarelos do líder. O cinza se arrepiou e grunhiu. Sim enfocou toda sua vontade na besta, provando o poder que se supunha alguns “homens-lobos” possuíam.
O líder da manada baixou a cabeça, suas orelhas caíram aos lados de seu crânio, e colocou a cauda entre suas patas. Sim sentiu a derrota do lobo como se fosse própria, e isso não lhe deu nenhuma satisfação. Não havia nada de glorifica em tal competição, já que Sim tinha capacidades que estes lobos não tinham, capacidades que logo que tinha começado a descobrir.
Deixou que o instinto o guiasse, que lhe mostrasse como usar os movimentos fluídos de seu corpo lóbulo em um baile de reconhecimento e aceitação, o justo para explicar no idioma materno dos lobos que ele não tinha vindo para roubar o lugar do líder. Eles lhe aproximaram, meneando as caudas e lhe lambendo o focinho, lhe dando a bem-vinda como um dos seus.
Ele não o era, mas fingiu sê-lo. Correu como eles. Caçou como eles o faziam, conduzindo às presas de modo que eles e seus cachorrinhos se alimentassem bem essa noite. Por um momento se esqueceu do por que tinha fugido às montanhas. Mas quando o calor do nascente sol tingiu o ar com o aroma de uma nova manhã, recordou seu objetivo em Cold Creek e decidiu provar suas capacidades uma vez mais. Fez que os lobos entendessem o que ele procurava.
O líder da manada reconheceu a petição do Sim. Os lobos encontrariam bastante fácil observar aos intrusos humanos nas cercanias de Castelo Canyon. Se o ladrão do mapa passasse algum tempo nas montanhas, eles o informariam. Mas eles não se pareciam com o gado e cavalos que Sim controlava com o uso da força em vez do pensamento. Não tinha nenhum desejo de forçar a obediência dos lobos, ou determinar os limites de seus poderes.
Um jovem macho subordinado saiu dando tombos da manada, retorceu-se como um cachorrito aos pés do Sim e se dirigiu ao norte. Sim voltou para Cold Creek. Vestiu-se e deslizou aos barracos sem nenhum desejo de levantar-se com os outros trabalhadores ao amanhecer.
A partir daquela noite, a vida do Sim tomou um ritmo simples, dividido entre dois mundos muito diferentes. Cada manhã cavalgava pela propriedade para fazer o trabalho de um “vaqueiro”, às vezes acompanhado com um dos outros homens, freqüentemente sozinho. Nunca montava com Tally, e ela não procurava sua companhia. Comia na mesa do jantar cada tarde, aprendendo a realizar uma conversa que nunca mencionasse seu passado ou seus pensamentos mais íntimos.
E de noite corria com os lobos. Havia tempos em que estava tentado em permanecer com eles além da saída do sol, já que sentia que se ele escolhesse tal caminho, sua humanidade se desvaneceria gradualmente e o deixaria sem lembranças da vida que tinha conhecido como homem. A tentação chegava e se ia, mas nunca o abandonava completamente.
Sem seu sonho, ele tivesse podido render-se. Transformou-se em um rito o recordar, imagens de Esperança enchiam sua mente e permanecia com ele como um talismã. Mas muito freqüentemente uns olhos escuros e um cabelo de ouro e mel, uma suave inocência trincava sua resistência, e ele estava perdido outra vez.
Não era um homem que rezasse. Não pedia ajuda de algum Deus indiferente no céu. Mas cada noite uivava às estrelas, procurando uma paz que não tinha ganho.
Capítulo 7
Calor e pó.
Tally levantou a aba de seu chapéu, limpou a transpiração de seu cenho, logo colocou a aba de tal maneira que lhe cobrisse os olhos. A inícios de julho o sol açoitava a pradaria como um punho, afrouxando a terra em intermináveis nuvens de fino pó que entrava em botas, roupas, olhos e bocas com igual abandono.
Isto era a calma do verão, largos dias à espera de que as fortes chuvas caíssem no fim de julho, agosto e freqüentemente em setembro. O pasto estava seco e marrom, embora o resistente gado mexicano estava bastante contente de comê-lo; o riacho se reduziu a um jorro, e o manancial perto da casa principal atraía a cada ave e animal selvagem dentro do raio de vários quilômetros.
Tally sabia que Cold Creek tinha sorte. Além disso do manancial, tinha vários bebedouros onde o gado se reunia depois de um dia de pastar sob um sol feroz. Nenhuma das bestas de Tally morria de sede ou fome. Os animais ainda precisavam cuidados, e os lagos requeriam freqüente trabalho de limpeza depois de ser constantemente pisoteados por vacas sedentas, mas até essas desagradáveis tarefas eram um pequeno preço a pagar.
Isto era a liberdade. Era tudo o que sempre tinha querido... Trabalho duro e honesto que pudesse fazer com suas mãos, permanecendo de pé ou com suas pernas ao redor dos flancos de um cavalo. Suas unhas estavam lascadas e seus dedos calejados; os músculos em seus braços eram firmes, duros e seu rosto estava permanentemente bronzeado. Mas não lamentava nada do que tinha deixado, não temia nada do futuro exceto perder o que tinha encontrado.
Montou até o alto de sua cúpula favorita e observou cuidadosamente o vale e o caminho de terra que serpenteia ao longo de seu centro. Os dispersos carvalhos davam casaco ao gado que desfrutava de sua sesta do meio-dia. Os gaios conversaram entre os pinhões, e um falcão se elevava à distância, varrendo amplos círculos nas alturas. A fazenda vizinha mais próxima estava a dezesseis quilômetros de distância... Não é que Tally deixasse freqüentemente o rancho... Mas nunca se sentiu sozinha nesta austera terra.
O falcão gritou, chamando a seu casal. Alguma vez sozinha? Faz um ano, seis meses, dois... Nesse então poderia ter sido verdade. Mas André ainda permanecia em sua cama, pouco tinha mudado, e o coração de Tally tinha desenvolvido uma greta, que permanecia aberta e sem cura por uma ânsia que não tinha nenhuma forma de curar.
A fraqueza lhe era própria. Ela tinha partido de Nova Orleáns convencida de que não necessitava ou queria a nenhum homem; era um fato que tinha guardado como um precioso cofre do tesouro do qual só ela possuía a chave. Encontrar André depois de tantos anos de separação tinha abrandado sua resolução como nada mais poderia fazê-lo. E embora Eli também se transformou em um amigo e fora um verdadeiro camarada, André permaneceu como o vital símbolo da tranqüila e comum vida caseira que Tally tinha esperado criar em Cold Creek.
Agora o prezado sonho estava quase em ruínas. Ela tinha aprendido a necessitar de André assim como amá-lo. Tinha desejado depender dele, esperando que fosse o forte irmão mais velho, enganando a si mesma com o desejo de um protetor que não tivesse nenhum interesse em seu corpo.
Riu e apoiou a cabeça contra o quente pescoço do Muérdago. Realmente não tinha dado ao André a possibilidade de protegê-la. As cicatrizes eram muito profundas. Ela se transformou no protetor, tentando salvar seu irmão dele mesmo. E lhe tinha falhado. Agora, quando ele sumiu em um lugar ao que ela não o podia alcançar, tinha procurado simplesmente a outro que tomasse seu lugar.
Outro homem, não como André. Um estranho. Um homem perigoso que nunca poderia ser governado ou controlado. Montava a cavalo ao lado dela sob o sol ardente, mas só em sua mente. Oito semanas levava Sim em Cold Creek, mas nas que se por escolha ou ordens do Eli, ele sempre se encontrava trabalhando ao extremo oposto da propriedade. Ela e Sim se encontravam na mesa para o jantar. Tão corteses e distantes como qualquer patrão e peão pudessem ser.
Tally desejava o final de cada dia... E o temia.
Este dia acabava de começar, e estava contente de estar sozinha aonde Miriam não pudesse olhá-la com olhos muito conhecedores e Eli não tivesse que esconder seu cenho de desaprovação. Estalou ao Muérdago e começou a descer pela ladeira da cúpula quando viu um cavaleiro surgir de uma nuvem de pó.
O cavaleiro era pequeno e se agarrava ao pescoço de seus arreios como se tivesse estado cavalgando até esgotar-se. Seu cavalo estava em pouco melhor estado. Sua manta estava escorregadia pelo suor, e Tally adivinhou que se movia tão rapidamente como o fazia só porque farejava a água, o feno e um lugar para descansar.
Muérdago se sentia um pouco curioso igual a Tally e com muito gosto galopou a passo estendido para ir ao encontro do forasteiro. Tally reduziu a marcha do cavalo castrado ao chegar ao caminho para conter o pó, mas um olhar ao rosto do cavaleiro fez que atirasse em uma seca parada.
Beth Bryson. Montava a cavalo escarranchada, sua saia se estirava sobre a cadeira e a garupa de seus arreios. As botas de montar cobriam a maior parte inferior de suas pernas, mas mostrava muito mais do que deveria a uma moça bem educada. Não levava chapéu, o qual era idiota assim como impróprio, e seu cabelo era um matagal enredado que voava sobre seu ruborizado rosto.
Se ela tivesse montado sozinha a cavalo desde Castelo Canyon, seu aspecto físico seria a menor de suas preocupações. Tally comprovou o ângulo de seu chapéu e atirou das rédeas do Muérdago junto à égua alazã da moça.
—Beth?
A moça elevou a vista desde em meio de seus ombros encurvados e contemplou a Tally.
—Tal? —Grasnou ela — Estou aqui? É isto Cold Creek?
—Sim. —Beth se balançou na cadeira. Tally a agarrou pelo braço.
— O que faz aqui, Beth? Onde estão seus pais?
Beth tratou de sentar-se direita e sufocou um grito afogado de dor.
—Não vieram. — De seus sombrios olhos emanavam lágrimas.
— Não querem que vá a nenhum lugar. Mantêm-me em casa como se fosse uma... uma... — Ela tossiu, e Tally desenganchou seu cantil. A moça a aceitou com impaciência. Ela salpicou a água sobre seu rosto e blusa enquanto bebia, convertendo o pó em barro.
—Você e seu cavalo precisam descansar —Disse Tally — Pode se explicar mais tarde.
Beth terminou com o conteúdo do cantil e aprisionou esta a seu peito.
—Eles não acreditam que possa fazer algo. Tive que demonstrar... —Ela tomou fôlego.
— Me sinto doente.
Tally tomou as rédeas da égua.
—Pode montar um pouco mais longe?
—Sim.
—Economiza fôlego até que cheguemos à casa.
Beth apertou a mandíbula como se fosse discutir, mas a fadiga pôde mais. Inclinava-se sobre o pomo da cadeira quando alcançaram a casa principal. Tally tirou Beth do lombo da égua e meio a carregou para a casa.
—Miriam? — Chamou ela.
Miriam surgiu da parte posterior da casa, Dolores se aferrava a suas saias.
—Tally? Ah, meu Senhor.
—Temo-me que tenho a outra paciente para você — Disse Tally está é Beth Bryson, de Castelo Canyon.
—Castelo... Mas não está A...
—A uns bons sessenta e quatro quilômetros, e veio sozinha.
O rosto da Miriam se contraiu com compaixão.
—Pobre menina. Por que faria tal coisa?
Beth levantou a cabeça.
—Eu... É porque...
—Não tente falar — Repreendeu Miriam.
— Ponha-a em minha cama, senhorita Tally. O senhor André está dormindo.
Tally levou a Beth ao quarto de Miriam, enquanto Miriam deixava a Dolores com sua boneca favorita. Uma vez que Beth esteve sem perigo sob o cuidado de Miriam, Tally saiu para cuidar do cavalo da moça. Ela levou Muérdago ao pasto perto da casa e trocou suas roupas masculinas por outras de casa mais cômodas, conservando sua aparência masculina.
Para então Beth bebia a sorvos o chá, apoiada em vários travesseiros na cama da Miriam. Avermelhou quando Tally entrou no quarto.
—Como vai? — Perguntou Tally a Miriam.
—Cansada, morta de fome como um saco de ossos, com mais que uma útil escaldadura... —Ela pressionou suas saias contra suas pernas em ilustração— Mas sobreviverá.
—Sinto-o — Gaguejou Beth, colocando a xícara de porcelana na mesa de cama — Não pensei causar tanto problema.
Tally se sentou ao lado de Miriam.
—O que pretendia, montando sozinha todo esse trajeto? Onde passou a noite?
Beth sepultou suas mãos sob a roupa de cama, evitando o olhar fixo de Tally.
—Dormi sob um arbusto. Trouxe comida e água, mas isto não durou tanto como esperava. —Seus lábios se juntaram em uma amostra de desafio — Tive que escapar. Mãe sempre fala sobre como tenho que aprender a ser uma dama. Ela diz que posso conhecer um homem qualquer dia destes, e que devo ganhar em meu marido com minha deliciosa cozinha e rosto bonito. Mas isso não é o que quero.
—Não é o que quer? —Tally se esforçou por manter sua voz sob controle — Sabe o que seus pais devem pensar neste momento? Estarão aterrorizados por você, sem saber onde procurar.
—Sei. Disse coisas horríveis a Mãe. Eu só subi no Brandy e comecei a cavalgar... E logo pensei em você e Sim.
—Como sabia onde encontrar a Cold Creek?
—Seu “vaqueiro” Federico nos disse isso quando devolveu a carreta. Como está seu irmão?
—Não falamos de meu irmão, senhorita. Tem alguma idéia de quão afortunada é por ter uma família que te ama e sente carinho por você?
—Não sou afortunada. —Beth vacilou, e logo um estalo de palavras surgiu como uma inundação repentina depois de uma chuva torrencial.
— Você é o afortunado. Pode fazer o que lhe agrade, vive de acordo à forma que escolheu... E isso é obrigado a que todo mundo acredita que é um homem.
Miriam começou a andar e jogou uma olhada a Tally.
—Senhorita Beth...
Tally sustentou em alto uma mão.
—Sei que não trata de me insultar com tal conversa — Disse ela com voz mais baixa.
— Talvez eu deveria te deixar a sós com a Miriam.
Ela se levantou para ir-se. Beth se sentou, quase batendo sua xícara de porcelana na mesa.
—Sei que é uma mulher — Anunciou ela.— Sabia quando veio pela primeira vez a nossa casa.
Tally fez uma pausa na entrada e debateu sua resposta. Beth poderia havê-lo adivinhado, mas Tally via um pouco dela nesta jovem mulher.
—O que te fez decidir tal coisa? — Perguntou em um tom neutro.
Beth se recostou afundando-se entre os travesseiros.
—Só soube. Mas não o disse a ninguém. Sabia que você o mantém em segredo.
—Seus pais não sabem?
—É um disfarce muito bom —disse Beth amavelmente.— O usa todo o tempo, inclusive no povoado?
Tally suspirou.
—Acredito que teve bastante excitação para um dia.
—Não quer dizer isso—Disse Beth, juntando a colcha em uma bola contra seu peito.
— Mas sei por que o faz. A pessoas escuta os homens. Prestam-lhes atenção. Um homem pode escolher o que quer fazer, sem ficar a esperar que o marido ponha todas as regras. Ninguém lhes diz como comportar-se.
Tally queria rir. Beth só tinha adivinhado a metade da razão. Ela não sabia os outros motivos de Tally, e Tally não tinha intenção de compartilhá-los. Tampouco lhe daria um exemplo de hipocrisia e engano.
—Sou uma mulher adulta —Disse severamente — Vivi ao menos dez anos mais que você, e aprendi coisas que espero que nunca tenha que fazê-lo.
—Mas quero as aprender. Quero que me ensine.
—O que te ensine o que, Beth? Como agir como um homem?
—Se isso for o que tenho que fazer para ser livre. —Beth apartou as mantas quase violentamente — Quero montar a cavalo, trabalhar com o gado e entrar no povoado sempre que goste. Quero escolher se me caso ou não, não que escolham por mim. Não está casada... Não é?
—Não.
—Mas este rancho pertence a você e a seu irmão. Os homens trabalham para você. Como Sim.
Tally se tinha perguntado quando surgiria seu nome.
—Sim trabalha para mim, sim.
—Ele é... Seu... —Beth se ruborizou outra vez.
— Estiveram no mesmo quarto toda a noite. Se Mãe soubesse...
—Sim passou a noite no estábulo — Disse Tally, muito rapidamente.— É um de meus ajudantes, nada mais.
Os ombros da Beth se afundaram pelo alívio.
—Então você não é... Ele não é seu... Seu...
—Non, non.
—Mas ele sabe que é uma mulher.
Tally assentiu a contra gosto.
—Se outra pessoa descobrisse, diriam coisas terríveis sobre você. Ouvi mãe falar de mulheres fáceis nos povoados. Por isso me mantém em casa. Ela pensa que uma mulher só tem que ser má, mas isso não é verdade.
Mon Dieu.
—Estive casada uma vez —Disse Tally.— Permite às viúvas mais liberdade que às meninas. Poderiam te haver feito mal vindo aqui, Beth. Há homens maus no Território que não lhes interessa a honra de uma mulher.
—Os homens pode defender sua própria honra —Disse Beth ferozmente.
— Você tem uma arma.
—Nunca a uso.
—Mas poderia se tivesse que fazê-lo. Isso é o que quero aprender.
Tally fechou os olhos. Ela não sabia o que fazer para que Beth entendesse as conseqüências de seu sonho. Tirou-se o chapéu e as forquilhas que sustentavam fortemente seu cabelo no alto de sua cabeça.
Beth ofegou.
—Seu cabelo... É lindo.
—Como o teu se não estivesse tão enredado —disse Tally.
— falamos bastante no momento. Miriam te preparará um banho e te ajudará a te lavar o cabelo. Depois descansará, e decidiremos... Que fazer.
—Não voltarei.
Tally se parou junto à cama, as mãos aos quadris.
—Sou maior e mais forte que você, Ma fille. Recorda isso.
Beth decidiu trocar de tema.
—Onde está Sim agora?
—Trabalhando, com os outros homens.
—Voltará mais tarde?
Ah. Tally examinou suas curtas e cuidadas unhas.
—Ele estará aqui para o jantar, mas tomará suas comidas neste quarto.
—Mas...
—Sim se impressionaria ao ver que uma senhorita que conheceu em Castelo Canyon o está procurando como o está fazendo agora —Disse Tally, caindo com facilidade em uma mentira piedosa bastante inócua e esperava que Beth lhe acreditasse.
— Faz tudo o que Miriam diz.
—Tenho um pouco de pão e presunto frio —Sugeriu Miriam — fica quieta, senhorita Beth, e lhe esquentarei a água para seu banho.
Beth pôs os olhos em brancos como se o desejasse muito.
—Ah, muito bem —Disse ela. Recordou suas maneiras quando Tally e Miriam alcançavam a porta — Obrigado.
—Sinta-se cômoda —Disse Tally. Ela fechou a porta e agarrou o braço da Miriam, enquanto tremia com silenciosa risada.
—Se acha que isto é gracioso, eu gostaria de saber a brincadeira —Disse Miriam.
—É absurdo —disse Tally — Uma moça protegida de quinze anos é a única que vê através de meu disfarce, e quer ser justo como eu.
—O que ela acredita que é você—Disse Miriam brandamente — Ela acredita que a liberdade é simples.
Tally limpou seus olhos.
—A maior parte das pessoas nascidas livres nunca põem em dúvida seus destinos, Miriam. Os que o fazem sempre sofrem.
—Sofrem ao obter sabedoria.
—Mas não deveria ser a única forma de aprender. Como posso desalentá-la, Miriam? Como o explico a uma boa moça sem lhe esmagar seu espírito ou transforma-la em... Algo que lamentaria pelo resto de sua vida?
Miriam deu a Tally um breve abraço.
—Encontrará um modo de te dirigir a ela, Tally. Seu coração lhe dirá isso. —Ela pôs-se a andar energicamente para a cozinha.
— Parece que a menina tem interesse no senhor Kavanagh.
—Ela só o viu uma vez.
—Às vezes isso é suficiente.
Miriam estava no correto. Tally passava tão pouco tempo ao redor de outras mulheres que tinha esquecido que as convencionais encontravam atrativos aos homens "perigosos". Um homem como Sim fascinaria a uma moça que resistia às regras que a sociedade decretava para seu sexo.
Sim tinha a seu próprio e perfeito "anjo" esperando-o no México. Beth não o tinha tentado em Castelo Canyon, mas qualquer homem poderia responder a uma moça que o encontrava irresistível. A última coisa que Beth precisava era o tipo de provocadora companhia que Sim proveria. Ele só jogaria lenha ao fogo a sua rebelião, até se essa não fosse sua intenção.
E quem se preocupa mais, Beth ou você mesma?
Tally expulsou tais pensamentos de sua mente e ajudou a Miriam a levar o banho de assento pelo corredor. Então observou André. Estava dormindo, como pelo geral fazia a maior parte de cada dia. Ela se sentou na cadeira, escutando a agitação da Miriam na cozinha. Beth devia ter cooperado com seu banho. Tally dormitou, despertando por um tamborilar na porta.
—Senhorita Tally?
Tally se estirou e jogou uma olhada à janela. O ângulo do sol sugeria que só era passado o meio-dia.
—Como está Beth? —Perguntou ela.
—Dormindo. A água quente evaporou um pouco o espesso vinagre que corria por suas veias. —Miriam jogou uma olhada ao André.— Decidiu o que vai fazer?
—Retornarei a Castelo Canyon amanhã pela manhã. Tentarei que veja quão agradecida deveria estar.
—Talvez deveria colocar um vestido quando tiver essa conversa.
—Para lhe mostrar que linda dama sou?
—Ela a respeita. Pode lhe mostrar que não há nada incorreto em ser uma mulher.
—Estaria melhor ante este problema que eu, Miriam.
—Só porque ainda não pode ver a diferença entre o que é e as coisas que teve que fazer para sobreviver. —Miriam descansou sua mão no ombro de Tally.— Eu era uma escrava, mas isso não é quem sou.
—Não escolheu seu cativeiro.
—Você tampouco. Agora saia desse quarto. Há algo que estive pensando lhe dizer. —Ante o assombro de Tally, as torradas bochechas da Miriam tomaram um calor avermelhado de coibição.
—O que acontece? —Perguntou Tally.— Acredito que me está ocultando segredos, m'amie.(minha amiga)
—Só soube ontem à noite, e... Vamos ao salão, ou não direi uma palavra.
Desconcertada, Tally seguiu a sua amiga e se sentou ao lado dela no puído sofá. Miriam se retorceu como se não pudesse sentir-se cômoda. Tally apanhou as agitadas mãos da Miriam entre as suas.
—Basta. Qual é esta grande revelação?
Miriam lhe deu um amplo sorriso.
—Eli me pediu que casasse com ele.
Tally gritou e logo cobriu a boca para amortecer o grito. Abraçou a Miriam, sem saber qual delas tremia mais.
—Já era hora —Disse Tally.
— Ele esteve apaixonado por você por anos, sabe.
—Sei —Miriam se apartou, sentando-se muito direita.
— Mas quis me assegurar que isto estava bem para você antes de dizer que sim.
—Bem para mim? —Tally sacudiu a Miriam brandamente.— Grande folle!(que loucura) por que não deveria está-lo? Pode fazer o que escolher. —Em sua garganta se formou um nó gelado — Sabe, verdade? Não está obrigada a mim de nenhuma forma. É minha querida amiga.
—Sei isso. —Miriam tomou as mãos de Tally.
— Só que não quero que se sinta sozinha.
De repente Tally viu o por que Miriam se havia sentido insegura de contar sua alegre notícias: ela temia que Tally nunca conhecesse a classe de felicidade que ela experimentava. Tinha pensado nos sentimentos de Tally antes que os seus. Ela olhava os olhos de Tally procurando uma faísca de inveja, ressentimento, pena... Todas as emoções que Tally mais desprezaria nela mesma.
—Você... —Tally agüentou a respiração e se obrigou a afastar a vista de dois pares de mãos juntas, uma pálida e outra escura.
— Você e Eli planejam deixar Cold Creek?
Miriam aumentou seu apertão.
—Não. Quando viemos aqui, você e o senhor André fizeram de Eli um companheiro, de modo que quando esta terra seja reconhecida poderemos reclamar o vale inteiro. Ele acredita em Cold Creek, e eu também. Este é nosso lar.
Tally tremia e dobrou a cabeça.
—Embora tivesse que ir, faria-o com minha bênção. Mas estou contente... Muito contente que fique. —Ela sorriu.
— Quando será as bodas?
—Eu tinha esperado que pudéssemos fazê-la aqui, talvez em janeiro.
—É obvio que será aqui. Farei trazer um clérigo do Tombstone Y...
Miriam riu entre dentes.
—Sei quanto gostaria de fazê-lo um assunto grande, mas não temos a nenhum amigo no Território exceto às pessoas de Cold Creek. Deve ser algo singelo, ante Deus e aqueles que amamos.
Tally sabia que Miriam tinha outros amigos em Nova Orleáns, mas era um longo caminho de viagem.
—E Eli?
—Sabe que não gosta de falar de seu tempo no exército, mas lhe perguntarei se tiver a algum camarada que gostaria de convidar.
—Ah, MA chérie. Não poderia estar mais agradada.
—Só uma coisa me faria mais feliz, e é que pudesse encontrar a alguém para você.
—Sabe que isso...Não é provável.
—Acredita que ninguém a quereria.
—Me olhe, Miriam. Dito desafiar todas as regras, e vivi que um modo no que a maioria das pessoas não poderiam perdoar.
—Inclusive Sim Kavanagh?
Tally emitiu uma risada assustada.
—Sugere que ele seria um bom marido?
Miriam franziu o cenho.
—Não o teria pensado antes. Mas vi que o olha de um modo em que nunca olhou a nenhum homem.
—Imagina coisas.
—E ele lhe olha da mesma forma.
—Elijah estaria horrorizado com tal hipótese
—Você não o está.
—Já não penso no casamento. Sim já tem a uma mulher que o está esperando.
—Então deveria voltar para ela antes que lhe faça mal a você.
—Meu coração não está em perigo, Miriam.
—Tem o coração mais suave que conheço. Tenta fazê-la dura, mas nunca o obtém. Não acredita que algum homem aceitará alguma vez o que teve que fazer em Nova Orleans. Mas chegará um dia quando algum homem necessitará seu perdão tanto como você necessitará o dele. —Miriam cavou a mão de Tally entre as suas.
— Deus já a perdoou. Quando você se perdoe, não terá que estar tão assustada do mundo nunca mais.
Tally liberou sua mão de um puxão e separou do sofá.
—Felicitações outra vez, minha amiga. Se pode cuidar de Beth, eu deveria verificar o lago oeste antes de pôr-do-sol.
Miriam ficou de pé e a seguiu à porta.
—Perdão se disse algo que não devia.
—Não estou aborrecida, Miriam. Não com você — Ela sorriu e beijou a Miriam na bochecha, partindo rapidamente de modo que sua amiga não confundisse sua agitação com irritação.
No pasto, selou Muérdago e montou rapidamente para o oeste. Uma massa de escuras nuvens de tormenta se reuniu ao sudoeste, prometendo chuva ao entardecer. O quente vento açoitou o cabelo desatado de Tally. Galopou por diante do lamacento atoleiro e nos contrafortes das montanhas Lebres, urgindo ao Muérdago a subir até que a casa e o celeiro estiveram escondidos sob manchas de árvores verdes em uma rota de mar amarelo e marrom.
Não os perde, disse ela. Eles não partem. Mas o desejo e a tristeza permaneceram alojados sob suas costelas, porque ela sabia que, ao chegar o inverno, a vida em Cold Creek nunca seria o mesmo outra vez. Miriam e Eli se pertenceriam realmente um ao outro. E Sim com toda segurança teria ido. Atrás de sua mulher perfeita.
A liberdade não é ser livre.
Tally desmontou no lago, desempacotou a pá e sepultou seus pensamentos no barro, esterco e suor.
Eli estendeu a última de suas armadilhas e se afundou atrás em seus calcanhares. Sua mente vagava outra vez... Vagava a casa e Miriam, via-a afastando o cabelo negro de seu rosto com o dorso de sua mão enquanto trabalhava sobre a estufa quente e cantava um hino com sua voz baixa e bonita. Ele sorriu e cantarolou a parte de sua canção favorita, embora sua própria voz fora rouca e áspera. Talvez ele poderia contratar a músicos para que tocassem em suas bodas. O inverno parecia longínquo, com o ar tão quente e seco, mas quando elevou a vista viu as nuvens reunindo-se e soube que a mudança se aproximava.
Comprovou a armadilha outra vez, só para estar seguro. Aqueles malditos lobos não escapariam esta vez. Ele tinha estado escutando-os durante semanas até agora... zombando dele, esperando sua oportunidade de ir atrás dos bezerros pequenos. O fato de que ainda não o tivessem feito era pura sorte. Só era uma questão de tempo, e ele não tinha a intenção de perder um só animal com esses insetos sem valor.
Consciente de sua distração, Eli montou Ferro e cavalgou de retorno ao longo da linha de armadilhas para assegurar-se que cada uma estava corretamente colocada e escondida. Ele não alcançaria a última até que obscurecesse, mas isto daria a Miriam muito tempo para falar com Tally e que a tranqüilizasse de poder aceitar sua oferta com uma consciência clara.
Eli continuou cantarolando, experimentando com diferentes tons para ver qual soava melhor. Quase montou passando por cima ao homem ajoelhado sobre sua segunda armadilha. Ferro relinchou e moveu as orelhas em reconhecimento.
O homem se levantou, as duas metades da armadilha estavam quebradas em suas mãos.
Era Sim Kavanagh.
Capítulo 8
Sim atirou a armadilha à terra e de um chute que a enviou longe. Encontrou os olhos de Eli com casual hostilidade.
—Que demônios acredita que está fazendo? —Eli se deslizou do lombo de Ferro e foi examinar uma peça da armadilha que tinha acabado contra um grosso tronco de pinheiro. As molas estavam quebradas e as mandíbulas dentadas separadas com deliberada intenção. Por mãos humanas.
Eli girou para Sim.
—Simplesmente arruinou minha armadilha. O que está mal contigo, homem?
Sim enganchou seu polegar no cinturão de suas calças de montar perto da pistolera de sua arma.
—Desejo que deixe os lobos em paz.
—deixá-los em paz? —Eli deu um passo para o Sim, e o rastreador mostrou os dentes. Justo como um lobo.
— Sabe o que fazem ao gado uma vez que têm suas cabeças? Os bezerros são mais fáceis de matar que os cervos. —Eli sacudiu a cabeça com desgosto.
— Sempre soube que havia algo mal contigo, Kavanagh, mas isto...
—Deixa-os em paz —Repetiu Sim.— Eles não farão mal a suas vacas.
A risada se engasgou na garganta do Eli.
—Garante isso, verdade? Fez amizade com eles?
—Pode dizer que sim.
—Bendito Deus. Diria que está louco, mas parece correto que te associe com os insetos aos que segue.
—Talvez eles me seguem.
Eli aplanou a pilha de folhagem de pinheiro e folhas secas onde tinha estado à armadilha.
—Não estaria surpreso se os treinasse como cães.
—Não como cães — Respondeu Sim.— Mas se não os apanhar, eles não matarão o que pertence à senhorita Tally.
Eli olhou fixamente aos impassíveis e claros olhos. Kavanagh era pior que um simples proscrito ou ladrões de gado. Tinha-lhe metido na cabeça... Ou tinha algum esquema que se apoiava em provocar ao Eli em uma luta que Sim esperava ganhar.
Eli poderia deixar acontecer isto no momento e conseguir ajuda do Federico e Bart, ou poderia dirigi-lo sozinho. O sentido comum não tinha nada que ver com sua escolha.
—O que quer, Kavanagh? —Perguntou ele — O que faz em Cold Creek?
—Trabalho com o gado e corro com os lobos — Respondeu Sim, com cara séria.
—É muito mais que isso. Descobrirei.
Sim parecia que ia responder, mas de repente levantou a cabeça, inclinando-a para o sul. Suas fossas nasais sopraram.
—Deseja salvar a propriedade da senhorita Tally, Patterson?
—Se acha...
—Eu penso que deve cavalgar até a casa e conseguir os outros homens, se pode encontrá-los —Disse Sim — Tem a intrusos em sua terra, e eles não estão aqui para um picnic.
—Como sabe isso?
—Do mesmo modo que sei sobre os lobos.
—Por que deveria acreditar em algo que diz você?
Sim encolheu os ombros.
—Me siga. —Ele saltou de um parapeito em uma queda morta no espaço de um segundo, correu pelas árvores e mal roçando a terra como nenhum homem alguma vez nascido. Eli subiu à cadeira e girou Ferro para o caminho que Sim tinha tomado. Ele vislumbrou brilhos de movimento, um remendo da camisa azul entre as folhas verdes e marrons ramos. Cavalgou para um claro e encontrou que Sim o estava esperando, bocejando como se estivesse aborrecido. Então o rastreador saltou para ficar em movimento outra vez.
Os sentimentos de Eli foram além da cólera. Esse território era mais fácil para um homem a cavalo que a pé, mas Kavanagh ia diante dele sem esforço algum.
Sim havia dito que ele estava "correndo com os lobos." Em algum momento Eli teria regeiado todo semelhante conto de fadas, mas tinha aprendido uma lição difícil desde seus juvenis dias de estrita racionalidade. Recordou histórias de bruxaria na Índia, e troca formas, seres maléficos que tinham intercambiado suas almas para caçar como bestas.
Ferro se deteve com um bufo, e Eli encontrou que seu cavalo estava sobre um penhasco de granito que dominava um desfiladeiro. Sim estava de pé ainda mais perto da borda, equilibrando-se precariamente, como se pudesse abrir asas e voar.
—Olhe —Disse ele.
A vista ao sul e o oeste estava limpa, o céu era claro como o cristal exceto as algumas iminentes nuvens. A luz se refletiu sobre um metal, uma peça de tachinha ou abotoadura que decoravam algum chapéu. Eli viu umas diminutas figuras a cavalo conduzindo um rebanho de gado para o canyon Threefork. De ali um passo razoavelmente baixo cortava entre Pedregosas e o extremo sul das Chiricahuas, entrando rapidamente para o vale de São Bernardino.
Os ladrões de gados tinham retornado. Eli sabia que teria que montar a cavalo rapidamente para alcançar os outros homens e ir atrás dos ladrões, mas o gado faria mais lento os ladrões de gados uma vez que começassem a subir pelo passo. Ainda havia umas poucas e preciosas horas de luz, tanto para os homens maus ou os bons.
Ele girou para o Sim.
—Escuta, Kavanagh. Você...
Mas Sim se foi, nem sequer um calhau tinha delatado seus passos. Eli blasfemou de uma forma que Miriam certamente desaprovaria e urgiu Ferro para a casa pela rota mais rápida em que podia pensar.
Foi bastante afortunado de encontrar-se com o Federico que conduzia a uma vaca macilenta e seu bezerro meio morto de fome para o pasto. O céu estava quase negro sobre o horizonte do sul quando chegaram à casa. Bart e Tally estavam fora em algum lado da propriedade. Miriam rapidamente lhe explicou sobre Beth, quem dormia em seu quarto.
Eli estava contente com que Tally não integrasse esta partida, mas justo quando se equipava a si mesmo e ao Federico com cada arma em Cold Creek, ela chegou a cavalo. Ela e seu cavalo estavam melados com barro de pés a cabeça. Deu um olhar ao Eli e se fixou em seu 44 ao quadril.
—O que é isto? —Perguntou ela.— Onde está Sim?
Eli escondeu um cenho e desvencilhou Ferro.
—Kavanagh localizou a uns ladrões de gados que conduzem nosso gado para o canyon Threefork. Ele ainda está ali. Federico e eu iremos atrás deles.
—Vou com vocês. —Ela desmontou e aceitou um rifle do Eli, deixando a escopeta para o Federico.
— Quantos?
—Meia dúzia de ladrões de gados e possivelmente vinte cabeças de gado, isso é aproximadamente o que posso dizer. —Ele encontrou seu olhar.— Você fica aqui, senhorita Tally.
Ela esfregou o barro seco da frente.
—Necessitará a mais de três homens.
—Alguém deve ficar aqui para cuidar da senhorita Beth... E da Miriam... Se algum desses ladrões vêm por este caminho.
—Isso me soa como se eles já estivessem de caminho. Miriam, mantém à mão seu rifle e permanece dentro.
—Não tenho medo, senhorita Tally.
—Sei. Algum sinal de Bart?
—Foi ao extremo norte da propriedade esta manhã —Disse Eli — Se vier aqui, os enviarei — Disse Miriam.
O barulho atraiu Pablo e Dolores que saíram correndo da choça do Federico. O olhar do Pablo se fixou nas armas de fogo, e realizou um pequeno baile de excitação.
— O que acontece, Papai? Posso ir?
—Fica aqui com a Miriam —Disse Federico severamente.
— Quieto, entende-me?
Os ombros de Pablo se afundaram.
—Sim, Papai. —Logo acrescentou — Não se preocupe. Protegerei às senhoras.
—Sei que o fará. —Seus preocupados olhos estudaram o céu — Choverá muito em breve.
—Um bom toró atrasará os ladrões de gados mais que a nós — Disse Tally.
— Pablo, corre tão rápido como pode e traz os cavalos de reposto do pasto. Logo pode escovar a estes três e lhes dar seu grão.
—Sim, senhorita Tally. —Pablo escapou para o pasto. Retornou rapidamente com três montarias frescas e tomou a custódia dos outros enquanto Tally, Federico e Eli selavam e se preparavam para um duro rodeio.
Eli mal teve um momento para falar com Miriam, quem observava com ansiedade cuidadosamente oculta. Picavam-lhe as mãos por conseguir ao menos um dos ladrões culpados de danificar um dia que tinha esperado terminasse com a promessa da Miriam de casar-se com ele. Era melhor que Sim Kavanagh aparecesse para ajudar com os ladrões de gados, ou ele mesmo poderia terminar pendendo do extremo de uma corda.
Tally dirigiu seus arreios junto ao dele.
—Disse que Sim descobriu os ladrões de gados —Disse ela.
— Provavelmente seguiu adiante para rastreá-los, talvez até atrasar sua entrada ao passo.
—Espero que tenha razão. —Mas Eli evitou seus olhos quando colocou seu rifle na capa da cadeira — Vamos cavalguemos.
Saíram rapidamente, mantendo o passo enquanto a terra permanecia relativamente nivelada. Reduziram a marcha uma vez que alcançaram a parte baixa do canyon Threefork. O esterco do gado e os rastros de muitas pesadas marcavam o leito de um rio seco. Os ladrões de gados não tinham feito nenhum intento de esconder seu rastro.
A chuva começou quando se encontravam no meio do canyon. As gotas eram pesadas e grosas, dispersando o pó quando golpeavam a terra. Os trovões retumbaram, e um relâmpago partiu o céu só uns quilômetros ao sul. Então a tormenta caiu, empapando por igual a cavaleiros e cavalos.
—Temos que sair do arroio — Gritou Eli. Ele não tinha que explicar o perigo das inundações que baixavam repentinamente das montanhas. Os ladrões de gados enfrentavam o mesmo perigo. Inclusive embora tivessem subido o bastante alto para evitar as inevitáveis inundações, ainda teriam entre suas mãos um bando de teimosas e nervosas cabeças de gado.
Tally e Federico esporearam suas montarias até o escarpado atalho a um lado do arroio, enquanto Eli tomava outro. Os cascos dos cavalos se posaram na fresca capa de barro, logo os cavaleiros desmontaram e escolheram seguir a pé entre os pinheiros. A água gotejava continuamente pela aba do chapéu de Eli, cegando-o. O centro da tormenta estava mais perto. Um relâmpago golpeou sobre um canto próximo. Os trovões rasgavam uma melodia ensurdecedora.
Eli procurou Tally. Ela e Federico já não eram visíveis, e procurou um duvidoso refúgio sob uma ramada de pinheiros que reduziram o toró a um tênue véu líquido.
Não poderiam avançar mais em tais condições. Tally e Federico procurariam seu próprio refúgio até que a chuva amainasse. Eli consolou a seu nervoso cavalo com umas palmadas e palavras suaves. O céu ficou mais escuro quando o sol começou a ocultar-se. Ao pouco tempo Eli ouviu um estrondo revelador do alto do canyon, e uns minutos mais tarde uma parede de espumante água desceu para o arroio, levando-se tudo aquilo ante ele. Era o crescendo da louca sinfonia da natureza. O denso teto de negras nuvens se abriu, mostrando seus baixos ventres vermelhos e laranjas. A corrente cedeu passo à chuva e logo à garoa. As gotas reluziam pendurando em cada superfície. A luz do sol golpeou as cúpulas dos picos do leste.
Tally surgiu dos bosques ao outro lado do arroio. Eli lhe fez gestos, e lhe devolveu seu sinal. Não havia nenhuma maldita oportunidade que alcançassem os ladrões de gados antes do anoitecer, mas os ladrões não podiam ir muito longe até a manhã. Eli calculou as probabilidades as quais eram de cinqüenta a cinqüenta de que pudessem alguma vez recuperar o gado. E se eles não...
Cold Creek não podia permitir-se perder vinte cabeças de gado depois do roubo do inverno passado. André tinha tomado o dinheiro destinado para a compra de novas vacas, um fundo ao qual Eli tinha contribuído a maior parte do que ele tinha salvo de seus salários no Texas. Tally poderia ter um pouco economizado, mas ela também tinha investido a melhor parte da exígua herança de seu antigo casamento e suas economias na edificação do Cold Creek.
Sem o rancho e a promessa de uma fazenda legalizada, Eli não teria nada que dar a Miriam. Tally perderia sua duramente ganha liberdade do passado. Bart, Federico e os meninos se veriam privados de um lar onde eram tratados como família em vez de simples empregados.
Eli montou e cavalgou para o sol que se ocultava. A inundação do arroio tinha diminuído a uma corrente facilmente vadeável. Tally e Federico o cruzaram para reunir-se com ele, e os três elevaram a vista ao canyon.
—Ficaremos aqui esta noite — Disse Tally. Seria um frio e miserável acampamento sobre a terra molhada com úmidos esteiras, mas ninguém sugeriu uma alternativa. Eli estudou o decidido perfil de Tally. Ela estava pensando quão mesmo ele... Sim nunca se revelou. Tinha desertado, possivelmente até se uniu aos ladrões de gados...
De repente uns baixos e miseráveis gritos ecoaram pelo canyon, acompanhados por um coro de vozes bovinas. Uma vaca longhorn surgiu da borda do arroio, e um bezerro caminhava com o passar do leito do arroio. Mais cabeças de gado desciam pela ladeira.
Tally jurou. As vacas e seus bezerros pisoteavam o mato, impaciente por retornar a território conhecido. Cada besta levava a dupla C marca de Cold Creek. Atrás deles trotavam um grupo de quatro cavalos desconhecidos, duas sem cadeiras.
Sim os seguia, montado em um formoso malhado. Ele assobiava e chamava à manada, conservando-a junta como por arte de magia. Federico e Tally cavalgaram para ajudar. Eli apertou a mandíbula, fez girar seu cavalo em um amplo círculo para rodear a manada e remontou o rastro de Sim.
A terra tinha sido batida a uma sopa de barro e ramos pulverizados, mas o gado tinha deixado um estreito atalho de rastros. A umas centenas de jardas, onde a terra se nivelava em um prado, Eli encontrou uma cadeira, um par de chapéus pisoteados e uma pistola sepultada até a manga. Duas metades de um rifle estavam em extremos opostos do prado. Dos ladrões de gados não havia nenhum sinal.
Eli se reuniu com outros ao pé do canyon. Sim ainda montava sozinho, sua concentração estava fixa no gado. Mas Tally se sentava em sua cadeira com a cabeça em alto e um sorriso sobre o rosto. Toda sua fé no Sim tinha sido justificada.
E todas as dúvidas de Eli se triplicaram.
Sim tinha obtido algo que nenhum homem por si só deveria ser capaz de fazer. Tinha afugentado aos ladrões de gados... Ao parecer sem matar a nenhum deles... E retornou com o gado roubado. Ele nem sequer tinha tido um cavalo quando Eli o viu com as armadilhas para lobos.
Um homem ardiloso que se aliasse com os ladrões de gados facilmente poderia converter-se em um herói ao interpretar uma falsa fuga. Mas o que ganhavam ele ou os outros ladrões atirando ao lixo o que quase tinham obtido? Isto só teria sentido se tivessem em mente algo muito maior, maior que algo que Cold Creek pudesse oferecer.
Miriam tinha acendido todo os abajures na casa, esperando, contra qualquer esperança, que os cavaleiros pudessem voltar essa noite. Estava ante a porta para dar a bem-vinda ao Eli, e depois a Tally, Federico e Sim, quem levou ao caprichoso gado ao curral para esperar um mais exaustivo exame pela manhã.
—Quanto rezei —Disse Miriam, abraçando ao Eli com seus mornos e roliços braços — Todos estão bem?
—Nunca encontramos os ladrões de gados. —Ele lançou seu chapéu sobre uma cadeira junto à mesa da cozinha — Sim o fez por nós.
—Sim?
Tally entrou, seguida pelo Federico e Bart. O homem maior escutava o rápido espanhol de Federico com a boca entreaberta e muitas sacudidas de cabeça. Pablito saltava acima e abaixo lhe pisando os calcanhares de seu pai.
—Sim salvou o gado! —Cantarolava ele.
Miriam os fez calar com um dedo sobre os lábios.
—Silêncio, todos vocês. Despertarão à moça. —Ela estremeceu ante o barro que se desprendiam das botas dos cavaleiros e jogou um olhar suplicante ao Eli.
—Deixaremos tudo limpo para o jantar —Anunciou ele — Depois eu gostaria de ter umas palavras com você, senhorita Tally.
—É obvio, Eli. —Inclusive uma capa de barro ou pó não podia obscurecer o resplendor de seu rosto.
— Me lavarei no estábulo, Miriam.
—Não fará tal coisa. Tenho água quente sobre a estufa, e você tomará um banho.
Tally cabeceou distraidamente, olhando para a porta. Pelo Sim. Eli recolheu seu chapéu e saiu a grandes limiares. Os outros homens o seguiram. Sim não estava nos barracos, tampouco apareceu pela casa principal quando os grandemente limpos jornaleiros retornaram para a comida da noite.
Federico, Bart e Pablito esperavam no salão, falando ainda com entusiasmo sobre a aventura do dia. Mas quando Tally lhes uniu, toda conversa cessou.
Eli tinha visto Tally levando um vestido um par de vezes no ano anterior, algo mais freqüentemente no Texas. Seus vestidos eram sempre de simples percal ou musselina, tão singelos como pudessem ser, geralmente sem volantes, anáguas ou apertados espartilhos decretados pelo bom gosto e o decoro.
O conjunto dessa noite era algo diferente. Embora Eli soubesse pouco de moda feminina, reconhecia o pano fino quando o via. O sutiã era apertado como uma vagem e chegava até mais abaixo dos quadris de Tally, e a saia era igualmente apertada sobre as pernas com numerosos volantes e laços na prega. Levava uma espécie de arco na base do traseiro que recordava ao Eli a cauda de um cavalo. As damas mais elegantes de Tombstone vestiam roupagens desse tipo, mas seriam afortunadas se podiam caminhar mais rápido que um coxo. Ver Tally tão confinada era uma revelação desagradável.
E ainda assim... Estava formosa. Miriam estava pé à entrada da cozinha admirando-a abertamente, enquanto que Bart boqueava como um pescado. Assim devia ser como ela se teria visto em Nova Orleáns, quando os homens tinham pago tão generosamente por seus favores. Por que quereria trazer de volta esses maus dias?
Eli conhecia a resposta. Ele deu um passo até Tally, agachando a cabeça em uma pequena reverência e lhe ofereceu seu braço. Ela tomou e o acompanhou através do quarto até um rincão privado.
—Bem, Eli — Disse Tally, acariciando nervosamente o cabelo amarrado em um penteado alto — De onde vem tanta formalidade?
—De onde vem isto? — Perguntou ele, assinalando seu traje.
Ela escovou as Palmas de suas mãos sobre o brilhante pano em sua cintura e arrancou uma pequena fita.
—Comprei-o em Tombstone a princípios deste ano. Não sei o por que. —Ela riu — Tão impressionado está, meu amigo?
—Só um pouco surpreso. O homem para o que você o leva não se dignou aparecer para apreciá-lo.
Tally levantou o queixo.
—Faz uma hipótese inexata, Eli. Sobre o que desejava me falar?
—Não encontra um pouco conveniente que Sim recuperasse essas vacas tão facilmente?
—Extremamente conveniente, e admiravelmente eficiente.
—Nem sequer um pouco suspeito?
—Por que o obteve sem matar a nenhum dos ladrões e o fez absolutamente sozinho?
—Algo assim.
—É um homem muito inteligente, Eli, mas não tão bom para ocultar seus pensamentos. Acha que Sim estava com estes ladrões de gados, embora seu comportamento, e o deles, pareceria lhe evitar qualquer benefício. Por que prepararia Sim uma farsa tão complicada?
—Não sei. Ainda.
—Teve aversão do início, mas ele tem feito mais que demonstrar sua habilidade e lealdade. Até que tenha mais que desbocadas especulações...
—Ele destruiu minhas armadilhas para lobos.
Ela piscou, tomada com o guarda baixo.
—O que?
—Pus armadilhas para capturar a esses lobos antes que comecem a matar nosso gado. Apanhei-o as rompendo. Disse-me que devo deixar aos lobos em paz.
Tally vacilou, percorrendo ligeiramente suas mãos sobre o respaldar da cadeira de balanço que André estava acostumado a ocupar pelas tardes.
—É peculiar, sim, mas com muita dificuldade um motivo de condenação. A não ser que sugira que os lobos também estão aliados com o Sim e os ladrões de gados.
—Não passaria nada em alto...
—Elijah Ezekial Patterson —Disse Miriam, passando ao lado dele— Está a ponto de transtornar a digestão da senhorita Tally. Deixa-o estar.
—Miriam... —Começou Tally.
—Senhorita Tally, sou primeira em admitir que eu não gostei do senhor Kavanagh quando o conheci pela primeira vez. Mas agora estou de acordo com você. Eli, deixa-o.
—Isto não é de sua incumbência, Miriam.
Seus olhos escuros cintilaram.
—O bem-estar das pessoas neste rancho é de minha incumbência. Ou sugere que nenhuma mulher salvo a senhorita Tally tem um pingo de sentido?
Eli apertou a mandíbula.
—Esta casa é seu reino, Miriam. Não disputo isso. Mas fora...
—Que é uma extensão daqui dentro. Ninguém pensa menos de você devido ao que o senhor Kavanagh fez. Mas quando começa a pôr má cara como um menino ciumento, do modo que está fazendo agora... —Ela elevou as mãos e retornou à cozinha.
— Todo aquele que queira jantar, que venha e comam.
O rosto de Eli esquentava perto do ponto de ebulição. Tally não lhe ajudou com seus olhares pormenorizados. Ele e Miriam quase nunca brigavam, mas que ela começasse uma briga aqui, em frente de todos... Sim. Ele era a causa de todo este problema. Mas até que Eli tivesse a prova que Kavanagh não era o que parecia, Tally não escutaria.
—Eli — Disse Tally brandamente — Falarei com a Miriam.
—Não. —Ele baixou sua voz — Não há necessidade. Eu...
Sim entrou no salão. Ele dirigiu um olhar a Tally e ficou absolutamente calado. Eli desfrutou de seu assombro tanto como durou. Mas logo os olhos do Sim se voltaram frios e calculadores, e Eli soube que o rastreador se deu conta o por que sua patroa se vestiu com todo seus ornamentos e estava de pé ruborizada como uma colegial virgem.
—Senhorita... Bernard — Disse Sim.
—Chegou bem a tempo para o jantar — Disse Tally casualmente. Ela pôs-se a andar para a cozinha, medindo seus passos ao confinamento de suas estreitas saias. Sim e Eli alcançaram a porta ao mesmo tempo. Sim convidou com uma mão ao Eli a seguir adiante com um sorriso afiado que esclarecia que ele sabia quão profundas era as suspeitas do Eli... E quão pouco lhe importavam.
A esporádica conversa foi reassumida pouco depois que o alimento fora servido, mas ninguém encontraria o olhar do Eli. Miriam acabava de sentar-se quando uma moça jovem entrou na cozinha, vestia um par de calças de Tally e uma folgada camisa.
—Tally? — Disse a moça, percorrendo com o olhar os rostos na mesa.
— Me inteirei... —Seu olhar foi descansar sobre o Sim, e ela disse—: Está aqui.
Tally se esclareceu garganta.
—Bart, por favor traz uma cadeira para a senhorita. —Ela chamou à moça para ela.
— Cavalheiros, esta é a senhorita Beth Bryson, de Castelo Canyon. Ela e seus pais nos ajudaram em nossa busca do André. Senhorita Bryson, recorda ao Sim Kavanagh. Este é nosso capataz, Elijah Patterson. E estes homens são Bart Stanfield, aquele é Federico Rodríguez, e, seus meninos Pablo e Dolores.
—Boa noite —Disse Beth, tentado aparentar uma adulta dignidade apesar de seu inexperiente atordoamento. Ela jogou uma olhada outra vez a Sim e se ruborizou. Bart pôs uma das cadeiras do salão entre o Eli e Tally. Beth tomou assento e se girou para olhar fixamente o vestido de Tally.
—É formoso —Disse ela — Parece tão diferente.
—Ela se vê como uma dama —Disse Miriam.
Sim comeu um pedaço de batata e de forma significativa ignorou às três fêmeas. Ele não sabia da chegada de Beth, tinha estado fora rompendo as armadilhas do Eli, mas era agudamente consciente da densidade das intrigas femininas no quente ar da cozinha. Ver Tally nesse elegante vestido tinha sido uma forte impressão.
Primeiro Sim tinha assumido que Tally pôs o vestido para ele. Tinha pensado que eles tinham chegado a um entendimento quando ele tinha descoberto seu disfarce aonde os Brysons, inclusive se às vezes esse entendimento tinha sofrido de certa tensão. E embora muitas mulheres se vestiam para ganhar a admiração de um homem, ele não podia acreditar que Tally tentasse aquele truque embora de repente tivesse decidido que ela o desejava.
A presença da moça fazia um pouco mais complicadas as coisas. Ela não sabia que Tally era uma mulher em Castelo Canyon, mas seguro como o inferno que agora o fazia. Isto devia ser um pouco deliberado pela Tally. A presença da Beth em Cold Creek sem seus pais era peculiar em si mesmo, e o modo que ela olhava ao Sim fazia que os pêlos lhe arrepiassem na nuca.
Não se deu nenhuma explicação durante a comida. Federico, monopolizou a conversa em qualquer circunstância, estava feliz de dar de presente a visitante com a história dos ladrões de gados e a volta do Sim com o gado roubado. Não parecia notar os olhares de advertência de Tally ou o pétreo rosto do Eli. Várias vezes fez uma pausa e olhou a Sim como se espera-se que o grande herói dissesse sua parte, mas Sim manteve seus olhos sobre seu prato.
Tinha tido suficiente antes que a comida terminasse. Não reconhecia a forma em que Tally se via agora, e Beth Bryson o olhava constantemente com muita admiração. Qualquer prazer que tivesse obtido a custa do Eli fazia muito tempo que se foi, e estava desesperado pela liberdade das altas colinas.
Levantou-se no momento que sentiu que toda a atenção tinha trocado a algo que não fora ele, mas seu estratagema fracassou miseravelmente. Miriam tinha levado a Beth a algum lugar fora de sua vista, mas Tally estava atenta e lhe dedico um olhar que o cravou ao chão.
—Eu gostaria de falar contigo, Sim. No salão.
Os outros homens se dispersaram, até o Eli. Tally seguiu o ofegante olhar do Sim para a porta.
—Não se sente cômodo com os louvores, verdade? —perguntou ela.
—Só fiz meu trabalho.
—Um trabalho que outros poderiam ter feito. Haverá uma bonificação para você, Sim, embora não seja tanto como te merece.
Procurou em seus olhos por algum rastro de dupla intenção em suas palavras, mas seu rosto era tão sincero como sempre. O mesmo rosto, o mesmo cabelo dourado, mas eles pareciam pertencer a um mundo diferente.
Ela indicou com a mão para o salão, e ele a deixou que encabeçasse a marcha do modo em que o faria um cavalheiro. Seu lábio se curvava com desdém.
—Não se preocupe por minhas roupas — Disse Tally.
Ele apagou toda expressão de seu rosto.
—Não me acostumo... A vê-la assim.
—Não importa ami.(amigo) —Ela tomou assento em uma das elegantes cadeira do salão, logo que era capaz de dobrar seu corpo — Te chamei por uma razão, Sim. Chamei-te pela Beth.
Sim jogou uma olhada às cadeiras de frágil aspecto e decidiu permanecer em pé.
—A moça?
—Ela apareceu esta manhã, esgotada e assustada. Tinha montado sozinha todo esse caminho, sem o conhecimento de seus pais ou sua autorização.
—Eu imaginava.
—Sabe porquê veio? — Os olhos de Tally tinham aquela estranha qualidade de permanecer sérios e divertidos de uma vez.
— Ela compreendeu que eu era uma mulher quando estivemos em Castelo Canyon. Decidiu que queria ser livre igual a eu, e que deveria lhe ensinar a forma de viver como um homem.
Sim riu.
—Essa pequena potra?
—Essa pequena potra tem muito espírito, e não gosta do destino que seus pais têm em mente para ela.
—Que destino?
—Converter-se na esposa de algum acomodado rancheiro ou comerciante, e formar uma família.
Sim cruzou os braços.
—Não é o que deveria fazer? Voltar-se respeitável?
Tally se levantou outra vez e passeou pelo quarto, de alguma forma controlando a ridícula e estreita saia.
—Estou preocupada com Beth. É decidida e exaltada. Pus-me este vestido para lhe demonstrar que ainda posso ser uma dama... —Ela dirigiu ao Sim um sorriso sardônico—,... Com a louca esperança de poder tentá-la com um pouco dos ornamentos femininos.
—Não conheci rancheiras vestidas tão elegantemente.
—Elas não o fazem. —Sua risada se desvaneceu, e olhou ao longe.
— Não mentirei. Mas... Vi tudo do mundo, Sim. Sabe. Possivelmente nunca viveu uma vida em um povoado ou cidade, mas deve saber o que acontece com as jovens que se apartam muito longe fora dos limites do decoro.
Sim ficou rígido. O que ela havia dito não era pessoal. Só umas quantas pessoas sabiam sobre sua mãe, e eles não tinham nenhuma razão para falar.
—Sei —Disse ele pesadamente.
—A maior parte dos homens usam a tais desafortunadas mulheres sem sequer pensar em suas origens, ou em que as levou a tais terríveis circunstâncias.
O calor se propagou pelo rosto de Sim. Tentava lhe fazer recordar sua conduta com Complacente Mary faz tantas semanas?
—Isso não passará a uma menina coma Beth — Disse ele.
—Está tão seguro? —Ela controlou suas mãos sobre os diminutos botões de seu comprido sutiã como se temesse que desaparecessem e a deixassem nua frente a ele.
— Estive casada. Não lhe disse isso, porque isto não concernia a seu trabalho aqui...
—Casada?
Ela assentiu sem encontrar seus olhos.
—Expliquei a Beth que minha condição de viúva me dá mais liberdade da que ela deveria esperar a sua idade. Não desejo subestimar o perigo que Beth enfrenta se desobedecer às normas da sociedade, ainda em um lugar tão “incivilizado” como o Território do Arizona.
Sim mal ouviu suas últimas palavras. Sua mente estava cheia de imagens de Tally casada... Tally como uma noiva, uma virgem jazendo em seu leito nupcial, tomada uma e outra vez pelo homem que se fazia chamar a si mesmo seu marido...
Capítulo 9
—Quem era ele?
—Quem?
—O homem. Você...? —A palavra se entupiu na garganta — Marido.
—Não é importante. Ele morreu faz vários anos.
Sim apertou os punhos atrás de suas costas.
—Não foi feliz — Disse ele.
A débil linha de preocupação entre suas sobrancelhas se fez mais profunda até fazer uma dobra.
—E como pode afirmá-lo?
—Sei. —Ele cruzou a sala, girou, e logo retornou — Se tivesse sido feliz, diria a Beth quanto poderia sê-lo ela. Mas não vai dizer, verdade?
—Muitas mulheres encontram grande alegria no matrimônio.
—Mulheres como você? —Ele chiou os dentes, sem estar seguro do que dizia ou queria dizer. Nada estava saindo como ele desejava — Nunca teria deixado que um homem te governasse.
Tally se sentou e alisou a saia sobre seus joelhos uma e outra vez.
—Acredito que me está fazendo um exame. Mas não é um argumento que posso usar com Beth. Por isso, quero que fale com ela.
—Eu?
—Pode parecer estranho, mas nossa Beth se “adoçou com você”, como diz o dito.
Se ela riu, ele teria abandonado o quarto. Mas ela não riu. Estava séria. E muito preocupada.
—Não falei com ela em Castelo —Protestou ele — Apenas a olhei.
—Não teve que fazer nada — Disse Tally brandamente — A imaginação de Beth foi suficiente. Em você, ela viu uma lenda, um cavalheiro das montanhas, um mistério. Seu silêncio só o fez mais fascinante
—É só uma menina.
—É o suficiente maior. Com segurança as mulheres o encontraram atraente antes.
Tally não estava falando dela mesma. Sim pensou em Esperança.
—Eu nunca tocaria a uma menina.
—Sei.
—Não posso falar com ela.
Ela baixou o olhar para suas mãos, ásperas e gretadas contra a seda.
—Disse-me uma vez que não tinha uma família como os Brysons. Se a tivesse tido...
—Não faria nenhuma diferença. —Ele inspirou como se o ar da tarde pudesse refrescar a queimação de suas vísceras.
—Nenhum dos dois teve a vantagem de dois amorosos pais que cuidassem de nós. Beth tem algo maravilhoso. E estou segura... —Ela elevou a vista, lhe sustentando o olhar — Estou segura de uma coisa. Faria tudo que pudesse para evitar que uma moça coma Beth arruinasse sua vida.
—Como pode estar tão segura de mim? — Grunhiu ele.
—Pela forma em que falas de sua Esperança — Disse ela — Vá com a Beth. Convence a de voltar para casa e escutar a sua família.
—Pede muito.
—Não acredito. —Os olhos de Tally permaneceram tão calmos, tão serenos e impertérritos. Os joelhos do Sim pareciam jovens árvores de salgueiro.
— Acredito em você, Sim.
Inferno e condenação. Ele se estava voltando lentamente louco nessa habitação com ela, desejando estrangulá-la e beijá-la ao mesmo tempo. E a menos que fizesse o que ela queria, nunca teria um momento de paz. E se ele podia impedir que Beth Bryson terminasse como Evelyn Kavanagh...
—Faz que venha aqui — Disse ele.
— E fica de pé justo fora dessa porta.
Tally se levantou e deixou o quarto, elegante e estranha. Uns minutos mais tarde Beth entrou no salão. Ela contemplou ao Sim, sua boca tremendo ao bordo de um sorriso. Ela se sentou quando lhe disse que o fizesse. E escutou, mesmo que a repreendeu como algum irmão maior, preparado para dobrá-la sobre seu joelho e lhe dar uma boa sova.
Quando ele terminou, Beth estava chorando. Ela não emitiu um som; as lágrimas corriam por suas bochechas, lágrimas de humilhação. Sim o sentia em carne viva. O rosto dela estava branco como o marfim.
Miriam veio e a levou. Tally bloqueou o caminho quando Sim arremetia contra a porta principal.
—Ouvi-te —Disse ela — O fez bem, Sim. Lástima que nunca tivesse uma irmã.
A essência de Tally fazia que fosse difícil para ele concentrar-se no ar limpo fora das paredes desta armadilha que ela chamava lar.
—É uma bênção para aquela irmã que nunca nasceu.
Retirou-lhe uma mecha de cabelos sobre seus olhos.
—Ah, Sim. É você o mais duro juiz, muito mais do que Eli pudesse ser.
Ele se afastou de um puxão, respirando rapidamente.
—Eli não é o suficientemente duro. —Ele passou por diante dela como o descarado mal educado que era.
— Não me peça que retorne com a Beth a Castelo.
—Não o planejava. Miriam e eu a escoltaremos. Enquanto Beth guarde meu segredo, ainda serei Tal Bernard... E a aventura da Beth não parecerá tão grave se Miriam viajar com ela.
—E se ela contar seu segredo a sua mamãe e papai?
—Sobreviverei.
Ele seguiu caminhando. Um solitário uivo chegou à deriva das montanhas.
—Que segredos guardam eles, pergunto-me? —Disse Tally atrás dele.
— Acredito que sei o por que destruiu as armadilhas do Eli, Sim. Não pode suportar que nada seja retido contra sua vontade.
Sim se deteve.
—Os lobos são meus únicos irmãos —Disse ele, sabendo que ela nunca tomaria suas palavras como uma verdade literal.
—Então lhes envie minhas saudações — Disse ela — E lhes peça que não comam nossas vacas.
A risada em seu interior conseguiu enredar-se ao redor de seu coração. Ele por fim deixou a Tally, mas não foi com os lobos. Esta noite era muito humano. Esta noite eles lhe grunhiriam, escapuliriam-se e o evitariam, porque cheirava a paixão humana.
Visitou diabo no curral, onde o garanhão era guardado longe das éguas de Cold Creek. Sim encontrou uma escova no estábulo e escovou a escura pele marrom, deixando que os compridos e suaves movimentos o levassem a um estado de tranqüilo isolamento. Diabo deu coices e soprou.
—Você e eu temos algo em comum, meu amigo — Disse Sim.
— Ambos desejamos algo que não podemos ter. Uma forte cerca te separa de seu prêmio. Só um sonho está de pé em meu caminho.
Tally e Miriam retornaram de onde os Brysons duas tardes depois. Tally estava contente de estar em casa; sua farsa como Tal Bernard tinha sido uma prova mais, já que Beth sabia a verdade. A moça lhe tinha jogado olhadas reprovadoras e suplicantes durante a maior parte da viagem ao norte para Castelo, distanciando-se em mal-humorado silêncio quando a carreta se aproximou do lar dos Bryson. Os pais da Beth tinham estado extasiados de ver sua filha, mas Tally suspeitava que a moça estava em um desagradável apuro. Tally tinha dormido no celeiro essa noite, enquanto Miriam tomou o quarto de convidados, e partiram muito cedo à manhã seguinte. Tally sentia como se tivesse condenado a Beth a uma vida de infelicidade.
Se uma mulher era muito rica ou muito valente, poderia encontrar um modo de viver ao bordo do decoro e ainda assim encontrar a aceitação entre seus pares. Beth tinha a coragem, mas nem o sentido comum, nem a experiência. Seria extremamente afortunada se encontrava um homem que respeitasse seu espírito.
—Fez o correto — Disse Miriam quando Federico e Pablo se aproximaram para desenganchar a carreta.
— Estará segura.
Estará? Mas Tally não fez a pergunta em voz alta enquanto seguia a Miriam ao interior da casa. A cozinha estava mais fresca do normal, porque Miriam não tinha estado na estufa da alvorada. Eli tinha improvisado um pouco de comida nos barracos, mas os homens tinham subsistido sobre tudo com comida aquecida... Feijões, bolachas de levedura em pó e carne-seca. O jantar dessa noite seria igualmente frugal.
Tally foi a seu quarto para lavar-se e trocar-se, seus pensamentos estavam divididos entre o André e Sim. Ela se aferrava a improvável esperança de que André tivesse mostrado alguma melhora durante o breve tempo em que esteve longe de casa. Mas também queria ver o Sim, porque sempre existia a possibilidade de que partisse um dia. E que não dissesse adeus.
André estava sentado na cama, olhando para a porta quando ela entrou em seu quarto. Ficou fria. Com segurança não era suas imaginações notar que seu rosto tinha trocado, que mostrava uma luz de inteligência, consciência... Reconhecimento.
—Tal... —Grasnou ele—. Lha...
Ela se precipitou a um lado da cama e se ajoelhou junto a ele, apertando suas magras mãos.
—André, sou Tally. Sou eu.
—Tal... ly. —As comissuras de seus lábios se moveram no que estava claramente destinado a ser um sorriso. Seus dedos se moveram nervosamente.
— Casa.
—Sim, mon cher. Estas em casa. —Lhe beijou o dorso de sua mão e pressionou sua bochecha contra o peito dele. Os batimentos de seu coração se sentiam fortes e estáveis.
— Pode falar, André? voltou para nós?
—Tally. —Acariciou a mão com estupidez — Bem... Feliz.
—Ele ainda não diz muito — Disse uma voz profunda da entrada — Mas é mais do que tem feito do acidente.
Tally fechou os olhos.
—Graças a Deus.
Eli se deixou cair de joelhos como um soldado ao lado dela, estudando o rosto do André.
—É muito cedo para decidir. Não... Faça-se muitas ilusões.
Jogou uma olhada a seu amigo, captando uma expressão de agonia e pena que ela nunca tinha visto antes.
—Sei que foi difícil para você também, Eli — Disse ela.
Ele não encontrou seu olhar.
—Eu gostaria de falar com a Miriam —Disse ele.
— Se encontra bem?
—Bem. —Ela recusou perguntar sobre o Sim.
— Quando tiver dado a apropriada bem-vinda a casa a Miriam, vão ao salão. Penso que merecemos uma pequena celebração.
Eli arqueou uma sobrancelha, mas não perguntou a razão. Ele se afastou rapidamente para encontrar a seu amor. Tally se sentou com o André até que ficou exausta em seus esforços de fazê-lo falar. Ele caiu em um sonho profundo.
Embora o estômago de Tally se queixasse por verdadeira comida, não tinha nada de apetite. Foi diretamente ao salão e ao magnífico aparador de carvalho que ela e André haviam trazido do Texas. No aparador estavam as garrafas de uísque do André, intactas desde seu acidente, um pouco de porto e fino bourbon. Ela os separou. Beberia do excelente vinho tinto que havia trazido quando tinha vindo a viver com o André.
Nenhuma garrafa tinha sido aberta. Mas Tally estava aturdida com a esperança, e estava cansada de guardar essas colheitas para distinguidos convidados que nunca chegariam. Reservaria uma garrafa para as bodas da Miriam; a outra a compartilharia com seus amigos esta noite.
Localizou o saca-rolha, tirou o jogo de taças de cristal e as arrumou em uma bandeja de prata. Com uma facilidade nascida da prática e a experiência, abriu a garrafa. Um sorvo era o paraíso puro.
As vozes da Miriam e Eli os precederam pelo corredor. Tally rapidamente serviu duas taças mais e estava pronta quando seus amigos se reuniram com ela no salão.
Os grandes dedos do Eli se dobraram cautelosamente ao redor da frágil base de cristal. Ele farejou.
—Pensei que o tinha estado guardando para uma ocasião especial —disse ele.
—Está é uma ocasião especial. —Entregou a uma reacia Miriam a outra taça.
— Prova-o. É delicioso.
Miriam enrugou o nariz.
—Sabe que nunca...
—Prometo que uns sorvos não lhe farão mal. —Tally de boa vontade terminou sua taça e serviu um pouco mais. Eli provou o vinho, lambeu seus lábios e bebeu sem muito dramalhão sua parte, embora recusou o oferecimento de Tally de outra taça. Miriam seguia igualmente cautelosa, embora ainda assim bebeu sua taça e riu bobamente quando a deixou.
—Sinto-me um pouco enjoada —Se queixou, balançando-se contra Eli.
— Não acredito... Que foi uma muito boa idéia.
—Desfruta da sensação, Miriam. Não durará.
Miriam fez uma careta a meio caminho entre a repugnância e diversão.
—Recordo aqueles elegantes cozinheiros franceses que vertiam vinho e outras bebidas espirituosas em quase tudo o que faziam. É uma maravilha que eles não se afogassem em seu próprio gumbo.(sopa ou guisado)
—Nenhum deles igualam a sua cozinha — Disse Eli, estabilizando-a com braços gentis.
— Precisa se sentar?
—Seguro que não. —Ela o apartou, mas festivamente. — Agora, se já celebrarmos, tenho trabalho que fazer.
—Não esta noite, Miriam —Disse Tally.— Eli, por que não a leva a passear à luz da lua? Ouvi que isso faz maravilhas para esclarecer cabeça.
—Acredito que é uma excelente idéia — Disse Eli. Ele acariciou com o nariz a nuca de Miriam. Ela amorteceu um chiado.
—Homens — Resfolegou ela — Seria muito mais singelo se pudéssemos viver sem eles.
Tally olhou fixamente os remanescentes do borgonha em sua taça.
—Embora sentiríamos a ausência.
Miriam lhe tocou seu braço.
—Sabe que não quis me referir... Ao senhor André.
—Assim que ele está falando outra vez.
Sim entrou no salão, detendo-se ante o aparador. Eli pucou a Miriam perto e a conduziu para a cozinha. Sim os olhou ir com preguiçosos e cínicos olhos.
—Acredita que faria mal a ela? —Perguntou ele.
Tally tinha aprendido a escutar as sutis nota subjacentes na brusca voz do Sim. Ela as ouvia agora.
—É muito protetor com a Miriam. Eles se casarão.
—Bem. — Sim recolheu uma taça vazia e a fez girar entro seus dedos — Elijah não parece muito feliz por isso.
—Celebrávamos o progresso de meu irmão — Disse ela com deliberado bom ânimo.
— Desejaria um pouco de vinho?
Ele deixou a taça.
—Nunca tomo.
—Tenho uísque, se o preferir.
—Não esta noite.
—Admirável. —Ela sorriu, pouco disposto a seguir seu jogo de constante desafio.
— Compartilhará ao menos um pouco da minha alegria pela recuperação do André?
—Falou contigo.
—Pronunciou meu nome. —Ela piscou para ocultar as lágrimas em seus olhos — Sei que está melhorando.
—Espero que esteja correta.
Ele o disse como se queria expressar esse sentimento. Ela se serviu outra taça de vinho. Um copo mais e a garrafa estaria vazia.
—Você gostará de saber que Beth chegou sem perigo a Castelo Canyon, e seus pais estavam muito contentes por vê-la.
—Acha que o que lhe disse servirá?
—Estava zangada comigo, mas acredito que ela sinceramente tomou seu conselho.
—Desejava parecer-se com você. Nunca poderá.
Tally tragou seu vinho como um mineiro.
—Ah, sim. Sou única.
—Parece você outra vez — Disse ele, assinalando com gestos sua roupa.
—Quer dizer que não me vejo para nada como uma mulher?
—Não. — Ele deu um passo para ela e se deteve como se o chão se aberto entre eles.
— Te vê muito... Real.
Rajadas de calor correram de acima a abaixo pelas pernas de Tally. Ela esvaziou a garrafa em sua taça, e se sentou na cadeira mais próxima.
—Que roupa usa Esperança?
Ele a olhou como se ela tivesse tratado um tema tão inesperado e estranho como a antiga filosofia grega.
—Esperança?
—Também viu calças?
—Não. —Ela esperou desanimada, mas ele passou sua mão por seu cabelo escuro e franziu o cenho com concentração.
— Ela leva saias... Ao estilo mexicano.
—Você gosta da forma em que se vê.
—É formosa. Mas ela é... —Ele fez um gesto desdenhoso — Nunca prestei nenhuma atenção a sua roupa.
Tally estava muita relaxada para preocupar-se se o provocava.
—Como se arruma o cabelo?
—Solto. Leva-o solto.
—Deve ser jovem.
—Não como a Beth. —Ele avermelhou sob sua pele bronzeada — É o suficientemente mais velha.
Tally bebeu a sorvos seu vinho.
—Quais são seus sonhos, Sim? Quais são teus, além de te casar com ela? Que vida quer para vocês dois?
Ele parecia um pouco instável sobre seus pés.
—Assegurarei-me que nunca conheça de privações. Terá um lar, e coisas bonitas...
—Alguma vez antes teve coisas bonitas?
—Ela é de uma pequena vila no Novo México.
—Onde a conheceu?
A mandíbula dele se elevou.
—Por que te interessa?
—Porque desejo compreendê-la desde a primeira vez que mencionou seu nome. Saber como é a mulher que tão completamente cativou seu coração.
Ele volteou afastando-se e se apoiou contra a parede, braços elevados atrás de sua cabeça.
—Ela é boa — Disse ele.
— Boa como ninguém mais. E tem... Ela vê o que a pessoas leva em seu interior.
—O que quer dizer?
—Ela sabe o que a outra pessoas sente. Às vezes o que pensam.
—Quer dizer que é uma clarividente?
—Não conheço essa palavra.
—Mais anjo que mulher — Citou ela brandamente.
—Acha que não sou o suficiente bom para uma dama assim?
Ela olhou fixamente com pesar sua taça vazia.
—Eu não quereria ser um anjo... Ou viver com um. —Ela conseguiu pôr sua taça sobre a mesa junto a ela depois de só três intentos.
— Ainda é virgem?
Silêncio sepulcral. Tally amorteceu um pequeno soluço.
—Sinto — Disse ela — Não devia... Perguntar isso.
Ele caminhou até sua cadeira e se ajoelhou diante ela.
—Tem razão — Disse ele — Não devia fazê-lo. —O fôlego dele secou a umidade sobre os lábios dela.
— Respondi a suas perguntas. Agora responderá as minhas. Como conheceu seu marido?
Uma risada desmedida gorjeou da garganta de Tally.
—Seu nome era Nathan Meeker. Conhecemo-nos em Santo Antonio. Ele tinha quase o dobro de minha idade e era muito rico. Gostou de meu aspecto e a forma em que vestia. Pensou que eu seria uma bela adição a seu grande e magnífico rancho ao leste do Texas. E eu... Tinha estado separada do André por muitos anos. Mamam estava morta. Necessitava... Queria um lar real.
—Ele não te viu na forma que veste agora.
—Mais não. Usava vestidos nessa época.
—E o que fazia quando o conheceu? Não foi nenhuma professora.
Ela se pressionou um dedo sobre os lábios.
—Trabalhei desde que tinha quatorze anos. Tive que fazê-lo, por Mamam. Ela adoeceu, e André...
—André não era de muita utilidade para ninguém.
Ela encolheu os ombros. Era estranho, mas não teve medo de que Sim lhe perguntasse como ganhou a vida. Ainda não estava segura de se mentiria ou diria a verdade. O vinho em seu sangue dava ao rosto do Sim um benévolo e amável fulgor que o que o fazia parecer-se quase como um anjo. Alguém que compreenderia.
Mas Sim tinha outras coisas em mente.
—Amou a seu marido? —perguntou ele.
—Antes já me perguntou se alguma vez tinha amado a um homem, ou não o recorda? —Ela inclinou sua taça ociosamente, para frente e para trás, para frente e para trás.
— Nathan e eu não nos casamos por amor. Eu era sua anfitriã, controlava sua casa, e gostava de me exibir a seus convidados. Ele era um homem importante no condado. Nós tínhamos um... Acordo.
—Compartilhou sua cama.
—Estivemos casados. Não espera compartilhá-la com Esperança?
Por um momento se sentiu cambalear ao bordo de um gigantesco abismo, a segundos de cair no esquecimento. Sim lhe agarrou dos pulsos e a sustentou. Seu rosto estava muito perto.
—Você gostou?
—Nathan não era um marido muito exigente.
—Não teve filhos.
O peito de Tally começou a doer.
—Não.
Repentinamente ele a liberou.
—Houve outros homens... Depois dele?
Ele não perguntou sobre antes.
—Depois de que Nathan morreu? Não.
Sim voltou sua cabeça e agarrou os braços da cadeira.
—Lamenta que não os houvesse?
—Não falamos disto em Castelo Canyon? Disse que eu não era a classe que se deixasse governar por um homem. Agora tenho Cold Creek. Se me casar outra vez, arrisco-me a perder minha liberdade.
Ele se levantou e se afastou.
—Veste-se como um homem assim pode fazer o trabalho de um homem. Mas que não te interessava te fazer problemas por um homem. Agora acredito que tem medo de que se não te disfarçasse, os homens lhe quereriam igual a fez seu marido.
A cadeira pareceu encolher-se ao redor dela. Agitou-se, topou a taça com seu cotovelo e a enviou estrepitosamente contra o chão. Ela contemplou os fragmentos de cristal, rindo-se efervescentemente.
—Que gracioso é, Sim. Quando primeiro descobriu que era uma mulher, disse que tinha medo de que nenhum homem me quisesse.
Ele empurrou os vidros quebrados com as pontas de sua bota.
—Não muito consegue te assustar, mas tem medo de algo.
—Pintas um quadro tão encantador, mon cher. Tudo o que tenho que fazer é me pôr um vestido e passear pelo Allen Street, e cada homem em Tombstone cairá a meus pés.
—Possivelmente não cairiam. Mas olhariam. —O cristal rangeu sob o talão dele.
— Não é sua reputação pela que se preocupa. Só é que não quer deitar nunca mais com um homem.
Ela gorjeou uma risada tola.
—Graças a Deus Miriam não está escutando. Acha que devido a que não lanço a nenhum dos jornaleiros que devem trabalhar em Cold Creek...
—Meeker te fez algo. Fez-te mal.
Ele estava tão equivocado, tão completamente equivocado. Mas ele tinha mencionado essa mesma possibilidade antes, que "algum homem" devia lhe haver feito mal. Por que não deixar acreditar nisso? Era muito mais simples.
—Os homens e as mulheres não são iguais — Disse ela.
— Os homens necessitam certas... Comodidades... As mulheres podem viver sem elas. Se quiser essa espécie de companhia, Sim, vai ao povoado. Ganhou uns dias de descanso.
Ele golpeou a parede com tanta força que partes de cal se descascaram do tijolo cru.
—Não falo de mim. Disse-me que tinha visto o que os homens podiam fazer às mulheres. Não podia mentir a Beth e dizer que estar casada com qualquer homem era melhor que arriscar sua reputação. Sabia que poderia ser mau para ela, como foi para você.
Tally se encontrou de pé, levantou-se e se cambaleava um pouco.
—Sempre há mulheres que rompem as regras e pagam o preço. Até que Beth entenda o preço... — Ela deu um passo, O sinto... Acredito que me deitarei.
Sim bloqueou seu caminho.
—Penso que protege muito André. Não vi nenhuma prova de que tenha contribuído muito com este rancho. Mas uma mulher pode viver de maneira respeitável com seu irmão. Se ele não estiver, e a pessoas averigua que é uma dama, vivendo aqui sozinha...
—Tenho a Miriam.
Ele rejeitou o argumento de Tally com um movimento da mão.
—O que fará se André nunca melhorar?
—Mas o está. Ele...
—O que fará, Tally?
Ela encontrou seu olhar. Ele não estava zombando dela. Estava preocupado, preocupado por seu futuro. E Dieu du ciel! Estava ciumento de qualquer homem que alguma vez tivesse estado perto dela. Incluído André.
—Sobreviverei — Disse ela firmemente.
— Mas isso não acontecerá. Já o verá. —Ela jogou andar pelo corredor outra vez. Sim a deixou ir. A tropicões chegou a seu quarto e paralisou na cama. O cansaço a dominava. Não podia ser o vinho, com segurança. Mas o tinha permitido tão pouco desde que deixou Nova Orleáns...
Ela contemplou a cadeira junto à janela, onde tinha jogado sua saia, blusa, combinação e espartilho em uma descuidada pilha de fino tecido. Tola. Teria que vestir-se assim outra vez diante todos os convidados à bodas da Miriam. E se o mundo descobrisse que Tal Bernard era uma mulher, ela compraria mais vestidos em Tombstone.
A idéia era muito perturbadora para mantê-la em sua mente. Ela se estirou entre a roupa de cama e escutou passos.
Sim não vinha. Tally ocultou uma risada em seu travesseiro. Ela acreditava que tinha visto a luxúria em muitos olhares masculinos para reconhecê-la nos olhos do Sim, e tinha tido a idéia de que ele via através dela tão facilmente. Mas talvez o passado tinha turvado sua vista. Depois de tudo Sim não se havia sentido ciumento de seu marido morto. Todas essas perguntas sobre seu futuro, sua segurança no rancho... Talvez tinha sido sua forma de lhe advertir que estava logo a partir.
Ele permanecia fiel a sua Esperança, e Tally deveria proteger-se em sua fortaleza de medo e lembranças. Ambos tinham passado a prova que ela ignorava ter enfrentado.
O pior disto era que uma parte dela tinha desejado que eles a tivessem falhado.
Sim estava de pé à entrada do quarto de Tally, observando seu sono, a metade dele escutava a algum intruso enquanto que a outra metade estava perdida imaginando o que poderia ter sido.
Se ele tivesse conhecido a Tally antes que a Esperança, não teria visto quão extraordinária era ela. Esperança lhe tinha ensinado que todas as mulheres não eram iguais. Tinha-lhe perdoado o mau trato que tinha sofrido, incluído a escuridão no coração do Sim. Não foi até que ela deixou Novo México em uma busca própria que ele tinha notado que só ela podia salvá-lo. E ele poderia proteger sua delicada alma de toda a dureza do mundo.
Tally não necessitava amparo. Era o que ela proclamava, o que Sim desejava acreditar. cedo ou tarde ele teria que deixar este lugar, abandonando Tally a qualquer destino que estivesse proporcionado para ela. E ele nem sequer podia pensar em nunca vê-la outra vez.
Inspirou lentamente, absorvendo a essência que impregnava o quarto, subjacente ao aroma do vinho. Caminhou silenciosamente até a cama e acariciou com sua mão os dourados fios do cabelo dela. O corpo dele palpitou pelo desejo. Ela dormia profundamente; seria fácil deitar-se ao lado dela e tocar seu corpo, segurar os seios redondos sob a camisola.
Sua imaginação o levou mais à frente do simples contato. Ela despertaria por suas carícias, e seus olhos se esquentariam com desejo. Daria-lhe a bem-vinda com beijos, um pouco inseguros ao princípio, porque recordaria seu marido e como a tinha tratado. Ela saberia que estava rompendo as regras, as próprias e as que a sociedade tinha feito para manter às pessoas em seus lugares. Mas seu corpo não estava morto. Ela estava na flor de sua vida, era apaixonada e transbordante de vida. Reconheceria Sim como seu verdadeiro companheiro.
—Só você — Sussurraria ela quando a sentisse molhada e pronta para ele. Todo homem anterior seria esquecido, e nunca haveria outro depois.
— Só você. Para sempre.
Em sua fantasia, Sim tomava em sua cama de viúva, como se fosse uma virgem e ele um moço que se acreditava apaixonado. Ao mover-se dentro dela, sentia a alegria que nunca tinha conhecido as meras uniões com os corpos de mil mulheres esquecidas.
Então recordou sua promessa, e que estava de pé ao lado da cama de Tally na escuridão. Separou-se da tentação e chamou em sua mente o rosto de Esperança como um escudo.
Esperança não tinha ouvido sua promessa. A tinha feito só assim mesmo, mas tinha vivido quase tão casto como um monge desde esse dia. Sabia onde vivia Esperança, e que ela permanecia solteira. Esperava que ele a encontrasse e que pusesse seu coração a seus pés.
A dois quartos do corredor, um homem chamado André Bernard esperava ser aliviado de seus segredos. O tempo tinha chegado para comprovar se Tally tinha razão ao celebrar. Sim fechou a porta deixando-a entreaberta, enquanto ela continuava dormida, e se dirigiu ao quarto de André.
Como sempre, o irmão de Tally estava recostado contra uma fortaleza de travesseiros, suas magras mãos se apoiavam em seu estômago. Seu aspecto não era diferente ao de todas essas semanas desde seu acidente, embora sua respiração se acelerou quando Sim entrou no quarto. Seus olhos se moveram baixo.
—Quem é? —Grasnou ele.
A luz da lua acariciava cuidadosamente as cortinas de musselina, pintando uma linha branca sobre as pernas imóveis do André. Sim ficou em cócoras entre as sombras ao pé da cama.
—André — Disse ele — Onde está o mapa?
O ar se engasgou nos pulmões de André e ressonou como uma serpente na erva seca.
—Mapa?
—Sabe, André. Tinha-o nas montanhas.
André suspirou.
—Eu... Tinha-o.
—Recorda o que te passou?
—Caí.
—Assim é. — Sim ficou de pé.
— Tally te salvou. Mas agora ela necessita o mapa.
Os olhos injetados de sangue se esforçaram em encontrar a fonte da voz.
—Quem... É você?
—Um amigo.
—Eli?
André ainda estava confuso se podia cometer esse tipo de engano.
—Quero ajudar a você e a sua irmã. Mas tem que me ajudar.
André moveu suas mãos daqui para lá através de seu colo, estendendo os dedos e crispando-os.
—Não... Faça-me mal.
—Não quero te fazer mal — Sim se deslizou ao lado da cama, mantendo-se ainda entre as sombras.
— Mas alguém mais o fez. Lutou com um homem nas montanhas. Aquele homem tomou o mapa. Ele quase te matou.
—Oui. —André fez careta e gesticulou ao ar sem objetivo preciso.
— Ele disse... C'est impossible. —Ele pôs os olhos em branco — Bastardo.
Bem. André estava zangado, e a cólera era melhor que o medo.
—Quem o fez, André? Diga-me seu nome, qual era seu aspecto.
—Eu... Não... —André fechou os olhos. Uma veia palpitou em sua têmpora — Não importa. C'est assez. — Parecia que tinha caído em um sonho irregular, e Sim esteve a ponto de despertá-lo quando ele despertou com um olhar de total terror em seu rosto.
—Não quis dizê-lo — Disse ele em um agudo gemido.
— Não o fiz.
Sim perdia rapidamente a paciência.
—Roubou o mapa de Caleb — Disse ele severamente — Quem tirou isso de você?
—Ela não sabe — Ele respirou com dificuldade.
— Não o diga.
—Dizer o que?
André abriu a boca. Vozes, uma masculina, cantarolando da cozinha. André se encolheu profundamente entre as mantas.
Sim agarrou o ombro da camisola de noite de André, mas as vozes estavam muito perto. Sim se retirou do quarto, girou a esquina de corredor e saiu silenciosamente da casa.
Apoiou-se contra a parede aos subúrbios da janela de Tally. Haveria outras oportunidades de perguntar a André, mas devia ser cuidadoso. André apenas se tinha recuperado, não era confiável. Ele devia estar em seus cabais para descrever o que encontrou no escarpado, mas Sim não queria que contasse a Tally sobre os interrogatórios. Poderiam ser necessários dias ou semanas para conseguir bastante informação da devastada mente do André.
Seja quem fora quem tinha lutado com o André no escarpado devia ter o mapa, mas o ladrão não estava usando seu prêmio. Os lobos ainda o mantinham informado de convidados desconhecidos em Castelo Canyon, e as carreiras noturnas do Sim não tinham descoberto a nenhum forasteiro que estivesse à espreita nas montanhas. O mistério permanecia, mas para o final do verão, Sim esperava haver-se ido do Cold Creek.
E de Tally.
Sua essência flutuava até ele pela janela aberta de seu dormitório. Dias ou semanas, isto não fazia nenhuma diferença. O dano parecia. Tally não merecia ser castigada pela debilidade do Sim.
Sobreviverei, havia dito ela. Sim acreditava. E ele poderia continuar vivendo consigo mesmo, sem saber se alguma vez se poderia afastar-se realmente dela.
Capítulo 10
Caleb Smith entrou á cavalo no vale de Cold Creek do sul, pelo passo que dava acesso ao escarpado e estreito caminho entre as maiores cúpulas rochosas da localidade chamadas Cap Rock e as Montanhas Lebres. Sua primeira olhada do rancho foi um bosque de altos arbustos de algodão que rodeavam um manancial e um riacho para a entrada do vale. Salpicaduras de tijolo cru vermelho se sobressaíam no meio do pasto onde se elevava uma modesta casa, dependências e um abrigo ou estábulo para o gado.
Daí o lugar parecia bastante fácil de tomar. Alguns de seus homens tinham querido vir, ele tinha aceito um risco calculado ao falar sobre o mapa ao mais confiável membro de sua equipe, quão único podia esperar era que fossem pacientes.
Mas ele mesmo se sentia impaciente com o Sim. Não tinham compartilhado nenhuma palavra nos meses desde que seu companheiro tinha cavalgado para o Território do Arizona em busca do mapa, nenhuma mensagem lhe estava esperando quando escapou do cárcere de Amarillo. Isto lhe incomodou, porque Sim Kavanagh tinha seu próprio código de honra. Não enganaria a seu irmão de sangue.
Caleb sorriu e deteve o cavalo no topo da última colina sobre a fazenda. Levantou o chapéu, alisou-se o cabelo e tocou o revólver com culatra de marfim no quadril. O cavalo dava coices, cheirando a água. Caleb fez que o animal avançasse lentamente. Não queria anunciar sua presença muito cedo.
Algumas vacas e bezerros se agrupavam perto do manancial, parte do qual tinha sido cercado para manter longe ao gado. Caleb deixou que o cavalo bebesse unicamente o necessário e inclinou a cabeça para o caminho. Examinou os edifícios e cercas com olho perito. A propriedade estava bem cuidada, mas com muita dificuldade era a moradia de um homem rico.
André não tinha encontrado o tesouro. Tinha tido mais de um ano para buscá-lo, e em todo esse tempo Caleb tinha estado em várias celas esperando ser julgado como ladrão de gado e assassino. Mas os Bernards viviam tranqüilos aqui, e Sim os tinha encontrado muito facilmente. Qualquer poderia. André tinha que saber isso. Era inteligente, mas tinha cometido dois enganos muito graves.
Tinha roubado Caleb Smith, e tinha abandonado com vida a seu inimigo.
Caleb assobiava alegremente enquanto se aproximava da casa. Os frangos se dispersaram sob os cascos do cavalo. Uma mulher de pele morena saiu pela porta principal, limpando-as mãos cobertas de farinha em um avental muito grande. Ela piscou diante o Caleb. Suas mãos ficaram quietas.
Caleb tocou a aba do chapéu.
—Olá, Miriam — Disse — Tão linda como sempre, por isso vejo.
Miriam girou sem uma palavra e desapareceu dentro da casa. Caleb desmontou, estirou as pernas e fez uma aposta consigo mesmo sobre quem viria a seguir. André não sentia muito carinho pelo trabalho, assim havia boas probabilidades de que não estivesse fora no rancho com os outros homens. Uma vez que Miriam lhe advertisse, provavelmente sairia correndo pela porta traseira. Não iria longe.
—Caleb Smith.
A voz era de uma mulher, baixa e firme, mas a figura na entrada levava masculinas calças de montar e um chapéu puído. Ela saiu fora da sombra da casa e inclinou o rosto.
A irmã de André ainda era formosa. Caleb não tinha chegado a conhecê-la bem em Penhasco Vermelho, ela se tinha mantido afastada dos sócios de seu irmão. Caleb nunca tinha duvidado de que desaprovava suas atividades. Uma mulher tão bonita vestida com a roupagem negra de viúva tinha sido uma tentação, mas André... Em um estranho desdobramento de colhão... Tinha-lhe advertido ao Caleb que se mantivera longe. E Caleb tinha a suficientes mulheres para deixá-la ir.
—Senhora Meeker —Disse Caleb — Como trocou.
Ela o olhou de pés a cabeça. Se tivesse sido um homem, ele teria esperado que cuspisse.
—Você não o tem feito, senhor Smith — Disse — Porquê está aqui?
Não era uma pergunta que ela tivesse feito se soubesse a verdade. André era um “bode e um estúpido”, mas não tão estúpido para confiar em sua irmã.
Caleb suspirou.
—Essa não é a forma, senhora Meeker, de dar a bem-vinda a um velho amigo.
—Meu nome é Bernard — Disse ela — E você nunca foi nosso amigo.
Um magro moço mexicano deu a volta à esquina da casa correndo e com uma derrapagem se deteve.
—O que é isto, senhorita Bernard?
—Senhorita — Repetiu Caleb, fazendo rodar a palavra em sua língua — Não a chorosa viúva depois de tudo, senhorita Bernard. Lamento não ter conhecido esta informação no Texas. —Estalou os dedos para o moço.
— Cuida de meu cavalo, filho. E não seja miserável com o grão.
O moço olhou a Chantal Bernard. Ela assentiu com a cabeça, impertérrita.
—Está bem, Pablo — Disse — O senhor não ficará muito tempo.
—Possivelmente seu irmão terá algo que dizer sobre isso. —Caleb aplaudiu a garupa suarenta do cavalo quando Pablo o levava.
—Passou muito tempo, verdade? —Fez um dramático gesto com a mão esquerda, abrangendo a casa, os edifícios anexos e o descuidado jardim.
— André estava muito entusiasmado ao vender o velho rancho e começar de novo no Arizona, mas não parece que vá tão bem como esperava.
Tally trocou o peso de seu corpo, e Caleb imaginou que ela tinha metido uma arma na pochete de suas calças.
—Não necessitamos de sua simpatia, senhor Smith. Eu...
—Caleb. —Sorriu abertamente, utilizando o encanto que tão poucas vezes lhe falhava.
—Não sei por que veio desde tão longe — Continuou— Mas André pagou todas suas dívidas. Estou segura que deixou bastante claro que não desejava fazer mais entendimentos com você ou seus sócios. O que temos aqui foi construído com trabalho honesto.
—Trabalho de quem? Seu irmão nunca foi aficionado ao trabalho duro. Onde estão seus homens, Chantal?
—Perto. —Olhou por detrás dele — Onde estão os seus?
Caleb ficou alerta, observando-a nos olhos. Talvez poderia usar a arma, ou possivelmente não. Não importava. Reduziria-a antes que ela o tocasse. Mas matar a uma mulher traria uma atenção que ele não desejava.
Levantou as mãos, mostrando as palmas.
—Não teria sido muito considerado de minha parte lhe trazer tantas bocas para alimentar — Disse ele.
—Meu irmão se liberou de seus antigos negócios, senhor Smith. Temos a intenção de nos manter nesse caminho.
O rosto da Miriam fez uma careta de assentimento atrás do ombro de Tally. Sussurrou no ouvido de sua senhora.
—Fala um pouco mais alto, Miriam — Disse Caleb.— Não é tempo para segredos. Seja uma boa garota e me traga um pouco de água.
Tally ficou rígida, mas a mulher de cor entrou e retornou com um cubo e uma chaleira. Tally tomou o balde e estrepitosamente o depositou a metade do caminho entre a porta e Caleb. O pó nas ponteiras das botas do Caleb se voltou barro.
—Sirva-se — Disse — E logo mais vale que parta.
Caleb ficou em cócoras e bebeu, sem apartar nunca os olhos de Tally.
—Apesar de que desfruto muito de sua companhia, senhorita Bernard, vim para falar com seu irmão. Onde está?
—Longe.
—Com segurança não aprendeu a mentir como André.
—Não sei do que está falando.
Caleb limpou a boca com o dorso da mão.
—Isto é entre ele e eu. Seria melhor que o mandasse chamar, senhorita.
—Hei-lhe dito que não está aqui.
—Então não se oporá a me mostrar os arredores desta linda e pequena granja dele.
—Não porá um pé dentro desta casa.
Olharam-se fixamente o um ao outro. Caleb deu um chute ao cubo e lançou a chaleira contra a parede da casa, a poucos centímetros da cabeça de Tally. Antes que ela se recuperasse, ele se dirigiu a pernadas para o estábulo, e quando ela o alcançou, já tinha ao Pablo pego por um braço.
—Onde está seu patrão, Pablo? O chefe?
—Solte-o — Exigiu Tally, respirando rápido — Se tiver um assunto pendente com meu irmão...
—Um assunto pendente? O que lhe faz pensar isso? —Desordenou o cabelo do Pablo. O moço se esforçou por liberar-se, e Caleb apertou seu agarre. Pablo gemeu.
—Cochon — Grunhiu Tally. Miriam se uniu a ela, levando uma vassoura em suas escuras mãos.
— O que quer?
—Como disse, é entre o André e eu. Você não tem nada que fazer nisto.
—Estou seguro que ela não o tem.
Caleb girou sobre os calcanhares. Um homem com imundas roupa de trabalho estava de pé a uns metros de distância aparecendo como se fora um fantasma. A Remington 1875 em sua mão era muito real e apontava ao coração do Caleb.
—Deixa ir ao moço — Disse Sim Kavanagh.
O rosto de Tally avermelhou, e liberou o Pablo do apertão do Caleb. Ela e Miriam quase esmagaram ao menino entre elas. Sim embainhou a Remington e apartou o chapéu de sua frente.
—Que me pendurem — Disse ele — Caleb Smith. Nunca acreditei que te veria outra vez fora da cela de um cárcere.
—Conhece este homem? — Perguntou Tally a Sim.
Sim encontrou o olhar de Caleb. O momento de confrontação passou, e Caleb viu a fria brincadeira nos pálidos olhos de Sim.
—Conheço-o — Disse Sim.
— Crescemos no mesmo povoado. Esteve-lhe dando problemas, senhorita Bernard?
O assombro e o alívio privaram a Tally de uma resposta apropriada. Atrasando um momento para reunir suas idéias, fez um gesto com a cabeça a Miriam.
—Leva ao Pablo dentro, por favor — Disse — Tudo estará bem.
Miriam fulminou com o olhar Caleb e retrocedeu, sustentando Pablo com uma mão e a vassoura com a outra. Tivesse sido muito gracioso dizer que Caleb recebeu o castigo que merecia depois de enfrentar-se a tal arma nas mãos de uma mulher zangada, mas Tally sabia que não era um assunto de risada.
Não tinha nem idéia de por que Caleb Smith tinha vindo a Cold Creek. Tinha ouvido que os Rangers do Texas lhe tinham capturado a ele e sua equipe pouco depois de que André tivesse vendido sua parte do rancho. André tinha saído bem a tempo. Se ele tinha algum assunto pendente com seu antigo companheiro, não o considerava o suficientemente importante para compartilhá-lo com sua própria irmã.
Um assunto inconcluso com o Caleb Smith. Ela conteve um estremecimento e se aproximou do Sim.
—Se este homem for seu amigo — Disse ela— Poderia lhe informar que quão convidados ameaçam a nossa pessoas não são bem-vindos aqui.
Sim elevou uma sobrancelha a Smith.
—É isso o que estava fazendo, Caleb? Ameaçando a esta pessoas? — Negou com a cabeça.
— Não posso te permitir isso. —Tirou papel e tabaco de seu bolso, com habilidade enrolou um cigarro e o ofereceu ao outro homem.
— Será melhor que me diga por que está aqui.
Smith agarrou o cigarro, tirou um fósforo e o acendeu, fazendo voar uma larga nuvem de fumaça ao rosto do Sim.
—Alguma vez imaginei que fosse um miserável — Comentou ele.
— Não é sua linha habitual, verdade?
Sim jogou uma olhada a Tally, e ela poderia ter jurado que viu um pingo de vergonha em seus olhos.
—Não estou orgulhoso dos pecados de minha juventude. —Tocou a culatra de sua pistola com as pontas dos dedos — Eram seus homens os que vieram buscar nosso gado faz uns dias?
A terra deu uma volta repentina, e Tally fechou os joelhos para manter-se estável.
—Sabe que Smith é um ladrão de gado?
Sim devolveu seu agudo olhar com uma própria.
—Parece que não sou o único.
—Ela não lhe contou isso, Sim? — Disse Smith.
— A senhora... Senhorita Bernard e eu somos velhos amigos, também. —Deu uma imersão com prazer quase obsceno.
— Por isso vim A... A apresentar meus respeitos a meu antigo camarada.
Tally se afastou, incapaz de fazer frente ao curioso olhar do Sim. Em seu coração, sempre tinha sido consciente que havia muito que não sabia sobre o passado do Sim Kavanagh, e agora ele começava a reconhecer quão pouco sabia dela.
—É verdade — Admitiu. Enfrento-lhe de novo.
— Disse-lhe que tínhamos um rancho no Texas. O que não lhe contei é que meu irmão proporcionou refúgio a certos foragidos em Palo Duro... Homens como Caleb Smith. E André se beneficiou disso.
Caleb riu.
—Só que André nunca pôs suas mãos em uma suja jogada a rede de gado e não trocou de marcas. Era o único respeitável à frente de nossas operações.
—Ele não está orgulhoso do que fez — Disse Tally.
—Ele não partiu até dois anos depois de que você se desse conta.
—Mas na verdade se deteve. Por isso viemos aqui... Para começar de novo.
—Não é assim doçura.
—É suficiente, Caleb — Disse Sim com sua mais preguiçosa e perigosa voz.
— Desde onde cavalgou?
—Do sul.
—Acredito que seria melhor que te dirigisse ao passo, velho amigo.
—Sem ver o André? Isso seria uma vergonha. —Deixou cair o cigarro e o esmagou com o calcanhar.
— Estive revisando o Território, e penso que um lugar como este seria uma base perfeita para uma nova operação.
—Nunca — Estalou Tally.
—Não acredito que os “vaqueiros” locais apreciassem que invadisse seus terrenos de caça — Disse Sim.
—Ouvi que estes McLaurys e Clantons. Aficionados, todos eles. Agora você e eu, Sim...
—A senhora não quer ouvir mais disso, e eu tampouco. Suma, Caleb.
Os dois homens se contemplaram um ao outro portanto tempo que Tally estava segura que um ou ambos desencapariam em qualquer instante. Faria algo, daria algo, para evitar o derramamento de sangue de um homem nesta terra não corrompida. Algo menos retomar a antiga vida de novo.
—Darei-lhe as provisões que precise — Disse, caminhando entre o Sim e Caleb.
— Pode tomar um de nossos cavalos se necessitar uma montaria fresca. Mas não volte.
Caleb se inclinou para frente, tirou-lhe o chapéu da cabeça, e o deixou cair ao chão. Enroscou uma mecha do cabelo dela entre os dedos.
—Se for me subornar, senhorita Bernard, ao menos faça-o com algo que eu gostaria muito mais.
Sim levantou seu amigo pelo pescoço e o depositou a vários metros de distância, sem gentileza alguma.
—Suma agora — Disse ele entre dentes.
— Trarei-te suas provisões para que não tenha nenhuma necessidade de incomodar às pessoas decente.
—Sim... — Começou Tally.
Ele sorriu abertamente.
—acha que não posso dirigir a meu bom e velho amigo? Não se preocupe. Entendemo-nos um ao outro. —Assinalou para o estábulo.
— Vá por seu cavalo, Caleb.
Para surpresa de Tally, Smith obedeceu. Dirigiu-se para o celeiro, tomando-se seu tempo nisso, e retornou com seu cavalo selado e embridado. Montou com a mesma deliberada lentidão e lançou uma cuspida entre os pés do Sim.
—Estou profundamente decepcionado contigo, Sim Kavanagh — Disse — Se tornou suave.
—Algum dia pode que tenha a oportunidade de averiguar se isso é certo — Disse Sim. Assobiou bruscamente, e o cavalo arrancou com um trote. Caleb manteve o equilíbrio como o cavaleiro perito que era e não olhou para trás.
Tally soltou o fôlego.
—Não deveria ter sido tão fácil — Resmungou ela.
Sim recolheu o chapéu de Tally, desempoeirou-o e o colocou de novo sobre a cabeça.
—Como de bem conheceu o Caleb no Texas?
—Não muito. Evitava sua companhia.
—Isso esteve bem. Ele é como uma poderosa rajada de vento, mas não há motivo para preocupar-se com ele.
—Cavalgou com ele?
—Uma vez. — Esfregou-se a barba de dois dias sobre o queixo.
— Será melhor que vá atrás do Caleb, para me assegurar que abandona a área.
—Prometi-lhe provisões. Espera até que as prepare.
A fresca sombra da casa era um bem-vindo refúgio depois da ondulante tensão dos subúrbios. Miriam esperava na cozinha, seu pão esquecido no forno.
—Foi-se — Disse Tally.
Miriam sussurrou uma reza.
—Graças a Deus Eli não estava aqui. Não sei o que ele teria feito.
Tally esteve absolutamente de acordo. Caleb tinha tratado ao Eli com evidente desprezo em Penhasco Vermelho. Não havia nenhuma fresta de estima entre os dois homens. Miriam não tinha notado que Eli tinha montado cedo essa manhã a Tombstone para comprar um anel de compromisso; ele tinha dado alguma outra desculpa a todos sobre a necessidade da viagem.
Nesse momento, Tally tinha considerado como um bom sinal que Eli confiasse no Sim o suficiente para deixar Cold Creek da noite para o dia. Não tinha a intenção de lhe dizer ao Eli que Sim e Caleb tinham sido amigos, destruindo assim essa frágil confiança.
Disse a Miriam das provisões, e as duas mulheres reuniram um pacote que duraria a um homem frugal quase uma semana. Sim estava montado e esperando no pátio. Tally lhe aconteceu o saco, roçando sua mão na transferência. Os dedos tremeram a ela quando os retirou.
—Tome cuidado — Disse.
—Disse-te que não se preocupasse. Como está Pablo?
—Não está ferido.
—Bem. —Estalou a Diabo, e o cavalo começou a trotar pelo caminho. Uma vez que esteve fora da vista, Tally se sentou no pórtico e deixou cair a cabeça entre as mãos.
Mon Dieu. Sim tinha admitido que tinha montado a cavalo com um conhecido ladrão de gado e provável assassino. Mas Tally via um mundo de diferença entre o Sim e Caleb, uma diferença que não podia explicar com palavras.
Se Caleb desejava um pouco de Cold Creek, provavelmente não desapareceria. Sim tinha dirigido a situação perfeitamente, tal como tinha tratado com os ladrões de gado. Se ele ficasse permanentemente... Se pudesse lhe convencer de algum jeito...?
E tirar-lhe a outra mulher? No que te transformaria, Chantal?
Ela tirou a arma escondida na parte posterior de suas calças e esfregou o desgastado metal com o polegar. Se ia ser uma verdadeira protetora do rancho, como Eli, deveria estar preparada para usar esta coisa de morte. Elijah lhe tinha ensinado como proteger a si mesma. Mas não lhe tinha ensinado como matar.
Abriu as mãos e deixou cair à arma na terra.
—Que diabos está fazendo aqui?
Caleb se apoiava contra o tronco de um punhetero álamo perto da entrada do passo, cortando-as unhas com a folha de sua faca. Logo que elevou a vista quando Sim desmontou.
—Por que está tão surpreso, Sim? Não ouvi nada de você em quatro meses. Pensou que ficaria de braços cruzados e te deixaria ir com o tesouro?
—Infernos. —Sim caminhou a grandes passos para o Caleb, que trocou o agarre por sua faca a uma posição defensiva.
— Nunca te deu malditamente bem esperar. Acreditava que estava no cárcere.
—Isso não importa muito. —Caleb embainhou sua faca e estudou seus dedos — Pensei em vir por aqui e ver como ia, companheiro.
—Estava bem até que chegou. —Sim chutou a base da árvore.— Tally Bernard confia em mim... Ou ao menos o fazia.
—Pude ver isso. —Caleb sorriu, sugerindo uma multidão de repugnantes pensamentos com a curva de seu lábio.
— Ela é uma fina peça Quanto tempo estiveste montando-a?
—Deixemos-a fora disto —Grunhiu Sim.
—É a irmã do André.
—Não sabe do mapa.
—Espera que eu acredite que tampouco conhecia que seu irmão me estendeu uma armadilha com os Rangers.
Sim passeava em um círculo fechado.
—Se o fizesse, eu saberia. E há algo que é melhor que entenda em seguida. André está no rancho, mas também poderia não está-lo. Fez-se mal na cabeça em uma queda. Apenas se pode falar, e estive esperando que melhorasse. É por isso que não tiveste notícias de mim.
Os olhos do Caleb se estreitaram.
—Não sabe onde está o mapa?
—Disse-lhe isso. André não fala. Rastreei-lhe nas montanhas até que cheguei aqui na primavera, mas o encontrei depois de sua queda, e não tinha o mapa com ele. Minha conjetura é que o destruiu. Acreditei que uma vez se recuperasse poderia me dizer onde estava... Já que você nunca pôde ler a maldita coisa.
O rosto do Caleb avermelhou.
—Veio para mim, Sim. Necessitava o dinheiro, e te ofereci uma sociedade. A metade do tesouro que sempre soube que encontraria... Esse no que nunca acreditou.
—Se fosse real.
—OH, claro que é real. André arriscou sua vida por ele.
—E agora ele balbucia como um menino... Quando fala. Não temos nenhuma outra opção, salvo esperar, Caleb. Tanto como isto tome.
—Tentaste a persuasão, Sim, ou não tem estômago para isso?
—A persuasão só funciona se um homem está em seus cabais para ter medo.
Caleb pronunciou uma maldição extremamente asquerosa, tirou sua faca outra vez e o cravou no álamo.
—Está seguro que sua irmã não sabe nada?
—Estou seguro. —De um puxão tirou a faca do Caleb da árvore e provou seu fio contra seu polegar. Uma fina linha vermelha fluiu do corte.
— Deve permanecer longe, Caleb. Arruinará o que tenho feito aqui, e o capataz dos Bernand suspeita algo.
—Elijah Patterson? Escutei que veio com eles ao Arizona. Ele sempre ofegava por essa pequena lindura da Miriam. —Estendeu a mão, e Sim lhe devolveu a faca. O corte sobre seu polegar estava quase curado, mas Caleb não o notou.
—Sabe algo mais sobre o Patterson? — Disse Caleb, cortando folhas dos ramos mais baixos.
— Desertou da Décima Cavalaria antes de chegar a Penhasco Vermelho.
—Desertar? Como sabe isso?
—Devia dizer-lhe ao André, porque uma noite, quando André estava bêbado, disse-me isso. Compadecia-se daquele bastardo negro. —Caleb soprou.
— Patterson tinha toda uma coleção de condecorações antes que desertasse. Medalhas por sua coragem. Mas de fato sei que é um covarde.
Sim assimilou estes novos feitos em silêncio. Esse tipo de informação poderia lhe ser de utilidade, se Elijah alguma vez dava muitos problemas.
—Alguém mais sabe disto?
—Manteve o assunto em silêncio. É arrogante e orgulhoso para um de sua classe.
Sua classe. Sim tinha ouvido palavras assim antes, refirindo-se a sua mãe. As pessoas decente tinha sussurrado sobre os de "sua classe”. Tinham mexericado sobre o tipo de moço que tinha a uma puta por mãe e vivia por qualquer meio que pudesse encontrar.
—Alguns de nós não podem trocar a forma em que nascemos — Disse Sim silenciosamente.
—Ainda é tão suscetível com o de sua mamãe, Simeon?
O revólver no quadril do Sim poderia estar apontando ao peito do Caleb em um segundo, e Caleb sabia. Sim manteve enganchados os dedos em seu cinturão.
—Deve ser toda uma verdadeira prova para você receber ordens de Chantal Bernard —acrescentou Caleb.
— Com o muito que despreza às damas.
—Ela é melhor que as demais.
—Não está mau, mas um pouco madurinha. Prefiro-as mais jovens. —Caleb se lambeu os lábios.
— Como a potra que vi montando com a senhorita Bernard faz um par de dias.
Sim sofreu uma desagradável impressão. Se Caleb tinha estado perto durante alguns dias, ele deveria havê-lo sentido.
—Onde as viu?
—No vale do Sulphur Spring. Queria conhecer cada caminho e saída deste canyon antes de dever chamar.
Então possivelmente não tinha estado tão perto. Sim ainda não se permitiu relaxar-se.
—O nome daquela potra é Beth, e a vai deixar em paz.
—Beth. Recorda a uma linda e pequena saia ligeira que conheci no Abilene.
Sim apertou os punhos.
—Caleb...
Caleb sorriu abertamente.
—Tem um interesse pessoal?
—Não quero nenhuma complicação até que este assunto esteja terminado.
—Assim que se supõe que tenho que dar meia volta e confiar em você para terminar isto?
—confiou antes em mim. — Levantou a palma da mão para mostrar uma antiga cicatriz.
— Quando traí a você, Caleb?
Seu amigo afastou o olhar, embora a vergonha não era um sentimento com o que estivesse muito acostumado.
—Confiarei em você, Sim. De todos os modos, consegui que meus moços me esperassem no vale de São Bernardino. Ainda há boa e abundante caça a ambos os lados da fronteira.
—Enquanto te mantenha longe do Cold Creek. —Sim deu um passo adiante e ficou frente a frente com o Caleb — Jura que ficara fora do condado Cochise.
—Deveria jurar sobre a Santa Bíblia ou pela Virgem Maria?
Sim se afastou.
—Aqui tem suficiente comida até que alcance a seus homens. Sugiro que tente com o gado no Novo México. Ouvi que são mais tenros que o que agarraria nesta parte do Território. Encontrarei-te quando tiver o que necessitamos. —Montou e girou a Diabo, deixando deliberadamente expostas suas costas. Caleb não se moveu da árvore.
Não havia nada mais que dizer. Eram as coisas que Sim não lhe havia dito a seu "velho amigo" o que pesava em sua mente enquanto retornava sobre seus passos à fazenda. Tinha procurado que Caleb acreditasse que André tinha memorizado e destruído o mapa; parecia provável que Caleb voltaria com seus homens ao roubo de gado, ao menos por um tempo. Entendia o risco de enfrentar-se ao Sim diretamente.
Mas Caleb era também imprevisível. Se averiguasse que algum ladrão desconhecido tinha roubado a mal adquirida “propriedade” do André, nunca abandonaria o Território até que encontrasse ao último dono. Sim não queria pensar no que teria que fazer se Caleb ameaçava a Tally outra vez.
Não me faça escolher, amigo. Ou vou a Esperança sem sangue fresca sobre minhas mãos, ou já estou condenado.
O cavalo estava tremendo pelo esgotamento quando Caleb descendeu a terreno plano ao sul do passo, mas forçou ao animal a seguir até que deram a volta ao final das Lebres e estiveram na parte norte do vale do Sulphur Spring. Só nesse momento desmontou e conduziu ao cavalo a um charco recentemente cheio pelas chuvas do verão.
As nuvens se estavam obscurecendo sobre sua cabeça, coincidindo com seu humor. Assim Sim o queria fora do Território, verdade? Exigiu-o, como se fora alguma classe de grande fazendeiro senhoreando com seus camponeses. Ele se ocuparia de tudo, Sim... Se aquela fêmea Bernard não se misturava em seu caminho.
Caleb riu acidamente e tirou o cavalo do charco. Sim não tinha tido em conta o cérebro de seu velho amigo. Assumia que Caleb não podia ver quanto desejava ele à irmã de cabelos dourados do André... Sim de todos os bastardos a este lado de Rio Grande...
Faz anos, quando tinham montado juntos, Sim poderia contar-se entre aqueles que odiavam algo que usasse saias. Mas quando veio ao Texas em busca do Caleb e uma possibilidade de retornar ao negócio, tinha falado bastante de uma senhorita da fronteira. Qual era seu nome? Esperança. Ele queria o dinheiro para ela, para o futuro que se imaginou juntos.
Caleb não tinha emprestado muita atenção à conversa. Tinha estado no cárcere à espera do julgamento, e pensava no mapa e em como Sim poderia rastrear ao André Bernard e recuperá-lo. Tinha estado de acordo compartilhando o tesouro uma vez que o encontrassem. E Sim estava o bastante desesperado para não rir do sonho de seu velho amigo. Ele tinha desejado esse ouro mexicano tanto como Caleb.
Umas quantas gotas de chuva salpicaram os ombros do Caleb, e com um golpe no chapéu o impregnou mais sobre os olhos. Montou outra vez e seguiu ao norte enquanto as nuvens se amontoavam e deixavam cair sua carga. O vale parecia deserto, inclusive de gado errante procurando o pasto fresco próprio da estação.
Estúpidos como eram, tinham o sentido comum de resguardar-se da tormenta. Parecia que Sim tinha seguido esse caminho. Certamente tinha jogado uma mão inteligente ao fingir perseguir o Caleb fora do rancho. Se André estava mal da cabeça, e Caleb só tinha a palavra do Sim nisso, tinha sentido conseguir a confiança de Tally, e obviamente, ela não conhecia muito sobre o passado do Sim. Mas Sim tinha defendido "as reputações" de Tally Bernard e a moça Beth quando ele não tinha nada que ganhar com essa classe de conversa.
Se bom, Caleb. Não incomode a essa pessoas agradável, Caleb. Não cause problemas, Caleb. Sim soava igual a Mamãe, lhe dizendo o que deveria e não deveria fazer, o que ele deveria e não deveria querer. Não tenha fome, não tenha sede, não cobice o fraco asno do vizinho, não sinta luxúria pela esposa do vizinho. O manso herdará a terra, Caleb. Deve ser paciente, ou com segurança te queimará no inferno.
Paciente. Caleb cravou suas esporas nos flancos do cavalo, e o animal meio protestou. Caleb lhe açoitou para obter sua submissão.
Tinha sido paciente. Tinha estado encerrado em uma cela durante meses, perguntando-o que Sim estaria fazendo com a informação que Caleb lhe tinha dado. Bem, Sim parecia haver-se atenido a sua parte do negócio, tanto como pôde. Queria que Caleb confiasse nele, mas isto cortava em ambas as direções. Sim tinha que confiar em que Caleb se dirigiria ao sul para encontrar-se com seus homens e se dedicaria ao roubo outra vez até que o mapa ou seus segredos fossem recuperados. Ele contava com a lealdade de sua infância, igual a Caleb.
A lealdade estava infravalorizada se não podia suportar uma boa prova de vez em quando. Seria interessante ver quanto afetava à sensatez do Sim seu novo respeito pelas damas. E Caleb estava mais que disposto por um pouco de diversão.
Caleb tirou o chapéu e deixou que a chuva lhe caísse sobre o rosto e lhe molhasse o cabelo. Seu mau humor se esfumou como as nuvens, e muito em breve chegaria a um agradável e pequeno rancho aonde seus residentes seriam felizes de lhe proporcionar uma cama para que passasse a noite. Desempenharia o papel de cavalheiro, e o ancião falador que vivia com seus dois filhos com muito gosto lhe diria ao cortês e jovem visitante tudo o que queria saber da moça local chamada Beth.
Capítulo 11
Eli ouviu a risada de uma mulher assim que entrou na casa. Ainda estava suarento e morto de calor depois do duro rodeio de volta desde o Tombstone; a tormentas tinha durado até tarde, abandonando ao mundo em um escuro e desalentador silêncio.
Caminhou rapidamente atravessando a cozinha e se deteve sem ser visto ao lado da porta do salão.
—Olhe este — Disse Miriam.
Eli olhou às escondidas até uma esquina do salão. Tally e Miriam estavam sentadas sobre o sofá com uma desfolhada revista aberta sobre seus regaços. As páginas estavam amareladas com os anos, mas Eli podia distinguir os desenhos, alguns em cores, de elegantes damas em rodeados e estilizados trajes.
—Este é encantado — Disse Tally, seu dedo roçou a imagem.
—E caro. —Miriam suspirou e sacudiu a cabeça.
— Não deveria estar olhando isto. Inclusive o modelo é muito caro, nem que dizer do material.
—Se acha que vou deixar que te case com seu vestido de calicó, é que está muito louca — Disse Tally firmemente.
— Iremos a Tombstone e encontraremos algo conveniente para uma noiva.
—E o que empenhará para conseguir o dinheiro? —perguntou Miriam com seu habitual espírito prático.
Eli sorriu e tocou o pacote que guardava no interior de sua camisa sobre seu coração. Ela não se deprimiria quando visse o anel.
Apostava cinqüenta dólares a que exigiria que o devolvesse. Esta vez ela não se sairia com a sua.
—... Que guardei desde que Nathan morreu — Dizia Tally — Têm certo valor, e há vários joalheiros em Tombstone que me darão um preço justo.
—Não posso permitir que desfaça de suas coisas...
Tally riu em silêncio.
—Não se preocupe. Não gastarei tudo isso em você, minha querida amiga embora assim o acha.
—Queria que fizesse algo para você mesma de vez em quando.
—Mas o faço, Miriam. Cada dia em Cold Creek, quando agüento e pausa o ar limpo e sei que tudo isto é nosso. Que é nosso lar.
Miriam esteve em silencio por um comprido momento.
—Ainda se sentirá dessa forma quando Sim Kavanagh se for?
Tally fechou a revista e colocou as mãos sobre a coberta do livro.
—O que te faz pensar que nos deixará?
—Porque as coisas não podem ficar do modo em que estão agora, com os dois dançando um ao redor do outro como folhas ao vento. Você não lhe dá nenhum ânimo, e sem isso... —Ela cobriu as mãos de Tally com as suas.
— Um homem assim necessita de algo, ou alguém, que lhe dê fôlego.
—Ah. —Tally riu.
— Realmente tinha grandes esperança nele, verdade? Antes tentei te explicar o por que tal coisa não pode ser.
—Tentava convencer-se a si mesmo, não a mim.
—Possivelmente isso é certo. Mas verá, Miriam, nunca te disse que ele já tem uma mulher.
Miriam se mordeu o lábio.
—Não, não o fez.
—Me perdoe, MA chérie. Nunca encontrei o momento oportuno de mencioná-lo.
—Ninguém disse que isto fora de minha incumbência — Soprou Miriam, abandonou sua indignação e se inclinou aproximando-se mais.
— Quem é?
—Não conheço muito sobre ela, exceto que está consagrado a ela. Não é... Não é sua esposa. Ainda.
—Faz quanto tempo sabe?
—Desde que Sim chegou. Mas não acreditei que fosse importante.
—Não acredita que ele fosse a te importar?
—Não tinha nenhuma razão. Ainda não sei o que sinto. Não entendo...
—Como é que poderia querer a um homem outra vez?
Tally cabeceou.
—Mademoiselle Champagne nunca quis um homem. Só participava do jogo. Com o Sim não é um jogo. Foi honesto sobre seus planos, Miriam. Nunca teve a intenção de ficar... Permanentemente.
Eli apertou os dentes e deu a volta dando as costas à parede. Esse asqueroso filho de cadela, jogando com o Tally quando tinha outra mulher.
—Acredito que se ficou tanto porque queria nos ajudar — Disse Tally.
— Se preocupa com como nos arrumaremos sem ele.
Eli quase se afogou. Deus Bendito, que arrogante. Seus punhos lhe doíam com o desejo de lançar ao Sim Kavanagh à sujeira onde pertencia.
—É um bom homem — Disse Miriam— Embora ele não queira que ninguém mais saiba. Embora ninguém pode ser tão singelo e honesto como meu Eli.
O nó na garganta de Eli cresceu ao tamanho de uma rocha. Ah, minha Miriam. Como pode ser tão cega e tão sábia ao mesmo tempo?
—Depois do que passou ontem — Disse Miriam— Não estaria surpreendida se ele ficasse. Parecia extremamente decidido a proteger a do Caleb.
—Não só a mim, Miriam.
—Bem, é difícil de acreditar que ele alguma vez tenha conhecido ao Caleb, sem falar de que tenha montado junto a ele.
—Disse que foi faz muito tempo.
—Os pecados da juventude. Ninguém está livre deles. Mas Caleb Smith é simplesmente...
Eli caminhou para a esquina do salão.
—Caleb Smith?
Miriam e Tally o olharam fixamente.
—Elijah Ezekial Patterson — Disse Miriam, ficando de pé.
— Quanto tempo esteve escutando dissimuladamente?
—Caleb Smith esteve aqui? —Demandou Eli, ignorando a pergunta da Miriam.
— O que queria?
—Já se foi, Eli — Disse Tally.
— Acaba de retornar?
—Isso é tão claro como o dia —Disse Miriam, agitando a mão diante de seu rosto.
— Uma vez que te tenha lavado, possivelmente a senhorita Tally será capaz de suportar sua companhia.
Eli deu um passo atrás.
—Minhas desculpas, senhoras. Mas entenderão o por que isto me corresponde...
—Completamente — Disse Tally. Ela deu ao Eli um largo e pormenorizado olhar.
— Caleb não nos fez mal. Queria falar com o André, mas não teve a oportunidade.
—Sim o afugentou — Disse Miriam com um pouco de satisfação.
Eli procurou não lhes deixar ver seu desgosto.
—Quão último escutei, é que Smith estava no cárcere e que provavelmente permaneceria ali. Lamento não estar aqui para tratar com ele em pessoa.
—Sua viagem foi bem-sucedida? — Perguntou Tally de forma significativa.
—Sim. —Trovões começaram a retumbar no alto, parecendo sacudir a casa.
— Se as senhoras me desculparem, porei-me apresentável, e logo eu gostaria de ouvir mais sobre a visita do Caleb.
Ele caminhou pelo corredor até o quarto do André como fazia cada dia, guiado pela compaixão, a culpa e os velhos costumes de lealdade. André, extraviado em alguma parte no interior de sua mente danificada, não o ouviu entrar nem voltar a sair. Nos barracos, Eli fez um lugar para seu tesouro na cabeceira de sua cama em um maço de cigarros de charutos. Logo se lavou e se trocou com roupa fresca como se a tormenta cedesse o passo à frescura da noite.
Estava impaciente por ver o rosto da Miriam quando lhe apresentasse seu presente. Mas antes tinha outra tarefa que fazer, e Eli nunca tinha sido alguém que adiasse um trabalho difícil a favor de outro agradável.
Ajoelhou-se ao lado de seu beliche e alcançou debaixo desta a pistola pega à cama de armar. Sua palma roçou a fresca e polida madeira. A Colt, o revólver do exército, encaixava perfeitamente em sua mão, embora ele nunca tinha esperado sustentá-la outra vez. Guardou-a em seu pistolera com tranqüilos dedos.
Então foi em busca do Sim Kavanagh.
—Sei o que é.
Sim não deu a volta em seguida. Tomou seu tempo com os últimos golpes da escova sobre a lisa pele de Diabo e escutou o rangido da palha sob as botas do Elijah Patterson.
—Temos um visitante, Diabo — Disse ele.
— Suponho que quererá me dizer umas palavras, mas não acredito que lhe importe se você escutar.
—Diabo — Disse Eli—. Um nome apropriado para um cavalo que pertence a um homem como você... Se é que alguma vez foi teu.
Sim se deu a volta, apoiando-se contra o firme ombro do garanhão.
—É meu, comprado e pago legalmente. E não quero que lhe vás pegar um tiro por acaso.
A mão de Eli ficou bem longe de sua pistolera.
—Não pego um tiro a nada por acaso, Kavanagh.
—O mesmo... —Sim deu a Diabo um tapinha final e ignorando ao Eli o passou e saiu do estábulo. A terra estava úmida debaixo de seus pés, cada árvore e arbusto brilhava como conseqüência da tormenta. Eli cheirava a medo, mas seu rosto estava rígido pela determinação. Manteve-se na terra mais seca e seu corpo estava preparado para uma ação imediata.
Sim se sentou sobre um velho toco de álamo e cruzou os braços sobre seu peito.
—Bem —Disse ele— Continua, Patterson. Diga-me o que sou?
Eli se plantou frente a Sim, as mãos frouxas aos flancos.
—Caleb Smith esteve aqui.
—Esteve e se foi.
—E o conhece. Montou junto a ele. É essa a razão de que esteja em Cold Creek, trabalhando encoberto para um bandoleiro assassino... Impondo sua presença para ganhar a confiança da senhorita Tally?
Sim estirou os braços, e a mão do Eli desencapou sua arma.
—Quase parece surpreso, Patterson. Sempre esteve convencido de que eu mesmo sou um bandoleiro.
—Sei que o é. Ao igual a sei que não é um homem normal.
—Agora isso sim que poderia tomá-lo como um insulto.
—E os homens como você não Tomás insultos.
—Acreditava que somente havia dito que eu não era um homem. —Sim levantou a cabeça — Odeia Caleb.
—Odeio a todos os assassinos a sangue frio.
—Embora seu patrão tenha trabalhado com ele no Texas?
—Disse-lhe isso Caleb antes que viesse aqui?
—Acabo-o de averiguar hoje. Não vi ao Caleb em anos.
—É um mentiroso, Kavanagh. Conseguiu que Caleb partisse. Um homem como ele não partiria por uma ordem. Foi tudo uma atuação, verdade? É a raposa protegendo o galinheiro. Forma parte de algum plano com o Caleb, ou tem seus próprios planos maléficos.
—Montei junto com o Caleb quando fomos jovens. Isso é tudo.
—Não te acredito.
—Isso é uma punheteira pena.
—Quero que vá do Cold Creek.
Sim se levantou, sem lhe emprestar atenção à arma do Eli.
—Você um tipo supersticioso, Patterson?
Os olhos do antigo soldado tomaram uma expressão atormentada.
—Sei que há coisas neste mundo que não sempre podem explicar-se.
—E imagina que eu sou uma dessas... Coisas.
—Vi você correr mais rápido que um cavalo e romper uma armadilha com as mãos nuas. Agi mais como um lobo que como um ser humano.
—De modo que isso me faz... O que, Patterson? Um monstro? Acha que uma noite me deslizarei na casa e rasgarei aquelas bonitas gargantas com meus dentes?
Eli se estremeceu.
—Se for o que parece...
—Poderia ter matado a cada pessoa nos arredores a primeira noite em que cheguei. E se acreditava que era capaz de fazer isso, por que me abandonou sozinho com as damas enquanto foi a Tombstone?
—Porque ainda tinha dúvidas. Nada mais.
—Tem muitas dúvidas, Patterson. Ainda agora.
Os músculos no queixo do Eli se estiraram tensos.
—Há uma coisa da que estou seguro. Irá esta noite.
Sim olhou a arma.
—Do exército, verdade? Quanto tempo passou desde que a usou?
Por um momento Eli pareceu desconcertado, como se Sim houvesse tocado um tema no que não queria pensar. Sim riu.
—Por que deixou a cavalaria, Patterson? Ouvi que ganhou medalhas por sua coragem.
—Quem te disse isso?
—Não sabem... Tally, Miriam, os outros homens? Por que, Patterson?
—É suficiente. Se não for um homem procurado em mais de um estado, eu sou mais branco que uma margarida. Posso te entregar à lei em qualquer momento, Kavanagh... E o faria, se não fosse pela Tally. Mas iras daqui esta noite. Se retornar, dispararei-te onde seja que te veja.
Sim bocejou.
—Por que esperar? Monstro ou proscrito, mereço morrer.
—Ao extremo de uma corda.
—Que ninguém dirige ainda. Pode que seja um herói, Patterson. Ou realmente é o covarde que Caleb diz que é?
A mão do Eli tremeu. Com um movimento, Sim poderia o ter desarmado e sobre a terra, mas se tomou seu tempo. Não se moveu.
—Parece que Caleb não gosta mais que você a ele — Disse Sim.
— Quando se inteirou que você trabalhava aqui, esteve impaciente por me contar sua deserção da cavalaria. Isso é algo que Miriam não sabe sobre você, verdade?
—Diz-lhe isso a minha mulher...
—Miriam e Tally acreditam que é um soldado valente que não pode fazer nada incorreto. Apostaria que matou a muitos homens em seus dias.
—Acha que tomar vidas é algo pelo que sentir-se orgulhoso, Kavanagh? Desfruta disso, como um animal selvagem?
—Não. —Sim se sentou outra vez, encontrando de repente fracas as pernas.
— Nunca matei a mulheres ou meninos ou a qualquer homem que fosse inocente. Acha que me conhece, Patterson. Esta equivocado. Poderia me pegar um tiro se tivesse coragem, mas esse é seu problema, verdade? Não pode matar. Está farto da morte.
A pele de Eli era muito escura para trocar de cor pela impressão, mas o desespero estava em seus olhos.
—Farei o que tenha que fazer.
—Vejo a verdade, Patterson. Farei-o mais fácil para você. Inclusive se me disparasse, provavelmente sobreviveria. Essa é a classe de coisa que vai correr mais rápido que um cavalo e romper armadilhas com as mãos nuas. Viveria, e sua doce Miriam averiguaria finalmente que o homem que ela ama é um desertor e um covarde que tentou matar a um homem desarmado.
—Miriam não...
—Não quer que ela saiba. —Sim suspirou.
— Você e eu temos feito coisas da que não estamos orgulhosos, mas ninguém mais tem que sabê-lo. Nem Tally nem Miriam, nem a lei ou o exército, que com segurança adoraria saber aonde te escapaste.
—Caleb poderia me delatar em qualquer momento.
—Agora mesmo tem suas próprias preocupações. Imagino que tem duas opções... Me mata ou me deixa em paz. Não deixarei Cold Creek sem lutar.
Eli percorreu com a mão seu muito curto cabelo negro.
—Por que? Tally disse que tem a uma mulher que te espera em algum lugar. Nunca planejou ficar em Cold Creek. O que temos aqui que um homem como você possa querer?
Havia algo no tom da voz de Eli que Sim não podia interpretar completamente, um pingo de decepção, como se o antigo soldado tivesse feito a pergunta só para benefício do Sim.
—Você acha que sabe o que quero, Patterson? —Perguntou ele.
—Não se preocupa pela senhorita Tally —disse Eli.
— Não está em você.
—Você só entende o que vê — Disse Sim silenciosamente.
— E não é a metade do que está realmente ali. Eu não feriria a Tally para salvar minha própria vida.
—Nunca confiaria em nenhuma de suas promessa.
—Não faço nenhuma promessa. É sua escolha, Patterson.
Eli sustentou o olhar de Sim enquanto baixava a arma e apontava a Colt para a inofensiva terra.
—Deixei de rezar faz tempo — Disse ele — Mas esta noite pedirei a Deus que te dê o destino que merece.
—Faz isso. Será interessante ver se ele responde suas orações ou me dará outra chance para a salvação.
—Salvação? —Eli embainhou sua arma — Nunca encontrará a paz, Kavanagh. Não nesta vida ou na seguinte. —Ele se afastou, rodeando o estábulo e indo mais à frente do curral.
Sim descansou as mãos em seus joelhos e contemplou a terra entre suas botas. Seu estômago se contraía pela náusea. Eli tinha sido estúpido ao provocar uma confrontação que Tally podia ter presenciado. Estava impulsionado por toda sua disciplina, decidido a fazer o que pensava era correto inclusive a custa de sua reputação e honra. Não se tinha dado conta de quão perto tinha estado da morte.
O teria matado?
—Sim?
A voz de Tally despertou como de um sonho. Sentou-se e riu dela com o ar de um homem culpado surpreso em flagrante.
—Acreditei ouvir gritos — Disse ela. Ela estava de pé apenas fora de seu alcance, com as mãos cruzadas sobre seus peitos. O sol ao ocultar-se convertia o ouro de seu cabelo em fogo de bronze.
— Está tudo bem?
—Eli tinha umas perguntas sobre o Caleb Smith — Disse Sim.
—Há uma má história entre eles —Disse ela.
— Havia muitos homens no Texas que odiavam os soldados de Búfalo. Caleb era o pior. —Vacilou.
— Sei que ele era seu amigo...
—Não mais. —Sim escutou suas próprias palavras e ouviu a verdade nelas, assim como uma incomum tristeza.— Não como quando fomos meninos.
Mas permanecia um pouco da velha lealdade. A camaradagem ainda não estava quebrada.
—Quando planeja deixar Cold Creek? — Perguntou Tally repentinamente.
Pergunta-a lhe roubou o fôlego, embora não houvesse nada alarmante nesta.
—Pensava que possivelmente ao finais do verão —Disse ele.
—Setembro?
Ele apertou as mãos entre seus joelhos.
—Não tinha considerado a data exata.
—É obvio. É só que... —Ela tomou uma profunda respiração—. Estive pensando em substituir o gado que foi roubado o inverno passado. André devia havê-lo comprado na primavera, mas... —Encolheu-se de ombros eloqüentemente.
— Federico conhece um fazendeiro em Sonora quem freqüentemente tem excesso de cabeças de gado para vender no outono e poderia ter o que desejo comprar. O gado de Sonora é menos caro que aqueles criados neste lado da fronteira, e meus recursos são um pouco limitados. —Ela sorriu ironicamente.
— Escreverei a Dom Miguel esta semana, perguntando se poderíamos fazer a viagem a seu rancho em setembro.
Sim sabia o que vinha. Não havia nenhuma razão que Tally fizesse a pergunta.
—Quer saber se posso ir contigo?
—Só se seus planos o permitem. Ouvi que fala com fluido espanhol ao Federico e Pablo, e mostraste seu conhecimento do gado. E há bandidos e índios apaches competindo entre eles em Sonora.
—Por que não levar ao Elijah?
—Necessito-lhe para cuidar do rancho, se por acaso nossos ladrões de gados voltam. —Ela não mencionou Caleb Smith, mas Sim sabia que pensava nele.
Ele ficou em pé.
—Imagina que sou mais desumano que Eli quando se mora uma briga? —Perguntou ele.
—Não quis dizer...
—Tem razão. Posso dirigir aos “bandidos” e índios apaches.
—Não sozinho, é obvio. Levarei ao Federico, e contratarei a homens no México para ajudar a conduzir ao gado a Cold Creek. Sei que isto te manteria longe de Esperança por mais tempo de que esperava, mas te pagaria bem por sua moléstia.
Ele a olhou aos olhos.
—De onde obterá o dinheiro para isto, Tally?
—Tenho alguns objetos de valor de meu matrimônio que salvei para necessidades imprevistas — Disse ela.
— O preço que me darão em Tombstone deveria ser suficiente para comprar o gado que precisamos conseguir outra vez.
A esperança em seu olhar era muito para o Sim. Os pêlos em sua nuca se arrepiaram, e o batimento de seu coração foi um pouco muito rápido para sua comodidade. Ele podia imaginar viajar com Tally, acompanhada só pelo afável Federico. Semelhante viagem implicaria estar muito perto. Perigosamente perto.
Claro que, Caleb ainda esperava notícias do tesouro, e Sim ainda tinha que as obter. Poderia conseguir o que necessitava do André esta noite... Ou amanhã, ou dois meses depois. Esse era o problema.
—Onde está essa fazenda? —perguntou ele.
—Perto de São Lucas. Calcularia oito semanas para fazer a viagem ida e volta, contando as demoras com as que podemos nos encontrar com algum problema ou mau tempo.
Sim consultou sua memória e analisou o que Tally lhe acabava de dar. Uma possível rota a São Lucas passava muito perto de certo pequeno povoado chamado Dois Rios.
Esperança vivia em Dois Rios. Ela se tinha mudado com uns parentes longínquos um ano depois de deixar Novo México. Sim a tinha seguido ao povoado, mantendo-se escondido enquanto se assegurava que estava segura e assentada até que ele ganhasse os meios para cortejá-la adequadamente.
Se fosse com Tally, poderia ver esperança outra vez. Uma vez mais seria real para ele, carne e sangue, enchendo o de inspiração para permanecer fiel a ela e a seu sonho.
Mas para setembro faltavam várias semanas. Se André falava antes, então Sim conseguiria sua parte do tesouro. Não teria que arrastar-se em Dois Rios como um ladrão só para recordar seu objetivo.
—Não posso te dar uma resposta agora mesmo —Disse ele.
— Envia sua carta. Se não poder ir contigo, encontrarei a homens que possam fazer o trabalho em meu lugar.
Tally tentou sorrir.
—Se seus outros conhecidos são como Caleb, arrumaria-me melhor sem eles. —Ela vacilou, avermelhando.— Até que te tenha decidido, pode ficar tal como estiveste. —Ela girou para ir-se.
Sim tocou seu braço. Ela se estremeceu como se a tivesse apunhalado. Sua boca ficou inexplicavelmente seca.
—Sinto o do Caleb — Disse ele.
—Não é sua culpa. —Seu sorriso estava torcido e tão mais encantada por sua imperfeição.
— Uma vez mais veio a nosso resgate. —Ela tragou saliva e baixou o olhar.
— Sentiremos-lhe falta , Sim.
—Ainda não me fui. —Ele a deixou ir antes que pudesse atirá-la a seus braços.
— Tally...
—Bon soir, Sim —Sussurrou ela.
— Isso é francês para dizer boa noite. Quando for o tempo, ensinarei-te como dizer adeus.
A noite estava tudo menos bem.
Sim foi às colinas, encontrou aos lobos, correu com eles durante horas, e logo seguiu correndo muito depois de que se cansaram e retornado a suas guaridas. Tentou seguir o rastro de aroma do Caleb pelo passo, mas as chuvas o tinham lavado para momento.
Ao longo dos seguintes dias aproveitou cada oportunidade para falar com o André. Cada tentativa demonstrou ser frustrante e infrutífera. André tinha decaído a um estado meio consciente, e quando despertava, estava mais inquieto que lúcido. Tally estava desanimada, embora pusesse bom rosto ante a recaída do André. Sim estava profundamente tentado a consolá-la, mas sabia que ele era o último homem que tinha algum direito a fazê-lo.
No fim de julho correu como um lobo das montanhas Pedregosa até o vale de São Bernardino e encontrou evidências de um acampamento abandonado que tinha todo os sinais de haver sito o quartel geral temporal dos ladrões de gados. Quando agosto substituiu a julho, visitou as fronteiras mais separadas da propriedade, passando ligeira e rapidamente como uma águia sobre os passos das Chiricahua. Uma vez ao outro lado, "tomou emprestada" roupa e cavalos, cavalgou até Novo México, perguntando por um homem que encaixasse com a descrição do Caleb.
Por tais meios se inteirou que Caleb finalmente tinha ido ao Novo México com seus homens e acossava aos rancheiros acima e abaixo do Rio Grande. Tinha decidido confiar no Sim depois de tudo. Sim não encontrou nenhuma prova de que o ladrão do mapa tivesse voltado para área onde André se topou com seu "acidente". Eli continuava receoso e hostil para ele, e as coisas eram tão pacíficas como qualquer pudesse esperar.
Mas Sim não tinha nenhuma desculpa para ficar em Cold Creek até outono a menos que consentisse em acompanhar a Tally a Sonora para a compra de gado. A verdade fora dita, não queria que Tally viajasse só com o Federico e possivelmente um par de homens contratados por companhia.
Quando agosto chegou a seu final e as roupas maiores davam lugar para seus rodeios de outono, Sim silenciosamente começou a ajudar a Tally a preparar-se para a viagem. Aconselhou dirigir-se ao México por Nogueiras e seguir o curso do Rio do Falcão a São Lucas, uma rota que lhes levaria dentro de dez milhas de Dois Rios. Poderia cobrir facilmente tal distancia em uma noite se corria como um lobo.
Tally não tinha nenhuma objeção em lhe deixar o mando. Seu humor solene se aliviou, e ela cavalgou para Tombstone para vender suas jóias, retornando muito satisfeita com os acordos que tinha feito.
Miriam fazia um grande fornecimento de carne-seca e lhes tinha proporcionado guarnições de bolachas de soja assim como feijões e outros mantimentos básicos para complementar alguma caça que os viajantes fizessem com o passar do caminho. Eli comprou uma récua de mulas, e Federico selecionou um recâmbio constituído pelos melhores cavalos do rancho, cinco montaria para ele, Tally e Sim.
A primeira semana de setembro foi quente e fresca, com nova e rica erva crescendo e flores campestres emergindo da terra pelas chuvas do verão. As vacas e os bezerros desmamados desfrutavam dessa abundância, mas na manhã da partida, Sim era inquietantemente consciente de uma só coisa: Tally, sentada comodamente sobre seu malhado castrado, a essência dela mais atrativa que qualquer outra da selvagem natureza.
Elijah, Miriam, Bart, Pablo e Dolores se reuniram para despedi-los quando o sol saiu sobre as Chiricahuas. Diabo estava agitado, sentindo a próxima aventura; as mulas pareciam reticentes de ir a qualquer lado, mas Federico tinha resultado ser um natural mulero assim como um excelente cavaleiro. O “vaqueiro” abraçou a seus meninos uma última vez e saltou com agilidade à cadeira de seu cavalo com alegre bravata.
—Por favor recorda o que falamos —Disse Tally ao Elijah.
— Se descobrir alguma sinal dos ladrões de gados, não lute contra eles sozinho. Umas quantas vacas não valem suas vidas.
—Não deixarei que o esqueça — Disse Miriam. Ela passou a mão pela curva do cotovelo do Eli. A luz do sol se refletiu sobre a gema em seu anular esquerdo.
— E não se preocupe pelo senhor André. Terei muito cuidado com ele. E dos meninos, também —Acrescentou ao Federico.
—Por que não posso ir? —queixou-se Pablo — Sou bastante maior. Posso conduzir ao gado, e...
—Não desta vez — Disse Tally.
— Te necessito aqui para ajudar ao Bart e Elijah... E Miriam necessita a um homem jovem e forte perto da casa.
Pablo franziu o cenho, mas encontrou pouca simpatia. Sim tentou recordar quando ele tinha sido tão jovem e ingênuo. À idade do Pablo poderia ter ido em qualquer lugar que escolhesse e ninguém se teria preocupado o suficiente para detê-lo.
Federico, um pouco comovido, prometeu a seus meninos presentes do México e se apartou rapidamente, açulando às mulas. Sim se localizou detrás dele. Tally ficou atrasada para compartilhar umas últimas despedidas com seus amigos, e logo alcançou ao Sim. dirigiram-se ao passo sul um ao lado do outro.
—Estou contente de que tenha vindo — Disse Tally, inclinando seu chapéu para sombrear seu rosto contra os penetrantes raios de luz matinal. Possivelmente só fora casualidade que ela escondesse seu rosto do Sim, mas também farejou seu entusiasmo.
—Estive esperando com muita ilusão —Disse ele — E não só por causa de que esteja começando o rancho outra vez.
—Sim. Passou muito desde que tenho feito uma viagem semelhante.
—Acreditava que você gostava de ficar em um lugar, te sentir em casa.
—Faço-o. —Ela o olhou, seus olhos estavam vivos entre as sombras.
— Mas desfruto em escapar de vez em quando. Não se supõe que a casa seja uma prisão.
—Como sua última casa?
Retornou-lhe a pergunta.
—Onde estava sua última casa, Sim?
—Vivi em muitos lugares.
—Mas conheceu esperança no Novo México.
Se imaginou que nesta viagem queria estar a sós com ele, ela acabava de terminar de raiz com essa idéia.
—Vivi no Novo México por uns anos. Tinha um amigo ali...
—Um amigo como Caleb Smith?
—Nada que ver com o Caleb. Tomás é um homem decente. As coisas que fez... Teve boas razões para isso.
—Quer dizer que também é um proscrito?
—Ele se casou com uma elegante dama inglesa. Ou ao menos era assim até que conheceu Tomás. Ensinou-lhe uns novos truques.
—Por que deixou Novo México? Por que não se assentaram ali Esperança e você?
—Esperança não queria ficar.
—Muitos lembranças —Murmurou Tally.
—O que?
—Nada. Pensava em mim mesma. Nunca poderia viver no Texas ou em Louisiana outra vez.
Sim olhou diretamente à frente ao caminho que subia e as amplas garupas das mulas balançando-se.
—Esperança teve uma época difícil em seu povoado. Era diferente, e eles não podiam aceitá-la.
—Disse que ela podia ver nos corações das pessoas.
Ele cabeceou.
—Depois ela... Precisou procurar algo. Eu... —Ele fez uma pausa, frustrado por sua incapacidade de explicar-se. Ele mesmo nunca o tinha entendido completamente.
— Ela precisava ir sozinha.
—Deixou que procurasse seu próprio sonho.
Isso não tinha sido assim. Tinha-a deixado ir porque sabia que nunca o aceitaria se o negava... Depois de que ele se deu conta de que era uma mulher a que era capaz de amar, uma que podia amá-lo em resposta.
Tally esteve muito tranqüila quando voltearam por uma curva estreita ao longo de um abismo, deixando fora de vista detrás deles ao vale do Cold Creek.
—Estou contente de que terá um lar próprio — Disse ela.
— Um verdadeiro lar. Uma família. —Sorriu.
— Será um bom pai, Sim.
A conversa o afetava mais do que queria admitir. Por que seria que nunca se imaginou a Esperança cheia com seu menino, ou levando a seu filho nos braços?
—A criação dos filhos é assunto da mulher — Disse ele bruscamente.
—Pensa assim? Olhe ao Federico. Miriam sente carinho por seus meninos, é verdade, mas ele é um pai muito devoto. Pablito e Dolores nunca carecerão de amor.
—O que te faz pensar que eu seria um bom pai?
Não tinha tido a intenção de fazer essa pergunta, mas agora era muito tarde. Tally não riu dele. Pensou sua resposta seriamente, e quando falou, sua voz estava entrecortada pela emoção.
—Vi-te com Beth, e quando Caleb tinha o Pablo. Defenderia com sua vida a qualquer menino. E sabe o que é não ter a um pai que cuide de você.
—Nunca disse isso.
—Disse que sua família não vivia junta. Estavam separados, como a minha.
Ele não queria falar de coisas que lhe causavam um nó no estômago e que os olhos lhe ardessem.
—Agora mesmo está contente de estar longe do André — Disse ele severamente.
— Não é essa a principal razão de fazer esta viagem? Assim não teria que olhar sua expressão vazia e te sentir culpada do que ele se provocou a si mesmo?
Contemplou-o atordoada, seus olhos refletiam dor, logo deu um chute a seu cavalo castrado em um trote rápido, deixando ao Sim entre o pó. Estava contente de estar sozinho. Mas a viagem acabava de começar, e sabia que haveria conversações muito mais perigosas e inquietantes entre ele e Tally antes que isto se acabasse.
Capítulo 12
Os primeiros dias de viagem cobriram território conhecido, e Tally esteve agradecida da pouca necessidade de cercar conversação. Ela, os homens e os animais passaram a primeira noite aos subúrbios do Tombstone. No transcurso da semana seguinte cruzaram o rio São Pedro com seu “bosque” de álamos e subiram pelo passo entre as montanhas Santa Rita e Patagônia. Embora havia muitos ranchos com o passar do caminho cujos donos estariam felizes de oferecer sua hospitalidade por uma noite, Tally decidiu acampar ao ar livre, onde não tivesse que esconder seu sexo tão dilipessoasmente.
O modesto povoado comercial de Nogueiras se localizava na fronteira mexicana em um amplo vale com árvores de nogueira. Tally insistiu que o grupo passasse o dia descansando na sombra, já que o calor só se faria mais intenso quando viajassem ao sul. Haveria muitas colinas e arroios que sortear, e a possibilidade constante de encontrar bandidos ou índios apaches renegados.
Sim não a contradisse. Ele guardou sua distância, realizando silenciosamente as tarefas necessárias, como recolher a lenha sem esperar que o pedissem. Várias vezes foi caçar e retornou com uma pequena presa para a marmita. Federico assumiu o cargo de cozinheiro e brincava com Tally quando Sim estava ausente. O resto do tempo ele se mantinha fora do caminho do Sim.
Essa noite, arremesso em sua esteira sob as nogueiras, Tally se perguntou o que tinha esperado. Com segurança não tinha acreditado que Sim de repente lhe revelaria os segredos mais íntimos de seu coração só porque as circunstâncias os obrigavam a uma certa intimidade. Tinha sido a única em mencionar a Esperança outra vez, e ele não tinha evitado o tema.
Mas permanecia mais e mais ávida por compreendê-lo, por aprender mais sobre seu misterioso passado, descobrir o que lhe levou a ser o homem complexo que era. Esta viagem poderia ser sua última oportunidade. Uma para que o entendesse completamente, possivelmente poderia esquecer que alguma vez tinha sido parte de sua vida.
Entrou em cavalo no México a manhã seguinte com a lembrança de inquietos sonhos encarapitados na cadeira trás dela. Desde Nogueiras, ela, Federico e Sim continuaram brevemente pelo vale de um ramo do rio Madalena e logo cruzaram a serra do Arizona. A paisagem trocou quando descenderam até o rio do Falcão. O deserto coberto de matagais que Tally conhecia no Arizona trocou a um cheio de altos e majestosos saguaros e inumerável cactos com afiados espinhos. Os chochines dos cacto trilavam monótonamente nos ramos dos mesmos, e as codornas soluçavam como viúvas afligidas.
O caminho com o passar do rio era apenas mais que um estreito e rochoso rastro. As casas de tijolo cru dos agricultores pobres se pegavam às ribeiras ou na parte inferior das ladeiras, onde homens e mulheres com roupa puída ganhavam o sustento com muita dificuldade em suas pequenas parcelas de terra e criavam gado pequeno. A maioria para gestos com as mãos e saudavam os viajantes com sorrisos, alguns com ofertas de comida e bebida. Tally aceitou omeletes quentes e frescas para o grupo, mas Federico firmemente lhe disse que não pagasse por elas. Os camponeses mexicanos eram pobres, mas sua generosa hospitalidade era uma fonte de orgulho em qualquer parte do país.
Às vezes o grupo de Tally passava povoados onde curiosos meninos os crivavam com perguntas em um rápido espanhol. Federico respondia enquanto deixava as mulas beber nos reservatórios de água comunais, mas de vez em quando Sim surpreendia a Tally falando com os meninos com desinteressada diversão, quase como se recordasse a conversação sobre sua potencial capacidade como pai.
Gradualmente o rio do Falcão se curvava ao Leste fazia o destino de Tally. Os dias eram quentes, as noites agradáveis em comparação, mas cada dia se parecia com o anterior até que encontraram a uma vaca em um poço de barro.
Como o esquelético e cornudo animal tinha obtido tal façanha era muito claro. Aparentemente tinha vadeado dentro de um atoleiro empoçado que se formou pelo transbordamento do rio durante a temporada de chuvas, sem dar-se conta que a depressão era mais gradeio que água. Já debilitada com o esforço de cuidar de sua cheia e lactante cria, tinha-a levado a um estado de esgotamento e agora jazia sepultada até o ventre enquanto o bezerro mugia na ribeira.
Tally freou e estudou a situação. Não saberia dizer quem era o dono de miserável besta; esta poderia pertencer a um pequeno rancheiro da área, ou poderia ser um do muito gado selvagem que tinha aprendido a viver da terra depois de que as incursões dos apaches tivessem expulso aos agricultores do deserto de Sonora.
Tally desmontou e se aproximou do atoleiro. O bezerro trotou longe, mas sua mãe fixou um olho injetado de sangue na Tally e gemeu lastimosamente.
—Temos que tirá-la — Disse Tally.
Federico se deslizou de sua cadeira e esteve de pé junto a ela.
—Será muito trabalho, senhorita.
—Ambos temos feito o mesmo trabalho muitas vezes em Cold Creek. Não abandonarei nem a ela nem a seu bezerro a morrer porque cometeu um tolo engano.
Sim montou por diante deles até a sombra de um majestoso sicómoro.
—É um estúpido engano gastar sua força em algo que não apreciará seus esforços —Disse ele.
Seu comentário era a primeira coisa que lhe havia dito em dias.
Tally tirou seu temperamento.
—Escolha ajudar ou não a alguém apoiado em quão agradecidos estará?
Ele desmontou e se apoiou contra o pálido tronco da árvore, deixando que Diabo encontrasse seu caminho a um remanso de patética erva.
—Minhas desculpas a “Dona Vaca”. Não compreendi sua importância.
Tally tirou rapidamente o chapéu e deu golpes com este em sua coxa.
—Não espero sua ajuda.
—Genial. —Ele se sentou e estirou suas pernas ante ele.
— Contentarei-me lhes dando instruções se conseguem as seguir ao pé da letra.
Federico encontrou os olhos de Tally e encolheu os ombros. Deu-lhe seu sorriso mais brilhante. Tally desatou vários metros de corda de um dos pacotes das mulas. Federico trouxe seu laço e fez umas laçadas de prática. Por tácito acordo, ele e Tally tiraram as botas e meias, enrolaram suas calças e se localizaram ao bordo da terra sólida. A vaca balançava a cabeça em advertência.
Federico atirou o laço, capturando à vaca pelo fracote pescoço no primeiro intento. Ela deu com os chifres um puxão sem forças. Tally caminhou pela água com cautela, o barro a arrastava a cada passo, colocou-se frente aos quartos traseiros da vaca. Enquanto Federico puxava, ela empurrava. A vaca não se moveu. Tally puxou a cauda da vaca, e esta mugiu.
Nada podia conseguir que se movesse, não importava com que freqüência Federico e Tally trocassem de ângulos ou experimentassem com várias tipos de laçada ao redor de cada parte do animal que pudessem alcançar. Finalmente Federico saiu do barro, selou a seu cavalo mais forte e atou sua corda ao redor do pomo da cadeira, mas até os melhores esforços do grande castrado foram inúteis sem importar o que fizesse.
Sim riu. Parecia que o som ricocheteava nas colinas e caía totalmente na cabeça de Tally como o implacável sol. Ela atirou mais furiosamente da corda, a qual se escorregou de suas mãos outra vez. Sentou-se no barro. A vaca resmungou e fechou com resignação os olhos com largas pestanas.
Os ombros do Federico se afundaram.
—Isto não funcionará, senhorita —Disse pesando.
— Ela é muito...
—Me dê isso. —Sim arrebatou a corda das mãos do Federico e caminhou pela água da fossa.
— Vocês dois fora.
—Acha que pode fazer isto...
Tally se fez a um lado, encontrando os olhos de Sim. Estes cintilavam com manhã e brincadeira. Se ele caía de rabo e fazia o parvo, não era mais do que se merecia.
Tornou-se atrás, arrastando cada perna do pegajoso lodo. Ela e Federico se desabaram na borda para recuperar o fôlego e observar a manobra do Sim.
Não houve nada que ver... Nada que Tally pudesse recordar mais tarde. Em um momento Sim estava até a cintura na lama, apoiando-se contra o lado sobressalente da vaca, e ao seguinte a besta saía do buraco com muitos bufos e enrolando os olhos.
Sim subiu depois dela, sacudindo-se como um cão molhado. Uma gota de barro molhou a bochecha de Tally. A vaca estava muito cansada para fazer algo assim que ficou quieta com pernas trementes, mas seu bezerro se precipitou a seu lado e começou a procurar seu alimento tanto tempo atrasado.
Sim sacudiu a cabeça com chateio e se ajoelhou na borda. Tally se aproximou detrás dele, com as mãos nos quadris.
—Está muito orgulhoso de você mesmo, não é assim, senhor Kavanagh?
Ele se esfregou a mão através do rosto.
—Estou muito coberto de lodo.
—Essa é uma condição, a diferença de seu estado natural de pura arrogância, que tem fácil solução. —Ela se agachou e lhe deu um firme empurrão. Ele caiu totalmente na água pouco profunda.
Saiu cuspindo da água e a agarrou fortemente antes que ela pudesse afastar um só passo da borda. De algum jeito conseguiu atirá-la no rio sem deixar que caísse estrepitosamente, e ela aterrissou brandamente sobre seu traseiro.
—Assim está melhor? —Perguntou Sim, seu rosto muito perto da dela.
Ela se arrastou fora de seu alcance e olhou para o Federico. Ele estava de pé na borda, ileso, seus olhos enrugados pela risada. De repente, inexplicavelmente, Tally se sentiu cheia de uma felicidade muito parecida com o regozijo.
—É maravilhoso — Disse ela, e rodou até deitar sobre suas costas. A água fria jorrava por seu corpo. Sim abriu a boca para falar, e lhe orvalhou um punhado de gotinhas no rosto. Isto era como esse dia no “bosque” em Castelo Canyon, mas eles já não eram mais estranhos.
Sim grunhiu e avançou para ela, preparado para atacar. Ela tentou deslizar-se fora de seu caminho, mas ele se equilibrou, rápido como uma cascavel, e a agarrou pelo pé. Ela gritou, fingindo terror. Sim se agachou e brandamente lhe mordiscou os dedos do pé, resmungando todo o momento. Uma carga de erótica sensação se disparou pela perna de Tally e no interior de seu ventre.
Ela começou a rir, derramando a emoção antes que esta explorasse em seu interior. Sim pretendeu lhe mordiscar o tornozelo. Ela se enroscou e atirou com força do cabelo desalinhado do Sim. Ele gritou com fingida dor e a agarrou pelos pulsos. Um momento depois estavam sentados no rio, contemplando o um ao outro, Sorrindo abertamente como grandes parvos ou inocentes meninos.
—Tem um sorriso muito lindo, monsieur Kavanagh — Disse ela.
—Tem uns muito lindos... —Ele olhou intencionadamente seu seio. Ela tinha enfaixado seus peitos, mas ele tinha visto o que está debaixo desses envoltórios.
— Muito lindos pés.
—Infelizmente, não esta permitido devorá-los, embora tenha sido criado por canibais.
Ele se pressionou a mão sobre seu coração.
—Meu segredo foi descoberto. Mas ainda tem que pagar um preço pelo resgate de sua vaca, senhorita Bernard.
—Não é minha vaca.
—Parece que tudo aquilo que touca termina por te pertencer. —Seu sorriso desapareceu — Por que é assim, Tally?
Ela vacilou sob o fixo olhar dele. Ele colocou as mãos sobre o cabelo dela, estas se deslizaram até lhe cavar o rosto.
Mon Dieu. Isto realmente estava passando. Não como antes, quando só lhe tinha roubado um beijo para demonstrar sua indiferença. Não havia nenhuma indiferença nele agora. E nenhuma nela.
—O que me dará, Tally? — Sussurrou ele.
Ela fechou os olhos.
—Tudo.
Ali foi quando se deu conta que estava apaixonada pelo Sim Kavanagh.
Ela ocultou o rosto. Ele se agachou. Os fôlegos se misturaram. Os lábios se tocaram.
A vaca deu um grande bramido de protesto. Sim se levantou. Tally se cobriu a boca com as mãos. Ambos olharam para a borda, onde Federico estava de pé com o bezerro pacote pelas quatro patas ante seus pés, fora do alcance de sua preocupada mãe.
O “vaqueiro” se tornou ligeiramente vermelho e se agachava para liberar o bezerro.
—Estava... Praticando — Disse ele.
Tally saiu caminhando do rio, espremendo a água de seu cabelo solto.
Sim permaneceu onde estava por um momento mais. Federico e a vaca o tinham salvado de inundar-se em águas muito mais perigosas com Tally, mas ele não estava seguro de como ia pagar a dívida. Seu atual estado físico não influía positivamente para tomar decisões sérias.
A tarde estava muito avançada para seguir viajando muito mais antes do anoitecer, assim Tally e Federico estabeleceram o acampamento perto do “bosque”. Isto convinha ao Sim. O povo de Esperança estava a menos de vinte milhas de distância, ao sudeste da união aonde o rio do Falcão se encontrava com o rio Madalena. Nunca haveria uma melhor ou mais adequada oportunidade para recordá-lo que realmente queria.
Partiu antes de pôr-do-sol, resmungando alguma desculpa sobre dar um passeio. foi a pé, levando um pacote especial de couro o bastante grande para guardar sua roupa, botas e arma. Uma vez que deixou o acampamento muito atrás, despiu-se, encheu o pacote com seus pertences e Trocou. As mandíbulas do lobo agarraram a correia.
Sim alcançou a vila de Dois Rios em pouco mais de uma hora. A vila era do tamanho adequado para um povo rural de Sonora, com sua diminuta igreja de tijolo cru e muitos campos na área ao nível do rio. Um solitário caminho de terra corria entre as choças e casas. A luz emanava das janelas das moradias maiores, perfilando as figuras dos homens socializando no frescor da noite.
Sim Trocou, colocou a roupa e escondeu sua arma sob o casaco. Avançou lentamente no povoado das colinas, mantendo-se fora da vista. Estes aldeãos tinham visto toda classe de forasteiros inimagináveis... Mineiros, proscritos, índios, vagabundos. Não se assustavam facilmente. Mas Sim queria saber de Esperança sem lhe revelar sua presença. Não estava preparado para que se encontrassem outra vez.
Abraçando as sombras, deslizou-se acontecendo as casas exteriores. Sabia exatamente onde vivia a família de Esperança, e se aproximou com grande cuidado. Um solitário abajur ardia em um dos dois quartos. Sim cheirou os mantimentos frescos, feijões e omeletes mexicanas e suco de cabaça do jantar.
Fez uma pausa na porta principal, escutou, logo entrou no quarto principal. Umas simples peças de mobiliário feito a mão eram os únicos adornos exceto a chamativa pintura de um santo pendurado em um lugar de honra em uma parede branqueada.
A luz provinha do segundo quarto, onde a voz de uma mulher recitava uma oração em lenta monotonia. Sim chegou até a entrada contínua. A mulher se ajoelhava ao lado de um camastro, rezando o rosário.
Não era Esperança. Sim a reconheceu como seu parente, Carlotta Sánchez, quem tinha recebido a Esperança tão carinhosamente dois anos antes. O fato de que estivesse sozinha a tal hora não tinha sentido. Esperança deveria estar aqui, a menos que se mudou a outra casa...
O pensamento alarmou ao Sim em um imprudente movimento. Sua bota raspou o chão. Um cão ladrou na rua, e sua advertência foi seguida por vários outros. Carlotta cessou suas rezas e olhou para a porta.
—Quem está ali? — Perguntou ela, mais curiosa que temerosa.
— Jorge? —Ao estar ajoelhada se levantou rigidamente.
— Esperança? É você?
Sim saiu da casa e caiu contra a parede externa com alívio. Carlotta claramente esperava a Esperança, o qual significava que ainda vivia com seus familiares. A outra possibilidade... Era que Esperança se casou com algum camponês do lugar... O coração do Sim se congelou com temor e raiva.
Ela não faria tal coisa. Em todas suas visitas secretas, Sim nunca a tinha visto com um homem jovem, tampouco ela tinha mostrado algum interesse no matrimônio. Ela se estava salvando a si mesmo. Sabia que Sim viria por ela...
Embora alguma vez o haja dito?
Possivelmente tinha esperado muito tempo. Tinha estado tão seguro que Esperança só estava destinada para ele, que de algum jeito sempre estaria ali quando ele estivesse preparado. Agora podia ver quão tolo tinha sido.
Tinha que ser esta noite. Depois do que tinha passado com Tally... Depois de que passasse uma dúzia de vezes mais... Ele não podia esperar mais tempo. Encontraria a Esperança e se declararia de uma vez por todas. Faria-lhe entender que necessitava um pouco mais de tempo para construir uma casa para eles, uma vida da qual ela pudesse estar orgulhosa. E quando ele se refletisse nos olhos dela outra vez, saberia que tinha eleito o caminho correto.
Mas primeiro tinha que encontrá-la.
A maior parte das choças da vila e as casas estavam tão tranqüilas como a casa dos Sánchez, e as poucas vozes que Sim ouviu não concordavam com a de Esperança. Visitou a igreja, mas estava vazia. As paredes, a pintura e a madeira do altar cheiravam a novas, como se o santuário tivesse sido construído recentemente para celebrar algum extraordinário acontecimento.
Sim seguiu os sons da música até uma estrutura de tijolo cru que fazia de vezes de Bar em Dois Rios. Alguém tocava o violão com considerável habilidade. As vozes malsoantes sugeriam que os homens no interior estavam desfrutando de uma noite de pulque, um licor feito a partir do agave do lugar. Não haveria nenhuma mulher em tal lugar —nenhuma mulher decente— mas os homens bêbados falavam tão livremente como qualquer mulher.
Sim ficou em cócoras ao lado da janela mais próxima. Sua penetrante audição poderia separar facilmente uma conversa da outra, filtrando cada uma para se localizar as palavras que queria ouvir.
—Não, não. Digo-te que o galo do López é o dobro de brigão...
—... Estava cheio de vermes. Eu...
—... Admitem que ela volta amanhã. Não podemos prosperar sem nossa pequena Santa.
—Essa é uma afirmação perigosa, Bernardo. Os sacerdotes...
—Ora. Quando vêm aqui? Conhecemos a santidade quando a vemos. Ela é nossa flor sagrada, quem trouxe grande fortuna a todos nós. Agora está em uma missão de cura como convém a seu generoso coração, mas logo retornará e nos benzerá outra vez.
Sim se estirou para jogar uma olhada pela cornija da janela. Os dois homens se sentavam diante uma pequena mesa desmantelada, com taças de barro de pulque, ao longe soava um violão desafinado. Um dos homens era jovem e com o cabelo negro, outro velho, com um ar de cautela nele.
—Admite-o, Vicente — Disse o homem jovem.
— Não viu uma “curandeira” como Esperança em todos seus largos anos.
Vicente acariciou sua barba branca.
—Admito-o. Como poderia dizer outra coisa? Mas ainda digo que os sacerdotes...
—Deixa-os que venham. Ela foi escolhida Por Deus. Deixa que o Santo Pai a prove e a encontrará digna.
—Se outros não vierem primeiro e nos roubam isso, quando o mundo saiba de seu poder.
—Deteremos quem o tente.
O ancião suspirou.
—Ah, “filho”, não viu muito do mundo.
—Sei que está cheio do mal. Semelhante mau nunca nos tocará aqui.
Vicente fez um movimento de silêncio com a mão e jogou uma olhada para a janela. Sim se escondeu. Os homens continuaram falando de outras coisas, e Sim não ouviu mais de Esperança.
Pequena Santa. Flor sagrada. Sim sacudiu a cabeça e amaldiçoou pelo baixo. A última vez que tinha vindo a Dois Rios, não houve nenhuma conversa semelhante sobre ela. Seu nome não era tão incomum. Mas Sim sabia que tinham falado de sua Esperança nos mesmos tons aprazíveis e respeitosos que usariam ao discutir de um alto clérigo de sua própria igreja.
Sim a tinha chamado um anjo. Era tão maravilhoso que outros pensassem igual? Bernardo havia dito que ela devia voltar logo de alguma misteriosa missão, possivelmente inclusive amanhã mesmo. Muito tarde para o Sim.
Um homem gaguejou ao sair do “botequim”, cambaleava-se e fedia a pulque. Sim o agarrou quando este passou bêbado pela janela em seu caminho a casa. Arrastou ao aldeão à volta da esquina e o pressionou contra a parede.
—Como te chama? —perguntou Sim. O homem piscou.
—Gil... Gilberto. O que quer você?
—Só algumas respostas a umas perguntas.
Gilberto considerou resistir e desistiu.
—Quem é você?
—Isso não importa. Onde está Esperança?
—Esper... anza?
—Ela deixou o povoado. Onde foi ela?
Gilberto arrotou. Sim retrocedeu e apartou a cabeça do fedor. O aldeão se balançou perigosamente a um lado.
—“A santinha” — Disse ele por fim, pronunciando cada sílaba com grande deliberação.
— Ela não... Está aqui.
Sim resmungou. A pomo de Adão do Gilberto trabalhava de acima a abaixo, mas de repente se endireitou e se separou do Sim.
—Você... Quer roubá-la — Acusou ele.
— Não pode tê-la. Ela nos pertence.
—Ela me pertence.
—Quem é você? —Gilberto se inclinou para frente e logo dirigiu um muito direito à mandíbula do Sim. Sim facilmente o esquivou. Gilberto perdeu o equilíbrio e caiu sobre seus joelhos. Um momento depois deitava de flanco, inconsciente. Sim golpeou ao aldeão com sua bota e o abandonou roncando onde estava.
Sim se afastou apressado do “botequim”. Sabia que podia encontrar a outro informante mais cooperativo que dissesse o paradeiro de Esperança, mas não se sentia com ânimo para a tarefa.
Ela nos pertence, havia dito Gilberto. Bêbado como estava, suas palavras tinham sido sinceras. Esperança não só tinha encontrado uma casa em Dois Rios, ela se tinha feito importante para estas pessoas... o bastante importante para que ao menos dois homens queriam lutar por ela. Eles provavelmente não estavam sozinhos. Uma vez que lhes metia na cabeça uma superstição a estes aldeãos, aferrariam-se a ela até a morte.
E o que pensava Esperança de tudo isto? Ela nunca procuraria tal adoração. A moça que conhecia a rechaçaria. As expectativas destas pessoas seriam uma carga em seus frágeis ombros, a classe de carga da que Sim tinha desejado afastá-la para sempre.
Mas ela poderia haver partido. Tinha-o feito antes. Poderia ter voltado para O Novo México, onde sempre seria bem-vinda com Tomás e sua aristocrática noiva. Ou poderia ter procurado o Sim.
As possibilidades soavam como dissonantes sinos de igreja na cabeça do Sim. Silenciou-as com a Mudança. Apenas se recordou sua volta ao acampamento, mas quando se vestiu e foi em busca de sua esteira, encontrou a Tally sentada ao lado das cinzas do fogo, completamente acordada.
—Não deveria me haver esperado levantada — Disse ele.
—Não estava cansada.
Ele fez um som desço de incredulidade e se sentou em uma saliente, com os cotovelos apoiados em seus joelhos.
—Disse-te que poderia chegar tarde.
Ela encontrou seu olhar e soube que seria um engano pressioná-lo. Ele estava aborrecido e zangado... Podia lê-lo em sua postura, em seus olhos e voz. Sabia que não estava feliz de ter estado tão perto de beijá-la no rio, e por isso tinha querido tempo para ele. Mas algo mais tinha alimentado sua cólera durante as horas que se foi, e ela não poderia pensar em nada neste páramo que pudesse havê-la provocado.
—O que o preocupa, Sim? — Perguntou baixo.
Ele a olhou bruscamente e logo afastou o olhar.
—Nada.
—Se for o que passou esta tarde... —Ela atiçou as cinzas do fogo — Só estava brincando, mas... Lamento-o.
—Brincando —Ele recolheu um punhado de pó e deixou que o levasse a brisa.
—Acha que precisa me proteger?
Parecia que Sim logo que requeria alguma classe de amparo, e parte de Tally ainda temia poder seduzi-lo inconscientemente de seus votos para Esperança. Ela tinha estado tão segura que tinha deixado atrás os velhos hábitos, mas Sim os tirava outra vez de um novo modo, unido a sentimentos que realmente nunca antes tinha conhecido. Não era sua culpa. Os homens podiam ser tão fracos quando se referiam a suas necessidades sexuais.
—Pensa que não posso me controlar — Disse Sim, como se ela tivesse falado em voz alta — Possivelmente tem razão.
Tally tremeu e atiçou mais furiosamente as cinzas.
—Deveríamos dormir um pouco.
—Nunca sentiu medo de mim.
—Nunca tive razões para senti-lo.
—Darei-te uma. —Ele contemplou algum ponto sobre sua cabeça.
— Não sou um homem bom, Tally. Fiz muitas coisas más em minha vida. Coisas que nunca poderei compensar.
Tally colocou de pé e passeou daqui para lá a um lado do fogo.
—Todos cometemos enganos.
—Não acreditei que fossem enganos nesse então — Disse ele com secura. Ele não sorria.
— Eli tinha razão sobre mim.
—roubou gado.
—Muito pior.
Ela espremeu seus olhos fechados.
—Me diga.
Ele conseguiu ficar em pé.
—Roubei trens e estações... Algumas vezes com o Caleb, faz uns anos.
—Matou pessoas?
Ele esteve quieto muito tempo, para logo passear paralelamente a ela, como se o círculo de cinzas fora uma barreira impenetrável.
—Não nesse então. Mas mais tarde trabalhei como um capanga para homens que tinham muitos inimigos. — Vacilou.
— Poderia dizer que os homens que perseguia eram maus, como eu. Mas estaria me desculpando como um maldito covarde.
Sua confissão parecia estranhamente irreal à luz da lua, como se esta pudesse desaparecer ante o resplendor do dia.
—E a inocentes? — Perguntou ela, impulsionada para ouvir o pior.
— Mulheres e meninos?
—Nunca. —Ele a rodeou, seus olhos brilhavam surpreendentemente vermelhos como um animal selvagem.
— Nunca a alguém que não pudesse defender-se.
O ar retido escapou dos pulmões de Tally.
—E você... Tomou alguma vez a uma mulher contra sua vontade?
Ele ladrou uma risada dolorosa.
—Roubei uns beijos — Disse ele — Mas nunca tomei a uma mulher pouco disposto. A maior parte que conheci... Eram profissionais.
Ele quase cuspiu a palavra. Tally se abraçou e pressionou o queixo contra seu peito.
—Fiz coisas das quais não estou orgulhosa — Disse ela.
— Você e eu não somos tão diferentes, Sim.
—Roubou? matou?
Há outros pecados, pensou ela. Mas a diferença do Sim, era uma covarde. Não estava pronta para retribuir sua confissão com uma própria.
—Lamenta o que fez — Disse ela.
—Sim. Mas não posso trocar o que era. Não posso fazer que se vá, Tally. —Ele elevou as mãos — Elas sempre estarão manchadas com sangue.
Como ela, também, suportaria as manchas de seu passado.
—Por que me há dito isto agora, Sim? Por que esta noite?
—Perguntou.
—Não. É mais que isso. Tinha que falar disso... Com alguém.
Que bem tinha aprendido ela a ler as sutis mudanças de seu rosto.
—Acha que deveria ter procurado um sacerdote? — Perguntou ele severamente.
—Confiou em mim — Disse ela.
—Sabia que não me delataria.
—Se pensasse que foi um assassino de sangue-frio...
—Se o fosse, você não consideraria essa possibilidade. —Ele suspirou e esfregou sua frente com o dorso de sua mão — Eu não poderia te fazer mal.
Uma declaração tão simples. Tally sentia que se desembrulhava os braços ao redor de suas costelas, seu corpo se romperia em um milhão de partes.
—Disse que não pode trocar o que foi — Disse ela— Mas pode trocar o que é.
—Não sei se isso é possível.
—Eu sim. Tem um sonho de uma vida melhor. Pode o ter, Sim. Pode te converter no que quer ser.
—Como posso fazer isto quando for, Tally?
—Não sou eu quem te deixa.
—O que aconteceria se não tivesse Esperança?
Deliberadamente, lhe deu as costas, fixando o olhar nas formas avultadas das mulas e cavalos atados sob um alto álamo.
—O que passou, Sim? O que mudou?
Esteve silencioso portanto tempo que ela pensou que se afastou.
—Nada — Disse ele por fim — Nada absolutamente.
Mentia. Havia dito tudo o que tinha que dizer, o suficiente para desafogar-se e lhe dar uma boa razão para afastar-se dele. O problema consistia em que não tinha tido êxito no segundo objetivo. Não tinha extinto o amor que ignorava ela sentia.
Tally duvidava que alguma vez soubesse.
A primeira vista de Tally da Fazenda do Gavião foi de milhas e milhas de erva e monte embalado entre colinas não muito diferentes às do Cold Creek. O gado longhorn mexicano vagava em liberdade para pastar aonde foram esbeltas e resistentes bestas que poderiam sobreviver sob as piores das condições.
Mais perto do rio, a uma milha da estrada, camponeses ou arrendatários trabalhavam parcelas de terra destinadas ao milho, feijões e outras colheitas. Tally supunha que a fazenda era em grande parte auto-suficiente e devia empregar a muitos dos aldeãos locais em uma boa temporada. Os apaches claramente não tinham sido uma freqüente ameaça durante algum tempo.
Os “vaqueiros”, que usavam bandagens vistosas e lenços, gritavam saudações aos forasteiros com alegria, enviando a um dos seus adiante para avisar ao fazendeiro da chegada de seus convidados. Tally conhecia dom Miguel Torre só por sua reputação, mas como a maior parte de cidadãos mexicanos o trataria inclusive a seus mais novos sócios como a velhos amigos. Tal era o costume em uma terra onde os ataques dos índios, a enfermidade e a seca tinham sido por muito tempo companheiras constantes.
Federico, depois de vários cautelosos olhares ao Sim, pediu permissão para reunir-se com os camponeses no campo. Tally fez gestos para que fora. Ela estava mais que agradecida por ter chegado a seu destino, já que Sim tinha mantido um silêncio severo e incômodo desde que lhe tinha revelado seus segredos mais íntimos ante as cinzas de uma apagada fogueira.
Tally esperava estar muito ocupada para pensar muito no Sim e seu perturbadora conversação. Já que ela seguia fazendo-se passar por um homem e a cabeça de seu grupo, ela dirigiria as negociações finais e a inspeção da variada manada que Dom Miguel tinha afastado para sua compra. Era a primeira vez que tomava tal responsabilidade, mas saboreou a oportunidade de demonstrar sua competência, sobre tudo a ela mesma.
O caminho da fazenda passava por um horta cercado e terminava em uma pesada porta de madeira se localizada entre grosas paredes de tijolo cru construída nos dias quando os ranchos murados estavam destinados a deter as incursões índias. A porta estava aberta, revelando um pátio empedrado. Os cascos dos cavalos tamborilaram na desigual superfície quando Tally conduziu a homens e monturas ante a colunata arqueada da residência principal.
Os bem vestidos membros do pessoal de Dom Miguel esperavam ao pé da escada que conduzia a umas duplas portas esculpidas. Um corpulento senhor se apresentou como o senhor González, “mordomo” da fazenda, e ordenou a uma criada entregar uma bebida fresca de fruta aos cavaleiros logo que tiveram desmontado.
—Saudações, senhor Bernard — Disse González em esmerado inglês.
— Dom Miguel os receberá aqui em uns momentos. Logo terão tempo para banhar-se e preparar-se para o jantar. Tudo o que desejem é sua nesta casa.
Tally inclinou a cabeça.
—Obrigado, senhor. Espero que Dom Miguel esteja bem.
—Sim, senhor. É um tempo muito feliz para nós, senhor. Já vê, a filha de Dom Miguel estava muito doente, mas agora está bem outra vez.
—Que notícias tão felizes.
—Em efeito. Nossa grande fortuna se deve aos esforços da apreciada “curandeira”. Possivelmente você ouviu dela?
—Todo mundo conhecerá logo seu nome. —A nova voz pertencia a um homem alto, bonito, de meia idade cujo cabelo era quase negro, embora seu bigode fora tão branco como a neve. Sua roupa era fina e rodeada, proclamando seu status.
—Dom Miguel Torre — Disse Tally — Me honra conhecê-lo.
—E eu a você, senhor Bernard. —Ele ofereceu sua mão, e Tally a apertou firmemente. Apresentou ao Sim como seu companheiro.
Dom Miguel sacudiu a mão do Sim com cordial agradar.
—Em efeito é um tempo para celebrar, meus amigos. Um milagre há devolvido a minha filha dos mortos. Só uma no mundo leva a graça de Deus tão puramente. —Ele sorriu com absoluta alegria.
— Ouvi em seu próprio povoado que eles a chamam sua “Santa” Esperança.
Capítulo 13
Esperança.
Uma criada com uma ampla saia e blusa de camponesa se lançou a agarrar a taça do Sim antes que ele a deixasse cair, tirando o de sua impressão.
Esperança estava aqui. Este era o lugar ao que ela tinha ido em sua misteriosa missão, e Sim não podia pensar em piores circunstâncias para encontrá-la outra vez.
Evitou o olhar de Tally, quase sem ouvir as efusivas palavras de bem-vinda do fazendeiro. Seguiu a Tally da coluna de entrada a um pátio ladrilhado com uma sussurrante fonte, e por portas de madeira esculpida ao interior da “casa principal”. A “sala”, ou salão principal, estava amoldado com delicados canapés estofados, cadeiras adamascadas de seda e cortinas com brocados. As paredes branqueadas estavam esplendidamente decoradas com pinturas de paisagens e imagens santas, e as botas do Sim pisaram sobre finos tapetes importados.
Semelhantes detalhes não lhe interessavam nesse momento. Ele considerava qual era a melhor forma de retirar-se furtivamente enquanto Tally e Dom Miguel se sentavam na “sala” para cercar o típico bate-papo sobre a viagem e o tempo. As criadas ofereceram aos convidados café, chá ou tequila, junto com sanduíches, como aperitivos até a comida.
Sim quase tragou sua tequila. Isto apenas o afetou. Recostou-se em sua cadeira acolchoada e fechou os olhos.
—Está bem, senhor Kavanagh? —Perguntou Dom Miguel.
—Sim? —inquiriu Tally.
Sim se apertou a ponte do nariz.
—Não sei.
—Possivelmente seja o calor — Sugeriu Dom Miguel.
— Nem sequer os “Americanos” do Sul estão acostumados a este. A melhor cura é o descanso, muita bebida e tranqüilidade, mas posso chamar à “curandeira”...
—Isso... Não é necessário —disse Sim — Posso descansar em qualquer lugar que seu “vaqueiros” o façam, se não for muita moléstia.
—Tolices. Descansará na casa. Temos suficientes quartos para todos nossos convidados. —Fez gestos a um criado vestido de branco de ascendência Índia.
— Mostra ao senhor Kavanagh “o quarto das águas dançantes” e te assegure que tem tudo que requeira.
—Sim, Dom Miguel. —O criado se aproximou da cadeira do Sim e fez uma pequena reverência.
— Senhor?
Sim se levantou, cambaleando-se ao fazê-lo. Tally colocou de pé.
—Acredito que deveria ficar na casa esta tarde, Sim — Disse ela com sua voz mais autoritária.
— Passearei fora com Dom Miguel depois da comida.
—Certamente — Disse Dom Miguel.
— Levará-lhe a seu quarto uma comida ligeira, senhor Kavanagh.
—Obrigado. —Sim encontrou brevemente os olhos de Tally. Ela se deu conta que ele estava simulando sua enfermidade, e tinha uma muito boa idéia da razão. Sim rapidamente seguiu ao criado da “sala”. Uma vez que foi levado a seu quarto, uma prazenteira antecâmara com um portal que dava a outro pátio e fonte, ele se sentou na cama de ferro e reuniu seus caóticos pensamentos.
“Santa” Esperança. Inferno e condenação. Tinha que ir a ela, mas não até depois do jantar, quando o Dom levaria a Tally a inspecionar sua compra. Não queria nenhuma testemunha desta reunião.
Sim se tornou na cama e tentou dormir. Uma hora mais tarde uma criada lhe trouxe uma bandeja de prata com frutas, caldo e finas fatias de carne. Bicou a comida, pô-la a um lado, logo escutou as vozes e o ruído de pés no corredor, dormitórios e a “sala”.
Reconheceu os passos de Tally quando entrou no quarto ao lado do dele. Ela colocou para descansar durante a tradicional sesta da tarde, e logo se foi outra vez com Dom Miguel. A casa caiu em um sonolento silêncio.
Sim se deslizou de seu quarto, dirigido por seus sentidos. O pátio estava totalmente em sombras. As brilhantes floresça caíam em cascata desde vasos de barro de terracota com o passar do perímetro da “galeria” da colunata. O quente ar da tarde cantarolava com o zumbido constante de famintas abelhas. Os criados estavam na área separada da cozinha ou tinham ido reunir se com suas famílias que viviam nas terras da fazenda. Sim facilmente encontrou uma essência que reconheceu.
A porta desse quarto estava fechada, mas Sim entrou sem golpear. Viu imediatamente que era um santuário destinado para um membro da família, acondicionada com um elaborado armação de cama de cobre e mobiliário pintado em cores brilhantes adequadas para uma mocinha.
Na cama jazia uma menina morena, e ao lado dela, em um tamborete, sentada uma moça com um singelo vestido de algodão. Seu cabelo negro caía em cascata por suas costas e sobre seus ombros, lhe obscurecendo o rosto.
Sim não tinha nenhuma necessidade de ver. Suas pernas tremeram, e ele teve que apoiar-se contra o marco da porta. A moça na cama dormia tranqüila, mas Esperança se girou e olhou ao Sim sem um rastro de surpresa em seus encantadores e tranqüilos rasgos.
—Sim — Disse ela.
—Esperança.
Ela se voltou de retorno para a moça e beijou a testa da menina. Então se levantou, liberando com elegância suas saias do tamborete, e caminhou para o Sim. Ele recuou pela porta. Ela o seguiu e fechou detrás dela, deixando-os somente na “galeria”.
Explorou-lhe os olhos, rosto, roupa baixando até as botas, olhando-o como se fosse um fantasma de repente devolvido à vida. Sim não viu nenhuma alegria em seus olhos, nenhum prazer, só a mesma aceitação serena que quando o tinha notado de pé pela primeira vez à entrada.
—Realizou uma comprida viaje, Sim — Disse ela — Uma viagem que ainda não terminou.
Contemplou-a, paralisado por suas emoções. Ela ainda era a mulher que recordava... jovem, inocente, frágil, o qual encobria a um forte coração que ele tinha aprendido a reconhecer e admirar No Novo México. Podia jurar que nenhum homem a tinha feito dele. Ela não tinha medo dele, nem tampouco aborrecia seu toque.
Mas algo estava mau. Isto não era o que tinha imaginado para quando se reencontrassem.
—Minha viagem terminou — Disse ele com muita dificuldade — Te encontrei.
Ela agachou a cabeça.
—Procurou portanto tempo?
—Sabia onde estava desde que te instalou em Dois Rios — Disse ele.
— Mas não pensava vir a você antes... —Ele se deteve, titubeando como um moço com sua primeira mulher.
— Queria te oferecer uma nova vida, Esperança.
—Uma nova vida. —Ela vacilou e logo lentamente pegou sua mão.
— Há um lugar onde podemos falar.
Sua mão era suave e quente, com pequenos e finos ossos. Mas seu apertão era forte, e ele deixou que o guiasse até que voltearam para outro afresco e estreito corredor que se abria a um diminuto pátio, com uma capela de rosadas paredes de tijolo cru.
Sim se plantou. Ela puxou.
—O sacerdote está com um homem agonizante no povo. Não tem nada que temer.
Ela acreditava que ele tinha medo de uma igreja. Liberou sua mão de um puxão e caminhou diante dela, atravessando as portas abertas para a frescura da nave. Duas filas de bancos de madeira dirigiam a vista para ao altar e ao crucifixo em cima dele.
Esperança se sentou no banco mais próximo à porta e se deslizou ao longo para fazer lugar ao Sim. Ele permaneceu de pé rigidamente ao lado do banco.
—Veio de tão longe —Disse ela— Embora não falará comigo.
Sim olhou do altar ao rosto de Esperança. O crucifixo era só uma peça de madeira grafite, mas Esperança estava viva, brilhando com alguma interior visão de paz que Sim não podia compartilhar. Nada em seus rasgos revelava um desejo pelo que ele tinha vindo a oferecer.
“Anjo”, tinha-a chamado ele. Os anjos e os Santos não amavam como os homens e as mulheres. Eles não odiavam, ou sentiam avareza ou desejo.
—Sabe a razão de que tenha vindo — Disse ele.
—Sim. Deseja que seja sua esposa. —Inclusive sua suave voz deu às diretas palavras um fio de irrealidade. Sim se aferrou ao esculpido encosto do banco.
—Sabia que estive te seguindo? — Perguntou ele.
—Só o suspeitava. —Ela sorriu.
— Às vezes sentia sua presença. Mas havia tantos outros que me necessitavam.
—Eles lhe chamam uma “curandeira” — Disse ele.
— Cura às pessoas? Cura suas enfermidades?
—Faço o que posso.
—Dom Miguel disse que fez um milagre ao salvar a sua filha.
Ela soltou um suspirou.
—Era a vontade de Deus.
—“A Santinha” — Disse ele — Não foi tão religiosa em no Novo México.
—Aprendi muito desde esses dias, Sim.
—Eles construíram essa igreja em Dois Rios para você.
—Não para mim. —Sua voz se voltou vacilante pela primeira vez, como se ela rechaçasse as outras honras desejadas para ela — A não ser para a glória de Deus. Ele me deu um presente. Não o entendi no Novo México. Senti tantas coisas, tantos sentimentos nas almas e corações de outros, mas não podia ajudar de verdade. Estava cheia de meus próprios medos egoístas. Pedi a Deus que me mostrasse o que devia fazer.
—Supõe isso viver sua vida para todos outros? Como deixar... Todos seus próprios sonhos?
—Meus sonhos. —Ela baixou o olhar para suas mãos.
— Nunca soube o que queria, Simeon. Mas vaguei sozinha no deserto por muitos meses, e veio para mim. Agora tudo está claro.
Ele se sentou junto a ela e a agarrou por braço.
—Não está claro para mim, “pequena”. Foi uma moça no Novo México. Agora é uma mulher, e vou construir uma casa para você... Um lugar onde possa ser você mesma...
—Mas sou eu mesma, “meu amigo” — Disse ela, lhe tocando o dorso da mão — Pela primeira vez em minha vida, sou tudo o que desejo ser.
Sim sentiu emoções de violência e a deixou ir. Tomou ambas as mãos com as suas.
—Estava cega no Novo México. Sentia sua tristeza e seu desejo, mas não o profundo afeto que guardava para mim. Estou honrada, meu amigo, mais do que posso expressar.
—Honrada — Cuspiu ele.
—Sim. Mas te estou fazendo mal, e não desejo isso, Simeon. —Ela fechou os olhos e ofegou.
— Sua dor é muito grande. Não posso ver como aliviá-lo.
—Sabe como aliviá-lo, Esperança. Se case comigo.
Seus ombros começaram a tremer, e lágrimas se derramaram de seus olhos.
—Acha que eu posso salvar sua alma. Mas não sou nenhuma Santa, Sim, embora alguns o afirmem.
—Você é tudo o que é decente e bom, ao contrário que eu. Mas você pode me fazer melhor. Posso mudar... Para você. —Tentou acalmar a lamentável ânsia de sua voz — Eu tenho tudo planejado. Um rancho próprio... Um bom lugar, fértil, seguro...
—Seguro. Você me protegeria. —Ela apertou suas mãos.
— Não quereria que eu me fatigasse ao ajudar a aqueles que vêm para mim por ajuda.
—A pessoas em Dois Rios já pensam que lhes pertence.
—Não o vê, Simeon? Quando encontro a enfermidade, do corpo ou a alma, devo agir. Se me estivesse proibido...
Quando eu o proibisse, pensou Sim. Eu nunca a compartilharia com gosto com o Bernardo ou Dom Miguel...
—Sim — Disse Esperança.
— Possivelmente te curaria, Sim, de todas suas penas. Ou possivelmente falharia, e chegaria a me odiar, como odeia a tantas de meu sexo.
—Te odiar? —Ele se afastou do banco e colocou de pé curvado na nave lateral — Isso é o que pensa de mim?
Uma lágrima se pulverizou na polida madeira do banco.
—Não é minha intenção julgar. —Ela apagou a gota com seu dedo.
— Me ama?
Sim deveria ter esperado a pergunta. Ele deveria ter estado preparado para respondê-la imediatamente, sinceramente, sem vacilar.
Não pôde. Sua garganta se fechou, como se uma mão invisível o afogasse. Alcançou a separar os dedos que se curvavam e tomou ar.
—Eu... — Tossiu Sim—. Sinto por ti mais que por qualquer mulher no mundo.
—Sim. Mas em seus pensamentos está outra.
—Não.
—Um matrimônio, como você deseja não pode estar apoiado em mentiras, Simeon.
Um estrondo crescia em seu peito e estalava nele como uma tormenta. Agarrou a Esperança dos ombros, levantou-a do banco e posou sua boca sobre a sua.
Não foi mais à frente. Um toque de seus frescos lábios e sentiu como se violasse a uma monja em um convento. Ela não lutou, não respondeu da mesma forma como tinha feito no Novo México quando tinha tratado de salvar a seus amigos. Ela simplesmente esperou. E quando a liberou, tudo o que ele viu em seus olhos foi perdão.
Não o amava. Não o desejava. Compadecia-se dele.
—É meu querido irmão, Sim — Disse ela. Sua mão se elevou para lhe tocar o rosto.
— Se me deixasse tentar te ajudar, aqui neste lugar santo...
Ele girou e se afastou, golpeando o quadril no banco com tanta força, que o fez coxear os poucos passos até as portas da igreja. O sol ao ocultar-se projetava cada detalhe da casa e a paisagem em brilhante realce. Sim correu a seu quarto e tirou a roupa, rasgando a camisa em dois lugares. Com forma de lobo chutou a porta ao fechá-la com o potente golpe de uma pata traseira. Lançou-se através do pátio e percorreu o corredor para a igreja.
Esperança abandonava a capela. Viu-o, abraçou-se a si mesmo e observou como ele corria para as colinas. Sim sorriu com uma dentada de afiados dentes brancos.
Retornou à fazenda muito depois do anoitecer. A luz de uma lanterna oscilava contra a profunda escuridão do campo circundante, mas os humanos se retiraram detrás de seus muros de tijolo cru. No momento em que Sim Trocou, todas as emoções que tinha evitado se amontoaram nele como os aterros ao derrubar-se em uma fortaleza sitiada por muito tempo.
Caiu contra as portas fechadas da fazenda e observou sem ver as choças dos camponeses que se agrupavam fora das paredes circundantes. Seus sonhos estavam mortos. Tinha-o sabido quando tinha encontrado a doce e distante olhar de Esperança, embora tinha tentado enganar-se a si mesmo só por um pouco mais de tempo. Teria sido melhor se tivesse morrido antes de entender quão estúpido tinha sido sonhando algo assim.
Esperança nunca o tinha amado, não podia lhe amar. Nem sequer havia um homem a quem pudesse desafiar para ganhá-la. Sua matriz permaneceria estéril, porque ela levaria a pena do mundo em seu corpo pelo resto de sua vida. A Esperança que tinha conhecido no Novo México tão somente era um invento de sua imaginação como a ilusão de um pequeno rancho, uma doce esposa e sua própria salvação.
Sem Esperança, não tinha nenhuma razão para voltar para Cold Creek e encontrar o tesouro, nenhuma razão de endireitar seu caminho ou fazê-la classe de homem que ela poderia ter amado.
Sim riu. Agora ele não tinha nenhuma obrigação que o ligasse. Nenhum futuro salvo escolher de momento em momento. E o que escolheria ele?
Colocou de pé e escalou a parede de um só salto. Ninguém o viu deslizar-se como uma sombra ao longo da galeria ou entrar em seu quarto. Encontrou sua roupa rasgada dobrada sobre a cama, agarrou rapidamente a camisa e a sustentou contra seu rosto.
Tally. Ela tinha estado ali, tocando suas coisas, perguntando-se onde tinha ido e o por que. Jogou em um lado a camisa. Depois de um momento, seu peito lutava com cada respiração, colocou suas calças de montar e se estirou na cama.
Tally estava na seguinte habitação. Não estaria dormida. Esperança poderia estar de joelhos na igreja, rezando pela alma do Sim, mas a preocupação de Tally era muito mais terrestre. Ela se preocupava. Preocupava-se muito.
Sim fechou os olhos. Não queria saber o que Tally pensava ou sentia. Esperança tinha tido seu coração sob seu cuidado, e agora este estava quebrado no chão da igreja. O gelado fragmento que golpeava dentro de suas costelas guardava só uma emoção: raiva. E só um único desejo: que Tally ficasse longe dele esta noite.
O dia tinha sido tão árduo como satisfatório. Dom Miguel exigia muito de si mesmo e de seu fino garanhão árabe; outorgou a Tally um arreio igual de fina e a guiou em um percurso do rancho que começou imediatamente depois da breve sesta da tarde e que continuou até a tradicional janta tardia às dez.
Tally tinha estado impressionada. Dom Miguel tinha prosperado apesar das incursões dos apaches e os passados problemas econômicos, e parecia tratar a seus trabalhadores com generosidade e imparcialidade. O gado que mostrou a Tally estava em boas condições, com muito poucas devoluções a ser separados de entre os que ela tinha comprado.
Em todo momento do percurso, em qualquer pequeno instante de silêncio ou quietude, os pensamentos de Tally voltavam para o Sim. E Esperança. Ela tinha visto a impressão no rosto do Sim quando se inteirou que uma mulher com esse nome residia na fazenda; ela tinha suposto que sua "enfermidade" era uma argúcia para assim poder estar sozinho... ou procurar a sua futura noiva sem necessidade de revelar suas intenções.
Entretanto, a agitação do Sim não tinha vindo só da simples surpresa. Tinha reagido a algo mais que o Dom havia dito, algo que ele não tinha esperado ouvir.
Decidida a não perder o controle de suas próprias emoções, Tally completou seu negócio com o fazendeiro e se reuniu com ele na “sala” para uma taça de refinado uísque importado. Ela bebeu muito pouco, cortesmente rechaçou a oferta de Dom Miguel de um caro puro cubano, e lhe desejo as boa noite a seu anfitrião logo que pôde escapar cortesmente.
O tamborilar na porta do Sim não trouxe nenhuma resposta. Encontrou sua camisa rasgada e outras roupas dispersas sobre o chão, quase como se ele as tivesse arrancado com fúria. De repente aterrorizada, Tally vagou pela fazenda procurando algo que não sabia definir.
Encontrou a igreja e atravessou a grandes passos pelas portas, pressurosa por entrar apesar da certeza de que Sim não estaria ali. Fez uma pausa para fazer o sinal da cruz-se, retornando aos costumes da infância para esse símbolo de santidade que tinha esquecido fazia muito. Manteve o chapéu em seu lugar para esconder suas tranças.
Uma solitária mulher se ajoelhava ante o altar. Seu cabelo era negro e sua figura magra. Ela se deu a volta antes que Tally tivesse dado três passos.
—Boa noite — Disse a mulher com um sorriso.
— Você deve ser o outro convidado de Dom Miguel. Lamento não ter estado presente para saudá-lo esta noite. —Lhe inclinou a cabeça — Meu nome é Esperança.
Embora Tally quase sabia quem devia ser ela, o escutar esse nome provocou uma nauseabunda arcada no interior do estômago. Esta era a mulher que Sim amava. Era fácil ver o por que. Esperança, tão jovem, quase uma moça, levava sobre ela a pureza e a bondade como o rebuço que lhe cobria a cabeça. Seu rosto era suave e radiante, e seus olhos guardavam fundas profundidades tanto de dor como de compaixão.
Uma “curandeira”, tinha-a chamado Dom Miguel. Tally podia acreditar que esta mulher efetuava milagres. Fazia o milagre de abrir o coração do Sim ao amor, fazia que lhe guardasse devoção e lealdade como poucas mulheres poderiam esperar fazer com qualquer homem. Possivelmente ela era tudo o que ele clamava.
—Ouvi que você, senhorita — Disse Tally, controlando sua voz, embora parecesse que os batimentos do coração de seu coração sacudissem todo seu corpo — Você curou à filha de Dom Miguel.
—Com a ajuda de Deus — Disse Esperança humildemente.
Tally renunciou a toda prudência.
—Viu a meu companheiro, Sim Kavanagh? Parece que deixou a fazenda. —Ela forçou uma risada nervosa.
— Faz isso às vezes... Vaga longe para estar sozinho.
Esperança agarrou as mãos como se rezasse.
—Vi-o — Disse ela — Ele partiu faz tempo. Lamento não poder ser de mais ajuda.
O que te disse ele? Como lhe respondeu?
—Não se preocupe, senhorita — Disse Tally, tocando o bordo de seu chapéu.
— Voltará quando estiver preparado. —Ela vacilou.
— Tudo estava bem?
—Por que pergunta isso?
—Sim falou de uma mulher com seu nome. Pensei que possivelmente... —Ela se interrompeu, incapaz de fazer as perguntas que queimavam sua garganta.
— Sinto ter interrompido suas orações, “senhorita”.
—Deus não foi interrompido, e eu tampouco. —Esperança estendeu a mão e a deixou cair.
— Você está preocupado. Posso ajudar?
Tally teve o mais peculiar impulso de tomar a mão da mulher e admitir todos seus medos. Não o fez.
—Não quero aumentar suas preocupações — Disse ela.
— boa noite, “senhorita”.
Partiu ante o som de Esperança sussurrando sua despedida. Mas sentiu o perfurante olhar da curandeira em suas costas, despindo-a só como Sim podia fazer. Tally não teria estado surpreendida se Esperança se desse conta que o "companheiro" do Sim era uma mulher. E se ela tinha adivinhado tanto, não seria difícil imaginar o resto.
O que tinha passado entre eles? Tinha declarado Sim seu amor e lhe tinha pedido que se casasse com ele? Teria aceito? E se o fez, por que tinha fugido ele?
Tally correu a seu quarto e firmemente fechou a porta, recostando-se contra esta quando chegaram as lágrimas. Sabia que era tola e débil, além de ridícula por estar ciumenta de uma mulher como Esperança. Sim não tinha mentido. Não tinha exagerado. Esperança era perfeita, tão perfeita como qualquer anjo expertamente esculpido que revoava sobre o altar da capela.
Não sentia saudades que ele visse nela a promessa de sua própria redenção.
Depois de um momento, as lágrimas se esgotaram e o corpo de Tally sentiu a fatura dos esforços que tinha feito. Despiu-se, banhou-se no lavabo e colocou um folgadísimo camisola de noite que escondia sua figura tão eficazmente como a frouxa roupa masculina que usava durante o dia. Deitou-se na cama, escutando os grilos e coiotes nas colinas.
Ainda estava acordada quando Sim retornou. Ele foi muito silencioso, mas ela conhecia seus passos como se fossem a palma de sua própria mão. Seu colchão se sentia tão duro como uma laje de granito. Não podia nem respirar por tentar ouvir qualquer som proveniente do quarto do Sim.
Por fim se sentou e apartou as ligeiras mantas. Tinha que saber, agora, essa mesma noite, o que tinha passado entre o Sim e Esperança, inclusive ante o risco de perder os retalhos de seu andrajoso orgulho.
A camisa solta e a calça substituíram a camisola de noite. Caminhou com os pés descalços pelo corredor. Todas as lanternas tinham sido apagadas, mas a luz da lua brilhava sobre a fonte do pátio. Uma perfeita noite para os amantes.
Ela chamou uma vez à porta do Sim e esperou. Um, dois, cinco minutos. Ela levantava a mão outra vez quando a porta se abriu de repente.
Sim surgiu na soleira, sem camisa e com os olhos ocos. Ele a olhou de pés a cabeça como se fora uma estranha.
—O que quer? —Exigiu ele.
O sentido comum sugeria a Tally que se afastasse e abandonasse ao Sim com seu vil humor. Mas sua dureza falava por si mesmo; seu encontro com Esperança não tinha ido como ele tinha esperado.
—Posso entrar? —Perguntou ela.
—Por que?
—Porque acredito que precisa falar com um amigo. —Ela encontrou seu encolerizada olhar — Somos amigos, não é assim, Sim?
—Não deveria estar aqui esta noite, Tally.
Que pronunciasse o nome dela dissolveu um pouco da tensão de seu corpo.
—Sei que algo foi... Mal com Esperança — Se aventurou ela.
—Não há nada que possa fazer.
—Falou com ela?
Ele deu um suspiro exasperado e retrocedeu para seu quarto, deixando-a passar. Ela permaneceu perto à parede quando ele perambulou pelo quarto, tocando esse ou aquele objeto decorativo com agitada insatisfação. Os músculos em suas costas e ombros se ondulavam com fascinante força e graça. Cada um de seus movimentos era selvagem, quase felino, como um puma que marca o passo em seu refúgio antes de matar.
—Não esperava encontrá-la aqui — Disse Tally.
— Pude ver que foi uma surpresa para você.
—Não esperava encontrá-la nesta fazenda — Disse Sim, fazendo a um alto ao lado da cama.
— Passamos perto de seu povoado de caminho para aqui.
De repente Tally recordou a noite que ele esteve longe do acampamento portanto tempo.
—Foi ali a vê-la.
—Ela tinha partido, mas não sabia aonde tinha ido. —Ele curvou a mão ao redor do pilar de cobre da cama.
— Só quis me assegurar... Que estava bem.
—Falei com ela na igreja — Disse Tally com cautela.
— Parecia estar muito bem, feliz.
—Sim. —Sua boca se retorceu em um amargo sorriso.
— Parece que ela tem dons mais fortes que quando a conheci. Agora é uma grande curandeira. Em Dois Rios a chamam uma Santa. —Ele apertou o pilar da cama até que seus nódulos se voltaram brancos.
— O que opina dela?
O que queria ouvir ele? Não podia ser outra coisa mais que honesta com ele, tão honesta como sempre tinha tentado ser exceto contando o tema de seu passado. Inclusive quando tal honestidade era insuportavelmente difícil.
—Ela é três belle... Linda. Irradia bondade. — Tally as engenhou para sorrir.
— Tinha razão, Sim. É um anjo. Seria muito fácil amá-la.
O extremo do pilar de cobre da cama se torceu com facilidade pelo apertão do Sim. Ele dobrou os dedos como se estes lhe doessem. Tally se precipitou a seu lado e tomou sua mão entre as suas.
—Estou bem. —Ele liberou sua mão com força, e Tally notou que ele tremia. Ao igual a ela.
—Não está bem — Disse ela.
— Este encontro não resultou da forma que esperava, verdade?
Grunhiu-lhe como uma besta voraz, seu corpo preparado para atacar.
—O que te disse?
Tally elevou a vista para os cinzas olhos engolidos pela negrume.
—Só que te tinha visto. Não bisbilhotei. Estava preocupada com você. Ainda o estou. —Ela o alcançou, e ele se estremeceu.
—Fale-me. Me deixe ser sua amiga.
—Pede muito.
—Só porque você não deixa que ninguém se aproxime — Disse ela.
— Nem sequer a Esperança.
Sua acusação teve o efeito esperado. Ele se voltou contra ela outra vez, feroz e perigoso, com uma luz em seus olhos que deveria havê-la feito fugir pela porta.
—Eu perguntei —Disse ele em voz rouca — Ela me rejeitou.
Tally fechou os olhos.
—Ah, Sim. Sinto muito.
—É uma mentirosa. Você temia o dia em que iria a ela.
Sua pele estava quente da cabeça até os dedos do pé.
—Acha que eu não poderia te substituir em Cold Creek?
—Não falo do rancho. Mas sim de você, Tally. Desejou-me do início.
O fogo da humilhação abrasou as bochechas de Tally.
—Se for tão irresistível às mulheres, por que Esperança te rejeita?
—Ela... Ela... —Ele sacudiu a cabeça violentamente — Ela não pode amar a nenhum homem.
—A ama, Sim? O suficiente para deixá-la ir?
Ele sorriu da forma em que sempre fazia quando zombava de si mesmo tão cruelmente.
—Me olhe, Tally. Vê um homem capaz de amar?
—Sim. —Ela apenas se podia sustentar seu agudo olhar — O faço.
—Mas amei realmente a Esperança? Não é isso o que quer saber?
—Acredito que o fez, porque te deu um sonho. Acredito que você quer o que é melhor para ela. Por isso está tão zangado, porque foste obrigado a escolher... Sua felicidade... Ou a sua. Fez um grande sacrifício por seu próprio bem. —Ela dobrou a cabeça — A isso eu chamo amor.
—Então nunca passará outra vez. —Agarrou os braços de Tally — Estou farto de nobres sacrifícios. Farto de sonhos. —Levantou as mãos até as bochechas de Tally, elevou o rosto dela e a beijou.
Capítulo 14
Tally sabia que o tempo tinha chegado. Permitiu que a beijasse quase brutalmente, e quando terminou, envolveu os braços ao redor dos ombros do Sim e devolveu paixão por paixão, ansiosa pelo desejo.
Entendia-o muito bem. Freqüentemente os homens enterravam sua dor nos prazeres da carne, por fugazes que fossem tais prazeres. Os homens não olhavam mais à frente do momento. Para o Sim, um emparelhamento apressado e selvagem possivelmente fora um alívio para a dor em seu coração, e Tally uma conveniente substituta da mulher que desejava realmente. Rendendo seu corpo, Tally podia lhe dar o consolo que lhe tinha devotado.
Mas não seria um sacrifício. Porque ele tinha tido razão, ela o desejava. O tinha negado, atemorizada com romper o convênio consigo mesma que tão cuidadosamente tinha construído quando Nathan morreu. Não tinha acreditado possível que pudesse desejar a um homem o bastante para deitar com ele, sob nenhuma circunstância. Tais sensações estavam mortas nela para sempre... Se é que tinham existido alguma vez.
Equivocou-se ao sonhar com a morte, a mecânica do sexo pela necessidade que originava do amor. Os anos de abstinência voluntária, de ignorar ainda a menor insinuação de fome física, desapareceram como se ela nunca tivesse jurado manter-se separada dos homens e seus apetites carnais durante o resto de sua vida.
Nunca tinha esperado encontrar um homem como Sim.
Ele a levantou até seu peito, sustentando-a pela cintura e cravando os quadris contra as dela. Seu membro estava duro e muito comprido. Por um momento se perguntou se lhe doeria depois de tanto tempo. Suas partes privadas doíam e se inchavam de uma maneira que mal reconheceu.
—Tally — Sussurrou ele contra a boca dela. Empurrou a língua dentro, e ela a tocou com a sua. Ele deu um puxão afastando-se, sustentando-a afastada —Vai —Disse — Vai enquanto ainda possa.
—Não
—Esteve casada. Teve um homem antes. Mas não deveria ser desta maneira para uma mulher decente. Não da maneira em que tomarei neste quarto.
Estava preocupado por sua virtude. Ela quase riu, mas ele estava mortalmente sério. Não havia necessidade de que ninguém na fazenda descobrisse o que ia acontecer esta noite, não se ela e Sim tomavam cuidado, mas Sim compreendia o que uma mulher arriscava ao estar com um homem que não era seu marido. Sabia que tais mulheres se culpariam depois, e que o mundo a condenaria se sua indiscrição era descoberta.
Semelhante mulher nunca seria a mesma outra vez.
Segurou seu rosto com a mão.
—Sim, Sim. Eu nunca teria vindo a você se tivesse medo.
Ele procurou os olhos de Tally.
—Esperava...
—Não sou ignorante.
—Ou inocente.
— Não me pode arruinar, Sim. Não se desejo isso como o faz você.
Ele fechou os dentes de repente.
—Não está bem. Não farei que me odeie, Tally. Sai agora. Por favor.
Passou os dedos através dos lábios.
—Não peço nada, mon cher. Nada exceto o que nos demos esta noite. Nunca haverá outro homem para mim.
—Deus, Tally. —Esfregou-lhe os polegares pelo bordo de sua mandíbula.
— Não posso prometer... Talvez não seja...
Tomou a mão e a colocou sobre seu seio. Sem as ataduras, a camisa ocultava muito pouco do que havia debaixo. Sim segurou os seios, jurou para si e bruscamente a arrastou a seus braços. Alcançou a cama em três passos.
O pânico paralisou a Tally logo que as costas tocou os lençóis frescas. Estava em Nova Orleáns outra vez, e o quarto estava impregnada com o aroma rançoso de perfume e suor. Os homens sempre fediam A... pomada, suor e álcool. Sempre deixavam sua marca nela noite após noite, até que soube que nunca poderia sentir-se limpa outra vez.
O peso de Sim caiu junto a ela. Ele viu seu temor, ou o pressentiu. Começou a recuar e Tally puxou dele para ela, lhe beijando desesperadamente. Ele resistiu durante todo um segundo. Logo seus dedos trabalharam nos botões de sua camisa, abriu-a, lhe despindo os seios.
Em sua anterior vida, ela sabia exatamente que fazer para fazer que os homens se sentissem poderosos, com controle, capaz de elevá-los a alturas de êxtase anteriormente desconhecidas. Era todo um jogo, um ato. Sobrevivência. Sua perícia se evaporou quando Sim beijou seus mamilos. Era uma virgem entregando-se para sua primeira vez.
Ele gemeu. Ela se ecoou de seu grito. Amamentou-se dela avidamente como se temesse perdê-la antes de havê-la cheio.
—Oui —Murmurou Tally, lhe acariciando o cabelo — Oui, mon amour, je suis À toi. Fais comme IL lhe plait.
Faz o que queira comigo. Nenhuma palavra vazia, nenhum convite estéril. Tão freqüentemente tinha tomado a homens, sem sentir nada, nem física nem emocionalmente. Sempre o fingido prazer, cumpridos, promessas doces e mentiras.
Não mais mentiras. Arqueou as costas, lhe rogando com todo seu corpo. Ele se forçou a fazê-lo. Empurrou-lhe a camisa por cima da cabeça, atirou-a parte e enterrou o rosto entre os seios.
A ternura e a excitação empreenderam a guerra febril no coração de Tally. Sim se refreava em consideração a ela, esperando para assegurar-se que estivesse preparada. Amava-lhe mais por sua paciência, por seu desejo para dar prazer quão mesmo para tomá-lo.
—Não tenha medo — Sussurrou ela, enlaçando os dedos em seu cabelo— Não pode me ferir. Desejo-te, Sim... Desejo-te dentro de mim.
Sim apoiou o rosto ao lado da dela no travesseiro.
—Me diga — Disse com uma voz forçava e amortecida. — Diga-Me que nunca quis outro homem.
—Nunca desejei outro homem.
Ele manuseou os botões de suas calças. Ela os desabotoou facilmente. A mão de Sim baixou lhe acariciando a coxa. Seu corpo chorou com antecipação por aquilo por vir. Ajudou-lhe a sair de suas próprias calças, sentia a cheia longitude e seu peso encaixando perfeitamente em suas curvas e ocos como uma parte dela mesma que nunca tinha sabido que lhe faltava.
Abriu-se para ele. Ele vacilou. Sua firme e cheia dureza se deslizou pelo interior de sua coxa. Nunca essa sensação se havia sentido tão bem-vinda, tão excitante. Ele a excitou com seu corpo, aproximando-se e logo se retirando outra vez, lhe beijando o rosto enquanto esfregava seu ventre tenso contra o dela.
Agora, pensou ela. Ele estava surdo a suas silenciosas súplicas. Puxou dele e arqueou as costas, lhe convidando a tomar o que desejava.
—Vai — Ofegou — Prend-moi maintenant, mon amour. (rapido toma-me agora ,meu amor)
Ele tremeu uma vez e se afundou nela. Não foi suave, ela não teria desejado que o fosse. Seu calor se conduziu profundamente, tocando uma parte dela que nenhum homem havia tocado antes. Fechou as pernas ao redor de seus quadris enquanto ele se retirava para outro empurrão. Ela não podia suportar os segundos quando estava fora, sem ser uma parte dela.
Isto era prazer, não dever, não trabalho. Sim o fazia. Levantou-lhe os quadris para poder chegar ainda mais longe e logo lhe sustentou as costas sem esforço aparente, sugando os seios ao compasso de seu ritmo. Tally se mordeu o lábio para amortecer seus gritos. A língua marcava seus mamilos como fogo.
Não podia imaginar nada que pudesse ser melhor que isto. Logo que podia pensar absolutamente. Mas Sim não tinha terminado. Levantou-a, sustentando-a empalada sobre ele, e a tirou da cama. Levou-a a parede, onde pendurava uma malha trancada que cobria a superfície de tijolo cru. Então tomou ali, seus braços poderosos sustentando a dos quadris e as coxas, a bochecha apertada contra a sua. O erotismo de ser sustentada tão facilmente, de render todo o controle, esteve além de algo que Tally tivesse experiente em anos de devaneio sexual.
Era muito. Nunca seria suficiente. Quando ele desacelerou, ela o atraiu mais profundamente com os calcanhares na parte baixa das costas, rogando e pedindo ao mesmo tempo. A lã grosseiramente tecida lhe roçava as costas enquanto a empurrava contra a parede, uma e outra vez e outra vez.
Não lhe permitiria parar até que terminasse e ele tivesse toda sua satisfação. Sentiu-a construindo-se nele, o rouco gemido de sua respiração enquanto se aproximava o clímax de seu prazer.
—Oui — Insistiu.(sim) — Remplis moi. Laisse-toi alter...(encha-me, deixa)
Então o milagre aconteceu. Outras mulheres lhe tinham falado disso, às vezes com obscena vulgaridade e às vezes em sussurros. Alguma disse inclusive que esta coisa fazia que a carga do sexo valesse a pena.
Tally finalmente compreendeu. Uma onda ardente do lugar de sua união com o Sim, profundamente dentro, quente e fria ao mesmo tempo, irradiou por seu ventre, seu peito e membros como uma corrente elétrica. Ofegou e deu um puxão. Pouco depois Sim empurrou forte e rápido, terminando como os homens sempre faziam. Mas não era o mesmo. Ela se agarrou aos músculos de ferro das costas, murmurando palavras carinhosas em um idioma inventado para exatamente esta alegria, a mais perfeita, a mais pura.
—Je't'aimes, Simeon Kavanagh. (te amo)
Sim não compreendeu as palavras. Não o necessitava. Tudo o que Tally lhe podia haver dito estava contido nos braços que lhe envolviam, o agarre por suas coxas, o pulsar onde seus corpos se uniam.
Umas poucas vezes em sua vida tinha sentido a uma mulher gozar como Tally fazia, mas inclusive então nunca tinha estado seguro de se as putas fingiam seu prazer. Era seu trabalho, depois de tudo. Ele nunca tinha tratado de dar. Tinha tomado, e tinha pago bem pelo privilégio.
Tally não o estava enganando. Seu clímax tinha sido real, e o seu tinha sido mais poderoso que qualquer que pudesse recordar. Assombroso, entristecedor. Tão movido que sentia seus olhos começar a umedecer-se como um menino choramingando.
Mas Tally não lhe permitiria ir-se, ainda quando a levou de volta à cama. Ela o balançou, meio cantarolando nesse idioma extravagante e melodioso que nunca tinha tido tempo para lhe ensinar. Sustentou-o, e inclusive depois de que o desejo se fora, continuou lhe sustentando como nenhuma mulher tinha feito jamais.
Parte dele se sentia apanhado, desesperado por escapar desses braços calmantes e endurecidos pelo trabalho. Parte dele queria permanecer ali para sempre. Não conhecia este outro Sim Kavanagh. O único ao que compreendia tinha nascido quando uma turma de meninos maiores no Hat Rock lhe tinham pego e lhe tinham contado o que sua mãe fazia para viver. Quando compreendeu por que não tinha um pai, por que Evelyn tinha tido a tantos amigos masculinos que não queriam ter nada que ver com um pequeno mucoso.
Esticou os braços e se separou de Tally. Ela o deixou ir. Sim rodou a um lado da cama, agarrou seus calções e os pôs.
—Está bem? — Perguntou ela.
O mundo estava do reverso ela queria saber se ele estava bem. Não tinha sido suave com ela.
—Está-o você? — Respondeu ele.
—Maravilhosa. —A cama rangeu quando se estirou. Os dedos lhe roçaram as costas.
— Me deu um grande prazer.
Sim se ruborizou, mantendo o rosto afastado. Ele estava acostumado a ser franco e honesto com Tally a respeito de todo o resto, mas não sobre isto. Não com esta conversa de depois, como se fossem algum velho casal que ficavam de acordo para compartilhar uma cama, e permaneciam juntos depois de que o sexo acabava.
Deveria ter mantido a boca fechada. Não pôde.
—Não fui... Muito brusco?
—Não para mim
—Você gosta assim.
—Não com qualquer, só com você.
Não era como um comprimento, mas a maneira em que ela o disse fez sentir ao Sim muito incômodo.
—Disse que não haveria nenhum outro homem.
—Nunca.
Nem sequer quando me tiver ido? Mas não o disse em voz alta, porque não sabia onde estaria em uma hora, em um dia, em um ano. Todos seus planos eram pó, o mundo reduzido a esta simples habitação.
Mas tinha que pensar no futuro de Tally, inclusive se não podia imaginar o seu próprio. Caleb não se foi para nada bom. O segredo do tesouro permanecia sem resolver, e só isso subornaria ao Caleb de uma vez e para sempre.
Lentamente se girou, inclinando-se sobre o braço para encarar a Tally.
—Quer que retorne a Cold Creek?
O rosto de Tally se cobriu de felicidade, tão completamente cegadora como a de Esperança em toda sua santidade.
—Sim, Sim. Desejo que retorne. Quero que permaneça comigo.
Permanecer. A só palavra o aterrorizava. Olhou fixamente os lençóis retorcidos, impregnadas com o aroma de seu ato de amor.
—Não posso prometer nada, compreende?
—Compreendo. —Sua voz era solene, grave. Tally não fazia ruídos sem sentido como outras mulheres, fingindo estar de acordo quando já estava situada em seu próprio caminho.
—Terminou seu negócio com Dom Miguel?
—Sim. Não vejo razão pela que não possamos nos largar... —Olhou à porta, onde uma fresta de luz traía o alvorada.
— Amanhã. Terei que contratar homens e a um cozinheiro com um carroção para arrastar o gado ao Arizona.
—Então melhor que volte para seu próprio quarto. —Recolheu a camisa de Tally e os calções, e os sustentou como algum amável cavalheiro.
Ela escorregou da cama e ficou de pé nua, desavergonhada, gloriosamente formosa. Inferno e condenação, estava preparado para tomá-la outra vez, no piso, contra a parede, em qualquer momento e lugar.
Com esforço, controlou-se e a olhou vestir-se, admirando cada elegante movimento, a força extraordinariamente feminina que ocultava tão bem. Sorriu-lhe quando terminou, e logo que pôde respirar através do nó em sua garganta.
—Ninguém saberá — Disse ela. Foi para ele, parou-se sobre os dedos nus e o beijou, afastando um passo antes que ele pudesse converter o beijo em outra queda na cama.
—Faz as pazes com Esperança se puder, Sim. — Soprou-lhe outro beijo, abriu a porta que chiava, olhou fora e se lançou para a galeria. Sim ouviu fechar a porta atrás dela.
Faz as pazes com Esperança. Riu e se lançou à cama, apertando o rosto contra os lençóis. Que classe de mulher sugeriria que seu amante fosse onde seu rival por qualquer razão? Mas assim era Tally... Confiando nele, segura de que esta noite os tinha unido além de toda ruptura.
Não veria Esperança outra vez. De maneira nenhuma. Tally não tinha que preocupar-se de que perdesse o tempo odiando ou suspirando por uma mulher que não tinha nenhuma utilidade para os homens. Esperança o esqueceria em uns poucos dias, e ele a esqueceria a ela.
Uma hora depois do amanhecer, Sim terminou de vestir-se e se encaminhou à “sala”, onde Tally se uniu a Dom Miguel em busca de uma taça de chocolate e bolos doces. Esperança não estava com eles. O Dom deu a bem-vinda ao Sim sem nenhuma preocupação.
—Confio em que tenha dormido bem senhor Kavanagh — Inquiriu alegremente.
—Muito bem. —Com a extremidade do olho, Sim vislumbrou a Tally afundando o nariz em sua taça como se ocultasse uma risada.
— Suas camas são as mais cômodas que desfrutei de alguma vez.
—Excelente. —Dom Miguel olhou por volta do vestíbulo e as habitações.
— Tomara que minha filha nos tivesse podido visitar esta manhã, mas a “curandeira” sente que necessita uns poucos dias mais de descanso.
—Conheci a senhorita Esperança ontem à noite — Disse Tally.
— Vejo por que muitos a consideram algo assim como uma Santa.
—Verdade. Infelizmente ela está muito retirada, mas sua bondade está além de toda dúvida. —Olhou mais intensamente a Tally.
— Sei que você deseja empregar a “vaqueiros” locais para ajudá-la a tocar o gado até seu rancho. Seria mais que feliz de proporcionar tais homens sem cargo, é obvio, se você escoltasse à senhorita de volta a sua aldeia.
Sim olhou bruscamente ao Dom, que advertiu seu olhar fixo.
—É verdade que poderia enviar a meus homens sós a levar a de volta, mas prefiro que os “forasteiros”, se perdoar a palavra, os que vivem fora desta região, façam-se cargo da “curandeira”. Desta maneira não haverá rivalidades nem mal-entendidos com respeito a seu destino.
Em outras palavras, pensou Sim, preocupava-lhe que alguém pudesse "roubar" um bem tão precioso. Sim franziu o cenho olhando a taça, a qual rapidamente se estava esfriando.
—Isso é mais que generoso, Dom Miguel — Disse Tally — Estaríamos contentes de aceitar tal acordo.
O Dom sorriu com aprovação. Uma criada apareceu para retirar o aperitivo da manhã.
—Dado que nosso negócio concluiu — Disse Dom Miguel—, arrumarei-o para lhe proporcionar “vaqueiros”, um cozinheiro e um carrofechado e me ocuparei de que seu gado esteja preparado logo que você deseje partir. Mas espero que se reúna em um café da manhã apropriado mais tarde.
Tally indicou seu prazer ao convite, e ela e Sim deixaram a “sala”. Seus cavalos estavam selados e bem descansados, assim cavalgaram para inspecionar a nova manada outra vez, em amigável silêncio, menos quando Tally pedia a opinião ao Sim sobre algum dos novilhos de dois anos. Sim não podia criticar o julgamento de Tally. Estes animais tentariam a qualquer ladrão de gado, mas nenhum proscrito ia ter uma oportunidade com eles, nem no México nem em Cold Creek.
Depois de um suculento café da manhã com carne assada, ovos, feijões e fruta, Tally recusou cortesmente a oferta de Dom Miguel de permanecer outra noite e reuniu aos “vaqueiros” emprestados ao redor da manada. Federico já tinha feito amigos entre os mexicanos, e Sim não pressagiava problemas.
Menos os de seu próprio coração traiçoeiro. A última hora antes da saída dos “americanos”, Esperança caminhou pelos arcos da porta da fazenda. Os “vaqueiros” a adulavam como espancados vira-latas guias de ruas, assegurando-se de que estivesse comodamente sentada em seu asno e com fornecimentos de alimento e bebida para a viagem. Olhou uma vez na direção do Sim, com um débil cenho entre as sobrancelhas, e foi levada a seu lugar ao lado de Tally à cabeça da coluna, onde o pó não mancharia sua Santa perfeição.
Sim recuou para cavalgar atrasado. A presença de uma das mulheres teria sido difícil de suportar, mas ambas, isso estava além de sua tolerância. Estava mais seguro onde o calor e o pó eram os piores inconvenientes que teria que sofrer.
A manada começou a mover-se para frente com muitos mugidos e bramidos. Sim e um dos “vaqueiros” de Dom Miguel, trabalhando instintivamente como uma equipe, perseguiam e intimidavam aos atrasados para que voltassem para a fila. Outros homens tomaram posições nos flancos da manada. A viagem de volta ao Cold Creek tomaria vários dias mais que a viagem à Fazenda Gavião, mas Sim necessitava o tempo para pensar. Levar o gado era um trabalho que não requeria pensar. Captou vislumbres só ocasionais de Tally através da constante neblina de pó, e nenhum de Esperança.
Ao princípio Tally esteve ocupada subindo e descendo por toda a longitude da manada enquanto os “vaqueiros” caíam na rotina do caminho. assegurou-se de que os homens compreendessem que ela estava ao cargo, e que era consciente de tudo o que acontecia o início até o final. Sabia perfeitamente bem por que Sim tinha escolhido a retaguarda, e respeitava sua decisão.
Isso a deixava sozinha com Esperança. A mascarada de Tally a fazia sentir-se a gosto ao redor da garota; Esperança parecia contente de sentar-se em seu pequeno e gordo asno e olhar passar a paisagem. A primeira noite no acampamento, depois de que o gado tivesse sido reunido no chão para dormir e os cavalos de refresco cercados, os homens competiam pelo direito de atender até o menor desejo de Esperança. O cozinheiro que Dom Miguel tinha enviado tomou especial cuidado com os feijões e bolachas. Sim montou guarda em algum lugar perto da borda da sonolenta manada, muito mais à frente do alcance da luz.
—Ele não dormirá esta noite — Disse Esperança. Os “vaqueiros” finalmente a tinham deixado sozinha e procurado suas esteiras; só Tally e Esperança, e os guardas da noite, permaneciam acordados.
Tally saiu de repente de seus pensamentos e olhou para a jovem mulher, que se sentava em sua manta a Índia com tal pacífica dignidade.
Esperança alisou suas saias sobre os joelhos e sorriu a Tally.
—Incomodei-a?
—Não. —Tally se incorporou e olhou fixamente para os pequenos inquietos sons que marcavam a posição da manada na escuridão.
— Não dormia, tampouco.
—É uma formosa noite. —Esperança fechou os olhos.
— Sei que Sim sofreu. Sinto sua confusão.
Tally fingiu ficar fascinada com a coberta de brilhantes estrelas de acima.
—Não é um homem fácil de compreender.
—Não obstante você o conhece bem. Não é seu sócio?
—Sim esteve trabalhando para mim durante uns poucos meses — Disse Tally — É bom no que faz.
—Mas é mais para você que um simples “vaqueiro”.
Tally se encontrou com o olhar de Esperança através do fogo.
—Olhe, “senhorita”, eu sei que lhe pediu que fosse sua mulher e você se negou. Não me há dito muito mais que isso. Não é de minha incumbência.
—Nem que você o ame?
Tally procurou o chapéu. Estava ainda em seu lugar. Adotou mais profundidade em sua voz.
—Se estiver sugerindo....
—Por favor não se ofenda. Sei que você não é o que finge ser.
Primeira Beth, e agora Esperança. Era um milagre que o disfarce de Tally tivesse sobrevivido tanto.
—O que me delatou? — Perguntou tranqüilamente.
—Nada em suas maneiras. Está a salvo...
—Você não é somente uma curadora, verdade, Esperança? Tem o que alguns chamam clarividência.
—Deus me ajuda a ver.
—Então olhe no interior das pessoas tanto se eles querem ser examinados ou não?
—Intento... —Esperança começou em um cochicho — Tento não ver muito. Fazê-lo assim é como... —Retorceu-se os dedos. — Tira a dignidade e deixa a alma nua.
Tally sentiu como se estivesse sendo despida justo como a primeira noite em Nova Orleáns.
—Se souber tão bem — Disse — Por que me está dizendo o que sinto?
Os olhos de Esperança eram quentes, escuros e cheios de compaixão.
—Seu amor brilha, e não posso evitar vê-lo. Não deveria sofrer porque Sim não o compreenda ainda.
Tally colocou de pé e andou em círculos ao redor de sua esteira.
—Compreender o que?
—Que seu destino não é o que ele acreditava. Que ele e eu uma vez brevemente andamos pelo mesmo atalho, mas esse tempo é passado, e todas as respostas que busca jazem dentro dele mesmo.
Tally chutou uma pedra ao fogo. As faíscas dançaram e se apagaram.
—Ele sabe que não pode a ter — Disse.
— Quanto ao resto...
—Ele oculta segredos, “senhorita” Bernard. Você também. Todos os segredos devem ser revelados.
—Por que?
—Para que possam estar juntos.
Tally tiritou e envolveu os braços ao redor do peito.
—Você é muito generosa com seu conselho, “senhorita”. Os Santos o devem encontrar útil. Mas eu não sou Santa. Nem Sim, embora ele ainda a ama. Não tenho seus dons, mas posso ver isso.
Esperança suspirou.
—Um homem pode amar um sonho. Mas um sonho só não é verdadeiro. Não traz a felicidade.
Tally não necessitava que lhe contassem sobre sonhos e felicidade. Tinha conhecido a verdadeira felicidade pela primeira vez em anos quando tinha estado nos braços do Sim, contente de aceitar o prazer que se deram um ao outro. Cada palavra que Esperança dizia roia essa felicidade. Era como se Esperança demandasse muito dela, muito do Sim. E as demandas de qualquer tipo afastariam ao Sim para sempre.
—Às vezes os sonhos são melhores que a realidade —Disse Tally — Tomarei qualquer felicidade que possa encontrar neste momento.
—Para alguns, é suficiente — Disse Esperança.
— Mas a você lhe deve mais, Tally Bernard. As penalidades de sua juventude terminaram. A que deseja está a seu alcance.
Tally quase pediu que Esperança o explicasse, quase derramou sua confissão de dor e lembranças como tinha feito só com outra alma vivente. Mas manteve os lábios juntos e se negou à oferta que Esperança sustentava ante ela como um sacerdote outorgando a ostia consagrada.
—Nada me deve que não o tenha ganho — Disse.— Melhor que durma algo, “senhorita”, O...
Algum ruído, inexplicavelmente desconjurado, rompeu a atenção de Tally da conversa. Sem deter-se pensar, agarrou uma brida e correu à linha de piquete.
Federico se revolveu em sua esteira.
—O que esta acontecendo? — Incorporou-se, arranhando o cabelo.
— O que aconteceu, “senhor” Bernard?
—Não estou segura. —Tally pegou Muérdago, agarrou um rifle e montou no lombo nu do cavalo.
— Comprovarei a manada.
—Irei com você. —Federico apartou as mantas e recolheu seu próprio equipamento. Tally não esperou. Cavalgou por fora do acampamento e ao redor do perímetro que os homens tinham estabelecido para a manada. O gado estava em pé, com olhos exagerados ante um alvoroço que Tally não podiam ver pela diminuição da luz da lua.
Sim devia ser informado do problema.
—Encontra a Diabo, menino — Murmurou a Muérdago.
O castrado bufou, em desacordo. Escoiceou e plantou as patas, retorcendo as orelhas para a escuridão de adiante. Um cavaleiro surgiu das sombras salpicadas. Como Tally, cavalgava a pelo, mas ali terminava a semelhança.
Tally conteve ao Muérdago, mas era muito tarde. Outros guerreiros índios apaches se uniram ao primeiro, vestidos como ele com essas calças abertas com tanga que revistam usar os índios, perneiras e mocasines. Tally não necessitava luz para saber que os rostos eram duros e desumanas de anos de lutar contra os soldados norte-americanos e mexicanos, eram homens que tinham desafiado ao governo e viviam assaltando Sonora, Arizona e O Novo México.
Estavam aqui pelo gado, e encontrariam as probabilidades muito a seu favor. Seu líder tinha o rifle casualmente de través na cruz de seu pony, sabendo bem que Tally não podia utilizar o seu antes de cair abatida.
Onde demônios estava Sim?
Tally se esclareceu garganta e se sentou muito direita.
—Boa noite.
O líder olhou fixamente a Tally com óbvia surpresa. Fez-lhe uma pergunta em seu próprio idioma.
—Não conheço sua língua — Disse ela lentamente.
— Fala Inglês? Espanhol?
Um dos apaches fez um comentário agudo, e os outros riram. O líder levantou a mão.
—Espanhol — Disse.
Tally jogou mão de sua hesitante instrução de espanhol.
—Se vierem pelo gado, levem alguns. São um presente.
—Nosso gado seguro como o inferno que não é um presente.
Sim cavalgou lentamente até o centro do grupo, os pés nus nos estribos, contendo a Diabo entre Tally e os apaches. Olhou ao líder índio como se não tivesse nenhuma transcendência e se girou para o Tally.
—Não vamos dar nenhuma destas vacas.
O líder índio apache levantou seu rifle e ladrou uma pergunta. Sim respondeu na língua dos índios, Sorrindo todo o tempo. Estava provocando deliberadamente a homens que não tinham nenhuma razão para não matar para tomar o que desejavam. Tally sabia por histórias que Eli lhe tinha contado, que os índios tinham razões para seu ódio para os ianques e mexicanos. Sentia a violência ferver a fogo lento no ar, esperando para explorar.
—Não — Disse.
— Sem matar, Sim. Se...
Ela nunca terminou sua súplica. Sim saltou ao chão. Plantou-se diante do líder índio e desabotoou o colete, cada movimento exagerado. Um dos apaches riu, mas o líder só olhou em desconcertado silêncio. Sim atirou seu colete ao chão e tirou a camisa de suas calças.
Um apache com uma manchada jaqueta da cavalaria fez um comentário mordaz que Tally teve pouca dificuldade para interpreta. Sim estava louco. Os índios sabiam. Tally tinha ouvido em algum lugar que certas tribos deixavam ao louco sozinho. Esta era a estratégia do Sim?
Sentia-se estranhamente tranqüila enquanto Sim terminava de despir-se. Ele deixou sua roupa em uma pilha e os chutou à parte. Lançou fora seus braços. O cavalo do líder índio apache escoiceou, e o índio atraiu seu rifle para apoiá-lo no peito do Sim.
Sim desapareceu. Em seu lugar cresceu uma nuvem de fumaça escura, misturando-se com a noite, e quando clareou, um lobo apareceu onde tinha estado a fumaça.
Capítulo 15
Tally soube mais tarde que os apaches deviam ter reagido ao truque, possivelmente com gritaria ou gritos de medo. Ela não ouviu nada. Seu olhar estava travado na enorme besta com a arrepiada juba castanha que deixava ao descoberto os dentes. Todos seus sentidos se congelaram.
Sim não a abandonaria. Mas nunca o tinha visto com o lobo; este não era das raças que vagavam pelas terras altas mexicanas. Ela ainda tentava entender a argúcia quando se deu conta de que os apaches se foram. De igual maneira Diabo tinha desaparecido.
Não houve nem batalha, nem mortes. O gado não tinha saído em correria. O lobo correu rapidamente alguns metros detrás quão índios empreendiam a retirada, com a cauda em alto, e logo retornou com Tally. Sentou-se sobre seus quartos traseiros e elevou o olhar para ela com inquietantes e inteligentes olhos verde-cinzentos. Muérdago se manteve tão quieto como um camundongo paralisado por uma serpente.
O que dizia o velho refrão sobre as frigideiras e fogos? Um lobo não podia causar muito machuco a todo um rebanho de cabeças de gado, mas era o bastante grande para derrubar a um solitário cavalo e seu cavaleiro. Tally trocou seu rifle através de seu regaço e com cuidado martelou o percussor.
O lobo arremeteu. Muérdago corcoveou, e Tally perdeu seu agarre sobre o rifle. Ela se agarrou ao lombo do cavalo castrado quando este girou e correu para o acampamento, o lobo lhe pisando as patas. Federico e seu cavalo estavam diretamente em seu caminho. Muérdago meiio se encabritou para evitá-los.
—Lobo! —Ofegou Tally—. Dispare, Rico!
O “vaqueiro” se deteve junto à tremente arreios de Tally.
—Que lobo, senhorita?
Ela jogou uma olhada. O animal se foi, tão rápida e silenciosamente como os índios.
—Viu os apaches?
Federico se fez o sinal da cruz.
—Não, “a Deus obrigado”. Você sim?
—Agora partiram. —Graças ao lobo.
— Como está o gado?
—Agitado mas ileso. —Federico levantou a cabeça— Enviei aos outros homens para acalmá-los. Os apaches não atacaram?
—Eles... Decidiram não fazê-lo. —De repente se sentiu enjoada e se inclinou sobre a cruz do Muérdago.
—Não tem bom aspecto, Tally — Disse Federico — A guiarei de retorno ao acampamento.
—Posso fazê-lo sozinha. Olhe o gado, Rico.
Ele cabeceou a contra gosto e montou diante dela. Enquanto se guiava pelo brilho da luz para o acampamento, considerou e reconsiderou tudo o que tinha presenciado da chegada dos apaches. Tinha sido bastante sinistro, mas o aspecto do lobo era muito mais inquietante. Poderia ter jurado que tinha visto o Sim... converter-se no lobo, o qual era absurdo. Mas se aquilo tinha sido um truque, aonde se tinha ido ele?
Quase caiu do Muérdago quando alcançou o cerca. Caminhou torpemente para sua esteira. Federico já tinha à maioria dos homens montando e cavalgando. Uns quantos olhavam curiosos em direção a Tally.
Esperança se ajoelhou a seu lado.
—Não está bem —Disse, colocando sua fresca mão sobre a frente de Tally.
—Estou bem. Retornou Sim?
—Não. Mas algo estranho passou, não acha?
—Sim. —Encontrou o fixo olhar de Esperança.
— Viu o lobo?
—Não esta noite — Disse Sim. Ele entrou caminhando ao acampamento, vestido pela metade, levava só calça e colete. Uma camisa rasgada pendurava como um trapo sobre seu braço — Mas ela provavelmente sabe o que sou desde o começo. Não é assim, Esperança?
A “curandeira” levantou sua mão em gesto de fazer o sinal da cruz e se deteve.
—Não estava segura — Sussurrou ela.
— É como Dom Tomás...
— Sim.
—Do que estão falando? — Demandou Tally, olhando de um ao outro — Aonde foi, Sim? Aquele lobo...
—Não adivinhou? — Ele atirou a camisa à terra ao lado de sua esteira e apartou a vista das mulheres. O fogo iluminou a bronzeada pele de seu peito, ombros e braços, seu cabelo castanho escuro era comprido e descuidado. Ele mesmo poderia ter sido um apache.
Mas não o era. A idéia que se alojou na mente de Tally era tão absurda, tão incrível, que não se atreveu a dizê-la em voz alta.
—Me deixe fazê-lo mais fácil para você —disse Sim — Pensa que me viu Trocar a um lobo e espantar aos apaches. Não acredita no que seus olhos lhe dizem. Mas não há nada mau com seus olhos, Tally. — Seus dentes cintilaram em um sorriso.
— Eu sou o lobo.
Tally se pôs-se a rir. Esperança tocou seu braço, e de algum jeito esse simples contato trouxe a Tally firmemente de retorno à terra. Podia ver que Sim pretendia ser divertido, mas não o era. Estava desesperadamente assustado. Só a verdade poderia criar tal medo em um homem como Sim.
A verdade era que nunca tinha sido como os homens ordinários. Tally tinha reconhecido isso quase de um princípio. Rastreava igual a um cão de caça e via na escuridão como um gato. Sua velocidade e agilidade eram notáveis. E tinha arruinado as armadilhas do Eli...
Ele era o lobo.
—Loup-garou — Murmurou Tally. Ela se esfregou os olhos com os calcanhares de sua palmas.
— Dieu du do.(Deus do céu)
—Homens-lobos — Disse Esperança — Os encontrei antes. Não todos são malignos.
—Alguns os são — Disse Sim. Sentou-se em cócoras.
— Mas a maior parte deles são como os homens, bons e maus. Qual sou eu, Esperança?
—Nunca malvado — Ela se mordia o lábio.
— Sim...
Ele a ignorou e continuou contemplando a Tally. Esperando seu julgamento. Rejeição... Ou aceitação.
Tally se esforçou por arrastar tranqüilidade desde seu abismo de comoção.
—Nós... Temos lendas em Louisiana sobre tais criaturas — Disse ela — Meu pai estava acostumado a contar as histórias antes que partisse. Eu acreditava nelas nesse então. Acredito que ele também o fazia. —Ouviu o eco de suas próprias palavras e sacudiu a cabeça.
— Não. Não quis dizer... Sei que você não é uma criatura, Sim. Mas não o entendo completamente.
—Eu tampouco. —Ele cavou a mão sobre sua nuca e se massageou os músculos com os dedos.
— Só comecei a aprender. Não hei...Aceito o que sou até faz um par de anos.
—Você... Nasceu...
—Meu pai era como eu — Interrompeu ele severamente — Mas não o averigüei até que fui maior. E logo não quis ter nada que ver com sua família ou o que eles me dessem.
Disse isso como se um presente tão assombroso fora uma terrível deformidade passada de geração a geração.
—Envergonha-se? — Perguntou ela.
—Ao pouco tempo decidi que era tolo não usar aquilo com o que nasci. Não é uma maldição. Sou mais forte que os homens normais. Minhas feridas se curam rápido. necessita-se muito para me matar, como uma bala ao coração ou ao cérebro.
—Disse-me uma vez que os lobos eram seus únicos irmãos. Pode... Controlá-los?
—Eles me entendem, e eu os entendo. Às vezes fazem o que lhes peço.
—Como deixar em paz o gado do Cold Creek. Mas você não é realmente um lobo qualquer.
Ele soprou.
—Quão último ouvi, é que os lobos não podiam falar.
—Há muitos outros como você?
—Não sei. Suponho que a maioria mantêm isto em segredo...
Como fez você, terminou Tally por ele, mas ele se apressou a fazê-lo.
—Eu conheço um dos outros... Um bom homem, um amigo... E escutei que há alguns na Europa. —Apertou com força a mandíbula, como se não queria prosseguir com o tema.
— Tem medo, Tally?
Ela abriu a boca, logo a fechou outra vez. Nada de segredos.
—Sim — Confessou ela — E não. Porque ainda é Sim. Salvou tanto minha vida como ao gado. Estou agradecida.
Ele apartou o olhar.
—Teria-me disparado.
—Mas não sabia que era você. —Ela se levantou, equilibrada sobre suas instáveis pernas — Acha que poderia te fazer mal, Sim?
—Não pensa que sou um monstro?
—Quer que fuja longe? —Ela deu um passo para ele — Se eu tivesse medo, então você poderia me abandonar sem duvidá-lo por um momento. Seria uma excelente desculpa. Teria uma razão para te mover de um lugar a outro, nunca te assentando, porque as pessoas teria medo se alguma vez descobrissem a verdade.
—Eles deveriam ter medo. Era muito bom matando, Tally. Agora sabe o por que.
—Embora os lobos nas montanhas deixam a nosso gado em paz —disse ela.
— Os rancheiros acreditam que os lobos são animálias. É tudo o que são, Sim?
—Não.
—Então se você for como eles, mataria para sobreviver, não pelo prazer disso.
—São os homens quem mata por prazer.
—Lobo ou homem, sei o que você é. Aqui dentro. —Ela se golpeou o peito.
— Você não pode se desfazer de mim tão facilmente.
Ele blasfemou, jogou uma olhada a Esperança e se conteve.
—Sabia que os apaches fugiriam se me viam trocar — Disse ele em silencio — Eles têm um pouco de sentido.
—Mas nós as mulheres temos o privilégio de ser imprevisíveis — Disse Tally.
— Não é assim, Esperança?
A “curandeira” assentiu solenemente.
—Certamente.
—Inferno. —Sim rebuscou entre seus pertences e tirou uma camisa de reposto.
— As senhoras não se ofenderão se me visto?
—Não se esqueça de suas botas — Sugeriu Tally.
Esperança riu bobamente. Tally e Sim se deram a volta para olhá-la ao mesmo tempo, e de repente Sim sorria, uma cálida e desinibida sorriso sem um rastro de brincadeira, cinismo ou amargura.
Sim em efeito tinha trocado. Se a aceitação de Tally de sua pequena "particularidade" tinha feito tal milagre, se ele podia olhar a Esperança sem ressentimento ou tendo saudades o que nunca poderia ser, então Tally não teria importado se ele trocava em um javali ou sapo com chifres em vez de um magnífico lobo.
Todos os segredos devem ser revelados, havia dito Esperança. Comparado com a revelação do Sim, o que Tally ocultava parecia uma confissão comum, sobrevalorizada.
Tally sentiu o olhar de Esperança e se entreteve a si mesmo alisando sua esteira. A alvorada estava no ar; logo Federico ou um dos “vaqueiros” voltaria com um relatório sobre a condição do gado, e o cozinheiro prepararia um singelo mas abundante café da manhã para conseguir que os homens começassem o seguinte trecho da viagem a casa. Tally teria uns minutos de relativa intimidade para lhe mostrar ao Sim que confiava nele tanto como ele tinha crédulo nela.
Termina com isso. Diga-lhe Então por fim saberá.
Deixou que os minutos passassem. O sol se deslizava sobre o horizonte. Esperança tirou seu rosário e partiu sozinha a rezar.
Sim se ajoelhou ao lado de Tally.
—Não o dirá a ninguém — Disse ele.
—É obvio que não. Honrou-me com sua confiança, e nunca a romperei.
—Inclusive quando te volte louca?
Algo em seu tom, um rastro de frágil intimidade, fez-a de repente tímida.
—Quando me zangaria contigo? —brincou ela.
—Não sei. —Ele se moveu sigilosamente mais perto, agarrando sua mão na sua.
— Às vezes pressiono às pessoas de má forma.
—Não a mim. —Ela descansou a cabeça no ombro dele.
— Você me pressiona exatamente da forma correta, mon loup. (meu lobo)
Ele fechou os olhos.
—Jurei-me que não aceitaria mais sonhos. Maldição, Tally...
O tamborilar de cascos os salvou de argumentos adicionais. O “vaqueiro”-cozinheiro galopava e se dirigiu diretamente a trabalhar com seus cachorros de cozinha. Federico chegou para relatar alegremente que nenhuma cabeça de gado tinha sido roubada de noite. O café da manhã se serviu enquanto os homens conversavam em um fluido espanhol sobre o quase ataque dos apaches. Ninguém mencionou a um lobo. Vários, entretanto, falaram de milagres.
Tally estava quase pronta para acreditar.
A pessoas do povoado de Esperança soube que ela havia retornado muito antes que montasse seu burro pela poeirenta rua principal. Os homens tinham estado observando das colinas; eles enviaram correndo a um moço diante para alertar aos aldeãos, e ao mesmo tempo Sim, Tally e Esperança entraram em Dois Rios, cada casa tinha seu grupo de observadores que esperavam para saudar a jovem mulher como se ela fora um ícone santo perdido faz muito.
Em um princípio Sim tinha tido a intenção de deixar a escolta final a Tally, Federico e alguns dos “vaqueiros”. Não via nenhuma razão em contínuas despedidas. Mas ao final montou com outros no povo, abertamente e à luz do dia, escutando os gritos de prazer e bem-vinda. Tally colocou perto dele.
Sem confiar em suas intenções, Esperança passou por sua casa com um breve sorriso para seus impaciente parentes e continuou até a igreja recém construída. Ali desmontou, deixou a seu burro nas mãos de um moço que sorria abertamente e entrou pelas portas abertas da igreja.
Tally, Federico e um vaqueiro de Dom Miguel, Juan, também desmontaram e rapidamente lhes ofereceu água, pulque e omeletes mexicanas por uma das mulheres que tinha seguido o trajeto de Esperança. Nenhum dos aldeãos acompanhou a sua pequena Santa à igreja... como , pensou Sim, não se atrevessem a interromper a alguém tão consagrada em sua comunhão com Deus.
Uma vez ele tinha sido tão supersticioso e crédulo como estas singelas pessoas, acreditando que Esperança tinha o poder de salvá-lo. Se os aldeãos tivessem alguma noção do que era... no que podia converter-se... Considerariam-no um condenado ao inferno. Mas não era seu sangue de lobo o que o condenava. E ele não tinha medo de interromper as meditações santas de Esperança.
Deslizou-se do lombo de Diabo e arrojou as rédeas sobre uma cerca próxima. Tally o alcançou quando estava a ponto de entrar pela esculpida porta de madeira da igreja.
—Não entra em rezar — Disse ela com um tom de ironia.
Ele sorriu.
—Teme que caia fulminado logo que entre?
—Não mais medo de que sentiria por mim. Ambos sobrevivemos a nossa última visita.
Ela se referia à capela na Fazenda do Gavião. Ali lhe tinha pedido fazer as pazes com Esperança. Esta era sua última possibilidade, e ele nem sequer sabia se o desejava.
Tally procurou seu rosto e retrocedeu. Ela entendia agora, mais que em nenhuma outra ocasião, que não poderia retê-lo contra sua vontade. Não aqui ou em nenhum outro lugar.
Sim caminhou rapidamente ao afresco e tênue interior da igreja. Esperança se ajoelhava ante o altar, seu rebuço cobria sua cabeça. Sim avançou pelo corredor entre os bancos sem respaldar. A metade de caminho para altar, tirou-se o chapéu e o agarrou torpemente em suas mãos.
—É bem-vindo aqui — Disse Esperança sem voltear.
—Fala com Deus? —perguntou ele.
Ela inclinou a cabeça.
—Rezará comigo?
Ele quase esmagou a aba de seu chapéu.
—Não é minha forma de fazer as coisas, pequena. Sabe.
—Apesar disso Deus escuta. —Ela se levantou e o confrontou.
— Deixe-Me rezar por você.
—Não posso te deter.
Ela sorriu, uma breve curva elevou os cheios lábios que nunca conheceriam o toque de um homem outra vez.
—Perdoa-me, Sim?
—Por que?
—Por tomar outro caminho.
—Considero... Que você tem que me perdoar. Pelo Novo México.
Os olhos de Esperança brilharam tão alegremente que ele quase esteve tentado a realizar uma reverência como algum camponês tolo.
—Perdôo-te, Sim — Disse ela.
— Agora você deve se perdoar a você mesmo.
Ele se voltou e se afastou.
—Adeus, Esperança.
—Espera!
Ele fez uma pausa. Sua respiração era áspera e forte no meio do silêncio do lugar.
—Ela te espera — Disse Esperança atrás dele.
— Aceita a felicidade que te entrega.
—Inclusive se não o mereço?
—Há muitos caminhos à salvação, Simeon.
—Não para um homem como eu. Não depois das coisas que tenho feito.
—Esse homem não retornará. Esse Simeon se foi.
Ele quis lhe gritar e desmenti-la nisto, o mais tranqüilo dos santuários, atacar a Esperança com palavras cruéis e imprecações que a fariam empalidecer e retirar-se temerosa. Mas ela tinha razão. O Sim que poderia ter feito essas coisas se foi.
De todos os modos, seu fantasma permanecia. Sim recordou ter ouvido uma história sobre um homem que tinha feito tantas coisas más na vida que tinha forjado inconscientemente uma cadeia que devia carregar ao redor dele no outro mundo, impotente em poder expiar suas maldades. Sim considerava que sua própria cadeia era tão larga como o Rio Grande. Ele não queria que Tally lhe ajudasse a arrastar a de retorno ao Cold Creek.
Apertou os punhos e girou sobre seus calcanhares. A luz do precioso multicolorido vitral atrás do altar pintava um halo brilhante sobre a cabeça e os ombros de Esperança. Ele retornou para ela lentamente, contando cada passo. Dobrou a cabeça e se ajoelhou a seus pés.
—Me dê sua bênção — Pediu ele.
—Não sou um sacerdote.
Ele tragou com força.
—Por favor.
A mão de Esperança se posou em seu cabelo tão ligeiramente como a asa de um anjo. Ela murmurou sobre ele, rezas e invocações que não fez esforço algum em interpretar. Não queria saber o que dizia a seu Deus, ou como ele poderia responder.
Sim saiu de um aturdido e confuso sonho. Esperança já não estava de pé sobre ele. A luz colorida se propagou pelo condensado chão de terra. Ele recolheu seu chapéu, escovou-o distraidamente e colocou de pé.
Tally esperava justo fora, embora pretendesse não havê-lo visto quando ele caminhou ante a deslumbrante luz do sol da tarde. Jogou uma olhada para ele e sorriu.
Era tudo o que necessitava. Foi para ela como um touro ao investir, agarrou-a pelo braço e a apressou a girar a esquina da casa mais próxima. Tomou seu rosto entre as mãos e a beijou tão meigamente como só ele sabia fazê-lo.
—Sim — Protestou ela, apartando-o.
— E se alguém nos vir?
—E o que se o fizerem? —Ele sorriu abertamente.
— Pensarão que ambos somos uns antinaturais filhos de cadelas. —E a beijou outra vez até que ela ofegou.
—Agora — Disse ele — Podemos ir a casa.
O resto da viagem, embora lento e aborrecido, não apresentou nenhuma provocação insuperável a Tally, Sim ou aos “vaqueiros”. Um ou dois novilhos precisaram cuidados por patas doloridas, ou vigilância extra devido a sua tendência a extraviar-se, mas a partida passou pelo Arizona e alcançou a fronteira do Cold Creek sem incidentes.
Tally estava extremamente feliz. O cansaço esgotava seu corpo, mas não afetou sua alegria. Durante a viagem só via o Sim nas comidas e na fogueira das noites, mas cada reunião confirmava o que tinha sabido desde que abandonaram Dois Rios.
Sim era dela. OH, não sua propriedade. Não era tão parva para acreditar que ele poderia ser pacote por obrigações corriqueiras ou a bênção de algum pregador.
Ele confiava nela. Desejava-a. Sobre tudo, respeitava-a, e isso ela o apreciava mais que todas as convencionais promessas para toda a vida.
Ele cavalgava diante para reunir-se com ela enquanto os homens se esforçavam em tocar o gado pelo passo e com o passar do caminho para o manancial. Haveria muito trabalho que fazer uma vez que as cabeças de gado estivessem no redil da pastaria da casa. Tally esperava manter aos “vaqueiros” contratados para marcar ao gado antes que voltassem para a Fazenda do Gavião. Depois disto, quando os animais fossem postos a pastar, e os novilhos mais velhos fossem guardados com os touros do Cold Creek, ela não necessitaria a homens extra até a época de parto na primavera. E Sim podia fazer o trabalho de quatro.
Pela primeira vez em sua vida, Tally se considerou uma mulher afortunada.
Miriam agitou as mãos da entrada da casa, enquanto o gado avançava em uma nuvem de pó. Ela dirigiu o carro coberto ao curral uma hora depois de que Tally e os homens tivessem assegurado o rebanho com os cascos esgotadas dentro da perto. Repartindo comida e bebida com beneplácita eficácia, Miriam se preocupou excessivamente de cada um deles como se nunca tivesse esperado vê-los outra vez. Dolores fez todo o possível por ajudar, suscitando a diversão dos “vaqueiros”. Pablo já estava montando ao longe para procurar o Eli.
Tally, consciente de seu desalinho, guardou a distância da Miriam até que sua amiga insistiu em um abraço firme.
—É tão bom vê-la — Disse Tally, envolta pelos consoladores aromas de massa de pão e algodão limpo.
— Tudo bem em Cold Creek? Como está você e os meninos?
—Tudo bem. Bart machucou o joelho, mas já está de pé e montando outra vez. Eli pode lhe contar o resto.
Tally sorriu amplamente com astúcia.
—Espero que Eli tenha estado comportando-se, contigo na casa completamente sozinha.
—Para seu conhecimento foi um perfeito cavalheiro — Contra-atacou Miriam a Tally e a observou com um cenho pensativo.
— E você?
—Estou muito bem.
—Está muito magra — Anunciou Miriam.
— Mas não é a única coisa que trocou em você, menina.
—Não me banhei em três dias.
—Não tem que me dizer isso Terminarei com esse problema logo. —Ela sacudiu a cabeça.
— Não houve um dia em que não me preocupasse com você e Federico. Deveria ter sabido que sempre estaria nas boas mãos de Deus.
Tally pensou que era melhor não falar com a Miriam sobre os apaches, e com segurança não sobre o lobo. Não gostava de lhe guardar secretos, mas este em particular não era seu para compartilhar. Possivelmente, com o tempo, Sim chegaria a confiar em outros, também.
—Como está André? — Perguntou ela.
Miriam suspirou.
—Igual. Tem seus tempos de lucidez, mas não são muito seguidos.
Tally limpou sua testa com o dorso da mão.
—Acredito que é muito tarde para milagres, Miriam.
—Nunca é muito tarde para milagres. Há algumas coisas que não podemos entender.
—Mas não é justo que André deva sofrer, enquanto eu... —De repente não podia pensar nas palavras corretas.
Miriam a examinou com um, ainda mais cuidadoso, escrutínio.
—Ele ainda está com você — Disse ela. Seus olhos se alargaram ao ver o rubor de Tally.
— Meu Deus, Meu deus! Algo trocou. —Ela estirou o pescoço para jogar uma olhada sobre o ombro de Tally.
— Suponho que saberei com segurança uma vez que consiga lhe dar um bom olhar.
—Miriam...
—Nada disto é uma surpresa para mim, sabe. —Tomou as mãos de Tally.
— Enquanto que seja feliz.
—Sou-o, Miriam. —Ela encontrou inexplicavelmente difícil olhar a sua amiga aos olhos.
— Não posso explicá-lo. Não era algo que acreditasse que aconteceria. Não a mim.
—Estar apaixonada? Desejar a um homem como uma mulher?
—Se fosse só isso... Miriam, eu...
—Não importa. Falaremos disso quando estiver limpa e descansada, e se veja algo melhor que o café da manhã de um coiote. —Cavou a bochecha de Tally com a palma da mão.
— Eli se alegrará de vê-la.
Ela não disse o que ambas pensavam: que Eli não estaria tão contente de ver o Sim.
Miriam recolheu os restos da comida, enquanto Tally falava com os “vaqueiros” de Dom Miguel sobre ficar uns dias mais para ajudar com a marcação. Todos estavam de acordo, sobre tudo depois de ter provado a cozinha da Miriam. Federico e Sim faziam uma inspeção final do gado. Os animais tinham uma extensão intacta de bom pasto e água doce no pasto da casa, e passariam uma tranqüila noite de descanso antes que o desagradável mas necessário trabalho da manhã começasse.
Tally deixou que Federico instalasse aos “vaqueiros” nos barracos e acompanhou a Miriam de volta a casona. Sim montou detrás delas. Eli, Pablo e Bart as esperavam na casa principal, cada um levando uma expressão muito diferente.
—Toparam-se com algum índio ou “bandidos”? — Exigiu Pablo.
— Nós o fizemos com os ladrões de gados outra vez!
Tally saltou da carreta.
—Boa tarde, Pablito.
—Bem-vinda a casa — Disse Eli, sem sorrir.
—O que é isso sobre ladrões de gados? —Perguntou Tally.
— Miriam me disse que tudo esteve bem.
—Não tivemos nenhum problema verdadeiro. Os bandidos estavam mal organizados e sem forças. Despachamo-los prontamente.
—Reconheceu a algum?
—Todos eram vaqueiros locais. Provavelmente não nos incomodarão outra vez.
—Não precisou lhes disparar?
—Suponho que não está inteirada. Houve um tiroteio em Tombstone. Os Earps e Doc Holliday tinham contas pendentes com os Clantons e McLaurys. Vários dos vaqueiros resultaram mortos. Os poucos que ficaram estão ocupados sepultando a seus parentes.
Tally se estremeceu.
—Então nosso novo gado estará seguro com o passar do inverno. —Ela confrontou ao Bart.
— Espero que tenha estado dando a essa perna o cuidado apropriado.
—Não tem de que preocupar-se, senhorita Tally — Disse Bart, parado firmemente sobre ambos os pés.
— Posso me manter de pé até o final do trabalho.
—Estou preocupada com você, não pelas tarefas. Sempre terá um lar aqui, Bart, aconteça o que acontecer.
O ancião tragou e contemplou as pontas de suas botas.
—Obrigado, senhorita Tally.
Eli escutou o intercâmbio com uma expressão implacavelmente severo. Seu olhar estava fixo em um ponto mais à frente do ombro de Tally; Sim tinha desmontado e levava a Diabo ao estábulo.
Tally se negava a deixar que o prejuízo do Eli a desalentasse. negava-se a deixar que estas pessoas, sua família, enfrentassem-se quando havia tanta esperança no futuro.
—Há algo mais que deveria saber? —perguntou ao Eli.
—Nada digno de menção. —Ele suspirou, e um pouco de tensão abandonou seu corpo.
— É bom ter a de volta a salva, senhorita Tally. Conseguiu o que queria em Sonora?
—Melhor do que esperava. —Em mais de uma forma será um novo princípio para todos nós, Eli.
Exceto para o André. Outra vez Tally se reprovou por celebrar, quando seu irmão tinha pago um preço tão alto e irracional por seus próprios sonhos. Sem ele, a felicidade atual não teria sido possível.
—Começaremos a marcar pela manhã — Disse Tally.
— Os homens que trouxemos da Fazenda do Gavião ficarão para ajudar... Posso lhes pagar com o dinheiro restante da compra. —Ela se tirou o chapéu e massageou sua úmida nuca.
— Vou ver o André, e logo desço para tomar um banho quente e dormir placidamente. Você e Bart deveriam fazer o mesmo. Amanhã será um dia comprido.
—Nunca senti muito carinho pela marcação. —O olhar do Eli se extraviou para a janela da cozinha.
— Eu estive pensando, se estiver bem para você, que eu pudesse fazer algum aplique à casa na primavera. Já que Miriam e eu... —Ele se interrompeu, tão incômodo como a maioria dos homens em qualquer conversação sobre o matrimônio.
Tally lhe economizou o esforço.
—É uma idéia excelente, Eli. Você e Miriam quererão uma habitação própria. E com o tempo sua própria casa, é obvio.
—Possivelmente uma vez que tenhamos lucros entrando outra vez.
—Isso não tomará tanto tempo como acha. Espera a ver o gado, Eli. Teremos uma grande quantidade de bezerros na primavera.
Eli encontrou seu olhar fixo.
—Espero que tenha razão. É hora que a boa fortuna esteja de nossa parte.
Tally tocou seu braço brevemente, saudou com a cabeça ao Bart e entrou na casa. Visitou o André, quem estava mais magro, mas por outro lado pouco trocado. Não parecia que ele ouvisse sua voz. Dirigiu-se a ele de todos os modos, lhe contando da viagem e seu êxito.
—Não tem que preocupar-se por mim, André — Disse ela.
— Estarei bem. Cold Creek prosperará.
Sua respiração se agitou como se estivesse a ponto de lhe responder, mas então se afundou de retorno em um agitado sonho. Tally beijou sua testa e o deixou em sua impenetrável solidão.
Miriam esquentava a água para o banho, mas Tally não esperou a que a tina estivesse cheia. Afundou-se nas poucas polegadas de água com um gemido e se esfregou energicamente até que Miriam trouxe outro balde e o verteu sobre sua cabeça e ombros. Depois do último balde, Miriam se encarapitou sobre um tamborete e trançou o cabelo de Tally, falando deste e aquele assunto inconseqüente de forma que o Tally esquecesse todas as coisas que não podia trocar.
Tally se vestiu com uma suave camisa e calças folgadas que reservava para andar em casa e se sentou no pórtico vendo o sol ocultar-se detrás das montanhas. Miriam tirou seu trabalho de ponto. O gado mugia no pasto, e a alegre balada de um “vaqueiro” flutuava no fresco ar da noite. A brilhante voz de tenor do Federico não estava entre as vozes; ele se tinha retirado a sua pequena cabana para desfrutar da companhia de seus meninos, e as canções que lhes cantaria seriam de uma natureza muito diferente.
Quando foi tempo de retirar-se, Miriam deu a Tally um secreto sorriso, recolheu sua cesta de trabalho de ponto e se escapuliu. Tally foi a seu próprio quarto como o tinha feito mil vezes antes, mas seu coração revoou como uma noiva durante sua noite de bodas. tirou-se a roupa e nua, lentamente se encolheu entre os lençóis.
Capítulo 16
Sim chegou justo depois de que a lua se elevasse. Não falou, mas se despiu silenciosa e eficazmente, colocando sua roupa sobre a cadeira da esquina. Tally sujeitou as mantas, e ele se deslizou na cama junto a ela.
Esperava, inclusive desejava, que ele começasse imediatamente. Seu corpo esteve preparado no instante em que sua mão lhe roçou o quadril. Mas ele só tomou em seus braços e a abraçou, seus corpos se amoldaram como um par de colheres enquanto o olisqueaba o cabelo solto.
Era tolo que ela chorasse por uma coisa tão pequena. Inspirou ar para que Sim não a ouvisse, mas ele sabia. Apagou as lágrimas com seus polegares.
—Por que? —perguntou ele — Quer que vá?
Ela tomou fortemente sua mão e se aferrou como se se o fora a vida.
—Isto não é por você. Só é que... Ninguém nunca tem feito isto antes.
—Fazer o que? — Perguntou ele, ficando muito quieto.
—Só me abraçar, sem... —Ela não podia terminar a oração. Sim descansou a bochecha contra seu ombro e suspirou, estremecendo-se com alguma emoção que ele não era capaz de expressar.
—Suponho que é a primeira vez para nós dois — Disse ele.
Tally entesourou aquela preciosa admissão como o grande presente que era. Ela podia imaginar o que isso lhe havia flanco. E o que isto implicava... que ele era capaz de compreender, sem ninguém lhe dizendo, como abraçar a uma mulher com tão sensível altruísmo.
Ela rodou para estar frente a ele, pregando os braços sobre seu peito. Seus rostos quase se tocavam sobre o travesseiro. Apartou-lhe o cabelo castanho da frente, e lhe sujeitou a mão sobre sua têmpora.
—Não temos que fazer nada — Disse ele — Precisa dormir.
Tally soprou sem muita elegância.
—Provavelmente você pode estar semanas sem dormir, verdade?
—Não sei. Nunca o tentei. —Lhe beijou a palma da mão.
— Nunca passei a noite na cama de uma mulher, de nenhuma.
Ela fechou os olhos.
—Pelo geral não choro tanto.
—Trabalhou duro na viagem na carreta. Fez-o bem, Tally.
—Você também.
A mão lhe acariciou as costas baixando dos ombros até a base de sua coluna.
—Não tem dúvidas? Está segura disto?
—Ah, mais oui — Sussurrou ela — Estou segura. —Oe beijou. Ele vacilou, como se inclusive não queria trocar tal estranha satisfação pela confusão da paixão. E logo lhe devolveu o beijo tão ligeiramente que ela teve que segurar com força do pescoço e demonstrar quanto o queria.
Ela sabia de uma forma que demonstraria isso além de toda dúvida. Ele poderia estar surpreso em um princípio por sua ousadia, mas estava preparada para tomar esse risco. Sem lhe dar uma oportunidade para protestar, escapou, empurrou-o para que caísse de costas e montou sobre ele, suas coxas se estenderam a cada lado dos quadris dele. Sua ereção se elevou orgulhosamente contra o ventre de Tally.
Por instinto, as mãos dele foram a sua cintura para estabilizá-la.
—Tally — Disse ele, com uma nota de surpresa em sua voz — O que faz...
Ela se elevou com os joelhos e se desabou sobre ele. Os olhos do Sim se abriram amplamente e logo se fecharam com força enquanto exalava um comprido gemido. Para sua imensa satisfação, ele deixou que tomasse o mando. Cavalgou sobre ele, observando cada mínima troca em sua expressão da tensa conformidade ao relaxamento e à aceitação do prazer. Brandamente lhe apertou os mamilos com os dedos, lhe acariciando o peito com amplos roce de seu cabelo solto. E sempre manteve o ritmo, emparelhando-o ao dele.
Ela tentou fazê-lo durar, mas logo sentiu os sinais de que perderia o controle e descobriria outra vez o maravilhoso paraíso que Sim lhe tinha mostrado na Fazenda. Antes que pudesse considerar como reduzir a velocidade de seus movimentos, Sim a levantou pela cintura e a fez rodar a seu lado. Um momento depois a tinha arremesso de costas e ele estava ajoelhado entre suas coxas.
O toque de seus lábios e língua em seu lugar mais sensível a assustou fazendo-a gritar o suficientemente forte para despertar a toda a casa. Sim estava fazendo coisas que um ou dois de seus antigos clientes tinham desfrutado, mas que ela tinha odiado... Odiado porque aqueles homens esperavam que tomasse o prazer de sua grande generosidade e ela tinha que fingir que o fazia.
Com o Sim era maravilhoso. Parecia que ele sabia exatamente onde e como usar sua língua para fazer cócegas e provocar, realizando cada carícia com movimentos rápidos e largas passadas. Logo, riscou círculos ao redor do lugar que o necessitava em seu interior, para enchê-la como só ele podia fazer.
Às cegas ela se agarrou ao cabelo dele, enredando seus dedos neste, em meio da ferocidade de sua necessidade. Ele se deslizou ao longo de seu corpo e cobriu sua boca com a sua enquanto lhe dava o que ela desejava. Ele empurrou com lentos e regulares movimentos que se voltaram mais rápidos e mais duros até que ambos se estremeceram ao bordo do precipício.
Tally se deixou ir. Sim caiu com ela. Tremeram um em braços do outro, ofegantes, e então Tally começou a rir.
Sim empurrou o rosto dela contra seu peito úmido.
—O que é tão gracioso? —perguntou ele.
—Nada. Sou feliz. Muito, muito feliz.
Sim despertou antes da alvorada. Tally dormia ajeitada como uma libertina sobre a cama, seu cabelo se esparramava através do travesseiro e seus lábios estavam separados em um involuntário convite. Sabia que lhe daria a bem-vinda com um sorriso e os braços abertos se ele deixava que sua luxúria o controlasse outra vez, mas não podia interromper uma visão tão assustadora.
Ela parecia um anjo. Um anjo que tinha eleito o amor terrestre sobre a perfeição do céu.
Amor. Sim rejeitou a palavra logo que esta entrou em sua mente. Tally e ele não necessitavam iludidas desculpas para o que compartilhavam.
Balançou suas pernas sobre a cama e caminhou para a janela. A frescura de novembro parecia que afiava seus sentidos do olfato e ouvido, lhe trazendo notícias das montanhas e seus habitantes. Os lobos esperavam por ele. Estaria bem correr com eles outra vez, e tinha uma razão muito prática para fazê-lo.
Caleb Smith poderia estar morto a estas alturas, ou de retorno no cárcere, mas também facilmente podia estar roubando trens ou gado a cem milhas do Cold Creek. Tinha tomado com suficiente seriedade as advertências de Sim, afastando do rancho, mas Sim não era tão estúpido para pensar que Caleb tinha desistido do tesouro. Nunca o faria, não enquanto vivesse. E isto significava que cedo ou tarde retornaria.
Sim jogou uma olhada a Tally. Sua mulher. Não permitiria que Caleb conseguisse aproximá-lo suficiente para arruinar sua paz. Isto lhe deixava duas opções: encontrar o tesouro e deixar ao Caleb o ter, ou matar a seu velho amigo e irmão de sangue.
Pressionou sua mão contra a janela, sentindo o frio filtrar-se em sua pele. Se matasse ao Caleb, a bênção de Esperança não significaria nada. As mudanças que sentia em seu interior não significariam nada. A pena e o remorso significariam menos que nada. Estaria matando a sua própria alma mutilada.
Não havia muita possibilidade de obter nada útil do André, mas tinha que fazer um esforço mais. O trabalho com o novo gado manteria ocupados a todos em Cold Creek durante uma boa semana ou mais. Sem um conhecimento fidedigno da posição do tesouro, Sim teria que deixar o rancho e procurar a fundo nas montanhas onde Tally e ele tinham encontrado ao André.
Se alguém podia encontrá-lo era ele. Mas não queria deixar a Tally por um dia, muito menos as semanas que poderia necessitar.
Vestiu-se e deixou o quarto, fechando a porta silenciosamente. Era passada a hora em que ele esperaria que Miriam se levantasse preparar o café da manhã para os homens que começariam seu dia de trabalho pouco depois de que o sol se elevasse, mas ela não estava na cozinha nem no corredor. Sim entrou no quarto do André e ficou em cócoras junto à cama do homem jovem.
André estava acordado. Contemplava o teto como se fosse algo fascinante para ele, seus olhos seguiam patrões invisíveis.
—Posso vê-lo — Disse André de repente, sua voz clara e forte.
Sim se manteve muito quieto.
—Ver o que, André?
—A escritura, é obvio. —Ele baixou a cabeça e olhou fixamente em direção do Sim.
— Não posso ver. Aproxime-se mais.
Sim se moveu um só passo.
—Me conte sobre a escritura, André.
—Vi-te antes —Murmurou André — Eu não te dei emprego.
—Sua irmã o fez —Disse Sim— Ela me enviou para assegurar-se de que está bem.
André tossiu e passou suas mãos sobre seu rosto macilento.
—Lembro agora.
—O que recorda?
—Tudo. —André se afogou com sua própria risada — Ele ainda não o encontrou?
Cuidado.
—Não sei a quem te refere.
André olhou ao Sim com ardilosa diversão.
—Não o encontrou, verdade? E acredita que tem a única cópia.
—Foi muito preparado para ele — Disse Sim, lhe seguindo a corrente.
—Muito preparado para todo mundo. —Devolveu sua atenção ao teto, remontando linhas e círculos na colcha estirada sobre suas pernas.
— Tally não sabe. Ela deveria o ter, se por acaso algo acontecesse... —Agarrou punhados de tecido em seus punhos — A cópia está na casa.
Sim deixou de lado a precaução e se aproximou da cama.
—Me diga onde, André. Manterei-o a salvo para ela, assim ninguém mais poderá tomá-lo.
—Todos pensaram que era estúpido. Usaram-me. Mas não mais.
—Senhor Kavanagh?
Sim se deu a volta para a voz da Miriam na entrada. Pela extremidade do olho ele viu o André ficar rígido e logo ficar lasso, como se tivesse caído em um estado de morte temporária.
André estava sofrendo um novo ataque, ou estava muito menos doente do que todos acreditavam. Sim não estava em uma posição para supor qual.
—Acreditei ouvir o André falar — Disse ele — Assim vim a lhe dar uma olhada.
Miriam olhou para a cama.
—Falar, diz você? Ele fez muito pouco disso enquanto você e a senhorita Tally estiveram fora.
Não havia nenhuma suspeita em sua voz, só curiosidade. Sim relaxou.
—Deve ter estado sonhando. Ele disse algo sobre Tally, mas não pude entender.
—Depois do que lhe fez, abandonando-a para que dirigisse sozinha este lugar... —Ela sacudiu a cabeça.
— Não estaria absolutamente surpreendida se tivesse alguns atormentadores pesadelos.
Sim colocou de pé e caminhou casualmente para a porta.
—Eu gostaria de vê-lo melhorar, pelo bem de Tally. Mas acredito que ele recebe mais atenção da que merece.
Miriam suspirou.
—Supõe-se que nós amamos a nosso próximo, mas o Senhor não sempre o faz fácil.
—Mais fácil para alguns que para outros. —Sim passou a um lado da Miriam, mas ela o deteve com um toque.
—Tally o ama — Disse Miriam, seus escuros olhos eram sombrios — Não a faça sofrer, Simeon. Ela teve bastante disso em sua vida.
Por um momento Sim se sentiu como se estivesse de pé em presença de uma severa mas amada mãe, da classe que ele nunca tinha tido. Estava surpreso ao notar que não estava zangado com o toque ou a advertência. Miriam era digna de seu respeito. E sua honestidade.
—Escuto-te — Disse ele simplesmente.
—Suponho que isso é tudo o que posso pedir. —Ela cabeceou e começou a avançar pelo corredor para a cozinha.
Sim deu ao André um último olhar de valoração. Seu sono era genuíno agora, inclusive se não o tinha sido antes. Sim planejou procurar a cópia do mapa antes de tentar perguntar ao André outra vez. Nada do que o homem dissesse poderia ser confiável, mas poderia haver restos de verdade em sua loucura.
E se não fosse loucura... E André estava enganando a seus amigos e fazia sofrer a Tally por alguma razão arrevesada de seu próprio interesse... Sim o desmascararia como o mentiroso e fraude que era.
Tally estava se vestindo com suas roupas de trabalho quando Sim retornou a seu quarto. Ela o saudou com um sorriso deslumbrante, mas ele colocou fora da porta.
—Deveria ir reunir me com os homens — Disse ele — Assim não me verão sair da casa tão cedo.
Ela se endireitou com sua camisa meio abotoada e apartou seu cabelo de ouro de seu rosto.
—Acham que ainda não sabem? —perguntou ela — Se não o fizerem agora, será amanhã. Não há nenhum sentido em escondê-lo.
Ele estava frio e quente ao mesmo tempo. Dizia-lhe o que ele já sabia: que era bem-vindo em sua cama em qualquer momento, cada noite se o desejava, e que ela não estava envergonhada do ter ali. Era a única mulher no mundo que podia entregar-se livremente a si mesmo e não ver-se corrompida como todas as outras mulheres com as que ele tinha deitado.
Porque era Tally. Porque o amava.
—Os homens aceitarão... Isto? —perguntou ele.
—Por mim, sim. Somos uma família.
—Se alguém te insultar alguma vez —Disse Sim— Se verá comigo.
Ela se aproximou da porta e se inclinou para ele, e sem necessidade de tocá-lo, era como se estivessem de volta na cama outra vez.
—Acaso não sabe já que posso me cuidar por mim mesma?
—Sei. —Retrocedeu antes que seu coração pudesse saltar fora de seu corpo, diretamente às mãos dela.
—Verei-te fora.
—Não se esqueça de tomar o café da manhã! —Avisou ela.
Mas ele não tinha fome de comida. Topou-se com o Bart e dois vaqueiros logo que deixou a casa. Saudaram-no da forma habitual. Enquanto os homens desfrutavam de seu mantimentos matutinos, Sim Trocou e realizou uma rápida carreira nas colinas. Os lobos jogaram um pequeno jogo com ele, mantendo-se fora de sua vista. Deixou-os ter sua diversão. Poderia encontrá-los sempre que os necessitasse.
Agora mesmo ele tinha outras coisas em sua mente. Retornou ao rancho a tempo para reunir-se com outros no curral, onde os fogos tinham sido colocados e os ferros preparados para marcar ao novo gado. Dois vaqueiros serviram como franqueadores para atirar e dominar ao gado, enquanto Eli trabalhava como marcador e Tally registrava cada animal em seu livro de registro. Miriam e os meninos trouxeram a comida ao meio dia e outra vez ao início da noite.
Sim não teve oportunidade de escapulir-se e nenhuma intimidade para procurar o mapa depois de que o trabalho do dia pareceu. No segundo dia se viu obrigado a empregar um ardil que desprezou; permitiu que uma das vacas furiosas lhe desse um coice na perna. Ele caiu, rodou fora do caminho das fortes pisadas de cascos e fez caretas de convincente dor.
Federico o ajudou a coxear até a perto, onde Tally o observou com preocupação e Miriam cacarejou algo sobre tabuletas, cataplasmas e ungüentos.
—Não está quebrada — Disse Sim entre dentes— Ou não poderia andar absolutamente. Só não quero que te agarre.
—Deixa que Miriam de uma olhada — Disse Tally.
— Pode conduzir a carreta de volta à casa.
—Sei o que é necessário fazer —Empurrou por diante os espectadores bem intencionados e caminhou devagar de retorno à casa. Uma vez que esteve fora de vista, correu o resto do caminho. Sabia por experiência que sua perna palpitaria um momento e logo se curaria rapidamente sem nenhum tratamento. Inclusive Tally não conhecia todas as peculiaridades que vinham sendo mais que humano.
Na casa fez uma pausa para assegurar-se que André estava dormido e depois permaneceu no corredor, deixando que seus sentidos tomassem o controle de seu corpo. Seu nariz classicolocou e separou todos os aromas que tinha começado a dar por supostos: o pão fresco, especiarias, sabão, algodão, madeira polida... E as assinaturas únicas das pessoas que viviam na casa ou deixaram seu rastro indo e vindo para as comidas na cozinha.
Começou sua busca no quarto de Miriam, vencendo rapidamente seu desconforto ao entrar furtivamente. Cheirou o ar de uma esquina à outra, sentindo ao longo das paredes e chão, examinou o conteúdo de seu roupeiro. Nada do André permanecia no quarto, embora o aroma do Eli era forte.
O salão apresentou um maior desafio. Como a cozinha, este reunia e destilava cada aroma da casa. Sim conduziu outra inspeção meticulosa, retirando cada livro da prateleira e folheando as páginas. Consciente de que seu tempo era limitado, dirigiu-se à cozinha e abriu cada contêiner na despensa.
Deu-se conta então que sua forma humana não tinha a habilidade que necessitava para tal caça. Como um lobo, ele poderia cheirar cem vezes mais agudamente. Escolheu o quarto de Tally para fazer a transformação. Imediatamente se viu afogado em sua essência, e se encontrou rodando no chão com as quatro patas ao ar, envolto em um êxtase de sensual regozijo. O coro de um anjo em forma de aroma banhou sua pele.
Só uma nota soava discordante na sinfonia de embriagadora fragrância. Saltou sobre suas patas e levantou a cabeça, arrepiou a pelagem ao longo de sua coluna. A presença do André era fraca, como um arrulho esquecido, e não vinha do quarto deste.
Sim pôs seu nariz no chão. Uniu a mente humana com o instinto do lobo, empurrando toda presença de Tally detrás de um muro de concentração.
Um baú de madeira, fragrante de cânfora, estava ao pé da cama de Tally. A mão do André tinha deixado seu sinal no cedro gentil. Sim Trocou e se ajoelhou frente ao baú. Poderia ser tão fácil como isto?
Abriu a tampa. O perfume natural de Tally se elevou envolvendo-o, este se misturava com o de seu irmão e outra mulher. Os tecidos estavam cuidadosamente dobrados dentro da arca. Sim reconheceu lenços de linho delicadamente bordados, intencionáveis encaixes de mulher... E um objeto mais substancial, de seda pesada e cetim que só poderia ser um vestido de alguma espécie. Este era de todos os matizes de branco, do velho marfim ao puro cor da neve virgem.
O tecido era rígido e suave ao mesmo tempo, ao contato com os calos das mãos do Sim. Colocou o vestido sobre o arca quase reverentemente e estendeu as amplas saias. Tão pouco como sabia de modas femininas, calculou que o estilo estava vinte anos passado de moda, confeccionado para ser levado com muitas combinações que o sustentaram longe do corpo. Possivelmente teria pertencido à mãe de Tally.
Sim se perguntou se Tally o teria usado em suas próprias bodas. Sim odiou o pensamento desse outro homem. Odiou o fedor do toque do André em algo que pertencia a Tally, algo que ela entesourava. Não tinha nenhuma razão para manipular a roupa de sua irmã em circunstâncias normais.
Com cuidado Sim apalpou o vestido, sem segurança do que procurava. A jaqueta, blusa e saia, não tinham bolsos nem muitos laços nem botões. Sacudiu as mangas acampanadas, logo deslizou seus dedos entre os inumeráveis bordados e franzidos da saia. A costura era casal e delicado. Mas em um lugar com o passar da prega da saia debruada com encaixe encontrou uma grossura que não correspondia.
Volteou a prega para expor a costura. Os cuidadosos pontos originais tinham sido desfeitas e a abertura torpemente fechada outra vez por um alfaiate muito mais inepto. Uma peça de papel, dobrada muitas vezes, tinha sido introduzida no interior do improvisado bolso.
Sim tirou sua faca da bota e cortou os pontos mais novos. Esquadrinhou o papel da prega. Um lado estava coberto com letras de imprensa parecidas com as que havia nos livros do salão. Mas o outro lado estava marcado com um esboço feito a lápis, rodeado com uma escritura apertada, a maior parte dela em castelhano.
André tinha copiado o mapa. Sim o estudou atentamente, memorizando a imagem e as orientações. Enrugou o mapa, foi à cozinha, e removeu as cinzas da estufa. Plantou a bola de papel no extremo do atiçador e a introduziu nos rescaldos. Uma vez que o papel esteve completamente consumido, Sim retornou à habitação de Tally, dobrou e restituiu o vestido em seu lugar, e se vestiu com sua própria roupa.
Seu sentido do tempo interior lhe disse que tinham transcorrido duas horas, tanto tempo como podia arriscar-se sem que ninguém viesse a buscá-lo. Esta tinha sido a parte fácil. Agora tinha que pensar em alguma desculpa para deixar o rancho e ir procurar o tesouro.
Estava ruminando esse pensamento e se dirigia de retorno ao curral quando um cavaleiro chegou muito apurado ao pátio. Ele se jogou do lombo de seu suarento cavalo e tropeçou até o Sim.
—Está Beth aqui? — Grasnou ele.
Sim agarrou a Millas Bryson antes deste caísse de joelhos pelo extremo esgotamento.
—Tome-as coisas com calma — Disse Sim, dirigindo ao Bryson ao pórtico.
— Todo mundo está no curral. Atenderei a seu cavalo, e você pode me dizer qual é o problema.
Bryson ofegou e cabeceou. Ele se apoiou pesadamente no ombro do Sim.
—Muito... Muito amável, senhor Kavanagh.
Sim deixou ao homem mais velho sentar-se no pórtico e levou a cavalo de Bryson ao cural, permitindo que o animal bebesse pouco a pouco. O cavalo mostrava alguns sinais de claudicação, mas sem um pouco de descanso não curaria. Sim conseguiu água potável fresca da bomba e colocou a amolgada taça de estanho nas mãos do Bryson.
—Bem — Disse.
— O que passou com sua filha?
—desapareceu, junto com seu cavalo. —Bryson se limpou a boca com a manga e deixou a taça com mãos trementes.
— Ela escapou antes e veio aqui. Por isso supus... Esperava... —Sacudiu a cabeça e se dobrou sobre seus joelhos.
— Não a viu?
—Alguns de nós, incluído o senhor Bernard, estivemos em Sonora comprando gado, mas o senhor Patterson nos haveria isso dito se ela tivesse aparecido em Cold Creek. — Colocou em cócoras diante do Bryson.
— Faz quanto tempo que ela está ausente?
—Quatro dias, incluído hoje. Eu estava em Willcox de negócios, e enquanto estava longe, Ida teve um de suas dores de cabeça. Ela nem sequer sabia que Beth se foi até... —Ele fechou os olhos.
— Beth... Ultimamente teve o hábito de partir só e ficar fora a maior parte da noite. Está nessa idade quando a pessoas jovem necessita um pouco de mudanças, e sabe cuidar de si mesmo. Figurei-me que não sofreria nenhum dano se lhe ocorria percorrer nosso canyon. Fui muito indulgente, agora sei. Não a vigiei com muito cuidado.
Sua voz se quebrou como se estivesse a ponto de chorar. Sim pesou os poucos feitos com fria objetividade. Bryson teria procurado conscientemente em Castelo Canyon antes de cavalgar para outra parte para procurar a sua filha. Muitas coisas poderiam ter acontecido com Beth ali mesmo nas montanhas... Cair como André, um ataque por um felino ou um apache vagabundo. Inclusive se Bryson não fora um bom rastreador, ele teria encontrado provas das últimas duas coisas, e a maioria dos índios estavam bastante longe para o norte ou ao o sul do Chiricahuas.
Sim recordou o que Tally havia dito sobre Beth: Essa pequena potra tem muito espírito, e não gosta do destino que seus pais têm em mente para ela. Se a moça tinha permanecido rebelde depois de que Tally a levou a casa, poderia ter montado a cavalo para qualquer lugar, e não procuraria a compaixão em Cold Creek.
—Fez o melhor que podia — Disse Sim, dando-se conta que isso era o que queria dizer.
— Não pode culpar-se.
—Posso, e o faço. —Bryson encontrou o olhar do Sim.
— Tenho a um amigo cavalgando para o Willcox, mas se Beth tiver tomado o trem...
—Tem parentes com os que ela possa ir?
—Não que ela conhecesse muito bem. E não pôde ter levado muito com ela. —Ele conteve a respiração.
— Não tem a nenhuma amiga de sua idade no Vale.
—Algum homem a cortejava?
Bryson começou.
—Homem? Não, não. Ida não lhe teria deixado ver nenhum homem durante outro ano ou dois, e logo ela escolheria ao correto... Assistiria a reuniões com os outros rancheiros de modo que pudesse exibir a nossa Beth e mostrar quão boa esposa seria. —beliscou-se a ponte do nariz.
— Tínhamos convidados, como você e o senhor Bernard, mas nenhum deles foi menos cavalheiresco com minha filha.
Talvez isso era parte do problema. Beth desejava uma vida sem ataduras que supunha podia ter se seus pais não se interpor em seu caminho. Tinha tido idéias românticas com o Sim, e ele a tinha ignorado. Poderia ter fixado sua atenção a algum outro forasteiro errante.
Sim repassou seus dois encontros com a Beth, considerando as coisas que ela havia dito. mais de uma vez tinha perguntado sobre Tombstone. Para uma moça como ela, pareceria um lugar grandioso e emocionante, quanto mais se os seus o consideravam uma guarida de iniqüidade.
O qual seria sem dúvida para uma moça coma Beth. Sem dinheiro ou perspectivas, jovens como ela, terminariam exatamente do modo que Tally tinha temido.
—Enviou a alguém para Tombstone? —perguntou ao Bryson.
—Não. —Uma expressão de esperança cintilou através dos tensos rasgos do Bryson.
— Poderia ter ido ali? Por que?
Sim colocou de pé.
—O pode perguntar quando a encontrarmos.
Bryson também parou, enfrentado ao Sim com o olhar de um homem que só esperava a forca.
—Ajudará senhor Kavanagh? Sei que é um excelente rastreador...
—Terei que falar com o senhor Bernard, mas posso estar preparado para partir dentro de uma hora.
—Se posso tomar emprestado um cavalo, montarei com você.
—É melhor que retorne a casa e espere ali se por acaso ela volta. Poderia ouvir algo útil, e não se necessitam dois de nós para ir por sua filha.
Bryson retorceu suas grandes mãos como se não soubesse o que fazer com elas.
—Prefiro ficar aqui, se não se opuser, senhor Kavanagh. Está mais perto de Tombstone do que estamos em Castelo, e Ida estará acompanhada com vizinhos.
Sim se encolheu de ombros.
—Faça o que acha adequado, então.
—Não sei como lhe agradecer, senhor Kavanagh.
Sim se economizou a necessidade de responder. Uma carreta vinha estralando volteando a esquina do caminho, Tally com as rédeas e Miriam a seu lado. Pablo e Dolores montavam na retaguarda. Tally deteve a carreta, passou as rédeas a Miriam, e caminhou apressada para o Sim e Bryson.
—Senhor Bryson! — Disse ela — O que está errado?
Bryson lhe explicou, suas palavras foram muito mais niveladas e controladas quando repetiu o que tinha contado ao Sim. Tally assentiu com a cabeça quando falou da oferta do Sim.
—Teria sugerido o mesmo —Disse ela. Encontrou o olhar do Sim com uma mistura de orgulho e preocupação.
— Poderá montar com sua ferida?
O calor se estendeu sob o pescoço do Sim.
—Não é nada grave, senhor Bernard. Vê-se muito pior do que se sente.
—Estou contente de escutar isso. De todos os modos, não deveria montar a cavalo sozinho. Irei contigo.
Uma discussão em público com Tally era inadmissível, e em privado seria inútil. Sim não a queria perto em caso de que a moça realmente aparecesse em Tombstone e tivesse sofrido algum dano; Tally tomaria muito duramente. Mas a presença de uma mulher poderia ser útil, sobre tudo se um homem estivesse comprometido.
Tally retornou à carreta e falou com a Miriam durante vários minutos, pedindo levar instruções ao Eli e os vaqueiros. Sim levou Bryson ao interior da casa e lhe encontrou um pouco de comida enquanto ele reunia provisões para o trajeto a Tombstone.
Bryson agarrava com força e soltava as mãos sobre a mesa da cozinha.
—Senhor Kavanagh... Tenho outro favor que lhe pedir.
Sim atou um nó no pacote de tecido com pão do dia e carne-seca.
—E qual seria, senhor Bryson?
—Não diga a ninguém o que passou a Beth. Se a pessoas decente souber que ela esteve viajando sozinha, Deus sabe aonde... —Desabou-se, deixando cair a cabeça entre suas mãos.
—A reputação de sua filha está segura conosco — Disse Tally, entrando na cozinha. Ela descansou sua mão no ombro do Bryson, a esbelta mão se diminuía pela fornida constituição do granjeiro. Sim supôs que a única razão de que alguém tomasse a Tally por um homem se devia a que tinha a força e a determinação de um homem.
Mas essas qualidades eram inatas no Tally.
Bryson girou em sua cadeira e a olhou fixamente.
—Você ainda é jovem, senhor Bernard. Não sabe como é ser pai. Não se assemelha a nada mais no mundo. Alguém se preocupa... OH, Deus, se tiverem feito mal...
—Tive uma irmã — Disse Tally silenciosamente — Ela deu ao André e a mim muitas preocupações. Acredito que entendo.
—Que Deus os benza.
Sim quase se sentiu envergonhado para a emocional gratidão do homem.
—Deveríamos nos pôr em marcha se estiver preparado, Tal.
—Sim. Vamos.
Ela soltou Bryson e se dirigiu para a porta. Sim recolheu seus pacotes e a seguiu, Bryson pisava nos calcanhares. Pablo esperava orgulhosamente ao lado do Muérdago, Diabo e um terceiro cavalo, havendo-os selado a todos ele mesmo.
—Posso ir? — Perguntou ele, quase preparado para a desilusão.
—Não desta vez, Pablo. —Tally lhe agitou o cabelo.
— É o suficientemente maior para ajudar a seu pai no curral. Ele te necessitará com o Sim e eu fora.
Pablo suspirou, aceitando seu destino, e se uniu com a Miriam e Dolores na carreta.
—Sejam cuidadosos! —Gritou Miriam.
Tally inclinou seu chapéu, saudou com a cabeça a Bryson e deu um chute em Muérdago galopando para o caminho do norte, guiando à arreios de reposto. Sim a alcançou uma vez que estiveram fora do “bosque”.
—Irmã? —Perguntou ele — Nunca a mencionou antes.
—Quis dar ao Bryson algumas palavras de consolo — Disse ela.
— Posso dizer quão somente se sente.
—Diria que falava de você, exceto André não haveria sentido muita preocupação em algo exceto em seus próprios desejos.
Os punhos de Tally se apertaram ao redor das rédeas.
—Como pode dizer isso de um homem que nunca conheceu?
Sim não podia explicá-lo. Tinha ouvido a conversa de Eli e escutava seus próprios sentimentos. Era suficiente para ele.
—Possivelmente era sua Mamãe quem se preocupava — Disse ele, pensando no vestido branco passado de moda no arca de Tally.
—A maioria de mães o fazem.
Ela não estava impaciente por falar do tema. Ele tampouco. Cavalgaram em silencio pelo vale e bordearam o extremo norte das montanhas Lebres. Alternando entre trotar e galopar, fizeram vinte milhas antes que se fizesse muito escuro para seguir. Acamparam perto do lago Whitewater, ataram os cavalos, e ambos deitaram lado a lado, sem tocar-se, até o alvorada.
Sim se figurava que Tally não dormiu muito, preocupada como devia estar pela Beth; ele nem sequer fechou os olhos. Ainda pensava no mapa e o que teria que fazer logo que retornassem ao Cold Creek. E seguiu recordando a sensação do vestido branco de Tally, deslizando-se e rangendo sobre seus dedos. Sentiu como se aquele vestido fora uma barreira entre ele e a mulher a seu lado.
Ela não esperava casar-se. Tinha deixado claro que não tinha desfrutado do matrimônio que tinha tido. Ela apreciava sua liberdade. Então, por que esse maldito traje de bodas fazia que tivesse medo de tocá-la?
Teria se casado com Esperança, porque era o único modo de tê-la. É tão pouca coisa era Tally a seus olhos?
Ruminava tais pensamentos enquanto preparava aos cavalos, mas não era de nenhuma utilidade. Nunca tinha sido capaz de pensar sair-se de um problema. Tally respeitava seu humor e fazia sua parte sem conversar inecesariamente, lhe recordando quão estranha e preciosa mulher era.
Chegaram a Tombstone um pouco antes do meio-dia. Tally levou os cavalos a uma quadra respeitável, enquanto que Sim começou a dar voltas pelos bares do Allen Street. Na terceira parada ouviu um rumor sobre algum vaqueiro jovem de aspecto tosco que entrou em cavalo na cidade com uma moça bonita lhe seguindo os passos.
Sim procurou uma melhor descrição do vaqueiro, e seu coração começou a galopar em seu peito como um rebanho de mustangs assustados. Um jogador profissional, quem descreveu à moça em términos lascivos e desrespeitosos, encontrou-se jazendo no chão com um nariz quebrado enquanto Sim saía irado pelas portas batentes.
Esqueceu que se supunha que se encontraria com Tally no Bar Oriental. Esqueceu tudo salvo que foi ele quem tinha mencionado o nome da Beth a Caleb e tinha despertado o interesse do proscrito o advertindo que se afastasse da moça. Caleb poderia ter ido pela Beth Bryson porque estava intrigado ou aborrecido, ou porque queria cuspir nos olhos do Sim. Ou porque podia pensar usá-la em sua tentativa para conseguir o mapa, como garantia para a honestidade de Sim.
As razões não importavam. Sim liberou seus sentidos de lobo para rastrear, concentrando-se em Beth, mas preparado para o Caleb se ele aparecia primeiro. O rastro de aroma levou ao Sim a um pequeno e não muito magnífico bar na rua principal. As putas com caras pintadas e seios apenas cobertos pululavam sobre um balcão desvencilhado, gritando convites lascivos. Sim caminhou através de uma nuvem de perfume barato e outra de fumaça de cigarros e puros.
Golpeou com a mão a picada barra. O garçom respondeu seu chamado com não dissimulada indiferença.
—Que deseja? — Perguntou ele.
—Há uma moça aqui. É jovem, morena, umas polegadas mais de um metro e cinqüenta e dois...
—Está perguntado por uma de nossas pombas manchadas? — Perguntou o garçom.
— Temos para cada gosto, e trocas, também. Gosta das jovens...
Sim o agarrou pelo pescoço.
—Me escute com cuidado. Quero saber onde está esta moça. Chegou faz poucos dias, talvez inclusive ontem à noite. O homem que a trouxe aqui se chama Caleb Smith.
O garçom tragou contra o apertão do Sim.
—Não acredito que saiba...
Sim abriu de um puxão seu casaco mostrando sua arma.
—Um metro e cinqüenta e dois, cabelo cor do trigo, um homem a quem as damas dariam um segundo olhar. — Ele se inclinou um pouco mais perto, sem incomodar-se em levantar a voz.
— Não quererá escolher o bando equivocado, mas ele é uma coisinha doce comparado comigo.
—Eu... Eu vi a esse homem. Tomou um quarto por vários dias. Terei que comprovar o registro.
Sim liberou o garçom, empurrando contra a fila de garrafas atrás dele. Já que ele e seu amigo tinham auditório, uma multidão de jogadores e bêbados, que olhavam o intercâmbio com crescente curiosidade.
—Não necessita nenhum registro em um lugar como este — Disse Sim.
— Onde está a moça?
O garçom se esfregou o pescoço.
—Vamos. Terceiro quarto à esquerda. —Tratou de sorrir.
— Necessitará uma chave...
—Não, não a necessito. —Sim se deu a volta e subiu pela escada. Os homens saíam de seu caminho. Alcançou o patamar e se aproximou da terceira porta da esquerda.
Caleb e Beth estavam dentro. Farejou suas essências naturais, misturadas com perfume barato, suor, medo e excitação.
Retirou sua bota e chutou a porta.
Caleb saiu da cama, arma em mão. Beth se encolheu contra a cabeceira. Estava vestida com as poucas roupas de uma fulana, um peito nu e o escuro cabelo despenteado. Suas saias estavam elevadas ao redor dos joelhos, revelavam suas meias de seda e brilhantes liga vermelhas. Estava terrivelmente assustada.
—Sim — Sussurrou ela.
—Sim — Disse Caleb. Ele girou sua arma, Sorrindo amplamente — Realmente sabe fazer uma entrada.
Sim não se incomodou em tirar sua pistola. Deu um chute à porta fechando-a atrás dele.
—Não deveria ter feito isto, Caleb.
—Por que não? —Ele sorriu com satisfação — Só por que me advertiu sobre ela? Conhece-me melhor que isso.
—Não estou interessado em seus motivos. Só há uma coisa que quero saber.
—E o que seria, velho amigo?
—Se tiver arruinado à senhorita Bryson. Porque se a há tocado, amigo, terei que te matar.
Capítulo 17
Caleb olhou nos olhos de Sim. Tinha sabido desde que era menino que sempre que olhasse nos olhos saberia o que um homem faria a seguir.
Sim não gabava. Caleb nunca o tinha visto tão desenquadrado, e isto queria dizer que Beth Bryson significava muito mais para ele que o que se permitiu antes. Tal como Caleb tinha esperado.
Caleb sustentou em alto a mão livre e lentamente embainhou sua arma.
—Simples, moço — Disse — Essa potra ainda não está desvirginada — Jogou uma olhada a Beth — Não considero que essa condição dure muito tempo mais.
Sim mostrou os dentes.
—Se mova a outro lado do quarto, Caleb. Agora.
Caleb obedeceu, tomando-se seu tempo nisto. Sim se aproximou da cama. Beth se encolheu ante ele.
—Agora tudo está bem, senhorita — Disse Sim com algo em sua voz parecido à suavidade.
— Está ferida?
—Não. —Ela olhou ao Caleb e fechou os olhos.
— Estou bem.
—Bem.
—O que acha que lhe faria? — Queixou-se Caleb.
— Nunca odiei às mulheres da maneira que você o fazia.
—Nunca matei uma — Disse Sim.
—Agora por que lhe faria algo assim a uma coisinha tão bonita?
Sim se apoiou contra o armação da cama, aproximando-o suficiente para agarrar a Beth se ele tivesse a intenção de fazê-lo. Caleb deixou pensar que tinha a vantagem.
—Desde quando retornaste ao Arizona? — Perguntou Sim.
—Uma semana mais ou menos. O tempo suficiente para renovar minha relação com esta linda senhorita.
—Conhecia-a de antes.
—Justo depois de que falamos dela, recorda? Cavalguei para o norte e perguntei por aí, fui aonde os Bryson e me apresentei correta e apropriadamente. Caí-lhe bem à senhora Bryson, sobre tudo porque era o filho de um rancheiro rico em um vale do norte. —Ele se golpeou os lábios — Pessoas muito hospitaleiras, esses Brysons.
Os olhos do Sim brilharam a débil luz do quarto.
—Por que, Caleb?
—Parecia impaciente de que me afastasse dela tanto como de sua pessoas em Cold Creek. Despertou minha curiosidade, velho amigo. E pensei que talvez alguém como ela me viria à mão se decidia te retratar de nosso acordo.
—Quer dizer que a usaria como um refém se não retornava com o mapa.
Caleb riu.
—Não me deu muita confiança, me jogando da forma em que o fez. Confiei em você, e do que me inteiro, mas sim vai à ajuda da senhora... “senhorita” Bernard para tocar algo de gado mexicano. Não podia menos que me perguntar onde estava esse mapa, e por que não tinha contatado comigo.
Sim era bom ocultando seus pensamentos, mas Caleb tinha cavalgado com ele por muito tempo para não saber o que estava pensando nesse instante.
—Se sentia tantos receios comigo — Disse Sim— Por que não foi ao Cold Creek enquanto estava longe?
—E deixar de ver meu velho e bom “companheiro” outra vez? —Deu um golpezinho a uma bolinha de sujeira de seu colete.
— Queria te dar... Como se diz...? O benefício da dúvida uma vez mais. Imaginava que se não averiguava que estava de volta e vinha a me buscar, efetuaria outra visita a Cold Creek muito em breve. Mas me economizou essa moléstia.
—Agora estou aqui, que demônios te fez pensar que podia reter a esta moça?
—Mas ela quer ficar comigo... Não é assim, amor? —Deu a Beth o largo e afetuoso olhar que a tinha cativado em seu primeiro encontro fazia dois meses.
— Caiu apaixonada por mim desde a primeira vez que posamos os olhos no outro. Estava impaciente por escapar de sua mamãe e papai, e quando retornei pensei em lhe dar a oportunidade que ela desejava.
Sim não olhou a Beth.
—Convenceu-a de que escapasse com você. O que lhe prometeu, Caleb? Casamento?
—Merda, não. Não perguntou. Sempre falava da liberdade e fazer o que desse a vontade, igual a um homem. Não podia esperar a chegar aqui a grande cidade. Crê que ela não consentiu em colocar essa linda roupa que comprei?
—Vestiu-a como uma puta.
—Como chamas a uma mulher que se entrega a um homem sem os laços do sagrado matrimônio?
Em um instante Caleb se apoiava no manchado empapelado e ao outro se estrelava contra o chão ante o extremo do punho do Sim. Ele tirou sua arma e apontou ao coração do Sim. Sim apenas se fez uma pausa em seu avanço. Caleb girou a arma a Beth.
Sim se deteve. Caleb ficou de pé.
—Muito bem. Só pensa em quão próximo fará, amigo. —Manteve a arma apontando a Beth e se sentou na cadeira mais próxima, esfregando-a palpitante mandíbula. Já não se sentia divertido.
—Agora lhe diga a verdade, menina — Disse a Beth — Veio gostosa, não é assim?
—Sim — Sussurrou ela.
—Ela diria tudo neste momento — Disse Sim.
—É verdade —disse Beth, sua voz tremia muito lastimeramente.
— Realmente queria escapar. Acreditei que Caleb... Acreditei que o amava. Acreditei que eu... —Uma lágrima caiu por sua bochecha.— Era diferente. Era emocionante, estar com ele.
—Queria se deitar com ele?
Caleb recuperou um pouco de seu bom humor quando ouviu a fraqueza na pergunta de Sim. Infernos, Kavanagh realmente tinha algum interesse na “honra” desta moça. Tinha medo do que ela diria, que resultasse não ser melhor que sua mãe. Caleb esperava com curiosidade ver o que Beth responderia.
A moça o surpreendeu.
—Pensei que o fazia — Disse — Mas troquei de idéia. —Ela se atreveu a olhar ao Caleb, e seu olhar queimava com fútil desafio.
— Disse que não. Não escutou.
Os ombros de Sim se afundaram, delatando seu alívio.
—Não é nenhuma puta, Caleb. Tem espírito. Merece alguém muito melhor que você.
Caleb pôs a mão sobre o coração.
—Fere-me, irmão. —Mas era estranho sentir como seu coração era tão duro como eles diziam em suas histórias, uma coisa feita de pedra em vez de carne viva.
— Agora não importa o que se merece ou o que quer. Fica comigo até que volte com o mapa.
—E se não haver nenhum mapa?
Caleb se sentiu um pouco doente embora o quarto estivesse fresco e logo que tivesse bebido em toda a manhã.
—Está dizendo que não existe?
—Tenho a informação, mas não a conseguirá até que a moça esteja fora deste lugar e a salvo.
—Acha que sou tolo, amigo? Claro que o faz. —Deu um passo para a cama.
— Acredito que tem o mapa, ou sabe onde encontrar o tesouro. Não me haveria dito que o tem se pensasse que pode te desfazer de mim em lugar disso.
Sim parecia tentado a cuspir. Não o fez.
—Não me importa um caralho o tesouro.
Caleb não tinha nenhum remorso em cuspir.
—Seguro que não o faz. Construirá esse pequeno e lindo rancho para sua Esperança de um nada...
—O de Esperança se terminou. Não necessito o dinheiro.
—Demônios, Sim, quando fugíamos juntos, sempre estive seguro de que foi a encarnação da honestidade...
—Não minto. —O cinza olhar do Sim era direta, resolvida— Rompi com ela.
—Você rompeu... Ou o fez ela?
—Ela tem sua própria vida agora.
—E você tem... —Ele sorriu abertamente a Beth — A qual, à moça ou a Tally Bernard? Ou a ambas?
—Não necessito esse dinheiro, não mais. Isso é tudo o que precisa saber.
Os dedos do Caleb tremeram sobre a arma. Queria pegar um tiro a algo... Ou a alguém... Para desfazer-se desse sentimento doente nas vísceras.
—Não há homem no mundo que não queira ser rico, e isso te inclui. Decidiu viver extorquindo e roubando, em lugar de trabalhar honestamente, igual a eu. Esperança só era uma desculpa.
—Está equivocado, Caleb. Pode ficar com tudo o que encontremos, eu não tomarei nem um centavo.
—O que é isto? —Caleb golpeou seu punho contra a parede, danificando o empapelado.
— Acha que está preparado para se assentar e se reformar? Acha que é melhor que eu?
O silêncio do Sim lhe respondeu. De repente Caleb estava recordando todos os bons tempos que tinham compartilhado, quando ambos eram meninos sem nada que perder. Sem nada que se interpor no que caminho que eles desejavam... Sem mulheres, sem lei, sem essa estúpida merda sentimental sobre a honra e compaixão.
—Poderíamos voltar — Disse ele, estendendo sua mão livre — Poderíamos voltar e começar onde ficamos. Você e eu, Sim.
Sim suspirou e sacudiu a cabeça.
— Acabou, Caleb. Sabe o por que.
Caleb sabia, e odiou Sim por recordar-lhe.
—Faria o mesmo — Cuspiu ele — Tinham-lhe cativo no deserto, e estava tão bem como um morto. —Sua voz se elevou fora de seu controle.
— Acreditei que estava morto, Sim. Não te teria feito nenhum bem que eu morresse, também.
—Seu fantástico bate-papo assustou a Josie, e por isso ela nos traiu. Mas você escapou. E eu não morri.
Caleb pressionou a mão em sua têmpora.
—Deveria ter morrido. Qualquer homem normal o tivesse feito. E me vinguei por você, Sim. Persegui a aquela rameira e a matei.
Sim meio fechou os olhos.
—Quer que lhe agradeça isso, Caleb?
—Os teria matado a todos se tivesse podido encontrá-los.
—Não tinha que fazê-lo. —A mais pura dor queimou nos olhos do Sim, derretendo o aço na tristeza.
— Não sou o homem que era. Isso é pelo que te digo que sei onde encontrar o tesouro, e lhe darei isso se vai do Território pelas boas.
—Onde está?
—Consegui a informação do André. Terei que te levar até ali.
—Assim pode me ter a sós e me matar?
—Pode ficar com minhas armas, facas e me amarrar se tiver que fazê-lo. Mas não deixaremos este quarto até que a moça parta livre.
—E eu te disse que fica comigo.
—Não. —Sim começou a andar ao redor da cama, caminhando diretamente à boca da arma do Caleb.
— Não me disparará, Caleb. Não o fará porque perderia o tesouro se morrer.
—Posso fazer que André fale...
—Necessitei meses, e você não demoraria nem um dia antes de matá-lo. Dê-me a arma, Caleb.
Caleb dirigiu a arma de volta para a Beth, mas Sim se interpôs. Tinha-o feito de propósito. Pensava que Caleb era fraco... Tão fraco para cumprir alguma ordem como um maldito escravo.
Sim viu sua vacilação. Viu-o tudo. Quando eram jovens, Caleb tinha escolhido a comodidade sabendo que alguém no mundo o entendia. Mas mais tarde, pouco antes que Josie os entregasse à equipe do Hannity, ele tinha começado a sentir que aqueles olhos cinza o olhavam com prejuízo e desprezo...
Seus dedos se afrouxaram. Em um movimento cegador Sim agarrou a arma. Caleb cambaleou atrás para a janela, tropeçando com o cristal entreaberto. Ele vaiou bruscamente.
—Linda tentativa, “companheiro” — Disse ele. Sua risada saiu como o zurro de um asno.
— Não fará isso outra vez. Consegui amigos que chegarão em qualquer momento.
Sim elevou a cabeça como se estivesse divertido.
—Sempre necessita ajuda, verdade? Não pode enfrentar seus inimigos sozinho. Nunca encontrou a coragem para se encarar com seu pai quando pegava a sua mamãe e gastava todo seu dinheiro em formosas raparigas. Nem sequer podia enfrentar a sua mamãe com todo seu bate-papo do fogo do inferno e o pecado.
—Cale-se.
Sim caminhou para ele.
—Você e eu, Caleb. Lutamos pela moça. Se ganhar, deixa-a ir e te mostro o tesouro. Se perder, pode fazer o que quiser conosco. Não apresentarei briga.
—De todos os modos te tenho. Por que deveria estar de acordo?
—Para nos demonstrar a ambos que não me tem tanto medo que está a ponto de te urinar em suas calças.
Caleb dirigiu sua arma à testa de Sim.
—Medo de você? De que demônios está falando?
—Não tinha medo de mim em um princípio. O que mudou, Caleb?
—Bastardo mentiroso.
—Possivelmente foi depois daquele trabalho no Crockett, quando matou a esse menino que nem sequer podia sustentar firmemente sua arma. Ou no Lincoln Juntas, onde perdemos a dois homens porque quis te fazer passar por um intrépido bandoleiro de uma dessas novelas de dez centavos. Nesse então foi quando comecei a me fazer perguntas sobre a forma em que fazia as coisas.
Caleb deu uma olhada a Beth, que pretendia não escutar. Mas ela escutou tudo, e muito bem. Ela escutou.
—Assegurava que nunca fosse quem saísse ferido — Continuou Sim, implacável—. A pessoas tinha uma forma de te escutar ainda quando não tinha muito que dizer, então escapava. Odiava a seu papai, mas terminou justo como ele, enganando a todo mundo com seu sorriso e amena conversa.
—Sim...
—Tinha sonhos, e eu não. Por isso ficamos juntos portanto tempo, porque tinha um objetivo, e era o que eu necessitava.
—Assim é — Grunhiu Caleb.
— Eu era quem fazia todos os planos. Teria te deixado matar cem vezes se não te tivesse dado uma razão para viver.
—Isso alguma vez foi verdade, Caleb. Ambos odiávamos o mundo, só que eu me odiava mais. Então comecei a duvidar de nossa amizade, e suponho que o viu. Perguntou-se o que faria se alguma vez deixava de ser seu amigo. Tinha que desejar seguir suas ordens ou poderia começar a me fazer perigoso. Você enganaria a seus homens se isso te conviesse. Imaginou que faria o mesmo a meu companheiro, cedo ou tarde. Só que não o entendi até que me abandonou para morrer, como freqüentemente fazia o trabalho difícil, assim não tinha que arriscar seu pescoço.
—Era tão próximo como um parente quando não tinha a ninguém neste mundo. Necessitava-me, mas eu nunca te necessitei.
—A diferença entre nós, amigo, é que você não podia andar sozinho. Não teria roubado sua primeira vitela se não me tivesse tido ou a alguém mais para te proteger as costas e tomar a bala que vinha em seu caminho. —Sorriu.
— Sempre foi um covarde, Caleb. Ainda o é.
—Matarei-te por isso, Sim. Juro que o farei. E logo farei sofrer à moça...
A porta se abriu estrepitosamente. Dois homens entraram, provavelmente os homens mais rudes da atual equipe do Caleb. Eles tomaram posições a cada lado do Sim, com as armas prontas.
Caleb sorriu zombamente.
—Agora, “bode”. Te direi como será isto. Diz-me tudo o que escutou do André, desenha o mapa e traduz as palavras, aqui neste mesmo quarto. E logo pode decidir se você ou a moça morrem hoje.
O sorriso do Sim se alargou, expondo seus brancos dentes.
—A moça parte primeiro, deste quarto e deste bar.
Caleb assinalou a um dos homens, que se dirigiu para a cama e pressionou o canyon da pistola na têmpora da Beth. A moça ofegou e fechou apertadamente os olhos.
—Começa a falar agora, ou obterá uma real e agradável vista do interior da cabeça da dama.
O silêncio absorveu todo o ar do quarto. Caleb sabia que tinha ganho. Sim estava destemido, seu rosto inexpressivo. Derrotado.
—Ponha de joelhos — Ordenou Caleb.
Sim o contemplou. Lentamente se ajoelhou, mãos acima aos lados. Caleb o rodeou, girando a arma uma e outra vez ao redor de seu dedo.
—Eu assustado? De você? —Questionou Caleb.
— Foi rápido, forte e bom com uma arma, como disse. Tinha o saber livresco das putas, mas eu era mais elegante. Comecei a duvidar de você quando vi que sua brandura nunca poderia desfazer-se. Sabia que me trairia um dia. Agora você traiu a você. Ainda terei à moça, e averiguaremos quem é o covarde.
—Sim — Disse Sim sem emoção — Penso que o faremos.
Caleb apontou um pontapé ao ventre do Sim com todo o peso de seu corpo detrás disso. O golpe nunca impactou. Sim agarrou a bota de Caleb, retorceu-a, e jogou o Caleb contra a parede. Brilhos de luz deslumbraram os olhos de Caleb, e sofreu uma onda de enjôo que o fez pensar que via o Sim golpear os dois homens com um único golpe de sua mão.
Mas não era uma ilusão. Seus homens estavam no chão, e Sim estava tirando a roupa como um homem louco. Uma fumaça negra encheu o quarto. Uns segundos depois Sim se foi e um lobo se escondia na nuvem que se dissipava. Beth gemeu da cama.
Caleb examinou os olhos do lobo e viu o peculiar tom cinza gelo que tinha observado unicamente em um rosto. Os olhos cinza se encheram de ódio. Caleb se atreveu a jogar uma olhada em direção da Beth. Seu visível terror lhe dizia o que sua mente não queria acreditar.
Um dos homens no chão fez um obsceno juramento em espanhol e engatinhou furtivamente para a porta. Conseguiu abrir a de um puxão e fugiu. O lobo não o deteve. Este avançou sobre o Caleb, os lábios retraídos mostraram os brancos dentes.
—Sim — Sussurrou Caleb. O lobo riu sem emitir som. Tinha razão ao ter medo de mim, disse a risada. Sou sua morte.
Um líquido quente empapou as calças de montar de Caleb. Essa impressão menor fez o que a maior não pôde. Disparou ao lobo. Sim saltou diretamente em cima da bala, girou no ar e caiu sobre o Caleb. As poderosas mandíbulas agarraram a arma e a esmagaram, junto com dois dos dedos do Caleb. Caleb gritou.
Fumaça negra. O fedor da urina. Pele quente pressionava a garganta do Caleb. Ele se afogava e abriu os olhos. Sim se tinha feito humano outra vez, e mantinha ao Caleb fixo contra a parede como um coelho preparado para ser despedaçado.
—Sabe o que sou? — Perguntou Sim.
Caleb apenas se podia respirar, mas sabia que devia responder.
—Um demônio —Disse ele — Um demônio do inferno.
—Assim é. Vendi minha alma, e consegui isto em troca. —Ele riu, e seu fôlego cheirava como impregno de enxofre.
— Você e mamãe tinha razão, Caleb. Está condenado. Poderia te haver matado em qualquer momento desde que veio a Cold Creek, mas não o fiz. Dava-te uma oportunidade pelos velhos tempos. Desperdiçou-a.
As lágrimas caíram pelo rosto de Caleb, e escutou uns soluços infantis que provinham de seu próprio peito.
—Não me faça mal — Suplicou — Não quero morrer.
Sim apertou, e a visão de Caleb começou a obscurecer-se.
—Não — Chamou uma voz longínqua — Não, por favor!
A pressão no pescoço do Caleb se aliviou o suficiente para que enchesse seus pulmões com o precioso ar. O rosto do Sim flutuou antes seus olhos. Imagens de chamas do inferno passaram freneticamente por sua cabeça.
Não quero morrer. Deus, não quero mor...
—Não o mate —intercedeu Beth — Não por mim.
Sim resmungou. Ele girou a cabeça para a porta. Caleb encontrou que ainda podia falar.
—Partirei-me — Disse ele com voz rouca.
— Nunca me... Verá outra vez.
Repentinamente Sim o liberou e colocou de pé. Vestiu-se rapidamente, sem nem sequer incomodar-se em jogar um olho sobre o Caleb. Quando teve terminado, tomou a Beth do braço e a levou a porta. Ela olhou para trás, as lágrimas faziam correr a pintura de seu rosto.
De repente Caleb esteve sozinho salvo pelo outro homem, Sim o tinha despachado tão facilmente. Ele gemeu. Ainda vivo. Caleb se apalpou a garganta, muito fraco para ficar de pé. Ao momento uma coisa pesado golpeou contra a porta.
Tinham-no trancado. Não era um indulto; esse monstro do inferno retornaria para terminar o que tinha começado.
Caleb se apoiou na parede para levantar-se. Luz e escuridão giravam no interior de seu crânio. Caminhou cambaleando, avançou muito lentamente até a janela. Logo que estava aberta. Usando toda sua força, empurrou seu corpo pela estreita abertura, pendurou suspenso dois pisos sobre a rua e se deixou a si mesmo cair.
Sim empurrou um armário contra a porta do Caleb e retornou à habitação desocupada aonde tinha deixado a Beth. Estava acorçoada na esquina mais apartada, chorando silenciosamente. Sim chiou os dentes e guardou sua distância.
—Sei que foi difícil — Disse — O que Caleb fez, e agora eu... —Ele percorreu com as mãos seu cabelo com necessitada frustração — Tally está aqui no povoado. Irei trazê-la.
—Não! —Beth elevou a vista, rabiscando a substância negra ao redor de seus olhos com as Palmas de suas mãos.
— Por favor, não me deixe sozinha.
Era um milagre que quisesse que ele ficasse depois do que tinha visto. Não sabia se devia estar agradecido ou exasperado.
—Caleb não te fará mal outra vez — Disse ele — É um covarde, e está apanhado nesse quarto pensando em quão logo lhe chegará a morte.
Contemplou-o com dilatados olhos, manchados de lágrimas.
—Na verdade... Converteu-se em um lobo, certo?
Demônios, ela era das resistentes. Quase tão resistente como Tally.
—Tem-me medo?
—Não sei. —Sacudiu a cabeça, sacudindo o já despenteado cabelo.
— Não — Disse devagar, como se se surpreendesse de si mesma.
— Não acredito que você seja alguma espécie de demônio. Não me fará mal. Só é um pouco... Difícil de acreditar.
Sim admirou a Beth e odiou mais Caleb com cada palavra que a moça pronunciava.
—Houve um tempo em que tive muitos problemas em acreditá-lo no igual a você.
A curiosidade substituiu os remanescentes de medo no rosto da Beth.
—Sempre foi dessa forma?
—Acredito que nasci assim. —Ele suspirou — Pode guardar um segredo?
Ela empurrou seus dedos sobre as dobras de sua saia.
—Muita pessoas não entenderia, verdade?
—Não muitos sabem o que sou. Agora mesmo estão Tally, Caleb e você, e muito em breve só serão Tally e você.
—Vai matar Caleb.
—Não é isso o que merece?
Ela se arrastou longe da parede.
—Escutei o que você lhe disse. Se ele for tão mau, o xerife o encerrará. Não quero... —Ela tomou um profundo e estremecedor fôlego.
— Foi meu engano. Nunca deveria haver ido com ele.
Sim blasfemou, e se tragou uma torrente de obscenidades e tomou à moça em seus braços. Ela se aferrou a ele e enterrou o rosto em seu ombro. Estava tremendo tão violentamente que parecia que se romperia diretamente em partes se ele não a mantinha unida.
—Me escute — Disse ele, acariciando seu cabelo — Ninguém nunca descobrirá o que te passou. Prometo-o. Os homens deste lugar manterão as bocas fechadas. Será como se nunca tivesse passado.
Ela sujeitou fortemente os dedos na frente do casaco do Sim.
—Só quero ir a casa. Pai estará furioso. E Mãe...
—Eles só lhe querem de volta — Disse ele — Estará bem, Beth. —Deu uns passos afastando-se, arrancou uma parte de lençol da cama e a deu a ela.
— Limpe-se. Tally está chegando.
Ela fez ruídos com o nariz e pressionou o tecido contra o rosto.
—Como pode você...
Sim se dirigiu à porta e a abriu. Tally estava de pé contemplando o armário que bloqueava o corredor a vários quartos de distância. Deu-se a volta e viu o Sim.
—Ela está aqui — Disse Sim.
—Onde estiveste? —exigiu Tally.
— Estive te buscando em todas partes para...
—Encontrei ao Caleb —Disse ele — Beth estava com ele. Recuperei-a a tempo.
Tally empalideceu.
—Onde está Caleb agora?
—Naquele quarto. Tem que ver a moça. Ocuparei-me do resto.
Ela se precipitou ao lado dele, lhe apertando o braço quando passou. A porta se fechou. Sim fez uma pausa por um momento, escutando o murmúrio calmante da voz de Tally, e logo arrastou o armário longe da prisão temporária do Caleb.
Caleb não estava ali. Seu “companheiro” tinha recuperado o conhecimento e se encolheu contra o armação da cama, balbuciando incoerentemente.
Sim jogou uma olhada à janela entreaberta e soube o que Caleb fazia. Olhou à parte baixa da rua. Nada do Caleb. Provavelmente tinha quebrado algo em uma queda assim, por isso não era provável que tivesse ido longe.
O homem de Caleb avançava lentamente para a porta, tentando escapar. Sim plantou sua bota diante do rosto do homem.
—Não — Gemeu o homem — Não, não, não...
—Não te matarei — Disse Sim — Se fizer algo para mim. Mas se não o faz, perseguirei-te e te arrancarei a garganta.
O homem paralisou sobre o tapete manchado.
—Tudo. Tudo que diga.
—Bem. Quero que cavalgue atrás do grupo de Caleb e lhes diga o que viu aqui hoje. Alguns não acreditarão. Não me importa. Mas te assegure que cada homem saiba que Caleb é meu inimigo jurado, e se ele sobreviver a este dia, quem é que cavalgue junto a ele compartilhará seu destino.
O homem cabeceou como um louco. Sim o arrastou pondo o de pé.
—Agora vai — Disse — Caleb Smith está maldito, ao igual a qualquer homem que monte com ele.
Pelo visto o homem acreditava em maldições. Fugiu em uma carreira capengante, perto de cair rodando pelas escadas. Sim o seguiu a um passo mais pausado. A metade dos clientes que tinham estado no bar quando Sim chegou partiram, imaginando-se que a ímpia animação do segundo piso era um indicador de problemas. Os obstinados paroquianos contemplaram ao Sim quando ele se aproximou da barra.
—O que... O que quer você? —perguntou o garçom com uma voz débil.
Sim deixou cair um punhado de moedas na barra.
—Pelo quarto e os danos. —Ele sorriu.
— O que escutou?
—Nada. Não ouvi nada.
—Não chamou à lei?
—Não, senhor. Não queremos nenhum problema.
—Tomei cartas no assunto com seu problema por você. —Sim deu volta e apoiou as costas contra o contador.
— E o que com vocês moços? São tipos curiosos?
Um par de homens abriram as bocas. Nenhum falou. O resto retornou com seus naipes e bebidas com prontidão.
—Isto é o que eu gosto deste povoado — Disse Sim — Todo mundo se mete em seus próprios assuntos. A pessoas sabe ser discreta. —Arrojou outra moeda na barra.
— Bebidas para todos no quarto, garçom. Tem uma porta traseira neste estabelecimento?
—Sim, senhor.
—Leva alguma roupa feminina decente e digo decente, até a habitação no alto da escada. Faz-o pessoalmente, e chama primeiro. Depois escolta à dama e ao senhor no quarto a essa porta traseira e esquece que alguma vez os viu.
—Como desejo.
Sim cabeceou e saiu pelas portas do bar. O beco estava vazio exceto por um par de vaqueiros, que deram um olhar ao rosto do Sim e iniciaram uma retirada precipitada.
Allen Street mantinha sua multidão habitual de mineiros, comerciantes e vaqueiros. Sim se dirigiu e deu a volta pela esquina aonde uma extensão de pó indicava que Caleb tinha caído. Sua essência era forte, mas outros se sobrepunham a este, homens que se detiveram no mesmo lugar e que se demoraram vários minutos.
Sim seguiu o rastro misturado até a entrada principal de um doutor. O doutor com muito gosto lhe relatou que haviam trazido para um homem, um homem jovem que caiu da janela de um bar... Mas quando o médico tinha saído do quarto, o jovem tinha desaparecido. Suas feridas tinham incluído dois dedos cortados, que o doutor tinha enfaixado, severas contusões ao redor de seu pescoço e braços, e um tornozelo quebrado ou torcido.
Rastreando um pouco mais e perguntando por aí disse ao Sim o que precisava saber. Alguém tinha roubado um cavalo de um estábulo público e pelo visto tinha abandonado o povoado como se o diabo lhe pisasse nos calcanhares. Um grupo de voluntários se estava reunindo para lhe perseguir, mas Sim duvidava que eles encontrassem ao ladrão. Caleb desejava infernalmente muito sobreviver. Montaria a cavalo para a fronteira, matando ao cavalo se tinha que fazê-lo, e não daria meia volta.
Sim voltou para o bar, cansado e com um humor desagradável. O garçom já não estava atrás do balcão. As putas que Sim passou na escada se encolheram ante ele, e uma delas se fez o sinal da cruz como se acreditasse que ainda tinha uma oportunidade com o céu.
Tally respondeu a chamada à porta ao primeiro golpe, esperando que Sim houvesse retornado. Rapidamente ocultou sua desilusão ante a mulher que estava de pé frente a ela.
—Posso ajudá-la, MA´an? — Disse, tocando a aba de seu chapéu.
A mulher riu, sua voz que chiava com cínico humor. Sua profissão era óbvia pela roupa que levava, mas ainda retinha um pingo de beleza, embora nenhuma quantidade de pintura poderia ocultar as linhas e as rugas de ultrapassar a meia idade. Sua figura era exuberante e firme para uma prostituta com experiência, e obviamente se esforçava em luzi-la.
—MA´an — Repetiu a mulher.
— Não ouvi isso em anos dos cães. Sou Lisa, e Frank me fez subir com isto. —Empurrou um vulto de tecido diante o Tally — Roupa decente para a dama.
Tally tomou o vulto e o abraçou a seu peito. Sim devia ter feito os acertos para a roupa; ela o benzeu por pensar nessas singelas necessidades. Não tinha sido capaz de deixar por muito tempo a Beth para averiguar o que ele tinha estado fazendo, mas não tinha ouvido disparos ou sons de violência da habitação de abaixo.
Odiava ao Caleb Smith tanto como nunca tinha odiado a algum homem, mas se Sim o matasse e a lei o apanhava...
Lisa se inclinou de lado, tratando de ver o interior do quarto. Tally bloqueou sua vista.
—Obrigado, Lisa — Disse ela, tirando uma moeda do bolso de seu colete.
—De nada cavalheiro — Disse Lisa com um sorriso ardiloso, deixando cair a moeda sob a fenda de sua blusa. Ela estendeu a mão e esfregou seu braço.
— Não temos a muitos de sua classe muito freqüentemente. Seguro que não necessita alguma ajuda ali?
Tally tratou de fechar a porta. Lisa interpôs sua bota de salto alto na abertura da porta. As linhas em seu rosto se fizeram mais profundas ao franzir o cenho.
—Não sei o que esteve acontecendo aqui —Disse ela— Mas este é meu lugar tanto como do Frank. Se ele deixou que alguma nova moça entrasse sem me dizer isso.
—Tally?
—Foi um engano — Disse Tally.
— A moça foi seqüestrada.
—Maldito seja esse homem. —Ruminou Lisa pelo baixo. Algo no gesto captou a atenção de Tally, mas estava muito distraída para seguir esse molesto pensamento. Tinha que tirar a Beth sem perigo deste lugar sem que ninguém mais a visse.
—Tally?
A voz da Beth ainda guardava um tremor de incerteza. Lisa olhou fixamente na penumbra mais à frente do ombro de Tally. Sua expressão sedutora se endureceu em uma calculadora justo antes que encontrasse o olhar de Tally com um afetado sorriso.
—Bem —Disse ela — Desejo-lhe a melhor das sortes, senhor...
—O mesmo a você, MA´an. —Tally inclinou seu chapéu outra vez e fechou a porta no rosto da Lisa.
—Está tudo bem? —Perguntou Beth.
Tally sacudiu o vestido que Lisa lhe tinha entregue.
—Temos um pouco de roupa limpa para você — Disse, tirando a envelhecida prostituta de sua mente.
— Nos partiremos logo que Sim retorne.
—O que acredita que fará ao Caleb?
—Não sei. Depois do que Caleb fez...
—É minha culpa — Sussurrou Beth.
—Nunca diga isso. —Tally tomou os ombros da moça e lhe deu uma pequena sacudida.
— Cometeu um engano, mas Caleb é um trapaceiro, um mentiroso e um assassino. —Ela afastou o olhar.
— Espero que Sim o entregue à lei.
—Não o amava — Disse Beth, envergonhada — Só me enganei mesma o suficiente para ir com ele quando veio a por mim.
Tally sabia que havia muito mais na história de como Caleb Smith e Beth Bryson se feito íntimos, mas isso poderia esperar. Uma tabela rangeu no patamar de fora, e Tally se dispôs a deter outro convidado.
—Sou eu — Disse Sim através da débil madeira.
—Só um momento. —Tally ofereceu uma breve reza e ajudou a Beth a sair seu horrível traje e ficar o vestido claro. As finas botas de meio cano que Caleb lhe tinha dado teriam que bastar como sapatos no momento. Tally fixou o cabelo da Beth, desatou o lenço ao redor de seu próprio pescoço e o arrumou sobre a cabeça da moça em lugar de um chapéu.
Abriu a porta. Seu olhar se centrou no Sim.
—A moça está bem? — Perguntou ele.
—Tanto como pode esperar-se. E Caleb?
—Está vivo. —Ele apertou seus punhos como se lamentasse admitir o que considerava um fracasso.
— Mostrei-lhe o que posso fazer, o que lhe farei se alguma vez volta. Saltou pela janela, em vez de enfrentar-se a mim outra vez. Roubou um cavalo e tem uma tropa perseguindo-o.
Os nós nos músculos de Tally cederam.
—Fez o correto, Sim.
Sim pressionou seus lábios até convertê-los em um severo e estreita linha.
—Estão prontas para retornar a casa?
—OH, sim. —Tomou os punhos dele em suas mãos e desenroscou cada um de seus dedos um detrás um.
— Vamos a casa.
Capítulo 18
O segundo reencontro de pai e filha foi ainda mais contente que o primeiro. Beth estava ruborizada pela vergonha, mas quando viu que seu pai estava impaciente por perdoá-la, caiu em seus braços e se converteu em sua pequena menina outra vez.
Tally deu aos Brysons a intimidade de seu quarto enquanto ela, Eli, Miriam e Sim sustentaram um conselho no salão. Entre os dois, Tally e Sim contaram os detalhes importantes de sua visita a Tombstone — Todos salvo aqueles que implicavam as capacidades únicas do Sim e algo que poderia mais adiante humilhar a Beth.
—É uma pena que os Brysons provavelmente não sejam tão hospitaleiros com os estranhos depois disto —comentou Miriam.
— É um mau homem, esse Caleb Smith.
—Está seguro que sempre foi assim? — Perguntou Eli ao Sim.
—É um covarde — Disse Sim, reclinando-se em sua cadeira até que esta protestou pelo abuso — Usou à moça porque estava desesperado que o mantivera longe de Cold Creek. Sabe que o matarei a próxima vez que nos encontremos.
Eli sacudiu a cabeça.
—Tem razão sobre sua covardia. De todos os modos, se isto me tivesse passado...
—Não tivesse feito algo diferente — Disse Miriam, posando uma mão sobre o braço rígido do Eli.
— Deixa que Deus julgue Caleb. —Ela sorriu ao Sim.
— Estou muito orgulhosa de você, Simeon Kavanagh.
—Essa é uma muito embriagadora recompensa, senhorita Miriam.
—Melhor não a esqueça — Disse Eli. Mas Tally notou que ele considerava o Sim com mais aprovação que aversão, e isso era suficiente para fazer a vitória completa.
Beth e seu pai se reuniram com os habitantes do Cold Creek para um jantar cordial, embora Beth manteve os olhos em seu prato. Tally encontrou uma oportunidade para falar com o Bryson a sós, tranqüilizando-o ao lhe dizer que Beth tinha evitado a classe de ruína que um pai temia. Bryson estava absurdamente agradecido. Tally nunca havia sentido tanto a fraude que executava contra os homens.
Essa noite, deitada em sua cama esperando pelo Sim, chegou a uma decisão. Era tempo de terminar o engano. OH, não de repente; não estava pronta para lhe anunciar ao Sim, sem mencionar ao mundo, o que tinha feito em Nova Orleáns. Isto viria finalmente. Mas amanhã pela manhã diria ao Bryson o que Beth já sabia... Que Tal Bernard era uma mulher. Seu segredo não seria mais um segredo.
Havia uma segunda parte em sua decisão, uma em que apenas se atrevia a pensar. Se estava disposta a deixar de viver escondida, temerosa do passado, tinha que confrontar o futuro. Ela e Sim não tinham nenhum futuro como estavam agora, compartilhando uma cama sem um compromisso ou pensar nos meninos que poderiam resultar de seu amor.
Sim tinha estado preparado para casar-se com Esperança a fim de começar de novo. Possivelmente necessitava tempo para esquecê-la. Mas tinha chamado casa a Cold Creek, e isso dizia a Tally mais que cem declarações do amor. logo que encontrasse a coragem para admitir os enganos que tinha cometido... Para chegar limpa ao Sim como ele tinha feito com ela... tiraria o tema que aterrorizava aos dois. E não se tornaria atrás até que tivesse uma resposta firme.
Não ouviu que Sim entrava no quarto. O rosto dela estava pressionada contra o travesseiro para amortecer seu pranto, mas sentiu que Sim lhe tocava o cabelo e a girava para seus braços. Por comprido tempo ele simplesmente a abraçou do modo em que ela desejava ser abraçada, suas grandes mãos esfregavam as costas dela em um movimento incessante e calmante.
—Sinto — Disse ela, lhe acariciando o peito — Pus a sua camisa toda molhada.
Ele riu entre dentes. Sim nunca tinha feito isso antes; ria em tom zombador dele ou outros, mas este som quente, indulpessoas, era algo novo.
—Esta camisa se viu pior — Disse ele. Limpou-lhe as lágrimas de suas bochechas com os polegares e levantou seu queixo.
— O que é isto, Tally? O que te incomoda?
—Nada. Só é alívio pela Beth. —Ela escorreu, e Sim magicamente tirou um puído mas limpo lenço. Ela notou o gasto bordado antes de usá-lo.
—S.W.K. — Leu ela.
— Suas iniciais. —Alisou a superfície do lenço sobre a cama.
— Quem fez isto para você, Sim?
—Minha mãe.
Sua voz era plana, desalentando perguntas adicionais. Mas Tally tinha uma mais.
—Por que a W? Certamente não é para wolf.
Ele soprou.
—Isso seria melhor que o original.
—Qual é?
—Wartrace. —Lhe enviou um olhar de advertência.
— O nome de um pequeno povo no Tennessee, onde... Onde minha mamãe viveu um tempo.
Tally dirigiu seu polegar sobre os desiguais pontos.
—Nunca fala de sua mãe.
—Não pretendo começar agora. —Quando ela tratou de lhe devolver o lenço, ele dobrou seus dedos ao redor deste.
— Conserva-o.
—Mas, Sim...
—Guarda-o para mim.
Ela abriu seus dedos, sem enrugar o tecido, dobrou-a outra vez.
—Guardarei-o, Sim. Mas o quererá de volta um dia.
—Duvido-o.
Ele se levantou para partir.
—Espera. Tomei uma decisão, Sim. Vou dizer ao Bryson quem sou em realidade.
—Isso é bom. Quando me foste dizer isso?
Ela tremeu. Muito logo.
—Nós as mulheres temos que guardar alguns segredos — Disse à ligeira. Derrubou-o na cama junto a ela, e não conversaram de nada mais.
Tally se levantou antes da alvorada. Sim já se partiu, mas ela tinha ouvido os lobos uivar de noite, e acreditava saber aonde tinha ido. Tinha tanto que aprender sobre ele, mas teria muito tempo para fazê-lo. Ia assegurar se disso.
Para o café da manhã colocou o vestido que tinha levado na primeira visita da Beth. Bryson a olhou fixamente, avermelhou, e logo depois de pressa se moveu para lhe retirar a cadeira. Sim parecia pensativo e divertido. Eli levantou uma sobrancelha. A outros lhes passou a surpresa rapidamente e aceitaram o oferecimento da Miriam com seu entusiasmo habitual.
—Sinto havê-lo enganado — Disse a Beth e Bryson, e quando ela e ele estiveram a sós no salão acrescentou— Tinha minhas razões para me disfarçar, mas entenderei se você preferir que não veja a Beth outra vez.
Bryson se moveu torpemente na muito pequena cadeira de salão.
—Por favor, senhorita Bernard. Sou o último homem para julgá-la depois do que tem feito por minha menina. Este pode ser um país duro para uma mulher. —Ele retorceu as mãos juntas entre seus joelhos.
— Claro que terei que dizer a Ida brandamente... Estará desgostada por não haver o figurado ela mesma.
—Beth o fez. Por isso veio ao Cold Creek antes.
—Ela queria parecer-se com você.
Tally assentiu com a cabeça, agradecida pelo discernimento e a tolerância do Bryson.
—Nunca foi minha intenção influir nela de qualquer forma. Tratei de lhe explicar a necessidade da paciência, mas ela invejava o que via como minha liberdade.
—Não é sua culpa, senhorita Bernard. Eu não vi quão só e triste estava ela.
—Beth é uma moça excepcional. —Tally vacilou, consciente de que podia arriscar-se ainda mais.
— É muito jovem e tem muito que aprender. Mas confrontou uma situação difícil e sobreviveu. Nunca poderá ser completamente feliz no tipo de vida que a maior parte de mulheres aceitam como natural. De todos os modos, enquanto sinta que tem opinião em seu futuro, penso que será mais sensata daqui em diante.
—Suponho que precisarei falar com ela mais freqüentemente. E escutar.
—É um muito bom homem, senhor Bryson. Beth tem sorte do ter.
Miriam apareceu na entrada.
—Café, senhor Bryson? Senhorita Tally?
—Obrigado, Miriam — Disse Tally. Levantou-se, e Bryson se levantou com ela.
— Queria lhe contar sobre mim, senhor Bryson, porque já não andarei disfarçada mais tempo. Parece que meu irmão nunca poderá recuperar-se, mas estabelecerei meu lar em Cold Creek sob meu próprio nome. Tenho ajuda muito boa aqui, homens em quem confio minha vida. E espero também contar com sua amizade.
—Tem-na, senhorita Bernard.
Ofereceu-lhe a mão. Bryson tomou, atenuando seu cordial apertão com um toque suave mais apropriado para uma dama. Tally apertou sua mão. Ele sorriu abertamente.
Beth e seu pai deixaram Cold Creek com a moral notavelmente alta. Beth montou em um cavalo dado em empréstimo, falando timidamente com seu pai, enquanto ele escutava com verdadeira atenção. Tally e Miriam agitaram as mãos até que os Brysons estiveram fora de vista mais à frente do bosque.
—Bem — Disse Miriam.
— Possivelmente algo de bom saiu que isto depois de tudo.
—Acredito que tem razão. —Tally lhe sorriu e girou de retorno para a casa, tendo vontades de tirar o vestido e colocar sua cômoda roupa de trabalho. Os homens tinham terminado com a marcação, e ela tinha que consultar com o Eli sobre o pagamento aos vaqueiros de Dom Miguel e reunir as provisões suficientes para sua volta a Sonora.
Miriam a alcançou.
—Não tive oportunidade de dizer-lhe até agora, mas um cavaleiro veio ontem das Granadas cerque acima.
As Granadas era uma das fazendas maiores no vale do Sulphur Spring, estabelecida alguns anos antes e se localizada no Antelope Creek, ao noroeste do Willcox ao longo das montanhas Winchester. Os Garnetts, quais tinham chamado a sua propriedade para refletir seu sobrenome, tinham tido muito êxito antes que os rancheiros sérios se instalaram ao sul do vale. Possuíam tanto riqueza como uma reputação de excelente hospitalidade.
—Para que veio, Miriam? — Perguntou Tally.
—Leia-o mesma— Ela rebuscou no bolso de seu avental e retirou um envelope.
Tally o abriu e tirou um cartão maravilhosamente impressa do interior.
—É um convite — Disse ela.
— Os Garnetts dão uma festa para celebrar a volta de seu filho do Leste com sua nova esposa.
—Então devem ter convidado a todo mundo nos condados do Cochise e Graham. O cavaleiro disse que tinha muitas paradas que fazer antes de dirigir-se a casa.
Tally golpeou ligeiramente o cartão com as gemas dos dedos.
—Convidaram a uma festa o ano passado, mas André declinou. Faria o mesmo esta vez, salvo que...
—Salvo que está pronta para transformar-se na senhorita Chantal Bernard outra vez —Terminou Miriam.
O som de seu próprio nome fez que Tally se detivera.
—Pensei que o estava. Mas não montei a cavalo muito fora dos limites de Cold Creek, inclusive como um homem. Se haverá tantos convidados... Não estou acostumada A... OH, Miriam, não sei como aparentar ser uma mulher normal entre a pessoas ordinária.
—Aprenderá.
—O que se adivinharem o que fui?
—Você é uma dama, Tally, não importa o que pense. Isso é o que verão.
—Se soubessem, esses honoráveis e corretos cidadãos, não me quereriam dentro de um raio de mil milhas de suas mulheres e filhas.
—Então eles não são dignos de você. —Miriam cavou a bochecha de Tally.
— Não há nenhum entre eles que não tenha cometido enganos. Você se arrependeu. Tem uma vida diferente agora.
—E o que com o Sim? Não estamos ele e eu vivendo em pecado?
Miriam encontrou o olhar de Tally com compaixão e completa certeza.
—Não por muito tempo, MA chérie.
Tally afastou o olhar.
—Este convite está dirigido ao André e a Tal Bernard. Terei que inventar alguma história sobre o Chantal e sua repentina aparição... Mais mentiras.
—Poderia ir como a senhora Meeker.
—A qual seria a pior mentira de todas. Nunca fui essa pessoa, Miriam.
—E nunca foi Mademoiselle Champagne, tampouco. Não terá que ser ninguém salvo você mesma daqui em diante.
Tally deu a Miriam um rápido e forte abraço.
—Quero-te, Miriam.
—Há muito disso por aqui. —Miriam devolveu seu abraço e lhe sorriu abertamente.
— A quem pedirá que a escolte?
Tally pensou no André jogado em sua cama e tratou de não pensar tão intensamente na culpa que sempre se abatia nas curvas de sua mente como um abutre à espera de algo agonizante.
—Não sei se Sim estará de acordo — Disse.
— Não é o tipo mais sociável. E ele...
Ele também tem um passado que possivelmente não queira seja descoberto.
—Só pergunte. Disse Miriam.
Tally tomou o conselho da Miriam. Depois de um dia de satisfeito trabalho conseguindo marcar o gado e assentando-o em sua nova casa, ela preparou seu discurso e se sentou na borda da cama até que Sim chegou na profunda escuridão até seu quarto. Abordou-o diretamente, precipitando-se sem lhe deixar colocar vaza.
Inclusive quando terminou, ele não falou. Simplesmente tirou a roupa, uniu-se com ela na cama, e a amou tenra e ferozmente, fazendo que quase esquecesse que não tinha dado uma resposta. Mas à manhã seguinte, quando se desprezou ao despertar, Sim entrou caminhando no quarto vestindo um casaco e calça de cavalheiro, colete de seda, camisa branca com lenço e polidas botas negras.
Ela se levantou da cama.
—Sim! Onde...?
Ele atirou do rígido pescoço apertado e se revolveu sobre seus pés como um pequeno moço.
—Acreditei que poderia necessitá-lo para as bodas.
A boca de Tally estava seca.
—As bodas?
—As bodas da Miriam.
—Claro. —Tally bateu palmas.
— Está perfeito, Sim... très elegant.
—Nunca me vi tão tolo. —esfregou-se a mandíbula.
— Suponho que também necessitarei um barbeado. E um corte de cabelo.
—Federico corta maravilhosamente o cabelo dos meninos. —Sim olhou carrancudo a seus pés.
— Quando temos que partir?
—Necessitarão-se dois dias na carreta de viagem para chegar às Granadas, assim partiríamos depois de amanhã. —Olhou-o fixamente, estalando com orgulho e amor.
— Sei, Sim, que possivelmente não te encontre na festa inteiramente cômodo. Passou tanto tempo sozinho...
—Não tão ultimamente — Disse ele com um sorriso sardônico.
—...Mmas se sentir algum perigo de que... Alguém poderia te reconhecer de sua vida anterior...
—Está-me perguntando se for um homem procurado? —Ele dirigiu seu dedo sob seu pescoço outra vez.
— Penso que o sou, mas não neste Território. A lei local tem a insetos de sua própria colheita para mantê-los ocupados. Se tivessem algo contra mim, me teriam capturado em Tombstone. Ou tentado fazê-lo.
Ela ouviu a astúcia em seu tom e sacudiu a cabeça.
—Você não lhes dará nenhum motivo de preocupação daqui em diante, senhor Kavanagh.
—Confia em mim para te escoltar como um verdadeiro senhor o faria — Disse ele quedamente.
— Não te envergonharei.
—Estou nervosa, também — Disse ela com um sorriso — Passou muito tempo desde que assisti a alguma reunião como esta.
—Então teremos que confrontar juntos ao inimigo.
—Obrigado —sussurrou ela.
Ele encolheu os ombros tirando o casaco e cobriu com ele o respaldar da cadeira.
—Não posso deixar que pense que sou um covarde, verdade?
Se só soubesse quão covarde fui eu. Mas não por muito mais tempo, Sim, prometo-lhe isso. Quando retornarmos, saberá tudo.
Mas havia algo que ela podia lhe dizer nesse mesmo instante, em uma linguagem que ele poderia entender.
—Amo-te, Sim.
O corpo dele colocou perfeitamente quieto.
—Não diga isso, Tally.
—Tenho que fazê-lo, porque é a verdade
Ele esmagou a lã de seu casaco contra o respaldar.
—O que quer que te diga?
—Nada. —Ela sorriu como se sua resposta fosse a coisa mais natural do mundo.
— Nunca disse isto a nenhum outro homem. Só queria que você soubesse.
—Tally...
Ela se levou o dedo sobre seus lábios.
—Verei-te no café da manhã.
Partiu, quase chocando com a parede em seu caminho de saída. Tally não se surpreendeu quando não apareceu para a comida da manhã, mas apareceu no jantar e foi a seu quarto essa noite. Amou-a sem ter em conta seu próprio prazer, lhe entregando uma resposta mais eloqüente que as palavras que ele não podia dizer.
Dois dias mais tarde, partiram ao amanhecer, Tally levava um vestido mais velho apropriado para viagens poeirentas e Sim em sua roupa de jornada. Miriam tinha ajudado a Tally a assar um par de bolos de ruibarbo, cuidadosamente guardadas em uma cesta e metida no porta-malas da carreta junto com o vestido bom de Tally, sua roupa masculina e o traje do Sim. Junto à carreta montava Bart, quem se tinha devotado alegremente a atuar como acompanhante e visitar os vaqueiros de Los Granadas durante a festa.
Depois de um pouco de discussão, Tally e Sim tinham estado de acordo com que Tally deveria apresentar ao Sim como um velho amigo de André que tinha vindo do Texas para ajudar a dirigir o rancho quando André foi ferido. Ela tinha chegado recentemente ao Território para cuidar de André, e seu irmão gêmeo Tal... Talbot... Foi-se em uma extensa viagem para dirigir o negócio da família no Leste.
A metade de caminho às Granadas, perto das Três Irmãs Buttes ao sudeste do Willcox, Tally e os homens acamparam para a noite. Quando o sol se elevou, Tally se penteou e fixou de novo seu cabelo em um estilo cômodo mas muito apropriado que requereu pouco alvoroço. Em algum momento pela tarde ela se trocaria ao vestido bom; esperava que alcançassem As Granadas cedo de noite quando a festa devia começar oficialmente, embora os Garnetts esperariam que os convidados chegassem tão cedo como tarde, segundo o percurso de suas viagens.
No último trajeto da viagem, ela e os homens começaram a encontrar a outros de caminho à festa, umas em finas carruagens e outros a cavalo. A terra dos Garnett se expandia até onde podia abranger-se com a vista. Tally se colocou uma capa sobre a cabeça e os ombros para proteger seu vestido do crescente pó. Sim se sentou erguido timidamente enquanto conduziam para a entrada sustentada com pilares que marcava os limites de Los Granadas.
Logo chegaram ao primeiro de muitos enormes currais que guardavam exemplares premiados de gado importado dos Garnetts e cavalos. As quadras e dependências delineavam o caminho. Tally logo que poderia imaginar-se dirigindo uma fazenda tão enorme, mas nesse momento, nada parecia impossível.
A fachada da casa principal de Los Granadas era bastante simples, embora várias vezes maior que a casa de Tally em Cold Creek. A estrutura de tijolo cru estava construída ao redor de um pátio enorme, suas paredes externas adornadas com flores de papel. Tochas eram queimadas para iluminar o caminho ao anoitecer. A música flutuava na prazenteira brisa.
Os vaqueiros com seus melhores trajes se aproximaram para levar a carreta, e Bart se uniu a eles. Sim tomou a cesta de bolos em uma mão e ofereceu seu outro cotovelo a Tally. Ela fez uma reverência, contribuindo um encantador rubor a seu rosto, e aceitou que a escoltasse à entrada do pátio.
Uma moça mexicana com traje típico os saudou, lhes indicando que deveriam segui-la. A tarde de novembro era excepcionalmente quente, permitindo uma reunião ao ar livre. O pátio já estava cheio de convidados que bebiam a sorvos vinho ou refrescos de frutas em taças de cristal; os abajures iluminavam o espaço com tanta luz como se fora de dia, e um par de portas francesas com painéis cristal permaneciam abertas para uma habitação principal da casa. Um pequeno grupo de músicos tocava música de câmara como um fundo para amenizar a conversação. Algumas mulheres usavam vestidos complicados mais apropriados para uma noite na ópera em uma cidade como Nova Iorque, mas outras tinham vestidos muito mais simples que Tally. Poucos homens nem sequer eram a metade de elegantes que Sim.
Tally levantou o queixo e sorriu aos convidados de semelhante status como se ela tivesse todo o direito de estar entre eles, respeitável e igual. Recebeu vários sorrisos em troca, junto com apreciativos olhares dos homens. Os músculos do Sim se esticaram sob sua manga.
O salão de trás das portas francesas estava bem mobiliado, embora não extravagantemente. Tally pensou que os Garnetts mostravam seu bom gosto ao reconhecer que muitos de seus convidados não eram nem tão ricos, nem tão bem estabelecidos como o eram eles.
Parte dos homens estavam de pé detrás das mesas de cavaletes adornadas com bandejas de prata com carnes cortadas em finas rodelas, queijos e sanduíches, enquanto outros criados distribuíam bebidas. Como o pátio, a habitação estava abarrotada com convidados. A criada fez gestos a Tally para uma mesa de estilo espanhol maravilhosamente esculpida, amontoada até acima com bolos, bolos e outras viandas assadas. Tally pôs seus bolos entre as demais e colocou a cesta sob a mesa. deu-se a volta para ver como Sim lutava com a multidão, mas não teve tempo de falar com ele. Uma alta e cultivada mulher com o cabelo cinza avançou para Tally, seu vestido era completamente da cor de uma orquídea com um exagerado adorno de babados na calda do mesmo que varria chão ladrilhado detrás dela.
—Boa noite —disse — Sinto ter demorado tanto em saudá-los. —Ela sorriu ao Sim, quem tirou o chapéu e o sustentou contra seu peito.
— Sou a senhora Garnett. Bem-vindos às Granadas.
—Boa noite —Disse Tally — Sou Chantal Bernard de Cold Creek, e este é minha escolta, Simeon Kavanagh, um bom amigo de nossa família.
—Cold Creek. É obvio... Do sul do Vale. —Seus formosos olhos verdes estudaram atentamente a Tally.
— A longa viaje claramente não a afetou, minha querida.
Tally sorriu e baixou o olhar.
—Tenho uma confissão que fazer, senhora Garnett. Espero que você perdoe minha rabugice. Seu amável convite estava dirigido a meus irmãos Talbot e André, mas nenhum podia estar aqui esta noite. Vim em seu lugar para representar aos Bernards do Cold Creek.
—Mas que encantador. Não tinha nem idéia que os Bernards tinham uma irmã que residia ali, ou com segurança também a haveríamos convidado.
—Só cheguei recentemente ao Território, senhora Garnett.
—Então você veio a nosso Vale em uma época excelente. E senhor Kavanagh, estou tão contente que tenha podido unir-se a nos.
Sim resmungou alguma resposta, e um brilho de especulação acendeu os olhos da senhora Garnett. Tally estreitou o braço dele.
—Espero que não se importe que haja trazido um de nossos homens como uma escolta adicional. Ele foi aos barracos, mas lhe asseguro que não será nenhum problema.
—Não há nenhum problema. Alguns de nossos convidados mais afastados trouxeram seus homens, também. Serão de fato muito bem-vindos por nossos moços.
—Obrigado, senhora Garnett.
A mulher maior deu uma majestosa cabeçada.
—Por favor, vocês sirva-se mesmos um refrigerante. Como pode ver, somos totalmente informais aqui. Quando tiver tido a possibilidade de descansar, espero poder lhe apresentar a meu filho, Jim, e a sua nova esposa, Georgiana.
—Esperarei-o com muita ilusão — Disse Tally.
A senhora Garnett se desculpou e se afastou. Tally soltou o fôlego.
—Se esta for a galinha — Disse Sim— Pergunto-me como será o galo.
Tally o fez calar.
—Garnett foi um pioneiro no Território, mas sempre manteve um estilo de vida civilizada. A senhora Garnett é uma mulher de boa família de Boston. Estou segura que ela teve muitas moléstias para ficar no Arizona. Entendo que passa a maior parte de seu tempo na residência dos Garnett no Willcox e visita o rancho muito de vez em quando.
—Não tem que falar tão melindrosa comigo — Se queixou Sim.
—Está bem?
—Exceto pela coceira entre meus ombros.
—Acredito que conseguirei uma taça de vinho. E você?
—Esta noite acredito que necessito um gole.
Aproximaram-se da mesa que servia como um bar, onde Sim pediu um copinho de uísque e Tally uma taça de vinho tinto. Sim tomou o uísque em três goles. O garçom lhe serviu outro.
—Sente-se melhor? —Sussurrou Tally.
—Necessito ar. Retornemos fora.
Passaram pelas portas francesas para o pátio. A orquestra tinha começado uma valsa, e vários casais tomavam vantagem disto. As mãos de Tally começaram a suar dentro de suas luvas.
Não tinha dançado em muito tempo, e nessas estranhas ocasiões tinham sido com homens aos que não tinha nenhum motivo para respeitar. Mas Sim estava ao lado dela, observando aos casais girar ao redor do pátio, e ela queria saber a que se pareceria dançar a valsa com o homem que amava. Sim se esclareceu garganta.
—Sabe dançar dessa forma? — Perguntou ele.
—Sim.
—Eu só o tenho feito uma vez. Uma mulher... Que conhecia... Ensinou-me os passos.
—Pensa que poderíamos tentá-lo?
—O que se te piso nos pés como um torpe estúpido?
—Não o fará, Sim. É o homem mais elegante que alguma vez tenha conhecido.
Ele bufou.
—Que demônios. —Ele estudou aos bailarinos por um comprido momento, tomou a mão direita de Tally e colocou a outra mão na cintura dela. Começou tão de repente que Tally foi literalmente arrastada sobre seus pés. Entraram em ritmo naturalmente, em perfeita sincronia, como se tivessem estado praticando juntos da infância.
—Quantas vezes diz que tinha feito isto? —Perguntou ela.
Ele sorriu amplamente.
—Alguma queixa?
—Nenhuma absolutamente. —Ela fechou os olhos e se deixou que girasse e girasse até que esteve segura que eles tinham girado diretamente até o céu.
O inferno estava esperando por ele.
Caleb sabia que não havia nenhuma escapatória. Sua mãe o havia dito desde que ele podia recordar; o pregador em Hat Rock tinha gritado sobre a condenação; e Caleb fazia justo isso e se assegurou que tudo o que eles haviam dito sobre ele fosse verdade.
Até que teve examinado os olhos de demônio do Sim, ele se tinha enfrentado ao diabo. Tinha enganado à morte uma e outra vez. Mas agora sabia que havia coisas na terra tão presunçoso como as chamas do inferno, e não tinha nada mais que perder. Seus homens o tinham abandonado. Estava sozinho, completamente sozinho, e Sim o tinha chamado covarde.
Sim o monstro. Sim o fenômeno. Caleb deu um chute a seus arreios, a terceira que tinha roubado depois de que os primeiros dois tivessem morrido baixo ele, e provado o sangue em sua língua. Seu tornozelo ferido se agravou como se tivesse sido banhado em enxofre puro, e sua mão mutilada estava perto de ser inútil, mas a dor era fácil de agüentar comparado com a escuridão da humilhação.
Sim acreditava que escaparia. Era o que um covarde faria. Sim supunha que entendia tudo sobre seu amigo de infância.
Mas Sim não era um homem. Não podia entender o que nunca tinha sido. E quanto mais pensava Caleb nisso, fugindo da tropa no México, estava mais seguro que Sim era um mentiroso. Tinha mentido sobre o tesouro. Tinha mentido sobre seu desinteresse nele e em dar-lhe ao Caleb. E tinha mentido no que ele era.
Se Sim uma vez havia sido humano e se vendeu a Satã, ele teria usado seu poder para fazer-se rico e viver no luxo. Nenhuma criatura do inferno se preocuparia com uma rameira como a Beth, ou Tally Bernard. Os criados do diabo saboreavam a dor e o sofrimento, e eles não tinham almas que perder.
Se Sim fosse realmente um condenado, teria matado Caleb nesse quarto e teria levado sua presa ao diabo com ele. Em troca tinha salvado a Beth.
Por tudo o que Sim era, devia que ser mortal. Defeituoso. Tinha fraquezas. E se Sim podia ser ferido, Caleb tinha a intenção de lhe fazer danifico tão cruelmente como sabia fazê-lo.
Covarde... covarde... Covarde, o tamborilar dos cascos de seus arreios martelavam a terra. Caleb esporeou ao animal até que o sangue se misturou com o suor do cavalo. Dirigiu a égua para o passo, tornando-se sobre os flancos mantendo amplamente os braços como asas.
Sou um anjo, pensou. O anjo pessoal da morte de Sim.
A égua cambaleou quando alcançaram o fundo do passo, onde um denso enredo de arbustos e pequenas árvores marcava o limite do bosque de Cold Creek. Caleb caiu do lombo da égua um instante antes que ela caísse. Balançou-se sobre seu pé bom, afrouxou a fivela de sua cadeira, bolsas e esteira dos exalantes flancos do cavalo, e a abandonou onde ela jazia.
Sob a capa de escuridão, aproximou-se da fazenda. Era depois da hora de jantar, assim que os homens teriam voltado para os barracos. As mulheres deveriam estar na casa principal, mas Sim poderia estar em qualquer lado.
Caleb estava preparado. Sua arma de mão não era de muita utilidade agora, mas poderia disparar bastante bem com a esquerda. Se podia primeiro mutilaria Sim, deixaria-o viver o tempo suficiente para que visse quem o tinha matado. Mas se isto não era possível... Igualmente o mataria.
Caleb deixou seus pertences escondidas sob algum arbusto e avançou lentamente em seu trajeto para a casa. A luz de uma lanterna brilhava da janela da cozinha. Um cavalo relinchou do curral, e Caleb se paralisou.
Esperou muito tempo, só observando. A lua se elevou. A luz na casa desapareceu. Caleb cruzou o pátio aberto em uma carreira capengante e ficou em cócoras ao lado do pórtico.
Sem sinais de Sim. Ele não estava ali absolutamente. Possivelmente tinha levado de retorno Beth a Castelo Canyon e se atrasaria ali por um tempo. Animado, Caleb subiu sigilosamente a escada baixa e abriu a porta.
A cozinha estava silenciosa, e o corredor também. A primeira porta de quarto estava aberta. Ninguém dormia na armação da cama de cobre gentil. Mas o segundo quarto estava ocupado.
O homem na cama não se moveu inclusive quando Caleb se aproximou o suficiente para lhe ver o rosto. Caleb não se decepcionou. Empurrou o canhão de sua arma no pescoço do homem adormecido.
—André — Sussurrou.
André abriu os olhos. Olhou-o, e um pouco de emoção flutuou em seus olhos. Sua boca se estirou em um descarnado e descuidado rosto. Parecia ter cem anos.
—Recorda-me, André? —Disse Caleb — Tem algo que me pertence.
André piscou. A baba gotejou desde seu lábio inferior.
—Sim disse que estava mal da cabeça — Disse Caleb.— Há dito a verdade nisto. Mas conseguiu que falasse, e ainda está vivo. Agora me dirá isso. — Puxou André justo pelo pescoço de sua camisola — Começará a falar em um minuto.
André sorriu, formando um fio comprido de baba que pendurava desde seu queixo. Caleb o sacudiu. A cabeça de André rodou como uma boneca. Caleb o golpeou através do rosto.
—Fala!
O único som que André fez foi um gemido baixo. Sentia dor. Isso era algo. Caleb o golpeou uma e outra vez, salpicando sangue nos lençóis e colcha. Ele retirava seu punho quando um objeto contundente o golpeou em um lado de sua cabeça. Esquivou a manga de uma vassoura em seu segundo vaivém e o jogou das mãos de seu atacante.
Miriam permaneceu ofegante na entrada, com as mãos em alto como se ela tivesse alguma esperança de defender-se ela mesma. Sua camisola brilhava branca contra sua pele escura.
—Você demônio! —Gritou ela — Deixe ao senhor André em paz!
Caleb riu. Sim já estaria ali se estivesse em alguma parte do prédio.
—Por que, Miriam — Disse ele— Não sabia que fosse tão perigosa.
Os olhos escuros da Miriam resplandeceram.
—Sairá daqui antes que o senhor Kavanagh venha por você.
—O senhor Kavanagh? —Pretendeu tremer de medo — Me surpreende, ao te associar com uma criatura antinatural como ele.
—Não sei de que fala.
—Não o faz, verdade? Ele guarda um segredo a todo mundo, inclusive de sua ama?
—Vá — Disse Miriam com voz rouca.
— Já chamei os homens.
Caleb cacarejou com a língua.
—Mente. E se inclusive não fora assim, o seguinte homem que entre por essa porta já está morto. Poderia manter em reserva a você e a Tally...
—Tally se foi — Disse Miriam.
—Com o Sim? É uma verdadeira lastima. Terei que persegui-los depois. Mas pode me dizer onde estão depois de que tenhamos tido um pouco diversão.
Miriam lhe sustentou o olhar.
—Não tenho medo, Caleb Smith.
—Com certeza que sim. Mas te darei uma oportunidade de defender sua honra... Se as de sua classe têm algum... Para que ninguém possa dizer que não lutou por isso. —Ele deu um chute à vassoura para onde estava ela.
— Claro que poderia salvar o senhor André de maiores desconfortos se simplesmente te deitar como uma moça boa e te levanta as saias...
Caleb captou o movimento atrás do ombro esquerdo da Miriam e investiu para frente, agarrando-a fortemente pela boneca com os dedos restantes e o polegar de sua mão direita. Ele puxou ela para a cama e lhe rodeou a garganta com o braço quando pegou sua arma contra a têmpora do André. Eli entrou no quarto, sua escopeta apontava ao Caleb.
—Eli — Disse Caleb.
— Estava-me perguntando quando apareceria. Agora baixa essa escopeta como um bom moço.
O apertão de Eli não vacilou, nem seu olhar fixo.
—Está bem, Miriam?
—Sim — Ofegou ela, agarrando-se ao braço de Caleb como se pudesse impedir que a estrangulasse.
—Deixa-a ir — Disse Eli.
—Por que deveria fazer isso? Terá que disparar por ela para me apanhar, e é obvio ao pobre do André... —Suspirou com fingida pena.
— Bem, ele está quase morto de todos os modos, não é? —Eli jogou uma olhada ao André.
—O que quer aqui, Smith?
—Quero o que me deve. Mas não imagino que André te tenha contado alguma vez sobre o mapa, verdade?
—De fato, fez. Tenho o mapa, Smith, e lhe darei isso assim que libere a seus reféns.
Capítulo 19
Caleb riu. O som foi de um tom alto e estranho, a jogo com o irracional olhar em seus olhos azuis. Estava evidentemente ferido, considerando a perna esquerda e os dois dedos perdidos na mão direita.
Mas isso não era tudo. Tomou menos de um segundo ao Eli dar-se conta que Caleb se tornou louco. Antes tinha sido bastante perigoso, e agora também era imprevisível.
Exceto em uma coisa. Eli tinha sabido que Smith voltaria para Cold Creek... Tinha-o sabido do momento em que Sim admitiu que não tinha matado a seu velho amigo. E Eli estava preparado.
—Você tem o mapa? —disse Smith, meio afogando-se com sua própria risada.
— Sim deu isso para que o guardasse enquanto me mentia em Tombstone?
Eli considerou como responder melhor. Não estava assombrado que Sim soubesse sobre o tesouro; evidentemente Smith e Kavanagh tinham estado confabulados desde o começo. Caleb sabia que André tinha roubado o mapa. Não se surpreendeu que enviasse a alguém para roubá-lo de novo. Exceto não tinha tido em conta o acidente do André, ou o desaparecimento do mapa. E não tinha contado com que Sim se apaixonasse pela irmã do André.
Mas havia dito algo sobre que Sim tinha o mapa, e a única maneira possível era que André o tivesse confessado ao Sim ou guardasse uma cópia que Sim tinha encontrado.
—Tenho o original —Disse Eli — O que André te tirou.
O braço de Caleb se apertou ao redor da garganta da Miriam.
—Então tem o tesouro.
—Não — Eli baixou a arma lentamente — Nunca o busquei.
—Por que não? Está louco?
Eli procurou uma distração.
—O que te contou Sim em Tombstone?
—Que me daria o tesouro. Tudo. Conduziria-me até ele se... —Os olhos do Smith se estreitaram.
— Não procurou porque sabia que Sim já o tinha encontrado. Este desapareceu.
—Nunca fui tão idiota para confiar no Sim Kavanagh. Não sabia que tinha uma cópia do mapa, mas não pode tê-la a muito tempo. Só esteve trabalhando em Cold Creek desde maio. Me teria dado conta se tivesse desaparecido nas montanhas e tivesse baixado com sacos de prata e ouro mexicanos.
—Teria sabido? —Caleb golpeou ligeiramente a cabeça do André com a boca de sua arma — Como sabia a que tipo de coisas se estava expondo sua chefe?
Eli tratou de lhe encontrar sentido à pergunta do Caleb.
—Sei que ele é um mentiroso e um foragido. Traiu-te, não? Só quer o que te pertence.
—Exatamente. Me deixe ver o mapa.
—Não enquanto retenha a Miriam.
—Acha que pode negociar comigo, menino? Não tenho nenhuma razão para acreditar o que diz.
Eli encolheu os ombros.
—Pode matar o André se quiser...
—Eli! — Exclamou Miriam.
—... E não tentarei te deter. Mas machuca a Miriam, e nunca verá o mapa. A menos que pense que pode levar a cópia do Sim quando voltar.
Caleb se enfureceu.
—Matarei-o.
—Isso não me incumbe. Importa-me um nada o que acontecer com esses brancos. Vim a Cold Creek porque não pude encontrar trabalho no Texas depois de que André partisse, e porque Miriam se foi com a senhorita Bernard. —Sorriu.
— Quer saber por que André está convexo nessa cama e eu tenho seu mapa? Vi esse mapa no Texas, quando estava tratando de escondê-lo. Admitiu que roubou isso quando saiu a roubar gado... Estava bêbado, e se gabou disso, acreditando que não me atreveria a dizer uma só palavra. Mas disse que íamos ser sócios e compartilhar algo que encontrássemos, ou iria diretamente a você.
Miriam fechou os olhos.
—OH, Eli...
Eli pôs o máximo empenho em ignorar o desespero da Miriam e se apressou a continuar.
—André me traiu. Depois de que viemos ao Arizona, largou-se para encontrar o tesouro sozinho, alegando que ia comprar gado para o rancho. Segui-o até Chiricahuas e enfrentei a ele. Lutamos pelo mapa, e ele caiu em um arroio... Ficando dessa forma em que o vê após. Mas tenho o mapa. Não quis que ninguém pensasse que estava envolto no acidente do André, assim não retornei às montanhas para procurar o tesouro. E logo você veio quando fui, e soube que nunca o deixaria até que o obtivera.
—É um covarde — Espetou Caleb.
— Sei que desertou da Décima Cavalaria porque te acovardou... Como se os de sua classe não fossem no fundo umas galinhas.
Os dedos do Eli tiveram cãibras na escopeta.
—Agora mesmo acha que pode me matar —Disse ao Caleb.
— Mas o mapa está escondido onde nunca o encontrará. Solta a Miriam e terá o mapa sem problemas. Miriam e eu abandonaremos Cold Creek, e o que faça depois é teu assunto.
Caleb cuspiu no chão ao lado da cama.
—Tem sorte, hoje me sinto generoso. Vou soltar a sua puta, mas se me ataca, dispararei nos dois, e ao inferno com o mapa.
Eli assentiu. Caleb soltou a Miriam e imediatamente aponto a arma para o Eli. Eli lançou a escopeta no corredor atrás dele.
—Corre — Disse a Miriam que passou correndo. Sabia exatamente aonde iria, mas não podia dizer se ela o desprezava pelo que tinha ouvido ou se ainda confiava nele apesar disso.
—Nunca lhe contou o da cavalaria, não? — Perguntou Caleb — Olhe o valente soldado. Agora me leve a mapa.
Eli recuou e atravessou a casa para a porta dianteira, detendo-se para acender um farol na cozinha. Ainda havia uma grande probabilidade de que Caleb queria matá-lo, mas a loucura do foragido se converteu na aliada de Eli. Tomou seu tempo em chegar ao celeiro, dando a Miriam a oportunidade de salvar os meninos e advertir ao Federico de manter-se afastado.
No celeiro, Pablo tinha escavado um buraco no compacto chão de terra onde guardava uma caxinha de madeira cheia com “os tesouros” que tinha reunido desde que era o bastante grande para caminhar (plumas, pedras de cores, partes de metal e moedas). Havia coberto a caixa com a terra solta, palha e um arado meio oxidado em uma esquina onde o mais seguro é que ninguém a encontrasse, mas um dia fanfarronou di ante o Eli sobre seu lugar secreto. Eli tinha cavado um buraco parecido o suficientemente grande para uma bolsa de couro azeitado e o mapa dentro.
Muito consciente da posição de Caleb atrás dele. Eli baixou o farol, apoiando o arado contra a parede e apartou a palha a patadas. Agachou-se, meio encarando Caleb, e limpou a sujeira do couro marrom. Pôde sentir ao Caleb atirando do fio, logo que resistindo a equilibrar-se sobre a bolsa.
—Lança me isso. Ordenou Caleb. Eli a lançou desviada, obrigando a Caleb a retroceder e a ajoelhar-se para recuperá-la com sua mão mutilada. Nesses poucos segundos, Eli colocou diante do arado.
Caleb dirigiu torpemente a bolsa e abriu o laço com os dentes. Seu rosto se dividiu em um grande sorriso enquanto tirava o mapa.
—Assim é que depois de tudo não mentiu. —Girou o mapa, tratando de alisar o quebrado e frágil papel. Lentamente seu sorriso se desvaneceu.
— Agora vai ler para mim.
—É por isso que não procurou o tesouro logo que teve o mapa? Porque não podia lê-lo e não confiava em ninguém mais para fazê-lo?
—Se cale — Espetou Caleb — Por seu bem, melhor que conheça esse jargão mexicano.
—Sei o que diz. —Sem esperar mais ameaças, Eli traduziu o texto em espanhol que tinha memorizado. Caleb olhou atentamente o mapa, movendo os lábios como se pudesse confirma a informação do Eli.
—Isso é tudo? —Perguntou o foragido — Não há nada mais?
—É tudo o que o proprietário original escreveu — Disse Eli — Os detalhes coincidem com a zona perto de Castelo Canyon.
Caleb deslizou o mapa na bolsa e o meteu em seu cinturão.
—Há uma maneira de estar seguro. Você vem comigo.
—A fim de que possa me matar quando encontrar o lugar?
—Posso te matar agora.
Eli deixou cair os ombros com fingido desespero.
—Mantive minha parte do trato. Deixa ir a Miriam e a mim.
Caleb riu dissimuladamente, desfrutando de seu poder como os valentões covardes em todas partes. Eli desabou ainda mais. Procurando provas atrás das costas com a mão esquerda e fechando os dedos ao redor da manga do arado quebrado. As lascas se cravaram na palma de sua mão. Girou-se de lado e balançou a manga para o Caleb em um só movimento.
A dor alcançou sua plenitude no ombro esquerdo, e o som do disparo o ensurdeceu. Caiu na palha. O estrondo encheu seus ouvidos. Ficou imóvel e esperou o seguinte disparo mortal. Não soube quanto tempo Caleb permaneceu sobre ele; segundos que pareceram horas. Então a débil luz do farol se desvaneceu, deixando-o na escuridão.
Passou uma eternidade antes que se atrevesse a mover-se. Nada o impediu enquanto engatinhava para a porta do celeiro, arrastando o corpo com sua mão direita e empurrando com os pés. Uma luz ardia na casa. Eli se esforçou por ficar em pé, juntando as pernas debaixo dele.
O som do disparo foi amortecido pelas paredes da casa. Eli estendeu a mão como se pudesse impedir o que já tinha acontecido, sabendo quem tinha sofrido todo o peso da ira e o ódio de Caleb.
Caleb saiu da casa, embainhando a pistola. Eli se escondeu de novo dentro do celeiro enquanto o foragido caminhava a grandes passos para o bosque e os homens voltaram, levando uma cadeira de montar, uma brida e pacotes sobre os ombros.
Eli retornou abrindo-se caminho para onde tinha sido disparado e se tombou de novo, sentindo a vida escapando de seu corpo. A última coisa que ouviu foi o ruído dos cascos galopando dirigindo-se ao norte do vale.
Tally não podia parar de rir. O homem com quem dançava, um ancião cavalheiro de um rancho do outro lado das Montanhas Galiuro, era vigoroso e entusiasta, mas não particularmente elegante. Empurrou a Tally através das portas acristaladas e de volta outra vez, puxando com força dela como se fosse uma vitela brincalhona que tivesse que ser enlaçada e marcada.
Não se importava. Lançou um sorriso ao Sim, e ele a saudação com seu quinto copo de uísque. Não parecia nem sequer ligeiramente bêbado, mas o álcool o tinha relaxado, e Tally teria jurado que em realidade se estava divertindo. Até se tinha dignado a falar com uns quantos dos outros convidados masculinos, e ninguém mostrou sinais de questionar sua identidade fictícia.
Ele e Tally faziam o correto ao aceitar o convite dos Garnett. A família tinha sido mais que cortês. Georgiana Garnett, sua mais nova aquisição, tinha passado a maior parte de uma hora com o Tally, discutindo as últimas modas como se reconhecesse a uma devota seguidora dos gostos sofisticados e modernos.
A situação tinha sido enormemente irônica, por não dizer mais. Tally estava mal familiarizada com as últimas tendências, tendo deixado atrás tais interesses no Texas, mas tinha sido adestrada para falar com elegância e fluidez de quase qualquer tema. A beleza tinha sido sua principal qualidade. E embora tinha permanecido tensa e alerta ante qualquer indício de suspeita, Georgiana Garnett escutou atentamente as opiniões de Tally e expressou alívio de que ao menos uma mulher nesta terra selvagem tivesse um pouco de conhecimentos de cultura.
Depois de que o novo marido de Georgiana tivesse vindo para tira-la a dançar, Tally se encontrou no centro de um admirado séquito de homens e mulheres. Tinha flertado com os homens —sutilmente, para estar segura— e fofocado com as senhoras como qualquer mulher que tinha crescido aprendendo a cozinhar, a costurar e antecipar um futuro como esposa e mãe. Quase podia acreditar que era uma deles.
Sim rondava perto de onde estivesse, uma silenciosa e fiel sombra. Parte da alegria de Tally consistia em saber que ele estaria a seu lado quando a festa terminasse e os cansados convidados caíssem rendidos nas camas emprestadas ou se fossem a casa.
O baile em curso terminou, e o entusiasta mas torpe cavalheiro liberou Tally com óbvia relutância. Tinha um olhar afligido nos olhos. Tally o beijou na bochecha, e ele se apartou tropeçando para a barra, Sorrindo como um bobo.
Sim se passeou unindo-se a ela.
—Uma nova conquista — Disse com um sorriso preguiçoso — Quantos corações pensa romper esta noite?
—Nenhum, se posso evitá-lo — Disse, olhando-o nos olhos.
— Acha que pode suportar outra valsa?
—Pode arrumar-se. —Examinou-a como se mas bem queria levantá-la a um quarto desocupado mais próximo.
— Está fazendo frio. Quer seu xale?
—Você é muito melhor que qualquer xale. —Estendeu-lhe a mão. Ele tomou, e a banda tocou as primeiras notas de uma valsa do Strauss.
—Chantal!
A voz era rouca e pastosa pela bebida, mas Tally reconheceu seu nome. De repente o temor inexplicável lhe obstruiu a garganta.
—Chantal Bernard?
Um homem que não conhecia tropeçou em seu caminho com um dos casais e os investiu cegamente passando-os. Sim o viu vir e empurrou a Tally para o muro do pátio. Colocou-se frente a ela.
Tally observou a aproximação do desconhecido com desconcerto e crescente alarme. Vestia roupa razoavelmente bem confeccionada, mas estava manchada com comida e bebida, e seu rosto era corado e empapado de suor. Podia ser um mineiro bastante próspero ou um rancheiro ou um comerciante, mas não podia recordar que o conhecesse ou o tivesse visto antes.
O homem soprou detendo-se poucos passos de Sim e olhou fixamente o rosto de Tally.
—É você —Disse — Quem me ia dizer isso!
—Vigia sua linguagem quando falar com uma dama — Grunhiu Sim.
—Uma dama? —O corado homem riu — Isso não é o que Lisa a chamou.
Lisa. Os pensamentos de Tally voaram ao salão e à prostituta que tinha entregue o vestido da Beth. A mulher se comportou de uma maneira estranha, entretanto Tally tinha estado muito absorta nesse momento para emprestar atenção. Ou dar-se conta então como a tinha olhado Lisa, como se a conhecesse...
Sim estendeu os braços para manter afastado ao homem.
—Melhor que desapareça, homem.
O homem parecia não escutar.
—Lisa é uma amiga minha. Sou seu favorito. Conta-me isso todo, como os bons tempos em Nova Orleans. —Alargou as palavras como se as saboreasse — Te vi na Liga Vermelha. Enganou-me, mas não a Lisa. — Lambeu-se os lábios.
— Estava doída que não a recordasse.
Mon Dieu. As pernas de Tally se voltaram de gelatina, e se apoiou contra o frio muro de tijolo cru. Tinha havido uma Elisa em La Belle Hélène. Tally não a tinha conhecido muito, mas tinha parecido jovem e na flor da vida. Lisa não era nenhuma das duas coisas. Mas o trabalho era duro, e algumas mulheres envelheciam dez anos em cinco.
—Quais eram as oportunidades de que duas garotas do único bordel de categoria em Nova Orleáns aparecessem em Tombstone ao mesmo tempo?
—Quem é esta Lisa? —Perguntou Sim sobre o ombro.
Como ia ela a responder neste lugar público? As pessoas começavam a notar ao homem, cuja intrusão tinha detido o baile. Os cochichos salpicavam o pátio como ondas golpeando a costa.
—Alguma vez esteve na Liga Vermelha? —Perguntou o homem ao Sim, inclinando-se fazia diante com uma careta de cumplicidade.
— Lisa é a melhor garota ali. É obvio, já não é uma garota, mas conhece todos os truques. Seguro, essa é Lisa. E era a melhor em casa da Belle Hélène, junto com a senhorita Chantal. — Piscou os olhos a Tally — Só que tinha outro nome ali, verdade?
Os cochichos se incrementaram, e mais pessoas saíram da casa. As mulheres ocultaram a especulação atrás dos leques abertos. Um cavalheiro bonito deu um passo para frente como se pensasse intervir, mas sua mulher puxou ele para trás.
—Mademoi’zell Champagne — Riu o bêbado — Ainda tem sua faísca, coisinha? Procurando novos clientes? Bem, vêem comigo neste momento, e eu...
O punho de Sim se estrelou contra o protuberante nariz do homem. Uma mulher gritou. A banda se dispersou. Uma multidão de mulheres se apressou à casa, e os homens formaram um anel ao redor do Sim e sua vítima.
—Não há necessidade de violência — Disse um cavalheiro alto e com óculos, empurrando-se através da multidão. Observou Sim cautelosamente e se dobrou para examinar ao homem cansado.
— Está bem, senhor Collins?
Collins se apoiou nos cotovelos e se agarrou o nariz que jorrava sangue.
—Ele... Ele me bateu!
—Isso está suficientemente claro. O que pensava você, falando desse modo?
—É tudo verdade! —Collins cuspiu sangue os pés do Sim — Ela é... Ela é uma puta!
Sim levantou o pé, e Collins se encolheu em uma bola. O homem alto com óculos colocou de pé entre os antagonistas, olhando de Sim a Tally.
—Senhorita Bernard — Disse — Não acredito que tenhamos sido apresentados. Sou o doutor Faraday. —Empurrou seus óculos sobre a ponte do nariz.
— Conhece você a este homem?
—Nunca... —Tally ouviu sua voz tremer e a controlou com um esforço — Nunca o vi antes.
—Temo-me que Collins é pior com a bebida. Verei que encontre um lugar para dormir. Melhor que se afaste dele, senhor Kavanagh.
Sim não respondeu. Não olhava a nada, os punhos apertados, a mandíbula tensa.
Georgiana Garnett surgiu da casa, a multidão de senhoras ao redor dela. Sua sogra e seu marido, Jim, se uniram no pátio. Olharam fixamente do Collins ao Sim e a Tally.
—O que está acontecendo aqui, Doutor? — Perguntou Jim Garnett.
—Um mal-entendido. —O médico pôs de pé Collins — Se tiver um quarto restante onde possa tratar ao senhor Collins...
—Estou contando a verdade! —disse Collins, beligerante com a humilhação — Você me conhece, Doutor... Garnett! Convidou a uma puta à festa de sua mulher!
Georgiana empalideceu, e seu olhar se encontrou com a de Tally através do pátio, perguntando, rogando a negação, mas a borda da crença. O estômago de Tally se voltou pesado. Fragmentos de conversa vagaram através do ar como gases tóxicos.
—... Tal linguagem, e diante de mulheres! Tirem o daqui, antes que ele...
—E se for verdade? Nunca soube que Collins mentisse, ainda quando está...
—... Jamais a vi a ela antes. Ninguém conhece realmente a estes Bernards. Poderia ter sido qualquer coisa...
—... Ouvi que algumas dessas mulheres em Nova Orleáns quase podem passar como respeitáveis...
Um estremecimento coletivo se propagou pela multidão. As mulheres com as que Tally tinha falado só minutos antes, mulheres de imperturbáveis rancheiros, filhas de comerciantes, devotas senhoras do Willcox e Tombstone, afastaram-se como se fossem se manchar pela mera presença de Tally. Tally podia sentir as olhadas especulativos e famintas do homens que tinham pedido que dançasse, homens de cuja companhia tinha desfrutado.
Jim Garnett tocou o braço de sua jovem mulher e se aproximou do doutor Faraday.
—Melhor que tire o Collins fora daqui, Doutor. Quando tenha acabado com ele, acredito que minha mulher e minha mãe necessitassem sua atenção. Estão um pouco transtornadas. —Seu olhar se fixou em Tally, e ela já podia ouvir as perguntas que ele queria formular, imaginava analisando os perigos de ofender a duas de suas hóspedes contra o permitir que suas mulheres sofressem o horror de ter uma pomba suja em seu meio.
Os olhos de Sim se centraram no Garnett. Sorriu.
—Quer dizer algo à senhorita Bernard? —perguntou brandamente.
Garnett se ruborizou.
—Isto é lamentável, senhor Kavanagh, senhorita Bernard. —Jogou uma olhada por cima do ombro para assegurar-se de que o doutor Faraday tinha afastado ao ofensivo senhor Collins.
— Me desculparia por qualquer insulto que pode ter sido dado...
—Eu não ouço nenhuma desculpa — Interrompeu Sim — Acredito que você possa como esse mentiroso filho de puta.
O homem mais jovem colocou direito.
—Pedirei-lhe que não xingue em frente das senhoras.
—Elas sobreviveram à sujeira desbocada de seu senhor Collins — Varreu aos espectadores com um olhar depreciativo — Algumas parecem completamente fascinadas.
—Criou um alvoroço desnecessário. Isto não é uma cantina, senhor Kavanagh.
—Ou uma casa de putas? — Adicionou Sim.
As mulheres ofegaram. Georgiana Garnett empalideceu ainda mais. Sua sogra a sustentou e olhou com fúria aristocrática a Tally.
Jim Garnett curvou os dedos aos flancos.
—Você foi convidado de boa fé, senhor Kavanagh. Acredito... Acredito que possivelmente seria melhor se você e a senhorita Bernard...
A metade da frase, Sim se esticou para golpear. Tally antecipou seu movimento e lhe agarrou do braço, sustentando-o abaixo com todo seu peso.
—Não! — Gritou — Não. Isto chegou suficiente longe. —Empurrou ao Sim encarou ao Garnett.
— O senhor Kavanagh e eu não temos desejos de permanecer onde não somos bem-vindos. Se enviasse amavelmente a alguém a procurar o Bart e nossa carruagem, iremos.
—É verdade? —A voz de Georgiana soou surpreendentemente forte no surpreso silêncio.
— Se... Vendeu-se por dinheiro?
A senhora Garnett mais velha envolveu seus braços ao redor dos ombros de sua nora e a propulsou para as portas. Tally girou para a entrada do pátio. Sim a agarrou por cotovelo com um agarre quase doloroso e meio a puxou pelo pórtico arqueado.
Os cochichos se elevaram a um zumbido de reação assustada detrás deles. Sim arrastou a Tally na escuridão, movendo-se com a certeza infalível de um animal noturno. Parou ao lado de uma parede e soltou a Tally.
Ela se esfregou o braço, não porque doesse mas sim porque o movimento sem pensar e repetitivo lhe trazia consolo quando seu mundo explodia em suas orelhas. Sim esperou. Ela levantou os olhos aos dele.
—É verdade? — Perguntou, sua voz rouca até o ponto de romper-se — É uma puta, Chantal Bernard?
As palavras cortaram como folhas quando saíram da boca de Sim, mas não as pôde parar. Mal podia sentir as mãos ou os pés, muito menos seu coração. Transformou-se em fria pedra.
Tally sustentou seu olhar, o rosto sem expressão. Ele se fez estudar cada linha, plano e curva, aprendendo seus traços de cor como se fosse a última vez que a veria em sua vida. Desenhou com os dedos a testa e o queixo, e ela fechou os olhos.
—Importa tanto? — Perguntou ela— Por que me defendeu contra esses homens se tinha alguma dúvida?
Ele pensou em todas as vezes que tinha evitado especular a respeito de seu passado, aceitando que tinha tido um marido e que tinha compartilhado sua cama. Não era uma virgem. Nunca tinha esperado que o fosse. Mas o que ela tinha feito antes desse casamento... Não tinha querido sabê-lo. Agora estava pagando o preço por sua voluntária ignorância, e por atrever-se a aceitar um novo sonho.
—Me diga que Collins estava mentindo —Rogou— E ninguém jamais dirá algo a respeito de você outra vez.
Ela não fez nada exceto mover nervosamente as pestanas.
—Não estava mentindo, Sim.
O coração de pedra caiu a chumbo sobre suas botas e se quebrou.
— Ia dizer lhe disse isso, os olhos ainda apertadamente fechados — Tive medo durante muito tempo. Mas quando decidi aceitar este convite, já tinha planejado explicar...
—Explicar? —Sim se retirou, mas não podia escapar da vista dela, o aroma dela, a ardente lembrança de como se sentia ter seu sujo corpo em seus braços — Explicar como abriu as pernas para qualquer homem o que podia pagar?
Ela se estremeceu.
—Só te disse uma pequena parte de meu passado. Não é o que...
—Queria conhecer meu passado, mamzelle Champagne? — Grunhiu — Nasci no Hat Rock, Texas, de uma puta... Uma boa puta poderosa que tinha uma boa vida até que se murchou e morreu de alguma enfermidade das putas.
Os olhos de Tally se abriram de repente.
—Mon Dieu. Sim...
—Estava bêbada a maior parte do tempo. Tinha algum uso para mim até que tive três anos, e logo fui só muitos problemas. Estorvava. Seus caprichosos patrocinadores não desejavam um menino ao redor. Às vezes, quando se sentia um pouco deprimida, me batia com um cinturão. Cansei-me disso quando tive oito, e aprendi a me arrumar com o que podia encontrar nas ruas. —Riu.
— OH, algumas de suas "irmãs" me compadeciam e me davam coisas, como livros, doces e cigarros. Inclusive me ensinaram a ler e escrever. E quando tive treze, mostraram-me o que era ser um homem.
Tally se abraçou.
—Não sabia. Sim como podia sabê-lo?
—Quando Mamãe morreu, fui em busca de meu papai. Era rico e poderoso, mas não quis ter nada que ver com o filho de alguma puta. Enviou meu próprio meio-irmão a me matar, mas sobrevivi. Meu único amigo foi Caleb Smith. Quando fomos de Hat Rock, juramos que tomaríamos o que desejássemos, que ninguém se entremeteria em nosso caminho e viveria para contá-lo.
—Acredito em Caleb Smith — Sussurrou Tally — Mas não de você. V... Vejo que teve razões para desconfiar das mulheres, inclusive as odiar...
—Não perdi o tempo as odiar. Usei-as, justo como meu papai usou a Mamãe. Nunca tive que tomar a nenhuma não disposta. Mas então encontrei uma mulher que parecia melhor que o resto. Ela guiou a você.
—Esperança. —A voz de Tally se suavizou com a compaixão — Aprendeu a amá-la.
Sim desprezava sua gentileza tanto como desprezava sua própria credulidade.
—Sabe por que vim ao Cold Creek, Tally? Não foi conseguir o trabalho em pessoa. Não foi coincidência que nos encontrássemos em Tombstone. Fui enviado por meu bom amigo Caleb Smith. Separamo-nos faz anos, mas o fui procurar quando necessitei dinheiro para tomar a Esperança. Figurei-me que me permitiria entrar em qualquer "negócio" que tivesse em marcha naquele momento.
Podia ver que ela não tinha captado nada do que lhe estava dizendo.
—Encontrei ao Caleb no Texas — Continuou — Estava no cárcere...Preso, disse, pelo André Bernard. Contou-me tudo a respeito de um mapa de algum tesouro mexicano perdido, um mapa que seu irmão lhe roubou.
Tally olhou fixamente sem compreender.
—Um mapa? Não sei nada disso.
—André nunca achou conveniente lhe contar isso Veio ao Território para poder estar mais perto do lugar onde o tesouro estava enterrado. Logo se meteu em problemas buscando-o nas Chiricahuas. Teve uma má queda e perdeu o mapa por algum ladrão que nunca encontrei.
—Bien sur — Murmurou Tally isso explica muito. Desde que chegamos ao Arizona... Sua conduta estranha, como se guardasse um segredo de todos nós, como se a fazenda fosse pouco importante.
—Porque nunca teve interesse em Cold Creek. —Sim se inclinou contra a parede, apanhando a cabeça de Tally entre seus braços.
— Foi pura sorte para mim que necessitasse ajuda extra no rancho, porque planejava esperar por aí até que André se recuperasse o suficiente para me contar que havia nesse mapa.
O olhar aturdido nos olhos de Tally começou a esclarecer-se.
—Estava com o Caleb todo o tempo, por causa deste mapa?
—É certo. Mas André não melhorou. Caleb se impacientou e cavalgou para Cold Creek. Tive que dissuadi-lo de apressar as coisas.
Ela tentou girar a cabeça afastando-a, mas lhe agarrou o queixo e a forçou a olhá-lo.
—Vê, Tally? Eli tinha razão para não confiar em mim. Ele suspeitou todo o tempo. Diga-me... Sabe ele o que é?
—Sim. E também Miriam.
Ira. Ela o disfarçou bem, mas, finalmente começava a dar-se conta do que ele tinha feito. Quão desastradamente mentiram um ao outro.
—Deveria ter escutado as advertências do Eli, como eu deveria ter sabido que era muita boa para ser real. Muito boa na cama para uma mulher que odiou seu casamento.
Tally possivelmente o tivesse golpeado se tivesse podido movê-lo bastante rápido, mas era muito pronta para tentá-lo.
—Foi bom, também, Sim. Melhor que a maioria. É isso o que aprendeu quando tinha treze?
A pergunta devolveu a esse dia de terror e triunfo, como se fosse um menino outra vez. Sorriu.
—Lottie era boa, mas você é melhor. Nunca morrerá de fome, Tally-garota.
—Não vou voltar nunca. —Arrancou o queixo de seu agarre — Fui enganada para entrar na profissão quando tinha quatorze, e não soube como sair. Mas o deixei por vontade própria. Me disse que estava trocando sua vida por Esperança, mas todo o tempo foi ainda um ladrão!
—André era o ladrão — Disse — Tomou sua parte das lucros do roubo de gado no Texas, roubou o mapa do Caleb, e logo prendeu a seus sócios para poder ser livre de encontrar o tesouro. Mas cometeu um par de enganos, e só um deles o inutilizou antes de encontrar o tesouro. Fez uma cópia do mapa. Encontrei-a na prega de seu vestido de noiva.
—Você... Revistou as coisas de minha mãe?
—Sabia sua mamãe o que fazia para viver, Tally-garota?
—Não. Assegurei-me disso.
Quase o fez sentir-se envergonhado, mas sua ira se desatou e não podia retratar-se.
—Arrumado a que seu marido não sabia que estava conseguindo quando te deu seus votos.
—Cometi um engano — Sussurrou — Não devia me haver casado com o Nathan, mas desejava uma casa verdadeira...
—E onde estava André quando tudo isto acontecia?
—Estava com Mamam, cuidando dela, e depois não ouvi dele durante muitos anos. Contei-lhe a verdade. Aceitou-a.
—E isso o faz um melhor homem que eu?
—Quer que acredite que me odeia, Sim — Disse, lhe buscando o rosto — E tem razões para estar zangado. Mas compartilhamos muito... Muitas preocupações para fingir que nunca aconteceu.
—Então, perdoaria-me por te mentir todo o tempo? Isso é nobre por sua parte, especialmente dado que tudo o que tenho feito e dito era somente parte do plano.
—Tudo, Sim?
Sua calma o enfureceu. Queria que o odiasse, desprezasse-o tanto como ele a desprezava. Não lhe diria como tinha trocado de opinião sobre o tesouro e Caleb, ou a respeito disso, em algum lugar pelo caminho, tinha trocado suas lealdades a Cold Creek e Tally. Queria que ela acreditasse o pior, feri-la, que sentisse a raiva que ele sentia ao ser enganado.
—Qualquer sentimento o tive por uma mulher que nunca existiu.
—Estranho. Eu ainda vejo o homem pelo que me preocupei, ainda agora.
—Disse que me amava. Posso ver por que foi a principal atração nesse bordel extravagante em Nova Orleáns. Fazia que cada homem se sentisse importante com essa cativante conversa, esses olhos grandes e os suaves lábios... —Ele se deteve antes de poder atrasar-se em lembranças que queria esquecer.
— Você e eu temos uma coisa em comum, “querida”. As putas não podem amar, e tampouco podem seus filhos.
Tally fixou o olhar em algum ponto sobre seu peito.
—Mas cuidou de Esperança.
—Ela era diferente. —Vacilou — Era inocente. Pura.
—Suficiente pura para te salvar de você mesmo. Procurava uma saída de sua velha vida, uma maneira de chegar a ser um melhor homem.
—É muito tarde para mudar.
—Então por que fez frente a Caleb e salvou a Beth?
—Caleb cometeu o engano de pensar que poderia me enganar. Estava usando à garota para assegurar-se de que eu lhe desse o que desejava. Afastei-a dele para demonstrar quão covarde era.
—E para evitar que acabasse como sua mãe.
Um calor abrasador lhe subiu pelo braço e explodiu no punho, insistindo-o a golpear. Estampou a mão na parede.
Tally piscou e tremeu.
—Não me fará mal, Sim. Sempre soube isso. Não bateria em uma mulher a menos que tratasse de te matar, e possivelmente nem então. — Respirou fundo — Protegeu a Beth, e conduziu ao Caleb longe. Se tiver esse mapa, por que não foste a encontrar o tesouro você mesmo?
—Estava um pouco distraído. Mas já não o estou. —Recuou — Ia dar minha metade a Esperança, mas ela não o necessita. Caleb se foi. Mas me figuro que lhe devo isso... Pelos serviços emprestados.
Capítulo 20
Tally apoiou a cabeça contra a parede. Em seu interior, desfazia-se, desmoronava-se em mil pedaços, mas não deixaria que Sim visse um instante de debilidade.
—Não o aceitarei, Sim — Disse ela — Inclusive se encontrar esse tesouro e for suficiente para pagar uma propriedade tão grande como As Granadas, eu não tomaria nenhuma só moeda falsa de você.
Ele se encolheu de ombros.
—Importa-me um caralho o que faça com isso. Envia a seus velhos amigos em Nova Orleáns. Mas uma vez que tenha o tesouro, terei terminado contigo. Todas as dívidas estarão pagas.
Ele se afastou ainda mais na escuridão, fazendo uma forma vaga que ela já não podia reconhecer. Ouviu o rasgão de um tecido e se deu conta de que Sim se tirava a roupa a fim de Trocar. Sem despedidas, sem lamentos. Abandonaria-a como um lobo, lhe negando a possibilidade de ver seu rosto uma última vez. E logo nunca o veria outra vez.
Uma quebra de onda de uma repugnante alegre música se expandiu da casa Garnett. Ninguém tinha vindo a procurar os convidados errantes. Possivelmente os Garnetts preferiam fingir que o incidente nunca tinha passado e desejassem passar por cima a possibilidade de que tivessem convidado a uma prostituta a sua festa. Uma vez que os rumores se estendessem, entretanto, alguém os confirmaria, e a reputação de Tally no Território estaria estabelecida de uma vez por todas.
Não importava um merda.
—Sim?
Silêncio. Deixou a parede e encontrou a pilha de roupa que ele tinha abandonado, o fino traje, chapéu, botas e todo o resto. As enormes pegadas de patas indicavam para o sul baixando ao Vale pela pouca distância que Tally podia ver. O amanhecer delineava as colinas para o Oeste. Logo haveria bastante luz para montar a cavalo.
—Senhorita Tally?
Bart. Esqueceu-se dele e suas instruções sobre a carreta.
—Aqui, Bart.
Ele se aproximou para encontrá-la.
—Está bem? — Perguntou ele.
—Houve um... Incidente na festa. Sim se foi.
—Ouvi algo — Resmungou Bart. Ele girou seu chapéu entre as mãos — Deseja que engancho a carreta?
—Sim. Depois quero que me emprestes seu cavalo e vá a casa.
Ele entortou os olhos confuso.
—Não virá comigo?
—Não. Há um lugar tranqüilo perto das quadras onde possa me trocar de roupas?
—Seguro. Posso lhe mostrar. Mas, senhorita Tally...
—Isto é algo que tenho que fazer, Bart. Ouvirá algumas historia feias sobre mim... Não te culparia se decide deixar Cold Creek. Eli verá seu pagamento.
—Demônios... Quero dizer, eu nunca a abandonaria, senhorita Tally. Por nada.
Tocou-lhe o braço.
—Obrigado, Bart.
Ele agachou a cabeça e girou rapidamente, guiando-a para as quadras. Embora os vaqueiros locais e visitantes ainda continuavam sua própria festa nos barracos, as outras dependências estavam relativamente tranqüilas. Tally tomou o vulto de roupas masculinas e um rifle da carreta, agradecida por ter tido a previsão de trazer roupa adequada para cavalgar. Trocou-se em uma casinha vazia, colocou seu casaco e saiu para encontrar ao cavalo do Bart, uma égua chamada Bruxa, selada e pronta para ela.
—Segura que não quer que vá com você, senhorita Tally? — Perguntou Bart.
—Não desta vez. —Ela se localizou na cadeira e ofereceu sua mão — Tome cuidado, Bart.
—E você. —Saudou-a quando ela atirou da rédea, e durante um momento sentiu como se estivesse abandonando a seu único amigo no mundo.
Sabia que não estava pensando coerentemente. A cólera para ela mesma, para o Sim, para o mundo inteiro, conduzia-a em um ato de pura e total estupidez. Não tinha nenhum direito a estar tão zangada quando a dura experiência lhe tinha ensinado que nunca deveria ter esperado uma relação duradoura com nenhum homem, nem a aceitação da pessoas decente, ou uma vida livre de seu passado.
Mas se sentia furiosa, assim que ficaria até que as cruéis revelações dessa noite fossem de algum jeito resolvidas. Sim tinha acusado André de roubar quando seu irmão não era capaz de defender-se a si mesmo; tinha-lhe confessado que tinha estado confabulado com o Caleb de um início. Tinha-a enganado, e o que ela encontrava mais imperdoável era que não tinha estado preparada para isso. Ele se tinha apropriado ilicitamente não só de seu corpo, mas também de seu coração.
A raiz de toda essa dor e traição era um tesouro que ela nem sequer sabia que existisse. O que seja que isto significasse, independentemente de sua procedência, era que em efeito devia ser mau. O tesouro era uma coisa que ela podia odiar, porque não podia odiar ao Sim.
Não tinha o mapa. Mas recordava onde ela e Sim tinham encontrado ao André, e isso devia estar perto de onde seu irmão tinha estado procurando antes de seu acidente. Não tinha nenhuma esperança de alcançar o lugar tão rapidamente como Sim, mas se ele realmente tinha a intenção de recuperar o tesouro, não seria capaz de dirigi-lo na forma de lobo. Ela tinha algumas vantagens extras.
Medindo seu passo para não forçar a seus arreios, Tally chegou ao Willcox antes do meio-dia. Sem se importar seu aspecto selvagem, deu de beber a Bruxa e se deteve em uma loja para comprar carne-seca e pão recém feito. Uma hora mais tarde estava em caminho outra vez. Dirigiu-se ao sudeste, seguindo o caminho às minas perto de Duas Cabeças. O anoitecer a encontrou a ela e Bruxa na boca de Castelo Canyon.
Tally sabia que os Brysons a receberiam de boa vontade sem fazer perguntas embaraçosas, mas cavalgou deixando atrás sua propriedade, afastando-o mais que pudesse do canyon antes que a total escuridão fizesse o trajeto muito perigoso. Quase caiu do lombo de Bruxa e desencilhou à égua com mãos tremulas. Bruxa bebeu do chorrito de água no riacho e mascou o grão que Tally verteu de sua bolsa de comida. Uma vez que o cavalo esteve assegurado, Tally se deixou cair em um pedaço de chão pedregoso e comeu o pão e a carne-seca enquanto as estrelas floresciam sobre sua cabeça.
O ar era frio, quase cru, mas Tally apenas o notava. Perdi-o, sua mente soluçava. Perdi-o. Perdi-o.
Nunca o teve, zombava a parte dura dela. Tudo era uma ilusão. Sua vida inteira foi uma mentira desde que deixou Nova Orleans.
Mas seu amor não tinha sido uma mentira. Apesar de tudo o que Sim lhe tinha feito, ela seguia amando-o.
Desatou sua esteira e tomou a cadeira de montar como travesseiro. Não parecia provável que ela dormisse, mas seu corpo o compreendia melhor que sua cabeça. Despertou pela tênue luz e o uivo dos lobos.
Imediatamente recordou à manada que os tinha acompanhado ao Sim e a ela em sua primeira visita ao Canyon. Estes poderiam ser os mesmos animais. Sua presença poderia não ter nada que ver com o Sim. Seus instintos lhe disseram o contrário. Ela colocou rapidamente de pé e consolou à nervosa Bruxa.
O canyon ainda estava em sombras. Os lobos se aproximaram ainda mais. Tally selou e colocou as bridas à égua, e se preparou para ir-se. O único modo de fugir era de retorno pelo canyon, mas a menos que os lobos atacassem, ela não tinha nenhuma intenção de retirar-se.
Parecia que não lhe dariam uma opção. Bruxa bufou e sacudiu a cabeça em uma tardia advertência quando o primeiro lobo se arrastou do arbustos que se aferravam nas ladeiras do canyon. O animal era magro e cinza, apenas a metade do tamanho que Sim, mas tinha muita companhia. Um após o outro seus companheiros de manada se uniram, cada um olhando fixamente a Tally com luminosos olhos dourados.
Eles estavam tratando de comunicar-se, Tally estava segura. Não lhes entendo, disse ela silenciosamente, sem atrever-se a romper a quietude. Mas o primeiro lobo agitou sua cauda e deu um agudo latido. Os outros lobos começaram a rodear a Bruxa, cuidando-se das patas traseiras desta, formaram um círculo amplo.
Então fizeram algo para o qual Tally estava completamente despreparada. Avançaram para Bruxa, tocando-a para a parte mais alta do canyon. O cavalo pôs os olhos em branco e escapou para frente, só para ser detida pelos lobos à frente. Tally pôs sua mão no focinho tremente da égua e fez todo o possível para obedecer as tácitas instruções dos lobos.
Os lobos sabiam aonde iam. Estavam-na levando ao Sim.
Uma hora passou, e logo outra. A viagem era lenta, devido ao passo deliberado dos lobos e ao medo de Bruxa. Tally reconheceu os rastros de sua primeira ascensão ao canyon. Em um ponto sombreado por pinheiros, o lobo líder fez uma pausa e pareceu consultar com seus companheiros. Este veio ao encontro de Tally, sentou-se sobre suas ancas e lhe ladrou outra vez. Então se deu a volta e percorreu a ladeira que desalentaria até à mula de pé mais firme.
Tally entendeu que queria que ela o seguisse. Ela agarrou os arreios de Bruxa e olhou à égua aos olhos.
—Não quero te deixar — Disse ela — Mas não acredito que os lobos lhe façam mal.
Bruxa se estremeceu. Tally soltou ao cavalo, atirou o rifle de sua capa e retrocedeu. Bruxa deu um passo atrás dela e foi bloqueada por um lobo, que parecia desinteressado em fazer algo, mas procurava manter ao cavalo no lugar.
Tally não tinha nenhuma outra opção, só confiar. Subiu atrás do lobo líder, que a estava esperando. Ela escorregou em uma rocha solta, tratando de guardar seu equilíbrio com o rifle em uma mão, mas seu guia era paciente e escolheu o caminho menos difícil. Quando alcançaram a cúpula da ladeira, Tally sentiu uma sensação de familiaridade e se deu conta que o lobo a tinha conduzido por uma rota diferente ao suporte onde André tinha caído.
O lobo lhe permitiu uma oportunidade de descansar e logo indicou sua impaciência com um puxão de suas expressivas orelhas. Conduziu-a por um arvoredo, rodearam vários e grandes cantos rodados ao interior de um claro. Ao outro extremo do espaço aberto estava o muro de pináculos pelos quais Castelo Canyon era chamado assim. As uniões entre os pilares eram negras e profundas.
O lobo a impulsionou para uma das tais gretas. Parecia impossivelmente estreito, mas quando Tally se aproximou mais, viu pilhas de rochas e escombros que sugeriam que mãos humanas tinham estado trabalhando recentemente na limpeza de obstrução da abertura da brecha. Os rastros de enormes patas, pés humanos... Calçados e nus, e cascos se entrecruzavam sobre a terra ao longo da base dos pináculos.
Os rastros eram recentes. A menos que ele tivesse roubado roupa com o passar do caminho, Sim estaria descalço. Tally preparou o rifle e avançou com cautela para a greta. Era tão profunda que nenhum raio de sol alcançava o fundo. Mas embora a abertura limpa fosse estreita, até um homem grande poderia atravessar por ele se caminhasse de lado e ignorasse alguns raspões.
Os raspões eram a menor das preocupações de Tally. Esta era uma armadilha perfeita, e Sim poderia estar em seu interior com quem quer que tivesse montado a cavalo e levasse as botas. Tally reduziu a marcha a arrastar-se. Uns passos mais, e a greta se abriu em um amplo e ensolarado espaço rodeado por mais pináculos, uns dobrados e outros erguidos com suas coroas.
Tally se deteve um momento à saída da greta e deixou que seus olhos se adaptassem ao resplendor. Gradualmente distinguiu a forma no centro da areia natural... Um homem nu, meio em cócoras e preparado para saltar. Ele girou para estar frente a ela, gritando uma advertência. Um disparou explodiu e a bala orvalhou de terra aos pés do Sim.
—Não será nada bom correr agora — Disse Caleb Smith. Saltou para baixo desde seu cabide em uma das rochas inferiores que rodeavam a areia, apoiando-se sobre seu pé direito. Apontou sua arma para o estômago de Sim.
—Sei que está ai, Tally Bernard, assim será melhor que saia antes que mate a tiros a seu amante onde está.
—Retorna pelo caminho pelo que chegou, Tally — Disse Sim em um tom de plana indiferença.
— Ele me vai disparar de todos os modos.
Sim escutou atentamente sons que indicassem movimento na greta. Tally não tinha nenhuma razão para acreditar algo do que ele dissesse agora; até poderia pensar que isto era outra brincadeira que ele e Caleb tinham preparado entre eles.
Sim sabia que os lobos a tinham levado para ele, e ao tesouro. Se saísse disto vivo, ele e o líder da manada teriam um pouco de conversa. Mas os lobos realmente não tinham a culpa. Eles deviam ter viajado ao norte quando ele e Tally tinham cavalgado para Granadas; tinham estado esperando-o em Castelo Canyon, quase como se tivessem sabido que ele vinha. Tinha passado horas correndo monótonamente com a manada porque não queria pensar, muito menos procurar o tesouro. Tinha considerado que Tally trataria de segui-lo e a veria ou ouviria muito antes que ela chegasse até ele.
Os lobos a tinham encontrado primeiro. Poderia ser que sentissem que ela era sua companheira e pertencia a seu lado. Poderia ser que soubessem que Sim estava em perigo e necessitava ajuda. Eles poderiam ter sido de utilidade contra Caleb se tivessem ficado, mas Sim não podia cheirá-los nem ouvi-los. Ao final, as leis da natureza os levaram a proteger sua própria sobrevivência.
Deus sabia que Sim não merecia viver depois de sua estupidez ao deixar que Caleb fugisse de Tombstone. E depois tinha caminhado diretamente a esta armadilha natural sem dar-se conta que Caleb estava ali. Todos seus instintos, lobo e humano, tinham sido nublados pela tristeza e a raiva.
Talvez alguma parte dele desejava morrer, em lugar de confrontar o que Tally lhe havia dito e o que tinha feito a ela. Mas não ia permitir que ela pagasse por seus enganos.
—Imaginou que na verdade estava muito assustado para voltar — Disse Caleb, cortando seus pensamentos — Pensou que depois do que tinha visto, tinha fugido à fronteira e que seguiria fugindo o resto de minha vida. Equivocou-se.
Sim olhou da arma para o rosto triunfante de Caleb. Os olhos azuis estavam iluminados pela loucura.
—Suponho que o estava, Caleb. Suponho que te subestimei.
—Tornou-se suave. Não só Sim Kavanagh o homem, independentemente do inferno de que saiu. Mas também o demônio. —Ele jogou uma olhada sobre o ombro do Sim para a greta.
— A puta sabe o que é?
—Ela sabe — Disse Sim — Não podia aceitá-lo.
Caleb riu dissimuladamente.
—É verdade, Tally? O que se diz... deita com cães e acorda com pulgas?
Tally permaneceu calada, e Sim albergou uma abandonada esperança de que ela tivesse tido o sentido de escapar enquanto pudesse — Sua linda e pequena Miriam me disse que estava com o Sim — Continuou Caleb.
— Embora o encontrei aqui procurando o tesouro e você aparecendo depois, como se ele te tivesse deixado. Não quis compartilhar o prêmio contigo uma vez que pensou que se desfez de mim?
—Esteve em Cold Creek? — Perguntou Tally, sua voz ecoou na greta.
—Imaginei que conseguiria do Sim ou encontraria algo mais pelo que ele se preocupasse. Bem, finalmente falei com o André, e ele era tão inútil como disse Sim. Sim não mentia sobre isso.
—E Miriam? — Exigiu Tally — Se lhe tiver feito mal...
—Ah, ela está viva. — Caleb deixou que sua arma descendesse como se com isso demonstrasse quão pouco temia ao Sim.
— Quanto sabe sobre o tesouro?
—Ela não sabia até ontem — Interrompeu Sim.
— Mas isso não é pelo que está aqui. Descobriu que eu trabalhava contigo em um início, usando-a...
—Assim que ela te seguiu para te matar? Essa história é claramente lamentável. —Caleb sacudiu a cabeça com pena fingida.
— Pode idear algo melhor que isso, não é assim, Tally?
—O que fez em meu rancho?
—Consegui o mapa. O verdadeiro e original mapa que seu irmão me roubou.
Sim tratou de não mostrar surpresa, mas Caleb o conhecia desde fazia muito tempo.
—Isso era algo com o que não contava, não? — Disse Caleb.
— Disse que obteve uma cópia do mapa de André, mas o original se perdeu. Bem, sempre o teve Eli... Tirado diretamente das mãos do André quando jazia moribundo nesse arroio.
—Está mentindo — Disse Tally.
—Por que deveria mentir? Parece que Eli e seu irmão tinham seu próprio acordo, e André não o cumpriu. Pagou o preço por atacar a seu sócio, e agora Eli também o paga.
—Não. — O protesto de Tally se quebrou em um soluço — Bastardo...
—Isso seria o Sim. — Riu Caleb.
— Pode te consolar com o fato de que Eli entregou o mapa para salvar a sua mulher. —Contemplou o Sim, e de repente o sorriso desapareceu.
— O que faria você para salvar à sua?
—Minha mulher? —Sim transladou seu peso, medindo a rapidez das reações do Caleb. Tinha que comprar a Tally outra oportunidade de escapar.
— Quer saber sobre minha mulher, Caleb? É uma puta. Uma asquerosa puta, igual a minha mãe.
—Agora mesmo diria algo só para...
—Trabalhava em um bordel de categoria em Nova Orleáns e depois se casou com um inocente que não conhecia seu passado. O ocultou a todo mundo, até que uma “puta” em Tombstone a reconheceu.
Caleb inspecionou o rosto de Sim através dos olhos entrecerrados e depois começou a rir.
—Se isso não for assombroso — Disse — Nunca imaginou. Montou-a e nunca soube que estava te levando mercadoria usada... Sim Kavanagh, o homem que menosprezava a qualquer mulher que recordasse a sua querida mamãe. — Deu uma palmada na coxa de muito bom humor — Não pôde cheirar a todos os outros homens em seu corpo?
Sim deixou mostrar um pouco de aborrecimento, sabendo que Caleb obteria prazer com a humilhação de seu antigo sócio.
—Rompi minha própria regra — Disse — Confiei em uma mulher.
—De acordo, é estúpido — Disse Caleb — Mas tenho curiosidade... Deitou-se com você em suas duas formas? Algumas mulheres fariam tudo por dinheiro.
Sim cobriu sua fúria com uma simples brasa trêmula. Rezou... A quem ou o que, não sabia... Para que Tally se desse por vencida e se fosse enquanto pudesse. Ele necessitava mais tempo.
—Pode ameaçá-la tudo o que queira, Caleb — Disse — Não me importa o que lhe passe.
—É muito tarde, Sim. Mostrou suas cartas em Tombstone. — Apontou com a arma aos pés do Sim.
— Vais sair, Tally, ou o vou voar a partes, pedaço a pedaço.
Nenhum ruído da greta. Os sentidos do Sim lhe disseram que ela não estava ali, entretanto Caleb ainda não sabia.
—Esta não é sua luta — Disse Sim — Começa a disparar.
—Não é sua luta? — Perguntou Caleb — Matei a seu irmão.
Sim colocou tenso. Tally deveria ter reagido diante tais notícias se tivesse estado o suficientemente perto para as ouvir.
—Foi-se — Disse.
Caleb encolheu os ombros.
—Não importa. Uma vez me encarregue de você, posso agarrá-la em qualquer momento.
—Há um problema com esse plano, Caleb. Ouviu os lobos ontem à noite?
Suas palavras tiveram o efeito desejado. Caleb se moveu e quase afastou o olhar.
—Não ouvi os lobos — Disse.
—Estão ali, vale. Nos rodeando.
—E?
Sim não podia permitir o luxo de deixar na razão do Caleb a menor incerteza.
—Falo com eles, Caleb. Entendem-me, e os entendo. Posso lhes fazer o que quiser.
Caleb cravou a boca de sua arma no peito do Sim.
—Não se estiver morto.
—Se morrer, eles virão atrás de você.
—Deixem que venham. —Pressionou-o com a arma, obrigando ao Sim a ir para o pináculo do muro — Seu problema é que já não me dá medo, Sim — Disse Caleb.
— Arrumado a que faria algo para salvar a sua prostituta. E se fizer o que digo, possivelmente a deixarei com vida. Sabe onde está o tesouro. Eli disse que não acreditava que o tivesse pego nunca. Melhor que não se enganou. Vai entrar e tirá-lo para mim.
Sim deu uma olhada à greta. Começava a entender porque Caleb o tinha deixado com vida tanto tempo. Caleb queria pensar que ganharia, facilmente... Que era igual ao Sim, inclusive melhor. Queria que Sim presenciasse cada último momento de seu triunfo e admitisse a vitória do Caleb.
—Ponha a quatro patas — Disse Caleb — E se arraste como o cão apaixonado que é. Mas permanece humano, ou irei atrás de Tally Bernard.
Sim caiu de joelhos. Arrastou-se para a fissura, enquanto Caleb permanecia sobre ele e ria. A união entre os pináculos tinha a forma quase como uma cova triangular, pequena e profunda, o suficientemente grande para que um homem entrasse sobre seu estômago. Sim se esmagou sobre o chão e se deslizou dentro da fenda. Seus olhos se ajustaram rapidamente à escuridão.
Não sabia o que esperar. A fissura não era grande, certamente não o suficientemente grande para ter capacidade a sacos e sacos de prata e ouro. Mas Sim foi capaz de permanecer, meio agachado, e observar tudo na câmara com uma simples olhada.
—Empurra-o fora! — Gritou Caleb— Depressa!
Sim riu pelo baixo.
—Não posso.
—Advirto-lhe isso... — A voz do Caleb tomou um matiz histérico.
— Sim!
Sim se estirou na vermelha terra e se arrastou saindo da greta, meio esperando que Caleb lhe voasse a cabeça.
—Onde está? — Gritou Caleb.— O que tem feito com ele?
—Nada. —Sim se levantou.
— Vá e olha-o por você mesmo.
Os olhos de Caleb eram de louco, e Sim se preparou para a bala. Se Caleb tivesse tido um pouco de cérebro, tivesse-a posto no meio do crânio do Sim.
Explodiram disparos. Caleb amaldiçoou. Sim cambaleou, cego pela dor quando a bala do Caleb acertou na perna. Através de uma neblina avermelhada viu Tally pendurada do pináculo mais baixo, apontando um segundo disparo para o Caleb. Caleb girou e apontou a arma para Tally.
Sim saltou para o Caleb, a perna ferida lhe falhou. Dois disparos mais trovejaram entre os pináculos, e Tally caiu enquanto esquivava dos desesperados disparos de Caleb. Lançou-se com força ao chão, ficando sem respiração. O rifle saiu voando de seu alcance. Combateu uma quebra de onda de vertigem e colocou de pé, tentando encontrar sentido à cena que tinha diante.
Sim estava de joelhos, o sangue emanava da ferida de sua perna. A arma de Caleb tinha sido arrancada de sua mão por um atirador perito. E Eli permanecia precariamente equilibrado entre o topo plana de dois pináculos, seu ombro e a parte superior do peito envoltos em farrapos cobertos de vermelho, seu Colt preparada para abrir um buraco no peito do Caleb.
Tally encontrou seu rifle, amolgado mas intacto, encravado em um oco entre dois pináculos. Correu para o lado de Sim, confiando em que Eli mantivera quieto ao Caleb. O fluxo da ferida de Sim havia já diminuído a um fio de sangue. A bala perdida lhe tinha destroçado a perna, mas a ferida parecia o bastante grave para aleijar um homem de por vida.
—Quão grave é? — Perguntou ela.
—Não é nada — Disse entre dentes.
—Meu cavalo está atrás descendo pelo canyon. Tem que haver algo nas alforjes que possa usar como vendagem e entalá-la até que possa ir ao doutor.
—Não o necessito. Curará-se por si só.
Podia dizer que não estava mentindo para seu benefício. Tinha que confiar em sua opinião no que se tratava de suas insólitas habilidades.
—Pode caminhar? — Perguntou.
—Em um momento. —Ele franziu o cenho e tocou um arranhão ao lado da bochecha dela.
— Poderia se matar, escalando as rochas.
— Caleb disse que voaria a pedaços. Acreditei...
Ele suspirou e fechou os olhos.
—Tally...
Ambos sabiam que não era tempo para conversar, não importava quanto tinham que dizer-se ainda o um ao outro. Tally ajudou ao Sim a mover-se tão longe como fosse possível de Caleb e o apoiou contra o muro de rochas. Apontou com seu rifle a Caleb.
—Eli?
—Ouço-a, senhorita Tally.
—Caleb disse... Pensei que estavam...
—Morto? —Eli largou uma gargalhada — Ele também o pensava.
Tally arriscou um olhar para cima a seu amigo. As ataduras ao redor de seu ombro se estavam empapando rapidamente de sangre fresca.
—Miriam está bem? Os meninos?
—Sim.
—Não sei como o fez desde o Cold Creek, Eli, mas necessita ajuda.
—Não enquanto Caleb Smith esteja vivo.
Tally olhou a Caleb. Estava pálido, ao parecer alheio à conversa entre eles.
—Sei que André está morto — Disse ela. A voz quebrada, e obrigou às palavras através da dor que começava a sentir.
— Pendurarão Caleb por assassinato.
—Não só o de seu irmão — Disse Eli — Não é assim, Sim Kavanagh? —Seus escuros olhos descartaram a nudez de Sim como se fossem sozinho outro sinal de sua depravação inata.
— Quantos homens enviou à tumba entre os dois?
Sim levantou o olhar para Eli, o rosto inexpressiva inclusive de dor.
—Sei o que fui — Disse — E o que sou. Também Tally. Contei-lhe o do tesouro.
—Admite que esteve trabalhando sempre com o Caleb?
—Já não — Disse Tally. Encontrando-se com o olhar do Sim — Acredito que sua associação terminou antes que fossem a Sonora. Sim salvou minha vida mais de uma vez. Ele... — Tragou saliva.
— Sabia o do mapa, Eli?
—Por que não lhe conta o que me disse, menino búfalo? —Disse Caleb, assombrando a todo mundo.
— Como estava confabulado com o André depois de que me roubasse o mapa no Texas, e como o transformou nessa coisa, e eu o tirei de seu sofrimento?
Tally apertou seu agarre sobre o rifle.
—Ninguém acredita em suas mentiras, Caleb.
—Mas Caleb acreditou nas minhas — Disse Eli — E não todas elas eram mentiras. —Perdeu o equilíbrio e o recuperou.
— Quando Caleb apareceu ontem em Cold Creek, contei-lhe que descobri que André tinha roubado o mapa, e como fiz que seu irmão me aceitasse como sócio para encontrar o tesouro. Essa parte era mentira. Nem sequer vi o mapa até chegar ao Arizona. — Contemplou Caleb.
— Esse mapa nunca pertenceu a Caleb ou a André. Era de meu pai. Caleb o assassinou para o ter, e estive rastreando ao bastardo desde que abandonei a cavalaria.
Caleb riu.
—Esse maldito velho feito pó era seu pai?
Sim começou a levantar-se e desceu outra vez com uma concessão.
—Fecha a boca, Caleb.
—Não quer ouvir a história completa, Sim? É boa.
Tally não cedeu ao impulso de fechar os olhos de desespero. Sim lhe tinha contado que André tinha roubado o mapa, e agora Eli o confirmava. Tinha sabido que André tinha defeitos e debilidades, que tinha feito a maior parte de seu dinheiro em sua associação com os ladrões de gado no Texas. Mas acreditava que estava tratando de ir pelo bom caminho, assim como ela. Em troca, tinha mentido e arriscado suas vidas pela riqueza que podia não ser mais que uma ilusão.
Sim ignorou Caleb e se dirigiu a Eli.
—Rastreou Caleb até o rancho do André no Texas — Disse — E obteve um trabalho ali. Trabalhou no Penhasco Vermelho um par de anos. Caleb não sabia quem foi, ou se tivesse encarregado de você faz já tempo. — Apoiou as mãos contra a parede de rochas a suas costas e se impulsionou de pé — Ganhou a confiança de Tally, que não a dá à ligeira. Depois a desperdiçou. Por que trouxe seus assuntos ao Cold Creek? Se queria vingança por seu pai, por que não matou Caleb no Texas?
—Pareceria simples para um homem de sua natureza — Disse Eli. Olhou fixamente abaixo para Tally, o pesar sem limites nos escuros olhos.
— Quero que entenda. Enganei-a, mas só porque não queria que você ou Miriam ou ninguém mais fosse machucado. Depois das coisas que André já te tinha feito, considerei-o tão mau como Caleb. Mas você parecia necessitar...
—Tão mau como Caleb? — Interrompeu Tally.
— André me acolheu quando não tinha onde ir. Ele... Ele possivelmente me mentiu, mas...
Sim lançou um olhar ao Eli que ela não pôde interpretar. Coxeou ao lado de Tally e a tranqüilizou com uma mão nas costas.
—Acaba sua história, Patterson. Como descobriu André o mapa?
Eli liberou um curto e súbito fôlego, mas quando falou, foi a Tally.
—Não sei. A seu irmão e ao Caleb gostava de beber, e falavam. Sabe que André alojou Caleb e a seus homens na casa em mais de uma ocasião. —Jogou a Caleb um olhar cheio de desprezo.
— Possivelmente bebeu o suficiente para mostrar-lo ao André e depois não o recordou.
—Filho da puta — Amaldiçoou Caleb — Nunca mostrei o mapa a ninguém.
Eli se encolheu de ombros.
—Uns meses antes vendeu sua parte do rancho, André me comentou sobre um novo plano que o faria rico sem nenhum esforço. Tinha estado observando o Caleb de perto, e sabia que estava furioso por perder uma posse valiosa. Uma noite enquanto você e André foram ao povoado, observei Caleb entrando às escondidas na casa grande. Procurou no quarto do André. Não encontrou o que estava procurando. Então imaginei que André tinha mapa.
Caleb se moveu, e Tally levantou o rifle até o ombro.
—Fica onde está — Ordenou.
—Eu a escutaria se fosse você — Disse Sim.
Caleb fulminou Eli com o olhar. Tally afrouxou o agarre sobre o rifle com muito cuidado. Se disparasse em Caleb, não seria um acidente.
—Contínua, Eli — Disse ela.
—Seu irmão tinha que saber o risco que assumia — Disse Eli, como se não tivesse sido interrompido.
— Não muito depois, Caleb foi detido pelos Rangers. Não tinha nenhuma razão para ficar no Texas. Duas das três coisas que queria estavam no Arizona: o mapa e Miriam. A terceira podia esperar.
—O mapa significava mais para você que a vingança — Disse Sim.
—Você e Smith estão cortados pelo mesmo padrão. Contou-te como obteve o mapa?
—Não.
—E te teria importado um caralho se o tivesse sabido.
—Sinto o de seu pai — Disse Tally, piscando para limpar a imprecisa umidade de seus olhos — Mas Sim não o matou, Eli.
—Podia facilmente ter sido Kavanagh... Ou qualquer da maldita escória como ele. —O rosto de Eli se transformou em uma expressão que Tally não tinha visto antes, como se os terríveis sentimentos que guardava para si mesmo o estivessem destroçando por dentro.
— Meu pai trabalhou toda sua vida para construir seu negócio de navios em Delaware, dando uma boa vida a sua família. Mas quando começou a guerra, os anti-abolicionistas prenderam fogo a seus armazéns. Minha família perdeu tudo. Era o suficientemente grande para me unir ao exercito da União, e minha família foi viver com uns parentes na Pensilvânia. Não soube nada deles durante muito tempo. Finalmente me inteirei que minha mãe tinha morrido e meu pai se foi para o oeste para afastar-se da guerra e a antiga vida.
—Não sabia — Sussurrou Tally.
—Nunca o contei a ninguém, nem no exército. Quando acabou a guerra, assinei com a Décima Cavalaria, imaginando que teria uma oportunidade bastante boa para encontrar a meu pai. Mas tinha desaparecido. Então um dia em Fort Concho me chegou uma carta do México. Meu pai tinha estado trabalhando em uma mina ali, mas não foi um êxito. Tinha comprado um mapa de um velho em Sonora... Um mapa que disse o levaria a um tesouro perdido no Território do Arizona. Era o único sonho que ficava.
—Também é o sonho do Caleb — Disse Sim.
— Sempre estava falando sobre encontrar uma mina enterrada ou ouro espanhol.
—O pai de Patterson só era um velho estúpido — Disse Caleb— Mas obteve o primeiro mapa. Deveria ter sido meu. Agarrei-o.
Eli tragou saliva, cada músculo de seu corpo esforçando-se pelo controle.
—Deixou testemunhas de seus crimes. Quando encontrei a tumba de meu pai nesse povoado jurei que te perseguiria e apanharia.
—Mas nunca tentou me matar — Disse Caleb — É um pestilento covarde como toda sua raça. Pior... É um desertor. Um criminoso procurado. — Riu André falava, de acordo.
Eli se manteve rigidamente quieto.
—Não me justificarei diante você, Smith — Disse. Girou-se para Tally, lhe pedindo em silêncio sua confiança.
— O mapa era a última vontade e testamento de meu pai, tudo o que tinha ficado dele.
—André era um branco mais fácil, assim foi atrás dele em vez de mim — Caleb zombou alegremente.
—Não — Disse Tally.
— Eli...
—Ao final fui atrás do André — Disse Eli.
— Quando deixou de comprar gado na primavera, suspeitei que tinha alguma outra coisas em mente.
—Por que esperou tanto André para procurar o tesouro? —perguntou Sim.
—Não sei. Possivelmente queria estar seguro de que Caleb estivesse fora do caminho para sempre, pendurado por seus crimes. Estou seguro que André não fez nada com o mapa até esta primavera passada. Quando a senhorita Tally me enviou atrás dele, soube em Tombstone que tinha comprado mulas e ido para Chiricahuas. Rastreei-o, até que o pilhei olhando uma velha parte de papel que sabia tinha que ser o mapa. Essa foi à primeira vez que o vi.
—André não sabia que fui atrás dele — Disse Sim.
—Não, mas devia haver-se temido que podia ser seguido, porque freqüentemente voltava sobre seus passos ou tentava ocultar seus rastros. Deixei o cavalo atrás quando alcançamos as montanhas e o rastreei a pé. Esperava que uma vez encontrado o tesouro o poderia persuadir de comportar-se honoravelmente. — As palavras cheias de arrependimento.
— Era minha amiga, Tally. Por seu bem e o da Miriam... Não queria lhe fazer danifico. Mas quando tratei de explicar o do Caleb e meu pai, atacou-me. Disse que não se importava o que tinha acontecido com meu pai. Zanguei-me muito. Brigamos. Agarrei o mapa, e ele perdeu o equilíbrio. Caiu.
—Deixou morrer a seu irmão — Disse Caleb a Tally.
—Disse que se calasse — Grunhiu Sim.
Eli assentiu ao Sim e respirou profundamente.
—Vi que André batia a cabeça. Não estava sangrando muito, mas a maneira em que estava estendido... —Enfocou os avermelhados olhos no zombador rosto do Caleb.
— Sei o que quer dizer. Queria que morresse assim não poderia dizer a ninguém o que tinha feito. Possivelmente tem razão. Aguardei muito tempo, esperando que se levantasse.
—Coxeava quando Tally e eu trouxemos de volta ao André a Cold Creek — Disse Sim.
—Ocorreu na briga — Disse Eli — Minha perna não estava quebrada, mas não pude descer ao arroio. Na cavalaria ensinaram a não mover a um homem nessa condição sem uma maca. Disse a mim mesmo que se o deixava sozinho, algum animal acabaria com ele. Uma ou duas vezes mostrou sinais de conhecimento, mas pude ver que não estava melhorando. —As lágrimas se misturaram com o suor brilhando em seu rosto.
— Deus me perdoe, pensei em fugir. Então vi que você e Sim subiam pelo vale, e supus que o encontrariam. Eu retornei a Cold Creek.
Era tudo o que Tally podia fazer para não deixar cair o rifle e deixar que a tragédia da história do Eli a afligisse. O toque firme e doce de Sim foi à única realidade, o único verdadeiro nessa loucura de assassinato, tristeza e cobiça.
—Deveria ter sabido que Eli estava ali — Disse Sim só para que ela o ouvisse — A chuva limpou seu aroma, mas deveria havê-lo notado uma vez que me encontrei com ele.
E o que teria feito ela se o tivesse sabido? Não teria acreditado no Sim se tivesse feito tal reclamação. Não teria parecido possível que Eli pudesse agir menos que honoravelmente.
Negou com a cabeça, incapaz de falar. Eli se moveu nas rochas de cima.
—Tem todo o direito a me odiar, Tally — Disse — Não podia reconhecer a parte que tive no acidente de André. Não queria perder o que tinha em Cold Creek. Mas desprezava o mapa, assim como me desprezava . E quando o li... —Fez um som, meio soluço meia risada.
— Soube por que meu pai tinha morrido, por que o mapa trazia tanto dor.
—Estava maldito.
Capítulo 21
—Sim — Sussurrou Tally — Não tem feito nada exceto destruir.
Mas Sim se encontrou com o olhar amargo de Eli e compreendeu o verdadeiro propósito do soldado de Búfalo.
—Alguém jogou uma maldição no tesouro — Disse.
—O homem que desenhou o mapa também escreveu uma advertência — Disse Eli.
— Era um monge, um servo de Deus, e foi a maldição de Deus a que ele invocou. Qualquer que tentasse encontrar este tesouro com cobiça ou ira sofrer um terrível destino. —Eli esfregou o rosto com a mão livre, fazendo um gesto de dor quando a saturada vendagem se deslizou de seu ombro.
— Meu pai morreu por ele, André foi aleijado, e eu... Eu sei que nunca serei capaz de esquecer o que tenho feito.
—Maldito — Repetiu Caleb — Por isso quis que agarrasse o mapa. —Abriu os olhos de par em par, e Sim quase esperou que jogasse espumas pela boca como um cão raivoso.
— Queria que a maldição caísse sobre mim.
—Já tinha caído — Disse Sim — Calculo que não deixará este canyon com vida.
—Tem razão — Disse Eli. Seu rosto e sua voz eram as de um homem que não tinha nada que perder. Ou nada pelo que viver.
— Quando Sim disse que te tinha deixado abandonar Tombstone, soube que voltaria. Nada que não fosse a morte te deteria. Isso era parte da maldição. Escondi o mapa e esperei. Guardei o tesouro só para você, Caleb.
Caleb gemeu pelo desço de sua garganta.
—Você o viu — Espetou a Sim — Você é o que está maldito.
—Conto com isso. Mas serei o último. — Retirou a mão das costas de Tally. Não necessitava que a sustentasse mais; era forte, mais forte que ninguém nesse pequeno rincão do inferno.
— Tally está fora disto, e muito em breve se livrará de nós.
Tally lhe jogou uma olhada. Os cachos do loiro cabelo, tornaram-se escuros com o suor, penduravam de sua testa, e os olhos estavam vermelhos de dor. Sim não era capaz de agüentar o olhar durante muito tempo.
—Livre? — Repetiu — O que havia nessa greta, Sim?
Em todo este tempo, ninguém tinha perguntado. Olharam-no fixamente como se guardasse os segredos do universo.
Caleb esqueceu seu apuro, esqueceu as armas apontando-o, esqueceu as maldições.
—O que é, Sim? — Implorou.
— Prata? Ouro? Cruzes cheias de jóia?
Sim sorriu.
—Direi — Disse — E não te fará bem, Caleb. É algo que não entenderia. A verdade está nessa cova.
Um profundo silêncio caiu entre as cúpulas, tão completo que a chamada de um pássaro longínquo soou como um disparo.
—A verdade? — Caleb começou a tremer, sacudindo-se com surda risada — Pensa que é gracioso? Pensa que pode me fazer isto, Kavanagh?
—Vá e olha-o por você mesmo — Disse Sim.
—Kavanagh... — Advertiu Eli.
—Deixe ver o que tentou tão duramente de conseguir. Pelo que matou.
O olhar de Caleb passou de Eli para o Tally.
—Jura — Exigiu — Jura que não me dispararam.
—Não deixarei — Disse Sim. Baixou o cano do rifle de Tally.
Olhou para Eli, quem a contra gosto baixou a arma.
Eli não mataria Caleb. Sim o tinha sabido desde o começo, assim como sabia que não estava na Tally tomar esse tipo de vingança, inclusive em um homem que a tinha machucado. Se Eli tivesse a intenção de matar a seus inimigos, o teria feito fazia muito. Algo o conteve. Algo bom que não merecia ser destruído.
Mas Sim não era como Eli. Caleb nunca abandonaria este lugar.
Caleb retrocedeu até a greta, arrastando os pés, um tipo de temor substituído por outro. Ficou em cócoras perto da entrada, vacilando, depois colocou o braço atrás. Girando a cabeça para observar a seus inimigos, retorceu-se para trás na união até que foi tragado pelas sombras.
Sim notou o olhar de Tally e se girou para encontrá-la. Seus olhos estavam brilhantes e belos na alegria ou na enfermidade, generosos, quentes e valentes. Ela questionava seus motivos, sua prudência, tudo exceto os imprudentes intentos dela por lhe salvar a vida. Sua vida e sua alma.
Não era questão de ficar sentimental agora. Tinha sido um lobo vagabundo antes que aprendesse como Trocar, sem fazer caso do açougue que deixava atrás dele, não era melhor que Caleb. Nada no passado de Tally podia comparar-se com o menor de seus pecados. Quando se tinha enfurecido com ela, enfureceu-se consigo mesmo por atrever-se a acreditar que tinha uma oportunidade de salvação. Inclusive Esperança não podia salvá-lo, nem sequer com todas as benções do céu.
—Eli? Ouve-me? — Disse.
—Ouço-te, Kavanagh.
—Está a ponto de desabar sobre sua ferida. Leva a Tally de volta até os Bryson e depois te encarregue disto. Eu...
—Eli precisa ver um doutor — Disse Tally — Mas vamos todos juntos.
O desespero em sua voz a delatou. Ela sabia.
—Eli tem a primeira reclamação sobre Caleb — Disse Sim, evitando seus olhos — O quer, Patterson?
O grandalhão inclinou o queixo para o peito.
—Não — Disse — OH, esperei este momento. Sonhei com ele. Mas Miriam nunca me perdoaria, embora pudesse... Não. — Soluçou a última palavra, atormentado pelos estremecimentos do mais profundo de seu corpo— Terminei com o assassinato.
—E você, Tally? — Perguntou Sim, desumano.
— Disparou a seu irmão. Teria matado o Eli, o Federico, o Bart e os meninos sem pensá-lo duas vezes.
Tally fechou os olhos. Uma lágrima brilhou em sua suja bochecha.
—Não. Irá aos tribunais. Pendurarão-o, Sim. Isso é justiça.
Nunca a admirou mais do que o fez então.
—Caleb poderia obter o que se merece — Admitiu Sim em voz baixa — Mas poderia ficar livre outra vez. Como protegerá a sua gente se isso ocorrer?
—Não me afugentarão — Disse ela.
— Não me converterei no que ele é, sem importar o que eu tenha sido.
Tinha o coração de causar pena para lhe deixar responder. Sim levantou a cabeça, escutando um grito sutil embora inconfundível das colinas circundantes. O primeiro uivo proveio desde menos de meia milha de distância.
—Lobos — Disse Eli.
—Os que me trouxeram aqui — Acrescentou Tally.
—Trouxeram-lhe aqui? — Perguntou Eli — Como...?
Um alarido saiu da cova do tesouro, seguido por uma risada espantosa. Eli com cautela desceu da saliência, embalando o ombro ferido, e avançou para a greta.
—Acredito que Caleb encontrou seu tesouro — Disse Sim.
Eli fez uma pergunta com o olhar mas não falou.
—Parece que sua maldição é estar louco.
Outro alarido baixou flutuando da colina, e a risada de Caleb cessou.
—Vocês dois melhor que partam — Disse Sim.
Tally obstinada se plantou entre o Sim e a cova.
—Não vou deixar que o mate — Disse — Era seu amigo.
—Os homens como eu e Caleb não têm amigos.
—Mas você e Caleb não são iguais. —Seus olhos jogaram desafiantes faíscas — É mais que um homem, Sim. Tem uma escolha.
Sim, tinha uma escolha. E os lobos o recordaram que podia escolher a via da amnésia total. Aceitariam-no como um deles. Podia deixar o mundo humano atrás para sempre. A humanidade, a amizade... O amor... Tudo se transformaria em sonhos de uma vida anterior, desprezada junto com a vergonha, a culpa e a consciência.
Virou-se para o Eli.
—Tenho que fazê-lo, Patterson. Tira a daqui. —As palavras arderam em sua garganta.
— Você e Miriam... Cuidem.
—Isto é uma loucura — Disse Tally — Agi como se não houvesse outro caminho. Como se... —Calou de repente e cravou a vista na pisoteada terra entre eles — Não te deixarei proteger Cold Creek a custa de sua alma.
—Não necessito que Cold Creek, você ou alguém de uma razão para matar ao Caleb —Disse Sim — Me tem feito suficiente dano.
—Disse que voltou aqui para encontrar o tesouro para mim. Algo que seja, não o quero. Você há... Mais que pago pelos serviços emprestados. Não tem que me ver nunca mais.
Os serviços emprestados. Tally lhe arrojou as cruéis palavras à cara. Não tinha compreendido que ele lamentava suas acusações em Los Granadas, que queria fazer o correto?
Só tinha uma forma de fazê-lo, entendesse-o ou não. Só uma mulher o tinha amado alguma vez, e tinha a intenção de deixá-la a salvo e livre.
—Me escute, Sim — Disse, empurrada a suplicar por seu silêncio — Tudo o que peço é que deixe o castigo de Caleb em mãos da lei. Toma meu cavalo e cavalga fora deste canyon. Não olhe atrás.
—Está-me despachando? — Perguntou-lhe com um sorriso zombador.
De repente ela levantou o rifle e lhe apontou.
—Sim. Todas as coisas que disse em Los Granadas... Tinha razão. Quando falei de meus sentimentos por você, menti a ambos. O amor foi expulso de mim faz muito tempo. Mas Cold Creek ainda é meu, e te quero longe antes que possa arruinar o que deixei. Enviarei-te os pagamentos em qualquer lugar que...
—Pendura meus pagamentos — Disse Sim.
Ela estava falando muito rápido, tratando de esforçar-se em lhe fazer acreditar que se tornou contra ele tão completamente como quando a tinha traído na festa. Mas não era assim. Tinha-o perdoado em algum lugar entre As Granadas e Castelo Canyon. Simplesmente não se podia perdoar a si mesmo.
—Eli, me dê sua arma — Disse.
—Caramba, amigo, está nu como o dia que nasceu. Necessita mais que uma pistola, e esta... —Embainhou-a com firmeza — Não vai matar outra vez.
Com um rápido e singelo movimento Sim arrebatou o rifle da sujeição de Tally.
—Este servirá.
Eli deixou cair a mão.
—Tally tem razão — Disse seriamente — Agora tem uma oportunidade, Kavanagh. Talvez haja esperança para você, mas é sua última oportunidade para aproveitá-la.
Os lobos uivaram, inclusive mais perto que antes. Chamavam o Sim para que se unisse a eles, desde esse momento e para sempre.
—Ouve-os? — Perguntou a Eli — essa é minha escolha.
Formas de pelagem cinza apareceram na saliência onde Eli tinha permanecido e em cada outra superfície que pudesse lhes dar capacidade. Três lobos mais corriam através da entrada de areia, agachando-se atrás Sim como triplas sombras. Eli foi por sua arma.
—Não — Disse Tally — Esses lobos pertencem ao Sim.
—Não pertencem a ninguém — Disse Sim — Mas acredito que me consideram um deles.
—O que é? — Sussurrou Eli.
Sim Trocou. Sentiu a perna ferida curar-se enquanto sua forma se alterava. Eli observava com fascinação e horror.
—Não tire a arma, não importa o que veja — Advertiu Tally, sua voz nítida e ainda estranhamente distante para as lupinas orelhas de Sim.
Sim permaneceu diante o trio de lobos, com a cabeça e a cauda em alto.
Um deles era o líder da manada. Tinha escolhido a lealdade para o Sim sobre o cru instinto e não brindou desafio. Obedeceu as ordens não faladas de Sim, arrastando a sua companheira e ao terceiro lobo em um círculo ao redor de Tally. Dois lobos mais saltaram da saliência e avançaram para o Eli, mantendo-o a raia.
—Tally... — Disse Eli.
—Está bem.
Os três lobos começaram a tocar a Tally para a entrada de areia. Não resistiu, possivelmente temendo que Eli trataria de defendê-la se lutasse. As lágrimas descenderam por suas bochechas. Tratou de olhar atrás, sobre seu ombro, mas os lobos lhe pressionaram as pernas até que teve entrado na greta.
Sim Trocou de novo e se enfrentou ao Eli.
—Agora sabe — Disse — Tally sabia há algum tempo. Sempre esteve a salvo comigo. —A verdade pela metade, uma de quão últimas tinha que dizer nunca se deslizou por sua língua com facilidade.
— Já não tem que temer por ela.
Eli sustentou seu ombro ferido, manchando-as mãos de sangue.
—O que quer de mim?
—Só o que disse antes. Permanece com vida e olhe que Tally retorne ao Cold Creek. Ainda confia em você.
—Se o fizer, é mais do que mereço. —Eli sorriu de maneira estrangulada.
— Já não sei o que é real.
—Tem a Miriam. É o bastante real.
Não tinha intenção de mostrar amargura, mas Eli a ouviu.
—Deus sabe por que — Disse — Mas o coração de Tally não trocou. Quer que fique.
—Isso não é possível. Mas tenho uma pergunta antes que vá. Disse que André machucou a Tally, mas não explicou o que quis dizer.
A expressão do Eli se fechou como um punho.
—Mentiu-lhe. Ele...
—Não quero dizer sobre o mapa. André teve algo que ver com a época dela em Nova Orleáns?
—Como sabe isso?
—Tally me contou o de Nova Orleáns quando estávamos na festa. Alguém em Los Granadas a reconheceu.
Eli se afastou, arqueando-se sob sua carga de dor e pesar.
—Ela trabalhou tão duro para deixar o passado atrás. —Fulminou com o olhar ao Sim.
— A julgou por isso... Você, entre todas as criaturas da terra?
—Não a julguei. Só quero saber como ocorreu... Como chegou a ser o que era.
—Poderia-te pedir o mesmo a você — Resmungou Eli.
— Não falou sobre o André?
—Não.
—Então não o entendo. Quando disse isso a respeito do André, lhe fazendo danifico, pensava que sabia.
—Saber o que?
—Que foi André quem compactuou em vendê-la a esse homem que foi a sua granja quando só era uma menina. Venderam-na justo como venderam a minha Miriam.
O resto da história saiu de Eli como se soubesse que sua força não duraria muito mais. Quando acabou, suas pernas se renderam baixo ele, e Sim o levou a entrada do lugar.
—Já acabou aqui — Disse Sim — Vá com o Tally.
Eli assentiu com a cabeça, muito fraco para discutir inclusive se tivesse querido. Não se deu conta quando Sim agarrou sua pistola. Uma vez que Sim esteve seguro de que Eli tinha alcançado o outro lado da greta, retornou à cova do tesouro. Meia dúzia de lobos se congregaram atrás dele.
—Vamos fora, Caleb — Disse — O jogo se acabou.
—Têm que deixar ir por ele.
A voz de Tally estava rouca de suplicar, mas os lobos eram guardiães implacáveis. Não se podia raciocinar com eles, nem se moveram um passo do lado de Tally. Quando Eli tropeçou com a greta, simplesmente se separaram de seu caminho, rodearam-no e fecharam filas atrás dele.
Eli estava em mal estado. Tally tomou tanto de seu peso como pôde e o baixou com cuidado a uma rocha plana. Suas vendagens eram tudo menos úteis. Logo começaria a perder tanto sangue que nem com o melhor cuidado se esperaria que se recuperasse.
Sentou-se ao lado de Eli, mantendo-o erguido.
—Sim?
—Eu... Não pude detê-lo — Disse Eli — O sinto, Tally.
Tally negou com a cabeça. Não era sua culpa. A culpa não era de ninguém mais que dela. Já tinha perdido André. Eli morreria também se não o levasse com alguém que pudesse tratar apropriadamente suas feridas.
Sim fazia sua escolha. Ela tinha atrevido a acreditar que podia deter um ser tão poderoso e selvagem, o deter e o fazer mudar. Tinha falhado de tantas formas, mas o maior fracasso era que o estava deixando perder a si mesmo.
Usou toda sua força para pôr o Eli de pé e empreendeu a viagem de volta, descendo o canyon. Os lobos ficaram ao pé da cúpula. Esperando. Ouvindo, como fazia ela, o som de um disparo fatal. Mas o mundo guardava um inquietante silêncio, exceto pelo áspero bufo da respiração de Eli e os irregulares e fortes batimentos de seu próprio coração.
A égua de Bart estava esperando onde Tally a tinha deixado, protegida por um único lobo. Bruxa levantou as orelhas e relinchou com eqüino alvoroço quando Tally se aproximou. O lobo se afastou trotando. Fazia seu trabalho.
Tally empurrou e persuadiu facilmente Eli de que subisse à cadeira de montar. Para quando viu a fumaça da chaminé dos Bryson, Eli estava desabado sobre o pomo da cadeira de montar, apenas consciente. Tally agarrou um lenço de seu bolso, secou as lágrimas e limpou a imundície do rosto, e insistiu a Bruxa a um passo mais rápido.
Beth estava trabalhando no curral perto da casa, jogando grão em um curral para um par de vacas com manchas. Divisou a Tally e deixou cair o saco. Um segundo mais tarde corria para a casa.
Saiu outra vez, seguida por seus pais. A senhora Bryson deu uma olhada ao Eli e retornou à casa. Beth chegou correndo aonde estava Tally, com os olhos muito abertos e ofegante.
—O que aconteceu? — Perguntou — Como acabou neste estado o senhor Patterson?
—Contarei-lhe isso logo que levemos ao Eli dentro — Disse Tally.
— Necessitaremos ataduras limpas e água quente...
— Ida está agora as preparando — Disse Miles Bryson, unindo-se a sua filha — vamos baixá-lo.
Tally e Bryson lutaram para tirar o Eli da cadeira de montar e o levaram a casa, enquanto Beth cuidava de Bruxa. A senhora Bryson lhes guiou por volta do quarto de hóspedes. Já tinha jogado para trás os lençóis e tinha um montão de largas ataduras de algodão empilhadas na mesinha de noite. Ajudou a seu marido e a Tally a tombar o Eli na cama, depois aproximou uma cadeira, examinando ao homem ferido com uma indiferença nascida da experiência.
—É uma ferida de bala —Disse Tally — Mas não sei se a bala está ainda dentro. Eli veio a cavalo todo o caminho até aqui desde Cold Creek neste estado.
—Perdeu muito sangue — Disse Bryson — Mas acredito que estaria morto se a bala tivesse alcançado algo importante.
Ida Bryson cravou os olhos em Tally por um momento, e Tally se deu conta de que esta era a primeira vez que se encontravam desde que tinha revelado sua identidade feminina a Miles. Inclusive era possível que um rumor dos acontecimentos em Los Granadas tivesse alcançado Castelo Canyon.
—Sei algo de cuidar tais feridas — Disse a senhora Bryson, devolvendo a atenção ao Eli. Começou a mexer nas ataduras empapadas de sangue de seu ombro — Limparei-lhe o melhor que possa, mas necessitará um médico quanto antes.
Bryson encontrou o olhar de Tally.
—Como aconteceu?
—Caleb Smith retornou a Cold Creek enquanto Sim e eu estávamos ausentes. Ele... Disparou em Eli e o deixou por morto, mas Eli o seguiu.
—Smith vinha pela Beth? — Perguntou Bryson com gravidade.
—Não. Queria algo mais de Castelo Canyon, e teria matado a qualquer por consegui-lo. — Fechou os olhos — Matou ao André.
—Sinto muito, senhorita Bernard.
—Caleb não voltará a incomodar a ninguém outra vez.
—Está morto?
—Sim foi atrás dele.
Todos ficaram calados, a senhora Bryson concentrando-se em seu trabalho enquanto Miles considerasse o que Tally tinha contado. Tinha suspeitado que havia muito mais na história do que ela tinha admitido.
—Teme pelo Sim — Disse ele por fim.
—Não... Não por sua sobrevivência.
Beth entrou no quarto, agarrando com cuidado uma tina de fumegante água com ambas as mãos. Colocou-a na mesa. A senhora Bryson deixou cair as ataduras sujas em um cubo de madeira e olhou fixamente a ferida exposta.
—Parece como se a bala tivesse passado limpamente — Disse ela — Quem quer que lhe cuidasse a primeira vez, fez um bom trabalho. Mas ainda necessita a um médico.
—Posso ir eu. —ofereceu-se Beth.
A senhora Bryson inundou um pano limpo na água quente, alheia ao vapor que abrasava suas mãos gretadas pelo trabalho.
—Não. Não te darei permissão para deixar esta granja.
Beth inclinou a cabeça.
—Não iria a nenhum outro lugar — Disse com voz tímida.
— Só ao médico...
—Não aprendeste nada? —A senhora Bryson começou a limpar o sangue seca e fresca do ombro do Eli. Ele gemeu — Você melhor consegue um pouco de uísque em caso de que desperte — Disse a seu marido.
— Logo pode ir a cavalo ao Willcox.
—Não até que veja o corpo de Caleb Smith — Disse Bryson.
Tally pensou no André tendido morto em Cold Creek.
—Se me emprestar um cavalo forte, irei eu mesma — Disse ela.
—Por seu aspecto, não está em condições de ir a cavalo a nenhum lugar — Disse Bryson.
Saiu do quarto. Beth o seguiu. Tally escutou vozes baixas, e logo Bryson retornou com um copo e uma garrafa de uísque.
—Vai à cozinha e agarra algo para comer. Faremos o que possamos por seu amigo.
Tally murmurou as obrigado e saiu do quarto meio tropeçando. Beth tinha cheio um prato com bolachas e feijões e o tinha colocado na mesa da cozinha. Tally se afundou na cadeira e cravou os olhos na comida, apenas capaz de recordar como levantar o garfo para sua boca.
—Sinto o de seu irmão — Disse Beth sentando-se frente a Tally. Desenhou um padrão na superfície da mesa com uma unha mordida.
— Eli ficará bem, verdade?
—É um homem forte. Tem uma boa razão para seguir vivendo.
—Miriam?
Tally assentiu com a cabeça e agarrou o garfo.
—Disse que Sim foi atrás de Caleb — Disse Beth.
—Sim.
—Você ama o Sim.
Tally afastou o prato.
—Sim.
—Se não temer por que Caleb lhe faça mal, por que está chorando?
Tally levantou o olhar, encontrando-se com os preocupados olhos da Beth.
—Não acredito que retorne.
—Por que não? — Exigiu Beth — Ele te ama, também.
Nunca o disse, quis gritar Tally. Nunca me disse isso. Mas o viveu, cada dia. Me fez acreditar isso.
—Algumas vezes o amor não é suficiente — Disse ela — Outras coisas se interpõem no caminho.
Beth se levantou e caminhou de um lado a outro ao redor da mesa.
—Não... Não é pelo que aconteceu em Tombstone? Por mim?
—Não, Beth. —Tally colocou de pé e envolveu a jovem em um forte abraço.
— Não tem nada que ver contigo. —Acariciou o cabelo escuro de Beth — Sim e eu somos... Muito diferentes. Só que não soube quanto.
Beth devolveu seu abraço ferozmente e se sorveu o nariz.
—Sim é estúpido se te deixar.
Mas não era só a Tally a quem estava deixando. Isso o podia ter agüentado. Podia encontrar paz em seu coração se soubesse que se manteria procurando a redenção que o tinha evitado, procurando até que encontrasse um amor o suficiente forte para completá-lo. Mas sabia que não importava o bastante a si mesmo para tentá-lo.
—Todos somos estúpidos alguma vez — Disse — Mas se tivermos sorte, aprendemos. E seguimos como melhor podemos. —Deixou que Beth se fosse.
— Deveria me preparar para ir a cavalo ao Willcox. Se me pode dar seu cavalo mais rápido...
—Terá seu cavalo, mas não o mais rápido — Disse Bryson quando entrou na cozinha.
— Beth necessitará o Corre leve. Você pode agarrar o Honcho para retornar ao Cold Creek.
Beth cravou os olhos em seu pai.
—Deixará-me ir?
Bryson suspirou.
—Acredito que tem uma dívida que pagar, e esta é sua oportunidade. — Olhou a Tally.
— Não pôde passar muito tempo desde que perdeu a seu irmão. Tem um assunto que atender em casa. Veremos como vai a cura de Eli e o enviaremos de retorno ao Cold Creek quando estiver preparado.
Tally se esfregou o rosto.
—A senhora Bryson...
—Não se preocupe por Ida. Entende melhor do que parece.
—Obrigado, Miles. —Tally apertou a mão da Beth.
— Faz exatamente o que diz seu pai. Não corra nenhum risco... Eli nunca se perdoaria a si mesmo se resultasse ferida, e tampouco eu.
Beth levantou o queixo.
—Tomarei cuidado.
—Vá trocar e prepara sua esteira — Disse Bryson a sua filha — Selarei os cavalos.
Inclinou a cabeça para Tally e saiu pela porta principal. Beth correu a seu quarto. Tally retornou aonde estava Eli.
Tinha recuperado o conhecimento, seu olhar estava fixo no teto, enquanto a senhora Bryson terminava de segurar as novas ataduras. A garrafa de uísque estava intacta na mesinha de noite.
—Tally? — Disse ele, rouco de dor.
—Estou aqui. — Ficou de cócoras ao lado da cama e tomou a mão de Eli — Te porá bem, Eli. — Sorriu à senhora Bryson — Obrigado.
A senhora Bryson colocou de pé, agarrando o pano sem usar e o cubo de ataduras sujas.
—De nada — Disse bruscamente — Não o canse muito, precisa descansar. Estarei na cozinha.
—É uma... Boa mulher — Disse Eli quando a senhora Bryson fechou a porta atrás dela.
—Sim, é-o. Como sua filha.
—Como você. Está bem?
—Estarei bem. Beth vai a cavalo em busca de um médico, e eu retorno ao Cold Creek. Preciso ver o André.
—Miriam... Discutiu com o Federico antes que fosse. Enviaram ao Pablo pelo oficial e... A alguém para cuidar...
—Shh! Só deve dizer adeus. Descansa, Eli. Ponha bem, pela Miriam.
Seus olhos se fecharam lentamente.
—Tenho que... Diga a Miriam o do exército. O de meu pai. Não sabe a verdade. Tenho que...
—Pode dizer-lhe você quando estiver em casa. —Tally se inclinou para beijar a bochecha do Eli.
— Direi-lhe o que seja mais importante.
—Quero-a. Peça que... Perdoe-me... — Respirou profundamente e se afundou em um exausto sono.
Tally deslizou sua mão da dele.
—Farei-o, meu amigo. — Pedirei-lhe que reze por todos nós.
Capítulo 22
Tally estava sentada no alpendre, escutando a risada feliz de Pablo e Dolores jogando no pátio. O dia de novembro era afresco com a promessa da geada, mas para os meninos também poderia ter sido pleno verão. Para eles, o mundo não tinha trocado absolutamente.
Fazia uma semana que André tinha morrido. Ontem, a pessoas de Cold Creek o tinha enterrado sob um álamo desdobrado de folhas douradas, assistido pelo pregador que tinha cavalgado desde Tombstone com um ajudante do xerife.
Após, Tally não havia sentido nada. Sabia que sob o vazio jazia a culpa amarga sobre a morte de André, a dolorosa solidão e a tristeza pela perda de vidas que podiam ter sido. A sua, a de André, a de Sim... Eram todos um agora, misturadas em um crisol de dor não expressa.
Miriam havia dito que chorasse.
—Não estará bem até que o deixe sair — Havia dito — Tem que chorar, menina. Esse é o único modo de curar-se.
Mas Miriam não compreendia. Ela tinha ouvido toda a história sobre o que tinha acontecido em Castelo Canyon, menos os poucos feitos que Tally não tinha o direito nem o desejo de revelar. Miriam sabia que Sim não ia retornar, e tinha chorado por consideração a Tally. Tinha rezado pela alma de Sim como tinha rezado pela recuperação de Eli.
Deus tinha respondido pelo menos a uma de suas orações; Eli tinha voltado para casa hoje amarrado na parte traseira do carro coberto de Bryson. Miriam tomava consolo em sua fé e encontrava contínuas provas de seu poder. Tally sabia que ela não tinha a força da Miriam, nem sua esperança. O que tinha era este rancho, dias de duro trabalho e tempo. Possivelmente inclusive bastante tempo para esquecer.
A porta principal se abriu, deixando sair o aroma de pão assado. Miriam se sentou ao lado de Tally, metendo-as saias sobre as pernas. Um pouco depois saiu pela porta o ajudante do xerife, inclinou o chapéu para Tally e andou ao barracão.
—Terminou? — Perguntou Tally.
—Quer falar com o Eli — Disse Miriam.
— Pedi-lhe que esperasse até a noite. Parece lhe gostar de minha forma de cozinhar, assim não discutiu.
Tally assentiu. O ajudante não tinha muito que fazer exceto tomar testemunho a respeito do que tinha acontecido o dia que Caleb veio a Cold Creek; havia poucas possibilidades de que seu corpo fosse alguma vez recuperado. Ninguém na fazenda tinha encontrado necessário contar ao ajudante Osborn toda a verdade a respeito de Sim Kavanagh, André e o mapa, e sempre que comesse bem, o ajudante não estava inclinado a fazer perguntas sagazes.
—Falando de comida —Disse Miriam — Não comeste desde ontem pela manhã. Tenho que te alimentar como a um menino de peito?
Tally se estirou para a mão da Miriam.
—Comerei esta noite no jantar. Prometo.
—Bom. Entre esse ajudante e Eli, tive medo de que não conseguisse nada a menos que lutasse contra esses glutões com minha frigideira.
Eli, Miriam tinha informado, comia como um cavalo, dando a seu corpo o sustento que necessitava para curar. Segundo Bryson, o médico tinha estado impressionado com as capacidades recuperativas do Eli e havia predito uma recuperação rápida. Beth estava em casa em Castelo Canyon. Todos estavam a salvo.
Tally estava agradecida. Finalmente seu coração sabia.
—Eli me fez uma pergunta estranha hoje — Disse Miriam — Perguntou se ainda queria me casar com ele.
Tally sentiu uma pontada de preocupação.
—O que lhe disse?
Miriam retorceu o anel em seu esbelto dedo.
—Quando contou a esse Caleb historia a respeito de estar confabulado com o André para encontrar o tesouro, não soube que pensar. Estava doente de ouvir que tinha lutado com o André e causado seu acidente. Não podia acreditar que era meu Eli o que falava. Nunca tinha estado tão... Tão... — Deixou de falar, respirando profundamente — Então dispararam em Eli, e não me importou o que tinha feito. Tratei de lhe deter de perseguir o Caleb, mas não escutou.
—Não poderia havê-lo detido, Miriam.
—Porque queria vingança para seu pai. Se me tivesse contado a história antes, poderia-lhe ter ajudado, ter pedido a Deus que tirasse o desejo de vingança fora de seu coração. —Tremeu.
— Embora ele acreditasse na maldição do tesouro, tinha que assegurar-se de que Caleb sofresse seu justo castigo.
—Ele também me ajudou e ao Sim — Disse Tally.
— Não sei o que teria acontecido se ele não tivesse vindo. E ele não... Não matou Caleb.
—Graças ao Senhor — Murmurou Miriam.
— Não podia. Isso foi o que me disse hoje. Rogou meu perdão por me pôr a mim e às pessoas daqui em perigo, simplesmente porque não pôde matar ao Caleb faz muito tempo.
—Era um soldado, Miriam. Não um assassino.
—Soube que era um homem valente, fazendo o que pensava que estava bem, protegendo às pessoas do perigo. O exército era sua vida. Mas teve que matar muitas vezes. Chegou a um ponto onde não pôde matar mais. Só estava esperando até que pudesse deixá-lo honoravelmente, assim poderia encontrar a paz. Mas quando averiguou que Caleb assassinou a seu pai, rompeu a lei do exército. Desertou.
Tally se abraçou os joelhos ao peito. Caleb tinha chamado ao Eli um "criminoso procurado" mas nunca tinha tido a oportunidade de explicá-lo.
—André sabia — Continuou Miriam em um cochicho.
— Vieram homens procurando o Eli em Penhasco Vermelho, mas André não lhes disse que trabalhava ali. Permitiu que Eli soubesse como tinha mantido seu segredo. Eli se sentia agradecido por isso, ainda quando descobriu... — Enxaguou-se os olhos — Tanto André como Eli tinham muitos segredos.
—Eli tinha medo de te perder — Disse Tally.
—Sei. — Miriam sorveu e tratou de sorrir — Homem tolo, pensou que eu o desprezaria mais por desertar que se tivesse matado o Caleb. Não pensou que compreenderia.
—Faz-o, Miriam?
—Sim. Acha que não sei o que é odiar? Odiei bastante em minha vida. Mas é inútil, Tally. Não ganha nada. Eli se deu conta disso bem a tempo. —Agarrou a mão de Tally.
— Pode perdoar ao Eli por te enganar e por permitir que seu irmão se fizesse mal?
—Nunca o odiei por isso — Disse Tally — Cometeu enganos, como André, como todos nós. Mas é um bom homem. —Colocou a cabeça contra Miriam — Se não fosse, eu não permitiria que se casasse com ele.
Miriam abraçou a Tally com força e a deixou ir.
—Todas as feridas curam com o bom tempo de Deus — Disse ela. Levantou-se bruscamente e voltou para a casa.
Tally não se moveu. O sol desceu sobre as montanhas ocidentais, e pensou a respeito das tarefas que precisavam ser feitas no final do dia. O inverno estava perto. As noites mais largas deixavam muitas horas para se sentar em silêncio e imaginá-lo que poderia ter sido.
Imaginando lobos uivando nas colinas...
Ergueu-se, levantando a cabeça. Não era sua imaginação. Os lobos vinham do nordeste, uma manada inteira deles.
Agarrou-se ao alpendre e se empurrou para ficar de pé, incapaz de confiar na estabilidade de suas pernas. O coração golpeou dentro das costelas. Colocou absolutamente imóvel, temerosa de que se movia outra vez romperia o feitiço de esperança.
À medida que os lobos se aproximavam o bastante para alertar a todos em Cold Creek, mais acalmados se voltavam.
—Não — Sussurrou Tally. Deu um passo afastando do alpendre — Não...
Um homem tropeçou no anoitecer. Sua roupa estava esfarrapada e manchada, seu rosto obscurecida com a barba de muitos dias, e seus pés estavam nus. Tally podia ver o branco em seus loucos e redondos olhos.
Era Caleb Smith.
Tally se virou, preparada para correr pelo rifle que mantinha dentro da porta principal. Peteve quando Caleb caiu de joelhos. Abriu e fechou a boca, mas nenhum som surgiu. Os lobos o rodearam, os mesmos animais que recordava de Castelo Canyon, olhos ardendo vermelhos enquanto refletiam a minguante luz.
Um lobo quase o dobro de grande que os outros rompeu as filas e espreitou Caleb com a cauda rígida e a cabeça baixada. Caleb se encolheu no chão, balbuciando de terror.
—Sim — Disse Tally — Sim!
O lobo deu um golpe em Caleb com seu focinho e olhou diretamente a Tally. Sorriu com um sorriso lupina. Então alguém gritou do barracão, e se afastou saltando com os lobos menores, dirigindo-se de volta às colinas. Caleb ficou no chão, os braços cruzados sobre a cabeça.
As pernas de Tally se venceram. Miriam saiu precipitadamente da casa e a ajudou a ficar de pé.
—Ouvi lobos — Disse Miriam. Esquadrinhou o pátio e viu o Caleb — Meu Senhor. Não pode ser.
Antes que Tally pudesse responder, Bart e o ajudante Osborn correram pelo pátio. Federico veio do celeiro, Pablo e Dolores em seus calcanhares. Jogou um olhar a Caleb, parou a seus meninos com os braços estendidos e lhes ordenou voltar para sua cabana.
Osborn, com seu fuzil apontado a Caleb, bordeou Tally.
—É quem penso que é? — Perguntou.
Ela tratou de medir as respirações, uma a uma.
—Caleb Smith.
—Acreditei que havia dito que tinha sido ferido mortalmente na luta com seu capataz e que fugiu às montanhas. Não me parece morto. E por que inferno retornaria ele aqui...Rogo seu perdão, senhorita Bernard?
Tally quase sorriu, recordando com que freqüência Sim xingava e quão estranha vez se desculpava por isso.
—Não acredito que viesse de boa vontade, senhor Osborn.
—Então como... —Um lobo uivou a menos de um quarto de milha ao longe.
— Ouvi lobos perto da casa?
—Sim. —Tally se agarrou as mãos e tragou a risada que ameaçava fazendo parecer tão louca como Caleb — Acredito que seria melhor que tomasse a seu prisioneiro em custódia, Ajudante.
Osborn assentiu e se aproximou de Caleb como se ainda esperasse uma batalha. Caleb não ofereceu resistência. Permitiu que o ajudante o algemasse e o arrastasse para pôr de pé. Os olhos olhavam fixamente a um nada; uma fina linha de saliva lhe gotejava da boca entreaberta.
—Não parece necessitar atenção médica — Disse Osborn, mantendo Caleb a uma distância segura das mulheres.
— Arranhado e machucado, umas poucas feridas mais velhas. Nenhuma bala. Está segura de que o viu com um disparo?
—Não estou segura de nada agora, Ajudante — Disse Tally, fingindo confusão — Estou... Estou surpreendida de lhe ver aqui. Temo-me que eu... — Fingiu desmaiar. Miriam a agarrou por um de seus braços, e Federico se apressou a segura-la quando ficou flácida.
—Leve a esse homem, por favor — Disse Miriam com sua voz mais firme — Tally já passou suficiente.
—Espero que sim — Disse Osborn — O assegurarei no barracão e falarei com a senhorita Bernard pela manhã.
—Obrigado, senhor. Trarei-lhe uma agradável janta logo que esteja preparada.
Osborn sorriu amplamente diante sua boa fortuna e arrastou ao Caleb para os barracos. Bart seguiu a Miriam, a Tally e ao Federico ao interior da cozinha.
—Nunca vi que a senhorita Tally desmaiasse — Comentou Bart em um tom preocupado.
—E ainda não terá que fazê-lo — Disse Tally. Ela se endireitou e acariciou o braço do Federico.
— Não quis que o ajudante Osborn fizesse mais pergunta esta noite.
—Os lobos trouxeram o Caleb aqui? — Perguntou Federico, a ponto de fazer o sinal da cruz.
Miriam, Bart e Federico olharam fixamente a Tally. Ela tomou assento diante a mesa da cozinha, repentinamente fraco outra vez.
—Vi-o com meus próprios olhos — Disse ela.
—O senhor Kavanagh não matou ao Caleb — Disse Miriam.
Tally pregou as mãos sobre a mesa e descansou a testa contra elas. Não, Sim não tinha matado a seu traiçoeiro amigo. Possivelmente tinha feito algo quase tão mau, levando ao Caleb à loucura completa, embora não teve que fazer muito para isso. Mas havia certa justiça em reduzir Caleb ao que André se transformou antes de morrer.
E Sim tinha escolhido não tomar outra vida. Não importava a razão.
—Voltará Sim? — Perguntou Bart.
—Não acredito que seja assim, Bart — Disse Tally — Acabou — Ela levantou a cabeça e agradecidamente aceitou a taça de café que Miriam colocou entre suas mãos — Caleb Smith não fará mal a ninguém mais.
Ninguém falou durante muito tempo. Bart mastigou os extremos de seu bigode. Miriam terminou de preparar o jantar, e Federico foi procurar os meninos. Cumprindo sua promessa, Tally comeu o que pôde, apenas sem degustar a comida. Perigosas emoções espreitavam na borda de seus pensamentos, prontas para arrasar com tudo se ela baixava o guarda por um instante.
Esteve agradecida quando os homens retornaram a seus beliches e Miriam levou umas bandejas para o Eli e Osborn. Permaneceu sentada diante a mesa muito depois de que Miriam se deitou e a casa tivesse tomado a frieza da noite. Não ouviu mais lobos.
Sua cama estava fria e vazia. Tirou a roupa na escuridão e colocou sua camisola por pura rotina, contemplando a parede sem ver nada.
—Não está dormindo o suficiente — Disse uma voz profunda atrás dela.
Ela se sentou bruscamente na borda da cama.
—Sim?
Ele permanecia entre as sombras salvo por um retângulo de luz de lua que banhava seu ombro nu.
—Está muito magra — Acusou ele — Maldição, Tally, não está comendo?
Tally pressionou as mãos contra seu próprio rosto.
—Por que está aqui?
Seus pés mal fizeram algum som quando ele começou a caminhar de um extremo do quarto ao outro.
—Não podia me afastar. Tentei. Não podia... — Ele girou para estar frente a ela — Não podia ir sem te falar.
Deus. Tally deixou que suas mãos caíssem em seu colo. Havia milhares de coisas que poderiam dizer o um ao outro, mas só umas palavras importavam nesse momento.
Fica comigo. Ame-me.
—Sinto muito, Sim — Disse ela — Sinto te haver enganado sobre meu passado. Nunca consegui a oportunidade de lhe dizer isso.
—Não te dei uma oportunidade. — Ele clareou garganta — Estava enganado, Tally. Tudo o que disse de você... Não tinha razão.
Tally tratou de distinguir seus traços, mas Sim permaneceu afastado da luz.
—Obrigado — Disse ela simplesmente.
—Merda. Não mereço nenhum obrigado.
—Mas estou agradecida, Sim. Por salvar minha vida, e a de Eli. Por deter Caleb. E por não matá-lo.
Sim caminhou a grandes passos para a parede oposta e se apoiou contra ela, estendeu uma mão sob a cabeça.
—O merecia — Resmungou ele.
— Mas quando chegou o momento, eu... — Ele golpeou a parede — Algo mudou em mim, Tally. Não sei nada mais. Você... Mudou-me.
—Você me trocou, também.
—Provavelmente só arruinei sua vida.
—Não, Sim. Antes que você chegasse, eu... Não queria confiar em nenhum homem. Ah, havia uns quantos em quem confiava, como Eli e Federico, e amava a meu irmão. Mas quis me esconder do mundo assim não teria que tratar com os homens salvo em meus próprios termos. Chegou a Cold Creek como um torvelinho e me fez me dar conta de que não podia me esconder por mais tempo.
—Por que confiou em mim? — Ele riu — Deveria te haver feito odiar os homens ainda muito mais.
—Não aconteceu dessa forma. Teria sido mais fácil, mas... — Não podia terminar. Não havia nenhuma palavra para descrever o que queria dizer. As palavras eram como sombras, escondendo a verdade.
— Há algumas coisas mais poderosas que a confiança.
—Amava ao André — Disse ele.
—Sim.
—Apesar de que te enganou?
—Era meu irmão.
—Só porque seja família de alguém não lhe dá desculpa para te machucar.
—Odiava a sua mãe, Sim?
Ela fez a pergunta meio com cólera, meio com a genuína necessidade de entender. Lamentou-o imediatamente. Já lhe tinha dado a resposta.
Mas ele suspirou, uma áspera e desigual exalação que em alguém mais teria tomado por um soluço.
—Odiei-a — Disse ele — E... Amei-a.
Tally quase foi para ele, mas sabia que isso seria um engano. Ele estava muito vulnerável nesse momento, quando acabava de confessar que era capaz de amar... Amar a uma mulher que o tinha desatendido e desprezado.
—Ela era minha mãe — Disse ele, como se tivesse que explicá-lo — Deveria ter sido capaz de salvá-la.
—Salvá-la? —Tally esmurrou o colchão com seu punho — Quando tinha, três anos? Ou cinco?
—Eu sabia mais aos oito que a maioria dos moços aos dezoito — Disse ele — Se eu a tivesse levado longe...
—Não teria podido, Sim. Ela tinha levado essa vida durante muito tempo. Sei. Se eu não tivesse saído quando o fiz...
Ela ouviu que Sim se aproximava da cama.
—Disse que foi enganada a entrar nessa vida. Ainda culpa a você mesma?
—Não.
—Mente, Tally. Tentou se defender quando disse essas coisas más de você, mas ao final me deixou ir.
—Sabia que não podia te reter...
—Tentou me deter quando ia matar Caleb, mas não porque pensasse que eu havia retornado. Não acreditava que fosse o suficientemente boa. O suficientemente boa para mim. Da mesma forma como não pensou que fosse o suficientemente boa para o André? — Ele vacilou, e Tally sentiu o vento de seu passo quando passeou pelo quarto.
— Há algo que tenho que te dizer, algo que Eli me disse. Não o culpe... Ele acreditava que você já sabia. Fiz que ele me explicasse o que quis dizer quando disse que André te tinha feito suficiente dano.
—Ele...
—Quando ainda era uma menina e ele não era muito maior, André contraiu uma custosa dívida ao apostar com alguns perigosos homens em Nova Orleáns. Mas sua família era pobre, e ele não podia reembolsar o que devia nem sequer depois de ter roubado o pouco que sua Mamãe tinha deixado para sua educação.
Tally sacudiu a cabeça com atordoamento. Ela recordou como de doente tinha estado Mamam o ano antes que ela foi à Nova Orleáns, como ali nunca parecia haver o dinheiro suficiente para comida ou remédios.
—Supunha-se que André tinha um trabalho na granja Beaudry — Disse ela — Tratei de conseguir trabalho, mas eles não empregariam uma moça.
—André não pagou os jogadores trabalhando em uma granja. Eles ameaçaram matando-o.
—Eli te disse isto?
—Ele me contou o que André lhe disse no Texas, durante uma de suas bebedeiras. Suponho que nem sequer André podia viver com sua culpa. Ele tinha que dizer a alguém... A quem é... Enquanto que não fosse você. — Sim grunhiu um som que saiu de seu peito.
— André fez um trato para salvar sua própria pele. Trouxe um homem para que se encontrasse com você... Um homem que disse que te levaria longe e que se casaria com você, assim teria dinheiro para enviar a casa.
Um homem. Um homem cujo nome Tally não podia recordar nesse instante. Mas do que ela ainda podia ver seus brilhantes olhos azuis e seu branco sorriso, ouvir sua suave voz que fazia maravilhosas promessas de uma vida que ela mal podia imaginar. Ele tinha parecido o cavalheiro perfeito.
—André te convenceu de que nunca conseguiria algo melhor do que o homem te oferecia, e você queria ajudar a sua mamãe. Assim que partiu com o homem. Mas ele não se casou contigo. E André sabia que ele nunca o faria.
Capítulo 23
Não. O homem não se casou com ela. Foi-se com ela tal e como tinha prometido a Nova Orleáns, onde as senhoras elegantes e as luxuosas lojas tinham deslumbrado suas ignorantes suscetibilidades de camponesa. Levou-a um lugar cheio de móveis de veludo, risadas e aroma de perfume. Tally tinha olhado às garotas com sua roupa interior de encaixe, enquanto o homem tinha falado com uma mulher de cara redonda com pintura vermelha nas bochechas.
Não pensou que nada estivesse errado quando a mulher lhe disse que ia passar a noite em sua própria habitação enquanto o homem atendia outro negócio. Viria a por ela mais tarde. Mas essa noite, dariam-lhe uma bata bonita e lhe arrumariam o cabelo, e veria como era ser uma senhora importante.
Tally agarrou no punho a colcha da cama e sentiu a malha rasgar-se sob os dedos. As lembranças não tinham sido tão vívidas em anos. Era como se tivesse que dizê-los em voz alta para dissipá-las de uma vez e para sempre, embora Sim possivelmente fosse o último homem no mundo que compreendesse.
—O homem nunca retornou por mim — Sussurrou ela — Me deixou nesse lugar. A seguinte noite, a senhora me disse que A Belle Hélène seria minha nova casa, e que tinha que ganhar meu sustento ou minha Mamam descobriria que não estava casada depois de tudo. Assim escutei as coisas que me disse. Mas não o compreendi até que o outro homem entrou em meu quarto.
Sim fez um terrível som de dor.
—Recorda seu nome?
—Não. Doeu tanto. Só queria que terminasse. Mas não terminou. Nem a seguinte noite, ou a seguinte. E Madame Lucy seguiu me dizendo que não devia permitir que Mamam descobrisse, ou morreria de vergonha. Mas podia ajudá-la com o dinheiro que ganhava. Assim que fiquei ali.
—Não foi sua culpa.
Ela apenas o ouviu.
—Odiei a todos os homens que vieram para ver-me, mas aprendi a fingir. Madame Lucy e algumas das outras mulheres me ensinaram a falar como a pessoas rica do Garden District e a escrever com formosa letra. Tive as batas mais finas. Deram-me livros para ler, porque a alguns homens gostava das mulheres que podiam falar com eles de um modo em que suas mulheres não podiam. E escrevi a André de um endereço falso, lhe perguntando se Mamam era feliz. Disse que meu dinheiro o fazia bem.
—Não deu a sua mamãe nem um mísero centavo.
—Nunca soube. Morreu o ano seguinte. Mas para então estava acostumada a Belle Hélène. Nunca tinha fome. Tinha amigas... Como Miriam, que trabalhava como criada ali. Assim segui enviando o dinheiro para a educação de André, até que ele deixou de escrever.
—Usou seu dinheiro para comprar Penhasco Vermelho.
—Não soube aonde tinha ido. Aprendi a viver de dia em dia, e "Mademoiselle Champagne" chegou a ser um grande êxito. Ria, paquerava, cumpria minha parte tão bem que os homens mais ricos e a maioria dos homens de mais êxito iam em grande número por mim.
Sim esteve muito tempo calado.
—Odiava a esses homens.
—Mas me convenci de que tinha poder sobre eles, que os usava como eles me usavam. Até que um... Um de meus clientes me fez algo... Algo que não pude suportar. Lutei contra ele. Nunca tinha resistido antes, mas me senti limpa pela primeira vez em anos. Enquanto ele gritava a Madame Lucy, dei-me conta de como tinha me enganado. Não tinha nada, nem poder, nem orgulho. Miriam me deu a coragem de abandonar A Belle Hélène.
—Ninguém teve que te dar isso.
Tally negou com a cabeça.
—Fomos viver a uma parte respeitável do povoado. De algum modo Miriam e eu o conseguimos, mas o dinheiro que tinha economizado finalmente se acabou. Aí foi quando conheci Nathan Meeker, em uma das lojas mais finas da Rue Royale. Era mais velho e rico e estava procurando uma moça. Assumiu que era uma dama, uma verdadeira dama, e lhe permiti acreditá-lo. Não o amava. Pensava que poderia aprender a respeitá-lo, finalmente ter uma casa verdadeira própria.
—Não tinha nenhum outro lugar ao que ir.
—Casei-me com ele porque estava acostumada às coisas bonitas e à boa comida, e não queria ser pobre e estar sozinha outra vez. Mas o matrimônio com o Nathan não foi diferente a ser uma puta. Usou-me... Na cama, como um ornamento bonito no braço. Fui sua amante, não sua mulher. Mas quando descobriu que tinha estado em Nova Orleáns, enfureceu-se tanto que sofreu uma apoplexia e nunca se recuperou.
—Conseguiu o que merecia.
Não parecia possível que Sim dissesse tais coisas, ou que André fizesse o que declarava. Nada era já real, nada seguro.
—Nathan não teve a oportunidade de mudar seu testamento antes de morrer — Disse ela — Me deixou bastante, um pouco de dinheiro em efetivo, algumas jóias, minha roupa. Mas André me tinha encontrado e escrito de sua fazenda no Texas. Disse-lhe... O que tinha sido, e não me rejeitou. Estive agradecida. Tratou-me como família. Salvo Miriam, ele era tudo o que tinha.
—Pensou que podia aliviar sua culpa simplesmente te permitindo viver com ele.
—Eu... Eu pude ver que ele tinha cometido enganos enquanto estivemos separados. Pensei que se tivéssemos permanecido como uma família, se não tivesse permitido que esse homem me enganasse, poderia ter ajudado o André a ser mais forte. Não queria que ele estivesse manchado para sempre, como eu. Fui feliz quando decidiu separar-se dos homens que estavam aproveitando dele. Ambos podíamos deixar nossas vidas atrás.
—Ele só deixou o Texas por causa do mapa — Disse Sim duramente — Tudo o que te aconteceu vinha de sua avareza.
Os olhos de Tally estavam secos e com dor, faltos de lágrimas.
—Ele sabia que eu amava Cold Creek do momento em que o vi. Houve vezes em que mal tivemos bastante para mantê-lo. Quando André foi encontrar o tesouro... Possivelmente significava que queria me compensar pelo que tinha feito.
—Acredita nisso, Tally?
—Quero acreditá-lo. —Sua voz se rompeu — Tenho que fazê-lo, Sim. Era minha família, e eu nunca o conheci realmente. Morreu com essa culpa lhe rompendo o coração. Se só o tivesse conhecido...
—Para — Sim golpeou a armação de cama, fazendo zumbir os postes de latão como se fossem barras da prisão — Pára de culpar a você mesma.
—Mas sou exatamente como meu irmão — Sussurrou — Enganei a você, o Nathan e às pessoas deste Território. Se não... Se não puder perdoar o André, como posso jamais perdoar...
—Como pode me perdoar? — Seu peso pressionou o colchão ao lado dela, e ela cheirou o embriagador aroma masculino de seu corpo e sentiu a calidez de seu fôlego.
— Pensava que sabia tudo sobre Caleb e o que podia fazer. Figurei-me que o poderia controlar quando fôssemos depois do tesouro. Considerei-o meu amigo, porque foi o único que tive durante os primeiros vinte anos de minha vida.
Ela não se atreveu a lhe tocar a mão onde descansava entre eles na colcha.
—Compreendo.
—Não. Estava equivocada sobre André, e está equivocada sobre mim. Preocupando-se por mim. Nasci na maldade, e assim é como vivi.
—Não matou Caleb.
—Quis fazê-lo. O impulso estava em mim, forte como nunca. Farei mais coisas más... A você, a outras boas pessoas... Enquanto ande sobre esta terra como um homem.
Ela atraiu os braços para o peito e saltou da cama.
—Então irá viver com os lobos, onde alguma vez te enfrentará à tentação outra vez?
—Os lobos não conhecem o bem e o mal. Não podem fazer o mal. Só compreendem a sobrevivência.
—E com eles, pode esquecer. Não terá que sentir culpa para o que tem feito.
Rodou fora da cama, ao outro lado, mantendo-a entre eles.
—É certo. Nenhuma culpa. Nenhuma responsabilidade. Nenhuma vergonha.
—Nenhuma esperança. Nenhuma alegria. Nada... Nada de amor.
Ela sentiu mais que ver seu encolhimento de ombros.
—prescindi que eles a maior parte de minha vida.
O coração de Tally tropeçou sobre si mesmo.
—Amava a sua mãe, apesar do que era. Amava a Esperança. Tinha sonhos. Deve ter conhecido a alegria.
Sim se apoiou na parede e fechou os olhos. Ah, tinha sentido alegria... Quando tinha tido a Tally em seus braços, quando soube que Beth estava a salvo de Caleb... Outras vezes, também, desde que tinha vindo a Cold Creek. Mais do que tinha sentido em todos os anos anteriores.
Mas encontrava satisfação correndo como um lobo, e esquecimento. Saber que não podia ferir Tally, nem a Miriam nem a ninguém mais, porque eram humano e muito mais à frente do alcance de sua existência animal.
—Pode ser feliz aqui, depois Das Granadas? — Perguntou ele com voz rouca.
Podia ver Tally na escuridão enquanto que ela não o podia ver, toda sua beleza, graça e força irradiavam como luz de estrelas da pele, olhos e cabelo. Ela se girou para ele, procurando.
—Serei — Disse — Não abandonarei meus sonhos, Sim. Possivelmente as pessoas no Vale de Sulphur Spring não me aceitarão quando souberem que os rumores são verdade. Mas lhes demonstrarei que sou digna de seu respeito e confiança, inclusive se toma o resto de minha vida. Não fugirei. Ainda tenho a minha família: Miriam e Eli, Bart, Federico, os meninos. Acreditam os uns nos outros. Nós... Sabemos como amar.
Sim andou a pernadas à janela e olhou fixamente pelo cristal grosso de vidro. A lua desenhava um atalho que parecia dirigir diretamente às colinas, onde esperava a manada.
—É mais fácil abandonar — Disse Tally brandamente atrás dele — Se não fosse pelo André, não importa que mais fizesse, eu nunca teria encontrado Cold Creek. Se não fosse por você e Beth, eu possivelmente haveria seguido fingindo ser um homem para não ter que encarar o ser uma mulher. Não sei o que teria feito se pudesse ter trocado em um lobo e escapar para sempre. — Aproximou-se, os pés nus acariciando o chão — Mas pode ser sinceramente um deles para sempre, Sim? Pode ser só um lobo, quando é tão mais?
—Eles me aceitam. Não lhes importa o que fui.
—A mim tampouco. Importa-me o que é agora, o que pode ser.
Balançou-se para ela, curvando os dedos.
—Não.
O suspiro de Tally lhe revolveu o pêlo sensível do peito e enviou tremores por sua espinha dorsal.
—Não posso trocar meus sentimentos mais do que posso trocar meu passado. Ainda te amo, Sim.
—Não.
—O que te disse Esperança na igreja em Dois Rios?
Assustado pela repentina mudança de tema, Sim lutou por recuperar a serenidade.
—Benzeu-me.
—Absolveu-te de seus pecados?
—Só os sacerdotes podem fazer isso — Disse amargamente.
—Mas acreditou durante um momento que Esperança tinha o poder de te salvar.
—Estava equivocado.
—Nem sequer um anjo poderia te absolver, Sim. Sabe que não pode ser feito até que você encare a escuridão em você mesmo e peça o perdão das pessoas às que feriste, ainda os que mereceram ser castigados. Ainda ao menino que foi e ao homem que chegou a ser.
Sim viu o rosto de Esperança tão claramente como se estivesse parada ao lado de Tally, ambas golpeando-o com sua maldita compaixão. Agora sabia que nunca devia ter voltado para Tally, nem por um momento. Não o necessitava para romper as correntes do legado traiçoeiro de André. Ela já era livre.
Começou a caminhar para a porta. Tally o alcançou. Tocou-lhe o braço. Ele se paralisou.
—Há uma coisa mais que tenho que saber antes que vá com seus lobos — Disse ela — Você viu o tesouro.
—Vi-o — Disse ele — O enterrei de novo.
—Bem. Não quero nenhuma parte de algo malvado que causou tanta tragédia.
Sim quis rir. Estava bem que ela se precaveu do pouco que tinha perdido, mas então também saberia que André tinha morrido por nada.
—Não havia nenhum tesouro — Disse ele.
— Devia haver um, faz muito tempo. Mas tudo o que encontrei na greta foi uma rocha com uma história esculpida nela, alguns ossos e uma cruz de madeira.
Os dedos de Tally se cravaram no braço dele e depois se relaxaram lentamente.
—O que dizia a história?
Ele podia recordar cada palavra, a passar de que não tinha deixado que o afetasse nesse momento ou em qualquer depois.
—Estava escrita em espanhol, por um dos homens que roubou o tesouro. Ele foi o que criou a maldição.
—Deve ter sido um homem malvado.
—Não morreu malvado.
—Me conte.
Ele liberou seu braço do agarre por ela e inclinou a cabeça.
—Faz cem anos, um grande fazendeiro, agradecido pelas benções que lhe tinha dado Deus, enviou uma caravana carregando ouro, prata e relíquias religiosas como oferenda a uma Igreja nova no Guaymas. O tesouro era guardado por um sacerdote e soldados mas uns bandidos os rodearam e mataram a todos, inclusive o sacerdote. Os bandidos escaparam para o norte, às montanhas que nós chamamos Chiricahuas. Cinco homens saíram com mulas e os alforjes com ouro e prata. Uma pessoas morreu pelos Apaches, outro pela mordida de uma serpente e duas mais por uma luta encarniçada sobre a divisão do saque.
—A maldição já estava em marcha — Murmurou Tally.
—Um homem sobreviveu e escondeu o tesouro no lugar que os outros três tinham escolhido. Fez um mapa para recordar como encontrá-lo, para assim poder o passar a seus filhos se não voltava para as montanhas. Voltou para Sonora, só para encontrar a sua família morta ou doente.
“Cada dia depois disso, só teve má sorte. Não podia confiar em ninguém para ajudá-lo a recuperar o tesouro. Finalmente reconheceu que seu ato malvado o tinha condenado. Transformou-se em monge, fazendo-se devoto de trabalhos sagrados. Mas manteve o mapa, incapaz de partir sem ele. Foi a um pequeno povoado onde pôde estar em paz. Finalmente contou ao bispo como recuperar o tesouro e devolvê-lo à Igreja.
—E o encontraram.
—Fizeram-no, mas ninguém mais soube, nem sequer o monge. Um homem no povoado descobriu o mapa entre as poucas posses do monge, quando este estava longe. Em seguida o monge se sentiu doente e viu o homem pondo veneno em sua comida. Então o monge pôs uma maldição no mapa e escreveu uma advertência, esperando que o homem lhe emprestasse atenção e salvasse sua própria alma. Deixou o mapa, o povoado e gastou suas últimas forças em voltar para as montanhas onde esculpiu sua história.
Tally deixou escapar o fôlego.
—Amaldiçoou o mapa. Não era capaz de perdoar.
—Mas o fez. Justo antes de morrer, escreveu que lamentava a maldição... Que não era ninguém para julgar os pecados dos homens. Esse era um direito que lhe pertencia só a Deus. Acreditava que um dia alguém poderia encontrar o lugar onde estava oculto o tesouro e deixou uma mensagem que esperava pudesse compensar a maldade que tinha cometido.
Sim recordava ter passado os dedos sobre essas últimas frases, rindo amargamente para si. A brincadeira estava nele, no Caleb, no André. Em todos eles, todos os homens que pensaram que podiam tomar o caminho mais curto e fácil.
—A mensagem — Urgiu Tally — O que dizia a mensagem?
—“Vós os que entrem aqui — Recitou Sim— Se tiverem chegado tão longe e sobrevivido à maldição de cobiça e avareza, então poderão esperar a encontrar os verdadeiros tesouros do mundo. Amor, perdão e a vida mesma.”
—Mon Dieu — Disse Tally, inclinando-se contra o marco da porta, tremendo como se tivesse febre.
— Ele entendeu... Viu o melhor e quão pior pode ser a pessoas. Justo como você e eu.
—Era uma história — Disse Sim.
— Talvez fosse todo mentira. Os sonhos de um homem moribundo.
—Quando Caleb te perguntou o que era o tesouro, você lhe disse que era a verdade. Sabe o que significa, Sim. Sabe.
Sim abriu a porta de um puxão e correu do quarto e da casa. Os lobos uivaram. O caminho para as colinas era rápido e seguro. Inevitável.
—Sim!
A voz de Tally puxou ele como uma corrente de um cão meio selvagem. Deteve-se na metade do pátio.
—Sim, sei que pode me ouvir. Não tentaria te deter. Nunca pude. Mas por favor... Não te dê por vencido com a vida. Vá onde seja que deva, mas não se renda. Segue procurando. Busca a verdade até que a reconheça e faz-a sua — Disse e se retirou, desvanecendo-se de seus sentidos.
— Nunca se esqueça. Adieu, mon seul amour.(Adeus meu único amor)
Ela desapareceu... Da vista, olfato e audição, de todo sentido tão toscamente superior ao de qualquer humano. Tinha-o deixado livre. Ele nunca precisaria olhar atrás.
Um uivo borbulhou em seu peito e morreu ali.
Viu o melhor e quão pior pode ser a pessoas. Justo como você e eu.
O melhor e o pior. Tally e Sim. Sim e Tally.
Sim caiu de joelhos e começou a rir. Ele sabia a verdade. Sabia desde dia em que viu pela primeira vez a Tally vestida como um moço e olhando-o diretamente à cara como o filho da puta mais desagradável no Território.
O maldito monge estúpido tinha razão.
Débil como um cachorrinho de um dia, Sim parou. Miriam estava parada na entrada, apertando um pacote contra seu peito com uma mão e agarrando uma lanterna com a outra. Sua boca se abriu quando se deu conta de seu estado de nudez. Então sorriu.
—Bem, eu nunca...! Simeon Kavanagh, você bom para nada, descarado, malvado...
Ele a passou saltando e foi pelo corredor até a porta do quarto de Tally. Estava fechada. Não golpeou. Empurrou a porta com seu ombro até abri-la. Tally estava de pé contra a janela, mas não por muito tempo. Levantou-a e beijou tão seriamente como nenhum homem tinha beijado alguma vez à mulher que amava.
—Sim! — Ofegou entre beijos — Você...
—Miriam já me disse isso. Sou um bom para nada — Fuçou o pescoço—... Descarado — Mordiscou o ombro—... Malvado...
Ela o silenciou com um beijo tão veemente que ambos caíram sobre a cama. Ele se levantou e olhou para baixo a seu rosto desconcertado e amado.
—Há algo mais que me esqueci de te contar — Disse ele.
—E o que poderia ser, mon loup?
—Não posso ir procurar outro lado da verdade e a esperança e todas essas outras coisas que fazem que valha a pena viver a vida. Está bem aqui. —Beijou-a novamente — Te amo. —Riu como um bêbado.
—Te amo, Chantal Bernard. Você A...
Tirou-lhe as palavras de seus lábios e as devolveu:
—Amo-te, Simeon Wartrace Kavanagh. Com todo meu coração.
Ele apoiou sua testa na dela.
—Então não é muito tarde para encontrar esse perdão que mencionou? Compensar por toda a maldade que fiz?
—Nunca foi malvado, Sim — Sussurrou ela — Só humano.
Uma sensação estranha começou a congregar na boca do ventre de Sim e começou a subir para sua garganta. Depois de um momento se deu conta que seu rosto estava molhado e que não podia respirar pelos soluços que saíam de seu peito.
Estava chorando como um bebê. Como uma mulher. Chorando por sua mãe, pelo Caleb, por todas as pessoas às que tinha ferido, ainda por aquelas que tinham feito piores coisas das que pudesse imaginar. Chorando pelo moço inocente que tinha sido faz tanto tempo.
—Sinto — Disse com voz rouca — Eu sinto.
Os olhos de Tally estavam brilhantes com suas próprias lágrimas, derramando-se por suas bochechas para empapar os travesseiros e os dourados fios de seu cabelo. Sim sentiu contra seu rosto o tecido gasto e suave e reconheceu o lenço que sua mãe tinha feito para ele fazia tanto. Em uma estranha forma, sua mãe finalmente estava tentando reconfortá-lo.
—Já não está mais sozinho, meu querido — Disse Tally.— Começamos a viagem juntos e encontraremos nosso próprio tesouro. Faremos-o bem. Juntos.
—Mais vale que o façam bem — Disse Miriam — E o mais breve possível.
A luz da lanterna brilhou através da porta aberta. Sim se esticou e arrastou seus braços sobre seu rosto.
—Um homem não pode ter privacidade nesta casa? — Demandou ele.
Miriam cacarejou como uma mamãe galinha.
—Não um homem que corre desnudo como um potro e aborda a damas em seus quartos. Meu Senhor... Aonde vai este mundo? Se tiver intenções de ficar, Sim Kavanagh, espero que faça uma mulher honesta de minha Tally.
Sim sorriu.
—Não a tiraria de nenhuma outra maneira.
—Então coloque um pouco de roupa como uma pessoa decente e saia do boudoir da senhorita Tally neste instante!
Quase obedeceu. Em vez disso se sentou para trás, girando sua cabeça para que Miriam pudesse ver sua fraqueza. Sua humanidade. Sua esperança de salvação. E seu amor.
—Conhece um pregador por estes lados, Miriam? — Perguntou.
Miriam estudou seu rosto. Suas feições severas se suavizaram e nelas ele viu o profundo afeto que ela sentia pela Tally e Eli, a força e compaixão que tinham sido o suporte de Tally durante os tempos difíceis.
—Ocorre que — Disse Miriam — Um pregador deixou Cold Creek esta mesma manhã.
Sim olhou a Tally, procurando a dor pela morte de André. Mas seu rosto estava em paz. Beijou-lhe à testa e saltou da cama. Os olhos da Miriam se aumentaram em confusão justo quando ele a agarrava e a beijava sonoramente na boca.
Ela o empurrou com braços fortes de amassar pão e esfregar a roupa.
—Se não colocar um pouco de roupa neste instante, vou gritar e Eli sairá de sua cama e se arrancará as vendagens e vai ser o culpado de ser doente de novo!
Sim se cobriu suas partes com fingida vergonha.
—Eli tem que guardar suas forças para você. As vai necessitar.
—Miriam! — Disse Tally da cama — É a segunda vez que te vejo ruborizar.
Miriam colocou as mãos no rosto e volteou os olhos para o céu.
—Senhor, me dê forças.
Ela se dirigiu a Tally, ignorando firmemente Sim:
—Eli e eu estávamos pensando... Se não te decepcionava muito... Estávamos pensando em não esperar até janeiro para nos casar. Não necessitamos umas bodas elaborada e depois de tudo o que aconteceu...
Tally saltou da cama.
—Miriam, isso é maravilhoso. Mas com o Eli... —Disse-lhe enquanto se ruborizava como Miriam — Eli poderá ser capaz de...?
—Senhorita, não se preocupe com ele. Tem seus próprios problemas. —Jogou um olhar ao Sim e de repente sorriu, abrindo seus braços em um abraço que tomou ao mundo inteiro.
— Penso que se enviarmos o Pablo em nosso cavalo mais veloz, logo que amanheça, podemos ser capazes até de interceptar a esse pregador antes que alcance Tombstone.
Sim gritou de alegria, o suficientemente forte para despertar aos mortos. Tally riu. Os lobos uivaram, afligidos e doces e se desvaneceram nas colinas.
Susan Krinard
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