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Series & Trilogias Literarias
La Gomera, Ilhas Canárias; Região Autônoma da Espanha.
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
26 de julho; 21h21min.
O salto agulha da bela balzaquiana tilintou por todo extenso corredor de mármore espanhol rojo do Anexo II do Observatório Templeton, que recebia a nata da espionagem mundial em seus alojamentos. Sua postura perante o alto cargo ocupado naquele momento, que sabia ser o auge de sua carreira, era firme e ao mesmo tempo tão metamórfica, quanto a rocha que constituía o piso do corredor que ela atravessava.
Se aquilo fosse possível, poderia dizer-se que toda Ilha de La Gomera estremeceu com suas passadas.
A Almirante Kimberly Sathi Aguiar de repente parou para verificar que o seu corpo jovem e perfeito, porém roliço, estava bem no impecável uniforme vermelho, parou para verificar que as belas e não tão longas pernas, estavam escondidas como de acordo nas meias de seda francesa, e parou para verificar que o cabelo negro e cacheado, com uma única e bem dimensionada mecha branca, estava bem preso no discreto coque que usava; por fim, parou para verificar que seu coração batia desembestado na sua garganta.
Como nunca na sua posição de Almirante, Kimberly sentia-se tão nervosa.
Pressionada e sem muitas opções a tomar, desde quando uma das poucas câmeras que sobreviveram as tempestades de Marte avistou o que parecia ser um ROMRET, o maior investimento da Poliu, Polícia Intercontinental Unida, a mais secreta corporação de inteligência do mundo.
Os ROMRETs eram experimentos, RObots Móvel de REconhecimento Terrestre, lançados em naves não tripuladas, a Marte, e que recolhiam todos os tipos de informações sobre suposta existência alienígenas no Planeta Marte.
Kimberly não sabia, porém que Mr. Trevellis, força maior dentro da Poliu, havia dado aos ROMRETs ordens que nunca chegaram ao seu conhecimento.
Com as intempéries marcianas atingindo-os, muitos Robots haviam falhado e sua última chance, ROMRET X não conseguia tirar areia de seus componentes após intensa tempestade ocorrida. Nada que os engenheiros mecatrônicos faziam, ajudavam os Robots a driblarem o problema. E perder o controle deste último Robot, na atual situação financeira mundial, era pôr em evidência o gasto exorbitante investido e o valor do montante de informações e coletas diárias de dados promissores, que se perderiam ao vê-lo inoperante.
Como era de se esperar da corporação de inteligência Poliu, poucos tiveram acesso ao projeto inicial dos ROMRETs, e a totalidade de seu desenvolvimento ocorreu em segredo, inclusive entre as quatro equipes - indiana, chinesa, francesa e espanhola, que o construíram e que ainda o monitoravam sob o sigilo de um dossiê, o ‘Dossiê Marte’, que se viesse à luz da mídia, traria desordem e caos, tirando a vida de muitos envolvidos nesse manto de segredos.
Por isso mesmo a Poliu preferiu lançar no mercado corporativo, uma concorrência discreta para o desenvolvimento de um programa attach, que fizesse ROMRET X agir como um ‘homem pensante’.
A Computer Co. da família Queise se lançou nessa concorrência.
E apesar do jovem Sean Queise à frente dos negócios, com então vinte anos, já ter iniciado a criação de um backbone interplanetário, a fim de que novos protocolos de comunicação driblassem a comunicação no espaço sideral, que sofre atrasos por estar limitada à velocidade da luz, a Computer Co. não foi a única opção da Poliu para o desenvolvimento do programa attach.
Fernando Queise explodiu com Mr. Trevellis, Fernando queria que o filho Sean assumisse, já que ele e seus cientistas estavam praticamente com o programa pronto.
Contudo, a teimosia de Mr. Trevellis e o aparente descaso de Oscar Roldman, força maior na Polícia Mundial, em não apoiar a Computer Co. como sempre fazia, causou mal estar entre eles; mais um.
A Almirante Kimberly suspirou lembrando-se de tudo aquilo. Porque vinha tentando manter as coisas de forma a não saírem ao controle, já que quando a disputa acirrada chegou ao mercado corporativo, entre a Computer Co. e a Pellet-Parresh, pelo desenvolvimento do programa attach, a imprensa marrom fez muitos ataques ao passado de Fernando Queise, pai de Sean e seu envolvimento com a Polícia Mundial, e também ataques a Amâncio Pellet-Parresh, à frente dos negócios com seus três filhos, que levantou especulações sobre seu envolvimento com um ‘governo oculto’, a Poliu, já que a corporação de inteligência não era conhecida do público em geral.
E era esse o motivo que fazia suas passadas reverberarem por todo corredor de mármore espanhol, os Pellet-Parresh eram uma família espanhola rica e tradicional em seu país. Kimberly sabia que não ia ser fácil lidar com tudo aquilo se mais coisas viessem à tona.
Ela parou de pensar naquilo quando chegou à frente da grande porta de madeira entalhada. Abriu e fechou-a atrás de si tão rapidamente, que Mr. Trevellis só teve tempo de piscar e vê-la lá parada.
— Não tive opções Mr. Trevellis... — Kimberly engoliu a seco o resto da frase sentindo toda sua segurança esvaecer.
O jambo e enigmático Mr. Trevellis sorriu cínico ao se levantar do sofá em que sentava, irritado pelas horas de espera, encarando-a do outro lado do salão. Depois atravessou todo o piso sob seus quase 140 quilos, passou pelas vinte mesas forradas de copos de água, lotadas de agentes, e estacionou tão perto, que a Almirante Kimberly teve que dar um singelo passo para trás a fim de respirar.
— O que disse Almirante?
— Não havia outra opção a não ser levar à cúpula dos ‘Mister’, o problema — Kimberly reiterou.
Mr. Trevellis limpou o suor provocado pelo calor da ilha. Sua pele jambo brilhava no aquecimento do momento enquanto os olhos verdes não a perdiam de vista.
— Sean Queise é problema meu.
Kimberly teve receios em continuar a falar, mas foi em frente:
— Um problema que não consegue resolver.
Mr. Trevellis se aproximou agora a colar-se nela.
Kimberly teve medo de o ar lhe ser realmente negado.
— Nunca mais repita isso! A Poliu não vai, porque nunca permiti que se metesse entre mim e Sean Queise.
— Mas...
— Eu disse que resolveria o problema do programa inicial, e os cientistas da Computer Co. o resolveram. Eu disse que resolveria o problema de comunicação WEBI, e os cientistas da Computer Co. o resolveram. Agora digo que a Computer Co. vai criar o attach, e anexar o programa ao ROMRET, e eles o criarão.
Kimberly arregalou os olhos e todos na sala se agitaram.
— Mas pensei... Quero dizer... Não haveria uma concorrência?
— Isso não é problema seu! Volte sua atenção aos envolvidos no attach que vão fazer o ROMRET voltar a funcionar.
— Oh! Eu não sabia... Vão religar o ROMRET? — Kimberly realmente sentiu-se perdida.
— Sim!
— Mas o ROMRET não está...
— Está danificado! — Mr. Trevellis completou.
— Mas esse attach... — Kimberly virou os olhos tentando pensar, respirar; tudo aquilo. — O Sr. Queise não vai ajudar a Poliu se já tiveram no passado outros problemas com produtos seus, Mr. Trevellis.
— Sean não saberá o que fará. Dessa vez ele não saberá, Almirante.
A Almirante Kimberly sentiu que havia mais naquela frase. Olhou para detrás dele, os muitos agentes da Poliu ali reunidos pareciam concordar com aquilo. Ela duvidava, Sean podia alcançar respostas em lugares jamais imaginados pelo ser normal. E isso porque ela conhecia a família Roldman e seus poderes paranormais, conhecia o suposto affair de Oscar Roldman e Nelma Queise, e o mais suposto ainda ‘filho de Oscar’.
E apesar de não conhecê-lo pessoalmente, Kimberly tinha certeza de que Sean era filho de Oscar e não de Fernando, portanto sabia que Sean vinha desenvolvendo dons genéticos nada normais.
Mr. Trevellis girou nos calcanhares e se dirigiu para a porta. Precisava de um banho.
— Mas a Pellet-Parresh está mexendo no mercado — Kimberly tentava se convencer mais que a Mr. Trevellis que parou de andar. —, o Sr. Amâncio Pellet-Parresh vem forçando a ganhar a concorrência se mostrando, mostrando que a Computer Co. já teve negócios ilícitos com...
— Eu sei muito bem como os Pellet-Parresh trabalham! — Mr. Trevellis cortou a frase de Kimberly. — Vou deixar se criar o clima!
— Não entendi... — Kimberly olhou a sala lotada agora mergulhada em total silêncio, e se virou para Mr. Trevellis parado na entrada da grande porta entalhada. — Quer criar discordância, Mr. Trevellis? Sabe que isso é prejudicial a nós, também.
— A Poliu não tem com que se preocupar; já os Queise e os Pellet-Parresh... — parou para gargalhar fazendo sua pele jambo brilhar. — Vou dar aos dois a concorrência.
— Pellet-Parresh e Computer Co. juntos? — arregalou os olhos. — Juntos... Juntos... Juntos aqui na ilha? — quase não conseguia falar, olhando um e outro agente da Poliu, agora em pânico. — Só pode estar brincando comigo.
— Estou? — Mr. Trevellis outra vez gargalhou tão alto que seus ouvidos tilintaram, e Kimberly voltou a olhar a sala com os melhores agentes da Poliu ali reunidos; agentes próximos a Mr. Trevellis era bem verdade.
Ele não se arriscaria ver agentes de outras frentes, fora de seu domínio naquele que se tornara uma vitória pessoal dele, a Poliu em Marte.
Mr. Trevellis saiu e ela correu atrás.
— Há... — Kimberly teve medo outra vez.
Mr. Trevellis já havia percorrido uma boa leva de piso do corredor.
— “Há”? Há mais algum problema, Almirante, que eu ainda não saiba?
Ela viu que alguns agentes a seguiram.
— Um barco... Um barco clandestino foi avistado em águas policiadas pela Poliu. ‘Naquelas’ águas policiadas pela Poliu.
— O barco vai vê-la cair, Almirante?
— Acho que sim...
— Acha?
Kimberly quase engoliu o que ia falar:
— O barco está à deriva. São clandestinos, talvez fugindo do Marrocos.
— O barco vai vê-la cair? — insistiu Mr. Trevellis.
— Os agentes mergulhadores já estão de prontidão, mas o risco...
— Quanto tempo mais para o barco chegar até aqui?
— Dois dias. Os mesmos dois dias para a nave entrar na atmosfera terrestre e cair.
— Algo mais?
— Isso se a nave vier à Terra mesmo.
— Algo mais?
Kimberly perdia a paciência com a ironia dele.
— Isso se ninguém nos rastrearem.
— Inferno!!! — explodiu Mr. Trevellis sabendo que o rastreamento vinha do satélite de observação Spartacus. — Algo mais?! — gritou.
— Não! — tentou manter a frieza. — Os agentes mergulhadores farão o trabalho!
— Inferno! O barco... — agora era Mr. Trevellis quem parecia mesmo descontrolado. — O barco vai para o dossiê, Almirante Kimberly?
— Se eu não assinar...
— Não assine!
— Mas Mr. Trevellis...
Ele se virou a fazer sua pele jambo voltar a brilhar, e Kimberly sentiu-se pequena. Logo ela temida, capaz de impor-se perante homens e mulheres, subordinados à sua posição de Almirante reformada da aeronáutica espanhola.
— Eu sinto muito se a coisa vai se repetir. O barco não devia estar ali — Mr. Trevellis falou e Kimberly abaixou a cabeça, a fim de esconder os olhos negros que se arregalaram. — E Almirante... Faça o que precisar ser feito, antes dos Pellet-Parresh e Sean Queise chegarem. Não os quero fazendo parte do dossiê se me entende... — e sumiu da vista dela.
“Parte do dossiê?”; ela teve medo do que ouviu.
A cor voltou à pela branca somente depois de alguns segundos que o coração parou de explodir na sua garganta.
Kimberly realmente tinha problemas.
“Queridos irmãos, queria dizer a todos vocês que não estamos sozinhos no universo. A ciência já fez tantos progressos e muito provavelmente logo conheceremos nossos novos irmãos e irmãs com quem trocaremos um sinal de paz. Naquele dia haverá maravilhas e lembrar-se-ão de que Deus é um e cuida de todos nós”.
Papa Francisco.
1
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital, Brasil.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
03 de agosto; 21h21min.
O suor corria da fronte jovem, e o corpo todo vibrava na intensidade do sonho vivido. Cabelos, pele e pelos do corpo viril e nu, que não se moviam por entre os lençóis macios. Cores em profusão, sons ensurdecedores, cheiros místicos e Sean Queise estava em algum lugar fora do circuito.
Havia patos, patos que voavam; naves cilíndricas pilotadas por patos pilotos, vestidos de piloto, usando máscaras de voo.
Sean abriu os olhos azuis, verificou estar deitado no quarto de seu flat onde morava. Não entendeu aquilo, havia se deitado após severa concentração, livre de roupas e pensamentos para seguir a Poliu.
Desconfiava que Mr. Trevellis, chefe da corporação de inteligência, havia levado muitos agentes a uma base existente nas Ilhas Canárias. Ele sabia que o movimento desse pessoal, não seria à toa, desconfiando de qualquer coisa que a Poliu fizesse.
Sean voltou a fechar os olhos, se desprendeu do corpo a invadir o éter, viajar pelo astral, a voltar a se concentrar em Mr. Trevellis, e se viu num grande hangar onde naves cilíndricas, alienígenas, pilotadas por patos iam e vinham.
Sean achou graça, nunca havia sonhado com aquilo até então.
Contudo, Sean sabia, como o sábio Sri Aurobindo sabia, que o corpo inteiro estava na mente, mas nem toda a mente estava no corpo.
Um perfume de rosas brancas o acompanhava, Sean não a temia mais, a noiva morta. Sabia que ela o seguia toda vez que sua alma abandonava o seu corpo físico, invadia o éter, corria por mundos paralelos, onde ser e tempo já não existiam, onde as horas não eram contadas, nem nada podia ser gravado.
Mas Sean gravava; cheiros, cores e presenças, tudo gravado numa mente preparada para entender os mistérios do mundo, dos mundos que se separam por tênues linhas temporais, que permitem universos paralelos coexistirem.
Como o filósofo Santo Agostinho, Sean gravava e guardava suas lembranças em seu palácio de memórias, lembranças dessa vida, de outras de outros, de outros que já fomos encontrando-nos naquilo que Henry Corbin chamou de ‘imaginação espiritual’, cultivando uma poderosa espécie de percepção que o permitia viajar entre realidades, por um ‘Mundus Imaginallis’, quando algo caiu no chão da sala do flat.
Sean voltou à cama, ao quarto, ao sonho agora lúcido.
O intruso abriu a porta do quarto e entrou na suíte à meia-luz, observou-o deitado, dormindo. Sean sentiu aquela energia pesada e tentou se mover, mas algo o brecava.
Ele arregalou os olhos azuis mesmo sabendo que nada no seu corpo nu se moveu, e alguém ali o observava. Sean não o via, tudo era uma intensa imagem borrada do intruso, de rosto disforme em roupagem negra.
O intruso inclinou-se sobre Sean que não sentia cheiros, cores, nem a segurança; estava em perigo, com o corpo exposto.
Ele olhou em volta com os olhos da alma, e uma Sandy embaçada o olhava. Aquilo o apavorou mais, fosse quem fosse o intruso ele embaçava o espírito sofrido dela.
Sean desejou que o armário se movesse; portas, gavetas, e uma caixa que voou para fora dele. O intruso sobressaltou. Sean voltou à atenção a ele. Não era pequeno, mas delicado era.
Precisava mover algo outra vez, precisava assustá-lo e a gaveta da mesa de cabeceira se abriu. Sean não esperava aquilo, mas o intruso se voltou foi para ele.
Teve certeza que o intruso sabia que ele o observava enquanto dormia, sabia que não estava dormindo, e sabia que era a alma dele quem movia os objetos.
“Como é possível ele saber?”; Sean se perguntou.
O intruso deu meia-volta e saiu do quarto. Sean ainda ouviu a porta da sala do flat bater antes de voltar ao corpo.
— Ahhh... — olhou assustado em volta com o coração acelerado sem saber por que não conseguira voltar ao corpo, e se algo na energia do intruso o impedira de alguma forma.
Sean procurou Sandy e ela já não estava lá.
“Sandy!”, Sean chorou pela perda, pela saudade, por suas culpas.
Confuso e desorientado ele só conseguiu se erguer e ir à sacada do flat; a rua ainda estava lá, como antes, sob a Lua grande. Nenhum carro suspeito, nenhum transeunte, nada.
Sean voltou a olhar o flat, a procurar a maleta, os documentos, o notebook; nada mexido.
— O que ele queria afinal? — olhou-se nu, olhou o quarto e olhou-se novamente, voltando à cama sabendo que em outra dimensão estava a resposta daquela invasão.
Deitou-se, cobriu-se, fechou os olhos a rapidamente sair do corpo, invadir o éter, se ver volitando por entre nuvens carregadas. Ao seu lado, as naves alienígenas, de dois a três metros de diâmetro, com cúpulas de vidro, e patos pilotando.
Sean arregalou os olhos azuis, nunca havia voado dentro ou fora de uma nave, nem com estranhos seres, patos que o observava por detrás da máscara de voo.
Queria ter podido falar, mas algo o impedira, a mesma energia pesada de minutos atrás. Voltou novamente ao corpo com dor, com dúvidas se a energia negativa já não estava ali antes mesmo do intruso invadir o flat, ou se a energia veio com ele, com Sandy, se estava em ambos.
Numa última ação da noite olhou-se, agora mais aborrecido por não ter podido entender quem eram os patos, em naves alienígenas movidas por uma energia pesada.
2
Computer Co. House’; São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
04 de agosto; 09h00min.
Kelly Garcia adentrou o rico escritório de Sean Queise, na cobertura da Computer Co. House’s com a mesma espalhafatosa maneira de ser, usando ultimamente roupas justas e curtas, mostrando o quanto era bela a sócia de Sean Queise, apesar da idade que avançava, apesar dos catorze anos de diferença entre eles.
Sean também já não se sentia o garoto que era, que começara nos negócios forçadamente. Comemorava seus vinte anos como se fossem cinquenta. Sentia-se firme na carreira de empresário da área de informática, sentia-se forte perante o mercado corporativo e sentia-se só, cada vez mais só.
E ele como sempre reparou em Kelly, em como a sócia Kelly entrava, se vestia, trabalhava. Já a posição dela era a mesma; ela esperava que ele a reparasse, que abrisse seu coração a ela, que seus corpos fossem um.
Sean sorriu sabendo o que ela pensava, tinha e usava seus dons para aquilo.
— Bom dia, Kelly. Como foi o happy hour ontem?
Kelly gargalhou ao se sentar e cruzar as pernas o mais charmosa que conseguiu.
— Você já soube, não?
— O que eu ‘soube’?
— Da cantada — levantou-se indo até ele.
— “Cantada”? Wow!
Kelly parou de arrumar os papéis em cima da mesa dele, e arregalou os olhos achando que havia cometido um deslize.
— Você... Você não sabia?
Sean a deixou em segundos de puro sofrimento para então desatar numa gargalhada fria, mas firme.
— É claro que soube! E não foram meus dons paranormais — piscou charmoso. — Fizeram questão em me contar que um Pellet-Parresh deu em cima de você a noite toda.
— Nossa, patrãozinho... Faz parecer algo excepcional.
— Sabe que não gosto que me chame assim.
— Você está com ciúme.
Sean parou de digitar e encarou-a.
— “Ciúme”? Allejandro Pellet-Parresh é palhaço, Esteban Pellet-Parresh é casado e Dino Pellet-Parresh mal saiu das fraldas. De quem devo ter ciúme?
— “Dino Pellet-Parresh mal saiu das fraldas”? — riu de uma maneira que Sean não gostou do que ouviu. Ela só coçou a garganta. — Allejandro não é palhaço...
— Ah! Kelly! Por favor! Aquela gente é capaz de qualquer coisa para passar a perna em alguém, e você vem com essa de...
E agora Kelly gargalhou com gosto.
— Você está com ciúme!
— E se estiver? — Sean cortou a graça dela.
— Sabe que o amo apesar da sua idade, não Sean? Que me acho louca por sempre lhe ter amado mesmo quando… — e parou de falar no que os olhos azuis dele começaram aumentar de tamanho. — Desculpe-me...
— Não... Desculpe-me eu, Kelly. Não tenho nada haver com sua vida — Sean se arrependeu de onde chegou.
— Com minha vida? — magoou-se pelo que ouviu, por ver Sean fingir trabalhar, voltando a digitar de tal maneira que as teclas pareciam soltar do teclado pela velocidade empreendida, e um silêncio causado pelo mal estar cedeu. — Alle havia me dito que você achava que ele era gay — gargalhou Kelly outra vez.
— “Alle”? Wow! Íntimos, não?
— Vamos Sean! Pare com isso! Divirta-se!
— Divertir-me? Ah... Então o Pellet-Parresh que lhe cantou foi Allejandro? Ele estava fazendo o que no Brasil?
— Quem lhe contou?
— Um funcionário.
Kelly riu:
— Me vigiando no éter?
— Preciso?
Kelly voltou a rir, estava se deliciando com aquilo:
— Alle me contou que você e ele se odeiam.
— Fez o quê?
— Contou-me que vocês competiram em três situações diferentes onde a Computer Co. ganhou todas. Disse-me que você teve ajuda de um hacker dentro da Pellet-Parresh.
— Isso é ridículo! — alterou-se. — Nunca precisei hackear nada com ajuda de hackers; muito menos recebi ajuda de alguém da Pellet-Parresh. Ganhei porque sou...
— Ele me contou, que ele lhe beijou — Kelly caiu em gargalhada e Sean arregalou os olhos azuis para ela. — É por isso que você acha que ele é gay?
— Ele é um depravado, isso sim; metido a palhaço. Partiu para cima de mim quando ganhei a terceira concorrência, e quando eu achei que ele iria me socar ele... beijou-me.
Kelly riu.
Sean teve que rir também.
— Eu sei que Alle estava me sondando sim, Sean. Até um fim de semana como ‘friends’ ele me convidou para passar em Bora-Bora.
— “Bora-Bora”? Os Pellet-Parresh estão na miséria, não conseguem fechar um único trabalho há anos, e Amâncio não é homem de dar mesadinhas.
— Não, não é. Mas Alle parecia estar bem de grana e de boa com seus irmãos, já que me convidou, também, para um fim de semana na mansão da família dele na Espanha, usando um jatinho particular recém-comprado.
“De boa com seus irmãos?”; aquilo sim preocupava mais que o dinheiro farto ou os convites a sua sócia.
Sean sabia que os Pellet-Parresh estavam estremecidos com o ganho da Computer Co. na terceira concorrência.
— Preciso lhe mostrar algo, Sean — Kelly sentou-se e mostrou o Tablet que havia acabado de ligar. — Acho que a Poliu deu a eles o attach de ROMRET X — mostrou a reportagem na tela.
— O quê... — Sean mal conseguir ler o contrato na tela do Tablet de Kelly. — Era só o que me faltava!!!
Kelly viu tudo sendo derrubando, tudo o que estava sob a mesa no chão, e sem ele tocar em nada.
— Acalme-se!
— Mas eu me matei dois anos para escrever aquele programa para Spartacus, para montar um backbone para que as malditas taxas de erro cedessem. A Poliu sabia que o uso do protocolo TCP/IP era inviável, que atrasos e interrupções que ocorrem no espaço quebrariam o TCP/IP, e que conexões como a Deep Space Network em uso atualmente, e sua a rede montada para a exploração robótica de Marte da JPL são controladas manualmente. Eu me esforcei para que a WEBI funcionasse...
— Sean! — Kelly alterou a voz. — Acalme-se!
— Acalmar-me?! Acalmar-me?! Trabalho desde os quinze anos para provar a meu pai que sou mais que um moleque irresponsável, para provar ao mercado que minha idade não é referência, que isso e aquilo e aquilo outro...
— É! E você não vai conseguir nada agindo assim.
— “Assim” como Kelly? A Computer Co. lutou muito para chegar aonde chegou, foi construída sob-bases sólidas. Não somos uma fabriqueta de galpão que não honra seus compromissos, que não paga seus impostos, que...
— Sean! — Kelly foi firme. — Chega! — ele a olhou não a entendendo. — Você não é seu pai! Não prolongue brigas do Senhor Fernando com o Senhor Amâncio. Ele sempre se ressentiu por não ter tido um filho como você, Sean. Você é peculiar! Amâncio Pellet-Parresh sempre deixou claro que o achava peculiar.
— É... E sempre deixou claro que meu pai também não tinha um filho peculiar como eu — Sean sabia que Kelly entendeu aquilo.
Os Pellet-Parresh sempre enfrentaram Fernando Queise em seu ponto fraco, ser Sean Queise filho dele ou de Oscar Roldman.
“Droga!” Sean explodiu por dentro.
— Enfim... Vai para a Espanha rever sua família, Kelly?
— É claro que não.
Sean ergueu o sobrolho.
— E por quê?
Ela brilhou os olhos iluminando o rosto perfeito.
— Porque vamos a Londres! — ela o desafiava como ele a ela.
Mas Sean não esperava aquela resposta. Era Kelly quem o vigiava, agora era certo.
— Por que faz isso Kelly?
— Isso o quê? Vigiar-te? — ela foi direta.
— Deus... — ele sentou-se confuso. — Quando soube que eu ia a Londres?
— Hoje de manhã. Interceptei o passaporte na mesa da Renata — Kelly viu Sean esperando mais. — E se não vai levar Gyrimias a Londres, nem nenhum outro cientista, é porque já sabia que a Poliu não ia lhe dar o attach e você vai apertar o Sr. Roldman.
— “Apertar” Oscar?
— Por que me exclui de sua vida, Sean?
Sean sentiu totalmente sem ação.
— Eu...
— Bom! Então vamos a Londres amanhã! — saiu batendo a porta.
Sean caiu sentado sentindo-se assim mesmo, sem ação.
Kelly o vigiava; e ela o vigiava e punia. Talvez a mesma punição que se impunha por ter deixado Sandy Monroe se matar.
Sentiu-se confuso, em meio ao que o filósofo Michel Foucault chamou de um ‘poder panóptico’, permanentemente controlado, vigiado, corrigido, obrigado a trabalhar cada vez mais, melhor; esmagado pelas necessidades do sistema de produção sem poder ter uma vida privada, asfixiado por ter que amar Kelly para toda vida sem poder amá-la.
Ele girou na cadeira sabendo que havia algo mais naquilo tudo, no jantar de Allejandro Pellet-Parresh e Kelly Garcia, na ida de Allejandro à Espanha; e a Espanha significava Ilhas Canárias, significava ROMRET X.
Sean Queise nunca deixara qualquer funcionário da Computer Co. saber, nem seu pai Fernando ou mesmo Oscar, mas alguém de dentro da Pellet-Parresh realmente o ajudara na terceira concorrência.
Ele havia recebido informações cruciais do adiantamento do programa desenvolvido pelos Pellet-Parresh. E apesar de Sean nada modificar e ganhar a concorrência para a WEBI, WEB Interplanetária, com seu programa impecável, ele atrapalhou os Pellet-Parresh na concorrência. E atrapalhou porque os Pellet-Parresh, sim, estavam recebendo informações privilegiadas da Poliu, de dentro da Poliu.
Por muito tempo Sean achou que Oscar estivesse envolvido com tudo aquilo, que fora ele o hacker que facilitara o ganho da concorrência da Computer Co., mas nunca conseguira provar. No fundo Sean temia investigar qualquer coisa que se relacionasse com Oscar Roldman.
Ligou o notebook, acessou sites proibidos, invadiu a Poliu. Precisava tirar uma duvida, uma única duvida. ‘Alle’ na Espanha significava problemas outra vez.
Mas Sean não conseguiu acesso, ataques diversos derrubaram o backbone da Computer Co..
— Droga!!! — gritou ao ver a tela do notebook desligada. — Droga! Droga! Como... — bateu na mesa nervoso. Alguém o havia derrubado com um ataque DoS. — Desgraçado! — Sean voltou a digitar como louco, tentando ser mais rápido.
Um sinal dessa vez o avisou do ataque. Sean desconectou antes que quem quer que fosse derrubasse todos os sistemas da Computer Co. novamente, e deixasse os mainframes fora de uso, ou com aberturas para um hacker.
Sean esperou o tempo necessário e voltou ao teclado. Navegava, entrava e saía, invadia sites menores. Jogava a invasão em outros domínios. Cada vez que o ataque DoS vinha atrás dele tentando derrubá-lo, acabava por derrubar os sistemas onde Sean entrava sem alcançá-lo, enquanto ele saltava para outro deixando para trás uma trilha de sites ‘very busy’, ocupados, fora do ar, calculando que o hacker já havia derrubado bem uns onze sistemas. E mesmo sistemas de segurança especializados estarem localizando o ataque DoS, fechando o cerco ao protocolos TCP/IP que o hacker usava, ele insistia em segui-lo.
Sean não teve alternativa a não ser fechar sua própria conexão, antes que acabasse por comprometer dados importantes de outros, ou de seus próprios mainframes.
Ficou minutos preciosos girando na cadeira pensando em quem ele conhecia com capacidade para tal velocidade, para pular de IP em IP, com aquele tipo de ataque, com know-how para aquilo.
Não tinha. Sean não conhecia ninguém, nenhum hacker no submundo underground.
E não parecia ser um ataque em massa, vários computadores entupindo o mesmo endereço com acessos, o ocupando, o derrubando. Não, Sean sabia que aquele era um hacker novo no pedaço, usando programa próprio, desconhecido a ele. Um hacker que parecia achar que nem a Poliu sabia dele.
“Esbarrei em quem?”, se perguntou sozinho, no silêncio da cobertura da Computer Co. House’s, achando graça naquilo, encantado por ter enfim encontrado um hacker a sua altura.
E da invasão só conseguiu uma informação, Spartacus, o satélite de observação criado para a Polícia Mundial, estava seguindo algo fora da camada terrestre; coordenada 49.7 S e 44 W de Marte.
“Marte?”; foi seu último pensamento profundo naquele dia.
3
Londres; Inglaterra.
51° 30’ 28” N e 0° 7’ 41” W.
05 de agosto; 14h12min.
Londres havia amanhecido nublada e assim permaneceria até à tarde. Sean Queise e Kelly Garcia pegaram um táxi londrino no Gatwick Airport, até o coração da cidade.
O trânsito até estava bom naquela região e o trajeto correu como o esperado. Sean havia feito reservas no The Waldorf Hilton para os dois.
Também havia feito outras reservas sem Kelly saber.
— O tempo está fechado não? — Kelly tentou uma comunicação já que desde que saíram do Brasil, Sean trocou meia dúzia de palavras curtas com ela.
Ela sabia que ele não estava confortável com ela ali, ao lado dele.
Já Sean, se estranhou por não ter contado a Kelly, sobre a última experiência fora do corpo; ela sabia que ele fazia. E ele o fazia noite após noite para então sentir a necessidade de contar a ela, mais como uma espécie de ‘Kelly me perdoa! Puna-me!’.
Porque Kelly reprovava suas atitudes, atos que levaram Mona Foad, ex-espiã psíquica da Poliu, a desenvolver um dom paranormal genético nele.
E Kelly reprovava que ele buscasse respostas em ações da Poliu, reprovava que ele saísse no astral, reprovava que ele permitisse a companhia do espírito de Sandy Monroe, a noiva morta que Sean sentia, não encontrava a paz; Kelly reprovava, reprovava e reprovava.
Aquilo já o cansava.
— O tempo sempre está fechado — respondeu ele enfim sentado de costas para o motorista, e de frente para uma Kelly tão cansada quanto ele.
— Amei o táxi ?Austin FX4 — Kelly olhou em volta tentando reestabelecer algo. — mesmo com GPS, DVD, ele suporta mil malas...
— É... — Sean teve que achar graça, sobre Kelly e suas mil malas.
— A Trafalgar Square é para os londrinos o que a Praça da Sé é para nós, não Sean? — voltou ela a falar. — O ponto central da cidade...
— É... — Sean olhou Kelly pelo canto do olho. — O nome da praça celebra a Batalha de Trafalgar de 1805, uma vitória da Marinha Real Britânica nas Guerras Napoleônicas.
Ela viu que se aproximavam do hotel. Já estivera lá com a Sra. Nelma Queise uma vez. Sean não sabia daquilo; até aquele momento.
E quando leu os pensamentos dela não soube o que pensar, preferindo não fazê-lo. Porque sua mãe continuava indo a Londres, mesmo quando Sean crescera, para visitar a Trafalgar Square.
— Vai falar com...
— Vou! — Sean cortou-lhe a frase. — Sozinho!
— Ah... Imaginei mesmo que ia me deixar de fora.
— Não seja injusta Kelly. Você veio não veio?
— Vim?
Sean sentiu o sarcasmo, deixou ficar por aquilo mesmo.
O táxi parou no The Waldorf Hilton, e ele logo falou:
— Você faz o check-in para nós?
— Não vai descer? Tomar um banho? Comer algo?
— Não! Vou tentar ser o mais breve possível com ele.
— Sean... — ela parou no que Sean pediu com um curto movimento de mão estendida que silenciasse.
O táxi esperou Kelly e mais de dez malas aportarem no Port-a-cocher. Sean teve vontade de acompanhá-la num breve momento, talvez de lucidez, porque talvez tivesse medo de enfrentar Oscar Roldman sozinho.
Porque havia sempre o receio de falar-lhe, de interagir com aquele que era seu verdadeiro pai, de saber que a vida que levava era falsa, que nunca fora um Queise, e que talvez o amor de seu pai Fernando não fosse verdadeiro. Porque no fundo tudo aquilo nada mais era que uma disputa fria, entre o todo poderoso homem da Polícia Mundial e o homem mais rico do mundo dos computadores, Fernando Queise, pelo amor de sua mãe Nelma; e que talvez ele fosse só um prêmio.
Sean voltou a olhar para fora numa tentativa de esquecer os problemas no que o táxi londrino se afastou do hotel e das muitas malas da sócia Kelly Garcia.
Ele ia enfrentar sua sina.
Essa era a verdade.
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
05 de agosto; 16h40min.
Quando a porta da antessala do terceiro andar do discreto escritório da Polícia Mundial em Londres, QG de Oscar Roldman, se abriu pela competente Lucy, antiga e fiel secretária dele, o que ela encontrou foi um belo homem jovem, loiro, lhe sorrindo.
— Olá, Lucy.
— Olá, nosso Sean! Quantas saudades! — abraçou-o.
“Nosso?”, Sean sempre estranhava aquela maneira de chamá-lo, da atitude dela em abraçá-lo, mas teimava em nada perguntar.
— O Sr. Roldman já vai recebê-lo, Sr. Queise — ela recuou.
— Me chame só de Sean, Lucy. Ainda mais do jeito que me abraça — Sean riu com gosto e Lucy fez uma careta de timidez, dissipada era bem verdade, logo após.
Não muito diferente de Kelly, Lucy era para Oscar Roldman, secretária, amiga, confidente, irmã; talvez a família que ele nunca tivera. O pouco de estabilidade na vida de um homem que tinha poder para controlar vidas, fazer acontecer muita coisa, mas que nunca se dera ao luxo de uma casa com árvores plantadas na frente, cachorros, fotografias, filhos.
“Nosso?”, voltou ele a pensar na demora que teve sentado ali.
— Oscar? — Sean apontou para a porta do escritório.
— Está ocupado!
Ele sentiu-se mal.
— Oscar pouco recebe aqui — falou demonstrando conhecimento.
— Sim. É verdade. Mas ela é peculiar — falou de uma maneira que pretendia chamar a atenção.
— Por que acho que você falou ‘peculiar’ de uma maneira um tanto... — e a porta se abriu.
Sean se virou tão rápido que derrubou a cadeira, a levando ao chão; e levou realmente um susto ao ver a mulher jovem, bonita, que saía à frente de Oscar e se aproximou dele, esboçando o mais belo sorriso que Sean já vira ultimamente.
Os cabelos loiro-avermelhados e longos, onduladamente espalhafatosos, as unhas vermelhas, a roupa justa e brilhante, a maquiagem carregada, embebida de perfume forte e penetrante; nada escapou na rápida olhada que ele dera.
— Seis graus de separação, Sean Queise? — foi o que ela disse.
— Como disse? — Sean levou outro susto, ela parecia conhecê-lo.
Ela sorriu escandalosamente se virando para Oscar.
— Então estamos de acordo Oscar?
“Oscar?”, Sean não acreditou na intimidade da estranha.
— Claro querida! — foi o que Oscar respondeu derretendo-se para a jovem de cabelos loiro-avermelhados mais extravagantes que Sean já vira.
Extravagante e bela era verdade, com talvez, não menos que vinte e cinco anos de idade.
— Então estamos de acordo, Oscar! — agora exclamou sorridente, passando a mão no rosto do todo poderoso Oscar Roldman, como quem apreciava o veludo de um nobre tecido.
Sean ergueu o sobrolho e ela virou-se para ele novamente. Olhou-o de cima a baixo num ato que o fez corar e saiu após Lucy levá-la para fora do escritório. E não foi só Oscar quem viu Sean ficar desconcertante, ele também se viu assim; se não pelo rastro de perfume francês que tomou conta do ambiente, pelos poucos graus de separação que o separava dela.
“De onde eu a conheço?”; pensou confuso.
— Sean querido... — Oscar o tirou de seu pensamento apontando para a sala agora vazia, entrando nela.
— Ah... — Sean até conseguiu relaxar um pouco erguendo a cadeira do chão e o seguindo. — Ocupado? — entrou e fechou a porta.
— Agora não! — apontou para a cadeira vazia, ainda quente pelo contato com o corpo da jovem escandalosa que Sean não conseguia esquecer.
— Eu... — tentou se situar.
— Não posso fazer nada, Sean. Disse isso a Fernando.
Sean sobressaltou.
— O que disse?
— Por que o susto? Acha que não converso com Fernando sobre você?
Sean arregalou mais ainda os olhos azuis que brilharam pela emoção.
— Eu... Meu pai nada disse, então achei... — fez uma careta. — Droga! Ele está uma fera com os ‘P-P’, não?
Oscar sorriu confiante com algo e Sean queria estar assim também.
— Joshua confirmou-me o contrato.
— Quem é Joshua?
— Dr. Joshua Abbas Boutros; um dos três exobiologistas indianos encarregados do estudo de Marte.
— “Exobiologista”?
— A exobiologia é o estudo da vida fora da Terra, o que inclui o estudo da vida noutros planetas e o estudo da vida em nuvens interestelares.
— Não brinque comigo, Oscar. Sei o que significa ‘Ex’ do grego fora, externo. Exobiologia é a ciência voltada para o estudo de vida e organismos vivos fora da Terra, alienígenas que se bem me lembro, você não acredita, mesmo tendo estado cara a cara com eles — sorriu cínico.
— Sean... Não confunda trabalho sério com sua ufologia.
— Minha ufologia?
— A exobiologia é uma ciência multidisciplinar que mistura elementos da biologia, física e química.
— Desde quando exobiologia é prioridade para a Polícia Mundial?
— Sempre acreditei na existência de formas de vida além do nosso planeta.
— Wow! — Sean foi puro deboche.
— E vou ainda mais longe, possuo a convicção que a origem da vida na Terra seja de natureza extraterrestre, mais provavelmente através de impactos de meteoritos e de pequenos cometas, que teriam trazido os ingredientes orgânicos da vida.
— Panspermia! — Sean esperou Oscar olhá-lo. — O que a Polícia Mundial quer com um ‘Joshua’ exobiologista, Oscar? Tem haver com Marte, não?
Oscar o olhou furioso.
— Foi você Sean?
— Fui eu o que? Quem derrubou os sistemas da Computer Co. ontem? Meu pai também conversa isso com você?
— Você estava usando Spartacus? — enervou-se.
— Não usei Spartacus para nada. Não toco no satélite de observação há muito tempo porque se bem me lembro, a Polícia Mundial não me deu mais as senhas do satélite.
— Desde quando precisa de senhas, Sean querido?
Sean sentiu o perfume da mulher no ar outra vez. Forte, penetrante.
— Quem era ela?
— O motivo de você estar aqui!
Sean o encarou.
— Como é que é?
— O desenvolvimento do programa de ROMRET X será dividido entre a Computer Co. e a Pellet-Parresh.
— O que?! — Sean girou erguendo-se violentamente da cadeira que também foi ao chão no impacto. — Você... Você... Deus... Acabou de me dizer que o tal Joshua...
— Joshua acabou de me confirmar que a Computer Co. e a Pellet-Parresh vão trabalhar juntas.
— “Juntas”? — Sean se pôs a gargalhar. — Está brincando, não?
— Estou? O attach está além do meu alcance. Os ROMRETs não são negócios da Polícia Mundial e não posso decidir nada.
— Você pode! Sempre pôde! Tem como interferir com Trevellis.
— Trevellis não é meu subordinado.
— Ah! Qual é Oscar? Você intermediou o contrato da Computer Co. com a Poliu na criação dos primeiro sistemas dos ROMRETs I e II, quando ainda estava na Poliu, quando meu pai era um jovem nerd.
— Como sabe?
Sean titubeou.
— Você me levou o contrato da WEBI, dos IPs espaciais — não respondeu àquilo. — Permitiu que usasse Spartacus como um nó para que os delay simplesmente desaparecessem, e sei que intermediou o contrato de meu pai com Marte antes mesmo de eu nascer.
— Como sabe sobre o que Fernando fez Sean?
— Meu pai... — parou. — Ele contou-me.
Oscar não acreditou naquilo. Também não insistiu.
— Intermediei o contrato da Computer Co. com a Poliu porque... — e foi sua vez de parar de falar, buscando outra abordagem, do que lembrar que ajudava Fernando Queise. — Permiti que usasse Spartacus, porque você me explicou que se o destino do pacote de dados não encontrasse a rota, caso a rota não fosse identificada, o pacote seria descartado. Aceitei porque você me disse que se Spartacus funcionasse como um nó, seu banco de dados se integraria aos seus protocolos interplanetários, e você manteria a informação por tempo indeterminado, até que pudessem voltar a se comunicar de forma segura, de que não haveria perdas nos dados, acontecesse o que acontecesse no espaço — falou num fôlego só.
— E eu não menti.
— Não. Por isso lhe levei o contrato Sean, porque acredito na sua inteligência, na sua capacidade.
— E agora? Não acredita mais?
— Não fui eu!!! — levantou a voz deixando Sean sem ação.
Até Lucy estranhou o levante de voz de Oscar Roldman do outro lado da sala.
— Quem foi?
— Trevellis...
— O que ele quer com isso? Provocar-me?
— É uma opção, não? — foi tão cínico quanto ele o era.
— E por quê? Por que me provocar a aceitar algo que vou ter que dividir com aquela cambada de incompetentes? Droga! Acha que há muito mais nisso tudo, não Oscar?
— Você também acha, não Sean querido?
— Não me chame assim. Incomoda-me...
— O que lhe incomoda? Eu ser seu pai?
Sean arregalou os olhos azuis sentindo toda a cabeça latejar. Olhou um lado e outro da sala, e ergueu a cadeira do chão, sentando-se confuso, desorientado.
— Você... — as batidas do coração latejavam na garganta.
— Não! Eu não! — e o Oscar viu Sean voltar a arregalar os olhos azuis, confuso, sem saber o que falar pensar, dizer. Levantou-se tonto. Ia falar; parou. Deu passos até a porta e estancou. Arrependeu-se do que fez, do que provocou. — Você também desconfia de algo, não Sean? Algo haver com a Poliu?
Sean não sabia o que falar, estava em choque.
— Sim...
— Por isso a invadiu?
— Não a invadi!
— Então tem saído do corpo atrás...
— Não! — Sean o encarou.
— Mona tem...
— Não! — Sean cortou sua frase outra vez. — Faz um bom tempo que não nos falamos.
— Você tem saído pelo éter sozinho? Sem a orientação dela?
— O que lhe parece pior Oscar? Eu sair do corpo ou não estar sob a proteção da Poliu?
— Mona não é mais da Poliu.
— Não! Não mais! Você me diz isso o tempo todo. Talvez queira que eu acredite que eu não sou um agente da Poliu, que não sou obra de Trevellis.
— Você não se atreveria! — falou sob dentes cerrados.
Sean esboçou um sorriso cínico.
Ele o era.
— Preciso de sua ajuda.
— “Ajuda”? Agora precisa de minha ajuda?
— Se vou dividir o programa de ROMRET X com os Pellet-Parresh então não vou pessoalmente. Só meus cientistas selecionados. Não vou enfrentá-los lá, Oscar.
— Lá aonde?
— 28° 6’ 0” N e 17° 8’ 0” W. La Gomera...
Oscar não acreditou no que ouviu. Sean sabia sobre o Observatório Templeton da Poliu, na Ilha de La Gomera, nas Ilhas Canárias.
— Não me diga que usou Spartacus para investigá-los!!! — gritou fazendo tudo em volta erguer-se e cair pela força paranormal de um Oscar descontrolado.
— Não direi! Ele está em Marte! — mas Sean disparou calmamente.
Oscar arregalou mais ainda os olhos por sobre os óculos de lentes grossas.
Sean havia saído decididamente ao controle.
— Você fez o quê?! Enlouqueceu?! — as portas estremeceram. Lucy não se conteve e entrou. — Saia!!! — berrou descontrolado a fazer as veias saltarem no rosto marcado pela idade.
— Não grite com ela Oscar!
— Não se meta Sean!
— Lucy não tem culpa!
— Cale-se!!! — Oscar se descontrolava como nunca.
— Por que tudo isso?
— Porque se ainda não percebeu você é a única coisa que tenho nessa maldita vida!!!
Sean levantou tão rápido que dessa vez nem ouviu a cadeira ir ao chão, nem ouviu o choro miúdo de Lucy, nem se tocou que chegara fora do prédio, atordoado, sentindo todo seu corpo vibrar de nervoso, de raiva; nervoso e raiva por se deixar levar daquele jeito.
Alcançou a rua sem ainda discernir os sons da agitação local. Chorou como nunca fizera durante todo trajeto até o hotel, que fez a pé.
The Waldorf Hilton; Londres.
51° 30’ 45.36” N e 0° 7’ 8.04” W.
05 de agosto; 17h50min.
— Sean? — Kelly abriu a porta da suíte do hotel vendo-o chorar.
— Oh... Kelly...
Ela o abraçou. Sean fez o mesmo da porta. Minutos incontáveis de carinho, pura troca de energia.
— Venha meu amor. Entre!
Sean entrou procurando um lugar para sentar. Depois ficou confuso em ver que as camas separadas que pedira a gerência, agora eram uma só. Sentou-se na beirada da cama em meio a muitas roupas dela espalhadas.
Sentiu-se minado, triste; enfurecido também.
— Por que juntou as camas?
Kelly piscou confusa.
— Percebeu minha camisola.
Sean não havia percebido, preferindo mesmo não tê-lo feito. Kelly estava linda na bela camisola de seda amarela com laços vermelhos, que colava no corpo perfeito que o pedia, que o desejava há tanto.
E cada passo dela em direção a ele, o deixava menor, o deixava confuso.
— Kelly não... — ele podia pressentir; ela estava dona de si.
Mas Kelly o inclinou e ele caiu na cama, com ela sobre ele; o peso dela, o perfume espalhado pelo corpo quente, úmido, sexy.
— Sean... — ela sentiu todo seu corpo pedi-lo.
O calor emanando cada vez mais rápido, e Sean se sentiu totalmente dominado, para depois sentir-se só, triste. Afastou-a, levantou-se e foi até a janela a fim de poder olhar a rua, raciocinar.
— Ele é meu pai.
— O quê?
— Eu sinto isso! Pode entender, não? O quanto isso dói?
— Venha! — ofereceu a mão delicada, perfumada. — Venha! Não tenha medo! Não vou insistir.
— Perdão... Eu...
— Sente-se — e pediu que o corpo dele ficasse ao lado do dela.
Sean voltou a sentar-se confuso com o perfume e o corpo dela que se deitou sobre ele novamente.
— Kelly... Não sou de ferro.
— Estava contando com isso.
Sean riu, tinha que rir.
Mas Kelly não estava fazendo graça. Estava o tocando, com as mãos descendo, o massageando.
— Kelly — Sean sentiu seu corpo tocado. — Não... Não... — e os lábios dela navegavam por sua boca. Sentiu-se tonto, excitado. — Kelly... — e ele a beijou com gosto.
Ela levantou-se num rompante.
— Vamos sair! — Kelly viu Sean a olhar confuso, com seu corpo de homem sobressaindo na roupa.
— Kelly... Eu...
— Vamos, Sean! Não quero jantar aqui no hotel. Vamos a uma galeria onde há uma comida italiana deliciosa.
Sean não esperava outra ação dela, sua amiga. Quis agradecer, nem soube como. Ficou lá a observando ir até o armário escolher uma roupa, tirando os cabides dos muitos vestidos trazidos com a força de sua paranormalidade, para ela, vendo-a dar saltos para alcançá-los no ar, sorrindo-lhe maravilhada com os dons dele, com o que ele podia fazer com os cabides de vestidos, erguendo-os sem tocá-los. Objetos até então inanimados, que ganhavam vida se movendo no ar, pedindo que ele parasse até que os vestidos passaram a desfilar para ela os escolher, pensando em como a vida lhe tinha sido injusta, em como pôde se apaixonar por Sandy, uma traidora, agente da Poliu. Porque ele sabia que não devia se apaixonar por Kelly, sua amiga, sua sócia, que lhe amava, ele também sabia.
E ele teve que esperá-la escolher um dos muitos vestidos trazidos após deslocar todos do armário, quando a bela Kelly de trinta e quatro anos saiu do closet da suíte.
Sean percebeu que a demora compensara a retirada da camisola de seda que não o fazia pensar direito e a bagunça que ele fizera.
Londres.
51° 30’ 28” N e 0° 7’ 41” W.
05 de agosto; 19h20min.
Sean e Kelly optaram pela Galeria Selfridges, second floor. O Obika Mozzarella Bar apresentava uma variedade deliciosa de mussarelas feitas à mão, bem como peculiaridades italianas tradicionais, e estava cheio.
Sean ficou feliz por Kelly ter feito reservas antes, num ambiente que se limitava de um lado a um grande balcão espelhado, com banquetas, e de outro, mesas de madeira com cadeira de metal dourado, dispostas por todo salão.
Ele girou os olhos para um lado, para outro e o restaurante cheio o deixou claustrofóbico, com uma sensação de excesso.
— Dê-me o menu! — apontou ela para o menu trazido pelo garçom. — Vamos começar com salada... — Kelly levantou o olhar do menu e o encarou. — Faz tempo que não se alimenta direito.
— A noite é sua... — Sean a encarou, percebendo como ela tomava decisões.
— Mesmo? — Kelly quis que aquilo fosse verdade, sabendo que ele estava sendo cínico.
E Sean sabia que ela pensara aquilo, que ela mandava nele. Porque no fundo tinha era medo do que Mona havia desenvolvido nele; dons paranormais como telepatia, telecinese, clarividência, precognição.
— Eu queria falar-lhe... — e ele próprio cortou sua fala.
Ela o olhou e voltou a olhar o menu com o garçom ainda a esperar ali em pé.
— Traga para mim uma Insalata Mista di stagione e Parmigiana di Melanzane. E para ele, Verdure Tiepide con Carotine al Burro e Penne al Salmone — olhou-o. — Está bem para você, não é Sean?
Sean sorriu apenas. Sentiu-se dominado, pressionado, controlado por ela de todas as maneiras.
“Vigiar e punir”, soou por todo ele.
— Me diga Sean... Quanto tempo aqueles tais Robots levam até Marte?
— 39 dias.
— Que maravilha! Mas isso é rápido, não?
— Sim — achou graça. — Considerando a Terra e Marte em sincronia de órbita ao redor do Sol, atingindo o seu ponto mais próximo chamado de oposição, e a distância de 55 milhões de quilômetros, e dependendo da velocidade do lançamento, e a nave espacial viajando a uma velocidade de 20,000 km/hora, e do comprimento da viagem da nave espacial, então você chegaria ao planeta vermelho em um prazo de 115 a 200 dias. — Sean olhou para o lado com a impressão de estar sendo observado.
Kelly o viu procurando algo.
— Nossa! Quanta informação Sean.
Ambos riram.
— Depois os cientistas da Poliu desenvolveram foguetes com motores de plasma, que impulsionam as naves acelerando átomos carregados eletricamente através de um campo magnético — e Sean olhou de novo para a esquerda, para a direita e para frente após o grito miúdo de Kelly.
— Alle? — a voz dela abafou-se.
Sean acordou e se ergueu naquele nome. E foi obrigado a levantar-se já que Kelly o fizera. Mas sua respiração estancou mesmo foi quando a jovem de cabelos loiro-avermelhados que o acompanhava, exalou perfume por todo o Obika lotado.
— Olá Kelly vulcano! — falou um Allejandro afetado. Sean o encarou após a troca de beijinhos na bochecha. — Olá Sean! — falou agora um Allejandro mais macho, bonito.
— Olá Allejandro! — Sean não podia ser mais cínico.
Allejandro se vestia com esmero; calça jeans Armani, camisa branca de algodão egípcio com mangas dobradas, e os cabelos ruivos tomados pelo gel brilhante.
— Que coincidência, não? — soltou Kelly olhando Sean lhe olhar; ele não acreditava em coincidências.
A jovem exótica da sala de Oscar também olhava Sean. E se vestindo menos chamativa que horas antes, vestia um terno masculino de cetim negro e blusa de babados brancos no mais puro estilo dandy; e ela não desviava o olhar dele, que percebeu.
— Não é coincidência, Kelly vulcano — e o belo Allejandro esperou Kelly rir e Sean incomodar-se. —, venho sempre ao Obika quando estou em Londres.
— E vem a Londres para... — Sean não se aguentou.
— Trabalhar!
Sean gargalhou. Depois voltou a se sentar com ou sem Kelly.
— Ah... — Kelly viu a feição do belo e ruivo Allejandro não ficar mais tão amigável. — Sente-se conosco.
Sean a fuzilou. Allejandro e a jovem exótica nada falaram. Ela continuava a observá-lo era bem verdade.
— Tenho mesa reservada Kelly vulcano. Eu e minha... — e Allejandro parou.
Sean correu os olhos azuis para cima, olhou a bela e exótica jovem, e voltou a olhar o chão. Allejandro também não se deu ao trabalho de terminar a frase. Deu mais uns três beijinhos no rosto de ‘Kelly vulcano’ e se foi para o fundo do salão.
— Próxima vez que convidá-lo eu me levanto e vou embora!
— Já quase fazia isso, não Sean? — e ela viu Sean a fuzilar novamente. Correu os olhos pelo salão como quem não quer nada querendo. — A conhece?
Ele levantou os olhos azuis do chão, e voltou a olhar o chão.
— Curiosa com quem Alle está Kelly vulcano?
— A conhece, Sean? — insistiu brava.
— Não! — devolveu-lhe.
— Ah...
A comida chegou. Sean deu graças por aquilo. Queria ir embora, voltar ao hotel, até enfrentar a sócia de camisola de seda amarela, na cama conjunta.
— Seis graus de separação! — exclamou ele enfim.
— Como é que é?
— Perguntou se eu a conhecia? Eu a vi hoje no escritório de Oscar.
— No escritório do Sr. Roldman? — Kelly a viu de novo de longe. — E o que é ‘seis graus de separação’?
— É uma teoria que defende a existência de uma cadeia de ligação entre as pessoas, onde não distamos mais que seis graus de separação de outro grupo de pessoas, e que prova que vivemos num mundo realmente pequeno, e que todo mundo conhece todo mundo — falou arisco.
— Nossa! Que estranho!
Sean soltou um suspiro.
— Em 1967 Stanley Milgram, um investigador americano fez uma experiência que chegou, por exemplo, a que se tenho dez amigos e estes dez amigos têm cada um dez amigos, a minha rede no primeiro grau de separação é de apenas dez amigos, mas no segundo grau é de 10 x 10 amigos, ou seja, em apenas dois graus de separação de alguém, estou ligado a cem pessoas dele. Em seis graus de separação estou ligado a 10 elevado a 6º potência, o que dá um milhão de amigos. Ou seja, teoricamente, a minha rede social é muito maior do que eu realmente conheço.
— Ah! LinkedIn! E você a conhece de onde?
— Não sei. Amiga de um amigo de um amigo meu? — achou graça.
Apesar da graça, Kelly percebeu que Sean não se sentia a vontade com aquilo. O garçom trouxe as saladas e eles comeram em total silêncio.
Sean viu pelo reflexo do espelho do bar que a jovem exótica, ‘peculiar’ como disse Lucy, não tirava os olhos deles. Voltou a suspirar profundamente, tinha problemas maiores.
— O que foi agora Sean?
— Vou pedir outra suíte.
— Faça isso e nunca mais falo com você! — exclamou realmente brava.
— Não pode...
— Trabalho para você?
— É minha sócia.
Os dois se odiaram por ínfimos segundos e Sean voltou a localizar a jovem exótica no fundo do salão olhando-o, engolindo aquilo a seco.
“Então estamos de acordo, Oscar?”; soou a voz dela nas suas lembranças.
Ele queria ter entendido a resposta dele para a jovem exótica que era ‘o motivo de você estar aqui’.
— Vai comer?
Sean a olhou. Comeu não sentindo o gosto. Kelly ergueu a mão e pediu a conta e Sean a encarou nervoso com as atitudes dela.
— Não manda em mim, Kelly!
— Mando Sean!
Sean caiu em gargalhada chamando atenção de todos.
Kelly não parecia estar tão alegre assim.
— Não! Não manda! Nem você, nem meu pai, nem minha mãe, nem Oscar — ficou sério.
— Nossa! Em quem afinal me comparou ‘patrãozinho’? — fez para irritar.
O garçom chegou com a conta.
— Fora! — e Sean mandou-o embora. O garçom deu meia-volta confuso. — Não quero brigar com você, Kelly.
— Não fazemos outra coisa nesses últimos anos.
Sean ergueu o sobrolho.
— Que últimos anos?
— Desde quando assumiu a Computer Co., Sean.
Sean ficou sem ação.
— Eu tive um sonho... — jogou de vez.
Não era o que Kelly esperava ouvir.
— “Sonho”? Do tipo...
— Daquele tipo.
— Oh! Sean... — olhou para o lado nervosa dando de encontro com os olhares azulados da exótica e bela jovem de cabelos loiro-avermelhados à frente de Allejandro Pellet-Parresh. E Kelly não gostou de vê-la olhando-os. — Que tipo de sonho? — ainda conseguiu perguntar.
— Com patos.
Kelly gargalhou achando que era para gargalhar. Recuou na careta fechada que ele lhe deu.
— Como assim patos?
— Eram patos, Kelly. Patos com bicos largos, olhos esbugalhados dentro da máscara de piloto.
— “Piloto”? Como assim ‘piloto’?
— Como assim o quê, Kelly? Estou dizendo que eram patos pilotos. Muitos deles. Alguns voando, alguns em terra, num hangar de naves cilíndricas.
Kelly correu os olhos para um lado e outro sem saber o que falar.
— E... — falou enfim algo diferente.
— ‘E’ que eles pilotavam naves cilíndricas alienígenas, miniaturas delas, com uma abóbada de vidro que permitiam vê-los pilotando.
— E onde você estava?
— Não sei. Voando também. Acho que na atmosfera terrestre já que não poderia ter sido no espaço, porque não há som no espaço, porque o som não se propaga sem veículo, e havia sons ensurdecedores, e cores profusas... Ah! Estou confuso Kelly — e segurou sua própria cabeça.
— Percebi! — e Kelly arregalou os olhos para ele no momento em que ele voltou a fuzilá-la. — Ah! Não! Não fui irônica. Percebi que está confuso porque está sonhando com patos que pilotam naves cilíndricas alienígenas.
— Por que acha que não posso sonhar com patos?
— Não sei... Por que não pode? Tudo é permitido num sonho, não?
— E o que é um sonho, Kelly?
— Viagem astral?
— Você sabe que a viagem astral é considerada ‘quase morte’, não? Que xamãs viajam, em transe profundo, a mundos espirituais mais elevados e também inferiores, viajando em seu corpo sutil ou luminoso separado do corpo físico.
Sean viu Kelly de olhar esbugalhado. Ela realmente ficava afetada com as viagens dele.
— Quando entramos num mundo visionário através dos sonhos, não nos restringimos ao tempo nem ao espaço material de qualquer tipo, Sean?
— Segundo o filósofo Merleau-Ponty há sempre uma relação entre o que alguém percebe e algo que é percebido por alguém. Algo do tipo, ‘o conhecimento sempre deriva de algum tipo de percepção’. Mas quando entramos num caminho que não esteja dentro do pensamento racional, acabamos nos direcionando para esse território desconhecido, como é o caso da imaginação, premonições, sentimentos, vivências, sonhos e símbolos.
— Que tipo de imaginação, Sean?
— Percepção extrassensorial, telepatia, telecinese, quiromancia, insights xamânicos. O Padre Quevedo diz que na fase sonambúlica da hipnose, comprova-se facilmente a associação inconsciente, onde a memória se exalta reproduzindo com extraordinária exatidão cenas, pormenores cotidianos, conhecimentos que pareciam totalmente esquecidos, onde a imaginação aviva-se, naquilo que o filósofo Henry Corbin chamou de ‘Mundus Imaginallis’ — riu. — A inteligência então se aviva provando o que psicanalista Sigmund Freud dizia, que dormindo somos mais inteligentes, que resolvemos até trigonometria.
— Como podemos ser mais inteligentes na... naquilo, como diz...
— Na vigília.
— Isso, na vigília, se acordados, pensando, não resolvemos os problemas, forem eles quais forem?
— Complexo responder isso, não Kelly? O filósofo Samuel Coleridge disse que ‘A consciência é o pulso da razão: as suas pulsações são outras tantas advertências’. E isso porque Coleridge afirmava ter escrito o Kublai Khan, enquanto dormia sob a influência de um analgésico, e a escritora Mary Shelley escreveu Frankenstein após um sonho.
— Após uma tempestade...
— Sim! — sorriu-lhe. — E o filósofo Voltaire disse ‘No meu sonho eu disse coisas, que dificilmente teria pronunciado na véspera. Passavam-me pela mente pensamentos concebidos sem que eu tivesse tomado parte, consciente, neles. Não tendo nem vontade nem liberdade, no mecanismo inconsciente do sonho, combinei ideias inteligentes, e até com certa genialidade’.
— Oh... Sean... Por que tanta filosofia, meu amor? — Kelly sentiu-se mal; mal por não entendê-lo. — Isso não te assusta?
— Sabe o que mais me assusta Kelly? Não, não é minha filosofia. É esse dom permitir eu ver coisas que não sei se vejo. E se vejo como sei que existem? Como saber se o que vejo é real, verdadeiro, que está mesmo para acontecer, acontecendo? Que as pessoas estão mesmo pensando aquilo que as ouço pensar? — olhou um lado e outro. — Oscar sempre me diz que eu sabia das coisas, que podia saber das coisas antes que acontecessem e sim, elas acontecem... — olhou-a. —, mas como saber se estão mesmo acontecendo?
— Quanto sofrimento Sean...
— Todas as pessoas com paranormalidade, mediunidade sofrem Kelly, porque sofrem sem saber se sofrem, entende?
Ela até não o entendia, mas o amava.
— O que busca afinal Sean? Respostas? Do tipo?
— Do tipo que tenha haver com Marte.
— “Marte”?
— Sim. O planeta; óbvio — girou os olhos azuis. — Há um vale chamado Duck Bay, uma baía seca abaixo da Cratera Victoria sob a coordenada de.
— Uau! Podemos dar coordenadas em Marte também?
— Podemos obter as coordenadas para Marte em dois diferentes sistemas; a latitude planetográfica com aumento de longitude para o oeste, ou latitude planetocêntricas com o aumento da longitude para o leste. Ambos os sistemas são aprovados para uso em Marte pela União Astronômica Internacional. E porque uma vez que todos os mapas anteriores marcianos usavam a latitude planetográfica com sistema de longitude para o oeste, a latitude planetocêntricas mantém fácil referência no auxílio da movimentação dos ROMRETs X em Marte, por entre crateras e vales.
— E como chegou nessa coordenada
— Arquivos da Poliu! — Sean nem se deu ao trabalho de ver a cara de susto da sócia. — Eu sei, por exemplo, que a Poliu tem duas astrogeólogas, reformadas da aeronáutica espanhola, que construíram um mapa topográfico de Marte.
— A Computer Co. está usando esse mapa?
— De certa forma. Além disso, estive pensando em ROMRET X; no desenvolvimento de uma nova tecnologia para processar orbitalmente os dados de solo de lá, de forma coordenada — apontou para cima. —, e que poderiam fornecer um meio eficaz para resolver os conflitos frequentes, inconsistências em relação às imagens dos objetos e suas correspondências, por exemplo — Sean viu Kelly cada vez mais confusa. — Se bem que os problemas agora são mais dinâmicos... — e parou de falar.
— Spartacus? — Kelly sabia que ele se distanciava do verdadeiro motivo.
Os olhos azuis dele brilharam.
— Me conhece, não? — Sean sabia que Kelly não se daria ao trabalho de responder. — Spartacus já passou por lá.
— “Passou por lá”? Fala como se o satélite estivesse na órbita de Marte como faz com a Terra.
— Sempre admirei sua inteligência Kelly — sorriu-lhe charmoso. — É exatamente isso que me deixou de sobreaviso. Claro que o satélite de observação Spartacus está na órbita terrestre, mas ele está seguindo algo, recebendo imagens em tempo real, que não vem de ROMRET X porque ele está danificado; e tudo o que vê, essas informações, estão arquivadas num dossiê.
— Que dossiê?
— Fale baixo Kelly. Aqui não é o lugar para se falar disso.
— Você... Você... Você não...
Sean só sorriu cínico.
— Spartacus seguiu a coordenada 49.7 S e 44 W, a Argyre Planitia com 800 km de tamanho. Depois foi para 46.7 N e 168 W, Arcadia Planitia, uma planície com 2200 km de tamanho. E fiquei pensando como? Como ROMRET X chegou até lá para enviar tais imagens? — Sean acenou agora ele, para o garçom trazer a conta, e a jovem exótica viu aquilo.
E ela via tudo, estrategicamente sentada à frente do espelho para que pudesse ler cada sílaba movimentada nos lábios dele.
Sean a olhou percebendo que ela lia seus lábios, e sorriu-lhe tão cínico como ainda não fora aquela noite.
“Seis graus de separação!” soou por todo ele saindo.
Haviam feito todo trajeto a pé, e a pé voltavam ao hotel. A noite estava particularmente aberta, iluminada, com um friozinho que os fizeram se aproximarem.
Sean a abraçou e Kelly gostou do contato.
— Sabe Kelly... — Sean retornou ao assunto. —, há montanhas, crateras e até um cânion separando a Argyre Planitia da Arcadia Planitia. Se for ROMRET X que Spartacus segue em Marte, então como ele chegou do outro lado tão rápido?
— E se não for?
— Não sei. Spartacus pode estar usando coordenadas de uma nave, e ela sim em órbita de Marte.
— Uma nave da NASA?
— O Google Mars usa a NASA, o Google Moon usa a NASA. O Google Maps usa a NASA.
— E Spartacus?
— Usa talvez uma nave alienígena, talvez a nave que foi vista pelo Robot Spirit, o veículo explorador que fotografou algo na órbita de Marte em 2004. Ou pode ser talvez a nave alienígena de 25 km que fez a sonda russa Phobos II em 1989, chocar-se com a Lua Phobos após imagens de algo grande em forma de charuto.
— “Nave alienígena de 25 km”? Por que é sempre tão difícil acreditar em você, Sean?
— Em mim? Pois sabia que as luas de Marte Phobos e Deimos, ou ‘Medo’ e ‘Temor’ em grego, fogem a compreensão quando aceleram e desaceleram e mudam de altura, tornando impossível de se fazer um cálculo matemático de sua órbita E que o astrofísico Dr. Iosif Shklovsky disse que Phobos, seria uma lua artificial lançada por uma extinta civilização marciana — Sean viu Kelly rir. — Não ria!
— Desculpe-me Sean... — e ria.
— Shklovsky disse que seria impossível a Phobos ter densidade tão baixa, provavelmente menor que a do ar; ela teria que ser um corpo oco, vazio, parecendo uma lata vazia — e ele viu os olhos de Kelly brilhar.
— Oh Sean… — abraçou-o.
— Sério! E por Phobos não ocupar uma órbita normal, para uma lua explicada pela mecânica celeste, ela acaba agindo como os satélites artificiais em torno da Terra, como Spartacus, fazendo com que se aproxime demais da atmosfera podendo num futuro cair em Marte.
— Lua artificial?
— Isso explicaria porque a sonda russa Phobos II foi detonada, porque ela iria incidir raios laser na Lua Phobos para estudar o carbono.
— Então... Se ‘alguém’ fez isso, é porque ainda há marcianos lá — Kelly apontou para cima. —, defendendo-a.
— Menina esperta!
— Não acha que já teríamos visto algo? Algo além de sereias, iguanas e pirâmides?
Ambos riram com gosto andando pela rua iluminada.
— Atualmente, três sondas espaciais orbitam ao redor de Marte: Mars Odyssey, Mars Express e Mars Reconnaissance Orbiter, a MRO que aponta para a existência de água salgada em Marte durante o verão do planeta.
— Acredita em marcianos, Sean? Que Marte já foi outrora habitado por uma avançada civilização?
— Se há água então há vida, não? Além do que, o físico Nicola Tesla acreditava — Sean gostou de ver Kelly rindo, e ela era linda quando sorria daquele jeito. — Acredito sim, Kelly, que Marte já foi outrora habitado por uma avançada civilização, e a Poliu sabe disso, porém a corporação de inteligência se recusa a divulgar isso publicamente. Isso e muito mais — ambos riram novamente. — Há evidências de que essa civilização, digamos, ‘sapiens sapiens’, se extinguiu devido a um imenso cataclismo, mas qual foi ele, não tenho ideia.
— Então acredita também em estranhas criaturas sobreviventes a essa antiga catástrofe cataclísmica?
— Sim!
— E será que as câmeras que já tanto filmaram Marte não as teriam captado? Ou teria captado algo que habita o seu subsolo?
— Não sei o que dizer Kelly, já que estranhamente todas as sondas enviadas a Marte dão algum tipo de problema.
— Porque eles as derrubam.
— Não sei realmente o que dizer Kelly, mas talvez os marcianos sejam um punhado de energia, ou constituídos da mesma matéria que ocupa 90% do Universo, uma energia escura, incapaz de ser detectada, provável causa da expansão do Universo que destrói tudo que se aproxima desse conhecimento. E tentar entender essa energia escura é um dos maiores objetivos da física moderna.
— Mas muitos já tentaram, não? — abraçou-o com mais força. — Há todo tipo de literatura sobre Marte.
— Sim... Desde há muito tempo — ele deixou o abraço acontecer. — Camille Flammarion foi um astrônomo francês, amigo de Allan Kardec. Eles diferiam em pensamentos sobre os marcianos, porque para Kardec, Marte era um planeta atrasado. Num artigo da Revista Espírita de outubro de 1860 ele disse ‘Marte é um planeta inferior a Terra; é a primeira encarnação dos demônios mais grosseiros; os seres que o habitam são rudimentares, têm a forma humana, mas sem nenhuma beleza. Têm todos os instintos do homem sem o enobrecimento da bondade’. Em suas questões aos espíritos quando codificou o Livro dos espíritos, o Planeta Marte seria ainda menos avançado do que a Terra; os Espíritos que nele estão encarnados pareceriam pertencer, quase exclusivamente, à nona classe, a dos Espíritos impuros — olhou a noite fria, mas bela. — Já Flammarion, que escreveu em 1888 o livro Urânia, e Urânia era musa da Astronomia que se comunicava com um jovem por meio de sonhos, dizia que todos os mundos eram habitados, e que a duração da existência da Terra seria muito mais longa, que a dos outros. ‘Em uma dezena de mundos, tomados ao acaso na imensidade, poderíamos, por exemplo, conforme os casos, achar apenas um atualmente habitado por uma raça inteligente; uns o foram outrora; outros o serão no futuro’ — beijou a mão de Kelly que amou cada sensação trazida pelo contato. — Hoje sabemos Kelly, que o ambiente de Marte é desolado, hostil, com rala atmosfera e alta incidência de radiação solar. Talvez o planeta tenha tido um passado mais hospitaleiro, tendo inclusive considerável quantidade de água na superfície. E se alguma forma de vida surgiu e sobreviveu, deve estar no subsolo ou em calotas polares, e isso onde ainda há água congelada.
— Gosta disso, não Sean? — Kelly abraçou mais ainda seu braço esquerdo.
Sean sentiu-se momentaneamente uma pessoa normal, voltando para casa com a mulher perfeita, agarrada ao seu braço.
— Gosto do que Kelly?
— O espaço, física, ufologia... misticismo...
Sean achou graça.
— Eu acredito que a ufologia é realmente uma ciência mística. E você tem que ter fé para acreditar que não estamos sozinhos nesse Universo vasto — olhou para cima. — E que não é assim tão infinito, porque em algum lugar ele deve parar. Contudo, existem fendas, outros universos, outros como nós. O físico Carl Sagan dizia que em uma terra fértil era impossível imaginar que apenas um único grão germinaria.
— Sempre me espantou sua inteligência. E todos o acham assim, patrãozinho; inteligente. Mesmo quando a Poliu tripudia sua pouca idade ‘Sr. Queise’ — Kelly engrossou a voz.
Ambos riram.
Sean sabia também, sentia aquilo. E sabia que agentes da Poliu o chamavam assim, ‘Sr. Queise’, mesmo não sendo seus funcionários, mesmo sendo para irritá-lo, porque Sean, o jovem Sean, tinha que ser colocado no lugar dele; sempre.
— A Poliu nunca gostou de mim, não Kelly? Por mais que eu faça tudo certo...
E Kelly permaneceu em silêncio, mesmo porque ele mais nada completou.
The Waldorf Hilton; Londres.
05 de agosto; 23h55min.
O hall do hotel era belíssimo, a noite estava belíssima, Sean Queise era belíssimo e a belíssima Kelly queria que o mundo parasse ali. Mas não podia lhe pedir aquilo, pedir a Sean que colocasse de lado tudo o que ambos significavam um para outro.
Num rompante de lucidez foi até a gerência e pediu outra suíte.
Sean só ficou a observando. Quando voltou ao seu lado, Kelly sorriu sem graça e lhe deu uma chave. Ele pegou a chave das mãos dela, ambos subiram ao quinto andar e Kelly entrou na suíte dela sozinha.
Ele a amou como nunca, se bem que a sua maneira.
4
The Waldorf Hilton; Londres.
51° 30’ 45.36” N e 0° 7’ 8.04” W.
06 de agosto; 09h09min.
Kelly acordou após uma noite recheada de pesadelos. Viagens xamãnicas, self ou outbody, ou vida em Marte; se algum deles fazia sentido ela nunca saberia. Levantou-se, trocou-se e tocou na suíte de Sean até a campainha ceder pelo excesso de toques; não havia ninguém lá.
Kelly não viu alternativa a não ser descer e tomar café.
O garçom avisou-a na porta do salão de café, que um cavalheiro a esperava na mesa para o breakfast. Todo seu charme cedeu quando não foi Sean quem ela encontrou na mesa.
— Olá Kelly vulcano! — Allejandro se ergueu.
Ruivo, bonito e extremamente charmoso, Allejandro Pellet-Parresh sorria para uma Kelly Garcia cada vez mais sozinha.
— Bom dia Allejandro.
— Ora! Vamos! Sente-se! — puxou a cadeira num ato de cavalheirismo.
— Sabe que não...
— Não se preocupe. Sean viajou.
— Como... — ela o encarou nervosa. — Como você sabe? — sentou-se sentindo tremer até nos lábios.
— Ele está em boa companhia — pegou as mãos de Kelly.
Foi a vez de Kelly o encarar furiosa, se afastando dele.
— O que está sugerindo Allejandro?
Allejandro percebeu que Kelly jamais lhe daria uma chance.
Riu não gostando daquilo.
— Que Sean não deve lhe achar uma ‘boa companhia’, não?
— Do que está falando? — agora foi uma pergunta furiosa.
— Acha que Sean não sabe que a mãe dele te coloca para segui-lo?
— Seu atrevido! — levantou-se num rompante. — Eu jamais faria algo...
— Não! — cortou-a. — Você nunca. Eu sei.
Kelly voltou a sentar ficando momentaneamente sem entender. Se não pelo o que ele dizia, por Allejandro ter perdido o tom afeminado.
E ele estava bonito naquela manhã.
— O que quer dizer?
— Que Nelma Queise, Fernando Queise, Oscar Roldman e companhia lhe colocam numa posição que é elucidativa para eles.
— Acha que sou o quê? Traíra?
— Não. Ainda não. Mais uma hora será Kelly vulcano.
Kelly riu nervosa.
— Que hora ‘Alle’?
— A hora em que Sean realmente se envolver com outra mulher — Kelly ia falar, mas Allejandro prosseguiu. — Porque ele vai, Kelly. Uma hora, uma delas vai ser esperta o suficiente e vai pegá-lo de jeito.
— E quem será a mulher esperta que vai fazer isso?
— Sinto lhe informar que não será você. O que é uma pena... Você é uma espanhola tão bela... — e Allejandro pareceu realmente estar medindo cada centímetro da bela espanhola.
Kelly arregalou os olhos sentindo todo seu corpo vibrar de raiva. Se pudesse, se tivesse tido a chance, viraria a mesa e seu conteúdo em cima dele. Ao invés disso se levantou, sorriu friamente e se foi para fora do salão. Ia para a suíte, mas na passagem, se dirigiu a gerência para confirmar algo; Sean havia fechado a conta de sua suíte sem trocar uma única palavra com ela.
Odiou Sean, odiou Allejandro, se odiou.
Magoada, era como se sentia naquele momento entrando na sua suíte bagunçada, vazia.
Kelly ficou sentada na beirada da cama horas seguidas entendendo seu papel na vida de Sean Queise; ou se tinha algum. E ficou lá relembrando a ordens de Nelma Queise para que o seguisse, para que o afastasse de Oscar Roldman.
Tudo o que Sean significava para ela se misturava àquelas ordens.
Kelly só teve tempo para torcer que a mulher esperta ainda não tivesse nascido. Mas talvez ela tivesse nascido, e viajava quatro carreiras de bancos atrás de Sean no voo de duas horas e meia pela Aerolineas Ibéria, com destino ao Aeroporto Internacional de Barajas em Madrid, Espanha.
De lá outro voo para a Ilha de Santa Cruz de Tenerife, para então um ferry-boat levá-lo até a Ilha La Gomera, Ilhas Canárias, atual reduto secreto da Poliu.
Tudo com uma mulher esperta e peculiar atrás dele.
E Sean também não precisava de convite, sabia que o esperavam lá nas Canárias, que Mr. Trevellis o queria exatamente na ilha, escrevendo o programa que salvaria ROMRET X, que escondia mais que areias de Marte.
La Gomera, Ilhas Canárias; Região Autônoma da Espanha.
28° 6’ 0” N e 17° 8’ 0” W.
06 de agosto; 17h00min.
A mais visitada das pequenas ilhas das Canárias, a uma curta distância da Ilha de Tenerife, era a Ilha de La Gomera. Surpreendentemente diversificada e cheia de contrastes, oferecia ao turista desde picos rochosos e estonteantes precipícios, a terraços cultivados, plantações de palmeiras.
Havia também fantásticos pináculos de rocha e chaminés vulcânicas, como a de Roque de Agando, além de uma espantosa variedade de ecossistemas mediterrânicos e subtropicais, além de uma vida selvagem exótica no Parque Nacional de Garajonay.
E foi essa a visão deslumbrante que Sean Queise tivera quando chegou tarde do dia no Ferry Harbour, após ter perdido o ferry-boat anterior.
Ele sentia que havia gente conhecida no voo que o levou de Madri as Canárias, mas estava absorto demais para entender quem era quem no vai e vem do trajeto.
Hotel Parador De La Gomera; La Gomera.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W.
06 de agosto; 17h30min.
Sean entrou cansado pela viagem e suado pelo calor local no Hotel Parador De La Gomera.
— Boa tarde Sr. Queise! — anunciou-se o gerente. — Seja bem-vindo ao parador das Canárias!
— Boa tarde!
— Recebi pela Internet seu check-in.
Ele havia realmente feito. Longe dos olhos atentos da sócia, e de sua mãe, ele sabia.
— Obrigado! — Sean pegou os papéis para assinar.
— Espero que não tenha se enfadado pela viagem longa. O ferry-boat anda ocupado ultimamente com a marinha espanhola.
Sean o olhou com interesse.
— A marinha?
— Sim. Foi encontrado semana passada, outro barco a deriva, próximo a ilha, no lado oeste — o gerente olhou Sean. — Encontrado semana passada, outro barco a deriva, próximo a ilha, no lado oeste — repetiu. — Também; não há outra coisa no noticiário a não serem barcos piratas, barcos com clandestinos, barcos e mais barcos com problemas. E é sempre navios de patrulha que se juntam a marinha espanhola em operações de busca de dezenas de desaparecidos, depois que o barco no qual viajam naufraga perto das ilhas.
— E isso não é comum? — Sean sentiu algo mais ali. — Digo, os naufrágios?
— Ah! Dizem que... — o gerente olhou Sean o olhando. — Dizem que o barco incendiou; não houve sobreviventes.
— Ah...
— O barco incendiou; não houve sobreviventes — também repetiu.
— Que triste... — Sean estranhou o gerente repetir frases. — Os Pellet-Parresh?
— Quem?
Sean brilhou os olhos.
— Cientistas da Pellet-Parresh. Estão instalados aqui, não?
— Ah! Sim. Mas já foram para o observatório, Senhor. Um complexo acima da Garajonay.
— “Já foram”? Como assim? Não vieram no ferry-boat, antes de mim?
— Não. Estavam aqui há uma semana.
— “Há uma semana”? — Sean não acreditou no que ouviu. — Como podem? A Pellet-Parresh ganhou a concorrência antes do que anunciaram?
— O que disse Sr. Queise?
Ele olhou o gerente com um olhar vazio. Algo ali realmente não fazia sentido.
— Será que Kelly sabia... Allejandro contou... — falava sozinho. — Minha chave?
— Sua suíte tem varanda voltada para a Playa de San Sebastian e dali o oceano. Pode ver ao longe também, o Parque Nacional de Garajonay, um tesouro ecológico único graças à floresta tropical de lauráceas sem ter sido perturbada desde o período do Terciário, declarado pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade — o gerente viu que Sean estava pensativo demais para prestar atenção. Sorriu-lhe apenas. — À noite teremos ‘Cazuela de pescados gomeros’; uma caçarola de peixe.
E um perfume tomou conta do lobby. Sean olhou para um lado, para outro e se viu sozinho no balcão com o gerente.
— Ah... Obrigado!
— Senhor? — um jovem carregador sorriu-lhe pegando uma das malas de Sean e se oferecendo a levar seu notebook.
— Obrigado! Eu levo!
O jovem carregador voltou a sorrir e a andar. Sean o seguiu. Numa rápida olhada ao redor viu que o interior da sala do hotel era decorado com refinação, uma decoração notadamente isabelina. Numa outra olhada enxergou o perfume.
A bela e exótica jovem de cabelos loiro-avermelhados da sala de Oscar Roldman, da companhia de Allejandro no Obika, o observava sentada na sala após ter parado de ler a revista em suas mãos.
Todo o luxo da sala não foi páreo para sua presença.
Sean sentiu todo seu corpo arrepiar-se; e não foi de frio.
— Senhor? — chamou o carregador após perceber ter andado um bom pedaço de chão e Sean não o seguir.
— Ãh? — acordou.
— Sua suíte! — apontou para cima.
Sean olhou a jovem de cabelos loiro-avermelhados e exótica ainda parada o olhando.
— Seis graus de separação... — foi o que lhe escapou dos lábios perfeitos, másculos.
A jovem mulher sorriu-lhe apenas.
Sean seguiu o carregador até a porta do quarto. Deu-lhe uma gorjeta e entrou fechando a porta logo depois. As referências decorativas ali também combinavam o estilo Castilian e Isabelline; uma decoração pessoal e de época.
Caiu na cama de madeira envernizada e pitão alto a ficar olhando o ventilador rodar no teto. Seu coração ainda palpitava na garganta. Havia algo errado com aquela jovem mulher, como o fato dela estar ali, dos cientistas da Pellet-Parresh já terem chegado, de Sean ser obrigado a dividir trabalho.
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
06 de agosto; 17h30min.
— Dizem que ele chegou — a exobiologista indiana Challitta Chaniny foi falando no que entrou no Laboratório Um, e se aproximou da engenheira mecatrônica francesa Carrie Browning, da cosmóloga espanhola Esperanza Paco Hu, e da astrogeóloga espanhola Major Mª Lucia Balesteiro.
A também astrogeóloga, Almirante Kimberly, levantou o rosto do microscópio, e arrumou os óculos para olhar para a exobiologista Challitta toda excitada, sem entender muito bem do que ela falava.
Como costume, ia arrumar o cabelo negro e cacheado com uma única e bem dimensionada mecha branca, mas lembrou-se que usava toca e máscara, para não contaminar o local impecavelmente limpo e esterilizado.
Kimberly olhou em volta, o Laboratório Um estava cheio, instrumentos e dois antigos ROMRETs estavam parcialmente desmontados no meio do grande espaço onde muitos trabalhavam. Lá também, os engenheiros mecatrônicos franceses Pierre Toddy e Brian Bell, e os dois exobiologistas indianos Dr. Joshua Abbas Boutros e Pramit Dau, como também o mecânico-chefe chinês Ho Paco Hu e seu engenheiro elétrico Lyei Yang.
— Quem chegou Doutora? — Kimberly assustou Challitta com a aproximação, e que parou a fofoca. Carrie, Esperanza e Mª Lucia correram cada uma para seus afazeres, e foi a vez dos quatro astrofísicos, Vicente Valentin, Péres Saldanha, a Contra-Almirante Asunción Penelas e a Major Guadalupe Sánchez, olharem Challitta que ainda tentou disfarçar, fazendo de conta que não a ouviu. — Perguntei quem chegou Challitta? — insistiu Kimberly.
— O bonitão.
— “Bonitão”? Fala como se não fosse uma mulher bem casada, Dra. Challitta — Kimberly não podia ter sido mais irônica.
— Não é qualquer bonitão, queridinha.
Kimberly não gostou de como foi chamada. Fosse Challitta quem fosse, ela era a superior ali, a chefe de operações.
— E o bonitão tem nome?
— O ‘bonitão’ tem nome; Sean Queise — e Challitta se foi para sua bancada de vez.
Agora Kimberly sentiu a força daquele nome. Agarrou o braço da exobiologista no que Challitta sentou-se no banco, e tudo em cima da bancada balançou.
— Tome cuidado! Sabe como devemos agir em relação a ele, não?
— Ah! Sim! Sei!
Kimberly olhou-a em cada entonação usada.
— Sabe, não sabe Doutora? — Kimberly apertou-lhe o braço novamente.
Challitta e o laboratório em peso olhou seu braço nas mãos dela.
— Sei Almirante Kimberly. Já disse que sei. Pergunto-me é se você sabe... — e um apertão maior se fez em seu braço.
— Sobre aquilo, não. Sobre o Sr. Queise — insistiu.
— ‘Senhor’? — e seu braço avermelhou-se; havia uma animosidade entre elas, era visível. — Ai! Já disse que sei! — foi uma exclamação tão forte quanto a insistência de Kimberly. — Só acho um desperdício, bem casada ou não! — Challitta se virou para a bancada, para então voltar a se virar para Kimberly. — Já o viu?
Kimberly piscou perdida.
Estava absorta demais.
— Como é que é?
— Então me diga quando o vir! — e Challitta saiu do Laboratório Um gargalhando tão alto, que os sérios Dr. Joshua e seu outro exobiologista indiano Pramit Dau pararam para olhá-la.
A Almirante reformada Kimberly não gostou do que imaginou. A Poliu fora explícita, não deveria haver qualquer aproximação.
Ela até não sabia se Sean Queise era tudo aquilo, mas sabia que tinha problemas com Challitta, e ela era problemas.
Hotel La Gomera; Ilhas Canárias.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W.
06 de agosto; 21h20min.
Sean Queise sentiu que o sono tomava conta de seu corpo, mas a fome parecia estar falando mais alto. Num último suspiro, ergueu-se da cama, e só foi dar uma verificada no notebook, acessando a Internet antes de comer algo. Desde aquelas horas que se seguiram à queda do sistema pelo hacker, que ele evitava entrar na Web. Perguntava-se se temia ser desafiado por um hacker desconhecido e tão bom quanto ele, ou se temia ser derrubado provando que talvez não fosse tão bom, um mestre do mundo underground.
Temeu também se comunicar com Kelly Garcia e inflamar mais ainda o ódio da sócia. Limitava-se a falar com a secretária Renata Antunes e ela mandar recados à sócia, que se enfureceu com a atitude infantil dele, no que chegou ao Brasil.
Sean desligou o computador e caminhou até a varanda para ver a imensidão, e então ver mais adiante que a exótica jovem de cabelos loiro-avermelhados, saía do hotel acompanhada de um homem gordo, baixinho, com cara de rato e pele avermelhada, conhecido indiano de nome Abhay, ‘o sem medo’, secretário e capanga de Amâncio Pellet-Parresh.
Por aquilo Sean não esperava.
“Ou esperava?”, pensou.
A exótica jovem parecendo prever Sean ali lhe olhando, se virou para a varanda onde ele praticamente se jogou para dentro a fim de não ser visto.
— Droga! — esbravejou atrás da cortina.
A exótica jovem voltou a olhar para o capanga sem vê-lo, e Sean voltou a varanda vendo o carro tipo jeep, partir ele não sabia para onde. Também não tinha certeza de onde ficava o ‘QG’ da Poliu, o tal complexo e o observatório, já que o hotel onde estava instalado se encontrava na parte oposta, por isso fora do raio de visão.
Contudo Sean conhecia algo sobre o observatório chamado carinhosamente de Observatório Templeton. E Jim Templeton era um bombeiro em férias, que após tirar em 23 de maio de 1964, três fotos de sua filha de cinco anos com vista para o Solway Firth em Cumbria, na Inglaterra, e serem reveladas, mostraram atrás da filha, uma figura de homem vestido com o que parecia ser um traje espacial prateado. Analistas da Kodak confirmaram que as fotos eram genuínas e até este dia, as imagens permaneciam inexplicadas para o fascínio internacional.
Ficou imaginando porque a Poliu ligaria o Observatório Templeton às fotos tiradas em 1964, se os trajes espaciais humanos estavam em sua infância. Porque Sean sabia até muito mais sobre o tal observatório, quando uma vez, durante uma das muitas discussões com o homem grande e jambo que os visitava regularmente, tal assunto surgiu. Sean, com então onze anos, costumava ouvir as conversas de seu pai quando passara a conhecer a Poliu, uma corporação de inteligência desconhecida em geral; sempre espreitando atrás de portas, sempre ouvindo palavras soltas no éter, sempre lendo a mente do grande homem jambo que o olhava de uma maneira diferente.
“Sabe que não vai conseguir detê-lo, não Fernando?”, falou um Mr. Trevellis distante, em lembranças, vendo o pequeno Sean atrás da porta.
Fernando Queise fumava seu cachimbo quieto, não queria admitir que seu filho um dia pudesse escapar-lhe ao controle. Mas Mr. Trevellis outra vez brilhou os olhos verdes e um Sean Queise, de cima de seus onze anos, o viu o vendo. E aquele jovem Sean o temeu, temeu o que ele era, o que significava. Porque até não sabia por que sabia aquilo, mas ele sabia, sabia que devia temê-lo.
Sean voltou a si, aos vinte anos, olhando o infinito da janela do Hotel La Gomera, nas Ilhas Canárias, também recordando que ao contrário do que dissera a Oscar, um ano atrás fotografara o Observatório Templeton durante uma reforma, usando o satélite de observação Spartacus. Acompanhou a reforma dos alojamentos, dos Laboratórios, e a modificação do grande galpão onde os ROMRETs eram construídos, para então o próprio Observatório Templeton sofrer reforma também; o aperfeiçoamento das lentes de seu telescópio.
A fome voltou a bater e Sean cedeu à tentação do aroma que tomou conta do hotel; uma caçarola de peixe o esperava no salão de jantar. Desceu usando uma bermuda de jeans escura e uma camiseta básica, que para completar o look despretensioso, usava chinelos de praia extremamente confortáveis.
O salão do restaurante estava vazio já que os cientistas da Pellet-Parresh já estavam no Observatório Templeton. Sean pediu então que o servisse no salão menor, com uma das mais belas paisagens já vistas; e ele já vira muitas. Mas foi só Sean se sentar e outro perfume invadiu cada poro de sua narina alertando-o. Ele ergueu-se como num movimento de defesa e toda sua estrutura sentiu a presença da exótica jovem de cabelos loiro-avermelhados, que adentrou o lugar sentando-se duas mesas à frente dele.
Sean olhou em volta vendo que estavam sozinhos. Uma situação constrangedora tomou conta dele ele não sabia por que. Olhou em volta de novo achando graça, e ela, porém parecia a jovem mais firme que ele conhecera.
Nada nela se movia, nem um único fio do escandaloso cabelo loiro-avermelhado, encaracolado e esvoaçado sob as fortes rajadas do ventilador no teto, das treliças abertas.
Sean voltou a olhar em volta.
— Pensou que eu tinha ido embora com ele? — a voz dela chegou até ele.
Todo o resto de estrutura ali presente se esvaeceu dele. Ela o vira na varanda.
“Droga!”; foi o que pensou.
— Traduza ‘ele’ Senhorita.
— Allejandro!
“Ela não me vira!”; Sean respirou aliviado.
— Achei... — Sean arregalou os olhos azuis para o lado nada entendendo no que ela gargalhou com gosto. — Nos conhecemos?
— Sim!
Sean realmente não esperava tamanha rapidez na resposta.
— De onde?
— Seis graus de separação! — exclamou ela com charme.
E como era charmosa.
O garçom trouxe duas terrinas de caçarola, uma para cada mesa.
— Traga mais um prato! — ela ordenou ao garçom. — Estou acompanhada!
Sean não teve coragem de levantar os olhos azuis do belo prato servido. E a respiração acabou por descompensar quando Esteban Pellet-Parresh adentrou o salão.
Esteban não era tão belo quanto o afeminado Allejandro, nem tão irresponsável como Dino, conhecido das noites Jet set do cenário internacional, namorado de várias atrizes, das famosas as aspirantes, tudo que lhe passasse à frente. Esteban era o mais baixo e o mais velho deles, tinha os cabelos avermelhados rareando e uma proeminente barriga de homem casado; sempre reservado, calmo.
Sean o estranhou ali, porque a empresa e o trabalho na empresa Pellet-Parresh sempre foram seus focos, e ele nunca viajava à trabalho.
— Olá Sean Queise. Vejo que já chegou — Esteban foi o mais educado possível.
— O quê? — Sean não esperava ter sido cumprimentado, mas encarou a mulher exótica. — Vocês Pellet-Parresh também disputam a mesma mulher?
Esteban Pellet-Parresh não soube o que responder, porém não imaginava um Sean tão arisco.
Calou-se de qualquer forma ao ver sua companheira de mesa gargalhar com força. Sean também se calou, não querendo admitir que houvesse se interessado pela mulher que os Pellet-Parresh disputavam, não outra vez.
Esteban sentou-se à mesa com ela e ficaram ali falando baixinho. Sean até queria ter ouvido a conversa deles, já que nada chegou até ele, nenhum pensamento, nenhuma informação.
Estranhou aquilo.
Mas Esteban estava tenso, toda sua aura havia se escurecido no decorrer do jantar. Sean também se sentiu mal, minado, com uma sensação que havia algo mais ali no salão; alguma coisa, alguém.
Olhou para o lado direito, depois o esquerdo. A mesma energia pesada que invadira seu flat durante sua viagem astral, que viajou com ele entre patos alienígenas, estava ali presente.
Sean os olhou novamente.
“Será um deles?”, foi o que pensou ao terminar o peixe, se levantar, sair do salão sem se despedir e ir dormir.
Havia coisas que não podiam esperar.
Precisava dormir e viajar, e tudo nessa ordem.
5
Hotel La Gomera; Ilhas Canárias.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W
07 de agosto; 08h33min.
Mas Sean Queise não conseguiu sonhar nem viajar pelo astral, quando o som de pássaros invadiu-o era de manhã. A energia pesada que o acompanhou no jantar parecia também não o ter deixado sair do corpo. Foi um sono pesado, com vozes confusas gritando; lamúrias de espíritos sem luz, perdidos em algum lugar muito quente e seco do espaço, que gritava a ele coisas que Sean não conseguia entender, decifrar.
Perguntava-se por que espíritos alienígenas estariam atrás dele, ou se seria ele estar atrás deles.
Levantou-se de supetão e caminhou descalço, de shorts e camiseta usada no jantar, até a varanda. O dia estava lindo. Sean ficou ali olhando a paisagem, o além-mar, relembrando o que Mona Foad uma vez dissera, que espíritos aflitos vagavam por entre os mundos sutis no qual vivíamos, os encarnados. Como também, os vindos de outras vidas, outros planetas, em condições de vida que escapavam à nossa compreensão, buscando respostas, tentando comunicações, batidas e sons; raps.
Algo caiu dentro do quarto, Sean se virou, olhou e nada se moveu. Só o perfume de rosas brancas, o perfume dela.
“Sean?”, e aquilo soou de repente pelo quarto.
— Sandy... — escapou de seus lábios. Sean sobressaltou ao ver a imagem da noiva se mesclando com o quarto, com os móveis do quarto. O coração dele disparou quando ela abaixou a cabeça, tristemente e sumiu de vez. — O que você quer? — sentiu dor na visão, na presença ainda constante dela ali, ao lado dele; sempre. Mas mais que a assiduidade dela era o fato dela estar presente toda vez que Sean se arriscava, corria perigo, se lançava em terras desconhecidas, além do alcance humano. — O que você ainda quer Sandy? — falou para o vazio do quarto sem receber respostas, quando o canto de pássaros voltou a alertá-lo.
Ele saiu do quarto, para a varanda, viu que o mesmo jeep de ontem estava estacionado no mesmo lugar. Dentro Abhay e Esteban Pellet-Parresh. Eles pareciam esperar algo, alguém.
O canto, as vozes de pássaros tomavam conta da ilha.
“El Silbo!”, exclamou Sean em pensamentos, entendendo o que era o cantar dos pássaros.
Uma maneira inventada pelos habitantes nativos de La Gomera para poderem se comunicar entre si, através dos barrancos; uma surpreendente linguagem assobiada conhecida por El Silbo, que os colonos espanhóis viriam a adotar no século XVI.
O jeep ligou o motor, Sean voltou a vê-los partir agora com a jovem de cabelos loiro-avermelhados e exótica dentro dele. Sean só teve tempo de lançar-se andar abaixo e descobrir a altura nada sutil.
— Ahhh... — o barulho nas plantas do jardim alertou Abhay que freou o jeep.
A jovem exótica olhou para trás. Dessa vez Sean, escondido entre folhas, não soube se ela o vira ou não. O jeep, porém engatou uma primeira novamente e partiu.
Sean quis poder tê-los seguido. Olhou em volta, só uma SUV estava estacionada ali. E pelo último modelo da SUV Ranger Rover, Sean ficou imaginando que pertencia a Esteban Pellet-Parresh.
— Senhor? — assustou-se o gerente, que sobressaltou no que Sean adentrou a gerência de shorts, camiseta branca, e descalço.
Não havia o visto descer nem passar por ele.
— Há alguma moto trail para alugar?
— Há cavalos... Senhor...
— Serve!
— Vou pedir para que o cocheiro traga um.
— O melhor! — exclamou e voltou à suíte correndo, colocando uma jeans sobre o short e um tênis.
Voltou e esperou uma eternidade segundo ele. Não sabia para onde iria se não pudesse segui-los, já que não sabia usar seus poderes para seguir rastros.
— Senhor... Seu cavalo! — anunciou enfim o gerente.
Quando o cavalo negro chegou, Sean já havia desistido da investida. Ia dar uma volta e esperar que Esteban voltasse não muito tarde da noite. Ia imprensá-lo e descobrir afinal qual o papel dele e da Computer Co. naquela jogada. Também estranhou o fato da Poliu, que com certeza sabia de sua chegada, não ter ido atrás dele. Começava a desgostar de ser excluído daquela maneira.
Mr. Trevellis parecia se vingar dele afinal.
O cavalo tomou seu próprio rumo, Sean achou que ele estava acostumado a cavalgar por ali, por entre as muitas trilhas que ele seguiu. Arrependeu-se de não ter levado GPS nem celular.
Ele puxou a rédea e o cavalo não respondeu. Sean olhou para os lados se vendo ir pela densa vegetação. Viu-se numa terra exótica de árvores e galhos que lembravam uma floresta mal-assombrada. Acima de sua cabeça os fantásticos pináculos de rocha e as chaminés vulcânicas ditas pelo gerente.
Tentou mais uma vez puxar as rédeas, mas o cavalo parecia arredio a tomar-lhe sob seu julgo. Ou Sean saltava do cavalo e ele o deixava no meio do nada, ou se limitava a ver aonde o cavalo queria levá-lo.
E passaram-se uma hora, duas, três horas. O cavalo começava a dar sinais de cansaço e Sean penetrava cada vez mais o Parque Nacional de Garajonay com a manhã indo embora. Com ou sem GPS Sean sentia estar subindo, provável o Pico Garajonay, 1.487 metros sobre o nível do mar.
Também sabia que estava indo a oeste da ilha; Valle Gran Rey quando algo lhes cruzou a frente de repente. O cavalo se assustou refugando e Sean foi ao chão de terra batida e verdejante tapete úmido de musgo.
Olhou-se assustado, com o cavalo agitado, erguendo-se em duas patas, ameaçando-lhe pisotear.
— Hei! Hei! — Sean ergueu-se e tentou pegar-lhe as rédeas. — Hei! Hei! Calma... — mas o cavalo não permitia que se aproximasse dele. Erguia as patas para se defender quando algo passou por ele novamente. — Ahhh! — exclamou assustado. Fosse o que fosse era rápido, rasteiro. Ele tentou enxergá-lo e nada. Só a floresta densa. — Ahhh! — algo passou de novo e Sean saiu do corpo se dividindo em dois; um de sutil matéria, outro sutilmente desmaterializado.
Do outro lado do fino tecido temporal tudo era borrado, sem cor, cheiro. Só vozes e lamurias que se misturavam aos El Silbos, que entoavam pela floresta viva.
Sean voltou ao corpo sentindo-se minado novamente, indo ao chão, de joelhos. Havia uma energia negativa, pesada ali, por toda ilha, e próximo a ele, no que o cavalo agitado relinchava de dor.
Ele só teve tempo de arregalar os olhos azuis e as patas dianteiras do cavalo derreteram, se transformando em areia. O cavalo, agora sob as duas patas traseiras partiu para cima de Sean que se encolheu e todo o cavalo, toda sua massa molecular derreteu-se, se transformando em algo que ficou lá, esparramado no chão.
Sean olhou-se, olhou em volta, se tocou e se olhou novamente sem ter certeza se havia saído do corpo, se aquilo era um sonho, um pesadelo, quando algo voltou a passar por ele.
E outra vez e outra mais.
Girava em torno dele mesmo percebendo que enquanto saíra do corpo, a floresta do Parque Nacional de Garajonay escurecia cada vez mais rápido e ele estava sozinho, perdido.
“Wow...” se perdeu em meio a um, dois e depois três pares de olhos o observando.
— Quem está aí?! — Sean gritou para os lados.
Não houve resposta a não ser respirações pesadas de quem observava, vigiava. Sean os pôde sentir, já não era a energia pesada quem o observava.
“Poliu!” e Sean foi atingido por algo que penetrou sua pele, sua circulação; um líquido que atingiu sua coordenação motora o levando ao chão desmaiado.
O passeio terminou ali.
La Gomera; Ilhas Canárias.
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
07 de agosto; 21h21min.
A luz que brilhava acima dele era circular. Sean abriu os olhos azuis e os fechou, sentindo vontade de vomitar. E o fez num jogo de corpo para fora da maca, onde estava deitado muitas horas. Todo chão do que pareceria ser uma sala de cirurgia se encheu do peixe mal digerido do jantar.
Sean apoiou-se na maca de metal após conseguir voltar a abrir os olhos. Estava realmente numa sala de observações, numa enfermaria. E sentiu que alguém se aproximava antes mesmo do som do salto agulha que tilintava no mármore espanhol rojo, atingisse seu tímpano.
A mulher que abriu a porta se assustou pela cena. Arregalou os olhos para um Sean abatido, após vomitar o pouco que tinha no estômago.
— Tenho fome — foi só o que disse.
Ela olhou o chão vomitado e voltou a olhá-lo.
— Consegue andar? — a voz da bela de cabelo negro e cacheado, com uma única e bem dimensionada mecha branca, preso num discreto coque, era forte, porém sensual. — Perguntei se consegue andar? — repetiu após o silêncio dele.
— Sim... — não estava muito certo daquilo.
— Me acompanhe Sr. Queise.
Sean ergueu os olhos azuis para ela, pelo menos estava onde o conheciam. Seguiu-a após ela se virar e sair da sala de observações sem mais nada a falar.
O salto agulha da mulher balzaquiana tilintava à sua frente. Era só aquilo que se escutava pelos corredores imaculadamente limpos.
— Por que a Poliu gosta tanto de uma ilha?
Kimberly estancou tão rápido, que Sean teve que realmente se alertar para não se chocar com ela, de costas para ele.
— Por que acha que isso aqui seja a Poliu? — perguntou sem se virar para ele.
— Porque tenho 20 anos e vocês me chamam de ‘Senhor’? — riu ainda mareado.
Ela, porém nada mais falou. Voltou a tilintar o salto agulha da sandália tão negra quanto seu uniforme impecável quanto os cabelos dela, que ele percebeu, serem encaracolados.
“Wow!”; nada comentou.
— Por que a Ilha de La Gomera?
— Não entendi a pergunta — se virou para ele.
— A Espanha é um dos países que reconhecem oficialmente a existência de UFOs. Desde 1993, o país vem liberando documentos oficiais, outrora sigilosos, sobre casos registrados pela FAE, a Força Aérea Espanhola.
— Deveria realmente ter entendido Sr. Queise?
— Sim, já que uma característica marcante destes documentos é a riqueza de detalhes referentes aos casos registrados. E em vários deles temos transcrições completas de diálogos entre pilotos e controladores de voo, fotografias, mapas e jornais da época em que ocorreram os avistamentos ocorridos nas Ilhas Canárias, e outras áreas do mar territorial Espanhol. E são registros de diversos casos pesquisados com rigor pela Aeronáutica Espanhola, Senhorita.
— Almirante! — corrigiu-o.
— Que seja! — ela voltou a andar e Sean a fazer questionamentos. — Quem me atingiu?
— Não sei do que está falando — ela não parou de andar.
— Acha que eu estava tirando uma soneca na mata úmida?
Ela parou novamente. Dessa vez Sean se chocou com ela. Os corpos de ambos sentiram o impacto; ele nada comentou.
— Não sei do que está falando... — ela, contudo tentava se recuperar de algo incompreensível. — Nossos seguranças o encontraram caído próximo daqui.
— Quanto ‘próximo daqui’, Senhorita...
— Almirante reformada Kimberly Sathi Aguiar.
— Ah... E onde estou Almirante reformada Kimberly Sathi Aguiar?
Kimberly não gostou do cinismo.
— 28° 7’ 34.5” N e 17° 14’ 14” W, Parque Nacional de Garajonay, como deve saber. Já que nos vigiava.
Sean gargalhou com toda a dor que sentia na boca do estômago.
Kimberly parou para observá-lo e ele engoliu a graça.
— Onde estou?
— No ponto mais alto do extremo oeste da Ilha de Gomera, no Observatório Templeton da Poliu — foi a frieza em pessoa.
— Ah... — Sean se limitou a esboçar uma fala a achando linda; fria, brava e linda.
Kimberly desviou pensamento irmão se limitando a falar:
— Siga-me! — virou-se e voltou a andar; e andaram bastante.
— Quem me atingiu?
— Não sei. Já disse. O encontraram com uma marca fina na altura do pescoço; lado direito.
— Eram três e um — Sean se tocou.
Kimberly voltou a parar e se virar para ele que dessa vez estancou a tempo.
— O quê “eram três e um”, Sr. Queise?
— Três pares de olhos que me observavam e um cavalo que derretia.
— Um o quê? — olhou-o de cima a abaixo e voltou a andar. — Já disse que nossos seguranças lhe acharam desmaiado.
Sean girou os olhos, nervoso.
— E quem me fez desmaiar?
— Já disse... Huuum! — exclamou nervosa seguindo à frente com jeito de quem não ia responder mais nada.
Sean não mais insistiu. Não sabia como, mas sabia que ela não falaria.
Os sons logo à frente começaram os alcançar. Vozes de vários timbres que pareciam discutir. Vozes que se elevavam e calaram no momento em que a Almirante Kimberly abriu a porta entalhada do grande salão de convenções, e eles entraram. Agora Sean sentiu-se em casa; agentes da Polícia Mundial se misturavam aos agentes da Poliu, que ele sabia pertencerem a corporação de inteligência.
— Olá Sean! — mas foi Allejandro quem deu as boas vindas. — Gostei do traje.
Toda a estrutura de Sean Queise faliu com um traje para lá de sujo. Allejandro estava rodeado pelo irmão Esteban Pellet-Parresh e pela exótica jovem de cabelos loiro-avermelhados, usando o mesmo cabelo esvoaçante usado de manhã.
Na mesa também o capanga Abhay, uma mulher que Sean desconhecia quem era, e o mais novo dos ruivos, Dino Pellet-Parresh; e também a indiana Dra. Challitta Chaniny, essa sim, conhecida dele.
Mas na mesma mesa, para sua surpresa, estava o grande e jambo Mr. Trevellis, que sorriu ao vê-lo.
— Trevellis? Por que não o imaginava justamente na mesa deles? — ironizou Sean rindo, apontando debochado para a trupe de ruivos.
De alguma forma Mr. Trevellis gostava dele.
— ‘Filho de Oscar’! — também sabia o provocar.
Sean balançou pescoço nervoso; para um lado e para outro.
— Percebo que a reunião é familiar — Sean olhou Allejandro mais que os outros.
Allejandro deu dois passos e Sean recuou. Allejandro achou graça, Sean não, ele o odiava e odiava vê-lo por cima da ‘carne seca’.
Kimberly percebeu o clima, mas nada fez.
— Olá Sean — adiantou-se uma mulher desconhecida, loira, mignon, que acompanhava a jovem exótica na mesa dos Pellet-Parresh, esticando uma mão para ser cumprimentada. — Sou Carrie Browning, engenheira mecatrônica dos ROMRETs.
— Olá! — Sean a cumprimentou sem saber se queria cumprimentá-la.
— Também quero dizer ‘Olá!’ Sean bonitão — foi a vez de Challitta jogar todo seu charme deixando Esteban sem ação. Ela esticou a mão como fez Carrie, e Sean não a cumprimentou, para então olhar Allejandro, e depois Esteban, e voltar a olhar Allejandro quando olhou Challitta, que recolheu a mão, olhando furiosa para o cunhado Allejandro, imaginando que foi a presença dele ali, que fizera Sean não a cumprimentá-la.
— Ai! Não me olhe assim Challittazinha — Allejandro não podia estar mais afeminado naquele momento que ralhou com Challitta. Depois olhou para Sean. — A mulher de Esteban sempre foi metida, não Sean bonitão? — apontou agora rindo para o irmão Esteban que se incomodou novamente.
— Cale-se Allejandro! — e Challitta mostrou que não gostava dele.
Mas naquele momento Sean só tinha olhares para a jovem exótica com quem Esteban Pellet-Parresh jantara na noite anterior.
E ela devolvia cada olhar dele, Allejandro percebeu.
— O que foi Sean? Você dois estão de clima? — Allejandro apontou para ela, enquanto ria com gosto da jovem exótica que nem um movimento fez, gostando realmente de agitar o ambiente. — Vamos! Se apresente de uma vez Letizia — Allejandro parecia se divertir sozinho.
“Letizia?”, foi só o que Sean pensou a olhar a jovem exótica que, como Carrie e Challitta fez, levantou-se e esticou uma mão para ele cumprimentar.
— Olá, Sean Queise. Sou Letizia Pellet-Parresh — e ela só esperou Sean arregalar os olhos azuis. — A filha de Amâncio Pellet-Parresh.
E um ‘Oh!’ correu o salão.
Sean percebeu que não era o único a não saber daquela notícia. Mr. Trevellis também ergueu o sobrolho fazendo a pele jambo brilhar.
— Eu não sabia que havia... — escapou do grande estrategista Mr. Trevellis.
— Não sabia o que, Mr. Trevellis? Que Amâncio tinha uma filha ou que ela enfim havia se juntado a eles? — foi a vez de Challitta atiçar o ambiente, jogando outra vez charme para cima de Sean; charme percebido por todos.
Sean olhou Esteban enciumado, para depois olhar Allejandro que ria, e então voltar a olhar Letizia que brilhava os olhos de pura satisfação, com a mão ainda estendida, que ele também não cumprimentou.
Letizia recolheu a mão num charme só e se sentou calada olhando Esteban se levantando.
— Letizia é...
— O que foi isso outra vez Sean bonitão? — mas Challitta cortou a fala de Esteban, estava a fim de provocar o ambiente vendo Sean recusar cumprimentar Letizia. — Estou estranhando os Pellet-Parresh serem mais educados que você — gargalhava.
Sean deixou passar aquilo. Seus pensamentos estavam mais confusos em saber que Amâncio tinha uma filha, que as provocações de Challitta Chaniny Pellet-Parresh.
— Amâncio nunca... — e foi a vez de Sean não completar uma frase.
— Não! — agora Esteban conseguiu falar. — Meu pai nunca permitiu que nossa irmã participasse dos negócios.
— Dou razão a ele — Sean passou para a provocação final. — Também não iria querer minha filha no meio de ladrões.
— Seu bastardo... — Allejandro perdeu a voz e a compostura, sendo seguro por Esteban.
— Que fala seu afeminado? — Sean devolveu sendo seguro por Challitta que gostou do contato.
— Largue-o Challitta! — mas Esteban ergueu a voz.
E Sean se desvencilhou das mãos dela.
— Tire as mãos dela!!! — Dino foi à defesa do irmão.
— Não estou colocando as mãos...
— Tire as mãos dela!!! — e Dino surtou antes mesmo que Sean completasse a frase.
— Não ouviu meu irmão bastardo?! — também gritou Allejandro ainda seguro pelo braço, pelo equilibrado Esteban.
— Não grite comigo! — e Sean tentou mesmo evitar um confronto na palavra ‘bastardo’. — Não estou segurando ninguém! — e empurrou Challitta que estava às gargalhadas. — Não sou chegado num ‘P-P’.
Sean sabia que no fundo, Allejandro fazia teatro na voz afeminada, na compostura colorida. Que no final das contas ele sempre fora apaixonado por Kelly Garcia que nunca lhe dera chance alguma, e que aquilo o atingia de todas as maneiras.
— Seu... Seu... Seu... — mas Allejandro se descontrolava a quase Esteban não conseguir segurá-lo.
— “Seu” mais o quê ‘Alle’? — Sean o provocava cada vez mais. — Vai me bater ou me beijar?
Mr. Trevellis caiu em gargalhada sonora e mais risos miúdos correram pelo salão; e Allejandro foi realmente seguro a força por um Esteban que antecipou confusão.
Mais do que já tinham.
— Por favor, Sean Queise! — Esteban pediu num último instante. — Não provoque Allejandro!
— Por quê? Só assim ele fica macho?
Risos voltaram ali e Allejandro ainda conseguiu andar alguns passos com Esteban agarrado a ele. Sean torcia para ele chegar cada vez mais perto.
— Basta Allejandro! — pedia agora Dino.
Sean estranhava o mimado Dino estar ali a trabalho, quando Allejandro alcançou a taça de vinho, que voou perto da cabeça de Sean.
E foi a vez de Sean perder a compostura e partir para cima dele, agora brecado por Letizia que correu e ficou entre eles, segurando o braço musculoso de Sean.
— Chega Alle! — e foi realmente a força da voz dela que fez Allejandro desistir de lançar a taça agora quebrada e pontiaguda, voltando à mesa sem o tirar da visão.
Sean ficou imaginando se aquela força não o parou, também. Porque ele parou, sem bater em Alejandro, no que a mão de Letizia tocou-lhe, paralisando-lhe.
— Chega Sr. Queise! — e a voz firme de Kimberly agora se fez ali.
Letizia deu alguns passos em direção à porta saindo por ela.
— Não sou eu quem precisa… — e Sean se sentiu perdido.
— Eu disse ‘chega’! Vou providenciar algo para comer! Está fraco! — ameaçou sair da sala e acabar com a confusão.
— Não Almirante! — Sean foi puro cinismo no que segurou o braço de Kimberly, que sentiu todo seu corpo sentir a corrente de energia que ele emanava. — Não me deixe sozinho aqui. Não vê o risco que corro sozinho com os ‘P-P’? — Sean escorregou um olhar para Kimberly sentindo que algo acontecera outra vez, quando aquilo alcançou as pernas dele. — Vou com você... — e os dois trocaram olhares.
Kimberly ficou sem palavras conseguindo alcançar a porta, vendo que Sean sentiu algo naquele momento.
— Sean Queise... — mas a voz de Mr. Trevellis o alcançou, e Sean parou de andar. — À noite conversaremos no Observatório Templeton! — Mr. Trevellis era pura ordem no que aquilo alertou Kimberly. — Eu e o ‘filho de Oscar’ temos muito que conversar Almirante.
— Não me chame assim… — Sean tremeu todo. — Porque não vou voltar aqui à noite. Meu hotel é longe como deve saber.
— Vai ficar!
— Obrigado, Trevellis! Mas já estou instalado — e Sean saiu do salão.
— Não está mais! — exclamou de dentro.
Sean parou do lado de fora. Virou-se e entrou novamente encarando Mr. Trevellis que se dirigia agora para outra mesa, em meio aos agentes seus que se olhavam assustados.
O silêncio ainda reinava com todos parados, observando-o, e Sean ficou tentando ler-lhes as mentes, não conseguindo.
“Espiões psíquicos”; soou-lhe apavorante.
— Você não manda em mim, Trevellis! — Sean sentiu o sangue ferver-lhe enquanto Kimberly ao seu lado, nada falava. — Quando vai entender?
— Kimberly?! — Mr. Trevellis quase gritou. — Ah... Almirante Kimberly... — foi o mais irônico que conseguiu para a mulher balzaquiana ainda parada à porta entalhada do salão de convenções, ao lado de Sean. — Dê ao filho de Oscar a suíte 55.
Kimberly alertou-se novamente.
— Sabe que os finais de número 5... — Kimberly arregalou os olhos.
— Dê ao filho de Oscar a suíte 55! — Mr. Trevellis não a deixou terminar.
Foi a vez de Sean alertar-se, ele não soube para o que. Ia se aproximar da mesa de Mr. Trevellis, mas foi a vez de ser brecado pela mão quente de Kimberly, no seu peito musculoso, que voltou a sentir a corrente atravessar-lhe. Ele olhou para a mão dela que foi rapidamente recolhida. Voltou a encarar Mr. Trevellis num sorriso e saiu.
Kimberly sabia que aquele sorriso cínico significava um não; ele não ficaria.
Teve que correr atrás dele.
— Sr. Queise?! Sr. Queise?! — Kimberly o chamou por todo corredor, que Sean atravessava a passos largos ele não sabia bem para onde. — Por favor! Podemos conversar?
— Não tenho nada a conversar. Não vim aqui. Trouxeram-me! Não vou ficar instalado aqui e a Poliu não manda em mim — se virou a fazê-la agora ela se chocar com ele.
Agora, algo muito maior aconteceu naquele encontro, algo mais que pura troca de energia. Desordenados fluxos de fluído vital entre os corpos físico, mental, emocional e espiritual. Imagens borradas, cheiros e situações. Lembranças da Almirante Kimberly e ele noutro lugar, nus, fazendo amor.
— Sr. Queise?! — ela gritou tentando segurá-lo em vão, mas Sean foi ao chão tonto.
— Desculpe-me... — balançou a cabeça tentando se levantar do chão imaculadamente limpo. — Acho que estou...
— Com fome! — ela respondeu o levantando.
— É... — olhou-a assustado. — Com fome... — sabia não ser aquilo, não exatamente aquilo.
— Ótimo! — Kimberly tirou algumas chaves magnéticas do bolso achando uma em particular. — Tome! Vá para a suíte 55! — entregou-a. — A chave magnética abre por fora e por dentro. Após ser inserida, deve se inclinar até o orifício na parede, para que a leitura de sua retina e íris, que devem estar armazenadas nos bancos de dados da Poliu, seja lida.
— As portas são fechadas por biometria? Quais delas? — olhou em volta.
— Biometria, Sr. Queise, uso de características biológicas em mecanismos de identificação...
— Sei o que significa Almirante — cortou-lhe a fala. — Perguntei quais das portas são fechadas assim?
— Todo o Complexo! As suítes são individuais; uma vez fechada por dentro só o usuário da suíte pode abri-la. Já as portas externas do Complexo, somente eu as abro e fecho. Primeiramente geometria da mão, depois identificação da retina, e depois identificação pela íris.
— E se morrer, Almirante, ficamos trancafiados aqui?
Ela parou de respirar por segundos.
— Não pretendo morrer, Sr. Queise, mas se acontecer, e você estiver fora do Complexo Templeton, provavelmente nunca mais entrará aqui — sorriu cínica.
— E para que tudo isso?
— Deve estar brincando, não? Se os faraós do Egito já usavam características físicas de pessoas para distingui-las, utilizando como informação de identificação cicatrizes, cor dos olhos, arcada dentária, entre outros para entrar ou não nos locais sagrados... — e se virou para ir e começou a andar. —, então também posso usá-las no meu Complexo.
“Meu Complexo?”; Sean girou os olhos, nervoso outra vez.
— Ah... — Kimberly retornou alguns metros. — E tome um banho! — cheirou-o com se ele fosse uma criança esperando ordens.
— Tomar banho? — Sean achou que ela realmente o achava uma criança. — Não está entendendo...
— Não! — Kimberly se afastava dele. — Você não está entendo. Suas roupas já estão aqui, Sr. Queise.
Sean arregalou os olhos azuis a fazê-lo quase soltar da face.
— Eu vou matar Trevellis... — e Sean se virou para voltar para o salão de convenções.
Ela se alterou ao vê-lo passar por ela mais rápido que seu piscar de olhos.
— Sr. Queise?! — ela o chamou. — A suíte 55 fica no fim do corredor! — apontou para o lado oposto.
— Ele não manda em mim, Senhorita! — se virou para ela. — Nem você! — e voltou a andar em direção ao salão de onde saíra.
— Aconselho que não o enfrente! — Kimberly o viu parar, o viu olhá-la. — Não agora! Não agora! — exclamou Kimberly duas vezes com o dedo ainda a apontar o outro lado do corredor. — Mando-lhe servir o jantar na sua suíte!
Sean se lembrou de que estava por um fio com a Poliu, que seu contrato podia ser cancelado a qualquer momento, e que Mr. Trevellis não gostava dele. Virou-se respirando pesadamente, passou por ela que não moveu um único fio de cabelo, e caminhou como criança mandada, à tal suíte de número 55 imaginando que ‘Não agora!, significava que os Pellet-Parresh fechavam o cerco contra a Computer Co..
— Droga... — escapou de seus lábios.
Caminhou um longo corredor para então ser obrigado a virar à esquerda, e caminhar até que o corredor sofresse uma bifurcação. Ele olhou os números nas portas dos quartos e não entendeu por que as portas só iam do número ‘1 ao 5’, e a numeração era a mais estranha que Sean já vira.
Suítes 11111, 2, 3333, 44, 555 para então o corredor virar e virem as numerações 111, 2222, 33333, 4, 55, e então descer um grande lance de escadas e noutro corredor, as numerações 11, 222, 3, 4444, 55555, e noutro corredor as numerações 1111, 22, 333, 44444, 5, e enfim no último corredor as numerações 1, 22222, 33, 444, 5555.
Sean desceu mais lances da grande escada central para descobrir, três andares abaixo, as suítes dos agentes de segurança, provável também mais funcionários do Complexo Templeton, nas numerações 111111, 222222, 333333, 444444, 555555; todos os três andares, com os mesmos jogos de números.
Ele ficou achando que tinha algo escuso naquilo, no fato de Mr. Trevellis insistir com o final 5.
Quando voltou ao primeiro andar, segundo corredor, e quando o número 55 se mostrou, Sean estancou a frente da suíte designada.
Colocou a chave magnética, encostando-se a seguida, o olho direito próximo à porta onde sua retina e íris foram lidas; mas a porta não abriu. Sean voltou a enterrar a chave magnética na porta e ela não abriu. Ele a tirou e enterrou de novo, e de novo, até erguer os olhos azuis e verificar o número da suíte.
Estava tão nervoso com Mr. Trevellis, com os Pellet-Parresh, com a nova filha de Amâncio, por ela estar sentada na sala de Oscar, que se pudesse voltava a pé até o hotel.
“Ela é peculiar... Ela é peculiar... Ela é peculiar...”, a voz de Lucy não parecia querer se calar.
“Você é peculiar, Sean...”, soava a voz de Kelly nas palavras de Amâncio Pellet-Parresh.
— Quem é peculiar afinal? — se perguntava.
Voltou a colocar os olhos no orifício e colocar a chave magnética na porta da suíte 55 e nada abriu.
Sean levantou a chave magnética, esfregou a tarja na camiseta branca e já muita suja, e colocou-a de novo no encaixe, mas a porta não continuou sem abrir.
Ele olhou a chave magnética na mão e a porta de sua suíte fechada. Olhou em volta. Ficou outra vez na duvida se aquele era seu andar, sua suíte, com tantos números estranhos. Abaixou a chave magnética e ameaçou colocá-la novamente.
— Eu não faria mais isso se fosse você... — soou no fim do corredor.
Sean se virou para onde ouvira falarem, e seu coração disparou pela figura exótica e extravagante andando até ele.
Olhou a chave magnética e novamente a porta, e novamente a chave magnética ameaçando colocá-la. Depois a olhou, a jovem, agora parada no meio do caminho.
— E por que acha que eu não deveria fazer isso de novo, Senhorita Pellet-Parresh?
— Porque a chave é magnética! — Letizia foi o mais cínica que conseguiu.
“Dê ao filho de Oscar a suíte 55” “Dê ao filho de Oscar a suíte 55” “Dê ao filho de Oscar a suíte 55”; soava por todo ele.
Sean gargalhou sem entender muito aquilo e colocou a chave magnética, mas outra vez a porta não abriu.
Ameaçou virar a maçaneta e ela quase gritou.
— Eu... — Letizia deu uma parada. —, realmente não faria isso se fosse você, Sean Queise — ela viu o olhar nervoso dele. — A chave magnética é magnética! — ela voltou a falar agora séria.
Sean ergueu o sobrolho para a porta sem encará-la.
— E não era para ser? Magnética?
— Era! Mas algo a apagou.
Sean ergueu mais ainda o sobrolho para a porta.
— E por que ‘algo’ faria isso?
— Porque algo quer que você entre, Sean Queise. Na suíte 55.
Sean arregalou os olhos azuis mais e mais e riu; e parou de rir totalmente confuso. Estava para lá de nervoso não sentindo nada de errado ali a não ser a indesejada presença dela.
Voltou a limpar a tarja e ameaçou colocá-la novamente quando algo correu atrás dele.
— Ahhh! — rápido, rasteiro, sutil; Sean realmente se assustou. Ele olhou Letizia no meio de corredor. Ela não parecia ter sentido a presença maligna ali. — Você...
— Eu o quê Sean Queise?
— Você... — Sean olhava em volta dele.
— Ou talvez você queira dormir comigo essa noite...
Agora Sean arregalou os olhos azuis, caindo numa gargalhada gostosa logo após.
— E por que acha que eu dormiria com você Srta. Letizia Pellet-Parresh?
— Por que sua chave é magnética?
— Ahhh! — e tudo se mostrou a Sean.
O corredor não era mais o corredor, não havia mais porta, suíte, chave magnética, Letizia; nem ilha havia. Olhou em volta atordoado, estava num lugar abafado, confuso, desorientado. Lamurias agitavam a areia, faziam o som reverberar por cada milímetro de feldspato ali presente.
Sean sentiu a presença de uma mulher, um perfume de limão e coco, cítrico e doce ao mesmo tempo, que se dissipou levando o oxigênio junto.
O ar demorou a alcançar seu cérebro e a tontura levou-o ao chão de vez.
— Sean Queise?
— Ahhh... — acordou meio tonto vendo Letizia levantá-lo.
— Você está bem? — ainda soava de muito longe.
— Eu... — Sean olhou-a sem saber momentaneamente quem era, onde estava; quando. Teve mais medo ao ver que a porta da suíte 55 estava transparente para ele; cama, mesa, janela. — Eu... — arregalou os olhos azuis para ela e Letizia não parecia ver aquilo.
Sean olhou para a suíte transparente e novamente para ela.
— Está mesmo bem Sean Queise? — voltou Letizia a perguntar ao vê-lo suando.
— Ah... Acredito que não — Sean ergueu-se cambaleando.
— Do jeito… — e esse aproximou para cheirá-lo. —, do jeito que vomitou — e Letizia viu Sean também se cheirar. — Então?
— “Então”?
— Minha suíte 33? — Letizia apontou para a bifurcação no fim do corredor que levava a escada.
Sean engoliu aquilo a seco voltando de vez a si. Ela andou sem ele e ele seguiu-a. A ideia de entrar na sua suíte transparente havia sido definitivamente descartada.
Ambos desceram um grande lance de escada e andaram muito até o último corredor se fazer. Sean ficou curioso com o tamanho do complexo; as suítes e o que muito mais haveria ali.
Letizia de repente parou. Os dois se chocaram. Sean sentiu toda sua estrutura de homem absorver cada pedaço do contato em que o choque lhe proporcionou. Todavia, nada igual ao contato com a Almirante Kimberly, pôde perceber.
— Seus irmãos? — correu a perguntar.
— Não se preocupe com meus irmãos — ela se virou para ele e Sean estranhou não conseguir alcançar o pensamento dela. Quis, mas não conseguiu. — Vou passar a noite com Alle sem dizer-lhe o porquê. Amanhã vou tomar café e espero quando retornar, minha suíte já esteja vazia — encostou seu olho no orifício do leitor, e sua retina e íris foram lidas, depois enterrou a chave magnética na porta 33 que diferente da dele, abriu.
E abriu fazendo escapar um perfume maior que já estava no corpo dela; um perfume forte, francês.
— Wow! — foi só o que ele falou ao entrar.
— Então boa noite? — ela passou por ele que saiu da frente da porta.
Letizia saiu e Sean fechou a porta sem nada responder; ela era uma Pellet-Parresh.
E até queria ter respondido, mas queria e não queria. Porque não queria saber o que Letizia sabia, o quanto peculiar era, nem porque ela sabia sobre sua chave magnética.
Não por enquanto.
Também não pôde trancar a porta, uma vez que a leitura de íris e retina ali arquivada eram as de Letizia Pellet-Parresh.
E foi uma noite tumultuada, pelo menos em sonhos. A fome e o perfume forte de Letizia brecou qualquer intuito de sair pelo éter outra vez e Sean ficou perturbado com o cheiro dela; com o cheiro e com as roupas extravagantes que despontavam do closet, com os sapatos e bolsas para lá de exóticos, pelo excesso de maquiagem espalhado no mármore espanhol do banheiro, com os inúmeros cremes, xampus, e outros líquidos mais, que ele nem imaginavam para o que serviriam na vida da jovem exótica e extravagante exposta ali.
Tudo ali girava o mundo dela.
Sean demorou horas a olhar o redor e não ver um único material high-tech ali presente; notebook, netbook, smartphone, GPS, pendrives, câmeras, Tablet, HDs, Palm, nada que lembrasse ela ser uma Pellet-Parresh.
Ou Letizia foi mais experta e retirou-os da suíte, ou Sean não queria pensar no outro ‘ou’.
6
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
08 de agosto; 07h55min.
O Sol entrava acanhado pela fresta da janela. Sean levantou-se e foi até a sacada depois de abrir a grande cortina e a porta de vidro. Deu só dois passos e foi arremessado para dentro da suíte.
— Ahhh!!! — berrou sentindo cada milímetro do seu corpo em descompasso após o choque de alta voltagem. — Mas que droga é essa... — se aproximou agora com mais cautela.
Virou-se e pegou uma pesada jarra de inox em cima da mesa lateral, e lançou-a na sacada que estraçalharam vidros em pedaços muitos pequenos. Sean só teve tempo de lançar-se fora da área de alcance para não ser atingido.
“Wow!” arregalou os olhos azuis, a sacada, a bela vista da sacada nada mais era que um holograma.
Sean engoliu aquilo a seco, a sucessão de faixas e anéis concêntricos estava em curto-circuito, pela jarra de inox lançada. Imaginava que a segurança da Poliu era complexa, mas não imaginava que as janelas eram falsas.
Olhou em volta entendendo porque respirou o perfume forte de Letizia Pellet-Parresh a noite toda, era porque não havia janelas e toda ventilação era feita pelo sistema de ar-condicionado central do Complexo Templeton.
Sean voltou a olhar a sacada e a imagem agora distorcida da paisagem ali embutida, a representação tridimensional do objeto fotografado, havia perdido um pouco de sua beleza.
Ficou imaginando que ainda não havia conhecido aquele tipo de holograma, que era algo muito adiantado até para ele, para então passar a imaginar se não teria sido mais fácil simplesmente ter uma parede ali.
— Chaves magnéticas que não são magnéticas... Janelas que não são janelas... — Sean começava a desgostar do convite que não era convite.
Voltou a colocar a calça por sobre o short com o qual havia dormido dia anterior, já que saiu do hotel sem muito se arrumar, e a camiseta colou-se ao corpo após o calor da noite.
Ele voltou a cheirar o resto de vômito e sentiu a necessidade de um banho. Voltou a tirar a calça, short, camiseta. A água morna, com queda generosa aliviou-o de tudo.
Sean não viu que a porta da suíte se abria. Virou-se assustado para um Allejandro que não acreditava no que via.
— Seu bastardo!!! — Allejandro socou Sean ainda no chuveiro.
Sean e um fio de sangue foram ao chão.
Ele mal teve tempo de prever o ataque, quando Letizia gritou agarrada ao irmão que Sean não imaginava ter aquela força.
— Não é o que está pensando Alle! — Letizia partiu para uma explicação.
— Não?! Não?! — Allejandro gritava a ficar tão vermelho quanto os cabelos em movimento pela ação. — Ele está nu no seu banheiro! — apontava.
Letizia só teve tempo de ver Sean se cobrir com a primeira toalha que encontrou.
— Eu dormi...
— Cale-se! — Letizia falou com tanta força que Sean se calou. — Não devo satisfação a ninguém! — se voltou a Allejandro extremamente nervosa. — O Sr. Sean Queise dormiu aqui porque sua chave magnética quebrou.
Allejandro encarou Sean que sangrava, e Letizia, que até então não havia entendido tudo o que realmente sentia por ele, estancou no peito nu dele. Sean sentiu-se mal ao ver que Allejandro também o olhava. Passou pelos dois sem saber ao certo o que fazer, falar.
Pegou as roupas sujas e a chave que era e não era magnética, e se dirigiu enrolado por uma toalha à suíte 55, atrás das suas roupas.
— Encosta um dedo nela e... — Allejandro foi atrás dele pelo corredor.
— E o quê? — Sean reagiu.
— Chega Alle!
— Não chega não, Senhorita. Vamos, ‘Alle’! Diga-me o que devo ou não fazer? — desafiava.
— Não o desafie Sean Queise. Não o conhece como acha que conhece.
Sean olhou para ela, ela falava em entrelinhas.
— Encosta... — Allejandro ainda o desafiou amparado pela irmã.
Mas Sean dessa vez não quis responder, não pretendia mesmo encostar dedo algum em ninguém, menos ainda numa Pellet-Parresh.
Seguiu de toalhas, molhado, sangrando na boca com as roupas sujas nas mãos pelo corredor. Ia subir para sua suíte 55 com ou sem energia pesada quando encontrou Esteban Pellet-Parresh no corredor, que vinha ver por que a irmã havia saído correndo do salão de refeições, numa ação inusitada, em meio ao desjejum, assustando a todos.
— Nem tente... — foi só o que Sean falou erguendo a mão.
Esteban nem tentou nada. Só teve tempo de olhar para frente e ver Allejandro sair da suíte de Letizia seguindo outra direção. Voltou a olhar Sean virar o corredor após passar por cinco agentes da Poliu que também se olharam.
E Sean sentia que tudo estava errado ali, inclusive ele próprio. Apertou o passo pela escadaria até parar na porta 55 e estancar sentindo frio. Olhou para um lado e nada. Olhou para o outro e nada. Fez todas as leituras necessárias no orifício de leitura e enterrou a chave magnética na porta que destrancou.
Ele engoliu aquilo a seco e entrou fechando a porta imediatamente atrás dele, porém sem trancá-la.
O carpete de cor cinza, a cama com colcha uniformemente listrada de preto e branco, a mesa de metal com duas cadeiras confortáveis forradas pelas mesmas listras, ladeando-a, e o jantar que ficou lá esfriando.
Quadros de Marte pelas paredes, lâmpadas dicróicas estrategicamente colocadas e o ar-condicionado numa temperatura agradável.
Sean olhou em volta, para cima, para baixo. Não entendeu o que vira, sentira na noite anterior, ou o que a porta e a parede invisível significavam.
Andou mais alguns passos e foi direto a janela abrindo a grande cortina, a sacada tinha a mesma imagem de praia deserta e cintilante mar azul da suíte de Letizia. Sean se aproximou sentindo a energia da grande tela que emanava pequenos choques.
Voltou a olhar a suíte; suas roupas no closet, o notebook na mesa com a bateria carregada e novamente o holograma.
— Holograma quântico — soou uma voz por detrás dele.
Sean ainda pingava na suíte, enrolado à uma toalha úmida, ao ver a Almirante Kimberly parada na porta.
— Interligação quântica — foi o que respondeu.
— Sim, Sr. Queise. Uma imagem holográfica do espaço-tempo, que permite aos fótons nascidos juntos, se manter interligados ao longo de grandes distâncias. Um holograma quântico que quando praticado num determinado local, transmite-se a todo o Universo.
Ele adorou a voz dela.
— Existente em toda a matéria, contendo informação de todos os objetos do Universo, não Almirante? Uma macro-matéria que existe no espaço e no tempo, com os atributos de uma onda de choque.
Kimberly sorriu cínica.
— Sei aonde quer chegar, Sr. Queise. Esse paradoxo foi comprovado pelo National Institute of Standards and Technology, quando constataram que um átomo pode existir em dois locais ao mesmo tempo.
— A física quântica que Einstein chamou de ‘fantasma’, comprovando que o gato de Schrödinger está vivo e morto ao mesmo tempo, porque talvez tenha um gato vivo num Universo e outro morto noutro.
Kimberly voltou a esboçar um sorriso.
— Acredita mesmo em Universos paralelos Sr. Queise? Que temos outros de nós vivendo noutra dimensão paralela?
— Você não? A física quântica prova que qualquer ato praticado num determinado local, transmite-se a todo o Universo.
— Uma física para lá de teórica...
— “Teórica”? Interesse ponto de vista já que a Poliu sempre investiu em distâncias.
— ‘Em distâncias’, Sr. Queise? — Kimberly agora riu. — Ah! Vejo que é um teórico da conspiração.
— Pareço? — disse cínico tremendo de frio.
— Ah... Ótimo! Achando que temos grandes projetos para controlar átomos pelo Universo Sr. Queise?
— “Achando”? — gargalhou andando para o closet atrás de roupas pelo menos limpas, para então ver nada mover em Kimberly; nem um só fio de cabelo. — Vai ficar aí me olhando enquanto me troco Almirante?
Kimberly pareceu acordar naquela pergunta. O olhou quase nu, com a toalha solta a lhe cobrir apenas o sexo. Sentiu-se incomodada com a atitude dele, percebendo que ele soltara a toalha de propósito.
Deu meia volta no calcanhar e saiu batendo a porta.
Sean sorriu do lado de dentro; gostou de provocá-la. Kimberly sorriu do lado de fora; jovem ou não ele era lindo, tinha que admitir.
Complexo Templeton da Poliu.
08 de agosto; 08h43min.
Instalado numa generosa cúpula de 90 metros de diâmetro a fim de abrigá-lo, o grande telescópio se escondia das intempéries. Sean pôde perceber quando saiu do alojamento para uma pequena área de ligação descoberta mostrando essa sim um rasgo de praia e oceano, que embalava um som miúdo de ondas batendo. Ele olhou novamente a grande estrutura à sua frente, algo que em nada lembrava o formato original de observatórios espalhados pelo mundo.
Seu designer revolucionário e sua estrutura exterior espelhada, ainda continham ao longe uma pequena plataforma lateral subterrânea, onde dois caminhões estacionados faziam carga e descarga.
Ele voltou a olhar para cima e se maravilhar com a obra da engenharia ali presente. Sabia que havia passado por diversas câmeras de vigilância que lhe seguiram cada passo.
Estranhou, porém não ter sido interpelado.
Alguém havia o deixado sair da suíte 55, do alojamento, e esse alguém sabia que ele aceitara o convite de Mr. Trevellis.
Sean colocou sua mão e a geometria dela foi lida. Depois colocou o olho no orifício e a sua íris e retina foram lidas. Abriu a grande porta de metal para então invadir o ambiente sabendo que entrar no observatório parecia estar liberado a ele.
O ambiente claro, frio, metalizado fora planejado para ser o melhor telescópio do observatório terrestre do mundo, com óptica adaptativa, custou mais de um bilhão de euros.
— Perdeu-se um pouco a nostalgia não acha ‘filho de Oscar’? — soou uma voz distante no ambiente limpo e claro. Sean encarou o homem jambo no andar acima, há uns dez metros do chão. Havia duas rampas laterais e ele subiu uma delas encontrando-o. — Até algum tempo atrás o homem sentaria numa cadeira, solitário, há alguns metros do chão e colocaria o olho num grande tubo para ver as estrelas — Mr. Trevellis estava em todo seu tamanho e magnificência, sentado em uma cadeira à frente de cinco grandes telas de LED, com imagens que cintilavam o tempo todo, mudando sua forma e tamanho.
Mr. Trevellis girou a cadeira para ver Sean Queise usando uma calça jeans negra e camiseta de igual cor; e o viu correr os olhos azuis para os grandes mainframes da Computer Co. ali instalados.
— Computer Co.... — soou estranho da boca de Sean Queise.
Mr. Trevellis riu com gosto.
— Agora o homem só tem que esperar as informações obtidas pelas mais caras lentes do mundo, descarregar informações em seus mainframes, para então o ‘Ojo Grande’ nos fornecer o que vemos nessas telas.
Sean sentiu todo seu corpo pesar, nunca soube estarem aqueles mainframes em posse da Poliu. Ficou imaginando se seu pai Fernando Queise e a Poliu, não tiveram uma afinidade no passado muito maior da que já desconfiava. Mas Mr. Trevellis não se deu por atingido pelo silêncio dele, brilhou os olhos esverdeados na pele jambo, e continuou a observar os sinais enviados sabendo que ele sim o havia atingido.
A porta de metal bateu lá embaixo e Sean olhou para baixo vendo alguém entrar.
— Bom dia Sr. Queise — falava uma voz feminina subindo a rampa.
“Wow!”, pensou ao vê-la, quando de perto viu se tratar de uma mulher bonita, mignon, mais balzaquiana que Kimberly.
Uma quase quarentona, de pele clara, com cabelos curtos estilo Chanel, negros, alisados, usando tailleur e sandálias pretas como Kimberly usara dia anterior.
— Sou Esperanza Paco Hu — deu uma mão para ser cumprimentada; e outra vez Sean não o fez. Ela recolheu-a com um sorriso morno. — Sou a cosmóloga responsável pelo ‘Ojo Grande’ — agora girou a mão mostrando o redor. — É como chamamos nosso telescópio.
— Sempre achei que os observatórios tinham que ficar em altos planaltos.
— Com o céu é sempre límpido aqui nas Canárias, não vimos necessidade de subir. Ao invés disso, estamos próximo ao mar, instalados num promontório.
— É... Eu vi. Vi também, que não precisam mais de Spartacus — Sean continuava pouco receptivo.
Esperanza não pareceu se abater, era uma agente da Poliu. Como Kimberly, foi ensinada a conhecê-lo.
— Quem disse que não o usamos Sr. Queise? — Esperanza devolveu-lhe.
— Usam? Não sabia que Oscar participava disso.
— Sabe que o Sr. Oscar Roldman não participa ‘disso’ — só Esperanza falava.
Sean ainda quis que Mr. Trevellis falasse mais, mas ele manteve-se quieto atrás dele, na cadeira, olhando as telas.
Sean o odiava.
— Por aonde chegaram os caminhões que descarregavam lá fora?
Mr. Trevellis só ergueu o sobrolho no rosto jambo, iluminado pelo calor da ilha.
— Pela rampa — Esperanza achou a pergunta desproposital.
— Não vi estrada para isso — já Sean não gostou da ironia.
— Ah! A estrada... — ela ainda não o entendia. — Não chegou por ela?
— Não! Vim com um cavalo que fez questão em me mostrar todas as rotas alternativas que ele conhecia antes de derreter — Sean aliviou com ela no que Esperanza achou graça mesmo sem entendê-lo. — Já tomou café Senhorita?
E ela voltou a não entendê-lo, mesmo o conhecendo.
— Não.
— Acompanha? — mostrou o caminho.
Esperanza correu os olhos para Mr. Trevellis que estava de costas calado.
— Sim.
Sean sorriu cínico e desceu a rampa com ela ao lado, em silêncio, sabendo que Mr. Trevellis queria ter-lhe mostrado algo noite anterior.
Quando ele e a cosmóloga atingiram o lado de fora, Sean voltou a olhar maravilhado, para a grande construção.
— Wow! Ele é grande, não?
— Duas vezes e meia o Arco do Triunfo em largura, duas vezes em altura — sorriu-lhe.
— ‘Não há nada mais livre do que a imaginação do homem’ — sorriu-lhe. — Foi o filósofo David Hume quem disse isso — ele viu Esperanza sorrir-lhe e gostou daquilo. — É uma bela obra de arte — Sean foi dúbio.
— É... Não é? — ela entendeu a dubiedade; e gostou também. — A superfície do espelho primário precisa ter a forma definida por uma curva matemática chamada parábola, e a sua superfície não pode desviar desta forma mais do que 1/10 do comprimento de onda da radiação. Para um telescópio de luz visível, a precisão tem que ser de 40 nanômetros — e um som grave e metálico a fez parar de falar por instantes. — Como nem é aconselhável um espelho tão grande em uma única peça... — olhou-o. —, usamos o espelho de diâmetro 39,3 metros como principal, composto por cerca de 1.000 segmentos hexagonais — voltou a falar. — Todo o conceito do telescópio é de fato modular, ajuda as peças serem fabricadas em grandes quantidades, reduzindo o custo e... — e um novo som grave e metálico, pequeno, se fez.
Esperanza escorregou os olhos para os lados em busca de algo.
— Luz visível? — Sean também escutou, a viu procurar algo, mas nada comentou. — É por isso que Trevellis pode trabalhar no telescópio de dia? — ele a viu olhá-lo confusa. — Achei que ele ia me mostrar algo a noite passada...
— Não precisamos de luz. Usamos sistema de óptica adaptativa para alterar a limitação que atingem os telescópios causados pelos efeitos da atmosfera — Esperanza encostou-se ao gradil.
— Wow! — voltou a ser dúbio.
— E que provocam distorções induzidas pela turbulência atmosférica.
— O que me leva a perguntar por que pararam de alugar Spartacus? — Sean viu Esperanza querendo achar graça, mas ela sabia que ele não estava sendo tão receptivo assim. — Porque faz um tempo, levantaram a suspeita de que Spartacus precisava rever seus espelhos.
— Há realmente quatro fatores que podem limitar a definição da imagem de um telescópio; a precisão no formato e a regularidade da superfície do espelho, o diâmetro do espelho em si, a resolução do Detector CCD, e a distorção produzida pela atmosfera terrestre. E essa não atinge exatamente Spartacus.
— O conhece? O satélite de observação?
— Conheço todo seu trabalho no programa de acesso ao satélite de observação — observou-o com cuidado. — O considero uma mente brilhante Sr. Queise. De inteligência, diria, peculiar, para tão jovem assim.
“Peculiar”; soou.
— Quanta gentileza mesmo vinda de uma agente da Poliu — e Sean fez Esperanza rir com ênfase. Ela começava a gostar de estar ali com ele, mesmo contra as ordens da Almirante Kimberly. — Vejo que está aqui há muito tempo, Senhorita.
— Bastante, Sr. Queise. Talvez muito mais ‘bastante’ do que imagina — sorriu charmosa.
— “Muito mais bastante”? Se não tivesse me dito, não acreditaria — sorriu galanteador.
Esperanza gostou do galanteio apesar da pouca idade dele, e Sean a achou ‘conservada’ para a idade dela, quando outra vez um som grave e metálico voltou fazê-la escorregar os olhos para os lados.
— Raps!
— O que disse Sr. Queise?
— Os sons dos espíritos.
Ela levou segundos para soltar a língua do céu da boca.
— Fala de... — dessa vez Esperanza sorriu languida, sem saber muito bem do que sorria. —, sons dos mortos?
— Falo? — Sean só sorriu de volta. — Na época de Allan Kardec, os espíritos precisavam fazer com que os encarnados soubessem de sua existência, e assim começaram a utilizar-se de efeitos físicos para produzir os mais diversos tipos de fenômenos, tais como ruídos conhecidos como ‘raps’.
— Sons dos mortos...
— E outros tipos de fenômenos como materializações e desmaterializações, fenômenos de transporte, voz direta, e outras coisas, para chamar atenção dos médiuns; raps — e o som grave e metálico voltou a se fazer.
Uma, duas, três vezes.
— Ah... — Esperanza olhou sorrateira para o lado.
— Fazemos isso o tempo todo, não?
— “Fazemos”? O que fazemos Sr. Queise?
— Chamar a atenção!
— Está dizendo sobre aquilo que fazia quando criança?
— “Aquilo que fazia”? — foi a vez de Sean repeti-la. — O que sabe sobre mim, Senhorita?
Esperanza percebeu o deslize, o erro.
— Ah… Movia objetos para chamar a atenção dos outros… — e parou de falar ao sorrir-lhe languida outra vez.
Sean achou graça.
— Eu costumava me esconder na dispensa e mover as panelas de lugar. A cozinheira se virava para pegá-la e ela já não mais estava lá. Ela então começava a rezar... — riu. — Eu achava aquilo o máximo até meu pai descobrir e me colocar de castigo — continuou rindo.
— É por isso que você não acredita que os fantasmas e alienígenas sejam alucinações? Porque sai do corpo e move panelas do lugar! — e foi uma afirmação forte.
Sean não se deixou levar, ela sabia mais sobre ele. Indicou o caminho de volta ao Complexo Templeton e ambos atravessaram a ponte de ligação, quando Esperanza abriu a porta e ele percebeu que a cosmóloga também abria portas no caso de morte da Almirante Kimberly.
— Acho que como o filósofo Alexandre Aksakof, eu acredito no animismo Senhorita Esperanza, uma teoria que diz que a alma é o princípio da vida no homem e em outros seres vivos, e que podemos abandonar o corpo sem precisarmos morrer. Basta concentrarmo-nos!
— E basta?
Ele sorriu-lhe.
— Como diz o antropólogo Sir Edward B. Tylor, uma alma dentro de nós, regida por três regras básicas; ‘Tudo no Cosmo tem ânima’, ‘Todo o ânima é transferível’, e ‘Tudo ou todo que transfere ânima não perde a totalidade de seu ânima’.
— Incrível!
— Sim! O mesmo anima que Carl Jung chamou de arquétipos antropomórficos do inconsciente — caminhavam pelos corredores límpidos que ecoavam seus passos. — Talvez por isso, acredito que os alienígenas são seres dotados de alma, portanto não podem ser alucinações. Agora, se são etéreos, materiais, elétricos, robôs, não sei dizer... — olhou-a olhando-o.
— Acha então que máquinas podem ter alma? Amar-nos?
— Está falando por causa própria?
— Estou... — pigarreou com medo de falar. — Sou... — apontou para trás, para fora, para onde estaria o grande observatório. —, apaixonada pelo meu trabalho, Sr. Queise. Gosto de amar meu telescópio e pensar que meu telescópio me ama — brincou.
Sean sabia que era mais que aquilo. Aquilo o quê, não sabia.
— O filósofo Leibniz insistia em que, relativamente a cada inteligência finita, a alma vestia sempre um corpo material, mais ou menos rarefeito, ‘puro animismo das raças degradadas’, e que ele encontrava no seu corpo espiritual, algo do tipo referido pelo apóstolo São Paulo, novos órgãos de sentimentos; portanto, passível de que metal tenha vida — se olharam.
Esperanza não conseguia realmente se situar com ele; nem se deveria se situar com ele e toda aquela filosofia.
— Mas alienígenas com alma?
— Não entendi porque máquinas podem ter alma e alienígenas não podem, Senhorita Esperanza? — eles voltaram a se olhar. — Ou o seu problema está em me ver acreditar em alienígenas? Ou talvez por que eu acredite em espíritos...
— Não Sr. Queise... — relaxou num sorriso, num belo sorriso. — Todos nós podemos ter crenças, não?
Sean quis ter realmente entendido aquilo.
— Não sei — prosseguiu. —, mas para o filósofo Immanuel Kant, o contato com o mundo dos espíritos era o resultado de uma perturbação da inteligência, de alguma afecção patológica dos sentidos e da imaginação. Esse processo resultaria em representações simbólicas, de um ‘além’ impossível de ser atingido pelas mentes normais. Isso se refere aos alienígenas, também.
— Diga-me Sr. Queise, a paranormalidade é caminho para entender os alienígenas?
— Digo que são poucos os que com dotes e dons paranormais, conseguem se comunicar com eles.
— Você pode?
— Não sei... Posso? — foi um sorriso charmoso outra vez. Sean percebeu que Esperanza abria a guarda. Mesmo não se situando com ele. — Sabia que as câmeras CCD de Spartacus captaram imagens conflituosas de Marte? — disparou.
Esperanza parou de andar como se algo a tivesse feito tropeçar. Sean adiantou-se e pegou-a pelo braço antes mesmo que ela tropeçasse no nada. Ela se assustou duas vezes com aquilo; com aquilo e com a mudança de assunto.
— “Conflituosas”? — olhou o corredor vazio. — Por que mudamos de assunto?
— As câmeras Charge Coupled Device ou CCD, acopladas ao satélite de observação, têm a função de converter fótons em elétrons, gerando uma corrente elétrica que pode ser quantificada com um conversor analógico-digital ADC, e isso pode sofrer interferência do ataque maciço de neutrinos, mas Spartacus foi programado para rever seus erros e não deletar nada.
— E... Spartacus deletou algo Sr. Queise?
— Imagens de Marte.
Ela o olhou sentindo sua jugular saltar. Nunca aqueles corredores foram tão vazios. Porque no fundo Esperanza queria poder fugir dali, das perguntas.
— Que tipo de ‘imagens de Marte’ Sr. Queise?
— Duck Bay! — Sean nem esperou os olhos de Esperanza a denunciarem. — Cinco chapas da baía retirada por ROMRET X e enviadas a Spartacus. Porque ou Spartacus controlou ROMRET X de alguma forma para tirar as chapas, ou...
— Ou?
Sean ficou a ouvir o coração de Esperanza batendo descompassado, a ouvir cada aceleração como também todos os pensamentos conflitantes dela.
— Onde está o barco? — disparou a impedindo de andar.
— Como disse? — Esperanza se sentiu mal na maneira como Sean a olhou; ele havia penetrado seus pensamentos de alguma forma. — Eu...
— Sabe que não pode mentir, Esperanza. Não no estágio em que cheguei.
— Ah... No ancoradouro — ela respondeu sem saber se devia.
— Onde fica?
— Não posso levá-lo lá. Como já deve ter lido nos meus pensamentos.
Sean gargalhou com gosto.
— Por que a Poliu guardaria um barco de refugiados carbonizado? — Sean não gostou que ela nada respondesse. — Vamos, Srta. Agente Esperanza. Tenho fome... — e a empurrou delicadamente até o final do trajeto.
Complexo Templeton da Poliu.
08 de agosto; 09h10min.
Sean abriu a porta do salão, e o salão parou naquela abertura. Um silêncio que percorreu cada mesa; a dos Pellet-Parresh, a da Almirante reformada Kimberly, e as outras dos muitos outros agentes da Poliu ali presentes.
Sean não se fez de rogado, escolheu uma mesa próximo a parede central e à vista de todos. Afastou a cadeira como um cavalheiro faria para que Esperanza sentasse, e ela o fez com medo da Almirante que não saiu de sua mira.
— Vão lhe engolir viva — falou ele ao pé do ouvido de Esperanza que olhou Kimberly outra vez.
Sean foi até a mesa de refeições e voltou trazendo um bule de café e outro de leite, pães e frios para a mesa onde Esperanza tremia, e não era pelo ar condicionado no máximo de sua atividade.
— Desculpe-me... Só como frutas de manhã — foi só o que Esperanza conseguiu falar e Sean gargalhou chamando mais atenção. — Não faça isso Sr. Queise.
Ele ainda ria ao levantar-se e pegar frutas para ela.
— Há um pensamento... — Sean voltou à mesa percebendo que Esperanza não tirava o olho da mesa da Almirante Kimberly. —, que diz que se o Universo é tão antigo, que então haveria muitas moradas na casa do Senhor, e as moradas estariam habitadas por vida alienígena abundante. Acredita nisso?
— Eu... — ela beliscou o mamão por instinto.
— Acredita que nós estamos sozinhos nessa imensidão por que somos os únicos privilegiados? Mesmo depois do Satélite Corot, acabar de elevar o número total de exoplanetas conhecidos para 561?
— Isso se chama ‘Experimento de Lente Óptica Gravitacional’, um método que foca os telescópios em estrelas e faz com que as perturbações luminosas registradas, sejam indicativas de alteração gravitacional. Isso nos dá após cálculos, um número de 1,6 planetas a cada estrela em nossa galáxia. Considerando que a Via Láctea abriga cerca de 100 bilhões de estrelas, seriam 160 bilhões de planetas dividindo este espaço com a Terra.
— Nossa Via Láctea pode abrigar mais de 50 bilhões de planetas, nossa galáxia ‘tem bilhões de Terras’, então nossa galáxia pode conter dois bilhões de planetas com vida alienígena.
Esperanza respirou profundamente antes de falar.
— Já ouviu falar na hipótese do zoológico, Sr. Queise? De a Terra ser uma fazenda e nós propriedades de alguém?
— Nós gados de quem?
— Os adeptos da hipótese, acham que a Terra e os seres humanos estão sendo secretamente examinados desde os primórdios da vida terrestre, Sr. Queise, por seres de Marte, que controlam todos os eventos aqui. Algo semelhante a um tratador que observa animais em um zoológico sem interferir na sua criação.
Sean quis rir, mas imaginou que a cosmóloga não era do tipo de mulher que falava coisas sem nexo, para animar. Levantou-se e foi servir-se de mais café; precisava. Quando chegou à mesa de refeições e virou-se, viu Kimberly falando com Esperanza que se levantou da mesa deles e saiu do salão de refeições.
Sean se enervou e seguiu Kimberly até a mesa dela, e com bandeja, xícara de café, e um olhar que se pudesse atravessa-la, o teria.
— Onde a mandou ir? — soou Sean Queise com voz de pouca amizade, e falou tão alto que de novo o salão de refeições parou.
— Comporte-se Sr. Queise! Há regras a serem obedecidas e ela não está em seu horário de... — e Kimberly nem pôde terminar de falar porque Allejandro fez questão de gargalhar da bronca dada a Sean tão alto, que sua voz atravessou a imensidão do salão de refeições.
Sean lançou a bandeja com café como se fosse um bumerangue para cima da mesa dos Pellet-Parresh, que foi atingida em cheio, estourando copos, levantando café, derrubando tudo até chegar ao peito de Allejandro que foi ao chão com a força da bandeja, em meio a gritos e agitação geral.
— Ahhh!!! — gritou Allejandro quando o ar voltou-lhe.
— Enlouqueceu Sean?! — gritou Esteban para Sean que tinha toda sua raiva lançada junto à bandeja.
— Ahhh?! — Abhay gritou e foi para cima de Sean que se desviou fazendo o capanga de Amâncio Pellet-Parresh cair no chão atrás dele.
Abhay se levantou para o ataque novamente e Esteban gritou.
— Não!!! — o grito de Esteban brecou Abhay. — Poderia ter matado Allejandro!!! — Esteban agora se aproximou de Sean.
— Praga ruim não morre! — Sean deu a volta, pegou um pão e uma banana na mesa, e saiu do salão de refeições com fome, não entendendo por que Letizia não o atacou, gritou, ajudou o irmão no chão.
E ele a observara em cada ação.
Kimberly também ficou vendo a confusão gerada ali, e diferente de Letizia, levantou-se e foi atrás dele.
— Da próxima vez lhe expulso do Complexo Templeton! — Kimberly corria atrás dele com o salto agulha falseando no piso de mármore espanhol rojo. — Ouviu Sr. Queise?! — gritou para Sean que caminhava a passos largos. — Aonde vai?
— Não sei! Não me deram um mapa com os drinks de boas vindas.
— Não seja irônico! Veio aqui para trabalhar em ROMRET X, não para passear nem cantar nossa equipe.
— “Cantar”?! — gargalhou. — Não, não vim aqui. Trouxeram-me!
— Veio aqui porque está desesperado para não perder posto.
— Vim aqui para completar o que comecei, e terei que dividir com aqueles... Com aqueles... — e parou olhando o corredor vazio.
— Complete ‘aqueles’.
— Ladrões!
— Interessante minha posição de chefe aqui, não Sr. Queise? De um lado ladrões, de outro lado hackers.
Sean arregalou os olhos azuis para ela numa mescla de ódio e interesse, havia algo nela que lhe chamava a atenção. Ele ainda não sabia o que ou por que os pensamentos dela não eram tão claros quanto os de Esperanza, já que ambas eram agentes da Poliu. E ele, por algum motivo, conseguia vez ou outra, penetrar pensamentos dos agentes.
— Por que mandou Esperanza sair da minha mesa?
— Porque não podemos...
— E quem disse isso?
— Eu disse Sr. Queise! Que como não deve ter percebido, manda aqui! — e Kimberly não gostou da gargalhada dele que se seguiu. Sean se virou e voltou a andar. Ela balançou cabeça nervosa. — Aonde vai? — falou para o corredor já que ele se afastava rapidamente.
— Voltar ao telescópio do observatório.
— “Voltar”? Esteve lá?
Sean agora pegou algo.
— Como chama isso aqui? — abriu os braços.
— Complexo...
— E o Complexo tem? — voltou a se aproximar.
— O Complexo Templeton é divido em dois anexos — e Kimberly que já andava sem paciência, tentou se controlar. — O primeiro anexo chamamos de Anexo I, onde está o Observatório Templeton com o telescópio, e as salas de administração. Abaixo dele há três grandes armazéns, um deles dando para uma rampa de descarga e outros dois para o ancoradouro — ela viu que Sean nada comentou e prosseguiu. — O outro anexo é onde estamos, chamado Anexo II, com três setores; o Setor I é o alojamento propriamente dito com as suítes, também uma grande cozinha com dispensa e copa e o salão de refeições onde quase matou Allejandro Pellet-Parresh — e Sean só ergueu a lateral dos lábios que Kimberly observava atentamente. —, e também o salão de convenções que conheceu ontem.
— Esperanza estava lá ontem?
“Esperanza?”, Kimberly realmente não gostou da intimidade usada.
— Sim. A cosmóloga Esperanza Paco Hu, e um tanto mais velha que você, diria, estava lá como muitos.
Sean só a olhou de lado. Adorou o ‘um tanto mais velha’. Sabia aonde ela chegaria e não precisava ler pensamentos para isso.
— Os dois outros setores?
— Os laboratórios ficam no Setor II e as alas com materiais de Marte no Setor III, onde ninguém pode entrar.
— “Materiais”? O que vem de Marte para cá?
— Os Robots fora de uso, Sr. Queise, o que mais? Marcianos?
— Não sei. Diga-me você. Eles vêm?
Kimberly não gostou do nível da conversa.
— Também algum material mineral para estudos — foi a vez de ela olhar-lhe de lado. — Não se preocupe. Os materiais ficam estocados na maior segurança.
— Foi os Robots que trouxeram o tal material mineral, Senhorita? — Sean já havia parado de andar.
Confuso e com fome descascou a banana. Kimberly não acreditou naquilo.
— Volte ao salão de refeições e coma lá. Nossos horários são rígidos. Só poderá voltar a comer as 12h00min, por isso, deixe de ser criança — e ela viu o olhar que ela lhe deu.
— Há muito que deixei de ser criança, Senhorita. Porque meus pais não me permitiram isso! — sua voz se alterou. — Além do que, preciso saber qual meu verdadeiro papel aqui.
— Realmente não vejo como saberá isso Sr. Queise, agindo nessa animosidade com qualquer Pellet-Parresh que vê pela frente.
Sean ia retrucar. Desistiu. Kimberly esperou mais. Ele largou os ombros e foi comendo a banana até voltar ao salão de refeições.
Allejandro provavelmente havia sido levado para algum lugar, já que não havia mais nenhum Pellet-Parresh ali. Kimberly voltou à mesa dela, onde estavam dois homens vestindo jaleco verde. E Sean agora ficou interessado em saber quem era. Contudo ele preferiu pegar uma xícara com café e alguns pães, e sentar-se sozinho, porque havia algo errado ali, talvez com ele talvez com a ilha.
Porque nem todos os pensamentos ficavam no ar, no éter, como Mona Foad ensinara Sean a captar. Ele começou a duvidar de sua capacidade, dos citados dons paranormais que possuía.
Challitta voltou a entrar sorrindo no salão de refeições, vinha com Esteban que retornou com mais três homens desconhecidos, todos vestindo jaleco verde. Estavam acompanhados de outra mulher que Sean também não conhecia.
Challitta imediatamente escorregou um olhar para ele ali, sozinho. Sean sentiu-se desconfortável em ver que Esteban lançou-lhe um olhar, também, e não foi algo muito convidativo.
O mais velho dos Pellet-Parresh não era bobo, se fazia, mas não o era; sabia que sua esposa era uma mulher difícil de manter na linha. Linha que Sean não tinha vontade de voltar a atravessar, linha que já havia atravessado anteriormente.
Depois foi a vez de Dino voltar a entrar no salão de refeições, acompanhado de duas mulheres usando agora jalecos azuis; duas mulheres bonitas, Sean percebeu. Elas também não perderam Sean do olhar e Dino não gostou de ver aquilo.
Mas Sean não estava era gostando da ideia de ter que dividir trabalho com os ‘P-P’; não fazia sentido Amâncio delegar trabalho ao azarado e palhaço Alle ou ao infantil e inconsequente Dino, uma vez que o fato da empresa Pellet-Parresh manter-se em pé estava na boa administração de Esteban Pellet-Parresh, que ainda o encarava.
Sean também achou menos sentido ainda, o fato de Amâncio Pellet-Parresh esconder uma filha. Comeu já não sentindo muito o gosto da comida e levantou-se caminhando até a mesa de Kimberly que parou o garfo da fruta no ar.
— Podemos conversar? — perguntou Sean. — Sem brigas? — ele viu Kimberly correr os olhos para os lados de novo e nem o bater das asas de qualquer inseto, que tenha por ventura, escapado ao controle do eficiente sistema de ar da Poliu, se ouviu ali.
Ela engoliu a fruta e se levantou.
Ambos saíram em silêncio até a porta ser fechada por Sean que passou a ouvir muitas coisas confusas dos que ali dentro ficaram falando.
Balançou a cabeça e os sons se extinguiram no éter.
— O que quer?
— Pode me ajudar?
Kimberly dessa vez não sabia o que dizer.
— Lhe ajudar como Sr. Queise?
— Parando de me chamar assim?
Kimberly o observou.
— Seu charme não me atinge Sr. Queise.
— Wow! — ele realmente riu com gosto. — Vai me ajudar então?
Ela ponderou algum tempo.
— Vou ver o que posso fazer! — e se virou.
Sean a segurou pelo braço e uma corrente de eletricidade os tomou.
— Por que a… — largou-a. — Por que a maioria vestia jaleco verde?
Kimberly também sentiu aquilo. Ela outra vez sentiu aquilo.
— Uniforme de pesquisa com o qual podemos circular pelo Anexo II — olhou-o e desviou aquele olhar. — Os jalecos azuis são os de circulação dentro do Observatório Templeton, Anexo I como havia dito. Lá só entra quem está devidamente uniformizado com ele. Os jalecos brancos estão restritos aos laboratórios, e como podem contaminar os ambientes, não se deve sair com eles dos laboratórios, sendo levados para a lavanderia, e de lá autoclave.
— A Esperanza não usava um jaleco azul no Anexo II.
— ‘A Esperanza’? — sorriu. — Ótimo! Esqueci-me de como chama nossa cosmóloga. Bem... Ela não devia estar trabalhando ou estaria vestindo um.
— Mr. Trevellis também não usava jaleco azul.
Agora Kimberly sentiu algo.
— Mr. Trevellis estava... Não sabia que ele havia ido lá.
— Há algum problema em Trevellis ir lá, Almirante?
— Problema algum! — Kimberly se virou para ver ao longe, Dino Pellet-Parresh sair do salão de refeições com as duas belas mulheres.
— Quem são elas?
— Contra-Almirante Asunción Penelas é a morena de menor estatura e Major Guadalupe Sánchez a mais alta, ambas astrofísicas do Estado Maior da Força Aérea Espanhola.
Sean viu a porta do salão de refeições se abrir novamente e Challitta e os três que haviam entrado com ela, saírem.
Kimberly deu algum tempo após eles sumirem de suas vistas e falou:
— A mulher de Esteban Pellet-Parresh já trabalha aqui há um ano — falou enfim. — Está trabalhando conosco como exobiologista. Vá até lá e se familiarize um pouco com os Robots. Parece que com ela vai conseguir usar seu charme — Kimberly viu Sean apenas erguer o sobrolho.
“Wow!”, se perdeu ali.
— Ela deve ter ido para o Laboratório Dois. É só seguir as faixas amarelas do piso logo que sair por aquela porta — Kimberly apontou mais adiante, por onde haviam sumido.
— Com quem ela estava no salão agora a pouco?
— A mulher com Challitta era a Major Mª Lucia Balesteiro, astrogeóloga como eu; dos três homens, o chinês quase careca é o engenheiro elétrico Lyei Yang, o homem de cabelo loiro e mais velho é Pierre Toddy, e o de cabelo loiro mais novo é Brian Bell, ambos os engenheiros mecatrônicos da equipe francesa em que Carrie é a responsável — e olhou Sean. —, e Carrie é ‘mui amiguinha’ de Challitta. Não faça disso outro problema com os Pellet-Parresh.
Sean gargalhou.
— Vou me lembrar.
— “Lembrar”? Claro...
— Além de Challitta, quem mais trabalha no Laboratório Dois?
— Conhecia ‘Challitta’?
Sean se limitou a sorrir cínico.
— Digamos que ela me conhecia antes de se casar com Esteban.
— Ah! Entendi então o ‘bonitão’. Vocês já se conheciam.
— Não é o que está pensando. Também não é o que Challitta costuma pensar. Porque antes que diga algo Srta. Kimberly, não gosto de ninguém.
Ela o olhou com interesse.
— Eu não diria que somos iguais porque não somos Sr. Queise. Nunca seremos! — Kimberly esperou ele olhá-la. — Mas reconheço alguém frio; não se preocupe — e se foi.
Sean não esperava aquilo, sentiu-se mal, atingido como nunca fora.
— Eu não sou frio... — falou para o corredor agora vazio.
Olhou em volta, câmeras ligadas ao longo do trajeto não se moveram. Ele voltou a olhar o chão com a discreta linha amarela, seguida de uma verde, e de outra azul, e de outra vermelha, no que chegou à porta no fim do corredor. Estava tão atingido pela franqueza de Kimberly, que nem se interessou pelas outras cores.
Seguiu a faixa amarela e chegou a uma porta após andar muito. A biometria fez seu papel e Sean entrou num ambiente amplo, branco, limpo. Máscaras e roupas de descontaminação estavam expostas num grande armário, e jalecos brancos de diversos tamanhos numa larga e bem servida prateleira.
— Eu até ia gostar de te ver matando Allejandro — Challitta surgiu do nada.
— Não se anime Challitta. Seria mais fácil matar Dino e Esteban — Sean riu ao pegar uma máscara e um jaleco branco selado num plástico.
Ele a viu se aproximando cada vez mais.
— E você não se limitaria por causa disso, não? — passou a mão pelo rosto dele; Sean a segurou com força para depois largá-la ao vê-la rindo, gostando do contato. — Kimberly já sabe Sean bonitão.
— “Kimberly já sabe”? — agora Sean teve medo.
— De nós... Mumbai... — gargalhou com um balançar de corpo extremamente sensual.
— Você contou... Ah! Agora é uma mulher casada, Challitta. E ao contrário de você isso conta para mim.
— Pena não Sean bonitão? Como sempre digo Mumbai nunca mais foi a mesma sem você.
“Droga” Sean não sabia mesmo como agir, girou os olhos, nervoso com o que pudessem pensar dele, dela, deles.
Ia abrir o plástico selado e ela interrompeu-o.
— Só poderá usar o jaleco e a máscara lá dentro! — Challitta apontou agora com a firmeza profissional que a fazia, antes de tudo, excelente exobióloga. — Antes tem que passar pela compressão de limpeza.
— Por que a Almirante Kimberly mandou-me vê-la? Exatamente você?
— Nossa! Aquela cobra gelada o mandou a mim? Deveria encarar como um presente pelo bom comportamento ou é outra coisa? — gargalhou perigosa.
Sean começava a desgostar daquilo.
— Por que ‘cobra gelada’?
— Vai descobrir Sean bonitão.
— Não me chame assim — Sean começava a desgostar de estar ali, também. — E que ‘bom comportamento’?
— Por ter me calado, talvez.
E ambos acabaram por entrar na câmara. Sean e Challitta foram invadidos por jatos de ar extremantes gelados. Sean vestiu as roupas esterilizadas e ambos entraram no laboratório, no abrir de duas espessas portas de vidro duplo. Ele impactou no que viu um grande Robot parcialmente desmontado, no meio de um grande espaço claro e branco.
Havia duas escadas móveis ladeando o Robot e três mesas de metal com muitas ferramentas expostas sob ela. Cortinas de plástico transparente e de material grosso desciam do pé-direito de dez metros, calculou, a fim de cobri-lo quando fora de uso, e quatro grandes mainframes ladeavam a porta da entrada.
Também ali câmeras estavam com suas posições fixas.
— Por que o laboratório está vazio? — perguntou por detrás da máscara.
— O mecânico-chefe Ho Paco Hu está reunido com os outros três engenheiros mecatrônicos Carrie, Pierre e Brian; e acho que carregaram o engenheiro elétrico Lyei que não entende nada de seu ofício.
— “Hu”? Marido de Esperanza?
— Nossa! A quarentona é mais rápida do que eu pensei.
— Não tire conclusões sujas dela. Só perguntei se...
— Irmão! Ho Paco Hu é irmão de Esperanza por parte de pai, que tem aqueles lindos e lisos cabelos negros por herança asiática, não espanhola.
Sean não se deixou ser pego.
— Como veio parar aqui na ilha, Challitta? A Almirante Kimberly disse que você já estava aqui há um ano.
— Digamos que sempre fui antenada. Quando o Dr. Joshua Abbas Boutros chamou Pramit Dau para sua equipe, dei um jeitinho de me incluir.
— “Um jeitinho”? Com quem dormiu Challitta?
— Com os dois — riu com gosto.
— Deus...
— O que? Com inclinação a beato agora Sean bonitão? — e tentou tocá-lo com o jaleco e tudo.
— Não me chame assim — Sean segurou a mão dela que sentiu dor. — O que a Poliu quer com astrobiólogos, ou como disse Oscar, exobiologistas estudando Marte? Descobriram vida lá?
— Interessante sua pergunta, não? Quando cunharam o termo exobiologia nos idos anos 60, a exobiologia foi ridicularizada como uma ciência sem objeto de estudo — gargalhou. —, mas agora tudo mudou, e mudou para melhor a meu ver. Há um entusiasmo crescente em tentar achar vida em outros lugares do Universo, do nosso, dos paralelos — voltou a rir com as ancas sensualmente.
— De onde vem tanta empolgação?
— Não estamos sozinhos nesse vasto espaço, Sean bonitão. Os dois ingredientes fundamentais para a vida, água e moléculas orgânicas, são comuns por aí, e há muito que a Poliu estuda exoplanetas. E nós exobiologistas especulamos que possa conter água líquida, um dos ingredientes-chave para a vida baseada em carbono, em algum planeta parecido com a Terra, e existem muitos lá fora. Os atuais anúncios mais do que duplicam o número de exoplanetas descobertos pelo telescópio espacial Kepler. De 1.284 novos exoplanetas, cerca de 550 corpos poderiam ser planetas rochosos como a Terra, sendo que nove destes novos planetas descobertos orbitam zonas habitáveis do seu Sol, Sean bonitão. Não deixe Trevellis o enganar — ela percebeu que Sean não gostou da maneira como aquilo foi dito. — É quase inevitável pensar que um dia conseguiremos colonizá-las.
— E por que os colonizaríamos, Challitta?
— Estamos destruindo a nossa Terra, não estamos?
Sean não quis entrar em debate com ela. Quanto menos tempo ficava perto dela, melhor era; e a voz dela era irritante.
No fundo Sean nunca perdoara Challitta Chaniny por insinuar a Kelly Garcia, que ele trabalhava menos do que parecia, envolvido sempre com mulheres mais bonitas que ela. Kelly ficou uma fera e Sean de sobreaviso com Challitta, com quem realmente tivera um affair em Mumbai, Índia, quando a Computer Co. tivera negócios lá.
“Droga!”, voltou a pensar.
— Achei que ia querer saber algo sobre mim — ela percebeu que ele se afastava. — Como estou de saúde, beleza, sexo? — riu.
— Basta Challitta!
Ela gargalhou.
— Ou talvez quisesse saber como me saí perfeitamente bem em Mumbai após ajudá-lo com aquele carregamento? — gargalhava com gosto.
Sean se enervava; ela era perigosa.
— Por que a Almirante Kimberly lhe agradeceria por ficar calada?
Challitta queria recompensas fosse por que fosse. Voltou a tentar tocá-lo e Sean outra vez a machucou.
— Ai!!! — gritou ao descer junto com a mão que Sean empurrou para baixo. — Adoro quando foge de mim.
— Basta Challitta! Diga-me!
— Porque eu vi o barco sendo rebocado.
— O barco de refugiados que incendiou em alto mar semana passada?
— O barco de refugiados que a Poliu incendiou em alto mar ano passado.
Sean arregalou os olhos azuis até não poder mais. Até ficaram mais azulados quando expostos pela toca e a máscara.
— Por que a Poliu incendiaria um barco com gente dentro?
— Não sei. Mas peguei o ‘bonde andando’ nessa última reunião quando Mr. Trevellis ficou extremante preocupado, quando Kimberly alegou que outra vez, outro barco viria ela descer.
— “Ela”? Quem o barco iria ver descer outra vez?
— Acho que a outra nave.
— “Outra”?
— Sim, já que a primeira nave trouxe ROMRET X — apontou para o Robot desmontado à frente deles.
— Mas... — Sean não acreditava quando olhou o Robot na sua frente. — “ROMRET X”? Achei que esse aí fosse um dos muitos Robots vindo anos atrás?
— E alguns Robots vieram, anos e anos atrás. Mas esse à sua frente é ROMRET X.
Sean ficou confuso. Algo havia lhe sido negado, alguma informação crucial já que trabalhava com ROMRET X diretamente.
— Mas por que trazer ROMRET X? Eu não vim para cá para criar um programa para salvar ROMRET X que julgo, deveria estar em Marte? — olhou em volta tonto. — Droga! O que querem comigo?
— Não sei o que querem com você, Sean bonitão, mas ROMRET X voltou na nave que caiu em cima do barco ano passado.
“Ano passado?” “Uma semana atrás?”, pensava sem nada dizer.
— Você tem certeza que ROMRET X é esse mesmo?
— Sou exobióloga, Sean bonitão, mas vi a placa sendo retirada. Tenho certeza que é ROMRET X — e Challitta pegou em cheio o sexo de Sean nas mãos.
— Ahhh... — Sean sentiu aquilo. Voltou a apertar a mão dela agora a fazendo sentir mais dor que a excitação que podia suportar. — Não lhe dou direito de me tocar — tirou a mão dela, dele.
— Era mais receptivo em Mumbai quando precisava de mim para suas falcatruas contra a Poliu... — e a mão dela voltou ao sexo dele para então ser retirada outra vez à força.
— Nunca fui receptivo para você, Challitta. Pare de falar sobre aquilo ou...
— Ou?! — gritou ela.
Sem olhou um lado, olhou outra, odiou-se por aquilo.
— Como sabe que é ROMRET X?
— Já disse! Vi a placa que agentes da Poliu sumiram daqui do laboratório; provável, enfiaram no Setor III que ‘ninguém’ pode ver — e ela o atingiu novamente, com o sexo dele em suas mãos que Sean apertou até que ela e ele sentissem dor. — Por que Sean?! — gritou. — Hein? Por que age assim comigo?
— Não sei do que...
— Foi por que estraguei sua festinha com a empregadinha, não? — e Challitta foi esbofeteada. — Ai!!! — foi ao chão esterilizado, com roupa branca e esterilizada.
— Nunca mais fale dela... — e Sean deu de encontro com Carrie já vestida de jaleco branco, e máscara e touca esterilizada, o olhando, olhando Challitta no chão, voltando a olhar para ele.
Sean não teve alternativa a não ser ir embora, imaginando o que Carrie realmente viu e ouviu. Saiu de lá atordoado pelo descontrole, por ter batido nela, por ela ter ofendido Kelly, tentando não se perder pela imensidão do local, pela imensidão de pensamentos que o tomou de supetão.
Não podia acreditar que havia sido enganado, que ROMRET X estava ali, desmontado.
“E por quê?”, pensava sem parar.
Sean olhou as cores no chão e foi em busca de Kimberly; ia lhe apertar a fim de conseguir respostas ou tentar os pensamentos de Esperanza que lhe pareciam fáceis de atingir.
Seguiu novamente a linha amarela, virando à direita, passando a seguir as linhas vermelha e verde, que caminhavam juntas até uns 100 metros, para depois se dividirem.
Sean voltou a olhar o chão e sons chegaram até ele, pareciam de um canteiro de obras, com sons inconfundíveis de máquinas elétricas e mão de obra especializada. Ele sabia que o Complexo Templeton havia sofrido uma reforma um ano atrás, ele não sabia para que.
Tocou as paredes e os sons aumentaram. Sean tirou as mãos e somente rastros de algo que acontecera no passado ficara ali. Ele voltou a tocar as paredes e fechou os olhos se concentrando.
Como num desejo, enxergou todos os trajetos feitos até aquele dia, todos os trajetos feitos por todos que ali passaram e imagens tridimensionais subiram do chão, perfeitos hologramas de pessoas, agentes, pó, trabalhadores e obra.
Sean viu pessoas andando para a direita e para a esquerda, percebendo estar vendo ações de um ano de trajetos seguidos; máquinas empilhadeiras, tratores com terra e pedra, pequenas betoneiras para fazer concreto, que as mesmas pessoas iam e vinham com roupas diferentes, carregando coisas diferentes, peças, caixas, instrumentos, armas, muitas caixas delas, de armas.
— Ahhh... — Sean voltou ao presente, ao corpo nervoso.
Olhou a faixa verde a direita dele e a seguiu, onde muitos metros depois oito portas se fizeram. As câmeras voltaram a olhá-lo; ele balançou o pescoço nervoso.
Não gostava de sentir-se vigiado, oprimido quando algo passou por ele. Sean sentiu que agora era seguido e não eram pelas câmeras. Virou-se e nada viu, tocou as paredes e não era nada do passado, do passado do Complexo Templeton.
O corredor à frente estava vazio e Sean arriscou-se a andar. Dois metros apenas e foi arremessado contra a parede, caindo atordoado por uma energia pesada.
“Ahhh…”, Sean saiu do corpo quase que imediatamente vendo-se caído no chão do corredor.
Levantou-se na essência e se lançou para dentro do corpo que não o acomodou. Sean impactou, estava fora do corpo e não conseguia voltar.
Algo voltou a passar por ele, uma sombra desfocada. Sean arregalou os olhos azuis tentando vê-lo, decifrá-lo, sem saber ao certo o que Mona Foad fizera com ele. Se havia nascido especial, com poderes especiais, peculiares, e se tal peculiaridade desenvolvera, também, seu hackerismo, seu dom nato para invasões. E algo passou por ele novamente fazendo um Sean desesperado, tentar mais uma vez acoplar sua alma em seu corpo desmaiado, mas não conseguir.
Vozes se fizeram no corredor, Sean viu que Letizia Pellet-Parresh e a Major Guadalupe Sánchez viraram o corredor. A energia pesada começou a se mover e Sean esperou o pior.
Sean correu em direção delas com a energia pesada correndo também em direção a Letizia. A alma de Sean se lançou e atravessou o corpo de Letizia que caiu no chão.
— Letizia?! — gritou Guadalupe. — Letizia?! Você está bem? — Guadalupe viu Letizia abrir os olhos e olhar em volta atordoada sentindo algo, alguém à sua volta. Guadalupe também escorregou os olhos para um lado, para outro, mas nada viu, só sentiu uma energia pesada, má. — O que... Sentiu isso? — Guadalupe ainda tentou entender.
Sean não sabia por que fizera aquilo, por que atravessara Letizia, mas sentiu que ambas sentiram a energia pesada que se dissipara para outro nível, que sua alma não conhecia nível de energia tão baixos que não saberia voltar.
Mona sempre dissera que uma alma jamais se perde, jamais morre, porque nada pode romper o fio de prata que a mantém presa ao corpo, no entanto ele tinha ideias bem assustadoras para aquela energia pesada, com poder suficiente para romper qualquer fio de prata, com a capacidade de se matar no astral; talvez algo sorrateiro como havia dito Allan Kardec, um espírito impuro.
Letizia levantou-se e mal entendeu o que acontecia, quando viu Guadalupe correndo para o corpo de Sean Queise também desmaiado no chão, não muito longe dali.
Guadalupe o tocou e Sean voltou a si sentindo que o ar não subia. Levou alguns segundos para recobrar a respiração e a consciência propriamente dita.
Olhou a Major Guadalupe que perguntava outra vez se Letizia Pellet-Parresh também estava bem.
— O que aconteceu Sr. Queise? — perguntou Guadalupe.
— Eu...
— Pode me enxergar? — Guadalupe fazia movimentos para os lados com os dedos a fim de ele a seguisse.
Sean o fez ainda atordoado com a experiência vivida.
— Sim — respondeu quase que a esmo.
— Sou a Major Guadalupe Sánchez, astrogeóloga — se apresentou.
— Ah... — Sean levantou-se sentindo a perna falsear.
Foi amparado por Letizia e Guadalupe ao mesmo tempo.
— Leve-o para fora Letizia. Ele precisa de ar fresco.
Sean nem se deu ao trabalho de retrucar uma vez que Letizia concordou prontamente em levá-lo dali. Sean saiu meio que cambaleando pelo corredor, sentindo que Letizia também não se sentia muito bem.
— Você também está meio tonta?
Letizia o olhou assustado.
— Como sabe se estava desmaiado?
Sean arregalou os olhos azuis para ela.
— A Senhorita... A Major Guadalupe perguntou se você também estava bem...
Letizia não entrou em debate.
— Sim — soou da boca perfeita.
“E como é perfeita”, pensou Sean não entendendo por que pensou aquilo.
Andaram alguns corredores até alcançarem a grande porta de metal. A porta estava sem trancas e ambos saíram para o ar livre, atravessando a ponte que ligava o Anexo I ao Observatório Templeton. Mas dessa vez seguiram a rampa que descia à praia, com a grande obra espelhada e moderna, em meio ao cheiro de maresia.
— Gosto do mar... — Sean a olhou.
— Eu também...
Um silêncio caiu sobre eles novamente.
— Será que podemos descer até a água?
— É um longo trajeto — Letizia olhou para frente. — Um trajeto bem longo — riu.
— Com pressa?
— Pensei que estava mal.
— Com pressa? — insistiu.
Letizia ponderou. E demorou muito mesmo ponderando estar ali ao lado dele.
— Não será muito bom para ambos se formos vistos juntos — foi direta.
— Com pressa? — insistiu agora charmoso.
Letizia o encarou.
— Pressa alguma.
Sean sorriu cínico e Letizia não gostou daquele sorriso.
Os dois se puseram a andar descendo a rampa, o que podia bem ter uns três quilômetros, feitos em total silêncio. Quando atingiram o estacionamento, havia um caminhão lá parado, em frente de três grandes portas de metal.
— Aqui é o armazém?
Letizia o olhou com interesse.
— Não sei.
— A Almirante Kimberly disse que havia dois galpões aqui embaixo. Vejo três portas.
— Não sei o que dizer.
E ambos se calaram.
Era uma estrada escarpada. Eles continuaram por mais uns dois quilômetros voltando a descer em silêncio. Havia postes de iluminação a cada cem metros e nelas câmeras de vigia. Sean olhou cada uma delas.
Letizia nada falava e o silêncio começou a incomodar quando Sean se tomou de coragem.
— Allejandro?
— Achei que não ia perguntar.
— Também achei.
Ela o olhou com interesse, ficando sem saber se fora irônico ou sincero.
— Ele estava dormindo pelo analgésico quando o deixei. Imagina que uma bandejada daquela não ia ser coisa fácil de recuperar, não Sean Queise?
— Não... — não riu. — Me chame de Sean — o dia estava lindo, a paisagem era deslumbrante e Sean gostou da companhia.
— Ok Sean.
— Por que Amâncio nunca falou sobre uma filha?
— E eu estranho seu pai também nunca ter falado sobre mim — devolveu-lhe.
— Não entendi.
— Estive na sua casa, Sean. Seis graus de separação.
Sean se virou para ela.
— Minha casa? Uma Pellet-Parresh?
— Seu pai ainda tinha bom humor com os ‘P-P’ — ela viu Sean achar graça. — Eu tinha cabelo ensebado na cintura, usava aparelho nos dentes, óculos ‘fundo de garrafa’ e vestido abaixo do joelho. Você tinha dezessete anos e eu catorze.
— Você era... — e Sean riu. — Você era aquela garota ruivinha meio... meio... — e parou, voltando a rir.
— Sim. Eu era a garota ruivinha meio ‘feinha’, que o parou à beira da piscina para dizer que ia se casar com você na noite do seu noivado — falou séria.
Sean quis rir, mas sentiu-se mal. Suas lembranças sobre aquela fatídica noite eram sempre pontuais. Com Amâncio e Allejandro na noite do noivado, Mr. Trevellis e agentes da Poliu, Oscar e agentes da Polícia Mundial, e Fernando, sua mãe Nelma, sua irmã Ana Claudia, a secretária Kelly; tudo e todos outra vez em meio a muita dor.
Parecia que sua mente havia apagado tudo aquilo e ao mesmo tempo sempre o fazendo se lembrar.
Lembranças e flashes eram tudo o que tinha; só as recordações da dor, da escada em que Sandy corria dele, escorregando no tapete, de Sandy se trancando, dele alcançando a porta fechada, dela se matando com um tiro certeiro.
— Eu... — Sean voltou com o estampido da arma.
— Ainda sente, não?
Ele a olhou com lágrimas nos olhos azuis e Letizia teve vontade de beijá-lo.
Nem acreditou no que teve vontade.
— Não sabia que tinha dezessete anos, Senhorita. Imaginava você muito mais velha; talvez pela maquiagem, suas roupas... Talvez por estar sozinha na sala de Oscar — e ela aproximou-se tanto que Sean paralisou na visão dela cada vez mais próxima; o cheiro do mar, a beleza exótica dela e os lábios grossos pintados, que se arqueavam para ele.
Letizia acordou no que o cheiro dele invadiu o local, ela própria; voltou a si o olhando, com ele a olhando, com os lábios presos um no outro.
— Eu... — Letizia recuou.
— Você... — Sean engoliu aquilo a seco, também.
— Eu preciso voltar... — se virou para ir embora.
— Não vá! — Sean a segurou.
— É melhor assim.
Sean agora nada falou e a soltou; ela começou ir embora.
— Por que Amâncio nunca falou sobre uma filha? — ainda insistiu.
— Porque ele me abandonou numa... — Letizia parou de andar. —, numa escola da Suíça, Sean Queise.
— “Uma escola da Suíça”? Mas você foi...
— Fui ao seu noivado. Mas meu pai havia perdido a primeira concorrência para a Computer Co., quando você começou a trabalhar com seu pai na construção de Spartacus. Depois perdeu a segunda concorrência, quando você assumiu de vez a Computer Co., na aposentadoria de Fernando Queise, e perdeu a terceira quando construiu a WEBI, Sean Queise — Letizia o olhava com interesse. — E então minha mãe deixou meu pai, meus irmãos saíram de casa e ele não sabia criar uma filha — e se foi de vez.
E cada passo dela levantava uma areia fina que havia se colado ao piso cimentado.
— Como vai entrar Letizia? As portas externas não se abrem... — e Sean viu que Letizia nada responderia, porque já estava longe para responder algo. — Droga! — Sean quis mais uma vez chamá-la, mas ela era uma Pellet-Parresh, ele um Queise.
“Droga!”, olhou a imensidão.
Sabia, porém que aquilo que ouvira até então era só a ponta do iceberg.
De um iceberg do tamanho em que se tornara sua vida, mergulhado num passado frio que temia, com verdades obscuras sobre ele próprio, sobre seus sentimentos, sobre seus amores não definidos e dons que nunca iria compreender.
E outra vez, a dor de não ter amado Sandy, a dor de não poder amar Kelly, de talvez ter amado Sandy no lugar de Kelly. Sean ficou lá, minutos incontáveis, sentado sob a visão da Almirante Kimberly que não tirava os olhos dele, da tela que o filmava.
E Kimberly estava ali, na sala de segurança do Anexo II pensando se já não era tempo de conversar com Mr. Trevellis. Contudo não foi a Poliu quem a Almirante Kimberly Sathi Aguiar foi procurar.
Complexo Templeton da Poliu.
08 de agosto; 14h41min.
Sean ficou tentado a prosseguir praia abaixo, imaginando onde poderia ficar o ancoradouro já que lá, só vira três grandes portas de metal indicando serem três armazéns. Mas temendo ser expulso de lá e ver seu trabalho cancelado, desistiu.
Sabia que não podia falhar com seu pai, mas com ROMRET X desmontado no Laboratório Dois, não sabia como agir. E ele sabia que Challitta não mentiria, já que estava acostumada a ter ideias despudoradas de como receber pagamentos por informações. Sean achou mesmo que sua estadia ali se complicava.
Resolveu voltar para o Anexo II a fim de comer, passava das 14 horas e ele tinha muita fome. Depois se lembrou de que não tinha como entrar nem como saber como Letizia entrou.
Dirigiu-se ao Anexo I e ia ver se encontrava Esperanza já que lá suas informações biométricas abriram a porta ontem, e colocou sua digital, mas ela não foi aceita. Sean colocou sua retina e íris e nada abriu. Ele ficou imaginando se não havia entrado no Anexo I porque Mr. Trevellis havia permitido.
— Sr. Queise? — chamou Kimberly no que ele estava ali odiando a Poliu.
“Ah! Não!”; pensou em dizer.
— Sim, Almirante? — foi o que disse.
— Gostaria de falar-lhe! Entre! — abriu a porta para o Anexo II
Ele não cogitou, e andaram até um cheiro de comida os atingir.
— Posso comer antes? — apontou para o salão de refeições.
— Já passa das catorze. Disse que o almoço é servido às exatas...
— Eu sei! Perdi a hora!
— É por isso que desmaiou?
Sean a olhou com interesse no que adentrou no ambiente aquecido pela comida cozida, pelo cheiro inebriante de temperos.
— As notícias correm rápidas, não? — apontou para a cozinha, mas Kimberly não respondeu.
Ele sabia que ela não falaria, que era ela atrás das câmeras que o vigiava.
— O almoço dos funcionários está sendo servido. Não posso deixar...
— E vou ter que voltar a desmaiar para receber comida?
Kimberly só girou os olhos. Apontou a porta da cozinha e Sean se foi sem cerimônia. Ele pegou um prato e serviu-se de um grande recipiente de saladas ali prontas. Kimberly só esperou ele dar a primeira garfada e mandou todos os oitos homens da copa e da cozinha saírem; cozinheiros e garçom, todos fora.
Sean os viu sair, um por um, pelo canto do olho enquanto comia.
— Todos nós temos alma, Sr. Queise?
Foi a vez de Sean parar o garfo no ar. Era a segunda vez que lhe perguntavam aquilo.
— Não sei bem o porquê da pergunta, mas...
— Não tenho perguntas. Não preciso de respostas — e Kimberly voltou ao silêncio.
— Wow! Achei que tinha; todos nós temos perguntas... — foi a vez de ele prosseguir no silêncio. — Conhece Allan Kardec? Ele acreditava que uma vez nosso espírito encarnado, passaria a ser chamado de alma, e que entre a alma e o corpo, houvesse outro corpo chamado períspirito; sutil envoltório que carregaria todas as informações de nossas vidas, perguntas e respostas, tudo o que aprendemos, vivemos e conhecemos nessa vida, noutras vidas, guardadas num lugar em que o filósofo Platão chamava de ‘Mundo das ideias’ — Sean se incomodou por Kimberly ainda estar em pé, o olhando. Derramou mais vinagre e sal na salada; estava nervoso. — Platão e sua teoria da alma que tudo gravava; aprendizado arquivado num grande banco de dados.
— É claro e evidente que os filósofos Sócrates e Platão tinham ideias sobre reencarnação, mas as faziam para satisfazer a um ideal de justiça e razão, para explicar e justificar a diversidade existente no mundo, onde as almas, psique, se diferenciavam e tornavam-se individuais durante as sucessivas reencarnações.
— Engano seu. Havia mais nos diversos diálogos entre Sócrates e Platão; havia uma fundamentação filosófica da alma, muitas vezes carregadas de concepções mágico-religiosas, é verdade, mas isso era para corroborar que a imortalidade da alma era apoiada na sua Teoria das ideias — e Sean levantou-se para pegar agora o antepasto; um salpicão de pequenos camarões rosados lhe chamou a atenção. — Por que estamos falando sobre isso Senhorita?
— Falando sobre o que? — Kimberly colocou as mãos para trás e manteve-se fria e objetiva.
Sean achou graça e prosseguiu, na comida e na filosofia.
— A doutrina órfica da metempsicose, onde o filósofo Pitágoras afirmava que reencarnamos sucessivas vezes a fim de nos purificar até a purificação plena, reencarnando inclusive como animais e vegetais, era uma das bases de Platão e seu Mundo das ideias, onde podemos ver o que fomos, e talvez escolhermos o que seremos para então esquecermos tudo, como lança no Mito de Er, onde ao voltar ao corpo carnal passamos pelo rio do esquecimento, e lá deixamos nossas lembranças, para então reencarnarmos sem nada recordar. Mas recordamos Senhorita, não somos uma ‘tábua vazia’ — e respirou para engolir. — Temos alma e nos lembramos de outras vidas, já que ficam escritas no períspirito, as vidas que já tivemos.
— Não respondeu minha pergunta, Sr. Queise; todos nós temos almas?
— ‘Nós todos’ quem, Almirante? — ele viu que Kimberly parecia pensar. Sean não atrapalhou tais pensamentos. Ao contrário, tentou entender aquela questão colocada, a questão colocada de manhã cedo por Esperanza. — No diálogo de Fédon, momentos que precederam a morte de Sócrates, Fédon procura responder à curiosidade de Equécrates sobre se ele acreditava nas teorias pitagóricas da metempsicose; e claro Equécrates foi um filósofo pitagórico da Grécia. E é nesse momento que Platão começou por distinguir o mundo sensível, onde a alma deve separar-se o mais possível do corpo e do mundo inteligível.
— Para que?
— Para preparamo-nos assim para a morte, ou seja, o regresso final ao Mundo das ideias — Sean sorriu-lhe. —, que começa com a ‘Teoria da Metempsicose’, que propõe a imortalidade da alma e as suas sucessivas reencarnações, chegando à ‘Teoria da Reminiscência’, que então propõe a existência de um saber inato que pode ser recordado.
Sean correu os olhos em volta; três geladeiras, dois fogões industriais, um freezer, muitas panelas e nenhum movimento a não ser, o do seu coração acelerado pela presença dela ali, de Kimberly, que enfim sentou-se ao lado dele.
E Kim abriu a boca.
— Então... — e foi só.
— Prossiga Almirante!
— Então assim é que se pode ‘ver’ o futuro de alguém em folhas de Nadi? Por que o futuro de uma alma já está traçada?
— Os filósofos são os únicos que procuram o verdadeiro conhecimento ultrapassando o domínio das aparências sensíveis, Senhorita — ele a viu o encarar. — Não sei o que lhe dizer.
— Minha mãe falava sobre as folhas. Se talvez... — e inclinou a cabeça. — Mas e o futuro? Ele existe fora da filosofia, Sr. Queise?
Sean ficou imaginando logo ela que não tinha perguntas.
— O filósofo pré-socrático Zenão de Eléia era contra a subdivisibilidade do tempo, ou seja, passado, presente e futuro. Ele defendia que o tempo para o corredor Aquiles não poderia nunca existir, já que não poderia alcançar a tartaruga, que vagarosamente avançava alguns metros à sua frente porque em cada instante, tinha de situar-se em metade do espaço que o separava dela, e nessa fração de segundo, o animal adiantava-se levemente, de modo que Zenão dizia que Aquiles ficava colado à tartaruga sem nunca a alcançar. Isso é o pensamento lógico que falsifica a realidade.
— A realidade... Físicos quânticos se questionam se a realidade existe mesmo.
— Somos reais? O tempo existe? — olharam-se e Sean prosseguiu. — O filósofo McTaggart em 1908 defendeu num famoso ensaio, que o tempo era uma ilusão. Ele questionava que o tempo envolvia acontecimentos com três propriedades temporais: ocorrerá, ocorre e ocorreu.
“Até vê-lo!”, Kimberly gostou dele, da sua inteligência.
— Mas se trouxemos aos dias de hoje… — Sean prosseguiu. —, então um acontecimento forte como a queda das torres gêmeas não pode ter as três propriedades, pois não pode ser um acontecimento futuro, presente e passado ao mesmo tempo, uma vez que se as torres caíram hoje, não poderão cair amanhã nem puderam cair ontem, e se caíram ontem não poderão cair hoje nem amanhã. Logo, o tempo é em si irreal, uma mera ilusão.
E Sean era um tipo de homem curioso, extremamente jovem, mas deveras curioso; e há muito tempo homens não atiçavam a curiosidade feminina de Kimberly.
Aquilo Sean captou, assustado, porém, levantando-se para abastecer o prato mais uma vez.
Enfim comia.
— Escolha Cachelo... — apontou Kimberly. —, é uma batata galega de pele lisa e polpa branca — ela viu Sean aceitando. — Pegue também Lacão, uma peça de carne formada pelo pernil do porco, que costuma ser curada em salmoura. Antes de cozinhá-la, convém deixar de molho por alguns dias — ela gostou dele se servindo. — Complete com Pimenta vermelha, é como é chamada aqui nas Canárias, a todas as variedades de pimentões secos desta cor; inclui tanto os pimentões doces quanto os picantes — ela viu Sean sorrir-lhe, gostou de estar ali, falando da comida de sua terra. Foi sua vez de prosseguir. — Cada pessoa neste planeta tem sua vida ‘sorte’ escrita em algum lugar de seu corpo acessado após a morte? No futuro que não existe ainda?
— Wow! É um tanto complexo sua ‘FAQ’, Senhorita que não tem perguntas — ambos riram. — Para o filósofo Santo Agostinho, passado, presente e futuro não existiam. Para ele tudo era espacial, pois espacialmente não podíamos localizá-los. E, portanto o futuro não existia porque ele ainda não foi criado. Já para outro filósofo, Martin Heidegger, tudo era pessoal; a distribuição dos entes no espaço se estabelecia de acordo com o seu existir no mundo. Se você está aqui, o tempo existe, se não, o tempo para de existir — sorriu-lhe. — Triste se imaginar que o mundo acaba em você, não? E que quando deixa de existir, aquele seu mundo acaba... — Sean sabia que Kimberly sabia que ele se referia a ex-noiva.
— É interessante a sua filosofia, Sr. Queise.
— Desde a adolescência, que gosto de pensar que a filosofia me traz respostas, Senhorita, sobre o tempo que nos leva a angustia — ele viu Kimberly olhar-lhe de uma maneira tão profunda que ele não conseguiu captar nada. — Por isso o filósofo Blaise Pascal tratou da matéria com imensa propriedade, ao afirmar que nada era mais insuportável ao homem do que o repouso total, sem paixões, sem negócios, sem distrações, sem atividade. Tédio!
— “Tédio”?
— Sim! Pois no tédio não possuímos o tempo, porque é o tempo que nos possui, e este revela que o ser-no-mundo nada mais é, do que o ser-no-tempo. Não é um mundo sem nós, mas nós sem o mundo, Senhorita — ficaram ali os dois, sozinhos, divagando entre aromas e cheiros, em cumplicidade; Sean achou que aquilo devia ser inédito para uma mulher de seu posto.
Algo caiu no salão de refeições, e Kimberly e Sean se olharam.
— Isso é imaginação de sua cabeça, Sr. Queise.
Sean achou graça. Ele realmente imaginou que estavam sendo observados, ouvidos.
— E o que é a imaginação Almirante? De acordo com Friedrich Nietzsche, o homem acreditava que estava descobrindo um segundo mundo real no sonho, tudo em um tempo ‘Imaginallis’ — Sean viu os olhos de Kimberly brilharem e ele sorriu-lhe encantador. — Olá Trevellis?
Kimberly levantou-se da cadeira assobiando o metal no chão, e Mr. Trevellis e Challitta abriram a porta e entraram. Ela percebeu que Sean havia falado aquilo antes mesmo deles terem entrado, aberto a porta. E eles haviam entrado quase de supetão, os vendo na intimidade da cozinha, com Sean descascando uma laranja sem a menor cerimônia.
Mr. Trevellis havia entrado com mais dois personagens que de manhã estavam na mesa de Kimberly.
— Você começa amanhã! — exclamou Mr. Trevellis.
— Começo?
— Veio aqui a trabalho, não ‘filho de Oscar’?
— Não me chame assim! — foi a sua vez de levantar tão rápido que os talheres e os pratos usados balançaram no eco gerado.
— Chamo como quiser filho de Oscar! Está aqui sob minhas ordens! — as exclamações de Mr. Trevellis eram fortes e Kimberly não gostou de ouvir aquilo, o Complexo era jurisdição dela dentro da Poliu.
— Suas o que? — e a voz de Kimberly se perdeu ali.
E conhecendo Mr. Trevellis como Sean conhecia, ele era capaz de passar por cima de tudo e todos, ordens e até jurisdições.
— Já disse uma vez, Almirante Kimberly, que Sean Queise é minha jurisdição.
— Sou o que? — foi a vez dele.
— Sem delongas filho de Oscar — Mr. Trevellis não estava muito humorado. — Hoje vai descansar! Amanhã a cosmóloga Esperanza Hu, que junto ao astrofísico Vicente Valentin… — e Mr. Trevellis apontou para o homem mais baixo dos dois, com os braços tão curto quanto suas pernas, e com um cacoete no olho direito que o fazia puxá-lo, provavelmente toda vez que ficava nervoso. —, que trabalhará junto com o também astrofísico Péres Saldanha… — e Mr. Trevellis apontou para o outro homem, careca, com idade entre 60 e 65 anos, e aparente ar de intelectual. —, que trabalham junto com a contra-almirante Asunción Penelas e a Major Guadalupe Sánchez, na equipe espanhola... — sorriu fazendo sua pele jambo brilhar. —, que lhe ajudarão no programa.
— “Programa”? — e Sean correu os olhos para Challitta que abaixou os seus imediatamente.
— Quero ROMRET X funcionando em dois dias.
— “Dois dias”?
— Dois dias ‘filho de Oscar’. É surdo?
— Já falei que...
— Tenho que colocar o programa de ROMRET X funcionando antes que a posição de Marte escape ao telescópio do observatório. Faça! E faça só o que veio fazer! Será só isso! — e Mr. Trevellis se virou para ir embora sendo seguido dos dois homens.
Sean outra vez correu os olhos para Challitta, mas ela não o encarou. Kimberly se virou e saiu sem nada dizer. E Challitta também se virou para ir embora.
Ele começou a desgostar daquilo.
— Os Pellet-Parresh?! — Sean quase gritou quando Mr. Trevellis chegou à porta.
Mr. Trevellis olhou Challitta e ela saiu de vez da cozinha.
Ele se virou para Sean.
— Deixe os Pellet-Parresh comigo! — Mr. Trevellis soou como uma ordem, e Sean o odiou mais que tudo. — Quero que mostre a que veio Sean. Quero não ter me arrependido por ter escolhido você aos ‘P-P’ — e se virou para sair novamente.
“Ter me escolhido?”, aquilo o apavorou.
— Meu pai... — Sean fez outra vez Mr. Trevellis estancar sob o peso dos muitos quilos na porta, sentindo seu corpo derretendo pelo calor da ilha, do momento de pura tensão.
— Seu pai? — foi a ironia em pessoa.
— Fernando Queise sempre esteve envolvido, não Trevellis? — Sean foi o mais frio possível, vendo Mr. Trevellis só o olhar de lado e sair. — Deus... — caiu sentado.
Ou iria trabalhar num curto espaço de tempo para um programa que faria um Robot desmontado funcionar, ou havia algo muito mais escuso em tudo aquilo ali.
7
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
09 de agosto; 08h08min.
“A alma é, pois imortal; renasceu repetidas vezes na existência e contemplou todas as coisas existentes tanto na Terra como no Hades e por isso não há nada que ela não conheça!”; soou Platão em sua memória no descanso que lhe foi imposto até o dia seguinte.
Sean dormiu, sonhou, acordou suado para então voltar a dormir e outra vez acordar suado pela tensão. Dormiu, para que estivesse com condições físicas e psicológicas para enfrentar a maratona de trabalho estafante que viria pela frente.
E logo de manhã, praticamente trancado, no pequeno Laboratório Três com seu notebook, muitos mapas, dez grandes telas de LED, e os quatro astrofísicos espanhóis Vicente Valentin, a Major Guadalupe Sánchez, a Contra-Almirante Asunción e Péres Saldanha, durante todo o dia; até suas refeições foram feitas lá, numa saleta anexa.
Complexo Templeton da Poliu.
09 de agosto; 17h17min.
Só no final da tarde que a cosmóloga Esperanza veio auxiliar Sean; pelo menos era um cárcere agradável.
A Espanha produzia mulheres maravilhosas.
Mas ambos não trocaram qualquer palavra que não fosse ROMRET X, com Sean se reiterando de todo o programa inicial, e levantando duas informações interessantes.
A primeira informação era que ainda havia um sinal vindo de Marte, e se ROMRET X era aquela peça desmontada no Laboratório Dois como Challitta afirmava, então algum outro ROMRET ainda dava sinais de vida no planeta vermelho, o que também era inusitado porque Sean achava que os nove ROMRETs anteriores, estavam no Setor III, ‘ala de Marte’, desmontados.
A segunda informação foi a que mais mexeu com ele. Todo trabalho dos ROMRETs iniciou-se por assim dizer, quando os pilotos General Juan Pablo Aguiar, espanhol e a General Siri Sathi Aguiar, indiana, respectivamente, pai e mãe de Kimberly, alcançaram a órbita de Marte. Sean não sabia que a Poliu havia levado humanos à órbita de Marte, nem imaginava que o envolvimento com o Complexo e os ROMRETs era tão grande assim na vida da Almirante reformada Kimberly, mas entendeu as ‘folhas de Nadi’, para qual a Astrologia Védica acreditava, que há centenas de anos atrás os sábios tiveram acesso ao banco de dados cósmicos, e segundo eles, cada pessoa neste planeta teve sua vida sorte escrita nelas, provável a vida dela ali.
E todos os dons paranormais de Sean avisavam-no que aquilo era só outra ponta de outro grande iceberg. Sabia que precisava acessar os mainframes do Observatório Templeton. Era lá que estavam as respostas que precisava.
Esperanza continuava a coordenar o programa de Sean, que não vira mais nenhum Pellet-Parresh desde quando foi internado no Laboratório Três. E sair dali estava quase impossível. Além do mais Sean trabalhava no attach do programa, para o ROMRET poder se movimentar como um ser humano; ‘levantar os pés e sacudir a poeira’.
E possibilidades mecânicas havia, segundo as informações que chegavam a ele pelos três engenheiros mecatrônicos, principalmente por Carrie, que muito solicita, entrava e saía do Laboratório Três numa frequência assustadora.
— Eu... — e Esperanza só se soltou um pouco, depois de quatro horas trabalhando num gráfico a seu pedido, e depois de Asunción e Guadalupe saírem, e Carrie parecer dar um tempo nas visitas.
— Você?
Ela sorriu charmosa sabendo que havia um abismo etário entre eles.
— Revi ontem seu Protocolo de Web Interplanetária. A WEBI vai permitir que programas computacionais façam upgrade às novas necessidades muito mais rápido que antes — ela viu Sean a olhar com interesse. —, e de maneiras muito mais complexas — ela viu Sean ainda a olhando. — Muito bom Sr. Queise! — completou.
— Obrigado. Mas me chame de Sean. Acho que com você eu consigo usar meu charme — riu da piada que Esperanza não entendeu. — Esquece...
— Ok! — sorriu charmosa. — Fez sozinho a WEBI, Sean?
Ele agora se sentiu a vontade.
— Uma boa parte; sempre divido serviço com Gyrimias Leferi, meu cientista chefe e ele com seus ajudantes. É a primeira vez que me vejo sozinho com algo tão intricado — apontou para tudo esparramado na sua mesa de trabalho.
— Entendo — Esperanza viu Vicente e Péres alternarem-se nas olhadelas.
Carrie voltou a entrar no Laboratório Três, entregar papéis e sair sorrindo para Sean que sorria também.
— Acha que vamos ter problemas com a anisotropia? — prosseguiu ele.
— Não acredito Sean. Todos esses anos nós temos conseguido nos comunicar com Marte, graças em parte pela Internet; sua WEBI só veio acrescentar valores.
— O que há lá além dos ROMRETs?
Foi a vez de Esperanza olhar para frente e ver que Vicente e Péres os escutava.
— Não entendi sua pergunta?
Sean não voltou a perguntar. Sabia que os astrofísicos os olhavam; talvez a mando de Mr. Trevellis.
— Disse que está aqui no Complexo Templeton há...
Esperanza o olhou agora.
— Não esteve aqui no lançamento dos primeiros Robots?
— Usava fraldas.
Esperanza achou que foi um exagero gracioso, mas Sean era jovem, ela sabia.
— O primeiro Robot foi lançado em 2003, três anos após o Complexo Templeton ficar pronto para monitorá-los — Esperanza olhou Vicente saindo e Péres passando a olhá-los. — Já viu fotos dele?
— “Dele”? ROMRET X?
— Sim.
— O vi desmontado — Sean falou de uma maneira que pareceu a Esperanza outra coisa.
— Ah! O viu antes de ficar pronto...
— Não.
— Então como o viu desmontado, Sean?
— Viagem astral — riu sabendo que Péres anotava tudo, provável houvesse gravação de áudio ali.
Mas Esperanza riu assim mesmo.
— Os Robots são algo incrível. Os ROMRETs são Robots com corpo, o que faz você pensar que ele é um carro daí o nome ROMRET; RObot Móvel de REconhecimento Terrestre. As rodas na esteira por sua vez permite ele se esticar e atingir mais altura. Ele possui mãos, como pás, que cavam a área do solo marciano para analisar. Se o attach der certo...
— Ele vai sacudir a poeira e dar a volta por cima — completou.
— É... Dar a volta por cima — Esperanza gostava dele cada vez mais rápido. — As interfaces dos ROMRETs VIII, IX e X também são mais amigáveis já que possuem uma ‘câmera cabeça’ com expressões faciais.
— Para que expressões se eles estão em Marte? A Poliu pretendia que eles conversassem com marcianos?
— Não sei dizer — Esperanza ria realmente com gosto o achando divertido. — Assim mesmo, o último ROMRET atolou. Aliás, Sean, os ROMRETs VII, VIII e IX atolaram — ela prosseguiu, porém. — E eu acompanhei ROMRET IX em Cydonia. Ele foi o Robot que durou mais tempo até que suas rodas ficaram presas em uma duna de areia, enquanto realizava trabalho de investigação no planeta. O Robot IX então se desligou na ponta da Duck Bay, uma duna de areia fofa de cerca de um terço de um metro de altura e 2,5 metros de largura, na fabulosa Cratera Victoria. O havíamos testado nas dunas de areia no Vale da Morte, na Califórnia. Não imagino o que saiu errado.
“Duck Bay”; Sean teve ideias.
— Mas os testes não poderiam ser considerados ideias aos dois planetas, não?
— Há uma verdade nisso. Na Terra temos uma inclinação de 23,5 graus enquanto Marte conta com uma inclinação de 25 graus. Isto faz com que as estações de ambos os planetas sejam muito parecidas, no entanto há um elemento primordial que os diferencia: as forças lunares. Marte não depende das forças lunares, que fazem com que as estações permaneçam constantes, por isso elas variam com maior facilidade.
— E isso porque suas luas são artificiais, não?
Esperanza piscou, piscou e riu. Achou que Sean estava brincando.
— Então uma grande tempestade aqui não se compara com as de Marte. E as tempestades de poeira e as temperaturas oscilam entre os -87°C e -25°C.
— Pelo visto não acredita nisso.
— “Nisso”?
— Phobos e Deimos serem nada mais que sondas enviadas por marcianos, Senhorita, para estudos.
— Sean... — Esperanza riu com gosto achando-o extremante engraçado para então ver que ele mal moveu um músculo. — Sean?
— Por que os engenheiros não entraram com a mesma concorrência que agora atrás de ajuda? Por que lançam ROMRETs desde 2003 se eles atolam? Por que não quiseram um attach, por exemplo, para fazer ROMRET IX voltar a andar e encarecer ainda mais o projeto lançando ROMRET X?
— Está brigando comigo?
Sean foi todo charme.
— É claro que não...
— Ah... Porque não sei de nada do que falou. Os Robots não eram minha prioridade, mas acho que ROMRET IX e X já estavam juntos em Marte.
Sean suspirou profundamente. Sabia que aquela pergunta, se respondida corretamente, teria resolvido todos os seus problemas. Mas nada conseguiu; seus dons não pareciam grande coisa se vinham ‘pela metade’.
— O que mais há lá?
— “Lá”?
— Em Marte.
— Na órbita marciana de 385 km de altitude está a nave FATHER, uma nave de três mil quilos que periodicamente mergulha na tênue atmosfera superior de Marte, para efetuar manobras de aerotravagem da sua atual e alongada órbita, até a sua órbita circular de 305 km de altitude, onde uma sonda em operação, a nave MOTHER é lançada da órbita do planeta, ou seja da nave FATHER. Então a nave MOTHER vai até Marte e volta à nave FATHER, trazendo tudo o que os ROMRETs arrecadam.
— Incrível!
— É sim.
— A Poliu divulga essas informações à classe científica, suponho...
Esperanza riu discretamente sob fortes olhares de Péres e nada disse. Só olhou Sean que leu os pensamentos dela.
“E a Poliu divulga algo?”; foi o que ela pensou.
Ambos riram sem que Péres entendesse e Esperanza olhou Sean de lado, estava realmente fascinada pelos dons peculiares do belo e jovem empresário brasileiro, Sean Queise.
Ele também era todo charme com ela, sabendo que todas as informações iam para um lugar, ‘Dossiê Marte’; a Poliu adorava fazer dossiês.
— Fora isso, Sean... — prosseguiu Esperanza. —, lá só mesmo o planeta já que não há ar respirável. A atmosfera é composta de 95,3% de dióxido de carbono, de 2,7% de nitrogênio e de 1,6% de argônio; há quase 0% de oxigênio, em média 0,13%. Houve recente detecção de pequenas quantidades de metano que poderia indicar alguma forma de vida em Marte, mas algo em torno de 10.5 PPB. Com a pressão da atmosfera menos de 1/100 da média da Terra, com ventos de 40 m/s.
Contudo descobriram córregos de água salgada, provável na superfície na época de verão marciano.
— Uma salmoura, misturada a magnésio e sódio, que não congela facilmente. E como o verão atinge -20° C, essa água flui. Porque também há na solução, oxigênio, que com os sais de cloro, formam cloratos e percloratos.
— Isso mesmo! Mas mesmo assim duvido vida com ciclos mais sofisticados, resistir por lá, com temperaturas que variam de -140° C ou -220° F, à +20° C ou +68° F.
— Wow! +20° C? E o que provoca o calor?
— “Calor”? Não, calor não — estranhou Esperanza. — Há diferentes valores estipulados para a temperatura de Marte, mas nossos Robots dizem que variam de -107 C à +17° C.
Sean resolveu mudar o enfoque:
— Quem é Ho Paco Hu?
— Meu irmão.
— Ele também fazia parte da equipe original?
— Que equipe original?
— A equipe original que os pais da Almirante Kimberly faziam parte.
Esperanza virou tão rápido a olhá-lo, que lhe provocou dor no movimento empreendido.
— Por que se arrisca assim, Sr. Queise?
Sean não gostou do ‘Senhor’ voltando à frase.
— Por que é arriscado falar sobre a equipe original, Esperanza? Ou será que o risco está em saber o que os Robots viram em Duck Bay, depois de fazerem uma longa viagem de Cydonia até a Cratera Victoria?
— Acho que está enganado em várias coisas, além do que ROMRET IX não conseguiu descer Duck Bay por causa da tempestade. Sabíamos que entrar na cratera Vitória envolvia diversos fatores ainda desconhecidos, entre eles a análise dos pontos de entrada. Nossos engenheiros mecatrônicos não tinham certeza do tipo de terreno que iríamos encontrar, nem dos pontos de apoio para o Robot dentro da cratera.
— Mas a Mars Odyssey descobriu entradas para sete cavernas nos declives de vulcões, e quando o Rover Opportunity alcançou a Cabo São Vicente, ao lado da Duck Bay, na fabulosa Cratera Victoria, ele fotografou diversas anomalias.
Esperanza nada falava provável não respirava também.
— Anoma... Que tipo de anomalias, Sr. Queise?
O ‘Senhor’ voltou à conversa. Sean sabia que era questão de tempo para ela deixá-lo.
— Há uma foto, ‘Panoramic Camera - Sol 1167’ no site da NASA, que mostra na encosta, diversos afloramentos onde se veem uma estátua egípcia de um Faraó.
Esperanza realmente parou de respirar, provável Péres também.
— Faraó... Está dizendo que marcianos construíram...
— Estou dizendo que na mesma foto se vê um trilho no solo, obeliscos com inscrições que fazem lembrar pequenos painéis de controle, destroços em meio ao que parece serpentes esculpidas na rocha em meio a crânios de pássaros, com bicos.
Esperanza levantou-se a fazer os pés da cadeira soltar um chiado metálico fazendo Péres se espremer de dor.
Sean ficou olhando Esperanza ir, sem a chamar de volta, quando Challitta entrou furiosa no laboratório.
— Havia pedido isso aos mainframes? — entregou um calhamaço de folhas impressas para Sean, que gelou.
Ele olhou-a sob forte observação do astrofísico Péres Saldanha.
— Enviei a requisição sim, mas... — sorriu morno com medo de que as folhas fossem os hackeamentos que fez. — Não imaginei que fosse ser tão rápida... Senhora Challitta.
— Somos rápidos por aqui, principalmente quando nos pagam bem por isso, Senhor Queise!
Sean engoliu a seco a maneira como foi tratado. Ela até então nunca havia sido tão arisca. Ele pegou o calhamaço de folhas que estavam estendidas sem conseguir ainda ter deglutido a briga com Esperanza, e as folhas impressas eram realmente as informações que havia hackeado entre um descuido e outro da equipe do Laboratório Três, ao longo do dia, num acesso remoto aos seus mainframes no Brasil, nos mesmos intervalos de puro descuido dos astrofísicos.
Girou os olhos nervosos, imaginando quem teria conseguido outra vez interceptar sua invasão.
— Droga... — escapou. — Obrigado! — agradeceu em voz alta sabendo que aquilo não ia ficar barato.
— Não há de que ‘bonitão’. Às nove! — e Challitta deu meia volta saindo na mesma fúria com que entrou.
“Droga!”
Sean leu nas folhas trazidas, informações que havia hackeado sobre fotos feitas em 2004, agora pela nave MOTHER da Poliu em solo marciano, no mesmo momento em que as câmeras do robô Spirit, da NASA também captaram algo no céu de Marte; algo que muitos levantaram ser uma nave alienígena cruzando o planeta.
A NASA também tentou explicar que o rastro brilhante visto no céu marciano, seria um meteorito ou uma das naves espaciais enviadas nas últimas décadas em missões científicas para estudar o planeta.
Sean imaginava algo mais profundo, complicado, como bicos de pássaros fossilizados em Marte. E sabia que havia cópias de tudo aquilo num dossiê secreto da Poliu; intitulado ‘Marte’.
Ele suspirou profundamente olhando Péres e o laboratório frio.
“Às nove!” “Às nove!” “Às nove!”; ecoava provocando dor de cabeça.
Complexo Templeton da Poliu.
09 de agosto; 21h00min.
Challitta Chaniny era uma mulher de 35 anos decidida a dar o maior de seus golpes, que ela já tentara algumas vezes sem conseguir. E o golpe da vez, da segunda vez, era o milionário e jovem Sean Queise.
Ele sabia que ia se arrepender de estar lá ‘às nove’ como mandado, mas se Challitta contasse a cúpula da Poliu ou a Almirante Kimberly que ele hackeara informações nos mainframes do Complexo Templeton, sobre a equipe original da missão do homem a Marte, ele estaria em sérios problemas, em piores dos que já estivera.
Enfrentar a fogosa e agora casada Challitta parecia ser a única solução.
E ela era só sorriso quando a campainha da suíte de número 4444 tocou.
— Olá, Sean bonitão! Nove horas em ponto! — lambeu o rosto no lugar do beijo que se aproximou para dar.
Sean estava realmente bonito, era certeza. Vestia calça de linho grafite e camisa social de manga curta na mesma cor. Feita no mais puro algodão egípcio combinavam com o sapato e o cinto.
— Boa noite Challitta.
— Vejo que continua britânico como seu pai — e o lambeu novamente.
Sean não gostou de ouvir aquilo; aquilo e a lambida.
— Meu pai é português — também não gostou do que foi obrigado a falar.
— Claro. Seu pai não é britânico, é nórdico. Ele só trabalha lá, não é? — insistia às gargalhadas. — Como pude esquecer.
Sean não insistiu. Mesmo porque a visão de duas garrafas de caro champagne no gelo e alguns antepastos na mesa o fez tremer.
— Acho que você não entendeu o que eu disse Challitta. O fato de... — e a mão dela passou-lhe pela bunda. Sean ficou pensando que talvez quem não tenha entendido fora ele no estalar de uma rolha, e outra, que fizeram um estrondo. Sabia que a suíte de Challitta ficava entre a suíte 3 de Ho e a suíte 55555 do Dr. Joshua. E foi o último quem ele temeu mais. Aquilo seria reportado a Almirante Kimberly com certeza. — Como conseguiu dois champagne aqui?
Challitta riu servindo dois fluts de cristal que brilharam na luz íntima da suíte.
— Como conseguiu ser tão bonito? — esticou a taça. — Vamos Sean bonitão... Entre amigos.
Sean riu, tinha que rir.
Aceitou o flut.
— Como conseguiu aquelas folhas impressas?
— Como... Como... Como... — gargalhava. — Carrie interceptou-as para mim.
— Não perguntei isso. Como Carrie as interceptou?
— Não sei... Ela só disse que você havia enviado uma requisição a ela, em meu nome.
Foi a vez de Sean rir.
— Claro! E acha que eu faria isso mesmo, Challitta?
— Não. Não sendo o hacker habilidoso que nós sabemos que você é.
Sean não gostou daquilo também. Challitta e Carrie sabiam que ele hackeava, e que hackeava a corporação de inteligência Poliu.
— Então qual dos Pellet-Parresh me entregou?
— Esteban não foi. Ele mal sabe dar Ctrl+C e Ctrl+V — gargalhava embalada.
Sean desconfiava que ela andara tomando outras drogas antes dele chegar. E temeu mais confusão que uma taça de flut ‘entre amigos’.
— Qual dos Pellet-Parresh, Challitta? Corrijo-me… Senhora Challitta — e Sean sabia que o gargalhar alto de Challitta chamaria a atenção de Joshua na suíte ao lado. — Não chame atenção! — Sean enervou-se com ela.
— Está bem! Está bem! — ela parou com o escândalo. — Então me dê o que quero!
— Ah... O que quer... Claro! — olhou em volta. — Um jatinho, um iate, ou o diamante da coroa inglesa?
Challitta se divertia com ele. Mas andava fogosa demais para demorarem com preparativos.
— Vamos ao que interessa Sean bonitão. Eu o quero na minha cama todas as noites, que como percebeu o detalhe... — apontou para trás. —, não divido com Esteban.
Ele arregalou os olhos, já havia percebido tal detalhe.
— Não vou para a cama com você, Challitta. Nem pense em me chantagear porque... — e ele foi literalmente arremessado com flut de champagne e tudo na cama que ela preparou. Sean não sabia se havia sido a força com que ela usou para aquilo, e ele não sabia que ela a tinha, ou se mais algo aconteceu ali que escapou ao seu entendimento. Caiu com o champagne a molhar-se, e fazer toda a camisa grafite de algodão egípcio manchar-se. Challitta foi a próxima a cair nela, e a tentar tirá-la. Sean tentava segurar-lhe os dedos ágeis que desabotoavam a camisa molhada. — Não... — Sean tentava segurá-la quando Challitta mudou de tática e ideia e se jogou em seus lábios. — Não... — tentava fugir. — Não faça isso... — e o flut de champagne dela foi derramado no rosto dele quando ela se pôs a lamber. — Pare Challitta... Pare com isso! — se enervou a levantando de cima dele quando Challitta lhe virou o corpo novamente e deitado nele começou a cavalgá-lo.
O coração dele veio à boca, imaginando se algum espião psíquico conseguiria atravessar as barreiras que ele também aprendeu a criar, a fim de não ser captado.
— Venha... venha... — e Challitta se esfregava nele, na camisa grafite com champagne, o champagne nela, nele e Sean tentando se salvar do afogamento.
— Basta Challitta! — e Sean saltou da cama. Challitta nem se preocupou se ele ia até a porta ou não. Ela não abriria sem a informação da retina ou da íris dela. E Sean tentou, e tentou, mas a maçaneta não girou. Virou-se furioso. — Abra a porta Challitta! — Sean a viu gargalhar já embalada por alguma droga ingerida. Começava a desgostar mais ainda da ideia que teve. — Abra Challitta!
— Vai ter que me lamber toda... — e derramou todo champagne da primeira garrafa nela. —, para conseguir isso ou mais...
Sean girou os olhos azuis sem saber ao certo o quanto de acústica aquilo ali realmente tinha.
— Por favor, Challitta! Abra a porta antes que Esteban pense que... — e uma nova dose de champagne lhe atingiu o corpo, com as costas da camisa grafite sendo a próxima a ficar tomada pelo líquido gelado.
— Ahhh... — soava de uma Challitta excitada.
Sean se virou e tentou arrancar a segunda garrafa dela, mas Challitta partiu para cima dele e o agarrou com as mãos, o beijando. Ele sentiu os lábios dela o dominarem tão forte, que só voltou a si quando os dentes dela tomaram outro rumo.
— Ahhh!!! — afastou-se dela no que seus lábios foram mordidos. — Ficou louca? — um fio de sangue correu nas mãos dele.
— Challitta?! — gritou Esteban do lado de fora.
Sean percebeu que fora mordido, encharcado de champagne e enfiado numa encrenca e tanta. Virou-se para Challitta que ria para ele agora nua.
— Deus... — foi só o que conseguiu falar.
— Challitta? Abra! — Esteban insistia do lado de fora.
Ela se moveu em direção da porta e Sean só teve tempo de jogá-la em cima da cama.
— Nem se atreva... — sussurrou baixinho.
Challitta gargalhou com gosto sabendo que havia conseguido o que queria, ou o que ia conseguir.
— Challitta? — insistia Esteban.
— Vá embora! — ela enfiou a mão na calça de Sean que se encolheu. — Estou com enxaqueca! — gritou ela do lado de dentro.
— Mas o jantar vai ser servido!
— Vá! — Challitta olhava Sean sem respirar. — Já disse!
Esteban olhou para um lado e para o outro do corredor. Balançou a cabeça sentindo dor e se foi sem cogitar. Já Sean tinha o coração na mão e o sexo dele nas mãos dela, que se deliciava de todas as maneiras até ele conseguir a nocautear de prazer.
E ele odiou-se por aquilo.
Complexo Templeton da Poliu.
09 de agosto; 23h04min.
Foi só a Almirante reformada Kimberly Aguiar abrir a porta de sua suíte 11111 que Sean Queise estava parado no corredor, com uma perna encostada na parede e outra no piso, provável há algum tempo.
Kimberly olhou-o, olhou para um lado, para outro e voltou a olhá-lo.
— Não vou convidá-lo a entrar.
— Não lhe imaginava sendo gentil mesmo.
Kimberly não gostou.
Aproximou-se e o cheirou.
— Trabalhou demais?
— Adoro sua ironia, Almirante Kimberly.
Ela girou os olhos sem querer realmente o ouvir dizer onde e como se embebedou de champagne.
— Vou jantar! — ela saiu da suíte, fechou a porta atrás de si e tentou passar por ele para ir à sala de refeições. — Estou atrasada, Sr. Queise.
— Quem tirou a foto de 2004?
Ela olhou-o meio que brecando sua passagem.
— Como é que é?
— “Como é que é” o quê? Acha que vou acreditar que Challitta não me entregou para toda a cúpula da Poliu, após imprimir meus hackeamentos e me entregá-los porque me quer com exclusividade na cama dela?
Ela ameaçou empurrá-lo, manter o sangue frio.
— Sr. Queise, acredite... — Kimberly sorriu fria e cínica. —, Challitta o entregou na primeira oportunidade — o encarou cheirando o ar novamente. — Para sua sorte, espero que tenha sido gentil com ela o suficiente ou... — e ia empurrá-lo, mas ele saiu da frente antes que ela o tocasse.
— Vai embora sem me dizer? — Sean sabia que ela ia parar. — Quem tirou a foto, Almirante?
— A nave MOTHER! — continuou andando.
— ‘A nave MOTHER’ sua mãe, não?
Kimberly arregalou os olhos sentindo o corredor girar.
— Como...
— Como sei? — perguntou cínico.
— Por que se arrisca tanto, Sr. Queise?
— Já me fizeram essa pergunta.
Kimberly olhou em volta e voltou a andar para longe dele. Sean correu e passou por ela, que o via se dirigindo para longe do salão de refeições.
— A noite está estrelada! — Sean viu que as portas para o lado externo estavam trancadas e pediu para sair do Anexo II.
Kimberly ficou tentada a lhe dar uma ordem, uma bronca ou coisa que valha, mas abriu a porta para ambos passarem, o seguindo para fora do Anexo II sem querer tê-lo seguido.
A noite estava realmente estrelada, mas Kimberly era um buraco negro. Sean até se sentiria bem ao lado dela se não fosse aquela frieza.
Ambos desceram a extensa rampa em total silêncio. O cheiro de champagne chegou até ela novamente; em meio ao som das ondas batendo longe dali, a imensidão do mar, do céu, do infinito e Kimberly sentindo ciúme do que aquilo significava.
Sean observou a Almirante andando ao seu lado. Começou instintivamente a fazer comparações imediatas; não com Challitta, mas com Letizia. A espanhola Kimberly era robusta, mas com todas as medidas exatas para seu corpo. Não era tão alta quanto Letizia, mas os saltos agulhas eram para aquilo mesmo, que os tirou quando o piso tornou-se areia. Talvez o que mais chamava atenção nela era seu cabelo negro, com uma faixa dimensionadamente branca, sempre presa no coque militar. Seu corpo exalava um aroma suave, de mulher cheirosa sem se parecer em nada com Letizia.
Já a adolescente Letizia fazia o tipo mulherão, que forçava mesmo ser uma, como percebeu desde a sala de Oscar, com suas roupas espalhafatosas, com perfumes que não perdiam um só poro de vista, e o ar esnobe até o último pelo do corpo era de dar medo.
— É de dar medo, não? — Kimberly trouxe Sean de volta naquela frase.
Ele riu sem que ela entendesse.
Kimberly acabou por relaxar com ele.
— Podemos falar agora? — Sean apontou para a imensidão outra vez num espaço onde tudo era mar.
— Sabia que também tínhamos escutas aqui Sr. Queise? — ela não insistiu mesmo porque Sean não respondeu. — Sim, Sr. Queise, podemos falar agora porque aqui não temos escutas.
— Você é uma das astrogeólogas reformada do Estado Maior da Força Aérea Espanhola, a aeronáutica espanhola, que construíram um mapa topográfico de Marte, não?
— Se você já sabia...
— Gosto de ouvir seu timbre de voz, Almirante — Sean viu Kimberly olhá-lo de rabo de olho. — Vamos Almirante! Não posso fazer funcionar ROMRET X se ele está desmontado no Laboratório Dois, sei lá há quanto tempo.
— O que você... Aquela... aquela... aquela...
— “Aquela”? — Sean se divertia.
— Ahhh!!! — Kimberly gritou para a imensidão descendo cada vez mais a rampa. — Vai tudo de mal a pior. Ahhh! — voltou a exclamar para a noite estrelada. — Eu falei... Eu falei... Mas a Poliu não escuta. Mr. Trevellis não escuta — invadia a areia propriamente dita balançando na mão as sandálias pretas.
— Aonde vai? Aonde vai, Almirante? — Sean viu que Kimberly não respondia. — Ahhh!!! — foi a vez de Sean gritar para o nada tendo que correr atrás dela. — Por favor! — parou-a no ato fazendo-a quase tombar sobre ele. — Me ajude a ganhar a concorrência me explicando o que está acontecendo.
— Entende minha posição?
— É para sua posição que estou pedindo ajuda.
— E o que faz achar que vou ajudá-lo?
— Se a Computer Co. não fizer o ROMRET que está lá em cima... — apontou metaforicamente para Marte. —, se movimentar e limpar a areia de seus componentes, os Pellet-Parresh vão assumir tudo, e sei que Trevellis está fazendo de tudo para que eu ganhe, porque se os Pellet-Parresh ganharem estará encrencada também, Almirante.
— Mr. Trevellis fez o que exatamente?
— Não sei, mas Trevellis deu-me algum ROMRET desligado em Marte e o ROMRET X desmontado na Terra — Sean segurou os ombros de Kimberly que gelou, e não foi pela corrente marítima gelada. — Afinal qual ROMRET estou fazendo movimentar?
— ROMRET X!
— Ahhh! Por favor!
— ROMRET X!
— Não é ROMRET X, Almirante!!! — gritou furioso.
— ROMRET IX!!! — explodiu. — Mas que inferno!!!
— Droga! — largou-a. — É o Robot parado à beira da Duck Bay, não?
— Hackeou?
— Esperanza contou-me que... — olhou Kimberly. — E eu... — e parou.
— E você? Ahhh!!! — explodiu de novo. — Tomou champagne com Esperanza, também?
— Claro que não! — Sean se ofendeu.
Kimberly nem ponderou mais nada.
— Ótimo! Então vamos nos sentar porque vou precisar me sentar Sr. Queise — apontou as pedras no quebra-mar que atingiram. E suspirou longamente. — Todo projeto começou na década de 70 quando a Poliu deu carta branca a construção de um Robot móvel, que ‘andaria’ sobre o terreno marciano, e traria informações do solo para futuros empreendimentos.
— “Década de 70”? Que futuros empreendimentos?
— O homem em Marte.
— Não tínhamos a infraestrutura computacional de hoje. Como fariam isso?
— Nada sei sobre como os mainframes da Computer Co. suportariam isso.
— Mainframes de meu pai? De um jovem hacker Fernando? Deus... — olhou em volta. — Prossiga! Também vou precisar me sentar — e se acomodou ao lado dela cheirando champagne caríssima.
Ela o olhou de lado sentindo aquilo, e mais uma vez sentiu ciúme de Challitta.
— Em 25 de julho de 1976 as imagens feitas pela sonda americana Viking I, revelaram a existência de estranhos afloramentos rochosos com o formato que lembrava pirâmides, e com uma face semelhante a Esfinge egípcia, no que foi batizado por Cydonia — Kimberly nem respirava. —, uma região no hemisfério do norte do planeta Marte que fica numa zona transitiva, entre as regiões fortemente cobertas de crateras ao sul e planícies relativamente lisas ao norte.
— Mas que foram tomadas como ilusões de óptica, provocadas pelo jogo de luz e sombra na superfície marciana. Eu sei! E era uma NASA aberta ao imaginário público até a ‘Face de Marte’ aparecer, e comunicados na imprensa chegarem dizendo que tudo não passou de Pareidolia, ilusão de óptica. E o fato de toda a Missão Viking ser deslocada para outro lugar, foi por Cydonia ser considerada uma área perigosamente montanhosa e rochosa, mas tudo foi transportado para uma região chamada Utopia, extremamente montanhosa, rochosa e perigosa. Isso é de se pensar, não? — Sean riu vendo que Kimberly não gostou de ouvir aquilo. — E isso sem contar que a famosa ‘Frame 35A72’ nunca mais foi vista, evaporou-se, dizem, sem que pudéssemos avaliá-la hoje com todos os nossos recursos.
— É... Mas por esse motivo que a formação continuou mexendo com o imaginário popular, como tema de muitas especulações sobre sua origem; seria ou não uma estrutura artificial construída. Mas claro, é só um dos muitos mitos sobre Marte, como quando em 1784, o astrônomo inglês William Herschel escreveu que áreas escuras em Marte seriam oceanos, e as parte mais claras, terra. Ou os famosos ‘canali’ que por um erro de tradução, ficou como canais, água em Marte e, portanto, vida.
— Mas há canais em Marte.
— É... Mas o erro do astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli em 1877 foi popularizado pelo astrônomo Percival Lowell que, em 1895, apresentou desenhos dos canais em um livro chamado Marte, e aprofundou a ideia em um segundo livro chamado Marte como a permanência da vida em 1908, até a teoria ser negada no começo do século XX, quando ficou provado que as ondulações eram Pareidolia, ilusão de ótica.
— Mas há canais em Marte — insistiu.
— Já foi lá Sr. Queise?
Sean riu.
— Não! Mas se puder ver a imagem completa do rosto em Marte, Almirante, vai ver uma pirâmide de cinco pontas logo abaixo dela, no que já se chegou a dizer, que ela poderia ser uma cidade desintegrada, ou um conjunto de pirâmides, construída por seres inteligentes.
— E era?
— Acredito que o dossiê saiba, não?
— “Dossiê”? — agora Kimberly realmente sentiu-se mal.
— Não vá me dizer que não me conhece. Que trabalhando para Trevellis nada sabia sobre mim — foi até arisco.
— Saber que você é um hacker? Um fantasma que assombra os bancos de dados da Poliu?
— Um ‘fantasma’? Confesso que nunca me colocaram sob esse prisma — achou graça, fez graça.
Kimberly viu naquele momento o quanto ele era bonito e o quanto se guardara ao trabalho, aos estudos, as pesquisas, a solidão da ilha.
“Até vê-lo!”, ecoou por ela outra vez.
Kimberly tentou tirar ideias de sua mente, provável de seu corpo também. Sean ficou a observando, e ela se sentiu invadida. E parecia que Sean fazia aquilo mesmo, a invadir.
— Prossiga... — soou sensual da boca dele gostando do que chegou até ele pelo éter.
— Os seis primeiros ROMRETs, ROMRET I, II, III, IV, V e VI foram lançados por naves não tripuladas até Marte, desde a década de 70, para estudar Cydonia, como disse alvo de especulações já algum tempo, além do que estudos geológicos feitos indicarem ali, ser um bom local para se andar. Mas quando os ROMRETs começavam a trabalhar já saíam do ar, e então outra nave não tripulada ia até Marte e resgatava o Robot o trazendo de volta.
— Incrível! Quantas viagens?
— Quantas necessárias — foi o que respondeu sabendo que aquilo não o ia satisfazer. — Meus pais chegaram à Marte em 2003 com a nave FATHER. O intuito era rondar a órbita de Marte e lançar a nave MOTHER sem tripulantes, que por sua vez levariam os ROMRETs VII e VIII à superfície, a fim de explorar o terreno.
— Então a nave que Spirit da NASA fotografou em 2004 não era alienígena, era a nave FATHER?
— Alienígena para Marte, não para nós — Kimberly prosseguiu no que viu Sean pensativo.
— Houve muita especulação sobre a tal foto de 2004, ser um meteoro, ou ser uma das naves mandadas ao planeta vermelho há mais de 30 anos, que ainda o estaria orbitando — olhou-a.
— Se não foi a nave da Poliu, então segundo consta, Sr. Queise, não foram as sondas russas Mars 2, Mars 3, Mars 5 ou Phobos 2; nem as sondas americanas Mariner 9 ou Viking 1. Restando apenas a Viking 2, que tem uma órbita polar; aliás só a Viking 1 e 2 estariam em uma órbita para produzir um tipo de movimento tão rápido quanto o registrado pelo Spirit — olhou-o.
— Ou talvez marcianos? — ambos riram. — É deveras interessante porque a NASA disse que não era sempre que a atenção do Robô Spirit se voltava para o céu marciano a fim de se estudar a atmosfera, mas foi numa dessas ocasiões que o Spirit estava observando o céu com o filtro verde de sua câmera panorâmica, que o objeto não identificado foi registrado.
Olharam-se.
— Meus pais ficaram exatos três anos dando voltas, estudando imagens que recebiam, e então voltaram a Terra no início de 2007, no que os ROMRETs VII e VIII saíram do ar.
— Esperanza falou sobre a nave FATHER e a nave MOTHER ainda estarem na órbita de Marte. Acho que ela se confundiu com as datas, não? — Sean viu Kimberly só o olhar. — Acaba aí?
Kimberly o fuzilou.
— Não... Eles realmente voltaram à Terra em 2007, mas quando chegaram aqui, não conseguiram se adaptar a nada. As pessoas eram estranhas e os ROMRETs estavam fora do ar. Minha mãe se entregou a um laboratório de pesquisas ajudando na criação dos ROMRETs IX e X, já que quando os Robots chegavam a Marte se enchiam de areia e se desligavam. Enquanto isso meu pai entrava em depressão, preocupando minha mãe. Ela foi atrás de Mr. Trevellis e ele autorizou em 2010 que a nave FATHER, com nave MOTHER e os ROMRETs, retornassem à Marte. Meus pais então retornaram a Marte nos 39 dias, e eles lançaram ROMRET IX, quando lá chegaram para estudarem Cydonia e a Cratera Victoria. Quando ROMRET IX parou de funcionar à beira da Duck Bay só lhes restavam ROMRET X.
— Imagino a frustração.
— Sim, foi. Meu pai voltou à depressão, agora mais intensa quando lá em cima, os médicos aqui na Terra o diagnosticaram com Transtorno Bipolar, medicado a base de Lítio, entre a euforia e a melancolia.
— Sinto por isso, Almirante — Sean nada a ouviu falar sobre seus sentimentos; ela era fria, talvez ‘cobra gelada’. — 71° 49’ 19.73” N e 29° 33’ 06.53” W.
— Que coordenada é essa?
— Não conhece? É o último hit em mitos sobre Marte, Almirante — Sean viu que ela não sabia, e não pareceu gostar de saber. — Em um vídeo viral no YouTube, alguém que se descreveu como ‘astronauta de poltrona’, disse ter usado o aplicativo Google Mars e encontrado nessa coordenada o que chamou de ‘Bio Station Alpha’, uma estrutura linear que achou ser um acampamento ou base, ele não sabe se humana ou alienígena.
— E você sabe Sr. Queise?
— Não! Eles logo disseram que o arquivo da imagem crua foi convertido para um formato JPEG, para uso no Google Mars, e como imagens do espaço são tiradas fora da nossa atmosfera, é muito comum ver golpes de raios cósmicos, o que a deixou distorcida.
— Droga! — Kimberly respirou profundamente ponderando as próximas frases. — Quando a Poliu deu carta branca para descer ROMRET X, ano passado, e ambos irem com o Robot ao solo marciano, meu pai se iluminou quando soube que iriam descer no Planeta Marte.
— “Descer”? Então... Deus...
— Era só isso que meu pai desejava.
— Mas por que a Poliu os mandou lá e não permitiu que eles fossem ao planeta desde então? E de repente, o que havia lá para precisar de seus pais pisando o planeta?
Kimberly pareceu momentaneamente não entender a pergunta.
— Resgatar ROMRET IX era muito importante para a missão. Ele havia ido com êxito às pirâmides de Cydonia, e tinha meses de gravação quando tudo ficou perdido; até então ROMRET X aguardava na nave FATHER.
Se Sean pudesse acreditar em Esperanza, como sentia que podia acreditar, então sabia que Kimberly mentia, que algo não condizia, não sabia ainda no que.
— O dossiê?
Kimberly percebeu a insistência.
— Meu pai o escreveu durante a internação; uma internação forçada em torno do Planeta Marte — Kimberly viu o susto dele. — Pode imaginar os segredos desconfortáveis que viriam à tona se tal dossiê fosse divulgado à comunidade científica, escrita por alguém instável psicologicamente?
— Por que a Poliu temeria um dossiê de um bipolar, Almirante? — insistiu.
— Não o li. Mas meu pai estava delirando quando o escreveu.
— Traduza ‘delirando’?
— Não há tradução Sr. Queise.
— Se seu pai estava nesse estado, por que a Poliu o mandou descer em Marte?
— Entende agora, não?
— Entendo que havia algo ‘delirante’ no dossiê que fez Trevellis desejar essa aterrissagem.
— Gosto de sua inteligência Sr. Queise — Kimberly observou a noite estrelada que mais parecia um quadro pintado; nada se movia a não ser a respiração agitada de ambos.
— Deus... O homem já pisou em Marte...
— Não imaginava a Poliu divulgando algo assim, não?
— E a Poliu divulga algo? — riu com gosto. — Prossiga...
— Meus pais então entraram na atmosfera com a nave auxiliar, a nave MOTHER, com capacidade para uma pessoa e grande carga, ou duas pessoas e pouca carga, inclusive alimentos e uma fábrica de oxigênio para ser montada; assim chegaram e montaram um pequeno LAB, um Laboratório de Sobrevivência pré-fabricado. O LAB tem a forma de pera, mais parecido com uma sonda, acredito que nada parecido com essa base linear que falou o ‘astronauta de poltrona’ — olhou-o de lado. — Havia computadores, um pequeno banco de dados para coleta de informações, principalmente imagens, uma cozinha experimental, mantimentos, uma mesa triangular para duas pessoas, duas cadeiras e duas camas tipo abre-e-fecha, dessas usadas pelo exército da ONU. Levaram também uma pequena ‘fábrica de energia’, mas não a testaram.
— E vocês nada puderam falar porque era uma experiência da Poliu?
— Exato! Deixamos ficar entre os muitos mitos sobre Marte — Kimberly inclinou e deitou-se sob a noite estrelada.
Sean desejou deitar-se sobre ela, sujo ou não de champagne.
“Droga!”, realmente se assustou com o que desejou.
— Como se envolveu com tudo isso, Sr. Queise? — a voz de Kimberly o trouxe ali.
— Apesar da Computer Co. ter ganhado a concorrência, e meu pai ter bons cientistas disponíveis, foi sob muita pressão de meu pai, que assumi e desenvolvi o backbone para a WEBI criando um nó em Spartacus. A Poliu precisava se comunicar com o Planeta Marte, por isso a necessidade de uma Internet que evitasse os delay, os retardos de sinais em circuitos eletrônicos, entende? E antes o delay de uma comunicação com Marte, feitas por sinais digitais viajando à velocidade da luz, era de 20 minutos.
— Foi quando a mais forte das muitas tempestades atingiu ROMRET X. Não preciso contar que ROMRET X parou de funcionar 18 horas depois da tempestade, não? — olhou-o com gosto. — A Poliu entrou em polvorosa, eles estavam muitos bravos.
— “Eles” se traduzem em ‘Mister’.
— Sim. O conselho de Misteres e Mistresses, que são os verdadeiros poderes da Poliu, exigiram que ROMRET IX fosse encontrado e consertado, mas meus pais estavam a meio caminho do retorno à Terra, com ROMRET X danificado e sem combustível para retornar à Marte.
— Me lembro de muitas visitas de Trevellis a meu pai, muitas das quais presenciei sem eles saberem — Sean lembrou-se que Mr. Trevellis o viu numa ocasião, ainda pequeno. — Mas houve uma visita à Computer Co. em algum mês do ano passado, aonde Trevellis chegou querendo, exigindo respostas do meu pai quanto a programas e programas que falhavam numa missão. Eu sabia que ele gritava com meu pai querendo gritar comigo. Então invadi a biblioteca, o mandei sumir de lá, briguei com meu pai pelo silêncio dele e coloquei em cheque se a Computer Co. era ou não totalmente minha. Meu pai me disse que tudo aquilo era besteira, que Trevellis fazia aquilo para me provocar, porque Trevellis dizia que havia sido um erro, ele, meu pai sabendo quem eu era, dar-me tanto crédito assim — Sean olhou o chão pensando se talvez, Mr. Trevellis quisesse era falar de poderes genéticos e não de poderes computacionais. — Mas havia muito mais podridão ali, Almirante...
— Sinto Sr. Queise. Seu pai Fernando Queise é um homem bom, mas como todos nós, ele esconde segredos.
— Você também esconde segredos Almirante?
— Já quer ir embora? — ergueu-se.
— Não. Quero mais respostas.
Kimberly e Sean se desafiavam.
— Mais respostas? — ela voltou a sentar-se.
— O que poderia haver de tão excepcional no dossiê? Seria algo haver com as tempestades? Seria isso? Ou é que o Planeta Marte está pronto para receber a presença humana porque já houve humanos em Marte?
— “Humanos em Marte”? — Kimberly não o olhou. — Sei apenas que minha mãe andou pela superfície de Marte, em fevereiro e março do ano retrasado, após ambos montarem os computadores em terras marcianas no Laboratório de sobrevivência em forma de pera, preparado como já disse, para receber humanos em fase de teste, para então voltarem à nave FATHER através da nave MOTHER. E naquela época foram abastecidos de informações por tudo que era de novo, desenvolvido aqui na Terra, Sr. Queise.
— Computadores e programas desenvolvidos pela Computer Co., sob o comando de meu pai, sob as ordens da Polícia Mundial para uso da Poliu — Sean começou a ficar nervoso, sabia que Fernando, Oscar e Mr. Trevellis eram amigos desde juventude, que junto a sua mãe, os quatro estudaram na mesma escola Suíça.
Sean ficou tentado a investigar que escola afinal era aquela, e se fora a mesma escola que Letizia estudara; uma escola de poderosos.
— A Polícia Mundial não sabia — a voz de Kimberly o acordou.
— O que?! Meu pai e Trevellis? Sem Oscar saber? — olhava confuso a ver a água bater nas pedras. — Oscar foi contra eu estar aqui?
— Foi seu pai Fernando Queise quem estava contra você entrar na concorrência para salvar ROMRET X, Sr. Queise; ou ROMRET IX, na verdade — ela viu Sean arregalar os olhos azuis para ela. — Acho que o Sr. Fernando Queise temia que você chegasse mais cedo mais tarde até aqui — apontou para trás mostrando o Observatório Templeton na trajetória.
— Meu pai? Foi meu pai quem me prejudicou na concorrência? — Sean olhava para os lados sentindo-se perdido. — Eu... Eu não entendi... Entendi? — Sean queria ter realmente entendido aquilo.
“Droga!”, odiou-se por nada saber.
— Meu pai fazia parte do dossiê, não Almirante?
— Não sei dizer isso, Sr. Queise. Não o li, já disse. Meus pais, ao contrário dos seus, não gostavam dos filhos, eu e meu irmão éramos acidente de percurso. Quando meu irmão morreu de câncer, eu me vi sozinha com a única oportunidade na vida, servir a Poliu.
Sean começou a dar pontos por ela tratar a Poliu assim. Tentou manter o foco, voltar ao que interessava realmente, ao que o levara até ali, àquela noite estrelada. Porque havia algo escuso entre seu pai e Mr. Trevellis, algo que fazia Mr. Trevellis ter de aguentá-lo.
— Seus pais, Almirante?
— Morreram após chegarem ano passado. As viagens eram estafantes, a musculaturas de seus corações...
— Não sabia que estava de luto. Sinto muito.
— Eu também sinto... — olhou a imensidão. — Eu também... — Kimberly escorregou um olhar para ele que não perdia qualquer movimento dela.
— É por isso que ROMRET X está no Laboratório Dois?
— Não sei nada sobre isso — se levantou e Sean a segurou pela mão.
Ela o olhou de cima, livrou-se da mão quente dele e começou a voltar ao Anexo II.
Ele se ergueu e a seguiu, percorrendo todo o trajeto sem que trocassem mais uma única palavra, até Sean ceder.
— Por que Trevellis quer-me aqui afinal? — parou à porta após chegarem.
Kimberly abriu a porta e também parou.
— Há um refrão africano que diz ‘Por mais longa que seja a noite, o amanhecer chegará’ — Kimberly olhou para o céu noturno. — A noite está linda. Vou deixar a porta aberta; entre quando quiser — voltou a olhá-lo. — Tenha uma boa noite Sr. Queise.
— Para você também Senhorita... — Sean ficou lá após Kimberly entrar, gostando de como foi chamada.
E como não tinha fome, não depois de tudo, da confusão com Challitta Chaniny, agora Sra. Pellet-Parresh, preferiu a noite estrelada.
“Que confusão...”, foi o que pensou, olhando para a grande e espelhada cúpula do Observatório Templeton do Anexo I por alguns minutos.
Sabia ser lá que estavam todas suas respostas, talvez as respostas que fariam os Robots voltar a funcionar.
Tocou na porta de metal a fim de entrar no Anexo II e algo passou por ele. Algo que já não estava confinado a todo Complexo Templeton, às paredes fechadas, à energia pesada.
— Quem está aí? — falou para a noite estrelada, mas nada se moveu. Sean tocou na grande maçaneta outra vez e algo uivou em seu ouvido. — Ahhh!!! — ele se virou em puro choque. — Quem está aí?! — berrou nervoso, com o coração acelerado pelo medo.
Nada, nenhum movimento, nenhum rap; só a noite estrelada.
Sean começava a desgostar daquilo. Temeu que a mesma coisa que estava na sua suíte, no corredor, nos seus sonhos estivesse ali também.
Não pensou duas vezes e se jogou para dentro do Anexo II fechando a porta atrás de si, sentindo o coração pulsar na garganta. Olhou um lado e não viu ninguém, olhou o outro e os corredores estavam vazios, provável todos no jantar que ainda acontecia tarde da noite.
Engoliu a saliva que secava e foi para sua suíte de número 55; precisava dormir.
Mas foi só abrir a porta e a última surpresa da noite se fez:
— O grande parapsicólogo Teodoro Flournoy demonstrou, sem ter como duvidar, que a língua marciana era uma inteligentíssima modificação do francês — Pierre viu Sean arregalar os olhos azuis, olhar o corredor vazio atrás dele e voltar a olhá-lo agora rindo. — Não! Não! Não estou brincando Sr. Queise.
Sean achou que ele estava. Parou de rir, porém.
Olhou um lado e outro da sua suíte; cama arrumada, carpete limpo, abat-jour iluminando indiretamente o ambiente, e a única coisa errada ali era o engenheiro mecatrônico Pierre Toddy sentado na cadeira, o esperando.
— Como entrou aqui Pierre?
— Além do mais, devemos crer cegamente que na verdade, parece um conto ficcional, entende? Que a humanidade marciana evoluiu mais rapidamente que a terrena e, desde a formação dos seus núcleos sociais, nunca precisou destruir para viver, diferente de nós, cuja vida não prossegue sem a morte — e Pierre balançou a cabeça rapidamente.
— Perguntei como entrou...
— Na Terra, a vida não prossegue sem morte só por força das concepções humanas, mas, antes disso, pelo imperativo das leis naturais — ele não dava chances a Sean.
Sean entrou e fechou a porta. Não queria ninguém no Complexo Templeton sabendo que falavam, talvez, sobre marcianos.
— Do que estamos falando exatamente, Pierre?
— Estamos falando que de que outra forma, teria sido feito as fases marcianas de um mundo primitivo, se não de provas e expiações, ou mesmo de regenerações como no que encontramos hoje? — e Pierre voltou a balançar freneticamente a cabeça de um lado para outro, alertando Sean. — Corre uma mística que se pergunta se os marcianos acaso não precisaram como nós, de uma matéria densa para evoluir de início. Isso! Isso! Isso seria um convite a teses não espíritas.
— “Teses não espíritas...” — soou da boca de Sean que precisou sentar. — Falando especificamente dos marcianos, um artigo da Revista Espírita de outubro de 1860 dizia que o Planeta Marte era um planeta inferior à Terra, da qual sem necessidades de habitá-lo, onde Marte era a primeira encarnação dos demônios mais grosseiros; uma forma humana, mas sem nenhuma beleza, entregues às necessidades materiais, que bebiam, comiam, lutavam, e se uniam carnalmente...
— Isso! Isso! A situação de Marte era de um mundo transitório.
— Transitório para quem Pierre?
— Nós! Nós! Terráqueos! Que já fomos marcianos.
Sean agora achou tudo muito esquisito.
“Ou não?”, pensou.
— Por que falou sobre Theodoro Flournoy, Pierre?
— Flournoy era um psicólogo que estudava os sonhos e não, não acreditava em nada sobre reencarnações, até conhecer as faculdades mediúnicas de Helena Smith, que provou a ele que havia sido uma Indiana noutra vida.
— Sim, Theodoro Flournoy acreditava que essas impressões se encontravam registradas nos arquivos ‘criptomnésicos’, e que emergiam à consciência em estados especiais de hipermnésia — sorriu-lhe. — Mona o chamava de períspirito e falava muito dele em suas... — e achou que era hora de parar.
— Mas o mais fantástico foi que Helena, numa das sessões sob o controle do Dr. Lemaitre, dar os primeiros sinais que já fora marciana.
— Porque durante uma viagem astral, contou-lhe.
— Isso! Isso! E quando Helena chegou a Marte, descreveu as saudações como ‘gestos barrocos das mãos e dos dedos’, ‘estalos duma mão sobre a outra’, ‘golpes ou aplicações destes ou daqueles dedos sobre o nariz, sobre os lábios e também o queixo’, ‘reverências contorcidas e rotações dos pés sobre o chão’. Descreveu tudo! Tudo! Tudo o que via; carros sem cavalos nem rodas, deslizando e produzindo faíscas, casas com ondas sobre o telhado, um berço que no lugar de cortinas tinha anjos de ferro com as asas estendidas e...
— Pierre...
— Não! Não! Deixe-me terminar, Sr. Queise — lançou a cabeça freneticamente outra vez de um lado a outro fazendo Sean se alertar todo. — Helena descreveu as pessoas como sendo iguais a nós, também iguais para ambos os sexos, e que usavam calças muito amplas e uma comprida blusa apertada à cintura, recoberta de desenhos, e que falavam francês — voltou a chacoalhar a cabeça ferozmente.
Sean não perdia aquilo de vista.
Não gostou daquilo, porém.
— Pierre espere... Você está dizendo que...
— Sim! Sim! O marciano tinha, como todas as línguas, ‘consoantes prediletas, sotaque característico, letras predominantes’. Com admirável paciência, Flournoy reproduziu, traduziu e analisou quarenta e um textos marcianos, demonstrando que as regras de gramática e sintaxe marcianas não são mais do que ‘um decalque ou uma paródia das regras do francês’ — e Pierre parou para respirar.
Sean achou que também precisava. Sabia que havia muito mais que aquela história fantástica. Outra vez aquilo lhe pareceu ser só a ponta de um iceberg.
— Pierre... Estamos falando sobre marcianos, que são espíritos alienígenas marcianos, que falam francês?
— Já leu não Sr. Queise?
— Li? Fala do dossiê?
— Sim! Sim! Porque também sabe que sei que pode ler mentes — balançou a cabeça a quase fazer deslocá-la.
— Não é assim como a ficção científica brada aos ventos, Pierre. Nem tudo eu capto, nem tudo me é...
— Porque eles não deixam. Os espiões psíquicos. E eles estão aqui aos montes. Todos! Todos! Todos eles.
Daquilo Sean teve medo, de tantos ‘todos’.
— Os espiões psíquicos estão aqui no Complexo? Brecando-nos?
— Sim! Sim! Todos nós conhecemos esse estado de semiconsciência, estado crepuscular, que fica entre a vigília e o sono; a evidência de uma dupla consciência. Nem dormimos nem estamos acordados. Estamos simplesmente num estado de transição — e Pierre voltou a balançar a cabeça alertando Sean para aquilo, aquilo que parecia uma estranha dor de cabeça. — Então os espiões psíquicos ficam por aí, incutindo falsas memórias, confundido tudo, fazendo a gente esquecer-se do dossiê sobre os espíritos alienígenas, porque não existem mais humanos em Marte.
— “Espíritos alienígenas”? “Humanos em Marte”?
— Sim! Sim! Errôneo pensar que haja seres inteligentes em Marte só porque lá existe água. Ah! Ah! Então se há água, tudo bem! Mas não! Não! Água para que? — balançava a cabeça desenfreadamente. Sean até achou ela fosse deslocar do encaixe. — Eles não precisam de água. Habitam outra dimensão física do planeta. Sua superfície é estéril porque os que o habitam, de nada precisam — e parou para olhar Sean que não movia um único fio do cabelo, ainda melado de champagne cara e areia da praia, quando um sinal sonoro reverberou por todo Pierre e ele se levantou alerta. — Ouviu? Ouviu? É a hora de nos recolher.
— “Hora de nos recolher”? Do que está falando, Pierre?
— Não? Não? Não ouviu o sinal? Não podemos ficar fora de nossas suítes após o toque de recolher.
— Não tocou... — e Sean parou de falar. — E por que não podemos ficar fora das suítes?
— Não questionamos Sr. Queise! Não! Não! Não o faça também! — e se aproximou da porta que se abriu sozinha.
Sean alertou-se outra vez. Pierre havia aberto a porta com a força da sua mente, com toda sua biometria lá impedindo; e provável todos os espiões psíquicos também podiam abrir portas.
— Deus... — começou a ter medo de estar ali, com chaves magnéticas que eram magnéticas, porque alguém queria o ver na suíte de número 55, com toques de recolher que não tocavam, mandando todos não saírem dali.
— Lembre-se Sr. Queise... — Pierre falou da porta. —, o procedimento de criação da linguagem marciana, parece consistir simplesmente em pegar as frases francesas, tal quais são, e substituir cada palavra por outra — e se foi.
Sean ficou lá realmente em choque, tentando entender por que precisava de tal procedimento.
8
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
10 de agosto; 08h18min.
O tilintar de vidros e porcelanas se espalharam pelos corredores, o aroma de café e outras coisas matinais também se perderam na imensidão do Complexo Templeton.
Sean chegou com todos já sentados para o café da manhã. Um ou outro cumprimento de cabeça, e ele se sentou vendo Challitta em seu raio de visão, que desviou com medo de Allejandro que o encarou, que encarou a cunhada, e voltou a encarar Sean outra vez.
Ele temeu que a louca Challitta tivesse feito mais que forçar aquela noite de champagne, ou se engrandecer contando a Kimberly sob sua camisa encharcada.
Odiou-se.
Esperanza entrou com a Major Mª Lucia, e ambas se dirigiram à mesa de Kimberly, que só viu Sean quando se virou para elas. Os dois se olharam e Kimberly não fez mais nada que isso.
Dela, Sean queria mais.
Havia ovos, tortilhas de presunto e queijo, muitas frutas, vários tipos de pães, geleias e patês. Os doces então eram as estrelas locais; toucinho do céu, maçãs assadas, arroz doce, queijo ricota com mel e castanhas e a famosíssima crema catalanã.
Só não havia Letizia Pellet-Parresh.
Sean estranhou que ela ainda não estivesse ali, já que o salão de refeições havia praticamente sido lotado quando ele chegou. Depois estranhou estar sentindo falta dela, já que Allejandro não tirava os olhos dele, como se pudesse ler-lhes os pensamentos.
E aquela impressão o incomodou quando outra impressão o tomou de supetão, um perfume doce, de coco e limão. Sean ficou tentando lembrar-se de onde já sentira aquele perfume, e Letizia usando um forte perfume francês estava em pé ao lado de sua cadeira, esperando um convite para sentar. Sean ergueu-se pelo susto e pelo pavor do momento. E pelo som agudo que a cadeira de Allejandro fez também, ele se erguera tão repentinamente quanto Sean fizera.
Mas Letizia continuava lá, linda, num vestido branco que a deixava mais linda ainda quando algo passou por ele, uma energia pesada que fez todos seus pensamentos entrarem em curto.
Sean correu os olhos azuis percebendo que Letizia nada vira outra vez.
— Imagino que esteja em pé porque vai me oferecer uma cadeira, não Sean Queise?
Ele se virou para ela em choque.
— Vou? — foi só o que conseguir falar.
— Não vai?
Sean não respondeu. Letizia sorriu-lhe e se virou para ir embora.
— Espere! — Sean pegou no braço dela fazendo Allejandro já estar ao lado deles.
Sean não esperava que ele se locomovesse tão rápido e soltou o braço dela. Abhay foi o próximo a se erguer e aquilo alertou Kimberly que também se levantou, com Mr. Trevellis no fundo do salão começando a achar a manhã divertida.
— Vá para nossa mesa Letizia! — Allejandro deu a ordem encarando Sean de tão perto que ele mal conseguia localizar o oxigênio devido.
— Vou me sentar aqui! — respondeu Letizia olhando Sean grudado a Allejandro. — Se Sean Queise quiser, é claro.
— Eu... — e Sean não se arriscava a tirar os olhos azuis de Allejandro quando Kimberly foi a quarta personagem em volta da mesa.
O salão realmente parou.
— Sente-se na sua mesa Srta. Letizia Pellet-Parresh! — soou realmente como uma ordem, a voz da Almirante Kimberly Sathi Aguiar.
— Você não me manda Almirante.
— Eu o quê? — riu nervosa. — Bem... Espero então que o Sr. Allejandro Pellet-Parresh tenha menos cera nos ouvidos — Kimberly olhou para ele e ele estava a milímetros do corpo de Sean. —, e mais juízo ‘quê’.
— Vamos Letizia! — agora a ordem veio de Allejandro fazendo sua pele branca alcançar o tom de vermelho dos cabelos.
— Então, Sean Queise? — mas Letizia queria mesmo confusão. — Vai me convidar para sentar ou não? — olhou Sean que só olhava Allejandro lhe olhando de muito, muito perto. — Ah... — ela riu um tanto sem vontade de rir. — Percebo que não... — e se foi tão linda quanto entrou.
Challitta adorou aquilo. No final das contas, a ‘cobra gelada’ da Almirante Kimberly lhe fora útil mais uma vez.
Já Allejandro se foi atrás de Letizia para a mesa dos Pellet-Parresh e Kimberly só olhou Sean de lado.
— Já pode voltar a respirar Sr. Queise — Kimberly sorriu-lhe indo embora.
Mas Sean ficou lá, em choque, com os pensamentos mais assustadores que chegaram até ele.
“Droga!” foi só o que conseguiu raciocinar entre tantas informações captadas no ar.
Pegou uma grande xícara de café e foi embora, queria mais que nunca terminar aquele attach e ir embora, depois dos pensamentos de todos os Pellet-Parresh ali presente o deixarem realmente assustado.
Saiu tonto, seguindo a linha vermelha do chão, porque conseguira com um dos oficiais do Complexo Templeton, uma sala no Laboratório Cinco para trabalhar sozinho, mesmo com Mr. Trevellis dando ordens que ele somente usasse computadores sem conexão com os mainframes do Complexo Templeton.
Sean nem precisou se perguntar o porquê.
Complexo Templeton da Poliu.
11 de agosto; 17h56min.
No final da tarde, Sean foi abordado por quem ele menos esperava. A Almirante Kimberly vinha convidá-lo para um passeio.
— Com fome, suponho? — ela colocou o rosto, e depois o corpo que ele considerava perfeito, na porta. — Já que não almoçou.
Sean sorriu o mais cínico que conseguiu.
— Foi mesmo muito interessante ninguém vir me chatear a manhã toda.
— Não é o que queria?
— Sem ironias, Almirante Kimberly. Não pedi para a Srta. Letizia sentar-se à minha mesa. Ela chegou lá sozinha, se convidando.
— Então é como disse — e se virou. — Gosta de churros, Sr. Queise? — falou de costas para ele.
Ele não entendeu a mudança dela, nem o porquê dela ali.
— Sim... — ele se levantou e fechou o notebook.
— Aqui comemos o tradicional churro de roda espanhol, sem incrementações — e começou a sair do Laboratório Cinco, vendo Sean ir atrás dela. — Mas pode derramar açúcar e canela, se desejar. Os estrangeiros enfiam doces, geleias, chocolate — olhou-o usando todo seu charme. — Um crime, não acha?
Sean não achava nada, não conseguia ler os pensamentos dela e não conseguia se situar com a gentil e charmosa Kimberly, que adentrara no laboratório segundos atrás.
Ela sorriu e mostrou a porta para o corredor central. Ele a seguiu outra vez. As faixas coloridas no chão ganharam um tom acinzentado.
— Aonde vamos? — a viu tomando outro rumo que não o passeio gastronômico tipicamente espanhol.
— Não se preocupe. Vou lhe reservar churros.
— Vai reservar? Não vou mais comer?
Ela riu um tanto sarcástica, ele achou.
— Quero lhe mostrar algo! — olhou-o a seguindo. — Talvez o ajude... — ela viu que ele nada comentou, seguindo-a somente.
Kimberly e ele entraram e saíram de corredores mostrando a Sean que o Complexo era realmente uma grande construção.
“Wow!”, pensou ao perceber que os corredores por onde andavam, desciam para algum lugar.
Estava evidente também que as câmeras os captava, que Kimberly fazia algo de extraordinário, e que Mr. Trevellis sabia onde eles estavam indo sem brecá-los.
— Quero lhe mostrar algo! — Kimberly voltou a repetir quando abriu uma grande porta dupla de metal, que correu metade para cada lado da parede, após lerem sua retina e íris.
Sean não acreditou no que viu, um grande espaço claro, cheirando metais de todos os tipos, com o ar condicionado extremante gelado no que calculou ter uns 20 metros de altura, e uma imagem que o impactou mais ainda.
— Wow! Quantos robots têm aqui?
— 120 ROMRETs.
Sean não acreditava no que via, no grande espaço lotado de ROMRETs desligados, todos em fila, todos cheirando metal pesado.
— Wow! Por quê? Como?
— Isso está além do meu alcance, Sr. Queise.
— A Poliu queria o quê com esses 120 Robots ROMRETs? Povoar Marte?
— Isso está além...
— É! Isso está além do meu alcance! Já disse!
Kimberly não gostou de como foi tratada. Diferente das ideias dele, ela estava fazendo coisas que nunca julgou fazer; ir contra a Poliu e se apaixonar.
Aquilo chegou até ele, Sean impactou tanto quanto o impacto de ver aquele armazém de ROMRETs.
— Entre!
— Onde estamos afinal?
— Armazém número 5; um dos armazéns do Complexo Templeton.
— “Um dos”? Achei que os armazéns ficavam no Anexo I, embaixo do...
— Também! — Kimberly cortou sua duvida.
Sean deu alguns passos, sentiu-se pequeno, ínfimo perante tamanha obra de engenharia mecatrônica. Ia tocá-los e recuou quando um som, um único som vindo do mar de Robots ali presentes, se fez. Sean sabia que era um ‘rap’, mas o que aquele rap significava ainda lhe era uma incógnita.
Olhou Kimberly pelo canto do olho e ela lhe observava com empenho.
— Carrie e a equipe dela?
— E outras equipes antes! Anos antes...
— Droga! Há quanto tempo a Poliu se empenha com o Planeta Marte? — olhou Kimberly que não respondeu. — Não era só o Planeta Marte, não Almirante? A Poliu almeja outros planetas, também. Por isso os exobiologistas, por isso o renomado exobiologista Dr. Joshua, Ph.D em vidas alienígenas, estudioso de ‘vidas passadas alienígenas’, provável, ‘espíritos alienígenas’ — riu nervoso com ele mesmo, talvez porque a firmeza de Kimberly em nada cogitar era porque concordava com tais informações conseguidas por ele. — Droga!
— Minha mãe foi obrigada a voltar a pisar em Marte ano passado — Kimberly falou de repente. —, e ela pisou Marte contra a vontade de meu pai também; havia algo errado com o planeta agora ficou claro.
— Mas a Poliu tinha perguntas das quais os computadores dos ROMRETs fora do ar, não podiam responder.
— Meu pai foi junto para que pudesse auxiliá-la no conserto do ROMRET IX, mesmo diagnosticado com... — e parou.
— Paranoia!
— Sim...
— Uma paranoia que dizia que havia havido vida em Marte?
— Sim... — abaixou a cabeça. — Quando chegaram à superfície do planeta, um dos Laboratórios de sobrevivência havia sido destruído, de fora para dentro. Ela nunca ficou sabendo quando aquilo ocorreu, porque havia muita poeira identificando algum rombo na estrutura. E os computadores também haviam sido danificados.
— Me disse que seus pais levaram a Marte um Laboratório para ser montado ano passado, mas fala como se ele já estivesse lá, como se fossem vários LABS.
— Tem boa memória, não Sr. Queise?
Sean temeu o que ele tinha.
— O que seu pai escreveu no dossiê, Almirante?
— Não sei... Mas sei que quando pisaram em Marte pela última vez, encontraram um dos Laboratórios de sobrevivência destruído, que como percebeu, já estava lá montado.
— Montado por quem? — e as portas duplas de metal do armazém número 5 se abriram tão repentinamente, que as leituras de retina e íris emitiram um sinal sonoro avisando a sobrecarga de informações.
Challitta entrou no armazém e logo foi chamada a atenção por Kimberly, agora na frente de Sean.
— Mas que absurdo é esse Challitta?
— “Esse”? — riu Challitta com gosto. — Absurdo considero eu, vê-la arrastar Sean para o cantinho.
— Hei... — Sean ia falar, mas Kimberly brecou-lhe a boca com os dedos.
Challitta gostou menos ainda daquilo.
— Você tem sido uma pedra no meu caminho, Almirante, mas nada se compara a isso — a exobiologista tremia de raiva.
— Isso o que, Challitta? — Sean se enervou tirando os dedos de Kimberly de sua boca.
— Saia Challitta! — mas Kimberly tentou se impor.
Challitta nem deu bola ao desconforto dele ou as imposições dela, queria atacar Kimberly Sathi Aguiar de todas as maneiras.
— O que há Almirante? Não é mais uma cobra geladinha? — Challitta balançava as ancas em puro ataque.
Sean se incomodava cada vez mais. Kimberly idem.
— Ahhh... Sua desvairada... — Kimberly ia colocar ela no lugar quando Challitta se adiantou por ela mesma.
— Vamos, Kimberly! Aproveite enquanto pode. Sean saiu das fraldas faz pouco tempo, mas já urina no pinico que é uma beleza — Challitta gargalhou mais uma vez com o corpo e saiu.
Kimberly só escorregou os olhos para ele e Sean nem isso fez. Ambos ficaram sem graça com a compostura dela, e a porta se fechou. Kimberly nada comentou sobre, e Sean agradeceu calado como de costume.
— Eu devia... Eu devia... — ela tomou fôlego. — Eu devia tê-la mandado embora naquela vez... — e Kimberly parou.
“Que vez?”, Sean jamais saberia, não por ela.
— Eu... — Sean olhou o grande espaço iluminado. Tocou com coragem em um dos ROMRETs, percebendo que ele tinha ainda uma leve poeira, diferente do que o armazém poderia fornecer. — Eles... Eles não...
Kimberly abaixou a cabeça.
— Por favor, Sr. Queise. Vamos embora! Ficou claro que Mr. Trevellis e toda a cúpula saberá que eu lhe trouxe aqui.
— Trevellis já sabe.
Ela se virou tão rápido que não o enxergou direito.
— Como é...
— As câmeras no corredor... Trevellis as vigiava.
— Ele não tem acesso a central de segurança apesar de ser um ‘Mister’, Sr. Queise.
— Pois saiba Almirante, que Trevellis tem acesso a tudo. Inclusive a informação sobre os 120 ROMRETs — apontou. —, sujos de areia marciana.
Kimberly gargalhou com gosto.
— O medo que teve de Challitta lhe atingiu as ideias, Sr. Queise — ria.
Ele se aproximou tanto que ela realmente quis imprensá-lo num cantinho.
— Pois saiba você, Almirante Kimberly, que Challitta não me mete medo, nem quando divulga o que não faço muita questão de ser divulgado — sorriu cínico. — Mas Trevellis, apesar de não ter dons paranormais, ou não poderia ser um ‘Mister’, pode e consegue saber tudo o que lhe rodeia. Não se engane!
E foi a vez de Kimberly se aproximar mais ainda dele.
— Eu não me engano, Sr. Queise. Nunca! Não me engano, por exemplo, com Challitta, você e sua camisa grafite encharcada de champagne francês — ela viu Sean arquear o sobrolho e assimilou cada curva dele. — Não me engano, por exemplo, quando atraiu Letizia Pellet-Parresh à sua mesa — e Sean ia falar quando ela lhe brecou os lábios com dedos outra vez, e foi um contato para lá de sensual. — E não me engano, por exemplo, quando digo que sua presença aqui é e será, uma tremenda dor de cabeça — e se virou para abrir as portas duplas de metal.
— O muro que construímos ao redor dos outros nos protege contra a tristeza Almirante, mas também nos impede que cheguemos até a felicidade — Sean nem esperou ela olhar-lhe. — Boa noite! — se perdeu no ar quando a porta dupla se fechou na sua passagem.
Sean suspirou pesado não gostando de ter falado aquilo, não gostando de não ter ouvido nada de retorno. Gostando, porém de saber que ele significava uma tremenda dor de cabeça para a Poliu.
Olhou mais uma vez em volta e saiu dali também, já que não havia trancas biométricas naquele armazém; e saiu somente depois de buscar algumas respostas nos 120 ROMRETs com poeira marciana, que tocou atrás de rastros, não encontrando grande coisa.
Contudo o que encontrou, deu-lhe medo de estar ali.
Cada ROMRET daquele, era ligado a uma mente humana, e os ROMRETs viajavam em duplas; quantas viagens foram necessárias para efetuar aquilo, ou quantos seres humanos foram realmente a Marte, Sean se perguntava pelos corredores extensos, de faixas coloridas no piso e câmeras que o vigiavam.
“60?”, foi o que pensou.
Quando chegou perto da porta que permitia se conectar com o Anexo I, Sean testou sua retina e íris e por surpresa estavam arquivadas; se lançou porta afora.
Foi o luar, o som das ondas batendo não muito longe dali que o revigorou. Sean respirou aquele ar que só a beira-mar podia oferecer. Estava estafado, cansado da tecnologia, da vida de espionagem que o cercava desde pequeno. Porque pequeno nunca fora, porque a Computer Co. sempre lhe exigiu mais.
A Lua também era convidativa e ele quis saber os que os três armazéns abaixo do ‘Ojo grande’ possuíam.
— 60 naves? Para 120 ROMRETs? — riu com ele mesmo.
“O primeiro Robot foi lançado em 2003, três anos após o Complexo Templeton ficar pronto, em 2000 para monitorá-los”, ecoava a voz de Esperanza.
“Quando saíam do ar, outra nave não tripulada ia até Marte e resgatava o Robot o trazendo de volta”, ecoava a voz de Kimberly.
Sean sabia que uma das duas mentia, omitia, ou não estava a par da verdadeira situação. Mas eram apenas impressões. E não conseguia muita coisa com Kimberly, que como disse Pierre, parecia até ter sido preparada para bloquear-lhe.
“Talvez até fosse”, pensou olhando a água atingir-lhe os pés descalços, e pensou porque sabia que Sandy fora preparada para que ele não a ‘lê-se’.
E o perfume de coco e limão voltou a afetá-lo.
Sean olhou um lado, e outro. Quando olhou de novo Letizia estava parada com cara de poucos amigos, à beira do mar.
— Ah! — o perfume dela outra vez era de procedência francesa, forte, longe de ser ‘coco com limão’. — Parece que quer ver-me realmente em dificuldades, não Letizia?
Ela não gostou como foi chamada.
— Letizia Pellet-Parresh.
— Que seja... — e se virou passando por ela, caminhando pela areia para voltar a subir a rampa, desistindo que ela descobrisse o que ia fazer nos armazéns.
— Não ia encontrar nada mesmo lá — ela viu Sean estancar. — Lá nos três armazéns.
Sean teve medo de se virar. Ela era peculiar como ele, agora ficara claro.
O quanto é o que passou a lhe incomodar.
— Já o leu, Letizia?
— O dossiê?
Sean agora teve realmente medo de continuar ali. Ela era muito mais que ele julgava ser.
“Ela é o motivo de estar aqui... De estar aqui... De estar aqui...”; soava Oscar como nunca.
— Já o leu, Letizia Pellet-Parresh? — se virou para ela.
Ela se aproximou dele.
— Não!
— E como... — Sean sentiu seu coração acelerar.
— Oscar me disse. Porque sabia que um hacker havia invadido o sistema da Poliu. Sistemas que a Computer Co. criou para defendê-la.
— Não fui eu.
— Eu sei. Porque fui eu — sorriu com gosto.
Sean gargalhou e depois parou.
“De estar aqui... De estar aqui... De estar aqui...”.
— Seis graus de separação... — soou da boca de Sean no que Letizia acelerou o passo e passou agora por ele, o deixando falando sozinho. — Volte aqui! Odeio quando você faz fita, quando provoca confusão com seu irmão, quando me deixa falando sozinho — Sean correu atrás de Letizia que apertava o passo voltando ao Complexo Templeton.
— Não me siga Sean Queise — ria.
— Pare com isso! Volte aqui Letizia Pellet-Parresh e me trate normalmente!
— “Normalmente”?! — girou no salto e gritou. — E desde quando você é normal?!
— Como é que é?
— É normal ir atrás dos mortos, Sean Queise? — ria com gosto e prazer de estar rindo dele. — Acredito que você só se aqueça quando está atrás dela, não? — provocou-o para atingi-lo. — Atrás de Sandy Monroe! — ela viu Sean arregalar os olhos azuis com vontade de fazer mais que arregalar os olhos azuis. — Porque você viaja atrás dela, atrás de suas lembranças, dos bons momentos, não?
— Como sabe que eu...
— Viaja, não viaja?! — Letizia não o deixava falar, o desafiava e só.
— Viajo! Em grandes bancos de dados cósmicos! Para pedir-lhe perdão! E o que você tem haver com isso?
Letizia gargalhou friamente e Sean sentiu uma energia tão pesada que encontrou o chão numa fração de segundos. Letizia o viu ali, de joelhos. Nem quis entender o que significava aquilo.
Sean a olhou quando a névoa se moldou na bela Letizia Pellet-Parresh.
— Isso é ridículo! Tudo isso que fala é ridículo! Você é ridículo Sean Queise!!! — ela gritou para ele nos seus pés. — Não entende que morremos e acabou?!
— Quanta mágoa para uma menininha...
— A mesma quantidade de mágoa que viaja por suas veias de sangue frio, Sean Queise — Letizia respondeu a altura.
— Não sou frio! — Sean se revoltou se erguendo.
— Ou por acaso já provamos a existência de Deus cientificamente?
— Wow! Wow! Acho que devia começar a procurar novas abordagens em relação aos seus questionamentos, Senhorita. Está totalmente desorientada — e foi a sua vez de deixá-la lá.
Letizia girou no salto outra vez e correu atrás dele que apertava o passo tentando se livrar dela.
— “Desorientada”? Não, sem essas frescuras. Fico mesmo é me perguntando por que é imprescindível a existência de algum ser, ou entidade, para que o Universo seja criado, Sean Queise.
— Talvez porque queremos que seja, Letizia Pellet-Parresh. Porque precisamos nos apegar a algo, alguém, alguma coisa.
— “Apegar”? — debochou.
— Acreditar que há um pai maior que possa resolver todos nossos problemas, exaurir nossa dor e nos proteger de todos os males — abria os braços para o infinito.
— Ah! “Pai?” Sean Queise... — Letizia baqueou não deixando perceber-se, porém. Continuava a correr atrás dele que apertava o passo. — Quanta poesia... Você tem dois pais, por acaso é feliz?
Sean respirou profundamente para não virar para trás e bater nela, sendo ela quem fosse.
— Pare de me seguir, criancinha.
— “Criancinha”?! — berrou com toda sua força. — Deveria se perguntar, isso sim, se o Universo foi mesmo criado, ou existe desde sempre, sendo que os conceitos de tempo e causalidade são apenas abstrações da mente humana, que usamos para facilitar nosso entendimento nessa doce ideia de uma entidade divina criadora e protetora, encantadora, contudo fantasista — gargalhou forçosamente, para afetá-lo. — É como as crianças veem a figura paterna. Como disse? “Pai”? — gargalhava descontrolada e Sean subia cada vez mais rápido. — Resolvendo nossos problemas, Sean Queise?! Pare de andar!!! — mas Sean não parava e ela corria atrás dele no salto alto. — Ah! Vai dizer então que vamos para a vida adulta, nessa presumível figura transcendental, que em nada se assemelha ao Universo em que vivemos?
Sean sentiu realmente que havia algo ali. Uma sensação de déjà vu para com ela.
— Quantos ‘seis’ graus realmente nos separam Senhorita? — estancou.
Letizia foi pega de surpresa pela pergunta, e pela parada repentina.
Depois desatou a rir.
— Sean Queise... Sean Queise... Você pergunta demais... — o coração dela explodia no peito. — Vamos ‘Senhor’ Sean Queise. No final, você é tão estranho quanto tudo que estuda.
Sean sentiu sua segurança esvaecer. Um calor que invadiu o rosto bonito.
Ela sabia, sabia muito mais que sabia.
“O intruso”; soou por todo seu corpo.
— Era você no meu flat!
— Eu o que? Não sei do está falando — e Letizia se virou dando de cara com Esperanza. — Ah... Olá Srta. Esperanza!
Esperanza olhou Sean que também levou um susto por não a ter visto chegar ali. Ficou imaginando o quanto ela ouviu da discussão deles.
Já Esperanza olhou Letizia ali, e não gostou de vê-la ali.
— A ceia está sendo servida. Parece que há churros guardados para você, Sean...
Letizia não gostou daquilo, do ‘Sean’.
— Ah! Obrigada, Srta. Esperanza — Letizia agradeceu por aquilo, por ele. — ‘Sean’ adora churros, não? — sorriu cínica e se foi.
Esperanza também ficou extremamente enciumada por ver a bela Letizia com ele, na noite bonita. Discreta, Esperanza nada perguntou sobre o fato dela estar sendo mandada até lá. Ficou até na duvida se a ordem de Kimberly também não fora ciúme.
Sean ficou em choque olhando as duas irem embora e sumirem de suas vistas para dentro do Anexo II. E não foi o choque de Esperanza ter ido até lá, era algo que Letizia falou, entre todas as incongruências que Letizia Pellet-Parresh falou.
— Os mainframes... — e Sean saiu correndo.
Alcançou o corredor de separação e abriu a porta do Anexo I entrando no grande Observatório Templeton, após a biometria lerem sua retina e íris. Se as câmeras de vigilância o viram, o filmaram, nenhum alarme soou, nada parecido com o tal ‘toque de recolher’ de Pierre.
Sean, porém uma coisa sabia, Mr. Trevellis o queria ali.
Subiu a rampa com uma luz tênue saindo do grande teto abobadado, aberto o suficiente para que as lentes do telescópio do observatório captassem imagens.
Os modernos e seguros mainframes da Computer Co. estavam funcionando. Sean aproximou-se ao ver que havia algo mais; dois antigos mainframes de largas fitas que giravam no fundo da área de controle.
“Wow!”, há muito que a Computer Co. na possessão de Sean Queise, substituíra as fitas pelos discos rígidos. Não entendera o que dois mainframes tão antigos faziam ali.
Sentiu-se mal por não saber o que realmente acontecia com a empresa que julgava ser sua.
Sentou-se na cadeira e tentou se comunicar com Spartacus quando algo passou por ele. Sean girou em torno de si mesmo assustado. Girou mais uma vez, e outra, e saiu do corpo dividindo-se; um corpo em dormência, paralisado pela ação, e outro dele mesmo, que invadiu o éter vendo pessoas com cara de patos, em meio a um grande incêndio.
Pequenas naves cilíndricas, aos montes, sobrevoando uma cidade em chamas. Gritos e lamurias de espíritos que sofriam no Hades, no inferno, e as grandes labaredas o fizeram voltar ao corpo, no momento que foi lançado do lugar onde estava sentado, para o andar abaixo.
— Ahhh!!! — Sean caiu no chão duro do Observatório Templeton sentindo dor. Tentou se erguer, mas suas costas doíam. — O que... — olhou em volta receando sair do corpo outra vez, e deu um jogo no corpo, e ergueu-se tentando manter-se em pé. Tentando, porque seu corpo foi puxado e lançado outra vez, agora contra a parede inclinada do Observatório Templeton. — Ahhh!!! — Sean percorreu cem metros de distância, cinco metros de altura, para então ir ao chão numa queda que fez seus ossos vibrarem. — Ahhh... O que... — Sean abriu os olhos sentindo dor em cada pedaço de si mesmo.
Olhou em volta, a mesma meia-luz ainda iluminava o Observatório Templeton, que parecia tão normal quanto quando lá chegou.
Sean balançou a cabeça não entendendo muito bem o que aconteceu, nem como fora erguido e lançado a tamanha distância. E ergueu-se ficando de joelhos, sentindo-se cada vez mais atordoado.
Olhou em volta vendo que sua vista se embaçava, que o Observatório Templeton se embaçava, que uma imagem ia e vinha de outro lugar, que se moldava na sua orbe. Tombou outra vez percebendo que sua boca e mãos tocavam uma areia fina. Arregalou os olhos azuis deitado, grudado no chão de areia fina, para então se ver nitidamente num deserto quente, sufocante.
Havia uma depressão logo adiante e uma terra avermelhada se firmou de vez no seu orbe.
Sean escorregou um olhar para um lado e só a dimensão, um olhar para o outro lado e um Robot ROMRET o observava sorridente.
Agora Sean arregalou mesmo os olhos azuis, ainda grudados ao chão de areia, e o Robot tirou uma foto dele.
“Ahhh!!!”; o grito e o ar falharam-lhe, enquanto sua imagem corria o cosmo, chegava às lentes objetivas do satélite de observação Spartacus, ativava sistemas de segurança por todos os bancos de dados da Computer Co. acordando Oscar Roldman em Londres, no que a impressora cuspia imagens e mais imagens de um jovem Sean Queise que sofria.
Sean tentou respirar e toda sua cabeça balançou freneticamente de um lado e outro, até toda sua visão periférica borrar-se. Ele realmente sentiu que toda sua corrente sanguínea gelava, explodia nas veias que ameaçavam romper. Continuou ali, caído, grudado na areia fina e avermelhada, com os olhos azuis esbugalhados, e um som metálico, fraco, se fez a sua esquerda. O ROMRET o erguia do chão como se fosse uma carga, carregando-o numa espécie de pá carregadeira.
Sabia que estava sem oxigênio, que delirava fazendo imagens do subconsciente misturar-se às imagens de borrões que iam e vinham, em velocidades astronômicas, numa terra avermelhada, seca, onde só o movimento das rodas do ROMRET se fazia.
Viu-se entrando numa espécie de Laboratório acinzentado, em forma de pera, com duas janelas escotilhas e com sua porta arrancada pela pressão interna, para então ser colocado num chão metálico, gelado, aos pés de uma mesa triangular com três cadeiras.
Sean então olhou o ROMRET que se desligou fazendo uma cabeça quase humana cair.
— Não!!! — Sean gritou no que sua boca tocou agora o chão gelado do Observatório Templeton, no Anexo I, nas Ilhas Canárias, Planeta Terra e o ar demorou a encontrar o caminho costumeiro. Sean sentiu-se espremido em sua essência, uma essência que já não tinha mais certeza se levava a uma existência. Levantou-se e falhou-lhe o tornozelo que rompera. — Ahhh!!! — foi ao chão sem conseguir andar. Tentou mais uma vez e mancando se pôs a subir a rampa desesperadamente.
Precisava desligar os bancos de dados que mantinha Marte conectado a Spartacus, sabendo que alguma coisa alterara o satélite de observação, que havia alguma ligação entre eles.
Os discos dos mainframes giravam alucinadamente, complexos algoritmos matemáticos o deixavam assim quando algo passou por ele novamente. Sean continuou a subir a rampa em meio a paúra que tomava sua mente, arrastando o tornozelo esquerdo evitando ver que seu pé entortara, e algo voltou a passar por ele.
Sean tentou ir mais rápido sentindo muita dor, se arrastando até alcançar a cadeira que Mr. Trevellis usara antes, que ele também usara.
E foi mal o corpo se acomodar, e ele começar a digitar tão alucinadamente quantos os discos rígidos podiam girar, a cadeira em que sentava voou com ele por todo o espaço vazio, fazendo Sean se chocar com um dos espelhos inclinados do telescópio e lá ficar grudado nele.
“Ahhh!!!”, o grito de Sean e o som de vidro quebrado, espalharam-se por todos os microfones de segurança soando um alarme na suíte de Kimberly.
A Almirante Kimberly Sathi Aguiar saltou ainda sonada, com a arma em punho, apontando para frente, para cima, para os lados, e novamente para frente até entender o que acontecia.
Só teve tempo de pegar um monte de chaves-cartão e sair da suíte 11111 correndo de camisola, por muitos e muitos metros, entrando ofegante na sala de segurança com trinta telas de LED monitorando os Anexos e ninguém sentado à frente delas.
— O que... — ia perguntar quando viu Sean nas telas sendo arrastado pela parede interna do Observatório Templeton. — Mas que diabos é... Ahhh... — e Kimberly saiu correndo encontrando Allejandro, Esteban, Letizia, Esperanza, Dino, Vicente, Mr. Trevellis, Challitta, Carrie, Asunción, Pierre, Brian, Ho, Lyei, Abhay, Guadalupe, Péres, Mª Lucia, Dr. Joshua e seu eterno seguidor Pramit, tentando abrir a porta do Anexo II que estava trancada. — Mas que diabos... — girou os olhos. — Saiam da frente!!! Saiam da frente!!! — gritou mais alto.
— A porta não abre Almirante! — falou a Major Mª Lucia também de camisola.
— Por que estão todos aqui? — Kimberly olhou todos.
— Ouvimos gritos — foi Péres quem respondeu.
— “Gritos”? Como assim?
— Ouvimos Sean gritar — Esteban estava branco.
— É sim. Era ele — confirmou Pramit.
Kimberly arregalou os olhos, Sean pedia socorro de alguma forma. Ela olhou o Dr. Joshua que devolveu o olhar, e Letizia viu aquilo. Kimberly então colocou uma chave magnética no encaixe para então sua retina e íris serem lidas. Abriu a porta do Anexo II fazendo todos invadir a noite estrelada, para então chegarem ao Anexo I após a grande porta se abrir, e encontrarem Sean Queise girando toda a extensão das paredes do Observatório Templeton, como se estivesse girando no ‘globo da morte’ de um circo.
— Sr. Queise?! — gritou Kimberly girando a cabeça para vê-lo girar. — Desça daí!!!
Sean estava tonto demais para conseguir responder.
Só girava, girava, girava.
— Acho que ele não está fazendo o que gostaria — falou Lyei.
— Não... Também acho que ele não está conseguindo ouvi-la Almirante — falou Esperanza.
— Sr. Queise?! Sr. Queise?! Sr. Queise?! — gritava Kimberly girando a cabeça para vê-lo girar. — Desça já daí!!!
— Almirante... — Esperanza teve até medo de falar.
— Sean não consegue... — e Carrie também tentou.
— Não consegue isso e não vai conseguir fazer nada disso — falou Allejandro rindo.
— Por que ele não cai? — perguntou Dino.
— Porque a força centrífuga que o está movendo é maior do que o peso dele — Challitta foi a única a se dar ao trabalho de responder.
— Calem-se!!! Calem-se!!! — explodiu Kimberly. — Sr. Queise?! — gritou ela. — Sr. Queise?! — gritou outra vez para depois olhar Mr. Trevellis. — Faça algo!!!
Mr. Trevellis olhou em volta.
— Letizia! — Mr. Trevellis chamou-a. Kimberly não acreditou quando ela deu um passo a frente dela e observou o tamanho grande de Mr. Trevellis. — Desligue os mainframes! — ordenou ele calmamente.
— Desligar os... — Kimberly ia falar, mas calou-se na carranca de Mr. Trevellis.
Letizia também tão calma quanto Mr. Trevellis, andou todo o trajeto da rampa até as telas de controle dos mainframes, enquanto Sean girava, girava e girava.
Sentou-se ainda calma e começou a digitar tão alucinadamente, que nem Allejandro, Esteban, Challitta, Dino e Kimberly entenderam aquilo.
Tudo então se desligou, e o grande telescópio do observatório recuou, com Sean caindo no vácuo, na rampa oposta à entrada.
A Contra-Almirante Asunción, Pierre, Esteban, Ho, Carrie, Vicente e Esperanza correram para encontrar Sean rasgado, sangrando, suado, vomitado e desmaiado.
A noite terminou com o olhar da Almirante Kimberly em Letizia Pellet-Parresh, que saiu do Anexo I sem trocar uma palavra com ninguém, nem com os irmãos.
Havia algo muito errado ali.
9
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
11 de agosto; 22h33min.
Sean acordou na sala de observações, agora com mais que vontade de vomitar. Ele olhou em volta, havia mesas com vários instrumentos; pinças, tesouras, agulhas, líquidos diversos e muita gaze e gesso em meio a cheiro de iodo. Tocou-se, havia um curativo na cabeça e uma tala no pé esquerdo onde ele afetara o tornozelo.
Tudo doía.
A porta da sala de observações se abriu. Sean viu que alguém entrou, mas só sentiu o perfume feminino, suave, de rosas brancas.
Ele voltou a dormir.
“Sean?”; chamou Sandy.
“Sandy? Onde você está?”
“Rastros, Sean. Busque os rastros de Esperanza...”
“Esperanza?”
“Os patos estão com o neozelandês”; e Sandy Monroe sumiu.
— Sr. Queise? Sr. Queise? — alguém o chamava.
Sean abriu os olhos azuis, viu a mulher que realmente entrara pela porta.
— Eu... — tentou se levantar e caiu na maca.
— Você está bem?
— Eu... Não sei... — e Sean apagou outra vez, sendo levado para sua suíte de número 55 adormecido, após a Vice-Almirante Dra. Anália Marinõ, clínica geral do Complexo Templeton, chamar alguém para ajudar a carregá-lo.
Complexo Templeton da Poliu.
11 de agosto; 22h58min.
— Vamos Sr. Queise! Não posso liberá-lo para o trabalho se não acordar... — Anália tentou levantá-lo. — Vamos! Sr. Oscar Roldman deu-me ordens de ajudá-lo.
Sean voltou a abrir os olhos.
— Oscar... Aqui?
— Vamos! — Anália ergueu-o de vez, no momento em que Sean ameaçou deitar de novo. — Tente reagir ou não vai conseguir terminar o programa.
— Programa...
— Sim. O programa que o trouxe às Canárias.
Sean abriu os olhos novamente. Viu uma mulher na casa dos quarenta anos, usando roupa branca, cabelos vermelhos como o fogo, até mais para um tom cor de vinho sintético que outra tonalidade de vermelho natural. As unhas também pouco condiziam com as de uma médica; eram coloridas, compridas, cheias de adesivos.
A sua altura, exageradamente grande, também assustava.
— Você... — Sean franziu os olhos.
— Sou a Dra. Anália Marinõ, clínica geral. Sou amiga de Oscar Roldman. Cheguei ontem para ajudá-lo.
— Amiga... Ontem... — olhou-a.
— Está há dois dias, desacordado, Sr. Queise.
— Desacordado... Dois dias... Falou com o neozelandês? — sentia-se grogue.
— “Neozelandês”?
— Sim. Os patos estão com ele.
— “Patos”? Que patos estão com o neozelandês, Sr. Queise? Vamos! Reaja! Não está falando coisa com coisa.
— Reagir... Quando me disser como... — e uma cápsula de um líquido fétido estourou na sua narina. — Ahhh... — afastou a mão dela se jogando para fora da cama.
Sean foi ao chão da suíte 55 com todo peso e força.
— Pronto! Agora eu já disse como! — e a Doutora saiu da suíte depois de mostrar a ele um envelope e deixá-lo em cima da mesa.
Sean não acreditou na maneira como foi tratado, nem como estava tudo à sua volta. Sua suíte estava toda bagunçada, ‘derretida’ teria sido uma palavra mais apropriada.
A mesa tinha os pés numa massa irreconhecível, os quadros de Marte arrancados e enterrados do outro lado da parede, enquanto a própria parede não tinha mais todo o papel de parede, que havia derretido feito cera aquecida.
— Droga! O que é isso? — algo corroeu seu estômago de repente. — O que procuravam? Os pendrives... — andou de joelhos até a mala, jogando tudo, revirando agora ele o pouco de ordem que sobrara.
— Eu os guardei! — anunciou a exótica Letizia na porta aberta.
Sean ergueu os olhos azuis para ela, ajoelhado no chão. Os cabelos loiro-avermelhados dela brilhavam.
— O que... O que disse?
Ela tirou um colar que usava de dentro da blusa de malha laranja e soltou três pequenos pendrives, entregando-os, no que se aproximou dele. Sean os reconheceu como seus pendrives, e a olhou confuso, ainda do chão, se virando para se agarrar na cama para levantar-se, sem os pegar.
— Ahhh!!! — gritou de dor no que seu pé falseou pelo tornozelo esquerdo luxado dentro do gesso apertado. Ela inclinou-se para auxiliá-lo e ele gritou. — Não me toque!!!
Ela recuou assustada com sua reação apertando os pendrives contra sua mão.
— É assim que me agradece?
— Agradecer ao que? A ter destruído minha suíte? — apontou em volta, sentado na beira da cama sentindo seu tornozelo latejar.
Letizia riu de nervoso.
— Eu não fiz nada disso! Fiquei sabendo do estado lastimável da sua suíte quando Brian e Ho lhe levaram.
— Levaram-me? Para onde?
— Para a sala de recuperação — apontou para o tornozelo dele. — Não se lembra?
— Me lembro do que?
— Dos gritos!
— Que gritos?
— Os seus, Sean Queise. Do seu passeio pelas paredes do Observatório Templeton de um bilhão de euros aos gritos — Letizia viu Sean arregalar os olhos azuis, olhar os pendrives na mão dela e voltar a arregalar os olhos para ela. — Quando você gritou por socorro, há duas noites passadas, todos nós o encontramos girando. Então lhe levaram para a enfermagem até a chegada da médica. Quando vim até aqui, a sua suíte estava toda bagunçada; roupas, sapatos, produtos de higiene, tudo jogado, mas não estava assim... — apontou novamente. —, lastimável.
— E por que veio a minha suíte?
— Porque eles queriam algo, não?
Sean teve medo de perguntar ‘quem’ quando percebeu ‘o quê’.
— O notebook...
— Havia desaparecido.
— Droga! — Sean correu os olhos para tudo estragado. — Mas e os pendrives?
— Na sua mala menor. Onde os colocou.
Sean olhou-a numa mistura de curiosidade e medo.
— Sabia...
— Sabia porquê os vi colocar lá no avião.
— “No avião”? Que avião?
— Seis graus de separação — falou numa voz arrastada.
Sean a traduziu como sexy.
Algo o alertou.
— Claro... ‘Seis graus’ que me separavam de você dentro de um avião...
— É... — Letizia gargalhou tão alto que todo o corpo de Sean vibrou, desejou-a.
Ele arregalou os olhos azuis para seus próprios pensamentos. Achou-se realmente com problemas maiores que quase ser morto.
Letizia se virou deixando os pendrives em cima da cama ao lado dele, e numa última olhada, o mediu de alto a baixo.
Sean desejou mais que aquilo.
Ela voltou a olhá-lo de relance ao sair e fechar a porta atrás de si como se realmente tivesse lido aqueles pensamentos nele.
— Droga! Onde me meti? — Sean olhou os pendrives e lembrou-se das palavras da Doutora. — Oscar! — Sean levantou-se num impulso e alcançou o envelope.
Dentro, fotos dele próprio gritando, sofrendo, numa terra vermelha e seca.
Ele caiu com tudo no chão, em choque, ao ver que a câmera que o fotografou, também fotografou o ROMRET que o segurava, que a câmera estava no ROMRET e ambos em Marte.
O coração disparou e Sean saiu mancando, se apoiando em tudo para chegar até a porta, ao corredor, para então dar de encontro com Kimberly.
E teve que ouvir poucas e boas da Almirante reformada Kimberly.
— Enlouqueceu ou o quê? Invade o Anexo I no meio da madrugada e quebra um espelho de milhões de dólares?
— “Milhões”?
— Cale-se!!! — Kimberly apontou para a suíte 55 e Sean calou no calor do momento. Ele voltou saltitando de dor no tornozelo engessado. Ele entrou e ela entrou atrás acendendo a luz no que gritou. — Oh!!! — se virou para ele quando ele passou por ela sentando-se sem cerimônia na maior bagunça. — O que você fez?
— Dei uma festa! — ele a viu ficar momentaneamente sem entender. — O que você acha que eu fiz, Almirante? Por que acha que eu fiz algo, Almirante? — ele não gostou de vê-la balançar a anca mostrando toda a bagunça da suíte. — Não fui eu! Quando a Doutora me trouxe para cá agora a pouco já estava assim; quadros arrancados, papel de parede e mobília derretida não sei como, e toda minha roupa virada como pode ver — e antes que ela falasse algo. —, e meu notebook sumiu — Sean completou.
— Sua suíte estava em perfeita ordem quando eu lhe trouxe com a Major Mª Lucia.
— Aqui ninguém diz coisa com coisa, não? Letizia disse que já estava assim quando veio aqui...
— “Letizia disse”? “Quando veio aqui”? Nossa! Você realmente não leu nossas políticas de bom comportamento, não Sr. Queise?
— O que quer dizer com isso? Ela não estava aqui comigo, disse que...
— Cale-se! — e Kimberly viu Sean recuar.
— Letizia Pellet-Parresh disse que a suíte já estava bagunçada, não toda derretida.
— Em quem acredita?
— Não entendi?
— Disse-me que Challitta lhe contou que ROMRET desmontado é ROMRET X. Letizia lhe disse que a suíte já estava bagunçada enquanto ela lhe dava os pendrives sumidos... — Kimberly nem percebeu que Sean arregalou os olhos azuis para ela. —, e você ataca deliberadamente Allejandro Pellet-Parresh com uma bandeja, quando devia ter uma amigável convivência.
— Como sabe sobre os pendrives? — ele viu Kimberly só erguer a coluna numa linha reta. — Como sabe sobre... Ahhh!!! — berrou descontrolado. — Não me vai dizer que existem câmeras dentro das suítes, vai?!
Kimberly arrumou a mecha branca que não havia caído do cabelo e anunciou:
— Vou transferi-lo para a suíte de número 5.
— Outro final 5 do pentagrama esotérico?
Kimberly dessa vez sentiu a pergunta.
— Como é que é?
— Como é que é o quê?! — berrou salivando. — Já leu Fausto?!
— Por que está gritando? É claro que já li Goethe!
— Pois há no diálogo entre o Doutor Fausto e Mefistófeles onde Mefistófeles diz: ‘Bom; mas para sair, força é dizê-lo, acho certo empecilho: e é ver pintado no limiar um ‘pé de feiticeira’!!! — e salivava para os lados no que berrava. — E Fausto responde: ‘Tens medo do Pentagrama! Essa é boa! E quando entraste, diabão do inferno, emandingou-te acaso? Um gênio desses deixa-se assim lograr?’. No que Mefistófeles responde: ‘Repare o sábio! Aquele Pentagrama está malfeito!!!
— Pentagrama? Aonde quer chegar com toda essa gritaria, Sr. Queise? — irritava-se.
— Eu?! Eu?! Lugar algum!!! — Sean gargalhou nervoso do chão do quarto; pela bagunça, pelas câmeras, por ela ali lhe dando ordens.
— E?
— E? E?! E que para o filósofo Pitágoras, o Pentagrama era o símbolo do himeneu celeste: a fusão da alma com o Espírito!!! E ele dava ao número 5 o nome de “número do homem no microcosmo”!!!
— Pare de gritar! Já disse que...
— Sabia, Almirante, que o Pentagrama era tão apreciado entre os pitagóricos, que para eles participarem das reuniões secretas, era necessário portar um Pentagrama em sua mão direita?! — gritava descontrolado. — Um Pentagrama Esotérico, um símbolo e um instrumento de meditação e de trabalho interior?! A estrela de 5 pontas devidamente paramentada com os símbolos sagrados, chamada de Pentagrama Esotérico, Pentalfa Gnóstica ou Estrela Flamejante; um Pentagrama Esotérico resumindo toda a Ciência da Gnosis, expressando o domínio do Espírito sobre os Elementos da Natureza?! — e caiu sem voz.
— Coisa de bruxo, suponho — Kimberly sorriu cínica e calma em meio ao descontrole dele. E Sean desistiu. — Posso saber por que chegamos nessa conversa, ou diria, nessa gritaria sobre pentagramas, Sr. Queise?
— Porque nossas suítes estão estranhamente... — e Sean parou de falar no que a porta abriu atrás dela e dois seguranças do Complexo Templeton o olharam com olhares de poucos amigos.
“Espiões psíquicos...”; soou por todo corpo atordoado de Sean Queise.
— “Estranhamente”? — e Kimberly se virou para sair. — Vamos! Chega dessa conversa maluca! Vá dormir! Antes vou mandar lhe trazerem comida. Já viu o quanto vomita no meu Complexo? — riu.
— Onde está Trevellis? — ainda perguntou não achando muita graça nela.
— Não sei — disse Kimberly da porta dispensando os agentes de segurança. — O vi saindo com o secretário dos Pellet-Parresh até a cidade.
— ‘Secretário’? O capanga de Amâncio foi elevado à categoria de secretário?
— Não sabia que seus problemas com os Pellet-Parresh atingiam os empregados, também.
— Ahhh... — gargalhou Sean. — Não imagina o que Abhay é capaz, Almirante. Já o vi quebrar mãos, só porque Amâncio não quis cumprimentar quem as estendeu a ele.
Mas Kimberly não queria saber do dia-a-dia de Amâncio Pellet-Parresh.
— Acho melhor descansar, Sr. Queise. Porque preciso de um descanso também. E... — e ergueu a mão num movimento para que ele se calasse. — E preciso dormir porque preciso recuperar as noites que me fez perder o sono, Sr. Queise — e Kimberly deu uma última olhada saindo da suíte 55 com o coração acelerado, sem saber do que ele era realmente capaz, se fora ele quem destruiu a suíte, ou era algo mais do dia-a-dia dele, também.
Sean ficou a olhando ir.
— “Recuperar as noites que me fez perder o sono, Sr. Queise” — repetiu ele em tom de deboche.
“Droga!”, levantou-se e procurou no frigobar gelo não encontrando.
Pegou uma faca ali deixada e cortou o gesso sentindo todos os tipos de dores, e então saiu pulando para ir até o refeitório atrás de gelo. E saiu pulando e pensando que tinha que esperar Oscar chegar, para tomar uma posição favorável a ele.
Só Oscar Roldman podia fazer algo.
Sean atravessou os corredores como pôde e conseguiu, mas mudou o itinerário tentando chegar até um dos laboratórios.
— Ahhh... Ahhh... Ahhh... — ia reclamando de dor pelos corredores.
Precisava de um computador com WiFi, precisava avisar Oscar que o notebook sumira, que ele fora fotografado sendo salvo pelo Robot ROMRET IX que estava em Marte, que provável ele também estivera lá, e precisava mais que tudo, ler aquele dossiê do qual sabia que não tinha nada haver com o que Pierre disse; e claro, encontrar o tal neozelandês e os patos se quisesse continuar vivo.
No meio do caminho viu outra linha colorida no chão. Resolveu seguir a linha e o Dr. Joshua sobressaltou ao ver Sean, que não queria que ele ou qualquer outra pessoa estivesse ali.
— Sr. Queise? — Joshua estava sentado à uma mesa de madeira escura que em nada se lembrava do moderno Complexo da Poliu, esperando ele falar algo.
— Challitta? — Sean fez uma careta não sabendo muito bem por que perguntou aquilo.
— A Sra. Pellet-Parresh foi descansar — Dr. Joshua fechou a tampa da mesa Luiz XV.
— Ah... Senhora Pellet-Parresh... — engoliu aquilo. — Ok! — Sean olhou em volta observando novamente a sala, onde o mobiliário parecia tão antiquado quanto o Doutor ali sentado, o olhando. — A Srta. Esperanza?
— Dormindo! É quase meia-noite Sr. Queise — e fingiu abrir algo para ler.
— Wow! Não sabia. Não tem janelas no Anexo II.
Joshua ergueu os olhos do papel percebendo o cinismo.
— Precisa de algo Sr. Queise?
— Preciso? Ah... Sim. Terminar o programa.
— Entendo — Joshua olhou em volta e Sean acompanhou seu olhar. Havia dois computadores numa mesa de madeira clara com pernas talhadas em madrepérolas. Depois disso, só a sala que conseguia cheirar a mofo. — São de Pramit! — apontou os dois computadores. — Sou antiquado demais para isso — sorriu percebendo que Sean concordava com ele. — Pramit me coloca na frente do Google, conectado a centenas de páginas científicas, mas ainda prefiro uma boa e completa biblioteca.
Sean sorriu singelo.
Imaginava aquilo mesmo.
— Estão... — Sean apontou os computadores. — Desligados?
— Sim. Os mainframes os desligaram.
— Os main... Como é que é? — toda sua tez embranqueceu.
— Por causa de sua performance.
— Minha o quê?
— Sua performance Sr. Queise, que desligou os mainframes, que precisamos até para dar descarga.
— Ah... Dar descarga... — Sean repetiu a esmo.
— Não acha que talvez os filósofos Platão, Aristóteles e Martin Heidegger estivessem certos em desprezar a tecnologia, Sr. Queise? — Joshua cruzou os braços num gesto de descaso. — Afinal, o que conseguimos dela se não nossa escravidão?
Sean olhou o entorno perdido, aquela conversa parecia destoar de todo o Complexo Templeton.
“Ou não?”, tudo ali cheirava mofo.
— Saber, é uma pergunta para as quais poucas respostas são conhecidas, mas acho que Heidegger buscou responder ao longo do seu percurso filosófico, o que é o homem em si e não suas correspondências, Doutor. Saber o que é o homem, a ponto de nem perguntar o que ele é, é posta em questão pelo avanço das tecnologias. Heidegger foi o filósofo que mais retornou aos primórdios da filosofia antiga, para você achar que ele era contra a...
— Heidegger publicou um ensaio intitulado ‘A questão da técnica’ que parecia levantar, que o homem agride a natureza com a tecnologia, exaltando os artesãos gregos de Platão e Aristóteles porque manipulavam a natureza sem danificá-la. É um ensaio puramente tecnofóbico, Sr. Queise. O problema está no futuro do homem diante do mundo maquinário, que está no nosso modo de sermos humanos, já que nossa consciência dá às máquinas ordens que fazem as máquinas nos dar ordens.
— “Nosso modo de sermos humanos”? Máquinas dando ordens, Dr. Joshua? Aonde quer chegar com os mainframes controlando descargas?
— A Internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos encontrar alguém. Compramos, pagamos contas, trabalhamos, pedimos comida, assistimos a um filme sem falar com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas não precisamos mais sair de casa. Fazemos sexo pela tela do computador. Tudo vem à nossa casa via on-line. Isso tudo é muito prejudicial.
— Mitos antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos nos ensinam que a essência humana, não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado. O cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. Podemos apertar a descarga, mas ela é em si um mecanismo — Sean olhou em volta tentando entender muita coisa ali deixada no éter. — Sabemos até onde ir, Dr. Joshua.
Joshua gargalhou secamente.
— Sabemos Sr. Queise? Acha mesmo? No século XX tornamo-nos extensões das máquinas, ou seja, a situação inverteu; e há décadas somos escravizados por essas máquinas que ‘sabemos até onde ir’. E olhe em volta Sr. Queise... — apontou.
— E o que devia ver?
— Ver que hoje, mais e mais o trabalho é feito por máquinas, computadores autômatos e robôs que substituem, em grande parte, a força de trabalho humano.
— Wow!
— Isso não o assusta então? Porque surge cada vez mais o que se convencionou chamar-se de cibionte.
— Cibionte, macro-organismo resultante da simbiose e da articulação do biológico com o mecânico e o eletrônico — Sean enfrentou-o percebendo que seu dom paranormal o alertava para algo.
— Exato! Cibionte, o superorganismo híbrido, feito de seres humanos, máquinas e redes de informação, como seus mainframes, portanto, a articulação do biológico, do mecânico e do eletrônico que formam nossas sociedades atuais com seres humanos simbióticos; o homem simbiótico, que quando alterado, precisa ser desligado. E quando desligado... — apontou para as telas apagadas pelos mainframes.
— O computador nada mais é que um laboratório portátil de todas as áreas, devido a sua capacidade de simulação. Simulamos um Robot, mas não o somos — Sean recordou de repente Esperanza e a alma das máquinas, sabia aonde ele queria chegar, só não entendia o porquê de ele querer chegar até ali.
— Não está entendendo, Sr. Queise — Joshua discordava. — O homem torna-se copiloto de sua evolução.
“Copiloto de sua evolução... Copiloto de sua evolução... Copiloto de sua evolução...”; ecoava apavorantemente.
Joshua, porém, prosseguiu:
— O nascimento do cibionte retraça as grandes etapas da origem da vida. Evolui em conjunto com tudo que o circunda — levantou-se arrumando a mesa para ir embora. —, incluindo suas próprias criações.
— Estamos falando de máquinas e humanos? Interagindo sexualmente?
Joshua respirou profundamente.
— Estou parecendo um tanto apocalíptico falando assim, em humanos-máquinas, gerados de máquinas e humanos sexualmente, embora não concorde em muitas coisas, mas são conclusões baseadas em modelos que cientistas elaboraram, e estão alertando para os limites da sobrevivência humana. A partir desse novo paradigma, surge uma nova maneira de se lidar com a inteligência artificial se...
Mas Joshua parou de falar no que Kimberly apareceu na porta.
— Pode deixar Dr. Joshua — Kimberly anunciou atrás dele. — O Sr. Queise é minha propriedade.
— Sua “propriedade”? — Sean nem se quer moveu-se.
— Não devia ter saído da cama Sr. Queise — falou Kimberly no que Joshua saiu da sala que cheirava mofo. — Seu tornozelo esquerdo ainda está luxado — pigarreou. —, e sem gesso.
Sean se virou num salto que o fez sentir dor.
— Ahhh... Não devia ter me deixado na cama Almirante.
— E onde devia tê-lo deixado? Caído no chão do Observatório Templeton? Vomitado? Sangrando? — piscou nervosa. — E eu não disse que meu sono está... — e ela não terminou a frase porque Sean se aproximou tanto que Kimberly sentiu que realmente se apaixonou.
— O que houve aos mainframes?
— Não... Não sei — afastou-o. — Eles enlouqueceram e perdemos o contato com Marte.
— Droga! Todos os banco de dados da Computer Co.?
— Não sei a extensão das perdas, Sr. Queise.
— Oscar?
— Sr. Oscar Roldman não deu previsão de chegada.
— Os mainframes controlavam...
— Tudo! Iluminação, eletricidade, água e comunicação.
— Mas como... — apontou para tudo.
— Estamos usando um gerador a diesel e trazendo alimentos perecíveis da cidade. Por isso vamos guardar nossas energias para tentarmos consertar os mainframes, Sr. Queise — Kimberly se virou para ir embora e se virou novamente para ele. — Parece que agora conseguiu um trabalho que só você sabe fazer — riu cínica. — Aliás... Trabalho que só você e Letizia sabem fazer... — e se foi.
Sean girou os olhos azuis e saiu pulando atrás dela.
— Eu e Letizia? Como é que é? — ele corria atrás dela, ou pelo menos tentava. — Ahhh... — foi ao chão.
Kimberly voltou passos atrás e o ergueu do chão, furiosa por ele agir como uma criança, e ela ter que bancar sua babá.
— Seus mainframes entraram em pane, Sr. Queise. Você ficou girando como um louco pelas paredes, e não me pergunte como fez aquilo.
— Fiz?
— Fez Sr. Queise! E só parou quando Mr. Trevellis mandou Letizia desligar os mainframes.
— Desligar os mainframes? Letizia? Ela não podia. Ninguém podia. Só eu posso... — Sean arregalou os olhos azuis ficando momentaneamente sem fala.
— Ah! Não se preocupe em entender. Nem os Pellet-Parresh, os irmãos Pellet-Parresh, entenderam quando Letizia terminou por digitar sei lá o que para os mainframes, que ‘só você’ pode desligar, desligarem — e Kimberly o deixou paralisado no meio do corredor sumindo ele não soube para onde.
E Sean sentiu como nunca, todo o cinismo da Almirante percorrer-lhe o corpo. Sentiu-se tonto e não foi pelos últimos dias. Foi saltando num pé só até a suíte 55, precisava dormir, e precisava de respostas após acordar.
Quando Sean entrou no quarto, a visão mais aterradora em meio ao caos era o holograma da bela praia agora em imagem noturna. Gostaria de ter chegado aos mainframes para entender o porquê de não poderem ter janelas.
Arrastou um pouco da bagunça para um lado e um pouco para o outro a fim de passar, e tocou o vidro onde o holograma estava comprimido e sons de obras voltaram até ele. Entendeu que as janelas deviam ter sido retiradas durante as obras da reforma, feitas um ano atrás; e foi algo que obrigou o Complexo Templeton a se proteger, talvez a mesma coisa que obrigou tantas caixas de armas entrarem ali.
Suspirou, ponderou e sabia que dormir não ia aliviar nada, mas estava cansado, ainda grogue, tentando entender o que os algoritmos genéticos de um cibionte ou os patos alienígenas significavam.
Deitou-se e uma tristeza o tomou conta. Foi dormir acreditando que a tristeza era mais sua conhecida que a felicidade experimentada, uma felicidade como a do filósofo Erasmo de Rotterdam, em consistir ser o que se é.
Sean dormiu no chão acarpetado lotado de bagunça.
10
“Sr. Queise?” chamou uma voz feminina.
Sean abriu os olhos azuis e viu o quarto onde dormia. Era uma suíte como a que usava, como a de Letizia e talvez igual a todas as outras, mas não era a sua. Ou sofria de TOC enquanto dormia e deu-se a arrumá-la, ou não estava na destruída suíte 55.
— Sr. Queise? — voltou a chamar a voz feminina, forte até.
Sean ergueu o corpo, respirou não sentindo cheiro algum, nem dor no tornozelo que não estava luxado. Ergueu-se de vez e ficou alerta, não estava na suíte dele, nem no corpo dele, nem ali.
Virou para um lado e outro, e uma jovem Esperanza o olhava usando cabelo comprido, negro e preso num rabo-de-cavalo.
— Seu cabelo... — apontou.
— Ah! A Poliu mandou-me cortar.
— “Mandou”? Ainda não cortou? — Sean teve medo e ela nada falou. — Em que ano estamos? — olhou em volta e a janela era uma janela, o som do mar nas rochas não longe dali eram ouvidas.
— “Em que ano estamos”? — riu Esperanza. — Que engraçado perguntar isso. Letizia também perguntou.
Sean ficou confuso, momentaneamente confuso.
— Quantos anos ela tem? — nem sabia por que perguntou. — Ela ainda usa aparelho nos dentes?
— Ah... — Esperanza riu levantando-se. — Vamos! Temos que estar todos no ancoradouro porque o barco chegou.
— “Ancoradouro”? “Barco”? Que barco? O clandestino?
— Nem sei o que dizer, Sr. Queise, mas a Poliu está com medo do barco à deriva. Pediu nível 10 de descontaminação — riu. — Mal alcançamos nível 3 — voltou a rir e saiu da sua suíte de número 18.
Sean ficou confuso, as suítes ainda tinham números normais. Havia voltado no tempo, era perceptível, mas nunca havia ido ao Complexo Templeton antes, não em corpo.
“Então por que Esperanza fala comigo como se eu fosse um hóspede?”; se perguntou.
Ele a seguiu na duvida olhando mais uma vez a janela da suíte aonde acordou.
“Ou estou dormindo, ou?”, perguntou-se confuso.
Esperanza andava à sua frente com o cabelo negro comprido balançando no rabo-de-cavalo. Sean olhou o corredor por onde andava. As portas tinham numeração tradicional; 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, etc.
— Há quanto tempo está aqui no Complexo, Esperanza?
— “Quanto tempo”? Cada pergunta, Sean... — ria caminhando à sua frente.
O barulho de martelos e máquinas de furar chegou até Sean, ele olhou em volta, para os lados e para baixo; o piso estava lotado de cimento e areia de obra.
— Por que a reforma?
— Por causa do barco.
— Mas a reforma foi um ano atrás e o barco chegou a uma semana.
— “Um ano atrás?” “Uma semana?” Do que está falando Sr. Queise? — a jovem Esperanza continuava a sua frente.
Sean tocou as paredes, nada sentiu. Sabia que nada sentia porque já havia saído do corpo, que era só sua alma ali, com a jovem Esperanza Paco Hu à sua frente, e porque toda a obra acontecia naquele momento em que estava lá.
— Será que o filósofo McTaggart tinha razão?
— “Razão”?
— O tempo não existe... — e algo passou por ele, aquilo Sean sabia que existia, e o temia.
Mas ao contrário do que achou que ia ver, o que viu foi a imagem de um homem perturbado.
Ele usava uniforme da aeronáutica espanhola, tinha uma insígnia de General, e olhava Sean com espanto nos olhos castanhos; talvez espantado por ver Sean lá, um ano antes.
“Juan Pablo...” soou por todo ele.
O general Juan Pablo Aguiar era pura energia pesada, em volta de seu corpo uma névoa negra, embaçada. Sean teve medo dele, chamou Mona que não respondeu.
Sabia que estava no éter, talvez em meio às lembranças que ficaram pelo Complexo que escurecia, escurecia e pesava seu corpo.
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
12 de agosto; 06h00min.
— Ahhh!!! — Sean gritou no que voltou ao corpo caído no chão bagunçado da suíte 55.
A goela lhe secou e ele tinha a sua glote a vibrar pelo medo. Levantou-se cambaleando e se lançou ao corredor com o pé luxado, doendo por mais um exercício empreendido.
Desceu a escada e chegou à última suíte, do último corredor.
— Sr. Queise?! — a cosmóloga Esperanza Paco Hu sobressaltou no que a porta da sua suíte número 5555 abriu-se violentamente sem se quer Sean a tocasse.
Ele a viu ainda enrolada num vestido, sem pô-lo.
— Quero respostas! — exclamou também vendo que Esperanza tinha cabelo curto, estilo Chanel.
— Como... Como... — Esperanza olhou a porta escancarada, com os códigos biométricos invadidos por algo, por alguém; provável a mente dele. — Saia!
— Se vista!
Esperanza sentiu-se dominada pela beleza dele, sua força, voz. Sem cerimônia ergueu o vestido sobre o corpo nu e deixo-o escorregar.
Sean mediu cada centímetro do corpo nu que se vestia. Abaixou a cabeça depois.
— O que quer aqui, Sr. Queise?
— Eu faço as perguntas.
— Sabe que não posso responder nada sem Mr. Trevellis autorizar...
— Onde está a nave?
— A nave... — Esperanza agora se assustou.
— Onde está a nave MOTHER, Esperanza? — Sean viu Esperanza agora arregalar os olhos. — Vai me responder ou vou continuar a ficar com os cacos de pensamentos que solta no éter para mim?
— Saia! — explodiu.
— Não vou a lugar algum até me dizer como conseguiram trazer ROMRET X desligado para a Terra.
— ROMRET X não se desligou.
— Desligaram-no!!! — berrou.
— Sim, Sr. Queise! Desligaram-no! Aqui!
— Como conseguiram trazer ROMRET X, Srta. Esperanza?
— Com os ônibus espaciais levávamos 250 dias da Terra a Marte. Mas desde sua WEBI passamos há levar um mês para chegar Marte.
— “Um mês”? Vocês... — Sean a olhou com interesse. — Vocês usaram o mesmo método da minha WEBI? Lagrange?
— Sim, Sr. Queise. Sua inteligência sempre foi bem aproveitada por aqui — Esperanza sabia que Sean traduzira ‘aqui’ por Poliu. — Usamos os pontos de Lagrange.
— Droga! O incrível disso é que eles foram descobertos pelo matemático francês Louis Lagrange em 1772, em seus estudos gravitacionais do que chamava de ‘problema dos três corpos’.
— Onde as órbitas de três corpos, ficam sujeitos apenas às atrações gravitacionais entre eles, e cada vez mais nos utilizamos dos mistérios do Universo para viajarmos por ele.
— Não me enrole.
— Não o estou enrolando. Você sabe a resposta melhor do que eu, Sr. Queise. Porque entendeu como a nave FATHER viaja a Marte.
— Teoricamente... — sorriu charmoso. — Deus... Fico pensando se no futuro não podemos construir estações espaciais nessas posições de Lagrange, a fim de podermos parar para descansar ou abastecer, já que viajando por essas estradas, não precisaríamos fazer os foguetes gastarem tanto combustível, seja plasma seja qualquer outro, Srta. Esperanza.
— Sua inteligência sempre foi bem aproveitada por aqui... — repetiu.
Sean viu Esperanza deixar um único movimento de suor escapar-lhe da fronte escondida pela franja.
— Por que o Dr. Joshua falou sobre algoritmos genéticos?
— Isso é coisa dos exobiologistas. Devia saber sobre isso.
— “Devia”? — Sean voltou a olhar um lado e outro. — “Programas em que os códigos passam por mutações automáticas, recombinações, multiplicações”. Os mainframes, não Esperanza? Os mainframes usados para algo que escapa à minha compreensão — ele a viu sorrir-lhe charmosa. — Onde está a nave MOTHER?
— No fundo do mar.
— ‘No fundo do mar’ com o barco de refugiados que ela atingiu quando caiu, e vocês resgataram, e esconderam no armazém do ancoradouro do Anexo I um ano atrás?
— Ah... Sr. Queise... O que está fazendo?
— Estou atrás de respostas? Talvez?
— Seu sarcasmo vai lhe custar a vida.
— Já tive minha parcela de pagamento adiantado, Srta. Esperanza. Não se preocupe comigo — sorriu. — Então? Vai me responder o que resgataram no mar uma semana antes da minha chegada à ilha, que ocupou o ferry-boat por um longo tempo? Foi a nave FATHER?
— A nave FATHER estava vazia.
Sean a olhou com interesse.
— “A nave FATHER estava vazia”?
— Ficou lá, um ano sem respostas, perdida na órbita de Marte.
— Mas e os pais de Kimberly?
— Não sei... Nunca soube de nada, Sr. Queise.
— Kimberly me disse que eles retornaram um ano atrás, que o coração de ambos falhou e... — e sentou-se precisando realmente sentar.
— A WEBI era para rastreá-los, mas só a nave MOTHER enviava um discreto sinal da Duck Bay um ano atrás.
— A nave MOTHER na Duck Bay? O que não estou entendendo?
— Quando a nave MOTHER com os pais de Kimberly pararam de dar sinais após uma violenta tempestade, mandamos a nave FATHER na órbita de Marte, enviar um módulo avulso com ROMRET X dentro, a fim de descer no planeta, e quando ele chegou lá, se dirigiu para Duck Bay, os resgatou, entrou na nave MOTHER, se conectou ao painel de controle direcionando a nave para a Terra, e voltaram os três.
— Os três?
— Sim! Porque imaginávamos que talvez os pais da Almirante Kimberly estivessem dentro da nave MOTHER, mas durante a viagem ficamos a ver só ROMRET X, que caiu um ano atrás, Sr. Queise, em cima de um barco de refugiados, matando a todos carbonizados.
— Mas Kimberly...
— Eu sinto pela Almirante Kimberly, Sr. Queise, mas ela não consegue lidar com as perdas. Quando a nave FATHER chegou há uma semana, não havia ROMRETs algum lá dentro, já que ROMRET X voltou à Terra um ano atrás e ROMRET IX continua desligado em Duck Bay — reiterou.
“Um ano atrás...”; ecoava nele que não entendia mais nada.
— Deveriam ter ajudado a Almirante Kimberly. Não é fácil lidar com as perdas, Esperanza.
— É... Conheço suas perdas...
Sean arregalou os olhos azuis para o agora sarcasmo dela. Ela falava de Sandy, a mesma Sandy que mandou procurá-la.
Encostou-se à parede totalmente confuso.
— Por que ela me mandou aqui atrás de seus rastros?
— “Ela”?
— Sandy Monroe.
Esperanza arregalou os olhos. Tentou passar por ele quando Sean a segurou. Ambos se olharam de canto de olho.
— Não sei o que dizer, Sr. Queise.
— Quem é o neozelandês?
— Quem?
— Ajude-me a chegar ao Anexo I, Esperanza.
— Vá sozinho como já fez.
— Eu sei que não posso mais. Eu sinto ou como queira chamar, que minhas informações de retina e íris foram bloqueadas.
— Bloqueadas a ponto de invadir minha suíte?
— Isso é diferente.
— Diferente quanto?
— Não sei Esperanza. Não sei... Nada sei a meu respeito. Quem sou, como fiquei assim, o que posso ou não fazer — Sean a viu olhar-lhe como quem concorda. — Por favor! Preciso de respostas para tudo isso, e sei que será através de você, porque Sandy mandou-me procurá-la.
— E faz o que o fantasma de sua noiva manda Sr. Queise?
— Sempre!
Esperanza também não sabia onde pisava com ele. Só conseguiu alcançar seus lábios, todo seu calor no longo beijo que roubou dele.
E Sean não se sentiu roubado, gostou de ser beijado por ela.
— O que quer exatamente?
— Devolvo-lhe o telescópio do observatório e você me mostra o barco que a nave MOTHER atingiu um ano atrás.
— E por que isso é importante Sr. Queise?
— Porque tudo será respondido com aquele barco, Esperanza.
Esperanza fechou os olhos sem saber o que falar.
— Espere aqui! Vou achar uma maneira de sairmos sem que a porta breque sua retina, já que os mainframes estão desligados e tudo está no manual, na sala de controle — e parou antes de sair. — Como sua ‘noiva’ previu — e saiu sem que ele a segurasse.
Sean ficou lá esperando, sem saber se ela o trairia.
Complexo Templeton da Poliu.
12 de agosto; 06h40min.
Quinze, trinta, quarenta minutos e a imagem holográfica mostrava um Sol despontando.
Esperanza abriu a porta e Sean se assustou.
— Ah! Achei que não vinha mais...
— Venha... — foi só o que Esperanza sussurrou. — Apesar da manhã despontando, e apesar de apenas uma pequena equipe ficar na segurança, as câmeras vão nos ver, Sr. Queise.
— Não se preocupe com as câmeras Srta. Esperanza. Se aquela coisa conseguiu congelar as imagens com warp-drive, então também posso — Sean viu ela lhe olhar sem entender muito bem o que ele falara, mas as câmeras congelaram a imagem anterior no que a mente de Sean ordenara.
Nem a passagem dele aos pulos nem a de Esperanza, era vistas no sistema de segurança por todo o trajeto do corredor até fora do Anexo II; nem no caminho que os levavam ao Anexo I.
— Entre! — Esperanza abriu a porta do grande Observatório Templeton com suas chaves magnéticas e Sean viu o estrago do espelho causado pelo choque do seu corpo contra ele.
— Wow! Ainda funciona?
— Só saberemos se os mainframes voltarem a funcionar.
Sean subiu a rampa pulando. Olhou as telas desligadas e sentou-se na cadeira que outra vez foi trazida ao seu lugar.
— Como funciona o complexo sistema de óptica adaptativa exatamente?
— O sistema de óptica adaptativa consiste basicamente de um espelho secundário ou terciário com milhares de atuadores que controlados pelos mainframes, deformam o espelho milhares de vezes por segundo, corrigindo os efeitos de distorção óptica em rápida mutação.
— Wow! — Sean não achou assim tão fácil de entender. — Os mainframes usam as informações de um LASER que é disparado em direção ao céu? — Sean ligou algumas telas e acionou os bancos de dados.
— Quando o LASER atinge os átomos de sódio a 90 km de altitude, fazendo-os brilhar, forma uma estrela artificial que é usada como referência, para se obter o grau de distorção produzido pela atmosfera terrestre. Se a luz de uma estrela ou outro objeto astronômico entra na atmosfera da Terra, a turbulência atmosférica como temperaturas e velocidades de vento, pode distorcer e mover a imagem de várias maneiras.
— Podem trocar o espelho que quebrei? — digitava.
— Tentamos, mas como uma superfície do espelho primário de um telescópio do observatório precisa ter a forma de uma parábola, uma curva matemática, a sua superfície não pode desviar desta forma mais do que 1/10 do comprimento de onda da radiação. Isso vai levar uma semana.
Sean bateu na mesa com os dedos como quem pensa. Depois se levantou, olhou em volta e anunciou:
— A cafeteira funciona sem os mainframes?
Esperanza olhou para baixo e pousou os olhos na mesa da entrada.
— Sim — achou graça.
— Faça café para nós. E tente trazer algo para comer. O resto da manhã vai ser longa.
Esperanza achou graça novamente e fez como ele pediu. Saiu mais de três vezes do Anexo I. Primeiro para pegar comida, depois para vigiar Kimberly que poderia estar atrás deles, depois para ver se as câmeras os pegavam, e as imagens estavam realmente congeladas. Esperanza não acreditou naquilo, no ponto em que Sean Queise chegara.
Depois saiu outros ‘depois’ para verificar outras coisas, quando enfim, Esperanza parou ao lado dele para corrigir algumas inserções matemáticas e astronômicas que Sean repassava para ela.
— Os fenômenos de interferência e de difração das ondas luminosas são Ele estava encantado com a inteligência dela; com sua beleza madura também. Outra vez achou que a Espanha produzia mulheres maravilhosas. Quando percebeu o que fazia já colocava as mãos no pescoço dela, a inclinava fazendo o cabelo Chanel se inclinar junto, e Esperanza o olhou se aproximando, os olhos azuis que brilharam para ela, os lábios grossos, másculos e sedentos que tocaram seus lábios também úmidos pelo tesão.
Línguas que se tocaram comunicaram-se no bailado, na troca de energia.
Sean parou de beijá-la, sorriu-lhe e voltou a digitar e a levantar-se para mexer nas fitas dos mainframes.
— Quando cortou o cabelo?
— Faz um tempo... — respondeu olhando. — Por quê?
— Ficou bom... — Sean só falou aquilo e Esperanza fez uma careta. — Não entendo por que Trevellis insiste em ter mainframes de fitas ainda hoje. Há muito deixei de usar as fitas pelos discos rígidos — Sean abria e fechava grandes gavetas de discos rígidos para então desenrolar metros de fitas magnéticas e observar. Esperanza também o observava com interesse; ele era jovem para aquilo. — Os grandes HD eliminaram as montagens das fitas físicas, movimentos robóticos, retrocesso de fita e conflito de acesso de drives. Operações de lote e backup que levavam horas agora podem ser executadas e concluídas em minutos — Sean olhou em volta. — Até isso tudo aqui não combina com esses...
— Tem mais — Esperanza cortou a linha de pensamento dele.
Sean parou a fita no ar.
— O que disse?
Esperanza abaixou a cabeça confusa com seus atos.
— Tem mais deles.
— Traduza ‘deles’ Srta. Esperanza?
Ela levantou-se e caminhou por toda rampa até atingir o lado oposto a grande porta de metal na entrada. Parou esperando Sean a seguir. Ele não viu alternativa a não ser segui-la aos pulos.
Esperanza tirou do pescoço um colar com cinco chaves magnéticas, e encostou uma delas à parede que a leu. Sean arregalou os olhos azuis. Toda a parede tinha um sistema de leitura magnética. A ideia de que realmente havia algo errado com a chave magnética de sua suíte 55 aquela noite, voltou a assombrá-lo.
A parede correu para o lado o suficiente para uma pessoa passar e Esperanza entrou num pequeno compartimento que leu sua retina e íris. Ele voltou a olhá-la com interesse e voltou a beijá-la.
Lábios que não tinham pressa para se separarem.
Outra porta maior apareceu e ela inseriu outra chave magnética. Ela entrou e foi seguida por ele. Havia uma rampa escura com paredes que se iluminavam na sua passagem. Nenhum sistema elétrico, nenhum lustre ou spot de luz, só a parede que se iluminava como que feita de energia.
“Energias”; soou por todo seu corpo.
— O que é aqui?
Ela olhou-o por debaixo do cabelo estilo Chanel e outra porta se abriu após ela encostar uma terceira chave magnética, e voltar a inserir a leitura de retina e íris no orifício do scanner.
Sean sabia que desciam, que provável estavam num dos três armazéns que a Almirante Kimberly dissera ter debaixo do Anexo I. Só não imaginava era que um deles era acessado por dentro.
Quando a grande sala se fez um perfume de limão e coco, cítrico e doce ao mesmo tempo o invadiu, Sean foi ao chão no que uma energia pesada o puxou para baixo, literalmente.
— Sr. Queise? Você está bem?
— Eu... Eu... — olhou em volta, viu uma sala antiga, larga e pouco iluminada. — Esse cheiro... Não entendo o que significa esse cheiro...
— “Cheiro”? — Esperanza respirou sem nada perceber de estranho. — Faz muito tempo que não venho aqui... Um ano, quase.
— O que é aqui?
— Espere! — e Esperanza adentrou um pouco mais até ligar um interruptor que acionou mais de cem lâmpadas no enorme lustre de cristal baccarat, que ocupava o teto de doze metros de altura.
— Deus... — Sean só conseguiu falar aquilo quando o grande salão se moldou. Estavam numa sala redonda, com duas mesas centrais, contendo antigos teclados presos às telas, que mais lembravam máquinas de escrever, para então ver que as paredes eram grandes mainframes tão antigos quanto os de seu pai. — Computer Co.?
— Sim. Mainframes de uma Computer Co. anos 70.
— Deus... — perdeu a fala novamente olhando o que mais pareciam favos de abelha. — Eu nem era... Meu pai era... — Sean virou-se para Esperanza atordoado. — Meu pai não fez isso comigo, fez? — ele viu Esperanza o olhar sem saber ao certo o que responder.
Sean viu duas grandes estantes com muitas bobinas de fitas magnéticas.
— Você está bem?
— Mea culpa! Mea culpa! Mea culpa! — foi o que respondeu batendo no peito, a sentir que as pernas falseavam agora pelo choque.
— Não é sua culpa.
— Não tenho tanta certeza assim… Enfim… — Sean se tomou de coragem e subiu mancando ao segundo andar onde mainframes com grandes painéis estavam desligados. — Meu pai era um jovem de família muito rica, mas com dons voltados a tudo que era errado. Foi um dos mais proeminentes hackers de sua época. Tudo apagado de registros policiais, se me entende — riu. — Provável apagado pelas amizades do passado — voltou a rir. — Então um dia ele me disse que tudo aquilo teve um alto preço, todo aquele ‘apagamento’ de seus registros. Tive certeza naquele momento que ele falava da Poliu... — sorriu-lhe.
Esperanza ficou o olhando de uma mesa onde havia fitas, cartões de perfuração, tudo o que lembrava o passado de uma empresa de computadores há muito no mercado.
— Sabe lidar com isso?
Sean sorria maravilhado mesmo com tudo que via.
— Cartões Hollerith! — Sean os tocou. — A lógica dos números binários foi a base para o americano Herman Hollerith criar a primeira máquina capaz de processar dados, baseada na binária dos cartões perfurados — olhou-a de lá de cima.
— Máquina de Hollerith.
— A máquina de Hollerith foi usada na coleta de dados do censo de 1880 que, manualmente processados, levavam sete anos e meio para serem compilados. Após isso, Hollerith fundou uma companhia para produzir máquinas de tabulação, a International Business Machines, ou IBM, como é chamada hoje.
— Incrível, não? — Esperanza sorriu-lhe quando o alcançou no andar de cima.
Sean gostava cada vez mais dela.
— Sabe que o primeiro mainframe surgiu em 1946 com o nome ENIAC? Era uma grande calculadora criada para determinar o trajeto de mísseis balísticos, mas não ficou pronto antes do fim da Segunda Grande Guerra.
— Incrível! — repetiu charmosa.
— Meu pai também era jovem quando os mainframes apareceram; um Geek — tocou-o. — Depois veio o S/360 da IBM — riu. — Pode imaginar que cada ‘armário’ desse, seja uma CPU com seu chip set? E que o watercooler da CPU, sua refrigeração, tinha uma sala só para isso? — se virou para ela. — Funcionam?
— Não sei...
Sean desceu até as mesas de controle.
— Imagina como tudo era? Pois era assim! — ligou-os. — Monitores gráficos TTY! — olhava a tela imprimir um sinal esperando alguma atividade. — São ‘terminais burros’ que mostram apenas letras e números nas cores verdes ou brancas sob um fundo preto. Imagine os não-Geek tendo que lidar com isso — riu. — Ou imagine ter que carregar um pendrive de 50 kg? Ou ter que ligar um armário desse toda vez que você quisesse atualizar seu Twitter? — ambos riram.
— Incrível como em tão pouco tempo chegamos aos terabytes.
Sean voltou ao andar de cima.
— A tecnologia de guardar dados em mídias magnéticas molengas foi um pesadelo que duraram décadas; ainda hoje há piadas nos corredores da Computer Co..
— Acredito! — ambos riram.
Sean deslocou um pedaço de mainframe, uma porta de vidro que mostrava em seu conteúdo uma grande placa mãe na parte de cima, outra grande placa que se assemelhava realmente a um favo de abelha mais embaixo, e muitos cabos conectados nele.
Também percebeu que havia mainframes um pouco mais atuais ali misturados.
— Na era do floppy disk, disquetes de 8, 5¼ e 3½ polegadas, nossos cientistas gravavam três disquetes, um original, um backup e um para prevenir que o azar aparecesse; e ele aparecia — Sean riu descendo novamente e sentando-se à frente da telas burras, se pôs a digitar. — Wow!
— Por que os mainframes não morreram na Computer Co. quando servidores inundam o mercado coorporativo?
— Gosto de sua performance e segurança na aquisição de grandes bancos de dados. Sou antiquado aos 20 anos — sorriu. — Além do que, o que faz com que os armários não morram, é a possibilidade de usar código aberto, como Linux e Java, atuais aos meus 20 anos. Ou ainda um belo e atualizado COBOL.
— Entendo... — e as telas ligaram. Uma imagem feita de bits em baixa resolução se desenhou na tela. Esperanza se aproximou dele ao vê-lo ali, parado, com os olhos azuis a brilharem. — O que é isso?
— 1, 0, 0, 0, 0, 1, 1, 0, 1, 1, 1, 0, 0, 1, 1... — e ele parou para ver como Esperanza ficava linda ao rir com gosto.
— Sean... — e ela estava gostando dele. — Está bem... Agora traduza.
— Uma imagem de Marte, Srta. Esperanza.
Ela voltou a olhar a tela.
— Não acredito nisso. Os mainframes estão ligados ao ‘Ojo Grande’? — apontou para cima.
— Sim.
— Incrível! Marte está a cada dezessete anos, próximo à Terra.
— A cada 17 anos? — Sean pensou em algo que não deixou escapar.
— Sim. Quando a distância entre eles é de cerca de 60 milhões de Km. Esse fenômeno ocorre quando a Terra está no afélio, a maior distância até o Sol, e Marte no periélio, a menor distância até o Sol, e ambos na mesma direção e sentido em relação ao Sol. Com um pequeno telescópio já se é possível ver Marte e suas duas luas; como disse?
— Artificiais!
— Isso! — olhou-o. — Artificiais! — ambos riram. — Quando Marte está numa órbita mais externa que a da Terra, nunca há uma fase nova ou de quadratura, e a fase visível nunca se completa.
— Mas Trevellis quer algo para mover os Pellet-Parresh e a mim até as Canárias.
— Pode ser... — voltou a ver a foto de bits carregando na tela jurássica. — Os russos foram os primeiros a enviar uma sonda à Marte, mas não obtiveram sucesso. Logo em seguida os americanos fizeram a segunda tentativa, e em 1965 enviaram a Marte a sonda Mariner 4, que foi a primeira a tirar uma fotografia de baixa qualidade do planeta; uma foto como essa, de poucos bits — apontou a tela.
— Wow! — Sean viu Esperanza o olhando. — Pena que tais missões sempre falharam.
— “Sempre falharam”?
— Vênus tem uma atmosfera muito mais densa, quente e corrosiva e envia dados significativos da superfície, enquanto em Marte perdeu-se a conta de falhas de sondas enviadas que tentaram fotografá-lo. Mariner 9 falhou na maior tempestade acometida até então, depois as a naves gêmeas russas Mars 2 e Mars 3 pousaram em lugares diferentes e uma não deu sinal para a outra por 20 segundos, o que não permitiu a transmissão de parte de uma fotografia que não chegou a completar uma imagem, e se apagou — Sean a olhou. — Depois a Mars 6, que falhou acontecendo após um segundo de transmissão, para então as duas sondas russas enviadas a Fobos se perderem na imensidão do Cosmo — suspirou. — Sei que tempestades de poeira são mais comuns durante o periélio, quando o planeta tem 40 % mais luz do Sol que durante o afélio. Sei que durante o afélio nuvens de água congelada se formam na atmosfera, interagindo com as partículas de poeira afetando a temperatura do planeta. Mas a questão é, por que todos aqui não previram isso, Esperanza?
Esperanza sentiu-se de repente afetada; pela inteligência dele, pelo conhecimento extenso dele, por ele estar dizendo que eles falharam.
— A Almirante Kimberly e a Major Mª Lucia Balesteiro previram, Sr. Queise, mas algo saiu errado.
— Traduza!
— O Espectrômetro de Emissão Térmica instalado nos Robots ROMRETs medem a temperatura e a densidade de poeiras da atmosfera marciana, mas não nos avisou sobre qualquer tempestade e ROMRET IX ou ROMRET X não puderam se prevenir...
— Mas deviam ter previsto mais, conhecido e estudado mais, antecipado cada movimento já que...
— Já que já fomos marcianos? — Esperanza viu Sean calar-se. — Já que devíamos ter na nossa memória genética que Marte faria isso e aquilo?
— Eu não disse isso...
— Mas será que somos marcianos? Será que somos sobreviventes de uma catástrofe que abateu Marte? Será que fugimos... — e Esperanza parou de falar no que Mr. Trevellis entrou na antiga sala de comando e ela perdeu o ar.
— Ah! Olá Trevellis? — soou um Sean atrevido. — Isso aqui estava funcionando até a reforma de um ano atrás, não? — Trevellis era seguido por oito agentes da Poliu com a mesma cara de poucos amigos. — A reforma de nível 10 que a Poliu fez no Complexo por causa da volta da nave MOTHER; a nave que trouxe ROMRET X de Marte.
Esperanza arregalou os olhos para Sean, para Mr. Trevellis e de volta para Sean tentando entender o que ele falava.
— Prendam-no! — Mr. Trevellis deu a ordem.
— O que? — Sean olhou os agentes se movimentando em sua direção.
— Você não imagina o que acabou de fazer, filho de Oscar...
— Fiz? O que eu fiz?
— Você está cansado, filho de Oscar, precisando de um descanso.
— Cansado do quê? De mentirem para mim? Ahhh! — e as algemas machucaram-lhe os pulsos. — Wow! Nunca havia sido algemado — riu vendo Mr. Trevellis se divertir com aquilo também. Mas Sean ia acabar logo com aquilo. Só esperou se aproximar mais, a ficar próximo dele. — Achou o que Trevellis? Que eu não ia ler o que ficou no éter?
Mr. Trevellis agora teve medo dele, em meio a Esperanza que pensava, e de Kimberly que chegou vendo Sean algemado.
— O que... — foi a vez de Kimberly olhar Mr. Trevellis e os agentes. — O que está acontecendo aqui?
— Não sabe mesmo o que está acontecendo aqui, Almirante? — falou um Sean cínico.
Mas Mr. Trevellis deu um movimento e mandou-o sair, que não saiu porque o corpo de Kimberly brecou a passagem estreita.
O corpo de ambos se pediram naquele momento.
— Mr. Trevellis?
— Não, não sabe mesmo o que está acontecendo aqui, Almirante Kimberly!
— Tirem as algemas! — deu Kimberly a ordem aos agentes da Poliu.
— Levem-no!!! — berrou Mr. Trevellis descontrolado.
— Tirem as algemas! — deu Kimberly a ordem aos agentes da Poliu novamente e novamente eles não obedeceram. Ela se virou para o grande e emblemático homem jambo. — Não pode mandar no meu Complexo Templeton, Mr. Trevellis! — Kimberly o desafiou.
— Wow! — Sean provocava Mr. Trevellis com os braços quase dormentes pela posição. — Diga a ela Trevellis... Diga que você manda aqui... — ria.
— Cale-se ‘filho de Oscar’!
— Diga a ela Trevellis, que a nave MOTHER voltou a Terra sob suas ordens, um ano atrás, trazendo somente a mãe de Kimberly morta.
— Cale-se! Cale-se moleque atrevido!!! — explodiu Mr. Trevellis.
Kimberly olhava um e outro. Esperanza também. Não havia sido aquilo o que falou a ele.
— Meus pais chegaram de Marte juntos... Com dores no peito...
— Não! Um ano atrás vieram ROMRET X e sua mãe morta! — Sean exclamava a sair saliva da boca. — Seu pai veio a uma semana...
— Não! Não! Não!
— Sim, Almirante Kimberly. Você não sabe lidar com as perdas — Sean olhou Esperanza sem entender ao certo o que ouvia. — E sua mãe voltou um ano atrás, trazendo algo com ela que fez o Complexo Templeton fechar as janelas, se alertar a nível 10.
— Não! Meus pais voltaram juntos com a nave FATHER... Caíram sob o barco a deriva... Está destruído no ancoradouro...
— Cale-se, Kimberly! — a voz de Mr. Trevellis ressoou. — Ele está blefando! Não sabe o que viu ou ouviu. Não tem dons para montar quebra-cabeças.
Mas Kimberly estava desorientada.
— Não... não... Meus pais voltaram com ROMRET X há... — e olhou apavorada para o redor como se tivesse se esquecido de algo.
— É ROMRET IX que está em Marte, não Almirante? Foi minha WEBI que fez seu pai na nave FATHER lançar ROMRET X em Marte para resgatar sua mãe na nave MOTHER, e a trazer à Terra para se curar do que aquela energia provocou um ano...
— Não! — Kimberly esbofeteou-o não o deixando terminar.
Sean sentiu sangue sair de sua boca.
— Está louca! Louca e desnorteada com a perda, Kimberly. Seus pais foram mortos em épocas diferentes.
— Não! Não! Não!
— Sim! Sim! Sim! Sua mãe veio morta há um ano, após sumir o sinal na Duck Bay; não vê? Tudo se resume a Duck Bay. Está lá a resposta de tudo.
Mr. Trevellis gargalhou. No fim das contas admirava a inteligência dele. Temia-o, mas o admirava. Bateu palmas até Kimberly acordar do torpor. Depois se virou para os agentes ali paralisados e deu novamente a mesma ordem:
— Soltem-no! — Kimberly secou as lágrimas que borravam o rosto perfeito, belo, sofrido. — E soltem-no na sua suíte para que reúna suas coisas.
— Não! Não Kimberly! — foi a vez de Sean.
— Levem-no! Preciso... — Kimberly olhava um lado. — Preciso... — olhava para o outro lado. — Preciso... — e voltou a olhar os agentes com Sean algemado. — Coloque suas roupas numa mala e leve-o para a cidade! Ele está fora do jogo!
— Não!!! — gritou Sean. — Não, Kimberly! Não pode me mandar embora! Preciso religar os mainframes, preciso completar o attach ou ROMRET IX não vai contar o que aconteceu aos seus pais.
Kimberly só ergueu o pescoço e Sean foi arrastado pelos oito agentes para fora.
Esperanza estava em choque, não sabia o que falar.
— Você... Você... Você... Não consigo falar... — Kimberly tremia. — Você sabia Esperanza, que não devia ter vindo aqui — e Esperanza ia falar quando ela ergueu a mão e ela silenciou. — Você sabia que não devia ter vindo... — e se aproximou dela. — Arrume-se e vá embora do Complexo Templeton, também! Para sempre! — e se aproximou muito dela. — E nem pense em ir atrás dele porque será sua última façanha — Kimberly viu Esperanza sair, e nem pensar em cogitar aquilo.
Esperanza sabia que sua carreira e de seu irmão, dependia da colocação que a Almirante Kimberly deu a eles. Tentaria conversar com ela quando estivesse mais calma.
Já Mr. Trevellis ficou lá sozinho com ela, esperando o próximo passo daquela que parecia ser sua melhor agente, quando falou.
— Você...
— Não! — e Kimberly cortou-o — Você... — Kimberly tomou forças em meio a todo seu corpo que tremia. —, mande aquela desvairada Pellet-Parresh fazer os mainframes voltarem a funcionar! — olhou em volta. — Não estes! O de lá de cima! Porque se havia algo aqui, então não quero nem pensar que aquela coisa escapou para o Complexo! — olhou-o. — Fui entendida?! — gritou e Mr. Trevellis não respondeu. — Ótimo! Fui entendida! — e a Almirante Kimberly se foi.
Hotel La Gomera.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W.
12 de agosto; 09h53min.
Sean chegou com a manhã anunciada ao Hotel Parador de La Gomera, extremo sul, ao quarto ainda pago, sem o notebook sumido ou os pendrives confiscados, e com as poucas roupas que jogou numa mochila dada. E chegou lá escoltado por três agentes da Poliu, armados, numa camionete Land Hover com as mesmas caras de poucos amigos.
Odiou a Almirante Kimberly, mas odiou-se também por tê-la feito passar por aquilo, contado aquilo daquele jeito. Sabia, contudo que haviam arestas a serem acertadas.
Como por exemplo, ter voltado nas lembranças de Esperanza e vê-la falar que a nave MOTHER veio vazia um ano atrás trazendo apenas ROMRET X. Porque, ou Esperanza era uma experiente espiã psíquica, que havia deixado falsas lembranças no éter para Sean captar, ou uma das duas mentia.
Precisava também investigar Challitta, talvez Carrie, ou até mesmo Dr. Joshua, em que os dons paranormais de Sean diziam, tinham algo a esconder.
Mas havia sido ‘tirado do jogo’, e ia ter que fazer algo rápido para voltar ao Complexo Templeton.
Sean deitou-se sobre a colcha macia e fresquinha, em meio a assobios que o embalaram; os silbos comunicavam que Sean Queise havia voltado ao hotel, e que um personagem não tão novo assim, ia se apresentar em breve a ele.
Ele adormeceu.
Hotel La Gomera.
12 de agosto; 11h11min.
“Foi encontrado semana passada, outro barco a deriva próxima a ilha, no lado oeste”; “Foi encontrado semana passada, outro barco a deriva próxima a ilha, no lado oeste”, o gerente dizia duas vezes aquela frase em suas lembranças.
“O barco incendiou; não houve sobreviventes”; “O barco incendiou; não houve sobreviventes”, também ecoou dobrado.
Mas não era o gerente quem estava li com ele, no sonho. Era Juan Pablo, um homem de olhar sofrido, envelhecido, com uma energia pesada ao redor dele, numa noite fria em meio a uma floresta crepuscular.
Sean acordou suado, com o ventilador na potência mínima, ventilando pouco no calor que fazia; feliz, porém de não estar naquela floresta. Levantou-se e tomou um banho. Enrolou-se numa toalha macia e voltou ao quarto ficando a olhar o mar ao longe da janela do quarto.
E como era bela a paisagem.
Voltou a olhar o quarto e a janela. Descobriu tristemente o quanto tênue era sua ligação com as máquinas, e o quanto não sabia fazer nada sem seus computadores. Lembrou-se da Computer Co., da bela Kelly e a sua responsabilidade em administrar a vida dele e a grande empresa de computadores, e lembrou-se de seu pai Fernando e a precoce aposentadoria em favor de Sean Queise, a quem ele tinha orgulho.
“Pai...” Sean sentou-se na beirada da cama; estava triste, deprimido, infeliz por não ter completado seu contrato de trabalho, fosse ele qual fosse.
E extremamente arrasado por saber que seu pai Fernando escondia-lhe segredos, talvez piores que ele não ser seu filho.
Sean levantou-se, colocou uma jeans surrada e uma camiseta branca, e ficou lá remoendo as informações quando duas coisas saltaram a seus olhos. Primeiro saber o porquê do Nível 10 na segurança, e se estava ou não ligado ao Setor III onde ‘ninguém’, enfatizava a Almirante Kimberly, ninguém podia entrar. Segundo saber por que Letizia também perguntara a Esperanza sobre em que data estava.
— Letizia também conseguiu resgatar rastros de lembranças no éter e voltou no tempo de Esperanza como eu fiz? Será que ela sabia montar ‘quebra-cabeças’? — olhou a bela praia e o Sol de rachar. — Deus... O quanto peculiar você é Letizia? Será que esse é o motivo para sua internação? Porque Amâncio ‘não sabia lidar com uma filha’? — novos silbos ecoaram pela ilha. — Amâncio... — foi o que soou da boca perfeita de Sean Queise ao vê-lo descer do carro jipe abaixo de sua janela.
Amâncio Pellet-Parresh vestia-se primaveril com bermuda florida e camisa de algodão, pouco abotoada pelo calor excessivo. Ainda sim, o velho de cabelos avermelhados como todos os Pellet-Parresh; o rosto largo, marcado por espinhas juvenis, e Amâncio tinha classe.
Ele olhou para cima e viu Sean na varanda, que dessa vez não se escondeu. Os dois trocaram olhares sendo apenas interrompido pelo olhar frio e perigoso de Abhay.
Daquilo Sean tinha medo.
Não demorou a que uma pancada se fizesse à sua porta. Sean a olhou como se fosse transparente; via Amâncio Pellet-Parresh lá, parado no corredor.
— Abra Sean! — a voz dele chegou até Sean vindo do lado de fora. — Sei que pode me ver aqui.
“Droga!”, pensou erguendo o sobrolho e a porta se abriu sem que Sean saísse do lugar.
Amâncio o viu parado encostado à porta da varanda o olhando. Entrou e olhou atrás da porta e viu que ninguém a abrira.
— Vejo que Mona fez um bom trabalho com você.
Sean não se assustou com aquilo. Permaneceu calado, tentando ler-lhe os pensamentos.
Amâncio gargalhou caminhando até a janela onde ao lado dele viu a bela vista, encará-lo, e então voltar próximo a porta e sentar-se numa das duas cadeiras que ladeava uma mesa de madeira.
— Já acabou? — Amâncio o encarou. — Sabe que não pode, não é? Que sou um...
— Bruxo! — Sean completou.
Amâncio gargalhou novamente.
— “Bruxo”? Eu, Sean? Não sou eu quem abre portas sem tocar as maçanetas.
Sean respirou pesado.
— O que quer?
— Hummm! Então não conseguiu ler minha mente. Isso é bom...
— Fale logo e dê o fora! — Sean agora perdia a paciência.
— Vou ser breve... Não se preocupe — Amâncio voltou a olhar em volta. — Preferiu uma transferência para trabalhar melhor?
— Sabe que fui expulso ou não teria se dado ao trabalho de vir às Canárias ajudar os incompetentes de seus filhos.
Amâncio, assim como Mr. Trevellis gostava dele.
À maneira deles, era bem verdade.
— Fernando sabe que perdeu a concorrência para os Pellet-Parresh?
— Não perdi Amâncio. Não ainda — inclinou-se sentando à beirada da cama. — E não perdi porque sabe tão bem quanto eu que os quatro Pellet-Parresh não vão conseguir o attach — e Sean correu a completar antes de Amâncio ia falar. —, e não vão conseguir, não será por que não sabem lidar com os computadores. Admito que os ‘P-P’ vem melhorando... E muito rápido... — sorriu deixando no ar tal mensagem subliminar que Amâncio teve medo dele completar.
— Do que está falando Sean Queise?
— Que os ‘P-P’ não vão conseguir concluir o attach porque ROMRET X não está em Marte.
— O quê?! — Amâncio ergueu-se furioso, a fazer as narinas abrirem pelo ódio que lhe estampou o rosto marcado. — Onde está o Robot?
— Desmontado.
— Desgraçado! Mr. Trevellis é mesmo um desgraçado.
— Por isso, Trevellis precisava de mim, porque sou o único que pode usar a WEBI e alcançar o Robot em Marte.
— “Em Marte”? Mas acabou de...
— ROMRET IX, fora do ar, em Duck Bay.
Os olhos de Amâncio o traíram. Sean sabia que tinha mais ali, em Duck Bay.
— Está delirando.
— Delirando? Eu? Não são os ocultistas que iludem e falsificam?
— Está dizendo que sou capaz de criar ilusões?
— Sabia que para diferenciar as ilusões dos ocultistas, das ilusões dos metafísicos, o filósofo Immanuel Kant denominou as primeiras de ‘sonhos dos sentidos’ e, as segundas, de ‘sonhos da razão’. Porém, apenas as ilusões dos ocultistas foram classificadas como patológicas.
— Ah! Agora está dizendo que sou doente? — Amâncio gargalhou.
— Não sei... Estou?
Amâncio deu um tempo. Sabia que Sean caçava respostas nas suas incongruências.
— E por quê aqui? — Amâncio apontou o quarto.
— A Almirante Kimberly me expulsou do Complexo — e Sean gargalhou com gosto. — Trevellis deve estar desesperado, com os tais investidores mais desesperados, ainda — gargalhava. — Acho que no fundo ele só queria me assustar com as algemas... — voltou a gargalhar.
Amâncio apesar de ser um bruxo que se envolvia com magias, cada vez mais enraizadas e profundas, em mitologias a muito esquecidas, não tinha os poderes de Sean para saber sobre o que ele falava. Uma coisa, porém, sabia. Sean Queise ia precisar da ajuda dele para voltar ao Complexo Templeton, e ele tinha que ajudar Sean Queise se quisesse sair com algum ganho depois do alto investimento, num attach para um Robot fora do seu alcance.
— Inferno!!! — gritou Amâncio Pellet-Parresh ameaçando sair.
— Não vai adiantar!
Amâncio parou. Não gostou de saber que Sean conseguira enfim captar algo em seus pensamentos.
— Se vai adiantar ou não, é a única coisa que posso fazer por nós, Sean Queise. Na hora do almoço, um dos meus vem me buscar. À noite, você estará de volta ao Complexo Templeton — e Amâncio saiu.
— Não vai adiantar... — soou da boca dele, agora sozinho.
E a hora do almoço, 12h00min em ponto, como gostava a Almirante Kimberly de afirmar, chegou, e Dino Pellet-Parresh foi o encarregado de buscar o pai no hotel.
Sean viu o jovem ruivo da varanda antes de descer ao restaurante. Ele estava afoito, tremendo. Sean estranhou Dino Pellet-Parresh daquele jeito. Ficou tentando entender o que afinal acontecia com os Pellet-Parresh, e se todos os pensamentos lidos sobre eles tinham algum sentindo.
A tarde chegou, a noite se anunciou e ninguém, nenhum Pellet-Parresh, nenhum agente da Poliu veio buscar Sean.
Ele foi se deitar rindo muito.
Sabia que nem toda a chantagem que os ‘P-P’ fizessem, funcionaria. E sabia que a Almirante Kimberly Sathi Aguiar não dobrava, que Mr. Trevellis não tinha acesso a ela.
Começou a gostar mais e mais da bela balzaquiana em meio a sonhos eróticos que sonhava naquele momento, num hangar escuro, em meio a muitas naves cilíndricas, em um ambiente que os queimava; seus corpos nus, suas almas puras.
E seus corpos nus se tocavam sem pudor fazendo Sean vibrar a cada toque, no movimento cadenciado do corpo de Kimberly encaixada nele, embalados pelo calor que os consumia.
Kimberly lhe falava algo, mas Sean não entendia as palavras. Uma certeza tinha, contudo, estava outra vez sonhando no hangar dos patos alienígenas.
11
Hotel La Gomera.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W.
13 de agosto; 23h07min.
E foi um dia inteiro sem fazer nada, nem ninguém ir até ele. Sean estava realmente irado, minado psicologicamente, de pijama, na sua cama do hotel, olhando o ventilador no teto e alguém em seu quarto, mexendo em sua mochila, nas poucas coisas que lhe permitiram trazer do Complexo Templeton.
Mas ele nada podia fazer, e não podia porque não estava acordado, não literalmente; estava lá, preso ao corpo, às onze da noite.
Outra vez uma energia pesada invadira seu quarto, seu sonho acordado e ele não conseguia mover-se, acordar.
“Mona?!”; gritou Sean no éter.
Ela ouviu-o em Lisboa, em meio as suas próprias penitências. Seu corpo estava lá, de camisola, a vibrar na cama ao lado de Manoel Almeida, seu marido, que chorava a vendo morrer.
“Sean...” “Estou sofrendo...”; devolveu Mona ao éter, captado por ele que via a sombra ali, desfocada, a lhe observar de muito perto.
Silbos atravessaram a noite fria, e Sean e Mona sofriam no espaço. Ele não viu alternativa a não ser socorrê-la. Apareceu em Lisboa, de pijama, no quarto do casal, ao lado de Manoel que perdeu a fala de vez.
E Manoel não sabia se o que o assustava era ver Mona dar saltos na cama pela febre que a acometia, ou ver Sean Queise ali, se materializando.
— Sean... — soou da boca de Manoel.
Sean olhou Mona em choque epilético.
“Mona...”, soou da boca de Sean.
— Ahhh... — Manoel outra vez não conseguiu entender como ele estava ali, como Sean falava e ele escutava, como ele entrara pela porta fechada, como ele próprio não morria pelo susto, pelo medo.
“Mona!” “Volte!”; Sean ordenou.
Mona abriu os olhos em meio aos saltos febris que a molhava toda de suor, que a matava.
— Ahhh!!! — gritaram uníssonos; Mona ao voltar ao corpo, Sean ao voltar ao dele, assustando o intruso que se ergueu do chão, não imaginando como Sean conseguira voltar ao corpo, se livrar das amarras de energia que lhe havia colocado.
O intruso derrubou as cadeiras na pressa de fugir do quarto no que a visão dele começou a se firmar, e Sean se levantou da cama, indo ao chão.
“Droga!”, não imaginava o quanto fraco estava; minado, mesmo.
O intruso alcançou o corredor e Sean saiu em seu encalço com o tornozelo esquerdo a doer. O intruso chegou ao andar térreo e invadiu a noite escura, com Sean parecendo se arrastar atrás dele.
Sean não conseguia imaginar que energia era aquela que dominava sua alma, e o consumia daquele jeito, nem como conseguira prender a força paranormal e fenomenal de Mona Foad Almeida em Lisboa, Portugal.
A gerência estava vazia, e Sean se aproximou do computador da gerência. Pulou a bancada do check-in e acessou Spartacus pelo computador do hotel; e os mainframes da Computer Co. negaram-lhe as senhas.
— Pellet-Parresh desgraçada! — Sean agora sabia que era ela, Letizia, a hacker.
Sean voltou a correr e já fora do hotel se dirigiu às garagens. Deu uma cotovelada no vidro de um carro e ele se estilhaçou. Entrou e ligou o carro ali estacionado, sentindo seu tornozelo ainda latejar.
Mas só conseguiu chegar perto da floresta após o motor desligar-se. Tentou uma, três, cinco vezes religar o motor desistindo. Sabia que uma energia poderosa havia desligado o motor do carro. Desceu e invadiu a pé a floresta escura, silenciosa e escura, se arrepiando pelo frio.
Galhos se mexeram e ele correu mancando, em sua direção. Sean fechou os olhos, e corria orientado pelos dons paranormais vendo uma energia desfocada à sua frente.
Alguém corria por ali, e ele sentia o cheiro, o rastro energético.
Sean abriu os olhos, voltou a si e a imagem de uma floresta viva se fez; troncos tortos, sofridos, tomados pelo húmus que dava aspecto horrendo e vivo.
As árvores se fechavam, o chão se tornava tomado pela massa verde, úmida, que tomava conta dos galhos, e Sean estancou sabendo que não estava só, que agora três pares de olhos o vigiavam.
— Quem está aí?! — gritou sentindo-se ‘Branca de neve’ perdida na floresta musgosa, tomado pela noite fria, sendo assustado pela formação de galhos retorcidos.
Galhos voltaram a se mexer, e Sean estava perdido, no meio da mata de lauráceas pré-históricas, que o vigiava.
E Sean realmente teve medo de sair do corpo ali. Ficou petrificado, tentando traduzir os silbos que começaram a estalar de um lado ao outro da floresta, quando a coordenada “28° 7’ 34.5” N e 17° 14’ 14’ O”, chegou à sua mente.
Sean fez as contas, Parque Nacional Garajonay. Sabia que estava ali, que o hotel era próximo; não entendeu foi o porquê da coordenada nem por que o satélite de observação Spartacus se comunicava com ele através de silbos.
“Ou não é Spartacus?”; se virou para a noite que terminou para ele ali.
Sean caiu de pijamas, desmaiado, no chão úmido pelos musgos após ser atingido por um galho certeiro.
Ficou lá até o amanhecer do novo dia.
12
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
14 de agosto; 09h15min.
Mr. Trevellis adentrou o Laboratório Dois onde Kimberly e Challitta estavam trabalhando desde cedo. Elas se assustaram porque o jambo e grande Mr. Trevellis adentrou daquele jeito mesmo, violento.
Kimberly levantou os óculos de leitura e observou o descontrolado Mr. Trevellis esperando algo.
— Amâncio veio me dizer que você não autorizou o filho de Oscar a voltar, anteontem! — exclamou forte.
Kimberly voltou a abaixar os óculos de leitura no rosto bonito e paramentado, brava por ser obrigada a repetir o que já falara ao velho Pellet-Parresh.
— Vou repetir! — Kimberly começou bem assim. — O Sr. Sean Queise descumpriu todas as normas do Complexo Templeton da Poliu, para quem trabalhamos... — olhou Challitta que se encolheu e olhou Mr. Trevellis que bufava, pelo peso e corrida até ali, e se olhou por ter que dar explicações. —, normas, inclusive, Mr. Trevellis de alta segurança, que sabe muito bem, não podemos abrir a guarda.
— O filho de...
— O ‘Sr. Sean Queise’ não manda aqui porque aqui não é a Computer Co.! — Kimberly olhou em volta. — Apesar de parecer pelo número exorbitante de mainframes que nos guiam.
— Os contratos de trabalho da Poliu e a Computer Co. não são de sua alçada, Almirante. Quero Sean aqui trabalhando, porque como disse ‘normas, inclusive, Mr. Trevellis de alta segurança, que sabe muito bem, não podemos abrir a guarda’ — debochou Mr. Trevellis ao falar femininamente como ela. Challitta quis rir e Kimberly a fuzilou. Ela sentiu tanto aquele olhar que se ergueu do banco onde há horas trabalhava e saiu. E foi só a porta de comunicação fechar que Mr. Trevellis se pôs a gritar. — ROMRET IX está sem comunicação!!! ROMRET IX sabe o que aconteceu naquela maldita Duck Bay!!! ROMRET IX precisa nos contar como seu pai lidou com aquela maldita, maldita, e maldita coisa estranha, Almirante Kimberly, da qual não podemos abrir a guarda, Almirante Kimberly!!! — e Mr. Trevellis se virou para sair e voltou a se virar para ela. — E ROMRET IX só vai funcionar se Sean usar os pontos de Lagrange na WEBI dele, para alcançar ROMRET IX com um attach, que só ele sabe fazer!!! — soltava raiva e saliva para todos os lados.
Kimberly as viu cair, uma por uma. Ficou lá sozinha após sua saída tão violentamente quanto sua entrada foi, a pensar que odiava Sean Queise.
Parque Nacional de Garajonay, La Gomera.
28° 7’ 34.5” N e 17° 14’ 14” W.
14 de agosto; 13h25min.
Já Sean Queise acordou com muita dor de cabeça, vestindo um pijama sujo e úmido, jogado no chão de musgos da floresta de lauráceas.
E elas eram aterradoras ao olhá-las.
Sean olhou mais adiante, além da vegetação imperturbada desde o período do Terciário, havia lá fantásticos pináculos de rocha, e chaminés vulcânicas despontando acima de sua cabeça.
Também não demorou as câmeras de segurança o captassem, aquele era o lugar onde o cavalo de Sean Queise refugara, o lugar onde ele caíra, que o cavalo ‘derretera’, e a própria Almirante Kimberly, num jipe Land Rover o encontrou dessa vez.
Sean contava formigas e as amontoava num canto do chão quando calmamente levantou a cabeça para ela.
— Wow! Carona?
— Não vai voltar! Deixei claro aos Pellet-Parresh! — e Kimberly se aproximou dele. — E a Mr. Trevellis também!
— E está aqui por...
— Porque o vi em minhas câmeras de segurança!
— Ah! Você não é mesmo mulher que manda recado, não? Vem trazê-los pessoalmente — Sean riu deixando todo corpo de Kimberly descompensado.
Ela se virou para ir embora e voltou.
— Por que está sujo?
Sean se ergueu e se olhou:
— Contato com a natureza.
Ela se virou para ir embora e voltou.
— Por que está de pijama sujo?
Sean se olhou novamente:
— Contato com a natureza?
Ela brilhou os olhos pelo ódio que lhe invadiu.
— Sabe por que foi expulso, Sr. Queise?! — gritou furiosa.
— Porque disse que sua mãe morreu antes.
Ela se aproximou dele e o esbofeteou. Sean mal acreditou no que ela fez. Kimberly se virou e voltou a passos largos para o jipe Land Rover, entrou, ligou o motor e desligou; e saiu batendo a porta para chegar bem perto de Sean e esbofeteá-lo novamente.
— Sabe por que foi expulso?! Sabe?! — berrava Kimberly.
— Porque disse que seu pai morreu uma semana atrás.
— Ahhh!!! — ela se virou e voltou a passos largos para a Land Rover, abriu a porta, entrou, e ligou o motor, e o desligou, e saiu batendo a porta, e chegou bem perto de Sean o esbofeteando novamente para novamente ir embora.
E Sean virou o rosto tão violentamente nessa terceira vez que por pouco não beija o chão e a formigas amontoadas. E Kimberly chegou até o carro e ligou o motor novamente, e saiu após desligá-lo.
— Vai ligar e desligar o carro, e voltar aqui para me esbofetear quantas vezes? — foi o mais cínico que conseguiu.
Kimberly voltou a se aproximar e levantou a mão, para então Sean dar-lhe um giro nos braços deixando-a imobilizada pelo corpo dele, que Kimberly desejou mais que odiar.
— Largue-me!
— Juan Pablo! — foi o que ele exclamou.
— O que disse?
Sean a lançou para longe dele.
— Seu pai, General Juan Pablo Aguiar.
Kimberly olhou um lado e outro.
— Do que está falando?
— Ele está vivo! — Sean nem esperou Kimberly fazer mais que arregalar os olhos. — Aqui! — apontou para todos os lados. — Em meio a esses arbustos, musgos, húmus e todos os insetos que me comeram a noite toda — ele viu a Almirante Kimberly Sathi Aguiar desatar a gargalhar e a voltar para o carro. — Aonde vai?
— Está louco!!! — berrou. — Está completamente louco, Sr. Queise!!! — ele nada falou e Kimberly entrou no carro o ligando novamente; estava revoltada com ele. — Eu devia ter me livrado de você quando tive chance!!! — vociferava do carro.
— Wow! E isso foi quando, Senhorita?
— Cale-se!!! Cale-se!!! — Kimberly saiu do carro, agora deixando o motor ligado mesmo, e avançou sobre ele. — Cale-se Sr. Queise!!! Cale-se!!! — e Sean parou a mão dela no ar novamente, girando-a tão rápido que ela sim foi ao chão úmido, em meio às formigas que ele amontoava. — Ahhh...
— Ele me visitou em São Paulo.
Kimberly arregalou os olhos para ele do chão.
— “Ele”?
— Juan Pablo Aguiar!
— Passou muito tempo com os ‘contatos da natureza’, Sr. Queise! — gargalhava se levantando e se limpando.
— Não. Ele também me visitou ontem, no meu quarto aqui na ilha e Mona Foad, em Lisboa.
Kimberly gargalhou tanto que se engasgou. Sean ia ajudá-la e ela o mandou parar para então desatar a rir novamente.
Sean girou os olhos nervoso para com ela.
— Está louco! Deve ser o uso de alucinógenos... — apontava para os lados como ele fizera. —, do seu contato com a natureza...
— Anaïs Nin disse que não necessita de alucinógenos quem tem o dom de sonhar desperto.
— O que é isso? Está dizendo que sonha acordado?
— Que saio do corpo pelo éter, sim. E não uso drogas, Almirante Kimberly.
— Juan... Meu pai, Juan Pablo Aguiar morreu um ano atrás, ele e minha mãe, após voltar de Marte. E sua nave caiu no mar, em cima de um barco de refugiados, incendiando-se!!! — vociferou.
— Não! Sua mãe morreu um ano atrás após ser abandonada por ROMRET IX que se desligou à beira da cratera ‘Duck Bay’, em Marte. A nave FATHER então chamou a nave MOTHER de volta, que se acoplou e enviou ROMRET X dentro da nave MOTHER, de novo à Marte, para que ROMRET X resgatasse o corpo dela morto. Seu pai ficou em Marte até duas semanas atrás, sem ordens para voltar porque a Poliu temia um dossiê que ele escreveu com sua mãe. E sua mãe também escreveu o dossiê; junto com seu pai!!! — berrou chutando o chão que Kimberly se ajoelhou em choque.
— Meu pai...
— Seu pai voltou com a nave FATHER, contrariando Trevellis, usando os pontos de Lagrange para chegar mais rápido, e usando Spartacus e minha WEBI para comandá-la, caindo em cima de um barco de refugiados como a nave MOTHER, coincidentemente e infelizmente, também o fez. Por isso eu ouvi a voz do gerente duas vezes, duas vezes falando da queda dos barcos de refugiados que também infelizmente se proliferam na região.
Kimberly nada entendeu.
— Disse que meu pai... Onde ele está Sr. Queise?
— Não sei. Por aqui — mostrou em volta. —, escondido!
— Disse que meu pai... Que meu pai... Que meu pai... — Kimberly não conseguia falar e pensar ao mesmo tempo, até respirar não conseguia em conjunto. — Disse que meu pai esteve em São Paulo?
— Seu pai era um espião psíquico da Poliu, como sua mãe Siri Sathi Aguiar, como Mona Foad Almeida, como Esperanza Paco Hu, como Letizia Pellet-Parresh. Provável como eu.
Kimberly olhou-o.
— Meus pais tinham dons paranormais?
— Sim. A ideia da Poliu era manter contatos com alienígenas, por isso criou os agentes psíquicos; comunicação com alienígenas.
— E como... como... como...
— Como sei? A autora Anaïs Nin disse que não necessita de alucinógenos quem tem o dom de sonhar desperto — olhou-a lhe olhando em choque.
— Você foi preparado... preparado...
— Fui Senhorita! Sem saber que estava sendo! — ele viu Kimberly duvidando daquilo. Talvez ele próprio duvidasse. — Quando Marte passou a ser prioridade da Poliu na década de 70, provável quando os primeiros ROMRETs tiveram algum tipo de contato com alienígenas marcianos, eles chamaram seu pai e sua mãe, que também é mãe de Letizia.
Kimberly quis rir; paralisou.
— Minha mãe? O que disse? — fez uma careta. — Eu escutei o que disse? Mãe de Letizia? O Sr. Oscar Roldman não...
— Oscar sabia sobre sua mãe Siri e Amâncio, e sabia sobre Letizia que Amâncio trancafiou num manicômio, e que ao fazer 17 anos saiu do controle dele que é um bruxo, metido até o último fio de cabelo com coisas que iria arrepiar os seus cabelos, Almirante.
— Todos... todos...
— A seis graus de separação.
Kimberly sentiu toda sua força esvaecer. Desmaiou a ser socorrida por Sean Queise que a pegou no colo, levou até o jipe Land Rover ligado, e se dirigiu para o Complexo Templeton que veio abaixo, quando ele bateu na porta de pijama sujo e a Almirante Kimberly Sathi Aguiar desmaiada nos braços.
Complexo Templeton da Poliu.
14 de agosto; 15h18min.
Sean dessa vez teve a permissão para tomar um longo e reconfortante banho, e também comer algo. Também havia conseguido mudar de suíte, sendo transferido para a suíte número 5, que lhe disseram era para ter sido de Oscar Roldman, se ele tivesse aparecido.
E mais uma vez, percebeu que todas as suítes do Complexo Templeton eram de igual tamanho. Contudo, o que não esperava era ter que dividir sua suíte com o corpo perfumado e desfalecido que pousava na sua cama quando saiu do banheiro.
Sean olhou a porta fechada, sua cama ocupada pela Almirante Kimberly, a porta fechada, e outra vez Kimberly vestindo uma camisola tão transparente que acreditou quase fazer parte da pele dela.
E Sean sabia que fora Challitta quem fez aquilo, que quando chegou com Kimberly desmaiada nos braços, ela e Carrie a levaram para sua suíte, mas a suíte 11111 estava destruída, com os móveis e papel de parede, derretidos como sua suíte 55 ficara.
Não imaginava, porém que elas a trariam tempos depois, ainda desfalecida, ao quarto dele, à cama dele, quase nua. Engoliu aquela provocação e jogou um lençol sobre Kimberly. Pegou um travesseiro e uma colcha e deitou-se no chão mesmo.
Tinha muito sono para prosseguir.
13
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
15 de agosto; 08h34min.
Já Kimberly quando acordou dia seguinte sentiu que todo seu corpo doía; e era uma dor de perda, de angustia.
Ela abriu os olhos e viu que o relógio marcava 08h34min.
— Inferno... — lembrou-se de repente de tudo o que havia acontecido. De ter visto Sean Queise nos arredores do Complexo Templeton pelas câmeras de segurança, de ir atrás dele e esbofeteá-lo tantas vezes que sua mão ainda doía. Mas lembrou-se também de ter desmaiado e acordado nos braços dele para então desmaiar de vez. Respirou profundamente com a sensação de ainda estar no colo dele, debaixo do ventilador a girar devagar sobre sua cabeça, e do perfume dele ainda estar ali. Ela se cheirou e o viu de pé, olhando-a. — Ahhh!!! — gritou se erguendo sentada, na cama.
— Preciso lhe falar algo.
— Ah! Não! Isso vai me dar dor de cabeças Sr. Queise?
Sean sentou-se na cama, ao lado dela e Kimberly tremeu.
— Não se preocupe, meu charme não lhe atinge — ele viu a carranca que ela fez.
— Então o que vai falar?
— Eu estive em Marte.
— Você o... — e Kimberly levantou tão rápido que o lençol que lhe cobria foi ao chão. Kimberly se olhou, a camisola que lhe foi colocada era extremante provocante, e ela nua por debaixo dela. Sean impactou nos seios que se delineavam no tecido transparente. — Isso não é meu... — ela falou com a boca entreaberta.
— Não. Quando saí do banho ontem você já estava vestida assim… — apontou. —, na minha cama.
— Quem... quem... quem...
— Challitta.
— Não sei por que Challitta colocaria uma...
— Para me provocar.
Kimberly sentiu-se ofendida; excitada e ofendida.
— Vire-se!!!
Sean se ergueu da cama e virou-se na ordem, assustado pelo grito.
— Não sou nenhum...
— Não me importa o que seja! Fale, e fale de costas para mim! — Kimberly procurava suas roupas e não as achava.
— Não está na suíte 11111.
— O que? — ela percebeu que ele a enxergava mesmo de costas.
Kimberly ficou mais furiosa ainda olhando em volta.
— Você está na suíte 5, que me foi dada, e suas roupas não estão aqui — Sean nem precisou usar dos dons para saber que ela estava de olhos arregalados. — Não se preocupe, dormi no chão! — apontou para a cama desfeita, próxima à janela de holograma.
— Por que não fui levada à minha suíte 11111?
— Porque estava derretida como a suíte 55. Eles a trancaram com uma massa que não me pergunte o que é.
— Há... Há suítes desocupadas.
— Eles disseram que você não poderia ficar em nenhum outra que não fosse final 1, mas Amâncio não abriu mão da dele. Eu saí da discussão já que não entendia e não queria entender mais nada, e vim tomar banho; e quando saí do banho... — apontou para trás.
— Ahhh!!! — berrou. — Vire-se para mim! — ela viu Sean se virar na ordem, outra vez. — Como assim... — se enrolou no lençol. —, como assim ‘esteve em Marte’? Só a Poliu foi a Marte com...
— Estive em Marte na noite do telescópio do observatório!
Kimberly arregalou os olhos.
— Você pode... Você pode... Você pode... Não consigo falar... — Kimberly o olhou furiosa pelo próprio descontrole. — Você pode fazer uma viagem astral até Marte?
— Não... Quer dizer... Sim. Mas eu não fui ‘em uma viagem astral’, porque eu, ou alguma coisa muito poderosa aqui no Complexo Templeton, me levou até lá, Almirante Kimberly — e Sean abriu a mala que lhe foi trazida da suíte 55, e entregou as fotos de Spartacus que lhe foi dada pela clínica geral Dra. Anália, amiga de Oscar Roldman.
— Você está... — Kimberly sentiu toda sua pressão alterar ao ver onde o corpo de Sean estava. — Você está... Você está... Não consigo falar.
— Estou em Marte. E eu o vi... Ou, de certa forma... — girou os olhos. —, vi o ROMRET IX que me resgatou.
— O Robot o quê?
— Por que está me olhando assim? Acha que enlouqueci?
— Conheço seus dons Sr. Queise suficientemente para achar qualquer coisa.
— Não estou louco! Veja as fotos... — apontava nervoso. — Pelas fotos que ROMRET IX tirou e Spartacus enviou à Polícia Mundial, pode ver que estou sofrendo pelo ar rareado. Porque desmaiei, Senhorita Kimberly, desmaiei antes de girar no telescópio do observatório, e acordei numa terra avermelhada com dificuldades para respirar. Caí, morrendo numa areia fina para então ser socorrido por um ROMRET, que me deixou no chão de um Laboratório de sobrevivência destruído, até se desligar.
Kimberly pegou a última foto da mão dele. Todo seu corpo sentia a falta da gravidade, de algum equilíbrio.
— Você está... Você está... Você está... Não consigo falar.
— Estou no chão do LABS em forma de pera que seus pais usavam em Marte, um dos laboratórios próximo a Duck Bay, que se não me engano, já foi uma cidade próspera.
“Cidade próspera?”; Kimberly sentiu que ia desmaiar, agora escorregando pelo colchão.
Sean a pegou antes de ela chegar ao chão, por instinto. Talvez o mesmo instinto que o fez olhar para seu corpo roliço, despontando na camisola provocante que Challitta colocou para provocá-lo.
Ela abriu os olhos tão próxima a ele, que teve vontade de beijá-lo. Os lábios até se chamaram, mas Sean a colocou no chão, sem graça.
Depois arrancou sua própria camiseta e a deu.
— Vista! Não vou conseguir falar com você nua desse jeito.
Kimberly olhou o peito másculo dele, o que as horas de academia moldaram. Ficou pensando que ela que não iria conseguir conversar com ele ‘nu’ daquele jeito.
Obedeceu e vestiu a camiseta por cima da camisola.
— Disse que ROMRET... Disse que ROMRET... Disse que ROMRET... Não consigo falar — ela o olhou e ele a olhou; Kimberly puxou a camiseta para baixo por instinto. — Disse que ROMRET IX lhe carregou até a ‘pera’? Então o que é o attach?
— Exatamente o que lhe disse, que o attach é para acessar as informações de ROMRET IX, que desligou quando sua mãe morreu. E não foi o Robot quem parou de funcionar, foi seu banco de dados.
— Minha mãe estava ligada ao Robot?
— Acho que sim. Os cientistas da Computer Co. tinham uma programação de ‘Duo Life’, uma ideia de Trevellis para gerenciar a mente humana através dos computadores ou de mentes humanas controlando-os; ele não sabe que eu sei, mas o projeto vem sendo desenvolvido desde quando Mona era espiã psíquica da Poliu.
— Humanos controlando máquinas? Como você faz?
Sean gargalhou com vontade.
— Sim! Como eu faço. E provável, fui eu quem chamou Spartacus, e enviei as fotos para Oscar.
— Inconscientemente?
— Sim! Suponho! Ainda não tenho total controle, Senhorita.
— Nossa... Imagino quando tiver.
— É! Imagine...
— E agora? O que fazemos?
— Tenho que saber o que há no Setor III.
Kimberly sentiu-se incomodada; por ela e pelo peito nu dele.
— Aquilo é prioridade de segurança, Sr. Queise.
— Prioridade de quem, Kimberly?
Ela viu como foi chamada.
Perdeu a linha do pensamento.
— Eu... Eu não sei muita coisa. Aquilo no Setor III é prioridade da cúpula dos ‘Mister’; só um Mister, como Mister Trevellis poderia dizer, mas sei que a nave MOTHER quando chegou à Terra um ano atrás, trouxe algo, uma energia alienígena que derreteu o barco clandestino onde ia cair — ela olhou Sean. — É como se ela tivesse o derretido para poder aterrissar em segurança.
— Você a viu?
— A nave MOTHER? Não! Por isso não sabia que ROMRET X e minha mãe... Que o corpo de minha mãe estava lá e meu pai ainda...
— Quem teve acesso à nave MOTHER?
— Mr. Trevellis, Dr. Joshua, o fiel escudeiro Pramit, e Challitta.
— Claro! Os exobiologistas. O que prova que havia vida alienígena lá dentro — Sean olhou Kimberly pensando em algo. — Por isso Challitta sabia que o ROMRET desmontado no Laboratório Dois era ROMRET X, e por isso ela queria me dizer, para se vingar de você por você ter chamado a atenção dela antes da minha chegada.
— “Antes”? Como sabe que eu... Leu minha mente, Sr. Queise? — ela viu Sean sorrir o mais cínico que conseguiu. — Não repita isso! — ela viu Sean voltar a rir, mas ele concordou com um movimento de mão. — Quando a nave FATHER chegou de Marte um ano atrás, Mr. Trevellis disse que meus pais ficariam de quarentena, que eu não ia poder vê-los. Não que os visse muito. Como disse, meus pais não eram muito frequentes na nossa vida. Eu vim trabalhar aqui e eles pouco conversavam comigo.
— Sinto por isso, Senhorita.
— Eu também. Eu também — suspirou. — Mas enfim, Mr. Trevellis disse-me que os corações não aguentaram e eles morreram. E como ainda não haviam fechado a quarentena, mandou-me autorizar a cremação dos corpos, uma vez que poderiam, os seus restos mortais, contaminar o solo se fosse enterrados. Não vi nada fora do padrão de segurança, se me entende.
— Claro que entendo. Acredito mesmo que eles tenham cremado sua mãe para segurança, mas o ROMRET X eles não cremaram, e algo veio com eles naquela nave, a ponto de transformar o Complexo em Nível 10.
— A cúpula dos ‘Mister’ exigiu a reforma — Kimberly levantou-se.
— A reforma do salão dos antigos mainframes?
— Só recebi ordens para não voltar abrir aquilo. Imaginei que... — olhou Sean e parou de falar. — Recebi ordens para não abri-la.
Sean a viu andar de um lado para outro praticamente só de camiseta. Ela também se olhou, e nunca na vida dela se lembrou de andar daquele jeito, só de camiseta, na frente de quem fosse.
Ambos perceberam aquilo e desviaram os olhares.
— A reforma do Complexo...
— Como soube da reforma, Sr. Queise? Challitta? Esperanza?
Sean riu.
— Não! As paredes me disseram.
— As paredes lhe falam, Sr. Queise?
— Sim! Rastros de lembranças que ficam presas aos objetos, rastros de lembranças que ficam presas no éter, rastros de lembranças que ficam presas ao períspirito das pessoas mortas, rastros, Kimberly, que são onda e partícula ao mesmo tempo.
— E você as capta?
— Sim! Como as lembranças que Esperanza deixou no éter sob a ordem da Poliu. Como disse Pierre, “os espiões psíquicos ficam por aí, incutindo falsas memórias, confundido tudo”.
— Ah... Aquele Pierre... Ele não fala coisa com coisa.
— Mas havia lembranças, Kimberly, lembranças que eu e Letizia captamos.
— Ah... Aquela Letizia... Minha irmã...
— Sim!
— Ela sabe que somos irmãs?
— Com os poderes dela? Imagino que sim.
— E por que... Por que não... Por que ela não me disse?
— Vai ter que perguntar a ela, Senhorita Kimberly.
— Almirante! — ela corrigiu-o.
Sean não gostou de ser levado de novo ao ponto de funcionário dela.
— Como queira, Almirante Kimberly! Como queira!
Kimberly estava furiosa demais para lhe dizer que preferia ambos nus, aos beijos e ele a chamando de ‘amor’; relevou de repente com medo de ser interceptada pelos dons dele, que nada pegaram dessa vez.
— Então a segunda nave que voltou semana passada, e que eu sabia que era a nave FATHER, trouxe meu pai?
— Sim! Acredito que sim, já que ela trouxe alguém. E seu pai, Juan Pablo, quando houve o acidente de ROMRET IX e sua mãe Siri, em Duck Bay, enviou ROMRET X para salvá-la.
— Ele tentou salvá-la...
— Sim! O Robot ROMRET X a resgatou colocando-a na nave MOTHER e seu pai a enviou a Terra, porque seu pai não sabia que ela estava morta, talvez até não estivesse, não sei.
— Imagino que Mr. Trevellis, aquele desgraçado, tenha ficado furioso.
— Sim! Seu pai, então, deve ter tentado resgatar o banco de dados de ROMRET IX e o fechado em códigos, e quando a notícia da morte dela chegou até seu pai, e Mr. Trevellis o acusou da falha ou algo assim, ele abandonou Marte e veio para a Terra sem autorização da Poliu.
— Como meu pai conseguiu fechar os códigos de ROMRET IX?
— Também já me perguntei isso.
— E por que demorou um ano para meu pai tomar essa decisão?
— Também já me perguntei isso, uma vez que ele veio rápido, viajando pela minha WEBI, como também fez a nave MOTHER.
— Meu pai tentou salvar a vida de minha mãe, e pagou por isso — olhou Sean. — Onde está meu pai?
— Já disse... Ele escapou.
— Como sabe que encontramos a nave FATHER vazia semana passada? As paredes?
Sean não gostou da ironia.
— Não! Suponho, apenas.
— Inferno... — ela se sentou na beira da cama.
— Onde está o dossiê?
— Não tem nada de importante no dossiê, Sr. Queise. Eu menti para você. Já o li e o reli infinita vezes; há muitas informações soltas, sem nexo, mas nada que nos ajude.
— Então ROMRET IX é a chave para se completar as informações soltas e sem nexo do Dossiê Marte, Almirante; o Robot é o verdadeiro motivo pelo qual Mr. Trevellis está aqui.
— O mesmo motivo que ele obrigou-o a vir.
— Porque Trevellis não pode pedir isso a mim, por isso meu pai fez de tudo para que eu não viesse.
— Mas não é apenas sua inteligência, não Sr. Queise?
— Não! Meus poderes de hacker a fim de acessar ROMRET IX, meus poderes paranormais para dominar tal energia alienígena. Sou o agente que a Poliu desejava ter nas Canárias.
Kimberly teve medo daquilo, mas concordou em tudo; ele leu nos pensamentos dela.
— Você tem algum plano, não?
— Fazer um piquenique na floresta encantada?
— Pique... — Kimberly achou que ele além de tudo aquilo que achava dele, Sean realmente vivia entre a loucura e a pura insanidade.
Complexo Templeton da Poliu.
15 de agosto; 10h14min.
Sean ficou esperando Kimberly dar um jeito de conseguir uma desculpa para o piquenique, que ela achava ser no mínimo, uma brincadeira. Mas ele bateu o pé e a decisão de que precisava de ar para pensar no attach, fez Mr. Trevellis, sabendo que tinha algo a mais, permitir.
Aquilo foi a gota da água para uma Challitta enciumada, que ao invés de conseguir que Kimberly odiasse Sean, ela ia sair com ele. Provocou a maior confusão entre Sean e Esteban, que o socou, o deixando lá caído, quando Sean saía da suíte 5 atrás de Kimberly, que demorava.
Sean mal teve tempo de se defender, de entender que era Esteban quem se aproximava descontrolado. Ficou mesmo imaginando por que não previra aquilo, ou se podia mesmo prever tudo à sua volta.
Já Esteban Pellet-Parresh correu para sua suíte. Falava sozinho quando Sean Queise alcançou-o aos pulos, a boca ensanguentada, e abriu a porta sem cerimônia, entrando na suíte 44.
— Ahhh!!! — Esteban gritou pelo susto.
— Por que o escândalo? Se ainda fosse ‘Alle’ — riu ao pular num pé só toda suíte, e sentar-se na cadeira à frente do que devia ser uma vista da ilha, com um fio de sangue a sair da boca.
— Como... Como abriu a porta se precisava... — e ele viu Sean sangrando. — Saia!!! — esticou todo braço na direção da porta.
— Não vou sair!
— Saia!!!
— Não! Quero saber por que me atacou! — e Sean secou o sangue que escorria. — Vamos, Esteban... Você não faz o tipo ciumento.
Esteban mal se movia, tinha tanta dor de cabeça que a sentia explodir. Alternou-se a olhar a porta e olhar Sean sentado à sua frente, até que Sean fechou a porta com a força do pensamento, e Esteban sabia bem por que.
— Por que Sean? Por quê?
— Por que o quê?
— Porque sei que você dormiu com ela!!! — berrou.
Sean ergueu-se nervoso.
— Dormi com sua mulher porque ela não era sua mulher quando dormi com ela. E não dormi com ela, acordei ao lado dela, bêbado, na mais cara suíte do Hotel de Mumbai, com Challitta dizendo sobre a noite maravilhosa que tivemos sem eu saber se realmente tive uma noite com ela.
— Não é o que eu ia dizer...
Sean fez um movimento de mão.
— Por favor, Esteban. Vamos falar sobre esse assunto milhares de vezes e não... Ah... Não sei o que Challitta...
— Sra. Challitta Pellet-Parresh!!! — berrou Esteban desconcertando Sean.
— Não toquei na Sra. Challitta Chaniny Pellet-Parresh desde que vocês apareceram casados — Sean começava a desgostar de estar ali, de ter que mentir, de ter que fazer-lhe os caprichos da mulher dele, de se ver obrigado a explicar o porquê de dormir com ela. Voltou a sentar-se procurando a calma dentro de si. — Droga, Esteban... Sempre nos demos bem... Você é a única coisa que vale aqui dentro desse Complexo...
— Não somos amigos.
— Não! Não somos! — Sean viu Esteban olhá-lo confuso, e olhar a janela, e olhá-lo novamente. — Isso mesmo Esteban! Já se perguntou por que não temos janela? — sorriu cínico.
Esteban realmente olhou-o confuso na mudança de assunto.
— Do que está...
— Já se perguntou?
— Não...
— Ou já se perguntou por que não podemos ter uma janela?
— Não...
— Será que é porque nada pode entrar? Ou nada pode escapar?
Esteban tomou-se de coragem.
— Seja explícito Sean.
— Seja sincero Esteban.
— Não entendi...
— Quando chegou à ilha, no Complexo Templeton, não teve curiosidade de questionar sobre o holograma?
— Não! — Esteban olhou a janela iluminada pelos feixes azulados que escapavam da imagem.
— Nem quando soube que nossas suítes formavam pentagramas na planta baixa, por sobre um promontório, voltados para a bela vista do oceano?
— “Pentagramas”?
— Sabe o que simboliza um Pentagrama Esotérico, Esteban? — Sean viu Esteban sentir a garganta secar. — O Pentagrama simboliza o domínio do Espírito sobre os elementos da natureza — Sean não esperou ele falar. — Com este signo mágico podemos comandar as criaturas elementais que povoam as regiões do ar, do fogo, da água e da terra. E ante este símbolo terrível Esteban, tremem os demônios, os quais fogem aterrorizados.
— Aonde quer chegar? — Esteban sentiu medo.
— “Chegar”? Eu? Lugar algum. Já disse isso a Kimberly. Só queria saber se você não teve curiosidade de entender os números de nossas suítes, ou em saber por que os hologramas funcionam sem os mainframes?
— “Mainframes”? Ah... Eu sabia que era isso — correu até a porta e abriu-a esperando que Sean saísse.
— Não vou sair.
— Vai!
— Esteban... Sabe que há algo no Setor III, não sabe? Algo que veio com a nave MOTHER um ano atrás, algo que fez o Complexo Templeton arrancar as janelas. Challitta lhe contou, e você sabe o que é.
— E acha que vou contar?
— Você contou a seu pai?
— Não vou deixar você ler minha mente Sean — fez um careta que fez Sean rir e Esteban irritar-se. — Saia!!! — voltou a gritar.
— Não vou sair...
— Então é isso? Você não conseguiu ganhar da Pellet-Parresh dessa vez? É por isso que quer me jogar contra meu pai e irmãos?
— Não estou querendo...
— Saia, Sean!!! — seus gritos alertaram as suítes ocupadas ao lado.
— Não vou sair!!! — berrou também. — Não vou sair até me contar se Amâncio sabia sobre a energia trazida de Marte, se Challitta contou a você sobre espíritos alienígenas marcianos, Esteban?!
— Saia!!! Saia!!! Saia!!! — Esteban surtava.
Já Sean, não se mexia na cadeira.
— Do que tem medo, Esteban? De saber que seu pai é um bruxo? De saber que ele não quis ficar nas suítes de final 3? Ou talvez saiba o porquê de Trevellis fazer questão de me colocar num final 5? Ou ainda é um medo muito maior em saber, que Amâncio arrastou vocês nessa empreitada perdida só porque queria ter acesso a essa energia alienígena?
Esteban fechou a porta de novo, agora em choque.
— Challitta me disse...
— Sim, Esteban. Challitta lhe disse, Challitta não lhe disse tudo.
— E o que é o ‘tudo’, Sean?
— Quero saber como a irmã que nunca participou da família porque foi trancafiada num internato, aprendeu a desligar os mainframes da Computer Co.? — Sean esperou e Esteban nada falou. Ele girou os olhos nervoso. — Vamos Esteban. Isso foi uma pergunta.
— Pergunta desproposital que não sei se quero responder.
— Não sabe? Não sabe responder que sua irmã tem dons paranormais genéticos de pai e mãe? — Sean nem se incomodou no que Esteban ergueu-se furioso. — Ah! — Sean gargalhou com gosto. — Vejo que sabe que Letizia é sua meia-irmã.
Esteban se virou o fuzilando.
— Saia!!! — berrou com toda sua força.
— Não vou sair sem respostas!
— “Respostas”? No plural? Então quer saber mais? Fico imaginando para que, se sabe tanto sobre nós...
Sean sabia que aquilo era um desafio, mas não sabia explicar a Esteban nem a ele próprio porque todas as perguntas não eram resolvidas lendo mentes, já que não eram todas as mentes que alcançava.
— Por que seu pai escondeu Letizia? — tentou mais uma vez.
— Srta. Letizia Pellet-Parresh.
Sean gargalhou.
— Claro! Letizia Sathi Pellet-Parresh.
— Cale-se Sean!!!
— Por que Amâncio internou Letizia numa escola da Suíça?
— Por sua causa!
Sean arregalou os olhos azuis. Não era bem aquela resposta que ele esperava ouvir.
— Minha causa por quê? Só porque Letizia era uma criança feinha que disse que ia se casar comigo na noite do meu noivado? — gargalhou nervoso, era verdade.
— Sabe que somos uma empresa antiga, porém de pequeno calibre no mercado internacional. E sabe que meu pai lutou muito para estar em compatibilidade com os grandes empresários da área da informática. E deve saber como ninguém o quanto competitivo é. Quando a concorrência para a construção de Spartacus apareceu, meu pai fundou a Pellet-Parresh, e investiu grande soma de dinheiro oriundo de empréstimos e a formação de ‘pull’ com outras pequenas empresas, para ganhar a construção dos bancos de dados do satélite de observação. Mas meu pai nem ninguém esperavam que alguém tão novo, inexperiente e com tão pouco conhecimento da área como você era, pudesse ganhar a concorrência internacional dos bancos de dados levando o prêmio Spartacus para ‘casa’; e casa lê-se Computer Co..
— “Novo, inexperiente e com pouco conhecimento de área”?! — Sean explodiu. — Eu ganhei por merecimento, Esteban!
— Não estou cogitando o contrário. Conheço hoje sua inteligência Sean, e seu QI de gênio. Eu e todos...
— Todos quem?
Esteban percebeu que Sean não gostou de como aquela frase ficou no ar.
— Não interessa! O que interessa é que resistimos, lutamos para nos manter no mercado, mas quando a Pellet-Parresh perdeu a construção dos programas computacionais dos ROMRETs, também perdeu a primeira grande chance de recomeçar.
— Os ROMRETs estão sendo construídos desde a década de 70, Esteban. Você devia ser um recém-nascido.
— Você sabe que falo desses ROMRETs que estão aí, Sean! — desafiava-o apontando a esmo. — Os novos ROMRETs com cara de gente!
— Eu não sabia que meu pai, quero dizer, não sabia que a Computer Co. estava tão envolvida. Nem que os mainframes anos 70, nem que os mainframes atuais do Complexo Templeton eram meus. Só soube dos Robots quando entrei na concorrência da WEBI interplanetária.
— Viu? Nem todos conhecem os segredos de quem amamos.
“Os segredos de quem amamos...” “Os segredos de quem amamos...” “Os segredos de quem amamos...”; soou intermitente.
— Sabe por que Letizia foi escondida, não? — Sean levantou-se e abriu a porta para sair. — E também sabe por que ela foi liberada, não Esteban? Porque ela é a chave para Amâncio conseguir dominar tal energia alienígena. E ele vai usá-la... — e Sean descuidou-se a falar quando mais que ‘seis graus de separação’, lhe atingiu em cheio, só acordando no que a mão pesada de Allejandro acertava-lhe o rosto bonito pela segunda vez.
Sean foi ao chão de carpete de Esteban em meio aos gritos dele. Quando se deu conta de novo, já estava nas mãos de Allejandro pela terceira vez, que o agarrou pela camiseta do chão, e o levantava até suas bocas se tocarem num beijo em meio ao sangue que tomou conta da boca atingida. E Sean socou Allejandro tão próximo que por pouco não se soca também.
Allejandro amoleceu as pernas pela dor enquanto Esteban agarrava os dois como conseguia e sabia. Mas Allejandro deu uma rasteira e Sean foi ao chão sentindo dor no tornozelo ferido, com Esteban sobre ele e Allejandro sobre os dois, para alcançar a boca de Sean, para então outro beijo se fazer.
Esteban tentava barrar a ação de loucura de Allejandro para com Sean.
— Chega Allejandro!!! — berrava Esteban descontrolado.
Sean soltou-se, limpou a boca úmida e o socou. Foi Esteban, contudo que foi ao chão sangrando.
— Desculpa... — Sean arregalou os olhos azuis ao vê-lo em choque. — Desculpe-me Esteban — o ergueu confuso. — Eu não queria atingi-lo.
— Você vai desculpá-lo seu frango? — incitava Allejandro.
— Cale-se Allejandro! — Esteban tentava raciocinar sentindo dor no nariz que se quebrou.
— Cale-se você Esteban! Esse bastardo fez tudo o que fez para nosso pai, e você o desculpa?
— Eu fiz o que palhaço? — Sean tentava se defender mais pela forma que foi chamado que outra coisa. — Mostrei a Poliu que seu pai usava magia negra para ganhar o mercado?
— Cale-se ‘filho de Oscar’!!! — Allejandro o feriu.
— Não me chame assim seu afeminado!!!
— Chamo-o como quero!!!
— Chega Allejandro! — Esteban pedia com as mãos sujas pelo rio de sangue que se fez no seu rosto.
— Chega o quê?! Chega o quê?! — berrava Allejandro. — Ele dorme com tua mulher seu frango!
— Eu não dormi... — e Sean era brecado por Esteban que o empurrava, e empurrava Allejandro, que ameaçava se aproximar. — Qual é ‘Alle’? Tua preocupação é Kelly ou Challitta que também não dá bola para você? Não deve ser bom de cama, não? — e Sean foi ao chão quando Allejandro voou por sobre Esteban derrubando ambos. — Ahhh!!! — Sean foi agarrado enquanto espancava Allejandro para soltar sua camiseta e novamente ficar atordoado por mais um beijo na boca.
— Com ciuminho dos beijos que dou na sua sócia? Pois foram iguais! — gargalhava Allejandro.
— Seu... — Sean tentava se aproximar e Esteban outra vez entrava na confusão.
— Sean pare!!! Alejandro pare!!!
Mas Allejandro partiu de novo para cima deles com o corpanzil, só sendo separado pelos agentes da Poliu que foram praticamente chamados pela gritaria de Esteban.
Kimberly entrou no momento que Sean era beijado pela quarta vez.
A Almirante vinha seguida de Carrie, Major Guadalupe e Péres.
— Nunca mais me toque!!! — berrava Sean descontrolado.
Allejandro fazia biquinho toda vez que Sean falava uma palavra. E Sean só foi brecado pela força conjunta de Pierre, Lyei e Ho que também passavam pelo local, e saltaram sobre a cama para auxiliar os agentes de segurança, que não conseguiam deter a fúria de Sean Queise.
— Chegam os dois!!! — foi a vez de Kimberly se descontrolar como nunca. — Na próxima vez... Não! Não haverá próxima vez porque eu vou expulsar os dois daqui, entenderam? — um silêncio se fez.
— Mas foi ele quem...
— Entenderam?! — gritou para Sean e Allejandro.
— Não haverá próxima vez Almirante! — a voz de Allejandro era forte como nunca.
— Não! Não haverá porque você vai sair daqui! Porque não tem e nunca teve feeling para a coisa! — Sean respondeu a altura.
Allejandro gargalhou e Kimberly puxou Sean para fora que ainda ouviu Allejandro resmungando algo para Esteban.
— Letizia não avisou você sobre ele, ‘frango’?
Sean alcançou o corredor mais decidido do que nunca a descobrir quem era Letizia Pellet-Parresh e como ela avisaria algo sobre ele, se esteve anos trancafiada numa escola interna.
— Vo-cê é um ir-res-pon-sá-vel! — falava Kimberly com tanta raiva que Sean teve medo dela.
E a voz dela ecoava pelos corredores.
— Não vai me achar assim Almirante depois que souber que Amâncio estava preparando Letizia para isso! — apontou.
Kimberly ia cogitar, mas o som das passadas de Mr. Trevellis alertaram a ambos.
— Vou driblar Mr. Trevellis pela única e última vez, fique avisado. E vou fazê-lo porque quero descobrir algo sobre meu pai — se virou para andar e voltou. — Encontre-me no Anexo I! — entregou uma chave magnética. — Vá até a área das descargas e não arranje confusão com a segurança do Complexo Templeton. Entendeu? — Sean ia lhe falar algo. — Ótimo! Entendeu! — e Kimberly saiu atrás de Mr. Trevellis que veio ver a confusão dos Pellet-Parresh e Sean Queise.
Mas Sean correu quando viu Letizia virando o corredor girando o tornozelo, recebendo em troca o repuxo e a dor pelo ato feito.
— Ahhh!!! — gritou pela falta de ar provocada pela dor.
— Bem feito! — gargalhou.
— Quanta gentileza! — Sean passou por ela até a porta para sair dali.
— Devia tomar banho, Sean Queise — Letizia continuou o caminho sem saber o que havia acontecido a ele. — Está sempre sujo de sangue.
— Como desligou os mainframes da Computer Co., Srta. Pellet-Parresh? — ele a viu estancar. — Não vai dizer ‘seis graus de separação’, vai? — foi a vez de Sean rir.
Ela se virou para ele já em boa distância.
— E por que acha que a resposta não seja essa? — falou calmamente.
Sean ergueu o sobrolho num ato de charme.
— O que? Aprendeu a ser cínica na escola interna? Ou foi outro tipo de escola que frequentou? — ele esperou Letizia gargalhar com gosto. — Uma escola que Trevellis fez questão de construir?
— Como consegue ser tão idiota Sean Queise? — se aproximava dele que ainda estava parado no mesmo lugar a sentir seu tornozelo latejar pela força empregada. — Ah! Entendi! É que você ainda acha que o dossiê é tão importante assim — gargalhava.
— Você sabe... Sempre soube de muita coisa. Viajou nas lembranças de Esperanza, também. Talvez nas verdadeiras.
— “Talvez nas verdadeiras”? — gargalhou. — Você então conseguiu viajar? — ria descontrolada. — Você é bom não?
— “Bom”?
— Achei que tinha apagado o que os espiões psíquicos armaram para você Sean Queise. Inclusive meus rastros — se virou para ir embora ainda rindo, sabendo que ele estava confuso.
“Inclusive meus rastros?”; Sean se perguntou.
— Leu o dossiê? — insistiu.
— Sean Queise... Sean Queise... — ela se virou e se aproximou dele outra vez. — Todos sabem que Juan Pablo estava louco demais para escrever algo.
— “Todos sabem”? Você conhecia Juan Pablo, o pai de Kimberly?
— ‘Kimberly’? Nossa! Quanta intimidade. Você é assim com todas as mulheres, garanhão?
— Pare com isso, Letizia! Traduza o ‘louco’ de Juan Pablo?
— Não sei traduzir a loucura dele, Sean Queise, mas ele não teve chances de escrever um dossiê.
— Um dossiê... E o que ele teve chance de fazer?
— Chacinar todo um planeta é um bom exemplo?
Sean sabia que tinha que ter medo dela, só não queria acreditar naquilo.
— Está dizendo que Juan Pablo fez algo em Marte que destruiu o planeta? — foi sua vez de gargalhar. — Ah! Claro... Encontramos a causa da desertificação de Marte... — e Sean gargalhou realmente.
— E por que não?
— Por quê? Porque já se chegou a dizer que Marte poderia ter tido uma cidade que foi desintegrada, ou um conjunto de pirâmides, construída por seres inteligentes que se perdeu nas muitas tempestades de areia, enquanto fotos na cratera Victoria mostram-nos faraós em rocha.
— E mostram?
— Acredito que o dossiê saiba, não?
— Já disse que não sei nada sobre esse dossiê, simplesmente porque Juan Pablo não poderia ter escrito esse dossiê. Agora saia da minha frente! — empurrou-o mudando de ideia e a porta do Anexo II atrás dele se abriu.
Sean sobressaltou.
— Como fez isso? Como conseguiu abrir isso Letizia?
— Kimberly já lhe contou que desliguei seus mainframes? Ou foi a fogosa Challitta, ‘Sean bonitão’, te encharcando de champagne cara?
— Como pôde alcançar os arquivos de retina e íris armazenadas nos mainframes? Pela mente, Letizia?
— Como Pierre faz? Ou como Esperanza faz? Ou como você faz? — ria com gosto de desafiá-lo.
— Foi sua mãe quem ensinou?
— Ahhh!!! — e Letizia esbofeteou-o que foi ao chão pela falta de equilíbrio do tornozelo machucado. — Não fale dela!!! — gritava Letizia com ele, que a via envolta numa névoa negra, quando a porta que ela abriu se fechou numa velocidade tamanha que seus cabelos moveram-se no ar criado. — Nunca mais fale dela!!!
— Dela quem? Sua mãe Siri?
— Cale-se!!! Cale-se!!! Cale-se!!! Cale-se!!! Cale-se!!! — surtava.
— Não tenho medo de você, Letizia! Devia, mas não tenho!
— Você é um idiota Sean Queise! — Letizia voltou a gargalhar e se preparar para ir embora quando deslizou involuntariamente pelo piso do corredor até onde Sean estava, para então se grudar nele que foi erguido do chão e imprensado contra a parede.
Os dois arregalaram os olhos uma para o outro, ao se verem grudados feito velcro.
— O que está fazendo? — perguntou Sean.
— Não estou fazendo nada! — respondeu Letizia ofendida.
Sean olhou para um lado, para o outro e para ela.
— Não?
— Não tem graça, Sean Queise! Solte-me!
Foi a fez de Sean gargalhar.
— Não fui eu!
— Foi! Está sendo!
— Acha que quero ficar grudado a você ‘P-P’?
— Não?
— Não!
O corredor vazio, as portas próximas fechadas e Sean imprensado na parede pelo corpo de Letizia.
— Solte-me!
— Não estou lhe prendendo Pellet-Parresh!
— Está!
— Então me diga como e eu lhe solto. Afinal abre portas pela força da mente, não?
— E você, não? — ela olhou para os lados e para ele também. — Use sua mente! — soou como uma ordem. Sean ergueu o sobrolho e a lançou longe pelo corredor. — Ahhh?! — Letizia rolou e rolou até aparecer no final do corredor descabelada pelo ato e Sean caiu em gargalhada.
— Desculpe-me! Não sabia que ia muito longe — Sean ria enquanto Letizia se levantou irada partindo para cima dele, que parou de rir após o bofetão que levou. — Hei? Sua...
— “Sua”?
— Sua... Sua... — Sean até perdeu o ar. — Por que me bateu?
— Bem feito!
— Bem o quê?
— Você me prendeu no seu... — apontava nervosa. — no seu... — os dois se olharam. — No seu corpo Sean Queise?
Sean gargalhou.
— Não fui eu... — e Sean parou no que Letizia foi lançada contra a parede com Sean, agora grudado nela, na frente do corpo dela.
Os dois arregalaram os olhos um para o outro, para o corredor para eles próprios.
— Está bem Sean Queise! Já fez a palhaçada de hoje!
— “Palhaçada”?
— Saia!!!
— Não grite sua histérica! Não fui eu!
— Você me lançou longe!
— Desejei! Só isso!
— Deseje agora!
Sean a olhou tentando fazer algo que ela não soube decifrar.
— Não consigo!
— Mentira!
— Não é não! Seu corpo é ridículo, seu perfume francês extravagante está me sufocando, e não tenho a mínima vontade de ficar grudada em você.
— Ahhh!!! — gritou Letizia. — Meu perfume te ‘sufoca’?! — tentava se mover e nada. — Solte-me!!!
— Como se eu não quisesse... — Sean começou realmente a não gostar de se ver grudado a ela no corredor.
Ficou só imaginando o que Allejandro não seria capaz de fazer com ele, se os vissem daquele jeito depois de já ter quase o matado.
— Ok, Sean Queise! Não brinque! Solte-se!
— Não é o tipo de brincadeira a que estou acostumado.
— Ah! Não é não! — Letizia gargalhou com gosto.
— O que você quer dizer com isso? — ele se incomodou com Letizia gargalhando debochadamente. — O quê? — Sean começava ficar nervoso.
— Se afaste de mim! — o encarou num olhar fuzilante.
— Afaste-me!
— Ah! Agora achando que sou eu quem quero seu perfume barato grudado em mim?
— Não uso perfume barato Senhorita... Uso... — e Sean bateu seu sexo contra do dela. Os dois arregalaram os olhos. — Não fui eu! — correu ele a dizer. Letizia mal conseguiu pensar e Sean voltou a bater seu sexo contra o dela. — Não fui eu... — e voltou a bater. — Não fui eu... — e bateu mais uma vez engolindo aquilo a seco.
— Vamos parar?! — gritou Letizia para o corredor.
— Com quem está gritando? — perguntou com os olhos azuis arregalados.
— Com o corredor? Ou com alguma coisa que manda seu sexo bater no meu?
Sean começou achar que talvez ambos tivessem enlouquecido.
— Ah... — e Sean bateu novamente; e mais uma vez, e outra e outra mais.
Ele riu não entendendo porque riu, sentindo uma ebulição dentro dele, das calças. Olhou Letizia de rabo de olho ainda grudado nela, imprensando-a contra a parede.
— Você está... — falou agora ela quando sua mão começou a andar sem o seu controle e vontade pela perna dele. Os dois voltaram a se olhar de olhos arregalados. — Não sou eu Sean... — falou confusa.
— Claro... — respondeu em idem estado.
Mas a mão de Letizia caminhava pela perna até o sexo dele e lá estacionou.
Os dois se olharam e desviaram o olhar.
— Vai...
— Vou?
— Fazer... Fazer-me... — Sean só a ouviu gargalhar extremamente descontrolada. — Está achando graça Pellet-Parresh?
— E não devia estar? Ou acha que estou passando a mão em você porque...
E algo se moveu perto deles.
— O que foi isso... — Sean sentiu o corredor mover-se. — Sentiu? Sentiu? — e o corredor ‘correu’ literalmente.
— Ahhh!!! — gritaram ambos no que seus cabelos ergueram pela ventania, pela velocidade, pela falta de nexo, até o corredor parar de correr.
— O que... O que... — Letizia olhou um lado e outro. — O que foi isso?
— Não sei... Juro! — Sean voltava a si tendo certeza que não estavam sozinhos quando ameaçou se aproximar dos lábios dela.
— Nem tente.
Sean recuou sem saber se queria recuar nem porque quis ir até ela, mas voltou a se aproximar com a certeza que não era levado aquilo; queria beijá-la.
Letizia fechou os olhos e sua mão tocou o sexo dele involuntariamente outra vez.
— Ahhh... — Sean voltou a realidade, a uma excitante realidade dos corpos unidos, grudados. — Não devia... — e algo passou por eles novamente; uma energia tão negativa e poderosa que ambos desmaiaram. Quando Sean voltou a si, ainda estavam grudados; grudados ambos na parede do corredor do Anexo II. — Letizia? Letizia? — chamava sem conseguir tocar-se, tocá-la. — Letizia?! — gritou.
Ela abriu os olhos e ergueu o pescoço.
— O que...
— Sentiu isso?
— Defina ‘isso’ Sean Queise?
— Isso! A energia!
— Não... Acho que desmaiei.
— Desmaiamos pela força dela.
— “Dela”? Dela quem?
— Da energia pesada que está no Anexo II desde quando cheguei.
— Chegou com você?
— Não sei... — e parou de falar no que sentiu que o corredor se movia, para então todo o corredor correr novamente.
— Ahhh!!! — berraram ambos no corredor que corria feito uma esteira rolante em alta velocidade; as portas das suítes, eles, as paredes, correndo num corredor que corria. — Ahhh!!! — gritavam uníssonos em alta velocidade, fazendo o corredor parar numa terra avermelhada, seca.
Letizia arregalou os olhos para a paisagem, para Sean e voltando para a paisagem.
— O que... Onde... Onde estamos?
— No corredor... Grudados...
— E o corredor onde está Sean Queise?
— Acho que em Marte.
— Marte?! — gritou.
— Gritar não vai adiantar Letizia Pellet-Parresh — debochou para a imensidão.
Letizia parou até de respirar.
— Como assim ‘acho que em Marte’?
— Sendo? Talvez?
Letizia olhava o corredor agora sem as paredes, sem o teto, com o piso sobre a vasta região de areia vermelha em torno deles, e eles ainda grudados.
— É nossa imaginação ou estamos noutro lugar?
— Não falei que estávamos...
— É!!! Disse!!! Em Marte!!! — cortou qualquer explicação dele.
— Consegue respirar? — Sean não se deixou afetar por ela.
Ela respirou e respirou.
— Sim... Mas é abafado.
— Incrível! O dossiê devia falar sobre isso.
— “Isso”? — olhou para a direita. — “Isso”? — olhou para a esquerda. — Isso o quê? — olhou para ele.
— Isso, Senhorita — Sean olhou para os lados. — Que há ar em Marte.
— Ar... — teve medo de completar a frase.
— ROMRET IX deve ter descoberto isso em Duck Bay, e outros ROMRETs, não sei quais, devem ter descoberto coisa semelhante em Cydonia.
— Ar em Marte? Então há...
— Sim, Letizia, há marcianos aqui.
— Leve-nos de volta! — soou como uma ordem.
— Ah! Claro!
— Leve-nos de volta! — mandou ela outra vez
— Claro!
— Pare com isso, Sean Queise!!!
— Isso o quê? Acha que não quero sair dessa situação ridícula de estar grudado em você em Marte?
— Volte-nos para o corredor! Volte o corredor para o Anexo II do Complexo Templeton! Volte-nos à Terra! — Letizia então viu Sean fazer uma careta onde toda sua tez se espremeu. Ela caiu numa gargalhada para lá de tensa. — Okay Sean Queise... Congratulações!
Ele abriu os olhos azuis a encarando friamente.
— Chame Allejandro!
— Como é que é? — Letizia olhou a terra vermelha se aquecendo cada vez mais rápido.
— Chame Allejandro Srta. Pellet-Parresh! Só ele pode nos tirar daqui.
— Deve ter enlouquecido não Sean Queise? Alle cresceu bolando ideias mirabolantes de como matá-lo.
— Chame-o!!!
— Não grite comigo! — Letizia olhou para os lados ao ver que areia se movia. — Há... Há algo na areia... — arregalava os olhos.
— Dust devil!
— ‘Dust’ o quê? — achou não ter entendido.
— Um twister, Senhorita! O solo absorve uma grande quantidade de calor do Sol erguendo enormes colunas de poeira com mais de 800 metros de altura! Se um deles nos atingir, já éramos!!! — gritou Sean no momento que labaredas de fogo começaram a se aproximar em forma de mini tufões. — Chame Allejandro!!!
— Ahhh!!! Que droga! Allejandro?! — berrou ela.
— Mais alto!
— Estou gritando se não percebeu! E se não percebeu, estou gritando em Marte!
— Berre Letizia!!!
— Não grite comigo... Ahhh!!! Allejandro?! Allejandro?! Allejandro?! Socorro!!!
E Sean foi arrancado do corpo de Letizia, no que Allejandro aportou no corredor do Anexo II e o viu grudado na irmã.
— Desgraçado!!! — gritou Allejandro.
Sean voou com toda a força impressa pelo corredor de suítes, rolando até parar metros adiante, só tendo tempo de ver o corpanzil de Allejandro voar sobre ele novamente.
— Não Alle!!! — berrava Letizia vendo que voltaram à Terra, às Ilhas Canárias, ao Complexo Templeton, ao Anexo II.
Sean foi pego e lançado outra vez pelo corredor. Ficou impressionado com a força e o ódio de Allejandro Pellet-Parresh por ele.
— Desgraçado!!! Desgraçado!!! Desgraçado!!! — berrava descontrolado.
— Não Allejandro!!! Ele não tem culpa!!! — gritava Letizia tentando segurá-lo.
— Ele nunca tem culpa?! — Allejandro estava transtornado por vê-los juntos.
E Sean tentou escapar quando Allejandro saltou sobre ele novamente e bateu sua cabeça no chão, uma, duas, três vezes.
— Ahhh!!! — Sean sentiu que ele ia matá-lo.
— Não, Allejandro!!! Ele não tem culpa!!! Escuta-me?! Ele não tem culpa!!! — agarrava-o. — Solte-o Alle!!!
— Me largue Letizia!!! — Allejandro a empurrou que caiu e se levantou tentando segurá-lo de qualquer maneira.
— Pare Alle!!! Escuta-me!!!
Allejandro agarrava Sean que o socava para então socar Letizia que foi ao chão novamente.
— Ahhh... — Letizia agora bateu cabeça ficando momentaneamente zonza.
Allejandro se apavorou ao vê-la caída.
— Não toque nela Allejandro!!! — gritou Sean no que Allejandro tocou-a e desapareceu do corredor. — Deus... — a voz de Sean mal saiu.
— Onde está Alle, Sean Queise?! — gritou Letizia ao acordar no momento que Allejandro sumiu da sua visão. — Onde?!
— Não sei!
— Onde?! Onde?! Onde?! — gritava apavorada do chão.
— Já disse que não sei... — Sean girava em torno dele mesmo quando algo o alertou e ele se jogou sobre Letizia no momento que Allejandro voou sobre suas cabeças, com as roupas em réstia de chamas, só parando no final oposto do corredor. Sean levantou-se e correu ao vê-lo com as roupas queimadas ainda soltando fumaça. Arrancou sua própria camiseta e tentou apagar o resto de calor ali presente. — Você está bem?! Allejandro responda?! — Sean ao chacoalhava — Você está bem?!
Allejandro estava tão assustado que toda sua tez esticou-se. Havia paúra naquela face. Sean percebeu que Allejandro havia ido a algum lugar que o fez entrar em choque.
— Alle?! Alle?! — gritava Letizia, chacoalhando-o também. — O que você fez?! — encarou Sean, nervosa.
— Não fui eu! Já disse!
— O que é você, monstro?! — gritou Letizia para o corredor de repente. — O que você quer de nós?! — chorava agarrada a Allejandro em choque.
Sean olhou em volta, não encontrando o monstro nem a energia pesada, que parecia ter se dissipado com a volta de Allejandro, no que viu uma areia avermelhada lotar o corredor provável trazida pela viagem deles, de Allejandro.
— Ahhh!!! — Sean tocou a areia e saiu do corpo com toda sua força.
“Sean”; a voz de Letizia se perdeu no éter.
Sean havia sumido do corredor do Complexo Templeton, das Canárias, da Terra, caindo de joelhos na terra quente, avermelhada, de Marte.
Naves de patos pilotos voavam sobre ele, sobre sua cabeça. Sean ergueu-se em choque com a cena, sentindo dor no tornozelo, sem camiseta, sentindo calor.
Uma construção de pedra se fez à sua frente, tinha uma grande porta de metal. Estava muito quente e as árvores como tudo ali, tentavam sobreviver ao calor intenso.
Sean olhou um lado e outro, mas o ar pesado não permitia que pensasse, respirasse.
“O hangar”; soou a voz de Sandy.
“Sandy?”, Sean estancou vendo as naves pilotadas por patos, voarem para dentro de um hangar, para se proteger de algo muito mais complexo, que tinha som de metal, cheiros de muitos metais juntos.
Sean se pôs a correr como pôde e conseguiu, com o tornozelo latejando, se lançar para dentro da construção de pedra quando algo os atingiu, e tudo a sua volta derreteu; paredes e metal, as naves e os patos pilotos, que se transformaram numa massa disforme, sem cheiro, sem nexo.
— Ahhh!!! — Sean caiu no chão do corredor com o peito machucado, e as calças chamuscadas como as que Allejandro usava, sob o olhar de Letizia que chorava em cima do corpo do irmão que voltava gradualmente do choque.
Esteban, Challitta, Major Guadalupe, Péres, Amâncio, Mr. Trevellis, Dino e o Dr. Joshua com Pramit grudado nele, correram outra vez pelos gritos.
— Peguem-no!!! — Esteban gritou aos seguranças.
— Não!!! — berrou Sean erguendo as mãos e nem Esteban nem ninguém pôde alcançá-lo. — Droga! — levantou-se em choque vendo que havia paralisado todos; Esteban, Challitta, Major Guadalupe, Péres, Amâncio, Mr. Trevellis, Dino, Dr. Joshua, Pramit, Letizia e Allejandro; respiração, dor e tempo.
Sean se tocou e o sangue na boca estourada de tanto apanhar de Allejandro ainda estava ali, purgando. Ele correu sem esperar explicações, mas a porta não aceitou as chaves magnéticas que Kimberly havia dado a ele.
Também não esperou ali saber o porquê, correu sem camiseta, chamuscado, até a sala de segurança, sentindo seu tornozelo outra vez latejar pela corrida, pela dor, por tudo. Lá, dois seguranças à frente de dez telas se viraram para pegá-lo. Sean só levantou as mãos e tudo se ergueu; agentes, cadeiras, mesas e telas, que pararam no espaço e no tempo, e que o gravaram controlando tudo ali.
Sean também ali estancou pelo medo, pela excitação do momento e tudo foi ao chão. Ele arrancou do pescoço de um dos seguranças uma corrente com chaves magnéticas e saiu pelos corredores em meio às muitas cores indicativas no chão, correndo, sabendo que ele próprio era mais do que imaginava.
Quando voltou à porta do Anexo II ainda viu todos ali parados, menos Letizia. Não quis entender aquilo e invadiu a praia correndo, alcançando a área de descarga.
Mas Sean não parou para saber o que tinha ali, voltou a correr até não conseguir mais, até seu tornozelo lhe dar um fim de estrada à beira do ancoradouro, ao som da voz de Sandy lhe alertando.
“Kimberly... Kimberly... Kimberly... Kimberly... Kimberly...”
Parque Nacional de Garajonay, La Gomera.
28° 7’ 34.5” N e 17° 14’ 14” W.
15 de agosto; 19h59min.
A noite caíra quando a Almirante Kimberly enfim conseguiu encontrar Sean Queise na floresta fechada. Ele estava com a boca suja pelo sangue coagulado, com as calças chamuscadas, sem camiseta, sujo, com frio, desorientado, e com sinais de desidratação.
“Sr. Queise! Sr. Queise!”, soava uma voz longínqua.
Sean foi acordado do torpor no que seu corpo foi chacoalhado de um lado para o outro.
— Sr. Queise? — a voz tornou-se forte. — Você está bem?
— Eu... — Sean enfim olhou a noite caída, a floresta escura do Parque Nacional de Garajonay. — Onde estamos?
— Eu sei lá — Kimberly olhou em volta. — Corri tanto atrás de você, que correu, que me desorientei — aquilo pareceu uma ironia.
Sean nem se deu ao trabalho de responder.
— Estive em Marte! Outra vez!
Kimberly olhou para cima e pináculos pareciam tubos de um grande órgão de igreja e olhou para baixo e viu o estado dele.
— Por que está sujo? Por que sempre está sujo, Sr. Queise? — riu Kimberly.
— Ouviu o que eu disse?
— Não... — abriu um isotônico e deu para ele para então arregalar os olhos. — Em Marte, você disse? Outra vez? — paralisou por segundos, para então pegar a sacola que trouxera e tirar de dentro dois casacos, vestindo nele. — Você não viajou Sr. Queise. Está sem dormir, com fome, desorientado.
Sean encarava Kimberly ainda em choque.
— Eu e Letizia viajamos depois que nossos corpos foram presos por uma energia pesada — e Sean viu a carranca que ela fez. — Eu, Letizia e Allejandro.
Kimberly jurou que não era aquilo que ouviria.
— Como é que é?
— Há algo no pentagrama, nas numerações das suítes. O pentagrama protege o Complexo Templeton de uma energia poderosa que veio com a nave MOTHER ano passado. Por isso as numerações aleatórias dentro de cinco números.
Kimberly não gostou do que ouviu. Sean chegava rápido nas respostas às perguntas que se fazia.
— Disse que esteve em Marte? Como?
— Não sei como, mas essa energia controlada por dons paranormais pode nos levar lá. E os corredores são portais.
— Os corredores? Fala dos corredores do Anexo II do Complexo?
— Falo mais de onde, Almirante?
— Sua ironia não vai nos ajudar, Sr. Queise.
— Eu? O irônico aqui sou eu?
— Irônico, não! Corrijo-me! Louco!
— Não sou louco, estou dizendo...
— Está dizendo que corredores viraram stargates, portais estelares, Sr. Queise, depois de eu passar milhares de vezes por ele e não ser lançada em nenhum outro planeta do Sistema Solar?
— Quanta ignorância, Almirante...
— Ahhh!!! Chega! — Kimberly não deixou Sean continuar. — Como foi a Marte?
— Já disse que não sei. Não exatamente... Mas há algo no pentagrama, que por sua vez controla algo que permite a viagem.
— Você disse ‘paranormais’? E disse que viajou com Letizia e Allejandro?
— Sim.
— Mas Allejandro tem dons paranormais?
— Eu não sei...
— Ótimo! — foi o mais irônica que conseguiu. Kimberly afastou algumas folhas do chão e sentou-se num galho tão retorcido que mais parecia um banco de jardim. — Sabíamos que os finais 5 tinham a força de fechar o pentagrama. Lá colocamos os nossos melhores espiões psíquicos, para nos proteger do que os exobiologistas disseram a Poliu. E a Poliu manda, eu obedeço.
— Por isso Trevellis exigiu a suíte 55 para mim?
— Sim! Quanto maior o número de ‘5’, mais força psíquica exigiria. Os números foram colocados num sistema randômico, mas quem ocupa as suítes tem que ter força. Nas suítes 1, os que exercem algo de comando, quanto maior o número, maior o comando. Por isso minha irritação em saber que Amâncio exigira uma suíte de final 1, a suíte de número 1111. Ele acha que manda em algo! — girou nervosamente os olhos. — Então fica assim; nos finais 1 o comando, nos finais 5 os poderes de proteção, e no meio, nas suítes de final 3, ficam os neutralizados.
— Letizia está com seus poderes neutralizados na suíte 33?
— Então a Poliu quer bloquear os poderes de Letizia?
— Responda-me!
— Sim! Pelo menos enquanto está lá dentro.
— Droga! — Sean olhou-a com interesse. — Você sabia que Letizia tinha poderes paranormais?
— Está lendo minha mente? — ergueu-se. — Como se atreve? — estava furiosa vendo Sean a olhando. — Ahhh... — voltou a se sentar. — Não, não sabia. Mas se vai me perguntar ao invés de ler minha mente, sim, fiquei indagando o porquê de ela estar lá, numa suíte de final 3; ela e Allejandro.
— Como estamos distribuídos?
— Até as suítes serem remanejadas, Vicente na suíte 1, Péres na suíte 2, Ho na suíte 3, Asunción na suíte 4, o Sr. Oscar Roldman deveria ter ficado com a suíte 5, porque tem seus poderes paranormais adormecidos — Kimberly olhou Sean que a olhou assustado. — Sabia não?
— Não quero falar sobre ele.
— Ótimo! Então Mr. Trevellis está na suíte 11, a Dra. Anália na suíte 22, Letizia na suíte 33, Esteban na suíte 44, você na suíte 55. Então Pierre na suíte 111, Pramit na suíte 222, Mª Lúcia na suíte 333, Guadalupe na suíte 444, Carrie na suíte 555. Então Amâncio na suíte 1111, a suíte 2222 está vazia, Allejandro na suíte 3333, Challitta na suíte 4444, Esperanza na suíte 5555. Para então eu estar na suíte 11111, Brian na suíte 22222, Dino na suíte 33333, Lyei na suíte 44444, e o Dr. Joshua na suíte 55555.
— Por que neutralizaram Dino, Allejandro e Letizia e não neutralizaram Esteban? Acha que Esteban foi o único a não herdar dons paranormais de Amâncio?
— Você sabia sobre os dons deles?
— Estudei genética na escola, Senhorita.
— Nada sei sobre isso, sobre a genética dos Pellet-Parresh.
— ‘Nada sabe’ e sabia que eles tinham dons... E sabia que Esteban não era risco. Por quê?
Kimberly o olhou de lado, com os pináculos acima de suas cabeças, com medo de que realmente algo escapasse dela.
— Já disse que nada sei. Só que a suíte de número 111111, 222222, 444444 ficam os seguranças, e na grande suíte 555555 ficam seis espiões psíquicos. E como pôde perceber, na suíte 333333 fica Abhay, neutralizado. E isso fecha o pentagrama. Abaixo das suítes, os funcionários e alguns hóspedes de última hora.
— Seis espiões na suíte 555555? Então os poderes crescem para o finais 5, que aumentam?
— Sim. Se forem espiões psíquicos.
— “Se forem”? Ok... Então os poderes de Esperanza são maiores que Carrie que são menores que Joshua.
— Que tem poderes maiores que os seus, Sr. Queise.
— Por isso viajamos... Você mandou Esperanza embora e a força que protegia o Complexo Templeton, enfraqueceu.
— Está dizendo que vou ter que trazê-la de volta? — balançou a ancas.
— Estou dizendo que viajei no observatório porque lá não havia nenhuma força psíquica brecando, e imagino que não tem como brecar nada lá ou não poderiam abrir o rasgo para o telescópio enxergar — ele viu Kimberly calada, não gostando de ouvir aquilo. — Quem é Joshua?
— Professor de Mona Foad.
— Claro... Pai da unidade dos espiões psíquicos, criados para se comunicar com alienígenas — ele viu Kimberly outra vez não sabendo o que pensar daquilo. — Você sabe mais, não Almirante?
— Ela sabe! — falou alguém atrás deles.
Sean e Kimberly saltaram do chão pelo susto. Um homem velho, de barba grande, porém escura, olhos castanhos arregalados para os dois e dentes mal cuidados os encarava.
— Pai... — e Kimberly foi ao chão.
Sean não sabia se acudia ela ou tentava desgrudar a língua que colou no céu da boca. Juan Pablo se aproximou dele, de um Sean agora paralisado pela força psíquica dele, um Sean que tentava desesperadamente sair do lugar.
— Traga-a! — foi só o que Juan Pablo falou fazendo os membros dele amolecer.
Sean não discutiu.
Parque Nacional de Garajonay, La Gomera.
28° 7’ 34.5” N e 17° 14’ 14” W.
15 de agosto; 20h48min.
A cabana era pequena, em forma de pentagrama, com uma pia e um fogão a lenha numa ponta, uma mesa de madeira em médio tamanho com dois bancos noutra ponta, uma cama onde Kimberly dormia noutra ponta, a porta e a janela noutra ponta e apesar de não haver sinais de energia elétrica ali, havia dois computadores ligados na quinta ponta do pentagrama.
Kimberly acordou e se viu numa cama dura. Olhou Sean sentado num banco e o homem que já fora seu pai no outro.
— Sean... — ela o chamou.
Sean se levantou.
— Ahhh... — espremeu o rosto e foi paralisado.
— Largue-o! — exigiu ela.
Juan Pablo continuava a olhá-la.
— Ahhh... — e Sean sentia todo seu corpo ser atravessado por uma energia nunca sentida.
— Mandei largá-lo! — Kimberly quase gritou.
Sean foi liberado, aproximou-se da cama e Kimberly saltou no seu pescoço. Ela nunca tivera tanto medo na vida. Sean gostou da aproximação. Depois se lembrou de que ele era pai dela e tinha dons para lá de anormais.
— Numa escala de 1 a 10 como nos classificaria, General Juan Pablo?
— Mona Foad 7, você 9, eu 11.
Sean riu com gosto. Ficou apavorado, porém, com o acréscimo de um nível.
— Quando voltou?
— Isso importa meu jovem?
Kimberly olhou-o de uma maneira que Sean achou diferente, e ela realmente quis dizer-lhe algo com aquele olhar. Pena que ele nada conseguiu naquele ambiente de energia pesada.
— Por que ficou um ano lá? Por que não veio com minha mãe ano passado?
— Ano passado... Siri... — Juan Pablo sentiu dores na cabeça, depois olhou Kimberly o olhando. — Sua mãe Siri havia parado de respirar, eu não conseguia mais sentir os sinais vitais porque a nave desligou... — e parou de falar olhando Sean o olhando. — A nave FATHER desligou ROMRET IX. Não tive alternativa a não ser enviar-me...
— Enviar-se?
Juan Pablo voltou a olhar Kimberly.
— Si! Sua mãe era teimosa, como você, e preparou a nave MOTHER para ir até Marte — olhou Sean, olhou Kimberly. — Sua mãe desceu em Marte sozinha, após discutirmos sobre não ter dado em nada os sinais de vida captados por ROMRET IX em Cydonia. Achei que ir a Duck Bay seria uma ‘furada’, já que o nível de oxigênio estava baixo. Eu não gostei de termos que ir lá, mas Mr. Trevellis obrigou-nos, obrigado pelos contribuintes — gargalhou pesado.
Sean olhou em volta, havia algo de errado, não sabia ainda onde.
— Vocês viram os faraós de pedra, não? Entre o Cape San Vicente e Duck Bay? — Sean quis saber.
— Si! Cogitamos que talvez o mesmo povo que as criou em Marte, tenha as criado no Egito, muitos séculos atrás, antes da roda.
— “Cogitamos”? Quem ‘cogitamos’?
Mas Juan Pablo não respondeu a Sean, e seguiu com seu roteiro.
— Quando Siri aterrissou em Marte — prosseguiu. —, algo havia acontecido à pera que monitorávamos. Eu fiquei bravo e mandei-a voltar à nave MOTHER, mas ela insistiu, queria saber o quê invadira a pera.
— A pera foi invadida?
— Si! As escotilhas estavam estouradas de fora para dentro, o que provava que alguém tentou entrar.
“De fora para dentro?”, Sean lembrou-se de ser levado por ROMRET IX até a pera, e lá verificar as escotilhas arrancadas de dentro para fora.
Nada comentou, voltando a olhar em volta; algo estava realmente errado. Olhou Kimberly com os olhos vidrados no pai que sempre fora distante, que nem se preocupou em abraçá-la uma única vez. Ela realmente estava pensativa. Ele teve pena dela quando olhou em volta pela terceira vez.
— Pedi a Mr. Trevellis e aos exobiologistas que estudassem os últimos sinais de ROMRET IX, e Challitta disse que havia algo em Duck Bay — voltou Juan Pablo a falar. —, mas Joshua e aquele idiota do Pramit não quiseram se queimar com a Poliu, e deixaram ‘passar em branco’.
“Passar em branco”? Sean percebeu que Juan era um homem de gírias.
— Challitta nunca teve muita força e Siri estava decidida a descobrir o que houve — prosseguiu. — Então Siri se ligou a ROMRET IX e foi a pé até Duck Bay.
— A General Siri usava roupas especiais?
Juan olhou Sean para responder e outra vez os olhos vidrados o apavoraram.
— No! Descobrimos que há um ar quase igual a Terra em certos pontos do planeta. Bolsões de ar que se permite respirar. É um tanto abafado, mas útil.
— Como pode existir ar em alguns lugares e noutros não? — Kimberly se agitou. — Isso vai contra tudo o que sabemos sobre a atmosfera, sobre a fotossíntese e como ela libera o oxigênio que respiramos...
— O que tem no dossiê? — Sean cortou as explicações biológicas de Kimberly.
— Eu não enviei nada ao dossiê.
— Mas o dossiê... — Kimberly calou-se no que Sean tocou-lhe o braço.
— Eu não enviei as últimas leituras para o dossiê porque sabia que Mr. Trevellis ia querer que tentássemos resgatar um deles.
— Traduza ‘um deles’?
— São borrões de energia pesada. A mesma que sentiu — Juan Pablo olhou para Sean.
— Era você no meu quarto em São Paulo e aqui no hotel?
— No!
— Mas você tem a mesma energia pesada de Marte...
— No!
— Mas...
— Está mesmo entendendo meu jovem?
Sean tinha certeza que não.
— Eu e a filha de Amâncio fomos levados a Marte...
— Saiam! — toda a face de Juan Pablo modificou-se na referência sobre Letizia.
— Não vamos a lugar...
— Saiam!!! — e tudo se desprendeu do chão.
Sean e Kimberly entenderam o nível 11 de paranormalidade, mas algo mais ele entendeu ali.
Voltou a olhar em volta.
— Não há um único cabo de energia aqui, mas os computadores e o ventilador no teto funcionam — ele olhou para Kimberly.
Kimberly olhou para cima, para as paredes de cinco lados, para o chão e de novo para os computadores.
— Ele... ele... — Kimberly engoliu a seco.
— Ele é a fonte de energia.
Kimberly teve medo do que pensou e Juan Pablo gargalhou pesado novamente.
— Você e Siri Sathi eram crias do ‘Duo Life’, não Juan Pablo?
— Parabéns meu jovem, começa a entender rapidinho, no?
— Não tão rápido quanto deveria, Juan Pablo.
— Meus pais... — Kimberly tinha medo de tirar seu pai das suas vistas e ele tirar tudo do chão novamente. — Meus pais são parte daquela experiência, Sr. Queise?
— Eles são a mente das máquinas ROMRETs.
— “Mente”? — Kimberly agora teve que rir. — Então... — Kimberly olhou Juan Pablo, olhou Sean e voltou a olhar Juan Pablo, seu pai, ou que um dia fora, ela já não sabia. —, então a mente de meus pais era um banco de dados vivos?
— Isso Almirante.
— Então se Mr. Trevellis quer acessar o banco de dados de ROMRET IX...
— Agora sabe realmente por que ROMRET X está desmontado, não Almirante Kimberly? É porque Trevellis sabia que sua mãe e seu pai se ligavam aos Robots — Sean também não tirava os olhos de Juan Pablo que realmente mudava sua forma numa estranha coloração enegrecida. — O que Trevellis não sabia era que seu pai Juan Pablo nunca permitiu que os Robots ROMRETs soubessem tudo o que ele vinha descobrindo, então ao invés de enviar tudo aos Robots, escreveu o dossiê.
— Que eu não li, exatamente.
— Sim, mas as partes sem nexo só podem ser completadas com as mentes de seus pais. E como pôde perceber, Trevellis descobriu que ROMRET X não tinha tudo...
— Então só resta a mente de meu pai vivo.
— Mas como seu pai está morto para Trevellis...
— Então ele precisa de ROMRET IX, ou seja, da mente de minha mãe que ficou presa ao Robot quando aterrissou em Marte.
— Perfeito!
Juan Pablo voltou a gargalhar com o rosto mudando sua forma.
— O que há no Setor III, Kimberly?
Ela olhou Sean, olhou Juan Pablo mudando, e voltou a olhar Sean sem entender a pergunta.
— A nave MOTHER... — e Kimberly nada mais falou no que seu pai se moldou em algo que nunca viu, uma massa onde olhos e cartilagens nadavam como num rio de lama. — O que...
— Psiu! — pediu Sean. — Não entendeu minha pergunta, Almirante Kimberly. O que há no Setor III?
Kimberly olhou-o e olhou o rosto do pai totalmente disforme, derretido.
— Eu... eu... eu não consigo... Algumas peças dos ROMRETs, alguns mapas, alguns... alguns... Não consigo falar...
— Sabe o que mais está no setor III, Almirante? — Sean não tirava os olhos de Juan Pablo. — Uma energia que veio com a nave MOTHER e que seu pai usou agora — Juan Pablo olhou Sean já totalmente reestruturado. — E seu pai conseguiu absorver a energia pesada de Marte em prol próprio, quando, porém...
— Porém enlouqueci! — gargalhou Juan Pablo. — Que como pode ver, sempre faço o que a Poliu quer! — e tudo se soltou do chão novamente. Sean e Kimberly se viram volitando e voltando ao piso da cabana. — E o que sobrou de mim?! — berrou. — Sucata?!
— Não sei o que sobrou de você, mas precisa de ajuda antes que...
— Ahhh!!! — e Juan Pablo dessa vez berrou tanto que tudo deslocou do chão e voltou tão rápido que porcelanas e pratos quebraram no ato.
E Sean deu a última cartada:
— O que é aquilo que destruiu o hangar dos patos alienígenas?
Juan Pablo parou tudo e arregalou os olhos.
— Como...
— Eu estava viajando com os patos quando você entrou no meu flat em São Paulo — empurrava Kimberly para se aproximarem da porta.
— Viajando?
— E eu e Allejandro fomos levados a Marte numa época em que a Cratera Victoria era uma próspera cidade marciana, para então ser destruída por uma força que derreteu tudo — e a porta que alcançaram, derreteu numa massa que os prendeu ali. Os dois se olharam e o computador deu um sinal de atividade. Sean olhou a tela e ela mostrava uma câmera de segurança direcionada para uma das portas dos armazéns abaixo do Observatório Templeton que se abria. Sean e Kimberly viram algo retorcido sendo retirado. — Maldito Trevellis... — Sean sentiu sua mão ser apertada por Kimberly e ambos viram Juan Pablo voltar a derreter o rosto numa massa que olhos, orelhas, nariz e algo que um dia fora lábios, se movendo numa sopa de lama negra.
— Sean...
— Não... — ele deu um passo e a massa o olhou, ou qualquer coisa assim. Os dois pararam pensando no plano B já que não puderam por em ação o plano A, já que Juan Pablo avançava sobre os dois numa massa disforme que não os atingiu porque Sean cobriu Kimberly e tudo derreteu à volta deles. Quando Kimberly abriu os olhos, ambos estavam do lado de fora da cabana. — Corra!!! — gritou Sean e Kimberly foi arrastada pela floresta que derretia tudo a sua volta, deixando as árvores mais disformes do que já foram um dia. — Corra!!! Corra!!! Corra!!! — e os dois corriam tanto que ambos sentiram os pés falsearem, no que toda a musculatura queimou exigindo que parassem, mesmo porque o tornozelo de Sean deu sinais que ultrapassara seus limites.
— Ahhh!!! — ambos foram ao chão caindo na mata fechada.
Kimberly ergueu-se sentido todo seu corpo dolorido, em choque, sem entender onde estavam, como conseguiram sair da cabana, para então voltar a se jogar no chão tentando respirar e olhar Sean de olhos arregalados, sem entender muito bem como tudo derretera à volta deles e eles não.
— Não vou... Não vou... Não consigo falar... — Kimberly ainda se sentia tonta pela fuga empreendida. — Não vou... Vou sim... Vou perguntar como tudo derreteu e nós não... E nós não... E nós não... — apontava para trás sem saber ao certo o que havia atrás dela. — Não... Não vou perguntar porque tenho medo de você contar-me, que nos tirou da cabana no momento que aquilo que se tornou meu pai, derreteu-se — falou numa velocidade tão grande que os ouvidos dele tilintaram.
— Me desculpa Kimberly, eu me enganei — Sean também não se deu ao trabalho de explicar nada, olhava a floresta escurecendo e eles caídos não sabia bem aonde.
— Você se enganou? — Kimberly gargalhou. — Não sei se consigo perguntar no que, então...
— Lembra quando falei que uma energia veio com a nave MOTHER, e que seu pai usou agora a pouco? Menti. Não podia falar na frente dele.
— Mentiu no que exatamente?
— Não foi uma energia que veio com a nave MOTHER que seu pai usou, e sim a energia usou seu pai, Kimberly.
— Meu pai... Meu pai... Meu pai... Ahhh... Não consigo falar.
— Seu pai foi morto pela força pesada e enegrecida que vimos agora pouco. E essa energia os dominou, mesmo eu não tendo a mínima ideia, de como aquilo funciona. Sinto...
— Mas você disse a Mr. Trevellis... Você disse a Mr. Trevellis... Ahhh...
— Trevellis não mentiu para você. Seu pai veio com sua mãe na nave MOTHER, trazidos por ROMRET X ano passado, e morreram na viagem, porque provável sua mãe estivesse morta como lhe disse quando ROMRET X foi a Marte recuperá-la.
— Meu pai? — Kimberly não sabia se respirava ou não. — Mas meu pai não resgatou minha mãe?
— Sim. Quando ela foi com ROMRET IX a Duck Bay aquela energia pesada a atacou — Sean viu Kimberly se virar para o chão com ânsia de vômito. Prosseguiu, porém. — Seu pai então chamou a nave MOTHER que estava em Marte até a nave FATHER, entrou e desceu com ROMRET X para resgatá-la, mas quando chegou lá, a General Siri Sathi era só uma massa.
— Uma... massa? — ela ergueu-se num supetão. — Não... não... não pode ser... Ah! Então...
— Então o que Kimberly?
— Era isso então o que o dossiê falava? — e foi sua vez de cair no chão em choque.
— O que o dossiê falava?
— Strangelet... — soou de repente da boca dela. — É isso que foi apagado do dossiê... — Kimberly arregalava os olhos.
— “Apagado”? O quê? Fala de Strange Matter?
— Sim. ‘Matéria estranha’, Sr. Queise.
— Droga! — Sean sentiu-se enjoado, também. — As strangelets podem ser dominadas, Almirante Kimberly?
— Aqui na Terra? Não, a menos que o LHC consiga as produzir durante a criação de um buraco negro, que dure mais que milésimos de segundos, como os strangelets microscópicos que são formados em colisões. Mas seriam instáveis e, em menos de um milésimo de segundo, se transformariam em matéria comum — ergueu o rosto bonito e o encarou. — Mas os marcianos...
— Se os marcianos conseguiram, então em algum momento perderam o controle e a energia tomou vida própria, os destruindo, modificando sua massa estrutural completamente.
Kimberly continuou sem nada falar.
— Acha que aquelas reentrâncias na Cratera Victoria eram entradas realmente? Que ali havia uma cidade? E que Duck Bay já fora habitada como pensava minha mãe?
— Não sei o que dizer Senhorita, mas sei que a matéria estranha, ou Strange Matter, é uma combinação dos três tipos de quarks; Quarks Down, Up e Strange, ou para cima, para baixo e estranho, que se juntam numa matéria estranha chamada de strangelets que pode destruir a Terra dissolvendo, modificando sua estrutura, a nossa também.
— Isso não é possível Sr. Queise. Strangelet são pequenos fragmentos de matéria estranha, que só existem se a hipótese sobre a matéria estranha estiver correta — olhou-o. — Está?
— Não sei, mas a Poliu mandou tirar as janelas do Complexo.
— Uma strangelet pode se materializar a partir da energia pura, durante a colisão de dois núcleos do átomo de ouro acelerados a mais de um milhão de quilômetros por hora, e a energia desse fragmento seria equivalente a um calor de um trilhão de graus Celsius; isso é um bilhão de vezes mais quente do que a superfície do Sol — falou uma Kimberly estranhamente apavorada. — A strangelet nasceria desse inferno e, em menos de um milésimo de segundo se desintegraria novamente.
— O problema é que nesse imponderável meio tempo ela pode dar início a uma reação em cadeia, não Senhorita? Uma matéria tão estranha que derreteria o ar que respiramos.
— Como aconteceu no Big Bang? — Kimberly olhou Sean com medo. — O que era... O que era... Ahhh!!! — gritou e escondeu seu rosto com mãos trêmulas.
— Venha! — Sean esticou uma mão máscula e segura para ela. Kimberly a aceitou sabendo que ele era aquilo tudo. Sean então olhou para o céu e fez algo que ela traduziu como observação; mas ele fazia contas na verdade, contas que respondiam pelo nome Spartacus. — Vamos voltar ao hotel porque preciso acesso ao computador fora dos mainframes do Complexo Templeton.
— Vai invadir a Poliu?
— Não sei bem o que vou... — andavam pelos muitos troncos retorcidos do caminho quando parou e a encarou. — Acha que foi uma reação em cadeia de toda a matéria estranha, transformada num gás tórrido de strangelets, que matou Marte?
— É uma hipótese improvável, Sr. Queise. Não há como se criar as strangelet no frio de Marte.
— E se ele tivesse sido quente? Abafado e quente?
— Está dizendo que em Marte existiu ou ainda existe a partícula strangelet composta de três quarks estranhos? Isso seria um desastre de proporções épicas se alguém tivesse acesso a... — e parou mais apavorada do que já estivera.
— Entendeu a vinda dos Pellet-Parresh, não? De o porquê Trevellis me querer aqui? Ou talvez tenha entendido de uma vez o porquê da reforma e as janelas de hologramas?
— Acha que Mr. Trevellis está tramando algo? — Kimberly olhou em volta, e outra vez, e outra vez, e o olhou rindo para então prostrar.
Sean esperou tudo aquilo e retomou o passo, já que seus passos eram lentos, com o tornozelo inchado e avermelhado por uma talvez inflamação.
— Sabe Senhorita... Há coisas que começam a ficar compreensíveis, como a visita de Pierre e toda aquela conversa sobre espíritos alienígenas.
— Pierre lhe foi falar...
— O Livro dos Espíritos diz que Marte é mais compatível com um ‘mundo transitório’, de espíritos na erraticidade — Sean não a deixou completar.
— É espírita Sr. Queise?
— O suficiente, Senhorita. Mas também sei que um planeta de espíritos é tão ilógico quanto imaginar vida encarnada em Marte, mesmo encontrando vestígios concretos de água suficiente para nutrir uma grande população. Contudo supor que já houve seres inteligentes em Marte só porque lá existia água, também é muito precipitado, não?
— O que? A água é essencial aos seres inteligentes de constituição orgânica, e destes não há qualquer vestígio que eu saiba Sr. Queise, mesmo quando imagens mostram ‘crânios de pássaros’. Pura pareidolia. E até segunda ordem, a físico-química do Universo é uma só.
— Não Kimberly, Pierre tinha razão. Ainda mais quando se acredita em habitantes que vivem em outra dimensão física do planeta.
— Que quer dizer com isso? Uma dimensão física e uma dimensão extrafísica coexistindo?
— Terra Oca, Senhorita, talvez em Marte, em Saturno e noutros planetas ocos também. Uma teoria de que no centro do planeta exista um tipo diferente de habitantes etéreos.
Kimberly largou-se de sua mão e se pôs a rir.
— Não está falando sério.
— Não estou? Extraterrestres, intraterrenos, avatares cósmicos e hierarquias arcangélicas; alienígenas greys, reptilianos, insectóides, pleiadianos, EBEs e máquinas.
— “Máquinas”?
— “Sua mãe Siri havia parado de respirar, eu não conseguia mais sentir os sinais vitais porque a nave desligou...” — Sean viu Kimberly voltar a olhá-lo.
— Por que mudou de assunto?
— Não mudei! — sorriu-lhe. — “A nave FATHER desligou ROMRET IX. Não tive alternativa a não ser enviar-me”.
— Do que está falando?
— Palavras de Juan Pablo agora pouco.
— Não entendi.
— “Sua mãe Siri havia parado de respirar, eu não conseguia mais sentir os sinais vitais dela porque a nave desligou...” — Sean viu Kimberly continuar voltar a olhá-lo. — “A nave FATHER desligou ROMRET IX. Não tive alternativa a não ser enviar-me” — Sean viu Kimberly balançar a cabeça para depois arregalar mais ainda os olhos. — Entendeu não Kimberly?
— Ele falou… ele falou... ele falou... Não consigo falar…
— Ele falou “eu não conseguia mais sentir os sinais vitais dela porque a nave desligou”. Quem desligou o quê? E quem não sentia mais os sinais vitais de sua mãe?
— Está dizendo... Está dizendo... Está dizendo... Não consigo falar... — caiu sentada na relva úmida.
— Estou dizendo que quem disse ‘eu não conseguia mais sentir os sinais vitais dela porque a nave desligou’ foi o Robot ROMRET X, que veio com seus pais à Terra. Lembra o que ele disse? Que viraria ‘sucata’?
— Era... Era... Ahhh... — riu em choque. — Não vou conseguir falar.
— Venha! — Sean sabia que seu tornozelo esquerdo não aguentava mais dar um passo, mas precisava insistir ou dormiriam ambos na floresta escura e assustadora. Puxou-a e voltaram andar. — A energia alienígena que estava ali na cabana, usou o resto de informação que trouxe, e eram as informações de ROMRET X que ele estava repetindo. Era o Robot ROMRET X falando que sua mãe havia descido à Marte sozinha, após discutirem que os sinais de vida captados por ROMRET IX em Cydonia não deram em nada. Foi ROMRET X que achou que ir a Duck Bay seria mais furada ainda, por causa do baixo nível de ar — olhou-a. — Essa energia marciana assimila o que os Robots falam, porque é provável que os Robots sejam mais que Robots, e porque os marcianos controlavam máquinas Senhorita.
— Então... Então... Então... ‘Robots mais que Robots’? O que não estou entendendo, Sean?
— Eu sinto Kimberly, mas era seu pai ligado ao Robot ROMRET X, o que a energia pesada assimilou. Foi a energia dentro do ROMRET X que veio a Terra, que fez o Complexo se fechar a nível 10. Era essa energia com a memória de ROMRET X falando agora a pouco na cabana, porque era ROMRET X que pediu a Mr. Trevellis e aos exobiologistas que estudassem os últimos sinais do ROMRET IX, era ROMRET X falando sobre Challitta dizer que havia algo em Duck Bay, era ROMRET X falando sobre o ‘idiota do Pramit’ não querer se queimar com a Poliu, e era ROMRET X falando sobre Siri estar decidida a descobrir algo em Duck Bay e Cape San Vicent.
— Era ROMRET X quando disse que descobriram que há um ar quase igual a Terra em certos pontos do planeta? Os ROMRETs podem falar? Os ROMRETs podem pensar?
— Entendeu o porquê da face amigável do Robot? Eu perguntei a Esperanza se era para conversar com os marcianos e ela achou graça. Provável, Esperanza não sabia ou foi apagado de sua memória por Letizia, ou ainda apagado pelos espiões psíquicos porque ‘Então os espiões psíquicos ficam por aí, incutindo falsas memórias, confundido tudo’.
— Acha que apagaram minha memória também? Que modificaram algo de como eu penso?
— Se fizeram isso então os restos e rastros de suas memórias deveriam ter ficado lá, num lugar onde são poucos os espiões psíquicos que as atingem. Letizia até pode ter apagado algo, não sei sob as ordens de quem, mas ela não conseguiu apagar tudo — Sean viu Kimberly só o olhar.
— Que medo Sr. Queise...
— Medo, tenho eu, de achar se não foi Sandy quem resgatou algo verdadeiro no éter para que eu pudesse saber, que uma jovem Esperanza de cabelo comprido havia sido visitada por Letizia, que apagou todo o passado da mente dela.
Kimberly parou de andar. As ideias e as forças que a faziam se mover já não se correspondia. Mas Sean insistiu em andar. Tinham que chegar ao hotel, aos computadores do hotel, e também pedir ajuda para voltar ao Complexo Templeton, ao observatório.
— Preciso perguntar Sr. Queise; onde estava meu pai quando minha mãe foi atingida?
— Não sei. Juro! — Sean mancava muito. — Só posso dizer por agora que eu vi a escotilha do Laboratório de sobrevivência estourada de dentro para fora, Kimberly. Algo escapou, e foi de dentro da pera. E se foram os tais borrões de energia pesada, só vamos encontrar respostas naquele Setor onde as naves estão.
— Meus pais estão mortos, não?
— Sinto por isso.
— É... Eu também... A meu modo... — engoliu o choro. — Minha mãe era esquisita, isso era verdade. Nunca encontrei outra palavra para defini-la.
— As folhas de Nadi?
— Minha mãe dizia sobre segredos, coisas que eram criadas de acordo com as intempéries que apareciam, que o tempo era relativo e que nada o que víamos existia ainda, nem nas folhas de Nadi.
— Mona sempre falava sobre o tempo relativo de Einstein.
— E o que sabemos sobre o tempo, não Sr. Queise? Conhecemos os mistérios do mundo sob um prisma do que vivemos, mas só vemos isso acontecer na Terra onde o tempo passa de maneira diferente do resto do Universo — e parou voltando a olhá-lo. — E agora? O que era aquela imagem na tela do computador? O que Mr. Trevellis pretende?
— Minha cabeça dá um nó toda vez que penso, Kimberly, mas se aquela energia, marciana ou não, assimila as máquinas, e provável pode alcançar os mainframes como fez naquela noite em que me girou no Observatório Templeton, me lançando a Marte, então o que Trevellis quer escondendo as naves, não vai adiantar. E não vai adiantar porque Marte só está a cada 17 anos, mais próximo a Terra — Sean sabia que ela não entendera nada.
O Parque Nacional de Garajonay começava dar sinais de civilização não muito longe dali, estavam perto do hotel.
— Mas o que Mr. Trevellis quer com as naves? Estudamos exaustivamente a nave MOTHER quando meus pais voltaram.
— Mas é a segunda nave, a que retornou à Terra sozinha há duas semanas que interessa Trevellis. E interessa porque acho que a nave FATHER não veio sozinha há duas semanas — Sean viu Kimberly piscar tentando conseguir falar. — Sabe Kimberly... Há algo mais complexo ainda do que a pergunta que não consegue fazer — Sean viu Kimberly parar de andar. Ele a virou e obrigou-a a continuar andando, percebendo que ambos estavam indo em direção ao Hotel La Gomera pela mesma trilha que o cavalo fizera com ele.
— Ok, Sr. Queise. Complexo ainda quanto?
— Aquilo que não era seu pai na cabana, disse que sua mãe, que ele chamou de ‘Siri’, aterrissou em Marte porque algo havia acontecido à pera que monitoravam — prosseguia empurrando-a quando ela tentou parar outra vez. —, e sabendo agora que algo escapara, então o que na verdade ela foi fazer em Marte era saber quem escapou da pera, não? E se algo escapou era porque eles, seu pai e sua mãe, haviam prendido algo lá.
— O que realmente meus pais faziam lá Sr. Queise?
— Não sei, e talvez sem esse dossiê nunca saiba. Porque pelo que tudo indica, os ROMRETs viviam em pares, então parte de sua mãe estava em ROMRET IX e parte de seu pai em ROMRET X, mas seu pai não se ligava 100% à máquina como sua mãe fazia. Trevellis quer ROMRET IX, porque precisa da memória de Siri Sathi, que chegou à Terra, derretida.
— Mas então como essa energia viajou com eles? Como ela conseguiu matar meu pai se ele não se ligava 100%?
— É aí que entra o personagem que falta nessa história — Sean viu Kimberly arregalar os olhos. — Porque energias alienígenas, espíritos marcianos, não precisam de cabanas, Senhorita, nem de camas para dormir, nem de computadores para vigiar e nem de comida em cabana refrescada por ventiladores.
— Mas então... Mas então... Então... Ah... Não vou conseguir — e o hotel se moldou a eles. — Ah! Vou sim... — Kimberly estancou dessa vez o observando usando o moletom do Complexo Templeton.
— Vai? — entraram exaustos no Hotel de La Gomera.
— Vou! Porque quero saber que personagem falta nessa história?
— Falta o personagem neozelandês que Sandy mandou-me perguntar, Kimberly — ela ia ralhar sobre a maneira como foi chamada. — Almirante Kimberly — Sean correu a rir e consertar, e ela a perceber que ele leu-lhe os pensamentos outra vez.
— Sandy? Sua noiva Sandy? Sua ex-noiva Sandy? Sua ex-noiva morta Sandy?
— Sim. Todas elas.
Kimberly não gostou do deboche
— Quem é o neozelandês? — segurou o braço de Sean antes que ele se fizesse presente na frente do gerente.
— Não sei, mas ele sabe o que houve com os patos que pilotavam a naves cilíndricas alienígenas — e Sean fez um sinal de ‘Olá!’ ao gerente que nunca tivera um hóspede tão ausente quanto ele.
Hotel La Gomera; Ilhas Canárias.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W.
15 de agosto; 23h50min.
Kimberly quase surtou quando soube que ia dormir na mesma suíte que ele. Ele até explicou que dormiria no chão, que ele não era o que ela pensava e muito mais até, mas Kimberly estava decidida a descer e protestar por uma suíte só para ela, como também telefonar para o Complexo Templeton. Sean foi contra, ninguém no Complexo Templeton podia saber onde eles estavam, e ele bloquearia qualquer espião psíquico que os procurasse no éter; eles tinham que chegar lá de surpresa.
Kimberly saiu não lhe dando ouvidos e Sean desistiu, precisava de um banho para recuperar as forças. Quando ela voltou ao quarto o encontrou envolto numa toalha, pingando no quarto, com o dorso nu e provável todo o resto do corpo.
— O gerente... O gerente... O gerente...
— Não vai conseguir falar?
Kimberly ficou furiosa. Saiu batendo a porta e voltando na mesma velocidade.
Sean nem se deu ao trabalho de mudar de posição.
— O gerente disse que há... Que há... Que está havendo alguns tremores ao longo das canárias. Um tsunami, sei lá... — viu Sean sem se mexer. — Há um monte de geólogos por aqui para estudar o fenômeno e os hotéis da região lotaram. Não há mais quartos disponíveis — e ela só ouviu Sean gargalhar. — O que há de tão engraçado nisso?
— Já dormiu com algum homem Kimberly?
— Você já?
Sean voltou a rir.
— Não.
— ‘Alle’ até que vem tentando, não?
— Não me provoque Almirante. Não vai conseguir.
— O que há entre vocês afinal?
— Kelly Garcia.
— Sua sócia?
— Sabe até mais do que diz sobre minha vida, não?
— Não se fala noutra coisa na Poliu a não ser você, ‘Senhor Queise’ — ela viu Sean voltar a rir e inclinar-se até a mala para descobrir que poucas roupas sobraram ali. — Então Allejandro Pellet-Parresh namora Kelly Garcia?
— Ninguém namora Kelly Garcia! — Sean enervou-se e levantou-se furioso.
— Por quê? Ela não tem direito de ser feliz?
Sean só deu dois passos e diferentemente do que Kimberly achava que ele faria, ele imprensou o corpo dela contra a parede com o corpo úmido, malhado dele, avançando sobre os lábios dela, a beijando.
Kimberly sentiu todo seu corpo aquecer. Um bofetão foi só o que conseguiu fazer.
Sean girou o rosto sabendo que dessa vez o merecia, mas não foi o que ela esperava que ele fizesse o que ele fez novamente. Sean agarrou as mãos dela para o alto e voltou a imprensá-la com seu corpo molhado, malhado, que umedecia mais e mais pelo contato dela.
E Kimberly foi beijada novamente.
— Bielek diz que o planeta Marte foi conquistado pelos russos e americanos em 1969 — foi o que Sean disse quando seus lábios se soltaram dos dela.
— Como é que é? — Kimberly quase não consegue voltar ao normal.
— Bielek diz que ele próprio visitou o planeta nos anos 70, usando os túneis espaços-temporais do Projeto Montauk, Almirante Kimberly — riu. —, afirmando ter descoberto vestígios de uma civilização desaparecida a milhares de anos, uma civilização capaz de derreter o ar que respiramos.
— O ar... O ar... O ar... — engoliu a saliva. — “Bielek”? Fala de Alfred Bielek que afirma ser um dos sobreviventes do Experimento Filadélfia, que viajou no tempo em 1943 com o Navio USS Eldridge após instalarem bobinas de Tesla, para então deixá-lo invisível? E o que conseguiram, foi teletransportá-lo como faz para ir a Marte? — nem parou para respirar.
Sean só teve tempo de rir.
— Sim... Esse Bielek, Ph.D em Física que na Conferência da MUFON, de 1990, disse ter participado de uma experiência de viagem no tempo. Mas Bielek disse ter ido a Marte através de Montauk, que como deve saber e sabe, já que anda tão bem informada, o Projeto Montauk tinha a finalidade de desenvolver técnicas de guerra psicológica, viagem no tempo, viagem pelo hiperespaço que Mona chama de éter, invisibilidade e controle da mente como só espiões psíquicos da Poliu sabem fazer.
Kimberly se afastou dele.
Não queria, mas o fez.
— A madrugada avançou... — ela olhou a imensidão do mar pela janela. Amanhã conversamos — e se deitou puxando uma coberta.
Sean puxou o lençol e jogou no chão uma almofada.
Dormiu porque precisava dormir.
14
Hotel La Gomera; Ilhas Canárias.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W.
16 de agosto; 13h13min.
— Pedi na cozinha uma caçarola de peixe quente para nós dois.
Sean abriu os olhos e se viu deitado no chão, ainda enrolado na toalha, todo dolorido pela cama feita de lençol e piso de madeira.
Olhou no relógio, em cima da cabeceira da cama e viu a hora.
— Por que me deixou dormir tanto?
— Estava cansado... — e Kimberly deixou o resto ficar no ar. — Vou tomar um banho — Kimberly viu que Sean continuava deitado, com o dorso malhado, mostrando a ela o quanto ele era bonito. — Pedi que sirvam na varanda — e bateu a porta do banheiro.
Sean fechou e abriu os olhos azuis, tinha sido uma noite difícil, provável uma manhã pior ainda com ela mandando nele. Levantou-se, colocou um short e uma camiseta, e a esperou na varanda.
Kimberly até não demorou no banho, mas saiu perfumada, usando uma camiseta dele. Ele ergueu-se da cadeira, extasiado com a beleza dos cabelos negros dela que molhados, caíam em rolos sobre os ombros.
— Ah... Desculpe-me... — Sean percebeu sua própria prostração. — Sente-se... — puxou-lhe a cadeira.
— Obrigada... — Kimberly sentou-se. — Ficamos ‘par de vasos’ — riu ao olhar a camiseta igual a dele.
— Bem... Isso... — Sean riu. — Kelly quando gosta de uma camiseta compra meia-dúzia dela.
Ambos riram.
— Kelly, sua secretária.
— Kelly, minha sócia.
— Ah... Uma sócia que compra suas roupas?
— Ela gosta.
— E você gosta dela, não? — ela sentiu Sean incomodado com as perguntas. Ele não queria lembrar que amava Kelly; não naquele momento. Kimberly percebeu, também. — O que tem aí? — apontou com o rosto para a caçarola na mesa.
— Azeite, alho, cebola, peixe de carnes brancas, tomate, pimentão, salmão e frutos do mar. Ah... E batata.
— Hummm...
Ambos riram e Sean abriu o vinho. Kimberly sorriu-lhe. Ele olhou os cabelos dela outra vez soltos, molhados e ela sorriu-lhe outra vez.
Sean serviu o vinho, ela serviu o peixe.
Ambos se olharam e ela tomou o vinho num gole pedindo mais. Foi a vez de Sean lhe sorrir e Kimberly saber que estava deixando o clima surgir, que talvez não fosse tão imune ao charme dele como supunha.
A tarde se pronunciava, o mar iluminado, e ambos almoçando sem trocar uma única palavra. Sean, contudo teve vontade de perguntar-lhe sobre o seu dia, se passava creme sobre o corpo, se já tivera algum namorado, se já foi casada, ‘se’ e ‘se’ e ‘se’.
— Você... — controlou-se, porém, nem soube como.
— A tarde está linda — ela apontou o mar adiante com o copo na mão. Esperou ele se virar e o admirou, toda a beleza dele. — Parece até mentira — Kimberly viu Sean lhe olhar. E pareceu mesmo uma frase de diversas interpretações. — E o que é verdade, não é? — e a duvida ficou no ar.
Sean achou graça e olhou-a.
— O filósofo René Descartes dizia que fora enganado sob todas as maneiras, que tudo enganava sua percepção da verdade, e que por vezes até achava estar sonhando. Mas a matemática, a geometria, elas eram perfeitas, elas não poderiam enganar seus sentidos.
Serviu os dois de mais vinho.
— Como diz Descartes, se há conhecimento, então as nossas crenças estão justificadas; mas as nossas crenças não estão justificadas; logo, não há conhecimento.
— Por isso ele diz que não devemos confiar inteiramente naquilo que para nós já foi fonte de enganação. Já para o filósofo Thomas Hobbes a observação não podia ser critério para a verdade, porque ela nos levava a erros e ilusões. As miragens, por exemplo, no deserto, são ilusões dos sentidos. Então como para Descartes, a geometria e até a política podiam ter a pretensão de verdade porque não dependiam da observação, já que as figuras geométricas são invenções humanas.
— Descartes duvidava da verdade para edificá-la no final.
— Isso! Descartes virou, mexeu e nos complicou a explicação, mas Hobbes foi mais longe, dizia que não tem como afirmar que o conhecimento que possuímos sobre o Sol, por exemplo, nos diz como o Sol realmente é — ambos se olharam e sorriram voltando a comer. — Já foi casada?
Kimberly riu vendo que Sean não se aguentara.
— É melhor do que perguntar se já dormi com algum homem.
— E já dormiu?
Kimberly não acreditou no que ouviu.
— Eu já. E você?
— Não... — Sean riu outra vez.
— Já com mulheres... — Kimberly não gostou da gargalhada, bebeu mais vinho e Sean levantou-se e abriu outra garrafa. — Você e Challitta?
— Já disse que quando a conheci, ela não era casada. Mas já era bastante esperta para conseguir um marido rico. E acredite, tentou muitos.
— Ahhh... Ela tentou ser uma ‘Queise’? — Kimberly só esperou Sean achar graça e disparou. — Pois eu quase fui uma Pellet-Parresh.
Agora Sean não achou tanta graça assim.
— Quando?
— Anos atrás — Kimberly olhou Sean de lado. — Não vai me perguntar ‘quantos anos atrás’?
— Não sei se vou querer ouvir.
Kimberly ria mais embalada pelo vinho que outra coisa.
— Foi quando terminei a faculdade de engenharia naval e conheci Esteban.
— Esteban? Jurava que ia falar Allejandro.
Kimberly gargalhou com dois círculos vermelhos a se formar no rosto bonito que Sean quis tocar.
— Namoramos uns dois meses e Esteban me propôs casamento.
— Wow! Entendi porque ele me bateu.
— Esteban lhe bateu? Quando? Por quê?
— Porque Challitta havia lhe dito que eu dormi com ‘ela’; achei que falava dela, Challitta, mas era de você!
— Esteban achou que dormimos juntos? — riu e Sean não gostou daquela risada. — Sempre tão ciumento... — Kimberly voltou a achar graça.
— Não é?
Kimberly voltou a rir da ironia que agora disfarçava outro ciúme ali.
— Quando Esteban me pediu em casamento achei até que ele estava louco, mas tinha o apoio da família; Amâncio me recebeu muito bem, queria-me na família, mandava flores na mesma frequência que Esteban. Achei até que os dois estavam apaixonados por mim.
— Talvez estivessem. Amâncio era apaixonado por sua mãe, talvez você fosse a continuação dela.
— Eu não sabia nada disso. Enerva-me só de pensar que minha mãe... Por que ela fez isso com meu pai?
— Amâncio é um bruxo. Bruxos são capazes de tudo, até roubar o amor de alguém.
— Como do próprio filho?
— Não sei... — Sean bebeu mais vinho, não queria falar sobre os Pellet-Parresh, nem sobre Kelly ou o que mais surgisse ali.
— E você? Você e Kelly Garcia?
“Droga!”; pensou ele.
Ela não o deixaria escapar.
— Kelly... Ela é tão especial para mim que pensar em namorá-la me adoece. Eu morreria sem ela, se ela me deixasse, me abandonasse.
— E por que ela faria tudo isso?
— Porque não sou o homem que ela merece.
— Allejandro é?
Sean a fuzilou, depois olhou o infinito.
— Não sei. Às vezes acho que sou egoísta em amá-la à minha maneira e... — e Sean parou; um silêncio desconfortável abaixou nele. — Foi você quem o chamou? — perguntou de repente.
Kimberly já estava tão embalada pelo vinho que só o olhou e a campainha tocou. Ela agora arregalou os olhos e olhou para baixo da varanda não vendo ninguém.
— Quem é?
— Não vai atender já que o chamou?
Kimberly voltou a olhá-lo, Sean lia pensamentos, adivinhava o futuro.
— Você o viu chegar?
Sean só a encarou e a campainha tocou de novo. Kimberly levantou-se e Sean abriu a porta com o pensamento antes de ela pegar na maçaneta.
Kimberly levou um susto com a porta se abrindo sozinha; olhou Sean na varanda abrindo a terceira garrafa de vinho, furioso.
— Não imagina a dificuldade que foi driblar Abhay e meu pai Kimberly ángel mio — falou Esteban ao chegar à varanda com Kimberly ao lado dele. — Olá Sean...
Kimberly sentou-se olhando Sean, com medo que ele falasse algo sobre ela ter pedido a Esteban para encontrá-la no hotel, mas ele nada falou, estava com ciúme o suficiente para calar-se no ‘ángel mio’.
Ela gostou e não gostou ao mesmo tempo, daquilo.
Já Esteban voltou ao quarto e pegou uma cadeira, e voltou para sentar-se ao lado de Kimberly que olhou Sean agora a olhando furioso. Ele outra vez via um Pellet-Parresh tentando estragar-lhe uma noite.
— Você sabia sobre as strangelets, Esteban? — Sean disparou.
— Me pergunta se eu sei sobre uma energia, capaz de gerar um grande buraco negro que pode sugar os cristais dessa mesa? Ou me pergunta se seria capaz de sugar o brilho do seu olhar quando vê Letizia?
Sean não gostou da insinuação. E Kimberly também começava a desgostar de Letizia.
— Não tenho nada com Letizia.
— Meu irmão viu vocês se esfregando no corredor.
Kimberly olhou Sean que a olhou.
— Allejandro vê demais. Já disse...
— Chega! — Esteban falou furioso. — Não vamos chegar a lugar nenhum assim.
— Isso! Minha questão era apenas quando soube sobre as strangelets?
— Challitta me contou quando chegamos ao Complexo Templeton, dias antes da queda da nave FATHER.
— Como Challitta sabia sobre o dossiê? — Kimberly estava furiosa; bêbada ou não. — E como ela soube sobre a nave FATHER e não me contou?
— Não pense que é fácil tirar algo dela, ángel mio. E não tem muitas joalherias aqui nas Canárias — e Esteban olhou foi Sean. — E você sabe bem, não Sean? Teve que pagar-lhe o maior diamante de Mumbai para escapar dela.
Kimberly olhou Sean de lado que preferiu não falar sobre aquilo; não sobre aquilo.
— O que Challitta lhe disse afinal? — Kimberly pulou aquela fase.
— Entre tantas coisas, me disse que conseguiu entrar na equipe dos exobiologistas...
— Dormindo com os dois.
Esteban e Kimberly se incomodaram com o que Sean dissera.
— Com um apenas, Sean, já que Pramit só dorme com o Dr. Joshua. Bem... Challitta me disse que o Doutor está acostumado a usar RVP em seus agentes, e descobriu sobre as strangelets marcianas.
— RVP? Regressão a vidas passadas?
— Sim, regressão a vidas alienígenas passadas. E Joshua não hesitou em testar todos os agentes da Poliu a quem teve contato — riu com gosto. — Inclusive sua amiguinha Mona...
Sean sentiu um repuxo na velocidade com que se virou para ele.
— “Vidas alienígenas”? “Passadas”? De Mona?
— Por que o susto? Não a investigava, também?
“Vamos ‘Senhor’ Sean Queise. No final, você é tão estranho quanto tudo que estuda”; soou Letizia nas suas lembranças.
— O dossiê... — Sean olhou Kimberly o olhando com interesse. — Por que mandaram os pais de Kimberly à Marte?
— Desconfio que o Dr. Joshua, sob o comando direto de Mr. Trevellis procuravam montar um laboratório de sobrevivência em Marte, para agentes que ‘comprovadamente’ já foram alienígenas noutra vida.
Sean não riu porque sentiu o tom duro na voz dele.
— Droga! Cada vez mais me convenço do que Pierre disse.
— E eu cada vez mais me convenço que de alguma forma, Ho Paco Hu falava sério quando disse que ele fora alienígena noutra vida — Kimberly olhou a mesa e tudo ali.
— Aonde quer chegar?
— Achei que o confinamento de muito tempo os estava afetando, os deixando propensos a algum tipo de alucinação, ou tendo seu inconsciente manipulado pela... — e Kimberly não completou.
— Por isso Esperanza perguntou-me se as máquinas tinham alma, por isso os raps; ela sabia o que significavam os sons, os sons vindos do Observatório Templeton.
— Então... — a voz de Kimberly foi quase um apelo e Sean alertou-se. — Então Esperanza... Ela era... Ah... Eu me acerto com ela qualquer hora.
— Não qualquer hora, Kimberly ángel mio — e Esteban falou o nome dela de uma maneira que Sean sentiu algo que só experimentava sentir com Kelly. — Você... — chacoalhou a cabeça nervoso, como Pierre já fizera. — Você vai precisar dos dons dela de volta se quiser controlar meu pai.
— Amâncio... Então você sabia sobre seu pai?
— Sim, Sean. Mas isso não muda meus sentimentos a seu respeito.
Sean preferiu mudar o rumo do assunto, agora sabendo que o ciúme de Esteban era Kimberly.
— Quem deu a ordem aos generais para irem ao laboratório em forma de pera investigar o rombo? Os Misteres?
— “Rombo”? — Esteban fez uma careta para Sean Queise. — Challitta falou de um acidente nos LABS e Mr. Trevellis ficou furioso com meu pai. Mas só o ouvi dizer que havia ordenado a mãe de Kimberly, que trouxesse ROMRET IX de volta por causa das...
— Das fotos de Duck Bay.
— Sim, fotos mais complexas que as do robô Rover Opportunity.
— Fotos que mostravam que talvez alienígenas tenham construído faraós nas rochas de lá.
— Imagens que mostravam uma cidade ali, uma cidade inteira ali. Mas o ROMRET IX se desligou após uma tempestade, que fez a areia do deserto marciano interromper seus comandos.
— Por isso o attach…
— Por isso deixou as fotos de uma maneira que nossos melhores cientistas de programação não as conseguiram recuperar.
Sean olhou para o lado nervoso.
— Seus “melhores cientistas de programação”? Wow! O que foi que eu não entendi Esteban?
— O que há nas fotos, Sr. Queise? — Kimberly pulou aquela fase também.
E Sean não gostou do ‘Senhor’.
— Como já percebeu, eu não entendo mais nada, mas suponho que ROMRET IX tenha alcançado alguma civilização extinta por uma energia, que saiu ao controle dos marcianos e os eliminou do mapa estelar.
— Meu pai estava junto a Poliu na manutenção dos Laboratórios pera — emendou Esteban. — Perdemos os ROMRETs, a WEBI e o attach para a Computer Co., mas estávamos desde o início nesse programa, Sean, muito antes de você colocar as fraldas.
Sean levantou-se da cadeira que foi ao chão.
— Amâncio sabia sobre Marte desde a década de 70, não? O jovem Amâncio e o jovem Fernando, juntos na... — e Sean não continuou porque foi a vez de Kimberly alterar-se com Esteban.
— Você sabia, não?! — foi a vez da cadeira dela ir ao chão. — Vocês Pellet-Parresh se aproximaram de mim porque seu pai queria se aproximar de minha mãe?! — gritava.
— Não! Eu amo você ángel mio!
— Cale-se Esteban!!!
— Kimberly... — e Sean tentou.
— Cale-se você também!!! — gritou para Sean que se calou. — Nem você é grande coisa Sr. Queise!!!
Ele a encarou.
— Eu não sou o que? Acha o que então? — Sean não gostava como ela gritava com ele. — Que me aproximei de você para conseguir algo também?
— Também?! Também?! — berrava. — Saia daqui Esteban!!! — virou sua raiva para ele.
— Não! — mas Sean se alterou novamente. — Você o chamou, não foi? Agora quero respostas!
— Cale-se Sr. Queise!!!
— Não vou me calar, Almirante Kimberly!
— Vai calar-se sim!!!
— Sean tem razão ángel mio...
— Cale-se você também!!! — e Kimberly o fez calar-se. — E pare de me chamar assim!!!
— Não... Não ángel mio... Você precisa voltar para dominarmos...
— “Dominarmos”?! “Dominarmos”?! — berrava para um para outro. — Você sabe que um strangelet poderia engolir os núcleos atômicos, crescendo sem parar até consumir a Terra inteira, Esteban?!
— Acalme-se Almirante Kimberly!
— Cale-se Sr. Queise!!! Já disse!!!
— Ángel mio... — Esteban queria era calar Kimberly, mas foi Sean quem o calou.
— Quem é o neozelandês, Esteban?
Esteban se virou com medo do que ouviu.
— Você o usou, Sean? — Esteban sentiu-se pesado.
— Usei o que? Meus dons paranormais para viajar?
— Allejandro me fez essa mesma pergunta quando o encontrei chamuscado no corredor após vocês dois brigarem.
— Eu não briguei com...
Mas Esteban levantou uma mão pedindo silêncio:
— Allejandro me questionou sobre o neozelandês. Eu disse que não sabia, mas Challitta havia me dito que havia um astronauta, antes dos pais de Kimberly, que fizera uma viagem a Marte com ROMRETs I e II e então sumira.
— ROMRETs I e II? Mas há 120 ROMRETs usados naquele armazém, Kimberly? — foi para ela quem Sean passou a revolta. Depois e voltou a Esteban. — Kimberly disse que a Poliu começou os projetos dos ROMRETs na década de 70, mas os mainframes da Computer Co. não comportariam uma ida a Marte.
— Mas fomos em 1969 à Lua — Esteban completou.
— A Lua é aqui do lado, Esteban.
— Nada sei sobre isso. Só que Allejandro me disse que esteve num hangar cheio de patos, que estavam sendo atacados por algo escuro como um monstro feito de luzes escuras e borradas, e que comandava Robots lá deixados, e que o neozelandês o ajudou a se esconder.
— “Robots lá deixados”? — repetiu Sean em choque.
— “Patos”? — repetiu Kimberly, que caiu em sonora risada.
— Sim. Alle disse que foi tudo muito rápido, mas ele viu ROMRETs atacar patos alienígenas.
E Kimberly voltou a rir.
— Por que está rindo? — Sean enervou-se com ela e Kimberly olhou Sean que a olhou, e a fez parar de rir. — A nave MOTHER está mesmo no setor III Almirante?
— Pelo que consta, Sr. Queise — Kimberly queria ter rido outra vez.
— Disse que há lá mais algumas coisas. Há os mapas que fez de Marte?
— Os mapas que fiz com a Major Mª Lucia estão nos seus mainframes. Lá talvez, mapas mais antigos, feitos por...
— “Por”?
— Por alguém de nome Ryan Henry, Major Ryan Paul Henry, cosmólogo da Nova Zelândia que fazia parte da lista de funcionários da Poliu na década de 70.
— E você tem essa informação por quê?
— Porque li isso no dossiê — Kimberly piscou nervosa. — Só não entendi muito bem o que significava.
— E por que não me diz de uma vez tudo o que ‘não entendi muito bem o que significava’, Almirante Kimberly?
— Ah! Claro, Sr. Queise! Também vou lhe contar quantas vezes escovo os dentes por dia...
— Cale-se! — foi a vez de Sean ficar furioso. — Como chegou aqui, Esteban?
— De carro.
— Precisa voltar ao Complexo. Eles não lhe deram uma suíte de final 3 porque não queriam neutralizar seus poderes.
Foi a vez de Esteban ficar em choque.
— Viu Esteban meu anjo? — Kimberly encarava Sean sem perceber o estado de Esteban. — Nem precisava ter vindo. Ele não precisava de suas respostas. Concentrava-se e ia ao Complexo conversar com você.
— Seu deboche não... — Sean ia tentar mais uma vez.
— Como... — Esteban tremia além do normal cortando a fala de Sean. — Como... Como conseguiu?
— Por que está tremendo? — Kimberly olhou um e outro não entendendo o medo de Esteban. — Ele conseguiu o que Esteban?
— Ele conseguiu... — Esteban arregalava os olhos para um Sean firme. — Conseguiu... Conseguiu saber...
— Conseguiu saber o que Esteban? — Kimberly se enervava.
— É que... É que achei que ninguém nunca ia saber...
— Eu não sabia Esteban — Sean diminuiu o tom da voz. —, e até Kimberly me alertar para sua suíte fora do final 3, só havia entendido que Trevellis queria e precisava de sua força paranormal, para manter o equilíbrio no Complexo Templeton, e que deveria ser uma força especial, diferente de nós.
— Diferente de nós... — Esteban caiu prostrado na cadeira, sentindo que o ar não subia como aconteciam tempos atrás. — Interessante os humanos, não Sean? — Esteban olhou Kimberly que também o olhou assustada com o ‘diferente de nós’. — Os seres vivos exigem energia para permanecerem organizados. Essa energia pode vir de uma estrela ou de energia química ou geotérmica, como nas fontes hidrotermais e termais. Em qualquer mundo alienígena, deveria ter alguma fonte de energia assim para nos sustentar a vida — Esteban não tirava os olhos de Kimberly que os arregalava cada vez mais. — Moléculas complexas dos seres vivos na Terra são organizadas e feitas de moléculas complexas, essencialmente de carbono e água, que desempenham funções bioquímicas. Estudamos que o carbono é um átomo versátil que pode formar ligações com até quatro outros átomos, com várias formas, para constituir moléculas. E embora não seja tão versátil quanto o carbono, o silício também pode formar até quatro ligações com outros átomos, o que tem sido proposto como uma base para moléculas de vida alienígena, assim como moléculas híbridas de silício-carbono, cibiontes.
— E vocês não precisam mais dessas energias já que se tornaram elas — Sean encarou Esteban que olhou Kimberly num ato de perdão.
— Você é... Você é... Você é... — Kimberly largou os braços. — Não consigo falar...
— Fico imaginando por que as formas de vida alienígena, não podiam ter algum tipo de molécula complexa para desempenhar funções similares. Como o DNA de vocês... — Esteban olhou Kimberly com carinho. —, uma molécula complexa que transporta informação genética, e dirige a formação de outras moléculas.
— Quando chegou à Terra Esteban?
Esteban olhou Sean.
— Quando pequeno, acredito. Como pode ver, não crescemos tão diferentes de vocês.
Kimberly olhou Sean, olhou Esteban e voltou a olhar Sean.
— Estão me gozando, não? Se vingando de mim?
— Não Kimberly ángel mio... — a voz de Esteban parecia cansada.
— Como chegou aqui? — insistiu Sean.
— Nunca me disseram. Mas meu pai... Amâncio... Criou-me dizendo que meus pais haviam sofrido um acidente... — e viu Kimberly estagnada. — Perdão! Eu nunca soube até...
— “Até”?
— Até? Pergunta difícil, Sean. Talvez eu sempre soubesse, quero dizer, sempre me achei diferente. Então quando brigamos no quarto e você falou de Amâncio ser um bruxo, e minha irmã ter sido trancada... Então todas as coisas começaram a fazer sentido... Entende? Allejandro me chamando de ‘frango’, talvez querendo me chamar de ‘pato’ — olhou Sean agora com toda a face cansada. — E então comecei a pensar no que Amâncio me obrigava a fazer nos negócios, com as mulheres...
Kimberly teve medo dele.
— Amâncio sabe que você sabe?
— E o que eu sei? — Esteban riu tenso. — Não! Fui diretamente falar com Mr. Trevellis, e ele me garantiu que Amâncio nunca iria saber que eu sei, nem que você ia conseguir. Afinal a constituição fisiológica de um alienígena multicelular é adequada ao seu ambiente; os sistemas de órgãos adaptados a condições ambientais como temperatura, umidade e gravidade. Devo estar tão adaptado que não...
— Esse... esse... esse corpo?
— Adaptado Kimberly...
— Patos? Patos marcianos? — Kimberly desatou a rir. — Ah... Sr. Queise... Esteban... Estão ficando loucos! — os dois só a olharam. — Estão? Não?
— Sabe quem são aqueles patos, Esteban?
— Não, Sean. Nunca os vi. Não sei se éramos patos marcianos, se os patos nos serviam, nem porque nos tornamos essa energia de matéria estranha que nos destruiu.
— Esteban... — foi a vez de Sean pular aquela fase. —, preciso que retorne.
— Por quê?
— Porque sua energia flui naturalmente no Complexo, e por isso Trevellis precisava dos Pellet-Parresh antes de mim, porque a nave FATHER ia chegar e ela podia trazer hóspedes outra vez, e com suas presenças paranormais lá, as coisas ficariam estabilizadas.
— “Suas presenças paranormais”? — Kimberly achou que não entendeu.
Houve um silêncio entre eles.
— Você sempre foi assim, Sean? — mas Esteban quebrou o silêncio.
Foi a vez de Sean olhar Esteban, olhar Kimberly e voltar a olhar Esteban.
— Assim como?
— Preparado!
Daquilo Sean teve medo. Ele havia sido preparado para aquilo, sim. Pela genética, pela Poliu, por Mona.
Preparado para procurá-los, vê-los, se comunicar com eles, os alienígenas.
— Não sei o que fiz comigo, Esteban. Se como Oscar disse, eu me preparei para esses contatos ou se nasci com poderes ‘peculiares’.
Kimberly caiu sentada. Com medo, agora ela, de estar ali, com eles dois.
— Acha que a nave MOTHER, um ano atrás trouxe mesmo essa energia que destruiu meu planeta Marte? — Esteban nada mais falou.
— É a vez de eu dizer ‘e o que eu sei’? Estou tateando como você, Esteban. Mas é necessário que os espiões psíquicos não consigam traduzir você e sua irmã, que como imagina, é tão marciana quanto você.
— Letizia?! — gritou Esteban e Kimberly; ela mais que ele.
— “Marciana”? — riu Kimberly para encolher o sorriso no olhar dos dois. — Do que está falando Sr. Queise?
— Siri Sathi estava mais envolvida com Marte do que supõe Almirante. E como pode ver por Esteban, marcianos não são muito diferente de nós. Porque é provável que estejamos convivendo com muitos deles sem saber — Sean riu. — Corrijo-me! Sem a Poliu nos deixar saber.
— A Poliu esconde alienígenas na Terra?
Sean só ergueu maravilhosamente o sobrolho e Kimberly dessa vez nem pensar conseguiu.
A Poliu podia tudo.
— Então Letizia não é minha irmã?
— É, Almirante; filha de Siri Sathi que Amâncio criou em parte pela paixão que tinha por ela, em parte como parte do acordo com os ‘Mister’. Assim como já fizera com Esteban, Allejandro e Dino — Sean viu os dois o olharem. — O que? Acha que Trevellis daria tanta coisa a Amâncio se ele não fizesse um trabalhinho sujo para ele?
— Dino e Alle? — Esteban arriscou.
— Todos no final 3, não?
— Claro! Com seus poderes sob controle — Esteban olhou Sean o olhando. — Mas por que eu não fui parar num final 3? Por que meus poderes são diferentes dos dele? Por que nunca os percebi alienígenas?
— Vocês não são diferentes um do outro, só como administram seus poderes os diferem. Além do que, acredito que Allejandro e Dino sejam outros tipos de alienígenas. E Amâncio os controla com forças ocultas tão poderosas, que vocês nunca perceberam as terem ou as usarem.
— Eu não sabia... Sabia que éramos adotados, mas não sabia... — Esteban ficou lá a pensar e pensar.
E aquilo trazia mais dor de cabeça nele.
— Só que Amâncio não conseguiu fazer com você o que faz com Allejandro e Dino, porque como eu disse, eles são outros tipos de alienígenas, talvez de estrelas mais distantes... Já com Letizia ele conseguiu muita coisa, mas Siri foi contra, porque os poderes de Letizia são algo muito maior do que vocês juntos, porque ela ainda tem dons genéticos paranormais da mãe.
E a língua de Kimberly descolou-se:
— Imagino o medo de Amâncio que os jovens Pellet-Parresh descobrissem quem eram, que Letizia descobrisse quem era... — ela os olhou e parou de falar.
— Por isso Amâncio a trancou longe. E arrisco a dizer que foi Oscar quem a tirou de lá, sei lá onde, por algum motivo mais nobre que todos estão dando.
Ambos o olharam sabendo o porquê.
— Só mais uma coisa... — Esteban olhou Kimberly e depois Sean. — Quando soube sobre Allejandro, Sean? Quando diz que viajou no corredor?
— Não! Quando Letizia quis sentar-se a minha mesa e Allejandro discutiu com ela. Eu... Os pensamentos de Alejandro não eram... — Sean olhou Kimberly. —, não eram humanos.
— Por isso estava catatônico?
Sean só a olhou não respondendo.
Esteban então se levantou.
— Vou voltar ao Complexo e tentar manter-me longe dos espiões psíquicos, e longe de Letizia — falou um Esteban cansado.
Kimberly estava pensativa. Havia tantas questões a serem resolvidas, tantas que ela passara a compreender.
E Esteban saiu deixando seu notebook, um ‘P-P’ para Sean usar.
— Como pode dizer ‘pensamentos não humanos’, Sr. Queise?
— O jovem filósofo Karl Marx disse uma vez, “Homo sum: humani nil a me alienum puto...”, ou seja, “Sou um ser humano, portanto, nada que é humano me estranha”. E acredite Almirante Kimberly, os pensamentos de Allejandro eram desumanamente estranhos.
Ela nada cogitou.
— Por isso Allejandro viajou?
— Sim... Ele tem dons para viajar. Assim como Letizia, Dino e Esteban. E Carrie, Esperanza, Joshua, Ho, e a Major Mª Lucia, que se não percebeu estavam alojados na suíte de final 3.
— Todos os espiões psíquicos... — Kimberly o olhou atordoada.
Sean ligou o notebook e começou a digitar sem parar após se conectar no Wi-Fi do hotel. E tinha que admitir os computadores dos Pellet-Parresh não eram tão ruins quanto julgavam.
— Sinto por tudo isso, Almirante Kimberly, mas é como Descartes que temos que agir de agora em diante, nos desligando de tudo que vemos que achávamos ver, que achávamos ser a verdade, mas que nos iludiu o tempo todo; Joshua e sua ligação com alienígenas, a Poliu e a ideia de povoar Marte, os Pellet-Parresh com dons paranormais, e Amâncio um bruxo que quer controlar a energia alienígena através de Letizia, que é a chave e o motivo de eu ter vindo às Canárias — olhou-a o olhando apavorada.
— Letizia... — soou fraco dos lábios tensos.
— Precisamos no focar no motivo de Esperanza e Ho terem sido levados há muito tempo ao Complexo Templeton, um tempo em que você não estava lá, Almirante, e nos focar nos poderes de Esperanza que pode gerar lembranças de algo que não existe — ele viu Kimberly o olhar de lado, e ele sabia o que significava aquilo. — Precisamos nos desligar da ilusão que Challitta é só uma mulher fogosa, e que seu papel dentro do Complexo é muito pequeno, porque não é. Acredite Almirante, Joshua e Challitta estão ligados àquilo tudo mais do que parece, Joshua e aquela conversa sobre filosofia e avanços tecnológicos — Sean voltou a digitar. — Porque quando Descartes propôs que apenas o rigor matemático e sua longa cadeia de razão, o método cartesiano, podiam construir a verdade e o conhecimento, ele passou a duvidar de todas as coisas, já que o mundo e até ele próprio poderia ser ilusão de seus sentidos.
— É... — Kimberly queria sim, acreditar. — Ilusão de ótica, pareidolia. E só aceitaria ser verdadeiro o que fosse claro e distinto, porque ele duvidava e ao duvidar existia como ser que duvidava então ele pensava; e se pensava logo existia — Kimberly olhou-lhe confusa.
Sean se virou para ela sabendo que tudo era muito difícil para ela acreditar, mas que ela precisava tentar.
— Esqueça suas diferenças para comigo Almirante Kimberly, precisamos nos desligar de tudo que achávamos ser verdadeiro, porque como também dizia Pascal, é uma maneira natural no homem acreditar que possui a verdade, e a verdade é adequação do que conhecemos do Ser — e voltou a trabalhar.
Kimberly caiu na beirada da cama, em choque, sabendo que não conhecemos o Ser, que não nos conhecemos, exatamente.
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
16 de agosto; 16h30min.
Mr. Trevellis dormia pesado após a conversa difícil que tivera com Esteban Pellet-Parresh pela manhã. Ele adormeceu após o almoço, ansioso pela conversa que ele teria com Sean Queise.
Acreditou que Sean era bom o suficiente para entender quem eram os Pellet-Parresh, que a ordem dos Misteres era maior, que tivera que aceitar dar as crianças alienígenas a Amâncio para criar, porque diferente do que dissera a Esteban, Sean Queise era capaz de ler pensamentos, inclusive os que foram apagados; ele era peculiar.
Mas foi outra criança alienígena quem adentrou o quarto escuro de Mr. Trevellis. Ele sobressaltou alcançando o abat-jour apavorado pela imagem borrada de Letizia Pellet-Parresh à sua frente.
— Esteban chegou! — a voz dela também era distorcida.
— Aonde ele... — Mr. Trevellis apavorou-se ao vê-la ali parada e a porta que não podia ser aberta por mais ninguém, a não ser o hóspede da suíte, fora aberta. — Você... Você os leu, Letizia? Você não... Leu os pensamentos de Esteban?
— Por que mandou liberar os pensamentos dele, Mr. Trevellis? Para descobrir sobre minha mãe e Marte? Sobre ela engravidar lá? De me trazer na barriga? De Amâncio trancar-me naquele lugar abafado porque não conseguia acessar meus poderes? Ou pelo fato de Oscar Roldman ter me tirado de lá?
— Oscar?! — agora Mr. Trevellis acordou usando um grande pijama de seda italiana. — Aquele desgraçado fez o... — e a tela do computador ao lado da cama dele apitou.
Mr. Trevellis olhou-a e a voz de Letizia voltou.
— Sean Queise conseguiu! — ela viu Mr. Trevellis com o medo estampado na face jambo. — Se vista! Precisamos ir aos mainframes do Observatório Templeton! O banco de dados de ROMRET IX está ativo e acessível! — e Letizia saiu do quarto, tão sorrateira quanto lá chegou.
Pela primeira vez, Mr. Trevellis teve medo do que fazia.
Hotel La Gomera.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W
16 de agosto; 16h41min
Sean Queise no Hotel La Gomera, também recebeu na tela do notebook, o mesmo sinal de ativação. Ele havia conseguido concluir o attach após a conversa tensa.
— ROMRET IX? — Kimberly olhou a tela e uma imagem carregava.
— Spartacus! — foi a resposta.
— Parabéns, Sr. Queise. Mr. Trevellis tinha razão. Só você podia fazer isso — ela viu Sean a olhar de lado.
Mas Sean não estava feliz com o que ‘só ele podia fazer’. Tinha medo de estar ajudando a corporação de inteligência mais que tudo, de ser uma cria dela, um agente da Poliu.
Virou-se para ela e anunciou o próximo passo:
— Agora temos que voltar ao Complexo Templeton, preciso acessar os dados de ROMRET IX a partir dos mainframes do Observatório Templeton e alcançar a mente de sua mãe, já que ROMRET X não tinha nada e o dossiê está incompleto.
— O que também só você pode fazer, uma vez que é um hacker peculiar.
Sean também não gostou de ouvir aquilo. Não precisava ouvir o que sabia.
— Suas insinuações não me afetam, Senhorita.
Ela suspirou furiosa e se afastou dele.
— Esteban... — e Kimberly teve medo de continuar. — Por que Esteban disse que você foi preparado para... — Kimberly viu Sean cerrar os olhos azuis e os abrir. E o olhar azul dele parecia responder tudo. — Você não os teme, não? Os alienígenas?
— Não!
— Mesmo eles não sendo o que conhecemos na literatura?
— E o que conhecemos deles, Senhorita Kimberly? — fechou o notebook e abriu a porta para sair do quarto.
Precisava respirar.
Hotel La Gomera.
16 de agosto; 19h22min
Kimberly estava tensa, preocupada com Sean Queise, que ficou sentado horas seguidas, inerte, no banco abaixo da janela da suíte deles, esperando notícias de Esteban, que não vieram.
E ela não teve coragem de descer e ficar com ele.
Sean voltou, abriu a porta e o silêncio reinou naquela troca de olhares.
Ele entrou no banho e quando voltou havia comida na mesa, vinho, mas ele arrancou a colcha da cama e o travesseiro os jogando no chão, e deitou-se virado para a parede.
Kimberly só deu um suspiro abafado e outro silêncio incomodativo se fez quando Sean o rompeu.
— O que sabemos dos mistérios do Universo se nem sabemos quem somos? De onde viemos? Se somos nós, os alienígenas do Planeta Terra?
Kimberly não sabia o que responder.
— Aonde você foi?
— Não me viu daqui de cima?
E Kimberly sabia que ele estava frio, provável pela visita de Esteban.
— O que vamos fazer?
— Você eu não sei, eu vou dormir. Meu tornozelo lateja e eu tenho sono — Sean continuava deitado de costas para ela.
Uma coisa ela sabia, ele a estava distanciando.
— “Sono”? Deve estar cansado mesmo, já que fez um Robot voltar a funcionar sabendo que ele funcionava — ela viu ele se virar para ela sentindo a ironia. —, já que ele lhe resgatou em Marte.
— Sabia que ROMRET IX não estava desligado, não Almirante? Que não vim até as Canárias para fazer o Robot sacudir a poeira, não?! — gritou bravo, descontrolado. — Sabia que queriam meu attach para alcançar o banco de dados do Robot! — apontou o notebook ‘P-P’. — Pois eu fiz o que me mandaram! Consegui acessar seu banco de dados que não estava desligado! De nada Almirante! — e voltou a se deitar.
Mas Kimberly estava mais descontrolada que ele.
— Se você disse que aquela energia havia absorvido ROMRET IX e ROMRET X, então o que conseguiu alcançando o banco de dados? Porque se Allejandro falava a verdade sobre Robots abandonados em Marte serem dominados por essa energia, então...
— Só vou poder responder quando acessar o Robot. Já lhe disse isso, Almirante Kimberly. Com os mainframes do observatório, Almirante Kimberly. Também já lhe disse isso. Agora me deixe dormir.
Ela não gostou de como foi chamada nem como mandou ser calada.
— Não há lógica nisso! Nem em você! Nem em nada do que acontece! — e Kimberly saiu da suíte para a varanda; a noite estava iluminada.
— “Lógica”? — Sean a olhou e Kimberly não respondeu. Ele girou os olhos nervoso, levantou-se e foi atrás dela. — Que lógica procura em tudo isso aqui?
— Lógica em crianças alienígenas entre nós. Em por que há tantos alienígenas aqui.
— Há um estudo interessante na parapsicologia que diz que essas crianças são espíritos exilados de outros mundos, e que como são especiais, são encaminhados para mundos inferiores, como a Terra, com a meta de auxiliar a evolução do planeta. Em geral hiperativos, artísticos com dons de paranormalidade. O que Amâncio fez foi deturpar esse poder em prol próprio.
— Uma viagem e tanto.
— Há quem defenda essa informação Almirante, eles os chamam de crianças índigo, porque sua aura é de um ser superdotado, da cor do azul índigo. Dizem, vem surgindo cada vez mais.
— “Dizem”? Não é porque algumas ou várias pessoas comentam sobre o suposto surgimento desses novos seres, que tal ocorrência venha a se tornar realidade.
— Há um garoto chamado Boriska, que se diz marciano noutra vida, e diz que o planeta Marte teve problemas com sua atmosfera, que a água secou, que eles foram muitas vezes a outro planeta de água buscá-la, até que foram obrigados a viver dentro do planeta. E conta coisas do tipo ‘os lemurianos dominavam a Terra há 70 mil anos e eram gigantes de 9 metros de altura’. E se lembrarmos dos Sumérios... — e deixou o resto no ar.
— Então por que meu pai foi enviado a Marte? Por que a Poliu o temia, Sr. Queise? Por que temer um dossiê com lacunas quando se sabem tanto sobre alienígenas?
— Mas não sabemos muito, Senhorita. Talvez não saibamos nada. Nem se os marcianos são borrões de energia, feitos de uma matéria estranha que... — e Sean parou de falar e a olhar com interesse. — Ele a preparou, não? O homem que vi no corredor em obras, ele a preparou.
Kimberly o olhou assustada.
— Preparou-me para o que? Eu não sou como você preparada para...
— Você disse que seus pais eram distantes, mas não é verdade. Você queria se aproximar de sua mãe, sim, mas seu pai Juan Pablo sempre lhe foi junto.
— Está lendo minha mente? Como se atreve... — e partiu para cima dele com as duas mãos seguras por ele.
— Ele conseguiu que se formasse — e Sean a segurava com força. —, conseguiu sua entrada na Poliu — e Kimberly se debatia. —, conseguiu sua colocação no Complexo, conseguiu que... — e a jogou longe. — Onde estão os mapas que diz que fez com a Major Mª Lucia?
— Nos seus mainframes, já disse! — massageava as mãos machucadas pela força dele.
— Nos antigos mainframes abaixo do Observatório Templeton? — ele viu Kimberly desviar o olhar dele. — Seu pai lhe contou, não? — ele viu Kimberly ficar furiosa por estar lendo sua mente outra vez. — Há algo nos mapas, não Almirante?
— Algo do tipo, Sr. Queise?
— Algo do tipo que você escondeu no Setor III onde ninguém pode entrar. Um mapa com a localização de uma grande construção nas rochas sem vida, na Cratera Victoria, que abriga um hangar, onde patos alienígenas guardam naves cilíndricas que voam.
— Você... Você...
— Viu os mapas?
— Não! Os guardei como ele pediu, apenas.
— É! Não conhecemos os segredos de quem amamos, não Almirante?
— Eu sinto... Eu sinto muito... — abaixou a cabeça em choque.
— E eu sinto que preciso conseguir que Trevellis aceite o Major Ryan Paul Henry lá de volta.
— Sabe onde o Major está?
— Não!
— Não? Mas o Major Ryan é a chave de tudo, não?
— Não!
— Não? — Kimberly achou que ele estava louco de alguma forma.
— Não! É tudo um intricado quebra-cabeça. Primeiro o Major Ryan Paul Henry foi a Marte na década de 70, quando Al Bielek disse que naves estiveram lá. E lá, o Major Ryan travou conhecimento com uma civilização de patos pilotos, que estava preste a ser eliminada por energias que dominaram todo o planeta.
— “Patos”? — voltou a rir.
— Por que está rindo? Estou dizendo o que vi, e o que vi não pode ser...
— Patos? — ria de chorar.
— Pare com isso!
— Ah! Desculpe-me... — Kimberly caiu em sonora risada. — Por que não cachorros? Cavalos?
— Já falei para parar! — e Sean se virou para deixá-la lá.
— Espere... — pegou-lhe pelo braço. — Espere Sean Queise... Por que ficou bravo? O único pato que eu conheço que pilota é o Patolino quando vai ao... — e ela foi beijada.
Kimberly arregalou os olhos para ele que arregalava os olhos azuis para ela.
Ele soltou-lhe os lábios e ela o esbofeteou.
— Por que só comigo é fria, Almirante? — Sean entrou a deixando lá, e deitou-se agora na cama a não mais falar nada.
Kimberly estava em choque. Algo acontecia dentro dela, com todo seu interior. E ver Sean na cama não ajudava muito.
— Deite-se no chão!
— Deite-se você!
Kimberly não gostou do que ouviu, de como ele falou aquilo. Foi a vez de ela fazer o que ele não julgava que ela faria. A Almirante Kimberly tirou a camiseta ‘par de vasos’ e deitou-se só de lingerie ao lado dele, na cama.
Sean não acreditou quando o colchão moveu-se pelo peso e presença dela. Nem acreditou em como ficou ao vê-la ali, de lingerie, ao lado dele.
— Isso... — soou da boca dele.
— Isso o que? — provocou-o.
— Pare com isso Almirante Kimberly!
— Parar com o que? — esticou uma perna, depois a outra e então subiu as duas.
Sean só girou os olhos. Sabia que não ia acabar bem aquela ginástica toda.
— Está...
— Estou? — e ela vibrou no que Sean se virou sobre ela. — Ahhh... Sean...
— Eu... — e ele voltou a se deitar longe dela. — Desculpe-me... Eu...
— Você?
— Eu...
— Continue...
— O quê? — perguntou atordoado.
— Volte! Para cima de mim!
— Para você me esbofetear? — ele só ouviu uma sonora e sensual gargalhada; e era muito sensual, ela e a gargalhada e todo corpo que se movia. — Ah... Não faça isso Kimberly...
— Me beije!
— Não...
— Me beije...
— Não... — Sean só ameaçou se levantar e foi Kimberly quem se deitou nele. — Não... — e os lábios se encontraram.
Um beijo longo, excitante; entregador.
— Acalme-se... — sorriu cínica. — Não vou bater em você...
Sean a olhou; sentiu-a. Tinha todo o peso dela ali, todo calor que ela emanava, os lábios que o tocavam, que lamberam cada centímetro do seu rosto, pescoço, descendo.
— Kimberly... — e foram as mãos dela que se atreveram a caminhar pelo corpo dele; tórax, bacia, membros. — Ahhh... — o tesão espalhou-se por todos seus sentidos até Sean a segurar.
Ela o encarou e ele não soube o que mais fazer. A alcançou num beijou que navegou pelos lábios, pelo rosto, descendo ao pescoço alcançando-lhe os seios que tirou da proteção, da lingerie.
O coração dela explodiu, Challitta tinha razão, era só até vê-lo.
— Me beije, Sean... Mostre que eu realmente nunca dormi com outro homem... — e ela viu Sean estancar zonzo, com tesão, com ordens explícitas dela para que se amassem. — E não se atreva a discutir dessa vez!
E Sean não discutiu. Virou-se com peso e vontade sobre o corpo roliço da balzaquiana, da espanhola fria que se aquecia sob seu corpo, da mulher bonita que encantava Sean Queise, que ordenavam mãos e sexo, que a tocava, consumia.
Kimberly girou sobre ele, tirando o shorts, a camiseta, o observando; o corpo musculoso, todo seu ‘appeal’, e que não era pouco.
E Sean girou sobre ela, penetrando-a como há tempo não penetrava outra mulher.
Seus corpos eram lentos, faziam um bailado perfeito. Para dentro para fora para dentro e saindo dele. Suor que escorria pela pele branca, delicada, de mulher que a muito procurava o homem perfeito, ele, que a olhava, que a amava.
Adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total.
Até os silbos invadirem a floresta escura do Parque Nacional de Garajonay, toda a Ilha de La Gomera em plena madrugada.
15
Hotel La Gomera.
28° 6’ 10” N e 17° 8’ 10” W.
17 de agosto; 09h07min.
Quando o Sol saiu, Kimberly acordou do cansaço, olhando Sean sentado na beirada da cama a observar a claridade da manhã que avançava pela varanda.
— O que houve?
— Duas a cinco vogais e quatro a nove consoantes.
Kimberly olhou a janela que dava para a varanda.
— Silbos? O que dizem?
— Estão avisando que nós dois cometemos um erro.
Kimberly arregalou os olhos e só, em meio aos estalares que se multiplicavam, porque muitos lá conversavam.
Sean levantou-se nu e invadiu a varanda que se aquecia com o Sol forte da manhã.
— Por que a agitação, Sean?
— Não sei... Há estranhos na floresta.
— “Estranhos”? Estou com medo Sean... — ela o viu olhar-lhe de uma maneira que Kimberly traduziu como ‘também’. — O que vamos fazer?
— Se vista! Coloque de volta minha camiseta e algo que lhe sirva. Temos que dar um jeito de chegar ao Observatório Templeton.
— E como vamos fazer isso? — e tudo tremeu. Copos de vinhos lá deixados e tudo que havia ali. — Os tremores...
— Disse que há geólogos, que eles lotaram os hotéis, não? Desça e coloque sua posição de Almirante para funcionar. Consiga-nos um carro e uma bateria extra. Seja o que for os tais estranhos na floresta, eles vão tentar desligar a bateria do carro.
— Você... — e Kimberly teve medo do que ia dizer.
Vestiu-se com o que lhe cabia, uma bermuda de brim, e desceu atrás de um carro. Conseguiu um jipe e três baterias. Sabia que se trocassem a bateria outras seriam descarregadas igualmente, e podia ao menos se aproximar do Observatório Templeton entre uma troca e outra.
Sean no quarto colocou o notebook de Esteban numa pequena sacola de alças e tirou de dentro do armário uma calça onde enrolara uma arma dentro. Sabia que aquilo de nada serviria para se defender de alienígenas, mas tinham coisas mais perigosas na frente que marcianos e matérias estranhas. Como a não tão estranha Challitta, que se colocou atrás dele após invadir seu quarto e trancar a porta a chave.
— Challitta... — Sean sobressaltou assustado por não a ter percebido.
— Por que o susto? Meu perfume não te invade mais? — ela o viu ainda nu. Sean cobriu-se sob os olhares fortes dela. — Diga-me Sean bonitão... Sua preocupação é Esteban ou Kimberly? Ah... — riu cínica. — Já soube não é? Do ‘ángel mio’ — riu agora debochada.
— O que eu soube? — Sean sabia que não ia saber coisa boa.
— Dos amantes...
— Vá embora Challitta! Não vai conseguir... — e Sean deu um passo atrás quando ela deu um passo à frente.
Sabia que se Kimberly entrasse a coisa ia complicar.
— Ah... Não me vai dizer que tem medo que ela nos veja, Sean bonitão... Estamos acostumadas a consumir da mesma carne.
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Saia Challitta! Você está sendo inconveniente!
— Trepou com ela, não?! — berrou.
— Não grite comigo... — e Challitta partiu para cima dele que foi ao chão nu com ela em cima dele, tocando-lhe todo. — Pare... Pare...
E Challitta deitou-se nele como uma amazona.
— Vamos Sean bonitão. Mostre ao que veio! — e o cavalgava.
Sean irritou-se, excitou-se e irritou-se a lançando longe, contra a parede da suíte. Levantou-se, pegou a camiseta e Challitta atirou nela.
Ele paralisou perante a arma recém-disparada.
— Não faça isso, Challitta... — ergueu as mãos em sinal de defesa.
— Não faça o que?! A desgraçada me tirou Esteban, não vai me tirar você!!! — mas ela não parecia querer parar, gritava alertando Kimberly e alguns hóspedes no andar embaixo.
— Ninguém me tirou de ninguém. Nunca tivemos nada, Challitta.
— Não, não é mesmo?! Você só precisava de mim para chegar a Joshua, para descobrir sobre o ‘Duo Life’, para aprender a controlar os malditos computadores pela mente!!! — berrava.
Kimberly ouvia tudo do lado de fora entre um olhar e outro de hóspedes apavorados com a gritaria.
— Eu não a usei, Challitta. Você me usou; joias, carros, passeios de iate. Eu paguei e ainda pago pela inconsequência de ter bebido ao seu lado, por ter dormido e acordado ao seu lado, por ter permitido que me tocasse na sua suíte.
— Foi Kelly? Foi Allejandro? Foi Amâncio? Quem me entregou a Poliu quando foi embora de Mumbai?
— Tem mais alguma opção? — e calou-se no segundo tiro que agora atingiu a parede atrás dele. — Está louca? Dê-me essa arma?
— Não!!! Não!!! Você não vai me prejudicar de novo! Você vai voltar ao Complexo Templeton, vai entrar no maldito Setor III e vai conseguir os mapas de Marte. E vai dar-me os mapas porque vou vendê-los a todas emissoras de TV, rádio, Internet... — e caiu pela bandejada que Kimberly acertou na cabeça dela.
Sean olhou Kimberly o olhando.
— Acha que só você pode usar bandejas, Sr. Queise?
Sean só esperou ela terminar a ironia. Colocou a camiseta furada pelo projétil e uma calça jeans que viera da lavanderia, e tirou a arma de Challitta desmaiada.
— Nem vou perguntar se também tem todas as chaves do hotel, Almirante Kimberly — e Sean pegou a sacola de alças com o notebook, atravessando-a nas costas, para então abaixar-se e levantar o corpo de Challitta, colocando-a nos ombros, se dirigindo para a varanda.
— Vai jogá-la?
Sean nem se deu ao trabalho de responder aquilo também.
Pulou o gradil e escalou as plantas descendo com Challitta nos ombros. Kimberly girou os olhos, contrariada, e os acompanhou.
O hotel estava lotado de homens e mulheres e muitos equipamentos. Sean imaginou serem os geólogos que ali vieram ver os tremores. Temia que tais tremores estivessem ligados a Marte, às energias de Marte.
— Onde está o jipe?
— Vai levá-la conosco?
— O jipe Kimberly?
— O jipe está para lá! — Kimberly apontou irritada. — Consegui um jipe veloz. Consegui água, também.
— Ótimo! — se afastavam da entrada do hotel.
Kimberly sentia-se mal com Challitta ali, ainda mais após amá-lo daquele jeito. Ela havia ouvido a discussão deles, temeu que Sean pensasse que ele se tratava de uma disputa dela com a Dra. Challitta, a quem perdia o respeito rápido. Eles atravessaram uma boa parte do terreno do hotel e chegaram numa garagem. Sean colocou Challitta no banco de trás após prendê-la ao cinto de segurança e amarrá-la com uma correia achada ali no chão.
Os dois entraram na frente, colocaram o cinto e o jipe partiu; silbos reverberaram pela floresta do Parque Nacional de Garajonay.
— O que estão dizendo agora? — Kimberly não o encarou.
— Não sei...
Challitta acordou e viu Sean e Kimberly na frente.
— Achando o que vagabunda? — Challitta olhou com Kimberly usando as roupas ‘par de vasos’ dele. — Que vai levar Sean depois que eu lhe tirei Esteban?
— Sua... — e Kimberly avançou sobre ela sendo brecada pelo puxão de cabelo que Sean deu nela. — Ahhh!!! — gritou tentando segurar a mão dele que a segurava pelo cabelo.
Kimberly o olhou não o entendendo.
— Aqui não! — foi só a resposta que ele deu.
Kimberly o fuzilou e pegou uma garrafa pequena de água, consumindo-a toda.
O carro balançou; os três sentiram o abalo sísmico. Sean desistiu daquela fase também e acelerou.
— O que está havendo Sean bonitão? Por que o abalo?
Ele não respondeu, também estava se sentindo muito mal com elas duas ali, por ter dormido com as duas.
— Como chegou aqui Challitta? — foi o que disse.
— Abhay veio buscar uma maleta — olhou em volta. — O vagabundo me deixou aqui pelo visto — e Challitta apavorava-se com o que via, com os galhos retorcidos, a imagem confusa de árvores que pareciam sofrer.
— E elas sofrem... — Sean leu os pensamentos de Challitta, que o olhou pelo retrovisor, temendo que ele lesse muito mais, por exemplo, que sua saída com Abhay fora arranjada e incentivada por ‘Alle’. — O que tem na maleta que Allejandro quer?
Agora Challitta sabia que ele sabia.
— Não sei. Só me interessava você.
Kimberly não estava gostando daquilo, dela ali, falando aquilo.
O jipe saltou uma, duas vezes. Sean tentou controlá-lo toda vez que aumentava a velocidade por caminhos em que conseguia dirigir.
Eles alcançaram a estrada escarpada que levava ao Complexo Templeton da Poliu e um homem apareceu na frente deles.
— Sean?! — berrou Kimberly e Sean não brecou a tempo, fazendo o carro atravessar o corpo do homem.
Quando o carro parou Sean saltou do carro com o coração acelerado, tentando ver quem ou o que ele atravessara.
Kimberly desceu atrás dele, mas ambos não viram nada.
— Volte para o carro! — apontou ele.
— O que... O que... O que... Não consigo falar.
— Ótimo! Não fale! — olhava um lado, outro e o outro de novo. — Volte para o carro!
— Mas Sean…
— Volte para o carro!!! — berrou descontrolado.
Kimberly obedeceu. Voltou para o carro olhando Challitta a olhando de relance. Outra vez sentiu-se mal, sabendo que ela sabia que eles dois estiveram juntos no hotel.
Sean também voltou ao carro, colocou o cinto e acelerou.
— O que era... Ahhh!!! — e Kimberly gritou no que toda a estrada vibrou e derreteu.
O carro travou os pneus e deslizou na terra disforme para então lançar-se estrada abaixo capotando uma, duas, dez vezes até parar.
O carro ficou preso pelos galhos que sofriam metros abaixo, com as rodas girando sem controle, viradas para cima, com uma fumaça tomando conta de tudo. Galhos que tremiam sob uma energia tão pesada que por onde passava modificava molecularmente a vegetação.
— Kimberly… Kimberly… — Sean a chamava.
Kimberly abriu os olhos em meio aos silbos que pediam socorro.
— Sean... Sean! Sean! — Kimberly se desesperou a se ver imprensada pelo airbag que os salvou. — Sean, meu amor!
Ele arregalou os olhos azuis naquela frase, no amor dela, mas também estava preso pelo airbag.
Tentou respirar, mas todo seu corpo doía.
— Kimberly... Dê-me a arma... — e tudo à volta deles se moveu.
— O que... O que...
— Dê-me a arma!!! — berrou e Kimberly tentou olhar um lado e outro do carro toda amassado, e entregou o que julgava ele pedir. Sean atirou e o airbag esvaziou, quando olhou para trás, toda a traseira do carro havia derretido. — Meu Deus... — e teve vontade de vomitar ao ver Challitta numa massa disforme, confusa, misturada ao banco e a lataria.
Kimberly a viu quando Sean também atirou no seu airbag.
— Ahhh... — passou a mão na própria testa vendo o sangue. — O que... O que houve com ela? Conosco? — e tudo balançou novamente.
— Desgraçada!!! — berrou Sean socando o volante alertando Kimberly que o olhou. — Ela alterou toda estrada.
— “Ela”? — quis saber.
— Ela ou como queira chamar aquela energia alienígena que veio a Terra no corpo de seu pai, está bem?!
Kimberly nada mais perguntou, falou, argumentou; não depois dos gritos. Sean desligou o motor do carro e as rodas cessaram o movimento e a fumaça. Ele então saiu do carro capotado se arrastando e Kimberly se arrastou para fora também, olhando tudo à volta, o estado do carro, quando algo passou por eles.
— Ahhh!!! — ambos gritaram e desmaiaram; segundos de inconsciência.
Quando Sean abriu os olhos, as árvores no alto e um doce perfume de coco e limão se fazia.
Ele ergueu-se de supetão.
— O que... O que... O que... — Kimberly olhava-o após acordar, também. — O que foi aquilo?
— Não sei... — Sean olhou um lado, outro e outro lado quando os lados começaram a derreter. — Corra! Corra! Corra!
— O que? O que houve? — e foi arrancada do chão pelo braço. — Pare de correr!!! Pare!!! — mas ela percebeu que Sean não corria, parecia voar na velocidade empregada com ou sem tornozelo luxado. — Sean... — Kimberly ia ralhar mais uma vez, mas percebeu que plantas, galhos de árvores e até arvores inteiras começaram a derreter, a se transformar em uma massa disforme. — Ahhh!!! — Kimberly era puxada, não sabendo como seus pés tocavam a terra, com medo de tocá-la e ela derreter. — O que... Aonde...
— Corra!!! Corra!!! Corra!!! — Sean gritava e arrastava Kimberly pela encosta.
Ervas daninhas, entulho, restos de tudo que se amontoavam pelo caminho, e Sean correndo sem saber para onde, sabendo apenas que estava sendo seguido não sabia pelo o quê.
— O que houve Sean? Por que estamos correndo?
— Não sei! Não sei! Corra!
Kimberly teve ainda a chance de olhar para trás e nada ver. Noutra rápida olhada tudo parecia estar em câmera lenta. Imagens distorcidas mostravam que havia algo ali, atrás deles, correndo pela mata. Se distorcendo; distorcendo o campo gravitacional por onde passavam.
Imagens distorcidas que se amontoavam para então ver o que eram; espíritos alienígenas.
— Mas o que... Ahhh!!! — e Kimberly foi jogada de um barranco por Sean que a abraçou no voo caindo na terra fina; e ambos rolaram e rolaram e rolaram muito até parar muitos metros abaixo de onde estavam.
E onde estavam realmente não parecia em nada com Garajonay.
— Ahhh... Ahhh... Meu Deus, Sean... — ela ergueu-se em choque, olhando a terra vermelha a seus pés, a queda mortal mais abaixo e a grande costa escarpada mais acima. — Ahhh... Ahhh... Por que não consigo respirar?
— O oxigênio aqui não é igual na Terra.
— Na... Na... Na... Ahhh... Ahhh... — e não conseguia respirar. — Você disse na Terra? — e o céu lhe parecia azulado, de um azulado estranho. Kimberly só viu Sean olhar um lado e outro. — Ahhh... — e olhou à sua frente, uma grande rocha; nela, uma monumental construção de metal. — O que é aqui?
— Um hangar...
— Um hangar em...
— Em Duck Bay! — respondeu ele vendo Kimberly tentando respirar, raciocinar também, girando ao redor dela própria enquanto ele tocava a grande pedra que mais parecia feita de metal. — Em 30 de julho de 1908, um cometa gigantesco se aproximou do Planeta Terra, quando um UFO kamikaze atacou o objeto celeste. Na sequência desta colisão ocorreu uma forte explosão, e os fragmentos desse cometa se espalharam pela Sibéria, no que foi chamado ‘Evento Tunguska’.
— Por que... Por que... — olhou-o em choque. — Ahhh... Por que está dizendo isso?
— Porque há alienígenas bons, Kimberly, que teriam salvado a Terra que podia ter sido destruída há mais de cem anos. Provável, alienígenas bons também tentaram salvar Marte de energias pesadas, destruidoras, que dominaram strangelets do Universo.
— Eu tenho medo de você, sabia?
— Não é de mim que devia ter medo — Sean olhou a grande construção.
Kimberly olhou o redor, havia uma grande rocha onde havia um faraó esculpido. Havia também uma grande porta do que calculou ser aço ou algo assim, porque também não teve coragem de tocar, para então olhar o redor; ali, só uma areia vermelha e a sensação de um grande cânion sob seus pés.
— Está vendo os desenhos na Terra vermelha lá embaixo, que na verdade é rosa-acre? — ela conseguiu pensar em algo.
— Dust devil! — Sean viu algo que pareciam tatuagens.
— Sim, Dust devil, Diabos de poeira; um curioso fenômeno que ocorre na superfície de Marte que provoca tais redemoinhos de poeira. Estes ventos em espiral são formados pela convecção do ar que escurecem o solo por onde passam em dias quentes, criando ‘tatuagens’… — e tentou respirar. —, de vários formatos que contrastam com a poeira vermelha do planeta.
— E que duram apenas alguns minutos.
— Sim, e que se tornam visíveis quando escurecem o terreno, deixando a areia abaixo do solo mais intacta... — e Kimberly parou de falar. — Eu nunca... Eu nunca... Em toda minha vida de astrogeóloga... Não consigo pensar... — tocou o chão e a areia escapou-lhe os dedos. — Bizarro! — riu. — Bizarro e sem razão.
— O filósofo Pascal dizia que o último esforço da razão era reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a ultrapassam, Kimberly.
— Por que eu viajei Sean?
E respirar era difícil.
— Não sei...
— Ótimo! Você não sabe... — riu nervosa. — Mas que ótimo! Ele não sabe!
— Sua ironia não vai nos salvar.
— Nem sua filosofia barata!!! — berrou. — Nem seus computadores de bilhões de dólares!!! Nem toda sua beleza Sr. Queise!!! — ela viu Sean esperar ela parar de berrar, e se virar, tentando achar algo para abrir a grande construção de pedra à frente deles. — Como entraremos?
— Francis Collins escreveu que a ciência era a única forma confiável para entender o mundo da natureza, e as ferramentas científicas, quando utilizadas de maneira adequada, podiam gerar profundos discernimentos na existência material. A ciência, entretanto, era incapaz de responder a questões como: ‘Por que o Universo existe?’; ‘Qual o sentido da existência humana?’; ‘O que acontece após a morte?’
— Já disse...
— É! Já disse! Minha filosofia barata não vai nos salvar... — e Sean tocou as paredes de pedra à sua esquerda. — Mas a ciência, de onde a filosofia é mãe, nos ensinou através da exobiologia, mesmo antes de conhecê-los, que os alienígenas teriam sentidos como visão, audição e tato para obter informações do meio e responder aos estímulos. Enquanto nós usamos a visão, como sentido primário, com os alienígenas podia ser diferente. Eles também teriam algum tipo de cérebro ou sistema nervoso para processar as informações.
E a grande porta sumiu.
— Para onde... Para onde... Para onde a porta foi? — ela viu Sean entrar. — Para onde a porta foi Senhor filósofo?! — berrou.
— Ela nunca esteve aqui!
Kimberly olhou para trás, olhou para frente, olhou para baixo e voltou a olhar para frente. Estavam dentro do hangar como se já estivessem ali antes.
— Já disse que tenho medo de você?
— É! Já disse! Também!
— Ótimo! Estamos em Marte?
— Estamos em Duck Bay.
— Ótimo! Duck Bay fica em Marte, não? Então estamos em Marte.
— Em Marte... Sim... Onde as formas de vida alienígenas existiram em cadeias alimentares e teias alimentares dentro do seu ambiente nativo, como a vida na Terra, onde produtores fizeram comida, os consumidores comeram os produtores, e ainda outros consumidores e os decompositores reciclaram os átomos e as moléculas dos organismos mortos, retornando-os para o ambiente.
— Quer parar de falar?! — berrou descontrolada com ele que já nem ligava para os gritos dela, quando Kimberly foi erguida pelos braços musculosos dele, todo seu corpo imprensado na parede úmida de rocha e Sean abrindo as pernas dela, desnudando as curvas perfeitas, descobrindo caminhos novos, viajando sem pressa de voltar. — Ahhh... — Kimberly sentiu tanto tesão que desmaiou pela falta de oxigênio. Quando retornou a si, frações de segundos, os pelos de suas pernas se erguiam e os bicos do seio enrijeciam. — Ahhh... Ahhh... — estavam nus, como se nunca estivessem estado vestidos.
E Sean era implacável com seu corpo, com o corpo dela, com o movimento que não descansava da empreitada, enquanto os corpos suavam pelo calor, pelo contato, pelo sexo, sem se preocupar com nada, para então pararem, olhar-se em uma intensidade só.
— Kimberly... — e Sean e suas réguas de músculos se projetando para o corpo dela, para dentro do corpo dela, dando voltas, circulando-a de prazer, invadindo seu sexo com seu sexo perfeito, em compasso.
— Ahhh... Sean... Sean... — Kimberly olhou-o mais uma vez sem entender como ficaram nus, como ambos eram obras de arte sexual exposta, para então olhar o redor e verem que estavam no mesmo lugar, ao lado do carro tombado, na fantasmagórica floresta do Parque Nacional de Garajonay, com Sean a olhando de olhos arregalados, vestidos, como se dali nunca houvesse saído.
— Nós...
— Nós... Nós...
— Não sei... — foi o que ele disse antes dela conseguir dizer ‘não consigo’.
— Mas nós... Nós... Nós...
— Estamos aqui na floresta do Parque Nacional de Garajonay como se nunca houvéssemos saído.
— Como... Como... Como... Não consigo falar.
— Venha! Depois você fala! Depois que conseguirmos entender o que foi isso — e Sean tentou desvirar o carro, mas o peso do jipe era muito grande. Kimberly só olhava o corpo dele, o desejo e o appeal que ele lhe chamava. E ele era puro apelo. — Vamos! Ajude-me Kimberly!
Ela voltou a si sem saber como e tentou empurrar o carro tombado.
— Não consigo... — e algo rasteiro passou por eles. — Ahhh!!! O que foi isso? — Kimberly olhava para um lado e outro do chão.
— Kimberly... — e o chão derretia em volta dele. — Vamos! Ajude-me a empurrar o carro... — e ambos não conseguiam.
— Use sua força! Use a mesma força que nos levou a Duck Bay.
— Eu não nos levei.
— Ótimo! Então use outra diferente da que nos levou.
— Já disse que não levei-nos a alugar algum.
— Use sua força!!! — berrou descontrolada.
— Não grite comigo! Não sei como...
— Abre portas terráqueas Sr. Queise!!! Abre portas alienígenas Sr. Queise!!! Desvire o maldito carro!!!
— Não grite sua louca! Já disse... — e o carro desvirou com toda sua traseira derretida numa massa disforme. — Não fui eu!
— Fui eu Kimberly — falou um homem magro, alto, com olhos verdes em acentuada proptose; olhos extremamente esbugalhados.
— Ahhh!!! — Kimberly correu até se esconder atrás de Sean, até subir nas costas dele que reconheceu a figura ali parada.
— Major Ryan! — exclamou Sean.
— Vamos! — Ryan mandou-os entrarem no carro. — Temos que alcançar o Observatório Templeton porque a força alienígena está tentando voltar para Marte, agora que seus mainframes se comunicaram com ROMRET IX, Sean.
— Como sabe... — e Kimberly foi puxada por Sean que entrou no carro e a sentou em seu colo sob o olhar tão esbugalhado dela quanto possuía o Major Ryan.
O carro deu partida e o Major Ryan conseguiu levar o que restou do carro novamente para a estrada que levava ao Complexo.
— Quem nos atacou Major?
— A força alienígena que veio no corpo de Juan Pablo — Ryan respondeu.
— Mas a nave MOTHER estava trancada no Setor III desde o ano passado.
— Não sei nada sobre isso Kimberly — Ryan mostrou outra vez intimidade com eles dois. —, mas venho monitorando o Complexo Templeton, e Mr. Trevellis removeu os barcos que foram destruídos quando as naves MOTHER e FATHER chegaram.
— Foi você quem veio na nave FATHER há duas semanas? — Kimberly olhou Sean que a olhou. — Parece que em algo acertou, não Sr. Queise? — o fuzilou.
Sean não gostou da ironia, nem do ‘Senhor’ na frase.
— Sim, Kimberly. Eu voltei na nave FATHER quando certas notícias chegaram até mim — Ryan respondeu não prestando muito atenção.
— Trevellis sabia que você estava vivo?
— Não, Sean. Somente seu satélite de observação sabia.
— Oscar? Desgraçado... Ele sabia de muito mais do que dizia... — Sean olhou Kimberly no seu colo e ela mal se movia. — Onde estão os patos?
— Quando os marcianos perderam o controle sobre as energias que gerenciavam, as strangelets os destruíram, destruíram o que restou do planeta. Os patos guardiães de Marte ainda tentaram resguardar algo, mas foram eliminados pelas máquinas ROMRETs que estavam lá.
— Droga! Há mais ROMRETs que os 120 naquele armazém, Almirante?
— Não sei nada sobre isso. Só sei o que sabe.
— Mas se há Robots ROMRETs que escaparam ao controle da Poliu, então... — e Sean não gostou do que pensou, no que Joshua e Pramit realmente significavam. — Então você escapou deles, Major?
— Sim, Sean. Eu fugi de Marte pela nave FATHER.
Sean sabia que faltava algo ali, não soube ao certo o que. Ele e Kimberly haviam viajado, levados por algo, por alguma força, que mostrava que o hangar existia, que Duck Bay havia sido uma cidade próspera, e que ainda havia patos que escaparam do ataque dos ROMRETs.
Nada comentou no que o Complexo do Observatório Templeton se mostrou à frente deles.
— Por que resolveu nos ajudar, Major Ryan? — Kimberly também sabia que faltava algo naquela história.
— Já disse, Kimberly, Mr. Trevellis levou os barcos para o Setor III com medo de que houvesse algo mais ali. Abriu um compartimento que não devia nunca ter sido aberto.
Sean e Kimberly outra vez se olharam. Ela até não sabia se Sean havia se comunicado por telepatia, mas a frase ‘Nós vimos os barcos sendo levados por Trevellis apenas ontem e ele chegou a três semanas’, foi ouvido por ela.
Ela olhou Sean e ele piscou.
— E com os finais de número 5 do pentagrama vazios de força paranormal... — e Sean só falou aquilo.
— Sim, Sean. A força escapou.
— Era você quem usava aquela cabana?
— Sim, Sean. Eu os vi serem levados para lá, mas não pude interferir porque aquela força não é páreo para nenhum de nós sozinho, e porque temos que juntar forças se quisermos salvar a Terra — e brecou o que sobrou do carro jipe.
Kimberly desceu do carro e olhou a massa disforme na traseira.
— O que vamos fazer com Challitta?
— Nada! Não temos como a remover porque ela faz parte do carro agora — Ryan foi direto.
Kimberly foi até a porta de metal e suas digitais e retina e íris gravadas nos mainframes, abriram a porta lacrada. Os três entraram e andaram até alcançarem o salão de convenções que parou na entrada de Kimberly.
Antes Sean segurou o braço de Ryan na porta:
— Você está aqui por outro motivo, não? É algo que Amâncio fez, que o obrigou voltar a Terra. Porque diferente do que disse, os patos estão vivos naquele hangar.
O Major Ryan esbugalhou mais ainda os olhos verdes.
— Não use seus poderes para invadir-me, Sean. Só vai complicar as coisas — e entrou atrás de Kimberly agitando mais ainda o salão.
“Não use seus poderes para invadir-me...” “Não use seus poderes para invadir-me...” “Não use seus poderes para invadir-me...”; soava apavorante a ele.
— Oh! Parabéns Sr. Queise! — correu Pramit a falar. — O attach...
— Cale-se, Pramit!!! — a voz de Mr. Trevellis ecoou pelo salão. Ele olhou Sean fechar a porta atrás dele. — Onde está Challitta? Abhay disse-me que você estava com ela.
— Challitta está derretida!
Um ‘Oh!’ foi de um lado a outro do salão e um baque se ouviu quando o Dr. Joshua foi ao chão, desmaiado.
— Strangelets! — Mr. Trevellis sorriu nervoso. — Me enganei mais uma vez com você, filho de Oscar. Você descobriu sobre a matéria estranha.
— Não, Trevellis. Você nunca se engana comigo. Sabia que eu leria a mente de Esteban — e Sean viu Esteban sentado na mesa dos Pellet-Parresh, mais unidos que nunca. —, porque você mandou Letizia liberar a mente dele contando a Esteban quem ele era, a fim de derrubar Amâncio.
— Não sou eu quem vem tentando derrubar Amâncio, filho de Oscar — Mr. Trevellis gargalhou, o ‘filho de Oscar’ era tudo aquilo que esperava que um dia fosse; uma cria dele.
Aquilo chegou a Sean que fechou os punhos tendo mais que vontade de apenas fechá-los. Desistiu, porém, do confronto. Mas Abhay saltou da mesa numa velocidade tão grande que mataria Sean se Kimberly, Letizia e Amâncio não gritasse para pará-lo.
E Abhay só parou mesmo porque Amâncio ordenou aquilo com uma levantada de mão.
— Você sempre foi uma pedra no meu caminho, Sean Queise! — Amâncio chegou perto dele. — Não se atreva a me desafiar!
— Desafiá-lo? Tem medo que... Ahhh!!! — e Sean foi atingido por Abhay que dessa vez o alcançou por trás, no que a mão de Amâncio abaixou-se, dando a ordem.
— Sean?! — gritou Kimberly sendo segura por Ho e a Major Mª Lucia.
Sean estava no chão, de joelhos, sentindo que ao ar não subia pelo soco nas costas que quase o nocauteou. Ficou achando mesmo que ninguém o defenderia ali e repensou sua situação, que talvez o que Amâncio fazia com os ‘alienígenas’ tivesse apoio, não só dos ‘Misteres’ como do próprio ‘Mister Trevellis’.
Ergueu-se com a ajuda do Major Ryan e Kimberly que se largou de Ho, e correu a abraçá-lo. Outro ‘Oh!’ espalhou-se e Mr. Trevellis teve que rir não acreditando que Sean além de tudo ainda se tornava um ‘Don Juan’.
— Silêncio! — O Major Ryan adiantou-se a tudo e a todos. — Eu disse a Sean e agora digo a vocês, que se não juntarmos força, a Terra padecerá como Marte. Volto a repetir. Não é hora para confrontos.
— Como voltou Ryan? — a voz forte do jambo Mr. Trevellis atravessou o salão novamente.
O Major Ryan olhou Mr. Trevellis sabendo que ninguém ali podia lhe ler a mente, e ninguém podiam, porque se Juan Pablo e seu Robot tinha nível 11, a paranormalidade dele atingia a casa dos 30.
Ryan gargalhou com gosto de vitória ao ver os espiões psíquicos ali avisarem Mr. Trevellis que falharam.
— Sabe que não podem. Que meus segredos não são alcançados.
— O que foi Trevellis? — Sean não perdeu a oportunidade. — Vejo que enfim começa a temê-los.
“Temê-los” soou nos ouvidos de toda a Poliu ali presente.
— Não se atreva filho de Oscar.
— Chega Trevellis! — a voz de Oscar ecoou pelo salão no que ele adentrou, cortando a fala do grande Mr. Trevellis.
— Oscar... — Sean impactou.
Oscar fechou a porta atrás dele.
— Olá Sean querido. Não pensou que eu o abandonaria, não é?
Sean também o amava, ele sabia. Mas outros ‘Oh!’ se seguiram no que Letizia deu alguns passos e se enroscou no braço de Oscar Roldman.
Sean realmente não entendeu aquela amizade.
— Foi você... — e o próprio Amâncio avançou contra Oscar quando pratos, copos, cadeiras e mesas se direcionaram para cima de Amâncio, que foi ao chão atingido pela fúria de Sean Queise que lhe lançou tudo o que havia no salão.
— Pai?! — correu Allejandro seguido por Abhay para auxiliá-lo, para tirar tudo o que estava sobre o corpo dele desmaiado, sangrando.
Kimberly só olhou Sean.
— Agora fui eu! — exclamou Sean com gosto quando Abhay se levantou, e na mesma velocidade que já usara, avançou sobre Sean quando seu corpo se ergueu no ar e dali foi lançado contra a grande porta de entrada, deformando o aço da porta que entremeava a madeira entalhada com seu peso. — Fui eu também! — Sean sorriu cínico para uma Kimberly em choque quando a voz pouca sonora de Lyei atingiu a todos.
— O que são strangelets? — soou atrasado.
Todos se olharam. Kimberly deu um passo à frente e pegou das mãos de Ho suas chaves magnéticas.
— Os físicos, apesar dos enormes avanços alcançados, não conseguem resolver do que é feito a matéria em seu nível mais elementar, Lyei — a voz de Kimberly atingiu a todos.
— Alguns físicos acreditam que uma cesta cheia de up, down e strange formariam o que chamam de Strangelet — Péres falou. —, uma partícula de algo chamado ‘matéria estranha’, que assim é chamada, porque pode mudar a natureza física de tudo que tocar, igual o gelo que resfria a água e seu redor.
— E essa matéria é tão estranha que realmente transforma algo em outra coisa estranha — completou a Major Guadalupe.
— Estranha, não; bizarra! — Sean foi mais convincente. — Como Challitta, carros, mesas e cadeiras, o que for, se transformando numa massa disforme, com outro formato, provável se tornado noutro componente químico, e tudo isso por causa dela, uma strangelet atômica.
— Mas a pergunta é; se transformaria em quê, Sr. Queise?
— Não sei Lyei. Uma versão estranha de nós mesmos?
— Uma matéria tão estranha capaz de engolir os núcleos atômicos, crescendo sem parar até consumir a Terra inteira — falou Joshua se recuperando. — Capazes de sugar tudo a volta delas, até o Universo.
— Penso que os marcianos não criaram um acelerador de partículas LHC para conseguir Strange Matter, não Doutor?
— Não, Sr. Queise! Se Marte padeceu sobre as strangelets, então temos que procurá-las no Universo que citei; aglomerações dos chamados quarks estranhos, ligados uns aos outros diretamente.
— Da mesma maneira que a transição de estrela convencional para a estrela de neutrões, como também resultado de mares de nêutrons vinculados diretamente — completou Pramit. —, no que deram nomes de ‘matéria quark’ ou ‘matéria estranha’, Strange Matter.
— Chega!!! — gritou Allejandro. — Chega dessa aula que não leva a nada!
— “A nada”? Como pode dizer ‘a nada’ se estamos morrendo, Sr. Pellet-Parresh? — Carrie se enfezou.
— Você está morrendo, queridinha; eu não morro.
E outro ‘Oh!’ se fez pelo salão quando Sean viu que Allejandro se mostrava como realmente era, com suas mãos e pés crescendo em tamanho, tomando o formato de garras, e toda sua pele se azulou e se tomou de escamas e corcovas, que o remetiam a um dragão com olhos de Lápis-Lazúli ou qualquer coisa parecida.
— Allejandro! — Esteban chamou-lhe a atenção.
— Vamos Esteban frango! — sua voz se tornou má, cavernosa. — Desembuche! — Allejandro olhou Sean que olhou Mr. Trevellis que olhou Oscar, e então voltou a olhar Esteban. — Somos alienígenas, Esteban! Todos nós! — gargalhava Allejandro encarando Kimberly que se sentiu acuada.
Allejandro voltou ao normal e Sean percebeu aquilo, aquele olhar para com ela, quando mais vários ‘Oh!’ voltaram a percorrer as mesas, no que Letizia iluminou-se ainda abraçada a Oscar Roldman, que nada fez, nada falou.
Sean percebeu que Oscar conhecia o poder dela e ela também, provável, sabia sobre sua força alienígena.
— Deus... — soou de Sean com pena dela.
Kimberly percebeu que Sean tivera pena dela e se afastou dele. Ele não entendeu aquilo e Kimberly não estava a fim de explicar. Tinha ciúme e aquilo era inconcebível a ela, quando outro ‘Oh!’ correu o salão lotado vendo Dino se manifestar.
— Oh! Oh! Oh! O que é isso... Alle? O que é isso? — e Dino tremia olhando suas mãos liberando uma energia estranha, colorindo sua pele de um alaranjado, fazendo penas saltarem de seus poros.
— Pare com isso Dino! — Allejandro se enervou.
— Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! — mas Dino exclamava sem parar até seu corpo se tornar algo que mais parecia uma ema. — Quack! — soou da sua boca enorme.
— Controle-se Dino! — ecoou a exclamação de Allejandro para o irmão que o olhava esbugalhado, enquanto toda a sua volta se afastava em pânico. — Controle-se!!! — gritou.
— Quack! Quack! Quack!
Allejandro viu que Dino não se controlava, e Péres, Carrie, e Guadalupe se afastavam.
— Já disse para se controlar, Dino!!! — e Allejandro viu Dino começar a respirar ofegante, e sua luz a diminuir, até os poros voltarem a anexar toda a plumagem que ele expunha. Allejandro gargalhou tenso, não querendo que Dino tivesse se manifestado sem o controle do que fazia, e virou-se furioso para Sean Queise. — Você sabia sobre nós, não bastardo? — partiu para o ataque.
— Tão bastardo quanto você, não?
— Cale-se!!! Você sabia?!
— Descobri no salão de refeições, no café da manhã.
— É... Eu pensava, não Sean?
— É... Você pensava Allejandro...
Seja lá o que foram tais pensamentos, aquilo ficou entre eles.
— O que vamos fazer agora? — foi Carrie quem levantou a pergunta.
— Precisamos ir às suítes de finais 5. Em ordem de poder. Precisamos colocar Amâncio, Allejandro, Dino e aquela coisa... — Joshua olhou Sean que o olhou sabendo o que não queria saber. —, aquela coisa de nome Abhay — corrigiu-se. —, trancados nos finais 3, com seus poderes inutilizados até o Sr. Queise se conectar a ROMRET IX.
— Já conseguimos conexão com ROMRET IX — adiantou-se Pramit.
— Não é esse tipo de comunicação, Pramit — e o Dr. Joshua olhou Sean. — É o outro mainframe da Computer Co. que precisa se comunicar.
Sean olhou o Dr. Joshua falando em entrelinhas. O ‘outro mainframe’ em questão era o próprio Sean Queise, era o ‘Duo Life’, e Sean sabia que havia se ligado ao Robot ROMRET IX quando ele o socorreu.
Os pensamentos de ambos não foi captado por ninguém e Sean sorriu para Joshua, sabendo que ambos podiam ultrapassar o nível 30 do Major Ryan.
— E então como ficamos Major Ryan? — foi só o que Sean disse.
Ryan deu alguns passos e pegou um bloco em cima da mesa.
— Ficamos definitivamente assim: Oscar ficará com o poder na suíte 1 e Trevellis ficará na suíte 2, com seu poder retirado — Ryan olhou Mr. Trevellis bufando, quando quatro agentes da Poliu se armaram contra ele sob o comando mental de Ryan.
Mr. Trevellis ergueu as mãos para cima.
— Isso é ridículo Oscar! — Mr. Trevellis se viu na mira das suas próprias armas, mas Oscar nada disse. — Faça algo, Oscar! — soou como uma ordem.
Mas Oscar Roldman outra vez nada falou. Aquilo assustou Mr. Trevellis e Sean, que também não compreendeu tal inatividade. Oscar estava sendo coagido, era certeza, provável por Letizia.
Mas o porquê daquilo, Sean decifraria mais adiante.
— Amâncio na suíte 3, trancado. Péres ficará na suíte 4 — prosseguiu Ryan. —, e quero que Kimberly mande Esperanza voltar, ela ficará na suíte 5 — e Kimberly ia falar e não teve chances, porque sua voz calou-se sem o comando dela. — Quero Vicente na suíte 11 e Anália na suíte 22, e Abhay voltará a ficar trancafiado na suíte 333333! — ele foi bem explícito naquela ordem. — Mª Lucia ficará na suíte 44 e... — e Ryan viu Sean lendo-o. — Acabou?
— Por isso Sandy mandou-me procurar você, Major Ryan? Porque a Dra. Anália estava com as fotos. Porque quando as enviei a Oscar, você as interceptou na cabana.
Ninguém pareceu entender o que Sean dizia, mas Ryan sorriu cínico e continuou:
— Como a suíte 55 está destruída, então não a contaremos — e Ryan mostrou a Sean quem mandava ali. — Pierre ficara na suíte 111, Guadalupe na suíte 222, Dino fica suíte 333 controlado porque não conhece seus poderes — e outro ‘Oh!’ correu o salão lotado. — Quero a suíte 444 vazia, e Carrie na suíte 555 — Ryan agora percebeu o silêncio. — Brian na suíte 1111, Asunción na suíte 2222, Pramit internado na suíte 3333, Lyei fica na suíte 4444 e Joshua na 5555.
— Mas Major... — Joshua não gostou de ver seu poder rebaixado, nem de ver Pramit sem poderes.
E Sean não gostou de saber daquilo, de que Pramit tinha poderes a serem controlados.
— Sem ‘mas’ Joshua! — Ryan foi firme. — Quero a suíte 111111 vazia e Kimberly na suíte de número 22222.
— O que?! — Kimberly percebeu ter sido tirada do comando. — Mas o que significa isso?! — ela gritou com Mr. Trevellis.
— Não me olhe assim. O estranho de olhos esbugalhados parece estar no comando — Mr. Trevellis apontou para o Major Ryan.
— Chega Trevellis! — Oscar enfim falou, mas olhando Allejandro.
Ryan percebeu aquilo.
— Sim Oscar, Allejandro sempre soube sobre ele ser um alienígena — foi o próprio Major Ryan quem falou e Esteban, Sean e Mr. Trevellis alertaram-se.
— Allejandro sabia que era alienígena? — Dino se apavorou.
Allejandro só o olhou sem nada responder.
— Ahhh!!! — explodiu Esteban. — Você sempre foi um vendido, não Allejandro? — o irmão partiu para o ataque.
— Cale-se pato! Você nunca prestou para nada!
Sean viu que enfim Allejandro mostrava seu conhecimento sobre os marcianos.
— Nunca o que?! — mas Esteban se enervou.
— Nosso pai se esforçava para nos dar poder e você fazia o quê? Trabalhava por uma companhia falida!
Esteban ergueu-se sendo contido por Sean e Ho.
— Deixe-o, Esteban. Allejandro ainda vai ter o que merece.
— Cale-se bastardo!!! — berrou Allejandro.
E foi Sean quem precisou ser contido por Lyei, Pierre, Brian, Carrie e Vicente em silêncio até aquele momento.
— Quero Allejandro trancafiado na suíte 33333, no máximo de força, para nossa segurança — a voz de Ryan outra vez acalmou a situação; parte dela.
Allejandro fuzilou Ryan e nada mais pôde fazer. Apesar de há muito saber sobre sua condição, contada pelo próprio Amâncio, ele também não sabia lidar com sua força.
— Onde eu fico? — questionou Ho na confusão.
— Fique na suíte 44444; preciso de seus dons liberados. Já Sean fica na suíte de número 55555; você será nossa força de proteção.
Sean nada cogitou, ficou impressionado, contudo, em como o Major Ryan conhecia o nome de todos ali, para quem voltara há três semanas na nave FATHER, ou para quem precisava e usava a Dra. Anália como informante.
Era provável que Spartacus era usado por ele, também. E sob as ordens de Oscar Roldman que não tirava os olhos de Sean Queise, que não tirava os olhos de Allejandro e Esteban Pellet-Parresh, que não tiravam os olhos de Kimberly Sathi, que não tirava os olhos de Letizia Pellet-Parresh, que não parava de olhar Sean Queise.
— Onde fico eu e minha irmã? — questionou Esteban.
— Não sou sua irmã! — a voz de Letizia se fez estridente por todo salão.
— Letizia... Por favor... — Esteban ia falar, mas Ryan não deixou.
— Não vamos ficar em lugar algum! — respondeu Ryan interrompendo. — Não vamos nos confinar essa noite!
Todos se olharam.
— E onde vamos ficar? — Esteban não gostou daquilo.
— Eu, você e Letizia vamos ao Setor III. Precisamos ficar de guarda porque a força vai querer resgatar o barco.
— O barco que foi atingido pela nave MOTHER ano passado ou o barco atingido por você na nave FATHER há três semanas? — Sean foi a próxima voz estridente no salão.
— O barco que as strangelets derreteram para nave FATHER aterrissar, Sean.
— Wow! As naves MOTHER e FATHER tinham esse dispositivo de aterrissagem? — Sean foi o mais cínico possível. — Um dispositivo a base de uma matéria tão estranha que poderia derreter o ar que respiramos...
A comoção foi geral e Sean encarou Mr. Trevellis, que sorriu a carranca jambo, suada pela emoção e calor.
— Por que está me olhando? Não sabíamos disso, filho de Oscar. Parece que o maluco do Juan Pablo modificou mais que sua própria composição molecular.
— Não!!! — gritou Kimberly. — Meu pai jamais faria isso! Jamais usaria as strangelets em proveito próprio! Meu pai não sabia de nada!
— E como sabe?
— Eu sei!!! Eu sei!!! Eu sei!!! — berrava descontrolada.
Esteban correu a abraçá-la. Sean quis ‘derretê-lo’ ali, naquele momento se soubesse como. Nada fez, porém. Parecia que ele e Kimberly eram mais que ex-namorados.
— Como sabe que o general Juan Pablo nada fez, Almirante Kimberly? — a voz de Oscar era sempre calma e segura.
— Meu pai teria me contado... — chorava.
Sean quis abraçá-la também. Odiou-se por não ter tido aquela coragem, a que ela tivera minutos atrás.
Ao invés disso, questionou-a:
— Como seu pai se comunicava com você, Kimberly?
— Almirante Kimberly!!! — corrigiu Sean aos gritos.
Ele percebeu que algo havia rompido entre eles. Que talvez nada fora construído. Nada parecido com a amizade de Esteban Pellet-Parresh por ela, que não amava Challitta Chaniny e sim Kimberly Sathi Aguiar.
— Eu e meu pai nos comunicávamos... através de um canal — e parou.
— E esse canal ficava em... — Mr. Trevellis se enervava.
— Nos meus mainframes, nos meus antigos mainframes — Sean deu a cartada final. — Um canal de comunicação na qual eu viajei até Marte.
A comoção agora foi tão intensa que Mr. Trevellis teve que gritar com arma ou não apontada para ele.
— Chega!!! Vamos dormir e montar a tal força psíquica nos finais 5! Se o esbugalhado está certo, então precisamos dessa força para capturar essa energia marciana, e prendê-la no Setor III até mandá-la de volta, enquanto Marte ainda está sob a observação do Ojo Grande!
— “Mandá-la de volta”? Essa energia marciana sempre esteve aqui? — Brian enervou-se e todos se olharam. — As strangelets sempre estiveram aqui?! — agora Brian perdeu a compostura e gritou.
— Colocou todos nós em perigo?! — enervava-se Asunción.
— Depois de tudo o que fizemos por isso?! — berrava Ho.
— Colocou toda a missão Marte em perigo!!! — berrava Carrie.
— Mas como vai manter essa coisa que derrete nosso ar no Setor III? — foi a vez de Lyei.
— O que é realmente o Setor III, é o que deviam se perguntar — foi a vez de Sean.
Mr. Trevellis só gargalhou.
— Como se eu fosse explicar-lhe algo, não filho de Oscar?
— Como se você precisasse realmente explicar-me algo, não Trevellis?
E Mr. Trevellis temeu naqueles míseros segundos que Sean tivesse realmente entendido tudo, tudo o que tinha para ser entendido.
Sean viu Kimberly sair, ela se dirigia para sua suíte 22222 fora do comando. Estava nervosa demais para vê-lo atrás dela. Quando se deu conta Sean a observava na curva do corredor.
— O que quer? O que ainda quer Sr. Queise?
— Por que Allejandro não tirava os olhos de você no salão?
— Não sei.
— Sabe!!! — gritou descontrolado.
— Ótimo, se acha que eu sei! E se eu sei, leia minha mente e não me pergunte mais nada! — e se virou.
Sean correu com o tornozelo a purgar e a agarrou pelo braço.
— Por que Challitta disse que você roubou Esteban dela?
— Ela era uma piranha desvairada.
— Mas muito esperta em se tratando de sexo, não Senhorita que já dormiu com muitos homens? — e Sean não teve tempo de segurar a mão que lhe esbofeteou.
Mas Kimberly foi beijada apesar de tudo.
— Por que... Por que... — Kimberly ainda estava em choque. — Por que me beijou?
— Não sei. Talvez porque lhe despreze, Senhorita — ele a viu erguer o sobrolho. — Ou talvez porque esteja morto de ciúme de você, Senhorita — Sean viu os olhos dela brilharem.
Kimberly se foi o amando mais que nunca.
E ele esperou ela sumir de sua vista e voltou ao salão de convenções quando todos começavam a ir embora do salão, pouco confiantes se eles ou o planeta Terra estavam realmente em segurança, e se talvez toda aquela paranormalidade fosse o suficiente para evitar que o planeta Terra fosse o próximo a ser destruído.
Oscar Roldman e Mr. Trevellis ficaram lá, olhando um por um sair.
— Nunca fica surpreso com o que seu filho faz, não Oscar querido? — riu Mr. Trevellis ao se verem sozinhos.
— Nunca vai se entender com Sean, não é Trevellis?
Ele se virou para ele.
— Não se iluda, amigo velho, Sean criou o attach para comandar ROMRET IX.
— Pensei que você o havia chamado para isso.
— Não parece mesmo estar entendendo, não Oscar? Sean criou mais que um programa para fazer o ROMRET IX ter vontade própria. Sean criou um monstro que pode dominar o planeta Marte pela força da mente, usando um poder adquirido por genética, porque sabe que os dois últimos ROMRETs eram especiais.
— De onde tirou essa ideia maluca? Foi você quem trouxe Sean aqui para...
— Já o viu abrir portas?! Já o viu levantar pratos e talheres?! Já o viu viajar a Marte?! — berrou a salivar por todo o piso.
— Não se atreva a se alterar comigo, Trevellis! Não sou mais da Poliu!
— Sean sabia sobre sua genética, sobre a genética que comanda máquinas — arregalou os olhos verdes para o que passou a pensar.
— Não sabia...
— Então me diga que Sean não pode controlar as máquinas, que ele não pagou Challitta para conhecer o ‘Duo Life’.
— Não sei. Ele pagou?
— Seu cinismo não vai nos ajudar, Oscar! Eu sei que Sean sabe controlar os computadores e o satélite de observação pela mente, porque eu sei que ele pode controlar os ROMRETs daqui da Terra sem o maldito attach!!! Que ele sabia sobre Marte antes mesmo de vir aqui desafiar-me!!!
— Enlouqueceu de vez? Sean nunca soube...
— Sabia!!! — Mr. Trevellis ficaria vermelho se pudesse. Ao invés disso, sua pele jambo brilhava pelo nervoso e emoção. — Sean sabia sobre o ‘Duo Life’, sabia que tramávamos algo com os Robots, que Joshua e Pramit criavam Inteligência Artificial, que escondíamos alienígenas na Terra, que os estudávamos, que Amâncio era um bruxo, e que seus filhos tinham dons adormecidos...
— Mentira!
— Não é! Sean não sabia ainda quais; mas sabia!!! — voltou a berrar. — E provável sabe o que falo para você nesse momento porque ele é seu filho!!!
— Sean nunca soube que eu...
— Sabia!!!
— Não grite comigo! — Oscar ergueu-se da cadeira que balançou no mármore espanhol do piso.
— Grito!!! Grito!!! Porque você Oscar... Você... — tremia ao apontar para ele. — Você tem os mesmo poderes que ele, que Mona, que... que... que aqueles esquisitos lá! E você fez Sean assim, com poderes, para colocar dentro da Computer Co.!!!
Oscar fez todas as cadeiras do salão saírem do chão e se dirigirem para cima de Mr. Trevellis sem, porém o atingi-lo.
Mr. Trevellis outra vez teve medo do que eles faziam.
— Nunca mais se atreva a falar isso! — seu coração disparou. — Nunca arquitetei a ida de Sean para a Computer Co.! Amava Nelma; só isso!
Mr. Trevellis prosseguiu mesmo com todas as cadeiras do salão prontas para serem arremessadas nele, a centímetros dele.
— Você sabia que seus dons genéticos fariam de Sean um paranormal especial, peculiar, e próximo aos poderosos mainframes. E sabia que um poderoso e inteligente Fernando o criaria, porque você podia saber o que aconteceria que você engravidaria Nelma...
— Cale-se!!! — e tudo voltou ao chão novamente.
— Não calo! Não calo! Porque sabia que Sean chegaria aos mainframes daqui! — Oscar ia falar, mas Mr. Trevellis o brecou. — E você Oscar, sabia que Siri Sathi, por ter dons paranormais como os seus, transmitiu geneticamente a Letizia após transar sei lá como, com marcianos; e sabia que Letizia viria a ser ‘peculiar’, também! — sua voz soou forte, e Mr. Trevellis viu Oscar sentar-se em choque com as ideias que lhe surgiam. — Só me pergunto Oscar amigo velho, se você não ajudou Letizia a sair de lá, lá de onde Amâncio garantiu-me que ela jamais sairia, se não para ajudar seu filho!!! O motivo de sua existência!!! — berrava a fazer as paredes vibrarem.
Oscar nada mais falou, saiu do salão em choque e foi para sua suíte de número 1. Precisava fazer algo para ajudar seu filho, para sempre ajudar seu filho.
Porque Sean era a única coisa que tinha, que importava; Sean era sua única razão de viver naquele mundo de poder e poderes, e ele era o motivo de sua existência na Terra.
Oscar virou o corredor sem ver Sean lá, em choque, com todos e impossíveis pensamentos que passou por sua cabeça, depois dos gritos de Mr. Trevellis atravessarem as paredes de espessa construção.
Mas Sean não sabia que sabia de tudo aquilo, contudo sabia de algo, que informações ainda não diluídas chegavam até ele desde a sua infância, misturado ao medo de também ser uma criança índigo. Rastros de lembranças que ficavam no éter, onde ele invadia agora já fora da vigília, agora acordado. Rastros como as que estavam naquele corredor, rastros de algo que chegou até ele, o fazendo sair correndo atrás de Allejandro Pellet-Parresh, mancando, o odiando tanto que Allejandro foi ao chão sob o susto de Kimberly, Ho, Lyei e seis agentes da Poliu que faziam a guarda de Allejandro.
— Seu desgraçado!!! — Sean socou Allejandro.
— Sean?! — gritou Kimberly assustada. — O que significa isso?
— O que significa isso?! — Sean gritava com Allejandro caído no chão. — Não havia maletas para pegar no hotel!!! — berrava descontrolado. — Allejandro enviou Challitta para a morte!!! — e pegou Allejandro do chão sangrando para socá-lo de novo. — Ele sabia que Challitta ia morrer!!! Sabia que aquela força estava lá fora na floresta porque Amâncio mandou você soltá-la quando cheguei de Londres!!! — berrou o agarrando e o socando de novo. — E só não morri naquela noite porque Letizia não me deixou entrar na suíte 55, porque Oscar pediu a ela, em troca de sua liberdade, que não me matasse!!! — e largou Allejandro lá, com uma estranha cor azulada por toda pele escamosa, sob a mira de Esteban que foi o último a ouvir tudo aquilo.
Sean se levantou do chão e foi embora, passou por Esteban mancando outra vez, com os punhos a latejar, sem que os dois trocassem uma única palavra, até alcançar sua suíte de número 55555 sentindo o tornozelo, mão, e todo seu corpo latejar, odiar estar ali.
Fechou a porta em choque e chorou muito sentindo que havia cometido um erro. Mais um.
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
17 de agosto; 23h38min.
A noite estava tranquila. Era como se uma mágica tivesse sido feita e todos ali estavam calmos e felizes. Mas Sean não gostou daquilo, sabia que aquilo não condizia com toda tensão ali gerada.
Uma pancada na porta dele se fez. Sean não conseguiu enxergar quem era através da porta fechada. No entanto, a maçaneta girou sozinha e alguém entrou outra vez sem que as tais biometrias funcionassem.
— Boa noite Dr. Joshua! Sinto por Challitta! Imagino o quanto a adorava — Sean disparou.
Joshua entrou calado como o costume. Olhou para um lado e outro. Sentou-se se sentindo realmente afetado pela perda de Challitta.
— Sabia Sr. Queise?
— Que Challitta era sua filha? Não exatamente. Está me dizendo agora.
— Incrível seus dons Sr. Queise. Totalmente diferente de tudo que eu já vi até então na minha vida. E acredite que já vi muitos dons paranormais, tudo que se fala acerca dos fenômenos ditos extraordinários; escrita automática, conhecimento das almas, predições, clarividência, bilocação, premonições e experiências sobre o além por parte dos reanimados.
— “Reanimados”? Fala de mortos que voltam?
— Falo dos mortos que não morrem Sr. Queise, como Sandy Monroe.
Sean agora sentiu que também sofria.
— A Almirante Kimberly me disse que foi professor de Mona Foad.
— “Professor”? Não, apenas um orientador. Como você, Mona é peculiar demais para ser encaixada numa categoria comum.
— Por que Challitta me disse que dormiu com você para chegar aqui?
Sean mudou tão rápido o assunto e o foco que Joshua pareceu estar sem graça de repente.
— Ah... Isso... Eu não podia deixar Mr. Trevellis saber. Pedi que ela inventasse uma história; não imaginei essa. Challitta sempre foi uma criança difícil, como deve saber. Sua mãe era uma relapsa, deixou-a largada em mãos estranhas muito tempo.
— E você não a pôde criar porque para o mundo acadêmico você era um ermitão, ‘casado’ com Pramit.
Joshua ergueu os olhos envelhecidos.
— Pramit nunca pode saber. Ele não me perdoaria.
— Acho que também não tenho muita vontade de contar, Dr. Joshua. Não se preocupe — Sean percebeu que as estranhas lembranças que captou na entrada dele na sua suíte agora voltavam. — Ela não sofreu se vai me perguntar. Aquilo... As strangelets são tão rápidas que não sentimos nada — Sean viu os olhos de Joshua se encher de lágrimas. — Droga! Não sabemos dominar as strangelets, não Doutor?
— Ainda não sabemos fazê-lo. Não os seres humanos que se perguntam no que nos transformaríamos.
— E enquanto estamos aqui nos perguntando no que nos transformaríamos, se as strangelets nos atingissem, sabendo que nos transformaríamos numa versão estranha de nós mesmos, algo ou alguém conseguiu dominá-las Dr. Joshua, e destruiu um planeta inteiro. Talvez o que as fotos de Marte mostram, são casas, metais e florestas, seres de todos os tipos dissolvidos, modificados numa sopa molecular que os fundiu numa mesma gosma, numa ‘matéria estranha’, numa sopa de quarks — Sean inclinou-se ainda em choque. — E algo ou alguém, agora aqui na Terra, a quer dominar, Dr. Joshua.
— Entendeu o pentagrama, não Sr. Queise?
— Por que Amâncio exigiu uma suíte de final 1 quando chegou? Kimberly achava que ele queria mandar, mas mandar no que? Ou deveria dizer, em quem?
— Os finais 1 são para os poderosos, Sr. Queise. Com exceção de Mr. Trevellis, porque nenhum ‘Mister’ ou ‘Mistress’ pode ter dons, todos aqui no Complexo tem dons paranormais.
Sean ergueu-se.
— Todos? Isso incluiu Kimberly... — sentou-se em choque. — Claro... Filha de Juan Pablo e Siri, espiões psíquicos. É... Eu estudei genética... — riu de sua própria piada.
Joshua não entendeu, mas prosseguiu mesmo assim.
— Por isso minha filha Challitta era muito rebelde, nunca consegui a desenvolver.
— Então Challitta também tinha... Ok! Então todos aqui dentro do Complexo Templeton têm dons, alguns não desenvolvidos, o que não pode nos ajudar muito.
— Mas pode nos prejudicar, por isso o pentagrama; conseguíamos através dele controlar e usar os dons para manter aquela energia trazida pela nave MOTHER, presa ao Setor III.
— Os finais 1?
— São conexões com poder, Sr. Queise, como disse capazes de se conectar com os infernos, isso inclui o de Marte — olhou Sean com interesse. — Nunca imaginou que o inferno fosse em Marte?
— As lamurias que ouvi... Todo o francês marciano de Pierre...
— Repito o que disse, seus poderes são peculiares, Sr. Queise.
— É... — Sean levantou-se para sentir a energia do holograma mostrando uma imagem fantasmagórica de uma madrugada que teimava em não passar. — Letizia me disse que Allejandro cresceu bolando ideias mirabolantes de como matar-me. Isso explica muita coisa, não Dr. Joshua? Allejandro é um alienígena índigo.
— Amâncio vem criando técnicas de domínios sob essas crianças ditas especiais, paranormais, deste planeta ou não, e vem se tornando tão perigoso quanto às matérias estranhas do Universo. Se ele dominar as strangelets, Sr. Queise, acabou tudo.
— Você chamou Abhay de ‘coisa’. De que planeta Abhay é, Dr. Joshua? — continuava de costas para ele.
— Abhay é uma coisa que não vai querer conhecer, Sr. Queise. Prossigamos com o pentagrama e o deixe no final 3, que realmente anulará qualquer força existente.
— Ok! Então me explique o pentagrama nas suítes — se virou para ele.
— Por muitos anos o Pentagrama Esotérico foi conhecido como o “Pentagrama de Goethe”, pois este o mencionou em sua obra Fausto. Este emblema chegou a nossos dias graças aos três principais discípulos do Abade Trithemo, o verdadeiro criador do Pentagrama Esotérico. Foi agregado à estrela, seis pontas, o hexagrama, um dos símbolos do Deus Parvati, o Regente do Elemento Ar, assim como o Cálice representa a Água, o Cajado a Terra e a Espada o Fogo; e alterou a palavra hebraica “Eva” a substituindo por “Jeová”; o que finalmente acertou o cálice.
— Dizia o Mestre Samael que o Pentagrama ficaria assim completo em suas representações cosmogônicas e elementais.
— O Pentagrama representa o homem completo, Sr. Queise.
— Um de nós é a sexta ponta do hexagrama? Mas quem?
— Não sabemos. Por isso Mr. Trevellis trouxe tantos espiões psíquicos para cá. Esperava que um deles controlasse as strangelets.
— Por isso Mr. Trevellis trouxe? Esperando que um deles controlasse? Droga! Droga! — e Sean viu Joshua o olhar com interesse. — Com o raio superior para cima, será o Mestre, com o raio superior para baixo e as pontas inferiores para cima, será o Anjo caído... — Sean voltou a se virar e a olhar o holograma. — O que a Poliu temia exatamente, Doutor?
Joshua estava encantado com o jovem ali à sua frente.
— Fora você? — riu de sua própria piada. — Talvez temesse que o Pentagrama que expressa o domínio do Espírito sobre os elementos da natureza, não conseguisse comandar as criaturas elementais que povoam as regiões do fogo, do ar, da água e da terra. O Pentagrama com a ponta superior virada para cima serve para afugentar os tenebrosos.
— Então vou repetir minha pergunta, Dr. Joshua. De qual dos Pellet-Parresh, a Poliu quis se proteger com o uso do pentagrama na numeração das portas?
— Mas não foi a Poliu que procurou proteção, Sr. Queise. Foi o pai dela.
— Foi o General Juan Pablo quem iniciou as numerações? Por que se ele ainda não conhecia as strangelets?
— O porquê eu não sei.
— Juan Pablo... Droga! As memórias de Juan Pablo no pouco que ROMRET X absorveu, disse que ele havia avisado a Poliu sobre algo estranho que eles capturaram na pera, e que fugiu arrebentando uma das escotilhas, derretendo-a. E que Challitta acreditou nele, mas você e Pramit fizeram vista grossa.
— Não fiz vista grossa! Mr. Trevellis não queria atrasos nos laboratórios. As equipes de mecatrônica corriam contra o tempo, com os Robots cada vez mais saindo do ar por tempestades de areia, e a pera, produzida pelos Pellet-Parresh, e que tenho certeza, foi aprovada em todos os sentidos de segurança, não podiam ser usadas pelos Robots.
— Mas a Poliu não acreditava em Juan Pablo.
— Não acreditávamos em Juan Pablo porque ele sofria de bipolaridade, e estava cada vez mais afetado pela exposição no espaço.
— Mas Juan Pablo mudou a numeração quando afinal? Porque eu estive aqui há um ano nas memórias de Esperanza, quando a Poliu mudou a segurança para nível 10, esperando a nave MOTHER se aproximar da Terra... — e Sean parou de falar arregalando os olhos azuis, se virando para o holograma. — Claro... Havia janelas ainda, havia números 1, 2, 3 nas portas, e os cabelos de Esperanza balançavam no rabo-de-cavalo — e olhou tudo a sua volta. — E Esperanza não chegou aqui um ano atrás, ela já trabalhava aqui há muito mais tempo; construiu o telescópio...
“Em que ano estamos? Que engraçado perguntar isso. Letizia também perguntou”; a voz de Esperanza soou nas suas lembranças.
Sean sabia que tinha mais.
— Esteve nas lembranças da cosmóloga Esperanza?
— Sim. E que desesperadamente me avisou, tentando não ser pega por Letizia, que... Droga! Esperanza confiou nos meus poderes, e criou falsas memórias no éter para me avisar que Letizia apagaria as memórias de todos. Mas que droga! Eu não liguei as peças do quebra-cabeça. Por isso Sandy insistiu tanto, era porque Esperanza tentava me ajudar, e ela tentava me avisar que o nível 10 foi implantado quando a nave MOTHER voltou pela primeira vez a Terra, acho que 17 anos atrás, quando Marte fica... — olhou Joshua ainda em choque. —, e não um ano atrás... Porque a tal reforma que Esperanza dizia, era mais antiga... — sentou-se ele agora em choque. — E Juan Pablo trouxe algo com a nave MOTHER logo na primeira viagem quando voltou com Siri gravida...
Joshua ergueu-se furioso assustando Sean, que também se ergueu.
— Uma profunda análise sobre o Gênesis nos adverte para a questão sexual, Sr. Queise. Sexualmente é criado o mundo.
— Do que... — e a pergunta de Sean foi cortada.
— Sexualmente divide-se o hermafrodita primitivo; um Deus quando não derrama o sêmen, um Demônio quando derrama o sêmen — se alterava.
— Do que está...
— O mundo será criado e destruído pela fornicação, a grande prostituta destruirá tudo a nossa volta — olhava Sean achando que ele enlouquecera.
— Acalme-se Doutor.
— Não! Não! Quando o ser humano se acostuma a derramar seu sêmen, nasce a grande prostituta, cujo número é 666. A fornicação corrompe o ser humano.
— A fornicação se torna terrivelmente perversa se o ser humano...
— O mundo será destruído, Sr. Queise. Os monstros desconhecidos da natureza que Amâncio domina nos destruirão. As armas atômicas não serão páreo para Amâncio e seus poderes do mal — e uma energia muita escura se fez atrás de Joshua, sem que Sean e ele notassem. — O Carma será terrível, Sr. Queise, no ano de 2033, no ano de 2050; e haverá uma colisão de mundos como os que os sumérios disseram que já houve. Uma colisão de energias que derreterão nossa alma impura, a alma da mulher impura, Sr. Queise — falava em meio a saliva que explodia da boca.
Foi um Sean horrorizado com o que ouviu que o encarava. Juan Pablo havia trazido provas de vida alienígena no ventre de Siri, e isso iluminou o conselho de ‘Misteres e Mistress’ que o mandou de volta, não atrás de provas, mas sim de amostras de sêmen marciano; talvez a ‘mulher impura’ era referência a Siri Sathi e as provas de alienígenas era uma gravidez marciana.
— Acha que Juan Pablo enlouqueceu a ponto de achar que com o uso de magias conseguiria lidar com alienígenas marcianos? Com alienígenas marcianos na barriga de sua mulher? Por quê? — e Sean olhou Joshua lhe olhando. — “Em que ano estamos? Que engraçado perguntar isso. Letizia também perguntou”, disse Esperanza — Sean riu. — Claro! O que Juan Pablo trouxe há 17 anos foi Letizia, a prova que havia vida em Marte, alertando a Poliu, elevando o nível a 10 — sentou-se em choque. — Então por quê? Por que Juan Pablo apoiou Siri nesta loucura? Para estudarem sêmen marciano?
— Os porquês nunca saberão. Nem eu estava aqui na época — pigarreou.
Sean riu sabendo que ele mentia.
— Do jeito que sua sala cheira mofo, provável estava ‘aqui’ até antes da construção do Anexo I.
— Não está sendo gentil, Sr. Queise. Quis dizer que não estava lá, em Marte, para ver o que Juan Pablo viu ao ponto de voltar com problemas a ponto de usar um pentagrama. E se foi a menina Letizia como diz, então não sei como ela foi parar sob o comando de Amâncio Pellet-Parresh.
— Isso... Juan Pablo viu algo, algo que podia ser o bem ou o mal na menina Letizia. E a Poliu, escondendo segredos de alienígenas vivendo entre nós, doou a menina à Amâncio sem saber o que ela fazia, do que ela era capaz. Quando Amâncio voltou aqui, Juan Pablo se apavorou. E Letizia realmente esteve aqui, quando nasceu, questionando a Esperanza se estava no ano certo — Sean só teve tempo de piscar. — E você também esteve em Marte, com o Major Ryan, porque não se viaja a Marte sem duplas de ROMRETs, nem se viaja se não houver duplas de cosmonautas, porque tudo acontece em duplas — e Sean ouviu o silêncio. — Vamos lá Doutor... Quantos? 120 ROMRETs no armazém número 5? Sessenta viagens suas e de Ryan? Não? Mais astronautas indo e vindo? Como? Seres humanos não aguentariam viagens interplanetárias a menos que... Droga! A menos que usassem um tipo de teletransporte que existe nos mainframes do telescópio...
— Você... Você e esse dom... — agora Joshua bufava.
— Você voltou sozinho, não? Quando as energias pesadas atacaram Marte, você abandonou Ryan a própria sorte, e voltou à Terra com seu ROMRET. Eu vi como o Major Ryan lhe olhava no salão de convenções, e vi como você fugia daquele olhar.
— Está dificultando tudo, Sr. Queise.
— Mas Ryan não estava morto como supôs, não? Os patos o salvaram e o acolheram. E como o ROMRET, ‘sei lá que número’, de Ryan desligou-se pelas muitas tempestades de areia, Ryan só pôde voltar a Terra agora com a nave FATHER, que havia sido abandonada porque ele salvou Juan Pablo e Siri, os enviando a Terra com a nave MOTHER um ano atrás.
— Não é verdade. Eu vi Ryan ser morto. E sim, a nave MOTHER e a nave FATHER já haviam ido muitas vezes à Marte, desde a década de 70, comigo e Ryan, antes de Juan Pablo e Siri chegarem aqui no complexo nos anos 2000, trazendo a intransigente da filha deles, a Almirante Kimberly, que sempre foi uma pedra no meu caminho.
— Claro! Kimberly sempre esteve um passo a frente de você, de sua filha Challitta, que nada conseguia porque Kimberly era mais rápida, com poderes adormecidos, mas tão peculiares como os meu, como os de Letizia, que a permitiriam viajar... — Sean caiu sentado, em choque.
— Peculiar não; intransigente! — e Joshua ainda bufava.
E Sean lia cada ‘bufar’ daquele.
— Peculiar, intransigente e perigosa, porque Ryan não havia morrido e você tentava a todo custo captá-lo.
Joshua arregalou os olhos novamente.
— Foi o que eu disse. Impossível ele ter sobrevivido. Teríamos captado algo.
— Mas você desconfiava que uma das peras era usada por Ryan. Por isso quando Juan Pablo quis investigar o uso das peras, crias dos Pellet-Parresh de Amâncio, e que haviam sido invadidas, você ficou com medo que ele o encontrasse. E Juan Pablo encontrou Ryan, e ficaram juntos muito tempo quando ele e Siri estavam em Marte.
— Mas a pera foi destruída...
— Não! A pera destruída em que ROMRET IX me levou, era... — e Sean teve medo do que entendeu. — Havia outras peras... O caso que Juan Pablo divulgou, era sobre outra pera, destruída de dentro para fora, porque alguém escapou da pera...
E Joshua estava realmente pensando em algo.
— Precisamos deter essa energia, Sr. Queise, ao invés de consertar erros do passado. Essa energia já tem acumulado os poderes de Juan Pablo e Siri — abaixou a cabeça. — Provável de minha Challitta — levantou a cabeça. — Se conseguir o pato/frango alienígena do Esteban Pellet-Parresh e a força descomunal de uma alienígena Letizia que não se conhece, dê adeus a tudo que está vendo, Sr. Queise — e o Dr. Joshua se virou para Sean ver uma coisa negra e pesada, com quatro pares de olhos, o olhando.
“Quatro olhos... Quatro olhos... Quatro olhos...”, Sean não conseguia parar de pensar, em pânico, vendo que a energia pesada entrara com Joshua, já que ela não podia atravessar e adentrar os finais 5.
— Então se não pode... — e Sean olhou os ‘quatro olhos’. —, como a energia pesada de Marte conseguiu estar na suíte 55 quando cheguei? — e Joshua se virou para ele aparentemente não entendendo a questão.
— Na suíte 55?
— Ou Allejandro sob a ordem de Amâncio a soltou quando cheguei, ou essa energia estava do lado de fora do Complexo, presa nos antigos mainframes, projetando um holograma de seu poder... — e algo fez Sean ter tanto medo que ele não previu o próximo acontecimento. — O pentagrama girou quando os Pellet-Parresh chegaram, não foi? Por isso os números não funcionam. O pentagrama girou!
— Não sei o que falar Sr. Queise, mas... Ahhh!!! — gritou Joshua impactando Sean.
— Joshua?! — gritou Sean ao vê-lo diluindo em uma sopa de quarks, transformando tudo à sua volta numa massa gosmenta que se unia em algo totalmente disforme em frações de segundos. — Droga! Droga! — não podia acreditar naquilo tudo a sua volta diluindo, derretendo; quadros, mesa, cama, piso, provável ele o próximo.
Sean saltou para fora do quarto antes mesmo de abrir a porta, provável o fez pela parede, atravessando-a, alcançando o corredor.
O tornozelo latejava e ele corria já não pensando na dor, no que era capaz de fazer sob pânico. Alcançou a suíte de número 22222 e a porta se abriu. Sean viu Kimberly encima da mesa na mesma sopa de quarks.
— Sean...
— Acalme-se...
— Por que... Por que... Por que... Não consigo falar. Ah! Não consigo falar.
— Acalme-se! — e Sean olhou o corredor intacto e voltou a olhar o piso de Kimberly.
— Por que a mesa onde estou não derreteu ainda? — ela olhava o chão se mexendo como ondas do mar.
— Porque você tem poderes, Kimberly.
— Eu... — e ela arregalou os olhos para ele. — Eu o que?
— Você me perguntou por que viajou à Marte, por que conseguiu viajar à Marte... Genética, lembra?
— Como... Como... Como... Ah... Não consigo nem mais pensar, mas como vou conseguir sair daqui? — e a mesa de Kimberly andou.
Ela olhou Sean com os olhos arregalados.
— Fui eu, Kimberly — e a mesa andou até a porta quando ela se jogou no colo dele. Ambos só se olharam. — Vamos!
Sean desceu-a do colo e pegou-a pela mão, correndo e saltando como podia e o tornozelo deixava.
— O que era aquilo?
Kimberly estancou a corrida no que Sean tocou a porta de número 33333.
— Acho que me enganei duas vezes; desculpe-me.
— Como assim ‘Me enganei duas, desculpe-me’?
Sean a puxou pelo braço e ambos recomeçaram a correr.
— Primeiro, a energia é realmente uma coisa só, que domina vários dons paranormais dentro dela os matando, mas também pode obedecer a um dom, como Allejandro fez quando eu cheguei. Por isso Letizia sabia sobre a chave magnética. Ela sabia que ‘Alle cresceu bolando ideias mirabolantes de como matar-me’, e ela dominou a energia porque os Pellet-Parresh giraram o pentagrama anulando a proteção criada por seu pai; dando-lhe uma ordem através dos meus mainframes.
— Então… Então… Então… Não consigo… Consigo… Está dizendo que todo esse tempo o Complexo Templeton estava sem proteção?
— Sim! Desde quando os ‘P-P’ chegaram aqui. E eu não morri aquela noite, porque Letizia tinha um acordo com Oscar, para que eu não morresse.
— Mas disse que a energia absorve máquinas...
Sean parou de supetão.
— A energia absorve dons paranormais que podem dominar as máquinas; ‘Duo Life’, Almirante.
Kimberly realmente arregalou os olhos e Sean a puxou novamente subindo os degraus.
— Então a força de Allejandro deve ser extraordinária.
— Não! Acredito que Amâncio fez algo com a força dele ou Allejandro barganhou algo com a energia.
— ‘Algo’ tipo você?
— Sim! O que me leva ao meu segundo engano, porque achei que a nave MOTHER havia trazido essa energia ano passado, mas a trouxe quando sua mãe e Joshua fizeram Letizia em Marte, e Letizia na barriga de sua mãe, fez o Complexo Templeton se elevar a nível 10.
— Minha mãe e Joshua? Mas Joshua é um marciano?
— Sim! Joshua, Esteban e Letizia são alienígenas marcianos.
— Então Challitta... — Kimberly não conseguiu terminar a frase. — Então Challitta e Letizia são... Eram... Ah... Quantas meias-irmãs mais eu tenho, Sr. Queise?
— Não sei — Sean até achou que era para achar graça, mas não riu da tragédia. — Mas foi por isso tudo que as janelas foram retiradas daqui.
— E soube isso como? Dr. Joshua lhe contou?
— Esperanza me contou em sonhos, só que na hora não entendi. Se fosse a reforma do ano passado o que ela me mostrou, então as janelas teriam sido arrancadas, mas havia janelas e os números das suítes ainda estavam normais. Mas você me disse que a reforma do ano passado implantou o pentagrama.
— Esperanza veio trabalhar aqui aos dezoito anos.
— Eu não sabia. Por isso o rabo-de-cavalo. Na reforma do ano passado ela já usava cabelo estilo Chanel.
— Mas meus pais chegaram a Marte com a nave FATHER, para rondar a órbita de Marte e lançar a nave MOTHER sem tripulantes. Ficaram três anos dando voltas e retornaram à Terra, no que ROMRET VII e VIII saíram do ar, para então retornarem...
— Seus pais viajaram à Marte, com um propósito a mais, resgatar Ryan que se comunicava com seu pai sem a Poliu saber.
— E por que a Poliu não podia saber?
— Era Joshua quem não queria que a Poliu soubesse, porque quando Ryan e Joshua chegaram a Cydonia, encontraram uma guerra em Marte. Cydonia estava sendo atacada por estranhas energias capazes de derreter tudo. Os patos eram os protetores das pirâmides de Cydonia, Ryan e Joshua tentaram fugir, mas aparentemente, só Joshua havia escapado. Joshua então voltou para a Terra sem saber que Ryan fugira para os hangares, nas rochas da Cratera Victoria. E quando Joshua chegou a Terra, mentiu que Ryan estava morto, com medo de represálias — olhou-a. — Lembra que a Sonda Spirit da NASA, fotografou em 2004 uma nave? Era Joshua fugindo com a nave FATHER.
— Havia uma equipe antes do meu pai então?
— Sim a equipe original que Esperanza temeu me contar.
— Porque quando saíam do ar, outra nave não tripulada ia até Marte e resgatava o Robot com defeito o trazendo de volta.
— 120 Robots Kimberly.
— 120 robots Sr. Queise.
— Quando seus pais conseguiram chegar a Cydonia, encontraram uma civilização extinta. O Robot ROMRET IX então fotografou tudo e seu pai arquivou no dossiê, temendo que Siri fosse obrigada a revelar o que sua mente e o Robot viam e sabiam, inclusive sobre Ryan.
— Mas meu pai temia mais?
— Sim! Temia que o Robot de sua mãe contasse sobre a alienígena Letizia, filha dela e Joshua, que veio a nascer há 17 anos, antes de tudo isso ocorrer. E fez seu pai exigir o pentagrama, o que não foi feito. Só ano passado que Trevellis realmente temeu algo, na volta deles com o Robot ROMRET X, com energias dominando máquinas.
— Meu pai amava mesmo minha mãe para aceitar tudo isso, por permitir o estudo de Joshua e sêmens alienígenas.
Sean nada respondeu. Não sabia bem o que responder.
— Seus pais então ficaram por lá arquivando tudo, estudando o fenômeno e Juan Pablo começou a desconfiar das strangelets.
— Então meu pai e minha mãe retornavam vezes seguidas, com o intuito de descobrir como os marcianos foram extintos?
— Sim, isso e muito mais. Seu pai lhe disse, não? Que havia um sinal de vida em Marte.
— Sim. Como previu, nós dois nos amávamos muito; e conversávamos, mas meu pai não falava muito sobre Marte, agora sei que por causa de minha mãe e uma gravidez chamada ‘Letizia’ — olhou Sean entrando no Setor II. — Diga-me... Se meus pais vieram realmente um ano atrás, por que as câmeras não os captavam dentro da nave MOTHER II? — Kimberly percebeu que Sean sempre tocava todas as portas das suítes por onde passavam.
— As câmeras captavam, mas Challitta era inteligente. Dizia só o que queria, quando queria algo. Por isso Challitta disse que as câmeras só viam ROMRET X; é porque a energia já os havia absorvido. E Carrie deu um jeito nas imagens como deu nos meus hackeamentos.
— Mas então o que Mr. Trevellis temia quando a nave FATHER II chegou a três semanas? O Major Ryan? — e Sean nada respondeu.
Ela lhe deu um puxão fazendo parar de andar.
— O Major Ryan nunca voltou a Terra.
— “Nunca voltou a Terra”? Então... Então... Então... Quem era o Major Ryan com quem falávamos há pouco?
— A energia cada vez mais controladora. Aquela mesma energia que se fez passar por seu pai, que nos ajudou a virar o carro, que deu ordens a todos na sala de convenções, e está agora com Esteban e Letizia no Setor III.
— Esteban? Refém? — Kimberly só o olhou. — Tem certeza? Já que se enganou e se desculpou tantas vezes?
Sean definitivamente não gostava das ironias dela. Colocou novamente as mãos nas portas das suítes.
— Tenho certeza Almirante Kimberly.
— Mas... Por que a energia que não era meu pai e não era Ryan, nos ajudou a virar o carro?
— Porque precisava voltar para o Complexo Templeton, e não podia entrar sem a sua permissão — e voltou a colocar as mãos nas portas.
— Por que está fazendo isso?
— Péres, Vicente e Guadalupe estão presos, assim como Carrie... — e tocou a porta da suíte de número 3, para então sair correndo escadas abaixo já nem sentindo que tudo doía tanto. E só parou à porta de número 333. — Dino também não está aqui! E eu já havia tocado a suíte 33333 e não havia sentido Allejandro — ele nem precisou se virar para saber que Kimberly estava em choque. Saiu em disparada até a suíte de número 333333. — Allejandro, Dino, Amâncio e Abhay saíram das suítes de finais 3 — e Sean se virou para ela no que Kimberly arregalou os olhos. — Mas que droga! Você sabia que Amâncio podia girar o pentagrama?
— Não... Eu não sabia que eles podiam... — e abaixou a cabeça. — Meu pai... Uma vez... Meu pai me disse uma vez, que Amâncio poderia conseguir se... Se... Se...
— Se Letizia fosse a sexta ponta — Sean encostou-se na parede para então sair desesperado de suíte em suíte, subindo e descendo as escadas, tocando porta atrás de porta, com Kimberly em silêncio mortal atrás dele, correndo, desorientada. — Pramit também fugiu — Sean sentiu a porta 3333.
— E ele é importante como? — Kimberly olhou Sean sem conseguir falar. — O que foi? — Kimberly olhou um lado. — O que foi? — olhou o outro lado. — O que foi dessa vez, Sr. Queise? — ela viu Sean só a olhar. — Vai me dizer que errou novamente?
— Não, não errei. Só não compreendo por que não consegui, como Descartes, entender que tudo que me rodeava era ilusão dos meus sentidos — sorriu charmoso. — Joshua disse: “Pramit me coloca na frente do Google, conectado a centenas de páginas científicas, mas ainda prefiro uma boa e completa biblioteca”. Cibionte, Almirante Kimberly; Pramit era um cibionte. E era Pramit, a própria máquina que se conectava ‘a centenas de páginas científicas’.
— Como... Como... Como... — o olhou novamente.
— Já sei que não vai conseguir me perguntar, então vou logo dizendo que a energia absorve uma máquina por vez, e o corpo que está preso a ela, um pouco antes de a energia derreter, diluir, sei lá como fez com o Dr. Joshua, tinham quatro pares de olhos dentro.
— Meu pai, minha mãe, Ryan e Challitta.
— Não, Almirante. ‘Quatro olhos dentro dela’, isso significam que ela absorveu seu pai Juan Pablo, sua mãe Siri, Joshua e Ryan.
— Mas então que era o Joshua que falava com você?
— Um holograma de Joshua, que estava na minha suíte 55 quando Letizia disse que eu não podia abri-la porque as chaves eram magnéticas. Um holograma controlado por alguém — e olhou Kimberly.
Kimberly realmente estava desorientada e perdida.
— “Por alguém”? Ótimo! Não vou conseguir perguntar — e a mão de Kimberly foi pega para ambos saírem correndo para o final do corredor. — Mas por que não seria Challitta um dos olhos? — corriam.
— Também já pensei que poderia ser Challitta, mas ela nunca se ligou a um Robot, nem nunca viajou a Marte. E seu pai Joshua nunca conseguiu extrair os poderes dela porque ela era difícil de lidar.
— A energia alienígena só pode absorver máquinas, e eles faziam parte do ‘Duo Life’, se conectando às máquinas e... Então... Ah... Não... Pramit se ligava ao Robot?
— Não Kimberly. Pramit não se ligava às máquinas, Pramit era uma máquina, um alienígena robô.
— Mas... Mas... Mas... — e Kimberly parou. — Você... Você se conectou ao ROMRET IX para enviar as fotos a Spartacus... E você... E você... Você se conecta às máquinas...
— Parabéns, Almirante. Descobriu que eu posso ser absorvido pela energia que domina as máquinas... — e Sean foi esbofeteado. — Hei? Por que fez isso?
— Ah... Só queria saber se era você.
— Já disse que tenho medo de você? — foi a vez de ele falar aquilo. Kimberly gargalhou e foi puxada por ele para atravessarem o resto de extensos corredores no que as cores do chão mudaram. Sean estancou numa porta à frente deles. — Estamos no Setor III, Kimberly?
— Sim...
— E onde estão Esteban e Letizia?
Kimberly olhava para um lado e para outro.
— Só tem uma maneira de saber, Sr. Queise — e Kimberly se aproximou do scanner.
— Espere! — e Sean a puxou. — Que cheiro é esse?
Kimberly respirou profundamente.
— Não sei... Cheiro de cavalo, feno.
— Gás fosgênio! — Sean sentiu toda sua mão formigar no que tocou as paredes. — Droga! O gás fosgênio é um gás incolor, altamente tóxico, e com um odor de feno cortado recentemente, e as strangelets são capazes de alterar a matéria molecular de qualquer coisa, então se modificar a molécula de oxigênio, o ar pode virar monóxido de carbono, gás metano, gás arsênico ou até gás fosgênio.
— Sensação de formigueiro, dor de cabeça, vômitos, icterícia e insuficiência cardíaca até a morte — os dois se olharam e Sean foi ao chão, de joelhos. — Sean? Sean você está bem? Você cheirou algo? — ela o ergueu em choque. — Não! Você entrou no Setor III? Ah... — Kimberly olhou a porta ainda fechada. — Como consegue fazer isso? O que foi? O que você viu? — e paralisou. — Ótimo Sr. Queise! O que você não viu Sr. Queise? — ele só a olhou e a dor inundou o rosto bonito. — Esteban... Ah! Não... Não, Esteban, Sean... Ele era...
— Peculiar... — e as portas de metal do Setor III se abriram, cada uma para dentro de sua respectiva parede. — E não fui eu... — Sean mal conseguiu falar.
— Nem eu... — Kimberly se tomou de coragem e um perfume doce os atingiu.
— Era o perfume de sua mãe, não?
Ela respirou o aroma de limão e coco, cítrico e doce ao mesmo tempo, que se dissipou no que as portas se fecharam atrás deles. Um apito sonoro soou por todo Setor III rareando a luz e levando junto o oxigênio.
— Ahhh... — e ambos foram ao chão sendo puxados para dentro do Setor III.
— Socorro... Socorro... — se agoniava Kimberly. — Não consigo respirar, Sean...
Sean conseguiu abrir os olhos azuis e viu Kimberly agonizando. Arrastou-se como pôde até a porta e ergueu-se com toda força que lhe restava, alcançando o scanner, e sua retina e íris não foram lidas. Sean se desesperou com o oxigênio cada vez mais baixo, e outra vez ordenou aos mainframes lerem sua retina e íris, mas as fitas dos mainframes giraram sem que a ordem fosse aceita. Sean caiu no chão e se arrastou até o outro extremo da porta, tentando outras chaves de comunicação, tocando as paredes sabendo que seu cérebro já não respondia pela falta de oxigênio, que suas mãos se arrastavam e ele procurava as reentrâncias para que lessem as leituras de suas digitais, quando a luz voltou ao Setor III trazendo o oxigênio junto.
— Ahhh... Ahhh... Ahhh... — tentava respirar vendo Kimberly desmaiada. Ele se arrastou até o corpo dela. — Kimberly... Kimberly... Acorde por favor... — chacoalhou-a. — Kimberly... — e Sean viu que o ambiente todo foi tomado por uma luz neon, em tons de roxo-alaranjado, emitida pelo corpo de Letizia Pellet-Parresh que os observava em pé.
— Ela ainda não morreu? — Letizia apontou friamente Kimberly desmaiada.
— Vamos Letizia... Você não está com essa bola toda...
E aquilo fez Letizia rir.
— O que te faz perder o sono Sean Queise? O fato de saber que tenho 17 anos e tenho você em minhas mãos? Ou o fato de estar envelhecendo sem alcançar seus objetivos? — Letizia não esperou Sean achar qualquer coisa, outra vez um apito sonoro soou por todo Setor III rareando a luz e levando junto o oxigênio, que cheirava cada vez mais a feno cortado.
Sean deixou todo seu corpo tocar o chão, olhando Letizia o olhar, percebendo que o oxigênio rarefeito não a atingia.
Letizia parecia realmente estar com a bola toda.
— Letizia... Letizia... — Sean morria.
O ar voltou trazendo toda iluminação do Setor III, e Sean teve a chance de ver o quanto enorme era tudo aquilo. Lá, os dois barcos ou que já foram barcos um dia. Também lá, seis monumentais sondas que ele traduziu como naves.
— Lindas não? Aquela lá no fundo é a nave MOTHER I, aquela é a nave MOTHER II, aquelas maiores ali são a nave FATHER I e II e aquela outra é a nave MOTHER III.
“Droga!” Sean viu Letizia apontando enquanto caminhava até Kimberly, e temeu aquilo.
— Pena que a nave FATHER III se danificou com o derretimento, não Sean Queise? — e foi Kimberly acabar de falar e Sean saltou sobre Kimberly desmaiada antes que Letizia a alcançasse.
Mas Sean foi lançado contra a parede da entrada, como ele já fizera com Abhay no salão. Kimberly foi arrastada até os pés de Letizia que a pisou, olhando Sean a olhando em choque.
— Foi você... Desgraçada! — Sean ainda conseguiu exclamar aquilo. — Foi você no corredor...
Letizia riu com gosto:
— Gostou do meu corpo, não Sean Queise? Sentiu prazer por ele, não? — gargalhava. — Eu disse que você ia casar comigo naquela noite, não disse?
Sean ficou em choque, achou até que fosse a baixa de oxigênio que o afetara.
— Sandy... O tiro... Não... Não, o tiro não... — e Sean teve medo de ver Letizia voltar a gargalhar. — Você... Você conhecia Sandy?
— Eu e todos os Pellet-Parresh!
Sean sofria, agora mais que nunca, sofria. A Sandy traidora, a Sandy ladra, a Sandy suicida. Uma Sandy que Sean se convencia, não conhecia.
— Deus... — e chorou.
— Ora, vamos Sean Queise. Sem dramalhão...
— Era você no meu flat.
— Eu ia mesmo perguntar se costuma dormir sempre nu.
Sean sentiu-se invadido de todas as formas.
— Você é como eles, você é uma marciana de energias. Era você a energia pesada que me seguia no éter, que tentou matar Mona. Os patos vieram me avisar sobre você, que Amâncio preparava você para dominar as strangelets através de Pramit, um fazedor de Robots.
— E acha que foi só isso que Amâncio queria?! — berrou Letizia a fazer tudo acender e apagar novamente sem ver que Kimberly fingia estar desmaiada. — Amâncio me trancafiava dias sem comida, sem água, no escuro. Queimava meus braços com ferro em brasa para que minha força surgisse.
— Eu sinto...
— Não sente! Ninguém sente! E Amâncio nunca conseguiu nada comigo! Por isso eu sofria, cada vez mais. Alle vinha me ver no confinamento quando Amâncio cansava de me machucar, me dava água, comida, carinho...
— Não! Não! Allejandro fazia só o que Amâncio mandava. Ele ia lá a mando de Amâncio.
— Não!!! Chorávamos juntos pensando numa ideia de fazer meus dons virem à tona.
— Não! Ele fazia isso a mando de Amâncio, que não conseguia nada com você. Allejandro só queria seu poder, Letizia... — e Sean foi lançado longe, para o alto, batendo forte na parede e indo ao chão, atordoado.
— Sean? — Kimberly se desvencilhou de Letizia que caiu no chão ao ser derrubada. Kimberly correu atrás dele quando agora ela foi lançada à parede oposta. — Ahhh?! — caiu agora realmente desmaiada.
Letizia ia lançá-la de novo quando Sean gritou:
— Não Letizia! Ela é sua irmã!
— Cale-se!!! — e a luz voltou a rarear. — Alle mandou-me odiá-la por isso!!!
— Não! Não! Não ouça Alejandro, ele não gosta de você... — e Sean foi lançado contra a parede pela terceira vez sentindo cada osso de suas costas reclamarem aquilo.
— Sabia que Alle culpava você, Sean Queise? O culpava por tudo? Por Amâncio querer dominar o mercado através de nós, de nossos poderes, usando-nos em suas magias... Mas você vencia, uma atrás da outra, e nós sofríamos de todas as maneiras.
— E Allejandro me odiava não Letizia? Porque Alle cresceu bolando ideias mirabolantes de como matar-me. Eu devia ter entendido isso.
— Você devia ter entendido muito mais, Sean Queise. Mas só tinha olhos para ela — apontou para Kimberly e ela começou a agonizar.
— Não!!! Sua mãe... Você sabia não Letizia? Sabia sobre Siri Sathi?
Letizia olhou Kimberly sofrendo.
— Sabia que todo ser humano é habitado por um espírito alienígena, Sean Queise?
— Nós alienígenas?
— Isso não vem ao caso. Parece que minha mãe argumentava que se a Terra foi contaminada por espíritos alienígenas, do mal, então era porque Marte também sofrera tal disseminação.
— Espíritos alienígenas de Marte... — Sean lembrou-se de Pierre, da energia negativa, pesada, e voltou a olhar Kimberly próximo a ele. — O dossiê dizia...
— Que dossiê Sean Queise? Mas que jovem teimoso você é, não? Já não disse que nunca houve um dossiê?
Sean olhou Kimberly acordando naquela frase. E ele só teve tempo de arregalar os olhos azuis e tudo escureceu. O Complexo Templeton todo desligou a energia, mas o oxigênio dessa vez não foi junto.
— O ar...
— Eu mantenho o seu ar Sean Queise! — a voz de Letizia chegou metálica.
— Meu ar? E o ar do Complexo? Não faça isso, Letizia. Não deixe a energia dominar o Complexo. Ela vai destruir tudo, matar todos...
— Deixe-me adivinhar... Você está preocupado com o ‘ar’ de Oscar? — e Letizia gargalhou. — Porque Oscar se preocupa com seu ar, Sean Queise. Ele disse que iria me ajudar se eu nunca fizesse mal a você — ela viu Sean a olhando. — Até nos seus computadores eu ajudei... Ajudei você a ganhar a concorrência — gargalhou com gosto. — E eu?! — berrou. — Alguém se preocupou comigo, ‘Senhor Queise’?! — berrou e a luz rareou outra vez.
— Oscar lhe salvou Letizia. Oscar lhe tirou da pera, mandou-a de volta a Terra há três semanas, você devia... — e o ar dele também rareou. — Ahhh... Ahhh... Ahhh... — Sean sofria, não vendo alternativa a não ser ‘Duo Life’; era aquilo ou todos iam sentir o ar derreter de vez.
Enviou uma informação cibionte que seguiu pelo éter, pelas cordas etéreas que vibravam entre as muitas dimensões, uma informação quântica que é onda e partícula ao mesmo tempo.
Sean sabia que sua informação atravessara a pesada porta do armazém número 5, que chegara à grande área que cheirava a todos os tipos de metal, que reverberavam raps; uma informação tão poderosa que ligou 120 Robots ROMRETs, que fez todas as máquinas se erguerem e rolarem sob esteiras a muito não usadas. E Sean os podia ver, os 120 ROMRETs que invadiram os corredores de faixas coloridas.
— Ahhh... Ahhh... Ahhh... — Kimberly também tentava respirar.
— Onde está Amâncio… — o ar não era suficiente. — Allejandro? — Sean desviou sua atenção.
— Em Marte, é claro! — riu Letizia. — E vai me perguntar como, não vai? — parecia se divertir quando ar voltou ali.
— Não vou não! Porque sei que Esperanza liberou a energia contida na sala subterrânea, quando me mostrou os antigos mainframes que eram usados por Juan Pablo para se comunicar com sua filha — e aquilo soou aos ouvidos de Kimberly que só o olhou. — Não é Almirante? Um dossiê que nunca existiu, um pai que nunca foi omisso, uma mulher para lá de peculiar e esperta o suficiente para forçar Esperanza deixar falsas pistas no éter, que você sabia que Letizia apagaria, porque você sabia que eu saberia encontrar verdadeiras pistas lá deixadas, já que eu estudei genética.
— Eu... — Kimberly quis se explicar, pedir perdão, tentar se levantar, mas a presença de uma Letizia iluminada, capaz de lhe tirar o oxigênio e muito mais, a fez rever suas ideias de ataque e ficar lá mesmo, no chão, a observá-los.
E Sean continuava implacável em suas descobertas.
— Sabe por que Challitta queria voltar ao Complexo Templeton comigo, Kimberly?
— Para trepar no aconchego do lar? — foi Letizia quem respondeu às gargalhadas.
Sean nem se deu ao trabalho de responder àquela graça.
— Para reaver os mapas que você fez, Almirante Kimberly.
Kimberly agora teve medo.
— Aquela... Aquela desvairada... — foi só o que Kimberly conseguiu falar.
— Esteban contou a Challitta, não? Segredos que você confiou a ele, sobre seu pai e você mapeando por onde as energias passavam, para então capturá-las nas peras. Você mapeava o terreno procurando os derretimentos, tudo o que poderia ser traduzido por um antigo planeta Marte; por isso sabia tanto sobre os Dust devil. Era o que você fazia nos antigos mainframes, que fica no ‘verdadeiro Setor III’.
— “Verdadeiro Setor III”? No observatório? Você enlouqueceu? Sabe muito bem que o Setor III fica onde estamos, no Anexo II — Kimberly caiu em gargalhada tensa olhando Letizia lhe olhando. — Foi muito confinamento, Sr. Queise.
— Foi muito confinamento Sean Queise? — Letizia ainda se divertia com eles dois.
— Até não foi. Mas deixe-me corrigir-me pela última vez. Porque quando eu disse a você, Kimberly, que Trevellis estava no Anexo I mexendo no Ojo Grande, você se alterou. E se alterou porque sempre ficava imaginando se outras energias poderiam vir à Terra, num canal de comunicação extremamente perigoso que fez a Poliu se envergar e lhe dar todo esse poder, Kimberly. Canais por onde Trevellis mandou levar e prender Letizia nas peras, sob a vigília de Siri e Juan Pablo, para protegê-la de Amâncio, que tentou subornar alguns viajantes irem até Marte e trazerem Letizia. E Pramit o fez, conectou-se a Spartacus e liberou Letizia da pera, por isso uma das peras estava arrebentada de fora para dentro e outra de dentro para fora.
— Muito confinamento...
Sean olhou Letizia já não engraçada como antes.
— Mas os poderes dos espiões psíquicos foram maiores e eles previram o resgate. Então entrou Oscar Roldman na jogada, prometendo a Letizia protegê-la de Amâncio se ela me protegesse das strangelets, e autorizou Pramit, uma máquina, viajar pela WEBI e trazê-la de volta a Terra, na nave FATHER III, há três semanas, porque ela era o motivo deu estar lá em Londres, protegendo a Poliu e todos vocês de um canal de teletransporte que você utilizava em segredo com seu pai, Kimberly.
— Não sou a bandida da história, Sr. Queise...
— Não. Nunca foi. Era só a filha de um gênio incompreendido, traído, que adoecia cada vez mais e necessitava do contato com a filha, a única dele. E Trevellis e Esperanza sabiam que o verdadeiro Setor III ficava lá, debaixo do Ojo grande.
— Maldita Esperanza…
— É maldita não é Sean Queise? — Letizia olhava um e outro, ali no chão, caídos, brigando.
E gostava daquilo.
Mas Sean Queise prosseguiu:
— E foram os antigos mainframes que abriram o telescópio que girava e formava um wormhole, um buraco de minhoca, um ‘metrô’ até Marte; e foi quando uma delas escapou da pera e viajou até a Terra, alertando a Poliu. Como o Anexo II estava preparado a nível 10 e o Anexo I não podia sofrer ‘retiradas de janelas’ por causa do telescópio Ojo Grande, você e Trevellis trancafiaram a energia nos antigos mainframes sem comunicar o resto do Complexo Templeton, com portas duplas e trancas biométricas — Sean viu Kimberly olhar o chão, olhar os barcos destruídos, e olhar a massa em que haviam se tornado, para então olhar profundamente para as seis naves. — Como deixei você me enganar tanto, Kimberly?
— “Wow!” — Letizia daquilo gostou.
— Pode debochar Letizia, mas você melhor do que ninguém sabia que as peras não foram preparadas para receber humanos em fase de teste, e sim receberem marcianos, em fase de testes.
— Mentira!!! — gritou Kimberly.
— Cale-se!!! — foi a vez de ele berrar. — Cale-se Almirante! Cansei de vê-la mentir para mim, de vê-la obrigando Esperanza a lançar no ar pistas para poder defender o irmão, claro, que não tinha os cabelos lisos por genética espanhola. Maldita Challitta! Ela gostava de me ver cego — e virou seu ataque para Letizia. — E você... Foi para isso que os Pellet-Parresh criaram os laboratórios, não? Para aprisionar e estudar como esses espíritos alienígenas, feitos de energia pesada, demônios marcianos, viviam. E é provável que Juan Pablo e Siri não usassem trajes espaciais em Marte, porque a diferença de ar deve ser muito pequena, já que as strangelets podem modificar o ar... — e olhou Letizia. —, ao seu bel prazer — e voltou a olhar Kimberly. — E eu realmente sinto por Péres, a Major Mª Lucia, Lyei, e Ho, porque todos os que estavam no final 4 estão mortos; ‘Duo Life’.
— Isso! — vibrava Letizia em gargalhadas quando Kimberly num movimento inesperado correu para a nave MOTHER III e ela saiu ao seu encalço.
— Kimberly não!!! — gritou Sean, mas Letizia a puxou para tão perto dela que elas quase se beijaram. Letizia então iluminou todos os dedos da mão e Kimberly não foi derretida pelas strangelets, porque Esteban atirou em Letizia que caiu no chão. Ela se virou em choque e iluminou os cinco dedos da mão direita outra vez, e os direcionou para as pernas de Esteban que se derreteram.
— Ahhh!!! — berrou ele pela dor ao encontrar o chão.
— Não!!! — berrou Kimberly.
Letizia então se virou para ela e os 120 ROMRETs invadiram as portas de metal que não foram páreas para eles, para então todos os 120 se ligarem e Letizia gritar.
— Ahhh!!! — e Letizia berrava sentindo dor, sentido que a máquinas a dominavam.
Letizia foi ao chão, se mexendo e chacoalhando, escapando luzes que tocavam as naves que derretiam onde as luzes tocavam, até Letizia virar uma sopa de quarks que se aderiu ao piso.
Sean e Kimberly impactaram e os 120 ROMRETs se desligaram.
Ela olhou Sean e ele nem sabia se queria dizer ‘Fui eu!’.
— Fui eu... — e Sean teve coragem de dizer.
O próximo som foi da cabeça de Esteban caindo no chão, morrendo.
— Esteban?! — Kimberly correu para ajudá-lo.
Sean mesmo com ciúme correu para ajudá-lo, também. Mas as pernas já não existiam, e músculos e terminações nervosas estavam expostos, se coagulando.
— No final... — Esteban riu pálido. —, somos iguais, não Sean?
— Esteban, meu querido... Meu amigo querido... — Kimberly o abraçou.
Sean e Esteban se olharam. Sean não sabia se deveria ter ficado ou não, feliz por não tê-la ouvido dizer ‘meu amor querido’.
— Por favor, Sean. Vá atrás de Amâncio e Allejandro, eles vão usar Dino que vem de um planeta que pode dominar as strangelet.
— Dino pode...
— Ele é um bom menino, Sean. Por favor. Faça algo por ele.
— O quê?! — gritou Kimberly. — Não... Não... Eles foram para Marte! Não podemos ir para Marte! Eles...
— Por favor, Sean. Vá atrás de Amâncio e Allejandro. Salve Dino por mim. Não escute essa teimosa irônica.
— Não sou... — e Kimberly calou-se no que Esteban morreu. — Não!!! — foi um grito de muita dor. Kimberly chorou e chorou até olhar para trás e ver que Sean desaparecera. — Sean?! — largou Esteban. — Não, Sean!!! — corria ela para fora do Setor III quando deu de encontro com Sean de um lado e um cão babando do outro. — Que absurdo! Não podemos ter cachorros...
— Kimberly... — e ambos viam o cachorro de pelos levantados feito pregos de ferro, tomando todo o corpanzil negro de 3 metros, babando. — Isso não é um cachorro! — ela o olhou e Sean só teve tempo de saltar sobre Kimberly quando Abhay saltou sobre ela. — Corra! Corra! Corra! Vamos... — e Sean e Kimberly corriam.
Ele já nem sentia mais dor, corria agora sabendo que o cachorro alienígena era Abhay, que ele ficara lá para impedir que alguém chegasse até o Anexo I.
E Sean corria, e caía, e se erguia, e arrastava Kimberly.
— Sean...
— Não! Corra! Corra! Corra! — um, três, cinco corredores, e Kimberly era puxada toda vez que olhava para trás e as patas gigantescas de Abhay pareciam mal tocar o piso. — Corra! Corra! Corra! Corra! Corra! Corra!
— Estou... Estou... — e Kimberly nem respirar, respirava.
— Abra a porta!!! Abra a porta!!! — berrava Sean.
Kimberly não sabia se ele gritava com ela, mas Sean abria todas as portas por onde passava e gritava; laboratórios e alas de materiais, armazéns e tudo mais ali.
Kimberly via tudo se abrindo por onde passavam.
— Como... Como... Como... Como fez...
E Sean corria, e Sean a puxava, e Abhay se aproximava enquanto Sean abria portas, fugia, corria, arrastava Kimberly que não entendia o que era tudo aquilo, para então a porta que dava para fora do Complexo Templeton se moldar em seus orbes.
— Abra!!! Abra!!! Abra!!! — e Sean viu a porta cada vez mais próxima, ainda fechada. — Abra a maldita porta, Kimberly!!!
— Como... Como... Como... Como... Como... Como... Como... — e Abhay podia cheirá-los pela proximidade, pela fúria, pelo corpanzil.
Sean invadiu a mente de Kimberly, e um sinal de sobrecarga de leitura de retina e íris soou tão alto ao se aproximarem, que a porta se abriu no que seus corpos se projetaram porta afora, no que se fechou trancando Abhay dentro do Complexo Templeton aos uivos.
Sean e Kimberly caíram na rampa projetando-se metros abaixo.
E rolaram muito até conseguirem se erguer.
— Vamos!!! Vamos!!! Levante-se Kimberly!!! Não temos tempo!!! — e a puxou pelo braço.
— Não grite... Ai! Está me machucando — e ela era obrigada a seguir Sean, que corria rampa abaixo. — Por que não está indo ao Anexo I? — Kimberly viu Sean se dirigir aos armazéns. — O que quer nos armazéns? Não vimos Mr. Trevellis retirar os barcos? Não vimos os barcos no Setor III?
— Não são os barcos que me interessam. Preciso encontrar as armas.
— Não há armas no Complexo Templeton, Sr. Queise. Corrijo-me! A não ser a sua, que Esteban fez o favor de atirar em Letizia sabendo que aquilo não funcionaria.
— Não é aquele tipo de arma que procuro, Almirante — chegaram aos armazéns e Sean abriu as portas já não se importando com as chaves magnéticas dela. — São as armas que entraram no Complexo ano passado, na última reforma.
— Nenhuma arma... — e parou para olhá-lo mancando a sua frente. — Quem autorizou? — estava cada vez mais brava entrando num dos armazéns.
— Trevellis! — sorriu cínico. — Quem mais?
— Mr. Trevellis? Ele ainda teve coragem de passar por cima de minhas ordens? — ela o seguiu. — Ótimo! Então me explique; houve o acidente de ROMRET IX e tudo mudou? Armas entraram aqui?
— Não! Aqui tudo parece ocorrer em duplicidade — olhou-a. — Porque houve dois acidentes, o primeiro com Ryan e Joshua na viagem a Marte em 2004, o segundo ano passado, quando sua mãe Siri e seu pai Juan Pablo foram investigar uma das peras que mostravam defeito no painel de controle de nave FATHER III, e eles desceram a Marte quando encontraram a pera onde ficava Letizia, danificada. Ryan já estava lá, com eles, e os três pensaram em usar ROMRET X para capturar Letizia, como os 120 ROMRETs fizeram agora a pouco.
— Capturar… Ah… Não consigo falar…
— Mas precisa. Porque acredite Kimberly, os ROMRETs IX e ROMRET X foram preparados para muito mais que fotografar rochas e areia.
— Mas se a energia que veio em ROMRET X ano passado matou meus pais, então Letizia voltou somente há três semanas?
Ele parou a olhando.
— Letizia escapou da pera ano passado após Amâncio dominar Pramit. Siri mesmo contra a vontade de ROMRET X, que previu que havia algo errado, dizendo ser furada irem até a pera, foi até lá, sendo atacada pelas strangelets no que chegou e viu Letizia dominando essa energia escura e estranha. Mas antes de morrer, tentou prender essa energia, que acabou dominando ROMRET X. Então com sua morte, ROMRET IX se desligou do banco de dados, e ninguém ficou sabendo o que realmente houve. Quando seu pai aterrissou, a encontrou já derretida. Então ele recuperou seu corpo e voltou a Terra com ROMRET X, mas a strangelet que veio junto com o Robot, o atacou durante a viagem. Ryan então avisou Trevellis e Oscar, que se preparassem; inclusive, para barganhar com Letizia sua liberdade a fim de me ajudar; e ambos queriam algo de mim.
— Mr. Trevellis sempre quer algo de você.
— Sim! Trevellis queria as respostas de ROMRET IX e Oscar minha proteção. Só não sabiam do que Letizia era capaz, e ela não estava a fim de que eles descobrissem — e Sean apontou para um painel no fundo do armazém.
Ambos caminharam até ele e Kimberly não sabia o que era aquilo, mas colocou suas digitais, retina e íris, e uma grande porta se abriu no armazém. Sean lembrou-se do hangar onde patos pilotos se escondiam, onde eles se amaram.
Ambos entraram e ele correu para as salas no final do grande armazém agora vazio, com a retirada da massa disforme que se tornara os barcos após a sopa de quarks. Kimberly ainda viu o chão lotado de algas e outros resíduos que não foram limpos.
— Eu nunca... — olhou para os lados e Sean sumira. — Sean?! — chamou-o, mas não houve respostas. — Sean?! — berrou. — Sean?! Sean?! — saiu ela em disparada para entrar numa grande sala com muitos móveis e camas, e encontrar Sean numa sala mais ao fundo que denunciava ser um grande freezer.
O ar gelado a atingiu e ela viu Sean em choque com o que via.
— Não minta que nunca veio aqui, Kimberly — Sean a encarou. — Ou não minta que quando correu para a nave FATHER III agora pouco, não era para deter Letizia, era para acionar as strangelets que seu pai instalou na nave MOTHER III e FATHER III.
— Eu não... Eu não... Eu não...
— Está bem! Você não vai conseguir mesmo falar.
— O que são... — apontou para as muitas armas a frente deles.
— Armas alienígenas — Sean olhava cada uma, guardada em esquifes, em meio a pedaços, do que acreditavam ser alienígenas dissecados.
— O Setor III... Eu achei que aquilo era... Que era o máximo de segredos guardados... — Kimberly olhou tudo em choque. — Vejo que... Que também me enganei... — e ela viu Sean pegar uma arma na prateleira. Tinha algo como um botão de acionamento que Sean calculava ser aquilo mesmo. — Não me diga... — apontava. — Não me diga... — sorriu nervosa apontando a arma. — Não, não me diga, Sr. Queise.
Sean riu.
— É uma arma de strangelet.
— Mas o dossiê... — e tampou sua própria boca.
— O dossiê nunca existiu, não Kimberly? Foi o que Letizia, falou, não foi? — Sean sorriu o mais cínico que podia. — Deixe-me explicar tudo de uma vez por todas; Ryan, Joshua, Pramit, Juan Pablo, Siri, Ho, Esperanza e até Challitta que tinha uma ‘mãe relapsa’, conheceram-se desde a infância difícil de crianças superdotadas, índigos, entregues a Poliu por seus familiares, por não verem nem conhecerem qualquer outro tipo de auxílio a não ser de espiões psíquicos, que os criavam, treinavam.
Kimberly arregalou tanto os olhos, que achou que ia desmaiar de dor. Sean outra vez a pegou nos braços. E ambos gostaram do contato apesar do clima tenso, revelador.
— Meus pais... Conheciam os alienígenas?
— Sim, um monte deles espalhados pela Terra, escondidos por um conselho de Misteres que comandam um governo oculto, à margem de nossa realidade; de uma realidade muito diferente da que permite que conheçamos.
— É... Você já disse... Genética...
Sean então se virou e disse:
— Vamos! — deu-lhe uma mão. — Precisamos ir a Marte!
— Claro... No próximo metrô...
Sean riu um charme só.
— Quase isso, Almirante Kimberly, quase isso — e ele saiu do freezer, e ele saiu do armazém, e ele ganhou a rampa de areia até o Anexo I.
Ela ainda olhou todas aquelas armas e corpos dissecados, e foi atrás do homem mais pirado que ela já conhecera.
O único capaz de salvar o mundo.
FINAL
Ojo grande.
Complexo Templeton da Poliu.
28° 7’ 20” N e 17° 14’ 7” W.
16 de agosto; 01h01min.
Nem Mr. Trevellis nem todo o conselho de Misteres podiam acreditar no que Sean Queise faria. E nem Mr. Trevellis apostando todas suas fichas no ‘filho de Oscar’, acreditaria no que ele seria capaz.
Kimberly encontrou Sean sentado à frente de telas de última geração da Computer Co., após subir a rampa do Observatório Templeton e ter aberto a cúpula, com o ‘Ojo Grande’ mirando Marte.
— Ryan e Joshua, como cosmólogo e exobiólogo, respectivamente, entraram na missão Marte, que na década de 70 foi a Marte como Bielek denunciara — prosseguiu Sean. — Talvez nem Bielek nem ninguém soubesse sobre a Poliu, uma corporação de inteligência muito mais antiga que imagina. Então com a ajuda dos Pellet-Parresh, sob o comando de Amâncio, um jovem com dons paranormais que em troca de favores nada politicamente corretos para a Poliu, desenvolveu os LABS.
— Os LABS, foram por causa deles que Amâncio conheceu minha mãe. Provável, Esteban quis casar-se comigo por isso também. A Pellet-Parresh no fundo era tudo o que tinham de terráqueo.
— Os LABS, Laboratórios de Sobrevivência para que humanos pudessem sobreviver em Marte; seu pai escrevera realmente um dossiê, que você destruiu sob ordens dele.
— Sean... Desculpe-me.
Mas Sean nada respondeu.
— O Dossiê Marte falava que o planeta vermelho possuía bolsões de ar quase compatível à respiração humana, na região conhecida como Duck Bay, e que energias alienígenas encontraram uma maneira de fazer o ar marciano escasso de oxigênio se transformar, usando strangelets, através do controle dos quarks; ar respirável em Marte. Isso deve ter atraído a atenção de investidores e a Poliu investiu nos LABS, que passaram a ter outra utilidade, prender marcianos e estudarem como eles ficavam sob confinamento.
— Marcianos? Meus pais sequestravam mesmo marcianos?
— Não marcianos como a literatura fala, nem como espíritos alienígenas de Pierre, mas o que se tornaram essas energias pesadas, malignas, capazes de gerar strangelets. E os sequestravam para estudos, com o auxílio de patos pilotos, que ainda estão lá, defendendo o planeta — apontou para cima. —, protegendo Marte, após o Major Ryan os terem ajudado.
— Sr. Queise... Realmente... — e o olhou. — Realmente... — e Kimberly deixou o que ia falar se perder nas areias do tempo. — Mas e a WEBI?
— Aí que está a grande jogada. Quando Oscar deu-me o projeto da WEBI, tinha o intuito de alcançar o Major Ryan para Letizia voltar. E era Letizia na cabana no corpo de seu pai, era Letizia no carro virado no corpo de Ryan, era Letizia no corpo de Joshua me falando sobre pentagramas, hexagramas, contando que era ela a sexta ponta só para desafiar-me. Letizia que podia apagar e incluir memórias, como também podia se passar por outras pessoas, incutindo imagens na nossa cabeça, como um holograma que fez na minha suíte 55 enquanto estava do lado de fora, me convidando a dormir na suíte dela, e tudo isso com ajuda de um alienígena robô, Pramit.
— E por que ela não lhe matou?
— Porque disse que se casaria comigo — riu. — E Letizia que apesar de agradecida a Oscar, não hesitaria matar-me, ou de matá-lo, caso não conseguisse, o que não conseguiu.
Kimberly olhou em volta, relembrou todos com os quais conviveu por tanto tempo.
— Pobres coitados. Todos mortos por uma missão fracassada.
— Uma missão que só poderia ser acessada através de um dossiê, que só poderia ser acessado se ROMRET IX voltasse a funcionar.
— Imagino a raiva de Mr. Trevellis em precisar de você, de novo.
— Ele concordou em chamar-me para escrever o attach, mesmo correndo o risco de que eu descobrisse tudo. E ‘tudo’, significava a extinta civilização de Cydonia e a presença de vida inteligente em Duck Bay, patos pilotos e naves alienígenas, matérias estranhas capazes de dissolver o Universo, como também os marcianos e outros alienígenas vivendo na Terra sob o comando de Amâncio, que na verdade nunca obedeceu ao comando da Poliu — Sean se virou para tela e começou a digitar.
— O que foi? O que está lendo? Que são esses hieróglifos?
— Criptografia.
— Tem a chave para descriptografá-lo? — Kimberly esperou, mas Sean não respondeu. — Não me diga que a ‘chave’ é você? — Kimberly esperou, mas Sean não respondeu outra vez. — Você... Você... É! Tem razão! ‘Duo Life!’ — riu nervosa, extremamente nervosa. — Pode se comunicar com as máquinas, não Sr. Queise? Toda sua tecnologia, seu hackeamento, tudo e mais seus dons peculiares. Tem razão, os Pellet-Parresh nunca estariam a sua altura, alienígenas ou não.
Sean só ergueu o sobrolho. Nada falou outra vez.
Kimberly olhou em volta, ficou imaginando quantos segredos todos ali dentro tinham e ela nunca soube. Ficou imaginando o quanto era realmente a chefe daquilo tudo ali.
Sean girou a cadeira calmamente para ela que percebeu realmente a calma dele.
— Incrível não Almirante Kimberly?
Kimberly viu que Sean conseguiu acionar algo que fez a arma ligar.
— Incrível o quê? — e ele não respondeu. — Ótimo! Agora você vai me dizer que leu as instruções nessas telas psicografadas... — e ela viu Sean se levantar. — Sean? — e ele andava a passos largos como quem não mais precisava dela. — Sean?! — berrou. — Vamos, Sean... Diga-me que as paredes contaram-lhe como usar a arma de strangelets.
— Preciso?
E Kimberly viu Sean chegar ao andar debaixo bufando pelo cansaço, pela dor no tornozelo que voltava.
— Sean?! — berrou. — Responda-me!!!
Mas Sean só parou quando alcançou a grande parede lá embaixo, a que levava aos antigos mainframes.
— Abra! — Sean deu a ordem e a porta abriu. Kimberly o segurou, mas foi ele quem a girou, a beijando como fizera com Esperanza à entrada dos mainframes. Lábios e línguas que se encontraram em exercícios complexos, alucinados. Sean então parou de beijá-la e ambos desceram a escada de paredes que se iluminavam sozinhas. — Abra! — e a porta dos antigos mainframes se abriu ao comando dele, ao comando da voz dele, que nunca fez parte da biometria do Complexo Templeton.
O grande lustre de cristal acendeu-se todo.
Kimberly sentou-se numa das cadeiras como se fosse pequena, terrivelmente pequenina.
— Eu sinto tantas saudades dele... — olhou as antigas telas que se comunicavam com seu pai, Juan Pablo.
— Sinto muito...
— Eu sei... Ah! Duas coisinhas mais, Sr. Queise...
Ele não gostou de como foi chamado, de como era chamado.
— Sim... Almirante.
— Primeira coisinha... Se todos iam ligados a um ROMRET, e as duplas Joshua/Ryan, Juan Pablo/Siri, e Ho/Major Mª Lucia iam juntas, então como Pramit ia?
— Não, Pramit não ia a Marte. Já disse. Pramit gerava ROMRETs; filhos de Pramit, um alienígena-máquina sabe se lá de qual quadrante planetário.
— ROMRETs gerados por Pramit? Feito bebe? Ótimo, Sr. Queise... Realmente... — e o olhou. — Realmente... — e Kimberly deixou o que ia falar se perder outra vez. — Segunda coisinha... Onde está o verdadeiro Ryan?
— Em Marte. E Amâncio, Dino e Allejandro vão matá-lo se não conseguirmos detê-los.
— E agora?
— E agora venha! Dê-me sua mão! — e Sean acionou os antigos mainframes que giraram suas fitas. — O próximo metrô vai sair. Afinal os patos estão com o neozelandês — sorriu cínico.
— Ah... Diga-me uma terceira coisinha, Sr. Queise — ela o viu o olhando parada, segurando sua mão. — As portas e nossas roupas vão sumir outra vez?
Sean gargalhou com gosto. Só podia fazer aquilo.
Os mainframes giraram no máximo da carga forçando a energia, rareando as luzes do Complexo Templeton da Poliu, avisando a Oscar Roldman e Mr. Trevellis que Sean viajava.
— Meu filho... — soou de Oscar.
— Filho de Oscar... — soou de Mr. Trevellis, sabendo que no fundo gostava dele, que o criara para aquilo.
“Nada é mais livre do que a imaginação do homem; e, embora ela não possa ultrapassar o fundo original de ideias fornecidas pelos sentidos internos e externos, tem um poder ilimitado de misturar, unir, separar e dividir essas ideias em todas as modalidades de ficção e visão. Ela pode inventar uma série de eventos com toda a aparência de realidade, pode atribuir-lhes um tempo e um lugar particular, concebê-los como existentes e descrevê-los com todos os pormenores que correspondem a um fato histórico, no qual ela acredita com a máxima certeza”.
David Hume.
Marcia Ribeiro Malucelli
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