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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


EMA - P.2 / Jane Austen
EMA - P.2 / Jane Austen

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

EMA

Segunda Parte

 

É possível viver prescindindo totalmente do baile. conhecem-se casos de jovens que passaram muitos, muitos meses inteiros, sem assistir a nenhum baile nem a nada que se o parecesse, sem sofrer por isso nenhum dano nem no corpo nem a alma; mas uma vez se há começado... uma vez se há sentido, embora seja levemente, o prazer de girar rapidamente ao som de uma música... é difícil renunciar à tentação de pedir que se repita.

Frank Churchill já tinha dançado uma vez no Highbury, e agora suspirava por voltar para dançar; e a última meia hora de uma velada que o senhor Woodhouse consentiu em passar com sua filha no Randalls, os dois jovens a dedicaram a fazer projetos sobre aquela questão. A iniciativa tinha sido do Frank, assim como o maior interesse em conseguir o que desejava; já que ela emprestava grande atenção às dificuldades, e considerava que devia ser algo digno e adequado às circunstâncias. Mas, apesar de tudo, Emma tinha tantos desejos de voltar a demonstrar o maravilhosamente que dançavam o senhor Frank Churchill e a senhorita Woodhouse -algo do que não tinha que avermelhar ao comparar-se com o Jane Fairfax- ...e também tantos desejos simplesmente de dançar, sem que contasse o maligno aguilhão da vaidade... que lhe ajudou primeiro a medir o salão em que estavam para saber quantas pessoas poderiam caber ali... e logo a tomar medidas da outra sala de estar, com a esperança de descobrir -apesar de tudo o que o senhor Weston podia lhes dizer que eram exatamente das mesmas dimensões- que era um pouco maior.

A primeira proposição do jovem de que o baile que tinha começado em casa do senhor Penetre devia terminar naquela casa... que se reuniriam as mesmas pessoas que a vez anterior... e que a encarregada de tocar o piano seria a mesma... achou a aprovação mais imediata. O senhor Weston acolheu a idéia com grande entusiasmo, e a senhora Weston se comprometeu gostosamente a tocar durante todo o tempo que eles queriam dedicar-se ao baile; e ato seguido se aplicaram à grata tarefa de calcular exatamente quais seriam os casais, e a destinar a cada uma delas a porção de espaço indispensável.

-Você, a senhorita Smith e a senhorita Fairfax serão três, e as duas senhoritas Cox cinco - repetia Frank Churchill uma e outra vez. E por outra parte estão os dois Gilbert, Cox filho, meu pai e eu, e além disso o senhor Knightley. Sim, seremos os suficientes para nos divertir.

Você, a senhorita Smith e a senhorita Fairfax, serão três, e as duas senhoritas Cox, cinco; e para cinco casais haverá muito espaço.

Mas não demorou muito em trocar de opinião.

-Bom, não sei se haverá espaço suficiente para cinco casais... Quase me parece que não.

E pouco depois:

-depois de tudo, por cinco casais não vale a pena organizar nada. Se a gente pensar com calma no que isso significa, cinco casais não são nada. Não vai sair bem convidando só a cinco casais. foi uma idéia que nos ocorreu em um mau momento.

Alguém disse que estavam esperando à senhorita Gilbert em casa de seu irmão, e que devia ser convidada com outros. Outro era da opinião que a senhora Gilbert, se se o tivessem pedido, tivesse dançado em casa dos Penetre. falou-se também do filho menor de os Cox; e por fim, depois de que o senhor Weston tivesse renomado a uns primos deles que também deviam ser incluídos na lista, e de outra amizade sua muito antiga a a que não podia desprezar, chegou-se ao convencimento de que os cinco casais seriam pelo menos dez, e começaram a fazer-se curiosos cálculos a respeito das possibilidades de colocar a toda aquela gente no salão.

As portas das duas salas se achavam em frente a uma da outra.

-Não poderíamos usar as duas salas e aproveitar também o espaço da porta para dançar?

Esta parecia ser a melhor ideia; mas a maioria pediu que se buscasse uma solução mais adequada. Emma disse que resultaria um pouco vulgar; a senhora Weston se preocupava com o jantar; e o senhor Woodhouse se opôs decididamente por motivos de saúde. A coisa o tivesse inquietado tanto que terei que desprezar o projeto.

-OH, não! -disse-. Isto seria o cúmulo da imprudência. Não posso consenti-lo por Emma... Emma não é uma moça forte. ia pilhar um resfriado terrível. E a pobre Harriet também. E todos vocês igual. Senhora Weston, teria você que guardar cama;

não lhes deixe falar de disparates como este; por favor, não lhes deixe falar destas coisas.

Esse jovem -disse baixando a voz- não tem nem pingo de miolo. Não o diga a seu pai, mas esse jovem não rege bem. Toda a tarde a cada momento está abrindo as portas e as deixa abertas sem nenhuma consideração. Não pensa nas correntes de ar. Eu não quero lhe indispor com ele, mas lhe asseguro que esse jovem de miolo tem muito pouco.

A senhora Weston ficou muito causar pena para ouvir estas frases de recriminação. Sabia a importância que tinham e fez tudo o que pôde por dissipar suas apreensões. fecharam-se todas as portas, abandonou-se o projeto de comunicar as duas salas e se voltou de novo ao plano primitivo de dançar tão somente no salão no que então se encontravam; e com tão boa vontade por parte do Frank Churchill que o espaço que um quarto de hora antes apenas se considerava suficiente para cinco casais, tentou-se convertê-lo em folgado para dez.

-fomos muito generosos -disse-; concedíamos muito mais espaço do necessário. Aqui dez casais cabem perfeitamente.

Emma protestou:

-Seria uma multidão... uma multidão horrível; não há nada pior que dançar sem espaço para mover-se.

-Sim, sim, certo -replicou ele muito sério-, seria horrível.

Mas seguiu tomando medidas e por fim terminou dizendo:

-Apesar de tudo, acredito que dez casais teriam espaço mais que suficiente.

-Não, não -disse Emma-, você seja um pouco razoável. Seria horroroso estar tão apertados.

Não há nada mais desagradável que dançar rodeado de muita gente... e essa multidão em um sítio tão pequeno!

-Certamente, isso não posso negá-lo -replicou-. Estou totalmente de acordo com você...

Essa multidão em um sítio tão pequeno... Senhorita Woodhouse, tem você o dom de descrever muito graficamente as coisas em muito poucas palavras. Delicioso, verdadeiramente delicioso! Entretanto, depois de lhe haver dado tanta voltas custa muito deixá-lo correr. Meu pai se levaria uma decepção... e em resumidas contas... embora não sei muito bem por que... eu mas bem sou da opinião de que dez casais caberiam perfeitamente aqui dentro.

Emma se deu conta de que suas galanterias não eram muito espontâneas, e que ele oporia resistência antes de renunciar ao prazer de dançar com ela; mas aceitou o completo e esqueceu todo o resto. Se alguma vez chegava a pensar em casar-se com ele, valeria a pena deter-se pensar com calma e tratar de calibrar o valor de sua inclinação por ela, e de compreender as características de seu temperamento; mas para todos os efeitos de seu amizade o jovem era mais que suficientemente amável.

antes das doze da manhã do dia seguinte, Frank Churchill chegava ao Hartfield; e entrou na sala exibindo um sorriso tão agradável que demonstrava bem às claras que não tinha abandonado seu projeto. Logo se viu que devia anunciar alguma idéia feliz.

-Bom, senhorita Woodhouse -começou a dizer quase imediatamente-, confio que a afeição que você sente por dançar não desapareceu por completo com o terror que o inspiram as reduzidas dimensões das salitas da casa de meu pai. Trago uma nova proposição a respeito deste assunto: foi uma idéia de meu pai que só espera seu aprovação para ser posta em prática. Posso aspirar à honra de que me você conceda os dois primeiros bailes desta pequena velada que pensamos que poderia celebrar-se não em Randalls, a não ser na Hospedaria da Coroa?

-Na Coroa?

-Sim; se você e o senhor Woodhouse não vêem nenhum obstáculo e confio em que não, meu pai espera da amabilidade de seus amigos que lhe honrem com sua visita na hospedaria.

Ali pode lhes oferecer mais comodidades e uma acolhida não menos cordial que no Randalls.

foi idéia dela. A senhora Weston não vê nenhum inconveniente, com tal de que vocês estejam de acordo. E esta é também nossa opinião. OH! Tinha você toda a razão. Dez casais em qualquer das duas salas do Randalls tivesse sido algo realmente insofrível.

Que horror! Durante todo o momento eu já me dava conta de que você tinha muita razão, mas tinha muitos desejos de defender algo para demonstrar que cedia. Não lhe parece uma idéia muito melhor? Está você de acordo? Confio em que dará você seu consentimento.

-Parece-me que é um projeto ao que ninguém pode pôr reparos, se não os puserem o senhor e a senhora Weston. A meu modo de ver é esplêndido. E pelo que a mim respeita, estarei muito contente de... Sim, acredito que era a única solução que podia encontrar-se. Papai, não te parece uma solução excelente?

Emma se viu obrigada a explicar-lhe de novo antes de ser compreendida de tudo; e logo, como se tratava de algo novo, para que o aceitasse foi preciso que lhe fizessem uma série de considerações.

-Não; a mim o que me parece é que dista muito de ser uma solução excelente... é uma idéia muito desafortunada... muito pior que a outra. A sala de uma estalagem sempre é um sítio úmido e perigoso, nunca está bem ventilado e não é um lugar próprio para ser habitado. Se tiverem que dançar é melhor que dancem no Randalls. Nunca estive nesta sala da Coroa... nem conheço ninguém que a tenha visto por dentro... mas, não, não! O encontro um plano mas que muito mau. Na Coroa todo mundo vai pilhar uns resfriados piores que em qualquer outro sítio.

-Precisamente ia dizer lhe -disse Frank Churchill- que uma das grandes vantagens de este novo projeto é o pouco perigo que tem que alguém agarre um resfriado... Na Coroa o perigo é muito menor que no Randalls! Possivelmente o senhor Perry tivesse motivos para lamentar esta mudança, mas ninguém mais.

-Cavalheiro -disse o senhor Woodhouse, acalorando-se um pouco-, equivoca-se você de médio ao meio se supuser que o senhor Perry é um homem capaz de uma coisa assim. O senhor Perry o sente muitíssimo quando algum de nós cai doente. Mas o que não entendo é por que você crie que o salão da Coroa será um lugar mais seguro que o de casa de seu pai.

-Pois simplesmente pelo simples feito de que é mais espaçoso. Não teremos necessidade de abrir nenhuma janela... nenhuma só janela em toda a velada; e é esta horrível costume de abrir as janelas, deixando que entre o ar frio que atua sobre o corpo suarento, a que (como você sabe muito bem) é a responsável por essas desgraças.

-Abrir as janelas! Mas sem dúvida alguma, senhor Churchill, a ninguém lhe houvesse ocorrido abrir as janelas no Randalls. Ninguém tivesse podido ser tão imprudente! Em meu vida ouvi dizer uma coisa semelhante. Dançar com as janelas abertas! Estou seguro de que nem seu pai nem a senhora Weston (a pobre senhorita Taylor, como antes a chamávamos)

tivessem-no mimado.

-Ah! Mas sempre há algum jovem amalucado que se escorre sem que ninguém lhe veja detrás de uma cortina, e entreabre a janela. Eu mesmo o vi fazer muitas vezes.

-Diz-o seriamente? Deus nos atira! Nunca o tivesse suposto. Mas é que eu vivo fora do mundo, e muitas vezes fico assombrado do que me dizem. Entretanto, isto já significa uma diferença; e possivelmente, quando voltarmos a falar disso... mas esta classe de coisas requerem pensar-lhe muito. Não se podem decidir com pressas. Se o senhor e a senhora Weston fossem tão amáveis que viessem para ver-me uma manhã, poderíamos falar do assunto, e veríamos o que se pode fazer.

-Mas é que, por desgraça, disponho de tão pouco tempo...

-OH! -interrompeu Emma-, teremos tempo de sobras para falar de tudo. Não há nenhuma pressa. Se pudesse obter-se que o baile fora na Coroa, papai, seria muito conveniente para os cavalos. Teriam as quadras muito perto.

-Sim, querida, nisso tem toda a razão. Isto é uma grande coisa. Não é que James se queixe nunca; mas sempre que possa se é melhor ter consideração com os cavalos. Se pudesse estar seguro de que a sala estará bem ventilada... mas podemos confiar na senhora Stokes? Duvido-o. Eu não a conheço nem de vista.

-Posso responder de todos esses detalhes porque a senhora Weston em pessoa se ocupará deles. A senhora Weston se encarrega da direção geral de tudo.

-Já vê, papai! Suponho que isto te tranqüilizará... Nossa querida senhora Weston, que é o cuidado personificado. Lembra-te do que disse o senhor Perry, faz muitos anos, quando tive o sarampo? «Se a senhorita Taylor se encarregar de agasalhar à senhorita Emma, não tem que ter você nenhum medo de que se desentupa.» Muitas vezes lhe hei isso ouvido contar como lhe fazendo um grande elogio.

-Sim, sim, é verdade, é verdade que o senhor Perry o disse. Nunca o esquecerei. Meu pobre Emmita! Chegou a estar muito mal com o sarampo; bom, quero dizer que houvesse chegado a estar muito mal, de não ser pelos muitos cuidados do Perry. Durante uma semana veio quatro vezes ao dia. Desde o começo já disse que era um sarampo muito benigno... e isto era o que nos consolava mais, mas apesar de todo o sarampo sempre é uma enfermidade terrível. Confio em que quando algum dos pequenos da pobre Isabella tenha o sarampo, mandará chamar o Perry.

-Meu pai e a senhora Weston estão na Coroa nestes momentos -disse Frank Churchill- estudando a capacidade do local. Eu lhes deixei ali, e vim ao Hartfield porque estava impaciente por saber sua opinião, e também porque esperava que a convenceria para que fora a reunir-se com eles e pudesse expor seu critério sobre o terreno. Os dois rogaram-me que o dissesse assim. Daria-lhes você uma grande alegria se agora me permitisse acompanhá-la até ali. Sem você não podemos tomar nenhuma decisão definitiva.

Emma se sentiu muito adulada ao ver que a convocavam para tal assembléia; e depois de fazer prometer a seu pai que durante sua ausência refletiria sobre tudo o que haviam estado falando, os dois jovens saíram imediatamente em direção à Hospedaria da Coroa. Ali lhes esperavam o senhor e a senhora Weston; muito contentes de vê-la e de receber sua aprovação, muito ocupados, e muito felizes, cada qual de um modo diferente; ela pondo pequenos reparos, e ele encontrando-o tudo perfeito.

-Emma -disse ela-, o papel das paredes está em pior estado do que eu pensava.

Olhe! Há partes em que já vê que está espantosamente sujo; e o arrimadero está muito mais amarelado e opaco do que podia imaginar.

-Querida, é muito exigente -disse seu marido-. Que importância tem? À luz das velas não vais ver nada de todo isso. Parecerá-te tão limpo como Randalls à luz das velas. Nunca nos fixamos nessas coisas quando vamos a um clube.

Aqui provavelmente as senhoras trocaram um olhar que significava: «Os homens nunca sabem quando as coisas estão podas ou não o estão»; e os cavalheiros talvez pensaram para seus adentros: «As mulheres sempre se preocupam com essas pequenezes e naderías."

Entretanto, surgiu uma dificuldade que os próprios cavalheiros não desdenharam. tratava-se do comilão. Na época em que se construiu a sala de baile não se pensou na possibilidade de que ali se celebrassem também comidas; e o único anexo que tinham acrescentado tinha sido uma pequena sala de jogo. Agora bem, esta sala de jogo se necessitaria como tal; e, no caso de que os quatro organizadores considerassem mais conveniente prescindir do jogo, não era muito pequena para que ali se pudesse jantar comodamente? Para aquele objeto podia dispor-se também de outro salão muito mais espaçoso; mas se achava no outro extremo do edifício, e para chegar até ele se tinha que acontecer um corredor muito pouco apresentável. Isso criava uma dificuldade. A senhora Weston temia que neste corredor, os jovens estivessem muito expostos às correntes de ar; e nem Emma nem os dois cavalheiros se resignavam à perspectiva de ter que jantar apertados em uma estadia pequena.

A senhora Weston propôs que não se preparasse um jantar em toda regra; mas sim só se servissem emparedados, etc. na salita mais reduzida; mas a sugestão se descartou como uma idéia pouco afortunada. Um baile particular, no que os convidados não pudessem sentar-se à mesa para jantar, foi considerado como uma vergonhosa fraude aos direitos das damas e dos cavalheiros; e a senhora Weston teve que renunciar a voltar a falar de isso. Mas pouco depois lhe ocorreu outra solução, e aparecendo a salita de jogo, comentou:

-Tampouco me parece que seja tão pequena. Ao fim e ao cabo tampouco seremos tantos.

E ao mesmo tempo o senhor Weston, enquanto percorria a grandes passados o corredor, exclamava:

-Querida, parece-me que exageras um pouco com este corredor; depois de tudo, não é tão comprido como diz; e não se nota nem a menor corrente de ar da escada.

-O que eu quisesse -rujo a senhora Weston- é saber o que prefeririam a maioria de nossos convidados; devemos nos decidir pelo que seja do agrado do maior número de nossos amigos... se é que pode averiguar-se o que é o que pensa a maioria...

-Sim, isto é verdade -exclamou Frank-, a pura verdade. Você quer saber qual é a opinião de seus vizinhos. É uma idéia que só podia ocorrer-se o a você. Se pudéssemos consultar aos principais... às Couves, por exemplo. Não vivem muito longe daqui. Vou a lhes visitar? Ou a senhorita Bate? Ainda vive mais perto... Embora não sei se a senhorita Bate representaria a opinião do resto dos convidados... Parece-me que precisamos consultar com mais pessoas. O que lhes parece se for ver a senhorita Bate e lhe digo que venha a reunir-se conosco?

Pois... parece-me muito bem, se for você tão amável -disse vacilando a senhora Weston-.

Se você crie que pode nos ser de alguma utilidade...

-A senhorita Bate não nos vai solucionar nada -disse Emma-. Desfará-se em cumpridos e em agradecimentos, mas não nos vai resolver o problema. Nem sequer emprestará atenção a o que lhe pergunte. Não vejo nenhuma vantagem em consultar à senhorita Bate.

-Mas é tão divertida, tão extraordinariamente divertida! eu adoro ouvir falar com a senhorita Bate. E tampouco preciso trazer para toda a família.

Neste ponto o senhor Weston se incorporou ao grupo, e para ouvir a proposição que se fazia, deu-lhe sua decidida aprovação.

-Sim, sim, Frank; vá procurar à senhorita Bate, e terminemos de uma vez com este assunto.

Estou seguro de que lhe entusiasmará a idéia; e não conheço nenhuma pessoa mais indicada que ela para nos ajudar a resolver estas dificuldades. vá procurar à senhorita Tacos de beisebol. Estamo-nos pondo muito escrupulosos. Ela é uma lição vivente de como ser feliz. Mas traz para as duas. lhes diga às dois que venham.

-As duas? Aquela senhora anciã...?

-Que anciã? Não, homem, não, estou-te falando da jovem! Considerarei-te um toco se trouxer para a tia sem a sobrinha.

-OH, compreendido, compreendido! Ao princípio não o tinha captado. Pois, certamente, se o preferir assim tentarei as convencer às dois para que venham.

E saiu rapidamente. Muito antes de que retornasse acompanhando à miúda, pulcra e vivaz tia, e a sua elegante sobrinha, a senhora Weston, como mulher equilibrada e como boa esposa, havia tornado a examinar as condições do corredor, e advertiu que seus inconvenientes eram muito menores do que antes tinha suposto... a verdade é o que quase insignificantes; e aqui terminaram as dificuldades para tomar uma decisão. Todo o demais, pelo menos em teoria, não apresentava nenhum problema. Os detalhes complementares da mesa e as cadeiras, as luzes e a música, o chá e o jantar, resolveriam sozinhos; ou se deixaram de lado como nimiedades, a resolver em qualquer momento entre a senhora Weston e a senhora Stokes... Não cabia dúvida de que todos os convidados foram assistir; Frank já tinha escrito ao Enscombe, propondo prolongar sua estadia em Highbury durante uns quantos dias mais das duas semanas acordadas, e não era possível que se negassem a lhe agradar. Ia, pois, a celebrar um magnífico baile.

Quando chegou, a senhorita Bate se declarou totalmente de acordo com tudo o que o propuseram. Já não se requeria sua ajuda para dar idéias; mas para as aprovar (e nesse aspecto era muito mais de confiar) foi acolhida com toda cordialidade. Sua aprovação, que foi total e imediata, circunstanciada, calorosa e incessante, não podia por menos de agradar a todos; e durante meia hora mais estiveram indo de um lado a outro das diferentes salas, os uns fazendo sugestões, os outros as recebendo e todos gozando já de antemão da alegre reunião que se estava organizando. O grupo não se dissolveu sem que Emma não tivesse prometido em firme ao herói da velada os dois primeiros bailes, nem sem que o senhor Weston, que a tinha ouvido por acaso, murmurasse ao ouvido de sua esposa:

-Os pediu a ela, querida. A coisa parte. Já sabia já que o faria!

 

Emma só sentia falta de uma coisa para que o projeto do baile fosse completamente satisfatório: que a data fixada caísse dentro das duas semanas que sua família tinha concedido ao Frank Churchill para sua estadia no Highbury; pois, a pesar da confiança do senhor Weston, a jovem não considerava tão impossível que os Churchill não consentissem a seu sobrinho ficar ali um dia mais dos quinze que o tinham concedido. Mas isto não era factível. Os preparativos requeriam tempo, e não podia preparar-se nada para antes de que começasse a terceira semana de sua estadia, e durante uns quantos dias tinham que fazer planos, preparativos e conceber esperanças em a incerteza -no perigo-, segundo sua opinião o grande perigo, de que tudo fora em vão.

Entretanto, no Enscombe se mostraram generosos, generosos nos fatos, já que não nas palavras. Evidentemente, seu desejo de ficar mais tempo ali lhes contrariou; mas não se opuseram. achavam-se, pois, seguros, e se seguiu adiante com o projeto; e como uma preocupação geralmente ao desaparecer cede seu lugar a outra, Emma, uma vez já segura de que o baile ia efetuar se, começou a considerar com inquietação a provocadora indiferença que o senhor Knightley mostrava para com estes planos. Já fora porque ele não dançava, já porque os planos se feito sem lhe consultar, parecia ter decidido que não sentia nenhum interesse por aquilo, que não sentia nenhuma curiosidade por inteirar-se de os detalhes, e que para ele a festa não ia proporcionar lhe nenhum gênero de diversão.

Quando Emma, entusiasmada, explicou-lhe do que se tratava, não conseguiu obter uma resposta mais aprobadora que esta:

-Perfeitamente. Se os Weston considerarem que vale a pena tomar-se todas estas moléstias por umas quantas horas de ruidosas expansões, eu não tenho nada que dizer em contra, mas que ninguém me queira escolher isso diversões por mim... OH, sim! Claro está que tenho que ir; não posso me negar; e procurarei estar tão animado como posso; mas preferiria ficar em casa repassando as contas que cada semana me apresenta William Larkins; confesso que preferiria isto muito mais. É um prazer ver como dançam os demais? Não para mim, o asseguro... Nunca me gostou de ver dançar... nem sei de ninguém que goste. Em minha opinião, o dançar bem, como a virtude, não necessita espectadores, e a satisfação que proporciona basta. Geralmente os que ficam a ver dançar revistam estar pensando em outras coisas muito diferentes.

Emma se deu conta de que se estava refiriendo a ela, e isto a pôs fora de si. Sem embargo não era para favorecer ao Jane Fairfax que se mostrava tão indiferente e tão ofensivo; não pensava nela ao censurar a idéia do baile, já que Jane se achava entusiasmadísima com o projeto; tanto que parecia mais alegre, mais franco, e lhe havia dito por própria iniciativa:

-OH, senhorita Woodhouse! Suponho que não ocorrerá nada que límpida que se dê o baile. Que desilusão teríamos! Confesso que penso neste dance com muchísima ilusão.

Não era pois para adular ao Jane Fairfax que preferia a companhia do William Larkins.

Não... cada vez estava mais convencida de que a senhora Weston se equivocou completamente em suas hipóteses. O que ele sentia pela jovem era muita amizade e uma grande compaixão... mas não amor.

Mas, ai!, não demorou para passar muito tempo sem que deixasse de haver motivos para disputar com o senhor Knightley. Dois dias de jubilosa segurança foram seguidos imediatamente pelo desmoronamento de todas suas ilusões. Chegou uma carta do senhor Churchill insistindo a seu sobrinho a retornar o antes possível. A senhora Churchill estava doente... muito doente para poder prescindir de sua presença; quando tinha escrito a seu sobrinho dois dias antes já se encontrava muito mal (conforme dizia seu marido), mas resistindo, como era habitual nela,, a preocupar a outros e seguindo seu invariável costume de não pensar nunca em si mesmo, não o tinha mencionado; mas agora se tinha agravado tanto que a coisa não podia tomar-se à ligeira, e devia rogar a Frank que retornasse ao Enscombe imediatamente, sem a menor demora.

A senhora Weston antecipou a Emma o essencial da carta em uma nota que se apressou a lhe enviar. Quanto à partida do jovem era inevitável. Devia partir ao cabo de poucas horas, embora sem sentir nem a menor alarma pelo estado de sua tia que pudesse rebater sua repugnância a ir-se. Já conhecia suas enfermidades, que só se apresentavam quando lhe convinha.

A senhora Weston acrescentava que «Frank só terá tempo de passar um momento por Highbury, depois de tomar o café da manhã, para despedir-se dos poucos amigos que supõe que sentem algum interesse por ele; de modo que não demorará muito em aparecer pelo Hartfield».

Esta triste nota chegou às mãos da Emma quando terminava de tomar o café da manhã. Uma vez a teve lido não pôde por menos de lamentar-se de sua má sorte. Adeus ao baile... adeus ao jovem... e como devia senti-lo Frank Churchill! Era muita má sorte! Uma festa tão maravilhosa como tivesse sido! Todo mundo tivesse sido tão feliz! E ela e seu casal os mais felizes de todos!

-Eu já disse que passaria isso! -foi seu único consolo.

Enquanto, seu pai se preocupava com coisas totalmente distintas; pensava sobre tudo em a enfermidade da senhora Churchill, e queria saber que tratamento seguia; e assim que ao baile, sentia que sua querida Emma tivesse tido aquela desilusão; mas estariam mais seguros ficando em casa.

Emma estava já disposta a receber a seu visitante um momento antes de que este aparecesse;

mas se sua tardança não dizia muito em favor de sua impaciência por vê-la, seu ar causar pena e o absoluto desânimo que refletia seu rosto quando chegou, bastavam para que lhe perdoasse.

Sua marcha entristecia muito ao jovem para que queria falar dela. Seu abatimento era evidente. Durante uns minutos permaneceu em silêncio, sem saber o que dizer; e quando conseguiu dominar-se, foi só para comentar:

-De todas as coisas horríveis, a pior é uma despedida.

-Mas voltará você -disse Emma-. Esta não será a única visita que faça ao Randalls.

-Ah! -disse cabeceando tristemente-, é tão incerto o dia em que poderei retornar!

Porei de minha parte todo o possível... Não pensarei em nada mais, nem me ocuparei de outra coisa, o asseguro... e se meus tios vão a Londres esta primavera... mas temo... a primavera passada não saíram do Enscombe... temo que este seja um costume que haja desaparecido para sempre.

-Ou seja que terá que abandonar a idéia de nosso pobre baile...

-Ah! O baile... por que pusemos nossa ilusão em uma esperança? por que não aproveitamos a felicidade quando passa por nosso lado? Quantas vezes a sorte fica destruída pelos preparativos, os néscios preparativos! Você já disse que passaria isto...

OH, senhorita Woodhouse! por que tem você sempre tanta razão?

-Asseguro-lhe que neste caso sinto muito ter tido razão. Tivesse preferido muito mais não tê-la e ser feliz.

-Se posso voltar, celebraremos nosso baile. Meu pai não abandona a idéia. E você não esqueça o que me prometeu.

Emma sorriu adulada, e ele seguiu dizendo:

-O que duas semanas tivemos! Cada dia mais radiante e mais maravilhoso que o dia anterior! Cada dia me fazendo mais incapaz de suportar a vida em qualquer outro sítio.

Felizes os que podem ficar no Highbury!

-Já que agora é você tão amável conosco -disse Emma rendo-, arriscarei a lhe perguntar se não veio você com certos receios. Não nos encontrou você mais interessantes do que esperava? Estou segura de que sim. Estou segura de que não confiava você muito em encontrar-se a gosto neste povo. Se tivesse tido uma boa opinião do Highbury, não tivesse demorado tanto em vir.

Ele riu um pouco forçadamente; e embora negou as predisposições que lhe atribuíam, Emma estava convencida de que estava no certo.

-E tem você que ir esta mesma manhã?

-Sim; meu pai virá aqui para me buscar; voltaremos juntos ao Randalls e em seguida me porei em caminho. Quase tenho medo de que se presente aqui de um momento a outro.

-E não teve nem cinco minutos para despedir-se de seus amigas a senhorita Fairfax e a senhorita Bate? Que má sorte! Os convincentes e sólidos argumentos da senhorita Tacos de beisebol possivelmente tivessem podido lhe consolar.

-Sim... já estive em sua casa; passava por diante, e pensei que era melhor entrar.

Tinha que fazê-lo. Entrei só para ficar três minutos, mas me entretive mais porque a senhorita Bate estava ausente. Tinha saído; e me pareceu que era forçoso esperar a que voltasse. É uma pessoa da que alguém se pode, e quase diria que se deve, rir; mas à que não se é capaz de dar um desprezo. Ou seja que o melhor era que aproveitasse a ocasião para fazer a visita...

O jovem titubeou, levantou-se e se dirigiu para a janela. Logo seguiu dizendo:

-Enfim, senhorita Woodhouse, talvez... acredito que você já deve ter suspeitado algo...

Ele a olhou como se queria ler em seu pensamento. Emma quase não sabia o que dizer.

Aquilo parecia como o anúncio de um pouco muito sério do que ela não desejava inteirar-se.

De modo que fazendo um esforço por falar, com a esperança de que ele não seguisse adiante, disse com muita calma:

-Obrou você muito bem; era a coisa mais natural do mundo aproveitar a ocasião para fazer a visita...

Ele guardava silêncio. Emma acreditava que a estava olhando; provavelmente refletia sobre o que lhe havia dito e tratava de interpretar sua atitude. Ouviu-lhe suspirar. Era natural que se acreditasse com motivos para suspirar. Era impossível acreditar que lhe estava respirando. Passaram uns momentos embaraçosos, e o jovem voltou a sentar-se; e de um modo mais resolvido disse:

-Isso me fez cair na conta de que todo o tempo restante de que dispunha ia a dedicá-lo ao Hartfield. Sinto um grande afeto pelo Hartfield...

Voltou a interromper-se, levantou-se de novo e deu a impressão de achar-se muito turbado... Estava mais apaixonado por ela do que Emma tinha suposto; e quem sabe como tivesse podido terminar aquela cena se seu pai não tivesse entrado naqueles momentos? O senhor Woodhouse não demorou muito em fazer ato de presença; e a necessidade obrigou ao jovem a dominar-se.

Entretanto, passaram ainda vários minutos antes de que ficasse fim a aquela penosa situação. O senhor Weston, sempre tão ativo quando havia algo que fazer, e tão incapaz de diferir um mal que era inevitável, como de prever o que era incerto, disse:

-Já é hora de ir.

E o jovem teve que resignar-se a lançar um suspiro, assentir com a cabeça e levantar-se para despedir-se.

-Terei notícias de todos vocês -disse-; isto é o que mais me consola. Inteirarei-me de tudo o que lhes ocorra. Fiz prometer à senhora Weston que me escreverá. Há sido tão boa que me assegurou que não deixará de fazê-lo. OH! Que maravilhoso é poder contar com uma mulher que nos escreva quando se está realmente interessado por alguém ausente! Ela me contará isso tudo. Graças a suas cartas voltarei a estar neste querido Highbury.

Um forte apertão de mãos e um cordialisimo «adeus» seguiram a suas palavras, e a porta não demorou para fechar-se detrás do Frank Churchill. A comunicação tinha sido breve... e breve sua entrevista; ele se tinha ido; e Emma se encontrava tão causar pena por seu marcha, e previa que sua ausência ia ser uma perda tão grande em seu pequeno círculo de amizades, que começou a ter medo de estar muito triste e de senti-lo muito.

Frank deixava um grande vazio. Desde sua chegada ao Highbury se viram quase todos os dias. Certamente sua presença no Randalls tinha animado muito aquelas duas semanas que acabavam de transcorrer... uma vida indescritível; a idéia, a ilusão de lhe ver que o havia trazido cada manhã, a segurança de suas delicadezas, de sua alegria, de seus cumpridos... Tinham sido duas semanas muito felizes e agora custava resignar-se voltar para curso ordinário da vida do Hartfield. E além de todo isso, quase lhe havia dito que amava-a. A firmeza, a perseverança no afeto de que podia ser capaz já era outra questão; mas no momento Emma não podia ter nenhuma dúvida de que sentia por ela uma cálida admiração e uma sensível preferência; e esta convicção, unida a todo o demais, fez-lhe pensar que também ela devia estar um pouco apaixonada por jovem a pesar de todos seus prejuízos contra isso.

«Sim, sem dúvida devo está-lo -dizia-se-. Essa sensação de desânimo, de cansaço, de esgotamento, essa falta de vontades de me pôr a fazer algo, essa impressão de que todo o que me rodeia na casa é triste, aborrecido, insípido...! Sim, devo estar apaixonada; seria o ser mais estranho da criação se não o estivesse... ao menos durante umas semanas.

Bom, o que para uns é mau é bom para outros. Muitos se lamentarão comigo por o do baile, já que não pela marcha do Frank Churchill; mas o senhor Knightley estará contente. Agora se quer poderá ficar em casa com seu querido William Larkins."

Entretanto, o senhor Knightley não demonstrou uma alegria transbordante. Não podia dizer que o lamentava, por isso a ele se referia; a vivaz expressão de seu rosto houvesse rebatido o efeito de suas palavras; mas o que disse, e isso com grande convicção, era que o sentia pela desilusão que tinham tido outros, e acrescentou com uma notável amabilidade:

-Você, Emma, que tem tão poucas oportunidades para dançar, você sim que tem má sorte; teve você muito má sorte!

Transcorreram vários dias antes de que a jovem voltasse a ver o Jane Fairfax e pudesse julgar como tinha reagido ante aquela terrível decepção; mas quando voltaram para ver-se a fria compostura do Jane lhe resultou odiosa. Entretanto, nos últimos dias se tinha encontrado bastante mal, e tinha tido tais enxaquecas que tinham feito dizer a seu tia que de haver-se celebrado o baile em sua opinião Jane não tivesse podido assistir; e era mais caridoso atribuir aquela indiferença afetada à prostração que lhe produzia seu falta de saúde.

 

Emma seguia totalmente convencida de que estava apaixonada. Suas idéias só variavam no referente à intensidade deste amor; ao princípio lhe pareceu que o estava muito; logo, mas bem que pouco. Sentia um grande prazer em ouvir falar do Frank Churchill;

e por ele, maior prazer que nunca em ver o senhor e à senhora Weston; pensava muito a miúdo no jovem, e esperava sua carta com muita impaciência para poder saber como estava, qual era seu estado de ânimo, como seguia sua tia e que possibilidades tinha que voltasse para o Randalls aquela primavera. Mas por outro lado resistia a admitir que não era feliz e, passada aquela manhã, lutava contra a tentação de abandonar-se a uma vida menos ativa que a que tinha por costume levar; seguia sendo ativa e corajosa; e a pesar de ser ele tão agradável, não deixava de imaginar com defeitos; e mais adiante, a pesar de pensar muito no e de forjar, enquanto desenhava ou bordava, inumeráveis e divertidos planos sobre o desenvolvimento e a conclusão de suas relações, imaginando engenhosos diálogos e inventando elegantes cartas; o final de todas as imaginárias declarações que o fazia era sempre uma negativa. O afeto que lhes unia devia represar-se pelas vias da amizade. Sua separação ia estar adornada de toda a ternura e de todo o encanto imagináveis; mas tinham que separar-se. Quando reparou em isso, deu-se conta de que não devia estar muito apaixonada; porque apesar de sua prévia e firme determinação de não abandonar nunca a seu pai, de não casar-se nunca, um verdadeiro amor era forçoso que causasse muitas mais luta interiores das que por seus sentimentos Emma podia prever.

«Não vejo que eu tire reluzir nunca a palavra sacrifício -disse-se-. Em nenhuma de meus prudentes réplicas nem de minhas delicadas negativas há a menor alusão a fazer um sacrifício. Suspeito que no fundo não lhe necessito para ser feliz. Tão melhor. Não vou agora a me convencer a mim mesma de que sinto mais amor de que existe em realidade. Já estou suficientemente apaixonada. Não quero está-lo mais."

Em conjunto, também estava contente com a impressão que tinha tirado dos sentimentos dele.

«Sem dúvida nenhuma, ele está muito apaixonado... tudo o demonstra... o que se diz muito apaixonado! E quando voltar, se segue me tendo o mesmo afeto terei que andar com muito cuidado para não lhe respirar... obrar de outro modo seria imperdoável, já que meu decisão já está tomada. Não é que imagine que ele possa pensar que até agora lhe hei estado respirando. Não, se ele tivesse acreditado que eu compartilhava seus sentimentos, não se houvesse sentido tão desgraçado. Se ele tivesse podido considerar-se animado, suas maneiras e sua linguagem tivessem sido diferentes aos despedimos... Mas, apesar de tudo, tenho que andar com muito cuidado. Isso caso que seu afeto por mim para então seja ainda o que é agora; mas a verdade é que não acredito que ocorra assim; não me parece um homem como para... Não confiaria muito de sua firmeza ou de sua perseverança... Seus sentimentos são apaixonados, mas tenho a impressão de que mas bem variáveis. Em resumidas contas, que cada vez que penso nesta questão estou mais contente de que minha felicidade não dependa muito dele... dentro de pouco voltarei a estar perfeitamente bem... e então poderei dizer que saí bem sacada; porque dizem que todo mundo tem que apaixonar-se uma vez na vida, e eu terei saído do passo com bastante facilidade."

Quando chegou a carta do Frank para a senhora Weston, Emma pôde lê-la; e a leu com tanto prazer e tanta admiração que ao princípio lhe fizeram duvidar de seus sentimentos e pensar que não tinha valorado suficientemente sua força. Era uma carta larga e muito bem escrita que dava detalhes de sua viagem e de seu estado de ânimo, que expressava toda a gratidão, o afeto e o respeito que era natural e digno o expressar, e que descrevia todo o exterior e local que pudesse considerar-se atrativo, com engenho e concisão. Mas nada que delatasse o tom da desculpa ou do interesse forçado; aquela era a linguagem de quem sentia verdadeiro afeto pela senhora Weston; e a transição do Highbury ao Enscombe, o contraste entre os lugares em algumas das primeiras vantagens da vida social, apenas se esboçava, mas o suficiente para que se advertisse com que acuidade o havia sentido o jovem, e quantas coisas mais tivesse podido acrescentar de não impedir-lhe a cortesia... Não faltava tampouco o encanto do nome da Emma. A senhorita Woodhouse aparecia mais de uma vez, e nunca sem relacioná-lo com algo adulador, já fora um completo para seu bom gosto, já uma lembrança de algo que ela houvesse dito; e na última ocasião na que seus olhos tropeçaram com seu nome, despojado aqui dos adornos de seu florida galanteria, Emma advertiu o efeito de sua influência, e soube reconhecer que aquele era tal vez o major dos cumpridos que lhe dedicava em toda a carta. Apertadas no único espaço livre que lhe tinha ficado, em um dos ângulos inferiores do papel, liam-se estas palavras: «na terça-feira, como você já sabe, não tive tempo para me despedir da bela amiguita da senhorita Woodhouse; rogo-lhe que o presente minhas desculpas e que me dela despeça.» Emma não podia duvidar de que aquilo ia dirigido exclusivamente a ela.

Ao Harriet a citava somente por ser seu amiga. Por isso dizia do Enscombe se deduzia que ali as coisas não foram nem melhor nem pior que antes; a senhora Churchill ia melhorando, e Frank ainda não se atrevia, nem sequer em sua imaginação, a fixar data para um possível volta ao Randalls.

Mas embora a carta em sua redação, na expressão de seus sentimentos, fosse satisfatória e estimulante, Emma advertiu, uma vez a teve dobrado e devolvido à senhora Weston, que não tinha alimentado nenhum fogo perdurável, que ela podia ainda prescindir de seu autor, e de que este devia fazer-se à idéia de prescindir dela. As intenções da jovem não tinham trocado. Só sua decisão de manter-se em uma negativa se fez mais interessante, ao acrescentar-se o um projeto do modo em que Frank podia logo consolar-se e encontrar a felicidade. que se tivesse acordado do Harriet, aludindo-a galantemente como «sua bela amiguita», sugeriu-lhe a idéia de que podia ser Harriet quem lhe acontecesse no afeto do Frank Churchill. É que era algo impossível?

Não... Certamente Harriet era muito inferior a ele em inteligência; mas o jovem havia ficado muito impressionado pelo atrativo de seu rosto e pela cálida simplicidade de seu trato; e todas as probabilidades de circunstância e de relação estavam em favor dela...

Para o Harriet seria algo muito vantajoso e muito desejável.

«Mas não devo me fazer ilusões -disse-se- não tenho que pensar nessas coisas. Já sei o perigoso que é deixar-se levar por estas hipóteses. Mas coisas mais estranhas hão ocorrido. E quando duas pessoas deixam de sentir uma mútua atração, como agora nós a sentimos, este pode ser o meio de nos afirmar nessa espécie de amizade desinteressada que agora posso já prever com grande ilusão."

Era melhor ter em reserva o consolo de um possível bem para o Harriet, embora o mais prudente seria não deixar muito solta a fantasia; porque em questões assim o perigo espreitava constantemente. Do mesmo modo que o tema da chegada do Frank Churchill tinha esquecido o do compromisso matrimonial do senhor Elton nas conversações do Highbury, eclipsando como novidade mais recente à outra, depois da partida do Frank Churchill, o interesse pelo senhor Elton voltou a privar de um modo indiscutível... Já se tinha fixado o dia de suas bodas. Logo que houve tempo de falar da primeira carta que se recebeu do Enscombe, antes de que «o senhor Elton e sua prometida» atraíram a atenção general, e Frank Churchill ficasse esquecido. Emma ficava de mau humor ao voltar para ouvir falar daquilo. Durante três semanas se havia visto livre do pesadelo do senhor Elton, e tinha começado a confiar que durante aquele tempo Harriet se recuperou notavelmente. E com o baile do senhor Weston, ou melhor dizendo, com o projeto do baile, tinha chegado a esquecer-se quase por completo de todo o resto; mas agora se via obrigada a reconhecer que não tinha alcançado um grau de serenidade suficiente para confrontar o que lhe vinha em cima... outra visita, o sonar da campainha da porta, e o restante.

A pobre Harriet se achava em uma confusão de espírito que requeria todos os raciocínios, as cuidados e os consolos de toda classe que Emma pudesse lhe proporcionar. Emma compreendia que embora não pudesse fazer grande coisa por ajudá-la, tinha a obrigação de lhe dedicar todo seu interesse e toda sua paciência; mas começava a cansar-se de estar sempre tentando convencê-la sem produzir nenhum efeito, de que o dessem sempre a razão sem conseguir que suas opiniões coincidissem. Harriet escutava sumisamente e dizia que sim, que era verdade... que era tal como Emma dizia... que não valia a pena seguir pensando naquilo... e que nunca mais voltaria a atormentar-se...

mas indevidamente voltava a falar do mesmo, e ao cabo de meia hora se mostrava de novo tão inquieta e tão preocupada com os Elton como antes... Por fim Emma se decidiu a atacá-la em outro terreno:

-Harriet, que se preocupe tanto e se sinta desgraçada porque o senhor Elton se case, é a maior recriminação que pode me fazer. É o modo mais direto de me acusar do engano que cometi. Já sei que tudo foi minha culpa. Asseguro-te que não o esqueci... Ao me enganar a mim mesma fiz que você te enganasse também da maneira mais lamentável... e para mim este será sempre uma lembrança muito penosa. Não cria que haja nenhum perigo de que o esqueça.

Aquilo impressionou muito ao Harriet para lhe deixar proferir mais que umas palavras de viva surpresa. Emma Prosseguiu:

-Harriet, se te disser que tente te dominar, não é por mim; se te disser que pense menos nisto, que fale menos do senhor Elton não é por mim; sobre tudo por seu próprio bem queria que me fizesse conta, por algo que é mais importante que minha comodidade, um hábito de te impor a ti mesma, uma consideração de qual é seu dever, uma preocupação por sua dignidade, uma necessidade de evitar as suspeitas de !_os outros, de cuidar de sua saúde e de seu bom nome, e de recuperar a tranqüilidade. Estes são os motivos que me impulsionam a insistir tanto neste assunto. São coisas muito importantes, e me sabe muito mal o ver que não te dá suficientemente conta de até que ponto o são para obrar em conseqüência. O me querer evitar uma violência é algo muito secundário. O que eu quero é te salvar de um desassossego muito major. Às vezes pude ter a impressão de que Harriet não ia perdoar me nunca... nem sequer pelo afeto que me professa.

Esta apelação ao carinho que as unia pôde mais que tudo o resto. A idéia de que estava faltando a seus deveres de gratidão e de consideração para com a senhorita Woodhouse, a a que a moça queria muito seriamente, deixou-a sumida na aflição, e quando seu desconsolo começou a ceder em intensidade, encontrava-se ainda o suficientemente comovida para seguir os bons conselhos da Emma, e perseverar em sua decisão.

-Você, que foste a melhor amiga que tive em minha vida! Com a gratidão que lhe devo! Não há ninguém como você! Não me importa ninguém tanto como você! OH, Emma... o que ingrata fui!

Estas exclamações, acompanhadas dos olhares e dos gestos mais convincentes, fizeram pensar a Emma que nunca tinha querido tanto ao Harriet, e que nunca havia apreciado seu afeto tanto como então.

«Não há nenhum encanto comparável ao da ternura de coração -dizia para si mesmo mais tarde-. Não há nada que possa comparar-se o A efusividad e a ternura de coração, unidas a um temperamento aberto e carinhoso, valem mais e são mais atrativas que toda a clarividência do mundo. Estou muito seguro. É sua bondade, seu bom coração o que faz que todo mundo queira tanto a meu pai... o que faz que Isabella seja tão popular...

Agora me dou conta... mas já sei como apreciá-la e respeitá-la... Harriet é superior a mim pelo encanto e a felicidade que irradia... Minha querida Harriet...! Não te trocaria pela mulher mais inteligente, de melhor critério, de mais claridade mental... OH, a frieza de uma Jane Fairfax...! Harriet vale cem vezes mais que as que são como ela... E para esposa...

para esposa de um homem de bom julgamento... é inapreciável. Não quero citar nomes; mas feliz o homem que troque a Emma pelo Harriet!"

 

A primeira vez que viram a senhora Elton foi na igreja. Mas embora se turvasse a devoção, a curiosidade não podia ficar satisfeita com o espetáculo de uma noiva em seu genuflexório, e era forçoso esperar às visitas em toda regra que então tinham que fazer-se, para decidir se era muito bonita, se só o era um pouco ou se não o era absolutamente.

Emma, menos por curiosidade que por orgulho e por sentido da dignidade, decidiu não ser a última em lhes fazer a visita de rigor; e se empenhou em que Harriet a acompanhasse, a fim de que o mais embaraçoso daquela situação resolvesse o antes possível.

Mas não pôde voltar a entrar na casa, nem permanecer naquela mesma estadia à que, valendo-se de um artifício que logo tinha resultado tão inútil, retirou-se três meses atrás, com a desculpa de grampeá-la bota, sem recordar. A sua mente voltaram inumeráveis lembranças pouco gratas. Cumpridos, charadas, terríveis equívocos; e era impossível não supor que a pobre Harriet tinha também suas lembranças; mas se comportou muito dignamente, e só esteve um pouco pálida e silenciosa. A visita foi breve; e houve tanto nervosismo e tanto interesse em cortá-la que Emma quase não pôde formar uma opinião da nova proprietária da casa, e certamente mais tarde foi incapaz de poder dar seu opinião sobre ela, além das frases convencionais como que «vestia com elegância e era muito agradável».

Em realidade não gostou. Não é que se empenhasse em lhe buscar defeitos, mas suspeitava que aquilo não era verdadeira elegância; soltura, mas não elegância... Estava quase segura de que para uma jovem, para uma forasteira, para uma noiva, era muita soltura. Fisicamente era mas bem atrativa; as facções eram corretas; mas nem sua figura, nem seu porte, nem sua voz, nem suas maneiras, eram elegantes. Emma estava quase convencida de que nisto não faltava-lhe razão.

Quanto ao senhor Elton, sua atitude não parecia... Mas não, Emma não queria permitir-se nem uma palavra ligeira ou agudo respeito a sua atitude. Receber estas primeiras visitas depois das bodas sempre era uma cerimônia embaraçosa, e um homem precisa possuir uma grande personalidade para sair gracioso da prova. Para uma mulher é mais fácil; pode ajudar-se de uns vestidos bonitos, e desfruta de do privilégio da modéstia, mas o homem só pode contar com seu bom sentido; e quando Emma pensava no extraordinariamente violento que devia sentir o pobre senhor Elton ao encontrar-se com que se haviam reunido na mesma habitação a mulher com a que se acabava de casar, a mulher com a que ele tinha querido casar-se, e a mulher com a que tinham querido lhe casar, devia reconhecer que não lhe faltavam motivos para estar pouco brilhante e para sentir-se realmente incômodo.

-Bom, Emma -disse Harriet, quando tiveram saído da casa, depois de esperar em vão que seu amiga iniciasse a conversação-; bom, Emma -com um leve suspiro-, o que lhe pareceu? Verdade que é encantadora?

Emma vacilou uns segundos antes de responder.

-OH, sim ... ! Muito... Uma jovem muito agradável.

-me pareceu atrativa, muito atrativa.

-Ah, sim, sim, viu muito bem; ia muito elegante.

-Não sente saudades absolutamente que ele se apaixonou.

-OH, não...! Realmente não é de sentir saudades... Coisas do destino... Tinham que encontrar-se.

-Atreveria-me a assegurar -seguiu Harriet suspirando de novo-, atreveria-me a assegurar que está muito apaixonada por seu marido.

-É possível; mas não todos os homens terminam casando-se com a mulher que lhes quer mais. Talvez a senhorita Hawkins queria um lar e considerou que esta era a melhor oportunidade que podia apresentar-se o Cuando devolvieron la visita Emma se dispuso a prestar más atención. Ahora podría -Sim -replicou Harriet rapidamente-, e não lhe faltava razão, é muito difícil ter oportunidades como esta. Bom, eu os desejo de todo coração que sejam felizes. E agora, Emma, parece-me que não voltará a me preocupar o vê-los. Ele está tão por cima de mim como antes; mas, já sabe, estando casado é algo totalmente distinto. Não, não, Emma, lhe asseguro que não tem por que ter medo. Agora posso lhe admirar sem me sentir muito desgraçada. Saber que encontrou a felicidade é um consolo tão grande! Ela me parece uma jovem encantada, justo o que ele merece. Ditosa dela! Ele a chama «Augusta». Quanta felicidade!

Quando devolveram a visita Emma se dispôs a emprestar mais atenção. Agora poderia observá-la mais atentamente e julgar melhor. Devido a Harriet não se encontrava em Hartfield e que estava ali seu pai para entreter ao senhor Elton, dispôs de um quarto de hora para conversar a sós com ela e pôde lhe emprestar toda a atenção; e o quarto de hora bastou para convencê-la totalmente de que a senhora Elton era uma mulher fátua, extremamente satisfeita de si mesmo e que só pensava em dar-se importância; que aspirava a brilhar e a ser muito superior a outros, mas que se educou em um mal colégio e que tinha uns maneiras afetados e vulgares, que todas suas idéias procediam de um reduzido círculo de pessoas e de um único gênero de vida; que se não era néscia era ignorante, e que indubitavelmente sua companhia não faria nenhum bem ao senhor Elton.

Harriet tivesse sido uma eleição melhor. Embora não fosse nem lista nem refinada, houvesse-lhe relacionado com as pessoas que o eram; mas a senhorita Hawkins, conforme se deduzia claramente por sua presunção, tinha sido a flor e nata do ambiente em que tinha vivido.

O cunhado rico que vivia perto do Bristol era o orgulho da família, e sua casa e seus carros o orgulho do senhor Elton.

O primeiro tema de sua conversação foi Maple Grove, «a propriedade de meu irmão o senhor Suckling»... Uma comparação entre o Hartfield e Maple Grove. As terras de Hartfield não eram muito extensas, mas sim bem cuidadas e bonitas; e a casa era moderna e estava bem construída. A senhora Elton parecia muito favoravelmente impressionada pelas dimensões do salão, pela entrada e por tudo o que pudesse ver ou imaginar.

-Asseguro-lhe que é tão igual ao Maple Grove! Estou maravilhada do parecido! Este salão tem a mesma forma e é igual de grande que a salita de estar do Maple Grove; a habitação preferida de minha irmã.

solicitou-se o parecer do senhor Elton. Não era assombrosa a semelhança? Quase tinha a impressão de encontrar-se no Maple Grove.

-E a escada... Ao entrar, sabe você?, já me fixei que a escada era exatamente igual; situada exatamente na mesma parte da casa. Não pude por menos de lançar uma exclamação! Asseguro-lhe, senhorita Woodhouse, que é tão maravilhoso para mim o que recordem-me um lugar pelo que sinto tanto carinho como Maple Grove. passei ali tantos meses felizes! -com um leve suspiro de sentimento-. Ah, é um lugar encantador!

Todo mundo que o conhece fica admirado de sua beleza; mas para mim foi um verdadeiro lar. Se alguma vez tiver você que trocar de residência como eu agora, já saberá você quão grato é encontrar-se com algo tão parecido ao que abandonamos.

Eu sempre digo que este é um dos piores inconvenientes do matrimônio.

Emma deu uma resposta tão evasiva como pôde; mas para a senhora Elton, que só desejava falar, isso bastava sobradamente.

-É tão extraordinariamente parecido ao Maple Grove! E não só a casa... Asseguro-lhe que pelo que pude ver, as terras que a rodeiam são também assombrosamente semelhantes. No Maple Grove os louros crescem com tanta profusão como aqui, e estão distribuídos quase do mesmo modo... Exatamente em metade da grama; e me pareceu ver também uma magnífica árvore muito corpulenta que tinha um banco ao redor, e que me fez pensar a outro idêntico do Maple Grove. Meus irmãos estariam encantados de conhecer este lugar. A gente que possui grandes terrenos sempre coincide em seus gostos e faz-o tudo de uma maneira semelhante.

Emma duvidava da verdade desta opinião. Estava plenamente convencida de que a gente que possui grandes terrenos se preocupam muito pouco dos grandes terrenos dos demais; mas não valia a pena combater um engano tão grosseiro como aquele, e portanto se limitou a responder:

-Quando conhecer você melhor a comarca me temo que pensará que deu muita importância ao Hartfield. Surry está cheio de beleza.

-OH! Sim, sim, já sei. É o jardim da Inglaterra. Surry é o jardim da Inglaterra.

-Sim; mas não sei se podemos fundar nosso orgulho nesta frase. Acredito que há muitos condados dos que se há dito que são o jardim da Inglaterra, igual a Surry.

-Não, estou segura de que não -replicou a senhora Elton com um sorriso muito agradado-, o único condado do que o ouvi dizer é o do Surry.

Emma não soube o que responder.

-Meus irmãos nos prometeram nos fazer uma visita esta primavera ou o próximo verão ao mais demorar -prosseguiu a senhora Elton-, e aproveitaremos a ocasião para fazer excursões. Estou segura de que enquanto estejam conosco faremos muitas excursões. Certamente trarão seu landó no que cabem perfeitamente quatro pessoas;

e portanto, não necessita você que lhe faça nenhum elogio de nosso carro, para que se faça cargo de que poderemos visitar os lugares mais pitorescos da comarca com toda comodidade. Não acredito provável que venham em sua cadeira de posta, não revistam usá-la nesta época do ano. A verdade é que se quando tiverem que vir faz já bom tempo eu os recomendarei que tragam o landó; será muito melhor, quando se visita uma comarca tão bela como esta, sabe você, senhorita Woodhouse?, como é natural uma deseja que os forasteiros conheçam o maior número possível de coisas; e o senhor Suckling é muito aficionado a esse tipo de percursos. O verão passado percorremos duas vezes o Kings Weston deste modo; foi uma viagem deliciosa; por certo, era a primeira vez que utilizavam o landó. Suponho, senhorita Woodhouse, que todos os verões fazem vocês muitas excursões desta classe, não?

-Não; não temos esse costume. Highbury fica mas bem longe dos lugares mais pitorescos que atraem a esse tipo de viajantes dos que você fala; e além disso, parece-me que somos gente muito sedentária; mais propensa a ficar em casa que a organizar saídas e excursões.

-Ah, para estar cômodo seriamente não há nada como ficar em casa! Ninguém mais amante do lar que eu. Estas afeições meus já eram proverbiais no Maple Grove.

Muitas vezes, quando Selina ia ao Bristol, dizia: «Mas é que eu não sei como obter que esta moça saia de casa. Sempre tenho que ir sozinha, apesar do pouco que me gosta não ir em companhia no landó; mas Augusta se empenha em não ir mais longe da cerca do parque.» Muitas vezes o dizia; e entretanto não é que eu seja partidária de estar sempre encerrada em casa. Pelo contrário, em minha opinião quando a gente se retrai desse modo e vive completamente se separada da sociedade obra de um modo muito equivocado; acredito que é muito mais aconselhável alternar com outros de um modo moderado, sem ter muito trato social e sem ter muito pouco. Mas não cria, senhorita Woodhouse, que não me faço perfeito cargo de qual é sua situação... -dirigindo a olhar para o senhor Woodhouse- o estado de saúde de seu pai tem que ser um grande obstáculo. por que não prova em passar uma temporada no Bath? Deveria tentá-lo.

me permita que lhe recomende Bath. Asseguro-lhe que não tenho a menor duvida de que o sentaria muito bem ao senhor Woodhouse.

-Faz anos meu pai o provou mais de uma vez; mas sem sentir nenhuma melhoria; e o senhor Perry, cujo nome me atrevo a supor que não é desconhecido para você, não opina que agora lhe resultaria mais benéfico que antes.

-Ah! Que lástima! Porque lhe asseguro, senhorita Woodhouse, que nos casos em que estão indicadas as águas os benefícios que produzem são realmente maravilhosos.

Durante o tempo em que vivi no Bath vi tantos exemplos! E é um lugar tão alegre que sem dúvida levantaria o ânimo do senhor Woodhouse, porque tenho a impressão de que às vezes está muito deprimido. E quanto às vantagens que teria para você não acredito que precise insistir muito para convencê-la. Ninguém ignora as vantagens que tem Bath para os jovens. Para você, que levou uma vida tão retraída, seria uma magnífica oportunidade para alternar socialmente; e eu poderia introduzi-la em alguns de os círculos mais seletos da cidade. Umas letras minhas lhe fariam ganhar em você imediatamente uma pequena turfa de amizades; e minha íntima amiga, a senhora Partrige, em cuja casa sempre vivi quando estava no Bath, alegraria-se muito de poder enchê-la a você de cuidados, e seria a pessoa mais indicada para acompanhá-la quando fizesse vida social.

Isso era mais do que Emma podia suportar sem mostrar-se descortês. A idéia de dever a a senhora Elton o que estava acostumado a chamá-la apresentação em sociedade»... de fazer vida social sob os auspícios de uma amiga da senhora Elton, provavelmente alguma viúva arruinada do mais vulgar que para ajudar-se a viver mal tinha posto uma casa de hóspedes...

Realmente, a dignidade da senhorita Woodhouse, do Hartfield, não podia cair mais baixo!

Entretanto se conteve e se guardou os insultos que tivesse podido lhe dirigir limitando-se a dar as graças à senhora Elton com toda frieza; não cabia nem pensar em ir a Bath; e duvidava tanto de que o lugar conviesse a seu pai como a ela mesma. E logo, para evitar novas afrontas e a conseguinte indignação, trocou imediatamente de tema:

-Já não pergunto a você se for aficionada à música, senhora Elton. Nestas ocasiões a fama de uma dama geralmente a precede e já faz tempo que Highbury sabe que é você uma pianista de primeira categoria.

-OH, não, claro que não, certamente que não! Tenho que protestar de uma idéia tão elogiosa. Uma intérprete de primeira categoria! Asseguro-lhe que estou muito longe de sê-lo.

Sua informação deve proceder de alguém muito parcial. Sou enormemente aficionada a a música, isso sim... é uma verdadeira paixão; e meus amigos dizem que não deixo de ter certo gosto para tocar o piano; mas quanto a algo mais, dou-lhe minha palavra de que monte de um modo completamente medíocre. Você em troca, senhorita Woodhouse, sei muito bem que touca maravilhosamente. Asseguro-lhe que para mim foi uma grande satisfação, um consolo e uma alegria saber que entrava em formar parte de uma sociedade tão melómana.

Sem música eu não posso viver. É algo absolutamente necessário para minha vida, e como sempre vivi entre pessoas muito aficionadas à música, tanto no Maple Grove como no Bath, prescindir dela tivesse sido para mim um sacrifício muito penoso. Isso foi o que lhe disse com toda sinceridade ao senhor E. quando ele falava de meu futuro lar e expressava seus temores de que me fora pouco agradável viver em um lugar tão retirado; e também no referente à humildade da casa... Sabendo ao que eu tinha estado acostumada... É obvio que não deixava de ter certos temores. Quando ele me expôs as coisas desse modo eu lhe disse sinceramente que não tinha inconveniente de abandonar o mundo (festas, dance, teatros) porque não tinha medo à vida retirada. Ao estar dotada de tantos recursos interiores o mundo não me era necessário. Podia me passar muito bem sem ele. Para os que não têm esses recursos é muito distinto; mas meus recursos fazem-me completamente independente. E quanto ao de que as habitações fossem mais pequenas do que eu estava acostumada, em realidade não considerei nem que valia a pena o ter em conta. Eu sabia que ia sentir me perfeitamente bem inclusive sacrificando algumas daquelas comodidades. Certamente no Maple Grove estava acostumada a ter todos os luxos; mas eu lhe assegurei que ter dois carros não era algo necessário para minha felicidade, como tampouco dispor de quartos muito espaçosas. «Mas», disse-lhe, «para ser totalmente sincera, não acredito que possa viver sem tratar a pessoas aficionadas à música. Não ponho nenhuma outra condição; mas sem música para mim a vida estaria vazia».

-Não acredito -disse Emma sonriendo- que o senhor Elton duvidasse nem um momento antes de lhe assegurar que ia você a encontrar no Highbury uma grande afeição à música; e confio em que não considerará você que exagerou mais do que pode ser disculpable, tendo em conta os motivos que lhe impulsionaram.

-Não, de verdade que sobre este particular não tenho a menor duvida. Estou encantada de me encontrar entre pessoas como vocês. Confio em que organizaremos juntas muitos e deliciosos pequenos concertos. Minha opinião, senhorita Woodhouse, é que você e eu deveríamos formar um clube musical e celebrar reuniões regulares cada semana em sua casa ou na nossa. Não seria uma boa idéia? Se nos propor acredito isso que não demoraríamos muito em ter quem nos seguisse. Para mim, algo pelo estilo me seria muito proveitoso, como estímulo para não deixar de fazer práticas; porque as mulheres casadas, já sabe você... em geral é a triste historia de sempre. É tão fácil ceder à tentação de abandonar a música...

-Mas você, que é tão aficionada... sem dúvida não corre este perigo.

-Espero que não; mas a verdade é que quando Miro a meu redor e vejo o que lhes há ocorrido a meus amigas ponho-se a tremer. Selina deixou por completo a música...

nunca abre o piano... e isso que tocava maravilhosamente. E o mesmo poderia dizer-se de a senhora Jeffereys (de solteira, Clara Partrige) e das duas irmãs Milman, que agora são a senhora Beard e a senhora James Cooper; e de muitas mais que poderia lhe citar. OH, asseguro-lhe que há para assustar-se! Eu me zangava muito com a Selina; mas a verdade é que agora começo a compreender que uma mulher casada tem que emprestar atenção a muitas coisas. Quererá você me acreditar se lhe disser que esta manhã me passei meia hora dando instruções a minha ama de chaves?

-Mas todas essas coisas -disse Emma- em seguida se convertem em uma rotina cotidiana...

-Bom -disse a senhora Elton rendo-, já veremos.

Emma, depois de vê-la tão decidida na questão do abandono da música, não tinha nada mais que dizer; e depois de um momento de pausa a senhora Elton trocou de matéria.

-estivemos que visita no Randalls -disse-, e encontramos em casa aos dois; parecem ser pessoas muito agradáveis. Produziram-me uma impressão excelente. A senhora Weston se vê que é muito boa pessoa... Uma de minhas preferidas das que conheço até agora, o asseguro. E a vê tão bondosa... tem um não sei que tão maternal e tão sincero que em seguida ganha as simpatias. Acredito que foi a institutriz de você, não?

Emma quase estava muito surpreendida para responder; mas a senhora Elton apenas esperou uma resposta afirmativa para prosseguir.

-Sabendo-o, maravilhei-me que tivesse tanto ar de senhora. Mas é toda uma grande dama!

-Os maneiras da senhora Weston -disse Emma- sempre foram impecáveis. Seu dignidade, sua simplicidade e sua elegância podem ser o melhor modelo para qualquer jovem.

-E quem você crie que chegou enquanto nós estávamos ali?

Emma estava totalmente desconcertada. Pelo tom parecia aludir a algum velho amigo... de quem podia tratar-se?

-Knightley! -prosseguiu a senhora Elton-. O muito mesmo Knightley! Verdade que foi boa sorte? Porque, como quando ele nos visitou o outro dia não estávamos em casa eu ainda não tinha podido lhe conhecer; e claro, tratando-se de um amigo tão íntimo do senhor E., sentia muita curiosidade. «Meu amigo Knightley» era uma frase que ouvi pronunciar tão a miúdo que estava realmente impaciente por lhe conhecer; e para falar a verdade, tenho que confessar que meu caro sposo não tem por que envergonhar-se de seu amigo. Knightley é tudo um cavalheiro. Pareceu-me encantador. Realmente, em minha opinião, é um verdadeiro cavalheiro.

Felizmente já era hora de ir-se. Por fim saíram e Emma pôde respirar livremente.

-Que mulher mais insofrível! -foi sua exclamação imediata. Pior do que havia suposto. Totalmente insuportável! Knightley! Se não o ouvir não acredito Knightley! Em sua vida lhe tinha visto e lhe chama Knightley! E descobre que é um cavalheiro! Uma advenediza qualquer, um ser vulgar, com seu senhor E. e seu caro sposo, E seus «recursos», e todo seu ar de pretensão fátua e de refinamento postiço. Descobrir agora que o senhor Knightley é um cavalheiro! Duvido muito que lhe devolva o completo e descubra que é uma dama. É algo incrível! E propor que ela e eu formássemos um clube musical!

Como se fôssemos amigas da infância! E a senhora Weston! ficou-se maravilhada de que a pessoa que me educou seja uma grande dama! Pior que pior. Em minha vida tinha visto nada parecido. Isto vai muito além do que eu imaginava. Não pode nem comparar-se com o Harriet. OH! O que houvesse dito dela Frank Churchill se tivesse estado aqui? Como se tivesse indignado e também divertido! Ah!, já volto para estar no mesmo... pensar nele é o primeiro que me ocorre. Sempre a primeira pessoa em quem me ocorre pensar! Eu mesma me surpreendo em falta. Frank Churchill volta com tanta freqüência à lembrança...!

Estas idéias cruzaram tão rapidamente por seu cérebro, que quando seu pai se houve recuperado do alvoroço produzido pela marcha dos Elton e se mostrou disposto a falar, ela era já bastante capaz de poder lhe emprestar atenção.

-Bom, querida -começou a dizer com certa ênfase-, tendo em conta que é a primeira vez que a vemos, parece ser uma jovem de grandes objetos; e estou seguro de que tirou muito boa impressão de ti. Talvez fala muito às pressas. Tem uma voz um pouco gritã, e isso molesta ao ouvido. Mas me parece que são minhas manias; não me gostam das vozes desconhecidas; e ninguém fala como você e como a pobre senhorita Taylor. A pesar de tudo, parece-me uma jovem muito amável e muito bem educada, e não tenho a menor duvida de que será uma boa esposa. Embora em minha opinião o senhor Elton houvesse feito melhor em não casar-se. Apresentei-lhe todo gênero de desculpas por não lhes haver podido visitar ele e à senhora Elton com motivo deste feliz acontecimento; hei-lhes dito que confiava que poderia lhes fazer uma visita durante o próximo verão. Mas tivesse tido que ir ver lhes. Não visitar uns recém casados é uma falta de cortesia muito grave... Ah! Isto me demonstra até que ponto sou um verdadeiro inválido... Mas é que eu não gosto daquela esquina do beco da Vicaría.

-Estou segura de que aceitaram suas desculpas, papai. O senhor Elton já te conhece.

-Sim... mas uma jovem... uma recém casado... tivesse tido que fazer todo o possível por ir apresentar lhe meus respeitos... foi uma descortesia por minha parte.

-Mas, querido papai, você não é amigo do matrimônio; e sendo assim, por que te crie obrigado a apresentar seus respeitos a uma recém casado? Isto é algo contrário a vocês convicções. lhes emprestar tanta atenção é respirar às pessoas a que se case.

-Não, querida, eu nunca respirei a ninguém a que se case, mas sempre quis cumprir com meus deveres de cortesia para com as damas... e a uma recém casado sobre tudo, não pode fazer-se o um desprezo. Há mais motivos para lhes ter consideração. Já sabe, querida, que onde está uma recém casado sempre é a pessoa mais importante, sejam quem seja outros.

-Bom, papai, mas se isso não é animar às pessoas a que se case, eu não sei o que é. E nunca me tivesse imaginado que emprestasse a essas manifestações de vaidade das jovens pobres.

-Querida, não me entende. É só uma questão de cortesia e de boa criação, e não tem nada que ver respirando às pessoas a que se case.

Emma não acrescentou nada mais. Seu pai se estava pondo nervoso e não podia entendê-la. Seus pensamentos voltaram para as ofensas da senhora Elton, e esteve um comprido momento lhes dando voltas em sua mente.

 

NENHUM descobrimento ulterior moveu a Emma a retratar-se da má opinião que formou-se da senhora Elton. Sua primeira impressão tinha sido certeira. Tal como a senhora Elton lhe tinha mostrado nesta segunda entrevista lhe mostrou em todas as demais vezes que voltaram a ver-se... com ar de suficiência, presunçosa, ignorante, mau educada e com uma excessiva familiaridade. Possuía certo atrativo físico e alguns conhecimentos, mas tão pouco julgamento que se considerava a si mesmo como alguém que conhece a perfeição o mundo e que vai dar animação e brilho a um pequeno rincão provinciano, convencida de que a senhorita Hawkins tinha ocupado um lugar tão elevado na sociedade que só admitia comparação com a importância de ser a senhora Elton.

Não havia motivos para supor que o senhor Elton diferisse no mais mínimo do critério de sua esposa. Parecia não só feliz a seu lado, mas também também orgulhoso dela. Dava a impressão de que se felicitava a si mesmo por ter trazido para o Highbury uma dama como aquela, a que nem sequer a senhorita Woodhouse podia igualar-se; E a maior parte de suas novas amizades, predispostas ao elogio ou Pouco acostumadas a pensar por si mesmas, aceitando o sempre benévolo julgamento da senhorita Bate, ou dando por seguro que uma recém casado devia ser tão inteligente e de trato tão agradável como ela acreditava sê-lo, ficaram muito agradadas; de modo que os louvores à senhora Elton foram de boca em boca, como era de rigor, sem que se desse a nota discordante da senhorita Woodhouse, quem se mostrou disposta a seguir fiel a suas primeiras frases, e afirmava com deliciosa graça que se tratava de uma dama «muito agradável e que vestia muito elegantemente».

Em um aspecto, a senhora Elton piorou em relação à primeira impressão que havia produzido a jovem. Sua atitude para com a Emma trocou... Provavelmente ofendida pela fria acolhida que tinham encontrado suas propostas de intimidade, fez-se a sua vez mais reservada, e gradualmente foi mostrando-se mais fria e mais distante; e embora isso foi muito agradável, este desapego não fez mais que aumentar a ojeriza que Emma o professava. Por outra parte, tanto ela como o senhor Elton adotaram uma atitude depreciativa respeito ao Harriet; tratavam-na com um ar de zombadora superioridade. Emma confiava que isso ia contribuir à rápida cura do Harriet; mas a má impressão que o causava seu proceder acentuava ainda mais a aversão que Emma sentia por ambos... Não cabia dúvida de que o amor da pobre Harriet tinha sido motivo de confidências por parte do senhor Elton (quem devia pensar que desse modo contribuía à mútua confiança conjugal), e o mais verossímil era que tivesse feito todo o possível para apresentar o caso da moça sob um aspecto pouco favorável, ao tempo que ele se atribuía o papel mais gracioso. Como conseqüência, Harriet agora se via aborrecida por ambos... Quando não tinham nada mais que dizer, sempre existia o recurso de criticar à senhorita Woodhouse... e esta inimizade que não se atreviam a manifestar abertamente encontrava uma fácil expansão em tratar com desprezo ao Harriet.

Em troca, a senhora Elton demonstrava grande simpatia pelo Jane Fairfax; e isso do princípio. Não só quando sua inimizade com uma das duas jovens supôs o inclinar-se para a outra, a não ser desde os primeiros momentos; e não se contentou expressando uma admiração normal e razoável, mas sim sem que ela o pedisse ou o insinuasse, e sem que houvessem motivos, empenhou-se em ajudá-la e em protegê-la... antes de que Emma se tivesse alienado sua confiança, e por volta da terceira ocasião em que se viram, já teve ocasião de dar-se conta de como a senhora Elton aspirava a converter-se no paladín do Jane.

-Jane Fairfax é realmente encantadora, senhorita Woodhouse.. Não sabe você o que eu chego a querer ao Jane Fairfax... É uma moça tão afável, tão atrativa...! Tem tão bom caráter e é tão senhora! E o talento que tem! Asseguro-lhe que em minha opinião tem um talento extraordinário... Não tenho nenhum reparo em dizer que touca admiravelmente bem. Entendo o suficiente de música para poder dizê-lo com conhecimento de causa.

OH, é verdadeiramente encantadora! Talvez você ria de meu entusiasmo... mas o prometo que só sei falar do Jane Fairfax... E sua situação é tão penosa que é forçoso que comova a uma. Senhorita Woodhouse, temos que fazer algo, terá que tentar fazer algo por ela. Terá que ajudá-la. Não pode permitir-se que um talento como o seu permaneça ignorado... Estou segura de que ouviu você alguma vez estes maravilhosos versos do poeta...

Tantas flores que têm pelo destino nascer para que ninguém as contemple, prodigalizar sua fragrância em um deserto...14 Não podemos consentir que isso lhe aconteça à encantada Jane Fairfax.

-Não me parece que haja nenhum perigo -foi a serena resposta da Emma-, e quando você conheça melhor a situação da senhorita Fairfax e se inteire bem de como viveu até agora, em companhia do coronel e da senhora Campbell, estou convencida de que não temerá que você que seu talento vá permanecer ignorado.

-OH!, mas, minha querida senhorita Woodhouse, agora vive tão retirada, tão desconhecida por todos, tão abandonada... Todas as vantagens de que pudesse ter desfrutado com os Campbell, é tão evidente que chegaram já a seu término! E a meu entender ela se dá perfeita conta. Estou segura. É muito tímida e calada. nota-se que sente falta de um pouco de fôlego. A meus olhos isso a faz ainda mais atrativa. Devo confessar que para mim é um mérito mais. Sinto uma grande predileção pelos tímidos... e estou segura de que é pouco freqüente encontrar pessoas assim... Mas nas que são tão manifiestamente inferiores a nós, é um rasgo tão simpático! OH! Asseguro-lhe que Jane Fairfax é uma jovem o que se diz maravilhosa E que sinto por ela um interesse muito major do que sou capaz de expressar.

-Tem você uma grande sensibilidade, mas não acabo de ver como você ou qualquer outra pessoa que conheça a senhorita Fairfax, qualquer das que a conhecem faz mais tempo que você, podem fazer por ela algo mais que...

-Minha querida senhorita Woodhouse, os que se atrevam a atuar Podem fazer muito.

Você e eu não temos nada que temer. Se nós dermos o exemplo muitos nos seguirão dentro do que Possam; embora não todo mundo desfrute de nossa posição.

 

Nós temos carros para i-la recolher e devolvê-la a sua casa, e levamos um trem de vida que nos permite ajudá-la sem que em nenhum momento nos resulte onerosa. Me contrariaria muito que Wright nos preparasse um jantar que me fizesse lamentar o haver convidado ao Jane Fairfax a compartilhá-la, porque não era o suficientemente abundante para todos... Eu nunca vi uma coisa semelhante; nem tinha por que vê-la dada a aula de vida a que estive acostumada. Talvez, se pecar de algo na administração da casa, é precisamente pelo extremo contrário, por fazer muito, por não emprestar muita atenção aos gastos. Provavelmente tomo por modelo ao Maple Grove mais do que tivesse devido fazê-lo... porque nós não podemos aspirar a nos igualar a meu irmão, o senhor Suckling, em possibilidades econômicas... Entretanto, eu já tomei meu decisão quanto ao de ajudar ao Jane Fairfax... Convidarei-a com muita freqüência a meu casa, apresentarei-a em todos os lugares em que possa fazê-lo, celebrarei reuniões musicais para pôr de relevo suas habilidades, e me preocuparei constantemente por lhe buscar um emprego adequado. Minhas amizades são tão extensas que não tenho a menor dúvida de que dentro de pouco encontrarei algo que lhe convenha... Certamente, não deixarei de apresentá-la a minha irmã e a meu cunhado, quando vierem a nos visitar. Estou segura de que combinarão muito com ela; e quando os conhecer um pouco, seu acanhamento desaparecerá por completo porque são as pessoas mais cordiais e acolhedoras que existem. Quando forem nossas hóspedes me proponho convidá-la muito freqüentemente, e me atreveria a dizer que em ocasiões incluso podemos lhe encontrar um sítio no landó para que nos acompanhe em nossas excursões.

 

14 Da Elegia escrita em um cemitério de aldeia», do Thomas Gray (1716-1771).

 

«Pobre Jane Fairfax! -pensou Emma-. O que tem feito para merecer esta penitência? Tal vez te tenha levado mal com respeito ao senhor Dixon, mas esse é um castigo que vai mais lá de tudo o que tenha podido te merecer... O afeto e o amparo da senhora

Elton! "Jane Fairfax, Jane Fairfax..." Santo Céu! Não quero nem imaginar a Más bien le parecía divertido todo ese trajín... La gratitud de la señorita Bates por las atrevendo-se a ir pelo mundo, fazendo-a ilusão de que é uma Emma Woodhouse...

É inaudito! Não tem limites a audácia da língua dessa mulher...!» Emma não teve que voltar a suportar nenhuma outra perorata como esta... tão exclusivamente dirigida a ela... tão fastidiosamente adornada com os «minha querida senhorita Woodhouse». A mudança de atitude da senhora Elton não demorou para fazer-se evidente, e Emma ficou muito mais tranqüila... e não se viu obrigada a ser a amiga íntima da senhora Elton nem a converter-se na protetora muito ativo do Jane Fairfax baixo o patronazgo da senhora Elton... agora podia limitar-se como qualquer outro habitante do povo a inteirar-se em linhas gerais do que ela opinava, projetava e fazia.

Mas bem lhe parecia divertido todo esse trajín... A gratidão da senhorita Bate pelas cuidados que a senhora Elton prodigalizava ao Jane era de uma simplicidade e de uma efusividad cândidas. Era uma de seus incondicionais, a mulher mais afetuosa, mais afável e mais encantadora que possa existir... uma mulher de tantos objetos, tão bondosa... (precisamente como a senhora Elton queria que a considerassem). Quão único surpreendia a Emma era que Jane Fairfax aceitasse todas estas cuidados, e tolerasse à senhora Elton, como ao parecer assim era. dizia-se que saía a passeio com os Elton, que visitava os Elton, que passava o dia com os Elton... Era assombroso! Emma não podia conceber que o bom gosto e o orgulho da senhorita Fairfax pudessem tolerar a companhia e a amizade que se o brindava na Vicaría.

«É um enigma, um verdadeiro enigma! -dizia-se-. Preferir ficar aqui meses e meses, aceitando privações de todas classes! E agora admitir a penitência de que a acompanhe a todas partes a senhora Elton e que a aborreça com sua conversação, em vez de voltar ao lado de pessoas tão superiores, que sempre lhe professaram um carinho tão sincero e tão generoso..."

Jane tinha vindo ao Highbury só para três meses; os Campbell tinham ido a Irlanda para três meses; mas agora os Campbell tinham prometido a sua filha ficar a seu lado pelo menos até mediados do verão, e haviam convidado de novo ao Jane a que fora a reunir-se com eles. Segundo a senhorita Bate -todas as notícias procediam dela- a senhora Dixon lhe tinha escrito em términos muito insistentes. Se Jane se decidia a partir, se o prepararia a viagem, enviariam-se criados, mobilizariam-se amigos... não parecia existir nenhum inconveniente para realizar aquela viagem; mas apesar de tudo, ela tinha declinado o oferecimento.

«Deve ter algum motivo mais capitalista do que parece para rechaçar esta convite -foi a conclusão da Emma-. Deve estar cumprindo como uma espécie de penitência, talvez imposta pelos Campbell, talvez por ela mesma. Possivelmente tenha muito medo, ou deva obrar com grande precaução ou esteja coagida por alguém. O caso é que não quer estar com os Dixon. Alguém o exige assim. Mas, então, por que consente em estar com os Elton? Esse já é um enigma completamente distinto."

Quando expressou seu assombro sobre esta questão ante algumas das poucas pessoas que conheciam seu parecer a respeito da senhora Elton, a senhora Weston se aventurou a fazer esta defesa do Jane:

-Não vamos supor que o passa muito bem na Vicaría, minha querida Emma...

mas sempre é melhor que ficar sempre em casa. Sua tia é muito boa mulher, mas para tê-la sempre ao lado deve ser muito fastidioso. Temos que ter em conta a que renúncia a senhorita Fairfax, antes de criticar seu bom gosto pelas casas que freqüenta.

-Acredito que tem você toda a razão, senhora Weston erijo vivamente o senhor Rnightley-, a senhorita Fairfax é tão capaz como qualquer de nós de formar uma opinião certeira da senhora Elton. Se tivesse podido escolher as pessoas com quem tratar, não a tivesse eleito a ela. Mas dirigindo a Emma um sorriso de recriminação-, a senhora Elton tem com ela umas cuidados que não tem ninguém mais.

Emma advertiu que a senhora Weston lhe lançava um rápido olhar, e ela mesma ficou surpreendida do paixão com que o senhor Knightley acabava de falar.

Ruborizando-se levemente, apressou-se a replicar:

-Cuidados como as que agora tem com ela a senhora Elton, eu sempre houvesse suposto que a tivessem contrariado mais que agradado. Os convites da senhora Elton me tivessem parecido algo menos atrayentes.15 -Não sentiria saudades -disse a senhora Weston- que a senhorita Fairfax fizesse todo isso contra sua vontade, forçada pela insistência de sua tia a que aceitasse as cuidados que a senhora Elton tinha para com ela. É muito provável que a pobre senhorita Bate haja empurrado a sua sobrinha a aceitar um grau de intimidade muito major do que seu próprio sentido comum lhe tivesse aconselhado, além do desejo muito natural de trocar um pouco de vida.

Ambas esperavam com curiosidade que o senhor Knightley voltasse a falar; e depois de uns minutos de silêncio disse:

-Também terá que ter em conta outra coisa... a senhora Elton não fala com a senhorita Fairfax do mesmo modo que fala dela. Todos sabemos a diferença que há entre os pronomes «ele» ou «ela» e «você», que é o mais direto na conversação. No trato pessoal dos uns com os outros, todos sentimos a influência de algo que está mais à frente da cortesia normal... algo que se adquiriu antes de aprender urbanidade. Ao falar com uma pessoa não somos capazes de lhe dizer todas as coisas desagradáveis que havemos estado pensando dela uma hora antes. Então o vemos de um modo distinto. E à parte disso, que poderíamos considerar como um princípio geral, podem estar seguras de que a senhorita Fairfax intimida à senhora Elton porque é superior a ela em inteligência e em refinamento; e que quando estão frente a frente, a senhora Elton a trata com todo o respeito que ela merece. Provavelmente, antes de agora a senhora Elton nunca tinha conhecido a uma mulher como Jane Fairfax... e por muito grande que seja sua vaidade, não pode deixar de reconhecer, a não ser conscientemente pelo menos em a prática, que a seu lado é muito pouca coisa.

-Já sei que tem você muito boa opinião do Jane Faírfax -disse Emma.

Naqueles momentos estava pensando no pequeno Henry, e uma mescla de temor e 15 Trocadilho intraduzível: «invitations, (convites) e «inviting" (atraentes).

de escrúpulo a deixou duvidando a respeito do que devia dizer.

-Sim -replicou ele-, todo mundo sabe que tenho muito boa opinião dela.

-E ao melhor -disse Emma rapidamente lhe olhando com intenção, e interrompendo-se em seguida... mas era preferível saber o pior quanto antes... de modo que seguiu dizendo muito às pressas-: E ao melhor nem sequer você mesmo se deu conta de tudo de até que ponto a aprecia. Talvez um dia ou outro surpreenda a você mesmo o alcance de seu admiração.

O senhor Knightley estava muito ocupado com os botões inferiores de suas grosas perneiras de couro, e já fora pelo esforço que fazia ao grampear-lhe já por qualquer outro motivo, quando replicou lhe tinham subido as cores à cara.

-OH! Mas ainda estamos assim? Anda você infelizmente atrasada de notícias. O senhor Penetre sugeriu algo disso faz já seis semanas.

interrompeu-se de momento... Emma sentia que o pé da senhora Weston apertava o dele, e estava tão desconcertada que não sabia o que pensar. Ao cabo de um momento o senhor Knightley prosseguiu:

-Entretanto, posso lhe assegurar que isso não ocorrerá jamais. Atreveria-me a assegurar que a senhorita Fairfax não me aceitaria se eu pedisse sua mão... E estou completamente seguro de que nunca a pedirei.

Emma devolveu rapidamente com o pé o sinal a seu amiga; e ficou tão satisfeita que exclamou:

-Não é você vaidoso, senhor Knightley, é o mínimo que eu diria de você.

Ele não deu amostras de havê-la ouvido. Estava pensativo... e em um tom que delatava a contrariedade, não demorou para perguntar:

-De maneira que já supunham vocês que ia casar me com o Jane Fairfax?

-Não, asseguro-lhe que eu não. Castigou-me você muito no de forjar bodas para que me permitisse tomar esta liberdade com você. O que hei dito foi sem lhe dar importância. Já sabe você que sempre se dizem essas coisas sem nenhuma intenção séria.

OH, não! Prometo-lhe que não tenho o menor desejo nem de que você se case com o Jane Fairfax, nem de que Jane se case com qualquer outra pessoa. Se estivesse você casado, já não viria ao Hartfield, e nos faria companhia deste modo tão agradável.

O senhor Knightley havia tornado a ficar pensativo. O resultado de suas meditações foi:

-Não, Emma, não acredito que o alcance de minha admiração por ela chegue nunca a me dar alguma surpresa... Asseguro-lhe que nunca pensei nela deste modo.

E pouco depois acrescentou:

-Jane Fairfax é uma jovem encantada... mas nem sequer Jane Fairfax é perfeita.

Tem um defeito. Não tem o caráter aberto que um homem desejaria para a que tem que ser sua esposa.

Emma não pôde por menos de alegrar-se para ouvir que Jane tinha um defeito.

-Bom -disse-, então suponho que não lhe custaria muito fazer calar ao senhor Penetre.

-Não, não me custou nada. Ele me fez uma ligeira insinuação; eu lhe respondi que se equivocava; então me pediu desculpas e não disse nada mais. Penetre não quer ser mais preparado ou mais engenhoso que seus vizinhos.

-Então não se parece em nada a nossa querida senhora Elton, que quer ser mais preparada e mais engenhosa que todo mundo! Eu gostaria de saber como fala dos Penetre... como chama-lhes... Que fórmula terá podido encontrar para lhes chamar de um modo o sufi- cientemente íntimo, dentro do gênero vulgar? lhe chama Knightley a secas...

Como chamará o senhor Penetre? Por isso não teria que me surpreender que Jane Fairfax aceite suas cuidados e consinta em ir sempre com ela. Querida, seu argumento é o que mais me convence. Estou mais tentada a atribuir tudo isto à senhorita Bate que a acreditar no triunfo da inteligência da senhorita Fairfax sobre a senhora Elton. Não tenho a menor esperança de que a senhora Elton se reconheça inferior a ninguém em inteligência, em graça no falar nem em nenhuma outra coisa; nem que admita outros valores que os de seus rudimentares normas de cortesia; não posso acreditar que não esteja ofendendo continuamente a seus visitantes com elogios desconjurado, palavras de fôlego e ofertas de ajuda; que não esteja insistindo continuamente no magnânimo de suas intenções, do lhe procurar uma situação sólida, até o aceitá-la nestas deliciosas excursões que têm que fazer no landó.

-Jane Fairfax é uma moça muito acordada -disse o senhor Knightley-, eu não a acuso de não sê-lo. E adivinho nela uma grande sensibilidade... e uma têmpera excelente, como se vê por sua resignação, sua paciência e seu domínio de si mesmo; mas lhe falta franqueza. É reservada, acredito que mais reservada do que era antes... E eu gosto dos caracteres abertos. Não... antes de que Penetre aludisse a meu suposto interesse por ela, nunca me havia passado pela cabeça uma coisa semelhante. Sempre vi ao Jane Fairfax e conversei com ela com admiração e com prazer... mas sem pensar em nada mais.

-Bom -disse Emma triunfante, quando o senhor Knightley as deixou-, agora, o que me diz das bodas do senhor Knightley com o Jane Fairfax?

-Verá, minha querida Emma, digo-te que lhe vejo tão obcecado pela idéia de não estar apaixonado por ela, que não sentiria saudades muito que terminasse estando-o. Ainda não me há vencido.

 

TODO MUNDO do Highbury e de seus contornos que tivesse visitado alguma vez ao senhor Elton, estava agora disposto a lhe obsequiar com motivo de suas bodas. Em honra dele e de sua esposa se organizaram uma série de comidas e de jantares; e os convites afluíram em tal número, que a senhora Elton não demorou muito em ter o prazer de comprovar que não foram ter nenhum dia livre.

-Já vejo o que ocorrerá -dizia ela-; já vejo a desse de vida que vou ter que levar a seu lado. Sim, vamos levar uma existência dissipada. A verdade é que parecemos estar muito de moda. Se isso é viver no campo, asseguro-te que não é nada invejável. Note, desde na segunda-feira até na sábado não temos nenhum dia livre! Uma mulher com menos recursos de os que eu tenho já não saberia onde tem a cabeça.

Mas nenhum convite lhe parecia inoportuna. Graças às temporadas que havia passado no Bath, estava já totalmente acostumada para jantar fora de casa, e Maple Grove tinha-lhe feito familiarizar-se com os convites a comer. Não deixou de ficar desagradablemente surpreendida ao ver que em muitas daquelas casas não havia mais que um salão, que os bolos eram de tamanho bastante exíguo e que durante as partidas de cartas de Highbury não se serviam bebidas geladas. À senhora Bate, a senhora Perry, a senhora Goddard e outras, faltava-lhes muito mundo, mas ela não demoraria para lhes demonstrar como deviam fazê-las coisas. antes de que terminasse a primavera ia corresponder a estas cuidados, as convidando a uma reunião de grande estilo... em que exibiria suas mesas de jogo com seus próprios candelabros, e os baralhos por estrear, tal como é devido...

contratando para o jantar a mais criados do que lhes permitia sua fortuna, a fim de que servissem os refrescos exatamente na hora adequada, e na ordem devida.

Enquanto isso Emma não podia sentir-se satisfeita até ter organizado uma comida em Hartfield para os Elton. Não podiam ser menos que outros, do contrário se expor a malévolas suspeitas e a ser considerada capaz de um triste ressentimento. A comida tinha que celebrar-se. depois de que Emma tivesse estado falando disso durante dez minutos, o senhor Woodhouse se mostrou disposto a ceder, e só pôs a habitual condição de que não fora ele quem presidisse a mesa, criando assim a dificuldade, também habitual, de ter que decidir quem ocuparia a cabeceira.

Quanto às pessoas a quem devia convidar-se, não havia muito que pensar. Além disso dos Elton, tinham que vir os Weston e o senhor Knightley; até aqui tudo ia bem...

mas também era inevitável pedir a pobre Harriet que fosse o oitavo convidado; mas este convite Emma já não a fez com o mesmo entusiasmo, e por muitos motivos se alegrou de que Harriet lhe rogasse que lhe permitisse desculpar-se.

-Se posso evitá-lo, prefiro não lhe ver muito. Ainda não posso lhe ver em companhia de seu encantadora e feliz algema sem me sentir um pouco incômoda. Se você não lhe levares a mal isso, eu quase preferiria ficar em casa.

E isso era precisamente o que Emma tivesse desejado, de ter acreditado que era o suficientemente possível para desejá-lo. Estava admirada pela integridade de seu amiguita... porque sabia que nela era integridade renunciar a uma reunião e preferir ficar em casa. E agora podia convidar à pessoa que realmente desejava que fosse o oitavo convidado, Jane Fairfax... Desde sua última conversação com a senhora Weston e o senhor Knightley, sentia que sua consciência lhe inquietava mais que antes no referente a Jane Fairfax... Não tinha podido esquecer as palavras do senhor Knightley. Havia dito que a senhora Elton tinha cuidados para com o Jane Fairfax que ninguém mais tinha tido.

«Esta é a pura verdade -dizia-se a si mesmo-, pelo menos no que diz respeito a mim, que é o que agora me importa... e é uma vergonha... Tendo a mesma idade... e nos conhecendo desde meninas... eu tivesse devido ser mais amiga dela... Agora ela não quererá saber nada de mim. Tive-a esquecida durante muito tempo. Mas lhe dedicarei mais atenção que antes."

Tudo os convites foram aceitos. Ninguém tinha outro compromisso e todos estavam encantados de assistir... Entretanto ainda surgiram inconvenientes nos preparativos do jantar. deu-se uma circunstância em princípio pouco grata. acordou-se que os dois filhos maiores do senhor Knightley fizessem aquela primavera uma visita de várias semanas a seu avô e a sua tia, e seu pai agora propôs trazê-los, sem que ele pudesse permanecer no Hartfield mais que um dia... precisamente o mesmo dia em que ia a celebrá-la jantar. Suas ocupações profissionais não lhe permitiam trocar a data, mas pai e filha ficaram muito contrariados de que as coisas ocorressem assim. O senhor Woodhouse considerava que oito pessoas em um jantar era quão máximo seus nervos podiam suportar... e teria que haver nove... e Emma pensava que o nono convidado estaria de muito mau humor ante o fato de que não podia ir ao Hartfield nem por quarenta e oito horas sem encontrar-se com um jantar ou uma festa.

Consolou a seu pai melhor do que podia consolar-se a si mesmo, lhe fazendo ver que embora evidentemente seriam nove em vez de oito, seu genro falava tão pouco que o aumento de ruído seria quase imperceptível. No fundo pensava que ela sairia perdendo com a mudança, já que o lugar do senhor Knightley o ocuparia seu irmão, com seu seriedade e sua pouca afeição a falar.

Em conjunto, tudo o que ocorreu foi mais favorável ao senhor Woodhouse que a Emma.

Chegou John Knightley; mas ao senhor Weston lhe reclamou urgentemente em Londres e teve que ausentar-se precisamente aquele mesmo dia. A sua volta podia ir reunir se com eles e participar da velada, mas já não podia assistir à comida. O senhor Woodhouse tranqüilizou-se por completo; e ao dar-se conta disso, unido à chegada dos meninos e a a filosófica resignação de seu cunhado ao inteirar-se do que lhe esperava, fez que desaparecesse boa parte da contrariedade da Emma.

Chegou o dia, todos os convidados acudiram pontualmente e do primeiro momento o senhor John Knightley pareceu dedicar-se à tarefa de fazer-se agradável. Em vez de levar-se a seu irmão junto a uma janela para conversar a sós enquanto esperavam a comida, ficou a falar com a senhora Fairfax. Tinha estado contemplando em silêncio (querendo só formar uma idéia para poder logo informar a Isabella) à senhora Elton, quem mostrava tanta elegância como podiam lhe emprestar seus encaixes e suas pérolas, mas a senhorita Fairfax era uma antiga conhecida e uma moça aprazível, e com ela se podia falar. Tinha-a encontrado antes do café da manhã, quando retornava de dar um passeio com os meninos, no mesmo momento em' que começava a chover. Era natural dizer alguma frase cortês sobre o estado do tempo, e ele disse:

-Suponho que esta manhã não se aventuraria você muito longe, senhorita Fairfax, do contrário estou seguro de que se molhou. Nós logo que tivemos tempo de chegar a casa. Confio em que você também retornou em seguida.

-Não ia mais que a correios -disse ela-, e quando a chuva aumentou já voltava a estar em casa. É meu passeio de cada dia. Quando estou aqui sempre sou eu a que vai recolher as cartas. Assim se evitam inconvenientes, e tenho um pretexto para sair. Um passeio antes do café da manhã me sinta bem.

-Mas suponho que um passeio sob a chuva não. -Não, mas quando saí de casa não caía nem uma gota. O senhor John Knightley sorriu e replicou:

-Isso é um dizer, mas parece que tinha você muito interesse em dar este passeio, porque quando tive o prazer de encontrá-la não tinha andado você nem seis jardas da porta de sua casa; e já fazia bastante momento que Henry e John viam cair mais gotas das que podiam contar. Há um período da vida no que a agência de correios exerce um grande encanto. Quando tiver você meus anos, começará a pensar que nunca vale a pena molhar-se para ir procurar uma carta.

Ela se ruborizou ligeiramente, e logo respondeu:

-Não posso ter esperanças de chegar a ver-me na situação em que se acha você, rodeado de todos os seres mais queridos, e portanto tampouco posso supor que só por ter mais anos vão ser me indiferentes as cartas.

-Indiferentes? OH, não! Não quis dizer que vão ser lhe indiferentes. Com as cartas não se trata de indiferença. Geralmente o que são é uma verdadeira peste.

-Você fala de cartas de negócios; as meu som cartas de amizade.

-mais de uma vez pensei que são muito piores que as outras -replicou ele fríamente-.

Os negócios podem dar dinheiro, mas a amizade é muito difícil que o dê.

-Ah! Não falará a sério. Conheço muito bem ao senhor John Knightley... Estou convencida de que sabe apreciar o que vale a amizade tão bem como qualquer outra pessoa. Compreendo perfeitamente que as cartas signifiquem muito pouco para você, muito menos que para mim, mas a diferença não está no fato de que você seja dez anos maior que eu... não se trata da idade, mas sim da situação. Você tem sempre a seu lado às pessoas às que quer mais, enquanto que eu provavelmente nunca mais voltarei às ver reunidas a meu redor; e portanto, até que não tenham morrido em mim todos meus afetos, uma agência de correios terá sempre o suficiente poder de atração para me fazer sair de casa, inclusive com um tempo pior que o de hoje.

-Quando lhe dizia que com a idade, que com o passo dos anos trocará você -disse John Knightley-, referia-me também à mudança de situação que geralmente os anos trazem consigo. Em minha opinião são duas coisas que revistam ir juntas. O tempo quase sempre debilita nosso afeto pelas pessoas que não se movem dentro de nosso círculo cotidiano...

mas não era este a mudança que eu previa para você. Senhorita Fairfax, permita que um velho amigo lhe deseje que dentro de dez anos você veja reunidas a seu redor a tantas pessoas queridas como eu agora.

Eram palavras verdadeiramente cordiais e que não podiam estar mais longe de ter má intenção. A jovem lhe correspondeu com um cortês «muito obrigado», como dando a impressão de que tomava a brincadeira, mas seu rubor, o tremor de seus lábios e a lágrima que apareceu a seus olhos demonstravam que o tinha tomado muito a sério. Imediatamente reclamou sua atenção o senhor Woodhouse, quem, de acordo com seu costume nestas ocasiões, ia de grupo em grupo saudando cada um de seus convidados, e sobre tudo dedicando cumpridos às damas, e com ela terminava seu percurso... E com a mais cerimoniosa de suas cortesias lhe disse:

-Senhorita Fairfax, acabo de ouvir que esta manhã saiu você de sua casa quando chovia... Não sabe você quanto o sinto. As jovens deveriam ter muito cuidado. As jovens som planta delicadas. Deveriam cuidar muito de sua saúde. Querida, já se há trocado as médias?

-Sim, sim, certamente. Não sabe você o que lhe agradeço que se tome tanto interesse por meu saúde.

-Minha querida senhorita Fairfax, uma jovem sempre merece toda classe de solicitudes.

Suponho que sua avó e sua tia seguem bem, verdade? Formam parte de minhas amizades mais antigas. Oxalá minha saúde me permitisse cumprir melhor com meus deveres de vizinho. Ah!

Esta noite nos faz você uma grande honra com sua presença, pode estar segura. Minha filha e eu apreciamos sua bondade em tudo o que vale, e temos uma grande satisfação de vê-la em Hartfield.

O cordial e cortês ancião podia então voltar a sentar-se convencido de que já havia completo com seu dever, contribuindo a dar a bem-vinda a todas as belas damas que havia convidado.

Enquanto, a notícia do passeio sob a chuva tinha chegado para ouvidos da senhora Elton, e agora foram suas repreensões as que se dirigiram contra Jane.

-Minha querida Jane! O que é o que ouvi? Ir à agência de correios quando chovia! Lhe digo que nos deveste fazer isso... Atordoada! Como pudeste fazer uma coisa semelhante? Como se vê que eu não estava ali para cuidar de ti!

Jane, muito paciente, assegurou-lhe que não se resfriou.

-OH! O que me vais contar! É uma atordoada e não sabe cuidar de ti mesma... Ir a correios! Senhora Weston, ouviu você dizer um pouco parecido? Certamente, você e eu temos que exercer nossa autoridade.

-Sinto-me tentada -disse a senhora Weston de um modo amável e persuasivo- a dar meu parecer. Senhorita Fairfax, não deveria você expor-se a esses perigos... Sendo propensa a os resfriados fortes, a verdade é que deveria você ir com muito mais cuidado, sobre tudo nesta época do ano. Sempre pensei que a primavera é uma estação que requer tomar mais precauções. É melhor esperar uma hora ou dois, ou inclusive meio-dia, para ir recolher as cartas, que expor-se a voltar a ter tosse. Não lhe parece que houvesse sido mais sensato esperar um pouco mais? Sim, estou segura de que é você muito razoável.

Tenho a impressão de que já não voltaria a fazer uma coisa assim.

-OH! Não voltará a fazê-lo! -interveio rapidamente a senhora Elton-. Não o permitiremos que volte a fazê-lo! -e cabeceando como se refletisse, acrescentou-:

Procuraremos um modo de arregrarlo, sim, buscaremo-lo. Falarei com o senhor E. Cada amanhã nosso criado (um de nossos criados, não me lembro de como se chama) vai a recolher nossas cartas... Pode pedir também as tuas e lhe levar isso a sua casa. Deste modo se evitam todos os inconvenientes; e me parece, minha querida Jane, que tratando-se de nós, não terá nenhum escrúpulo em aceitar este pequeno favor...

-É você muito amável -disse Jane-; mas não posso renunciar a meu passeio da manhã.

Recomendaram-me que tome o ar tudo o que possa, e tenho que ir a algum sítio, e com o das cartas tenho um pretexto; e lhe asseguro que quase é a primeira vez que faz um tempo tão mau pela manhã.

-Minha querida Jane, não diga nada mais. Já está decidido... quero dizer -rendo com afetação- até onde chegue minha autoridade de decidir algo sem o consentimento por mim dono e senhor. Já sabe, senhora Weston, você e eu temos que ir com muito cuidado em como nos expressamos. Mas eu posso me vangloriar, minha querida Jane, de ter certa influencia sobre meu marido. portanto, se não tropeçarmos com dificuldades insuperáveis, considera-o como uma coisa feita.

-Perdoe -disse Jane com firmeza-, mas em modo algum posso consentir em uma coisa assim que forzosamente dará tantas moléstias a seu criado. Se o ir a correios não fora um prazer para mim, já iria a pelas cartas a criada de minha avó, como vai sempre quando eu não estou no Highbury...

-OH, querida...! Mas Patty tem tanto que fazer! E não é nenhuma moléstia para nossos criados...

Jane não parecia disposta a deixar-se convencer; mas em vez de responder voltou de novo a dirigir a palavra ao senhor John Knightley.

-A agência de correios é algo maravilhoso --disse-. Admira-me sua regularidade e seu prontidão... Se se pensar em tudo o que têm que fazer e em que o fazem tão bem, é um pouco realmente assombroso.

-Certamente, está muito bem organizada.

-É tão pouco freqüente que tenham esquecimentos ou enganos... É tão pouco freqüente que uma carta, entre milhares que vão constantemente de um lado a outro do reino, leve-se a um lugar equivocado... e eu suponho que nem sequer uma de entre um milhão chega a perder-se!

E quando se pensa na variedade de escrituras, e na má letra de muitos, que tem que decifrar-se, ainda resulta muito mais assombroso...

-O costume dá muita prática aos empregados... Quando começam precisam ter certa rapidez de vista e de mãos, e com a prática adquirem muita mais. E se quiser compreendê-lo melhor -seguiu dizendo enquanto sorria-, pagam-lhes por isso. Esta é a explicação de que sejam tão hábeis. O público paga e têm que lhe servir bem.

Logo se falou da grande variedade dos tipos de letra, e se fizeram os comentários de costume.

-Asseguraram-me -dizia John Knightley- que geralmente os membros de uma mesma família têm o mesmo tipo de escritura; e quando o professor é o mesmo, a coisa não pode ser mais natural. Mas por esta mesma razão eu mas bem imagino que o parecido deve limitar-se sobre tudo às mulheres, porque os meninos logo que são um pouco maiores já deixam de estudar, e então tiram a letra que podem. Em minha opinião, Isabella e Emma têm uma letra muito parecida. Eu nunca fui capaz de distinguir a escritura da uma e da outra.

-Sim -disse seu irmão, dubitativamente-, há um parecido. Já sei ao que te refere...

mas Emma tem uma letra mais enérgica.

-Tanto Isabella como Emma têm uma letra preciosa -disse o senhor Woodhouse-, e sempre a tiveram. E a pobre senhora Weston também -acrescentou lhe dedicando a um tempo um suspiro e um sorriso.

-Nunca tinha visto uma letra de cavalheiro como... -começou a dizer Emma, olhando também para a senhora Weston.

Mas se interrompeu ao dar-se conta de que a senhora Weston estava conversando com outra pessoa... e a pausa lhe deu tempo para refletir. «E agora como vou falar de ele? vou chamar a atenção se citar seu nome diante de todos? Tenho que empregar algum rodeio? Seu amigo do Yorkshire... Seu correspondente do Yorkshire... Suponho que é o que teria que fazer se me sentisse muito desgraçada. Não, posso pronunciar seu nome sem que me produza o menor desgosto. Certamente, cada vez me sinto melhor...

Adiante pois...» A senhora Weston voltava a lhe emprestar atenção, e Emma começou de novo:

-O senhor Frank Churchill tem uma das letras de homem mais bonitas que vi em minha vida.

-Eu não gosto -disse o senhor Knightley-; é muito miúda, falta-lhe energia.

Parece letra de mulher.

Nenhuma das damas pressente esteve de acordo com esta opinião. Todas protestaram daquela dura crítica. Não, não lhe faltava energia nem muito menos... não era uma letra grande, mas sim muito clara e de muito caráter. Perguntaram à senhora Weston se não levava em cima nenhuma sua carta para podê-la ensinar. Mas embora tinha tido notícias seu fazia muito pouco tempo, já tinha respondido a sua carta e a tinha guardada.

-Se estivéssemos na outra sala -disse Emma-, onde tenho meu escritório, poderia lhes ensinar uma amostra. Tenho uma nota dela que me escreveu. Não recorda que um dia fez-lhe me escrever uma nota em seu nome?

-Foi ele quem se empenhou em...

-Bom, bom, o caso é que tenho a nota. depois do jantar a ensinarei para convencer ao senhor Knightley.

-OH! Quando um jovem tão galante como o senhor Frank Churchill -disse secamente o senhor Knightley- escreve a uma dama tão encantada como a senhorita Woodhouse, é de esperar que se esforce em fazê-lo o melhor que saiba.

O jantar estava servido... e a senhora Elton, antes de que lhe dissessem nada já estava disposta; e antes de que o senhor Woodhouse lhe aproximasse para lhe oferecer seu braço e entrar juntos no comilão, disse:

-Eu tenho que ser a primeira? A verdade é que me dá um pouco de reparo ser sempre a primeira de todos...

A insistência do Jane em ir pessoalmente a recolher suas cartas não tinha passado inadvertida para a Emma. Tinha-o ouvido e visto tudo; e sentia certa curiosidade por saber se o passeio sob a chuva daquela manhã tinha sido frutífero. Ela suspeitava que sim;

que não tivesse tido tanto empenho em sair de não ter a certeza de receber notícias de alguém muito querido... e o mais provável era que a saída não tivesse sido em vão. A parecia que tinha um ar mais alegre que de costume... que tinha mais aspecto de saúde, de animação.

Tivesse podido fazer uma ou duas perguntas sobre o envio e o custo do correio para Irlanda; quase as teve na ponta da língua... mas se conteve. Estava totalmente decidida a não deixar escapar nenhuma só palavra que pudesse ferir os sentimentos do Jane Fairfax; e seguindo às demais senhoras as duas jovens entraram no comilão agarradas do braço, com uma aparência de boa concórdia que harmonizava perfeitamente com a beleza e a graça de ambas.

 

QUANDO as damas voltaram para a sala de estar, depois do jantar, Emma se deu conta de que lhe era quase impossível evitar que se formassem dois grupos; tanta era a perseverança com que julgando e obrando equivocadamente a senhora Elton monopolizava a Jane Fairfax e a deixava a ela de lado; assim, Emma e a senhora Weston se viram obrigadas a estar todo o momento ou falando entre si ou guardando silêncio juntas. A senhora Elton não lhes deu outra possibilidade. Se Jane conseguia chegar a contê-la um pouco, ela não demorava em voltar a começar; e embora a maior parte do que falaram era quase em sussurros, sobre tudo por parte da senhora Elton, não deixaram de inteirar-se dos principais tema da conversação: a agência de correios... pilhar um resfriado... ir a recolher as cartas... a amizade... foram as questões que se discutiram longamente; e a estas aconteceu outra que resultava pelo menos tão desagradável para o Jane como as anteriores... pergunta a respeito de se tinha tido notícia de alguma colocação que o conviesse, e afirmações por parte da senhora Elton de que não deixava de ocupar-se de aquele assunto.

-Já estamos em abril! -dizia-. Tem-me muito preocupada. Junho já está muito perto.

-Mas é que eu não me pus como prazo nem o mês de junho, nem nenhum outro mês... eu só pensava no verão em geral.

-Mas de verdade não te inteiraste que nada que te convenha?

-Ainda não comecei para buscá-lo; ainda não quero fazer nada.

-OH, querida! Mas nunca é muito logo para isso; você não te dá conta do difícil que é conseguir exatamente o que queremos.

-Que não me dei conta? -disse Jane sacudindo tristemente a cabeça-; querida senhora Elton, quem pode ter pensado nisso tanto como eu?

-Mas você não conhece o mundo como eu. Não sabe quantos candidatos há sempre para as colocações mais vantajosas. Sei que há muitas pelas cercanias do Maple Grove.

Uma prima do senhor Suckling, a senhora Bragge, pode oferecer infinitas possibilidades de essas; todo mundo estava desejando entrar em sua casa, porque pertence à sociedade mais refinada. Até tem velas de cera na salita onde se dão as clases!16 Já pode imaginar a categoria da casa! De todas as famílias do reino, a da senhora Bragge é a que eu preferiria para ti.

-O coronel e a senhora Campbell já teriam retornado a Londres para meios de verão -disse Jane-. E tenho que passar uma temporada com eles; estou segura de que o quererão. Logo, provavelmente poderei fazer o que me pareça. Mas por agora não queria que se tomasse você tantas moléstias para me buscar um emprego.

-Moléstias? Ah! Já vejo que reparos me põe. Não quer me causar moléstias; mas asseguro-te, minha querida Jane, que é difícil que os Campbell se tomem tanto interesse por ti como eu. Amanhã ou passado escreverei à senhora Partridge, e lhe encarregarei que não deixe de estar aos cuidados de algo que possa nos interessar.

-Muito obrigado, mas preferiria que não lhe dissesse nada de todo isso; até que não chegue o momento oportuno não quero causar moléstias a ninguém.

-Mas, criatura, o momento oportuno já está muito perto; estamos em abril, e junho, ou se quer julho, está à volta da esquina e ainda temos que fazer muitas coisas.

me acredite, sua falta de experiência quase me faz sorrir. Uma boa colocação como a que merece, e como as que seus amigos lhe buscariam, não sai todos os dias, não se consegue em um momento; sim, sim, asseguro-lhe isso, temos que começar a nos mover imediatamente.

-Perdoe, mas esta não é minha intenção, nem muito menos. Ainda não quero dar nenhum passo, e lamentaria muito que meus amigos o dessem em meu nome. Quando estiver completamente segura de que tenha chegado o momento oportuno, não tenho nenhum medo de estar muito tempo sem emprego. Em Londres há escritórios nas que em seguida encontram trabalho para quem o pede... Escritórios para vender, não carne humana, a não ser inteligência humana.

-OH, querida! Carne humana! Que coisas diz! Se for uma alusão ao tráfico de escravos, asseguro-te que o senhor Suckling sempre foi mas bem partidário da abolição.

-Não queria dizer isso, não referia ao tráfico de escravos -replicou Jane-; asseguro-lhe que só pensava no tráfico de institutrices; e os que se dedicam a ela certamente que não têm a mesma responsabilidade moral que os outros; mas quanto à desgraça em que estão sumidas suas vítimas, não sei qual das duas é pior. Mas o único que queria dizer é que há escritórios de anúncios, e que me dirigindo a uma delas não tenho a menor dúvida de que muito em breve encontraria algo que convenha.

-Algo que convenha! -repetiu a senhora Elton-. Isto denota a triste ideia que tem de ti mesma; já sei que é uma moça muito modesta; mas são seus amigos os que não se contentarão com que aceite o primeiro que lhe ofereçam, com um emprego inferior a vocês possibilidades, vulgar, em uma família que não se mova em um ambiente de certa categoria, que não pertença a um círculo elegante.

-É você muito amável; mas tudo isto não pode me ser mais indiferente; para mim não teria objeto viver entre ricos; acredito que ainda me seria mais penoso; a comparação ainda me faria sofrer mais. A única condição que ponho é que seja a família de um cavalheiro.

-Conheço-te, conheço-te; conformaria-te com algo; mas eu vou ser um pouco mais exigente, e estou segura de que umas pessoas tão boas como os Campbell se 16 Nesta época a vela de cera constituía um luxo, e as famílias modestas utilizavam para o sistema de iluminação a fedorento vela de sebo.

porão de minha parte; com um talento como o teu tem direito a viver nos ambientes mais elevados. Só suas habilidades musicais já lhe permitem impor condições, ter tantas habitações como quer, e compartilhar a vida da família no grau em que lhe agrade; quer dizer... não sei... se soubesse tocar o harpa estou segura de que poderia pedir tudo isso; mas canta tão bem como toucas o piano; sim, sim, estou convencida de que inclusive sem saber tocar o harpa poderia impor as condições que quisesse; tem que encontrar um emprego digno, conveniente e agradável, e o encontrará, e nem os Campbell nem eu descansaremos até havê-lo obtido.

-Não lhe faltam motivos para supor que o digno, o conveniente e o agradável pode encontrar-se reunido em um mesmo emprego -disse Jane-; são coisas que revistam ir juntas; mas estou decidida a não deixar que ninguém faça nada por mim por agora. Estou-lhe muito agradecida, senhora Elton, estou agradecida a tudo o que se preocupa comigo, mas insisto em que não quero que ninguém faça nada antes do verão. Durante dois ou três meses mais seguirei onde estou e como estou.

-E eu -replicou a senhora Elton brincando- também insisto em que decidi estar ao espreita de uma oportunidade e fazer que meus amigos o estejam também, a fim de que não se escape-nos nenhuma ocasião realmente excepcional.

E assim continuou falando, sem que parecesse haver nada capaz de interrompê-la, até que o senhor Woodhouse entrou no salão; então sua vaidade encontrou outro objeto em que aplicar-se, e Emma ouviu como dizia ao Jane, no mesmo cochicho de antes:

-Olhe, aqui está meu queridísimo galã amadurecido! Se tiver vindo antes que outros homens, só é por sua galanteria, pode estar segura. OH, é verdadeiramente encantador! Digo-te que o encontro do mais agradável... OH, eu adoro essa cortesia tão original e tão à antiga! Eu gosto muito mais que a desenvoltura de agora; a desenvoltura de agora muitas vezes me incomoda. Mas este bom senhor Woodhouse... Me tivesse gostado que tivesse ouvido as galanterias que me disse durante o jantar. OH, lhe asseguro que eu começava a pensar que meu caro sposo ia ficar mas que muito ciumento.

Parece-me que sente predileção por mim; fixou-se em meu vestido. Por certo, lhe gosta? Escolheu-o Selína... É bonito, verdade? Mas não sei se não ter muitos adornos;

horroriza-me a idéia de ir muito engalanada... arrepiam-me as coisas muito recarregadas. Claro que agora tinha que me pôr uns quantos adornos, porque é o que esperavam de mim. Já sabe que uma recém casado tem que parecer uma recém casado, mas por natureza meu gosto é muito mais singelo; um vestido singelo sempre é preferível a todos os adornos. Mas me parece que nisto são poucos os que pensam eu coma; pouca gente parece valorar a simplicidade de um vestido... a ostentação e os adornos o são tudo. Me ocorreu lhe pôr algum adorno destes a meu popelina branca e chapeada. Crie que vai ficar bem?

Apenas todos os convidados haviam tornado a reunir-se na sala de estar, quando fez seu aparição o senhor Weston. Tinha voltado para sua casa para jantar, embora um pouco tarde, e imediatamente dê pués de ter terminado se dirigiu ao Hartfield. Seus íntimos lhe haviam esperado com muita impaciência para que lhes produzira surpresa, mas sim os causou uma grande alegria. O senhor Woodhouse esteve tão contente de lhe ver agora como tivesse estado inquieto de lhe ver antes. Só John Knightley ficou mudo de assombro...

Que um homem que podia ter acontecido a velada tranqüilamente em sua casa, depois de um dia de negócios em Londres, voltasse a sair e andasse meia milha para ir a uma casa alheia, com o único objeto de não estar sozinho até a hora de deitar-se, para terminar seu jornada em meio de constantes esforços para ser cortês e do bulício de uma reunião de sociedade, era um fato que lhe deixava totalmente assombrado. Um homem que se havia levantado às oito da manhã, e que agora podia estar tranqüilo, que tinha estado falando durante uma série de horas, e que agora podia estar-se calado, que tinha estado rodeado de muita gente, e que agora podia estar sozinho... Que um homem nestas circunstâncias renuncie à tranqüilidade e à independência de sua poltrona junto a seu chaminé, e no entardecer de um dia de abril frio e com aguanieve, lance-se de novo fora de sua casa procurando a companhia de outros... Se fazendo um simples sinal com o dedo tivesse podido conseguir que sua esposa lhe acompanhasse imediatamente de retorno a sua casa, tivesse sido um motivo; mas sua chegada, antes prolongaria a reunião que contribuiria a dissolvê-la. John Knightley lhe contemplava estupefato; logo se encolheu de ombros e disse:

-Nunca o tivesse acreditado, nem sequer dele.

Enquanto isso, o senhor Weston, incapaz de suspeitar a indignação que estava suscitando, feliz e jovial como de costume, e com todo o direito que confere um dia passado fora de casa para que lhe deixem falar, ia dirigindo palavras amáveis a todo o resto dos convidados; e depois de ter respondido às perguntas de sua esposa a respeito de seu jantar, e de havê-la deixado convencida de que nenhuma das minuciosas instruções que havia dado aos criados, tinha sido esquecida, e depois de comunicar a todos as últimas notícias de que se inteirou em Londres, procedeu a dar uma notícia familiar que, embora ia dirigida principalmente à senhora Weston, não tinha a menor duvida de que ia a ser de grande interesse para todos os que estavam ali reunidos. Entregou a sua esposa uma carta do Frank que estava destinada a ela; tinha-a encontrado em sua casa e se havia tomado a liberdade de abri-la.

-Lê-a, lê-a -disse-lhe-, terá uma alegria. Só são quatro letras, não te levará muito tempo. Leia-lhe a Emma.

As duas amigas ficaram a ler a carta juntas; e ele se sentou sonriendo, e sem deixar de lhes falar durante todo o momento, em uma voz mas bem baixa, mas perfeitamente audível para todo mundo.

-Bom, já vêem que vem; boas notícias, acredito eu. Bom, o que dizem? Eu sempre lhe havia dito que não demoraria para voltar, é certo ou não? Anne, querida, não é verdade que eu sempre lhe dizia isso e que você não queria me acreditar? Já vê, a semana próxima em Londres... isso caso que demorem tanto; porque a senhora quando tem que fazer algo fica muito impaciente; o mais provável é que cheguem amanhã ou na sábado. Quanto a sua enfermidade, certamente não foi nada. Mas é magnífico voltar a ter ao Frank entre nós, quero dizer, tão perto, em Londres. Acredito que esta vez estarão o bastante tempo na cidade, e a metade de seu tempo ele o passará conosco. Isso precisamente o que eu desejava. Bom, o que, boas notícias de verdade, não? Já hão terminado? Emma também a tem lido toda? Bom, pois já falaremos; já falaremos longamente em outra ocasião, agora não é o momento. Só vou informar a outros de o que diz em linhas gerais.

A senhora Weston estava radiante de alegria; e assim o deixavam traslucir seu rosto e seus palavras. Era feliz, dava-se conta de que era feliz e se dava conta também de que devia sê-lo. Felicitou a seu marido de um modo entusiasta e sincero. Mas Emma não se sentia tão comunicativa. Estava um pouco absorta, sopesando seus próprios sentimentos, e tratando de compreender até que ponto se achava inquieta; a impressão que tinha era que o estava bastante.

Entretanto, o senhor Weston, muito impaciente para ser um bom observador, muito loquaz para desejar que outros falassem, contentou-se com o que lhe disse, e não demorou para ir de um lado a outro para fazer felizes ao resto de seus amigos, para lhes fazer partícipes individualmente de uma notícia que todos os do salão já tinham ouvido.

Como dava por descontado que a nova ia causar alegria a todo mundo, não advertiu que nem o senhor Woodhouse nem o senhor Knightley ficavam muito agradados com ela. Eles foram os primeiros, depois da senhora Weston e Emma, a quem quis fazer felizes; logo tivesse comunicado a notícia à senhorita Fairfax, mas esta se achava conversando tão animadamente com o John Knightley que não houvesse sido correto lhes interromper. E encontrando-se ao lado da senhora Elton, cuja atenção ninguém retinha, viu-se obrigado a tratar da questão com ela.

 

-CONFIO em que logo terei o prazer de lhe apresentar a meu filho -disse o senhor Weston.

A senhora Elton, muito predisposta a supor que com este desejo lhe tinha uma atenção muito particular, sorriu amabilísimamente.

-Suponho que haverá você ouvido falar de um tal Frank Churchill -seguiu ele-, e que saberá você que é meu filho, apesar de que não leve meu sobrenome.

-OH, sim, certamente! E terei muito gosto em lhe conhecer. Estou segura de que o senhor Elton se apressará a lhe visitar; e tanto ele como eu teremos um grande prazer de lhe ver por a Vicaría.

-É você muito amável... Estou seguro de que Frank se alegrará muito de conhecê-la. A semana que vem, e talvez inclusive antes, estará em Londres. Inteiramo-nos por uma carta dela que recebemos hoje. Vi-a esta manhã, e ao ver a letra de meu filho decidi-me a abri-la... embora não ia dirigida a mim, a não ser à senhora Weston. Verá você, é meu algema a que está acostumado a escrever-se com ele. Eu logo que recebo cartas delas.

-Mas de verdade que tem aberto você a carta que ia dirigida a sua esposa? OH, senhor Weston! -rendo afectadamente-. Devo protestar... Acaba você de sentar um precedente muito perigoso! Não pode você dar exemplos como este a seus vizinhos... Dou-lhe minha palavra que se isso é o que me espera , as mulheres casadas teremos que começar a nos defender... OH, senhor Weston! Nunca tivesse acreditado uma coisa semelhante de você!

-Sim, sim, não se você confie dos homens. Tenha muito cuidado, senhora Elton. Nesta carta nos conta... é uma carta muito curta... escrita a toda pressa, só para nos dar a notícia... conta-nos que em seguida vão todos a Londres por causa da senhora Churchill...

Não se encontrou bem durante todo o inverno, e acredita que o clima de Enscombe é muito frio para ela... de modo que vão vir todos para o sul sem perda de tempo.

-Vá, vá! De modo que vivem no Yorkshire, não? Enscombe está no Yorkshire, verdade?

-Sim, vivem a 190 milhas de Londres. Uma viagem considerável.

-Sim, é claro que sim, muito considerável. Sessenta e cinco milhas mais da distância que há entre o Maple Grove e Londres. Mas, senhor Weston, o que são estas distâncias para as pessoas de grande fortuna? ficaria você maravilhado se soubesse como às vezes meu cunhado, o senhor Suckling, viaja de uma parte a outra. Não sei se me acreditará, mas... na mesma semana ele e a senhora Bragge foram a Londres e voltaram duas vezes, com quatro cavalos.

-O mau deste viaje desde o Enscombe -disse o senhor Westones que a senhora Churchill, conforme nos dizem, esteve toda uma semana sem poder levantar do sofá. Em a última carta que escreveu ao Frank, conforme nos contou meu filho, queixava-se de que estava muito fraco para ir até sua «estufa» sem que ele e seu tio a agarrem dos braços.

Já vê você, isto indica que chegou a um grau extremo de debilidade... mas agora resulta que está tão impaciente por estar em Londres que quer fazer a viagem sem passar mais que duas noites no caminho... É o que diz literalmente Frank. A verdade, senhora Elton, é que as senhoras delicadas têm naturezas realmente singulares. Tem você que admiti-lo.

-Pois não, não lhe admito nada disso nem muito menos. Eu sempre sairei em defesa de meu sexo. Como agora. Já o advirto... Nesta questão encontrará em mim um temível antagonista. Eu sempre estou ao lado das mulheres... e lhe asseguro que se você soubesse a opinião da Selina com respeito a isso de dormir nas estalagens não sentiria saudades de que a senhora Churchill fizesse os esforços mais incríveis para evitá-lo. Selina diz que a ela horroriza-a... e eu acredito que me contagiou algo de seus escrúpulos. Minha irmã sempre viaja levando seus próprios lençóis. Uma precaução excelente. Sabe você se a senhora Churchill faz o mesmo?

-você tenha a segurança de que a senhora Churchill faz tudo o que qualquer outra grande dama pôde fazer. A senhora Churchill não vai ser menos que qualquer dama, tratando-se...

A senhora Elton lhe interrompeu vivamente dizendo:

-OH, senhor Weston! Não interprete mal minhas palavras. Asseguro-lhe que Selina não é uma grande dama. Não você imagine o que não é verdade.

-Não? Então não pode comparar-se com a senhora Churchill, que é tão grande dama como a que pode sê-lo mais.

A senhora Elton começou a pensar que não tinha obrado bem ao negar tão tajantemente a alta condição social de sua irmã; quão último tivesse podido desejar é que acreditassem sua afirmação de que sua irmã não era uma grande dama; não tinha sabido expressar-se de um modo o suficientemente engenhoso como para que a interpretasse bem; e ainda estava pensando de que modo podia voltar-se atrás sem ficar mau, quando o senhor Weston seguiu dizendo:

-Eu não sinto uma grande simpatia pela senhora Churchill, como você já pode supor... mas que fique entre nós. Quer muito ao Frank, e portanto eu não deveria falar mal dela. Além disso, agora não tem saúde; embora a verdade é que, depende própria afirmação, nunca a teve. Isso eu não o diria a todo mundo, senhora Elton, mas não acredito muito na enfermidade da senhora Churchill.

-Se estiver verdadeiramente doente, por que não vai ao Bath, senhor Weston? Ao Bath ou a Clifton.

-empenhou-se em que Enscombe tem um clima muito frio para ela. Suponho que o que ocorre é que se cansou do Enscombe. É a primeira vez que passa ali uma temporada tão larga, e começa a necessitar uma mudança. É um lugar afastado. Muito bonito, mas muito afastado.

-Ah...! Então igual a Maple Grove... Nada mais afastado do caminho real que Maple Grove. Está rodeado de terras de cultivo tão imensas! Ali uma se encontra isolada de tudo... em um retiro completo. E provavelmente a senhora Churchill não tem a saúde ou o bom ânimo da Selina para saber apreciar essa classe de solidão. Ou talvez não tenha dentro de si recursos suficientes para viver no campo. Eu sempre digo que uma mulher nunca tem muitos recursos... e estou muito contente de ter tantos que me permitam ser completamente independente da sociedade.

-Em fevereiro Frank passou duas semanas conosco.

-Sim, lembrança havê-lo ouvido dizer. Quando voltar encontrará um aditamento mais à sociedade do Highbury; quer dizer, se é que posso me considerar a mim mesma como um aditamento. Mas possivelmente não tenha a menor noticia de que eu exista no mundo.

Esta incitação a que lhe fizesse um completo era muito direta para que passasse inadvertida, e o senhor Weston, muito galante, exclamou imediatamente:

-Minha querida senhora! Ninguém exceto você poderia considerar possível uma coisa semelhante.

Não ter ouvido falar de você! Estou seguro que nas últimas cartas da senhora Weston lhe falava de muito poucas coisas que não estivessem relacionadas com a senhora Elton.

Uma vez completo seu dever, o senhor Weston podia voltar a ocupar-se de seu filho.

-Quando Frank se foi -seguiu dizendo-, não tínhamos nenhuma segurança de quando poderíamos voltar a lhe ver, e por isso as notícias de hoje nos causaram ainda mais alegria.

foi algo totalmente inesperado. Quer dizer, eu sempre tive o pressentimento de que não demoraria para voltar, estava seguro de que ia ocorrer algo, não sabia o que, que faria possível sua volta... mas ninguém me acreditava. Tanto ele como a senhora Weston estavam terrivelmente desalentados. «Como vai arrumar se as para vir? Como vamos a supor que seus tios consentirão em voltar a separar-se dele?» E assim pelo estilo... Mas eu seguia pensando que ia ocorrer algo que nos ia ser favorável; e já vê você que foi assim. Ao longo de minha vida, senhora Elton, pude comprovar que quando as coisas nos são contrárias um mês, ao seguinte sempre se arrumam.

-Tem você muita razão, senhor Weston, muchísima razão. Isso é precisamente o que eu estava acostumado a lhe dizer a certo galã na época em que me cortejava, quando, porque as coisas não foram totalmente a seu gosto, sem a rapidez que, tivesse correspondido a seus sentimentos, entregava-se ao desespero e exclamava que estava seguro de que a este passo chegaria o mês de maio antes de que Himeneo nos recubriese com seus azafranadas vestimentas... OH, quanto me custou dissipar essas sombrias idéias e lhe fazer conceber pensamentos mais alegres! O carro... tínhamos muitas dificuldades com o carro; uma manhã recordo que veio para ver-me completamente desesperado...

Teve que interromper-se devido a um acesso de tosse, e o senhor Weston aproveitou imediatamente a oportunidade para continuar.

-Acaba você de mencionar o mês de maio. Maio é precisamente o mês que a senhora Churchill tem que acontecer, conforme lhe aconselharam, ou se aconselhou a si mesmo, em um lugar mais quente que Enscombe... em resumo, que tem que acontecer Londres; e deste modo temos a grata perspectiva de que Frank nos faça freqüentes visitas durante toda a primavera... precisamente a estação do ano que tivéssemos eleito de havê-lo podido fazer; quando os dias são muito compridos, a temperatura é suave e agradável, tudo convida a estar ao ar livre e não faz muito calor para fazer exercício. Quando esteve aqui a outra vez se fez o que se pôde; mas havia umidade, choveu e o tempo era rude; como está acostumado a sê-lo em fevereiro, já sabe você; e não pudemos fazer nem a metade das coisas que projetávamos. Agora será a época mais adequada. vamos passar o muito bem. E eu não sei, senhora Elton, se a insegurança de suas visitas, essa espécie de constante espera, não saber se chegará hoje ou amanhã nem a que hora, não sei, dizia-lhe, se isto dará mais estímulos a nossa felicidade que se lhe tivéssemos sempre em casa. Acredito que sim.

Acredito que neste estado de ânimo vamos desfrutar mais de sua companhia. Confio em que encontrará você agradável a meu filho; mas não deve esperar nenhum prodígio. Está acostumado a considerar-se o como um jovem de grandes objetos, mas não espere você nenhum prodígio.

A senhora Weston sente um grande afeto por ele, o qual, como pode você supor, me adula muito. Minha esposa acredita que não há ninguém que possa comparar-se o desearía. No debe usted de ignorar, señora Elton, las relaciones que he tenido con esta -E eu lhe asseguro, senhor Weston, de que não tenho quase nenhuma dúvida de que minha opinião será-lhe francamente favorável. ouvi fazer tantos elogios do senhor Frank Churchill...!

De todas maneiras, vejo-me no dever de lhe advertir que eu sou uma dessas pessoas que sempre julgam por si mesmos e que em modo algum se deixam guiar pelo critério dos demais. Advirto-lhe que a opinião que forme de seu filho responderá a meu critério pessoal... Eu não gosto de adular a ninguém...

O senhor Weston estava meditabundo.

-Confio -disse imediatamente- em que não fui muito severo ao julgar a pobre senhora Churchill. Se estiver doente, sentiria muito ser injusto com ela; mas há certos rasgos de seu caráter que me fazem difícil falar dela com a compreensão que eu desejaria. Não deve você de ignorar, senhora Elton, as relações que tive com esta família, nem a classe de trato que me dispensaram; e, entre nós, toda a culpa só pode atribuir-se o a ela. Ela foi a instigadora. Desde não ser por ela, a mãe do Frank nunca tivesse sido menosprezada na forma em que foi. O senhor Churchíll tem muito orgulho; mas seu orgulho não é nada comparado com o de sua esposa; o dele é um orgulho pacífico, indolente, cavalheiresco, que não faz mal a ninguém, e que só contribui a lhe fazer um pouco mais desamparado e aborrecido; mas o orgulho dela é arrogância e insolência! E o que o faz ainda mais insuportável é que não tem nenhum fundamento de nobreza de família ou de sangue. Quando se casou com ele não era ninguém, simplesmente a filha de um cavalheiro; mas uma vez se converteu em uma Churchill, ultrapassou a todos os Churchill em altivez e em grandes pretensões; mas em realidade pode você estar segura de que não é mais que uma advenediza.

-Terá que ver! Isso tem que ser verdadeiramente revoltante. Eu sinto horror pelos arrivistas. Maple Grove me tem feito detestar essa classe de gente; porque naqueles contornos vive uma família que tem tantas fumaças que resultam muito fastidiosos para meu irmã e meu cunhado... A descrição que tem feito você da senhora Churchill me há feito pensar imediatamente neles. São uma gente que se chamam Tupman, que faz muito pouco que se instalaram ali e que se elevaram graças a uma série de relações do mais baixo, mas que têm umas fumaças... e que aspiram a ficar ao mesmo nível das famílias que faz já muitos anos que estão estabelecidas naquele lugar. Como máximo faz um ano e meio que vivem no West Hall; e ninguém sabe como fizeram sua fortuna. Procedem de Birmingham, que, como você já sabe, senhor Weston, não é precisamente uma cidade da que possa esperar-se muito. O que pode sair de um lugar como Birmingham? Eu sempre digo que este nomeie sonha de um modo desagradável; mas isto é o único que se sabe com certeza dos Tupman, embora, o asseguro a você que deles se suspeita mas que muitas coisas... E entretanto, a julgar por suas maneiras, evidentemente se consideram o mesmo nível incluso que minha q- ñado, o senhor Suckling, que dá a casualidade que é um de seus vizinhos mais próximos.

OH, é algo francamente horrível! O senhor Suckling, que faz já onze anos que vive em Maple Grove, propriedade que já tinha sido de seu pai... pelo menos isso acredito... estou quase segura de que o pai do senhor Suckling quando morreu já tinha comprado a propriedade.

Sua conversação foi interrompida. estava-se servindo o chá e o senhor Weston, como já havia dito tudo o que queria dizer, não demorou para aproveitar a oportunidade de deixar à senhora Elton.

Depois do chá, o senhor e a senhora Weston e o senhor Elton ficaram a jogar às cartas com o senhor Woodhouse. As cinco pessoas restantes foram abandonadas a seus próprios recursos, e Emma duvidou de que pudessem compor-lhe medianamente bem, já que o senhor Knightley parecia pouco disposto a conversar; a senhora Elton procurava alguém que lhe emprestasse atenção, e como ninguém mostrava desejos de fazê-lo, sentia-se tão desprezada que preferia encerrar-se em seu mutismo.

Em troca o senhor John Knightley parecia mais comunicativo que seu irmão. Ia a partir ao dia seguinte pela manhã; e começou dizendo:

-Bom, Emma, acredito que já não tenho nada mais que te dizer sobre os meninos; mas já lhe dei a carta de sua irmã e podemos estar seguros de que ali todo se explica com os menores detalhes. Minhas recomendações são muito mais breves que as suas, e provavelmente não coincidirão com as dela; tudo o que queria te pedir é que não os mimem muito nem lhes dêem muitos xaropes.

-Espero que poderei lhes agradar aos dois -disse Emma-; farei tudo o que possa para que passem-no bem, o qual a Isabella já bastará; e para mim o que o passem bem exclui o malcriá-los e o lhes dar muitos xaropes, como você diz.

-E se ficarem muito revoltosos, envia-os outra vez a casa. -Isso é bastante provável, não te parece?

-Acredito que já me dou conta de que são muito buliçosos para seu pai... e de que inclusive para ti podem chegar a ser um estorvo, se seus compromissos sociais aumentarem tanto como nestes últimos tempos.

-Nossos compromissos sociais?

-É claro que sim; suponho que te deste conta que nestes últimos seis meses hão trocado grandemente seu gênero de vida.

-Trocado? Não, a verdade é que não me dei conta.

-Pois não há a menor duvida de que agora alternam mais do que antes estavam acostumado a fazê-lo.

o de esta noite, por exemplo. Venho de Londres só para um dia e me encontro com que organizastes um jantar com uma série de convidados. Faz uns meses, quando ocorria uma coisa assim? Têm mais vizinhos e alternam mais com eles. Há algum tempo todas as cartas que recebe Isabella falam de festas e reuniões como esta; jantares em casa do senhor Penetre, dance na Hospedaria da Coroa... O que trocou muito é Randalls, e é Randalls tão somente a que lhes empurra a todo isso.

-Sim -disse rapidamente seu irmão-, todas essas coisas saem dali.

-Perfeitamente... e como suponho que não é provável que Randalls vá ter menos influência da que teve até agora, me ocorre pensar, Emma, que é possível que Henry e John às vezes possam lhes ser um estorvo. Nesse caso só te rogo que os envie a casa.

-Não -exclamou o senhor Knightley-, esta não tem por que ser a conseqüência. Que venham ao Donwell. Eu estarei encantado com eles.

-Por Deus! -exclamou Emma-. Todo isso é ridículo! Eu gostaria de saber a quantos de estes numerosos compromissos sociais que diz que tenho não assististe; e por que supõe que há a possibilidade de que me falte tempo para me cuidar dos meninos.

Quais foram todos esses fantásticos compromissos sociais meus? Jantar uma vez com penetre-os e falar de organizar um baile que nunca se celebrou. Compreendo perfeitamente -disse dirigindo-se ao senhor John Knightley- que a boa sorte que há tido ao encontrar reunidos aqui a tantos de seus amigos te deu tanta alegria que há concedido muita importância à coisa. Mas você -voltando-se para o senhor Knightley-, que sabe no que poucas ocasiões chego a me ausentar do Hartfield por dois horas, não posso conceber que suponha que eu leve uma vida tão dissipada. E quanto a meus sobrinitos, devo dizer que se tia Emma não tiver tempo para lhes dedicar não acredito que tio Knightley que, por cada hora que ela passa fora de casa ele passa cinco, e que quando está em casa ou fica a ler ou repassa suas contas, disponha tampouco de muito tempo para eles.

O senhor Knightley parecia estar fazendo esforços para não sorrir; e não teve que fazer mais esforços quando a senhora Elton começou a lhe falar.

 

UMA pequena e tranqüila reflexão sobre a natureza de sua inquietação para ouvir aquelas novas do Frank Churchill, bastou para tranqüilizar a Emma. Não demorou para convencer-se de que não era por si mesmo que se sentia temerosa e confusa; era por ele. A verdade era que o afeto dela se converteu em um pouco tão tênue no que já quase não valia a pena pensar; mas se o jovem, que, indubitavelmente dos dois sempre tinha sido o mais apaixonado, ia retornar com um sentimento tão intenso como o que lhe embargava quando se foi, a situação seria muito penosa; se uma separação de dois meses não havia esfriado seu coração, ante a Emma apresentavam uma série de perigos e de maus; tanto por ele como por ela seria preciso ter muitas precauções. Emma não estava disposta a que a paz de seu espírito voltasse a ver-se comprometida, e portanto era ela quem devia evitar algo que pudesse respirar ao jovem.

Seu desejo era não permitir que Frank Churchill chegasse a uma declaração de amor em toda regra. Isso significaria uma conclusão tão dolorosa para sua amizade! E entretanto não deixava de prever que ia ocorrer algo decisivo. Tinha a impressão de que não terminaria a primavera sem trazer um estalo, um acontecimento, algo que alterasse seu atual estado de ânimo, equilibrado e tranqüilo.

Não passou muito tempo, embora sim mais do que o senhor Weston tinha suposto, antes de que tivesse oportunidade de formar uma opinião a respeito dos sentimentos do Frank Churchill. A família do Enscombe não se transladou a Londres logo que se havia imaginado, mas muito pouco depois de sua instalação o jovem estava já no Highbury.

Fez o caminho a cavalo em um par de horas; não podia pedir-se o mais; mas como desde Randalls se transladou imediatamente ao Hartfield, Emma pôde exercer em seguida seus dotes de observação, e determinar rapidamente qual era a atitude que ele adotava e qual a que ela devia adotar. Na entrevista reinou a máxima cordialidade. Não cabia nenhuma dúvida de que ele se alegrava muito de voltar a vê-la. Mas do primeiro momento Emma teve a impressão de que já não se interessava por ela tanto como antes, de que a intensidade de seu afeto tinha diminuído. Esteve-lhe estudando atentamente. Era óbvio que já não estava tão apaixonado como tempo atrás. A ausência, unida provavelmente à convicção da indiferença dela, tinham produzido este efeito tão natural e tão desejável.

Frank estava muito animado; tão loquaz e alegre como de costume, e parecia encantado de falar de sua visita anterior e de evocar lembranças de então; mas não deixava de mostrar-se inquieto. Não foi sua serenidade a que moveu a Emma a acreditar que se tinha produzido uma mudança nele. Lhe via intranqüilo; evidentemente algo o desazonaba, não tinha quietude. Embora jovial como sempre, a sua parecia uma jovialidade que não deixasse-lhe satisfeito. Mas o que decidiu a opinião da Emma sobre aquele assunto foi o feito de que só permaneceu em sua casa um quarto de hora, e que a desculpa que deu para ir-se tão precipitadamente foi a de que tinha que fazer outras visitas no Highbury.

-Na rua me encontrei com vários conhecidos... não me parei a falar com eles porque não tinha tempo... mas sou o suficientemente vaidoso para acreditar que se sentiriam desiludidos se não lhes visitasse, e embora eu gostaria de muito poder prolongar minha visita tenho que ir em seguida.

Emma não duvidava de que ele estava menos apaixonado... mas nem o desgosto de seu espírito nem sua pressa por ir-se pareciam anunciar uma cura perfeita; e mas bem se sentiu inclinada a pensar que todo aquilo devia atribuir-se ao temor de que se avivassem seus antigos sentimentos e a uma prudente decisão de não querer freqüentar muito seu trato.

Em dez esta dias foi a única visita do Frank Churchill. Várias vezes acreditou possível voltar para o Highbury como tanto desejava... mas sempre surgia algum obstáculo que se o impedia. Sua tia não consentia que a deixasse. Pelo menos esta era a explicação que dava aos do Randalls. Se era completamente sincero, se realmente fazia todo o possível por visitar seu pai, devia pensar-se que o traslado a Londres da senhora Churchill não tinha significado nenhuma melhora para sua enfermidade, tanto se esta era simplesmente imaginária como se era de nervos. Que estava realmente doente era seguro; ele, no Randalls, tinha afirmado que estava convencido disso. Apesar de que uma boa parte de seus males não eram mais que manias, comparando com épocas anteriores o jovem não tinha a menor duvida de que a saúde de sua tia era muito mais delicada agora que meio ano atrás.

Não é que acreditasse que suas doenças fossem incuráveis ou que os remédios já não o servissem de nada, nem tampouco duvidava de que ainda tinha muitos anos de vida por diante;

mas todas as suspeitas de seu pai não conseguiram lhe fazer dizer que a senhora Churchill se queixava de males imaginários e que estava tão transbordante de saúde como sempre o havia estado.

Logo se demonstrou que Londres não era o lugar mais adequado para ela. Não podia suportar tanto ruído. Tinha os nervos alterados e em contínua tensão; e ao cabo de dez dias uma carta de seu sobrinho que se formou no Randalls comunicava uma mudança de plano.

foram se transladar imediatamente ao Richmond. Tinham aconselhado à senhora Churchill que ficasse nas mãos de uma eminência médica que vivia ali, e além lhe havia desejado muito passar uma temporada naquele lugar. alugou-se uma casa mobiliada em um terreno muito bem situado, e se tinham muitas esperanças de que a mudança de ares o seria benéfico.

Emma ouviu contar que Frank tinha escrito a sua família muito contente daquele novo traslado, muito satisfeito de dispor de dois meses completos durante os que viveria tão perto de seus amigos mais queridos... já que a casa tinha sido alugada para os meses de maio e junho. Pelo visto em suas cartas expressava a quase segurança de que poderia estar a miúdo com eles, quase tão freqüentemente como desejava.

Emma se dava conta da quem atribuía o senhor Weston aquelas jubilosas perspectivas. Considerava que ela era a origem de toda a felicidade que foram procurar lhe.

Emma confiava em que não era assim. Aqueles dois meses foram demonstrar o.

A alegria do senhor Weston era indiscutível. Estava radiante de contente. As coisas não podiam ocorrer mais de acordo com seus desejos. Agora ia ter ao Frank mais perto que alguma vez. O que eram nove milhas para um jovem? Uma hora de cavalo. Estaria ali continuamente. Nesse aspecto a diferença entre o Richmond e Londres era tão radical como a de lhe ver sempre e não lhe ver nunca. Dezesseis milhas... melhor dizendo, dezoito (havia mais de dezoito milhas até o Manchester Street) eram um obstáculo considerável.

Quando o fora possível sair da cidade se passaria todo o dia em ir e voltar. Não era nenhuma vantagem lhe ter em Londres; era como se estivesse no Enscombe; mas Richmond estava à distância ideal para que lhes visitasse com freqüência. Era melhor que o ter ainda mais perto!

Imediatamente este traslado converteu em realidade um iludido projeto de meses atrás: o baile na Coroa. Não é que se esqueceram disso, mas não demoraram para reconhecer que era inútil toda tentativa de fixar uma data. Mas agora se decidiu que se celebraria; reataram-se os preparativos, e muito pouco depois de que os Churchill se tivessem instalado no Richmond uma breve carta do Frank anunciou que a mudança havia sentado muito bem a sua tia e que não tinha nenhuma dúvida de que poderia acudir ao Highbury por vinte e quatro horas em qualquer momento que fora preciso, lhes rogando tão somente que fixassem a data para o antes possível.

O baile do senhor Weston ia ser uma realidade. Muito poucos dias se interpunham já entre os jovens do Highbury e a felicidade.

O senhor Woodhouse se resignou. Pensou que aquela estação do ano era a menos perigosa para essas expansões. Em todos os aspectos maio era melhor que fevereiro. Se solicitou da senhora Bate que fora a passar a velada no Hartfield, James foi devidamente prevenido e o dono da casa pôs todas suas esperanças em que enquanto sua querida Emma estivesse ausente nem seu querido Henry nem seu querido John lhe pedissem nada.

 

Não voltou a ocorrer nenhum contratempo que impedisse que se celebrasse o baile. A data se foi aproximando e por fim chegou. E depois de uma manhã de uma espera um tanto ansiosa, Frank Churchill, muito seguro de si mesmo, chegou ao Randalls antes da hora de comer.

Tudo estava, pois, a ponto.

Não havia tornado a ver-se com a Emma. O salão da Hospedaria da Coroa ia ser o cenário de sua segunda entrevista; mas ia ser algo mais íntimo que um encontro em meio de todos outros convidados. O senhor Weston tinha insistido tanto em que Emma chegasse à hospedaria antes da hora prevista, o antes que o fora possível depois dos próprios organizadores, a fim de que desse sua opinião respeito ao boa ordem e ao emprego dos salões, antes de que chegasse ninguém mais, que não pôde negar-se, e portanto era previsível que devia passar um momento de amigável e tranqüila conversa em companhia do jovem. depois de recolher ao Harriet, ambas se dirigiram à Coroa a uma hora muito temprana, muito pouco depois que a própria família do Randalls.

Frank Churchill parecia ter estado as esperando; e embora foi parco em palavras, seus olhos declaravam que se propunha passar uma velada deliciosa. Todos juntos ficaram a percorrer os salões para comprovar que tudo estava em ordem; e ao cabo de uns minutos lhes uniram quão convidados acabavam de chegar em outro carro; para ouvir o ruído Emma, sorprendidísima, esteve a ponto de exclamar: «Mas se ainda é muito cedo!»; mas em seguida viu que os recém chegados eram velhos amigos a quem como a ela se havia rogado que acudissem o antes possível para ajudar com seus conselhos ao senhor Weston; e a esse carro não demorou para seguir outro de uns primos, a quem também se suplicou encarecidamente que chegassem cedo pelo mesmo motivo, de modo que dava um pouco a impressão de que a metade dos convidados tinham que reunir-se previamente com objeto de proceder à última inspeção preliminar.

Emma se deu conta de que seu critério não era o único critério no que confiava o senhor Weston, e pensou que ser amiga predileta e íntima de um homem que tinha tantos amigos íntimos de toda confiança não era o que mais podia adular a vaidade. Gostava seu caráter aberto, mas um pouco menos de cordialidade com todo mundo houvesse contribuído a dar mais relevo a sua personalidade. Um homem devia ser amável com todos, mas não amigo de todos... E Emma pensava em alguém que era exatamente assim...

Reunido-los o percorreram tudo, inspecionando-o e fazendo grandes elogios; e logo, como não tinham nada mais que fazer, formaram uma espécie de semicírculo frente a a chaminé, comentando cada qual a seu modo, e até que surgiram outros temas de conversação, que apesar de estar em maio ao entardecer um bom fogo ainda resultava muito agradável.

Emma advertiu que se o número de conselheiros privados não era ainda maior, não havia sido por culpa do senhor Weston. Já que ao vir se detiveram em casa da senhora Tacos de beisebol para lhes oferecer seu carro, mas tia e sobrinha tinham acordado com os Elton que passariam às recolher.

Frank estava a seu lado, mas não continuamente; seu desassossego revelava uma inquietação interior. Ia de um lado a outro, dirigia-se à porta, emprestava ouvidos o ruído de outros carros... impaciente por começar ou temeroso de estar de contínuo ao lado dela. Se falava da senhora Elton.

-Suponho que não demorará para chegar -disse ele-. Tenho muita curiosidade por conhecer a senhora Elton, ouvi falar tanto dela... Suponho que já não pode demorar...

ouviu-se o ruído de um carro; o jovem se dispôs imediatamente a sair a lhes receber, mas não demorou para retornar dizendo:

-Esquecia que não nos apresentaram. Eu em minha vida vi nem ao senhor nem à senhora Elton. Ou seja que não posso lhes receber.

Apareceram o senhor e a senhora Elton; e houve tudo os sorrisos e cortesias de rigor.

-Mas e a senhorita Bate e a senhorita Fairfax? -disse o senhor Weston olhando em torno dele-. Nós acreditávamos que foram vir com vocês.

O esquecimento era reparável e em seguida se mandou o carro às recolher. Emma tinha uma grande curiosidade por saber qual seria a primeira opinião do Frank sobre a senhora Elton;

como ia reagir ante a afetada elegância de seu vestido e suas enjoativas sorrisos. O jovem, uma vez feitas as apresentações, dispôs-se imediatamente a formar uma opinião dela observando-a com toda atenção.

Ao cabo de poucos minutos o carro já estava de volta; alguém comentou que chovia.

-vou ver se encontro um guarda-chuva -disse Frank a seu pai-; terá que pensar na senhorita Bate.

Logo que teve saído quando o senhor Weston se dispunha a lhe seguir; mas a senhora Elton deteve-lhe para lhe felicitar pela boa impressão que lhe tinha causado seu filho;

lhe abordando com tanta rapidez que inclusive o próprio jovem, apesar de não ser precisamente lento em seus movimentos, teve que ouvi-lo a força.

-Um jovem encantado, senhor Weston, o asseguro. Já lhe disse com toda sinceridade que eu gostava de opinar por mim mesma, e agora me agrado em lhe dizer que me produziu uma magnífica impressão... Pode você me acreditar. Eu não faço cumpridos. Parece-me um jovem muito arrumado, e com uma elegância e uma distinção que é a que mais me agrada...

um verdadeiro cavalheiro, sem um pingo de afetação nem de vaidade. Deve você saber que detesto aos jovens fátuos... não posso suportá-los. No Maple Grove nunca os tolerávamos. Nem o senhor Suckling nem eu tínhamos paciência para sofrê-los; e às vezes os dizíamos coisas muito mordazes... Selina, que é muito branda (um verdadeiro defeito nela), tolerava-os muito melhor.

Enquanto lhe falava de seu filho, a atenção do senhor Weston esteve fixa em suas palavras;

mas quando começou a falar do Maple Grove recordou que acabavam de chegar umas damas às que terei que atender, e com a mais amável de seus sorrisos se apressou a sair também do salão.

Então a senhora Elton se dirigiu à senhora Weston.

-Seguro que é nosso carro com a senhorita Bate e Jane. Nosso chofer e nossos cavalos são tão rápidos... Atreveria-me a dizer que nosso carro vai mais às pressas que nenhum outro... Que alegria dá enviar o carro de um a que recolha a uns amigos! Acredito que foram vocês tão amáveis que lhes ofereceram seu carro, mas já sabem para outra ocasião que não é necessário que se incomodem. Podem ter a segurança de que eu sempre me ocuparei delas...

A senhorita Bate e a senhorita Fairfax escoltadas pelos dois cavalheiros penetraram no salão; e a senhora Elton pareceu considerar que era seu dever, tanto como o da senhora Weston, sair às receber. Seus gestos e gestos podiam ser entendidos por qualquer que a estivesse olhando como Emma, mas suas palavras, melhor dizendo, as palavras de todos, não demoraram para ficar afogadas pela incessante conversa da senhorita Bate, que já entrou falando e que não terminou de falar até muitos minutos depois de haver-se incorporado ao grupo que se formava ao redor da chaminé. Ao abri-la porta, já se ouvia-lhe dizer:

-São vocês tão amáveis! Mas se não chover nada... Quase nenhuma gota. Por mim não me preocupo. Levo uns sapatos bem grossos. E Jane diz que... Vá...! -logo que houve franqueado a porta-. Vá! Isso sim que está bem! Deixam-me admirada! Que grande ideia tiveram...! Não falta nada! Nunca tivesse podido imaginar algo assim... E o que iluminação! Jane, Jane, olhe... Viu alguma vez um pouco parecido? OH, senhor Weston, forzosamente deve você de ter o abajur do Aladino! A boa da senhora Stokes não reconheceria seu salão. Agora ao entrar a saudei, porque a encontrei na porta.

«Tudo bem, senhora Stokes!», hei-lhe dito, mas não tinha tempo de lhe dizer nada mais. -Em aquele momento se achava frente à senhora Weston-. Muito bem, obrigado, e você?

Espero que você siga bem. Não sabe quanto me alegro. Tinha tanto medo de que tivesse enxaqueca! Vi-a acontecer tão apressada estes dias pela rua, e sabendo os quebraderos de cabeça que terá tido com tudo isto... Não sabe o que me alegro... Ah, querida senhora Elton! Estamo-lhe tão agradecidas pelo carro...! Sim, sim, chegou muito a ponto. Jane e eu já estávamos listas para sair. Não temos feito esperar aos cavalos nem um momento. E que carro mais cômodo...! Ah! Por certo que já sei que também tenho que lhe dar as graças a você, senhora Weston... A senhora Elton tinha sido tão amável que enviou uma nota ao Jane para nos acautelar, do contrário tivéssemos aceito seu oferecimento com muito prazer... Senhor, dois oferecimentos como estes em um mesmo dia...! Não há vizinhos melhores que os nossos. Eu dizia a minha mãe: «Mamãe, pode estar segura...» Muito obrigado, minha mãe está perfeitamente bem. foi a casa do senhor Woodhouse. Fiz que se levasse o xale porque agora as noites são frescas...

O xale grande, o novo... Um presente que lhe fez a senhora Dixon quando se casou... OH, foi tão amável ao lembrar-se de minha mãe! Compraram-no no Weymouth, sabe você? e o escolheu o senhor Dixon. Jane diz que haviam três mais e que estiveram duvidando durante muito momento. O coronel Campbell preferia uma cor azeitona. Jane, querida, está segura de que não tem os pés molhados? Só foram quatro gotas, mas tenho tanto medo com ela... Claro que o senhor Frank Churchill foi tão... Inclusive nos pôs uma esteira ao descer do carro... Não pode imaginar-se quão atento foi conosco... Ah, por certo, senhor Frank Churchill! Tenho que lhe dizer que os óculos de minha mãe não hão voltado a romper-se; a arreios não se tornou a sair. Minha mãe se lembra muitas vezes do bom que é você. Verdade que sim, Jane? Verdade que falamos freqüentemente do senhor Frank Churchill? Ah, aqui está a senhorita Woodhouse! Querida senhorita Woodhouse! Como está você? Muito bem, obrigado, perfeitamente. Ai, tenho a impressão de estar no país das fadas! Que transformação! Não quero adulá-la, já sei... -contemplando a Emma com complacência- já sei que a você não gosta que a adulem, mas... prometo-lhe, senhorita Woodhouse, que parece você... Por certo, gosta o penteado do Jane? Você entende tanto dessas coisas... penteou-se ela sozinha... OH, é assombroso ver como se penteia! Estou convencida de que nenhum cabeleireiro de Londres seria capaz de... Ah, ali vejo o doutor Hughes... e à senhora Hughes...! Desculpe-me, mas tenho que falar um momento com o doutor e a senhora Hughes... Como está você?

Como está você? Muito bem, obrigado. Encantadora reunião, verdade? Onde está nosso prezado senhor Richard? Ah, já lhe vejo! Não, não, não lhe incomodem; está muito ocupado conversando com umas jovens. Como está você, senhor Richard? O outro dia lhe vi quando ia a cavalo pelo povo... Caramba, mas...! Se for a senhora Otway! E o bom do senhor Otway e a senhorita Otway e a senhorita Caroline! Quantos bons amigos reunidos! E o senhor George e o senhor Arthur! Como está você? Como está você?

Perfeitamente. Muito agradecida. Nunca me encontrei melhor. Parece-me que ouço chegar outro carro. De quem poderá ser? Já, provavelmente os Penetre. Que boas pessoas são! E que agradável é sentir-se rodeada de tão bons amigos! E com um fogo que esquenta tanto! Tenho a impressão de estar assada. Não, café não, obrigado... nunca tomo café. um pouco de chá, por favor... mas não corre nenhuma pressa, não se apresse... OH, já está aqui! Que bem organizado está tudo!

Frank Churchill voltou junto à Emma. E quando a senhorita Bate se apaziguou um pouco, a jovem não teve outro remédio que ouvir a conversação entre a senhora Elton e a senhorita Fairfax, que estavam detrás e não muito longe dela. Enquanto Frank estava pensativo; seu companheira não tivesse podido dizer se estava também emprestando ouvidos aquela conversação. depois de dedicar muitos cumpridos ao penteado e ao vestido do Jane, elogios que foram acolhidos com uma digna serenidade, evidentemente a senhora Elton queria ser elogiada a sua vez... e insistia: «O que te parece meu vestido? E estes adornos que me pus? Penteou-me bem Wright?», junto com outras muitas perguntas por o estilo, que eram respondidas com paciente cortesia. Logo a senhora Elton disse:

-Não há mulher que se preocupe menos por seu vestido que eu... isso em geral, mas em uma ocasião como esta, quando todo mundo está tão pendente de mim e não me perde de vista, e além como uma atenção para os Weston... que estou segura que deram este dance sobre tudo em minha honra... não queria parecer inferior às demais. E excetuando as minhas, vejo muito poucas pérolas no salão... Hão-me dito que Frank Churchill dança maravilhosamente... Veremos se nossos estilos harmonizam bem... Desde logo Frank Churchill é um jovem distinguidísimo... realmente encantador.

Neste momento Frank começou a falar em voz tão alta que Emma não pôde por menos de pensar que tinha ouvido os elogios que se faziam dele e não queria ouvir mais; e durante um momento as vozes das duas ficaram afogadas pelo bulício, até que houve outra pausa que permitiu ouvir claramente à senhora Elton... O senhor Elton acabava de incorporar-se ao grupo, e sua esposa estava exclamando:

-Ah! Por fim nos encontraste, né? Vem a nos tirar de nosso isolamento?

Agora mesmo lhe estava dizendo ao Jane que supunha que começaria a estar impaciente por saber algo de nós.

-Jane! -repetiu Frank Churchill, surpreso e contrariado. Já é ter confiança... Mas vejo que à senhorita Fairfax não parece mau.

-O que lhe parece a senhora Elton? -perguntou Emma em um sussurro.

-Que eu não gosto absolutamente.

-É você um ingrato.

-Ingrato? O que quer você dizer?

Logo, desenrugando o sobrecenho e sonriendo, acrescentou:

-Não, não me diga isso... Prefiro não saber o que quer dizer... Onde está meu pai?

Quando vamos começar a dançar?

Emma não acabava de lhe entender; parecia que se pôs de mau humor. Saiu para ir em busca de seu pai, mas não demorou para retornar em companhia do senhor e a senhora Weston. Encontrou-os preocupados com resolver uma dificuldade que queriam expor a Emma. À senhora Weston acabava de ocorrer-se o que devia pedir-se à senhora Elton que abrisse o baile; porque ela assim esperava que o fariam; o qual contrariava todos seus desejos de que fosse Emma quem tivesse esta distinção... Emma recebeu aquela notícia tão pouco grata com integridade.

-E que casal seria a mais adequada para ela? -perguntou o senhor Weston-. Suponho que pensará que é Frank quem deveria tirá-la a dançar.

Frank se voltou rapidamente para a Emma para lhe recordar o compromisso que havia contraído com ele; disse que já estava comprometido, o qual teve a mais completa aprovação de seu pai... E então à senhora Weston lhe ocorreu a idéia de que poderia ser seu marido quem dançasse com a senhora Elton, e rogou aos jovens que o ajudassem a lhe convencer, para o qual não necessitaram muito tempo... O senhor Weston e a senhora Elton abririam o baile, e o senhor Frank Churchill e a senhorita Woodhouse os seguiriam. Emma teve que submeter-se a aceitar um segundo lugar, em relação à senhora Elton, apesar de que sempre tinha considerado aquele baile como organizado propriamente em honra dele. Aquilo era quase motivo suficiente para lhe fazer pensar em casar-se.

Indubitavelmente, naquela ocasião a senhora Elton a avantajava em vaidade totalmente satisfeita; pois embora tinha aspirado a abrir o baile junto com o Frank Churchill, não perdia nada com a mudança. O senhor Weston devia julgar-se superior a seu filho. A pesar deste pequeno reverso, Emma sorria feliz contemplando com satisfação o considerável número de casais que se foram formando, e dando-se conta de que lhe esperavam uma série de horas de uma diversão muito pouco freqüente... que o senhor Knightley não dançasse era talvez o que mais a preocupava de tudo. Estava entre os espectadores, quer dizer, onde não devesse haver ficado; tivesse devido estar dançando... não ficando ao lado dos maridos, dos pais, dos jogadores de whist, que não mostraram nenhum interesse pelo baile até que tiveram terminado suas partidas... ele, que parecia tão jovem! Talvez não tivesse ressaltado tanto em meio de qualquer outro grupo. Sua figura alta, enérgica, erguida, em meio daqueles homens muito maiores que ele, obesos e de costas encurvadas, devia forzosamente atrair os olhares de todos, e Emma se dava conta de isso; e excetuando a seu próprio casal, nenhum só dos que compunham aquela fileira de jovens podia comparar-se com ele. Deu uns passos para diante que bastaram para demonstrar com que elegância, com que graça natural tivesse podido dançar só com que tomasse-se a moléstia de propor-lhe Cada vez que seus olhares se cruzavam, o obrigava a sorrir; mas em geral estava muito sério. Emma tivesse desejado que fora mais amigo das salas de baile, e também mais amigo do Frank Churchill... Ele freqüentemente parecia está-la observando. Não acreditou possível que o senhor Knightley emprestasse atenção a sua maneira de dançar, mas se o que procurava eram motivos para censurar seu proceder, não tinha o menor medo. Entre ela e seu casal não havia nem a menor sombra de paquera.

Davam mais a impressão de uns amigos alegres e despreocupados que de apaixonados.

Era indubitável que Frank Churchill pensava menos nela que uns meses atrás.

O baile se desenvolveu agradavelmente. As preocupações, as incessantes insônias de a senhora Weston não foram em vão. Todo mundo parecia contente; e o elogio de que tinha sido um baile delicioso, elogio que poucas vezes se outorga até que o baile terminou, foi repetido uma e outra vez dos mesmos inícios da velada.

Acontecimentos muito importantes, muito dignos de ser recordados, não ocorreram mais de os que revistam ocorrer nesse tipo de festas. Houve um, entretanto, ao que Emma concedeu certo interesse... iniciou-se o penúltimo baile antes do jantar e Harriet não tinha casal... era a única jovem que se achava sentada; e como até então o número de bailarinos tinha sido tão igualado, resultava surpreendente que agora ficasse alguém sem casal; mas a surpresa da Emma não demorou para diminuir ao ver o senhor Elton vagando por ali. Não ia pedir ao Harriet que dançasse com ele, se é que lhe era possível evitá-lo; Emma estava segura de que não a tiraria dançar... e esperava de um momento a outro ver como fugia para a sala de jogo.

Entretanto, não era fugir o que se propunha fazer. dirigiu-se para um ângulo do salão aonde se encontravam reunidos os olheiros, falou com alguns deles e se passeou por ali para mostrar sua liberdade e sua decisão de mantê-la. Não omitiu parar-se às vezes em frente da senhorita Smith nem pensar com pessoas que estavam ao lado dela... Emma não lhe perdia de vista... Ainda não estava dançando, mas sim percorria o trecho que tinha que um extremo a outro da fileira, e portanto podia olhar a seu redor, e com apenas voltar ligeiramente a cabeça o viu tudo. Mas quando esteve para a metade da fileira, todo o grupo ficou exatamente a suas costas e já não pôde seguir lhes observando; mas o senhor Elton estava tão perto que pôde ouvir até a última sílaba de um diálogo que precisamente naqueles momentos se desenvolvia entre ele e a senhora Weston; e advertiu que a esposa do vigário, que precedia a Emma na fila, não só escutava também, mas também inclusive respirava a seu marido com significativos olhares... A bondosa e afável senhora Weston se levantou para aproximar-se o e lhe dizer:

-Não dança você, senhor Elton?

Ao qual ele replicou rapidamente:

-Certamente, senhora Weston, se acessar você a dançar comigo. -Eu? OH, não...! O procurarei um casal melhor que eu, que não danço.

-Se a senhora Gilbert deseja dançar -disse ele-, será um grande prazer para mim... pois, embora já começo a me sentir mas bem como um senhor casado um pouco velho, e que já me há passado a idade de dançar, para mim seria um grande prazer formar casal com uma antiga amizade como a senhora Gilbert.

-Não acredito que a senhora Gilbert pense em dançar, mas ali há uma senhorita sentada que eu gostaria de muito ver dançando... a senhorita Smith...

-A senhorita Smith... OH...! Não me tinha fixado... É você muito amável, e se não fora já um homem casado um pouco velho... Mas já me aconteceu a idade de dançar, senhora Weston. Você saberá me desculpar. Em qualquer outra coisa que me peça será uma honra para mim agradá-la... estou a suas ordens... mas já me aconteceu a idade de dançar.

A senhora Weston não insistiu; e Emma podia imaginar-se qual seria sua surpresa e seu mortificação enquanto retornava a seu sítio. Este era o senhor Elton! O afetuoso, o amável, o atento senhor Elton! Por um momento olhou a seu redor; o vigário tinha ido em busca do senhor Knightley, a pouca distância dela, e estava tentado travar conversação com ele enquanto trocava sorrisos de triunfo com sua esposa.

Não quis seguir olhando; estava indignada e temia que a cor de sua cara delatasse seus sentimentos.

Pouco depois o que viu lhe fez saltar o coração de alegria; o senhor Knightley tirava dançar ao Harriet! Nunca tinha tido uma surpresa tão grande e poucas vezes tão jubilosa como naquele momento. Estava cheia de contente e de gratidão, tanto pelo Harriet como por ela mesma, e desejava ardentemente dar as graças a ele; e embora estavam muito longe para poder-se falar, quando seus olhares voltaram a cruzar-se, os olhos de Emma eram já suficientemente eloqüentes.

Tal como ela tinha imaginado, o senhor Knightley dançava magnificamente bem; e Harriet tivesse podido parecer quase muito feliz de não ter sido pela penosa cena que se tinha desenvolvido pouco antes, e pela expressão de prazer absoluto e de perfeita compreensão da distinção que lhe tinha feito, que se lia em' seu alegre rosto.

Aquilo não tinha sido em vão, Harriet estava mais contente que nunca e se deslizava por entre os casais em meio de uma contínua sucessão de sorrisos.

O senhor Elton se retirou à sala de jogo, com a sensação (conforme confiava Emma) de ter feito o ridículo; Emma não lhe considerava tão insensível como seu esposa, apesar de que se estava voltando como ela; ela expressou sua opinião, comentando em voz alta com seu casal:

-Knightley se compadeceu que a pobre senhorita Smith! Tem tão bom coração!

anunciou-se o jantar e todos se dispuseram a dirigir-se para o comilão; e desde aquele momento, e até que se sentou à mesa e agarrou sua colher, sem nenhuma interrupção só se ouviu falar com a senhorita Bate.

-Jane, Jane, querida Jane! Onde está? Aqui tem uma palatina.17 A senhora Weston diz que por favor ponha sua palatina. Diz que tem medo que haja corrente de ar no corredor, embora se tenha feito todo o possível para procurar... cravaram uma porta... E hão posto muitos vedadores... Querida Jane, tem que lhe pôr isso Senhor Churchill... OH, que amável é você! Muito obrigado por lhe ajudar... Muito agradecida!

Que baile mais delicioso!, verdade? Sim, querida, como já te havia dito, saí um momento para ir a casa e ajudar a abuelita a deitar-se... e tornei em seguida, e ninguém me sentiu falta de... Fui-me sem dizer uma palavra a ninguém, como já te disse que o faria. A abuelita se encontra muito bem, passou uma velada encantadora com o senhor Woodhouse; estiveram conversando muito e jogaram chaquete... antes de que se fora serviram o chá ali mesmo, com bolachas, maçãs assadas e veio; em algumas partidas teve uma sorte louca; e me tem feito muitas perguntas sobre ti, se lhe divertia e com quem dançava. «OH!», hei-lhe dito eu, «não posso adivinhar o que vai a fazer Jane; quando eu me fui estava dançando com o senhor George Otway; amanhã ela mesma lhe contará isso tudo; seu primeiro casal foi o senhor Elton, mas não sei quem será a próxima, talvez o senhor William Cox». Por Deus, OH, que amável é você! De veras não prefere dar o braço a nenhuma outra senhora? Não sou uma inválida... OH, é você tão amável! Vá, Jane em um braço e eu no outro! Alto, alto, não vamos tão às pressas que vem a senhora Elton! Querida senhora Elton, que elegante está você! O que encaixe mais bonitos! Agora entraremos todos detrás de você, que é a rainha da festa... Bom, já estamos no corredor. Dois degraus, Jane, cuidado com os dois degraus. OH, não, só há um! Bom, pois eu estava convencida de que havia dois. Que estranho! Eu estava segura de que havia dois e só há um... OH! Nunca se tinha visto nada igual em comodidade e em distinção... Velas por toda parte! Estava-te falando da abuelita, Jane... Só teve uma pequena decepção... As maçãs assadas e as bolachas eram excelentes, sabe?; mas para começar serviram um delicioso fricasé de moelas de vitela com aspargos, e o bom do senhor Woodhouse opinou que os aspargos não estavam bem fervidos e fez que os voltassem a levar. Mas, claro, a abuelita não há nada que goste tanto como as moelas de vitela com aspargos... ou seja que ficou um pouco decepcionada... mas o que acordamos foi que não o diríamos a ninguém para que não chegue para ouvidos da querida senhorita Woodhouse, que se levaria um desgosto se o soubesse... Vá! Isso sim que é...! Estou deslumbrada! Nunca tivesse podido imaginar...! Que elegância e que luxo...! Não tinha visto nada parecido desde... Bom, e onde nos sentamos? Onde nos sentamos? Em qualquer sítio, com tal de que Jane não tenha corrente de ar. me dá igual me sentar em um sítio ou em outro. Ah! Me aconselha você este sítio? Bom, então senhor Churchill... só que me parece muito bom... mas, enfim, como você queira... O que você mande nesta casa não pode estar mal feito. Jane, querida, como vamos lembrar nos depois nem da metade dos pratos para contar-lhe a abuelita? Inclusive ensopa! Santo Céu! Não teriam que me haver servido tão logo... mas cheira tão maravilhosamente que não posso resistir a tentação de prová-la.

Emma não teve oportunidade de falar com o senhor Knightley até que terminou o jantar;

17 «Palatina» stippet»: «Espécie de gravata larga, de plumas ou peles, que usavam as mulheres como casaco» (J. Casares).

mas quando voltaram a reunir-se de novo na sala de baile, seus olhos lhe convidaram de um modo irresistível a aproximar-se o e a receber sua gratidão. Ele censurou duramente a conduta do senhor Elton; tinha sido uma grosseria imperdoável; e os olhares da senhora seu Elton parte correspondente de reprovação.

-propunham-se algo mais que humilhar ao Harriet -disse ele-. Emma, por que se hão convertido em inimigos de você?

Ele a olhava sonriendo, como querendo penetrar em seus pensamentos; e ao não receber resposta acrescentou:

-Suspeito que ela não tem motivos para estar zangada com você, embora ele sim os tenha... Já sei que não vai esclarecer me nada desta minha hipótese... Mas, Emma, confesse que você queria casá-lo com o Harriet.

-Sim, confesso-o -replicou Emma- e não me podem perdoar isso tiene cualidades espléndidas de las que la señora Elton carece en absoluto. Es una muchacha O senhor Knightley sacudiu a cabeça; mas sorria indulgentemente e se limitou a dizer:

-Não vou brigar a. A sotaque com suas reflexões.

-você pode ter uma idéia tão aduladora de mim? Acredita que minha vaidade pode permitir que me dê conta de que me equivoco? -Sua vaidade não, mas sim sua sinceridade. Se uma coisa a empurra a equivocar-se, a outra a obriga a reconhecer seu engano.

-Reconheço me haver equivocado completamente com o senhor Elton. Há uma mesquinharia nele que eu não soube descobrir e que você sim advertiu; e eu estava plenamente convencida de que estava apaixonado pelo Harriet... Toda uma série de grandes enganos!

-Correspondendo a sua sinceridade, tenho que lhe dizer para ser justo com você, que o tinha eleito uma esposa muito melhor do que ele soube escolhê-la... Harriet Smith tem qualidades esplêndidas das que a senhora Elton carece absolutamente. É uma moça despretensioso, singela, sem nenhum artifício... como para que qualquer homem de bom critério e de bom gosto a prefira cem vezes mais a uma mulher como a senhora Elton. A conversação do Harriet me pareceu mais agradável do que eu esperava.

Emma se sentia muito agradecida... Interrompeu-lhes o revôo que causava o senhor Weston ao chamar a todos para reemprender o baile.

-Senhorita Woodhouse, senhorita Otway, senhorita Faírfax, venham! O que estão fazendo?

Vamos, Emma, você dê o exemplo a suas companheiras. OH, que preguiçosos! Todo o mundo está dormido!

-Eu estou a ponto -disse Emma- quando quiserem podem me tirar dançar.

-Com quem vai dançar? -perguntou o senhor Knightley.

Ela vacilou um momento e logo replicou:

-Com você, se me pedir isso.

-Concede-me esta honra? -perguntou-lhe, lhe oferecendo seu braço.

-Certamente. Você demonstrou que sabe dançar; e já sabe que não somos irmãos, ou seja que não formamos um casal nada imprópria.

-Irmãos? Não, certamente que não.

 

ESTA pequena explicação com o senhor Knightley deixou muito satisfeita a Emma. Era uma das lembranças mais agradáveis do baile, que ao dia seguinte pela manhã, passeando pela grama, a jovem evocava complacidamente... alegrava-se muito de que estivessem tão de acordo em relação aos Elton, e de que suas opiniões sobre marido e mulher fossem tão parecidas; por outra parte, seu elogio do Harriet, as concessões que havia feito em seu favor eram particularmente de agradecer. A rabugice dos Elton, que por uns momentos tinha ameaçado lhe danificando o resto da velada, havia dado ocasião a que tivesse a maior alegria da festa; e Emma previa outra boa conseqüência... a cura do amor do Harriet... Pela maneira em que esta o falou do ocorrido antes de que saíssem da sala de baile, deduzia que haviam grandes esperanças... Dava a impressão de que tivesse aberto súbitamente os olhos, de que fosse já capaz de ver que o senhor Elton não era o ser superior que ela tinha acreditado. A febre tinha passado, e Emma não podia abrigar muitos temores de que o pulso voltasse para acelerar-se ante uma atitude tão insultantemente descortês. Confiava em que as más intenções dos Elton proporcionariam todas as situações de menosprezo voluntário que mais tarde fossem necessárias... Harriet mais razoável, Frank Churchill não tão apaixonado, e o senhor Knightley sem querer disputar com ela... que verão tão feliz o esperava...!

Aquela manhã não veria o Frank Churchill. Lhe havia dito que não poderia deter-se no Hartfield porque tinha que estar de retorno por volta do meio-dia. Emma não o lamentava.depois de ter refletido atentamente sobre tudo isso e de ter posto em ordem suas idéias, dispunha-se a voltar para a casa com o ânimo avivado pelas exigências de os dois pequenos (e do abuelito destes), quando viu que se abria a grande grade de ferro e que entravam no jardim duas pessoas, as pessoas que menos tivesse podido esperar ver juntas... Frank Churchill levando do braço ao Harriet... ao Harriet em pessoa! Em seguida se deu conta de que tinha ocorrido algo anormal. Harriet estava muito pálida e assustada, e seu acompanhante tentava lhe dar ânimos... A grade de ferro e a porta de entrada da casa não estavam separadas por mais de vinte jardas; os três não demoraram para achar-se reunidos na sala, e Harriet imediatamente se desvaneceu em uma poltrona.

Quando uma jovem se desvanece terá que fazer que volte em si; logo têm que responder uma série de perguntas e explicar uma série de coisas que se ignoram. Estas situações são muito emocionantes, mas sua incerteza não pode prolongar-se por muito tempo. Poucos minutos bastaram a Emma para inteirar-se de todo o acontecido.

A senhorita Smith e a senhorita Bickerton, outra das pensionistas da senhora Goddard,

que também tinha assistido ao baile, tinham saído a dar uma volta e tinham jogado a andar por um caminho... o caminho do Richmond, que embora na aparência era o suficientemente freqüentado para que se considerasse seguro, tinha-lhes dado um grande susto... A uma meia milha do Highbury, o caminho formava uma brusca curva sombreada por grandes olmos que cresciam a ambos os lados, e durante um considerável trecho se convertia em um lugar muito solitário; e quando as jovens já tinham avançado o bastante, de logo advertiram a pouca distância delas, em um largo claro talher de erva que havia a um dos lados do caminho, uma caravana de ciganos. Um menino que estava apostado ali para vigiar, dirigiu-se para elas para lhes pedir esmola; e a senhorita Bickerton, mortalmente assustada, deu um grande chiado, e gritando ao Harriet que a seguisse subiu rapidamente por um aterro íngreme, franqueou um pequeno sebe que havia na parte superior e tomando um atalho voltou para o Highbury todo o às pressas que pôde. Mas a pobre Harriet não pôde segui-la. Depois do baile se havia ressentido de fortes cãibras, e quando tentou subir pelo aterro voltou a senti-los com tanta intensidade que se viu incapaz de dar um passo mais... e nesta situação, presa de um extraordinário pânico, se viu obrigada a ficar onde estava.

Como se tivessem comportado os vagabundos se as jovens tivessem sido mais valorosas nunca poderá saber-se; mas um convite como aquela a que as atacassem não podia ser desatendida; e Harriet não demorou para ver-se assaltada por meia dúzia de meninos capitaneados por uma fornida mulher e por um moço já maior, em meio de uma grande gritaria e de olhares ameaçadores, embora sem que suas palavras fossem... Cada vez mais assustada imediatamente lhes ofereceu dinheiro, e tirando sua bolsa lhes deu um xelim, e lhes suplicou que não lhe pedissem mais e que não a maltratassem... Para então se viu já com força para andar, embora muito lentamente, e começou a retroceder... mas seu terror e seu bolsa eram muito tentadores, e todo o grupo foi seguindo-a, ou melhor dizendo, rodeando-a, lhe pedindo mais.

Nesta situação a encontrou Frank Churchill, ela tremendo de medo e lhes suplicando, eles gritando cada vez com mais insolência. Por uma feliz casualidade, Frank havia atrasado sua partida do Highbury o suficiente para poder ir em sua ajuda em aquele momento crítico. Aquela manhã a bonança do tempo lhe tinha movido a sair de sua casa andando e a fazer que seus cavalos fossem lhe buscar por outro caminho a uma milha ou dois do Highbury... e como a noite anterior tinha pedido emprestadas umas tesouras à senhorita Bate e tinha esquecido devolver-lhe viu-se forçado a passar por sua casa e entrar por uns minutos; de modo que empreendeu a marcha mais tarde que o que havia imaginado; e como ia a pé não foi visto pelos ciganos até que esteve já muito perto deles. O terror que a mulher e o moço tinham estado inspirando ao Harriet, então lhes sobressaltou mesmos; a presença do jovem lhes fez fugir espavoridos;

e Harriet apoiando-se em seguida em seu braço e apenas sem poder falar, teve forças suficientes para chegar ao Hartfield antes de cair desvanecida. Foi idéia dele o levá-la a Hartfield; não lhe tinha ocorrido nenhum outro lugar.

Esta era toda a história... o que ele, e logo Harriet, logo que teve recuperado o sentido, contaram-lhe... O jovem, uma vez teve visto que já se encontrava melhor, declarou que não podia ficar por mais tempo; todos aqueles atrasos não lhe permitiam perder nem um minuto mais; e depois de que Emma lhe teve prometido que a deixaria sã e salva em casa da senhora Goddard, e que avisaria ao senhor Knightley da presença dos ciganos por aqueles contornos, ele se foi entre as maiores mostra de agradecimento de Emma, tanto por seu amiga como por ela mesma.

Uma aventura como aquela... um arrumado jovem e uma linda moça encontrando-se em um lance como aquele, não podia por menos de sugerir certas idéias ao coração mais insensível e à mente menos fantasiosa. Pelo menos isso era o que pensava Emma.

Como era possível que um lingüista, um gramático, inclusive um matemático, tivessem visto o que ela, tivessem presenciado a chegada dos dois juntos e ouvido o relato de seu história, sem pensar que as circunstâncias tinham feito que os protagonistas do fato tinham que sentir-se particularmente interessados o um pelo outro? Quanto mais ela com toda sua imaginação! Como não ia estar como sobre brasas, fazendo projetos e prevendo acontecimentos? Sobre tudo tendo em conta que encontrava o terreno abonado pelas hipóteses que tinha feito de antemão.

Realmente tinha sido um sucesso do mais extraordinário... A nenhuma jovem do lugar o tinha ocorrido nunca nada parecido, ao menos que ela recordasse; nenhum encontro como este, nenhum susto deste gênero; e agora ocorria a uma pessoa determinada e a uma hora determinada, precisamente quando outra pessoa dava a casualidade de que acontecia por ali e que tinha ocasião de salvá-la... Certamente algo extraordinário! E conhecendo como ela conhecia o favorável estado de ânimo de ambos naqueles dias, ainda a deixava mais assombrada. Ele estava desejando afogar seu afeto pela Emma, ela apenas começava a recuperar-se de seu amor pelo senhor Elton. Parecia como se tudo contribui-se a prometer as conseqüências mais interessantes. Não era possível que aquele encontro não fizesse que ambos se sentissem mutuamente atraídos...

Na breve conversação que tinha sustentado com ele, enquanto Harriet ainda estava médio inconsciente, Frank Churchill lhe tinha falado do terror da moça, de sua ingenuidade, da emoção com que se agarrou a seu braço e apoiado nele de um modo que o mostrava de uma vez adulado e agradado; e ao final depois de que Harriet fizesse seu relato, ele expressou nos términos mais exaltados sua indignação ante a incrível imprudência da senhorita Bickerton. Entretanto, tudo ia discorrer por seus leitos naturais, sem que ninguém interviesse nem ajudasse. Ela não daria nem um passo, não faria nenhuma insinuação. Não fazia machuco a ninguém tendo projetos, simples projetos passivos.

Aquilo não era mais que um desejo. Por nada do mundo acessaria a fazer nada mais.

A primeira intenção da Emma foi procurar que seu pai não se inteirasse do que havia ocorrido... para lhe evitar a inquietação e o susto; mas não demorou para dar-se conta de que ocultá-lo era algo impossível. Ao cabo de meia hora todo Highbury sabia. Era um acontecimento dos que apaixonam aos mais aficionados a falar, aos jovens e aos criados; e toda a juventude e toda a servidão do lugar não demoraram para poder desfrutar de notícias emocionantes. O baile da noite anterior parecia ter ficado eclipsado ante o dos ciganos. O pobre senhor Woodhouse ficou tremendo, e tal como Emma tinha suposto não se tranqüilizou até lhes haver feito prometer que nunca mais se arriscariam a passar do plantio. Mas lhe consolou bastante o que fossem muitos os que viessem a interessar-se pelo e pela senhorita Woodhouse (porque seus vizinhos sabiam que adorava que se interessassem por ele), e também pela senhorita Smith, durante todo o resto do dia; e se dava o prazer de responder que ninguém deles estava muito bem, o qual, embora não era exatamente certo, já que Emma se encontrava perfeitamente e Harriet quase também, nunca era desmentido por sua filha. Em geral a saúde da Emma não harmonizava absolutamente com os temores de seu pai, já que poucas vezes sabia o que era encontrar-se mau; mas se não lhe inventava uma enfermidade, o senhor Woodhouse não podia falar de sua filha.

Os ciganos não esperaram a que a justiça entrasse em ação, e levantaram o campo em um abrir e fechar de olhos. As jovens do Highbury podiam voltar a passear com toda segurança antes de que começassem a ter pânico, e toda a história logo degenerou em um sucesso de pouca importância... exceto para a Emma e para seus sobrinhos; na imaginação dela seguia sendo um acontecimento, e Henry e John perguntavam cada dia pela história do Harriet e dos ciganos, e corrigiam tenazmente a sua tia, se esta alterava o menor dos detalhes com respeito ao relato que lhes tinha feito em um princípio.

 

TINHAM transcorrido muito poucos dias depois desta aventura quando Harriet se apresentou uma manhã em casa da Emma, levando um paquetito na mão, e depois de sentar-se e de vacilar começou dizendo:

-Emma... se tiver tempo... queria te dizer uma coisa... tenho que te fazer uma espécie de confissão... logo, já teria passado, sabe?

Emma ficou bastante surpreendida, mas lhe rogou que falasse. A atitude do Harriet era tão grave que a predispôs tanto como suas palavras a escutar algo fora do comum.

-É meu dever, e estou segura de que também é meu desejo -continuou-, não te ocultar nada desta questão. Como, em certo modo, e para minha sorte, meus sentimentos hão trocado, parece-me bem que você tenha a satisfação de sabê-lo. Não quero dizer mais pelo que é necessário... Estou muito envergonhada de me haver deixado levar tanto por meu coração, e estou segura de que você me compreende.

-Claro -disse Emma-, claro que te compreendo.

-Como pude imaginar durante tanto tempo...! -exclamou Harriet com exaltação-. Parece-me uma loucura! Agora não sei ver nele nada extraordinário... Dá-me igual lhe ver ou não lhe ver... embora entre as duas coisas prefiro não lhe ver... bom, a verdade é que daria qualquer rodeio, por comprido que fora, para não tropeçar com ele... Mas não tenho nenhuma inveja de sua mulher; nem a admiro nem a invejo, como antes fazia... Suponho que é encantadora e todo isso, mas me parece de muito mau caráter e muito desagradável.

Nunca esquecerei sua atitude da outra noite... Entretanto, asseguro-te, Emma, que não o desejo nenhum mal... Não, que sejam muito felizes os dois juntos, eu não voltarei a me sentir desgraçada por isso. E para te convencer de que te estou dizendo a verdade, agora mesmo vou destruir... o que já tivesse devido destruir faz muito tempo... o que nunca devesse ter guardado... sei muito bem... -ruborizando-se enquanto falava-. Mas agora destruirei-o tudo... e queria fazê-lo em tua presença, para que veja o razoável que tornei-me. Não chegue o que contém este pacote? -perguntou adotando um ar muito sério.

-Não, não tenho a menor ideia. É que alguma vez te deu de presente alguma coisa?

-Não... não posso chamar a isso presentes; mas são coisas que para mim tiveram muito valor.

Tendeu-lhe o pacote e Emma leu escritas em cima do papel as palavras Meus tesouros mais apreciados. Aquilo despertou uma grande curiosidade. Harriet desembrulhou o pacote enquanto seu amiga o olhava com impaciência. Envolta em abundante papel de prata havia uma linda cajita do Tunbridge que Harriet abriu; a cajita estava forrada de um algodão muito suave; mas, exceto o algodão, Emma só via um trocito de tafetán inglês.

-Agora -disse Harriet- suponho que te lembrará disto.

-Pois não, a verdade é que não me lembro.

-Querida! Quase me parece impossível que tenha podido esquecer o que ocorreu nesta mesma habitação com o tafetán uma das últimas vezes em que nos vimos aqui... Foi muito poucos dias antes de que eu tivesse aquela inflamação da garganta... muito pouco antes de que chegassem o senhor John Kníghtley e sua esposa... acredito que foi aquela mesma tarde... Não te lembra de que se fez um corte no dedo com seu novo canivete e que você lhe aconselhou que ficasse tafetán? Mas como você não levava em cima e sabia que eu sim levava, pediu-me que o desse; e então eu tirei o meu e lhe cortei um trocito; mas era muito grande e ele o recortou um pouco e esteve jogando com o que tinha demasiado antes de me devolver isso E então eu, parva de mim, não pude evitar considerá-lo como um tesouro... e o pus aqui, para que não o usasse ninguém, e de vez em quando o olhava como se fosse um presente dele.

-Harriet de minha alma! -exclamou Emma cobrindo-a cara com uma mão e levantando-se-. Não sabe como me tem feito envergonhar! Se me lembrar? Claro, claro que me lembro de tudo; de tudo menos de que você guardasse essa relíquia... até agora não tinha sabido nada disso... Mas de quando se fez o corte no dedo, e eu lhe aconselhei tafetán inglês e lhe disse que não levava em cima! Ai, se me lembrar! Pecados meus! E tanto tafetán como levava eu no bolso! Uma de minhas estúpidas manhas! Mereço ter que estar me ruborizando durante todo o resto de minha vida... Bom... -voltando-se para sentar-. Segue... Que mais?

-Seriamente que então levava no bolso? Pois te asseguro que não suspeitei nada, fez-o com muita naturalidade.

-E então você guardou esta parte de tafetán como lembrança dele -disse Emma, recuperando-se de sua sensação de vergonha, entre assombrada e divertida.

E logo acrescentou para seus adentros:

«Santo Céu! Quando me tivesse ocorrido guardar em algodão um tafetán que Frank Churchill tivesse dirigido! Nunca tivesse sido capaz de uma coisa assim.» -Aqui -seguiu Harriet, voltando para seu cajita-, aqui há algo ainda mais valioso, quero dizer que foi ainda mais valioso, porque é algo que foi dele, e o tafetán não foi.

Emma sentia uma grande curiosidade por ver este tesouro ainda mais prezado. tratava-se da ponta de um lápis velho... o extremo que já não tem mina.

-Isto foi seu seriamente -disse Harriet-. Não recorda aquela manhã? Não, suponho que não te lembrará. Mas uma manhã... esqueci exatamente que dia era... mas deveu ser na terça-feira ou na quarta-feira antes daquela tarde, queria apontar uma coisa em seu livro de notas; era algo referente à cerveja de pruche.18 O senhor Knightley lhe tinha estado contando como se podia fazer, e ele queria anotar-lhe mas quando tirou o lápis o ficava tão pouca mina, que ao lhe tirar ponta em seguida a acabou, e já não lhe servia, e então você lhe emprestou outro, e este o deixou em cima da mesa como para que o atirassem.

Mas eu me fixei; e quando me atrevi a fazê-lo, agarrei-o e desde aquele momento nunca mais separei-me que ele.

-Sim, já recordo -exclamou Emma-, recordo-o perfeitamente... Falavam de cerveja de pruche... OH, sim! O senhor Knightley e eu dizíamos que nós gostávamos, e o senhor Elton parecia empenhado em que gostasse também. Recordo-o perfeitamente... Espera... O senhor Knightley estava sentado ali, verdade? Parece-me recordar que estava sentado exatamente ali.

-Ah! Pois não sei. Não posso me lembrar... É estranho, mas não posso me lembrar... O que lembrança é que o senhor Elton estava sentado aqui quase no mesmo sítio em que estou eu agora.

-Bom, segue.

-OH! Isso é tudo. Não tenho nada mais que te ensinar nem que te dizer... exceto agora mesmo vou jogar ao fogo as duas coisas, e quero que veja como o faço.

-Meu pobre Harriet! De verdade foste feliz guardando isto como um tesouro?

-Sim... Ah, que parva fui! Mas agora me dá muita vergonha, e queria esquecê-lo tão facilmente como vou queimar isto. Fiz muito mal, sabe?, de guardar esses lembranças depois de que ele já se casou. Eu já sabia que fazia mal... mas não tinha valor para me separar deles.

18 Spruce-beer, uma classe de cerveja que se obtém tingindo ou aromatizando a cerveja comum com os botões do chamado «abeto falso ou negro», »spruce» em inglês.

-Mas, Harriet, crie que é necessário queimar o tafetán inglês? Da parte de lápis não tenho nada que dizer, mas o tafetán ainda pode ser útil.

-Serei mais feliz se o queimar -replicou Harriet-. Traz-me lembranças desagradáveis. Tenho que me liberar de tudo isto... Lá vai... Graças a Deus... Por fim terminamos com o senhor Elton...

«E quando -pensou Emma- começaremos com o senhor Churchill?"

Não demorou muito em ter motivos para pensar que a coisa já tinha começado, e confiou em que os ciganos, embora não lhe houvessem dito a sorte, tivessem contribuído a dar ventura ao Harriet... Ao cabo de umas duas semanas depois daquele susto tiveram uma explicação que deixou as coisas claras, explicação que teve lugar sem que nenhuma das dois o propor. Naquele momento Emma estava longe de pensar naquilo, o qual fez-lhe considerar a informação que recebeu como muito mais valiosa. Ela se limitou a dizer no curso de um bate-papo sem nenhuma importância:

-Bom, Harriet, quando chegar o momento de te casar eu já te darei conselhos.

E não voltou a pensar mais naquilo até que depois de um minuto de silêncio ouviu dizer ao Harriet em um tom muito sério:

-Eu não me casarei.

Emma a olhou, e imediatamente se deu conta do que se tratava; e depois de duvidar um momento a respeito de se era melhor não fazer comentários, disse:

-Que não te casará? Vá! Essa é uma decisão nova.

-Sim, mas não voltarei a trocar de opinião.

Seu amiga, depois de uma breve vacilação, disse:

-Espero que isto não seja por... Suponho que não é um completo ao senhor Elton...

-O senhor Elton! -exclamou Harriet indignada-. OH, não!

E murmurou algo do que Emma só pôde entender as palavras «... tão superior ao senhor Elton! » Então se tomou mais tempo para refletir. Não devia dizer nada mais? Devia guardar silêncio e aparentar que não suspeitava nada? Talvez então Harriet acreditasse que sentia pouco interesse por ela ou que estava zangada; ou talvez se guardava um silêncio absoluto só obteria que Harriet lhe pedisse que recebesse mais confidências das que queria receber; e Emma estava disposta a evitar que de agora em diante houvesse uma confiança tão extrema entre elas, tanta franqueza e uma mudança tão freqüente de opiniões e esperanças... Pareceu-lhe que seria melhor para ela dizer e saber em seguida tudo o que queria dizer e saber. O mais singelo era sempre o melhor. fixou-se de antemão os limites que não devia ultrapassar, em nenhum aspecto. E pensou que ambas ficariam mais tranqüilas, se Emma podia expor imediatamente seus sensatos julgamentos. Estava, pois, decidida, e começou:

-Harriet, não vou pretender que não sei o que quer dizer. Sua decisão, ou melhor dizendo, a probabilidade que crie ver de que nunca te case, deve-se a que crie que a pessoa a quem você poderia preferir está tão por cima de ti que não vai pensar na senhorita Smith.

Não é isso?

-OH, Emma, me acredite! Não sou tão vaidosa que suponha... Não estou tão louca, desde logo! Mas para mim é um prazer lhe admirar a distância... e pensar no imensamente superior que é a todo o resto do mundo, com a gratidão, a admiração e a veneração que lhe deve, sobre tudo eu.

-Não me surpreende absolutamente, Harriet; o favor que te fez bastava para comover você coração.

-OH, cala! Foi algo que nunca poderei lhe pagar... Cada vez que o recordo, e todo o que senti naquele momento... quando vi que me aproximava... com aquele aspecto tão nobre... e eu tão insignificante, tão desamparada... Como trocou tudo! Em um momento como trocou tudo! Do abandono mais total a maior das felicidades!

-É muito natural. É muito natural, e é algo que te honra... Sim, que te honra, isso acredito eu, ao escolher tão bem e com tanta gratidão... Mas se esta predileção será correspondida, isso já não lhe posso assegurar isso Não te aconselho que te deixe levar por seus sentimentos, Harriet.

Não tenho nenhuma segurança de que seja correspondida. Pensa em quem é. Possivelmente seria mais sensato te opor a esta inclinação enquanto seja possível; mas não te deixe levar em modo algum por seu coração, a menos de que esteja convencida de que ele se interessa por ti.

lhe observe. Deixa que seja seu proceder o que guie suas sensações. Digo-te agora que seja precavida, porque nunca mais voltarei a falar contigo desta questão. Estou decidida a não voltar a me mesclar em nenhum caso de esses. A partir deste momento eu não sei nada disto. Não pronuncie nenhum nome. Antes fazíamos muito mal; agora seremos mais precavidas... Ele está por cima de ti, disso não há dúvida, e parece que há inconvenientes e obstáculos muito sérios; mas, apesar de tudo, Harriet, coisas mais difíceis ocorreram, matrimônios mais desiguais chegaram a celebrar-se. Mas tome cuidado contigo mesma; não quisesse que te entusiasmasse; apesar de tudo, termine como termino, tenha a segurança de que ter pensado nele é um sinal de bom gosto que eu sempre saberei apreciar.

Harriet beijou sua mão, como amostra de gratidão silenciosa e total. Emma cada vez estava mais convencida de que aquele amor não podia prejudicar a seu amiga. Era algo que só podia lhe conduzir a elevar seu espírito e a refiná-lo... e que devia salvá-la do perigo de qualquer enlace de categoria inferior à sua.

 

NESTE estado de coisas, por isso se refere a projetos, esperanças e relações mútuas, começou o mês de junho no Hartfield. No Highbury em geral não houve nenhum mudança concreta. Os Elton seguiam falando da visita que foram fazer lhes os Suckling, e do uso que fariam de seu landó, e Jane Fairfax se achava ainda em casa de seu avó; e como a volta da Irlanda dos Campbell voltou a postergar-se, e se fixou a data de sua volta, em vez de meios do verão para o mês de agosto, era provável que Jane ficasse no povo dois meses mais, com tal de que pudesse rebater a atividade que a senhora Elton estava desenvolvendo para ajudá-la, e salvar-se de ver-se obrigada a aceitar a toda pressa um magnífico emprego contra sua vontade.

O senhor Knightley que, por algum motivo que só ele conhecia, do primeiro momento tinha demonstrado sentir uma profunda aversão pelo Frank Churchill, cada vez a sentia maior. Começou a suspeitar que o jovem, ao cortejar a Emma fazia um dobro jogo.

Que cortejava a Emma era algo indiscutível. Tudo o demonstrava; as cuidados que o dedicava, as insinuações de seu pai, a significativa reserva de seu madrasta; tudo coincidia; palavras, conduta, discrição e indiscrição, tudo apontava para o mesmo.

Mas enquanto tantas pessoas lhe consideravam interessado pela Emma, e a própria Emma o acreditava interessado pelo Harriet, o senhor Knightley começou a suspeitar que o jovem tinha certa inclinação pelo Jane Fairfax. Não podia compreendê-lo; mas havia indícios de que entre os dois passava algo... pelo menos assim o parecia... indícios de que ele a admirava... E depois de ter observado suas reações, o senhor Knightley, até propondo-se evitar a toda costa o excesso de imaginação que induzia a Emma a cometer tantos enganos, não pôde por menos de admitir que suas hipóteses não eram totalmente equivocadas. Ela não estava presente a primeira vez que despertaram seus suspeitas. Foi em casa dos Elton, durante uma comida a que tinham convidado à família do Randalls e ao Jane; e tinha surpreso olhadas, mais de um olhar dirigido a a senhorita Fairfax, que em um admirador da senhorita Woodhouse parecia algo incongruente. Na seguinte ocasião em que coincidiram não pôde por menos de recordar o que tinha visto a outra vez; nem evitar o observar detalhes que, a menos de acreditar-se como Cowper, sonhando junto a sua chaminé ao entardecer, me criando eu mesmo as visões forzosamente tinham que lhe reafirmar na suspeita de que havia uma relação oculta, uma secreta inteligência entre o Frank Churchill e Jane.

Certo dia depois de comer o senhor Knightley saiu a passear, e decidiu fazer uma visita o Hartfield, como estava acostumado a fazer muito freqüentemente; encontrou a Emma e ao Harriet que se dispunham também a dar um passeio; ele as acompanhou, e ao retornar se encontraram com um grupo muito mais numeroso que ao igual a eles tinham considerado mais prudente sair a fazer um pouco de exercício a primeira hora da tarde, já que o tempo ameaçava chuva; tratava-se do senhor e da senhora Weston, e de seu filho, e da senhorita Bate e de sua sobrinha, que se tinham encontrado por acaso. Quando chegaram todos juntos ante a grade do Hartfield, Emma, que sabia que estas eram exatamente a classe de visitas que o gostavam a seu pai, insistiu em que todos entrassem e tomassem o chá com ele. O grupo de Randalls acessou imediatamente; depois de um discurso francamente comprido da senhorita Bate, a quem muito poucas pessoas emprestaram atenção, também ela considerou possível aceitar a amabilísima convite que os fazia a senhorita Woodhouse.

Quando atravessavam o jardim passou perto dali o senhor Perry a cavalo, e os cavalheiros fizeram alguns comentários a respeito de suas arreios.

-Por certo -disse imediatamente Frank Churchill dirigindo-se à senhora Weston-, segue tendo intenções de comprar um carro o senhor Perry?

A senhora Weston pareceu muito surpreendida, e disse: -Não sabia nada dessas intenções.

-Por Deus, mas se foi você quem me disse isso. Dizia-me isso em uma carta faz uns três meses.

-Eu? Impossível!

-Sim, sim, seguro. Recordo-o perfeitamente. Você o mencionava como algo iminente.

A senhora Perry o havia dito a alguém, e estava muito contente. Você dizia que havia sido ela quem lhe tinha convencido, porque opinava que quando fazia mau tempo era muito exposto fazer as visitas a cavalo. Ainda não o recorda?

-Prometo-te que é a primeira vez que ouço falar desse assunto!

-A primeira vez? Seriamente? Santo Céu! Então, como sei eu? Devo havê-lo sonhado... Mas estava completamente convencido... Senhorita Smith, tenho a sensação de que está você cansada. Suponho que se alegrará de estar já em casa depois de tanto andar.

-O que acontece? O que acontece? -exclamou o senhor Weston-. O que diziam do Perry e de um carro? Frank, vai comprar um carro Perry? Não sabe o que me alegro. Há-lhe isso dito ele mesmo, não?

-Pois não -replicou seu filho rendo-. Parece ser que não me há isso dito ninguém... Que estranho!

Eu, a verdade é que estava convencido de que a senhora Weston o tinha mencionado em uma das cartas que escrevia ao Enscombe, faz muitas semanas, me dando todos esses detalhes... mas como ela diz que é a primeira vez que ouça falar disso, não há outra explicação que a de que o sonhei. Eu sonho muito. Sonho com todo mundo do Highbury quando estou longe daqui... e quando já terminei com todos meus amigos íntimos, então começo a sonhar com o senhor e a senhora Perry.

-Sim que é estranho -comentou seu pai- que tenha tido um sonho tão lógico e tão verossímil sobre gente em que não é provável que pense muito no Enscombe. Perry que compra um carro! E sua mulher que lhe convence para que o compre, por motivos de saúde! Exatamente o que ocorrerá um dia ou outro, não tenho a menor duvida; só que há sido um pouco prematuro. Que coisas tão lógicas chegam a sonhar-se às vezes!, verdade? E a vezes em troca que quantidade de absurdos! Bom, Frank, certamente seu sonho o que demonstra é que pensa no Highbury quando está ausente. Emma, acredito que você também sonha muito, verdade?

Emma estava muito longe para lhe ouvir; adiantou-se a outros para avisar a seu pai da presença de seus convidados, e não pôde ouvir a pergunta do senhor Weston.

-Verão, para ser franco -exclamou a senhorita Bate, que nos últimos dois minutos tinha estado tentando em vão fazer-se ouvir-, se me permitem dizer algo sobre esta questão... não é que eu negue que o senhor Frank Churchill possa ter tido... eu não quero dizer que não o tenha sonhado... porque às vezes eu mesma tenho os sonhos mais estranhos que possam imaginar-se... mas se me perguntassem a respeito deste caso, deveria confessar que já se falou disso a primavera passada; porque a própria senhora Perry se o disse a minha mãe, e os Penetre também sabiam igual a nós... mas era um segredo, não sabia ninguém mais, e só se falou disso durante uns três dias. A senhora Perry tinha muitas vontades de que seu marido tivesse um carro, e uma manhã deveu ver a minha mãe muito contente, porque acreditava que tinha conseguido lhe convencer. Jane, não te lembra que a abuelita nos contou isso, quando voltamos para casa? Não me lembro aonde tínhamos ido... o mais provável é que fôssemos ao Randalls; sim, acredito que foi ao Randalls. A senhora Perry sempre quis muito a minha mãe... bom, a verdade é que todo mundo a quer muito... e lhe contou isso como lhe fazendo uma confidência; certamente que não se opôs a que nos contasse isso , mas não tinha que sabê-lo ninguém mais; e após até hoje eu não hei dito nenhuma palavra a ninguém. Claro que eu não posso responder de que alguma vez não me tenha escapado algo, porque já sei que às vezes digo coisas que não queria dizer, sem me dar conta. Eu sou faladora, sabem? Sou bastante faladora; e de vez em quando me escapam coisas que não deveriam escapar Não sou como Jane;

oxalá o fora. Estou segura de que a ela nunca lhe escapa nada. Por certo, onde está?

Ah, aqui, detrás de mim! Sim, sim, lembro-me perfeitamente de quando veio a nos ver a senhora Perry... A verdade é que é um sonho curioso!, né?

Estavam já no vestíbulo. O olhar do senhor Knightley tinha precedido a da senhorita Bate em posar-se sobre o Jane; do rosto do Frank Churchill, no que acreditou ver confusão reprimida e seriedade, seus olhos se voltaram involuntariamente para o dela;

mas se tinha atrasado muito e estava distraída com seu xale. O senhor Weston já havia entrado. Os outros dois cavalheiros esperaram na porta para deixá-la passar. O senhor Knightley suspeitava que Frank Churchill se propunha trocar um olhar com ela... e parecia estar espreitando a ocasião propícia... mas, de ser assim, foi em vão... Jane passou entre os dois e entrou na sala sem olhar a ninguém.

Não houve ocasião de fazer mais comentários nem de dar mais explicações. admitia-se o do sonho, e o senhor Knightley teve que sentar-se junto com outros, ao redor da grande mesa circular, tão moderna, que Emma tinha introduzido no Hartfield, e que só Emma tivesse podido ter autoridade para pôr ali e convencer a seu pai de que se usasse, em vez da pequena Pembroke em que, durante quarenta anos, serviram-se duas de suas comidas diárias. O chá passou sem incidentes, e ninguém parecia ter pressa por ir-se.

-Senhorita Woodhouse -disse Frank Churchill, depois de ter revolto os objetos da mesa que tinha a suas costas e que alcançava com a mão-, levaram-se seus sobrinhos os alfabetos... aquela caixa de letras? Estava acostumado a estar aqui. Onde está? É uma velada um pouco triste, quase deveria considerar-se como de inverno mais que do verão. Uma manhã divertimo-nos muito com aquelas letras. Eu gostaria de voltar a jogar às adivinhações.

A Emma gostou da idéia; trouxe a caixa e a mesa logo ficou coberta pelas letras do alfabeto, que ninguém mais, exceto eles dois, parecia disposto a dirigir. Em seguida começaram a formar palavras que se intercambiavam entre si ou que apresentavam a qualquer que quisesse descrifrar a adivinhação. O aprazível do jogo o fazia particularmente grato ao senhor Woodhouse, que freqüentemente tinha tido que suportar jogos muito mais movidos que tinha introduzido na casa o senhor Weston; o pai de Emma, agora era feliz, lamentando com melancólicos acentos a marcha dos pobres garotinhos», ou comentando com satisfação, quando alguma letra se extraviava perto de seu sítio, quão bem Emma tinha sabido as desenhar.

Frank Churchill pôs uma palavra diante da senhorita Fairfax; esta, depois de lançar um rápido olhar a seu redor, aplicou-se a decifrá-la. Frank estava ao lado da Emma, Jane em frente deles... e o senhor Knightley situado de tal maneira que podia lhes ver todos; e seu propósito era ver tudo o que pudesse sem demonstrar que estava lhes observando.

A palavra foi decifrada, e Jane apartou as letras com um leve sorriso. Se houvesse querido que se mesclassem com as demais e que a palavra não pudesse recompor-se, tivesse tido que olhar à mesa em vez de olhar aos que tinha em frente, já que as letras não se mesclaram; e Harriet, que seguia com atenção todas as palavras novas, ao ver que não saía nenhuma no momento, recolheu a última e se trabalhou em excesso por decifrá-la.

Estava sentada ao lado do senhor Knightley, e se voltou para ele para lhe pedir que o ajudasse. A palavra era engano; e quando Harriet a proclamou triunfalmente em voz alta, a única reação do Jane foi ruborizar-se. O senhor Knightley relacionou aquilo com o sonho; mas não acertava a compreender o que tinha que ver uma coisa com a outra. Como era possível que associação de Futebol acuidade e a intuição da Emma estivessem tão embotadas como para não dar-se conta de todo aquilo? Temia que ali havia algo oculto. A cada momento tinha indícios de que neles havia uma falta de sinceridade, um dobro jogo. Aquelas letras só serviam-lhes para um dissimulado galanteio. Era um jogo de meninos que Frank Churchill havia eleito para ocultar outro jogo de mais importância, secreto.

Seguiu lhe observando com grande indignação; e também com alarme e desconfiança ao ver até onde chegava a cegueira de suas duas companheiras. Viu que preparava uma palavra curta para a Emma, e que a apresentava com um ar de forçada seriedade. Viu que Emma decifrava-a em seguida e que a encontrava muito divertida, embora pelo visto havia algo nela que a obrigava a não lhe dar sua aprovação; porque lhe ouviu dizer:

-Não, Por Deus, isso sim que não. É muito.

Logo ouviu que Frank Churchill lhe dizia, olhando de esguelha ao Jane:

-Sim, sim, a darei... A dou?

Ouviu claramente que Emma se opunha vivamente entre risadas.

-Não, não, não. Não o faça, isso sim que não. Não deve fazê-lo.

Entretanto, já parecia. Aquele jovem tão galante que parecia amar sem sentir emoções e elogiar-se a si mesmo sem complacência, tendeu imediatamente a palavra a a senhorita Fairfax, lhe rogando com uma insistência particularmente cortês que tentasse decifrá-la. A desmedida curiosidade do senhor Knightley por saber que palavra era-lhe fez aproveitar todas as oportunidades para olhar de esguelha, e não demorou muito em dar-se conta de que a palavra em questão era Dixon. Jane Fairfax pareceu havê-la decifrado ao mesmo tempo que ele; certamente a ela devia lhe ser mais fácil a adivinhação, já que penetrava no sentido oculto que possuíam aquelas cinco letras dispostas daquele modo. Evidentemente ficou muito contrariada; levantou os olhos, e ao ver que a olhavam-se ruborizou mais do que antes tinha observado o senhor Knightley; limitou-se a dizer:

-Não sabia que também valiam os nomes próprios.

Apartou as letras com irritação e pareceu decidida a não tentar decifrar nenhuma outra palavra que lhe propor. Voltou o rosto dos que lhe tinham dirigido aquele ataque, e olhou para sua tia.

-Sim, sim, querida, tem muita razão -exclamou esta antes de que Jane tivesse tempo de dizer nada-. Precisamente agora mesmo o ia dizer. Sim, sim, já é hora de que nos vamos. Está anoitecendo e a abuelita nos espera. É você muito amável, mas temos que lhe dizer adeus.

A rapidez com que se levantou Jane demonstrou que tinha tanta pressa por ir-se como sua tia tinha imaginado. Imediatamente ficou de pé e abandonou a mesa; mas foram tantos os que se levantaram também que se produziu uma certa confusão; e o senhor Knightley acreditou ver que alguém empurrava ansiosamente para a moça outra série de letras, que ela apartou com um gesto brusco antes das olhar. Logo procurou seu xale... Frank Churchill lhe ajudava para buscá-lo... Ia obscurecendo e na sala havia uma grande confusão;

o senhor Knightley não tivesse podido dizer como se despediram.

Ele, uma vez se tiveram ido outros, ficou no Hartfield muito preocupado por tudo o que tinha visto; tão preocupado que, quando se acenderam as velas, para criar um ambiente propício às confidências, pensou que devia... sim, que devia, sem nenhum gênero de dúvidas, como amigo, como amigo leal... insinuar algo a Emma, lhe fazer alguma pergunta. Não era capaz de vê-la em uma situação de perigo como aquela sem tratar de defendê-la. Era seu dever.

-Por favor, Emma -disse-, posso perguntar no que consistia a graça, a malícia, da última palavra que deram a você e à senhorita Fairfax para decifrar? Vi a palavra, e tenho curiosidade por saber por que foi tão divertida para a uma e tão pouco divertida para a outra.

Emma ficou muito turvada. Não podia nem pensar em lhe dar a verdadeira explicação; pois embora estava longe de ter visto dissipadas suas suspeitas, sentia-se realmente envergonhada das haver comunicado a alguém.

-OH! -exclamou visivelmente nervosa-. Não queria dizer nada. Uma simples brincadeira entre nós.

-Uma brincadeira -replicou ele gravemente- que só fez a graça a você e ao senhor Churchill.

Ele esperava ter uma resposta, mas não a obteve. Emma preferia fazer qualquer outra coisa menos falar. O senhor Knightley permaneceu em silencio durante um momento fazendo conjeturas. Por sua mente cruzou a possibilidade de uma série de perigos. Misturar-se...

misturar-se em vão. A confusão da Emma e seu reconhecimento de sua intimidade com Frank pareciam ser como uma confissão de que sentia um grande interesse por ele. Entretanto devia falar. Preferia correr o risco de que tomasse por um intrometido antes de que ela pudesse sair prejudicada; preferia algo antes de ficar com a má impressão de que tivesse podido lhe evitar algum mal.

-Minha querida Emma -disse por fim, da maneira mais afetuosa-, você crie que conhece perfeitamente o grau de amizade que existe entre o cavalheiro e a dama dos que estamos falando?

-Entre o senhor Frank Churchill e a senhorita Fairfax? OH sim! Perfeitamente... por que põe-o em dúvida?

-Não teve em nenhuma ocasião motivos para pensar que ele sentia uma grande admiração por ela ou viceversa?

-OH, não, nunca, nunca! -exclamou Emma com grande paixão-. Nunca, nem por uma fração de segundo me ocorreu esta idéia. Como é possível que lhe haja ocorrido a você?

-Ultimamente acreditei ver indícios de que existia algo mais que amizade entre eles...

certos olhares significativos que não acredito que eles soubessem que alguém ia interceptar.

-OH, quase me faz você rir! eu adoro ver que também você se permite deixar vagar sua imaginação... mas se equivoca... sinto muito ter que lhe cortar as asas ao primeiro intento... mas o certo é que se equivoca. Entre eles não há nada mais que amizade, se o asseguro; e as aparências que pode você ter advertido são fruto de alguma circunstância especial... sentimentos de uma natureza totalmente distinta... é impossível explicar exatamente... é algo bastante absurdo... mas o que pode contar-se, o que não é absurdo de tudo, não pode estar mais longe de ser uma mútua atração ou admiração. É dizer, suponho que as coisas são assim pelo que a ela respeita; por isso respeita a ele, estou segura. Eu lhe respondo de que ele é absolutamente indiferente.

Emma falava com uma segurança que fez vacilar ao senhor Knightley, com uma satisfação que lhe fez calar-se. Estava muito alegre e tivesse querido prolongar a conversação com o desejo de inteirar-se dos detalhes de suas suspeitas, de que o descrevesse cada olhar, cada um dos pormenores e circunstâncias, pelos que dizia sentir tanto interesse. Mas a jovialidade dela não encontrou eco em seu interlocutor. O senhor Knightley se dava conta de que não podia ser útil, e aquela conversação lhe estava irritando muito. E a fim de que sua irritação não se convertesse em verdadeira febre.

com o fogo que os delicados costumes do senhor Woodhouse obrigavam a que se acendesse quase todas as tardes do ano, não demorou para despedir-se apressadamente e em encaminhar-se para sua fria e solitária Donwell Abbey.

 

CAPÍTULO XLII

HIGHBURY, depois de ter alimentado durante comprido tempo a esperança de que o senhor e a senhora Suckling não demorariam para fazer uma visita ao povo, teve que resignar-se a mortificante noticia de que não lhes era possível ir até o outono. No momento, pois, seu acervo intelectual se via privado de enriquecer-se com uma importação de novidades daquela magnitude. E no cotidiano intercâmbio de notícias de novo se viram obrigados a limitar-se a outros temas de conversação que durante algum tempo tinham ido emparelhados ao da visita dos Suckling, como as últimas novas sobre a senhora Churchill, cuja saúde parecia oferecer cada dia aspectos diferentes, e o estado da senhora Weston, cuja felicidade era de esperar que pudesse ver-se incrementada pelo nascimento de um filho, acontecimento que ia também a produzir grande contente entre todos seus vizinhos.

A senhora Elton se sentia muito decepcionada. Aquilo representava ter que postergar uma grande ocasião para divertir-se e para presumir. Todas suas apresentações e todas seus recomendações deviam esperar, e todas as festas e excursões das que se havia falado, no momento ficavam em simples projeto. Pelo menos isso foi o que pensou em um princípio... mas depois de refletir um pouco, convenceu-se de que não era preciso postergá-lo tudo. por que não podiam fazer uma excursão ao Box Hill embora os Suckling ainda não tivessem vindo? No outono, quando eles já estivessem ali, poderia repeti-la excursão. Ficou, pois, decidido que iriam ao Box Hill. Todo mundo se inteirou deste plano; e inclusive sugeriu a idéia de outro. Emma nunca tinha estado no Box Hill; tinha curiosidade por ver aquilo que todos consideravam tão digno de ver-se, e ela e a senhora Weston tinham acordado escolher alguma manhã em que fizesse bom tempo para ir até aquele lugar. Só se pensava admitir em sua companhia a duas ou três pessoas mais, cuidadosamente escolhidas, e a excursão devia ter um caráter aprazível, elegante e sem nenhuma pretensão, sem que pudesse comparar-se com o bulício e os pomposos preparativos, a grande provisão de provisões, e toda a ostentação das excursões campestres dos Elton e os Suckling.

Isto tinha ficado já tão claro entre eles, que Emma não pôde por menos de sentir-se um pouco surpreendida e um tanto contrariada para ouvir dizer ao senhor Weston que havia proposto à senhora Elton que, posto que seu cunhado e sua irmã postergavam sua visita, as duas excursões podiam fundir-se em uma e ir todos juntos ao mesmo sítio; e que, como a senhora Elton tinha aceito imediatamente esta proposição, decidiu-se fazer o desse modo, se ela não tinha inconveniente. Agora bem, como seu único inconveniente era a aversão que sentia pela senhora Elton, do qual o senhor Weston devia estar já perfeitamente informado, não valia a pena insistir mais naquilo... Não podia negar-se sem fazer um desprezo a ele, o qual seria dar um desgosto a sua esposa; e assim foi como se viu obrigada a aceitar um acerto que tivesse querido evitar por todos os médios a seu alcance; um acerto que provavelmente a expor inclusive à humilhação de que se dissesse dela que tinha assistido à excursão da senhora Elton... Aquilo a contrariava extraordinariamente; e o ter que resignar-se a aquela aparente submissão deu uma certa acritud a suas íntimas opiniões a respeito da incorrigível boa vontade que caracterizava o temperamento do senhor Weston.

-Me alegro muito de que aprove meu plano -disse ele muito satisfeito-. Mas já supunha que o encontraria bem. Para essas coisas se necessita muita gente. Nunca são muitos.

Uma excursão com muitos sempre resulta divertida. E no fundo a senhora Elton é muito boa pessoa. Não podíamos deixar a de lado.

Emma não lhe contradisse em nada, mas em seu foro interno não podia estar mais em desacordo com tais opiniões.

Estavam em meados de junho e o tempo estava excelente; e a senhora Elton se impacientava por fixar a data e por acabar de ficar de acordo com o senhor Weston no referente ao bolo de pombinhos e ao cordeiro frio, quando um dos cavalos do carro se torceu uma pata, deixando todos os preparativos na mais lamentável das incertezas. antes de que o cavalo pudesse voltar a utilizar-se podiam acontecer semanas, ou talvez só uns poucos dias, mas não podiam arriscar-se a preparar nada, e todos os planos ficaram postergados em meio da desolação geral. À senhora Elton o faltaram recursos para fazer frente a aquela contrariedade.

-Não lhe parece revoltante, Knightley? -exclamava-. E com um tempo tão bom para fazer excursões! Esses adiamentos e a insegurança! É algo odioso! O que vamos a fazer? A este passo vai passar todo o ano sem que façamos nada. Olhe, o ano passado, antes de que chegasse esta época, já tínhamos feito uma excursão deliciosa desde o Maple Grove ao Kings Weston.

-Seria melhor que fizessem a excursão ao Donwell -replicou o senhor Knightley-. Para isso não necessitam cavalos. Venham e comerão meus morangos. Já estão começando a maturar.

Se o senhor Knightley o havia dito em brincadeira não demorou para ver-se obrigado a tomar-lhe -¡Oh! ¡Déjelo todo de mi cuenta! Sólo le pido que me dé carta blanca... Deje que yo lo sério, porque sua proposição foi aceita no ato e com grande entusiasmo; e os gestos que acompanharam ao «OH! Quanto eu gostaria!», foram tão expressivos como as palavras mesmas. Donwell era famoso por seus lhes frese, o qual parecia justificar o entusiasmo com que acolheu o convite; mas não era necessário justificar nada; um campo de couves tivesse bastado para tentar a aquela dama, que só estava desejando ir a alguma parte, fora onde fosse. Lhe prometeu uma e outra vez que iriam.., com mais insistência pelo que ele tinha suposto... e ficou extremamente agradada ante aquela prova de íntima amizade, de tão marcada deferência, pois se empenhou em considerar o deste modo.

-Pode você contar comigo -disse-lhe-. Tenha a segurança de que irei. você fixe mesmo a data, e irei a sua casa. Não lhe importará que venha comigo Jane Fairfax?

-Não posso fixar o dia -disse ele- até que não tenha falado com outras pessoas que queria que viessem com você.

-OH! Deixe-o tudo de minha conta! Só lhe peço que me dê carta branca... Deixe que eu o organize tudo, né? É minha excursão. Eu já levarei amigos.

-Confio em que você leve ao Elton -disse-lhe-; mas não quero que se tome a moléstia de procurar mais convidados.

-Ah, o que desconfiado é você! Mas olhe... Não tem que ter nenhum medo de delegar sua autoridade em mim. Não sou uma jovencita sem experiência. Pode ter confiança em uma mulher casada como eu, sabe você? Esta é minha excursão. Deixe-o tudo por mim conta. Eu já me encarregarei de convidar a outros.

-Não -replicou ele calmosamente-, só há uma mulher casada a que eu permitirei que convide a quem quer ao Donwell; e essa mulher é...

-... a senhora Weston, suponho -interrompeu-lhe a senhora Elton, um pouco molesta.

-Não... A senhora Knightley; e enquanto ainda não exista, dessas questões me encarrego eu mesmo.

-Ah! Que original é você! -exclamou satisfeita ao não ver-se preterida por ninguém-.

Tem você muito senso de humor, e tudo o que diz fica bem. Muito sentido do humor, sim. Bom, pois me acompanhará Jane... Jane e sua tia... Outros se os sotaque para você... Não tenho nenhum inconveniente em que venha a família do Hartfield... Nem o menor reparo. Já sei que tem você muita amizade com eles.

-Se posso lhes convencer, não você duvide de que virão; quanto à senhorita Bate, antes de voltar para minha casa passarei a visitá-la.

-OH! Mas é completamente desnecessário; eu vejo o Jane todos os dias... mas como você prefira. Tem que ser pela manhã, sabe você, Knightley? Uma coisa do mais singela. Eu me porei um chapéu de asas largas e levarei um de meu cestitos pendurando do braço. Este... provavelmente este mesmo, com uma cinta de cor rosa. Já vê, não pode ser mais singelo. E Jane levará outro igual. Quero dizer que não será nenhuma exibição...

um pouco ao cigano... Passearemos por seus jardins, nós mesmos agarraremos os morangos e nos sentaremos debaixo de uma árvore... e todo o resto com o que você queira nos obsequiar se serve ao ar livre... Uma mesa à sombra, sabe você? Tudo da maneira mais natural e mais singela que seja possível. Não é isso o que pensava você fazer?

-Não, absolutamente. Para mim, o singelo e o natural é que fique a mesa no comilão. A meu entender, a naturalidade e a simplicidade dos cavalheiros e as damas, junto com seus criados e os móveis, observa-se melhor quando as comidas se servem dentro de casa. Quando se cansarem vocês de comer morangos no jardim, servirá-se uma comida fria em o comilão.

-Bom... como quero; mas que não seja muito ostentoso. E, dito seja de passagem, se crie você que minha ama de chaves ou eu podemos lhe ser de alguma utilidade... Diga-o com toda sinceridade, Knightley. Se quiser que fale com a senhora Hodges ou que me cuide de algo...

-Muito obrigado, mas não faz nenhuma falta.

-Bom... mas se surgir alguma dificuldade minha ama de chaves é uma mulher muito disposta.

-Tenho a segurança de que a minha se considera tão disposta como a que mais, e de que rechaçaria a ajuda de qualquer outra pessoa.

-Eu gostaria que tivéssemos burricos. Todas nós poderíamos ir montadas em borriquillos, Jane, a senhorita Bate e eu... e meu caro sposo, andando a meu lado. Sim, sim, tenho que falar com ele para que compre um burrico. Vivendo no campo, parece-me uma coisa muito necessária; porque, embora uma mulher tenha muitos recursos, não é possível que fique sempre encerrada em casa; e, já sabe você, para dar passeios largos... em verão há pó, e no inverno todo é barro.

-No caminho do Highbury ao Donwell não encontrará você nenhuma coisa nem outra. É um caminho no que nunca há pó, e agora não pode estar mais seco. De todas maneiras, se prefere-o venha montada em um burrico. Pode pedi-lo emprestado à senhora Penetre.

Queria que tudo fora tão a seu gosto como fosse possível.

-Ah, disso sim que estou segura! Não cria que não sei apreciar suas qualidades, meu bom amigo. Já sei que baixo essa espécie de secura e de maneiras um pouco bruscos, oculta você um grande coração. Como digo sempre ao senhor E., tem você um grande sentido do humor... Sim, sim, me crie, Knightley, dou-me perfeitamente conta da deferência que há tido comigo ao imaginar todo esse plano. escolheu você a coisa que mais me agrada.

O senhor Knightley tinha outro motivo para negar-se a que se tirasse uma mesa ao ar livre, à sombra de uma árvore. Desejava convencer ao senhor Woodhouse para que aceitasse seu convite junto com a Emma, e sabia que era lhe dar um desgosto permitir que diante dele alguém ' ficasse a comer ao ar livre. Nem sequer com a desculpa de fazer um pouco de exercício matinal e de passar um par de horas no Donwell, o senhor Woodhouse se sentiria tentado a ser testemunha de uma imprudência semelhante.

Lhe convidou, pois, de boa fé. Sem que lhe reservassem penosos espetáculos que o fizessem arrepender-se de sua ingênua credulidade. E aceitou. Fazia dois anos que não tinha estado no Donwell.

-Uma manhã que faça bom tempo podemos chegamos até ali com a Emma e Harriet.

Eu fico sentado conversando tranqüilamente com a senhora Weston, enquanto elas dão um passeio pelos jardins. Não acredito que haja muita umidade a essas horas do meio-dia.

Eu gostaria de muito voltar a ver aquela casa, e conversar com o senhor e a senhora Elton e outros amigos... Não tenho nenhum inconveniente em ir com a Emma e Harriet, com tal de que seja uma manhã em que faça um tempo muito bom... O senhor Knightley teve uma grande ideia ao nos convidar... é muito amável de sua parte... é uma grande pessoa... E é muito melhor assim não comer ao ar livre... Eu não gosto das comidas ao ar livre.

O senhor Knightley teve a boa sorte de que todo mundo aceitasse com grande entusiasmo seu oferecimento. O convite foi tão bem acolhida por todos que parecia como se, ao igual à senhora Elton, cada qual considerasse o plano como uma especial deferência que se tinha com eles... Emma e Harriet esperavam acontecer um dia muito divertido;

e o senhor Weston, sem que o pedissem, prometeu fazer todo o possível para que Frank pudesse também lhes acompanhar; uma demonstração de agrado e de gratidão que houvesse podido economizar-se... já que então o senhor Knightley se viu obrigado a dizer que se alegraria muito de que pudesse vir; e o senhor Weston se comprometeu a lhe escrever sem perda de tempo, e a não regular argumentos para lhe convencer para que viesse.

Enquanto isso, o cavalo agarro tinha sanado tão às pressas que voltou a pensar-se jubilosamente na excursão ao Box Hill; e por fim se fixou a ida ao Donwell para um dia, e a excursão de Box Hill para o seguinte... já que o bom tempo parecia já estável.

Em uma luminosa manhã de sol, quase de pleno verão, o senhor Woodhouse se transladou comodamente em seu carro com um guichê baixada, até o Donwell Abbey; ali, em uma das habitações mais confortáveis, especialmente acondicionada para ele com o fogo da chaminé que tinha estado aceso durante toda a manhã, se arrellanó em um poltrona, e feliz e tranqüilo, dispôs-se a conversar complacidamente da façanha que havia levado a cabo, e a aconselhar a todos que fossem sentar se com ele e que não se acalorassem muito... A senhora Weston, que parecia ter ido andando com o único objeto de cansar-se e estar com ele durante todo o tempo, ficou a lhe fazer companhia como a mais cordial e pacienzuda de seus ouvintes, enquanto outros se deixavam convencer para sair ao ar livre.

Fazia tanto tempo que Emma não tinha estado na Abadia, que logo que se convenceu de que seu pai se achava plenamente a seu gosto, não teve reparo em lhe deixar e em dar uma volta por ali; ansiosa de refrescar sua memória e corrigir os enganos de seus lembranças, notando-se com mais atenção em cada detalhe, formando uma idéia mais exata de uma casa e de umas terras que tão intimamente ligadas foram estar para sempre a ela e a toda sua família.

Sentia todo o justo orgulho e a complacência que seu parentesco com o atual e o futuro proprietário do Donwell podiam lhe permitir, enquanto contemplava as consideráveis dimensões e o estilo da construção da casa, sua característica situação tão vantajosa, em um terreno baixo e bem resguardado... seus amplos jardins que descendiam até uns prados regados por um regato que, da Abadia, devido à típica indiferença que se sentia em outros tempos pelas boas vistas, apenas se divisavam... e sua abundância de árvores formando fileiras e avenidas, árvores que nem as modas nem a extravagância tinham conseguido fazer cortar... A casa era maior que a do Hartfield e totalmente distinta; ocupava uma grande extensão de terreno de forma irregular, e continha muitas estadias cômodas e uma ou duas realmente magníficas... Era exatamente o que devia ser, e parecia o que era... Emma contemplando-a sentia crescer o respeito que sentia por ela, como a casa solariega de uma família de autêntico ascendência, irrepreensível tanto do ponto de vista do sangue como desde o da inteligência. John Knightley tinha certos defeitos de caráter; mas ao casar-se com ele Isabella fazia umas bodas excepcionalmente boa. Nem o sobrenome, nem a família, nem os bens dela desmereciam ao lado dos de seu marido. Estes eram pensamentos agradáveis, e Emma enquanto passeava ia saboreando-os até que foi necessário imitar a outros e ir reunir se com eles nos lhes frese... Ali se tinham reunido todos, excetuando ao Frank Churchill, que se esperava chegasse do Richmond de um momento a outro; e a senhora Elton, agressivamente feliz, com seu chapéu largo e seu cestita, abria a marcha, sem consentir que se pensasse nem falasse de outra coisa que não fossem morangos, e só fresa... «É a fruta melhor que se cria em Inglaterra... a que prefere todo mundo... sempre sinta bem... estes são os melhores lhes frese... os morangos de melhor classe... é delicioso as agarrar uma mesma... é a única maneira das desfrutar seriamente... certamente a manhã é a melhor hora... nunca me cansam... todas as classes são boas... mas a hautboy é imensamente superior às demais...19 não podem comparar-se... as demais logo que são comestíveis... mas há muito poucas hautboy... preferem as do Chile... as brancas são as que têm mais perfume a bosque... o preço dos morangos em Londres... abundam na região do Bristol... Maple Grove... cultivos... lhes frese quando têm que renovar-se... os jardineiros opinam todo o contrário... não há uma norma geral... aos jardineiros não há quem lhes faça trocar de costume... uma fruta deliciosa... lástima que seja muito doce para poder comer muitas... não são tão boas como as cerejas... as groselhas são mais refrescantes... o único inconveniente de agarrar morangos é que terá que agachar-se... o sol pica muito... estou cansadísima... já não posso mais... tenho que ir sentar me à sombra.» Durante meia esta hora foi a conversação... interrompida só uma vez pela senhora Weston que saiu, preocupada com seu enteado, para perguntar se já tinha chegado... Estava um pouco inquieta... Tinha medo de que lhe tivesse ocorrido algo com o cavalo.

encontravam-se lugares adequados para sentar-se à sombra; e Emma se viu obrigada a ouvir o que falavam a senhora Elton e Jane Fairfax... Um emprego, um magnífico emprego, era o tema da conversação. A senhora Elton se inteirou dele aquela manhã, e estava entusiasmada. Não era com a senhora Suckling, não era com a senhora Bragge, mas era uma casa quase tão digna e conveniente como em qualquer das outras dois; tratava-se de uma prima da senhora Bragge, uma amiga da senhora Suckling, uma senhora muito conhecida no Maple Grove. Agradabilísima, encantadora, alta posição, grande mundo, distinção, boa sociedade, tudo... e a senhora Elton desejava ardentemente que o oferecimento se aceitasse sem perder nem um segundo... mostrava-se exultante, enérgica, triunfal... e se negou em redondo a aceitar a negativa de seu amiga, apesar de que a senhorita Fairfax seguia lhe assegurando que no momento não queria comprometer-se com ninguém, lhe repetindo os mesmos motivos que já lhe tinha dado em outras ocasiões... Mas a senhora O tom seguia insistindo para que lhe autorizasse para escrever ao dia seguinte mesmo aceitando o oferecimento... Emma se maravilhava de que Jane pudesse suportar 19 «Hautboy,, classe de morango cujo nomeie cientista é fragaria elatior.

todo aquilo... A notava molesta e falava em um tom quase agressivo... Até que por fim, com uma decisão que não era habitual nela, propôs que se fossem dali.

-E se déssemos um passeio? O senhor Knightley poderia nos ensinar os jardins... todos os jardins... Eu gostaria de vê-lo tudo...

A teima de seu amiga parecia superior ao que ela podia suportar.

Fazia calor; e depois de passear um momento pelos jardins, todos dispersados, sem que logo que houvessem grupos de três, insensivelmente um após o outro foram aproximando-se da deliciosa sombra de uma larga e curta avenida de limeiras, que, estendendo-se mais à frente do jardim e a meio caminho do rio, parecia marcar o limite dos terrenos destinados ao recreio... Não conduzia a nenhuma parte; e terminava em um muro de pedra baixo, com altos pilares, que parecia destinado a anunciar a proximidade da casa, que nunca tinha estado ali. Entretanto, embora o gosto de quem o tinha construído era discutível, não deixava de constituir um passeio encantador, e o panorama que se desfrutava de ali era extraordinariamente sugestivo... A considerável custa quase ao pé da qual se achava a Abadia ia fazendo-se cada vez mais abrupta à medida que se ia afastando de suas terras;

e a uma meia milha de distância havia uma ribeira de impressionante aspecto, grandemente escarpada e bem coberta de árvores; e debaixo, em uma situação muito favorável e bem resguardada, elevava-se a granja do Abbey-Mill, ante a qual se estendiam uns prados, e que o rio abraçava formando uma bela e pronunciado curva.

Era uma vista preciosa... que adulava os olhos e o espírito. Verdor inglês, civilização inglesa, bem-estar inglês, sob um luminoso sol não muito cansativo.

Neste passeio Emma e a senhora Weston encontraram reunidos a todos outros; e ao fundo da avenida, a jovem distinguiu imediatamente ao senhor Knightley e ao Harriet, diante de outros, encabeçando a marcha. O senhor Knightley e Harriet! Um singular tête-À-tête! Mas se alegrou de vê-lo; em outro tempo ele tivesse desdenhado sua companhia e se tivesse-a tirado de cima com poucos cumpridos. Agora pareciam desfrutar de uma agradável conversação. Também em outro tempo a Emma tivesse preocupado ver Harriet em um lugar que favorecia tanto suas lembranças do Abbey-Mill Farm; mas agora já não o temia. Não havia perigo em que contemplasse todas suas amostras de prosperidade e de beleza, seus ricos pastos, seus rebanhos disseminados, seu pomar florescente e a leve coluna de fumaça que subia até o céu. foi reunir se com eles junto ao muro e lhes encontrou mais atentos à conversação que à vista que se desfrutava de ali. Ele estava informando ao Harriet sobre questões de agricultura, etc., e Emma recebeu um sorriso que parecia querer dizer: «Isto é o meu. Tenho direito a falar dessas coisas sem que se suspeite que estou favorecendo a causa do Robert Martin...» Ela não suspeitava tal coisa. Era uma história muito velha. Provavelmente Robert Martin já tinha deixado de pensar no Harriet... Juntos deram várias voltas pelo passeio... A sombra era um consolo refrescante, e Emma pensou que aqueles eram os momentos mais agradáveis do dia.

Logo se dirigiram para a casa, onde todos deviam reunir-se para comer; se hospedaram no interior e Frank Churchill seguia sem chegar. A senhora Weston saía uma e outra vez para vigiar o caminho, mas em vão. Seu marido não queria reconhecer que estava intranqüilo e ria de seus temores; mas ela não podia por menos de formular o desejo de que não tivesse vindo em sua égua negra. O jovem lhes tinha assegurado com toda certeza que iria... Sua tia tinha melhorado tanto que não tinha a menor duvida de que conseguiria o permissão para ir-se... Mas como muitos recordaram a sua madrasta, o estado de saúde da senhora Churchill era propício a qualquer variação inesperada que podia frustrar as mais razoáveis esperança de seu sobrinho... e por fim convenceram à senhora Weston de que pensasse, ou ao menos dissesse, que não tinha podido ir devido a alguma súbita indisposição da senhora Churchill... Enquanto se discutia este assunto, Emma não perdia de vista ao Harriet; mas a moça parecia indiferente e não delatava nenhuma emoção.

Uma vez terminada a comida fria, todos voltaram a sair para visitar o que ainda os faltava por ver, os lagos da antiga abadia; ou talvez chegar até o prado dos trevos, que ia começar a ceifar-se ao dia seguinte, ou, em qualquer caso, ter o agradar de acalorar-se, para poder refrescar-se logo... O senhor Woodhouse, que já havia dado uma pequena volta pela parte mais alta dos jardins, aonde nem sequer ele teve a sensação de notar a umidade do rio, já não voltou a mover-se; e sua filha decidiu ficar a lhe fazer companhia para que a senhora Weston aceitasse sair com seu marido, fazer um pouco de exercício e ter a distração que seu estado de ânimo parecia necessitar em aqueles momentos.

O senhor Knightley fazia todo o possível para que o senhor Woodhouse não se aborrecesse. Livros de gravuras, gavetas de medalhas, camafeus, corais, conchas e todas as demais colecione familiares que havia na casa, tiraram-se para que seu velho amigo distraísse-se durante a manhã; e sua solicitude obteve o resultado desejado. O senhor Woodhouse tinha estado muito entretido. A senhora Weston tinha estado acostumando-lhe otros están en el paseo de los limeros. Hasta que vuelvan no me echarán de menos, y tudo, e agora ele o ensinaria a Emma; por fortuna o bom senhor só se parecia com os meninos em seu total falta de critério para apreciar o que via, pois era lento, constante e metódico...

Entretanto, antes de que começasse este repasso Emma saiu ao vestíbulo para contemplar por uns momentos com toda tranqüilidade a entrada da casa e as terras imediatas a ela, mas logo que esteve ali apareceu Jane Fairfax, que vinha do jardim a grandes passos como se fugisse de alguém... Como não esperava encontrar tão logo à senhorita Woodhouse, ao princípio se sobressaltou um pouco; mas precisamente a senhorita Woodhouse era a pessoa a quem andava procurando.

-Por favor -disse-, será tão amável de lhes dizer, quando me sentirem falta de, que me hei ido a casa? Vou agora mesmo... Minha tia não se dá conta do tarde que é e de que faz já muito tempo que estamos ausentes... Mas estou segura de que minha avó nos sentirá falta de e prefiro ir agora mesmo. Não hei dito nada a ninguém. Seria lhes ocasionar moléstias e fazer que se preocupassem. Uns foram a ver os lagos e outros estão no passeio dos limeiras. Até que voltem não me sentirão falta de, e então, você terá a bondade de lhes dizer que me fui?

-Certamente, se for isso o que deseja; mas... não vai voltar para o Highbury andando e sozinha.

-Sim... não há nenhum perigo; eu ando depressa; em vinte minutos estou em minha casa.

-Mas, Por Deus, é muito longe para ir andando completamente sozinha. Pode lhe acompanhar o criado de meu pai... vou mandar que preparem o carro. Em cinco minutos está preparado.

-Obrigado, muito obrigado... Mas não vale a pena... Prefiro ir andando... E não vou a ter medo a ir sozinha... Eu que tão logo terei que vigiar e proteger a outros!

Falava com grande agitação, e Emma lhe respondeu com afeto:

-Isso não justifica o que agora se exponha a um perigo. vou fazer que preparem o carro. Inclusive o calor pode prejudicá-la... Já está cansada...

-Sim... -respondeu ela-, sim, estou cansada; mas não é a classe de cansaço... Andar às pressas sentará-me bem... Senhorita Woodhouse, todos sabemos o que é estar às vezes cansado de espírito. E confesso que agora meus ânimos estão esgotados. O maior favor que pode há- cerme é deixar que vá sozinha e só dizer que me fui quando for necessário.

Emma não podia lhe dizer nada mais. Se fazia cargo do que lhe ocorria; e identificando-se com seus sentimentos, insistiu-lhe a que abandonasse a casa imediatamente, e com o zelo de uma amiga lhe ajudou a sair sem ser vista. Ao despedir-se Jane lhe olhou com gratidão, e as palavras que pronunciou, «OH, senhorita Woodhouse! Às vezes, o que com, estou acostumado a poder estar sozinha!», pareciam brotar de um coração aflito e expressar algo da contínua tensão em que se achava, inclusive entre as pessoas que mais a queriam.

«Com uma casa como aquela! E com aquela tia! -disse-se Emma, enquanto voltava para entrar no vestíbulo-. Compadeço-te. E quanta mais sensibilidade mostra para todos estes horrores, mais carinho te tenho.» Apenas fazia um quarto de hora que Jane se foi e que pai e filha não haviam feito mais que ver umas quantas vistas da praça de São Marcos de Veneza quando Frank Churchill entrou na estadia. Emma não tinha estado pensando nele, havia-se esquecido de pensar nele... mas se alegrou muito ao lhe ver. A senhora Weston se tranqüilizaria. A égua negra não tinha a culpa de nada; tinham tido razão ao supor que a senhora Churchill tinha sido o motivo. atrasou-se devido a um piora temporária de sua saúde; um ataque de nervos que tinha durado várias horas... e o jovem abandonou a idéia de sua partida até muito tarde; e, conforme disse, de haver previsto o calor que lhe esperava durante o caminho, e que apesar de todas suas pressas ia a chegar tão tarde, não tivesse vindo. Tinha passado um calor horroroso... nunca tinha tido tanto... quase tinha desejado haver ficado em casa... o calor era o que mais o incomodava... era capaz de resistir todo o frio do mundo... mas o calor não podia sofrê-lo... E se sentou a maior distancia possível dos rescaldos do fogo da chaminé do senhor Woodhouse com um aspecto realmente lamentável.

-Se não fazer exercício -disse Emma- em seguida lhe acontecerá o calor.

-Apenas me tenha passado o calor terei que retornar. Podia me economizar perfeitamente o vir... mas se empenharam tanto... Suponho que já não demorarão muito em ir-se. Já devem estar despedindo-se. Ao vir encontrei a alguém que se ia... Que loucura com esse tempo! Terá que estar louco de arremate!

Emma lhe escutava, olhava-lhe e não demorou para dar-se conta de que o estado de ânimo de Frank Churchill podia definir-se com a expressiva frase de que estava de um humor de cães. Há pessoas que quando têm calor são intratáveis. E ele devia ser uma de essas; e como sabia que comer e beber freqüentemente aliviam esses estados acidentais de mau humor, recomendou-lhe que tomasse algo; no comilão encontraria abundância de tudo... e assinalou-lhe afetuosamente a porta.

-Não, não quero comer; não tenho apetite. Ainda teria mais calor.

Entretanto, ao cabo de dois minutos começou a passar-se o aborrecimento, e murmurando entre dentes algo sobre a cerveja pruche saiu da estadia. Emma voltou a dedicar toda a atenção a seu pai, dizendo para seus adentros:

«Me alegro de não estar apaixonada por ele. Eu não gosto dos homens que ficam de mau humor porque uma manhã se acaloram. Harriet tem um caráter mais suave e não o preocupam essas coisas."

Demorou o tempo mais que suficiente para ter feito uma comida considerável, e retornou muito melhor... já sem aquecimento... e com bons maneiras, como era costume nele... capaz de aproximar uma cadeira aonde eles se encontravam e interessar-se por isso estavam fazendo; e lamentar-se de um modo mais razoável que fora tão tarde.

Não estava de muito bom humor, mas parecia fazer esforços por está-lo; e por fim conseguiu falar de naderías de um modo muito agradável. Estavam contemplando umas vistas da Suíça.

-logo que minha tia se reponha irei ao estrangeiro -disse-. Não ficarei tranqüilo até ter visto alguns destes lugares. Um dia ou outro já verão meus desenhos...

ou poderão ler a história de minhas viagens, ou meu poema. Farei algo e se falará de mim.

-É muito possível... mas não por seus desenhos da Suíça. Você nunca irá a Suíça. Seus tios nunca lhe deixarão sair da Inglaterra.

-Ao melhor se vêem obrigados a sair eles também. A minha tia podem lhe recomendar um clima quente. Não deixo de ter esperanças de que todos vamos ao estrangeiro. O asseguro que eu sim irei. Esta manhã estou firmemente convencido de que não demorarei muito em sair do país. Tenho que viajar. Estou cansado de não fazer nada. Necessito um mudança. Falo-lhe seriamente, senhorita Woodhouse... não sei o que se estão imaginando seus penetrantes olhos, mas... estou farto da Inglaterra... se pudesse iria amanhã mesmo.

-Você está farto de dinheiro e de comodidades. Não pode inventar-se algum trabalho e contentar-se ficando aqui?

-Farto de dinheiro e de comodidades? Eu? equivoca-se você de tudo. Não me considero uma pessoa com dinheiro nem com comodidades. No aspecto material me sai mau tudo. Não acredito ser uma pessoa afortunada.

-Entretanto, já não é você tão desgraçado como quando chegou. vá comer e a beber um pouco mais e se sentirá perfeitamente. Outra fatia de carne fria, outro copo de vinho de Madeira com um pouco de água e se sentirá você quase tão bem como o resto de nós.

-Não... prefiro não me mover... Fico ao lado de você. Você é minha melhor medicina.

-Amanhã vamos ao Box Hill; virá você, suponho... Não é a Suíça, mas para um jovem que deseja tanto trocar, algo é algo. ficará você e virá conosco?

-Não, certamente que não; retornarei a casa com o afresco da tarde.

-Mas pode voltar a vir amanhã, com o afresco das primeiras horas.

-Não... não valeria a pena. Se venho estarei de mau humor.

-Então, por favor, fique no Richmond.

-Mas se fico ainda estarei de pior humor. Não posso sofrer o pensar que todos vocês estarão ali sem mim.

-Estes são problemas que deve você resolver por si mesmo. Escolha seu grau de mau humor. Eu já não voltarei a insistir.

O resto dos convidados começava a retornar, e logo estiveram todos reunidos.

Alguns se alegraram muito de ver o Frank Churchill; outros manifestaram menos entusiasmo; mas quando se explicou o desaparecimento da senhorita Fairfax as lamentações foram gerais; já era hora de que todos se fossem quando cessaram os comentários; e depois de ficar rapidamente de acordo sobre o plano do dia seguinte, cada qual se foi por seu lado. A contrariedade do Frank Churchill ao sentir-se excluído de todo aquilo foi em aumento, até o ponto de que suas últimas palavras a Emma foram:

-Bom... se quiser você que fique e amanhã vá com outros, ficarei.

Lhe sorriu em sinal de assentimento; e só uma ordem do Richmond tivesse podido lhe fazer retornar com seus tios antes da tarde do dia seguinte.

 

TIVERAM muito bom dia para ir ao Box Hill; e todas as circunstâncias externas de preparativos, comodidade e pontualidade pareciam anunciar uma excursão muito agradável.

O senhor Weston foi o organizador, o intermediário entre o Hartfield e a Vicaría, e tudo o mundo chegou ao seu devido tempo. Emma e Harriet foram juntas; a senhorita Bate e seu sobrinha com os Elton; os homens foram a cavalo. A senhora Weston ficou com o senhor Woodhouse. Só faltava que uma vez ali desfrutassem de do dia; percorreram sete milhas com a esperança de divertir-se, e ao chegar houve como um estalo geral de entusiasmo; mas em conjunto, o balanço do dia deixou muito que desejar. Houve uma apatia, uma falta de animação, uma falta de união que não puderam superar-se. Em seguida se formaram grupos independentes. Os Elton passeavam juntos; o senhor Knightley cuidava da senhorita Bate e do Jane; e Emma e Harriet pertenciam ao Frank Churchill. E o senhor Weston tentava em vão conseguir que houvesse mais harmonia entre eles. Ao princípio, a divisão em grupos parecia casual, mas de fato não se alterou em nenhum momento. O certo é que o senhor e a senhora Elton não pareciam muito dispostos a alternar com outros nem a mostrar-se tudo quão agradáveis podiam; mas durante as duas horas completas que aconteceram a colina reinou um espírito tal de separação entre os demais grupos, muito forte para ser superado por nenhuma boa intenção, nenhuma comida fria, nenhum efusivo senhor Weston.

Ao princípio Emma se aborrecia muitíssimo. Jamais tinha visto o Frank Churchill tão calado e tão torpe. Não dizia nada digno de ouvir-se... olhava sem ver... admirava-se sem nenhum motivo... ouvia-a sem saber o que lhe dizia. E quando ele estava tão apagado não era de sentir saudades que Harriet o estivesse ainda mais, e em conjunto os dois resultavam insofríveis.

Quando se sentaram todos juntos a coisa foi um pouco melhor; para o gosto dela, muito melhor, já que Frank Churchill se voltou mais comunicativo e alegre, lhe dedicando toda sorte de cuidados; todas as cuidados que podia ter, teve-as para com a Emma. Diverti-la e lhe ser agradável parecia ser o único que se propunha... e Emma, adulada, sem lamentar o que a adulassem um pouco, mostrava-se também alegre e espontânea, respirava-lhe amigavelmente lhe permitindo ser galante, tal como o tinha permitido no primeiro e mais emocionante período de sua amizade; todo o qual, entretanto, naqueles momentos para ela não significava nada, embora na opinião da maioria dos que olhavam-lhes devia parecer algo para o qual, em nossa língua só existe uma palavra própria e adequada: paquera. «A senhorita Woodhouse paquera muito com o senhor Frank Churchill.» Eles mesmos davam pé a que se pronunciasse esta frase... e a que se escrevesse em uma carta que uma daquelas damas ia enviar ao Maple Grove e outra a Irlanda. Não é que Emma se sentisse alegre e fugira pensar em uma felicidade real; mais bem era devido a que se sentia menos feliz do que tinha esperado. ria porque estava decepcionada; e embora agradecia ao jovem seus cumpridos, e os considerava, tanto se eram fruto da amizade, como da admiração, como de um simples discreteo, como muito corretos, não conseguiam ganhar terreno em seu coração. Emma seguia propondo-se lhe ter só por amigo.

-Não sabe a gratidão que lhe devo -dizia ele- por ter insistido em que viesse hoje. Desde não ter sido por você, tivesse-me perdido uma excursão tão magnífica como esta. Eu estava completamente decidido a voltar para casa ontem mesmo.

-Sim, estava de muito mau humor; e não sei exatamente por que, se é que não era por haver chegado muito tarde para as melhores fresa. Fui uma amiga mais amável do que merecia. Claro que você foi humilde. E me rogou muito que lhe ordenasse vir.

-Não diga que estava de mau humor, não é certo. Estava cansado. O calor pode comigo.

-Pois hoje faz mais calor.

-Eu não o sinto tanto. Hoje me encontro muito a gosto. -encontra-se a gosto porque obedece ordens. -ordens de você? Sim.

-Possivelmente era isso o que esperava que me dissesse, mas referia a ordens que se dava você mesmo. Poderia dizer-se que ontem perdeu os estribos e perdeu o domínio de si mesmo;

hoje tornou a recuperar este domínio... e como eu não posso estar sempre a seu lado é preferível que você dependa das ordens que se você dê mesmo que não das minhas.

-Deve ser o mesmo. Eu não posso me dominar a mim mesmo sem um motivo. Você me dá ordens, tanto se fala como se não diz nada. E você pode estar sempre a meu lado.

Sempre está você comigo.

-Das três da tarde de ontem. Minha influência perpétua não devia ter começado antes, do contrário não se pôs você de tão mau humor antes desta hora.

-As três da tarde de ontem! Para você talvez seja este o princípio. Eu acreditava que a tinha visto por primeira vez no mês de fevereiro.

-Realmente não há modo de responder a suas galanterias. Mas... -baixando a voz- nós somos quão únicos falamos, e possivelmente seja muito estar dizendo tolices para divertir a sete pessoas silenciosas.

-Eu não me envergonho de nada do que hei dito! -replicou ele com acalmada viveza- . Eu a vi pela primeira vez no mês de fevereiro. E já podem me ouvir todos os da colina.

E que o eco de minha voz chegue por uma parte ao Mickleham e por outra ao Dorking. Vi-a por primeira vez no mês de fevereiro. -E logo, em um sussurro-: Nossos companheiros estão médio dormidos. O que vamos fazer para despertar ?Qualquer tolice servirá.

vamos fazer lhes falar. Senhoras e cavalheiros! A senhorita Woodhouse, que em qualquer parte em que se encontre é sempre a reina, ordenou-me que lhes diga que deseja saber no que estão pensando.

Uns riram e responderam de bom humor; a senhorita Bate falou, e não pouco; a senhora Elton deu um coice para ouvir o de que a senhorita Woodhouse era a rainha; a resposta mais coerente foi a que deu o senhor Knightley:

-Está segura a senhorita Woodhouse de que gostaria de inteirar-se de tudo o que estamos pensando?

-OH, não, não! -exclamou Emma rendo e aparentando toda a despreocupação de que foi capaz-. Por nada do mundo queria sabê-lo. Nestes momentos é a coisa que menos desejo. me contem algo menos o que estão pensando. Não refiro a todos os pressente. Possivelmente haja um ou dois -olhando primeiro ao senhor Weston e logo ao Harriet- cujos pensamentos não teria nenhum medo em conhecer.

-Isso é algo -exclamou enfaticamente a senhora Elton- que não me tivesse acreditado com direito a pedir. Embora, claro está, que sendo a senhora de mais respeito das que estamos aqui... nunca tinha ido a nenhuma excursão... no campo... senhoritas... senhoras casadas...

Resmungava dirigindo-se fundamentalmente a seu marido; e este murmurou em resposta:

-Certo, querida, tem toda a razão; sim, sim, é exatamente como você diz... eu nunca tinha ouvido... mas sempre há jovens que se atrevem. É melhor considerá-lo como uma brincadeira. Todo mundo sabe o respeito que te deve.

-Isso não serve -murmurou Frank ao ouvido da Emma-, a maioria se ofendeu. Atacarei-lhes com mais malícia. Senhoras e cavalheiros! A senhorita Woodhouse me ordena lhes dizer que renuncia a seu direito de saber exatamente tudo o que estão pensando, e só lhes pede que cada um de vocês diga um pouco divertido, seja o que seja. Vocês são sete, sem me contar a mim (que, modéstia à parte, já estou dizendo um pouco divertido), e ela só pede que cada um de vocês diga uma coisa muito engenhosa em verso ou em prosa, como querem, original ou imitado de alguém, ou diga duas coisas mais ou menos engenhosas ou três coisas muito aborrecidas, e se compromete a rir com toda sua alma de tudo o que se diga.

-OH, esplêndido! -exclamou a senhorita Bate-. Isso sim que não me preocupa. «Três coisas muito aborrecidas.» Isso é muito fácil para mim, né? Só abrindo a boca posso ter a segurança de dizer imediatamente três coisas muito aborrecidas, verdade? -Olhando a seu redor como aguardando humoristicamente o assentimento de todos-. Não lhes parece com todos vocês que me será fácil?

Emma não pôde conter-se.

-Ah, mas possivelmente tenha uma dificuldade! Não sei... mas tenho a impressão de que son_ muito poucas para você... Só três de uma vez.

A senhorita Bate, enganada pela ceremoniosidad zombadora de sua expressão, não captou imediatamente o significado daquilo; mas ao compreendê-lo, embora não se zangou, um leve rubor demonstrou que não tinha deixado de feri-la.

-Ah...! Bom... sim, sim, certamente. Já entendo o que quer dizer -voltando-se para o senhor Knightley-, e farei o possível por me morder a língua. Devo me fazer muito pesada, do contrário Emma não haveria dito uma coisa assim a uma antiga amiga.

-Eu gostar de sua proposta -exclamou o senhor Weston-. Aceito, aceito! Eu farei tudo o que possa. Estou pensando uma adivinhação. Que tal uma adivinhação?

-Bom -respondeu seu filho-, temo-me que não seja grande coisa, mas seremos indulgentes...

sobre tudo com o que tenha o valor de começar.

-Não, não -disse Emma-, parece-me muito bem. Uma adivinhação do senhor Weston servirá para ele e para o seguinte. Diga-a, por favor.

-A mim mesmo não parece muito engenhosa erijo o senhor Weston-. É muito fácil, mas aí vai. Quais são as duas letras do alfabeto que expressam a perfeição?

-Duas letras? Que expressam a perfeição? Pois não tenho nem a menor ideia.

-Ah! Nunca o adivinharão. E você -a Emma- estou seguro de que nunca o adivinhará...

Bom, direi-lhe isso... A «em» e ao Em...MA. Comprenden?20 À compreensão se uniram as felicitações de todos. Como mostra de engenhou não era grande coisa, mas Emma riu muito e a encontrou muito de seu agrado... e o mesmo Frank e Harriet. Mas o resto dos pressente não pareceram ficar tão agradados;

uns a escutaram imperturbáveis, e o senhor Knightley disse muito sério:

-Este exemplo ilustra o tipo de coisas engenhosas que nos pede, e o senhor Weston há saído muito gracioso da prova; mas tivesse tido que perguntar a todos outros. A perfeição se tem descoberto muito logo.

-OH! Por minha parte, rogo-lhes que me excluam do jogo -disse a senhora Elton-. Não seria capaz de acertar nunca. Eu não gosto nem pingo essa classe de coisas. Uma vez me mandaram um acróstico com meu próprio nome que não me fez nada feliz. Eu já sabia quem me o 20 «Em» é o nome inglês da letra «m».

enviava. Um tontaina de pretendente. Já sabem a quem me refiro -indicando com a cabeça a seu marido-. Essa desse de coisas estão muito bem por Natal, quando se está sentado ao redor do fogo; mas em minha opinião estão completamente desconjurada quando se faz um piquenique campestre no verão. A senhorita Woodhouse terá que me perdoar. Eu não sou uma dessas pessoas que sempre têm coisas engenhosas que dizer para divertir a todo mundo. Não pretendo ser engenhosa. A minha maneira eu também tenho muita viveza de engenho, mas quisesse que me permitisse decidir quando tenho que falar e quando prefiro me calar. Ou seja que, por favor, senhor Churchill, passe nos por alto. Passe nos por alto ao senhor E., ao Knightley, ao Jane e a mim. Não temos nada engenhoso que dizer... nenhum de nós.

-Sim, sim, por favor, não conte comigo -acrescentou seu marido, com uma espécie de seriedade zombadora-. Não tenho nada que dizer que resulte divertido para a senhorita Woodhouse ou para qualquer outra jovem. Um homem já maior e casado... que já não serve para nada.

Damos um passeio, Augusta?

-Sim, gosta de muito. Já estou cansada de estar sempre no mesmo sítio. Vamos, Jane, me agarre do outro braço.

Entretanto Jane declinou o oferecimento e marido e mulher se afastaram passeando.

-Hei aí um matrimônio feliz! -disse Frank Churchill logo que estiveram o suficientemente longe para que não lhe ouvissem-. Parecem o um para o outro! Isso sim que é uma grande sorte... Casar-se tão acertadamente conhecendo-se tão somente de umas quantas reuniões... Acredito que no Bath só se trataram durante umas poucas semanas... Que sorte mais extraordinária! Porque conhecer a fundo o caráter de uma pessoa no Bath ou em qualquer outro lugar pelo estilo... não há maneira; não é possível conhecer-se. Só vendo as mulheres em seu próprio lar, em seu ambiente, onde sempre estão, pode se ter uma idéia mais ou menos aproximada de como são. A falta disso, todo o resto é intuição e boa sorte... e geralmente se deixa má. Quantos homens depositaram muitas esperanças em uma amizade breve e logo o lamentaram durante todo o resto de sua vida!

A senhorita Fairfax, que até então tinha falado muito pouco, exceto com seus aliados, agora se decidiu a falar.

-Certamente, essas coisas ocorrem...

Interrompeu-a um acesso de tosse. Frank Churchill se voltou para ela para escutar.

-Dizia você? -disse muito sério.

A jovem tinha recuperado a voz e seguiu:

-Só ia comentar que embora esses casos tão desgraçados às vezes ocorrem tanto a mulheres como a homens, não acredito que sejam tão freqüentes. Uma atração rápida e imprudente pode originar... mas em geral logo há tempo para refletir. O que quero dizer é que no fundo só há caracteres débeis, indecisos (cuja felicidade estará sempre a mercê do azar), que consentirão que uma amizade desafortunada seja um estorvo e uma rêmora para toda a vida.

Ele não respondeu; seguia olhando-a e inclinou a cabeça como aceitando sua opinião; e pouco depois disse em um tom desenvolto:

-Bom, eu tenho tão pouca confiança em meu critério que confio que quando me casar alguém me escolherá esposa por mim. Aceita você o encargo? -disse voltando-se para Emma-. Quer você me escolher algema? Estou seguro de que a pessoa que escolhesse seria de meu gosto. Não seria o primeiro caso em minha família, já sabe - com um sorriso a seu pai - Procure a alguém para mim. Não tenho pressa. Aconselhe-a, eduque-a...

-Tenho que fazer que se pareça comigo?

-OH, certamente! Se lhe for possível...

-Muito bem. Aceito o encargo. Terá você uma esposa encantadora.

-Tem que ser muito alegre e ter os olhos de cor avelã. O resto me dá igual.

Passarei um par de anos no estrangeiro e quando voltar virei a vê-la para lhe pedir meu esposa. Recorde-o.

Não havia perigo de que Emma o esquecesse. Era um encargo que adulava suas afeições favoritas. Não seria Harriet aquela esposa que havia descrito? Exceto na cor dos olhos, dois anos mais podiam convertê-la exatamente na mulher que ele desejava. Talvez inclusive naqueles momentos era no Harriet que ele pensava. Quem sabe! Aludir a que ela a educasse parecia referir-se à moça...

-Bom -disse Jane a sua tia-, o que te parece se fôssemos procurar à senhora Elton?

-Como quer, querida, parece-me muito bem. Eu estou disposta. Por mim já me houvesse ido então com ela, mas me dá igual ir agora. Em seguida a alcançaremos. Ali está...

não, não é ela. É uma das senhoras do carro irlandês que não lhe parece em nada...

Bom, tenho que te confessar...

afastaram-se seguidas ao cabo do meio minuto pelo senhor Knightley. Os únicos que se ficaram foram pois o senhor Weston, seu filho, Emma e Harriet; e o bom humor do jovem chegou agora a extremos quase molestos. Inclusive Emma se cansou finalmente de tantos cumpridos e adulações, e desejou passear tranqüilamente com alguém que não fora ele, ou sentar-se a descansar quase só sem que ninguém se fixasse nela, contemplando apaciblemente o formoso panorama que tinha ante seus olhos. A aparição dos criados que os procuravam para lhes avisar de que os carros estavam a ponto, mas bem a alegrou; e todo o bulício de voltar a reunir-se e preparar-se para a marcha, e o interesse da senhora Elton por que fora seu carro o primeiro que trouxessem, suportou-o muito bem, pensando na grata perspectiva de uma tranqüila volta a sua casa que ia pôr ponto final às duvidosas diversões daquela excursão campestre. Não voltaria a sentir-se tentada por outra excursão como aquela a que assistissem tantas pessoas tão mal advindas.

Enquanto esperava seu carro, viu que o senhor Knightley lhe aproximava para lhe falar. Ele olhou a seu redor para certificar-se de que ninguém podia lhes ouvir, e logo disse:

-Emma, queria falar com você uma vez mais, como tenho por costume fazê-lo: um privilégio que suponho que você mais que me permitir isso suporta-o, mas devo seguir usando dele. Não posso ver que obra você mau, sem lhe fazer recriminações. Como pôde ser tão cruel com a senhorita Bate? Como pôde ser tão insolente com uma mulher de seu caráter, de sua idade e de sua situação? Emma, nunca o tivesse acreditado de você.

Emma fez memória, avermelhou, sentiu-se causar pena, mas tratou de tomá-lo a brincadeira.

-Bom, não resisti a tentação de dizê-lo... Ninguém a tivesse resistido. Não acredito que obrasse tão mal. Estou quase convencida de que não me entendeu.

-Asseguro-lhe que sim. Compreendeu muito bem o que queria você dizer. Logo o esteve comentando. E me tivesse gostado que tivesse podido ouvi-la... com que boa fé e com que generosidade falava. Tivesse-me gostado que tivesse podido ouvi-la ao elogiar a

paciência de você ao ter tantas cuidados com ela, como sempre recebeu que você e de seu pai, quando sua companhia deve ser tão fastidiosa.

-OH! -exclamou Emma-. Já sei que é a mulher melhor do mundo. Mas deve você reconhecer que nela a bondade e a ridicularia vão unidas da maneira mais lamentável.

-Sim -disse ele-, reconheço que são duas coisas que nela vão unidas; e se estivesse em boa posição não teria grande inconveniente em que, de um modo ocasional, a ridicularia prevalecesse sobre a bondade. Se fosse uma mulher rica deixaria que todas suas tolices inofensivas tivessem o comentário que merecem, e não a arreganharia a você por haver-se permitido certas liberdades de expressão. Se sua posição fora igual à sua... mas, Emma, pense que este não é o caso nem muitíssimo menos. É pobre; veio a menos e teve que abandonar as comodidades entre as que nasceu; e provavelmente, se ainda o ficam muitos anos de vida, ainda terá que renunciar a mais costure. Em sua situação é obrigado que você a compadeça. Não! Fez você muito mal, muito mal! Você, a quem ela conheceu desde menina, que a viu crescer em uma época em que seu trato honrava a todo mundo... que agora você seja a que em um, momento de ligeireza e de orgulho dela ria, quem a humilhe... e além diante de sua sobrinha... e diante de outras pessoas, muitas das quais (pelo menos algumas) guiarão-se cegamente pelo modo em que você a trate... Isso não é digno de você, Emma... e a mim não pode me resultar agradável não; mas acredito que devo... sim, que devo, enquanto possa, lhe dizer essas verdades e ter o consolo de saber que me levei como um amigo leal que lhe dá um bom conselho, e confiar em que um dia ou outro se dará você conta da razão que tenho.

Enquanto falavam foram andando para o carro, que já estava disposto; e antes de que Enema pudesse replicar ele já a tinha ajudado a subir; o senhor Knightley havia interpretado mal os sentimentos que tinham impulsionado a jovem a manter-se com a cara volta e em silêncio. Não eram mais que uma mescla de indignação consigo mesma, de mortificação e de profundo pesar. Não lhe tinha sido possível falar; e ao entrar no carro deixou-se cair no assento, verdadeiramente afligida por uns instantes... logo se reprovou a si mesmo não haver-se despedido, não ter reconhecido a verdade daquelas repreensões, lhe haver dado a impressão de estar zangada; apareceu ao guichê com o propósito de corrigir sua atitude por todos os meios; mas já era muito tarde. Ele afastou-se e os cavalos iniciavam a marcha. Seguiu olhando para trás; mas em vão; e em seguida, com o que lhe pareceu uma rapidez maior que a habitual, estiveram já a meia costa da colina e tudo ficou muito longe. Emma se sentia mais irritada de o que tivesse podido expressar com palavras... inclusive mais do que era capaz de dissimular. Nunca, em nenhum momento de sua vida se havia sentido tão nervosa, tão mortificada, tão abatida. Aquela cena tinha sido superior a tudo. A verdade dos recriminações que lhe tinham feito era inegável. Sentia-o de todo coração. Como havia podido ser tão brutal, tão cruel com a senhorita Bate! Como tinha podido expor-se a que os que a apreciavam formassem tão má opinião dela? E como tinha deixado que o senhor Knightley se separasse dela sem lhe dizer nenhuma palavra de gratidão, de aceitação de suas censuras, de simples afeto?

O tempo não a consolava. quanto mais refletia sobre tudo aquilo mais profundamente causar pena se sentia. Nunca tinha estado tão abatida. Felizmente não o era necessário falar; a seu lado só ia Harriet, que também parecia de mau humor, cansada e sem vontades de falar; e durante quase todo o caminho Emma sentiu que as lágrimas lhe corriam pelo rosto, sem que nenhum sucesso a obrigasse a reprimir aquela expansão tão pouco freqüente nela.

 

DURANTE toda a tarde Emma não pôde esquecer o mau sabor de boca que lhe havia deixado a excursão ao Box Hill. Não tivesse sabido dizer como outros haviam considerado aquela excursão. Possivelmente, cada qual em sua casa e cada qual a seu modo, a recordariam com prazer; mas para ela tinha sido a manhã mais completamente desperdiçada, mais falta de toda compensação razoável e que mais desejos tinha de que apagasse-se de sua lembrança de todas as de sua vida. Toda uma tarde de jogar chaquete com seu pai representou a felicidade. Aquele era o major, o mas real de seus prazeres, já que consagrava as melhores horas das vinte e quatro daquele dia a dar satisfação a seu pai; pensava que, embora não era merecedora do profundo afeto e da segura estima do senhor Knightley, em geral sua conduta tampouco merecia uma recriminação muito severo.

Como filha confiava em que não deixava de ter coração; confiava em que ninguém podia lhe dizer: «Como pôde ser você tão cruel para com seu pai? Acredito que devo... sim, que devo, enquanto possa, lhe dizer essas verdades.» A senhorita Bate... OH, não, nunca mais, nunca mais voltaria a fazê-lo! Se as cuidados que no futuro pudesse ter com ela faziam que se esquecesse o passado, estava segura de que conseguiria ser perdoada. Freqüentemente levou-se mal com ela, sua consciência agora o dizia. Possivelmente se tinha levado pior de pensamento que de fato; tinha sido depreciativa, pouco amável. Mas não voltaria a ocorrer. No ardor de um verdadeiro arrependimento, ao dia seguinte pela manhã iria a visitá-la, e aquele não seria por sua parte mais que o princípio de uma relação regular, justa e amistosa.

Ao dia seguinte seguia firme em seu propósito, e saiu cedo de sua casa para que nada pudesse estorvar seu plano. Considerou provável que encontrasse pelo caminho ao senhor Knightley; ou talvez se apresentasse em casa das Tacos de beisebol enquanto ela estava de visita. Não tinha nenhum inconveniente. Não ia a 'envergonhar-se porque vissem sua penitência, tão merecida e imposta por ela mesma. Enquanto andava seu olhar não se separou da direção do Donwell, mas não lhe viu.

«Todas as senhoras estão em casa.» Palavras que nunca lhe tinham produzido muita alegria, como nunca antes de então tinha penetrado por aquele corredor, nem subido aquelas escadas com desejos de proporcionar um prazer, a não ser simplesmente de cumprir com uma obrigação, que não ia lhe dar nenhum gosto a não ser o do espetáculo da ridicularia.

Enquanto se aproximava ouviu que se produzia um revôo; passos rápidos e palavras apressadas. Ouviu a voz da senhorita Bate que dava pressas a alguém; a faxineira parecia assustada e confusa; rogou-lhe que esperasse um momento e logo a fez entrar muito logo. Tia e sobrinha pareceram fugir à habitação do lado; e Emma teve a visão fugaz de uma Jane que dava a impressão de encontrar-se muito mal; e antes de que a porta acabasse de fechar-se ouviu que a senhorita Bate dizia:

-Bom, querida, direi que te deitaste e estou segura de que te encontra mal para isso.

A pobre senhora Bate, cortês e humilde como de costume, não parecia haver entendido muito bem tudo o que estava passando.

-Temo que Jane não se encontre muito bem -disse-, mas não sei; elas dizem que está bem. Acredito que minha filha virá em seguida, senhorita Woodhouse. Agarre uma cadeira para sentar-se, por favor. Se Hetty não se foi... Eu sirvo para tão pouco... Já há encontrado a cadeira? Sinta-se onde você prefira. Seguro de que minha filha vem em seguida.

Emma desejava ardentemente que fora assim; por um momento teve medo de que a senhorita Bate não queria sair a recebê-la; mas a senhorita Bate não demorou para aparecer.

-OH, que alegria vê-la! Não sabe como o agradeço!

Mas a consciência da Emma lhe dizia que não falava com a mesma afetuosa volubilidade de antes... que era menos espontânea em suas palavras e em suas maneiras.

Confiou em que o mostrar-se vivamente interessada pela senhorita Fairfax podia contribuir a restabelecer a cordialidade de antes. O efeito foi imediato.

-Ah! Senhorita Woodhouse... que amável é você! Suponho que terá ouvido você dizer... e que vem você a nos consolar. A verdade é que eu não dou a impressão de estar muito consolada... -enxugando uma ou duas lágrimas- mas é que é muito duro para nós nos separar dela depois de havê-la tido em casa durante tanto tempo; e agora tem uma enxaqueca tão horrível... claro que esteve escrevendo toda a manhã... E cartas tão largas, sabe você?, tinha que escrever ao coronel Campbell e à senhora Dixon... «Querida», hei-lhe dito eu, «vais voltar te cega»... porque constantemente tinha os olhos cheios de lágrimas. Não é de sentir saudades, não é de sentir saudades. É uma grande mudança; e embora tenha tido uma sorte incrível... um emprego como este... Eu suponho que nenhuma jovem encontrou jamais uma coisa parecida a primeira vez que o tenta... Não cria que somos ingratas, senhorita Woodhouse... Damo-nos conta de que há tido muchísima sorte... -voltando a secar umas lágrimas- mas... minha pobrecilla...!

Se visse você a enxaqueca que tem! Quando se tem uma pena muito grande já sabe você que não se pode apreciar a boa sorte como merece... E está tão abatida... Vendo-a ninguém diria que está tão contente, que se sente tão feliz por ter conseguido um emprego como este. Você já perdoará que não saia a vê-la... é que não poderia... foi-se a seu habitação... eu lhe hei dito que se deitasse. «Querida», hei-lhe dito, «direi que te há deitado»; mas a verdade é que não se colocou na cama; está dando voltas pela habitação. Mas agora que já tem as cartas escritas, diz que em seguida se encontrará bem. Não sabe o que lamentará o não vê-la a você, senhorita Woodhouse, mas você que é tão pormenorizada, saberá perdoá-la. Temo-la feito esperar na porta... eu estava tão envergonhada!... mas como havia um pouco de revôo... porque, verá, o que passou foi que não a ouvimos chamar, e até que estava na escada não nos demos conta de que vinha alguém. «Só é a senhora Penetre», hei dito eu, «podem estar seguras.

Ela é quão única vem tão cedo». «Bom», há dito ela, «um dia ou outro terei que vê-la, tanto dá que seja agora mesmo». Mas então entrou Patty e há dito que era você. «OH!», hei dito, «é a senhorita Woodhouse. Estou segura de que você gostará vê-la». «Não posso receber a ninguém», há dito ela, e se levantou e se foi; e este há sido o motivo de que a tenhamos feito esperar... nós o havemos sentido tanto, há-nos dado tanta vergonha. «Se tiver que ir, querida, vete», hei-lhe dito, «direi que te há deitado».

Emma ficou sinceramente comovida; fazia tempo que cada vez sentia mais afeiçoado pelo Jane; e a descrição das tribulações pelas que acontecia aqueles momentos apagaram de sua memória toda suspeita e todo receio, e só lhe inspirou compaixão. E o recordar impressões menos justas e menos amáveis do passado, obrigaram-lhe a admitir que era muito natural que Jane decidisse ver a senhora Penetre ou a qualquer outra de seus amigas mais constantes, e que não suportasse a idéia de vê-la a ela. Falou, pois, de acordo com seus sentimentos, lamentando vivamente a situação e mostrando-se interessada por ela.., desejando sinceramente que as circunstâncias que conforme acabava de lhe referir a senhorita Tacos de beisebol eram já um fato, representassem as máximas vantagens que fora possível para a senhorita Fairfax. Disse que compreendia que era uma dura prova para todos eles; mas que tinha ouvido dizer que ia postergar se até a volta do coronel Campbell.

-Que amável é você! -replicou a senhorita Bate-. Mas você é sempre tão amável!

Emma não podia suportar aquele «sempre»; e para esquivar sua temível gratidão, perguntou diretamente:

-E aonde, se me permitir a curiosidade, irá a senhorita Fairfax?

-A casa da senhora Smallridge... uma mulher encantadora... de grande posição... se cuidará de suas três filhas... umas meninas deliciosas. Não era possível imaginar um emprego mais adequado, mais conveniente; excetuando talvez a própria família da senhora Suckling e a da senhora Bragge; mas a senhora Smallridge é íntima amiga das duas e vive muito perto delas...; vive a só quatro milhas do Maple Grove. Jane estará só a quatro milhas do Maple Grove.

-Suponho que a senhora Elton é a pessoa a quem a senhorita Fairfax deve...

-Sim, nossa boa senhora Elton. A mais infatigável e leal das amigas. Não houvesse aceito uma negativa; não tivesse mimado que Jane lhe dissesse que não; porque a primeira vez que o disse ao Jane (isso foi anteontem, ou seja a manhã que estivemos em Donwell), a primeira vez que o disse ao Jane ela estava completamente decidida a não aceitar o oferecimento, e precisamente pelas razões que você mencionou;

exatamente como você há dito se proposto não comprometer-se a nada até que retornasse o coronel Campbell, e no momento não havia maneira de convencer a de que aceitasse nenhum emprego... e assim o disse à senhora Elton uma e outra vez... e bem sabe Deus que eu não tinha a menor ideia de que ia trocar de opinião... Mas a boa senhora Elton, que sempre é tão aguda, viu mais claro que eu. Ela era a única capaz de insistir de um modo tão amável como o fez e negar-se a aceitar a resposta do Jane... Se negou em redondo a escrever dando esta negativa ontem, como Jane queria que o fizesse;

disse que esperaria... e sim senhor, ontem pela tarde se lembrou que Jane aceitava. Para mim há sido uma grande surpresa! Eu não tinha nem a menor ideia! Jane se levou à parte à senhora Elton e lhe disse em seguida que depois de ter pensado sobre as vantagens do emprego em casa da senhora Smallridge, tinha decidido aceitá-lo... Eu não soube nenhuma palavra de isso até que tudo esteve resolvido.

-Passaram vocês a tarde em casa da senhora Elton?

-Sim, todos. A senhora Elton insistiu em que fôssemos. Decidimo-lo na colina, enquanto passeávamos com o senhor Knightley. «Todos vocês vão vir a minha esta casa tarde, verdade?», disse-nos; «queria que todos vocês viessem a minha casa esta tarde».

-Então, o senhor Knightley também esteve ali, não?

-Não, o senhor Knightley não; ele já disse do primeiro momento que não podia; e embora eu acreditava que acabaria indo, porque a senhora Elton afirmou que não consentia que se negasse, não foi; mas estivemos minha mãe, Jane e eu, as três, e passamos uma tarde muito agradável. Já sabe você, senhorita Woodhouse, entre amigos tão amáveis uma sempre o passa bem, embora todo mundo parecia estar um pouco cansado depois da excursão da manhã. Já se sabe, inclusive divertir-se é cansado... e não é que possa dizer que dessem a impressão de que se divertiram muito. Apesar de todo eu sempre pensarei que foi uma excursão muito agradável, e me sinto muito agradecida aos bons amigos que me convidaram.

-Mas suponho que a senhorita Fairfax, embora vocês não se dessem conta, esteve tudo o dia lhe dando voltas ao assunto.

-Eu também o suponho.

-Era forçoso que ao chegar este momento o sentissem tanto ela como todos seus amigos...

Mas confio em que seu trabalho lhe seja o mais agradável possível... Refiro-me ao caráter e ao trato dessa família.

-Muito obrigado, querida senhorita Woodhouse. Sim, a verdade é que parece ser que não vai a lhe faltar nada para ser totalmente feliz. Entre todas as relações da senhora Elton, excetuando as casas dos Suckling e dos Bragge, não havia outro posto de institutriz em outra família mais generosa e distinguida. A senhora Smallridge é uma dama encantadora! Levam um trem de vida quase igual ao do Maple Grove... E quanto aos meninos, excetuando aos dos Suckling e aos dos Bragge, não é possível encontrar criaturas mais finas e mais distinguidas. Jane será tratada com tanto afeto e tanta delicadeza!

Não terão mais que cuidados para com ela, o que se diz uma vida dada de presente...

E que salário! Eu é que não me atrevo a citar esse salário diante de você, senhorita Woodhouse. Inclusive você, que está acostumada a somas tão elevadas, logo que poderia acreditar que se dê tanto dinheiro a uma moça tão jovem como Jane...

-Verá você -exclamou Emma-, se todos outros meninos forem como lembrança que eu era de pequena, inclino-me a acreditar que pagar cinco vezes o que está acostumado a dar-se às institutrices não é lhes dar de presente o dinheiro.

-Você sempre tão pormenorizada e generosa!

-E quando vai deixar lhes a senhorita Fairfax?

-Pois muito em breve, a verdade é que muito em breve. Isso é o pior de tudo. dentro de quinze dias. A senhora Smallridge tem muita pressa. Não sei como poderá suportá-lo meu pobre mãe. Eu faço o que posso por tirar-se o da cabeça e lhe digo: «Vamos, mamãe, não pense mais nisso..."

-Todos seus amigos sentirão muito perdê-la; e não lhes sentará mal ao coronel e à senhora Campbell que se comprometeu antes de que eles retornem?

-Sim; Jane diz que está segura que o lamentarão; mas, claro, este é um emprego que não crie-se com direito a rechaçar. Eu fiquei tão surpreendida quando me disse o que o havia dito à senhora Elton, e quando a senhora Elton veio em seguida a me felicitar! Foi antes de tomar o chá... não, espere... não podia ser antes do chá porque começávamos a jogar às cartas... mas, sim, sim, era antes do chá porque lembrança que pensei... OH, não! Agora me acordo, já está; antes do chá ocorreu algo, mas não isto. Antes do chá ao senhor Elton o chamaram porque o filho do velho John Abdy queria falar nele. Pobre John...! Eu o tenho muito afeto; trabalhou para meu pobre pai durante vinte e sete anos; e agora o pobre tem muita idade, não pode levantar-se da cama e o passa muito mal com seu reumatismo... Hoje mesmo tenho que ir ver lhe; e estou segura de que Jane se sair à rua também irá ver lhe. E o filho do pobre John foi falar com o senhor Elton para ver se a paróquia podia lhe ajudar; ele ganha bem a vida, sabe você?, pagam-lhe bem na Coroa, é moço de mulas e todas essas coisas, mas apesar de tudo necessita ajuda para manter a seu pai. E quando voltou a entrar o senhor Elton nos disse o que lhe havia estado contando John, a moço, e logo se falou de que tinham enviado ao Randalls uma cadeira de posta para recolher ao senhor Frank Churchill que tinha que voltar para o Richmond. Isso é o que ocorreu antes do chá. E depois do chá Jane falou com a senhora Elton.

A senhorita Bate logo que deu ocasião a Emma de que dissesse que aquele fato era absolutamente novo para ela; mas, embora sem acreditar possível que pudesse ignorar nenhum dos detalhes da partida do senhor Frank Churchill, imediatamente se os notificou todos, a jovem não teve que fazer nenhuma pergunta.

Pelo que o senhor Elton se inteirou pela moço era a soma do que este sabia e do que sabiam os criados do Randalls; pouco depois da volta da excursão a Box Hill tinha chegado um mensageiro do Richmond, que trazia notícias que não causaram nenhuma surpresa; o senhor Churchill tinha escrito uma carta a seu sobrinho, em que o referia o estado de saúde, relativamente normal, da senhora Churchill, e só lhe rogava que retornasse ao mais demorar ao dia seguinte pela manhã; mas o senhor Frank Churchill tinha decidido retornar imediatamente sem demorar mais sua partida, e como ao parecer seu cavalo tinha um esfriamento, Tom tinha saído ao ponto em busca da cadeira de posta da Coroa, e o filho do John Abdy o tinha encontrado pelo caminho e se havia deixado adiantar por ele, já que ia a toda pressa e conduzindo com mão muito firme.

Nada de todo aquilo resultava nem surpreendente nem muito interessante, e só chamou a atenção da Emma quando esta o relacionou com o caso que a preocupava naqueles momentos. Ficou impressionada pensando no contraste entre os caprichos que podia permiti-la senhora Churchill e a vida do Jane Fairfax; a uma o tinha tudo, a outra não tinha nada... E esteve refletindo sobre a diversidade do destino de certas mulheres, totalmente alheia ao que tinha ante os olhos, até que se sobressaltou para ouvir dizer à senhorita Bate:

-Ai, sim! Já sei no que está pensando você... o piano. O que vamos fazer do piano?

Sim, sim, é certo. Agora mesmo a pobre Jane estava falando disto. Falava com o piano e lhe dizia: «Terá que ir daqui. Teremos que nos separar. Aqui já não serviria para nada...» E logo nos há dito : «Mas não o toquem até que volte o coronel Campbell. Eu falarei com ele e já o levará; ele me ajudará a resolver todos meus problemas...» E ainda hoje estou convencida de que não sabe ainda se foi um presente do coronel ou de sua filha.

Emma se viu obrigada, pois, a pensar no piano; e a lembrança de todas suas antigas hipóteses fantasiosas e injustas foi tão desagradável, que não demorou para permitir-se considerar que a visita já tinha sido o suficientemente larga; e, depois de repetir tudo o que acreditava próprio dizer quanto a bons desejos, que eram sinceros, despediu-se.

 

ENQUANTO retornava andando a sua casa, as meditações da Emma não foram interrompidas; mas ao entrar no salão encontrou ali a quem devia distrair a de seus pensamentos. O senhor Knightley e Harriet tinham chegado durante sua ausência e estavam conversando com seu pai. O senhor Knightley ao vê-la-se levantou imediatamente, e com um ar mais sério que de costume disse:

-Não queria ir sem vê-la, mas não tenho tempo que perder, ou seja que tenho que ir diretamente ao assunto. Vou a Londres a passar uns dias com o John e Isabella. Quer você que lhes dê ou lhes diga algo de sua parte, além disso do «afeto» que não pode transmitir-se por uma terceira pessoa?

-Não, não, nada. Mas, decidiu-o você de repente?

-Pois... sim... mas bem sim... Recentemente que me ocorreu a idéia.

Emma estava segura de que ele não a tinha perdoado; sua atitude era distinta. Mas confiava que o tempo lhe convenceria de que deviam voltar a ser amigos. Enquanto ele seguia de pé, como disposto a ir-se de um momento a outro mas sem acabar de fazê-lo, seu pai começou a fazer perguntas.

-Bom, querida, não te ocorreu nada pelo caminho? Como encontraste a meu boa amiga e a sua filha? Estou convencido de que terão estado muito contentes de que fosses ver as. Emma foi a visitar a senhora e à senhorita Bate, senhor Knightley, como já lhe hei dito antes. Sempre é tão atenta com elas...

Emma avermelhou para ouvir um elogio tão imerecido; e sonriendo e negando com a cabeça, gesto que não podia ser mais eloqüente, olhou ao senhor Knightley... Acreditou perceber uma foto instantânea impressão em favor dele, como se os olhos dele captassem nos seus a verdade e todos aqueles bons sentimentos da Emma fossem em um momento compreendidos e honrados... Ele a olhava com afeto. Emma se sentia sobradamente recompensada... e mais ainda quando um momento depois ele iniciou um gesto que delatava algo mais que uma simples amizade... Agarrou-lhe a mão... Emma não tivesse podido dizer se não tinha sido ela quem tinha feito o primeiro movimento... possivelmente mas bem a havia devotado... mas lhe agarrou a mão, apertou-a e esteve a ponto de levar-lhe aos lábios...

mas algo lhe fez trocar de idéia e a deixou cair bruscamente... Ela não adivinhava por que tinha tido aquele reparo, por que tinha trocado de opinião quando só faltava completar o gesto... Segundo Emma fizesse melhor de chegar até o fim... Sem embargo a intenção era indubitável; e já fora porque aquilo contrastava com seus maneiras em geral pouco galantes, já por qualquer outro motivo, considerou que nada o sentava melhor... Nele era um gesto tão singelo e entretanto tão cavalheiresco... Não podia por menos de recordar o intento com grande complacência. Revelava uma amizade tão cordial... Imediatamente depois se despediu... e se foi em seguida. O senhor Knightley sempre o fazia tudo com uma segurança inimizade de toda indecisão e toda demora, mas naqueles momentos sua partida parecia mais brusca do que era habitual nele.

Emma não lamentava ter ido visitar a senhorita Bate, mas sim tivesse preferido ter saído dali dez minutos antes; tivesse-lhe gostado de muito poder falar com o senhor Knightley sobre o emprego do Jane Fairfax... Tampouco lamentava o que visitasse a família de Brunswick Square porque sabia a alegria que ia proporcionar sua visita...

mas tivesse preferido que tivesse eleito uma época melhor... e que se inteirou de sua marcha com mais antecipação... Entretanto, separaram-se muito amigavelmente;

Emma não podia duvidar do que significava sua atitude e sua galanteria inacabada; tudo aquilo tinha por objeto lhe dar a segurança de que voltava a ter boa opinião dela...

O senhor Knightley tinha estado no Hartfield mais de meia hora... Que lástima que não houvesse tornado mais cedo!

Com a esperança de distrair a seu pai da desagradável impressão da marcha a Londres do senhor Knightley (uma marcha tão precipitada, e além disso tendo em conta que ia a cavalo, o qual podia ser tão perigoso!), Emma lhe comunicou as notícias de Jane Fairfax, e suas palavras produziram o efeito que esperava; conseguiu lhe distrair... e lhe interessar, sem chegar a fazer que se preocupasse. O senhor Woodhouse fazia já tempo que se tinha feito à idéia de que Jane Fairfax ia empregar se como institutriz e podia falar disso tranqüilamente; mas a súbita partida para Londres do senhor Knightley tinha sido um golpe inesperado.

-Não sabe o que me alegro de saber que encontrou um emprego tão conveniente. A senhora Elton é muito boa pessoa e muito agradável, e estou seguro de que suas amizades são como devem ser. Confio em que o clima será seco e que se ocuparão de sua saúde. Deveriam lhe ter todas as cuidados, como estou seguro de que eu sempre tive com a pobre senhorita Taylor. Olhe, querida, ela será para esta senhora quão mesmo a senhorita Taylor era para nós. E espero que em um aspecto terá mais sorte, e não a obrigarão a ir-se casar-se depois de ter estado tanto tempo na casa.

Ao dia seguinte as notícias que se receberam do Richmond fizeram esquecer todos os demais acontecimentos. Ao Randalls chegou um próprio para anunciar a morte da senhora Churchill! Apesar de que não se deram motivos alarmantes a seu sobrinho para que se apressasse a retornar, quando chegou apenas ficavam trinta e seis horas de vida. Um ataque repentino, de um mal de natureza distinta do que fazia prever seu estado general, tinha-lhe causado a morte depois de uma breve agonia. A grande senhora Churchill tinha deixado de existir!

Sua morte foi sentida como devem sentir-se essas coisas. Todo mundo se mostrou um pouco sério, um pouco causar pena; compassivo para com a que se foi, interessado pelos amigos que a sobreviviam; e ao cabo de um tempo razoável, curioso por saber onde a enterrariam. Goldsmith diz que quando uma mulher encantadora começa a voltar um pouco louca o melhor que pode fazer é morrer; e que quando começa a voltar-se desagradável, esta é também a melhor solução para evitar ter uma má fama. Depois de ter sido aborrecida ao menos durante vinte e cinco anos, agora a senhora Churchill tivesse podido ouvir como se falava dela com compassiva benevolência. Em um aspecto tinha demonstrado ter razão. antes de então nunca ninguém tinha acreditado que se encontrava gravemente doente. Sua morte justificou, pois, todas suas manias, todos os males imaginários que inventava seu egoísmo.

«Pobre senhora Churchill! Sem dúvida tinha sofrido muito; mais do que ninguém havia suposto... e o sofrimento contínuo sempre azeda o caráter. Um lamentável acontecimento... deixava um grande vazio... apesar de todos seus defeitos... O que faria agora o senhor Churchill sem ela? Certamente, para o senhor Churchill a perda era irreparável. O senhor Churchill nunca conseguiria sobrepor-se a ela...» Inclusive o senhor Weston cabeceou tristemente e adotando um ar de solenidade disse:

-Ah! Pobre mulher! Quem o tivesse pensado!

E decidiu que seu luto seria o mais sério que fora possível; enquanto sua esposa, inclinada sobre suas largas pregas, suspirava e fazia comentários cheios de sentido comum e de compaixão sincera e profunda. Uma das primeiras coisas que ocorreu a ambos foi perguntar-se que repercussões ia ter no Frank aquele fato. Esta foi também uma de as primeiras coisas nas que pensou Emma. A personalidade da senhora Churchill, o dor de seu marido... pensava neles com respeito e com compaixão... e logo, com uma visão menos sombria, perguntava-se até que ponto aquele acontecimento podia afetar ao Frank, até que ponto podia lhe beneficiar, lhe liberar. Em um momento acreditou prever todas as vantagens possíveis. Agora, suas relações com o Harriet Smith não foram encontrar nenhum obstáculo. Ninguém temia ao senhor Churchill, uma vez sua esposa tivesse deixado de exercer influencia sobre ele; um homem brando de caráter, dócil, a quem seu sobrinho convenceria de algo. O único, pois, que faltava por desejar era que o sobrinho se propor fixar seu interesse em uma pessoa concreta, e Emma, apesar da boa vontade que mostrava naquela causa, não tinha nenhuma certeza de que isso fosse já um fato real.

Harriet se comportou extraordinariamente bem naquela ocasião, com grande domínio de si mesma. Fossem quais fossem as esperanças que o sucesso lhe permitissem alimentar, não delatou nada de seus sentimentos. Emma ficou muito agradada ao observar esta demonstração de que seu caráter se estava robustecendo, e se absteve de fazer a menor alusão que pudesse debilitar sua integridade. portanto, as duas amigas falaram da morte da senhora Churchill com muita circunspeção.

No Randalls se receberam várias breves missivas do Frank Churchill, lhes comunicando o mais importante de sua situação atual e de seus planos imediatos. O estado de ânimo do senhor Churchill era melhor do que pudesse haver-se esperado; e ao partir o cortejo fúnebre em direção ao condado dos York, a primeira visita que tinha feito tinha sido a um velho amigo dele que vivia no Windsor e a quem o senhor Churchill tinha estado prometendo que visitaria desde fazia dez anos. No momento não podia fazer-se nada pelo Harriet; por parte da Emma o único que lhe era possível era formular bons desejos para o futuro.

Muito mais urgente era emprestar atenção ao Jane Fairfax, cujo futuro se escurecia tanto como o do Harriet se esclarecia, e cujos compromissos iminentes não permitiam que ninguém do Highbury que tivesse desejos de mostrar-se amável para com ela, atrasasse-se o mais mínimo, porque ficava muito pouco tempo... e este era precisamente o desejo que agora dominava a Emma. Jamais tinha lamentado tanto a atitude de frieza que havia tido para com ela em outros tempos; e a mesma pessoa que durante tantos meses o tinha sido totalmente indiferente, agora era com a que se considerava mais em dívida, a quem tivesse distinto com todo seu afeto e sua simpatia. Queria lhe ser útil; desejava lhe demonstrar que apreciava sua companhia, que acreditava digna de respeito e de consideração.

Decidiu convencê-la para que passasse um dia no Hartfield. E lhe escreveu uma nota convidando-a. O convite foi rechaçada com uma simples resposta verbal. «A senhorita Fairfax não se encontrava em condições de poder escrever»; e quando o senhor Perry foi a Hartfield aquela mesma manhã, soube-se que a jovem se encontrou tão mal que tinha tido que ser visitada pelo médico, até contra sua própria vontade, e que sofria uma enxaqueca tão forte e uma febre nervosa tal que era duvidoso que pudesse ir a casa da senhora Smallridge nos dias que se acordaram. No momento sua saúde não podia ser mais precária... tinha perdido do todo o apetite... e embora não havia nenhum sintoma decididamente alarmante, nada que pudesse fazer pensar em sua antiga afecção pulmonar, que era o que mais temia sua família, o senhor Perry estava preocupado por ela.

Segundo sua opinião, a senhorita Fairfax se lançou a uma empresa superior a seus forças, e embora ela mesma compreendia que era assim, não queria reconhecê-lo. Estava muito abatida. A' casa que habitava -o médico não pôde por menos de comentá-lo- não era a mais adequada para seus estado de nervos... sempre encerrada em uma habitação... ele tivesse recomendado outro gênero de vida... E quanto a sua tia, embora era uma antiga amiga do senhor Perry, este devia confessar que não era a pessoa mais apropriada para fazer companhia a uma doente como ela. Que a cuidava e que a atendia em tudo era indubitável; só que em realidade a cuidava e a atendia muito. E ele se temia que aqueles cuidados contribuíam mais a piorá-la que a melhorá-la. Emma lhe escutava preocupadísima; cada vez mais causar pena por aquela situação, e laboriosa por encontrar o modo de lhe ser útil. Apartá-la... embora só fora por uma ou dois taras... de sua tia, lhe fazer trocar de ares e de panorama, lhe oferecer uma conversação aprazível e sensata, embora só fora por uma ou duas horas, podia lhe fazer muito bem. E à manhã seguinte voltou a lhe escrever com as palavras mais afetuosas que lhe ocorreram, lhe dizendo que iria a procurar a em seu carro à hora que Jane preferisse... indicando que contava com o assentimento do senhor Perry, quem se tinha mostrado decididamente favorável a que seu paciente fizesse um pouco de exercício. A resposta chegou nesta breve nota:

«Muito obrigado e afetuosas saudações de parte da senhorita Fairfax, mas não se encontra em condições de fazer nenhuma classe de exercício."

Emma teve a sensação de que sua nota merecia algo melhor; mas era impossível lutar contra aquelas palavras cuja trêmula desigualdade dizia bem às claras que tinham sido escritas por uma doente, e só pensou em qual podia ser o melhor meio para vencer sua repugnância a ser vista ou ajudada; portanto, apesar desta resposta mandou preparar o carro e se dirigiu a casa da senhora Bate com a esperança de que poderia convencer a Jane de que saísse com ela; mas foi em vão; a senhorita Bate foi até a porta do carro, desfazendo-se em amostras de gratidão e afirmando que coincidia totalmente com ela em pensar que tomar um pouco o ar lhe seria muito benéfico.., e servindo de intermediária entre ambas fez o que pôde para convencer a sua sobrinha, mas tudo em vão. A senhorita Bate se viu obrigada a retornar sem ter conseguido seu propósito; não havia modo de que Jane se deixasse convencer; a simples proposição de sair parecia que o fazia sentir-se pior... Emma tinha desejos de vê-la, e de provar seu poder de persuasão;

mas quase antes de que pudesse insinuar este desejo, a senhorita Bate lhe disse que havia prometido a sua sobrinha que por nada do mundo deixaria entrar na senhorita Woodhouse.

-A verdade é que a pobre Jane não pode sofrer o ver ninguém... a ninguém absolutamente...

Claro que, à senhora Elton não pudemos lhe dizer que não... e a senhora Penetre há insistido tanto... e como a senhora Perry também demonstrou tanto interesse... Mas, excetuando estes casos, Jane não recebe a ninguém.

Emma não queria ficar à mesma altura que a senhora Elton, a senhora Perry e a senhora Penetre, que conseguem quase pela força entrar em todas partes; tampouco acreditava ter nenhum direito preferivelmente... portanto, resignou-se, e as demais pergunta que fez a a senhorita Bate só se referiam ao apetite de sua sobrinha e ao que comia, pelo desejo de auxiliá-la em algo. Sobre esta questão a pobre senhorita Bate estava desolada e foi muito comunicativa; Jane logo que queria comer nada... o senhor Perry lhe recomendava que tomasse mantimentos nutritivos; mas tudo o que lhe davam (e bem sabia Deus que ninguém como eles podiam elogiar-se de ter vizinhos tão bons) rechaçava-o.

De retorno a sua casa, Emma chamou imediatamente a sua ama de chaves para que a ajudasse a passar revista às despensas; e mandou imediatamente a casa da senhorita Tacos de beisebol certa quantidade de arrurruz da melhor qualidade, junto com uma nota redigida nos términos mais cordiais. Ao cabo de meia hora o arrurruz era devolvido com mil obrigado de parte da senhorita Bate mas «minha querida Jane não esteve tranqüila até saber que o havíamos devolvido; é algo que ela não ia poder tomar... e uma vez mais insiste em dizer que não necessita nada».

Quando pouco depois Emma ouviu dizer que tinham visto o Jane Fairfax passeando pelos prados a certa distância do Highbury, a tarde do mesmo dia no que, com a desculpa de que não estava em condições de fazer nenhuma classe de exercício, tinha rechaçado tão tajantemente seu oferecimento de sair com ela no carro, não pôde ter já a menor dúvida, tendo em conta todos aqueles indícios, que Jane estava decidida a não admitir nenhum favor dela. Sentiu-o, sentiu-o muito. Estava muito doída ao ver-se em uma situação como aquela, possivelmente a mais penosa de todas, sentindo-se mortificada, dando-se conta de que tudo o que fizesse seria inútil e de que não podia lutar contra aquilo; e a humilhava o que dessem tão pouco crédito a seus bons sentimentos e a considerassem tão pouco digna de amizade; mas tinha o consolo de pensar que suas intenções eram boas e de poder-se dizer a si mesmo que se o senhor Knightley tivesse podido conhecer todos seus intentos para ajudar ao Jane Fairfax, se tivesse podido inclusive ler em seu coração, esta vez não tivesse encontrado motivos para lhe fazer nenhuma recriminação.

 

UMA manhã, uns dez dias depois da morte da senhora Churchill, Emma teve que baixar precipitadamente à porta para receber ao senhor Weston, que «só podia ficar cinco minutos e tinha uma grande urgência de falar com ela». O senhor Weston saiu a seu encontro à porta do salão, e depois de saudá-la em seu habitual tom de voz, imediatamente lhe sussurrou ao ouvido para que não lhes ouvisse seu pai:

-Pode vir ao Randalls esta mesma manhã? Venha por pouco que possa. A senhora Weston quer vê-la. Precisa vê-la. -encontra-se mau?

-Não, não; absolutamente; só um pouco nervosa. Tivesse podido fazer preparar o carro e vir ela mesma; mas tem que vê-la a sós, e, claro, aqui... -assinalando a seu pai com a cabeça-. Bom... você pode vir?

-Certamente. Agora mesmo se quiser. É-me impossível me negar a uma coisa que me pede deste modo. Mas do que se trata? De verdade que não está doente?

-Não, não, não se trata de nada disso... Mas não faça mais perguntas. Em seguida saberá tudo. É o mais incrível...! Mas vamos, vamos!

Inclusive a Emma resultava impossível adivinhar o que significava todo aquilo. Por seu tom deduziu que se tratava de um pouco realmente importante; mas como seu amiga se encontrava bem, tentou tranqüilizar-se, e depois de explicar a seu pai que ia sair a dar um passeio, ela e o senhor Weston não demoraram para sair juntos da casa e em dirigir-se a Randalls a um passo muito vivo.

-Agora -disse Emma, quando já se afastaram bastante da grade da casa-, agora, senhor Weston, me diga o que ocorreu.

-Não, não -replicou ele muito sério-, não me pergunte isso . prometi a minha esposa que deixaria-lhe contar-lhe tudo. Ela o contará melhor que eu. Não seja impaciente, Emma, dentro de um momento saberá tudo.

-Não, diga-me isso agora -exclamou Emma detendo-se horrorizada-. Santo Céu! Senhor Weston, diga-me isso em seguida... ocorreu algo em Brunswick Square, verdade? Sim, estou segura. diga-me isso me conte agora mesmo tudo o que passou.

-Não, não, equivoca-se você...

-Senhor Weston, não você jogue comigo... você pense em quantos seres queridos tenho agora em Brunswick Square. Qual deles é? Rogo-lhe pelo mais sagrado... não trate de me ocultar isso que diga que no se trata de un asunto desagradable... pero las cosas podrían ser mucho -Emma, dou-lhe minha palavra...

-Sua palavra...! por que não me jura isso? por que não me jura que é algo que não tem nada que ver com nenhum deles? Santo Céu! O que podem ter que me comunicar que não seja referente a alguém daquela família?

-Juro-lhe -disse ele gravemente- que não tem nada que ver com eles. Não tem a menor relação com ninguém que leve o sobrenome Knightley.

Emma cobrou ânimos e seguiu andando.

-Expressei-me mau -seguiu dizendo o senhor Weston- ao dizer que era algo que tínhamos que lhe comunicar. Não tivesse tido que dizer-lhe assim. Em realidade não o concerne a você... só me concerne ... quer dizer, isso é o que esperamos... Sim, isso é... em resumo, minha querida Emma, que não há motivos para que se intranqüilize. Não é que diga que não se trata de um assunto desagradável... mas as coisas poderiam ser muito pior... se apertarmos o passo em seguida chegaremos ao Randalls.

Emma compreendeu que devia esperar; e agora já não lhe exigia tanto esforço; pelo tão não fez mais perguntas, dedicando-se simplesmente a deixar voar sua fantasia, e isso não demorou para lhe levar a hipótese de que devia tratar-se de algum problema de dinheiro...

algum feito desagradável que se teria acabado de descobrir no seio da família...

algo do que se teriam informada graças ao recente falecimento da senhora Churchill.

Sua fantasia era incansável. Talvez meia dúzia de filhos naturais... E o pobre Frank deserdado! Uma coisa assim não era nada agradável, mas tampouco era para angustiá-la.

Apenas lhe inspirava algo mais que uma viva curiosidade.

-Quem é aquele senhor a cavalo? -disse ela enquanto seguiam andando.

Emma falava sobre tudo com a intenção de ajudar ao senhor Weston a guardar seu secreto.

-Não sei... um dos Otway... não é Frank; asseguro-lhe que não é Frank. Não lhe verá você. A estas horas está a meio caminho do Windsor.

-Então é que lhes tem feito uma visita, não?

-OH, sim! Não sabia? Bom, não tem importância.

Permaneceu em silencio durante uns momentos; e logo acrescentou em um tom muito mais precavido e grave:

-Sim, Frank veio a nos ver esta manhã só para saber como estávamos.

Apertaram o passo e não demoraram para chegar ao Randalls.

-Bom, querida -disse ao entrar no salão-, já vê que lhe trouxe isso; agora suponho que logo se sentirá melhor. Deixarei-lhes sozinhas. Não serviria de nada seguir postergando-o. Não irei muito longe se por acaso me necessitam.

E Emma ouviu claramente que acrescentava em voz mais baixa antes de abandonar a estadia:

-cumpri minha palavra, não tem nem a menor ideia.

A senhora Weston tinha tão mau aspecto e parecia tão preocupada que a inquietação de Emma aumentou; e logo que estiveram sozinhas a jovem disse rapidamente:

-O que ocorre, minha querida amiga? Vejo que aconteceu algo muito desagradável; me diga imediatamente do que se trata. vim durante todo o caminho sem saber o que pensar.

As duas odiamos os mistérios. Não me tenha por mais tempo nesta incerteza. Lhe fará bem falar desta desgraça, seja o que seja.

-É certo que ainda não sabe nada? -disse a senhora Weston com voz tremente-. Não adivinhas, minha querida Emma... não é capaz de adivinhar o que vai ouvir?

-Suponho que é algo referente ao senhor Frank Churchill, não?

-Sim, acertaste-o. É algo que se refere a ele, e lhe vou dizer isso sem mais rodeios - reemprendiendo seu trabalho e parecendo decidida a não levantar os olhos dela-; esta mesma amanhã veio a nos ver para nos dizer algo inimaginável. Não pode imaginar a surpresa que tivemos. veio para falar com seu pai... para lhe anunciar que estava apaixonado...

interrompeu-se para tomar fôlego. primeiro Emma pensou em si mesmo e logo em Harriet.

-Bom, em realidade se trata de algo mais que de um amor -seguiu dizendo a senhora Weston-; é todo um compromisso... um compromisso matrimonial em toda regra...

O que vais dizer, Emma... o que vão dizer outros quando se souber que Frank Churchill e a senhorita Jane Faírfax estão prometidos; melhor dizendo, que faz já muito tempo que estão prometidos!?

Emma, boquiaberta, incorporou-se... e exclamou cheia de estupefação.

-Jane Fairfax! Céu Santo! Não falará a sério? Não posso acreditá-lo.

-Compreendo que fique assombrada -seguiu a senhora Weston ainda sem levantar os olhos e falando com rapidez para que Emma tivesse tempo de refazer-se-, compreendo que fique assombrada. Mas é assim. Entre 'eles há um compromisso formal do passado mês de outubro... a coisa ocorreu no Weymouth e foi um segredo para todo o mundo. Ninguém mais o soube... nem os Campbell, nem a família dela nem a dele... É algo tão fora de quão comum embora esteja totalmente convencida do fato a mim mesma me resulta incrível. Logo que posso acreditá-lo... eu que acreditava lhe conhecer...

Emma logo que ouvia o que lhe diziam... sua mente se achava dividida entre duas idéias... As conversações que eles dois tinham sustentado tempo atrás a respeito da senhorita Fairfax e a pobre Harriet; e durante um momento só foi capaz de emitir exclamações de surpresa e de pedir uma e outra vez que lhe confirmassem a notícia, que lhe repetissem a confirmação.

-Bom -disse por fim tratando de dominar-se-; é algo no que terei que pensar pelo menos meio-dia antes de chegar a compreendê-lo de tudo... Vá!... esteve prometido com ela durante todo o inverno... antes de que nenhum dos dois viesse ao Highbury, não?

-prometeram-se em outubro... em segredo... isso me doeu muito, Emma, muitíssimo.

Também doeu muito a seu pai. Há detalhes em sua conduta que não podemos desculpar.

Emma refletiu durante uns momentos e logo replicou:

-Não vou pretender que não te entendo; e para te consolar dentro do que me é possível, direi-te que pode estar segura que suas cuidados para comigo não tiveram o efeito que você teme.

A senhora Weston levantou o olhar como sem atrever-se a acreditar o que ouvia; mas a atitude da Emma era tão firme como suas palavras.

-Para que tenha menos dificuldade em acreditar esta jactância de que agora me é totalmente indiferente -seguiu dizendo-, direi-te algo mais: que houve uma época nos primeiros tempos de nossa amizade em que me sentia atraída pelo, em que estava muito propensa a me apaixonar por ele... melhor dizendo, em que estive apaixonada... e talvez o mais estranho é como terminou esse amor. Entretanto, por fortuna o fato é que terminou, e a verdade é que faz já tempo, pelo menos estes últimos três meses, que já não sinto nenhuma atração por ele. Pode me acreditar; esta é a pura verdade.

A senhora Weston a beijou com lágrimas de alegria; e quando pôde articular umas palavras lhe assegurou que o que lhe acabava de dizer lhe tinha feito mas bem que nenhuma outra coisa do mundo.

-O senhor Weston se alegrará quase tanto como eu mesma -disse ela-. Este detalhe nos há preocupado muitíssimo. Era nossa major desejo o que lhes sentissem atraídos o um por o outro. E nós estávamos convencidos de que tinha sido assim... imagine o que sofremos por ti ao saber todo isso.

-Salvei-me que este perigo; e o me haver salvado é uma agradável surpresa tanto para vós como para mim. Mas isso não lhe libera de sua responsabilidade; e devo dizer que seu proceder me parece muito censurável. Que direito tinha a apresentar-se aqui de uma maneira tão desenvolvida estando já prometido?21 Que direito tinha a querer agradar (porque isso é o que fez), a distinguir a uma jovem com suas constantes cuidados (como fez-o), quando em realidade já pertencia a outra? Como não pensava no mal que podia chegar a fazer? Como não pensava que podia me induzir a mim a me apaixonar por ele? Tudo isto é indigno, totalmente reprovável.

-Por uma coisa que ele disse, minha querida Emma, eu mas bem imagino...

-E como podia ela tolerar uma conduta semelhante? Vê-lo tudo com tanto sangue-frio!

Ver como se tinham constantes cuidados a outra mulher, em presença dela, sem demonstrar nada! Este é um tipo de impassibilidade que não posso nem compreender nem respeitar!

-Havia desavenças entre eles, Emma; ele o há dito com toda claridade. Não teve tempo de dar muitas explicações. Só esteve aqui um quarto de hora, e seu excitação não lhe permitia aproveitar o pouco tempo de que dispunha... mas que havia desavenças entre eles o há dito explicitamente. Parece ser que esta foi a causa desta crise de agora; e as desavenças possivelmente surgiram devido ao impróprio de seu proceder.

-Impróprio! OH, querida, é muito benigna ao lhe censurar! Muito pior que impróprio, muito pior! foi algo que lhe desmereceu tanto a meus olhos... OH, tanto...! É tão indigno de um homem fazer uma coisa semelhante! É algo tão oposto à honradez inflexível, à fidelidade à verdade e aos bons princípios, ao desdém pelo engano e a ruindade que deve demonstrar sempre um homem em todas as situações de sua vida...!

-Bom, querida Emma, obriga-me a sair em defesa dela; porque embora neste caso tenha obrado mau, conheço-lhe o suficiente para poder ter a segurança de que possui muitas, mas que muitas boas qualidades; Y...

-Céu Santo! -exclamou Emma interrompendo a seu amiga. E além o da senhora Smallridge! Jane que estava a ponto de ir-se trabalhar como institutriz! O que pretendia com essa horrível falta de delicadeza? lhe consentir que se comprometesse a ficar a trabalhar...! lhe consentir que inclusive pensasse em tomar uma decisão como esta!

-Frank não sabia nada de tudo isto, Emma. Nesse assunto sim que tenho que lhe justificar.

Foi uma decisão que tomou ela por si mesmo... sem comunicar-lhe ao Frank... ou pelo menos sem comunicar-se o de um modo resolvido... Até ontem sei que ele disse que não sabia nada dos planos do Jane. inteirou-se, não sei como... deveu ser por alguma carta ou por alguém que o disse... e ao saber o que ela ia fazer, ao inteirar-se deste projeto, foi quando se determinou a descobri-lo tudo em seguida, a confessá-lo tudo a seu tio e a acolher-se a sua bondade, e em resumem a pôr fim a esta lamentável situação de enganos e dissimulações que já tinha durado tanto tempo.

Emma começou a escutar com mais atenção e quietude.

-Logo terei notícias delas -continuou dizendo a senhora Weston-. Ao ir me disse que escreveria-me em seguida; e o disse de uma maneira que parecia me prometer que daria muitos detalhes mais que então não tinha tempo de esclarecer. portanto esperemos esta carta. Possivelmente contenha muitos atenuantes. Possivelmente então possamos compreender e 21 Trocadilho intraduzível: «engaged» («prometido em matrimônio») e «disengaged"

(«desenvolvido», «livre de maneiras»).

desculpar muitas coisas que agora nos resultam incompreensíveis. Não sejamos severas, não tenhamos tanta pressa por lhe condenar. Tenhamos paciência. Eu lhe quero; e agora que já tranqüilizaste-me sobre uma questão que me preocupava, uma questão muito concreta, desejo com toda minha alma que tudo termine bem e não perco a esperança de que assim seja.

Os dois têm que ter sofrido muito em meio de tantos secretas e tantas dissimulações.

-Sofrer ele? -replicou Emma secamente-. Não parece que tudo isto lhe tenha feito muita racho. Bom, e como tomou o senhor Churchill?

-Pois muito favoravelmente para seu sobrinho... deu seu consentimento apenas sem pôr dificuldades. Imagine como os acontecimentos desta semana chegaram a introduzir mudanças na família! Enquanto vivia a pobre senhora Churchill suponho que não havia nenhuma esperança, nem a menor possibilidade... mas apenas seus restos descansam em o panteão da família, seu marido se deixa convencer para fazer justamente o contrário do que ela tivesse querido. Que grande sorte é o que as influências que se exercem indevidamente não nos sobrevivam! Custou-lhe muito pouco deixar-se convencer para dar seu consentimento.

«Ah! -pensou Emma-. Igual tivesse ocorrido se se tivesse tratado do Harriet."

-Isso se lembrava ontem de noite, e Frank saía do Richmond ao amanhecer. deteve-se algum tempo no Highbury... em casa das Tacos de beisebol, suponho... e logo veio diretamente para aqui; mas tinha tanta pressa por voltar ao lado de seu tio que agora lhe necessita mais que nunca, que, como já te hei dito, logo que pôde estar conosco um quarto de hora...

Estava muito nervoso... sim, muito... até o ponto de que me parecia ser quase outra pessoa distinta a que eu conhecia... E acrescenta a todo o resto a inquietação que tinha porque acabava de ver que Jane estava tão doente, do qual ele não tinha a menor suspeita... e por todas as aparências, eu deduzi que isso lhe tinha preocupadísimo.

-Mas crie seriamente que este assunto foi levado tão em segredo como diz...? Os Campbell, os Dixon... nenhum deles sabia nada de seu compromisso?

Emma não podia citar o nome do Dixon sem um ligeiro rubor.

-Ninguém; ninguém sabia. Insistiu em que não sabia absolutamente ninguém, salvo eles dois.

-Bom -disse Emma-, suponho que já iremos acostumando pouco a pouco à idéia, e os desejo que sejam muito felizes. Mas sempre pensarei que o seu foi um proceder odioso. foi algo mais que toda uma rede de hipocrisias e de enganos... de intrigas e de falsidades! Apresentar-se aqui fingindo espontaneidade, sinceridade... e ter urdido toda essa combinação em segredo para poder nos conhecer e nos julgar a todos... Durante todo o inverno e toda a primavera vivemos completamente enganados, imaginando que fomos todos igualmente sinceros e francos enquanto havia entre nós duas pessoas que se comunicavam sem que ninguém soubesse, que comparavam e julgavam sobre sentimentos e palavras das que nunca tivessem devido inteirar-se ambos... Agora têm que atenerse às conseqüências se tiverem ouvido falar um do outro de um modo não do tudo agradável...

-Isso não me preocupa o mais mínimo -disse a senhora Weston-. Estou completamente segura de que nunca hei dito nada a um dos dois respeito ao outro que os dois não pudessem ouvir.

-Tem sorte... eu fui a única que me inteirei de seu engano... quando imaginou que certo nosso amigo estava apaixonado por esta senhorita.

-Sim, certo. Mas como sempre tive muito boa opinião da senhorita Fairfax, nenhum engano pôde me fazer falar mal dela; e quanto a lhe criticar a ele, disso jamais hei sentido a menor tentação.

Naquele momento apareceu o senhor Weston a certa distância da janela, evidentemente vigiando o que ocorria. Sua esposa lhe convidou a entrar com um gesto; e enquanto ele ia dar a volta, a senhora Weston acrescentou:

-Agora, minha querida Emma, suplico-te que diga a meu marido tudo o que cria que possa servir para lhe tranqüilizar e lhe fazer ver esta união como algo vantajoso. Façamos o que possamos para lhe convencer... e ao fim e ao cabo sem necessidade de mentir podem fazer-se quase todos os elogios dela. Não é que seja umas bodas para ficar excessivamente satisfeito; mas se o senhor Churchill não põe obstáculos, por que vamos a pô-los nós? E no fundo talvez seja uma sorte para ele... Quero dizer que pode ser muito benéfico para o Frank haver-se apaixonado por uma moça de tanta firmeza de caráter e de tanto critério como eu sempre acreditei que tinha Jane... e ainda estou disposta a acreditá-lo, apesar de que nesta ocasião se desviou tanto das normas que regem uma conduta leal. E apesar de tudo, em uma situação como a sua não seria muito difícil justificar um engano como este...

-Sim, é verdade -exclamou Emma vivamente-. Se pode desculpar-se a uma mulher por pensar só em si mesmo é em uma situação como a do Jane Fairfax... Nesses casos quase pode dizer-se que «não pertence ao mundo, nem às normas do mundo...» Emma recebeu ao senhor Weston com um aspecto sorridente, e exclamou:

-Vá! Vejo que me gastou uma boa brincadeira... Suponho que todo isso estava destinado a excitar minha curiosidade e exercitar meus dotes de adivinhação. Mas a verdade é que me assustou você. Eu já acreditava que pelo menos tinha perdido a metade de sua fortuna.

E agora resulta que em vez de ser uma coisa para lhes consolar, é algo que merece que dêem-lhe o parabéns... Senhor Weston, dou-lhe meus parabéns de todo coração porque vai você a ter por nora a uma das jovens mais encantadoras e de melhores objetos de toda a Inglaterra.

Um olhar ou dois que trocaram marido e mulher acabaram de lhe convencer de que tudo ia tão bem como pareciam proclamar aquelas palavras; e o benéfico efeito desta convicção se deixou sentir imediatamente em seu estado de ânimo. Seu porte e sua voz recuperaram sua habitual jovialidade. Cheio de gratidão, estreitou cordialmente a mão da jovem, e começou a falar da questão em um tom que demonstrava que agora só necessitava tempo e persuasão para acreditar que aquele compromisso matrimonial depois de tudo não era uma coisa muito malote. Elas só lhe sugeriram o que podia paliar a imprudência e suavizar as dificuldades; e uma vez tiveram falado disso todos juntos, e o senhor Weston houve tornado a falar com a Emma no caminho de volta ao Hartfield, se acostumou totalmente à idéia e chegou a não estar longe de pensar que tinha sido o melhor que Frank tivesse podido fazer.

 

-HARRIET, pobre Harriet!

Estas eram as palavras que compendiavam as tristes ideia das que Emma não podia livrar-se, e que para ela constituíam o pior dos males daquele caso. Frank Churchill se tinha levado muito mal com ela... muito mal em muitos aspectos... mas o que o fazia estar mais encolerizada com ele não era só seu proceder para com ela. O que mais lhe doía era a confusão a que a tinha induzido respeito ao Harriet... Pobre Harriet! Por segunda vez ia ser vítima dos enganos e do afã de casamenteira de seu amiga. As palavras do senhor Knightley tinham sido proféticas quando lhe havia dito em certa ocasião:

«Emma, você não é uma boa amiga para o Harriet Smith...» Agora temia que só o tivesse causado maus... Claro que esta vez não podia acusar-se, como a anterior, de haver sido a única e exclusiva responsável pela desgraça; então tinha insinuado a possibilidade de uns sentimentos que, de outro modo, Harriet nunca se atreveu a conceber; enquanto que agora Harriet tinha reconhecido sua admiração e sua predileção pelo Frank Churchill antes de que ela tivesse insinuado nada a respeito da questão; mas sentia-se totalmente culpado de ter animado uns sentimentos que tivesse devido contribuir a dissipar; tivesse podido evitar que Harriet sentisse prazer nesta idéia e alimentasse esperanças. Sua influência tivesse bastado para isso. E agora se dava perfeita conta de que tivesse devido evitar aquela situação... Compreendia que tinha estado expondo a felicidade de seu amiga sem ter motivos o suficientemente sólidos. De haver-se guiado pelo sentido comum, houvesse dito ao Harriet que não devia permitir-se pensar nele, que havia uma só possibilidade entre quinhentas de que Frank chegasse alguma vez a interessar-se por ela.

«Mas me temo -acrescentava para si- que sentido comum não tive muito."

Estava muito zangada consigo mesma; e de não estar zangada também com o Frank Churchill, seu estado de ânimo tivesse sido muito pior. Quanto ao Jane Fairfax, pelo menos podia desentender-se de sentir inquietação por ela. Harriet lhe preocupava já suficientemente; não necessitava, pois, seguir preocupando-se com o Jane, cujos problemas e cuja falta de saúde, como tinham, é obvio, a mesma origem, deviam ter igualmente a mesma cura... Sua vida de penúrias e de desgraças tinha terminado... Logo recuperaria a saúde, seria feliz e desfrutaria de uma boa posição... Emma compreendia agora por que sua solicitude por ela tinha sido desdenhada. Aquela revelação havia esclarecido outras muitas questões de menor importância. Sem dúvida a causa tinham sido o ciúmes. Para o Jane ela tinha sido uma rival; e lógicamente tudo o que queria lhe oferecer como ajuda ou cuidados tinha que rechaçá-lo. Dar um passeio no carro do Hartfield tivesse sido uma tortura, o arrurruz procedente das despensas do Hartfield tivesse sido um veneno. Compreendia-o tudo; e quando conseguia desprender-se dos sentimentos injustos que lhe inspirava seu orgulho ferido, reconhecia que Jane Fairfax merecia sobradamente toda a elevação e a felicidade que sem dúvida ia agora a ter. Mas a pobre Harriet era uma recriminação vivente para ela! Não podia dedicar suas cuidados a ninguém que o necessitasse mais. A Emma doía infinito que esta segunda decepção fosse ainda mais grave que a primeira. Tendo em conta que esta vez suas aspirações eram muito majores, devia sê-lo; e a julgar pelos poderosos efeitos que aparentemente aquele amor tinha produzido sobre o espírito do Harriet, impulsionando-a ao dissimulação e ao domínio de si mesmo, assim era... Entretanto, devia lhe comunicar aquela penosa verdade o antes possível. Ao despedir-se dela o senhor Weston a tinha ameaçado a guardar o segredo.

-por agora -havia-lhe dito- todo este assunto deve seguir em segredo absoluto. O senhor Churchill o exigiu assim como amostra de respeito pela esposa que perdeu faz tão poucos dias; e todos estamos de acordo em que é ao que nos obriga o decoro mais elementar.

Emma o tinha prometido; mas apesar de todo Harriet devia ser uma exceção; acreditava que este era um dever superior.

Apesar de seu mau humor, não pôde por menos de encontrar quase ridículo o que agora tivesse que dar ao Harriet a mesma penosa e delicada notícia que a senhora Weston acabava de lhe dar a ela mesma. O segredo que com tanto medo lhe tinha comunicado, agora era ela quem com não menos intranqüilidade devia comunicá-lo a outra pessoa. Sentiu acelerá-los batimentos do coração de seu coração para ouvir os passos do Harriet e sua voz; pensou que o mesmo devia haver ocorrido a pobre senhora Weston quando ela entrava em Randalls. Oxalá a conversação tivesse um desenlace igualmente feliz! Mas por desgraça disso não havia nenhuma possibilidade.

-Bom, Emma -penetrando apressadamente na estadia-, não te parece a notícia mais extraordinária que jamais se ouviu?

-A que notícia te refere? -replicou Emma, incapaz de adivinhar por seu aspecto ou sua voz se Harriet se inteirou de algo.

-o do Jane Fairfax. ouviste alguma vez uma coisa tão estranha? OH!, não tem que ter nenhum reparo em me confessar isso porque o senhor Weston já me há isso dito tudo. Acabo de lhe encontrar. Há-me dito que era um segredo para todos; e portanto eu não pensava dizer-lhe a ninguém exceto a ti, mas me há dito que já sabia.

-O que te contou o senhor Weston? -perguntou Emma, ainda sem saber o que pensar.

-Pois... Contou-me isso tudo; que Jane Fairfax e o senhor Frank Churchill vão a casar-se, e que estiveram prometidos em segredo a muito tempo tempo. Que coisa tão estranha!, verdade?

Certamente era muito estranho; a reação do Harriet era tão extremamente estranha que Emma não sabia como interpretá-la. Parecia como se seu caráter tivesse trocado por completo; como se se propor não demonstrar nenhuma emoção, nenhuma decepção, nenhum interesse especial por aquele fato. Emma a contemplava muda de assombro.

-Você supunha -perguntou Harriet- que estavam apaixonados um do outro? Bom, ao melhor você sim que o supôs... Como sabe ler tão bem -disse ruborizando-se- nos corações de todo o mundo...; mas ninguém mais.

-Prometo-te -disse Emma- que começo a duvidar de que tenha semelhante dom. Mas, Harriet, como pode me perguntar a sério se eu supunha que estava apaixonado por outra mulher quando (se não de um modo declarado, sim tacitamente) estava-te respirando a conceber esperanças? Até faz uma hora nunca tive nem a menor suspeita de que o senhor Frank Churchill se sentisse atraído pelo Jane Fairfax. Pode ter a segurança de que se eu tivesse suspeitado algo deste tipo te tivesse prevenido de acordo com meus suspeitas.

-A mim? -exclamou Harriet ruborizando-se cheia de assombro. por que tinha que me acautelar? Não suporá que eu me interessava pelo senhor Frank Churchill...

-Não sabe o que me alegra te ouvir falar deste assunto com tanta serenidade -replicou Emma sonriendo-; mas não pretenderá me negar que houve uma época... que por certo, não está ainda muito longe... em que me deu motivos para supor que te interessava por ele ...

-Por ele? OH, nunca, alguma vez! Querida Emma, como pôde me entender tão mal? -disse Harriet, voltando o rosto, muito doída.

-Harriet! -exclamou Emma, depois de um momento de pausa. O que quer dizer? Por o que mais queira, me diga o que quiseste dizer...! Que te entendi mau? Então, tenho que supor...

Não pôde seguir falando... Tinha perdido a voz; e se sentou esperando com ansiedade a que Harriet respondesse. Harriet, que estava de pé, a certa distância, lhe voltando a costas, demorou uns minutos em falar; e quando por fim o fez, sua voz estava tão alterada como a da Emma.

-Nunca me tivesse parecido possível -começou dizendo- que me entendesse tão mal ...

Já sei que acordamos que nunca lhe nomearíamos... mas tendo em conta o imensamente superior que é a todos outros, nunca tivesse acreditado possível que acreditasse que referia a outra pessoa. O senhor Frank Churchill! Ninguém pode fixar-se em ele estando presente o outro. Acredito que não tenho tão mal gosto para pensar no senhor Frank Churchill, que não é ninguém ao lado dele. E que você tenha tido esta confusão...!

Não o entendo! Estou segura de que se não tivesse acreditado que você aprovava meus sentimentos e que os respirava, ao princípio tivesse considerado quase como uma presunção excessiva por minha parte o me atrever a pensar nele; ao princípio, se não me houvesse dito que coisas mais difíceis tinham ocorrido; que se tinham celebrado matrimônios mais desiguais (estas foram as palavras que empregou)...; de me haver dito tudo isto, eu não me tivesse atrevido a ter esperanças... Não o houvesse considerado possível... Mas se você, que tem tanta amizade com ele...

-Harriet... -exclamou Emma, dominando-se resolutamente-. É melhor que agora nos entendamos as duas, sem que haja possibilidade de que voltemos a nos equivocar outra vez...

Está falando de... do senhor Knightley, não?

-Certamente. Não podia ter pensado em ninguém mais... e acreditava que você devia sabê-lo.

Quando falamos dele não podia ficar mais claro.

-Não tão claro -replicou Emma, com forçada calma-, porque tudo o que então disse pareceu-me que se referia a uma pessoa distinta. Quase tivesse podido assegurar que havia chamado ao senhor Frank Churchill. Lembrança perfeitamente que se falou do favor que lhe fazia o senhor Frank Churchill ao te defender dos ciganos.

-OH, Emma! Como esquece as coisas!

-Minha querida Harriet, lembrança muita bem o que em substância te disse naquela ocasião.

Disse-te que não sentia saudades que te tivesse apaixonado; que tendo em conta o favor que te tinha feito era a coisa mais natural do mundo... E você esteve de acordo, e disse com muito paixão que estava muito agradecida, e inclusive mencionou as sensações que teve ao lhe ver vir em sua ajuda... Foi uma impressão que ficou gravada na memória.

-Querida! -exclamou Harriet-. Agora me lembro do que quer dizer! Mas é que eu então estava pensando em um pouco muito diferente. Não referia aos ciganos... nem ao senhor Frank Churchill. Não! -adotando um tom mais solene-. Pensava em outra circunstância mais importante... Pensava no senhor Knightley aproximando-se e me convidando a dançar, depois de que o senhor Elton se negou a dançar comigo, quando não havia nenhuma outro casal no salão. Este foi o grande serviço que me emprestou; esta foi seu nobre compreensão, sua generosidade; isso foi o que fez que começasse a me dar conta de que estava muito por cima de todos outros seres da terra.

-Santo Céu! -exclamou Emma-. Que engano mais desgraçado...! OH, que lamentável! E agora, o que pode fazer-se?

-Não me tivesse animado se então tivesse sabido ao que me referia? Pelo menos agora minha situação não é pior que o que o tivesse sido de haver-se tratado da outra pessoa; e agora... é possível...

Fez uma breve pausa. Emma não se via com ânimos para falar.

-Emma, não sente saudades -seguiu dizendo- que veja uma grande diferencia entre os dois...

tanto em meu caso como no de qualquer outra. Deve pensar que está imensamente muito mais por cima de mim que o outro. Mas eu espero, Emma, que caso... que se... por estranho que possa parecer... Já sabe que foram suas próprias palavras: Coisas mais difíceis ocorreram, matrimônios mais desiguais se celebraram, que o que houvesse podido celebrar-se entre o Frank Churchill e eu; e, portanto, parece-me que se, inclusive uma coisa assim pode ter ocorrido antes de agora... e se eu fosse tão afortunada, tanto, que... se o senhor Knightley chegasse... se não lhe importasse a desigualdade, confio, querida Emma, que você não te oporia... que não nos criaria dificuldades. Mas estou segura de que é muito boa para fazer uma coisa assim.

Harriet estava de pé, junto a uma das janelas. Emma se voltou para lhe lançar uma olhar cheia de consternação e disse rapidamente:

-Tem algum indício de que o senhor Knightley corresponde a seus sentimentos?

-Sim -replicou Harriet, com humildade, mas sem temor-. Posso dizer que sim o tenho.

Imediatamente Emma desviou o olhar. E durante uns minutos permaneceu em silêncio, meditando, com os olhos fixos. Uns poucos minutos bastaram para lhe revelar o que havia em seu próprio coração. Uma inteligência como a sua uma vez concebia uma suspeita fazia rápidos progressos para seu objeto. Emma supunha... admitia... reconhecia toda a verdade. por que era muito pior que Harriet estivesse apaixonada por senhor Knightley em vez de estar o do Frank Churchill? por que aquela contrariedade adquiria proporções tão enormes com o fato de que Harriet tivesse esperanças justificadas de ser correspondida? Uma convicção se abriu passo com a celeridade de uma flecha no ânimo da Emma: o senhor Knightley só podia casar-se com ela!

Naquele curto espaço de tempo compreendeu qual tinha sido sua conduta e viu claro em seu próprio coração. Viu-o tudo com uma lucidez como até então nunca havia tido. Que mal se esteve levando com o Harriet! Com que falta de atenção e de delicadeza! Que insensato e que cruel tinha sido seu proceder! Como tinha podido deixar-se levar por aquela cegueira, aquela loucura? dava-se perfeitamente conta do que tinha feito e estava tentada de aplicar-se a si mesmo os términos mais duros. Sem embargo, um resto de respeito por si mesmo, apesar de todas suas culpas... a preocupação por salvar as aparências, e um intenso desejo de ser justa para com o Harriet... (não necessitava compaixão a moça que se acreditava amada pelo senhor Knightley... mas era justo que agora ela não pudesse sentir-se doída ao ver-se tratada com frieza)... impulsionaram a Emma a esperar e a suportá-lo tudo com calma e inclusive com aparente afabilidade... Por seu próprio bem era preciso que se inteirasse de todo o possível concernente às esperanças do Harriet; e Harriet não tinha feito nada para que lhe negasse o carinho e o interesse que ela tinha-lhe outorgado tão voluntariamente... nem merecia ser agora menosprezada pela pessoa cujos conselhos sempre tinham sido desacertados... assim, abandonando seus reflexões e dominando sua emoção, voltou-se de novo para o Harriet e em um tom mais acolhedor reatou a conversação; porque o tema que a tinha iniciado, a surpreendente história do Jane Fairfax, havia já perdido todo interesse; ambas pensavam tão somente no senhor Knightley e nelas mesmas.

Harriet, que tinha estado absorta em seus gratos sonhos, não deixou de sentir-se adulada quando despertaram deles, ao ver o alentador convite a falar que o fazia uma pessoa de tanto critério, une amiga como a senhorita Woodhouse, e não necessitou mais que uma insinuação para referir toda a história de suas esperanças com grande deleite, mas tremente de emoção... Enquanto fazia pergunta e recebia as respostas, Emma conseguia ocultar melhor que Harriet sua emoção, que não era menor que a sua. Sua voz não tremia; mas seu espírito não podia achar-se mais turbado por aquele descobrimento que acabava de fazer, pela aparição daquele perigo tão ameaçador, pela confusão que produziam todas aquelas impressões tão súbitas... Escutou o relato do Harriet com um grande sofrimento interior, mas aparentando uma grande serenidade; não podia esperar de seu amiga que se expressasse de um modo metódico, ordenado nem tampouco muito claro;

mas, uma vez distinguidos os equívocos e as repetições da narração, esta continha ainda substância suficiente para deixá-la muito abatida... sobre tudo tendo em conta as circunstâncias que sua própria memória evocava agora, e que corroboravam o fato de que o senhor Knightley tinha ido tendo cada vez uma opinião mais favorável do Harriet.

Desde aqueles dois bailes decisivos Harriet se foi dando conta de que a atitude do senhor Knightley respeito a ela era distinta... Emma sabia que naquela ocasião ele a tinha encontrado muito superior a tudo o que esperava. Desde aquele dia, ou pelo menos do momento em que a senhorita Woodhouse a respirou a pensar nele, Harriet havia começado a advertir que seu amigo falava com ela muito mais do que antes tinha por costume e de que a tratava de uma maneira totalmente diferente; em seu trato havia uma amabilidade, um afeto... Cada vez ia sendo mais consciente disso. Quando haviam estado passeando todos juntos, ele lhe tinha aproximado tão freqüentemente para andar a seu lado e lhe tinha falado de um modo tão carinhoso! Parecia como se queria ter mais amizade com ela. Emma sabia que esta impressão respondia a uma realidade. Muitas vezes ela mesma tinha observado a mudança quase tanto como seu amiga... Harriet repetia frases de aprovação e de elogio que lhe tinha dedicado... e Emma se dava conta de que concordavam perfeitamente com o que ela sabia de suas opiniões a respeito do Harriet. A elogiava por carecer de artifício e de afetação, por ser singela, sincera, generosa...

Sabia que ele via todas estas qualidades no Harriet; tinha-lhe falado delas em mais de uma ocasião... Muitas das coisas que ela guardava em sua memória, muitos pequenos detalhes que revelavam a atenção que lhe emprestava, um olhar, uma frase, o fato de passar de uma cadeira a outra, um completo dissimulado, uma preferência subentendida, haviam passado inadvertidos para a Emma porque não tinha suspeitado nada semelhante.

Circunstâncias que tivessem bastado para encher um relato de meia hora, e que continham múltiplos indícios para quem as tinha presenciado, tinham passado por cima a Emma, que agora escutando ao Harriet se inteirava por primeira vez; mas os dois últimos indícios que mencionou, os que constituíam as melhores esperança para a moça, tinham tido como testemunha à própria Emma... A primeira era a conversa que haviam sustenido os dois sós no passeio dos limeiras do Donwell, onde tinham estado passeando durante um momento antes da chegada da Emma, e onde ele tinha tido muito interesse (segundo ela estava convencida) por fazer que ambos se separassem de outros... E ao princípio o tinha falado de um modo muito particular, como não o tinha feito nunca antes de então, sim, de um modo muito particular... (Harriet ao recordá-lo não pôde evitar ruborizar-se.) Ele parecia estar quase lhe perguntando se tinha entregue seu coração a alguém... Mas apenas apareceu (a senhorita Woodhouse) e deu a impressão de que ia reunir se com eles, trocou de tema e começou a falar de seus cultivos... O segundo indício era a conversação que sustentou com ela durante quase meia hora antes de que Emma retornasse de sua visita, a última manhã em que o senhor Knightley esteve no Hartfield... apesar de que quando chegou disse que não podia ficar mais de cinco minutos... e o lhe haver dito durante a conversação que embora devia ir a Londres, era muito contra sua vontade que deixava sua casa, o qual era muito mais (como advertiu Emma) pelo que seu amigo havia reconhecido ante ela. que, como este fato indicava, tivesse mais confiança com Harriet, deixou a Emma muito doída.

Sobre o primeiro destes dois indícios, depois de refletir um pouco Emma se atreveu a formular a seguinte pergunta:

-E se tivesse querido dizer outra coisa? Não é possível que ao te perguntar, segundo creíste entender, se já tinha entregue seu coração, estivesse aludindo ao senhor Martin? Não podia estar pensando nos interesses do senhor Martin?

Mas Harriet rechaçou energicamente a hipótese:

-O senhor Martin? Não, não, certamente que não. Não aludiu para nada ao senhor Martin.

Acredito que agora tenho muita experiência para pensar no senhor Martin ou para que se suspeite que penso nele.

Uma vez Harriet teve terminado seu relato, apelou à senhorita Woodhouse para que o dissesse se tinha motivos ou não para alimentar esperanças.

-Eu nunca me tivesse atrevido a pensar nele -disse-lhe Harriet- se não tivesse sido por ti.

Disse-me que lhe observasse bem, e que meus sentimentos se deixassem guiar por seu proceder... e isso é o que tenho feito. Mas agora começo a pensar que tenho motivos justificados para sentir o que sinto; e que se ele me escolher não me parecerá uma coisa tão extraordinária.

A amargura, a terrível amargura que Emma sentiu em seu interior para ouvir estas palavras, obrigou-lhe a fazer um grande esforço para dominar-se e poder responder:

-Harriet, eu o único que posso te dizer é que o senhor Knightley é uma pessoa absolutamente incapaz de dar a entender deliberadamente a uma mulher que sente por ela mais atração da que em realidade sente.

Harriet pareceu quase disposta a adorar a seu amiga por uma frase tão grata; e Emma só conseguiu evitar suas manifestações de entusiasmo e de carinho, que naquele momento o tivessem sido particularmente penosas, obrigado a que se ouviram os passos de seu pai que dirigia-se para o salão; Harriet estava muito alterada para poder apresentar-se ante ele.

-Não poderia me dominar... O senhor Woodhouse se alarmaria... É melhor que vá...

E assim, com a imediata aprovação de seu amiga, saiu por outra porta... E logo que houve saído os sentimentos da Emma se exteriorizaram em uma espontânea exclamação:

-meu deus! Oxalá nunca a tivesse conhecido!

O resto do dia e a noite seguinte logo que bastaram a seus pensamentos... achava-se turvada pela confusão de tudo o que tinha irrompido em sua vida naquelas últimas horas... Cada momento tinha contribuído uma nova surpresa; e cada surpresa era um motivo mais de humilhação para ela... Como podia compreendê-lo tudo? Como podia compreender que tivesse estado enganando-se a si mesmo daquele modo até então, vivendo naquele engano? Aqueles enganos, aquela cegueira de sua mente e de seu coração! ficou sentada, passeou-se, andou de uma a outra habitação, provou a passear por o plantio... Em todos os lugares, em todas as posições não podia deixar de pensar que tinha obrado de um modo insensato; que se tinha deixado enganar por outros de um modo mortificante; que se tinha estado enganando a si mesmo de um modo mais mortificante ainda; que se sentia desgraçada e que provavelmente aquele dia não era mais que o princípio de suas desgraças.

No momento o primeiro que devia fazer era ver claro, ver totalmente claro em seu próprio coração. Para este objetivo tenderam todos os momentos de ócio que o permitiam ter suas obrigações para com seu pai, e todos os momentos de involuntário ensimismamiento.

Quanto tempo fazia que sentia aquele afeto pelo senhor Knightley que agora seus sentimentos lhe revelavam com toda evidência? Quando tinha começado a exercer seu influência, aquela classe de influência, sobre ela? Quando tinha conseguido ocupar em seu afeto o lugar que Frank Churchill por um breve espaço de tempo tinha ocupado também? Tentou recordar; comparou aos dois... comparou-lhes segundo a estimativa que tinha sentido por cada um deles da época em que conheceu o Frank... e como tarde ou cedo tivesse tido que compará-los... OH! Que feliz ocorrência tivesse tido se lhe tivesse ocorrido antes fazer aquela comparação! dava-se conta de que em tudo momento tinha considerado o senhor Knightley como imensamente superior ao outro, que em todo momento tinha sentido por ele um afeto muito major. dava-se conta de que ao convencer-se a si mesmo do contrário, ao imaginar-se que assim devia ser e obrar em conseqüência, enganou-se, ignorando totalmente o que havia em seu próprio coração... e em resumo... que em realidade nunca havia sentido a menor atração por Frank Churchill!

Esta foi a conclusão de suas primeiras reflexões. Esta foi a primeira convicção sobre si mesmo a que chegou respondendo às primeiras perguntas que se formulou; e sem que necessitasse muito tempo para isso... sentia-se a um tempo zangada e causar pena... E envergonhava-se de todos seus sentimentos, menos de que acabava de descobrir... seu afeto pelo senhor Knightley... Todo o resto que encontrava em seu interior o repugnava.

Com uma imperdoável vaidade, acreditou-se possuidora do segredo dos sentimentos de todo o mundo; com uma indesculpável arrogância, proposto-se arrumar as vistas de todo o mundo. E se tinha demonstrado que se equivocou em tudo; e nem sequer não tinha feito nada... porque tinha provocado desgraças... Havia gasto a desgraça ao Harriet, a ela e muito se temia que também ao senhor Knightley.... Se aquela união, a mais desigual de todas as que podiam imaginar-se, chegava a ser uma realidade, ela seria a responsável por havê-la animado em seus inícios; porque só podia pensar que aquele mútuo afeto não tinha nascido de outra coisa que da atitude do Harriet; e embora não tivesse sido assim, ele nunca tivesse chegado a conhecer o Harriet de não ser pelas fantásticas imaginações da Emma.

O senhor Knightley e Harriet Smith! Uma união para fazer esquecer o assombro que pudesse produzir qualquer outro enlace... Ao lado de este, o amor entre Frank Churchill e Jane Fairfax era uma coisa corrente, vulgar, que não despertava nenhuma surpresa nem oferecia nenhuma disparidade, que não se emprestava a dizer nem a comentar nada...

O senhor Knightley e Harriet Smith! Como ia elevar se ela e como ia a rebaixar-se ele! A Emma horrorizava pensar em como ia desmerecer seu amigo na opinião geral, horrorizava-lhe prever os sorrisos, as brincadeiras, as mofas que se fariam a seus gastos; a humilhação e o desdém de seu irmão, as mil dificuldades que aquilo representaria para ele mesmo... Era possível? Não; não o era. E entretanto estava longe, muito longe de ser algo impossível... Seria a primeira vez que um homem de grandes objetos se sentisse atraído por uma mulher muito inferior a ele? Seria a primeira vez que alguém, possivelmente muito ocupado em seus negócios para procurar por si mesmo, deixasse-se seduzir por uma moça interessada em lhe agradar? Seria a primeira vez que ocorria em o mundo um pouco desproporcionado, inconsistente, incongruente... e que um azar ou umas circunstâncias, como segundas causas, dirigissem o destino humano?

OH! Oxalá não lhe tivesse ocorrido nunca a idéia de querer melhorar a posição de Harriet! Oxalá a tivesse deixado no posto que devia ocupar e que sempre lhe havia dito que era o seu! Oxalá nunca tivesse impedido, cometendo uma insensatez que não tinha palavras muitos para expressar, que se tivesse casado com um jovem irreprochável que a tivesse feito feliz e respeitada dentro do gênero de vida ao que devia pertencer, e não tivesse ocorrido nada de todo aquilo! Não se tivessem produzido nenhuma de aquelas terríveis conseqüências.

Como tinha sido possível que Harriet se atreveu a pensar no senhor Knightley? Como podia atrever-se a imaginar que era a escolhida de um homem como aquele antes de que ele o assegurasse formalmente? Mas Harriet era menos humilde, tinha menos escrúpulos que antes... Parecia sentir-se menos inferior, tão intelectualmente como de posição social... Tinha parecido admirar-se mais de que o senhor Elton acessasse a casar-se com ela, de que fosse o senhor Knightley quem o fizesse... Mas, ai! Não era esta também sua própria obra? Quem se não ela se preocupou tanto por conseguir que Harriet se valorasse a si mesmo? Quem a não ser lhe tinha inculcado que ia a elevar-se socialmente, dentro do que fora possível, e que tinha grandes condicione para aspirar a uma situação muito mais elevada? Se Harriet tinha deixado de ser humilde para ser vaidosa, esta era também obra dela.

 

ATÉ então, em que se via ameaçada de perdê-lo, Emma nunca se havia detido a pensar no muito que dependia sua felicidade do fato de ser primeira para o senhor Knightley, a primeira em seu interesse e em seu afeto... Convencida de que era assim, e acreditando que era como um direito dele, tinha desfrutado disso sem parar-se a refletir; e só ante o temor de ver-se suplantada advertiu o indeciblemente importante que tinha sido para ela... Fazia tempo, muito tempo que sabia que era a primeira; já que, ao não ter mulheres em sua família, só Isabella podia aspirar a comparar-se com ela, e Emma sempre tinha sabido exatamente até que ponto queria e apreciava a Isabella. Durante muitos anos Emma sempre tinha sido sua amiga favorita.

Ela não o tinha merecido; freqüentemente se tinha mostrado indiferente, e inclusive com má intenção, tinha desdenhado seus conselhos e em ocasiões incluso se havia oposto voluntariamente a ele, sem reconhecer nem a metade de seus méritos, disputando com ele porque negava-se a admitir a falsa e insolente ideia que tinha de si mesmo... mas, apesar de tudo, pela relação familiar e pelo costume, e degraus a seu espírito superior, ele a havia querido, e tinha velado por ela desde menina com o propósito de que fora melhor e com um afã de que obrasse rectamente que ninguém mais tinha compartilhado com ele. Apesar de todos seus defeitos, Emma sabia que a queria; acaso podia dizer que a queria muito... Sem embargo, quando pensava nas possibilidades do futuro não se via com ânimos das ver muito aduladoras. Harriet Smith podia considerar-se a si mesmo digna de ser amada de um modo especial, exclusivamente, apaixonadamente pelo senhor Knightley. Ela não. Não podia enganar-se a si mesmo pensando que ele estava cego ao sentir-se interessado por Harriet. Tinha uma prova muito recente de sua imparcialidade... Como se tinha aborrecido ao ver seu proceder com a senhorita Bate! De que modo tão claro e tão enérgico se havia expresso sobre aquele caso! Não muito enérgico se se tinha em conta a ofensa... mas sim, com muito, muito enérgico, para supor que detrás daquela atitude havia um sentimento menos rígido que o de uma justiça inexorável e uma boa vontade clarividente... Não tinha esperanças, nada que merecesse o nome de esperanças de que pudesse sentir por ela aquela classe de afeto em que agora pensava; mas havia uma esperança (às vezes débil, outras maior) de que Harriet se enganou a si mesmo e desse ao afeto que o senhor Knightley sentia por ela mais importância da que em realidade tinha... devia desejar pelo bem de seu amigo... que ela fora a única em pagar as conseqüências, mas que seguisse solteiro até o fim de sua vida. Se Emma tivesse estado segura disto, de que ele nunca ia se casar, estava convencida de que ficaria totalmente satísfecha... Só que seguisse sendo o mesmo senhor Knightley para ela e para seu pai, o mesmo senhor Knightley para todo mundo; que Donwell e Hartfield não perdessem nada de seu inapreciável trato amistoso e cordial, e a paz da Emma ficaria assegurada para sempre... em realidade o matrimônio não estava feito para ela. Seria incompatível com seus deveres para com seu pai e com o que sentia por ele. Nada poderia separar a de seu pai. Não se casaria, nem sequer se o pedisse o senhor Knightley.

Seu mais ardente desejo devia ser que Harriet tivesse uma decepção; e confiava que quando pudesse voltar a lhes ver juntos pelo menos poderia conjeturar que possibilidades haviam para isso. A partir de então lhes observaria com a máxima atenção; e por desgraça como até então nem sequer tinha sabido compreender às pessoas que tinha estado vigiando, não sabia como chegar a admitir que também naquela ocasião podia equivocar-se... Esperava voltar a ver o senhor Knightley um dia ou outro. Não demoraria em poder exercitar seus dotes de observação... inclusive lhe parecia muito logo quando pensava no rumo que podiam tomar as coisas. Enquanto isso decidiu não voltar a ver Harriet... Não beneficiaria a nenhuma das duas nem se tiraria nenhuma vantagem de falar mais daquele assunto... Estava decidida a não deixar-se convencer enquanto pudesse duvidar, e sem embargo não tinha motivos para opor às esperanças do Harriet. Falando só conseguiria zangar-se... portanto lhe escreveu de um modo amável mas resolvido lhe rogando que no momento não fora pelo Hartfield; reconhecendo de que estava convencida que era melhor evitar toda nova discussão confidencial a respeito de certo tema; e dizendo que confiava que se deixavam acontecer uns quantos dias sem ver-se exceto em companhia de outras pessoas... só se opunha a um tête-À-tête... poderiam obrar como se tivessem esquecido a conversação do dia anterior... Harriet se submeteu, aprovou a idéia e manifestou sua gratidão.

Logo que acabava de resolver esta questão, quando teve uma visita que veio a distrai-la um pouco daquele único tema no que tinha estado pensando tanto dormida como acordada, durante as últimas vinte e quatro horas. A senhora Weston que tinha visitado sua futura nora, ao retornar a sua casa tinha decidido passar pelo Hartfield considerando como um dever para com a Emma e um prazer para ela mesma o lhe referir todos os detalhes de uma entrevista tão interessante.

O senhor Weston a tinha acompanhado a casa da senhora Bate, e ali havia desempenhado o papel que lhe correspondia com toda dignidade; mas logo sua esposa havia convencido à senhorita Fairfax para que saíssem juntas a dar um passeio, e agora voltava com muitas mais costure que contar, e muitas mais costure que contar com satisfação, das que um quarto de hora passado no salão da senhora Bate, na embaraçosa situação que ali se criou, tivessem podido lhe sugerir.

Emma sentia um pouco de curiosidade; e emprestou muita atenção a tudo o que ia contando seu amiga. A senhora Weston tinha efetuado aquela visita em um estado de ânimo muito incerto; e ao princípio tinha pensado que no momento era melhor não as visitar, e conformar-se escrevendo à senhorita Fairfax postergando esta cerimoniosa visita até que tivesse passado algum tempo mais, e o senhor Churchill acessasse a que se fizesse público o compromisso; já que terei que ter em conta que em sua opinião uma visita como aquela não podia fazer-se sem que se desse pábulo a comentários... Mas o senhor Weston pensava de um modo muito distinto; estava extraordinariamente ansioso por demonstrar à senhorita Fairfax e a sua família que aprovava a eleição de seu filho, e não concebia que aquilo pudesse despertar nenhuma suspeita; e em caso de ser assim, não teria nenhuma importância; porque «essas coisas», conforme disse, «sempre acabam por saber-se».

Emma sorriu e pensou que o senhor Weston tinha muito boas razões para opinar deste modo. Em resumo, que tinham ido... encontrando-se com que o desconcerto e a confusão da jovem não podia ser maior. Logo que tinha podido dizer nenhuma palavra, e todo seu aspecto e suas atitudes demonstravam que se achava profundamente afetada. A serena e cordial satisfação da anciã e a entusiástica alegria de sua filha, que resultou ser tão intensa que nem sequer lhe deixava falar tanto como de costume, constituíram em meio de todo um grato espetáculo, quase comovedor; tão respeitável parecia sua felicidade, tão desinteressada em suas manifestações; pensavam tanto no Jane, tanto em todo mundo, e tão pouco nelas mesmas, que suscitavam os sentimentos mais íntimos. A recente enfermidade da senhorita Fairfax ofereceu à senhora Weston uma excelente desculpa para convidá-la a dar um passeio; ao princípio se mostrou retraída e tinha rechaçado o oferecimento, mas ao ver que se insistia, terminou aceitando; e durante aquele passeio em carro a senhora Weston, respirando-a com palavras cheias de afeto, conseguiu vencer seu reserva, e fazer que conversassem sobre o tema que a ambas interessava mais. Jane começou por desculpar-se pelo silêncio pouco amável com que tinha recebido aos dois maridos, e manifestou a enorme gratidão que sempre tinha sentido por ela e pelo senhor Weston; mas uma vez terminadas estas efusões, falaram durante um bom momento do estado presente e futuro daquele compromisso matrimonial. A senhora Weston estava convencida de que aquela conversação devia constituir um grande alívio para seu companheira, que durante tanto tempo tinha estado tão encerrada em si mesmo, e ficou muito agradada com tudo o que lhe disse sobre o caso.

-Sobre tudo o que tinha sofrido, ocultando-o durante tantos meses -continuou a senhora Weston-, falou-me com muita energia. Uma das coisas que me há dito foi:

«Não vou dizer que desde que me prometi com ele não tenha tido momentos felizes; mas sim que após não desfrutei que uma só hora de tranqüilidade...» E ao dizer isto tremiam-lhe os lábios, Emma, e te asseguro que foi algo que me chegou muito fundo.

-Pobre moça! -disse Emma-. Então, ela acredita que fez mal ao aceitar o prometer-se em segredo, não?

-Que fez mau? Acredito que ninguém lhe faria mais recriminações dos que está disposta a fazer-se a si mesmo. «As conseqüências», dizia-me, «para mim foram um estado de contínua naufraga; e assim tinha que ser; mas apesar de todo o castigo que um mal proceder pode nos conduzir, o proceder não por isso deixa de ser menos mau. Sofrer não é expiar. Não posso me desculpar. estive obrando contrariamente ao que eu acreditava que era justo; e o final feliz que agora teve tudo e as cuidados que estou recebendo é o que meu consciência me diz que não mereço». «Não se você imagine», há-me dito também, «que recebi maus ensinos. Não cria que podem ter a culpa os princípios que me deram nem os amigos que se cuidaram de me educar. O engano foi só meu; e lhe asseguro que, apesar de todas as desculpas que as pressente circunstâncias aparentemente possam me dar, espero com muito temor o momento em que tenha que contar esta historia ao coronel Campbell».

-Pobre moça! -repetiu Emma-. Estou segura de que lhe quer apaixonadamente.

Só o amor pôde empurrá-la a aceitar uma situação como esta. Seus sentimentos puderam mais que sua razão.

-Sim, não tenho a menor duvida de que está muito apaixonada por ele.

-Temo-me -replicou Emma suspirando- que eu muitas vezes devo ter contribuído a que se sentisse desgraçada.

-OH, querida! Por sua parte você não podia ser mais inocente. Mas provavelmente ela estava pensando em algo disso quando aludiu às desavenças de que Frank já havia-nos dito algo. Dizia-me que uma conseqüência natural desta situação insustentável em que ela mesma se pôs, era que se tornou pouco pormenorizada. Ao ser consciente de que obrava mau, estava exposta a mil inquietações e se havia tornado suspicaz e irritável, até um extremo que forzosamente tinha, como assim foi, que resultar difícil de suportar para ele. «Eu não era pormenorizada, como devia havê-lo sido», há-me dito, «com sua maneira de ser, com seu caráter alegre, expansivo, com seu propensão a tomá-lo todo um pouco como um jogo, que em qualquer outra circunstância estou segura de que me tivessem enfeitiçado constantemente como me enfeitiçaram em um princípio». Logo me começou a falar de ti, do amável que tinha estado com ela durante sua enfermidade; e ruborizando-se de um modo que me demonstrou até o que ponto estava relacionada uma coisa com a outra, suplicou-me que quando tivesse ocasião te desse as obrigado... Eu nunca poderei te agradecer bastante todos seus desejos e todos seus intentos de ajudá-la. Ela se dá conta de que nunca te correspondeu como mereciam suas boas intenções.

-Se eu agora não soubesse que ela é feliz -disse Emma muito séria-, e tem que sê-lo, a pesar dos escrúpulos de consciência que possa ter nestes momentos, não poderia aceitar que me desse as obrigado... Porque se fôssemos fazer recontagem de todo o bem e todo o mal que eu tenho feito ao Jane Fairfax... Bom -dominando-se, e tentando mostrar-se mais alegre-, terá que esquecer todo isso. foste muito amável ao me dar todos esses pormenores tão interessantes. Demonstram o muito que vale esta moça. Estou segura de que é muito boa... e espero que será muito feliz. É melhor que já que a fortuna está toda de parte dele, as qualidades estejam todas de parte dela.

A senhora Weston não podia deixar de dar uma réplica a esta conclusão. Ela seguia pensando bem do Frank em quase todos os aspectos; e, mais ainda, queria-lhe muito, e seu defesa foi portanto muito apaixonada; impulsionada por seu grande afeto, expôs uma série de argumentos muito razoáveis... mas todo aquilo não bastava para reter a atenção de Emma; esta não demorou para estar pensando em Brunswick Square ou no Donwell e se esqueceu de escutar. E quando a senhora Weston terminou dizendo «Ainda não recebemos a carta que estamos esperando com tanto interesse, mas não acredito que possa demorar muito...», viu-se obrigada a fazer uma pausa antes de responder, e por fim a responder ao bom tuntún, antes de que pudesse recordar que carta era aquela que tinham tanto interesse por receber.

-Encontra-te bem, Emma? -foi a última pergunta da senhora Weston ao despedir-se.

-OH! Perfeitamente... Eu sempre me encontro bem, já sabe. Não se esqueça de me dizer algo da carta logo que a recebam.

As confidências da senhora Weston proporcionaram a Emma mais matéria para reflexões desagradáveis ao aumentar sua estima e sua compaixão, pela senhorita Fairfax, e ao avivar a lembrança de quão injusta tinha sido com ela tempo atrás. Lamentava amargamente não ter tentado ter com ela uma amizade mais íntima, e avermelhava de vergonha ao esticar que em boa parte a causa de sua atitude não tinha sido outra que a inveja. Se tivesse feito caso dos desejos do senhor Knightley emprestando estas cuidados à senhorita Fairfax, como era em todos os aspectos seu dever; se houvesse tentado conhecê-la melhor; se tivesse feito todo o possível por sua parte porque se estabelecesse um trato mais íntimo; se tivesse tratado de fazer dela seu amiga em vez de escolher ao Harriet Smith... De ter obrado assim, segundo todas as probabilidades agora se tivesse economizado aquelas naufraga que então estavam acossando-a... Por seu berço, por suas afeições, por sua educação, parecia destinada a ser amiga dela, a que ela a acolhesse com agrado; e por parte do Jane... Como era aquela moça? Caso inclusive que nunca tivessem chegado a ser amigas íntimas; que a senhorita Fairfax não tivesse tido a suficiente confiança com ela para lhe revelar o segredo... o qual era o mais provável... apesar de tudo, conhecendo-a como tivesse podido e devido conhecê-la, se tivesse evitado conceber aquelas odiosas suspeitas a respeito de um indigno amor com o senhor Dixon, suspeitas que não só tinha concebido e alimentado em sua mente, mas sim também tinha crédulo de um modo imperdoável a outras pessoas; uma idéia que ela muito temia que tivesse sido um dos maiores motivos de aflição para os delicados sentimentos do Jane, devido à ligeireza e ao atordoamento do Frank Churchill. De tudo o que podia fazer mal a jovem desde sua chegada ao Highbury, estava convencida de que ela tinha sido a fonte principal de suas inquietações. Tinha que ver em ela a um inimigo perpétuo. Os três nunca tinham estado juntos sem que Emma não tivesse perturbado a paz do Jane Fairfax em mil detalhes; e no Box Hill talvez havia conhecido uns sofrimentos espirituais que lhe tinham feito pensar que já não podia resistir mais.

Aquele dia no Hartfield o entardecer foi muito comprido e muito triste. E o tempo pareceu contribuir a fazer mais sombrias aquelas horas. desatou-se uma borrasca de chuva fria, e julho só era patente nas árvores e arbustos, que o vento ia despindo, e na duração da luz, que prolongava ainda por mais tempo aquele melancólico espetáculo.

O mau tempo afetava ao senhor Woodhouse; e o único modo de que se sentisse pasablemente a gosto foi receber constantes cuidados por parte de sua filha, que a Emma custaram-lhe dobro esforço do que até então tinha necessitado naqueles casos.

Aquela tarde lhe recordava a primeira vez em que pai e filha ficaram sozinhos, a tarde do dia em que se casou a senhora Weston; mas pouco depois do chá, o senhor Knightley havia ido visitar lhes dissipando assim até a última sombra de tristeza. Mas, ai!, aquelas gratas demonstrações da atração que exercia Hartfield, como o provava aquele tipo de visitas, não demorariam muito em ter um fim. As perspectivas de tédio que então Emma tinha previsto para o inverno seguinte tinham resultado errôneas; nenhum amigo os tinha abandonado, não tinham perdido nenhuma distração... Mas agora temia que não ia a ser tão afortunada como então no resultado de suas sombrias predições... O futuro que se abria ante ela era tão ameaçador que não podia ser totalmente conjurado... que nem sequer em parte parecia poder chegar a ser mais adulador. Se todo o que podia ocorrer no círculo de suas amizades ocorria, Hartfield devia ficar relativamente abandonado; e ela teria que respirar a seu pai com os ânimos que o ficassem de sua desaparecida felicidade.

O menino que ia nascer no Randalls criaria um vínculo muito mais forte que o que representava ela mesma; e o coração e o tempo da senhora Weston seriam absorvidos por ele. Perderiam-na. E provavelmente em grande parte foram perder também a seu marido...

Frank Churchill não voltaria mais; e era lógico supor que a senhorita Fairfax logo deixasse de pertencer ao Highbury. casariam-se e se instalariam no Enscombe ou perto dali.

ia perder às pessoas que mais apreciava; e se a estas perdas terei que acrescentar a de Donwell, que amigos cordiais e inteligentes foram ficar perto dela? O senhor Knightley já não voltaria a lhes fazer companhia pelas tardes! Já não voltaria a lhes visitar a todas as horas, como se estivesse sempre disposto a trocar seu próprio lar pelo seu!

Como ia poder suportar todo isso? E se a causa de que lhe perdessem era Harriet; se a partir de então terei que resignar-se à idéia de que encontrava na companhia de Harriet tudo o que ele necessitava; se Harriet ia ser para ele a escolhida, a primeira, a amiga mais querida, a esposa em quem devia cifrar toda a felicidade do mundo; que idéia podia resultar mais desconsoladora para a Emma, a não ser a que não poderia jamais apartar-se de sua mente, de que tudo teria sido obra dela?

Quando suas reflexões chegavam a este ponto extremo, não podia evitar estremecer-se, emitir um profundo suspiro e inclusive passear pela habitação durante uns breves segundos... e o único pensamento de que podia extrair um pouco parecido a um consolo, a uma resignação, era sua decisão de que a partir de então ia corrigir se, e a esperança de que, embora o próximo inverno e todos outros invernos que viessem não pudessem comparar-se aos passados em animação e em alegria, foram encontrar a mais sensata, conhecendo-se mais a si mesmo, e terminariam lhe deixando menos coisas de que arrepender-se.

 

DURANTE toda a manhã seguinte continuou fazendo mais ou menos o mesmo tempo; e no Hartfield parecia reinar a mesma solidão e a mesma melancolia... mas a primeira hora da tarde o céu se limpou; o vento cedeu em força; as nuvens se dissiparam; luziu o sol; havia tornado o verão; com toda a veemência que inspira um mudança de tempo como este, Emma se propôs sair ao ar livre o antes possível. Nunca o maravilhoso espetáculo, os aromas, a sensação da natureza tranqüila, cálida, brilhante, depois de uma tempestade, tinham-lhe resultado mais atrativos; ansiava a serenidade que todo isso ia introduzir gradualmente em seu espírito; e ao lhes visitar o senhor Perry pouco depois de comer, com toda uma hora livre para consagrar a seu pai, aproveitou em seguida a ocasião para sair ao jardim... Ali, com o ânimo mais repousado, e as idéias um pouco acalmadas, deu umas quantas voltas; quando viu o senhor Knightley franqueando a porta do jardim e dirigindo-se para ela... Era a primeira notícia que tinha de que havia tornado de Londres. Um momento antes Emma tinha estado pensando nele lhe considerando sem a menor vacilação a dezesseis milhas de distância. Só tinha tempo para fazer uma rápida composição de lugar. Tinha que dominar-se e sossegar-se. Ao cabo do meio minuto estiveram um em frente do outro. Os «Como está você?» foram tranqüilos e mesurados por uma e outra parte. Lhe perguntou por seus amigos mútuos;

estavam todos bem.

-Quando saiu que Londres?

-Esta mesma manhã.

-deveu molhar-se pelo caminho.

-Sim.

Emma viu que desejava que dessem um passeio juntos.

-joguei uma olhada ao comilão, e como vi que não me precisavam prefiro estar ao ar livre.

Por seu aspecto e sua maneira de falar parecia contrariado; e a jovem, inspirada por seus temores, pensou que possivelmente a causa disso era que talvez tinha comunicado seus projetos a seu irmão, e estava preocupado pela atitude com que este os havia acolhido. ficaram a andar juntos. Ele guardava silêncio. Emma tinha a impressão de que de vez em quando a olhava de esguelha, como se queria ler em seu rosto mais do que lhe convinha deixar entrever. E esta hipótese lhe inspirou outro temor. Possivelmente queria lhe falar de seu amor pelo Harriet; possivelmente só esperava que lhe desse pé para começar suas confidências... Mas Emma não o fazia, não podia fazê-lo, não se sentia com força para fazer que a conversação derivasse para aquele tema. Ele teria que fazer-lhe tudo. Mas não podia suportar aquele silêncio, que, tratando-se dele, era algo tão fora do comum. Esteve pensando... decidiu-se... e por fim, tentando sorrir, começou:

-Agora que retornou se inteirará você de notícias que mas bem lhe surpreenderão.

-Seriamente? -disse ele com calma, olhando-a-. E de que classe?

-OH! As melhores notícias do mundo... umas bodas.

Depois de fazer uma breve pausa, para assegurar-se de que ela não ia dizer nada mais, replicou:

-Se se referir a da senhorita Fairfax e Frank Churchill já me hão isso dito.

-Como é possível? -exclamou Emma, voltando para ele seu rosto aceso.

Mas enquanto falava lhe ocorreu que indo para ali podia haver-se detido a visitar a senhora Goddard.

-Esta manhã recebi uma carta do senhor Weston sobre assuntos da paróquia, e ao final me fazia um pequeno resumo de tudo o que tinha ocorrido.

Emma se sentiu mais aliviada, e ao momento pôde dizer com um pouco mais de serenidade:

-Então provavelmente lhe terá surpreso menos que a outros, porque você já tinha suas suspeitas... Não esqueci que em certa ocasião você tentou me acautelar...

Oxalá lhe tivesse feito conta... mas -baixando a voz e dando um profundo suspiro- está visto que estou condenada a não saber ver nunca essas coisas...

Durante uns momentos houve um silêncio, e Emma não advertiu que suas palavras haviam causado uma profunda impressão em seu interlocutor, até que sentiu que lhe agarrava a mão e a levava a coração, e lhe ouviu dizer em voz desce em um tom muito emocionado:

-O tempo, minha querida Emma, o tempo curará esta ferida... Tem você um grande sentido comum... tem que fazer um esforço pensando em seu pai... já sei que para você mesma...

Voltou a apertar de novo a mão da jovem, enquanto acrescentava com voz ainda mais cálida e mais entrecortada:

-O mais fiel dos amigos... indignação... aquele odioso canalha... -E em um tom mais baixo, mais resolvido-: Logo se irá... Logo se irão ao Yorkshire. Sinto-o por ela.

Merece melhor sorte.

Emma lhe compreendeu; e logo que pôde recuperar-se da intensa sensação de gozo que o tinha produzido aquela prova de afeto por parte dele, replicou:

-É você muito bom... mas se equivoca... E tenho que lhe dizer qual é a verdade... Não necessito esta classe de compaixão. Minha cegueira acima de tudo o que estava passando me levou a atuar de um modo do que sempre me envergonharei, e me vi neciamente tentada a dizer e a fazer muitas coisas que puderam dar pé às hipóteses mais desagradáveis, mas esta é a única razão que tenho para lamentar o não ter estado antes no segredo.

-Emma! -exclamou ele olhando-a afanosamente-. É certo o que diz? -Mas em seguida, dominando seu entusiasmo-: Não, não... já lhe entendo. me perdoe... me alegro de que possa dizer isso... Não, certamente não vale a pena lamentar sua perda. E confio em que não passe muito tempo antes de que não seja só sua razão a que reconheça todo isso...

teve você sorte de que seu coração não se comprometeu mais! Confesso-lhe que, pela atitude de você, eu nunca podia estar seguro de até onde chegavam seus sentimentos... só tinha a segurança de que havia uma predileção... uma predileção da que eu nunca lhe considerei merecedor. É alguém que desonra o apelativo de homem... E um ser assim tem que receber em recompensa uma moça tão encantadora?

Jane, Jane! O que desgraçada será!

-Senhor Knightley -disse Emma, tratando de mostrar-se corajosa, mas sentindo-se em realidade em meio da maior confusão-, põe-me você em uma situação muito delicada.

Não posso deixar que siga neste engano; e, entretanto, talvez, posto que meu proceder-lhe deu esta impressão, não me faltam motivos para me sentir tão envergonhada de confessar que nunca me sentei apaixonada pela pessoa de que estamos falando, como poderia sentir uma mulher que confessasse exatamente justamente o contrário... Nunca...!

Ele a escutou em silêncio. Emma tivesse querido que lhe falasse, mas ele seguia calado.

Supôs que devia acrescentar algo mais antes de fazer-se merecedora de sua clemência; mas se resistia a ver-se obrigada a rebaixar-se a si mesmo ante ele. Entretanto, seguiu dizendo:

-Meu proceder tem poucas desculpas... Tentaram-me suas cuidados, e me permiti mesma me mostrar agradada... Uma velha história... provavelmente um caso muito corrente... algo que lhes terá ocorrido a centenares de mulheres antes que a mim; e contudo não é a mais disculpable a que como eu sinta praça de «inteligente». Concorreram muitas circunstâncias nessa tentação. Ele era o filho do senhor Weston... tinha-lhe constantemente junto a mim... sempre lhe encontrava muito agradável... e, em resumo -com um suspiro-, não vou ocultar lhe com frases engenhosas qual foi a causa mais importante de tudo isto... adulava minha vaidade, e consenti suas cuidados. Entretanto, nestes últimos tempos... a verdade é que durante certo tempo eu não pensava que aquilo pudesse significar algo... considerava-o como um costume, um jogo... nada que me comprometesse seriamente ante mim mesma... Em certo modo tinha triunfado sobre mim, mas sem me fazer danifico. Nunca tinha estado apaixonada por ele. E agora posso interpretar aproximadamente sua conduta. Ele nunca quis me apaixonar. Aquilo não era mais que uma tela para ocultar sua verdadeira situação com outra mulher... -Seu propósito era enganar a todos os que lhe rodeavam; e estou segura de que ninguém pôde enganar-se de um modo mais efetivo que eu... só que não me enganei... esta foi minha maior sorte... pelo motivo que fora, liberei-me dele.

Ao chegar a este ponto Emma tivesse desejado que lhe respondesse... embora só fossem umas poucas palavras para dizer que pelo menos sua conduta era compreensível;

mas seguia em silêncio; e, por isso ela podia conjeturar, sumido em seus pensamentos.

Por fim, quase em seu tom habitual, disse:

-Nunca tive uma boa opinião do Frank Churchill... Entretanto, sempre posso supor que não tenha sabido apreciar suas qualidades... Minha relação com ele foi muito superficial. E inclusive admitindo que até agora lhe tenha julgado como merece, acredito que pode chegar a ser muito melhor... Com uma mulher como Jane tem uma possibilidade... Não tenho nenhum motivo para lhe desejar mau... e pelo bem dela, cuja felicidade vai a depender de seu bom caráter e de sua conduta, certamente lhe desejo todo o bem do mundo.

-Não tenho nenhuma dúvida de que serão felizes juntos -disse Emma-; estou segura de que estão sinceramente apaixonados um do outro.

-É um homem afortunado! -exclamou o senhor Knightley com ênfase-. Tão jovem ainda, a os vinte e três anos, a uma idade em que quando um homem escolhe esposa geralmente escolhe mau... Aos vinte e três anos conseguir algo de tanto valor! dentro do que é humanamente possível prever, quantos anos de felicidade lhe esperam! Ter conquistado o amor de uma mulher como ela... um amor desinteressado, porque o modo de ser do Jane Fairfax é o de uma pessoa do máximo desinteresse; tudo está em favor dele... igualdade de situação..., refiro-me, por isso respeita à sociedade, e tudo os costumes e maneiras que realmente contam; há igualdade em todos os aspectos, exceto em um... e este, já que não é possível duvidar da pureza de intenções dela, ainda contribuirá à felicidade dele, já que lhe permitirá lhe oferecer as únicas vantagens das que ela carece agora... Um homem sempre deseja dar a uma mulher um lar melhor que aquele de onde a tirou; e quem pode fazê-lo, quando não há dúvidas sobre o amor dela, deve ser, em minha opinião, o mais feliz dos mortais... Sim, Frank Churchill é um favorito da fortuna. Tudo o que lhe ocorre é em benefício dele... Conhece uma jovem em um balneário, conquista seu afeto, nem sequer o alarme com a ligeireza de seu caráter... e se ele e toda seu família tivessem dado a volta ao mundo lhe buscando uma esposa perfeita, não a houvessem encontrado superior a ela... Sua tia se opõe... sua tia morre... Só tem que falar... Seus amigos estão dispostos a lhe ajudar a ser feliz... levou-se mal com todo mundo... e todo mundo está encantado de lhe perdoar... A verdade é que é homem de sorte!

-Fala você como se lhe invejasse.

-E lhe invejo, Emma. Em uma coisa lhe asseguro que lhe invejo.

Emma não se atreveu a dizer nada mais. Pareciam estar já a meio caminho de falar de Harriet, e naquele momento tudo o que queria era evitar aquele tema, se era possível. Se riscou um plano; falaria-lhe de um pouco totalmente distinto... os meninos de Brunswick Square; e quando já se dispunha a falar, o senhor Knightley a surpreendeu dizendo:

-Não vai você a me perguntar no que lhe invejo... Vejo que está decidida a não ter curiosidade... É você prudente... mas eu não posso sê-lo. Emma, devo lhe dizer o que não vai perguntar me, apesar de que possivelmente um momento depois me arrependa de havê-lo dito.

-OH! Então não me diga isso, não me diga isso -exclamou ela rapidamente-. Tome-se mais tempo, reflita, não se precipite.

-Muito obrigado -disse ele em um tom ofendido.

E não acrescentou nenhuma sílaba mais. Emma não podia suportar a idéia de lhe haver feito mal.

Ele talvez desejava lhe fazer uma confidência... talvez lhe consultar algo...; por muito que o custasse, escutaria-lhe. Podia lhe ajudar a resolver ou a lhe confirmar em sua opinião. Podia limitar-se a elogiar ao Harriet ou, lhe recordando o valor de sua independência, lhe tirar daquele estado de indecisão que para um espírito como o seu devia ser mais doloroso que qualquer alternativa... Tinham chegado frente à porta da casa.

-Entra você? -perguntou-lhe ele.

-Não -replicou Emma, segura já de sua decisão, ao ver o abatimento que demonstrava ele ao falar-. Eu gostaria de seguir o passeio. O senhor Perry ainda não se foi.

E depois de dar uns passos acrescentou:

-Faz um momento lhe interrompi muito bruscamente, senhor Knightley, e temo lhe haver ofendido... Mas se deseja falar francamente comigo como amiga, ou me pedir a opinião sobre algo que você tenha em projeto... como amiga estou a seu disposição. Escutarei tudo o que queira me dizer. E lhe direi exatamente o que pense.

-Como amiga! -repetiu o senhor Knightley-. Emma, o que temo é uma palavra... Não, não, prefiro que não... Sim... fique... por que vou vacilar? Já fui muito longe para poder ocultá-lo agora... Emma, aceito seu oferecimento... Por estranho que possa lhe parecer, aceito-o e confio a você como amiga... me diga... Posso ter alguma esperança?

interrompeu-se para dar mais ênfase a sua pergunta, enquanto com o olhar dominava completamente a jovem.

-Minha querida Emma -seguiu dizendo-, porque querida o será você sempre para mim, seja qual seja o resultado desta hora de conversação, minha querida Emma, minha amada Emma...

me responda em seguida. Diga «não» se for isso o que tem que dizer.

Emma era absolutamente incapaz de dizer nada, e ele exclamou muito excitado:

-cala-se você! Não diz nada! por agora não pergunto mais.

Emma estava quase a ponto de desvanecer-se pela emoção daqueles momentos.

Então o sentimento mais acusado nela era o temor a despertar do mais feliz dos sonhos.

-Não sou homem de muitas palavras, Emma -seguiu dizendo em um tom tão sincero, tão decidido, tão afetuoso, que não podia a não ser convencer-. Se a quisesse menos talvez poderia falar mais. Mas já sabe como sou... De mim só ouviu a verdade... Eu lhe tenho feito recriminações e a exortei, e você o suportou como nenhuma outra mulher em toda Inglaterra o tivesse feito... Suporte agora as verdades que tenho que lhe dizer, meu querida Emma, como sempre as suportou... Minhas maneiras talvez não as abonam muito.

Sei bem que não fui um apaixonado exemplar... Mas você já me compreende...

Sim, você vê, você compreende meus sentimentos... E, se puder, corresponderá a eles.

Agora só lhe rogo que me deixe ouvir, embora só seja uma vez, que me deixe ouvir sua voz.

Enquanto o senhor Knightley falava, a mente dela estava em plena atividade, e com toda a prodigiosa celeridade do pensamento tinha podido, sem perder nenhuma palavra, captar e compreender qual era a verdade exata de todo aquilo; ver que as esperanças de Harriet tinham sido totalmente infundadas, um engano, um engano, um engano tão total como qualquer dos seus próprios... que Harriet não era nada para ele; que ela o era tudo;

que o que ela tinha estado dizendo relativo ao Harriet tinha sido tomado como expressão de seus próprios sentimentos; e que sua agitação, suas dúvidas, sua contrariedade, seu desânimo, ele os tinha tomado como um meio de lhe desanimar a ele que Emma havia adotado... e não só tinha que ir fazendo-se carrego de todas essas coisas que significavam tanta felicidade para o futuro; havia também que alegrar-se de não ter revelado o secreto do Harriet, e de decidir que já não era necessário, nem se faria... Agora era todo o que podia fazer por seu pobre amiga; já que, por isso se refere ao heroísmo do sentimento que podia havê-la impulsionado a tentar que ele transferisse seu amor da Emma a Harriet, como a mais digna, imensamente mais digna, das duas... ou inclusive à atitude muito mais singela e sublime de decidir lhe rechaçar ao momento e para sempre, sem confessar os motivos, pelo fato de que não pudesse casar-se com ambas... Não, Emma não estava disposta a esses sacrifícios. Pensava no Harriet com pena e arrependimento; mas em seu espírito o impulso de generosidade não alcançou extremos de insensatez que se houvessem oposto a tudo o que podia ser provável ou razoável. Tinha desencaminhado a seu amiga, e esta seria sempre para ela uma recriminação vivente; mas seu bom julgamento era tão firme como seus sentimentos, tão firme como o tinha sido sempre, e não podia aceitar para ele uma união como aquela, tão desigual e tão imprópria. O caminho que Emma via ante si era claro, mas não sem dificuldades... Ante suas obrigações se viu forçada a falar...

O que é o que disse? Exatamente o que devia dizer, é obvio... Como faz sempre uma dama... Disse o suficiente para lhe dar a entender que não tinha por que se desesperar-se...

lhe convidando a dizer algo mais. Por um momento ele tinha perdido as esperanças, ao ver que lhe insistia à prudência e ao silêncio, como se aquilo representasse uma negativa... ela tinha começado por, negar-se para lhe ouvir... Logo a mudança de atitude tinha sido um tanto brusco... Sua proposição de seguir passeando, o modo em que Emma tinha reatado a conversação que ela mesma acabava de interromper não tinha deixado de lhe causar surpresa... Ela se dava conta de que tinha obrado de um modo incongruente; mas o senhor Knightley foi tão amável que preferiu esquecer o caso, e não lhe pediu mais explicações.

Poucas vezes, muito poucas, acontece que os seres humanos podem obrar mostrando a verdade completa a respeito de seus atos; quase sempre fica algo um pouco oculto, algo em uma certa penumbra; mas quando, como neste caso, se houver algo oculto na maneira de obrar, mas não nos sentimentos, não tem grande importância... O senhor Knightley não podia encontrar um coração mais apaixonado que o da Emma, um coração mais disposto a aceitar o seu.

Em realidade ele não tinha tido nem a menor suspeita da influência que exercia sobre a jovem; tinha saído a seu encontro no jardim sem a intenção de pô-la a prova. Havia acudido ao Hartfield preocupado por ver como ela tinha tomado a notícia do compromisso matrimonial do Frank Churchill, sem nenhuma olhe egoísta, sem nenhuma intenção de nenhuma classe, exceto a de tentar, se ela o permitia, consolá-la ou aconselhá-la... O resto tinha sido obra das circunstâncias, o efeito imediato do que ouviu e também de seus sentimentos. A grata certeza de que Emma só sentia indiferença pelo Frank Churchill, de que jamais lhe tinha entregue seu coração, fez nascer nele a esperança de que com o tempo podia chegar a conquistá-lo para si; mas não havia sido uma esperança de algo concreto, imediato... tão somente, naqueles momentos nos que a veemência de seu desejo se impôs a sua razão, aspirava para ouvir que ela não se opunha a sua tentativa de chegar a conquistar seu amor... As esperanças de algo mais que progressivamente lhe foram oferecendo lhe deixaram alienado de alegria... O afeto que ele tinha estado rogando que lhe permitisse criar dentro do possível, era já dele... Em meia hora tinha passado de um estado de ânimo totalmente abatido, a algo tão semelhante à felicidade perfeita, que este era o único nome que podia lhe dar.

A mudança experienta por ela foi parecido... Aquela meia hora tinha dado a ambos a mesma inapreciável certeza de ser amados, tinha dissipado em um e outro as mesmas brumas da incompreensão, do ciúmes, da desconfiança... Por parte dele tinham sido um ciúmes muito antigos, que se remontavam à época da chegada de Frank Churchill, e inclusive antes, quando ainda lhe esperava... Tinha estado apaixonado por Emma e ciumento do Frank Churchill desde aqueles dias nos que provavelmente um sentimento lhe tinha permitido dar-se conta do outro... Tinham sido seu ciúmes do Frank Churchill que lhe tinham feito deixar Highbury... A excursão ao Box Hill havia impulsionado a partir. Considerou que pelo menos assim evitaria o voltar a ser testemunha de todas aquelas cuidados que ela permitia e respirava... foi-se para aprender a ser indiferente... Mas para isso tinha eleito um mau lugar. Havia muita felicidade doméstica na casa de seu irmão; a mulher representava ali um papel muito atrativo; Isabella se parecia muito a Emma... diferenciando-se só dela em uma série de coisas nas que era claramente inferior, e que não faziam mais que lhe evocar com muita mais força a lembrança de seu amiga; por muito que tivesse feito, embora se tivesse ficado ali muito mais tempo, tivesse sido inútil. Entretanto, permaneceu ali tercamente, dia detrás dia... até que aquela mesma manhã o correio havia lhe trazido a história do Jane Fairfax... Então, junto à alegria que forzosamente devia sentir, e que não sentia o menor escrúpulo em sentir, porque nunca tinha acreditado que Frank Churchill merecesse a Emma, surgiu em seu ânimo uma solicitude tão afetuosa, uma inquietação tão intensa por ela, que não pôde seguir em Londres nem um dia mais. Havia retornado ao Highbury sob a chuva; e imediatamente depois de comer se havia encaminhado ao Hartfield para ver como a melhor e a mais encantada de todos os seres humanos, perfeita apesar de suas imperfeições, agüentava a notícia.

Encontrou-a nervosa e deprimida... Frank Churchill era um vilão... Emma lhe disse que nunca lhe tinha amado... Ao fim e ao cabo, Frank Churchill não era um caso tão ruim como poderia supor-se... Quando ambos voltaram para a casa, Emma era já «sua» Emma, seu mão e suas palavras o testemunhavam; e se então tivesse podido pensar no Frank Churchill, provavelmente lhe tivesse considerado como um excelente moço.

 

QUE enorme diferencia havia entre os sentimentos da Emma ao sair de sua casa e ao voltar a entrar nela! Tinha saído ao jardim sem atrever-se a esperar mais que um pequeno respiro para seus naufraga... E agora se sentia invadida por uma maravilhosa sensação de felicidade... felicidade que, além disso, sabia que ia ser ainda major quando tivesse passado a confusão daqueles primeiros momentos.

sentaram-se a tomar o chá... as mesmas pessoas reunidas em torno da mesma mesa...

Quantas vezes se reuniram os três naquele mesmo lugar! E quantas vezes os olhos da Emma se posaram nos mesmos arbustos que cresciam entre a erva, e tinham contemplado o formoso efeito do pôr-do-sol! Mas nunca naquele estado de ânimo, nunca como aquela vez; e agora lhe resultava difícil dominá-lo suficiente para ser a atenta dona-de-casa de sempre, inclusive a filha carinhosa de costume.

O pobre senhor Woodhouse não podia estar mais longe de suspeitar o que se estava tramando contra ele no coração daquele homem a quem tinha acolhido com tanta cordialidade, a quem tinha perguntado com tanto interesse se não se resfriou ao vir de Londres sob a chuva... De ter podido penetrar em seu coração, preocupou-se muito pouco por seus pulmões; mas sem imaginar nem o mais remoto espiono dos perigos que lhe ameaçavam, sem advertir nem a menor diferencia anormal no aspecto ou a atitude de nenhum dos dois, repetiu-lhes feliz e tranqüilo todas as notícias que acabava de lhe dar o senhor Perry, e seguiu conversando com eles muito satisfeito de si mesmo, incapaz de suspeitar as notícias que eles a sua vez tivessem podido lhe contar.

Enquanto o senhor Knightley permaneceu na casa, a agitação da Emma não se acalmou;

mas uma vez se foi começou a tranqüilizar-se um pouco e a conseguir dominar-se... e durante toda a noite que passou em vela, que foi o preço que teve que pagar por uma tarde como aquela, viu que havia uma ou duas questões muito graves sobre as que refletir e que lhe fizeram advertir que inclusive sua felicidade não ia deixar de ter certas sombras. Seu pai... e Harriet. Não podia ficar a sós sem dar-se conta da enorme importância que tinham para ela os direitos de ambos; e o difícil era conseguir para os duas a máxima felicidade possível. Com respeito a seu pai o problema só admitia uma solução. Logo que sabia ainda o que o senhor Knightley ia exigir; mas detrás um breve sondagem de seu próprio coração, adotou a solene decisão de não abandonar nunca a seu pai... Inclusive descartou a simples ideia de fazê-lo, como se só ao pensá-lo-se fizesse responsável por uma grave culpa. Enquanto ele vivesse só devia prometer-se, não casar-se; mas se disse a si mesmo que, afastado o perigo de perdê-la, aumentaria o bem-estar e a segurança de seu pai... Quanto ao melhor modo de obrar respeito a Harriet, a decisão era muito mais difícil... Como lhe evitar uma dor desnecessária? Como sacrificar-se por ela dentro do que fora possível? Como conseguir lhe demonstrar que não era sua inimizade? No referente a estes pontos, suas dúvidas e seu desassossego não podiam ser maiores... e sua memória teve que voltar a evocar uma e outra vez aquelas amargas recriminações, aquelas penosas lamentações que não tinham deixado de obcecá-la nos últimos dias... Por último só pôde decidir que seguiria evitando encontrar-se com ela e que lhe comunicaria tudo o que tivesse que lhe dizer por carta; pensou que naquela situação o melhor seria que Harriet se fora do Highbury por algum tempo, e passando já a esboçar outro plano, quase concluiu que poderia obter-se que a convidassem em Brunswick Square... Isabella estaria encantada de ter ao Harriet a seu lado... e umas quantas semanas em Londres não deixariam de distrai-la... Por outra parte não acreditava que Harriet fosse uma moça para esquecer seus pesares distraindo-se com coisas novas e distintas, com ruas, lojas e meninos. Em todo caso, seria uma prova de atenção e de carinho por parte dela, que era a responsável por tudo; uma separação momentânea; um adiamento de aquele triste dia no que era forçoso que voltassem a encontrar-se todos juntos.

levantou-se cedo e escreveu a carta ao Harriet; uma ocupação que a deixou tão pensativa, quase poderia dizer-se tão triste, que quando o senhor Knightley chegou ao Hartfield para tomar o café da manhã ainda lhe pareceu que chegava muito tarde; logo necessitou meia hora de passear com ele e de conversar sobre os últimos acontecimentos, para poder recuperar a mesma sensação de felicidade de na tarde anterior.

Ao pouco momento de havê-la deixado, muito pouco para que Emma tivesse ainda a menor tentação de pensar em ninguém mais, trouxeram uma carta do Randalls... um sobre muito volumoso; Emma adivinhou o que continha e pensou que era necessário lê-la... Naqueles momentos se sentia muito benévola para com o Frank Churchill; não queria explicações...

só queria que a deixassem a sós com seus pensamentos... e por outra parte se sentia incapaz de compreender nada do que ele podia escrever; entretanto tinha que desembaraçar-se daquela questão. Abriu o sobre, segura do que continha... Uma breve nota da senhora Weston dirigida a ela, acompanhada da carta que Frank Churchill tinha escrito à senhora Weston:

Minha querida Emma, você envio com o maior prazer a carta anexa. Sei que saberá apreciá-la em tudo o que vale e que não terá a menor duvida das boas conseqüências que teve... Não acredito que nunca mais voltemos a dissentir gravemente em nossa opinião a respeito de quem a tem escrito; mas não quero te entreter mais fazendo um prólogo muito comprido... Estamos todos bem... Esta carta foi a melhor medicina para todos os pequenos transtornos nervosos que tive ultimamente... Não me deixou tranqüila o aspecto que tinha na terça-feira, mas a manhã não era das mais propícias; e embora você nunca quer reconhecer que o tempo te influi em seu estado de ânimo, acredito que todo mundo se resiente quando sopra vento do nordeste. Lembrei-me muito de seu querido pai durante a tormenta da terça-feira pela tarde e de ontem pela manhã, mas ontem de noite me tranqüilizei ao saber pelo senhor Perry que não se encontrou mau. Recebe uma carinhosa saudação de

  1. W.22

(À senhora Weston)

Windsor. Julho.

Apreciada senhora:

Se ontem soube me expressar como era meu desejo, terão estado vocês esperando esta carta; mas tanto se a esperavam como se não, sei que será lida com boa vontade e com indulgência... Você, tão bondosa, acredito que precisará recorrer a toda sua bondade para desculpar certos aspectos de minha passada conduta... Mas já fui perdoado por alguém que tinha mais motivos para sentir-se ofendido. À medida que vou escrevendo-me sinto com mais valor. É difícil para o afortunado ser humilde. Eu tive já tanta fortuna nas duas ocasiões nas que solicitei perdão, que roda de pessoas o perigo de me acreditar muito seguro de obter o de você agora, e logo o daqueles de seus amigos que tenham algum motivo para considerar que me levei mal com eles.

Todos vocês devem tentar compreender qual era exatamente minha situação quando cheguei por primeira vez ao Randalls; deve você pensar que então possuía um segredo que devia seguir sendo-o custasse o que custasse. Esta era a realidade. O direito que tinha a me pôr em uma situação que requeria tal dissimulação já é outro assunto. Não vou discutir o aqui. No referente a minha tentação de acreditá-lo um direito, remeto a quem não opine assim a uma casa de tijolos do Highbury, uma casa com simples janelas na planta baixa e com leva janelas no primeiro piso. Eu não me atrevia a me dirigir a ela abertamente; meus dificuldades, no estado de coisas que havia então no Enscombe, são já o bastante conhecidas para que precise me explicar mais; e fui tão afortunado que consegui meu propósito antes de que nos separássemos no Weymouth, e convenci à mulher mais reta de toda a criação para que consentisse, dadas as circunstâncias, em um compromisso matrimonial secreto... Se ela se negou houvesse me tornado louco... Suponho que você me perguntará o que esperava conseguir com tudo isso... Quais eram meus própósitos... Eu esperava algo, tudo... que passasse o tempo, que surgisse uma possibilidade, que se desse uma circunstância favorável... esperava-o tudo dos efeitos lentos, dos estalos imprevistos, da perseverança e do cansaço, da saúde e de a enfermidade. Tinha ante mim todas as possibilidades de felicidade, e assegurada a maior das sortes ao conseguir que me prometesse fidelidade e correspondência. Se necessitar você mais explicações, minha apreciada senhora, só lhe direi que tenho a honra de ser o filho de seu marido, e a vantagem de -ter herdado sua predisposição a esperar que as coisas sempre saiam bem, herança que sempre será muito mais valiosa que a de casas e terras... você pense então em mim, nestas circunstâncias, efetuando meu primeira visita o Randalls; neste ponto tenho consciência de ter obrado mau, porque aquela visita devesse havê-la feito muito antes. Se recordar você aqueles meses advertirá que eu não acudi até que a senhorita Fairfax esteve no Highbury; e como era precisamente você a pessoa a quem fiz o desprezo, saberá me perdoar imediatamente; mas direi, para me atrair o perdão de meu pai, que devo lhe recordar que se permaneci tanto tempo afastado de sua casa, foi tempo no que não pude desfrutar do bem de conhecê-la a você. Confio em que minha conduta durante aquelas duas semanas tão felizes que aconteceu vocês não mereça nenhuma recriminação, excetuando um aspecto. E agora entro no principal, o único aspecto importante de minha conduta enquanto estive em sua casa que me tem inquieto e que requer explicações mais detalhadas. Com o máximo respeito e com os sentimentos da mais afetuosa das amizades, tenho que mencionar aqui à senhorita Woodhouse; meu pai talvez pensará que deveria acrescentar «e com a mais profunda humilhação»... Por algumas palavras que lhe escaparam ontem vi qual era sua opinião, e reconheço que eu mesmo considero justas certas recriminações... A meu entender, meu trato com a senhorita Woodhouse se interpretou de um modo exagerado... A fim de contribuir a guardar aquele segredo tão essencial para mim, vi-me empurrado a fazer um usa indevido da amizade que se estabeleceu imediatamente entre nós... Não posso negar que a senhorita Woodhouse era ostensiblemente o objeto de todas minhas cuidados...

22 Annie Weston.

Mas estou seguro de que me acreditará você se lhe disser que de não ter estado eu convencido de que lhe era indiferente, não tivesse mimado que minhas miras pessoais me impulsionassem a seguir adiante... A senhorita Woodhouse, até sendo tão afetuosa, tão encantadora, nunca me deu a impressão de uma jovem fácil de apaixonar; e o que ela fosse completamente alheia a qualquer propensão a apaixonar-se por mim, era não só meu convicção, mas também meu desejo... Acolhia minhas deferências do modo desenvolvido, amistoso, jovial, que mais me convinha. Parecíamos nos entender muito bem. E em nossas respectivas situações, eu estava obrigado a ter aquelas deferências, e ela também acreditava- assim... Não saberia dizer se a senhorita Woodhouse começou a me entender seriamente antes de que terminassem aqueles quinze dias; quando a visitei para me despedir dela, lembrança que estive a ponto de lhe confessar a verdade, e que então imaginei que ela não deixava de abrigar certas suspeitas; mas não tenho a menor duvida de que a partir de aquele momento me tem descoberto, embora não sei até que ponto... Possivelmente não o tenha descoberto tudo, mas com sua acuidade teve que dar-se conta de algo... Não me cabe nenhuma dúvida. Já comprovará você, quando puder falar-se com mais liberdade que agora de todo este assunto, que não vai ter uma grande surpresa. Em muitas ocasiões me o insinuou. Lembrança que no baile me disse que eu tinha que estar muito agradecido à senhora Elton pelas cuidados que tinha com a senhorita Fairfax. Confio em que toda esta história de meu proceder com ela será admitida por você e por meu pai como um considerável atenuante do que vocês tenham considerado reprochable em meu conduta. Enquanto considerem que me levei muito mal com a Emma Woodhouse, não merece a estimativa de nenhum dos dois. me desculpem neste ponto e advoguem por mim quando for possível, para que a senhorita Woodhouse me outorgue seu perdão e me devolva sua amizade; lhe digam que sinto por ela um afeto de verdadeiro irmão, e que só desejo que chegue a estar tão apaixonada e que seja tão feliz como eu o sou agora...

Agora já sabem vocês como interpretar todas as coisas estranhas que pinjente ou fiz durante aquelas duas semanas. Meu coração estava no Highbury, e eu só procurava me transladar ali tão freqüentemente como me era possível sem despertar suspeitas. Se recordar você alguma minha raridade, saiba agora ao que deve atribui-la. Por isso se refere a aquele piano do que tanto se falou, só acredito necessário dizer que o comprei sem que a senhorita Fairfax tivesse a menor noticia disso, já que em caso de haver o comunicado nunca houvesse querido aceitá-lo... A delicadeza de sentimentos da que deu prova durante todo este tempo, minha apreciada senhora, vai muito além de tudo o que eu poderia lhe explicar. Não demorará você, como desejo vivamente, em conhecê-la bem por si mesmo.

Nada do que eu lhe diga serviria para descrevê-la. Ela mesma demonstrará a você como é... mas não de palavra, pois há muito poucas pessoas tão empenhadas como ela em ocultar seus próprios méritos. Enquanto estava escrevendo esta carta, que será mais larga pelo que eu previa, tive notícias delas... Boas notícias no que respeita a seu saúde... mas como nunca se queixa, não me atrevo a estar seguro sobre este ponto. Prefiro ter sua opinião a respeito de seu aspecto. Sei que você não demorará para visitá-la; ela teme esta visita. Talvez a tenha feito já. me diga algo a respeito disto o antes possível; estou impaciente por que me dê mil detalhes. Recorde o que poucos minutos estive no Randalls, e no que estado de ânimo tão turbado e exaltado; ainda não estou muito melhor. Ainda turbado tanto pela felicidade como pela dor. Quando penso na amabilidade e o afeto que tiveram para comigo, no que ela vale e na paciência que teve, e na generosidade de meu tio, volto-me louco de alegria; mas quando recordo todos os transtornos que ocasionei e o pouco que mereço que me perdoem, ponho-me louco de ira. Se pudesse voltar a vê-la! Mas ainda não devo fazer tal coisa. Meu tio foi muito bom comigo para que eu abuse deste modo... Ainda não terminei com esta larga missiva. Ainda não lhe hei dito tudo o que deveria você saber. Ontem não pude lhes dar muitos detalhes mais; mas o inesperado, e em certo modo o inoportuno, do modo em que se desvelou o segredo, necessita explicação; pois embora o acontecimento do passado dia 26, como você já teria pensado, significou para mim a possibilidade das mais felizes perspectivas, eu não tivesse tomado medidas tão rápidas de não me forçar a isso circunstâncias muito peculiares que obrigaram a não perder nenhuma hora. Eu tivesse querido evitar todo este pressa, e ela tivesse compartilhado todos meus escrúpulos com muita mais intensidade e uma delicadeza muito maior que a minha... Mas não pude escolher... O inesperado compromisso que tinha contraído com aquela senhora... Aqui, minha apreciada senhora, vejo-me obrigado a interromper bruscamente esta carta, e a me serenar um pouco... estive passeando pelo campo e agora acredito que estou o suficientemente cometido para escrever o resto da carta como devo fazê-lo... Em estes realidade são lembranças muito penosas para mim. Levei-me de um modo vergonhoso. 'E aqui posso admitir que minha atitude com a senhorita Woodhouse, de querer ser desagradável para a senhorita Fairfax, foi verdadeiramente indigna. Ela ficou muito contrariada e isto tivesse devido me bastar para reparar no que fazia; não considerou justificada meu desculpa de fazer todo o possível por ocultar a verdade... Ficou muito contrariada; eu pensava que sem fundamento; eu considerava que em muitas ocasiões era innecesariamente escrupulosa e precavida; inclusive me parecia muito fria. Mas sempre tinha razão. Se eu tivesse seguido seu critério e tivesse dominado meu caráter até o ponto em que ela acreditava conveniente, tivesse evitado as maiores insipidezes que hei conhecido em toda minha vida... Disputamos... Recorda você a manhã que passamos em Donwell? Ali todas as pequenas diferenças que até então tínhamos tido desembocaram em uma verdadeira crise. Eu cheguei tarde; encontrei-a retornando a seu casa só e quis acompanhá-la, mas ela não o consentiu. negou-se rotundamente a permitir-me isso o qual então me pareceu o mais irracional do mundo. Agora sem embargo só vejo nisso uma atitude de discrição muito natural e muito fundada. Enquanto eu, para enganar a todos ocultando nosso compromisso, dedicava todas meus preferências a outra mulher, de um modo muito pouco grato para ela, como ia ao dia seguinte a aceitar uma proposição que podia fazer completamente inúteis todas as precauções anteriores? Se alguém nos houvesse visto juntos no caminho entre o Donwell e Highbury, tivesse devido suspeitá-la verdade... Entretanto, eu fui o suficientemente louco para me ofender... Duvidei de seu carinho. Duvidei ainda mais ao dia seguinte no Box Hill; quando, provocada por minha conduta, por aquela indiferença insolente e humilhante que eu lhe mostrava e pela aparente predileção que manifestava pela senhorita Woodhouse, até um extremo que nenhuma mulher de sensibilidade houvesse podido suportar, expressou seu ressentimento com umas palavras que eu compreendi perfeitamente. Em resumo, minha apreciada senhora, que foi uma disputa da que ela não tinha a menor culpa, e eu a tinha toda; embora tivesse podido ficar em casa de você até a manhã seguinte, eu voltei para o Richmond aquela mesma tarde, simplesmente porque não podia estar mais encolerizado com ela. Ainda então não fui tão néscio como para não pensar que já voltaria a me reconciliar com ela; mas eu era o ofendido, ofendido por sua frieza, e fui decidido a que fosse ela quem desse o primeiro passo.

Sempre me alegrarei de que você não fora à excursão do Box Hill. De haver presenciado você a conduta minha ali, duvido que nunca mais houvesse tornado a ter uma boa opinião de mim. O efeito que teve nela se viu pela decisão imediata que tomou; logo que soube que eu me tinha ido seriamente do Randalls, aceitou o oferecimento da entremetida da senhora Elton; cujo modo de tratá-la, dito seja de passo, sempre me tinha cheio de indignação e me tinha feito isso antipática. Não posso hablar_ agora contra um espírito de tolerância de que deram amostras tantas pessoas para comigo; mas de não ser assim protestaria airadamente pelo modo em que lhe tolera tudo a esta mulher... Jane!»... Santo Deus! Haverá você observado que ainda não me permito chamá-la por este nome, nem sequer me dirigindo a você. você faça-se cargo do insofrível que me era o vê-lo chamado continuamente pelos Elton com toda a vulgaridade das repetições desnecessárias e toda a insolência de uma suposta superioridade. Tenha paciência comigo, não demorarei para terminar... Aceitou este oferecimento decidida a romper definitivamente comigo, e ao dia seguinte me escreveu dizendo que nunca mais voltaríamos a nos ver. Dizia que se deu conta de que nosso compromisso só havia nos trazida insipidezes e desditas aos dois, e que pelo tanto o considerava desfeito... Esta carta chegou a minhas mãos a mesma manhã em que morreu minha pobre tia. Ao cabo de uma hora já a tinha respondido. Mas devido à confusão de meu espírito e às inumeráveis questione que tinha que resolver em seguida, minha resposta, em vez de enviar-se com as outras muitas cartas daquele dia, se ficou encerrada dentro de meu escritório; e eu, crédulo que já lhe havia dito o suficiente para tranqüilizá-la, apesar de que não eram mais que umas breves linhas, me fiquei sem nenhuma inquietação... Decepcionou-me um pouco não ter resposta dela imediatamente; mas a desculpei, e estava muito atarefado, e me permite dizê-lo?, muito contente com as perspectivas que me ofereciam, para reparar em aquilo; fomos ao Windsor... e dois dias mais tarde recebi um pacote dela que continha todas minhas cartas... e ao mesmo tempo umas breves linhas por correio nas que expressava a grande surpresa que tinha tido ao não receber nenhuma resposta à última de suas cartas; e acrescentava que como meu silêncio sobre aquela questão não podia interpretar-se mais que de uma maneira, o melhor para ambos os era que todos os detalhes secundários resolvessem o antes possível, que me enviava por conduto seguro todas meus cartas, e me rogava que se não podia mandar as suas ao Highbury antes de uma semana, que as mandasse a seu nome A... Enfim, que tinha ante meus olhos a direção da casa da senhora Smallridge, perto do Bristol. Eu sabia o nome, o lugar, estava informado de todo aquele assunto, e imediatamente compreendi o que tinha decidido. Algo que estava totalmente de acordo com um caráter tão resolvido como eu sabia que era o dele; e o segredo que tinha mantido em sua última carta respeito a este propósito, revelava também sua extremada delicadeza... Por nada do mundo tivesse mimado em me dizer algo que tivesse divulgado como uma ameaça... você imagine minha surpresa e meu contrariedade; imagine como amaldiçoei ao serviço de correios, até que adverti que só se tratava de meu descuido. O que podia fazer? Só era possível uma coisa... Devia falar com meu tio. Sem seu consentimento não podia esperar que voltasse a me escutar...

Falei-lhe pois... As circunstâncias me eram favoráveis; a morte tão recente de seu esposa tinha suavizado seu orgulho, e muito antes do que eu tinha previsto, advinha-se a meus desejos. E ainda terminou dizendo com um profundo suspiro, pobre homem, que me desejava que fora tão feliz no matrimônio como ele o tinha sido... Eu pensei que seria muito diferente ao dele... sente-se você inclinada a me compadecer por tudo o que sofri ao lhe explicar meu caso, e por minha incerteza enquanto tudo parecia ainda indeciso? Não; não me compadeça por isso, mas sim por quando cheguei ao Highbury e me dava conta de todo o dano que lhe tinha feito; não me compadeça a não ser no momento em que voltei a vê-la, pálida e doente. Cheguei ao Highbury a uma hora em que, por isso sabia a respeito de seus costumes sobre o café da manhã, estava seguro de ter probabilidades de encontrá-la sozinha... E não me equivoquei; como não me equivoquei tampouco ao decidir efetuar aquele viagem. Tinha que dissipar uma contrariedade muito justa e razoável por sua parte. Mas o obtive; estamos reconciliados, e nos queremos mais, muito mais que antes, e em nenhum momento haverá uma nova inquietação que volte a interpor-se entre nós. Agora, meu apreciada senhora, tenho que concluir; mas não podia fazê-lo antes. Mil e mil obrigado por todas as bondades que você sempre me dispensou, e dez mil obrigado por todas as cuidados que seu coração queira ter no sucessivo para com ela. Se você crie que em o fundo sou mais feliz do que mereço, eu lhe dou toda a razão... A senhorita Woodhouse me chama o menino mimado da fortuna. Confio em que tenha razão. Em um aspecto ao menos minha boa sorte é indiscutível: no de poder me considerar como seu agradecido e afetuoso filho

  1. C. WESTON CHURCHILL

 

ESTA carta não pôde deixar de comover a Emma. E apesar de estar predisposta em contra dele, viu-se obrigada a lhe considerar de um modo muito mais benévolo, como já tinha suposto a senhora Weston. Quando chegou ao lugar no que aparecia seu próprio nome, o efeito se fez irresistível; todo o relativo a ela era interessante, e quase cada linha da carta que a concernia agradável; e quando cessou este motivo de interesse, o tema seguiu apaixonando-a pela natural evocação do afeto que tinha professado ao jovem e o capitalista atrativo que tinha sempre para ela toda história de amor. Não se interrompeu até havê-lo lido tudo; e embora lhe era impossível deixar de reconhecer que ele havia obrado mau, opinava que em seu fundo proceder tinha sido menos censurável do que tinha imaginado... E tinha sofrido tanto e estava tão arrependido... e mostrava tanta gratidão para com a senhora Weston, e tanto amor para com a senhorita Fairfax, e Emma era então tão feliz, que não podia ser muito severo; e se naquele momento Frank Churchill tivesse entrado na habitação, lhe tivesse estreitado a mão tão cordialmente como sempre.

Ficou tão bem impressionada pela carta que quando voltou o senhor Knightley quis que ele a lesse; estava segura de que a senhora Weston não se houvesse oposto a isso;

sobre tudo, tratando-se de alguém que, como o senhor Knightley, tinha encontrado tão reprochable sua conduta.

-Eu gostarei de lê-la -disse-. Mas parece que é um pouco larga. Levarei-me isso a casa e a lerei esta noite.

Mas isto não era possível. O senhor Weston lhes visitaria aquela tarde e tinha que devolver-lhe prometido... «la predisposición de su padre...» No, no es justo para con su padre... El -Eu preferiria falar com você -replicou ele-; mas já que, conforme parece, trata-se de uma questão de justiça, leremo-la.

Começou a leitura... mas em seguida se interrompeu para dizer: -Se fizer uns meses me tivessem devotado ler uma das cartas deste jovem a sua madrasta, asseguro-lhe, Emma, que não me tivesse tomado isso com tanta indiferença.

Seguiu lendo para si; e logo, com um sorriso, comentou:

-Vá! Um cabeçalho do mais cerimonioso... É sua maneira de ser... O estilo de a gente não vai ser norma obrigatória para todos outros... Não sejamos tão exigentes.

Ao cabo de pouco acrescentou:

-Eu preferiria expressar minha opinião em voz alta enquanto leio; assim notarei que estou ao lado de você. Não será perder o tempo de tudo; mas se a você não gosta ...

-Sim, sim, prefiro-o, de verdade.

O senhor Knightley reemprendió a leitura com maior zelo.

-Isso da «tentação» -disse- costa acreditar que tome a sério. Sabe que não tem razão, e carece de argumentos sólidos para convencer... Fez mau... Não deveria haver-se prometido... «a predisposição de seu pai...» Não, não é justo para com seu pai... O senhor Weston sempre pôs seu caráter impetuoso ao serviço de empresas dignas e honrosas... Mas antes de tentar conseguir algo, o senhor Weston sempre se feito merecedor disso... Sim, isso é verdade... Não veio até que a senhorita Fairfax esteve já aqui.

-E eu não esqueci -disse Emma- o seguro que estava você de que se ele houvesse querido, tivesse podido vir antes. É você muito amável ao passar por cima este assunto...

mas tinha você toda a razão.

-Emma, eu não era totalmente imparcial em meu julgamento... mas, apesar de tudo. acredito que...

inclusive se você não tivesse andado por no meio... eu também tivesse desconfiado dele.

Quando chegou à passagem em que se falava da senhorita Woodhouse, viu-se obrigado a lê-lo tudo em voz alta... todo o relativo a ela, com um sorriso; um olhar; um movimento de cabeça; uma palavra ou dois de assentimento ou de desaprovação; ou simplesmente de amor, conforme requeria a matéria; entretanto, depois de uns momentos de reflexão, concluiu dizendo muito seriamente:

-Muito mal... embora tivesse podido ser pior... esteve fazendo um jogo muito perigoso... Ter tanta confiança em que o azar o vai solucionar tudo! Não julga bem a conduta que teve com você... Em realidade se foi deixando enganar por seus próprios desejos, sem ter a menor consideração por tudo o que não fora seu conveniência... Imaginar-se que você tinha descoberto seu segredo! Não pode ser mais natural! Mistério... intriga... tudo isto turva o julgamento... Minha querida Emma, não acredita que tudo nos demonstra cada vez com mais evidencia, a beleza da verdade e da sinceridade em nossas mútuas relações?

Emma assentiu, mas não pôde evitar ruborizar-se ao pensar no Harriet, a quem não podia dar uma explicação sincera do ocorrido.

-É melhor que siga erijo ela.

Assim o fez, mas em seguida voltou a interromper a leitura para exclamar:

-O piano! Ah! Isso é algo muito próprio de um moço, de um moço de pouca idade, muito jovem para compreender que às vezes em um presente assim pesam mais os inconvenientes que a ilusão que produz. Sim, é uma idéia de menino! Não posso conceber que um homem se empenhe em dar a uma mulher uma prova de seu afeto que sabe que ela preferiria não receber; e sabia que de ter podido, ela se houvesse oposto a que o enviasse o piano.

Depois disto seguiu lendo durante uns minutos sem fazer nenhuma outra pausa. A confissão do Frank Churchill de que se levou de um modo vergonhoso foi a primeira coisa que lhe incitou a lhe dedicar algo mais que umas diretas palavras.

-Estou totalmente de acordo contigo, meu amigo -foi seu comentário-. Comportou-se você de um modo imperdoável. Em sua vida tem escrito você uma frase mais verdadeira.

E depois de ler,» que seguia dizendo sobre o desacordo de ambos, e de seu insistência em obrar de um modo contrário ao que parecia mais justo ao Jane Fairfax, fez uma pausa mais larga para dizer:

-Isso é incrível... Obrigá-la pelo interesse dele a ficar em uma situação tão difícil e tão incômoda, quando sua máxima preocupação tivesse devido ser lhe evitar tudo sofrimento desnecessário... Ela tinha que ter exigido uma igualdade de circunstâncias. E ele tinha que ter respeitado inclusive os escrúpulos pouco fundados, em caso de que o tivessem sido, que ela tivesse; e todos eram muito fundados. A ela temos que lhe atribuir um engano, e recordar que obrou muito mal consentindo naquele compromisso, tolerando o que lhe pusesse em uma situação que só podia lhe trazer insipidezes.

Emma sabia que agora estavam chegando à passagem em que se falava da excursão a Box Hill, e se sentiu incômoda. Sua atitude tinha sido tão pouco digna naquela ocasião!

sentia-se profundamente envergonhada e um pouco temerosa de que ele voltasse a olhá-la.

Entretanto o leu tudo sem pestanejar, atentamente e sem fazer o menor comentário;

excetuando um rápido olhar que dirigiu a Emma, e que foi só foto instantânea, porque tinha medo da causar pena... não se fez a menor alusão ao Box Hill.

-A delicadeza de nossos bons amigos, os Elton, não fica muito bem parada -foi o seguinte comentário-. Compreendo a atitude dele. Vá! De modo que ela se decidiu a romper definitivamente...! Um compromisso que só havia trazido insipidezes e desditas para os dois... que o considerava desfeito... Como se vê aqui que ela se dava conta de o reprovável da conduta dele! Bom, certamente este moço é do mais...

-Espere, espere... Siga lendo... Já verá como ele também sofreu muito.

-Assim o espero -replicou o senhor Knightley fríamente, enquanto voltava a absorver-se na leitura da carta-. Smallridge? O que quer dizer? O que significa todo isso?

-Ela tinha aceito um emprego de institutriz em casa da senhora Smallridge... uma íntima amiga da senhora Elton... que vive perto do Maple Grove; e, dito seja de passagem, não sei como vai tomar se esta decepção a senhora Elton.

-Minha querida Emma, não me distraia já que me obriga a ler... não me diga nada, nem sequer da senhora Elton. Só falta uma página. Já se acaba. Vá com a cartita do jovem!

-Eu gostaria que a lesse com melhor predisposição para com ele.

-Bom, parece que aqui há um pouco de sentimento... Parece que se impressionou muito ao vê-la doente... Certamente, não tenho a menor duvida de que está apaixonado por ela.

«Queremo-nos mais, muito mais que antes...» Confio em que saiba sempre reconhecer o valor de uma reconciliação como esta... Ah! Não pode ser mais generoso em dar as obrigado... distribui-as a milhares... «Mais feliz do que mereço...» Vá! Aqui demonstra que se conhece si mesmo. «A senhorita Woodhouse me chama o menino mimado da fortuna...» Ah, sim? É assim como lhe chama a senhorita Woodhouse? E um belo final...

Bom, já está. «Menino mimado da fortuna...» Era assim como você lhe chamava?

-Não parece você ter ficado tão satisfeito como eu com esta carta; mas pelo menos espero que lhe tenha dado uma idéia mais favorável dele. Confio em que agora tenha uma opinião melhor.

-Sim, certamente. Pode acusar-se o de culpas graves, de egoísmo e de ligeireza; e estou totalmente de acordo com ele em que provavelmente será mais feliz do que merece; mas como, apesar de tudo e sem dúvida nenhuma, está realmente apaixonado pela senhorita Faírfax, e espero que não tarde em gozar do privilégio de estar constantemente com ela, estou disposto a acreditar que seu caráter melhorará, e que graças a ela adquirirá uma firmeza e uma delicadeza de sentimentos que agora não tem. E agora me deixe lhe falar de algo distinto. Nestes momentos meu coração está tão interessado por outra pessoa, que não posso dedicar muito tempo mais a pensar no Frank Churchill. Emma, desde que nos separamos esta manhã, não deixei que pensar em um problema.

E o expôs imediatamente; a questão, expressa em uma linguagem plana, singelo e cavalheiresco, como o que o senhor Knightley empregava sempre inclusive com a mulher de quem estava apaixonado, era a de que como podia lhe pedir que se casasse com ele, sem danificar por isso a felicidade de seu pai. Emma tinha a resposta preparada desde que ele pronunciou a primeira palavra.

-Enquanto meu pai viva não posso pensar em trocar de estado. Não posso lhe abandonar.

Entretanto, só uma parte desta resposta foi admitida. O senhor Knightley estava totalmente de acordo com ela na impossibilidade de abandonar a seu pai. Mas não podia aceitar o que fora inadmissível o que se produje qualquer outra mudança. Havia estado pensando muito naquele assunto; ao princípio tinha concebido a esperança de conseguir convencer ao senhor Woodhouse para que se transladasse ao Donwell junto com ela; se tinha empenhado em considerá-lo como algo factível, mas conhecia muito bem ao senhor Woodhouse para poder enganar-se a si mesmo durante muito tempo; e agora confessava que estava convencido de que esta mudança de casa repercutiria no bem-estar de seu pai e inclusive em sua vida, que em modo algum devia arriscar-se. O senhor Woodhouse tirado do Hartfield! Não, dava-se conta de que era algo que não devia tentar-se. Mas o projeto que tinha forjado, depois de descartar o outro, confiava em que em nenhum aspecto seria rejeitável por sua querida Emma; tratava-se de que ele fosse admitido no Hartfield; de que, enquanto o bem-estar de seu pai -em outras palavras, seu vida- exigisse que Hartfield seguisse sendo o lar da Emma, fosse também um lar para ele.

Emma também tinha refletido sobre a possibilidade de transladar-se todos ao Donwell;

e também depois de meditar, tinha rechaçado o projeto; mas a outra alternativa não se tinha-lhe ocorrido. dava-se conta do afeto que demonstrava por parte dele; dava-se conta de que ao abandonar Donwell o senhor Knightley sacrificava grande parte de seu independência quanto a horários e a costumes; e o viver constantemente com seu pai e em uma casa que não era a seu para ele significariam muitas, muitíssimas moléstias. Emma prometeu que o pensaria e lhe aconselhou que ele também seguisse pensando-o; mas o senhor Knightley estava plenamente convencido de que por muito que o pensasse não trocaria seus desejos nem sua opinião no referente a aquele assunto. O tinha estado meditando, conforme assegurou, com tempo e com calma; durante toda a manhã tinha estado fugindo ao William Larkins para poder estar a sós com seus pensamentos.

-Ah! -exclamou Emma-. Mas não pensou em um inconveniente. Estou segura de que a William Larkins não gostará da idéia. Teria que pedir seu consentimento antes de pedir o meu.

Entretanto, Emma prometeu que o pensaria; e muito pouco depois prometeu além disso que o pensaria com a intenção de encontrar que era uma solução excelente.

É digno de notar-se que Emma, ao considerar agora desde inumeráveis pontos de vista a possibilidade de viver no Donwell Abbey, em nenhum momento teve a sensação de prejudicar a seu sobrinho Henry, cujos direitos como possível herdeiro tempo atrás tanto tinham-na preocupado. Era forçoso pensar na possível diferencia que isso representaria para o menino; e entretanto, ao pensá-lo, só se dedicava a si mesmo uma insolente e significativo sorriso, e encontrava divertido o reconhecer os verdadeiros motivos de seu violenta oposição a que o senhor Knightley se casita com o Jane Fairfax ou com qualquer outra, que então tinha atribuído exclusivamente a sua solicitude como irmã e como tia.

Quanto a aquela proposição dela, aquele projeto de casar-se e de seguir vivendo em Hartfield... quanto mais o pensava mais estímulos acreditava lhe encontrar. Suas inconvenientes pareciam diminuir, suas vantagens aumentar, e o bem-estar que proporcionaria a ambos parecia resolver todas as dificuldades. Poder ter a seu lado a um companheiro como aquele nos momentos de inquietação e de desalento! Um apoio como aquele em todos os deveres e cuidados que o tempo devia irremisiblemente ir fazendo cada vez mais penosos!

Sua felicidade tivesse sido perfeita de não ser pela pobre Harriet; mas cada uma das sortes que ia possuindo ela pareciam representar um aumento dos sofrimentos de seu amiga, a que agora deviam inclusive excluir do Hartfield. A pobre Harriet, como medida de benéfica prudência, devia ficar à margem daquele delicioso ambiente familiar com o que Emma já sonhava. Em todos os aspectos sairia perdendo. Emma não podia lamentar sua futura ausência como algo. que sentiria falta de seu bem-estar. Naquele ambiente, Harriet seria sempre como um peso morto; mas para a pobre moça parecia uma necessidade muito cruel ter que ver-se em uma situação de imerecido castigo.

É obvio que com o tempo o senhor Knightley seria esquecido, melhor dizendo, suplantado; mas não era lógico esperar que isso ocorresse em um prazo muito breve. O senhor Knightley não podia fazer nada para contribuir a cura; não podia fazer como o senhor Elton. O senhor Knightley, sempre tão amável, tão pormenorizado, tão afetuoso com todo mundo, nunca mereceria que lhe coletasse um culto inferior ao de agora; e realmente era muito esperar, inclusive dê Harriet, que em um ano pudesse chegar a apaixonar-se por mais de três homens.

 

PARA a Emma foi um grande consolo ver que Harriet estava tão desejosa como ela de evitar encontrar-se. Suas relações já eram bastante penosas por carta. Quanto pior tivessem sido, pois, de ter tido que ver-se!

Como pode supor-se Harriet se expressava virtualmente sem fazer nenhuma recriminação, sem dar a sensação de que se considerasse ofendida; e entretanto Emma acreditava advertir em sua atitude um certo ressentimento ou algo que estava muito próximo a isso, e que ainda aumentava seus desejos de que não tivessem um trato mais direto... Possivelmente tudo eram imaginações delas; mas nem um anjo tivesse deixado de sentir certo ressentimento ante um golpe como aquele.

Não teve dificuldades para que Isabella a convidasse; e teve a sorte de encontrar um pretexto satisfatório para pedir-lhe sem necessidade de recorrer a sua criatividade. Harriet tinha um molar cariado, e já fazia tempo que queria ir a um dentista. A senhora John Knightley se manifestou encantada de poder lhe ser útil; toda questão relacionada com médicos despertava nela o maior interesse... e embora não era aficionada a nenhum dentista como ao senhor Wingfield, mostrou-se imediatamente disposta a aceitar ao Harriet em seu lar... Uma vez se teve posto de acordo com sua irmã, Emma o propôs a seu amiga, a quem resultou fácil convencer... Harriet iria a Londres; estava convidada pelo menos durante duas semanas; e a viagem o efetuaria no carro do senhor Woodhouse; se fizeram todos os preparativos, resolveram todas as dificuldades, e Harriet não demorou para chegar sã e salva a Brunswick Square.

Agora Emma podia já gozar tranqüila das visitas do senhor Knightley; agora podia falar e podia escutar, sentindo-se verdadeiramente feliz, sem o aguilhão daquele sentimento de injustiça, de culpabilidade, de algo ainda mais doloroso, que a inquietava cada vez que recordava que não muito longe dela naqueles mesmos momentos sofria um coração por uns sentimentos que ela mesma tinha contribuído a desenvolver equivocadamente.

Possivelmente não era muito lógico que Emma considerasse tão distinto o que Harriet estivesse em casa da senhora Goddard ou em Londres; mas ao pensar que estava em Londres se a imaginava sempre distraída pela curiosidade, ocupada, sem pensar no passado, sem ocasione para encerrar-se em si mesmo.

Emma não queria consentir que nenhuma outra preocupação devesse substituir imediatamente a que tinha sentido pelo Harriet. Tinha ante si uma confissão que fazer, em que ninguém podia ajudá-la... o confessar a seu pai que estava apaixonada; mas pelo momento não terei que pensar nisso... Tinha decidido postergar a revelação até que a senhora Weston tivesse dado a luz. Naqueles momentos não queria causar ainda mais preocupações às pessoas que queria... e até que chegasse o momento que ela mesma se tinha fixado, não queria amargurar-se com tristes pensamentos... Desfrutaria pelo menos de duas semanas de tranqüilidade e de paz de espírito para saborear aqueles intensos e turbadores goze.

Em seguida decidiu que, tanto por dever como por gosto, dedicaria meia hora de aqueles dias de ócio espiritual, a visitar a senhorita Fairfax... Devia ir... e sentia grandes desejos de vê-la; a semelhança das situações em que ambas se encontravam naqueles momentos, ainda dava mais valor a todos outros motivos de bom entendimento. Seria como um desagravo secreto; mas indubitavelmente, o fato de que agora os projetos para o futuro das duas fossem tão similares, não deixaria de aumentar o interesse com que Emma acolheria qualquer confidência que Jane pudesse lhe fazer.

E para ali se dirigiu... ultimamente em uma ocasião tinha chamado em vão a aquela porta, mas não tinha entrado na casa da manhã do dia que seguiu ao da excursão ao Box Hill, quando a pobre Jane se achava em um estado tão lastimoso que a tinha cheio de compaixão, apesar de que então nem suspeitava o pior de seus sofrimentos... O medo a não ser bem recebida a decidiu, apesar de que estava segura de que a jovem estava em casa, a fazer-se anunciar e a esperar no corredor... Ouviu como Patty anunciava sua visita, mas não se produziu nenhum revôo como o que a outra vez a pobre senhorita Bate fez tão claramente inteligível... Não; só ouviu a foto instantânea resposta de:

«Faça o favor de lhe dizer que subida...» E um momento depois saiu a receber a à escada a própria Jane, adiantando-se apressadamente às demais, como se não houvesse considerado suficiente nenhum outro gênero de acolhida... Emma nunca a tinha visto com um aspecto mais saudável, tão atrativa, tão bela. Tudo nela era equilíbrio, alegria e efusividad; em seu porte e em suas maneiras parecia transbordar de tudo o que até então o tinha faltado... Saiu a seu encontro lhe tendendo a mão; e disse em voz não muito alta, mas sim muito afetuosa:

-Que amável foi você...! Senhorita Woodhouse, não sei como lhe expressar... Espero que me cria... Você saberá me desculpar, porque agora não encontro as palavras...

Emma ficou muito agradada, e não tivesse demorado para encontrar ela as palavras adequadas, de não conter-se para ouvir a voz da senhora Elton, que chegou do salão, incitando-a a resumir todos seus sentimentos de amizade e de gratidão em um muito carinhoso apertão de mãos.

A senhora Bate estava conversando com a senhora Elton. A senhorita Bate tinha saído, o qual explicava a falta de revôo à chegada da jovem. Emma tivesse preferido que a senhora Elton estivesse em qualquer outro lugar menos ali; mas estava em disposição de ter paciência com todo mundo; e como a senhora Elton a recebeu com uma deferência pouco habitual nela, confiou em que a conversação poderia discorrer por leitos pacíficos.

Emma não demorou para acreditar adivinhar os pensamentos da senhora Elton, e em compreender por que também ela estava de tão bom humor; a causa era a confidência que acabava de lhe fazer a senhorita Fairfax, já que acreditava que ela era a única em saber algo que ainda era um segredo para outros. Emma acreditou descobrir imediatamente indícios desta hipótese na expressão de seu rosto. E enquanto emprestava atenção à senhora Bate, e aparentava escutar as respostas da boa anciã, viu que ela, com uma espécie de ostentoso mistério, dobrava uma carta que ao parecer tinha estado lendo em voz alta à senhorita Fairfax, e voltava a guardá-la na bolsa metálica pintada de purpurina que tinha a seu lado, enquanto dizia com significativos movimentos de cabeça:

-Bom, já terminaremos qualquer outro dia; não nos faltarão ocasiões; e em realidade já te tenho lido o essencial. Só queria te demonstrar que a senhora S. aceita nossas desculpas e não se ofendeu. Já vê que maravilhosamente escreve... OH, é uma mulher encantadora! Tivesse estado muito bem em sua casa... Mas, nenhuma palavra mais.

Sejamos discretas... É o melhor que se pode fazer... Ah! Recorda aqueles versos?

Neste momento não me lembro de que poema são:

Quando a uma dama se memora todo o resto não conta.

E agora, querida, eu digo: quando se memora, não a uma dama, a não ser A... Mas... chist! A bom entendedor... Acredito que hoje estou de bom humor, verdade? Mas o que quero é te tranqüilizar em relação à senhora S... Já vê que minha mediação a apaziguou por completo.

E, em seguida, quando Emma se limitou a voltar a cabeça para contemplar o trabalho que estava fazendo a senhora Bate, acrescentou em um cochicho:

-Já te fixaste que não citei nenhum nome... OH, não! Prudente e diplomática como um ministro de Estado. Sei muito bem como levar essas coisas.

A Emma não cabia a menor duvida. Aquilo era uma ostentosa exibição, repetida até não poder mais em todas as ocasiões possíveis, pelo que ela acreditava um segredo para os demais. depois de que todas tivessem falado em boa harmonia durante um momento, aproxima do tempo e da senhora Weston, de repente viu que a senhora Elton se dirigia inesperadamente a ela:

-Não lhe parece, senhorita Woodhouse, que nossa pícara amiguita se refez de um modo prodigioso? Não lhe parece que é uma cura que faz muita honra ao senhor Perry? -lançando um significativo olhar de reojo ao Jane-. Sim, sim, Perry fez que se repusera em um tempo incrivelmente curto... OH! Se a houvesse você visto, como eu a vi, nos dias em que se encontrava pior!

E quando a senhora Bate disse algo que distraiu a atenção da Emma, acrescentou em um sussurro:

-Não, não, não diremos nada da ajuda que tenham podido emprestar ao Perry; não diremos nada de certo médico muito jovem do Windsor... OH, não! Perry se levará toda a fama.

E ao cabo de uns momentos voltou a começar:

-Parece-me, senhorita Woodhouse, que não tinha tido o prazer de voltá-la para ver desde a excursão ao Box Hill. Que excursão mais agradável! Apesar de tudo em minha opinião faltava algo. Parecia como se... como se houvesse alguém um pouco mal-humorado... Ao menos isso foi o que me pareceu, mas pude muito bem me equivocar... Entretanto, eu acredito que saiu o suficientemente bem para nos tentar a repetir a saída. O que os parece se voltarmos a nos reunir os mesmos e fazemos outra excursão ao Box Hill, enquanto dure o bom tempo? Têm que vir os mesmos, né? Exatamente os mesmos... sem nenhuma exceção.

Ao pouco momento chegou a senhorita Bate, e Emma não pôde por menos de sorrir ao ver a perplexidade com que respondeu a sua saudação, incerteza devida, conforme supôs, a que duvidava do que podia dizer e estava impaciente por dizê-lo tudo.

-Muito obrigado, senhorita Woodhouse... É você toda bondade... Eu não sei como lhe expressar... Sim, sim, compreendo perfeitamente... os projetos de nossa querida Jane...

Bom, rio, não é que queira dizer... Mas, recuperou-se de um modo assombroso, verdade? Como segue o senhor Woodhouse?... Não sabe quanto me alegro... sim, asseguro-lhe que não está em minhas mãos... Já vê você a pequena reunião, tão feliz, que encontra você aqui... Sim, sim, certamente... Que jovem mais encantador...! Bom, quero dizer...

que amável! Refiro-me ao bom do senhor Perry... Tão atento para com o Jane!

E por seu efusividad, por suas extraordinárias manifestações de gratidão e de alegria, ao ver que a senhora Elton lhes tinha visitado, Emma deduziu que na Vicaría se haviam mostrado um tanto ressentidos pela decisão do Jane, e que agora se aplainaram os obstáculos. E atrás de uns quantos cochichos mais, dos que Emma não pôde inteirar-se de nada, a senhora Elton, falando em voz mais alta, disse:

-Pois sim, já vê que aqui estou, minha boa amiga; e faz já tanto momento que vim, que antes que nada considero necessário dar uma explicação; mas a verdade é que estou esperando a meu dono e senhor. Prometeu-me que viria a me buscar, e aproveitaria a ocasião para as saudar.

-O que diz você? Que vamos ter o gosto de receber a visita do senhor Elton? Isso sim que o agradeceremos... Porque eu já sei que aos cavalheiros não gosta de fazer visita pela manhã, e o senhor Elton está tão ocupado...

-Pois sim, asseguro-lhe, senhorita Bate, que o está muito... Em realidade está ocupado tudo o dia, da manhã de noite... É incontável a gente que vai ver lhe por uma razão ou outra... Magistrados, superintendentes, capilleres, todos querem pedir sua opinião. Parece que não saibam fazer nada sem ele. Até o ponto que eu muitas vezes lhe digo:

«Francamente, é melhor que incomodem a ti que a mim; eu só com a metade de todos estes importunos já não saberia onde tenho meus lápis nem meu piano...» Embora a verdade é que não acredito que as coisas pudessem ir pior, porque abandonei completamente, de um modo imperdoável, o desenho e a música... Parece-me que faz duas semanas que não hei meio doido nenhuma nota... Entretanto, vai vir, o digo eu; sim, sim, ele tem intenção de as saudar todas.

E ficando-a mão junto à boca, para evitar que Emma ouvisse suas palavras, acrescentou:

-É para lhes dar o parabéns, sabem? OH, sim! É algo completamente indispensável.

A senhorita Bate se esponjou de felicidade.

-Prometeu-me que viria a me buscar logo que terminasse de falar com Knightley; porque ele e Knightley tiveram que reunir-se para assuntos muito importantes...

O senhor E. é o braço direito do Knightley.

Emma não tivesse sorrido por nada do mundo, e se limitou a dizer:

-foi a pé ao Donwell o senhor Elton? Pois terá acontecido calor.

-OH, não! A entrevista era na Hospedaria da Coroa, uma dessas reuniões periódicas; também estarão com eles Weston e Penetre; mas só vale a pena falar dos que o dirigem... Estou segura de que tanto o senhor E. como Knightley sabem muito bem o que se fazem.

-Não se equivoca você de dia? -perguntou Emma-. Eu quase estou segura de que a reunião da Coroa não se celebrará até manhã. O senhor Knightley esteve em Hartfield ontem, e disse que ia ser na sábado.

-OH, não! Seguro que a reunião é hoje -foi a brusca resposta que demonstrava a impossibilidade de que a senhora Elton cometesse nenhum equívoco-. Estou convencida -seguiu dizendo- de que tem mais conflitos em todo o país. No Maple Grove nem sequer sabíamos o que eram essas coisas.

-É que sua paróquia devia ser pequena -disse Jane.

-Pois olhe, querida, isso não sei, porque nunca ouvi falar da questão.

-Mas se vê por quão pequena é a escola, que conforme diz você, está dirigida por seu irmã e pela senhora Bragge; a única escola que há, e que só tem vinte e cinco meninos.

-Ah! Que lista é! Tem toda a razão. Que inteligência mais acordada a tua! Lhe digo, Jane, que das duas sairia uma mulher perfeita. Com minha vivacidade e sua solidez obteríamos a perfeição... E não é que eu me atreva a insinuar que não haja pessoas que já lhe considerem perfeita... Mas... chist! Não acrescentemos nenhuma palavra mais.

Prudência que parecia desnecessária; Jane estava desejando falar, não com a senhora Elton, a não ser com a senhorita Woodhouse, como esta via claramente; sua vontade de lhe emprestar mais atenção, dentro do que permitia a cortesia, não podia ser mais evidente, embora na maioria das ocasiões não pudesse manifestar-se mais que por meio de olhares.

Fez sua aparição o senhor Elton. Sua esposa lhe recebeu com sua característica e faiscante vivacidade.

-Vá, muito bonito! me fazer vir até aqui para que esteja incomodando a meus amigos, e você aparece muito mais tarde que o que me havia dito que viria... Ai! Está tão seguro de ter uma esposa total... Já sabia que não ia mover me até que aparecesse meu dono e senhor... E aqui me estive uma hora inteira, dando exemplo a estas jovens de autêntica obediência conjugal... porque, quem sabe, ao melhor não vão a demorar muito em ter que praticar esta virtude.

O senhor Elton estava tão acalorado e tão cansado que deu a impressão de que com ele seu esposa estava desperdiçando seu engenho. Antes que nada tinha que saudar as demais senhoras; e logo o primeiro que fez foi lamentar do calor que tinha passado e da caminhada que tinha feito inutilmente.

-Quando cheguei ao Donwell -disse- resultou que Knightley não estava ali. Que estranho! Não me posso explicar isso depois da nota que lhe enviei esta manhã, e da resposta que devolveu-me me dizendo que estaria seguro em sua casa até a uma.

-Donwell! -exclamou sua esposa-. Meu prezado senhor E., você não estiveste no Donwell;

quererá dizer a Coroa; deve vir da reunião da Coroa.

-Não, não, isso será amanhã; e precisamente queria ver o Knightley hoje para lhe falar da reunião... Uf! Esta manhã faz um calor espantoso... fui andando a acampo través - falava em um tom ofendido- e ainda passei muito mais calor. E logo para não lhe encontrar em casa! Asseguro-lhes que estou muito zangado. E sem deixar nenhuma desculpa, nem uma nota. O ama de chaves me há dito que não sabia que eu tivesse que vir... O que estranho é tudo isto! E ninguém sabia onde havia' ido. Possivelmente ao Hartfield, possivelmente ao Abbey Mill, possivelmente aos bosques... Senhorita Woodhouse, isso não é próprio de nosso amigo Knightley... Você o explica?

Emma se divertia assegurando que realmente era muito estranho, e que não seria ela quem tentasse lhe defender.

-Não posso compreender -disse a senhora Elton, sentindo a ofensa como devia senti-la uma boa esposa-, não posso compreender como pôde te fazer uma coisa semelhante, precisamente ele... A última pessoa do mundo que eu tivesse esperado que tivesse um esquecimento assim. Meu prezado senhor E., por força teve que te deixar um recado, estou segura;

nem sequer Knightley pôde fazer uma coisa tão desatinada; e os criados se hão esquecido. Pode estar seguro de que isso é o que ocorreu; e é muito provável que tenha ocorrido assim, pelos criados do Donwell, que, conforme pude observar muito a miúdo, são todos muito torpes e descuidados. Por nada do mundo quisesse eu ter a meu serviço a um criado como Harry. E quanto à senhora Hodges, Wright a tem em muito mau conceito... prometeu ao Wright uma receita e nunca a envia.

-Quando estava perto do Donwell -seguiu dizendo o senhor Elon- encontrei ao William Larkins, e me disse que não ia encontrar seu amo em casa, mas eu não lhe acreditei... William parecia mas bem de mau humor. Disse-me que não sabia o que acontecia com seu amo nestes últimos tempos, mas que não havia modo de lhe tirar nenhuma palavra; ou não tenho nada que ver com as queixa do William, mas é que era muito importante que visse hoje mesmo ao senhor Knightley; e portanto é um contratempo muito sério para mim ter feito a caminhada com este calor, total para nada.

Emma compreendeu que o melhor que podia fazer era voltar em se;uida a sua casa. Com toda segurança, naqueles momentos alguém e estava esperando ali. Possivelmente assim pudesse obter-se que o senhor Knighley fora mais amável com o senhor Elton, se não com o William Larkins.

Ao despedir-se, alegrou-se muito de ver que a senhorita Fairfax saía com ela da estadia para acompanhá-la até a mesma porta da salle; lhe oferecia assim uma oportunidade que aproveitou imediatamente para dizer:

-Talvez é melhor que não tenha havido ocasião. Desde não estar em companhia de outros amigos, tivesse-me visto tentada a abordar algum assunto, a fazer perguntas, a falar com mais franqueza do que possivelmente tivesse sido estritamente correto... Compreendo que sem dúvida subisse sido impertinente...

-OH! -exclamou Jane, ruborizando-se e mostrando uma incerteza que a Emma o pareceu que lhe sentava imensamente melhor que toda a elegância de sua habitual frieza-.

Não havia nenhum perigo. O único perigo tivesse sido que eu a aborrecesse. Não podia você me fazer mais feliz que expressando um interesse... A verdade, senhorita Voodhouse - falando já com mais calma-, sou muito consciente de lue obrei mau, muito mal, e por isso mesmo me resulta muito mais consolador o que aqueles de meus amigos cuja boa opinião vale mais a pena de conservar, não estão zangados até o ponto o que... Não tenho tempo para lhe dizer nem a metade do que queria lhe explicar. Não sabe o que desejo me desculpar, me desculpar, dizer algo que me justifique. Acredito que é meu dever. Mas por desgraça... Sim, apesar de sua compreensão, não pode você admitir que sejamos sendo amigas...

-OH, Por Deus! É você muito escrupulosa -exclamou Emma efusivamente, lhe agarrando a mão-. Não tem que me dar nenhuma desculpa; e todo mundo a quem poderia você pensar que se as débito, está tão satisfeito, inclusive tão agradado...

-É você muito amável, mas eu sei como me levei com você... De um modo tão frio, tão artificial! Estava sempre representando meu papel... Era uma vida de dissimulações!

Já sei que teve que desgostar-se comigo...

-Por Deus, não diga nada mais. Eu penso que todas as desculpas deveria dar-lhe eu.

nos perdoemos agora mesmo a uma à outra. E é melhor que o que tenhamos que nos dizer o digamos o antes possível, e acredito que nisso não vamos perder o tempo em cumpridos. Suponho que terá tido boas notícias do Windsor.

-Muito boas.

-E as próximas suponho que serão que vamos perdê-la, não? Precisamente agora que começava a conhecê-la.

-OH! Disso ainda não pode pensar-se em nada. Ficarei aqui até que me reclamem o coronel e a senhora Campbell.

-Possivelmente ainda não pode decidir-se nada -replicou Emma sonriendo-, mas, se não me equivoco, já tem que pensar-se em tudo.

Jane lhe devolveu o sorriso enquanto respondia:

-Sim, tem razão; já pensamos nisso. E lhe confessarei (porque estou segura de seu discrição) que já está decidido que o senhor Churchill e eu viveremos no Enscombe. Por o menos haverá três meses de luto rigoroso; mas uma vez tenha passado este tempo, espero que já não terei que esperar nada mais.

-Obrigado, muito obrigado... Isso é justamente o que eu queria saber com certeza... OH!

Se soubesse você quanto eu gosto das situações francas e claras...! Adeus, adeus...

 

TODOS os amigos da senhora Weston tiveram uma grande alegria com seu feliz iluminação. E para a Emma, à satisfação de saber que tudo tinha ido perfeitamente bem, acrescentou-se a de que seu amiga tivesse sido mãe de uma menina. Ela tinha manifestado suas preferências por uma senhorita Weston. Não queria reconhecer que era com vistas a uma futura bodas com algum dos filhos da Isabella; mas sim dizia que estava convencida de que uma menina ia ser muito melhor tanto para o pai como para a mãe. Seria uma grande ilusão para o senhor Weston, que começava a envelhecer... e dez anos mais tarde, quando o senhor Weston tivesse já uma idade mais avançada, veria alegrado seu lar pelos jogos e as ocorrências, os caprichos e os desejos daquela menina que pertenceria propriamente à casa; e quanto à senhora Weston... ninguém podia duvidar do que ia significar para ela uma filha; e tivesse sido uma lástima que uma professora tão boa como ela não tivesse podido voltar a ensinar.

-teve a sorte de ter podido praticar comigo -dizia Emma-, como a baronesa do Almane com a condessa do Ostalis, na Adelaida e Teodora, do Madame de Genlis, e agora veremos como sabe educar melhor a sua pequena Adelaida.

-Já verá -replicou o senhor Knightley- como lhe consentirá inclusive mais do que o consentia a você, e estará convencida de que não lhe consente nada. Esta será a única diferença.

-Pobre criatura! -exclamou Emma-. Então, o que vai ser dela?

-Não terá que alarmar-se muito. É o destino de milhares de meninos. Durante sua infância estará muito mau criada, e à medida que vá crescendo se corrigirá a si mesmo. Já não sou severo com os meninos mimados, minha querida Emma. Eu que devo a você toda meu felicidade, não seria uma ingratidão monstruosa ser severo para com os meninos mimados?

Emma se pôs-se a rir e replicou:

-Mas eu tinha a ajuda de todos seus esforços para rebater a excessiva benevolência de outros. Duvido que sem você, só com meu sentido comum, houvesse chegado a me emendar.

-Seriamente? Eu não tenho a menor duvida. A natureza lhe dotou de inteligência. A senhorita Taylor lhe inculcou bons princípios. Tinha você que terminar bem. Meu intervenção tanto podia lhe fazer danifico como beneficiá-la. Era o mais natural do mundo que pensasse: Que direito tem a me exortar? E me temo que era também o mais natural que pensasse que eu o fazia de um modo desagradável. Não acredito lhe haver feito nenhum bem. O bem me fiz isso mesmo ao convertê-la a você no objeto de meus pensamentos mais afetuosos. Não podia pensar em você sem mimá-la, com defeitos e tudo;

e à força de me afeiçoar com tantos enganos acredito que estive apaixonado por você por o menos desde que tinha treze anos.

-Eu estou segura de que me tem feito muito bem -disse Emma-. Muitas vezes me deixava influir por você... muitas mais vezes do que queria reconhecer naqueles momentos. Estou completamente convencida de que me serviu que muito. E se à pobre Anna Weston também vão mimar a, faria você uma grande obra de caridade fazendo por ela tudo o que tem feito por mim... exceto apaixonar-se por ela quando tiver treze anos.

-Quantas vezes, quando era você uma menina, há-me dito com um de seus olhares arrogantes: «Senhor Knightley, vou fazer isto e aquilo; papai diz que me deixa»; ou «A senhorita Taylor me deu permissão»... Algo que você sabia que eu não ia passar. Em estes casos, ao intervir eu lhe dava dois maus impulsos em vez de um.

-Que menina mais encantada devia ser! Não sente saudades que você recorde meus palavras de um modo tão carinhoso.

-«Senhor Knightley». Sempre me chamava «senhor Knightley»; e com o costume deixou de soar tão respeitoso... E entretanto o é. Eu gostaria que me chamasse de algum outro modo, mas não sei como.

-Lembrança que uma vez, faz uns dez anos, em uma de minhas encantadoras rabietas o chamei «George»; o fiz porque acreditei que ia ofender se; mas como você não protestou nunca mais voltei a lhe chamar assim.

-E agora, não pode me chamar «George»?

-OH, não, impossível! Eu só posso lhe chamar «senhor Knightley». Nem sequer lhe prometo igualar a elegante concisão da senhora Elton lhe chamando «senhor K.»... Mas lhe prometo -acrescentou em seguida renda-se e ruborizando-se ao mesmo tempo-, prometo-lhe que lhe chamarei uma vez por seu nome de pilha. Não posso lhe dizer quando, mas possivelmente seja capaz de adivinhar onde... naquele lugar no que duas pessoas aceitam viver unidos na fortuna e a adversidade.

Emma lamentava não poder lhe falar com mais franqueza de um dos favores mais importantes que ele, com seu grande sentido comum, tivesse podido lhe fazer, lhe aconselhando de modo que lhe tivesse evitado incorrer na pior de todas suas loucuras femininas: seu empenho em intimar com o Harriet Smith; mas era uma questão muito delicada; não podia falar dela. Em suas conversações só muito poucas vezes mencionavam ao Harriet.

Por sua isso parte podia atribuir-se simplesmente a que não lhe ocorria pensar na moça; mas Emma se inclinava a atribui-lo a seu tato e às suspeitas que devia ter, por certos detalhes, de que a amizade entre ambas as amigas começava a declinar.

dava-se conta de que em qualquer outra circunstância era lógico esperar que se houvessem blefado mais, e que as notícias que tivesse dela não tivessem que ser exclusivamente, como então ocorria, as que Isabella incluía em suas cartas. P-1 também devia havê-lo advertido. O desgosto que lhe produzia o ver-se obrigada a lhe ocultar algo era quase tão grande como a que sentia por ter feito desgraçada ao Harriet.

As notícias que Isabella lhe dava a respeito de sua convidada eram as que cabia esperar; a seu chegada lhe tinha parecido de mau humor, o qual lhe pareceu totalmente natural tendo em conta que lhes estava esperando o dentista; mas uma vez solucionado aquele contratempo, não tinha a impressão de que Harriet se mostrasse distinta a como ela a tinha conhecido antes... Certamente, Isabella não era um observador muito penetrante; entretanto, se Harriet não se emprestou a jogar com os meninos, sua irmã não tivesse podido deixar de dar-se conta; Emma desfrutava mais de seus consolos e de suas esperanças sabendo que a estadia do Harriet em Londres ia ser larga; as duas semanas provavelmente foram a converter-se pelo menos em um mês. O senhor e a senhora John Knightley voltariam para Highbury em agosto, e a tinham convidado a ficar com eles até então para retornar todos juntos.

-John nem sequer menciona a seu amiga -disse o senhor Knightley-. Aqui trago seu resposta se por acaso quer lê-la.

Era a resposta à carta em que lhe anunciava seu propósito de casar-se. Emma a aceitou rapidamente, cheia de curiosidade por saber o que diria daquilo e sem preocupá-lo mais mínimo pela notícia de que não mencionava a seu amiga.

-John compartilha minha felicidade como um verdadeiro irmão -seguiu dizendo o senhor Knightley-, mas não é dos que gastam cumpridos; e embora saiba perfeitamente que sente por você um carinho autenticamente fraternal, é tão pouco amigo das adulações que qualquer outra jovem poderia pensar que é mas bem frio em seus elogios. Mas eu não tenho nenhum medo de que leia o que escreve.

-Escreve como um homem muito judicioso -replicou Emma, uma vez teve lido a carta-.

Inclino-me ante sua sinceridade. vê-se claramente que opina que das duas nestas bodas o mais afortunado vou ser eu, mas que não deixa de ter certas esperanças de que com o tempo chegue a ser tão digna de meu futuro marido como você me considera já. Se houvesse dito algo que desse a entender outra coisa não lhe tivesse acreditado.

-Minha querida Emma, ele não-quis dizer isto. Só quis dizer que...

-Seu irmão e eu diferiríamos muito pouco em nossa opinião sobre o valor dê nós dois -interrompeu-lhe ela com uma espécie de sorriso pensativo-, possivelmente muito menos do que ele crie, se pudéssemos discutir a questão, sem cumpridos e com toda franqueza.

-Emma, minha querida Emma...

-OH! -exclamou ela, mostrando-se mais alegre-, se se imaginar você que seu irmão é injusto para comigo, espere a que meu querido pai conheça nosso segredo e dê seu opinião. Pode estar seguro de que ele ainda será muito mais injusto com você. Parecerá-lhe que todas as vantagens estarão de seu lado; e que eu tenho todas as qualidades. Espero que para ele não me converterei imediatamente em seu «pobre Emma»... Sua compaixão pelos méritos ignorados está acostumado a reduzir-se a isso.

-Não sei -disse ele-, só desejo que seu pai se convença, até que só seja a metade de facilmente do que John se convencerá, de que temos todos os direitos que a igualdade de méritos pode proporcionar para ser felizes juntos. Há uma coisa na carta do John que me resulta divertida. Não a notou? Aqui, onde diz que minha notícia não agarrou-lhe de tudo por surpresa, que quase estava esperando que lhe anunciasse algo pelo estilo.

-Mas se não interpretar mal a seu irmão, só se refere a que tivesse você projetos de casar-se. Não pensava nem remotamente em mim. Parece que isto lhe tenha pilhado totalmente despreparado.

-Sim, sim... mas me resulta divertido que tenha sabido ver tão claro em meus sentimentos. Não sei o que é o que pode lhe haver feito supor isso. Não atino o que pode ter visto de distinto em meu modo de ser ou em minha conversação para lhe fazer pensar que estava mais predisposto a me casar que em qualquer outra época de minha vida... Mas suponho que algo deveu ver. Atreveria-me a dizer que notou a diferença estes dias que hei passado em sua casa. Suponho que não joguei com os meninos tanto como de costume.

Lembrança uma tarde em que os pobres meninos disseram: «Agora o tio sempre parece que está cansado."

Tinha chegado o momento em que a notícia devia comunicar-se e ver como reagiam outras várias pessoas. logo que a senhora Weston se repôs o suficiente para receber a visita do senhor Woodhouse, Emma, pensando que os persuasivos argumentos de seu amiga podiam influir favoravelmente em seu pai, decidiu dar primeiro a notícia em sua casa, e logo no Randalls... Mas como ia fazer aquela confissão a seu pai? Havia resolvido dizer-lhe quando o senhor Knightley estivesse ausente, ou quando seu coração não pudesse guardar por mais tempo o segredo e se visse forçada a revelá-lo; então previa a chegada do senhor Knightley ao pouco momento, e ele seria o encarregado de completar o trabalho de convencimento iniciada por ela... Tinha que falar, e falar além de um modo alegre. Não devia empregar um tom melancólico dando a impressão de que era como uma desgraça para ele. Não devia parecer que Emma o considerasse como um mal para seu pai... Fazendo-se forte, preparou-lhe pois para receber uma notícia inesperada, e logo em poucas palavras lhe disse que se lhe concedia seu consentimento e sua aprovação... o qual não duvidava que ele outorgaria sem inconvenientes, já que aquilo não tinha outro objeto que fazermais felizes a todos... ela e o senhor Knightley pensavam casar-se; deste modo Hartfield contaria com um habitante mais, uma pessoa que era a que seu pai mais queria, como ela sabia perfeitamente, depois de suas filhas e de a senhora Weston.

Pobre homem! De momento teve um susto considerável e tentou dissuadir a sua filha por todos os meios. Recordou-lhe uma e outra vez que sempre havia dito que não pensava casar-se, e lhe assegurou que para ela seria muitíssimo melhor ficar solteira; e lhe falou de a pobre Isabella e da pobre senhorita Taylor... Mas tudo foi em vão. Emma o abraçava carinhosamente, sorria-lhe e lhe repetia que tinha que ser assim; e que não podia considerar seu caso como o da Isabella e o da senhora Weston, cujas bodas, ao as obrigar a abandonar Hartfield, tinham significado uma mudança de vida tão triste; ela não iria do Hartfield; ficaria sempre ali; se se introduzia alguma mudança na casa era somente com o objetivo de seu bem-estar; e estava completamente segura de que ele seria muito mais feliz tendo sempre ao lado ao senhor Knightley, uma vez se tivesse acostumado a a idéia... Não apreciava muito ao senhor Knightley? Não podia negar que sim que o apreciava, estava segura disso. Com quem queria sempre consultar as questões de negócios a não ser com o senhor Knightley? Quem lhe emprestava tantos serviços, quem estava sempre disposto a lhe escrever suas cartas, quem lhe ajudava de tão bom grau em todas as coisas? Quem era mais amável, mais atento, mais fiel que ele? Não gostaria de lhe ter sempre em casa? Sim; esta era a pura verdade. Nunca se cansava de receber as visitas do senhor Knightley; gostaria de lhe ver cada dia; mas até então tinha estado lhe vendo quase cada dia... por que não podia ser tudo igual a até agora?

O senhor Woodhouse não se deixou convencer em seguida; mas o pior já tinha passado, a idéia já estava lançada; o tempo e o insistir continuamente deviam fazer o resto... A os persuasivos argumentos da Emma aconteceram os do senhor Knightley, cujos grandes elogios dela contribuíram a dar uma perspectiva mais favorável à proposição; e o senhor Woodhouse logo se acostumou a que um e outro lhe falassem continuamente do assunto em todas as ocasiões propícias... Ambos contaram com todo o apoio que Isabella podia lhes emprestar mediante cartas nas que expressava sua mais decidida aprovação; e na primeira ocasião que teve a senhora Weston para lhe falar do assunto não deixou de apresentar o projeto nos términos mais favoráveis... em primeiro lugar como uma coisa já decidida, e em segundo, como algo benéfico... já que era muito consciente de que ambos argumentos tinham quase o mesmo valor para o senhor Woodhouse... Chegou a convencer-se de que não podia ser de outro modo; e todo mundo por quem estava acostumado a deixar-se aconselhar-lhe assegurava que aquelas bodas só contribuiria a lhe fazer mais feliz. Em seu foro interno quase chegou a admitir aquela possibilidade... e começou a pensar que um dia ou outro... possivelmente dentro de um ano ou de dois... não seria uma grande desgraça o que se celebrasse aquele matrimônio.

A senhora Weston dizia o que pensava, não tinha que fingir ao declarar-se em favor do projeto de bodas... Ao princípio tinha tido uma grande surpresa; poucas vezes a havia tido maior que quando Emma lhe revelou o segredo; mas era algo no que só via um aumento de felicidade para todos, e não teve nenhum reparo em converter-se em acérrima defensora do projeto... Sentia tanto afeto pelo senhor Knightley que lhe acreditava merecedor inclusive de casar-se com sua querida Emma; e em todos os aspectos era uma união tão adequada, tão conveniente, tão inmejorable, e em um aspecto em concreto, possivelmente o mais importante, tão particularmente desejável, uma eleição tão afortunada, que parecia como se Emma não tivesse devido sentir-se atraída por nenhum outro homem, e que houvesse sido a mais néscia das mulheres se não tivesse pensado nele e não tivesse desejado casar-se com ele desde fazia já muito tempo... O que poucos homens cuja posição lhes houvesse permitido pensar na Emma, tivessem renunciado a sua própria casa pelo Hartfield! E quem como o senhor Knightley podia conhecer e suportar ao senhor Woodhouse até o ponto de conseguir que uma decisão como aquela fosse algo possível! Os Weston sempre tinham tido que expor o problema do que devia fazer-se com o pobre senhor Woodhouse, quando forjavam planos a respeito de um possível matrimônio entre o Frank e Emma... Como conciliar os interesses do Enscombe e do Hartfield tinha sido sempre um dos inconvenientes mais graves com que tinham tropeçado... o senhor Weston não estava acostumado a lhe dar tanta importância como sua esposa... mas, contudo, nunca tinha sido capaz de solucionar a questão a não ser dizendo:

-Essas coisas se solucionam sozinhas; eles já encontrarão o modo de resolvê-lo.

Mas naquele caso não era necessário postergar nenhum conflito nem fazer vagas hipóteses sobre o futuro. Tudo resultava satisfatório, claro, perfeito. Ninguém fazia um sacrifício digno desse nome. Era umas bodas que oferecia as máximas perspectivas de felicidade, e em que não existia nenhuma dificuldade efetiva, razoável para que ninguém se opusesse a ela, ou para que fora preciso postergá-la.

A senhora Weston tendo a sua filha no regaço, e podendo fazer-se todas estas reflexões, era uma das mulheres mais felizes do mundo. E se algo existia que pudesse aumentar ainda mais sua sorte, era o advertir que o primeiro jogo de gorritos não demoraria muito em lhe vir pequeno à menina.

Quando se difundiu a notícia constituiu uma surpresa para todos; e durante cinco minutos o senhor Weston foi um dos mais surpreendidos; mas cinco minutos bastaram para que seu viveza mental lhe familiarizasse com a idéia... Em seguida viu as vantagens de aquelas bodas, e sua alegria não foi inferior a de sua esposa; mas não demorou para esquecer o assombro que lhe tinha produzido a notícia; e ao cabo de uma hora quase estava a ponto de acreditar que ele sempre tinha imaginado que acabaria ocorrendo uma coisa assim.

-Suponho que tem que ser um segredo -disse-. Essas coisas sempre têm que ser um secreto, até que um se inteira que todo mundo as sabe. Só quero saber quando se pode falar das bodas... Não sei se Jane terá alguma suspeita...

Ao dia seguinte pela manhã foi ao Highbury e dissipou suas dúvidas a respeito deste ponto.

Comunicou-lhe as novas; não era Jane como uma filha dela, uma filha já maior? Tinha que dizer-lhe e como a senhorita Bate estava presente, como é lógico, não demorou para inteirar-se a senhora Penetre, a senhora Perry, e imediatamente depois a senhora Elton; era o tempo que tinham previsto os protagonistas do fato; pela hora em que se inteiraram em Randalls, tinham calculado o que demoraria para sabê-lo todo Highbury; e com grande intuição tinham suposto que aquela noite só se falaria deles em todas as famílias dos arredores.

Em geral todo mundo aprovou calorosamente o projeto de bodas. Uns pensaram que o afortunado era ele, outros que a afortunada era ela. Uns aconselhariam que se transladassem todos ao Donwell e que deixassem Hartfield para o John Knightley e sua família; e outros auguravam disputas entre os criados de ambas as casas; mas em conjunto ninguém pôs objeções muito graves, exceto em uma habitação da Vicaría... Ali a surpresa não foi suavizada por nenhuma alegria. O senhor Elton, em comparação com sua esposa, apenas se interessou pela notícia; limitou-se a dizer que «aquela orgulhosa podia estar já satisfeita»;

e a supor que «sempre tinha querido pescar ao Knightley»; e sobre o que se instalarão no Hartfield se atreveu a exclamar: «De boa me livrei!»... Mas a senhora Elton se tomou com muita menos serenidade... «Pobre Knightley! Pobre homem! Que mau negócio faz!» Estava muito causar pena porque, embora fosse muito excêntrico, tinha muitas qualidades muito boas... Como era possível que se deixou pescar? Tinha a segurança de que ele não estava apaixonado... não, nem muitíssimo menos... Pobre Knightley!

Aquilo seria o fim da grata relação que tinham tido com ele... Estava tão contente de ir jantar a sua casa sempre que lhe convidavam! Tudo isto se teria terminado... Pobre homem! Não voltariam a fazer-se visitas ao Donwell organizadas por ela... OH, não! Agora haveria uma senhora Knightley que lhes aguaria todas as festas... Que lamentável! Mas não arrependia-se absolutamente de ter criticado à ama de chaves do Knightley uns dias atrás... Que disparate viver todos juntos! Não podia sair bem. Conhecia uma família que vivia perto do Maple Grove que o tinha tentado, e tinham tido que separar-se ao cabo de uns poucos meses.

 

PASSOU o tempo. Uns dias mais e chegaria a família de Londres. Algo que assustava um pouco a Emma; e uma manhã que estava pensando nas complicações que podia trazer a volta de seu amiga, quando chegou o senhor Knightley todas as idéias sombrias se desvaneceram. Depois de trocar as primeiras frases do alegre encontro, ele permaneceu silencioso; e logo em um tom mais grave disse:

-Tenho algo que lhe dizer, Emma. Notícias.

-Boas ou más? -disse ela com rapidez lhe olhando fixamente.

-Não sei como deveriam considerar-se.

-OH! Estou segura de que serão boas; vejo-o pela cara que põe; está fazendo esforços para não sorrir.

-Temo-me -disse ele ficando mais sério-, temo-me muito, minha querida Emma, que não vai você a sorrir quando as ouvir.

-Vá! E por que não? Não posso imaginar que haja algo que goste a você e que o divirta, e que eu não goste nem me divirta também .

-Há uma questão -replicou-, confio em que só uma, em que não pensamos igual.

Fez uma breve pausa, voltou a sorrir, e sem apartar o olhar de seu rosto acrescentou:

-Não se imagina o que pode ser? Não se lembra...? Não se lembra do Harriet Smith?

Para ouvir este nomeie Emma avermelhou e teve medo de algo, embora não sabia exatamente do que.

-teve notícias dela esta manhã? -perguntou ele-. Sim, já vejo que sim e que sabe tudo.

-Não, não recebi carta; não sei nada; me diga do que se trata, por favor.

-Vejo que está preparada para o pior... e realmente não é uma boa notícia. Harriet Smith se casa com o Robert Martin.

Emma teve um sobressalto que não deu a impressão de ser fingido... e o cintilação que passou por seus olhos parecia querer dizer «Não, não é possível...» Mas seus lábios seguiram fechados.

-Pois assim é -continuou o senhor Knightley-. Há-me isso dito o mesmo Robert Martin.

Acabo de lhe deixar faz menos de meia hora.

Ela seguia lhe contemplando com o mais eloqüente dos assombros.

-Como já esperava, a notícia a contrariou... Oxalá coincidissem também nisto nossas opiniões. Mas com o tempo coincidirão. Pode você estar segura de que o tempo fará que o um ou o outro troquemos de parecer; e enquanto isso não é preciso que falemos muito do assunto.

-Não, não, não me entende você, não é isso -replicou ela dominando-se-. Não é que me contrarie a notícia... é que quase não posso acreditá-lo. Parece impossível! Quer você dizer que Harriet Smith aceitou ao Robert Martin? Não quererá dizer que ele tornou a pedir sua mão... Quererá dizer que tem intenções de fazê-lo...

-Quero dizer que já o tem feito... -replicou o senhor Knightley sonriendo, mas com decisão- e que foi aceito.

-Céu Santo! -exclamou ela-. Vá!

E depois de recorrer à cesta do trabalho para ter um pretexto para baixar a cabeça e ocultar o intenso sentimento de júbilo que deviam expressar suas facções, acrescentou:

-Bom, agora me conte isso tudo; a ver se o entendo. Como, onde, quando? diga-me isso contará muchas más cosas cuando se vean... Le contará hasta los detalles más tudo; em minha vida tinha tido uma surpresa igual... mas lhe asseguro que não me dá nenhum desgosto... Como... como foi possível...?

-É uma história muito singela. Faz três dias ele foi a Londres por assuntos de negócios, e eu lhe dava uns papéis que tinha que mandar ao John. foi ver o John a seu escritório, e meu irmão lhe convidou a ir com eles ao Astley aquela tarde. Queriam levar ao Astley aos dois maiores. Foram meu irmão, sua irmã, Henry, John... e a senhorita Smith. Meu amigo Robert não podia negar-se. Passaram a lhe recolher e se divertiram muito; John convidou a jantar com eles ao dia seguinte... ele acudiu... e durante esta visita (por isso se vê) teve ocasião de falar com o Harriet; e certamente não foi em vão... Lhe aceitou e deste modo fez ao Robert quase tão feliz como merece. Retornou na diligência de ontem, e esta amanhã depois do café da manhã veio para ver-me para me dizer o resultado de suas gestões:

primeiro das que eu lhe tinha encomendado, e logo depois das suas próprias. Isso tudo o que posso lhe dizer sobre o como, onde e quando. Seu amiga Harriet já o contará muitas mais costure quando se virem... Contará-lhe até os detalhes mais insignificantes, esses aos que só a linguagem de uma mulher pode dar interesse... Em nossa conversação só falamos em geral... Mas tenho que confessar que Robert Martin me pareceu muito minucioso nos detalhes, sobre tudo conhecendo seu modo de ser; sem que viesse muito a conto, esteve-me contando que ao sair do camarote, no Astley, meu irmão se cuidou de sua esposa e do pequeno John, e ele ia detrás com a senhorita Smith e com o Henry; e que houve um momento em que se viram rodeados de tanta gente, que a senhorita Smith incluso se encontrou um pouco indisposta...

Ele deixou de falar... Emma não se atrevia a lhe dar uma resposta imediata... Estava segura de que falar significaria delatar uma alegria que não era explicável. Tinha que esperar um pouco mais, do contrário ele acreditaria que estava louca. Mas este silêncio preocupou ao senhor Knightley; e depois de observá-la durante uns momentos, acrescentou:

-Emma, querida minha, diz você que este fato agora não lhe representa um desgosto; mas temo que lhe preocupe mais do que você esperava. A classe social dele poderia ser um obstáculo... mas tem você que pensar que para seu amiga isso não é um inconveniente; e eu lhe respondo que terá cada vez melhor opinião dele à medida que vá conhecendo mais. Seu sentido comum e a retidão de seus princípios lhe cativarão... Por isso se refere a ele como pessoa, não poderia você desejar que seu amiga estivesse em melhores mãos; em quanto a sua categoria social, eu melhoraria se pudesse; e lhe asseguro, Emma, que já é dizer muito por minha parte... Você ri de mim porque não posso prescindir do William Larkins; mas tampouco posso prescindir absolutamente do Robert Martin.

Ele queria que lhe olhasse e sorrisse; e como Emma agora tinha uma desculpa para sorrir abertamente, assim o fez, dizendo de um modo alegre:

-Não tem você que preocupar-se tanto por me fazer ver os lados bons destas bodas.

Em minha opinião Harriet obrou muito bem. As relações dela possivelmente sejam piores que as dele; sem dúvida em respeitabilidade o são. Se me fiquei calada foi só pela surpresa; tive uma grande surpresa. Não pode você imaginar-se quão inesperado há sido para mim... quão despreparada estava... Porque tinha motivos para acreditar que nestes últimos tempos estava mais predisposta contra ele que tempo atrás.

-Deveria você de conhecer melhor a seu amiga -replicou o senhor Knightley-; eu houvesse dito que era uma moça de muito bom caráter, de coração muito tenro, que dificilmente pode chegar a estar muito predisposta contra um jovem que lhe diz que a ama.

Emma não pôde por menos de rir enquanto respondia:

-Dou-lhe minha palavra de que acredito que a conhece você tão bem como eu... Mas, senhor Knightley, está você completamente seguro de que lhe aceitou imediatamente, sem nenhum reparo? Eu tivesse podido supor que com o tempo... mas tão logo já...!

Está seguro de que entendeu você bem a seu amigo? Os dois deveram estar falando de muitas coisas mais: de negócios, de feiras de gado, de novas classes de arados... Não é possível que ao falar de tantas coisas distintas você lhe entendesse mau? Era a mão de Harriet do que ele estava tão seguro? Não eram as dimensões de algum boi famoso?

Naqueles momentos o contraste entre o porte e o aspecto do senhor Knightley e Robert Martin se fez tão acusado para a Emma, era tão intenso a lembrança de tudo o que tinha-lhe ocorrido recentemente ao Harriet, tão atual o som daquelas palavras que tinha pronunciado com tanto ênfase -«Não, acredito que já tenho muita experiência para pensar no Robert Martin»-, que esperava que no fundo esta reconciliação fosse ainda prematura. Não podia ser de outro modo.

-Como pode dizer uma coisa assim? -exclamou o senhor Knightley-. Como pode supor que sou tão néscio como para não me inteirar do que me dizem? O que mereceria você?

-OH! Eu sempre mereço o melhor trato porque não me conformo com nenhum outro; e portanto tem que me dar uma resposta clara e singela. Está você completamente seguro de que entendeu a situação em que se encontram agora o senhor Martin e Harriet?

-Completamente seguro -respondeu ele energicamente- de que me disse que lhe havia aceito; e de que não havia nenhuma escuridão, nada duvidoso nas palavras que usou; e acredito que posso lhe dar uma prova de que as coisas são assim. Perguntou-me se eu sabia o que terei que fazer agora. A única pessoa a quem ele conhece para poder pedir informe sobre seus parentes ou amigos é a senhora Goddard. Eu lhe disse que o melhor que podia fazer era dirigir-se à senhora Goddard. E ele me respondeu que procuraria vê-la hoje mesmo.

-Estou totalmente convencida -replicou Emma com a mais luminosa de seus sorrisos-, e desejo-lhes de todo coração que sejam felizes.

-trocou você muito da última vez que falamos deste assunto.

-Assim o espero... porque então eu era uma atordoada.

-Também eu troquei; agora estou disposto a reconhecer que Harriet tem todas as boas qualidades. Por você, e também pelo Robert Martin (a quem sempre acreditei tão apaixonado por ela como antes), esforcei-me por conhecê-la melhor. Em muitas ocasiões falei bastante com ela. Já se haverá você fixado. A verdade é que às vezes eu tinha a impressão de que você quase suspeitava que estava advogando pela causa do pobre Martin, o qual não era certo. Mas graças a esses bate-papos convenci de que era uma moça natural e afetuosa, de idéias muito retas, de bons princípios muito arraigados, e que cifrava toda sua felicidade no carinho e a utilidade da vida doméstica...

não tenho a menor duvida de que grande parte disto o deve a você.

-A mim? -exclamou Emma negando com a cabeça-. Ah, pobre Harriet!

Entretanto soube dominar-se e se resignou a que lhe elogiassem mais do que merecia.

Sua conversação não demorou para ser interrompida pela chegada de seu pai. Emma não o lamentou. Queria estar a sós. Sua estado de exaltação e de assombro não lhe permitia estar em companhia de outras pessoas. pôs-se a gritar, a dançar e a cantar; e até que não pusesse-se a andar e se falasse com si mesmo e riera e refletisse, não se via com ânimos para fazer nada a direitas.

Seu pai chegava para anunciar que James tinha ido enganchar os cavalos, operação preparatória da agora cotidiana viagem ao Randalls; e portanto Emma teve uma excelente desculpa para desaparecer.

Já pode imaginar-se qual seria a gratidão, o extraordinário júbilo que a dominavam.

Com aquelas aduladoras perspectivas que se abriam para o Harriet sua única preocupação, o único obstáculo que se opunha a sua sorte desapareciam, e Emma sentiu que corria o perigo de ser muito feliz. Que mais podia desejar? Nada, exceto fazer-se cada dia mais digna dele, cujas intenções e cujo critério tinham sido sempre tão superiores aos deles. Nada, a não ser esperar que as lições de suas loucuras passadas lhe ensinassem humildade e prudência para o futuro.

Estava muito séria, muito séria sentindo aqueles impulsos de gratidão e tomando aquelas decisões, e entretanto naqueles mesmos momentos não podia evitar rir. Era forçoso rir daquele desenlace. Que final para todas aquelas suas tribulações de cinco semanas atrás! Que coração o do Harriet, Santo Deus!

Agora lhe iludia pensar em sua volta... tudo lhe produzia ilusão. Sentia grande ilusão por conhecer o Robert Martin.

Uma das coisas que agora contribuíam a sua felicidade era pensar que logo não teria que ocultar nada ao senhor Knightley. Logo poderiam terminar todas aquelas coisas que tanto odiava; as dissimulações, os equívocos, os mistérios. No futuro poderia ter nele uma confiança plena, perfeita, que por sua maneira de ser considerava como um dever.

assim, alegre e feliz como nunca ficou em caminho em companhia de seu pai; não sempre lhe escutando, mas sempre lhe dando a razão a tudo o que dizia; e já fora em silêncio já falando, aceitando a grata convicção que tinha seu pai de que estava obrigado a ir ao Randalls todos os dias, já que do contrario a pobre senhora Weston teria uma desilusão.

Chegaram por fim... A senhora Weston estava sozinha na sala de estar; mas quando apenas tinha recebido as últimas notícias sobre a menina e se deu as graças ao senhor Woodhouse pela moléstia que se tomou, agradecimento que ele reclamou, através dos portinhas divisaram-se duas silhuetas que passavam perto da janela.

-São Frank e a senhorita Fairfax -disse a senhora Weston-. Agora mesmo ia dizer lhes que esta manhã tivemos a agradável surpresa de lhe ver chegar. ficará até amanhã e convenceu à senhorita Fairfax para que passe o dia conosco... Acredito que vão entrar.

Ao cabo do meio minuto entravam na sala. Emma se alegrou muito de voltar a lhe ver, mas ambos ficaram um pouco confusos... Pelas duas partes havia muitos lembranças embaraçosos. estreitaram-se as mãos sonriendo, mas com uma confusão que ao princípio lhes impediu de ser muito loquazes; todos voltaram a sentar-se e durante uns momentos houve um silêncio tal que Emma começou a duvidar de que o desejo que tinha tido durante tantos dias de voltar a ver o Frank Churchill e de lhe ver em companhia do Jane lhe procurasse algum prazer. Mas quando lhes uniu o senhor Weston e trouxeram para a menina, não faltaram nem temas de conversação nem alegria... e Frank Churchill teve o valor e a ocasião de aproximar-se dela e lhe dizer:

-Senhorita Woodhouse, tenho que lhe dar as obrigado por umas carinhosas frases de perdão que me transmitiu a senhora Weston em uma de suas cartas... confio que o tempo que há transcorrido não a tem feito menos benevolente. Confio em que não se você retrate do que disse então.

-Não, certamente -exclamou Emma muito contente de que se rompesse o gelo-, em absoluto. Me alegro muito de lhe ver e de lhe saudar... e de lhe felicitar pessoalmente.

Lhe deu as obrigado de todo coração e durante um momento seguiu falando muito seriamente a respeito de sua gratidão e de sua felicidade.

-Verdade que tem bom aspecto? -disse voltando os olhos para o Jane-. Melhor do que estava acostumado a ter, verdade? Já vê como a mimam meu pai e a senhora Weston.

Mas não demorou para mostrar-se mais alegre, e com a risada nos olhos depois de mencionar o esperada volta dos Campbell citou o nome do Dixon... Emma se ruborizou e o proibiu que voltasse a pronunciar aquele nomeie diante dela.

-Não posso pensar em todo aquilo sem me sentir muito envergonhada -disse.

-A vergonha -respondeu ele- é toda para mim, ou deveria sê-lo. Mas é possível que não você tivesse nenhuma suspeita? Refiro aos últimos tempos. Ao princípio já sei que não suspeitava nada.

-Asseguro-lhe que nunca tive nem a menor suspeita.

-Pois a verdade é que me deixa surpreso. Em certa ocasião estive quase a ponto... e oxalá o tivesse feito... tivesse sido melhor. Mas embora estava continuamente me levando mau, levava-me mal de um modo indigno e que não me reportava nenhum benefício... Tivesse sido uma transgressão mais passível o que eu lhe tivesse revelado o secreto e o houvesse dito tudo.

-Agora já não vale a pena de lamentá-lo -disse Emma.

-Tenho esperanças -seguiu ele- de poder convencer a meu tio para que venha ao Randalls;

quer que o presente ao Jane. Quando houverem tornado os Campbell nos reuniremos todos em Londres e espero que sigamos ali até que nos possamos levar isso ao norte... mas agora estou tão longe dela... Verdade que é penoso senhorita Woodhouse? Até esta manhã não nos tínhamos visto desde dia da reconciliação. Não me compadece?

Emma lhe expressou sua compaixão em términos tão efusivos que o jovem em um súbito excesso de alegria exclamou:

-Ah, a propósito! -E então baixou a voz e ficou sério por um momento-. Espero que o senhor Knightley siga bem.

Fez uma pausa... ela se ruborizou e pôs-se a rir.

-Já sei -disse- que leu minha carta e suponho que recorda o desejo que formulei para você.

Permita que agora eu seja quem a felicite... asseguro-lhe que ao receber a notícia hei sentido um grande interesse e uma imensa satisfação... é um homem de quem nunca se poderá dizer que lhe elogia muito.

Emma estava encantada e só desejava que ele seguisse por aquele caminho; mas ao cabo de um momento o jovem voltava para seus assuntos e a seu Jane. E as palavras seguintes foram:

-Viu você alguma vez uma tez igual? Essa suavidade, essa delicadeza... e sem embargo não pode dizer-se que seja realmente bela... não pode chamar-se o bela. É uma classe de beleza especial, com essas pestanas e esse cabelo tão negro... Um tipo de beleza tão peculiar... E tão distinguida... Tem a cor precisa para que possa chamar-se o bela.

-Sempre a admirei -replicou Emma intencionadamente-; mas se não recordar mau houve um tempo em que você considerava sua palidez como um defeito... a primeira vez que falamos dela. Já o esqueceu?

-OH, não! Que desavergonhado fui! Como pude me atrever...?

Mas ria de tão boa vontade ao recordá-lo que Emma não pôde por menos que dizer:

-Suspeito que em meio de todos os conflitos que tinha você por então se divertia muito jogando com todos nós... Estou segura de que era assim... estou segura de que isso lhe servia de consolo.

-OH, não, não... Como pode me acreditar capaz de uma coisa assim? Eu era o homem mais desgraçado do mundo!

-Não tão desgraçado para ser insensível à risada. Estou segura de que se divertia você muito pensando que nos estava enganando a todos... e talvez se tiver esta suspeita é porque, para lhe ser franco, parece-me que se eu tivesse estado em seu mesma situação também o tivesse encontrado divertido. Vejo que há um certo parecido em nós.

Lhe fez uma leve reverencia.

-Se não em nossos caracteres -acrescentou em seguida com um ar de falar a sério-, sim em nosso destino; esse destino que nos levará a nos casar com duas pessoas que estão tão por em cima de nós.

-Certo, tem toda a razão -replicou ele apaixonadamente-. Não, não é verdade pelo que respeita a você. Não há ninguém que possa estar por cima de você, mas quanto a mim sim é certo... ela é um verdadeiro anjo. Olhe-a. Não é um verdadeiro anjo em todos seus gestos? Note-se na curva do pescoço, note-se em seus olhos agora que está olhando a meu pai... Sei que se alegrará você de saber -inclinando-se para ela e baixando a voz muito sério- que meu tio pensa lhe dar todas as jóias de minha tia. Faremo-las engastar de novo.

Estou decidido a que algumas delas sejam para uma diadema. Verdade que lhe sentará bem com um cabelo tão negro?

-Sentará-lhe de maravilha -replicou Emma.

E se expressou com tanto entusiasmo que ele, cheio de gratidão, exclamou:

-Que contente estou de voltá-la para ver! E de ver que tem tão bom aspecto! Por nada do mundo me tivesse querido perder este encontro. Certamente se não tivesse vindo você eu tivesse ido visitar ao Hartfield.

Outros tinham estado falando da menina, já que a senhora Weston lhes havia contado que tinham tido um pequeno susto posto que a noite anterior a pequena se havia sentido indisposta. Ela acreditava que tinha exagerado, mas tinha tido um susto e tinha estado quase a ponto de mandar chamar o senhor Perry. Possivelmente devesse envergonhar-se, mas o senhor Weston tinha estado tão intranqüilo como ela. Entretanto, ao cabo de dez minutos a menina havia tornado a encontrar-se completamente bem; isto foi o que contou; quem se mostrou mais interessado foi o senhor Woodhouse, quem lhe recomendou que lembrasse-se sempre do Perry e que lhe mandasse chamar, e que só lamentava que não o fizesse.

-Quando a menina não se encontre bem de tudo, embora pareça que não seja quase nada e embora só seja por um momento, não deixe de chamar sempre ao Perry. Um nunca se assusta muito logo nem chama muito freqüentemente ao Perry. Possivelmente foi uma lástima que não viesse ontem de noite; agora a menina parece estar muito bem, mas terá que ter em conta que se Perry a tivesse visto provavelmente se encontraria melhor.

Frank Churchill recolheu o nome.

-Perry! -disse a Emma, tentando que enquanto falava seu olhar se cruzasse com a de a senhorita Fairfax-. Meu amigo o senhor Perry! O que estão dizendo do senhor Perry? Há vindo esta manhã? Ia a cavalo ou em carro? Já se comprou o carro?

Emma recordou em seguida e lhe compreendeu; e enquanto unia suas risadas às suas acreditou advertir pela atitude do Jane que também lhe tinha ouvido, embora tentava parecer surda.

-Que sonho mais estranho tubo aquela vez! -exclamou-. Cada vez que me lembro daquilo não posso por menos de rir... Ouça-nos, ouça-nos, senhorita Woodhouse. O noto na bochecha, no sorriso, em seu intento inútil de franzir o cenho. Olhe-a. Não vê que neste instante tem ante os olhos aquela parte de sua carta no que me contou isso...? Não vê que está pensando naquela estupidez minha que não pode emprestar atenção a nada mais embora finja escutar aos outros?

Por um momento Jane se viu obrigada a sorrir abertamente; e ainda seguia sonriendo em parte quando se voltou fazia ele e lhe disse em voz baixa mas cheia de convicção e de firmeza:

-Não compreendo como pode tirar reluzir essas coisas! Às vezes teremos que as recordar até a nosso pesar... Mas que seja capaz de te agradar as recordando!

Ele respondeu aduzindo muitos argumentos em sua defesa, todos muito hábeis, mas Emma se inclinava a dar a razão ao Jane; e ao ir-se do Randalls e ao comparar como era natural aqueles dois homens, compreendeu que apesar de que se alegrou muito de voltar a ver o Frank Churchill e de que sentia por ele uma grande amizade, nunca se havia dado tanta conta de quão superior era o senhor Knightiey. E a felicidade daquele felicísimo dia se completou com a satisfatória comprovação das qualidades de este que aquela comparação lhe tinha sugerido.

 

SE em alguns momentos Emma ainda se sentia inquieta pelo Harriet, se não deixava de ter dúvidas de que lhe tivesse sido possível chegar a esquecer seu amor pelo senhor Knightley e aceitar a outro homem com um sincero afeto, não demorou muito tempo em ver-se livre desta incerteza. Ao cabo de uns poucos dias chegou a família de Londres, e logo que teve ocasião de passar uma hora a sós com o Harriet ficou completamente convencida, a pesar de que lhe parecia inverossímil, de que Robert Martin tinha suplantado por inteiro ao senhor Knightley, e de que seu amiga acariciava agora de novo todos seus sonhos de felicidade.

Harriet estava um pouco temerosa... Ao princípio parecia um tanto abatida; mas uma vez teve reconhecido que tinha sido presunçosa e néscia e que se esteve enganando a si mesma, seu naufraga e sua confusão se esfumaram junto com suas palavras, deixando-a sem nenhuma inquietação pelo passado e exultante de esperança presentemente e o futuro;

porque, dado que no relativo à aprovação de seu amiga, Emma tinha dissipado ao momento todos seus temores ao recebê-la lhe dando seus mais franco parabéns, Harriet se sentia feliz relatando todos os detalhes do dia que estiveram no Astley e do jantar do dia seguinte; atrasava-se na narração com o major dos prazeres. Mas o que demonstravam aqueles detalhes? O fato era que, como Emma podia agora confessar a Harriet, sempre lhe tinha gostado de Robert Martin; e o fato de que ele tivesse seguido lhe amando tinha sido decisivo... Todo o resto resultava incompreensível para a Emma.

Entretanto só havia motivos para alegrar-se daquele noivado e cada dia que passava dava-lhe novas razões para acreditá-lo assim... Os pais da jovem se deram a conhecer.

Resultou ser a filha de um comerciante o suficientemente rico para lhe assegurar a vida folgada que tinha levado até então, e o suficientemente honorável para haver querido sempre ocultar seu nascimento... Levava, pois, em suas veias sangue de pessoas distinguidas como Emma tempo atrás tinha suposto... Provavelmente seria um sangue

tão nobre como a de muitos cavalheiros; mas que bodas lhe tinha estado preparando ao senhor Knightley! Ou aos Churchill... ou inclusive ao senhor Elton...! A mancha de ilegitimidade que não podia lavar nem a nobreza nem a fortuna tivesse seguido sendo apesar de todo uma mancha.

O pai não pôs nenhum obstáculo; o jovem foi tratado com toda liberalidade; e tudo foi como devia ser; e quando Emma conheceu o Robert Martin, a quem por fim apresentaram em Hartfield, reconheceu nele todas as qualidades de bom critério e de valia que eram as mais desejáveis para seu amiga. Não tinha a menor duvida de que Harriet seria feliz com qualquer homem de bom caráter; mas com ele e no lar que lhe oferecia podia esperar-se mais, uma segurança, uma estabilidade e uma melhora em todos os ordens. Harriet se veria situada em meio dos que a queriam e que tinham mais sentido comum que ela; o suficientemente separada da sociedade para sentir-se segura, e o suficientemente atarefada para sentir-se alegre. Nunca poderia cair na tentação. Nem teria oportunidade de ir procurar a. Seria respeitada e feliz; e Emma admitia que era o ser mais feliz do mundo por ter despertado em um homem como aquele um afeto tão sólido e perseverante;

ou se não a mais feliz do mundo, a segunda em felicidade depois dela.

Ao Harriet, ligada como era natural por seus novos compromissos com os Martin, cada vez a via menos pelo Hartfield, o qual não era de lamentar... a intimidade entre ela e Emma devia decair; sua amizade devia converter-se em uma espécie de mútuo afeto mais cometido; e felizmente o que tivesse sido mais desejável e que devia ocorrer começava já a insinuar-se de um modo paulatino e espontâneo.

antes de terminar setembro Emma assistiu à bodas do Harriet e viu como concedia seu emano ao Robert Martin com uma satisfação tão completa que nenhuma lembrança nem sequer relacionado-los com o senhor Elton a quem naquele momento tinham diante, podia chegar a empanar... A verdade é que então não via o senhor Elton a não ser ao clérigo cuja bênção do altar não devia demorar para cair sobre ela mesma... Robert Martin e Harriet Smith, a última dos três casais que se prometeram tinha sido a primeira em casar-se.

Jane Fairfax já tinha abandonado Highbury, e tinha voltado para as comodidades de seu amada casa com os Campbell... Os dois senhores Churchill também estavam em Londres; e só esperavam a que chegasse o mês de novembro.

Outubro tinha sido o mês que Emma e o senhor Knightley se atreveram a assinalar para suas bodas... Tinham decidido que esta se celebrasse enquanto John e Isabella estivessem ainda no Hartfield com objeto de poder fazer uma viagem de duas semanas pela costa como tinham projetado... John e Isabella, e todos outros amigos aprovaram este plano. Mas o senhor Woodhouse... Como foram conseguir convencer ao senhor Woodhouse que só aludia à bodas como um pouco muito remoto?

A primeira vez que mediram a questão se mostrou tão abatido que quase perderam toda esperança... Mas uma segunda alusão pareceu lhe afetar menos... Começou a pensar que tinha que ocorrer e que ele não podia evitá-lo... Um progresso muito alentador no caminho de a resignação. Entretanto não lhe via feliz. Mais ainda, estava tão triste que sua filha quase desanimou-se. Não podia suportar lhe ver sofrer, saber que se considerava abandonado; e embora a razão lhe dizia que os dois senhores Knightley estavam no certo ao lhe assegurar que uma vez passada as bodas seu decaimento não demoraria para passar também, Emma duvidava...

não acabava de decidir-se...

Neste estado de incerteza veio em sua ajuda não uma súbita iluminação da mente do senhor Woodhouse nem nenhuma mudança espetacular de seu sistema nervoso, a não ser um fator deste mesmo sistema obrando em sentido oposto... Certa noite desapareceram todos os perus do galinheiro da senhora Weston... Evidentemente por obra do engenho humano. Outros currais dos arredores sofreram a mesma sorte... Nos temores do senhor Woodhouse um pequeno furto se convertia em um roubo em grande escala com invasão de moradia... Estava muito inquieto; e de não ser porque se sentia protegido por seu genro tivesse passado todas as noites terrivelmente assustado. A força, a decisão e a presença de ânimo dos dois senhores Knightley lhe deixaram completamente a sua mercê... Mas o senhor John Knightley tinha que voltar para Londres a fins da primeira semana de novembro.

A conseqüência destas inquietações foram que com um consentimento mais animado e mais espontâneo do que sua filha tivesse podido nunca chegar a esperar naqueles momentos, Emma pôde fixar o dia de suas bodas... E um mês mais tarde que as bodas do senhor e da senhora Robert Martin, requereu-se ao senhor Elton para unir em matrimônio ao senhor Knightley e à senhorita Woodhouse.

As bodas foi muito parecida com qualquer outras bodas em que os noivos não se mostram aficionados ao luxo e à ostentação; e a senhora Elton, pelos detalhes que lhe deu seu marido, considerou-a como extremamente modesta e muito inferior à sua... «muito pouco cetim branco, muito poucos véus de encaixe; enfim, algo do mais triste... Selina abrirá uns olhos como pratos quando o contar...» Mas, apesar de tais deficiências, os desejos, as esperanças, a confiança e os augúrios do pequeno grupo de verdadeiros amigos que assistiram à cerimônia se viram plenamente correspondidos pela perfeita felicidade do casal.

 

                                                                                Jane Austen  

 

                      

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