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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DOTTED LINES / Devney Perry
DOTTED LINES / Devney Perry

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Clara Saint-James está completando uma jornada iniciada por uma velha amiga. Ela vai devolver um Cadillac para a Califórnia, um lugar que ela evitou por mais de uma década. Mas é hora de encerrar e colocar velhos fantasmas para descansar. E é hora de descobrir se os sentimentos que ela nutria pelo garoto de seu passado são apenas memórias fantasiosas - ou se há uma chance de serem reais.
O tempo nunca esteve do lado dela, especialmente quando se tratava de Karson Avery. Os dois viviam em um ferro-velho como adolescentes fugitivos e, embora ela quisesse mais do que sua amizade, ele sempre pertenceu a outra - até aquela noite em que ele foi dela.
Quando Clara encontra Karson morando em uma pequena cidade costeira, ela não se surpreende que o lindo garoto de seu passado tenha se tornado um homem deslumbrante. Seu sorriso é cativante como sempre. Seus olhos têm o mesmo brilho maroto. Mas o tempo ainda está trabalhando contra ela.
Clara deve decidir o quão longe ela está disposta a ir na batalha pelo coração de Karson. Ou se é hora de deixá-lo ir e se render às linhas pontilhadas que sempre os mantiveram separados.

 


 


CAPÍTULO UM

CLARA

— Quais são as linhas amarelas?

— São linhas pontilhadas, — respondi.

— Mas eles não são pontos. — August me enviou seu famoso olhar pelo espelho retrovisor. O olhar que dizia que eu estava errada e ele era cético em relação a tudo que eu lhe ensinei nos cinco, quase seis anos de sua vida. Ele começou essa suspeita no final de seu ano no jardim de infância, e eu tenho recebido muito disso neste verão.

— Não, eles não são pontos. Mas quando você vai rápido o suficiente, eles parecem pontos.

— Por que eles não são chamados de listras?

— Acho que algumas pessoas podem chamá-los de linhas listradas.

— É assim que estou chamando. — Ele baixou o queixo em um único aceno comprometido. Decisão tomada. — O que eles querem dizer?

— Isso significa que se você ficar atrás de alguém que está indo mais devagar do que você, e desde que não haja ninguém vindo na direção oposta e a estrada esteja livre, você pode ultrapassar o motorista mais lento.

August deixou minha explicação cair e quando ele não fez outra pergunta complementar, eu soube que havia satisfeito sua curiosidade. Para um tópico.

Um. Dois.Três.

— Mamãe?

Eu sorri. — Sim.

— Quanto pesa o oceano?

Agora teria uma mentira. Mas as perguntas intermináveis do meu filho nunca me decepcionaram. Eu perdi a conta de quantos tópicos nós cobrimos nesta viagem sozinhos. August não foi nada além de curioso. Eu mal podia esperar para ver o que ele faria com todos os fatos que estava armazenando em sua cabeça para mais tarde.

— Com ou sem as baleias? — Perguntei.

— Com as baleias.

— Com ou sem o peixe amarelo?

— Com eles.

— E o peixe azul?

— Sim. Todos os peixes.

— Até a estrela do mar?

— Mãe, — ele gemeu. — Quanto?

Eu ri, olhando para o banco de trás, depois voltei para a estrada. — O oceano, com as baleias, os peixes e as estrelas do mar, pesa mais que a lua e menos que Júpiter.

Sua pequena testa franziu quando ele rolou os olhos. — Isso é muito.

— Com certeza é. — Minhas bochechas pinicaram de tanto sorrir, mas era o que acontecia com August. Quando ele era mais jovem, eu disse que ele tinha poderes mágicos. Que se ele sorria, eu sorria. Toda vez. Essa era sua magia, e ele a usava com frequência.

Eu ajustei meu aperto no volante enquanto os pneus zumbiam no asfalto. O Cadillac flutuou na estrada. De certa forma, era como se estivéssemos voando, deslizando sobre o asfalto enquanto voamos em direção à Califórnia.

August olhou pela janela, chutando as pernas. Ele já estava inquieto para sair do carro, embora tivéssemos acabado de começar a jornada de hoje, navegando pelas estradas de Phoenix enquanto íamos em direção à interestadual.

Estávamos na metade de nossa jornada de dois dias de nossa casa em Welcome, Arizona, para Elyria, Califórnia.

No total, a viagem duraria apenas oito horas, mas eu a dividi, não queria torturar meu filho com um dia inteiro amarrado na cadeirinha do carro. Na noite anterior, paramos em Phoenix e passamos uma noite agradável no hotel. August passou as horas após o jantar jogando balas de canhão suficientes na piscina para afundar um navio pirata. Então ele desmaiou ao meu lado na cama enquanto eu lia um livro por algumas horas de distração.

Esta manhã, depois de um café da manhã continental com bolos e suco, carregamos o Cadillac e pegamos a estrada.

— Mamãe?

— August?

— Gosta desse carro?

— Amo este carro, — respondi sem hesitação. Embora não tivesse passado horas suficientes ao volante para considerá-lo meu, adorava esse carro. Por razões que meu filho não perceberia.

— Mas não há reprodutor de filmes, — argumentou. Foi a terceira vez que ele me lembrou que o Cadillac não tinha um console de vídeo como meu Volkswagen Atlas.

— Lembre-se do que eu disse a você. Este carro é um clássico.

Ele bufou e afundou ainda mais no assento do carro, totalmente impressionado. — Quanto tempo mais?

— Nós temos um tempo. — Eu estendi a mão para o banco de trás, palma para cima.

Ele pode não estar tendo o melhor momento de sua vida no carro, mas ele ainda era meu melhor amigo. Com um estalo, ele bateu com a mão na minha para um high-five.

— Amo você, Gus.

— Também te amo.

Voltei minha mão ao volante e relaxei no assento de couro macio.

Sim, adoro este carro, mesmo que não fosse meu para ficar com ele. O Cadillac DeVille 1964 já fora uma pilha de ferrugem e metal amassado. O carro havia parado com pneus furados em um ferro-velho em Temecula, Califórnia, lar de insetos. Provavelmente tinha ratos. E dois adolescentes fugitivos.

A rampa de acesso para a interestadual se aproximou e eu peguei, meu coração galopando enquanto eu pressionava o acelerador.

Hoje era o dia. Hoje eu estava devolvendo este Cadillac para um daqueles adolescentes fugitivos. Hoje, depois de mais de uma década longe, eu iria ver Karson.

Meu estômago se revirou. Se não fosse pelo meu aperto firme no volante, minhas mãos tremiam. Doze, quase treze anos atrás, eu deixei a Califórnia. Eu tinha deixado o ferro-velho que seis de nós chamamos de casa por um tempo.

Minha irmã gêmea - Aria - e eu.

Londyn, Gemma e Katherine.

E Karson.

Ele tinha sido nosso protetor. Aquele que nos fazia rir. O ombro para chorar. Ele tornou uma situação ruim suportável. Uma aventura. Sobrevivemos ao ferro-velho por causa de Karson.

E o Cadillac era dele, um presente de Londyn. Eu era simplesmente a entregadora.

Em outra vida, Londyn e Karson fizeram deste Cadillac sua casa, nos dias em que ele não tinha tinta vermelha brilhante ou um motor funcionando. Mas Londyn retirou o Cadillac do ferro-velho e o restaurou completamente. Ela o guardou por um tempo, então decidiu dá-lo a Karson.

Sua viagem de Boston para a Califórnia tinha chegado apenas à Virgínia Ocidental. De lá, Gemma havia levado o Cadillac para Montana. Katherine era a terceira ao volante, dirigindo para Aria, no Oregon. Então minha irmã o trouxe para mim no Arizona.

Pronta ou não, era hora de terminar o que Londyn havia começado. Eu adiei esta viagem por tempo suficiente. Mas era hora de fazer a transferência, de terminar o último trecho da jornada.

A viagem final.

Não foram as horas na estrada ou o destino que mantiveram meu coração acelerado desde que saímos de casa ontem. Era o homem esperando, sem suspeitar, no final da estrada.

Karson tinha encontrado o que quer que estivesse procurando? Ele construiu uma vida boa? Ele estava feliz? Ele se lembrava de nossos momentos juntos com clareza vívida como eu? Ele os repassou durante as longas noites em que o sono foi perdido?

Ele vai me reconhecer?

— Mamãe?

Eu sacudi a ansiedade. — Sim?

— Quanto falta para chegarmos lá? Exatamente?

— Cerca de quatro horas e meia.

Ele gemeu e caiu de costas. — Isso vai demorar uma eternidade.

— Você poderia tirar uma soneca. Isso fará com que a viagem seja mais rápida.

August endireitou o corpo e me lançou um olhar de puro veneno pelo espelho. — É manhã.

Eu puxei meus lábios para esconder meu sorriso. — Que tal um pouco de música?

— Posso jogar no seu telefone?

— Certo. — Eu vasculhei minha bolsa no banco do passageiro, encontrando meu telefone. Então eu entreguei para ele.

August desbloqueou a tela com o código, embora seu rosto às vezes também funcionasse.

Eu seria eternamente grata a Devan, o pai de August, por me ajudar a criar este menino magnífico. Mas também era eternamente grata por August se parecer exatamente comigo. Ele tinha meu cabelo loiro, embora o dele tivesse sido iluminado pelo sol de verão do Arizona, enquanto eu pintava o meu no salão. Tínhamos o mesmo nariz e os mesmos olhos castanhos. O segundo dedo do pé de August era mais comprido do que o dedão, algo que ele também herdou de mim.

Ele era meu.

Só meu. O advogado que eu contratei quando August era um recém-nascido me garantiu que, uma vez que Devan tivesse assinado seus direitos, Gus seria meu.

Não era a vida que eu queria para meu filho, crescer sem pai, mas foi melhor assim. Devan não queria um filho e nenhuma quantidade de coerção o teria transformado em um pai decente.

Por isso, reguei meu filho com amor e atenção. Eu iria, descaradamente, pelo resto de sua vida.

Boa sorte para qualquer namorada que ele trouxesse para casa. Os pais podiam submeter os namorados a um interrogatório. Bem, essa mãe estava tomando essa liberdade também.

O som de um jogo de matemática flutuou pelo carro enquanto August tocava no meu telefone. Os sons e badalos do aplicativo se misturavam ao zumbido das rodas na estrada.

E eu respirei enquanto os quilômetros em direção à Califórnia passavam rapidamente.

Era apenas um estado. Apenas um nome. Mas em algum lugar ao longo do caminho, depois que deixamos Temecula, a Califórnia se tornou sinônimo de passado.

Califórnia significava dias de fome. Califórnia significava noites escuras. Califórnia significava morte.

Era a razão pela qual Aria não voltaria. O mesmo com Katherine. Nenhuma das duas desejava voltar a pôr os pés na Califórnia. Talvez, se eu tivesse implorado, Aria teria vindo comigo, mas eu não teria pedido isso a ela. Além disso, ela acabara de ter um bebê e não estava em condições de fazer uma viagem.

Aria e Brody estavam atualmente suportando as noites sem dormir e cansativas como pais de um recém-nascido. Logisticamente, fazia sentido para mim fazer esta viagem agora. Brody era cunhado e chefe, então, enquanto ele estava passando um tempo com Aria e o bebê, houve uma pausa no trabalho para fazer como sua assistente. Com August nas férias de verão da escola, esta era a janela.

Ou talvez eu soubesse que, se continuasse evitando a viagem, nunca a faria.

Eu poderia fazer isso.

Eu tenho que fazer isso.

Porque por doze anos, eu tinha uma esperança. Uma esperança distante, mas poderosa o suficiente para me impedir de me soltar e seguir em frente.

Já era tempo.

Depois de apenas trinta minutos, August desistiu de seu jogo de matemática. Ele me fez outra longa série de perguntas e então, por algum milagre, adormeceu. Nadar no hotel ontem à noite deve tê-lo exaurido.

Ele estava caído em sua cadeira, sua cabeça pendurada em um ângulo que teria me dado uma torção no pescoço, quando nos aproximamos da fronteira com a Califórnia. Elyria ficava no litoral, ao norte de San Diego, e ainda tínhamos horas para dirigir, mas cruzar a fronteira era um obstáculo por si só.

Eu optei por uma rota ao sul através do Arizona, querendo evitar o tráfego de Los Angeles. E Temecula.

Visitar a Califórnia era o suficiente por um fim de semana. Voltar para a cidade onde passamos nossa infância era uma questão totalmente diferente. Temecula tinha lembranças felizes dos primeiros anos, das vidas felizes que Aria e eu tínhamos vivido antes de nossos pais morrerem em um acidente de carro quando tínhamos dez anos. Depois disso, pude contar o número de lembranças felizes com uma mão. Temecula estava cheia de fantasmas e, embora eles ainda me chamassem às vezes, eu não iria lá, mesmo com August como meu fiel companheiro.

Esta viagem estava prestes a encerrar. Era sobre Karson. Isso era o suficiente.

Segurei o volante, com o coração na garganta, ao passar pela placa na fronteira do estado. Califórnia.

Meu estômago rolou e o suor gotejou na minha têmpora. Eu respirei fundo, arrastando-o pelo nariz para, em seguida, empurrar para fora por minha boca. Dentro e fora. Dentro e fora, Clara. Assim como Karson me ensinou anos atrás, quando testemunhou um dos meus ataques de pânico.

Eu não tinha um há anos.

Minhas mãos tremiam quando meu telefone tocou. Estiquei-me para pegá-lo no banco do passageiro, verificando se August ainda estava dormindo. Sempre me surpreendeu que ele pudesse dormir sobre qualquer coisa.

— Ei, — eu respondi, nem um pouco surpresa que minha irmã estava ligando. Quer fosse uma coisa gêmea ou não, geralmente tínhamos um bom sentido sobre o humor uma da outra, mesmo a milhares de quilômetros de distância.

— Oi. — Aria bocejou. — Você está bem?

— Não, — eu admiti. — Isso é mais difícil do que eu pensava que seria.

— Você está na Califórnia?

— Sim. — Eu soltei uma respiração trêmula. — Eu posso fazer isso, certo?

— Você consegue fazer isso. Você é a pessoa mais corajosa que conheço.

— Não, você é.

Aria nos ajudou a atravessar o momento mais difícil de nossas vidas. Enquanto eu desmoronava após a morte de nossos pais, ela nos manteve em movimento. Eu, aos dez anos, ficara em coma por algumas semanas, principalmente por causa do choque. Que criança não cederia a tanto desgosto? Aria. Talvez fosse porque eu precisava dela, ela permaneceu forte. Ela me manteve em movimento até que a névoa da dor se dissipou.

Então eu jurei nunca mais desmoronar. Quando criança, cumpri essa promessa para mim mesma. Como adulto e mãe, falhar não era uma opção.

Aria achou que eu poderia fazer essa viagem e ela estava certa. Eu poderia fazer isso.

Certo, ela não sabia o que havia acontecido com Karson. Talvez se ela soubesse a verdade, ela teria me dado um conselho diferente.

— Como vai? Como está Trace? — Eu perguntei, precisando de um tópico diferente para enfocar.

— Nós dois estamos bem. — Havia um sorriso em sua voz e um pequeno guincho atingiu meu ouvido. — Ele está mamando. Acho que ele gosta do nome dele.

— Porque é perfeito. — Broderick Carmichael Terceiro. Trace. Levou mais de cinco dias para dar um nome ao bebê, mas quando liguei para fazer o check-in no hotel na noite passada, Aria e Brody anunciaram com orgulho Trace.

— Como está a viagem? — Aria perguntou.

— Está bem. Demorando para sempre de acordo com August.

Aria riu e bocejou novamente.

— Eu vou deixar você ir. Tire uma soneca se puder, ok?

— Esse é o plano. Brody adormeceu há cerca de uma hora. Assim que ele acordar, estamos trocando.

Eu estava feliz por ela o ter. Eu estava feliz por ele a ter.

Talvez tenha sido assistir minha irmã se apaixonar por meu amigo que foi o empurrão final para me enviar nesta viagem. Algum dia, talvez, eu quisesse amor. Eu queria um homem para me abraçar à noite. Eu queria um homem que fosse um bom modelo para August. Eu queria um homem que me fizesse sentir querida.

Até confrontar o passado, sempre me pergunto. Eu sempre compararia.

Sempre pensei em Karson.

— Ligue-me quando chegar lá, — disse Aria.

— Eu irei.

— Tire uma foto de Karson com o carro, se puder. Acho que Londyn gostaria de ver isso.

— Boa ideia. Eu acho que ele também, — eu disse. — Amo vocês.

— Amo vocês. Tchau.

Quando terminei a ligação, a ansiedade de antes havia diminuído. Era assim com minha irmã. Em um dia ruim, nós tínhamos uma a outra. Tinha sido assim durante toda a nossa vida.

Havia uma boa chance - melhor do que boa - de voltar para casa com o coração um pouco machucado. E ela estaria lá para ajudar a curar.

Eu posso fazer isso.

Não havia como voltar agora. O Cadillac ficou parado na minha garagem por muito tempo. Talvez tivesse sido mais fácil se não fosse pelo histórico dessas transferências. Para cada viagem que este Cadillac fez, cada uma das minhas amigas encontrou o amor.

Londyn conheceu Brooks em West Virginia, graças a um pneu furado.

Gemma voltou para Montana e encontrou Easton esperando.

Katherine e Cash se apaixonaram nas estradas entre Montana e Oregon.

Aria veio para o Arizona e percebeu que o ódio que nutria por Brody na verdade era afeto.

Eu não tinha ilusões de que essa viagem resultaria em uma grande mudança de vida. Eu esperava ser a única mulher que voltaria para casa solteira. Meses me preparando para essa realidade não tornaram mais fácil de engolir.

No entanto, havia aquele vislumbre de esperança que eu havia enterrado profundamente. Misturou-se ao medo porque, ao contrário dos meus amigos, eu não tinha partido para o desconhecido sem nada em mente.

Eu sabia exatamente quem estava procurando.

Seu sorriso mudou? Ele sorria como costumava fazer? Deus, eu esperava que sim.

Eu esperava que fosse o que fosse que tivesse acontecido com Karson nos últimos doze anos, seu sorriso não tivesse diminuído. Porque nas minhas noites mais sombrias, quando os fantasmas escaparam de seus confins na fronteira da Califórnia e foram levados para o Arizona, foi a lembrança do sorriso de Karson que os afugentou.

Isso e meu filho.

August se mexeu, piscando as pálpebras pesadas ao acordar.

— Ei, camarada.

— Já estamos lá?

Eu dei a ele um sorriso triste. — Não, ainda não. Mas estamos chegando perto.

Ele afundou na cadeira, os olhos ainda sonolentos e as bochechas coradas. — Mamãe?

— Sim? — Meu coração apertava cada vez que ele escorregava e me chamava de mamãe. Um de seus amigos da escola no ano passado disse a August que chamava sua mãe de mãe e não de mamãe. Daquele dia em diante, eu era mãe, exceto nos raros momentos em que ele ainda era meu bebê.

— Você acha que podemos ir nadar assim que chegarmos lá? — ele perguntou.

— Provavelmente não agora, — eu disse. — Primeiro precisamos passar na casa do meu amigo. Lembra?

— Oh sim. Vai demorar muito?

— Não, não muito tempo.

— Então podemos ver o oceano, certo?

— Sim, então veremos o oceano.

August bocejou, mas sentou-se mais reto. Seus olhos perderam a névoa sonolenta e seu olhar saltou para fora da janela, perseguindo os arbustos e a areia que delimitavam a rodovia interestadual.

— O que você acha que é mais assustador, um tubarão ou um leão?

Este menino nunca saberia o quão grata eu era por suas perguntas. Ele nunca saberia que me manteve de castigo. Ele me manteve são. Ele me manteve indo. — Depende. É um tubarão-martelo ou um tubarão-tigre?

— Cabeça de martelo.

— Um leão.

Ele assentiu. — Eu também.

As perguntas continuaram até que a estrada aberta ficou congestionada com veículos e o Cadillac foi engolido pelo trânsito. August estava prestes a sair de sua pele quando chegamos aos arredores de San Diego.

Paramos para almoçar e August devorou um merecido McLanche Feliz no McDonald's. Então, depois de reabastecer em um posto de gasolina, carregamos mais uma vez para a viagem ao longo da costa. Depois de passarmos pela cidade, o tráfego de domingo mudou na direção oposta, a maioria das pessoas voltando para casa após uma viagem de fim de semana.

Trinta milhas fora de Elyria, o oceano apareceu, e eu decidi sair da interestadual por uma rodovia mais silenciosa que abraçava a costa. Os olhos de August estavam arregalados enquanto ele olhava para a água azul e as ondas brilhando sob o sol forte de julho.

— Vamos fazer algo divertido, — eu disse a August, puxando o freio para nos ajudar a entrar em um desvio ao longo da estrada.

— O que? — Ele saltou em sua cadeira, então seu queixo caiu quando mudei para colocar a capota do conversível para baixo. — Legal!

Nós dois rimos quando entrei na estrada. As mãos de August dispararam para o ar, seu cabelo precisando de um corte, despenteado com o vento salgado.

Ele precisava de protetor solar. Ele deveria estar usando óculos escuros. Mas, por trinta milhas, a diversão era mais importante do que ser a mãe responsável em todos os momentos do dia. Isso e eu não queria fazer nada para estragar aquele sorriso em seu rosto.

Eu precisava daquele sorriso enquanto os nervos cresciam, torcendo minhas entranhas e tornando difícil respirar. Então, apoiei meu joelho no volante e levantei os braços. — Uhuuu!

— Uhuuu! — August torceu comigo.

Sua risada era o bálsamo para minha alma, e eu mergulhei nela, lembrando a mim mesma que esta era a viagem de August também. Essas eram suas férias de verão no oceano, algo de que ele poderia se gabar no primeiro dia da primeira série neste outono.

Férias. Exploraríamos o oceano. Compraríamos besteiras de que não precisávamos e comíamos muito sorvete. Faríamos uma viagem divertida e depois iríamos para casa. Brody ofereceu seu jato para salvar August de uma viagem de retorno de dois dias em um carro alugado.

O limite de velocidade caiu quando passamos por uma placa de boas-vindas a Elyria.

Eu engoli em seco.

Meu telefone soou com instruções através da cidade em direção ao endereço que eu digitei dias atrás. Lojas de cores vivas ladeavam a estrada principal. Um casal cruzou a estrada à frente, cada um carregando pranchas de surfe. Placas de sinalização para áreas de estacionamento surgiam a cada poucos quarteirões, direcionando as pessoas em direção à praia.

Mais tarde, exploraria esta cidade encantadora, mas no momento manteria meu foco em frente, ouvindo atentamente a navegação. Quando virei em uma rua lateral, estava tão ansiosa que não me incomodei em observar a vizinhança ao nosso redor.

Então nós estávamos lá. O endereço de Karson. O destino estava à nossa esquerda.

Eu diminuí a velocidade do Cadillac para estacionar em frente a uma casa de Madeira branca com janelas em arco e um telhado de terracota. O caminho de ladrilhos para a porta da frente era do mesmo rico marrom caramelo que o barro. Duas palmeiras bebê elevavam-se sobre o jardim verde e, ao lado da casa, havia uma garagem.

Virei a esquina, estacionando na garagem. O trovão do meu coração foi tão alto que mal registrei a pergunta de August.

— Mãe, chegamos?

Eu consegui acenar com a cabeça enquanto desligava o carro e tirava o cinto de segurança. Então eu encarei a casa. Como eu faria isso? Talvez eu devesse ter ligado primeiro. Karson pode nem estar em casa. Se não, acho que voltaríamos mais tarde.

Mas esta era definitivamente sua casa. Verifiquei duas vezes o número ao lado da porta da garagem.

— Posso sair? — August perguntou, já desafivelando o cinto.

— Certo. — Eu precisaria dele comigo para isso.

Saí do carro, caminhando com as pernas instáveis ao seu lado para ajudá-lo a sair. Então, com a mão do meu filho na minha, parei na garagem e deixei o sol aquecer meu rosto. O som do oceano era um sussurro suave no ar. O cheiro de sal e mar atingiu meu nariz.

Aria morava na costa do Oregon há anos e, embora o cheiro fosse semelhante, havia algo mais doce no ar de Elyria.

Karson sempre disse que queria estar perto do oceano. Ele queria aprender a surfar. Fiquei feliz por ele ter realizado esse desejo.

O som de uma porta se abrindo chamou minha atenção e me virei, bem a tempo de ver um homem alto de cabelo escuro sair. Uma barba aparada curta sombreava sua mandíbula esculpida. Ele estava vestindo um short cargo cáqui pendurado baixo em seus quadris estreitos. Sua camiseta verde se esticou sobre seu peito largo e agarrou-se à força em seus bíceps. Seus pés estavam descalços.

Karson.

Meu coração deu um salto.

Ele cresceu. Os braços e as pernas esguios se foram. Foi-se o cabelo desgrenhado que precisava de um corte. O jovem desapareceu de seu rosto.

Este era Karson Avery, um homem que roubou minha respiração. Mas ele tinha feito isso há doze anos também.

Aqueles lindos olhos castanhos me estudaram, então dispararam para o carro quando ele veio em nossa direção. Uma ruga se formou entre suas sobrancelhas quando ele olhou para dentro. Em seguida, eles se moveram para mim e essa ruga se aprofundou.

Meu estômago deu uma pirueta. Por favor, me reconheça.

Se ele não... Agarrei-me à mão de August, extraindo força de seus dedos. Isso quebraria meu coração se Karson tivesse se esquecido de mim. Porque em todos esses anos, ele nunca esteve longe de minha mente.

Os pés de Karson pararam abruptamente e seu corpo inteiro congelou. Então ele piscou e balançou a cabeça. — Clara?

Oh! Graças a deus. Eu engoli o nó na minha garganta. — Oi, Karson.

— Eu não posso acreditar. — Ele balançou a cabeça novamente, então seu olhar mudou para August. — Olá.

August me agarrou com mais força e murmurou: — Oi.

— É realmente você?

— Sou eu.

— É você mesmo. — Um sorriso lentamente se espalhou por seu rosto, cada vez mais largo.

Não mudou. Lá, no rosto de um homem, estava o sorriso do garoto que eu amava.

O garoto que eu amava antes de sua vida seguir uma direção e a minha em outra.

E entre nós riscou essas linhas pontilhadas.

 

 

 

CAPÍTULO DOIS

CLARA


Doze anos antes...


— Aqui. — Aria jogou para mim o marcador e o apagador.

Eu o peguei e esfreguei meu punho na parede da van, apagando o número de ontem. Então, abrindo a tampa, escrevi o número de hoje em azul. O cheiro forte do marcador havia se tornado o cheiro da esperança.

Sessenta e um.

Tínhamos sessenta e um dias até nosso aniversário de dezoito anos. Sessenta e um dias até que pudéssemos deixar o ferro-velho como adultos legais e seguir em frente com nossas vidas. Depois de três anos morando nesta van sem eletricidade, aquecimento ou ar condicionado, nosso tempo aqui estava chegando ao fim.

Eu pensei que com o passar dos dias, eu ficaria mais animada para dizer adeus a essa van velha de merda. Acho que deixar qualquer casa era difícil, mesmo uma casa suja. Até do meu tio. Embora qualquer buraco fosse melhor do que viver sob o teto daquele bastardo.

— Tem certeza de que não quer ir para Montana? — Aria perguntou de seu saco de dormir, onde estava curvada, amarrando os sapatos.

Os cadarços eram brancos em um ponto, assim como os do meu. Mas depois de quase três anos, eles eram permanentemente de um vermelho acastanhado - a cor da sujeira externa que fizemos o possível para impedir de rastrear.

— Não sei. — Dei de ombros. — Foi para lá que Londyn, Gemma e Katherine foram.

— Exatamente meu ponto.

— Você não acha que deveríamos, tipo, encontrar nosso próprio lugar?

— Sim, — ela murmurou. — Eu acho que sim. Então onde?

— LA?

— Inferno não. — Ela se levantou e tirou seu moletom preto favorito da mochila que estava em seu armário. — Eu quero sair da Califórnia. Para sempre.

— Eu só quero sair desta maldita cidade. — Dei uma longa olhada no número na parede de metal, depois tampei novamente o marcador e joguei-o em minha caixa de madeira.

Sessenta e um.

A emoção viria. Eventualmente. Certo?

— Você vai regar minhas plantas para mim hoje? — Aria perguntou.

— Certo. — Eu não tinha mais nada para fazer.

Nos dias em que eu não estava trabalhando, a vida no ferro-velho era entediante. O dia se estenderia sem TV, telefone ou... nada. Então, eu regaria suas plantas. Eu varreria a van com a vassoura portátil que comprei na loja de um dólar alguns anos atrás. Ambas as tarefas levariam uma hora no total. Então eu teria que encontrar outra coisa para fazer.

— O que você quer que eu traga a você do restaurante? — ela perguntou.

— Comida.

Minha resposta era a mesma de sempre. Assim como a resposta de Aria nos dias em que ela ficou presa aqui e eu fui trabalhar em uma lanchonete de parada de caminhões. Lavei pratos por seis dólares a hora. Estava abaixo do salário mínimo, mas como o proprietário me pagou em dinheiro por baixo da mesa e não fez perguntas sobre por que eu não tinha ido à escola no ano passado, valeu a pena o corte.

Ficar fora da grade era a única maneira de fazer esse arranjo de vida funcionar.

Por mais sessenta e um dias, Clara Saint-James era um fantasma.

Então, Aria e eu sairíamos daqui e nos juntaríamos à sociedade com um endereço real, números de previdência social e certidões de nascimento - os documentos guardados embaixo do meu saco de dormir em um saco plástico. Tínhamos feito questão de tirá-los de nosso tio antes de fugirmos.

Talvez quando saíssemos daqui, nós realmente conseguiríamos as carteiras de motorista. Um cartão de crédito. Uma conta bancaria.

— Alguma solicitação? — Aria perguntou. Ela também trabalhava como lavadora de pratos, a cerca de trinta minutos a pé daqui. O proprietário de seu restaurante havia realmente pedido um formulário.

Aria tinha me listado como o nome de sua mãe, o ferro-velho como nosso endereço. Felizmente, eles não tentaram ligar para o número de telefone falso que ela colocou no formulário. Ou, se tivessem, teriam perguntado por que a ligação não foi completada.

Como eu, ela era paga por baixo da mesa, então por que seu chefe precisava de um aplicativo, eu não tinha certeza. Seja qual for o motivo, tudo o que importava era que nós duas trabalhávamos em restaurantes. A comida valia mais do que o salário de uma hora.

Nos dias em que trabalhávamos, nenhuma de nós duas se preocupava com a refeição. E normalmente, haveria o suficiente na cozinha para um ou dois sanduíches extras para levar para casa.

— Presunto e queijo, — eu disse. Era o favorito de Karson, não que eu dissesse a Aria que era o motivo pelo qual sempre pedi por ele.

— Ok. Estou fora. — Ela ficou na entrada da van, esperando.

Eu me aproximei e passei meus braços em volta dela.

Na noite em que nossos pais morreram, eu não queria dar um abraço de boa noite em minha mãe ou meu pai. Eu estava no meio de um jogo de Fallout no meu PlayStation. Eu tinha chegado ao nível oito e os blocos estavam caindo muito rápido. Meus dedos voaram sobre o controle. E quando meus pais me deram um beijo de despedida, quando eles me disseram para me divertir e ser boa para nossa babá, eu os dispensei com um grunhido.

Horas depois, a caminho de casa, um motorista bêbado cruzou a linha central e bateu no carro.

Eu aos dez anos não tinha entendido que a vida era curta. Eu estava tão preocupada com um videogame idiota que não dei um abraço de despedida em meus pais.

Eu não cometeria esse erro novamente.

— Tome cuidado. — Eu soltei Aria e observei enquanto ela pulava para fora da van.

Quando seus sapatos bateram no chão, ela olhou para mim e acenou. — Tchau. Tenha um bom dia.

— Você também.

Não gostava dos dias em que íamos para a cidade sozinhas. Sim, fazíamos isso há quase três anos, mas isso não significava que fosse seguro. Até que partíssemos, até deixarmos Temecula e fazer dezoito anos, nunca estaríamos seguras. Não até que tivéssemos controle sobre nossas próprias vidas.

Aria não se dirigiu para o pequeno portão na cerca do ferro-velho que servia como nossa porta pessoal. Em vez disso, ela correu para a loja de Lou, desaparecendo no banheiro.

Fiquei parada no final da van, esperando até que ela saísse. Então, com outro aceno, ela desapareceu entre os carros enferrujados e pilhas de peças de metal.

Suspirei, examinando meu mundo cor de ferrugem. Tudo aqui estava tingido de marrom-alaranjado. Alguns dos carros antigos ainda tinham manchas de tinta - azul-petróleo, preta ou vermelha. Esta van já foi branca. Mas a cada dia que passava, as cores se desintegravam, pouco a pouco. Pedaço por pedaço. Era uma batalha perdida contra o vento, o sol, a chuva e a poeira.

A única cor brilhante e fresca vinha das plantas de Aria. Ela estava crescendo mais e mais este ano, desde que as meninas partiram.

Acho que ela sentia falta de Londyn, Gemma e Katherine mais do que eu. Não que eu não sentisse falta delas. Eu sentia. Eu sentia falta de nossas amigas. Era apenas... mais fácil quando elas se foram.

Eu não tinha que trabalhar tanto para esconder minha paixão por Karson.

Em vez de mascarar de cinco pessoas, eu só tinha que esconder meus verdadeiros sentimentos de duas - minha irmã e o próprio Karson.

Fácil quando eu estava aqui sozinha.

O sol estaria quente hoje, perfeito, então desci do caminhão e encontrei a velha lata de café que Aria usava para regar suas plantas. Ela estava apoiada em uma das rodas planas do caminhão.

Nossa casa não era chique, mas evitava a chuva, principalmente. E os ratos. Era um velho veículo de entrega, a parte traseira uma caixa de metal retangular. Ele havia sofrido um acidente em algum momento, daí sua participação vitalícia neste cemitério com as outras pilhas quebradas.

A frente foi quebrada. O capô era um pedaço de metal amassado e, onde quer que estivesse o motor, duvidava que tivesse sobrevivido. Mas a caixa era praticamente sólida. Os poucos orifícios irregulares no revestimento de metal permitem a entrada de alguma luz natural. Nós os cobrimos com cortinas de plástico para proteger do vento, da água e dos insetos.

Era hora de substituir as cortinas. Elas estavam sujas. Mas faltando apenas 61 dias, não via sentido em desperdiçar dinheiro.

Dentro da caminhonete, Aria tinha o seu lado e eu o meu. Ao pé de cada um de nossos sacos de dormir estavam nossas mochilas. Ao lado do meu travesseiro, eu mantinha pilhas organizadas de romances esfarrapados que comprei por um centavo no brechó. A maioria eu li dez ou onze vezes.

Os livros formavam uma espécie de prateleira para uma garrafa de água, uma lanterna e meu despertador movido a bateria. À noite, essa prateleira também continha a faca dobrável que roubei do tio Craig.

Dei um tapinha no bolso, sentindo seu peso contra meu quadril. Essa faca ia comigo em todos os lugares, até no ferro-velho.

Pegando a lata, caminhei em direção à loja. Era um dos dois edifícios do ferro-velho, o outro uma cabana onde o proprietário, Lou Miley, morava.

As janelas de Lou eram indiscutivelmente mais sujas do que as minhas, mas à noite, elas deixavam sair um brilho suficiente para sabermos que Lou estava lá dentro. No inverno, uma nuvem constante de fumaça saía de sua chaminé de metal e o cheiro de uma fogueira enchia o ar. Lou era um recluso na maioria dos dias. Ele se aventuraria fora apenas quando necessário para cuidar do quintal.

Lancei um rápido olhar para sua cabana, farejando bacon no ar. A janela da cozinha estava rachada e Lou deve ter tomado um bom café da manhã.

Meu estômago roncou. A barra de granola que eu devorei antes teria que servir até que Aria voltasse do trabalho. Precisávamos ir ao supermercado e comprar mais pão e manteiga de amendoim, mas só seria paga na sexta-feira.

E me recusei a roubar de nossas economias.

Ao lado da sacola plástica com documentos legais sob meu saco de dormir, havia outra cheia de dinheiro. Metade de tudo que Aria e eu fizemos foi para aquela bolsa. Era nosso futuro, e nós o construímos com absoluta determinação e disciplina.

Estávamos economizando para sair daqui. Esse dinheiro seria a base para os dias em que poderíamos pagar bacon no café da manhã.

E um fogão.

E uma geladeira.

Empurrando a fome de lado, fui até a loja. Era quase três vezes mais alta que a cabana de Lou, alta o suficiente para que todo o seu equipamento pudesse caber dentro.

Entrei pela porta lateral de metal e acendi as luzes. O cheiro de graxa, óleo e gasolina atingiu meu nariz enquanto eu ziguezagueava pelo maquinário. Uma escavadeira com uma garra no braço. Um trator com uma grande caçamba. Uma empilhadeira lotando a porta do banheiro da loja.

A luz fluorescente acima do espelho rachado piscou, me dando uma dor de cabeça instantânea. Fui até a pia branca e funda, manchada por anos de mãos sujas e sem alvejante suficiente, e abri a torneira para encher a lata.

Pode não ser o banheiro maior ou mais claro, mas era melhor do que nada. E nós o limpamos o suficiente para que eu não tivesse nenhum problema em andar descalço.

Lou permitiu que usássemos este banheiro. Ainda cheirava ao shampoo e condicionador de Aria do banho matinal. O perfume floral se agarrou ao ar e eu inspirei enquanto a lata se enchia.

O box do chuveiro era grande o suficiente para ficar em pé e lavar o cabelo sob o jato do chuveiro. Não havia nem mesmo uma cortina para separá-lo do resto do banheiro. Mas um banho todos os dias tornava este lugar habitável. Isso evitou que a sujeira se acumulasse. Isso evitou que meu cabelo loiro mel caísse flácido até a cintura.

Na maioria dos dias, eu o trançava para mantê-lo longe do rosto, mas à noite, quando me deitava no travesseiro, era um conforto saber que pelo menos meu cabelo estava limpo.

Com a lata cheia, saí do banheiro, apagando a luz atrás de mim. Então eu recuei pela loja em direção à porta, apenas para vê-la se abrir assim que eu alcancei a maçaneta.

Água espirrou para fora do regador, ensopando a ponta dos meus sapatos.

— Merda. Desculpe. — Karson recuou, segurando a porta para mim. — Eu não sabia que você estava lá.

— Tudo bem. — Meu coração disparou e minha voz estava ofegante. Porque, sagrado abdômen, ele estava sem camisa.

Sem camisa. Nenhuma. Eu estava olhando para um peito nu, braços nus e um umbigo fantástico, o que não era realmente muito interessante, mas por baixo dele uma linha de cabelo escuro desaparecendo sob a toalha cinza enrolada em sua cintura. A imagem inteira era... uau.

Não olhe fixamente. Não olhe fixamente.

Meu mantra este ano.

Abaixei meu olhar, fingindo inspecionar meu sapato molhado.

Isso não era totalmente novo. Eu já tinha visto Karson sem camisa antes, mas não fazia um bom tempo. E, naquela época, ele pertencia a Londyn. Foi mais fácil fingir que não estava louca pelo cara quando sua namorada sempre estava por perto.

Agora era impossível.

Ele era magro, éramos todos magros, mas Karson também era magro. Seu peito era largo, seu estômago duro e plano. Havia um V exatamente onde o pano atoalhado circulava seus quadris.

Minha boca ficou seca pensando na ligeira protuberância sob aquela toalha. O rubor em minhas bochechas parecia quente e vermelho.

Oh meu Deus. Eu sou péssima nisso. Como eu deveria esconder minha paixão por Karson quando ele andava com nada além de uma toalha?

— Eu... — Engoli em seco e passei pela porta aberta, passando por ele, com cuidado para ficar longe. — Vou sair do seu caminho.

— Você não está no meu caminho.

Eu dei a ele um pequeno sorriso, então coloquei meu queixo no meu peito e observei cada um dos meus passos enquanto eu corria para longe, apenas ousando olhar para trás quando ouvi a porta da loja fechar.

— Ugh, — eu gemi, olhando para o céu azul. — O que há de errado comigo?

Karson nunca iria gostar de mim. Sempre. Ele esteve sempre apaixonado por Londyn. Os dois viveram juntos no Cadillac por anos. Ela pode ter partido para Montana com Gemma e Katherine, mas isso não significava que Karson iria me querer em vez disso.

Londyn, com seu cabelo loiro sedoso três tons mais claro que o meu. Londyn, com seu lindo sorriso e ricos olhos verdes. Karson e Londyn. Ele a amava. Ele fez sexo com ela. Eu os ouvi uma vez, rindo e se beijando. Então o Cadillac começou a balançar, e eu tive que dormir com o travesseiro sobre o rosto para bloquear o barulho e esconder minhas lágrimas de Aria.

Ele queria Londyn, não eu.

A única razão pela qual Karson ainda estava aqui no ferro-velho era porque ele via Aria e eu como irmãzinhas. Ele ficou para cuidar de nós, embora tivesse acabado de fazer dezenove anos e, com todo o direito, deveria ter saído há mais de um ano.

Como Londyn, Gemma e Katherine.

As meninas fizeram exatamente o que Aria e eu faríamos em sessenta e um dias. No dia em que todos tinham dezoito anos, eles embarcaram em um ônibus com destino a Montana. Katherine havia conseguido empregos para eles em um resort ou rancho ou algo assim.

Mas Karson tinha ficado, dizendo que não era seguro para mim e Aria ficarmos aqui sozinhas.

Ele não estava errado.

Seria mais fácil se eu não tivesse essa paixão épica e ridícula por um cara que nunca, nunca, nunca vai gostar de mim. Karson provavelmente pensava que eu era uma aberração. Com o passar dos meses, foi ficando cada vez mais difícil fazer contato visual enquanto conversávamos. Depois, houve os momentos em que gaguejei como uma idiota. Exemplo: hoje.

— Ótimo, Clara. Simplesmente ótimo — bufei quando cheguei à caminhonete e às plantas de Aria.

Enquanto eu gastava meu troco extra em livros, Aria tinha esbanjado em uma espátula manual e pacotes de sementes. Como ela conseguiu que alguma coisa crescesse na terra seca e compacta do ferro-velho era um mistério, mas a vegetação provou que era possível.

Ela plantou cosmos e ipomeias. Ela tinha margaridas Shasta e vinhas de batata-doce. Eu regaria todos eles, grata por sua cor para iluminar nosso lar temporário.

O regador esvaziou muito cedo, e eu precisava fazer mais algumas idas ao banheiro para reabastecer, mas em vez disso entrei na caminhonete. Depois que Karson tomasse banho e se vestisse, eu me aventuraria a sair. Nesse ínterim, eu passaria minha manhã estudando.

E faço o possível para esquecer a definição nos braços de Karson e o brilho dourado e verde em seus olhos castanhos.

Tirei meus sapatos, deixando-os perto da porta de correr que deixamos aberta na maioria dos dias para deixar entrar o ar fresco. Então me acomodei em meu saco de dormir, que era apenas um saco de dormir que havia perdido a maior parte de sua penugem com o passar dos anos. Ainda estava quente, combinado com o cobertor de lã que coloquei por cima, mas mesmo a almofada de espuma sob as cobertas não escondia o fato de que estávamos dormindo em um chão de metal.

Meu guia de estudo GED estava em cima da roda. Eu o agarrei, abrindo a seção de onde parei por último, e comecei a martelar as questões práticas.

Eu estava no meio de uma seção de artes da linguagem quando alguém bateu na parede.

— Ei. — Karson saltou para dentro da caminhonete, totalmente vestido.

Forcei um sorriso para esconder minha decepção.

— Trouxe uma banana para você, — disse ele. — Acabei de comprar um monte ontem. Achei que você poderia querer uma.

— Obrigada. — Eu peguei quando ele me entregou.

— De nada. — Ele se sentou à minha frente na cama de Aria, suas longas pernas ocupando o espaço entre nós. — Como está os estudos?

— OK. — Passei a mão pela página do guia.

Karson me deu este livro. Eu disse a ele que queria pegar meu GED depois que deixássemos o ferro-velho e, dois dias depois, ele trouxe isso para casa. Era novo, ao contrário dos livros usados que eu podia comprar. A capa era brilhante. Os cantos das páginas eram nítidos e quadrados, o que significava que não era barato.

Gastamos nosso dinheiro com as necessidades. Comida. Roupas. Cobertores. Artigos de higiene. Guias de estudo GED não.

Eu sabia que ele tinha roubado. Ele não admitiu, mas não havia recibo e não tinha vindo em um saco plástico. Não foi a primeira vez que ele roubou, e eu duvidava que fosse a última. Eu nunca esquecerei a primeira vez que o vi pegar uma maçã do supermercado e começar a comê-la nos corredores. Ele jogou o caroço em uma lata de lixo antes de irmos para o checkout, ninguém sabia disso.

Claro, isso me incomodou um pouco. Aria e eu não roubamos. Senti uma pontada de culpa quando rompi as páginas do livro, mas também foi um presente. Um presente de Karson para o meu futuro. Eu fiquei tão tocada por sua consideração que chorei depois que ele o deixou - isso foi antes de eu perceber que provavelmente tinha sido roubado em uma loja.

Todos nós fizemos o que tínhamos que fazer.

Fechei o livro e descasquei banana. Eu estava com fome e não recusava comida, mas um dia, nunca mais comeria uma banana. O mesmo acontecia com as barras de granola e o feijão verde em lata. Manteiga de amendoim e sanduíches de mel também.

Quando Londyn morou aqui, ela trabalhava em uma pizzaria. Foi a única coisa que comemos muito e não perdi completamente o gosto. Embora eu nunca tenha desejado isso.

— O que você está fazendo hoje? — Eu perguntei enquanto mastigava.

— Nenhuma coisa. Estou entediado. Você está trabalhando?

— Não. — Eu dei outra mordida e quase engasguei. Bananas doidas. Eu também não gostava delas antes de vir para cá.

— Quer jogar cartas? — ele perguntou.

Dei de ombros, tentando esconder minha empolgação por um tempo a sós com Karson. — Certo.

Uma hora depois, tínhamos nos mudado da minha casa para a dele, e eu estava chutando a bunda dele no gin rummy. — Gin.

— Gah. — Ele jogou suas cartas na pilha de descarte. — Precisamos de um novo jogo.

Eu ri e peguei o deck. As bordas estavam gastas e cinza. O nove de clubes teve uma curva perceptível. — Pôquer?

— Sim. — Ele se levantou e desapareceu na outra seção da tenda, voltando com um pequeno copo de palitos. Não tínhamos dinheiro para jogar ou fichas de pôquer de verdade, mas palitos de dente funcionavam bem.

Depois que Gemma e Katherine foram embora, seu forte de barraca estava desocupado. A estrutura era uma coleção de folhas de metal e lonas que Gemma havia projetado para servir de abrigo.

Para um cara com mais de um metro e oitenta, fazia sentido que Karson saísse do banco traseiro apertado do Cadillac. Ele se mudou para cá, ocupando o antigo quarto de Gemma. A área comum tinha perdido parte de sua vida sem as meninas aqui. As pequenas pinturas de Katherine na parede não eram tão brilhantes como costumavam ser.

— O que você acha que vai acontecer com este lugar quando todos nós partirmos? — Perguntei a Karson, embaralhando as cartas.

Ele retomou seu assento na minha frente, encostado em uma das paredes improvisadas. — Não sei. Provavelmente nada, conhecendo Lou.

Lou havia separado o ferro-velho. A casa dele, a loja e a área onde morávamos eram proibidas para os clientes. Sempre foi assim, eu não tinha certeza, mas desde o momento em que Karson chegou aqui, Lou praticamente nos deu as rédeas de nossa pequena parte do quintal.

Além de sua cabana, nadava um mar de carros enferrujados e peças velhas. As pessoas chegavam durante o dia e vasculhavam as pilhas. Lou surgia para mostrar o local a eles, sempre com cuidado para mantê-los longe de nossa área.

— O que você acha que vai acontecer com Lou?

Karson deu de ombros. — Eu também não sei.

— Você vai voltar aqui? Depois de sair?

— Pode ser. Vocês?

— Pode ser. — Talvez não.

Karson tirou um palito da xícara e o rolou entre os dedos. O movimento foi hipnotizante, muito parecido com seu rosto. Ele tinha se barbeado hoje. A barba escura que combinava com a cor de seu cabelo havia sumido de suas bochechas e mandíbula. Isso fez seus lábios parecerem mais suaves. Seu sorriso mais amplo.

Eu me peguei olhando e desviei meus olhos para me concentrar nas cartas. — Sorteio de cinco cartas? Ou segurá-los?

— Segure-os.

Costumávamos ter torneios de pôquer nesta sala, quando as meninas estavam aqui. — Você sente falta delas? Londyn, Gemma e Katherine.

— Certo. — Ele contou palitos, entregando-me um punhado de vinte. — Não é?

— Sim. — Não senti falta de vê-lo beijar Londyn, mas fora isso, sim.

Eles eram meus amigos. Em primeiro lugar, Londyn foi a razão pela qual encontramos o ferro-velho. Tínhamos morado no mesmo trailer e depois que ela fugiu de seus pais viciados, nós a rastreamos. Algumas das crianças que trabalharam com ela em uma pizzaria sabiam que ela passava o dia no ferro-velho, abandonando a escola. Embora eles não soubessem que ela estava morando aqui também.

— Você acha que algum dia as veremos de novo? — Perguntei.

— Honestamente? Não. — Ele olhou para cima e o sorriso gentil que ele me deu quase quebrou meu coração. — Quer dizer, talvez um dia. Mas eu duvido.

— Até mesmo Londyn? — A pergunta escapou antes que eu pudesse engolir as palavras. Eu sabia que eles haviam terminado. Como amigos. Mas talvez ele esperasse vê-la novamente um dia. Talvez ele continuasse para Montana quando nossos sessenta e um dias acabassem.

— Sim. Londyn também. — Karson me deu outro sorriso. Um que me deu vontade de gritar. Não era seu sorriso brincalhão ou seu sorriso largo quando ele pensava que algo era engraçado. Foi o sorriso doce, para uma irmã mais nova.

Me mate agora.

Eu distribuí as cartas e me concentrei no jogo, vencendo as primeiras cinco mãos consecutivas. Quando Karson estava com apenas três palitos de dente, ele apostou tudo em um blefe. Eu chamei.

Game Over.

— Droga. — Ele riu. — Não é o meu dia para cartas. Vamos fazer outra coisa.

— OK. O que?

— Quer dar um passeio? Eu não me importaria de esticar minhas pernas.

Eu me levantei do chão, limpando minha calça jeans. Então eu o segui para fora e através do ferro-velho, em direção à cerca de arame de três metros que tinha uma fileira de arame farpado no topo.

Lou não gostava de pessoas em seu espaço. Ele ergueu a cerca para mantê-los fora.

Éramos a exceção.

A entrada principal tinha dois grandes portões com rodas. Lou mantinha uma corrente e um cadeado em volta deles, a menos que estivesse esperando um cliente. A placa de PROPRIEDADE PRIVADA pendurada abaixo de outra que dizia DEVE LIGAR PRIMEIRO.

Mas havia outra entrada, um pequeno portão escondido da estrada e rodeado por um carro velho. Karson o descobrira em sua primeira noite no ferro-velho, anos atrás. Para quem estava passando, parecia bloqueado. Mas o portão se abriu o suficiente para que pudéssemos entrar e sair. Alguns dias, caminhávamos pela entrada principal se Lou tivesse se levantado e aberto a fechadura. Mas, principalmente, usamos o portão lateral.

Uma vez na estrada para a cidade, estabelecemos um ritmo fácil no asfalto. Não havia calçadas fazendo fronteira com o trecho de calçada de uma milha. Ou o que presumimos ser uma milha. Nenhum de nós sabia com certeza, mas antes de Karson abandonar a escola e fugir, ele era capaz de correr uma milha em menos de seis minutos. Um dia, entediado, ele correria a estrada como um teste.

O ferro-velho ficava nos arredores de Temecula, o que lhe conferia privacidade. O vizinho mais próximo estava no meio da estrada e, mesmo assim, as árvores crescidas e a cerca alta escondiam a casa e seus ocupantes. Ou talvez...

— Você acha que eles plantaram todas as árvores na tentativa de bloquear o ferro-velho? — Perguntei a Karson enquanto passávamos pela casa.

Ele deu uma risadinha. — Com certeza. Não é?

— Totalmente. — Eu ri. — Então, para onde estamos indo?

— Onde você quer ir?

Qualquer lugar com você. — Eu não me importo. Estou pronta para qualquer coisa.

— Que tal o cinema?

— Da última vez que tentamos entrar, fomos pegos. E você entrou em uma briga.

— Aquele cara era um idiota de merda, Clara. Ele não deveria ter agarrado você assim.

Não foi grande coisa. O gerente do teatro segurou meu braço e me puxou para a saída. Ele estava literalmente tentando me expulsar.

Exceto no momento em que ele me tocou, Karson explodiu. Ele deu um soco no gerente tão rápido que mal registrei seu punho voando no ar antes do estalo alto dos nós dos dedos atingindo o maxilar.

Quando o gerente desabou no chão, outro funcionário, um garoto alto e magro, correu para Karson. Aqueles dois empurraram, lutaram e trocaram alguns golpes até que Karson acertou outro soco sólido no nariz - eu nunca tinha visto um nariz jorrar tanto sangue. Mas foi o suficiente para nós fugirmos antes que os policiais aparecessem.

O olho de Karson estava machucado há alguns dias. Não foi o primeiro olho roxo que ele teve e, de novo, duvidei que fosse o último. Eu me preocupei mais com as brigas que ele teve quando nenhum de nós estava lá para arrastá-lo para casa.

Ele nos protegia. Mas quem o protegia?

— Iremos para outro teatro, — disse ele.

— É uma longa caminhada.

— Não temos mais nada para fazer. Além disso... — Karson enfiou a mão no bolso e tirou um maço de dinheiro. — Desta vez, vamos pagar.

— Não, não o desperdice. — Empurrei seu braço, pedindo-lhe que guardasse o dinheiro. Eu não queria arriscar que ninguém visse e viesse atrás dele. Não que houvesse alguém por perto para ver. Nós dois estávamos sozinhos na estrada.

— Está acordado. Vamos ao cinema. E eu terei a garota mais bonita do universo no assento ao meu lado.

Corei e lhe dei uma cotovelada nas costelas. — Você está flertando.

— Contigo? Sempre.

Se ao menos esse flerte significasse algo.

Era inútil discutir - e eu realmente queria ver um filme - então deixei Karson me oferecer uma tarde de diversão. De normalidade.

Em um cinema escuro, não éramos dois adolescentes fugitivos que comiam pipoca aos pedaços porque em nossa casa não existia microondas. Ou pediu gelo extra em nossa Coca compartilhada porque gelo e Coca eram escassos.

Éramos apenas Karson e Clara. Um cara gostoso. E a garota que desejava que ele a visse como mais do que uma amiga.

Ainda assim, quando saímos do teatro, meu sorriso parecia permanente.

Conversamos sobre o filme todo o caminho para casa, nossas falas favoritas e a reviravolta no final que Karson vira chegando, mas eu não. A noite já estava chegando quando o ferro-velho apareceu, o que era bom, pois eu gostava de voltar à noite. Aria também. A menos que fosse absolutamente necessário, não fazíamos turnos até tarde e estávamos em casa antes do pôr-do-sol.

— Foi divertido, — disse Karson enquanto passávamos pelo portão.

— Obrigada. — Eu sorri para ele e mergulhei naquele rosto bonito. A mandíbula forte. O nariz reto. As maçãs do rosto salientes. Em meus romances, os heróis sempre tiveram essas características, e Karson era definitivamente meu tipo de herói.

— Obrigado por ficar comigo hoje. — Ele cutucou seu braço contra o meu, acompanhando-me até a caminhonete. — Mesmo eu deixando você ganhar nas cartas.

— Qualquer que seja o motivo. — Eu o golpeei de volta.

Ele deu uma risadinha.

O barulho deve ter chamado a atenção de Aria porque ela colocou a cabeça para fora da caminhonete. — Aí está você. Você não deixou um recado.

— Erro meu. Desculpe. — Eu estremeci. Sempre deixamos notas se nossos planos mudassem. Não é como se pudéssemos enviar mensagens de texto em nossos telefones inexistentes.

— Você é uma merda. Eu estava preocupada. — Então ela desapareceu, provavelmente emburrada em sua cama.

— Oops. — A culpa me atingiu com força. Aria era minha número um. Eu deveria ter me lembrado de uma nota. — Eu sou uma irmã má.

— Não, você não é. — Karson colocou a mão no meu ombro. — Melhor se desculpar.

— Sim. — Eu dei um passo para longe, mas parei e me virei. — Obrigada.

— Você já disse isso.

— Eu sei. — Minhas bochechas coraram enquanto ele me olhava tão atentamente, como se esperasse cada palavra minha. Se fosse esse o caso. — Bons sonhos, Karson.

— Então terei que sonhar com você.

Revirei os olhos, encobrindo o fato de que uma linha extravagante enviou um enxame de borboletas vibrando na minha barriga. — Flertando.

Ele piscou. — Contigo? Sempre.

 

 

 

 

 

 


CAPÍTULO TRÊS

CLARA


— Quarenta e sete — disse Aria enquanto escrevia na parede.

Isso deveria ser motivo de comemoração. Estávamos apenas 47 dias da liberdade. Por que diabos eu não estava mais animada? Quero dizer... houve um pouco de antecipação. Muito nervosismo. E principalmente o medo que parecia crescer mais rápido do que as plantas de Aria conforme o número diminuía.

Porque em quarenta e sete dias, Karson seria uma lembrança.

Ele achava que nunca veríamos as meninas novamente, e o que mais me assustou foi que ele não parecia se importar em nunca ver três pessoas com quem vivemos e sobrevivemos ao lado. Quando Aria e eu partíssemos, ele sentiria o mesmo?

Ele ficou aqui por nós. Ele claramente se importava, certo? Talvez fôssemos diferentes. Talvez...

— Estava pensando em pedir a Karson que fosse conosco. — Deixei escapar o pensamento que estava na minha mente por duas semanas. — Onde quer que nós vamos. Se você não se importa. Só não quero que ele fique sozinho.

— Isso é legal. Eu não acho que ele vá, mas eu não me importo se você perguntar. — Aria guardou o marcador e prendeu o cabelo em um rabo de cavalo.

Embora minha irmã e eu fôssemos gêmeas fraternas, tínhamos características semelhantes. Nossas bocas. Nossos narizes. Nossos olhos castanhos. E nosso cabelo.

Ou... costumávamos ter o mesmo cabelo.

Aria tinha voltado para casa com uma caixa de tinta do supermercado ontem. Todas as semanas, mantivemos cinco dólares fora de nosso pagamento para usar em tudo o que nossos corações desejassem. O meu normalmente era gasto em livros ou revistas - outra tentativa de ser como as garotas normais da minha idade e bajular o mais recente galã de Hollywood. Aria havia passado o dela esta semana para se tornar uma morena.

— Vou demorar um pouco para me acostumar a ver você com cabelos castanhos.

Ela sorriu e acariciou seus fios de chocolate. — Eu também. Mas eu amo.

Se eu tingisse meu cabelo, ficaria mais claro. Como Londyn. Eu queria cabelo como o sol.

— OK. — Ela suspirou, deixando seus ombros caírem. — É melhor irmos.

Eu me levantei do meu saco de dormir e a segui para fora da caminhonete. Nós duas estávamos trabalhando hoje e, embora meu turno começasse uma hora depois do dela, estávamos caminhando juntas para a cidade. Em seguida, ela vinha para a lanchonete e ficava parada até eu terminar para que pudéssemos ir para casa a pé.

Nós duas havíamos acabado de começar a descer o caminho em direção ao portão quando o rangido das dobradiças ecoou no ferro-velho vindo da cabana de Lou.

Aria e eu olhamos enquanto ele se arrastava para fora, indo em direção à cerca com um molho de chaves em uma das mãos.

Diminuímos a velocidade, esperando e observando, enquanto Lou destrancava o cadeado da corrente enrolada nos postes da cerca. Ele não tinha nos notado ainda. Ou talvez ele tivesse, mas estava apenas nos ignorando. Quando se tratava de Lou, eu não tinha certeza de quanta atenção ele prestava aos seus ocupantes adolescentes.

Lou estava vestindo uma camiseta branca, de algodão fino e sujo. Como tudo por aqui, a sujeira havia se tornado parte de suas fibras. Aria e eu não tínhamos uma cor clara, não mais. Qualquer coisa que trouxemos conosco que fosse branco ou de um tom pálido, tinha sido arruinado desde o início. Mesmo com uma ida semanal à lavanderia, era simplesmente muito difícil manter os brancos brilhantes.

A calça jeans de Lou se afundava em seu corpo, os suspensórios vermelhos desbotados que ele usava o tempo todo a única coisa que os mantinha levantados. Ele era um homem grande, mais alto ainda do que Karson.

Ele teria sido uma montanha se tivesse ficado ereto e puxado os ombros para trás. Do jeito que estava, eles estavam sempre curvados para a frente. A nuca cinza no rosto de Lou cobria sua mandíbula. O cabelo branco em sua cabeça era oleoso e espetado em todas as direções.

Lou terminou com o cadeado e empurrou a cerca alguns metros. Então ele se virou e caminhou de volta para sua cabana, sem nos lançar um olhar.

— Viu? — Aria me lançou um sorriso malicioso enquanto continuava até a cerca. — Disse que ele nos ama.

— Talvez ele tenha um cliente chegando.

— Ele abriu totalmente o portão para nós, então não tivemos que nos espremer pelo pequeno hoje. Porque ele nos ama.

Eu ri. — Você está delirando.

— Você sabe que estou certa.

Aria queria acreditar que havia um adulto neste mundo que cuidava de nós. Talvez ela estivesse certa e Lou se importasse. Parte de mim também queria acreditar, porque nunca saberíamos realmente.

Lou mal falava conosco há anos e, com apenas algumas semanas pela frente, eu duvidava que algum dia conheceríamos o homem. Nenhum de nós havia colocado os pés dentro de sua casa, nem mesmo Karson.

Seguindo Aria pelo portão, eu lancei um olhar para trás por cima do ombro para a tenda de Karson, mas não havia sinal dele. Eu não o via há dois dias.

Esse tempo parecia precioso agora.

Eu só esperava que ele não tivesse se metido em problemas.

— Que tal Flórida? — Aria perguntou quando começamos a descer a estrada em direção à cidade.

— Muito longe.

— Mas é tão verde e tem o oceano. Acho que gostaria do oceano.

— É exatamente o lado oposto do país. Viajar tão longe vai custar muito caro. Além disso, se você quiser o oceano, podemos simplesmente encontrar outro lugar na Califórnia.

— Não. Nunca. Eu quero sair daqui. — Ela falou de um jeito que dizia que ela também não voltaria.

— Hum... que tal Vegas? — Prendi a respiração, esperando que ela não rejeitasse imediatamente a outra ideia com a qual eu estava brincando ultimamente.

Aria olhou para mim como se eu tivesse crescido outro braço. — Seriamente?

— Não é tão longe. Existem muitos hotéis onde poderíamos trabalhar como governantas ou algo assim. E há dinheiro aí, Aria. É Vegas.

— Verdade, — ela murmurou, pensando por alguns momentos. — Acho que se não gostássemos, poderíamos sair.

— Exatamente. — Uma onda de excitação cresceu, exatamente o que eu estava procurando.

Caminhamos mais alguns passos até que ela acenou com a cabeça e disse: — Tudo bem. Vegas.

Eu sorri e fechei o punho com a mão que ela não conseguia ver. Achei que demoraria mais para ser convincente. Um dos cozinheiros da lanchonete visitou Vegas algumas semanas atrás e me disse que estava se preparando para se mudar para lá. Ele passou um turno inteiro me contando sobre a Strip e os hotéis e como ele já havia arranjado outro emprego.

A maneira como ele descreveu as luzes de néon dos cassinos era tão vívida que eu queria vê-las com meus próprios olhos. De jeito nenhum eu iria sem Aria. Já que eu a convenci tão facilmente, talvez eu pudesse convencer Karson também.

Ele não estava determinado em um determinado lugar, pelo menos não um sobre o qual ele havia me falado. Então, por que não Vegas? Nós três poderíamos encontrar um lugar para alugar, um apartamento de verdade com telhado, quartos e banheiro.

A esperança por esse futuro floresceu enquanto caminhávamos. Visões de uma sala de estar cheia de plantas de Aria e uma TV para Karson assistir giravam em minha mente. Talvez um dia, Karson estaria assistindo a um filme naquela TV e eu estaria enrolada ao lado dele no sofá que escolhemos juntos.

— Que diabos? — Aria sussurrou.

— O que?

— Veja. — Ela acenou com a cabeça para a estrada onde uma mulher estava correndo em nossa direção.

Qualquer criança normal pode não se perguntar sobre uma mulher correndo em uma estrada tranquila, mas Aria e eu estávamos longe de ser normais.

— Você já a viu antes? — Perguntei.

— Não. Você?

— Nunca. — Nos quase três anos que vivemos no ferro-velho, nenhuma vez encontramos um corredor ou pedestre de qualquer tipo nesta estrada. Nem uma vez. As pessoas não andavam por aqui. E havia muitas, muitas estradas melhores que as nossas.

Um vizinho, mais distante do ferro-velho, tinha cinco pit bulls. Eles foram contidos pela cerca grossa que cercava sua propriedade, mas aqueles cães adoravam latir. A confusão que eles podiam criar ainda me assustava às vezes.

Então havia o vizinho que plantou a selva para bloquear o mundo. Como as árvores e arbustos estavam tão crescidos, passar pela entrada de sua garagem era quase assustador, então sempre andávamos do outro lado da rua.

O próprio ferro-velho tinha placas de MANTENHA-SE AFASTADO o suficiente para cobrir o telhado de uma mansão.

Nada nesta estrada era acolhedor. Ele gritou vá embora. E esta mulher correndo não pertencia.

Seu cabelo escuro estava preso sob uma faixa que era azul elétrico como suas leggings. O branco de sua camisa quase cegava sob o sol da manhã. Seus sapatos fúcsia esmagaram as pedras que cobriam o pavimento. Nem mesmo os varredores de rua da cidade passaram por aqui.

Ela estava muito limpa. Muito colorida. Muito feliz.

— Dia. — A mulher sorriu e acenou ao passar por nós.

Aria e eu não respondemos. Nós olhamos para ela, nossos pescoços torcendo para mantê-la à vista enquanto ela corria.

— Acha que ela está perdida? — Perguntei.

— Não sei — murmurou Aria, suas pernas se movendo mais rápido. — É estranho, certo? Ou estou apenas ficando paranóica?

— Então eu também sou paranóica.

Talvez outras crianças de dezessete anos não tivessem intuição, mas minha irmã e eu tínhamos aprendido há muito tempo a confiar em nossos instintos.

— Talvez ela tenha mudado de ideia - disse Aria. — Uma corrida em nossa estrada e ela nunca mais vai voltar.

— Sim.

Na hora, os cães começaram a uivar e a agarrar o elo da corrente. Aria e eu paramos o suficiente para olhar para trás.

A mulher gritou e saltou para longe da cerca. Sua mão pressionou contra o coração. No entanto, ela não voltou. Ela continuou correndo, chegando cada vez mais perto do ferro-velho a cada passo.

— Vamos. — Peguei o braço de Aria. — Você vai se atrasar.

Ela checou seu relógio de pulso preto, um que combinava com o meu. — O que você vai fazer antes do seu turno?

— Eu estou indo para a loja. Pegue um pouco de pão e talvez compota de maçã ou algo assim. Também estamos quase sem manteiga de amendoim.

— Precisamos de comida de gato.

— OK.

Quando Katherine morou conosco, ela adotou este gato de rua. A besta era hostil a todos, exceto ela, mas quando ela foi embora, ela nos implorou para continuarmos alimentando-o. Então, Aria e eu compramos comida para a maldita coisa, dando-lhe o suficiente para sobreviver, mas não tanto a ponto de perder o incentivo para caçar ratos.

Chegamos ao limite da cidade e passamos por dois prédios industriais, depois viramos no quarteirão que nos levaria a uma via arterial. Quando chegamos ao primeiro semáforo, abracei para me despedir — Se divirta no trabalho.

— Você também. Até logo.

Ela foi para um lado e eu para o outro, percorrendo os sete quarteirões até o supermercado mais próximo. Minhas compras não demoraram muito. Eu não tinha dinheiro para encher um carrinho ou meios para levá-lo para casa, então escolhi alguns itens da minha lista, fiz o pagamento e encontrei um banco do lado de fora para carregar minha mochila.

Eu estava fechando o zíper quando um flash de azul elétrico chamou minha atenção.

A corredora.

Eu me endireitei e a encarei.

Ela estava olhando para mim, pairando ao lado da parede de tijolos da loja. Seu rosto não estava vermelho. Seu peito estava seco, nem mesmo uma camada de suor acima dos seios. De jeito nenhum esta senhora tinha saído para uma corrida extenuante.

Os cabelos da minha nuca se arrepiaram. Com um golpe rápido, joguei minha bolsa no ombro e corri para longe, evitando as poucas pessoas que entravam e saíam do supermercado.

Não olhei para trás para ver se ela tinha me seguido enquanto corria para a lanchonete, onde me esquivei na entrada traseira dos funcionários e deixei a porta fechar com uma batida.

— Ei. — Um dos cozinheiros me avistou ao sair da geladeira.

— Ei. — Forcei um sorriso trêmulo, pairando perto da porta até que ele saiu. Então, quando eu estava sozinha, abri a porta e examinei o beco. A lixeira estava transbordando e deveria ser retirada hoje. Os carros estacionados ao lado do prédio pertenciam todos aos funcionários.

Além de um corvo bicando um pedaço de grama seca, o beco estava desprovido de qualquer vida. Nenhuma senhora de azul elétrico.

— Você chegou cedo.

Eu pulei com a voz do meu chefe e deixei a porta fechar novamente, me virando para encará-la. — Sim, senhor.

— Os pratos estão esperando.

Eu balancei a cabeça e comecei a trabalhar, guardando minha mochila em um pequeno cubículo. Em seguida, amarrei um avental manchado de graxa e tomei meu lugar na máquina de lavar louça de restaurante, passando o dia limpando xarope e ketchup de pratos grossos de cerâmica.

Quando Aria chegou uma hora antes do meu turno terminar, ela enfiou a cabeça para dizer olá antes de se retirar para a lanchonete para esperar em uma pequena mesa e beber um Dr. Pepper. As garçonetes deveriam cobrar por refrigerantes e recargas, mas nunca fizeram Aria pagar.

A hora que ela esperou foi a mais longa do dia. Tudo que eu queria fazer era contar a ela sobre o corredor assustador e, quando meu turno acabou, a energia nervosa estava fazendo meus ossos tremerem. No segundo em que saímos, contei a ela toda a história.

— Você acha que ela é uma policial? — Perguntei. — Tipo, talvez disfarçada ou algo assim. Ou uma investigadora particular? Talvez o filho da puta doente a tenha contratado para nos encontrar.

O filho da puta doente. Nosso tio. Aria e eu nos referimos a ele com uma variedade de palavrões, apenas falando seu nome quando necessário.

— Você acha que ele está procurando todo esse tempo?

— Não sei. — A preocupação em seu rosto fez o nó no meu estômago apertar mais. — Ele é louco.

E depois de tudo que ele fez - para nós, para ela - não havia como dizer o quão psicopata ele ficou depois que fugimos. — Vamos apenas... voltar para casa.

De volta ao ferro-velho, onde havia um cadeado para impedir a entrada de pessoas. Onde havia um labirinto de sucata e carros quebrados para se esconder.

Onde estava Karson.

Caminhamos tão rápido que Aria e eu estávamos ofegantes enquanto nos espremíamos pelo portão lateral. Entre nós dois, tínhamos mantido um olhar constante atrás de nós. Não havia visto a mulher de azul na cidade, e quando pegamos a estrada para o ferro-velho, não havia sinal de ninguém. Até os cachorros estavam ausentes, provavelmente para dormir um cochilo à tarde ou fazer um lanche com seus donos.

— Amanhã, devemos entrar ainda mais cedo. Tipo, misture nossa rotina, — Aria disse enquanto descarregávamos nossas coisas no caminhão.

— Sim. Boa ideia. E talvez não voltemos para casa logo depois do trabalho. Podemos ir a um parque ou algo assim.

Ela assentiu e tirou os sapatos. Então ela arrancou meu livro mais novo da pilha. — Posso ler isto?

— Certo. Eu vou dizer oi para Karson. Contar a ele sobre a corredora.

— Ok. — Aria se acomodou em sua cama e abriu o livro na primeira página.

Ela estaria perdida no primeiro capítulo antes de eu retornar. Era um livro muito bom, talvez bom o suficiente para fazer parte da pilha de Me-Leve-para-Vegas.

Eu levaria todos eles se o peso e o espaço fossem ilimitados, mas eu tinha que embalar os pertences da minha vida inteira em bolsas que pudesse carregar. Todo o resto na caminhonete ficaria para trás, porque quando saímos daqui eu estava começando a perceber, não voltaríamos.

Descendo da traseira do caminhão, fiz meu caminho até a tenda de Karson. Quando passei pelo Cadillac de Londyn, passei a mão por cima. Uma pontada de desejo e culpa me fez puxar minha mão. Londyn tinha sido minha amiga e eu tinha uma queda enorme por seu namorado - ex-namorado.

Não que isso importasse. Karson não gostava de mim desse jeito.

Quando cheguei à tenda, respirei fundo. Fique tranquila. Não sorria muito. Não olhe fixamente. Apenas seja legal. Então bati com os nós dos dedos no revestimento de metal ao lado da lona que era a porta.

— Karson? — Chamei quando ele não atendeu.

Um gemido atingiu meu ouvido. Hesitei, esperando, então tirei a lona para enfiar a cabeça dentro. — Karson?

— Sim, — ele grunhiu de seu quarto.

— Você está bem? — Eu baixei meu olhar para os meus pés. Ele era um menino - homem. Minha mente imediatamente foi para Karson nu e... fazendo coisas. Para ele mesmo.

Romances hots enlouquecedores.

— Posso entrar? — Eu perguntei, fechando meus olhos com força para bloquear a imagem de um Karson nu.

— Sim.

Afastei a lona e entrei, dando-me um minuto para me ajustar à luz fraca. Ele estava deitado em seu saco de dormir em posição fetal. — Oh meu Deus. Você está doente?

Ele cantarolou sua concordância.

Corri para o lado dele e pressionei a palma da mão em sua testa. — Você está queimando.

— Eu ficarei bem. Só preciso descansar.

Não. Isso era ruim. Era raro que qualquer um de nós ficasse doente, mas era assustador quando isso acontecia. Não havia mães aqui que sabiam o que fazer. Nenhum médico para ligar e pedir conselhos.

Eu me empurrei do chão e corri para fora da barraca, correndo para a caminhonete. — Aria, Karson está doente.

— O que? — Ela voou para fora da cama, o livro jogado de lado enquanto eu saltava para dentro.

— Onde está o kit de primeiros socorros? — Perguntei embora já estivesse correndo para a mochila onde guardávamos a pequena caixa de plástico.

Gemma adoeceu há alguns anos. Isso tinha assustado Karson o suficiente para que ele tivesse ido para Lou, que lhe deu uma garrafa de Tylenol. Depois que Gemma partiu para Montana, o remédio nos foi dado em caso de emergência.

Hoje era uma emergência.

Eu abri o kit de primeiros socorros e agarrei o Tylenol, em seguida, procurei no caminhão a garrafa de água fresca que comprei na loja mais cedo. De minha pilha de roupas limpas, tirei a última toalha de rosto. Aria e eu planejávamos ir à lavanderia amanhã para que eu pudesse lavar as outras.

— Eu vou ficar com ele, — eu disse, pulando no chão.

— Quer que eu fique também?

Eu balancei minha cabeça. — Não podemos todos ficar doentes.

Ela suspirou, cruzando os braços. — Eu odeio isso.

— Eu também. Tranque-se esta noite. Vou dormir na barraca.

— Tome cuidado. Grite se precisar de mim.

— Eu irei. — Corri de volta para Karson, encontrando-o exatamente onde o havia deixado.

Seu corpo inteiro tremia e seu rosto estava pálido.

— Aqui. — Eu abri a garrafa de água e, em seguida, abri a tampa do remédio. — Você pode se sentar?

Demorou um pouco, mas abriu os olhos e se apoiou no cotovelo para tirar os comprimidos da minha mão e engoli-los com um gole d'água.

— Mais. — Eu derrubei a garrafa de volta em seus lábios.

Ele balançou sua cabeça.

— Mais, — eu insisti e só quando ele engoliu um longo gole é que o deixei deitar de novo. Joguei um pouco da água na toalha. Não estava frio, mas estava fresco. Então eu coloquei em sua testa.

— Obrigado, — ele murmurou e abriu os olhos para escanear o espaço. — Onde está meu cobertor?

— Aqui. — Estava enfiado na parede ao lado de seus pés. Eu agarrei e sacudi, certificando-me de que não havia uma aranha ou outro inseto entre as dobras. Então, coloquei sobre Karson, observando enquanto ele apertava contra o coração.

Eu sentei, observando. O Tylenol estava funcionando? E se não funcionasse?

— Acho que devo chamar Lou.

— Não. — Karson estendeu a mão para mim e pegou minha mão, colocando-a no queixo.

Os bigodes em sua mandíbula faziam cócegas em meus dedos, mas mesmo depois deles, sua pele parecia muito quente. — Karson, eu deveria chamar Lou.

— Eu ficarei bem. Apenas... sente-se comigo.

— Tudo bem, — concordei, mas se ele não parasse de tremer logo, eu chamaria Lou.

Aproximei-me mais, cruzando as pernas. Então eu deslizei minha mão livre da dele e puxei o pano de sua testa, dobrando e redobrando para que ficasse frio.

— Lou me deu este cobertor. Eu te disse isso? — Os olhos de Karson se fecharam. Suas palavras foram abafadas e arrastadas.

— Sim.

Todos nós sabíamos que esse cobertor era especial.

Talvez Aria estivesse certa afinal e Lou nos amasse.

Depois que Karson fugiu de casa, ele vagou por Temecula por um tempo. De alguma forma, ele se arriscara no caminho para o ferro-velho, na esperança de encontrar um lugar para dormir, como em um banco ou debaixo de uma árvore.

Ele veio em direção ao ferro-velho e avistou um incêndio. Lou estava queimando restos de madeira em um barril de metal. Ou talvez fosse lixo. Lou queimou a maior parte do lixo, embora Karson tivesse me dito que era ilegal. Lou acabou de colocar lenha em cima para esconder o lixo.

A luz do fogo chamou a atenção de Karson, iluminando o portão lateral. Depois que Lou entrou, Karson a abriu e entrou furtivamente. Em seguida, acampou no banco de um velho caminhão no quintal.

Ele voltou por um mês, quase todas as noites.

— Me assustou até a morte, — Karson murmurou. — Naquela noite ele apareceu com o cobertor. Eu me achava muito inteligente, entrando e saindo sob sua observação. Então ele jogou o cobertor em mim, e eu percebi que ele sabia o tempo todo.

Eu dei a ele um sorriso triste. — Aria acha que ele nos ama.

— Ele faz. À sua maneira. — O tremor de Karson tornou-se violento. O suor brilhava em suas bochechas e sua respiração estava entrecortada.

— Karson, eu acho-

— Fique. Estou bem. Não vá embora, Clara. Prometa.

ECA. Isso era estúpido, mas isso não me impediu de sussurrar, — Prometo.

E eu fiquei. A noite toda. Até que o amanhecer rachou o horizonte e os raios do sol sangraram pelas frestas das paredes da tenda. Até que a febre de Karson cedeu.

Eu fiquei até que ele abriu os olhos e sorriu. — Eu tive o sonho mais doce.

— Sobre o que?

— Você.

Suspirei, alívio correndo em minhas veias. Ele estava bem.

— Você está flertando.

 

 

 

 

 

CAPÍTULO QUATRO

CLARA


— Claro. — Uma mão tocou meu ombro, me sacudindo e acordando.

Eu vacilei, sentando na minha cama com um solavanco. Meus dedos procuraram a faca ao meu lado e agarrei o cabo, pronta para cortar qualquer coisa.

— Uau. — Karson ergueu as mãos e recuou. — Clara, sou eu.

— Oh. — Meu coração subiu de volta na minha garganta e eu pisquei rapidamente, limpando a névoa do sono. — Desculpe.

— Você dorme com uma faca? — Seu olhar disparou entre meu rosto e a arma.

Encolhi os ombros quando o constrangimento invadiu minhas bochechas. Deus, eu quase golpeei Karson. Suave, Clara. — É, hum, apenas no caso, sabe?

Uma ruga se formou entre seus olhos. — Sim.

Tirei o cabelo da testa e caí contra a parede da caminhonete. Estava claro e o calor estava começando a se infiltrar como fazia todas as tardes. Minha sesta do meio da manhã deve ter durado mais do que planejei.

— Você está se sentindo bem? — Karson perguntou.

— Sim. — Eu bocejei. Ficar ao lado dele enquanto ele suava durante sua febre tinha me esgotado. — Só cansada.

— Obrigado. Pela noite passada.

— Certo. — Dei de ombros. — Como você está se sentindo?

— Melhor. Eu estava me preparando para entrar no trabalho. Meu turno começa às duas.

— Tem certeza de que deveria estar trabalhando?

— Eu vou ficar bem. É apenas por algumas horas para cobrir um dos caras até o fechamento.

Ele não parecia bem. Sua pele estava pálida e seus olhos castanhos estavam perdendo o brilho travesso de sempre. Qualquer que seja o inseto que ele pegou, o apagou.

Karson precisava descansar, mas em vez disso, ele iria caminhar até a cidade e ir ao lava-carros. Não havia dias de doença em nossa vida. Trabalhamos com chuva ou sol.

Então, esta tarde ele acionou o pulverizador para qualquer um dos veículos que passassem, e quando ele terminasse, seu jeans estaria quase encharcado. Karson sempre brincava que não precisava lavar roupa, embora ainda levasse suas roupas para a lavanderia de qualquer maneira. Com aquele calor, aqueles jeans estariam secos, embora duros, quando ele voltasse.

— Eu vou para a cidade com você. — Mudei de posição e peguei meus sapatos que tinha tirado antes.

— Você não precisa.

Eu sorri. — Não tenho mais nada para fazer hoje. Além disso, logo será insuportável aqui.

No início da noite, o caminhão estaria sufocante. Enfiei minha faca no bolso da calça jeans e calcei um sapato. Quando olhei para cima, os olhos de Karson estavam no bolso.

— Você dorme com isso.

Abaixei meu olhar. — Sim.

— Quanto tempo?

— Sempre. — Desde que fugimos. Aria roubou um do nosso tio também.

Tínhamos acrescentado as facas à nossa coleção de mochilas, lanternas e capas de chuva. Não os roubamos de nosso tio, embora certamente tivéssemos roubado o dinheiro para comprá-los. Quando arrastamos nossa carga até a caixa registradora da loja de artigos esportivos e entregamos um punhado de dinheiro, o balconista nos olhou de maneira estranha.

Mas como Craig roubou tudo de nós, tudo de nossos pais, esse dinheiro era nosso para gastar.

— Preparado? — Perguntei a Karson quando meu outro sapato estava calçado.

Karson acenou com a cabeça, mas ele não se moveu do chão. — Você, hum... a faca. É por causa do Lou? Ou... de mim?

— O que? Não! Claro que não. — Eu odiava que ele pensasse que eu estava com medo dele. Ou Lou.

— Então por que?

Nos anos em que vivemos aqui, eu nunca compartilhei os detalhes desagradáveis sobre o motivo de termos deixado a casa de nosso tio. Aria e eu tínhamos folheado a história real.

Dissemos a Karson e às meninas que nossos pais morreram em um acidente de carro. Dissemos a eles que havíamos sido enviados para morar com nosso tio. E dissemos a eles que ele era um bastardo que tornava impossível viver sob seu teto, então fugimos.

Fim da história.

Nenhum deles fez perguntas porque todos eles tinham suas próprias histórias. Seus próprios esqueletos e demônios.

Os únicos que perceberam que o tio Craig era um pervertido foram Londyn e Gemma.

Londyn, porque ela morava a dois trailers do nosso e tinha visto Craig por aí. E Gemma, de sua viagem ao parque de trailers com minha irmã.

Aria decidiu voltar e resgatar minha bicicleta. Ela queria me surpreender - ou ela sabia que eu teria dito inferno, não - então, em vez de me levar, ela pegou Gemma.

O tio Craig estivera lá, embora não as tivesse visto. Mas Gemma avistou Craig. Quando ela me contou sobre o fiasco da bicicleta, ela estremeceu e comentou como seus olhos redondos a assustaram.

Tive pesadelos com aqueles olhos redondos.

Aria também.

Essa foi a extensão do que compartilhamos. Depois da bicicleta, que estava estacionada ao lado de um monte de lixo porque tinha dois pneus furados que não podíamos pagar para consertar, Aria e eu não tínhamos voltado para nosso antigo bairro.

Nossos amigos aqui não faziam ideia de que Craig costumava nos observar enquanto dormíamos. Que três vezes eu saí do chuveiro para encontrá-lo no banheiro, esperando com minha toalha pressionada em seu nariz.

Craig era a razão de usarmos as facas. Porque se ele algum dia encontrasse nossa casa no ferro-velho, eu o mataria antes de morar sob seu teto novamente.

— Apenas... no caso, — eu disse a Karson. Talvez um dia eu contasse mais a ele, mas hoje não era esse dia.

— Tudo bem. — Ele ficou de pé e liderou o caminho para fora.

Fechei a porta corrediça da caminhonete, banhando meus pertences na escuridão. Com a porta fechada, estaria abafado, mas eu respiraria um pouco de ar puro por cima de um enxame de insetos.

— Turno curto hoje, hein? — Eu perguntei enquanto seguia Karson para fora do quintal em direção à rua.

— Sim. Um dos caras precisava sair mais cedo. Uma consulta médica para o filho dele ou algo assim. Então eu disse que entraria e faria o resto do turno dele. É dinheiro.

Não recusamos dinheiro.

Depois do aniversário de dezoito anos de Karson, ele foi até o chefe no lava-rápido e disse que iria encontrar um emprego com melhor remuneração. Para surpresa de Karson, seu chefe pediu-lhe para ficar e deu-lhe um aumento.

Ele era um verdadeiro empregado agora, com um pedido de emprego e retenção de impostos. Karson tinha até ido a um banco local e aberto uma conta corrente, usando o endereço do ferro-velho como seu. Sempre que Lou recebia a correspondência, qualquer coisa endereçada a nós, crianças, era deixada no banheiro da loja para nós encontrarmos.

Eu esperava que, assim que Karson acumulasse um pouco mais em sua conta corrente, ele parasse de roubar.

— Você e Aria decidiram para onde irão? — Karson perguntou quando começamos a descer a estrada.

Eu concordei. — Na verdade, estávamos pensando em Las Vegas.

— Cidade do Pecado. Eu gosto disso.

Ele gostava? Sério? Perguntar. Basta perguntar. Respirei fundo, ouvindo nossos passos na calçada. — Você poderia, hum... você gostaria de vir conosco? Porque isso seria legal. Se você quiser.

— Obrigado, mas, na verdade, acho que vou explorar um pouco.

Não. Meu coração bateu na rua, espirrando sangue nos meus sapatos sujos. Mas eu forcei um sorriso. — E-explorar parece divertido. Você está indo para Montana?

Ele iria atrás de Londyn? Ele ainda a amava? Eu não poderia culpá-lo se ele fizesse. Londyn era incrível, inteligente, engraçada e doce. Claro que ele a amava. Todos nós a amávamos.

— Nah. — Karson balançou a cabeça. — Acho que vou em direção à costa. Eu gostaria de ir para o oceano, respirar um pouco de ar puro por um tempo. Aprender a surfar.

Parte de mim estava radiante por ele não estar perseguindo sua ex. A outra parte ainda estava devastada porque eu o perderia em breve.

— O oceano parece divertido, — menti. O oceano parecia fraco e não tão divertido quanto Las Vegas. Eu ainda tinha 46 dias. Talvez eu pudesse mudar sua mente. — Não seja comido por um tubarão.

Karson deu uma risadinha. — Vou fazer o meu melhor.

— Talvez você possa vir nos visitar. Em Vegas.

Ele olhou para baixo e sorriu. Foi um sorriso que fez minhas entranhas ficarem confusas e o coração que havia caído apenas um minuto atrás deu um pequeno salto. — Gostaria disso.

Eu sorri. — Eu também.

Ele olhou para minha boca por um momento e o vinco entre suas sobrancelhas voltou.

— O que?

— Nada. — Ele balançou a cabeça e olhou para frente. — Então, o que você vai fazer enquanto estou no trabalho?

— Talvez vá para a biblioteca. Ou o brechó.

— Conseguindo outro de seus livros? — Ele cutucou seu cotovelo com o meu. — Um pouco de ação do Fabio?

— Qualquer que seja. — Eu bati em seu braço com meu ombro. — Você só queria se parecer com o Fabio.

— Fábio gostaria de se parecer comigo. — Karson fingiu mexer no cabelo. Os cabelos escuros tinham crescido mais este ano. Já fazia um tempo desde que ele foi cortá-lo. Enrolava-se na nuca e a franja caía sobre a testa.

Ontem à noite, quando ele estava dormindo, a tentação e a preocupação tomaram conta de mim, e eu passei minhas mãos por seus cabelos. Era tão sedoso e macio quanto eu esperava.

Para minha sorte, Karson nunca saberia. Esse toque, junto com minha paixão épica, seria meu segredo. Nem mesmo Aria sabia o que eu sentia por Karson.

Provavelmente era melhor seguirmos caminhos separados, certo? ECA. Não.

Quero dizer... teríamos muito o que fazer em Vegas. Karson meio que me distraiu. Sem ele por perto, provavelmente ficaria mais focada.

Aria e eu precisaríamos encontrar um lugar para morar. Precisamos conseguir empregos. Assim que me inscrevesse para o teste, ganharia meu GED. Eu não precisava de um namorado me distraindo da construção de uma vida. Estava quase na hora de me tornar um adulto, certo?

ECA. De novo não. Ter Karson conosco apenas tornaria tudo melhor.

— Quer ouvir algo estranho? — Eu perguntei, pronta para um novo tópico.

— Duh.

— Ontem, Aria e eu vimos uma senhora correndo em direção ao ferro-velho.

— Correndo?

— Sim. Sério, você já viu um corredor nesta estrada?

— Não. Nunca.

— Estranho, certo?

Karson acenou com a cabeça. — Sim.

— Oh, fica pior. Aria e eu nos separamos no semáforo para que ela pudesse ir trabalhar. Fui à loja para comprar algumas coisas e estava lá fora, arrumando minha bolsa, e o corredora estava lá. Ela estava, tipo, me observando.

Karson diminuiu os passos e franziu a testa. — Tem certeza?

Eu concordei. — Com certeza. Acho que ela me seguiu.

— Você já a viu antes?

— Não. Nem Aria.

Ele franziu a testa e olhou ao redor, mas como sempre, estávamos sozinhos na estrada. — Pode ser apenas uma coincidência.

— Pode ser. Provavelmente.

— Fique de olho. Cuidado com ela.

— Aria e eu achamos que deveríamos mudar um pouco nossa programação. Ela saiu para o trabalho mais cedo do que o normal. Farei o mesmo amanhã, quando entrar.

— Devíamos todos começar a caminhar juntos. Eu irei com vocês duas. Mesmo nos dias em que não estou trabalhando.

— Você não tem que fazer isso.

Ele piscou. — Eu quero.

Deus, era quente quando ele piscava. Ele tinha um sorriso sexy que me fazia derreter. — Obrigada. — Mordi meu lábio inferior para esconder um sorriso bobo.

— Sempre. — Ele colocou a mão em volta dos meus ombros e me puxou para um abraço de lado.

Fiquei tensa, sem saber o que fazer, mas como ele continuou andando, eu também fiquei. Um pé na frente do outro, como se tudo estivesse normal. Como se não fosse grande coisa o braço de Karson estar em volta dos meus ombros.

Por que ele não foi embora? O que isso significa? Karson não me abraçava, tipo... nunca. Ele me deu uma cotovelada ou me cutucava ou sacudiu a ponta do meu cabelo. Mas um abraço? Isso contou mesmo?

Era apenas um cara passando o braço em volta do ombro de sua amiga? Quando ele abraçasse Londyn, ele a envolveria com os dois braços. Normalmente, as mãos dele mergulhariam nos bolsos de trás da calça jeans.

Isso foi um abraço. Um abraço de amante. Isso foi... Que diabos foi isso?

Eu deixei meus ombros o mais imóvel possível. Eu mal deixei minhas mãos balançarem ao meu lado. Se esse fosse o único abraço que receberia de Karson Avery, então o estava fazendo durar o máximo que podia.

O sol batia em nós, os raios da tarde ficando mais fortes a cada minuto que passava. Lutei para respirar fundo, meu coração disparado como uma Ferrari no meu peito.

Karson estava relaxado. Contente por deixar seu braço em volta de mim. Seu lado estava pressionado contra o meu, sua mão por cima do meu ombro, seu pulso relaxado.

Ele parecia casual. Este era um abraço casual, certo?

Mas e se eu estivesse errada? E se essa fosse a maneira de Karson de testar as águas? E se ele gostasse de mim? Gostava de mim, gostava de mim. E se esse abraço fosse sua maneira de romper a zona do amigo?

Antes que eu pudesse entender meus pensamentos, seu braço se foi e estávamos na cidade, os carros passando zunindo por nós na rua.

— A que horas Aria sai do trabalho? — ele perguntou no semáforo.

Olhei para a estrada na direção em que ela andaria para seu restaurante. — Cinco.

— Eu termino às seis. Antes do final do turno dela, por que você não vai ao restaurante buscá-la? Em seguida, volte para o lava-rápido para que possamos todos voltar para casa juntos.

— Certo. — Eu olhei para o seu perfil bonito, esperando por um sinal de que seu abraço tinha sido... mais.

Karson deve ter sentido meu olhar. Ele olhou para mim e aqueles olhos castanhos me mantiveram cativa. Meus romances sempre descreviam o herói que mantinha a heroína cativa com seu olhar.

Consegui totalmente agora.

Porque eu estava presa na calçada. O ar havia sumido de meus pulmões. Eu estava à mercê de Karson, esperando com cada batida do meu coração pelo seu próximo movimento.

A brisa pegou uma mecha de cabelo e soprou no meu rosto.

Karson puxou-o para fora da minha bochecha, colocando-o atrás da minha orelha. Seus dedos roçaram minha bochecha, fazendo cócegas na minha pele. Ele engoliu em seco, seu pomo de adão balançando. — Eu, hum...

Te amo? Por favor, deixe o resto da frase ser que ele me amava.

O bip da faixa de pedestres soou ao nosso lado. Karson desviou o olhar, encarando a rua, e baixou a mão. Então ele deu um passo à frente e o momento se foi.

Faixa de pedestres estúpida.

Chutei um monte de terra invisível e me arrastei atrás dele, odiando cada passo que nos levava cada vez mais perto do lava-rápido. Quando a placa apareceu, encobri um gemido com uma tosse falsa.

— Brechó? — ele perguntou.

— Sim. — Dei de ombros. — Eu acho. Tenho uma moeda de dez centavos no bolso e tenho um encontro com Fábio.

— Precisa de algum dinheiro para um café ou algo assim?

— Não, obrigada. — Enquanto ele roubava coisas aqui e ali, ele sabia que eu não roubaria. Ele já havia gasto muito dinheiro comigo.

Além disso, nas tardes de sexta-feira, o café mais próximo estava sempre cheio de garotas do ensino médio. Eles assumiram desde as férias de verão. Era impossível sentar lá e não ficar sobrecarregado com conversas sobre a faculdade, carros e roupas.

Eu não odiava minha vida. Não era o ideal, mas não odiava nossa situação. Aria e eu tínhamos nossa liberdade e isso não tinha preço. Morar no ferro-velho era melhor do que onde estávamos.

Ainda assim, ouvir garotas normais era dolorosamente difícil. Porque se nossos pais não tivessem morrido, seria Aria e eu. Teríamos sido as meninas em uma cafeteria que nunca se perguntaram de onde viria sua próxima refeição. Que não temia carros de polícia que os arrastassem de volta para o inferno.

— Vou pegar meu novo livro e depois encontrar um parque ou algo assim, — disse a Karson.

— Fique em público onde as pessoas possam ouvir você, ok?

— Eu irei. — Além do ferro-velho, não ia a lugares onde alguém não pudesse me ouvir gritar.

— Divirta-se trabalhando.

— Oh sim. Lavar carros é o meu sonho, — ele brincou.

Eu ri e isso o fez sorrir.

Ele sorriu tão largo e brilhante que me recusei a piscar. Tinha que memorizar aquele sorriso nos próximos 46 dias para que, quando saíssemos da Califórnia, eu pudesse levá-lo comigo.

Parado na calçada, acenei e observei enquanto ele se afastava. Cerca de dez metros de distância, ele girou e sorriu, dando-me uma saudação simulada. Eu ri, observando seus passos largos e a maneira como ele caminhava com tanta graça.

Então ele foi embora e eu fui para o brechó, levando meu tempo ao longo da rota de dez quarteirões. Não havia novas adições ao seu estoque de livros muito limitado, então o próximo era treze quarteirões extras para a biblioteca mais próxima.

Não que eu tenha verificado os livros. Eu precisaria de um cartão da biblioteca para isso e solicitar um falso parecia um risco desnecessário. Mas eu ia à biblioteca com frequência, nunca falava com os bibliotecários, simplesmente caminhava entre as estantes.

Havia aventura aqui. Havia esperança. Havia mundos imaginários por trás de cada sobrecapa e espinha dura, prontos para engolir o leitor inteiro. O cheiro de papel e livros impregnou o ar. Os sussurros silenciosos dos clientes me lembraram das folhas do outono farfalhando na grama.

Finalmente, depois de matar mais uma hora, comecei a lenta jornada até o restaurante de Aria. Ela não estaria pronta para sair ainda, mas eu não queria correr o risco de não pegá-la. E eu esperava poder implorar uma limonada com gelo extra para a garçonete.

Ela me deu duas enquanto eu esperava por minha irmã.

Aria riu depois que eu expliquei a ela o que estava acontecendo. — Você não acha que Karson ficou mais protetor ultimamente? Você acha que todos os irmãos mais velhos são assim?

Eca. Karson não era meu irmão mais velho. — Não sei. Pode ser.

Superprotetor ou não, eu gostava que Karson se importasse com nosso bem-estar. Era o único gesto que o distinguiu da maioria das pessoas em nossas vidas.

— Ainda temos uma hora antes que ele esteja pronto — disse Aria, verificando o relógio do restaurante enquanto colocava sua mochila. — Quer ir a algum lugar?

— Na verdade. Andei a tarde toda. E se nós apenas fôssemos para o lava-rápido?

— Por mim tudo bem. — Ela se despediu de seus colegas de trabalho e, em seguida, fizemos a caminhada até o trabalho de Karson.

Havia uma saliência de concreto atrás da fileira de aspiradores, e Aria e eu nos acomodamos sob a sombra de uma árvore.

Tive a visão perfeita de Karson de pé dentro do galpão de metal com uma varinha de spray de pressão em suas mãos. Alguns dias, ele lavava os carros. Outros, ele estava fora, polindo a cera ou passando um aspirador.

Foi difícil me impedir de olhar. Seu jeans estava molhado, como de costume. Sua camiseta cinza também. Ela grudou em sua barriga lisa. Cada vez que ele se movia, o tecido parecia esticar mais apertado sobre seus ombros e braços.

Pare de encarar. Tive que forçar meus olhos para longe, fixando-os em Aria, embora na minha cabeça tudo o que eu pudesse imaginar fosse Karson sem camisa, usando aquela toalha.

Aria estava me contando sobre seu dia enquanto eu fantasiava sobre Karson. Eu não tinha ouvido uma palavra do que ela disse porque eu era uma irmã horrível. Mas então uma voz familiar latiu e me puxou para fora do meu estupor.

— Fique longe de mim. — A voz de Karson encheu o ar.

— Que diabos? — Aria murmurou, torcendo-se. Então nós duas estávamos de pé.

— É ela. — Peguei o braço da minha irmã. — Aria, é ela, não é?

Ela pegou minha mão, estreitando os olhos. — Não sei. É?

— Sim. — Era ela.

A corredora de ontem estava dentro do lava-rápido, claramente ignorando a placa de Somente Funcionários. Ela estava conversando com Karson, agitando as mãos freneticamente enquanto ele erguia um braço e apontava para a saída.

— Vai. Siga seu caminho. — Outro grito que chegou até nós.

A mulher não se mexeu. Ela cruzou os braços sobre o peito, plantando bem as pernas.

Karson apertou a mandíbula, então invadiu o escritório e bateu a porta atrás de si.

A mulher não percebeu que estávamos assistindo. Ela fez uma careta e marchou para o carro. Com um estalar de dedos, ela ordenou que o cara o secasse com uma toalha. Então ela estava atrás do volante e na estrada, seus pneus cantando enquanto ela corria para a rua.

Não esperei por minha irmã enquanto corria para o escritório, estava quase na porta quando ela se abriu e Karson saiu.

Ele me viu e mudou de direção. — Ei.

— Karson, era ela. A corredora.

— O que?

— Sim, era ela. Tenho certeza.

— Porra.

— Quem é essa mulher? — Eu perguntei quando Aria se juntou a nós.

Karson cerrou os dentes e olhou para a estrada onde ela havia desaparecido. — Minha mãe.


CAPÍTULO CINCO

CLARA


— Hey. — Sorri para Karson quando ele veio andando em minha direção. Eu estava fora da van, sacudindo o resto da comida de gato da sacola em uma tigela para o bichano.

A bolsa que eu comprei há mais de um mês e meio, o dia em que vimos a mãe de Karson correndo em nossa estrada, tinha durado muito tempo. Demasiado longo. O gato de Katherine não vinha aparecendo muito, provavelmente porque Katherine não estava aqui.

— Ei, — ele disse. — Onde está Aria?

— Banho. — Amassei o saco em uma bola para a lata de lixo de metal de Lou. — Ela tem trabalhado em suas plantas o dia todo, preparando-as para quando formos. Ela quer deixá-las ao redor da casa de Lou como um presente de despedida.

Karson acenou com a cabeça e afundou no capô de um carro velho. Ele repousava sobre uma pilha de grandes pedaços de metal e um poço de roda enferrujado. O capô era o nosso equivalente a uma cadeira de sala de estar.

— Como foi o trabalho? — Perguntei. Embora Aria e eu não tivéssemos que trabalhar hoje, ele passou por um turno de oito horas no lava-carros.

— Trabalho. — Ele deu de ombros, mas as rugas em sua testa falavam muito sobre seu dia.

E quem o visitou.

— Ela estava lá de novo, não estava?

— Sim, — ele murmurou. — Veio antes de eu bater o ponto.

Desde que a mãe de Karson fez sua primeira aparição no lava-rápido, ela continuou a confrontá-lo pelo menos uma vez por semana.

— O que ela queria?

Ele ergueu um ombro. — Não a deixei me pegar. No segundo em que vi o carro dela, me fechei no escritório.

— Seu chefe se importa?

— Quero dizer, ele não gosta. Mas ele entendeu.

Eu dei a ele um sorriso triste. — Desculpe.

— Sim. Qualquer que seja. Ela pode se foder.

Karson não tinha falado sobre sua mãe. Não desde sua primeira visita e não antes. Em todos os anos que vivemos juntos, ele não elaborou. Apenas como eu. O que eu sabia de seu passado eram pedaços e pedaços. A mãe de Karson era alcoólatra. Talvez ela ainda fosse. E ela tinha sido uma vadia, de acordo com seu filho. Isso obviamente não mudou. Mas eu não sabia exatamente o que aconteceu para fazê-lo fugir.

A melhor decisão da minha vida. Uma frase que ele repetiu inúmeras vezes.

— De qualquer forma — ele se levantou — queria que você soubesse que eu estava de volta.

— Oh, tudo bem.

Ele se afastou, com os ombros tensos e as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans.

Karson havia se afastado de mim no último mês e meio. Cada visita de sua mãe o deixava cada vez mais fundo em si mesmo. Ele raramente comia conosco atualmente. Ele nos acompanhava na ida e volta para a cidade, mas as viagens eram tranquilas e tensas.

Foi-se o Karson brincalhão que provocava e flertava. Foi-se o Karson que colocou o braço em volta dos meus ombros. Foi-se o Karson que olhou para mim no semáforo como se quisesse me beijar.

Eu estava perdendo-o.

E faltavam apenas três dias.

A esperança que eu tinha de vê-lo novamente depois que deixamos este lugar estava diminuindo como os números na parede do caminhão.

Eu me esforcei para encontrar alguma emoção para Las Vegas. Pela primeira vez, eu não queria ir. Eu não queria sair daqui e deixá-lo.

Independentemente disso, eu fiz as malas. Aria e eu estávamos nos preparando para sair. Pronto ou não, o tempo estava se esgotando e eu precisava seguir em frente com minha vida. A maior parte do que fizemos hoje foi organizar nossos pertences.

Estaríamos pegando um ônibus para Las Vegas. Quatro dias atrás, tínhamos ido à estação para perguntar sobre as passagens e ver a programação. Haveria espaço suficiente para cada uma levar duas mochilas. Hoje, eu arrumei os livros e arrumei as roupas que estava deixando para trás. Eu as usaria pelos próximos três dias, como minha camisa hoje. Era uma das minhas favoritas, mas a bainha estava puída e havia um buraco na axila. Aria e eu tínhamos decidido que jeans amassados e camisas esfarrapadas valiam a pena usar agora, então, quando chegasse a hora, estaríamos carregados para sair com nossas melhores coisas.

— Venha me cheirar. — Aria emergiu do labirinto, com o cabelo molhado e uma toalha enrolada no braço.

— Por que estou cheirando você?

— Porque eu cheiro incrível. — Ela sorriu e se aproximou, colocando um braço em volta dos meus ombros.

Eu franzi meu nariz. — Você usou sabonete, não é?

— Huh? — Ela deu um passo para trás e cheirou sua axila.

Eu ri. — Brincando. Você cheira bem.

— É aquele shampoo novo que comprei na loja de Um Dolar. Eu amo que cheira como uma flor. De agora em diante, esse será o meu cheiro.

— Flores?

Ela acenou com a cabeça. — Sim.

— Boa escolha. — Meu cheiro favorito era laranja e baunilha. Isso me lembrou de Creamsicles, aqueles que papai costumava comprar para nós nos dias quentes de verão em um caminhão de sorvete. Mas eu ainda não tinha encontrado um sabonete que cheirasse bem. Provavelmente porque havia tantas opções na loja do dólar. Talvez quando eu tivesse um emprego e algum dinheiro, pudesse ir a um salão de beleza e comprar meu cheiro.

— O que você quer fazer no jantar? — Aria perguntou, pendurando sua toalha em nosso gancho. Era apenas uma dobradiça na porta do caminhão, mas funcionava.

— Devíamos comer sanduíches de manteiga de amendoim e mel? Ou sanduíches de mel e manteiga de amendoim?

— Hmm. — Ela bateu no queixo. — Manteiga de amendoim e mel são mais sofisticados do que mel e manteiga de amendoim, e estou me sentindo chique esta noite.

— Então deixe-me cozinhar para você, senhora.

— E traga-me nosso melhor champanhe.

— Mas é claro. — Fiz uma reverência e pulei na caminhonete, indo para o estoque de comida. Com nossa única faca de manteiga, fiz um sanduíche para cada um.

— Karson está de volta? — Aria perguntou, dando uma mordida depois de me entregar uma garrafa de água morna.

— Sim. Ele veio quando você estava no chuveiro. Ela estava lá novamente hoje.

— Vadia, — ela murmurou.

— Ele disse alguma coisa para você?

Aria balançou a cabeça. — Não. Mas ele não fala comigo como fala com você.

— Eu posso fazer um sanduíche para ele. Ver se ele está bem.

— Por mim tudo bem. Este pão está quase estragando de qualquer maneira. — Não havia mofo, mas a crosta estava dura e seca.

Comemos em um silêncio confortável e, quando terminei, fiz o sanduíche de Karson. Quando saí, Aria estava acomodada em sua cama com um livro no colo, prendendo o cabelo em uma longa trança.

Uma vibração nervosa se instalou em minha barriga enquanto eu caminhava em direção à tenda de Karson. A portinhola estava aberta, mas bati na parede mesmo assim. — Ei. Sou eu.

— Ei. — Karson estava sentado na sala principal com um baralho aberto em um jogo de paciência.

A visão dele jogando sozinho quebrou meu coração.

Karson tinha estado muito sozinho no ano passado. Quando Londyn morava aqui, ela era sua companheira constante. Melhores amigos. E embora Aria e eu estivéssemos aqui, não era a mesma coisa.

Sempre serei grata aos meus pais por ter nascido com minha melhor amiga. Mesmo nos dias mais sombrios, nunca estive sozinha. Sempre tive Aria.

— Quer jogar um jogo? — Eu me sentei em frente a ele no chão.

— Certo.

— Aqui. — Entreguei a ele o sanduíche. — Jantar.

— Obrigado. — Ele o pegou e deu uma mordida enorme. — Mmm. Manteiga de amendoim e mel. Eu não como isso há muito tempo.

Eu ri. — Tipo um dia?

— Dois. — Ele mastigou, um sorriso se formando em seus lábios.

— O que estamos jogando? — Eu perguntei, pegando as cartas.

— Você me venceu tanto no gin quanto no pôquer da última vez, então uma revanche de qualquer um dos dois seria bom.

— Gin. — Eu distribuí as cartas.

Ele limpou as mãos depois de demolir o sanduíche e pegou a mão. — Um dos caras do trabalho me comprou cerveja.

Pisquei, chocado com a admissão. — Mesmo?

— Não é a primeira vez.

— Oh. — Como eu perdi isso? — Você, hum... bebe muito?

— Nah. Não pretendo me tornar minha mãe.

Certo. Ele mencionou uma vez que ela ficaria realmente desagradável depois de muitas vodkas.

— Eu trouxe o pacote de seis para casa comigo. Quer uma?

— Hum... — Por que isso parecia quebrar as regras? Porque era. Apesar da minha atual situação de vida e do fato de que estávamos basicamente invadindo, eu ainda tentei seguir as regras. Mesmo no começo, quando não tínhamos conseguido bons empregos, Aria e eu nunca roubamos comida como ele. — Eu nunca bebi antes.

— Você não precisa. — Karson se espreguiçou atrás dele, passando pela divisória de seu quarto. Então ele ergueu o pacote de seis e colocou-o ao seu lado.

As latas eram brancas com letras vermelhas. Os topos eram de um tom de ouro metálico. Karson tirou um dos anéis de plástico e o topo assobiou quando ele o estourou.

— Eu acho... Vou tentar. — Minha voz falhou um pouco com a emoção.

Ele entregou a lata e abriu a sua para levantar no ar. — Saúde.

— Saúde. — Eu coloquei a lata em meus lábios e tomei um gole. E nojento. — Bruto.

Ele riu, engolindo seu próprio gole. — É diferente.

— Se diferente e horrível significam a mesma coisa, então sim, é diferente.

O sorriso que se estendeu no rosto de Karson valeu a pena a cerveja nojenta. Sua risada explodiu pela tenda, afogando os medos que eu tinha de perdê-lo.

— Você não tem sorrido muito ultimamente, — eu disse.

Ele suspirou e tomou outro gole. — Não, não tenho.

— Você está bem? Essa coisa com sua mãe...

— Eu não entendo por que ela não pode me deixar ir. Ela não me queria anos atrás, quando eu realmente precisava dela. Agora ela vem me procurar? Agora? Que porra é essa? Por que?

— Talvez você precise ouvi-la.

Ele fez uma careta enquanto tomava outro gole.

OK. Sugestão ruim. Eu tomei um gole da minha própria lata, o segundo gosto não tão amargo e surpreendente quanto o primeiro. — Desculpe.

— Não é sua culpa. Estou sendo um idiota. Desculpe. Eu só não quero ter nada a ver com ela.

— Você nunca fala sobre sua casa com ela.

— Você também nunca fala sobre a sua. — O olhar avelã de Karson fixou-se no meu. Nele, o apelo silencioso para confiar nele quebrou qualquer resolução que eu tivesse de manter meu passado escondido.

Então tomei outro gole e contei a ele a história que só Aria conhecia.

— Nosso tio é um filho da puta doente. Depois que nossos pais morreram, fomos para um orfanato por um tempo, esperando até que eles descobrissem o que fazer conosco. Meus pais não tinham um plano para nós.

Os pais faziam isso pelos filhos, certo? Planejamento para o pior? Eu tinha ouvido nossa assistente social dizer algumas vezes que nossos pais não tinham testamento. Eles deveriam ter.

— Acabamos com nosso tio. Ele era o meio-irmão da mamãe. Eu nem sabia que tínhamos um tio até depois da mamãe e do papai... — Eu não gosto de dizer isso. Sete anos depois e não gostava de dizer que tinham morrido.

— Talvez não devêssemos falar sobre isso. Eu não quero te machucar, Clara.

Eu encontrei seu olhar preocupado. — Se há alguém que eu gostaria de falar pela primeira vez sobre isso, é você.

— OK. — Ele acenou com a cabeça em direção à minha cerveja.

Tomei outro gole, deixando a fermentação fazer cócegas na minha língua. — Minha avó teve mamãe antes de se casar com o pai de Craig. Acho que isso o tornava meu avô também, não que eu o conhecesse. Ele morreu antes de eu conhecê-lo. Minha avó também, quando eu era bebê. Só me lembro do rosto dela nas fotos.

E mesmo assim, as fotos estavam desbotando. Algumas noites, eu acordava suando frio porque também não conseguia me lembrar como mamãe e papai eram. Como suas risadas eram. Aria e eu tínhamos algumas fotos, mas mesmo com elas, as memórias eram confusas.

— Os pais do meu pai, meus outros avós, moram fora de Phoenix. Eles tinham uma piscina em que jogávamos sempre que visitávamos. Antes.

— Por que vocês não foram morar com eles? — Karson perguntou.

— Eles não nos queriam. Craig queria. Acho que meus avós não sabiam sobre ele. O que ele era.

Craig era um cara diferente na época. Gentil. Falso. Lembrei-me dele nos encontrando, agachado e apertando nossas mãos. Lembrei-me dele dizendo como éramos bonitas e o quanto o lembrávamos de mamãe. Ele nos deu ursinhos de pelúcia naquele dia e um pacote de M&M para dividir.

— Ele deu um bom show para as assistentes sociais. Elas acreditaram. Ele era mais jovem que meus avós e, como morava aqui em Temecula, acho que todos os adultos pensaram que fazia sentido não nos movermos.

— Filhos da puta estúpidos.

— Sim. — Eu bufei, tomando outro gole. O calor se espalhou pelo meu peito, tornando mais fácil falar. Talvez tenha sido a cerveja. Ou talvez fosse apenas Karson. — Ele só queria o dinheiro deles. Mamãe e papai. Ele levou tudo. A casa. A mobília. Nossos brinquedos. Se ele pudesse vendê-lo, ele levava. Então ele nos mudou para aquele trailer de merda e ficou com o dinheiro para si mesmo. No momento em que fugimos, ele já tinha quase acabado.

— O que ele fez com isso? Drogas?

Eu levantei um ombro. — Pode ser. Eu sei que ele apostou porque uma noite esse cara apareceu e arrombou a porta da frente. Ele tinha uma arma e disse a Craig que, se não pagasse sua dívida de jogo, estaria morto.

Parte de mim ainda desejava que tivesse terminado naquela noite. Que Craig tinha um rolo de dinheiro no bolso e aquele cara tinha disparado a arma.

— Ele costumava dar festas enquanto Aria e eu nos escondíamos em nosso quarto. Não conseguimos nem trancar a porta porque estava quebrada. E eu acho... — Respirei fundo, preparando-me para a compreensão que levei um tempo para entender. — Acho que havia um motivo para mamãe não nos deixar ver Craig. Que ela não falou sobre ele.

A coluna de Karson enrijeceu. — O que?

— Ele era um idiota e não dava a mínima para nós na maior parte do tempo. Mas como havia comida e Aria e eu podíamos cuidar de nós mesmas, não importava. Então ficou assustador. Fizemos quatorze anos e temos, hum... seios. — Eu fiz uma careta, não querendo dizer essa palavra para Karson. — Ele olhou para nós. Muito. Ele nos tocava muito.

Um arrepio percorreu minha pele. Um gosto amargo se espalhou pela minha boca, então eu o engoli com outro gole de cerveja.

— Acabou sendo tão nojento que começamos a fazer as malas. Sabíamos que Londyn havia fugido. Por que não nós também?

— Ela estava aqui então, certo?

Eu concordei. — Sim. Estávamos tentando economizar o máximo que podíamos primeiro, sem saber ao certo que tipo de empregos conseguiríamos, já que tínhamos apenas quinze anos. Mas então ele veio atrás de Aria.

A tenda ficou assustadoramente quieta. Karson sentou-se como uma rocha, mas a fúria pulsando em seu corpo era como uma onda de calor.

— Ele não gostou... — Estupro. Eu também não consegui dizer essa palavra. — Ele a tocou. Ele rasgou sua camisa. Ele abriu as calças dela. Eu nem sabia que estava acontecendo. Eu estava no banheiro, mas então a ouvi gritar e quando eu saí correndo, ela já havia lutado para se libertar.

Fechei meus olhos e ouvi o eco de seu grito. Isso me assombrou. Eu esperava que sempre fosse.

— Vou matá-lo, porra. — Karson se moveu tão rápido que pisquei e ele saiu pela porta da tenda.

— Não! — Eu me levantei, correndo para alcançá-lo. — Karson, pare.

— Ele está morto.

— Karson. — Alcancei-o pelo pequeno portão, agarrando seu cotovelo com as duas mãos. — Não faça isso. Se você for lá, o que você vai fazer?

— Matar ele.

— E então quem estará aqui conosco? — Eu perguntei gentilmente. Karson iria matar Craig. Ele tinha esse tipo de raiva dentro dele.

Seu corpo ficou tenso, mas ele parou de lutar contra meu aperto.

— Foi há muito tempo, — eu disse.

— Não significa que seja certo, porra.

Suspirei. — Eu sei. Mas se você for lá e fizer algo imprudente, ele ganha. Por favor, não faça isso.

Ele fervilhou por um minuto inteiro antes de se afastar da cerca. Então ele me encarou, plantando as mãos nos quadris. — Ele tocou em você também?

— Não. Corremos e nos fechamos no quarto. Ele bateu na porta por horas, mas nós a seguramos. — Aria e eu apoiamos nossas costas contra a porta e nossos pés contra a cama, então empurramos com todas as nossas forças. Quando as batidas e os gritos de Craig pararam, minhas pernas perderam toda a força. Bem, quase toda.

Nunca em minha vida desejei tanto por meus pais. Eu silenciosamente implorei para mamãe e papai aparecerem, para nós acordarmos do pesadelo e estarmos em casa em nossas camas com eles dormindo no corredor.

Desejei muito por eles, durante os dias difíceis. Aria parecia tão zangada com eles às vezes. Ela nunca disse isso, mas eu poderia dizer que ela estava brava com eles por nos deixarem - por nos deixarem vulneráveis a um homem como Craig.

Ela tinha o direito de estar com raiva, e houve momentos em que eu também senti isso. Mas principalmente... Eu só perdi o sorriso da mamãe e a voz gentil. Eu sentia falta da risada alta de papai e como ele nos pegava em seus braços todas as noites quando voltava do trabalho.

Desejei por eles, embora soubesse que esse desejo não se tornaria realidade.

— Então o que? — Karson perguntou.

— Craig desistiu eventualmente. E quando ele o fez, saímos pela janela antes do amanhecer com nossas mochilas e suprimentos e depois viemos para cá.

— Clara. — A dor em seu rosto bonito quebrou meu coração.

— Estou bem, Karson.

Sem aviso, ele me puxou para seu peito, envolvendo os braços em volta de mim com força. — Eu odeio ele pra caralho.

— Eu também. — Eu respirei profundamente sua camisa. Ele cheirava a sabão, terra e Karson. Meu Karson. Meus braços envolveram sua cintura e eu o abracei. Um verdadeiro abraço, com a bochecha apoiada no meu cabelo.

Até que ele afrouxou o aperto e colocou meu rosto em seu peito. — Eu sinto Muito.

— Não sinta.

— Eu não deveria ter tocado no assunto. Devíamos apenas ter jogado cartas e nos divertido.

— Ainda podemos fazer isso. Se você quiser. — Eu coloquei o polegar na direção da barraca. — Sua cerveja está crescendo em mim.

— Só você poderia me fazer sorrir agora. — Ele riu e colocou um braço em volta dos meus ombros, então me guiou para a tenda.

Jogávamos gim e fingíamos que não morávamos em um ferro-velho. Bebíamos cerveja como outros adolescentes faziam para quebrar as regras e ultrapassar os limites.

— Meus lábios estão dormentes. — Limpei meu lábio inferior, sacudindo-o com o dedo indicador.

Karson riu. — Não sinto nada ainda.

— Mesmo? — Eu estava enrolando? — Eu sinto... leve. Aria vai ficar brava porque a deixamos de fora.

— Ela pode ficar com o resto do meu fardo. — Ele encolheu os ombros e ficou de pé. Mas ele tinha esquecido que não podia ficar no centro da tenda e bateu a cabeça no telhado. — Ai.

Eu comecei a rir. — Achei que você não estava sentindo nada.

— Acho que estou agora. — Ele cambaleou. Embora eu só tivesse bebido uma cerveja e meia, Karson quase tinha bebido as outras quatro.

— Ela provavelmente está dormindo. — Eu me levantei, estendendo meus braços como um avião para encontrar meu equilíbrio. Quando uma de minhas mãos pousou na pele quente de Karson, agarrei-me em seu antebraço, sem medo de tocá-lo. Não essa noite.

O que eles chamam de álcool? Coragem líquida? Eu tenho essa referência agora.

Meu sorriso beliscou minhas bochechas enquanto puxava Karson para fora da tenda. O ar lá fora ainda estava quente, mesmo com o sol mergulhando abaixo do horizonte. As estrelas estavam apenas começando a aparecer no céu azul royal.

— Quer assistir estrelas cadentes? — Eu perguntei, caminhando em direção ao Cadillac. — Podemos fazer disso um jogo. Primeira a três vitórias.

— E quanto a Aria?

Nenhuma luz vinha de dentro do caminhão. Ela sempre acordava cedo e costumava ir para a cama antes de escurecer. Isso ou ela estava sentada sob um cobertor, consumindo seu livro à luz de uma lanterna. — Ela provavelmente está dormindo.

— Ok. Observando as estrelas então . — Karson subiu no amplo capô do Cadillac, inclinando-se para que suas costas ficassem contra o para-brisa. Então ele ergueu os braços e os colocou sob sua cabeça.

Eu me arrastei para o lado dele, me acomodando contra o metal. Minha calça jeans e camisa estariam sujas, mas no meu estado alegre e cheio de cerveja, eu não me importei. Essas eram roupas de curto prazo, de qualquer maneira.

— Eu não posso acreditar que você é péssimo em gim e pôquer. — Eu mal disse a frase antes de começar a rir.

— Você deveria estar agradecendo.

— Para que?

— Por deixar você vencer.

Eu zombei. — Você não me deixou vencer.

Ele ficou quieto, seu olhar no céu.

— Você me deixou ganhar?

Mesmo assim, nenhuma resposta.

Eu mudei, empurrando um braço para olhar para ele. — Karson.

— Clara.

— Você me deixou ganhar?

Ele olhou e piscou. — Você nunca saberá.

— Trapaceiro! — Eu o cutuquei na lateral do corpo e me deitei novamente, meu sorriso mais largo agora do que tinha sido a noite toda.

Ele deu uma risadinha. Se isso era o que eu podia fazer por ele, fazê-lo rir, então eu estava chamando esta noite de um sucesso. E talvez eu também precisasse de uma risada.

Eu estava mais leve, tendo contado a ele minha história. O medo que veio com ele havia diminuído. Talvez eu devesse ter contado a ele há muito tempo.

— Eu sei que não é o ideal, mas vou sentir falta dessas noites estreladas, — disse Karson.

— Eu também.

O ferro-velho ficava longe o suficiente do centro da cidade para que o brilho das luzes da cidade não obscurecesse completamente o céu noturno. As estrelas apareciam e em noites claras como esta, eram pequenos lampejos de esperança, lampejos de alegria que prometiam que a vida nem sempre seria tão difícil. Eles estavam lá, cuidando de nós. Talvez as estrelas fossem as almas perdidas daqueles que amamos.

Talvez duas dessas estrelas fossem para meus pais.

Eu esperava que neste exato momento, comigo deitada ao lado do garoto de quem eu realmente gostava, papai não estivesse olhando.

— Não vou perder a sujeira, — disse ele.

— Mesmo. E não vou perder os espaços apertados. Dormindo em um caixão enorme. Algum dia, quero uma casa com muitas janelas. Para que, mesmo quando estou dentro de casa, pareça aberto e arejado.

— Eu só quero quatro paredes. Quatro paredes reais. Uma geladeira. Um microondas.

Eu dei uma olhada no perfil de Karson. Era perfeito. Seu nariz estava reto. Sua mandíbula forte e suja de barba por fazer. Seus lábios macios.

— Vou ter saudades tuas. — As palavras saíram antes que eu pudesse detê-las.

Quando ele me encarou, seus olhos castanhos tinham aquele tom cativante novamente. O mesmo que ele me deu no dia do semáforo. — Eu vou sentir sua falta também.

Minha respiração ficou presa na minha garganta.

— Clara...

— Sim?

Karson não respondeu. Ele se virou para o céu e meu coração afundou. Eu estava imaginando isso. Tinha que ser a cerveja. Tinha que ser-

Não consegui terminar esse pensamento. Porque em um momento, meus olhos estavam grudados no céu noturno que escurecia.

No próximo, Karson estava lá.

E seus lábios desabaram sobre os meus.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO SEIS

CLARA


O barulho de metal contra metal me acordou.

Pisquei, estremecendo com a dor latejante em minhas têmporas. Deus, estava quente. Por que estava tão quente?

Um peso repousava ao meu lado e, atrás de mim, uma fornalha. Uma fornalha dura e forte.

Não, um corpo.

Eu engasguei e me sentei, lutando para fora do aperto de Karson. Tenda. Estávamos na tenda. Nós estávamos na sua... cama.

Ele se mexeu, abrindo os olhos. Em seguida, ele esticou um braço sobre a cabeça e o movimento fez sua camisa subir, revelando uma espiada no abdômen. — Dia.

— Dia. — Eu engoli em seco e olhei para mim mesma. Ainda vestida. Então a noite passada voltou correndo.

O Cadillac. As estrelas. As cervejas.

O beijo.

Voltamos para a tenda depois que Karson me beijou.

Oh meu Deus. Karson me beijou. Muito. Ele me beijou muito, muito.

Minhas pontas dos dedos foram para os meus lábios inchados. Santa. Merda.

Karson Avery havia me beijado. Eu segurei um grito.

O choque em meu rosto deve ter acordado Karson completamente porque ele se sentou, os olhos em alerta. — Clara.

— Você me beijou.

Ele assentiu. — Foi só isso que aconteceu.

Isso é tudo? Foi um beijo. Um beijo maldito. Algo que eu quis por meses e meses e meses. — Eu lembro.

— Você está-

— Ótima. Excelente! Eu estou bem. Exceto que estou com dor de cabeça. — Embora eu não pudesse dizer se a rotação era porque eu estava tendo minha primeira ressaca ou por causa do beijo.

— Sim. — Ele passou a mão pelo cabelo. — Eu também.

O que fizemos agora? Não havia nenhuma maneira de beijá-lo novamente até que escovasse os dentes. Minha boca estava seca e com gosto... eca. O hálito de cerveja era horrível. Embora eu não tivesse um espelho, meu cabelo estava certamente uma bagunça.

Aria ia dar uma olhada em mim e... saber. Oh meu Deus. Meu estômago embrulhou. Ela iria saber. Não havia como esconder meus lábios inchados e aquele sorriso permanente da minha irmã. Minha paixão secreta estava prestes a ser o assunto do ferro-velho.

Minha cabeça latejava quando me forcei a ficar com os pés instáveis. — É melhor eu ir.

— Clara, espere.

Eu não parei de me mover. — Obrigado pelo, hum... Até mais.

Deixando-o na tenda, corri para fora e para o sol brilhante da manhã. Estremeci quando minhas têmporas latejaram, mas respirei fundo e coloquei um pé na frente do outro. Quando passei pelo Cadillac, mantive meu olhar no caminho, me recusando a olhar para o capô.

O capô onde Karson me beijou.

O que isso significa? Isso foi uma coisa boa, certo? Karson. Avery. Beijou. Eu.

Exceto no momento, eu meio que queria vomitar. Pressionando a mão na minha barriga, eu corri para a caminhonete, pulei e peguei minha toalha e suprimentos de banho.

— Dia. — Aria estava em sua cama com o romance que ela havia feito na noite anterior.

— Oi. Desculpe. Eu estava na tenda. Eu, uh, adormeci.

Ela encolheu os ombros. — Eu imaginei. Eu caí cedo. Este livro não era bom o suficiente para ficar acordada até tarde.

Eu abaixei meu queixo, esperando manter meu rosto escondido até que eu pudesse avaliar o dano. Felizmente, meu cabelo estava pendurado em todos os lugares como uma cortina. — Estou indo tomar banho.

— Ok.

Antes que ela pudesse dizer qualquer outra coisa, eu desapareci, correndo para a loja. O cheiro de graxa e gasolina me fez engasgar, mas me tranquei no banheiro e liguei o chuveiro quente. Então, quando o vapor inundou a sala, encarei o espelho.

Sim. Lábios inchados.

Uma risada escapou quando me inclinei para mais perto, absorvendo-os. Karson havia me beijado. Eu o beijei. Tínhamos uma sessão completa de beijos no Cadillac. Cadillac de Londyn.

Ela me odiaria por isso? Ela me odiaria por amar Karson? Uma onda de culpa varreu meus ombros, mas eu a afastei.

— Ela nunca vai saber, — eu sussurrei, então fui para minha escova de dente, esfregando minha boca até que tudo que eu provei fosse hortelã.

O espelho começou a embaçar, então tirei as roupas de ontem e entrei no chuveiro. Demorei-me, absorvendo o calor e deixando-o afastar a ressaca. Pelo menos... Achei que fosse uma ressaca. No momento em que saí, minha dor de cabeça não era tão forte e minha mente estava clara.

Eu preciso de uma cabeça limpa. Porque eu havia fugido de Karson e precisávamos conversar sobre o beijo.

Ele gostaria de fazer de novo? Ou ele diria que foi um erro? Eu tinha quase certeza de que morreria se ele me dissesse que eu era um erro.

Nós só tínhamos dois dias até nosso aniversário. Eles seriam os dois dias mais longos da minha vida se Karson me rejeitasse agora.

Aria estava vestida e comendo um bolo de arroz quando voltei para a caminhonete. Ela estava sentada na ponta, chutando as pernas.

— Eu experimentei cerveja, — eu soltei, entrando. Guardei o sabonete e o shampoo e pendurei a toalha. Então me sentei ao lado dela e deixei minha cabeça descansar em seu ombro. — Cerveja é muito ruim.

Ela riu. — Onde você conseguiu cerveja?

— Karson. Um cara em seu trabalho comprou um pacote de seis para ele.

— Ahh. — Ela acenou com a cabeça. — Foi por isso que você adormeceu na tenda?

— Sim. — Suspirei, segurando o resto da história. Eu não estava pronta para admitir meus sentimentos. Eu não estava pronta para admitir que traí Londyn ao me apaixonar por seu namorado - ex-namorado.

— Eu pensei que talvez você e Karson...

— Huh? — Meu coração caiu enquanto eu fingia confusão.

— Você gosta dele?

— Nós somos amigos. — Eu me sentei direito. Não é uma mentira completa. Então me levantei e caminhei até a parede do caminhão, pegando o marcador de quadro branco para escrever o número de hoje.

Dois.

Faltavam apenas dois dias e eu me despediria de Karson. Beijo ou não, estávamos seguindo caminhos separados. Talvez seu beijo tenha sido uma despedida.

— A que horas você quer chegar para o trabalho? — Eu perguntei depois de engolir o nó na garganta.

— Cerca de uma hora. Mas você não precisa vir comigo. Duvido que a mãe de Karson queira algo conosco. Acho que ela estava apenas procurando por ele.

— Sim. — Havíamos explicado isso a Karson, mas ele ainda insistia em nos acompanhar até a cidade.

— Na verdade, vou sair quando ele não estiver olhando. — Ela sorriu. — Até logo.

— Tome cuidado. — Antes que ela pudesse pular, eu passei meus braços em volta dela. — Te amo.

— Também te amo. Aproveite o seu dia de folga. Você poderia-

— Regar suas plantas? É claro.

Ela pegou sua mochila vazia, então saltou e examinou os baldes de plantas que cercavam o caminhão. O sorriso feliz em seu rosto desapareceu quando ela viu as flores e as folhas verdes.

Aqueles eram seus bebês e não havia como eles virem para Las Vegas. Eles provavelmente morreriam antes do outono - nunca algo que eu diria em voz alta. Mas Lou não iria se importar com eles.

O homem não tinha muito a dar, embora o que ele nos deu tivesse sido o suficiente.

— Tchau. — Ela acenou e saiu, prendendo as alças da mochila nos ombros enquanto caminhava.

— Peru se você trouxer um sanduíche para casa, — gritei para ela.

Ela ergueu a mão com o polegar.

Dois dias, então não haveria mais sanduíches de sobras. Bem, depois de nos levantarmos.

Aria e eu não estávamos delirando sobre o que nos esperava no final da nossa contagem regressiva. Os dias provavelmente ficarão mais difíceis por um tempo, à medida que começamos uma nova vida. Sem emprego ou casa, imaginei que passaríamos uma ou duas semanas em um motel sórdido com percevejos e baratas.

Mas era para isso que estávamos economizando. Tínhamos dinheiro suficiente para comprar um quarto barato, enquanto arrumamos um apartamento. Nenhum de nós queria viver nas ruas, especialmente em Las Vegas.

A súbita necessidade de contar o estoque de nossas economias se apoderou de mim e corri para a cama, pegando-a e separando o dinheiro em pilhas.

Dois mil trezentos e cinquenta dólares. Exatamente o que estava lá da última vez que Aria e eu contamos. Quase três anos de sanduíches de manteiga de amendoim e mel, comendo o que quer que nossos respectivos restaurantes nos dessem e gastando quase nada, tudo para que tivéssemos uma chance decente de futuro.

Por favor, deixe ser o suficiente.

Devolvi o dinheiro à bolsa e guardei em seu esconderijo. Meu estômago roncou, levando-me aos alimentos. Curvado sobre os suprimentos, eu estava debatendo minhas opções limitadas quando Karson bateu na caminhonete. — Ei.

— Oi. — Eu Corei.

Ele ergueu duas tortilhas enroladas, provavelmente com manteiga de amendoim e banana dentro. Aquele era um café da manhã básico por aqui. — Desde que você me trouxe o jantar.

— Obrigada.

Ele pulou na caminhonete, entregando um dos pacotes, então nos sentamos e comemos.

As refeições aqui eram sem alarde e demoravam apenas alguns instantes. Desejei que houvesse mais a fazer, porque quando mastiguei a última mordida, ainda não sabia o que dizer.

— Onde está Aria? — ele perguntou.

— Trabalhando. Ela se foi. — Provavelmente enquanto ele estava no chuveiro. As mechas de seu cabelo escuro estavam úmidas e penteadas com os dedos.

— Ela deveria ter esperado.

— Ela vai ficar bem. — Eu acenei. — Por que sua mãe iria querer alguma coisa conosco?

— Quem sabe? — Ele franziu a testa. — Mas ela é louca pra caralho, então...

Esperei por mais, mas ele deixou a frase no ar, e com ela minha esperança de que ele me contasse sobre seu passado. Eu confiei nele. Ele algum dia confiaria em mim com sua história?

— Eu preciso entrar e pegar meu cheque de pagamento. Sacar no banco. Quer vir? — ele perguntou.

— Certo. Mas é melhor regar as plantas de Aria primeiro.

— Ok. — Ele levantou-se. — Eu ajudo.

Trinta minutos depois, depois de trabalhar e definitivamente sem falar sobre o beijo, Karson e eu estávamos na estrada para a cidade.

— Quer um café ou algo assim? — ele perguntou. — Por minha conta. Definitivamente vou pegar um porque minha cabeça dói. Porra de cerveja.

Eu ri. — Deveria ter ficado com duas, como eu.

— Como você está se sentindo?

Confusa. Feliz. Ansiosa. Triste. Faça sua escolha. — Bem. Melhor depois do meu banho.

— Isso é bom.

E esse foi o fim da nossa conversa sobre a noite passada, aparentemente. O único som entre nós era o barulho de nossos sapatos na rua e na calçada. Quando chegamos ao café mais próximo, Karson entrou na frente, indo até o balcão, onde uma vitrine exibia produtos de padaria.

— Dois cafés pretos, — ele ordenou. — Para levar.

A garçonete acenou com a cabeça, encheu rapidamente um par de copos de papel branco e apertou as tampas de plástico preto. Então saímos dali antes que o cheiro de açúcar, manteiga, muffins e biscoitos se tornasse muito tentador.

Ele gemeu quando saímos pela porta. — Deus, aqueles biscoitos cheiravam bem. Quase roubei dois. Orgulhosa de mim por não roubar?

— Muito. — Eu concordei. — Quero aprender a assar um dia. Quando tiver uma cozinha. Lembro que minha mãe cozinhava muito. Aria e eu a ajudávamos na cozinha despejando ingredientes na tigela depois que ela os medisse.

— Qual é o seu tipo de cookie favorito? — Karson deu um gole no café.

— Melaço de gengibre. Ou gotas de chocolate de abóbora.

— Acho que nunca tive isso.

— Seriamente?

Ele encolheu os ombros. — Minha mãe não gostava muito de cozinhar. Ou cozinhando. Ou fazendo qualquer coisa, exceto se afogar em uma garrafa de vodka.

— Desculpe.

Ele acenou e tomou outro gole.

Tomei um gole, encolhendo-me com o sabor amargo. O café nunca tinha apelado. Talvez fosse quando eu ficasse mais velho, mas ainda bebia porque Karson havia gasto um dólar. E porque me deu algo para fazer.

Eu estava saindo da minha pele aqui. Como ele pode estar tão calmo? Tão normal? Era assim que ele queria agir? Como se nada tivesse acontecido? Talvez fingir que não era nada?

Minhas entranhas se apertaram. Ele se arrependeu. Essa tinha que ser a resposta. Ele se arrependeu do beijo. Eu fui um erro.

ECA. Eu estava culpando a cerveja por isso.

Mordi meu lábio enquanto caminhávamos, determinada a não chorar. Seguimos em direção ao lava-rápido, mas quando passamos por um pequeno parque, Karson acenou para que eu o seguisse pela grama em direção a um banco. — Vamos sentar. Beba nosso café.

O parque estava vazio, provavelmente porque ainda era cedo. À tarde, sempre havia mães empurrando as crianças no balanço e observando enquanto elas desciam o escorregador.

Karson e eu nos sentamos no banco, um espaço visível entre nós. — Acho que provavelmente deveríamos conversar sobre a noite passada.

— Sim? — Prendi minha respiração.

— Eu não vou me desculpar por beijar você.

O ar saiu correndo dos meus pulmões. — Eu não tinha certeza se você poderia, hum... se arrepende, talvez?

— O que? Nunca. Você?

Meu coração deu um salto e eu balancei minha cabeça. — Nunca.

— Bom. — Seus ombros relaxaram e ele levou a xícara aos lábios.

— Mas... — A xícara congelou no ar. — Isso é, tipo, uma coisa de rebote?

Precisei de toda a minha coragem para fazer essa pergunta.

Karson se mexeu para me encarar enquanto colocava seu café no chão. Então ele se moveu, fechando a lacuna entre nós, até que sua coxa roçou a minha. Seu braço foi para o encosto do banco. — Não. Definitivamente, não é um rebote.

— Tem certeza? Você e Londyn estiveram juntos por muito tempo.

— Tenho certeza. Londyn e eu éramos mais melhores amigos do que éramos um casal. Acabou no dia em que ela partiu. — Karson ergueu a mão e seus dedos pegaram meu cabelo, afastando-o da minha orelha.

Minha respiração engatou.

Então sua boca estava lá, pairando sobre a minha. Karson roçou seus lábios nos meus, provocando, e então ele pressionou profundamente, seus braços envolvendo meus ombros.

Minha xícara de café caiu da minha mão, caindo na grama ao lado de nossos pés. Eu não me importei. Eu não pensei. Como na noite passada, eu apenas deixei Karson me beijar.

Sua língua correu pelo meu lábio inferior e eu abri para que ele pudesse varrer para dentro. Karson se aproximou mais, o calor de seu corpo absorvendo o meu. Nossas línguas emaranhadas e torcidas. Cada segundo sem fôlego era uma bênção e quando ele finalmente se afastou, eu estava perdida nos redemoinhos verdes e dourados de seus olhos.

Karson me queria. Eu.

— Por que? — Eu não queria expressar minha insegurança, mas aquela maldita palavra escapou.

— Porque o que?

Fechei meus olhos e me preparei. — Você está me beijando porque só temos mais dois dias?

— Clara, olhe para mim. — Seus dedos puxaram uma mecha de cabelo que pendia entre nós. Ele girou em torno de seu dedo indicador enquanto eu levantei meus cílios. — Estou beijando você, desejando ter beijado você duzentos e dois dias atrás.

Eu praticamente deslizei para fora do banco enquanto derretia. Se não fosse pelos braços dele ainda em volta de mim, eu teria me juntado ao meu café como uma poça na grama. — Mesmo?

Ele se inclinou e roçou os lábios nos meus, sussurrando: — Sério.

O próximo beijo foi muito parecido com o que eu lembrava da noite anterior. Mãos desajeitadas. Lábios molhados. Tentativas beliscadas e lambidas enquanto eu aprendia mais sobre o que ele gostava. O que eu gostei. Seu café foi esquecido enquanto nos agarramos um ao outro, sentados no banco do parque, nos beijando como se fôssemos as únicas pessoas no mundo. Foi só quando o grito de uma criança ecoou pelo ar que nos separamos.

Meus lábios estavam em carne viva e inchados novamente. Karson se afastou lentamente, respirando dolorosamente. Abaixei meu queixo para esconder um sorriso porque havia uma protuberância perceptível sob sua calça jeans.

— Precisa ir a outro lugar? — Karson perguntou, finalmente se levantando do banco.

— Não. — Peguei sua mão estendida e me levantei, deixando-o entrelaçar nossos dedos. Em seguida, caminhamos, nossos braços balançando entre nós, para o lava-carros. — Você acha que todas as cervejas têm gosto dessas coisas de ontem à noite?

Karson riu. — Provavelmente.

— Que nojo. — Fingi uma piada enquanto contornávamos o quarteirão. — Vou ficar com a limonada, obrigada.

— Mesmo aqui. Com gelo. Muito e muito gelo.

— E sorvete.

— Com soro de chocolate... — Karson congelou, seus tênis parando de repente.

— O que? — Segui seu olhar até o estacionamento do lava-rápido.

E lá estava ela. A mãe dele.

Ela estava de jeans e uma camisa cinza de botão. Suas mãos balançavam no ar enquanto falava com o chefe de Karson, que estava com os braços cruzados sobre o peito e a boca colada.

Mas não foi a mãe de Karson ou seu chefe que enviou uma onda de pânico em minhas veias.

Foi o policial uniformizado parado entre eles que enviou meu coração à garganta.

O oficial ergueu os olhos e nos viu. Ele estreitou o olhar e inclinou a cabeça. O movimento fez a mãe de Karson parar de falar. Ela se virou e seus olhos se arregalaram. Então sua mão estava no ar, sacudindo um dedo pontudo.

Karson segurou minha mão com firmeza enquanto dava um passo para trás.

— Corre.

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO SETE

CLARA


— Você acha que eles nos seguiram? — Eu ofeguei. Senti uma torção no pescoço por verificar constantemente por cima do ombro enquanto corríamos para casa.

Karson havia liderado o caminho. Ele nos levou em círculos nos quarteirões ao redor do lava-rápido. Então corremos por becos e cortamos quintais sem cerca. Finalmente, depois de uma hora, decidimos ir para o trabalho de Aria e esperar até o final de seu turno.

Depois que ela bateu o ponto, demos a ela uma explicação rápida de que a mãe de Karson havia chamado a polícia.

— Acho que não. — As bochechas de Aria estavam vermelhas e sua testa estava coberta de suor quando ela lançou um último olhar para a cidade. Então ela passou pelo portão conosco e para a segurança do ferro-velho.

— Por que ela falaria com os policiais? — Perguntei a Karson.

Ele chutou a terra. — Porra.

— Karson, por quê?

Ele não me respondeu.

A adrenalina estava correndo pelo meu sistema por horas e de repente, parecia que minhas pernas estavam fracas demais para me segurar. Minha cabeça começou a girar. Meu peito estava muito apertado.

— Clara. — Minha irmã colocou a mão no meu ombro. — Você está bem?

Eu balancei minha cabeça. — Não consigo respirar.

— Ei. — Karson colocou a mão no meu outro ombro. — Dentro e fora. Faça isso. Inspire.

Eu obedeci.

— Expire.

Eu segui sua ordem novamente, mas ainda tinha vontade de cair.

— Faça isso novamente. Dentro e fora, Clara. Dentro e fora.

Fechei os olhos e escutei sua voz, deixando que acalmasse o pânico. Já fazia muito tempo desde que eu surtei assim. A última vez foi depois do acidente de nossos pais.

Quando o chão sob meus pés não parecia mais estar cedendo, eu abri meus olhos.

— Você está bem? — Aria perguntou.

— Sim. Desculpe.

— Não sinta. — Ela pegou minha mão na dela e fez uma careta para Karson. — O que está acontecendo com sua mãe?

Ele suspirou, me soltou e apontou com o queixo para a barraca.

Aria e eu o seguimos enquanto ele se afastava, nós três reunidos em seu lugar.

Karson passou a mão pelo cabelo. — Ela quer que eu volte para casa.

— Mas por que? — Perguntei.

Ele encolheu os ombros. — Porque ela é louca pra caralho? Não sei. A última vez que ela veio no meu trabalho, ela me implorou para voltar para casa.

— Você tem dezenove. — Eu estendi a mão. — Ela não está, tipo, três anos atrasada?

Ele zombou. — Ela não quer que eu volte para casa para que ela possa agir como uma mãe. Ela quer que eu volte para casa porque tenho dezenove anos e posso conseguir um emprego decente. Ela quer que eu seja seu salário.

— Ela disse isso? — Aria perguntou.

Karson balançou a cabeça. — Ela não precisa. Eu a conheço bem o suficiente para entender como ela opera. São tudo mentiras e manipulações. Na segunda vez que ela parou, ela prometeu que tinha parado de beber e queria fazer as pazes. Na visita seguinte, pude sentir o cheiro da bebida em seu hálito quando ela me pediu um empréstimo. Ela nunca foi capaz de manter um emprego e está desesperada. De alguma forma, ela descobriu onde eu trabalho, então ela decidiu fazer minha vida um inferno.

— Mas ela tem um bom carro, — eu disse. — Essas roupas de corrida eram chiques.

— Meu palpite? Depois que eu fugi, ela encontrou um cara para cuidar dela. Contou a ele alguma história triste ou algo assim. Ela sempre foi boa nisso. Fazendo os homens sentirem que poderiam salva-la. Ele provavelmente a jogou fora e agora ela está procurando o próximo idiota para sugar. Esse idiota simplesmente não serei eu.

Isso foi mais do que ele já nos disse. As palavras de Karson eram tão amargas. Dor e raiva infundiram seu tom e me fez sentir dor.

— Você tem certeza? — Aria perguntou.

Ele encolheu os ombros. — Não, mas é um palpite. Ela tem feito merdas como essa minha vida toda.

— Ok, e agora? — Perguntei. — Ela veio correndo em nossa estrada. Ela tem que saber que você está morando aqui.

— Pode ser. Mas se ela soubesse, a cerca e o cadeado de Lou não a impediriam. Meu palpite é que ela ouviu um boato de que eu estava aqui, mas não tem certeza. E o lava-rápido é aberto ao público.

Não cercado por arame farpado.

— Ela nos viu juntos hoje. Ela me viu andando. Não é preciso muito para saber que estamos juntos e morando por aqui.

Ele baixou o olhar para o chão e acenou com a cabeça. — Podemos estar em qualquer uma das casas desta estrada. Mas não importa. Não há nada que ela possa fazer. Eventualmente, ela vai perceber que eu não estou jogando seus jogos fodidos e seguir em frente.

— Não há nada que ela possa fazer com você — disse Aria. — Você tem dezenove. Mas temos dezessete anos.

— Apenas por alguns dias.

— Dois dias. Dois anos. Não importa. — Ela ergueu o queixo. — Se a polícia nos encontrar, eles vão nos mandar de volta para a casa do nosso tio e eu não vou voltar. Nem por dois segundos.

Peguei a mão de Aria e apertei com força. — Não vamos voltar.

— Ela irá embora, — prometeu Karson. — Mais dois dias.

Esse número deveria ter me trazido conforto, mas em vez disso, meu coração deu um salto. Mais dois dias, 48 horas, e seguiríamos nossos caminhos separados.

— Bem, vou tomar um banho. — Aria se levantou. — Eu fedo como graxa.

Fiquei no chão, esperando até que ela nos deixasse sozinhos, então coloquei minha mão no antebraço de Karson. — Você está bem?

— Eu estou chateado. — Sua mandíbula cerrou. — Eu a odeio. Eu a odeio, porra, Clara.

— Quer falar sobre isso? — Prendi a respiração, esperando que ele se abrisse.

Ele pegou minha mão, mas não para afastar meu toque. Ele brincou com meus dedos, traçando-os com os seus. Ele pressionou nossas mãos. Ele circulou nossos polegares. — Ela é uma mentirosa patológica. Ela é uma bêbada. Ela me odeia.

— Eu sinto Muito.

— Mas não é nada, sabe? Nada comparado com o que o resto de vocês teve que viver.

Oh meu Deus. De repente, fez sentido. — É por isso que você não fala sobre isso? Porque você acha que não é ruim o suficiente?

— Eu trouxe muitos problemas para mim. Não é o mesmo. Os pais de Londyn eram drogados. A mãe de Gemma fez alguma merda com ela. Katherine também. O que seu tio fez com você e Aria é doente. Vocês... você sobreviveu muito.

— Assim como você.

— Não. — Ele acariciou meus dedos com a ponta do polegar. — Nada como isso.

— Eu gostaria de saber o que aconteceu com sua mãe. Se você quiser falar.

Seu corpo murcha. — Ela é uma bêbada. Ela esconde dos namorados para que possa usá-los para o que precisar. Ela tem um rosto falso para o mundo, mas o verdadeiro aparece a portas fechadas. Eu peguei o verdadeiro.

— Ela machucou você?

— Ela não deu a mínima para mim. Ela preparava uma refeição para mim e dizia que eu não merecia comê-la. Ela me via assistindo TV e me dizia que odiava me ver em sua casa. Quando eu era pequena, fazia de tudo para agradá-la. Eu limparia. Eu tiraria boas notas. Eu a ajudaria a ir para a cama quando ela estivesse bêbada. E o tempo todo, ela me dizia que eu era uma merda de cachorro.

— Karson. — Oh meu Deus. Como ele poderia pensar que o que ele passou não foi horrível?

— Sabe de uma coisa, eu sou um idiota.

— O que você está falando? Claro que não.

— Não, ela estava certa sobre uma coisa. Eu fodo tudo que toco.

Meu queixo caiu. — O que você está falando?

— Muitos dos problemas dela são por minha causa.

— Como assim?

Ele esfregou um ponto invisível em sua calça jeans, hesitando por tempo suficiente para que eu prendesse a respiração, preocupada com o que ele diria. — Um tempo atrás, antes de fugir, tive alguns problemas. Eu e alguns amigos saímos uma noite. Estávamos bebendo e fumando maconha. Encontramos este antigo armazém, não muito longe daqui, na verdade. Um dos caras tinha uma lata de tinta spray. Ele desenhou um pau na parede. Eu e os outros encontramos algumas pedras e as jogamos pelas janelas.

Eu mordi minha língua. Eu queria tanto não imaginá-lo ali. Vê-lo fazendo essas coisas. Mas Karson sempre teve uma vantagem imprudente. Havia raiva e desafio nele. Na maior parte do tempo ele o mantinha escondido, especialmente quando estávamos aqui e éramos apenas nós. Mas fora desta cerca de arame, ele se rebelou roubando comida. Entrando em brigas.

— O que aconteceu?

— Fui pego, — disse ele. — Policiais me prenderam. Liguei para mamãe para me tirar da prisão. No caminho para me pegar, ela foi parada. Ela estava bêbada, então nós dois passamos a noite na prisão. Nunca teria acontecido se eu tivesse ficado em casa.

— Ela estava bêbada. Ela estava dirigindo bêbada. — Eu fiquei boquiaberta com ele enquanto meu temperamento borbulhava. — Motoristas bêbados matam pessoas inocentes, Karson.

— Eu sei que sim. Você acha que eu não sei disso? — Sua voz falhou. — Ela poderia ter matado os pais de outra pessoa e teria sido minha culpa.

— Não, teria sido culpa dela.

Ele balançou sua cabeça. — Minha, Clara. Eu estraguei tudo. E não foi a primeira nem a última vez.

— O que mais aconteceu?

— Lutas, principalmente. Fui suspenso da escola três vezes. Eu bati em um de seus namorados com um taco de beisebol porque ele tentou fazer sexo com ela quando ela estava praticamente inconsciente. Acontece que ela não se importou. Quando ela ficou sóbria, foi minha culpa que ele a deixou. Ele também tinha dinheiro. Ele estava pagando por nossa comida. E eu o afastei. Passamos uma semana sem comer. Nunca perguntei como ela finalmente conseguiu dinheiro. Meu palpite é que ela saiu e encontrou um novo cara. Eu fiz isso. Eu a fiz se prostituir porque não conseguia controlar meu temperamento.

Ele estava mesmo ouvindo suas próprias palavras? — Você estava tentando protegê-la.

— Ela não via dessa forma.

— Você não pode estar falando sério. — Sua mãe era uma cadela. Ela poderia ter conseguido um emprego. Ela poderia ter sustentado seu filho em vez de culpá-lo por seus problemas.

Karson encolheu os ombros. — Depois de dezesseis anos dela me lembrando todos os malditos dias que eu não valia nada, ela me dizendo que eu tinha arruinado sua vida, eu decidi que era o suficiente. Se eu estava arruinando a vida dela, por que ficar?

Oh Deus. Meu coração quebrou. Ele era tão bom. Tão incrível. Como sua própria mãe poderia não ver isso? Como ele poderia estar tão errado? — Não, Karson. Não é você.

— Ela amava meu pai. Talvez a única pessoa em sua vida que ela realmente amou mais do que a si mesma. Não acho que ela estava bêbada naquela época. Mas ele se separou duas semanas depois que eu nasci.

— Isso não é culpa sua. — Ele nasceu de pais de merda.

— É e não é. Essa é apenas a minha vida.

— Karson, você não arruinou a vida dela.

Ele não disse uma palavra.

Ele não acreditou em mim.

— Karson. Isso não está em você.

Mais uma vez, silêncio. Não importa o que eu disse, ele não viu. Porque? Quão? Não havia como carregar tudo isso nos ombros. — Você realmente acha que arruinou a vida dela.

Ele olhou para cima e a honestidade crua em seus olhos quebrou meu coração. — Eu acho que nós arruinamos um ao outro. Acho que existem pessoas tóxicas neste mundo e talvez eu seja uma delas.

— Você não é, — eu insisti, apertando minha mandíbula para não gritar. — Você não é tóxico.

— Eu era para ela. E talvez para outros.

Ele não se referia a mim, certo? Ele não conseguiu. Sem chance. Karson foi a base de nossas vidas aqui. Ele esteve lá para todos nós.

— Não sei o que dizer, — sussurrei.

Ele encolheu os ombros. — Nada a dizer.

— Eu sinto Muito. — Sim, Craig tinha sido um pesadelo, mas nossos pais nos amavam. Essa foi a única coisa em que Aria e eu sempre nos agarramos com firmeza. Nossos pais nos amavam.

Isso nos diferenciava dos outros no ferro-velho.

Não importa quantas vezes eu tenha visto isso, quantos de meus amigos tenham passado por isso, eu ainda não conseguia entender como uma mãe ou um pai não podiam amar seus filhos.

— Ela está errada. — Torci minha mão e enfiei meus dedos nos de Karson. — Você tem que saber disso. Ela está tão errada. Você é incrível. Você é o melhor cara que já conheci.

Ele olhou para nossos dedos, mas não responde.

— Karson.

Sem resposta.

Ele não acreditava em mim. Eu poderia sentar aqui e gritar na cara dele, mas ele não estava ouvindo minhas palavras. O que quer que aquela mãe vadia tenha feito com ele, cortou profundamente. Ele o encobriu com aquele sorriso sonhador e charme fácil, mas havia feridas escondidas por baixo.

— Por que ela foi para a polícia? — Perguntei. — Por que ela os levaria para o lava-rápido?

— Desespero? Antes de fugir, roubei um monte de joias dela. Eu as penhorei há muito tempo, mas talvez ela pense que ainda as tenho. Que ela pode me chantagear para voltar para casa. Quem sabe? Ela é louca, lembra?

— Não é como se eles pudessem fazer algo por você. Eles não podem provar que você penhorou, não é?

— Pode ser. Isso foi há muito tempo, mas... eles vão acreditar nela mais do que em mim, — ele murmurou. — Eles vão querer saber onde estou morando e revistar minhas coisas.

— Eles podem fazer isso?

— Eles são policiais.

E se eles vieram aqui, estávamos em apuros. — Lou não os deixará entrar.

— Ele não terá escolha.

— Por que ela pensaria que envolver os policiais faria você voltar para casa? Ou falar com ela?

Ele circulou um dedo ao redor de sua têmpora. — Você está pensando racionalmente agora. Nada que ela faça é racional. Mas ela pode chorar na hora. Ela vai lhe dar esses olhos que vão fazer você se sentir mal por ela. É tudo uma armadilha. Ela precisa de dinheiro e, a princípio, deve ter pensado que poderia me culpar por ser seu vale-refeição. Agora ela está indo para a chantagem.

E ela parecia determinada. Sua mãe viria aqui eventualmente. Disso eu não tinha dúvidas. Ela encontraria uma maneira de atormentá-lo até...

Até que ele fosse embora.

Meu coração doeu. Eu sabia o que tinha a dizer e sabia que as palavras teriam gosto de ácido na minha língua. — Você deveria ir. Sair mais cedo. Comece a explorar o mundo e viva sua vida.

O olhar de Karson encontrou o meu e se suavizou, então ele soltou minha mão e segurou minha bochecha. — Não estou pronto para deixá-la ainda.

Inclinei-me em seu toque enquanto meu coração disparava. — Eu também não estou pronta.

Não quando eu acabei de encontrá-lo. Restava tão pouco tempo. Eu não queria abreviar.

Uma maldição silenciosa veio de além das paredes da tenda. Karson puxou sua mão e eu recuei, colocando espaço entre nós, logo antes de Aria enfiar a cabeça para dentro. — Eu bati meu dedo do pé.

— Sem banho?

Ela ergueu o sabonete, a toalha e a lata na mão. — Decidi regar minhas plantas novamente primeiro. Estava quente hoje. E eu estava pensando que talvez devêssemos contar a Lou. Avise-o sobre sua mãe e os policiais.

— Sim, — Karson murmurou. — Provavelmente uma boa ideia. Eu direi a ele pela manhã. Ele fica melhor de manhã.

Lou raramente saía à tarde ou à noite. Era algo que eu não notava há muito tempo, não até que Gemma apontou.

— OK. Estou lidando com o fedor que sou, — disse Aria.

— Vou ficar aqui um pouco.

Ela assentiu e nos deixou a sós com um aceno.

Virei-me para Karson, esperando até que seus passos desaparecessem. Então ele estava lá, me beijando. Suas mãos enquadraram meu rosto e seus lábios consumiram os meus. Eu derreti nele, me aproximando para envolver meus braços em volta de sua cintura.

Deus, eu não estava pronta para dizer adeus.

Eu queria tempo. Eu queria mais beijos. Eu queria... Karson. Eu queria que ele fosse o único.

Um gemido escapou da minha garganta quando Karson arrastou seus lábios para longe. Abri meus olhos para encontrar suas íris cor de avelã esperando e cheias de luxúria.

— Você disse a Aria?

Eu balancei minha cabeça, respirando, — Não. Eu não tinha certeza do que éramos.

— Entendo. — Ele baixou a testa na minha. — É melhor irmos mais devagar.

— Sim, — eu murmurei.

Aria saberia se eu aparecesse na caminhonete com os lábios inchados e as bochechas vermelhas. Eu amava minha irmã, mas Karson era meu e não queria compartilhar. Apenas uma coisa que eu queria como minha.

Eu não queria ouvir seus avisos. Eu não queria responder às suas perguntas.

Quanto tempo? E quanto a Londyn? Você o ama?

— É melhor eu ir, — eu respirei.

Ele acenou com a cabeça e me soltou, seu pomo de adão balançando enquanto ele engolia. Se houvesse tempo, se eu fosse mais corajosa, lamberia a lateral daquela garganta. Eu sentiria o gosto salgado de sua pele, como muitos dos personagens dos meus livros.

Eu me levantei e caminhei até a porta com as pernas trêmulas. Afastar-se de Karson era como acordar de um sonho. Eu ansiava por voltar, por beijá-lo novamente. Porque com ele, eu poderia me perder em outro mundo. Um mundo sem ferros-velhos, pais mortos, pasta de amendoim e sanduíches de mel.

Como eu deveria deixá-lo por Las Vegas? Como eu deveria me afastar da única pessoa que poderia fazer a realidade desaparecer?

Eu não poderia. Ele teria que vir conosco. Se ele tentasse Vegas, talvez gostasse.

— Karson-

— Volte esta noite.

Falamos em uníssono.

— Ok, — eu concordei. Hoje à noite, eu perguntaria a ele novamente. Eu imploraria se fosse necessário. Mas ele tinha que vir conosco.

Com as pontas dos dedos pressionadas nos lábios, voltei para a caminhonete, onde me sentei na cama e fiz o possível para parecer normal quando Aria chegou do banho. Então nos ocupamos dividindo os livros, cada uma decidindo quais três levaríamos.

Eu adorava ficar com minha irmã, mas cada minuto se arrastava até que finalmente ela bocejou enquanto a escuridão se infiltrava no ferro-velho.

— Estou indo para a cama.

Uma onda de excitação passou pela minha barriga. — Oh. Já? Eu não estou cansada.

Ela tirou a calça jeans e vestiu o short de dormir surrado que usava há anos. Foi uma coisa boa nenhuma de nós ter florescido cedo. Embora minhas calças estivessem justas nos quadris e as camisas esticadas sobre meus seios, nossos corpos não mudaram tanto que tivemos que comprar roupas completamente novas ao longo dos anos.

Mas algum dia. Algum dia eu usaria roupas sem um único rasgo ou bainha puída.

— Você vai ler? — Ela bocejou novamente enquanto subia em seu saco de dormir.

— Na verdade, posso ver se Karson quer jogar cartas ou algo assim. Estávamos em um jogo de pôquer ontem à noite.

— OK. — Ela se aconchegou em seu travesseiro.

— Vou fechar esta porta. No caso de eu cair lá novamente. No quarto de Katherine. — Antes que Aria pudesse dizer qualquer outra coisa, saí correndo da caminhonete, fechando a traseira para que ela ficasse segura lá dentro.

Karson estava fora da tenda, com o rosto voltado para as estrelas.

— Ei, — eu disse, diminuindo meus passos, embora meu coração estivesse batendo forte.

Ele olhou para baixo e o sorriso largo que ele me deu causou arrepios em minha pele. — Ei.

— O que você está olhando? — Procurei no céu, mas ainda não havia muitas estrelas.

— Nenhuma coisa. Apenas esperando por você.

— Então, hum, o que você quer fazer? Jogar cartas?

Ele balançou sua cabeça.

— Conversar?

Ele balançou a cabeça novamente, e com um passo ele estava no meu espaço. Suas mãos vieram ao meu rosto, inclinando meu queixo para que ele pudesse esmagar seus lábios nos meus.

Soltei um gemido quando seus braços se uniram em torno de mim, puxando-me contra as linhas duras de seu corpo alto. Então ele me levantou do chão, meus dedos dos pés deslizando pela terra enquanto ele me carregava para a tenda.

Karson mergulhou para dentro, escapando da minha boca, mas seus braços nunca afrouxaram o aperto até que estivéssemos de joelhos no centro da sala.

Nossos lábios se fundiram. Nossas línguas deslizaram e acariciaram e mergulharam para mais. Suas mãos deslizaram sobre minhas costelas e meus quadris. Então ele segurou meus seios e o toque íntimo assustou um suspiro.

— Você está bem?

Eu concordei. — Sim.

— Eu fui longe demais?

— Não. — Inclinei-me em seu toque, meus mamilos endurecendo. — Está bem.

Mas, mesmo com a segurança, Karson puxou as mãos. Ele recuou de joelhos. — É melhor irmos mais devagar.

— Oh. — A decepção em meu tom encheu o espaço.

— Eu não quero apressar isso.

— Só nos restam dois dias.

— Clara, eu quero você. Deus, eu quero você. Mas... — Ele passou a mão pelo queixo. — Talvez você deva ir.

Porque ele não gostaria de parar.

Eu não queria que ele parasse.

Talvez se minha vida tivesse sido normal. Se eu fosse a garota que teve uma queda pelo garoto na escola. Se tivéssemos tido semanas flertando ao lado de armários e saindo em encontros, então eu teria desacelerado.

Mas tínhamos apenas dois dias. E se eu não conseguisse convencê-lo a vir para Las Vegas, eu o perderia.

— Eu não quero ir. — Eu endireitei meus ombros, fingindo mais confiança do que realmente sentia.

Karson soltou um gemido de dor. — Clara.

— Eu quero que você seja o único, — eu sussurrei.

Seus olhos se fixaram nos meus e qualquer restrição que ele segurava se desfez. Ele veio até mim, forte e seguro, e me beijou até eu ficar sem fôlego. Então ele me levou para seu quarto, me deitando na cama em que eu dormi com ele na noite passada.

Os beijos de Karson eram ternos e suaves quando ele se acomodou de lado, tomando cuidado para não me esmagar com seu peso. — Diga-me para parar e eu paro.

— Não pare. — Fechei meus olhos e arqueei em seus lábios enquanto eles se arrastavam pelo meu pescoço.

Uma de suas mãos estava no meu peito, a outra no meu cabelo.

Quando seus dedos deslizaram para o cós da minha calça jeans, eu doía em lugares que não doía antes. Uma pulsação explodiu em meu núcleo.

Karson nunca pressionou muito rápido. Ele olhou para mim antes de cada toque, esperando que aquele aceno continuasse. Ele me deixou vencer os medos, um por um. Ele me deixou saber com seu beijo e seu toque e aqueles lindos olhos castanhos que eu estava no controle.

E quando nós dois estávamos nus, nossas roupas empilhadas ao nosso lado, ele se acomodou entre meus quadris e roçou o polegar em minha bochecha.

— Clara. — Ele sussurrou meu nome como uma oração.

Corri meus dedos em sua clavícula. Eu corri minha palma no músculo duro de seu bíceps. Então eu dei a ele o aceno que nos uniu como um.

Mais tarde, depois que ele me fez ver um tipo diferente de estrelas, nós nos enrolamos juntos, nossas pernas emaranhadas e seus braços envolvendo os meus. Adormeci com um sorriso.

Karson não sabia, mas ele acabou de me dar algo que eu nunca tive antes.

Um sonho que se tornou realidade.

 

 

 

 

CAPÍTULO OITO

CLARA


Um murmúrio de vozes me acordou do sono. — Quem é esse-

— Shh. — Os braços de Karson se apertaram ao meu redor enquanto ele sussurrava em meu ouvido. Então ele me soltou e silenciosamente saiu de baixo de seus cobertores, pegando sua calça jeans do chão. Ele a colocou e foi na ponta dos pés, descalço, em direção à abertura da tenda. Com um olhar por cima do ombro, ele pressionou um dedo nos lábios e rastejou para fora.

Lutei para me vestir, colocando meu sutiã primeiro, então vasculhei as roupas espalhadas ao meu redor para pegar minha calcinha. Com elas, vesti minha calça jeans e camisa, em seguida, segui Karson para fora. Agachando-me enquanto caminhava, ziguezagueei pelas pilhas de lixo ao redor da tenda, encontrando-o escondido atrás de um velho caminhão.

Aria estava ao seu lado.

Ambos estavam olhando para Lou, que estava ao lado do portão.

Conversando com dois policiais.

Suas vozes ecoaram pelo quintal.

A de Lou estava áspera quando ele empurrou uma foto de volta para um dos policiais. — Nunca o vi.

— Tem certeza? — O policial tirou a foto, olhando para ele mesmo. — Esta é uma foto desatualizada. Talvez você possa olhar novamente.

Lou fez uma careta. — Nunca vi esse garoto.

Os oficiais trocaram um olhar. — Senhor, temos motivos para acreditar que este jovem está morando aqui. Em seu ferro-velho. Em sua propriedade.

— Aqui não.

— Senhor. Miley, se pudéssemos apenas dar uma olhada...

— Não, — Lou latiu. — Não há nenhuma criança aqui. Você não acha que eu saberia se um maldito garoto morasse na minha casa?

— Há muitos lugares onde uma pessoa pode se esconder. — Um oficial examinou o ferro-velho. Quando seu rosto mudou em nossa direção, nós três caímos no chão.

O rosto de Aria estava pálido. Ela se sentou imóvel, exceto pelas respirações curtas e rápidas que faziam seu peito subir e descer. Elas combinavam com as minhas.

A mandíbula de Karson estava cerrada e seus punhos cerrados ao lado do corpo.

Sua mãe tinha feito isso. Ela mandou a polícia aqui e deu a eles aquela foto.

— Não há ninguém aqui além de mim, — Lou repetiu, a agitação manchando suas palavras.

Talvez eu tenha ouvido a mentira porque sabia a verdade. Mas se eu não acreditasse em Lou, os policiais também não.

— Acreditamos que ele está envolvido em uma invasão de domicílio, — disse um dos policiais. — Ele vem roubando de sua mãe há anos. Heranças de família e tal. Ela finalmente decidiu envolver as autoridades.

— Foda-se, — murmurou Karson.

Então sua mãe decidiu chantageá-lo.

Nós três mudamos de posição novamente, ousando outro olhar para os oficiais. Felizmente, nenhum dos dois estava olhando em nossa direção. Eles estavam focados em Lou, que parecia ficar mais exausto a cada segundo. Ele mudou seu peso de um pé para o outro. Ele sacudiu o molho de chaves em sua mão.

Mesmo quando os clientes vinham ao pátio, ele os orientava na direção certa e os mandava embora. Ele nunca brincou de guia turístico. Se um mecânico ou caçador de antiguidades viesse aqui em busca de peças de reposição, eles eram deixados por conta própria, recebendo instruções claras onde poderiam ou não pesquisar. E Lou nunca pechinchava. Ele tinha placas ao redor da cabana dizendo isso.

Era tudo para que ele não tivesse que prolongar a interação humana.

— Você poderia nos ligar se ver alguém? — perguntou um dos policiais, entregando um cartão.

Lou acenou com a cabeça e pegou o papel, empurrando-o no bolso de sua calça jeans larga. Então, sem esperar que os policiais saíssem, ele se virou e desapareceu em sua cabana, batendo a porta atrás de si.

Os policiais trocaram olhares de descrença e caminharam para a rua, onde sua viatura estava estacionada. Enquanto eles rolavam pela estrada, Karson, Aria e eu ficamos escondidos, esperando até que o único som fosse a brisa suave através da grama seca de verão ao redor da propriedade.

Karson foi o primeiro a se levantar, balançando a cabeça enquanto marchava para a tenda.

Aria se levantou e suspirou. — Merda.

— Isto é mau. — Fiquei descalça e apertei a ponta do meu nariz. — Isso é muito ruim. Ele me contou um pouco sobre ela na noite passada. A mãe dele. Pelo que parece, ela é uma vadia mentirosa e manipuladora.

— Ele deveria ir embora.

A dor em meu peito era tão forte que lutei para respirar. Ela estava certa. O melhor era que Karson seguisse em frente. Mas eu não estava pronta para desistir dele. Ainda não. Não depois da noite passada.

— Você dormiu na barraca de novo, — disse ela.

— Jogamos cartas até tarde. Eu não queria te acordar, — eu menti.

Hoje não era o dia para dizer a Aria que eu tinha dado minha virgindade a Karson.

O som de uma porta batendo ecoou pelo quintal. Aria e eu nos viramos em direção à porta da loja, reconhecendo o som.

Karson havia desaparecido no banheiro.

— Vou pegar meus sapatos. — Deixei o lado de Aria e corri para a tenda, vasculhando a cama de Karson em busca de qualquer coisa que eu pudesse ter deixado para trás. Restaram apenas meus sapatos e meias. O preservativo que ele usou na noite passada se foi, junto com a embalagem.

Corei e levei um momento para respirar antes de ter que enfrentar minha irmã novamente.

Devo contar a ela? Tudo ficaria mais fácil se ela soubesse o que aconteceu, certo? Não haveria como se esgueirar. Direita. Eu apenas diria a ela. Decisão tomada, eu me coloquei no lugar e a encontrei na caminhonete. Eu entrei enquanto ela estava arrumando a cama.

— Eu, hum... — Diga a ela.

As palavras obstruíram minha garganta.

Por que estava com tanto medo de confessar que tinha estado com Karson? Eu estava apaixonada por ele. Pessoas apaixonadas faziam sexo. Mas eu não consegui fazer minha boca formar a frase.

— Hum, o quê?

— Nada. — Eu engoli em seco. — Assim que Karson terminar, vou tomar um banho também. Então devemos conversar.

— Estou feliz por ter tomado banho antes de os policiais aparecerem. — Ela se jogou na cama. — Eles totalmente teriam me visto saindo da loja.

— Talvez devêssemos começar a tomar banho à noite.

— Pode ser. — Seu olhar estava focado na parede do caminhão, sua testa franzida. Ela estava olhando para o número de hoje.

1.

Não importaria quando tomássemos banho, porque hoje era nosso último dia.

Esta noite foi nossa última noite.

A vontade de chorar veio tão forte que quase caí de joelhos.

A porta da loja bateu novamente, desta vez não tão alto. Pisquei as lágrimas e peguei meu sabonete e toalha, em seguida, fui para a loja, finalmente respirando quando estava sob o jato quente.

Eu odiava a ideia de lavar os beijos de Karson. Seus toques. Meu corpo estava dolorido em lugares que eu nunca tinha sentido antes, e a sensibilidade entre minhas pernas tornaria o trabalho difícil hoje. Foi meu último turno na lanchonete.

Ainda assim, apesar da dor, um sorriso brincou em meus lábios enquanto eu me enxugava.

Karson e eu fizemos sexo. Tínhamos sido tão íntimos quanto duas pessoas podiam ser.

Ele mudaria de ideia sobre Vegas agora? Ele sentia por mim o mesmo que eu sentia por ele?

Vestida com roupas limpas e cheirando a meu sabonete, corri para a caminhonete, encontrando Karson já lá, esperando com Aria.

— Ei. — Eu dei a ele um pequeno sorriso.

De costas para Aria, ele piscou para mim. — Ei.

— Então, o que fazemos? — Aria saltou da caminhonete para andar ao lado de seus baldes de plantas.

Karson se jogou na beirada do caminhão, sentando-se de forma que suas pernas pudessem ficar penduradas.

E eu ocupei o espaço ao lado dele, com cuidado para não chegar muito perto. O que eu queria fazer era puxá-lo de lado, para ver se estávamos bem. Para deixá-lo me beijar novamente. Mas não antes de conversarmos.

— Não entendo por que ela está fazendo isso, — eu disse. — Sua mãe. Por que ela não pode simplesmente deixar você ir? Você fugiu. Você terminou com ela.

Karson zombou. — Como eu disse a você ontem à noite. Ela está louca e desesperada. A missão de sua vida é fazer da minha um inferno.

— Eu a odeio, — eu cuspi, a fúria correndo em minhas veias.

— Junte-se ao clube, — ele murmurou. — Ela não vai parar. E não gosto daquele olhar que os policiais fizeram quando foram embora. Acho que eles sabiam que Lou estava mentindo.

— Se eles vierem aqui novamente, eles vão nos encontrar. — Aria acenou para nossa casa. — É difícil perder três adolescentes.

Karson acenou com a cabeça e se virou para mim. Não. O olhar em seus olhos me fez querer gritar.

Eu sabia antes que ele abrisse a boca o que ele iria dizer.

— Vamos embora amanhã de qualquer maneira.

— Sim. — Aria passou as mãos sobre uma flor rosa de um balde. — Nós partiremos na primeira hora da manhã.

Meu coração estava partido.

Este sempre foi o plano. Sempre.

— Venha conosco. — Meu apelo escapou antes que eu pudesse impedi-lo. — Você poderia vir conosco.

O olhar que Karson me deu foi tão gentil que eu queria morrer.

Porque naquele olhar estava sua resposta.

Não. Ele não viria para Las Vegas conosco.

— Está bem. — Eu acenei para que ele não tivesse que dar uma explicação.

— Clara.

— Foi apenas uma ideia. — Eu me levantei e entrei na caminhonete, dobrando as roupas que usei na noite anterior. Elas eram lixo. Eu os deixaria para trás. Ainda assim, eu desisti.

— Que horas você vai trabalhar? — Aria se juntou a mim na caminhonete.

Eu olhei para o meu pequeno relógio. — É melhor eu ir embora logo.

Quando me virei para Karson, ele estava olhando para o número na parede do caminhão.

1.

O tempo acabou. Tínhamos acabado de começar isso. E agora estava terminando.

Sem nem mesmo olhar em minha direção, Karson saltou e desapareceu.

Eu queria chorar. Eu queria gritar. Eu queria implorar para ele não nos deixar.

Em vez disso, pisquei para afastar a ameaça de lágrimas.

E fui trabalhar.

 

— EI. — Karson bateu na lateral do caminhão.

Eu fiquei tensa quando ele pulou para dentro. — Ei.

— Como tá indo? Parece diferente aqui.

— Sim.

Depois que meu turno acabou, Aria e eu passamos a tarde e o início da noite organizando. Os itens que vinham conosco estavam guardados em nossas mochilas, prontos para amanhã. Todo o resto tínhamos mudado para a frente do caminhão. A roupa de cama. Os livros. As roupas. As peças esquecidas que provavelmente permaneceriam neste caminhão até o fim dos tempos do ferro-velho.

— Onde está Aria? — ele perguntou.

— Movendo suas plantas. Ela os está encenando ao lado do Lou.

— Ela precisa de ajuda?

Eu balancei minha cabeça. — Acho que ela queria ficar um pouco sozinha. Ela ia escrever um bilhete para ele.

— Clara, sobre Vegas.

— Você não tem que explicar. Entendo. Você cumpriu seu dever e ficou para nos observar. Você não merece mais ser acorrentado a nós.

— É assim que você acha que eu me sinto? Acorrentado?

Eu levantei um ombro. — Eu não culparia você se você fizesse.

— Bem, eu não.

— Então por que? — Eu perguntei mesmo sabendo a resposta. Minha voz estava muito alta e ricocheteou nas paredes de metal.

A emoção estava borbulhando e eu estava prestes a perdê-la, então dei minhas costas para ele, não querendo que ele me visse chorar. Eu tive que fazer três pausas na máquina de lavar louça hoje para correr para o banheiro e chorar. Quando minha chefe me deu meu pagamento final, acho que ela pensou que as lágrimas em meus olhos eram porque eu estava indo embora.

— Porque você não deveria estar acorrentado a mim. — Sua mão veio para o meu ombro e seu polegar circulou a pele nua do meu pescoço. — Você não vai olhar para mim?

— Eu não posso. — Minha voz falhou.

— Clara, você merece este novo começo. Não vou arriscar arruiná-lo para você. E se eu for pego roubando? E se eu entrar em outra luta? E se alguém perguntasse quando começamos a fazer sexo e eu fosse preso por estupro estatutário?

Minhas mãos se fecharam ao lado do corpo. Ele poderia parar de roubar. Ele poderia parar de lutar. — Eu nunca contaria.


— Eu não vou fazer você mentir por mim. Eu não vou te arruinar também.

— Você não faria isso.

— Eu poderia. Eu não quero correr esse risco.

Minha garganta queimou. — Até para mim?

— Especialmente para você. Todos nós merecemos ser libertados.

Sim ele merecia. Karson merecia ser libertado.

Não importa o que eu disse, ele realmente se considerava uma pessoa tóxica. Talvez se eu tivesse visto antes, anos atrás, poderia tê-lo convencido da verdade. Mas depois de semanas, não consegui nem mesmo persuadi-lo a explorar comigo em Vegas. Como eu poderia convencê-lo de que ele não era a pessoa que sua mãe passou dezesseis anos dizendo que ele era?

Não tive dezesseis anos para consertar isso. Eu só tive um dia.

Era tarde demais. Tarde demais.

Lágrimas inundaram meus olhos quando me virei para encará-lo. Eu trabalhei muito hoje para mantê-las sob controle e esconder minhas emoções dos meus colegas de trabalho e de Aria. Mas não havia como se esconder de Karson, não mais.

Ele se aproximou e pegou a primeira lágrima que caiu pela minha bochecha. — Não chore.

— Eu não quero dizer adeus.

— Então não vamos.

Um soluço escapou bem quando ele me puxou para seus braços, me segurando perto enquanto eu chorava. Mais passos soaram no caminhão e quando um dos braços de Karson se soltou, foi apenas para dar espaço para Aria se juntar ao nosso amontoado.

Nós três nos agarramos um ao outro e, quando Karson finalmente nos soltou, minhas lágrimas encharcaram sua camisa e Aria estava fungando.

— Onde você irá? — Ela perguntou a ele.

— Explorar, — Karson e eu respondemos em uníssono, depois rimos.

— Fora de Temecula, isso é certo, — disse ele, depois olhou para mim. — E talvez algum dia, visitar vocês duas em Vegas. Eu espero que você esteja comandando a cidade até então.

Eu forcei um sorriso. — Esse é o plano.

— Que horas você está saindo? — Aria perguntou.

— Cedo. Vocês?

— A primeira coisa que vamos fazer é ir para a rodoviária, — eu disse. — O ônibus para Vegas sai às nove. Mas chegaremos mais cedo, apenas no caso.

— Então é isso. A última noite. Solicita uma celebração.

— Como o quê? — Eu o segui enquanto ele caminhava até o final da caminhonete para olhar o ferro-velho.

— Sanduíches de manteiga de amendoim e mel, é claro.

 

HORAS DEPOIS, depois que o sol se pôs e Aria adormeceu, saí sorrateiramente da caminhonete, tomando cuidado para não a acordar, e fui até a tenda.

A lanterna de Karson estava acesa. Suas malas foram feitas ao lado da porta e ele estava sentado em sua cama.

Esperando por mim.

Nenhum de nós falou quando ele me pegou em seus braços e me beijou sem fôlego. Ou quando ele tirou minhas roupas e as dele. Ou quando ele fez amor comigo, uma última vez, me segurando com força até de manhã.

Recusei-me a adormecer quando ele adormeceu. Em vez disso, agarrei-me a ele até que os primeiros raios do amanhecer iluminaram o céu, e entrei sorrateiramente na loja para tomar um banho antes que ele ou Aria acordassem.

Enquanto Aria estava no banheiro, encontrei o pequeno caderno e a caneta que ela mantinha em sua mochila e rasguei uma página. Em seguida, escrevi um bilhete para Lou, deixando-o na base da porta da frente.


AMO VOCÊ, Lou. Obrigada.

Clara


— ADEUS, LOU, — eu sussurrei para sua cabana. — Se cuida.

Aria havia se despedido ontem. Nunca antes suas plantas pareceram tão verdes e suas flores tão ousadas como ao redor de sua cabana. Ela os encenou com tanta arte que duvidei que até mesmo um jardineiro profissional teria feito um trabalho tão bom.

Enquanto ela recolhia suas coisas, preparei uma tigela de comida de gato para o gato de Katherine. Então levei a sacola meio vazia de comida para a loja, deixando-a ao lado da porta, onde Lou iria encontrá-la.

— Não achei que ficaria triste — disse Aria enquanto nós duas parávamos do lado de fora da caminhonete.

Eu sim. Eu sabia que isso iria doer.

Cada um de nós carregava uma mochila nos ombros e segurava outra nas mãos. Na parede, apaguei o número de ontem, mas não havia escrito nada em seu lugar.

— Obrigada, — eu disse para a caminhonete, meu queixo tremendo. Obrigado por ser nossa casa. Obrigado por ser nosso refúgio. Obrigado por nos manter seguras.

Com lágrimas nos olhos, peguei a mão de Aria. Então, como no dia em que chegamos aqui, caminhamos, juntas, em direção ao portão.

Não olhei para o Cadillac. Eu não olhei para a barraca.

Eu sabia que estaria vazia.

Eu mantive meu rosto para frente e meus pés se movendo até que viajamos em nossa estrada uma última vez. Até chegarmos à estação com as passagens de ônibus no bolso. E enquanto me acomodava em meu assento no ônibus que nos levaria a Vegas, repassei as últimas palavras que havíamos dito um ao outro antes que ele adormecesse.

— Feliz aniversário, Clara.

— Será que algum dia te verei de novo?

— Espero que sim. Eu realmente espero.

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO NOVE

KARSON


Doze anos depois...


— É você mesmo.

Clara Saint-James.

Lá estava ela, parada na minha garagem, e tudo que eu pude fazer foi sorrir para ela como um idiota. Ela estava linda. Mais bonita do que eu jamais imaginei.

— Sou realmente eu. — Ela sorriu e meu coração acelerou. Seu sorriso sempre me atingiu no centro de tudo.

O menino ao lado dela olhou para mim. Além de um rápido olhar, não prestei muita atenção nele, porque era impossível desviar meus olhos de Clara por muito tempo.

Deus, eu imaginei isso. Eu esperava por isso. Só para vê-la novamente, em carne e osso, e saber que ela estava segura. Saber que ela encontrou uma nova vida. Saiba que ela estava feliz.

— O que você está fazendo aqui?

— É uma longa história. — Ela acenou com a mão em direção ao carro.

Eu segui o movimento, pegando o Cadillac clássico. Foi um atordoamento, mas nada parecido com Clara. O ornamento do capô, um V em relevo com vermelho, ouro e prata, brilhava sob o sol. Parecia familiar. Muito familiar.

Eu conhecia aquele ornamento.

Eu conhecia aquele carro.

— Espere. É isso...

Clara acenou com a cabeça. — Parece um pouco diferente do que era antes, hein?

— O que? Como? — Meu queixo caiu enquanto corria para o carro, espalhando minhas mãos no capô vermelho cereja, o metal ainda quente. Eu caminhei ao longo da lateral do Cadillac, inspecionando e saboreando cada centímetro. — Eu não posso acreditar. Não acredito que este é o mesmo carro. É incrível.

O Cadillac era um sonho. Não se parecia em nada com a pilha enferrujada de tantos anos atrás. O interior foi restaurado em couro macio branco. O painel, que estava rachado e quebrado, era novo. Os detalhes em cromo polido brilharam.

Eu não tinha ideia do que havia trazido esse carro e Clara para a Califórnia, mas que surpresa de domingo.

Deslizando meus dedos sobre uma barbatana traseira que contornava o amplo porta-malas, toquei o carro novamente apenas para provar que era real. — Aposto que não vou encontrar manteiga de amendoim e mel escondidos aqui como antes.

Ela zombou. — Definitivamente não.

— Como? — Clara foi a melhor coisa dessa visita surpresa, mas o carro foi literalmente a cereja vermelha no topo.

— Londyn, — disse ela.

— Londyn. — Eu balancei a cabeça, contornando o tronco. — Antes de Lou morrer, ele me disse que ela ligou e comprou o carro. Mas não esperava vê-lo novamente. Como você tem isso?

— É uma longa história. — Ela olhou para o menino e sorriu. — Nós o surpreendemos hoje. Quer nos encontrar para jantar ou algo assim? Se você está livre?

— Agora estou livre. — Não havia nenhuma maneira de eu deixá-la fora da minha vista. Ainda não. Eu olhei para o menino que observava cada passo meu enquanto me aproximava. Eu me agachei na frente dele e estendi a mão para um aperto. — Mas que tal algumas apresentações primeiro? Eu sou Karson. Qual o seu nome?

— August. — Ele olhou para minha mão, então deu um tapa na minha, agarrando-a com mais força do que eu esperava de uma criança. Uma sacudida forte e ele olhou para Clara e sorriu.

Ela piscou para ele.

— Um bom aperto. — Eu balancei minha mão, fingindo que doía. — Você é muito forte para uma - o quê, criança de quatro anos?

— Eu tenho cinco. Quase seis.

— Ah. Ainda assim, você é muito forte. — Eu sorri para ele quando ele estufou o peito, então se levantou e fez um gesto em direção à minha casa. — Você já aprendeu a gostar de café?

— Não acredito que você se lembra disso. — Os lindos olhos castanhos de Clara se suavizaram e eu fui levado de volta ao passado. Para um ferro-velho onde uma vez eu me apaixonei por uma garota com lindos olhos castanhos. Essa garota.

— O café se tornou uma necessidade por causa desse cara. — Clara bagunçou o cabelo de August. — Ele adora atormentar a mãe no meio da noite.

— Nu-uh, — ele argumentou.

— Sim, huh.

A mãe dele. Clara era uma mãe. Eu já sabia. Um olhar para eles e não era segredo. A semelhança, junto com o ataque de surpresas nos últimos cinco minutos, foi o suficiente para manter minha cabeça girando.

O menino se parecia com ela. Eles tinham a mesma boca e nariz. Eles tinham os mesmos olhos brilhantes com manchas de ouro. Seu cabelo era da cor de mel, como se o dela estivesse na minha memória.

Uma torção apertou meu estômago. Clara era uma mãe. Onde estava o pai? Por que ele não apareceu? Eu não tinha o direito de ficar com ciúmes, mas tão certo quanto um Cadillac de mais de uma década atrás estava estacionado na minha garagem, a inveja ocupou o espaço livre em meu peito.

Meus olhos voaram para sua mão esquerda. Além da pilha de pulseiras em seu pulso, não havia nenhuma outra joia. Ela era divorciada então?

Talvez se eu parasse de olhar para ela e a convidasse para entrar, ela responderia a essas perguntas.

— Café. — Limpei minha garganta e estendi a mão em direção à casa.

— Quer pegar seu Nintendo? — Clara perguntou a August.

Ele respondeu correndo para o carro e pulando a parede lateral para pegar o assento traseiro, vasculhando uma bolsa. Ele surgiu com um jogo portátil e um sorriso.

Eles também tinham o mesmo sorriso. Brilhante. Alegre. Honesto.

— Deus, que bom ver você. — As palavras jorraram.

Um rubor surgiu em suas bochechas. — Eu não tinha certeza se você se lembraria de mim.

— O que?

— Foi há muito tempo.

— Poderia ter sido cinquenta anos. Cem. Eu sempre vou te reconhecer.

Clara engoliu em seco e levou a mão ao coração. — É bom ver você também.

Uma música borbulhante ressoou entre nós. August já estava jogando seu jogo, a concentração contraindo seu rosto.

— Entre. — Eu empurrei meu queixo para a casa.

— Clique em pausa, amigo, — disse Clara, em seguida, agarrou a mão de August enquanto eles me seguiram até a porta. — Esta é uma bela casa.

— Obrigado. Ganhei para roubar. — Um roubo de três milhões de dólares. As casas neste bairro de Elyria não eram baratas. Fui até a sala de estar, apontando para os sofás de couro caramelo. — Fique à vontade. Vou buscar um café. E para August?

— Água está bem, — disse Clara, sentando-se na poltrona.

August se sentou ao lado dela, com os polegares nos controles do Nintendo e os olhos grudados no jogo enquanto a música começava novamente.

— Você já desejou ter essas coisas?

Clara riu. — Então eu teria outro jogo para vencê-lo.

— Por favor. — Eu zombei. — Eu deixei você vencer, lembra?

— Eu também me lembro. — Seu sorriso ficou agridoce.

— Já volto.— Eu desapareci na cozinha e levei um momento para me recompor.

Puta merda. Não era quem eu esperava ver na garagem hoje. E com aquele carro. E sozinha com seu filho.

Clara Saint-James.

Minha Clara.

Ela não era minha há muito tempo. Minha mente reconheceu essa verdade. Mas no meu coração... ela sempre foi minha.

Eu balancei minha cabeça, focando na cafeteira. Eu preparei uma grande quantidade hoje porque dormi como uma merda na noite passada. Embora eu sempre tenha dormido como uma merda. Acordar às três ou quatro da manhã havia se tornado normal na última década. Se eu dormisse cinco horas, era uma boa noite.

Havia muito em minha mente. Muito para desligar.

Muitos pensamentos.

Clara era um deles.

Como ela me encontrou? Como o carro de Londyn foi parar com Clara? E os outros? Ela tinha ouvido falar deles? As perguntas pareciam intermináveis. Peguei uma garrafa de água da geladeira e levei as canecas de café para a sala.

Clara estava curvada sobre o filho, observando enquanto ele jogava com mais animação do que os próprios personagens do jogo.

— Aqui está. — Entreguei a ela uma caneca, depois sentei no sofá em frente ao dela, colocando meu café em uma base para que pudesse esfriar.

— Obrigada. — Ela fez o mesmo, depois tocou em alguns botões do jogo de August, abaixando o volume.

Ele a olhou carrancudo, mas não discutiu.

— Sua casa é linda, — disse ela, observando as paredes brancas e a abundância de janelas.

— Eu queria algo brilhante. Arejado. Gosto de poder ver lá fora.

— A minha tem um estilo mais moderno, mas também tem muitas janelas.

— Onde você vive?

— Welcome, Arizona. É uma pequena cidade na velha Rota 66. Mudei-me para lá há cinco anos, quando August era um bebê. — Ela brincou com o cabelo dele, tirando-o da testa enquanto ele brincava.

— Você gosta de lá?

Ela acenou com a cabeça. — Eu faço. É tranquilo e seguro. Boas escolas. O deserto é realmente lindo na primavera, quando as flores silvestres florescem. Embora, no momento, esteja quente. Aria acabou de se mudar para lá.

— Ária. — Eu sorri com o nome. Um nome que eu não dizia em voz alta há anos. Eu não tinha falado nenhum de seus nomes por mais tempo do que podia lembrar. — Como ela está?

— Excelente. Ela acabou de ter um bebê. Ela é casada com meu chefe, Brody. Eles moram na casa ao lado, então podemos invadir a privacidade um do outro regularmente.

— Bom para ela. — Inclinei-me para a frente e coloquei os cotovelos nos joelhos. — Ok, eu estava indo para uma conversa fiada, mas a curiosidade está me matando. Como você está aqui?

Ela se esticou para pegar sua xícara de café. — Como eu disse. Londyn. Essa é a resposta curta.

— Londyn. — Outro nome. Outra lembrança. — Vou precisar de mais do que isso.

Clara riu e se mexeu na cadeira, cruzando uma perna sobre a outra. Ela se movia com tanta elegância. Era algo que sempre percebi. Ela era graciosa, como uma dançarina que perdeu as aulas de dança, mas o talento não precisava de instrução porque estava em seus ossos. Na verdade, o tempo parecia ter apenas acentuado sua postura.

— Londyn levou o carro para Boston e o restaurou, — disse ela.

— Mas ela não ficou com ele?

Clara balançou a cabeça. — Ela quer que você fique com ele.

— Comigo? — Meu queixo bateu no tapete abaixo do sofá. — Sério? Por que?

— Porque era seu também. Essa foi a razão que ela me deu. Mas acho que porque ela não precisa mais disso. Ela encontrou o que procurava.

— Ela está feliz?

Clara sorriu. — Ela está. Ela mora em West Virginia com o marido. Tem alguns filhinhos fofos.

Algo dentro de mim clicou. Uma peça se encaixou no lugar. Uma preocupação desapareceu. Por muitos, muitos anos, eu me perguntei o que teria acontecido com Londyn. Com Clara. Com o resto da nossa turma do ferro-velho. Não tive coragem de procurá-los. Talvez eu estivesse com muito medo do que iria encontrar. Mas saber que Londyn estava feliz era um bálsamo para a alma.

— Bom. Você a viu?

— Apenas em nossos chats virtuais. Nós os temos todos os meses. Começou como um clube do livro, mas raramente discutimos livros. Principalmente conversamos. Colocamos em dia os anos que perdemos. As conversas são bastante recentes. Desde que o Cadillac começou sua viagem pelo país.

Outra série de perguntas passou pela minha mente, mas em vez de deixá-las escapar em rápida sucessão, peguei meu café e me sentei no sofá. — Acho melhor você me dar uma resposta longa agora.

Ela riu. — Podemos precisar de mais café.

— Para você? Vou fazer todos os potes do mundo. Também tenho limonada com muito, muito gelo.

— Você se lembra disso também?

Tudo. — Lembro-me de tudo.

 

UMA HORA DEPOIS, encarei Clara com espanto. Não havia outra palavra para sua história. Era simplesmente incrível.

— Transferências. Isso é... caramba, isso é legal.

— Não é?— Ela estava sorrindo por quase toda a hora em que conversamos. A cada reviravolta na jornada do Cadillac pelo país, seu sorriso parecia se alargar.

E eu continuei me afogando, afundando mais e mais fundo naqueles olhos cintilantes e sorriso de tirar o fôlego.

— Então, Londyn está na Virgínia Ocidental, — eu disse. — Gemma e Kat em Montana. E você e Aria no Arizona.

— Sim. — Ela acenou com a cabeça. — Eu não sei se nós teríamos ficado juntos novamente sem aquele Cadillac. Pode ser. Eu acho que gosto de esperar que sim. Mas tem sido o catalisador. Tudo porque Londyn quer que você fique com ele.

— Mas eu não posso. — Eu balancei minha cabeça. — Aquele carro deve ter custado a ela uma pequena fortuna.

— Ela não liga para o dinheiro. Ela quer que você fique com ele. Você merece aquele carro. Foi você quem tornou seguro para nós morarmos no Lou. Você ficou. Você nos protegeu.

— É muito.

— Não, não é o suficiente. — Ela balançou a cabeça. — Além disso, não vou levá-lo comigo quando formos para casa. E depois de passar uma ou duas horas atrás do volante, você nunca o deixará ir.

Eu ri. — Devemos dar um passeio?

— Eu esperava que você dissesse isso. — Clara cutucou August para longe do jogo. — Gus, hora de uma pausa.

— Ok, mãe. — Ele olhou para ela com muito amor e admiração. Esse garoto adorava sua mãe. Cara sortudo. Todas as crianças mereciam ter uma mãe como Clara.

Não havíamos contado muito de sua história ainda. Ou dele. Eu esperava que o fizéssemos durante a viagem, porque enquanto minha curiosidade fosse saciada no momento, a fome de saber tudo sobre ela voltaria.

Levantei-me do sofá e peguei sua caneca de café vazia. Nós estávamos tão envolvidos na história que eu não precisava de uma recarga. Eu estava colado a cada palavra dela. — Deixe-me colocar isso na pia. Te encontro lá fora.

Com chinelos nos pés e minha carteira enfiada no bolso do short, encontrei-os na garagem. August já estava afivelado na cadeirinha do carro enquanto Clara ficava ao lado da porta do passageiro. Seus shorts verdes deixavam suas pernas longas e bronzeadas em exibição. Uma camiseta branca pendurada em seu corpo elegante.

Linda. Ela apenas ficou mais bonita.

Ela me jogou as chaves com um sorriso malicioso e abriu a porta.

Era estranho sentar ao volante de um carro em que dormi durante meses. Um olhar para o banco de trás e não vi couro branco ou August, mas Londyn recostada em um lado enquanto eu estava contra o outro, nossas pernas emaranhadas.

Clara seguiu meu olhar. — É difícil não vê-la lá atrás, não é?

— Nós nos divertimos muito neste carro.

— O que está dizendo? Você nunca se esquece do seu primeiro amor.

Meu olhar mudou para o rosto dela.

Londyn não tinha sido a minha. Eu tinha certeza de que Clara pensava assim, mas Londyn tinha sido uma ótima namorada. Uma melhor amiga. Meu primeiro amor? Não. Eu pensava assim na época, mas agora, anos depois, depois de crescer, eu sabia a diferença entre afeto e amor.

— Não, você não esquece.

Quando ela se virou na minha direção, algo cruzou seu rosto. Choque, talvez. Ou ela estava lá comigo, no ferro-velho, quando deitamos no capô desse carro para contar estrelas cadentes?

— Onde estamos indo? — August perguntou.

Eu desviei meus olhos dos lábios macios de Clara e coloquei a chave na ignição.

Clara pigarreou. — Hum, só dar uma volta.

— Outra movimentação, — ele gemeu. — Por quanto tempo?

— Pouco. — Eu me virei e dei uma piscadela para ele. — Prometo.

— Aposto que poderíamos dirigir pelo oceano novamente, — disse Clara.

— Com certeza. — Liguei o motor, sentindo o estrondo e a vibração do que deveria ser um motor de última geração. — Ahh. Ela ronrona. Como ela sempre deveria ter feito.

— E ela flutua. — Clara tirou um par de óculos escuros de sua bolsa e os colocou, cobrindo as íris brilhantes.

Eu lutei contra o desejo de tirá-los de seu rosto. Eu lutei contra o inchaço no meu peito - e atrás do meu zíper.

Se recomponha, Avery. Esta não deve ser minha reação. Tinha que ser história, certo? Choque? Essa era a única explicação de por que minha cabeça e meu corpo estavam tendo tanta dificuldade em distinguir a Clara da minha memória e a Clara montando espingarda.

Me sacudindo, coloquei o Cadillac em marcha à ré e saí da garagem. Eu dirigi até a rodovia e, quando meu pé pisou no acelerador, não pude deixar de sorrir. — Oh, sim, ela flutua.

— Te disse.

— Londyn nunca vai receber este carro de volta.

Clara deu uma risadinha. — Ela pensou que você poderia dizer isso.

— Eu me sinto um idiota por não manter contato. — Embora eu tivesse meus motivos. Ou desculpas.

— Ele disse um palavrão. — August endireitou-se na cadeira, mas em vez de um olhar furioso ou carrancudo, ele estava sorrindo ansiosamente.

— Desculpe. — Eu fiz uma carranca exagerada para Clara.

— Você deve a ele 25 centavos. Ele vai financiar as mensalidades da faculdade com os palavrões dos adultos de sua vida, não é, Gus?

— Sim. Tenho trezentos e vinte e sete dólares e cinquenta centavos.

— Uau. — Mudei de posição no assento, mantendo uma mão no volante para que pudesse tirar minha carteira do bolso do short com a outra. Por algum milagre, havia três quartos dentro da dobra principal. Eu os arranquei e os devolvi. — Isso é para o caso de você me prender mais tarde hoje.

— Isso é o que o tio Brody faz também. Ele chama de pagamento adiantado.

— Brody forneceu a maior parte desses trezentos e vinte e sete dólares, — disse Clara.

Nós dirigimos por alguns quilômetros, deixando o vento soprar por nós, mas a curiosidade continuou me atormentando.

Onde estava o pai de August? Por que Clara não tinha um anel no dedo? Eles se conheceram em Vegas? Há quanto tempo ela trabalhava lá? Por que ela foi embora? Quando?

Droga, eu não deveria ter procurado por ela tantos anos atrás. Um vislumbre de dez minutos em sua vida no Facebook, e eu fui assombrado por uma série de fotos desde então. Essas fotos ganharam vida própria na minha imaginação. Eu a tinha visto com ele. Eu a vi feliz e livre.

Eu tinha vivido com eles e a inveja que os manchava porque, em minha mente, Clara era feliz. Ela estava feliz, certo? Ela parecia feliz. Então, por que ela e August estavam aqui sozinhos?

Talvez eu não devesse ter deixado aquelas fotos me assustarem.

Olhei para Clara, memorizando o pequeno sorriso em sua boca. Não que eu precisasse. Eu memorizei aquele olhar anos atrás. A atenção de August estava concentrada nos prédios que passavam e no oceano além.

— Já foi à praia? — Perguntei a Clara, mantendo minha voz baixa.

— Ainda não. Viemos direto para sua casa.

Eu sorri para ela, então acionei o pisca e dirigi para o meu lugar favorito. Quando entrei no estacionamento, a empolgação de August era palpável. Suas pernas chutaram e ele saltou nos limites do arnês de seu assento.

— Podemos ir nadar? — ele perguntou, balançando a cabeça como se pudesse influenciar a resposta de sua mãe.

— Uh, ainda não. Mas depois vamos nadar. Depois de fazermos o check-in no hotel.

— Quanto tempo você vai ficar? — Soltei o cinto enquanto ela descia e ajudava August a sair do carro.

— Duas noites.

Duas noites. Insuficiente. — Que hotel?

— A pousada Kate Sperry. É um ponto local, eu acho. — Ela encolheu os ombros. — As avaliações eram boas.

— É muito bom. — O lugar era um hotel quatro estrelas que se preocupava mais com a qualidade do que com a quantidade. Ela teria acesso à praia e uma piscina.

— Mãe, eu posso... — Ele puxou seu braço.

— Vá em frente. Entre na água apenas até os tornozelos. — Ela riu quando ele saiu correndo, tropeçando um pouco no primeiro passo na areia. Mas ele se endireitou rapidamente e jogou os braços para o ar enquanto corria.

— Eu fiz exatamente a mesma coisa quando vim aqui. — Eu ri e levei Clara para a praia. Nosso ritmo diminuiu quando nos juntamos a August na beira da água. Ele mergulhou o dedão do pé e se abaixou para colocar as mãos na espuma.

— Espero que você não sinta que invadimos hoje, — disse ela.

— De jeito nenhum. É um domingo. Não faço muito aos domingos, exceto ir à praia. Surfo se estou sentindo vontade. Hoje, não precisei vir sozinho.

Ela inclinou a cabeça para o céu, deixando a luz do sol iluminar os contornos finos de suas bochechas. Cada movimento seu tinha meu foco. Sempre foi assim, não foi? Mesmo quando não deveria ter sido. Mesmo quando tive que esconder de todos os outros.

Clara sempre teve um lugar especial em minha vida. Ela era doce. Ela era forte. Ela me fazia rir.

Ela me fez sentir como se pudesse mover montanhas. Como se eu pudesse atravessar o oceano a nado e voltar. Ela estava... ela era minha Clara.

Talvez por isso tenha sido tão fácil se apaixonar por ela, mesmo quando eu sabia que não deveria.

Doze anos atrás. Hoje. Aqui estava eu, ainda pendurado em cada passo dela. Apegando-me a cada palavra. Cada sorriso.

Mesmo quando eu sabia que não deveria.

 

 

 

 

CAPÍTULO DEZ

KARSON


— August adora pizza, — Clara disse, cavando com o garfo em sua salada. — Eu como de vez em quando, mas raramente.

— Mesmo. — Eu enrolei um pedaço de espaguete no garfo. — Não como manteiga de amendoim desde então.

— Nem eu. Gus nem sabia o que era um sanduíche de pasta de amendoim com geleia até começar o jardim de infância no ano passado. Ele acha que são as melhores coisas de sempre.

August estava sentado atrás de um volante de plástico com os olhos grudados na tela de um videogame onde uma corrida estava prestes a começar. A sala de jogos do restaurante tinha sido um sucesso. Seu pé pisou fundo no pedal do acelerador e ele mudou seu corpo a cada volta do volante.

Depois de passar a tarde na praia, principalmente observando August e o oceano, eu os levei para fazer o check-in em seu hotel. Então, vimos August nadar por uma hora.

Clara e eu tínhamos conversado à beira da piscina, principalmente nos lembrando dos velhos tempos. Ela me contou a vida dos outros e me mostrou fotos de Aria e seu bebê recém-nascido em seu telefone.

Quanto mais o dia passava, mais e mais eu ficava ressentido com a notável falta de detalhes sobre a vida dela em nossa conversa.

Então, eu insisti em jantar. Eu não estava pronto para dizer adeus até que soubesse mais de sua história.

À nossa volta, o som dos jogos de fliperama enchia o ar com bipes e sinos. A maioria das mesas estava cheia de pais visitando. Como Clara, eles pareciam manter um olho nos filhos, prontos para distribuir mais moedas quando necessário.

Aromas de alho, tomate e queijo impregnaram o ar. Os donos deste pequeno restaurante italiano tinham sido brilhantes em trazer os jogos para as crianças porque traziam famílias para saborear sua comida deliciosa. As crianças tinham os jogos. Os pais, a seleção de vinhos.

— August é um ótimo garoto, — eu disse, sorrindo enquanto ele atirava com as duas mãos no ar, o jogo venceu.

— Ele é todo o meu mundo. — Os olhos de Clara brilharam quando pousaram em seu filho. Isso me lembrou muito do passado. Ela tinha o mesmo olhar quando estávamos na fila do cinema para comprar ingressos. Ou o dia em que eu trouxe aquele guia de estudo do GED, embora eu o tivesse roubado. Ou quando ela me derrotou nas cartas.

Quando eu a provoquei que a deixei ganhar, quando realmente, ela chutou minha bunda.

— Continuo tendo essa sensação de que nenhum tempo se passou, — confessei. — Então eu pisco e me lembro de quanto tempo faz.

— Eu estava pensando a mesma coisa quando estávamos na praia hoje. Estranho, certo?

— Esquisito.

Maravilhosa, dolorosa e linda miséria.

Eu estava tão feliz por estar sentado em frente a ela. E tão triste por eu ter perdido tanto, quando talvez...

Talvez eu não tivesse perdido isso.

Clara largou o garfo e me deu um sorriso triste. — Quando você nunca veio nos ver em Vegas, pensei que talvez... oh, deixa pra lá.

— Pensou o quê?

— Que você se esqueceu de nós. Que talvez não fôssemos tão bons amigos como eu construí na minha cabeça.

Amigos. Essa palavra ecoou no ar como um tiro. A dor atravessou meu peito. Ataque direto.

Isso era tudo que ela pensava que éramos? Amigos? Clara precisava saber que ela era muito mais. E por causa do que ela quis dizer, foi a razão de eu não ter ido a Vegas com ela em primeiro lugar.

Eu tive que me recompor. Eu tive que perceber que as palavras que ela me disse uma vez eram verdadeiras - que eu não era tóxico para as pessoas em minha vida. Eu tive que crescer. Pena que me levou tanto tempo.

A essa altura, já era tarde demais.

— Eu nunca esqueci de você. Você sabe por que não fui com você a Las Vegas depois do ferro-velho. Eu não queria manchar sua vida. Eu posso ter fugido da minha mãe, mas isso não significa que suas palavras não tenham vindo para o ferro-velho comigo. Levei muito tempo para apagá-los do fundo da minha mente. Para passar por elas.. Você estava certa, o que você me disse. Queria ter ouvido. Mas eu precisava descobrir por conta própria, sabe?

A compreensão cruzou seu rosto. — Karson.

— Não é que eu não quisesse ir com você. Eu só não queria trazer minhas merdas para sua nova vida. E quando percebi que era apenas isso - besteira - bem, muitos anos se passaram.

— Eu entendo, — disse ela. — É a mesma razão pela qual todos nós perdemos contato por tanto tempo. Todos nós precisávamos desse tempo para colocar o passado de lado.

— Exatamente.

O que eu nunca fui bom em articular, Clara podia expressar perfeitamente. Não havia nenhuma pessoa na terra que me pegou como ela sempre fez. Ela sabia que tinha de escalar a montanha.

Deus, como eu tinha sentido falta dela.

— Obrigado porra por aquele Cadillac maldito.

Ela riu e o som foi uma explosão no passado. Doce. Musical. Sincero. O rosto de Clara parecia uma estrela cadente quando ela ria. Você não queria piscar e perder um segundo do show.

Um tremor de quebrar a alma percorreu todo o meu corpo. A mesma sensação que me dominou anos e anos atrás, enquanto eu estava ao lado dela, olhando para as estrelas de um Cadillac enferrujado.

Eu queria beijá-la. Neste momento, eu queria pegar suas bochechas em minhas mãos e beijá-la até que eu esquecesse meu próprio nome.

Droga. Porque? Porque agora? Por que ela não veio há um ano?

Quando eu tinha dezenove anos e depois que Londyn e eu terminamos, sabia que meu tempo com Clara era curto. Inferno, por muito tempo, eu não tinha percebido que ela gostava de mim desse jeito. Eu tinha feito muito bem em mantê-la como amiga e nada mais. Então eu senti aquele tremor e minha força de vontade se despedaçou.

Aquele foi o melhor beijo da minha vida.

Mas eu não tinha mais dezenove anos.

Desviando meus olhos, concentrei-me na minha comida, terminando as últimas mordidas do meu macarrão. August havia dizimado sua fatia de pizza em tempo recorde porque Clara havia prometido que ele poderia jogar, mas só depois de jantar.

— Nós conversamos muito sobre o passado hoje, — ela disse, voltando para sua salada. — Eu gostaria de ouvir mais sobre você. O que você faz no trabalho?

— Eu sou um corretor de imóveis. — Abaixei meu garfo e encontrei August mudando de jogo. Desta vez, ele estava no Big Game Hunter. Para Clara, provavelmente parecia que eu estava verificando seu filho. Sério, eu só precisava de um minuto antes de enfrentá-la novamente.

Eu precisava fortalecer as paredes.

Não que isso fizesse nenhum bem. Quando me virei para ela, meu coração deu um salto. Então me concentrei em responder a sua pergunta. Talvez então ela respondesse mais minhas.

— Comecei há cerca de sete anos. Em Temecula, na verdade.

— Estou surpresa que você voltou.

— Por um tempo. — Mas essa não era uma história para esta noite. — O mercado estava em alta e um amigo trabalhava na construção para um construtor que mal conseguia acompanhar. O construtor tinha um corretor que vendia todas as suas casas, então fui trabalhar com meu amigo um dia e conheci o corretor. Conversei com ele por cerca de três horas e decidi tirar a licença. Ela me patrocinou e trabalhei para ela por alguns anos. Então decidi ramificar por conta própria quando me mudei para Elyria.

— Não estou nem um pouco surpresa com o seu sucesso. Você gosta disso?

Eu concordei. — Eu faço. Eu trabalho duro. Tenho um pouco de flexibilidade na minha agenda, o que agradeço, e isso paga as contas.

— Gemma trabalhou no mercado imobiliário por um tempo. Antes de ela começar suas empresas e disparar pela estratosfera.

— Parece Gemma.

— Ela não mudou. — Um sorriso brincou na boca bonita de Clara. — Nenhum de nós, realmente. Nós apenas crescemos.

Sim, ela cresceu. E não, ela não mudou. Graças a Deus por isso.

Clara tinha essa sabedoria eterna, essa visão realista do mundo. Ela não era amarga, áspera ou cansada, ela apenas sabia que a vida não era justa. E ela sorria mesmo assim.

— Você se importa que Gemma tenha contratado um investigador particular para encontrá-lo? — ela perguntou.

Eu balancei minha cabeça. — Nah. Vocês?

— Não. Estou feliz. — Ela recolheu os pratos, empilhando-os e empurrando-os para o lado. Em seguida, ela apoiou os antebraços na mesa e deu uma rápida olhada em August para se certificar de que o bolso dele ainda estava cheio de moedas não gastas. — Conte-me tudo sobre sua exploração.

— Explorar foi divertido. Realmente engraçado. — Eu sorri e coloquei um braço na parte de trás da minha cabine.

Clara ainda estava inclinada para frente e eu ignorei a atração magnética de me inclinar para mais perto. Clara nos considerava amigos. Nós éramos amigos. Dois velhos conhecidos trocando histórias durante uma refeição. Nada mais.

— Eu fui para LA primeiro. Odiei. Fiquei por cerca de uma semana, depois continuei indo para o sul. Às vezes eu pedia carona. Mas eu caminhei muito. Caminhei até chegar a San Diego. — As milhas estavam curando. Elas me deram tempo para refletir e pensar sobre onde eu estava indo e o que eu queria da minha vida.

No topo da lista estava a estabilidade. Para isso, precisava de dinheiro.

— Fiquei em San Diego por cerca de dezoito meses. Mudei um pouco antes do meu aniversário de 21 anos.

— Para onde? — Ela apoiou o queixo na mão, ouvindo. Sempre amei como Clara ouvia, não apenas com os ouvidos, mas com todo o seu corpo.

— Houston. Fiquei lá cerca de três anos, trabalhando principalmente. Peguei uma página do manual de Clara Saint-James e peguei meu GED.

— Eu ainda tenho aquele livro que você me deu. Eu não poderia jogar fora. — Ela sorriu. — O que você fez lá?

— Trabalhei em dois empregos, um como segurança em uma boate e outro como caddie em um campo de golfe. Vi muitas pessoas ricas em ambos os lugares e decidi que não precisava ser rico, mas com certeza não seria pobre.

— Amém para isso. O que fez você deixar Houston?

— Principalmente, eu estava inquieto, — eu admiti. — No ano passado, fiz algumas viagens com alguns amigos com quem trabalhei no clube. Fomos a Nova Orleans para o Mardi Gras. Dallas e San Antonio por um fim de semana aqui e ali apenas para separar as coisas. Depois da última viagem, percebi que era hora de mudar de cenário.

— O que fez você voltar para a Califórnia?

— O oceano. O sol brilha. O ar. Aqueles dias em que caminhei até San Diego foram dos melhores. Acampava onde podia e acordava com o som das ondas quebrando. Mesmo quando cheguei lá, não tinha dinheiro para comprar um apartamento na hora, então dormi nas praias e fiz o possível para evitar os policiais. Então voltei para San Diego por alguns anos. Decidi que odiava a cidade. Percebi que não tinha tempo para surfar quando trabalhava oitenta horas por semana. Foi quando voltei para Temecula.

Era parte da verdade. A outra parte não era algo que eu tivesse vontade de compartilhar.

— Depois de me orientar como corretor de imóveis, comecei a procurar outra cidade novamente. — E porque, pela primeira vez, não havia nada que me ligasse a Temecula.

— Ainda inquieto? — Clara sorriu.

Eu ri. — Algo parecido.

— Como você encontrou Elyria?

— De toda aquela caminhada que fiz de Los Angeles a San Diego. A maior parte da minha viagem foi apenas para ir de um ponto a outro, mas na noite em que fiquei aqui, eu realmente prestei atenção na cidade. Dormi na mesma praia que fomos hoje. Nunca esqueci. Havia um restaurante perto que servia as melhores batatas fritas e salsa que eu já tinha provado. Depois de Temecula, decidi ir ver se aquele restaurante ainda estava em funcionamento. Era. Então me mudei para cá para poder comer lá todos os dias, se quisesse.

— E você não nos levou lá esta noite para comer batatas fritas e salsa? — ela perguntou, fingindo estar ofendida.

— Amanhã. Iremos lá amanhã. — Se tudo que eu tivesse fosse dois dias com ela, eu iria levá-los.

August bateu na mesa, com as mãos em concha e prontas para receber alguns trocos. — Mãe, posso ter mais moedas?

Clara verificou a hora em seu telefone. — Não, desculpe, amigo. Acho melhor irmos.

— Ainda não, — ele implorou.

— Você queria nadar antes de dormir?

Ele pensou sobre isso, sua mente pesando visivelmente as opções. Então, com um aceno de cabeça, ele disse: — Natação.

Eu levantei minha mão para a garçonete e a conta. Em seguida, deixei algum dinheiro na mesa para pagar nossa conta e escoltei Clara e August até o Cadillac.

— Tem certeza que quer nadar? — Eu perguntei a August. — Porque eu conheço este local de sorvete na praia e-

— Sorvete! — Ele pulou. — Eu quero sorvete.

— Provavelmente deveria ter perguntado a você primeiro, — eu disse a Clara.

Ela acenou. — Eu nunca digo não ao sorvete.

— Nem eu. — Eu sorri quando todos nós entramos no carro e saímos pela estrada.

Mesmo para uma noite de domingo, a praia estava cheia de pessoas caminhando. A fila na cabana do sorvete tinha vinte metros de profundidade. Debatemos o melhor sabor enquanto esperávamos a nossa vez de comprar cones de waffle e sair para um passeio noturno pela areia.

August comeu a casquinha mais rápido do que eu já tinha visto um humano consumir sorvete antes. Em seguida, ele pediu permissão à mãe para perseguir as gaivotas.

— Não muito longe, ok?

— OK. — Ele entregou a ela um guardanapo amassado e pegajoso e saiu correndo.

— Talvez ele queime um pouco de açúcar antes de dormir. — Ela franziu a testa para o guardanapo e o enfiou no bolso do short.

August perseguiu um pássaro, depois se virou e correu em nossa direção, apenas para se virar e encontrar outra distração. Mas ele ficou a uma distância de gritar.

— É a sua vez, — eu disse enquanto nos acomodávamos em um ritmo fácil. — Como foi em Vegas?

— Vegas foi emocionante. Por um tempo. Aria odiava. Ela durou apenas um mês.

Meus passos gaguejaram. — Você estava lá sozinha?

Eu deveria ter ido com ela. Filho da puta. Eu deveria ter ido para Vegas. Mas nunca, em meus sonhos mais loucos, imaginei que Aria deixaria sua irmã. E vice versa. Esses duas faziam tudo juntas.

— Tipo isso, — Ela encolheu os ombros. — Mas eu estava ocupada. Eu tinha meu GED. Uma carteira de motorista. Encontramos um apartamento em um bairro não tão bom, mas o aluguel era barato o suficiente para eu pagar por conta própria. Trabalhei muito e as coisas se encaixaram. Aria fez o mesmo, só que no Oregon. Conversamos ao telefone algumas vezes por dia. Portanto, não realmente sozinha, mas por conta própria - se a diferença fizer sentido.

— Sim, — eu murmurei. Faz sentido. Mas eu ainda não gostei.

Ela não deveria estar sozinha. Claramente, ela sobreviveu e prosperou, mas não era isso que eu queria para ela. Clara era difícil, mas ela já tinha passado por isso.

— Como você veio trabalhar para Brody? — Perguntei.

— Aria foi para a hotelaria. Havia tantos hotéis com toneladas de empregos para escolher e o pagamento era melhor do que qualquer coisa que tínhamos antes. Eu não queria limpar quartos, então, para começar, fui garçonete até conseguir meu GED. Não muito depois, a empresa de Brody, Carmichael Communications, me contratou como recepcionista.

Eu podia vê-la fazendo isso, sendo o sorriso que saudava as pessoas quando elas passavam por uma porta. Uma saudação muito boa.

— Não comecei a trabalhar para Brody imediatamente, — disse ela. — Sentei-me na recepção por um tempo e, à medida que surgiam novas vagas, me inscrevia. Então, quando o assistente pessoal de Brody saiu, coloquei meu nome nisso também. Trabalho para ele desde então. Quando ele decidiu se mudar de Vegas para o Arizona, ele me pediu para ir junto. Era hora de mudar, então é onde estamos desde então.

— Ah. — Eu concordei. — E foi assim que Aria o conheceu?

— Sim, mas eles se odiavam. — Ela riu. — No ano passado, eu deveria ir a um casamento como acompanhante de Brody, mas peguei um resfriado horrível, então Aria foi no meu lugar. Não foi até então que eles conseguiram uma conversa civilizada. Mesmo depois, as coisas ficaram arriscadas por um tempo. Mas o bebê os juntou. Trace. Eles acabaram de nomeá-lo faz alguns dias.

— Trace. Nome legal.

August veio correndo em nossa direção com uma concha na mão. Ele a ergueu, apenas o tempo suficiente para receber um sorriso e um aceno de Clara, então o enfiou no bolso da bermuda e saiu correndo.

— Ele fará seis anos no mês que vem. Eu sinto que acordei um dia e ele era um garotinho. Meu bebê desapareceu diante dos meus olhos.

— E o pai dele?

Clara deu alguns passos, sem responder. Seus ombros estavam rígidos. Seu sorriso sumiu.

— Esqueça. Estou bisbilhotando.

— Não, é só... não deu certo. Ele não está envolvido na vida de August e eu prefiro assim.

Que diabos? Quando? Eu abri minha boca para dizer a ela não importa, eu estava indo para erguer, mas ela saiu, correu para pegar até August.

Bem, merda.

Para a maioria das pessoas, eu teria deixado passar. Não era da minha conta. Mas esta era Clara. Anos separados e ela ainda era... minha. Meu negócio.

Eu me apressei para alcançá-la, e agora que Clara estava com August, seu sorriso havia retornado, lindo como sempre.

Ela se abaixou para inspecionar outra concha, então, quando me viu, fez um gesto para o estacionamento. — Vamos voltar. Talvez você ainda possa nadar um pouco, cara.

— Sim. — Ele ergueu o punho e correu na direção do carro.

— Sinto muito, — eu disse enquanto caminhávamos.

— Está bem. — Ela acenou. — Está no passado. Contanto que August seja feliz, eu estou feliz.

— Ele é um bom garoto. Você é uma boa mãe.

Ela olhou para mim e sorriu. — Obrigada. Isso significa muito.

Eu cutuquei seu cotovelo com o meu. — É bom te ver.

— Mesmo aqui. — Uma mecha de cabelo voou em seu rosto.

Em vez de colocá-lo atrás da orelha como eu queria, coloquei minhas mãos nos bolsos. — Eu te pego amanhã, certo?

Ela acenou com a cabeça. — Nossa programação está aberta.

— Bom. — As costas da minha mão roçaram na dela e, por um segundo, quase peguei sua mão.

Ela não tinha me abraçado hoje. Ela costumava abraçar. Um choque elétrico percorreu meu cotovelo. Talvez fossem as ondas, mas eu juro que ouvi sua respiração engatar.

Eu me afastei. Eu coloquei espaço entre nós e fiz o meu melhor para não pensar na última vez que toquei em Clara.

Foi na noite anterior à nossa partida do ferro-velho. Ela esteve em meus braços depois que fizemos sexo. Não houve nenhum toque desajeitado como na primeira vez. Não houve medo ou preocupação. Nós ficamos juntos como duas pessoas que foram amantes por anos, não um dia.

Uma noite que nunca esquecerei.

— August! — ela chamou, acenando de volta para nós.

Sim. Vamos manter August aqui. Talvez com a criança por perto, esses pensamentos muito íntimos, muito sexuais, muito nus sobre sua mãe parassem.

Cristo, eu era um idiota de merda.

— Você deveria levar o Cadillac, — eu disse enquanto íamos para o estacionamento. — Fique com ele enquanto você está aqui.

— Você não se importa?

Eu balancei minha cabeça. — De jeito nenhum. Ainda não parece meu carro.

— OK. Obrigada. Isso tornará a vida um pouco mais fácil para nós, para nos locomovermos pela cidade amanhã.

Todos nós entramos no carro e eu nos direcionei para minha casa. — Tenho um trabalho a fazer amanhã, mas se você está disposta, gostaria de vê-los novamente para o jantar. Batatinhas e molho?

— Estamos prontos para isso.

— E nadar no oceano, — disse August.

Clara riu. — É isso aí, amigo.

A viagem até minha casa foi curta, muito curta. O dia passou rápido demais. Eu tinha esse medo mesquinho de que, depois que Clara saísse da Califórnia, eu não a veria novamente.

Por anos, eu mantive a esperança de que, uma vez que ela não disse a palavra adeus, não tivesse sido adeus. Mesmo depois de procurá-la e vê-la com ele. Uma esperança tola tinha grudado em mim como grãos de areia entre meus dedos dos pés.

Desta vez, eu duvidava que fosse o mesmo. Embora talvez fosse melhor se eu não a visse novamente, dadas as circunstâncias.

Por que ela não veio há um ano?

O sol estava apenas começando a se pôr quando estacionamos em frente à minha garagem. Laranja tingiu o horizonte.

— Pegue o pôr do sol em seu hotel, se puder. Eles têm estado bem ultimamente.

Clara acenou com a cabeça e saiu do Cadillac, encontrando-me na frente do capô. — Obrigada pelo jantar. E hoje.

— Não, obrigado. Foi, bem... Minha cabeça ainda está girando. Eu olho para você e não posso acreditar que você está aqui.

A cor penetrou em suas bochechas quando outra mecha de cabelo soprou em sua boca. E caramba, minhas mãos não estavam nos bolsos. Elas agiram por conta própria, levantando para afastar os fios loiros.

Os olhos de Clara estavam esperando quando minha mão caiu. E o olhar que ela me deu, a saudade, me torceu em um nó.

— Clara, eu-

A porta da casa se abriu e Holly saiu, descendo a calçada até a garagem. Ela ainda estava em seu uniforme azul bebê do trabalho e seu cabelo escuro estava amarrado. — Olá bebê. Aí está você. Mandei uma mensagem quando cheguei aqui.

— Ei. Desculpe. Eu não verifiquei meu telefone.

— Está tudo bem. Quem é ela?

Não consegui olhar para Clara quando Holly veio para o meu lado, ficando na ponta dos pés para dar um beijo em meu queixo barbudo. — Eu quero que você conheça alguém.

— OK. — Holly sorriu para Clara e depois olhou para o carro. Quando ela avistou August, ela ergueu a mão e acenou.

Eu não conseguia mais evitar o olhar de Clara. Qualquer outra pessoa teria acabado de ver seu sorriso. Mas eu não era ninguém. Eu aprendi a lê-la há muito tempo e havia dor ali. A dor foi totalmente minha porra de culpa.

— Holly, esta é Clara Saint-James. — Engoli em seco, fazendo a apresentação mais dolorosa da minha vida. — Clara é uma velha amiga. Ela morava comigo no ferro-velho.

Holly engasgou, então se lançou para pegar a mão de Clara e apertar. — O que? Ó meu Deus. É tão bom conhecê-la.

— Você também. — O sorriso de Clara se alargou. Muito largo. Ela olhou para mim em busca de uma explicação.

Eu só tinha uma para dar.

— Clara, esta é Holly Fallon. Minha namorada.

 

 

 

 

 

 


CAPÍTULO ONZE

KARSON


— Suas línguas pesam tanto quanto um elefante.

— É uma língua grande, — eu disse.

August acenou com a cabeça, mal respirando entre os fatos. — E você pode dizer quantos anos eles têm pela cera de ouvido.

— Sem brincadeira. — Olhei para Clara, na esperança de captar seu olhar, mas ela estava olhando para o filho. Assim como ela tinha feito a refeição inteira. O contato visual foi fugaz, na melhor das hipóteses.

— Você com certeza sabe muito sobre baleias azuis — disse Holly, inclinando-se para o meu lado.

Gus sorriu. — Nós aprendemos sobre elas na escola.

— Aprendi, — corrigiu Clara.

— Foi o que eu disse.

Ela balançou a cabeça e sorriu, então se concentrou no restaurante, observando a decoração colorida e outros clientes. Novamente, olhando para todos os lugares, menos para mim.

Holly e eu estávamos de um lado da cabine, August e Clara, do outro lado. Apenas uma cesta de batatas fritas e duas tigelas de molho nos separavam, mas pela tensão entre Clara e eu, poderia muito bem ser o Grand Canyon.

Felizmente, Holly não pareceu notar. Nem August. Clara sorriu educadamente quando nos reunimos na estação da recepcionista, assim como na noite anterior, quando ela apertou a mão de Holly.

Talvez eu estivesse fazendo muito disso. Clara parecia... mudada. Ela estava rindo com seu filho e tinha se emocionado com sua primeira batata frita e salsa. Foi só eu?

Ela não tinha flertado comigo ontem. Ela não agiu estranhamente. Talvez fosse minha própria besteira tornando isso estranho.

Como não poderia ser estranho? Fiquei atraído por Clara. Eu duvidava que houvesse muitos homens no planeta que não a achassem atraente. Adicione isso à conexão emocional que tive com ela anos atrás e fiquei tão encantado por ela como quando era criança.

Por isso, a culpa estava me comendo vivo.

Não dormi muito na noite passada. Holly tinha ficado em casa como fazia quase todas as noites ultimamente. Nunca na minha vida fiquei tão feliz por um período de uma semana. Eu não tive que pensar em um motivo para pular o sexo. Eu apenas... não parecia certo. Eu não me sentia bem.

Holly e eu namoramos por um ano, mas ela manteve sua própria casa. Nós conversamos sobre ela se mudar depois que seu aluguel expirou, mas eu não insisti nisso. Ela tinha uma chave. Ela sabia que era bem-vinda a qualquer hora.

A única noite em que isso me incomodou foi a noite passada. Ela se enrolou ao meu lado e eu me senti como um filho da puta, porque enquanto eu estava na cama com uma mulher, eu não fui capaz de tirar minha mente de outra.

Depois de me mexer e virar por algumas horas, eu finalmente desisti e desapareci em meu escritório. Horas vasculhando papéis e e-mails não tinham feito nada além de me dar dor de cabeça.

Eu apenas... Eu precisava de um sinal de Clara de que estávamos bem. Que éramos amigos e tudo o que eu estava sentindo ontem era unilateral. Olhe para mim.

Ela limpou um pouco de salsa do canto da boca de August.

Olhe para mim.

Ela tirou outra batata frita da cesta.

Clara, olhe para mim.

Ela tirou uma migalha do colo e depois fixou a atenção no filho.

Droga.

August foi o verdadeiro campeão esta noite. Aquele garoto havia preenchido cada segundo com todos os fatos armazenados em sua cabecinha.

— Também aprendemos sobre esqueletos, — disse ele.

— Eu gosto de esqueletos. — Holly se inclinou para a frente. — Sou enfermeira, então sei muito sobre esqueletos.

— Você sabia que o fêmur é o maior osso do seu corpo?

Ela acenou com a cabeça. — Eu sabia disso.

— O menor osso está em sua orelha. É o... — Sua testa franziu. — Não consigo lembrar o nome.

— Estribo.

— Yeah, yeah. — Seus olhos brilharam. — O estribo.

— Qual é a sua coisa favorita do jardim de infância? — Perguntei.

— Recreio.

Eu ri. — Eu também gostava do recreio.

— Karson disse que vocês moram no Arizona. — Holly deu um gole em sua margarita. — Ele realmente me contou sobre tudo isso. O Cadillac e como você veio trazê-lo aqui. É tão fantástico. A viagem inteira pelo país. De verdade... Uau.

— Tem sido incrível conectar-se com todos novamente. — Clara sorriu e ergueu sua própria bebida, poupando-me apenas uma rápida olhada por cima da borda. — Mandei uma mensagem de texto para as meninas ontem à noite. Todos elas queriam que eu te cumprimentasse. E Londyn disse que está enviando a você o título do carro antes que você tente fazer algo estúpido como devolvê-lo.

Eu ri. — Vou ter que pegar o número dela com você.

De alguma forma, eu sabia que não seria estranho falar com Londyn novamente. E de alguma forma, eu sabia que a sensação que tive ontem com Clara, aquela saudade, não estaria lá com minha ex-namorada. Londyn e eu conversaríamos como velhos amigos porque aquela porta havia se fechado há muito, muito tempo.

De jeito nenhum eu poderia dizer o mesmo sobre Clara.

Peguei uma batata frita, peguei um pouco de molho e mastiguei com fúria. O que diabos havia de errado comigo? Clara também era uma velha amiga. Éramos história. Então, por que não consegui me livrar da sensação de ontem? Por que parecia que eu estava do lado errado dessa cabine?

Holly merecia algo melhor do que isso.

Eu só tinha que passar pelo dia de hoje e a vida voltaria ao normal. Clara partiria amanhã e eu deixaria as memórias no passado. Siga em frente.

— O que vocês fizeram hoje? — Eu perguntei, comendo outra batata frita.

Clara olhou para cima, então seus olhos se desviaram.

Sim, isso não foi unilateral. Eu poderia me enganar o quanto quisesse, mas ela sentiu aquela faísca ontem também.

Foda-se. Eu fui um idiota.

— Passamos a maior parte do dia na praia, — disse ela.

— Eu construí um castelo de areia, — disse August com orgulho, ajoelhando-se para que pudesse se abaixar e beber sua limonada do canudo da xícara.

— E demos uma última volta no Cadillac. — Os olhos de Clara se suavizaram e ela olhou para mim, realmente olhou para mim, pela primeira vez esta noite. — Espero que você não se importe de alguns quilômetros extras com ela.

— De jeito nenhum.

— É uma pena que você esteja indo embora tão cedo, — disse Holly. — Seria divertido ouvir mais histórias sobre o ferro-velho. Karson raramente fala sobre isso.

Porque não era um momento que eu queria reviver. Eu estava com raiva e canalizando muita falsa confiança. O roubo e as brigas... Eu não estava particularmente orgulhoso de mim mesmo naquela idade.

— O que é um ferro-velho? — August perguntou. O garoto não perdeu muito. Obviamente, não era algo que Clara havia falado com ele também. Eu duvidava que ela faria até que ele fosse mais velho.

— É um lugar onde eles levam carros velhos e caminhões quebrados, — respondi.

— Eles são consertados?

— Não, geralmente não, — disse Clara. — Eles chamam de ferro-velho porque a maior parte se transforma em sucata.

— Como lixo?

Ela acenou com a cabeça. — Como lixo.

— E quanto ao Cadillac então? Não é lixo.

— Às vezes, os melhores carros são resgatados, — eu disse. — Foi isso que aconteceu com o Cadillac.

— Oh. Mais ou menos como meu cachorrinho que foi rasgado, mas mamãe o consertou para que não tivéssemos que jogá-lo fora.

Eu sorri. — Exatamente.

August arrancou uma batata da cesta, contente com a explicação. Sua curiosidade era contagiante, mas as perguntas para as quais eu queria respostas não eram as que eu poderia fazer hoje. Principalmente, eu queria saber sobre seu pai. A tentativa de ontem de abordar o assunto saiu pela culatra.

— Você contou a ela sobre o ferro-velho? — Holly cutucou meu cotovelo.

— Não. Não, uh, não apareceu ontem.

Holly achou que o ferro-velho era uma peça interessante da minha história. Como a maioria das pessoas, a menos que tenham vivido isso, ela não percebeu o quão difícil tinha sido. Quão perto estive de quebrar tantas vezes.

Talvez tenha sido minha culpa por não ter explicado a ela. Mas por que eu iria querer refazer as lutas? Ela tinha conseguido a versão encoberta do passado. Para ela, parecia uma aventura. De novo, provavelmente minha culpa por não ter pintado com uma luz suja e enferrujada.

Por isso falar com Clara tinha sido tão fácil ontem. Ela entendeu. Ela sempre entendeu.

— O que tem o ferro-velho? — Clara perguntou.

Antes que eu pudesse responder, a garçonete apareceu com nossas refeições. Mesmo com os poucos minutos que levou para deixar August resolvido com sua quesadilla, quando Clara olhou para mim em busca de uma resposta, eu ainda não tinha descoberto exatamente como dizer.

— O ferro-velho é... bem, é meu.

— Seu?

Eu concordei. — Sim. Eu possuo-o.

— Você comprou isso? — Ela largou o garfo. — Quando você morava em Temecula?

— Não, eu não comprei. — Eu dei a ela um sorriso triste. — Lou deixou isso para mim. No testamento dele.

— Oh. — Seu olhar caiu.

— Quem é Lou? — August perguntou, suas bochechas cheias de comida.

— Um velho amigo. — Clara tocou seu cabelo, depois se concentrou em seu prato. Embora seu garfo apenas cutucasse suas enchiladas.

— Nós vamos vê-lo também?

Ela balançou a cabeça. — Não, amigo. Ele... morreu.

— Oh. — August baixou os olhos. — Como?

— Durante o sono, — respondi. — Cercado por suas coleções.

A tristeza nos olhos de Clara quebrou meu coração. — Você o via com frequência?

— Não. Você conhece Lou.

— Sim.

Lou não gostava de visitantes, nem mesmo de mim. Nas poucas vezes que visitei, fiz questão de ligar primeiro. Eu tinha ido pela manhã. E só na última visita ele realmente me convidou para entrar em sua cabana.

O interior da casa de Lou parecia muito com o quintal. Havia pilhas empilhadas nos corredores. Havia prateleiras lotadas de livros, caixas e pastas. Os balcões da cozinha estavam tão bagunçados que as únicas superfícies livres eram a pia e o fogão.

Ele me levou através do labirinto e nós nos sentamos em uma pequena mesa, cercados por seus pertences. Foi quando ele me contou sobre Londyn e como ela ligou para o Cadillac. Dois dias depois daquela ligação, um caminhão chique apareceu para transportá-lo.

Eu tinha pensado em andar pelo quintal, mas o medo me impediu e, em vez disso, deixei Lou em sua solidão. Eu dei a ele meu cartão e disse a ele para me ligar se ele precisasse de alguma coisa. Que eu passaria por aqui novamente.

Ele morreu antes que eu tivesse a chance.

Três meses depois de o Cadillac ter desaparecido do quintal, Lou também desapareceu.

Quando seu advogado ligou para dar a notícia e me informar que Lou havia me legado todos os seus pertences, quase caí da cadeira.

— Fui ao funeral dele, — disse eu. — Eu conheci a irmã dele.

— Ele tinha uma irmã? — Clara perguntou.

— E duas sobrinhas. Eles foram legais. Gentis. Eles providenciaram para que ele fosse enterrado ao lado de sua esposa.

Os olhos de Clara se arregalaram. — Lou tinha esposa?

— Ela morreu jovem. No parto. Lou era mecânico naquela época. O ferro-velho estava em sua família. Depois de sua esposa e filho... ele desistiu de sua loja e mudou-se para a cabana.

— Lou. — Clara pressionou a mão contra o coração.

— Nós realmente não o conhecíamos, não é?

— Não, nós não fizemos, — ela sussurrou, seus olhos vidrados.

August olhou para Clara com preocupação no rosto. — Mamãe?

— Estou bem. — Ela afastou a tristeza e sorriu. — Como está sua quesadilla?

— Boa. — Ele encolheu os ombros e deu outra grande mordida.

Holly se inclinou mais perto, sua mão encontrando minha perna debaixo da mesa. Quando olhei para baixo, seus olhos castanhos estavam esperando. Eles eram da cor do café, ricos e quentes. Mas eles não eram tão bonitos quanto os de Clara.

E eu fui um filho da puta por fazer a comparação. Foda-se.

— Talvez você deva perguntar... — Holly acenou com a cabeça para Clara.

Eu dei a ela um leve aceno de cabeça.

Ou ela sentia falta ou ignorava, mas quando se virou para Clara e abriu a boca, não era para comer. — Karson tem adiado voltar para Temecula, mas ele finalmente está indo. Na quarta-feira.

— Sério? — O rosto de Clara virou para mim. — Esta quarta-feira?

— Em dois dias. — Eu levantei um ombro. — Seu timing é irônico. Meu plano era ir lá amanhã e verificar o lugar antes da minha reunião.

— Que reunião? — ela perguntou.

— Há um desenvolvedor em Temecula que está tentando recuperar a área. Ele está construindo um conjunto habitacional e quer comprar o ferro-velho. Eu concordei em encontrá-lo na quarta-feira.

— Talvez você também possa ir — sugeriu Holly. — Se você quisesse ver de novo e não precisasse correr para casa. Acho que seria legal voltar para um lugar assim. Veja se mudou. Eu trabalho de quarta a domingo no hospital, caso contrário, eu iria junto. Tenho desejado ver este ferro-velho desde que Karson me contou sobre ele.

Razão pela qual agendei a reunião para uma quarta-feira. Holly era uma namorada que apoiava, mas esta viagem não era para ela.

— Uh... não. — Clara balançou a cabeça. — Eu não acho... não.

Cutuquei Holly e, desta vez, meu aceno de cabeça não deveria ser ignorado.

Ela não sabia o que estava sugerindo. Ela não sabia a dor que poderia causar em Clara voltar para aquele lugar.

Holly nem sabia os detalhes da minha infância, muito menos a de Clara. Tudo o que contei a ela sobre meu passado foi que tive um relacionamento ruim com minha mãe e fugi aos dezesseis anos.

A conversa durante o jantar foi inexistente depois disso. Pelo menos entre os adultos. August veio em seu socorro mais uma vez, proporcionando a diversão com contos do jardim de infância e uma longa lista de seus brinquedos favoritos. Quando a garçonete veio com a conta, Clara fez questão de pagar a conta.

— Você me trouxe um carro, — eu disse enquanto caminhávamos para fora. — Você não precisava pagar o jantar.

— Estou feliz em fazer isso. Foi um prazer conhecê-la, Holly.

— Você também. — Holly sorriu. — Espero que você mantenha contato. Karson tem o seu número?

— Eu não. — Tirei meu telefone do bolso e, quando Clara recitou o dela, enviei uma mensagem de texto.

Ele apitou em sua bolsa quando ela pegou as chaves do Cadillac. Clara os virou na palma da mão, segurando-os por um longo momento, depois os entregou. — Ela é toda sua.

— Obrigado. — O peso das teclas era muito grande. Não era apenas entregar um carro, era o fim.

Isso era um adeus.

— Vejo você em casa. — Holly deu um aperto suave no meu braço. Então ela deu um soco em August e caminhou até meu Audi, nós dois o havíamos dirigido até aqui para encontrar Clara esta noite.

Eu a levaria para o hotel. Então iria para casa.

Para Holly.

Nós carregamos tudo e eu me afastei do restaurante, achando difícil atingir até o limite mínimo de velocidade. Os carros começaram a se acumular atrás de nós, mas eu não conseguia pisar no acelerador.

— Desculpe. Sobre Holly, — eu disse a Clara. — Ela não entende.

— Não há necessidade de desculpas. A maioria das pessoas não.

O ar estava quente ao passar por nossos rostos. August parecia tão contente neste carro. Uma de suas mãos descansou na porta enquanto ele observava o mundo ao seu redor.

O Cadillac fez uma viagem muito curta e quando estacionei em frente à entrada do hotel, meus pulmões não seguraram o ar. A dor no meu peito era esmagadora.

Clara saiu pela porta no momento em que os pneus pararam de se mover. Ela parecia com pressa para tirar August de seu assento e soltar o cinto de segurança que o prendia no lugar.

Eu saí, pegando dela para colocar de lado. — Eu poderia levá-los ao aeroporto amanhã.

— Não, tudo bem. Vamos pegar um Uber.

— Mãe, podemos ir nadar?

— Claro, amigo. Você pode dizer adeus a Karson?

Ajoelhei-me na frente dele e estendi minha mão. — Foi um prazer conhecê-lo, August.

Ele sorriu enquanto o balançava.

— Ai. — Flexionei meus dedos depois que ele me soltou. — Garoto muito forte você tem, Clara.

Ela colocou a mão em volta dos ombros dele, puxando-o para as pernas enquanto eu me levantava.

Então eu memorizei seu rosto, uma última vez. O arco rosa de seus lábios. As manchas douradas em seus olhos. O sorriso que me acordou dos meus sonhos. A brisa pegou seu cheiro e o trouxe para mais perto. Laranjas e baunilha. Doce. Clara.

— Foi bom te ver. — Minha garganta queimou e as palavras saíram ásperas.

— Você também.

Eu esperei, querendo aquele abraço. Clara sempre deu um abraço de despedida.

Em vez disso, recebi um aceno e um pequeno sorriso. — Cuide-se, Karson.

— Sim.

Então ela se foi, conduzindo August para dentro com uma mão enquanto ela carregava seu assento com a outra.

Ela me deixou parado ao lado de um Cadillac com um buraco no peito.

Eu fiquei lá por alguns minutos, olhando através das portas de vidro para o saguão, esperando e desejando que ela voltasse. Mas quando o recepcionista me lançou o quinto olhar estranho, descolei os pés.

Este foi o fim.

— Adeus, Clara.

A viagem para casa foi um borrão, e quando entrei pela porta para encontrar Holly na sala de estar com um livro no colo, pela primeira vez, a visão não me fez sorrir.

— Ei. — Ela fechou o livro. — Como foi?

— Normal.

— Você quer-

— Eu vou dar uma corrida. — Afastei-me, mas não rápido o suficiente para perder sua expressão assustada.

Continuei andando, desaparecendo no quarto para me trocar. Então eu estava fora da porta, meus pés batendo na calçada com a batida da música em meus fones de ouvido enquanto corria os dois quarteirões até a praia. Quando bati na areia, empurrei com mais força. Mais rápido. A cada passo, eu queria Clara fora de minha mente.

Havia uma mulher em minha casa que me amava. Uma mulher que me fazia rir. Uma mulher de quem cuidei.

Holly não merecia isso de mim. Eu faria melhor.

Amanhã, jurei fazer melhor.

Clara estava voltando para o Arizona e eu iria esquecê-la.

Ou... tentar. Eu tentaria.

Eu me empurrei até que minhas pernas estivessem queimando e meus pulmões estivessem em chamas. O suor escorria pelo meu rosto e sobre meu peito nu. Eu não tinha me incomodado com uma camisa, raramente o fazia.

A cinco quilômetros de casa, parei e desabei na areia, apoiando os antebraços nos joelhos até recuperar o fôlego. Então fiquei sentado ali por horas, observando enquanto a luz do sol desaparecia do céu.

Esta noite. Eu me daria esta noite para lamentar a perda de Clara novamente.

Então amanhã eu a deixaria ir. Para sempre desta vez.

Perdido em minha própria cabeça, eu pulei quando meu telefone tocou, os fones de ouvido de corrida que eu usava ainda travados no lugar. Quando tirei o telefone do bolso do short, esperava ver o nome de Holly na tela.

Mas era um número fora do estado. Um número que memorizei no mesmo momento em que o digitei no início desta noite.

— Oi, — respondi.

— Oi, — disse Clara, em voz baixa. August deve ter adormecido. — Você está ocupado?

— Não. — Meu coração disparou mais rápido agora do que quando eu estava correndo.

— Eu estava pensando sobre o que Holly disse. Sobre quarta-feira.

— Venha comigo. — O apelo em minha voz era inconfundível. — Eu não quero ir sozinho. E eu não quero levar Holly. Ela é a melhor. É só isso...

— Ela não entende.

Eu balancei minha cabeça. — Ninguém faz.

— Ok, — ela sussurrou.

— Ok, você vai?

— Eu irei.

Fechei meus olhos quando uma onda de alívio caiu sobre meu corpo. Ela estava vindo. Esta noite não foi um adeus. — Vou buscá-los por volta das dez amanhã.

O plano era ficar em um hotel amanhã à noite, antes da reunião de quarta-feira. A viagem de volta para Elyria não era longa, mas minha reunião com o desenvolvedor seria às oito. Com o tráfego regular da manhã, não parecia valer a pena o trajeto apressado.

— Estaremos prontos, — disse ela.

Eu respirei. — Boa noite.

— Karson? — ela sussurrou antes que eu pudesse desligar.

— Sim?

O outro lado da linha estava em silêncio, exceto sua respiração.

— Clara?

— Foi real?

Eu fechei meus olhos. — Foi real.

— Já faz muito tempo, e eu me preocupei que talvez você fosse apenas um adolescente e eu apenas uma adolescente e sexo fosse... sexo. Por favor, não se ofenda com isso. Éramos jovens e eu não culparia você, mas-

— Foi real.

Ela ficou quieta novamente.

— Você ainda esta aí?

— Sim. Bons sonhos, Karson.

Então vou sonhar com você. — Boa noite, Clara.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO DOZE

KARSON


— O que fez você mudar de ideia? — Perguntei a Clara. — Sobre vir.

— Ária. — Ela olhou do lado do passageiro enquanto caminhávamos pela rodovia. — Ela me perguntou se eu me arrependeria em dez anos. No começo, eu disse não. Mas isso me incomodou e percebi que preciso desse encerramento.

— Eu posso relacionar. — Eu precisava desse encerramento também.

Com Temecula. Com o ferro-velho.

Com Clara.

A capota estava levantada hoje para proteger o vento e o sol do rosto de August. E o escapamento. A viagem de Elyria a Temecula durava cerca de uma hora, mas se entrarmos no trânsito, pode levar muito mais tempo.

Até agora, a estrada não estava muito cheia, provavelmente porque era o meio da manhã em um dia de semana.

August estava jogando seu Nintendo, algo que deve ser um deleite porque seus olhos se arregalaram quando Clara o entregou a ele. Suspeitei que Gus tivesse ganhado muito mais tempo de videogame nessa viagem, simplesmente para que os adultos pudessem conversar sem interrupção.

— Acho que uma parte de mim quer voltar apenas para me lembrar do quão longe eu vim, — disse ela. — Ou para me lembrar que nunca mais terei que voltar.

— Senti o mesmo quando me mudei para Temecula. Levei semanas para reunir coragem para dirigir até aquele lado da cidade e, quando o fiz, foi à noite. Estacionei fora do portão e apenas olhei para dentro. Disse a mim mesmo que nunca mais teria que sobreviver a esses dias novamente. Então eu entendo.

Ela olhou de novo e sorriu. — Eu sei. Aria me disse que, se houvesse algum tempo para ir, seria com você. Ela não queria que eu fosse sozinha.

— Verdade? É por isso que tenho evitado este encontro. Já era difícil voltar quando Lou estava lá. Desde que ele morreu, só fui uma vez. E isso foi depois que seu advogado me contou sobre seu testamento. Subi, deixei o carro ligado, fui até o portão e coloquei um novo cadeado na corrente. Nem entrei.

— Então, ninguém vai lá há anos?

— Não. — Suspirei. — Eu pago a conta de luz todo mês. É isso.

— Você disse que entrou na cabana dele. Você já olhou no quintal?

Eu me contorci na cadeira, não querendo admitir que isso era uma fraqueza. Que um lugar cheio de carros enferrujados e peças de metal até agora levou a melhor sobre mim. — Não consegui.

— Então iremos juntos.

Foi por isso que eu nunca voltei? Porque eu estava esperando que Clara viesse comigo?

Ela estava linda esta manhã. Seu cabelo loiro estava puxado para trás em uma trança que descia por sua espinha. A blusa creme transparente que ela usava era bordada com flores rendadas. Por baixo, uma camisola de seda agarrada ao seu corpo. Com um par de shorts jeans, ela parecia casual. Confortável. Sexy.

Eu odiei como a última palavra surgiu na minha cabeça com um olhar para suas pernas tonificadas. Eu odiava como ela saiu do saguão do hotel esta manhã e meu coração parou. Eu odiava que o que eu mais queria era pegar a mão dela só para ver se seus dedos ainda se encaixavam entre os meus como quando éramos mais jovens.

Eu me odiava pelos pensamentos que passavam por minha mente.

Quão fodido foi Holly ter sugerido essa viagem? Enquanto ela estava no trabalho hoje, eu estava lutando para manter minha mente longe de Clara.

O bom era que o ferro-velho seria uma distração. O simples fato de pôr os pés em Temecula com certeza seria estranho para Clara novamente. Inferno, ainda era estranho para mim e eu vivi lá quando adulta.

O telefone de Clara tocou na bolsa a seus pés. Ela se abaixou para pegar o telefone e sorriu para a tela. Então ela ergueu para eu ver.

Londyn.

— Quer dizer oi? — ela perguntou.

— Sim.

Clara bateu na tela, ligou o viva-voz, ergueu-o entre nós e me deixou atender.

— Ei, Lonny.

— Oh meu Deus. — Ela engasgou com a minha voz. — Karson?

Meu coração torceu. — Sou eu.

— É você. Eu não posso acreditar. — Sua voz tremeu. — Clara? Você também está aí?

— Estou aqui. — Ela sorriu, deslocando-se para o lado. — Estamos no Cadillac. Karson está nos levando para Temecula.

— Temecula? Achei que você fosse para casa hoje. Eu estava ligando para saber tudo sobre Karson.

— Um pouco de mudança nos planos de férias, — disse Clara. — Primeiro Temecula. Então iremos para casa. Quer que eu ligue para você mais tarde?

— De jeito nenhum. Eu não posso esperar tanto tempo. Tem sido uma tortura nos últimos dois dias. Conte-me tudo sobre Karson.

— Uh... Eu ainda estou aqui, — eu disse.

— Bom, — disse Londyn. — Preencha todos os espaços em branco. E mantenha seus olhos na estrada. Esse carro é quase tão precioso quanto seus passageiros.

Eu ri. — Vejo que você ainda adora mandar em mim.

— Ei, quando você é bom em alguma coisa, por que desistir?

Clara deu uma risadinha. — Ok, o que você quer saber sobre Karson?

— Ele ainda é bonito?

— Sim. — Os olhos de Clara dispararam para o assento, mas percebi o rubor subindo em suas bochechas. — Ele se parece com Karson, simplesmente crescido. Ele tem uma barba curta.

— Uma barba. — Londyn gemeu. — Não. Você também não.

— O que você quer dizer com não eu também? — Perguntei.

— Brooks deixou a dele crescer e eu odeio isso. O que cometi o erro de dizer, então agora ele não vai se barbear. Ele gosta porque quando beija Ellie, isso a faz rir. Mas ele tem um queixo tão sexy que odeio que esteja coberto com todo aquele cabelo.

— Em minha defesa, minha barba geralmente dura apenas um mês, então eu faço a barba. — Eu ri. Ouvi-la falar sobre seu marido e filha fez meu coração inchar. — Você está feliz, Lonny?

— Tão Tão feliz. — O sorriso em sua voz encheu o carro. — Clara, como é a casa dele?

— É linda. É branco com toques quentes. Fica perto da praia. E limpa, obviamente. É de Karson que estamos falando.

Eu soltei uma risada. As meninas sempre me provocavam por ser a mais limpa do ferro-velho. Não que fossem bagunceiras,, mas acho que pensaram que o macho simbólico teria deixado suas coisas espalhadas. Exceto quando você estava vivendo na sujeira, o mínimo que você poderia fazer para cuidar dela era colocá-la de lado.

— Você ficou surpreso? Com o Cadillac? — Perguntou Londyn.

— Você poderia ter me derrubado com uma pena, — respondi. — O que você fez não é nada menos que um milagre. Mas este carro é demais.

— Shhh. Era tanto seu quanto meu.

— Você colocou muito dinheiro nisso. Deixe-me pagar por isso.

— Nunca.

— Londyn-

— Oh, olhe a hora. Tenho que ir. Dirija com cuidado. Clara, me ligue quando chegar em casa.

Clara deu uma risadinha. — Eu irei.

— Foi bom ouvir sua voz, Karson, — disse Londyn. — Espere um telefonema de vez em quando.

— Estou ansioso por isso. E Lonny? Obrigado. Não tenho certeza do que fiz para merecer este carro que estou dirigindo.

— Você era a rocha. — Clara falou por Londyn. — Você era a cola. Você salvou a todas nós quando encontrou aquele ferro-velho.

— E é por isso que quero que você fique com esse carro, — acrescentou Londyn. — Porque se isso te faz sorrir toda vez que você fica atrás do volante, então talvez você se lembre que você me fez - nós - sorrir durante os dias mais difíceis. Você merece uma vida inteira de sorrisos. Portanto, pegue esse carro, dirija-o e seja feliz.

Minha garganta queimava quando Clara encerrou a ligação. Ela enxugou os cantos dos olhos e, como eu esperava, se virou para olhar para o filho.

August ergueu os olhos e sorriu antes de voltar ao jogo.

Ela tirava força dele. Ele a enraizou. Ela o ancorou. Eles confiavam um no outro.

Era uma vez, ela foi uma constante para mim também.

Minha estrela do norte.

— Vou ter que conseguir as informações de contato de todos com você, — eu disse. — Agora que falei com Londyn, gostaria de dizer oi para Gemma, Kat e Aria também.

Ela acenou com a cabeça, seus dedos voando sobre a tela do telefone. — Vou mandar uma mensagem com os números delas.

Clara estava certa sobre dirigir o Cadillac. Era um sonho e cada minuto ao volante me fazia amá-lo ainda mais. O zumbido do motor e o sussurro suave do vento tomaram o lugar de qualquer conversa enquanto os quilômetros desapareciam sob os pneus.

Nem Clara nem eu falamos sobre a pergunta que ela me fez ontem à noite.

Foi real?

Por doze anos ela duvidou da resposta. Foi real?

Clara era tão real quanto as estrelas no céu e a sujeira sob meus pés. Mas aos dezenove anos, eu não tinha percebido o quanto ela quis dizer. Como um amigo. Como amante. O sexo foi incrível. Talvez eu tivesse explodido na minha cabeça porque eu tinha dezenove anos e era um cara e, bem... era sexo. Isso era o que mais me importava naquela idade.

Quando me afastei do ferro-velho, não tinha ideia de que Clara ficaria comigo. Eu acho que pensei que seria como meu rompimento com Londyn. É hora de seguir em frente. Mas Clara sempre foi diferente, não é? Ela sempre esteve lá, como uma versão mais tranquila da minha consciência.

Quando parava para ver um lindo pôr do sol, me perguntava se ela também estava assistindo. Quando eu vendia uma casa, ouvia seus aplausos. Quando chegasse a hora de mudar para uma nova cidade, eu esperava além de toda razão que eu encontraria com ela no supermercado.

Agora aqui estava ela.

Se essa era a ideia do universo de timing irônico, era uma piada de mau gosto.

Porque agora? Quando finalmente decidi deixar o passado para trás. Quando eu finalmente me estabeleci na cidade que planejava morar pelo resto da minha vida. Quando encontrei Holly, a primeira namorada de longa data que tive em mais de uma década.

O tempo sempre parecia estar trabalhando contra Clara e eu.

Quando chegamos aos arredores de Temecula, minhas mãos apertaram o volante. A tensão subiu pela minha espinha, endurecendo meus ombros e braços.

Clara remexeu-se na cadeira. A cada minuto ela mudava, colocando a mão sob uma perna ou girando para olhar em uma direção diferente.

Nossa saída se aproximou e eu respirei fundo, então apertei a seta. Aqui vai.

— Você está bem? — Eu perguntei enquanto saía da rodovia.

— Eu não sei ainda. Pergunte-me mais tarde.

Havia tanta preocupação em seu rosto que nem mesmo os grandes óculos de sol conseguiam disfarçar. Voltar aqui sempre foi difícil, especialmente depois de se mudar. Mas minhas próprias ansiedades desapareceram com o medo em seu rosto.

Eu já estive aqui antes. Eu morei aqui novamente. Esta viagem era para Clara e, como Aria havia dito, ela não deveria fazer isso sozinha.

— Onde você quer ir primeiro? — Perguntei. — Hotel? Ou ferro-velho?

— Você disse que queria verificar o ferro-velho antes da reunião de amanhã.

— Sim, mas não precisamos ir lá imediatamente. Podemos nos instalar primeiro no hotel. Facilitar isso.

Como as pessoas faziam isso todos os dias, entrando e saindo das cidades da Califórnia, não era para mim. A maioria das propriedades que vendi em Elyria eram para pessoas que trabalhavam em uma, às vezes a duas horas de distância.

— Eu acho... — Clara colocou as mãos no colo. — Acho que vamos para o ferro-velho antes que eu me acalme.

— Eu estarei bem aqui com você.

Ela olhou e um pouco da preocupação diminuiu. — Eu sei.

Mirei o carro naquela direção. O hotel que reservei ficava no lado oposto da cidade, próximo aos parques onde costumavam lançar balões de ar quente. Talvez August pudesse ver um hoje ou amanhã.

A energia nervosa de Clara era palpável, crescendo a cada bloco. Talvez August tenha sentido isso também porque parou de jogar.

— Onde estamos indo? — ele perguntou, seus olhos rastreando cada volta minha do volante.

— Para um lugar onde Karson e eu costumávamos visitar. Um lugar que costumávamos visitar quando éramos mais jovens.

— Como crianças?

— Não. — Ela olhou para trás, dando a ele um sorriso suave. — Não como crianças.

Os adultos nos chamariam de crianças. Para August, uma criança provavelmente era alguém de sua idade. E no momento em que fugimos, deixamos de ser crianças.

— É um playground?

— É o ferro-velho.

— Oooh. — Ele assentiu. — Com o material quebrado.

— Com o material quebrado, — ela sussurrou.

Além da preocupação em sua expressão, havia dor. Dor pela perda de seus pais. Dor pela vida que ela e Aria viveram.

Dor por fazer parte disso.

No momento em que puxei para a estrada, Clara colocou os braços em volta da cintura, sentando-se rígida e rígida. Seus olhos dispararam para todos os lados, absorvendo tudo. — Parece diferente.

— O desenvolvedor, — expliquei.

Foram-se as outras casas degradadas nesta estrada deserta. Não há mais cercas para conter cães latindo. Não há mais arbustos crescidos. A rua que havíamos percorrido inúmeras vezes era agora um conjunto de terrenos áridos. Havia uma casa de especificações no meio da construção, a equipe martelando pregos no telhado. Ruas laterais foram adicionadas para separar o terreno em quarteirões.

Uma folha em branco.

E no final, o lugar que chamávamos de lar.

— Eu me perguntei se essa estrada mudaria um dia, — disse Clara. — Houve dias em que desejei que fosse engolido por um terremoto. Outros, quando eu esperava que parecesse exatamente o mesmo, apenas no caso de eu precisar dela novamente.

Eu levantei a mão do volante, querendo pegar a dela, mas me contive e passei a mão pelo meu cabelo.

Então, antes que qualquer um de nós estivesse pronto, estávamos lá.

A grama ao redor da cerca do ferro-velho estava tão espessa e rebelde como sempre. Parecia inalterado desde o dia em que o deixei para trás. Meu batimento cardíaco martelou em meus ouvidos enquanto eu diminuía. Clara estava com a mão na porta, segurando-a com força, como se quisesse mantê-la fechada.

Fiz um retorno rápido para que pudéssemos estacionar no mesmo lado da rua. Então, parei em frente ao portão e estacionei o Cadillac.

Clara olhou pela janela, vendo além da corrente enferrujada e do cadeado a bagunça além.

— Nós-

Ela saiu do carro antes que eu pudesse dizer que não precisávamos entrar.

Fiquei sentado e olhei para trás, para August.

Seus olhos estavam grudados na janela. Para sua mãe. — O que ela está fazendo?

— Apenas olhando.

Clara caminhou até o portão. Ela colocou as mãos no elo da corrente, os dedos espalmados entre os buracos. Ela ficou lá, sua coluna reta. Então ela se afastou, e tão rápido quanto saiu do carro, ela estava de volta nele, balançando a cabeça. — Esta foi uma má idéia. Eu não posso...

— Está bem. Vamos para o hotel.

Seu queixo caiu. — Eu sinto muito.

— Não sinta. Voltaremos amanhã. E se você não quiser, tudo bem também.

Clara acenou com a cabeça enquanto seus ombros se curvaram para frente.

Coloquei as duas mãos no volante, segurando-o para não a segurar, e nos tirei do ferro-velho.

 

— SINTO MUITO POR MAIS CEDO. — Clara colocou os óculos de sol no cabelo e se virou para mim. — Não esperava sentir tanto. Depois de ver, pensei que gostaria de entrar.

— Não precisa se desculpar.

Ela me deu um sorriso triste. — Eu não esperava que doesse tanto. Não ter Lou lá. Não é uma loucura? Nós nem conhecíamos o homem.

— Sim, nós fizemos. Nós sabíamos o que importava.

Lou cuidou de nós da única maneira que foi capaz. Ele nos deu um abrigo. Ele nos deu proteção. E ele nos deu seu segredo. Eu não poderia ter pedido mais do homem.

— Mamãe! Veja este! — August saltou com todas as suas forças da borda da piscina e deu uma volta antes de espirrar na água.

— Estamos nessa fase. O palco me assista. — Clara sorriu e bateu palmas para o filho quando ele apareceu na piscina. — Ele viveria na piscina se pudesse.

— Tudo bem, vou entrar. — Uma hora no calor e eu estava pronto para nadar.

Levantei-me da espreguiçadeira e tirei minha camiseta. Eu joguei fora, olhando para Clara apenas para descobrir que sua atenção estava no meu torso. Meu peito. Meus braços. Meus abdominais. A menos que eu tivesse esquecido como interpretar atração, havia luxúria em seus olhos.

Cristo. Ela não estava facilitando as coisas para mim.

Parecendo ler meus pensamentos, ela desviou os olhos, deixando cair o foco para o colo.

Essa foi a minha deixa para cair na água. Em três longas passadas, estava na beira da piscina. Eu mergulhei, dando um longo chute quando voltei à superfície ao lado de August.

Ele riu, seus braços abertos com suas boias em seus bíceps ajudando a mantê-lo à tona.

— Quer jogar um jogo? — Perguntei.

— OK!

Então passei a próxima hora lançando-o no ar e caindo na água. Ele ria, nós dois ríamos, todas as vezes.

Clara nunca se moveu de sua cadeira. Ela ficou observando. No início, ela fez isso com um sorriso, mas com o passar da tarde, a expressão feliz em seu rosto desapareceu. Ela quase olhava... triste. Por que eu brincar com seu filho a faria parecer miserável?

Finalmente, depois que seus dedos estavam enrugados e o filtro solar que Clara tinha passado nele com certeza tinha saído, ela arrastou o filho para o quarto de hotel para tomar banho e se vestir para o jantar.

Eles tinham uma suíte com alguns quartos. Meu quarto de solteiro estava do outro lado do corredor e nos encontramos no saguão uma hora depois.

Muito parecido com a noite passada no restaurante em Elyria, August roubou o show. Ele me disse todas as coisas que queria no seu próximo aniversário e como ele estava dando uma festa na piscina na casa de Brody e Aria com seis amigos de sua escola. O garoto era um amortecedor excepcional.

Toda vez que eu olhava para Clara, toda vez que meu olhar se demorava na longa linha de seu pescoço ou no belo formato de suas orelhas, August exigia minha atenção.

Abençoe aquele garoto.

E foda-se minha vida.

Quando o jantar terminou e voltamos para o hotel, eu estava tenso, pronto para dizer boa noite e cair na calçada para outra corrida violenta.

— Temecula é legal, — Clara disse quando chegamos ao saguão do hotel.

— Huh? — Eu estive muito ocupado olhando para a bunda dela naqueles malditos shorts porque eu era um idiota. Um completo idiota filho da puta.

— A cidade. É boa, — disse ela enquanto August apertava o botão para chamar o elevador. — Você fica longe dos bairros ruins onde crescemos e, na verdade, é meio charmoso com as vinícolas da Cidade Velha e balões de ar quente.

Tínhamos visto três balões ao longo do dia e cada um deles tinha apaixonado Gus.

— Em outra vida, eu teria ficado aqui, — disse eu. — É uma cidade bonita. — Mas a história contaminou até mesmo os melhores lugares.

— O que te fez sair? Você disse que sempre se lembrava de Elyria. Foi por isso que você se mudou?

— Não. Saí porque não precisava mais ficar.

— Precisava?

Eu dei a ela um sorriso triste quando entramos no elevador. — Para minha mãe.

— Oh.

— Essa é outra discussão. — Eu balancei a cabeça para Gus. Ele não precisava ouvir os detalhes sangrentos sobre o fim da vida de minha mãe.

O elevador nos levou ao quarto andar e todos paramos no corredor do lado de fora de nossos quartos. Clara abriu a porta, deixando August entrar. — Obrigada pelo jantar. E por sua paciência hoje.

— Você quer ir comigo amanhã? Nenhum julgamento se você não fizer.

— Sim. — Ela parecia mais estável agora, como se tivesse vencido seus medos. — Eu gostaria de ir amanhã.

— OK. Encontro você no saguão por volta das sete.

— Perfeito. Boa noite, Karson. — Ela se virou para desaparecer em seu quarto, mas a curiosidade de mais cedo na piscina voltou correndo e eu disparei um braço, escovando meus dedos ao longo de seu cotovelo.

O arrepio percorrendo seu corpo era visível.

O fogo correndo através do meu não era.

— Por que não deu certo com o pai de August?

Os olhos de Clara se fecharam. Seu queixo caiu. Pela segunda vez, empurrei esse assunto. Quando eu aprenderia a esquecer?

— Desculpe. Vou deixar pra lá. Boa noite, Clara. — Tirei a chave do bolso e destranquei a porta. Foi só depois que eu dei um passo para dentro que ela sussurrou meu nome. Quando me virei, ela tinha lágrimas naqueles lindos olhos castanhos.

— Ele não era você.

Uma frase e ela me destruiu. Então ela correu para seu quarto, deixando-me com a resposta que eu queria ouvir.

E a resposta eu tinha que esquecer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


CAPÍTULO TREZE

KARSON


— Sei que não entendo realmente como era para você naquela época, mas só queria dizer que estou aqui se precisar conversar, — disse Holly.

Porque ela era uma boa mulher. E eu não a merecia.

— Obrigado, querida.

— Me ligue mais tarde? Depois da sua reunião?

— Sim.

— Você vai voltar para casa esta noite?

Olhei para Clara e August, parados ao lado do Cadillac. — Não sei. Eu estava pensando em ficar mais uma noite, sair e depois levá-los para o aeroporto.

— Você deve fazer isso. Passe algum tempo com eles. Relaxe. Você tem trabalhado tanto. E não sabemos quando você os verá novamente.

Se ela soubesse o que estava sugerindo.

Mas não poderia ir para casa. Ainda não. Não depois da confissão de Clara na noite anterior. Hoje era provavelmente minha última chance de obter algumas respostas, e eu não poderia deixá-la ir, deixando-me pensando pelo resto da minha vida.

— Eu te aviso, — eu disse.

— OK. Eu amo você. — Holly vinha dizendo eu te amo há meses.

Eu não dizia isso de volta.

Talvez porque eu precisasse desse encerramento com Clara. Se eu quisesse seguir em frente, teria que deixar essa parte da minha vida ir.

— Tenha um bom dia no trabalho. Tchau.

— Tchau. — Havia um toque de mágoa em sua voz. Suspeitei que ela disfarçasse com um sorriso, como normalmente fazia sempre que eu não retribuía essas três palavras.

Passei a mão pelo cabelo e pelo queixo barbudo, em seguida, empurrei meu telefone para longe e fui para o carro.

— Era Holly? — Clara perguntou.

Eu concordei. — Ela só queria fazer o check-in.

— Ela é muito boa.

— Sim, ela é.

Eu tinha uma ótima namorada. E por causa disso, minha alma parecia que estava sendo dividida em duas. Mas agora não era hora de lidar com isso. Primeiro, tínhamos um trabalho a fazer.

— Tudo bom? — Fiz um gesto em direção ao quintal.

— Estou pronta. — Clara acenou com a cabeça e me seguiu até o portão.

O ar estava fresco esta manhã quando destranquei a pesada corrente. Uma brisa levou o cheiro de metal enferrujado ao meu nariz enquanto eu empurrava o portão aberto o suficiente para entrar.

Clara o seguia de perto, com August a reboque. Seus ombros estavam retos. Havia determinação em seu olhar - os medos de ontem não iriam pará-la.

— Isto é um ferro-velho? — August soltou a mão dela e caminhou à nossa frente, girando em um círculo para absorver tudo. Em seguida, encolheu os ombros. — Está sujo.

Eu ri. Deixe para Gus quebrar o gelo.

— Uau. Olhe para isso. — Clara passou por nós, indo em direção ao lado da cabana de Lou. Seu foco estava nas videiras verdes rastejando ao longo da parede externa. — Eu não percebi ontem.

As raízes da planta provinham de um balde preto de cinco galões. Um balde que ajudei Aria a encher de terra anos atrás. Seja qual for a videira que ela plantou, não apenas sobreviveu aos cuidados de Lou, mas estava crescendo selvagem. A parede oposta de sua cabana estava quase coberta.

As plantas estavam aqui quando visitei Lou, mas nos últimos dois anos, elas ganharam vida própria. Com Clara passando a ponta do dedo sobre uma folha, era uma beleza em meio ao caos.

— Eu serei amaldiçoado.

— Moedas. — August marchou até mim, estendendo a mão.

Tirando uma nota de um dólar do bolso, coloquei-a na palma da mão. Ontem ele ganhou outra de mim. Eu não percebi o quanto eu xingava até que houvesse uma criança para coletar sobre cada palavrão.

— Aria vai pirar. — Clara tirou o telefone do bolso e tirou uma série de fotos. Então ela estendeu a mão para August. — Sua tia Aria plantou isso há muito, muito tempo.

— Ela é uma boa plantadora.

— Sim, ela absolutamente é. — Clara deu uma risadinha, e com aquele som musical, eu fui explodido doze, quase treze anos atrás, quando viver neste ferro-velho tinha sido difícil. Mas, caramba, também tinha sido bom.

Qualquer tensão que eu senti esta manhã, depois de outra noite sem dormir, derreteu. Poderíamos fazer isso hoje porque estávamos juntos.

Eu poderia fazer isso hoje porque Clara estava aqui.

— Devemos? — Eu empurrei meu queixo em direção ao nosso fim do ferro-velho.

Ela acenou com a cabeça, dando um sorriso a August, e então nós três seguimos por um caminho que já foi tão familiar quanto andar pelo corredor em minha própria casa. Lá estava a grande pilha de velhos capuzes pela qual passamos primeiro. Em seguida, uma linha de blocos de motor que Lou organizou por tamanho. Depois, duas pilhas de pneus, três caminhões enferrujados para dar a volta e depois...

— Ainda está lá, — Clara sussurrou.

A tenda que Gemma havia construído estava quase inalterada.

A lona que funcionava como a porta da frente estava empapada na sujeira, empoeirada e emaranhada por anos de resistência aos elementos. Mas as paredes estavam intactas. As folhas de metal e o telhado de lona ainda estavam juntos e sólidos.

— Uau. — Clara me surpreendeu, assumindo a liderança e correndo para a porta.

— O que há aí? — August perguntou, correndo em torno dela.

Sua curiosidade iluminou o clima. Ele o viu como uma criança, como um forte e uma aventura. Ele viu pelo que tínhamos visto antes.

Clara estava logo atrás dele quando ele enfiou a cabeça pela porta. Ela cutucou seu ombro e os dois se abaixaram para entrar. Eu me agachei e me juntei a eles, caindo de joelhos para dar uma olhada ao redor.

O ar estava poluído e cheirava a terra. A sala comum era a mesma. As pinturas que Katherine havia feito em seu quarto estavam lá, quase tão perfeitas quanto antes porque as paredes as protegiam da chuva.

Clara tirou uma foto deles também. — Não sei se ela vai querer vê-los, mas só para garantir.

Ela não tirou uma foto do quarto de Gemma - o espaço que eu tirei depois que as meninas partiram para Montana. O quarto onde Clara tinha sido minha. Ela nem olhou para lá. Ela também não olhou para mim.

Ela estava pensando nessas noites preciosas? Ela estava se lembrando? Eles estavam tão frescos em minha mente como ontem. A suavidade de seus lábios. O doce aroma de seu cabelo. O toque delicado de suas mãos.

Não. Pare, droga. Pare de se lembrar. Eu me levantei e fui para fora, sacudindo o passado para longe. Essas merdas de memórias estavam me matando.

Assim como as palavras que ela me disse ontem à noite no corredor.

Não tínhamos conversado sobre isso esta manhã. Tínhamos conversado educadamente durante o café da manhã, ambos contando com August para levar a conversa. Então nós dirigimos até aqui em silêncio, e eu me afastei para atender um telefonema de Holly.

— Agora, onde? — August perguntou, saindo da tenda.

Clara não respondeu ao filho. Ela apenas saiu pelo caminho estreito até onde o Cadillac uma vez descansou.

O buraco onde estava era perceptível. Outras partes e peças foram colocadas de lado, provavelmente para dar espaço para a tripulação retirá-lo dali.

Eu estudei a expressão de Clara enquanto ela olhava para o espaço. Eu daria qualquer coisa para saber o que ela estava pensando. Para saber se ela estava imaginando dois adolescentes olhando para as estrelas.

Ela não me deu nenhuma visão antes de continuar o caminho, seus passos graciosos contrastando fortemente com os destroços ao nosso redor. Clara sempre foi muito boa para este lugar, mas hoje, ela se destacou especialmente. Talvez fosse o vestido branco que ela usava. Ou as flores coloridas bordadas na frente que iam do pescoço até a bainha que chegava ao meio da coxa.

Ela sempre vestiu branco? Desde que ela veio aqui, eu só a tinha visto em cores claras.

Fiquei atrás dela e de August enquanto eles desciam o caminho. Eu sabia exatamente para onde ela estava indo, e não queria que ela se sentisse apressada porque eu a estava pressionando.

Engraçado como eu precisava que ela entrasse neste lugar. Mas agora que ela estava aqui, ela realmente não precisava de mim. Não quando ela teve August.

Eu nunca tinha visto uma dupla mãe e filho como a deles. Talvez fosse porque ela era sua única mãe - presumi que ela fosse sua única mãe - mas eles tinham esse vínculo. Era como um barbante amarrado entre eles, visível se você olhasse com atenção.

Quando os alcancei, Clara estava parada na parte de trás da van de entrega, olhando para a porta fechada.

August havia saído do lado dela e estava curvado sobre a lata enferrujada que Aria costumava usar para regar suas plantas.

— Quer que eu abra? — Perguntei.

Ela respirou fundo, balançando a cabeça enquanto soltava o ar. — Sim.

A trava estava enferrujada e rígida, mas depois de um puxão forte, ela se soltou. O raspar de metal contra metal ecoou pelo quintal junto com um guincho ensurdecedor quando eu levantei a porta.

Eu pulei na parte de trás, examinando o espaço. Então estendi a mão para ajudar Clara a subir, para que ela não sujasse o vestido.

Ela não soltou minha mão enquanto olhava ao redor. Seu aperto aumentou quando viu os destroços de livros velhos e cobertores empurrados contra a parede oposta.

Um animal entrou aqui em um ponto e transformou as páginas e panos em pedaços. Uma cama própria.

Clara se abaixou, pegando algo do chão. O marcador de apagamento a seco. O que elas usaram para sua contagem regressiva na parede. Ela o ergueu, inspecionando-o por um momento, depois o jogou na bagunça. — É pequeno.

— Tudo parece pequeno.

Um lugar que antes parecia tão vasto, como um continente próprio, fora reduzido a seus três acres com o tempo, a idade e a realidade.

— Não vou tirar uma foto disso. — Ela se virou, soltou a mão e estava no chão antes que eu pudesse piscar.

Dei uma última olhada, desejando que não tivesse sido assim por causa de Clara, e deixei para trás, sem me preocupar em fechar a porta. Então corri para pegá-los no caminho para a loja, já que estava com as chaves.

Entrando primeiro, eu acendi as luzes. — Estou surpreso com tantos trabalhos.

O cheiro de gasolina e óleo era forte depois de anos sentado. Não tinha ideia se o equipamento funcionaria, mas deixaria outra pessoa cuidar disso.

Eu verifiquei meu relógio. Eram quase oito horas. — É melhor eu ir na frente para encontrar o desenvolvedor.

— Nós iremos com você. — Clara se afastou da loja e todos nós caminhamos em direção à porta da frente de Lou. — Você decidiu o que fazer com isso?

— Vender. — Agora que vim aqui e o vi de novo, não havia razão para ficar com um velho ferro-velho. — Eu gostaria de passar pela cabana de Lou. Certificar-me de que não há nada dentro para guardar. Mas não há nada para mim aqui.

— Não exatamente. — Clara olhou para mim com um sorriso triste. — Havia algo aqui. Acho que é por isso que Lou deixou isso para você. Porque ele sabia que você precisava vir aqui e ser o único a colocá-lo para descansar.

Quase tropecei nos meus próprios pés. — Como você faz isso?

— Fazer o que?

— Dizer o que estou sentindo, mas ainda não descobri como articular.

Seus olhos suavizaram. — Estou feliz por termos vindo aqui.

— Eu também.

Viramos a esquina no momento em que um grande caminhão branco parou atrás do Cadillac. Um homem em um belo par de jeans e uma camisa de botão saltou para fora, levantando uma mão para acenar enquanto segurava um caderno na outra.

— Você se importaria se eu fosse para o Lou's? — Clara perguntou.

— De jeito nenhum. — Entreguei a ela as chaves e pisquei para August antes de apertar a mão do desenvolvedor.

Passei os próximos trinta minutos levando-o para um passeio pelo ferro-velho. Ele me contou sobre seus planos para o bairro e o parque que ele acrescentaria a esse pedaço de terra. Talvez não fosse acontecer, mas gostei da ideia de ser um lugar para as crianças brincarem. Um lugar seguro para as gerações futuras, como tinha sido para mim.

— Há muito aqui, — eu disse a ele enquanto caminhávamos de volta para sua caminhonete. — Eu não tenho tempo ou energia para peneirar tudo. Então, vou vender para você, como está.

— Quanto?

— Faça-me uma oferta justa com base na avaliação do terreno.

Ele assentiu. — Vou pedir ao meu corretor de imóveis que desenhe hoje.

— Excelente. — Eu apertei sua mão mais uma vez, esperei até que ele fosse embora e então me dirigi para a cabana.

August estava sentado na mesma mesa em que eu me sentei uma vez com Lou. Ele parecia entediado com a cabeça erguida com uma das mãos. Quando ele me viu, ele se endireitou. — Podemos ir agora?

— Em breve, — eu prometi. — Onde está sua mãe?

— aqui, — Clara chamou.

Eu a encontrei no que tinha sido o escritório de Lou. Ou biblioteca. Ou sala de acumulação de sala de acumulação de notebook. — Hum... Uau.

Havia cadernos em espiral empilhados contra as paredes em colunas altas. Alguns quase tão altos quanto eu. Três estantes contra a parede estavam tão sobrecarregadas com livros e pastas que as prateleiras cederam no meio sob o peso.

— O que há nisso? — Deslizei um caderno do topo de uma pilha e abri na primeira página. Era uma série de números no lado esquerdo com um esboço da grade de um carro ocupando o centro. Ele tinha a marca, o modelo e o ano do carro ao qual teria pertencido. No fundo havia um local. Zona 4.

— Acho que ele catalogou todo este lugar. — Clara tinha alguns cadernos abertos na mesa de Lou, folheando-os. Página após página era mais do mesmo. — Aposto que ele sabia o que e onde cada peça estava. Esses eram seus tesouros.

Eu balancei minha cabeça, incapaz de acreditar em tudo o que estava vendo. Lou deve ter passado anos aqui, detalhando cada recado e cada parte desta propriedade. Coloquei o caderno de volta na pilha e saí do escritório, vagando mais fundo na cabana. O quarto de Lou ficava na parte de trás do prédio e, ao contrário do resto da casa, não estava bagunçado.

Tudo estava coberto de poeira, mas o vazio da sala era totalmente chocante.

Uma cama estava no centro do espaço, empurrada contra a parede oposta. Em cada lado havia duas mesinhas de cabeceira. Um segurava uma caixa. A outra, uma fotografia emoldurada. A imagem me atraiu e eu contornei a cama para olhar mais de perto.

Era de Lou, mal reconhecível como um homem mais jovem, sentado com uma mulher usando um vestido de bolinhas amarelo. A esposa dele. Ele tinha um sorriso no rosto. Ele parecia feliz. Ele era um homem diferente.

Em uma vida diferente.

— Quando ele a perdeu, ele perdeu o caminho. — Clara se aproximou de mim e estava espiando por cima do meu ombro. Com um sorriso triste, ela foi para a outra mesa de cabeceira, passando a ponta dos dedos sobre a caixa empoeirada. Então ela abriu o fecho para levantar a tampa e engasgou com o que quer que estivesse dentro. — Karson.

— O que? — Virei a cama para o lado dela, a fotografia de Lou e sua esposa ainda em minhas mãos. Não havia muito o que economizar aqui, mas esta foto definitivamente estava voltando para casa.

— É uma carta. Para você. — Ela o ergueu, então estreitou seu olhar para o que quer que estivesse na caixa. — Espere. Há mais.

Ela puxou uma pilha de cartas, examinando-as. Cada uma tinha um de nossos nomes no topo. Seis cartas para as seis crianças que viveram aqui. Havia mais na caixa, mas meu foco estava no roteiro limpo e arrumado de Lou e nos envelopes nas mãos de Clara.

— Oh meu Deus. — Ela vasculhou a pilha novamente.

— Eu não posso acreditar.

Ela assentiu. — Ele até soletrou o nome de Londyn corretamente. Com um y. Eu não sabia que ele realmente sabia nossos nomes.

Pisquei, incapaz de processar o que estava vendo.

— Ele os deixou para você encontrar, — disse ela. — Ele colocou todas as suas coisas nos outros quartos, mas este estava limpo porque ele queria que você visse esta caixa e aquela foto.

Lou. Eu gostaria de tê-lo conhecido melhor. Desejei ter voltado antes que ele morresse. — Ele percebeu mais do que deixou transparecer, não foi?

— Acho que ele percebeu tudo.

Eu desviei meus olhos das cartas e encontrei o olhar de Clara. Estávamos perto. Muito perto. Meu peito roçou seu braço. Seu cabelo, comprido, caído entre nós e as pontas faziam cócegas em meus antebraços.

Deus, ela era linda. Seu terno coração. Sua força inabalável. Eu a encharquei, me dando um momento para nadar naqueles olhos chocolate.

Minha mão se ergueu, meus dedos desesperados para traçar a linha suave de sua mandíbula, quando pequenos pés bateram em nossas costas.

— Mamãe!

Ela estremeceu, baixando o olhar. Então ela se afastou, o mais longe que pôde, em direção à mesa de cabeceira e pigarreou. — Aqui.

— Podemos ir agora? — August implorou.

— Sim. — Eu dei um passo para longe de sua mãe. — É melhor irmos.

É melhor eles irem.

Pela primeira vez desde que Clara me surpreendeu com o Cadillac, eu estava pronto para mandá-la de volta para o Arizona.

Talvez se ela estivesse a oitocentos quilômetros de distância, eu realmente seria capaz de resistir a ela.

 

 


CAPÍTULO QUATORZE

KARSON


— Como você se sente? — Clara perguntou enquanto dirigíamos para longe do ferro-velho.

— Mais leve. Você?

— Livre.

Livre. Não exatamente. Mas quase.

Eu não estaria livre até que pudesse deixar Clara ir.

Mas, por enquanto, eu estava contente.

Baixamos a capota para tomar um pouco de ar fresco. Eu respirei fundo, prendendo-o em meus pulmões. No fundo da minha mente, ouvi o clique de uma porta. A virada de uma página.

Um capítulo havia terminado e era hora de seguir em frente.

August estava sentado, brincando com alguns anéis de metal que encontrou no Lou's e pediu para ficar com ele. Ao lado dele estava a caixa que continha as cartas de Lou e todos os itens que ele guardou embaixo.

Clara e eu não passamos muito tempo olhando através deles. Gus estava impaciente para sair de lá e, como havia sido um policial durante toda a manhã, trancamos tudo e partimos.

— Acha que você vai voltar aqui em vinte anos? — Clara perguntou enquanto descíamos a estrada e colocamos o ferro-velho no retrovisor. — Ver como é?

— Pode ser. Vocês?

Ela balançou a cabeça. — Provavelmente não. Estou feliz por ver isso de novo. Eu sinto que a porta está fechada agora.

— Eu estava pensando a mesma coisa.

— É um bom lembrete de quão longe chegamos e porque estou trabalhando tanto para garantir que August nunca tenha esse tipo de vida.

— Você é uma boa mãe, Clara.

— Esse é o melhor elogio que você já me deu.

— Sempre? E quando eu disse que você era a garota mais bonita do universo?

— Isso foi porque era você flertando sem vergonha.

— Contigo?

— Sempre, — dissemos em uníssono.

Clara fechou os olhos, franzindo o nariz.

Eu me encolhi.

De volta ao estranho então. Porque eu não conseguia me ajudar.

Por que eu não poderia simplesmente vê-la como minha amiga? Completamente platônico. Porque? A resposta estava enterrada profundamente e, no momento, eu não iria reconhecê-la. Eu não pude reconhecer isso.

A viagem para o ferro-velho tinha sido outra distração para empurrar tudo para longe, mas agora que a reunião havia acabado, a culpa persistente voltou correndo.

— Desculpe. — Passei a palma da mão no queixo.

Talvez fosse hora de fazer a barba. Holly odiaria. Ela amava a barba. Clara? Não importa, idiota. Ela não é sua namorada.

— É melhor eu ir abastecer, — eu disse, precisando de uma tarefa e um momento para me recompor. Estávamos no meio da cidade e parei na próxima estação. Quando parei ao lado da bomba, saí e fiquei lá fora, pairando ao lado do tanque, deixando o som do bocal bloquear a conversa abafada de Clara com Gus.

Mais uma noite.

Eu nadaria com August esta tarde. Teríamos um bom jantar. Aí amanhã eu levaria Clara ao aeroporto e deixaria isso para trás. Para o bem.

Holly merecia coisa melhor.

E porra, Clara também. Ela precisava encontrar um homem que fosse livre.

O tanque estava quase cheio quando uma porta se abriu e Clara saiu do Cadillac com a carteira na mão. — August ganhou um presente por ser tão bom esta manhã. Quer alguma coisa?

— Nah. Obrigado.

Ela me deu um pequeno sorriso e se virou, mas em vez de andar pelo estacionamento, ela congelou. Seu corpo inteiro se transformou em pedra.

— Clara.

Ela não respondeu. Em vez disso, ela olhou para a loja de conveniência onde um homem mais velho tinha acabado de sair com um saco plástico na mão.

Abandonando a bomba de gasolina, contornei o porta-malas e fui para o lado dela. — Ei. O que está errado?

Ela engoliu em seco e acenou com a cabeça para o homem. — Esse é ele.

O homem tinha cabelos castanhos ralos e uma palidez manchada no rosto. Ele tirou um cigarro do bolso e o colocou entre os lábios. Seu corpo era magro sob a camisa, os ossos dos ombros tentando cortar o algodão.

Quando ele olhou em nossa direção e aqueles olhos redondos se estreitaram em Clara, o corpo dela estremeceu.

— Seu tio, — eu adivinhei.

Eu não tinha visto o cara antes, não que eu precisasse. Não havia uma pessoa na terra que provavelmente recebesse essa reação de Clara. E Gemma o vira uma vez, há muito tempo, e a maneira como ela o descreveu combinava perfeitamente com esse homem. Um idiota total. Isso não mudou.

E a raiva que eu sentia por aquele homem também não havia diminuído.

Meus punhos cerraram-se ao lado do corpo. Quando Clara me contou sobre seu tio, eu queria matar o bastardo. A raiva ainda estava lá, um inferno agitando-se em minhas veias. Faminto por uma vítima.

Dei um passo à frente, pronto para me aproximar e fazer aquele filho da puta pagar por tudo o que ele tinha feito a eles, mas antes que eu pudesse dar o segundo passo, a mão de Clara deslizou na minha.

Ela a agarrou, não me segurando, apenas me segurando.

Seu olhar ainda estava colado nele enquanto ele olhava para trás. Ela manteve os ombros retos, o queixo erguido. Ela não se encolheu. E o olhar que ela enviou a ele era nada menos que assassino.

Uma onda de orgulho misturada com minha raiva. Bom para ela. Droga, mas ela era forte.

Demorou um pouco, mas ele a reconheceu. Seu corpo ossudo ficou tenso. Ele deu a ela um olhar de soslaio, e então ele se foi, correndo para seu Honda Civic modelo dos anos 90, os pneus cantando enquanto ele corria para fora do estacionamento da estação.

E Clara apenas se segurou, olhando para o local onde ele estivera.

— Ele tentou, mas não nos arruinou, — ela sussurrou.

— Não, ele não fez isso.

— Ele sabia quem eu era.

— Sim ele sabia.

— Tínhamos medo dele quando crianças. Sabíamos que estava errado, mas não sabíamos como consertá-lo. Devíamos tê-lo denunciado.

— Você ainda pode. Você tem o poder aqui, Clara.

Sua cabeça se inclinou para o lado. — Você está certo. Nós deveríamos ter. Eu não entendia isso quando era criança, mas não somos mais aquelas garotas assustadas. E nós o temos ignorado, enterrado. Ele merece pagar. Para ser registrado como agressor sexual, pelo menos. Quando chegarmos em casa, vou falar com Aria. Faremos o que pudermos e nunca mais pensaremos nele.

— Bom para você.

— Obrigada, — ela sussurrou. Então ela fechou os olhos e, finalmente, seus ombros cederam. — Eu realmente esperava que ele estivesse morto.

— Eu também. — Sem hesitar, eu a girei em minha direção e a puxei para um abraço, envolvendo-a em meus braços e sentindo sua bochecha pressionar contra meu coração.

Clara me envolveu com as mãos e, com a mesma força que eu a segurei, ela se agarrou a mim.

— Sinto muito, — eu disse em seu cabelo.

— Eles deveriam ter feito um plano melhor. Meus pais. Eles nos decepcionaram.

Eu fiquei quieto. Meu ódio era dirigido a seu tio, mas também havia ressentimento por seus pais. Ressentimento que eu não tinha entendido quando era adolescente. Sua mãe e seu pai haviam decepcionado suas filhas por não terem um plano melhor para o caso de suas mortes.

Clara e Aria nunca deveriam ter sido dadas ao tio.

— O que eu posso fazer? — Perguntei.

— Você está fazendo isso. — Ela relaxou, dando-me seu peso.

O cheiro de laranja e baunilha encheu meu nariz enquanto eu descansei meu queixo em sua cabeça. Tê-la em meus braços parecia tão familiar. Então... certo.

Eu deveria deixá-la ir. Deixe-a ir.

Eu não me mexi.

— Você ainda dá um abraço de adeus a todos? — Perguntei.

— Sim.

— Então por que não eu? — Eu me lembrava disso claramente de nosso tempo no ferro-velho. Seja na cidade, quando ela iria para um lado e eu para o outro, ou mesmo quando ela me pegasse no ferro-velho antes de eu sair. Cada despedida vinha com um abraço. A maioria dos olás também.

Até agora. Na noite anterior, não houve nenhum abraço.

Nenhuma vez desde que ela veio para Elyria ela me tocou.

Clara afrouxou seu aperto sobre mim e deslizou seus braços livres. Então, muito cedo, ela se foi e havia um abismo entre nós.

Eu fiz a pergunta.

Mas ela não respondeu.

Nós dois sabíamos que a resposta só pioraria as coisas.

— É melhor eu pegar o deleite para August. — Ela apontou para a loja, mas o vinco entre as sobrancelhas me disse que ela não queria entrar.

— O que ele quer? Eu vou pegar.

Ela abriu a carteira, mas eu acenei. — Eu consigo. Vou buscar água também.

— Skittles ou Swedish Fish ou Starbursts ou Twizzlers. Ele adora doces de frutas.

— Entendi. — Então eu fui embora.

Foda-se. Talvez devêssemos nos despedir esta noite e eu deveria ir para casa. Essa seria a coisa mais inteligente a se fazer. Chame isso e pronto.

Em vez disso, comprei os doces de August e o ouvi me contar sobre quais combinações de cores de Skittles eram as melhores enquanto íamos para o hotel. Em seguida, fomos nadar por algumas horas enquanto Clara olhava de uma espreguiçadeira.

A diversão durante o jantar foi mais uma vez proporcionada pelo menino de cinco anos e, quando voltamos para o hotel, tive a sensação de que não o veria novamente. Em apenas alguns dias, August deixou uma impressão duradoura.

Eu perderia jantares sem um fluxo ininterrupto de fatos interessantes que ele aprendeu na escola. Eu sentiria falta da emoção que parecia derramar de cada palavra.

Mas se eu não conseguia controlar esses sentimentos em relação a Clara, precisava cortar o contato. Eu fiz isso por doze anos, então o que era uma vida inteira a mais?

Sem Clara significava sem Gus. Eu perderia vê-lo como um adolescente. Um jovem homem. Um adulto. Senti uma pontada no peito quando ele apertou o botão do elevador. Eu não conseguia desviar meus olhos de seu sorriso e de suas pequenas mãos e das leves ondas em seu cabelo loiro escuro.

Era por isso que Clara estava sempre olhando para ele? Porque ela sabia o quão rápido ele mudaria?

Minha garganta estava seca quando entramos no elevador e subimos para o nosso andar. Enquanto Gus corria pelo corredor em direção à sala, meus passos se arrastaram como se eu estivesse usando sapatos cheios de chumbo.

Os passos de Clara pareciam ainda mais curtos e pesados que os meus.

Isso era um adeus. Havia a ida para o aeroporto pela manhã, mas que estaria recheada de logística, bagagens e uma despedida apressada.

— Podemos alugar um filme? — August perguntou, parado ao lado da porta.

— Certo. — Clara acenou com a cabeça.

— Quer assistir com a gente? — ele perguntou-me.

Abri a boca para decepcioná-lo com delicadeza, mas então Clara respondeu por mim. — Sim. Assista conosco.

— OK. — Imprudente, mas esse foi meu traço definidor esta semana.

Então entramos no quarto dela, nós três nos acomodando no sofá da sala comum de sua suíte, com August no meio, e alugamos um filme.

Gus adormeceu na metade do desenho musical.

— Isso é mais empolgante do que ele está acostumado, — Clara disse, abaixando o volume da TV.

— Ele é um garoto tão bom. Talvez o melhor que já conheci.

Ela sorriu para ele quando ele caiu para o lado dela. — Ele é muito fantástico, não é?

— Eu tenho que te dizer uma coisa, — eu disse. — Provavelmente deveria ter admitido antes.

— O que?

— Eu pesquisei você no Facebook.

Seus olhos se arregalaram. — Você fez? Quando?

— Há cerca de seis anos. Eu estava curioso. A tentação levou a melhor sobre mim e queria saber se você estava bem. Você não postou muito, mas algumas fotos. Eu vi uma de você e ele juntos. Você parecia feliz. Apaixonada. Era difícil de ver.

Então, eu não a procurei novamente. Clara ou Londyn ou Gemma ou Katherine. Eu tomei isso como um sinal para seguir em frente. Mais fácil falar do que fazer.

— Suponho que o cara era o pai de Gus. O que aconteceu?

Ela suspirou. — Sobre o que eu disse ontem à noite. Eu sinto muito. Eu não deveria. Eu sei que isso o colocou em uma posição desconfortável com Holly e... Eu sinto muito.

— Está bem. — Se ela soubesse o verdadeiro motivo pelo qual eu estava desconfortável não tinha nada a ver com suas palavras, mas as palavras que eu queria dizer de volta.

— Eu conheci Devan em Las Vegas. — Ela olhou para a TV enquanto falava. — Eu morava lá há anos e o trabalho era principalmente minha vida. Era raro eu fazer algo emocionante, mas em um fim de semana alguns amigos me arrastaram para uma boate. Foi onde o conheci.

Verde rastejou sob minha pele, mas fiquei sem expressão, ouvindo. — Quanto tempo vocês ficaram juntos?

— Cerca de um ano. Eu deveria ter terminado muito antes disso. Mas Devan tinha seus momentos em que era maravilhoso, engraçado e amoroso. As fotos que você viu provavelmente eram dessa época. Mas quanto mais ficamos juntos, mais eu percebi que aqueles bons momentos eram apenas porque ele sabia que eu estava prestes a terminar. Então ele me encantaria, e eu cairia nessa. Eu esqueceria que ele era um narcisista, e eu era apenas uma bela decoração em um mundo que girava em torno dele.

Como alguém na presença de Clara poderia não querer cair em sua órbita? Esse cara Devan devia ser cego.

— Eu engravidei. Obviamente. Não foi planejado, mas ele me acusou de fazer de propósito, embora eu estivesse tomando controle de natalidade.

— Mesmo?

Ela encolheu os ombros. — Um bebê significava que Devan não seria o centro das atenções. Até hoje, não sei se ele alguma vez acreditou que foi um acidente. Nós brigaríamos por isso. Eu diria a ele que terminamos. Ele se desculparia e ficaríamos bem por uma semana. Até que não estávamos. Era um ciclo doentio e doentio, mas eu não queria deixá-lo ir. Não por mim, mas por August. Eu tinha certeza que se eu pudesse apenas fazer Devan passar pela gravidez, ele conheceria nosso filho e perceberia que o amor não era uma competição. Que havia o suficiente para ele e um bebê.

— Ele fez?

— Não. — Ela desviou os olhos da parede, deixando-os cair para August. — No meu terceiro trimestre, ele já tinha feito o check-out. Suspeitei que ele já tivesse encontrado outra mulher que o adoraria. Eu era uma reflexão tardia até então. Quando August era um recém-nascido, eu disse a ele que tínhamos acabado. Ele não discutiu.

— Ele esteve envolvido de alguma forma?

— Não. Devan nunca mudaria. Ele nunca seria um bom pai. Eu não queria deixar August passar por qualquer decepção quando Devan fizesse uma promessa que ele não poderia cumprir. Então eu dei a ele uma saída. Eu não pediria nenhum dinheiro ou apoio se ele cedesse todos os seus direitos parentais. Pergunte-me se ele resistiu.

Claro que não, o idiota filho da puta. — Lamento que você tenha passado por tudo isso sozinha.

— Não sinta. Eu tinha Aria. E Brody. Não muito depois disso, Brody me disse que estava se mudando para Welcome, Arizona, e perguntou se eu queria ir junto. Uma nova cidade. Um novo começo. Foi um alívio.

Brody sempre planejou oferecer a Clara a oportunidade no Arizona? Ou ele se ofereceu após a briga com Devan? Tive a sensação de que não era o único homem que fez o que pôde para protegê-la.

Apesar de tudo, Clara e Aria eram bons aliados para ter ao seu lado. Brody era um homem de sorte por ter as duas.

Clara soltou um longo suspiro. — Depois que terminei com Devan, passei por esses dias em que estava tão brava comigo mesma por não ver através de sua fachada. Ele era... atraente. Não tenho orgulho de dizer que deixei sua aparência turvar meu julgamento. Mas quando August era um bebê, um dia eu simplesmente parei de ficar brava. Comigo. Com Devan. Peguei a melhor parte dele e ele estava muito concentrado em si mesmo para perceber que, quando saí de Vegas, levei essa parte comigo.

— Eu gosto do nome de August.

Ela me deu um sorriso triste. — Esse era o nome do meu pai. Eu já te disse isso?

— Não.

— Se eu tivesse uma menina, eu a teria batizado com o nome de mamãe. Esperançosamente, Aria terá outro bebê um dia e se for uma menina, ela pode usar esse nome. Millie. Esse era o nome dela.

— Nome bonito.

— Eu gosto disso também. — Ela se mexeu, virando ligeiramente de lado no sofá para que a cabeça de August repousasse em seu colo.

A luz apagada da TV lançava um brilho de luz sobre a sala. Eles pegaram as manchas douradas em seu olhar, fazendo-os dançar.

Como ele poderia tê-la deixado ir?

Como poderia eu deixá-la ir?

Dois homens estúpidos.

— Eu deveria ter vindo para você de qualquer maneira. Apesar das fotos do Facebook. Achei que você estava feliz e tinha seguido em frente, mas eu deveria ter vindo para te encontrar.

— Exceto que então eu não teria August. — Ela me deu um sorriso triste. — O tempo nunca esteve do nosso lado, não é?

— Não, não esteve— Se eu a tivesse procurado um ano depois, depois de Devan ter saído de cena, ou se ela tivesse vindo aqui um ano antes, antes de Holly...

Ou se aos dezenove, eu não estivesse tão envolvido nas palavras da minha mãe.

Você é um pedaço de merda, Karson. Você não vale nada.

Saia da minha frente. Te odeio. Eu odeio olhar para você.

Você é nada. Uma desgraça. Você é um idiota.

— Minha mãe morreu, — eu soltei.

Clara ficou tensa. — Quando?

— Não muito antes de me mudar para Elyria. Depois que ela morreu, eu queria sair de Temecula para sempre.

— É por isso que você voltou aqui? Quando Gemma contratou o investigador pela primeira vez, ele disse que você estava aqui. Isso sempre pareceu tão louco para mim. Achei que você já teria partido há muito tempo, como o resto de nós.

— Sim. — Suspirei. — Recebi um telefonema um dia, quando estava morando em San Diego pela segunda vez, de um policial aqui em Temecula. Mamãe sofreu um acidente de carro e estava em coma.

— Karson, sinto muito.

— Devo te dizer isso? Pode ser difícil de ouvir.

— Motorista bêbado? — ela adivinhou. Seus próprios pais foram mortos por um motorista bêbado, e a última coisa que eu queria era causar-lhe dor.

— Sim. — Eu concordei. — Eu esperava que o bêbado fosse ela, mas não era. Acho que essa é a única razão pela qual voltei. Se ela tivesse machucado alguém... bem, tenho muita dificuldade em perdoar minha mãe. Isso teria sido um obstáculo.

— Você voltou para cuidar dela, não voltou?

— Ela provavelmente não merecia. Mas eu fiz mesmo assim. — Eu levantei um ombro. — Levei muito tempo para saber que ela estava doente. Que ela se odiava tanto que era tudo o que ela conhecia. Que ela descontando esse ódio em mim era porque eu era a única pessoa que ela tinha. E demorei muito para deixar seu fantasma ir embora. Para perceber que eu não era a pessoa que ela me disse que eu era.

— Você é um bom homem, Karson Avery.

Baixei meus olhos para August, enrolado entre nós. Esse garoto nem sabia a sorte que tinha por ter uma mãe como Clara.

— Depois que ela faleceu, eu senti que poderia deixar tudo para trás. Foi quando me mudei para Elyria.

— Seu novo começo.

Eu concordei. — Todos nós precisávamos dele, não é?

— Nós fizemos. — Clara me deu um sorriso triste. August se contorceu no sofá, um braço balançando na outra direção. Clara o pegou nos braços e se levantou do sofá, levando-o para a sala ao lado. O farfalhar de roupas e o barulho de sapatos caindo no chão foi minha dica para ir embora.

Já era tempo. Era hora de dizer adeus. Voltar para à vida em Elyria.

Para Holly.

Ela e eu tivemos uma chance. Tínhamos uma chance de futuro. Eu não tinha me sentido assim por nenhuma mulher com quem namorei, não por Londyn. Nem mesmo Clara. Não as mulheres que conheci ao longo do meu caminho. Principalmente porque eu era muito jovem, mas com Holly, havia uma chance real.

Como a própria Clara disse, o tempo nunca esteve do nosso lado. Talvez tenha sido por um motivo.

Esperei que Clara terminasse com August. Ela emergiu, fechando a porta do quarto dele. Então falei as palavras que temia a noite toda. — Foi tão bom ver você. Conhecer August.

— Você também.

— Boa noite, Clara. — Virei para a porta, pronto para fugir, quando ela me parou.

— Espere. E a caixa? — Clara foi até a mesinha onde tínhamos deixado a caixa e as cartas de Lou.

A Caixa. Droga.

— Oh, esqueci-me disso. — Em um esforço para sair daqui enquanto ainda podia, antes de dizer ou fazer algo que mancharia esses dias com Clara, tinha me esquecido completamente da caixa.

A porta teria que esperar.

Ela se sentou em uma cadeira de um lado da mesa enquanto eu me sentei do outro. Então ela retirou o conteúdo da caixa. Outras caixas, todas pequenas. — Estas são caixas de joias.

Seis no total, em cores e tamanhos variados. E cada um deles tinha um pequeno pedaço de papel colado na parte de baixo.

— Aqui está, — disse ela, passando minha carta e a caixa do anel de veludo azul-marinho com meu nome.

Eu abri o envelope primeiro, puxando um pedaço de papel crua e desdobrando-o.


KARSON,

Estes eram os anéis da minha esposa. Ela não podia usá-los quando estava grávida de nosso bebê porque seus dedos incharam como salsichas. É assim que ela os chamava. Dedos de salsicha.

Por direito, eu deveria tê-la enterrado com eles. Mas foi um momento difícil. Tenho vergonha de admitir que não percebi que ela não estava usando os anéis em seu caixão até que os encontrei em sua caixa de joias, algumas semanas depois.

Agora que ela se foi e não terei muito tempo para segui-la, gostaria que você os tivesse.

Dê-os a uma mulher como a minha Hope. Ela era inteligente e corajosa. Ela ria dos bons momentos e me fazia rir dos maus. Ela era a alma na terra que fui feito para encontrar.

Deixei uma foto dela ao lado da minha cama. Ela não era uma beleza? Um olhar para ela e o mundo fazia sentido.

Se cuida. E eu vou agradecer antecipadamente por cuidar disso para Hope. Espero que você os dê a alguém especial. Você sempre teve bom gosto para meninas. Eu suspeito que isso não vai mudar.

Lou


EU LI DUAS VEZES. Três vezes. E meu coração doeu tanto que eu mal conseguia respirar.

Era uma carta elegante para um homem que falava principalmente em grunhidos. Dobrando o papel novamente, coloquei-o de volta no envelope, colocando-o cuidadosamente dentro. Então peguei a caixa e abri a tampa.

A joia central do anel de noivado era de um azul acinzentado profundo, a cor do oceano em um dia de tempestade. Era acentuado por minúsculos diamantes de cada lado. As joias brancas eram arranjadas sem um padrão, como folhas sob uma flor. A faixa de ouro branco era lisa e brilhante. Combinava com a aliança de casamento simples embaixo.

— Droga, Lou. — Puxei o anel da caixa, segurando-o para capturar a luz. — Este era o anel da esposa dele.

Clara não respondeu. Ela estava muito ocupada olhando para o anel preso entre seus próprios dedos.

Era a aliança de casamento de Lou. Não precisei perguntar para saber. E suspeitei que a carta de Clara também fosse sobre Hope.

Uma lágrima escorreu por sua bochecha, tirando-a de seu transe. Ela piscou os olhos claros e enxugou o rosto. Então ela redobrou a carta e guardou-a. — Mandarei aos outros suas cartas e caixas quando chegar em casa.

— Obrigado. — Guardei o anel de Hope e coloquei a caixa no bolso. Então peguei a carta e me levantei, precisando de um minuto para deixar as palavras de Lou penetrarem.

O momento disso me deixou cambaleando. Dois meses atrás, aquela carta teria um significado totalmente diferente.

— Eu estou indo, — eu disse. — Boa noite.

— Boa noite, — ela sussurrou.

Eu estava quase na porta quando ela me parou novamente.

— Holly sabe sobre nós? Sobre o que aconteceu no passado?

Meus ombros caíram e me virei. — Não.

Ela se levantou da mesa e se aproximou.

— Aria também nunca soube sobre nós. Sempre me perguntei se ela sabia, mas ela nunca disse nada.

— Você não disse a ela? Por que?

— Porque você era meu. Você era a única coisa que eu não queria compartilhar. Com qualquer um. — Sua confissão me abalou nos calcanhares. — Por que você não contou a Holly?

— Porque eu estraguei tudo, — eu admiti, o peso da carta de Lou caindo sobre meus ombros.

— O que você quer dizer?

— Eu deveria ter ido com você para Las Vegas.

Um novo brilho de lágrimas inundou seus olhos. — Bons sonhos, Karson.

— Então vou sonhar com você.

Eu não deveria ter dito isso, mas as palavras eram imparáveis.

Quando eu saí, ela me soltou.

Quando a porta se fechou, não havia como voltar atrás.

Eu dirigi o Cadillac para casa.

 

 

 

CAPÍTULO QUINZE

KARSON


— É Clara, não é? — Havia lágrimas nos olhos de Holly. — Quando você acorda no meio da noite, é por causa dela.

— Sim, é ela.

Anos de noites sem dormir e quase sempre por causa de Clara. Eu sonhava que ela estava machucada. Eu sonhava que ela estava chamando meu nome, implorando por ajuda. Eu sonharia que ela estava se afogando no oceano ou parada no meio de uma rodovia, presa entre carros de corrida.

Outras noites, eu simplesmente ouvia sua voz. Eu a ouviria rir e beijar outro homem. E o medo que me despertou não foi que ela estivesse em perigo. O medo era que eu a tivesse perdido para outra pessoa.

Por muito tempo, eu o ignorei e me escondi no trabalho, viagens ou me mudando para novas cidades. Por um tempo, estive ocupada cuidando de minha mãe, que nunca havia acordado do coma. Eu ia visitá-la no hospício quase todos os dias, falando com a concha que ela havia sido.

Não importa o foco atual da minha vida, eu mantive a memória de Clara escondida nos cantos silenciosos do meu coração.

— Nada aconteceu, — prometi a Holly.

O problema é que eu queria que isso acontecesse. Eu queria Clara. Nenhuma quantidade de tempo ou distância mudaria esses sentimentos. E as palavras de Lou confirmaram tudo. Com cada frase, eu sabia a escolha certa. Ele confiou os anéis de Hope aos meus cuidados e eles pertenciam a Clara.

Holly merecia a verdade.

Depois que saí do quarto de Clara, liguei para Holly e disse que estava voltando para casa. Eu pedi a ela para esperar. Talvez ela tenha ouvido a separação na minha voz, porque quando eu entrei pela porta, ela estava na sala de estar. Sua mochila estava ao lado da porta, fechada e cheia. Suspeitei que a escova de dentes que ela havia deixado aqui e as roupas extras estavam lá dentro.

— Sinto muito, Holly.

Ela fungou e engoliu em seco. — Existe alguma coisa que eu poderia ter feito?

Cristo, eu odiava isso. Eu odiava ver dor em seu lindo rosto, mas ela merecia encontrar o homem que a viu e somente ela. — Não.

— Ai. Eu pensei... Achei que tínhamos uma chance.

Abri minha boca para me desculpar novamente, mas ela já tinha ido embora, levantando-se do sofá e correndo pela sala.

Eu a segui, esperando enquanto ela pegava sua mochila e bolsa. Então ela fechou a distância entre nós, ficou na ponta dos pés para beijar minha bochecha. — Adeus, Karson.

— Adeus, Holly.

Ela saiu pela porta sem olhar para trás.

Eu não me movi até que as luzes de seus faróis tivessem desaparecido. Então eu mesmo corri para a porta, abrindo-a e fechando-a atrás de mim enquanto corria para o Cadillac.

As estradas para Temecula estavam quase desertas enquanto eu corria para minha Clara.

O saguão do hotel estava vazio e escuro. O recepcionista me olhou de soslaio enquanto eu corria pelo saguão em direção ao elevador. A lenta viagem até o nosso andar foi uma tortura.

Fazia mais de três horas desde que eu desejei boa noite a Clara. Ela ainda estava acordada? Eu verifiquei a hora no meu telefone enquanto caminhava pelo corredor em direção ao quarto dela. Já passava da meia-noite. Ela provavelmente estava dormindo atrás daquela porta fechada, mas de jeito nenhum eu estava esperando até de manhã. — Foda-se.

Bati levemente, esperando. Se ela não atendesse, eu ligaria. Mudei de um pé para o outro, minha respiração presa em meu peito.

Então houve um clique e o deslizar de uma corrente. Clara abriu a porta, vestindo uma camisola de seda rosa claro e shorts de dormir combinando com uma bainha de renda. Seu cabelo estava solto, caído sobre os ombros nus. Mas ela não estava dormindo. Seus olhos estavam vermelhos e suas bochechas estavam manchadas.

Ela estava chorando.

As palavras de Lou se encaixaram.

Um olhar para ela e o mundo fazia sentido.

— Eu amo você.

Clara engasgou, seu corpo ficou tenso. — Oo quê?

Calma, Karson. Eu não tinha a intenção de apenas deixar escapar essas três palavras, mas agora que elas estavam lá fora, eu poderia muito bem seguir em frente. — Eu amo você.

Ela piscou, claramente confusa. — E quanto a Holly?

— Acabei de voltar de Elyria.

— Oh. — Seus olhos se arregalaram. — Por que?

Porque? Meu estômago embrulhou. Eu li isso errado? Ela não sentia o mesmo? Não. Não maldito caminho. — Porque ela não era você.

Seu queixo começou a tremer. — Você me ama?

— EU-

— Eu também te amo. — No momento em que ela falou, ela baixou o rosto nas mãos. Seus ombros começaram a tremer e eu cruzei a distância entre nós, incitando-a a entrar no quarto antes de fechar a porta.

Por que ela estava chorando?

— Clara, eu-

Antes que eu pudesse terminar minha frase, ela se agitou, jogando os braços em volta dos meus ombros. Então não houve mais conversa. Seus lábios encontraram os meus e um raio disparou pelo meu corpo, fundindo-me a ela. Éramos uma confusão de mãos desajeitadas e lábios molhados.

A urgência de sua boca. O meu desespero. Ela se abriu para mim e eu mergulhei, minha língua se enredando na dela enquanto meus braços a engolfavam.

Nunca na minha vida um beijo significou tanto. Eu cedi, rendendo-me aos lábios macios desta mulher e ao toque de sua língua contra a minha. Ela se agarrou a mim enquanto eu a ela, a suavidade de seu corpo pressionado em minhas linhas duras.

Essa era ela. Essa era minha Clara.

E eu a beijaria todos os dias pelo resto da minha vida.

Eu a peguei para que seus dedos dos pés ficassem balançando acima do tapete, então eu nos acompanhei até o quarto dela, deitando-a na cama. Cobrindo-a com meu corpo.

Suas mãos vieram ao meu rosto, me segurando em seus lábios, enquanto minhas mãos percorriam a seda de sua blusa e shorts até a pele nua de suas pernas. Amassei a carne de suas coxas tonificadas. Passei meus dedos ao longo da parte de trás de seu joelho em um toque leve.

Quando ela começou a tremer, eu me forcei a fugir, indo até a porta e fechando-a silenciosamente antes de abrir a fechadura. A visão que me cumprimentou na cama quando me virei enviou todo o meu sangue correndo para minha virilha.

Clara estava sentada na beira da cama. A luxúria em seus olhos os escureceu para poças de chocolate. A luz fraca da rua do lado de fora vazava pelas cortinas transparentes, agindo como o luar em sua pele impecável.

Ela alcançou a bainha de sua camisa, lentamente recolhendo-a em suas mãos. Então ela o arrastou pela cabeça, jogando-o no chão.

Minha boca ficou seca. Seus mamilos rosados estavam pontiagudos e o desespero para senti-los sob minhas palmas me fez voar pela sala, caindo de joelhos diante dela.

— Você é linda. Tão linda pra caralho. — Eu deslizei minhas mãos por suas costelas, saboreando o gemido que escapou de seus lábios. Então eu encontrei seus seios em minhas palmas, deixando-os encher minhas mãos enquanto eu passava meus polegares sobre seus mamilos.

As costas de Clara se arquearam, pressionando-se ainda mais em meu toque. A seda de sua pele era inebriante e, esta noite, eu tocaria cada centímetro. Eu lamberia e adoraria porque ela era minha.

— Diga de novo, — eu disse, incitando-a a descer para o colchão. Quando aquele cabelo estava espalhado embaixo dela, corri minhas mãos para baixo em seus quadris, enganchando meus dedos no short e na calcinha por baixo. Então eu os puxei de suas pernas, centímetro por centímetro torturante.

Sua respiração engatou quando eles pousaram no chão. Ela estava nua e perfeita, seu olhar fixo no meu.

Eu engoli um gemido. — Diga isso de novo.

— Eu amo você.

— Mais uma vez.

O canto de sua boca se ergueu quando ela se apoiou nos cotovelos, movendo-se para trás até alcançar os travesseiros. Então ela curvou um dedo, me chamando para a cama. Ela tinha alguma ideia do poder que tinha sobre mim?

Alcancei atrás de mim para puxar minha camiseta pela cabeça. Meus chinelos caíram no tapete enquanto o olhar de Clara desceu do meu estômago para a bainha da minha calça jeans. Abri o botão e arrastei o zíper para baixo. Enfiei a calça e minha cueca boxer preta sobre minhas coxas, minha ereção balançando livre. Então eu envolvi um punho em volta do meu eixo.

Clara observou enquanto eu dava um longo golpe, seus olhos grudados no meu pau. Suas bochechas estavam rosadas, sua respiração pesada. — Karson.

Fiquei ao pé da cama.

— Eu não tenho camisinha. — Era uma pena, porque o que eu mais queria era afundar dentro dela. Para esquecer onde eu comecei e ela começou. Mas eu a faria gozar esta noite, com meus dedos e minha língua. — Eu sempre usei uma. Sempre.

— Eu, hum... não desde Devan.

Foda-me. Eu não gostava do nome daquele filho da puta em qualquer lugar perto de Clara nua, mas saber que ela estava sem um homem desde então era uma pressa porque eu seria a última amante em sua vida.

— Tem certeza?

— Eu não quero esperar. — Ela me deu um sorriso tímido. — Mas eu não estou no controle de natalidade.

Porra, mas ela estava me destruindo aqui. — Você decide, baby.

— Eu não quero esperar.

Eu rastejei para ela, pairando acima de seu corpo. A intensidade de seu olhar foi quase minha ruína enquanto seus quadris embalaram os meus e meu pau descansou contra seu centro.

— Eu quero que você tenha meus filhos. — Aparentemente, eu não tinha filtro esta noite. Confissão após confissão fluiu para fora.

Seus olhos brilharam.

— Eu não vou me segurar. Eu não vou levar isso devagar. Já perdi muitos anos com você e não vou perder mais um segundo. Você é minha. August é meu.

Sua mão veio ao meu rosto enquanto outra lavagem de lágrimas inundou seus olhos. Havia tanta emoção ali. Lamento pelos anos perdidos. Esperança para o futuro.

O que ela sentiu, eu também senti.

— Karson...

— Eu sei. — Dei um beijo suave em sua boca, passando minha língua sobre a parte inferior de seus lábios entreabertos. Aprofundei o beijo, valorizando seu doce sabor e a sensação de seu peito nu contra o meu enquanto cutucava seu centro.

Clara travou seus olhos com os meus, suas mãos percorrendo minha espinha em direção à minha bunda. Então avancei para frente, pegando seu gemido com outro beijo.

Eu nos embalei juntos, deliberadamente, até que eu estava profundamente enraizado. — Você é tão boa pra caralho.

— Está flertando — Ela cantarolou e prendeu as pernas em volta dos meus quadris, me deslocando mais profundamente.

Arruinado. Eu estava arruinado. E eu aproveitei cada maldito segundo disso.

Eu relaxei e deslizei de volta para dentro de seu calor úmido e apertado. Mais e mais, eu nos juntei enquanto seus quadris se moviam para combinar com o meu ritmo. Éramos sussurros abafados e gemidos engolidos. Éramos amantes perdidos, compensando dias e noites perdidos.

No momento em que seus olhos se fecharam e suas paredes internas vibraram ao meu redor, a construção na parte inferior da minha coluna estava me castigando. A pressão para me derramar nela era quase impossível de manter sob controle.

As costas de Clara arquearam, seu corpo inteiro estremecendo enquanto ela segurava um grito e pulsava ao meu redor. Ela gozou tão forte, tão forte, que fui com ela, deixando que as estrelas quebrassem minha visão e sucumbindo à minha libertação.

Nós ofegamos, segurando firmemente os corpos suados um do outro, até que finalmente eu me afastei e a rolei em cima do meu peito.

Nossas respirações se misturaram. Sua orelha estava pressionada contra meu coração.

— Uau.

— Puta merda.

Ela riu e apoiou o queixo no meu peito. — Quanto tempo?

— Quanto tempo para quê?

Ela me deu um sorriso malicioso. — Quanto tempo até podermos ir de novo?

Eu a virei em um flash, então ela estava de bruços. Então eu deixei cair uma trilha de beijos sobre seus ombros, alcançando entre suas pernas e encontrando seu clitóris inchado.

Ela engasgou. — Já?

— Para você? — Eu me movi, usando minha mão livre para puxar o cabelo de seu rosto. Então eu sussurrei em seu ouvido. — Sempre.

 

— ENTÃO, você vai ser meu pai? — August nunca pareceu tão sério. O menino se foi. Em vez disso, estava agachado ao lado de um guerreiro.

Um guerreiro que passaria a vida inteira cuidando de sua mãe.

De agora em diante, ele teria companhia no campo de batalha.

— Eu gostaria de ser seu pai. Se estiver tudo bem para você.

Ele olhou para a areia sob seus pés descalços. Ele apertou um pouco entre os dedos dos pés, então olhou para onde Clara estava sentada em um grande cobertor.

Ela pegou seu olhar e acenou com uma mão enquanto a outra segurava o telefone no ouvido. Quando chegamos à praia, eu levei August para a água enquanto ela ligava para falar com Aria.

Clara parecia magnífica sob o sol e na areia. Ela estava usando um biquíni azul-petróleo simples, sexy e tentador como o inferno. Quando ela saiu do quarto esta manhã usando isso e um disfarce total, eu quase perdi minha maldita cabeça.

Fazia dois dias desde Temecula, e eu fiz exatamente o que prometi.

Eu não fui devagar.

Eu não me contive.

Tínhamos voltado para Elyria e não havia nenhum hotel. Eu trouxe Clara para minha casa e coloquei ela e August no quarto de hóspedes.

Ela entrava sorrateiramente no meu quarto depois que ele adormecia todas as noites e passávamos a meia-noite explorando os corpos um do outro. Com ela ao meu lado, eu dormi melhor do que em anos. Tanto que quando meu alarme disparou às cinco da manhã, eu estava totalmente morto para o mundo.

Se ela pensou que eu estava dormindo sem ela de novo, ela estava sonhando.

Durante o dia e quando August estava na sala, puxei Clara para um abraço. Para um beijo. Gus estava assistindo. De perto. Clara o sentou cara a cara, mas isso não apagou toda a cautela em seu olhar.

Só precisávamos de tempo. Felizmente, nós o tínhamos.

Clara ligou para Aria no caminho de volta para Elyria e contou a ela sobre nós. Não havia muita surpresa na voz de Aria. Apenas um sorriso enquanto ela falava conosco no viva-voz.

Eu me perguntei sobre vocês dois naquela época.

Então Aria riu e entregou o telefone a Brody.

A melhor coisa sobre um cunhado chefe que tinha um avião particular era que Clara não sentia pressão para voltar correndo para o Arizona. O que foi bom porque tínhamos alguns detalhes para descobrir primeiro.

— Não tenho pai, — sussurrou August.

Havia tanto desejo em sua voz que quase caí de bunda. Os garotos da idade dele começaram a saber o que os tornava diferentes. Para August, outras crianças tinham dois pais. Clara era a melhor mãe do mundo, mas seus dias de caminhada sozinha haviam acabado.

— Você tem agora. — Eu coloquei minha mão em seu ombro e o sorriso que brincou em sua boca roubou meu coração. — Vou precisar da sua ajuda.

— Com o que?

Eu pisquei. — Precisamos encontrar dois gravetos.

A luz em seus olhos era tão parecida com a de Clara que, quando me levantei, não pude deixar de dar um beijo no topo de sua cabeça.

Quando eu olhei para cima, Clara estava assistindo com uma mão pressionada contra o coração.

Acenei e murmurei: — Eu te amo.

Ela me soprou um beijo e voltou para sua ligação.

Então, August e eu saímos para explorar nossos gravetos. Quando terminamos nosso trabalho, fui até Clara, deixando Gus para mergulhar nas ondas com a promessa de não passar dos joelhos.

— Oi. — Eu desabei no cobertor ao lado dela e beijei seu ombro.

— Oi. — Ela se inclinou para mim. — O que vocês estavam fazendo?

— Só brincando, — menti. — Como está Aria?

— Nem. Ela me perguntou se eu estava me mudando para cá.

— Você quer se mudar para cá? — Peguei sua mão e entrelacei nossos dedos.

— Não sei. — Ela suspirou. — Eu amo Welcome. Mas também gosto daqui e o seu trabalho é aqui.

— Meu trabalho é flexível, baby. Como está o mercado imobiliário em Welcome?

— Provavelmente não é tão empolgante quanto na Califórnia. — Ela passou os dedos pelo meu cabelo. — Você se mudaria? Mesmo?

— Recebi um e-mail daquele desenvolvedor em Temecula esta manhã.

Ela se endireitou. — E?

— Vendido. Meio milhão de dólares, que é mais do que vale a terra, mas ele acha que as peças têm valor. Então eu acho que a venda mais o patrimônio que tenho em minha casa aqui deve ser suficiente para nos instalar onde quer que você queira morar.

— Eu tenho uma casa, mas é na propriedade de Brody e Aria. Eu amo os dois, mas quero nosso próprio espaço.

— Mesmo aqui. — Eu queria um lar que escolhêssemos juntos, onde pudéssemos criar Gus e quaisquer outros filhos que viessem.

— Eu tenho que decidir hoje?

— Sim.

Ela olhou para mim, assustada por um momento, até que percebeu que eu estava brincando e caiu na gargalhada.

Meu Deus, ela ficava linda quando ria. Eu me lancei para ela, agarrando-a contra a toalha e prendendo-a com uma perna. Então eu peguei suas mãos, levantando-as acima de sua cabeça para que ela ficasse completamente à minha mercê. — Eu amo você.

— Eu tenho uma ideia.

— O que é isso?

— Vamos para a sua casa. Dê a August seu Nintendo e podemos tomar um banho.

Eu inchei instantaneamente, pressionando a protuberância contra seu quadril. — Boa ideia.

Ela ergueu a cabeça, seus lábios procurando os meus, mas tão rápido quanto eu a imobilizei, eu estava de pé, trazendo-a comigo.

— Não posso sair ainda.

— Por que?

Coloquei dois dedos nos lábios e assobiei.

August ouviu, sua cabeça levantando de onde ele estava ao lado da água. Então ele saiu correndo, correndo para o local onde havíamos preparado nossa surpresa.

— Vamos. — Peguei a mão de Clara, entrelaçando nossos dedos e desejei que meu coração não explodisse.

Alcançamos August, que se orgulhava de nossa criação.

— O que... — A respiração de Clara engatou quando ela viu as palavras que tínhamos escrito na areia. Da toalha, ela estava muito longe para lê-los, mas não tão longe que outras pessoas na praia pudessem tê-los arruinado.

Eu me coloquei na frente dela e me ajoelhei. Então pesquei o anel que Lou tinha me dado do bolso do short e deslizei em seu dedo. — Case comigo.

As palavras gravadas na areia diziam o mesmo.

Clara não teria sido a mulher que era se seu olhar não tivesse se desviado do meu para August.

Atrás de mim, August tinha um sorriso radiante no rosto enquanto assentia.

— Sim. — Ela caiu de joelhos e emoldurou meu rosto com as mãos.

Eu a beijei, demorando-me o suficiente para provocar um eww em August. Em seguida, joguei Clara na areia, deixando-a bem suja enquanto ela ria, antes de carregá-la para o oceano e mergulhar nós dois na água.

Necessário para justificar aquele banho.

Mais tarde naquela noite, depois de celebrarmos e decidirmos que eu tinha mais um movimento a fazer - estávamos começando nosso próximo capítulo em Welcome - encontrei Clara na janela da sala de estar, olhando para o Cadillac na garagem.

— Sempre serei grata por aquele carro, — ela sussurrou, depois ergueu a mão para olhar o anel. — Esta era da esposa dele, certo?

— Sim. Esse era o anel de Hope.

— Ter esperança. — Ela se inclinou em meu peito enquanto eu a envolvia em meus braços. — Eu gosto desse nome.

 

QUANDO NOSSA FILHA nasceu, nove meses depois, nós a chamamos de Hope.

Dois anos depois, batizamos nosso filho de Lou.

Não demorei muito para perceber que nenhuma quantidade de exploração pelo mundo seria tão emocionante quanto a aventura de viver a vida ao lado de Clara.

Ela era a alma na terra que fui feito para encontrar.

 

 

 

 

 

 

 

 


EPÍLOGO

CLARA


Vinte e Três anos depois...


— Você já viu tantas estrelas? — Eu sussurrei.

Era como se alguém tivesse quebrado um diamante em um cobertor de veludo azul profundo. Os sussurros e redemoinhos brancos da Via Láctea riscavam entre eles como poeira.

Esta não era nossa primeira viagem a Montana, mas as noites claras nas montanhas nunca deixaram de me tirar o fôlego.

Karson circulou seus braços em volta de mim, puxando-me para mais perto enquanto eu me aninhava em seu colo com meus olhos para o céu. — É alguma coisa, não é?

— Talvez devêssemos nos mudar para Montana.

Aria riu de sua cadeira de acampamento ao lado da nossa e compartilhou um sorriso malicioso com Brody ao seu lado. — Você não sobreviveria um inverno.

— Verdade. — Eu ri com ela, tirando meus olhos do céu.

Estávamos sentados em torno de uma fogueira, a luz das chamas piscando sobre rostos familiares.

Londyn e Brooks.

Gemma e Easton.

Katherine e Cash.

Aria e Brody.

Eu e Karson.

Meus amigos. Minha família.

— Quando estávamos no colégio, vínhamos aqui para festejar, — disse Cash, jogando outra tora na fogueira antes de se sentar em sua cadeira ao lado de Katherine. — Leve cerveja e garotas para o rancho.

— Meninas feias, certo? — Perguntou Kat.

— Amigas. Apenas Amigas. — Cash se inclinou para dar um beijo em sua boca.

— E tenho certeza de que nossos pais sabiam que estávamos aqui, assim como sabemos todas as vezes que as crianças pensavam que estavam nos enganando. — Easton riu. — Jake fez um incêndio tão grande em seu último ano que podíamos vê-lo da casa a quilômetros de distância.

Gemma sorriu do colo do marido porque, como eu, optei por um abraço caloroso em vez de uma cadeira para mim. — Quando eu disse a ele que iríamos ao seu local de festa esta noite, você deveria ter visto a expressão em seu rosto. Mesmo sendo um adulto, é divertido lembrá-lo de vez em quando que sua mãe não era alheia durante sua adolescência.

Seu filho era a cara de Easton. Jake havia se tornado um homem alto e forte, muito parecido com seu pai. A filha deles, por outro lado, parecia muito com Gemma. Hailey era linda, elegante e espirituosa.

Lou tinha uma queda enorme por ela, algo que ele tentava tanto esconder. Mas meu filho mais novo ainda não havia percebido que sua mãe também não era alheia.

— O namorado de Ellie parece legal, — eu disse a Londyn.

Brooks resmungou. — Ele é muito bom. Eu não confio nele.

Londyn revirou os olhos. — Alguém está tendo dificuldade em aceitar que seus três filhos não são mais crianças.

— Vovô Brooks, — provocou Gemma. — Os gêmeos de Wyatt estão crescendo rápido. Parece que foi ontem que eles tinham três anos e estávamos dando passeios de pônei pela arena.

— Foi ontem. — Ele deu uma risadinha. — Para onde está indo o tempo? Quando envelhecemos?

— Você não é o único que está lutando, — disse Brody, trocando um olhar com Aria. — Trace nos contou durante a viagem que lhe ofereceram um emprego em Dublin e que está pensando em aceitá-lo.

— Dublin. — Pressionei a mão em meu coração e olhei para minha irmã. — Isso é um oceano de distância.

Ela encolheu os ombros, mas a linha de preocupação entre as sobrancelhas se aprofundou. — Ainda bem que temos um avião.

E eu duvidava que Millie se afastasse de seus pais, especialmente agora que ela se formou na faculdade e conseguiu um emprego na empresa de Brody. Depois de herdar a Carmichael Communications de sua família, ele a vendeu e fez uma fortuna. Então ele deu meia-volta e começou outra empresa de mega-sucesso com Millie sob sua proteção. Ela era a melhor amiga de Aria e adorava seu pai.

— Quem precisa de outra cerveja? — Katherine perguntou. A cadeira dela era a mais próxima do refrigerador que tínhamos trazido. Quando as mãos se levantaram, ela apareceu e correu para entregar garrafas geladas. Cash colocou a mão em sua coxa quando ela voltou para seu assento, desenhando círculos em sua calça jeans com o polegar para mostrar seu amor. E para prendê-la na cadeira.

Eu esperaria cinco minutos antes que ela se levantasse novamente, encontrando outra coisa para se ocupar. Katherine estava lidando com suas emoções em um movimento perpétuo.

— Ainda bem que pegamos aquele cooler quando o fizemos, — disse Easton. — Todas as crianças estavam se reunindo na pousada e eu vi o início de uma festa.

Isso era típico. Anos atrás, as festas eram sacos de dormir, chocolate quente e pipoca do chão, enquanto assistiam a um filme projetado em uma parede branca. Mais tarde, as festas eram jogos e piadas de adolescentes até as três da manhã. Talvez um beijo escapasse aqui e ali.

Nossos filhos cresceram juntos. Vivíamos em nossos próprios mundos e em diferentes cidades, mas pelo menos uma vez por ano nos últimos 23 anos, íamos para Montana e passávamos uma semana no Greer Ranch and Mountain Resort.

Agora que nossos filhos estavam fora de casa, Karson e eu íamos para Montana a cada poucos meses. O Arizona era nosso lar, onde trabalhávamos e morávamos, mas o vírus das viagens - o amor de Karson por explorar - infectara nós dois.

Fomos a Elyria algumas vezes por ano. Amamos o Havaí, Nova York, Londres e Melbourne. Embora a maioria de nossas viagens fosse para ver as crianças.

Hope havia se mudado para Phoenix depois de se formar na faculdade para trabalhar como treinadora para a franquia de futebol americano Arizona Cardinals. Lou ainda tinha mais um ano em Stanford e então estava planejando estudar direito. Ele mencionou algumas escolas na Costa Leste, e eu mordi minha língua antes que pudesse protestar.

Como Aria havia dito, eles tinham um avião, que insistiam que Karson e eu usássemos com frequência.

Esse avião havia feito várias viagens para Montana, e não apenas para a reunião anual de verão.

August decidiu ir para o estado de Montana para fazer faculdade, e eu sabia que em seu primeiro ano o tínhamos perdido para as montanhas.

Então nós o perdemos para Delilah.

Não que eu estivesse reclamando, porque também a amava. Eu a amava desde que ela era um bebê.

A viagem deste ano para Montana não foi apenas uma reunião anual. A viagem deste ano era especial.

Em dois dias, August se casaria com a filha mais velha de Katherine e Cash.

Seria um espetáculo maravilhoso em comparação com a cerimônia que Karson e eu tivemos no tribunal de Welcome, quando eu estava grávida de um mês de Hope.

O casamento de August e Delilah prometia ser um caso extravagante. Centenas de convidados. Um vestido branco. Cinco camadas de bolo e uma banda ao vivo para a recepção após a refeição de três pratos.

Desde que chegamos no início da semana, não tinha sido nada além de uma loucura de casamento. August e Delilah iriam se casar em uma campina no rancho. Cash e Easton estavam trabalhando duro para cortar o campo e livrar-se dos cowpies. Katherine, Gemma e toda a família Greer passaram meses planejando e se preparando para a recepção no chalé.

Tudo estava dando certo, mas havia muito trabalho a fazer esta semana, antes do grande dia.

Esta noite foi a primeira vez, desde que chegamos, que não havia um evento planejado. Foi a primeira vez que nos reunimos, apenas nós. Os fugitivos e nossos amores.

— Vamos perguntar a eles agora, — sussurrei no ouvido de meu marido.

— OK. — Ele beijou minha bochecha.

Eu respirei fundo, então olhei ao redor do nosso círculo. — Queríamos publicar algo de vocês.

— Para o casamento? — Kat perguntou, sentando-se ereta.

— Tipo isso. — Eu entrelacei meus dedos com os de Karson, silenciosamente dizendo a ele para assumir.

Como Katherine, fui um feixe de emoção esta semana. Enquanto ela enterrava a dela em atividade, eu recorri ao que parecia ser um fluxo interminável de momentos de quase lágrimas.

Fiquei muito feliz por Gus. Eu estava tão orgulhosa do homem que ele se tornou. E ele amava Delilah com cada célula de seu corpo, tratando-a com tanta adoração e respeito. Eu disse isso a ele em outra confusão de lágrimas alguns dias atrás. Gus me abraçou e disse que aprendeu isso assistindo Karson. O pai dele.

Mas feliz e orgulhosa, ainda sentia que estava perdendo meu filho. Então, eu estava me apoiando no meu marido, como esta noite, para falar por mim quando eu não conseguia fazer as palavras passarem pelo nó na minha garganta.

— Nós dirigimos o Cadillac até aqui, — disse Karson. — Como vocês sabem.

No dia em que entramos no estacionamento do chalé, todos os outros já haviam estado aqui. Eles desceram no carro, saudando-o como um velho amigo. Esta não foi a primeira viagem a Montana que trouxemos o carro e, como nos outros tempos, tê-lo aqui deu a todos a chance de dirigi-lo novamente.

Gemma e Katherine o haviam levado para a cidade em busca de mercearias. Londyn e Brooks passaram algumas horas se perdendo nas rodovias de Montana. Então Aria e Brody fizeram o mesmo.

— Queremos dar a August e Delilah, — disse Karson. — Como um presente de casamento. Mas queríamos checar com vocês primeiro.

O crepitar do fogo foi o único som.

Então Londyn acenou com a cabeça e o sorriso que se estendeu em seu rosto era mais brilhante do que as chamas. — Sim. Absolutamente.

— Melhor ideia de todas. — Gemma acenou com a cabeça.

Cash balançou a cabeça em descrença. — Tem certeza?

— É hora desse carro ir para a próxima geração, — respondeu Karson. — Sua filha. Meu filho. Não consigo pensar em um par melhor. E talvez um dia, eles continuarão a tradição. Envie-o para outra pessoa que precise dele.

Katherine enterrou o rosto nas mãos, os ombros tremendo. Cash se levantou e a pegou, colocando-a em seu colo. Ela demorou um pouco, fungou e ergueu os olhos, secando os olhos. — Desculpe. Estou um caco esta semana. Quem precisa de outra cerveja?

Cash a prendeu antes que ela pudesse se levantar. — Ninguém precisa de outra cerveja, querida.

— Vamos brindar. — Aria ergueu sua garrafa de cerveja no ar. — Para o Lou original.

Eu sorri. Ela considerou um Lou o original e o outro Lou - meu filho - o famoso Lou. — Para o Lou original.

O círculo aplaudiu.

Lou geralmente ganhava um brinde nessas funções. Ele ficou com todos nós, décadas depois, especialmente porque cada mulher no círculo estava usando uma peça de suas joias. Lou deu as joias de Hope para todos nós, junto com nossas respectivas cartas.

Bem, exceto para mim.

Ao longo dos anos, tínhamos compartilhado o conteúdo dessas cartas um com o outro. Principalmente, Lou escrevera sobre sua esposa. Combinadas, essas cartas nos deram um vislumbre de seu amor por Hope, e usar algo dela era uma honra.

Para Londyn, ele deu um medalhão de ouro. Para Gemma, um colar de pingente de opala. Para Katherine, um par de brincos de rubi. Para Aria, um anel adornado com pequenas rosas douradas. Usei as alianças de casamento de Hope como se fossem minhas. E Karson usava a aliança de casamento de Lou, a peça que Lou me deu de presente.

Era quase como se ele soubesse que o homem a quem estava destinado era Karson. Eu gostava de pensar assim.

Abaixei minha testa na de Karson, fechando meus olhos. — Eu amo você.

— Também te amo, querida. — Ele segurou minha bochecha, inclinando meu rosto para que ele pudesse cobrir meus lábios com os dele. Nós nos beijamos como no início. Nós nos beijamos como se não tivéssemos nos beijado por vinte e três anos. Nós nos beijamos como duas pessoas que nunca menosprezaram nossos dias.

Depois de afastar meus lábios dos de Karson, me endireitei.

— Mais um brinde. Para o ferro-velho.

Há muito foi demolido, mas vivia em nossos corações.

— Ao ferro-velho, — nove outras vozes disseram em uníssono.

Para o lugar onde nossas histórias começaram e o lugar onde encontramos uma família.

Para o lugar onde encontrei o amor da minha vida.

Para o lugar que nos uniu para sempre.

 

 

                                                   Devney-Perry         

 

 

 

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