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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DOS CÉUS À TERRA / J. W. Rochester
DOS CÉUS À TERRA / J. W. Rochester

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

DOS CÉUS À TERRA

 

Bem longe... Distante, além dos limites do mundo visível, fulge um foco de luz no infinito, tão radioso e intenso que a imaginação humana é incapaz de concebê-lo mentalmente. Em volta, em uma ordem grandiosa, vão girando nebulosas estelares com seus milhões de sóis e incontáveis mundos planetários. A harmonia celeste acaricia tudo com seus sons divinos; todas as emanações do bem criam em torno uma pureza invariável de perfeição.

Esse fulgurante foco de luz e vida - o Céu - é a morada do Criador. Ao derredor de Seu trono, que repousa nas nuvens de um azul claro prateado, estão reunidos exércitos de arcanjos e anjos e toda a hierarquia celeste, incluindo os gênios que, embaixo, aos pés do trono, tal qual uma revoada de borboletas, adejam por todo o espaço do paraíso.

Junto ao trono está em curso a eterna recepção dos mensageiros de todas as esferas, relatando sobre a situação e o grau de progresso da humanidade nos mundos a eles confiados. Junto aos portões do paraíso, São Pedro examina e depois deixa entrar os dirigentes e os séqüitos que vieram das incontáveis províncias do reino de Deus. Atrás dos dirigentes, seguem os seus subalternos e os protetores; entre esses, aqui e acolá, vêem-se os mártires, carregados nos braços obsequiosos dos espíritos, já que, dilacerados de corpo e alma, não tem condições de se apresentarem pessoalmente junto ao trono do Criador.

Apenas um pequeno planeta - um ponto insignificante perdido na insondável nebulosa, que só os vizinhos próximos conseguem perceber - fornece em profusão os mártires. Os anjos e os gênios recebem-nos penalizados e os inquirem sobre as causas do martírio. Seus relatos das crueldades e injustiças, sofridas provocam lágrimas nos habitantes do Céu; de terror, suas penas das asas se eriçam e eles contorcem as mãos em desespero.

__ Como? Os homens os molestaram porque vocês quiseram ensinar-lhes o bem, o amor, a integridade e a misericórdia? Isso é terrível!

__ Sim! De tão arraigados que eles estão no mal! - queixavam-se os mártires. __ Sabem eles, ao menos, da existência do Criador, dos arcanjos e de toda a milícia celestial, montando guarda pela verdade e harmonia dos sentidos? Talvez eles sejam maus devido à sua ignorância? - perguntou um dos anjos.

__ Oh, não! Eles sabem, é claro, que o Pai Eterno existe, mas é que Ele não é único: existe Deus dos católicos, Deus dos protestantes, Deus dos maometanos, e assim por diante. Cada povo prega seu Deus a seu modo e, nas desavenças sangrentas que resultam disso, os que pregam o Deus católico, por exemplo, tentam eliminar os seguidores do Deus protestante, e assim infinitamente. Dessa forma, cada qual invoca para auxiliá-lo contra o inimigo o seu Deus, o qual deve, em sua opinião, engrandecer seus adoradores. Quanto à questão dos anjos e arcanjos, na Terra não os interpretam pela sua beleza límpida e virtudes personificadas; eles vivem discutindo se suas asas são aquilinas ou... columbídeas.

E lágrimas amargas escorriam dos olhos dos mártires, quando eles se lembravam de todos os sofrimentos injustos.

Um arcanjo, ao ouvir essa conversa, aproximou-se balançando a cabeça em desaprovação.

__ É lastimável que os habitantes da Terra sejam tão cegos. É necessário abrir-lhes os olhos e mostrar que isso lhes é ensinado por Satanás.

__ De forma nenhuma! - ouviu-se uma voz na multidão de mártires. - Satanás nem se mexe do penhasco de seu portão na Terra; ele só fica observando o que acontece e se regozija. "Para que vou ficar me matando de trabalhar - disse ele certa vez -, se eles mesmos fazem meu serviço".

__ E ele tem razão! - interveio um jovem mártir, que sofrera menos que todos. - Aos servos de Satanás, os homens jamais fazem mal, nem matam os que o veneram; quanto a nós, tão logo descobrem, começam a nos perseguir; não encontramos salvação nem nas igrejas, que deveriam nos servir de abrigo e proteção...

A conversa foi interrompida, porque recém-chegados deveriam se apresentar junto ao trono do Todo-Poderoso.

Depois de ter ouvido todas as queixas e lamúrias dos mártires e missionários, o Criador, em toda Sua eterna benevolência, entristeceu-se.

__ Descansem, meus servos fiéis, na paz do paraíso! - disse o Senhor. - Vocês mereceram por isso. Porém, só de pensar que meus filhos da Terra perecem na cegueira e vícios, sinto-Me amargurado e Eu pedirei que um dos gênios celestes, de espírito corajoso e repleto de boas intenções, desça à Terra, conscientize os homens e lembre-os de sua origem divina, pregando amor e irmandade. Pegue a trombeta! - disse Ele a um dos arcanjos - e faça conhecer Minhas palavras, para que se apresentem diante de Mim aqueles que queiram trabalhar para o bem do próximo e, com isso, merecerem as asas de arcanjo e ascenderem há hierarquia celeste.

Um alto som de trombeta ecoou por todo o Céu e o arcanjo repetiu por três vezes o chamado do Criador; mas o céu permaneceu sem resposta; os gênios, assustados, tentaram se esconder nas nuvens. Debalde os arcanjos lhes lançavam olhares significativos e os instigavam; a visão dos mártires terrestres subtraiu-lhes qualquer vontade de missionarem e as persuasões dos anjos não faziam qualquer efeito. Os arcanjos ficaram vermelhos de vergonha. Então, o Pai Eterno disse, irado:

__ Estou vendo que Meus gênios são pusilânimes e preferem levar uma vida tranqüila os invés de levarem aos nossos sofredores, irmãos na humanidade, a luz e os conhecimentos aqui adquiridos, já que precisamos ajudar para que os desditosos da Terra tomem juízo.Nesse ínterim, ao longe surgiu uma nuvem límpida.

__ Eis quem vai nos ajudar! - alegraram-se os anjos e arcanjos. - Assim que o anjo Êxtase começar a falar, nós vamos escolher um executor mais adequado às prescrições do Senhor.

Mas mal os anjos ouviram o nome de Êxtase, escarafuncharam-se pelas nuvens, tão céleres, que os anjos jamais esperando deles tal desatino ficaram inicialmente perdidos. Entretanto, eles conseguiram agarrar um deles, segurando-o para que este não escapasse. O prisioneiro verificou-se ser um gênio ainda jovem, há pouco elevado ao seu título; ele nunca vira o anjo Êxtase e, por curiosidade, demorou para esconder-se.

A nuvem radiosa aproximou-se, abriu-se, e dela surgiu um jovem de beleza encantadora. Suas vestes fulgiam de milhares revérberos multicolores; nas madeixas douradas, como que sombreando a cabeça aureolada, repousava uma coroa de lírios brancos, engalanada por estrela brilhante; nas mãos, ele segurava um cálice, cheio de um fluído vermelho, semelhante ao sangue, que recendia um aroma forte e entorpecente.

Parando diante do gênio, Êxtase fitou-o com olhar ígneo e, em seu rosto, brincou um sorriso enfeitiçador.

__ Gênio, querido irmão meu! - iniciou ele com voz suave, que penetrava na alma. - Você é belo e repleto de ímpetos altaneiros, mas lhe faltam asas de arcanjo para completar sua beleza celestial e alçá-lo ao infinito ou a qualquer lugar que sua mente nem intui. Assim, não só os Céus, mas todo o Universo lhe serão acessíveis. Por que não tentar? Por acaso atemorizam-no os cataclismos terrestres? Mas você ainda não viu a Terra e não a conhece; os relatos dos mártires, intimidados espiritualmente e exauridos por sofrimentos, não podem assustá-lo.

É uma ventura excelsa ser um mensageiro dos Céus! Imagine-se em um campo de batalha, semeado de feridos, morrendo com a perda de sangue, fome e sede; o horror da situação deles é acentuado pelas trevas da noite envolvente. Então você aparece e sacia a sede e a fome, cuida dos ferimentos; ensina aos moribundos como devem morrer e, aos sobreviventes, ensina a viver. Seu archote dispersará as trevas e levará a luz a todos; por todo lugar, o contato de sua delicada mão curará as feridas e secará as lágrimas. Sua vinda será abençoada e suas palavras avidamente sorvidas; cada palavra sua, feito rocio celeste, cairá nas almas sofridas e embrutecidas. E você transmitirá aos homens como perdoar e amar a todas as coisas; ensinar-lhes-á a amar não só o que é útil ou vantajoso, mas o que é verdadeiramente digno de amor. Você lhes lembrará que a alma deles é uma criação dos Céus, assim como a sua, e que a centelha imortal é apenas eclipsada pelo casulo imperfeito. Suas palavras os despertarão daquele entorpecimento moral em que tiritam. Quando, então, corando sua missão, você ensinar os homens orarem, solidificará o vínculo que os une com o Pai Celeste e acenderá o farol indestrutível que lhes iluminará o caminho na escuridão impenetrável, ora adensada por Satanás.

Não tema que esses homens cegos e desditosos lhe atirem sujeira; ela não o alcançará nem maculará a sua pureza virginal, pois você estará acima das fraquezas humanas. Depois, triunfante, você retornará a nós, regozijando-se do dever cumprido e se engalanará em vestes alvas de arcanjos.

O gênio ouvia, no início hesitante e tremulo, mas depois uma expressão extasiada espalhou-se pelo seu rosto jovem e belo; aos poucos, ele foi arrebatado por uma chama de inspiração, que emanava de Êxtase. Todos os temores desapareceram e o gênio se via na Terra, erradicando o mal e espalhando a luz, trazendo às pencas, aos pés do Criador, as almas arrependidas. Prostrando-se de joelhos, ele ergueu as mãos.

__ Estou pronto - disse. - Enviem-me á Terra como mensageiro do Bem. Êxtase inclinou-se e levou aos lábios do gênio um cálice com um líquido estranho, devendo este manter no coração do gênio o entusiasmo que o impeliria ao auto-sacrifício e aos feitos grandiosos em nome do ideal, sufocando o riso de escárnio da turba bestificada. Pegando do gênio o cálice emborcado, Êxtase alçou-se ao ar e desapareceu no clarão fulgurante que envolvia o trono do Eterno.

__ Agora, armem-no com arnês celeste para proteger a Santa Mensagem e dotem-no de todas as qualidades. Quem desce á Terra para levar os bens celestes e enfrentar o mal, deve ser forte, belo e sábio - pronunciou um dos arcanjos.

A este chamado, os anjos rodearam alegres o novo mensageiro do Bem. Eles vestiram-no em arnês brilhante, aprumaram melhor as asas que deveriam levá-lo às regiões etéreas para descansar das lutas e preocupações diárias; finalmente, deram-lhe uma espada, cuja lâmina era um fio de chama, que deveria dispersar as trevas e derrotar o Mal.

O Criador olhou meigamente para o seu mensageiro valoroso, quando este se prostou aos pés do trono.

__ Vá, meu filho, trabalhar para o salvamento de seus irmãos cegos! Para que os homens reconheçam em você o Meu mensageiro, faço decorar sua cabeça com uma estrela brilhante, que o destacará da turba. Nesse instante, de um feixe de luz que se irradiava do trono, separou-se uma chispa e quedou-se na fronte do gênio, acendendo-se em uma estrela brilhante, iluminando-lhe a cabeça com um clarão intenso. O gênio se levantou e dirigiu-se à saída, onde foi cercado por um grupo de seres límpidos.

__ Pare um instante! Nós lhe daremos o ósculo fraterno e o dotaremos de virtudes que personificamos. Aproximou-se Beleza, deu um ósculo no gênio e, imediatamente, todo o seu ser se ataviou de formosura encantadora; nos olhos ignizou-se a harmonia celestial e a serenidade. Veio então Verdade e, depois, Misericórdia, que o premeu ao peito, dizendo:

__ Mais do que ninguém, você precisará de mim ao se encontrar com a humanidade embrutecida e ingrata. Em seguida, aproximou-se Amor e em volta bafejou um calor puro e vivificante. __ Compreenda o meu sentido verdadeiro! - disse, abraçando o gênio. - Sou abnegação, auto-sacrifício e perdão a tudo! Não posso ser enganado nem abdicado, não posso ser comprado nem vendido. Para os corações que habito, eu sirvo de chama orientadora iluminando o caminho para os Céus. Na Terra, você só encontrará sombras ilusórias que se valem do meu nome; no entanto, você saberá reconhecê-las, já que me conheceu pessoalmente e intuiu a minha essência. Oh, como sou vilipendiado na Terra! Venalidade, hipocrisia, paixões animalescas - o meu nome engalana tudo; todos proclamam dos gritos se chamarem de amor. Oh, eles não me conhecem!

__ Juro-lhe, irmão, restabelecer sua imagem verdadeira na Terra, esclarecer sua origem divina e desmascarar os que ousam encobrir-se sob seu nome.

__ Agora você está bem armado - disse ao gênio o arcanjo que o acompanhava. Só lhe falta escolher, entre as límpidas filhas do Céu, uma companheira que possa apóiá-lo na jornada de luta e confortá-lo na solidão. E ele para a fileira das Artes, postadas em frente. Com olhar extasiado, o gênio vislumbrou Música, Pintura, Escultura e suas irmãs, decidido, ele estendeu a mão para Poesia.

__ Elejo você, a mais bela das filhas do Céus; você que arrebata a alma ao mundo límpido da fantasia, e que, com palavra flâmea, canta as belezas do paraíso e os sorvedouros do inferno.

__ Pegue! - disse o arcanjo, estendendo-lhe uma pena que arrancara da asa. - que ante sua pena de águia, a turba trema, ao ser denunciada por seus malefícios, açoitada sem clemência por seus vícios, retratada por suas monstruosidades morais.

__ Obrigado! Serei firme e não esmorecerei diante do ódio, nem das dificuldades - disse o gênio, lançando um olhar de despedida aos Céus que deixava, cuja lembrança queria gravar na alma.

__ Não se esqueça de mim também e aceite um presente meu! - ouviu-se atrás dele uma voz humilde, e o olhar surpreso do gênio deparou-se com um ser diáfano, mal delineado.

__ Quem é você?

__ Sou aquela que apóia o homem quando a paciência, a coragem e a fé o abandonam. Sou Esperança. Aceite de mim esta lampadinha. Aparentemente, sua chama bruxuleia quase invisível e parece se apagar; não tema, todavia, pois esta chama sempre se reacenderá a tempo e iluminará a escuridão do caminho da vida. Não fosse eu, nenhum ser racional suportaria a luta. Com um sorriso de agradecimento, aceitou o gênio a lampadinha, pendurou-a no pescoço e abandonou os Céus.

Diante dele, por todos os lados, estendia-se o infinito em todo o seu esplendor indescritível. Mal teve ele tempo de entregar-se ao vislumbre da grandiosidade em derredor, sua atenção foi chamada para duas figuras hercúleas, postadas como que de guarda na entrada do paraíso.

Ambas as figuras eram femininas: uma - pálida, impassível, com sorriso enigmático nos lábios, estava toda de negro e empunhava um relógio de areia; a outra - límpida, radiosa, envolta em vestes ofuscantes, segurava a balança e a espada; sua cabeça era decorada por um diadema de estrelas.

__ Aproxime-se, gênio, mensageiro dos Céus, e fite bem os meus traços - disse a figura límpida. - Sou Justiça, e você terá dificuldade em me encontrar na Terra. Ainda que o meu nome esteja nos lábios de todos e a minha imagem em todos os códigos, você encontrará apenas um espectro deturpado, não e mim. E os que deturpam a minha imagem acabam por me injuriar ou, até, por repudiar a minha existência.

Perscrute-me bem, para gravar na memória os meus traços e certificar aos homens que eu reino junto aos portões do paraíso e das barreiras do inferno e que, na minha balança, peso os princípios do Bem e do Mal, dos quais se compõem todos os seres. A virtude é leve, mas os vícios pesam muito, inclinando a prato em direção ao sorvedouro.

Eu não me desforro dos crimes, como dizem sobre mim na Terra, não julgo nem puno, mas também não sou complacente. Não posso ser aplacada com a lisonja nem comprada com ouro; cada qual concentra em si seu próprio suplício ou a coroa da recompensa.

__ As minhas palavras serão o último "perdoe", que lhe dirigem os Céus - pronunciou uma figura negra. - Meu nome é Morte. Tal como acontece com a irmã Justiça, minha verdadeira importância é ignorada na Terra. Temem-me e de mim fogem, no entanto, eu sou a última amiga do homem, sua última confortadora. Quando, ceifado de ódio, inveja e calúnia, ele se debate exaurido nos estertores morais e físicos, então eu apareço e, com a mão aflita, cerro-lhe os olhos cansados e o embalo com sono tranqüilizante. Aparecerei diante de você, quando, com alma alquebrada, injuriado pela justiça humana, você quererá um descanso; se eu não lhe curar a alma, liberta-lo-ei do corpo, que lhe será mais pesado que os grilhões de um condenado. Dizendo isso, ela estendeu a mão e, com seu anel glacial, tocou no peito do gênio.

__ Agora, vá! - ordenou ela. - eu o dotei do talismã de renovação eterna e, de agora em diante, você é um mortal.

O rosto do gênio anuviou-se. Poderia ele, um mensageiro divino, falhar tanto em sua missão futura a ponto de desejar a morte como libertação? Não! O Bem há de triunfar sobre o Mal, e ele, mensageiro, triunfaria! Batendo as asas, atirou-se corajosamente ao oceano insondável do éter. Ao longe, como imensas ilhas, estendiam-se as nebulosas.

Pregando os olhos e vislumbrando o panorama que se descortinava, o gênio orientou o seu vôo a um ponto vermelho, quase imperceptível, perdido entre mundos planetários gigantescos.

Finalmente, aos poucos, começou a se delinear envolvo em nuvens escuras um globo, e aos seus ouvidos chegou um barulho indefinido e caótico. Subitamente, uma nuvem densa e escura fechou-lhe o caminho. Esta tomou a forma de um penhasco, um relâmpago brilhou e, em seu cimo espectral, surgiu um ser excêntrico. Seus traços eram belos, mas o selo das paixões repousava em seu semblante; a boca era desfigurada por um sorriso amargo de escárnio; um par de chifres, como duas chamas, flamejava acima da fronte.

__ Pare, insano! Para que você está indo para a Terra? Para ser mutilado e morto? - ouviu-se uma voz surda e profunda.

__ Não! Estou descendo dos Céus para expulsá-lo, Satanás, seu desencaminhador de almas humanas! - desafiou o gênio, erguendo a espada flâmea. - Fora, espírito das trevas! Diante da luz divina, de que sou o mensageiro, todas as sombras se dissipam. Satanás sentou-se ruidosamente sobre o penhasco que lhe servia de trono e uma gargalhada alta e funesta fez tremer toda a atmosfera.

__ Você pretende me expulsar? Você deve estar vindo de um lugar onde sonham o impossível. Repito-lhe: abandone seus intentos, se não quiser vagar entre o Céu e a Terra feito Peri (gênio feminino da mitologia iraniana), sozinho, perdido, sempre estranho a todos... Você insiste?... Por acaso tem alguma idéia da dificuldade da missão empreendida? Deve ser o anjo Êxtase que lhe pôs óculos cor-de-rosa. Eu me proponho a descer com você na Terra; depois disso, caso você insista em continuar a guerrear comigo, deverá agüentar as conseqüências. __ Leve-me até lá! Em uma coisa você tem razão: para combater o Mal, deve-se conhecê-lo.

O demônio endireitou-se em toda a altura e bateu suas asas dentadas; uma nuvem negra, salpicada de raios, envolveu-o . Eles começaram a descer lentamente em direção às nuvens, rubras feito metal incandescido, atrás das quais se ouviu um crepitar funesto, como de uma enorme caldeira ebulindo; ouviam-se os sons de gritos, gemidos e clamores.

__ Mostre-me os lugares sagrados dos homens, seus templos - pediu o gênio. - Gostaria de orar e fortalecer-me.

__ Excelente! Leva-lo-ei a uma cidade sagrada, onde achará templos às centenas - prontificou-se Satanás. - Chegaremos em uma boa hora, para você ver uma missa sob a cúpula de São Pedro - acrescentou ele, orientando o vôo em direção a uma grande cidade, pictoricamente espalhada entre os morros.

Eles desceram e adentraram um espaçoso templo. Dentro e fora do edifício apinhava-se a multidão, por entre a qual desfilava uma procissão. Sobre um trono alto, carregava-se um homem com tiara brilhante na cabeça; o trono era cercado por carregadores, de leques; parecia que estava nas primeiras épocas dos faraós egípcios.

__ Deve ser uma coroação; o soberano é levado majestosamente ao templo - observou o gênio.

__ Nada disso! É o sucessor de Cristo, chefe da igreja católica.

__ Não pode ser! Nosso Senhor Jesus Cristo professava e era exemplo de pobreza e humildade, andava descalço, não tinha onde encostar a cabeça e teve-a encimada com a coroa de espinhos dos mártires, enquanto esse Seu sucessor fica sentado no trono, com uma verdadeira torre de ouro na cabeça. O que significam aquelas três coroas e as chaves bordadas? Satanás sorriu mordaz.

__ As chaves abrem ou trancam o paraíso, a critério do primaz; as três coroas significam que ele reina no Céu, na Terra e no Inferno. Aliás, uma pretensão ingênua e inofensiva. No Céu - você o sabe por experiência - ninguém lhe dá a mínima, e só pessoas muito inocentes ainda acreditam que podem comprar o perdão dos pecados com o dinheiro. Quanto ao Inferno, lá, realmente, ele goza de uma certa autoridade, mas como um aliado, pois o exército de padres que ele comanda é basicamente formado de meus súditos e, ainda que em voz alta eles venerem Deus, em seus corações, invariavelmente, reino eu - Satanás. Esses homens, tendo feito o voto de pobreza, tomados de avidez insaciável, são mestres em amealhar milhões; toda uma espécie de vícios floresce entre eles e, quero preveni-lo, eles serão seus inimigos mais ferrenhos. Eles monopolizaram as verdades, que você pretende professar abertamente. O lema deles reza que o "excesso de conhecimento prejudica", de modo que você será perseguido em vida e, após a morte, quando você não mais poderá prejudicá-los, talvez o elevem à condição de um santo, comercializando seus restos - o que é uma atividade muito lucrativa. Há muitos casos parecidos: Joana D´Arc, por exemplo, foi queimada na fogueira com todas as regras do rito católico, mas isso não impediu que ela fosse elevada a santa, lucrando-se muito por conta da memória da grande virgem.

__ Que horror! Vamos sair daqui; para mim chega! E o gênio seguiu entristecido o seu acompanhante. Diante deles, sobre uma planície verdejante surgiu uma enorme cidade, cheia de vida e movimento.

__ Eis onde me sinto bem à vontade! - disse Satanás. - Aqui é a capital de um povo riquíssimo e inteligente do velho continente, ainda que devido à sua leviandade eles passem por muitos dissabores e, sem se dar conta, sejam extorquidos por diversos aventureiros. Sua mania de ridicularizar tudo gera estranhas anomalias, assim, aqui se rejeita Deus, justificando "obscurantismo"; zombam da honestidade e do bem, glorificam em versos e prosa toda espécie de imoralidades, chamando isso de "naturalismo"...

__ Não, eu não quero ver esses infelizes - interrompeu impaciente o gênio, cobrindo o rosto com as mãos.

__ Calma, meu amigo! Aqui há coisas muito interessantes - observou, jocosamente, Satanás.

__ Não, nada quero ver nessa cidade.

__ Você veio trazer luz aos homens, curá-los de seus vícios, no entanto, mas os vê lhes dá as costas desdenhoso. O que acontecerá, então, se você tiver que lidar com eles, conhecer a sua lógica?... Mesmo eu, Satanás, às vezes fico meio perdido. Olhe bem para aquele prédio tétrico com grades nas janelas: é um presídio. Ali ficam enclausurados os coitados que furtaram, movidos por fome, por um pedaço de pão, ou mataram, ensandecidos pela bebida; ou seja, todos aqueles que, de uma forma ou de outra, transgrediram as leis, sendo condenados pela justiça humana ao encarceramento ou ao expurgo nas colônias longínquas, onde os infelizes morrem feito moscas devido ao clima insalubre. Está vendo aquele senhor atrelando um par de cavalos de raça? Ele, originário de barões, é dono de uma indústria. Milhares de miseráveis confiaram-lhe suas economias, que ele calmamente embolsou, e depois anunciou que a empresa não deu certo e desapareceu com os milhões. Depois de alguns anos de ausência, ele reapareceu aqui, mais rico que antes, e agora é uma pessoa respeitada; até suas vítimas sentem uma certa espécie de respeito diante de sua desfaçatez e não ousam chamá-lo de ladrão, senão como um gênio mercantil.

Nesse ínterim, o gênio viu um prédio, em cuja fachada havia uma placa com uma inscrição em ouro: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", e seu rosto iluminou-se com um sorriso prazenteiro.

__ Olhe, Satanás, você não tem vergonha de falar mentiras? Um povo que proclama princípios tão nobres não pode estar mergulhado em vícios e injustiças. Satanás olhou maliciosamente para o gênio, alisando sua barbicha negra, feito asa de corvo, pensou um pouco e disse em tom de bonomia:

__ Você se apressou um tanto em julgar-me mentiroso. Mas eu perdôo... Em sua ignorância celeste, você ainda desconhece que existem palavras tão elásticas, que podem ser aplicadas a qualquer coisa, até adulterarem-lhe o significado original - e ninguém se dá conta disso. As três palavras que o deixaram embasbacado são da mesma categoria e, ainda que o bom povo desta nação tenha derramado rios de sangue para instalar a liberdade, igualdade e irmandade, não pode, sob o aspecto de como você vê isso, gabar-se dos resultados obtidos.

__ Não entendo como podem levar o Mal estes princípios grandiosos?

__ Tentarei explicar. O país foi outrora uma monarquia; ao longo de muitos séculos, houve monarcas bons e ruins, já que eram homens sujeitos às fraquezas e equívocos humanos; mas, apesar de tudo isso, eles sempre amaram sua pátria e fizeram-na grande, notável e poderosa. Mais tarde, uma obscura comunidade clandestina, longa e insistentemente, preparou as mentes para, finalmente, perpetrar uma revolução. Não queriam mais um estado monárquico, achando que bastava destroná-lo para que cada um fosse dono de seu nariz, sem perceberem que, no lugar de um déspota, eles colocariam um outro: o rei foi substituído por uma turba, ingênua e cega. Se, antes, um governava sobre todos, agora todos começaram a governar sobre cada um e, mesmo assim, nem todos, mas os que conseguiram usurpar o poder e, buscando seus interesses, mantém o engodo do povo. Para consolidar a liberdade, ele sentenciaram à morte o rei, a sua consorte, e destruíram, afogaram e queimaram milhares de pessoas, sem escolher o sexo ou a idade e, no lugar da antiga nobreza, entronizaram a ralé. Agora seu lema é aplicado da forma que você leu. Satanás apontou o dedo para uma rua estreita; nela, uma placa no prédio dizia "Escola", cercada por policiais e tropa militar. Atrás da linha dos soldados, xingando, gritando e gesticulando, havia uma multidão de pessoas.

__ O que pode significar aquela reunião de gente diante de uma instituição tão pacífica de saberes? Parece que vieram enfrentar os amotinados!

__ Justamente, os amotinados contra a liberdade de expressão. O prédio é habitado por monjas, empenhadas no ensino às crianças das mesmas singelezas que você se propõe - explicou Satanás em tom sarcástico.

__ Que insanidade é essa de usar força armada contra, quem diria, as mulheres?

__ Isso se faz necessário, porque a turba, hostilmente orientada, quer atrapalhar o fechamento das escolas da congregação, por sinal um projeto de meu sobrinho - senador Kombo. Ele quer, de uma vez por todas, depurar as instituições educativas de velhos e ultrapassados equívocos: as crenças religiosas. Agindo rápido e seguro, seu projeto fará com que as crianças tenham escolas onde se ensina a minha catequese. - E Satanás endireitou-se sobranceiro. - Tais cidadãos, devidamente educados, serão menos constrangedores para o governo de que esses idiotas que ali gritam, sem entenderem que o decreto foi editado para o seu próprio bem.

__ Sim, mas educar as crianças como cristãos é um direito. Quem ousará ficar contra? Onde está então a liberdade?

__ Liberdade? Sim, e em nome de que, senão dela, é que eles agem? Ainda que, é verdade, eles a interpretem sem muita cerimônia, de uma forma conveniente para as esferas do poder. Não ter fé é liberdade de consciência; ter fé é atraso e rotina - que deve ser erradicada.

Ademais, o liberalismo é a moda do momento que, feito um bolor, espalhou-se pelo mundo, atingindo inclusive o país dos Ursos Brancos. Existe, é claro, uma diferença: o que berram aqui de pulmões cheios, lá ainda murmuram discretamente. Se bem que um professor liberal deles já sugeriu abolir os crucifixos e a catequese das escolas, extirpar os sacerdotes e tudo que lembre o cristianismo, pouco simpático aos meus fiéis adoradores - budistas e outros seguidores -, cuja suscetibilidade deve ser salvaguardada... Assim, quando você voltar ao Céu, avise que lá logo chegarão todos os santos, gênios e protetores, sem contar toda uma espécie de habitantes paradisíacos, tornada inútil neste planeta, onde reinarei apenas eu! Vê como as coisas se fazem em um país "livre" !?

Satanás apontou para o que ocorria na rua. Do prédio saíam, humilhadas mas com dignidade, algumas monjas, sendo saudadas com gritos pela multidão lamentosa de mulheres e crianças. Um comissário da polícia pôs faixas de interdição nas portas da escola.

__ Está vendo? Mais um exemplo de "liberdade"! Continuando a voejar, eles viram, delineando-se, o interior de uma fortificação, e numa das janelas da casamata surgiu a cabeça de um condenado.

__ Só porque ele ousou ter opinião formada sobre questões sociais e religiosas, foi preso e julgado culpado por amar sua pátria e exigir a França para os franceses.

__ E o povo agüenta isso? - interrompeu o gênio.

__ O que vai fazer? O povo é ingênuo e indiferente e, sendo assim, parece com os Ursos Brancos, que apresentarei para você mais tarde; não é à toa que eles são meus aliados.

__ Não estará você exagerando só para me desanimar...

__ Julgue você mesmo ao se encarnar na Terra. É para isso que estou lhe mostrando as capitais, para que você, conscientemente, escolha uma nação. Ainda que na colossal metrópole de milhões de habitantes, para onde vamos, tenho cá minhas dúvidas que você queira se instalar. Há seis meses, ela está mergulhada num denso nevoeiro; habita-a, além do mais, um povo de hábeis mercadores, e você, com sua nobreza de caráter, irá se sentir deslocado. O traço característico daquele povo é que somente dez mil pessoas vivem bem e podem se considerar como gente...

__ Louvado Deus! Que crueldade! O que faz o resto da população?

__ O que quer?! Equívoco seu qualificar os "ilhéus" de cruéis; eles são muito religiosos e, aos domingos, só lêem a Bíblia. A bem da verdade, nos seis dias restantes, eles não se avexam em se intoxicarem com ópio e matar de fome populações inteiras. Em resumo: esse é o país mais enfadonho do mundo!

__ Creio que poderíamos dispensar a visita a esta nação... Já me basta o que você me falou dela - observou o gênio, fazendo uma careta.

__ Estou vendo que sua mente está se tornando aguçada, belo mensageiro dos Céus! Limitemo-nos a dar uma volta pela capital dos "senhores dos oceanos", como se autodenominam os "ilhéus"; dispensá-lo desta visita é impossível. Nos domínios do Mal, o qual você pretende enfrentar, eles tem um papel principal e você deve conhecê-los antes de empreender a sua insana cruzada. O gênio suspirou fundo e seguiu o seu acompanhante.

Agora eles adejavam sobre as planícies férteis, maravilhosamente trabalhadas, salpicadas de cidades florescentes, orientando o vôo para uma enorme cidade que se divisara ao longe, cortada por um rio sulcado em todas as direções por embarcações de variados calados. Por vezes, eles cruzavam magníficos monumentos de arquitetura antiga; tudo respirava esplendor e a impressão dessa fartura se acentuava com o aspecto festivo da cidade. As casas eram decoradas com bandeiras e enormes multidões apinhavam as ruas. Mas, à medida que os viajantes se aproximavam, o quadro perdia a sua magnificência: o ar enchia-se de gritos e, nos rudes rostos excitados, lia-se uma certa mistura de júbilo e crueldade. Por vezes o povo parecia tomado como de uma excitação furiosa, quando então os habitantes jogavam pedras nas portas e janelas ou se atiravam sobre os passantes aos socos; um infeliz teria sido enforcado no poste de luz, não fosse acudido pela polícia.

__ Meu Deus! O que significa isso? Parece uma revolução, no entanto, as casas engalanadas apontam que está em curso uma festa popular... - perguntou o gênio, atônito.

__ Você não se enganou. Eles festejam uma vitória brilhante. Os "ilhéus" estão em uma guerra que lhes trouxe mais espinhos que louros, mas a vanglória impede que eles se conscientizem da verdade e, sob os óculos cor-de-rosa, uma vitória, mínima que seja, é por eles festejada. Eles quebram as janelas e espancam as pessoas que ousaram expressar a convicção de que a guerra empreendida foi contra todos os direitos humanos... Oh! - prosseguiu Satanás, rindo satisfeito - aqui eu mando; a Mentira, minha filha, aqui é vice-rainha, e tem muito trabalho: ela profere discursos, sacode as armas e despeja bílis em quem quer que seja um cético. Vamos para frente, tudo isso são tolices! Voemos ao local de seus feitos, onde você poderá admirar a coragem dos meus gloriosos homens. E eles dirigiram-se para o Sul. Embaixo deles, divisou-se um enorme porto, cheio de navios; em alguns deles, embarcava-se o exército, de aspecto, aliás, pouco combativo: os soldados entravam sombrios e carrancudos.

__ Eles não primam por um ímpeto guerreiro - observou o gênio.

__ Por que o teriam? São todos mercenários, contratados para lutar e, assim, o resultado da guerra lhes é indiferente.

O rosto do demônio abriu-se numa careta de desdém.

__ Oh, se você visse os primeiros escalões saindo daqui! Eram vinte contra um e, evidentemente, seguir-se-iam vitórias; estavam prontos para colher os louros. Mas, a partir de então, lá, naquele país além-mar, esperavam-nos não o ouro, mas os reveses e, como você mesmo vê, eles não estão muito felizes em partirem.

__ Louvado Deus! Contra quem eles declararam essa guerra injusta e desigual?

__ Contra um país agrícola que, sem dúvida alguma, conquistará seu coração, já que eles optaram viver conforme os princípios que você professa. Esse povo é humilde, religioso, honesto, gosta de trabalhar e defende com unhas e dentes a sua pátria e a liberdade. Bem, já chegamos! Veja agora os frutos da guerra de um povo que, discretamente, se intitula humanístico e o mais civilizado do mundo. Diante deles, estendia-se uma planície desnudada, semeada por cadáveres de gente e animais; aqui e acolá fumegavam os incêndios. No meio daquela desolação, havia um prédio que parecia intacto, provavelmente uma fazenda, bem conservada: tudo respirava ordem e sossego. Era noite e tudo na fazenda repousava em sono profundo.

__ Agora, aqueles preguiçosos sentirão na carne por que não podem dormir - chacoteou Satanás, apontando para um destacamento militar que ia cercando a fazenda sob o comando de um oficial.

Quando o cerco terminou, um dos soldados aproximou-se e bateu fortemente À porta.

Do interior da casa, ouviram-se gritos assustados e, no limiar da porta, apareceu uma velha meio vestida.

__ Ei, você! - gritou rispidamente o soldado. - Quero todos em cinco minutos fora da casa!

Pode-se imaginar o que sobreveio: o choro das crianças, gritos e cantinelas de mulheres e velhos, expulsos da cama seminus. A rude soldadesca começou a saquear insolente as quinquilharias domésticas na presença dos donos aterrorizados.

Um quarto de hora depois, toda a construção ardia em chamas para o gáudio dos vitoriosos, secundando com assobios e ululos o pranto das vítimas despojadas. Nesse instante, do prédio em chamas saíram correndo duas pessoas, que lá tentaram persistir até os últimos momentos. Era um rapaz alto, ao qual se agarrava uma jovem, pálida feito cadáver. O homem por certo estava ferido, pois na cabeça e em uma das mãos viam-se ataduras; portava um fuzil, difícil de manejar só com uma mão. Entrementes, o oficial, percebendo a arma, deu ordem para fuzilar o homem

__ Misericórdia!... Ele está ferido, ele está entregando-se - suplicava a mulher, tentando cobrir o marido com o corpo.

Mas já era tarde: ouviu-se uma saraivada de tiros e ambos tombaram na terra. Os bandidos não tomaram nenhum conhecimento, carregaram o furgão e, escoltando os prisioneiros, o cortejo lúgubre desapareceu na escuridão. O gênio não conseguia se recuperar do terror e olhava calado aquele cruel e bárbaro massacre, mas depois, ao se recuperar, agarrou o rosto com as mãos.

__ Satanás, você não está me enganando com essas visões? - perguntou, olhando com desconfiança. - Será possível que um povo cristão conduza semelhante guerra contra outros cristãos? Eu mesmo ouvi um dos infelizes clamar pelo nome de Cristo.

Satanás soltou uma sonora gargalhada.

__ Sim, eles são cristãos! Sua fé é tão firme que poderiam invocar em auxílio o Céu inteiro. Eles observam as leis do Salvador; são caridosos e humanitários; mas você não deve ter ouvido os clamores desses infelizes, esvaindo-se em sangue, e seus pedidos de justiça, lá, onde você estava. Surpreende-me como todos lá em cima são surdos e a grande deusa Justiça não tem pressa em erguer sua espada contra os carrascos, defendendo os mais fracos. Aliás, isso é com você e não me diz respeito...

__ E qual é a causa dessa guerra? - balbuciou o gênio, constrangido.

__ Muitos simples: os teimosos agricultores, por sorte ou azar da vida, possuem enormes jazidas auríferas, cobiçadas por meus favoritos. Sendo pessoas práticas, os "ilhéus" há muito tempo se despojaram de quaisquer preconceitos éticos, e são objetivos; eles não se detêm para alcançar seus projetos, mesmo que para isso tenham de sacrificar milhares de pessoas, mulheres e crianças, chamadas de revoltosas.

__ Meu Deus! Meu Deus! - gemia o gênio. - E eles são cristãos! Todos os preceitos do Salvador, de irmandade e misericórdia, eles sacrificam por ouro e cobiça.

Satanás soltou novamente uma gargalhada estrondosa.

__ Arg, meu caro amigo! Você é cego e mal de memória. Eles lêem a Bíblia, respeitam os feriados religiosos e professam a letra e não o espírito das verdades, legadas pelo Salvador - o que é compreensível. Depois disso, eles acham que a conta com o Céu fica acertada e que nada mais os impede de se ocuparem de seus próprios interesses. E, convenhamos, são excepcionais esses interesses dos meus queridos "ilhéus"! Não há nenhum país no mundo, não há um canto no Universo, que eles não considerem de sua propriedade e, cada tentativa de satisfazer as necessidades locais, eles vêem como objetivo particular. Bem, vamos em frente! Levaria muito tempo se eu fosse enumerar todas as virtudes desse povo eleito, todo o requinte aristocrático de suas intrigas, e enorme impudência de atos e uma incrível generosidade na manutenção da subversão e motins em outros países...

O gênio nada comentou e, cabisbaixo, seguiu seu companheiro que parecia divertir-se em mostrar-lhe no caminho uma série de cenas, ante as quais o nosso mensageiro celeste cobria os olhos e tremia feito vara verde. Agora passavam por fazendas saqueadas e queimadas por hordas de selvagens, pelos campos de batalhas em que os soldados da nação "civilizada" acabavam de matar os feridos, e pelos acampamentos dos prisioneiros compostos de mulheres, velhos e crianças, exauridos, moribundos de desnutrição e outras privações...

Eles voejam mais e mais, quando, subitamente, o gênio parou pasmado, apontando para um povoado que se abrigara à sombra das palmeiras, em cujas ruas se apresentava um espetáculo dilacerante para a alma. Gente de magreza monstruosa, quase esquelética, via-se sentada ou deitada impotente junto às suas casinholas ou ao longo das ruas; alguns gemiam fracamente, outros mantinham um silêncio lúgubre, mas a apatia e desespero liam-se em todos os rostos; entre eles alternavam-se cadáveres. Um homem, montado a cavalo e acompanhado por servos, passava pelo povoado. Nem uma sombra de comiseração fulgia em seus olhos opacos e frios; o rosto oblongo, emoldurado por costeletas ruivas ígneas, parecia petrificado em soberba indiferença. Mãos tremulas estendiam-se suplicantes a ele, que parecia não as notar.

__ Explique-me Satanás, o que está acontecendo aqui? Quem são esses infelizes que parece estarem morrendo de fome e quem é aquele homem que passa indiferente em meio à miséria e sofrimentos indescritíveis? - perguntou o gênio, tremulo.

O demônio olhou-o lúgubre.

__ Esses infelizes são hindus, um povo antigo que povoa uma das colônias dos "ilhéus". A fome mata periodicamente milhões de pessoas, e é tudo! Eles merecem o Céu; você, mais do que qualquer um, deve saber que o Paraíso é alcançado pelo sofrimento. Quanto ao belo cavalheiro, você não deveria ofendê-lo assim: ele é representante de uma instituição estatal filantrópica, um comissário em viagem de inspeção para verificar a situação do povo, a fim de mais tarde prestar uma ajuda correta.

__ Isso é humilhante! Quando ele for prestar sua ajuda, os coitados já morreram de fome. E por que a fome mata periodicamente, já que o país aparentemente é rico e deveria produzir tudo em abundância?

Satanás alisou sua barbicha e observou, jocoso:

__ Deveria... Humm! Talvez se o povo fosse menos onerado pelos impostos e os colonizadores não lhes sugassem toda a sua riqueza em proveito da metrópole...

__ E todos esses seus queridinhos, os "ilhéus", devastam nações e matam de fome milhões de pessoas? - perguntou o gênio, irado.

__ Logo se vê que você não entende nada de política! A metrópole para ser uma potência mundial precisa de ouro; seus ilustres filhos, que se sacrificam para governar os povos "inferiores", devem também ser generosamente recompensados por sua atividade iluminadora e abnegada. O fato de meus queridos "Ilhéus" não se preocuparem com o desaparecimento de uma raça colorida é explicável: em seu esnobismo, eles só reconhecem os direitos humanos para si; todos os povos restantes são parasitas e devem ser simplesmente varridos da face da Terra, caso incomodem. Vamos adiante, gênio! Jamais terminaremos a nossa ronda se você se detiver em todos os locais que o deixam indignado. Gostaria de mostrar-lhe mais dois povos vizinhos, assaz interessantes. Um deles é aliado dos meus "ilhéus"; sua amizade é daquelas que eu aprecio e incentivo: cada um espreita para degolar um ao outro...

__ Aliados exemplares e dignos de si - motejou o gênio. - Diga-me: o povo ao qual você me leva também tem a pretensão de ser a tocha da civilização cristã?

__ Ele ainda pergunta! Claro que sim Não é à toa que seus filhos se intitulam de "arautos da cultura". Eles estão sinceramente convictos de que todas as nações do mundo deveriam lhes ficar gratas pelo progresso intelectual alcançado. Basta que eles tomem conta de algum país selvagem, para se instalar a luz e a prosperidade. Há pouco tempo, um de seus dignitários fez tantos "milagres civilizadores" na África, que centenas de negros morreram, provavelmente de... fascínio. Agora eles planejam instituir a ordem e o progresso em um velho império asiático, tão atrasado - imagine! - que ali as coisas são designadas por seus próprios prenomes, onde os insolentes querem ser donos em seu próprio país.

__ Só por isso eles começaram uma guerra contra os asiáticos?

__ Claro; mas não é uma guerra franca! Um feliz acaso propiciou-lhes um excelente pretexto para tanto, ainda que eu deva admitir que esse pretexto eles têm buscado há longo tempo, pois este povo é incrivelmente belicoso; seus párvulos, assim que lhes nasçam os dentes, são alistados no exército. Eles sonham fazer do mundo uma só caserna e saquear o máximo possível. Depois dos meus queridos "Ilhéus", essa nação é a mais cobiçosa e insolente. Olhe! Está vendo lá celebrarem uma missa antes de embarcarem o exército no navio, e o pastor intimando a bênção dos Céus para os soldados e os estandartes? Com um olhar meio triste, meio curioso, assistiu o gênio a um quadro realmente grandioso. Era uma cidade portuária: no anteposto balouçava uma frota intimidadora, e, em uma espaçosa esplanada, viam-se destacamentos do exército, cujo aspecto guerreiro se diferenciava acentuadamente da escória desanimada dos "Ilhéus".

__ E quem é aquele oficial brioso que dirige um discurso grandiloquente aos soldados? - interessou-se o gênio.

__ É o seu rei. Preste atenção a suas palavras! Ele é um homem muito devoto, por vezes oficia pessoalmente as missas e o seu discurso é uma aplicação prática de conceber o mundo.

Notando um sorriso irônico que fulgiu no rosto do demônio ao observar aquilo, o gênio aguçou, desconfiado, o ouvido às palavras inflamadas do chefe do governo, que incentivava os soldados a lutarem de modo que os asiáticos selvagens não se esquecessem dos teutônicos nem dali a mil anos.

"Não quero que sobrem feridos ou presos. Kein pardon!"

__ Bravo! Isso que é um discurso comovido! Que estímulo para os grandes feitos! - disse o demônio, soltando uma gargalhada e, batendo no ombro do gênio, acrescentou: - Vá, meu caro amigo, conversar com aquele monarca "cristão" sobre justiça, misericórdia, irmandade e amor ao próximo! O momento é dos mais adequados. Pense só na glória de sua missão ao adquirir um seguidor de tamanho peso.

O gênio nada disse e cobriu os olhos com a mão. Ele tremia todo; um frio cortante soprava daquela terra com sua gente impiedosa e egoísta, obcecada por ambição e cobiça, esquecida de que tanto o rei como o mendigo eram espreitados pela morte, prestes a ceifá-los, pondo um termo a todos os atos terrenos... As palavras de Satanás tiraram-no dos devaneios.

__ Não perca seu tempo, entregando-se a reflexões inúteis! Siga-me e poderemos, com os próprios olhos, contemplar os feitos dos bravos teutônicos, armados de conselhos tão piedosos.

O gênio seguiu-o maquinalmente. Detiveram-se sobre uma enorme cidade de arquitetura magnífica e original.

__ Bem, chegamos à capital chinesa! Tempos difíceis ela está atravessando - observou Satanás, apontando para as ruínas na cidade, devastada por incêndios e bombardeios. Por todos os lados, viam-se tropas locomovendo-se, comandadas por oficiais de preto.

__ São padres e pastores!... - suspirou aliviado o gênio.

__ Sim! Sim! São os missionários - interrompeu-o Satanás, lançando-lhe um olhar de deboche. E por que você acha que estão juntos com as tropas esses pioneiros da fé cristã?

__ Pergunta estranha! Sem dúvida é para reprimir, em caso de necessidade, seus ímpetos selvagens, impedir os saques, sugerir-lhes misericórdia, ajudar os feridos, consolar os moribundos. Ou seja: evitar qualquer abuso no calor da luta.

__ Há-há-há! Que ingenuidade, meu caro gênio! Os bravos missionários indicam aos correligionários as casas ricas para saquear, já que tiveram todo o tempo possível para descobri-las, quando estiveram aqui durante sua pregação piedosa. Mais tarde, todo o espólio artístico decorará os museus, as galerias e as academias dos povos "cultos", como monumento da "iluminação" que levaram À Ásia.

__ Você está enganado, Satanás! Os servos da igreja de Cristo jamais perpetuariam tal vilania - gritou o gênio, indignado.

__ Não fique nervoso! Olhe, aquele ali deve conhecer não só a casa, como também os locais onde ficaram escondidos os tesouros; ele, provavelmente, deve ter sido bem recebido na casa do velho chinês despojado de seus bens. Provavelmente, depois, o chinês será surrado no quartel e, em gratidão, levará uma bala na testa. Estou cansado de ver essas coisas e, talvez, poupe-o desses espetáculo, já que você carrega tantos preconceitos. Dê uma olhada na praça: os mandarins estão sendo levados para a execução.

__ Por que? - surpreendeu-se o gênio.

__ É por causa de seu amor despropositado pela pátria e à retaliação. Veja: a ralé ignara matou um dos mensageiros teutônicos, que se achava, nessa hora tumultuada, uma pessoa intocável. Então, aquele mesmo monarca, o do lema "kein pardon", movido por humildade cristã e misericórdia, exigiu que, para reparar a honra insultada, um determinado número de cabeças chinesas iria rolar por conta dos fios de cabelos do dignitário morto; os fios de barba e dos bigodes - que seja! - ele perdoava magnanimamente. Nesse minuto, o gênio exclamou indignado:

__ Meu Deus! Os servidores do altar, os anunciadores da paz e da misericórdia estão na primeira fileira dos espectadores, assistindo à carnificina e, ainda, com as máquinas fotográficas nas mãos!... Oh, Satanás! Por que você me mostrou tudo isso? Não quero ver mais nada!... - E o gênio lançou-se ao espaço. Satanás seguiu-o rindo estrondosamente.

__ Devagar! Devagar! Não posso voar tão rápido! Finalmente, o demônio alcançou o gênio, que diminuiu a velocidade do vôo.

__ Acalme-se e seja sensato! Como você quer orientar os homens no caminho da verdade, se lhe falta a coragem até para ver o que eles estão fazendo? Temos uma última visita.

 __ Para onde você vai me levar? Que indecências quer ainda me mostrar? - gemeu o gênio.

__ Agora é coisa fácil. Vamos dar uma pequena volta e ver os Ursos Brancos.

__ Prefiro seguir adiante. Chega desses povos, infelizes em sua cegueira! Meu coração sangra de ver tudo o que você me mostrou.

__ Não se preocupe, Esperança e Êxtase o apoiarão nessa empreitada! Aliás, eu o trouxe para cá pensando em seu aprazimento. O império que estamos sobrevoando é um país sem povo definido; simplesmente um termo etnográfico - um ajuntamento de diferentes tribos. Por outro lado, aqui, como no país dos Ursos Brancos, habita uma raça régia - a eslava. Por ora, seus habitantes estão encurralados: todos os oprimem a tal ponto que, mesmo estando na sua terra, seus filhos não podem utilizar a língua pátria.

__ E eles não protestam?

__ Por enquanto, não! Eles são assaz imbuídos de princípios de grandeza de espírito, humildade e auto-destruição; mas o que mais os enfraquece são as cizânias internas. Enquanto as famílias eslavas brigam entre si, os teutônicos vão devorando-os aos poucos e já engoliram alguns pedaços apetitosos de sua herança. Não obstante, está chegando a hora em que os bogatyri (heróis épicos russos, dotados de muita força) eslavos esquecerão as diferenças, sacudirão os grilhões e seus opressores seculares se prostarão aos seus pés e milhões de "zdies" abafarão o odioso "hier". Olhe!

Satanás estendeu a mão: a lonjura impenetrável abriu-se e, feito uma fada Morgana, da neblina assomou-se um quadro mágico: uma cidade salpicada de minaretes, junto à orla marítima, mergulhava-se nos jardins verdejantes. Acima de tudo, assenhoreava-se um prédio alto com cúpula enorme, encimada por uma cruz, cujo brilho se derramava em clarão pelo céu.

__ Aquela é a catedral de Santa Sofia, veneração dos eslavos. Ali drapejará triunfal a águia, erguer-se-á a grandeza dos eslavos sobre o poder decadente dos latinos e germânicos. Será uma época de luta e, para mim, o tempo das desilusões - prosseguiu Satanás, suspirando. - Mas não me sinto desesperado; chegará a minha hora... Bem, está na hora de irmos até os Ursos Brancos! Eles são vizinhos dos guerreiros teutônicos; é um povo bonachão, despreocupado e sem ambições, comparados aos "arautos da cultura" - enérgicos e ambiciosos. Diante deles se descortinou uma planície infindável, coberta de neve; em seguida divisou-se uma baía, aprisionada em gelo.

Subitamente, uma visão estranha chamou a atenção dos viajantes. Por trás de uma cerca de blocos congelados, havia um fogão enorme de lenha, do qual se espalhava um calor agradável. Junto ao fogão, estavam sentados dois guerreiros: um, com expressão arrogante e obstinada, trajando uma farda preta, gola alta sustando o pescoço, e capacete pontiagudo; o outro, em elmo pontiagudo e farda de vermelho vivo, reverberando em púrpura suas costeletas ruivo-sanguíneas, que embelezavam sua fisionomia magra. Rindo animadamente, eles comiam com apetite castanhas que os Ursos Brancos traziam do fogão, servindo-os sequiosos. Carregar as castanhas quentes do carvão incandescido não era uma tarefa fácil; as patas dos ursos estavam ensangüentadas e os focinhos queimados. Os bravos guerreiros, à menor tentativa dos ursos em experimentarem as castanhas, tomavam medidas enérgicas contra tal insolência, ameaçando o urso com lança ou, então, acariciando e coçando atrás de sua orelha, sorrindo deleitosos aos lhes tirarem da boca a castanha surrupiada.

__ Que grupo estranho! - observou o gênio.

__ É alegoria, meu amigo, representando a simplicidade a serviço da insolência, ou, por outra: "um concerto europeu". Mas sigamos para frente! Lá, junto à baía está a capital dos Ursos Brancos.

Ao longe se delineava uma enorme cidade; ao sol, brilhavam numerosas cúpulas douradas, azuis e verdes, encimadas por cruzes.

__ Que paisagem desolada! Só os símbolos da redenção, fulgindo sobre as igrejas, dão alguma vivacidade a esse quadro monótono.

__ Sim, o clima poderia ser melhor. Por outro lado, a devoção aqui, devo reconhecer, é mais singela e franca que em outros lugares. Eu já lhe falei que os Ursos Brancos têm alma boa e são muito originais. O que mais se destaca em seu caráter é sua mania de prejudicar a si mesmos em tudo - no que são insuperáveis. Por exemplo: o país é essencialmente agrícola, mas essa atividade não lhes interessa ou interessa quase nada; ambas as classes - a nobreza e os camponeses - exigem, mas não recebem nenhum auxílio... A depressão econômica é tão violenta, que forçou a migração dos camponeses em busca de melhores terras e, em seus lugares, no coração do país foram instalando-se os alemães de puro sangue. A liquidação do país aos estrangeiros é tida como a reanimação das forças produtivas; a fomentação de pequenas patriotices locais dos armênios, tchuvacos, bukharos, tártaros, estonianos, e assim por diante, é uma política interna visionária. Resumindo: mal ficaram livres do jugo dos mongóis, abrem os braços à cabala dos forasteiros que infestam o imenso país. No entanto, falta-lhe muito para ficar forte e ele está longe de alcançar sua missão: a de conjugar a grandeza do Oriente com a sabedoria do Ocidente. Não dá para enumerar todas as monstruosidades desse bom povo! Assim, eles acham necessário ter, daqui em diante, bons escritores ou produzir obras científicas em relevo, já que podem aproveitar o legado intelectual do resto do mundo, gratificando os autores furtados com a simpatia platônica, prejudicando o progresso de sua literatura e só enriquecendo os editores.

__ Como então a retidão e a franqueza deste povo aceitam tais injustiças?

__ É muito simples! Em seus dez mandamentos, Moisés proibiu desejar a mulher do próximo, o seu boi ou asno, mas se esqueceu de mencionar as obras literárias deste próximo ou de seu vizinho; assim, os outros se acham nesse direito. Você é incapaz ainda de avaliar a diferença entre a letra e o espírito do mandamento. Não se esqueça disso! Estou vendo que você traz uma pena atrás do cinto e, se em sua vida você está planejando ser um literato, o que eu lhe disse será de muita valia.

__ É verdade! Escolhi Poesia para acompanhar-me - disse o gênio, corando. Satanás sorriu, olhou maliciosamente para o gênio e coçou atrás da orelha.

__ A poesia não está com nada aqui, sobretudo se for pura e elevar o espírito do homem. Em outros tempos, os poetas, os pintores e outros sábios da humanidade tentavam elevar a turba até si; hoje em dia, ao contrário, é a turba que reduz seus mestres até o seu nível, obrigando-os a criar obras ordinárias, de todos conhecidas, das quais recende excremento. Hoje a pintura é obrigada a agradar o amor-próprio das massas e não deve perturbar a paz espiritual do homem moderno; não deve ser um espelho, que possa refletir sua mediocridade moral. Vamos ver melhor como eles vivem; façamos uma ronda pelos teatros e restaurantes! Estamos na época do carnaval, há muita gente na rua - o que será interessante.

O gênio aquiesceu querendo agradar ao seu companheiro, animado ao deslumbrar aqueles recreios do povo alegre e engalanado, festejando as saturnais modernas.

__ Por favor Satanás! - pediu o gênio, quando eles saíam de um restaurante da moda - quem era aquela criatura seminua, mal coberta por andrajos, ornada em vidrinhos e bugigangas estranhas? Ela não tem pejo se sua nudez e deformidade?

__ Achei que você não tivesse reparado, já que você a todo momento se encobre com sua asa - ironizou Satanás com sorriso sarcástico.

__ Não notá-la seria impossível, pois a encontramos em toda parte, sendo que os chocalhos, presos à coroa de ouro, tilintam tanto que, involuntariamente, você olha. Quem é ela?

__ Oh, ela é uma personalidade de destaque: é Vaidade. Ela e o Ouro cultivam tantos gostos e instintos, por você reprovados, que aqui eu sou supérfluo. E o que você chama de bugigangas, são objetos muito valiosos: medalhas, insígnias de diversos estabelecimentos científicos e academias, e demais condecorações. Para ganhá-los, as pessoas enganam, humilham-se e rastejam... até se matam, sem perceber que as dádivas que advém da vaidade não são nada mais que chocalhos e trapos que jamais encobrem a nudez daqueles que neles se enfeitam.

__ Precisamos abrir os olhos desses cegos infortunados e provar-lhes que a vaidade é enganosa e eles se engalanam de suas próprias fraquezas. Satanás rompeu numa gargalhada incontida.

__ Ah, gênio, gênio! - disse ele por fim, enxugando as lágrimas. - Vê-se que você chegou dos Céus, onde a entrada de Vaidade é proibida. Mas se ela fosse expulsa daqui, o mundo ruiria, já que tem tantos fãs aqui na Terra. Pense só o que fariam as pessoas sem sua integridade moral pessoal, sem talento, não acostumadas ao trabalho, etc...; pessoas que não passam de filhos, parentes ou amigos de altas personalidades ou gente influente. Graças a isso, havendo Vaidade, eles criam para si uma espécie de posição social e meios de vida; não cabem em si por serem filhos de pais famosos ou parentes de ministros. Eles correm para abraçar qualquer homem influente e regozijam-se quando são invejados, acreditando serem unha e carne com os grandes deste mundo. Agora imagine o que fariam essas pessoas, se não houvesse Vaidade que, de qualquer forma - repito -, lhes confere algo! Oh, eles o matariam a pedradas, se você tirasse a Vaidade deles! É nessa mentira, meu irmão, que o mundo se sustenta! - concluiu Satanás, apontando para um grupo de criaturas monstruosas, envoltas em fumaça negra.

__ Quem são? - perguntou estremecendo o gênio.

__ São os gênios da Terra. Vá lá dar um abraço neles, pois terá de conviver com eles diariamente e é bom cair em suas graças. Bem, aquele velho vigoroso com a foice na mão é Homicídio em companhia de seus filhos Parricídio, Fratricídio, Infanticídio e Suicídio. A mulher magra é a Avareza; ela, com a Hipocrisia, normalmente trabalham juntas. Aquela velhota esverdeada e decrépita, à esquerda, é a Inveja; não fosse ela imortal, teria se consumido em si mesma; agora ela se diverte e provoca aquela mulher cega, de cabelos desgrenhados e cara furiosa, lavada na corda, que se chama Vingança. E ali está sua rival mais perigosa. Ela é da espécie dos répteis, cabeça de serpente e corpo de escorpião; rasteja mudando de aspecto, ora contraindo-se, ora inchando e alongando-se quase até o céu, feito um gigante. É a Injúria. Devo prevenir que ela tentará envolvê-lo; será muita sorte sua se você escapar de sua mordida letal, apesar de sua espada, que poderá perder o corte em contato com suas escamas invulneráveis. Quanto a outras personalidades, falta-me falar de Mentira e Luxúria, que você encontrará por todo lugar da Terra; o restante da turba, composto por parentes longínquos da primeira, vícios menores como Chantagem, Gula, Perjúrio, Egoísmo, Vendilhagem ( suborno), Latrocínio - nem vou falar. O gênio ouvia aterrorizado, mão conseguindo tomar fôlego.

__ Você fica enojado com estes cognomes - prosseguiu Satanás, ao notar o asco que se refletia no rosto do seu companheiro -, mas, na Terra, estes títulos se assemelham inclusive aos das virtudes: a luxúria é conhecida como amor; a avareza - parcimônia judiciosa; o massacre em massa - guerra para o bem da pátria; a hipocrisia e a falsidade - religiosidade e renúncia ao mundo; a bebedeira - consolo nos momentos difíceis da vida; o infanticídio - uma vítima da vergonha e pobreza, etc... Ou seja: se você tiver um bom relacionamento com eles, terá ao redor uma excelente companhia, como se não houvesse saído do paraíso. O gênio, que o ouvia calado e atentamente, recuou.

__ Não! Não quero a amizade deles! Vim para aniquilá-los e declaro-lhes a guerra. Deve haver no mundo gente íntegra, avessa a estas fraquezas torpes; deles farei os meus aliados - bradou o gênio.

__ Ah, desses, você terá poucos! Os homens verdadeiramente dignos e humildes são tão raros que a turba os considera anormais. Há pouco tempo um cientista declarou que a genialidade e a loucura são idênticas.

E Satanás escangalhou-se em riso.

__ Aconselho-o - prosseguiu - a ler, durante a sua permanência aqui na Terra, o livro de um escritor muito espirituoso que conhecia bem os homens; seu herói chama-se Dom Quixote, que luta contra moinhos de vento. Isso seria instrutivo. Mas, meu caro, você parece cansado! Retornemos aos portões da Terra! Acho que você já viu o bastante para desistir de sua missão. O gênio suspirou e baixou a cabeça. Seu olhar deteve-se, de repente, sobre a lampadinha pendurada no peito, cuja chama bruxuleante mal se enxergava. Súbito, a chama como que se animou e uma luz brilhante iluminou o rosto do gênio. Ele se empertigou e seus olhos fulgiram de brilho como antes.

__ Cumprirei a minha designação e a Esperança há de me ajudar.

__ Oh! Aquela mentirosa não o largará nem quando você quiser ficar livre dela. Ela sempre o acalentará com quimeras - sustentou Satanás, lançando um olhar meditativo sobre a figura límpida e diáfana do interlocutor. Todo o ser do gênio era harmonia e em seu olhar fulgia júbilo. Um suspiro soltou-se do peito do anjo decaído e algo como a comiseração se agitou em seu coração ressequido.

__ Então vá, se não tem pena de si mesmo! Vá ao encontro dos homens, mais duros que pedra e mais cruéis que animais selvagens: eles jamais darão qualquer valor à sua beleza e perfeição. Vá, repito, vá! Mas toda vez que uma tentativa sua não tiver sucesso, quando os homens zombarem de você, o Mal triunfará, e a alma que você considerar conquistada para ir aos Céus lhe escapará das mãos, vindo a cair no poder dos espíritos terrenos; você ouvirá então, esteja onde estiver, o escárnio do meu riso, provando-lhe que eu vejo e sei tudo. O gênio ouviu-o calmamente e aproximou-se de Satanás. Um dó inexprimível dominava-o .

__ Que pena sinto de você, pobre guardião da Terra! Seus sofrimentos são eternos de fato, já que lhe falta Esperança. Mas sinto que você não é tão mau como dizem e em seu riso cruel soa o desespero amargo de um espírito sofredor que não encontra paz...

Um som sibilante que feria os ouvidos - um misto de gemido e riso - ouviu-se em resposta, e o demônio desapareceu em uma nuvem de fumaça e fogo. O gênio suspirou. Será que com o seu olhar límpido ele penetrou no túrbido abismo do coração de Satanás, intuindo que o Mal é a raiz de todos os sofrimentos?... O gênio permaneceu só. Ele sentia-se pesado e uma atração incontrolável puxava-o para a Terra; ele descia cada vez mais célere, seu olhar anuviou-se... Subitamente, como que um golpe de raio atingiu-o e ele perdeu os sentidos.

Muitos anos se passaram desde que o gênio se encarnou na Terra. Certa vez, andando na floresta, um ermitão topou com o corpo do gênio estendido na relva verdejante. Estava inconsciente, tinha aspecto desnutrido, suas vestes estavam reduzidas a trapos, provavelmente por andar na floresta. O ermitão levantou-o, levou-o à sua caverna e tentou reanimá-lo. Aos poucos, aquele torpor morrediço em que permanecia o gênio começou a ceder, sendo substituído por um sono profundo e tranqüilo. Como em uma retrospectiva, ele relembrou toda sua vida.

Finalmente... o primeiro "sucesso". Foi-se juntando gente das mais variadas camadas e idades. Havia os ingênuos, prontos a se fascinar com tudo, e também os céticos; os curiosos e os ociosos, que não sabiam como matar o tempo, já que se entediaram com tudo na vida; havia os velhotes e as velhotas, destituídas pela idade da capacidade de pecar e então procurando os caminhos da salvação, ainda que usando não a entrada principal, pela frente, mas pelos fundos, para subir ao reino celeste.

A eloqüência convincente do gênio e aquele encanto que dele emanava tiveram um grande efeito: o público aumentava, o gênio começou a ser popular. Era comum ele ser visitado para lhe exporem questões de consciência. Mas essa devoção procriou invejosos e inimigos: o gênio começou a ser visto com desconfiança. Repleto de arroubo, desinteresse e boas intenções, ele não tomava conhecimento do tratamento hostil da sociedade e continuava a disseminar a luz entre o povo, minorando seus sofrimentos morais e físicos, sem nada exigir em troca e tentando insuflar em suas almas só um ímpeto puro e sincero para o Bem. De início curiosa, mas tarde a turba, finalmente, insurgiu-se contra ele, pressentindo nele um inimigo de sua paz espiritual, um denunciador audacioso de suas libertinagens e deformidades morais.

Até aqueles que de uma certa forma lhe deviam algo começaram a evitá-lo, ou persegui-lo atrás das esquinas; suas curas maravilhosas eram atribuídas ao acaso; as pessoas tampavam os ouvidos, pois seus ensinamentos sobre a responsabilidade do homem no mundo de além-túmulo envenenavam o fruir tranqüilo dos prazeres terrenos...

Nos ouvidos do gênio soava a risada de escárnio de Satanás... A luta começou a cansá-lo, ele foi emagrecendo e empalidecendo; rugas ásperas sulcavam-lhe o rosto. Mas a Esperança ainda o aleitava a ele, teimosamente, não queria admitir que as pessoas que o cercavam eram seus amigos falsos, aguardando uma oportunidade para acabar com ele e que, atrás daquela aparência humana, escondia-se a careta asquerosa da avareza, do egoísmo, da vaidade, entre outros co-irmãos.

E a risada de escárnio do demônio soava cada vez mais alto e freqüente... O gênio acometia-se de uma depressão indefinida, fruto do desprezo e desilusão dos homens e perda da autoconfiança. A Esperança aparecia para renovar-lhe a coragem, mas com menos assiduidade. Em tais momentos difíceis, ele pegava sua pena de águia ou a espada flamejante e anunciava a verdade, ou investia contra as trevas que cobriam o mundo. Mas logo depois de um clarão momentâneo, as trevas novamente se cerravam e a turba preferia a agradável realidade terrena às promessas intangíveis da felicidade nos Céus.

Sua alma era toda uma ferida aberta; o corpo, exaurido por anos de trabalho incansável e esforço sobre-humano, recusava-se a servir. E ele se pôs a fugir das pessoas... Atrás, ele ouvia a risada de Satanás.

Subitamente, uma luz clara fulgiu de seu coração dilacerado, um calor vivifico espalhou-se pelo corpo, a cabeça tonteou um pouco e o gênio se viu novamente na Terra, recomeçando a sua missão desde o princípio.

Dessa vez, ele se sentia como que mais ditoso: os homens eram mais receptivos e pareciam capazes de se imbuírem de amor sincero, de auto-abnegação e de arrebatamento ao Eterno. Ao redor, cercavam-no os amigos já testados, que seguiam seus ensinamentos e estavam dispostos a combater o Mal. O ouro e os vícios estavam destronados. No coração do gênio cintilou uma nova energia; imediatamente ele se esqueceu de suas feridas, insucessos, ofensas sofridas. Ele se soergueu de seu leito e coma mão tremula agarrou a espada flamejante, pronto a se lançar à luta e tentar a sorte em um novo combate. Subitamente, ele reparou acima da cabeceira a Esperança pairando, resplandescente com a lâmpada na mão e... e a espada caiu impotente da mão do gênio; sua alma encheu-se de tanta fúria e desespero, jamais experimentados.

__ Mentirosa! Promete a bem-aventurança dos Céus, enquanto empurra os homens para toda sorte de sofrimentos terrenos! - gritou ele. - Queria sufocá-la com as minhas mãos para que não atraia mais os infelizes com suas promessas. A Esperança, entretanto, não parecia ofendida com sua invectiva. Sorrindo, olhar amoroso, com feixes de rosas nas abas de sua túnica, o espectro luminoso alçou-se para a atmosfera e desapareceu. E, em seu lugar, no fundo da gruta, assomou-se uma figura envolta em negro. Curvando-se sobre o gênio, que de extenuação de deixou cair no leito, a figura abriu as asas possantes. Do véu atirado para trás, que cobria suas feições, descobriu-se o rosto pálido e sereno da Morte. Uma tristeza infinita fulgia em seu olhar enigmático e lágrimas de piedade rolavam e caíam sobre o rosto pálido do infeliz. O gênio estremeceu, esbugalhou os olhos e um sorriso de gratidão iluminou-lhe o rosto.

__ Obrigado por ter vindo, a mais piedosa das irmãs dos Céus! Só você não me enganou e cumpriu o ajustado. Dê-me o seu ósculo prometido!

__ Meu ósculo é glacial, porém ele lhe trará esquecimento e paz na luta estafante empreendida pelo espírito humano, sem trégua. A Morte atraiu o gênio aos seus braços e tocou os lábios em sua testa. A este contato, o invólucro terreno que envolvia o emissário celeste se reduziu a cinzas, feito um fio de cabelo, e sua essência imortal alçou-se nas mãos da Morte ao ar como que numa nuvem transparente. Sem dignar olhar ao mundo em que tanto sofrera, o gênio precipitou-se pelo espaço, endireitando suas asas entorpecidas por longo desuso. Ao alcançar os limites da Terra, viu-se diante de Satanás, contemplando com escárnio a sua figura desalentada, sua túnica amassada, a espada sem fio e a névoa escura que outrora cobria o seu semblante límpido.

__ Bem... quem tinha razão, finalmente? - perguntou Satanás, inclinando-se.

__ Você!... - respondeu o gênio com voz quase inaudível, baixando a cabeça.

__ Aprendeu você, pelo menos, a odiá-los tanto quanto eu os odeio? - reinquiriu em voz surda Satanás. - Pois eu já fui um arcanjo; o Mal, contudo, me venceu e insuflou em minha alma a revolta. Desde que fui expulso dos Céus, a Terra não fez outra coisa senão zombar de mim. Por isso odeio os homens. Fico sentado aqui, só para deleitar-me com os sofrimentos que eles causam um ao outro em sua luta fratricida. Em cada desgraça que os atinge, em cada flagelo que os aniquila, eu vejo os desígnios de Deus e ouço a voz da justiça Divina.

__ Não! Não posso odiar! Apesar de tudo, sinto pena daqueles infelizes, que não me compreendem e me olvidaram.

__ Ehh, eles nem precisam olvidá-lo, já que suas exortações inoportunas não os constrangem! - devolveu Satanás, desfechando uma gargalhada que horripilou todo o ser do emissário celeste. O espírito do Mal estendeu a mão e, imediatamente, as densas nuvens que os encobriam da Terra dispersaram-se, abrindo antes seus olhos uma procissão seguindo pelas ruas daquela cidade, onde vivera e padecera o gênio.

__ Olhe! - disse Satanás. - Você foi canonizado, seus ensinamentos são aclamados; é claro, para serem recitados e não seguidos. Tal é o costume dos homens: venerar o que foi impiedosamente queimado e crucificado. O Demônio novamente se escangalhou em riso, envolveu-se em nuvem escura e ocupou o seu lugar na escarpa, impassível na malevolência que tanto o confortara em sua queda. O gênio recostou-se impotente, na nuvem gélida que servia de trono a Satanás. Ambos sofriam, presos à Terra: o gênio incompreendido, cuja decepção lhe atara as asas; o Satanás - devido ao seu ódio insaciável. Subitamente, o arcanjo descoroado estremeceu e, rindo maledicente, inclinou-se sobre o gênio abatido.

__ Estás vendo? - disse apontando para uma estrela límpida que se acendeu no fundo do espaço e descia vertiginosamente na direção deles - os Céus inexoráveis estão enviando um outro gênio em seu lugar. Quando é que irão parar de arrancar de seu seio os filhos da luz puríssima a atirá-los na ara ensangüentada da Terra ingrata?

Rugindo feito tempestade, que redemoinhou as ondas do oceano, levantou-se o espírito do Mal ao encontro do novo emissário celeste, cuja sina era comprovar, novamente, que o anjo das trevas não passava de um príncipe, tornado Satanás somente por este mundo...

 

                                                                                            J. W. Rochester  

 

                      

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