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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


É PROIBIDO CHORAR / J. M. Simmel
É PROIBIDO CHORAR / J. M. Simmel

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

    A principal personagem é Maria, menina cujo pai foi para a guerra e ainda não voltou. A mãe, muito doente, internou-se num hospital. O maior desejo de Maria é rever O pai, embora saiba que é quase certo que ele morreu. Por isso entrega a um homem (um vigarista, na verdade) O dinheiro que seus colegas lhe pediram que guardasse para O próximo passeio que tinham combinado fazer.
    Esse homem prometera que, com O dinheiro, traria O pai de volta para ela. Mas O que ele faz ! é desaparecer também...
    Acusada pelos professores de ter roubado O dinheiro, Maria não sabe como resolver O problema. Alguns colegas seus, confiando  nela, resolvem ajudá-la. Todos se transformam em detetives e começam a procurar O verdadeiro ladrão. E é então que a história começa...

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     Confusão no Colégio Sofia - Vinte e três meninas não sabem O que pensar - O Diretor Müller cumpre apenas sua obrigação - Maria Langer não pode dizer nada - O inspetor está emocionado - Convoca-se uma reunião - Klaus Winter, a exceção - A justiça terá de vencer - Forma-se uma comissão.
    A neve tinha começado a derreter.
    Já vinha derretendo há dias. As velhas árvores do grande parque, no meio do qual ficava O Colégio Sofia, apontavam alegres seus ramos negros e despidos para O ar. Neles, já apareciam os primeiros brotos. As nuvens passavam rápidas pelo céu, e as ruas cheiravam a primavera. Parecia até época da Páscoa, mas estávamos apenas em meados de março.
    O Colégio Sofia era um prédio grande e velho, um ginásio feminino. Seus muros eram cinzentos. Havia também um segundo prédio igual a ele, O ginásio masculino, que podia ser visto perfeitamente das janelas da segunda série do colégio. Ficava do outro lado do parque. Umas poucas árvores apenas separavam as duas escolas. No verão, na hora do recreio, um bando de meninas alegres olhava pelas janelas do prédio e via um bando de garotos alegres. Os meninos chamavam as meninas, e estas respondiam. No recreio, meninos e meninas encontravam-se no parque. Os menores brincavam juntos. Amáveis, os maiores cumprimentavam-se e perguntavam, educados: "Como vai?" e às vezes passeavam de braço dado em volta dos canteiros de rosas. Quando eram mais íntimos, marcavam um cinema para a tarde ou um passeio de barco, e se comportavam exatamente como gente grande.
    A gorda Steffi Huebel, da segunda série tinha doze anos, como todas as outras meninas do segundo ano do ginásio) e sua amiga, a magricela Toni Lehr, de longas tranças louras, riam às gargalhadas dos alunos mais velhos, que eram muito afetados. Pareciam estar constantemente numa aula de dança. Toni achava que todos os garotos eram bobos e mal-educados, e que O melhor era não ligar para eles.
    A gorda Steffi, por ser sua amiga, era evidentemente da mesma opinião. No entanto, para agradar a Hedi Hausmann, amiga de ambas, faziam uma exceção. Hedi tinha um primo de treze anos - um ano a mais que as três amigas - que freqüentava O ginásio masculino em frente. Chamava-se Klaus Winter.
    Klaus era um garoto inteligente, educado. Em seu rosto, nos cantos da boca, formavam-se duas dobras - eram de tanto rir. Nadava, esquiava, praticava esgrima e andava de bicicleta.
    - É O único da turma com quem a gente pode conversar direito - declarou a gorda Steffi. E realmente era verdade: Klaus sempre se mostrava delicado e compreensivo, ajudava até nos deveres de casa, principalmente nos de matemática. Fazia contas que era uma maravilha! E as três meninas eram unânimes em afirmar que dele realmente a gente podia ser amiga. No verão, elas às vezes se esticavam para fora da janela, chamando seu nome, que ecoava pelo parque, chegando até as janelas do ginásio masculino. Se por acaso ah também estavam de recreio, Klaus não demorava a aparecer, acenando para elas, inclinando-se; e os amigos em volta dele também acenavam e se inclinavam, só de brincadeira.
    - São muito crianças! - dizia Steffi, balançando os ombros. - É impossível a gente se dar com eles. - E continuava a acenar para Klaus, que não era tão criança, que era uma exceção.
    No dia 16 de março, data em que começa nossa história, Steffi não veio à janela. Nem Toni. Nem Hedi. E era hora do recreio. O recreio das nove. Klaus porém, estava do outro lado, na janela, atrás das árvores, olhando.
    Nesse dia ninguém da segunda série teve tempo de pensar em acenar. Vinte e três meninas falavam ao mesmo tempo. Estavam terrivelmente excitadas, com as faces vermelhas. Sentadas em cima das carteiras, trocavam idéias, faziam suposições.
    Cinco minutos antes, a loura e quieta Maria havia sido chamada pelo diretor. Por quê? Ninguém sabia. Não dava nem para imaginar: a Maria, fazendo qualquer coisa de errado? Parecia tão meiga, tão calma tao modesta.. . Mas não havia como duvidar.
    O Inspetor Ueber irrompera na sala, no meio da aula de geografia, dizendo em voz alta:
    - Maria Langer, O diretor está chamando! Maria se levantou, muda, e saiu da sala. Logo
depois, tocou a campainha. A Sra. Klinger, professora de geografia e alemão, limpou os óculos com expressão preocupada.
    Acho que seria melhor - disse ela ao sair vocês passarem O recreio na sala de aula. O diretor vem falar com vocês. Ele tem um comunicado muito importante a fazer.
    E saiu.
    As vinte e três meninas foram tomadas de grande excitação. Que comunicado teria O diretor a fazer? Por que a professora agia de maneira tão misteriosa? Que estava acontecendo com Maria Langer?
    Eram muitas as perguntas, e ninguém sabia dar uma resposta certa. Tudo era boato!
    - A Maria colou na prova de latim e alguém entregou!
    - A Maria foi vista numa confeitaria... com um garoto!
    - A Maria foi muito malcriada e vai ser expulsa da escola!
    Nesse intervalo, as vinte e três meninas contaram umas às outras no mínimo vinte versões diferentes. Mas O que realmente havia acontecido, ninguém sabia. Do outro lado, da janela do ginásio masculino, Klaus acenava. Ninguém reparou. As três amigas estavam sentadas nas carteiras ouvindo, excitadas, O que contavam as outras, e todas diziam saber exatamente O que havia acontecido com Maria. De repente, a porta se abriu. A pequenina Trude, que ficara de plantão no corredor, entrou nervosa.
    - Cuidado! - exclamou ela. - Aí vêm eles!
    O silêncio na sala foi total. Vinte e três meninas olhavam ansiosas para a porta, que logo se abriu. A primeira a entrar foi Maria. Seu rosto estava muito pálido; vinha com as mãos nas costas. Sem olhar para ninguém, parou na frente do quadro-negro, junto à mesa do professor, de cabeça baixa.   Atrás dela vinha O diretor do colégio, O Professor Müller, homem gordo, de cabelos pretos, bigode preto e terno preto. Tinha O rosto vermelho, e notava-se O quanto suava. Trazia alguns papéis, que começou a desdobrar assim que se aproximou da mesa. Atrás dele entrou Dona Klinger, a professora responsável pela turma. Por fim, o Sr. Ueber, O inspetor. Os dois últimos ficaram parados na porta. Ueber parecia sentir-se muito pouco à vontade.
    As vinte e três meninas se levantaram.
    Na realidade, a turma tinha vinte e quatro alunas, mas a vigésima quarta já estava de pé, na frente do quadro-negro, junto à mesa do professor. A vigésima quarta aluna era Maria Langer.
    Sentem-se - disse O diretor. As vinte e três meninas sentaram-se. A vigésima quarta ficou de pé, como se O diretor não se tivesse dirigido a ela. E não tinha mesmo.
    - Muito bem - disse ele, pigarreando demoradamente. Via-se que lhe era penoso desincumbir-se de sua missão. Olhou para a professora, que desviou O olhar, contemplando as estampas na parede.
    - Muito bem - disse ele mais uma vez.
    - A Maria está chorando! - murmurou a gorda Steffi para sua amiga Hedi. Era verdade. Grossas lágrimas escorriam pelas faces da menina, em pé, na frente do quadro.
    - O que será que ela tem? - perguntou Toni, intrigada.
    - Pst! - fez Hedi, cutucando-a, pois O diretor havia recomeçado a falar.
    - Vim aqui para comunicar a vocês um fato muito sério e muito triste - disse ele, bastante controlado, mexendo com os papéis que tinha na mão. - Numa reunião de professores realizada agora, ficou decidida a suspensão da aluna Maria Langer por três dias. Se após esse prazo ela não. . .
    O diretor não conseguiu prosseguir, pois um barulho ensurdecedor levantou-se na turma. As vinte e três meninas falavam e gritavam ao mesmo tempo.
    - Suspensa?
    - A Maria?
    - O que foi que ela fez?
    - Maria, diga alguma coisa!
    Não dava nem para ouvir a própria voz em meio àquela barulheira toda.
    - Silêncio! - gritou O diretor.
    - Silêncio! - exigiu a professora. Aos poucos O barulho amainou.
    - Vamos acabar com esta confusão! - disse O diretor. - Estou apenas cumprindo minha obrigação. Vocês estão querendo saber por que Maria Langer foi suspensa, e é meu dever explicar.     - Olhou mais uma vez para a professora, como que pedindo ajuda.
    - Como vocês sabem - disse ela -, pretendemos que as alunas de nossa escola passem duas semanas de férias esquiando.
    - Claro - respondeu a pequena Trude, abelhuda como sempre. - Já recolhemos até O dinheiro para a viagem.
    - Exatamente - continuou a professora. - Já recolhemos O dinheiro. Um total de cinqüenta e uma meninas tomará parte do curso de esqui. Tem aluna de todas as séries. Ficou decidido que cada aluna contribuiria com cento e dez marcos. Recolhemos, portanto, um total de cinco mil seiscentos e dez marcos. Isso é muito dinheiro!
    - Se é! - observou O diretor, enxugando a testa.
    - Entregamos esse dinheiro, em várias parcelas, à agência de turismo - continuou a professora. - A última parcela, de mil e oitocentos marcos, deveria ter sido entregue ontem à agência. Eu mesma passei O dinheiro a Maria, depois da aula, pedindo que ela O levasse ao diretor. A professora deu de ombros. - O dinheiro não chegou ao destino!
    - Como não? - exclamou Hedi, excitada. - Que foi que Maria fez com ele?
    - Maria explicou O diretor - saiu da escola sem permissão e não voltou mais nesse dia. Não sabemos O que ela fez com os mil e oitocentos marcos. Sabemos apenas que ela só apareceu aqui no dia seguinte, dizendo ter perdido O dinheiro.
     A história que vocês vão ler a seguir ocorreu alguns anos após O término da última guerra mundial. Naquela época, vocês ainda não tinham nem nascido, por isso acho necessário explicar antes algumas coisas que vocês talvez (graças a Deus) não consigam entender.
    Nesta história, fala-se, por exemplo, em casas atingidas por bombas e que em seguida pegaram fogo, quando não desabaram completamente no momento da explosão. "Ruínas" era O nome que se dava então a essas casas destruídas, a esses escombros. Muitas vezes, toda uma cidade era uma única, gigantesca ruína. Aqueles que tinham a infelicidade de verem sua casa destruída dirigiam-se a uma repartição especial de alojamentos. Quando a pessoa tinha sorte, conseguia abrigo; quase sempre era obrigada a dividi-lo com muitas outras pessoas pois havia milhares nessa situação. A cada dia, a cada hora quase, chegava mais gente.
    As bombas tinham sido lançadas sobre as cidades por aviões, por ocasião dos chamados "ataques aéreos". Muitas vezes uma mesma cidade sofria vários ataques aéreos num só dia, principalmente à noite, e as pessoas eram obrigadas a procurar abrigos, em geral no subsolo das casas, ou então corriam para os enormes abrigos públicos, em busca de proteção. Ninguém conseguia dormir.
     Este livro conta também a história de um pai "desaparecido". Na época em que se passa a história, milhares de homens estavam desaparecidos. Pais, filhos, irmãos. Eles haviam partido para a grande guerra (a maioria não ia satisfeita, nem voluntariamente) e de repente os familiares deixavam de receber cartas, notícias. As mães, as esposas, as irmãs ficavam em desespero.    Rezavam para que os homens voltassem. Muitos voltaram. Inúmeros outros, no entanto, não regressaram nunca mais. Tinham sido mortos. Nessa última grande guerra morreram sessenta milhões de soldados e quase nove milhões de civis, entre eles milhares de mulheres e crianças. É horrível! Mas é um fato real.
    Uma quantidade muito maior de pessoas não tinha nada ou quase nada para comer durante essa guerra horrenda, e ainda anos depois. Para conseguirem alimento, eram obrigadas a tentar obter O que queriam clandestinamente. Em toda parte, sempre havia gente que dispunha de diversos alimentos de sobra, além de cigarros, café, chá, açúcar e chocolate - de tudo, enfim. Haviam conseguido essas coisas ilegalmente, por meio de negociatas. Vendiam todos esses artigos por preços muito mais altos. Eram os chamados "traficantes". Nada havia com que esses "traficantes" não negociassem. Eram ternos em bom estado (pois muita gente já não tinha mais roupas boas, e não havia novas para comprar); velas, pois, por ocasião dos ataques aéreos, faltava luz; lenha e carvão, pois as pessoas morriam de frio no inverno - e a última guerra durou cinco anos e meio! E, ainda, linha de cozer, agulhas, pedras de isqueiro, parafusos, relógios, sapatos. . . Os "traficantes" negociavam com tudo que vocês possam imaginar, pois precisava-se de tudo. Quem não tivesse dinheiro, ou não tivesse nada para trocar, estava mal arranjado. Os "traficantes" não davam nada de graça, nem meio palito de fósforo, nem um naco de pão.
    Por favor, eu lhes peço, acreditem em mim quando digo que a guerra, qualquer guerra, é a coisa mais vil, mais indigna que existe. E todo aquele que começa uma guerra é a pessoa mais vil e indigna do mundo, pois não existe justificativa alguma para trazer tanta desgraça a um número tão imenso de pessoas! Espero que vocês e seus filhos nunca tenham de passar por uma guerra. E por que, afinal? Sempre são (e foram) apenas homens os que começam a guerra. Homens, portanto, que teriam podido evitá-la, não é verdade? Eu ficaria imensamente feliz se soubesse que vocês, quando crescerem, vão se juntar e fazer todo O possível para impedir novas guerras.
    Agora, continuemos nossa história.
    Voltamos, então, à turma da segunda série do Colégio Sofia, onde a professora acabava de comunicar um fato inacreditável. . .
    Houve um rebuliço entre as meninas, que falavam ao mesmo tempo.
    - Silêncio! - gritou O diretor. - Não perguntei nada a ninguém! Sabemos tanto quanto vocês sobre O acontecido. Parte do dinheiro de vocês desapareceu. Maria não pode repô-lo. Os pais das crianças que pagaram sua parte virão exigir O dinheiro de volta. Haverá um escândalo. É provável até que tenhamos de avisar à polícia.
    A professora interrompeu O diretor:
    - Nós já teríamos comunicado O fato à polícia se a mãe de Maria não estivesse internada num hospital.
    - O que é que ela tem? - perguntou a gorda Steffi em voz alta.
    - Ela sofre do coração - respondeu a professora. Ao ouvir essas palavras, a pálida menina na frente do quadro começou a chorar Chorava em silêncio, e as lágrimas lhe escorriam pelas faces pálidas. Parecia tão triste! Apenas duas vezes deu ligeiramente de ombros, enquanto O diretor continuava a falar.
    - A mãe dela está muito doente - disse ele - e por isso decidimos dar uma última chance a Maria.
    Ela tem três dias para nos contar a verdade, e nos dizer O que foi feito do dinheiro. Até lá, ficará suspensa. Se mesmo depois dos três dias não puder, ou não quiser, nos dizer nada, seremos obrigados a ter uma conversa com a mãe e tomar outras medidas. O diretor pigarreou novamente. -   Como já lhes disse, estou apenas cumprindo minha obrigação. E é minha obrigação também pedir a vocês que venham me contar assim que virem ou ouvirem qualquer coisa ligada a essa história toda.    Entenderam?
    As vinte e três meninas balançaram, mudas, a cabeça.
    A vigésima quarta continuava em pé diante do quadro-negro, chorando em silêncio.
    - Tem alguma amiga da Maria aí na sala? perguntou O diretor.
    Ninguém se manifestou.
    Nenhuma amiga? - perguntou O diretor, espantado.
    - Steffi, e você? O que me diz da Maria?
    - Nada - E a gorducha levantou-se, toda vermelha. - Não sei nada sobre ela. Mas não acredito que ela tenha roubado O dinheiro. Steffi olhou rapidamente para O diretor, e voltou a sentar-se.
    - Hedi? - chamou O diretor.
    - Eu também não posso dizer nada - declarou ela. - A Maria nunca foi de falar muito. Quase não conversa com ninguém. - E acrescentou baixinho: - Acho que ela andava muito triste.
    - Triste por quê? - perguntou O diretor.
    Porque O pai dela teve de ir para a guerra, e está desaparecido - respondeu Hedi, mais baixinho ainda.
    Maria baixou a cabeça.
    - É - fez O diretor. - Para todo lado que a gente olha, é só desgraça! Mas espero que vocês entendam, nós temos de investigar esse fato. Não existe a menor dúvida de que vocês vão ter de nos ajudar, não é mesmo? O que não podemos deixar é uma pessoa pegar O dinheiro dos outros e depois não querer dizer O que foi feito dele.
    - E a Maria não quer dizer? - perguntou a Hedi.
    - Pergunte a ela - sugeriu O diretor. Hedi levantou-se e fitou Maria.
    Esta passou as mãos nos olhos e sacudiu a cabeça. Depois, respondeu com voz firme:
    - Não posso dizer nada!
    As vinte e três meninas ficaram olhando umas para as outras.
    Será que tinham ouvido direito?
    Maria não podia dizer nada?
    Os dois professores também se entreolharam; O diretor para Dona Klinger e ela para ele. Em seguida, aconteceu algo muito estranho. O inspetor emitiu um ruído esquisito, como se tivesse engolido um osso e não conseguisse mais respirar. Todos olharam para ele. Ele não havia engolido nenhum osso, mas realmente não conseguia respirar direito.
    - Que é isso, Ueber? - perguntou O diretor. Você ficou maluco?
    - Não, senhor - murmurou ele. - Mas a vida é tão triste!
   O diretor balançou-se na ponta dos pés e disse:
    - A vida é realmente difícil e séria. Mas que seria de. nós, se cada um fizesse O que lhe desse na cabeça?
    - O senhor tem razão - respondeu O inspetor.
    - Que aconteceria com O senhor, se de repente desse sumiço em mil e oitocentos marcos?
    - Eu não estou dizendo nada - respondeu O inspetor. Dizendo ele realmente não estava, mas continuava a engolir com dificuldade. Dava até para ouvir.
    - Espere no corredor! - ordenou O diretor. - Se O senhor não consegue se controlar, não podemos depender do senhor!
     O inspetor fez um esforço para se controlar, mas, não conseguindo, retirou-se da sala. A pequenina Trude, na última carteira, começou a soluçar.
    - Vamos acabar com isso! - exclamou O diretor, irritado. - Aqui ninguém chora! Eu disse a vocês O que aconteceu, e peço que me ajudem a desvendar este triste caso. E é só. Maria agora pegará suas coisas e irá para casa. - Virando-se para a menina, pálida, na frente do quadro, perguntou: - Entendeu, Maria?
     Maria andou devagar até a carteira e pegou a pasta. Não olhou para ninguém. As outras meninas olhavam para ela mudas. Quando chegou de novo perto da mesa do professor, Hedi levantou-se e lhe estendeu a mão. Logo a gorda Steffi a imitou. Finalmente, Toni fez O mesmo.
    - Vamos ajudar você - disse ela em voz alta. - Não acreditamos que tenha roubado O dinheiro.
    Maria balançou a cabeça.
    - Obrigada - disse ela baixinho. Depois cumprimentou em silêncio O diretor e a professora e saiu da sala. O diretor pegou seus papéis e seguiu-a. As vinte e três meninas levantaram-se, educadas. Não disseram palavra. Apenas Hedi sussurrou para sua amiga:
    - Logo depois da aula, temos de contar essa história ao Klaus.
    Klaus ouviu tudo em silêncio, enquanto seguia com as três meninas pela rua tranqüila. Eram duas horas da tarde e a neve ainda continuava a derreter. Com expressão séria, ouvia atentamente a história de Maria e dos mil e oitocentos marcos desaparecidos, contada por Hedi. Os quatro voltavam sempre juntos para casa. Moravam perto. No caminho, costumavam contar uns aos outros as novidades do dia. Dessa vez, eram, sem dúvida, os fatos mais sensacionais que já haviam acontecido no Colégio Sofia.
    - Mas O que será que ela fez com O dinheiro? - perguntou Klaus, finalmente. - Vocês dizem que ela é boa menina. . . Muito bem, mas mil e oitocentos marcos é um bocado de dinheiro!
    - Foi O que O diretor disse observou Steffi. - Só que isso não nos ajuda em nada. O que será que alguém pode fazer com mil e oitocentos marcos?
    - Ela pode ter comprado alguma coisa.
    - Talvez O dinheiro tenha ido para a mãe que está doente - sugeriu Klaus.
    - Bobagem - retrucou Toni. - A mãe está no hospital. Ela está por conta do Instituto, que paga todas as despesas.
    - Quem sabe a mãe tinha dívidas? - sugeriu O Klaus. - Muita gente tem dívidas.
    - Mas não de mil e oitocentos marcos! - E Hedi olhava para ele, sacudindo a cabeça. - Será que dá para você fazer uma idéia de quanto dinheiro é?
    - Quem sabe foi chantagem disse a gorda Steffi, esperançosa. - Muita gente é vítima de chantagem. Eu já li um livro que dizia. . .
    - Cale a boca! - interrompeu Hedi. - A Maria é uma menina direita.
    - Muita gente direita já foi vítima de chantagem - defendeu-se Steffi.
    Hedi deu O braço ao primo.
    - Escute - disse ela, sem prestar atenção a Steffi -, você é O único garoto com quem a gente se dá. Confiamos em você. Não é tão criança como os outros.. .
    - Você é uma exceção - afirmou Toni, enganchando-se do outro lado de Klaus. - Você tem bom senso.
    - A gente faz O que pode - observou Klaus, modesto.
    - E por ter bom senso - continuou Hedi -, esperamos que nos ajude.
    - Ajudar? - exclamou Klaus, sobressaltado. - Em quê?
    Temos de defender Maria.
    - Defender? Uma menina que roubou mil e oitocentos marcos? - Klaus deu uma risadinha. - Acho meio difícil.
    Mas ela não roubou O dinheiro! - A gorda Steffi começou a se animar. Apressou O andar, passando à frente. - Ela é uma boa menina, e está passando por maus pedaços. A mãe está doente, O pai desaparecido! O diretor e todos os professores estão contra ela só porque não pode dizer onde está O dinheiro!
    A escola inteira está contra ela disse Hedi, excitada.
    Ninguém acredita nela; ninguém lhe dá ouvidos. Está completamente só. Nós temos de ajudar!
    Mas se ela. . . - começou Klaus, mas Hedi logo O interrompeu:
    Ela é nossa colega! - exclamou. - Não podemos deixá-la na mão! E questão de justiça!
   - Questão de quê? - perguntou Klaus, assustado.
    - Justiça! Nós temos de ajudar para que a justiça vença! Meu pai trabalha num grande jornal - declarou Hedi. - Ele conhece muita gente, ouve muitas histórias. Muitas ele lê, outras ele presencia, e muitas chegam a ele pelo rádio, pela televisão ou pelo telefone, em tudo que é língua.    Meu pai é muito inteligente. Sempre diz que devemos fazer tudo para que a justiça vença.
    - Seu pai diz isso? - perguntou Klaus impressionado.
    - Diz sim. Ele diz que não existe nada mais importante do que a justiça! Assim que me encontrar com ele, vou contar tudo. Talvez possa nos ajudar. Se escrever qualquer coisa no jornal sobre a Maria, coitada, muita gente vai se interessar em descobrir O paradeiro do dinheiro! Fora disso, nós mesmos temos de tentar descobrir.
    - É - fez Klaus. - Você tem razão.
    - Quer dizer então que você pretende nos ajudar? - perguntou Hedi, apertando-lhe a mão.
    - Claro - disse ele.
    - Formidável! - exclamou a gorda Steffi, dando pulinhos. - Você é realmente O único garoto sensato que eu conheço!
    - Está bem - disse O único garoto sensato meio encabulado.
    Hedi estendeu-lhe a mão.
    - O que é?
    - Quero lhe agradecer - disse ela.
    - Eu também - disse Toni.
    - Muito obrigado! - agradeceu também a gorda Steffi, apertando, por sua vez, a mão de Klaus.
E foram andando.
    - A primeira coisa de que vamos precisar é um ponto de referência - disse Klaus, devagar e pensativo.
    O que é um ponto de referência? - perguntou Toni.
    O garoto olhou para ela com um leve ar de superioridade:
    - Quando a polícia examina um crime - explicou -, ela precisa primeiro de qualquer objeto, pessoa ou fato por onde possa começar a desenvolver seu raciocínio. Isso se chama "ponto de referência".
    - Ah. . . - fez Toni.
    - O único ponto de referência que temos continuou ele é Maria. Ela é a única que realmente sabe O que foi feito do dinheiro. Se é que não O perdeu.
    - Não pode ter perdido - declarou Hedi Ela só devia ter levado O dinheiro até a sala do diretor.
    Em vez disso, saiu correndo e não voltou mais. Isso prova que pretendia fazer alguma coisa com os mil e oitocentos marcos.
    Isso mesmo - concordou Klaus. - E por isso temos de começar interrogando Maria.
    E se ela não disser nada?
    Ela vai dizer qualquer coisa.
    Ela não disse nada ao diretor.
    - Isso é outra coisa - declarou Klaus. - O diretor e os professores são inimigos. Eles a suspenderam e talvez tenham até ameaçado qualquer coisa mais, sei lá. Temos de nos aproximar dela como amigos.
    Temos de explicar a ela que só queremos ajudar. Aí tudo muda de figura. Sabem onde ela mora?
    Eu sei - disse a gorda Steffi.
    Muito bem - disse Klaus -, então vamos mandar uma comissão até a casa dela.
    Uma O quê?
    - Comissão - respondeu Klaus, impaciente. Uma delegação vocês entendem? Dois de nós vamos até lá visitá-la.
    Por que só dois?
    Ora bolas! Se vocês quiserem, podem ser três também.
    - Eu não vejo por que não podem ser quatro
    - opinou a gorda Steffi. - Quanto mais gente, mais impressionada ela vai ficar. O melhor seria irmos juntos.
    - Se formos todos juntos, já não é mais comissão
    - observou Klaus.
    A gorda Steffi riu.
    - Não fique rindo feito boba - disse Klaus. Uma comissão sempre é formada apenas por delegados, e não por todos os aliados juntos.
     - Eu sou de opinião que nossa comissão devia ser formada de todos os aliados - opinou Hedi.
     Por mim... - retrucou O garoto. - Está bem, vamos todos juntos!
    - Minha mãe deve estar esperando para O almoço - lembrou Toni.
    - Ela pode esperar - respondeu Hedi. - Aqui se trata de uma questão de justiça!
     
Capítulo 2
     Maria recebe visitas - A pobreza e os bons amigos Maria conta sua história - A promessa do Sr. Alois Katzen - Por que meu pai continua desaparecido Três crianças não voltam para O almoço - A gorda Steffi tem uma idéia - Uma redação de jornal parece uma casa de loucos - O redator do jornal, Thomas Hausmann, promete ajuda
    Maria Langer morava na parte dos fundos de um prédio de vários andares. Era um edifício muito velho e feio, numa rua muito velha e feia. Ainda havia muitas ruínas da época da guerra naquela parte da cidade. Os corredores cheiravam a repolho e gordura rançosa; O reboco caía das paredes quando a gente se encostava nelas. As escadas eram escuras e sujas. Os quatro garotos tiveram dificuldade em conseguir orientar-se naquela casa para onde a gorda Steffi os levara.
    Klaus tocou a campainha numa porta em que estava escrito zeladora. Uma mulher baixa abriu porta.
    - Que é? - perguntou ela, pouco amável, olhando desconfiada para os quatro garotos.
    - Desculpe incomodar - disse Klaus, muito delicado -, mas será que a senhora podia nos dizer onde mora Maria Langer?
    Lá nos fundos - disse a mulher mal-humorada, fechando novamente a porta. Segunda escada. Segundo andar.
    - Muito obrigado - respondeu Klaus, A mulher não deu mais resposta.
    As crianças dirigiram-se para a parte dos fundos, que ainda era mais suja e mais escura que a da frente, e subiram pela segunda escada até O segundo andar. Numa das portas havia um cartão preso com uma tachinha. Nele se lia: Langer.
    Klaus bateu.
    Logo em seguida, uma voz de menina respondeu:
    - Já vai!
    A porta se abriu e Maria apareceu.
    - Ah, são vocês! - disse ao reconhecer as três amigas.
    - Somos nós, sim - confirmou Hedi amavelmente. - E este aqui é meu primo Klaus Winter, Podemos entrar?
    - Por favor - disse Maria. Chegando para O lado, limpou, envergonhada, as mãos num velho avental que usava. - Está meio desarrumada, mas eu estava justamente na cozinha.
    Os garotos entraram numa pequena cozinha que ficava logo ao lado do corredor. A luz estava acesa, tão escura era a cozinha.
    - Vão entrando - disse ela, levando-os para um aposento entulhado. - Que bom vocês terem vindo!
    Hedi olhou em volta. No quarto havia duas camas, uma mesa, algumas cadeiras, uma cômoda e dois armários. Em cima da cômoda via-se um rádio. Nas paredes, algumas fotografias já desbotadas. Em cima da cama e das cadeiras, algumas peças de roupa, arrumadas direitinho. Em cima da mesa, alguns pratos.
    - Senta, gente! - disse Maria, ainda meio sem graça. Ajeitou três cadeiras e apontou para a cama.
    - Um de vocês tem de sentar ali. Não há muito lugar.
    - E ficou vermelha. - Isto aqui não é bonito. Nossa casa bonita, onde morávamos antigamente, foi destruída durante a guerra.
    - É muito gostoso aqui - disse Klaus delicadamente, sentando-se na cama coberta por uma colcha vermelha.
    - Obrigada - disse Maria com um sorriso. - Você só está querendo ser amável.
    - Não - retrucou Klaus -, acho mesmo.
    - Obrigada - agradeceu Maria mais uma vez, e seu rosto tinha a expressão preocupada de uma pessoa bem mais velha. - Esperem um instante - pediu ela -, só quero dar uma olhada na batata. - E desapareceu na cozinha. Logo depois voltou: - Muito bem. O que vocês querem de mim?
    - Queremos ajudar - disse Hedi.
    - Ajudar? - Maria ergueu os olhos. Suas mãos esfregavam, nervosas, O grande avental. - Mas vocês não sabem nada sobre mim!
    - Isso não quer dizer nada - disse a gorda Steffi.
    - Vocês não sabem de nada! Fui suspensa na escola!
    - O que tem isso? - perguntou Toni. - Você é nossa amiga, não é?
    - Não - respondeu Maria, sentando-se na cama ao lado de Klaus. - Não sou não. Vocês moram em casas bonitas. Seus pais têm muito dinheiro. Eu e minha mãe somos pobres.
    - E daí? Por acaso você tem culpa de ser pobre?
    - disse Steffi, mais animada.
   Maria não respondeu.
    - E nós temos culpa de nossos pais não serem pobres?
    - Claro que não - disse Maria baixinho.
    - Claro que não - repetiu Hedi. - E é por isso que não vamos nem tocar nesse assunto. Meu pai sempre diz: "Tem gente que é pobre. Tem gente que é rica. Mas se aqueles que têm dinheiro não dividirem, de livre e espontânea vontade, suas coisas com aqueles que não têm, então nosso fim vai ser um desastre."
    - Seu pai diz isso? - perguntou Maria.
    - Hum - fez Hedi.
    - Que coisa estranha!
    - Estranha por quê? Acho muito natural.
    - É a primeira vez que ouço falar numa coisa assim - declarou Maria.
    - Também acho muito natural - observou Toni.
    - Afinal, O que seria da gente se um não ajudasse O outro? Não somos todos amigos?
    - É - fez Maria, tirando finalmente O avental enorme.' - Vocês são meus amigos, isso eu sei. Mas eu. . .
    - Você também! Você também é nossa amiga.
    - Toni levantou-se rapidamente e abraçou Maria. - Você está em apuros, está com problemas, e nós viemos aqui porque queremos ajudar.
    - Ajudar a mim? - retrucou Maria, espantada.
    - E como é que vocês pretendem fazer isso?
    - Queremos ajudar você a reaver os mil e oitocentos marcos.
    - Só que para isso é preciso que você nos conte tudo que aconteceu - disse Hedi. - Será que você conta?
    Apreensivas, as três amigas olharam para Maria. Klaus também. Ela permaneceu em silêncio por algum tempo. Depois, disse de repente:
    - Vou contar, sim.
    Lá fora, diante das janelas baixas, O sol iluminava a rua suja. Os quatro garotos estavam sentados em silêncio, ouvindo Maria contar sua história.
    - Vocês sabem, meu pai está desaparecido há mais de cinco anos.
    - Há tanto tempo assim você não vê seu pai? - perguntou a gorda Steffi com pena.
    - É. Há muito tempo! - respondeu Maria. - Mas não quero falar nisso. - Virou a cabeça e enxugou os olhos. - Muito bem, quando nossa bela casa foi destruída por ocasião de um ataque aéreo, tivemos de ficar algumas semanas num abrigo. Depois, O centro de alojamento nos mandou para cá. Aqui é horrível, vocês não acham?
    - Que nada! - retrucou Klaus depressa e com delicadeza. - Muito pelo contrário!
Maria sorriu.
    - É horrível sim, eu sei. Antes de nós, morava aqui uma velha surda. Quando morreu, viemos para cá.
    - E os mil e oitocentos marcos? - perguntou Toni. Todos olharam fixos para ela, e ela baixou os olhos.
    - Esperem. Já chego lá. Quando a guerra acabou, eu e minha mãe ficamos sozinhas e passamos um grande aperto.
    - Por quê? - quis saber a gorda Steffi.
    - Porque não tínhamos dinheiro - explicou Maria. - Minha mãe então começou a tentar ganhar dinheiro. Costurava para fora, mas O que ela ganhava não dava. Aí, um dia, apareceu O Sr. Katzenbeisser.
    - Apareceu quem?
    - O Sr. Katzenbeisser! - disse Maria em voz alta e bem explicado. Um homem de nome Katzenbeisser.
    - Que nome esquisito!
    - E ele era um homem esquisito também - disse Maria.
    - Por quê?
    - Bem, imaginem: apareceu aí de terno novo e sapatos novinhos em folha, com os bolsos cheios de dinheiro. Fumava um charuto grosso e usava três relógios no pulso.
    - Ele devia estar maluco - disse a gorda Steffi. - Para que um homem vai querer três relógios, se a hora é uma só?
    - Relógios são investimento de capital - disse Klaus, com ar de sabido.
    - São O quê
    - São invés. . . - pensou um pouco e depois fez um gesto com a mão dizendo: - Deixa pra lá, você não vai entender mesmo.
    - Se acha que é muito esperto, então você também deve saber. . .
    - Ora, vamos deixar de discussão, gente - disse Hedi. - Deixem Maria continuar a contar a história dela. Do contrário, não vamos poder ajudar.
    - Muito bem - disse Maria. - Aqui do lado temos outro quarto. É um pouco maior e um pouco mais ajeitado do que este. O Sr. Katzenbeisser (a quem, para simplificar, vamos passar a chamar de Katzen) queria alugá-lo.
    - Como é que ele sabia que vocês tinham mais um quarto?
    Em português, "Morde-Gato" (N. da T.
    - Quem disse foi a zeladora - explicou Maria. Ele veio perguntar se havia algum quarto para alugar no prédio, e ela informou que no edifício dos fundos, no nosso apartamento, talvez tivesse algum.
    - Eu vi a zeladora - disse Klaus. - Achei muito antipática. Acredito até que ela tenha empurrado esse tal de Katzen de propósito para cima de vocês.
    - A princípio, ficamos até contentes com O fato de ela ter empurrado esse homem para cima de nós disse Maria. - Ele deu uma olhada no quarto, gostou, e ofereceu uma quantia tão grande a minha mãe que ela alugou na hora.
    Toni sacudiu a cabeça.
    Tem uma coisa que eu não entendo. Se ele tinha tanto dinheiro, por que veio alugar um quarto logo aqui? Poderia ter escolhido um lugar melhor ou um hotel. Não que não goste daqui, Maria - acrescentou rapidamente -, mas. . .
    - Pode deixar - disse ela - não precisa se desculpar. Nós mesmas ficamos espantadas. Minha mãe até chegou a perguntar a ele. Respondeu que não queria O quarto para morar, que era só para passar uma noite de vez em quando ou marcar um encontro com algum amigo para discutir algum assunto de negócio. Disse que precisava de um lugar onde pudesse conversar em paz com os amigos. E que nossa casa era exatamente O que ele procurava.
    Então ele não morava aqui com vocês? - perguntou Klaus.
    - Não nunca chegou a morar. As vezes, vinha altas horas da noite e dormia até tarde, depois sumia durante semanas. Às vezes trazia gente estranha e ficavam bebendo e discutindo seus negócios.
    - E ele era amável com vocês quando aparecia? - perguntou Klaus.
    - Muito - retrucou Maria. - E aí é que está! Pagava O aluguel pontualmente, e de vez em quando, se calhava de fechar um bom negócio dava até mais. Sempre que chegava, ia para O quarto e voltava com uma barra de chocolate para mim, alguns vidros de conserva para minha mãe ou um maço de cigarros.
    - Você quer dizer que ele tinha tudo isso dentro do quarto?
    - Claro. Tinha estoques imensos.
    - Esse Katzen devia ser um vigarista - disse Klaus.
     - Claro que era. Naquela época em que existia pouca comida, ele fez um dinheirão como traficante. Só que gastava O dinheiro tão depressa quanto ganhava. Mais tarde, quando já havia mais coisas para comer e os preços foram baixando, ele passou a ganhar cada vez menos, e por fim estava até mal de vida. Minha mãe percebeu logo, pois ele começou a dever O aluguel, vivia se desculpando, dizendo que ia pagar no dia seguinte, e depois desaparecia por semanas. Até pensávamos que ele nem ia mais voltar. Já não nos dava mais chocolate nem conservas, pois mal conseguia se sustentar. Não usava mais aqueles ternos modernos, mas uma roupa velha e amarrotada, com O paletó manchado de gordura na frente. Isso foi há uns dois meses, quando minha mãe ficou doente.
    - O que ela tem?
    - Um problema qualquer de coração - disse Maria. - O médico insistiu para que fosse internada.
    - Desde então você vive aqui sozinha?
    - É - confirmou Maria.
    - E não tem medo?
    - Medo de quê? - perguntou, pálida. - Além disso, nem sempre fico sozinha. Todas as tardes, depois de sair da escola, vou até O hospital visitar mamãe. De vez em quando, a Sra. Jallinek, aí do lado, vem até aqui e me ajuda a arrumar a casa ou cozinhar. É até divertido!
    Você não tem cara de quem está se divertindo
    - disse a espevitada Toni, e as duas outras meninas olharam para ela, repreensivas.
    Continue - pediu Klaus.
    Maria concordou, balançando a cabeça.
    - Durante cinco semanas eu não vi mais O Sr. Katzen. De repente, na terça-feira passada, ele reapareceu. Eu estava justamente preparando O jantar, quando a porta se abriu e ele entrou.
    A porta se abriu como? - perguntou Klaus.
    Ele tem a chave, ora - explicou Maria. - O Sr. Katzen veio, entrou no quarto procurando um papel qualquer que devia ter perdido. Depois, entrou na cozinha e estava com aspecto tão esfomeado que eu O convidei para jantar.
    - Você não ficou com medo?
    De quê?
    Desse Katzen - retrucou a gorda Steffi. - Eu teria morrido de medo! Como é a cara dele?
    - Ele é alto - disse Maria - anda tão curvado que dá até a impressão de que é corcunda, mas não é. Só anda assim porque é muito alto e tem de olhar sempre para baixo, para as outras pessoas. Tem mãos imensas e cabeludas. Na verdade, tem muito mais cabelo nas mãos do que na cabeça.
    - Ele é careca? - perguntou Klaus, interessado.
    - Não é bem careca. No alto da cabeça, é careca, mas por trás das orelhas e dos lados, ele tem cabelo. Os lábios são muito finos, parece até que não existem.
    - Cruzes! - exclamou a gorda Steffi. - Deve ser um cara nojento!
    - Nem tanto - disse Maria.
    - Continue - pediu Klaus.
    - Bem, jantamos e depois eu lhe perguntei por que não aparecia há tanto tempo, e ele respondeu que tinha negócios urgentes a resolver. Depois perguntou por minha mãe e quis saber como eu ia.   Então falei da escola, que cinqüenta e uma crianças iam fazer um curso de esqui, que a maior parte do dinheiro já tinha sido paga, e que eu, como quinquagésima segunda, talvez pudesse participar de graça, conforme O diretor havia prometido. - Ao se lembrar dessa esperança agora desfeita, Maria começou a chorar.,
    As amigas a consolaram.
    - Não chore, Maria!
    - Quem sabe, talvez ainda dê para você ir!
    - Se a gente conseguisse achar O dinheiro antes ...
    Maria passou as mãos nos olhos.
    - Eu vivo chorando - disse ela. - É horrível! Desculpem.
    - Você está com os nervos arrasados - disse Klaus. - Não é para menos. .
    - Continue - animou Hedi, e Maria continuou.
    - No fim, O Sr. Katzen começou a falar do meu pai. Disse que, se ele estivesse aqui, eu certamente poderia tomar parte no curso de esqui, e minha mãe ia ficar boa logo; que tudo seria mais simples... se meu pai estivesse aqui. "Mas ele não está", retruquei. "Ele está desaparecido." Aí ele me contou que tinha conhecido uma pessoa que conseguia localizar e mandar os desaparecidos de volta para casa. Evidentemente a coisa custava dinheiro. Cinco mil marcos por pessoa. É uma quantia tão grande que não dá nem para imaginar. "Bem", disse ele, "cinqüenta e uma meninas da sua escola deram tanto dinheiro só para andarem de esqui! Com a metade dessa quantia eu poderia dar um jeito de meu amigo conseguir encontrar seu pai, pois gosto muito de você."
    - Mas você nem tinha esse dinheiro! - exclamou Klaus.
    - Aí é que está! Foi O que eu disse a ele.
    - E ele? - perguntou Steffi.
    - Ele me disse: "Bem, que seja a metade. Meu amigo tem bom coração. Vê se dá um jeito, talvez você consiga arrumar dois mil e quinhentos marcos. Em pouco tempo podíamos saber onde seu pai se encontra, e ele voltaria para casa, e você daria a maior alegria da vida a sua mãe. . . e tudo ficaria bem de novo."
    - E aí? - perguntou Klaus.
    - Eu disse mais uma vez que não tinha dinheiro nenhum.
    - E ele - perguntou Hedi. Todos estavam muito curiosos, e interrompiam Maria a toda hora.
    - Ele disse: "Talvez você consiga arrumar O dinheiro emprestado, por pouco tempo só.. . Depois você recebe de volta. Eu pago para você, porque gosto de você, você sempre me tratou muito bem."
    - Continue!
    Maria falava cada vez mais rápido.
     - "Sr. Katzen", disse eu, "e se seu amigo for um vigarista, e simplesmente desaparecer com O dinheiro daqueles que estão à procura de desaparecidos?"
    - Sim, e ele?
    - Ele respondeu: "Você pode ficar descansada, Maria. Meu amigo é um homem muito influente, já conseguiu reunir muitas famílias. Não posso dizer O nome dele e você também não pode falar com ninguém a respeito, do contrário seu pai ficará em perigo de vida, entendeu?" Entendi sim, respondi eu. "Muito bem", disse ele. "Agora tenho de ir." - Maria mal conseguiu dizer as últimas palavras, estava completamente sem fôlego. Respirou fundo.
    Os outros continuavam a perguntar, todos ao mesmo tempo.
    - E você, O que fez?
    - O que aconteceu depois?
    - O que aconteceu? - disse Maria. - Vocês podem imaginar O que fiquei sentindo.
    - Lá isso podemos - disse Klaus.
    - A noite inteira sonhei com meu pai. Sonhei que não estava desaparecido, nem morto, que tinha voltado. Depois sonhei com minha mãe. Como ela estava satisfeita Ficou boa logo! E é claro que sonhei também com os dois mil e quinhentos marcos que O Sr. Katzen pedira para tentar conseguir alguma coisa junto a seu amigo.
    - Eu também teria sonhado com isso - disse Hedi.
    Maria balançou a cabeça.
    - No dia seguinte, quando fui à escola, O inspetor me perguntou que horas eram. pois eu estava atrasada. Sabem vocês O que respondi?
    - O quê? - perguntou Klaus.
    - "Dois mil e quinhentos." Foi O que respondi. Acho que ele deve ter pensado que eu tinha ficado maluca.
    - Se eu estivesse em seu lugar, provavelmente teria dito a mesma coisa - declarou Toni.
    E Klaus acrescentou:
    - Podemos imaginar muito bem como você se sentia.
    Maria falava de novo:
    - A manhã inteira, na escola, não conseguia pensar em outra coisa a não ser no fato de que O Sr. Katzen voltaria à tarde e que eu poderia ajudar meu pai se tivesse os dois mil e quinhentos marcos para O amigo dele. Foi aí que tudo aconteceu.
    - Aconteceu O quê? - perguntou Toni, nervosa.
    - Você também é boba - disse Klaus irritado.
    - Naquele dia, a professora de vocês não deu mil e oitocentos marcos a Maria, dizendo a ela para entregar O dinheiro ao diretor?
    - Foi isso - disse Maria, baixinho.
    Meu Deus! - a gorda Steffi ergueu-se e, mordendo O dedo indicador esquerdo de susto, disse: - E você pensou...
    - Sim, pensei que. . . - Maria fez uma pausa.
    - Não sei se vocês conseguem entender. Vocês todos têm pai em casa. Acho que ninguém pode entender. Também não me importa! O que aconteceu foi isto: de repente, me vi com todo aquele dinheiro na mão e, enquanto descia a escada para ir entregar O dinheiro ao diretor, O tempo inteiro eu ouvia a voz do Sr. Katzen dizendo: "Dois mil e quinhentos. . . por pouco tempo só. . . Depois você recebe de volta, eu pago para você, gosto de você, você sempre foi muito boa, para mini.. . Em pouco tempo saberemos onde seu pai se encontra, e ele volta para casa. . . e você dará a maior alegria da vida à sua mãe. . . e tudo ficará bem de novo..."
    - Maria virou a cabeça para O lado. - Aí perdi completamente a razão e fugi da escola com O dinheiro.
    - Para onde? - perguntou Toni. (De vez em quando ela se mostrava realmente meio boba.)
    - Para casa, evidentemente - disse Maria. - Corri O mais depressa que pude. O Sr. Katzen já estava lá. Arrumava sua mala. Eu lhe estendi O dinheiro e ele perguntou: "Onde você arrumou isso?"
    - E de onde foi mesmo que você O pe.. . - Toni calou a boca e sacudiu a cabeça. - Hoje não
estou nos meus melhores dias - disse. - Claro que você O pegou na escola, como sou idiota!
    - Isso mesmo, da escola - concordou Maria. - Foi O que também disse ao Sr. Katzen. Revelei de onde O dinheiro era e O que eu devia ter feito com ele e que em vez disso eu havia fugido. "São apenas mil e Oitocentos marcos", disse eu, "não são dois mil e quinhentos. Mais não tenho. O senhor acha, Sr. Katzen que seu amigo. . ." "Eu vou falar com meu amigo", respondeu ele, guardando O dinheiro. "Vamos ver O que se pode fazer."
    - Mas O dinheiro não era seu! - exclamou Hedi.
    - Exatamente - respondeu Maria. - Por isso mesmo eu disse: "Sr. Katzen, mas O senhor tem de me devolver esse dinheiro O mais tardar amanhã bem cedo! De qualquer maneira, vou receber um castigo por não ter entregue O dinheiro ao diretor. Vou dizer que esqueci. Mas até amanhã de manhã eu tenho de ter O dinheiro de volta, senão.. . estou perdida!
    - Você disse isso mesmo? - perguntou Toni. (Ela realmente não estava em seus melhores dias.)
    - Disse O quê? - perguntou Maria.
    - Que senão estaria perdida?
    - Claro que disse - retrucou Maria. - Disse isso exatamente.
    E daí?
    - Daí, nada. O Sr. Katzen riu, vestiu O capote e falou: "Não se preocupe! Amanhã de manhã, O mais tardar às sete horas, você terá seu dinheiro de volta. Mas não se esqueça: não pode contar nada a ninguém, do contrário seu pai ficará em perigo de vidai"
     - Pelo amor de Deus! - exclamou Toni. - Agora você está contando isso tudo a nós! Será que você não está pondo seu pai em perigo de vida?
    - Não - respondeu Maria. - Agora sei que nada representa perigo de vida para meu pai. O Sr. Katzen me enganou.
    - Como é que você sabe? - perguntou Toni. (De fato, ela estava num de seus piores dias.)
    - Porque ele não voltou - respondeu Maria, baixinho.
    Durante alguns minutos todos ficaram em silêncio. Finalmente, Hedi perguntou com muito tato: '  - Ele não voltou nunca mais? Maria sacudiu a cabeça e cerrou as mãos.
    - Não - disse ela. - Na manhã seguinte, esperei por ele, mas não apareceu. Às oito horas, não tive coragem de esperar mais, e fui correndo para a escola, na esperança de que ele talvez estivesse lá! Não estava. Só estava O inspetor, e quando O vi tive vontade de sair correndo de novo. Mas ele me viu e me chamou de volta. Tive de ir para a sala de aula. Talvez vocês até se lembrem que cheguei atrasada.
    - Isso mesmo - disse a gorda Steffi. - Eu me lembro!
    - No recreio - continuou Maria, falando aos arrancos -, fui chamada. O diretor e Dona Klinger estavam lá e me perguntaram pelo dinheiro.
    - E aí? - perguntou Klaus.
    - Aí respondi que não podia dizer nada a respeito do dinheiro.
    - E por que você não contou a história do Sr. Katzen? - perguntou Toni, confusa.
    - Sua boba! - disse Klaus. - Desculpe, mas não acabou de ouvir que Katzen proibiu Maria de contar qualquer coisa, do contrário O pai ficaria em perigo de vida?
    - É mesmo! - disse Toni.
    - Exatamente - disse Maria. - Simplesmente não tive coragem de abrir a boca, de medo que pudesse acontecer alguma coisa a meu pai. Ou a minha mãe. Ou a mim.
    - Garanto que os professores não acreditaram em você - disse Klaus.
    - Claro que não - respondeu Maria. - Insistiram comigo por muito tempo e depois me mandaram de volta para a sala de aula. Hoje me chamaram mais uma vez lá embaixo e me disseram que eu tinha três dias para trazer O dinheiro de volta... O resto vocês já sabem.
     Maria ficou calada, olhando para fora da janela, onde brilhava O sol. Os quatro amigos estavam sentados em silêncio, pensando.
    - O pior ainda está por vir - disse Maria.
    - O quê?
    - Hoje à tarde, quando for visitar minha mãe, tenho de contar a ela O que aconteceu.
    - Não precisa ser hoje!
    - Precisa sim. Do contrário, O diretor vai contar e será muito pior. Ela vai pensar que escondo as coisas dela. Entendem?
    - Mas O diretor não disse que ia lhe dar três dias?
    - Se os pais começarem a apertá-lo, ele não vai dar não.
    - E agora que todo mundo sabe O que aconteceu, os pais certamente vão começar a apertá-lo - disse a gorda Steffi.
    Klaus coçava a cabeça.
    - Realmente não é fácil! - constatou ele. Depois olhou para O relógio. - Meu Deus! São duas e meia! O que será que minha mãe vai dizer?
    - Esse menino está ficando cada vez pior - dizia nesse instante a Sra. Winter mãe de Klaus. Com O fone na mão, conversava com a mãe de Hedi, a Sra. Hausmann. - Já são duas e meia; a aula acabou à uma. . . e ele não deu nem notícia!
    - A Hedi também não! - retrucou a Sra. Hausmann do outro lado da linha. - Com toda certeza, estão juntos. Já liguei para a Sra. Huebel, e a Steffi também desapareceu.
    - Só gostaria de saber O que essa garotada anda fazendo - disse a Sra. Winter, sacudindo a cabeça. - Não gosto que fiquem por aí assim. Nunca se sabe que tipo de gente vão encontrar.
    - , na época de hoje... - disse a Sra. Hausmann.
    - Tem razão - confirmou a Sra. Winter.
    - Se meu marido estivesse em casa... - disse a Sra. Hausmann. - Mas ele passa O dia inteiro no jornal. De manhã, quando sai, a menina ainda está dormindo, e quando volta, ela já está de novo na cama. Mas vou falar com ele. . . Assim não dá!
    - Assim não dá! - dizia também nesse instante a gorda Steffi, em casa de Maria. - Ficamos aqui sentados falando, O tempo passa e O dinheiro não aparece.
    - Ora, então dê uma sugestão - disse Klaus.
    - Vou dar mesmo - respondeu a gorducha. - Tive uma idéia!
    - Estou até curiosa! - declarou Hedi.
    - E é bom estar. - A gorda Steffi olhou triunfante para os amigos em volta, depois baixou a cabeça, afastou O cabelo da testa e disse: - Tem relação com seu pai!
    - Meu pai? - disse Hedi, olhando espantada para Steffi. - O que meu pai tem a ver com isso?
    - Calma, calma! - Steffi levantou a mão. - Seu pai vai ter de nos ajudar a encontrar esse tal de Sr. Katzen.
    - Por que logo ele? - quis saber Klaus.
    - Porque ele trabalha num grande jornal - explicou a gorda Steffi. - Com certeza, conhece todo mundo na polícia. Deve conhecer também uma porção de criminosos. E Hedi falou que ele é justo e inteligente. Que tem resposta para tudo.
    - Lá isso é - disse Hedi.
    - Está vendo?
    E daí?
    Daí, proponho irmos agora mesmo até O jornal e falar com ele.
    Todos concordaram. Klaus até declarou que achava a idéia muito boa. Só Maria sacudiu a cabeça.
    - Vocês vão ter de ir sozinhos - disse ela. - Eu não posso. Tenho de visitar mamãe no hospital.
    Contra isso não havia argumento. A mãe não poderia ficar esperando em vão. Principalmente quando não queriam que ela ficasse desconfiada ou preocupada, sobretudo no estado em que se encontrava. Resolveram então que, por enquanto, Maria não devia contar nada a respeito do Sr. Katzen.... pelo menos hoje, e que deviam encontrar-se novamente em casa de Maria, dentro de três horas, por volta das seis. Em seguida, apertaram a mão da pálida Maria e partiram.
    A redação do jornal onde O pai de Hedi trabalhava como redator-chefe não ficava muito longe. Os quatro amigos tomaram um bonde. Klaus pagou as passagens. Na parada seguinte, entrou um homem que, por trás, parecia ser O desaparecido Sr. Katzen. As meninas ficaram nervosas. Klaus caminhou discretamente pelo bonde até ver O homem de frente.. . e de frente ele nada tinha de parecido com O tal Katzen. Seu rosto era pálido e gordo, usava óculos e era totalmente careca. Não, aquele não era O Sr. Katzen.
    O prédio do jornal era imenso. Lá de dentro, embora abafados, vinham os trancos e roncos das máquinas. O porteiro, sentado em seu canto na entrada toda envidraçada, mostrou O caminho às crianças. Subiram no enorme elevador até O terceiro andar e saltaram num corredor com inúmeras portas. Luzes fortes iluminavam O corredor claro como a luz do sol. Grandes relógios marcavam as horas e atrás das portas se ouvia O bater das máquinas de escrever. De repente uma porta se abriu e um homem com alguns papéis na mão saiu apressado. Estava em mangas de camisa, O cabelo despenteado caído na testa, a gravata toda torta, quase pendurada nas costas. O homem saiu correndo pelo corredor como um louco, gritando sem parar:
    - Prohaska, esta notícia tem de sair sem falta ainda hoje! Prohaska, raios, onde foi que você se meteu?
    As crianças pararam assustadas, olhando O estranho, quando outra porta se abriu e dois outros homens saíram para O corredor. Também estavam em mangas de camisa.
    - Hoje tenho uma coisa formidável para a primeira página - disse um deles. - Um louco matou a mulher e O filho e se atirou do sexto andar.
    - Que bom - disse O outro. - Você teve sorte! Uma coisa formidável como essa não se encontra todos os dias.
    Klaus ficou tão espantado com essa observação que parou, segurando um dos homens pela mão.
    - O senhor acha isso formidável? - perguntou em voz alta.
    O homem estacou, surpreso. Olhou primeiro para O colega. Depois para Klaus. Em seguida para as três meninas. Elas e Klaus também olhavam para ele.
    - Meu amigo - disse O estranho finalmente -, quem quer que você seja, solte minha mão. Acalme-se. Claro que não tem nada de formidável um louco acabar com a família. Mas as pessoas gostam de ler essas coisas, e por isso ficamos satisfeitos com uma notícia assim.
    - Ah! - fez Klaus, ainda muito intrigado.
    - Afinal, aonde vocês querem ir? - perguntou O outro homem.
    - Para a sala do Sr. Hausmann - declarou Hedi. - Por favor, onde é que fica?
    - Está esperando vocês?
    - Não - disse Hedi -, mas somos parentes dele.
    - Isso qualquer um pode dizer - declarou  homem. - Querem saber de uma coisa? Tratem de sumir daqui.
    Klaus colocou-se na frente das três meninas e sacudiu a cabeça.
    - O senhor não tem O direito d falar conosco nesse tom. Apenas lhe pedimos para nos dizer onde é a sala do Sr. Hausmann, com quem queremos falar, nada mais!
    - O Sr. Hausmann não pode atender ninguém.
    - A mim ele pode! - exclamou Hedi. - Sou filha dele.
    - E eu sobrinho! - declarou Klaus.
    - Muito prazer - disse O homem -, pois sou O Rei da China
    - O senhor então não quer nos ajudar? - perguntou a gorda Steffi.
    - Não sou maluco! - declarou O homem. - Nós aqui não temos jardim de infância.
    - Muito bem - disse Steffi com toda calma -, então O senhor que agüente as conseqüências.
    - Que conseqüências?
    - O senhor vai ver! - E a gorda Steffi se encostou na parede, abriu a boca e começou a soltar gritos estridentes. Gritava tão alto e esganiçado que parecia uma locomotiva apitando pelo corredor afora. Gritava tanto que as outras crianças taparam os ouvidos. Os dois homens se esforçaram em vão para fazer Steffi calar a boca. Portas se abriram rapidamente de ambos os lados daquele corredor comprido e pessoas saíram precipitadas. Pararam apavoradas, olhando atônitas para a gorducha que berrava, encostada na parede com a cabeça toda vermelha. Finalmente, um senhor alto e simpático, de cabelos já grisalhos nas têmporas, saiu de uma das portas.
    - Pai! - gritou Hedi, correndo para ele. O Sr Hausmann inclinou-se, beijando a filha. Imediatamente a gorda Steffi parou com O berreiro.
    - É seu pai? - perguntou ela.
    - É - respondeu Hedi. - Graças a Deus!
    - Então está bem - declarou a gorducha, satisfeita. - Era só O que eu queria. - E aproximou-se do Sr. Hausmann, estendendo-lhe a mão. Hedi apresentou as amigas ao pai, e Klaus apertou a mão do tio. As pessoas em volta continuaram paradas, ouvindo.
     - Que bom vocês aparecerem aqui para me visitar - acabou dizendo O Sr. Hausmann. - Mas afinal vocês não podem ficar andando pelos corredores aos berros. Imaginem só se todo mundo aqui resolvesse berrar desse jeito.
    Nesse instante, O homem que saíra correndo de uma das salas voltou. Dessa vez corria na direção oposta. Ainda segurava os papéis na mão. Não olhava para ninguém, apenas gritava a plenos pulmões:
    - Prohaska, raios, onde você se meteu, Prohaska! Todos riram, só O Sr. Hausmann deu de ombros.
    - Pai, a Steffi não teria gritado se esse senhor aí - e ela apontava para O homem que disse ser O Rei da China - não tivesse tentado nos botar para fora. Ele foi muito pouco delicado, acho que seria bom você botar ele na rua! - Mais uma vez todo mundo riu, inclusive O homem.
    - Realmente, filha, eu O faria com O maior prazer, mas acontece que esse homem é meu chefe declarou O Sr. Hausmann.
    Todos riram novamente, até as crianças, e O Sr. Hausmann falou:
    - Bem, acho melhor entrarmos na minha sala para me contarem O que querem.
    Foi O que fizeram. O Sr. Hausmann tomou a frente e as crianças seguiram em fila. Atravessaram uma sala enorme, com muitas mesas e máquinas de escrever, na qual havia muita gente. Tinha gente escrevendo, falando ao telefone ou em pé, discutindo animadamente.
    Um homem gordo dizia:
    - Senhorita, quero falar com Paris, não com Krefeld. A senhora não entende? Paris!
    A seu lado, uma jovem, sentada diante de uma máquina de escrever e usando fones, datilografava como louca alguma notícia. Diante dela, a mesa toda tremia, tamanha era a força com que batia nas teclas. Ao lado, dois homens discutiam política. Perto deles, três outros riam de uma piada que um quarto contava. Perto ainda, num canto, quatro homens ao redor de uma mesa, com os chapéus empurrados para trás, jogavam cartas animadamente. Falavam ao mesmo tempo.
    - É - fez O Sr. Hausmann -, uma redação de jornal é uma verdadeira casa de loucos!
    Abriu a porta e as crianças entraram numa sala confortável, quentinha, na qual havia uma mesa, uma escrivaninha, algumas poltronas fundas e macias, e flores. Quando fechou a porta, todo O barulho ficou isolado.
    - Sentem-se - disse ele. As crianças quase desapareceram dentro das poltronas de couro. - E agora vamos lá. O que aconteceu?
    - Acho que seria melhor você ligar primeiro para casa e avisar mamãe de que estamos aqui - disse Hedi com muito jeito.
    - Vocês ainda não passaram em casa? Os quatro sacudiram a cabeça.
    - Gente, gente - disse O redator-chefe -, isso é coisa que se faça? - Mas logo se dirigiu à mesa e ligou para casa explicando tudo. Pediu ainda à mulher que ligasse para os pais de Klaus, Steffi e Toni. No meio da conversa, dois homens muito agitados irromperam na sala.
    - Sr. Hausmann! - gritava um deles. - Nosso correspondente de Londres acaba de anunciar que deverá haver uma desvalorização da libra nas próximas trinta e seis horas!
    - Bem, e daí? Não tenho nada com isso. Deixem-me em paz agora, por favor - disse O Sr. Hausmann.
    Os dois homens saíram. O Sr. Hausmann sentou-se junto das crianças, olhando-as com ansiedade.
    - Bem, então vamos lá. O que foi que houve? Contaram tudo.
    Hedi começou. Depois, quando sua garganta ficou seca, Klaus continuou; em seguida foi a vez de Steffi, e finalmente Toni contou O resto da história, encerrando:
    - Isso é tudo, Sr. Hausmann. Agora O senhor sabe por que estamos aqui.
    Durante um minuto O Sr. Hausmann ficou mudo na poltrona. Via-se que refletia, concentrado. Depois, olhou as crianças e perguntou, cauteloso:
    - Vocês acham que essa amiga de vocês contou a verdade?
    - Que é isso, tio! - exclamou Klaus, levantando-se de um salto. - Acha que ela roubou O dinheiro?
    - Calma, Klaus. Sente-se! - disse O Sr. Hausmann. - Não precisa se exaltar! Isso não leva a nada. Claro que não acredito que Maria roubou O dinheiro. Só que talvez as coisas não tenham se passado exatamente como ela contou. Vocês não a conhecem muito bem, não é? Pode ser até que tenha acontecido muita coisa de que ela se envergonhe, de que não goste de falar. . . Não acham que isso é possível?
    - Temos a impressão de que Maria nos contou a verdade, tio Karl - disse Klaus.
    - É, pai - confirmou Hedi -, temos essa in pressão.
    - Muito bem - declarou O Sr. Hausmann. - Isso era O mais importante. Agora vamos ver. - Apertou uma campainha e apareceu uma jovem. - Por favor, peça ao Sr. Peterson para dar um pulo até aqui - disse O Sr. Hausmann.
    - Sim, senhor - respondeu a moça e desapareceu. Logo em seguida a porta se abriu novamente e um homem entrou na sala. Tinha um aspecto meio esquisito, mas parecia muito inteligente. Não se pode imaginar cabelo mais vermelho que O dele. Os cabelos estavam em pé, desgrenhados, e brilhavam tanto que parecia O pôr-do-sol. Um par de óculos descansava sobre O enorme nariz, escorregando sempre. Na boca, tinha um pedaço de chiclete, que mastigava com esforço.
    - Peterson - disse O Sr. Hausmann -, queremos uma informação sua. Estes aqui são meus amiguinhos, e este é meu sobrinho. Este aqui - disse ele, dirigindo-se às crianças e apontando para O homem esquisito - é O Sr. Peterson, O homem que sabe de tudo.
    O homem que sabia de tudo inclinou-se, lisonjeado, mascando furiosamente.
    - Muito bem - disse O Sr. Hausmann -, precisamos de informações a respeito de um certo Sr. Katzen, ou mais precisamente Sr. Alois Katzenbeisser. Ele cometeu um delito. - E O Sr. Hausmann contou toda a história.
    Peterson apertou os olhos de modo que os óculos escorregaram mais ainda. Decidido, continuou a mascar seu chiclete, concentrado.
    - Katzenbeisser! - exclamou, de repente, entusiasmado. - Claro que conheço!
    - Viram? - disse O Sr. Hausmann - O que foi que lhes disse?
    As crianças estavam surpresas.
    - De onde O senhor O conhece? - perguntou Klaus, curioso.
    - Conheço quase todo mundo - disse Peterson, amável, abrindo novamente os olhos azuis. - Faz parte de minha profissão.
     E O que você sabe a respeito desse Katzen? - perguntou O pai de Hedi.
    - Alois Katzenbeisser - disse Peterson -, que também usa os criptônimos Franz Lauer, ou Herbert Wagner, ou Josef Klementberger. Procurado pela polícia por fraude, contrabando, roubo, desfalques de tudo que é tipo. Há tempos esteve preso em Colônia. Depois, cometeu diversos atos criminosos e está sendo novamente procurado. Antigamente era freguês assíduo de uma boate chamada Coelha Branca. Por vezes, também freqüentava O Café Parsival. Tem um metro e oitenta de altura, anda todo curvado, parecendo até corcunda. Tem mãos enormes e muito cabeludas. É meio careca...
    - É ele mesmo! - exclamou Klaus.
    - Muito bem - disse O Sr. Hausmann, aprovando -, e será que você por acaso não sabe onde ele se encontra?
- Isso é difícil de dizer - declarou Peterson -, pois está sendo procurado pela polícia. O mais provável, no entanto, é encontrá-lo na Coelha Branca.
    - Muito obrigado, Peterson - disse O Sr. Haus mann. - Era só isso. - Peterson saiu.
    - É impressionante! - disse a gorda Steffi. - Esse homem realmente sabe de tudo?
    - Quase tudo - respondeu O Sr. Hausmann. - Ele é pago para saber de quase tudo.
    - É a profissão dele?
    - É. Mas é uma profissão muito difícil, podem crer.
    - O que é um criptônimo? - perguntou Klaus.
    - No caso, é um nome falso - explicou O Sr. Hausmann. - Se eu, por exemplo, de repente resolvesse apresentar-me como Sr. Winter, Hausmann seria meu nome verdadeiro e Winter meu criptônimo. Como vocês podem imaginar, os criminosos freqüentemente usam mais de um nome, principalmente se a polícia está atrás deles.
    - E, afinal, Katzenbeisser é O nome verdadeiro ou é um criptônimo?
     - É - fez O Sr. Hausmann -, quem pode saber?
    - De qualquer maneira - declarou Hedi -, O senhor pode ver agora que Maria dizia a verdade. Esse Katzen é realmente um vigarista.
    E por isso mesmo - declarou O Sr. Hausmann
    - vocês só têm uma coisa a fazer ir à polícia e contar a história toda.
    - Não! - exclamaram as crianças em coro. - Não podemos fazer isso. Se O fizermos, estaremos colocando O pai de Maria em perigo de vida. . .
    - Bobagem - disse O pai de Hedi, sacudindo a cabeça. - Vocês já viram que O Katzen é um mentiroso, um impostor. Ele só disse a Maria que ela estaria pondo O pai em perigo de vida se tocasse no assunto para que ela não falasse nada. Assim ele próprio não estaria ameaçado. Entenderam?
    - Sr. Hausmann - disse a gorda Steffi -, nós entendemos, sim. Mas trata-se do pai de Maria e nós temos de ter O consentimento dela antes de irmos à polícia. Ela também se negou a dar qualquer informação ao diretor da escola.
    - Foi? - observou O Sr. Hausmann, admirado.
    - Realmente, parece ser uma menina muito estranha!
    - Ela não tem nada de estranho. Só acho que é nossa obrigação informar a ela que vamos levar O caso à polícia, pois, de qualquer maneira, ela é a pessoa principal em toda a história - declarou Hedi.
     E, afinal, onde está essa Maria? - perguntou O Sr. Hausmann.
    - No hospital, visitando a mãe - disse Klaus. Depois olhou para O relógio e acrescentou: - Talvez até já esteja se despedindo.
    Maria tem uma surpresa desagradável - Quatro crianças andam de táxi - Há qualquer coisa de errado com a zeladora - Sr. Katzen contra Sr. Hausmann Uma gravata e uma perna esticada - Mais uma vez a zeladora
     - Maria se descontrola - "Você vai é para nossa casa
     - Uma rápida mudança - Klaus tem idéias próprias - As coisas começam a funcionar.
    - Então até logo, mamãe - disse Maria naquele momento. Inclinou-se por cima da cama de uma senhora muito magra, beijando-lhe a face. A cama ficava num quarto todo branco, muito sossegado. O sol iluminava um grande jardim na frente das janelas. A senhora magra e pálida era a mãe da Maria, internada ali por causa de um problema cardíaco.
    - Até logo, filha. Vê se come direito! Não coma só batata frita! A gente vai conseguir arrumar dinheiro! Brinque um pouco! Você está muito pálida! Você tem de se juntar a outras crianças e se divertir! Deixe de tristeza!
    - Não estou triste, mãe - respondeu Maria, virando O rosto um pouco de lado. - Até que estou feliz! - e se lembrou dos mil e oitocentos marcos e do diretor da escola. - É verdade mãe - disse Maria com muita coragem -, estou muito bem!
    - Fico muito satisfeita - disse a mãe sorrindo, enquanto as mãos magras alisavam O braço de Maria. - E os deveres da escola, estão indo bem?
    - Claro, mãe - respondeu a menina, sentindo um nó na garganta, mas sem deixar de sorrir.
    - Então adeus, filha.
    Maria deu-lhe mais um beijo e saiu rapidamente. Ao chegar à porta, falou:
    - Amanhã venho visitar a senhora de novo!
    - Que amor! - exclamou a mulher na cama ao lado da Sra. Langer.
    - Tem razão. É meu único consolo.
    O "único consolo" desceu devagar as escadas brancas do hospital. Um bonde estava parado na esquina da rua. Maria entrou. Viu um relógio pendurado na parede de uma loja. Eram quinze para as cinco. Dentro de uma hora, os quatro amigos estariam novamente em sua casa. De repente, Maria teve vontade de vê-los. Desejou que já fossem seis horas, pois então não estaria mais tão só.
    Quando O bonde chegou perto de casa, Maria saltou A zeladora olhou-a com cara feia, abriu a boca como se quisesse dizer alguma coisa, refletiu por um instante e fechou-a de novo, sem ter emitido um único som. Maria subiu os dois lances de escada do prédio dos fundos Pela fresta da porta da sala, percebeu que havia luz acesa na cozinha. Assustou-se um pouco, mas logo se controlou e apertou a maçaneta. A porta nãq estava trancada, abriu instantaneamente! Havia aiguém na casa!
    Maria pensou rápido: devia sair correndo e pedir socorro? Quem poderia estar lá dentro? Quem sabe seria um assalto? Talvez. . . Não conseguiu acabar de pensar quando a porta foi escancarada, um homem saiu depressa, pegou Maria pelos ombros e puxou-a para dentro de casa, jogando-a contra a parede. A porta fechou-se atrás dele.
    Encolhida num canto, tremendo toda, Maria olhava espantada para O homem. Era alto e dava a impressão de ser corcunda. Não tinha cabelo no alto da cabeça. Era O Sr. Alois Katzenbeisser.
    Enquanto isso, outra coisa havia acontecido.
    Temos de contá-la depressa, antes de entrar em maiores detalhes a respeito do Sr. Alois Katzenbeisser, do contrário a história vai ficar confusa. Então muito bem:
    O Sr. Hausmann estava sentado na redação do grande jornal, com as quatro crianças, discutindo a situação. Depois de muito pensar, finalmente perguntou:
    - Para que horas vocês marcaram O encontro com Maria?
    - Para as seis - respondeu Klaus. - Na casa dela. - Olhou para O relógio. Aliás, ele olhava para O relógio a toda hora, pois ganhara-o há pouco tempo e se orgulhava muito dele. Tinha mostrador luminoso e era realmente bonito.
    - São quinze para as cinco - anunciou ele.
    - Muito bem - disse O Sr. Hausmann. - São quinze para as cinco. No momento, tenho duas horas de folga. Vou com vocês até a casa de Maria. Espero que ela já esteja em casa, apesar de ainda não serem seis horas.
    - Viva! - exclamou a gorda Steffi. Hedi apertou a mão do pai dizendo:
    - Sabia que a gente podia contar com O senhor.
    - Vamos lá - disse O Sr. Hausmann, um pouco emocionado. Apanhou rapidamente O casaco e O chapéu avisou O chefe, e lá se foram os garotos, O Sr. Hausmann à frente. Atravessaram a sala com os repórteres que antes falavam ao mesmo tempo. Agora, em silêncio, olhavam espantados para os garotos. Apenas O Sr. Peterson, O do cabelo vermelho, que comia uma maçã mais vermelha ainda, acenou com a mão livre dizendo:
    - Boa sorte!
    - Obrigado - agradeceu O Sr. Hausmann. - Acho que vamos precisar mesmo.
    Chegando à rua, O pai de Hedi levantou a mão e deu um assobio. Um táxi que passava naquele instante freou violento e parou.
    - Vamos - disse ele. - Estamos com pressa. Acho melhor pegarmos um táxi. Não acham?
    - Claro - disse a gorda Steffi, e seu rosto de lua cheia se iluminou. - Não existe nada que eu adore mais do que andar de táxi!
    - Então está ótimo - retrucou O Sr. Hausmann, empurrando a última criança para dentro do carro e dando O endereço ao motorista. Steffi estava encantada. Quando O carro partiu, olhou arrebatada para Hedi, dizendo:
    - Seu pai é fabuloso!
    - Claro - respondeu Hedi -, eu não digo sempre?
    O táxi seguiu rápido. O motorista conhecia bem O caminho e em dez minutos eles chegaram. Saltaram. O Sr. Hausmann pagou e, seguindo um atrás do outro, entraram pelo corredor do prédio feio.
    O Sr. Hausmann teve a impressão de que alguém os seguia com os olhos; virou-se de repente. Ao fazê-lo, viu uma mulher baixa, meio relaxada, com expressão sizuda, que imediatamente desapareceu pela porta em cima da qual estava escrita a palavra Zeladora.
     - Ah - fez ele, sem dizer mais nada. Era difícil saber O que queria dizer aquele "A".
    - Olha lá - disse Klaus, quando subiam O segundo lance de escada -, Maria já chegou! Tem luz acesa na casa.
    - Vocês estão vendo - disse O Sr. Hausmann -, Maria já chegou. Vamos ouvir agora O que ela tem para me contar. - De repente estacou. Sua expressão se tornou séria. Chamou as crianças para junto de si, inclinando-se na direção delas, que chegaram bem perto, pois O Sr. Hausmann falava baixinho, mal dava para entender O que dizia,
    - Fiquem aí - sussurrou ele. - Vou até a porta sozinho.
    - Por quê? - sussurrou Klaus.
    - Pode ser que haja mais alguém lá dentro - sussurrou O pai de Hedi.
    As crianças concordaram balançando a cabeça Era óbvio que agora todo cuidado seria pouco. Encolheram-se na sombra da escada e prenderam a respiração. O Sr. Hausmann aproximou-se sozinho da porta da casa de Maria e bateu
    Nada!
    Bateu novamente.
    Nada ainda.
    - Maria! - chamou ele. Nenhuma resposta.
    Apenas a luz da cozinha se apagou de repente. A casa ficou no escuro. O Sr. Hausmann deu um passo à frente, pegou a maçaneta com firmeza, apertou-a e abriu a porta com rapidez. Imediatamente recuou para O lado recuou com um segundo de atraso, pois no mesmo instante uma figura imensa atirou-se pela porta da cozinha, acertou-lhe um golpe na cabeça e derrubou-o.
    - Pai! - gritou Hedi.
    Klaus correu para junto dele, mas um pontapé do monstro atirou-o num canto.
    Tudo se passou muito depressa. O estranho, ou melhor, O Sr. Alois Katzenbeisser, acertou ainda um violento soco no rosto do pai de Hedi, desvencilhou-se dele e correu em direção à escada. No mesmo instante, Hedi esticou a perna para lhe dar um calço.
    O Sr. Katzen tropeçou, perdeu O equilíbrio, e com um grito caiu escada abaixo de cabeça para a frente. Deu até para ouvir quando bateu lá embaixo.
     Nesse meio tempo, O Sr. Hausmann já se havia levantado e saiu correndo atrás dele. As crianças também. Viram O Sr. Hausmann quase alcançar O maldito Katzen, quando O perseguia pelo corredor do prédio da frente. Nesse momento aconteceu algo de inesperado: a porta da zeladora se abriu no instante em que O Sr. Katzen passava por ela, e justamente quando O Sr. Hausmann também ia passar. Este bateu contra a porta e se atrasou. A mulher saiu para O corredor. Parecia não entender O que acontecia e ficou parada, atravancando O caminho do Sr. Hausmann.
    - Ora, deixe-me passar! - gritou ele, furioso. A mulher chegou-se para um lado, mas a porta
prendeu e só movimentou-se depois de muito sacudir. Quando O Sr. Hausmann finalmente conseguiu continuar a corrida, Katzen já havia desaparecido. As crianças seguiram O Sr. Hausmann até a rua e olharam para a direita e para a esquerda. A rua estava deserta. Katzen havia desaparecido. A zeladora surgiu, arrastando os pés. Curiosa, fitava O pai de Hedi.
    - O que está acontecendo? - perguntou ela. Isto aqui é uma casa decente, e não vejo por que. .
    - Preste bem atenção - disse O Sr. Hausmann, zangado como Hedi nunca O havia visto -, se a senhora disser mais uma palavra, vamos continuar nossa conversa na polícia! Suma daqui! - Ao ouvir a palavra polícia, a mulher teve um sobressalto e, antes que conseguisse responder alguma coisa, recuou assustada: Maria se aproximava em silêncio.
    Em meio à confusão com O Sr. Alois Katzenbeisser atacando O Sr. Hausmann e depois caindo escada abaixo, ninguém havia percebido que Maria surgira na porta. Por isso, todos agora estavam espantados.
    A zeladora, no entanto, logo se controlou.
    - Eu já venho olhando isso há muito tempo - grasnou ela ameaçadora. - Agora, para mim, basta! Você está se transformando numa mocinha muito estranha desde que sua mãe foi para O hospital! Começa com ninharias, depois, uma criança como você vai e mete a mão em mil e oitocentos marcos da escola... - no meio da frase ela se calou e mordeu O lábio. Ficou tão vermelha que dava até para ver, apesar da pouca luz.
    - Ora, mas isso é muito interessante - disse O Sr. Hausmann - Como é que a senhora sabe a respeito dos mil e oitocentos marcos?
    - Eu. . . eu não sei de nada - declarou a mulher.
    - Quem sabe O Sr. Katzenbeisser lhe contou alguma coisa - sugeriu O Sr. Hausmann. - Quem sabe até a senhora está de combinação com ele.. .
    - O senhor não tem O direito de dizer isso! - gritou ela. - Isso é uma calúnia! Vou denunciá-lo à polícia.
     O Sr Hausmann deu uma risada e falou: Muito bem, já que é assim, podemos ir logo juntos. - E pegou a zeladora pelo braço, puxando-a. A mulher deu um grito, soltou-se e correu para dentro de casa. A porta bateu violentamente. Ainda se ouvia a mulher xingando lá dentro.
    - O senhor acredita mesmo que ela seja cúmplice desse tal de Katzen, tio? - perguntou Klaus, abalado.
    - Claro respondeu O pai de Hedi, furioso. - E se nós agora formos à polícia para contar toda a história, falaremos nessa mulher também. Você vai ver só!
    Maria, calada O tempo todo, ergueu O olhos:
    - O senhor pretende ir à polícia?
    - Claro - respondeu O Sr. Hausmann. - É a única coisa sensata a fazer. - No entanto, ficou alarmado quando, sentando-se numa pedra diante da entrada do prédio, Maria apoiou a cabeça nas mãos e começou a chorar. As outras crianças rodearam-na, procurando consolá-la.
    - O que foi, Maria
    - A coisa mais sensata é realmente ir à polícia!
    - Pelo amor de Deus, pare de chorar!
    Nada adiantou. Maria soluçava. O Sr. Hausmann se aproximou, ajoelhou-se ao lado dela e acariciou-a delicadamente:
    - Queremos ajudar você, Maria. Não entende que só se pode conseguir alguma coisa de uma pessoa como esse Katzen com a ajuda da polícia? Esse homem é um criminoso! Acha que ele tem medo de você? Não viu como agiu com você?
   Maria parou de chorar, mas sacudiu a cabeça.
    - Entendo tudo isso - disse pausadamente. - Mas tem uma coisa da qual O senhor não se lembrou: se eu for à polícia, e O Sr. Katzenbeisser souber, vai fazer com que meu pai não volte nunca mais para casa!
    - Que bobagem! - O Sr. Hausmann estava revoltado. - Ele só disse isso para lhe meter medo! Para que você não fosse à polícia! Será que não entende?
    - O senhor acha mesmo?
    - Tenho certeza. - Balançando energicamente a cabeça, O Sr. Hausmann levantou-se, pois os joelhos já começavam a doer. - Vou fazer uma proposta: vocês vão para casa, e eu dou um pulo rápido à polícia e conto toda a história a um amigo. Assim não se perde tempo.
    Klaus viu Maria baixar a cabeça.
    - O que foi?
    - Estou com medo! - disse ela e começou a tremer. Era impressionante: em poucos instantes, tremia tanto que dava para todo mundo perceber.
    - Medo de quê? - perguntou Toni, espantada.
    - Você não para de fazer perguntas bobas! - exclamou Klaus. - Claro que é do Katzen. Quem garante que ele não vai voltar? Se fosse comigo, também teria medo.
    - É - fez O Sr, Hausmann. - Você tem realmente medo dele?
    - Tenho - disse Maria. - Ele disse que voltaria!
    - Não podemos deixar Maria aqui sozinha de jeito nenhum - declarou Klaus.
    - Talvez a polícia mande alguém vigiar a casa - observou O Sr. Hausmann. - Se eu falar com jeito, garanto que consigo.
    - E até lá? - quis saber a gorda Steffi.
    - Não! Não quero mais ficar aqui! - declarou Maria, sacudindo a cabeça. - Prefiro ficar com minha mãe no hospital e. . . - aí titubeou.
    - Que foi? - perguntou Toni. - Por que você não continua?
    - Não posso ir ao hospital - disse Maria baixinho. - Teria de contar a mamãe O que aconteceu. É - fez novamente O Sr. Hausmann, e ficou pensativo. Pensou, mas não achou solução. De repente, sua filha teve uma idéia.
    - Ora - disse ela -, nada mais simples! Você fica lá em casa até O Sr. Katzenbeisser ser preso! Ela olhou para O pai e perguntou: - Não acha que é uma boa idéia, pai?
    O Sr. Hausmann concordou. Parecia satisfeito por ter uma filha inteligente e boa.
    - Claro que sim - disse. - Agora vamos dar um pulo lá em cima para ajudar Maria a arrumar uma maleta, depois ela vem conosco e fica lá em casa por enquanto.
    - Sim mas... - Maria levantou a mão e baixou-a novamente, encabulada. - Não sei... Não quero dar trabalho a ninguém... O que é que sua mãe vai dizer? Não, não sei...
    - Bobagem! - Hedi chegou perto de Maria, abraçando-a. - Vamos deixar de bobagem? Afinal, somos ou não somos amigas?
    - Somos, sim - disse Maria.
    - E então, se eu estivesse no seu lugar e você no meu, você não ia me ajudar também?
    - Ia sim, mas. . .
    - Mas O quê?
    - Não tenho dinheiro. Não posso pagar pela hospedagem na casa de vocês.
    - Que absurdo! - exclamou Hedi. - Então você acha que aceitaríamos dinheiro seu?
    - Não, claro que não. Só que... eu. . . - Maria ficou confusa, sacudiu novamente a cabeça e calou-se.
    - Preste atenção, Maria - disse O Sr. Hausmann depois de pigarrear (alguma coisa estava presa em sua garganta, e a princípio ele nem conseguia falar direito). - Nós queremos ajudar você porque gostamos de você, entende? Porque gostamos de você e também porque você foi vítima de uma injustiça. O fato de ter ou não dinheiro não vem ao caso. Em primeiro lugar, você não tem culpa de não ter, assim como algumas pessoas às vezes não têm culpa de ter. Isso não tem a menor importância. O que importa é ajudar; e todo homem decente deve ter essa disposição. Nós, como queremos ser gente decente, estamos dispostos a ajudar você, entende?
    - Entendo, sim, senhor - respondeu Maria baixinho.
    - Nós temos de ajudar você agora, assim como um dia você poderá nos ajudar também.
    Não acredito que possa fazer isso algum dia.
    - Nunca se deve falar assim - explicou O Sr. Hausmann. - Você ainda é criança e esse mundo é muito grande. Talvez um dia eu esteja em apuros, quando você já for crescida, e aí você vai se lembrar de mim, da Hedi, do Klaus, da Toni e da Steffi e vai dizer: "Ora, aqueles eram meus amigos de infância, que me ajudaram daquela vez. . . é evidente que tenho de ajudá-los!" Você vê, é assim, e só assim, que temos esperança de algum dia melhorar O mundo. Será que você entende?
    - Entendo, sim, senhor - disse Maria, sorrindo corajosamente.
    - Então está bem - disse O pai de Hedi. - Agora, se disser mais uma palavra, mordo seu nariz!
    Maria passou a mão pelos olhos, limpando duas lágrimas. Depois sorriu.
    - Assim é que é! - disse O Sr. Hausmann.
    Todos subiram até a casa de Maria, onde ela arrumou a maleta. Levou dois vestidos, um par de meias, uma escova de dentes, algumas pecinhas de roupa íntima e seu material de escola. Em seguida, colocaram um cadeado na porta de entrada. Klaus O encontrará na cozinha, com chave e tudo, e por sorte havia duas argolas, uma na porta e outra na esquadria, talvez reminiscências de um antigo inquilino. O Sr. Hausmann achou que O cadeado era uma idéia excelente, pois impedia a entrada de Katzen, se por acaso resolvesse voltar. Quando passaram pela porta da zeladora, O Sr. Hausmann parou e escreveu num pedaço de papel: "Maria Langer está morando na Rua Gregor Mendel, 36, telefone 36-1824." Dobrou O papel, colocando-o na caixa do correio que ficava na porta.
    - É para O caso de alguém vir perguntar por você - disse ele.
    Em seguida os seis partiram. Caminharam até a esquina e tomaram um táxi que os levou à Rua Gregor Mendel. Primeiro deixaram Toni em casa, depois Steffi. Ambas prometeram ligar ainda à noite para saber se havia alguma novidade. Klaus não saltou, seguiu junto até a casa dos tios. Finalmente O táxi parou em frente a uma casa iluminada que ficava no meio de um jardim imenso.
    - Chegamos - disse Hedi.
    - É aí que você mora? - perguntou Maria, espantada. Olhava pela janela do carro para a escuridão lá fora. A casa toda é de vocês?
    - É - confirmou Hedi.
    - Os quartos todos?
    - Sim - respondeu Hedi, e sentiu que ficava meio encabulada. - É uma casa muito grande, mas costumamos ter hóspedes morando conosco.
    - Agora é você que vai ficar morando conosco
    - disse O Sr. Hausmann. Todos saltaram. O pai de Hedi dirigiu-se ao motorista, dizendo: - Se O senhor puder esperar quinze minutos, eu ainda sigo adiante.
    Pois não - respondeu O motorista, tirando um jornal do bolso e começando a ler. A três crianças e O Sr. Hausmann atravessaram O jardim em direção à casa. O Sr. Hausmann abriu a porta e eles entraram num grande vestíbulo cujas paredes eram forradas de madeira.
    - Primeiro vocês tiram os capotes e- penduram ali
    - disse O pai de Hedi, apontando para um pequeno cômodo. - Eu vou na frente. Enquanto falava, uma senhora apareceu no topo da larga escadaria que levava ao andar superior, chamando Hedi.
    - Que e, mãe? - respondeu a menina, acenando.
    - Até que enfim vocês voltaram! - disse, descendo devagar.
    Vejam só, Klaus também está aí!
    - Boa-tarde, tia Erika - disse Klaus.
    O Sr. Hausmann foi ao encontro da mulher, abraçou-a e beijou-a, chamando-a para um canto. Hedi, que os observava, disse a Maria:
    - Pode pendurar seu capote aí no vestiário. Então, em voz alta, O Sr. Hausmann disse à esposa:
    - Temos visita - e em poucas palavras contou-lhe a história de Maria. - Espero que você não se incomode por ter trazido a menina conosco?
    - Ora, meu bem - disse a esposa, beijando-o -, eu teria me incomodado se você não a tivesse trazido.
    O Sr. Hausmann sorriu e beijou a mão da esposa, dizendo:
    - Muito obrigado.
    - Por quê?
    - Ora - disse ele -, você me fez lembrar mais uma vez da razão por que a amo tanto!
    Logo em seguida, as três crianças saíram do vestiário para O vestíbulo e Hedi apresentou Maria à mãe.
    - Vou mandar arrumar uma cama para você no quarto de hóspedes - disse ela. - Deve estar muito cansada.
    - Não estou não - respondeu Maria. - Só espero não dar trabalho. . .
    - Trabalho! - exclamou a Sra. Hausmann rindo.
    - Você é amiga da Hedi, e é natural que fique conosco depois de tudo O que aconteceu. - Pegou-a pela mão e foi andando com ela.
    - Sabe de uma coisa? - disse Klaus para Hedi.
    - Sua mãe é formidável!
    - Também acho - disse O jornalista, apertando a mão do sobrinho. - Afinal, é sua tia! Daqui a uma hora devo estar de volta; vou dar um pulo até a polícia. - E se despediu.
    Enquanto isso, Maria acompanhou a mãe de Hedi até O quarto que agora passaria a ser seu. Era espaçoso, com paredes forradas de azul claro, muito simpático. Ao lado da janela, havia uma cama larga, um. mesinha com livros e uma lâmpada de pé. O chão era forrado com um tapete grosso, e nas paredes havia alguns quadros coloridos.
    - Sinto muito todo esse incômodo - disse Maria, sem graça, olhando para a mãe de Hedi.
    - Que bobagem! - retrucou ela, arrumando a cama ao lado da janela. - Você não podia, de jeito nenhum, ficar com aquele horrível Sr. Katzenbeisser.
    Maria aquiesceu. Depois, de repente, pôs-se a chorar. Três lágrimas lhe correram pelas faces, mas a mãe de Hedi percebeu:
    - Que é isso? - perguntou, abraçando a menina. - O que aconteceu agora?
    - Nada não - disse Maria, assoando O nariz com O lenço que tirou da manga do vestido. - É só porque estou me sentindo muito bem aqui.
    Um pouco mais tarde, a Sra. Hausmann foi para a cozinha terminar O jantar, e Hedi correu atrás para ajudar. Com isso, Klaus e Maria de repente se encontraram a sós no quarto de Hedi. Por muito tempo ficaram sentados, mudos, um frente ao outro. Klaus folheava um livro e Maria fingia brincar com uma boneca. . . Olhando com mais atenção, no entanto, percebia-se logo que Klaus não estava lendo, nem Maria brincando.
    Por fim, O menino não agüentou mais.
    - Escute - disse ele em voz alta para Maria, que soltou a boneca e olhou para ele.
    - Que é?
    - Tive uma idéia - disse, meio encabulado.
    Sim.
    - Só que O principal é saber se você teria coragem, entende?
    - Sim...
    - Será que você teria?
    - Depende. . . - disse Maria, muito cautelosa. Klaus inclinou-se para ela
    - É uma coisa arriscada.
    - Escute - disse Maria -, não sei O que você chama de arriscado, mas já passei por muita coisa na vida e não acredito que me assuste facilmente.
    - Mas daquele tal de Katzen você teve medo.
    E você por acaso
    - Tive - confessou Maria não teria?
    Klaus ficou pensando por alguns instantes. Depois baixou a cabeça e falou:
    - Teria, sim.
    - Você é formidável - disse Maria rindo e estendendo-lhe a mão.
    Eu, formidável, por quê? - espantou-se Klaus. Porque tenho medo do Katzen?
    - Por isso, não - respondeu Maria. - Porque você confessa que tem medo dele, O que é muito diferente.
    Klaus contentou-se com a explicação, pigarreou e prosseguiu:
    - Então vamos ao assunto.
    - Sua idéia?
    - É - fez ele, e não disse mais nada.
    - Como é? - perguntou Maria. - Vai contar? O menino levantou-se e foi, na ponta dos pés,
até a porta. Olhou para ver se não havia ninguém no corredor. Não havia ninguém. Tornou a fechar a porta, voltou para junto de Maria e sentou-se.
- Preste atenção - disse ele, muito misterioso -, você hoje à tarde não foi conosco lá no Sr. Hausmann na redação do jornal, e por isso também não sabe nada a respeito do Sr. Peterson.
    - Claro que não - retrucou Maria. - Quem é ele?
    Um repórter - explicou Klaus. - Um homem de cabelos ruivos que sabe de tudo.
    - E ele sabia alguma coisa sobre O Sr. Katzenbeisser?
    - Claro. Sabia que já esteve preso uma vez e que usa diversos nomes. Sabia ainda outra coisa muito especial, que é a base do meu plano.
    - Que coisa especial é essa?
    - Ele disse O nome de uma boate que O Katzen costuma freqüentar.
    - Uma O quê?
    - Uma boate - explicou Klaus, paciente. - Uma dessas casas que só abrem à noite, onde se dança. Você já foi a alguma?
    - Eu não! - retrucou Maria. - Você já?
    - Não. Mas meus pais já estiveram lá. Quando voltaram, fizeram tanto barulho que acordei. Aí olhei para O relógio: eram quinze para as quatro.
    - Da manhã?
    Claro que da manhã! O que você pensou que fosse?
    - Não pensei nada. Só sei que nunca na vida fiquei acordada até as três da manhã. . nem no Natal!
    Meus pais ficaram. Riam e conversavam, e faziam tanto barulho que tive a impressão de que estavam meio "altos".
    Maria ficou calada, impressionada. Em seguida perguntou:
    - Como se chama a boate que O Katzen costuma freqüentar?
    É a Coelha Branca e fica no centro da cidade.
    - Muito bem. E daí? Klaus baixou a voz:
    - Preste atenção - disse ele -, eu e você somos, por assim dizer, os dois únicos adultos no meio dessa garotada. Ou você não tem essa impressão
    - Não sei - disse Maria -, sempre achei Hedi muito adulta.
    - Hedi é minha prima - disse Klaus. - Acho que é muito boa menina, mas nunca me passaria pela cabeça confiar meus planos a ela.
    E a mim você confia? - perguntou Maria admirada.
    - Não há outro jeito - disse Klaus, disfarçando. - Afinal, você é a pessoa em torno da qual tudo está girando. Não se pode passar por cima de você, dè qualquer maneira. Você é capaz de reconhecer esse Katzen de longe. . . Só por isso você é muito importante.
    Maria levantou e olhou para Klaus com a testa franzida.
    O que você pretende, afinal? - perguntou ela.
    - Pretendo ir até a Coelha Branca esta noite para ver se encontro O Katzen.
    Você está louco! - exclamou Maria.
    Não estou louco de jeito nenhum - respondeu
    Klaus, excitado. - Vou ate a Coelha Branca e se encontrar O Katzen por lá, chamo a polícia, eles O prendem, e amanhã de manhã você tem O dinheiro de volta. É isso que você chama de louco?
    - Claro que não - disse Maria. - É muito gentil de sua parte, Klaus, ficar se preocupando comigo, mas acho que seu tio e a polícia.
    - Vai demorar muito! Já imaginou nós dois encontrando aquele homem! Depois vem a polícia e prende. Meus amigos vão ficar verdes de inveja! O pai da Hedi vai escrever um artigo a nosso respeito no jornal! Vamos ficar famosos
    - Escute - disse Maria -, você não vai ficar zangado se eu lhe perguntar uma coisa, vai?
    Eu não!
    Garante?
    - Garanto. O que é que você quer saber?
    - Eu queria saber O que seus pais vão dizer.
    Ora - respondeu ele, fazendo um gesto com a mão. - Não faz muito que liguei para eles avisando que ainda estava na casa de Hedi. Com eles não há problema.
    - De qualquer maneira, uma hora ou outra você vai ter de voltar para casa.
    - Claro que vou! - disse Klaus, rindo. - Vou para casa agora mesmo; moro aqui perto. Isso é O de menos.
    - Mas você não disse que queria ir à Coelha Branca?
    - Disse e quero! Mais tarde. Primeiro vou para casa jantar. Enquanto isso, você janta aqui. Depois você vai para a cama e eu também. Mais tarde, quando todo mundo achar que já estamos dormindo, nós nos levantamos e saímos de mansinho. . . entendeu?
    Maria pensou por um instante e disse:
    - Está tudo muito bem, mas tem uma coisa eles nunca vão nos deixar entrar numa boate dessas. Quantos anos você tem?
    - Eu? Treze - respondeu Klaus.
    - E eu, doze - disse Maria, sacudindo a cabeça. - Acho que a melhor coisa é a gente ficar em casa.
    - Não diga bobagem! ~ retrucou Klaus, que estava ficando nervoso. - É tão simples! Claro que não pretendo ser adulto. Vamos nos apresentar como crianças que estão à procura dos pais.
    - E acha que eles vão nos deixar entrar?
    - Se acho? Tenho certeza! Além disso (Klaus baixou a voz e se inclinou um pouco mais ainda), em casa, no meu cofre, tenho vinte e um marcos. Vou levá-los, porque podemos querer tomar alguma coisa, ou talvez seja preciso pagar entrada. Nunca se sabe. Pode ser também que seja preciso apanhar um táxi, se àquela hora não tiver mais bonde.
    - Tem bonde até meia-noite - declarou Maria.
    - Quem garante que nós já estejamos de volta à meia-noite?
    Maria fitou Klaus muito espantada.
    - Você pretende ficar acordado até tão tarde assim?
    Klaus apenas balançou a cabeça.
    - Afinal, temos de recuperar seu dinheiro, não é?
    - Lá isso temos.
    - E então? - Klaus riu. - Bem, então está resolvido. - Olhou para Maria - Você vem comigo?
    Maria hesitou.
    - Não sei.. . Não seria melhor falar primeiro com O Sr. Hausmann? Quem sabe ele nos acompanha? Seria bem melhor se ele viesse junto...
    - Nem pense nisso! - declarou O garoto. - Meu tio levou uma gravata desse tal de Katzen. Assim que ele O visse, ia reconhecê-lo no mesmo instante.
    - E a mim também - objetou Maria.
    - Também já pensei nisso - disse Klaus. - Por isso você vai ficar atrás de mim quando entrarmos na boate. Vou procurar lá dentro e quando achar que encontrei O homem, volto e apanho você para me dizer se é ele ou não.
    Maria continuou pensando.
    - Não acho justo. Afinal, estou aqui como hóspede. Se descobrirem O que fizemos.. .
    - E O que foi que fizemos? - quis saber Klaus.
    - Ora, você não conhece meu tio! Ele vai morrer de rir quando souber. Aliás, você já deve ter percebido. O pai da Hedi é realmente uma pessoa muito especial.
    - É mesmo - confirmou Maria.
    E então, como é, você vai ou está com medo?
    Acho que vou.
    - Eu sabia - disse Klaus, aliviado. - Você é formidável! Sabia que podia contar com você!
    - Está bem - disse Maria, dispensando O elogio com um gesto. - Mas como vamos fazer para conseguir chegar à cidade?
    - Também já pensei nisso. Preste atenção: agora, conforme já disse, vou para casa jantar. Depois vou fingir que estou dormindo. Você faz O mesmo. Daqui a três horas. . .
    - O quê? - perguntou Maria, espantada. - Só daqui a três horas?
    - Claro! - Klaus olhou para O relógio. - Agora são sete. Antes das dez nem adianta começar.
    - Mas estaremos cansados demais!
    Cansados demais! - disse Klaus rindo. - Você vai estar cansada demais para conseguir de volta seus mil e oitocentos marcos?
    - Isso não!
    Está vendo! - Klaus levantou e apertou a mão de Maria. - Vou embora. Já me despedi da Hedi antes. Seu quarto dá para a rua. Vou deixar meu relógio com você para você poder controlar a hora. Às dez, assobio lá embaixo. Aí você se veste e sai escondida.
    - Mas a casa está trancada!
    - A porta dos fundos não - explicou Klaus. - A porta dos fundos dá para O jardim. Você atravessa O corredor e dobra para a esquerda. Não tem como errar. Quando chegar à cerca você vai ter de pular. Lá na frente, na esquina, é O ponto de táxi.
    - Você vai de táxi para a cidade?
    - Vamos, sim. Não disse que tenho vinte e um marcos? - Maria estava boquiaberta. Klaus ia pegar um táxi! - Nunca na vida andei tanto de carro como hoje! - disse ela.
- Nunca é tarde para começar - respondeu ele.
Capítulo 4
    A Sra. Hausmann dá boa-noite - Klaus se atrasa setenta e seis segundos - Um motorista de táxi desconfiado - O porteiro da Coelha Branca é tapeado - Conclusões sobre a vida dos adultos à noite - Este não é O Sr. Katzen? - O Sr. Peterson, que sabe de tudo, comete um erro - Maria se descontrola - Katzen escapa e O Sr. Hausmann solta uma praga.
    Uma hora depois a Sra. Hausmann erguieu-se da mesa onde estivera sentada, jantando com Hedi, Maria e O Sr. Hausmann (que já havia estado na policia). Dirigindo-se às meninas, disse:
    - Já é tarde, foi um dia muito cansativo para vocês. È melhor irem dormir agora.
    - Está bem - concordou Maria.
    A Sra. Hausmann beijou-lhe a testa. Deu um beijo também em Hedi. Depois deu uma palmadinha em ambas dizendo:
    - Vamos lá. Escovem os dentes e cama!
    O Sr. Hausmann levantou-se, despedindo-se também.
    - Quando é que você volta, pai? perguntou Hedi.
    - É difícil dizer - respondeu ele. - Talvez lá pela meia-noite.
    Logo depois, no banheiro, Maria perguntou:
    Seu pai também trabalha à noite?
    - Claro - disse Hedi -, os jornais da manhã não são preparados à noite? Meu pai tem de estar lá!
    - Mas ele já trabalhou à tarde!
    - Mesmo assim - retrucou Hedi. - Precisamos de dinheiro, e papai tem de trabalhar para ganhá-lo. - Cuspiu uma boca cheia d'água e perguntou: - Seu pai por acaso não trabalhava?
    - Trabalhava. Mas não de noite.
    - Vai ver que é por isso que ele ganhava menos.
    - Quem sabe? - disse Maria Logo depois se despediram. Hedi foi para O quarto dela e Maria para O de hóspedes. Deitou-se na cama ao lado da janela, encolhendo primeiro as pernas porque os lençóis limpinhos estavam muito frios. Assim que apagou a luz, a Sra. Hausmann entrou para ver se estava tudo em ordem. Beijou Maria na testa, ajeitou O travesseiro e, sorrindo, saiu.
   - Boa-noite - disse Maria.
    Boa-noite, filha respondeu a Sra. Hausmann. Quando a porta se fechou, Maria olhou para O relógio de mostrador luminoso que Klaus lhe havia emprestado. Eram oito horas. Tinha de esperar mais duas horas! Deitada imóvel na grande cama, ficou pensando em tudo que acontecera naquele longo dia. Olhava para O teto no qual se refletiam as luzes dos carros passando pela rua. Pensava na mãe, lá no hospital, que não sabia de nada, e nos mil e oitocentos marcos que Katzen levara. Pensava no pai e também no Sr. Hausmann, tão delicado e gentil para com ela. Durante O jantar, ele contara que a polícia lhe prometera fazer todo O possível para encontrar logo O Sr. Katzenbeisser e ajudar Maria. De qualquer maneira, ia levar alguns dias, disseram os funcionários.
    Alguns dias!
    Maria começou a se mexer, inquieta. Não podia esperar mais alguns dias. Em primeiro lugar, porque O diretor da escola não estava disposto a esperar mais alguns dias. Amanhã de manhã, ou na parte da tarde, ela mesma devia ir à polícia, conforme recado dado pelo Sr. Hausmann. Tinha certo receio de ir, mas O pai de Hedi prometera acompanhá-la. E se contasse tudo? Não iriam interrogá-la sobre onde perdera mil e oitocentos marcos?
    Maria apertou os olhos com força e tornou a encolher as pernas. As perguntas eram muitas, e todas desagradáveis. A cama estava quentinha e macia. Gostaria de poder ficar ali para sempre, não ter mais de se preocupar com nada, nem com O Sr. Katzenbeisser, nem com O dinheiro perdido.
    Impossível!
    Ia ter de levantar-se de novo, por isso tinha de seguir ficar acordada. Às dez horas, Klaus ia leva-la à Coelha Branca. Olhou novamente para O relógio de Klaus. Como O tempo custava a passar! De repente, porém, eram cinco para as dez. Cinco para as dez!
    Ergueu-se de um salto. No escuro, procurou os sapatos com os dedos dos pés. Estava nervosíssima. Tinha de se vestir rapidamente para não deixar Klaus esperando quando assoviasse. Apalpando, procurou O vestido. Achava arriscado acender a luz, pois podia haver gente acordada na casa. Vestiu-se devagar, com muito cuidado. Os ponteiros do relógio em seu pulso marcavam um minuto para as dez.
    Um minuto!
    Acho melhor ir descendo devagarzinho, pensou, assim Klaus não precisa esperar. Conseguiu chegar até a porta, abriu-a com cuidado e olhou O corredor. Estava tudo escuro, apenas a luz de uma lâmpada da rua entrava pela janela. A escada rangeu quando Maria pisou nela. Parou assustada. Imaginem se alguém ouvisse O barulho e viesse ver O que acontecia! Tudo continuou em silêncio. . . Maria chegou até O vestíbulo, foi se esgueirando pela lareira, dobrou à esquerda e descobriu uma porta. Devia ser a porta de que Klaus falara. Era. A porta abriu e ela se encontrou numa copa onde havia uma geladeira. Ao lado da geladeira avistou uma segunda porta. Também estava destrancada. Abriu-a. Um vento forte lhe soprou no rosto. Era isso mesmo: daí se ia para O jardim, conforme Klaus dissera. Maria levantou a gola do capote surrado, fechou a porta e correu pelo jardim em direção à rua, passando, ágil e rápida, por cima da cerca de tela de arame. A tela estava gelada, e seus dedos começaram a arder quando segurou nela. Saltou para a calçada, olhou para a direita e para a esquerda, soprou nos dedos com força para esquentá-los.
    Receara que alguém pudesse vê-la pulando a cerca, mas não havia ninguém na rua. Encostou-se na grade e olhou para O relógio. Dez horas e dois segundos!
    Klaus devia estar chegando.
    Olhou em volta. Nada. A rua continuava deserta como antes, O vento murmurava nas árvores, e de algum lugar distante se ouvia O tilintar da campainha de um bonde invisível. Estava com frio. Começou a ficar com medo, também. Estava tão frio, tão escuro! E ela se sentia tão só. . . Por que Klaus não vinha? Prometera estar lá às dez! Enfiou as mãos no fundo dos bolsos, encolheu a cabeça entre os ombros, tremendo de frio. Por que será que ele não vinha?
    De repente, ouviu passos. Seria Klaus? Ela se aprumou. Era ele, sim. Vinha correndo, dobrando a esquina. Chegou perto dela sem fôlego, e passou a mão pela testa, sem graça, afastando O cabelo.
    - Você já está aqui? - disse surpreso estendendo-lhe a mão.
    Maria ficou olhando, muda, para O relógio que tirara do pulso para devolver-lhe.
   - Você está com setenta e seis segundos de atraso - disse então, recriminando-o. Parecia-lhe ridículo reclamar por causa de setenta e seis segundos, mas para ela tinha sido muito, muito mais.   Fora tão horrível esperar ali no escuro!
    - Desculpe. Sinto muito. Minha mãe trancou a porta de entrada e custei a sair.
    - E daí? - perguntou ela, começando a andar ao lado do menino. - O que foi que você fez?
    - Pulei a janela - respondeu Klaus, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
    - A janela?
    - É. - E acrescentou, com ar muito honesto: - Era do térreo.
    - Ainda bem - respondeu Maria, aliviada.
    - Só que primeiro tive de procurar uma janela para saltar.
    - Claro - disse ela, muito séria, pois percebeu logo que não era hora de zombar dele. Pensando bem, era até um garoto inteligente e corajoso. Maria olhou-o enquanto andava a seu lado pela noite. Agora usava um bonito capote azul, um boné, e uma camisa branca nova. Estava muito elegante.
    - Lá na frente tem táxi - disse ele, apontando com a mão. Realmente, havia três na esquina. Os motoristas estavam sentados num banco, conversando e fumando. Pareciam estar muito confortáveis ali, à luz do lampião.
    - Não seria melhor pegarmos um bonde? - perguntou Maria, preocupada. De repente, sentiu que O medo voltava, apesar de Klaus a seu lado.
    - Bobagem! - Klaus olhou para ela. - Por acaso você está com medo?
    - Estou - confessou ela
    - Eu não - declarou O menino. - Pode deixar. Confie em mim. - Apressou O passo de modo a chegar ao táxi antes dela. Abriu a porta de um deles e, inclinando-se, disse:
    - Por favor, entre, minha senhora. Maria ficou confusa.
    Klaus a havia chamado de "minha senhora"! Curvou-se e entrou. Logo ouviram uma voz masculina.
    - Hei, vocês dois aí? O que deu em vocês? - dizia a voz. - Carro não é brincadeira!
    Era O dono do táxi que se aproximara e pegara
    Klaus pelo colarinho. Era um gorducho com cara de boa paz, que vestia um pesado capote de couro. Falava sem tirar O cachimbo curto da boca.
    - Me larga! - exclamou Klaus, indignado.
    O homem levou tamanho susto que realmente O largou.
   - Tratem de ir para casa, seus fedelhos - disse, agitando a mão. Maria já saltava quando Klaus a segurou.
    - Nada disso! O que é que O senhor pensa? Quem O senhor acha que somos?
    - Duas crianças que já deviam estar na cama há muito tempo - respondeu O motorista.
    - Se nós já devíamos estar na cama ou não, é problema nosso. O senhor por favor nos leve até a cidade - disse Klaus.
    - Como? - pareceu-lhe não ouvir bem.
    - Para a cidade. Para a Coelha Branca. É uma boate - explicou O menino com toda a calma, entrando no carro.
    - Escute aqui! - O motorista meteu a grande cara vermelha pela janela e, ameaçando-os com O dedo, disse: - Se não tratarem de sumir já, vocês vão ver uma coisa!
    - Ora - disse Klaus, com ar importante -, O senhor por acaso acha que não temos dinheiro, é isso?
    - Claro que não têm! - retrucou O motorista.
    - Aí é que O senhor se engana - respondeu Klaus, tirando uma nota do bolso. - Sabe O que é isto?
    - Uma nota de vinte marcos - resmungou O motorista.
    - Está vendo! Vamos, ande logo, nossos pais estão esperando!
    Maria deu uma rápida olhadela para Klaus, a fim de ver se ele não tinha ficado vermelho diante de tamanha mentira. Estava escuro demais para perceber.
    O motorista resmungou qualquer coisa, tirou a cabeça e disse para os dois colegas, que riam às gargalhadas:
    - Vocês já viram uma coisa dessas? - Logo depois entrou no carro, fechou a porta e acionou O motor. - Que belos pais vocês devem ter! resmungou ao arrancar. Depois seguiu mudo, perdido em seus pensamentos.
    Maria olhava pelo vidro.
    Lá fora passavam casas, árvores, encruzilhadas, numa rapidez vertiginosa. Começou a ficar nervosa novamente.
    - O que é que você tem? quis saber Klaus ao notar que Maria estalava os dedos e não conseguia se acalmar.
    - Nunca estive na rua a esta hora da noite!
    - Ora, nem é tão tarde assim! Você vai ver só a hora que vamos voltar! - No entanto, percebia-se perfeitamente que também ele estava nervoso. Só que fazia questão de disfarçar. Afinal, era um rapaz, e um ano mais velho que Maria
    Logo depois O táxi parou diante de uma casa toda iluminada. Por cima da porta prateada e brilhante, pela qual soava música toda vez que era aberta, havia um anúncio luminoso. Representava uma coelha branca cor de neve. Embaixo, em letras vermelhas que piscavam sem parar, havia as seguintes palavras:
    A Coelha Branca Boate
    Na frente da porta estava um homem alto e gordo, com um longo capote vermelho enfeitado de gaIões dourados. E na cabeça, um boné também vermelho ricamente ornado de dourado. Usava linda um bigode imenso de pontas caídas. Parecia ate general. Assim que O táxi parou, ele se adiantou rapidamente, abriu a porta do carro e. . . espantado, recuou dois passos.
    - Ora vejam só! O que é isto? - disso O general-porteiro.
    Klaus saltou com ar de grande senhor, ajudando Maria a saltar também. Ela cumprimentou c porteiro com a maior amabilidade:
    - Boa-noite - respondeu O porteiro. - Vocês devem ter se enganado de número.
    - Não, senhor - retrucou Klaus. - É para aqui mesmo que estamos vindo.
    - Para aqui? - O porteiro, espantou-se mais.
    - Para a sua boate - explicou Klaus.
    - Mas é impossível! - objetou. - É proibida a entrada de menores.
    - Pode deixar - disse de repente O motorista, metendo a cabeça para fora do carro. - Eles estão à procura dos pais.
    - É verdade? - perguntou O porteiro.
    As duas crianças balançaram a cabeça afirmativamente.
    Virando-se para O motorista, Klaus perguntou:
    - Quanto é?
    O motorista verificou no taxímetro e disse:
    - Cinco marcos e trinta.
    O menino lhe estendeu a nota de vinte marcos, dizendo:
    - Me dê troco de seis, por favor.
    - Você vai mesmo dar setenta centavos para ele? - murmurou Maria, assustada.
    - Pst! - fez Klaus, fingindo não entender. O motorista estendeu O troco e Klaus guardou no bolso.
    - Obrigado, senhor barão - disse ele. Cumprimentou, tirando O boné, e partiu. Maria estava perplexa. Ele havia chamado Klaus de "senhor barão" só porque recebera setenta centavos de um garoto! Que mundo engraçado!
    Klaus fitou seriamente O porteiro em seu uniforme de gala.
    - E agora? - perguntou ele. - O senhor vai nos deixar entrar, ou vou ter de fazer queixa?
    Maria achou que ele também já passava dos limites e puxou-o pela manga. Klaus se livrou, irritado.
    - Como é O nome de seus pais? - perguntou O porteiro, cauteloso.
    - Langer - respondeu Klaus imediatamente. Maria teve um sobressalto. Langer, afinal, era O sobrenome dela...
    - Langer. . . não conheço - declarou O porteiro.
    - E O senhor por acaso conhece todos os fregueses da casa pelo sobrenome?
    - Isso não.
    - E então? - disse Klaus, enérgico. - Vamos deixar de história! Se O senhor não nos deixar entrar, vou falar com meu pai, e garanto que ele nunca mais bota os pés aqui!
    O porteiro tirou O boné, coçou a cabeça e tossiu.
    - Como é? - insistiu Klaus.
    - Prestem atenção - disse O porteiro, depois de se coçar demoradamente. - O que vou fazer é completamente contra O regulamento, mas não quero confusão. Vou deixar vocês entrarem por dez minutos. Mas tem uma coisa, se depois de dez minutos não aparecerem, entro e ponho vocês na rua, entenderam?
    - Está certo - disse O Klaus. Dando O braço a
    Maria, entrou com ela na boate, cuja porta O porteiro engalanado abrira para eles.
    Enquanto atravessavam O pequeno vestíbulo, Klaus ainda sussurrou:
    - Enganamos ele direitinho, viu? - Maria, porém, não conseguiu responder. Estava nervosa demais. A porta, na outra extremidade do vestíbulo, que Klaus agora abria, dava diretamente para O salão. A música soava muito alta. As duas crianças pararam um instante, ofuscadas pelas luzes e atordoadas pelo barulho e pelo calor. Depois que seus olhos se acostumaram ao novo ambiente, Maria viu uma sala imensa com muita gente. Algumas pessoas estavam sentadas em mesinhas rindo e bebendo; outras dançavam numa pista iluminada, ao som de uma orquestra de músicos vestidos de branco, sentados em cadeiras em cima de um estrado. As mulheres pareciam bonecas, com os lábios pintados de vermelho vivo e vestidos luxuosos. Os homens trajavam ternos escuros, camisas finas, fumavam e se divertiam. O ambiente era de muita animação. Na parede oposta, Maria descobriu algo como um balcão de loja. Diante dele, viu algumas pessoas sentadas sobre banquinhos de pés altíssimos. Apoiavam os cotovelos no balcão, exatamente como sempre lhe haviam ensinado a não fazer.. . e bebiam em copos estranhos. Atrás do balcão havia um homem de jaqueta branca. Sacudiu como louco uma garrafa prateada, depois, abrindo-a, derramou O conteúdo em diversos copos, que apresentou aos fregueses.
    - O que é aquilo? - perguntou Maria, bem baixinho e muito admirada, apontando com O dedo.
    - É O barman - cochichou Klaus.
    - O que é um barman? Klaus olhou-a com compaixão.
    - É O homem que mistura tudo que é bebida para preparar novos drinques - explicou ele.
    Logo depois, um garçom se inclinou diante deles perguntando:
    - O senhor está procurando alguém?
    Maria virou-se e já se preparava para fugir, mas Klaus conseguiu agarrá-la e segurou-a pelo braço.
    - Estamos procurando nossos pais - explicou ele ao garçom, que ouviu atentamente, sem pestanejar, como se fosse normal duas crianças aparecerem à procura dos pais àquela hora da noite. Balançou a cabeça e disse:
    - Ah, sei! - Depois perguntou O sobrenome dos pais e se ofereceu para ajudar.
    - Obrigado - disse Klaus. - Acho melhor eu mesmo procurar. Não se preocupe. Daqui a pouco eu acho. - Virou-se para Maria fitou-a de modo significativo e acrescentou: - É melhor você esperar por mim aqui.
    Maria só conseguiu responder com a cabeça. Nesse instante, uma senhora passara dançando por ela; era muito parecida com sua mãe. Usava um vestido longo em tecido dourado e trazia uma rosa no cabelo. Era muito bela e ria às gargalhadas. Maria apertou-se contra a parede ao lado da porta de entrada e ficou a olhá-la até que desapareceu em meio às pessoas que dançavam.
    Logo depois, lembrou-se de Klaus. Olhou em torno, procurando por ele e em breve O descobriu Atravessava devagar O salão, olhando atentamente para O rosto das pessoas instaladas nas mesinhas. Finalmente, aproximou-se do estranho balcão dos fundos, onde O barman sacudia a garrafa prateada. Maria teve de fechar os olhos por um instante, pois a música e as vozes ficaram tão altas que ela começou a ficar tonta. Isso então era uma boate? - pensou. É isso que os adultos fazem à noite? Vestem roupas caríssimas, gastam dinheiro para dançar ao som de uma música violenta, fumando, rindo e conversando, brindando-se a todo instante e esvaziando os copos! Maria não se lembrava de seus pais alguma vez terem ido a lugar semelhante. O máximo que faziam era ir ao cinema. Ou ao teatro. E uma ou outra vez a um concerto.
    Estava tão perdida em seus pensamentos que não notou a volta de Klaus. Quando ele a puxou pelo braço, teve um sobressalto.
    - O que foi?
    - Venha comigo - disse Klaus. Seu rosto estava vermelho de excitação, seus olhos brilhavam.
    - O que foi? - murmurou Maria.
    - Você vai ver - respondeu, puxando-a através da multidão que olhava, surpresa e divertida, as duas crianças. Chegando perto dos bancos de pés altos, Klaus parou, apontando para um homem sentado ao lado de outro, bebendo. Um era careca. O outro, ruivo.
    - Aquele ruivo eu conheço - declarou Klaus, excitado. - Encontrei-o à tarde na redação. Trabalha para O pai de Hedi e se chama Peterson.
    - É O que sabe tudo?
    - Isso mesmo. Mas não se incomode com ele. Olhe bem para O outro... O careca... Ali! - Nesse instante, O careca virou-se e olhou na direção dela. - Aquele não é O Katzen? - perguntou Klaus.
    Maria teve um sobressalto. O homem careca também. Sua mão começou á tremer e por um instante pareceu que ia deixar O copo cair. Conseguiu controlar-se, no entanto, e colocou-o com cuidado em cima do balcão. Ele vira as duas crianças, exatamente como elas O haviam visto.
    - É ele... Sim - murmurou Maria, gaguejando.
    Por mais desagradável que seja, vamos ter de interromper nossa história mais uma vez a fim de contar algo para O qual ainda não tivemos tempo. É evidente que seria muito mais interessante narrar logo O que aconteceu com O Sr. Katzenbeisser depois que Klaus e Maria O reconheceram; com isso, porém, tornaríamos a história muito confusa.
    Enquanto os dois garotos iam à Coelha Branca, outras coisas se passavam. Se pensarmos bem, vamos constatar que sempre ocorre uma porção de coisas ao mesmo tempo. Coisas que às vezes têm e às vezes não têm relações umas com as outras. Existe muita gente no mundo, e a cada pessoa e a todas acontece alguma coisa. Todos vivemos ao mesmo tempo.
    Acabamos de dizer que Klaus havia reconhecido O Sr. Peterson, O ruivo da redação do jornal, O homem que sabia de tudo. Ê sobre ele que vamos contar algo, para que nossa história não se confunda.
    O Sr. Peterson era muito inteligente. Além disso, também era bom repórter. E um bom repórter está sempre à procura de grandes novidades, para poder relatá-las.
    Quando, naquela tarde, O Sr. Peterson viu as quatro crianças e ouviu que estavam interessadas no Sr. Katzenbeisser, pensou logo que talvez pudesse escrever uma boa história sobre O caso. Era só descobrir O paradeiro do homem e entregá-lo à polícia. O Sr.
    Peterson sabia que ele costumava freqüentar a Coelha Branca; portanto, resolveu ir lá dar uma olhada na quela noite rnesmo, na tentativa de encontrá-lo. Se O Sr. Peterson tivesse sabido de tudo que ainda iria acontecer, teria primeiro procurado Klaus e Maria, e combinado qualquer coisa com eles. No entanto, ignorava que ambos também haviam decidido ir à Coelha Branca. Por isso, na verdade, não teve culpa do que aconteceu. Mesmo assim, ficou furioso! O Sr. Peterson vestiu O melhor terno, jantou bem e foi até a Coelha Branca, onde se instalou no bar, naquele balcão com os bancos de pés compridos. . . e tomou um drinque.
    Chegara muito cedo.
    Nada de Katzen Tomou cinco drinques antes de ele aparecer! A princípio, não conseguiu nem acreditar e se beliscou no nariz para se certificar de que não estava sonhando. Doeu tanto que chegou a soltar um "ai"!
    Katzen entrou na boate, olhou em volta desconfiado, e aproximou-se do bar, onde se instalou ao lado de Peterson.
    - O que O senhor deseja tomar? - perguntou O barman.
     - Um conhaque - pediu Katzen, sorrindo bem humorado. Logo depois viu Peterson, O repórter. Já se conheciam do tribunal onde Peterson estivera nas duas vezes em que Katzen fora condenado à prisão.
    - Boa-noite - disse Katzen.
    - Boa-noite - respondeu Peterson, chegando mais para perto do outro e estendendo a mão. O que lhe interessava agora era segurar Katzen ali, até que conseguisse avisar a polícia.
    A princípio, conversaram sobre O tempo, depois sobre bebidas e finalmente sobre negócios. Foi aí que Peterson, O ruivo que tudo sabia, cometeu um erro. Afinal, todo mundo comete erros de vez em quando... Depois Peterson se arrependeu amargamente, mas então já não havia mais O que fazer. Peterson disse:
    - Sim senhor! Que belo golpe O senhor deu outro dia, hein!
    - O quê? - perguntou Katzen, que não se lembrava de nenhum belo golpe que tivesse dado nos últimos tempos.
    - O senhor pegou mil e oitocentos marcos de uma menina de doze anos! - disse O repórter. No mesmo instante, seu rosto ficou mais vermelho ainda do que os cabelos, e ele teve vontade de dar um tapa em si mesmo. Estava tudo perdido!
    Katzen encarou-o firme e perguntou:
    - O que foi que eu fiz?
    - Nada não - respondeu imediatamente Peter son, pensando num jeito de segurar Katzen até que alguém conseguisse chamar a polícia. Logo reconheceu que não seria possível. Katzen era muito mais forte. Tinha colocado O copo em cima do balcão e se virara rapidamente. ... no mesmo instante percebeu Klaus, que entrara acompanhado de Maria e se aproximara do bar.
    Muito bem, agora podemos retomar nossa história. Klaus perguntou a Maria:
    - Aquele não é O Katzen?
    - É ele. . . sim! - gaguejou ela. Virou-se rapidamente e correu em direção à porta. Alguns fregueses ficaram olhando para ela espantados.
    - Maria! - gritou Klaus, mas ela não parou, chegando até O vestíbulo, onde Klaus alcançou-a e segurou-a.
    - Você ficou louca? - exclamou. - Vai fugir logo agora?
    - Estou com medo!
    - Bobagem! Só temos de chamar a polícia e pronto! Eles metem esse homem logo no xadrez!
    - Ele não vai ficar aí esperando! Vai fugir e vai nos pegar lá fora depois! - e Maria começou a chorar. Descontrolou-se completamente. Klaus olhava para ela sem saber O que fazer.
    - Mas Maria... - disse ele, consolando-a, muito sem graça. - Que é isso, Maria, pare de chorar! Pense naquele dinheiro todo...
    - Não quero pensar em dinheiro nenhum - soluçava ela. - Quero ir para casa. . . Estou com medo.. Antes não tivesse vindo.. .
    O porteiro de capote enfeitado de dourado, com jeito de general, ouviu O barulho e entrou. Olhava para os garotos e sacudia a cabeça; depois disse com severidade:
    - Agora basta! O que deu em vocês, pirralhos? Tratem de ir já para casa, antes que eu chame a polícia!
    - Polícia! - gritou Klaus. - Rápido! Onde tem uma cabine telefônica por aí? Preciso chamar a polícia!
    - Você não precisa chamar ninguém, entendeu? - disse O porteiro. Klaus deu-lhe um empurrão na barriga imensa e puxou-o consigo. - Vamos, rápido! Onde é a cabine telefônica?
    Meio perdido, O porteiro apontou para a cabine telefônica. O garoto saiu correndo. Encontrou um catálogo na cabine. Folheou rápido, achou. . . "Polícia", leu ele. Logo encontrou O número que procurava: Distrito Policial 21.
    Discou e esperou. Uma voz masculina atendeu.
    Por favor, venham rápido até a Coelha Branca
- gritou Klaus. - É muito importante! Trata-se de um criminoso, Katzen! se os senhores não aparecerem logo, ele vai fugir! Eu mesmo O vi lá dentro!
    - Um momento - disse a voz do outro lado, em tom desconfiado. - Afinal, quem está falando?
   É Klaus!
   - Que Klaus?
   - Klaus Winter! - gritou O menino. - Por favor, Sr. guarda, venha rápido!
    - Ora, você deve estar completamente louco! - disse O policial. - Afinal, O que está pensando? Imagine só a loucura que seria se ficássemos O dia inteiro correndo por aí atendendo aos chamados de um garoto qualquer!
    - Mas não sou um garoto qualquer! - exclamou Klaus. - Estou aqui dentro da Coelha Branca e vi Katzen.
    - Já sei... já sei.. . - retrucou a voz. - Você viu Katzen. Muito bem, mas agora seja um bom menino e trate de voltar para a cama, ouviu
    - Por favor, ouça! - ainda gritou Klaus, mas O policial já havia desligado.
    Por um instante, ficou sem saber O que fazer Depois, muito decidido, pegou de novo O catálogo, procurou O número da redação do Sr. Hausmann e ligou para lá.
    Sr. Hausmann por favor!
     Um momento - disse a telefonista. Klaus ouviu alguns ruídos e logo O Sr. Hausmamn atendeu.
     O menino ficou tão feliz que teve até vontade de chorar.
    - Tio! Aquele não é  Klaus.
    - Klaus? - admirou-se O Sr. Hausimann. - O que faz você no teleíone a esta hora? Aconteceu alguma coisa?
    - Estou na Coelha Branca, tio, e. . .
    - Você está onde?
    - Na boate Coelha Branca.
    - Pelo amor de Deus, O que você está fazendo aí sozinho?
    - Não estou  sozinho, Maria veio comigo.
    O quê?
    - Katzen também está aqui... Acabamos de descobri-lo. Já liguei até para a polícia., mas não querem vir! Por favor ajude a gente, tio, do contrário Katzen vai escapar!
    O Sr. Haussmann ficou calado por um segundo. Devia estar se fazendo do susto. Depois falou muito controlado:
     - Estarei aí em cinco minutos - e desligou. Klaus suspirou aliviado e recolocou O fone no gancho.
    Na porta da cabine encontrou Maria.
    - Meu tio vem aí! - anunciou ele. Maria balançou a cabeça.
    - Graças a Deus. Só espero que chegue a tempo
    - Isso depende do que O Sr. Peterson esteja arrumando lá dentro com O Katzen.
    Peterson e Katzenbeisser tinham começado a brigar.
    Você me preparou uma armadilha! - gritava Katzen. - Vai se arrepender disso, seu lambuzador-de-papel! - e levantando-se de um salto, jogou uma moeda em cima da mesa e deu violento soco no peito do Sr. Peterson, que tentou segurá-lo. Peterson cambaleou, enquanto Katzen saía correndo pela boate. Algumas mulheres gritaram, alguns homens xingaram. No entanto, ninguém conseguiu segurar Katzen que, tendo visto primeiro Klaus e depois Maria, desconfiou logo do que se tratava.
    Quando chegava quase na porta, Peterson alcançou-o e, pegando-o por trás, jogou-o no chão. Os dois se enrolaram, esmurraram-se, enquanto os demais fregueses da casa, muito agitados, faziam um círculo ao redor. O gerente e dois garçons tentaram separar os brigões, mas foram simplesmente empurrados para O lado. Peterson, no entanto, era mais fraco do que Katzen. Levou alguns socos violentos na barriga e acabou esticado no chão. Katzen ergueu-se rapidamente, empurrou para longe dois garçons que tentaram segurá-lo, e saiu correndo até a entrada, onde Klaus lhe deu um tropeção.
    Katzen estatelou-se de cara no chão. Estava furioso, mas era muito forte. Antes que pudessem segurá-lo, correu para a rua e, aos gritos, chamou um táxi. Um carro se aproximou, Katzen abriu rapidamente a porta, bateu-a e O táxi arrancou. As duas crianças e alguns fregueses vieram correndo até a rua. Segundos depois, outro táxi dobrou a esquina a toda velocidade, freando com tanta violência que os pneus chegaram a cantar. Um homem saltou depressa.
    - Sr. Hausmann! - gritou Maria.
    - Tio! - gritou Klaus. O pai de Hedi correu ao encontro deles, perguntando:
    - Onde está ele?
    - Foi-se - disse Maria, apontando com O dedo para a direção tomada por Katzen. Do táxi não havia O menor sinal.
    - Quer dizer então que ele fugiu?
    - Ê - disse Klaus, baixando a cabeça.
    O Sr. Hausmann abriu a boca para fazer mais uma pergunta, quando a porta de entrada da Coelha Branca se abriu e Peterson saiu cambaleando. Estava com um olho roxo, a gravata fora do lugar e O colarinho rasgado. Os cabelos lhe caíam na testa, andava com passos inseguros.
    Peterson! - exclamou O Sr. Hausmann. Peterson balançou a cabeça com tristeza.
    - O que é que você está fazendo aqui?
    - Queria pegar O Katzen - explicou O repórter ruivo. Depois, sentou-se no meio-fio e, gemendo, segurou a cabeça nas mãos.
    Foi então que O Sr. Hausmann fez algo muito feio: começou a praguejar.
    Praguejou tão alto que todos ouviram. Finalmente, quando se acalmou, sacudiu os ombros e disse:
    - Muito bem, podemos voltar para casa!
    Duas crianças acordam ao meio-dia - O Sr. Hausmann ajeitou tudo - Pequena reflexão sobre O trabalho em conjunto ~ Para que existem os amigos? - O Sr. Peterson está disposto a ajudar - Klaus tem nova idéia, dessa vez aprovada pelo Sr. Hausmann - Quatro meninas e dezesseis garotos saem à caça A gorda Steffi faz uma descoberta.
    O que aconteceu depois, Maria não sabia contar direito. Lembrava-se apenas de que O Sr. Hausmann a colocara dentro de uih táxi, junto com Klaus. Nada mais. Assim que sentou no carro, adormeceu.
    Ao acordar no dia seguinte, levou um susto enorme. Estava deitada numa cama estranha, num quarto estranho, e O sol entrava através de uma janela estranha. Ergueu-se de um salto, muito pálida. Onde se achava?
    Logo se lembrou. Na noite anterior, fora para a casa da Hedi. Daí O ambiente estranho. Teve outro sobressalto. Meu Deus, e a escola? Que horas seriam? Olhou para O pulso, mas O relógio já fora devolvido a Klaus. Pulou da cama, vestiu-se rapidamente e saiu correndo do quarto.
    Lá fora, deu de encontro com alguém que saía de outro quarto, tonto de sono, Esse alguém vestia calça e camisa, estava todo despenteado, bocejava horrivelmente e sacudia a cabeça, espantado. Era Klaus.
    - Maria! - exclamou ele. - O que está fazendo aqui?
    Acabo de acordar, e você?
    - Eu também. Perdi a hora. Acho que deve ser muito tarde.
    - Por que não foi para casa?
    É O que também gostaria de saber - respondeu Klaus, preocupado, e acrescentou: - Meus pais vão armar um barulhão quando eu chegar em casa!
    Maria pegou-o pela mão e enfiaram-se pelo corredor chamando Hedi. Ninguém respondeu.
    - Ela já deve ter saído - disse Klaus.
    Sem a gente?
   Klaus deu de ombros e bateu numa porta,
   - Entre! - respondeu uma voz lá de dentro.
    As duas crianças entraram num cômodo cujas paredes estavam cobertas de estantes. Era uma saía muito simpática. Na frente da janela via-se uma escrivaninha imensa na qual se sentava O pai de Hedi diante de uma máquina de escrever.
    - Muito bem - disse ele. - Aí estão os dois fujões, hein? Como é, dormiram O suficiente?
    - Dormimos, sim, tio - respondeu Klaus. Queríamos saber que horas são.
    O Sr. Hausmann deu uma olhada no relógio, mas depois perguntou:
    E você não sabe?
    - Meu relógio parou - respondeu Klaus, desconsolado.
    Ah! São exatamente doze horas e vinte e cinco minutos.
    - O quê? - exclamaram ambos em coro.
    - Isso mesmo repetiu O Sr. Hausmann. Meio dia e vinte e cinco minutos.
    - Que horror! - exclamou Maria. - Vamos chegar atrasados à escola.
    - Atrasados? - espantou-se Klaus. - Se saíssemos agora, as aulas já teriam terminado antes de chegarmos lá.
    Maria sentou-se numa cadeira, apoiou a cabeça nas mãos e disse baixinho:
    - Era só O que faltava!
    - Por quê? - perguntou O Sr. Hausmann. - O diretor não lhe deu três dias de prazo?
    - Foi. Só que os professores vão pensar que fugi com O dinheiro, e contarão tudo para minha mãe.
    Klaus chegou junto dela e pôs a mão no seu ombro.
    - Desculpe - disse ele. - Sou O culpado disso tudo.
    -Você..?
    - Se não tivesse tido a idéia maluca de sair com você de noite, teríamos acordado na hora. E se alguém da escola estiver realmente procurando por você, você não está simplesmente desaparecida.
    Maria suspirou alto.
    - Não é certo você ficar se culpando - disse ela. - Agora é tarde demais!
    Ambos ficaram calados, olhando, tristes, para O tapete colorido no chão.
    O Sr. Hausmann se levantou. Aproximou-se, pegou uma cadeira e sentou-se novamente, dizendo:
    - Escutem, meus queridos. Por sorte, ainda houve tempo para remediar as coisas. Hoje cedo, fui à escola de vocês para falar com os professores.
    Maria ergueu-se de um sal
   - O senhor esteve na escola
    - Estive - respondeu O Sr. Hausmann. - E, antes ainda, tarde da noite, liguei para os pais do Klaus avisando que ele ia dormir aqui.
    - E O que disseram? - perguntou Klaus, muito humilde.
    - Não posso dizer que ficaram muito entusiasmados, meu filho. Você imagina muito bem. Mas logo se acalmaram, dizendo que O principal era você dormir.
    - E na escola?
    - Na escola, disse que você não se sentia bem e que ia passar O dia na cama.
    - Muito obrigado, tio - agradeceu Klaus. - O senhor foi formidável!
    - Ainda não terminei. Estive também na escola de Maria, falei com O diretor e contei-lhe que era apenas questão de dias a descoberta desse tal de Katzen.
    - E ele acreditou no senhor? - perguntou Maria, ansiosa.
    - Acho que sim ~ retrucou O Sr. Hausmann. - Nunca se pode garantir. De qualquer maneira, prometeu-me não dizer nada a sua mãe por enquanto.
    Maria levantou-se, chegou perto do Sr. Hausmann e deu-lhe um beijo no rosto. Ele ficou meio surpreso, mas logo sorriu.
    - Se não tivesse pai, gostaria que O senhor fosse meu pai - declarou ela.
    Muito obrigado - disse O Sr. Hausmann, muito sério, e continuou: - Esta é a primeira parte da nossa história, meus amigos. Ainda há outra, na qual não podemos deixar de falar. Vocês fizeram muito mal em fugir ontem à noite sem falar comigo ou com a mãe de Hedi. Era muito fácil tudo ter dado errado. - As crianças baixaram a cabeça. - Klaus deve ter se achado muito esperto e você, Maria, talvez tenha achado que ele foi muito corajoso. Mas acontece que ele não oi nem esperto, nem corajoso. Foi apenas leviano, e O que fez foi de uma irresponsabilidade totil, O que é bem diferente. Para ser valente, às vezes, não é preciso ter punhos e revólver. É preciso, principalmente, ter cabeça. Entendem? - O Sr. Hausmann ergueu-se. - Um dia, quando forem adultos, talvez vocês tenham de resolver coisas muito mais importantes do que esta de hoje. O destino de muita gente poderá até depender da decisão de vocês. Por isso, diante de tudo que fizerem, primeiro precisam pensar. Viram O que aconteceu. Katzen conseguiu escapar. Não foi apenas culpa de vocês. O Sr. Peterson também teve a sua parcela. Mas tudo deu errado, principalmente porque vocês quiseram agir sozinhos, e ele também. Isso foi O pior. Cada um de vocês seguiu seu próprio plano sem pensar no outro. .. Em vez de trabalharem em conjunto, cada um preferiu trabalhar por si. Por isso deu errado. - O Sr. Hausmann virou-se e, para encerrar, disse com expressão bastante séria: - Afinal, de que servem os amigos? Não é para discutir os problemas e ajudar um ao outro?    A coisa mais importante que temos a aprender é que fazemos parte de um todo e que temos de nos ajudar mutuamente. , . Temos de confiar um no outro, se quisermos que O mundo melhore.
    As duas crianças ficaram caladas, e O Sr. Hausmann também se calou por um instante. Depois, levantou novamente a cabeça, sorriu e disse:
    - Muito bem, agora tratem de ir tornar café. A Hedi já está quase voltando da escola .
    Meia hora mais tarde, quando os dois estavam sentados tomando café com pão e manteiga, O Sr.
Peterson veio fazer uma visita. Cumprimentou primeiro Maria, depois Klaus, e sentou-se à mesa com eles: - O Sr. Hausmann está acabando um trabalho --disse. - Mandou que eu viesse aqui conversar com vocês. - Klaus examinou atentamente O olho do Sr. Peterson completamente roxo. Mudara de camisa e de terno, parecia até relativamente refeito, mas estava muito sério.
    - O olho ainda dói? - perguntou Maria.
    - Só quando dou risada - retrucou O Sr. Peterson. - Mas vim aqui porque quero ajudar vocês.
    - Ajudar a gente? - exclamaram as duas crianças de uma só voz.
    - Exatamente - afirmou O Sr. Peterson. - Andei pensando, e acho que errei quando resolvi agir sozinho. Devia ter falado com vocês antes. Agora vim aqui para conversar com vocês. . . Tenho até uma idéia.
    - Uma idéia? - perguntou Maria, cheia de curiosidade.
    - É - respondeu O Sr. Peterson, balançando a cabeça ruiva.
    - Conte - pediu Klaus.
    - Muito bem! Katzen agora sabe que estamos atrás dele, não é verdade? Por isso, vai tomar O máximo de cuidado e aparecer O mínimo possível em público. Não estou certo?
    As crianças concordaram.
    - Mas - continuou O Sr. Peterson, levantando O dedo -, um dia ele vai ter de aparecer, não é? Ele tem de dormir em algum lugar, precisa de um lugar para tomar banho, não é? Se tiver um amigo ou amiga nesta cidade, ou um aliado, talvez possa ser encontrado lá.
    Klaus deu um salto tão alto como se tivesse sentado em cima de uma mola:
    - A zeladora! - gritou.
    - Que zeladora? - perguntou Peterson.
   O menino estava tão excitado que mal conseguia falar.
    - A zeladora do prédio onde Maria mora! - exclamou, engasgando-se com um pedaço de pão com manteiga que acabara de enfiar na boca.
    - O que tem ela?
    Klaus contou rapidamente tudo que sabia da zeladora. Que ela se comportara de maneira suspeita, que barrara a passagem do Sr. Hausmann quando ele perseguia Katzen, e finalmente também O fato de ela ter insultado Maria, mencionando a quantia de mil e oitocentos marcos.
    - Mas isso é muito interessante! disse O Sr. Peterson assoviando por entre os dentes.
    - Não é mesmo? Não acha que a zeladora tem alguma ligação com ele?
    - Tenho certeza que sim - respondeu O repórter.
    - Talvez Katzen tenha até voltado para a casa dela!
    - Talvez - disse O Sr. Peterson. - Mas pode também ter ido para outro lugar. - Os três ficaram mudos, pensando, concentrados.
    De repente, Klaus ergueu a cabeça.
    - Tenho uma idéia - disse.
    - Já conhecemos suas idéias.. . - observou Maria.
    - Agora é uma idéia boa - garantiu Klaus, levantando-se e correndo para a porta.
    - Onde é que você vai?
    - Vou buscar meu tio - respondeu ele. - Quero que também ouça minha idéia e que diga se é boa ou não.
    Klaus desapareceu.
    Voltou em seguida, já tendo contado ao tio que O Sr. Peterson estava ali disposto a ajudá-los. O pai de Hedi sentou-se à mesa muito animado
    Vejamos, então. Qual é sua idéia?
    - Prestem bem atenção, meu amigos - disse Klaus, e Maria riu. - Aliás, meus amigos e minha amiga - corrigiu ele. - Sabemos que esse tal de Katzen deverá aparecer a qualquer hora em algum lugar. Para comer, para dormir, para tomar banho. Ao que tudo indica, é amigo da zeladora do prédio de Maria; é muito provável que apareça por lá.
    - Até aí tudo perfeito - disse O Sr. Hausmann, enchendo O cachimbo.
    - Muito bem - continuou Klaus. - O que não sabemos é quando ele vai aparecer nem onde. Acontece que somos muito poucos e não podemos estai em toda parte ao mesmo tempo. Foi por isso também que meu plano da noite passada fracassou. Não só porque um trabalhou contra O outro, mas também porque não éramos bastante fortes. Se tivesse havido mais dois homens iguais ao Sr. Peterson para lutar com ele, garanto que Katzen não teria escapado.
    - Isso mesmo - concordou O Sr. Peterson com tristeza, apalpando O olho roxo.
    - E foi aí que, por sorte, me lembrei dos livros do Erich Kaestner - disse Klaus.
    - Lembrou-se de quem? - perguntou O Sr. Peterson, que ainda devia estar meio atordoado.
    Ora - disse Klaus -, de Erich Kaestner, O escritor. Li todos os livros dele. O homem é formidável! Escreveu um livro que tem muita semelhança com O nosso caso. Chama-se. . .
    - Emil e os Detetives - completou O Sr. Hausmann.
    - O senhor também leu O livro, tio - perguntou Klaus, surpreso.
    - Claro que li.
    - Eu também! - afirmou Maria.
    - E eu também - acrescentou O Sr. Peterson, ainda com expressão muito séria. (Lembram-se, ele não podia rir por causa do olho...)
    - Os senhores leram esse livro? - perguntou Klaus, surpreso, olhando para os dois homens.
    - E por que não? - perguntou O Sr. Hausmann.
    - Ora, porque é um livro para jovens - disse Klaus.
    - Mesmo assim nós lemos - explicou O pai de
    Hedi. - Esse e todos os outros que O Erich Kaestner escreveu. Aliás, ele também escreveu livros e poesias para adultos, sabia?
    - É mesmo? Isso eu não sabia... - confessou Klaus.   
    - É - explicou O Sr. Hausmann. - Romances, muitas poesias e contos para adultos... além de todos esses livros juvenis, que, na verdade, todo adulto devia ler também.
    - Para mim, é O maior escritor do mundo! declarou Klaus. - Foi por isso que me lembrei dele quando comecei a pensar num jeito de sair desse aperto!
     - Acredito - disse O Sr. Hausmann -, e sou mesmo um idiota! Eu próprio já devia ter me lembrado de Emil e os Detetives. Aposto que sei até O que você pretende fazer! Você está planejando pegar O Katzen exatamente como as crianças no livro pegaram O ladrão que roubou O dinheiro do Emil, aquele... Ora, como era mesmo O nome dele? Grundeis - ajudou O Sr. Peterson, quase não conseguindo falar de tão animado que estava.
    Isso mesmo - disse O Sr. Hausmami. - Obrigado, meu querido Peterson. - E virando-se para Klaus: - Você é mesmo um garoto inteligente.
    - Que nada - disse Klaus, modesto. - O Erich Kaestner é que é inteligente. Que bom existir um homem como ele!
    - Lá isso é! - concordou O Sr. Peterson, e O Sr. Hausmann acrescentou:
    Sorte maior ainda seria se existissem muitos outros homens iguais a ele.
    Em seguida todos ficaram calados por alguns segundos.
    O primeiro a falar foi O Sr. Peterson:
    - Acontece que em Emil e os Detetives as coisas eram um pouco diferentes, Klaus. Como foi que você imaginou O nosso caso?
    - Mais ou menos parecido - disse Klaus. - Pensei: temos de arrumar uma porção de crianças e talvez até adultos que fiquem atrás do Katzen, que O sigam por toda parte, vigiando-o constantemente. Além disso, temos de ter alguém que fique O tempo todo sentado sempre ao telefone (evidentemente, poderá haver um rodízio) para que qualquer um do grupo possa telefonar a qualquer momento, e a pessoa no telefone possa se comunicar com todos os outros, mandando que se dirijam para O lugar em que por acaso um de nós tiver descoberto O Katzen. Exatamente como no livro do Erich Kaestner.
    - Está certo - disse O Sr. Hausmann pensativo -, mas onde pretende arrumar essa gente toda?
    - Ora, isso é muito simples - respondeu Klaus, todo orgulhoso. - Para começar, já temos a Maria, a Hedi, a Toni, a Steffi, O senhor, O Sr. Peterson e eu.
    - Bem até aqui são sete - disse O Sr. Hausmann, cauteloso.
    - Certo, mas hoje à tarde minha turma tem aula de educação física. Se eu for até lá contar O caso a eles, garanto que metade da turma me ajuda. Metade, no mínimo.
    O Sr. Peterson estava encantado:
    - Mas é uma idéia fabulosa! - E depois, dirigindo-se ao pai de Hedi: - Isso vai dar uma reportagem de primeira, Sr. Hausmann. Posso ir com Klaus até a escola e levar um fotógrafo também?
    - Pode - disse O Sr. Hausmann e acrescentou, virando-se para Klaus: - Mas tem uma coisa: os meninos devem pedir licença em casa primeiro, isso é essencial. Não podemos nos dar O luxo de sofrer mais um revés igual ao da noite passada.
    - Claro - concordou Klaus. - Mas O que O senhor acha da idéia, tio?
    - Acho muito boa. Afinal, é uma idéia de Erich Kaestner, um grande escritor.
    Hedi retornou por volta de duas horas.
    Klaus tinha ido em casa almoçar e prometera encontrar-se às três com as meninas diante do ginásio masculino. A aula de educação física começava às duas e terminava às três. Logo depois, seria possível conversar com a turma. . . Na mesa, Hedi contou que O diretor tinha ido à sala e dito: "Parece que Maria Langer não vem hoje nem amanhã. Sabemos, no entanto, onde ela se encontra e também já sabemos que ela é inocente em relação ao dinheiro. Esperamos con segui-lo de volta ainda esta semana."
    - As meninas ficaram muito animadas - contou Hedi -, e na aula seguinte tentaram arrancar alguma novidade de mim, da Toni e da Steffi, mas ninguém revelou nada.
    - Temos uma surpresa para você - disse Maria, e Hedi ficou logo curiosa:
    - Que surpresa?
    Maria então contou O plano de Klaus, que havia lembrado O livro Emil e os Detetives, e Hedi correu ao telefone para falar com Toni e Steffi encarregando-as de aparecer na porta do colégio às quinze para as três, em ponto. Daí, todas seguiriam juntas para O ginásio masculino.
    O Sr. Hausmann telefonou para O hospital onde estava internada a mãe de Maria e pediu que ligassem para O quarto dela. Quando atendeu, ele entregou O fone a. Maria.
    - Boa-tarde, mamãe. Como vai?
    - Bem, filha. Você hoje não vem me visitar? Aconteceu alguma coisa? - perguntou, preocupada.
    - Não aconteceu nada, não, mamãe. - Maria pensou por um instante e depois, para não precisar inventar mais mentiras, disse: - Estou ligando porque tenho muita coisa para fazer esta tarde e não sei se vai dar tempo de passar aí.
    - Está bem - disse a mãe. - Não se preocupe. Se não tiver tempo hoje, vem amanhã.
    - Está certo, mamãe - disse Maria, aliviada, e se despediu.
    Pouco antes de quinze para as três, apareceu O Sr. Peterson. Vinha acompanhado de outro homem com uma máquina fotográfica a tiracolo O Sr. Peterson apresentou-o às quatro meninas.
    - Este é O Sr. Bettel - disse, apontando para O homem da máquina que apertou a mão de todas, deu alguns passos para trás, encostou a máquina no olho direito, apontou-a para as meninas e bateu uma foto.
   - Obrigado - disse em seguida.
    Depois partiram juntos para a escola de Klaus. No meio do caminho, contaram a história toda ao Sr. Bettel, que ouviu atentamente.
    Chegando à porta da escola, tiveram de esperar um pouco. Às três em ponto Klaus apareceu.
    - Andei me escondendo - disse ele. - Venham comigo até O pátio, mas não façam barulho para que os professores não percebam nada!
    O Sr. Bettel levantou mais uma vez sua máquina, agora para fotografar Klaus. Depois seguiu os outros.
    Chegando ao pátio, parou surpreso. De repente, viu-se diante de trinta meninos que O olhavam, mudos e esperançosos. Ficou tão surpreendido que até se esqueceu de fotografá-los.
    - Boa-tarde - disse O Sr. Bettel.
    - Boa-tarde - responderam em coro os trinta meninos.
    Klaus adiantou-se, dizendo:
    - Já expliquei tudo a meus amigos. - Em seguida, virou-se, puxou Maria para frente e disse aos colegas: - Esta é a Maria - Alguns meninos tiraram os bonés; todos cumprimentaram.
    - Boa-tarde - disse Maria. - É um prazer conhecer vocês. Muito obrigada por me ajudarem.
    - Que bobagem - disse um garoto gordo de cabelo louro. - Não precisa nem agradecer. Se estamos aqui, é porque queremos mesmo ajudar.
    O Sr. Bettel já estava refeito da surpresa. Pulava de um lado para O outro, ajoelhava-se, girava a máquina, fotografava como um louco.
    - Vinte meninos estão decididos a nos ajudar - declarou Klaus. - Cinco ainda não falaram com os pais, os outros vinte têm certeza de que não haverá objeção alguma.
    - Quem é aquele homem? - perguntou O garoto gordo de cabelo louro, apontando para O Sr. Bettel.
    - É do jornal - explicou Steffi. - Está nos fotografando para sairmos no jornal. - O menino calou-se, impressionado; passou a mão pela testa e sorriu no momento em que O Sr. Bettel se virou para fotografá-lo também.
    - Afinal, vocês têm algum plano de ação? - quis saber O Sr. Peterson.
    - Claro que temos - retrucou Klaus. - Preste atenção: nosso quartel-general, nossa central, é na casa da Hedi.
    - Muito obrigada por eu também ser informada
    - exclamou Hedi, e alguns meninos riram.
    - Desculpe - disse Klaus -, afinal eu ainda não tinha visto você hoje, por isso não tive nem ocasião para lhe contar nossos planos.
    - Por que logo na casa da Hedi? - perguntou Toni. - Pode ser lá em casa também
    - Na casa da Hedi é melhor - disse um dos meninos. - O Klaus diz que ela tem telefone; portanto, pode-se ligar a qualquer hora.
    - Temos telefone, sim - confirmou ela -, porque meu pai é do jornal. - Olhou em volta muito orgulhosa. O Sr. Peterson pigarreou e olhou para O Sr. Bettel como se quisesse dizer alguma coisa, mas se controlou.
    - Exatamente como no livro Emil - disse um garotinho.
    - Muito bem - declarou Klaus. - A central então é na casa da Hedi. Vamos instalar um serviço de telefone.
    - Quem vai ser a primeira a ficar de telefonista?
    - perguntou Steffi.
    - Você quer? - perguntou Klaus.
    - Eu não! - declarou ela. - Prefiro ir com vocês.
    - Então vamos tirar a sorte para ver quem fica
    - observou Klaus.
    - Isso mesmo! Mas só depois, quando todos tiverem chegado - disse Steffi.
   - Como é que vocês pretendem fazer para descobrir O Katzen? - quis saber O Sr. Peterson, que havia tirado um bloco de papel do bolso e escrevia furiosamente.
- Fizemos uma lista dos lugares onde é provável que O Sr. Katzenbeisser apareça - respondeu Klaus. - Em cada um deles vai ficar um de guarda. Na casa da Maria. . . Na rua em frente à casa. ... Diante da Coelha Branca, e assim por diante. . .
    - E vocês sabem como é esse tal de Katzen?
    - Klaus O descreveu para nós - disse outro menino.
    - Quando vai começar a ação?
    - Assim que todos tiverem obtido a permissão dos pais - informou Klaus.
    - Agora vamos para casa - declarou O menino gordo. - Daqui a uma hora nos encontramos na casa da Hedi.
    Com isso encerrou-se a reunião. Despediram-se e foram saindo. Três dos meninos estavam de bicicleta. Partiram a toda velocidade.
    - Esses três vão ser nossos mensageiros - disse Klaus.
    Meia hora mais tarde, quinze meninos se apresentaram na casa de Hedi. Os outros ligaram, desculpando-se - os pais não haviam daao permissão; estavam muito tristes, mas não havia jeito. A única condição imposta por Klaus fora esta: só poderiam participar crianças cujos pais estivessem de acordo.
    Logo que chegaram, os quinze reuniram-se para um "conselho de guerra" no vestíbulo da casa de Hedi. O Sr. Hausmann não estava presente. Tinha ido à redação; mas a mãe estava, e todos ganharam pão com manteiga e chocolate. A garotada ocupava as cadeiras e O chão. Comiam e bebiam, e prestavam atenção em Maria que, sentada atrás de uma mesinha, anotava O nome de todos.
    Os três meninos das bicicletas ficaram encarregados de estabelecer as ligações entre os diversos postos. Assim que soubessem de alguma novidade, deveriam levá-la imediatamente à casa de Hedi. Sentado com seu bloco em um canto, O Sr. Peterson, O repórter ruivo, anotava tudo que se combinava. Suas orelhas já estavam tão vermelhas quanto os cabelos, mas ele se sentia feliz, prevendo para breve uma reportagem sensacional.
    À frente de Maria havia um monte de folhas de papel. Klaus chamava os meninos pelo nome, um a um. Iam se aproximando da mesa, e Klaus e Maria diziam a cada um para onde devia ir e O que tinha a fazer.
    - Você vai ficar em frente à Coelha Branca... Você fica lá na minha casa... Você para O Café Parsival...
Por fim, todos tinham suas atribuições. Para alguns postos foram designados dois meninos, principalmente para aqueles que, devido a sua posição, eram difíceis de ser controlados. Klaus dizia, e tinha razão: "Quatro olhos enxergam mais que dois!" Por fim, tiraram a sorte: pegaram dois fósforos curtos e dois compridos. E quem foi sorteada para ficar de telefonista? A gorda Steffi!
    - Não tem nada não - disse ela com expressão meio triste, pois teria gostado imensamente de partir para a caçada com os outros, em vez de ficar sentada junto ao telefone, esperando que alguém tocasse.
    Todos partiram.
    O Sr. Peterson e O Sr. Bettel declararam que tinham de ir à redação, mas que voltariam à noite para ver se havia alguma novidade. Antes de as crianças saírem, ainda agradeceram à Sra. Hausmann pelo lanche. O vestíbulo foi se esvaziando. Por fim, restaram apenas Maria, Klaus e a gorda Steffi, que puxou uma cadeira para perto do telefone e se instalou confortavelmente cruzando os braços.
    - Pronto - disse ela -, agora podem começar!
    - Acho que você vai ter de esperar um bocado - disse O cauteloso Klaus.
    - Bobagem! - retrucou ela. - Garanto que não vai demorar muito e um dos garotos descobre O Katzen!
    Nisso ela estava enganada. Demorou muito. Muito, mesmo.
    Um dos meninos que estavam de bicicleta, de nome Félix, ficara esperando por Maria para lhe dar uma carona. Ela sentou-se no bagageiro, segurou no menino e partiram, passando por todos os pontos para verificar se havia alguma novidade. Ao escurecer, já tinham percorrido todos, e a resposta era sempre a mesma: nem sombra do Sr. Katzenbeisser!
    - Nossa cidade é muito grande - comentou Maria, meio desencorajada quando voltaram à casa de Hedi.
    O menino concordou. Era muito inteligente:
    - Aqui vivem mais de dois milhões de pessoas
    - declarou, pedalando quase sem fôlego, colina acima.
    - Não vai ser fácil descobrir esse homem... a não ser que ele mesmo se denuncie.. .
    E foi exatamente O que aconteceu!
    A gorda Steffi estava instalada à frente do telefone mudo, que insistia em não tocar. Estava chateada. Ou melhor, durante a primeira hora ela ficou chateada. Depois se acalmou um pouco e pegou O livro que Klaus havia trazido. Era Emil e os Detetives, pois era a única do grupo que não O conhecia. Começou a ler. A princípio muito devagar, depois se animando, ficando curiosa. Que livro fabuloso!
    Os olhos de Steffi brilhavam. Nem lhe importava que O telefone ainda não tivesse tocado. Pelo contrário, estava até satisfeita! Não queria ser perturbada em sua leitura... mas teve de interrompê-la, e justamente no ponto em que os dois irmãos, junto com Emil, apanham um táxi para perseguir outro táxi, dentro do qual seguia O ladrão que tentava fugir.
    Nesse instante, O telefone resolveu tocar!
    - Droga! - reclamou a menina. Esticou-se, pegou O fone e gritou: - Alô!
    Nada.
    Alô! Alôôô! - gritou Steffi e se levantou. Depois de esperar tanto tempo por esse instante, O telefone toca e não é ninguém! Não era possível! - Alô! 
    Steffi olhou para O fone e constatou que estava segurando a parte errada contra O ouvido.
    - Ora - murmurou ela, virando-o.
    - Alô! - gritava do outro lado uma voz irritada. - Quem está falando?
    - É da casa do Sr. Hausmann - respondeu Steffi.
    - Ora, bolas, então por que ninguém atende? - perguntou a voz desconhecida. Steffi pediu desculpas e ficou pensando: ela conhecia aquela voz.... De onde, meu Deus!
    - Escute aí - guinchava a mulher ao telefone -, sou a zeladora da casa de Maria Langer.
    A zeladora! De tão nervosa, Steffi pulava de uma perna para outra, sempre de fone no ouvido. Agora sabia por que a voz não lhe parecera estranha! Que coisa mais sinistra! A zeladora ligando! Apertou O fone com toda força contra O ouvido.
    - Pois não. De que se trata?
    - Maria, na hora de ir embora, deixou aqui um bilhete - disse a mulher. - Nele está O novo endereço dela e também O número do telefone.
    - Eu sei - disse Steffi. (Ela vira quando O Sr. Hausmann colocara O bilhete na caixa de correio da zeladora.)
    - Muito bem. Mas agora vou precisar das chaves da casa dela.
    - Para quê?
    O homem do gás deve vir amanhã de manhã. Não vai poder fazer a leitura do gasómetro se a porta estiver trancada. Por isso, vou precisar da chave, entendeu?
    - Sim - fez a gorda Steffi.
    - Afinal, quem está falando? - quis saber a zeladora, de repente, desconfiada. Steffi levou até um susto. Se não tomasse cuidado, tudo estaria perdido. Pensou depressa. Depois respondeu: - É a empregada.
    - Ora - disse a zeladora. - E como posso conseguir as chaves?
    - Não sei! - Steffi de repente teve uma idéia brilhante. - Maria não está aqui. Mas as chaves estão.
    Acontece que estou sozinha e não posso sair. . . Acho que a senhora vai ter de passar aqui para apanhá-las.
    - Passar aí? - A zeladora ficou por conta. - Que coisa! Por acaso acha que não tenho mais O que fazer? Acha que vou atravessar a cidade toda correndo atrás de uma chave? É um absurdo! Maria vai ver só... Quando eu a encontrar!
    Steffi riu consigo mesma.
    - Entendo que é muito desagradável - disse ela -, mas outro jeito eu não sei.
    - Bem, se não dá, tenho mesmo de ir aí - disse a zeladora, depois de refletir por um instante.
    - Quando é que a senhora vem?
    - Dentro de quarenta e cinco minutos - disse a mulher e desligou sem se despedir. Steffi recolocou O fone no gancho, correu até O meio do quarto e executou, muda, uma verdadeira dança de índio. Pulava e rodopiava e fazia as piores caretas, só de alegria. Nem percebeu que a porta se abrira e que Félix e Maria haviam entrado. Ambos pararam, muito espantados, olhando para a gorducha alegre. Chegou uma hora em que Félix não agüentou mais:
    - Steffi! - chamou.
    Ela parou de braços caídos e olhou-os.
    - Ah, são vocês!
    - E nós que pensávamos que você estivesse controlando O telefone!
    E estou mesmo! - Steffi acalmou-se e contou com todos os detalhes O que acabara de acontecer. Quando terminou, Félix deu um assovio.
    - Gente, que sorte! - exclamou.
    - Sorte por quê? - perguntou Maria.
    - Ora, mas é mais do que evidente! A zeladora está envolvida com Katzen!
    - Pode ser - disse Maria.
    - Tenho certeza! - declarou Steffi. - O Sr Hausmann desconfiou desde O princípio. Vocês não se lembram, daquela vez em que Katzen fugiu?
    - Está vendo! - observou Félix. - Ou por acaso acredita na história do homem do gás?
    - Eu não - disse Maria. - Não acredito não. O homem do gás esteve lá na semana passada...
    A gorda Steffi deu O maior grito de alegria. Parecia até apito de locomotiva. Félix olhou para ela de lado, sacudindo a cabeça.
    - Ela está mentindo! - exclamou Steffi.
    - Claro que sim - disse Félix. - Ela está precisando da chave por outro motivo qualquer.
    - Para quê?
    - Ela não quer as chaves para ela - declarou Félix, nervoso. - Ela quer as chaves para Katzen, é claro.
    - Mas para quê? - perguntou Maria, espantada.
    Sei lá para quê.. . - disse Félix, e começou a andar, agitado, de um lado para outro. - Quem sabe ele esqueceu alguma coisa importante na sua casa da última vez em que esteve lá? O que era mesmo que ele queria?
    - Queria arrumar as coisas dele - explicou Maria. - Tinha trazido uma mala e estava justamente no quarto quando entrei. Estava esvaziando O armário. Sim e daí?
    Daí O quê?
    - O que você acha que ele pode ter esquecido?
    - Não sei mesmo.. Estava lá em mangas de camisa, arrumando, quando de repente entrou O Sr. Hausmann. Aí ele pegou rapidamente O paletó e largou O resto...
    - O paletó! - exclamou Félix.
    - O que foi?
    - Você disse que ele pegou O paletó?
    - Sim, e daí?
    - Daí, é que deve ter caído alguma coisa do paletó. . . Alguma coisa está lá na sua casa agora, e ele precisa dela com urgência, mas não consegue entrar na casa!
    - Mas ele tem a chave! - observou Steffi.
    - Então não se lembra de que colocamos um cadeado na porta.. . - disse Maria. - Ele não consegue é abrir O cadeado, porque desse ele não tem chave. O que a zeladora quer, na verdade, é a chave do cadeado!
    - Estão vendo? - E Félix esfregava as mãos. - Agora ele vai cair na armadilha!
    - Espero que sim - disse Maria, franzindo a testa. - Só que ainda não consegui imaginar direito como vamos pegá-lo.
    Antes que Félix pudesse responder qualquer coisa, O telefone tocou novamente.
    - As coisas estão indo bem - disse Steffi, pegando O fone. Era O menino que vigiava a casa de Maria.
    - Estou falando da cabine telefônica - disse ele. - Há cinco minutos uma mulher saiu do prédio de Maria. Mora no apartamento da zeladora. Tive a impressão de que estava com pressa.
    Ótimo! - exclamou Steffi. - As coisas estão indo que é uma beleza!
    - O que faço agora? - quis saber O menino.
    - Volte para seu lugar, continue de olho, e ligue novamente dentro de dez minutos - disse Steffi. - Você receberá novas ordens. - Desligou O telefone e, dirigindo-se aos outros dois, disse:        - A zeladora está vindo.
    Félix foi correndo até a porta.
    - Aonde você vai? - quis saber Maria.
    Vou apanhar O Klaus - explicou O garoto. A porta bateu atrás dele. Alguns instantes depois, a sineta do portão tocou. Olharam pela janela, e ainda viram Félix dobrar a esquina, correndo.. .
    Preste bem atenção! - disse Maria. - Quando a zeladora chegar, ela não pode me ver por nada deste mundo!
    A mim também não - declarou Steffi. - Ela me conhece também. - Seria bom que um adulto entregasse as chaves a ela. . . para que não desconfie de nada.
    Quem sabe, a mãe de Hedi fala com ela? - sugeriu Steffi.
    - É uma idéia! - Maria correu até a porta. - Vou falar com ela. Não temos tempo a perder. Espero que Klaus volte logo. Afinal, alguém vai ter de seguir a zeladora.
    A porta fechou-se atrás de Maria. Steffi estava só. Deu um assovio e depois disse a si mesma:
    - Acho que agora dará certo!
Capítulo 6
    A coisa dá certo! - Uma reunião importante - A zeladora recebe a chave - Não é nada fácil seguir uma pessoa - A gorda Steffi alarma a imprensa - O Sr. Hausmann esfrega as mãos, e O Sr. Peterson calça as luvas de boxe - Uma casa é cercada - O Sr. Katzenbeisser aparece - Não há nada mais difícil do que ter paciência - A zeladora desiste - Katzen é osso duro de roer - A vitória da justiça - Maria chora, só que de felicidade.
    E deu certo mesmo!
    Dez minutos depois Félix reapareceu. Trazia Klaus e mais cinco meninos com quem conseguira comunicar-se no caminho. Estavam sem fôlego porque vieram correndo ao lado da bicicleta de Klaus. Mas estavam felizes, mal conseguiram esperar.
    Prestem bem atenção! - disse Maria. - Já falei com a mãe de Hedi. Ela vai conversar com a zeladora e entregar as chaves a ela. Nós nem aparecemos, para que a mulher não perceba nada. Entenderam?
    - Entendemos.
    - Seria melhor esperarmos no jardim até ela sair de novo. Então temos de segui-la. Acho que quanto a isso não existe dúvida, não é?
    - Claro que não - disse Klaus. - Steffi fica encarregada de pedir a todos que por acaso ligarem para irem diretamente à casa de Maria. Vamos cercar a casa, discretamente, para que Katzen não consiga escapar de maneira nenhuma.
    - Viva! - gritou Steffi.
    - Não vamos cantar vitória antes da hora - aconselhou Maria. - É cedo. Talvez tenhamos de esperar muito até que Katzen apareça na casa da zeladora. Uma coisa, no entanto, é certa: aparecer lá, ele vai. Isto é O mais importante Agora só não podemos é perder a paciência. Tudo depende unicamente de a zeladora não desconfiar de que está sendo seguida.
    Todos concordaram.
    - Meu pai tem um revólver velho em casa - disse um dos meninos. - Querem que eu O apanhe?
    - Bobagem! - disse Klaus, olhando zangado para ele. - Que aconteceu com você? Perdeu O juízo? Coragem não se demonstra com um revólver. O que é preciso, acima de tudo, é ter cabeça!
    Maria sorriu, e Klaus ficou meio sem graça. Sabia por que ela estava sorrindo - acabara de repetir O conselho do Sr. Hausmann! Mas ele estava certo. E era isso que importava.
    - Muito bem - disse ele. - Agora está tudo claro?
    Está.
    - Nenhuma pergunta? Ninguém se manifestou.
    - Então, é bom irmos logo até O jardim. - Klaus nlhou para O relógio. - A zeladora deve estar chegando.
    - Eu vou com vocês - disse Maria.
    - Você? - Klaus espantou-se.
    - Eu sim. Por quê? - quis saber Maria.
    - porque você é menina.
    E daí
    Nada não - disse Klaus, mais uma vez sem graça. - Eu só pensei... É porque O Katzen... Você sabe... - calou-se, envergonhado
    - Afinal, trata-se do meu dinheiro, não é?
    - Lá isso é - concordou Klaus
    E então? - Maria abotoou O capote surrado e, acenando para Steffi, saiu na frente em direção à porta. Os meninos seguiram em silêncio.
    Atrás da casa havia um pequeno galpão de madeira com algumas espreguiçadeiras.
    - Vamos esperar aqui. Ninguém nos vê - sugeriu Klaus.
    Todos concordaram. Dois meninos sentaram-se e os outros ficaram encostados na parede, esfregando os dedos frios e esperando. Tudo era silêncio.
    - Espero que ela não demore - murmurou Klaus. Não sabia por que baixara a voz, mas de repente todos começaram a sussurrar. Dez minutos mais tarde, ai guém entrou no jardim. Maria olhou por uma fresta da porta.
    - É ela! - murmurou.
    • Logo depois ouviram a campainha. As crianças ficaram mudas e imóveis. No pequeno galpão, a atmosfera era de suspense.
    Ao ouvir a campainha, Steffi deu um pulo. A mãe de Hedi logo apareceu no vestíbulo, fazendo sinal para ela.
    - Vá lá pra dentro - disse baixinho. - Você não pode ser vista. Steffi obedeceu.
    Saiu na ponta dos pés e ficou na pequena copa onde estava a geladeira. Ouviu a mãe de Hedi
cumprimentar a zeladora. Depois, ambas entraram. A menina fechou a porta devagarinho e apertou O ouvido contra a madeira.
     - A senhora veio apanhar as chaves do apartamento da Maria, não é? - perguntou a Sra. Hausmann. Steffi prendeu a respiração.
    - É - respondeu a outra, mal-humorada. - Como se eu não tivesse nada mais a fazer do que ficar correndo atrás dessa boba que resolveu carregar as chaves.
    - Isso acontece - disse a mãe de Hedi. Steffi, do outro lado da porta, ouviu as vozes ficarem mais baixas. Abriu a porta com cuidado e deu uma olhada.
    O vestíbulo estava vazio.
    Assim que a zeladora entrou na casa de Hedi, dois meninos saíram correndo para a rua, onde ficaram esperando. Os outros só apareceram depois de ela ter saído de novo. Ela saiu resmungando qualquer coisa.
    O coração de Maria bateu forte quando reconheceu a mulher. Virou-se para Klaus, que vinha logo atrás. Ele sorriu e lhe apertou a mão.
    A zeladora saiu e deixou O portão aberto. Até facilitou as coisas. As crianças saíram em silêncio.    Os dois meninos que já estavam na rua ficaram escondidos. Os outros acompanharam a zeladora, andando do outro lado da rua. Logo na esquina, junto ao ponto do bonde, a mulher parou. As crianças também pararam imediatamente.
    Maria tomava O maior cuidado para não ser reconhecida. Passados alguns minutos, ouviu um tilintar e levantou os olhos. Era O bonde. As crianças aproximaram-se devagar. Maria ia atrás, sempre escondida por um menino. Rangendo, O bonde parou. Alguns passageiros saltaram. A zeladora dirigiu-se para O cairo da frente. As crianças também. Quando bonde já ia arrançando, entraram. Três no primeiro carro, e Maria com os outros no reboque.
    Pelos vidros da janela viram onde a mulher se sentara. O bonde partiu depressa. Parava nos pontos e ia entrando gente. Começou O aperto. As crianças no reboque não conseguiram mais ver a zeladora. Estavam preocupadas. Toda vez que O bonde parava, olhavam apreensivos para ver se ela havia saltado, mias a mulher não aparecia.
    - Não se preocupe - disse um dos meninos a Maria. - Klaus e mais dois estão lá na frente, de olho nela.
    Maria balançou a cabeça, ainda preocupada.
    Num ponto, não longe de sua casa, ela finalmente avistou Klaus. Estava em pé no meio da rua, acenando. As crianças do reboque saltaram e correram para junto dele.
    - Ali! - exclamou Klaus com voz abafada, apontando com O dedo. Uns dez metros adiante, ai zeladora atravessava um cruzamento. Os garotos correram atrás dela, mas não conseguiram ir longe, porque O sinal fechou, e uma longa fila de carros se aproximou. Um policial puxou para trás os dois garotos que insistiam em atravessar.
    - Vocês têm de prestar atenção! - exclamou, muito zangado.
    - Mas precisamos atravessar! - insistia Klaus esperneando nas mãos do guarda. - Temos de atravessar, é urgente!
    - Vocês vão esperar aqui direitinho até O sinal abrir - declarou O policial, decidido.
    As crianças se entreolharam. Não havia jeito. Klaus se ergueu na ponta dos pés. Entre dois carros que passaram, ainda conseguiu ver a zeladora dobrando a esquina.
     - Droga! - disse Maria para Klaus. - Tudo está acontecendo exatamente como na história de Erich Kaestner! No livro, as crianças também são detidas por um sinal de trânsito. Lembra?
    - Lembro sim. É incrível! - respondeu O menino.
     O que é incrível? - perguntou O policial.
    Nada não - disse Maria. - Quando é que esse , sinal vai abrir?
    - Fique calma - aconselhou O policial.
    - Falar é fácil - retrucou Maria, zangada. - O senhor não tem a menor idéia do que se trata
    E do que se trata? - quis saber O policial. No mesmo instante, porém, O sinal abriu e as crianças saíram correndo.
    - Ei! - gritou ainda O policial, mas ninguém lhe deu ouvidos. Ele ficou olhando, surpreso, para O outro lado da rua.
    Klaus e Maria foram os primeiros a atravessar. Não havia mais sinal da zeladora. Pedestres esbarravam neles, carros passavam buzinando. . . mas nada da zeladora!
    Maria começou a chorar.
    - Que é isso, Maria? - disse Klaus, passando-lhe O braço pelo ombro. - Você não pode desanimar assim! Não é fácil seguir alguém
    - Acho melhor nos separarmos - disse um dos meninos. - Seguimos por caminhos diferentes até a casa de Maria. Assim, a zeladora não pode escapar. Afinal, vai chegar uma hora em que ela tem de voltar para casa.
    Klaus concordou.
    Os meninos partiram.
    - Pronto - disse Klaus, pegando a mão de Maria -, agora vamos ver se não conseguimos reencontrá-la.
    Maria logo enxugou as lágrimas e, corajosa, balançou a cabeça. Seguiram apressados pelas ruas. Entardecia. Atentos, olhavam para todas as pessoas. Na esquina seguinte, dobraram à esquerda. Já estava mais escuro e O movimento era menor. De repente, Klaus cutucou Maria.
    Olhe, lá vai ela! - exclamou, apontando com a mão. Era verdade. À meia luz, Maria reconheceu O vulto da zeladora. Olhou para Klaus e apertou-lhe a mão com força.
    - Graças a Deus! - disse. - Estou tão feliz!
    - Muito bem - disse ele -, mas agora temos de prestar atenção para que ela não escape de novo,
    Enquanto isso, a gorda Steffi estava atarefadíssima. O telefone tocava sem parar. Os meninos apresentavam-se um após O outro. Steffi já estava até meio rouca de tanto repetir a mesma coisa!
    - Vá direto para a casa da Maria! Seja discreto para que ninguém desconfie de nada. Mantenha-se sempre em contato com os outros. Vocês têm de cercar a casa - dizia Steffi. Repetiu essas ordens doze vezes seguidas.
    Os meninos agradeciam e desligavam rapidamente. Tinham pressa de chegar à casa de Maria.
    Tendo dado todos os recados, ela começou a ficar tristonha novamente. Todo mundo, pensava ela, a turma inteira, estava a caminho da casa de Maria. Todos estariam presente quando Katzen caísse na armadilha, só eu vou ficar aqui sentada, esperando que alguém telefone! Apoiou a cabeça nas mãos. Realmente não era justo!
    A mãe de Hedi entrou.
    - Como é, tudo em ordem? - perguntou ela.
    Steffi balançou a cabeça, desanimada.
    - O que foi?
    Contou O motivo de sua tristeza. Estava com inveja dos outros. Todos participavam, menos ela!
    - Que bobagem! - disse a mãe de Hedi, sacudindo a cabeça. - Você é a pessoa mais importante, com O cargo mais importante! Então já se esqueceu de que foi você que engrenou tudo, atendendo ao 'telefonema da zeladora? Ali está O livro de Erich Kaestner, dê uma olhada e você vai ver como foi importante, em W e os Detetives, O papel do pequenino Terça-Feira ao telefone.
    - A senhora acha mesmo? - perguntou Steffi impressionada.
    - Claro que acho! Se não fosse você sentada  ao telefone, os outros nunca teriam conseguido descobrir Katzen.
    Steffi pensou um pouco.
    - É verdade! - concluiu ela. - Mas que e monótono, é. Acho que gostaria de fazer mais al coisa para ajudar, mas não sei O quê!
    - Ora - disse a mãe de Steffi -, você poderia muito bem ligar para O jornal e contar a meu marido em que ponto as coisas estão.
    - Boa idéia! - Steffi ficou radiante. Pegou O fone e discou. Num instante conseguiu falar com  Hausmann.
    - Boa-noite, Steffi - disse ele. O que de novo?
    - Estou telefonando para avisar a impreca - declarou a gorducha, e explicou O que havia acontecido até então.
    - Formidável! - exclamou O Sr.. HauSnn Apoiou O fone no ombro e esfregou as mãos. - Pde deixar que eu vou para lá agora mesmo, e aviso a polícia também. Muito obrigado por ter ligado, Steffi.
    - Ora, Sr. Hausmann, foi um prazer - disse Steffi, rindo satisfeita ao desligar O telefone.
    Na redação, O Sr. Hausmann abriu a porta da sala onde ficavam os repórteres e chamou Peterson. O jornalista ruivo apareceu imediatamente.
    - Vamos lá - disse O Sr. Hausmann. - Os garotos vão pegar O Katzen daqui a pouco. Chame Bettel!
    Os olhos de Peterson começaram a brilhar.
    - Um momento - disse ele, virando-se, e saiu correndo da sala. Seguiu rápido pelo corredor até chegar a uma porta onde se lia Departamento de Esportes. Entrou correndo e um homem sentado à máquina olhou para ele, surpreso.
    - O que foi, Peterson?
    - Vocês têm de me arrumar um par de luvas de boxe! - exclamou. - É urgente!
    O redator de esportes foi até um armário e apanhou-as.
    - Ajude-me a calçá-las, por favor - pediu Peterson. O companheiro ajudou-o a calçar as grossas luvas de couro e amarrou O cordão.
    - O que está acontecendo? - perguntou, curioso. - Está a fim de liquidar alguém?
    - Não necessariamente - retrucou Peterson. - Só quero tirar a forra! - e saiu correndo para a câmara escura de Bettel, a fim de apanhar O fotógrafo.
    Quando Klaus e Maria chegaram perto da casa, verificaram que a maioria dos amigos já estava lá Espalhados pelo corredor, Ocupavam cantos e nichos escuros. Falavam baixinho e se mexiam com cuidado.
    Quem não soubesse que estavam por lá e procurasse alguém, dificilmente perceberia alguma coisa. Klaus falou com todos eles.
    - Esperem para ver O que vai acontecer - disse ele. - Ninguém se mexa antes de eu assoviar.
Se Katzen aparecer, vocês deixem ele entrar tranqüilamente. Só venham em nossa ajuda quando eu fizer um sinal, entenderam?
    Todos concordaram.
    Enquanto isso, Maria tinha dado uma volta no prédio. Voltando, puxou Klaus pela manga do casaco.
    O que é?
    - Tudo em ordem. A casa está toda cercada.
    - Muito bem - respondeu Klaus, empurrando Maria para a entrada de um edifício em frente, cuja porta era de grade, fechada de vidro por dentro.
    - Agora Katzen pode vir - disse Klaus. Mas demorou muito até que ele chegasse!
    Os ponteiros do relógio de Klaus se arrastavam. As crianças esperaram. Dez minutos. Quinze minutos. Meia hora. Quarenta e cinco minutos. .. Maria sentiu os pés gelados. Começou a pular de um pé para O outro. De repente. . . quarenta e sete minutos depois, Klaus a cutucou, segurando-a pelo braço. As duas crianças olharam pelo vidro da porta de entrada.
    Do outro lado da rua, um homem se aproximava. Andava com cautela, virando-se a todo momento como quem não está com a consciência tranqüila. Era alto e calvo, usava capote. Sua careca brilhava à luz das lâmpadas. Maria prendeu a respiração. Era Katzen!
    Parou diante da entrada do prédio, olhou mais uma vez em volta..'. e entrou. Maria esboçou um movimento de quem ia correr para a rua, mas Klaus puxou-a.
    -. Ficou maluca? - disse baixinho. - Quer estragar tudo? Agora precisamos ter paciência.
    Nos dez minutos seguintes, Maria reconheceu que não havia nada mais difícil do que ter paciência. Esperaram Nada aconteceu. Tudo continuou em silêncio. Não se via O menor vestígio de Alois Katzenbeisser. Finalmente, quando Maria já achava que não agüentaria mais, um carro subiu a rua e freou diante da casa. Três homens saltaram. Maria os reconheceu imediatamente. Eram O Sr. Hausmann, Peterson e Bettel.
    - Venha - disse Klaus.
    As duas crianças correram em direção aos homens.
    - Ele já chegou? - perguntou, apreensivo, O Sr. Hausmann.
    - Entrou há dez minutos - disse Klaus. O Sr. Hausmann virou-se.
    - Todos os seus amigos estão aqui?
    - Estão.
    - Chame-os.
    - É pra já. - Klaus meteu O dedo na boca e deu um assovio. Imediatamente apareceram, como que surgidos da terra, dezenas de garotos vindos de todas as direções. Entre eles havia também duas meninas: Toni e Hedi.
    Ao ver O pai, Hedi disse bem alto:
    - Agora não pode acontecer mais nada: meu pai está aqui!
    O Sr. Hausmann sorriu, mas logo ficou sério.
    - Prestem atenção - disse baixinho. - Os cinco mais fortes vêm comigo. Os outros ficam aí. A polícia deve chegar a qualquer instante. Se Katzen aparecer, vocês O agarram de qualquer maneira. Acham que são capazes disso?
    Todos balançaram a cabeça, decididos.
    - Então vamos lá. Os cinco mais fortes! - Seis meninos deram um passo à frente. Um deles hesitou, virou-se em seguida e voltou.
    - Então vamos! - ordenou O Sr. Hausmann, entrando na casa. Os meninos e Peterson O acompanham. Klaus e Maria seguiram atrás e, encerrando a fila, vinha Bettel com sua máquina fotográfica.
    O Sr. Hausmann aproximou-se da porta da zeladora, fez um sinal para os meninos se esconderem e tocou a campainha. Logo em seguida, ele mesmo se encostou ha parede. Ouviram a mulher resmungar. A porta abriu-se e ela apareceu com ar desconfiado. Não conseguia ver ninguém e já ia fechando a porta quando O Sr. Hausmann se apresentou. Ela quis gritar, mas não teve tempo. A turma toda entrou casa adentro. Tudo aconteceu muito depressa, no maior silêncio. Ao ver a garotada, a zeladora se descontrolou. Sentou-se numa poltrona e pôs-se a chorar, dizendo:
    Não tenho culpa de nada!
    - Olhe aqui, a senhora vai ficar quietinha! disse O Sr. Hausmann, ameaçador.
    A mulher fechou os olhos e baixou a cabeça.
    - Um de vocês vai ficar aqui tomando conta dela - disse O pai de Hedi.
    Os meninos juntaram-se para resolver O assunto. Logo um deles se adiantou e se postou ao lado da zeladora, que não parava de chorar. Os outros seguiram O Sr. Hausmann, que já estava no corredor, subindo os degraus para O segundo andar.
    Os meninos seguiram na ponta dos pés. Mais um lance de escada! Pela vidraça do apartamento de Maria, via-se a luz acesa.
    O Sr. Hausmann chamou Peterson para junto de si e falou rapidamente com ele. Depois, sem bater, abriu repentinamente a porta. Os meninos foram correndo atrás dele.
    Ao chegarem à porta, viram Alois Katzenbeisser. Estava em pé no meio da sala, curvado por cima de uma mala. Virou-se repentinamente no momento em que entrava O Sr. Hausmann. Este jogou-se por cima dele. Katzen deixou cair a mala e deu um pulo para trás. Seu rosto ficou branco de susto. O Sr. Hausmann logo O agarrou de novo. Os meninos correram e se penduraram nos braços e pernas de Katzen. O homem começou a se defender como louco e todos acabaram caindo e se enrolando no chão. Em pé na porta, Maria tremia, nervosa.
    - Meu Deus - rezava baixinho -, por favor ajude O pai da Hedi para que Katzen não consiga escapar mais uma vez! Amém.
    Nesse momento, alguém bateu no ombro dela. Era Peterson que sorria, consolador, apontando para as enormes luvas de boxe.
    - Não tenha medo - disse ele -, você vai ver! Devagar, aproximou-se do grupo, empurrou de
lado O Sr. Hausmann, que se jogara por cima de Katzen, e foi abrindo caminho para si.
    No instante em que Katzen ia levantar-se, ele rodou O braço como a pá de um moinho de vento, deixando-o cair com toda força na cabeça de Katzen. Ouviu-se um baque surdo como um tiro de canhão amortecido. Katzen gemeu alto, caiu no chão, esticou os membros e não mais se moveu.
   - Muito bem, está liquidado! - disse Peterson, satisfeito. As crianças riram. No mesmo instante, viu-se O clarão do flash da máquina de Bettel.
    O Sr. Hausmann e os meninos levantaram-se, sacudindo a roupa. Tinham lutado para valer! O Sr. Hausmann levara a pior - estava com a testa arranhada e a gravata rasgada. Apesar de tudo, parecia de bom humor.
    Ouviram passos pesados nas escadas e logo em seguida apareceram três policiais.
    - Muito bem - disse um deles ao reconhecer Katzen , quer dizer que chegamos tarde.
    - A justiça venceu mais uma vez - declarou O repórter, sorrindo.
    De repente, Klaus, que fora até O quarto ao lado, deu um grito e apareceu nervoso com um paletó na mão.
    - Olhem aqui! - gritou ele. - Olhem aqui! Foi isso que Katzen esqueceu! Achei no armário! - E ele retirou uma carteira do poletó. Todos O rodearam. Apenas dois policiais ficaram tomando conta de Katzen, que continuava no chão, inconsciente.
    Klaus abriu a carteira. Apareceu uma porção de notas.
    - Gente, quanto dinheiro! - exclamou um dos meninos.
    Maria estava tão excitada que não conseguia falar. O terceiro policial assoviou por entre os dentes, pegou a carteira e, contando, separou uma quantidade de notas.
    - Bem - disse ele -, isso aqui nós vamos liquidar logo para não haver confusão depois. Mil, mil e quinhentos mil e oitocentos marcos! - Dobrou as notas, meteu-as dentro de um envelope, tirou a própria carteira, guardou nela O envelope e disse, olhando para Maria:
    - Amanhã de manhã, alguém da polícia vai à casa do Sr. Hausmann devolver O dinheiro que Katzen roubou!
    Curiosos, os meninos olharam para Maria. A menina quis dizer alguma coisa, mas não conseguiu. Só balançava a cabeça. De repente, as lágrimas começaram a lhe escorrer pela face.
    - Pelo amor de Deus! - O repórter ruivo ficou até assustado. - Que é isso, você está chorando, Maria?
    E Maria continuou, balançando a cabeça. Depois, disse entre soluços:
    - É de felicidade.
    - Mas aqui é proibido chorar - reclamou O policial.
   Quatro meninas felizes vão à escola - A sala de aula é pequena demais - Uma reunião no ginásio - O diretor pede desculpas - Maria jaz um discurso e O Sr. Bettel fotografa - Nova surpresa - Maria vai visitas a mãe - Uma última surpresa - O Sr. Hausmann e O Sr. Peterson conversam sobre O final feliz.
    Na manhã seguinte, às sete e meia, a campainha na casa do Sr. Hausmann tocou. Hedi e Maria, que ainda tomavam O café da manhã, correram até a janela e olharam para fora.
    No portão estavam Toni e a gorda Steffi, acenando.
    - Vieram nos apanhar para irmos juntas para a escola - disse Hedi.
    As duas amigas logo arrumaram as pastas e correram até O escritório para se despedirem do pai de Hedi.
    - Um policial acabou de sair daqui - contou ele. - Katzen já está atrás das grades. Vai responder por muitos crimes. Vocês não precisam ter medo de reencontrá-lo nos próximos anos. Aqui está seu dinheiro - acrescentou ele, entregando um envelope a Maria. - Já dei O recibo ao policial.
    Obrigada, Sr. Hausmann - disse Maria baixinho. - Muito obrigada.
    - Estamos indo para a escola, pai - disse Hedi.
    - Muito bem - retrucou O pai de Hedi -, talvez eu vá visitar vocês, se tiver tempo. - Depois, olhou para Maria e perguntou: - Onde você guardou O dinheiro?
    - Aqui dentro - respondeu ela, batendo na pasta.
    - Tome cuidado para que ninguém O surrupie novamente.
    Maria riu.
    - Garanto que, pela segunda vez, isso não me acontece - disse ela.
    As duas meninas saíram e foram encontrar-se com as amigas. Juntas, seguiram para a escola.   
Estavam excitadas e a conversa girava em torno de como O diretor reagiria ao receber O dinheiro.
    - Talvez lhe dê um beijo, Maria - disse Steffi.
    - Brr! - fez Maria, sacudindo-se. - Com aquele bigode horrível!
    Todas riram.
    - Talvez até suspenda as aulas em homenagem ao grande dia - disse Hedi, esperançosa.
    - Isso já seria bem melhor - opinou Toni.
    - Mas seu pai é um bocado forte - disse Maria para Hedi, com admiração. - Vi como ele lutou com Katzen. . .
    - É sim - respondeu Hedi, orgulhosa -, ele é realmente um pai formidável!
    Todas concordaram. Recordaram então tudo que havia acontecido na noite anterior. A chegada da polícia, e como ela levou Katzen e a zeladora. E depois todos haviam ido à casa de Hedi para lanchar, e como se haviam divertido. . .
    Ao chegarem à escola, já eram esperadas pelas outras meninas, que despejaram um monte de perguntas em cima delas.
    - Conte como foi!
    - Você já está com O dinheiro, Mana?
    - É verdade que Katzen estava com um revolver?
    - Nós vamos ser fotografadas? Vamos aparecer no jornal?
    As perguntas enchiam O ar. As quatro amigas se entreolharam e, sacudindo a cabeça altivamente, entraram na escola sem responder. Estavam orgulhosas de terem um segredo para guardar.
    Ao entrarem na sala de aula, a campainha tocou, As meninas correram cada uma para seu lugar e sentaram-se. O diretor devia estar chegando. Maria segurava nas mãos O envelope com O dinheiro; as mãos estavam quentes e ela sentia O coração bater.
    O diretor, no entanto, não apareceu.
    Em vez disso, de repente, no corredor, começou a haver uma grande agitação. Ouviam-se muitas vozes e muitos passos. A pequena Trude, que ficara de plantão, entrou na sala gritando:
    - Os meninos vêm aí!
    As meninas estavam surpresas.
    Os meninos?
    O que vinham fazer?
    Apenas as quatro amigas se entreolharam novamente. Elas sabiam.
    Logo depois, Klaus entrou, e, atrás dele aparece ram as cabeças de muitos outros. Klaus parou na porta, cumprimentou e disse:
    - Fomos convidados a vir até aqui. O diretor vai falar e nos pediu para estarmos presentes. - Dizendo isso, entrou na sala, seguido dos amigos. Aquela velha sala de aula nunca tinha visto tanta gente! Os meninos sentaram-se nos bancos ao lado das meninas. Na maioria dos bancos instalaram-se três, em alguns havia até quatro crianças sentadas. Mesmo assim, nem todos encontraram lugar. Ninguém conseguia se mexer. Todos falavam ao mesmo tempo. Quando, finalmente, O diretor entrou, acompanhado da professora de geografia e alemão, a princípio ninguém notou.
    O inspetor, que entrou junto, teve de gritar "Silêncio!" três vezes para que O barulho diminuísse. As crianças, então, olharam para a porta.
    Lá estava O diretor, gesticulando, tentando em vão chegar até a mesa do professor. Não conseguia. Havia muita criança no meio do caminho.
    - Convidei vocês, meninos, para virem até aqui - disse O diretor -, mas não pensei que tivéssemos tão pouco espaço. Aqui não dá para ficar. Acho que seria melhor irmos todos para O ginásio.
    As crianças se entusiasmaram. Ia ser divertido! Seguindo O diretor, que foi O primeiro a sair da sala, todas as outras crianças saíram também. Rindo e falando alto, desceram a larga escadaria até O outro lado, onde ficava O ginásio. As portas das outras salas se abriram e caras muito espantadas olharam para eles. Ninguém entendia O que ocorria.
    No ginásio, as crianças instalaram-se em bancos, banquetas e esteiras. O diretor, a professora e O inspetor ficaram de pé no meio deles. Quando O diretor ergueu O braço, acabou a conversa,
    - Tenho de falar com vocês por um instante - disse ele. - Maria, venha até aqui, por favor.
    Devagar, Maria levantou-se da esteira em que estava sentada e se aproximou do diretor. Todos olhavam para ela.
    - Bom-dia, Maria - disse O diretor, dando-lhe a mão.
    - Bom-dia, Sr. Diretor - respondeu Maria. Engoliu em seco e acrescentou, estendendo-lhe O envelope: - Aqui está O dinheiro.
    Primeiro O diretor abriu, contou as cédulas e depois apertou novamente a mão de Maria, dizendo:
    - Muito obrigado.
    Depois, passou-lhe a mão pela cabeça. Nesse instante, todos começaram a bater palmas tão alto que os aparelhos de ginástica estremeceram. Novamente O diretor ergueu O braço.
    - Vocês todos sabem O que aconteceu a Maria. Vocês a ajudaram a recuperar O dinheiro roubado. Foi uma atitude louvável e corajosa da parte de vocês. Muito obrigado a todos. E, nesta ocasião nós professores temos de pedir desculpas a vocês, principalmente a Maria. Suspeitamos de que ela tivesse roubado O dinheiro. Fomos injustos e pedimos desculpas. Não é mesmo? - perguntou O diretor, olhando para O inspetor e para a professora.
    Com voz embargada, O inspetor respondeu:
    - Desculpem.
    E a professora acrescentou:
    - Eu também peço desculpas, Maria. Sorrindo por entre as lágrimas, Maria respondeu:
    - Ora, está tudo bem agora.
    - Está sim - disse O diretor, dirigindo-se novamente à turma. - Agora está tudo bem, porque vocês nos mostraram que estávamos errados. Porque vocês ficaram do lado de Maria. Vocês não se deixaram enganar como nós, adultos, que cometemos um erro.
    Por isso, nós professores agradecemos a todos vocês por nos terem levado a reconhecer esse erro. É muito importante reconhecermos nossos erros. Vamos nos esforçar para, no futuro, sermos mais cuidadosos, mais justos.
     Novamente todas as crianças bateram palmas e novamente os aparelhos de ginástica estremeceram.
    - É um prazer para mim - disse O diretor, quando todos voltaram a ficar quietos - poder comunicar a vocês que Maria receberá de nós professores, como uma espécie de indenização, um par de esquis para O curso de esquiação do qual vai participar.
    _ Viva! - gritou Steffi. E todas as outras crianças gritaram também: - Viva!
    - Espero - disse O diretor, sorrindo, pois ele mesmo estava feliz - que toda essa história lhes ensine uma lição: a de ser mais justos e mais inteligentes, mais prestativos e mais decentes do que os adultos, infelizmente, por vezes são. Vocês devem se ajudar uns aos outros sempre que puderem. Devem acreditar uns nos outros. E, se, por acaso, nós adultos cometermos algum erro, por favor, nos avisem. Combinado?
     - Combinado! - gritaram as crianças em coro.
    - Muito bem - declarou O diretor; pensou por um instante e disse: - Tem mais uma coisa que eu queria dizer a vocês... Ah já sei: hoje, evidentemente, não teremos mais aulas!
    Dessa vez a gritaria foi tanta que O inspetor teve de tampar os ouvidos. Em meio a toda a barulheira, a porta do ginásio se abriu e três homens entraram! Eram O pai de Hedi  Peterson com um grande bloco na mão e O fotógrafo Bettel, que se ajoelhou imediatamente e começou a fotografar.
    Quando a gritaria acalmou e os professores foram cumprimentados pelos três senhores, O diretor perguntou:
    - Quer dizer mais alguma coisa, Maria?
    -  Queria, sim. Quero agradecer a todos, por terem me ajudado tanto! - Bettel correu para junto dela, e fotografou-a. E Maria continuou: - O que quero agradecer especialmente é O fato de vocês terem acreditado em mim quando disse que não tinha roubado O dinheiro. Isso para mim foi O mais importante. Fico feliz também em participar do curso de esqui e prometo a cada um de vocês que, se um dia passarem pelo que passei, vou ajudá-los assim como vocês me ajudaram Maria inclinou-se. Bettel fotografou-a mais uma vez e todos bateram palmas.
    Em seguida, O Sr. Hausmann pegou uma grande pasta e abriu-a, tirando uma pilha de jornais.
    - Aqui está - disse ele, começando a distribuí-los entre as crianças. - Aqui vocês podem ler tudo que fizeram. Guardem esses jornais e, se algum dia não souberem como agir, leiam simplesmente essa história.
    Alunos e professores juntaram-se para ver O jornal. Na primeira página, havia três fotografias. A primeira era do "conselho de guerra" no pátio do ginásio masculino; a segunda era de Maria com Klaus e Hedi; e a terceira, das crianças no apartamento de Maria. Todas riam, e no meio delas estava Alois Katzenbeisser esticado no chão.
    Por cima das fotografias, lia-se:
    Vinte e Quatro Crianças À Caça de um Criminoso
    Mais abaixo:
    A Pequena Maria Luta pela Justiça E mais abaixo ainda, em letras menores:
    Relatório Especial de Nosso Repórter Wilhelm Peterson
    O diretor apertou as mãos dos representantes da imprensa.
    Agradeço O apoio dos senhores - disse.
     - Foi um prazer - disse Bettel, fotografando-o. Depois O Sr. Hausmann chamou Maria e lhe disse baixinho:
    - Preste bem atenção, acho que vamos ter de andar de táxi mais uma vez.
    - Para onde? - perguntou Maria, surpresa. Naquela manhã, acontecia tanta coisa que ela já estava meio zonza.
    - Para O hospital - disse O Sr. Hausmann. - Ver sua mãe.
    - Aconteceu alguma coisa?
    - Não. Absolutamente nada - disse O Sr. Hausmann acalmando-a. - Está tudo em ordem. Ela só gostaria de ver você. Eu estive lá há pouco e contei tudo.
    - Que bom! - disse Maria. - Um instante só que quero me despedir.
    O táxi que os levou ao hospital era muito grande. Além do Sr. Hausmann e de Maria, couberam também Peterson e Bettel. Todos estavam mudos, com expressão muito solene.
    - O que está acontecendo? - perguntou Maria.
    - Tem mais surpresa ainda?
    O Sr. Hausmann apenas balançava a cabeça. Não disse uma palavra. Maria estava intrigada. O que mais poderia ter acontecido?
    Ao chegarem ao hospital, entraram todos no quarto da mãe de Maria. Ela estava sozinha no quarto enorme e, ao ver a filha entrar, estendeu os braços.
    Maria! - exclamou ela.
    - Mãe! - exclamou Maria, correndo para junto da cama. Abraçaram-se por um bom tempo. O Sr. Hausmann e dois companheiros ficaram parados na porta. Finalmente, a mãe de Maria olhou para a filha.
    - Já sei de tudo - disse ela, apontando para um jornal ao lado da cama. - Você é minha filhinha corajosa!
    Maria sorriu.-, tenho mais uma surpresa você
    Sabe - disse a mãe tenho uma surpresa para você, filha.
    _ Uma surpresa?
    - Sim - respondeu a mãe. - É a respeito de seu pai.
    - Papai? - Maria levantou-se, tremendo. - Ele voltou?
     - Ainda não. Mas me escreveu uma carta. A carta chegou hoje. Papai está vivo! Vai voltar em breve.
    A mãe de Maria tirou uma carta amarrotada que estava embaixo da colcha e mostrou-a à filha. Nenhuma delas conseguiu mais falar. Abraçaram-se mais uma vez, mudas.
    - Agora está tudo em ordem - disse O Sr. Hausmann, saindo para O corredor com os dois acompanhantes. Katzen está no xadrez, a zeladora também, Maria pode participar do curso de esqui e, quando voltar, O pai talvez já tenha regressado. É um belo final para nossa história. Cada um recebeu O que merecia.
    Todas as histórias deveriam acabar assim disse Peterson. - Gosto de um final como esse.
    - Todo mundo gosta - disse O Sr. Hausmann.
    - Crianças e adultos. E se todo mundo agisse como nossos pequenos amigos, haveria muito mais vezes histórias com um final igual a esse.
    _ O senhor falou bem - disse Peterson. - Acho que deveríamos contar a aventura de Maria contra Alois Katzenbeisser com maiores detalhes. É uma história emocionante para meninas e meninos.    Tenho certeza de que eles vão gostar.
    E então?
    Gostaram mesmo?

 

 

                                                                  J. M. Simmel

 

 

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