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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


EITA PORRA / Josiane da Veiga
EITA PORRA / Josiane da Veiga

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Júlia era uma estrela! E a doida do gato!
Daniel e Júlia eram amigos de longa data. Ambos atores de um seriado famoso, mantinham uma relação de respeito e cumplicidade. Até que Júlia, ansiosa para pregar uma pegadinha no amigo e alavancar seu canal no Youtube, colocou tudo a perder.
Uma confissão falsa transformou suas vidas e agora ela não sabia mais como se livrar do problema.
Tinha fama, dinheiro, um gato maravilhoso e amigos incríveis. Não queria um namorado.
Contudo... como conseguiria dizer ao seu melhor amigo que sua declaração de amor era uma mentira?

 


 


Capítulo Um

Existem pessoas que nascem com a bunda virada para a lua.

Aquele tipo de sorte que você inveja porque nem em mil anos conseguiria tal coisa. A sorte de criar chances onde só existe erro e decadência. Sorte...

Assim foi com Júlia Mendes. Ela sempre se destacou desde pequena pela aparência bonita e pelo lado extrovertido, mas foi pela sorte que foi descoberta pela agência de talentos.

Estava na escola. Um dia normal como qualquer outro, não fosse a apresentação reservada aos pais pelo dia da natureza. Ela foi declamar uma poesia na frente de uma arquibancada lotada, as mãos um tanto trêmulas, a voz um pouco fanha, quando começou:

“Nós fodemos...”.

Não. Não era fodemos. Era “ podemos ”, mas isso não importou. Também não importou que a menina nem soubesse o que significava a palavra nem porque pensara nela já que a única vez que a vira foi rabiscada na parede do banheiro da escola.

Contudo, a dissera.

Enquanto uma gargalhada se alvoroçava pela multidão e os pais de Júlia se afundavam de vergonha em suas cadeiras, ela pigarreou como uma adulta e continuou:

“Nós podemos mudar o mundo”.

E isso é ter sorte. É criar as oportunidades sem se deixar abater pelos obstáculos.

Aquela desenvoltura chamou a atenção de um outro pai, dono de uma famosa agência, que logo a convidou para uma entrevista. De lá para cá, foram muitos contratos, comerciais e novelas, até chegar a participação em um seriado jovem popular que a tornaria uma estrela, e onde ela dividia a tela com outra garota – Graça, a protagonista – e outros três meninos – Daniel (seu melhor amigo, que ela conheceu nos primeiros dias na agência), Otávio e Luís.

Era sorte.

Naquele mundo difícil de pessoas ainda mais complicadas, ela encontrou quatro amigos incríveis. Ela descobriu que não precisava rivalizar para ter sucesso. E ela era feliz.

Jovem, linda, famosa e rica.

Sortuda.

— O que você está fazendo? — Otávio franziu a testa com minúcia, erguendo o olhar do jornal do dia, enquanto via Júlia agachada no extremo oposto do sofá no camarim, brincando com o lábio inferior e rindo maldosamente para o seu gato Minikui.

Outra coisa que podemos contar sobre Júlia. Ela tinha um pequeno ser vivo que odiava a raça humana, mas que dividia a vida com a jovem, e que adorava permanecer em seu colo, analisando a situação e cada instante transcorrido no universo.

Minikui – eu sei, você está se perguntando do porquê desse nome, mas logo lhe explicarei – era um gato vira-latas encontrado abandonado perto da casa de Júlia, e que ela adotou como o amor da sua vida tão logo o teve nos braços. Ele era esbelto, arrogante e esnobe, como todo bom gato deve ser. Também era exigente, gostando de acordar sua humana durante à noite para exigir dela comida ou afagos – mais comida que afagos, Minikui não gostava muito de colo.

— Nada. — A jovem respondeu lentamente, sem analisar seus (provavelmente maus) pensamentos.

Mais um detalhe sobre Júlia: Ela era um tantinho má. Como Minikui. Não sabemos dizer se foi o gato que roubou sua personalidade ou se ela que foi infectada pelo felino.

— Isso é suspeito! — Otávio reclamou, olhando ao redor da sala, percebendo que havia uma câmera e um pilar lá. — Você está planejando algo, e eu tenho medo do que é.

— Não é nada com você — Júlia respondeu, franzindo a testa como se o rapaz fosse lento por não saber o que ela estava planejando.

A conversa interrompeu quando alguém passou pela porta aberta. Júlia saltou agilmente do sofá e correu para o corredor.

— Maurício, posso falar com você um minuto? — pediu, desaparecendo da vista de Otávio. — Eu estou precisando de alguns microfones ocultos, e um cameraman também...

Otávio franziu os lábios, achando muito difícil continuar focado em seu jornal quando os seus nervos estavam tão no limite que o próprio Minikui pareceu perceber a tensão quando o encarou com seu desprezo.

Otávio conhecia Júlia. E conhecia o suficiente para não gostar do que quer que fosse que ela estivesse planejando.

***

— Dani, espere um minuto — Júlia disse de repente, pegando o rapaz mais velho pelo braço enquanto os outros três membros do grupo seguiam em frente ao estacionamento onde a van estava aguardando-os.

Ela parecia nervosa, quase tímida, ou pelo menos esperava que Daniel achasse isso.

Júlia ajeitou o touca de lã, olhando de soslaio para o microfone logo abaixo da borda e, em seguida, para onde estava uma câmera que permanecia presa num pilar de concreto longe das vistas do outro.

Daniel voltou-se para ela, olhando para sua amiga com a curiosidade latente. Forçando uma expressão gentil, Júlia conjurou suas habilidades de atriz em uma respiração profunda.

— Eu só... Eu quero falar com você por um segundo, tudo bem?

Daniel franziu o cenho, obviamente sentindo alguma coisa séria sobre a forma como Júlia estava agindo e se preocupou com isso.

Essa sempre foi a personalidade dele. Sempre se importou. Júlia gostava de usar isso em benefício próprio, aproveitando que o amigo alto, bonito e de olhos castanhos intensos era também atencioso e cuidadoso.

Ele olhou por cima do ombro, vendo os demais amigos desaparecendo em um canto antes de voltar com um aceno.

— Tudo bem — disse simplesmente. — Aqui? Ou prefere conversar num lugar mais reservado?

— Aqui está bom — Júlia mordeu o lábio para conter um sorriso, mais uma vez buscando fazer sua expressão preocupada. — Hum, apenas ... Apenas me dê um minuto. Eu não sei por onde começar... — Ela tomou uma respiração profunda, tendo que evitar uma gargalhada histérica.

Isso era tão legal! Ela até já conseguia visualizar o título em seu canal do Youtube: “Vejam a reação de Daniel Trent quando Júlia confessou seu amor”.

— Você está bem, July? — Daniel franziu a testa, inclinando-se para ela para tentar fazer contato visual.

Ele ficou assustado quando Júlia agarrou-lhe pelo braço.

— Dani... Você sabe que eu te amo?

— Eu também te amo, July, mas o que há de errado? — Ele respondeu, como se estivesse no modo automático.

— Não... isso está errado! — Ela baixou o olhar para um momento de tormento emocional enquanto a carranca Daniel se aprofundou.

— July...?

— Eu quero que você saiba que eu realmente amo você.

Daniel piscou os olhos ligeiramente.

— O quê?

— Quero dizer, eu sei que somos amigos e tudo o mais...

Daniel riu sem jeito, um riso que parecia mais apavorado e inseguro que qualquer outra coisa.

— Não ria. — Júlia disse suavemente, deixando as mãos deslizarem dos braços Daniel e dando um passo e meio atrás. — Se isso é tudo uma brincadeira para você, então me diga e eu vou cair fora, mas por favor não ria de mim.

Daniel engasgou.

— Você está falando sério? — perguntou, sem trair o seu pensamento em toda a sua expressão.

— Não há câmeras aqui, nem fãs que nos shipam ou coisa do tipo. Somos só nós, Dani, dois amigos que se conheceram na Agência, que trabalham juntos a vida toda e que... — Júlia respondeu, ela praticamente podia ver a fumaça saindo da cabeça de Daniel. Ele obviamente estava desesperado. — Eu nunca me senti mais idiota ou louca ou sei lá... do que quando estou com você. Eu queria muito que fôssemos namorados...

Foi realmente difícil não rir das linhas na testa de Daniel, do seu olhar assustado, do seu corpo trêmulo. Era isso que ela queria! O olhar surpreso no rosto de seu amigo. Sua mão se moveu lentamente em direção ao bolso do jeans, alcançando o papel escondido lá. Nele, uma frase escrita: “Você caiu na minha pegadinha” brilhava com caneta rosa de glitter.

Daniel surpreendeu-a antes que conseguisse o alcançar.

— July! — Algo em sua voz e expressão tinha mudado, mas July tinha medo de colocar um nome sobre o que era. — Ouvir você dizer isso... É um sonho?

— Quê? — July gaguejou, os olhos arregalados de medo.

Daniel balançou a cabeça.

— Eu pensei que você só me visse como amigo. — Ele sorriu, e Júlia sentiu como se alguém tivesse lhe dado um tiro no estômago. — Eu estava conformado, mas agora as coisas podem ser diferentes. Porque eu sempre te amei... Eu te amo desde a primeira vez que a vi. Eu fiquei tão feliz quando nos escalaram para a mesma série. Eu admiro tudo em você... eu... — havia lágrimas em seus olhos. — Eu amo você de todo o meu coração.

Puta merda! Puta merda! Puta merda!

— O que você está dizendo? — July perguntou devagar, temendo a resposta.

— Eu quero ser seu namorado, July. — Daniel disse baixinho, aproximando-se tão perto que pode esmagar seus lábios contra os de Júlia.

O cérebro da nossa protagonista parecia ter sido reduzido a confusão e horror. Quando os lábios se separaram, ela percebeu o sorriso brilhante genuíno nos lábios Daniel.

Ele estava feliz. Realmente, definitivamente, francamente, ele estava feliz.

Quando ele se afastou e começou a puxar-lhe a mão, enfim, o cérebro voltou a funcionar: Fodeu tudo . Como ela conseguiria resolver isso?

— Por que demoraram tanto tempo? — Luís indagou em um tom aborrecido, folheando uma revista.

Ele era gay. E um tanto afeminado. Aquilo nunca incomodou Júlia, até então. Agora, ela queria jogar a revista na cabeça dele apenas por causa da pergunta.

— Sim, conte-nos todos os detalhes sujos! — Graça riu. — Luís quer saber!

Luís deu um leve soco no braço da amiga, rindo.

Daniel e July sentaram nos assentos da frente, o rapaz sorrindo alegremente enquanto ela estava estática e desesperada. Ele deu um aperto na mão de July antes de abandoná-la, e depois colocou um par de fones de ouvido, desligando-se do mundo com um sorriso bobo.

A van começou a sair do prédio para a luz ofuscante do exterior. Otávio inclinou-se sobre o assento percebendo a expressão dos olhos estupefatos de July.

Ele esperava pelo sorriso de satisfação do que quer que fosse que ela houvesse aprontado, mas tudo que recebeu foi o terror que penetrou sua expressão. Isso era raro naquela garota.

— Sua brincadeira deu errado?

July piscou e então pareceu acordar.

— Você não tem ideia.

 

 

 


Capítulo Dois

 

Minikui estava inquieto em seus braços. Ela o ninou enquanto andava de um lado para o outro. Maurício havia sido o câmera da brincadeira e ela precisava falar com ele antes que alguém visse aquelas fitas ou que Daniel soubesse que ela fizera uma infeliz brincadeira com a sua cara.

O gato miou e ela o observou. Minikui era aquariano. Ela o encontrou com cerca de um mês no final de fevereiro. Assim ela sabia que ele havia nascido no final de janeiro. O signo dele deixava claro o quanto sentia-se sufocado com apego.

Como ela!

Namorando?! Nem fodendo! Ela também era de aquário e adorava a liberdade. Daniel era o tipo de sujeito grudento que iria enchê-la de carinho. Arrepiou-se com o pensamento, sentindo calafrios.

Ela não namorava. Nunca. Ninguém. Ela tinha orgulho de não precisar de sentimentos.

— Minikui... — ela levou o gato para seu rosto e aspirou seu perfume.

Júlia não tinha tempo para namorar. Ela trabalhava muito. E nas folgas ela assistia animes japoneses ou lia livros. Foi assim que ela nomeou o gato. Deu a ele o mesmo nome do felino do livro Kinshi na Karada, porque aquele gato era como ela: tinha amor próprio e se bastava.

Maurício surgiu na porta.

— Nós não podemos deixar que isso vaze! Nada do que a câmera gravou pode ser exibido. — July explicou apressadamente.

O homem assentiu.

— Eu comecei a rir quando você disse...

— Estava engraçado no começo, sim... — ela concordou.

— Mas, quando ele...

— Eu sei! Céus, como eu nunca percebi? Você já havia percebido?

— Bom, ele sempre foi colado em você como um cachorrinho, mas...

Ela poderia chutar-se por ter sido tão estúpida. Já tinha feito muita burrice na sua curta vida, mas essa tinha sido a sua ideia mais infeliz.

Por que não tinha notado antes? Por que não tinha considerado que Daniel poderia gostar dela?

Ela queria cavar um buraco escuro e simplesmente desaparecer.

— Não se preocupe porque eu destruirei a fita. — Maurício avisou. — Agora, preciso ir. Você tem uma participação num programa de televisão hoje, então não esqueça de ir até o camarim fazer a maquiagem. Parece péssima.

— Jura? Por que será? — rebateu, exausta.

Júlia sentiu-se aliviada quando chegou ao camarim do grupo e não havia ninguém lá.

Sentou-se no sofá, soltou um grunhido de frustração e enterrou o rosto nas mãos. Minikui saltou no chão e ficou admirando o sofrimento de sua tutora. Não se apiedou. Ela merecia.

Daniel era seu melhor amigo. Ela o amava, se importava com ele. Mas, aquilo não era sentimentos românticos. E agora...? A amizade que eles nutriram por todos aqueles anos iria ruir se ela confessasse que tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto.

Os olhos de Júlia se abriram quando ela sentiu um toque gentil nos seus ombros tensos. Era Daniel sentado ao lado dela com o sorriso mais doce e feliz que ela já tinha visto.

— Ah... oi.

— Eu te liguei ontem à noite — ele contou. — Pensei em ir até seu apartamento, mas na van você parecia nervosa e... enfim... foram muitas surpresas ontem, não é?

Você não faz ideia!

De repente a mão dele subiu até o queixo dela. Seus olhos ainda preocupados, mas afetuosos. Havia em Júlia uma quantidade de constrangimento que quase a fez fugir, não fosse o modo como os dedos de Daniel pareciam queimar de uma maneira cálida.

Ok. Aquela porra era toda estranha, e July não tinha ideia de como reagir.

Daniel sempre escondeu como se sentia? Como ele conseguiu?

— Você está chateada. — O rapaz anunciou, embora ele não fez nenhuma tentativa de se afastar.

— Eu... não... — July respondeu sem jeito. — Eu não vi o celular tocar. Na verdade estava tão cansada das gravações de ontem que fui direto para a cama.

Daniel olhou para ela em silêncio por um instante antes de abaixar-se, cruzando os braços e deitando a cabeça dele no colo da garota.

July ficou boquiaberta. Daniel sorriu.

— Eu posso?

— Oh... — July queria correr.

Daniel era um pouco pesado e agora ocupava o lugar que Minikui costumava ter no colo de Júlia. Ela levou os olhos para o gato do outro lado da sala, e ele parecia encará-la com um enorme ponto de interrogação.

— Ouça, Dani...

— Hum?

— O que isso significa exatamente?

Um vinco pequeno apareceu na testa de Daniel.

— Isso?

— Você sabe... Nós dois...

— Temos que dar um nome? Você disse uma vez que não gosta de chamar alguém de “namorado”, não é? Se sente sufocada. — Ele riu sem jeito, mas deixou o som morrer. — Eu não sei como nomear. Eu pensei... Você está feliz?

— Feliz?

— Você sabe... Quando você disse que me amava, eu estava realmente feliz, eu ainda estou feliz, e eu pensei que se você estivesse dizendo a verdade...

— Claro que eu estava dizendo a verdade! — Ela explodiu em um ataque de pânico.

Daniel sorriu suavemente.

— Eu sei. Eu apenas pensei que você ficaria feliz em ouvir que eu sempre te amei... mas você está agindo de forma estranha desde então.

— Eu não estou agindo de forma estranha! — Ela agarrou nervosamente o colarinho da camisa de Daniel.

De alguma forma, ela não podia suportar a menção de Daniel sabendo que tinha sido uma mentira.

Ainda não.

Não depois que ele ficou tão feliz. Ao mesmo tempo, ela não poderia deixar que a mentira continuasse, não é? Isso seria ainda pior!

— Eu só quis dizer... Eu não sei... Fiz algo errado, July? Eu pensei que você queria ouvir como eu me sentia, mas agora parece como...

Céus, ele parecia muito chateado e July queria dar um soco no próprio rosto por ser a fonte idiota de todos os problemas que surgiram. Daniel baixou o olhar novamente, piscando um pouco mais rapidamente do que o habitual.

— Você não fez nada de errado. — July disse rapidamente. Era verdade, ela foi a única culpada de toda a bagunça. — Estou feliz, Dani, só... Eu só estava chateada porque... porque o estacionamento não era muito, ah... um lugar romântico para... você sabe...

— Confessar?

— Isso. — July suspirou antes que ele pudesse continuar.

Cada mentira que ela dizia parecia tornar as coisas mais cruéis.

Quando ela ingressou na agência, e conheceu Daniel, logo eles se tornaram bons amigos. Quando começaram a atuar juntos, alguns fãs torciam por um namoro e ela adorava brincar com a possibilidade.

Ela o amava... Amava dormir de conchinha com ele, de segurar suas mãos quando se sentia nervosa, de assistir séries de terror ao seu lado, de compartilhar o brigadeiro da panela...

Mas, era só amizade.

E agora ela colocou tudo a perder por uma estúpida brincadeira.

— Você ainda parece incomodada.

— É apenas uma dor de cabeça horrível, não se preocupe com isso.

Isso não era mentira, pelo menos. Sua cabeça latejava e a causa mais provável era o estresse. Distraída pelos seus pensamentos, mal percebeu quando Daniel levantou-se do seu colo, e então pressionou seus dedos quentes contra suas têmporas.

— Eu quero ajudar. — Daniel explicou, amassando pequenos círculos em sua pele.

Era seu melhor amigo. Ela rapidamente sentiu-se tranquila com o toque relaxante e fechou os olhos.

Então, aquele sopro. Júlia abriu os olhos rapidamente e percebeu o rosto de Daniel bem perto do seu.

— O que você está fazendo? — seus olhos estavam arregalados, e Daniel sorriu.

— É estranho eu querer beijar a minha namorada?

Ele perguntou aquilo com tanta simplicidade que Júlia quase esqueceu o clima que havia entre eles.

Os dedos Daniel voltaram em seu rosto, massageando até sua testa e descendo para as maçãs do rosto. Os olhos de July fecharam novamente, era mais fácil apenas se concentrar em como era bom sentir seu toque, em vez de encarar a expressão concentrada de Daniel.

Uma das mãos de Daniel começou a trabalhar na ponta de seu nariz, enquanto a outra afundou em seu cabelo, vasculhando suavemente, puxando ligeiramente o suficiente para que July inclinasse a cabeça um pouco para trás.

Daniel aproveitou a oportunidade e a mão no nariz mudou-se para trabalhar os músculos rígidos na parte de trás do pescoço do jovem.

Ele não a havia beijado ainda. Parecia simplesmente querer tocá-la, como se ela fosse algo muito importante e ele precisasse desfrutar de cada detalhe.

Aquilo estava errado! Contudo, antes de Júlia pedir para parar, um gemido baixo conseguiu esgueirar-se de sua boca.

— O que somos agora? Eu não acho que temos que nomear nossa relação ainda — Daniel falou baixinho, como se ele apenas meditasse em voz alta para si mesmo. — Nós sabemos como nos sentimos — July não tentou estremecer. — Agora podemos agir sobre isso.

Para seu choque, July sentiu as palavras de Daniel acertá-la na forma de ar quente, fantasmas sobre a sua própria boca. Seus olhos abriram e ela estendeu a mão instintivamente, agarrando o rapaz pelo seu ombro e o impedindo de chegar mais perto.

— Espere! — Ela quase engasgou.

Daniel franziu o cenho, curioso, interessado, e July congelou.

— Hum... Dani... — Ela engoliu em seco, Daniel esperou pacientemente que ela continuasse, mas não fez nenhum movimento para recuar. — Será que podemos manter isso que está acontecendo entre nós dois? Não quero lidar com as perguntas de Luís, Otávio e Graça nesse momento... Então... Pode ser um segredo?

A última coisa que ela precisava era Graça fazendo um escândalo sobre eles, ou Luís os chamando de repugnantes, ou Otávio sendo todo atrapalhado e pudico sobre as coisas que antes teria considerado normal. July precisava de tempo para descobrir como fazer isso funcionar. Mentir para Daniel era bastante ruim, mas mentir para todo mundo que ela conhecia era mais que terrível.

Daniel ficou pensativo por um instante antes de sorrir docemente.

— Ok, eu te esperei por toda a minha vida. Eu posso esperar mais algum tempo até você se sentir mais segura e confiante.

July acenou com a cabeça, sentindo-se como a escória do mundo cada vez que Daniel a encarava daquela forma idólatra.

— Vai ser nosso segredinho! — Ele se inclinou, parecendo querer beijá-la, quando Otávio abriu a porta e entrou.

— Segredinho? — O outro rapaz exigiu, olhando em volta. — O que você está planejando, Júlia?

De repente, ele deu-se conta dos dois no sofá.

— Está acontecendo alguma coisa?

 

 

 

 


Capítulo Tr ês

 

— Otávio, nós realmente não estamos juntos. — Julia disse baixinho, seguindo o amigo até o banheiro.

— O quê?

— Daniel e eu, não é o que você pensa.

Otávio franziu o cenho. Parou diante do mictório e aguardou que ela saísse. Quando Júlia permaneceu parada, decidiu falar:

— Eu não penso nada.

July não sabia o que pensar. Se Otávio estava fingindo ser alheio ao que vira, então era um gesto gentil, mas o que ela queria agora era a chance de lhe dizer a verdade.

— Quando você entrou e nos viu no sofá...

— Vocês estavam apenas brincando — Otávio murmurou, frustrado pela persistência feminina quando ele estava apertado para mijar. — Pode me dar licença?

July levantou uma sobrancelha, em dúvida.

— Você realmente acreditou nisso?

— Vocês dois são loucos, sempre com essas mãos bobas e essas brincadeiras idiotas, mas eu não sou besta o suficiente para pensar que há realmente alguma coisa acontecendo entre vocês dois. Até porque você não ama nada nem ninguém.

Aquilo doeu. Mas...

— Eu fiz uma pegadinha para dizer a Daniel que eu estava apaixonada por ele, e antes de puder dizer que era uma brincadeira, ele se confessou para mim e agora ele acha que estamos namorando. — July declarou tudo como se estivesse vomitando.

Otávio estreitou os olhos para ela por um segundo, como se quisesse dizer-lhe para parar de fazer piada. July continuou a olhar de forma uniforme e séria, e viu como a compreensão alvoreceu no rosto do mais velho.

— July! Oh, meu... Sério?

— Eu sou terrível. — July gemeu, a reação Otávio apenas reforçava sua própria opinião sobre o assunto. — Mas em minha defesa, eu não tinha ideia de que ele era apaixonado por mim.

— Isso é ruim. Já lhe disse que era uma brincadeira?

— Claro que não!

— Ah, certo. Ele te beijou? — Otávio parecia perturbado e um pouco atordoado com a situação.

— O que isso importa? Diga-me o que devo fazer! — July gemeu.

— Eu não sei se você reparou, mas sou a pior pessoa para você pedir conselhos amorosos.

Ela sabia. Otávio fugia de relacionamentos, gostando apenas de sexo casual. Ele era um cara legal, um pouco sério demais, mas ainda assim um bom amigo e alguém que ela sempre teve como suporte.

— Amorosos? O problema é que o nosso "amor" é uma farsa total!

— Não é só com o coração partido de Daniel que você tem que se preocupar. E a amizade de vocês? Cara, não sei se conseguiram retomar a boa convivência depois disso.

— O que eu faço? — choramingou.

— Para começar, deve dizer a verdade para Daniel. Você não está apaixonada por ele, certo? Bem, então você não pode continuar deixando que ele acredite que você está. É cruel, e vai ficar pior se ele for enganado por mais tempo. — De repente gargalhou. — Imagine vocês velhinhos sentados na varanda de casa vendo os netos brincando no quintal, e então você diz: “ Ei, sabe quando eu disse que te amava? Era uma piada ”.

— Não tem graça! — July exclamou. — Mas eu não posso simplesmente ir lá no camarim e dizer a ele, Otávio! Você não viu seu rosto... — ela suspirou, passando a mão pelo cabelo. — Daniel está realmente sério sobre nós.

Otávio parecia pensativo e preocupado, carrancudo e profundamente inquieto com desconforto óbvio. Ele cruzou e descruzou os braços e, em seguida, soltou um suspiro suave angustiado que finalmente fez Júlia quase gritar.

— Você está vindo com uma solução ou o quê?

— Eu realmente preciso fazer xixi.

July revirou os olhos, deixando o amigo sozinho para se aliviar.

Voltou ao corredor. Um membro da equipe a viu e arrastou-a para o conjunto onde uma sessão de fotos estava ocorrendo. Daniel e Luís estavam lá, segurando algum produto que ela ignorou.

— Oi — Daniel a chamou assim que a percebeu. — Eu estava conversando com minha mãe pelo telefone e...

Não! Não! Não e não! Já estava bem difícil mentir pro amigo, ela não iria mentir para a mãe dele. Fora que a senhora Maria descobriria a verdade assim que a visse. A mãe de Daniel era muito perspicaz.

O fotógrafo fez uma pausa para trocar a lente da sua câmera e Daniel continuou onde ele parou.

— Ela está fazendo lasanha caseira e quer saber se você gostaria de jantar lá em casa.

O convite ficou no ar por um longo tempo. Mentir para Daniel era uma coisa, mas mentir para a mãe de Daniel estava em um nível totalmente diferente.

— Eu sei que não é grande coisa, mas... — Daniel parou, parecendo desconfortável e um pouco autoconsciente.

July estava realmente começando a odiar essa expressão. E sempre que essa expressão ficava triste, ela sabia que a culpa era dela.

— Ah, lasanha — July sorriu. — Eu vou adorar.

Daniel ficou radiante. O fotógrafo voltou a chamá-lo.

Ela conseguiu escapar. Momentaneamente.

***

Otávio suspirou agradavelmente quando finalmente conseguiu se postar em frente ao mictório. Ele estava preocupado com a situação dos amigos, realmente estava, mas naquele instante estava mais focado em deixar a água sair de seu pênis.

Antes mesmo de qualquer gota sair, a porta do reservado atrás dele se abriu e ele precisou esconder suas partes íntimas quando deu de cara com Graça.

— O que diabos você está fazendo no banheiro masculino?

Graça, todavia, o ignorou.

— Sério! Eu tenho que mijar! O que diabos está acontecendo com as garotas hoje?

De repente, se deu conta de que Graça ouviu tudo. Bom, havia muita gente pior que poderia ter ouvido, então não se preocupou. Graça provavelmente iria tentar corrigir o problema e, assim, torná-lo pior, mas isso não era assunto dele.

— Céus, Otávio — ela murmurou. — Quanta baixaria — apontou. — Adorei! — exclamou em seguida, batendo as mãos.

— Pode parar com isso! — a repreendeu.

— Então, Otávio... — começou Graça, aproximando-se dele enquanto secava as mãos recém-lavadas num papel toalha. — O que vamos fazer?

— Primeiro de tudo, uma regra é fundamental.

— Regra? Como " não diga nada ao Luís” ?

Otávio piscou.

— Exatamente. Mas, além disso, não devemos deixar que ninguém saiba a verdade, ok? E nós certamente não podemos deixar Daniel descobrir... É melhor que July lhe diga.

— Sua regra é ficarmos quietos?

— Isso, silêncio absoluto. — Otávio franziu a testa, desconfiado. — Por quê? O que você planeja?

— Oh, você sabe... Eu só tenho algumas ideias no sentido de ajudar... — O brilho nos olhos de Graça não foi nada inocente.

— Não se envolva! July só tem que lhe dizer a verdade e tudo será resolvido. Ela não precisa que nós tornarmos as coisas mais complicadas.

— Otávio! — Graça exclamou, soando entre exasperada, horrorizada, e desesperada. — Você não entendeu nada! E se você fosse apaixonado por mim, e eu dissesse que te amava também? — Ela estendeu os braços ao redor do amigo, descansando a cabeça inclinada sobre o ombro do Otávio. — Você não ficaria suuuuuper feliz?

Otávio corou.

— Bem...

— E então, imagine se depois que eu dissesse que te amava, eu falasse: “ Ei, desculpe Otávio, mas eu estava apenas brincando! Haha, você se apaixonou por mim? Que trouxa! ”. Você não ficaria muito triste?

— Eu acho que July não vai dizer a verdade dessa forma tão fria.

— Você provavelmente iria chorar, né? — Graça continuou, dando um delicado empurrão.

Otávio ficou indignado.

— Eu irei chorar de verdade se você não sair e me deixar mijar!

— Enfim, não importa se ela será gentil com ele ou se ela gritará com ele, Otávio. De qualquer maneira, Daniel vai ficar magoado. — Fez uma pausa, pensativa e então seus olhos pareceram brilhar. — Dani é nosso amigo! Otávio, como ele continuará trabalhando conosco depois disso? E se o nosso grupo se romper? O que vamos fazer? — Ela agarrou seu amigo pelos ombros, olhos redondos e inquisidores.

Otávio teria gostado de dizer que Graça estava exagerando... mas ele engoliu as palavras. Havia algo em Graça que era contagiante.

— Calma, ok? Vamos pensar em alguma coisa.

Graça fechou os olhos, respirando fundo e liberando o seu poder magnético sobre os ombros do Otávio.

— Certo.

Só quando ela saiu daquela vez, Otávio pode enfim deixar seu pau esbanjar xixi.

 

 


Capítulo Quatro

 

O trajeto de carro da emissora de televisão onde eles estavam gravando uma nova série, até a casa que Daniel dividia com a mãe, foi feito de uma forma leve e divertida. Nem parecia mais que aquele clima pesado havia se instalado entre eles. Agora, pareciam novamente os melhores amigos, rindo de situações cotidianas, dividindo suas opiniões e brincando entre si.

— Minikui não é assim — July riu, empurrando Daniel de brincadeira.

Ele trocou a marcha, olhando de relance para o gato na caixa de transporte.

— É sério, ele olha para todo mundo como se odiasse a humanidade.

— Mas ele me ama — contrapôs.

— Você é quem ele mais parece odiar.

— Idiota! — July exclamou com uma gargalhada.

Daniel riu vertiginosamente enquanto estacionava o carro diante da casa grande que ele havia comprado para a mãe tão logo começou a fazer sucesso.

— Estou brincando. Minikui ama você. Todos amam você — segurou seus dedos.

July hesitou, dividida entre puxar a mão e, consequentemente, arruinar o bom humor de Daniel ou fingir que nada estava acontecendo, mantendo a atmosfera puramente amigável. Afinal de contas, não era como eles nunca tivessem dado as mãos antes, certo?

Começou a chover, e eles desceram do carro rapidamente, correndo até a porta da frente. A casa, sem cercas, ficava num enorme condomínio fechado.

Abrindo a porta da frente, Daniel gritou:

— Estou em casa!

July fechou a porta atrás dele. Eles tiraram os sapatos e esperaram por uma resposta, mas a casa estava escura, e ninguém respondeu.

— Mamãe? — Daniel gritou mais alto, franzindo a testa em confusão quando eles deixaram a entrada, ligando as luzes da sala.

— Eu acho que não tem ninguém em casa — July comentou, olhando ao redor de forma silenciosa.

Daniel abriu o caminho para a cozinha. Havia uma nota no balcão, e ela se inclinou sobre o ombro de Daniel para lê-la com ele.

“Filho, desculpe! Esqueci-me que tinha prometido a sua tia que ia à uma festinha em sua casa, hoje. Peça desculpas a July por mim. A lasanha está no congelador, precisa pôr no forno. Eu não voltarei hoje porque pretendo beber um pouquinho, então não deixe de ser cavalheiro com July e prepare tudo como lhe ensinei”.

Daniel franziu a testa enquanto esmagava o papel e o jogava no lixo.

— Eu não sabia que minha tia daria uma festa...

July deu os ombros.

— Você quer ir na festa? Eu não me importo de ir para casa se quiser.

Daniel riu, sacudindo a cabeça e indo até a geladeira. Lá, abriu o freezer e pegou o embrulho em alumínio que a mãe tinha ajeitado.

Júlia observou enquanto ele colocava a lasanha no forno e preparava os pratos e talheres.

— Eu prefiro ficar com você — ele disse, depois de um tempo.

O coração de Júlia pareceu aquecer, mas ela estava perturbada demais para perceber esse sinal.

Largando a caixa de Minikui no chão, ela abriu a portinha, deixando que o gato se acostumasse a cozinha. O cheiro delicioso que vinha do forno pareceu confortar Minikui. Júlia costumava levá-lo com ela para todos os lugares, então não era um ambiente estranho, mas o gato parecia sentir o clima pesado.

Os dois comeram em silêncio. Apesar da lasanha estar divina, July quase não sentiu o gosto. De repente, deu-se conta de que estava sozinha com Daniel na casa dele. Aquilo podia ser perturbador.

E se ele quisesse... sexo?

Ela era virgem. De tudo. Mesmo os poucos beijos que havia trocado, haviam sido selinhos com ele. Beijão de língua era algo que nunca havia existido na sua vida.

— Você quer vinho? — ele indagou.

Ambos eram maiores de idade, mas a agência mantinha um contrato sobre bebidas alcoólicas. Ninguém queria que suas jovens estrelas aparecessem bêbadas por aí.

— Uma taça está bom — ela murmurou.

Daniel recolheu os pratos, deixando-os na pia com a promessa de lavá-los depois. Depois ele serviu duas taças e eles foram para a sala. Havia filmes que ambos tinham jurado assistirem juntos.

— Eu não quero filmes de maricas — ela murmurou, sentando-se no sofá.

— Maricas?

— É — confirmou. — Romances.

— Céus! — ele gargalhou. — Você é muito estranha. Romances não são filmes de maricas. Aliás, você sabe o que é um marica?

Júlia deu os ombros.

— Eu quero suspense ou terror.

Ela gostaria de completar: “sem cenas de sexo”, mas decidiu ficar quieta.

— Vamos ver “O Escolhido”.

— O nacional? Com a Paloma Bernardi? Estou louca pra ver! — bateu palmas.

Daniel sorriu, misterioso.

— O que foi? — July ergueu uma sobrancelha.

— É fácil fazer você feliz.

Sentaram juntos, enquanto o televisor ligava.

Assistiram os três primeiros episódios em silêncio absoluto. Sem mãos bobas, sem tentativas de beijo. Aos poucos, July começou a se sentir mais segura.

A história girava em torno de três médicos que iam para o interior do Mato Grosso do Sul para vacinarem uma comunidade contra uma mutação de um vírus. Mas, as coisas saíram do controle e o texto inteligente logo fez com que ambos ficassem vidrados na história.

A hora tardia e o trabalho do dia começou a alcançá-los, tornando seus membros pesados e sua inclinação das pálpebras mais repetidas.

Pouco antes de eles se aconchegarem um no outro, July perguntou-se por que era tão fácil estar confortável com Daniel.

***

— Otávio! — Uma voz sussurrou.

Otávio espiou sobre o jornal para saber que ele não estava mais sozinho no camarim.

— Bom dia, Graça. — Ele cumprimentou lentamente, colocando um pouco de sorriso animado na cara.

— Adivinha! Eu tenho um plano!

Otávio nem conseguiu ficar surpreso. Graça era assim, com essa personalidade vibrante e cheia de ideias novas. Ele gostava dela, sentia-se confortável com ela, mas queria fugir sempre que ela aparecia com alguma novidade.

— Plano? Que tipo de plano? Meu Deus, o que você fez?

— Ainda nada. Primeiro eu queria a sua opinião.

Ele quase suspirou de alívio.

— Certo. O que você pensou?

Graça se inclinou mais perto, seu sorriso largo claramente incapaz de conter sua excitação. O olhar cúmplice que estava dirigindo ao amigo não era retribuído.

— O plano é fazemos Daniel deixar de gostar da July!

— Esse é o seu plano?

— Sim! — Graça arregalou os olhos como se não conseguisse entender porque Otávio não estava entusiasmada como ela. — É genial! Assim Daniel terminaria com ela e ninguém ficaria magoado.

Otávio suspirou.

— Graça... Eu não...

— Onde estão todos? Tudo o que precisamos agora é July aqui, assim podemos dizer-lhe o que está acontecendo!

Otávio franziu o cenho.

— E a minha opinião? Você já está decidida a esse plano?

Mas Graça não o ouviu. Ela dava pequenos pulinhos de entusiasmo. No fundo, até a entendia. Apesar dos holofotes, a vida deles era um marasmo de dias iguais, poses sorridentes para as câmeras ou gravações em séries ou novelas com personagens estereotipados. Ambos haviam entrado naquela vida por coincidência e depois de começarem a ganhar dinheiro, suas famílias não ficaram felizes com a ideia de sairem disso. Então eles seguiam, cumprindo um contrato atrás do outro, guardando dinheiro e tentando manter a sanidade.

Dessa forma, toda aquela novidade devia estar sendo incrível para Graça.

— Daniel! — ele a ouviu gritar.

Só então se deu conta de que Daniel havia acabado de entrar no camarim.

— Adivinha! — exclamou alegremente. — Eu acho que July pode estar pegando aquele ator... — pareceu buscar um nome. — O Leonardo Vieira.

— O Leonardo Vieira tem tipo, uns cinquenta anos — Otávio murmurou.

— Mas, July e ele estão se pegando — Graça dava pulinhos.

Daniel fez uma careta.

— Acho que não. Leonardo Vieira nem faz parte da emissora que tem contrato com a nossa agência.

— Estão sim.

— Leonardo Vieira é gay — Otávio ergueu o celular, mostrando uma tela que dizia em letras garrafais: “Famosos que saíram do armário”.

— Leonardo Vieira é gay? — Graça berrou, correndo até o telefone. — Não acredito! — Diante dos olhares dos colegas, ela decidiu ficar firme na sua mentirinha. — Não acredito nesses boatos porque eu tenho certeza que a vi em um clube na noite passada com o Leonardo Vieira...

— Por que diabos você está insistindo em Leonardo Vieira? — Otávio reclamou.

Céus, tinha uma porrada de atores que Graça podia usar como exemplo naquela farsa. Por que diabos ela foi escolher um que não tinha como estar pegando Júlia?

— Oh! — Daniel riu, fazendo Graça e Otávio trocarem um olhar confuso. — Você tem que estar enganada.

— Não estou, tenho certeza que vi July e ele se agarrando ontem à noite.

— July estava comigo na noite passada. Ela passou a noite na minha casa. — Daniel esclareceu.

Júlia entrou no camarim naquele instante. O olhar dela pousou no trio, mas logo desviou. Centrou-se em abrir a portinha da caixa de transporte de Minikui. Depois, foi até o sofá e esparramou-se nele.

Daniel foi chamado em seguida e os deixou a sós.

Graça tinha os lábios franzidos e uma expressão pensativa. Moveu-se lentamente para trás para se sentar ao lado de Otávio, que a observava com curiosidade.

— O que foi?

— O Leonardo Vieira...

— Meu Deus, não! Eu não vou falar do Leonardo Vieira. Foi seu pior plano ever!

— É porque eu acho que estejamos lidando com isso da forma errada ...

— Você acha? — ironizou.

Todavia, não havia uma forma certa.

 

 

 

 

 

Capítulo Cinco


— July?

— Nós não fizemos nada, Graça. Nós apenas dormimos exaustos no sofá. — July contou, as mãos buscando uma revista posta sobre a mesinha de centro.

Na capa da revista, uma foto dela era destaque. Júlia nem lembrava de ter dado aquela entrevista.

“ Júlia Mendes e sua história de amor de verão ”, era o título. Tudo balela. Eles queriam uma história, então ela inventou uma. Um beijo em um garoto lindo à luz do luar numa noite quente de janeiro. A verdade é que ela não tinha folgas em janeiro há anos.

Seu olhar subiu, percebendo que a amiga não havia se afastado. Graça estava em pé diante dela, agindo como se soubesse alguma coisa.

— Eu sei — Graça disse docemente, escorregando no sofá ao seu lado. — Você se divertiu com ele?

July olhou para ela com desconfiança.

— Hum... Eu acho que sim. Por quê? Onde você está tentando chegar?

— Oh, nada, só estou curiosa. — Graça olhou para cima, sorrindo, satisfeita. — Não é curioso?

O que era curioso?

July estreitou os olhos, contorceu-se no sofá e saiu sem se preocupar em responder.

— Você poderia ser mais óbvia, Graça? — Otávio sibilou. — Você vai fazê-la ficar com raiva de mim por ter te contado.

A figurinista entrou no camarim com a roupa que Otávio vestiria nas gravações daquele dia. Depois que ela saiu, o rapaz balançou a cabeça, dirigindo-se para um quarto reservado, a fim de trocar de roupa.

Todavia, ao tentar fechar a porta, Graça pôs um dos pés na abertura, impedindo-o.

— O que foi?

— Precisamos conversar.

— Eu tenho que trocar de roupa — ele avisou.

— Não se preocupe, não vou olhar.

Otávio ficou boquiaberto por um segundo. Depois, subiu as mãos, soltando os dois primeiros botões de sua camisa entreaberta.

— Você está olhando agora mesmo!

Graça revirou os olhos.

— Ah, não tem problema, eu já te vi pelado várias vezes.

— O quê?

— Não exatamente pelado, mas eu vi seu pinto.

— Do que diabos está falando?

— Eu gosto de usar o banheiro masculino porque é mais silencioso. O feminino sempre tem alguma garota dando piti . E eu não consigo me concentrar para fazer minhas necessidades. Então eu uso o masculino e, estranhamente, o dever nos chama quase ao mesmo tempo. Às vezes, quando vou sair, você está lá, então eu...

— Chega! — a interrompeu. — Eu não sei qual é mais louca: July ou você!

Graça girou o corpo, virando-se.

— Melhor?

O silêncio foi sua resposta.

— Enfim, Otávio — disse após um momento. — Eu tenho um plano B.

— Ah, jura? Um trabalho você não tem? Eu achei que você tinha compromissos, mas só estou vendo você perambulando de um lado por outro pelo estúdio.

— July vai fazer uma audição para um filme mais tarde.

Ele sabia. Todos sabiam. Uma das produtoras planejava colocar “ O Renascer de um Amor ” em cartaz até o ano que vem. Na primeira fase, a história narrava a vida de Elza, uma moça que foi dada em casamento muito jovem. July se encaixaria com perfeição nesse papel.

— E daí?

***

— Arthur!

Otávio seguiu cautelosamente Graça, enquanto a jovem entrava de forma espalhafatosa pelo estúdio onde o diretor Arthur Veríssimo iria começar as audições de seu novo trabalho.

— Olá Arthur, eu tenho uma ideia genial!

Arthur já havia trabalhado com Graça numa novela adolescente que ela protagonizou. Seu jeito irrequieto havia lhe dado tanta dor de cabeça que precisou usar tranquilizantes na época. Tudo que buscava agora era ouvir logo o que a outra tinha a dizer e se livrar da sua presença.

— Ideia?

Otávio estava com medo de ouvir. Graça falara num plano B e o arrastada para isso. Ele podia ir embora, mas achou melhor ficar. Talvez precisasse frear sua irrequieta colega.

— Ouvi dizer que você pediu para Júlia vir se apresentar hoje, né?

— Não posso falar sobre isso.

— Oh, eu sei das cláusulas de segredo, etc... Mas, não é por isso que estamos aqui. Você já leu o livro?

Arthur arqueou as sobrancelhas.

— Sim, é claro.

— Eu sou fã do livro, sabia? Você sabia? — ela voltou-se para Otávio que a encarava com olhos arregalados. — Ele sabia — respondeu por Arthur. — E tipo, então eu estive pensando... July realmente é incrível para ser Elza. Nossa, ela tem esse olhar forte, e ela ficaria maravilhosa em vestidos clássicos... Uma mocinha sofrida num romance de época... A cara de July!

O diretor manteve a carranca.

— E?

Graça riu muito alto. Todos ficaram visivelmente constrangidos.

— Essa é uma grande oportunidade para Júlia! Ela vai poder interpretar uma mulher forte e determinada. E nessa primeira fase, ela vai descobrir o amor.

Otávio quase balançou a cabeça, incrédulo com a quantidade de vergonha alheia que presenciava.

— Bem, é uma personagem muito interessante — Arthur apontou.

— Não é? Acho que Elza é um personagem que seria... uh... perfeita pelo estilo de atuar de July, certo? Ela poderia perfeitamente fazer aquele romance profundo tornar-se sutil, você sabe? Ah, Arthur! Estou animada só de pensar nisso!

— Sim... Sim. Mas, ela precisa conseguir o papel primeiro. — Arthur olhou seriamente para Graça, porém havia algo em seus olhos que deixava óbvio que estava considerando a ideia. — Mas, admito que ela é minha primeira escolha.

— Sério? Ah, eu realmente estou muito animada por isso! Você não está animado, Otávio? — Ela se virou para Otávio, que permanecia sério. — Seu maior problema é o ator que precisa considerar para Damon, não é? July não costuma ter muita química com alguém...

Otávio franziu a testa, alarmado.

— Vou lhe dar uma sugestão, Arthur — Graça aventurou-se lentamente. — Desculpe-me por me intrometer no seu trabalho, esse não é realmente meu objetivo, mas eu conheço alguém que iria ter uma química explosiva com Júlia!

Arthur levantou uma sobrancelha, e Otávio já sabia, mesmo antes de Graça abrir a boca, que o plano B estava em prática.

 

 


Capítulo Seis

 

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O Renascer do Amor é uma história entre dois jovens que são forçados a um casamento para gerar um herdeiro para as terras de Bungavília. A história de época será gravada durante o ano, e terá como protagonistas da primeira fase Júlia Mendes e Daniel Trent, famosos pela participação em novelas e também no seriado jovem “Liberdade”.

Embora conhecidos pela amizade, os dois contracenarão como companheiros românticos pela primeira vez. Cenas quentes são aguardadas. Com certeza, estamos todos curiosos para ver o desempenho na dupla na telinha.

O Renascer de um Amor tem sua estreia prevista para o verão do próximo ano. Ansiosos?

***

Por sorte, Elza foi forçada ao casamento com Damon e July não precisaria fingir amor nas primeiras filmagens. Porque já bastava todo o estresse de aparentar uma namorada comum em meio àquele turbilhão de emoções.

Daniel queria toques. Ele sempre estava buscando-a, tentando ficar sozinho com ela. Diabos, ele até queria beijos, e July precisou de toda coragem para pedir para ele ir com menos ânsia ao pote de ouro, porque ela era completamente inexperiente nesses assuntos.

Como o perfeito namorado, Daniel concordou.

— Eu te espero pela vida toda, se necessário for — ele disse, enquanto ela sorria, completamente pasma diante das palavras.

Pelo que ela sabia, Dani fazia muito sexo com as namoradas. Por que porra do caralho ele não insistia com ela? Por que se mostrava compreensivo? Em todas aquelas semanas ela não conseguiu um mísero motivo para terminar o namoro.

E então veio o convite para o filme. Ela já havia feito a audição porque considerava Elza um desafio maravilhoso, mas não esperava que seu companheiro de cena fosse Dani. Em outras circunstâncias ela adoraria dividir o tempo com o melhor amigo, mas agora estava desesperada e nervosa.

Ela foi ao petshop como forma de desanuviar dos problemas. Minikui precisava de novas roupinhas e brinquedos e ela queria fazer uma surpresa. O shopping estava quase vazio, o que era uma sorte. Com um boné na cabeça, ela andou tranquilamente e anonimamente pelos corredores.

Júlia viu um arranhador perfeito na vitrine de um petshop e pensou em comprá-lo, mas Minikui gostava de afiar as unhas em pernas alheias e aquilo seria apenas um desperdício de dinheiro. A moça então suspirou profundamente, deixando a sessão e vagando lentamente em direção a saída mais próxima. Ele estava quase lá, as portas automáticas em vista, quando viu uma figura familiar do sexo feminino em pé, na sua direção.

Ela recuou imediatamente, membros lentos levando um passo para trás e depois outro, mas Júlia não podia se virar e correr porque isso chamaria muito a atenção.

— Ah! Júlia?

Ela teve o bom senso de não soltar um palavrão em voz alta. Em vez disso, forçou um sorriso educado em sua expressão de pânico.

— Senhora Maria? Como está?

A mãe de Daniel Trent sorriu calorosamente.

— Eu estou ótima! Venha aqui e me deixe olhar você! Faz tanto tempo que não a vejo! Está tão bonita. Eu soube do filme que fará com Daniel. Júlia, vocês estão tão maduros...

July estava ansiosa para arrumar uma desculpa e sumir, mas viu-se a manter a boca fechada, enquanto a mãe de Daniel a analisava.

— Porém, você parece exausta! Tem dormido bem, Júlia?

— Eu estou bem. — Ela sorriu. — O trabalho está sendo um pouco estressante ultimamente.

— Eu entendo. Daniel também está nervoso. É por causa do filme novo, eu acho. Ele fica repetindo o quanto você é talentosa, e o quanto não está à sua altura. — Maria colocou a mão no seu ombro. — Não deixe de ajudá-lo, está bem?

— Daniel é um bom ator, não precisa ficar nervoso com isso...

— Você é muito importante para ele — ela sorriu. — É normal que fique nervoso perto de você.

O telefone de Júlia tocou. Ela pediu licença. Era um serviço de telemarketing, mas ela disse a Maria que era alguém da produção solicitando sua presença.

Mentir nunca era uma boa saída, mas Júlia estava desesperada para sumir.

***

O céu estava cinzento. As árvores rosadas de Bungavília não pareciam um alento diante do ar frio e fúnebre do lugar.

Elza andou entre um grupo de pessoas e parou diante de Damon, seu futuro esposo. O olhar dele estava mortificado, mas ela não se importou.

A jovem, de fato, não se importava com ninguém. Ela o odiava, assim como a todos ali. Ela era apenas um objeto vendido para dar um filho àquele jovem. No fundo, o queria morto.

— Eu sinto por seu pai — murmurou, educada, aproximando-se delicadamente e pousando uma das mãos em seus ombros.

O olhar de Damon cravou no seu. Houve um arrepio no corpo feminino, porque jamais havia visto aquele olhar sedento antes.

— Obrigado pelas palavras, Elza. É importante para mim.

***

— Corta! — Arthur gritou, olhando para as câmeras que paravam de gravar, enquanto seus atores relaxavam, deixando os ombros caírem.

O diretor foi assistir as imagens no monitor, enquanto July e Daniel sentaram-se lado à lado, defronte a um caixão de madeira, à espera de novas instruções.

— Perfeito! Dispensados por hoje, vou gravar as cenas do primo Benjamin.

Houve um coro de palmas parabenizando aquele início de trabalho bem feito. A equipe começou então a embalar os equipamentos e os atores que contracenavam com a nossa dupla se deslocaram para pegar refrigerantes ou para retirar as roupas nos trailers.

Enquanto Daniel ficava conversando com um grupo de homens, ela saiu em direção ao trailer, louca para trocar de roupa antes que ele viesse. O orçamento do filme estava curto e eles dividiam o trailer, o que não foi questionado por ninguém, porque os membros da Agência costumavam ficar no mesmo lugar.

A porta bateu. Duas vezes. Depois, Daniel entrou, enquanto July estava terminando de abotoar os botões da camisa.

— Oi — ele cumprimentou com um sorriso leve, começando a tirar suas próprias roupas com a lentidão de quem está cansado depois de um longo dia estressante.

July virou-se as costas para ele, enquanto Daniel puxava a camisa, deixando os músculos malhados à sua visão. Ela olhou no espelho à sua frente discretamente e ficou aliviada ao ver que Daniel não estava dando nenhuma atenção a ela.

Daniel atirou a camisa de linho para o lado. A pele bronzeada e os músculos tensos demonstram um abdômen definido que Júlia nunca percebeu antes. Ela queria desviar os olhos, mas permaneceu fixa no espelho, acompanhando a curva da sua coluna enquanto ele descia, retirando a calça e ficando apenas de cuecas boxes, tateando ao redor em busca de seu jeans.

Aquilo não era estranho. Desde cedo, Otávio e Luís também trocavam de roupa perto dela. Eles não tinham muito tempo para pudor, quando precisavam gravar horas e horas da novela adolescente que participavam.

Mas, daquela vez, ela estava completamente perdida no olhar. Nunca havia reparado antes naqueles detalhes, na forma como a pele dele parecia macia e como ele parecia firme e masculino.

Ela quase pulou um minuto mais tarde, quando um par de mãos cruzadas cercou seu ventre, e ela sentiu o calor de outro corpo sólido pressionado contra suas costas.

— Daniel?

— Sim? — Daniel murmurou em resposta, apertando seu rosto contra o ombro de July. — Eu senti sua falta.

July olhou para baixo, desde que foram convocados para o mesmo filme, ambos estavam trabalhando em lugares diferentes para colocar todos os seus contratos em dia.

— Eu também. — Ela disse baixinho, sinceramente, porque ela sentia isso.

— Isso é meio estranho não é?

July franziu a testa, confusa e preocupada.

— O que é estranho?

— Esses personagens... Elza e Damon... Eles vão se apaixonar e todos vão ver... Todos vão nos ver... Parece engraçado e esquisito.

— Ah, sim... — Fez uma pausa, e virou-se. — Daniel?

— Sim? — Daniel não a deixou ir, apenas soltou sua presa o suficiente para deixá-la de frente a ele e, em seguida, abraçou-se mais firme, deixando os corpos colados. — Isso é bom, não é?

Houve um longo silêncio. Com o sol escurecendo o trailer, iluminando-o com apenas um brilho alaranjado entrando pela janela atrás deles, e Daniel envolto nela, os braços em volta de sua cintura e peso confortavelmente pesado e quente, July poderia quase ter caído no sono.

Porque era bom...

Era confortavelmente bom...

Seus olhos se fecharam e ela abraçou Daniel. Daniel suspirou, seu hálito quente no pescoço de July.

— Oh — Ele disse baixinho, voz pouco maior do que um murmúrio. — Realmente é bom.

— Porque é você, Dani... Eu não me sinto confortável assim com mais ninguém.

Aquela sinceridade a surpreendeu e sua voz quase embargou. Ela queria chorar, apertar-se nele e fazê-lo prometer que nunca a deixaria, mesmo quando a verdade viesse à tona.

— Jura?

July fez uma careta.

— Você sabe que é verdade — ela afirmou.

Daniel baixou o olhar novamente, mordendo o lábio para esconder um sorriso, mas não seu rubor. Ele estava, escancaradamente, apaixonado. Como ela pôde ignorar todos aqueles sinais durante os anos?

— Obrigado... — Ele disse suavemente, e depois deu um leve beijo na pele pálida de garganta July, lábios pressionando por um segundo, enquanto July pensou que seu coração ia parar e explodir no peito em um ataque de pânico antes de se mover novamente.

Mais uma vez eles se calaram. Os dedos de Daniel mexeram-se devagar nas costas de July, roçando a pele logo acima do cós da calça jeans. July fechou os olhos um pouco mais apertado, tentando não se contorcer ou estremecer com o toque.

— July... — Daniel respirava pausadamente, como se estivesse se segurando e precisasse de um enorme esforço para isso. — Você está ocupada hoje?

July sentiu o pânico bater-lhe no peito. Havia implicações na tal questão.

— Oh, sim, desculpe, eu tenho que levar Minikui ao veterinário... ele está... com pulgas... e...

— Ah... — Daniel parecia bastante desapontado, mas ele sorriu, endireitando-se e abandonando seu abraço quando deu um passo para trás. — Sério? Minikui tem sorte de ter uma dona tão atenciosa. — E, apesar de ter sido rejeitado, não parecia magoado.

— Ele não tem uma dona, ele tem uma propriedade — ela riu, fazendo uma careta.

— Então está bem, humana, vai lá cuidar do seu senhor — ele brincou.

Depois se afastou. Júlia sentiu um vazio no corpo.

 

 


Capítulo Sete


Quem diria que Minikui realmente estava com pulgas?

Enquanto ela virava o gato no colo, tentando catar as malditas, meditou nos seus problemas.

Quanto tempo de namoro, já? Um mês? Dois? E ela nem conseguira chegar perto de dizer a verdade. E quando isso acontecesse, ela perderia o melhor amigo?

Júlia não queria magoar Daniel. Eles sempre tiveram uma ótima amizade, Daniel sempre esteve ao seu lado, sendo um apoio e um companheiro em sua jornada dentro da Mask Agência. E agora ela podia perder isso.

Estava desesperada. Era seu melhor amigo, não uma pessoa qualquer. E depois, como ela conseguiria cruzar por ele nos corredores da Agência? E gravar as novelas em contrato que eles tinham? Pior, e se ele a odiasse tanto que nunca mais olhasse para a sua cara?

Maldita hora que ela armou aquela brincadeira.

Minikui miou alto, mordendo com força sua mão, até sangrar. Ela observou a mão machucada com torpor, pois já era acostumada ao temperamento tempestuoso do seu gatinho.

— Ok, banho — avisou a ele, e percebeu o olhar horrorizado do felino.

“ Maldita humana, como se atreve? ” ele questionou.

Minikui sabia que ela lhe daria banho antes mesmo de entrar com ela no banheiro. Assim que foi pego no colo, começou-se a retorcer-se, miar alto, desesperado, e tentar lhe arranhar e morder. Como era acostumada as mordidas e arranhões, Júlia simplesmente seguiu seu caminho até o banheiro.

— Pare, Minikui — gritou, assim que chegaram perto do chuveiro.

Foi um banho memorável. Ela saiu com as marcas de guerra daquela luta.

***

— Você não pensa em recusar? Talvez fugir?

Para Elza era quase risível que Benjamin, seu primo, lhe questionasse tal coisa. Uma mulher lá tinha direito de escolha?

— E para quê? O que me importa se terei que casar com Damon Rylee ou com outro? São todos iguais. Contanto que não me bata já estarei satisfeita.

***

— Ei, bom trabalho. — Valentim Ernesto sorriu, batendo gentilmente no ombro de July quando ele cruzou por ela no corredor. — É incrível como Elza é conformada com seu destino, não é?

Valentim era o ator que dava vida a Benjamin, primo de Elza. Ele era o antagonista daquela história.

— Acredito que Elza sabe que vai transformar a vida de Damon num inferno. — July riu, franzindo a testa. — Por isso aceita tudo.

— Não sei porque você parece perfeita para Elza. — Valentim comentou. — Você tem o olhar da personagem.

July sentiu-se estranha com o comentário. Para ser sincera, ela não tinha se inteirado muito da história. Essa última cena em particular, o confronto entre os primos, não conseguiu concentração total. Até porque, a própria cena lhe lembrava da sua situação. Elza entrava em um casamento sem amor, enquanto Júlia enfiara-se num namoro com o mesmo sentimento.

Não... isso não era justo.

Ela amava Daniel. Muito. Mas, não da maneira que o outro esperava.

Despedindo-se de Valentim, caminhou entre os corredores até parar um dos funcionários.

— Oi, você sabe onde está Daniel?

— Eu o vi perto do lago.

As gravações estavam ocorrendo numa fazenda. Assim, era normal que, nas folgas, as pessoas buscassem a natureza.

July agradeceu, virou-se e começou a caminhar para onde o homem indicou.

Ela precisava corrigir isso antes que aquela história chegasse a um ponto com Daniel onde não houvesse mais retorno.

Daniel estava sentado perto de um barranco, suas calças até os joelhos e os pés balançando para frente e para trás ao longo da superfície da água. O sol estava grande e dourado no céu deixando um caminho brilhante na superfície da água, refletindo a imagem de um homem belo próximo da margem.

Céus, como ele era bonito!

Seu cabelo castanho soprou suavemente ao redor de sua cabeça, e com o sol em cima dele do jeito que estava, Daniel parecia ser convertido em um brilho de ouro brilhante.

July congelou no local, observando, talvez um minuto inteiro antes que fosse capaz de piscar e olhar objetivamente. Algo sobre a cena a perturbou. De repente ela estava impressionada com o pensamento de que aquele cara perfeito e lindo era seu namorado.

O pensamento a assustou, e ela deu um passo para trás, pronta para virar e correr para o estúdio, quando suas pernas travaram.

Talvez não fosse seu olhar, e sim o de Elza. Talvez fosse Elza sentindo-se estranha perante a doçura inesperada do esposo. Era isso! Tinha que ser! Ela precisava separar seu personagem de si antes que as coisas ficassem mais complicadas.

Daniel a percebeu. Sorriu. O coração dela fraquejou, mas July respirou fundo e se aproximou lentamente, olhando para as costas da camisa xadrez e lembrando a si mesma como deveria se sentir quando olhasse para o amigo.

— July. — Ele simplesmente disse, deslizando sobre as tábuas de madeira postas na margem, dando tapinhas no local ao lado dele num convite óbvio.

July ficou parada por um longo momento antes de balançar a cabeça e sentar-se devagar, deixando vários centímetros de espaço entre eles. Ela assistiu em silêncio enquanto Daniel se inclinou, seu peso em seus braços, a cabeça para trás com os olhos fechados e um sorriso feliz. A luz do sol iluminou suas feições e, por um instante que poderia ter sido uma loucura momentânea, July se perguntou se ele não estava brilhando também.

— O que você está pensando? — ela indagou.

O sorriso se alargou e ele encolheu os ombros.

— Nada de especial.

July fez uma careta.

— Como você pode sentar-se por tanto tempo e não ter nada para pensar?

Daniel, em seguida, abriu os olhos, inclinando a cabeça para a frente para olhar July claramente.

— Só estou feliz.

Outro breve silêncio caiu entre eles e Daniel percebeu Júlia contemplativa.

— E Minikui? Removeu as pulgas?

— Sim, alguns arranhões, mas no geral ele está limpo.

— Isso é bom... — Daniel enfiou a mão no colo de July para segurar sua mão e depois ficou pensativo novamente por um minuto. — Você já leu as cenas de amanhã?

July olhou para ele. Era uma pergunta simples e bastante comum, mas Daniel havia dito com cuidado, timidamente

— Não... ainda não. — respondeu. — Por quê?

Daniel ergueu as sobrancelhas por um breve segundo e, então, prontamente desviou o olhar.

— Daniel, por quê? — July repetiu, franzindo a testa agora. Ela apertou a mão um pouco mais, inclinando-se para ele como se procurasse a resposta. — Que cena?

— Arthur disse que será bastante cuidadoso — advertiu. — É a primeira vez de Elza e Damon.

Na primeira fase, até mesmo pela idade dos personagens, a direção havia optado por apenas insinuar as cenas sexuais, mas July sabia que fariam algumas cenas mais quentes para dar menção disso. Sinceramente, ela estava com medo. Aquele território desconhecido era assustador. Desbravá-lo com Daniel parecia piorar tudo.

De repente Daniel suspirou e se inclinou em direção a ela, usando seu poder sobre o pulso de July para puxar a garota para um beijo. O estômago July doeu, e ele levou um momento para recuar.

— A gente precisará fazer uma cena quente de beijo.

— É mesmo? — July engoliu em seco.

Pela Virgem, ela era muito inexperiente. Todo mundo que ela conhecia tinha uma vida sexual ativa e não tinha vergonha de falar disso. Mas, Júlia só pensava em gatos, em assistir jogos de futebol e em documentários sobre teorias da conspiração.

E estava tudo bem com isso... ela se aceitava, apesar da esquisitice.

Mas, agora havia Daniel. E com ele havia um namoro. E com esse namoro, um beijo.

— July... — ele chamou. O sol estava quase se pondo, pintando tudo em longas sombras com salpicos de luz, e dando ao horizonte a aparência de estar aceso com fogo laranja. — Você está preocupada com isso?

Subitamente, ela se viu assentindo. Não era mais o namorado, e sim o amigo que estava diante dela.

— Um pouco. Você não?

— Eu... Bem, na verdade eu só acho estranho que nós sequer nos beijamos para valer desde que começamos a namorar. E nosso primeiro beijo real vai ser dado de frente as câmeras, para todo mundo ver. — Daniel deu os ombros. — Mas, está tudo bem... Tipo, eu conheço você a anos e sei como você é. Sei que sempre teve dificuldade com essa coisa de romance, e eu disse que respeitaria seu tempo.

Depois ele deu um risinho

— Além disso, não será nosso beijo, não é? Isso é algo entre os personagens. Eu vou me manter bem atento a isso. Não quero que nosso primeiro beijo real, de língua e essas coisas, seja de forma mecânica.

July baixou os olhos, encarando suas mãos unidas. Aquilo era tão confortável, como se sempre fossem assim. Ela olhou para cima e percebeu Daniel a encarando. Estremeceu. Em seguida, ele se aproximou, fechando a lacuna entre eles.

— Dani, o quê...?

— Ok, ok... — ele riu. — Eu só queria treinar um pouquinho antes da nossa cena...

— Sem treinos! — Ela empurrou Daniel, que riu.

Daniel ficou um pouco frustrado, mas não demonstrou. Para ele, estar perto dela parecia significar mais do que qualquer coisa.

— July — ele começou, mas parou abruptamente quando alguém limpou a garganta ruidosamente vários metros atrás deles.

Eles ouviram um dos câmeras chamando por Júlia. Ela levantou-se imediatamente, num misto de alívio e decepção pela interrupção.

— Sim, estou indo — disse ao homem.

Acenou para Daniel e saiu correndo. O coração batendo forte. Uma emoção desesperada no peito.

 

 

Capítulo Oito


Entregaram em suas mãos um pequeno gatinho fofo. Ele miou e Júlia encarou Daniel perto dela com um ar de puro derretimento.

— Meu Deus... Meu Deus...

— Você já tem um gato, Júlia.

— Minikui terá que aceitá-lo porque esse também será meu filho.

— Esse é da empresa terceirizada que cedeu o animal.

— Mas olha como ele se agarra em mim... — ela murmurou. — Ele já me ama.

Daniel riu, enquanto Arthur preparava a cena. Era um quarto cenográfico, com uma lareira acesa e uma cama em dossel. Ele estava super nervoso para a cena, mas Júlia, como sempre acontecia quando estava na presença de um felino, parecia completamente alheia a tudo.

— Ok, pessoal, preparados? — ouviu a voz alta de Arthur.

Só então Júlia pareceu acordar. Ela o observou com um olhar atento, e então apertou o gatinho contra o peito.

— Tudo ok? Três... dois... um... Gravando!

O gatinho miou e Júlia o ergueu contra o rosto, dando um pequeno beijo em sua face delicada.

— Que nome daremos?

A sobrancelha do rapaz arqueou.

— É seu para dar o nome que quiser.

A garota sorriu. A resposta parecia agradá-la.

— Bjor — afirmou. — Em homenagem a montanha.

Daniel quase ficou sem palavras diante de tamanha beleza. Céus, ela era linda. Mais que isso... uma pequena joia perto de um mundo terrível.

Ele pegou o gatinho de suas mãos e o levou até um amontoado de cobertores do outro lado da sala. Tremia. As mãos quase incontroláveis. Por um longo momento tenso eles, um olhou para o outro, e então ele se aproximou. Ficou aos pés dela. Podia ver a coxa branca pela transparência da camisola.

— Me fale de Ragnarok, Elza — pediu.

Puxou o pé feminino. O beijou. A mão deslizou para a coxa de Júlia e a sentiu estremecer. Diabos, era quase irresistível, quase se podia esquecer das câmeras e das outras pessoas olhando... ele quase podia... tê-la.

— O que está fazendo? — ela indagou.

— Quero ouvi-la, esposa. Conte-me o que fazia naquelas terras...

A pele de Júlia se arrepiou. Os olhos deles se encontraram. Deus, ela estava queimando. Ele sentia isso. Isso o confundiu e o excitou.

— Eu cavalgava pelas montanhas — ela murmurou. — Era livre... era feliz.

A cena, no livro, seria de sexo oral, mas Arthur a modificou para ficar mais livre ao público. Então, Daniel apenas subiu o corpo, e a tomou nos lábios.

Finalmente, Júlia o beijou, suavemente, apenas pressionando os lábios. É foi só um breve momento, até que então ela faz uma pausa, a respiração trêmula, o coração aos saltos. Logo, contudo, Daniel a puxou novamente, as bocas famintas se buscando, e July não consegue fazer nada além de retribuir toda aquela paixão.

De alguma forma, esse segundo beijo foi muito, muito diferente.

Talvez porque ela estava colocando a culpa em segundo plano, talvez porque tinha decidido deixar os sentimentos de Elza guiá-la ao invés de suas próprias preocupações, talvez porque era apenas uma interpretação... mas, de alguma forma, foi diferente.

Os lábios de July foram arrasados pelos de Daniel que empurrava suavemente e, em seguida, puxava, sugando com força.

Por um momento ela só respirou, ainda tão perto que quase podia sentir a energia radiante da pele de Daniel, juntamente com o calor de sua respiração. Seus olhos se encontraram por um instante, e July quase engasgou com a intensidade do olhar que a buscou de volta, o choque que passou por ela antes de se lembrar que devia se afastar.

Conforme planejado, Daniel parou. Ele ainda se lembrava que estavam gravando. July já havia esquecido totalmente, tomada por algo completamente novo. O sentimento crescia em seu estômago, vibrava-se em sua garganta como se milhares de borboletas estivessem ali, fazendo sua cabeça girar.

Ela não precisava lembrar-se de puxar Daniel mais perto, inclinar-se para o beijo e assumir o controle, enquanto enredava os dedos no cabelo de Daniel, conforme dizia o texto.

Não era mais Elza. Ela Júlia. Ela tomou o controle. Ela estava beijando-o enlouquecidamente.

Daniel estava pressionado contra ela. July podia sentir o tremor de seu corpo másculo. Ele estava quente, e ele tinha gosto de enxaguante bucal. No entanto, a estranheza do sabor não era ruim, ao contrário, parecia perfeito. July sentiu que tinha que saborear o máximo que podia antes de se desvanecer, como se fosse algo que precisava, não importasse o quê.

Foi Daniel que lembrou a próxima etapa, que pensou em gentilmente empurrá-la, recuando. Ele sorriu, sem fôlego, parecendo um pouco perdido e surpreso. July tinha o olhar caído, formando um franzido profundo em suas feições enquanto ele contemplava o que tinha acontecido.

— Ei... — Daniel disse baixinho, olhando um pouco confuso e incerto, mas continuando a ser gentilmente cavalheiro. — O que... o que foi isso?

Uma pausa. July o olhou atordoada.

— Se eu prometer que sempre será livre, que jamais a avassalarei de alguma maneira, você se permitiria abrir seu coração para mim?

O quê...? O que eram aquelas palavras?

— E corta! — Arthur gritou. July voltou à realidade piscando repetidas vezes, como se tivesse acabado de acordar de um sonho. — Uau! Uau! — repetiu. — Vocês realmente conseguiram tudo num único take ! — O diretor sorriu, olhando excepcionalmente satisfeito para o monitor. — Que cena! Que realidade! Júlia, você foi fantástica, deu pra sentir suas inseguranças, seus medos... Enfim... Daniel, você me surpreendeu muito.

— Bom, eu dei meu melhor. — Daniel suspirou, aliviado. Depois girou para Júlia e disse, num murmuro: — Ainda bem que eles gostaram. Estava com medo de que nos fizessem repetir isso um montão de vezes. Não que eu não queira — corrigiu-se rápido, baixo. — Mas, prefiro longe do olhar de todos.

July mal o ouviu.

Ela estava atordoada. Havia demasiados pensamentos zunindo sobre sua cabeça, muitas perguntas e respostas e sentimentos avassaladores. De alguma forma... de alguma forma ela tinha perdido a noção das câmeras... ela tinha perdido a noção do texto combinado... e mesmo assim ainda conseguiu completar a cena perfeitamente.

As linhas entre realidade e ficção haviam se borrado, e July não tinha ideia do que pensar disso. Tudo o que sabia era que nunca tinha ficado tão perdida antes, e ela nunca, jamais, imaginou que a primeira vez que ela sentisse faíscas e ouvisse fogos de artifício durante um beijo, fosse com Daniel.

A verdade crua é que tinha parado de atuar e estava inteiramente beijando o rapaz, e que não queria parar. De repente, sentiu vontade de vomitar, ou gritar, ou correr até seus pulmões ficassem sem ar.

— Pessoal, estão dispensados.

Em seu estado confuso, perplexo, July ouviu o diretor lhes dar permissão para sair.

Ela levantou um tanto rápido, ansiosa para fugir do que quer que fosse que aconteceu naquele quarto. Contudo, seu corpo ainda estava entorpecido pelas sensações recém descobertas e, tão logo se pôs de pé, ela caiu no chão, afundando-se na escuridão.

 

 

Capítulo Nove


Júlia abriu os olhos, mas logo os fechou novamente. Atordoada, ela tentou raciocinar onde estava e o que havia acontecido. Depois de um momento, lembrou que tinha desmaiado e, em seguida, lembrou os acontecimentos que a levaram até onde estava agora.

Naquele momento houve uma batida leve na porta. July virou a cabeça para ver Daniel ali em estado de choque aparente. Depois de um instante, ele pareceu voltar ao normal, indo até ela, quase atirando-se de joelhos ao lado da cama, olhando para July com um grande sorriso de alívio.

— Cadê o Minikui? — foi tudo que ela indagou, ao perceber que não estava mais no trailer e o gato não estava com ela.

— Ele ficou no camarim. Dei água e comida para ele, mas achei melhor não trazê-lo comigo.

— Por que não?

— Ele está bem, July... Mas, precisa de um momento para você. Eu estava preocupado. O médico disse que você ficaria bem, mas que precisava verificar o que você come. Está anêmica.

— Estou?

Bem da verdade, ela cuidava mais das informações nutricionais da comida de Minikui do que das dela.

— Você precisa se cuidar mais, July... Você entende o quanto é importante pra mim?

July sentiu lágrimas aos olhos. Ela não merecia esse tipo de confissão; Daniel merecia alguém muito melhor, alguém que não iria machucá-lo como July estava fazendo. Porque se Daniel sabia ou não da verdade, não importava, o dano já havia estava feito.

Ela segurou um soluço, deitando para trás, as mãos no rosto, tentando conter as lágrimas. Estava com medo de perder Daniel quando a verdade viesse à tona. Pior, o quanto iria feri-lo? Ele estava se doando inteiramente para ela, e recebendo apenas mentira e fingimento em retribuição.

— Por favor, não chore... vou pedir pra alguém buscar seu gato.

Ela quase riu diante das palavras.

Daniel fez menção de se afastar para cumprir o prometido, contudo, July rapidamente colocou seus braços ao redor dele, puxando-o para perto de seu corpo e segurando-o apertado como se estivesse verdadeiramente aterrorizada em deixá-lo ir.

— Eu sinto muito... — Ela sussurrou, incapaz de manter as lágrimas.

— Tudo bem, querida — Daniel respondeu, abraçando-a e sentando-se na cama ao lado dela. — Vamos apenas melhorar essa alimentação, ok? Eu quero passar o resto da minha vida com você, July...

July afundou na cama, puxando Daniel com ela. Ela virou a cabeça, quase se escondendo debaixo da dobra do pescoço Daniel, inalando profundamente o cheiro do seu cabelo e da sua pele. Ela não se importava se as coisas tinham começado mal e foi tornando-se um pouco pior, ela só queria uma noite para recordar porque amanhã não restaria nada.

Amanhã ela lhe diria a verdade. Ele precisava saber. Ela não podia mais enganá-lo.

— Não me deixe, Dani... — Ela sussurrou, fechando os olhos e concentrando-se no ritmo do coração de Daniel através de suas roupas. — Não importa o que aconteça, não me deixe...

— Nunca — Daniel jurou.

Nem todas as promessas podiam ser cumpridas.

***

Quando July acordou de novo, estava escuro. Alguém tinha desligado a luz e fechado a porta, e desde que Daniel ainda estava enrolado frouxamente em seus braços, July suspeitou que Maria esteve por trás do gesto. Por mais embaraçosa que fosse a situação, ela não conseguia se importar.

July suspirou baixinho, estendendo a mão e correndo os dedos pelo cabelo de Daniel, depois pousando levemente sobre suas bochechas, seu lábio inferior cheio, e a curva de sua mandíbula. Ela sentiu seu coração quebrando.

— Adeus. — sussurrou, esperando que um dia Daniel pudesse perdoá-la.

O assoalho rangeu enquanto ela descia as escadas. Júlia não queria acordar ninguém, e foi para perto da porta em busca de seus sapatos, quando ouviu passos vindo pelo corredor atrás dela.

— Júlia?

July começou e se virar e viu a mãe de Daniel assistindo suas ações de braços cruzados e uma expressão ilegível.

— Olá — murmurou. — É quase quatro da manhã... A senhora ainda está acordada?

Maria se aproximou dela, puxando seu braço e guiando-a firmemente em direção à cozinha.

— Eu achei que você poderia tentar fugir. — Foi sua resposta. — Nós duas precisamos ter uma conversa.

***

— Leonardo Vieira?

Graça riu, derramando mais um pouco de álcool, no copo.

— Eu não quero ouvir falar desse nome — Otávio reclamou.

— Por quê? — Luís questionou. Ele bebeu um gole do seu copo. — Graça é louca por ele.

— Deus me livre, mas quem me dera — a mulher admitiu. — Eu tenho uma queda por ele.

— Todas nós, né abençoada? — Luís piscou, fazendo-a rir.

Os três estavam sentados no chão da sala do apartamento de Graça, transformando o que inicialmente tinha sido uma conversa madura com drinques em uma tentativa de esvaziar o armário de bebidas.

— Ah... — Luís suspirou, encostando-se à frente do sofá. — Eu tenho trabalho amanhã. — Ele olhou para o relógio. — Quero dizer, hoje.

— Vai bancar o hetero naquela produção?

— Sempre me escalam pra ser o pegador, porque sou lindo — ele concordou. — Eu tenho vontade de indagar aos diretores porque não me colocam pra ser o antagonista com a mocinha. Nós duas disputando o mesmo bofe.

Graça riu novamente, e Otávio recostou-se no sofá, ignorando o comentário. Ele odiava se envolver na vida dos colegas.

— Diga-me novamente porque eu concordei em fazer isso? — questionou. — Eu tenho que trabalhar amanhã.

— Porque você amaaaaaa a gente — Graça sorriu, servindo-se de outra bebida. Luís gargalhou profundamente e Otávio assentiu como se concordasse. — E estamos comemorando o sucesso da nossa novela! — Ela ergueu a taça.

— Uma pena July e Daniel não estarem aqui.

Graça parou de beber o líquido e começou a rir diabolicamente, balançando as sobrancelhas e inclinando-se pesadamente em Luís que estava ao seu lado.

— Bem, isso é porque Daniel e July estão muitooooo ocupados...

— Eu sei. Gravando o filme.

— Gravando o filme — Graça se contorceu quase até o chão. — Você ouviu, “Távio”? “ Gravandoooo ” o filme.

Luís franziu a testa em confusão. Estava bêbado, mas ainda não era retardado e conseguia captar as insinuações.

— Ei — brigou. — Eu sei que July é um pé no saco, mas é nossa colega, vamos respeitá-la.

— Vamos respeitá-la — Graça repetiu. — A virgenzinha vai foder muitooooo ...

— Droga — Otávio tentou avançar, para puxar Graça que estava completamente bêbada. — Ei, fique quieta.

— O quê? — Luís gritou. — Do que ela está falando? — ele questionou ao amigo.

— Chega, gente! — Otávio ralhou. — Estamos todos bêbados. É melhor a gente encerrar por hoje.

— Ah, me deixa fofocar — Graça choramingou. Depois, apoiou-se no amigo gay. — Eu nunca posso fofocar porque nunca acontece nada de interessante com a gente. Agora, tem dois amigos nossos fazendo vuco-vuco...

Luís considerou a afirmação.

— Sexo? — Ele perguntou com ar de dúvida. — July e Daniel?

— Não, não! — Otávio garantiu-lhe, acenando com a mão.

— Eu espero que sim! — Graça disse ao mesmo tempo.

— Ela está bêbada e falando besteira — Otávio voltou a dizer, enquanto puxava Graça do outro.

Mas a mulher ficou firme, inclinou-se, tentando sussurrar em seu ouvido, mas quase cuspindo na sua cara.

— Eu espero que sim porque tudo faz parte do meu plano.

— Que plano?

— July mentiu para Daniel que ela estava apaixonada por ele, ele acreditou e agora estamos tentando consertar tudo e fazê-la se apaixonar de verdade!

Naquele momento, Graça começou a ter ânsia de vômito e Otávio a ergueu, levando-a para o banheiro.

— Desconsidere isso, você sabe que ela fica louca quando bebe... — Otávio disse.

Luís ficou para trás, tentando refletir sobre as informações que ele tinha acidentalmente recebido. Ele estava bêbado, completamente fora de sua mente, mas de alguma forma ele podia imaginar que aquilo tudo era real.

— Eu preciso ir — ele avisou aos amigos.

Não ficou para ouvir a resposta.

***

— Então — Ela começou —, ouvi dizer que você está namorando o meu filho.

July congelou, olhando para a xícara diante dela.

— Ele contou a senhora?

— Ele me disse que há um tempo atrás, quando tudo isso começou.

July não podia devolver o seu olhar. Ela não parecia chateada, mas ela também não parecia feliz. Seu tom era decididamente neutro, como se Maria estivesse tomando o cuidado de esconder suas emoções.

— Mas não demorou muito para descobrir que não era verdade.

July olhou-a, alarmada.

— Como?

— Daniel é um tanto cego quando o assunto é você. — Ela respirou fundo. — Você me evitou aquele dia no shopping, depois eu aguardei que Daniel tivesse novidades sobre o namoro, mas ele nunca tinha nada. Eu sou mãe solteira, e meu filho sempre me confidenciou tudo. Sempre falou das namoradas, das coisas que acontecia, me pedia conselhos, mas com você, ele sempre esteve calado. Fui algumas vezes assistir as gravações de vocês e percebi como você parece insegura e nervosa perto dele. Então, por que Daniel acha que estão juntos?

— Eu... — July ergueu as mãos, esfregando os olhos. — Eu não sabia como ele se sentia... Eu não estava falando sério... mas ele... — Ela parou, a postura abatida. — E então eu estava com medo de machucá-lo. Mas, não se preocupe. Eu vou lhe dizer hoje.

— Daniel realmente ama você, Júlia... — ela disse, fazendo Júlia sentir lágrimas inundando seus olhos. — E eu acho que você se importa com ele mais do que imagina.

— Ele é meu melhor amigo.

— E você é a dele, isso não significa que não há espaço para haver mais.

— Por favor, pare. — pediu baixinho, apertando os olhos fechados. — Estou confusa o suficiente. Eu não posso mais fazer isso. Não é justo para nenhum de nós se eu continuar fingindo.

— Eu não estou pedindo para você viver uma mentira, apenas acho que você deve considerar seus sentimentos por ele antes de acabar com tudo.

— Mas foi apenas uma brincadeira que saiu do controle. — July disse, pensamentos no beijo que trocaram no dia anterior, mas ela os empurrou de lado. — Ele é só meu amigo, nada além disso. Eu estava fazendo uma piada quando disse que lhe amava. Como eu podia adivinhar que ele nutria algo por mim?

Maria abriu a boca para dizer alguma coisa, mas ambas congelaram com o ranger de uma tábua no assoalho da sala. Por um instante houve silêncio como se todos tivessem medo de descobrir a verdade, mas depois, July ficou de pé e aproximou-se da sala às pressas. As luzes estavam apagadas, mas não foi difícil ver a figura apoiando-se fortemente contra a parede ao lado do armário, em frente à entrada para a cozinha.

— Dani — July murmurou.

Daniel não se mexeu, apenas ficou olhando fixamente para ela.

— Dani, eu... — Ela estendeu a mão na sua direção.

Só então Daniel voltou a realidade, empurrando seus dedos para longe, como se o contato queimasse. A luz da cozinha pousou em seu rosto agora, e July viu claramente duas grandes lágrimas derramadas sobre os olhos, rolando pelo rosto masculino. O lábio de Daniel tremeu e ele mordeu-o para mantê-lo sob controle.

— Dani, eu... Eu sinto muito.

Daniel desviou o olhar.

— Vá embora.

— Mas...

— Vá agora!

— Apenas deixe-me explicar...

— Por favor, July. — Daniel encontrou seu olhar e sua expressão mais uma vez fez sua respiração vacilar.

Ela nunca tinha visto alguém parecer tão desesperado, como se estivesse prestes a cair em um buraco profundo.

— Por favor. — Ele repetiu, a voz embargada. — Eu não suporto nem olhar para você...

July hesitou antes de engolir o nó na garganta e balançou a cabeça. Ela passou por ele, encontrando seus sapatos e deslizando silenciosamente sobre eles. Daniel manteve-se de costas para ela até que sua mãe entrou, parecendo muito preocupada.

— Daniel... — ela disse suavemente, colocando a mão sobre seu ombro.

Ele subiu as escadas, parecendo repelir todo e qualquer toque. Maria olhou para July antes de seguir atrás do filho.

July deu um último olhar para a casa que ela costumava frequentar a anos. Questionou se essa seria a última vez que estaria lá.

 

Capítulo Dez


Luís foi o primeiro a chegar ao camarim naquela manhã. Um dia antes, ele havia se enredado numa maratona de bebidas com Graça e Otávio, uma coisa que ele raramente fazia, porque Otávio era um saco, e Graça ficava completamente fora de si quando bebia.

Mas, não era nisso que ele pensava enquanto se sentava no sofá do camarim.

Algo aparentemente estava acontecendo entre Daniel e July, e isso significava um problema. Luís odiava problemas. Preferia que tudo estivesse em ordem, porque ele era responsável e queria que sua carreira seguisse um padrão organizado.

Já era difícil ser gay. Já era difícil manter sua vida fora dos holofotes. Já era difícil viver no armário para não perder os contratos importantes com algumas empresas. Ao menos, dentro do grupo de colegas, ele preferia a paz.

Dessa forma, Luís não pretendia sentar e deixar que os danos fossem maiores. Ele sabia que o que quer que estivesse contecendo estava destinado a acabar mal, e isso prejudicaria não só a ele, como também a vários funcionários da Mask Agência. Tinha empregos em jogo, como aqueles dois podiam se enredar num namoro furado quando a vida de pessoas dependia de seu profissionalismo?

Luís podia sentir a sua pressão sanguínea subir só de pensar nisso.

A porta se abriu e Daniel entrou, cansado, o rosto abatido e mortificado.

— Bom dia — disse Luís, vendo como Daniel saltou ao perceber que havia outra pessoa no camarim.

— Ah, oi...

— Posso falar com você por um segundo?

Daniel balançou a cabeça, sentando-se ao lado de Luís.

— Eu só estava me perguntando, por causa de algo que Otávio e Graça disseram... — Luís começou devagar, imaginando como era a melhor maneira de abordar um assunto tão delicado. — O que exatamente está acontecendo entre você e July?

Daniel enrijeceu como se tivesse acabado de ser mergulhado em água gelada. Ele olhou para Luís com os olhos arregalados por um segundo, antes de olhar para longe.

— Nada — Ele disse baixinho, a voz quase inaudível. — Não está acontecendo nada.

Luís franziu a testa, claramente preocupado agora.

— Sério? — Ele perguntou, não acreditando nele. — Porque Graça disse algo como se vocês dois... — Ele parou quando o olhar de Daniel cintilou à porta fechada, vozes no corredor, chegando seus ouvidos.

— July, escute, estavámos apenas tentando ajudar! — Otávio avisou.

— Não importa! Eu pedi sua ajuda e você deixou claro que era problema meu! Eu até perdoaria se você tivesse se mantido longe, mas agora eu descubro que Daniel entrou no filme por indicação sua e de Graça! Por que quiseram piorar as coisas?

— Não é culpa de Otávio — Graça o defendeu, alto. — A ideia foi totalmente minha.

— Você nem faz ideia de como fodeu minha vida, né?

— Mas, July! — Graça continuou. — Eu realmente acho que está funcionando! Quero dizer, vocês foram feitos um para o outro. Você já pensou em como se sente?

— Terrível! Eu me sinto terrível, sua idiota! Ele me odeia agora!

— O quê? — Graça parecia confusa.

— Você quer dizer que ele descobriu? — Otávio indagou, claramente começando a entrar em pânico só de pensar.

— Era só uma questão de tempo! Eu não posso acreditar que vocês dois estavam tentando ajeitar isso e piorando as coisas, eu esperaria esse tipo de estupidez da Graça, mas você, Otávio, um cara tão centrado... No que diabo você estava pensando? Ainda bem que a porra desse filme acabou pra mim, que vai entrar outra atriz pra segunda fase e que eu posso esquecer dessas cenas que gravamos! Se eu pudesse, queria esquecer de vocês também, sumir!

— Graça só queria ajudar — Otávio murmurou.

As vozes se acalmaram no corredor. Luís estava boquiaberto ao lado de Daniel.

— Ei... amigo — disse suavemente, confuso e preocupado com o que ouviu.

Daniel tinha os olhos bem fechados, como se fosse difícil suportar o fardo de ter sido tão... idiota... Céus, como ele realmente acreditou que July podia estar apaixonada por ele? Ela só amava o gato!

Subitamente, a voz de Otávio ressurgiu, como um trovão.

— Ei, vá se foder, garota! Francamente, você é o única que causou toda essa confusão, July! Então não comece jogando a culpa para cima de Graça. Além disso, Daniel não é nenhum retardado, ele iria descobrir de uma maneira ou de outra. Ou você pretendia contar para ele quando já estivessem fazendo bodas de ouro?

Mais vozes alteradas.

— Admita que você tem sentimentos, Júlia — Otávio se destacou entre as palavras ásperas. — Admita que gosta dele. Todo mundo aqui sabe!

— Você está errado! — July exclamou. — Ele era meu amigo e nunca senti nada além disso, nada além de amizade!

Daniel se levantou, indo para a porta. Luís o seguiu. A porta se abriu e ele encarou o trio que pareceu engasgar por estarem a tão pouca distância do outro.

— Dani... — July disse devagar, sentindo como se estivesse sendo esvaziada de toda a sua ira e a tensão desapareceu em favor de arrependimento e vergonha.

— Nada?

— O quê? — July questionou com a voz rouca, não tenho certeza que ele tinha ouvido corretamente.

Daniel encontrou seu olhar com os olhos lacrimejantes que queimou com uma quantidade surpreendente de raiva.

— Você não sentiu nada? Nem mesmo uma vez?

July quase engasgou. A imagem do beijo deles a tomou. A lembrança da maneira como ele a segurou no trailer. A forma como o rosto do amigo brilhou no sol, diante do lago...

— Não. — Ela respondeu calmamente, com culpa. — Nada.

— Você nunca foi apaixonada por mim. — Os punhos de Daniel estavam cerrados e sua voz falhou quando ele deu um passo mais perto, embora ele estava claramente tentando manter a compostura. — Você entende como foi cruel em parecer que estava?

July acenou com a cabeça devagar, desejando que um buraco se abrisse no chão e a engolisse.

— Desculpe-me.

Daniel socou a parede ao lado dela com força. Ela se assustou e saltou em direção a Otávio, que logo a teve nos braços.

Nunca, em todos aqueles anos, viu tal reação. Aquela explosão lhe deu pavor.

— Você é uma cadela egoísta — Daniel disse e ela não podia negar. — Você brinca com as pessoas como se só seu mundo tivesse valor. Não lamento que você não goste de mim... Na verdade, eu sei que um dia me sentirei aliviado. Você não é alguém que vale o sofrimento de outra pessoa.

Então ele se afastou, sendo seguido por Luís.

***

Luís tinha gravações com July naquele dia, mas após saber de tudo – Daniel lhe contou os detalhes – ele nem conseguia olhar para a cara dela. Graça e Otávio tentaram impedir uma discussão durante as filmagens, mas não foram felizes em evitar que os dois saíssem se xingando mutuamente depois de Luís chamá-la de “vaca”.

O que Luís não conseguia entender era como Otávio e Graça ainda estavam tentando defender July, insistindo que ela não tinha intenção de machucar Daniel.

Os dias foram passando, mas a situação não melhorou. Daniel afundou-se no seu próprio mundo, entrando quieto e saindo calado do camarim, enquanto July focava-se no gato que vivia zanzando pelo camarim, e Graça e Otávio estavam sempre cochichando entre si.

Pela primeira vez, Luís pensou em sair da Mask. Ele nem conseguia olhar para July, tamanho nojo que estava da cara dela. Contudo, também não queria deixar Daniel sozinho para enfrentar a situação.

— Cadela — Luís resmungou quando July saiu do camarim para gravar algumas cenas extras do seriado.

Daniel, sentado ao seu lado, fechou os olhos, silenciosamente. Otávio e Graça haviam saído pouco antes.

— Eu não a odeio, você sabe. — Ele disse, cansado. — Apenas é doloroso pensar nela.

Luís suspirou. Minikui do outro lado do camarim o observava com atenção.

— Sua mãe é uma cadela — ele disse ao gato.

Minikui aproximou-se e lambeu seus dedos.

— Viu só — Luís riu. — Até esse gato concorda comigo.

Em seguida, seus dedos sangraram com a mordida que o felino lhe deu.

***

Graça passou uma hora batendo na porta antes de chamar o síndico e receber dele a chave de emergência. July tinha se trancado por dias, recusando-se a ver qualquer pessoa. Otávio havia tomado para si a responsabilidade de enviar comida via IFood para July e tentar mantê-la alimentada, porque já sabiam que ela estava com anemia, mas, sem vê-la, Graça não tinha certeza que a outra estava comendo.

Quando entrou, ela verificou a escuridão do interior, o cheiro asfixiante de mofo, e ficou nervosa. Graça passou a mão no interruptor de luz para que pudesse realmente ver a situação do local. O ar estava obsoleto, assim abriu uma janela, permitindo um sopro de brisa entrar pela casa. Graça foi a cozinha, abriu a geladeira, franzindo a testa quando viu pilhas de pratos prontos enviados por Otávio, e o cheiro de podre inundou suas narinas.

Ele encontrou July esparramada de costas no chão da sala, a visão de uma série qualquer da Netflix brilhava na tela da televisão. Minikui estava ao lado da dona, próximo também de uma pilha de ração esparramada no chão. Seu olhar era mortificado, como se dissesse: “ Você viu como minha humana está me tratando mal? Você entende pelo que sou forçado a passar? ”

Graça caiu de joelhos, balançando a amiga.

— July! July, acorde!

July resmungou, irritada, tentando rolar e cobrir seu rosto, mas choramingou no processo.

— Graça, como diabos você entrou aqui?

Graça suspirou de alívio momentâneo. A amiga não estava numa boa condição de saúde e ela não desejava que tudo aquilo a tivesse minado ao ponto de precisar levá-la ao hospital.

— Idiota! — bateu-lhe no braço. — O que há de errado com você?

— O quê? — July ficou espantada.

— Eu vou chamar Otávio. — Graça anunciou, puxando o celular e se movendo para fora do alcance antes de July poderia impedi-la.

— Não! Graça, não!

— Otávio — Graça disse, ignorando-a totalmente. — Júlia não tem comido — July gemeu, ouvindo os ruídos abafados enraivecido gritando do outro lado da linha. — Eu sei... eu sei. Sim, eu já lhe disse que ela é idiota. — Outra pausa, Otávio estava falando baixo, July só conseguia ouvir um leve zumbido de sua posição no chão.

Graça olhou para ela com um pequeno e satisfeito sorriso, e July pensou que a expressão não poderia ter sido mais intimidante. Ela teve que desviar o olhar.

Depois, Graça desligou o aparelho.

— Otávio está vindo. — anunciou e franziu a testa, olhando para uma mancha de ketchup na parte da frente da camisa de July.

— O quê? Por quê? Ele não precisa vir...

— Você está vestindo essa camisa desde segunda-feira, não é mesmo?

— Ah... Não lembro.

— July! Isso foi há três dias!

— Estou fedendo?

Ela puxou Julie em direção ao banheiro. A garota praticamente forçou Julie a um banho, e depois lhe vestiu com roupas limpas.

Otávio chegou exatamente quando Julie entrava na cozinha para comer algo que Graça preparou.

— Eu sinto falta do Daniel. — July murmurou, sentindo o seu coração doer com a perda. Mesmo com suas emoções turbulentas de uma semana atrás, ela amou cada momento. Percebia isso agora.

Otávio se juntou a elas na mesa.

— Não é culpa sua. — Graça murmurou tristemente.

July olhou para baixo

— É claro que é. — respondeu baixinho, cansada demais para arrumar desculpas.

— Bom, é culpa sua — Graça concordou. — Mas, você já se martirizou o bastante.

Otávio lhe deu um tapinha na perna, enquanto Graça segurou seus dedos. Pela primeira vez em anos, July entendeu que Daniel não era seu único melhor amigo.

 

 


Capítulo Onze


July tentou agir como se não se importasse com o fato de Daniel passar a ignorá-la sempre que eles estavam fora dos estúdios. Apesar de sentir suas esperanças surgiram sempre que cruzassem pelo corredor, ela se afundava em tristeza quando ele desviava o caminho ou o rosto, ignorando os olhos repletos de lágrimas e a dor no coração.

Um dia ela o esperou após uma gravação. Queria falar com ele, mas Daniel não estava disposto a ouvi-la e simplesmente a deixou falando sozinha.

Ela deixou recados no seu e-mail. Pedidos de desculpas e confissões de arrependimentos, mas nunca teve resposta.

Eles se viam todos os dias, mas ainda assim era como se estivessem a quilômetros de distância.

Daniel não tinha planos de perdoá-la pelo que havia acontecido. Meses se passaram, as filmagens – com os atores da segunda fase — para o filme terminaram e o longa entrou em fase de edição, enquanto o grupo de amigos teve seu seriado renovado para mais uma temporada. Eles estavam ocupados, constantemente em trabalhos de divulgação, leitura dos projetos, ou em trabalhos solos, para a publicidade. E, mesmo assim, não houve um único dia em que July não sentiu falta do melhor amigo e ânsia por tê-lo, dar as mãos com ele, e dizer-lhe o quanto ela se importava.

***

Graça ergueu as sobrancelhas quando July entrou no camarim. Ela estava linda, vestia um longo escuro, que realçava a pele clara e os olhos azuis.

— Uau, hem? — A colega deu uma piscadela em direção a Júlia.

— Estou em cima da hora e precisava retocar a maquiagem.

— Ah, é hoje a pré-estreia do filme? Sério, você está linda! Ela não está linda, Luís? — dirigiu-se ao outro colega, sentado perto do espelho.

Graça olhou esperançosamente para colega, que lhe lançou um olhar feio e se virou de costas para as garotas. Luís ainda era inflexível com July, fingindo que ela não existia fora das câmaras, apesar de esforços continuados de Graça para mudar as coisas ao longo dos meses.

Era difícil acreditar que tanto tempo havia se passado, que o ano foi gradualmente se aproximando do fim. Mas a dor não havia desaparecido com o tempo, e July quase desejava que pudesse voltar ao passado e desfazer o momento em que Daniel descobriu tudo.

— Daniel! Você está bonito — Luís disse quando Daniel entrou na sala.

— Obrigado. — Daniel sorriu, levantando a mão para coçar a parte de trás do seu pescoço, ao mesmo tempo que July tentou passar por ele, e, acidentalmente, recebeu um tapa na cara por conta do movimento. — Oh! — Daniel exclamou. July fez uma careta, tentando dar um passo para trás, afastar-se, mas encontrando a parede atrás dela que impediu seu progresso. — Sinto muito! Eu não vi você!

July congelou quando as mãos frias dele fez contato, segurou-a enquanto era inspecionada na busca por sinais de ferimentos. Daniel parecia terrivelmente culpado e preocupado, balbuciando desculpas muito rápido para o cérebro atordoado de July compreender.

— Me desculpe. Está doendo? — Daniel perguntou ansiosamente, chegando a tocar delicadamente a ponta de seu dedo no nariz feminino enquanto a outra mão em concha ainda estava em seu queixo.

July ficou ruborizada, olhos arregalando quando ele percebeu o quão perto estavam.

— Eu estou bem — ela respondeu, empurrando as mãos de Daniel e escorregando rapidamente para fora do camarim.

Daniel ficou olhando para o lugar vazio onde ela tinha estado, também parecendo chocado com o que tinha acontecido, como se ele tivesse agido impulsivamente, sem pensar, antes de estudar as mãos e deixá-las cair para os lados.

— Merda... — Ele xingou baixinho, fechando os olhos e inclinando a testa fortemente para trás por um segundo antes de também sair pelo corredor, para seus compromissos.

Naquele instante, Otávio chegou. Graça e ele trocaram um olhar, e Graça se moveu como uma víbora para agarrar a mão de Luís, quando o jovem saltou como se quisesse seguir para fora.

— O quê? — Luís resmungou, irritado por ter sido interrompido por Graça.

— Precisamos conversar. — Otávio disse sério, chamando-o para o sofá.

***

Luís não quis ouvi-los. Mas, não teve escolha.

Eles começaram explicando o que tinha acontecido, uma história que Luís já sabia, mas eles continuaram, colocando mais detalhes, deixando a entender que nem tudo era como parecia.

— Resumindo: temos certeza que Júlia está apaixonada por Daniel. Sempre esteve, na verdade, mas como nunca viveu nada assim antes, não sabe identificar os sentimentos e acabou fazendo uma grande confusão.

Graça acenou, sorrindo largamente.

— Ela não sabe ainda, mas é verdade!

Luís permaneceu quieto. Ele não conseguia acreditar que a louca do gato tinha algum sentimento por qualquer ser vivo além do gato. Desde que a conhecia, ela era a estranha que não ficava com ninguém nas festas, que não procurava namorado, que nunca estava apaixonada.

Claro, no seriado que eles faziam, Júlia e Daniel não eram um par romântico, mas seus personagens eram amigos, e havia um certo shipper por parte dos fãs pelos dois. Isso os fazia praticarem o que se chamava de “ fanservice ”, trocas de olhares ou toques em frente às câmeras só para fazerem os fãs felizes. Mas, nunca houve nada além disso.

Nunca mesmo.

Daniel saia com outras garotas, Júlia conheceu algumas delas, e sempre se deu bem com todas.

Sem ciúmes, sem neuras...

Luís nunca tinha pensado que talvez houvesse algo além de amizade, antes. Agora que ele considerava isso, algumas coisas no olhar triste de Júlia começava a fazer sentido.

— Eu preciso ir — disse aos amigos, deixando-os para trás.

July era uma estúpida se não havia percebido seus sentimentos. Daniel era um tolo se não entendeu que a garota o amava. Talvez eles precisassem de ajuda... Não que ele devesse se envolver, mas...

Ele gostava dos dois. Mais de Daniel. Nunca viu ou sentiu, da parte do rapaz, qualquer preconceito por sua condição sexual. Daniel sempre o tratou como um amigo, sempre o respeitou, sempre torceu por ele. Vê-lo tão abatido nos últimos meses o deixou igualmente triste.

Parou no corredor, olhando o relógio de pulso.

Daniel e July haviam ido para o lançamento do filme. A estreia já havia começado, e, embora ele não fosse convidado para o filme, se apressou, sabendo que conseguiria entrar porque era famoso.

***

July sorriu, carismática, parando ocasionalmente para conversar com os repórteres e posar para fotógrafos enquanto caminhava lentamente para as portas do teatro. Ela encontrava-se plenamente consciente que Daniel estava a poucos passos dela, mas tentou se apressar para que ele não a alcançasse.

Ela entrou e viu uma fileira de cadeiras almofadas, já repletas de pessoas, e aproximou-se da primeira fila, onde normalmente as pessoas que atuaram no filme sentavam-se.

— Oi — ouviu a voz de Daniel pouco depois. — Se importa se eu sentar ao seu lado?

Ela percebeu que havia mais poltronas vazias, mas não tinha desculpa para mandá-lo embora. Assim, balançou a cabeça, mantendo os olhos na tela em branco.

— Pode — disse.

— Obrigado — Daniel respondeu calmamente, recostando-se no banco.

Havia muito barulho. Muita gente chegando, conversando, rindo. July ficou aliviada quando as luzes se apagaram. A plateia aplaudiu quando a tela se iluminou e o logotipo da empresa de produção apareceu.

— Aqui vamos nós — ouviu Daniel respirar para si, e July se perguntou se o rapaz temia ver o filme tanto quanto ela.

***

— Damon é um rapaz bem apessoado — a voz máscula de Jordano Benitti, o ator que interpretava Ivar, o pai de Damon, soou forte, firme, fazendo o olhar de Elza centrar-se nele. — Muito bonito. As mulheres já começaram a correr atrás dele.

Elza arqueou as sobrancelhas. O movimento na charrete só evidenciava seu nojo. Mulheres correndo atrás do homem que seria seu marido só destacava o quanto aquele mundo a repugnava.

— E você tem ancas largas apesar de ser magra. Acho que terá muitos filhos.

Silêncio. Raiva. Ódio. Vendida como um animal para um homem que ela não conhecia.

A falta de esperança e amargura se expressava no olhar de Elza.

***

A cena dos dois encontrando o gatinho em meio a uma montanha fê-la rir. Daniel ao seu lado não resistiu e também gargalhou.

— Perceba seu olhar de idolatria — Daniel murmurou. — Minikui teria ciúmes.

— Ele sabe que ele é único.

— Sim — Daniel retrucou, num murmuro. — Sim, ele é...

Silêncio. July observou suas mãos, estavam tremulas.

— Dani... — ela sussurrou.

Daniel olhou para ela, o sorriso desaparecendo numa expressão cuidadosamente neutra.

— Hum?

Na tela, ambos estavam no quarto. Elza tinha o gatinho nos braços.

— Me perdoa.

Daniel encarou-a por um longo momento antes de olhar para baixo.

— Me perdoa, também. — pediu.

Depois, ele se virou, focalizando sua atenção de volta para a tela grande.

July suspirou.

***

Foi mais fácil entrar no local do que Luís tinha pensado que seria. Ele disse para as pessoas que trabalhavam dentro do teatro que tinha esquecido seu convite, e como ele era uma estrela da emissora, ninguém duvidou dele ou pensou em verificar seu nome na lista de convidados.

Dentro do teatro estava escuro, o filme estava se encaminhando para o fim da primeira parte, quando a participação de July e Daniel se encerraria. Ele observou pela luz fraca da tela, e parecia que todas as cadeiras estavam lotadas.

De repente, ele viu July e Daniel sentados lado a lado. Ele não sabia se era uma obrigação para promover o filme, mas ficou surpreso que nenhum dos dois parecia incomodado pela presença do outro.

Silenciosamente, ele esquivou-se para baixo para não bloquear a visão de alguém. Seu plano era se sentar na escada, numa posição onde teria uma boa visão de seus colegas.

Sentou-se lentamente, tentando não chamar a atenção para si mesmo quando esticou o pescoço. July e Daniel estavam razoavelmente perto do corredor.

O som do chilrear da lareira anunciava uma cena num dos quartos.

— Luís?

Olhou para o lado e percebeu um ator com quem já tivera um caso sentado ao seu lado, o observando espantado.

— Oi Valentim.

— O que você está fazendo aqui? Não conseguiu encontrar o seu lugar?

Luís hesitou. Falar ou não a verdade?

— Não... Estou espionando eles — apontou para os amigos.

— Sério?

Luís assentiu. Valentim virou-se para olhar para o par com curiosidade.

— Bem... Isso é estranho, mas ok.

— Obrigado. — Luís sussurrou.

Ele tinha uma visão perfeita, e seu sistema funcionou. Luís ficou tão atento quanto possível, alternando entre ver o filme e assistir as reações de seus companheiros.

À medida que a tensão sexual entre Elza e Damon crescia, Luís constatou que Daniel estava seguindo o enredo com os olhos tristes, mas July ficou a maior parte do tempo olhando para os joelhos, perdida em seus pensamentos.

Luís voltou sua atenção para a tela, perguntando se eles estavam apenas desconfortáveis com a cena ou se July estava seriamente lutando com suas emoções.

Elza e Damon estavam na cama. Damon pegou o pé de Elza e beijou. Luís percebeu, um pouco surpreso, Elza fechando os olhos, como se o toque doesse.

O beijo veio a seguir. Ele ouviu muitos dos membros do auditório suspirarem e se perguntou se ele também não tinha feito o mesmo, a julgar pelo sorriso divertido de Ernesto Valentim no rosto. Honestamente, foi um pouco estranho, ele próprio nunca tinha feito uma cena de beijo tão apaixonadamente.

Olhando para o par, viu Daniel mudando seu olhar para baixo, enquanto que July estava olhando para a tela com as sobrancelhas desenhadas firmemente. Ela estava fisicamente magoada, e sua expressão era a epítome da confusão.

Luís sorriu, satisfeito. Ele estava oficialmente convencido. Parecia que Otávio e Graça estavam certos, afinal.

 

 


Capítulo Doze


July tropeçou no carpete quando entrou no apartamento. Ela segurou-se na mesinha de canto da entrada, largando sobre ela sua pequena bolsa, respirando fundo e tentando se recompor. Depois, zanzou até a cozinha, entrando sem acender as luzes, buscando pela jarra de água da geladeira. Quase deixou cair o copo, mas de alguma forma conseguiu pegá-lo no escuro e prontamente começou derramar nele o líquido frio.

A janela acima da pia deixava uma fraca luz externa entrar e os olhos de July ajustaram-se rapidamente. Ela suspirou quando o líquido no copo terminou de derramar pela sua garganta seca, e o largou na mesa, não preocupando-se em lavá-lo e guardá-lo.

Depois, rumou para o quarto.

Ela queria dormir, queria que sua mente calasse a boca por, pelo menos, algumas horas.

A atriz não se preocupou em tirar o vestido, nem em tirar a maquiagem. Estava cansada, de manhã – prometeu a si mesma – tomaria um longo e delicioso banho. Agora, tudo que precisava era fechar os olhos. Ela estava terrivelmente desconfortável, mas não se importava.

— Que merda de vida — ela murmurou, sentindo o torpor a tomar.

— E de quem é a culpa disso? — Questionou uma voz aguda perto dela.

Os olhos de July se abriram em alarde quando percebeu que o calor ao lado dela era realmente outro corpo, mas antes que ela pudesse gritar uma mão foi, com firmeza, sobre a sua boca e a outra pessoa se movimentou, o seu peso pressionando-a e prendendo-a à cama.

July golpeou, tentando jogar o outro corpo longe, mas achando que havia muito pouco o que ela poderia fazer em sua posição atual.

— July, acalme-se! — Seu agressor estava lhe dizendo, quase arrastando-a lentamente sobre o colchão. — Pare com isso! Sou eu, Luís! — O homem misterioso deixou July por tempo suficiente para chegar perto do abajur e ligá-lo.

July o empurrou para fora da cama apenas uma fração de segundo antes do quarto iluminar-se fracamente e ela percebeu que era, de fato, Luís.

July sentou-se abruptamente, roupas e cabelos desarrumados, como resultado da luta.

— Que merda, Luís!

Luís estremeceu quando ficou de pé, esfregando a bunda e gritando contra.

— Eu tinha que falar com você, mas levou mais tempo do que eu esperava então eu vim deitar.

— Na minha cama? Como diabos entrou aqui? — July exigiu, balançando as pernas para fora da cama.

— Nosso empresário tem uma chave reserva. Graça me deu a dica. — Luís sorriu. — "Tudo o que você precisa é dizer que é uma emergência que diz respeito ao futuro dela e ao dinheiro que ela vai render, e ele vai praticamente jogar a chave em você." — murmurou, imitando Graça.

— Aff — murmurou. — Podia ter falado comigo amanhã.

— July, não podia esperar. É uma emergência.

— Uma emergência? — ela retrucou, esnobe. — Você está me ignorando por meses, e agora vem na minha casa, deita na minha cama, e diz que não pode esperar até amanhecer? E por que deitar na minha cama? O sofá é muita pouca coisa para vossa excelência?

— Seu gato estava estuprando a almofada.

Júlia ficou enrubescida.

— Minikui não faz essas coisas, ele é um santo.

— Do pau oco!

— Cretino! Entra na minha casa pra difamar meu filho?

— Você é uma idiota, Júlia! — Luís rebateu, frustrado. De repente percebeu os olhos vermelhos e cansados. — Você bebeu?

Ela havia tomado alguns drinks na festa. Não diria que estava bêbada, mas estava triste e o álcool a deixou um pouco alheia.

— E daí? Eu sou maior de idade!

Luís a observou por alguns instantes. Depois, pareceu mais cúmplice.

— Eu vim te ajudar, Júlia.

— Não preciso de sua ajuda. — Ele virou-se obstinadamente para sair do quarto, mas foi pega por Luís, que apertou sua mandíbula e a obrigou a voltar para trás e olhar para ele.

— Escute. — Luís, disse enérgico. — Você tem um problema.

— Tá brincando? — foi irônica.

— Cale a boca. Você sabe qual é seu problema?

— Eu sou uma enorme cadela? A pior amiga que já pisou na terra?

— Não, Júlia. Você está em negação.

— Não estou negando nada. Eu admito que sou uma vaca.

— Eu estou falando sobre você e Daniel, idiota. Você está em negação sobre Daniel. Você está em negação sobre seus sentimentos.

— Eu não sou apaixonada por ele — July resmungou.

— Sério? Bem, eu discordo.

Ela sentiu lágrimas nos olhos. Logo, foi puxada de encontro ao peito do amigo. Chorou contra ele, tentando aceitar aquela verdade difícil.

Sim, ela amava Daniel. E sim, ela havia perdido qualquer chance com ele. Depois do que fizera, como poderiam resgatar aquela relação? Eles haviam sido muito amigos, Daniel confiara muito nela. Agora, tudo estava anulado.

— Eu estraguei tudo — ela murmurou. — Daniel nunca iria acreditar que eu estaria dizendo a verdade, agora.

— Você está desistindo?

— É melhor assim, não é? Fui cruel com seus sentimentos, e não acho que ele precise de mim para confundi-lo mais. Deixá-lo seguir em frente é o melhor que posso fazer.

— Se você realmente o ama, você não vai deixá-lo ir. Mesmo que queira, não vai conseguir.

Ela suspirou triste.

— July, ele te ama. Ele não te odeia pelo que aconteceu, mas ele está sofrendo há meses, porque ele acha que você não o ama. Você pode convencê-lo de que seus sentimentos são reais. Você só precisa tentar. Você não gostaria de vê-lo sorrir de novo?

July olhou desamparada, inclinando-se e esfregando o rosto com as mãos.

— Como? — resmungou baixinho, a voz abafada em suas mãos. — Eu não sei como resolver isso agora...

— Encontre-o. Agora! Vá até ele e lhe diga a verdade.

— Mas — July se debateu. — Eu não sei nem por onde começar... ou o que dizer...

— Que bom! Isso não é um filme, você não precisa de um roteiro para seguir. Diga apenas o que você sente. Não acrescente nada além disso, não subtraia nada além disso.

— Luís...

— Você sabe onde ele está agora? — July sacudiu a cabeça e Luís pegou seu telefone celular, discando o número do amigo. — Daniel, oi? Onde está você? Só para saber... Eu estava saindo para comprar algo e eu vi alguém que se parecia com você. Ah, acho que não... Esquece, eu te vejo amanhã.

Ele desligou, deslizando o telefone de volta no bolso.

— Ele saiu da festa do filme, e está no táxi, indo para casa. Apanhe um táxi, intercepte-o antes de chegar. Pegue-o desprevenido.

July acenou com a cabeça, girando e correndo para a saída.

***

Era quase meia-noite. O bairro de Daniel estava escuro e silencioso, o ar frio e úmido.

July desceu do carro, batendo os saltos na calçada. Sua sombra esticada correu ao lado dela enquanto passava por baixo do brilho alaranjado das luzes da rua e os cachorros da vizinhança latiam enquanto ela perturbava o silêncio da noite com seus passos. Ela podia ver a casa de Daniel ao longe, trazendo-lhe um sentimento de nostalgia de seu passado, bem como uma nova corrida de emoções...

Uma figura estava aproximando-se da porta, e o coração de July acelerou a um ritmo assustador.

Daniel ainda estava em seu terno, refinado, elegante e deslumbrante.

— Dani — gritou, meio ofegante por um sopro de ar, ela praticamente correu para o rapaz.

Ele girou em sua direção, as sobrancelhas unidas, a dúvida em seus olhos.

— July? O que você está fazendo aqui? — Só então ela percebeu que ele tinha fones de ouvidos, os quais arrancou, olhando confuso e assustado para ela.

Nas mãos, um celular. Havia o brilho de uma música tocando nele. Não sabia que música era, esperava que fosse romântica.

— Eu preciso falar com você. — July endireitou-se e encontrou seu olhar.

De repente, sua mente estava em branco, e tudo o que ela estava planejando dizer morreu em sua garganta.

Daniel esperou em silêncio e expectativa.

— Sim?

— Eu... — travou, sentindo o pânico começar a jorrar dentro de si e as palavras se recusaram a vir.

— July? — Daniel parecia cauteloso e resguardado, bem como interessado. — Eu preciso estudar um roteiro antes de dormir, então... Se puder dizer logo...

— Estou farta disto! — July deixar escapar, os olhos de Daniel resplandecendo surpresa. — Eu estou cansada de sermos distantes e não nos darmos bem. Eu quero corrigir isso. Eu preciso, ok? — Daniel assentiu, a expressão não traia seus pensamentos. — Eu fui cruel, desumana e muito idiota de ter feito o que eu fiz. Minha única justificativa é que nem passava pela minha mente que você... — Ela tomou uma respiração profunda para ordenar seus pensamentos. — Você significa muito para mim, Daniel. Eu realmente me preocupo com você, e é somente agora que as coisas estão ruins entre nós que eu estou percebendo o quanto eu...

— Tudo bem, July — ele a interrompeu. — Também estou cansado de não nos dando bem. Nós sempre fomos amigos, certo? — Ele pisou cautelosamente em direção à jovem. — O que aconteceu... — Daniel parou um pouco, considerando suas palavras. — Não é que ainda não doa, mas eu posso colocar essa dor de lado por você... por nós. Não dói tanto saber que você não me ama, quanto dói pensar que eu perdi sua amizade. — Fez uma pausa e July só poderia respirar, incapaz de formular uma resposta ou impugnação. — Eu costumava ser feliz apenas por ser seu melhor amigo, e eu posso ser feliz com isso de novo. Eu ficaria feliz com isso.

— Você... — July suou frio, sua mente parecia estar tomada por confusão e choque. — Isso é o que você quer? Você não está apaixonado por mim?

Daniel ficou em silêncio, olhando para baixo e mordendo os lábios. De repente, ele tocou suavemente os dedos da mão de July.

— Eu quero que as coisas voltem a ser como eram. Vamos ser amigos de novo? Será que podemos?

July olhou para ele. O céu e a noite tranquila desenrolando em volta deles pareciam ser amalgamados em um grande nada, e tudo o que podia ver era os olhos ansiosos e esperançosos de Daniel, olhando para ela através de um muro de autoproteção.

Ela sentiu a boca amargar. Aquele muro foi ela que construiu. Cada tijolo ali, fora ela que colocou.

Então, se era isso que Daniel queria, se era isso que o faria feliz, ela não tinha motivos para recusar.

— Ok. — Seu peito parecia apertado, e ela não conseguia entender porque doía tanto forçar as palavras. — Vamos ser amigos, Dani.

Daniel a abraçou fortemente, com alívio;

— Eu perdi você — ela disse, muda, contra seus ombros.

Ela estava certa.

 

 


Capítulo Treze


Eram duas e meia da manhã. Luís tinha chegado em casa, tomado banho, executado sua rotina noturna de cuidados da pele e lido três capítulos de um romance de P.C.L Vasconcellos que tinha começado recentemente.

Ele desligou a lâmpada, largou seus óculos de leitura de lado no criado-mudo e ficou confortável debaixo das cobertas. Então o telefone tocou. Luís franziu os lábios; tentado em deixar a ligação ir para sua secretária eletrônica. Por algum motivo, ele pegou o telefone sem fio na mão e atendeu.

— Você sabe que horas são? —gritou para quem quer que fosse, não se incomodando com uma saudação.

— Você atendeu... — respondeu uma voz fanha e abatida.

Luís franziu o cenho.

— Daniel? — suspirou alto. — Você está brincando? Eu tenho que acordar cedo! O que foi?

— Eu precisava falar com você...

Luís suspirou, imaginando que tudo havia dado errado.

— Onde estão vocês?

— Em um bar. É legal aqui. July foi no banheiro.

— Vocês foram beber?

Luís esfregou a testa com a mão livre. Aqueles dois deviam estar em um quarto naquele momento, não enchendo a cara. Que porra de casal mais esquisito!

— Quem teve a brilhante ideia de irem aí?

— Eu. Para comemorar.

— Comemorar? Bebendo? Que merda, cara. Eu falo de Júlia, mas você é o pior namorado da história. A gente comemora um namoro na cama.

— Namoro? Não, Luís. Você entendeu errado. Estamos comemorando nossa amizade.

— Amizade? Por quê? Cara, você é louco por ela...

— Mas, não deu certo, então estou tentando que as coisas voltem a normalidade. Assim, eu pedi a ela para voltarmos a sermos amigos. July disse que queria o mesmo, então eu penso que tudo vai ficar bem agora.

— July disse isso antes ou depois de você pedir sua amizade? — Luís resmungou entre os dentes.

— Não lembro — pareceu beber um gole. — Depois, eu acho.

Luís ficou em silêncio, tentando conter sua frustração.

— Luís?

Luís respirava lentamente pelo nariz, querendo que sua voz permanecesse baixa e estável quando falou.

— Vocês dois são tão idiotas.

Depois, desligou, sem querer ouvir outra explicação imbecil.

***

Daniel franziu a testa, desligando o celular com incredulidade por seu amigo ter encerrado a ligação de forma tão indelicada.

— Isso é estranho... — Naquele momento, Júlia retornava do banheiro e se sentava na sua frente. Ela tinha olhos vermelhos e o rosto agoniado. — July?

— Sim?

— Você está bem?

— Estou.

— Ah. — Não insistiu. Ela não era de beber e aquilo provavelmente era reflexo do álcool. — Luís está meio doido.

— Por quê?

— Ele nos chamou de idiotas e desligou o telefone na minha cara.

July absteve-se de praguejar.

— Você ligou para ele?

— Sim. — Daniel balançou a cabeça lentamente. — Eu pensei que ele ficaria feliz por estarmos de bem novamente — Daniel refletiu em voz alta, tomando sua bebida. Ele olhou para July, que estava olhando para a mesa e balançando a cabeça. — Eu pensei que você ficaria feliz também.

July olhou para cima, encontrando o olhar de Daniel.

— Eu?

— Estou feliz que você ainda quer ser minha amiga.

July acenou com a cabeça e olhar para longe.

— Eu também. — disse baixinho, afundando de volta contra o encosto do assento acolchoado. — Estou feliz porque você está feliz...

A música alta ecoou no bar e ela observou a banda que fazia um show ao vivo. Na semiescuridão do ambiente, suas lágrimas ficaram camufladas.

— Se eu não te amo... — July sussurrou —, então por isso é tão doloroso?

***

— É o melhor que pude fazer.

— Então você pôde fazer muito pouco — Luís a enfrentou.

— É o que ele quer, Luís. A sugestão veio dele.

— E o que você quer? — Luís cruzou os braços.

July cintilou o olhar e depois o desviou, observando disfarçadamente na direção de Daniel que estava sentado em uma das extremidades do camarim, lendo um roteiro.

— Eu não sei o que quero, mas eu gosto quando ele está feliz. E isso pode fazê-lo feliz. Então é tudo que importa.

Luís abriu a boca para retrucar, mas July afastou-se rapidamente, buscando por sua bolsa perto do sofá.

O rapaz pensou em ir até ela, mas Otávio pegou-o num braço, enquanto Graça pegou pelo outro e eles o guiaram para fora do camarim.

— É melhor deixar assim...

— Mas sabem o que está acontecendo? — Luís indagou o mais alto que ele podia, em um sussurro. — Sabem o tipo de relacionamento que eles têm agora?

— Sim... — Graça disse tristemente. — Daniel nos contou.

— Eles são tão estúpidos! Nós não podemos deixá-los assim!

— Luís — Otávio falou, sério. — Eu não acho que devemos nos envolver mais do que fizemos.

— Mas eles estão andando em círculos. Isso não vai a lugar nenhum se não fizermos nada!

— Mas, Luís — Graça olhou para Otávio antes de falar: — Talvez seja melhor que eles sejam apenas amigos.

— O quê? — Estava incrédulo.

Não haviam sido aqueles dois retardados que tentaram, inicialmente, fazer aqueles outros dois retardados ficarem juntos?

— Não queremos que as coisas se compliquem mais. Isso pode interferir no seriado...

— Você está apenas preocupado com o dinheiro e com a publicidade?

— Isso não é justo, Luís. — Apesar da acusação, o tom de Otávio permaneceu ameno. — Eles são nossos amigos e nós os amamos. Mas, se eles dizem que é melhor assim...

— E você realmente acredita que é melhor assim? Olhe para eles, Otávio! Ambos estão arrasados.

Depois disso, saiu andando pelo corredor, azedo.

 


Capítulo Catorze


Não era mais a mesma coisa.

Júlia tentou ao máximo que a relação com Daniel voltasse ao que era antes do seu erro, porém aquela cumplicidade havia sido aniquilada pelas rachaduras que fingiam não estar lá.

Enquanto os dias foram passando, ela foi murchando como uma flor sem ser regada. Daniel até lhe sorria ou lhe acenava, amistoso, mas ela sentia uma réstia de receio em seus olhos, uma mágoa que não se escondia.

Uma noite ele foi embora com uma das figurantes do seriado. Júlia assistiu os dois saírem de mãos dadas do camarim, e depois se refugiou no banheiro para chorar porque jamais pensou que a dor de amor pudesse ser tão física.

Ela aguardou o anúncio de namoro, mas na outra semana ele estava com outra. Parecia buscar em todas o que havia encontrado nela.

***

Otávio ficou ligeiramente surpreso ao descobrir July de pé ao lado de fora da sua porta do quarto de hotel que eles haviam sido levados para gravar uma externa.

Pensou em convidá-la para entrar, mas um dos camareiros do hotel – que ele jurava que estava indo passar a noite com Luís – havia cruzado a pouco por ela, e tudo que Otávio não precisava em sua vida era de uma foto de July entrando no seu quarto em sites de fofocas.

Otávio bocejou, desejando cair na cama grande atrás dele.

— July, o quão bêbada você está?

Os olhos dela estavam vermelhos, mas ela negou com a face.

— Eu não bebi.

— Certo. E veio até mim porquê...

— Eu estava pensando...

— Não pense — a cortou. — Simplesmente volte para o seu quarto e vá dormir.

July franziu a testa, passando por ele e entrando no quarto.

— Seria bom dormir...

— Ótimo! Então que tal ir para o seu quarto...?

— Mas, eu não posso dormir.

— Mas eu posso!

Júlia o observou com olhos lacrimejantes. Otávio suspirou pesadamente, fechando a porta atrás deles.

— Ok. O que há de errado?

July se sentou na beirada da cama, o colchão encolhendo em volta dela.

Otávio se sentou ao lado da garota, colocando um braço sobre os ombros estreitos.

—É Daniel?

Um pequeno aceno de cabeça, e Otávio pareceu entender tudo.

— O que exatamente você está pensando? — Ele persuadiu suavemente.

July ficou em silêncio por um minuto antes de deixar escapar um suspiro pequeno, afundando contra o peito do amigo como se estivesse derretendo.

— Você e Graça já se beijaram? — Otávio saltou, quase jogando July para fora da cama em estado de choque com a pergunta.

July continuou.

— Vocês estão sempre perto um do outro.

— Bem, isso é porque...

— Por que você a ama?

Otávio fez uma pausa antes de balançar a cabeça.

— Só como amiga.

— Como amiga... — July ficou em silêncio alguns segundos, olhando para longe e franzindo a testa. — Então isso quer dizer que meu amor por Daniel não é como amiga, não é?

Otávio riu.

— Eu achei que você já tivesse passado essa fase. Ainda pergunta?

— É que eu achei que conseguiria voltar a amá-lo apenas como amiga.

Otávio sorriu gentilmente.

— Querida, isso não vai acontecer.

— Eu estraguei tudo — ela murmurou. — Eu podia estar namorando com ele, estar feliz com ele, sendo não somente sua amiga, mas também sua companheira, porém, agora eu nem consigo me aproximar de Daniel. Eu não sei o que fazer.

— Você pode resolver isso dando o primeiro passo.

— Dar o primeiro passo? Mas, ele está feliz agora. Ele está saindo com algumas garotas e sei que está se divertindo. E eu não quero bagunçar tudo de novo...

— July, pare por um segundo e pense. Você sabe o que realmente vai fazer Daniel feliz é mais do que apenas a sua amizade. E você tem que parar de usar a felicidade dele como uma desculpa para sua covardia. Dane-se a felicidade dele! O que faria você feliz? Pense nisso, porque eu sei que você não está feliz de como as coisas estão agora.

— Mas ele...

— E você disse que ele está saindo com algumas garotas. É, eu vi. Contudo, eu também o vi olhando para você com o canto dos olhos, buscando qualquer traço de ciúme, qualquer resquício de que você também o queira.

July fechou os olhos, imaginando as memórias mais felizes que ele tinha. Algumas estavam com sua família, alguns estavam na indústria do entretenimento, e a maioria estava com Daniel Trent, sorrindo, rindo, de mãos dadas, se beijando naquele filme...

Então ela se levantou.

Daniel Trent seria dela novamente.

 

 


Capítulo Final


— Daniel! — Ela bateu o punho contra a porta do quarto de hotel, não importando se acordasse todo o andar — Abra!

Mais duas batidas e a porta se abriu. Daniel estava ali, de pé, olhando assustado, confuso e um pouco irritado, não vestindo nada além de uma toalha na cintura fina. Ele estava todo molhado e a garota percebeu que o havia tirado do banho.

July engoliu em seco, arrastando o seu olhar por Daniel.

— O que houve? — o rapaz indagou. — Eu...

Antes que ele pudesse continuar, July agarrou-o pelo seu braço, sentindo seus músculos tensos sobre seu controle, e empurrou-o para o quarto. A porta se fechou atrás deles e quando Daniel tentou se afastar, July virou-se e apertou-se contra ele. Daniel ofegou como as costas nuas em contato com a superfície de madeira da porta, os olhos arregalados, o corpo de July mantendo-o preso, ali.

— Eu sinto muito — July sussurrou. A lâmpada de cabeceira era a única luz, deixando o quarto com um brilho laranja sombrio. — Mas eu não posso continuar assim por mais tempo.

— July, o que você...?

— Não é que eu não quero que sejamos amigos. — Ela o interrompeu, apressada. — É que isso não é mais o suficiente.

Suas mãos desceram para a cintura Daniel, metade da toalha úmida branca e metade em seu abdômen definido. Daniel estremeceu, olhando para baixo em estado de choque antes de levantar o olhar para verificar July novamente. Ela parecia tão perdida, confusa, esperançosa e com medo.

Daniel quis questionar o que estava acontecendo, mas não conseguiu encontrar as palavras para fazê-lo. July apenas observou por um momento antes de deslizar uma mão no estômago masculino, peito, pescoço e queixo. Ela parecia completamente dominada pelas emoções.

— Só a amizade não é suficiente para mim. — Júlia deu um meio passo mais perto, pressionando ainda mais os seus corpos um contra o outro.

Daniel ficou tenso, fazendo um barulho suave de protesto.

Ele sabia quem era aquela garota. E ele a amou mesmo assim. Mas, agora... estava tudo embaralhado em sua mente. Aquela nem parecia a sua July, obstinada e sedenta. Sua garota era uma virgem gentil, temerosa em relacionamentos. A moça (moça? Mulher!) diante dele era alguém que sabia exatamente o que queria.

— Espere! — Ele engasgou com suavidade. — Por quê?

July respirou fundo antes de deixar os cantos de seus lábios deslizarem em um leve sorriso. Ela acariciou a bochecha Daniel com o polegar, tentando acalmá-lo com a ação.

— Porque eu devo estar apaixonada por você.

A boca máscula se abriu levemente e ele não podia fazer nada além de se embasbacar com a jovem, sem saber se o que ela dizia era uma nova brincadeira de má-fé ou não. Seu aperto no pulso July diminuiu e seu olhar cintilou como se ele estivesse procurando a verdade no olhar ansioso.

— Dani... — July respirava, inclinando-se um pouco mais até ele. As respirações curtas de Daniel bateram o seu queixo. — Eu posso te beijar?

Os olhos do rapaz se arregalaram e ele inalou nitidamente, um fluxo suave que coloriu as bochechas. Ele não deu nenhuma resposta verbal e por isso July deu tempo suficiente para empurrá-la para longe se o quisesse. Só depois, o beijou.

Daniel não fez nada além de respirar superficialmente enquanto os lábios de July pareciam pétalas de rosa sobre os seus, arrastando e empurrando, devagar e com cuidado. Aos poucos, o jovem pareceu suavizar a cada toque suave, com uma mão deslizando para cima, hesitante, os dedos escorregando no cabelo July, dobrando a cabeça para uma posição mais confortável. Ela suspirou com o beijo, os olhos fechados enquanto ele começou a beijar de volta.

July beliscou levemente o lábio inferior, forçando-o a abrir para que pudesse enfiar a língua dentro. Sua mão esquerda no quadril de Daniel para cima e para baixo, lenta e suavemente. Sua palma e dedos deslizaram facilmente sobre os pontos levantados dos músculos e costelas, buscando, a cada mergulho e curva, saborear o calor do corpo sob seus dedos.

Daniel gemeu agradavelmente em resposta, apertando mais. Jogou seu peso para deslizar uma de suas pernas entre July, moendo para baixo e ofegante no tempo com a moça permitiu que um balbuciar de prazer escapasse dos lábios. Ele começou a repetir o movimento, cima e baixo, enquanto a boca também imitava o ritmo. O quarto foi repentinamente ficando quente, o pijama de July desconfortavelmente apertado, e Daniel parecia ser a única coisa segura em que ela podia se apoiar.

July puxou sua própria camisa do pijama para cima. Daniel começou a empurrar para baixo o cós das calças de July. A garota equilibrou-se precariamente um pouco para ajudar a empurrá-los para fora com seus pés. Daniel quase nem percebeu que a tinha despido, levando-a até a cama.

July tropeçou, lutando para manter a posição como o tecido enrolado em torno de suas pernas e Daniel avançava, empurrando-a novamente. Antes que percebesse, ela estava na cama, e Daniel estava sobre ela, toalha atiradas ao longe, seu peso a mantendo presa.

— Dani? — July perguntou lentamente, um pouco desorientada e também fez um pouco nervosa pelo modo impetuoso que Daniel estava olhando para ela.

— Eu estou cansado de jogos. Se você veio aqui para brincar, saia e nunca mais volte.

— Isso não é um jogo. — July disse uniformemente. — Eu não quero brincar com você, não é por isso que vim aqui.

Daniel franziu a testa, presumivelmente em conflito consigo mesmo, e July esperou pacientemente enquanto ele completava o seu processo de pensamento.

— Então, você quer transar comigo?

July engasgou, quase mordendo a língua, como os dedos delgados de Daniel enrolados em torno dela

De súbito, a boca de Daniel estava na sua, novamente, desta vez com força. Ele abriu os lábios de July, sem hesitação e beijou-o profundamente, degustação e inquirindo, como se estivesse à procura de respostas.

— Você quer? — Daniel insistiu, deixando a boca e indo beliscar a orelha de July.

Sua voz era exigente, baixa e forte, mas July podia ouvir o tremor. Apesar de ser exigente, ainda era seu Daniel. Ainda temia machucá-la.

— Eu quero você desde a primeira vez que a vi. Quando a pedi em namoro, eu jurei que esperaria pelo tempo que fosse necessário, mas isso não é mais suficiente.

Uma batida na porta o interrompeu. Daniel endureceu como se tivesse sido congelado por um momento, antes de liberar July, ficando de pé, e andando lentamente até a porta. Ele pegou sua toalha no caminho, envolvendo-a frouxamente em torno de si com as mãos que estavam visivelmente abaladas antes de puxar a porta aberta.

Silêncio.

July puxou algumas cobertas em torno de si, e então se sentou, visualizando a carranca de Daniel inclinando-se para dar uma olhadela no corredor. Daniel estava sozinho na soleira da porta, mas July podia ouvir um risinho fraco, mas familiarmente borbulhante vindo pelo corredor. Daniel se abaixou, pegando algo que July não podia ver no chão do corredor. Ele se virou, fechando a porta atrás dele e olhando para os objetos em sua mão com uma expressão ilegível.

Daniel caminhou lentamente de volta para a cama, jogando os objetos que ele estava segurando sobre o leito. Depois, sentou-se, parecendo cansado. July examinou e identificou o que era.

— Graça deixou aí — ele murmurou. — Eu vi ela correndo no final do corredor.

Era um preservativo. E um pote de alguma coisa que Júlia não fazia ideia. Lubrificante, talvez? Graça sabia que ela era virgem.

A moça não sabia o que pensar sobre isso. Ela devia ser grata por Graça pensar na sua saúde, ou sentir-se insultada porque a outra se envolvera no que estava acontecendo no quarto?

— Você está bem? — ela indagou a Daniel, percebendo que ele não fazia menção de voltar a posição anterior.

Daniel remexeu as mãos, apertando a toalha branca.

— Eu não sei. Eu não sei o que pensar ou sentir agora...

— Você acredita em mim, certo? — Ela esperou, mas Daniel não respondeu.

July deu um suspiro profundo e trêmulo, passando a mão pelo cabelo dele e desviando o olhar.

— Você quer que eu vá embora? — perguntou baixinho.

— Isso significa que você está desistindo? — Daniel questionou em voz baixa. Ele levantou seu olhar para July ao lado dele.

— Não! — ela negou rápida. — Claro que não! Mas, eu vou entender se você não quiser me ver, nem me ouvir...

— Eu quero te ver, e quero te ouvir...

July franziu os lábios, sentindo um nó na garganta.

Daniel estava lhe dando uma oportunidade. Isso era importante e ela sabia disso. Se estragasse isso, provavelmente não haveria outra chance. O olhar de Daniel foi o suficiente para lhe transmitir a mensagem.

— Eu estraguei as coisas. — Júlia começou, tentando manter sua voz firme. — Fui estúpida, cometi tantos erros... Para começar, eu armei aquela pegadinha idiota, depois, fingi ignorar o você me fazia sentir... E então eu concordei que fossemos apenas amigos... Dani, eu sinto muito. Me desculpe, eu não entendia o que estava acontecendo. — Fez uma pausa, respirando trêmula e rezando para não começar a chorar.

Silêncio. O que mais ela podia dizer? Era tudo verdade.

— Eu não consigo parar de pensar em você. — Decretou. — Eu quero que você seja feliz, mas eu não posso parar de querer estar com você, querendo te tocar, não apenas como amigo. Eu não quero fingir que eu estou contente com uma situação, quando na verdade eu não estou.

— O que você sente por mim? — Daniel questionou, e sua voz soou tensa.

July desviou o olhar para a parede na frente deles. Timidamente, ela estendeu a mão, colocando-a um pouco acima do joelho de Daniel. O sentiu tenso e tremendo ao toque.

— Eu quero dizer que realmente o amo. — Ela despejou. Ali estava, seu coração completamente entregue. — Mas, eu compreendo se isso mudou para você.

Após uma longa pausa, ela sentiu o calor da mão de Daniel em seu ombro, puxando-a suavemente para perto. July apenas se deixou ficar apertada contra o peito nu de Daniel. Ela fungou, mas sufocou as lágrimas, tentando morder um soluço enquanto ouvia os batimentos cardíacos de Daniel e sentia a ascensão e a queda de suas costelas abaixo.

— Eu não posso desistir de você. — Daniel disse suavemente, e July sentiu as notas oscilando de seu discurso através de seu corpo. — Mas eu vou parar de fingir que posso.

Daniel rolou-a para seu lado, um de frente para o outro, e quando July encontrou seu olhar apenas sabia que estava perdoada. Claro, havia vulnerabilidade lá, cicatrizes deixadas com seus erros, mas havia também a confiança e afeto.

Mais afeto que qualquer outra coisa.

Daniel beijou-a devagar. Depois, seu ritmo foi aumentando. E era tão bom. Era um beijo tão quente, mas, igualmente, tão gentil, que Júlia sentiu-se languida e acesa.

Apertados um contra o outro como se fossem um só, as coisas mudaram rapidamente. A coberta e a toalha voaram em direções opostas. July tomou a liderança, levantando-se acima em seu cotovelo enquanto o beijo deles assumiu um ar quase frenético.

Sua mão direita arrastada para baixo de Daniel, deixando arranhões leves na sequência das suas unha, até se assentarem firmemente sobre a saliência do seu osso ilíaco. Daniel puxou-a mais apertado, arqueando-se para tentar criar mais atrito entre eles, enquanto choramingava como se o contato não fosse o bastante.

— July... por favor... — Ele respirava, tateando ao redor das colchas emaranhadas enquanto July deslocava para dar atenção a sua boca, depois clavícula e então ao tórax.

A mão de Daniel fechou sobre a camisinha que ele estava procurando sobre a cama. July olhou para o pacote um pouco nervosa.

— Eu sei que você sabe, mas... olha... não tenho nenhuma experiência com isso.

Júlia parecia tão desajeitada que Daniel precisou rir.

— Você reparou que está pelada na minha cama? — ele murmurou, em seguida. Viu depois seus olhos se arregalando, então a beijou de leve, para acalmá-la. — Está tudo bem. Eu vou fazer isso da melhor forma que puder — jurou.

Daniel abriu a tampa do lubrificante e espremeu um pouco em seus dedos. Depois, ele achegou-se a Júlia, olhos nos olhos, tentando não deixá-la mais nervosa sobre o que estava para ocorrer a seguir.

Com seus dedos lambuzados, ele deslizou a mão pelo centro feminino. Os olhos de Júlia ficaram arregalados, sentindo a sua própria auto contração despertando em seus lábios num gemido profundo, enquanto observava Daniel esticá-la com as faces coradas. A sua cabeça foi jogada para trás, de olhos fechados apertados, seu centro inchado. Pequenos suspiros e gemidos lhe escapavam, e July não poderia dizer se estava gostando ou sentindo dor.

— Tudo bem? — Daniel perguntou timidamente.

— Acho que sim. Eu me sinto estranha.

— Ah, céus... — Daniel estava ofegante, olhando-a sob seus cílios particularmente escuros enquanto seus dedos continuavam a rolar para frente e para trás. — Eu sempre quis isso. Eu sempre quis você. — seu timbre rouco a deixou mais quente. — July... Você está quase pronta...

Algo retumbou em seu estômago e ela sentiu que queria pressa. Queria que ele se movesse mais rápido. Mas, ao invés de lhe dar isso, Daniel afastou as mãos e apressou-se a rasgar a embalagem do preservativo.

Daniel parecia em intensa concentração quando entrou na garota, lentamente, lutando para não perder o controle de seus movimentos, nem em deixar que o calor que estava dolorosamente apertado em volta dele minasse sua força de vontade.

Ela era virgem. Ele sabia. Precisava ir com calma para não machucá-la.

Como atingiu o limite de quão longe poderia ir, Daniel travou, com medo de qualquer ação que pudesse ferir a garota respirando superficialmente abaixo dele. July teve que exortá-lo a se mover e, quando o fez, não pôde deixar expressar um gemido baixo. As pernas delgadas de July estavam em volta dele, puxando seus corpos até um ritmo constante, suas estocadas lentas e profundas.

July apertou-se, ofegando e gritando sempre que Daniel batia em cima da sua feminilidade, turvando sua visão. Os ruídos deixando seus lábios foram gradualmente se tornando mais altos a medida que seu ritmo começou a ficar cada vez mais errático, como se a necessidade de saborear tudo desse lugar à necessidade de liberação. As mãos femininas abandonaram Daniel a agarraram o lençol. Era torcia o tecido cada vez que Daniel bombeava com força dentro dela.

Havia dor. Mas também havia algo que não dava para ser expresso com palavras.

Daniel mudou o ângulo de seus impulsos para acomodar um beijo em seus lábios, segurando-se sobre um braço enquanto o outro cercava Júlia e a aproximava mais.

Júlia teve de romper o beijo um minuto depois, seu corpo ficou tenso e quase tremeu violentamente.

— Daniel! — ela gritou.

O pênis balançou, um fluido espesso, cremoso sobressaia por baixo do plástico, enquanto seus músculos apertados se abriam espasmodicamente ao redor e nele.

Sem experiência, ela não conseguiu segurar o gozo. Seu corpo latejou, enquanto Daniel dava um urro seco, derramando-se mais.

O beijo voltou. Agora, com mordidas. Sentiu o gosto acre do sangue na boca, as costas arqueadas, balançando com a força de seu orgasmo. Demorou para sentir o momento em que seu corpo parou de convulsionar por conta própria. Daniel soltou um silvo quieto e deixou-se cair, puxando seu pênis para fora.

A garota olhou atordoada para o teto, sentindo-se estranhamente saciada enquanto tentava recuperar o fôlego. Daniel, entretanto, trêmulo aos pés dela, se ergueu, indo ao banheiro, eliminando o preservativo no lixo, voltando de volta para a cama com uma toalha quente e úmida na mão.

July estava lá, o corpo suado, sua pele adornada com pequenas mordidas, seu cabelo estava uma baderna e colado na testa, seus lábios estavam machucados e um pouco inchados. Ela estava absolutamente bagunçada, mal conseguia girar sua cabeça e emitir um sorriso através de seu esgotamento, mas Daniel pegou o brilho nos olhos gentis e pensou que essa era o momento mais belo que ele já tinha experimentado em sua vida. Seu coração acelerou, queria que o tempo parasse, pois nem mesmo uma fotografia poderia captar a perfeição que estava sendo maravilhado.

Cuidadosamente, eles limparam um aos outro. July jogou a toalha de lado e Daniel arrastou lentamente debaixo das cobertas, puxando July, com ele.

— Eu estou cansado. — Ele murmurou sonolento, estremecendo um pouco quando July relaxou, nua, contra seu corpo.

July suspirou.

— July? — Ele chamou baixinho, pálpebras caídas, como se estivesse apenas mal mantendo-se consciente. — O que isso significa exatamente?

July franziu a testa ligeiramente.

— O que quer dizer?

— Isso... você sabe, nós. O que estamos agora? Eu lembro que você odeia o termo namorado .

Ela pareceu pensativa por um instante.

— Somos namorados, não? — ele insistiu.

— Sim.

— Mesmo que você odeie o termo?

Um sorriso se alargou em seus lábios.

— Eu não odeio o termo. Eu só não entendia o que ele significava.

 

 


Epílogo Minikui


O dia estava calmo, como eram, aliás, todos os dias. Havia uma brisa leve a soprar, o som dos pássaros a cantar e a voz de uma ou outra pessoa que passava em frente a minha casa. Nada que pudesse me incomodar, realmente. Espichei meu corpo no sofá que tanto amava e ronronei perante a boa fase de minha vida.

Ah, eu... O poderoso eu. O imaculado e perfeito eu, o mais belo e o mais amado de todos os animais. Sim, eu estava feliz e tranquilo no meu lindo sofá floral.

Oh, quem eu sou? Durante um tempo não tive nome. Hoje eu sou chamado de Minikui. Mas, esse nome é esquecido na maioria das vezes, preterido por um sonoro “bebê” que me emputece.

Sim, eu imagino o que você está pensando, caríssimo leitor, e peço que tire esse sorriso bobo da face. Ora essa! Eu, um ser superior sendo erguido do chão pela minha tutora e beijado com paixão enquanto escuto aquela frase ridícula “Meu bebê lindo!”.

Humanos... humanos...

Não, realmente não é esse o meu papel. De todos os papeis do mundo, não é esse o futuro de um felino de classe como eu.

Eu sou um gato. Gatos não nasceram para servir, não nasceram para serem beijados e mimados como criancinhas bobas.

Gatos nasceram para serem adorados...

Onde estão os antigos egípcios quando se precisa deles?

Mas, vamos a minha história: nasci num dia de chuva, e fui abandonado nas ruas logo após parar de mamar na minha mãezinha. Sozinho, miei durante um dia inteiro até que aquela jovem se aproximou e me ergueu. Ela me encarou com olhos solidários, compreensiva pela minha dor. Levou-me para casa, e nunca mais consegui escapar de lá.

Hoje, vergonhosamente, sou tratado como uma criança, recebo ração no meu pote três vezes por dia, me dão água em outro pote (parecem não entender que eu prefiro a água corrente da torneira!) e, pasmem, não podem me ver para levar as mãos até meu belo corpo e me acariciarem, muitas vezes incomodando meu sagrado e amado sono.

Ah, esses humanos...

E assim eu vivo desde então, baseando minha existência em carinho, água, comida, amor, e tudo isso... um verdadeiro pesadelo!

Mesmo assim sou feliz. Contraditório? Pode ser. Mas, de alguma forma eu entendi que ainda sou idolatrado e amado... e que talvez aquela ração e água sejam apenas respeito e afabilidade... e que os beijos são apenas um sinal de ternura.

Ah... humanos... esses humanos!

Eles ainda precisam aprender muito como venerar a nós, deuses.

 

 

                                                                  Josiane Biancon da Veiga

 

 

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