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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


EM NOME DO AMOR / Izabella Mancini
EM NOME DO AMOR / Izabella Mancini

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Aos vinte e cinco anos Molly Bern é a mais nova diretora do departamento de moda de uma empresa famosa. Linda, durona, odiada por todos, muito ocupada e mãe solteira, sua vida conturbada é marcada por um erro do passado que lhe rendeu a maternidade precoce e um grande choque de realidade. Sua prioridade é se dedicar ao trabalho e a filha Melany , de seis anos. Tudo muda quando seu novo secretário, Alexander - lindo, inteligente e com um ótimo senso de humor - chega para abalar com as estruturas do escritório e despertar a atenção de todas as moças ao redor, principalmente a da pequena Melany, que se torna sua melhor amiga imediatamente.
Molly não compreende o porquê de Alexander e sua filha possuírem um laço tão estreito, muito menos os motivos que levaram seu novo secretário a lhe despertar tantos sentimentos. Sabe que deve evitá-lo... Homens apenas trouxeram problemas a sua vida e o jeito mais fácil de não se apaixonar por Alexander é tornando sua vida terminantemente impossível!

 


 


— Quem é a próxima candidata?

Oh sim, estava se controlando naquele momento para não atirar algo em alguém.

O dia parecia não acabar e ficava cada vez pior com a qualidade das pessoas recrutadas que se apresentavam em minha sala. Todas as mulheres pareciam incompetentes ou imorais, algo que ia totalmente à contrapartida do perfil que buscava.

Qual é o quesito básico para se contratar uma secretária que não esteja apenas interessada em arrumar um marido rico dentro da empresa? Tamborilei a unha levemente pela superfície da mesa e encarando Alice — a moça do departamento de recursos humanos — como se a fuzilasse no mesmo momento.

— Senhorita Bern... — Sorriu de lado meio constrangida e agarrada a sua prancheta enquanto girava o salto vermelho no chão — Nós não temos mais candidatas.

— Como assim "não temos mais candidatas?" – Encarei-a com total decepção — Solicitei cinco candidatas para a hora do almoço e até agora vocês me trouxeram quatro malucas à procura de sexo e um casamento fácil! Poupe-me Alice! Quero alguém capacitada para ocupar o cargo! Será que é pedir demais uma funcionária que use a saia adequadamente? Uma empresa do porte da Delux deveria oferecer um departamento de recursos humanos mais qualificado. É entristecedor saber que a decadência está nos atingindo de tal forma!

Girei minha cadeira de maneira a lhe dar as costas e encarei a vista do vigésimo quinto andar do prédio. Sorri de canto esperando uma reação. Nada.

— Vou buscar o último candidato. Com licença — A porta foi aberta e fechada brevemente.


— Prepare-se querido! Você está preste a entrar no inferno e ficar de frente com o demônio! Hoje aquela mulher está impossível!

A moça que havia se apresentado como 'Alice do departamento de recursos humanos' se aproximou após dizer tais palavras. Parecia-me apreensiva quando pegou em meu pulso e me puxou da rodinha de mulheres que me cercava no escritório amplo e bem decorado da Delux. Ouvi algumas se despedindo animadamente e tive apenas tempo de acenar.

— Que história é essa de ficar "de frente para o demônio", moça? Ainda sou muito jovem para tal encontro! — Perguntei buscando amenizar o clima.

Uma empresa como a Delux deveria possuir chefes durões, mas a reputação da tal de Molly Bern — diretora executiva responsável pelo departamento de moda — era devastadora! Pelos cinco segundos em que fiquei na presença das garotas pude ouvir expressões como "maluca, mal amada e vaca" entre os adjetivos empregados a patroa. Em tantos anos trabalhando em Empresas famosas nunca presenciei tamanho ódio dos subordinados para com o líder.

— Molly Bern, vulgo demônio — Paramos em frente a uma porta imensa de madeira com maçanetas de ouro. Parecia um cenário macabro de terror. A garota a minha frente deslizou as mãos por minha camisa social brevemente alisando uma parte dela e me olhou nos olhos com segurança — Não olhe nos olhos dela, não a toque e muito menos fale se não for questionado! Você é bom, cara. Muitas pessoas dariam tudo para estarem no seu lugar. Por favor, por todos desse departamento, vai lá e consiga esse trabalho! Se isso não acontecer... — Fez sinal de morte, como se cortassem sua cabeça — Vai! — Abriu a porta e me empurrou para dentro da sala.

Ajeitei melhor minha camisa, passei as mãos pelo cabelo e respirei fundo ao encarar um pequeno corredor. Ao final dele pude ver claramente a sala dela . O cheiro de perfume caro impregnava o ambiente juntamente ao odor de café fresco e sugeria a ideia de que apesar de durona, era mesmo uma mulher importante e ocupada. Respirei fundo e caminhei até lá sem medo, vendo sua cadeira virada para o outro lado de modo a me ignorar.

— Com licença — Parei em frente à mesa em uma postura educada. Assim que minha voz soou, quase que instantaneamente a cadeira se virou — Bom dia senhorita Bern, sou Alexander Alcady. Vim para a entrevista de modo a ocupar o cargo de secretário e assessor de sua pessoa — Sorri após me apresentar esperando que ela dissesse algo. Mas não.

Apenas o silêncio reinou na sala.

Uma mulher pequena, pálida, jovem, de cabelos longos e moldada perfeitamente em um vestido elegante e cinza me encarava de cima a baixo ao passo que ignorava minha apresentação.

Era completamente ao contrário do que pensei ao imaginá-la – velha, carrancuda, talvez um pouco fofinha e com cabelos brancos. Seu cabelo longo e brilhante ofuscava meu olhar assim como a forma graciosa como cruzava as pernas. Pensei que iria me afogar em tanto brilho. Tinha lábios vermelhos, olhos maquiados de preto e unhas pintadas de marrom. Usava óculos de grau e era dona de um olhar arrogante, profundo e incrivelmente intimidador.

Sempre desconfiei que o demônio tivesse tal aparência.

Após me examinar alguns segundos, ao invés de dizer algo à patroa simplesmente abriu uma gaveta e dela puxou um envelope grande. De lá tirou um papel e o postou em frente ao rosto. Leu e me encarou novamente quase bizarramente nervosa. Suas bochechas coravam enquanto abaixava o papel e apertava um botão ao lado do telefone.

— S im senhorita Bern — A voz do outro lado me foi prontamente familiar. Alice.

— Vocês mandaram um homem para a seleção? — Disse com a voz calma, quase como uma canção — Aqui no currículo, por acaso, não está constando que ele é gay!

Cruzei os braços um tanto indignado, porém intrigado com a postura daquela mulher. Era tão pequena e tão durona, tão linda e tão azeda, tão sexy e tão bloqueada. Olhava-me como se desejasse me incinerar e estudasse cada reação de meu corpo. Era a contratante e eu o contratado, mas não precisava me fuzilar a cada segundo.

— Ele não é gay, senhorita Bern, e obviamente a senhorita sabe que isso não se consta em currículos! Não me lembro da senhorita ter especificado sobre o gênero do contratado, apenas queria alguém capacitado e o currículo do senhor Alcady trás boas referências e qualificações.

Considerei a explicação plausível de Alice.

Pisquei para a chefona quando me olhou nos olhos pela primeira vez. No mesmo momento adotou uma postura diferente e cheguei a pensar que iria me arremessar o telefone.

— Entendo-me com você depois — Desligou a ligação me encarando atentamente por trás dos óculos — Sente-se senhor Alexander Alcady — Leu meu nome e pegou o currículo novamente.

— Com licença — Me sentei na cadeira a sua frente aguardando qualquer reação e contemplando a forma linda como seus olhos percorriam o papel lentamente. Olhos escuros e fatais.

Molly Bern era definitivamente bonita.

— É formado em moda? — Sussurrou para si mesma e prosseguiu lendo — Formado também em administração e trabalhou anos para marcas como Chanel, Gucci e Louis Vuitton — Parecia não acreditar no que lia e me encarou novamente. Jogou o currículo sobre a mesa — Posso saber o porquê foi demitido?

— Não fui demitido, senhorita. Apenas desisti de um emprego para ir para o outro quando as oportunidades surgiam — Respondi percebendo que o que essa pequena megera mais queria era me intimidar — Em minha mais recente passagem pela Vuitton fiz algumas desavenças e tive de deixar o cargo.

— Você tem ótimas recomendações — Assentiu — Porém, porque é formado em moda se não exerce a profissão?

— Serei sincero com a senhorita — Me aproximei um pouco mais para falar um pouco mais baixo — Moda é minha satisfação pessoal. Aprecio tudo o que é bonito de se ver, sem esquecer, é claro, do conteúdo — Pisquei — Porém, por acasos da vida entrei na administração da Gucci e trabalhei para a marca algum tempo. A partir dai surgiram convites irrecusáveis. Vi na Delux uma oportunidade de juntar moda e administração e agora está tudo em suas mãos. É isso.

Nos encaramos em silêncio por um tempo. A megerinha tamborilava as unhas marrons pela superfície da mesa e vi em seus olhos um brilho estranho. Suspirou.

— Minha resposta é não. Não quero você na Delux. Não serve para mim — Respondeu séria e me olhando ainda do mesmo modo — Obrigado por se candidatar.

— O que? — Pode ter sido um reflexo ou sei lá, mas me espantei com seu comportamento. Meu currículo era impecável e minhas formações nas melhores faculdades! Prossegui encarando-a perplexo por sua postura.

— Foi o que ouviu. Fora — Silabou de vagar e apontando a porta com um aceno leve. Abriu uma revista.

— Sabe que isso é discriminação de gênero, correto? É claro que não quer me contratar porque sou um homem heterossexual! — Me encarou com deboche por detrás dos óculos.

— Dê queixa na policia, então. Tenha um bom dia.

Fiquei uns segundos para entender que estava sendo dispensado. Oh não, nenhuma mulher nunca me dispensou e muito menos fui recusado em um emprego! Engoli o orgulho e me coloquei de pé repudiando a megera em mente.

— Não perderei meu tempo. Você também não serve para mim — Ergueu os olhos em minha direção por detrás da revista — Adeus Molly Bern, rainha da Delux! — Ironizei e sai da sala sem olhar para trás.

Molly seria mais difícil do que eu esperava.


CAPÍTULO UM


— E então?

Assim que sai da sala de Molly Bern — vulgo demônio — Alice estava me esperando do lado de fora com uma galera toda ao seu redor. Enfiei as mãos nos bolsos com os lábios torcidos e expressão desapontamento.

— Não foi desta vez... — Anunciei em tom decepcionado e todos suspiraram da mesma maneira — Molly simplesmente me dispensou.

— Eu sabia! — Exclamou uma loira de óculos parada ao lado de Alice. Era muito bonita, elegante e portava um celular em mãos — Vou avisar para o pessoal que o cara dançou. Estava tudo mundo achando que você ia ficar — Começou a digitar rapidamente enquanto caminhava em direção a saída. Aos poucos a rodinha foi se desfazendo e Alice caminhou até mim de maneira pesarosa.

— Como ela pôde ter te dispensado? Seu currículo é incrível e sua formação excelente! — Lamentou-se e por um minuto tive medo da garota chorar — Oh Deus!

— Fique calma. Está tudo bem — Toquei seu ombro delicado e ela soluçou para evitar as lágrimas — Certamente aparecerá alguém a altura dela. Pode demorar, mas vai acontecer uma hora.

— Pode ser, mas até que esse alguém apareça sou eu quem tem que sofrer aturando essa megera! — Suspirou limpando algumas lágrimas que caiam por sua bochecha. Segurei sua mão compreensivamente — Obrigado por ter tentado, Alexander. É uma pena não te ter por aqui. Cheguei a pensar que iria ser você a mudá-la.

— Sinto muito, baixinha. Não foi desta vez...

Enquanto conversávamos notei que em uma das mesas do escritório enorme havia uma garotinha sentada próxima do computador.

A menina era realmente bonita e graciosa e soprava bolinhas de sabão por todo ambiente. As mesmas voam pela janela alta fazendo-a rir baixinho. Era muito risonha e familiar. Usava um uniforme escolar azul, tinha o cabelo longo, liso e escuro. Familiar parecia ser mesmo a palavra correta para descrevê-la em meio a tantos desencontros.

Os olhos infantis eram grandes e esverdeados enquanto o rosto de boneca soava reconhecível aos meus olhos. Pareceu-me ser a coisinha mais angelical do mundo naquele momento. Um anjo. Uma princesa.

— Alexander? — Ouvi meu nome ser pronunciado ao lado e então me voltei para Alice novamente. Durante todo o tempo em que estive admirando a bela garotinha a pobre conversou sozinha — Ouviu o que eu disse?

— Claro! — Assenti e cocei a cabeça de maneira intrigada — Alice desculpe, mas... Sendo tão perturbada, como a poderosa chefona pode permitir que os empregados tragam os filhos para o ambiente profissional? Ela vai ficar uma fera quando notar essa menina sentada sobre aquela mesa soprando bolas de sabão em seu querido escritório.

Seguindo meu dedo que apontou a pequena criança, os olhos de Alice se arregalaram quando chegaram até ela. Fiquei sem entender de inicio, mas logo compreendi o mistério por trás da minúscula e graciosa figura.

— MEL! — Gritou e no exato instante a menininha a encarou em um susto e deixou o potinho que segurava com o sabão cair ao chão, exatamente aos seus pés — Pelo amor de Deus! Desce daí querida! Se a sua mãe te notar ai em cima vai sair matando todo mundo aqui, principalmente eu... Por favor!

Sua mãe?

Aquela mulher grossa e arrogante era mãe?

Mãe de uma criaturinha tão linda?

Como um homem era capaz de aturar aquela pessoa por uma vida inteira a ponto de ter uma filha com ela?

Existiria vida dentro daquela casca ou talvez sentimentos naquele coração?

Notei novamente a familiaridade no rosto da pequena e tudo se tornou evidente logo de cara. O cabelo da criança era idêntico ao da megera, assim como o rosto lembrava-a demais! Ambas eram incrivelmente parecidas, exceto pelos olhos e a doçura que exalava da menina. O motivo de a pequena estar ali era claro como água... Era filha da patroa!

— Desculpa tia Alice! Eu só estava brincando... — Disse com a voz muito culpada — Já vou descer...

Foi tudo muito rápido e praticamente inevitável.

Encarei a garota, o chão cheio de sabão sobre o piso altamente escorregadio e a grande distancia que ela teria que pular até alcançar o chão. Tentei agir com rapidez para evitar o eminente acidente, mas por me encontrar do outro lado da sala foi quase impossível premeditá-lo.

— Cuidado garotinha! — Alertá-la com um grito era o mais plausível a ser feito, mas já tarde demais.

Ouvimos um estalo alto quando ela caiu sobre a própria perna e se espatifou ao chão. Em segundos montamos uma aglomeração ao redor da criança, que tinha uma fratura enorme resultante do tombo feio que levou.

Imediatamente começou a gritar sua dor anunciando que a cabeça de alguém ali estava preste a rodar.


— Um homem minha rainha? Oh meu Deus, e ele era bonito?

— Pierre, por favor, você também? — Beberiquei meu cappuccino observando um de meus melhores estilistas sentado na cadeira a minha frente — Não preciso de um homem bonito, muito menos de um capacitado! Não preciso de homem nenhum! Nem de homens eu gosto...

— Opa, como é que é minha rainha? — O encarei percebendo como interpretou errado a frase — Você, deusa gostosa e sexy, não se interessa por homens? Senhor! Homem é a melhor coisa que existe querida, não podemos viver sem eles! Eu que sou um deles resolvi mudar de lado e você que pode tudo fica com essa coisa toda?

— Pierre... Poupe-me de seus ataques, certo? E mais uma vez repito... — Coloquei a xicara sobre o pires encima de minha mesa — Não sou lésbica! Sou apenas uma mulher ocupada e uma mãe solteira que só tem tempo para o trabalho e para a filha!

— Estou totalmente ciente, minha rainha! — Cruzei os braços ainda com o olhar fixo sobre ele — Porém ainda sou dono da opinião de que tudo o que falta para você é um homem forte e másculo para te proteger e trazer alegria para sua vida... — Abraçou a si mesmo com expressão apaixonada e me olhando com seus olhos azuis brilhantes apenas imaginando o homem em questão — Garanto que a pequena Melany não irá fazer objeção a isso. Você mesmo diz que o que ela mais lhe pede é um papai...

— Melany não precisa de um pai e nem eu de um... Homem — Suspirei — Já tive problemas demais a vida toda com homens para ter certeza de que não preciso de mais um. E você... Trate de se controlar! O candidato era sim um rapaz interessante, mas...

— É? Ele era interessante? — Sussurrou interessado, apoiando os cotovelos sobre a mesa para me ouvir falando. Cruzei os braços e rodei os olhos — Fiquei sabendo pelas meninas que tinha um cara gato no escritório, mas não sabia que era para ser seu secretário. Conte-me como ele era... Você tem o endereço dele?

— Ele não era gay! — Pareceu não mudar em nada seu interesse — Certo... Tinha cabelo castanho, um e oitenta e poucos de altura, olhos esverdeados, forte e usava bom perfume — Pierre ergueu uma sobrancelha — Tudo bem seu tratante, eu admito! Ele era gostoso, mas e daí? Com certeza era tão tarado quanto às outras secretárias e iria colocar fogo nesse escritório. As meninas pirariam com sua presença, inclusive você!

— Inclusive você, minha rainha! Quem é que resiste a um homem bonito e cheiroso?

Quando gargalhou, a frase "Foi exatamente por isso que o dispensei. Porque é um homem interessante!" surgiu em minha mente no mesmo instante.

Separei os lábios para responder, mas gritos começaram a invadir os ambientes vindos do lado de fora da sala. Gritos de criança!

Assim que pensei na possibilidade de ser Mel sai correndo junto a Pierre. Nós dois abrimos a porta caminhamos apressadamente até a aglomeração de pessoas. Quase todos os empregamos estavam rodeando alguém em meio a sala. Alguém que gritava de maneira desesperada e dolorida.

No momento em que vi minha filha com a perna quebrada berrando ao chão quase tive um colapso nervoso. Parecia mentira ver Melany em tal situação, principalmente constatar que os terríveis gritos vinham dela. Tratava-se de um pesadelo, certamente, por isso afastei todos e não pensei em nada ao me ajoelhar ao lado dela sem saber o que fazer.

Ela está ferida!

— Melany? Oh meu Deus! O que foi que aconteceu? Mamãe está aqui! — Sem saber onde tocá-la comecei a me desesperar aos poucos, sendo invadida por calafrios a cada grito de dor que minha filha proferia ardentemente.

— Não mexa nela! — Quando olhei para cima através de algumas lágrimas que desciam por meu rosto avistei Alexander - sim, o candidato! - ajoelhado do lado oposto de Mel e segurando a perna ferida imobilizada.

— O que você está fazendo aqui? — cuspiu as palavras cheias de raiva e desespero. Pierre afastou as pessoas que nos assistiam de maneira nervosa.

— Estou ajudando a sua filha, por acaso! — Mel continuava gritando alto e chorando muito enquanto eu e o secretário discutíamos fervorosamente. O tal sequer esperou minha resposta, logo se adiantou a conversar com Melany — Calma, venha cá! Passe o braça em meu pescoço. Tudo bem, eu sei que dói, mas preciso te levantar sem mexer a sua perna... Pode ser?

— Mas está doendo muito... — Choramingou alto, com o rosto vermelho e molhado. Gritou mais — Não consigo me mexer...

— O que pensa que está fazendo? Largue a minha filha antes que eu chame a policia para te tirar daqui! — Gritei a ele enquanto pensava em algo — Alice! Chame a ambulância!

— A ambulância vai demorar. Temos que levá-la logo para o hospital! Tem ideia de como ela está sofrendo? — Mais gritos de Melany atravessaram em mim como facas. Ao mesmo tempo em que queria pegá-la para socorrê-la, tinha em contrapartida muito medo de machucá-la.

— Mamãe... — Sussurrou em meio aos gritos. Quase desmaiei também chorando, nervosa e sem saber o que fazer!

— Já disse, temos que levá-la para o hospital imediatamente! — Alexander com cuidado passou o braço de Mel em seu pescoço e a ergueu no colo. Ela seguia gritando e chorando ao passo em que me chamava. Não tive escolha a não ser segui-lo com muita raiva.

 

Toda a arrogância de Molly era mesmo uma capa.

— Para onde vamos levá-la? — Questionou quando abriu a porta do carro dela para que eu colocasse a menina em prantos no banco traseiro.

— Creio que deveria dizer, afinal é mãe dela! — Molly me encarou com o rosto nervoso, mas estava frágil demais para brigar.

Adentrou ao carro na parte de trás e ficou com a garotinha. Assim que me acomodei no banco do motorista logo foi me passando as coordenadas do hospital em total desespero. Não podia sequer imaginar o pânico que assolava o coração daquela mulher em tal instante.

Corri o mais rápido possível assistindo pelo retrovisor a forma doce como Molly tentava consolar a menininha. Acariciava seu cabelo e chorava ao ouvir cada grito desesperado de dor da pequena. Assim que chegamos ao hospital mais caro da cidade ajudei a retirarem a garota do carro e ela logo foi levada para o consultório médico. Chamaram-me para ir junto e o fiz.

Ignorando minha presença, Molly tremia ao meu lado enquanto esperava os médicos darem o diagnostico preciso do que havia acontecido a sua filha. Era agoniante vê-la em tal estado e de alguma forma aquilo me comovia grandemente.

— Aceita um café? — Tentei ser gentil e aproximei-me dela vagarosamente.

— Não! Fique longe de mim! — Respondeu somente com a voz chorosa. Sentou-se em uma das cadeiras e abaixou o rosto.

— Quer que eu ligue para alguém? — Tirei meu celular do bolso — Para o seu marido, talvez? — Pela primeira vez em todo o dia fiquei com medo dela. Seus olhos foram para meu rosto e pude ver que estavam vermelhos e inchados pelas lágrimas.

A fúria que tomou conta de seu semblante realmente me aterrorizou.

— Não tenho marido e será que é pedir muito para que pare de se meter em minha vida? — Suspirou colocando-se de pé bruscamente — O que ainda está fazendo aqui?

— Você é mesmo uma grande mal agradecida! Estou aqui tentando te dar uma força, ajudei com a sua filha e é assim que me responde? — Bati de frente com ela a encarando de cima, uma vez que era uns vinte centímetros maior do que sua estatura — Sabe o que merece? Sequer sou capaz de proferir tais palavras em frente a uma dama... — Fechei os punhos em raiva — Depois passo para ver a garota. Adeus.

Coloquei o celular de volta no bolso e quando me virei para sair sua pequena mão se fechou no meu pulso. Detive-me e retirei-me de seu toque antes de me virar para sua direção. A encarei nervosamente e cruzei os braços.

— Viu como aconteceu? Como Melany caiu? — Questionou de volta a sua postura frágil. Porque raios tenho coração fraco?

— Ela... — Pensei duas vezes. Alice levaria a culpa por qualquer coisa que eu dissesse, por isso me policiei — Estava fazendo bolinhas de sabão, deixou um pouco de liquido cair e escorregou sobre ele — Cortei a parte da mesa um tanto em duvida se iria ajudar de fato — Logo em seguida a loucura começou.

— Meu Deus... — Pousou a mão sobre o peito — Minha filhinha... — Se sentou novamente — Será que vai ficar impossibilitada de caminhar?

— Oh, não seja dramática! — Voltei a me aproximar dela.

O médico apareceu na sala de espera e nos reportou a informação de que a perna da pequena Melany deveria ser engessada, uma vez que estava quebrada. Não era nada tão grave, mas deveria ser acompanhado de perto. Aos seis anos ela tinha tudo para se recuperar rapidamente.

[...]

Permaneci algumas horas na sala de espera aturando os médicos e o desespero desenfreado de Molly. Fiquei com certa pena de vê-la ali daquela forma vulnerável e ao mesmo tempo tentando manter uma casca ao seu redor, porém certamente era engraçado contemplar até que ponto a dureza humana podia chegar. Sentei-me ao seu lado querendo consolá-la quando seus soluços estavam altos demais, mas a coragem de passar o braço ao seu redor me faltou. Ela ainda era assustadora e havia me dispensado.

— Não acredito que deixei isso acontecer com minha filha! — Suspirou mais para si do que para mim — Sou a única responsável por ela e sempre disse que nada de ruim iria acontecer... — Escondeu o rosto nas mãos, mas pude ver uma lágrima descendo por sua face, algo que me deixou sensibilizado.

Molly era uma mãe solteira e enfrentava a criação de sua filha sozinha. Não deveria ser algo fácil e eu tinha um pouco de experiência com o assunto. Minha mãe foi também uma mãe solteira de três filhos, eu e minhas duas irmãs menores.

A luta que enfrento por nós não havia sido fácil e me fazia presente na mente enquanto assistia Molly chorando em silêncio.

— A culpa não foi sua, Molly. Se acalme — Sussurrei de modo controlado e acalentador — Tudo não passou de um acidente que poderia ter acontecido com qualquer criança em qualquer circunstancia! Não se cobre tanto assim.

— Fala é fácil para você — Não usou um tom ríspido e foi até educada comparada as outras vezes em que se dirigiu a mim. Secou as lágrimas quando o enfermeiro disse para irmos acompanhar a menina enquanto engessavam a perna dela.

Não sabia se deveria segui-los, mas Molly me encarou como se esperasse uma atitude. Não hesitei em segui-la e adentrei a sala junto dela.

— Pronto pequena Mel! Aqui estão seus pais! — O enfermeiro brincou com a pequena que estava sentada e inquieta sobre uma maca colorida e com a perna ainda lesionada esticada. Não chorava mais devido ao efeito da injeção para dor e quando nos viu abriu um enorme sorriso com os olhos brilhando em alivio.

Cheguei a pensar que sequer iria se lembrar de mim, mas me enganei redondamente.

— Mamãe... Alexander! — Sorriu mais ainda ao me ver e esticou a mão em nossa direção.

Por um minuto me perguntei como tudo havia mudado tão repentinamente. Por um minuto me peguei pensando em como e onde a pequena Melany havia aprendido o meu nome.


CAPÍTULO DOIS

 


Demorei-me alguns minutos imaginando como Melany sabia o nome dele de maneira tão rápida e o porquê o chamou para sentar ao lado dela quando o médico colocava sua perna no lugar. O que Melany via de tão espetacular na presença de Alexander, o secretario que dispensei?

— Já quebrei a perna antes e sei como é a sensação — Parada ao canto da sala eu observava os dois conversando atentamente. Alexander sentava-se ao lado da maca em uma cadeira e falava como se fosse um garoto da idade dela, mas aos meus olhos assemelhava-se a um especialista em crianças.

Melany estava linda apesar de pálida pela dor que sofreu o dia todo. Sua saia da escola ainda permanecia lá junto ao gesso que subia por sua perna. O longo cabelo preso para trás e a franja caída em seus olhos verdes traziam um ar cansado. Ainda assim seguia atenta em Alexander e suas palavras que lhe soavam interessantes.

— E você ficou quanto tempo com o gesso na perna? Demorou muito para poder voltar a brincar? — Encostou a cabeça na maca olhando-o com o rostinho lívido. Cruzei os braços e apenas assisti o modo como ele sorriu.

— Não querendo te desanimar, mas não trabalho com mentiras. Fiquei três meses com o meu gesso e demorou sim para que eu voltasse a brincar — Mel torceu os lábios — Mas a parte legal nisso tudo é que minha mãe fazia tudo o que eu queria. Durante todo o tempo levava as coisas em minha cama e me comprava chocolate para que eu ficasse feliz — Os dois sorriram juntos — Meus amigos assinavam em meu gesso e tenho ele guardado até hoje com os nomes e os desenhos. Foi até divertido.

— Maneiro! — Ergueu os olhos para mim — Mamãe, os meus amigos vão poder assinar em meu gesso também?

— Claro Mel, todos eles poderão assinar! — Assenti — Mas é melhor deixar isso para depois. Pelo que disseram você poderá ir para casa hoje mesmo.

— Que bom! Pensei que iria ter que ficar nesse lugar estranho por mais um tempo! — Suspirou aliviada — Vai conosco tio Alexander?

Tio Alexander? Apenas abaixei o olhar.

— Não, não poderei ir — Se ergueu e virou-se para que eu pudesse ver seu rosto — O que tinha que fazer acabou por aqui. Fico feliz que esteja bem, Melany, e espero que possa se recuperar rápido e sem traumas — Esticou a mão e pegou a de Mel. Abaixou-se e beijou a palma pequena sorrindo.

— Tio Alexander, não vá embora! — Pediu com carinha de pena e se recusando a soltá-lo — Gosto de você! Vá lá em casa me visitar! Ele pode ir, não pode mamãe?

Nós dois trocamos um olhar longo e profundo, algo apenas entre Alexander e eu. Permanecemos em silêncio por um momento apenas nos encarando. Ao menos percebi o que dissemos em meio ao vácuo e concordei em silêncio. A prioridade ali era Melany e nossas diferenças deveriam ser postas de lado por ela.

— Você será bem-vindo em nossa casa — Assenti e ele pareceu confuso, sem acreditar no que ouviu.

— E você irá me ver, tio Alexander? — Insistiu. Olharam-me mais uma vez e pelo primeiro momento notei que os dois pares de olhos verdes eram realmente muito semelhantes.

— Prometo que aparecerei.

— Promete? — Usou seu melhor tom pidão.

— Prometo... — Sorriu de um modo deslumbrante e tive de virar o rosto para ignorar a guerra que se fazia presente dentro de mim.

Teria que fazer isso.

Seria necessário passar por cima de meu orgulho e reconhecer tudo o que esse homem havia feito por minha filha nas últimas horas.

No inicio julguei sua intromissão desnecessária, mas a ambulância teria demorado e Melany provavelmente ainda estaria sofrendo e gritando se não fosse pela ação rápida de Alexander ao carregá-la por todo o caminho. Aquele estranho havia sido o primeiro a tomar medidas para que ela não se machucasse mais e estava fazendo-a rir naquele momento.

Nada valia mais para uma mãe do que ver sua filha tão feliz, principalmente após momentos de tamanho sofrimento.

Quando Alexander se despediu e quando saiu pela porta imediatamente me voltei para Mel e sussurrei um volto já. Atravessei o corredor correndo mesmo de salto e segurei-o por braço.

— Alexander! — Virou-se ao mesmo momento me encarando atentamente.

— Sim?

— Você começa amanhã — Indaguei humildemente, mas ainda em minha rotineira postura rígida — Apenas leve seus documentos para a Alice e se apresente no escritório às nove da manhã em ponto. Não costumo tolerar atrasos.

— Não aceito sua proposta — A resposta foi imediata — Desejo ser contratado por minhas habilidades e não por algo que fiz em beneficio da "poderosa" — Abaixei o olhar em sinal de nervosismo — Agradeço, mas a resposta é não! — O desapontamento se fez presente aos meus olhos.

— A proposta estará de pé até amanhã às nove da manhã. Se estiver lá será bom para você, mas se não estiver... Certamente será ótimo para mim! – Dei de ombros e pude notar um breve sorriso no canto de seus lábios. Encarou o chão em seguida de maneira desconcertada.

— Você realmente se acha muito, não é? — Piscou antes de sair caminhando novamente e deixando parada no corredor.

— Ah, e mais uma coisa! — Falei alto enquanto seguia seu caminho na direção oposta a mim — Obrigado.

Por breves segundos deteve-se em meio ao corredor ainda de costas para me ouvir, mas não demorou a retomar o rumo e seguir para a saída. Por minha vez, prossegui parada no corredor contemplando a primeira pessoa para quem dirigia a palavra "obrigado" em muito tempo.


— Então sua nova chefe é uma mulher de personalidade? — Enquanto batia a massa do bolo para o café mamãe sorriu para mim.

— Personalidade? — Ironizei — A senhora está sendo gentil como de costume. Precisava ter visto-a, mãe! É metida, anda de queixo empinado e acha que pode mais do que todos pelo cargo que exerce — Imitei sua forma de caminhar — E o pior é que a mulher é realmente bonita... E ainda não é minha chefe!

— Ah filho... — Continuava rindo encostada a pia — E vai aceitar o emprego? Olha lá rapaz... Sabe muito bem que esse trabalho é importante, quase um sonho para você — Me encarou de forma ameaçadora.

— Pode até ser um sonho e uma boa oportunidade, mas não pretendo aguentar essa megera por nada disso! — Sentei-me na cadeira que puxei e suspirei apenas com a lembrança que tinha dela.

— Desafios são feitos para serem superados, Alexander. Vai ver essa mulher precisa de algo na vida dela que ainda não encontrou. Talvez você possa entrar na vida dela e a ensinar que nem tudo se conquista com a imposição... Todos têm o lado bom e o lado ruim. Essa tal de Molly deve ter seu lado bom, não acha? — Absorvi as palavras e o jeito meigo de Addie.

Certamente havia uma parte boa nela. A pequena Melany.

— Não creio que possa existir luz em meio aquela treva, dona Addie — Dei de ombros.

— Não podemos simplesmente apontar o dedo e dizer o que a aparência sugere, querido — Me repreendia ao mesmo momento em que limpava as mãos no avental xadrez e vermelho que usava — Não sabemos o que se passa na vida dela e o que aconteceu em seu passado que a levou a ser de tal maneira.

— Qual o seu conselho, afinal?

— Que aceite o emprego, vá lá e faça o seu trabalho! Não vai precisar de mais nada se fizer tudo da melhor maneira. Não dê motivos para essa moça te repreender e siga sendo o ótimo profissional que sempre foi — A ideia me parecia absurda – Mostre a ela que você é capaz.

Por respeito a minha mãe nada respondi, apenas segui para casa após o café me perguntando se haveria espaço para mais problemas em meio a minha conturbada vida.

Entrei em meu apartamento e coloquei um pouco de whisky no copo parado perto da janela. Vários questionamentos rondavam minha mente e nenhum deles parecia fazer sentido.

Porque fiz tanta besteira em minha vida? Porque não parei nunca em uma única empresa? Porque não me casei?

Ainda era tempo, uma vez que tenho apenas vinte e seis anos, mas não posso negar que vivo hoje em meio a consequências de uma adolescência inconsequente. As oportunidades bateram em minha porta e não foram aproveitadas da melhor maneira.

Pensei na pequena Melany e em seu sorriso. Porque nunca cogitei o casamento e alguns filhos? Doei meus espermas na adolescência em troca de uma boa grana para pagar a faculdade e poderia ter alguns espalhados pelo país, mas certamente não significavam nada após a doação. Viviam com suas famílias sem terem ideia de minha existência e o fato certamente me perturbava.

Sou pai de crianças que não existem em meu mundo. Nunca antes parei para pensar em tal possibilidade.

Além de tudo e ainda na linha das crianças, sempre fui homem de cair no laço de mulheres erradas. Atualmente, enquanto meus velhos amigos eram importantes para as esposas e crianças, minha vida se resumia apenas ao trabalho. Minha vida não era importante para ninguém que não fosse minha mãe.

Chegada a hora de aceitar o desafio que a vida me impunha. Chegada a hora de crescer e ser importante para alguém, mesmo que esse alguém seja uma mulher de um metro e meio que acha que é a dona do mundo e fará de tudo para me levar ao inferno um pouquinho cada dia.


— Prometo que não vou te chutar durante o sono.

Melany riu quando me deitei ao lado dela na cama de casal alta em meio a meu quarto espaçoso. Acomodou-se melhor no travesseiro com a perna quebrada engessada posicionada sobre uma pequena estrutura para que não se machucasse ainda mais.

Encostei-me ao travesseiro também e abracei seus ombros pequenos beijando seu cabelo limpo e com cheiro de shampoo infantil. Assim que chegamos em casa a ajudei a tomar um banho e colocar seu pijama quente para que se aconchegasse em mim como quando era apenas um bebê.

— Vai me ajudar a tomar banho todo dia mamãe? Como quando eu era bem pequenininha? — Me abraçou se acomodando perto de meu peito como um gatinho.

— Sempre que for preciso filha, mas quando era bem pequenininha quem te dava banho era a vovó — Relembrei tocando seu nariz — Ela me ajudava em tudo já que eu era um desastre com você e não tinha ninguém para me ajudar.

— Isso que dá ter filha tão nova, não é mamãe? — Assenti olhando para o teto e orgulhosa por ouvi-la repetindo minhas palavras.

— Nunca faça isso! — Adverti de modo engraçado — Posso assinar em seu gesso? — Pensei que iria ganhar uma gargalhada alta ou um comentário engraçada, mas não foi bem assim. O que recebi foi uma careta estranhada e meio nervosa.

— Não! O primeiro que irá assinar será o Alexander! — Ergueu o queixo de forma pontual. Comecei a rir baixinho.

— Pelo amor de Deus, Mel! Alexander nunca mais vai te ver... Esquece aquele cara!

— É claro que vai me ver mamãe! — Se ajeitou na cama de modo que me olhasse nos olhos. Aquele olhar verde e brilhante defendia a certeza de que seu amigo viria — Ele me prometeu e vovô diz que os homens quando prometem tem que cumprir!

— Homens são figuras idiotas e mentirosas — Me sentei também chegando mais perto dela e usando meu tom brincalhão para me dirigir — Quando vai colocar isso em sua cabeça? Eles nunca nos dizem a verdade.

— Está dizendo isso por causa de meu pai? — Voltei a me deitar.

— Quantas vezes vou ter que repetir... Você não tem pai!

— Quantas vezes vou ter que repetir... Todas as crianças tem pai! Se existo tenho que ter tido um pai! — Insistiu — Eu aprendi isso na escola.

— Você não tem e não estou mentindo.

Como explicar a uma criança o que me aconteceu aos dezenove anos? Como dizer a ela que fui vitima de um erro e que por esse erro ela estava aqui? Como explicar que não tinha um pai e que para o pai - que existia, era obvio! - sua vida nunca significaria nada porque ela era apenas mais uma?

— Está bem mamãe. Vou continuar com história de que a cegonha me trouxe e me deixou na chaminé — Tive de rir de sua expressão linda e penetrante. Seu comportamento era genuíno e gracioso.

— Sim, é o melhor para nós... — Dei de ombros e lhe abracei novamente — Você não precisa de um pai. Mamãe está aqui e sempre farei de tudo por você.

— Sei disso mamãe — Respondeu com a voz tristonha e baixa — Eu te amo.

— Também te amo meu amor — Beijei-lhe o cabelo — Agora vamos dormir porque amanhã o dia é longo e tenho que achar a minha nova secretária entre as candidatas que se apresentarão.

— E o Alexander? Pensei que ele seria seu novo secretario — Me encarou de baixo com curiosidade e me peguei pensando novamente em como ela poderia saber disso.

— Já disse que seu querido Alexander nunca mais irá aparecer, Mel! — Toquei-lhe o rosto corado — Deite logo e vamos dormir... Se sentir alguma coisa durante a noite me avise. Mamãe está aqui — Beijei sua testa quando se acomodou ao meu lado me deixando envolver em sua inocência e carinho.

Melany ainda custaria a aprender o real motivo pelo qual eu odiava os homens... Definitivamente nenhum deles era capaz de cumprir uma promessa.

[...]

Cheguei à Delux após uma noite em claro vigiando o sono de minha filha, porém ainda eram nove e meia da manhã, meu horário pontual.

Desci do carro depois de falar com minha mãe, que estava em minha casa com Melany durante minha ausência. Devido a sua febre pela dor que voltou após o efeito do medicamento tive de virar à noite secando seu suor e acalmando seus suspiros. Custou muito até o remédio fazer efeito e minha bonequinha voltar ao seu sono.

Assim que o elevador se abriu pude ver todos em seus devidos lugares como acontecia habitualmente no horário de minha chegada a Delux. Anny e Jessica se posicionavam em seus computadores me desejaram bom dia em coro como em todas as manhãs e Eric, parado ao lado da maquininha de café, sorriu e acenou. Emily passou por mim com uma papelada e Rachel me deu passagem quando nos cruzamos. Alice, que conversava com Pierre, caminhou em minha direção com um sorriso envergonhado.

— Bom dia senhorita Bern — Declarou em tom educado — Se me permite perguntar em nome de todos... Queria saber como está à pequena Melany?

Pensei em várias resposta pouco educadas, mas neste caso era uma pergunta nobre que não dizia respeito a minha vida pessoal e sim ao estado de saúde de minha filha. Era solidário da parte de todos, mesmo que o tal acidente houvesse ocorrido nas imediações do escritório.

— Está bem Alice. Quebrou a perna, mas está bem — Respondi após respirar profundamente — Obrigado por perguntar... Agora, se me permite, vou trabalhar. Não esqueça de que na hora do almoço quero mais cinco candidatas para a vaga de secretaria em minha sala.

Caminhei ouvindo Alice chamar meu nome, mas ignorei e abri a porta. Adentrei a meu escritório e passei pela mesa da secretária deixando meu casaco quando a surpresa me tomou por completo.

— Bom dia senhorita Bern — Paralisei no lugar de costas para a mesa apenas em choque por ter ouvido aquela voz — Estava esperando para que me designasse as devidas funções e tarefas.

Virei-me lentamente com medo de cair do salto no exato momento em que encontrei tal par de olhos verdes. Encarei Alexander Alcady — sim, o candidato! — parado ao lado da mesa da secretária. Usava camisa social preta, calça também social e sapatos brilhantes. O perfume maravilhoso invadia o ambiente de maneira perturbadora e o cabelo arrumado demonstrava seriedade. Encontrava-se nitidamente pronto para o trabalho.

— O que está fazendo aqui? — Silabei encarando-o ainda de maneira perplexa.

— A vaga estava de pé até as nove. Cheguei e assinei o ponto às oito e meia — Respondeu de forma singela e com as mãos para trás em uma postura respeitosa — Os documentos estão com Alice como a senhorita solicitou.

Pisquei algumas vezes diante dos fatos. Como poderei passar por cima da minha própria palavra? Ele estava ali, diante de mim, e eu deveria cumprir o que foi prometido. Respirei profundamente e assenti brevemente. Aproximei-me dele em passos lentos e estiquei a mão em um cumprimento formal.

— Seja bem vindo a Delux, Alexander — Sua mão encontrou a minha e as duas se tocaram. Nos olhamos em seguida por alguns segundos e meu estômago gelou com o contato profundo e intenso. Esse era meu medo! Quando olhava esse homem podia enxergar mais do que o obvio. Era quase possível ler sua mente e bisbilhotar seus planos — Não creio que vá gostar de fazer parte da equipe, mas ainda assim mantenho a proposta. Sou uma mulher de palavra.

— Pode ter certeza que me esforçarei, senhorita — Abandonei sua mão forte.

— Alice irá te explicar como gosto das coisas e onde estão todos os seus materiais de trabalho. Ao meio dia sairá para o almoço e retornará a uma hora. O horário fixo de trabalho será das nove às dezessete horas — Dei as costas a ele caminhando até minha mesa — Pode ir até lá falar com Alice e tomar as devidas instruções.

— Sim senhorita. Com licença — Saiu da sala sem mais delongas e seguro de si até demais.

Sentei-me em minha cadeira de maneira preguiçosa e cobri o rosto com as mãos. Eu, Molly Bern, presa em um escritório com um homem! E ainda, para completar, tratava-se de um homem que mexia intensamente com meus instintos há muito tempo adormecidos. Estranhamente algo em meu interior se incendiava por pensar que nossa jornada juntos estava apenas começando!


CAPÍTULO TRÊS


Não me parecia normal admirar a beleza de um ser humano sem ser em relação às roupas fabricadas na Delux, mas de fato devo admitir até para mim mesma que Alexander é um homem realmente apreciável.

Peguei-me por algumas vezes observando a expressão de seu rosto enquanto digitava o e-mail absurdamente grande que solicitei e não pude desviar a atenção de sua expressão concentrada, focada e incrivelmente tentadora. Além de tudo, ainda demonstrava interesse em atender corretamente as minhas exigências, tornando-se assim praticamente irrepreensível.

Engoli a respiração quando suspirou e abriu o primeiro botão da camisa. Estávamos apenas nós dois ali na sala apesar da mesa dele ficar em outro anexo, mas mesmo assim o ângulo me oferecia uma visão perfeita de sua localização. Suspirei quando avistei uma gota de suor descendo por sua testa. A mesma foi rapidamente limpa com um lenço azul e no exato instante ele me encarou.

Desviei o olhar fingindo estar procurando algo em meio a minhas coisas.

— O ar condicionado parece adequado para você? — Questionei revirando alguns papéis apenas para manter o disfarce.

— Sim senhorita, me desculpe pela tensão que aparento — O tom era cordial e um tanto envergonhado — É que costumo ter muito calor, principalmente em ambientes como este.

A forma como me encarou sugeriu que minha presença era seu problema. Elevei a sobrancelha e ele sorriu.

— Já enviou o e-mail para o parceiro? — Passei a digitar no notebook de modo a desviar minha atenção — Necessito da resposta o quanto antes.

Por certo poderia ter facilitado o lado dele e escrito toda a extensa carta no computador, mas decidi fazê-la em punho simplesmente para implicar e deixa-lo com uma tarefa simplória e humilhante. A vida dele comigo não iria ser fácil!

— Finalizei senhorita — Encarei-o de maneira surpresa enquanto se aproximava de minha mesa e parava ao lado dela — Já enviei o e-mail e salvei-o caso queira revisá-lo. Aqui está — Pousou o pen drive prata a minha frente — Agora, se me permite, é meio dia e, portanto, meu horário de almoço. Concede-me sua licença?

Consultei o relógio e o mesmo marcava onze e cinquenta e sete da manhã. Encarei-o novamente e dei de ombros.

— Aguarde três minutos e ai sim será sua hora — Voltei a digitar e pude ouvir um suspiro baixo e quase desacreditado. Esperei ansiosa sua resposta mal educada para arrumar uma situação e demiti-lo com poucas horas de trabalho, mas não foi bem isso que sucedeu.

— Como quiser senhorita — Acompanhei Alexander voltar a sua mesa e se sentar.

Respirei profundamente irritada com sua atitude e me questionando por quanto tempo o rapaz aguentaria. Que tipo de louca implicava por apenas três minutos a mais no horário de almoço quando o empregado já havia concluído sua tarefa principal?

— Agora sim. Meio-dia — Consultei novamente o relógio — Pode ir agora — Sorri para ele de maneira irônica e o mesmo se colocou de pé. Antes de sair piscou em direção a mim de um jeito tentador e cordial.

Enquanto me revirava para implicar com qualquer problema inexistente entre nós, Alexander era capaz de me desestabilizar apenas com uma piscadela barata. Certamente não seria fácil lidar com um conquistador barato e que sabia perfeitamente o que estava fazendo.


— Posso jurar que a megera está arrancando seu coro — Alice sussurrou tocando meu ombro de maneira amigável.

— Ou está te torturando de alguma forma cruel — Anny completou do outro lado.

— No mínimo já te pediu pra ligar para a rainha da Inglaterra e agendar um encontro com toda a família real — Emily brincou e todos gargalharam.

— Não, nada disso... — Tranquilizei as meninas sentadas ao meu redor na mesa do amplo refeitório da Delux — Apenas me pediu para digitar um e-mail gigante que a própria poderia ter redigido, mas preferiu escrever a mão em letras mínimas.

— Redigir um texto? — Alice debochou — Fala sério... Isso é tarefa para estagiário!

— Certamente, mas não tenho do que reclamar. Pensei que fosse pior — Admiti em meio a um gole de meu suco.

— Essa mulher é perturbada! — Emily balançou a cabeça e seus cabelos avermelhados saltitaram ao redor do belo rosto.

O nome de Molly era constantemente citado em meio às conversas paralelas e todos os meios levavam ao mesmo fim... Crucificar a patroa por sua severidade exacerbada.

Enquanto falavam entre si almocei em silêncio pensando em algo que em minha opinião era demasiadamente importante. Melany. O nome dela surgiu em meio à história de repente e me fez recordar com carinho seu belo rosto e a forma como sorria docemente.

— Fico feliz que a menininha tenha se recuperado... É um anjinho e tem como mãe o capeta em pessoa, por isso coisas ruins acontecem com ela — Anny, a loira sentada a minha direita, parecia saber bem do que estava falando.

— Alexander, sequer sei como agradecê-lo o fato não ter mencionado para a poderosa que fui eu quem causou o acidente da menina — Alice apanhou minha mão na sua.

— Não foi sua culpa Alice, portanto não havia o que ser dito — Acalmei-a com um sorriso.

— Se houvesse olhando a menina como ela me pediu...

— Pode parar por ai! Ser babá da filha dela não está incluso na descrição de sua função minha querida — Anny pontuou e concordei — Ou por acaso é sua responsabilidade criar a menina também?

De repente o refeitório todo se calou como se um terrível acontecimento se aproximasse. Chegava a ser engraçado o modo como todos se colocaram tensos em meio às conversas paralelas.

O clima que antes era de pura descontração e amizade agora estava pesado e carregado. As meninas ao meu redor se separaram em uma fração de segundos, cada uma sentando em sua própria cadeira e com a postura repleta de seriedade. Olhei para as outras mesas e o comportamento era exatamente igual.

Julguei ser Molly inicialmente, mas tratava-se de um homem baixo, moreno, que usava roupas extravagantes e caminhava de forma peculiar. Aproximou-se exatamente da minha mesa e retirou os óculos que usava.

— Olá meninas maravilhosas... — Cumprimentou as garotas com a voz manhosa e todas responderam juntas de maneira bem humorada.

— Há quanto tempo, Pierre! Você nunca desce no restaurante para almoçar conosco... Que surpresa agradável! — Alice foi a primeira e se pronunciar. Era impressão ou o tal Pierre não tirava os olhos de mim? Engoli a comida até mais rápido por estar curioso sobre sua aparição.

— Querida, estou por dentro das fofocas e vim conferir com meus próprios olhos o que está na boca de todo mundo da Empresa... — Sorri para mim de maneira engraçada. Limpei os lábios com o guardanapo antes de encará-lo — Então você é o novo secretário da Rainha da Delux? — Questionou sem desviar o olhar — Sou Pierre, um dos estilistas da marca.

— É um prazer, Pierre — Me coloquei de pé para apertar a mão dele — Sou Alexander.

— Claro que sei disso — Me encarou dos pés a cabeça e as meninas gargalharam — Molly me falou sobre você.

— Quer dizer... A senhorita Bern? — Corrigi em tom educado.

— Alexander, pelo amor de Deus! Senhorita Bern é somente em frente a ela... Todo mundo tem vários apelidos para a patroa — Emily colocou uma das mãos em meus ombros enquanto falava — Não se assuste com qualquer um deles.

— Trata-se de algo antiético — Relembrei olhando para Pierre — Então a chefe anda falando sobre mim... — Dei de ombros — Creio que posso ter uma ideia de como a conversa geralmente é conduzida.

— Certamente sabe que ela te odeia — Pierre adotou um tom sincero e mais despojado, porém se aproximou alguns passos para continuar — Molly é do tipo feminista e tem um pouco de aversão a homens... É a única explicação para que veja algo de tão errado em você.

— Agradeço sua cordialidade, mas creio que está em minha hora — Apanhei a bandeja, mas as meninas se oferecerem para levar — Se chego um minuto atrasado é capaz de senhorita Bern ficar irritada. Não quero causa problemas. Com licença meninas e com licença Pierre. Foi um prazer.

— O prazer foi todo meu, gato. Bem-vindo ao clube!

Quando me afastei o ouvi dizer algo para as meninas e a palavra "Deus Grego" estava inclusa no meio. Desci para o banheiro masculino e fui escovar os dentes ainda cercado de cumprimentos e boas-vindas. Ao menos os demais funcionários da Delux me pareciam pessoas receptivas e agradáveis.

Novamente me peguei pensando na pequena Melany e na promessa que deixei de ir vê-la novamente. O único e real empecilho para tal encontro era de fato a mãe da garotinha.

Molly significava bem mais do que uma chefe durona aos meus olhos. Apesar de sua postura marrenta e arrogante, a danada era definitivamente linda e apreciável. Podia não carregar a beleza padronizada das outras garotas que circulavam pela Delux — Anny, Emily e Alice — mas chamava minha atenção de um jeito que nenhuma delas era capaz de fazer.

A personalidade forte de Molly era certamente um ponto a seu favor e contrastava perfeitamente com suas expressões que falavam por si só. Jamais conheci uma mulher tão decidida e forte. Jamais me deparei com uma jovem em cargo tão alto e com uma delicadeza extrema para tratar o que realmente lhe importava... A filha.

De fato, tinha de admitir que era demasiadamente tentadora por baixo de toda sua armadura poderosa. Cada vez que se propunha a me confrontar a Rainha da Delux despertava em minha mente várias maneiras de agarrá-la ou beijá-la. Tratava-se de minha chefe, mas como não pensar em tal situação? Como um homem pode estar perto de uma mulher como ela e não cogitar reverter à situação?

Algo em meu interior dizia que de alguma maneira minha presença também era capaz de mexer fortemente com os sentimentos de Molly Bern.

[...]

Quando voltei a minha sala Molly não estava por lá. Havia terminado o expediente mais cedo, porém me designou tanto trabalho que poderia passar as horas sem notar sua ausência. Fiz tudo do melhor jeito que pude e dando atenção aos detalhes de modo a revisá-los muitas de vezes.

Às cinco horas fechei o escritório e guardei as coisas como Alice havia me orientado. Sai e levei a chave, já que disseram que deveria ser minha responsabilidade. Isso implicaria chegar todos os dias mais cedo que a senhorita megera.

— Já vai Alexander? — Alice me barrou no elevador carregando suas muitas pastas.

— Já terminei tudo e está na minha hora... — Sorri e ela concordou — E como vai? Melhor do que ontem?

— Demasiadamente melhor! O problema agora é todo seu meu amigo — Nós rimos juntos e ela ajeitou o cabelo curto atrás da orelha.

— Molly não ficou no escritório à tarde — Dei de ombros enquanto o elevador descia — Nem sequer me perturbou muito. Confesso que as coisas podem dar certo.

— O que? A Rainha da Delux ficou ausente de seu trono? — Ironizou quando descemos juntos no térreo — Trata-se de um milagre.

— Deve ter tido alguma reunião. Tinha uma às três horas — Aproveitei o momento para sanar minha dúvida — Será que faria mal passar na casa dela pra ver Melany?

Chegamos à conclusão de que se a reunião era as três, agora Molly não estaria em sua residência. Decidi por mim mesmo passar brevemente para cumprir a promessa e matar a curiosidade que tinha de saber um pouco mais de minha intrigante chefe. Com o endereço da casa dela — pego no escritório — segui para o bairro de luxo onde morava. Deparei-me com um apartamento maravilhoso, porém modesto perto do que ela poderia possuir.

Apertei a campainha e aguardei que alguém atendesse e o plano saísse de maneira desejada.


Sai cedo da reunião praguejando em mente.

Deixei os estilistas decidindo sozinhos os toques finais no modelo primavera-verão pela primeira vez em anos, mas foi extremamente necessário. Já passava das cinco e meia da tarde e Melany precisava de mim com ela em casa, algo completamente inadiável.

Dirigi para casa tentando ligar para saber se estava bem, mas tanto Mel quanto a babá não atendiam o celular e o telefone de casa. Assim que estacionei na garagem notei um carro diferente parado em minha vaga de visitante. Franzi o cenho pensando em quem poderia ser o dono do veículo, porém nada constou em minha mente.

— Amber? — A babá de Melany era uma jovem de dezoito anos baixinha e rechonchuda. Ficava em tempo integral agora, uma vez que devido ao tombo Mel estava afastada da escola. A garota apresentava-se sentada na sala folheando uma revista e com fones no ouvido — Onde está Mel?

— Olá senhorita Bern! — Com os olhos maiores do que o rosto e muito surpresa em me ver, a garota ruiva jogou para o lado a revista e tirou os fones. Ficou de pé em um pulo e ajeitou a postura com maior formalidade — Mel está bem Está no quarto com... — Olhou brevemente para o corredor — Aquele rapaz. Você sabe...

Pelo modo como seus olhos brilharam, sua boca repuxou e colocou o cabelo atrás da orelha não precisei sequer perguntar de quem se tratava. Suspirei fortemente e arremessei a bolsa no sofá.

— Como é que você deixa minha filha ficar sozinha com ele, um homem que sequer conhece? — Questionei indignada e cruzando os braços — Já falei que ninguém entra nesta casa quando não estou, muito menos uma pessoa estranha! Deveria te demitir por isso!

— Desculpe senhorita, mas foi Mel quem disse que a senhorita permitiu a visita de Alexander! Ela não costuma mentir e pensei que não houvesse problemas. Desculpe, não vai se repetir! — Implorava em tom de súplica.

Realmente Melany jamais mentia e tal fato me fez ponderar.

Enquanto analisava a garota recordei da passagem em que permiti que Melany recebesse a visita de Alexander. Caminhei em direção ao quarto de minha filha confabulando as mil e umas coisas que pretendia dizer a Alexander naquele momento. Vagarosamente espiei pela porta aberta e me detive por ali alguns minutos.

— Só mais uma, por favor! — Melany dizia em meio a gargalhadas.

A frase veio seguida por risadinhas baixas e lindas. Detive-me onde não pudessem me notar e me deparei com Alexander sentado ao pé da cama de Mel segurando um violão sobre o colo. Ele olhava para ela — sentada com a perna imobilizada sobre um travesseiro, usado um vestido e uma faixa florida no cabelo — como se minha filhota fosse à coisa mais apreciável do mundo. Havia carinho em seu olhar e Melany parecia estar encantada com a música que cantavam. Definitivamente minha filha parecia demasiadamente feliz na presença do secretário indesejável.

— Só mais uma. Tenho mesmo que ir depois dela — Ela sorriu lindamente.

— Posso escolher desta vez? — Propôs persuasivamente.

— Pode, é claro! A princesa é quem manda — Posicionou-se de modo correto com o violão sobre a perna.

— Quero aquela música que toca no filme "Dirty Dancing"! — Sorri silenciosamente. Sabia que o maior passatempo de Melany era assistir aquele filme meloso e nada adequado para sua idade.

— Quer dizer a música que toca no final? — Chutou erguendo uma sobrancelha.

— Sim, a música do final. É a música favorita da mamãe! — Alexander, que afinava as cordas, olhou para Mel lentamente.

— Verdade? — Mel assentiu sorridente — Sua mãe gosta de filmes de amor? Não acredito! Existe amor naquele coração de pedra? — voltou a afinar o violão e cruzei os braços diante de suas palavras.

— Mas é claro que sim! — Vi suas bochechas corando — Minha mamãe é uma pessoa boazinha e, apesar de aparentar ser malvada, é na verdade muito legal.

Alexander não respondeu. Limitou-se a trocar um breve olhar com Melany antes de começar a canção. Demorei alguns segundos para compreender que meu secretário absolutamente indesejável estava tocando minha música favorita para minha filha.

O modo como às cordas deslizaram por seus dedos me deixou hipnotizada no primeiro momento. O jeito como tocava — como se o violão fizesse parte de seu corpo — e cantava... Tinha de admitir que era dono de uma voz maravilhosa em tom grave e vibrante que ecoava pelo quarto e chegava até mim como ondas de calor.

— Já pensou em ser cantor de verdade? — Alexander gargalhou com a pergunta inocente de Mel.

— Muitas vezes, na verdade. A música é a única coisa que me mantem vivo — Respondeu de forma singela.

— Você não tem namorada? Nem filhos?

— Não — Alexander fez um bico engraçado — Mas adoraria ter alguns filhos no futuro — Seus olhos vagaram por Melany de um jeito meigo — Se tivesse uma filha tenho certeza que ela seria assim como você.

— E como eu sou? — Sorriu baixinho de maneira envergonhada.

— Uma bonequinha de olhos verdes, educada, meiga e apaixonante. Baixinha e pentelha também! — Mel, que até agora estava corada, arremessou um travesseiro em direção a ele. Alexander agarrou no ar e riu — Tenho que ir agora, melhor amiga Melany.

— Espera melhor amigo Alexander! — Seu tom autoritário o fez encará-la — Eu já disse tudo sobre mim. Agora sabe que não tenho um papai apesar de todas as crianças terem um — Torci os lábios diante das palavras dela — Sabe que minha mãe é boazinha apesar de aparentar ser ruim — Alexander deu de ombros — E também que não tenho irmão, mas sou louca para ter uma irmã. E o senhor — Apontou para ele de forma ameaçadora — Não me disse nada! Os amigos contam as coisas, sabia?

— Está certo... — Colocou o violão no colo de novo e a encarou de forma relaxada — O que quer saber, melhor amiga?

— Realmente não tem uma namorada? — Apoiou a mão no queixo de forma confusa. Instintivamente me interessei e cheguei mais perto.

Também me parecia absolutamente surreal tal afirmação.

— Uma não — Melany pareceu indignada quando respondeu. Alexander ria da carinha transtornada de minha filha.

— Que coisa feia! Mamãe disse que só podemos ter um namorado! Você só pode ter uma namorada e não várias! — Repreendeu-o demonstrando carregar nas veias meu talento para brigar.

— Estou brincando pequena Melany... Sua mãe tem razão! — Explicou de maneira calma — Elas acham que são minhas namoradas, mas tenho certeza de que sou solteiro! — Deu de ombros e recebeu outra almofadada de Mel. Os dois riram e dirigiram a atenção para mim quando adentrei ao quarto e apanhei a almofada que caiu ao chão.

Dois pares de olhos verdes me analisavam com muito receio do que viria a seguir. Sorri de maneira pouco agradável e troquei um longo olhar com Alexander. Nada ali parecia fazer mais sentido do que o gesso de Mel estar assinado com o nome dele.


CAPÍTULO QUATRO


— Mamãe! Não vi você chegar!

Desde o inicio tive de admitir que era uma péssima ideia visitar Mel, mas ao me deparar com Molly tive a certeza de que era uma roubada. Coloquei-me de pé ao lado da cama com o violão em mãos e a encarei de maneira tranquila, afinal, não havia nada de tão errado ali.

— Oi filha — Sua voz ainda soava controlada, mas seus olhos brilhavam como se desejasse cravar uma faca em minha garganta — O que está fazendo aqui Alexander?

— Prometi que viria visitar Melany... A senhorita mesmo permitiu que eu viesse, lembra-se? — Cruzou os braços em frente ao peito e assentiu.

— Não costumo faltar com minha palavra. É claro que me lembro — Certamente estava sendo condolente pela filha e deixou nítido que a conversa não terminaria ali — Pelo que vejo está de saída... Será que posso te acompanhar?

— Claro — Respondi a sua pergunta de maneira a concordar que deveríamos conversar a sós — Bom, aqui está seu inutilizado violão pequena cantora — Coloquei o violão dela ao lado da cama e me abaixei um pouco — Até mais Mel — Apanhei sua mão e beijei-a na parte de cima. Quando terminei a pequena não quis me deixar.

— Você volta tio Alexander? — Sussurrou com a voz dengosa — Diz que sim! Por favor!

Olhei em direção a minha chefe — que parecia alheia a situação — e me voltei para a garotinha novamente. Sem querer me comprometer fiz o que achei mais aceitável.

— Farei o possível para voltar Melany — Pisquei para ela e lhe dei um beijo na testa — Quero que fique melhor. Você já saber da promessa!

— Vou ficar melhor sim, principalmente se você voltar.

— Até mais, pequena flor — Caminhei até a saída e me detive, uma vez que Molly estava bem a minha frente.

— Tchau Alexander... — Acenava para mim com a mão pequena chacoalhando no ar e o olhar esverdeado um tanto decepcionado.

Ao chegar ao corredor longo detive-me esperando Molly sair do quarto de Mel. As duas falavam algo em voz baixa e pensei em tudo o que a garotinha havia me contado. Sorri com certa emoção ao saber que confiava e gostava de mim realmente. Melany também era muito querida para mim de um modo novo e inédito, uma vez que se apegar a crianças não era bem o meu forte. Nunca gostei muito delas até conhecer a menininha que mexia comigo de forma meiga e inigualável.

Um pequeno anjo que por acaso era a filha da mulher que mais me odiava no mundo.

— Quando permiti que viesse visitar minha filha pensei que tivesse deixado bem claro que era para ser em minha presença — Molly estava parada perto da porta com os olhos em mim de forma confusa.

— Na verdade sou um pouco lento para compreender sentenças não especificadas — Coloquei as mãos nos bolsos da calça — Se não for devidamente explicito não saberei identificar sua intenção por trás da frase. É uma coisa que geralmente acontece com todos os homens, sabe como é...

A expressão desconcertada deixava claro que Molly não tinha nenhuma prática com o universo masculino e desconhecia por completo tudo o que eu estava dizendo de maneira proposital.

Respondi de tal forma para ver como iria explicar a conexão que possuíamos por apenas um olhar. Para mim era totalmente transparente o que ela estava pensando quando nos encarávamos quase como se o que passasse por sua cabeça também passasse pela minha.

— Pensei que suas habilidades me surpreenderiam, mas certamente você é como todos os outros — Lamentou-se de forma entediada — Pelo visto eu não estava enganada quando te vi pela primeira vez.

— Molly, Molly... — Suspirei diante de sua arrogância — Acho que já vou agora... — comecei a me despedir, mas ela não pareceu confortável em me deixar partir.

— Fique longe de Melany — Exigiu de maneira dura.

— Não vejo motivos para isso. Se você vê algum problema então poderá me explicar qual é, por favor... — Seu rosto corou de raiva quando me aproximei dela de forma gradual.

— Não sei se notou, mas minha filha não tem pai! — Postou-se perto da parede de modo a me encarar seguramente.

— Esse é o problema? — Torci os lábios — Eu também não tenho um pai!

— Não compreende? Temo que Melany veja em você a figura de um pai... O pai que nunca teve — As palavras de Molly começavam a fazer sentido pela primeira vez e tive de recuar minha postura — Não quero que minha filha se decepcione quando chegar a hora em que tio Alexander sumir da vida dela.

Vi lágrimas inundando os olhos de Molly e finalmente tudo se fez claro aos meus olhos. Esse era o motivo pelo qual era tão dura com os homens... Molly temia que alguém entrasse em sua vida e acabasse atingindo Melany de maneira negativa.

— Porque eu sumiria? Também aprecio a amizade de Melany — O corpo dela estava escorado contra a parede e o meu muito próximo.

— O que me garante que não irá fazê-la sofrer? — Ergueu uma das mãos e a colocou sobre meu peito — É isso o que os homens fazem... Todos eles somem quando chega um momento difícil. Quando mais precisamos deles.

— O que acontece se eu te disser que não sou como todos eles? — Dei um passo para trás quando Molly singelamente me empurrou — Que tipo de homens você conheceu?

— O pior tipo deles e isso é o que todos dizem — Sorriu ironicamente — Não um tipo confiável — Quando a distancia entre nós foi quebrada ela se afastou o máximo que pôde — Acho que conhece a saída e as regras, Alexander. Até amanhã.

Foi o que disse antes de voltar para dentro do quarto de maneira nervosa, deixando-me sozinho no corredor ainda com seu perfume me embriagando os sentidos.

[...]

Deslizei os dedos levemente pelas cordas do violão sentado na sala com a televisão desligada e a garrafa de vodca aberta do lado. O vento entrava pela janela acariciando minha pele desnuda pela falta de camisa e tudo o que minha mente se limitava a pensar era sobre o que Melany havia me contado.

A garota nunca havia conhecido o pai e sequer visto uma fotografia dele. Não havia nada que evidenciasse sua existência!

O cara que engravidou Molly aos dezenove anos nunca mandou um presente de natal, um cartão de aniversário ou sequer um beijo para a filha. Como poderia existir alguém assim, principalmente com Melany, uma garotinha tão encantadora?

Por outro lado, Melany amava demais sua mãe. Pelos minutos que conversamos havia deixado evidente o quanto as duas eram próximas e felizes juntas. Mel reconhecia todo o esforço que Molly faz sozinha para cráa-la e, segundo ela, ao descobrir que estava grávida Molly recebeu todo o apoio da mãe, mas o pai não aceitou muito bem a noticia e deu até o final da gravidez para que saísse de sua casa com a criança e fosse morar em outro lugar.

Pela falta do individuo que se denominava pai do bebê, sozinha Molly lutou até conseguir se formar e dar uma vida digna para Melany. Definitivamente Molly Bern era uma mulher de fibra e muita determinação. Tudo isso justificava a posição alta em que se encontrava atualmente, mas muitas dúvidas ainda pairavam em minha mente relacionadas a figura de minha chefe.

Qual seria realmente a história por trás da Rainha da Delux? O que o pai de Melany teria feito de tão ruim para traumatiza-la de tal modo em relação aos homens?

O telefone celular tocou e me estiquei para atender.

— E ai cara... De boa? — A voz familiar soou, mas não consegui identificá-la em um primeiro momento.

— Quem é? — Tomei um gole de vodca antes de falar.

— Aqui é o Lucca. Trabalho na Delux contigo — Me lembrei de imediato da figura em questão. Era o rapaz que ficava atrás de Anny e Emily babando por um rabo de saia e todos faziam piadinha com o fato. Lucca, mais conhecido como gozado.

— Ah, e ai? — Cumprimentei sem compreender o contato.

— Tudo beleza. Peguei seu telefone com a Alice. Sem problemas, certo?

— Se não for me convidar para um jantar romântico, tudo certo! — Ironizei e ele gargalhou do outro lado — O que manda?

— É um convite, mas não para um jantar romântico, não se preocupe! É para uma festa. Toda última sexta feira do mês os funcionários do departamento de moda se reúnem para ir a uma boate anexa a um bom restaurante somente para descontrair. O pessoal lá é bem amigo e como você teve a sorte de entrar para a empresa bem na semana da festa resolvemos te convidar. Agora é parte chave do departamento... O secretário da Rainha não pode faltar, afinal!

— Interessante — Comecei a compreender.

— Todos ali já têm raiva demais da poderosa para se preocupar com alguém mais, acho que é por isso que somos todos tão unidos. E então? Você vem? As garotas estão empolgadas com a sua possível presença.

Talvez fosse minha chance de esclarecer algumas dúvidas e saber mais sobre a poderosa. De fato era uma oportunidade intrigante e me despertava o senso se direção. Esse caminho me levaria a algumas respostas.

— Possível não. Confirmada! Pode dizer que vou estar lá!


Mel me contou tudo o que fez com Alexander em detalhes.

Contou o quê conversaram e tudo o que ele lhe narrou. Imediatamente me senti tola por me preocupar em deixá-la sozinha com ele.

Tratava-se de um homem praticamente desconhecido, mas o coração de mãe sempre fala mais alto e o meu dizia que Alexander era confiável e gostava de Melany de verdade. Os minutos que presenciei entre os dois me deram mais certeza disso e ao contrário do que deveriam ter feito aumentaram ainda mais o meu medo.

Desde que nasceu milha filha era cercada de mulheres, começando por minha mãe, sua pediatra e professoras. O colégio frequentado por ela era apenas de meninas e a babá que por pouco não demiti cuidava de Melany desde as fraldas!

O mundo dela era praticamente formado sem a presença de um pai, avô ou qualquer presença masculina. A excluí dos homens exatamente para evitar que sofresse antes que pudesse se defender ou se apegasse a eles.

No entanto, apesar de todo meu esforço, minha filha hoje se dizia melhor amiga de um homem jovem que por acaso era meu secretário! Um homem que a todo custo eu buscava evitar, mas Melany queria mantê-lo entre nós de todas as maneiras possíveis!

Quatro dias depois estava tudo virando ao avesso! Meu secretário ainda era o centro das atenções na Delux e nada parecia desviar a atenção dele.

Alexander fazia os telefonemas que pedi quando sai da sala querendo respirar. Ficar trancada com ele no mesmo ambiente, sentindo seu perfume e ouvindo o sussurrar de sua voz era muito para minha cabeça e chegava a comprometer minha sanidade mental. Meu destino agora era um lugar onde pudesse falar sem precisar me preocupar com quem estava me ouvindo.

— Minha Rainha! Que milagre te receber na minha sala e vê-la abandonando o trono!

Depois de todos os funcionários pararem para me olhar se locomover até a sala de Pierre, fechei a porta e caminhei até me sentar na cadeira a sua frente. Estava afogado em papéis e desenhando modelos.

— É que eu... Precisava dar uma volta. Dividir o mesmo ambiente com Alexander o dia todo não é bom para ninguém — Encostei-me à cadeira — Ainda bem que hoje é sexta feira! — Comecei a me abanar com um pedaço de papel que achei sobre a mesa.

— Agora sim disse algo bom... É sexta feira! — Bateu palminhas — Hoje é dia de festa, festa e mais festa! — Cantarolou fazendo uma dancinha. O encarei com estranhamento.

— Festa de quem?

— A festa da última sexta do mês! O pessoal do departamento se junta e faz uma festa para confraternizar e comemorar o mês fechado — Continuou dançando sozinho e sentado em sua cadeira. Definitivamente a empolgação tomava conta dele.

— Me estranha toda essa felicidade... Pelo que eu saiba você nunca se sujeita a uma festa com os funcionários! O que está acontecendo? Arrumou um bofe por ai? — Questionei ainda estranhando seu comportamento.

— A empolgação tem nome, querida. Alexander, meu bem! — Piscou para mim — Ele vai estar na boate com o pessoal e não vou perder por nada no mundo esse acontecimento!

— O que? — Tive um sobressalto – Alexander vai estar na festa? Não faz nem uma semana que está trabalhando aqui e já o chamaram para a festa dos funcionários? O que é isso agora?

— Minha Rainha... Esse rapaz, além de ser lindo e educado, é seu secretário! Ter relações diretas com ele é um beneficio para o pessoal e cá entre nós... — Se aproximou um pouco mais de mim — Eu e todas estamos loucas para ter uma ligação bem direta com ele!

— Meu Deus! — Fechei os olhos já suspirando — Era só o que me faltava! Você sabe que ele não é gay, não sabe?

— Sei, mas nada me impede de olhar não é? — Deu de ombros e voltou a atenção para seus desenhos — Sinto te dizer, mas é a verdade, ele vai estar lá! As meninas pressionaram Lucca para ligar para convidá-lo... Todas querem um minuto da atenção de Alexander.

— E ele? Devolve na mesma moeda? — Tentei parecer desinteressada e abri uma revista sobre a mesa dele como se apenas estivesse fofocando, mas intimamente a resposta muito me interessava.

— A única que ele gosta realmente é Alice. Os dois conversar bastante, mas pelo que sei ela tem um lance com o Eric — Explicou desinteressadamente – Alexander não fica especificamente com uma delas, costuma dar atenção a todas na hora do almoço. As garotas ficam ao redor dele. Confesso que às vezes desço no restaurante para participar da rodinha. Chega a ser interessante ouvir as malucas flertando com o coitado!

— Então as coisas já estão neste ponto? — Abaixei a revista indignada pelo que ouvia!

— Minha Rainha, hoje vai pegar fogo o cabaré! — Fez um gesto com os dedos insinuando uma fogueira — Por isso que não perco essa balada por nada! Quero só ver com quem ele vai ficar! O barraco tá garantido!

— Céus... — Encarei todos os lados da sala sem saber o que dizer! — Aonde vai ser essa festa?

— Na De la Luna — Explicou me dando um cartão — Uma boate que sempre vão nas festas. Dizem que é boa... Por acaso está pensando em ir? — Seu rosto se iluminou com a ideia e no mesmo instante me envergonhei de ter pedido o endereço.

— Ninguém nunca me convidou para tal confraternização! Não seja ridículo! — Respondi olhando para minhas unhas — Porque deveria aparecer lá?

— Estou te convidando agora — Ergueu uma sobrancelha — Qual é Rainha? Desde quando se importa com o que os seus simples súditos vão pensar de você? —Disse debochadamente — Oh, por favor!

— Realmente não me importo! — Suspirei — Não tem cabimento aparecer na festa deles porque todos me odeiam.

— Festa deles nada! — Deu de ombros — Tecnicamente você não sabe que a festa será nessa boate hoje e se for comigo não pega nada!

— Você é amiguinho deles, queridinho — Relembrei de forma irônica — E eu... — Gargalhei — Sou o demônio. Pensa que não sei que me repudiam somente porque sou um pouquinho exigente?

— Um pouquinho? — Piscou.

— Acho que é hora de volta para minha sala... — Fiquei de pé — Os desenhos estão lindos. Estou ansiosa para vê-los prontos!

— Eu sei — Gabou-se — E querida... Passo em sua casa as nove para te pegar. Garanto que há essa hora a pequena Mel já vai estar dormindo com a babá.

— Sinto muito, mas não irei — Minha vontade era dizer ao contrário, uma vez que a curiosidade me consumia completamente.

— Irá sim! Não aceito um não como resposta!

[...]

Quando voltei à sala o relógio marcava cerca de quarto e meia da tarde.

Alexander terminava seu trabalho do dia quando me sentei em minha cadeira para observá-lo de longe.

Era de fato um homem inteligente e muito elegante, fatos que justificavam toda a atenção que vinha recebendo por parte dos funcionários da Delux. Motivo para se interessar nele não faltava e não posso esconder de mim mesma que realmente me interessaria se houvesse espaço para um relacionamento em minha vida.

Arrepiei-me ao pegar tal pensamento se passando em meu subconsciente. Era a primeira vez em muitos anos que algo assim acontecia!

Apesar de tratá-lo da pior maneira que os direitos trabalhistas permitiam, aquele homem ainda era um perfeito cavalheiro e dentro da empresa e não me chamava de algo diferente a Senhorita Bern.

— Senhorita Bern? — Parado ao lado de minha mesa me encarando, segurava o terno azul escuro com uma das mãos e com a outra remexia em seu bolso da calça — Estou de saída. Precisa de algo mais por hoje?

— É verdade que vai à festa dos funcionários de moda hoje? — Mandei a pergunta sem realmente pensar no que estava fazendo. Alexander se surpreendeu e passou a mão que estava no bolso em seu cabelo levemente. Obviamente pensava na resposta mais plausível a ser dada.

— Sim senhorita, é verdade. Lucca me convidou e achei interessante a iniciativa de me enturmar com o pessoal do departamento. Manter boas relações é sempre positivo para um agradável ambiente de trabalho — Explicou com calma e muito discernimento.

— Manter boas relações de coleguismo sim — Relembrei ressaltando a palavra em questão — Pelo que andou circulando por meus ouvidos o senhor anda muito próximo das garotas do departamento.

Cruzei as pernas e franzi o cenho. Pareceu desconcertado.

— Costumo ser simpático com todos — Pensava realmente no que dizia — Não gosto de assumir uma postura agressiva com as pessoas ao meu redor, principalmente no trabalho — Senti a leve indireta.

— Não quero problemas, Alexander — Usei seu nome de maneira informal pela primeira vez dentro da Empresa — Espero que saiba ponderar suas amizades.

— Entendo perfeitamente e lhe asseguro que está tudo sob controle — Assentiu seguramente — Como está Mel?

— Melhorando, obrigado por pergunta — Respondi friamente e voltando para meus papéis. Algo como ciúme ardia em meu peito por saber da tal festa e de sua disposição para a mesma — Agora pode ir.

— Sim senhorita. Até segunda — Saiu da sala deixando seu cheiro maravilhoso pra trás.

Quando o vi pela janela de vidro com Emily lá fora e a mão dela deslizando pela camisa dele meu sangue ferveu nas veias. Apanhei o telefone e confirmei com Pierre minha presença na festa da discórdia. Ao que tudo indicava, ir a esse evento era realmente uma escolha errada.


CAPÍTULO CINCO


A surpresa me atingiu em cheio quando meu celular vibrou ao entrar em casa. Como tal mensagem havia chegado até mim?

Estou com saudades de você tio Alexander. Quando vamos cantar de novo e atirar pedrinhas no lago? P.s. Melhor Amiga.

Sorri comigo mesmo e entrei para tomar banho pensando na resposta... E também na festa aonde iria apenas para me enturmar e não ser visto como um cara antiquado. Sai do banheiro secando o cabelo e respondi a mensagem de Mel, a única garota que me fazia um bem danado no momento.

Vamos jogar pedrinhas no lago quando você melhorar, mocinha. Também estou com saudades. Estou indo para uma festa agora. Melhor Amigo.

Depois de colocar uma camisa preta de botões e me ajustar em um jeans escuro, baguncei o cabelo e apanhei carteira e o celular. Assim que coloquei a mão sobre a maçaneta da porta um trovão forte se fez de modo a anunciar a tempestade próxima.

Mamãe também vai a uma festa. Comporte-se.

A chuva desmoronou sobre a cidade seca e liguei o carro com os olhos maiores do que o rosto. Alice havia me dito em palavras claras que Molly não era convidada para nenhum evento dos funcionários, mas seria no mínimo coincidência o fato dela também ir a uma festa na mesma noite que todos nós.

Foi sua mãe quem mandou dizer isso? Está na hora de criança ir para cama. Boa noite Melany. Sonhe com os anjos. Melhor Amigo.

Dirigi até a tal boate “De la Luna” e corri até a entrada para não me molhar. A música era alta e o ambiente até que bem agradável, talvez muito mais do que esperei. Avistei prontamente o pessoal da Delux em volta de uma mesa bebendo e me aproximei vagarosamente. Eles dominavam a boate enquanto riam e falavam alto. Sorri fazendo de tudo para sustentar o sorriso em meu rosto.


— Não acredito que estou fazendo isso — Abanei-me com a bolsinha pequena que carregava — Faz quantos anos que não vou a uma festa? Uns sete? Desde que Melany nasceu nunca mais botei a cara para fora de casa que não fosse por motivos profissionais... — Pierre dirigia o carro usando óculos de grau com armação azul de lantejoulas e rodou os olhos demonstrando seu tédio para com meu discurso – O que foi?

— Você parece uma pré-adolescente indo para sua primeira pegação. Relaxe! Vai dar tudo certo. Melany está bem com a babá maluca e nós vamos nos divertir um pouco — Sacudiu os ombros de maneira animada.

A tensão baixava aos poucos. Pierre e eu íamos juntos para a boate sem compromisso e como se não soubéssemos que a festa seria lá. Talvez me divertir fosse possível se meu coração não saltasse com a ideia de possivelmente encontrar Alexander por lá.

— A propósito... — Medi seu look dos pés a cabeça quando saímos do carro dele embaixo de chuva. As luzes brilhavam vindas da porta e o barulho era alto e atrativo — Você está incrível. Esse terno branco com óculos brilhantes vai arrasar amigo.

— Apesar de o comentário ter sido irônico, devo admitir que você está linda, rainha. Sempre está! — Adentramos na boate e assim que olhamos ao redor avistamos o pessoal da Delux.

Fiquei em choque no mesmo momento. Em choque de um jeito que nunca imaginei que ficaria na presença de meus funcionários.

— Vou embora Pierre... — Ele me segurou com força.

— Não vai nada rainha, sequer pense nisso! — Agarrou meu braço carinhosamente como um namorado faria e percebi que até poderíamos nos passar por um casal se ele não fosse absolutamente afeminado — Respira e relaxa... Porque se está com Pierre, está com Deus.

Entramos juntos descendo as escadinhas e avistei de relance Alice, uma das poucas sentadas a mesa. A mesma nos olhou rapidamente e depois voltou à cabeça como se não acreditasse. Engoli em seco. Ela se inclinou e cochichou algo com Eric ao seu lado e de mãos dadas as dela. Eles namoravam?

— Já nos viram — Comentei com Pierre.

— Azar deles — Cantarolou dançando no lugar enquanto caminhávamos em direção a uma mesa vazia próxima ao bar.

A boate estava cheia. As pessoas se concentravam na pista de dança e no bar maior. Percebi que estavam todos espalhados, alguns dançando, alguns sentados à mesa conversando e outros desaparecidos, como era o caso de Alexander. E Emily.

Conforme Pierre passava comigo alguns se voltavam para olhar e faziam cara de espanto. Fiz o que sabia fazer de melhor e vesti minha máscara de desprezo e segui caminhando como se nada estivesse acontecendo ao redor.

Sentamos em uma mesa e Pierre logo pediu uma bebida para ele e um suco de morango para mim. Sorriu porque pedi suco ao invés de álcool, mas entendeu que era preferência por causa de meus funcionários presentes. Pagar de bêbada não era muito ético de minha parte naquele momento.

Durante toda a noite eu seria o centro das atenções.

— Será mesmo que foi uma boa ideia? — Ignorando-me, Pierre sorriu para alguém — Pierre? — Me indignei com seu ato.

— O que tem de errado em confraternizar com os coleguinhas? — Suspirei fechando os olhos. O garçom depositou as bebidas sobre nossa mesa e agarrei meu suco rapidamente.

— Coleguinhas. Não sei por que estou aqui! Vou terminar meu suco e ir para casa.

— Acho que não tão cedo, my Darling — Apoiou o queixo nas mãos — Tem um gato gostoso se aproximando de nós.

Ele.

Meu coração estava disparado de repente e o sangue correndo mais forte em minhas veias. Pierre tinha razão sobre me sentir como uma adolescente.

Oh droga! Estava ainda mais lindo!


— E ai? — Alice e eu estávamos no bar sozinhos buscando cerveja — Quem vai ser? Aposto na Emily ou na Anny. Os caras acham que será a Rachel, porque segundo eles ela é a mais ''gostosa''.

— Para falar a verdade à única garota com quem eu teria algo aqui é você — Respondi em tom de brincadeira porque sabia que ela entenderia — Mas como você já está comprometida... — Alice riu alto e balançou a cabeça em sinal de desaprovação.

— Largo ele para ficar com você — Deu um tapa pequeno em meu braço — Você é um cara legal, Alexander. Gostamos de você.

— Gosto de você e de Lucca — Pisquei animadamente.

Com Alice as coisas eram fáceis porque sabia que se tratava de uma moça apaixonada pelo namorado. Cultivei por ela em pouco tempo um sentimento quase fraternal, algo como era com as minhas irmãs. Lucca o mesmo. O cara era simples, gente boa e animado. Seu estilo era muito parecido com o meu.

— Com toda sua modéstia até parece que você é do tipo que vai embora hoje sem beijar alguém — Seguimos de volta para mesa com as cervejas em mãos. Gargalhei assentindo negativamente.

— Já que insiste em saber, finalmente te contarei — Sussurrei para que apenas ela pudesse me ouvir — Tem uma única mulher que me chama atenção na Delux e ela não é bem o tipo que se possa considerar...

Não continuei, uma vez que a visão a minha frente soou como um deslumbre. Na mesa a minha frente — perto do bar menor — estavam Pierre — o estilista colorido — e minha patroa, "a grande senhorita poderosa" Molly Bern.

Todos os olhares se direcionaram a mim quando coloquei as garrafas sobre a mesa, ainda impactado pela ilustre presença dos convidados inusitados. Pierre encontrava-se de frente para mim enquanto Molly de costas bebendo algo.

— Acho que consigo ter uma ideia de quem seja essa tal que lhe desperta algum interesse — Alice gargalhou e cruzou os braços para disfarçar — Apenas te digo que as coisas ali não são muito favoráveis, meu caro.

— Vocês não os viram chegando? — Lucca se aproximou e sussurrou em tom de brincadeira — Ao que parece ela não se contenta em encher nossa paciência na empresa. Agora também nos persegue no pós-trabalho.

— Vai ver ela sequer sabia que a festa seria aqui, Lucca — Alice tentou amenizar o clima hostil. Todos ao redor comentavam e cochichavam sobre a presença da chefe e os comentários não eram nada acolhedores.

Molly certamente sabia que a festa seria ali. Antes de sair me interrogou sobre o evento e pareceu demasiadamente interessada. Realmente aquilo me intrigava. Queria muito saber o motivo pelo qual minha chefe aparecera de repente na boate aquela noite.

— O que aquela bruxa e aquele adorador de Madona estão fazendo aqui? — Emily parou ao meu lado segurando um copo com algo colorido dentro e uma das mãos em meu ombro.

— Tocando o terror, obviamente. Ela gosta de nos perturbar — Anny zombou — Será que ela não se toca que está no lugar errado? — Desvencilhe-me de Emily educadamente. Minha mente apenas era capaz de trabalhar em prol de Molly — Aonde vai Alexander? — Questionou surpresa.

— Cumprimentar nossa patroa — Pisquei de forma singela e decididamente marchei até a mesa de Molly e Pierre deixando todos para trás com expressões desacreditadas.

Pierre acenou para mim sorrindo e o vi sussurrar algo para ela. Molly me encarou no mesmo momento e por pouco não deixou sua bebida cair na bancada. Parei ao lado da mesa e encantei-me com o modo como a pequena grande Molly estava bonita. Usava um simples vestido preto e levemente brilhante, os cabelos longos e castanhos ondulados nas pontas e um colar singelo exibia uma bonequinha que simbolizava Melany.

— Querido, como está? Que coincidência! — Pierre colocou-se de pé para me cumprimentar animadamente — Estão todos aqui por um motivo especial?

— Pois é Pierre, grande coincidência... — Indaguei com naturalidade sem conseguir tirar os olhos dela. Molly bebia o suco e fazia o possível para me ignorar — É a festa do final do mês. Por um acaso foi aqui hoje.

— Nossa, mas que interessante! — Piscou fascinado — Nós, infelizmente, não somos incluídos na lista de convidados e não estávamos sabendo... Não é minha Rainha?

— Claro... Tudo não passa de uma infeliz coincidência — Respondeu a ele com um sorriso falso. Olhou-me novamente e desta vez soou meio tímida. Nitidamente podia compreender que toda aquela lorota para mim soava como uma grande mentira. Pela primeira vez não éramos patroa e empregado frente a frente. Ali e agora éramos duas pessoas que se encontraram na balada pós-trabalho — Coincidências.

— Já que estamos aqui vou até a mesa cumprimentar o pessoal. Você sabe... Manter boas relações no ambiente profissional é sempre favorável — Levantou-se com um sorriso animado — Você vem comigo, rainha?

— Oh não, obrigado — Sorriu sem humor — Acho que minha presença não será tão bem recebida quanto a sua.

— Vamos querido?

— Pode ir que me ocuparei de fazer companhia à senhorita — Pisquei para ele e fui me sentando de frente a Molly — Com licença.

— Não se incomode, por favor — Pierre já havia ido quando Molly finalmente teve a coragem de direcionar os olhos escuros de encontro aos meus.

Podia ser minha imaginação, mas nada me tirava da cabeça que minha presença ali era capaz de mexer com ela assim como a dela mexia comigo. A conexão existente entre mim e essa mulher que mal conheço parecia reinar a olhos nus sem qualquer motivo aparente.

— Não me atrapalha — Tentei conter meu olhar admirado diante de sua singela beleza — Você está bonita hoje.

— Hoje? — Molly tentou não sorrir.

— Foi um elogio — Dei de ombros, mas não pude explicar.

— Obrigado então — Observava por cima de meu ombro em direção a mesa dos funcionários — Acredito que irão dar falta de você, principalmente as meninas — Ergui uma sobrancelha de modo engraçado e curioso.

— Não sei do que está falando... — Dei de ombros e ela sorriu revirando os olhos.

— Certamente não — Voltou a bebericar o suco deixando marcas de seu batom vermelho na borda do copo. Ao notar meu interesse por seus lábios Molly bateu com o copo na mesa em uma agitação desleal — Será que dá para parar de me olhar dessa maneira ou está difícil?

— Não sei do que está falando... — Me encostei a cadeira com olhar inocente e quase pude ver o sangue corando suas as faces.

— Não sabe de nada, não é? — Ironizou.

— Sei que você sabia perfeitamente que a festa seria aqui hoje — O rosto dela corou levemente. Havia sido pega no pulo — Pensei que não gostasse de se misturar com os empregados...

— Oh, devo mesmo estar ficando maluca! — Colocou-se de pé no exato momento e começou a pegar suas coisas.

Não podia estar certo, mas definitivamente deixa-la ir embora não era uma opção. Coloquei-me de pé a sua frente e tentei detê-la.

— Que tal uma dança?

— O que? — Quase riu tentando me ultrapassar — Você só pode estar de brincadeira.

— Você já está aqui não está? — Estiquei a mão em sua direção — Por favor.

— Alexander, pare com isso... — Deteve-se e seu olhar foi ainda mais intrigante. Era como se lutasse consigo mesma.

Aproximei-me um pouco mais e lhe toquei uma das mãos. Foi como de Molly acabasse de ter sido atingida por um choque, uma vez que suas pupilas se dilataram e o corpo de arrepiou.

Há quanto tempo ela não sabia o que era contato com um homem?

A musica que tocava no momento era lenta e os casais dançavam juntos, algo que a fez me encarar com ainda mais confusão.

— Sabe mesmo o que está fazendo? Isso para mim parece uma loucura... — Seu rosto corou aos poucos.

Naquele momento percebi a maior fraqueza de Molly Bern. A poderosa da Delux podia ser incrível a frente dos negócios, mas soava como uma criança diante de um relacionamento qualquer. Parecia uma garotinha em seu primeiro encontro e perante aquele olhar perdido e incitante tive a certeza de que Molly não significava pouco dentro de meu coração.

— Loucura dançar com o secretário? — Brinquei para descontrair e ela deixou escapar um muxoxo.

— Loucura estar aqui — Olhou ao redor com certa desconfiança, mas acabou sorrindo levemente.

— Às vezes um pouco de loucura é o que faz bem — Toquei sua mão.

Vencida pelo cansaço segurou minha mão e me seguiu até a pista de dança. Sorri enquanto caminhávamos para comemorar a primeira vitória da noite.


CAPÍTULO SEIS


A mão de Alexander — o secretário! — era forte, grande e deslizava por minhas costas lentamente.

Ridiculamente próximos dançávamos em meio aos demais e nada daquilo parecia normal para duas pessoas que tentavam se ignorar e não se davam bem desde o primeiro momento em que estiveram juntas.

— Devo dizer que não sou muito boa com a dança — Comentei segurando em seus ombros largos. Sua diferença de altura em relação a mim deveria ser no mínimo uns vinte centímetros e o infeliz estava absurdamente cheiroso.

Por mais que tentasse ignorá-lo era quase impossível passar despercebida a tais encantos... Detalhes que a antiga Molly gostava de reparar antes de ser decepcionada pelos homens.

Seus olhos esverdeados e familiares me encaravam fixamente e era quase impensável não retribuir. Uma parte estranha de minha mente não conseguia reagir a ele e a sensação era deliciosa e indecifrável.

— Se é tão bom com a música porque não virou cantor ao invés de me perturbar no escritório? — Sussurrei quando reparei que ele murmurava baixinho a letra da canção que soava no salão.

— Como sabe que sou bom com a música? — Engoli a resposta, o ar e tudo. Nossos corpos estavam juntos demais e isso era desconfortável. Pensar não parecia tão simples.

— Porque vi você e Melany no quarto aquele dia... — Confessei porque não tinha nada a esconder. Alexander sorriu ao invés de dizer algo mais.

— Você viu é? — Assenti — Entendi. Você é bem observadora — Obviamente ironizava.

— Não pense que gosto de te espiar... Longe de mim! — Alexander sorriu sem me encarar e deixou claro que não acreditava em mim — Mas por acaso ouvi vocês e constatei que você toca e canta muito bem. Deveria ter seguido carreira e deixado do meu escritório em paz. Aliás, acredito que ainda há tempo, não acha?

— Não tão cedo. Ainda preciso concretizar algumas coisas antes de seguir na música.

Desviei o olhar de seu rosto.

— Tenho a leve impressão de que está tentando me seduzir — Nossos corpos giraram e vi grande parte do pessoal na mesa com Pierre olhando para nós. Engoli a respiração e voltei a encará-lo.

— Não seria prudente, uma vez que somos chefe e secretário — Respondeu singelamente e com as mãos mais firmes em meu corpo — Apenas quero conhecer um pouco mais por trás da "Rainha da Delux". Você é minha chefe, não é?

— Infelizmente sim — O empurrei levemente quando a musica parou — Mas felizmente ninguém fora do meu eixo sabe algo realmente sério sobre a rainha da Delux, meu caro. Eu sinto muito em arruinar seus planos — Seus olhos esverdeados me encaravam de maneira confusa.

— Se não quiser minha companhia, Molly, basta dizer. Não irei te incomodar mais! — Caminhei até a mesa com ele ao meu encalço — Apenas pensei que uma companhia faria bem quando todos aqui queriam te tacar salão a fora.

— Não preciso de uma babá e o senhor já teve sua dança — Alguém bem familiar se aproximou e colocou uma das mãos sobre o peito dele de forma possessiva, apoiando-se em seu ombro.

— Senhorita Molly — Emily cumprimentou-me erguendo o copo e na hora percebi que estava bêbada — Como vai? — Tentei responder, mas logo foi me atropelando — Alexander não tinha me dito que você também era afim dele. Ah, entendo o seu lado... Todas nós somos!

— O que? — Encarei-a com uma mistura de indignação e surpresa.

— O que, Emily? — A voz dele soou nervosa.

— Como assim "o que?" — Gargalhou e derramou a bebida de seu copo no chão — Vocês dois. Dançando. Juntos — Sussurrou como se fosse um segredo e riu alto — Sabia que não iria demorar a colocar as garrinhas de fora querendo fincá-las no Alexander! — Assustei-me com o modo como veio em minha direção e vi a mão de Alexander se fechar em seu pulso — Sua bruxa! Além de nos fazer passar raiva o dia todo ainda vem nos perturbar? Porque não busca um cara tão chato quando você ou tão sem sal quanto sua cara de morta?

— Emily chega! — Alexander a puxou de perto de mim, pois realmente pensei que fosse voar em meu cabelo — Chega! Está bêbada demais e é melhor voltar com o pessoal.

— Não vai me dizer que você também está afim dela? — Rodei os olhos e cruzei os braços diante de tamanho vexame — Entre todas nós, vai escolher ela?

— Que papelão hein minha querida? O nível com essa pessoa está realmente muito baixo. Com licença! — Sai de lá pegando minha bolsa e fui até Pierre, que estava meio caminho andando até minha direção — Já chega. Vou embora. Tudo isso foi uma péssima ideia!

— O que a maluca estava te falando?

— Ela está bêbada e descontrolada! Ao que parece Alexander virou obsessão nacional — Olhei para trás e não vi mais a dupla.

— Pelo amor de Deus, Rainha, vocês dançando deu um baita bafafá! Rolou? — A empolgação de Pierre me fez espumar de raiva.

— Que rolou o quê, Pierre! A verdade é que eu não deveria ter vindo pagar de louca com os empregados — Suspirei e retirar o celular da bolsa observando que o mesmo estava com a bateria zerada — Droga!

— Você está sem carro minha rainha...

— Peço um táxi — Dei de ombros — Adeus Pierre — Desferimos três beijinhos e sai com ele ainda insistindo para que ficasse.

Chovia forte demais quando cheguei à calçada da festa e perguntei a atendente aonde era o próximo ponto de táxi. Sem celular, não tive escolha a não ser enfrentar a chuva e ir para o local indicado sem pensar duas vezes.

O que mais desejava depois de tantos desenganos era ir embora e deixar para trás uma obsessão inexplicável por um funcionário que deveria estar no topo de minha lista negra.


— Onde está a Molly?

Questionei a Pierre assim que voltei para o salão e não a encontrei por perto.

Parecia estranho me preocupar com o que ela pensava, mas Molly ainda era minha chefe e não seria prudente deixá-la com uma má impressão sobre mim. Emily não tinha direitos sobre minha pessoa e isso deveria ficar claro. Entre nós dois não existia e nunca aconteceria nada.

Após deixar a bêbada inconveniente junto de Anny e suas amigas, o próximo passo era me explicar para Molly e aclarar a situação constrangedora de uma vez.

— Minha rainha acabou de sair... Disse que foi atrás de um táxi... — Pierre respondeu um tanto preocupado — Espere bonitão! Por acaso vai atrás dela?

Não deixei que terminasse e subi correndo até alcançar a portaria e sair da boate.

Eu poderia certamente esperar até segunda-feira no escritório, mas algo me dizia que não devia ser assim. Algo sobrenatural e diferente me impulsionou a ir atrás de Molly naquele exato instante e o nervosismo me levou até ela.

Para meu azar uma chuva forte caia sobre a cidade naquele momento. Trovões cortavam o céu com raios brilhando no horizonte e a noite escura e sem a lua a vista passava certo ar sombrio. Não pensei duas vezes antes de me lançar em meio a ela em busca de Molly para poder me explicar.

Olhei ao redor e vi ao longe uma figura se movendo.

Por trás das gotas de chuva, não sei como consegui, mas meus olhos captaram perfeitamente o contorno do corpo de uma garota e havia alguém a seguindo de perto. Talvez essa fosse à resposta para meu impulso descontrolado. Aquela conexão mais uma vez me surpreendia.

As gotas de chuva absurdamente gelada penetravam em minhas roupas encharcando-me até a alma. A temperatura se cravava em meus ossos como facas e doía pela intensidade forte com que se chocavam. As duas figuras cruzaram a rua e as segui de perto, trotando sobre os pés para conseguir proximidade.

Vi perfeitamente o vestido e identifiquei Molly, tendo a certeza que não estava errado. Caminhei mais rápido e assim que me aproximei notei que a mão do homem estava fechada ao redor do pulso dela. O individuo estava perto demais e Molly queria se esquivar.

Nitidamente não se tratava de um amante qualquer, mas sim de um homem querendo se aproveitar da situação.

— MOLLY! — Quando gritei ambos giraram o rosto em minha direção. Atravessei a rua correndo e antes de terminar o percurso o homem correu para longe em meio à chuva. Assim que a soltou Molly caiu ao chão sobre os cotovelos — Molly, o que houve? Quem era aquele homem?

Abaixei-me ao seu lado oferecendo minha mão para que se levantasse. Era praticamente impossível ver seus olhos em meio a toda chuva, mas senti sua mão gelada tocar minha pele de maneira desesperar e a puxei para cima em minha direção. Assim que se colocou de pé seus braços frágeis me envolveram em um abraço forte e apertado.

Assustado com sua reação retribui o gesto com certo receio, ainda olhando ao longe a figura distinta se afastar. Logo compreendi que o ocorrido havia sido horrível o bastante para ser devastador se eu não estivesse ali para protegê-la.

— Alexander... — Sussurrava com a voz entrecortada pelos tremores que lhe sacudiam o corpo — Pensei que... Pensei que... — Passei meus braços ao redor dela e nos abraçamos como se estivéssemos dançando sob a lua.

— Calma. Está tudo bem agora. Acabou. Vamos sair daqui — Molly se deixou guiar por mim sem sequer dizer uma palavra, apenas agarrada a meu braço como se sua vida dependesse disso — Vou te levar para casa.

Definitivamente aquela moça indefesa não parecia em nada ser minha patroa durona e tão segura de si. Não dava para acostumar com tal imagem frágil associada a sua magnitude dentro da Delux. Sentada em um banco e bebericando um chá com a toalha sobre os ombros, Molly não conseguia me olhar nos olhos quando chegamos ao estacionamento da boate.

A atendente que tomava conta do lugar nos providenciou uma toalha e um chá, uma vez que ficou totalmente comovida com a situação. Conversamos com um dos seguranças do local, que rapidamente entrou em contato com viaturas policiais nas redondezas.

— Está segura que não quer prestar queixa? — Questionei a Molly após terminar de conversar com o segurança.

— Sim, está tudo bem. Não quero meu nome envolvido em polêmicas — Encarou-me rapidamente com certo receio. A xicara finalmente parava de tremer entre seus dedos — Tudo ficou bem, afinal.

— Sim, tudo ficou bem... — Sentei-me ao seu lado com certa cautela. Nunca sabia o quanto era seguro me aproximar.

— Graças a você — O comentário realmente me surpreendeu, principalmente por ela ter me olhado nos olhos — Obrigado Alexander.

— Não precisa agradecer, senhorita Bern — Garanti com convicção — Eu teria feito o mesmo por qualquer moça indefesa.

Molly ergueu uma sobrancelha e olhou novamente para sua xícara.

— Indefesa... — Sussurrou a palavra com um pequeno sorriso — Deve ser engraçado para alguém me chamar assim. Não é bem o meu estilo, você sabe.

— Claro que sei — Gargalhei baixinho.

— Porque você estava lá? Trata-se de uma feliz coincidência? — Usou a palavra que mais proferimos aquela noite em total intenção.

— Não Molly... Desta vez não foi uma coincidência — Estávamos próximos demais e talvez tenha sido essa proximidade que a fez se afastar de repente.

— Não posso ir par minha casa assim — Suspirou colocando uma mexa grande de cabelo atrás da orelha — Não quero que Melany me veja desse jeito — A tensão ainda era presente apesar de sua tentativa frustrada de dissipá-la.

— Mel deve estar dormindo agora — Abaixei a sua frente de modo a ficar na altura de seus olhos.

— Não posso chorar — Finalmente notei que seu rosto estava molhado e por isso não reparei antes que chorava. Chorava. A rainha da Delux estava chorando! — Prometi a minha filha que jamais me daria por vencida. Que jamais me entregaria às lágrimas e seria fraca!

— Isso é uma grande bobagem — Repreendi de maneira calma — Todos nós temos nossos momentos difíceis e garanto que ela não vai se importar — Assegurei tocando sua mão — Melany ficará orgulhosa por sua mãe ser uma vitoriosa.

Os olhos escuros me fitaram com certa surpresa.

— Você não deveria dizer essas coisas... — Suspirou como se me repreendesse também. Podia ver que Molly lutava bravamente contra algo dentro de si. Algo como uma barreira que tentava em vão separá-la de mim.

— Vou te levar para minha casa, então. Lá você ficará mais calma...

— Não, por favor! — Suplicou com certo medo.

— Então para onde devo te levar? — Nos encaramos através da luz fraca do lugar.

— Não tenho lugar para ir — Levou uma mão ao rosto e secou as lágrimas. Aquilo era suficiente para que eu entendesse que Molly era uma pessoa solitária — Me leve para casa, afinal. O susto já passou e sou capaz de me recompor — Colocou-se de pé e retirou a toalha que descansava em suas costas.

— Tem certeza? — Apenas assentiu. Seguimos até meu carro. A chuva ainda era forte e Molly tremia por estar molhada — Será que pode me contar o que aquele cara te fez?

— Não fez nada — Sussurrou amedrontada — Graças a você.

— Mas o que faria caso eu não estivesse lá? — Questionei ainda hesitante dirigindo pela estrada molhada. Molly demorou um pouco para responder.

— Antes de você chegar ele disse algo sobre levantar o meu vestido — Engoli em seco e sem saber o que dizer — Se é que me entende.

— Que desprezível... — imaginei o que poderia ter acontecido. Pensei nela encostada em qualquer beco estranho e sujo com aquele homem e a raiva me consumiu.

— ALEXANDER! — Quando dei por mim, quase bati em um carro na contramão. Desviei e olhei para Molly encontrando seus olhos gigantes — Está fora de si? Quer matar nós dois? Tenho uma filha de seis anos!

— Molly, me desculpe... Apenas... Apenas... Deixe para lá! — Voltei a dirigir em silêncio e com as mãos apertadas ao volante — Que bom que tive o impulso de te seguir para me explicar sobre o ocorrido com Emily. A propósito, não tenho nada com ela e...

— Tudo bem, não precisa me explicar! — Disse prontamente — Se eu não fosse impulsiva suficiente para sair correndo atrás de um táxi nessa chuva poderia ter evitado essa situação — A casa dela logo chegou e antes que saísse do carro vi seu rosto ficar impositivo novamente — Tenho que te dizer novamente... Obrigado.

— Estou contanto — mostrei-lhe dois dedos e ela bateu a porta do carro com um pequeno sorriso desenhado no belo rosto.


CAPÍTULO SETE


Mais uma segunda-feira chegava, mas desta vez certo gosto de expectativa assolava meu ser quando pensava em encontrar certo alguém pelo caminho.

— Bom dia senhorita Bern! — Ao contrário dos outros dias assenti ao cumprimento animado de Alice enquanto a mesma me seguia até minha sala carregando em mãos meu café e sua prancheta — Precisa de mais alguma coisa? — Entregou-me o café quente.

— Um analgésico, um chá gelado em meia-hora e uma bolsa de gelo — Silabei enquanto caminhava.

Ainda era impossível solicitar tais coisas ao secretário, por isso Alice me servia de algumas maneiras.

— Sim senhorita. Um minuto!

Desviou o caminho quando finalmente alcancei a porta do escritório.

Era tarde para meu horário, cerca de dez e meia da manhã. Passei a noite acordada com Melany ouvindo-a falar sobre seus sonhos de família perfeita. No fundo tudo não passava de uma desculpa para me ter por perto até o momento final do domingo, uma vez que durante a semana meu tempo era dedicado quase que exclusivamente a produção na Delux.

Pousei a mão sobre a maçaneta dourada da porta e um arrepio estranho me percorreu dos pés a cabeça. Mesmo sem sua presença materializada Alexander estava conseguindo mexer comigo e isso era um péssimo sinal, assim como o fato de eu ter pensado nele durante todos os minutos desde a festa até agora!

Uma leve melodia vinha de dentro da sala e constatei que ele ouvia música baixa e cantarolava a letra.

Reconheci de imediato sua voz. Abri a porta lembrando que Alice logo voltaria e Alexander parou de cantar no momento em que me viu. Sentado em sua mesa escrevia algo ao mesmo tempo em que digitava breves passagens no computador.

— Bom dia senhorita Bern — Cumprimentou com um sorriso cordial e colocando-se de pé.

A primeira coisa que notei foi que estava todo de preto naquela manhã, algo que tirou meu ar por breves segundos. Ignorei seu bom dia e apenas vi seu sorriso se alargar ainda mais. Provocar-me era seu passatempo favorito.

— Pierre já apresentou os modelos? — Acomodei-me em minha mesa sem sequer encará-lo fixamente. As imagens da noite da festa ainda dançavam em minha mente e a conclusão que cheguei martelava com ainda mais convicção.

Era preciso colocar Alexander em seu devido lugar.

— Não senhorita — Se levantou e veio em minha direção com alguns papéis — Disse que ainda falta concluir alguns detalhes para incrementar a produção. Pierre quer inovar desta vez — Me entregou os papéis — Esses são todos os pedidos.

— Ótimo — Coloquei meus óculos e analisei os pedidos. Ele prosseguiu parado no mesmo lugar.

— A senhorita fica muito bem de óculos — O comentário me fez estremecer e pensar sobre tudo o que vim relutando. Esse homem não podia me tirar do sério com simples galanteios adolescentes, afinal!

Quando ergui os olhos para ele de forma agressiva a porta se abriu. Era Alice e ao vê-la com as mãos ocupadas Alexander se aproximou para ajudar. Prestativo. Bonito. Educado. Cheiroso! Definitivamente uma tentação terrível para quem buscava ignorar o sexo oposto!

— Aqui está o analgésico, o chá morno e bolsa de gelo! — Pousou as coisas sobre Alexander. Com jeitinho apanhou todos os objetos.

— Obrigado Alice, mas eu disse "chá gelado" — Recostei-me a cadeira e tapei o rosto com as mãos.

— Oh meu Deus! Desculpe-me senhorita é que... — Ela gaguejava, mas não a deixei terminar. Alexander interveio antes que a menina começasse a tremer após me encarar como se eu fosse o ser mais desprezível sobre a terra.

— Está tudo bem Alice. Pode voltar para o seu trabalho que eu mesmo pego o chá para minha chefe. Essa é minha obrigação, afinal — Encarei-o por trás dos óculos com certa impaciência.

— Obrigado — Saiu rapidamente antes que ele mudasse de ideia — Com licença — Observei Alexander colocar a bolsa de gelo sobre minha mesa junto ao analgésico.

— Vou buscar seu chá — A voz soou em tom decepcionado.

— Não é necessário! Tomarei esse mesmo — Voltei ao trabalho — Não esqueça de ligar para o cliente especial.

— Sim senhorita...

O simples olhar de Alexander conseguia me fazer me envergonhar de mim mesma e talvez fosse à única pessoa que o fizesse.

Engoli o analgésico com impaciência. Era impossível me sentir melhor quando o motivo de meu dessossego estava a poucos metros de distância. Meu coração palpitava por sua atenção, mas meu senso gritava que tudo era uma loucura!

Pela primeira vez em anos eu não era capaz de tirar os olhos de alguém me lembrando do jeito que me olhou. Nenhum homem nunca ousou se aproximar daquela forma, muito menos intimando com o olhar.

Alexander havia sido tão gentil com Alice e sua atitude evidenciava que não, ele não era como os demais homens que apenas buscavam tirar vantagem.

Senti na pele que a vontade dele era me lançar sobre as chamas ou talvez me repreender pelo que disse a Alice, mas contentou-se a apenas direcionar sua decepção e talvez isso tenha sido o mais cruel que alguém fez por mim em algum tempo.


Dificilmente mulheres tinham o dom de me fascinar com poucas palavras, principalmente se são do tipo duronas como Molly, mas por detrás da Rainha da Delux certamente existia alguém que me cativava como nenhuma antes conseguiu.

Em poucos dias descobri que Molly Bern definitivamente não era tudo aquilo que pintava e o a mulher escondida por baixo de tantos escombros realmente me interessava. O mínimo que transparecia dela nos momentos em que estávamos sozinhos fora do escritório ou com Melany era suficiente para demonstrar que Molly havia sido terrivelmente magoada no passado e tudo que mostrava não passava de uma arma para afastar quem quer que fosse que representasse qualquer tipo de perigo para um emocional abalado... Talvez dilacerado.

Por trás desses olhos ríspidos existe outro olhar sensível e frágil que contemplei nas poucas vezes em que Molly esteve comigo sem a máscara que gostava de sustentar.

— Vou almoçar senhorita Bern — Comuniquei colocando-me de pé após toda a reflexão silenciosa balançar-me — Precisa de algo mais por esse tempo?

— Não, está tudo bem — Respondeu imediatamente — Você costuma almoçar por aqui mesmo?

— Sim senhorita — Molly encarou-me por detrás dos óculos e piscou educadamente.

[...]

— Quem é vivo sempre aparece. Não te vi a manhã toda! — Me sentei ao lado de Alice com a bandeja do almoço e cumprimentei os demais com um breve aceno.

Todos os presentes — inclusive Pierre, que agora não desgrudava do pessoal — me encaravam em busca de respostas para suas perguntas silenciosas.

— Estava trabalhando — Tentei evitá-la toda a manhã por causa do que houve. Era muito claro que todos os presentes na boate aquela dia estavam em busca de uma entrevista detalhada sobre meu caso com Molly. Emily e os demais, por sua vez, não ousavam me dirigir à palavra depois do ocorrido.

— Porque todos estão estranhos? — Questionei a Alice notando certo clima tenso.

— Jura que não sabe? — Brincou enfiando o garfo em sua salada e rindo baixinho.

— Alice... Fale! — Intimei e ela suspirou se aproximando um pouco mais para falar em baixo tom de voz.

— É por causa de Molly... — Franzi o cenho e dei de ombros — Ficou muito claro na noite da festa que ela tem uma queda por você. Você é tipo dela agora.

O silêncio dominou minha mente e nossa conversa por alguns segundos. A água entalou em minha garganta quando a engoli e tive de pigarrear para conseguir voltar a respirar.

— Isso só pode ser uma brincadeira, certo? — Alice deu de ombros e limpou os lábios em um guardanapo ao lado.

— Você foi embora com a chefe, cara. Isso foi uma brincadeira também? — Suspirei e sorri.

— Foi uma longa história — Notei que todos nos encaravam, mas desviavam o olhar quando notavam o meu em direção ao deles — É verdade que realmente pensam que eu e Molly... — Não concluí a sentença. Alice deixou claro que dizia a verdade apenas com o olhar.

— Sim... Todos pensavam que você é dela agora — Deu um tapinha em meu ombro — Certamente ninguém irá querer te incomodar, meu caro.

— Então haverá um lado bom nisso tudo — Gargalhamos baixinho. Ela pousou a mão em meu ombro.

— O que aconteceu de verdade entre a Rainha e você?

— Não aconteceu nada. Molly para mim é apenas uma chefe e não serei capaz de misturar vida pessoal ao trabalho. Mesmo que me interessasse de alguma forma, Molly é inacessível — Minhas palavras eram verdadeiras. Aquela mulher fascinante era impossível para mim e para qualquer um que ousasse se aproximar.

— É o que eu ia dizer... A Rainha de gelo é meio amargurada com homens. Nós sabemos que ela jamais foi vista com um e qualquer cara que dê encima dela leva a patada do século! — Confirmou o que eu já vinha observando.

— Ela nunca teve alguém publicamente? — Questionei com um de curiosidade. Alice cobriu a boca que mastigava para responder imediatamente.

— Jamais! A poderosa não gosta de homem e nem de mulher... Acho que nem dela mesma! Sequer você, sendo tão encantador e galanteador, poderia mudar aquela megera ou ter alguma chance — Explicou com muita convicção — Vários homens importantes e poderosos já buscaram proximidade, mas Molly sempre arrumava um jeito de espantá-los com muita classe.

Tive de baixar a cabeça perante os argumentos, uma vez que eram muito reais e relevantes. Molly nunca se envolveu com um homem e isso era uma prova concreta de que o pai de Melany havia ter deixado um rombo gigantesco na vida dela, talvez algo irreparável!

Se homens importantes e poderosos não tiveram chances, quais eu poderia chegar a ter, afinal?


Permaneci em minha sala com os pensamentos longe, mais especificamente no refeitório. Tentei desenhar alguma coisa, mas sequer um detalhe nos modelos surgia... Naquele momento eu não era capaz de nada.

Alexander tinha o poder me fazer se sentir culpada como ninguém conseguia. As cenas do ocorrido mais cedo com Alice se passavam em minha mente de um jeito que – pela primeira vez em anos - não me era muito agradável. Estar na posição de poderosa me parecia severo demais e um grande motivo para me levar a pensar sobre certas atitudes. Repudiei-o por isso.

Evitando pensar mais no assunto, coloquei-me de pé e caminhei pela sala buscando espairecer os pensamentos perdidos. Quando dei por mim, estava parada próxima à mesa dele.

Assim que respirei o mesmo ar que Alexander respirou e vi a blusa de frio dele dobrada perto da cadeira senti imensa vontade de enfiar o nariz em meio ao tecido e trazê-lo ainda mais perto. Apertei o rosto entre as mãos para afastar tais vontades e ignorei o nervosismo que me assolava. Eu já me encontrava demasiadamente envolvida e tudo parecia um absurdo!

Sai da sala com pressa.

Quando em vida pensei ficar admirando roupa de homem totalmente apaixonada? Não sou mulher para isso, definitivamente, e foi para tal que sempre ignorei os romances! Alexander exercia sobre mim certo fascínio inexplicável!

Deparei-me com o departamento todo vazio devido ao horário de almoço e pela primeira vez passei despercebida pelas mesas ali presentes. Tomei um gole de água, enrolei olhando a vista e cheguei – em um minuto de insanidade - a querer espiar a todos no refeitório. As palavras de Pierre ainda estavam vivas em minha mente. "Na hora do almoço todas as garotas ficam ao redor dele".

— De pensar que sou eu quem banca esse teatro todo... — Murmurei caminhando pelos corredores ouvindo apenas meu salto estalar no piso de mármore azul — E ainda fico aqui dando motivos para o show continuar — Adentrei a sala de segurança — Heitor?

— Sim senhorita — O chefe de segurança derrubou tudo pelo caminho e parou a minha frente em uma postura rígida — Em que posso ajudar?

— Dê uma volta lá embaixo. Tem gente perturbando no refeitório — Não demorou a sair e me deixar sozinha com todas as câmeras de segurança.

Sentei-me em sua cadeira giratória após fechar a porta. Em frente ao computador de comando digitei a palavra refeitório e todas as câmeras do sistema mostraram imagens do local. Procurei nos vídeos as imagens e sem muito esforço localizei Pierre de pernas cruzadas tagarelando ao lado de Alexander - que estava sentado entre ele e Alice.

Naquele momento foi como se um estalo se fizesse em minha mente! Cheguei mesmo ao ponto de entrar na sala de segurança da empresa somente para bisbilhotar se meu secretário estava se envolvendo com alguma garota da corporação?

Desliguei os aparelhos rapidamente e caminhei para o escritório novamente após apanhar uma barra de cereais na sala de reuniões. Sentei-me a mesa analisando novamente os modelos buscando esquecer a infantilidade que assolava minha alma.

Alexander não poderia me tirar do sério assim a ponto de mandar em minha vida de tal forma. Constatar que eu me importava com que estava ao redor dele era ainda mais preocupante, talvez até o fim da linha!

— Você não vai me deixar louca Alexander, não vai! — Sussurrei para mim mesma ao passo em que engolia um analgésico.

— Molly?

Ergui os olhos e ele estava parado a porta. Pigarreei e tentei disfarçar.

— Você vai me deixar louca com as coisas que faz! — Vi seu rosto ficar impaciente e confuso com as primeiras palavras que vieram a minha mente para despistá-lo.

— O que fiz de errado senhorita? Basta-me dizer que farei tudo novamente conforme solicitado — A tal sensatez dele me deixava ainda mais apreensiva. Ao contrário do que pensei, Alexander não me dava motivo algum para despachá-lo e parecia cada vez mais empenhado em se manter presente.

— Está ótima essa pré-avaliação que fez sobre os modelos — Sequer olhei para seu rosto, mas pude constatar pelo silêncio que o surpreendi.

— De verdade? — Sussurrou com certo tom de espanto singelamente postado ao lado de minha mesa — Não quer que reveja nada?

— Não — Dei de ombros — Adorei. Como foi o almoço? — Senti uma leve hesitação de sua parte sem encará-lo. Sorri de canto por trás dos papéis enquanto ele voltava até sua mesa.

— Nada é tão agradável quando o seu nome circula entre os demais — Comentou brevemente e também envolvido em outra tarefa.

— O meu nome? — Ironizei — Isso sempre acontece, não é bem uma novidade. Digamos que não sou a pessoa favorita de ninguém por aqui.

— Não... Quero dizer... O seu nome também estava no meio da conversa, mas me referi a mim — Explicou e finalmente tive de encará-lo — Quero dizer que todos estavam falando sobre nós.

Abaixei o papel com a surpresa que tomei. Quando nossos olhares se cruzaram Alexander não pôde evitar dar uma gargalhada baixa.

— Falando sobre... Nós? — A última palavra soou engasgada. Inclinei-me para frente de maneira engraçada e interessada. O sorriu dele se alargou ainda mais.

— Sobre a festa. A dança... — Explicou um pouco sem jeito — É inevitável que pensassem que nós dois... Bom...

— Eu disse que era péssima ideia.

— Não se preocupe — Desculpou-se — Já esclareci que nossa relação é puramente profissional e não deixei duvidas de seu caráter. A vida pessoal não entra nesse recinto.

— Certamente — Recordei-me dos momentos em que dançamos juntos e um nó se fez em minha garganta — Mas confesso que nada ali parecia estritamente profissional.

— Depende do ponto de vista... Quer mesmo falar sobre isso? — Seu tom interessado me fez sorrir, mas tentei dissimular.

— Quero que fique longe de mim, está bem? — Garanti um tanto nervosa.

— Está certa disso?

— Estou certa que irá arrumar um grande problema e isso pode te gerar uma justa causa... — Ressaltei apenas para assustá-lo.

— Tudo bem, mas certos problemas me atraem terrivelmente — Seguia digitando em seu computador como se a conversa fosse banal.

Apertei os olhos levemente e respirei profundo. Certamente assim não era a melhor maneira de me afastar, afinal. Coloquei-me de pé e caminhei até sua mesa com um bolo de papéis em mãos. Joguei a pilha a sua frente de maneira impositiva.

— Seu único problema aqui é essa pilha de modelos para analisar. Espero que faça um bom trabalho — Caminhei até a saída da sala, mas não sem antes ouvir sua voz aveludada sussurrando uma provocação.

— Sempre faço senhorita Bern, basta me dar uma oportunidade. Sai dali fantasiando com o que tudo aquilo significava.


CAPÍTULO OITO

 

Os dias se estendiam de maneira lenta ao lado de uma chefe durona e trabalhos acumulados. Molly se empenhava em tornar minha vida impossível na Delux e eu, por minha vez, buscava driblar suas vãs tentativas de transformar o trabalho em um calvário.

Algo realmente sobrenatural me conectava a Molly Bern, algo tão forte e avassalador que me assustava em determinados momentos.

"Você jamais se submeteria a uma chefe como essa normalmente, filho."

Dissera minha mãe ao me ver pensativo e atolado em trabalho em uma tarde ensolarada de domingo.

"Realmente Molly é apenas uma chefe?". Lançou a pergunta final em tom de brincadeira, mas deixando no ar a tensão que se acumulava a dias em meus pensamentos.

Obviamente não.

Obviamente Molly representava muito mais do que isso a essa altura. Todo seu mistério significava algo muito maior do que seu temperamento forte no trabalho. O que existiria por trás da rainha da Delux? Qual seria seu segredo?

— Bom dia... — Assim que sai do elevador vi Alice parada ao lado de fora e pela experiência que adquiri ao longo dos dias isso não era um bom sinal!

— Bom dia. Está tudo bem? — Beijei sua bochecha repleta de maquiagem em um cumprimento amigável.

— Olhe para minha cara... — Apontou para o rosto — Acha que está tudo bem? — Suspirei diante de sua expressão cansada.

— Acho que não... — Coloquei as mãos nos bolsos de modo a me preparar para a avalanche que viria a seguir.

— É claro que não! — Segurou em meu braço com se implorasse apoio — A megera está na sala.

— Como assim? — Consultei o relógio de prata em meu pulso. Eram oito e cinquenta da manhã e Molly estava realmente adiantada — A que devemos a honra?

— Hoje é dia de ajuste final — Sussurrou enquanto caminhávamos juntos entre as mesas do departamento. Todos me cumprimentavam e praticamente ignorei para prestar atenção nas palavras de Alice — Pierre e Sebastian entregaram os modelos. Estamos no dia em que a poderosa avalia e reajusta toda a coleção da próxima estação. Basicamente o dia de inferno para todos aqui no departamento...

As palavras dela fizeram todo o sentido. Molly não deveria experimentar um bom humor, dado o momento. Tudo tinha de sair perfeito para a próxima coleção pegar no mercado e as vendas decolarem. Tudo dependia dela.

— Oh... — Olhei em volte e todos se dedicavam ainda mais ao trabalho naquela manhã. Não havia ninguém disperso, uma vez que todos os olhares se concentravam no computador, na tesoura, nos panos, nos papéis ou nas pequenas discussões. Os nervos saltavam em plena manhã de uma sexta-feira — E qual é a dica de sobrevivência básica? — Paramos frente à sala de Molly. Alice colocou a mão em meu ombro com os olhos tristes.

— Esse é o dia, cara. O dia do fim da linha! Aquele dia que ninguém sobrevive a mais de um ano — Sussurrou com a expressão transtornada — Te desejo boa sorte, amigo.

— Animador, amiga — Removi o terno e arregacei as mangas da camisa — Vou ver o que posso fazer para ajudar e tentar manter meu emprego, afinal, vivo do meu salário! —Pisquei e ela sorriu.

— Basta arranjar uma coroa bacana para te bancar que tudo se resolve para você, cara — Brincou e gargalhamos — Boa sorte! — Quando entrei na sala ainda pude ver o rosto de Alice se contorcendo em uma expressão de pena. Fechei a porta atrás de mim e respirei profundamente.

Os últimos dias ao lado de Molly não foram de todo o mal.

Claro que na maioria do tempo ela estava estressada e às vezes exagerava, mas, ao que parecia, estava tentando se controlar. Não me atrapalhava e sequer me dirigia à palavra... Era como se tentasse me evitar o máximo que pudesse ou quisesse fugir de minha presença a todo o custo.

Conversávamos mais longamente quando se tratava de uma atividade, repreensão por bobeiras - muitas vezes! - e sobre o estado de saúde da pequena Melany.

A festa, o incidente depois dela e as fofocas entre os funcionários relacionados a nós eram assuntos proibidos, tratados como se nunca houvessem acontecido.

Alice andava por ai jurando que a Rainha da Delux fazia de tudo para não me ver sozinho com as garotas, principalmente Rachel, já que Emily havia sido demitida por justa causa há alguns dias. Não sei como, mas Molly conseguiu um jeito de passar a garota para trás com toda sua elegância.

Sentada em sua mesa e falando ao telefone, Molly me direcionou um olhar rápido e faceiro quando entrei. Pensei em dizer bom dia, mas como parecia ocupada apenas me limitei a acenar com um sorriso pequeno.

Estava linda naquela manhã, por sinal. Usava um clássico vestido rosa escuro e um batom no mesmo tom. O cabelo negro estava preso em um coque bem feito e o óculos de grau cobria os olhos grandes e expressivos.

— Mas é claro que podemos comer pudim de chocolate amanhã, amor — Disse em tom de voz meigo — A dieta já era! Não precisamos disso! — Fingi fazer algo, mas continuei atento a sua conversa — Claro, a vovó vai nos ajudar a fazer, com certeza! Sou uma catástrofe na cozinha, você sabe — Sorriu e notei que a caneta em suas mãos de movia sobre o papel enquanto falava — Chamar quem para almoçar conosco? — Olhou para o que escrevia de forma confusa — Alexander? — Ergueu os olhos e me avistou. Sorri e assenti certamente constrangido pelo pedido de Melany — Filha, preciso desligar. Nos falamos mais tarde meu amor. Mamãe te ama.

— Bom dia senhorita Bern — Aproximei-me de sua mesa após ajeitar minhas coisas — O que temos para hoje?

— Bom dia. Já concluiu os relatórios da última linha? — Questionou sem me encarar, fixa em seus desenhos. Não parecia estar louca como Alice mencionou, mas certamente ocupada e entretida. Apoiou a caneta no queixo de forma delicada e não pude evitar ficar encantando com o jeito como analisava os papéis.

— Sim senhorita — Assenti colocando as mãos no bolso da calça — Tudo está pronto. Os pedidos, os projetos... Tudo.

— Quanta eficiência — Pareceu pensar ainda analisando o papel — Sempre fica algo para trás. Que tal dar uma revisada?

— Como quiser — Voltei para a mesa sem pensar e sentei-me. Comecei a revisar os pedidos olhando para ela de canto, sem poder de fato me concentrar em tudo.

Minha vontade era citar o pedido de Melany, mas como Molly não tocou no assunto achei ser desnecessário aprofundá-lo.

Em certos momentos encontrei seus olhos deslizando para os meus de maneira tímida e sorri mais ainda. A forma sutil como tenta ocultar que se interessava por meu olhar sugeria o que minha mente diversas vezes tentava ignorar... Molly sentiria algo por mim?

O jeito como falava sozinha com os desenhos a sua frente me fazia sorrir e a quilômetros de distância alguém podia notar que entre nós dois existia algo forte e poderoso.


— Pierre ou Sebastian? — Encarei Alexander e ele me retornou prontamente — Quem assassino primeiro? — Ganhei uma risada apesar de estar terrivelmente nervosa.

— Acho melhor não fazer isso com nenhum deles. Sabe que são seus melhores estilistas — Piscou interessado e seus olhos verdes brilharam na luz da sala — Por quê? Qual é o problema agora? — Ergui dois desenhos de vestidos em sua direção.

— É exatamente isso! Os dois são ótimos e tenho somente mais uma vaga na coleção! — Choraminguei e ele pareceu compreender — Qual deles devo escolher para a quadragésima vaga? — Usei um tom de súplica, pois os vestidos eram deslumbrantes.

— Uau... Quarenta? — Antes que eu dissesse algo Alexander já vinha em minha direção. Apoiou os braços na mesa e estudou os desenhos atentamente com sua expressão enigmática e incrivelmente tentadora. Apenas o gesto trouxe seu perfume tão próximo a ponto de me desnortear — Realmente são de uma qualidade gigante e ambos passar a forte impressão de peculiaridade.

— E são apenas dois deles. Tenho mais uma pilha para escolher e enquadrar — Coloquei os desenhos novamente na pilha e suspirei — O que acha? — Deu a volta e ficou ao meu lado de modo a poder ver melhor.

— Esse modelo é fantástico! — Apontou um desenho de Sebastian — Seria minha escolha certamente. A primeira dama usou um modelo parecido na festa de aniversário do presidente e todos os veículos de mídia noticiaram a elegância que transmite de uma maneira doce e recatada. Certamente venderá em abundância.

— Tem razão. Li uma ótima reportagem sobre ele — Apanhei o modelo e coloquei ao lado.

Enquanto seus olhos examinavam os esboços cautelosamente, notei que se inclinou um pouco e ficou apoiado em minha cadeira. Pensei em repreendê-lo por estar tomando todo o espaço, mas a opinião dele - breve, porém sutil - estava me ajudando na escolha dos modelos e abrindo novas possibilidades.

Sutilmente esse homem se infiltrava em minha vida e em minhas escolhas de modo que era praticamente impossível repreendê-lo, mas também impossível aceitá-lo!

— Esse está incrível também — Apontou para um modelo de Pierre — É maravilhoso e talvez o melhor de todos, mas me parece que está faltando um detalhe... — Adotou uma expressão pensativa.

— Penso a mesma coisa! — Encarei-o e seus olhos verdes se apertaram para pensar — O que será que falta?

— Talvez se o comprimento fosse menor ou... — Apanhou um lápis sobre a mesa e se curvou sobre o desenho de modo a fazer um ajuste — Podemos dar uma puxadinha aqui.

— Está certo — Vi seu sorriso crescer quando empilhei aquele modelo aos escolhidos.

— Espero que Pierre não fique bravo... – Endireitou-se novamente.

— De certo que não — Dei de ombros — Pegue sua cadeira e sente ao meu lado... Ainda temos mais dezoito para escolher.

Os palpites e pontos expostos por Alexander realmente facilitaram meu dia de trabalho e tornaram a escolha da coleção algo muito mais produtivo e fácil de ser executado. Funcionamos bem como dupla e dar a oportunidade a ele de trabalhar bem ao meu lado se mostrou proveitoso e agradável.

— Creio que formamos uma boa equipe — Comentou enquanto organizava os desenhos escolhidos — Não é por nada, mas acredito que essa será a melhor coleção da Delux em muitas temporadas.

— Pierre e Sebastian estavam mesmo inspirados — Abanei-me com um pedaço de papel sobre a mesa e apertei o botão chamando Alice — Quer uma água?

— Sim senhorita. Vou buscar... — Quando ameaçou levantar, segurei seu pulso. Olhou-me um tanto surpreso e retirei a mão de seu braço.

— Perguntei se você quer uma água. Não pedi que fosse buscar uma — Sorri levemente e ele se sentou com o olhar ainda mais surpreso.

— Ah... Desculpe — Alice atendeu ao telefone.

— Alice, traga duas águas, por favor — Pediu com o tom mais ponderado que de costume.

— Porque pede tais coisas a Alice? Sou seu assistente e é meu dever te servir — O jeito como disse tais palavras me acelerou a pulsação e minhas palmas começaram a suar.

— Está ocupado agora, não está? E, além disso, é muito difícil se acostumar com a ideia de que tem um homem me servindo — Ironizei e ele assentiu negativamente com um sorriso debochado — Já disse que nunca quis um secretário.

— Por acaso é daquele tipo feminista?

— Agora que percebeu? — Dei de ombros e ele riu baixinho. A porta foi aberta e Alice entrou afoita com as duas garrafas em mãos.

— Senhorita, eu... — Deteve-se quando viu Alexander sentados lado a lado comigo em minha mesa. Sua face enrubesceu — Oi Alex.

— Oi Alice — Sorriu para ela também. Alice entregou as águas sem tirar os olhos de Alexander e isso bastou para eu perceber que as fofocas sobre um suposto envolvimento entre nós começariam novamente — Obrigado Alice.

— Disponha. Com licença.

Assim que a porta se fechou nós dois nos encaramos ao mesmo tempo com a expressão confusa e envergonhada. Alexander abriu a garrafa de água dele e tomou um gole enquanto eu escondia o sorriso constrangido.

— Fofocas e mais fofocas... Prepare-se — Tentei abrir a garrafa, mas me parecia impossível dada à tremedeira em meus dedos. Notando minha força em vão, Alexander se ofereceu para abrir com um aceno breve. Entreguei-lhe a garrafa.

— Não há problema. Estamos trabalhando, afinal — Abriu a garrafa com facilidade e entregou-me em seguida.

— Claro — Bebi a água e meu telefone tocou. Vi Alexander atender rapidamente.

— Delux, boa tarde — Pigarreou e sorri com seu jeito engraçado ao telefone. Transformou-se em um homem sério de repente — Sua mãe? — O sorriso lindo que se desenhou em seu rosto deixou claro quem era ao outro lado da linha — Não conheço nenhuma mãe de Melany não... — Brincou.

— Alexander! É você não é?

Era possível ouvir a voz de Melany pelo fone.

— Sim, princesa, sou eu. Sua mãe está aqui e já passo para ela — Mordi os lábios — Ah, agora você quer falar comigo? — Alexander sorriu para mim — Acho melhor falar com sua mãe... Sabe como ela é ciumenta, não sabe? Certo. Até mais princesa — Me passou o telefone — Melany.

— Oi filha — Atendi contente.

— Mamãe chame o Alexander para vir aqui em casa... — Sua voz era empolgada, daquele tipo difícil de resistir.

— Melany... Não é assim que as coisas funcionam — Tentei disfarçar meu tom enquanto ele terminava de empoleirar os desenhos na pasta catálogo com o slogan da empresa.

— Mas mãe, quero vê-lo! Alexander é meu amigo! — Sussurrou com a voz baixinha — Por favor...

— Melany... — Busquei convencê-la do contrário — Já conversamos sobre isso querida. Existem prioridades.

— Fico o dia todo presa na cama com a Amber falado besteiras... Só uma vez, vai! Por favor! — O apelo me cortou o coração e afastei o telefone para encará-lo.

— Alexander... Vai fazer algo no final de semana? — Questionei com o rosto enrubescido e os olhos baixos.

— Vou? — Tentei não sorrir ao observar sua expressão sorrateira, mas era quase impossível ignorar a felicidade estampada em seus olhos claros. Aquele homem sabia mesmo jogar.

— Mel quer que vá almoçar em nossa casa domingo. Você aceita?

— Claro que sim — Concordou imediatamente — Diga a ela que estarei lá.

— Mel? — Coloquei o telefone de volta no ouvido com um sorriso um tanto desacreditado — Ele irá.

Ao desligar o telefone vi um sorriso sorrateiro desenhando os lábios daquele homem que se infiltrava cada vez mais em minha vida de uma maneira pouco convencional e cada vez mais misteriosa.

Era como se a vida buscasse nos unir.

Como se o meu caminho se cruzasse a cada ponto com o dele mesmo que eu lutasse ferozmente contra isso.


— Senhorita Bern? Precisa de mais alguma coisa? — Arrumei minha cadeira em seu lugar e fechei todas as pastas como deveria fazer em toda sexta-feira — Já estou de saída.

Olhei ao relógio para checar se eram mesmo cinco da tarde. Toda equipe já se retirava aos poucos e o clima de final de semana invadia o ambiente com a alegria habitual.

Molly me encarou ainda em sua mesa enquanto vasculhava a bolsa enorme em busca de algo. Cruzei os braços aguardando sua resposta. Ela sorriu envergonhada quando notou minha espera.

— Acaso viu minha chave do carro? — Questionou afoita e procurando mais rapidamente. Dei um passo à frente e apanhei o molho de chaves pousado sobre a ponta de sua mesa. Assim que ouviu o barulho de chaves se chocando seus olhos grandes e escuros se ergueram para mim — Ah! Obrigado... Não sei onde ando com a cabeça.

— Você está muito atarefada senhorita... Deveria relaxar — Pisquei para ela e lhe lancei um sorriso.

— Tem razão... — Concordou passando a mão no rosto cansado como se buscasse voltar ao foco — Fizemos um trabalho ótimo hoje.

— Até que somos uma boa dupla — Gargalhamos juntos e completamente surpresos pelo clima amigável. Era a primeira vez que Molly Bern, a megera da Delux, me tratava com alguma hospitalidade — Bom... Boa noite — Dei-lhe as costas e caminhei em direção a porta — Até domingo, certo?

— Ah, claro. Até domingo — Não me olhou ao responder, apenas torceu os lábios em um sorriso pequeno enquanto digitava no notebook.

Suspirei por sair da sala e ter me livrado da companhia dela. Era terrivelmente gratificante ficar com Molly Bern – uma mulher tão atraente - e ser elogiado por meu trabalho. Estar na presença dela me encantava e era quase um privilégio imensurável, porém havia o lado estritamente profissional que me recordava que tudo aquilo não passava de uma interação entre chefe e funcionário.

Minha chefe estava longe de ser o tipo de mulher que se consegue por uma sedução barata. Mesmo que me interessasse, Molly jamais se interessaria por um homem como eu, um tipo sempre rodeado por outras mulheres e totalmente instável.

— E ai garanhão? — Deparei-me com Lucca no térreo ao sair do elevador.

— Boa noite — Cumprimentei-o já acostumado com a brincadeira — Qual é a boa noticia? Todos saíram cedo hoje...

— Todos não te esperaram hoje — Corrigiu-me com um olhar meio engraçado e passamos a caminhar juntos em direção a nossos caros.

— Mas por quê? — Dei de ombros.

— Pensamos que não iria tomar uma conosco hoje — Seu tom esbanjava duplo sentido. Franzia o cenho e ele me deu um tapinha no ombro — As meninas acharam que você estaria com a patroa.

— Pensei que a questão entre Molly e eu estivesse terminada — Detive-me no caminho e ele se assustou com meu tom alterado — Nós dois somos apenas colegas de trabalho.

— Me desculpe Alex, mas as noticias correm — Tentou explicar com o rosto confuso — Primeiro você não apareceu para o almoço e depois Alice te viu sentado juntinho da poderosa... — Sussurrou com um sorriso malicioso — Qual é Alexander! Vocês...

— É exatamente o que parecia. Duas pessoas atoladas de serviço! — Corrigi de maneira enfática — Parem de criar histórias, meu caro. Molly não é desse tipo não.

— Não fica chateado, apenas falei para não ficar um clima chato na segunda.

— Tudo bem — Apertamos as mãos quando cheguei ao meu carro — Até segunda.

Entrei no carro e ajeitei-me confortavelmente no banco do motorista, onde me mantive sentado por um bom tempo. Encostei a cabeça contra o banco e respirei profundamente. Ao mesmo passo em que as coisas iam bem com a patroa, todo o pessoal resolvia me ver como um inimigo a ser abatido. Por outro lado, Molly não parecia gostar de me ver próximo do pessoal.

Me vi confuso em meio a tantos questionamentos, mas o principal tormento de minha mente ainda conseguia ser o perfume embriagante de minha chefe preso em minhas narinas.

Enquanto aguardava na fila para sair do estacionamento avistei-a descendo do elevador e falado ao celular. Trazia uma expressão linda e doce como quando falava com a filha.

Estreitei o olhar e travei o maxilar enquanto a observava ao longe. A cada dia que passava me interessava ainda mais saber quem era o pai da filha de Molly e o porquê do mesmo não participar da vida delas.

Sutilmente nos aproximávamos e as coisas se entrelaçavam de maneira surpreendente. Até que ponto nossa relação de trabalho poderia nos levar?


CAPÍTULO NOVE


— Então você não vai almoçar conosco amanhã como em todos os domingos, Alexander?

Parada a beira do fogão mamãe mexia em suas panelas enquanto eu lavava alguns pratos na pia para ajuda-la com o jantar. Gargalhei com sua pergunta após a informação que dei a pouco, certamente receoso por temer sua reação diante do fato.

— Como eu disse... Irei almoçar com a menina Melany e sua mãe, Molly — Segui ensaboando a louça sem encará-la diretamente.

Não era meu perfil almoçar na casa de ninguém — muito menos de uma possível pretendente — principalmente sendo ela minha superior na empresa! O olhar desconfiado de Addie, minha mãe, me fazia sorrir como um bobo por imaginar o que se passava em sua mente naquele instante.

— Almoçar com Molly e Melany? — Seu tom diferente alargou ainda mais meu sorriso — Por acaso é quem estou pensando?

— Sim mamãe... Trata-se de minha chefe. Já conversamos sobre ela — Dei de ombros e a encarei rapidamente. Sua expressão era engraçada.

— Certamente me recordo de ter mencionado sua chefe, querido, mas certamente naquela ocasião você não se interessaria muito em almoçar com ela e... Melany é filha dela, certo? — Estreitou o olhar e pousou a mão na cintura enquanto me encarava.

— Você vai almoçar com a megera bonitona, Alex? — Sobressaltei-me com a voz de uma de minhas irmãs. Eve e Elena, as gêmeas, entravam na cozinha juntas e animadas, como de costume. Suspirei por me recordar de ter dito tal frase para uma delas.

— Maldita hora que abri a boca para conversar com você, Eve — Uma delas caminhou até a geladeira e a outra sentou a mesa com uma maça entre os dedos.

— Na verdade você falou para mim, maninho — Elena repreendeu após constatar meu erro.

— Ninguém mandou vocês terem o mesmo rosto! — Suspirei.

— Alexander vai almoçar com ela amanhã... E com Melany — Mamãe, que nunca foi fã de segredos, pentelhou antes que eu pudesse concluir. As meninas fizeram barulhos insinuando uma possível paixão.

— Isso me cheira a compromisso... — Eve comemorou — Será que finalmente teremos uma cunhada?

— Não era você quem não podia ouvir falar em namoro? — Vire-me em direção a elas e arremessei um pano na direção de Elena. Ela o agarrou no ar e se aproximou para secar a louça.

— Ninguém aqui falou em namoro — Corrigi enfaticamente e com certo desconforto. Realmente nunca me julguei capaz de gostar de alguém a ponto de oficializar uma relação, porém tão pouco cheguei a falar sobre ninguém para minha família como acontecia com Molly — Sou um grande amigo da filha dela, Melany.

— Então temos uma sobrinha postiça na situação? Está ficando cada vez mais legal! — Eve passou a guardar a louça que Elena secava e colocava sobre a mesa da cozinha.

— Ela não é casada, certo? — Mamãe me pareceu muito interessada.

— Certamente não, mãe. Molly é mãe solteira — Respondi rapidamente para acalmá-la.

— Oh, entendo — Como mãe solteira também, pude ver o olhar compreensivo de Addie — Sinto você muito empenhado com elas, querido.

— E você não é a única... — Eve comentou. As gêmeas de rostos idênticos me encaravam com a expressão repleta de segundas intenções.

Sempre foi um desejo de minha mãe me ver compromissado de uma mulher para formar uma família, algo que já se tornava praticamente um sonho diante de meu comportamento livre em relação ao amor. Nunca me prendi e jamais considerei levar a sério um relacionamento. O de meus pais havia sido um caos e em minha mente todos iam pelo mesmo caminho.

— O que há de errado em almoçar com Molly? Você também é mãe solteira, Eve. Por certo sabe como é importante quando o filho vê um amigo em uma figura masculina. Somos somente amigos! — Minha irmã franziu o cenho.

— O meu filho não tem um melhor amigo vinte anos mais velho... Eu não permitiria se não houvesse um interesse meu na situação — Explicou em tom ponderado.

— O que quer dizer? — Encarei-a um tanto receoso. O rosto dela corou enquanto mamãe e Elena riam.

— Está na cara que a tal Molly se interessa por você! — Elena enfatizou colocando uma das mãos em meu ombro — É natural, não acha? Você já está com vinte e muitos anos e já passa da hora de arrumar um rabo de saia.

— Elena, pare de encher seu irmão! — Mamãe repreendeu quando me vi sem palavras — Eve, que tal ver como está Ethan? Estava brincando perto do jardim e não gosto que fique lá sem supervisão.

Vi naquele momento a oportunidade perfeita para me distanciar da situação. Elena e Eve achavam mesmo que Molly se interessava por mim?

— Eu vejo Ethan. É melhor lidar com um garoto de seis anos do que com essas duas idiotas de vinte e poucos — Tirei o avental e sai da cozinha em passos largos indo até o jardim.

Meu sobrinho se encontrava sentado na sombra da arvore brincando com um carrinho. O cabelo loiro brilhava de longe, assim como o sorriso infantil e doce. Aproximei-me e sentei ao seu lado.

— Oi titio — Disse sem me olhar. Surpreendi-me por ele ter a noção de que era eu quem estava ali.

— Olá rapazinho...

— Elas mandaram você vir me ver?

— Sim — Assumi — Está de boa?

— Se tivesse alguém para brincar comigo estaria bem melhor! — Sorriu persuasivamente — Você quer brincar de carrinho comigo?

— Sou velho demais para isso, não acha? — Dei um tapinha em seu ombro — Mas posso jogar vídeo game. O que acha?

— SIM! — Colocou-se de pé no mesmo momento e sua felicidade era demasiada — Vamos, por favor! Quero jogar fifa!

— Certo, vamos jogar fifa! Você deveria ter um irmão para brincar, cara.

— Mamãe não tem namorado para me dar um irmão. É o que ela diz — Explicou dando de ombros — Enquanto caminhávamos para dentro Ethan me surpreendeu com outra pergunta — Porque você não tem um filho, tio? Assim terei alguém para brincar.

— Eu também não tenho namorada... — Chacoalhei seu cabelo e o garoto gargalhou — Mas posso trazer alguém para brincar um dia, o que acha?

— Quem? — Me encarou um tanto confuso.

— Uma garotinha. O nome dela é Melany.

E aquela foi a primeira vez que Ethan ouviu sobre Melany... A primeira vez que um sorriso ainda mais doce decorou seu belo rosto infantil.

[...]

O relógio soou anunciando o despertar, mas para minha total surpresa a ansiedade foi responsável por me tirar o sono muito antes do horário certo para acordar.

Fechei o aplicativo do despertador após me olhar no espelho e verificar uma vez mais se o vestuário estava bom. De fato sempre fui vaidoso, mas me arrumar para almoçar na casa de Molly foi à coisa mais difícil que já fiz em anos.

Ela me deixava nervoso.

Fazia-me suar.

Intrigava-me como qualquer mulher jamais havia feito!

Finalmente a vida me dava à oportunidade de saber um pouco mais sobre sua história e isso certamente não seria desperdiçado. Havia algo em mim que desejava muito mais de Molly... Muito mais do que ela poderia oferecer, certamente.

Fiz a barba, arrumei o cabelo e apanhei a roupa mais casual possível. Uma camisa xadrez branca a preta, jeans e tênis parecia ser suficiente para passar a impressão de que eu não buscava impressionar.

A televisão ligada no noticiário me ajudava a passar o horário enquanto meu dedo deslizada pelas teclas do celular. Verifiquei uma vez mais as fotos que tirei de Ethan para mostrar a Melany, ansioso para que a hora chegasse logo.

Não pude esperar.

Sai de casa um tanto mais cedo e passei no shopping da cidade, onde comprei um urso enorme para presentar Melany. Perambulei entre as lojas buscando algo para também presentar a poderosa, mas nada ali parecia estar à altura de Molly Bern, a rainha da Delux.

— Elena? O que posso dar a uma mulher que já tem o mundo a seus pés?

Questionei minha irmã ao telefone enquanto admirava uma loja de joias. Talvez fosse muito ousado presenteá-la com um colar ou um anel, quem sabe.

— Talvez uma noite romântica... — Respondeu seriamente.

— Elena... Hoje não — Repreendi antes que começasse a brincar demais.

— Que pergunta, hein? Nem parece o Alexander que conheci um dia, irmão! — Revirei os olhos e me arrependi de ter ligado — Há uma coisa que toda mulher gosta de receber.

— O que é tão obvio que não pude me recordar, afinal?

[...]

Respirei profundamente antes de descer do carro e apanhar os presentes.

Caminhei até o elevador e subi até o apartamento de Molly com a impaciência me dominando. Nada no mundo me faria desistir de entrar um pouco mais na vida daquela mulher que tanto me intrigava a tirava meu folego com apenas um olhar.

Parei em frente à porta e toquei a campainha sem hesitar, tomando por certa felicidade que apenas invadia o corpo de alguém a um passo de se apaixonar. Suspirei por pensar sobre isso.

— Um minuto! — A voz feminina gritou de dentro do imóvel.

Reconheci aquele som de imediato. Era Molly me pedindo para esperar. Apenas tentei relaxar e pensar que havia sido convidado. Mesmo que nada desse certo, tudo sairia bem. O barulho certeiro do molho de chaves se fez e Molly abriu a porta branca e grande com a respiração um tanto ofegante.

— Bom dia senhorita Bern — Cumprimentei a observando sem disfarçar.

Usava um short jeans com blusa de alças branca e pés descalços. O cabelo aparentava estar molhado e cheirava a banho morno. Imaginei-a no banho e não foi uma boa ideia... Repentinamente enrubesci e sorri.

— Bom dia Alexander. Aqui você pode me tratar com menos formalidade — Sua voz foi irônica, abrindo passagem para que eu passasse com o embrulho grande que era o urso — Confesso que cheguei a pensar que iria dar um cano em minha filha! Esse seria um bom motivo para você entrar em minha lista negra.

— Fico feliz em saber que ainda não faço parte dela — Adentrei ao apartamento e ela fechou a porta atrás de nós — Jamais faria uma grosseria destas com a pequena Mel e está um dia lindo demais para passar sozinho, não acha? — Pisquei e retirei de trás de mim uma rosa vermelha — Isso eu trouxe para você.

Molly paralisou diante da imagem da bela flor aos seus olhos.

— Desculpe? — Demorou um tempo para compreender a situação e não pude evitar comemorar o fato internamente — Uma rosa para mim? — Apoiou-se na porta de maneira engraçada enquanto me encarava com certa surpresa — Oh...

O olhar castanho de Molly deixava claro seu nervosismo. Estava sem palavras para expressar o ato e mal conseguia manter o sorriso apagado.

— Sim, é para você... Esse aqui — Sacudi o pacote em meu braço — É o presente de Mel.

— Não precisava se incomodar com isso, Alexander — Deu de ombros ainda olhando para a rosa sustentada entre nós dois. Parecia pensativa e com imensa vontade de sorrir.

— É um agradecimento por me receber em sua casa. Sei que não faço parte da lista de pessoas favoritas também — Molly abaixou o olhar e mordeu os lábios — Aceite. Trata-se de apenas uma rosa.

— Certamente... Uma. Jamais soube de um homem que presenteou uma única rosa para uma mulher — Comentou enquanto estendia os dedos em direção a rosa de maneira sutil. Sequer notei-a tomando a flor, tamanho comportamento genuíno e gracioso.

— Não é somente uma rosa. É uma rosa vermelha — Molly segurava a flor de maneira indiferente, algo que não me magoou como deveria. Era uma vantagem o fato de ela ter ao menos aceitado o meu presente — Isso entre seus dedos simboliza coisas poderosas, como, por exemplo, desejo, paixão e amor.

Os olhos castanhos se prenderam aos meus de forma ansiosa. Talvez eu tenha pagado pesado demais nas palavras, uma vez que era nítido o tremor em seus dedos e em seus lábios. Algo dentro de mim comemorava. Finalmente surpreendi a poderosa da Delux de um jeito real!

— Melany está te esperando — Sua voz soou entrecortada e a garganta engoliu em seco. Seus olhos eram incapazes de abandonar os meus e falavam por mil palavras — Falou a noite toda sobre sua visita.

— Onde ela está? — Busquei ser firme. Molly desejava ardentemente me ter longe naquele instante.

— Lá na sala vendo a televisão — Apontou a direção e assenti — Vou até a cozinha ver como está o almoço — A repreendi antes que pudesse me dar às costas.

— Você cozinhou? — Molly sorriu de canto um tanto tímida — Não posso imaginar tal coisa!

— Existem muitas coisas sobre mim que você sequer pode imaginar — Com sua elegância de sempre me respondeu e saiu caminhando para a cozinha de forma descontraída.

Sorri sozinho e concordei em pensamento. Um mar de segredos habitava o coração de Molly e eu, como um bom admirador, sequer podia cogitar o que se escondia nas profundezas.

Uma vez na sala, deparei-me com a pequena Melany sentada no sofá com sua perna ainda engessada pousada sobre uma fofa almofada.

— Onde está escondida a menina mais linda da cidade? — Ao ouvir minha voz, olhou no mesmo instante em minha direção e abriu um sorriso enorme.

— Alexander! — Se pudesse pular naquele momento certamente estaria correndo em minha direção com os bracinhos abertos. Aproximei-me e me abaixei para lhe dar um beijo no rosto — Que saudades!

— Também senti sua falta — Sentei-me ao seu lado quando me permitiu soltá-la. Estiquei o urso em sua direção e Melany abriu a boca em sinal de felicidade — É um presente... Não sou muito bom com esse tipo de coisa, mas espero que goste!

Melany bateu palminhas ao apanhar o embrulho. Cocei o rosto de maneira nervosa ao vê-la tão empolgada por algo tão comum. Seria meu presente pouco demais para uma menina que tinha tudo? Um lindo sorriso cobria toda sua face ao passo em que rasgava o papel verde com bolinhas brancas.

— Você me ajuda? — Pediu docemente e passei a rasgar também. Os olhos brilharam ao ver a bela figura do grande urso de pelúcia - Alexander, ele é lindo! Obrigado pelo presente!

— Gostou mesmo? Posso trocar se quiser — Mel me puxou em sua direção e inclinei-me para abraçá-la. Deu-me um beijo longo no rosto e ficou me apertando por minutos a fio.

— Gostei demais! Obrigado, obrigado, obrigado e obrigado! Obrigado por ter vindo também... Obrigado! — Jamais vi tanta gratidão em um rosto infantil. Sua felicidade chegou a me emocionar em certo momento.

O jeitinho meigo e sincero daquela criança era muito diferente do de sua mãe, algo que cada vez mais me intrigava.

— Prometi que viria e aqui estou — Abraçou o urso contra si toda contente. Parecia recém-saída de um conto de fadas enquanto sorria para mim.

— Eu sabia que você viria — Pegou em minha mão carinhosamente — Quando promete, você cumpre.

— Ao menos você acredita em mim — Brinquei e ela sorriu.

— Como será o nome da ursa?

— Porque não do urso?

— Qual é o problema ser uma menina? Todos os meus brinquedos são meninas! — Sua personalidade teimosa lembrou-me, pela primeira vez, Molly. O tom autoritário de Melany me recordou imediatamente o de sua mãe no escritório enquanto me delegava tarefas. Tive de rir.

— Tudo bem, o urso é uma menina — Concordei e um sorriso nasceu em seus lábios — Qual será o nome dela, me diga você. Não costumo ser muito bom com palpites.

— Que tal Alexia? — Sugeriu empolgada — Combina com o seu nome!

— Mas ela é sua agora... — Os olhos verdes de Mel analisavam atentamente o urso em seus braços enquanto confabulava em silêncio — É sua decisão.

— Eu gosto de Alexia. Você não? — Mordeu os lábios e me encarou de maneira tímida.

Compreendi que seria uma maneira de me agradecer colocando o nome da ursa em homenagem a mim. Concordei animadamente e ela abriu ainda mais a expressão feliz em seu belo rosto infantil.

— Adorei o nome... É ótimo — Na verdade eu gostaria de qualquer coisa que aquela carinha linda me sugerisse. Melany é uma criança irresistivelmente meiga e doce, do tipo difícil de ignorar.

— Alexia! — Dirigiu-se a ursa como se conversasse de verdade com ela — Agora você é minha melhor amiga depois do Alexander — Os olhinhos sonhadores pousavam-se no de um jeito carinhoso. Ficar próximo de Melany me parecia ser a coisa certa naquele momento, uma vez que a energia emanada daquela criança me trazia a sensação de paz mais reconfortante de toda a vida.

A pequena era como Ethan... Agradável e amável aos meus olhos em qualquer circunstância.

— Como vai sua perna? — Questionei notando seu gesso quase todo assinado por nomes, poemas e recadinhos. A minha assinatura estava em um canto isolado e não havia nada ao redor dela.

— Está bem e já quase não dói. O doutor disse que logo vou poder tirar o gesso e tentar andar. Parece que irei usar muletas por um tempo, mas é rapidinho! — Explicou empolgada e analisando o gesso também — Vamos poder jogar pedrinhas no lago quando eu ficar boa, não é Alexander?

— Eu prometi, não prometi? — Toquei seu rosto de forma delicada e ela assentiu me encarando com os olhos tomados por felicidade.

— Sabia que mamãe cozinhará para nós hoje? — Seu tom de voz era orgulhoso.

— Ouvi falar... Mas me diga, a comida da mamãe é boa? — Balancei as sobrancelhas e ela gargalhou — Molly não me parece ser o tipo de mulher que mande bem na cozinha.

— Não é muito boa, mas pelo menos ela tenta — Deu de ombros — O macarrão dela é um grude, pior que o de Amber.

— Não é elegante falar sobre a comida de alguém desta forma, Melany — Molly apareceu na entrada da sala usando um avental de cozinha xadrez quase igual o de minha mãe.

Naquele momento qualquer imagem da rainha da Delux relacionada a Molly evaporou de minha mente. Aquela mulher parada bem perto era muito diferente da que eu convivia durante todo o dia... Não por estar cozinhando, mas por estar buscando agradar a mim e a filha com um gesto carinhoso.

— Sinto muito, mas a garota só está me contando fatos — Me ajeitei no sofá de maneira mais confortável — Você não faz o tipo de quem cozinhe bem — Molly adotou uma postura defensiva no mesmo instante.

— Você deve cozinhar muito bem para opinar sobre o assunto, talvez?

— Ninguém nunca reclamou — Provoquei e ela adotou ironia na expressão.

— Mamãe veja o que ganhei de Alexander! — Melany nos interrompeu visivelmente buscando amenizar o clima. Ergueu o urso ao notar que o tempo estava fechando entre mim e Molly e sorriu contente para sua mãe — Não é linda?

— Claro filha, é um belo presente! — Aproximou-se da garotinha ainda me encarando um pouco nervosa. Abaixou-se ao lado de Mel e apertou o urso em seus dedos — É linda. Agradeceu a ele pelo presente?

— Agradeceu muitas vezes — Afirmei e Molly sorriu orgulhosa — Essa palavrinha faz parte do vocabulário dela.

Molly enrubesceu de raiva por minha direta apologia a ela.

— A comida já está pronta mamãe? — Uma vez mais a garotinha nos salvou de uma discussão.

— Era o que eu pretendia dizer antes de toda a simpatia de seu amigo dominar a sala — Cruzou os braços e se afastou um pouco — Vou buscar a cadeira de rodas para você, querida.

— Não precisa — Coloquei-me de pé ao mesmo momento — Hoje vocês tem um cavalheiro em casa que podo facilmente transportar essa linda princesinha até a cozinha para saborearmos a comida feita pela rainha de gelo! — Melany comemorou quando a tomei nos braços.

— Chega a me impressionar sua capacidade de ser cada vez mais inconveniente — Revirou os olhos e me observou com Melany no colo. Levei-a até a cozinha em meio a brincadeiras e Molly nos acompanhou em silêncio.

A mesa já estava a postos para o almoço na cozinha agradável e moderna do apartamento de Molly. Por mais que pesasse admitir, o cheiro que emanava da refeição era instigante. Coloquei Mel em sua cadeira e me sentei a sua frente, uma vez que provavelmente o lugar de Molly era na cabeceira. A mesma pousou uma bandeja de vidro grande e fumegante em meio a nós tirou as mãos rapidamente devido a alta temperatura. Melany sorriu para mim e esfregou as pequenas mãozinhas de maneira ansiosa.

— Não acredito, mamãe! Eu adoro lasanha! — Os olhos verdes brilhavam em direção à bonita lasanha — Foi você mesmo quem fez?

— Sim... E se estiver ruim é melhor culparem Judy. Foi ela quem implorou pela folga no dia de hoje — Puxou a cadeira da ponta da mesa sentou-se. Por minha vez, era impossível deixar de encará-la. Molly estava se empenhando para cozinha e não parecia ser somente para agradar sua filha — O que foi? — Questionou um tanto receosa com meus olhos sobre ela.

— Você já cozinhou para alguém que não fosse Melany antes? — A garotinha gargalhou baixinho enquanto Molly a servia — Tenho a impressão de que é a primeira vez.

— Guarde suas impressões apenas para você, que tal?

Molly seguia empenhada em me manter distante, apesar de seu comportamento curioso. Era como se parte dela desejasse me ter por perto enquanto a outra quisesse me lançar para o mais longe possível.

Em nome do carinho que eu já sentia por Melany me esforcei para que o almoço fosse um êxito. Molly, em nome do imenso amor que sentia por sua filha, entregava o melhor de si para fazê-la sorrir, mesmo que o preço para tal fosse estar comigo tão perto por algumas horas.

Parte de mim sussurrava ao meu coração que Molly Bern não era nada mais do que uma maravilhosa fantasia. Aquela bela mulher não podia ser domada e jamais cederia, nem mesmo em nome do amor.


O primeiro sinal que anunciava a chegada do caos a minha vida era a perda de sono por causa de um homem.

Em seguida vieram os minutos a fio olhando a internet em busca de um vídeo de receita fácil e saborosa. Querer impressioná-lo era o segundo sinal de que o estrago poderia ser maior ainda.

Alexander me via bonita e montada no salto todos os dias no escritório, mas o terceiro sinal me fez correr com os preparativos do almoço para conseguir me arrumar um tanto a mais do que deveria para ela.

— Eu, Molly Bern, me arrumando para um homem depois de tudo... — Sussurrei para mim mesma enquanto maquiavam levemente o rosto após o banho — Onde estou com a cabeça? — Arremessei o rímel na pia e suspirei audivelmente — Alexander não é especial!

A frase saia de meus lábios, mas não penetrava em meus pensamentos. Pelo menos não com a mesma intensidade que o olhar esverdeado e enigmático daquele incrível ser do sexo masculino que buscava incansavelmente me constranger em silêncio. Seu passatempo favorito era me provocar, ao certo, mas nada me instigou mais do que sua aparência casual naquela manhã.

Desde o perfume até o sorriso fácil, cada artificio de Alexander parecia ser usado para derrubar aos poucos as barreiras em torno de meu coração. Era como se a vida estivesse me lançando a ferro e fogo, atacando-me com minhas próprias palavras e argumentos. Eu não queria um homem, jamais quis... O que ele estava fazendo comigo, afinal?

Quando uma rosa — uma simples flor! — poderia me tirar de órbita tão facilmente? "Não uma flor, mas uma rosa vermelha. Símbolo da paixão, do desejo e do amor".

Fingir indiferença era meu forte, mas jamais estremeci por dentro diante de meras palavras. Alexander me pegava e sabia perfeitamente como manipular os sentimentos a seu favor. Prometi a mim mesma quando Melany nasceu que jamais me deixaria levar por um homem novamente e aquele impostor não podia burlar minhas próprias regras.

Dar um presente a minha filha foi sua jogada de mestre, assim como se aproximar dela e ganhar sua amizade. Esse era o atestado de que buscava algo a mais comigo, entretanto, Alexander e Melany agiam com tamanha naturalidade que era como se houvessem estado juntos durante toda a vida.

Tal fato me assustava.

Alexander realmente fazia Melany feliz e de maneira absolutamente despretensiosa.

— Devo admitir que a lasanha está realmente apreciável — O comentário dele me despertou dos devaneios em meio a mesa do almoço.

— Está uma delicia mamãe — Mel disse animada e com a boca melecada por molho vermelho.

— Está falando apenas para me agradar, querida. Fiz o melhor que pude para te agradar — Alexander rapidamente interveio.

— O seu melhor sempre é além da conta, senhorita Bern. Não é a toa que você é quem é na indústria da moda... Tudo que é tocado por suas mãos tem uma magia que o faz se transformar no melhor que pode ser.

A surpresa em meu olhar evidenciou o que se passava em meu coração. A sinceridade em suas palavras, pela primeira vez, me fez enxergar o Alexander além do rapaz brincalhão que gostava de me provocar.

Ele, mais do que ninguém, vinha despertando em mim a vontade de ser exatamente o melhor que eu poderia ser.


CAPÍTULO DEZ


Um dia, talvez, em meus mais incríveis devaneios, sonhei em ter filhos e ser pai de uma menina. Não podia dizer que se tratava de um projeto de vida, mas algo a ser considerado em um futuro qualquer. A garotinha de meus sonhos secretos era muito parecida com Melany, a pequena sorridente filha de Molly Bern, o furacão que ultimamente movimentava minha vida.

O sorriso da pequena era contagiante e delicioso, quase como uma canção aos ouvidos próximos. Melany surgiu como uma terapia para minha vida há muito tempo vazia... Uma lição, talvez, que me recordava o verdadeiro sentido da vida.

— De pensar que existem crianças minhas espalhadas por ai... — Sussurrei para mim mesmo enquanto assistia Melany tagarelando.

— O que disse, Alex? — Voltou-se para mim um tanto confusa por meus murmurinhos.

— Nada, estou pensando alto — Sorri e baguncei seu cabelo em um carinho rápido.

Não podia conversar com Melany coisas tão adultas e intimas como minha doação de sêmen há alguns anos. Mesmo que tenha sido algo importante para a época, – usei o dinheiro para pagar parte da faculdade de administração – não era algo do qual me orgulhava e tão pouco abria para muitas pessoas.

Sequer minha família sabia dessa história, uma vez que a limitei a amigos íntimos.

— Você sabia que tenho um sobrinho? — Os olhos espertos de Melany se dirigiram a mim quando tentei mudar o rumo da conversa.

— É verdade? — Concordei e a pequena rapidamente se interessou — Quantos anos ele tem?

Cansada de tanto falar, Melany praticamente adormecia deitada em meu colo. Seus olhinhos pesados em encaravam em busca de respostas e a cabeça descansava sobre meu ombro. Há pouco tocávamos violão, mas os bocejos se intensificaram.

— Tem seis anos como você — Melany sorriu abertamente — É filho de minha irmã Eve.

— Ele tem um papai? — Molly entrou na sala no exato momento da pergunta e sentou-se para observar a conversa.

— Não tem não. O pai foi embora antes que o bebê nascesse — Melany parecia cada vez mais sonolenta e o fato, de alguma maneira, parecia preocupar Molly na outra extremidade da sala — Vocês dois tem muito em comum. Acredito que seriam grandes amigos. Se sua mãe deixar eu te levo para brincar com Ethan um dia... Sou como o pai dele, entende?

— Ethan tem sorte de ter você — Olhou-me rapidamente de baixo com os olhos verdes muito pesados — Mas aposto que eu te amo mais do que ele — Seu tom de voz era sonolento e sincero. Molly me encarava sem saber o que dizer e visivelmente desconcertada pelas palavras da filha.

Nosso olhar era tímido e um tanto desafiador. Molly se envergonhada de ver o carinho que Melany sentia por mim e, por minha vez, queria que as coisas apenas melhorassem. Uma parte de meu coração também amava aquela garotinha.

— Você me ajuda a colocá-la no sofá? — Concordei e rapidamente ajudei Molly a tirar a pequena de meu colo. A colocamos sobre o sofá e foi um pouco tenso percebemos que estávamos... Sozinhos — É uma pena que tenha dormido bem na hora da sobremesa.

— Isso não é um problema. Ainda estou aqui — Molly cruzou os braços diante do peito e ajeitou o cabelo atrás da orelha.

Minha chefe autoritária em nada se parecia com a moça nervosa e sem rumo que me encarava naquele instante. Se pudesse, certamente Molly se esconderia para sempre atrás da cortina grande de seus cabelos castanhos.

— Sim, você ainda está.

— E não me importo em comer uma sobremesa — Dei de ombros — Sabe... Dizem que é a melhor parte.

— Se quiser comer vamos até cozinha — A segui em silêncio até a cozinha, que estava brilhando de tão limpa. Entendi ali o motivo por ela ter demorado tanto a voltar.

— O que temos para hoje? — Sentei-me no banco em frente ao balcão e Molly tirou da geladeira um grande refratário de vidro — Pavê?

— De creme de avelã. É o favorito de Melany — Depois de depositar a vasilha em frente a mim, apanhou dois pratinhos no armário com agilidade.

— O meu também. Que coincidência — Não pude deixar de admirar a forma como se movia. Ela parecia cada vez mais linda em seu papel de anfitriã.

— Você e minha filha têm muito em comum. Não consigo para de admirar tal fato — sem que lhe pedisse, serviu pavê para nós dois.

— Já percebi isso também e me admira da mesma maneira — Comi um pedaço do doce e tive de elogiar — Está maravilhoso... Como tudo que experimentei hoje.

— Digamos que me esforcei um pouquinho — Vi certa vergonha em seu rosto ao ouvir meu comentário.

Aquele momento certamente era curioso demais. Comer pavê com Molly Bern e experimentar o silêncio era mais doce do que qualquer componente daquela mistura.

— Tudo que a Rainha da Delux faz tem um toque especial e com a comida não poderia ser diferente — Comentei humildemente, mas seus olhos não me encaravam. Molly revirava seu pavê sem comer realmente. Era como se fugisse de meu olhar.

— Está querendo me agradar? Sinto muito, mas por enquanto não pretendo lhe ceder uma promoção — Ergueu uma sobrancelha e levou a colherzinha aos lábios.

— Não preciso buscar te agradar, uma vez que sei que me odiará de qualquer maneira — Dei de ombros e segui comendo. Molly sorriu.

— E você, cozinha bem? — Demorei um pouco para processar a pergunta.

— Eu? — Gargalhei baixinho — Me viro como qualquer homem solteiro que mora sozinho. Todavia acredito que sou melhor comendo do que fazendo outra coisa — Molly mostrou-se um pouco constrangida com a frase.

— Tem que fazer jus a sua fama, não é mesmo? — Deu de ombros e mordeu os lábios. Fingi que não compreendi sua indireta e segui degustando o doce.

— O que a Rainha da Delux faz além de mandar nos outros e cozinhar? — Mastigava de maneira pensativa.

— A única coisa que faço direito é amar minha filha, o resto é consequência — Busquei dizer algo, mas não consegui. Ficamos em silêncio até acabarmos de comer e voltamos à sala. O violão estava largado no chão aos pés de Melany, que ainda dormia profundamente — Será que posso perguntar o que você faz de bom além de molhar as calcinhas das mulheres por onde passa?

— Sei me virar com música — Apanhei o violão — Acredito que tenha ouvido por ai.

— Não o suficiente — Deu de ombros e cruzou os braços.

— Posso tocar uma canção para você? — Sugeri esperando um sonoro não, mas para minha surpresa ele não veio.

— Não aqui — Fez sinal para que a seguisse e saímos juntos na varanda. Molly se sentou em um sofá branco e pequeno no canto e fiquei no outro — que obra prima soará a meus ouvidos agora?

— Tem uma música que sempre que escuto imagino... — "Imagino você". Não consegui terminar a frase, pois algo me dizia que isso estragaria tudo. Apenas comecei a tocar sem mais delongas.

"All that I'm asking for", do Lifehouse, era a tal canção.

Parecia era impossível — e tive a impressão de que sempre seria — expressar tudo o que sentia por Molly naquele momento. Nunca senti em minha vida que a música não era suficiente, mas diante de Molly tudo parecia pequeno e insignificante.

Apesar de me massacrar com criticas, era como se a vida quisesse unir Molly a mim de alguma maneira. O destino nos empurrava um para o outro como se houvesse uma força maior do que nós mesmos pairando no universo.

Apesar de querer me odiar por tê-la desafiado aceitando o emprego, Molly não podia me odiar de verdade a julgar pela maneira doce como me encarava naquele instante. Seus olhos castanhos me diziam algo... Talvez que tivesse medo de sentir o que trazia no peito em relação a mim.

Jamais busquei um relacionamento e tão pouco ela, mas a vida nos trouxe até aqui e a paixão se instalava cada vez mais em nosso coração. Haveria um motivo para tal?

Qual seria a maldita pendencia que haveria entre nós?


— Chega! — Alexander colou a mão sobre as cordas do violão e a melodia acabou instantaneamente.

Nervosa, busquei voltar aos poucos da sensação de transe que aquilo me proporcionou e ficamos em um silêncio constrangedor por longos segundos.

— Você toca muito bem e tem uma voz linda, devo admitir — Minha voz soou ofegante e nervosa, mas fiz de tudo para dissimular.

— Vindo de você isso é um elogio e tanto. Obrigado — Respondeu abaixando o violão — Acho que está na minha hora.

— Em que pensa quando toca essa musica? Acho que ia dizer antes de começar — Sem pensar por um instante, lá estava eu bancando à apaixonada que jurei jamais ser. Por sorte Alexander me cortou.

— Foi melhor não ter dito — Afirmou me olhando fixamente — Pode não ser tão agradável.

— Porque não seria?

Que ódio de mim mesma! O feitiço de Alexander era poderoso e havia recaído sobre mim como a verdadeira magia.

— É algo íntimo demais para se tratar com quem se trabalha — Notei certa carga de duplo sentido na frase. Tão obvio quanto à luz do dia.

Alexander estava interessado em mim e algo se passava entre nós, isso era um fato! Engoli em seco e minha garganta fechou com as descompassadas batidas de meu coração.

— Olha... Tenho tanta experiência nisso quanto Melany – Mordi os lábios e ele estreitou o olhar — Então se quer me dizer algo é bom que seja claro.

— Desde que me explique o significado de tudo isso... — A proximidade entre nós dois era gritante e demais para mim — Quase não sei o que dizer também.

Tudo estava claro, mas nenhum de nós dois parecia querer arriscar.

— Tem razão... Foi melhor não ter dito. É intimo demais.

Alexander abaixou a cabeça e suspirou. Olhou para os lados e depois se voltou para mim com a expressão dura e pensativa, como se desejasse me dizer algo. Seus olhos verdes gritavam em questões variadas, coisas que circulavam entre nós no silêncio do escritório.

— Quem é o pai de Melany? — Separei os lábios de maneira indignada por tal pergunta. Realmente não esperei por ela.

— Ela não tem pai!

— Não é lógico. Ela tem que ter tido um pai! — Parecia duro em suas palavras — Apenas quero entender como alguém foi capaz de... De te deixar com ela assim e sumir... — Explicava de um jeito desconcertado e sincero — Não entra em minha cabeça... Quero dizer...

— Eu não sei quem ele é. É difícil compreender, eu sei, mas é a verdade! — Alexander nitidamente não acreditava em mim, mas também aparentava ter medo de prosseguir com tudo aquilo.

— Sabe ao menos qual é o nome dele?

— Não faço ideia! — Tive de rir da situação — Sei que é estranho e que vai pensar coisas absurdas sobre mim, mas é a verdade. Isso é bem mais complexo do que aparenta ser.

— Apenas não compreendo como a senhorita perfeição teve uma filha com um cara que sequer sabe o nome! — Colocou-se de pé e deixou o violão no lugar — Acho que está escondendo a verdade porque ainda não confia em mim o suficiente, mas quer saber? Eu jamais diria algo para alguém.

— Não estou escondendo nada — Ironizei ao me levantar e parar em frente a ele — Queria muito ter um telefone, uma cidade ou alguém para recorrer... Quem sabe um nome sequer para dar como resposta a minha filha, mas eu não tenho! — Expliquei com o coração descompassado e o nervoso corroendo meu ser. Sempre imaginei como seria ter que explicar tal situação a alguém que me interessasse como homem, mas jamais pensei que esse dia chegaria realmente — Não tenho nada para dizer até que Mel possa compreender um pouquinho do que aconteceu...

— E o que aconteceu? O que é tão difícil de entender? — Soava confiante, como se quisesse me deixar calma — Isso acontece, Molly. Não é pecado uma mulher encontrar um cara e ficar grávida em um encontro, sei lá. Simplesmente acontece — Sem pensar muito bem, quando vi já havia virado à mão na cara dele com certa força.

Até que eu realmente compreendesse o que havia feito longos segundos se passaram. O rosto de Alexander se moveu um pouco e a marca de minha mão se desenhava em sua face esquerda. Engoli em seco e de repente minhas mãos estavam soando.

Droga.

Bati nele por achar que me achava uma vagabunda de verdade.

— Você deve estar me confundindo com as suas mulheres quando pensa desse jeito, porque não sabe nada sobre minha vida, nada! — Alexander apenas me encarava e a vergonha tomava conta de meu ser.

Sempre a mesma sensação. Sempre o mesmo julgamento. Devido a minha história eu seria eternamente julgava sem o mínimo pudor.

— Calma Molly, me desculpe — Surpreso por minha reação, buscava me aclamar — Não sei mesmo nada sobre você, mas não quis te ofender — Suspirou e colocou o violão sobre a cadeira — Apenas queria entender mais sobre você, mas apenas piorei tudo e sai ainda mais confuso. Sou um tremendo idiota.

— Sim, Alexander. Você foi um idiota!

Senti lágrimas em meu rosto e entrei em choque ao perceber que estava deixando a tristeza aparentar diante dele. Era sofrimento demais saber que mais uma pessoa com quem eu realmente me importava me julgava uma mulher qualquer por uma situação complicada. Sempre foi assim e sempre seria, afinal.

Alexander caminhou em minha direção e tocou-me o rosto. Enxugou a lágrima que descia por minha bochecha e estava perto demais... Bruscamente afastei sua mão de minha face e andei dois passos para trás. O encarei com olhos de quem mata e foi o suficiente para entender que era hora de ir embora.

— Me perdoa... — Sussurrou antes de sair envergonhado e deixando para trás meu coração dilacerado em meio a notas de um violão encostado.

[...]

As lágrimas me dominaram quando Alexander saiu, mesmo que silenciosamente.

Parte de mim queria que fosse pela afronta de suas palavras, mas em meu intimo a verdade gritava sem se esconder. Eu me importava com a opinião dele. Importava-me com o que pensava de mim e mais do que isso.

Apanhei a rosa que recebi dele em meio aos dedos e me sentei com ela na beira da cama por longos segundos. Aquela musica tocava em minha mente com maior intensidade a cada segundo e não pude impedir as lágrimas. Sua expressão feliz e sorrateira enquanto comia meu pavê aparecia em cada refrão da letra, assim como as risadas dele com Melany. Eram sons que se contrastavam e quando emitidos juntos encontravam a perfeita sintonia.

Um misto de raiva, ciúme, carinho, desejo e... Amor alcançou meu peito.

Raiva por ter me julgar sem saber. Ciúme por estar roubando a atenção de minha filha. Carinho por amar saber que alguém faz Melany feliz. Desejo devido ao que sentia quando estava com ele e tudo isso junto levava ao inevitável...

Eu, Molly Bern, a Rainha da Delux... Estava completamente apaixonada por Alexander, o secretário!


Preparei-me psicologicamente para a manhã de segunda-feira mais do que para qualquer coisa em minha vida.

Eu, Alexander, o secretário, havia visto Molly Bern, a Rainha da Delux, chorando. Agora sim ela tinha motivos reais e concretos para me odiar para sempre.

Molly havia me interpretado errado quando conversamos sobre sua história. Não era minha intenção ofendê-la quando falei sobre engravidar de alguém que não conhecia, mas sim explicar que eu compreendia que aquilo podia acontecer. Molly, por sua vez, realmente se enfurecera com a situação. Isso a machucava demais e tive a infelicidade de cutucar sua ferida.

A situação com Molly estava me matando aos poucos. A proximidade e intimidade que criamos me tentava cada vez mais a dizer com todas as letras que estava apaixonado, mas sabia que não podíamos passar de bons amigos por motivos profissionais.

Ficava claro que não havia espaço para amor em sua vida.

Presenciei suas lágrimas por um motivo não relacionado à Melany e com certeza hoje seria um inferno na terra para mim.

Começou logo quando cheguei.

O elevador se abriu e prendi a respiração ao ouvir gritos. Molly estava à frente da multidão de funcionários e quase todos parados e amontoados juntos dela como cachorrinhos que levaram uma surra.

— Em todos esses anos que estou no ramo de moda jamais vi um trabalho mais porcaria do que este! — Dizia em alto e bom som — E o pior é que tenho a melhor equipe do mercado... A melhor, segundo especialistas, porque pelo que vejo as coisas não acontecem aqui! — Assim que me viu se aproximar atirou uma pilha de papel em minha direção. A mesma caiu sobre uma mesa e fez um eco grande e pesado — Estava te esperando, chefe.

Ironizou e engoli em seco.

— Bom dia senhorita Bern — Respondi tirando as mãos do bolso e postando-as nas costas — Em que posso ajudar? — Os olhares de todos meus colegas pairavam sobre mim, porém o que mais pesava era o dela.

Frio, objetivo e devastador. Esse era o olhar típico da Rainha da Delux quando não estava em seus melhores dias. A Molly linda e fascinante de domingo parecia perdida em meus sonhos.

— Fazer seu serviço sem intercorrências já me ajuda — A maneira desdenhosa me fez engolir em seco.

— O que fiz de errado?

— Realmente não sabe que passou as instruções erradas para seus colegas? O departamento mandou as fotos trocadas para o marketing! — Acusou em tom de ironia.

— Não senhorita. Afirmo que mandei as corretas. Foram as fotos que a senhorita me pediu que mandasse — Minha convicção criou burburinhos.

— Não, você não mandou! — Rebateu e caminhou em minha direção — Acabei de mudar as fotos, se é que não percebeu... — Apontou a pilha de papel a minha frente.

— Mas... — Resolvi ficar calado. Estava claro que a situação havia sido feita para me provocar.

— Por culpa de nosso querido Alexander quero todo o trabalho com as fotos pronto e nas mãos do pessoal de marketing até a meia noite de hoje! — O pessoal não escondeu a surpresa — E quem não conseguir ou tiver qualquer objeção nem precisa voltar amanhã.

Um alvoroço se fez e em segundos todos sumiram de vista. Restamos apenas eu e ela, que lançou um sorriso leve e caminhou de volta para sua sala rebolando mais do que de costume.

Por minha culpa todos pagariam o pato trabalhando como loucos.

Molly Bern não era uma boa pessoa, mas sequer assim eu conseguia odiá-la.

[...]

“Por certo a culpa não é sua! É tudo confabulação da víbora!”

“Aquela vaca! Tenho seis filhos para sustentar e não posso perder esse emprego!”

Esses foram alguns dos menos pesados comentários que ouvi na hora do almoço que passei praticamente sozinho. Todos prestaram seus sentimentos dizendo que sabiam que a culpa era da chefe e não minha, uma vez que sua implicância ficou evidente.

— O que houve entre vocês dois? — Pierre questionou quando me viu no banheiro.

— A culpa foi minha. Fiz errado o que ela me pediu — Tentei abafar, mas ele sorriu de canto.

— Está me achando com cara de tonto, bonitão? Eu conheço a Rainha da Delux queridinho — Postou-se a minha frente de maneira impositiva — Algo aconteceu entre vocês dois e é melhor pararem de trazer os problemas pessoais para o lado profissional. Não se mistura trabalho com cama e se continuarem assim as coisas desandarão aqui dentro.

Olhei para Pierre sem acreditar que em algum momento de minha vida realmente concordaria com o melhor amigo de Molly Bern.


CAPÍTULO ONZE


Meu cérebro explodia pela vontade de gritar, chorar e tantas coisas desconexas mais.

— Já está em casa mamãe? — Assim que fechei a porta vi minha filha sentada na sala, um pouco distante.

Desanimadamente caminhei até o sofá e coloquei a bolsa sobre ele. Suspirei e fechei os olhos apoiando a cabeça na almofada ao lado. Melany estava a minha frente me encarando de um jeito meigo, carinhoso e um tanto preocupado. Aquilo serviu para que meu astral se elevasse, aparentando a ela que tudo estava bem.

— Sai cedo. Estou com um pouco de dor de cabeça — Menti, pois o motivo por ter chegado em casa as quatro era o caos que estava o escritório e Alexander.

Se passasse mais um minuto na presença dele uma bomba explodiria.

Por certo fiz uma tempestade em copo d'água apenas para me vingar. O objetivo não era me vingar dele por ter me chamado de vagabunda nas entrelinhas, mas por ter chegado a minha vida arrasando tudo e me fazendo pensar nele em todas as circunstancias, até mesmo quando olhava para minha filha.

Melany lembrava Alexander.

Seus olhinhos verdes eram tão lindos quanto os dele e a tonalidade muito parecida. O rosto, tom de pele e as bochechinhas rosadas. Até mesmo as caretas quando estava triste ou feliz se assemelhavam as dele.

O som das risadas... Tudo isso me irritava!

Até aquele momento Melany nunca me lembrado alguém que não seja eu. Pensei ser coisa de minha cabeça, mas as pessoas ao redor já estavam comentando.

— Se pudesse faria um chá para você e uma massagem bem gostosa, mamãe — Tombou a cabeça na almofada de forma meiga — Mas o gesso não deixa!

— Não tem problema meu amor — Me levantei e fui até ela. Abaixei e beijei seu rosto e sua testa — Mamãe está bem. Não se preocupe, é só estresse.

Vou tomar um banho quente e tudo ficará bem — Assentiu sorrindo para mim

— Onde está Amber?

— Está no banheiro — Voltou a ver seu desenho.

Subi para o quarto e passei a chave. Não que Mel ou Amber fossem me incomodar, mas era a forma que achei para me sentir protegida de alguém me ver chorando. Porque foi isso que fiz. Chorei. Esse verbo idiota começou a fazer mais parte de minha vida atualmente do que quando fiquei grávida. Chorar era comum agora por culpa daquele que se tornou meu problema todo.

Sentei em minha cama depois de tirar a roupa e peguei o telefone. Pensei em ligar para minha mãe, mas estava em Londres com meu pai de férias. Pensei em meu único amigo, Pierre, porém deveria estar no escritório correndo com todo pessoal para entregar as fotos que pedi. Até em Alice cheguei a pensar, porém se ouvisse minha voz era capaz de quebrar o telefone com razão.

Perdi a razão ao prejudica-los por conta de Alexander. Perdi a razão quando o deixei entrar em minha vida.

Foi ai que me dei conta... Sou totalmente sozinha. Com exceção de Melany, ninguém se importava comigo realmente. Ninguém ligava para meu bem estar ou para meu coração ferido. Ninguém.

Entrei no chuveiro e deixei a água quente cair sobre mim. Apoiei-me a parede e respirei lentamente. Meu plano foi por água a baixo, pois ficou bravo com Alexander por ele supostamente ter errado no envio das fotos. Todos se voltaram contra mim. Será que havia sido tão nítida minha intenção de prejudicá-lo? Na verdade tudo o que queria era que fosse embora.

Queria que Alexander largasse o osso e sumisse da empresa de uma vez. Talvez com a fúria dos funcionários o faria, mas nada surtiu efeito.

Agora até eu mesma me odiava. Me odiava por ter sido tão infantil e por ter tratado Alexander daquela maneira. Odiava-me, principalmente, por não assumir para mim mesma que havia me apaixonado por ele.

Fechei o chuveiro e me enrolei na toalha. Joguei-me na cama ainda molhada

Como o homem que fisgou meu coração depois de tantos anos na solidão me enxergava?

Uma louca, talvez.

Uma víbora, quem sabe?

Uma grossa orgulhosa.

A chefe safada que queria ferrar com todos os empregados.

Aquela que se sentia uma Rainha apenas por ter o maior cargo.

A mulher que era fria e não tinha sentimentos... Que foi para cama com tantos homens que nem sequer podia identificar o pai da própria filha!

Alexander jamais iria querer algum contato comigo novamente. Nunca iria me permitir se aproximar porque com razão agora me odiava. Fiz direitinho o serviço de afastá-lo para sempre, mesmo que com o coração sangrando e dilacerado em meu peito.

Doía e jamais seria como antes. Jamais.


— Deu tudo certo? — Assim que cheguei fui direto para a mesa de Alice.

— Graças a Deus sim — Suspirou e parecia relaxada naquela manhã de terça-feira — Depois que você foi embora o pessoal entregou as fotos.

— Ficaram até que hora?

— Até as nove — Sacudi a cabeça negativamente — Mas tudo bem, vamos tirar hora extra!

— Desculpe-me Alice, meu sobrinho passou mal. Tive de ir embora as sete para levá-lo ao pronto socorro. Deveria ter ficado com vocês...

— Tudo bem! Deu tudo certo no final... — Segurou minha mão — Alexander, todos aqui na Delux estamos acostumados com os surtos dela — Parecia tranquila — Não foi o primeiro nem será o último. Sabemos que a culpa não foi sua, relaxa.

— Mesmo assim, eu sinto muito — Alice sorriu e largou minha mão.

— Sua rainha das trevas já chegou — Anunciou de forma engraçada — Acabei de levar um café para ela. Não parecia estar muito bem não.

— Droga — Olhei rapidamente em direção a minha sala — Porque raios ela anda chegando cedo?

— Para te rodear — Deu de ombros — Ela te quer, meu querido. Será possível que apenas você não notou isso ainda?

— Me quer morto — Riu quando comecei a me afastar — Bom dia Alice.

— Bom dia Alexander.

Abri a porta de minha sala sem fazer barulho e pensar muito, pois se cogitasse qualquer outra possibilidade daria meia volta e iria para casa. Ajeitei meu terno e me deparei com uma cena que com certeza nunca imaginei encontrar. Minha patroa estava em sua mesa com a cabeça apoiada no braço esquerdo olhando para a xicara de café fumegante a sua frente e... Chorando.

Durante alguns segundos mantive-me parado apenas analisando a cena e um tanto nervoso por presenciar sua fragilidade. Pensei se era certo me aproximar e se deveria mesmo atrapalhar seu momento. Por alguns segundos suspirei e segui meus instintos.

Caminhei até sua mesa e ela não esboçou qualquer reação apesar de ainda não saber que não estava sozinha. Continuou chorando calada com as lágrimas grossas deslizando por sua bochecha vermelha e úmida.

Estava linda usando um vestido azul, meia calça preta, botas e uma touca branca e larga meio torta na cabeça. Ao invés de dizer algo, dei a volta e me abaixei a sua frente. Nossos olhos estavam na mesma altura, porém não me encarava.

Meu peito, que ontem explodiu de raiva dela, agora palpitava em uma estranha comoção. O fato de ver a mulher a quem se deseja — se gosta e está apaixonado — chorando, te torna idiotamente propenso a comoção, mesmo que a mesma não merece uma gota sequer de sentimento.

— Posso ajudar em alguma coisa senhorita Bern? — sussurrei e mal se moveu, apenas elevou a mão e secou uma de suas lágrimas rapidamente.

— Pode — Disse depois de um soluço — Vá até o departamento de recursos humanos e peça sua demissão.

— Para onde mais eu iria? — Continuei da mesma maneira. Seus olhos me encararam brilhantes por lágrimas.

— Para qualquer lugar longe de mim — Tentou esconder um pouco o rosto colocando os cabelos em frente à face.

— Sinceramente não entendo porque tem tanta coisa contra mim se tudo o que faço é tentar te agradar. Caramba, eu me desdobro em cem para atender a todos seus pedidos e é isso o que ganho?

— Não é só você Alexander! — Endireitou-se e me encarou ajoelhado ao seu lado — Ontem me dei conta de que não tenho ninguém além de Melany! Ninguém! Ninguém que se importe comigo e com meus sentimentos — Secou mais uma lágrima.

— Como assim? — Sorri ironicamente — E seus pais? E sua família? E seus amigos ricos e poderosos? E Pierre?

— Pierre é o único que se preocupa um pouco... O único! Meus pais estão viajando e, se quer saber, desde que fiquei grávida, papai sequer olha direito em minha cara! Despreza-me porque assim como você acha que sou uma vadia! —Continuou a todo vapor — Amigos? Oh! Por favor! Todos são falsos e somente gostam de mim pela droga do meu poder... Sabem que não existe ninguém tão boa quanto eu no que faço. Tive que abrir mão de tudo quando fiquei grávida porque os idiotas que se diziam meus amigos desapareceram em um piscar de olhos! Sou sozinha... Completamente sozinha!

— Vamos com calma. Do jeito que fala é como se você se arrependesse de ter Melany — Me deteve no mesmo momento e pensei que iria me bater.

— Não me arrependo de ter minha filha um só segundo! Chances de ter me desfeito dela não faltaram! Pode não ter sido no primeiro momento, mas a decisão de ficar com o bebê fui eu quem tomou e ninguém esteve ao meu lado!

— Então qual é o problema? — Molly me encarava um pouco mais calma —A culpa de ninguém se importar com você é totalmente sua.

— O que quer dizer? — Aos poucos foi ficando mais vulnerável. Era como se o muro envolto a seus sentimentos fosse se quebrando junto a seu coração ferido.

— Você afastou a todos! — Tentei explicar — Você fez a escolha de ter sua filha e percebeu que escolheu as pessoas erradas para serem suas amigas. Se fossem as certas, estariam aqui até hoje — Seus olhos estavam pregados em meu rosto — Seus pais estão ao seu lado, somente não estão aqui e agora. Eles te amam. E sobre todo o resto... Molly... Aqui na Delux existem pessoas maravilhosas! São incríveis pessoas, mas você faz questão de tratar a todos como fantoches da sua coleção. Não sei porque, mas é gratificante para você ficar presa na imagem de poderosa, rainha, chefe e soberana... Ao invés de viver, se exclui. Entendeu como funciona?

— Mas é assim que tem que ser! — Retirou minha mão de seu rosto — É assim por que...

— Por quê?

— Porque já sofri com o erro dos outros e hoje em dia não admito que ninguém erre! Não posso tolerar erros do meu pessoal e não posso fazer com que outra pessoa se prejudique pelo nosso erro — Voltou a chorar.

— Que erro foi esse que te custo à vida toda? — Sussurrei perto de seu rosto — Me conte Molly, porque realmente não consigo compreender...

— Não posso — Afastou-se um pouco mais — Não posso. Você é amigo de Melany e tudo o que menos quero é que ela saiba!

— Porque ela não pode saber?

— Porque ainda não entende e não é o momento! — Colocou-se de pé e de costas para mim. Também me ergui.

— Tem a ver com o pai dela? — Me aproximei um pouco.

— Sim — Respondeu seguramente.

— Eu sei que esse homem te machucou muito, mas acabou — Usei um tom despreocupado — Já passou! Hoje você é uma mulher independente, forte e cuida de sua filha sozinha... Acabou.

— Acabou... — Ironizou — Nunca vai acabar, Alexander.

— Posso perguntar uma coisa?

— Não — Quando percebi meu corpo estava a cinco centímetros das costas dela.

— Melany foi feita com ou sem o seu consentimento? — Abaixei o olhar e esperei uma bela resposta dura pela invasão de privacidade, mas a pergunta em questão estava engasgada há tempos em minha garganta.

— Nada me importa agora — Se virou — Tudo que importa é que amo a minha filha!

A resposta era sim. Molly havia sido vitima de uma coisa terrível, eu podia imaginar.

— Molly... — Abaixei o rosto e segurei a testa de modo a apertar os olhos. Revolta. Essa era a palavra certa. Nunca senti tanta revolta ao descobrir algo em toda a vida.

— Isso desgraçou a minha vida e não a sua... Você não precisa sentir pena de mim — Sem pensar segurei em seus braços e a trouxe próxima de mim.

Sua respiração se encontrava com a minha e nosso coração batia um contra o outro.

— Está enganada, Molly. Já é tarde demais — Os olhos castanhos me encaravam derretidos em lágrimas — Por culpa dessa pessoa você se tornou tão amarga e fechada para o amor. Por culpa de quem te fez tanto mal hoje não posso sequer sonhar em fazer parte de sua vida.

Bateram na porta.

Molly me empurrou e se ajeitou rapidamente, encarando-me de canto antes de abrir a porta e atender a quem nos interrompia.

[...]

Passamos o dia nos lamentando e isolados em nossos cantos da sala. Distraí-me com o pessoal, que planejava novamente a festa dos funcionários. Seria de um jeito peculiar agora... Iriamos em uma sexta-feira à noite para a casa de campo dos pais de Alice e voltaríamos no domingo de manhã.

— Posso levar minha sobrinha? — Alguém questionou em meio ao almoço.

— Claro... Vai ser um lance meio familiar. Lá é grande e cabe muita gente! — Alice explicou.

— Certamente irei — Concordei — Estou precisando sair e relaxar. Vou levar meu sobrinho e minha mãe também... As minhas irmãs trabalham direto. É raro terem folga.

— Vou levar um bofe bem sarado... Bronzeado e tudo de bom! – Pierre comentou e as meninas começaram a rir.

— Acho melhor deixar as crianças em casa! — Eric brincou.

Voltei a minha sala realmente pensando sobre a tal viajem de final de semana. Iria ser interessante passear um pouco e levar Ethan. O garoto só ficava preso em casa com minha mãe e precisava se divertir. Minhas irmãs são modelos fotográficas e por serem gêmeas eram duplamente requisitadas.

Pensei também em Melany.

A garotinha ficaria feliz em poder viajar e com certeza lá teria um lago onde poderíamos visitar. Seria a oportunidade perfeita para cumprir minha promessa de jogar pedrinhas com ela.

Assim que entrei na sala me assustei com as risadas no ambiente que antes era tomado por tensão. Molly falava ao telefone e uma pequena figura pintava desenhos em minha mesa.

— Alexander!

Sua risada preencheu o ambiente e novamente trouxe vida meu coração.

— Melany...

A pequena encantadora.


CAPÍTULO DOZE


Alexander e Mel brincavam e conversavam juntos durante muito tempo e sequer aparentavam tédio.

Espiei de canto de olho as inúmeras perguntas que Melany dirigia a ele enquanto o pobre Alexander se desdobrava em cem para atendê-la e trabalhar nas planilhas que solicitei anteriormente. Mesmo correndo contra o tempo ele ainda parecia lindo e ela cada vez mais feliz... Minha mente travava diante de tal sintonia.

Cada vez mais eu compreendia o porquê de minha filha ser tão apaixonada por ele.

— Está tudo pronto, senhorita Bern. Deseja mais alguma coisa? — Perguntou parado em frente a minha mesa. Terminei de ler o documento que lhe pedi e ergui os olhos para ele. Estava com a camisa suja de canetinha rosa, justo aquela que Melany segurava agora enquanto pintava um desenho sobre a mesa dele.

— Mamãe, estou com fome... — Nós dois olhamos juntos na direção dela, que acabara de descer da cadeira e saltitava alegremente — Alexander pode me levar para comer algo?

— Ele não é sua babá, querida. É meu secretário — Expliquei um tanto constrangida pela maneira tranquila como Melany havia solicitado tal favor.

— Mas se a senhorita me der à permissão, seria um prazer acompanhar Mel até o refeitório — Educado como sempre, Alexander pousou a mão no ombro de Melany com carinho.

Engasguei com o ar ao vê-los tão próximos, cada vez mais amigos. Tal cena me causava comichões por dentro. Pela primeira vez em anos imaginei como seria se Melany tivesse em sua vida uma figura paterna.

— Bom, sendo assim, vocês têm minha permissão — Melany comemorou com palminhas e tirei de minha carteira uma nota de cinquenta que foi recusada por Alexander — Aceite, por favor.

— Além de seu secretário, também sou amigo — Piscou para mim enquanto guiava Melany para a porta.

— O que vamos comer, Alex? — A tagarela falava pelos cotovelos enquanto caminhavam. Como estava com o gesso menor que envolvia apenas a área machucada, Mel usava muletas ao invés de cadeira de rodas. Alexander segurou sua mãozinha e a ajudou a se guiar pelo caminho.

— Algo nutritivo, certamente. Senhorita Bern não gosta que você coma besteira, já estou ciente.

— Porque a chama de senhorita Bern? O nome dela é Molly...

Foi à última coisa que ouvi antes da porta se fechar e a voz de ambos sumir pelo corredor. Desabei sobre a mesa em seguida, suspirando pesadamente diante de tudo que acontecia diante de meus olhos.

Separar Alexander e Melany já era carta fora do baralho, uma vez que o próprio era a única pessoa que fazia minha filha sorrir como um pai faria. O homem terrivelmente atraente que invadiu meu escritório também era o único que lhe arrancava sorrisos sem muito esforço e aquele que tinha seu amor sem precisar se desdobrar em cem para consegui-lo.

Tirar Alexander da vida de Melany faria de mim uma vilã também na história de minha filha e esse rótulo já pesava demasiadamente sobre meus ombros cansados. Se Melany perdesse Alexander não seria eu a culpada. Não mais.

Recordei-me do rostinho dela naquela manhã perguntando-me se poderia vir comigo para a Empresa. Estava radiante, eufórica e alegre como em poucos momentos. Não consegui dizer não e em segundos Amber havia feito uma bolsa com canetinhas coloridas e revistas de pintar.

— Vou pintar estes desenhos com o Alexander — Comentou orgulhosa — Fiz um desenho para ele.

Voltei ao trabalho mais tranquila do que antes por saber que minha filha estava na companhia de alguém que realmente a fazia feliz.


— Ainda dói muito sua perninha, minha pequena Rainha? — A voz de Pierre era tomada por pena.

Vários funcionários se amontoavam ao redor da mesa em que eu e Melany estávamos sentados. Ao contrário do que pensei, a pequena lidava muito bem com a atenção do público e comia sua torta de chocolate com amêndoas e damasco de forma graciosa ao mesmo tempo em que respondia o que lhe perguntavam.

— Não dói mais não, tio Pierre — Deu de ombros cortando um pedaço da torta quase inteira em seu prato — Somente me incomoda ficar com o gesso.

— Fico tão feliz que você esteja bem... — Alice completou com a voz um tanto chorosa — Sinto muito por sua perna.

— Não tem problema! Já posso até mexê-la... — Continuou saboreando a torta.

— Alexander é a babá hoje? — Quando percebi que a pergunta era dirigida a mim, deparei-me com todos os olhares aguardando minha resposta.

— Ele não é uma babá, é meu melhor amigo.

A pontuação de Melany foi o suficiente para levantar especulações diversas e afastar quem quer que fosse de possíveis entraves.

Quando todos se foram e uma vez mais fiquei sozinho com Mel na mesa, a garotinha estendeu em minha direção um grande pedaço de papel sulfite que acabara de retirar do bolso de sua jaqueta lilás.

— Olha aqui Alex... Desenhei isso para você!

Os olhos verdes me encaravam em expectativa e a pequena mordia os lábios rosados convertidos em um meio sorriso.

Por alguns segundos encarei aquele sulfite dobrado em sua mãozinha minúscula e hesitante. Foi uma das sensações mais estranhadas de minha vida, tamanha emoção que atingiu meu peito ao contemplar aquela doce criança em um gesto tão carinho para comigo.

Apanhei o papel e abri enquanto, um tanto envergonhada, Mel mordiscava as unhas em expectativa.

Desenrolei o embrulho e finalmente vi o desenho.

Havia um sol bem grande e amarelo na parte superior da folha branca e embaixo estava escrito o meu nome com tinta guaxe. Algo que parecia ser o mar retratava-se em um tom de azul misturado com branco e algum amarelo, indicando os peixinhos.

— Veja que desenho mais bonito — Comentei olhando todos os pequenos detalhes.

— É o lago — Apoiou a cabeça nas mãozinhas de modo a me encarar meigamente — Aquele que iremos jogar as pedrinhas.

— Oh! É claro que é lago... — Os olhinhos inocentes me cativavam. Obviamente Melany esperava algo de mim naquele momento, uma vez que fui eu quem prometeu a ela passear no lago. A pequena travessa não havia esquecido — Será que quer me dizer algo?

—Sim — Sorriu — Quando nós vamos até lá?

— Em breve, querida. Eu prometo — Garanti apanhando uma de suas mãos e dando um beijo rápido — Obrigado pelo desenho. É o mais bonito que já recebi.

— O Ethan já te deu desenhos também?

— Sim, mas o seu é mais bonito do que todos eles.

— Eu posso ajudá-lo a desenhar um dia...

— Quando retirar esse gesso da perna prometo que te levarei na casa de Ethan para brincar — Coloquei-me de pé.

— Promete mesmo?

— Você não confia em mim? — Peguei-a em meus braços sabendo que todos ao redor prestavam atenção em nós.

O secretário tomando conta da filha da patroa. Aquele era o atestado que todos precisavam para ter certeza de que entre eu e Molly existia algo mais.

— Confio sim.

— Ótimo! Vamos subir, então, porque sua mãe deve estar te esperando.

— Alexander? — Ela disse quando paramos em frente ao elevador.

— Sim?

— Se eu tivesse um pai queria muito que ele fosse como você — Seus lábios tocaram minha bochecha rapidamente em um beijo carinhoso.

Pela primeira vez na vida uma pessoa do sexo feminino havia me deixado sem palavras. Pela primeira vez me dei conta de que realmente aquela pequena menina e sua mãe durona haviam me roubado o coração de maneira irremediável.


Entre Melany e eu, era difícil acertar quem estava mais encantada por Alexander.

Ela implorou para que fossemos até a casa dele após o expediente e a resposta foi enfática.

— Alexander deve estar ocupado, querida — Revirei a mente atrás de alguma desculpa para não atender ao pedido dela.

— Pelo contrário — Ele sorriu para mim de um jeito provocante — Não tenho nada para fazer hoje à noite.

Quando saímos juntos da Empresa todos espiaram como se fossemos o grande espetáculo. Alexander carregou Melany no colo até meu carro e foi engraçado ver a forma como ela estava se achando especial sendo levada por ele. Combinamos de cada um ir com seu próprio carro enquanto eu o seguia. A ideia de ir a casa dele não me agradava, porém não havia nada que minha filha me pedisse que cogitasse ser recusado. A curiosidade também me consumia por um lado... Alex era tão misterioso que me fazia querer saber mais sobre o homem pelo qual estava apaixonada.

Chegamos a um apartamento de classe média aos arredores da cidade. Parecia um cenário perfeito para um homem solteiro, bonito, com dinheiro e sem compromisso. Melany ficou deslumbrada pela decoração e mais uma vez me senti sobrando na conversa dos dois. Falar com Alex depois da conversa que tivemos mais cedo me causava calafrios, uma vez que por pouco não deixei meus sentimentos transparecerem.

O lugar era demasiadamente organizado, exceto por um par de chinelos no canto e alguns cartões sobre a mesinha. Tudo era limpo e arrumado até demais para um homem solteiro.

— Que tal conhecer minha casa? — Perguntou ainda com Mel em seu colo, algo que parecia não lhe incomodar. Abri a boca para dizer que não precisava, mas Mel se antecipou.

— Queremos sim! — Ele olhava para mim. Ainda sem graça os segui enquanto Alexander apontava todos os cômodos dizendo também sobre os quadros da parede e as fotos que ali estavam penduradas.

— Esse aqui é meu quarto — O quarto azul era tão parecido com o que eu esperava que me senti imersa em um sonho — Desculpem pela bagunça. Não tinha ideia de que teria duas moças em minha casa. Se soubesse por certo teria dado um jeito por aqui.

— Sua casa é muito legal! Podemos jogar aquele vídeo game lá na sala? — Mel propôs animadamente.

Os dois saíram pela porta e me peguei olhando o quarto dele.

O cheiro de Alexander estava em todas as partes, irradiando até mesmo dos móveis modernos do quarto. Voltei à sala logo em seguida. Ambos estavam sentados ao sofá com o vídeo game ligado na televisão enorme e sentei-me na outra ponta. Melany parecia estar em sua própria casa, uma vez que já havia pego bala do pote e tirado a sandália e o casaco.

— O que vamos comer? — Alexander sorriu de minha expressão ao ouvir Melany fazer tal pergunta.

— Melany Bern! A senhorita vai comer em sua casa! — Alexander logo me cortou.

— Vou pedir uma pizza... Do que vocês gostam? — Se esticou para apanhar o telefone na mesinha. Não precisei sequer falar nada, é claro!

— Eu gosto de milho com queijo! — Ela praticamente pulava de alegria por ter a oportunidade de ficar mais tempo ao lado de seu melhor amigo.

Os dois comeram a metade da pizza de queijo com milho inteira, enquanto comi um pedaço e meio da de frango e deixei o resto na geladeira dele. Fiz questão de ajudá-lo a limpar a cozinha, lavando a louça enquanto ele secava e guardava. Mel ficou senta na mesa conversando conosco, não deixando nunca o assunto cair apenas em nós dois, algo que foi ótimo.

Uma vez na varanda do apartamento, Alex tocou violão para Melany e foi questão de minutos para que a pequena pegasse no sono deitada na espreguiçadeira.

— Essa conversa de ela gostar das mesmas coisas que eu gosto... — Começou um tanto confuso e acariciando o cabelo de Melany — É tudo verdade ou invenção?

— Pensei que nunca iria perguntar — Sorri — É tudo verdade. Melany sempre gostou de pizza de milho com queijo, de torta de chocolate e de tudo mais que tenha te dito. Ela nunca mente — Alexander se mostrou ainda mais confuso — A vista aqui de cima é tão linda... Parece até um sonho. Tão perto, mas tão longe de toda essa loucura da cidade grande.

— Devo concordar — Não precisei olhar para saber que seus olhos estavam em meu rosto — Tão perto, mas tão longe.

Senti toda a intensidade de suas palavras e me tornei ainda mais frágil. Seus olhos brilhavam apenas iluminados pela luz fraca que vinha da varanda e a intensa que refletia da lua. Tive de me conter para não tocar seu rosto e depois passar a mão em seu cabelo lindamente desalinhado.

— Isso está me matando, sabia? — Murmurei — Ficar tão próxima de você e tentar esquecer o que eu... O que eu sinto.

— Não precisa, porque isso está me matando também — Deu mais um passo em minha direção. A distancia entre nós era quase nula.

— Estou começando aceitar a dor e acho que deveria fazer o mesmo — Pousei uma mão em seu peito impedido que ele se achegasse mais —Por mais que seja o que queremos, nunca vai dar certo.

— Não vai dar certo se nós não quisermos — Coloquei um dedo sobre seus lábios.

— Não somos mais crianças e para mim tudo isso é só um desejo passageiro.

— Se for um desejo, que possamos matá-lo, então. Como você disse, não somos mais crianças — Deu de ombros abaixando minha mão com a sua. De repente eu estava entre os braços dele de uma forma que parecia impossível se livrar — Porque não podemos simplesmente deixa acontecer? — Estremeci com essas palavras, mas busquei manter a racionalidade.

— Não é tão fácil para mim quanto é para você essa história de se entregar — Tentei me afastar de modo singelo e delicado. Alex me respeitou deixando que saísse — Vou te dar o meu melhor e não vai poder me retribuir na mesma altura.

— Quem disse que não poderei? — Pareceu ofendido — Porque desconfia de mim?

— Não é pessoal, apenas não confio em nenhum homem — Pontuei e ele sorriu sem humor.

— Mas nunca senti por ninguém o que sinto por... — O travei, erguendo a mão para que se calasse.

— Já ouvi isso antes.

— Mas Molly...

— Não posso me machucar e, além disso, machucar minha filha! Melany já está envolvida demais para sair imune se algo entre nós der errado.

— Neste ponto te compreendo — Murmurou abaixando o rosto. Deu um passo em minha direção novamente — Mas não sei se posso continuar lidando com isso sem que você saiba — Apanhou minhas mãos de modo a entrelaçar nossos dedos — Você, mesmo com essa banca de durona e tudo, conseguiu tocar meu coração de uma forma que mal posso me controlar.

Nós dois sorrimos.

Era possível sentir o coração dele contra o meu e parecia ser a primeira vez que meu corpo sentia algo assim e talvez fosse. Seus olhos eram doces e delicados, as mãos também. Por mais que soubesse que não podia me entregar, meu coração seguia outro caminho, aquele que me levaria direto para os braços dele e ao mesmo tempo direto para a ruína.

Fechei os olhos. Nossos lábios estavam próximos e...

— Mamãe?

Nos empurramos ao mesmo tempo quando abri os olhos.

Por sorte Mel estava deitada e não viu nada, apenas nos localizou quando se sentou. Respiramos aliviados e nos olhamos com certa cautela. Desviei o olhar e caminhei em direção a minha filha me repudiando por estar cada vez mais frágil em relação a tudo que jurei para mim mesma nunca voltar a fazer.


Vesti minha máscara de funcionário modelo e fui trabalhar no dia seguinte.

— O que foi aquilo com a rainha de gelo e a Melany ontem? — Alice questionou assim que cheguei. Sorri de lado e segui caminhando.

— Não foi nada, apenas ajudei senhorita Bern a colocar Melany no carro — Comentei sem querer criar caso entre os funcionários. Todos estavam de olho em nós – A proposito... Ela já chegou?

— Ainda não — Desviou sua rota da minha — Bom dia Alex!

— Bom dia!

Era mesmo verdade.

Molly não havia chegado mesmo.

— Droga... — Murmurei ao adentrar em nossa sala.

Certamente estaria enraivecida e voltaríamos à estaca zero. Molly era uma caixinha de surpresas, algo realmente difícil de ser desvendado. Por experiências anteriores deduzi que chegaria nervosa e tudo que acreditei que estivéssemos construindo iria novamente para a ruína.

Ajeitei meu trabalho evitando pensar sobre ontem, uma vez que dentro da Delux tudo ou qualquer assunto pessoal deveria ser totalmente deixado para trás. A porta se abriu e Molly estava lá antes do que previ.

— Bom dia... — Disse antes que eu pudesse pensar.

— Bom dia senhorita.

— Tenho uma pilha de desenhos para escolher e ajustar — Colocou as pastas sobre sua mesa e retirou o casaco — Será que pode vir até aqui e me ajudar com isso?

O sorriso dela era algo realmente diferente e contagiante. Algo que deveras me pegou em cheio na surpresa, assim como tudo que vinha daquela linda e enigmática mulher.

Tão linda quanto difícil.

Tão difícil quanto ferida.

Feridas que eu sequer conhecia, mas certamente o meu amor poderia cicatrizar.


CAPÍTULO TREZE


— Você é o tipo de homem que se liga no que a mulher está usando?

Certamente a pergunta de Molly me pegou de surpresa enquanto analisávamos mais algumas peças da coleção, no entanto, fui capaz de disfarçar muito bem o estranhamento repentino.

— Dependendo da ocasião, sim — Segui empilhando os modelos enquanto a chefe escolhia as cores que deveriam preencher os espaços deixados em branco por Sebastian e Pierre, os estilistas da marca.

— Compreendo... Também não acharia conveniente ir ao primeiro encontro usando pijamas — Escrevia algo em um papel e, sentados lado a lado, nossas pernas se tocavam discretamente debaixo da mesa.

— Sei como é exigente — Sorri de canto e Molly me deu uma cutucada brincalhona — O que foi? Vai dizer que para te levar para jantar um homem não precisa estar vestindo Armani? — Largou a caneta e me encarou de maneira séria.

— Primeiramente, não sou do tipo de mulher que se agrada com um jantar — Respondeu com certa superioridade me fazendo rir de sua postura — Além do mais, o que interessa realmente é o conteúdo e o que ele representa em minha vida... Se for um homem admirável não me importarei se vestir Armani ou uma camiseta de futebol.

— Camiseta de futebol? — Parei com meu serviço um tanto surpreso — Essa é muito boa! Molly Bern, a Rainha da Delux, saindo com homens que usam camiseta de futebol!

— Por acaso para sair com você uma garota precisa usar joias de ouro e Chanel? — Esticou a mão para apanhar o copo de cappuccino do outro lado da mesa. Ajudei-a colocando o copo mais perto de seu alcance.

— Roupa é absurdamente dispensável — Molly engasgou com a bebida e tossiu discretamente.

— Vou fingir que o senhor não disse tais palavras em nosso ambiente profissional! — Repreendeu bem humorada e desenhado algo no modelo de Sebastian.

— Me desculpe, mas foi à senhorita quem puxou esse assunto comigo. Peço perdão se feri sua moral.

— Oh, por Deus! É um direito seu sair com mulheres nuas — Deu de ombros ironicamente sem me encarar — Por isso que não sairei com o senhor. Onde eu nasci roupas são absolutamente indispensáveis!

— Pois saiba que eu sairia com a senhorita mesmo que usasse uma roupa de palhaço... Isso se por ventura resolvesse sair comigo qualquer dia desses — Me peguei pensando se deveria me arrepender por ter dito tais palavras. Não era certo, muito menos após a conversa que tivemos na noite anterior.

— Está novamente flertando no ambiente de trabalho? — Largou a caneta de novo e me olhou — Trata-se de algo imperdoável!

— Imperdoável e a senhorita usar termos como "flertando"! Quem usa essa palavra atualmente? — Nós gargalhamos novamente — Porque não assume de uma vez que aceita sair comigo e acaba com essas violações de conduta por minha parte, por favor. Não posso me controlar.

— Aceito se me levar para tomar champanhe na beira da praia... — Se inclinou em minha direção com o copo de cappuccino em mãos — E somente depois disso tiraremos a roupa.

— O que? — Levei um susto ao ouvir a última parte. Molly, que tomava o liquido do copo com canudinho, quase cuspiu em meu rosto ao ver minha expressão.

— Estou brincando! — Revelou tocando a ponta do meu nariz com o indicador, algo que considerei muito intimo. A tal conversa constrangedora em meu apartamento rendeu bons frutos. Sabíamos o que sentíamos um pelo outro e não era um segredo agora.

— Oh! Droga... Estou decepcionado! — Abaixei o rosto fingindo desapontamento e depois a olhei novamente — Mas, tudo bem! Podemos tomar champanhe na beira da praia. Iremos a um lugar lindo e divertido.

— Ninguém pode saber, é claro!

— Eu jamais revelaria nossos segredos, chefe.

[...]

No horário de almoço os funcionários conversavam entre si sobre a viajem para a casa de campo dos pais de Alice empolgados com a possibilidade de passar um final de semana longe das correrias da Delux.

Almocei em silêncio sem incomodar ninguém, apenas lembrando a conversa de mais cedo com Molly e empolgado com a possibilidade de ter mais um tempo com ela. Aquela mulher era tudo o que meu coração desejava.

— Já vai subir? — Rachel perguntou quando ameacei me levantar.

— Sim. A senhorita Bern está a minha espera...

— Isso Alexander, volte para a Rainha. Sua presença ultimamente é muito requisitada! — Lucca brincou.

— Desde que chegou ele às coisas estão melhores por aqui — Alice intrometeu-se — Ela anda mais mansa.

— Certamente tudo anda melhor — Pierro piscou com segundas intenções — Minha Rainha tem um retrato lindo ao vivo dentro de sua sala e por isso não pega mais tanto no nosso pé. Está preocupada em te impressionar.

— Fazer o que... Faz parte do meu charme! — Mordi a língua tentando fazer uma careta sexy e riram de mim — Estou subindo. Até mais tarde galera... — Se despediram e logo percebi que Rachel me seguia pelo corredor.

— Alex! — Coloquei a bandeja no lugar de descarte e me virei em direção a ela. Depois de também empilhar sua bandeja, Rachel parou a minha frente — Podemos conversar em um lugar mais reservado?

— Rachel... Tenho mesmo que voltar para minha chefe — Me interrompeu de forma bruscas, se jogando em minha frente e agarrando meus braços.

— Por favor, Alex. É um assunto que quero tratar contigo há muito tempo... — Começou a me puxar pela mão até a saída do restaurante e acabamos no corredor vazio que me levaria direto a sala da chefe.

— Você parece aflita. Do que se trata?

— Essas coisas não se dizem com palavras, mas sim com atitudes!

Apenas alguns segundos depois Rachel estava me empurrando contra a parede e engolindo minha boca com a sua. Fiquei estático, surpreso com sua atitude e confuso! Deveria afastá-la?

Tentei virá-la de todos os jeitos e tirá-la de cima de mim, mas foi em vão. Resolvi deixar o beijo seguir até que pudesse dizer alguma coisa.


As coisas entre Alexander e eu estavam passando um pouquinho dos limites aceitáveis dentro da empresa.

Praticamente marcamos um encontro enquanto escolhíamos o modelo final da coleção e, ao contrário do que pensei, tudo isso não estava me causando desespero. Deixar acontecer poderia ser até interessante. Alexander é um bom rapaz, trabalhador e responsável. Talvez fosse a pessoa certa para apagar traumas e medos escondidos tão secretamente em meu passado sombrio.

Pode ser que Pierre tenha razão e meu coração necessite de um afago, quem sabe um amor! Alexander com certeza merece uma chance e estou finalmente disposta a dá-la.

Tive a brilhante ideia de ir ao restaurante hoje. Era lá que Alex sempre estava com o pessoal e não havia lugar melhor para conversar e deixar claro a todas que quisessem algo com ele que eu também estava na jogada. Estava mesmo disposta a isso por ele, uma vez que estou apaixonada!

Parte de mim desejava abrir o jogo para todos, mas ainda não era o momento. Segui caminhando em direção ao refeitório, porém me detive em meio ao caminho.

Rachel e Alexander.

Aquela garota estava pendurada no pescoço dele.

Eles estavam se beijando.

[...]

O que pensar quando isso acontece?

Era a pergunta que me fiz quando entrei de volta para a sala.

Senti como se fogo saísse de meus olhos, fumaça de minha boca e sangue de meu nariz! Estava revoltada, nervosa e tremendo! Apanhei um bloquinho e comecei a rabiscar algo sem sentido.

— Homens não prestam! Homens não valem nada! — Sussurrei.

Uma vez mais me enganei! Uma vez mais pensei que algo poderia ser, quando na verdade todo meu mundo foi arremessado por uma grande janela de vidro!

Porque me permiti ser tão estupida e ir contra minha maior convicção? Evitar homens e o relacionamento mentiroso que nos oferecem era o que sempre preguei, mas acabei novamente me iludindo! Voltei a ouvir o coração e ignorar a razão, sendo que a única coisa que existia sólida entre nós estava quebrada... A confiança que tive nos sentimentos dele.

A porta se abriu e Alexander entrou se aproximando de minha mesa. Não o olhei nos olhos, apenas permaneci da mesma maneira.

— Molly? Está tudo bem? — Questionou logo que pousou os olhos sobre mim. Reuni coragem e ergui o rosto com a máscara de durona e o encarei.

— E você? — Dei de ombros — Porque está parado se tem tanto trabalho a ser feito? — Lhe entreguei uma pasta grande — Ligue para todos os números e convide seus respectivos donos para a recepção da Delux na próxima sexta. Diga que é sobre a divulgação da nova linha Delux primavera-verão.

— Certo. Em um minuto — Percebi que Alex estranhava meu comportamento. Encarou-me com a questão anterior ainda em pauta e confuso demais para voltar a perguntar. Caminhou até sua mesa, apanhou o telefone e começou as ligações. Fingi estar alheia a sua presença novamente.

— Alice? — Apertei o botão que ligava a mesa dela lá fora.

— Sim senhorita Bern... — Respondeu com a voz submissa de sempre.

— Um café forte, por favor.

— Sim senhorita, um minuto!

Trabalhei em silêncio por todos os minutos seguintes até Alice entrar desajeitada com meu café.

— Aqui está senhorita — Alexander levantou e apanhou o café da mão dela.

— Tudo bem, deixe comigo — Alice assentiu.

— Com licença.

Assim que ficamos a sós se aproximou e colocou as coisas em minha mesa delicadamente. Continuou parado com as mãos no bolso quando me estiquei para apanhar o café e um pequeno saco de cookies.

— Perdeu alguma coisa em minha mesa, senhor Alcady?

— O que aconteceu? — Murmurou controlado — Quando sai para o almoço você não estava assim Molly.

— Molly? Para você é senhorita Bern ou chefe — Relembrei-o de nossos lugares na empresa sutilmente, afastando a cadeira da mesa e cruzando as pernas para que visse — A intimidade que achou que tinha comigo acabou, senhor Alcady.

— Nunca pensei, eu tinha intimidade com a senhorita, lembra? — Apoiou os braços em minha mesa se inclinando para mim — Somente me explique o que houve porque acho que desse jeito... — Gesticulou entre nós — Não funcionamos bem.

— Não tenho que te dizer absolutamente nada! Você é bem grandinho para saber o que fez e, quer saber? Fui tola por ter confiado em você por dois segundos.

— O que fiz para ferir sua confiança? — Soava nervoso — Faço tudo por você e para que me aceite!

— Volte para o trabalho...

— Molly, por favor... — Sussurrou meigamente — Não quero te perder assim...

— Me perder? — Coloquei-me de pé — Como vai me perder se nunca de fato me teve?

— Molly...

— Era só o que me faltava! Seu... — Comecei a pegar minha bolsa pendurada ao lado de minha mesa — Seu grande sem vergonha! Onde estava minha razão quando cogitei ter algo com... Ah! — Apanhei o café e sai da sala deixando-o para trás.

Eu, Molly Bern, a Rainha da Delux... Estava fumegando de ciúmes!

[...]

— Oh, ou! O que foi mamãe?

Joguei a bolsa no sofá, o casaco na mesinha e me sentei nervosamente! Chorei como uma menina sentindo todo meu peito se contrair com a dor que pairava lá no fundo. Escondi o rosto com as mãos, pois estava ciente da presença de Melany na sala.

— Mamãe? — Sua mãozinha estava em meu ombro e à voz baixinha e preocupada — O que foi? Porque você está chorando?

Reuni forças para me controlar e olhar para ela.

Meus olhos ardiam e com certeza deveriam estar vermelhos, mas ver Melany pareceu iluminar tudo um pouco e acalentar a raiva que crescia dentro de meu coração partido. Não sei se pelos olhinhos verdes como os dele ou pela expressão preocupada, mas meu pequeno anjo me acalentou a alma.

— Estou chorando porque estou com raiva, filha — Sequei algumas lágrimas, ainda irritada — A Delux faz isso com a mamãe.

— Você sempre diz que são eles quem choram por sua causa!

— A culpa é de uma pessoa em especial — Abaixei o olhar quando falei — Seu querido e amado Alexander — Citei o nome dele com desprezo.

— O que foi que Alex fez para te fazer chorar desse jeito? Duvido que tenha te feito algo errado, mamãe, ele não é assim! — O rostinho lindo parecia pegar fogo de tão vermelho.

— Ele estava beijando outra mulher. Entende isso filha?

— Beijando? — Colocou a mão livre na boca — Beijando na boca dela?

— Sim! Na boca dela! — Suspirei – Eu vi os dois no corredor... — Voltei a chorar — Aquele sem vergonha! Me deixou aqui feito uma tola... Feito uma menina boba!

Jamais me senti tão ridícula quanto me sentia chorando por Alexander.

— Alexander gosta de você como namorada — Tocou meu ombro novamente – Isso foi engano!

— Pare você também de dizer mentiras! Se Alexander gostasse realmente de mim não estaria beijando outra mulher!

— Alexander gosta de você, mamãe, ele gosta! Sei disso, tá bom? — Fiquei de pé no minuto seguinte.

— Chega do assunto, Melany! Vou tomar banho... — Anunciei suspirando e limpando o rosto — Vai tirar o uniforme. Cadê a Amber?

— No quarto... — Suspirou desanimada.


— Tio Alex! Sua cara está péssima... — Ethan sentou-se em meu colo no minuto seguinte. Seus olhos verdes curiosos me analisavam tentando entender o motivo de tanto sofrimento em meu semblante.

— É tudo por causa de Molly, Ethan — Revelei sorrindo sem humor.

— Ah não... Ela de novo! O que foi agora? — Virou-se mais em minha direção e interessado no assunto.

— Estava tudo indo tão bem. Pensei até que pudéssemos começar algo juntos, quem sabe um namoros... — Dei de ombros quando o vi sorrindo — Mas de repente tudo desabou! Não sei o que aconteceu para que ela ficasse daquele jeito. Parecia com muita raiva quando sai e não me disse o motivo.

— Minha mãe também é assim. Talvez as meninas sejam assim. Todas elas! — Assenti esfregando seu cabelo loiro.

— Acho que tem razão...

— E Melany? Quando vai trazê-la aqui para brincar? — Empolgado bateu palmas chacoalhando as perninhas no ar.

— Do jeito que vão as coisas com a mãe dela vai ser bem difícil! — Mmeu celular tocou e vibrou no bolso. Tirei Ethan de meu colo e olhei o visor antes de atender e me surpreendi.

Melany.

— Mel? Está tudo bem querida?

— Oi, sou eu! — Praticamente gritou do outro lado — Tudo bem Alex?

— Tudo bem princesa e vocês? Aconteceu alguma coisa para estar me ligando? Precisa de ajuda? — Preocupado encarei os olhinhos curiosos de Ethan a minha frente. Ele prestava atenção aos detalhes de minha conversa.

— Aconteceu sim! — Sua voz soou implicante — Pensei que você gostasse de minha mãe, mas você me enganou!

— Como assim Mel? É claro que gosto de sua mãe, eu...

— Então porque estava beijando uma tal de Rachel na boca?

— O que? — Me coloquei pé no momento seguinte pelo choque que tomei — Como sabe disso, pequena?

— Mamãe contou quando perguntei por que ela chegou em casa chorando! Disse que viu você beijando a boca de Rachel! Isso é mesmo verdade?

Tapei o rosto com as mãos e suspirei longamente. Tudo começava a fazer sentido agora.

— Sua mãe me viu beijando a Rachel? — Molly com razão estava decepcionada comigo, mas sequer cogitei que contar sobre um beijo tão insignificante fosse simbolizar alguma coisa.

— Foi o que ela disse — Repetiu exausta — Acho que mamãe ama você como as princesas amam os príncipes, sabia? Ela estava chorando e somente choramos por alguém que amamos! Não é verdade?

— Juro que amanhã vou conversar com Molly e acertar tudo. Desculpe-me, Mel. Aquele beijo não significou nada para mim!

— Porque não vem aqui hoje?

— Molly é capaz de jogar toda a mobília de sua casa em minha cabeça! — Mel gargalhou.

— Ela está brava porque gosta de você... Ela mesmo disse isso — Revelou baixinho e meu coração ardeu dentro do peito — Espero que você também goste dela.

— Gosto, Melany — Confessei em tom seguro — Gosto de sua mãe como nunca gostei de qualquer outra mulher na vida. E eu a quero para sempre.


CAPÍTULO QUATORZE


Sempre julguei ser o sabe tudo sobre s garotas, mas foi preciso um pequeno raio de sol chamado Melany – uma menininha de seis anos – para me abrir os olhos sobre o real motivo do desdém de Molly.

A rainha da Delux tinha ciúmes de mim.

Certamente a situação era inusitada e foi algo totalmente atípico o ataque de Rachel, mas tudo serviu para que os sentimentos de Molly ficassem ainda mais evidentes. Aquela incrível mulher não estava blefando quando expôs seu coração para mim. Existia algo que podia ser bom entre nós... Algo que jamais senti por alguém.

Cheguei ao escritório e descobri que Alice havia faltado por um resfriado. Segui direto para a sala da chefe com o peito cheio de decisão e vontade. Hoje Molly ouviria de meus lábios sobre tudo aquilo que crescia cada vez mais em meu peito desde a primeira vez que nos encontramos. A Rainha da Delux compreenderia que era também minha Rainha pessoal.

Ela estava ao telefone quando abri a porta e seu tom de voz era elevado. Talvez não fosse uma boa manhã.

Caminhei até minha mesa depositando sobre ela minha pasta e o casaco. Não iniciei nenhuma atividade, somente liguei para Anny - que estava hoje no lugar de Alice - e pedi cordialmente para que não incomodasse a senhorita Bern nas próximas horas por nada. Assim que Molly desligou o telefone me chamou imediatamente com o dedo sem dizer nada, encarando os papeis em sua mesa com seriedade e preocupação. Aproximei-me singelamente encarando-a fixamente de forma sorrateira.

Molly estava ainda mais linda hoje em particular. Usava o cabelo preso e um vestido bordô. Óculos de grau emolduravam o belo rosto avermelhado pela rotina cansativa.

— Quero falar com você — Antes que pudesse dizer algo Molly se surpreendeu com minha atitude. Encarou-me surpresa.

— Comigo quem? Com sua chefe? Se for algo de cunho pessoal, sinto muito, mas somente trataremos fora da empresa! — Voltou a me ignorar apanhando os papeis e os postando em frente ao rosto.

— Quero falar com a única Molly que existe ai dentro — Abaixei os papeis levemente encontrando seu rosto por detrás deles — A Molly que conheci a poucos dias em meu apartamento.

A vi engolindo em seco. A muralha que Molly construía ao redor de si quando se sentia ameaçada era demasiadamente forte e precisava de um bom exército para ultrapassá-la.

— Será que não fui clara? — Insistiu com a voz hesitante.

— Ainda são oito e meia. Tecnicamente não estou em meu horário de trabalho formal e a senhorita também não! Se deseja conversar fora daqui podemos fazer uma cena e ir até a calçada como duas criancinhas. Que tal? — Ergui uma sobrancelha e Molly suspirou se pondo de pé.

Postou-se a minha frente - entre meu corpo e a mesa - cruzando seus braços em frente ao peito. Naquele momento pude sentir o poder de seu ciúme. Molly praticamente me fuzilava com a potência de seu olhar castanho e tal fato me causava arrepios.

— Pois bem, Alexander... Já que não estamos em nosso horário formal de trabalho... O que deseja tratar comigo?

Retirei as mãos dos bolsos e a encarei da forma mais singela que pude, desejando que notasse toda minha verdade.

— Pensei que fossemos amigos. Você podia ter sido sincera comigo ontem ao invés de esconder o jogo e agir como uma adolescente colegial — Encarou-me confusa — Sobre o que viu ontem entre mim e Rachel... — Interrompeu-me.

— Espera ai... O que? — Riu sem humor — Era só o que me faltava... Não quero ouvir nada sobre você e aquela garota!

— Precisa ouvir que aquilo foi um erro — Expliquei segurando em seu braço levemente para que prestasse atenção em mim.

— Foi um erro o que quase houve entre nós! — Molly parecia mais vulnerável que nunca com seu olhar transbordando desapontamento e tristeza — Acreditei em você, Alexander! Você disse que também podia me dar seu melhor e não o fez! Sei que é ridículo, mas já me sentia totalmente envolvida contigo e errei sobre sua posição nessa história.

— Não errou não! — Toquei seu rosto com a mão tremula — Eu também me sentia da mesma maneira... Sinto da mesma maneira! — Corrigi enfaticamente — Aquele beijo foi uma bobeira em meio a nossa história, que é algo tão valioso para mim agora. Rachel é uma garota difícil e me agarrou desprevenido. Foi somente isso!

Deu de ombros como se estivesse despreocupada, porém não era isso o que exibia sua face.

— Está tudo bem, você tem razão! Agi como uma adolescente boba, mas ao seu lado parece que é isso o que me torno... Uma menina sem limites! — Confessou nervosamente — Não te culpo por perder as estribeiras. Não sou uma mulher fácil. Compreender-me exige bastante esforço e até hoje ninguém conseguiu.

— Sei disso e é por esse motivo que estou enlouquecendo. Você é uma mulher de verdade e nada com você pode ser comparado a um simples beijo impensado de Rachel. Nunca me passou pela cabeça ter algo com ela. Alice e todos podem te provar isso...

— Não são eles que têm que me provar algo, mas sim você... — Afastou minha mão de seu rosto devagar — Acho que é melhor esquecer e deixa isso para lá. Será melhor para todos.

Senti que Molly queria se afastar de mim não apenas fisicamente, mas também emocionalmente. Algo dentro de mim sabia que seria demasiadamente dolorido viver sem a expectativa de chegar à Delux para encontra-la e jogar indiretas como um tolo... Como seguir sem saber de Melany, a menininha que tanto me apeguei e considero?

— Não vai ser melhor para ninguém — Puxei-a pelo pulso para que se achegasse até mim. Molly me encarou de perto um pouco assustada — Não posso mais ficar sem você e Melany. As duas já fazem parte de meu coração e estou disposto a lutar por vocês mesmo que seja contra você mesma! — Sua respiração ofegava de encontro a minha — O melhor para mim é ficar com você.

Não pensei como um profissional quando tomei os lábios de minha chefe em um beijo apaixonado e profundo. Os sentimentos falariam por mim agora.


Não havia algo em minha mente que fosse melhor que beijar Alexander.

Meu coração se deleitava com a doce sensação de seus lábios contra os meus e me deixei levar. No fundo era o que desejei e sempre quis. O beijo dele era doce e carinhoso como muitas vezes imaginei. Sua grande mão em minhas costas era leve, delicada e me tocava com adoração. Não tive vontade de me afastar nunca, somente me agarrar ainda mais aos ombros largos e me perder em seus braços fortes.

— Toc, toc... Estou entrando minha Rainha! — Era a voz de Pierre.

Como na noite em que quase nos beijamos e Mel acordou, nos empurramos no mesmo segundo em que nos demos contra da intrusa presença. Pierre entrou na sala sorridente e com algumas pastas, mas seu sorriso morreu quando nos viu parados lado a lado, ofegantes e nervosos.

— Pierre? — Questionei com a voz embaraçada.

— Oh... — Olhou de mim para Alexander e mordeu os lábios — Me desculpem! Anny disse que não era para incomodá-los, mas como era urgente... Aqui estão os modelos extras que me pediu, rainha, retocados e tudo! — Colocou as pastas sobre a mesa de Alexander.

— Claro! Obrigado Pierre... — Sequer sei como pude proferir qualquer palavra.

— Bom... — Seu sorriso amarelo evidenciava o tom de segundas intenções. Meu amigo era esperto o suficiente para saber o que acontecia por ali — Desculpem por interromper de novamente! Ao menos bati na porta, não é? Com licença... Boa sorte!

Assim que saiu e ficamos a sós novamente me movi colocando a mão no peito e olhando em direção a Alexander. Seus olhos se moveram até mim e estavam assustados de maneira engraçada.

— Pelo menos ele bateu... — Deu de ombros ainda nervoso.

— Pelo menos.

O silêncio dominou o ambiente em uma situação constrangedora.

— Quer falar sobre o que houve?

— Acha que devemos? — Sorri envergonhada.

— Deseja que eu peça desculpas mesmo me sentindo feliz por ter te beijado?

— Quando um não quer dois não fazem — Respondi dando de ombros e ele sorriu.

— Como ficamos? — Neste momento o relógio da sala apitou e atraiu nossa atenção. O mesmo marcava o inicio do turno diário de trabalho. Nos olhamos e Alexander suspirou adotando uma postura mais rígida e correta — Bom dia senhorita Bern. O que temos para hoje?

— Bom dia Alexander — Respondi entrando em sua brincadeira — Temos um dia cheio, devo adiantar.

Não era a hora e nem lugar para que tudo o que estávamos sentido viesse à tona.


— Com licença senhorita Bern — Lucca estava parado na porta com metade do corpo para dentro — Posso roubar Alexander por dois segundos?

— Bom dia Lucca. Claro que sim! Apenas não demore a devolver meu secretário — Molly sorriu para ele em um gesto simples e rápido antes de voltar para o trabalho. Ergui-me da cadeira notando o quão assustado Lucca estava com o ato.

— Caraca... Acho que a poderosa vai me demitir — Assim que fechei a porta o ouvi falar — Viu aquilo? Ela sorriu!

— Ela não vai te demitir, fique tranquilo. Ontem mesmo me disse que o quadro de funcionários do departamento está ótimo — Dei de ombros e o vi suspirar aliviado. Bati em seu ombro levemente — Aconteceu alguma coisa?

— Sobre isso que quero falar — Começou coçando a cabeça — Ia te dizer no almoço, mas como não desceu pra comer...

— Estou atolado de papeis aqui, cara — Molly e eu estávamos trabalhando a todo o vapor para dar conta de terminar tudo antes que a temporada acabasse. Tudo estava em nossas mãos — Por isso não desci e comi um lanche aqui mesmo.

— Tudo bem, mas gosto de você e acho que devo te contar sobre o que está rolando na rádio peão — Parecia perdido e sem saber o que falar — Não me leve a mal, cara, sei como é estranho ouvir o que vou te dizer, mas tem duas fofocas circulando sobre você com o pessoal. Nenhuma das duas é boa e como Alice faltou resolvi vir te avisar antes que chegue ao seu ouvido de forma errada.

— Tudo bem! — O tranquilizei — Não ligo para isso realmente — Dei de ombros me apoiando na parede — O que é agora?

— Acho que para essas vai ligar.

— Certamente não. Agora desembucha!

— Rachel chegou falando que te beijou ontem e vocês dois, bom... Vocês dois estão tendo um lance — Fez gestos com as mãos insinuando sexo. Apenas com isso meu queixo se contraiu. Ao perceber minha expressão dura, Lucca prosseguiu — E a outra, que talvez seja mais leve, é que Pierre pegou você e a chefe na sala dando um amasso hoje de manhã.

[...]

— O que aconteceu? — Não precisei falar nada quando entrei para Molly perceber que algo estava muito errado — Que expressão de indignação é essa?

— O que aconteceu? — Ironizei me aproximando de sua mesa ainda sem acreditar no que ouvi de Lucca — Você não vai gostar quando souber que o aconteceu! — Parei em frente à mesa e ri sem humor.

— Pois então fale! — Largou a caneta sobre a mesa e olhou-me séria e interessada.

— Rachel disse para todo mundo que eu e ela estamos tendo um — Fiz aspas no ar — Caso!

— Alexander, o conquistador... — Ironizou em tom de brincadeira.

— Para vai... Ainda não contei o pior!

— Pior? O que pode ser pior que ser tomado como ficante sem ser consultado? — Ignorei seu comentário.

— Seu amiguinho borboleta saiu falando que eu e você — Gesticulei nós dois — Estávamos nos pegando hoje — Molly abriu a boca em choque. Piscou algumas vezes e olhou em volta.

— Como ele pôde... Traidor! — Sussurrou para si mesma apertando um papel até amassá-lo.

— Mas isso sim é verdade — Apoiei-me com os braços em sua mesa, me inclinando para ela de forma sugestiva.

— Se houvesse dito "se beijando" seria correto! Agora usar o termo “se pegando”... Já é demais!

— Não é problema... Se quer fazer a fofoca ficar completa posso dar um jeito rapidinho — Molly também se inclinou para perto de mim pousando seu indicador em meu queixo. Isso me deixou em chamas.

— Porque não pede para Rachel dar um jeito contigo? Faz a fofoca dela ficar completa, garanhão que pega duas ao mesmo tempo — Empurrou meu rosto levemente, mas voltei para o mesmo lugar.

— A única fofoca que quero completar aqui é a sua... — Nós rimos juntos — Além disso, nada do que sinto por Rachel chega aos pés do que sinto por você! O que existe entre nós é muito especial. Sou apaixonado por você.

Pensei tê-la visto engasgar um segundo pelo que o ouviu.

Toquei o rosto de Molly e a beijei novamente voltando a sentir o sabor doce e cálido de seus belos lábios. Era como se nos conhecêssemos a vida toda, tamanha sincronia com a qual nossos lábios se encaixavam. Meu coração derretia por seu beijo e sua proximidade. Eu a desejava a cada instante sem conseguir disfarçar a bagunça que essa maravilhosa mulher fazia em meu coração.

— Acho que é hora de voltarmos ao trabalho, senhor conquistador — Encostou-se à cadeira quando nos separamos, indo para longe e apanhando sua caneta. Tinha a expressão inquieta e o rosto avermelhado. Ela também me desejava — Antes que outra pessoa entre e te pegue com a mão na massa novamente...

— Como quiser, senhorita esquenta e foge — Molly gargalhou audivelmente segurando a testa e mordeu os lábios — Não pense que vai fugir de mim, ouviu? Ainda vamos ter essa conversa e depois dela não vai ter quem me afaste de você.


CAPÍTULO QUINZE


Quando em vida acreditei realmente achar um homem pelo qual fosse verdadeiramente me apaixonar? Era vergonhoso ficar fugindo dele de tal maneira, mas o motivo pelo qual o fazia era o medo de ceder.

Sempre me chamaram de grossa, sem escrúpulos e desumana e talvez fosse assim que eu gostava de ser vista. Afastar tudo e todos de meu coração passou a ser meu principal objetivo depois do nascimento de Melany e a decepção que tive com os homens e tudo ao redor. Como Alexander foi capaz de ultrapassar minha barreira e tocar novamente em meu ferido coração?

Aquele petulante e maravilhoso retribuía a todas minhas tentativas de afastá-lo com paixão. Eu já estava arrebatada por seu amor, porém era uma difícil tarefa decidir me entregar de uma vez. Envolveria a mim, meu coração partido e o mais importante de tudo... Minha pequena Melany.

— Mamãe... Estou com medo! Será que podemos ligar para Alexander vir aqui também? — A encarei pelo retrovisor e a vi sentada no banco de trás em sua cadeirinha. Apertei mais o volante contra meus dedos.

— O que Alexander vai mudar em tudo isso, Melany? Já falei que não vai acontecer nada, apenas vão tirar seu gesso, querida — Expliquei da forma mais doce que pude, porém a vi se agarrar mais ao paninho rosa que carregava.

— Por favor, mamãe! Quero o Alexander! Ligue para ele — Insistiu com a voz chorosa.

Melany não era uma criança teimosa e que mente para conseguir o que quer, por isso compreendi que seu medo era real. Alexander ocupava cada vez mais a figura paterna tão ausente em sua vida e tal fato me amedrontava ainda mais! Mel sempre sonhou em ter uma família com mãe e pai e isso me doía no coração. Pensar que de alguma forma não fui capaz de lhe dar um pai decente me fazia acreditar que sempre estava pecando com ela.

Observei-a novamente no banco de trás. Estava quietinha olhando pela janela, mas ainda havia insegurança em seus olhinhos verdes. Apanhei o celular e suspirei a procura do número dele.

Alexander sequer pensou em recusar quando atendeu minha ligação.

Assim que ouviu minha voz já estava contente, porém ficou quase em êxtase quando disse que estava sendo requisitado por Melany no hospital. Chegou em tempo recorde e beijou meu rosto com calma, sorrindo e me agradecendo por ter ligado. Retribui seu sorriso, parada aos pés da maca onde minha filha estava sentada.

— Vocês prometem que não vai doer mesmo? Que não terá agulhas?

— Sem agulhas! Somente vão retirar o gesso, Mel — Alexander garantiu ao lado de Melany na maca grande. Sentei-me na poltrona do outro lado do quarto e apenas observei a cena. Os dois, se vistos lado a lado, eram parecidos a ponto de serem confundidos como sendo da mesma família.

Talvez pai e filha.

— Foi o que eu disse a ela, mas o trauma da outra vez foi tão grande que já não acredita mais em mim — Me referi ao engessamento e toda a dor que Melany teve de sentir ao quebrar a perna.

Certamente estava assustada e traumatizada com a situação que viveu e a presença de Alexander, de alguma forma, a reconfortava. Abri uma revista que estava sobre a mesinha ao lado da poltrona e os dois seguiram conversando.

— Você deve acreditar em sua mãe, Melany. Ela sempre vai querer o melhor para você e é a melhor pessoa do mundo. Ninguém nunca vai te amar como ela — Ergui os olhos para eles de maneira curiosa e sorri diante das palavras dele — Além disso, ela é a mulher mais bonita que já conheci.

— Ah, você acha? — Melany disse em tom de brincadeira e sorri para ambos — Então porque você não namora com ela?

Nós dois ficamos em um silêncio constrangedor enquanto nos encarávamos.

— Tem assuntos que não dizem respeito a crianças, mocinha — Repreendi enquanto Alexander aguardava minha posição.

— Exato. Por isso você merece cócegas!

Quando Mel começou a rir e fugir das mãos de Alexander me voltei para a revista, retirando minha mente de sintonia. Abri em uma página que me chamou prontamente a atenção. "Inseminação Artificial", eis o titulo. Ao reler a capa percebi que a revista toda era voltada para o tema. Método, implicações e resultados. Engoli o ar e folheei um pouco mais.

Vi a imagem de uma mulher grávida e ao lado eram detalhados os cuidados extras na gravidez inseminada e tive de suspirar diante de tudo aquilo. Cada letra daquele artigo me era intimamente conhecido. A figura de uma menina e um rapaz lado exibindo as faces com os mesmo traços me chamou ainda mais a atenção, principalmente devido ao titulo pretensioso.

"O pai resolveu aparecer! E agora?".

Engoli em seco antes de me dispor a ler alguns trechos destacados.

Na doação anônima, presume-se que o doador não irá querer participar da vida do futuro filho, deixando aos cuidadores que adquiriram seu produto a inteira responsabilidade sobre a criança. Porém - em alguns casos raros - os anos passam e a cabeça muda. O doador pode demonstrar interesse em fazer contato com a criança, mas é possível que o mesmo tenha o direito de reassumir seu lugar? Legalmente falando a situação é complicada, mas colocando as emoções em pauta quem pode dar a resposta é o próprio filho em questão. O filho deve deixar claro se aceita ou não a presença do pai em sua vida, discutindo, principalmente, com sua família de criação. Se a criança não possuir idade suficiente para tomar tais decisões, cabe à própria família avaliar se será uma medida benéfica ou que causará danos ao desenvolvimento do cidadão.

Parei a leitura quando o médico entrou para finalmente retirar o gesso de Melany. Ela e Alexander pareciam entretidos em uma boa conversa e ficaram claras as tentativas dele de retirar o foco da pequena da situação que lhe causava medo.

Quanto mais olhava para a foto da matéria — o doador com a criança fruto da inseminação — mais a comparava com a cena que presenciava.

Alexander e Melany.

Ambos eram igualmente parecidos aos modelos da foto, algo atípico e curioso. Sorri para mim mesma ao me pegar avaliando algo improvável demais para ser considerado! Não havia possibilidade de Alexander estar envolvido em minha história, muito menos uma coincidência tão grande ocorrer de tal maneira.

Discretamente coloquei a revista em minha bolsa antes de me aproximar da maca e me envolver na conversa deles.

[...]

Mel se empolgou demais com a possibilidade de voltar a sua vida normal. Ainda um pouco insegura caminhava com a muleta, porém sua recuperação era praticamente de cem por cento. Já era noite quando saímos do hospital e Melany era carregada no colo por Alexander enquanto saboreava um chocolate por seu bom comportamento.

Não demorou muito para que Alexander comentasse sobre um jantar na casa de sua mãe e mencionar certo bolo de chocolate, algo que empolgou Melany demasiadamente.

— Mamãe... Podemos jantar na casa da mãe de Alexander? — Seu questionamento me fez trocar um longo olhar com ele.

— Acha uma boa ideia? — Perguntei um tanto hesitante.

Seria o momento ideal para nos envolvermos de tal maneira? Conhecer a família dele parecia ser um grande passo a ser dado naquele instante.

— Uma ótima ideia — Respondeu seguramente e com um sorriso alegre e largo.

A casa da família Alcady era certamente um ambiente acolhedor.

O jardim da entrada era grandioso e possuía brinquedos de criança espalhados por ele. O amplo imóvel era pintado com cores alegres e contava com uma varanda bonita e espaçosa. Melany se empolgou com a visão e correu saltitante até a varanda sem sequer nos esperar.

— Tem certeza que foi uma doa ideia? — Após fecharmos os carros juntos, Alexander me puxou para perto passando o braço em minha cintura.

— Minha mãe está curiosíssima para conhecer as duas mulheres capazes de me render — Sorri e engoli em seco.

Ele falou de nós para sua família e isso realmente era sinal de boas intenções.

A porta da frente foi aberta após Melany apertar a campainha. Assim que vi a mãe dele parada à porta, me afastei discretamente e nos separamos. O ouvi dizer algo baixinho para si mesmo, mas segui caminhando até a entrada. As apresentações foram formais e comuns. Melany pulava de um lado para o outro muito contente, principalmente quando o garotinho - sobrinho dele - apareceu e a convidou para brincar como se fossem amigos de uma vida toda.

Permaneci na sala conversando e sentada ao sofá ao lado de Alexander. Senti-me como uma menina em primeira visita a sogra.

— É uma pena que as meninas não estejam em casa. Elas certamente adorariam te conhecer, Molly. Hoje tinham um projeto na faculdade... — Addie lamentou-se desviando os olhos para Melany e Ethan, ambos brincando no canto da sala onde havia um quebra cabeça de mais de cem peças montado pela metade.

— Oh, não se preocupe! Teremos outras oportunidades para se encontrar — Sorri cordialmente.

— Teremos? — Alexander questionou com a voz cheia de duplo sentido e lhe dei uma cotovelada levemente nas costelas. A mãe ele riu de nós — Viu como minha Molly é um doce, mãe? Eu te disse...

Referiu-se a meus modos e ela sorriu.

— É difícil lidar com o meu filho, não é querida? — Concordei e estranhamente me senti em casa. Olhando para Melany podia dizer que ela também sentia o mesmo.

— Em alguns aspectos, devo concordar com a senhora — Adotei expressão pensativa — Não posso deixar de citar que Alexander é muito educado e, aliás, parabeniza-la por isso! Por outro lado, devo dizer que seu filho é muito teimoso e insistente.

— Insistência sempre foi meu segundo nome — Alexander interveio com seguranças.

— Meu menino sempre foi de lutar pelo que deseja, querida — Addie completou — Não espere vê-lo desistir no meio do caminho.

— Vovó, nós estamos com fome! — Ethan disse e as duas crianças se aproximaram — Quando teremos o jantar?

— Sim vovó, estamos com fome... — Melany repetiu como Ethan e sentou-se em umas das pernas de Addie como o garoto. Addie os envolveu ao mesmo tempo, abraçando-os.

— MELANY! — Repreendi perante a cena. A vovó beijou a bochecha dos dois dengosos — Não seja atrevida, querida. Desculpe-me, Addie. Melany é muito carente. Se você der trela ela faz a festa

— Não se preocupe com isso, Molly — Addie parecia descontraída e contente com as crianças — Sempre desejei ter mais netos, principalmente uma netinha — Piscou para mim — Depois que Ethan nasceu o que me faltava era uma linda garotinha.

— Ainda posso ter outra uma vovó, mamãe. Esqueceu que somente tenho uma? — Melany me constrangeu com sua colocação.

— Ethan não se importa em te empresar a dele — Alexander se esquivou antes que meu rosto corasse.

A comida de Addie parecia ser a mais saborosa que já provei.

Melany fez questão de elogiar do começo ao fim do jantar a comida de sua mais nova vovó, como agora chamava a mãe de Alexander, mesmo contra meus protestos. Não me conformei como se adaptou rapidamente ao sobrinho dele. Melany, que sempre foi uma criança tímida e fechada, estava totalmente à vontade junto à família de Alexander.

Ao final da noite Alexander comunicou a mãe sobre uma viagem com o pessoal do trabalho que seria feita em família e convidou-a para ir com Ethan.

— Claro que te acompanharemos. Ethan precisa de um bom passeio — Addie respondeu acariciando o cabelo do garotinho — Vocês duas também irão, querida? — Quando notei que falava comigo gargalhei baixinho e neguei — Não?

— Porque não mamãe? — Mel se mostrou decepcionada com um biquinho em seus lábios — Também quero nadar na piscina.

— Nós não fomos convidadas, Melany — Alexander fez um barulhinho de reprovação ao meu lado.

— Você também não foi convidada para a festa da boate e estava lá... Qual a diferença entre elas? — Quando arrisquei falar ele logo me interrompeu — Estou te convidando agora... Isso não é realmente um problema.

— Aquela festa foi um erro — Me virei levemente em sua direção e sussurrei — Você, mais do que ninguém, sabe sobre o ódio que todos na Delux têm de mim.

— Você é quem afasta todos eles. Após te conhecerem melhor certamente se darão conta da pessoa incrível que existe por trás da máscara de durona da rainha da Delux — Sussurrou de volta em tom delicado — Deixe de se esconder, Molly. Existe um mundo todo aqui fora.

— Não tenho coragem para isso agora... — Insisti um pouco persuadida e começando a considerar, mas de fato a ideia não me agradava muito — Imagine só tudo que falariam sobre nós quando verem Ethan e Melany juntos...

— Estarei com você, Molly. Você não precisa ter medo de nada! — As palavras de Alexander tocaram profundamente em meu coração.

Quantas vezes desejei ouvir isso de um homem? Quantas vezes desejei sentir segurança e carinho nas palavras de alguém!

— Alexander...

— Não dou a mínima para o que dizem e até onde sei você também não. Deixe que falem... Todos vão comentar de qualquer maneira quando você finalmente aceitar meu pedido.

— Qual pedido? — Me surpreendi e sorri diante de seu olhar apaixonado.

— O de ser minha para sempre...

Pensei em várias coisas para responder sobre a última frase, porém o ar ficou preso em meus pulmões.

— Por favor, mamãe... Vamos viajar também! —Encarei Melany sentada no colo de Addie com carinha pidona e os olhos esverdeados brilhando sob a luz da sala. Suspirei e apertei os olhos.

— Tudo bem, vocês venceram! Nós vamos!

[...]

— Mamãe adorou te conhecer — Mel já dormia dentro do carro e Alexander havia acabado de colocá-la em sua cadeirinha para mim — Comentou que você é um encanto de mulher.

— Ela também é um encanto, certamente — Concordei sorridente — Tudo aqui é incrível.

— Você vai mesmo viajar conosco? — Encostou-se ao meu carro e passou a me encarar de maneira apaixonada.

— Sabe que não sou mulher de meias palavras. Dei minha palavra e significa que realmente irei — Alexander chegou ainda mais perto e passou um dos braços ao redor de minha cintura.

— Chega de se esconder, Molly. É hora de tirar a imagem distorcida que criaram de você e mostrar para eles quem realmente é — Insistiu seguramente — Molly Bern é incrível. A mulher mais maravilhosa que já conheci.

— Confesso que me aproveito do fato de passar uma imagem de poderosa e talvez precise dela para ser respeitada. Sou uma mulher e nossa posição nem sempre é fácil quando ocupamos um cargo alto em uma empresa famosa — Expliquei delicadamente e ele pareceu concordar — Precisamos impor respeito da maneira que for possível — Ergui minha mão e toquei seu rosto levemente — A única pessoa na Delux que realmente me importa agradar é você.

— Eu?

— Quem mais?

Não resisti a sua proximidade e o beijei rapidamente. Seu calor me embriagou e foi o suficiente para que meus dedos dançassem em seus ombros enquanto nossos lábios se moviam em sincronia. Alexander era mais do que acreditei existir e finalmente me mostrava que um homem poderia sim ter exército o suficiente para ultrapassar minha muralha.

— Boa noite rei da persuasão — Sussurrei quando nos separamos e ele sorriu.

— Até amanhã, minha Rainha.


CAPÍTULO DEZESSEIS


A xícara de café fumegava em minhas mãos e os pensamentos a mente.

Parada em frente à parede de vidro atrás de minha mesa, apreciei a bela visão privilegiada de toda a cidade sob meus pés.

Era impossível apagar das lembranças todos os momentos que vivi com Alexander até agora e tudo o que aquele homem enigmático significava para mim. Em meio a uma vida tão corrida e histórias tão desoladoras, Alexander chegou para mim e Melany como um turbilhão encantador e cheio de luz. Sorri sozinha ao sentir o peito inflar de saudade e bebei o café olhando instintivamente para o relógio pendurado na parede ao lado.

O mesmo já contava quase nove horas da manhã e ainda não contava com a presença de meu secretário favorito.

Meu coração nunca foi bobo e me alertava de tempo em tempo que Alexander poderia representar um problema, mas agora parecia ser tarde demais para me apartar. Não havia em mim força de vontade suficiente para ficar longe dele.

Nos queríamos com a mesma intensidade e tudo parecia inevitável. Não existia aversão alguma de minha parte para com ele e certamente seria incrivelmente fácil me acostumar com o calor de seu corpo forte regado a toda sua gentileza. Estar com Alexander, em meus sonhos ao menos, soava tão natural quanto respirar.

Apertei os olhos e suspirei.

Alexander era o tipo de homem que certamente estava acostumado a partilhar a cama com mulheres exuberantes e experientes. Não que eu fosse insegura quanto a minha forma física, apenas não queria decepcioná-lo com meu histórico de inexperiência.

Quem iria imaginar que por trás da grande Molly Bern, a comentada Rainha da Delux, existiria uma mulher tão tola e amedrontada?

Apoiei a cabeça no vidro e suspirei pesadamente. Esse era o lado ruim de sempre me ocultar atrás de uma armadura forjada em mentiras. O que existia em meu interior em nada se parecia com a grande estilista e empresária que o mundo conhecia por meu nome. Um homem, no entanto, estava finalmente conseguindo a proeza de me descobrir exatamente como sou em profundidade.

Meu coração sussurrava em prece para que eu não me arrependesse.

— Bom dia, senhorita Bern — Assustei-me com sua chegada de modo a quase derrubar a xícara de minhas mãos.

Virei-me em sua direção um tanto perdida e notando-o parado atrás de mim com as mãos fortes e quentes em minha cintura.

— Alexander, pelo amor de Deus! — Falei baixo e buscando certo foco — Não entre tão silenciosamente. Por pouco não pulei da janela! — Coloquei a xícara sobre a mesa e apoiei as mãos na testa encostando-me ao vidro.

— Me desculpe se te assustei, Molly — Levou as mãos aos meus ombros e os massageou lentamente — Te vi tão concentrada que sequer pensei que perturbaria.

Vi seu olhar cair para dentro do decote de minha camisa social e sorri de canto.

— É contra as regras da casa fazer isso com a chefe... — Achegou-se mais a mim de modo a se aproximar de meu ouvido.

— Deveria ser contra as regras você trabalhar com essa roupa, chefe — Sorri de sua expressão ao nos afastarmos.

Quando consegui sair de seus braços Alexander voltou a me agarrar e empurrou-me contra a mesa. Inevitavelmente alguns objetos caíram com meu impacto e segurei em seus ombros largos para puxá-lo junto a mim. Fiquei assustada, mas suspirei diante de sua imponente altura. Ele sabia como me tirar de órbita facilmente.

— Você devia canalizar toda essa energia para o trabalho — Sussurrei diante de seus lábios.

Podia jurar que naquele momento haviam marcas de todos os tipos em meu pescoço e cintura, uma vez que suas mãos passeavam ali com vontade enquanto nossos lábios se uniam em um beijo profundo e quente. Seus dedos rápidos soltaram meu cabelo do coque e baguncei seu penteado tocando fios macios de sua cabeça. Se não fosse pelo chiado gritante do telefone talvez tivéssemos ido longe demais naquela situação.

O afastei com o susto, por pouco não lhe desferindo um soco na boca do estômago. Alexander me agarrou as pernas ao lado de seu corpo e paralisou pela interrupção abrupta. Esticou-se um tanto desengonçado e apanhou o telefone ainda ofegante.

Por hora nosso momento de descontração terminava ali.


O incidente de manhã me deixou ainda mais disposto para o trabalho.

Partilhar da mesma sala de minha namorada - ou futura esposa, talvez - não era algo tão empolgante quando os momentos íntimos eram interrompidos abruptamente por uma ligação qualquer. Molly me deixava mais surpreso a cada dia e estar com ela era meu maior desejo. Jamais cogitei a ideia de casamento com qualquer outra e, mesmo sem conhecê-la há muito tempo, sentia que era o correto a ser feito.

Não havia mais espaço para sofrimento na vida daquela mulher. Meu coração desejava incansavelmente tapar os buracos abertos por seja lá quem for em sua existência.

Nosso passeio estava próximo, mas não falamos muito sobre ele buscando manter a compostura. Uma reunião importante com Pierre e Sebastian nos ocupou por praticamente todo o dia. Molly demonstrava satisfação com o desempenho de ambos e momento ou outro exigia minha opinião. Não pude deixar de notar que a atenção de Pierre se voltava para nós com interesse redobrado a cada instante que interagíamos.

— Melany está na entrada com a vã escolar — Sussurrou para mim enquanto assinava alguns papéis em meio à reunião. Como de costume estava apressada e requisitada — Será que pode me fazer o favor de pegá-la?

O pedido soou envergonhado, mas virou um sorriso quando concordei.

— É um pedido da chefe ou da minha Molly? — Me cutucou levemente.

— Sua Molly? — Seguia sorrindo e assinando.

— Você sabe que sim. Para as duas coisas — Me levantei — Volto em um minuto. Com licença.

Sai da sala de reuniões e caminhei pelo corredor até alcançar a área dos funcionários. Alice acenou em minha direção por detrás de seu computador. Limitei-me a esperar o elevador e a mesma se aproximou com um largo sorriso.

— Está esperando alguém?

— Sim, espero Me... — O elevador se abriu e Melany surgiu diante de nossos olhos trajando seu uniforme do colégio e com a mochilinha pendurada nas costas. A adorável garotinha sorriu segurando as alças da mesma de maneira apertada quando me viu.

— Alexander! — Sem esconder a empolgação, Melany correu em minha direção para desferir um longo abraço em minha cintura.

Acariciei seu cabelo longo e sorri com sua empolgação. Meu coração sempre se inflava ao vê-la, seja qual for a situação.

— Como vai princesa? Como foi a aula?

— Muito longa! Estava ansiosa para vir para cá... Cheguei a pensar que não acabaria nunca a aula de matemática... — Rolou os olhinhos de maneira engraçada e meiga.

— Não sei se realmente é um bom negócio deixar a aula de matemática para se meter na Delux. Aqui acontecem até as coisas mais improváveis — Alice gargalhou ao meu lado.

— Alexander tem razão. Tudo o que se pode imaginar de mais maluco acontece dentro da Delux. Se erguerem mais os muros podemos chamar de hospício! — Completou cruzando os braços e admirando a beleza de Melany.

— Mas foi graças a essa empresa que você apareceu em nossas vidas, Alexander — Melany pontuou de maneira inocente e engoli em seco por suas palavras — Por isso gosto daqui.

— Você parece gostar muito de Alexander, não é Mel? — A garotinha assentiu positivamente a pergunta de Alice.

— Queria que ele fosse meu pai... — Seu tom era um tanto desolado — Onde está mamãe? — Questionou de maneira curiosa e aproveitei a deixa para retirar a mochila de suas costas.

— Em reunião com Sebastian e Pierre. Vamos até a sala dela esperar? Já está chegando ao final, não se preocupe.

— Sabe uma coisa curiosa? — Alice interveio antes que saíssemos — Vocês dois são muito parecidos — Estreitei o olhar e ela seguiu olhando de mim para Melany e ao contrário — Digo, fisicamente...

— Acha mesmo? — Mel sorriu de forma meiga e me abraçou pelo pescoço.

— Somos lindíssimos — Cochichei a seu ouvido e ela riu baixinho.

— Pelo menos os olhos são realmente parecidos... — Alice parecia intrigada.

Ouvi o barulho de saltos se aproximando e como mágica o pessoal se dispersou em segundos. Mel olhou por cima de meu ombro e sorriu lindamente, mandando um beijo no ar.

— Olá filha... — Molly se abaixou e beijou o rostinho de Mel em meu colo — Como está o meu amor? Alexander cuidou bem de você?

— Claro que cuidou, mãe! — Abraçou meu pescoço ainda mais – Alex sempre cuida de mim...

— Nem sei porque ainda pergunto, uma vez que sei que irá sempre exalta-lo — Colocou uma das mãos em meu ombro, parada atrás de mim.

Todos os funcionários olhavam para nós naquele momento. Parecíamos à atração principalmente de um show.

— Tia Alice disse que Alex e eu nos parecemos. Você também acha?

— Mas é claro que acho! — Molly sorriu um tanto tímida, colocando a mão no rostinho de Mel — Ambos são lindos.

— Está vendo, Mel? Eu disse que nós somos lindos — Sussurrei ao ouvido de Mel e fiquei de pé, olhando para Molly um tanto curioso. Não era da índole dela me elogiar assim, muito menos na frente dos funcionários e de Mel, principalmente — Vamos comer alguma coisa lá embaixo?

— Ótima ideia... Estou com fome e nós não almoçamos — Respondeu vendo Mel brincar com minha camisa, depois olhou para o meu cabelo — O que houve com seu cabelo?

— Sua pestinha — Chacoalhei Mel, que riu — Queria me deixar com o penteado descolado.


Notei por trás de meus óculos grandes que todos pareciam muito animados pela manhã.

Caminhei para minha sala sem olhar para os lados, mesmo que alguns houvessem desejado um bom dia. Seja qual for o motivo de tanta felicidade, ao final da tarde, quando descobrirem que estarei presente na viajem, nada pareceria tão certo.

Qual diferença um sorriso poderia fazer diante da chefe estragando o passeio?

— Bom dia, linda Molly... — Sorri ao entrar na sala e Alexander pigarreou — Quero dizer, chefe. Senhorita Bern — Fechei a porta e lá estava ele sentado em sua mesa, revirando alguns papéis.

Retirei os óculos para encará-lo seriamente. A simples presença me fazia sentir paz e alegria de maneira inexplicável.

Pensei um pouco antes de deixar a bolsa sobre a mesa e me arrastar até ele, sentando em seu colo. Alexander abriu os braços e me envolveu um tanto confuso, estranhando meu comportamento. Abracei carinhosamente seu peite forte e deitei o rosto na curva de seu pescoço.

— Ainda acho uma péssima ideia... Sobre o passeio — Sussurrei deitada ali de olhos fechados.

— Não acredita em mim? — Parecia seguro e me deu um beijinho no pescoço exposto por meu cabelo preso — Sei que vai ser bom. Minha mãe está empolgada com sua presença e de Mel.

— Sua pobre mãe será assediada por muitas, inclusive Rachel! — Meu rosto corou com a lembrança e me ergui rapidamente, afastando-me dele ao lembrar de que ali era um ambiente laboral.

— Molly e seus ataques de ciúmes — Parou ao lado de minha mesa quando me acomodei em meu lugar e acionei o botão da secretária — Nunca pensei que a Rainha da Delux fosse tão ciumenta...

— Alice, um café sem açúcar, por favor — Falei sem olhar para o aparelho, encarando-o um pouco receosa.

— Em um minuto senhorita!

O olhar de Alexander ainda era conflituoso, esperando uma resposta.

— Me desculpe, não gosto de parecer ciumenta — Recostei-me a cadeira de maneira cansada — Estou insegura com hoje, confesso! Passar o final de semana com eles não parece seguro.

— E comigo, parece? — Relembrou com empolgação — Não pense apenas neles. E nós? E Mel? E Ethan? E minha mãe... Se você não estiver presente, a pobre será ainda mais assediada! — Abaixou-se ao meu lado com carinho.

— O que quer dizer com isso? — Questionei confusa.

Alexander tomou minha mão entre as suas e me encarou com seriedade. Seus olhos verdes transmitiam um carinho imensurável.

— Quero que seja minha esposa — Segurei a testa e neguei com um aceno. Aquilo realmente me surpreendia, mas não parecia realmente crível.

— Sinto muito, mas agora não faz parte dos meus planos — Ele deu de ombros — Mas de fato me sinto lisonjeada com a proposta.

Alexander entendeu que não levei a sério algo tão repentino.

— Posso compreender, talvez esteja me precipitando, mas... — Ficou de pé com um sorriso — Nosso passeio continua de pé, certo?

Acenei contra vontade, a todo momento pensando em minha filha.

Alice entrou com o café e ouviu a ultima parte. Agora todos saberiam.


A definição de reboliço era o que se tornou minha mesa no refeitório, durante o horário de almoço.

— É mesmo verdade que minha rainha viajará conosco? —Pierre questionou curioso, curvando-se em direção a mim. Assenti enquanto bebericava o suco.

— Sim, de fato — Todos ao redor se olharem entre si — Molly irá. Por quê?

— Isso é inédito! — Alice disse parecendo surpresa, sentada a minha direita.

Rachel, do outro lado, não disfarçava o descontentamento.

— Isso é patético! O que a chefe vai fazer lá? Quem a convidou?

— Eu mesmo a convidei. Qual é o problema? — Rachel ergueu os olhos para mim um tanto frustrada — Alice, a casa é sua. Tem algum problema levar Molly? Porque se para você for indesejado, mudo os planos.

— Oh, claro que não! — Responde imediatamente — Lá não é a Delux. Molly irá como alguém comum e espero que ela saiba disso, certo?

— Dou minha palavra de que não irá causar constrangimentos.

— Vai ser interessante! — Concordou tomando um pouco de seu suco.

— Já cansei de falar que minha rainha não é má! Molly é apenas... Exigente — Pierre deu de ombros — Não é gato? — Piscou para mim.

— Pierre, é exatamente isso. Molly não é uma pessoa ruim, apenas tem conflitos maiores do que podemos compreender — Reafirmei com toda minha convicção — Ela apenas precisa de uma chance.

[...]

— Como foi o almoço? — Molly perguntou assim que voltei e coloquei um bombom sobre sua mesa.

— Um presentinho — Apanhou o bombom e sorriu. Me sentei à cadeira a sua frente — Todos já sabem que você irá e Alice disse que não se importa!

— Jura? — Abriu o bombom e comeu um pedaço — Isso é para ser algo bom?

— Obviamente! — Tentei empolgá-la — Pierre está feliz com sua presença. Sabia que ele vai levar o namorado?

— Oh Deus! O Jean Pablo? — Colocou a mão frente a boca enquanto mastigava — Não acredito! Ele é muito divertido, vai gostar de conhecê-lo. São pessoas ótimas.

— Eu disse... — Pisquei — Nós vamos no mesmo carro. Acho que cabe todo mundo — Sugeri vendo seu rosto se alterar um pouco.

— Eu, você, sua mãe e as crianças — Torceu o rosto contando mentalmente — Mas a questão é... Será uma boa ideia? Vamos chegar juntos.

— Qual é o problema? Lá não é a Delux! — Relembrei tocando sua mão de maneira singela — Somos amigos não é? — Concordou pensando um pouco — Passo na sua casa hoje às nove horas. Tudo bem?

— O que não faço por minha filha, não é?

— Deixei de lado sua insistência em me afastar — Molly pareceu ainda mais confusa — Sugiro que esqueçamos tudo o que deixaremos aqui na Delux.

— Tudo o que?

— A chefe e o secretário.

Molly sorriu de canto e ajeitou o cabelo escuro para trás do rosto. A conhecia pouco, mas sabia como ninguém decifrar todo o medo que sentia de sair de seu casulo tecido por tantos anos. A única coisa capaz de transpassá-lo era o amor dela por Melany e, quem sabe, algum sentimento inexplicável que desabrochava entre nós dois.


CAPÍTULO DEZESSETE


Aceitar meus sentimentos por Alexander exigia um grande, talvez imensurável, preparo. Não é tão simples quanto parece, uma vez que Melany está envolvida em toda a história.

Não existe especificamente um tempo demarcado, tão pouco sou imatura a ponto de acreditar no "felizes para sempre", mas o fato de ter os sentimentos de minha filha emaranhados entre os meus me deixa absolutamente arredia. Alexander, por um lado, oferece vida e alegria a Melany, algo que não posso e tão pouco devo privar de acontecer. Se existisse um pai perfeito para ela, certamente seria Alex. Os olhos dele me viam com as imperfeições de sempre, mas parecia não considerar, talvez até apreciar.

Era o primeiro homem que me fazia sentir apreço, carinho... Algo além da paixão.

— Querida! — Abracei Addie, a mãe dele, quando cheguei ao estacionamento de meu prédio.

— Addie, como vai? — Ela me apertou um pouco forte e carinhosamente sorri.

— Vou ótima meu amor. E você pequenininha? Venha cá dar um beijo na vovó! — Mel largou de minha mão e correu para abraçá-la.

— Oi tia Molly — Ethan, o garotinho, surgiu empolgado da mesma maneira.

— Tudo pronto? — A mão dele pousou em minhas costas e reparei em como estava bonito com uma bermuda jeans, camiseta branca e óculos. Chegou mais perto enquanto as crianças se distraiam juntas — Você está linda.

— Você é muito gentil — Baixei os olhos para meu vestido simples. Branco e sem alças, não muito longo e franzido nos seios. A expressão dele era de quem estava gostando.

— Vai demorar para chegar? — Mel apareceu ao nosso lado puxando a blusa de Alexander com carinha de chantagem — Quero ir na piscina logo!

— Umas duas horas, Mel — Respondeu acariciando o cabelo dela — Mas você vai dormir e passará bem rapidinho.

— Tomara!

Ajeitei Mel e Ethan no banco de trás com Addie. Os dois estavam incrivelmente felizes pela viajem.

— É bom que dirija com calma, Alex. O céu está cinza — Os raios cortavam o céu escuro, evidenciando a tempestade.

[...]

Paramos no caminho para ir ao banheiro enquanto as crianças ainda dormiam.

— Comprando o quê? — Me apoiei no balcão de vendas ao seu lado. Estávamos apenas nós e o atendente, um senhor de meia-idade muito simpático.

— Chá gelado para minha mãe e você, chocolate para as crianças. Claro, água! — Pegou o dinheiro em sua carteira e estendeu para o senhor — Quer algo mais?

— Não, obrigado! É bom parar de ficar mimando a Mel... — Encostei-me mais próxima dele e nossos braços se tocaram.

— O mesmo carinho que tenho por Ethan, tenho por Melany — Garantiu com convicção.

— É o que acontece com os pais e nossas meninas — O vendedor comentou enquanto empacotava as compras — Nos tornamos grandes homens babões e apaixonados pelas pequenas conquistas.

— Alexander não é... — Ele me interrompeu imediatamente.

— Ótima definição! Babões é a palavra correta! Você tem filhos? — Me abraçou e tive que sorrir por sua postura.

— Três meninas — Pareceu orgulhoso, ajeitando os óculos na face — E uma esposa tão linda quanto a sua, meu rapaz... Por mais que o tempo passe, elas sempre são lindas para nós, não é?

— Claro, meu caro. Sempre — Beijou minha testa e senti o constrangimento me assolando de imediato.

— Que tal irmos para o carro?

— Claro querida... Bom dia para o senhor – Saímos de perto do balcão e paramos na porta, olhando a chuva que agora caia mais forte.

— Me parece uma ideia pouco inteligente ficar me apresentando como se fosse sua... Namorada — O sorriso presunçoso de Alexander deixou claro sua graça — Esse é o tipo de coisa que me faz afastar um relacionamento. Melany pode ficar confusa se presenciar.

— Não farei isso na frente da Mel por enquanto. Sou responsável, senhorita Bern.

— Vou fingir que acredito — Alexander viu meu descontentamento real.

A chuva caia fortemente e naquele momento me senti arrependida por estar ali. Me envolver daquela maneira soava tão errado por saber que os sentimentos de Melany estavam em jogo...

Me infiltrei na chuva sem nada dizer, retornando em direção ao carro mesmo que isso significasse arruinar minha roupa e meu cabelo. Os sentimentos eram como uma avalanche que me preenchiam do nada, trazendo a tona de repente a maneira imatura como deixava a presença de Alexander tomar conta de tudo.

Aquele sentimento me sufocava!

— Espera Molly! — Gritou atrás de mim, mas não parei de caminhar.

Fui obrigada a parar quando senti suas mãos em minha cintura. Em um ato de coragem, Alexander me virou para si, puxou para perto e me beijou antes mesmo que pudesse reagir.

Foi um choque senti-lo. Aquele beijo doce e gentil me pegou desprevenida, quase sem chão em um momento de crise, mas tive a sensação de que era o momento mais romântico de toda minha vida. A chuva roçando minha pele ao mesmo tempo em que os lábios de Alexander afagavam os meus parecia ser mais certo do que todas aquelas dúvidas. Agarrei seu cabelo e me pendurei sobre ele, uma de suas mãos apertando meu corpo contra o seu de uma forma quase impossível de se libertar. Era alucinante, um inexplicável em meio ao caos.

Talvez essa frase pudesse defini-lo.

— Por que...

— Para! — Tocou meu rosto ao se afastar, a chuva ainda caindo sobre nós. Minhas mãos estavam em seus ombros — Nós queríamos isso, Molly. Admita para si mesma.

As palavras se empertigaram em minha garganta e apenas me movi quando Alexander me guiou pela mão em direção ao carro.


— Pessoal... Caramba! Fiquei bem preocupada! — Alice nos recebeu com toalhas e abraços. Mel e Ethan pareciam ligados no duzentos e vinte enquanto pulavam de felicidade, mesmo sendo duas horas da madrugada — Como foi no trajeto?

Alice usava um roupão roxo claro, chinelos e parecia cansada. Ainda estava sozinha e éramos os primeiros a chegar. Pierre veio com ela e estava no quarto com o namorado, Jean Pablo. Sentamos na sala depois de descarregarmos as malas. Molly e eu molhados dos pés a cabeça.

— Um tanto conturbada pela chuva, mas sem imprevistos — Encarei Molly sentada ao meu lado.

— Não durmo hoje antes de todos chegarem — Abraçou a si mesma e sorriu — Vou mostrar o quarto para vocês. Estão com fome, certo?

— Tia Alice, vamos dormir todos juntos? — Melany questionou e a ideia para as crianças pareceu ser incrível.

— Tenho dois quartos disponíveis para vocês. Então podem se dividir em meninos e meninas ou do jeito que acharem melhor.

— Mel e eu queremos dormindo juntos! Precisamos terminar o quebra cabeças — Ethan interveio.

— Precisamos terminar antes de ir para casa... — Minha mãe, eu e Molly trocamos olhares confusos.

— Isso complica um pouco as coisas. Tenho um quarto com cama de casal e um com um beliche e uma cama de solteiro. Então terão de ser três em um quarto e dois no outro — Foi minha mãe quem veio com a resposta.

— Não há problema! Eu fico com as crianças e Alexander e Molly dormem juntos – Molly reagiu na hora.

— Não, acho melhor não! Pode deixar que eu fico com as crianças.

— Querida... Ethan não dorme sem mim — Sussurrou um pouco baixo para não constranger o garoto.

— Posso tentar fazer alguém trocar de quarto, mas... — Molly interrompeu e percebi que seu medo de incomodar era maior do que o de dormir em uma cama de casal comigo.

— Tudo bem, mas Alice, por favor... Peço descrição — Sorri ao ver Molly tão constrangida.

[...]

Após ajudar minha mãe a colocar as crianças na cama, Molly e eu fomos para o nosso quarto. Alice nos mostrou o dormitório, que era um pouco pequeno, mas adequado para apenas um final de semana. Havia uma cama de casal simples com um colchão alto, um pequeno armário, uma estante cheia de livros e um banheiro.

— Ficamos com a suíte? — Molly parecia absorta vendo o mosqueteiro que envolvia a cama toda.

— Esse quarto era dos meus pais quando passávamos os verões aqui. Amavam este quarto, a cama principalmente! — Alice apontou Molly, que estava parada ainda admirando o mesmo detalhe. As duas tinham expressões longínquas — Foi o único quarto que ninguém quis ficar e vocês pegaram porque foram os últimos a dar certeza que viriam — Usou tom de desculpas.

— Alice, está ótimo... — Agradeci não vendo reação da parte de Molly — Obrigado.

— Seus pais já faleceram? — Molly questionou de repente.

— Oh sim! Meu pai foi primeiro por um ataque cardíaco e mamãe meses depois da mesma maneira. Acho que um viver sem o outro foi impossível, por isso deixaram para ir juntos — Comentou em um tom receptivo — Me conforta estarem juntos.

— Isso é muito bonito, Alice. Mostra que ainda podemos acreditar no verdadeiro amor – Molly me olhou e pegou a indireta.

Alice saiu e Molly se sentou na beira da cama. Suspirou pelo cansaço e tirou as sandálias, jogando-as pesadamente no chão. Tirei o sapato também e o casaco. Um clima diferente pairava entre nós, talvez o peso das palavras de Alice.

— Fico no chão e você na cama. Você dirigiu até aqui e deve estar mais cansado do que eu. Amanha trocamos.

— Não posso deixar uma mulher dormir no chão enquanto durmo na cama — Comecei a desabotoar minha camisa aos poucos, focado nos botões ao passo em que conversávamos — Isso não.

— Deixa de machismo. Comigo isso não impressiona — Mexeu no cabelo e quando tirei minha camisa caminhou até a mala. Abaixou-se e começou a revirar sua bagagem.

— Não estou sendo machista, apenas me preocupo contigo. Não quero que durma no chão.

— O que sugere? — Ficou de pé parada a minha frente com uma troca de roupa em mãos e uma toalha.

— Que durma na cama comigo — Respondi sutilmente, olhando-a da forma mais sincera que consegui. A chuva ainda caia forte madrugada a fora e seu rosto iluminado me dava à sensação mais desesperadora. Estar no quarto com alguém que desejo e não poder fazer nada por respeito era desafiador e grandioso.

Molly, para minha surpresa, não pensou muito antes de responder.

— Ok.


Brigamos pelo chuveiro até que o deixei tomar banho primeiro por estar mais molhado.

Esperei sentada na cama vendo a maneira certinha como organizou a roupa para vestir após sair do banheiro. Havia apenas uma bermuda e uma camisa branca de mangas e as peças cheiravam muito bem. Tive de me abaixar para aspirar o perfume másculo invadindo meu olfato até ouvir a posta sendo destrancada.

— Molly? — Fingi por segundos estar deitada e me levantei — Terminei.

— Demorou hein? — Caminhei até o banheiro, mas me travei quando notei Alexander meio molhado e com uma toalha enrolada na cintura — Sabia que tem mulher no quarto? Ficar seminu na minha frente é totalmente desnecessário! — Brinquei.

— Não precisa olhar — Passei por ele entrando no banheiro. Percebi que a porta não tinha tranca, mas sabia que Alexander não invadiria meu espaço.

Tomei banho rapidamente e vesti o pijama. Ao me observar com aquele short minúsculo e aquela blusinha apertadinha corei apenas de imaginar-me assim na mesma cama de Alexander.

O que ele pensaria?

Abri uma frestinha da porta e coloquei apenas a cabeça para fora dela, vendo-o sentado na cama lendo um livro. Estava lindo demais e me fez estremecer. A grande Molly Bern se sentia uma menina agora.

— Será que pode me fazer um favor? — O chamei e ele me olhou rapidamente.

— Claro — Saiu da cama e veio em minha direção — Tem algum problema? Quer ajuda?

— Trata-se de minha roupa. Não pensei que ia dormir contigo e... — Ele se divertia com minha face corada — Meu pijama é curto e indecente — Ergueu a sobrancelha e apoiou as mãos na cintura — Ou me empresta uma camisa sua ou fecha os olhos e tenta ignorar o fato.

— Molly, apesar de ser ridiculamente submisso a suas vontades, ainda sou um homem e te acho atraente — Soava sincero — Não vou garantir que não irei olhar, mas posso te afirmar que nunca vou te faltar com respeito. Fica tranquila.

— Pode emprestar a camisa, então?

— Não confia em mim?

— Não confio em mim!

Alexander me emprestou a camisa, mas não funcionou.

— Não vai funcionar!

— Por quê? — Sorriu.

— Ficou curta também — Suspirei — O jeito é você aceitar o meu pijama.

— Anda, deixe-me ver! — Sai do banheiro com o pijama curto e Alexander varreu meu corpo em um segundo com o olhar. Não me senti insegura por estar exposta. Éramos adultos — Não vejo nenhum problema, Molly.

Cansada, fui em direção à cama. Sentei-me sobre ela e peguei o livro que Alexander lia.

— Está lendo romance?

— É o que se faz quando se está apaixonado — Voltou-se para a cama e se sentou ao meu lado.

— O que se faz quando se está apaixonado é brigar por besteiras — Passei o olhar pelas páginas do livro.

— No nosso caso, apenas discutimos e isso apimenta a relação.

— Apimenta, não é? — Larguei o livro e dei um tapinha em seu braço — Quando vai me levar para tomar champanhe na beira do mar? Mel disse que você faz tudo o que promete — Me levantei e fui em direção à mala, tirando de lá o creme que sempre passo no rosto antes de dormir.

— Quando me der uma chance, quem sabe — Passei o creme rapidinho e me voltei para a cama.

— Posso ficar no lado esquerdo da cama?

— Não! Peguei primeiro! — Teimou de modo engraçado, fazendo carinha de vencedor e deitando com os braços atrás da cabeça. Não demorou até ceder. Virou o rosto em outra direção quando me ajeitei sob as cobertas com ele. O calor de Alex estava impregnado sob o edredom branco, me aquecendo dos pés a cabeça. Suspirei com a sensação de plenitude e nossos tornozelos de roçando — Boa noite Molly.

— Alexander? — Olhei por cima dos ombros em direção a ele.

— Sim?

— Você não vai mesmo... — Me detive — Boa noite Alexander.

— Boa noite senhorita Bern.

[...]

Eu podia jurar que aquilo estava sendo mais difícil para mim do que para Alexander, mas as dúvidas ainda permaneciam em meu coração.

Demorei para dormir admirando a bela face do homem pelo qual estava apaixonada, estudando suas expressões. Seria fácil acordar ao lado dele todas as manhãs e dormir junto daquele corpo forte todas as noites. Seria simples aceita-lo em minha vida. Jamais dormi com um homem antes. A grande Molly Bern tinha um ponto fraco e era exatamente o que Alexander tocava... O sexo oposto.

Me fechei para o mundo após dar a luz a Melany, depois de toda a história, mas aquele homem conseguia aos poucos penetrar em minha realidade. Era uma experiência nova e confusa.

Em meio a tantos homens que tentaram um espaço em minha vida - vários talentosos, poderosos e influentes - meu coração se voltou justamente para o secretário. Sorri ao observá-lo ainda adormecido. Algo no fundo de meu coração dizia que existia algo grandioso por trás de nossa história. Algo muito maior do que eu poderia imaginar.

O destino nos atraía, fato que transpassava o desejo carnal. Obvio de se ver, difícil de ser interpretado.

Quando sai do banheiro já de biquíni e shorts, Alexander estava sem camisa vasculhando a mala. Assim que me viu se virou e coçou a cabeça, também bocejando. Tão agradável era sua aparência de manhã... Cansada, porém renovada. O cabelo revirado, os olhos pequenos e a forma como sorria... Era um homem lindo, de fato. Talvez por isso fizesse minhas pernas fraquejarem.

— Boa tarde — Me encostei na porta do banheiro — É hora do almoço e Mel deve estar precisando de mim.

— Não se preocupe. Mel está com a minha mãe. Ela cuida do Ethan desde que ele nasceu — Me observou melhor — Molly Bern consegue ser linda até mesmo de manhã.

— Acho que já vou sair. Antes de você.

Alexander entrou para tomar banho e espirei pela janela. Muitas pessoas estavam ao redor da piscina, entre elas, Melany, Ethan e Addie.

— O que foi? — Alexander perguntou quando bati na porta do banheiro — Estou nu — Anunciou de maneira engraçada. Apoiei-me na porta.

— Não quero ir sozinha. Posso te esperar?

[...]

Assim que surgimos, Mel e Ethan correram em nossa direção. Minha filha me abraçou pelas pernas e Ethan fez o mesmo com Alexander.

— Vocês demoraram — Mel me encarou com a cabeça tombada para trás — Nós queremos ir na piscina! A vovó disse que só poderíamos ir se você me deixasse nadar.

— Claro que sim, mas apenas se Alexander te acompanhar. Nós duas sabemos que a senhorita não sabe nadar!

— Tio Alexander vai, não vai? — Ethan falava em tom de persuasão.

— Claro que vou.

— Minha rainha! — Lá estava Pierre usando uma sunga de corações vermelhos e óculos escuros. Nunca percebi, mas meu melhor amigo era um homem forte — Querida, que bom te ver... Oh! Alexander — Olhou-o de cima a baixo sem disfarçar o interesse — Como vão?

— Pierre — Dei dois beijos em seu rosto — Aproveitando?

— Ah, mas é claro... — Se virou em direção a piscina e chamou com a mão um homem alto, moreno, sarado e com pinta de galã. No braço do mesmo era exibida uma tatuagem com os dizeres "Pierre Amor Eterno" — Olha quem veio! Jean Pablo!

— Que bom revê-lo, Juan Pablo! — Cumprimentei com um sorriso.

— Querido, se lembra de Molly, minha patroa, vulgo minha rainha? — Juan Pablo concordou animado — E esse é o bofe dela, Alexander, o secretário — Apontou Alexander.

— Pierre! — Repreendi com certa impaciência — Aqui não! — Me referi a Melany.

— É um prazer conhecê-lo — Alex se virou para mim — Vou levar as crianças para trocarem de roupa. Vamos?

[...]

Não estava acontecendo do modo desastroso como pensei.

Alexander se divertia na piscina com as crianças e Addie me fazia companhia. Alice, por sua vez, fazia questão de me incluir nas conversas femininas e tudo soava com naturalidade, como se nunca antes houvesse ocorrido uma briga na Delux. Alexander tinha razão em dizer que fora da empresa as coisas seriam diferentes e aquilo era uma oportunidade para me resinificar.

Ainda havia receio em comentar algo mais comprometedor frente a mim, — a chefe — mas consegui manter um dialogo sadio com os demais, sem deixar me contaminar pelos problemas do escritório.

A vida não era o meu trabalho, afinal, e Alexander conseguia me mostrar isso a cada dia.

Em dado momento, enquanto as crianças riam, Alexander correu até mim e me ergueu em seus braços. Aquele foi o exato momento em que os olhares se voltaram para nós e as pessoas compreenderam que nosso sentimento transpassava a amizade.

Para alegria de Melany, Alexander me jogou na piscina e as crianças se divertiram. Submergi da água e percebi que Alexander havia me pego dentro da água pela cintura e me erguido alto dentro da piscina. Apenas respirei e olhei para ele, rindo por sua postura engraçada.

— Viemos por diversão, senhorita Bern. A vida não é só dentro de um escritório! — Melany parecia mais feliz do que nunca e observei o fato por cima dos ombros fortes de Alexander — Vamos sair hoje. Nós dois.

— Para onde? — Questionei segurando em seus ombros fortes.

— Existe um lago aqui perto e prometi levar alguém para jogar algumas pedrinhas.


CAPÍTULO DEZOITO


— Boa, Mel! — Estreitei o olhar para o trajeto da pedrinha, que quicou um pouco sobre a água antes de afundar — Você ganhou a caixa de bombom!

— Uma só para mim? — Pareceu ser a coisa mais legal de se ouvir — Vou tentar arremessar mais longe — A pequena se abaixou e começou a vasculhar na margem do lago mais uma pedrinha que fosse apropriada para ser arremessada.

O dia estava quente, apesar de o céu cinzento evidenciar uma possível tempestade, característica geográfica do lugar. Melany se assemelhava a uma miniatura de Molly usando um short jeans e maiô vermelho. As botinhas de borracha faziam barulho conforme ela pisava na água e o cabelo preso para trás esvoaçava com o vento. A pequena de fato é uma menina apaixonante e no fundo de meu coração sei que sou capaz de dar a vida por ela e sua mãe.

— Não consegui! — Fez um biquinho engraçado — Ainda vou ganhar o bombom?

— É mesmo filha de Molly... Basta mencionar comida que a senhorita já cresce os olhos! — Provoquei vendo-a pegar a pedrinha e começar a medir a distância como ensinei.

— Mamãe não me deixa comer doces. Somente você me oferece essas coisas — Gargalhou e arremessou a pedra. Observamos a distancia que ela tomou quicando sobre a água — Ah, não consegui! — Choramingou triste e com os olhos pequenos — Desculpe.

— Está tudo bem! — Me abaixei ao lado dela e sentamos a beira do lago. A água era de um azul límpido e claro, dando a visão do fundo na parte mais rasa — Vai ganhar o chocolate do mesmo jeito. Você sabe como me persuadir.

— O que é persuadir? — Me abraçou e sentou em minha perna.

— Digamos que seja uma pessoa que tem o poder de fazer com que as outras mudem de opinião com facilidade, sem muitos esforços — Expliquei da forma mais simplificada que consegui. Seu rostinho estava confuso.

— Entendi. É como a mamãe... Ela não te suportava e agora gosta de você. Você a persuadiu!

— Não é tão fácil — Ficamos em silêncio com os olhos focados no lago.

— Sabe Alex... Seria muito legal se você e mamãe se casassem! Seriamos papai e filhinha — Tocou minhas bochechas — Todo mundo já fala que nós nos parecemos.

— Tem muito de Molly em você também. O fato de me persuadir... As duas são rainhas nesse quesito.

— Quesito? — Estava novamente confusa — O que é quesito?

— Melany chega de perguntas... — Choraminguei e ela riu.

— Então te encho do quê? — Cruzou os bracinhos com o queixo empinado.

— De beijos e cócegas! — A abracei e comecei a beijar seu rosto freneticamente, fazendo cosquinhas em sua barriga. Melany ria e me afastava. Apenas o som de suas gargalhadas preenchiam o ambiente do lago.

— Por favor Alex, convença a mamãe a se casar com você! Quero que você seja meu pai — O jeito como falou partiu meu coração e sequer tive a coragem de olhar em seu rosto. A coisa mais dolorosa que já fiz foi não poder garantir nada a Mel, ter ficado sem resposta.

— Farei o possível para derreter o coração dela, Melany. Eu prometo.


Addie e eu notamos que o momento da beira do lago era somente dos dois, por isso tentamos entreter Ethan na outra margem para que Alexander e Mel tivessem sua conversa e seu momento. Na hora de ir procurei os dois pela margem e quando os achei presenciei cenas que tocaram o mais fundo de meu coração.

"Case com a mamãe. Quero que você seja meu pai".

Quando percebi que estava prestes a chorar, respirei fundo e sequei abaixo dos olhos. Assim que me viu Mel se separou do abraço de Alexander e acenou. Caminhei até os dois e parei ao lado.

— Addie disse para voltarmos. Está prestes a chover e não vamos querer problemas com isso — Mel me chamou com a mão.

— Vem cá mamãe. Dê um abraço em nós.

Alexander me olhava abalado pelas palavras de Mel anteriormente, mas me abraçou também quando apertei Melany entre nossos corpos. Trocamos um olhar longo e que disse mil palavras — amo vocês — em duas palavrinhas à pequena explicou tudo o que nós três sentíamos no momento.

Amor.

[...]

Chegamos ao anoitecer e a casa estava vazia. Todos saíram para curtir a cidade.

— Estava esperando vocês... Vou à boate com o pessoal — Alice parecia empolgada.

— Esse vestido é lindo — Comentei tentando parecer amigável. Alexander me observou longos segundos com expressão orgulhosa.

— Comprei na Delux! — Piscou e nós rimos — Vocês dois querem ir na boate também?

— Estou cansado, mas quer ir Molly? — O aspecto cansado realmente o denominava o semblante de Alexander. Estava sem camisa postado ao meu lado como um segurança ou... Um namorado.

— Se está cansado é melhor fazer um chá e dormir — Toquei seu braço o entrelaçando com o meu. Alice sorriu quando me viu fazer isso — Pobre criança de vinte e seis anos.

— Pelo menos tem alguém para cuidar dele não é? E sua mãe, a propósito, Alexander? — Alice a procurou em volta.

— Acabou de subir para dar banho nas crianças — Explicou passando um braço em minha cintura — Nos oferecemos para ajuda-la, mas sabe como são as avós. Ninguém cuida melhor dos netos.

— Isso é bom não é? Assim curtem um momento de vocês — Usou tom de duplo sentido e o clima ficou meio estranho. Alexander e eu nos encaramos, então decidi explicar.

— Alice, sei o que isso parece — Gesticulei entre Alexander e eu — Quero dizer, nós não...

— Ainda não! — Alex nos interrompeu.

— Não precisam dizer nada... — Arrisquei dizer algo, mas me calei. Alice sorria de maneira compreensiva — Espero que passem bem à noite.

[...]

— Quer o chuveiro primeiro hoje?

— Pode ir primeiro — Afirmei vendo-o fechar a porta quando entramos no quarto e passar a chave nela. Andei até minha mala e comecei a ajeitar uma roupa.

— Quer compartilhar? — Observei-o por cima do ombro e vi seu sorrisinho sem vergonha.

— Esperto você, não senhor? — Me ergui com a roupa em mãos — Vou tomar banho — Passei por ele tocando sua barriga desnuda e beliscando levemente seu abdômen — Vê se usa mais roupa... — Fechei a porta do banheiro e me despi.

A água quente dominou o ambiente e minha mente começou a trabalhar. Se todos especulavam sobre nosso relacionamento, se alguns, como a própria Alice, já tinham certeza de que estávamos juntos e minha própria filha queria isso... Porque não podia ser?

Quando sai do chuveiro encontrei Alexander sentado na beira da cama em total silêncio e encarando o chão fixamente. Quando me viu apenas de toalha fingiu que não estava olhando, porém não foi um trabalho bem feito.

— Vê se usa mais roupa — Repetiu minha frase indo até o banheiro.

— Se importa? — Dei de ombros olhando-o.

— Na verdade não... — Entrou no banheiro e nem se ocupou em trancar a porta, apenas a encostou.

Sentei-me onde anteriormente Alex estava, ainda envolta pela toalha e nervosa. Remoí os pensamentos até chegar a uma conclusão sentada... Deixar rolar.


As surpresas ao decorrer do dia foram muitas e intensas, mas nenhuma foi tão satisfatória quando a última. Molly não estava no quarto quando sai do chuveiro e entrou minutos depois com uma xícara de chá em mãos.

— O que é isso? — Abaixei o livro e encarei-a, vendo que se aproximava depois de fechar a porta.

— Não disse que ia fazer um chá para minha criança? — Me esticou a xicara. Aceitei sem tirar os olhos de seu rosto orgulhoso. Abanou as mãos — Está quente, cuidado!

— Claro — Senti o cheiro do chá e era forte e doce — Estou sendo mimado por você, senhorita Bern? — Beberiquei o líquido quente e era tão saboroso quanto o cheiro agradável.

— Mandei bem? — Se esticou para pegar meu livro e começou a folheá-lo em seu colo.

— Mandou muito bem! Está ótimo. Obrigado por se importar.

— Obrigado você — Espiei-a por trás da xicara.

— Pelo quê exatamente está agradecendo?

— São tantos os motivos... — Prosseguiu com os olhos nas páginas do livro. Notei o quão difícil era para Molly aceitar olhar nos olhos de uma pessoa enquanto revelava seus sentimentos mais profundos. Permaneci em silêncio, encorajando-a a continuar — Obrigado por me aturar, por amar Melany e por fazê-la feliz. Também agradeço pela paciência de me esperar sair desse enrosco que fiz em minha vida para podermos... Seguir em frente — Ao final, finalmente me encarou. Abaixei a xicara também, encarando-a de volta.

— Não precisa me agradecer por isso. A única coisa que peço é que me conte quando estiver pronta para me dar uma chance, assim não preciso sempre ser um babaca.

— É o que quero dizer, Alex — Fechou o livro e no mesmo momento coloquei a xícara no móvel ao lado — Creio já estar pronta. Acho que posso te dar uma chance.

— Não quero que ache, quero que tenha certeza. Por isso não tenho pressa — Me deitei ainda olhando-a — Não precisa se preocupar com nada, porque estou apaixonando e quando decidir ainda estarei aqui.

Suspirando, Molly se arrastou e se deitou ao meu lado, pousando o rosto na curva de meu pescoço. Abraçou o corpo no meu. Ficamos em silêncio um longo momento.

— Também estou apaixonada por você, Alexander — Confessou fazendo meu coração entrar em descompasse — E talvez seja por isso que me sinto confusa e desconcertada. Nunca me apaixonei antes.

— Nunca pensei ser de uma mulher, somente — Confessei — Ao te conhecer tudo mudou.

— Realmente, Alexander? — Puxou um travesseiro e bateu em mim com ele. Sorri e me afastei — Realmente consegue gostar da Rainha da Delux, uma mulher insuportável?

— Acredite se quiser! — Apanhei o outro travesseiro e bati em sua perna também.

— Seu petulante... Pare de me acertar com esse travesseiro! — Me acertava com mais força, aproximando-se.

— É guerra? — Virei seu corpo, ficando por cima e a acertando também.

— Sim, é guerra! — Me agarrou com as pernas e me acertou várias vezes.

Entre vários movimentos, impactos e gritos, Molly estava sob mim e suas mãos em meu rosto. Os travesseiros agora jogados ao chão não faziam mais parte do cenário, uma vez que a atenção estava voltada para nossos lábios a centímetros de se unirem. O coração dela batia contra o meu e nossas respirações trabalhavam ao mesmo passo.

Os lábios se roçaram e foi como se houvesse sido assim todo o tempo.

— Posso beijar você toda — Sussurrei com a falta de controle que não fazia parte de meu jeito de ser.

Corri os lábios por seu rosto e senti as mãos pequenas entrando por baixo de minha camisa apressadamente, explorando meu corpo. As coisas entre nós eram tão fáceis e em instantes minha camisa e a blusa dela já estavam no chão.

Permaneci observando seu corpo sob o meu, inerte e atraente. Corri os lábios por ela, saciando-me do sabor de sua pele, oscilando entre o colo e os seios cobertos pelo sutiã escuro. Sem pensar muito, escurecido pelo desejo e os sons singelos que enchiam o quarto, deslizei as alças do sutiã pelos ombros frágeis levemente, ainda beijando seu corpo onde alcançava.

Tão rápido quanto começou, Molly segurou minha mão esquerda e fechou os olhos, trazendo meu rosto para perto do seu. Entendi a mensagem de pronto, buscando acalmar meus nervos e a excitação. Não foi fácil domar a fera para finalmente beijá-la, tão pouco seria simples um passo a mais na relação que nem sequer havia começado.

— Desculpe — Não me encarava — Não dá. Não agora — Colei a testa na sua tocando seu nariz com o meu. Sorri.

— Está tudo bem. Ainda estou aqui e vou te esperar. O tempo que for necessário.

Após uns segundos, depois de compreender minhas palavras, Molly abriu os olhos e me encarou profundamente. Beijou-me e esperei.


Passei parte da noite buscando encontrar as palavras certas que fizessem sentindo para me explicar a Alexander sobre a noite passada, mas Melany e Ethan apareceram no quarto antes que ele acordasse. Por sorte levantei antes para ir ao banheiro e os pequenos não nos viram abraçados e sem camisa. Os dois.

— Já acordou mamãe? — Mel estava com apenas a cabeça para dentro do quarto. Ethan estava atrás dela, os dois meio acanhados, ainda segurando a maçaneta.

Os dois pequenos pularam sobre Alexander para acordá-lo. Assisti Alexander fingir estar irritado.

— Que coisa feia... Acordar os outros assim! — Sentou—se coçando os olhos, ainda sem camisa e com o cabelo despenteado. Mel e Ethan se retraíram perante sua postura negativa com receio.

— Desculpa tio, mas...

— Mas? — Pegou um travesseiro na cama aparentemente nervoso — Não tem nenhum mas! Os dois merecem uma grande travesseirada e cócegas por terem me acordado as dez da madrugada! — Também gargalhei com os pequenos no momento em que passaram a fugir de Alexander e as cócegas.

[...]

Acabamos atrasando nossa saída, mas partimos para casa no domingo após o almoço. Permaneci no banco da frente ao lado de Alexander novamente e Addie com as crianças atrás. Não tivemos oportunidade de conversar e isso tornava tudo mais complicado.

— Molly dormiu querido? — Fechei os olhos e fiquei assim por um bom tempo recostada ao banco e virada para a janela. Talvez por isso Addie estivesse fazendo a pergunta. Pensei em dizer que estava acordada, mas por algum motivo desconhecido não o fiz.

— Deve estar mãe. Ela ficou acordada comigo até tarde... Tomamos chá e ficamos... Conversando — Continuei estática, percebendo pelo silêncio que os pequenos também estavam dormindo.

— Conversando? — Senti a ironia de sua voz de longe — Pelo visto passaram bem à noite.

— Mãe! — Repreendeu sério e sem brincadeiras em sua voz — Molly e eu não fizemos nada. Ela é uma mulher direita, não qualquer uma — Repuxei os lábios sorrindo um pouquinho.

— Não duvido que Molly seja uma mulher direita, filho. Gosto de Molly e estou feliz com a presença dela e de Melany em sua vida. As duas te fizeram muito bem... Nunca te vi tão animado como estava nesse final semana. Espero que dê certo, pelos dois e pela filha dela, que gosta muito de você.

— Se depender de mim, mãe, vai dar certo — Afirmou com convicção — O problema é que Molly tem algum problema do passado que não consegue esquecer. Por isso tem alguma insegurança em relação aos homens. Estou tentando fazer com que mude, mas parece ser muito complicado e forte.

— Querido, essa garota realmente gosta de você. Só um cego não vê que os dois estão apaixonados... Espere. Tenha paciência! Vai chegar o momento em que isso será inevitável — Considerei muito aquelas palavras.

— Sei disso mãe... É isso o que estou fazendo.

— Sabe de uma coisa? — Pelo retrovisor localizado dos lados da janela, pude ver Addie acariciando o cabelo de Melany — Essa garotinha me lembra muito você na infância... Talvez seja por isso que gosto tanto dela — Sorriu meigamente — Pode soar estranho, mas gosto igualmente dela e de Ethan. Não posso explicar.

— Melany é muito fácil de amar. Se não fosse por ela, talvez Molly e eu não tivéssemos um laço tão estreito. Foi Melany que nos uniu e me deu a oportunidade de entrar na Delux. Se hoje sou um homem diferente, devo tudo a Melany.

A cada momento que passava tinha mais certeza de que a decisão que tomei não era equivocada.

[...]

Alexander subiu e me ajudou com as malas e Melany, que dormia em seu colo. Addie não quis entrar porque Ethan dormia. Após colocarmos tudo no apartamento ele depositou Mel delicadamente no sofá e o acompanhei até a porta.

— Quero conversar com você — Paramos em frente ao elevador juntos e sozinhos no corredor — Sobre nós.

— Estou aqui — Tocou minha cintura e me trouxe para mais perto, quebrando a distancia entre nós — Se é sobre ontem à noite, está tudo bem. Te entendo e compreendo perfeitamente. Não aconteceu nada que não fosse esperado por mim e te respeito — Seu rosto era gentil e sincero.

— Não é só sobre isso — Confessei suspirando, cruzando os braços um pouco insegura — É sobre tudo. Sobre nossa relação. Acho que devemos falar disso em particular, em outro lugar... Outra hora. Agora sua mãe precisa ir para casa com Ethan.

— Está certo — Assentiu e abaixou o rosto — Mas pensa sobre nós com muito carinho, realmente quero fazer dar certo — Toquei seu rosto sorrindo de seu jeito.

— Já pensei em tudo, Alexander — Nos olhamos novamente e o elevador chegou — Agora vai.

— Te amo — Aproximou-se e beijou minha testa com carinho, segurando em minha mão até entrar no elevador e a distancia nos afastar.

— Eu também... — Sussurrei quando a porta se fechou.

[...]

Voltando ao meu apartamento, enquanto Mel prosseguia dormindo desfiz minhas malas e sentei em frente à televisão para ver um filme. Curiosamente um filme relacionando chefe e secretária passava em um canal. Assisti vendo a cada momento a relação entre os dois crescendo mais e mais.

Nunca dei importância a relações em meios de trabalho, por isso confundi as coisas em relação a Alexander. Não era como aquela secretária, que queria seduzir seu patrão apenas pelo dinheiro e poder que o homem possuía. Alexander não insinuava, pelo contrário! Me fazia ser melhor, mesmo a trancos e barrancos.

Um homem doce, gentil, preocupado e protetor... Tudo o que um personagem de romance mel com açúcar deveria ser. Fazia mais o tipo de um filme de romance do que um de sedução barata.


Melany abraçada ao meu pescoço.

Melany com o rosto próximo do meu e nós dois fazendo careta.

Meu olho e o de Melany. Idênticos.

Ethan, Melany e eu na piscina fazendo pose engraçada.

Minha mãe sendo beijada por Mel e Ethan. Um de cada lado da bochecha.

Molly e Melany brigando, mas de forma engraçada.

Molly lendo revista e Ethan espiando por cima do ombro dela.

Molly e minha mãe sentadas juntas.

Molly e eu. A foto foi tirada por mim e estava meio torta. Nós riamos muito.

Molly ao meu lado e Melany no meu colo. Nós três sorrindo como uma família.

Abaixei minha câmera com expressão derrotada. Ver todas aquelas fotos me fazia sorrir e embriagava de felicidade o coração. Será que minha mãe estava certa? Seria o tempo capaz de resolver tudo? Suspirei e me ergui-me do sofá percebendo que não dava mais para esperar. Peguei o celular e procurei o número dela.

Apoie-me na janela e observei a vista de cima até que atendesse.

— Alô?

— Preciso te ver — Anunciei a Molly assim que ouvi sua voz, falando por cima da dela — Por favor, preciso te ver.

— Alexander... — Preocupada, tentou me fazer relaxar — O que foi? Aconteceu alguma coisa?

— Não posso ficar assim. Não dá para esperar até amanhã... Estou indo para aí — Travou-me antes que terminasse.

— Não! A Melany está aqui. Não é assunto para ser tratado com ela ao lado! Podemos sair juntos para outro lugar.

— Já é quase noite. Melany vai ficar sozinha? Amanhã tenho que chegar cedo ao escritório. Minha chefe me mata se me atrasar... — Ironizei.

— Chamo a babá e sobre o trabalho... — Seu tom de voz estava divertido — Estou segura de que sua chefe não vai se importar que chegue um pouco atrasado amanhã. Algo me diz que ela também vai se atrasar, neste caso.

— Está ai algo antiético — Relembrei-a.

— Não quer sair comigo? Pensei que precisasse me ver...

— Te pego as oito na porta do seu prédio — Marquei olhando para o relógio e vendo que eram quase sete horas.

— Combinado.

— É bom colocar biquíni por baixo da roupa. A propósito... Tem taça de champanhe? Hoje à noite vou dirigir até a praia.


CAPÍTULO DEZENOVE

 


— Moça bonita? — Olhei para o lado, em direção à voz familiar — Esperando alguém?

Alexander me encarava de dentro do carro vermelho com a capota baixa. Usava óculos escuros e uma camisa sem mangas branca. Sorria lindamente e tinha a expressão apaixonada. Desci as escadinhas da portaria do prédio e me aproximei do carro sentindo ainda mais o calor que fazia naquela noite de domingo.

— Deveria? — Parei perto de sua janela cruzando os braços.

— Temos um encontro hoje — Adotou um tom mais sério.

— Está ansioso? — Acenou em direção ao carro.

— Entra — Sugeriu impaciente e me acompanhou durante todo trajeto com o olhar — Pronta?— Coloquei o cinto de segurança e me ajeitei no banco — A noite será inesquecível.

— Promessa é divida — Provoquei e ele sorriu.

— Como está Mel?

— Bem. A babá veio ficar com ela. Vai custar o dobro da noturna porque é domingo, mas não importa — Dei de ombros enquanto ele dirigia — Creio que a noite inesquecível irá compensar — Logo percebi que Alexander falava sério quando disse sobre dirigir até a praia. O caminho que fazia era mesmo o que levava a estrada do litoral.

— Depende do ponto de vista. Se não compensar pago metade da noturna da babá.

— Deveria mesmo... — Cruzei os braços e ele se divertiu — O que foi?

— Será que nunca vamos deixar de nos provocar?

— Acho que foi você quem disse que isso apimenta a relação...

[...]

As tardes de domingo eram sempre as mesmas em minha vida, porém o mesmo não poderia ser dito em relação à noite de agora em diante.

A praia na qual Alexander me levou era praticamente deserta, contando com apenas alguns casais juntos a beira mar e outros se beijando na areia. De fato um cenário perfeito com a lua brilhante no céu e o vento agradável tocando nossos corpos. A única hora que passamos dentro do carro compensou a vista.

— Até o ultimo minuto pensei que não iria fazer essa loucura, realmente — Assumi quando paramos lado a lado em frente ao carro e com os olhos fixos no mar — Você é maluco, Alexander.

Senti o cabelo esvoaçando com o vento e os olhos verdes e apaixonado de Alexander presos em meu rosto.

— O melhor da vida é quebrar as regras, senhorita Bern. Se minha chefe garantiu que posso chegar atrasado é sinal de que devo viver um pouco além daquilo que estou acostumado — Sorri de canto e senti a mão dele tocando a minha brevemente, entrelaçando nossos dedos.

Aquele era o cenário perfeito para se viver um romance e se ligar a pessoa que de fato ama. Tentei encontrar alguma imperfeição além de mim mesma e meus sentimentos complexos, mas não existia nada. Era a hora de me abrir com Alexander. Era a hora de contar algumas coisas a mais sobre mim.

— E o champanhe? — Questionei me virando em sua direção, pondo-me a frente dele e roubando totalmente sua atenção anteriormente voltada para a lua — Pensei que iriamos beber até esquecer o nosso nome — Sorrimos e entrelaçamos as duas mãos.

— Que tal mais tarde? — Piscou e me trouxe para mais perto, mantendo as duas mãos em meus quadris de forma possessiva. A maneira como me encarava era como se fosse ser afastado a qualquer segundo — O que tem a me dizer? — Assenti aceitando sua vontade e me aproximando ainda mais.

— Que tal uma volta pela praia? — Sugeri tocando seu rosto brevemente.

Caminhamos a beira mar juntos e tranquilos. A cada segundo o lugar se esvaziava mais, chegando a ser assustador em alguns aspectos. O jeito como o vento bagunçava o cabelo de Alexander me fascinava, assim como a ideia de estar com ele. Somente alguém tão gentil e doce poderia me aturar cheia de paranoias e incertezas.

— Dentro de você bate um coração complexo, Molly — Dizia sem inseguranças, apenas abrindo seu coração. Por este motivo deixei que prosseguisse e entregasse o que realmente pensava — Complicado, mas me fez se apaixonar por ele. Por mais que seja dura, ainda é doce. Por mais que queira exibir uma imagem de mulher de forte, talvez seja a mais frágil de todas. Todos te enxergam como a Rainha de gelo, mas apenas consigo ver uma menina cheia de incertezas e tão amedrontada que é impossível ultrapassar a barreira envolta ao seu redor.

— Você conseguiu — Garanti ainda com os olhos focados ao longe — Foi o único homem que dormiu em minha cama. O único que tem liberdades comigo. Você me mudou Alexander... Nem sei como explicar a bagunça que fez em meu coração.

— O único? — Gabou-se piscando em uma pose galante.

— Melhor não contar tanta vantagem — O empurrei levemente em direção ao mar e, sem esperar sua reação, tropecei em meus próprios pés e cai na água.

— Molly? Você está bem? — Foi até mim tentar me erguer e o puxei para o chão também, ambos caindo na água da beira mar. As ondas vinham e iam, molhando-nos com maior intensidade. Rimos juntos e molhados.

— Estou ótima! — Parados lado a lado e molhados, nós deitamos na beira do mar sendo atingidos pelas ondas quando se aproximavam — Meu chinelo se foi.

— Acho que o meu também — Lamentou-se — Que bom que tenho o tênis no carro — Nos olhamos e gargalhamos.

— A água está boa, sabe? — Assentiu ainda me olhando.

— Sabem quem ia gostar de estar aqui? Melany — Sorri imaginando a cena se minha filha estivesse ali. Com certeza estaria entre nós pedindo para entrar no mar.

— Ela ia amar — Me virei em sua direção sutilmente, apoiando a cabeça no braço — Mel vai ficar muito feliz por saber estamos juntos — Inclinei sobre seu corpo e beijei sua boca brevemente. Alex me abraçou um tanto confuso, observando-me para procurar um resquício de mentira.

— Juntos?

— O que me diz, secretário? Não está apto a seu novo posto?

— Acho que devo pedir, chefe — Me girou de modo a ficar por cima. Nesse momento uma onda nos atingiu e jogou água para todos os lados. Esperamos a sensação de umidade e de breve frio passar para voltarmos a nos olhar — Quer ser minha namorada, Molly Bern?

— Promete que não vai rir de meus segredos? — A pergunta soou séria e até Alexander foi pego de surpresa. Piscou algumas vezes e olhou para o lado intrigado, depois se voltou para mim.

— Nunca riria de seus segredos — Tocou meu rosto cheio de sinceridade — Jamais.

— Mesmo que seja ridícula minha falta de sorte?

— Falta de sorte? Com uma filha linda, uma carreira brilhante e um namorado como eu... O que mais pode querer? — Revirei os olhos e ironizei sua posição na frase. Ele riu novamente, como sempre fazia para me animar.

— Quero fazer dar certo — O trouxe para mais perto, abraçando seu pescoço — Vamos separar a Delux e a vida pessoal, combinado?

— Tudo o que quiser, minha rainha — Imitou Pierre com o tom de voz. Apanhou minha mão e nos levantou, puxando-me em direção ao mar — Você me fez o homem mais feliz do mundo! — Tocou minha face com carinho — Vamos nadar. É por isso que estamos aqui!

Larguei meu vestido molhado na arei e ele sua camisa. Mergulhamos na água salgada e nos divertimos como dois adolescentes que acabavam de descobrir o amor.

Uma onda mais forte nos atingiu e Alexander me pegou pela cintura, erguendo-me um pouco acima de sua cabeça para que não fosse atingida por ela. Assim que a mesma passou, abracei sua cabeça contra meu corpo e beijei seu cabelo com gosto de sal e todo bagunçado. Aos poucos foi me abaixando até nossas bocas chegarem à mesma altura.

— Te amo — Sussurrei contra seus lábios e não pude me lembrar de ter vivido um momento mais apaixonado.

— Te amo — Repetiu e sorriu de ponta a ponta, tocando nossos lábios e abaixando nossos corpos dentro da água como se desfalecesse em pedaços.

Tive que rir. Sempre rir.


Bebemos champanhe na areia com cuidado para não nos embriagarmos. Eu principalmente, uma vez que iria dirigir de volta. A liberdade de me aproximar de Molly em qualquer situação era mais incrível do que imaginei.

Realmente estava apaixonado por ela.

— Você é disse eu te amo para quantas? — Prosseguia bebericando a taça enquanto encarávamos o mar. O tempo não parecia passar.

— Nunca disse, somente para você — Bati levemente em seu cotovelo e ela sorriu, tocando meu braço também.

— Quanto tempo vai levar para dizer para outra? — Virou a taça totalmente nos lábios e naquele momento percebi que eu estava preocupado em não ficar bêbado, já Molly parecia não se importar.

— A próxima que ouvir isso de mim vai te chamar de mamãe — Abaixei a taça e a encarei notando sua surpresa com minha frase. Tocou a taça na minha e piscou.

— Boa — Tirei a taça de sua mão sutilmente para que não bebesse mais. Molly pareceu nem perceber — Mas não. Não terei mais filhos. Mel é única.

— Porque não? — Cheguei mais perto dela abraçando seu corpo no meu — Sou louco para ser pai, confesso.

— Sinto muito desapontá-lo, mas não posso — Soou convincente. Seria aquele o momento para tirar minhas duvidas sobre seu passado? — Tenho problemas em relação a como os bebês são concebidos.

Aquela frase me arrepiou o corpo. Seu rosto estava sereno, tranquilo e doce... Apreciava o mar como se fosse a coisa mais linda que existia.

— Que tipo de problemas? — Por mais que no fundo não quisesse perguntar e manter o assunto completamente dela, as palavras vieram e tive de questionar para acabar de vez com minha preocupação. Molly apenas me encarou com certa tristeza.

— A única vez que isso quase aconteceu foi terrível para mim — Encostou a cabeça em meu ombro, abraçando-me — Foi... Horrível. Não gosto sequer de lembrar o que aquele... Aquele desprezível queria fazer comigo — Um nó se fez em minha garganta.

Única vez? Quase aconteceu?

Se houve apenas uma vez e mesmo assim não aconteceu, como Molly ficou grávida? A cada segundo minha mente trabalhava em busca de uma resposta, de algum encaixe para o quebra cabeça sem fim, mas era impossível chegar a uma resposta. Uma gravidez sem sexo? Estupro quase consumado? O que estava havendo nessa história? O que era a vida de Molly?

— Molly... Eu não entendo... — Após minha reflexão silenciosa de alguns minutos a encontrei dormindo em meu ombro.

Não tive coragem de despertá-la e tirá-la do estado de sonolência bêbada no qual se encontrava. Delicadamente a peguei em meu colo e a deitei no banco de trás do carro, buscando um calçado no porta malas para poder dirigir. Beijei sua testa, cobri seu corpo com seu vestido já seco e a deixei dormindo.

[...]

Dirigi para casa com a cabeça tomada por pensamentos descabidos, buscando encontrar uma resposta, mas nada se esclarecia.

A única certeza que tinha era de que Molly e eu estávamos em relacionamento que iria fluir. Pelo que parecia nos sentíamos da mesma maneira, tínhamos o objetivo de ter uma família estável e Melany como filha única poderia funcionar. Faria tudo por ela e para que se sentisse segura.

— Estraguei o passei, não é? — Ouvi sua voz arrastada no banco traseiro e a olhei rapidamente. Estava deitada no banco com a mão na testa e os olhos fechados — Sou um desastre!

— Não estragou nada, cachaceira — Gargalhou levemente — Já está na hora de duas pessoas que trabalham amanhã estarem em casa.

— Não tente encobrir meus erros com desculpas — Sentou-se com certa dificuldade.

— Jamais faria isso. Aponto seus erros e dou risada deles assim como você é especialista em fazer comigo — Se apoiando entre os dois bancos.

— Eu disse algo que não deveria?

— Está tudo bem — No meio da estrada e com Molly meio bêbada não era o momento exato para discutir algo tão sério.

— Ainda estamos namorando, certo? — Sorriu e ironizou.

— Não vai se livrar de mim tão rápido assim querida... — Assentiu e suspirou, apoiando a cabeça na mão.

Embarquei tanto na musica que quando acabou não acreditei que Molly estava chorando. Parecia querer esconder de mim, pois estava com o rosto em direção à janela, mas vi perfeitamente uma lágrima deslizar por sua bochecha e rolar até pingar. Sem saber o que fazer, comecei com o obvio. Atento a direção, estiquei uma das mãos até pegar a dela em seu colo. Comecei a cantar a mesma música e, meio hesitante, Molly me seguiu. Essa era minha intenção. Libertar-me. Libertá-la. Nos libertar daquele passado que nos comprometia e nos prendia a lembranças ruins.


Cheguei em casa sem conseguir caminhar e Amber teve de me ajudar a se vestir. Dormi por horas a fio e acordei no outro dia quando Mel beijou para ir à escola.

— Alô? — O telefone tocou e atendi um tanto desnorteada. O travesseiro estava sobre minha cabeça e o celular espremido entre mim e o mesmo.

— Pelo visto não está com um bom humor — A voz de Alex não era das melhores também. Retirei o travesseiro de cima da cabeça e me deitei de costas na cama — Desculpa por ligar, mas creio que vou trabalhar apenas depois do almoço.

— Não precisa se desculpar. Sou eu quem precisa. Sequer me atentei que a chamada era sua, desculpe. Acabei de acordar — Levei uma mão à testa e espreguicei — Que horas são?

— Onze horas — Gargalhou quando gritei e me sentei — Calma, o mundo não vai acabar por isso.

— Acontece que nunca acordei tão tarde! Imagina o que especulam na Delux sobre nós dois não irmos trabalhar no mesmo período.

— Estou arrumado para trabalhar — Garantiu e me veio o cronograma da tarde em mente.

— Não, senhor! Está liberado de suas atividades hoje e quem decreta isso é a chefe! — Alexander riu do outro lado — Vamos buscar Melany no colégio ao meio-dia e almoçar com ela. Precisamos contar do nosso namoro — Me sentei na cama com cuidado.

— Está certa disso? — Seu tom deixou claro que se referia a minhas inseguranças. Aquele seria um importante passo. Caminhei até frente o espelho de corpo todo na frente de meu guarda roupas e mexi em meu cabelo bagunçado com a mão livre.

— Aqui quem está falando é Molly Bern — Usei tom superior e ele riu — E não dou um passo sem pensar com estratégia, querido. Essa é a parte boa de namorar a chefe.

— Ora, pensei que não poderemos misturar pessoal e profissional.

— Me parece inevitável! Nos vemos ao meio-dia na escola de Mel?

— Estarei lá.

[...]

Alexander estava lá com seu sorriso fácil e jeito apaixonante, hipnotizando as mulheres ao redor enquanto se aproximava. Assim que chegou me abraçou e beijou, trazendo todas as lembranças da noite anterior à tona. Retribui seu beijo com alegria e segurança.

— Mel vai ficar muito feliz por nós.

— Graças a Deus ela não puxou para você em relação a algumas coisas — Comentou em tom de brincadeira e torci os lábios — Tem uma personalidade mais fácil.

— Está me chamando de problemática? — O encarei de baixo e vi seu sorriso presunçoso.

— Só um pouco difícil de lidar.

— Mas é claro que não!

— Claro que sim!

— Claro que não!

— Mamãe? Alexander! — Nos voltamos para frente em meio às discussões e Mel caminhava para nós um tanto hesitante após deixar os portões do colégio. Assim que colocou os olhos em seu querido amigo correu até pular em seus braços — Porque vieram me buscar e não estão na Delux? Vamos passear?

— Primeiro um beijo, depois as perguntas! — Alexander exigiu e ela acatou, beijando a bochecha dele.

— Não fomos trabalhar por que... — Troquei um olhar confuso com Alexander, mas Mel me interrompeu.

— Porque chegaram tarde ontem, né? — Usou tom acusatório.

— Decidimos te levar para almoçar. Vamos? — Sugeri e um sorriso imenso apareceu em sua face angelical.

— Que legal! — Pegou a mão de Alexander, que carregava sua mochila nas costas, e na minha de modo a ficar entre nós — Podemos ir ao parque depois? — Nos puxou em plena felicidade, parecendo ser a menina mais contente do lugar.

Seu cabelo e seus olhos brilhavam ao sol do meio-dia, assim como toda a alegria que a pequena exalava por finalmente estar perante os amigos com seus pais.

[...]

Melany e Alexander comiam o mesmo lanche de cheddar e faziam o mesmo ritual com as batatas, chamando a atenção de muitos ao redor. Sentada em frente a eles, analisei cada detalhe e me perguntei como a vida poderia nos surpreender daquela maneira.

Devo confessar que toda aquela sincronia realmente me assustava em alguns momentos. Poderia meu namorado ser tão parecido com minha filha mesmo que não tivessem qualquer vinculo ou parentesco?

— Então vocês dois estão juntos — Mel estreitou o olhar de maneira pensativa — O que isso quer dizer exatamente?

— Quer dizer que finalmente estamos namorando, Melany — Alexander explicou da forma mais clara e evitando me olhar — Sua mãe e eu agora somos namorados.

— Ah, graças a Deus! — Largou o hambúrguer e levantou as duas mãos para o céu — Obrigado Deus, não aguentava mais esses dois brigando! — Suspirou e voltou a pegar a comida — Mas eu já sabia. Sempre soube que iam ficar juntos, era o que sempre pedi.

Parecia muito tranquila e convicta. Alexander e eu adoramos sua reação e sorrimos um para o outro.

— Namorados também brigam — Relembrei assistindo-a comer.

— Você ama a mamãe, Alexander? — Sua pergunta era séria e o fez desarmar a expressão brincalhona, adotando um olhar firme — Realmente a ama e nunca vai nos deixar?

— Realmente a amo, Mel — Os olhos verdes se voltaram para meu rosto em uma afirmativa necessária — E pretendo fazer o possível para sempre estar com vocês duas.

O sorriso de Mel foi grande e ela suspirou com a mãozinha apoiada na cabeça.

— Então será que podemos ir ao assunto que interessa? — Questionou muito interessada no assunto que a interessada e nos era desconhecido.

— Claro! Qual assunto interessa? — A encaramos em espera da resposta que nos revelasse o que lhe era tão caro, mas Mel desviou o assunto quando a garçonete chegou com a sobremesa.


Nosso relacionamento, apesar de carregar traços diferentes e complexos, também era doce e verdadeiro. Molly trazia suas restrições e inseguranças, mas se entregava a relação e algo me dizia que brevemente contaria todos seus medos e experiências. Basear nosso namoro em presente era incrível, mas havia um pensando no futuro e as marcas sombrias do passado.

— Podem usar a boca para falar comigo um pouquinho? — Mel estava a nossa frente no parque parada com as mãos na cintura.

Nos separamos do beijo com pressa, Molly limpando os lábios e eu pigarreando.

— Estamos ouvindo, Mel — A pequena escalou meu colo até se sentar sobre meus joelhos e nos encarar com expectativas, balançando as perninhas no ar — O que tem para dizer?

— Duas coisas! — Mostrou dois dedos e estreitou o olhar — Primeiro... Meu aniversário está chegando! — Esticou os bracinhos parecendo contente.

— Nós duas já falamos sobre aniversário, dona Melany. No apartamento fica muito apertado e não tenho tempo de fazer no salão do prédio esse ano. Estou ligando para alguns bufês, mas talvez não dê tempo de fazer tudo como planejamos.

— Não precisa de tudo isso, mãe. Só quero os meus amigos lá... O Ethan principalmente!

— Podemos fazer na casa de minha mãe. Nunca vi alguém que goste tanto de organizar uma festa como ela — Encarei Molly notando o sorriso de Mel que já despontava — Tenho certeza que vai amar organizar tudo com vocês.

— O que? Na casa de sua mãe? Mas não é muito abuso não? — Molly me deu um tapinha e eu sorri.

— Claro que não. É uma ótima ideia! — Mel comemorou — Nós somos da família agora. Você e o Alexander vão se casar, não é?

— Melany...

— Minha mãe vai adorar ter algo com que se ocupar e você já é uma mulher muito atarefada, Molly. Não vai ser um problema para ela o aniversário de minha enteada — Fiz cócegas na cintura de Mel e Molly ficou calada. Era visível que pensava no que falei. Enteada. Família. Agora não era como antes... Éramos uma família de verdade, no real sentido da palavra — Qual é a outra coisa importante?

— Ah, é claro! — Mel levou à mão pequena na testa e sorriu por ter se esquecido — Tem a outra coisa!

— Espero que não seja tão difícil quando a primeira — Molly interveio.

— Não é difícil, é algo bem mais fácil — Quase acreditei vendo sua carinha persuasiva, mas o que veio a seguir me pegou totalmente de surpresa, principalmente pelo jeito seguro que utilizou para se colocar — Quando chega a minha irmãzinha?

Fez-se um longo silêncio entre nós. Molly e eu sequer respirávamos.

— O que? — Molly sussurrou quase sem voz.

— Minha irmãzinha, mamãe — Relembrou olhando fixamente para Molly — Quando um homem e uma mulher se casam eles podem ter um bebê, lembra? Quando a minha professora ficou grávida foi o que você disse. Agora Alexander é seu namorado. Podem me trazer a minha irmãzinha! Quando ela chega?

Melany consegui me deixar sem palavras e Molly parecia ainda mais desconcertada com a situação constrangedora.

— Mel, as coisas não são tão simples — Vi que Molly se perdida entre seus próprios argumentos um tanto baqueada para dar uma resposta coerente.

— E porque não? Podemos colocar outra cama em meu quarto, dou algumas partes do closet para ela e divido todos os meus brinquedos. Aposto que vai adorar minhas bonecas! — O0 silencio ainda era um eco entre nós dois.

— Mel... Alexander e eu não vamos trazer sua irmã. Ter um bebê é uma responsabilidade muito grande! — Molly explicou da forma mais clara que conseguiu.

— Mas por quê?

— Porque não está em meus planos ter outro filho, querida — Se ergueu do banco onde estava sentada e pegou a bolsa — Agora vamos para casa porque já está tarde e precisamos resolver algumas coisas para o trabalho amanhã.

Mel foi lavar as mãos um tanto decepcionada, porém convencida de que poderia mudar a mente de mãe sobre ter uma irmãzinha. Molly se aproximou e me deu um abraço longo e cansado.

— Foi ela quem começou o assunto, apenas prossegui — Justifiquei-me antes que perguntasse, beijando-a na testa.

— Não alimente esperanças para ela sobre isso. Nada de irmãs, nem irmãos e muito menos os dois! — Disse em tom autoritário, como se estivesse me dando ordens na Delux.

Tal fato me deixou em chamas. A abracei por trás beijando seu pescoço e caminhamos ao encontro de Mel.


Chegamos à conclusão de que ocultar o nosso relacionamento na Delux era o mais correto.

O emprego de Alexander poderia entrar em risco e sua capacidade assumir caráter duvidoso. Mesmo sendo a chefe do departamento de moda e uma das mais respeitadas no ramo, existia um presidente ao qual sou subordinada também. Relações intimistas entre funcionários não era uma pauta tolerável na Delux.

Seria demasiadamente difícil disfarçar a maneira como a rainha da Delux estava apaixonada.

Quando o elevador se abriu no departamento de moda tive a visão de Alexander conversando com Alice em sua mesa antes de notar qualquer coisa. Usava uma camisa social rosa claro essa manhã, me fazendo sorrir abertamente de sua aura positiva. De costas para mim não me notou chegando, mas não pensei duas vezes antes de andar até ele e tocar suas costas. Tanto Alexander quando Alice se viraram para me encarar, ela sentada em sua mesa e ele parado e debruçado sobre o balcão.

— Bom dia — Retirei a mão de seu ombro forte — Tudo bem por aqui?

— Bom dia senhorita Bern... — Sorriu me olhando dos pés a cabeça.

— Bom dia senhorita Bern... — Alice, por sua vez, parecia extremamente surpresa por meu ato de cumprimentá-los — Tudo bem e você?

— Também! — Pisquei para ela e olhei Alexander — Pronto? Vamos trabalhar, secretário?

— Sim senhorita! Quer que eu pegue as pastas?

— Não precisa — Alexander me indicou a caminho e me virei em direção a todo o setor — Um bom dia a todos os funcionários do departamento de moda!

O olhar surpreso de todos ao me responderem deixou claro que não eram necessárias muitas palavras para que todos soubessem de fato que o amor estava no ar.


CAPÍTULO VINTE


Viver um relacionamento ia contra todos os planos que fiz nos últimos anos de minha vida.

Antes tudo se resumia a Melany e meu trabalho, agora havia espaço para Alexander em meio a toda a solidão que ser mãe sozinha representava. O mundo sempre esteve em minhas costas desde o erro que me custou a liberdade. Agora Alexander conseguia partilhar comigo daquela responsabilidade e trazer cor aos dias monótonos de minha vida e de Melany.

Demiti Rachel após um erro com a coleção outono-inverno, deixando claro há muitos o que aquilo significava. Com Molly Bern ninguém bricava! Pierre e Alice estavam certos de meu relacionamento com Alexander, mas ninguém além deles se envolvia com nossa história. Os demais funcionários, depois da viagem a casa de Alice, pareciam não me temer como antes e o fato me alegrava.

Era libertador caminhar pelos corredores sem ser temida, mas prosseguir sendo respeitada. Mais uma vez Alexander conseguiu me concertar.

A família dele se alegrou com nosso namoro e Addie sequer podia esperar para que o filho, agora mais centrado e apaixonado, lhe providenciasse um novo neto. Aquilo colocava em contraprova minha verdadeira intenção com aquele relacionamento. Não estava em meus planos ter mais filhos, talvez sequer me casar.

— O dia foi realmente cansativo, querido secretário — Ao terminar a última reunião, olhei no relógio e constatei que já passavam das cinco da tarde — Acho que nosso horário estourou.

— Percebi, hoje a chefe não parou um segundo dentro da sala — Notei que estava com a mesa arrumada, os papéis guardados e me esperando recostados no móvel. As mangas da camisa social verde clara se dobravam e o peito forte marcava na camisa — Quer uma ajuda?

— Não — Coloquei tudo nas gavetas e tranquei — Já encerrei por hoje.

— Mel está em casa? Queria passar para vê-la.

— Não. Mel está com minha mãe. Ela chegou de viajem ontem com meu pai e quis levar Melany para passar alguns dias ao seu lado — Apanhei minha bolsa e fiquei de pé — Lembra que contei isso ontem?

— Sim, você falou mesmo — Assumiu coçando os olhos — Estou tão cansado ultimamente que me esqueci. Desculpe.

Aproximei-me dele devagar, olhando em seus olhos e sentindo vontade de me apertar em seu corpo até esquecer meu próprio nome. Toquei seu rosto delicadamente e rocei nossos narizes, aspirando seu arome másculo e embriagante. Estaria sozinha em minha casa por todo o final de semana e Alexander também.

Então a ideia apareceu e não soou como algo assustador.

— Posso ficar em sua casa? — Questionei um tanto sem graça, notando sua surpresa no mesmo momento.

— Em minha casa?

Nunca ficamos absolutamente a sós depois daquela noite na praia. Com nós ficavam Melany, Addie, Ethan ou as irmãs dele... Sempre alguém por perto para impedir de compartilharmos certa intimidade. Os breves momentos que partilhamos não eram suficientes, nem mesmo os mais intensos na mesa do escritório.

— Não temos companhia. Finalmente existe um tempo apenas nosso — Dei de ombros e baixei as mãos. Os olhos dele se modificaram de repente, tornando-se mais brilhantes e apaixonados — Mas se não quiser hoje, tudo bem.

— Claro que sim, quero dizer... — Mexeu no cabelo um pouco sem graça também — Tenho um vinho maravilhoso que guardei para desfrutar em boa companhia.

— Vinho? — Sorri e segurei em sua mão — Me parece uma boa hora, não acha?

— Uma hora maravilhosa... — Aos poucos foi me trazendo para mais perto — Estando cansado assim, somente você para me animar em uma sexta à noite.

— Sim? — Abracei seu pescoço — Acho que devo dizer o mesmo.

— Vai dormir lá comigo? — Beijou meu rosto e depois minha boca brevemente. Nós sorrimos juntos e fingi pensar.

— Talvez sim — Assenti e apertei seu braço levemente — Há um bom tempo estou pensando em passar um momento assim com você — Seu corpo se arrepiou com as palavras, percebi logo que as pronunciei. Ao mesmo momento aceitei que faria parte de minha vida, já que o desejo entre nós falava mais alto.

— Então partilhamos da mesma vontade — Garantiu com uma convicção quase apaixonada —Vamos? O vinho nos espera, Molly Bern.

— O vinho... — Trocamos um beijo rápido e saímos juntos, apagando todas as luzes como em toda sexta-feira.

A Delux estava praticamente vazia, sem qualquer pessoa que pudesse presenciar nossas mãos entrelaçadas e os sorrisos que trocávamos de maneira apaixonada.

[...]

Olhei em volta um pouco tensa quando Alexander abriu a porta do apartamento. Entrei antes dele e deixei a bolsa no sofá. Virei-me em sua direção e o vi afrouxando a gravata e abrindo alguns botões da camisa.

— Vou trocar de roupa — Se aproximou e tocou sua testa na minha — Quer uma camisa?

— Não, eu... — Olhei nos olhos dele e vi nada mais que amor. Seu olhar me deixou ainda mais certa de que estar ali era o ideal — Claro. Claro que quero.

— Então vem cá — Me puxou pela mão até o quarto e fomos tropeçando um no outro até lá. Retirei meu salto antes de entrar no cômodo e o vi abrindo o closet em uma parte grande e olhando por todos os lados — Tem muitas camisas aqui. Escolhe uma que te agrade.

Caminhei até seu lado e observei. Havia uma verde escura que me lembrava perfeitamente o tom dos olhos dele. O imaginei vestido aquela camisa e me derreti com a beleza criada por minha fértil imaginação.

— Aquela... — Apontei para a tal camisa e prontamente Alexander atendeu ao meu pedido, indo buscá-la.

— Gosto dela — Comentou me passando a peça — Foi um presente de minha irmã. Ela disse que combina com os meus olhos — O surpreendi quando concordei.

— Combina mesmo — Aproximei a camisa de meu rosto e aspirei o cheiro dele. Aquele mesmo cheiro que se podia sentir ao ficar a dois passos de distância.

— Vou deixá-la para que se troque.

Alexander saiu do quarto sem camisa e percebi que estava sozinha. Retirei o vestido com calma e vesti a camisa dele, me desfazendo também de colar, brincos e anéis. Ajeitei o cabelo e fui procurá-lo, encontrando-o na cozinha remexendo em um armário.

— Espero que esse empenho todo seja para procurar o vinho — Sussurrei o abraçando por trás, tocando seu abdômen nu e entrelaçando os dedos delicadamente sobre sua pele. Senti o corpo forte se retesar ao meu toque.

— Exatamente — Afirmou cobrindo minhas mãos com as suas, que pareciam ser muito maiores. Nossas peles pálidas se contrastavam — Tenho certeza que vai adorar... É bem seu estilo.

— Fraco?

— Delicioso e refinado — Beijei suas costas levemente e encostei-me a ele totalmente. Suspirei — Você me encanta com seu jeito, Molly Bern. Já te falei antes, não é? — Selei os lábios em suas costas novamente e depois me coloquei na ponta dos pés para beijar seu pescoço.

— Seu gosto é bem peculiar — Sussurrei ao seu ouvido.

— Quem pensa em vinho quando está sendo agraciado por uma mulher como você?

O soltei e me sentei sobre o balcão enquanto o vi servindo as taças. De fato era o homem mais interessante do mundo aos meus olhos e parecia ainda mais incrível sem camisa e me servindo vinho em taça. Um cavalheiro. O homem que sempre imaginei não existir. Alexander descontruía o padrão terrível que vivia em minha mente relacionado ao sexo oposto. Era doce e que me compreendia. Me amava mesmo sem motivos para tanto.

— Talvez seja o momento adequado para te agradecer pelas mudanças positivas que vêm estabelecendo em minha vida — Falei quando me estendeu a taça reluzente servida com um vinho de tonalidade bem vermelha, quase como sangue. A tomei delicadamente — Você mudou minha vida, Alexander.

— É um elogio e tanto vindo da grande Rainha da Delux. A mulher conhecida como "coração de gelo", mas que jamais foi como uma rocha. Você é incrível, Molly Bern, apenas não se deu conta de que pode ser incrível apenas por ser quem realmente é — As palavras me fizeram sorrir.

— Quem realmente sou aos seus olhos, querido secretário?

— Uma mulher forte e batalhadora que conseguiu tudo o que tem com muita garra e determinação. Uma mãe zelosa e carinhosa, que vê na filha seu motivo para lutar e vencer. Vencer, aliás, é sempre sua única opção — Ergui a taça como se propusesse um brinde e ele a tocou com a sua — Mas perder faz parte, Molly. Perder um pouco da seriedade e dar lugar a novas oportunidades é libertador.

— Libertador... — Anunciei como em um brinde. Alexander levou a taça dele até a minha novamente com um sorriso pequeno e orgulhoso. Tocou as duas taças e levamos aos lábios juntos.

Alexander tinha razão.

Não havia qualidades melhores a serem empregadas sobre aquela bebida que não fossem as que citou – delicado, delicioso e refinado. Não havia nada mais empoderador do que se libertar de um passado que já não fazia sentido.

[...]

Não demorou muito e fomos para a sala conversar.

— Está seguro que sua mãe não vai se desgastar com o aniversário de Melany?

O álcool me ajudava a se soltar, algo difícil para mim. Sentados frente a frente no sofá, nossas pernas se entrelaçavam e os rostos ficavam próximos. As taças já descansavam sobre a mesinha de centro e o ambiente fechado parecia cada vez mais acolhedor. A sensação térmica da pele dele contra a minha era fervente.

— Não vai — Sorriu totalmente despreocupado — A felicidade dela me enche os olhos. Assim não sobre tempo para cuidar de minha vida e do nosso namoro.

— Coitadinha da senhora minha sogra... Addie é incrível e não faz essas coisas.

— Sogra incrível. Quem diria que você estaria me dizendo isso um dia?

— As coisas mudam certo? — Nos encaramos e assentimos juntos com um sorriso cumplice. Ultimamente era nossa marca registrada — Me sinto ficando para trás! Minha bebê está prestes a completar sete anos, pode acreditar? Parece que foi ontem que tudo aconteceu — Sussurrei mais para mim do que para Alexander, visualizando em mente momentos de mim grávida de Melany — Parece que faz pouco tempo que nós duas éramos uma só.

— Você e Melany eram uma só — Repetiu a frase como se testasse o som. Estreitou os olhos e pegou em minha mão também pensativo, encarando o nada — Nunca enxerguei a maternidade neste contexto.

— Foi assim jeito — Dei de ombros e recostei o rosto em seu ombro — Éramos apenas um e nada mais. Ninguém mais.

— Agora vocês têm a mim — Tocou meu cabelo e acariciou levemente. Fechei os olhos perante a sensação de alivio.

— Não sabe como sou grata por isso — Cobriu meus lábios com os seus no momento seguinte e meu corpo reagiu ao seu imediatamente.

— Não fique tão romântica. Vou me apaixonar ainda mais — Rimos juntos e segurei seu rosto brevemente, olhando dentro de seus olhos apertados em um sorriso maravilhoso e apaixonado.

— É momento de ser romântica... — Me deitei e com a mão em seu rosto o puxei para cima de mim — Que bom que seu sofá é grande.

— Sim? — Posicionou-se sobre mim e colou a testa na minha ainda sorriso. Toquei seus lábios, abaixei seu rosto sobre o meu e o beijei novamente.

— Quero ser romântica — nosso beijo aconteceu em meio a risadas e afagos. Em questão de segundos a respiração de Alexander se encontrava tão ofegante e descompassada quanto a minha, principalmente quando envolvi as pernas ao redor de sua cintura e coloquei uma de suas mãos sobre meu seio, encarando-o fixamente.

Não havia outra maneira de dizer, uma vez que não era tão boa com as palavras.

— Isso tudo é o vinho? — A guerra que travava consigo mesmo consistia na duvida entre olhar para sua mão sobre meu corpo ou meus lábios. Por qualquer motivo que fosse, me deixou ainda mais ansiosa e decidida.

— Isso é tudo que eu quero — O beijei mais intensamente e sem delongas, cobrindo sua mão grande com a minha de modo a incentivá-lo a prosseguir me tocando.

A reação por parte de Alexander fora imediata, atacando-me com seus lábios a toda vontade.

Esperei toda a vida por aquele momento, apenas não poderia imaginar que aconteceria nos braços de Alexander, meu secretário. Em uma história como a minha um momento especial como me entregar ao amor merecia ser vivido de maneira intensa e bonita. Não haviam palavras melhores para expressar a gratidão que sentia por estar ali com o único homem que cheguei a amar.

Eu nunca havia sido de ninguém, mesmo que já fosse mãe. Alexander merecia saber, mas ficaria muito confuso se soubesse de toda a história antes de nos conectarmos um ao outro, de fato.

Havia hesitação em seu olhar, por isso dei o primeiro passo e toquei seu abdômen, admirando as formas perfeitas de sua barriga definida. Levemente desci os dedos até o cós de sua calça, encarando-o com objetividade. As mãos grandes desceram por meu corpo levemente, infiltrando-se por debaixo de minha camisa. Beijei seu ombro com carinho, puxando a camisa que me cobria um pouco mais para cima, evidenciando minha roupa intima azul-escuro.

Baixei sua calça enquanto os lábios firmes exploravam meu colo, tirando-a e arremessando para o chão. O senti retesar o corpo antes de me ver seminua perante seus olhos admirados. As mãos ágeis estavam agora em minhas costas, roçando o feixe de meu sutiã com ansiedade. Nossos sorrisos sumiram.

O ambiente agora era tomado pelos sons de nossos lábios se consumindo e o tom grave de seus gemidos. Os ofegos de minha respiração ecoavam em meus ouvidos e esqueci qual era meu nome ao sentir os dedos cálidos deslizando as alças de meu sutiã suavemente. Fechei os olhos e trouxe seu rosto para o meu, afundando-me em seus lábios firmes e ternos ao passo em que as mãos grandes se enchiam com meus seios.

— Você é incrível, Molly — Sussurrou ao meu ouvido com a voz carregada de paixão.

— Por favor, não fala nada... — Levei os lábios em seu pescoço e mordi sua pele. Alexander me despertava sentimentos absurdos, um fogo desconhecido que jamais pensei sentir por um homem — Só me mostra como se faz para amar, Alexander. Estou ansiosa por isso desde que te conheci — Confessei e vi o verde de seus olhos se tornarem ainda mais intensos.

— Eu também, meu amor. Eu também! Esperei muito por você, sempre quis você... Eu te amo, Molly Bern — Segurou o cós de minha calcinha e foi abaixando delicadamente, tocando meu corpo com os lábios onde podia alcançar.

Desisti de argumentar, entregue as sensações arrebatadoras que consumiam meu corpo da cabeça aos pés. Nossos corpos, rígidos de prazer, se atraiam como imãs e a sensação de vivenciar algo assim era inexplicável, mais do que qualquer palavra ou verso pudesse expressar.

Perdido em detalhes, Alexander ajeitou o corpo sobre o meu e separou minhas pernas sem mensurar o quanto me admirava. O quanto eu era linda aos seus olhos apaixonados.

— Molly, nós precisamos de... — Segurei em seu rosto e beijei seu queixo levemente, cansada, ofegante e suada. Assenti e Alex tratou de cuidar desse ultimo detalhe por si só. Sofri com a falta de seu calor por alguns segundos, mas não demorou tanto, pois na próxima batida de meu coração ele estava comigo novamente. Dentro de mim.

Eu estava em suas mãos e ele nas minhas, entregues um ao outro no prazer sublime que nos proporcionamos. Era desconfortável em um primeiro momento, devo admitir. Alexander me olhou confuso, sem compreender porque o empurrei durante alguns segundos e suspirei irritada, segurando-o pelos ombros. Nunca fiz aquilo, mas meu corpo já havia carregado um bebê e registrado o fato.

Meu corpo não era virgem, mas tudo era novo para mim.

— Está tudo bem — Sussurrei antes que ele dissesse algo e o fiz soltar um breve sorriso antes de me apertar mais entre seus braços e seguir seus movimentos sobre mim. Sua boca partia-se em mordidas leves em meu pescoço e beijos quentes em meu rosto enquanto meus dedos apertavam-se em seu cabelo.

Descobri que nos encaixávamos perfeitamente. Era como se eu fosse feita exatamente para ele, sob medida.

Meu corpo se abria lentamente para recebê-lo, assim como o espaço dele em meu coração se tornava cada vez maior. Perigosamente maior, do mesmo modo que as sensações se intensificavam. Paixão, desejo, amor e a falta dele dentro de mim por todo esse tempo... Tudo parecia insuportável.

A devoção estampada nos olhos dele me envolvia e superava a estranheza do momento. Porque neguei isso a nós por tanto tempo?

Concentrei-me em seu calor me invadindo e encontrei o céu guiada por seus lábios. O amor de Alexander conseguiu superar um coração marcado pelo passado.


Nunca vivi um momento tão intimo com uma mulher e estou certo de que Molly também não. Muitas coisas me confundiam em relação a ela, mas a principal delas foi à maneira como se comportou enquanto fazíamos amor.

Seus olhos pareciam contemplar um homem nu pela primeira vez quando me viu sobre si e o corpo parecia jamais ter estado com um. Não podia ser, de fato, uma vez que ela era mãe, mas suas expressões não me deixavam a mente. Havia algo acontecendo ali.

Ela saiu dos meus braços exalando felicidade e muito apaixonada, mas não deixei de colocar em pauta o que me incomodava. A mulher que eu amava era minha, afinal.

— Posso perguntar uma coisa? — Parou de comer seus ovos mexidos na hora, baixando o garfo e ficando imóvel.

— Imagino sobre o que seja.

— Sim — Vendo seu constrangimento, tentei fazer com que tudo parecesse natural. Ficar com outras mulheres e viver situações variadas me rendeu experiência. Molly me intrigou e algo me dizia que era algo importante — Te machuquei? Tive a impressão de que poderia ter te ferido de algum modo.

— Não — Largou a comida totalmente e me encarou com firmeza. Aquela era a Molly que eu conhecia e encarava tudo com grandeza — Foi um pouco desconfortável, confesso, mas devido a minha falta de prática, não a sua imprudência. Você foi incrível comigo.

— Falta de prática? — Insisti ao notar sua sinceridade — Você citou algo na praia sobre uma primeira vez terrível. É por isso? — Molly corou um pouco e sorri — Te vendo assim nem pareço estar diante da mulher durona que ocupada à cadeira de Diretora do Departamento de Moda da Delux. A Rainha.

— Não sou ela todo o tempo — Deu de ombros e se endireitou — Essa sou eu de verdade. A que esteve com você agora pouco.

— E será que essa Molly que tanto amo pode confiar em mim? — Cobri sua mão pequena com a minha em um gesto carinhoso.

Seus olhos pareciam procurar a melhor maneira de me falar o que tinha em mente.

— Pode não acreditar, mas foi a primeira vez que estive com um homem.

Paralisei diante das palavras e a observei por alguns segundos. Não parecia blefar a o fato me assustava.

— Isso deveria me fazer muito feliz, mas...

— Não faz o menor sentido, é isso? — Concordei com um sorriso — Realmente é difícil de entender.

— Existe uma explicação, imagino.

— Sim, existe. Um erro. A explicação é um erro que me trouxe o melhor presente de minha vida.


Aos dezessete anos eu era popular no colégio, tinha uma bolsa de estudos garantida na faculdade e conheci Dean Smith. Aquela era a combinação que toda garota da minha idade poderia querer. Era como viver um sonho.

Dean e eu nos conhecíamos da escola, mas começamos a namorar quando virei líder de torcida. Dean era jogador de futebol e iniciamos o namoro mais invejado do colégio. Meus pais não gostaram muito da ideia, mas me permitiram namorar, uma vez que o pai de Dean era o pastor da igreja onde frequentávamos.

Com a supervisão constante de nossas famílias namoramos por todo o último ano da escola. Tudo ia bem entre nós, mas nas férias de verão a pressão por parte dele se tornou mais intensa. Dean queria dar um passo a mais na relação e isso consistia em irmos para a cama. No inicio relutei, pois sendo criada em uma família religiosa fui instruída a me entregar a um homem apenas após o casamento, devendo ignorar as vontades de Dean, que mesmo sendo filho do pastor ameaçou nosso namoro de chegar ao fim caso eu me recusasse a satisfazer sua vontade.

Confusa e sem ter com quem conversar, ouvi minhas amigas e elas me incentivaram a aceitar o que Dean me propunha. Perder um namoro com um partido como ele apenas por não querer me entregar era insano, segundo elas. Minha atitude soava obsoleta.

Prestes a completar dezoito anos, me senti na posição de decidir por mim e acabei tomando a decisão errada. Dean teria o que queria. Sei que parece bobo, mas na adolescência fui uma garota simples, carinhosa e muito responsável. Sendo responsável e preocupada, marquei uma consulta com um ginecologista para me prevenir de possíveis complicações e principalmente da gravidez.

Meu pai sempre foi o responsável pelo pagamento do plano de saúde, por isso tive que mudar o hospital e o profissional, ciente de que minha família teria o controle de saber onde estava me consultando. Pedi a Dean para que me ajudasse a encontrar um bom médico e ele indicou um amigo que faria uma consulta grátis e discreta.

Fui a este médico ainda nas férias. O homem - doutor Andrew Brawn - me pareceu gentil e amável. Conversei sobre meus medos e inseguranças e realmente me senti acolhida. Receitou-me o contraceptivo e solicitou alguns exames, uma vez que nunca antes passei com um ginecologista. O homem nem sequer me examinou e estranhei, mas considerei ser pelo fato de ser apenas a primeira visita.

Passei a tomar o contraceptivo, porém Dean viajou de surpresa para a casa da avó. O avô havia falecido na mesma semana. Marquei meu exame sem que meus pais desconfiassem de nada. Para acabar com a pressão de minhas amigas do grupo de lideres de torcida, menti que Dean e eu já tínhamos relações.

Em uma manhã de sábado em que Dean ainda viajava, fui até a clinica especializada do doutor Brawn fazer o tal exame.

Pelo que pesquisei era um tipo bem desconfortável, que deveria ser realizado apenas em mulheres que já tinham vida sexual ativa. Não me preocupei com isso, uma vez que desejava iniciar a minha em breve. Não posso mentir. Notei que a clinica era especializada em gravidez e muitas mulheres gravidas entravam e saiam a todo momento. Doutor Brawn não estava presente no momento do exame. Quem me atendeu foi uma garota ruiva da recepção, que perguntou meu nome e apenas respondi brevemente.

Fui encaminhada a uma sala e coloquei o avental. Aguardei em um lugar gelado, onde apareceu uma senhora falando de termos e prazos. Concordei, obviamente. Sem nunca ter feito um exame sozinha, aceitei tudo o que me era proposto sem questionar os termos e imposições citados por ela.

Nervosa e sem entender, perguntei demoraria ou seria doloroso.

Deitei-me e apoiei as pernas no local indicado. Contei os pontinhos de luz do teto, os pontos de gesso dos acabamentos... E nada de terminar. Me perguntaram sobre virgindade. Garanti que era virgem, mas o desejo de realizar o procedimento era todo meu. Prosseguiram. Doeu, mas acabou.

Não demorei a notar as mudanças que ocorreram em meu corpo dias após o exame. As semanas se estenderam e enjoos, fome em excesso e tonturas começaram a fazer parte do meu dia-a-dia. A menstruação atrasou. Dean, mesmo longe, marcou comigo em um motel para termos a tão esperada noite. Naquele mesmo dia resolvi ir a clinica. Não suportei mais a situação de ficar sem saber qual era meu problema, que com certeza havia começado após o exame.

Ao me ver o doutor Brawn ficou espantado quando expliquei a história toda. Conforme me explicava o que havia acontecido, tudo parecia ser cada vez mais irreal.

Me senti como a pessoa mais sem sorte do mundo, talvez a mais condenada.

Duas pacientes. Duas Molly. Duas mulheres jovens e saudáveis. Uma troca de fichas. Um erro. Como assim eu estava grávida?

Doutor Brawn me deu opções... Ter o bebê e dá-lo para a outra Molly era a primeira delas. Retirar o problema da forma mais discreta possível era o que parecia mais sensato.

Pode-se imaginar o que pensei? O que se passou por minha cabeça? O doutor se lamentou, ofereceu ajuda em dinheiro e todo o imaginável, mas não importava! Eu estava grávida sem ao menos ter ido para cama com um homem e ter culpa alguma! O doutor descrevia os detalhes do bebê, que segundo ele foi planejado cuidadosamente pela mulher que deveria ser sua mãe. Uma menina de olhos verdes.

A confusão se instalou em minha mente. Abortar seria o caminho mais fácil, uma vez que ninguém acreditaria sobre o ocorrido. Com razão minhas amigas disseram que Dean era o pai, uma vez que menti sobre nossa vida sexual. Meus pais descobriram por fofoca, mas somente minha mãe acreditou em mim. Meu pai se manteve preso ao que ouviu das pessoas e nem ao menos no próprio doutor Brawn acreditou. Não processei o doutor Brawn e ninguém da clinica, mesmo grávida e expulsa de casa, perdendo tudo o que conhecia e tinha. Ninguém tinha culpa se fui tola e aceitei tudo o que me empurraram no dia do exame sem questionar ou me interessar nos detalhes.

Foram bons comigo e quiseram me ajudar. Apeguei-me a minha última esperança... Dean.

Quando voltou de viagem fomos para o tal motel e lá tudo começou. A certeza que me aceitaria e criaria meu filho como seu era tudo o que me restava para ter aquele bebê inocente perto de mim, porém não foi assim que aconteceu. Antes de fazermos qualquer coisa contei a Dean sobre a gravidez. Nunca poderei esquecer a expressão de fúria que vi em seus olhos naquela noite!

Mostrou-se mais preocupado em saber com quem perdi a virgindade do que como me encontrava naquele momento. Quando neguei e contei tudo, riu e me bateu. Disse que eu não passava de uma mentirosa e que estava querendo lhe dar um golpe. Gritou aos quatro ventos que o filho não era dele e que fui uma vagabunda por ter me entregado a outros homens. Acusou-me de coisas terríveis e quando tentei me retirar fez coisas horríveis comigo.

Não me lembro nitidamente, apenas estou certeza de que não chegou a me estuprar porque um funcionário do motel ouviu algo suspeito e foi checar. A parti daí comecei a odiar os homens apenas pelas lembranças borradas que tenho de Dean me tocando. Foi um trauma grande ver quem mais confiava me maltratando, batendo e desrespeitando mesmo sabendo de minhas condições... Eu estava grávida!

Grávida e sozinha.

Mamãe me ajudava como podia. Enviou-me para a casa de minha avó, mas fiquei ciente de que deveria sair de lá até que a criança nascesse. Desconsiderei o aborto na primeira vez que o doutor Brawn me mostrou o bebê no ultrassom. Aquele borrãozinho... O som forte do coração que batia dentro de mim... Tudo me deu forças, mesmo banhada por traumas.

Passei a pensar em dar o bebê para a mãe que deveria ter sido dele. Descobri que era uma mulher casada, rica, diretora de uma empresa de moda e muito influente. Quando ouvi aquele perfil desejei ser como ela... Desejei ser rica e influente para poder criar o bebê, algo que estava além de minhas atuais condições.

A tal Molly comprou o espermatozoide por uma quantia a perder de vista, uma vez que o doador era um homem muito dotado de beleza e saudável, além de possuir atributos físicos parecidos com os do marido dela, que era estéreo. Meus planos começaram a mudar. Molly não estava disposta a ficar com a criança porque queria gerar por ela mesma, então tive que descartá-la. Minhas opções eram poucas... Ficar com a criança ou encontrar uma família que o criasse. Doutor Brawn me arranjou um jeito de sair dessa e talvez essa possível solução tenha sido a mais decepcionante de toda minha vida.

O pai biológico. O doador. Aquele que apenas precisou de uma revista e um frasquinho para contribuir significativamente em minha vida.

A ideia era explicar tudo a ele e pedir que nos ajudasse ou ao menos se sensibilizasse com a história. Qualquer ajudar era bem-vinda e aquele era um caso extraordinário. O bebê precisava de qualquer ajudar naquele instante e resolvi arriscar. O homem era apenas um doador, mas também tinha um coração, não tinha?

Realmente não.

O doador me desprezou totalmente na única carta que escrevi para explicando a história. Uma carta cheia de esperanças e que terminou em frangalhos. Mandou-me uma resposta dizendo que não tinha nada a ver com minha situação e que sua parte estava cumprida. Citou também coisas que não valem a pena serem lembradas e mais uma vez me decepcionei com os homens. Como podem ser tão frios?

Decidi lutar por mim e por minha filha. Quando a vi praticamente formada e descobri que era mesmo uma menina aceitei tudo. Aceitei a proposta da clinica de doutor Brawn de me ajudar com os estudos e com dinheiro, aceitei prosseguir e aceitei minha menina. Minha Melany.

Tão logo ela nasceu e era linda, pequena e tinha minhas semelhanças, mas era perceptível como havia mais daquele ser horrível que era seu pai biológico. A menina de olhos verdes foi meu maior presente e mudou minha vida. Senti muita dor física e emocional, mas valeu cada segundo ao lado dela. Estudei moda, administração e trabalhei duro para me tornar importante e tão influente como a tal Molly. Consegui o que sempre quis... Dar tudo a Melany sem a ajudar de ninguém e provar que uma mulher sozinha pode sim conquistar o mundo.

— Agora você entende? — Alexander parecia estarrecido e toquei sua mão com a minha.

Porque ele não me olhou nos olhos após ter ouvido toda minha história?


CAPÍTULO VINTE E UM


O segredo de Molly desabou o meu mundo.

Desejei nunca ter existido para não precisar ouvir mais nada sobre isso. O ódio que senti de mim mesmo ao ouvir cada linha da história da mulher que amo me despedaçou junto a toda minha felicidade.

Agora muitas coisas faziam sentido, coisas que meu coração gritava, mas a razão me fazia ignorar. Decepcionei as duas pessoas sem sequer imaginar que no futuro se tornariam as que eu mais amava. Lá estava a vida me respondendo todas as perguntas quando sai da cama, deixando Molly sozinha.

Talvez aquela atitude me condenasse, mas não era fácil assimilar tudo. Não era fácil descobrir que tudo o que pensava existir era uma farsa. Vendo-me no espelho me dei conta de que não sou mais o mocinho da história de Molly e Melany, mas sim o próprio vilão.

As coisas poderiam ter sido muito diferentes.

Caminhei de um lado para o outro no quarto de maneira impaciente e sem conseguir encarar os olhos de Molly por um segundo que fosse. A culpa pesava tanto quanto a tristeza e a dor no coração que jamais senti.

A história de Molly era minha história também.

Nossas vidas sempre foram interligadas como linhas invisíveis que viajam juntas e enfim se cruzaram. A resposta para tudo estava ali, bem a minha frente, exposta, frágil e incapaz de se fazer verdadeira aos meus olhos. Por minha culpa estava tudo acabado. Meus sonhos, planos e amores... Tudo acabou com as palavras de Molly.

— Alexander... Eu... — Molly me chamou e baixei os olhos para o chão. Levei às mãos a nuca sem forças de dizer algo — Sei que é difícil, mas não precisa ficar assim. Acabou — Seu tom de voz otimista me corroía o peito — Mel e eu temos você agora... Não precisamos de mais nada, meu amor.

— Não Molly, não... — Respirei profundamente sem ter a coragem que precisava — As coisas não são assim — Antes de prosseguir me virei em sua direção e observei a forma como me encarava.

Segurava a ponta do lençol branco contra os seios, nua, os cabelos desalinhados e a pele avermelhada. Trazia um brilho mágico no olhar... O brilho de uma mulher bem amada após uma noite de paixão. Por um segundo a admirei sem palavras, sem conseguir expressar tudo o que se passava em meu coração. O misto de sentimentos me colocava em prova sobre soltar tudo precipitadamente ou esperar para ter certeza se minhas suspeitas eram reais. Tudo indicava que sim, mas perder um só momento com ela após um acontecimento tão lindo para nós dois não valeria esse possível sofrimento.

— Por favor... Não fique assim — Suplicou evitando soluçar, mas vi algumas lágrimas se formando em seus olhos aos poucos — Tudo o que menos quero é que me veja com pena. De você não posso suportar isso, Alexander. De você não.

Algo me levou a caminhar de volta para a cama e me sentar em frente a ela. Fixei o olhar em seus olhos lindos e toquei sua bochecha, colando a testa dela com a minha. Respirei fundo tentando ser firme. Mentir não era o meu forte, mas somente se mente quando se tem certeza de algo. Eu não tinha certeza de nada.

— Não tenho pena de você — Especifiquei fazendo-a me olhar — Tenho pena das pessoas que te fizeram sofrer — De mim mesmo.

— Mas já acabou! — Tocou minha mão sobre seu rosto — Não me importo mais — Deu de ombros e sorriu — Isso já não dói. Eu te amo e estamos juntos. Te contei tudo isso como uma prova de que estou totalmente focada em nós e quero que não haja segredos. Confio em você.

A felicidade nos olhos de Molly representava sua liberdade.

Afastei o lençol e me deitei ao lado dela na cama. Seu corpo sob o meu e os olhos nos meus olhos. Observei sua face por alguns segundos e percebi toda a confiança que tinha em mim naquele olhar... Era tão serena e diferente da mulher que um dia conheci. Sequer existiam palavras para o presente momento. Toquei seus lábios brevemente com a ponta dos dedos, passando pelo pescoço até alcançar o topo de seu seio... O fechei em minha mão e observei suas reações.

— Te amo, Molly. Não sei o que faria se perdesse você... — Pensava em voz alta, mas nada pareceu surpreendê-la. Seu rosto estava absurdamente vermelho com as caricias que minhas mãos proporcionavam, mas não cogitei parar. Avancei mais, roçando sua delicadeza contra a rigidez de minha ereção cada segundo com maior intensidade.

Eu a amei novamente, talvez com menos carinho e calma do que merecia, mas fiz impulsionado pela raiva de mim mesmo e o desejo de punir meu coração para que se sentisse cada vez mais mergulhado nessa paixão. Quando o cristal se quebrasse e a dor compensasse todo o apuro que a fiz passar no passado não haveria escapatória. Minha felicidade iria com ela.

Conforme penetrava seu corpo frágil às lembranças invadiam minha mente.

Em certo verão, aos meus dezenove anos, em uma sede desesperada por dinheiro para pagar meus estudos me enfiei em uma roubada quando uma moça qualquer me parou em um shopping e ofereceu um bom dinheiro pela doação de espermatozoides. Ser um doador.

A quantia representava não só o fim de meu sofrimento para pagar a faculdade, mas também uma grande ajuda para minha família e garantiria um futuro promissor. Por um simples esperma? Não hesitei em concordar, uma vez que após o divorcio repentino de meus pais a situação andava cada vez mais apertada.

Aconteceu muito rápido. Entreguei o potinho para a moça e sai daquela clinica estranha mais rico por apenas uma amostra. Algo tão simples, mas que me rendeu grandes consequências que na época nem cheguei a cogitar! O material doado significava um filho... Um filho que, claro, não seria meu, mas sim do casal responsável pela compra do que forneci. Pelo que entendi seria uma única criança, criada sob medida para o casal em questão, uma vez que possuíam todos os meus aspectos físicos.

Fui escolhido a dedo pelas características físicas.

Totalmente avulso ao assunto que para mim ficou totalmente no passado, prossegui meus estudos e mergulhei em uma fase de ambição desenfreada! Tudo o que me importava eram os empregos irrecusáveis que surgiram com o ótimo desempenho na universidade, deixando-me cego pelo poder. Em questão de um ano minha vida se baseava nos estudos e no escritório, deixando de lado o que na época me parecia menos importante. Na verdade sempre foi o essencial e o motivo pelo qual estou aqui... O meu filho criado sob medida. O perdido que nunca conheceria. A criança que recusei.

Molly gemeu, abraçando meu corpo contra o seu cada vez mais, desejando aprofundar nosso contato e aquele som ecoou por minha mente várias e várias vezes...

Eu me lembrava da carta.

Apenas de algumas citações, mas estava viva em minha memória. Pelo que entendi nas breves linhas, meu esperma havia sido fecundado na mulher errada e a mesma me pediu ajuda com a criança. Me pareceu ridículo. Minha vida estava nos eixos do jeito que sempre quis e ainda faltava mais... Não havia lugar para um filho, muito menos para uma mulher que se ligasse a mim de uma forma que não se limitasse a sexo casual.

Respondi grosseiramente, cego pela sede de poder. Minha parte no contrato se restringia a doar o espermatozoide e o resto era responsabilidade de terceiros. Se o material foi parar dentro dela a culpa não era minha. Era meu direito não me ligar aquela criança. Não era um filho que planejei. Constava no contrato que assinei garantido que a criança não era minha obrigação a partir do momento em que me desfiz do material. A responsabilidade relacionada a mim era inexistente.

Lembrar daquilo me atingiu de tal forma que apertei Molly fortemente em meus braços, tomando-a cada vez mais intensamente e puxando sua pele contra a minha, gemendo como um desesperado ao ouvido. Senti dor, percebendo que o final se aproximava. Assim que acabou, suado e sem forças, me deitei ao lado dela de barriga para cima e respirando ofegante. Seus dedos percorreram minha face... Fechei os olhos. Desceram por meu pescoço, passando pelo peito... As unhas tocaram a parte alta de meu ventre e então agarrei sua pequena mão. Nossos dedos se entrelaçaram e ela se aproximou para sussurrar em meu ouvido.

— Você é incrível — Depositou um beijo molhado em meu pescoço, mordendo minha pele — Não consigo imaginar o que pode ser melhor.

Para um homem aquelas palavras eram a recompensa e objeto de desejo após uma situação como essa, mas tudo o que desejava neste momento era ouvi-la falar que me amaria para sempre, independentemente de tudo o que viesse a nos afligir. Tive de perdoá-la, pois Molly nunca imaginaria que eu pudesse lhe causar uma decepção tão grandiosa.


Alexander estava tão estranho desde que lhe contei sobre minha vida. Algo parecia errado, mesmo que me tratasse como uma princesa.

Tomamos um banho e percebemos que havíamos feito amor sem proteção da segunda vez. Não senti medo por isso. Não sabia dizer se havia sido um erro, uma vez que foi mais maravilhoso poder senti-lo completamente preenchendo meu mundo de sensações incríveis.

Troquei-me calada, deitando-me na cama ao lado dele novamente e tentando distraí-lo. Consegui alguns sorrisos e até o descontraí, porém não o suficiente para vê-lo nitidamente emocionado quando falei com Mel ao telefone. Resolvi não ligar para aquilo, dar o espaço dele, uma vez que a situação não era comum. Alexander deveria ter imagino que o pai de Melany foi um homem qualquer que passou por minha vida e sumiu, mas de uma hora para a outra descobriu que o pai em questão nem sequer havia existido e o único que deveria ter se importado a rejeitou como se fosse nada.

Passamos a noite juntos vendo um filme e abraçados no sofá. Foi difícil para mim, mas notei que os olhos dele estavam longe, evidenciando que apenas seu corpo estava ali e a mente em outro lugar. Compreendia sua posição. A noite se foi, o dia amanheceu rápido e acordamos com o celular vibrando no sábado.

Era Melany.

— Quem era? — Questionou me espiando com apenas um olho aberto. Seu aspecto matinal era o melhor que se poderia esperar, sempre sexy.

— Melany — Dei de ombros e toquei seu cabelo, me abaixando para beijar o topo de seu rosto — Disse que a avó vai levá-la para casa daqui a uma hora e que quer que você vá almoçar conosco. Vamos?

— Uma hora? — Se sentou interessado, coçando o cabelo e os olhos — Será que dá tempo de tomar um banho? — Sorri de seu entusiasmo e assenti. Ele alongou os braços enquanto me olhava.

— A empregada está lá. Mel fica com ela se chegar primeiro — Bati levemente em seu ombro — Quer compartilhar o chuveiro? — Sugeri com duplo sentido e ele me olhou de cantinho quando saiu da cama.

— Mas tem que ser rápido... Será que conseguimos?

— Podemos tentar — Garanti e o segui até o banheiro, tirando a roupa no caminho.

[...]

Abri a porta de meu apartamento com Alexander rindo de mim por não ter encontrado o buraco da chave rapidamente, apenas depois de inúmeras tentativas. Ouvindo nossas gargalhadas Melany desceu correndo e parou no saguão com a mão na cintura. Pequenininha e irreverente, parecia muito doce usando um short jeans e uma camiseta rosa com desenhos de estrelas. Usava uma faixa no cabelo cumprido combinando com a blusa e um colar com a letra inicial de seu nome "M".

Não pude descrever a expressão do rosto de Alexander enquanto olhava para ela.

Parecia muito diferente do que estava a minutos atrás, risonho e brincalhão. Havia um brilho especial em seu olhar, delicado, suave e doce. Era como a primeira vez que se vê o mar na infância. Aquela imensidão parece ser a coisa mais perfeita e maravilhosa que existe. Era o modo como ele à via agora. Tal gesto poderia me assustar, mas toda a confiança e certeza que tinha em relação a Alexander me fiz ver que se importava demais com Mel e estava disposto a ser o pai que ela tanto desejou.

Ao invés dela correr para meu colo, Mel saiu em disparado na direção de Alexander e pulou nos braços fortes, sendo abraçada no mesmo momento.

— Porque você está me olhando com essa cara?

— Que cara? É a única cara que eu tenho! — Respondeu um pouco emocionado.

— Cara de bobão! — Ela segurou as bochechas dele com as mãozinhas.

— É que você está muito feia hoje — Brincou balançando Mel de um lado pro outro. Ela riu muito.

— Você também está horroroso hoje! Vamos comer uma torta de chocolate com nozes bem grande e cheia de calda? — Sugeriu com a voz cheia de persuasão.

— Aposto que mamãe também quer uma, né amor?

— Tudo o que vocês quiserem.

De fato a história sobre o pai de Melany mexeu muito com ele e com nossa relação. Mais uma consequência dos erros de meu passado conturbado.


As coisas do trabalho não entravam em minha cabeça.

Observei Molly sentada em sua mesa de maneira elegante e conversando ao telefone com outra diretora de moda. As duas pareciam entretidas em uma conversa longa há vários minutos, debatendo as tendências. Terminei de realizar o meu serviço e suspirei encostando-me a cadeira. Observei o relógio e eram três e vinte. Observei Molly. O relógio. Molly. O relógio. Enrolei, mas tomei a decisão. Fiquei de pé sem fazer muito alarde e me aproximei da mesa dela fazendo sinal de que iria sair um pouco. Molly assentiu com a expressão um tanto confusa, pude notar.

Voltei para minha mesa, apanhei o papel onde recentemente guardei a pesquisa que fiz na internet e sai, dirigindo-me para o banheiro masculino. O lugar estava totalmente vazio, por este motivo não houver problemas em falar ao celular sem restrições. Olhei-me no espelho sustentando um papel azul e amassado em uma mão e o celular na outra.

Preciso fazer isso! Enquanto não souber a verdade, enquanto não tiver a certeza de que sou o homem que doou esperma para a inseminação de Molly, não conseguirei retomar minha rotina e viver novamente.

É uma necessidade saber se Melany é ou não minha filha!

Após refletir mentalmente, disquei o numero do papel que me levaria a clinica do doutor Andrew Brawn, mesmo lugar onde há sete anos doei material para inseminação. Esperma. Sem delongas fui atendido por uma moça simpática, que me ligou ao doutor Brawn após minhas alegações de urgência.

— Não posso acreditar... É mesmo você? — Parecia rir do outro lado da linha, mas obviamente ironizando.

— Sim doutor. Sou Alexander Alcady. Nos conhecemos há sete anos, está lembrado? — Meu coração corria de modo descompassado.

— Sete anos — Murmurou em um suspiro — Essa deve ser a idade de sua filha. Lembra-se dela também?

Minha voz faltou. Minha garganta fechou. Fiquei sem ar. Ele disse mesmo filha? Como homem, me envergonhei, entendo suas reais intenções.

— É exatamente sobre esse assunto que quero tratar com o senhor. Será que poderia abrir um espaço para mim em sua agenda? — Lancei a pergunta e esperava que me atendesse.

— Esse assunto? Despois de tantos anos? — Pareceu absurdamente desacreditado.

— Exato — A vergonha era enorme, mas nada superava a curiosidade e necessidade de saber a verdade.

— Por certo. O arrependimento sempre chega, tarda mais não falha. Pode ser daqui à uma hora? Estou disponível.

— Sinto muito, mas estou no trabalho. Trabalho na Delux e aqui as regras são claras e rígidas quanto a saída. Amanhã é sábado, então... Estou livre — Expliquei.

— Trabalha na Delux? A empresa de moda de Molly Bern? — Foi então que ele percebeu — Pelo visto essa conversa será longa, senhor Alcady.

— Será doutor. Desde já, muito obrigado pela atenção.

— Agradeça mesmo, senhor Alcady — Nada respondi, fiquei calado apenas digerindo a frase. Mais uma vez ele tinha razão.

— Então era uma menina? — Murmurei quase sem voz e nitidamente emocionado — Como é o nome dela? De minha filha... — Pensei que choraria como nunca antes, pois derramei uma lágrima tão rápido quanto pensei no rostinho de Mel.

— Conversaremos sobre isso amanhã. Até mais senhor Alcady.

Desligou.

A hora de descobrir toda a verdade estava marcada.


No elevador, após ficarmos a sós, entrelacei meus dedos com os de Alexander e beijei seu rosto. Ele sorriu de canto um tanto calmo, mas pensativo demais para meu gosto. O beijei novamente e nada.

— Está tudo bem? — Questionei após ouvirmos o click da porta se abrindo e ele me deixar sair na frente.

— Claro — Respondeu monótono.

— Mesmo? — Caminhamos até meu carro um tanto apressadamente para que não percebessem que viemos em um único veiculo.

— Só estou um pouco cansado — Percebi logo que sua resposta se devia ao fato de saber que eu não pararia de encher se não me desse uma resposta convincente — Minha chefe é uma carrasca — Abriu a porta do motorista para mim e entrei.

— Apenas isso ou não quer me preocupar? Ficou a semana toda quieto e sem falar muita coisa — Sentou-se no banco do passageiro, colocou o sinto e passei a dirigir — Já enjoou de mim?

— Sabe que já? — Vi um sorriso irônico em seu rosto. Esticou a mão e tocou minha perna levemente — Como posso enjoar da única coisa boa de minha vida?

— Por um minuto eu quase acreditei — Sorri também, dirigindo — Para me aturar tem que ter uma paciência divina.

— Eu amo seu jeito. Não vou enjoar nunca de você — Percebi, com a visão periférica, que havia baixado à cabeça enquanto falava, talvez um tanto triste. Suspirei longamente, pois era nítido que algo realmente estava acontecendo.

— Sei que tem alguma coisa acontecendo, mas não vou insistir para que me conte. Se você acha que deve ser apenas seu assunto, quando estiver pronto compartilhe comigo — Dei de ombros na tentativa frustrada de ser compreensiva. No fundo estava gritando, mas me controlei.

— Obrigado pela compreensão — Voltou a tocar minha perna em um gesto carinhoso.


Molly me ligou cedo para perguntar se eu queria algo do comércio, pois estava indo as compras finais do aniversário de Melany naquela tarde.

Respondi que não, mas que iria auxiliá-la nas compras após sair da consulta com o médico. Não menti nesse aspecto. Ofereceu-se para me acompanhar, mas garanti que não existia a necessidade. Tão logo cheguei ao consultório do doutor Brawn, onde me deparei com praticamente o mesmo cenário de sete anos atrás, contando com algumas leves modificações.

Sentei-me no mesmo local que há anos... No canto, lendo algumas revistas. Olhei em volta e passei a pensar em Molly e em tudo o que me contou sobre sua vida. Foi ali que as coisas começaram a dar errado para ela e tudo desandou. Ao mesmo tempo, foi ali onde realmente entrei em sua vida.

— Alexander? — Lá estava o homem de sete anos antes. Talvez com os cabelos mais grisalhos e os olhos mais cansados, porém era o próprio Andrew Brawn. Fiquei de pé e apertei sua mão.

— Doutor Brawn... É um prazer revê-lo.

— Quase nem o reconheci, rapaz... Mudou bastante desde a ultima vez que nos vimos — Com certeza referia-se ao fato de estar usando roupas formais e adultas. Mudei totalmente o jeito de me portar após tantos anos.

— Tudo mudou.

— Vamos. Temos muita coisa a conversar... Siga-me até o consultório — O acompanhei até a sala ao lado e me acomodei em uma das cadeiras em frente a ele. Não me lembrei de situação mais importante em toda minha vida. Havia um significado então?

O doutor se acomodou a minha frente e se postou e maneira calma, apenas me encarando. Notei que seria eu quem deveria começar ao assunto, portanto segui.

— Muito obrigado por ter me recebido — Me sentia tão desnorteado, somente seguindo meu coração — O motivo pelo qual estou aqui... Nem tenho palavras para descrever! Apenas quero te mostrar uma coisa e perguntar se pode me oferecer alguma resposta sobre isso.

— Por certo Alexander. Mostre-me — Peguei meu celular no bolso e desbloqueei a tela, deixando o papel de parede visível. Sem ter como explicar, virei o aparelho em direção a ele e deixei perante seus olhos todos meus questionamentos em apenas uma imagem.

O rosto dele se distorceu em uma expressão desacreditada enquanto olhava a foto de mim, Molly e Melany juntos. Era uma foto de rostos próximos. Uma bela imagem, visando que as duas eram muito bonitas e sorriam maravilhosamente. Novamente, assim como eu, o doutor estava sem palavras. Olhou de mim para o celular e do celular para mim sem dizer nada, apenas surpreso.

— Entende agora o que quero dizer?

— Vocês se conhecem, é claro. Se você trabalha na Delux deve ter cruzado com a senhorita Bern. É a chefe de departamento de moda mais conhecida da cidade e atua lá — Apanhei o celular de volta e coloquei nas fotos enquanto ele falava. Mostrei novamente uma foto em que estávamos nos beijando.

— Molly é minha namorada, doutor — Expliquei notando a surpresa — E como minha namorada me contou sobre toda sua vida. Sei da história dela e juntando a vida de Molly com a minha cheguei até aqui para obter respostas.

— Então conhece a garotinha? — Sussurrou mais para si do que para mim.

— É claro que a conheço... Conheci Molly por causa dela. Comecei a trabalhar na Delux por causa de Melany. Me tornei namorado de Molly por Melany... Devo tudo a ela — Sorri emocionado, aguardo mais do que qualquer coisa a confirmação.

— E o que acha de tudo isso Alexander? — Cruzou os braços se recostando a cadeira e encarando-me desconfiado — Que respostas deseja exatamente?

— Apenas uma coisa... — Minha expressão deveria ser de puro sofrimento, dor e angustia..Ao mesmo tempo em que queria ouvir sim, queria também o não. Dividido entre todos os sentimentos possíveis, esperei — Molly é a garota daquela carta? A que foi inseminada de forma errônea com meu esperma?

— Sim, é ela — Respondeu rápido e sem rodeios.

— Tem certeza?

— Absoluta — Parecia muito seguro — Seu material era único e ninguém mais iria utiliza, somente à mulher que o adquiriu. A mulher em questão foi substituída, trocada, por uma jovem de dezoito anos que recebeu seu material e seguiu com a gravidez. Já te expliquei isso há sete anos, meu caro.

— Sim, mas...

— Molly recebeu ajuda financeira da clinica. Após nove meses deu a luz a uma menina saudável e perfeita, chamando-a de Melany — Prosseguiu — Atualmente, mãe e filha passam bem. A jovem se tornou uma das mulheres mais influentes da cidade, diretora de uma Empresa de moda muito famosa e única em seu ramo... Delux Modas — Me olhava calmamente — Será que nunca reparou semelhanças entre você e a garotinha, Alexander? São muito comuns nesses casos... Semelhanças de parentesco.

— Obviamente reparei, mas nunca cheguei a pensar que o destino poderia ter feito isso comigo — Esfreguei a nuca e apertei os olhos pela indignação.

— O destino faz coisas incríveis. Vejamos... A criança deveria ter seus olhos.

— Melany os tem... — Sussurrei.

— Eu sei. Fui eu quem planejou — Gabou-se — O que deduz?

— Que Melany... — Não consegui terminar a frase, deparando-me com a realidade em um impacto violento – Melany é minha filha.

— Sim. Melany é sua filha.


CAPÍTULO VINTE E DOIS

 

Sequer me importei com a chuva ou com o frio que a mesma me fazia sentir. Permaneci imóvel em frente à clínica de doutor Brawn sentado em um banco de madeira enquanto a água caia sobre minha face.

Os sentimentos que assolavam meu peito eram inexplicáveis, um misto que jamais cogitei sentir. Dor, perda e a tristeza de presenciar meus únicos amores indo. Um erro do passado me custou tudo. Chorei e não me envergonho disso, mas realmente não me recordo de um momento em toda a vida onde tenha chorado de tal maneira, tão sentida e pesarosa.

Não desejei ter um filho e tão pouco estava em meus planos, mas aconteceu. Não era minha responsabilidade arcar com aquela vida, mas um erro aconteceu e eu poderia ter ajudado. Não me custaria muito, mas o meu "não" significou a Molly uma vida de renúncias. Era impossível não me sentir um lixo por ter deixado minha filha - um pedaço meu - quando a mesma precisou de mim.

Atualmente minha presença seria insignificante e sem sentindo. Por tudo que conheço de Molly — poderosa e independente Molly Bern — não seria fácil ser perdoado e tão pouco aceito. Toda a situação não era apenas com ela, mas sim com a filha, seu bem mais precioso.

Nossa filha.

Melany seria protegida como um diamante raro se Molly não permitisse o meu contato com ela.

Meu destino e toda a felicidade que sinto por descobrir ser pai de uma menina incrível estão nas mãos da mulher que mais amo. Seu coração, no entanto, é profundamente e ferido e calejado. A razão esteve todo o tempo bem ao lado dela.

O barulho de meu celular tocando espalhou pelo som da chuva. Sai do meio da água e apanhei o aparelho dentro de minha jaqueta. Era Molly.

— Aonde você está, amor? Estamos te esperando para as compras! — Ao ouvir sua voz busquei controle interno.

— Acabei de sair do hospital minha linda... Vou em casa tomar um banho e te encontro lá. Pode ser? — Houve silêncio.

— Alexander... Está tudo bem?

— Claro que sim — Menti.

— Tem algo para me dizer? — Suspirei e afastei um pouco o telefone do ouvido.

— Sim... Mas não agora — Aflita, foi me cortando.

— É algo com sua saúde?

— Tudo bem Molly. Está tudo bem comigo — Sem conseguir raciocinar, decidi cortar logo o assunto — Não te farei esperar muito. Te amo demais.

— Alexander, eu também te amo muito. Pare de me assustar assim.

— Está tudo bem Molly.

— Certo... Então até mais. Beijo.

— Te amo — Desligou.

— Eu também.

Poderia ser a última vez na qual eu ouvia aquelas palavras.

[...]

Parecia impossível parar de pensar em minha filha.

Melany era minha filha também, algo que ninguém poderia questionar quando eu chamasse de meu. Talvez fosse a coisa mais real e maravilhosa que fiz em toda a existência medíocre que criei até agora. Apenas Melany valia o meu respirar no presente momento.

Passei em casa, me troquei e em minutos estava a caminho do shopping onde marquei com Molly. Minha maior vontade era de encontrá-las logo e poder finalmente abraçar Melany sabendo o que aquela garotinha incrível representava em minha vida. Assim que cheguei à loja onde marquei com Molly, deparei-me com uma cena absurdamente doce.

— Você vestida de Princesa e eu e Alexander de Rei e Rainha? Pelo amor de Deus, pensei que as fantasias fossem apenas para seus amiguinhos! — Molly olhava as roupas com certa indecisão.

— Mas mamãe! Se eu sou a Princesa, meus pais devem ser os Reis! Você a Rainha e Alexander o Rei! — Insistia com aquela carinha de sabe tudo.

Paradas em frente a uma prateleira de cabides e fantasias, ambas discutiam de maneira engraçada. Melany usava um casaco verde combinando com seus olhos e uma coroa nos cabelos castanhos e longos. O vestido que Molly segurava era uma fantasia de princesa pequena, cor de rosa e muito brilhante. Olhava para o vestido vermelho - fantasia de Rainha - pendurado a sua frente com cara de desgosto.

— Duvido que Alexander tope usar uma roupa de rei no seu aniversário — Comentou e desviou o olhar para a fantasia em questão, a de rei, pendurada ao lado da sua. Era verde clara e até bonita.

— Já eu aposto que ele usa! — Mel garantiu convicta — Ao contrário de você, mamãe, Alexander está feliz com a minha festinha! — Cruzou os bracinhos com o rostinho triste.

— Filha, eu estou radiante com a sua festinha! — Tocou o cabelo de Mel — Mas também preocupada com Alexander.

— Por quê? — Dei um passo a frente e as duas notaram minha presença. Era impossível parar de olhar para Melany — Oi Alexander! — Balançou a mão me chamando — Venha ver sua fantasia!

Nesse momento a luta interna se estabeleceu dentro de mim da forma mais intensa possível. Olhei de uma para outra em busca de uma solução, mas ao contemplar o sorriso enorme de Melany pensei se deveria realmente falar algo agora.

Pegar Molly desprevenida seria injusto e poderia comprometer todo o aniversário de Melany. Pelo fato do mesmo acontecer na casa de minha mãe, Molly poderia cancelar tudo pela confusão que se estabeleceria e com razão. Se nunca fiz algo de bom por minha filha estava na hora de começar! Por mais que quisesse gritar para as duas o que havia acabado de tomar conhecimento, me contive e apenas caminhei até elas suavizando a expressão.

Assim que me aproximei beijei Molly rapidamente e toquei seu rosto sorrindo e dizendo que estava tudo bem. Ela me abraçou de lado enquanto observávamos Melany saltitando sob a cabide de minha fantasia.

— Olha o que a sua enteada quer fazer com você! — Molly apontou para a fantasia — Imagine só... Nós dois fantasiados!

— Alexander, vai ser tão legal! — Mel praticamente implorou com os olhinhos cheios de lágrimas — O que você acha? Você e mamãe vestidos de rei e rainha e eu de princesa!

— Mas é claro que topo! — Puxei Mel para perto, me abaixei e beijei seu cabelo cheiroso — Vai ser incrível! Eu estava inconformado em ter que ficar sem fantasia em sua festa de fantasia.

— Isso é sério? — Molly questionou enquanto Mel comemorava agarrada em minhas pernas —Você vai mesmo se vestir de rei no aniversário dela?

— E porque não? É uma festa infantil, Molly – Mel esticou os braços e a peguei em meu colo enquanto ainda me agradecia me enchendo de beijos no rosto.

Um ato tão bobo poderia causar tamanha felicidade a uma criança? Elas eram tão fáceis de conquistar!

Me peguei pensando em como seria se houvesse dito "sim" a carta de Molly no passado e houvesse aceitado cuidar de Melany ao lado dela. Tudo seria diferente e não ruim como arquitetei em mente. A paternidade antes, ao meu ver, era um pesadelo.

— Vai ser muito legal! As minhas amigas sempre fazem esse tipo de coisa, mas eu nunca pude porque não tenho pai — Comentou dando de ombros e despreocupada — Mas agora tenho Alexander! Somente falta a mamãe concordar — Cantarolou sorrindo.

— Meu Deus... — Molly riu também.

— Nem precisa perguntar, Mel — Simulei uma dança com Melany em meu colo. Ela ria e acompanhava meu ritmo — Para quem já tem o titulo de rainha, a fantasia é mero detalhe.

Pisquei para a garotinha e me virei em direção ao rosto de Molly. Ela fechou os olhos e começou a rir, talvez tocada pelo que falei. Cobriu o rosto com o vestido de Melany que segurava e logo após assentiu positivamente.

— Está bem, me visto de Rainha... Pronto! — Se aproximou abraçando nós dois — Mas se as fotos aparecerem em alguma revista de fofoca comprometedora eu mando os dois de castigo, entenderam?


Naquela noite de chuva forte Alexander ficou para dormir em minha casa, uma vez que tive medo que dirigisse de madrugada em meio a tempestade.

Assistimos a um filme de desenho com Melany, fizemos biscoitos e chocolate quente. Ao final de tudo, ambos dormiam no sofá. Melany deitada sobre o peito de Alexander e ele abraçando-a ternamente como se a protegesse. A cena era tão linda, mas ele logo acordou e sorriu para mim um tanto constrangido.

— Nossa filha é tão linda — A maneira como falou "nossa filha" me assustou. Soou tão cheio de verdade que chegou a me arrepiar durante um tempo. Alexander acariciava o cabelo dela gentilmente e no momento seguinte Mel se agarrou mais a ele.

— Seria bom demais se realmente fosse nossa filha — Dei de ombros e notei como seus olhos me encararam estranhos e quase chorosos. O encarei sem receios, buscando entender sua expressão enigmática. Não compreendi porque parecia triste.

— Quer que eu a leve para o quarto? — Ofereceu-se já se movimento um pouco para longe dela, se afastando delicadamente. O sono de Mel era pesado, tanto que nem notou o afastamento dele.

— Por favor — Me afastei para lhe dar espaço e em seguida a carregou para cima.

Esperei que voltasse sentada no sofá e apenas o som da tempestade ecoavam pela sala completamente escura. Notei que voltou pela luz que se fez de um relâmpago e vi sua figura se aproximando delicadamente, sentando-se ao meu lado no sofá vazio. Seus lábios subiram diretamente para o meu rosto e suas mãos ternas circularam-me o corpo com calma. Fechei os olhos e aproveitei seu carinho. Meu coração dizia que havia algo errado, seus beijos soavam dolorosas e tristes como uma despedida.

Assim que pensei nessa possibilidade logo imaginei que houvesse cansado de mim. O abracei muito mais forte, prensando nossos corpos um contra o outro. Subi as mãos dentro de sua camisa roçando sua pele nas pontas dos dedos. Ele queimava em calor tanto quanto eu, talvez me desejasse como eu o desejava. Tive vontade de chorar subitamente, mas me contive porque sabia que me chamaria de boba. Nada estava errado, afinal, não passava de uma impressão absurda.

— No que está pensando? — Murmurou com a voz sedutora e triste ao mesmo tempo.

— Que quero fazer coisas erradas com você — Sussurrei de volta quase dentro de seu ouvido, mordendo brevemente sua orelha. Senti sua pele se arrepiando contra meus dedos e os pelos de sua nuca ao mesmo tempo — Será que deseja o mesmo?

— Muito! — Garantiu tocando por dentro de minha blusa também, acariciando minha cintura e correndo os lábios em meu pescoço de forma irresistível — Sempre te quero e sempre estarei pronto para você.

— Em todos os sentidos? — O empurrei um pouco contra o sofá e fiquei por cima de seu corpo com uma perna de cada lado de seu quadril. Segurei suas mãos brevemente enquanto nos beijamos intensamente, um ritmo quase proibido. Em seguida levei às mãos a barra da camisa que vestia e a puxei sobre sua cabeça, atirando-a por algum canto da sala.

— Em absolutamente todos...

A urgência que tínhamos um do outro era tamanha que não tive tempo de me despir por completo. Alexander afastou meu short e o ajudei a se acomodar em meu corpo. Inicialmente tudo foi intenso, caloroso, como se o tempo que nos restava fosse curto. O que sentia quando estava assim com ele era inigualável, chegava a doer em meu coração à forma como demonstrava que me amava a cada segundo. Beijava meu rosto, pescoço, lábios... Delicadamente, ternamente... Docemente. Apaixonado.

Não falamos nada durante toda a noite, apenas fomos para o meu quarto em seguida e passamos quase todo o tempo fazendo amor ao passo em que a chuva caia. Na última vez, cansada e ofegante, observei em seus olhos como parecia se recusar a sair de perto de mim, de dentro de mim. Não desviava o olhar de meu rosto um só momento, como se tocasse minha alma e enxergasse todos meus pensamentos. Abracei seu corpo no meu, rodeei-o com as pernas e o pressionei tão fundo em mim, falando silenciosamente que jamais queria me afastar, que queria fundi-lo ao meu corpo, a minha alma e a meu coração.

Nós dois éramos compatíveis em todos os níveis, porém existia uma razão para toda essa compatibilidade existir...

Estava prestes a ser relevada.


Por alguns minutos pensei que pudesse esquecer tudo e apenas sentir.

Passamos grande parte da noite fazendo amor e mesmo com o corpo tomado por sensações arrebatadoras não consegui tirar da mente toda a história que nos envolvia. Vendo seus olhos fechados, as mãos espalmadas em meus ombros, sentindo as pontas de seu cabelo escuro e longo roçaram meu peito suado enquanto se movimentava sobre meu quadril... Não pude parar de pensar em que aquela mulher que tanto amo e admiro é a mãe de minha filha. Havia grande parte de culpa minha em meio a seu sofrimento.

Segurei-a pelo quadril e inverti nossas posições, colocando-a sobre o colchão docemente e retomando o controle.

— Olhe para mim — Pedi em uma voz que não parecia ser minha, carregada de rigidez e possessão. Em seguida a vi abrir os olhos lentamente, quase sonolenta, arrebatada por um prazer que jamais contemplei no rosto de outra antes. Apenas assim, olhando em seus olhos, pude me despedir da forma correta, tendo plena consciência que um momento como este entre nós poderia demorar ou nunca mais acontecer novamente.

Pelo que pensei ser a última vez, senti a mulher que amo estremecer em meus braços e gemer perdida em prazer o meu nome. Admirei-a mantendo meu ritmo. Perdi-me em seu corpo acolhedor e em seus olhos apaixonados. Afundei em pensamentos meramente ilusórios onde eu, Melany e Molly éramos uma família feliz e completa. Até apagar também, caindo aos poucos na realidade.

[...]

Ao meu lado, Molly cantarolava uma música qualquer com os olhos fixos no teto. Estava nua, as mãos pousadas delicadamente sobre a barriga e o cabelo escuro espalhado no travesseiro. Era impossível parar de olhá-la, de contemplar a forma como sorria feliz e completa. Levemente levou uma das mãos até a minha e entrelaçou nossos dedos.

— Cada vez me surpreendo mais com sua capacidade de me satisfazer — Sorri tocando sua mão pequena com a minha que parecia ser muito maior — Penso que vou perder a cabeça com tudo o que fazemos — Corou e sorriu brevemente.

— Você fica linda perdendo a cabeça — Murmurei olhando também para o teto — Não consigo desviar a atenção.

— Esse negócio de falar de sexo após o sexo é estranho. Vamos acabar fazendo de novo — Achei que era a deixa perfeita para tocar no assunto que queria.

— Vamos falar do pai biológico de Melany. O que sente por ele? — Fui direto, curto e grosso. Não temi a reação, uma vez que dali a horas Molly saberia toda a verdade. Assim que a festinha de Mel acabasse eu contaria tudo a elas.

— Como assim, eu... ? — Meio confusa, procurou as palavras — Não o conheci. Não sinto nada — Deu de ombros brevemente — Porque quer falar disso?

— Tudo bem que não o conheceu, mas como pode não sentir nada? A figura dele deve te despertar algo, certo? — Insisti — Nunca pensou nele?

— Claro que pensei, infelizmente — Aquilo derrotou tudo ou qualquer esperança de que fosse me perdoar — Já pensei muito mais, porém depois que te conheci praticamente esqueci sua existência — Garantiu com um sorrisinho bobo —Não tenho ódio por ele... Muito menos amor.

— Então tem o que?

— Indiferença. Frustração. Desilusão. Decepção — Cada palavra pontuada soava como uma facada em meu coração. Profunda e dolorosa — Não mágoa ou algo assim, mas me sinto mal. Talvez seja porque tudo foi com ela. Recusar-me tudo bem, mas a ela... Não posso tolerar. Nunca pude... Mesmo que esteja no direito dele — O silêncio foi quase intolerável — Por que quer saber disso?

Sem resposta a puxei para mais perto e beijei seu cabelo levemente.

— Amanhã será um longo dia. Espero que Melany aproveite.

— Ela vai aproveitar. Me sinto feliz por você estar aqui. Agora Mel tem uma referência masculina e isso me fez feliz.

— Também estou feliz por nós.

Não demorou muito até que pegasse no sono. Fiquei lá a noite toda aproveitando a sensação de ter minha mulher tão próxima, tão minha, nem que fosse pela ultima vez.


Fitas, balões, enfeites e confetes.

Com a ajuda de minha sogra, minhas cunhadas, Ethan, Alexander e da própria Melany conseguimos dar conta de toda a decoração, deixando a alimentação por parte do buffet que contratamos para servir. Ficou exatamente do jeito que ela queria.

Alexander parecia um verdadeiro Rei com sua roupa de aspecto medieval verde escura com alguns enfeites. A boina vermelha que usou ficou linda, mas a retirou enquanto dançava com Melany, que o exibia para todas as amigas como seu papai. Não falei nada sobre isso, uma vez que todas as mães de amiguinhas que apareciam diziam algo em relação aos dois.

"Prazer em conhecer seu pai, Mel. Você se parece muito com ele".

"Nossa, ele é seu pai? Como é bonito! Ele e sua mãe ainda são casados? Ele é solteiro?"

Outras me envaideciam.

"Oh querida, meus parabéns pela família! Mel e seu marido são lindos... Vocês três são lindos".

Algumas me assustavam!

"Não pensam em mais bebês? Um casal tão jovem e bonito com certeza deve trazer mais crianças lindas ao mundo".

Minha filha parecia realmente uma princesa. Estava linda com um vestido rosa e brilhante, a coroa delicada que usava sobre o cabelo longo e escuro. Não me lembrei de ter visto jamais aqueles olhos verdes brilhando de maneira tão intensa como hoje. Brincando com o primo e os amigos, aparentava estar no momento mais feliz de sua vida. Aquilo me enchia de alegria, principalmente por saber que era diretamente relacionado a Alexander.

Em dado momento me senti enjoada. Foi exatamente no instante em que meus pais entraram pela porta. Duvidei que viessem, mas o fizeram. Discretos, cumprimentaram a todos da família de Alexander, limitando-se a eles e a Melany, quem monopolizaram por alguns minutos longos com os presentes caros que trouxeram da Europa. Meu pai estava muito feliz conversando com a neta enquanto minha mãe se aproximou de mim um tanto confusa, olhando de Alexander para Mel.

— Ele é o seu namorado querida? — Como não lhe especifiquei sobre meu namorado, apontou Alexander parado ao lado de Mel e meu pai. Assim que o viu, Mel o chamou para ver a boneca da França que acabou de ganhar.

— Sim mamãe. Ele é — Cruzei os braços e notei seu olhar critico para o modo como brincava com Mel, mantendo-a acerca de si a todo o momento.

— É impressão minha ou...

— Não mãe, não é impressão! Ele e Melany se parecem demais fisicamente — Assenti e finalizei antes que dissesse algo.

— Assustador — Sussurrou — É muito bonito e educado querida. Parece tratar Melany super bem. Meus parabéns.

— Obrigado mamãe — Sorri de canto e orgulhosa. Há anos ela não me elogiava em alguma coisa.

Antes de se tornarem incômodos meus pais foram embora. Alice e Pierre vieram também, sendo ambos os únicos que convidei da Delux. Melany os convidou. Descobriram, finalmente, que Alexander e eu estávamos namorando ao presenciarem um selinho rápido entre nós, algo que já nem era tanta novidade assim.

Rápido o parabéns aconteceu e foi meio indolor. Tiramos fotos e Melany parecia querer sair no álbum com todos da festa, principalmente eu e Alexander. A foto que tiramos juntos ficou incrível e quando reparei que finalmente não estava sozinha com ela atrás do bolo senti uma imensa sensação de alivio. Pelo que parecia a solidão tinha chegado ao final mesmo para nós duas.

Enquanto Mel conversava com algumas amigas comendo o bolo, Alexander se aproximou e me fechou em sua presença na sala vazia.

— O que foi minha linda? Está cansada? — Sentou-se ao meu lado no sofá e tocou minha mão delicadamente.

— Meio enjoada.

— Comeu algo que não caiu bem? — Torceu os lábios e tocou meu rosto brevemente — Você está com temperatura normal...

— Comi apenas o bolo, mas a sensação já vem de algum tempo. Deve ter sido por conta da festinha — Sorri de lado, tocando sua mão em meu rosto — Não se preocupe.

— Quer um remédio? — Ameaçou se levantar, mas segurei seu pulso.

— Não. Sua mãe já me deu tudo! Remédio para dor de estomago e chá. Sabe... Nunca ninguém se preocupou tanto comigo como vocês aqui. Isso é tão bom... — Era a mais pura verdade. Durante toda minha vida meus pais foram presentes, mas sempre rígidos e de certa maneira distantes de minha realidade. Após a gravidez ficou pior — Nunca me senti tão em casa como me sinto com você e sua família.

— Todos sabem que eu te amo — Argumentou de forma singela e doce — Sabem que, por outro lado, você é maravilhosa. Não tem porque não te tratar como uma rainha.

— Que bom que está aqui. Não ia querer estragar tudo com meu enjoo.

— Molly Bern enjoada? Onde está a novidade? — Nós rimos — Você está tão linda hoje...

— Você também meu rei — Beijei seu rosto e toquei seu queixo brevemente — Parece um bonequinho de bolo.

— Você está me zoando? — Perguntou quando comecei a gargalhar.

— Posso confessar que estou fantasiando com nós dois e essas roupas de nobreza? — Mordi os lábios e Alexander olhou em volta um pouco alerta.

— Posso confessar que pensei o mesmo durante toda a festa?

— Alexander... Esse celular é seu? — Mel apareceu e estendeu um aparelho cinza e que piscava em direção a ele. Alexander rapidamente apalpou os bolsos e sorriu.

— É meu sim — Mel colocou o aparelho na mão dele — Nem percebi que sumiu Mel, obrigado — A puxou e lhe deu um beijo rápido na mão. A pequena sorriu e se aproximou de mim.

— Suas amigas ainda estão ai? — Toquei seu cabelo enquanto Alexander mexia no celular ao meu lado.

— Já estão indo embora — Deu de ombros — Você está legal mamãe?

— Um pouco enjoada filha, mas é só — Com a visão periférica notei que Alexander estava um tanto preocupado com o que havia no celular. Aquilo me instigou a curiosidade, mas algo me dizia para não perguntar nada.

— Volto em um minuto — Ele anunciou ficando de pé e passando por nós um pouco preocupado. Mel e eu olhamos a cena juntas, acompanhando seus passos de perto. Alexander levou o celular ao ouvido antes mesmo de entrar na cozinha e o que disse ao atendê-lo parou minha vida durante alguns segundos — Doutor Brawn?

Aquelas palavras gelaram meu sangue, pausaram meu coração e travaram o relógio. Tudo o que pude fazer foi segui-lo sem que notasse e puxar Mel comigo pela mãozinha. Parei perto da cozinha com ela e de onde estava pude ouvir cada detalhe da conversa que mudou totalmente o rumo perfeito de minha vida até então sem falhas.


— Que surpresa. Doutor Andrew Brawn ligando para mim. Pensei que fosse apenas eu quem corresse atrás do senhor — Não me preocupei em olhar em volta, apenas segui falando e ouvindo os sons longínquos da festa acabado.

— Sim Alexander. Hoje é aniversário da menininha, não é? Da sua filha... — Engoli a respiração brevemente.

— Sim, é aniversário de minha filha. Sete anos — Comentei normalmente, apoiando-me no balcão da cozinha — Por quê? Não vai me dizer que ligou para dar os parabéns a ela? Ainda se lembra da data?

— Como poderia esquecer? Fui eu quem fez Melany vir ao mundo! Ela nasceu de cesariana por minhas mãos. Mas não foi para isso que liguei. Apenas me passou pela cabeça se você já contou a elas...

— Não, ainda não contei. Esperei um pouco, pois hoje é aniversário de Mel e o que menos quero é fazer mais danos na vida dela — Manteve-se calado — Não faz nem dois dias que conversamos, doutor. Porque toda essa pressa?

— Apenas curiosidade. Quando tiver a oportunidade traga a menina aqui para eu revê-la... — Pareceu bem natural o modo como falou.

— Acho difícil ter oportunidades — Murmurei em tom melancólico — Não te disse nada, mas Molly não aceitará tão fácil o fato de eu ser o pai biológico da filha dela. É algo que exige muito cuidado, doutor. As coisas vão ser difíceis e isso me dói demais.

— Posso imaginar — Não ouvi o que o doutor terminava de dizer, uma vez que a voz de Mel ecoou por toda a cozinha me surpreendendo.

— O que mamãe? Isso é verdade? O Alexander é meu pai de verdade?

Ao olhar para trás deixei o celular cair. Molly estava parada na porta segurando Mel pela mão... Os olhos da pequena eram confusos, já os de Molly me assustaram. Horror. Dor. Susto. Confusão. Nojo. Medo. Lágrimas.

Tive a certeza de que elas tinham me ouvido.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


Eu sou Molly Bern. Tenho vinte e cinco anos. Sou diretora de moda de uma das maiores grifes do país e apesar de ter enfrentado muitos leões na vida, jamais senti meu chão faltar como naquele instante.

O homem que descobri amar e rompeu as barreiras de meu duro coração era um impostor. Uma mentira!

Não fui capaz de proferir sequer uma palavra. Apertei mão de Melany na minha e a trouxe para mais perto, quase a abraçando. Meus olhos eram incapazes de abandonar os de Alexander, que ao notar nossa presença, baixou o celular e deixou que caísse ao chão. O barulho estrondoso me despertou para a realidade.

Alexander falava com doutor Andrew Brawn.

Falava sobre Melany.

Chamava minha menina de filha.

Disse em palavras claras que hoje era o aniversário dela e por isso não deu a noticia ainda.

A notícia de que era o pai biológico dela.

Mesmo surpreendida e dilacerada por dentro, a sensação que mais se sobressaia era o enjoo que sentia e o mal estar que vinha de meu estômago. Como não suspeitei antes? Como pude ser tão tola a ponto de não reparar em como ambos eram parecidos fisicamente? Estava ali, bem de baixo de meus olhos e fiz questão de ignorar! Me senti culpada e engana. Impossível expressar com palavras. A mudança comportamental de Alexander após ter ouvido minha história de vida foi nítida. Foi certamente lá onde tudo começou! Ao me ouvir narrar sobre as condições de minha gravidez converteu-se em outro homem.

Tudo sempre esteve claro e as cartas na mesa. Fui muito tola por ter acredito.

— É verdade mamãe? Alexander é mesmo meu pai? — Larguei a mão dela brevemente e levei até minha barriga, que doía com o enjoo.

— Sim — Sequer percebi, mas meus olhos estavam cheios de lágrimas e as forças faltando. Olhei em direção a ela, depois a ele... Ambos me encaravam esperançosos — É o que parece. Não é a verdade? — Lancei a pergunta a Alexander, vendo-o dar de ombros e assentir com a postura recolhida — Foi por isso que chegou as nossas vidas, não é? Você é o pai dela?

— Sim, é a verdade — Completou com a mandíbula travada e contendo as lágrimas. Não conseguia me olhar nos olhos — Mas não foi por isso, Molly. Eu posso explicar tudo... — Fiz um sinal para que se calasse em respeito a Melany e ele cedeu, coçando a nuca enquanto pensava.

— Não acredito em vocês! Porque só me contaram agora? — Melany parecia confusa.

— Acabamos de descobrir — Foi parte da explicação, pude notar, mas não acreditei, tão pouco! Ameaçou vir em minha direção, mas recuei um passo para trás — Será que pode nos perdoar por isso?

— Mas é sério mesmo? — Melany não escondia a felicidade ao passo em que tudo ao redor se convertia em um vazio para mim. Para ela, uma garotinha de apenas sete anos, as coisas eram tão fáceis! Para Melany, que não sabia de nada do mundo e estava no auge de sua inocência, perdoar era tão simples e tranquilo! ada parecia ser melhor do que a felicidade de ter, finalmente, um pai. A pequena não hesitou em correr para o colo de Alexander e abraçá-lo com força, emocionada também — Você é meu pai Alexander! Meu pai! Sabia que esse é o melhor presente de aniversário do mundo?

Foi tão fácil para Melany acreditar!

Minha cabeça parecia explodir e o nome do doutor Andrew ecoava em minha mente. Engoli o choro por todo o tempo, mas ao notar que não conseguiria, deixei os dois abraçados e sai dali com o rosto úmido e o coração partido. Cheguei até a varanda da parte de trás e me sentei na cadeira de balanço. Era impossível conter as emoções e não sangrar pelo coração.

Como assemelhar meu Alexander — doce, terno e maravilhoso — com um homem insensível e mesquinho? O doador de Melany sempre foi o meu pior tipo de homem por ter recusado a própria filha. Após um longo momento senti a mão de alguém tocando meu ombro. Assim que olho para trás vejo Addie de maneira borrada e distorcida.

— Você está bem querida? — Abaixou-se a minha frente preocupada, tocando minha testa — Não, não está.

— Não posso acreditar... — Sussurrei sem ouvir minha própria voz — Não posso acreditar!

— Em quê, querida? — Tocou meu rosto — Você está muito fria! — Ficou de pé e chamou Alexander.

— Não! Não o chame! — Foi o que consegui dizer antes de tentar me erguer e sentir tudo girar.

— Sua pressão deve ter caído — Comentou me empurrando de volta a cadeira delicadamente — Fiquei parada para não desmaiar!

Sua profecia se concretizou e não senti mais nada.

[...]

Horas depois, assim que abri os olhos, me deparei com o quarto de Alexander na casa de sua mãe devidamente arrumado. Pelo que percebi ainda era noite e estava tudo quieto, sem sequer um ruído. Não havia ninguém ali comigo e tentei me sentar.

— É melhor não fazer isso! — Mais uma vez estava enganada. Alexander estava sentado no escuro perto da prateleira de livros. Enxerguei seu rosto em uma luz fraca quando acendeu a luminária delicadamente.

— Onde está Melany? — Foi tudo o que consegui dizer. Notei que meu rosto ainda estava úmido por lágrimas e o enjoo persistia, mas agora de maneira mais fraca.

— Dormindo com Ethan e minha mãe — Respondeu sem expressão e evitando me encarar — Achei que não iria acordar tão cedo, então deixei que dormisse. Ela parecia cansada.

— Você não tem direito de tomar decisões sobre a vida dela!

— Não foi assim Molly, pelo amor de Deus!— Ergueu-se e fiz sinal para se afastar, não querendo sua presença ao meu redor. Parou em pé aos pés da cama e suspirou, esfregando as mãos na testa — Sei o que deve estar pensando sobre mim, mas juro que não tinha ideia de nada quando cheguei a sua vida!

— Você realmente não sabe o que estou pensando! — Murmurei tapando o rosto com as mãos ao mesmo momento — Não quero ouvir nada! Não estou bem! — Implorei — Nada do que disser poderá mudar o que houve, nada poderá mudar o passado!

— Não quero mudar o passado, até porque não está em minhas mãos, mas sim o futuro! — Ajoelhou-se um tanto desolado e inseguro — Entendo perfeitamente e você tem toda a razão em me condenar, mas não posso tolerar que por um segundo sequer pense que nós... Que nossa história... Não foi por isso! Descobri há dois dias e somente percebi quando me contou sobre você. Não pode duvidar nunca de que te amo e a nossa filha também!

— Não use essa palavra! — Encarei o teto imóvel e sem qualquer reação — Não fale isso!

— Mas ela é nossa filha! Mesmo que não queria aceitar... Sou o pai dela.

— Não falei disso — Repreendi apertando os olhos e sentindo mais lágrimas virem — Me referi ao futuro. Não existe mais futuro para nós.

— Sei que você me ama e sei que vamos superar. Por ela.

— Se fosse você não teria tanta certeza! — Me sentei na cama e calcei os sapatos — Vou embora. Onde está minha filha? — Procurei minha bolsa por todos os lados do cômodo, mas nada. Alexander segurou meu pulso.

— Já passa de duas da manhã. Não posso permitir que saia dessa casa a essa hora passando mal e com nossa filha no carro. Não mesmo! — Retirei a mão de seu aperto e me afastei.

— Agora a desculpa da vez é essa? — Massageei o local em que apertou — Nossa filha? Preciso repetir que até meia-hora atrás você não era nada para ela, além do padrasto? Melany não precisa de um pai como o que a rejeitou um dia!

— Molly... — Me virei de costas para ele e senti a Molly de antes retornando. A dura. A cruel. A que podia ser pior do que uma cobra quando queria.

— Nada mudou. Aliás, tudo mudou entre nós e você voltou a ser nada para ela! — Senti sua mão em meu ombro.

— Molly, olhe para mim... — Pediu delicadamente, mas não me virei. Mantive a postura rígida e firme ainda de costas a ele — Então é assim? Acabou?

— Nunca deveria ter começado. Você sempre foi um mentiroso... — As lágrimas ainda corriam por meu rosto. Nunca doeu tanto ser dura, nunca foi tão horrível. A situação era irreal demais para ser encarada com sentimentos genuínos e leveza. A fera dentro de mim saltou com intensidade e não fui capaz de controla-la.

— Eu te amo e não sei viver sem você, Molly. Você se tornou tudo!

Não me virei porque sabia que ele estava chorando e existia a chance de ceder. Cobri o rosto com as mãos e suspirei quando aproximou o corpo do meu e tocou minhas costas. Sua respiração roçava meu pescoço e tudo me parecia tão sensível... Como eu o amava!

— Você também me ama... Vai dizer que é como se nada tivesse acontecido entre nós? Nossos momentos juntos não foram apenas imaginação! — Nada respondi — Me olhe nos olhos e diga que tudo não passou de nada, Molly Bern!

— Não há nada para dizer. Não me ponha nessa posição. Não sei o que pensar agora — Encarei-o com firmeza.

— Por favor, não fale comigo como se não se importasse! Não traga a Molly de antes à tona novamente por que dói demais pensar que você possa me odiar.

— Jamais vou te odiar Alexander — Segurei seu rosto e me aproximei para beijá-lo.

Melany apareceu.

— Mãe? Pai? — Soou tão estranho vê-la dizer isso que quase questionei. Separamos e a vimos sonolenta na porta do quarto.


Tentamos fazer com que tudo parecesse bem na frente de Melany, de modo a não preocupá-la com todos os problemas que nos rodeavam agora.

Molly estava sendo maravilhosa em não dizer nada a ela sobre como as coisas realmente aconteceram, por isso não tive coragem de contradizê-la ao pedir para ficar sozinha com nossa filha. Deixei que as duas dormissem naquele quarto que antigamente foi meu e sai dali sem delongas.

Na porta, ouvi uma conversa das duas sobre mim.

— Você não pode ficar triste, mamãe. Alexander é meu papai e somos uma família completa agora. O que mais falta? — Sua voz era inocente.

— Melany, as coisas não são assim tão fáceis.

— Mas é o que sempre quis! Você diz que o que me faz feliz te faz também, não é? — Insistiu agora mais persistente.

— Sim, mas...

— O meu pai te faz mal?

— Não. O seu pai é um homem maravilhoso — Aquilo fez parar meu coração.

— Então porque você o odeia agora? — Choramingou. Naquele momento desejei poder vê-las diretamente e não apenas ouvir atrás da porta.

— Nunca disse que o odeio — Repreendeu — Ainda amo Alexander e isso nunca vai mudar, independente de tudo o que aconteça. Jamais negarei isso a mim mesma — Após ouvir tais palavras os sentimentos se normalizaram. Molly era mulher o suficiente para assumir tudo o que sentia e isso me agradava demais e apenas fazia admirá-la com mais intensidade.

— Qual é o problema? Juro que não entendo porque não estão se beijando e nós três juntos como antes. Porque estamos na casa da vovó? Porque não na casa dele ou na sua comendo pizza? — Sorri de canto. Aquela menininha com rosto de anjo e pensamentos muito lógicos tinha que ter alguma ligação comigo. Era impossível ser tão irritante quando queria, tão persuasiva.

— Melany, não me faça explicar algo sem explicação. Não tem a ver com você, mas comigo e com seu pai. É sobre nosso namoro... Não vai muito bem — A voz soava firme e autoritária, impondo-se e funcionou. Mel abaixou a guarda — Talvez não voltemos a namorar.

— Por quê?

— Coisa de adultos.

— Sempre isso! — Ironizou.

— Chega! — Molly suspirou derrotada — Tudo o que te basta saber é que sou sua mãe e Alexander seu pai. Deve saber que te amo incondicionalmente e nunca duvide disso! Nunca duvide que podemos dar a vida pela sua e, mesmo que seja apenas por você, estaremos juntos e ao seu lado.

— Ele vai ser meu pai de verdade? Vai me levar para passear, comprar bonecas, passarei os finais de semana na casa dele e serei sua princesinha?

— Esse é seu conceito de pai?

— Faço o que posso. Nunca tive um pai. Alexander é o primeiro.

— E o único.

— Eu o amo mais do que todos.

— O ama porque ele é seu pai, querida.

— Eu sei... Vocês vão casar mamãe? Me dar uma irmãzinha?

— Vamos dormir agora, que tal?

Suspirei quando tudo ficou em silencio. Encostei-me a porta e tudo o que pude fazer foi esperar que o pesadelo terminasse.


— Porque não vou para a escola hoje?

Observei o rosto de Mel confuso enquanto Amber, sua babá, arrumava as roupas em uma mala grande e lilás. Havíamos saído da casa de Addie ao amanhece sem ao menos tomar café e ido direto para casa na intenção de pegarmos apenas as malas. Mel não entendia a mudança, já que a segunda-feira era dia de colégio.

— Vamos viajar — Esclareci discando o número do presidente da Delux em meu celular. Cameron Delux, um senhor muito ocupado, parecia não estar com tempo para mim agora.

— Mas hoje? Tem escola! — Insistiu mexendo no cabelo que estava preso para trás, no alto de sua cabeça. Usava casaco vermelho, botas e cachecol.

— Não é a primeira vez que saio do país com você em perídio letivo. Eles sabem que sou ocupada e irão entender — Dei as costas a ela, que veio me seguindo pelo corredor como um cachorrinho enquanto eu fuçava no celular.

— O papai vai também? — Neguei com um aceno, roendo as unhas ao mesmo tempo em que esperava a ligação ser atendida. A secretária atendeu, mas Mel continuou falando. Assim que ouviu meu nome a moça do outro lado fez questão de chamar o senhor Cameron pessoalmente — Mãe?

— Não Melany, seu pai não vai! — Respondi ríspida e sem paciência — Dá para terminar de se arrumar?

— Porque ele não vai? — Choramingou.

— Por que... Não. Alguém tem que cuidar da Delux.

Não era tão fácil dizer que iríamos para fugir dele por uns dias. A realidade me atingia de maneira muito rápida. Minha necessidade era sumir e mudar a mente, talvez colocar as ideias em ordem. Apenas eu e Melany. Talvez fosse o que precisasse. Aqui, ao lado de Alexander, nada daria certo e as decisões seriam precipitadas. Eu precisava de um tempo.

— Cameron? Que prazer falar com você, querido. Quanto tempo!

Apesar de ser a diretora, sempre se tem alguém para quem dar satisfações e o presidente da Delux era essa pessoa em meu caso. Amigos de longa data, tudo me dizia que seria fácil com Cameron.

— Claro que pode passar alguns dias fora. Até algumas semanas! O tempo que for preciso para minha maravilhosa e absoluta recuperar as energias! — Parecia feliz com a noticia — Para onde pretende ir?

— Levarei Melany para conhecer a França. Ela sempre quis.

— Estive lá há alguns dias. Melany deve estar uma mocinha, certo? Não faz muito tempo que a vejo, mas crianças crescem. Como vai a perna dela? Fiquei sabendo que a quebrou! — Suas palavras me regrediram no tempo. Melany quebrando a perna me lembrava de Alexander. Me lembrava o inicio de tudo.

— Já melhorou há muito tempo, obrigado!

— Minha querida devo parabeniza-la! Apenas tenho ouvido elogios a seu respeito! Parece que sua reputação de diabólica acabou, rainha — Algo que também me chocou foi seu comentário, por certo. Não era comum Cameron citar minha reputação e quando o fazia sempre me incentivava a ser mais delicada com os funcionários. Deveria mesmo estar feliz.

— Faço o que posso... — Sem querer estender o assunto, fui direto ao ponto — Então vou tirar no máximo duas semanas, Cameron. Em breve estarei de volta.

— Fique o tempo que precisar! Tenho meses de férias suas atrasadas e a temporada é meio baixa. Tudo sob controle! Porém... — O tom não era muito animador.

— O que?

— Precisa me indicar alguém de sua confiança para ficar no comando, rainha. Não posso deixar a Delux sem um responsável — Suspirei e gemi colocando a outra mão na testa — Preciso de um nome, mas não se preocupe! Você é a favorita... Ninguém nunca ocupará seu lugar, Molly Bern.

Fora meu secretário, não havia ninguém apto a ocupar meu cargo na Delux. Ninguém que conhecesse tanto meu estilo, meus princípios e merecesse. Não hesitei em responder imediatamente a questão.

— Alexander Alcady.

— Por acaso já o conheço por nome — Deu uma risadinha leve — Mas se confia nele, rainha, confio em você.

— Confio totalmente nele — Pigarreei e mesmo estando longe, corei — Ele é o pai de Melany.

— Perdão? — A maneira como foi surpreendido quase me fez rir — Eu ouvi direito?

— Sim Cameron. O meu secretário é o pai de Melany... — Levei algum tempo para explicar a ele sobre como descobri tudo – Espero que entenda que nossa vida pessoal não tem nada a ver com a Delux.

— Eu realmente espero que se acertem. Pode ficar tranquila, Molly, estamos entendidos.

— Obrigado por tudo, Cameron.


— Ligação para você! — Assim que sai do elevador carregando minha pasta e meu terno, Alice me chamou com as mãos um tanto nervosa e segurando o telefone — Corre homem!

— Quem é? — Primeiramente pensei ser Molly. Não sei por que, mas lembrei dela assim que entrei. Talvez seja pelo fato de sempre me esperar no elevador e dizer que estou lindo com aquela pasta e o terno nas costas.

— Cameron Delux! — Sussurrou e empurrou-me o telefone. Cameron Delux. Claro que eu o conhecia apenas de nome. Já presenciei ligações dele e de Molly por diversas vezes. Engoli a respiração e atendi.

— Aqui é Alexander Alcady – Alice me olhava apreensiva.

— Bom dia senhor Alcady. Aqui é Cameron Delux. Estou ligando apenas para lhe transmitir um recado e aproveitar a oportunidade, devo parabeniza-lo duplamente. Primeiro pelo desempenho excelente que tem tido em minha empresa e segundo pela bela filha que tem. Melany é mesmo uma maravilhosa menina.

Como ele sabia de Melany? Deveria ter um dedo de Molly em meio a isso tudo.

— Fico lisonjeado senhor Delux. Muito obrigado... — Me interrompeu.

— Não deve agradecer, rapaz — Estava sendo modesto — Vamos ao que interesse. Não tenho muito tempo. Ligo por Molly.

— Molly? Algo errado? Ela me demitiu?

— Não! Estou ciente do momento que estão passando e visando o bem estar de minha melhor e mais importante funcionária lhe cedi férias fora de época. Molly vai para fora do país com a filha e pelas próximas semanas pediu que o senhor ficasse em seu lugar.

Assim que desliguei o telefone ao final da conversa, Alice estava me olhando em choque.

— Você está no comando! — Saltitou e coloquei o telefone em sua mesa.

— Na próxima hora você está no comando. Preciso sair! — Me virei sem pensar e entrei no elevador que se fechava.

Precisava ao menos tentar conversar com Molly antes que saísse do país com nossa filha.

[...]

Não consegui falar com Molly e voltei para a Delux.

Já que Molly me designou, não poderia estar errada e meu trabalho seria o mais impecável possível, o mais estilo Molly Bern que pudesse alcançar. Esperei que ao menos Molly pudesse pensar em mim, em nosso amor, durante o tempo que necessitava.


Por mais que quisesse não conseguia para de pensar nele um só momento.

Melany fez amizade com um garotinho durante o voo e a cada gargalhada comecei a notar o quanto o som de sua risada era idêntica a do pai dela. Cada vez que se agarrava ao meu braço e cada vez que piscava os olhos com sono... Recordei as noites que passei em claro ao lado dele, acariciando aquele rosto, beijando seus lábios e tocando em seu cabelo... Momentos doces e apenas nossos.

Assim que chegamos ao hotel em Paris, Mel começou a lembrar dele em todo o assunto.

— Não gosto da França. Estou com saudades do meu pai — Parei de mexer na mala e olhei em sua direção por cima dos ombros. Estava sentada na cama com as perninhas de índio, o cabelo caindo ao redor de seu corpo pequeno e o queixo apoiado nas mãos. Os olhos verdes mais tristes que nunca.

— Não começa... — Voltei a mexer na mala e suspirei assim que vi uma camisa dele em meio as minhas roupas. O que aquilo estava fazendo ali? Peguei a peça e comecei a olhar ao passo em que o cheiro másculo me embriagava.

— Eu amo o meu pai e estou com saudades — Deu de ombros e suspirou docemente — Queria estar com ele agora.

— Em breve você vai ver seu pai de novo. Não precisa ficar preocupada — Retirei a roupa e vesti a camisa dele quase por reflexo, prendendo o cabelo.

— Vai demorar?

— Não muito. Menos de um mês. Já prometi que nunca vou separar vocês.

— Eu sei... — Suspirou novamente e se deitou na cama.

— O que posso fazer para minha bonequinha ficar feliz? — Me deitei perto dela e a beijei no rosto e no cabelo. Seu humor não se modificou muito.

— Posso ligar para o meu pai?

— É muito caro — Tentei usar como desculpa a tarifa.

— E daí? Você é rica! — Sentou-se na cama indo na direção do telefone.

— Melany... — Repreendi quando pegou o telefone.

— Você não disse não — Cantarolou e me entregou o fone — Liga?

Hesitei alguns segundos, porém peguei o telefone e liguei para Alexander. Não demorou nem dois toques para que ele atendesse. Passei imediatamente o telefone para Mel, abalada pelo simples alô que ouvi do outro lado da linha.

— Oi papai! Sou eu, Melany! — Seus olhos brilhavam de pura felicidade — Tudo bem?

— Mel... Oi filha — Seu tom foi de puro alivio — Tudo bem nada! Como assim vocês duas se vão e me deixam louco de preocupação aqui? — Fiz sinal para Mel fazer silêncio. Alexander parecia emocionado — Como está?

— Bem papai. Mamãe não quer que eu diga onde estamos — Fuzilei Melany com o olhar e revirei os olhos — Mas não importa. Em breve voltaremos. Está com saudades de mim?

— Muita saudade filha... Muita — A cada vez que Alexander chamava Melany de filha meu coração se partia. A ligação entre eles, mesmo longe, era intensa demais — Está cuidando da sua mãe?

— Estou pai — Garantiu — Nós também estamos com saudades. Não se preocupe. Mamãe ainda te ama e logo vocês voltarão a namorar.

— MELANY! — Repreendi.

— Espero que sim Mel...

— Pai?

— O que?

— Quando eu voltar você vai me buscar no lugar dos aviões? — Sussurrava de forma inocente.

— Estarei lá filha. Prometo. Tudo o que você quiser – Mel sorriu largamente. Cruzei os braços e olhei na direção oposta dela, escondendo as lágrimas no canto de meus olhos.

— Acho que tenho que desligar. Mamãe disse que é caro essa ligação.

— Certo querida. Obedeça a sua mãe.

— Talvez eu ligue novamente...

— Não se preocupe que papai também liga. Todos os dias. Pode esperar... Eu te amo — Respirou fundo — Diga a sua mãe que mesmo com tudo isso eu a amo do mesmo jeito de sempre. Diga a ela que vocês são a coisa mais importante de minha vida e que se pudesse daria tudo o que tenho para voltar ao passado e ter ficado ao lado dela quando mais precisou de mim.

— Não sei se vou decorar tudo isso...

Não ouvi o restante da conversa. Apenas aquelas palavras me embriagaram de lágrimas.

— Diga para o seu pai que eu também o amo — Toquei o ombro de Mel delicadamente e ela pareceu surpresa com minha declaração. Mais surpresa ainda quando me viu debulhada em lágrimas.

— Mamãe disse que também te ama.

— Eu sei.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Uma semana se passou e Melany não queria dormir sem antes falar sobre seu pai e todos os dias eram iguais.

Deitada ao meu lado com seus olhos tristes, me encarava em busca de respostas. Passei a acariciar seu cabelo, agora mais longo, me lembrando de alguns anos atrás quando aquela garotinha não passava de um pequeno bebê que eu sequer sabia como lidar. Contei com a ajuda de muitas pessoas para poder me tornar o que sou, mas nenhuma delas me deu o incentivo que Melany fornecia.

Talvez não fosse coincidência esse laço tão grande entre mim, ela e Alexander. Pensei por várias vezes em me desfazer daquele bebê, mas ao senti-la se movimentar em meu ventre tudo mudou. Ao ver seus olhos pela primeira vez tudo se transformou e o mundo pesado ganhou cor, exatamente como aconteceu com Alexander ao chegar em minha vida. As esperanças em relação ao amor se esvaíam para mim, mas aquele homem apareceu em minha sala com pinta de galã e um tanto desengonçado, sem parecer intimidado como os outros, mas sim se comportando de maneira singela.

Aquele sorriso... Os olhos . Tive certeza que deveria dispensá-lo antes que aquele sentimento me tomasse, mas Melany interveio e nos uniu. Não podia ser coincidência!

Respirei fundo.

— N ão senhorita Bern, Alexander não está. Acabou de sair para uma reunião importante — Alice explicou do outro lado da linha. Suspirei derrotada. Demorei tanto para tomar a iniciativa e quando o faço... Ele saiu?

— Certo Alice. Será que pode me informar como ele anda se portando na empresa? — A pergunta trazia duplo sentido. Perguntei sobre a empresa, mas queria mesmo saber dele.

— Es tá muito bem, senhorita. Todos elogiam seu trabalho, mesmo que em apenas uma semana. Deu conta do desfile de sábado e está tudo quase pronto, mas... Está um pouco triste, abatido, não sai da sala pra nada, apenas para ir embora. Pobrezinho. De longe se nota que algo está acontecendo em sua vida.

— Sabe se ele chega mais tarde?

— I magino que não. Pelo que ouvi, Alexander e alguns rapazes vão sair hoje após o expediente .

Aquela ligação mais cedo não fez bem para mim, apenas me deixou mais sensível. Era bobo ficar longe e sofrendo, afinal! O tempo era útil, mas machucava. Quase no mesmo momento em que beijei a testa de Melany e me aproximei mais ainda dela o celular anunciou uma mensagem de texto. Olhei para o lado brevemente, encarando o aparelho rosa sobre a cômoda. Estiquei-me e o peguei curiosa.

Era uma mensagem de Alexander.


Há muitos anos eu não bebia como bebi essa noite.

Lucca me enquadrou no corredor da Delux antes de sair para minha reunião e me intimou a dar uma saída com ele e alguns caras. Recusei, mas ele insistiu e resolvi dar uma espairecida.

— Você está na fossa por alguma coisa, cara, e todo mundo já notou. Não custa nada dar uma volta... — Bateu em meu ombro amigavelmente.

Aceitei. Porque Molly podia tomar seu tempo e eu não?

O barzinho em que fomos era comportado, se meu humor não fosse tão arriscado, diria que agradável. Sentei com Lucca em uma mesa, mas decidir remoer meus problemas calado. Molly não gostava de divulgar sua vida com o pessoal da Delux.

Bebi um Martini. Dois. Três. Uma cerveja. Duas cervejas. Quando percebi estava quase tonto demais. Lucca me ajudou a chegar em casa por volta da meia-noite. Subi tropeçando em tudo e me joguei no sofá. Coloquei uma musica para tocar e curti sozinho a minha fossa.

Estiquei-me e apanhei o celular em minha jaqueta caída no chão ao lado do sofá. Comecei a digitar uma mensagem mesmo bêbado igual a um idiota. Mandei também um pedaço da música em questão, uma canção se amor.

"Não paro de pensar em você. Por favor, volte".

A resposta dela foi quase imediata.

"Está se divertindo longe de mim? Soube que anda caindo na farra..."

Sorri antes de digitar.

"Realmente Molly Bern é a poderosa. Tem todo o controle em suas mãos".

Demorou um pouco até ela retrucar.

"Isso não é verdade. Infelizmente".

[...]

Acordei com ressaca e sai de casa arrumado como toda manhã — terno, gravata, pasta e sapatos caros.

— Bom dia senhor " party everday" — Alice ironizou quando me viu, sentada em sua mesa perto do elevador. Assim que a vi usando um vestido rosa claro, me lembrei de que Molly tinha um igualzinho em um tom mais escuro. Apenas serviu para me deprimir — Quer um café?

— Pode deixar que pego, Alice — Assenti sem querer atrapalhá-la — Alguém me ligou?

— Sim — Assinei o ponto sobre sua mesa. Enquanto escrevia, fui pego de surpresa pelo que reportou — A madame fatal te ligou ontem de Paris.

— Molly? — Ergui os olhos rapidamente e quase deixei que tudo caísse. Alice assentiu positivamente — O que ela queria?

— Aparentemente queria saber como vai seu desempenho. Porém, lá no fundo, acredito que queria mesmo era falar com você. Realmente acho que vocês devem se acerta. Só acho!

— Eu também — Suspirei recordando as mensagens da noite anterior. Eu poderia estender a conversa, mas de nada serviria — Vou pegar meu café ok? Um bom dia!

Com uma das mãos sobre a testa entrei em minha sala, a mesma que sempre dividi com Molly. Ver sua cadeira solitária me fez se lembrar de que era assim que eu me sentia. Solitário. Sempre sozinho. Sai da sala e fui em direção à máquina de café no corredor de cima. Ali era sempre bem frequentado e, para variar, havia muitas garotas ao redor da máquina, principalmente as novas estagiárias e as secretárias do financeiro. A primeira que puxou assunto foi Jade, a estagiária.

— Bom dia senhor Alcady — Parei na fila do café e ela chegou colocando uma das mãos em meu ombro — Que carinha de acabado é essa?

— Bom dia Jade — Me esquivei, acostumado o assédio — Estou um pouco mal, mas é passageiro — Me desvencilhei dela e finalmente peguei meu café.

— Quer que eu passe em seu escritório para dar uma ajudinha? — Dei as costas para ela carregando meu café.

— Não, obrigado. Sou comprometido — A pesar de estar mais sozinho do que nunca agora .

O vazio de Molly não parava de ecoar em minha vida. Em todos os cantos, por menor que fosse... E eu não podia parar de pensar nela.

Uma semana se passou. Era sexta de manhã e estava tudo pronto para o desfile do final de semana no qual planejei em detalhes e com certeza não estaria presente.

Dei o meu melhor e recebi elogios diretos de Cameron Delux. Nada mais podia me surpreender naquela manhã nublada, sem graça e que pedia um cobertor e um café quente.

Bom dia! Você não precisa vir nos buscar no aeroporto. Conversei com Melany e ela topou em te ver mais tarde. Preciso conversar contigo. Meio-dia no restaurante de sempre. Molly.

Quase cai para trás. Apanhei o celular e digitei o mais rápido que pude.

"Após a Tempestade vem a bonança". Combinado.


Ao passar duas semanas longe tomei as decisões que precisava e cheguei ao país com a mente aberta e com as ideias formadas. A primeira coisa que pensei foi em ver Alexander. Tentei me enganar com a ideia de que essa vontade se devia a tudo que tinha para reportar a ele, mas não. Era meu desejo encontra-lo o mais pronto possível! .

Segui em direção ao restaurante às onze e meia e, mesmo que não fosse o horário combinado, fiquei frustrada por ele não estar lá ainda. Sentei-me na mesinha de duas pessoas na frente do vidro que dava para rua e pedi uma água. Estava frio, mas mesmo assim minhas bochechas queimavam. Dizer a ele tudo o que tinha em mente seria um passo enorme.

Finalmente a porta fez barulho anunciando a chegada de mais um cliente. Olhei em direção a mesma e vi Alexander parado olhando ao redor... Até me encontrar com o olhar. Parecia ter se passado anos que não nos víamos. Ele estava diferente, com a barba clara aparecendo um pouquinho e os olhos cansados. Vestia calça e sapato social, mas por cima um casaco preto grande e elegante. Havia algumas gotinhas de água em seu cabelo loiro e como sempre grande e bagunçado. Carregava um pacotinho de alguma coisa colorida. Para que se aproximasse, dei um sorriso breve e acenei, me encolhendo cada vez mais em meu casaco vermelho.

— Olá... — Falei brevemente, ainda sentada. Ficou de pé ao lado da mesa apenas me olhando. Colocou o saquinho de jujubas sobre a mesa e meio que fez sinal esperando algo. Revirei os olhos.

— Não vai mesmo me dar um abraço? — Soou ferido e não pude me controlar. Fiquei de pé relutante e o abracei longamente, quase perdendo a noção de tempo e lugar — Não vai embora assim de novo. Eu senti tanta saudade... — Murmurou ao meu ouvido.

— Desculpe — Afastei-me um pouco e o encarei. Levei uma das mãos ao seu rosto e toquei seu queixo. Alexander ficou imóvel — Olha só, você está de barba — Comentei ironicamente e me afastei indo se sentar.

— Não tenho motivos para me arrumar mais para ninguém — Dentou-se também a minha frente e indicou o saquinho de jujubas — Eu trouxe para você... Sua favorita.

— Obrigado... — Sorri ao me lembrar de que ele sempre comprava um doce para mim quando chegava em minha semana de tpm. Peguei o saquinho e fiquei olhando as balinhas... Em maioria, apenas estavam às vermelhas e as roxas, minhas favoritas — Ainda não estou precisando delas, mas já fica em estoque — Pisquei para ele e coloquei as balinhas na bolsa.

— Não? — Me olhou um tanto desconcertado e confuso.

— Acho que toda essa confusão me deixou um pouco desregulada, mas não é hora de falar disso, certo? — Manteve-se calado — Ficamos longe tempo demais. Temos assuntos pendentes a tratar um com o outro.

— Pensei que não fosse tocar nesse assunto — Não tirava os olhos de mim.

— Pensei o mesmo, mas vi que devo — O clima entre nós era sempre fácil, mesmo envoltos por tantos problemas — Melany é importante para mim e também para você.

— Fico feliz que não duvide de mim depois do que houve no passado... — Desviou o olhar para a rua.

— Decidi que o que aconteceu no passado não importa. É uma situação muito delicada e a pessoa a quem mais interessa isso tudo é Melany. Se ela te ama e te aceita, quem sou eu para dizer alguma coisa? — Ficou ainda calado — Tenho direito de intervir sobre isso, mas posso dizer que em relação ao Alexander que conheci... — Hesitei — Não tenho duvidas de que ele sim será um bom pai para minha filha.

— Como faremos com o nosso passado? — Ainda não me olhava — Quer que eu te diga o que houve?

— Prefiro não saber. Apenas sei quem você é. O que foi não me importa.

— Estarei disposto a contar quando quiser ouvir. Como nós ficamos? — Parecia derrotado e sem alegria.

— Eu te chamei aqui exatamente para saber se... — Era difícil dizer — Se você aceita ser o pai de Melany também legalmente. Quero dizer, no papel, com seu nome na certidão de nascimento dela e em todos os termos.


Sempre soube que Molly não iria se jogar em meus braços e dizer que queria voltar.

Conhecia aquela mulher e sabia o que sentia, o que pensava... Até mesmo a maneira como me trataria. Mesmo com toda minha experiência em mulheres e todo o conhecimento que adquiri sobre Molly ao decorrer de nosso relacionamento, nunca cogitei que algo assim iria acontecer. Quando mais a encarava, mais percebia a mulher maravilhosa que havia por trás daquele rosto angelical. Molly sempre me surpreendia e mostrava o porquê de meu coração ser arrebatado por ela de tal forma que não podia suportar sua ausência.

Pensei comigo se seria possível amá-la mais do que antes.

— De verdade? — Questionei com a voz tremula — Penso que você não seria capaz de brincar com algo tão sério.

— É sério Alexander — Admitiu de maneira doce, sutil e quase envergonhada — Você é o pai de Melany. Não posso tirar isso de vocês dois... Não seria justo. Não posso!

— Porque não pode? — Queria ter certeza que estava fazendo isso por Melany e por mim.

— Por que... — Respirou fundo e suspirou longamente. Desviou o olhar.

— Diga — Insisti esticando uma mão para tocar a sua, mas ela puxou de forma rápida e com medo de meu toque.

— Você sabe... — Murmurou após um longo minuto de silencio. Quando me olhou novamente vi uma lágrima cair em seu rosto corado. Aquilo partiu meu coração, porém ao mesmo tempo o encheu. Eu sabia mesmo o motivo — Então qual é sua resposta?

— Molly... — Suspirei também quase se forças — Não acredito que isso está realmente acontecendo, não posso crer que esteja realmente fazendo isso.

Seu olhar foi de tristeza para orgulho ferido, virando uma fera novamente. Molly me intimidava e me deixava no chinelo quando queria, mas o amor que nos unia diferenciava o Alexander do inicio e o Alexander de agora. Agora, ao olhar naqueles olhos, meu coração não desejava se afasta, se opor ou odiá-la. Desejava ficar, ceder, amá-la e ser dela.

— Sei que me julga uma mulher grossa, uma estupida, uma desalmada que apenas pensa em si mesmo, mas não sou assim! — Apontou para o próprio peito, ainda nervosa. Respirou fundo e com a manga da blusa secou uma lágrima — Antes de pensar em mim, sempre pensei em minha filha! É difícil me acostumar a dizer que ela é nossa, principalmente por que... — Soluçou e voltou a falar — Quando eu te conheci e me apaixonei por você percebi que existem coisas mais importantes que o orgulho, dinheiro, fama e o poder... — Enumerava nos dedos — Percebi que as pessoas que amo e que me amam são as coisas mais importantes e caras. Eu jamais poderia te machucar de alguma maneira, jamais poderia te afastar de Melany! Sei que você a ama e ela também. Eu também te amo. Te amo! Isso explica?

Fiquei sem saber o que dizer mais uma vez. Não conseguia desviar os olhos dela. A mulher que demorou meses para soltar um "gosto de você" me dizendo que me amava ali, de maneira sincera e humilde?

— Eu aceito Molly — Compreendi perfeitamente o recado. Eu te amo, mas ainda estou machucada — Muito obrigado. Não sei como agradecer...

— Não agradeça — Deu de ombros, já mais calma — O passado já acabou. Temos que viver o presente... Não podemos punir Melany com nossos erros — Sorriu de canto parecendo aliviada. Deixou-me tocar sua mão desta vez.

— Eu também te amo — Anunciei olhando seus olhos — Será mesmo que ainda preciso dizer isso?

— Eu sei — Apertou nossas mãos — A ferida ainda dói porque é recente demais — Afastou a mão delicadamente — Será que consegue me entender? Meus sentimentos nunca irão mudar, mas...

— Tudo bem. Eu entendo perfeitamente.

Não quis estender. Doeria ouvir suas palavras e não poder argumentar, por isso decidi me ligar para o assunto de interesse mutuo e que nos ligaria para sempre: Melany.

Almoçamos e discutimos como seria feito a intercalação de Melany com nós dois. Molly me garantiu que um advogado de sua parte iria me procurar para realização do processo e dos papéis, deixando por minha conta decidir o quanto de tempo desejava ficar om Melany.

Existiria um exame de dna para comprovar a paternidade.

Eu reconquistaria Molly e sua confiança em nome de Melany. Em nome do amor.

[...]

Combinamos que Melany iria passar o final de semana comigo e, sendo uma sexta-feira de tarde, quando sai da Delux em meu último dia como chefe fui até o colégio de minha filha buscá-la para ficar comigo no sábado e no domingo.

Melany correu em minha direção feliz com minha presença. Agarrada as alças da mochila rosa e tropeçando nos próprios pés calçados em sapatos pretos com meias brancas e longas, abriu os braços para mim e se agarrou em meu pescoço com força.

— Papai! Você veio!

— Claro que sim, filha... Eu e sua mãe conversamos e já está tudo acertado — Notei que estava chorando — Melany? — Me afastei para poder ver seu rosto, que encontrei banhado em lágrimas — O que foi? Porque está chorando?

— Porque estava com saudades, papai — Disse tentando secar uma lágrima — Pensei que mamãe não iria mais me deixar te ver.

— Mel... Eu e sua mãe já acertamos as contas em relação a você — Tentei explicar da forma mais clara que podia — Nós vamos nos ver sempre.

— Vocês voltaram a namorar?

— Não — Dizer aquilo foi meio doloroso, mas era a verdade — Mas em relação a nós... Está tudo bem. Mamãe e eu vamos dividir você! Boa noticia! Advinha com que vai passar o final de semana? — Tentei animá-la.

— Com você? — Sorriu largamente e deixando de chorar um pouco. Assenti com um sorriso cumplice — Eba!

— O que pretende fazer? Vamos fazer tudo o que quiser! — Comecei a caminhar com ela, indo em direção ao carro. Estava mais feliz agora, pensativa em relação às opções que lhe ofereci.

— Vamos na casa da vovó? Quero ver o meu primo.

— Ótimo! — Desviei a rota do caminho na hora, indo em direção a casa de minha mãe, apenas satisfazendo a vontade de Melany.

Minha mãe não se conformava com toda a história e obviamente não gostou nada de minha irresponsabilidade em assumir uma filha apenas depois de crescida. Não deixava de exaltar a maneira como Molly era condolente permitindo-me ter acesso a Melany. Recuperar tempo perdido e ganhar o amor de minha filha agora era minha total prioridade.

— Vovó! — Mel anunciou assim que desceu do carro e viu minha mãe parada na porta, estreitando o olhar para ter certeza que era mesmo a pequena. Assim que percebeu ser mesmo a neta, abriu os braços para recebê-la em meio a um sorriso de arrebatar o coração.

— Meu amor! — Melany pulou em seus braços e as duas se abraçaram com força — Que saudade querida... Deixa-me te ver! — Segurou Mel pela mão e a olhou de cima a baixo — Está tudo bem? — Levou as mãos ao rostinho feliz da menina.

— Tudo bem!

— O papai te trouxe para me ver, foi?

— Ficarei até o domingo com ele! Não é legal? Ethan está em casa?

— Claro! Lá dentro jogando vídeo game no quarto. Pode subir que já vou levar algo para vocês comerem — Tocou o cabelo de Mel e lhe deu um beijo.

— Certo vovó... — Me olhou antes de ir e pisquei para ela, que saiu em disparado até o quarto do primo. Mamãe parou a minha frente após a pequena sair.

— Como Molly permitiu que você ficasse com ela em tão pouco tempo, sem sequer uma audiência formal de paternidade? — Parecia indignada.

— Ainda estou me perguntando isso, mãe — Esfreguei a nuca e suspirei — Molly acredita no meu amor por Melany. Ela sabe que jamais faria qualquer dano a nossa filha e que a pequena me ama também e ficar comigo a fará feliz. Essa é a única explicação! — Mamãe considerou a resposta — Molly está sendo incrível. Me permitiu entrar com a ação para registrar Melany legalmente e formalmente. Faremos um exame de dna antes, é claro, mas em breve o meu nome constará nos registros dela — Cobriu os lábios com as mãos e tinha os olhos transbordando felicidade.

— Então agora será oficial? Ela vai ser mesmo minha neta?

— Mamãe... — Toquei seu ombro enquanto explicava — Melany é minha filha! Tem meu sangue! É sua neta de qualquer maneira, com ou sem registro! — Antes que terminasse me envolveu em um abraço cheio de sentimentos.

— Fico feliz por isso, meu filho! — Choramingou deitando em meu ombro — Realmente me confundiu e surpreendeu toda essa história, mas tenho que agradecer a Deus por Molly ser uma mulher tão digna e maravilhosa. Ela fez uma benção em nossas vidas ao permitir que Melany faça parte de nossa família, mesmo depois de tudo.

— Sim mamãe. Molly foi incrível — Minha voz era sem humor.

— Molly te ama — Separou—se de mim e tocou meu rosto brevemente — Por isso permitiu.

— Será que me ama? — Suspirei percebendo o que falei e tentando corrigir — Talvez seu amor não seja tão resistente depois de tudo que descobrimos. Talvez o peso do passado seja maior.

— Se realmente fosse, Molly não te confiaria à filha! Logo vocês vão voltar querido...

— Molly sabe do amor que tenho por Melany — Tentei usar isso como argumento para entendê-la — Sabe do amor que Melany tem por mim. Fez isso tudo em nome do amor.

— Fez em nome do amor que tem pelos dois... Por você e por Melany! Será que é difícil me ouvir? Acredite em si mesmo filho! — Apesar de suas insistências, tive que ficar calado e ouvindo. Suas palavras serviam de certo consolo para mim.

[...]

— Pai? — Abri os olhos lentamente encontrando o teto da sala de meu apartamento.

— Sim? — Sussurrei abraçando-a mais perto de mim. Dormia sobre meu peito e abraçada a mim.

— Está acordado?

— Claro querida... — Gargalhei levemente ao passo em que esfregava os olhos — O que foi? Perdeu o sono? — Beijei seu cabelo lembrando nosso fim de tarde juntos.

Chegamos da casa de minha mãe após o jantar. Melany tinha algumas roupas na mochila da escola, então tomou banho e agradeci por ela saber se virar bem sozinha com isso. Assistimos ao filme que propus, jogamos vídeo game por um tempo, comemos pipoca e refrigerante. Dormir em minha casa estava sendo sua felicidade.

— Estava pensando... Nunca dormi sem meu bicho de pelúcia. Não quando realmente deito para dormir — Comentou.

— Quer que eu vá buscar ele na sua casa? — Orei para que dissesse não, já que estava cansado.

— Não, tudo bem. Abraçar você basta. Acho que o monstro não vai querer me pegar ao seu lado, né? Você é grande e bate nele se tentar algo.

— Pode ficar tranquila, Mel. Papai não deixa o monstro te pegar — Sorri também.

— Ela deve estar se sentindo sozinha. Será que tem medo do monstro também? — Pareceu assustada com a possibilidade.

— Ela quem?

— Mamãe! Está sozinha.

— Melany... Sua mãe é adulta. Vai ficar tudo bem — Mesmo que lá no fundo eu me sentisse como minha filha, não seria correto dar a entender que Molly poderia estar em qualquer perigo. Não que estivesse... Em seu prédio havia muito segurança — Não precisa ter medo.

Ficamos um grande momento em silencio.

— Ela chorou muito por causa de você — Se ergueu para me falar — Chorava depois que eu dormia. Sei que era por você porque falava seu nome bem baixinho...

— Mel... — Não encontrei palavras para prosseguir.

— Porque aconteceu tudo isso? Porque você apareceu do nada dizendo que era meu pai e agora mamãe está separada de você? A culpa é minha? — Me sentei também e a encarei. Seus olhos estavam um pouco úmidos e brilhando com lágrimas.

— Não Mel! A culpa não é sua! Pare de pensar tudo isso! — Baixei o rosto sem ter a coragem de lhe dizer tudo — A culpa é minha.

— Por quê? — Questionou tímida.

— Quando você ainda estava na barriga de sua mãe eu as deixei — Fui direto, pulando logo para a parte dolorosa. Mel nada disse, apenas ficou me olhando — Quando sua mãe soube quem eu era e que havia as deixado no passado, obviamente se enraiveceu.

— Porque nos deixou? — Estava sem expressão.

— Eu era muito jovem e bobo! — Segurei suas mãos — Não queria ter um filho. Não conhecia sua mãe e pensava apenas em me divertir e ter dinheiro. Juro que me arrependo de tudo, Mel. Queria poder voltar e ter ficado ao lado dela quando precisou de mim... — Nada disse. Encarou—me como se realmente tivesse ciência da gravidade dos fatos. Aquele olhar me intimidou. O que se passava naquela cabeça infantil que às vezes era tão adulta?

— E agora? — Estreitou o olhar.

— E agora o que?

— Agora você quer ter uma filha? Quer ficar com a mamãe? — Perguntou com a expressão confusa.

— Sim! Você é a coisa mais importante de minha vida! Eu amo sua mãe mais do que tudo e o que mais quero é ficar ao lado de vocês duas. Vocês são minha felicidade, querida.

— Não é o que importa pai? Que você nos ame hoje? — Sorriu abertamente.

— Sim querida. Te conto tudo isso porque acho justo que saiba a verdade. Não quero mais mentiras.

— Não me importo. As pessoas tem que se conhecer para se amarem. Você não nos conhecia, como poderia nos amar? Quando conheceu, passou a amar. Tivemos uma segunda chance, não é legal?

Aquelas palavras não pareciam pertencer a uma menina de apenas sete anos. A luz que irradiava de Melany era maior do que a compreensão humana normal.

— De onde você tirou tanta sabedoria, pequena? — Ela sorriu com alegria.

— De minha cabeça — Apontou para a própria cabeça e abriu os braços pedindo um abraço. A puxei em minha direção e abracei-a longamente — Te amo papai. O passado não importa. Estou feliz que tenho você agora.

Respirei aliviado, transbordando de amor por aquelas palavras.

— Deus me deu a melhor filha do mundo! Obrigado. Eu te amo demais.


CAPÍTULO VINTE E CINCO


Meus dentes batiam e o estômago revirava. Por mais que quisesse não conseguia parar a vomitar.

Engoli um remédio para enjoo e após isso permaneci deitada em minha cama com uma bolsa de gelo sobre a testa e os olhos na televisão que soava bem baixinho. Porque tudo isso? Todos esses sintomas ruins? Será que era a saudade se tornando dor física?

Olhei para o relógio e vi que já passava das onze... Suspirei. Desde que voltei do restaurante com Alexander a coisa para mim não estava boa. O mal estar parecia só piorar. Tentei me erguer da cama e consegui com muito esforço, calçando a pantufa e me arrastando até o banheiro. Parei em frente ao espelho e me olhei demoradamente. Os olhos grandes e meio caídos, cansados, mas sem conseguir descansar. A pele mais pálida que nunca estava quase reluzente na luz artificial. Joguei um pouco de água quente no rosto e prendi o cabelo na nuca. Minha temperatura parecia um tanto baixa.

Desci para a cozinha, abri a geladeira e achei uma caixinha de suco de laranja e bolinhos de chocolate. Apanhei o suco e a vasilha de bolinhos e fui em direção ao quarto. Sentei-me sobre a cama e passei a comer. Talvez tudo isso fosse fome e logo passasse... Assim que terminei o segundo bolinho e tomei quase metade do suco, senti tudo voltando novamente. Bateu e voltou. Corri para o banheiro e consegui chegar a tempo de vomitar.

Irritada e um tanto fraca voltei para o quarto e me sentei na cama com a garrafa de água ao lado. Desliguei a televisão e permaneci no escuro olhando para o teto. Olhei para o celular ao meu lado. Liguei para o numero de Alexander. Mordi os lábios enquanto chamava e logo atendeu.

— Desculpe se acordei você... — Disse antes mesmo atropelando seus pensamentos. Fechei os olhos e repreendi baixinho.

— Molly? — Questionou um tanto sonolento — Tudo bem? O que houve?

— Liguei para saber de Mel. Ela conseguir dormir sem o bichinho de pelúcia? — Outro pretexto.

— Está dormindo. Está tudo bem. Sua voz não me parece tão boa — Mordi os lábios.

— Estou um pouco enjoada. Nada demais. Acho melhor me deitar.

— O que é que você tem? — Sua voz sonolenta soava grave.

— Nada demais Alexander. Não quero te preocupar...

— Sinto muito, mas já me preocupou. Vou pegar Melany e ir até ai — Estava sério e não brincando.

— O que? Não! Ela está dormindo... Não faça isso! São onze e meia da noite — Insisti nervosa e fechando os olhos. No fundo sua preocupação me envaidecia.

— Não adianta dizer nada — Parecia estar se mexendo do outro lado da linha — Me espere que em quinze minutos estou ai.

— Alexander... — Desligou e nada me restou a não ser a certeza de que ele viria.


Melany acordou quando a chamei, mas logo voltou a dormir assim que deitou no banco de trás do meu carro enrolada a uma manta verde clara. Coloquei uma touca em sua cabeça, pantufas em seus pés, arrumei seu cabelo e beijei sua testa antes de sentar no banco do motorista para dirigir. Antes de chegar à casa de Molly passei em uma farmácia comprei algum remédio para combater enjoos. O farmacêutico me disse que isso era o tipo de coisa que não se poderia brincar.

O mais difícil de tudo foi subir o elevador com Melany no colo e as sacolas que comprei. Assim que abriu a porta e me viu parado do lado de fora com Melany tombada em meu ombro, Molly quase teve um acesso de risos. Sorri também, reparando em sua aparência abatida. Usava um pijama grande e estava com a pele mais pálida do que nunca.

— Posso entrar? — Falei humildemente.

— Você é maluco! — Me deu passagem e notei que parecia fraca.

Entrei com Melany enrolada nas cobertas e a coloquei deitada sobre o sofá. Ajeitei a coberta sobre seu pequeno corpo e fui em direção a mesa colocar as sacolas. Vi quando Molly parou ao lado de Melany e lhe deu um beijo no cabelo, mas não demorou muito e a vi caindo sentada no chão ao perder o equilíbrio.

— Não preciso me preocupar? — Corri para o seu lado e a ajudei a se levantar delicadamente — O que está acontecendo, Molly?

— Não sei Alexander — Apoiou-se em mim segurando em meu braço — Estou com assustada também.

— Calma, vamos para o quarto. Você deita na cama. Se não passar iremos ao médico — A peguei no colo contra sua vontade, trazendo seu rosto para perto do meu.

— Consigo caminhar sozinha — Tentou protestar, mas segui carregando-a pela curta distância. Passou um braço em meu ombro e suspirou. Parei ao lado de sua cama grande e a segurei sobre a cama.

— A última vez em que te coloquei em uma cama as condições eram bem diferentes — Sussurrei bem perto de seu rosto. Vi que me olhava um pouco triste e os olhos agora brilhando por estarem úmidos. Aquilo partiu meu coração.

— Alexander... — Sussurrou quase sem voz — Não faz isso.

— Não vou fazer nada. Será que esqueceu quem sou eu? — Ternamente a depositei sobre a cama em meio aos lençóis. Sentei na beira de sua cama — Que remédios você tomou? —Perguntei checando sua temperatura, que era normal. Um pouco gelada. Começou a me listar os remédios — Acho melhor esperar um pouco para tomar os que eu trouxe. Pode haver uma mistura grande ai dentro.

— Também acho — Suspirou e olhou para o meu rosto um pouco tímida — Posso pedir um favor?

— Até dois.

— Me ajude a tomar um banho? Estou com frio — Assenti no mesmo momento — Você é a única pessoa que eu não tenho vergonha de pedir algo assim.

— Não precisa se preocupar — Fiquei de pé — Vou colocar a banheira para encher — Assentiu rapidamente — Volto em um instante.

Fiz o que prometi.

Enchi a banheira do quarto dela com água quente e preparei um banho. O estado de saúde dela me intrigava e preocupava. Voltei para o quarto e Molly estava sentada na beira da cama com uma das mãos sobre a barriga. Abaixei-me a sua frente.

— Quero vomitar, mas não há nada mais que possa ser posto para fora — Disse com certo humor e esforçando-se.

— Vamos para o banho. Quer um chá? Sei fazer chá lembra? — Levei à mão a bainha de sua blusa grande e a retirei de seu corpo, jogando-a sobre a cama. Peguei em sua mão a guiando para o banheiro.

— Adoraria um chá — Suspirou ao ver a banheira. Abaixei as alças de seu sutiã e o desabotoei com cuidado, livrando-a da peça rapidamente. Senti que se retesou um pouco, sua pele antes pálida um tanto corada. Talvez tanta intimidade não fosse necessária, uma vez que não éramos mais namorados.

— Quer que eu ajude a entrar? — Perguntei ainda parado atrás dela, que usava as mãos para tapar os seios nus. Tremia um pouco, talvez de frio. Assentiu minha resposta com um aceno.

Terminei de despi-la tentando não reparar em seu corpo. Em vão. Reparei que seu quadril estava um pouco mais largo, os seios mais redondos e seu corpo um pouco mais saudável que antes, quando era muito magra. Aos meus olhos estava mais bonita por aparentar ter engordado uns dois ou três quilos. Sorri ao ajuda-la a entrar na banheira, imaginando que se ouvisse meus pensamentos com certeza Molly iria corar.

— Obrigado — Disse sem me olhar diretamente.

— Vou colocar Mel em sua cama e fazer o chá. Se precisar de alguma coisa grite. Estou aqui para isso.


Eu não sabia do que me envergonhar mais... Alexander em minha casa no meio da noite para cuidar de mim ou do fato de ter me visto nua mais uma vez.

Fechei os olhos e recostei a cabeça na banheira relaxando o corpo, mas não os pensamentos. Já fazia um tempo que ele havia saído e eu não podia parar de pensar que com certeza Alexander havia reparado que engordei. Amaldiçoei os novos quilos. Me odiei por ter permitido que me visse nua... Odiei-me por confiar nele e ainda lembrar a cada momento de nosso namoro. Quando nos víamos era como se tudo ainda fosse o mesmo... Como se nosso relacionamento estivesse indo cada vez melhor.

— No que está pensando? — Perguntou ao entrar no banheiro minutos depois com o meu roupão em mãos. Estava sem camisa agora. Estreitei o olhar para aquilo, uma vez que havia uma grande marca vermelha em seu peito e a mesma descia por seu abdômen.

— O que foi isso? — Questionei aceitado a sua ajuda para me levantar e pegar o roupão. Percebi que fazia uma grande força para olhar apenas para o meu rosto e nunca para meu corpo.

— Derramei água quente em minha camisa e ela me queimou um pouco — Ajudou-me a colocar o roupão e amarrou-o em minha cintura.

— Um pouco? Isso está horrível! — Levei às mãos a área, tocando com cuidado — Passou água gelada? Uma pomada?

— Está tudo bem. Como você está se sentindo? O chá te espera no quarto... Venha — Foi caminhando ao meu lado até meu quarto.

— Um pouco melhor. Pelo menos estou mais quente e com a tontura moderada. Aos poucos vai embora. O pior é que nada para no meu estomago... — Sentei-me sobre minha cama e ele pegou o chá para colocar em meu colo. Havia duas bolachas integrais ao lado.

— Vai parar — Garantiu — Tome meu chá que quando feito com amor faz milagre — Não sorri, pois estava com a xicara entre os lábios. O vi se sentar ao meu lado na cama. Não consegui tirar os olhos de seu peito desnudo e úmido pela água que caiu de meu corpo... Com poucos pelos descendo até o cós de sua calça e todo aquele volume por ali me contive. Que doença era essa que me deixava tonta e fogosa? — Pare de olhar para isso. Logo fica melhor — Em sua inocência pensou que eu estava olhando para a marca vermelha.

— Não estava pensando nisso... — Assumi mordendo uma bolacha.

— Está pensando em que? — Estreitou o olhar e passou a mão pelo cabelo sensualmente.

— Que se ainda estivéssemos namorando amanhã faria seis meses.

— Sim, eu sei... Estava pensando no que comprar para você. Já você não precisaria me dar nada, porque a data seria meu melhor presente de aniversário.

— O que? — Perguntei um pouco confusa.

— Quarta-feira é meu aniversário de vinte e sete anos — Comentou sorrindo de canto — Não faz essa cara. Tudo bem. Eu não te contei antes.

— Mas eu deveria saber... — Lamentei-me mordendo a bolacha novamente.

— Eu ia dizer segunda-feira na Delux. Pedir para Melany ficar comigo na noite anterior ao meu aniversário. Quero passar o inicio do novo ano ao lado dela... — Assenti positivamente.

— Então vai ter comemoração? — Questionei acanhada — Não que eu espere ser convidada... — Menti.

— Não... Quero dizer, vou passar ao lado de Melany e só. Não preciso de mais ninguém — Me olhou nos olhos e corou levemente — Na verdade preciso sim de mais uma pessoa...

— Lembra daquele dia na praia? — Falei para descontrair — Você me empurrou e eu cai no mar... Depois te puxei para vir comigo e nós ficamos lá feito bobos — Assentia positivamente com o rosto um pouco tristonho.

— Eu te pedi em namoro e você aceitou... Depois me beijou sobre as ondas e disse que me amava.

— Algumas coisas nunca mudarão... — Notei que se levantou da cama meio sem jeito e ficou me olhando.

— Nunca mesmo — Garantiu com um sorriso — Passou o mal estar?

— Sim.

— Acho que vou para casa — A expressão de meu rosto foi de felicidade para tristeza.

— Não... — Insisti — Está muito tarde para que dirija. É melhor ficar...

— Não Molly, tudo bem... Vou mesmo assim.

— Melany vai ficar chateada — Usei como desculpe — Pela manhã vocês vão. Vai que me acontece alguma coisa...

Alexander pareceu pensar um pouco e por fim assentiu.

— Vou me deitar no sofá. Qualquer coisa é só me chamar — Abaixou-se e beijou minha testa — Boa noite.

—Não dorme no sofá — Segurei seu pulso antes que se afastasse — Dorme na cama comigo — Imediatamente me lembrei da viajem a casa de Alice, onde Alexander me sugeriu a mesma coisa certa noite. Respirei com mais rapidez por sua proximidade, porém tudo o que fez foi deitar-se ao meu lado sem sequer roçar em meu corpo. Acomodou-se no travesseiro e fixou os olhos no teto, aceitando minha sugestão.

Deitei-me ao seu lado e ficamos assim, sem sequer conversar, envoltos em um clima ameno, mas que falava por si só. O resultado da noite foi o mesmo da viajem. Alexander e eu dormimos juntos e ele sequer encostou em mim.

Naquela noite percebi o tamanho da ferida e o quanto minha alma sangrava com sua ausência em minha vida.

[...]

Segunda-feira. Dor de cabeça. Enjoos. Talvez fosse mesmo hora de procurar um médico.

Melany me ligou cedo dizendo que o pai a levaria para a escola e o ônibus a deixaria em casa às três e meia, como sempre. Desejou-me um bom dia e disse que me amava. Após um longo e tortuoso final de semana sem ela era o mínimo que eu merecia. Assim que o elevador abriu vi Alice sem sua mesa colocando o telefone no gancho e ficando de pé para me receber. Arrumou a saia e levantou algo que caiu antes de sorrir e acenar.

— Bom dia senhorita Bern! Seja bem vinda de volta! — Sorri para ela brevemente.

— Bom dia Alice. Obrigado... — Olhei em volta notando que todos me encaravam um tanto curiosos.

— A senhorita deseja alguma coisa?

— Café preto. Não! Refrigerante de laranja! Estou com vontade de tomar refrigerante e rosquinhas de morango... Também algum chocolate. Pode ser de qualquer tipo, menos o branco! Ah! Claro! Uma torta de maça bem grande... — Alice me encarava espantada, reparando em meu corpo de repente. Fechei a cara novamente — Algum problema?

— Não senhorita é que... — Agora anotava tudo em um bloquinho — Essas coisas não faziam parte de sua dieta anteriormente. Apenas isso. Em um minuto levo tudo.

— Certo. Obrigado.

Finalmente retornei ao meu escritório.

[...]

Alexander não disfarçou a surpresa ao me ver em meio a comida.

— Achei que tinha entrado na sala errada — Colocou as coisas sobre sua mesa de antes — Para quem estava vomitando, até que a senhorita está muito bem!

— Acordei com muita fome — Dei de ombros envergonhadíssima e parei de comer, ignorando a bagunça que estava em minha mesa cheia de doces — Realmente adorei as fotos do desfile de sexta. Você fez um trabalho incrível senhor Alcady, meus parabéns!

— Obrigado senhorita Bern... — Colocou as mãos nos bolsos e parou a frente de minha mesa — Substitui-la seria impossível, porém fiz o melhor que pude.

— Por certo — Prossegui vendo as fotos — Quer um pedaço de chocolate? — Ofereci a ele.

— Não, obrigado. Tomei café com Melany antes vir para cá — Piscou brevemente — O que temos para hoje?

— É melhor você me dizer senhor Alcady.

Apesar do clima de mais cedo tudo ainda era pesaroso, com muitas palavras não ditas pairando no ar. Alexander e eu não conseguíamos ficar no mesmo ambiente sem machucarmos um ao outro pelos sentimentos que nutríamos juntos e isso afunilava cada vez mais.


O advogado veio acertar as coisas em relação à Melany e marcamos o exame de dna.

Havia algo que eu deveria fazer desde manhã, mas a coragem me faltava. Apenas no final do expediente tomei a decisão e parei frente a mesa de Molly.

— Senhorita Bern... — Me encarou enquanto arrumava sua bolsa enorme — Aqui está minha carta de demissão.

Molly ergueu o rosto de vagar e me olhou por trás de seus óculos de grau. Colocou a bolsa sobre a mesa e retirou os óculos delicadamente, inclinando-se em minha direção.

— O que foi que disse? Pode repetir, por favor?

— Aqui está minha carta de demissão — Estendi a carta singelamente. Molly olhou de mim para a carta e não fez nada. Manteve-se em silencio — Senhorita?

— Posso saber o motivo? — Assenti ainda estendendo a carta.

— Não creio que depois de tudo que houve entre nós eu possa suportar nossa relação regredindo assim, Molly — Agora eu falava diretamente com ela, não com a chefe — Não posso conviver com isso, ainda mais com Melany... Acredito ser o certo a fazer. Sair de sua vida de uma vez. Ficar na Delux somente nos machucaria ainda mais — Por fim pegou minha carta de demissão. Surpreendi-me ao vê-la nem sequer ler a carta antes de rasgá-la me encarando — Molly...

— Você não vai sair, senhor Alcady — Soou severa — É meu braço direito. Não posso aceitar isso, uma vez que desde o começo combinamos de não misturar nossa vida pessoal com o desempenho profissional na Delux.

— Mas Molly... — Ficou de pé e contornou a mesa até a minha frente.

— Se você sair... O que me resta?

— Seu trabalho sempre foi reconhecido. Você é a grande Molly Bern da Delux... Com certeza não mereço os méritos por isso.

— Merece os méritos por seu trabalho como meu secretário. Não merece perder a vaga que conquistou com tanto empenho, seu salários e os benefícios... Estou pensando em Melany quando te peço isso. Agora você é o pai dela.

Molly estava certa. Eu deveria pensar em Melany, mesmo que a mesma não precisasse de mim financeiramente.

— Está bem — Aliviou-se e olhou para o teto brevemente — Preciso pensando como pai agora.


Passei o expediente todo fazendo contas.

Não contas relacionadas à Delux, mas sim contas que envolviam diretamente minha vida pessoal. Rabisquei um caderno todo com anotações enquanto me distraia. O resultado de todas as contas foi um atraso menstrual de cinco semanas! Onde estava minha cabeça todo esse tempo?

— Vou buscar Melany no balé. Amanha cedo a deixo na escola — Alexander avisou sentado em sua mesa enquanto eu juntava minhas coisas para ir embora.

— Certo Alexander. Sem qualquer problema — Arranquei a folha do caderno em que estava marcando tudo e enfiei em minha bolsa com certo receio dele ler.

— Está com algum problema Molly? — Parei em frente a sua mesa com as palavras na garganta.

"Alexander... Acho que estou esperando um bebê."

Engoli a respiração e fiz como ele fez um dia... Esperei ter certeza antes de falar qualquer coisa.

— Não Alexander — Sorri de canto e ajeitei a bolsa sobre o ombro — Já vou indo... — Apontei para a porta — Que você tenha um ótimo aniversário.

— Obrigado Molly... — Senti seu olhar em minhas costas enquanto caminhava para a saída. Parei de caminhar um pouco e olhei por cima de meu ombro, vendo-o.

— Talvez eu te ligue mais tarde para desejar feliz aniversário — Estremeci por dentro ao ver aquelas mãos se movendo enquanto ele levantava e vinha em minha direção.

— Pode me desejar um feliz aniversário agora — Parou perto com uma das mãos buscando minha cintura — Não me importo — Ficamos um tempo apenas nos olhando, mas não resisti em abraça-lo delicadamente. Beijei seu pescoço.

— Feliz aniversário... — Sussurrei ao seu ouvido com aquele perfume de homem me embriagando os sentidos — Que tudo o que você deseja se torne seu. Que tenha muita saúde e realize todos seus sonhos.

— Obrigado – sussurrou também deslizando uma de suas mãos pela lateral de meu corpo. Instantaneamente me lembrei dele realizando esse mesmo movimento. A única diferença era que em minha lembrança estávamos ambos nus e não sabíamos onde ele começava e eu terminava — Posso pedir um presente?

— Melhor não... — Afastei um pouco e ficamos frente a frente. Minha respiração ofegava.

— Então sinto muito. Terei que roubá-lo — Antes que eu pudesse pensar Alexander havia colado seus lábios nos meus com força, me empurrando contra a parede em um beijo desesperado. O envolvei mais em meus braços, sentindo-o descer as mãos até meu quadril e me apertar. Puxei seu cabelo delicadamente, mas fui incapaz de afastá-lo. Passei tantas noites sonhando com isso... Com o momento em que voltaria a sentir o gosto do amor junto a ele, com suas mãos sobre minha pele espalhando o desejo para todos os lados... Mas acabou. Como ele disse, era um presente — Obrigado.

[...]

Tudo bem.

Larguei a garrafinha de água que vim bebendo desde a farmácia e subi para o banheiro. Não fiz apenas um teste, mas sim três para ter logo uma certeza e não ficar curiosa.

Deixei os testes sobre a pia do banheiro e tomei um banho rápido. Com a ansiedade não consegui sequer demorar no chuveiro... Meu coração corria no peito de maneira descompassada e não podia sequer cogitar passar por aquela experiência novamente. Como fui tão tola a ponto de não notar todas as mudanças?

Não estava em meus planos, muito menos em meus sonhos, mas o teste apontou a verdade.

Eu estava grávida. O resultado era um forte positivo.


CAPÍTULO VINTE E SEIS


O celular rolava em meus dedos, que ameaçavam digitar o número de Alexander a cada segundo, mas sempre voltavam para o botão delete.

"Olá Alexander. Como você está? Ah, tenho uma novidade! Estou grávida!"

O ensaio que fiz com o celular no ouvido e olhando para o espelho soou patético a meus ouvidos, tanto que me joguei na cama em seguida e pousei uma das mãos sobre a barriga. Deslizei os dedos sobre meu ventre ainda plano e fechei os olhos.

Grávida novamente. Grávida depois de tudo, agora em uma situação completamente diferente da primeira.

Nem mesmo minha pequena Melany estava ali para partilhar do momento comigo... Respirei fundo e comecei a colocar as ideias no lugar. Sentei-me novamente e digitei o número de minha ginecologista. Após ouvir meus sintomas a doutora marcou uma ultra para a manhã seguinte e disse ter certeza de que eu estava esperando um bebê, uma vez que o teste era muito confiável. Nada do que eu mesma não esperasse... Obviamente me lembrava vividamente que deixamos de usar proteção algumas vezes durante o namoro, mas nunca pensei que pudesse resultar em alguma coisa. Alexander era cuidadoso em relação a isso, mas nada é garantido. Aconteceu!

Somos adultos, temos vidas estáveis, temos Melany e um bebê a mais não irá por nada a perder. Eu acho.

Sai da cama tentando me convencer de que a linha de raciocínio era essa mesmo. Olhei-me no espelho de corpo inteiro e notei como estava nitidamente diferente. Quadril largo e o decote caindo para fora... Como pude não notar? Deveria ter sido a ocupação mental que tive nos últimos dias com Alexander e tudo. Ergui minha blusa e estudei a barriga, que ainda me parecia à mesma. A estufei um pouco e me recordei da gravidez de Mel, quando engordei quinze quilos e fiquei pequena e redonda.

— Parece que seu esperma é de ouro mesmo — Comentei pegando minha bolsa sobre a mesinha e um casaco. Vi uma foto minha e de Alexander jogada no fundo da gaveta — Obrigado por mais essa Alexander!

Caminhei até a porta me preparando para ir até a casa dele dar a noticia. Era o certo não era? Ele era o pai e tinha direito de saber... Algo me dizia que ficaria muito feliz, que seria seu melhor presente e... Presente. Detive-me. Era véspera do aniversário dele. Isso seria como um presente? No mesmo momento joguei minha bolsa sobre o sofá junto ao casaco. Existia uma forma mais fácil de reportar essa noticia e seria meu método utilizado.

[...]

Passei a noite toda pensando neles e na maneira como fui irresponsável ao me deixar engravidar em um namoro que não sabia que vingaria. Eu o amava antes e tinha certezas... Mas agora tudo era tão diferente.

Como seria ser Molly Bern com dois filhos?

Com Melany foi bem trabalhoso, mas era apenas uma criança e tive a ajuda de muita gente. Agora seria Melany e um novo bebê. Não estava em meus planos... Me roubaria tempo. Demorei quase três anos para entrar nos eixos com a chegada de Melany e temi pela nova gestação. O medo era inevitável! Pousei a mão sobre o ventre e fechei os olhos. Apesar de tudo, ser mãe era o que eu mais amava fazer.

Agora era tarde para voltar atrás.

— E então? — Questionei ansiosa e deitada sobre a maca do ultrassom. A última vez que estive em tal situação não passava de uma menina amedrontada. Agora, adulta, a experiência era tão distinta e renovadora. O bebê ainda me assustava, porém não havia sensação melhor.

— Pois é Molly. Basta olhar para a tela e verá — Doutora Anne, minha médica de confiança, apontou a tela. Me virei em direção onde ela gesticulou um pontinho que se movia dentro da imagem distorcida de meu útero — Diga olá para seu novo bebê.

— Meu Deus... — Sussurrei estreitando os olhos — Ele está mesmo aí! Um feijãozinho...

— Molly, meus parabéns! – Sorri com os olhos cheios de lágrimas. Aprendi com Alexander que o jeito mais fácil de superar momentos tensos e difíceis é fazendo piadas e sorrindo — Quer ouvir o coração?

— Já? — Me surpreendi com as lágrimas que derramei ao ouvir o som. Deslizavam tão facilmente que me era impossível detê-las.

Tudo era novo agora. Era como se fosse mãe de primeira viagem curtindo tudo o que envolvia aquele momento especial. Era assim que deveria ter sido na primeira vez também.

— É bem ativo. Veja só...

— Puxou ao pai — Suspirei limpando sob os olhos para não escorrer maquiagem — Bebê Alexander... — Murmurei — É um menino?

— Não consigo ver ainda — Lamentou-se estudando a imagem e talvez ignorando meu momento mamãe emocionada. Meu coração estava naquela fase de crescimento, começando a abrigar mais um ser que como Melany, me apaixonei a primeira vista — Pelo que vejo você está com pouco mais de cinco semanas de gravidez. Podemos marcar o início do pré-natal?

— Marque tudo o que for preciso.

— Quer uma foto para mostrar para o papai? — Piscou amigavelmente.

— Por favor... É aniversário dele. Acho que vai gostar da surpresa — Sai de lá com os exames marcados e o pré-natal quase todo agendado. Enquanto me dirigia ao carro não parava de olhar para a foto do ultra, sorrindo para mim mesma — Pequeno feijão... — Sussurrei para a foto — Bebê Alexander.

Me dirigi para a loja mais próxima e comprei o presente de Alexander. Ele merecia como todos ter a emoção de abrir uma caixa decorada, mesmo que o presente venha depois.


Molly não ligou.

Melany disse que a mãe estaria cansada, por isso deveria ter dormido cedo, mas não acreditei. Molly não ligou porque não quis. Será que o beijo havia confundindo-a? Esfreguei os olhos e sai do elevador, dando de cara com alguns funcionários da Delux reunidos e segurando um bolo. Lucca, Eric e Alice usavam chapeuzinhos de aniversário e outros estavam arremessando confetes em mim e com bexigas nas mãos. Antes que pudesse falar, começaram a cantar parabéns.

Tive vontade de voltar para o elevador de vergonha, mas me puxaram para o meio e aceitei as comemorações. Colocaram-me um chapeuzinho e me empurraram para frente do bolo. Cocei o queixo e corei de vergonha. Esse pessoal não tinha mesmo jeito! Procurei Molly em meio à multidão, mas nada. Ela não havia chego ou não queria comemorar com todos?

— Faça um desejo e apague as velinhas Alexander! — Alice pediu sorrindo. Apaguei as velinhas com os números dois e sete pensando em Molly.

Desejo que Molly volte para mim.

Abri os olhos e vi o elevador se abrir Molly sair do mesmo com uma caixa de presente amarela em mãos.

— Bom dia... — Disse a todos quando o departamento de moda inteiro se voltou para olhar para ela. Tinha um sorrisinho no rosto e passou por todos nós sem dizer nada, indo até sua sala discretamente e sem querer atrapalhar. Segurei-me para não segui-la, sabendo que aquele presente que trazia era meu.

Esperei apenas que meus colegas cortassem o bolo e guardei o primeiro pedaço para ela. Assim que pude escapei de todos e fui para a sala levando o bolo e um copo de refrigerante com alguns docinhos. Ao entrar a vi parada em frente a sua mesa... Estava de pé e apoiada no móvel. Encontrava-se linda... Usava um vestido amarelo claro com uma fita branca na cintura, salto alto branco e cabelos soltos... Brilhava como o sol a meus olhos. Sorri e me aproximei carregando o bolo.

— Trouxe o bolo para a senhorita — A vi me olhar e morder os lábios delicadamente — Está muito bom e deve comer. Ninguém pode recusar o primeiro pedaço... — Estiquei para ela o bolo.

— Obrigado — Sussurrou aceitando. Colocou o refrigerante de lado e se esticou para pegar a caixa com a outra mão. Ficou me olhando durante alguns segundos de maneira hesitante. Vi em seus olhos que não sabia o que fazer.

— É para mim? — Molly sorriu minimamente e assentiu corando. Estiquei a mão para receber e ela me entregou — Já posso abrir? — Estava agora cutucando o bolo de chocolate com o garfo.

— Pode... — Sua voz mal saia. Intriguei-me, pois estava nervosa.

Enquanto Molly comia o bolo calada e me espiando por debaixo dos cílios, desfiz o laço branco da caixa amarela e afastei os papeis enrolados com tanto enfeite. Vasculhei e a primeira coisa que encontrei foi uma folha e uma caixinha fechada. Paralisei quando peguei a caixinha.

Era um calçado, mas definitivamente não serviria em mim.

O sangue gelou em minhas veias. A encarei ao notar que a marca era infantil e para bebês.

Molly não me olhava...

Desfiz a caixa e peguei o calçado em mãos, me deparando com um sapatinho de bebê branco, simples e delicado. Peguei a folha no momento seguinte e vi uma imagem de ultrassom datada com o dia de hoje e com o nome dela. Havia sim uma coisa ali. Uma coisa pequena. Um bebê.

Bebê.

Ainda comendo Molly me olhou. Mastigava um pedaço de bolo tranquilamente e em silencio. As palavras morreram e meu coração disparou. Queria chorar, mas não conseguia esboçar reação. Deixei tudo na mesa ao lado e apenas segurei o sapatinho e a foto.

— É meu? — Falei com a voz tremendo.

— O sapatinho? Não creio que sirva! — Colocou o bolo de lado.

— Não — Me aproximei mais dela, ainda segurando as coisas — Me referi a isso — Mostrei a foto — Você está grávida?

Olhou para baixo e tocou a barriga brevemente.

— Estou... — Sussurrou e então me olhou curiosa — Nós estamos.

Sem esperar a agarrei pela cintura girando-a no ar antes de beijá-la contra sua mesa. Seus lábios com gosto de bolo me instigaram e tudo tinha gosto de comemoração. Molly me beijou de volta com a mesma intensidade e parecia sorrir em meio a isso, tocando meu rosto com o seu.

Um bebê. Ela estava grávida!

Finalmente eu teria uma nova chance de recomeçar e me mostrar de verdade. Havia mais um laço inquebrável que ligava minha vida a de Molly e isso apenas se tornava mais forte. A emoção não cabia dentro de meu peito.

— Ele parece um feijãozinho — Comentou ainda abraçada a mim, tocando meu rosto e com o nariz junto ao meu. Sorria de um lado a outro. Estava tão feliz quanto eu e isso era maravilhoso.

— É nosso bebê!

— Gostou do presente?

— Não poderia ser melhor... — A abracei ainda mais forte. Era inacreditável...

— Que bom que está feliz — Sussurrou de maneira doce — Também estou — Me abraçou mais forte.

— Obrigado Molly — Beijei seu cabelo — Obrigado!

Por certo não existia presente de aniversário melhor.


A notícia sobre o bebê colocou todo o ódio relacionado ao passado em prova.

Não era fácil perdoar o homem que odiei um dia, tão pouco esquecer as situações em que vivemos, mas conheci Alexander como meu secretário e o homem que conquistou meu coração há tanto tempo adormecido. Não havia como mudar os sentimentos de uma hora para outra. Não havia como deixar de amá-lo, muito menos agora que teríamos um bebê.

— Acha que devemos contar a Melany imediatamente? — Almoçamos juntos naquele dia para comemorar a grande notícia.

— O que você acha? — Tapei a boca para falar, uma vez que mastigava — Um irmão nos desenhos é uma coisa. Na vida real é outra e ela pode sentir o baque.

Sentados frente a frente era possível detectar todas as expressões que adotava.

— Ela deve saber que agora as atenções serão divididas, por certo. É algo que tenho certo medo. Teremos mais um bebê e o bebê sempre exige maior atenção — Baixou o rosto um pouco preocupado e encarando a prato — Não quero que Melany pense que o irmão tomará o lugar dela. Acabei de chegar a sua vida e já terá que me dividir.

— É uma preocupação que compartilho. Vai ser um pouco difícil fazê-la compreender que não é mais o centro do mundo. Não sozinha — Toquei em sua mão brevemente – Mas não fique assim... Juntos vamos dar um jeito nisso. Somos uma boa dupla no trabalho e sei que vamos criar nossos filhos da melhor maneira possível.

— Você criou Melany sozinha. Duvido que eu teria feito com tamanho êxito — Sorriu fracamente e aquilo me apertou o coração — Devo tudo a você, Molly Bern.

Soltei sua mão e o encarei com firmeza. Seu olhar esverdeado não me deixava dúvidas.

— Não pense que está sendo fácil para mim, Alexander — Acenou em concordância — Você apareceu como um homem comum e se tornou meu secretário. Logo em seguida, meu amante e namorado. Me deixei envolver e descubro que você é ninguém menos que o pai de Melany! — O sorriso sem humor tomou conta de sua face — Existiu aquela carta...

— Molly, eu... — O interrompi.

— Não sei se posso culpá-lo, uma vez que você era apenas um doador, mas me doeu muito a rejeição — O olhar dele era envergonhado.

— Pensei naquilo por muito tempo, Molly. Me arrependo de tudo e gostaria de poder voltar no tempo para fazer diferente. Melany e você mereciam mais... Me perdoe!

Nada respondi. Baixei o olhar para o prato de comida ao sentir o estômago roncando. O bebê existia agora e estava ali, lembrando-me de seu papel.

— Temos dois filhos agora — Afirmei. Aquilo era soberano diante tudo, principalmente a vinda do novo bebê — E por mais que me doa, não quero afastar você deles. Não quero que esse bebê nasça sem um pai como aconteceu com Melany. Não quero ver a história se repetindo.

— Não vai — Garantiu — Eu juro que se depender de mim, não irá!

— O bebê chega daqui a sete meses e Melany tem apenas sete anos. A infância dela está somente na metade e você influenciará demais nessa jornada — Orgulhoso, sorriu com lágrimas nos olhos — É um novo começo.

— Amo ser pai dela. Não pretendo te decepcionar, Molly Bern — Tive a impressão de que aquele olhar transpassava a emoção genuína. Alexander parecia extremamente emocionado.

— Você nunca decepcionou, senhor Alcady.

— Obrigado — Tocou minha mão com carinho.

Ao chegarmos a Delux, enquanto o elevador subia, Alexander se aproximou e beijou minha testa ternamente. Cheguei a pensar que não resistiria e lhe beijaria, porém, fui forte. Nos olhamos e ele me segurou pela cintura com certa implicância. Não queria me soltar... Deveria ser pecado me abraçar assim. Deveria ser pecado a forma como meu coração gostava dele e tinha necessidade de pulsar com ele por perto. Baixei um pouco o rosto para me livrar de seu cheiro embriagante... Aquele aroma que não era de perfume nem desodorante, mas me deixava louca. Porque os lábios de Alexander eram tão atraentes? Porque eu não tinha força para me afastar?

— Alexander... — Estávamos próximos demais. Ele ergueu meu rosto delicadamente, fazendo-me encará-lo.

— Obrigado por ter me dito prontamente — Sussurrou — Muito obrigado por confiar em mim quando não mereço.

— É seu direito saber. Querendo ou não, você é o pai.

— Depois de tudo eu não merecia que fosse tão correta comigo.

— O bebê é nosso — O elevador chegava ao andar de meu escritório — E a história não vai se repetir.

— Não vai — Sorriu de canto e a porta se abriu.

[...]

— Vou descer para levar umas pastas a Sebastian — Alexander anunciou parado na porta —Qualquer coisa liga. Já volto.

— Não se preocupe — Ironizei escrevendo em um documento — Estou grávida, não doente!

— Esse vai ser o discurso agora? — Brincou saindo.

— Talvez... — Ele já tinha ido. Assim que a porta se fechou o telefone tocou alto. Assustei-me um pouco ao notar que era meu celular. Atendi no mesmo momento desconhecendo o numero.

— Molly? — Era Addie do outro lado da linha. Imediatamente reconheci a voz de minha ex-sogra.

— Addie! Tudo bom? Que saudades!

— Querida... Quanto tempo! Como vai? Também estou com saudades, mas a ligação é rápida! Alexander não está por perto está? — Me confundi um pouco com a reviravolta que fez.

— Não, ele acabou de descer para levar umas pastas — Expliquei — Mas o que houve?

— Liguei para avisar que hoje a noite vai ter uma festinha para comemorar o aniversário de Alexander aqui no apartamento dele. Claro que eu gostaria muito que você fosse com Melany! Tenho certeza que se as duas não estiverem de nada valerá meu esforço de fazer uma pequena festa... Além disso, estamos com muitas saudades de você! Não é certo parar de aparecer por aqui meu amor.

— Mas ele disse que não vai ter nada...

— É uma surpresa. Ele não tem ideia!

— Oh... — Fiquei confusa.

— Por favor, diga que virá!

[...]

Melany saltitou sobre mim assim que cheguei em casa e começou a contar sobre o aniversário do pai.

— Quando deu meia-noite coloquei uma velinha no bolinho do papai. Ele assoprou e fez um pedido. Quer saber qual pedido? — Olhei em sua direção. Sentada na beira de minha cama com as perninhas balançando no ar, estava muito empolgada me narrando os fatos.

— Qual pedido? — Dei mais um mordida em minha maça enquanto olhava minhas roupas no closet. Apenas de toalha após sair do banho, a duvida ainda me perseguia. O que vestir para a festa surpresa?

— Para que acontecesse algo que unisse vocês de novo — Me virei em sua direção um tanto confusa.

— Ele pediu isso mesmo? — Estreitei o olhar.

— Em voz alta e eu ouvi!

Imediatamente visualizei o resultado do teste de gravidez. O que poderia nos unir mais do que uma nova gravidez? Agora, mesmo se quisesse, minha vida tinha um segundo e mais forte nó atado a de Alexander, algo grandioso e impossível de ser desfeito. Mesmo assim, mesmo se nada nos unisse, o amor que sinto por ele é gigante e indestrutível. Suspirei.

— Quer ir a uma festa? — Estreitou os olhinhos verdes e cruzou os bracinhos confusa.

— Festa de quem?

— Quem faz aniversário hoje? — Brinquei com a voz irônica. Ela abriu os lábios em surpresa e sorriu pulando na cama.

— Claro que sim!

— Você tem quinze minutos para a Amber te deixar mais linda ainda — Saiu do quarto com pressa — E nada de roupa de calor! Está frio mocinha! — Relembrei gritando.

— Posso colocar lilás?

— O que você quiser... — Puxei um vestido branco e um casaco longo e escuro — Só vestido mesmo para disfarçar esse peso todo... — Cantarolei comigo mesma — De volta aos tempos de enjoos, azias e insônia!

Seria uma grande surpresa minha presença em seu aniversário, mas com certeza não um erro. O que eu mais desejava era estar perto de Alexander em sua data especial. O amava cada vez mais e esse sentimento só tendia a crescer. Nessa noite eu queria estar lá.


CAPÍTULO VINTE E SETE


Dentro de alguns meses eu seria novamente pai e nada tirava de meu coração que este golpe de felicidade também foi uma grande sorte em minha jornada.

Finalmente poderia acompanhar a gestação de um filho de perto, como infelizmente não fiz com Melany. Molly me teria ao seu lado e o novo bebê nos uniria novamente, ainda mais fortalecidos. Minha vida tomava sentido e um rumo aceitável após tantos erros e presepadas no passado. Segui para meu apartamento com um sorriso grande e satisfeito no rosto e me alegrei ainda mais ao encontrar uma grande surpresa a minha espera.

Ainda era o dia de meu aniversário. Apesar de alguém que nem sequer tinha nome ter sido o centro das atenções, o dia ainda era meu. Minha mãe parecia orgulhosa e Ethan feliz em meu colo perguntando sobre Melany.

— Ela não veio? — Reparei na ausência de minha filha e de Molly. As duas não estavam em meio a minhas irmãs, alguns primos e amigos.

— Eu liguei para Molly, mas... — Mamãe me encarou baixando os olhos tristemente — Sinto muito.

— Quem sabe elas não vem depois tio? — Ethan tentou me animar.

— Quem sabe.

O mais incrível de tudo foi notar que a presença de Melany já não era mais um mistério para meus familiares.

— Onde está sua filha? Fiquei sabendo que você tem uma menininha — Tia Ana questionou ao me parabenizar.

— Sim, tenho uma menina. O nome dela é Melany. Em breve terei outro.

Não era fácil explicar o inexplicável.

Afastei-me um pouco dos convidados e fui em direção a sacada. Me sentei em uma espreguiçadeira e suspirei, olhando a noite fria e quase sem estrelas. Era possível ver a fumaça de ar saindo de meus lábios de tão baixa a temperatura. Molly estava sendo maravilhosa comigo... Não era justo me entristecer porque não veio a meu aniversário.

Fechei os olhos e me encostei a cadeira. Não demorou para que um par de mãos pequeninas se fechassem sobre meus olhos. Toquei sobre as pequenas mãos e senti uma pulseira. Sorri.

— Adivinha quem é? — A voz doce sussurrou ao meu ouvido. Gargalhei e tirei as mãos de meus olhos, me virando para conferir a novidade.

— Eu não acredito que é você! — Abracei Melany no mesmo momento, puxando seu corpo pequeno na direção do meu e a erguendo no ar.

— Pensou que nós não viriamos? — Me beijou no rosto — Mamãe disse que quer comer bolo de graça!

— Bolo de graça? — Não vi Molly. Ver aquele rostinho de anjo de Melany era a graça mais perfeita que poderia acontecer essa noite. O dia todo estava perfeito agora — Essa foi a desculpa dela para vir?

— Você sabe... — Deu de ombros e se aproximou de meu ouvido para sussurrar — Ela gosta de você. Por isso veio.

— É claro que sei! Como você está linda! Quem te arrumou assim?

Usava meia fina preta e um vestido branco com corações pequenos desenhados em preto. O cabelo longo descia até sua cintura e cacheava nas pontas e a franja caia sobre seus olhos verdes. Usava sapatilhas e uma pulseira com a letra inicial de seu nome.

— Amber. Mamãe estava ocupada ficando bonita para você... — Colocou a mão sobre a boca para falar, como se murmurasse um segredo.

— E ela ficou linda?

— Você vai ter que ver! Eu achei — Olhou para a porta — Ela está na sala com a vovó. Disse para você ir lá.

— Vamos? — Assentiu.

— Você já cortou o bolo? Para quem vai o primeiro pedaço? Para mim ou para mamãe? —Gargalhou um pouco cumplice — Acho melhor dar para a mamãe, assim vocês voltam a namorar mais rápido.

— Poderia ser tão fácil. No dia em que um bolo convencer sua mãe de alguma coisa meu amor... O papai estará feito! — Suspirei e Mel gargalhou — Molly é dura na queda.

— Você também é — Torceu os lábios.

— E você não, mocinha? —Molly não estava por ali nem minha mãe.

As encontrei na cozinha juntas. Mamãe me encarou com felicidade e Molly, de costas para nós e inclinada sobre o balcão, também. Estava mesmo linda, como Mel havia mencionado. O cabelo, idêntico ao de Mel, solto e tão grande quanto. Vestia um belo vestido e salto. Achei estranho, uma vez que não era seu típico visual em uma festinha de família. Por um momento me senti como um bobo por não conseguir parar de admirá-la.

— Pensei que tivesse se perdido dona Melany! Estava difícil de encontrar o papai?

— Ele estava lá na sacada... — A pequena respondeu a mãe ainda em meu colo.

— Molly e eu conversávamos sobre as novidades... — Entendi prontamente o recado. Sobre a gravidez. Mamãe parecia curiosa — Ela ainda não me disse o que é, mas é melhor me contarem logo, antes que eu exploda!

— Que novidade? — Mel ainda não sabia do irmão e nos encarou com receio. Molly e eu trocamos um olhar longo e que disse muito.

— É melhor você ir na sala brincar com o seu primo, filha. Eu, papai e sua avó precisamos conversar entre adultos — Molly explicou com seu jeito sempre simplório e prático.

— Sempre isso... — A pequena murmurou saindo de meu colo — Com licença — Falou revirando os olhos e nos dando as costas.

— Meu Deus! — Mamãe soluçou com uma mão no peito — Essa menina é a coisa mais linda do mundo. Eu juro!

— Pois é... — Me coloquei ao lado de Molly, já que me puxou pela blusa com certa possessão para sua esquerda — Queremos falar com você sobre algo relacionado a ela.

— Relacionado a Melany? — Nos olhamos novamente. Molly parecia não sabe como dizer.

— Nós vamos ter outro filho mãe.

— O que?

— Molly está grávida.

Silêncio. Os olhos de minha mãe percorreram o corpo todo de Molly e logo em seguida meu rosto sério. Estreitou os olhos e cruzou os braços.

— Não entendo. Vocês... — Gesticulou nós dois — Não estão separados?

— A gravidez já tem um tempo — Molly disse um pouco baixo. Segurei sua mão para acalmá-la e ela agarrou meus dedos como se sua vida dependesse disso — Descobri ontem.

— Aconteceu durante o namoro. Não esperávamos, mas aconteceu — Os olhos de mamãe não desgrudavam de minha face.

Houve um longo silêncio novamente.

— Serei avó novamente! — Exclamou abrindo os braços vindo nos abraçar — Dois netos em tão pouco tempo, filho! Que alegria tremenda!

Um peso enorme saiu de minhas costas e senti que o mesmo aconteceu com Molly. O sorriso no rosto de minha mãe apenas evidenciava o quão bem recebido seria nosso novo filho e pelo visto o mesmo traria somente felicidade para nossa família. Molly tinha lágrimas nos olhos quando Addie a soltou e tocou sua barriga delicadamente.

— De quanto tempo você está? — Questionou empolgada e com os olhos brilhantes por lágrimas.

— Pouco mais de um mês... — A voz de Molly falhava.

— Melany já sabe? — Tocou meu ombro de modo a aproximar ainda mais Molly e eu.

— Ainda não.

— Vamos contar juntos — As palavras de Molly me fizeram sorrir.

— Que grande notícia! — Pousou uma mão sobre o peito — Meus parabéns aos dois! Sinceramente já estou ansiosa! Que presentão hein filho? — Tocou meu rosto com carinho.

— Eu disse a Molly que foi o melhor de todos — As duas sorriam e Molly estava com as bochechas coradas.

— E vocês vão se casar? — Mamãe questionou pegando a nós dois de surpresa.

A pergunta pairou no ar sem resposta.

[...]

Me casar com Molly era tudo o que desejava, mas sabia que não seria tão fácil.

A vida a dois era complicada, principalmente quando iniciada com uma filha já na infância e um bebê a caminho. Por outro lado, nossos filhos eram o principal motivo para querer estar ao lado dela. Os três eram minha família agora e não estava em meus planos abrir mão dela.

Cheguei a Delux disposto a oficializar o pedido. O máximo que poderia receber eu já tinha, que era um enfático não.

Assim que entrei a encontrei sentada em sua mesa com a cara amarela e uma garrafa de água ao lado. Não estava escrevendo ou sequer digitando, apenas sentada como se pensasse. Olhou-me e sorriu fracamente.

— Bom dia... — Cumprimentei colocando as coisas sobre minha mesa — Tudo bem com você?

— Bom dia nada... — Suspirou e tomou um gole de água — Desculpe, mas... Estou vomitando tudo novamente.

— Molly... — Abaixei-me a sua frente — Você não me parece nada bem... Quer ir a um hospital?

— Estou grávida, lembra? Isso é normal nos primeiros meses — Levou uma das mãos a cabeça.

— Então vá para casa, Molly. Não dá para trabalhar assim.

— Nem pensar! Já sai de férias duas semanas. Deixar a Delux mais um dia está fora de cogitação.

— Teimosa... Quero só ver.

— Não sou teimosa! Uma rainha jamais abandona seu posto!

Uma ligação feita por Pierre deixou meu pedido de casamento entalado na garganta. Molly não parava de trabalhar.

Eu esperava sinceramente que desta vez ela dissesse sim.


Em apenas três semanas as coisas mudaram para mim.

Meu corpo se arredondou ainda mais e a barriga discretamente começava a dar o sinal. Ainda não contamos para Melany porque resolvemos esperar as doze semanas iniciais em uma tentativa de não decepcioná-la caso a gravidez não vingasse.

Era dia do primeiro ultrassom.

Me arrumei com uma roupa confortável para fazer o exame um tanto descrente da presença de Alexander. Ele nunca mais forçou a barra sobre nosso relacionamento, mas estava sempre por perto. Precisei muito nos últimos dias... Era complicado ter que lidar com uma criança de sete anos e uma gravidez no começo. O mal-estar me acometia sempre pela manhã e a ajuda dele com Melany na escola era essencial. Fazia toda diferença.

O cuidado dele para comigo e com nossa filha demonstrava sua mudança e arrependimento. Se arrepender não significava apenas pedir desculpas, mas sim mudar as atitudes e ser alguém melhor partindo dos erros do passado. Era exatamente como Alexander estava lidando com a situação... Com muito discernimento e atitudes nobres.

Realmente havia se arrependido.

Sentei-me na cadeira da sala de espera da clínica notando que Alexander não estava ali. Minha consulta seria dali a alguns minutos e esperei que ele chegasse. Peguei uma revista, folheei, notei que era sobre moda e o nome da Delux estava estampado nas páginas mencionando o sucesso da coleção primavera-verão e também falando sobre mim. Sorri de canto. Minha foto na página era linda e eu estava ainda sem os três quilo ganhados até ali na gestação. Alexander, o secretário, posava ao meu lado na foto. Desviei a atenção para a legenda da imagem.

"Romance na Delux".

"Talvez você saiba que Molly Bern é a diretora de moda mais comentada da indústria, seja por sua postura rígida ou pelo sucesso que suas coleções desencadeiam, mas certamente não sabe que a poderosa da Delux mantém um relacionamento amoroso com seu secretário bonitão Alexander Alcady, que segundo fontes (e fotos) asseguram, é o pai de sua filha Melany. Devemos admitir que a poderosa Molly Bern é toda trabalhada no bom gosto."

— Lendo fofocas? — Olhei para cima após terminar a leitura com um sorriso no rosto. Alexander estava carregando uma garrafa de água e um livro em mãos — Posso me sentar? — Referiu-se a minha bolsa pousada na cadeira vaga ao meu lado.

— Bom dia para você também... — Ironizei e retirei a bolsa deixando que se sentasse. Ele esticou o rosto oferecendo a bochecha para eu beijar. Beijei seu rosto com cheiro de loção de barbear, notando sua pele macia.

— Você viu isso? — Mostrei a revista onde aparecíamos lado a lado.

— Não... — Pediu a revista com educação e passei para sua mão, tomando o livro dele. Começou a ler concentrado, enquanto eu explorava o livro com capa cor de rosa escrito "criando meninas".

— Criando meninas? — Gargalhei um pouco com o titulo — E se for um menino?

— Comprei por causa de Melany. Não tinha um "criando UMA menina". Também comprei um guia sobre "como se comportar na gravidez" para homens. Cheguei atrasado?

— Não, bem na hora do bolo — Olhei para o relógio pendurado na parede da sala — Já são dez.

— Não tem pressa hoje? Podemos almoçar juntos?

— A comida vai ser boa? Sabe que grávida só come em lugar bom... E quando digo bom quero dizer realmente bom! — Alexander riu.

— Vamos onde você quiser — Não me olhava e foi algo que achei estranho, apenas focava em nossas mãos unidas — Comprei um presente e quero te entregar.

— Presente? É para mim ou para o bebê? — Estreitei o olhar.

— Para os dois — Suspirou perdido e a médica chamou o meu nome.


Doutora Anne acomodou Molly na cama e explicou sobre o exame, dizendo que seria detalhado em relação ao bebê. Poderia identificar possíveis deficiências e coisas do tipo. Molly ficou alarmada.

— Como ele cresceu em alguns dias doutora... Não parece mais um feijãozinho — Quando a imagem apareceu na tela, quase desmaiei. Olhei para a barriga praticamente lisa de Molly, voltei para a tela e fiz isso umas três vezes. Não parecia mesmo que aquela imagem vinha de lá de dentro — Está vendo Alexander? Não é bonitinho?

— Está sim — Toquei minha cabeça e apertei a mão de Molly, que entrelaçou nossos dedos com os olhos transbordando — Isso é... Muito surreal.

— Oh não meu querido, é bem real! Veja só que belo bebê... Um menino agora? Ou a pequena Mel quer uma menina para brincar de boneca? — A doutora ainda mostrava as imagens do bebê, me deixando sem reação. Era o momento mais sublime de minha vida, a mesma sensação que experimentei ao descobrir que Mel era minha filha.

— Ela quer uma irmã, mas eu quero um menino — Molly garantiu empolgada, apertando meus dedos com fervor — E você Alexander?

— Eu o que? — Despertei quando ouvi meu nome ser pronunciado. Molly e a doutora riram de mim. Cocei o queixo envergonhado.

— Quer menino ou menina? — Molly falou em meio a uma gargalhada.

— Realmente não sei — Meus olhos estavam fixos na tela — Estou emocionado, Molly. Não consigo pensar!

— Seu marido é tão adorável — A doutora comentou com Molly de forma descontraída — De qualquer forma, será um bebê saudável. Pelo menos até agora está se formando corretamente.

O resto da consulta foi meio técnica. A doutora apenas explicou muitas coisas sobre o bebê, como por exemplo, que ele já tinha unhas. Existiam muitas coisas para se preocupar em longos nove meses, mas ao fim de tudo eu sabia que valeria a pena.

Mesmo já tendo Melany e a amando com todo meu coração, a chegada do novo bebê seria a realização de minha paternidade de um jeito diferente. Nos últimos anos ser pai havia se tornado um de meus sonhos, talvez também pelo peso que sentia por ter abandonado a criança até então desconhecida no passado. Ver Molly me contar que estava grávida de uma maneira tão linda, passar pelo ultrassom com ela, ler livros sobre bebês e vê-la de barriga seria uma parte distinta da experiência que tive com Mel, acompanhando de perto os momentos até o bebê chegar a nossos braços.

O mesmo tipo de amor, o de pai, poderia existia de dois jeitos diferentes. Agora o amor de homem que eu sentia por Molly era apenas um, sem jeito diferente ou qualquer coisa que o camuflasse e precisava urgentemente ser retomado.


Não sei se Alexander estava apenas se esforçando ou se aquele sorriso que não saia do rosto dele era mesmo felicidade. Apenas sei que estava sendo muito gratificante ter alguém para caminhar pelo shopping e dar uma olhada em coisas de bebê.

— Será que vai demorar a sabermos o sexo? Precisamos começar a comprar as coisas do bebê — Comentou olhando uma prateleira cheia de roupinhas dobradas e coloridas.

— Alexander... Não acha que está exagerando um pouco? Não tem nem três meses! Calma... Quando estiver no quarto mês nós começamos a pensar nisso — Peguei um vestidinho cor de rosa com desenhos de coração e mostrei para ele. A peça era tão pequena que era quase impossível imaginar alguém dentro daquilo.

— Os bebês já são estilosos desde cedo. Isso parece um desenho de Pierre — Estreitou o olhar pegando o vestido e vendo de perto. Gargalhei.

— Põe isso na cestinha. Vou levar! — Me olhou confuso.

— Por quê?

— Até parece que não viu as fotos e Melany bebê... Era muito mais estilosa do que isso! — Peguei em sua mão e sai na direção da caixa — Além disso, algo me diz que será outra menina.

— Você muda de ideia a cada meia hora, meu amor... Quero dizer, Molly — Apenas sorri e torci os lábios — Se for um menino quero só ver aonde vai parar esse vestido.

— Vamos dar um jeito — Dei de ombros e paramos na fila para pagar. Alexander ficou atrás de mim e me abraçou pela cintura. A situação pareceu normal, principalmente quando ele me deu um beijo longo no cabelo. Encostei-me nele e suspirei — Está sendo tão bom ficar grávida. Nunca pensei que ia gostar tanto de viver isso novamente.

— Temos que curtir enquanto Melany não sabe. Antes da crise de ciúmes, das fraldas e do choro — Enumerava bem humorado — Também estou gostando.

Contar a Melany realmente me intimidava.

[...]

Alexander havia terminado de comer a um tempo e encarava meu rosto fixamente, sem desviar um segundo, me deixando sem graça. Prossegui comendo e me deliciando com o lanche, tentando não corar demais com toda aquela expressão de apaixonado em seu rosto lindo.

— Acho que quando ficamos grávidas a comida tem mais sabor — Comentei e ele não mudou o jeito de me olhar, apenas sorriu — O que foi Alexander? Estou suja?

— Não, você está linda — Deu de ombros delicadamente e roubou uma batata de minha bandeja — Eu queria te perguntar uma coisa.

— Pode perguntar. Estou comendo, sendo assim, também estou feliz! Nada abala meu humor de grávida agora — Sorriu mais ainda e piscou um pouco nervoso, ajeitando o cabelo.

— Você ainda está magoada, Molly? — Ergui os olhos para ele e terminei de mastigar o hambúrguer lentamente. Neguei com um aceno antes de poder falar.

— Queria dizer que sim, mas confesso que estou muito satisfeita com você e sua postura —Ganhei um sorriso mais lindo ainda, largo e vasto.

— Já me perdoou por tudo?

— Faz muito tempo — Assumi tomando um gole de suco — O baque cessou e as emoções entraram nos eixos. Não posso afastar minhas crianças do pai por um erro do passado sem ao menos uma chance.

— Isso me deixou mais confiante. Vou pegar um sorvete. Quer?

— De chocolate, por favor — Pedi sorrindo.

Alexander se afastou na direção da lanchonete. Não pude evitar pensar sobre onde nos levaria todas aquelas perguntas. Apenas o observei comprando o sorvete... Algo me dizia que surpresas estavam por vir. Ele estava com outra? Diria que já não sentia mais nada por mim? O medo irracional se propagava em meu ser, mas era impossível cogitar uma forma natural de introduzir o assunto "namoro" dentro de nossos assuntos. A resposta veio pronta.

Alexander voltou e colocou um sundae de chocolate em minha frente. Presa a colher do sorvete havia um anel prata e muito brilhante. Não sei como conseguiu colocar aquilo ali, mas perdi o ar apenas contemplando a arte.

— Não vai falar nada? — Olhei do anel para ele em pânico, engolindo a respiração e o nervosismo aparente — Molly?

— Está me pedindo em namoro de novo? — Ao ouvir a mim mesma dizer as palavras tudo soou mais leve e respirei fundo, aliviada. Levei uma das mãos ao peito.

— Não — Falou como se fosse obvio, trazendo a cadeira para mais perto de mim de modo a ficarmos muito perto um do outro. Paralisei.

— Como não? — Peguei a colher do sorvete e tentei tirar a aliança dali.

— Não estou te pedindo em namoro, mas sim em casamento — Como se a aliança queimasse a deixei cair sobre a mesa. Alexander me olhou assustado — Molly?

— Casamento? — Pousei a mão no coração e senti tudo rodando.

— Nossa posição é essa. Temos uma filha, estamos nos preparando para a chegada do novo bebê e está passando da hora de dividirmos uma casa e nossas vidas. Não vejo uma maneira mais clara de dizer que quero dividir a vida com você, Molly Bern.

— Alexander — Suspirei mexendo no cabelo nervosamente — Namoramos apenas seis meses! É tão rápido! — Muitas coisas se passavam por minha cabeça ao mesmo tempo. Nunca considerei a ideia de me casar assim, principalmente estando grávida. A situação era muito incomum, mas eu o amava — Nunca considerei realmente me casar.

— E eu não considero viver sem você — Colocou uma das mãos sobre minha barriga lisa por cima da blusa — Como vai ser quando ele chegar? Não quero acompanhar de longe. Quero estar com você quando leva-lo para casa, quero acompanhar seus primeiros passos, sua primeira palavra e ter meu filho completamente comigo. Quero ser pai de Melany vinte e quatro horas por dia, não apenas aos finais de semana. Quero estar com você sempre, não apenas na Delux — Não consegui parar de olhar para seu rosto. Os olhos verdes iguais aos de Melany cheios de lágrimas me emocionavam.

— Alexander...

— Entendo que seis meses não é tempo suficiente e que esteja insegura, mas não tenho mais tempo. Quero casar com você antes do bebê nascer, antes de Melany entrar na adolescência sem que eu esteja ao lado dela... Por favor, Molly, apenas te peço isso. Sei de tudo o que vivemos, sei do amor que tenho por você. Juro que serei o melhor pai para nossos filhos e serei o homem mais fiel e compreensivo para você. Te amo muito, por favor, casa comigo?


CAPÍTULO VINTE E OITO


Foi difícil deixa-la ir.

Molly estava grávida e não existia a possibilidade de pressioná-la por uma resposta imediata. Tive a coragem de enquadrá-la e dizer meus sentimentos e isso já era algo realmente grandioso. Voltei para casa dirigindo sob a chuva da tarde, mas antes passei na casa de minha mãe para espairecer um pouco as ideias. Havia muito em minha mente sem ser compartilhado.

— Filho... — Levou a mão aos lábios enquanto olhava a foto do ultrassom — Mas ele é um bebê perfeito! Veja só... — Pude jurar que havia lágrimas em seus olhos — Vocês dois fizeram um lindo trabalho.

— Eu sei mamãe — Respondi sentado na mesa da cozinha descascando uma fruta qualquer para Ethan, que estava ao meu lado.

— Melany já sabe do irmãozinho, tio? — Questionou chacoalhando as pernas no ar, já que não chegavam ao chão.

— Não e o senhor também não vai contar nada, rapaz... — Entreguei a fruta a ele.

— Vou jogar vídeo game. Quer vir comigo? — Neguei — Tio... Se o seu filho for menino você vai me esquecer?

— Que ideia é essa? Claro que não! — Chacoalhei seu cabelo.

— Você é um pai para mim, tio — Me abraçou e saiu para a sala.

— Vai ser outra menina, pode apostar! — Mamãe ainda olhava a foto e afirmava com convicção o que dizia.

— Não estou preocupado com o sexo do bebê. Ele estando saudável é o que realmente importa. Além disso eu... Pedi Molly em casamento hoje.

— O que? — Minha mãe parecia surpresa.

— Ela ainda não disse sim.

— Ela disse não?

— Não... Ela não disse nada!

— Menos mal — Suspirou aliviada e apoiando-se na mesa. Abanou-se com ao foto do ultrassom e me olhou — Não dizer nada não significa não, querido.

— Mas também não quer dizer sim, mãe — Relembrei desanimado — Estou muito angustiado! — Baixei a cabeça entre os braços e senti suas mãos em minhas costas.

— Molly vai aceitar querido. É apenas uma surpresa para ela. Vocês namoraram alguns meses e já vão ter um segundo filho. As coisas aconteceram rapidamente, mas certamente Molly vai considerar os sentimentos de ambos. É uma mulher justa e esperta.

— Espero que tenha razão, mãe. Espero que realmente tenha razão!


Algumas semanas se passaram desde o pedido de casamento e eu ainda não me via na posição de dar alguma resposta.

Combinamos de contar a Melany sobre a irmã no dia seguinte e muitas lembranças tomavam meu pensamento enquanto encarava o teto de meu quarto naquela noite. Fechei os olhos e percebi que chorava.

Passei a lembrar da primeira vez em que Alexander entrou em meu escritório.

De quando visitei a casa dele.

De nosso primeiro beijo e da viajem a casa de Alice. Da praia... Nossa primeira noite juntos.

Levantei-me e coloquei um casaco por cima do pijama. Olhei no relógio. Chorei tanto tempo assim? Meia-noite! Sem pensar em mais nada corri em direção à chave do carro no andar de baixo e chequei para ver se a empregada estava mesmo em casa. Com a chave do carro em mãos desci o elevador notando que chovia do lado de fora e corri para o carro. Apertei o cinto e dirigi em meio a chuva e com lágrimas nos olhos.

Eu precisava me libertar e fazer o que o coração mandava. Não podia mais ficar presa nos limites da razão e ouvindo a parte que apenas queria me deixar infeliz.

Era difícil acreditar em mim... Meu coração gritava alto.

A chuva me cegava, mas a euforia era demasiada. Alcancei o prédio de Alexander depois do que pareceram anos. Estacionei torto, desci do carro no meio da chuva mesmo e empurrei o portão com força... Subi até o elevador molhada até os ossos, tremendo, sem se importar com a água gelada em contato com minha pele. Entrei no elevador e apertei o botão impaciente, fervendo por dentro e nervosa.

Bati na porta uma vez. Nada!

Duas vezes e com mais força.

Lá estava ele abrindo a porta. Usava apenas uma calça cinza de moletom, o cabelo bagunçado, os olhos pequenos e sonolentos. Coçou o peito levemente e arregalou os olhos quando me viu. Ficou parado apenas olhando sem entender nada e travei. Perdi a fala. Respirei fundo.

— Molly? — Sussurrou em choque, olhando-me dos pés a cabeça.

— Sim — Sussurrei baixinho.

— Entra! — Abriu espaço e tentou me puxar pela mão, mas apenas me aproximei dele — Molly?

— Sim! Aceito me casar com você! — Expliquei olhando em seus olhos emocionada, encarando-o de baixo — Eu te amo muito Alexander e não quero ficar mais nem um minuto longe de seus braços.


— Diz alguma coisa... — Não deixei que Molly falasse mais nada! A puxei em minha direção e a abracei com força, sentindo como sua pele se encontrava fria e como tremia em meus braços — Não me diga que é tarde demais — Sussurrou me abraçando também.

— Nunca será! — Encarei seus olhos vermelhos e inchados após nos separarmos. O jeito como me olhava lembrava Melany manhosa por ter feito algo errado e agora estava se desculpando — Disse que te daria tempo, não disse? — Ela concordou — Pronto. Não preciso de mais nada! — Sorri e toquei seu rosto — Eu te amo. Nem acredito que...

— Shh... — Pousou um dedo sobre meus lábios e me empurrou pelo peito para dentro do apartamento, fechando a porta com os pés apressadamente — Tem uma coisa da qual eu preciso.

— O que...? — Questionei em certa inocência. A mesma desapareceu quando Molly se pendurou em meu pescoço no escuro e se jogou sobre mim, lançando-nos contra o sofá da sala e derrubando algo pelo caminho. Surpreso, abriguei seu corpo sob o meu com cuidado, girando-a no sofá e ficando sobre ela.

— Molly... — Sussurrei em meio ao beijo. Suas mãos subiam por meu peito nu perigosamente. Segurei seus pulsos com delicadeza — Não. Você está de neném e...

— Não tem problema! — Livrou-se de minhas mãos e continuou acariciando meu corpo.

— Calma, espera! — Parei de me mover e segurei seus pulsos contra o sofá, impedindo-a de prosseguir. Através do escuro vi seus olhos brilhantes, o peito subindo e descendo em uma respiração descompassada e ofegante, praticamente em chamas — E se eu te machucar?

— Não vai acontecer... Eu garanto! — Respondeu entre ofegos. Contorcia os pulsos louca para me tocar. Apertei mais os dedos em sua pele e ela gemeu.

— Por acaso não está querendo apenas me usar e voltar correndo pra sua posição de ferida, não é? — Estreitei o olhar e ouvi sua risada baixa e envergonhada.

— Não! — Soltei seus pulsos e logo suas mãos foram para meu pescoço, tocando-me a pele e puxando minha boca para perto de seus lábios o máximo que pôde — Te amo. Eu aceito! Pega logo aquele anel e coloca no meu dedo... Nos casamos amanhã se você quiser — Dizia acentuando as frases com um selinho longo e delicado.

— Então hoje é meu dia de sorte? — Murmurei a seu ouvido sorrindo contra a pele de seu pescoço em seguida, apenas provocando-a.

— Podemos ir para o chuveiro? — Parecia envergonhada — Estou com frio, molhada e gelada.

Sai de cima dela e a ajudei a se levantar. Caminhamos até o banheiro e liguei a luz, vendo seu rosto nitidamente mais contente e um sorriso enorme estampado em seus lábios.

— Sair de casa essa hora na chuva foi uma atitude irresponsável...

— Dá para repreender depois que ligar o chuveiro? — Sugeriu retirando a blusa. Continuou retirando sua roupa sem deixar de olhar em seus olhos.

— Prefiro não brigar — Lancei uma longa olhada para seu corpo despido e me voltei para seus olhos — Ainda parece à mesma para mim. Está sempre linda aos meus olhos.

— Você é sempre tão doce... — Tocou meu rosto levemente e sorriu — Havia me esquecido de como é ficar ao seu lado.

— Já eu não me esqueci de nada. Sinto saudade... Agora quero relembrar — A puxei comigo para baixo de chuveiro e terminei de me livrar das roupas que ainda nos impediam de consumar o que desejávamos desde a última vez.

Apesar de estar ali, fazendo amor com ela sob a água quente do chuveiro, a única coisa que eclodia em minha mente era que essa vez era uma em um milhão. Essa mulher seria minha para sempre e eu jamais a deixaria só. Seu "sim" era o que havia de mais valioso e agora era meu. Era tanto amor que mal cabia no peito.

Amei redescobrir seu corpo, tocar onde me lembrava de que ela gostava, sussurrar coisas doces e obscenas em seu ouvido, ouvi-la sussurrando meu nome... Como consegui viver esses meses sem isso? Sem tocá-la? Sem ela toda?

A olhei nos olhos antes de acabar, unindo seus dedos aos meus. Não tinha como ser um sonho... Molly era real demais. A beijei delicadamente, selando o momento que marcava nosso reinicio. A única certeza em meu coração era a de que a amava demais.


Abri os olhos com a sensação de minha mão sendo erguida levemente. Pisquei várias vezes e foquei em Alexander deitado ao meu lado, aquecendo meu corpo enquanto deslizava uma aliança de prata por meu dedo anelar. Após fazer isso beijou delicadamente sobre o anel e olhou em meus olhos.

— Bom dia! — Disse com a voz carregada de felicidade. Notei que ainda estava nublado e chovia lá fora. Seu quarto estava todo revirado, nossas roupas jogadas por todo lado, almofadas no chão e livros caídos, mas estávamos juntos sobre a cama e muito felizes. Tudo parecia completo!

— O que significa isso? — Toquei meu dedo brevemente.

— Ontem você afirmou que eu poderia colocar o anel em seu dedo. Lembra?

— Sim — Me inclinei e o beijei longamente, não desejando me separar de seus lábios — Adorei a noite. Foi... Incrível. O anel também. Obrigado.

— Obrigado? — Me olhava como se meu rosto fosse à coisa mais perfeita que existia — Sou quem deveria agradecer.

— Creio que já esteja na hora de trabalhar. Minha vontade era ficar aqui com você o dia todo — Nós sorrimos uma para o outro e me levantei da cama.

— Não podemos matar o trabalho hoje? — Permaneceu deitado com aquela carinha de dó. Comecei a pegar meu pijama antes molhado e agora seco do chão e me vestir — O que acha chefe?

— Temos muito a fazer hoje. Além disso, vamos ficar juntos. Apenas vou passar em casa pra tomar um banho. Não dá para trabalhar de pijama! — Ao me ouvir mencionar minha casa se levantou também.

— Vou com você. Assim contamos as duas novidades a Melany.


Não tivemos tempo de chegar antes de Melany ir a escola e tivemos que esperar um pouco mais para dar a notícia.

— Será que conseguimos arrumar uma casa e os detalhes para o casamento em dois meses? — Estreitei o olhar em sua direção e vi um sorriso nascendo em seus lábios. Apertou minha mão na sua com cuidado.

— Será um trabalho e tanto... Primeiro vamos vender nossas coisas, ver com o que vamos ficar e o que vamos nos desfazer... Depois temos que comprar uma casa maior. Não podemos ficar em um de nossos apartamentos, precisamos de um espaço maior por causa das crianças — O jeito como me explicava cada detalhe parecia deixar minha mente mais consciente do que estava por vir. Soava fácil em sua concepção — Concorda?

— Sim. Temos que planeja tudo — Cocei a cabeça brevemente — Acho que será fácil vender meu apartamento. O seu também! Posso ligar na imobiliária e agendar umas visitas.

— Já aproveitamos e damos uma olhada em algumas casas. Precisamos ver algum bairro bom e que tenha escolas por perto.

— Melany tem que opinar também. Já pensou se compramos uma casa que ela não goste?

— Você não estava brincando... — Comentou olhando para nossas mãos unidas — Vamos mesmo nos casar — Demorou um pouco para me olhar nos olhos.

— O quanto antes! Aliás, sou muito tradicional. Penso em um casamento formal e com tudo o que se tem direito. Festa, vestido de noiva, igreja e bolo... O que acha? — Molly torceu os lábios ajeitando o cabelo solto com uma mão livre.

— Não sei se quero. Vou casar grávida. Além de estar quebrando a tradição, vou estar gorda e com um barrigão enorme. Se brincar nem entro em um vestido! — Não pude conter o riso — O que?

— Não seja tão provinciana! Ninguém se casa intocada hoje em dia querida. Além do mais, daqui a dois meses a barriga não vai estar tão grande assim. Exagerada...

— Espere e verá! Daqui a duas semanas já vai aparecer. Sou magra e a barriga aponta rápido — Ficou pensativa e até largou minha mão — Vou estressar nessa Empresa.

— Porque diz isso? — Me inclinei em sua direção ao notar sua preocupação.

— Já pensou o que vai acontecer quando descobrirem por aqui que estou grávida de você? Que vamos nos casar? Pensou?

— O que isso importa? — Dei de ombros — A vida é nossa, o casamento é nosso e os filhos são nossos...

— Se perdemos o emprego como faz para bancar os filhos, o casamento... A nossa vida?

— Desde quando dinheiro é problema? — Me encarou surpreso.

— Dinheiro não é problema, mas gosto da Delux. Construí coisas aqui. Isso é muito importante para mim.

— Acha que Cameron vai nos demitir porque você está gravida? Ele demitiria uma funcionária por estar grávida?

— Por estar grávida não, mas se ela se casar com um dos funcionários do departamento, sim. Um dos dois certamente sairá. Já pensou quando brigarmos? A vida pessoal sempre se mistura com a profissional e neste caso poderia prejudicar a empresa — Não parecia feliz enquanto argumentava.

— É melhor não pensar nisso. Não vamos estragar nosso momento de felicidade com meros detalhes. Deixe as coisas acontecerem, está bem? — Me levantei e dei a volta em sua mesa para beijar seu rosto. Molly ficou de pé e me abraçou com força, como se pudesse se esconder entre meus braços.

— Não quero estragar nada. Somente quero dividir o que penso com você. Para, se acontecer, não ser uma surpresa — Suspirou e me olhou de baixo — Não quero que aconteça. Não quero parar de trabalhar com você. É muito bom ficar contigo aqui.

— Tudo vai ficar bem. Vamos ficar juntos de qualquer jeito — Molly sorriu um pouco e assentiu. Beijei sua testa e em seguida ela se inclinou para mim, colando os lábios nos meus. Foi em uma fração de segundos que abriram a porta da sala.

— Mamãe e papai? Vocês estão se beijando? — A pequena Melany se encontrava parada na porta da sala usando um vestido verde claro, sandálias e o cabelo preso. Tinha as mãos sobre os lábios de forma surpresa.


— Melany... — Falei me separando do abraço de Alexander lentamente.

— Eu vi! — Cantarolava saltitante — O que foi isso?

O momento foi meio constrangedor. Alexander olhou para mim um tanto nervoso e ajeito o cabelo. Mel continuava no mesmo lugar saltitando em uma felicidade extrema. Aquele sorriso fez algo dentro de meu coração inflar. Parecia impressão, mas minha filha nunca pareceu mais feliz.

— Mel, eu e mamãe precisamos conversar com você. Senta aqui — Vi que Alexander havia apontado para o sofá de nosso escritório e o segui, me sentando em uma extremidade com ele ao meu lado. Mel estava em pé a nossa frente impaciente para se sentar. Segurou os ombros de Alexander aguardando.

— O que é papai? Quer me dizer que vocês voltaram a namorar? — Quase chorava de felicidade. Nos olhamos novamente e assenti para ele, dizendo para prosseguir.

— Mel — Ficou atenta ao que o pai dizia – Eu e mamãe vamos nos casar em breve.

Aguardei impaciente o momento em que Mel reagiria de alguma maneira, temendo sua reação. Não mudou a expressão, apenas ficou mais confusa ainda. Estreitou os olhos verdes para Alexander e cruzou os braços.

— Quando dizemos "casar" significa que vamos morar juntos, Mel. Você sabe disso, filha — Toquei seu cabelo delicadamente. Começou a sorrir.

— Para sempre? Eu vou morar com vocês? — Dizia atropelando suas próprias palavras.

— Claro filha! Aonde acha que iria morar? — Tocou sua bochecha e ela o abraçou com força. Alexander retribuiu mais contente do que ela.

— Não acredito... Finalmente vou morar com meu pai e minha mãe... — Choramingava abraçada a Alexander com toda a força.

— E com seu irmãozinho — Completei vendo-os abraçados. Melany abriu os olhos e me olhou por trás das costas de Alexander. Piscou algumas vezes e se separou os braços do pai. Ele sorriu vendo seu rostinho confuso, quase explodindo em êxtase.

— Irmãozinho?

— Você terá um irmão Mel. Como queria... — Disse delicadamente e segurando na mão dela.

— E onde ele está? — Olhou em volta.

— Está aqui... — Coloquei a mão sobre minha barriga com um sorriso no rosto. Ela olhou minha mão e abriu muito os olhos.

— Na sua barriga? — Sussurrou assustada.

— Sua mãe está grávida, filha — Alexander interveio.

— Porque não disseram antes? Mamãe não parece grávida. A barriga dela ainda está pequenininha — Aproximou-se de mim e colocou uma mão sobre minha barriga, erguendo minha blusa — Deixa eu ver?

— Ainda é muito recente, Mel, mas logo minha barriga vai estar enorme e você vai ver — Expliquei sentindo sua mão se mover por minha barriga — Não dá para sentir nada ainda.

— Quando ele nasce? — Sentou-se no sofá desistindo de tocar o irmão.

— Daqui a sete meses — Fez o número sete com os dedinhos — Sei que demora, mas você vai adorar vê-lo crescer aqui — Mel estava calada, apenas olhando meu ventre — Quer perguntar alguma coisa?

— Como foi parar ai dentro? — Alexander riu.

— Pergunte ao seu pai. Ele colocou o bebê aqui dentro — Parou de rir quando Mel se virou em sua direção confusa.

— Pai? — Cobrou.

— Ah... — Não sabia o que dizer — Molly!

— E então? — Mel insistiu.

— Próxima pergunta!


Dois meses Depois


Disse a Alexander que eram muitas coisas para uma grávida pensar, mas ele insistiu e não aceitou esperar. Insistiu no casamento e o que eu poderia fazer se não concordar?

Na verdade, minha maior vontade no momento – além de ver o rostinho de meu filho que estava a caminho – era casar o quanto antes com Alexander e viver em nossa casa com Melany. Apesar de todo o trabalho que estava dando e todas as dores de cabeça, no final valeria a pena.

Não faltava tanta coisa assim... Meu apartamento e o dele já estavam vendidos por uma quantia alta, que nos possibilitou comprar uma casa enorme e maravilhosa em um bairro nobre da cidade. Mobiliamos a casa com os presentes de casamento e com os próprios móveis novos que compramos. Nos saímos muito bem em administrar juntos o nosso dinheiro, assim como tudo o que fazíamos juntos. Melany não cabia em si de felicidade!

No momento parecia ser a criança mais feliz do mundo, aguardando ansiosamente o dia do casamento para poder morar na nova casa. Não faltava tanto tempo assim, apenas mais alguns dias. Sua euforia era tanta que cedeu o quarto em frente ao nosso para o irmãozinho, alegando que perderia o medo de dormir sozinha para que o bebê ficasse mais perto de nós. A maturidade com que lidava com a chegada do irmão me surpreendia e deixava Alexander boquiaberto. Não poderíamos ter uma filha melhor.

Apesar de estar beirando os cinco meses de gravidez ainda não sabíamos o sexo do bebê, fato que deixava Alexander de cabelo em pé! Minha sogra dizia que era menina por causa do formato de minha barriga e a médica apostava em um menino. Veríamos em breve, já que no próximo ultrassom seria possível saber, finalmente!

Contei para meus pais sobre o bebê e o casamento, pois em breve chegariam os convites e de nada adiantaria ocultar por muito tempo. Minha mãe, por incrível que pareça, ficou radiante com a ideia de um novo neto e feliz por minha história ter se resolvido da melhor forma possível. Meu pai, pela primeira vez em quase oito anos, me deu um abraçou quando me viu e beijou meu rosto dizendo que me amava. Apesar de guardar tristeza, fiquei radiante com a nova forma que me tratavam.

O casamento...

Não seria algo grande. Apenas uma cerimônia simples para amigos e família. Ao final gostei muito de tudo o que Alexander organizou. Pierre desenhou um vestido maravilhoso projetado para grávidas. Nunca houve melhor época em minha vida. Estava cada coisa em seu devido lugar e a felicidade era tamanha que parecia inexplicável.

— Alice, Alexander ainda não chegou? — Perguntei saindo de minha sala e andando até sua mesa.

— Não senhorita... Ainda não — Por mais que tentasse não conseguia tirar os olhos de minha barriga. Desde que a mesma começara a aparecer nunca vim trabalhar com ela tão em evidência.

Sempre usei batas, vestidos, casacos... Algo que escondesse um pouco. Agora, no auge das dezessete semanas, era quase impossível ocultar o volume em meu ventre. Os empregados da empresa especulavam o assunto do momento! Circulava em todos os jornais, revistas de moda e internet sobre meu bebê.

— Quando chegar peça para pegar aquela pasta no financeiro e me trazer — Voltei para a sala notando que todo o departamento não tirava os olhos de minha blusa branca evidenciando muito a barriga. Revirei os olhos.

Eu sabia perfeitamente que não seria fácil enfrentar a Delux em minha nova vida.

Aquela era uma nova era. Uma nova Molly.


CAPÍTULO VINTE E NOVE


As risadas de Melany, que brincava com o pai, preenchiam toda a sala de espera da clinica.

As grávidas olhavam para os dois com doçura no olhar, uma vez que era impossível ser indiferente aos encantos daquela dupla. Sentada sobre o colo do pai, Melany parecia uma princesinha trajando um vestido cor de rosa e uma sandália branca com casaquinho. Seu cabelo enorme caia ao redor de seu corpo conforme tentava fugir das cócegas de Alexander, que se empenhava em fazê-la sorrir. O mesmo exibia um sorriso de lado a lado, vestido casualmente com jeans e camisa verde.

— Por favor, se comportem crianças! — Adverti olhando em direção aos dois.

— Melhor falarmos mais baixo, Mel — Alexander sussurrou ao ouvido dela.

— Vem perto mamãe! Me deixe ouvir o meu irmão em sua barriga — Cheguei mais perto e deixei que grudasse seu ouvido em minha barriga já saltada. Mel arrastava a cabecinha pela superfície de minha blusa azul escura e tentava achar o ângulo correto para ouvir o irmão — Papai, acho que ele está se mexendo! — Anunciou rindo como sempre fazia quando sentia o irmão mexer.

— Deixe o papai ver... — Pousou sua mão enorme também em minha barriga — Cadê meu garotão?

— Melhor não falar sobre isso antes de saber — Repreendi. Alexander apenas sorriu.

— Até ontem era menino... Você mesmo dizia, mamãe — Melany me encarou de baixo ainda com a cabeça em minha barriga — Oi bebê, sou eu, sua irmã Melany. Será que ele me ouve papai?

— Talvez sim querida. É bom que já vai acostumando com sua voz.

— Certamente já deve estar bem familiarizado com a voz de Melany — Alexander piscou para mim.

— Depois de hoje vamos usar o nome dele mamãe? — Há tempos Melany queria chamar o bebê pelo nome que ela e Alexander haviam escolhido caso fosse um menino. Josh era o nome eleito, mas impus a vontade de que antes de terem a certeza do sexo não chamariam por nenhum nome.

— Depois de hoje sim. Já escolheram o nome da menina? — Acariciei minha barriga quando os dois pararam de prestar atenção no bebê, que agora estava mais calmo. Sentei-me ao lado de Alexander, que me abraçou pelos ombros delicadamente, beijando meu cabelo.

— Por enquanto somente temos Josh — Alexander parecia orgulho, mas eu ainda tinha minhas dúvidas.

Foi assim com Melany.

Tive a certeza de que era uma garotinha e realmente era. Mesmo antes de saber sobre o sexo oficialmente as coisas do bebê já eram todas cor de rosa. Agora, no entanto, era diferente. Tanto Alexander quanto Mel desejavam um menino. Ele queria um menino para ser seu garoto, conseguir dele aquela parte protetora que precisaria comigo e com Mel. Já Mel queria garantir a posição de princesinha do papai, a única neta, sobrinha e prima da família... Não queria disputar o posto e talvez fosse mais fácil ser um menino para ela. Para todos.

A doutora me chamou e conversamos brevemente sobre alguns detalhes. Meu maior medo era a hora do nascimento. Com os traumas da primeira cesariana que havia sido horrível, decidi fazer parto normal da segunda vez. Alexander estava apavorado com minha decisão e tentava a todo custo me convencer a fazer a cirurgia para retirar o neném aos nove meses. Minha posição era irremediável.

— Tentaremos um parto normal então? — Doutora Anne questionou enquanto fazia o ultrassom.

— Sim... — Confirmei olhando a tela. Agora que estava grande era fácil de identificar o bebê e sua posição. Estava com forma e a cabeça visível, assim como grande parte do corpo.

— Nem durmo pensando nisso — Alexander olhava a tela erguendo Mel em seu colo para que a pequena pudesse ver o irmão.

— Vai dar tudo certo... O bebê ficará bem, assim como Molly. É algo natural da vida e as mulheres sabem parir. Estão vendo? — Apontou a tela.

— O que é? O que é? — Mel dizia empolgada no colo de Alexander e estreitando os olhinhos para ver a tela borrada.

— Finalmente abriu as pernas. Você vai ter uma irmã, Mel — Um sorriso abriu em seu rosto quando Alexander separou os lábios em surpresa — É uma menina! Meus parabéns papai, mamãe e irmã.

— Eu disse... — Suspirei sentindo lágrimas em meus olhos — Sabia que era menina.

— Menina? — Pensei que haveria algum tipo de desilusão por parte de Alexander, mas ele estava quase chorando olhando para o rostinho de Melany, talvez imaginando como fosse sua nova princesinha — Uma menina...

— Sério? — Mel não expressou muito interesse.

— Precisa encontrar uma nome para a irmã, Mel. É sua nova missão — Alexander se abaixou e beijou minha testa com delicadeza. Pude sentir toda sua emoção a partir daquele pequeno gesto.

— Já estou pensando no nome dela — Mel confessou olhando para a tela.

— Verdade? Será que pode me dizer algum da lista? — Para descontrair, a doutora pediu com um sorrisinho pretencioso. Mel negou, abraçando o pescoço de Alexander e deitando em seu ombro.

— Por enquanto ainda é um segredo! — A pequena respondeu seriamente.

[...]

Após o exame fomos para a casa de minha sogra, a primeira pessoa que receberia o convite de casamento de nossas mãos. Talvez não existisse no mundo avó mais ansiosa do que ela!

— Cadê o bebê da vovó? — Addie veio em minha direção animada. Me deu um beijo no rosto e se abaixou para beijar sobre minha barriga.

— Mãe... É outra menina — A empolgação na voz de Alexander era nítida. Me abraçava de lado com tanta ternura que era impossível me desfazer de sua companhia. Desde que saímos do hospital encontrava-se mais cuidadoso que nunca, ao contrário de Mel, que estava pensativa.

— Ah, eu te disse que era menina! — Addie gabou-se — Conheço barriga de grávida. E Mel? Gostou? — Sussurrou quando a pequena passou correndo para o quarto do primo.

— Disse que gostou, mas no fundo sabemos que desejada um irmão. Já tínhamos até o nome, lembra? — Alexander explicou.

— Tomara que ela se acostume com a ideia logo. Aposto que vai adorar quando ver o neném... É uma menina muito doce — As palavras de Addie me acalmaram. Talvez fosse obvia minha preocupação — A doutora deu previsão para o parto? Estou ansiosa para ver essa carinha linda...

— Vai ser parto normal mãe — Alexander torceu os lábios.

— Isso é ótimo meu filho! A natureza sempre sabe o que fazer — Addie piscou para mim — E o meu convite?

— Ah, aqui — Abri minha bolsa e peguei seu convite — Ficou uma graça... Pelo menos eu achei! — Dei de ombros e entreguei a ela, que observou os adornos dourados com expectativa.

— Lindo mesmo! Vocês finalmente vão se casar e dar uma família para essas menininhas. Já passava o tempo! Quer comer bolo de laranja querida? Acabou de ficar pronto!

Comi bolo de laranja e passei uma tarde agradável vendo as coisas do bebê que minha sogra vinha comprando. Cheguei em casa de noite e começamos a pesquisar alguns nomes. Como nossa casa ainda não estava totalmente mobiliada, ficávamos no apartamento de Alexander enquanto não oficializávamos o casamento, uma vez que o meu havia sido vendido antes e o dono já havia se mudado para o imóvel.

— Onde ela está? — Me referia a Melany quando Alexander sentou-se ao meu lado em sua cama. Enjoar ainda fazia parte de minha rotina e ele estava acostumado.

— Como não tem lição de casa, deixei que assistisse desenhos — Explicou delicadamente — E você? Vomitando o bolo de laranja todo não é? — Sorriu e me abraçou de lado sobre a cama.

— Vida de grávida! — Fechei os olhos e me ajeitei para ficar de pé — Ficar sentada me incomoda e não consigo deitar de barriga para baixo. O que devo fazer? — Passei a andar de um lado para o outro do quarto — Eolha que nem estou assim tão grande.

— Quer uma água? — Parei perto do espelho e fiquei me olhando. Seu reflexo era visto por mim no espelho.

— O que tem ouvido ultimamente na Delux? — Questionei com cara de poucos amigos.

Certamente me preocupava nosso futuro na empresa.

— Não estão falando nada — Olhei com desconfiança quando passou por mim descendo em direção à cozinha. O segui —Está bem... Comentaram sobre seu humor que anda variando ainda mais.

— Estou cinco quilos mais gorda! Deveria estar feliz? — Ironizei sentando-me a mesa quando Alexander pegou um pote de gelatina de morango e colocou entre nós, sentados lado a lado.

— Seu estresse é totalmente compreensível. Não é fácil carregar um bebê por todo lado — O encarei docemente.

— Você é um amor sabia? — Ganhei um sorriso largo e comecei a cutucar a gelatina com a colher. Quando comida aparecia em minha frente qualquer mau humor ia embora — Estou com saudades de meu antigo corpo.

— Achei você uma gracinha com essa barriguinha...

— Sempre tão encantador Alexander... Nem acredito mais!

— Apenas tenho olhos para você. Parece ainda mais bonita gerando uma filha minha — Sentei-me com os pés na cadeira e coloquei uma mão sobre a barriga, levantando a blusa na altura dos seios — O que foi?

— Neném chutando. Está acordando. Acho que essa menininha gosta de gelatina — Sorri para minha barriga.

— Papai também gosta menininha — Ele disse alto.

— Fale baixinho! Vai estressá-la — Repreendi e ele me mandou um beijo no ar. Tive que rir.

— Verdade. Vou estressar você no quarto mais tarde... Será que afeta a ela? — Balançou as sobrancelhas de maneira maliciosa.

— O que? Deixa de ser bobo! Não vamos fazer nada antes do casamento e você sabe disso!

— Sempre a mesma coisa... Quero ver a hora que eu te pegar de jeito se vai ser só depois do casamento... — Desviei o olhar de sua observação calorosa. Havíamos feito um acordo. Para tornar a lua de mel mais emocionante ficaríamos sem sexo até o casamento. Alexander estava se revelando impaciente em relação a isso.

— Sou persistente... — Cantarolei e ouvimos barulho na escada. Demos uma olhada ao mesmo momento e lá estava Melany com carinha de empolgação descendo as escadas com seu pijama.

— Papai e mamãe — Tinha uma canetinha vermelha em mãos e seu cabelo solto ao redor de si — Já escolhi o nome da minha irmã!

— Escolheu? — Alexander abraçou Mel quando parou perto dele — Qual vai ser o nome da princesa numero dois do papai?

— Posso escrever? É mais fácil.

— Escrever onde? — Estreitou o olhar e Melany saiu de seu abraço vindo em minha direção.

— Fica de pé? — Pediu e o fiz rapidamente, parando em frente a ela. Mel ergueu ainda mais minha blusa e começou a escrever em minha barriga. Olhei para Alexander, que nos encarava um tanto surpreso sentado em sua cadeira. Tentei ver o que Mel escrevia, mas parecia impossível. Após um longo tempo afastou-se e olhou o resultado — Prontinho! Gostaram?


Madeleine.

— Madeleine? — Questionei surpreso com o nome que a pequena havia escrito de canetinha vermelha na barriga de Molly — Por que esse nome Mel?

— É o nome que vi em um filme — Explicou docemente — E a menina era um anjo. Que tal? Gostaram? — Olhou de mim para Molly e de Molly para mim.

— Ah filha, eu não sei... — Molly torceu um pouco os lábios.

— Sim mamãe. Por favor! O apelido dela pode ser Maddie. Combina com o meu nome! Melany e Madeleine, Mel e Maddie! — Insistiu.

— Mel e Maddie — Falei experimentando o tom — Gostei do nome, amor. É diferente, mas é criativo! — Molly estava pensativa.

— Confesso que não estava em minha lista, mas Maddie soa doce — Molly olhou para o nome em sua barriga — Certo, garotinha. Melany e Madeleine — Concordou.

Mel veio me abraçar com um sorriso satisfeito e animado. Sabia que eu era o grande responsável por fazer sua vontade e convencer Molly que o nome era viável. Na realidade também gostei e se isso a fazia feliz que fosse assim. Beijei seu cabelo.

— Você vai ser uma ótima irmã mais velha — Sussurrei olhando para ela.

— Vou? — Questionou insegura — E se a Maddie não gostar de mim?

— Quem resiste a minha pequena Melany?

[...]

Agora que morávamos juntos, ir trabalhar juntos era considerado normal. Os demais funcionários já nem questionavam nossa aproximação.

— Pegue os recados com a Alice, por favor. Não estou a fim muita conversa hoje... — Encarei Molly ao meu lado no elevador. Usava um casaco grande, mas não servia em nada para esconder um pouco o volume de sua barriga, que se encontrava agora bem visível. Mesmo estando frio tinha um óculos escuro no rosto e o cabelo longo preso para trás.

— Está com mau humor querida? — Toquei seu braço delicadamente.

— Prefiro ver como humor de grávida... — Abaixou o olhar para o próprio corpo e riu — Não consigo ver meus pés.

— Só você Molly... — O elevador se abriu e ela saiu na frente. Fui em direção a mesa de Alice com um pequeno sorriso — Bom dia... — Acompanhei Alice observar Molly dirigir-se ao escritório sem falar com ninguém, apenas suspirando de irritação.

— Péssimo dia? — Questionou torcendo os lábios — Ela está bem?

— Sim. Apenas humor de grávida — Dei de ombros e ela se colocou confusa — Molly pediu os recados. Temos hoje?

— Sim, um minuto — Revirou sua mesa cheia de papeis enquanto esperei com as mãos nos bolsos — E então... Como vai Mel? — Ainda procurava.

— Um pouco ansiosa pelo bebê, mas está bem sim.

— Estou sabendo... — A pasta estava agora em suas mãos, mas não me passou.

— Sabendo o que?

— Recebemos o convite de casamento — Referiu-se ao meu convite e de Molly. Por um momento fiquei sem reação, apenas olhando-a — Foi uma grande surpresa, quero dizer... Foi à confirmação do que todo mundo estava especulando.

— Sobre mim e Molly? — Assentiu — Nosso relacionamento sempre foi obvio.

— Sobre você ser o pai do bebê. Essa era a dúvida — Nada respondi, apenas sorri brevemente —Meus parabéns pelo casamento. Vou estar lá.

— Obrigado Alice. Gosto muito de você, garota.

— E eu de você! Mas e o bebê? — Tocou meu braço amigavelmente — Está bem? É um menino?

— É menina. Vai se chamar Madeleine... Maddie. Foi Mel quem escolheu.

— Alexander, meus parabéns! Fico mesmo muito feliz por vocês — Sua sinceridade era nítida —Espero poder vê-la quando nascer.

— Será bem vinda — Era tão estranho falar de Maddie sem sequer ter visto seu rosto. A única coisa que vinha em minha mente era os movimentos que podia sentir na barriga de Molly e os sussurros da voz dela quando falava com a bebê.

— Cameron Delux ligou e disse que visitará Molly hoje. Ele quer conversar com vocês.


— Porque está apreensivo? Cameron é compreensivo — Prossegui digitando no computador.

— Se ele quer conversar com nós não tem a ver com o trabalho, mas sim com nosso casamento e a gravidez — Ergui os olhos para Alexander, que estava sentado em sua mesa me olhando fixamente — Não faça essa cara!

— Alexander... Do jeito que meus hormônios estão é capaz de eu encher ele de pancada se vier falar algo sobre isso, por favor! Onde já se viu? — Olhei em volta e não vi nenhuma comida —Deus... Que fome! — Apertei o botão — Alice?

— Senhorita? — Respondeu do outro lado.

— Pode me trazer um cappuccino?

— Sim senhorita, em um minuto! — Respondeu rapidamente e desligou. Alexander estava rindo.

— O que foi? Pedi por favor! N ão me ouviu? — Ri também e ele balançou a cabeça em sinal de incredulidade, agora escrevendo em algum papel.

— Nem parece que você comeu dois pedaços de pizza a meia-hora.

— Não sou eu! É Maddie... — Bateram na porta e ao mesmo tempo em que Alice entrou para trazer minha comida Cameron Delux passou pela porta com um sorriso presunçoso. Fiquei de pé ao mesmo momento e ajeitei meu vestido – Cameron!

— Minha querida Molly está mais bela do que nunca! — Abriu os braços e veio em minha direção — Como vai querida? — Nos abraçamos por alguns segundos e vi, pela visão periférica, Alexander olhando um tanto enciumado.

— Muito bem Cameron, obrigada! E você?

— Bem também... Deixe-me ver... — Olhou minha barriga como todos faziam. Tocou brevemente — Oh, meus parabéns aos dois! — Olhou para Alexander também — Um bebê forte a caminho! Devem estar orgulhosos.

— Muito! Obrigado — Alexander respondeu inseguro, levantando de sua mesa e aproximando-se para parar ao lado de minha mesa. Na verdade era uma desculpa para me rodear... Sentei-me em minha cadeira e Cameron sentou-se em frente a mim. Alexander voltou ao seu posto.

— A que devo a honra de sua visita ao império Cameron? — Questionei encarando-o com certa imposição. Nem mesmo Cameron estava livre de minha ira de grávida.

— Vim te ver pessoalmente e agradecer por isso — Retirou um convite de casamento do bolso e me mostrou. Imediatamente reconheci ser o meu e de Alexander.

— O casamento. Já recebeu o seu então... — Suspirei, de repente, sentindo certo desconforto —Que bom que veio. É melhor falarmos sobre isso.

— Devo saber até quando terei a minha disposição Molly Bern. Pretende parar em breve?

— De jeito nenhum! Pretendo trabalhar até o dia em que entrar em trabalho de parto. Não posso em dar ao luxo de deixar a Delux. Quando minha filha nascer sairei de licença por quatro meses e retorno. Minha família é importante, mas meu trabalho também. Isso aqui — Apontei ao redor — É meu império.

— Tem certeza disso? — Pude ver o rosto de Alexander atrás dele. A ideia não o agradava. Para ele, tudo era muito radical. Trabalhar até o dia do parto e ficar menos de um ano longe da bebê era quase uma afronta.

— Sim — Garanti — Melany ficou com a babá depois dos cinco meses e Maddie também irá ficar — A expressão dele deixava claro que não estava ali simplesmente para perguntar sobre isso — Cameron, sei que não veio aqui somente para perguntar sobre meu bebê. Vamos direto ao ponto... Pretende demitir a mim ou a Alexander? — O presidente da Delux pareceu surpreso com minha afronta — Confesso que não me agrada a ideia de trabalhar aqui sem ele. Acredito que não vamos chegar a um acordo viável.

— Molly, não é assim que funciona. Por mais que a situação seja incomum, você é uma funcionária especial. Seu talento é inquestionável, querida — Alexander sorriu atrás de Cameron — Não está em meus planos demitir nenhum dos dois. Mas quero saber como estão lidando com a situação. Um casamento e o um bebê podem gerar conflitos... Não quero problemas por aqui quando tudo vai tão bem — Explicou calmamente — O que me diz?

— Tem razão sobre a convivência, porém até hoje não tivemos qualquer problema em conciliar nossa filha e nosso namoro. Acredito que com o casamento e a chegada do bebê o processo se repetirá e lhe dou minha palavra de que nada interferirá na produção da Delux — Cameron me ouvia atentamente — Isso aqui é minha vida, Cameron. Não foi fácil sentar nesta cadeira e eu jamais arriscaria uma carreira assim. Alexander e eu somos maduros o suficiente para compreender o peso de nossa decisão.

— Sempre confiei em você, Molly Bern — Ajeitou-se na cadeira — Não seria de modo algum benéfico mandar minha rainha e seu mais fiel súdito para a concorrência — Piscou e sorri vitoriosa — Vim falar sobre a ultima coleção também... — Seguimos conversando e vi Alexander sorrindo de lado.

Ninguém jamais duvidaria de meu poder dentro daquelas paredes.

Ali eu era a rainha.

[...]

— Que coisa mais linda vovó! — Melany segurou em suas mãos pequenas um casaquinho lilás claro — É tão pequenininho... A Maddie vai ficar linda aqui dentro! Será que vai caber vovó? Parece não entrar nem em uma boneca!

— Sua irmã vai caber perfeitamente ai. Bebês são pequeninos, querida... — Addie olhou novamente ao redor com a mão no peito. Suspirava sozinha enquanto obtinha uma visão total do quarto de bebê que montamos em nossa casa nova. Cheirava novo e era praticamente mágico — Ficou tão maravilhoso esse quarto. Parece até de filme! Não é lindo Mel?

— Sim vovó. A Maddie vai adorar! — Mel levou o casaquinho até o berço e colocou-o dentro do mesmo, deixando no lugar onde Addie colocou assim que tirou da escola. Observando as duas, tive um deslumbre momentâneo e um grande choque de realidade!

Cinco meses de gestação. Uma casa prontinha. Um dia para meu casamento!

Passou tão rapidamente a meus olhos que nem sequer notei os dias voando!

Minha barriga tomava proporções elevadas, arredondando-se e estendendo-se mais a cada minuto para abrigar minha pequena. Maddie estava cada vez maior, não parava de se mexer e rendia um grande mau humor. Alexander, pobrezinho, desdobrava-se para me acalmar e me controlar, pois a Delux toda já não aguentava mais meus surtos no trabalho. Era incrível abrigar aquela menininha dentro de mim, a sensação mais inexplicável do mundo sentir aqueles espasmos e os movimentos dela... A mãozinha de Melany espalmada na superfície branca de minha barriga para poder tocar a irmã que aguardava com tanta ansiedade era impagável. Aquele brilho nos olhos verdes parecia ser o de um anjo esperando outro. Minha sogra, minhas cunhadas, Ethan, meus pais e os empregados da Delux – mesmo ficando loucos – adoravam paparicar a neném que ainda nem sequer colocou seus olhinhos no mundo.

Alexander...

Um tanto desajeitado, sem experiência com bebê e tímido fazia o possível para aprender. Mesmo sem ter ideia do que acontecia em uma gravidez colocava-se a minha disposição todo o tempo e queria sempre estar ao meu lado em cada suspiro, dor, chute, estresse e felicidade. Sabia quando deveria ser distante e quando deveria estar por perto... Sorria tanto para aquele bebê, tocava tanto em minha barriga e cantarolava musiquinhas doces para sua princesinha... Ele mesmo recitava sua melodia, olhava em meus olhos como se não acreditasse que imersa em meu corpo havia uma coisa que juntos criamos em um momento de amor. Ali estava nossa Maddie, aquela coisinha que chutava sua boca toda vez que se abaixava para beijá-la protegida em seu mundo particular, onde ele a depositara.

A cada minuto minha decisão se tornava mais segura, principalmente quando o via junto a Melany. Agora a pequena se refugiava nele, um tanto enciumada com a ligação inexplicável existente entre mim e Maddie. Mesmo que amasse as duas igualmente, sem uma vírgula de diferença, Maddie estava dentro de mim e meu tempo era junto dela. Mesmo que inconsciente, sem intenção de provocar diferenças, meu mundo estava mais em Maddie do que em mim, tudo girava ao redor do que ela me fazia sentir, do que queria e do que eu deveria fazer para satisfazê-la agora.

Era possível ver que Mel amava a irmã, mas estava enciumada com a divisão, sem entender que Maddie e eu dividíamos um corpo naquele momento. Eu não a culpava por querer ligar-se a Alexander mais do que a mim, pelo contrário, apoiava e incentivava. Se era assim que se sentia feliz, Mel deveria fazê-lo enquanto essa fase não passava.

Meu casamento... Nosso casamento...

Amanhã seriamos um só, teríamos uma família e moraríamos juntos. Seria tudo diferente! Essa casa que agora eu visitava seria o templo de nós quatro, o lugar onde criaríamos nossas meninas e faríamos de tudo para ser feliz e fazê-las bem.

— Querida... — Addie tocou minhas costas — É melhor irmos não é? Você dorme em casa e passa uma noite bem tranquila para estar linda amanhã — Aorriu para mim. Assenti roendo as unhas com os braços cruzados sobre meu barrigão coberto por um vestido de flores tomara que caia.

— Se eu parasse de tremer seria bom — Suspirei e Mel chegou para me abraçar. Toquei seu cabelo quando envolveu minha barriga.

— Vai ser tão legal mamãe. Vai ser o dia mais feliz da minha vida! — Mel me olhou de baixo envolvendo minha cintura grande com os bracinhos ao redor de minha barriga.

— Depois é só esperar a nossa Maddie — Addie comemorou.

Maddie. Olhei para a parede lilás onde estava escrito o nome dela... Madeleine em letras brilhantes sobre o berço branco e os móbiles. Poderia ter sido tão diferente se houvesse sido na época de Melany. Será que nada permaneceria igual?

— Não chora mãe! — Mel pediu com carinha de anjo — A Maddie não gosta... Nem eu.

— Sua mãe está emocionada Mel. Não é querida? — Addie me abraçou de lado.

— Sim, muito emocionada. Também será o dia mais feliz para mim.

A realidade era boa demais para ser verdadeira.


CAPÍTULO TRINTA


Sempre me chamaram de rainha, mas de fato nunca me senti como uma realmente. Naquele momento, em frente ao espelho e vestida de noiva, finalmente consegui me atrelar ao titulo.

— Mamãe você está linda como uma princesa! — Melany abraçou minha barriga sem conseguir envolver os bracinhos ao meu redor. Tive de respirar fundo com esse fato, tendo ideia das proporções em que estava meu corpo.

— Obrigado meu amor. Assim fico mais confiante — Sorri e beijei seu cabelo cheiroso mesmo por cima da pequena tiara branca que usava para combinar com o vestido de daminha de honra.

Mel parecia um pequeno anjo. O vestido que escolhemos para ela era bem parecido com o meu, deixando-a uma mini réplica bem feita de mim. Seus olhos verdes e toda a semelhança com Alexander ressaltava o significado de tanta beleza. Era encorajador encarar nossa filha e ver nela a representação de nossa história, a mistura de nós dois personificada em doçura e amor.

— Você é a noiva grávida mais linda do mundo! — Separou-se de mim e saltitou contente. Havia um sorriso largo em seu rostinho — Será que a Maddie está feliz também?

— Sua irmã está pulando aqui dentro desde que acordei. Deve estar sendo afetada por todo esse clima de correria — Pousei uma das mãos sobre minha barriga coberta pelo vestido impecável de noiva desenhado por Sebastian e Pierre quando minha sogra apareceu na porta nervosa e carregando dois buquês.

— Finalmente encontrei os buques! — Estendeu o maior para mim e o menor para Mel, que pegou suas flores lilás com a maior felicidade — Estão prontas? — Addie me abraçou com cuidado para não esmagar as flores e minha barriga — Molly... Está tremendo minha filha! — Riu baixinho.

— Acho que todos já notaram — Mordi os lábios, nervosa. Tudo a minha volta parecia distorcido e a pressão em minha cabeça era demasiada. Casar grávida de quase seis meses era de fato um desafio emocionante!

Jamais sonhei com o casamento, mas a Molly de antes já não existia. Agora todo o mundo ao meu redor era diferente com a chegada de Alexander, o secretário que me fez sair do casulo. O amor não era apenas mais uma palavra perdida no dicionário.

— Não queremos que adoeça no meio da cerimônia, Molly — Addie tocou meu rosto em uma tentativa de aplacar minha ansiedade — E você, meu anjinho — Referiu-se a Mel, que nos assistia impaciente — Pronta para arrasar?

— Sim vovó! — Ergueu os bracinhos de maneira contente — Não vejo a hora de entrar lá! — As duas me olharam ao mesmo tempo, ao passo em que um filme se exibia em minha mente.

Seria eu realmente uma boa esposa? Conseguiria de fato encontrar felicidade com a vida atrelada a um homem para sempre? De fato o amava... Ele é o pai de minhas filhas... Mas dentro de mim existe a Molly implacável e que sempre teria lugar cativo em tudo aquilo.

— Está pronta Molly? — Despertei dos devaneios e suspirei quando minha sogra tocou sobre minha barriga levemente. A neném realmente estava se revirando dentro de mim, me chutando e trocando de posição a todo momento.

— Creio que sim — Um sorriso surgiu em seu rosto.

As inseguranças teriam de esperar.

— Sei que meu filho vai te fazer muito feliz. Alexander te ama mais do que tudo e ama as meninas da mesma maneira. Te garanto que criei um bom menino... Será o marido que você merece! — Quando Addie me abraçou novamente vi meu pai por trás de seus ombros. Encontrava-se parado em postura rígida em seu smoking perfeitamente encaixado. Mel sorriu e acenou. Não pude evitar deixar o queixo cair com sua presença.

— Pai? — Sussurrei contendo as lágrimas. Borrar a maquiagem seria um grande deslize! Addie me largou e olhou para trás, entendo o momento.

— Melzinha... Vamos com vovó esperar sua mamãe na entrada? — Addie esticou a mão para Mel, que aceitou imediatamente. As duas se retiraram dando uma piscadinha para mim.

— Olá Molly. Você está muito bonita — Aproximou-se e me deixou estática. Mesmo tendo entregado os convites para meus pais, jamais imaginei que ambos estariam presentes em meu casamento com Alexander. Era uma grande surpresa, uma vez que desde que Mel nasceu não éramos muito próximos.

— Estou realmente surpresa, quero dizer... — Queria explicar a ele que convidei Pierre para entrar no casamento comigo e jamais contei com sua presença, mas as palavras morreram.

Existiam palavras e argumentos variados. Meu próprio pai me rejeitou no momento em que mais precisei de sua ajuda, mas fazê-lo pagar não iria me tornar uma pessoa melhor. Encarei seus olhos e vi o arrependimento imperando ali.

— Me perdoe por não ter acredito em você no passado, Molly — Pisquei algumas vezes diante das palavras. Meus olhos eram banhados por lágrimas, que rapidamente busquei secar com gentileza — Errei em te julgar.

— Sim, errou... — Sussurrei com a voz embargada — Mas se não fosse por isso, talvez eu não houvesse insistido em ter minha filha e trabalhado tanto a ponto de me tornar diretora de moda na Delux. Nada é em vão, pai. Nada!

Vi a vergonha tomando conta do olhar dele.

— Tenho muito orgulho da mulher que se tornou, filha. Muito mesmo... — Assenti com um sorriso — Ainda está em tempo de ir com você para o altar? — Tocou meu ombro amigavelmente.

— Não sei...

Uma grande vontade de gritar "como assim você só quer ficar ao meu lado nos momentos bons?" veio a minha mente, mas fui detida por uma repentina lembrança.

Me lembrei de Alexander me dizendo que Melany havia o perdoando por ter sido ausente e aquilo me despertou certa tranquilidade, uma sensação gritante de que minha filha tinha mais sabedoria do que eu em sua pureza. Melany, minha filha de apenas sete anos, no auge de sua inocência teve condolência por um homem que nem sequer conheceu e que, na lógica, não merecia um pingo de sua compaixão.

Em nome do amor que sentia pelo pai ela o perdoou.

— O que me diz? — Devaneei perante suas palavras. Ele disse muito, mas a resposta estava na ponta de minha língua — Será que depois de tudo pode me perdoar por ter te deixado em um momento tão difícil?

— Sim, perdoo o senhor pai — Assenti firme, compreendendo que se a decisão dele houvesse sido distinta, talvez eu não houvesse crescido tanto como pessoa, mãe e mulher.

Se meu pai houvesse me ajudado, me bancado e passado a mão em minha cabeça, o dia de hoje certamente não estaria se tornando realidade.

[...]

Como pode toda minha aversão por casamento se esvair assim que me deparei com um simples olhar?

Ele me via como se eu fosse à única coisa existente ao seu redor. Havia tanta emoção naqueles olhos que quase larguei meu pai e corri em sua direção. Minha vontade era rir e chorar ao mesmo tempo, esquecendo que tanta gente estava ao redor e que a Delux em peso foi conferir meu casamento.

— Você está incrível! — Comentei quando paramos lado a lado no altar. Alexander riu baixinho, corando.

— Você está linda demais... — Sussurrou estudando-me dos pés a cabeça em uma passada rápida.

— Eu e Madeleine. Não se esqueça de que está casando com nós duas! — Relembrei.

— Sou um homem de sorte... — Piscou e logo a cerimônia se iniciou. Tudo girou como uma fita que se adianta quando se há pressa. Apenas ouvi a parte de Alexander me dizendo... — Te amarei daqui para frente todos os momentos, para sempre.


— Tudo certo! Sem champanhe, apenas suco de laranja! — Servi as duas taças e afrouxei minha gravata. Molly apoiou o rosto na mão e suspirou. Abaixei-me para beijar seu rosto delicado — O que foi minha bonequinha raivosa? — Deslizei as mãos lentamente por sua barriga.

— O que foi? — Seu tom era irônico — É nossa noite de núpcias e não posso beber nem fazer sexo!

— Sei de sua condição e eu, mais do que todos, te apoio nesse momento. Se o médico disse que sua gravidez é de risco e que é melhor não fazer sexo, tudo bem, esperamos! Acabamos de casar — Toquei em seu rosto delicadamente — Teremos a vida toda.

— Mas isso é tão... — Respirou fundo — Antiquado! — Baixou o olhar novamente e vi lágrimas em seus olhos — Estou me sentindo uma inútil... — As lágrimas começaram a cair em seu rosto. Sorri ternamente e a abracei, deitando seu rosto em meu peito e beijando seu cabelo cheiroso.

— Oh meu amor... Deixe isso para lá! Você fica tão lindinha com essa carinha de neném — Ainda chorava abraçada a mim e usando o vestido de festa mais confortável que o de noiva. Estava maravilhosa, como esteve a vida toda a meus olhos — Acabamos de chegar em nossa nova casa! Nem vimos tudo ainda, que tal dar uma olhada?

— Para Alexander! — Repreendeu durona, se ajeitando e limpando sob os olhos onde escorria maquiagem preta — Para de tentar me fazer se sentir bem. Isso não vale!

— Só está sensível por causa da gravidez. Não é tão ruim — Ajudei Molly a se erguer. De fato sua barriga estava grande demais nos quase seis meses e seria até incomodo se resolvêssemos fazer alguma coisa, uma vez que Molly era bem pequenina e delicada. Pelo que conhecia daquela mulher, sabia perfeitamente bem que não se sentiria a vontade comigo não estando em plena forma como antes. Não que eu ligasse... Pelo contrário! Para mim, minha rainha sempre seria perfeita.

— Está bem — Assentiu ficando de pé com minha ajuda — Vamos ver a casa. Quero dar uma olhada no que minha sogrinha aprontou — Saiu na frente e toquei seu ombro para que relaxasse. Comecei a massageá-la enquanto percorríamos o corredor.

— Olha que coisa mais linda a sua mãe fez para nós! — Sussurrou olhando o bercinho de Maddi com uma das mãos pousada sobre a barriga. Estava acariciando devagar — Não tem nem palavras... Nunca que eu iria ter cabeça para mobiliar a casa com esse estilo. Não com toda loucura do trabalho.

— Pois é — Abracei-a e contemplei a aliança reluzindo em seu dedo, exatamente o dedo da mão que corria pela superfície de sua barriga — Agora já casamos e tudo vai se acalmar — Beijei seu cabelo e ela me olhou de baixo um tanto hesitante. Seus olhos brilhavam na iluminação fraca do quarto de bebê.

— Agora é oficial, não é, senhor secretário? — Parecia muito doce — Eu, você e as meninas. Essa casa... — Sorriu um pouco.

— Sim meu amor. Agora é para sempre. Não tem como voltar atrás — Beijei seu cabelo novamente, agora mais forte — Estou feliz demais por ter encontrado um motivo para minha vida... Vocês três. Obrigado por ter me dado duas filhas lindas.

— Você é a coisa mais adorável que existe... — Sussurrou próxima de mim.

— Você é a coisa mais doce que existe...

— Você o mais irritante, também! — Me empurrou brevemente e riu.

— Você a mais sensível e chorona! — Me puxou de volta e deitou a cabeça em meu peito.

— Meu chato...

— Mandona...

— Mas eu te amo! — Riu contra minha camisa e beijou meu peito.

— Eu te amo mais ainda... Para sempre.


— Madeleine não para de crescer! — Sussurrei para minha barriga enquanto olhava na direção da mesma, sentada na cadeira de meu escritório.

— O que foi? — Alexander olhou por cima do ombro um pouco preocupado.

— Só estou conversando com ela — Ele voltou a digitar sorrindo.

— Posso saber do que estão falando? — Curioso, lançou a pergunta.

— Que Mel está ficando bem grandinha e daqui a pouco não consegue sair de dentro de mim.

— Papai não vê a hora de ver a carinha dessa menininha.

— Mamãe também não vê a hora — Parei de falar com minha barriga e comecei a escrever também.

— Daqui a pouco ela sai correndo pelo escritório. Se depender da mãe, nossa filha nasce nessa cadeira mesmo — Larguei a caneta e olhei para ele com expressão enraivecida. Alexander fazia questão de me alfinetar sobre isso — Não faça essa cara!

— Menos drama! — Repreendi nervosa — Já falei e não vou voltar a trás... Só paro quando a bolsa estourar.

— A responsabilidade disso é toda sua, sabe até onde pode ir... — Assenti.

— Exatamente... Sei até onde posso ir. Maddie não atrapalha em nada o meu trabalho. Tenho um secretário muito ágil para fazer todo o serviço pesado.

— Fala assim porque está brincando. Quero ver a hora em que algo sério acontecer com a nossa filha... Não vai levar na esportiva assim — Não me olhava, seguia fazendo seu trabalho. Senti vontade de fazer xixi e fiquei de pé com cuidado, fazendo manobras para sair da cadeira.

— O que poderia acontecer a ela? — Estiquei as costas delicadamente, parada e esperando Maddie se ajustar a posição vertical de meu corpo.

— Não somente sobre ela, mas sobre você também!

— Deixa de ser bobo e pare de ler esses livros sobre gravidez pelo amor de Deus! — Caminhei devagar em direção à porta, sentindo que se forçasse um pouco iria fazer xixi ali mesmo. Aos oito meses de gravidez era muito difícil controlar essas sensações — Maddie está segura dentro de mim! É melhor se acalmar antes que fique louco e me deixe louca antes dela nascer. Exagerado... — Pousei a mão na maçaneta.

— Olha quem fala...— Repreendeu-me.

— Já voltamos — Sai da sala.

Alexander andava sensível ultimamente. Talvez tenha sido pelo ultimo exame onde a doutora disse que a neném estava grande e também mencionou o quão difícil seria meu parto. Para mim as novidades nem sequer tinham força, uma vez que Melany nasceu com as mesmas medidas e no mesmo tempo. Apesar de me sufocar com seus cuidados exacerbados, Alexander não deixava de alegrar meus dias com suas perguntas e gestos. Tudo o que fazia soava absurdamente doce.

— Oh, senhora Alcady — Me chamavam assim depois do casamento. Demorei algum tempo para lidar com a ausência do Senhorita Bern — Precisa ir ao banheiro?

— Não Alice... Vim dar um passeio! — Ironizei. A fila para o único banheiro do andar de moda contava comigo e com Alice. Como era um departamento pequeno, os demais banheiros ficavam nos outros andares, reservando apenas um para o nosso. Fui grossa com ela e logo me arrependi! Suspirei — Me perdoe Alice. Ando muito estressada... Desculpe mesmo!

— Não deve ser fácil andar por ai com um bebê na barriga... Totalmente compreensível — Deu um passo para trás quando a garota saiu do banheiro — Pode ir a minha frente. Entendo que necessite mais do que eu.

— Alice, que generosidade... — De inicio nem pensei. Passei a frente dela com pressa, me dirigindo ao banheiro urgentemente. Assim que terminei, lavei as mãos e apareci na porta encontrando-a no mesmo lugar — Acho que ela sentou sobre minha bexiga de novo. Sabe como é...

— Ainda não sei — Sorriu.

— Mas um dia saberá — Toquei seu ombro amigavelmente — Obrigado Alice.

— Disponha senhora.


Molly estava cada vez maior, deixando claro que em breve o momento tão aguardado chegaria para nós.

Apesar de toda euforia pela chegada de minha segunda filha, outro tema tomava conta de meus planos. Voltei a contar em mente a soma de dinheiro que necessitava para concluir meu novo projeto... Devolver ao doutor Brawn cada centavo da quantia que recebi por doar o espermatozoide que gerou Melany.

Não queria que houvesse qualquer ressalva em nossa história e aquela era uma maneira de provar o quão arrependido estava pelo rumo que dei as coisas no passado. Precisava provar a mim mesmo que o mais importante não havia sido o dinheiro, mas sim a família linda que tenho hoje graças a essa bendita doação. Por minhas contas não faltava muito. Após o casamento e depois de todos os gastos com a casa e a festa, ainda restou boa parte para juntar com minhas economias e conseguir um belo valor. Em meu próximo pagamento a quantia já estaria inteirada.

Molly não iria saber imediatamente. A doutora havia dito que ela não podia passar porfortes emoções. Sendo assim, isso era algo que poderia esperar para ser revelado mais para frente. Bem mais para frente.

— Voltei — Molly anunciou abrindo a porta — E olha! Não aconteceu nada! — Passou por minha mesa com um copo grande de cappuccino.

— Já estava quase indo atrás de ti no banheiro.

— Pai super protetor — Sentou-se com cara de brava e segui seus afazeres.

Eu, por minha vez, repassei em mente uma vez mais como faria para devolver o dinheiro para a clínica sem que ela soubesse.


CAPÍTULO TRINTA E UM


— Você novamente? — Doutor Brawn torceu os lábios um tanto confuso olhando-me entrar em sua sala. Largou a caneta e dedicou a atenção a minha presença.

— Boa tarde doutor Brawn. Como tem passado? — Parei próximo da cadeira a frente de sua mesa e retirei os óculos escuros.

— Muito bem senhor Alcady, e o senhor? Sente-se, por favor! — Indicou a cadeira me olhando ainda intrigado. Fiz o que pediu. Sentei-me a sua frente com postura firme.

— Estou ótimo! Obrigado por perguntar — Assenti, mas por dentro suando frio! Era estranho estar à frente daquele homem novamente e engajar aquela conversa delicada.

— Como está Molly? E a pequena Melany?

— Melany está ótima... Molly está grávida — Sorri sem poder ocultar toda a empolgação em minha voz e gestos.

— Grávida? — Pareceu surpreso — Meus parabéns!

— Nos casamos faz três meses.

— Casaram? — Assenti novamente e ele cobriu os lábios com as mãos — Quem diria! Meus parabéns novamente! É um menino dessa vez?

— Está de oito meses e é uma menina. Se chamará Madeleine.

— Que essa pequena chegue cheia de saúde e tão linda quando Melany — Silêncio — Então... A que devo a visita?

— Pois bem — Ajeitei-me na cadeira retirando o sorriso do rosto e pondo-me sério para prosseguir. Peguei o cheque de dentro do bolso e segurei-o — Eu queria te pedir um favor, doutor Brawn.

— Do que se trata? — Estreitou o olhar, interessado.

— Queria pedir que aceite isto de volta — Coloquei o cheque sobre sua mesa. Ele se esticou para olhar — Após todo esse tempo percebi que isso não vale de nada! Meu maior presente foi ter encontrado minha família e não vejo motivos para não devolver essa quantia ao senhor — Estudou os detalhes do cheque após pegá-lo. Ergueu os olhos para mim devagar.

— Está devolvendo o dinheiro que ganhou no passado? — Questionou quase incrédulo.

— Melany é minha maior recompensa e não tenho motivos para ficar com o dinheiro. Não me sinto bem ficando com essa dívida.

— Não seria correto de minha parte aceitar, Alexander.

— Insisto que aceite! — A forma como me encarava deixava clara sua felicidade — Esse dinheiro não significa nada para mim. O real valor está em minha casa. Minha família.

— Sendo assim — Colocou o cheque em seu bolso — Eu aceito.

— Será que poderia fazer um comprovante de que recebeu o cheque doutor? Quero ter como provar a Molly e a minhas filhas que não as decepcionei e fiz o que é correto.

— Por certo, senhor Alcady. É uma atitude muito nobre, devo admitir. Meus parabéns novamente — Disse enquanto fazia a nota.

Depois de tantos anos finalmente provei a mim mesmo de que o dinheiro compra felicidade.

Foi o dinheiro que me levou a doar o esperma e me motivou a continuar... Tudo isso me levou até Molly e minha família, a verdadeira felicidade.

Meu débito com o destino estava pago!

[...]

Molly estava na aula de parto quando cheguei a Delux. Costumava ir com ela em todas, porém aleguei compromisso nessa tarde e fui liberado.

Aproveitando sua ausência, antes de sair para pegar Mel no balé guardei o recibo em minha gaveta que ela nunca mexia embaixo de alguns papeis, reforçando a segurança. Escrevi a carta para anexar ao envelope e no dia correto entregá-la a Molly e Mel. Tudo, resumidamente, foi muito fácil e libertador.

— Já vai? — Alice perguntou quando passei.

— Já... — Respondi olhando no relógio — Buscar Mel no balé já que Molly está na...

— Aula de parto, eu sei. Segunda yoga, sexta aula de parto e quarta ginástica para gestantes. Já decorei o esquema! — Nós dois sorrimos — Está indo tudo bem? Quanto tempo falta para a neném chegar?

— Faltam quatro semanas no máximo — Expliquei — Ai seu martírio acabará!

— Que maravilha... Já está ai! — Suspirou — Passou tão rápido! Molly está curtindo?

— Agora que chegou a fase final ficou bem difícil, mas ela vai levando. A dor no corpo e o mau humor são os piores! — Fiz cara de poucos amigos — Agora vou buscar o bebê de sete anos. Até segunda Alice!

— Bom final de semana Alexander — Acenou.

[...]

— Mamãe está na aula de parto papai? — Mel perguntou assim que me viu, correndo em minha direção com o cabelo longo preso, usando sapatilhas, meia fina e collant rosa. Parecia brilhar mais do que todas as outras carregando sua mochila nas costas.

— Sim, hoje é sexta — Peguei sua mochila — Como foi à aula?

— Boa. Amber me enche de brilho quando venho ao balé — Passou a mão no cabelo e no rosto, tirando bastante brilho.

— Você sempre brilha... A minha joia preciosa! — Pisquei e ela riu.

— Bem que mamãe diz que você é bobo às vezes, pai.

— Quer comer uma torta na confeitaria com seu velho? — A puxei para perto de mim de modo a abraça-la enquanto caminhávamos.

— Você não é velho, pai — Olhou-me de baixo, confusa.

— Mas sou seu pai! Eu sempre quis ter um pai para chamar de meu velho — Mel ficou em silêncio.

— Aceito comer a torta, mas precisa me contar o que houve com seu pai! — Exigiu mandona, encarnando Molly por alguns segundos.

— Fechado minha baixinha!


— O que fizeram hoje pela tarde? — Questionei a Alexander quando Melany dormiu um sono profundo no sofá após conversar com minha barriga por um longo tempo.

— Busquei Melany no balé e levei para comer um bolo na cafeteria. Conversamos bastante —Explicou tranquilamente, sentando ao meu lado enquanto me assistia comer uma salada. Comida pesada não passava em meu estomago agora. Maddie recusava tudo.

— Sobre o que falaram? — Curiosa, prossegui o assunto.

— Sobre meu pai, sobre a escola... E sobre Madeleine — Parei de comer e olhei em direção a ele um tanto séria — O que foi?

— Melany está se sentindo excluída? — Alexander pensou um pouco.

— Está apenas te achando um pouco distante, entende? Por causa do seu estresse. Você precisa controlar um pouquinho, Molly. Não adianta deixar de ser autoritária e briguenta no serviço e não fazer isso também com a sua família. Sei que está sensível, mas pense um pouco melhor sobre as coisas, querida — Tocou minha mão com delicadeza.

Imediatamente me senti atingida pelas palavras certeiras.

— Alexander, você não sabe como isso me dói... — Senti lágrimas nos meus olhos — É algo involuntário e quase um impulso, estou me sentindo péssima por isso. As vezes nem eu mesma me aguento, sabe? — Ele riu baixinho e apenas me abraçou de lado — Me desculpe. Vou tentar ser melhor com Melany. Você tem razão.

— Você é uma mãe incrível, amor. Só está muito nervosa em dar conta das duas meninas... Estarei aqui para ajudá-la — Meu coração se aliviou com suas palavras — Melany te entende e nem está tão preocupada assim — Tentou me tranquilizar, mas em vão — Anda muito feliz com a bebê e não vê a hora de poder vê-la. Nossa filha é uma criança incrível, não se esqueça!

— Eu sei Alexander... Ela puxou totalmente a você. Se fosse tão igual a mim seria terrível!

— Está enganada — Ele me abraçou por trás, falando em meu ouvido enquanto lágrimas rolavam em minha face — Sabia que falamos tudo isso porque nos preocupamos contigo? Porque sem você eu, Mel e Maddie não somos nada?

— Claro que são... — Respondi limpando embaixo dos olhos.

— Porque nunca acredita em mim?

— Acredito sim...

— Então me dá um beijo bem gostoso — Me virei e o beijei longamente. Quando mais ficávamos juntos, mais parecia insubstituível em cada momento de minha vida.

[...]

Naquele onze de Março o dia acordou diferente. Melany parecia bem feliz e estava empolgada... Alexander um tanto apreensivo e eu quase explodindo com o vestido de grávida azul claro ao redor. Minha barriga já não tinha para onde crescer e aquilo realmente me assustava.

— Bom dia senhora Alcady — Alice disse sorridente.

— Bom dia Alice! — Respondi sem parar de andar e puxando Alexander pela mão.

— Bom dia Alice — Ele também cumprimentou com um breve aceno, seguindo-me.

Entrei na sala e me acomodei em minha mesa com calma, sentindo algo estranho em meu corpo. Alexander, que ajeitava seus papéis, ligava o computador e se sentava, parou somente me observando retirar o sapato por baixo da mesa de modo a ficar mais a vontade. Rodei o pescoço para relaxar, levei às mãos a base da coluna e respirei fundo. A dor era um desconforto péssimo misturado à cólica.

— Isso não é bom — Murmurei para mim mesma. Dor nas costas e cólica vinham me perseguindo nos últimos dias, mas não dessa maneira intensa. A doutora havia dito que era normal, mas caso viessem de uma forma mais forte, podendo ser confundida com contração, eu deveria imediatamente ir a um hospital.

— O que foi que disse? — Ele questionou direcionando a atenção totalmente para mim.

— Nada não — Dei de ombros. Sabia como ele era encabulado com a gravidez e não queria um motivo para ter que ir ao hospital em dia de fechamento de coleção — Já fechamos o prontuário fotográfico?

— Falta revisar, chefe — Sentou-se a sua mesa e passou a se dedicar as tarefas com a expressão concentrada.

Fiz o mesmo, limitando-me a guardar a dor apenas para mim. Havia me comprometido a trabalhar mesmo grávida, carregando os desconfortos e implicações desta fase. Jamais iria dar o braço a torcer.

[...]

— O que? — Olhei em sua direção quando alterou a voz e derrubou alguma coisa na mesa — Mas ela está bem? O que houve? — Silêncio. Logo me alarmei, uma vez que a ligação era da escola de Melany — Claro, estou a caminho. Obrigado — Desligou o telefone e ficou de pé passando a mão pelo cabelo um pouco nervoso. Até temi perguntar algo, já com o coração na boca.

— O que aconteceu?

— Melany passou mal na escola. Parece que tomou leite e você sabe tão bem quanto eu que quando ela toma leite fica mal do estômago — Respirei aliviada! Mel não era alérgica a lactose, mas nunca se deu bem com leite de vaca e seus derivados — A professora me ligou e pediu para ir buscá-la porque encontra-se indisposta para seguir o período.

— Nossa, que susto me deu agora! — Levei uma mão ao peito e respirei fundo — Pensei que fosse algo grave. Não estou com um bom pressentimento hoje, sabe?

— Quando você vem com essas coisas... Algo vai dar errado — Pegou a carteira e a chave do carro na gaveta de forma apressada — Vou buscá-la. Vou deixar na minha mãe e volto para trabalhar, certo? No almoço você vai para casa e fica com ela.

— Hoje é dia de fechamento, Alexander — Relembrei um pouco aflita — Me avise se ela estiver vomitando ou coisa do tipo... Ai levo para o hospital. Do contrário, pode ficar com a sua mãe.

— Você vai ficar com ela, Molly. Não quero ouvir não como resposta — Disse firmemente — Melany precisa de você e você precisa descansar um pouco.

— Tudo bem, tem razão! — Não querendo discutir, concordei — Na hora do almoço nos vemos.

— Até daqui a pouco — Saiu fechando a porta.

Voltei a trabalhar, porém alguns minutos depois de Alexander sair ouvi o celular dele apitando em sua mesa. Encarei o objeto rodando na superfície do móvel intrigada. Ele dificilmente esquecia o celular e realmente deve ter saído preocupado com Melany. Sem pensar me levantei e caminhei com dificuldade, esticando-me para espiar o aparelho que apenas tocava pela falta de bateria.

— Nossa, que bom hein? Desloquei-me só por causa da bateria! — Desliguei o celular e sentei-me em sua cadeira para procurar o carregador. Comecei a mexer na mesa, mas nada de aparecer. Passei para a gaveta que estava aberta, a que sempre era trancada com chaves.

Remexi em vários papeis e senti a ponta do carregador no fundo da gaveta. Como tinha limitações de movimento por causa da barriga, enfiei a mão no fundo e puxei o objeto, fazendo papel cair para todos os lados na sala. Suspirei largando o carregador e o celular sobre a mesa para pegar os papeis no chão. Demorei até conseguir me ajoelhar no chão e juntar os documentos, porém em meio aos papeis deparei-me com uma carta lacrada e escrita o meu nome. O remetente era o próprio Alexander!

Senti um gelo na espinha, um nervoso descomunal por aquilo e a dor de antes voltou. Mais rápido do que tudo, fiquei de pé e juntei os papeis, enfiando tudo na gaveta e indo para minha mesa com o tal envelope. Encarei o mesmo durante um longo momento, imaginando se deveria ou não abri-lo. O meu nome estava ali! Rasguei o envelope tomada pela curiosidade.

Dentro do mesmo existiam dois papeis. Um recibo de pagamento e uma breve carta. Fui direito para a carta, ignorando ler o recibo.

 

Molly,

É com muita felicidade que hoje posso te dizer que me sinto verdadeiramente um pai de família, um homem completo como não me senti nem mesmo após nosso casamento. Finalmente quitei a dívida eterna que mantive com o destino... Paguei tudo o que devia a ele por ter hoje as coisas mais importantes de minha história: minha mulher e minhas lindas meninas.

Nada no mundo paga a dádiva de ter te conhecido e entrado na sua vida como um simples e ignorado secretário. Nada paga presenciar a rainha de gelo, a temida Molly Bern, se transformando em uma mulher humana, doce e justa. Sua transformação é parte de nossa história e isso mostra a mulher gigante e incrível que sempre foi e sempre admirei. Nada paga o imensurável amor que sinto por nossas filhas, querida.

O destino nos uniu e nos deu a graça de possuir dois laços eternos. Te fazer feliz e ser o melhor homem para você é uma missão da qual me encarrego sozinho todos os dias. Te amo minha rainha, você é a coisa mais maravilhosa do mundo, a estrela que mais brilha no meu céu e meu grande orgulho. Jamais vou me cansar de agradecer por te ter ao meu lado cada momento dessa jornada e por ter a mulher mais forte, inteligente e talentosa como mãe de minhas filhas.

Obrigado por ser Molly Bern.

Obrigado por me perdoar.

Espero que algum dia tenha tanto orgulho de mim quanto tenho de você.


De seu marido,
Alexander.


— Senhora Alcady? — Alice bateu na porta levemente e entrou. Abaixei a carta com os olhos cheios de lágrimas. O recibo agora estava em minhas mãos. Era feito pelo doutor Brawn.

— Sim... ? — Falei quase sem voz.

— Está tudo bem? — Questionou ao ver lágrimas descendo por meu rosto.

— Claro Alice. O que há? — Passei a mão sobre os olhos e respirei fundo com a surpresa que me consumia. Limpei as lágrimas com pressa.

— A reunião... Já estão todos lá te esperando senhora — De repente um estalo. Mesmo consumida pelo misto de sentimentos e emoções mais loucas, fiquei de pé e coloquei o sapato.

— Estou indo Alice! Obrigado por me lembrar! — Afirmei pegando os papeis e largando a carta sobre a mesa de Alexander.

Segui para a reunião tentando me controlar e com um sorriso tão grande que não podia esconder. Eles se calaram quando me viram. Entrei e me postei a frente de todos.

— Bom dia senhores... Podemos começar — Permaneci ouvindo o que todos tinham a dizer sobre a coleção, mas somente pensava em meu marido. Alexander realmente me surpreendeu e me fez amá-lo ainda mais.

— Senhora? — Alice me tocou quando notei água escorrendo por minhas pernas até o chão. Todos os presentes também notaram, parando para me darem atenção. Havia água em meio as minhas pernas. Então senti as contrações... — A bolsa estourou? — Alice parecia aflita.

— Alice, meu Deus... — Olhei para ela um pouco nervosa — É isso, não é? — A dor era horrível e parecia que a bebê estava se movendo para baixo. Pedir ajudar a eles era confiável? Justo aos funcionários que tratei com indiferença durante todos esses anos? Duvidava que fossem me dar atenção, uma vez que nem sequer se moviam ou falavam — Estou em trabalho de parto... —Suspirei com a dor — Bem que a doutora disse que não poderia sofrer emoções fortes — Logo pensei na carta.

— Está se sentindo bem? — Alice perguntou olhando para Eric e Lucca, quem nem se moviam.

— Alguém pode... Emprestar um celular? — Puxei a cadeira e me sentei — Preciso ligar para a emergência! Minha filha está nascendo e algo me diz que vai ser logo! — Sussurrei quase tímida.

— O que? Emergência? Nós te levamos! — Alice se adiantou e todos ficaram em pé no mesmo momento.

Me coloquei surpresa, uma vez que rapidamente Alice estava dando instruções para Lucca e Eric sobre como agir, dizendo como deveriam me ajudar a andar até o carro enquanto ela mesma ia buscar meus documentos. Jane, uma das secretárias mais antigas, prontificou-se a localizar Alexander enquanto me seguia para o carro sendo amparada pelos dois fortões. Pierre surtava ao meu lado... Eu sequer podia crer nessa atitude!

— Vai ficar tudo bem senhora Alcady — Alice sentou ao meu lado no banco de trás. Lucca dirigia, Pierre estava com Eric e Jane no outro carro.

— Pode me chamar de Molly agora, Alice — Dalei com uma das mãos pousada sobre a barriga. A dor apenas aumentava.

— Para que hospital te levamos, senhora Alcady? — Lucca questionou dirigindo rapidamente.

— Maternidade central — Expliquei em meio ao exercício de respiração — Porque está acontecendo tão rápido? Com Melany também tive trabalho de parto, apesar de ter sido cesariana, e demorou muito!

— Isso varia por vários motivos, senhora... Quero dizer, Molly — Alice sorriu um pouco e peguei em sua mão. Apertei bastante — Caramba, está doendo mesmo!

— Não imagina o quanto... Já vem desde manhã as contrações. E pior... Alexander está sem celular!

— A Jane o localiza — Alice comentou pegando um lencinho em sua bolsa e secando o suor de minha testa — Fica calma Molly, vai dar tudo certo.

— Logo a sua filhinha nasce. Vai ficar tudo bem — Lucca completou. Apesar de tentarem me acalmar, não estava funcionando muito. Eu me sentia envergonhada por ter tratado tão mal quem na hora do aperto estava me amparando.

As coisas mudaram no presente, mas as lembranças do passado permaneciam.


— Não é possível! Sempre que sua mãe fala que está com mau pressentimento alguma coisa acontece! — Comentei impaciente e suando frio. Melany estava no banco de trás com carinha ansiosa.

— Não importa papai. Dirige logo! — Pressionou — Assim vamos chegar depois da irmãzinha nascer!

— O trânsito está terrível — Tamborilei os dedos no volante me lembrando de quando atendi ao celular que Melany carregava na bolsa e era Jane, uma das secretárias da Delux, me convocando na maternidade. Molly havia entrado em trabalho de parto em meio à reunião. Ao que parece, a bebê nasceria de pressa — Ela parecia tão bem quando fui te buscar...

— Não adianta chorar, pai — Mel tocou meu ombro — Vai dar tudo certo! Calma!

— Se eu não tivesse demorado para conversar com a diretora... Mas que droga! — Praguejei parado no semáforo. Contando todo o processo, desde que sai da Delux para buscar Mel, já tinham se ido quatro horas!

— Pai... A mãe vai ficar bem!

Em disparado dirigi quando o sinal abriu e pedi para Mel ligar para minha mãe e avisar sobre o bebê. Ela o fez e ouviu mais gritos por parte da avó. Demasiado difícil era manter o foco, pensando que se saísse desenfreado poderia provocar um acidente e ferir Melany.

Adentrei a recepção do hospital carregando Melany no colo e duas bolsas, a de Molly e a do neném, que Molly deixava no meu carro caso algum incidente acontecesse.

— Por favor, a minha mulher está tendo nosso neném! — Parei no balcão da ala de maternidade nervoso e tomando cuidado para equilibrar Melany — Preciso vê-la agora!

— Como sua esposa se chama? — A recepcionista disse bem calma e pegando uma lista enorme.

— Molly Alcady.

— Ah, mais é claro! Está na sala de parto. Vou chamar uma enfermeira para te acompanhar. Um segundo! — Levou o telefone a orelha e solicitou o serviço com a maior calma do mundo.

— Parece que você é o único preocupado aqui, papai — Mel sussurrou ao meu ouvindo enquanto caminhávamos seguindo a enfermeira por um longo corredor.

— Sou eu quem vai ser pai... – Mel sorriu e ao mesmo momento acenou para alguém. Chegando a uma sala grande nos deparamos com um pessoal da Delux. Jane, Lucca, Eric e Pierre. Aquilo praticamente me deixou sem reação, mais do que o susto do parto — Pessoal?

— Alexander, até que enfim você chegou! — Jane sorria sentada em uma cadeira — Já deve estar quase na hora...

— Onde está Molly? — Coloquei Melany no chão, sabendo que a pequena não poderia entrar comigo na sala de parto.

— Na sala de parto... Alice está com ela — Jane respondeu e olhei para a enfermeira que me aguardava na porta.

— Vocês podem ficar com Melany, por favor?

— Claro... Entra lá. Não sairemos daqui — Jane garantiu. Melany se aproximou de Lucca e sentou-se ao lado dele. Os dois começaram a conversar.

— Obrigado pessoal! Melany, se comporte!

— Sim senhor! — Bateu continência e ficou com sua carinha de anjo.

— Certo... Certo — Me virei e entrei na porta que a enfermeira abriu. Deveria focar em Molly e me dedicar para que o momento fosse propicio a ela — Como ela está? Quero dizer... Sobre o bebê.

— O bebê está perfeito e a dilatação praticamente completa. Em menos de uma hora você terá sua filha nos braços — A enfermeira sorriu enquanto nos aproximávamos do quarto dela — Aqui está. Pode entrar.

Abri a porta quase derrubando a mesma. A primeira coisa que vi foi um quarto claro e algumas risadas. Espiei com certo receio de encontrar Molly sentindo dor e se revirando, mas o que vi me surpreendeu! Estava sobre a cama alta usando uma roupa de hospital, o cabelo preso em um coque bem feito e recostada com a expressão serena. Alice, sentada em um sofá pequeno de frente para Molly, sorria. Parei e franzi o cenho.

— Estou no quarto certo? — As duas me olharam juntas.

— Meu amor! — Molly gritou esticando os braços para mim com delicadeza, sorrindo quase cansada — Você chegou tão rápido! Pensei que não iria conseguir vir.

Coloquei a bolsa sobre um sofá e caminhei até ela um tanto receoso, olhando para Alice algumas vezes buscando respostas. Ela estava mesmo em trabalho de parto?

— Atravessei a cidade em quinze minutos — Nos beijamos rapidamente. Estava com certo medo de tocá-la. Sentei-me ao seu lado com cuidado — Está bem?

— Finalmente vamos conhecer nossa pequena — Deu de ombros meigamente — E sinto que será muito em breve! — Levou uma das mãos a barriga.

— Como Alexander chegou, acho que vou lá fora — Alice levantou-se — Com licença.

— Muito obrigado por tudo, Alice — Disse a ela, que sorriu e saiu — Minha mãe está vindo e Mel está aqui fora — Tocou meu rosto com calma, uma das mãos ainda sobre sua barriga coberta. Respirou fundo e suspirou em seguida — Você está bem meu amor?

— Sim, com algumas dores, mas bem — Garantiu com um sorriso falso, mas realmente não soava irônica a ponto de estar sentindo dor.

— Porque não está gritando? — Molly sorriu em meio as dores.

— Tomei uma anestesia — Explicou calma — Uma anestesia que se dá na coluna e não sentimos tanta dor. Arde e tudo, mas ameniza muito... — Encostou-se a maca — Alexander... Dá para chamar a enfermeira? Acho que já chegou a hora de empurrar!

— Enfermeira? Claro! — Me levantei e apertei o botão de emergência. Molly ria um pouco, mas tinha lágrimas nos olhos — Foi tudo muito rápido! Não acha?

— Eu já sentia algumas coisas desde cedo. O médico me deu remédio para acelerar o processo e tudo vai bem. A bolsa estourou — Respirou e soltou — Estou sentindo queimar agora... — Ela abriu um pouco as pernas, mas havia algo cobrindo seu corpo.

— Porque não disse, amor?

— Não pensei que era o parto. Tudo aconteceu quando li aquele envelope na sua gaveta! Se soubesse esconder as coisas pelo menos... — Paralisei.

— Você leu? — Sussurrei assustado.

— Queridos! — A doutora Anne adentrou ao quarto colocando luvas, usando tocas de proteção e um uniforme todo azul, acompanhada por duas enfermeiras.

— Doutora... — Molly sorriu com mais lágrimas nos olhos.

— Preparados para a chegada da pequena menininha?

Doutora Anne se postou entre as pernas de Molly e tudo o que pude fazer foi segurar sua mão e esperar.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


Minha filha não parecia um feijãozinho, como Molly a apelidou da primeira vez que a viu em uma imagem borrada.

Tive certeza que era linda na primeira visão que tive dela, assim que foi erguida nas mãos da doutora Anne toda suja e amassada. As lágrimas me dominaram e tentei me segurar. Larguei a mão de Molly, pois a primeira coisa que fez ao ouvir o choro engasgado de Maddie foi esticar os braços e reivindicar o que era seu, cansada demais para se manter calma.

— Bem vinda Madeleine... Que menina mais linda você é! — A doutora disse cheia de alegria. Maddie ainda chorava quando a enrolaram em um cobertor e a colocaram sobre Molly. Fiquei apenas olhando sem reação e com as mãos em frente aos lábios. Melany já veio pronta, mas Maddie vi chegar!

Nada se comparava ao milagre do nascimento. Nada poderia ser maior para um homem do que ver sua mulher parir o fruto de seu grande amor.

— Olá menininha! — Molly dizia para a bebê com a voz mais doce do mundo, tocando com a ponta dos dedos em seu rostinho — Como você é linda. Olhe só o seu pai! — Me aproximei com certo receio, sorrindo com emoção.

Observei o rostinho amassado, o cabelo escuro cobrindo sua cabeça toda e a pele bem branca ainda suja de sangue. Mesmo suja era uma gracinha. Parecia ser o ponto que irradiava luz dentro daquele quarto. Tão rápido como começou, retiraram a bebê e colocaram uma toquinha rosa em sua cabeça minúscula, pesando-a e medindo-a.

— Vai falar com sua mãe... Conte a ela! — Molly disse nem sequer me olhando, não conseguia parar de acompanhar as enfermeiras ajeitando Maddie.

— Já volto meu amor — Sai da sala atordoado e sorrindo demais. Caminhei pelo corredor sem esquecer a primeira imagem que tive de minha filha. Tão pequena, gordinha e rosada...

— PAI! — Ouvi a voz doce de Mel e olhei para sua direção rapidamente, erguendo os olhos do chão. Aquele formato de rosto me era muito conhecido... Acabei de revê-lo em Maddie — Como foi? Minha irmã já chegou? — Pulava no lugar toda empolgada. Correu em minha direção e me abaixei para pegá-la em meu colo.

— Sim! E ela é muito bonita, se parece com você! b Mel levou as mãos aos lábios e logo em seguida comemorou.

[...]

— Caramba tia Alice, olha o tamanho dela... Nem parece que estava na barriga da mamãe!

— Tem cabelos escuros como os seus, Melany — Alice disse cheia de fofura na voz.

— Não sei como vocês vêm tudo isso. A menina é um bebê e não tem cara de nada! — Lucca comentou ao lado de Alice.

— Não seja tão insensível! É o bebê mais bonitinho desse berçário — Jane repreendeu.

— Ela é a única menininha aqui. Só tem meninos! — Mel observou.

— Meus parabéns querido... Ela é linda! — Mamãe me abraçou enquanto víamos a bebê pelo vidro do berçário, onde não ficaria muito tempo, já que logo iria ficar com Molly em seu lugar.

— Obrigado mãe. Maddie é mais do que linda... Não tem como explicar — Suspirei apaixonado.

Certamente aquela pequena menina era minha mais doce recompensa.


Quando Melany nasceu tudo foi muito sofrido e doloroso. Me senti feliz e emocionada ao vê-la, obviamente, mas a sensação de vazio me fez jurar a mim mesma que preencheria a vida dela com luxos e riquezas , dando a pequena tudo o que o dinheiro poderia pagar. Naquele momento, encarando o rostinho da pequena Madeleine em meus braços, compreendi que de nada valia todo o luxo que sempre deixei a disposição de Melany. O que realmente faria minha filha feliz eram coisas que o dinheiro não podia comprar...

Atenção. Carinho. Amor... Uma família. Principalmente, a minha presença em sua vida.

— Então era você quem chutava minha bexiga durante as madrugadas, hein? — Acariciei seu rosto levemente, vendo-a mamar em meu seio com uma tranquilidade genuína. Usava um laço rosa em meio aos fartos cabelos negros que cobriam a cabeça e tinha as bochechas rosadas evidentes — Pequena Maddie. Você é linda, querida.

E certamente não seria parecida com Melany em temperamento.

Minha filha mais velha era totalmente igual ao pai. Sempre foi doce, calma, quietinha e quase nunca chorava. Em poucos momentos com a pequena Maddie em meus braços tomei alguns chutes, mordidas e a pequena não parava de exigir meu seio e mover os bracinhos em todas as direções. Sorri ao contemplar os olhos de cor indistinguível da bebê... Essa seria uma pequena Molly.

— Onde está minha irmãzinha? — Era noite quando Melany adentrou ao quarto junto do pai. Correu para a beira de minha cama e ficou na ponta dos pés tentando ver um pouquinho da neném.

— Está dormindo — Fiz sinal para Mel falar baixo — Não vai dar um beijo na sua mãe?

— Desculpe mamãe — Alexander se aproximou após fechar a porta e a sustentou no ar de modo que pudesse me beijar e ver a irmã. Ficou bons segundos olhando para a pequena em meu colo — Ela parece o papai.

— Eu disse que era linda... — Alexander riu e colocou Mel sentadinha na cama.

— Quer pegar sua filha, papai? — Ofereci e Alexander, parado ao lado da cama de braços cruzados. Debruçou-se sobre mim para ver a bebê sobre meu ombro.

— Estou ansioso! — Esticou as mãos um pouco nervoso. Os olhos verdes olhavam a pequena dormindo com admiração e carinho.

Passei a bebê para Alexander com cuidado. Ele tremia, mas pegou com jeito.

— Pequena Maddie... Você é linda como sua mãe e irmã. É alto aqui, não é? — A bebê abriu os olhos e o encarou quieta, apenas olhando ao redor.

— Ela encontrou o colo que mais gosta — Mel se arrastou para o meu lado e me abraçou toda dengosa — Minha bonequinha... Está bem? — Beijei seu cabelo.

— Agora melhor. Minha irmã finalmente chegou e somos uma família muito linda, como eu sempre sonhei, mamãe! — Me olhou de baixo com um sorriso enorme e tais palavras me encheram de orgulho — Quando chega meu próximo irmão?

— Pelo amor de Deus Melany! — Alexander riu ainda segurando a bebê com calma, andando pelo quarto para distraí-la.

— Chega de irmãos. Você tem a Madeleine, então é bom cuidar muito bem dela e ser uma ótima irmã mais velha, promete? — Ergui o dedo mindinho para Mel e ela entrelaçou o seu com o meu.

— Prometo! Vou ser a melhor irmã do mundo para Maddie.

Eles ficaram um bom tempo. Mel dormiu no sofá e Maddie não pregava os olhos novamente. Alexander se apavorou quando a enfermeira para vaciná-la. Ao vê-la chorando, quase fez o mesmo. Passeia para o peito novamente e Alexander se sentou do meu lado e assistiu encantado com nossa ligação.

— Ela é comilona... — Recostei a cama enquanto Maddie me devorava cheia de fome.

— A vida é um milagre. Deus faz as coisas perfeitamente — Acariciou o cabelo escuro de Maddie com a ponta do dedo — Jamais pensei que me emocionaria com uma cena tão simplória. Você é incrível, Molly.

— Você também — Afirmei com um sorriso cansado — Nós fizemos isso juntos.

— Você me deu uma segunda chance e promete jamais desperdiçá-la — Olhou para trás e viu Melany se movendo desconfortavelmente no sofá — Acho que é hora de levar a pequena para minha mãe. Depois volto para ficar com você.

— Não. Prefiro que fique com Melany... Ela se sentirá mais amparada — Quase impus minhas palavras.

— Mas... Você vai ficar sozinha com a bebê?

— Ela vai mamar e dormir... Qualquer coisa as enfermeiras me ajudam. É minha segunda bebê, Alexander. Sei lidar com isso — Relembrei segurando sua mão — Mel também precisa de atenção.

— Tudo o que quiser meu amor — Me beijou rapidamente e se abaixou para beijar a cabeça de Maddie também.


Melany não parou de ressaltar o quanto a irmã era linda e especial. Minha satisfação foi saber que as suspeitas de Molly estavam corretas... Não havia mais ciúmes, apenas a felicidade pela chagada da nossa nova garotinha.

— fiquei muito feliz pela mamãe. É bom vê-la contente — Mel deitou em sua cama e coloquei a coberta por cima de seu corpo pequenino.

— Sim querida. Viu como sua mãe estava sorrindo com sua irmã? Agora o mau humor passou — Me sentei na beira de sua cama lhe acariciando o cabelo. Mel tinha franja agora.

— Não vejo a hora de trazermos a Maddie para casa. Vai ser tão bonitinha! — Dizia com voz meiga — Parece uma boneca.

— Igual você — Sorriu tímida.

— Te amo papai. Obrigado por me dar uma irmã linda — Agradeceu com os olhos verdes brilhantes — Antes eu só tinha a mamãe... Hoje tenho um pai e uma irmã!

— Não precisa agradecer, isso é um presente para nós dois — Toquei seu rosto com carinho — E eu... Eu não tinha nada. Hoje tenho a família mais maravilhosa que poderia pedir.

— Boa noite papai — Virou para a parede.

— Boa noite minha princesa — Ainda ouvi sua risadinha e sai do quarto apagando a luz.

[...]

No meio da noite liguei para Molly. Maddie estava chorando a meia hora e somente parou quando ouviu minha voz no telefone. Molly garantiu que a bebê era igual a mim e tinha as pintas e sinais no mesmo lugar.

Assim que acordei coloquei Mel no ônibus escolar. Fui para a Delux acertar a licença de Molly e a minha também. No caminho, comprei um álbum de fotos e embrulhei em presente, assim como uma caixa de bombom para levar a minha rainha.

— Não consigo parar de olhar para seu rostinho — Parei na porta e fiquei apenas admirando Molly sentada no sofá com a bebê no colo. Usava um vestido rosa e o cabelo solto com a franja para trás — Veja só quem chegou... Seu papai — Entrei sorrindo e olhando fixamente para a adormecida Maddie. Abaixei-me a sua frente e beijei-a rapidamente — Que presentes são esses?

— São para você — Pisquei e sentei-me ao se lado — Passe a princesa para poder abri-los.

— Certo — Passou a bebê rapidamente, ansiosa para desenrolar os embrulhos. Segurei Maddie a minha frente e admirei-a deitada em minhas mãos, chacoalhando os bracinhos para todos os lados. Balancei-a um pouquinho e espirrou — Olha ela... — Molly repreendeu rindo.

— Foi somente um espirro — Desculpei-me trazendo a bebê para mais perto e tocando seu nariz minúsculo com o meu — Ela cheira leite de Molly.

— Porque é uma pequena faminta — Molly disse retirando o álbum de dentro do pacote e alisando a capa com a mão delicadamente. Era lilás escrito em preto "Alexander, Molly, Mel e Maddie". Soava bem alegre, como deveria ser — Gostou do álbum? — Questionei ficando de pé com Maddie e passeando pelo quarto com ela.

— Sim, eu amei! — Encarava o presente com carinho — Comprou porque eu disse que um álbum era a única coisa que faltava em casa? — Sorria me observando com Maddie e ainda alisando a capa do álbum.

— Agora é o momento mais oportuno para isso. Estamos todos aqui, por certo Madeleine? — Parecia procurar onde poderia obter leite em mim.

— Obrigado meu amor... Os bombons — Abriu a caixa de chocolate — São meus farotivos!

No final do dia levei Melany ao hospital e tiramos juntos a primeira foto em família para inaugurar o álbum.

Molly segurava a neném e Mel vinha sentada entre nós dois. Olhando aquela imagem compreendi que a chegada de Maddie não era somente uma benção... Era o toque que faltava para nós, o empurrão final para unir a mim e a Molly novamente. Para sempre. De todas as maneiras.

[...]

— Pai... Olha! A cabeça da Maddie cabe na sua mão! — Sentados no sofá, Melany e eu olhávamos para a bebê cheios de ternura.

Molly e Maddie chegaram em casa a menos de uma hora. Molly parecia disposta demais para quem tive um bebê três dias atrás, mas nada a impedia de checar os números da empresa nem que fossem cinco minutos. Sabendo o quanto era importante para ela, me prontifiquei a tomar conta das meninas em meio a seu tempo.

— A sua já foi assim Mel.

— Você não me viu bebê, não é papai? — Era o tipo de momento em que as palavras me faltavam. Engoli a respiração vendo Maddie esfregar em seus olhinhos em meu colo.

— Não filha — Confirmei encarando-a. Era incrível a capacidade de Melany ser séria em situações tão constrangedoras. Parecia entender perfeitamente a gravidade da situação. Olhando-a perto de Maddie não consegui escolher qual das duas era mais encantadora. Entre elas, Melany era mais parecida com Molly do que a bebê, que mesmo não apresentando tantos traços assim ainda lembrava demasiado minhas fotos de criança — Mas o papai daria tudo para poder voltar no tempo e te ver desse tamanho.

Mel se arrastou até mim e me deu um longo beijo na bochecha. Maddie choramingou em meu colo, balançando os braços.

— Maddie! Não chora! Vamos brincar? — Mel começou a bater palmas tentando entreter a irmã e não deu certo. Logo fiquei de pé para acalmá-la, mas não demorou muito para Molly aparecer na sala.

— Quer leite Madeleine? — Fez sinal com as mãos como se chamasse Maddie. Rapidamente passei a neném para ela, que se sentou no sofá e começou a alimentá-la — Pegue a toalhinha para mim Alexander? — Atendi prontamente seu pedido, como o súdito tão submisso que era de minha rainha.

— Posso mamar também mãe? — Mel espiou a boquinha de Maddie envolvendo o seio de Molly com certa curiosidade.

— Desse tamanhão quer mamar no peito? — Molly ria um pouco — Mel, você não pode mamar. Sua época já passou, querida. Fiquei mais de um ano te dando leite no peito. Você é grande, meu amor.

— Já que não posso mamar, vou comer alguma coisa na cozinha — Torceu os lábios e saiu da sala.

Maddie se alimentava quieta e não fazia nada que não fosse sugar e apertar a mão contra a pele de sua mãe para sair mais leite. Molly parecia somente ter olhos para ela, encarando-a com tanto amor que chagava a me comover. Não reclamava como minha irmã fazia com Ethan ao nascer, pelo contrário, até acariciava a mãozinha da bebê para acalmá-la. Observando a cena, fui pego de surpresa quando decidiu iniciar o dialogo que vinha me atormentando.

— Será que nossa filha já estaria aqui se não fosse por eu ter lido aquela carta?

— Talvez tenha sido a hora certa — Dei de ombros e deslizei a ponta do dedo delicadamente pelo cabelo escuro de Maddie. O silêncio dominou e apenas o ruído da boquinha da bebê trabalhando era o que ecoava na sala.

— Foi muito bonita e significativa sua atitude — Sorri envergonhado — Senti ainda mais orgulho de você, Alexander.

— Finalmente consegui provar para a grande Molly Bern que a amo de verdade? — Me inclinei para beijá-la, mas acabei beijando seu cabelo.

— Você já provou isso a muito tempo, querido secretário — Abriu um lindo sorriso e me beijou.

— Eu te amo. Fiz isso para que um dia Mel e Maddie compreenderam que o meu maior presente foram vocês. Minha família.


Três meses após o nascimento de Maddie ficar em casa era o pior dos tormentos para mim.

Mesmo distante procurei acompanhar o movimento da empresa e Alexander me mantinha informada de todos os passos que tomava, sendo ele meu substituto temporário. Ficar com as meninas era bom, mas não ocupava todo meu tempo livre. Melany sabia se virar muito bem sem mim apesar de sua pouca idade. Sempre foi acostumada comigo trabalho, então já era familiarizada com a babá que contratei para ajudar com as duas.

O grande motivo, mesmo pequeno, era Madeleine.

A menininha da casa, apesar de escandalosa quando queria, era um tranquilo bebê. Chorava apenas por fome e não exigia que a segurasse em determinada posição. Bastava deitar no sofá com ela por cima para que dormisse a tarde toda. À noite, quando Alexander chegava, cansava-a tanto que para voltar a dormir de madrugada não custava muito. No meio tempo eu ficava lá... Olhando para o nada!

Passei a fazer ginástica para perder o peso que ganhei durante a gravidez e obtive êxito. Era o único momento em que me distanciava um pouquinho de casa... Com tudo, incluindo o tédio que sentia por ficar longe da Delux, este recesso estava me fazendo bem. O estresse reduziu e nosso casamento não passou por nenhuma grave crise até o momento. Melany estava se saindo uma incrível irmã mais velha.

Com a ajuda de Alexander comecei a me consultar com uma terapeuta para me ajudar a controlar o temperamento. Após o último ocorrido na Delux, quando os funcionários que sempre tratei com indiferença me socorreram na hora em que mais precisei, tudo o que menos queria era voltar a ser a bruxa e carrasca que percorria os corredores com um machado para cortar a cabeça de quem me olhasse torto.

Busquei me acalmar, me concentrar e ter paciência. A cada diz que passava a ideia de pedir demissão da Delux se intensificava em minha mente. Talvez fosse hora da rainha deixar seu império.

[...]

— Espera... Espera... — O empurrei brevemente, sentindo no mesmo instante um incessável desconforto por ter que desfazer nosso contato — A Melany disse boa noite?

Alexander estava certo em ficar indignado e me olhar daquele jeito irritado. Parei no meio do sexo para perguntar uma coisa aparentemente sem nexo. Compreensivo, respirou fundo sobre mim e tombou para o lado totalmente insatisfeito. Me arrependi quando o fez, mas Melany ir dormir sem antas dizer boa noite não era um bom sinal! Por milagre Madeleine ainda não havia chorado para mamar e já passava da uma da manhã. Tentei consolá-lo e tocá-lo para não ficar bravo, mas não adiantou muito.

— Ela não disse boa noite... — Sussurrou após um tempinho calado, deitado ao meu lado olhando para o teto. Virou-se para mim todo confuso e preocupado — Será que aconteceu alguma coisa? Ela nem jantou direito, já tomou banho e deitou.

— Não é melhor ir checar? — Ameacei me levantar, mas ele fora mais rápido. Ficou de pé e colocou a calça de moletom jogada perto da estante.

— Deixa comigo — Piscou enquanto caçava o chinelo apenas com a luz do abajur acesa — Daqui a pouco Maddie começar a chorar e ali é só com você que as coisas se resolvem! — Referiu-se a amamentação — Volto em um minuto! — Saiu do quarto.

Voltei a me deitar contra o travesseiro quente e fechei os olhos. Tentei pensar em algo para agradá-lo, uma vez que não foi certo parar daquele jeito algo que para nós tinha tempo limitado desde a chegada da bebê.

Alexander me chamou um pouco nervoso.

— O que houve? — Encontrei Alexander sentado ao lado de Mel na cama — Meu Deus! O que está havendo?

— Ela está com febre! Olha...

— Vamos para o hospital!

[...]

Madeleine não chorou o caminho todo em sua cadeirinha. Permaneceu quieta somente olhando em volta e sugando sua chupeta enquanto as atenções pairavam totalmente ao redor de sua irmã mais velha. Alexander atravessou a cidade em menos de quinze minutos até o pronto socorro infantil mais próximo, tomando cuidado com a chuva que caia naquele momento. Atenta, Maddie deslizava os olhos verdes por todos os lados, talvez sentindo a tensão que pairava no ambiente.

Alexander entrou na emergência com Melany nos braços enquanto eu levava Maddie ao lado. Não haveria jeito... Maddie não poderia entrar, então, um de nós iria ficar para fora.

— Tudo bem — Assegurou segurando Mel — Eu vou com ela. Daqui a pouco vai estar tudo bem.

— Tudo bem... — Sussurrei quase sem voz de tão nervosa, sabendo que de nada adiantaria protestar. Alexander era o único que cuidaria dela tão bem quanto eu. Eles foram e fiquei com a bebê na sala de espera. Ainda quietinha, Maddie tinha os olhos do meu rosto — Não precisa ficar assim... — Toquei seu rosto — Daqui a pouco a Mel está bem — Ajeitei-a em meu colo e beijei sua testa.

[...]

Permaneci em plena agonia na sala de espera até Alexander sair da sala da médica com um sorriso e Melany em seus braços. A pequena tinha expressão cansada, mas estava calma deitada no ombro do pai. O diagnóstico foi inflamação na garganta e sinusite. Agradeci por ser algo simples de solucionar, mas tive que repreendê-la por não ter dito que não se sentia bem antes. Alexander levou-a para a sala de medicação, uma vez que teria que tomar uma injeção contra inflamação e remédios específicos no hospital. Após isto estaria liberada.

Quando finalmente consegui me acalmar Maddie abriu o berreiro em meio ao hospital. A pequena realmente se parecida comigo e não sabia chorar discretamente, apenas entendia a linguagem dos gritos. Era noite e apenas seu choro estridente ecoava na sala de espera.

Sai para dar uma volta com ela tentando acalmá-la, mas nada parecia distraí-la. Me sentei para amamentá-la e o choro foi cessando. Uma voz baixa se fez ao meu lado.

— Mas que lindo bebê... Quanto tempo ela tem?

Assim que meus olhos pousaram sobre a figura ruiva e rechonchuda parada a minha frente tive um sobressalto. Baixinha. Ruiva. Olhos azuis. Sardenta. Olhar triste.

— Meu Deus! — Sussurrei cobrindo a boca com a mão livre pelo susto — É mesmo você? Molly?

— Meu nome é Molly, mas... Te conheço? — A mulher se aproximou da poltrona onde eu estava sentada me olhando confusa.

— Sou... Molly. Lembra de mim? — Retirei Maddie do peito e ajeitei minha blusa. Surpresa, comecei a fazer a bebê arrotar apenas para me distrair do impacto —Nos conhecemos há sete anos no consultório do doutor Brawn... Nos confundiram e fizeram a sua inseminação em mim.

— Nossa! — Sorriu ao se recordar — Molly? Como pude não reconhecê-la se está exatamente igual?

— Bondade sua! Que mundo pequeno!

— Nem acredito que seja você... — Aproximou-me e me deu dois beijos no rosto — Que coincidência!

Coincidência mesmo ou havia algo por trás daquele encontro do destino?


— Pai... Cadê a mamãe? — Mel olhou em volta deitada em meu ombro. Fiz o mesmo, buscando algum sinal de Molly e Maddie em meio à sala totalmente vazia.

— Ai está uma ótima pergunta... Cadê sua mãe? — Suspirei — Será que foi comprar alguma coisa para Maddie?

— Comprar o que papai? Ela nem come! — Mel falava desanimada e sem forças para se manter sorrindo. A ajeitei em meu colo.

— Vamos perguntar na recepção. Quem sabe alguém a viu... — Assim que passei em frente ao banheiro feminino trombei de frente com Molly e uma senhorita muito familiar.

— Amor! — Molly disse surpresa ao nos ver. Paramos lado a lado e talvez tenha notado o quão pasmo fiquei ao notar de quem se tratava a mulher ao seu lado. A outra Molly. A quem vendi meu esperma anos atrás! Engoli a respiração e o primeiro impulso que tive foi apertar mais ainda Mel em meu colo — Como você está querida? — Deu a volta para beijar o rosto de Mel.

— Bem mamãe. Meu bumbum está doendo — Referiu-se a injeção que havia tomado há pouco. Meus olhos eram incapazes de abandonar a figura parada em meio à cena... Maddie estava adormecida no colo de Molly.

— Agora vai ficar melhor — Molly consolou Mel com um beijo na cabeça.

— Eu te conheço! — A outra Molly apontou em minha direção, estreitando o olhar — Não foi você quem...

Rapidamente olhou para Melany sem esconder o interesse pela pequena, que seguia totalmente alheia a situação do reencontro.

— Oi Molly — Deixei claro que também a conhecia — Sou Alexander Alcady, nos conhecemos há sete anos.

— Vocês dois se casaram, pelo que vejo — Cruzou os braços sem esconder a surpresa. A situação era mesmo incomum.

— Sim, nos casamos... Acredita? — Molly explicou com alegria — Essas são nossas filhas. Melany e Madeleine.

Os olhos da moça foram de uma para a outra. Melany estava desinteressada no rumo da conversa, preocupada demais com sua dor de garganta e injeção. Maddie dormia agarrada a blusa de Molly.

— Melany — A ruiva sussurrou o nome com os olhos claros fixos em Mel — Ela é mesmo muito linda. Se parece demais com você, Alexander.

— É o que todos dizem... — A abracei com mais carinho.

— Sempre desconfiei que toda aquela confusão tinha um propósito, sabe? — A outra Molly dizia com um sorriso pequeno — Nada acontece por acaso, mas me perguntei durante muitos anos porque um erro tão banal foi acontecer justo comigo, bem na minha vez de realizar o meu sonho... — Minha Molly e eu nos encaramos diante das palavras significativas — Agora vejo a resposta bem diante dos meus olhos...

— Também sempre acreditei em destino, Molly — Respondi seguramente — E me fiz a mesma pergunta durante muito tempo.

— Você conseguiu...? — Minha Molly apontou para a barriga dela discretamente e a moça ruiva negou com um aceno. Sua face demonstrava a tristeza do fracasso e minha Molly empalideceu.

— Existem sonhos que simplesmente não se realizam, Molly. Não existe uma explicação, apenas que nenhuma das minhas tentativas de me tornar mãe vingaram. Nunca obtive sucesso e desisti de tentar — Aquela afirmativa deixava claro que Melany, se tivesse sido inseminada naquela mulher, não existiria naquele momento — Mas já compreendi que o meu destino não é ser mãe e está tudo bem — Vi no rosto de Molly a tensão — Fico imensamente feliz que tenham formado uma família tão bonita com suas meninas.

— Obrigado Molly — Minha Molly segurou na mão da ruiva — Obrigado mesmo!

Quando a mulher foi embora, Molly se virou para mim com os olhos marejados e suspirou olhando o rostinho de Maddie em seus braços.

— Existem coisas que não são nossos sonhos, mas acontecem... — Sorriu para a bebê dormindo — E se tornam muito melhores do que todas as expectativas.

— Sei bem como é — Beijei o topo da cabeça de Melany — Não era um sonho, mas se tornou muito melhor do que qualquer um deles.

— Não me imaginou em um mundo no qual não sou mãe de minhas meninas — Afirmou com emoção — Muito menos um mundo onde não estou ao seu lado.

Nos beijamos com carinho em meio as afirmativas apaixonadas.


Meses Depois

— Maddie! Vem com o pai... Anda! — Alexander chamava Maddie com as mãos sentado no chão em frente a ela. Mel carregava a irmã pelas mãos sustentando-a em pé. A bebê dava passinhos curtos e desajeitados, ameaçando cair enquanto se equilibrava em Mel para chegar até o pai.

— Cuidado com ela amor! — Falei espiando-os pelo espelho, onde tentava enfiar o brinco em minha orelha direita.

— Daqui a um tempinho ela estará andando sozinha! Vamos Maddie, você consegue! — Mel incentivava. A bebê movia as perninhas e sorria com os dentinhos curtos a mostra, ansiosa para chegar até Alexander. Quando o fez, Alexander a pegou por baixo dos braços e encheu sua bochecha rosa de beijos.

— Quem é a bebê linda do pai? É guerreira minha pequena... — Mel também estava orgulhosa da irmã. Os dois juravam que conseguiriam fazê-la caminhar até os dez meses.

Nove meses após o nascimento de Maddie as coisas finalmente estavam voltando para o lugar.

Olhei-os pelo espelho e vi Maddie puxando o rosto de Alexander nervosa por ele ficar beijando-a todo minuto. Gargalhei. Ao contrário de Melany, Maddie não sofria calada muito menos era vulnerável e dócil. Tinha seus momentos de ternura, mas na maior parte do tempo era impositiva e firme. Não tinha a minima paciência em ser contrariada. Eu não podia reclamar de sua personalidade... Como Alexander ressaltava, Melany era como ele e Madeleine era totalmente como eu! Alexander a chamava de "princesinha" por se referir a mim como "rainha".

Chamei Maddie para meu colo quando terminei de me arrumar. Assim que me viu a bebê esticou os braços e sorriu abertamente. Gostava de Alexander e de Melany, mas eu era sua melhor amiga. Nos entendíamos pelo olhar, assim como acontecia com Mel e seu pai.

— Já está pronta? — Alexander levantou do chão também com sua roupa de trabalho — Vou pegar minha pasta no escritório e já vamos.

— Tudo bem — Sorri quando saiu do quarto. Voltei-me para a bebê novamente, que mexia em meu brinco delicadamente — Mamãe e papai vão trabalhar. Fique boazinha e obedeça a sua irmã. Não deixe Amber muito louca... — Beijei seu rostinho. Olhava-me como se entendesse totalmente — É a primeira vez que mamãe vai te deixar desde que nasceu. Não é muito fácil este momento, mas... — Meus olhos se encheram de lágrimas!

Nove meses ao lado dela. Nove meses vivendo para tudo o que aquele pingo de gente queria e agora tinha de deixa-la para ir a Delux!

O que me consolava era saber que era meu primeiro e último dia. Minha decisão estava tomada... Eu iria me demitir. Alexander não sabia e se soubesse antes com certeza iria me fazer mudar de opinião, mas nada podia me deter agora. Assim tudo era mais fácil para todos.

Eu não queria mais ser vista como uma mulher impositiva e de temperamento questionável. Não queria mais viver as sombras do que um dia fui para meus funcionários e deixar a empresa seria uma maneira de recomeçar e colocar em prática em meu novo trabalho — que futuramente conquistaria — uma nova maneira de liderar. Uma liderança saudável e por influência, não por imposições.

A Molly que um dia foi conhecida como rainha de gelo não fazia mais parte da minha realidade. Não depois de Alexander, o secretário.

— Molly... O que foi? — Alexander parou na porta e me encarou. Maddie estava deitada em meu ombro como se entendesse meu momento de fraqueza. Havia lágrimas deslizando em meu rosto — Porque está chorando? — Aproximou-se e tocou-me a bochecha.

— Por causa de Maddie — Ao ouvir seu nome a bebê ficou em alerta — Não é fácil deixaá-la pela primeira vez.

— Mas ela ficará bem com Amber e Melany. Não se preocupe amor. Pela tarde estaremos em casa novamente com as meninas — Me abraçou compreensivo — Deixar os filhos para trabalhar é necessário. Não é como se fossemos abandoná-las...

— Sinto-me uma perdedora por isso...

— Perdedora? Isso é a última coisa que você é! — Pegou Maddie do meu colo — Maddie vai ter muito orgulho de você quando puder entender, assim como Melany já tem! Você é uma grande mulher, querida.

Sorri para ele quando a pequena Maddie tocou em seu rosto em uma afirmativa involuntária das palavras que não compreendia.

[...]

— Ainda triste por ter deixado Madeleine? — Alexander perguntou quando descemos do carro na Delux. Permaneci calada todo o trajeto, apenas confabulando como iria comunicar minha decisão de demissão.

— Na verdade não é bem isso — Mordi os lábios e ajeitei minha bolsa.

— Não? — Buscou minha mão e a segurou na sua — Então o que é? — Parei de caminhar e respirei fundo. Alexander também parou alguns passos adiantados, mas voltou e encarou-me de frente — Pode confiar em mim — Beijou minha mão e naquele momento tive medo de decepcioná-lo.

— Tomei uma decisão — Comecei nervosa e abaixando o olhar.

— Decisão? — Não era muito de nossa índole tomar decisões sozinhos. Nesses meses de casamento fazíamos tudo juntos e combinávamos cada passo um com o outro — Qual foi sua decisão? — Cruzou os braços um tanto tímido e havia algo de medo em seus olhos. A mesma cara que Maddie fazia quando tinha que tomar banho.

— Vou pedir demissão da Delux — Olhei em seus olhos quando falei. Não expressou reação, piscou algumas vezes sem qualquer atitude — Não vai dizer nada?

— O que posso dizer? — Estava nitidamente desapontado, mas não queria expressar — Existe algo que talvez te faça mudar de ideia?

— Na verdade não — Sorriu de canto e revirou os olhos.

— Qual o motivo? — Pegou em minhas mãos novamente.

— Alexander... Você mais do que ninguém sabe que esse pessoal me odeia! — Expliquei querendo que me entendesse — Sempre demonstrei não me importar, mas agora as coisas mudaram. Esse pessoal que sempre tratei com indiferença e de maneira autoritária me ajudaram quando mais precisei... Me auto avaliando com a perspectiva que tenho hoje sobre a vida, vejo que fui muito imprudente e desnecessária em meu comportamento de antes. Você chegou e me fez mudar, Alexander. Tudo mudou para mim desde então — Um sorriso admirado nasceu no rosto dele, que me encarava de braços cruzados — Quero recomeçar em outro lugar e fazer tudo da maneira correta agora. Não quero ser a rainha de gelo ou a poderosa da Delux... Quero ser apenas a Molly. Uma pessoa normal e uma líder exemplar.

— Molly...

— Sei que está decepcionado, mas... — Ele me interrompeu.

— Não estou decepcionado — Me encarou levando uma das mãos a meu rosto — Estou muito orgulhoso de você. Pensar assim demonstra o quão incrível você é e o quanto amadureceu com a situação. É ótimo ouvir que pensa nos outros além de você e, mesmo estando triste por não ficar mais do seu lado todos os dias no trabalho, sei que te tenho para minha vida toda e não será isso que vai nos separar. Estou orgulhoso e apoio totalmente sua decisão, mesmo não concordando com ela. A Delux jamais será a mesma sem você, meu amor.

Demorei alguns segundos para entender que aquilo era realidade. O abracei com carinho

— Obrigado por compreender...

— Repito que não concordo, apesar de compreender. Você é a alma da empresa, Molly. Aquele é seu império! — Nos separamos e ele suspirou — Não posso garantir que ficarei muito tempo na Delux. Sem minha Rainha por perto vou fazer o possível para segui-la onde for — O beijei sobre os lábios com um sorriso apaixonado.

— Tenho certeza que tudo vai ser maravilhoso contigo por perto.


CAPÍTULO FINAL


Rainha: Esposa de um rei. Soberana de um reino.

 

Os olhares ao redor se tornaram surpresos ao constatarem minha presença.

Apertei a mão de Alexander na minha quando saímos do elevador e respirei fundo ao encará-los. Todos os vinte e cinco funcionários do departamento de moda da Delux estavam reunidos no saguão para me receber na volta ao trabalho e o fato me surpreendeu positivamente.

— Senhora Alcady! — Alice veio em minha direção carregando uma pasta. Sorria bastante e usava um lindo conjunto de calça e casaco que eu mesma aprovei como peça chave da coleção principal — Como é bom revê-la! Todos estavam aguardando seu retorno!

Olhei para Alexander e vi em seu olhar a timidez misturada com decepção. Coçou a nuca e olhou para o outro lado. Mesmo não estando de acordo se esforçava para não demonstrar o quão triste estava por minha decisão. Voltei a encarar os funcionários com as palavras presas na garganta.

— Olá para todos, pessoal.

"SEJA BEM-VINDA MOLLY"

Havia uma placa com os mesmos dizeres que todos usaram para me cumprimentaram em coro. Agradeci com um sorriso.

— Pensamos que não iria voltar Senhora... — Jane disse parada a minha frente — Você fez muita falta por aqui... Como vai a bebê?

— Obrigado Jane. Ela está ótima! — Foi o único momento em que consegui dar um sorriso. Era, talvez, o momento de maior apelo emocional em minha vida. Aquele escritório e aquelas pessoas estavam comigo há anos, desde meu primeiro emprego antes mesmo de ter Melany! Deixá-los estava doendo desde já.

Não consegui ser diretora de moda em um único momento. Foi um trabalho árduo até conquistar o topo.

— Você também está ótima — Eric comentou parado atrás de Alice — Com todo respeito, Alexander.

— Molly tem algo a dizer. É bom que escutem com atenção. Vocês sabem que ela nunca repete — Alexander recostou-se a mesa e cruzou os braços me olhando como todos naquele momento.

— Dizer algo? É uma recomendação de retorno senhora? — Alice especulou ainda sorrindo. Todos pareciam sorrir e não havia ninguém de cara fechada ou irritado com minha presença.

— Não Alice, não é isso — Respirei fundo e tomei fôlego para prosseguir. Queria estar mais segura — Vou deixar meu posto na Delux a partir de hoje. Voltei apenas para me despedir.

Houve silêncio.

Ninguém esboçou qualquer tipo de reação.

— O que? — Lucca falou, mas não dirigiu a pergunta a mim e sim a Alexander, que por sua vez assentiu com cara de poucos amigos.

— Mas... Como assim a senhora vai sair? Eu preciso desse emprego! A Delux sem a senhora não irá a lugar algum! — Um falatório se instalou após a afirmativa de Jane. Alice me olhava com a face surpresa e triste.

— Não senhora... Não pode deixar a Delux! — Eric falou mais alto do que todos — Quem nos colocou no topo foi sua direção e se estamos aqui hoje é por sua causa, senhora! Não faça isso!

—Prometemos mudar essa situação se nos der mais uma chance, senhora — Rebeca, uma menina que recortava os modelos de Pierre e era muito calada, falou em alto e bom som. Surpreendeu a todos com sua colocação.

— Molly, minha rainha... — Pierre chamou a atenção para si — Porque quer nos abandonar? A todos nós e até o seu secretário gato? — Alexander o olhou confuso e Pierre falava sério.

— Ao contrário do que pensam o problema não é com vocês, pessoal. Vocês são uma excelente equipe, a melhor com a qual trabalhei e tenho certeza que jamais vou encontrar um time tão talentoso e especial — Expliquei fazendo-os se olharem entre si perante as palavras — Mas a questão é pessoal comigo mesma.

— A senhora não tem problemas. É Molly Bern... — Alice afirmou. Pelo seu tom de voz tive a nítida impressão de que iria chorar.

— Claro que tenho problemas, Alice — Sorri sem humor — E um grande problema! Durante minha licença maternidade refleti sobre minha jornada na Delux e não me orgulhei do que exerci até então. Não em relação ao trabalho, mas sim a minha relação direta com meus funcionários. Vocês — Expliquei tomando fôlego — Não gosto da Molly que fui e da postura que tinha para o trabalho. Não me orgulho de ter sido impositiva, estressada e muitas vezes pouco compreensiva. Vocês sempre foram incríveis e minha postura jamais deixou de ser enérgica em situações pequenas. Realmente não esperava a ajuda de vocês quando estava prestes a ter minha filha e isso mexeu com meus sentimentos. Quero ser uma pessoa melhor e recomeçar... Quero ser uma líder que influencia com seus atos, não uma tirana que se impõe em nome do poder. Isso acabou e por isso deixo a Delux hoje.

— A senhora pode recomeçar aqui — Alice afirmou rapidamente — Acredite quando digo que não teremos Diretora melhor e uma chefe melhor... Como Pierre sempre diz, a senhora é nossa rainha — Ainda parecia conter as lágrimas — O fato de reconhecer sua postura e querer mudá-la já demonstra que existe o recomeço. Há muito tempo você não é a mesma, Molly, e nós já percebemos isso! — Meus olhos se encheram de lágrimas com as palavras sinceras de Alice — Pelo menos para mim você é mais do que uma chefe, é minha a inspiração por tudo que passou com sua filha pequena, os estudos e os esforços... Te admiro muito, Molly! Trabalho arduamente porque quero chegar a ser um pouquinho do que a você é para a Delux.

— Alice tem razão! O que será da Delux... O que será de todos nós... Sem a nossa líder? A minha rainha? — Pierre interveio.

Sabe aquele olhar de "eu te falei!" ?

Era exatamente aquele olhar que Alexander me lançava. Passei os últimos meses pensando que todo esse pessoal me odiava, quando na verdade pareciam aflitos com minha saída.

— Pensei que fosse isso o que quisessem... Que eu me afastasse! É também uma maneira de me redimir com vocês.

— Seríamos malucos se quiséssemos a alma desta empresa fora dela, Molly — Sebastian me encarava com desolação — O seu talento e a sua mudança de caráter evidenciam o quão grande você é, querida!

— Sabe o que queremos dizer... — Alexander tomou meu braço e beijou minha mão — A Delux nunca será a mesma sem você, meu amor.

Olhei para todos novamente e encontrei olhares compreensivos e emocionados.

— Estão seguros de que eu ficar será o melhor para todos?

SIM!

Responderam quase juntos e a emoção me tomou.

Perante aqueles sorriso e tantas declarações, não me restou melhor decisão a não ser ficar.


Maddie era rainha em dar um baile quando não queria algo e naquele momento não aceitava de maneira nenhuma a mamadeira da noite.

Maddie empurrou minha mão quando ofereci o leite ameaçou chorar. Parei de insistir e coloquei a mamadeira sobre a mesinha vendo-a se acalmar... Não por muito tempo. Apontava para a lareira e abria e fechava as mãos sinalizando que queria ir até ali. Caminhei com ela até lá e a assisti derrubar os porta retratos, batendo palminhas quando eu me abaixava para pegá-los com a expressão contrariada.

— Você é uma agitadora igualzinho sua mãe... — Assim que falei a porta se abriu da frente se abriu e minha missão de cuidar das meninas sozinho terminou melhor do que previ.

Ao menos todos estavam bem e alimentados.

— Má-má — Maddie disse as palavras únicas palavras que sabia se virando para Molly, que parou na porta confusa. Um grande sorriso iluminou seu belo rosto ao deparar-se comigo e nossa bebê.

Respirei aliviado e orgulhoso.

Quando Molly me comunicou que teria uma reunião com Cameron Delux após o expediente e eu teria que ficar duas horas sozinho com as meninas meu coração acelerou de medo e expectativa. Não por Melany, já que nossa primogênita era muito tranquila e mal se notava que havia uma garotinha em casa, mas por Madeleine. A pequena era a prova de que tamanho não é documento mesmo !

— Olá meu amor! — Molly disse com a voz carregada de ternura após depositar a bolsa no sofá. Passou por Melany e lhe deu um beijo longo na bochecha. Caminho até mim e a pequena e também me beijou, mas logo foi dirigindo a atenção para a bebê que sorria abertamente para a mamãe — Papai e Mel cuidaram bem de você?

— Sem comentários! — Mel revirou os olhos no sofá, centrada no desenho — Essa aí puxou mesmo para você, mãe. Toda bravinha...

— Como foi à reunião? — Questionei passando Maddie para a mãe. Molly a pegou e beijou suas bochechas. Ao contrário de como ficava comigo, a bebê se ajeitou no colo dela de maneira preguiçosa.

— Contei a Cameron sobre hoje mais cedo, em relação as atitudes dos funcionários — Beijou a cabeça de Maddie — Ele ficou grato por eu ter aceito continuar. Como foi com as meninas?

— Tudo certo — Cocei a barriga por baixo da camisa de maneira cansada — Acho que vou tomar banho. Ela derramou leite em mim.

— Tudo bem amor — Sorriu e pegou a mamadeira cor de rosa de onde deixei — Vem Maddie, deita aqui com a mamãe para tomar seu leite.

Maddie deitou no colo de Molly. Maddie abriu a boquinha em um ato não forçado. Maddie começou a mamar calmamente, olhando para o meu rosto com carinha inocente. Se pudesse falar certamente me chamaria de idiota.

Mel começou a gargalhar vendo a cena do sofá e e acompanhei, deixando claro que a casa era dividida entre o time de Molly e o time de Alexander. Melany e eu estávamos de um lado e Molly e Maddie do outro.

Isso apenas provava o quão completo estava sendo a experiência mais gratificante da minha vida. Ser pai de duas meninas lindas, incríveis e tão diferentes era o desafio mais incrível de toda minha jornada.

Um destino não planejado, mas que era exatamente o que eu precisava!


Caia uma intensa tempestade quando consegui um tempo para tomar banho com certa calma.

Passei pelo quarto de Melany e ela já se encontrava adormecida. Beijei sua testa e segui para o quarto de Maddie, onde vi Alexander sentado na poltrona rosa com ela em seu colo e um livro de história a sua frente. A bebê estava quietinha, chupando sua chupeta e atenta ao que o pai sussurrava. Pelos lances que peguei era a história da rapunzel, mas sendo tão pequena, o que acalmava mesmo a bebê era a voz aveludada e gostosa de Alexander ecoando no ambiente. Soava interessante até mesmo para um bebê.

Segui para o quarto, onde notei que a chuva era mesmo muito forte. Encostei-me na janela e assisti a chuva cair no terraço bem a minha frente. Estiquei o pé e pude sentir umas gotinhas pingando em minha perna, mas logo a recolhi.

Se dois anos antes alguém viesse até mim e dissesse que hoje estaria casada com o pai biológico de Melany e teria com ele mais uma filha eu com certeza riria na cara! Jamais me imaginei casada, muito menos com o homem que por muito tempo repudiei. Sorri com o pensamento. Alexander realmente me fez mal um dia, mas tudo não passou de um grande desencontro da vida. Desencontro este que a mesma rapidamente fez questão de resolver da maneira mais maravilhosa.

— No que está pensando? — Ouvi sua voz soar em meus ouvidos e tive um sobressalto.

— Nem vale a pena comentar... — Me abraçou por trás.

— Tenho certeza que pensa em mim — Gabou-se olhando a chuva com um sorrisinho presunçoso.

— Em quem mais? E você... Pensa em mim?

— Q uase todo o tempo — Garantiu.

— Qu ase ? — Sussurrei um pouco contrariada — Quem ocupa sua mente no tempo em que estou fora dela?

— Outras duas garotas — Deu de ombros e pisquei algumas vezes. Controlei-me para não perder a razão — Desculpe, estou sendo sincero. Você não é exclusiva. Melany e Maddie são muito importantes para mim. Não consigo parar de pensar em você e nessas duas garotas o tempo todo — Molly riu quando adotei expressão de ironia e revirei os olhos.

— Sei bem como é, mas essa brincadeira não tem graça! — Bati em seu peito um tanto forte e quando fui repetir o gesto me puxou pelos pulsos e me empurrou para a chuva junto dele. Gritei quando entrei em contato com a água gelada — Alexander! O que está fazendo?

— Está vendo? Isso é para você aprender a não bater em seu marido! Cadê a lei que protege os homens nessa hora? Preciso de uma lei dessas sendo marido dessa rainha poderosa... E que me tem a seus pés — Molhados, pulei sobre ele e o fiz perder o equilíbrio. Apoiou-se na parede quando rodeei os pés em sua cintura e o beijei longamente. Segurava em meu quadril com certa possessão, apertando as mãos contra mim.

Não nos importamos com a chuva e a mesma passou para o segundo plano. Apenas conseguia prensar as mãos em seu rosto, descê-las por seu peito e morder seus lábios quando me tocava em algum local mais intimo. Tirei sua blusa e joguei em algum canto. Uma de suas mãos penetrou por debaixo de meu short e o empurrou para o lado. Estremeci com o gesto e apertei tanto suas costas que por pouco não arranquei sangue.

— Alexander... — Sussurrei ao constatar seus dedos me acariciando com destreza entre as pernas.

— Vamos fazer outro bebê? — Disse brincalhão e me testando com sua invasão intima. Movia a língua em meus lábios, apertando o corpo no meu com força. Ao mesmo momento em que senti espasmos percorrendo todo meu corpo, ouvi um choro longo e profundo vindo de dentro da casa. Fechei os olhos por alguns segundos e abri vendo o rosto de Alexander voltado para o som — Acho que ela acordou.

— Não é uma boa ideia fazer outro bebê! — O empurrei com as bochechas coradas e a respiração ofegante — Vou ver o que ela quer e é bom que esteja no quarto quando eu voltar... Ou terá sérios problemas!

— Pode apostar que estarei minha rainha — Me deu um tapinha no bumbum quando dei a costas a ele. O olhei pasma, mas comecei a rir.

— Pode apostar que se não estiver farei da sua vida um inferno! — Repeti a frase de maneira brincalhona, fazendo-o rir ao se lembrar de como a usei com ele no passado.

— Já ouvi isso antes e posso te garantir que hoje não tenho mais medo!


Mel se aproximou do microfone e pigarreou delicadamente, postando um papel a sua frente. Estava nitidamente nervosa e um tanto acanhada. De longe podia notar que seu pequeno corpo estremecia por estar diante de tanta gente.

Era dia dos pais em sua escola e o primeiro no qual eu participava. No ano passado ela estava gripada e não participou, mas neste me prometeu uma festinha emocionante. De fato estava tudo muito bonito, mas vê-la sobre o palco me deixou orgulhoso como nunca.

As crianças da turma dela dedicavam um discurso aos pais, falando sobre a trajetória dos mesmos e sobre a vida que levavam em família. Fiquei demasiadamente curioso para ouvir o que minha primogênita tinha a dizer sobre mim.

Sua doce voz ecoou no ambiente grande do auditório e todos os olhares dos presentes se voltaram para ela, minha pequena grande luz.

Meu nome é Melany Bern Alcady e eu tenho nove anos.

Ao contrário do que todos aqui disseram, meu pai não me viu na barriga de minha mãe ou sequer sabia se eu era uma menina ou um menino. Ele não estava lá quando mamãe descobriu sobre mim e não a ajudou a escolher meu nome.

Tudo o que eu soube sobre ele durante anos era que havia vendido sua sementinha para o doutor e ela foi parar na moça errada, no caso, minha mãe. E então eu nasci. A cor dos olhos era a única coisa dele que eu conhecia quando me olhava no espelho.

A palavra "pai" era sinônimo de saudade, mistério, falta e ilusão. Afinal, o que havia de errado em mim para que ele não me quisesse? Mamãe dizia: "seu pai é um idiota!". Mas nunca acreditei. Se minha mãe era a rainha, meu pai tinha de ser um rei.

Os anos se passaram, cresci e sempre me pareci com aquela pessoa que não conhecia.

Até que um dia, como acontece nas histórias de televisão, escorreguei no sabão e quem me salvou foi o secretário de minha mãe. Nos tornamos amigos sem imaginar que ele era também meu pai de sangue, o verdadeiro. Sim, é uma história bem confusa, mas aconteceu. Quais as chances do meu pai ser secretário de minha mãe? Como mamãe sempre diz, o destino interveio para nos unir novamente.

Descobri muitas coisas a partir dali.

Alexander era o nome do meu pai e agora o conhecia! A cor dos meus olhos era mesmo igual e tinha uma avó que gostava de mim! Mamãe não odiava o papai, ela sempre o amou... Descobri principalmente que quando o destino nos dá uma segunda chance temos que aproveitá-la ao máximo. O passado já não importava. Meu pai estava ali agora e me amava!

Se pudesse escolher um pai certamente escolheria Alexander Alcady e foi o que eu disse várias vezes para a mamãe antes de descobrirmos a verdade. Ele sempre foi a minha escolha!

A palavra pai significa agora amor incondicional, alegria e risadas. Não é um idiota, é aquele que te prova todos os dias que você é a mais importante e que pode te amar cada dia mais, cada dia melhor e sem medidas!

É o único homem que faz tudo por você em nome do amor .

Obrigado por mamãe, por Maddie e por me amar muito.

Te amo papai,

Com amor, Melany.

 

As lágrimas rolavam em meu rosto desenfreadamente e um filme se passou em minha cabeça ao ver Melany descer do palco e correr para me abraçar. Todos ao redor aplaudiam seu discurso marcante, encantados pela narrativa singela e desenrolada de minha pequena garotinha.

Molly chorava e segurava Maddie ao nosso lado, feliz como jamais presenciei. Olhando para minhas três mulheres, o que poderia querer mais da vida?

Tudo valeu a pena. Cada lágrima e sorriso dos vários capítulos de nossa história reunidos nessa comédia romântica complexa. Tudo em nome do amor . Por trás de Mel contemplei Molly e Maddie. A pequena sorriu para mim e fez biquinho.

— Amo vocês. Você é tudo o que pedi a Deus, baixinha... — Sussurrei emocionado para Melany.

— Eu te amo papai. Feliz dia dos pais!

 

 

                                                                  Izabella Mancini

 

 

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