Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
ENCONTRO NA FRANÇA
Ninguém, nenhuma astróloga, cartomante, vidente, bruxa ou feiticeira poderia ter prevenido Alyssia Stanley sobre Peter Morrison. Ela, que bastava estalar os dedos e tinha aos pés quem quisesse! Jamais se conformaria com a arrogância e a prepotência desse homem. Surgido do nada e sem lhe dar nenhuma chance de defesa, se tornou senhor absoluto de todas as suas emoções, dono de seus sonhos... motivo de sua tristeza de amor!
Nice. Côte d’Azur. Sul da França. Enfim chegara! Alyssia deixou as duas malas finíssimas de couro caírem no chão e suspirou irritada. Que viagem mais infernal! A começar pelo vôo que já saíra de Londres com atraso e depois o desembarque demoradíssimo no aeroporto de Nice.
E finalmente aquele táxi horrível. Droga! Precisava tomar justamente um táxi com o ar-condicionado quebrado? Passar um calor enorme para chegar ali, naquela pequena villa onde seu pai comprara uma propriedade, e descobrir que a casa onde ela pretendia descansar, relaxar durante quinze dias, ainda estava em construção? Era mesmo muito azar!
Exasperada, Alyssia afastou uma mecha de seus fartos cabelos loiros da testa e ergueu o rosto para examinar melhor a casa. Do ponto de vista arquitetônico, ate que era bem interessante. Toda de alvenaria, com algumas vigas de madeira, fora construída na encosta, de frente para o Mediterrâneo, aproveitando a belíssima vista.
E também possuía seu próprio acesso ao mar. Um caminho de pedra sinuoso, descendo ate a praia em meio à vegetação rasteira. Maravilhoso! Sim, sem dúvida era tudo muito bonito, mas a verdade era que a casa ainda não estava terminada, este era o problema.
Droga! Se ao menos seu pai tivesse tido a brilhante idéia de preveni-la sobre o estado da casa quando se despediram no aeroporto em Londres... Mas não. Em vez de avisá-la, como sempre ele se limitou a acenar alegremente dizendo que uma mudança de ares só lhe faria bem.
Faria bem! Exausta, morrendo de calor e com a roupa grudada no corpo, que raios de “bem” poderia lhe fazer quinze dias sem água corrente e talvez até sem eletricidade?
Em seus vinte dois anos de vida, Alyssia vivera cercada de pequenos luxos, de todo o conforto que o dinheiro podia comprar.
Nunca se sentira o tipo de garota capaz de encarar com um sorriso muitas dificuldades de uma só vez.
Soltou outro longo suspiro. E o que mais podia fazer? Andava saturada da vida que vinha levando em Londres, não? Festas, boates, jantares, enfim, um redemoinho de compromissos sociais que ultimamente começavam a enfastiá-la. Tudo aquilo de repente começara a lhe parecer tão fútil, vazio. Sem falar no fato de que precisava de um tempo sozinha para pensar em seu noivado com Jonathan, ou melhor, para colocar em perspectiva sua decisão de romper o noivado.
Seu pai estava certo; ela precisava mesmo de uma mudança.
Alyssia ergueu de novo as malas e começou a andar na direção da porta. A primeira coisa que faria após colocar suas coisas para dentro era dar um pulo no vilarejo ali perto e fazer um estoque com tudo o que encontrasse em matéria de comida pronta. De estômago cheio, as coisas sempre pareciam mais fáceis, e naquele instante ela estava simplesmente faminta.
Menos furiosa, colocou a chave na fechadura. Já ia girá-la quando percebeu que a porta se encontrava aberta. Parou um instante. Céus! Quer dizer que havia gente na casa. E só podiam ser... os pedreiros!
Oh, não! Como se não bastasse estar exausta, suada e morrendo de fome, teria de aturar um bando de homens imundos, andando de um lado para o outro, batendo pregos, lixando, sujando cada canto da casa!
De novo uma fúria incontrolável começou a crescer dentro dela. Ao diabo sua decisão de manter-se calma, pensou, cerrando os dentes. Aquele bando de incompetentes ia saber a importância de se terminar um trabalho no tempo combinado. Ah, se ia!
Por medida de precaução, no entanto, ainda tentou contar até dez, lembrando-se dos conselhos da astróloga.
Mas... será que aquela mulher sabia mesmo o que estava falando? Na ocasião achara divertido acompanhar algumas amigas à tal madame, e de fato se impressionara quando a mulher lhe dissera para que tomasse cuidado com sua natureza tempestuosa, porque algum dia esta ainda desencadearia uma situação absolutamente incontrolável.
Mas aquilo fora tres dias antes, e naquele momento não seriam as premonições de uma ilustre vidente que iriam acalmá-la a ponto de fazê-la encarar com espírito esportivo um bando de homens suados estragando suas férias.
Alyssia respirou fundo e escancarou a porta com força. Quando se preparava para dizer o que pensava a quem encontrasse pela frente, um homem, ou melhor, um gigante, falou antes dela.
— Estava a sua espera, Srta. Stanley.
O tom seco e frio das palavras teve o efeito de um balde de água gelada em seu rosto. Ainda assim, em vez de acalmá-la, só fez aumentar sua raiva.
Imóvel diante do desconhecido, um tipo atlético cuja camiseta descorada acentuava ainda mais os ombros musculosos, tentou imaginar quem seria ele.
Não se parecia em nada com os rapazes de seu meio social. Tinha um aspecto rude perto deles. E uma expressão dura, agressiva, de quem fazia o que bem entendia e não ligava a mínima para a opinião alheia.
Os olhos cinzentos continuaram fixos nela, atrevidos, impertinentes, cheios de arrogância. Ninguém jamais ousava dirigir-lhe um olhar daqueles.
De repente, Alyssia perdeu a paciência.
— Quem é você, posso saber? Talvez estivesse me esperando, mas lhe garanto que “eu” não esperava encontrá-lo por aqui.
O olhar do desconhecido endureceu ainda mais, e foi quando Alyssia se conscientizou de que se encontrava sozinha com aquele homem na casa. Uma sensação de medo a assaltou, mas só por um breve instante. Logo recobrou o controle, conforme era de seu feitio.
— E então? Vai me dizer quem é você ou vou ter de chamar a polícia?
Ele cruzou os braços, impassível.
— Só se conseguir gritar muito alto, porque o telefone ainda não foi instalado.
Alyssia notou um brilho divertido nos olhos cinzentos, ao qual retribuiu com um olhar de aversão.
— O que está fazendo aqui, pode me dizer?
Em vez de responder, o que ele fez a deixou simplesmente atônita. Girou nos calcanhares e entrou numa sala com portas de vidro dando para um jardim à frente da casa.
— Ei, espere! — Ela o seguiu. — Aonde você pensa que vai?
Ele continuou andando até o jardim, mas Alyssia se recusou a dar mais um passo sequer para alcançá-lo. De onde estava podia avistar o mar a distância e, logo à direita, num canto do jardim, o caminho de pedra descendo até a praia.
De repente, ele se virou com aquele mesmo ar insolente.
— Ora, ora, ora, mas onde já se viu, não? Você aí com calor, cansada e certamente morrendo de fome, e eu me recusando a responder a perguntas tão importantes. Que atitude mais grosseira a minha, não?
— Extremamente grosseira.
— E aposto como a bonequinha não está acostumada a que não respondam às suas perguntas, estou certo?
Alyssia cerrou os punhos junto ao corpo.
— Ora, seu...
— Acho melhor sentar-se, srta. Stanley. Antes que se vergue sob o peso desse seu superego. Venha, sente-se aqui que vou explicar tudo direitinho.
Mesmo contra a vontade, Alyssia o seguiu até um banco de madeira no jardim. O brutamontes esperou que ela se sentasse, mas permaneceu em pé, apoiado no banco.
Alyssia decidiu tomar a iniciativa.
— Não faço a menor idéia de quem seja você, mas lhe garanto que meu pai não vai gostar nem um pouco de saber dessa sua atitude. Você é grosseiro, insolente, e a verdade é que não vou admitir ser tratada desse modo.
Ele ergueu apenas uma das sobrancelhas, como quem dissesse" é mesmo?", e Alyssia teve vontade de esbofeteá-lo. Só se conteve porque algo naquele homem lhe dizia que receberia o troco em seguida.
Olhou-o diretamente nos olhos e pela segunda vez sentiu aquele friozinho ao longo da espinha, uma sensação de medo com a qual não estava acostumada. Desviou o olhar depressa na direção do mar, com medo de que ele percebesse.
— Não deve ter notado, mas ainda há alguns detalhes na casa por terminar, srta. Stanley. Armários, umas poucas instalações elétricas e outros detalhes. E foi por isso que fiquei. Para deixar tudo em ordem.
— Mas por que meu pai não me avisou que você estaria aqui?
Ele se limitou a dar de ombros, indiferente.
Que diabos passaria na cabeça daquela criatura, Alyssia pensou, irritada e curiosa ao mesmo tempo. As reações dele eram tão incomuns num homem. Estava tão acostumada a atrair a atenção do sexo masculino; afinal, sabia que era bonita. Há muito tempo descobrira que o contraste entre sua cabeleira loira e os olhos e sobrancelhas escuros faziam dela um tipo exótico. Mas não notava na atitude do desconhecido o menor sinal de admiração.
— Ainda não sei o seu nome, senhor...
— Morrison. Peter Morrison.
— Bem, sr. Morrison, exatamente quanto tempo acha que vai levar para terminar o seu trabalho? Quero saber, porque vim para cá com o propósito de me isolar e não para...
— Por que quer se isolar?
— E desde quando isso é da conta de um simples carpinteiro a serviço de meu pai?
Pela primeira vez ele abriu um sorriso. Céus! Uma fileira de dentes muito brancos iluminou o rosto bronzeado. A primeira palavra que veio à mente de Alyssia foi: devastador.
Rapidamente, desviou de novo o olhar para o oceano, tentando esconder sua perturbação.
— Bem, de carpinteiro na verdade nunca fui chamado antes, mas talvez faça algum sentido. E quanto ao tempo que vou ficar por aqui, quem pode dizer? Quanto for preciso para que eu termine o trabalho.
— Ora, mas que tipo de resposta é esta?
— O tipo que você vai ter.
Peter sorriu de novo, como quem não estava acostumado a ter horários e muito menos prestar contas a quem quer que fosse.
— Está certo, então. — Alyssia suspirou, quando na verdade desejava soltar um grilo de desespero. — Mas trate de todos os dias rigorosamente às cinco horas da tarde encerrar o seu trabalho. Assim pelo menos terei um pouco de privacidade durante as noites.
Ele ergueu outra vez apenas uma das sobrancelhas.
— Seu pai não lhe falou mesmo nada, não?
— Como assim?
— Vejo que não. Acontece que estou morando aqui.
Daquela vez Alyssia pensou que fosse ter um ataque.
— Você o que?!
— Não vou repetir porque ouviu muito bem o que eu disse.
— Mas... mas você não pode!
— Posso e estou, garotinha, portanto é bom ir se acostumando com a idéia. E então, terminou com as suas perguntas?
Alyssia tinha certeza de que se não se controlasse ia ter uma crise de histeria. Diabos! Por que a maldita astróloga não a prevenira sobre tudo aquilo que estava lhe acontecendo? Por que não a avisara sobre aquele homem insuportável, assim pelo menos ela o teria evitado?
— Meu pai poderá pagar um quarto para você num hotel.
— Esqueça. Costumo trabalhar até tarde quase todas as noites, por isso terá de me agüentar ou...
Ele deu de ombros e ficou quieto.
— Ou o que?
— Ou fazer o caminho de volta a Londres, onde esse seu papel de rainha sem dúvida é aplaudido.
— Ora, seu... — Alyssia ergueu a mão, daquela vez decidida, mas Peter a segurou no ar antes de ser atingido.
— Acho melhor deixarmos algumas coisas bem claras entre nós, garotinha. Vamos dividir esta casa, quer você concorde ou não, mas devo avisá-la de que não pretendo ser alvo desse seu gênio danado de ruim e absolutamente infantil. Talvez com os seus amigos esse tipo de tática funcione, mas comigo não. Se não consegue se portar de forma civilizada, então trate de ficar longe do meu caminho.
Alyssia se sentiu corar até a raiz dos cabelos. Ninguém, mas ninguém mesmo, jamais lhe falara daquele jeito. E detestava ainda mais ouvir tudo aquilo porque em parte era verdade. Sua reação fora mesmo infantil. Portara-se como uma criança mimada e aquele homem tivera a audácia de jogar tudo aquilo em sua cara, mesmo não passando de um empregado de seu pai.
Ainda assim, as palavras dele doíam.
— Isto poderá custar o seu emprego, sabia?
Peter a soltou bruscamente, como se achasse o contato desagradável.
— Vai correndo contar ao papaizinho, vai?
— Claro que não.
— Sabe, eu até sentiria pena de você se tivesse tempo para desperdiçar com síndrome de garotinhas ricas. E, se quiser contar ao seu pai, não hesite, embora eu não creia que vá gostar muito de ouvi-lo.
Alyssia teve a impressão de que Peter ia dizer mais alguma coisa, mas de repente ele se afastou, entrando na casa.
Mesmo espumando de raiva, mesmo achando que aquele era o homem mais estúpido, intragável e arrogante que já conhecera, foi atrás dele.
— Nunca imaginei que psicologia fizesse parte do currículo de um carpinteiro.
Peter se virou para encará-la e surpreendeu-a sacudindo a vasta cabeleira loira, até então presa com uma fita que acabava de soltar. Foi a primeira vez que notou um brilho de interesse nos olhos cinzentos. Mas durou tão pouco que Alyssia concluiu ter sido apenas imaginação sua.
— Não é preciso ser nenhum psicólogo para perceber o óbvio, garotinha.
— E qual seria esse óbvio?
— Você sempre teve todos ao seu redor fazendo sua vontade, mas ninguém nunca se lembrou de prepará-la para o mundo aqui fora. Acontece que não vai estar para sempre rodeada destas pessoas que enaltecem o seu ego. Cedo ou tarde vai descobrir que a vida não é bem assim.
— Ora, fico muito agradecida por esta sua valiosa apreciação. — Subiu o primeiro degrau da escada e olhou para trás. — Mais alguma verdade profunda antes que eu suba para tomar um banho, sr. Morrison?
O brilho divertido voltou aos olhos dele.
— Apenas que vou almoçar daqui a uma hora e que será bem-vinda se quiser dividir comigo uma galinha assada. Desde que tenha melhorado esse seu humor, é claro.
— Ah, quer dizer que o psicólogo carpinteiro também é um mestre-cuca?
— De fato me considero um homem de muitos talentos.
Os olhares de ambos se cruzaram por um momento e Alyssia teve uma estranha sensação de falta de ar. Mas logo recuperou-se.
— Nesse caso, descerei para o almoço.
Ela se lembrou da mala que deixara no hall e voltou para pegá-la. Quando subiu a escada não o viu mais.
Havia três quartos na casa, e após uma rápida examinada em todos, escolheu o que ficava mais longe do de Peter Morrison. Somente após fechar a porta e se ver sozinha foi que começou a sentir a tensão baixar.
Deitada na cama, chegou à conclusão de que mesmo detestando aquele homem era obrigada a reconhecer que ele tinha o dom de colocar o dedo bem dentro da ferida.
Sim, claro que ela era mimada. Mimadíssima. Por seu pai, pelos amigos, por todos. Jamais tivera de lutar por nada. Possuía tudo, mas ultimamente começara a se sentir uma pessoa fútil, igual aos seus amigos que também não faziam outra coisa na vida senão ir a festas.
Ao perceber que algumas lágrimas ameaçavam aflorar, Alyssia fechou os olhos com força. Sabia que seu pai nunca aprovara seu estilo de vida, mas só se calava porque era louco por ela. Sabia também que na maioria das vezes tirava vantagem desse amor exagerado para fazer suas loucuras.
Se levantou e foi até a janela. A vista era muito bonita: o mar ao longe e, no final da praia, as ondas batendo contra o rochedo. Pensou em Jonathan, seu noivo, no tipo de vida que ele levava, trabalhando nas empresas da família e gastando fortunas nas mesas de jogo.
Ali estava uma outra coisa que seu pai também não aprovava. Seu noivado com Jonathan.
Sempre acreditara estar apaixonada por Jonathan e que ele também a amava. Ultimamente, porém, chegara à conclusão de que ambos não sabiam amar senão a si mesmos.
Uma lágrima escapou e Alyssia a enxugou depressa com as costas da mão. Sabia perfeitamente que chorar não era a solução. Não iria ajudá-la a pensar, a colocar suas idéias em ordem, e não fora para isso que viajara até Nice? Para arrumar sua cabeça tão conturbada?
Uma imagem difusa do rosto de Peter surgiu em sua mente e ela se assustou. Não havia o menor sentido em estar pensando naquele homem. No entanto, desde que tomara conhecimento da existência dele, coisas estranhas estavam lhe acontecendo. Céus! Não fazia nem uma hora que haviam se conhecido e o infeliz já conseguira perturbá-la com aquelas verdades sobre sua vida particular.
O que pensaria ele de Jonathan?
Seus amigos os consideravam o casal perfeito, ideal. E certamente ficariam chocados quando soubessem do rompimento do noivado. Quanto a ela, descobrira de repente que não se importava nem um pouco com a opinião de quem quer que fosse. Só sentia por Jonathan estar viajando quando tomara a decisão de romper o noivado, assim nem teria vindo a Nice. Teria ficado em Londres e explicado tudo a ele, e àquelas alturas sua vida já estaria resolvida. Mas não. Com Jonathan viajando a trabalho, a necessidade de fugir fora forte demais para que conseguisse esperá-lo por uma semana.
E que melhor lugar além do sul da França, que aliás ela conhecia como a palma de sua mão, para relaxar e pensar na vida? O pai de Jonathan possuía uma villa em St. Tropez, e eles já haviam percorrido a região mais de uma vez com amigos. Adorava aqueles lados, por isso nem hesitara em escolher Nice quando decidira se afastar de Londres por alguns dias.
Alyssia desfez as malas, tomou um banho e se pôs à vontade dentro de um short florido e uma camiseta sem mangas. Quando desceu as escadas, de dois em dois degraus, um cheiro delicioso vindo da cozinha se espalhava por toda a casa.
A cozinha não era grande, mas com Peter dentro dela qualquer salão pareceria pequeno. Encontrou-o de avental, à beira do fogão, fritando bacon.
— Quer tomar alguma coisa? — ele falou, sem se virar.
— Hum, eu adoraria! E de preferência algo super-refrescante.
Ao perceber que Alyssia aguardava que ele a servisse, Peter falou:
— Algo super-refrescante está dentro da geladeira, pode pegar. Você tem duas pernas, dois braços, e, caso não tenha notado, isto aqui não é um hotel. — Ele se voltou de novo para a frigideira. — E aproveite para me servir um copo também.
Que homem mais estúpido, Alyssia pensou, contando até dez enquanto abria a geladeira, de onde tirou uma jarra de limonada com bastante gelo.
Ele tinha mesmo o dom de irritá-la com apenas meia dúzia de palavras!
— Ah! — ele falou de novo —, e só mais uma coisinha.
Alyssia olhou para ele com os lábios torcidos.
— O que é?
—Enquanto estiver por aqui vamos dividir as tarefas. Não tenho a menor intenção de ser seu cozinheiro durante seus quinze dias de meditação.
— E ninguém pediu para que você fosse!
— Não, mas achei melhor avisá-la antes que tire conclusões erradas.
Peter dividiu o bacon em dois pratos, juntou as omeletes de queijo e colocou sobre a mesa ao lado de uma cesta com baguetes fresquinhas. Enquanto cortava um pedaço de pão não tirava os olhos dela, examinando cada curva de seu corpo, fazendo-a corar.
Alyssia decidiu ignorar o exame e concentrou-se na omelete. Normalmente não se intimidava em situações semelhantes; ao contrário, sabia se manter fria e perfeitamente sob controle quando um homem a encarava daquele jeito. Mas Peter conseguia perturbá-la. Mexia com ela a ponto de faze-la sentir-se uma garota tímida e inexperiente. E isso a enfurecia.
Na segunda garfada, porém, esqueceu a timidez e percebeu como estava faminta.
— Hum, está delicioso.
— Está, é? Pois saiba que o jantar de hoje fica a seu cargo, boneca.
Ela ergueu os olhos do prato.
— O... o jantar?
— Exatamente. Na geladeira vai encontrar vários tipos de verduras e alguns bifes.
— Verduras e bifes? E... e o que eu faço com isso?
Peter a fitou, impaciente.
— O jantar, eu já disse.
— Mas não sei cozinhar.
— Aproveite a oportunidade para começar a aprender, oras.
Alyssia soltou o garfo no prato, irritada.
— Acontece que eu nunca cozinhei em toda a minha vida!
— E eu não duvido disso. Já conheci muitos tipos como você, desses que gostam de receber tudo numa bandeja de prata. Não é assim?
— Você não consegue deixar de ser grosseiro, não é mesmo?
— Penso que está confundindo grosseria com franqueza.
— Engano seu. Aposto como o seu tipo de mulher é aquele saudável, taludo, daquelas que sabem desde cozinhar até cuidar do jardim. Como as mulheres amazonas, guerreiras, fortes e valentes, capazes de fazer o trabalho de um homem.
Peter começou a rir.
— É assim que você me vê? Como um homem que sente atração pelas amazonas?
Alyssia sabia que sua opinião não fazia a menor diferença para ele, mas por qualquer razão essa ideia mexeu com seu orgulho bem mais do que ela admitiria.
— Se quer saber, não me interessa que tipo de mulher o atrai, se alta, baixa, loira ou morena. O que me espanta de verdade é saber que qualquer uma delas possa se sentir atraída por alguém tão insuportável como você.
Mesmo enquanto falava, olhando para ele, para os ombros largos, os traços firmes e as linhas marcantes do rosto, Alyssia foi obrigada a admitir que ali estava um homem que poderia ser considerado um símbolo sexual. Pelo menos por algumas mulheres.
— Olha, você deve ser a única a me considerar insuportável, sabia? E assim mesmo porque não estou tendo a reação que gostaria. Não é assim que a maioria dos seus homens se comporta, é? Ou devo dizer a maioria dos seus garotos? Sim, porque não consigo imaginá-la tendo tido grandes experiências com homens de verdade.
— É mesmo? Curioso... Mal me conhece e já sabe tanto a meu respeito. Você é uma lástima como psicólogo ou carpinteiro, seja lá o que quer que o chamem. E, para sua informação, não vivo cercada de garotos como disse porque acontece que sou noiva. E noiva de apenas um homem.
Alyssia havia decidido não oferecer nenhuma explicação sobre sua vida particular, mas ele conseguira irritá-la a tal ponto que acabara falando mais do que desejava. E Peter pareceu gostar. Recostou-se na cadeira colocando as mãos na nuca.
— Entendo.
— Duvido muito.
Ela se levantou e começou a tirar os pratos. Era o tipo de conversa que não os levaria à parte alguma. Além do que, sentia-se vulnerável demais diante de Peter Morrison e não estava acostumada a esse tipo de situação com nenhum homem.
Ah, se ao menos ele saísse por algumas horas. Ou então se se decidisse a trabalhar em algum canto da casa por onde ela não tivesse sequer de passar.
— Quais são seus planos para esta tarde, sr. Morrison? Pretende sair?
— Não lhe interessa. Mesmo porque, sou apenas o carpinteiro, lembra-se?
Alyssia olhou-o profundamente. Será que o desgraçado também era adivinho? Provavelmente. Mas também desconfiava que ele sabia de algo que ela ignorava, e esta era uma situação da qual não gostava nem um pouco. Quando se tratava dos outros, principalmente homens, sem dúvida preferia estar no comando.
Ergueu as sobrancelhas. A astróloga também mencionara qualquer coisa a respeito de sua mania de controlar tudo e todos a sua volta. Talvez por isso achasse todos os homens entediantes. Porque estava acostumada a vê-los comendo em sua mão.
— E quanto a você? — Peter perguntou-lhe. — Pretende ir à praia? É bastante sossegada, um bom lugar para se meditar. Talvez devesse aproveitar para pensar bem se está mesmo apaixonada por esse seu noivinho.
Alyssia olhou-o, procurando fitá-lo bem dentro dos olhos, adivinhar o que se passava na mente dele.
— Escute aqui, Peter, já que você diz o que bem entende mesmo sem saber se quero ou não escutá-lo, vou lhe dar um aviso. O que se passa em minha vida particular é um assunto só meu e de mais ninguém. Portanto, guarde as suas preciosas observações para você mesmo.
— Ora, ora, será que toquei em algum ponto sensível de Sua Alteza?
— Não, não tocou. E, agora, se me der licença, vou descer até a praia. Pelo menos lá sei que vou encontrar um pouco de paz!
Alyssia subiu até o quarto, vestiu o biquíni e desceu para a praia ainda furiosa com a arrogância daquele homem. Precisava falar com seu pai a respeito de Peter. Tinha ao menos de descobrir que diabos dera em seu querido pai para contratar um sujeito daqueles!
Tudo bem que não houvesse telefone na casa. Depois de tomar sol, iria até a vila e ligaria para Londres de um telefone público. Se aquele poço de grosseria do Peter Morrison pensava que podia continuar dizendo a ela tudo o que lhe desse na telha só porque se encontravam incomunicáveis naquela casa, estava redondamente enganado.
Um pouco mais calma, estendeu a toalha na areia e olhou ao redor. Lindo e tranqüilo. Tons de verde e azul, o negrume das rochas e uma brisa suave soprando em seu rosto. Deitou-se. Pouco depois, sentiu a sonolência chegando...
Das outras vezes que viera ao sul da França com Jonathan e alguns amigos, nem bem chegavam já se viam atrás de agitação. Festas, boates, cassinos. Não havia uma noite que não voltassem para casa de madrugada. Oh, como era agradável estar longe de tudo aquilo...
Alyssia cochilou, acordou, cochilou de novo e finalmente acordou com uma voz ao seu lado.
— Vai acabar pegando uma insolação se continuar dormindo nesse sol, sabia?
Ela se sentou de um salto e deu com Peter olhando-a com aquele ar perene de zombaria, como se a considerasse um ser de um outro planeta. Instintivamente se cobriu com a toalha.
— O que está fazendo aqui, posso saber?
— O que você acha? — Ele estendeu uma toalha a poucos metros dela e sentou-se. — Também vim tomar sol. Ah, e não há razão para se esconder de mim, sabe disso, não?
— E quem disse que estou me escondendo?
— Não está? Bem, de fato você não me dá mesmo a impressão de ser o tipo de mulher que se envergonha do próprio corpo.
— E não sou! — confirmou, furiosa, mas em seguida o fitou desconfiada. — O que você quis dizer com isso?
Peter sorriu e deitou-se, cobrindo o rosto com um boné. Usava um minúsculo calção verde-musgo e tinha o corpo bronzeado como se estivesse acostumado a passar horas no sol todos os dias. Será que morava ali no sul da França?
Quase sem querer, Alyssia correu o olhar pelas pernas musculosas. Força bruta, pensou. Sim, o que mais a atraía nele era aquela força bruta, com a qual não estava acostumada, uma vez que os rapazes de seu meio tinham todos um visual mais frágil.
De repente, ela sacudiu a cabeça como se quisesse afastar alguns pensamentos. Não conseguia entender por que a perturbava tanto a proximidade de um homem só de calção.
— Você ainda não respondeu a minha pergunta — falou, deitando-se de novo. — O que quis dizer com aquela observação?
Peter apoiou-se num dos cotovelos e olhou para ela.
— Observação?
— Sim, e não adianta ficar me olhando com esta cara de espanto, porque você sabe muito bem do que estou falando.
Ele puxou o boné de forma a ficar com os olhos escondidos, antes de responder.
— Achei que nem precisaria explicar. Como disse, você não me parece o tipo de mulher que esconde o corpo quando um homem a encara, por isso não entendi por que se enrolou na toalha quando cheguei.
De fato, Alyssia nunca se envergonhara do próprio corpo, ao contrário, sabia que era bonito e sentia até uma certa satisfação em exibi-lo. Mas Peter, por qualquer razão, a constrangia a ponto de fazê-la ter uma atitude idiota daquelas.
Mentiu, evitando encará-lo.
— Se fiz isso, foi sem pensar.
— Ainda assim, como já disse, nem precisava. Não estou interessado em você sexualmente. Não é o meu tipo.
O queixo de Alyssia caiu. Nunca nenhum homem lhe dissera aquilo. Sabia que era bonita. Magra, mas não exageradamente; alta, com pernas longas e bem torneadas, tinha os cabelos sedosos e um rosto exótico. Estava cansada de ouvir elogios.
Por um instante ficou sem voz, mas tratou de recuperá-la depressa.
— É ótimo saber que não sou seu tipo, já você também está muito longe de ser o meu.
Alyssia se levantou e caminhou na direção do mar, tentando imaginar como conseguiria passar treze dias na companhia daquela criatura. Provavelmente na metade da temporada um deles estaria morto e o outro na prisão!
A água estava fria o bastante para refrescá-la, e ela nadou durante um longo tempo, ate se sentir calma e relaxada. Quando voltou para pegar a toalha, encontrou Peter ressonando com o boné sobre os olhos.
Força bruta, disse baixinho e fez uma careta, olhando para ele. Pegou então um copo que levara consigo, foi até a beira da água para enchê-lo e voltou para perto de Peter, que continuava dormindo.
Com todo cuidado, afastou o boné, mirou o copo a um palmo do rosto dele e despejou a água fria sem dó nem piedade.
Peter se levantou de um salto, como se tivesse sido atingido por um raio.
— Mas que diabos...
— Você também não quer pegar uma insolação dormindo sob este sol, não é mesmo?
E, sem esperar por uma resposta, porque não era nenhuma idiota, tratou de recolher suas coisas e subir para a casa.
Ao se ver a salvo, explodiu numa imensa gargalhada.
Pela primeira vez desde que partira de Londres se sentia verdadeiramente alegre.
Jogar o copo de água em Peter foi a melhor coisa que Alyssia poderia ter feito. Quando meia hora depois ela chegou ao posto telefônico da vila a fim de ligar para seu pai, ainda gozava uma satisfação que há muito não sentia.
Discou o número da linha direta que seu pai possuía no escritório e, enquanto aguardava, ficou imaginando o sorriso que ele abriria quando ouvisse sua voz.
Aos cinquenta e três anos de idade, seu pai ainda era um homem bastante ativo. Além de dirigir uma empresa de computação, ultimamente dera para se arriscar no ramo imobiliário. E, como em tudo que fazia, vinha se saindo muito bem.
De temperamento enérgico e agressivo, praticamente só ela conhecia o lado terno e amoroso do pai. E desde que sua mãe morrera, dezoito anos atrás, também só ele conhecia seu lado vulnerável. Por detrás da fachada serena e polida que fazia questão de exibir ao mundo, nem mesmo Jonathan desconfiava que existia uma Alyssia emotiva, até mesmo um pouco insegura.
O telefone havia tocado várias vezes quando seu pai atendeu.
— Peter Stanley, pois não?
— Sou eu, pai.
— Alyssia! Você chegou bem, meu anjo? Como está o tempo por aí? Aqui não pára de chover, uma lástima. Céu nublado e cinzento, o típico clima inglês.
— Aqui está ótimo, pai, mas escute, por que não me avisou que haveria um carpinteiro na casa junto comigo?
— Um carpinteiro?
— Isso mesmo, um carpinteiro. Chamado Peter Morrison, para ser mais precisa.
— Foi isso o que ele disse a você, que era carpinteiro?
— Bem, eu...
— Ele não é um carpinteiro, Alyssia, é um arquiteto. E um dos mais conceituados da Europa. Aceitou construir esta casa como um favor especial a mim.
Apesar de surpresa, ela se recusou a demonstrar.
— Verdade? Bem, será então que não pode tentar convencê-lo a terminar a casa depois que eu for embora? Ele é o sujeito mais intragável que já conheci na vida, papai.
— Não posso fazer isso, querida, sinto muito. Como já disse, Morrison está me fazendo um favor especial. Não posso pedir para que suma por uns quinze dias simplesmente porque você não foi com a cara dele, filha.
— Mas, papai...
— Além do que, ele não é meu funcionário, Alyssia. Estou surpreso que ele tenha deixado você pensar o contrário. Peter Morrison é dono de um dos mais modernos e maiores escritórios de arquitetura da Europa. Normalmente nem aceitaria um trabalho insignificante como esse e, se aceitou, foi porque o pai dele me devia um favor de muitos anos.
Alyssia estava cada vez mais surpresa.
— É mesmo?
— Sim, certa vez nos encontramos num jantar e, quando mencionei que estava tendo dificuldade para arranjar quem trabalhasse para mim, ele se ofereceu.
— Mas, papai...
— Na verdade, sou eu quem lhe peço para tratá-lo com toda educação, Alyssia. Veja pelo lado financeiro, meu bem. Já imaginou quanto não vai valer essa casa em Nice, quando souberem que é assinada por Peter Morrison? Procure não ser hostil com ele, filha.
— Hostil com ele?! Mas se é ele quem tem sido hostil comigo, pai! Aquele infeliz nunca soube o significado da palavra educação. Não ligo a mínima se é rico e famoso! O cara é um grosseiro!
— Santo Deus, olhe só as horas, meu bem! Tenho uma reunião daqui a cinco minutos, preciso desligar, querida. Eu te adoro, se cuide, hem?
— Espere, pai, eu... Alô? Papai?
Ele já havia desligado, e Alyssia olhou para o telefone desanimada, dando um suspiro. Droga! Então havia tirado algumas conclusões precipitadas a respeito de Peter Morrison. Arquiteto...
A descoberta, no entanto, não a deixou nem um pouco feliz. Continuava não gostando dele, preferia não tê-lo por perto, mas depois do que seu pai lhe dissera percebia que não tinha escolha.
Teria de aturar toda a chatice daquele sabe-tudo mal-educado enquanto estivesse ali em Nice!
Quando chegou em casa, para piorar ainda mais o seu humor, Peter se encontrava na porta, só de bermudas, aplainando meticulosamente o batente de madeira.
— Ligou para o papaizinho, boneca?
— Liguei. Por acaso liguei.
Ele voltou ao que estava fazendo e Alyssia não gostou nem um pouco da sensação de que fora dispensada.
— Por que me deixou acreditar que era um dos funcionários de meu pai, Peter?
— Foi você quem quis acreditar. Só não vi necessidade de esclarecer.
— O que quer dizer com isso?
Peter parou o que estava fazendo e olhou para ela.
— O que quero dizer, garotinha, é que você chegou aqui toda pomposa, com essa sua mania de grandeza, e ficou possessa só porque um simples carpinteiro se dignou a tumultuar seu espaço sem antes consultá-la. Se quer saber, fiquei pelas tampas com o que vi e ouvi.
Alyssia arregalou os olhos. Peter olhou para ela de um jeito que a fez sentir-se leviana, e em seguida voltou ao trabalho.
— Já tirei os bifes do congelador e deixei em cima da pia. — informou-a secamente. — Com esse tempo já devem estar mais ou menos descongelados, por isso, sinta-se à vontade para começar a preparar o jantar.
Incapaz de acreditar que acabava de ser dispensada por um homem que mal conhecia, Alyssia colocou as duas mãos na cintura e ficou olhando para ele totalmente sem ação.
Queria desmenti-lo, gritar bem alto que não era nada daquilo que ele estava dizendo, mas sua voz parecia presa na garganta. E por quê? Seria porque ele tinha razão? Não levava mesmo uma vida fútil, só pensando em se divertir, quando no íntimo sabia que desejava dar um sentido mais profundo a sua existência?
Quantas vezes não ensaiara trabalhar como voluntária num hospital, mas sempre acabara adiando? Sim, não passava de uma covarde, ele tinha razão.
Seus olhos começaram a arder. Gostaria de dizer tudo aquilo a Peter, mas de que adiantaria? Isso não faria que a detestasse menos, e de sua parte tanto fazia o que ele pensasse ou deixasse de pensar. Queria mais era que aquele arrogante apodrecesse no inferno!
Convencida de que faria muito melhor ficando longe dele, foi para a cozinha, onde entrou feito um furacão. Deu uma rápida examinada nos bifes e nas verduras sobre a pia, jogou tudo dentro da maior panela que encontrou e colocou no fogão para fritar.
Alguns minutos depois percebeu que as verduras levavam mais tempo do que ela previra para cozinhar. Decidiu então arrumar a mesa e, quando terminou, achou que elas já estavam razoavelmente macias. Despejou tudo numa tigela de louça e colocou sobre a mesa, chamando por Peter.
— O jantar está pronto!
— Dá tempo para um banho? — Ele colocou a cabeça na porta
— Hum, que cheiro é esse?
Alyssia tentou demonstrar bom humor.
— Um banho é sempre uma boa ideia quando se está suado, afinal, não queremos estragar o cheiro bom, não é mesmo?
Inesperadamente ele riu, jogando a cabeça para trás, e pela segunda vez desde que o conhecera, achou-o devastador. Quase sexy, concluiu, depois que ele subiu para tomar banho. Mas claro, isso se fosse o tipo de homem que gostava, coisa que definitivamente não era.
E o tipo dele, qual seria? Apesar da forma física perfeita e de todos os músculos no tamanho e lugares exatos, já ficara bem claro que Peter Morrison também possuía um cérebro, além da força bruta. Percebera isso logo no primeiro momento em que o vira, embora preferisse bem mais que ali houvesse só força bruta e nenhum cérebro.
Quando ouviu o barulho do chuveiro no andar superior, Alyssia achou prudente interromper o curso de seus pensamentos. Estava determinada a não se deixar mais perturbar por qualquer coisa que aquele infeliz dissesse ou fizesse a partir daquele momento.
Quando Peter voltou do banho impregnando o ar de perfume, felizmente ela já se sentia em pleno domínio de tudo: de sua vida, seus pensamentos, emoções... e do jantar!
Ele sentou e foi logo se inclinando sobre a tigela, para sentir o aroma. Quando viu o que havia dentro, franziu as sobrancelhas.
— O que é isso?
Alyssia respirou fundo, tentando não descontrolar-se.
— Parece o que?
— Não faço a menor idéia. — Ele olhou de novo, como se tentasse adivinhar a que categoria de animal ou planta pertencia a mistura. — Definitivamente, nunca vi nada parecido.
Alyssia se inclinou sobre a vasilha e precisou se controlar para não fazer uma careta diante da mixórdia de verduras envolvendo duas enormes lascas de carne.
Olhou para ele de nariz torcido e começou a se servir.
— O que você queria? Eu avisei que nunca tinha cozinhado antes, não foi? Portanto, dificilmente teríamos algum prato sofisticado para o jantar. Aliás, se é o que você deseja, cardápios sofisticados, aconselho-o a dar uma volta pela vila e ver o que encontra. Melhor ainda, por que não contrata uma dessas mocinhas locais? Tenho certeza de que a maioria delas daria tudo para preparar suas refeições.
— Pensei que a minha preferência fosse pelas guerreiras amazonas.
— Ora, e quem se importa com a sua preferência?
— A ideia partiu de você, que eu saiba.
— Está certo, foi uma piada. Mas o fato é que por mim você pode ter pela casa uma dúzia dessas mocinhas sorridentes da vila, cozinhando, limpando e lavando as suas meias sujas, que não dou a mínima. Tenho coisas mais importantes para pensar.
— É mesmo, eu já havia me esquecido.
Alyssia continuava sua batalha para cortar o bife, mas sem nenhum sucesso. Subitamente, desistiu e soltou os talheres.
— Não vai dar, isto está horrível. Teremos de arranjar alguém para cozinhar.
Ele também desistiu e olhou para ela.
— Você gosta mesmo de jogar dinheiro pela janela, não? Para uma garota da sua idade...
— Tenho vinte e dois anos e não agüento mais ser chamada de garotinha!
— Conforme eu estava dizendo, para uma garota da sua idade, você tem demais. E vou ser franco com você...
— Vá em frente, já que esta é a sua especialidade.
— Nunca ouvi nada tão absurdo em toda a minha vida como essa sua proposta de arranjarmos alguém para cozinhar. Pensa que está aonde, em Londres? Isto aqui é uma pequena vila ao sul da França, onde não existe nenhuma agência de serviços domésticos à disposição dos caprichos de uma garotinha milionária.
— E quantos anos você tem, posso saber?
— Eu? — Ele inclinou a cadcira para trás, olhando-a bem dentro dos olhos. — Cronologicamente, dez mais que você, mas em experiência pelo menos uns duzentos.
Alyssia se pôs a brincar com a faca para que ele não percebesse o quanto se sentia humilhada. Talvez a sugestão de arranjarem uma cozinheira tivesse sido mesmo um tanto infantil, mas não era motivo para que Peter a insultasse daquela maneira.
— Bem, vou até a vila ver se encontro algum restaurante aberto — ele disse, levantando-se. — Pode vir também, se quiser.
Alyssia ficou em pé depressa, mas fez questão de manter a cabeça erguida. Teria recusado o convite se não estivesse morrendo de fome e soubesse que teria de esperar até a manhã seguinte para comer.
— Você é muito gentil, obrigada.
Fazia uma noite agradável e silenciosa, com uma suave brisa começando a soprar. Enquanto caminhavam, ela preferiu se manter um pouco atrás dele e observá-lo pelo canto dos olhos.
Tudo naquele homem parecia denotar autoconfiança. A segurança de quem não precisava provar nada para ninguém.
— Meu pai me contou que você é um arquiteto — disse a ele, num tom amigável — Eu não podia imaginar.
— É verdade. Mas você pode continuar achando que sou um glorioso carpinteiro, se quiser.
Ela decidiu ignorar a provocação.
— Você é o primeiro arquiteto que conheço na vida.
— Não me diga, é mesmo? — Ele se virou um pouco para olhá-la. — De fato, não acredito que haja algum arquiteto no seu grupo de amigos. E, por falar nisso, que tipo de gente são eles?
— Do tipo normal.
— Posso saber o que uma garotinha mimada e milionária considera um tipo normal?
Pela entonação da pergunta, Alyssia percebeu que qualquer que fosse sua resposta não mudaria o péssimo conceito que Peter fazia dela. Por isso deu de ombros.
— Tipo normal é o que tem dois braços, duas pernas, tudo no devido lugar. Gente alegre, de espírito jovem, que sabe como se divertir na vida.
— Hum... E você faz o que para se divertir?
— Vou ao clube, a festas, boates, nada do seu interesse, já que é duzentos anos mais velho do que eu.
Ele esboçou um sorriso quase imperceptível.
— Faço uma idéia.
— Faz mesmo? — Alyssia parou de andar e colocou as duas mãos na cintura. — E qual exatamente é a idéia que você faz?
Peter deu um passo na direção dela e Alyssia sentiu-se tensa, o coração começando a bater mais depressa.
Definitivamente, havia algo inquietante a respeito daquele homem. Ela o vira trabalhando na porta, atento aos menores detalhes, como um perfeccionista. O tipo de pessoa que preferia vencer na vida com esforço, jamais pelo caminho mais fácil.
Mas não tinha por que temê-lo. Sempre soubera lidar com o sexo oposto, não? Era rica, bonita e segura. Ninguém jamais a intimidara, e se Peter a perturbava era justamente porque o detestava.
— E então? — repetiu, desafiante. — Vai me dizer qual é a idéia que você faz?
— Já que insiste em saber... — Ele sorriu, parando bem perto dela. — Imagino um bando de filhinhos de papai com mais dinheiro no bolso que juízo na cabeça, entregue aos prazeres temporários, porque nunca aprenderam a enxergar as compensações dos mais duradouros.
— Que palavras lindas... — Alyssia voltou a andar, e rapidamente. — Suponho que eu deva ficar impressionada com essa sua visão, já que se considera o representante universal da sabedoria humana, não? Além de arquiteto, filósofo e chef, quais são seus outros dons? Toca violino na orquestra sinfônica? Dá aulas de grego na universidade de Cambridge?
Peter caiu na gargalhada, o que deixou Alyssia ainda mais irritada.
— Que bom saber que você me acha tão engraçada.
— Pelo menos uma qualidade você tinha de ter.
— Infelizmente, não posso dizer o mesmo de você.
— Certeza? Olhe que nunca tive queixas.
Alyssia preferiu não responder, temendo entrar num campo onde não conseguisse demonstrar a frieza necessária.
Pouco depois paravam diante de um bistrô. Alyssia suspirou aliviada, mas quando Peter tocou-lhe ligeiramente o braço ao entrarem, seu coração disparou de novo. O primeiro impulso foi esquivar-se, e ela só conseguiu se controlar por uma questão de educação. Ainda assim, quando ele a soltou um minuto depois, sentia a pele queimando feito brasa.
O proprietário os conduziu à mesa mais isolada do restaurante, provavelmente achando que eram namorados. Falava o tempo todo, e tão depressa que ela se surpreendeu ao ver Peter responder-lhe num francês fluente. Que homem mais intrigante, pensou. Só faltava falar grego também.
Depois dos pedidos feitos, enquanto aguardavam, tomaram um drinque. Alyssia começou a girar o copo entre os dedos, inquieta, porque pela primeira vez se sentia constrangida na companhia de um homem atraente.
— Então, você fala francês...
— Sim, minha mãe era francesa. Meu primeiro trabalho foi aqui na França, onde morei durante algum tempo, mas hoje em dia raramente saio de Londres. De lá mesmo, do meu escritório central, dou todas as coordenadas aos meus assistentes.
— Por que foi embora daqui?
— Esse assunto não é da sua conta.
Alyssia ergueu o rosto para ele, admirada. Os olhos cinzentos lhe pareceram duas pedras de gelo.
— Está certo, desculpe — disse baixinho. — Todos nós temos os nossos segredos, não? Aliás, nem sei por que perguntei, já que não estou nem um pouco interessada em saber.
— Melhor assim.
Pouco depois o garçom trouxe os pratos e eles começaram a comer em silencio. Os dois haviam pedido peixe na manteiga com ervas, que para sorte de Alyssia vinha acompanhado de arroz e batatas. Com a fome que estava, as minguadas porções francesas não dariam nem para começar.
Quando terminou de comer, cruzou os talheres e olhou para Peter, que já terminara havia algum tempo.
— Por que veio para cá, Peter? Quero dizer, por que resolveu fazer este trabalho para meu pai? Ele me contou que é uma espécie de retribuição por um favor que ele fez a seu pai há muitos anos, mas do que se trata exatamente?
— Seu pai tirou o meu de uma dificuldade financeira...
— E aí você resolveu retribuir o favor depois de todos esses anos?
— Nunca esqueço as minhas dívidas. Aliás, jamais esqueço seja o que for.
De novo Alyssia se surpreendeu com o tom gelado da voz dele. Notou que Peter mantinha o olhar distante e vazio, como se ela não estivesse presente. Subitamente a focalizou de novo.
Ela sorriu.
— Ah, você voltou.
— Voltei?
— Do mundo da lua. Parecia a quilômetros daqui. Fiquei imaginando no que estaria pensando, e...
— Não perca seu tempo, garotinha. E siga o meu conselho: guarde essa sua curiosidade para os seus amigos, porque no que me diz respeito pode ser muito perigoso querer saber demais.
Mais uma vez formou-se uma barreira entre eles. Que homem mais peculiar. Qualquer outro se sentiria lisonjeado com seu interesse. Será que ele desconfiava que existiam segundas intenções em suas perguntas? Pobre-coitado! Para começar, já tivera desilusões demais com Jonathan para se aventurar tão cedo num outro relacionamento.
E justamente com ele? Cruzes! Nem que não existisse mais nenhum homem na face da Terra!
Alyssia começou a pensar seriamente se não teria lucrado mais ficando em casa e enfrentado aquela mixórdia que fizera para o jantar.
— Olhe, você não precisa se preocupar, viu? — disse a ele, bem séria. — Provavelmente confundiu um gesto meu de simples educação com curiosidade. Eu lhe garanto que não tenho o menor interesse na sua vida particular.
— Ótimo. Ate aqui parece que nos entendemos.
— Mas claro que nos entendemos. Você não quer que eu invada o seu território, certo?
— Exatamente.
— Mas alguém invade?
Antes que ele abrisse a boca para responder, Alyssia sentiu que seu rosto estava rubro de vergonha. Droga! O que estava dando nela? Não tinha o menor interesse naquele sujeito, por que continuava insistindo com aquelas perguntas sem sentido?
Levantou-se, irritada consigo mesma.
— Acho melhor irmos embora, já é tarde e estou cansada.
— Você tem razão. — Peter também ficou em pé e, quando viu que ela abria a bolsa, segurou sua mão. — Mulher nenhuma paga a conta quando está comigo.
Aly já devia esperar uma atitude daquelas de um homem como Peter Morrison. Céus, que comportamento mais arcaico! No meio que ela freqüentava, nenhum homem protestava quando a viam tirar o talão de cheques da bolsa. Provavelmente porque sabiam que ela era muito rica e que não lhe faria a menor falta. Apenas Jonathan não reclamava em pagar. Mas também ele era tão ou mais rico que ela.
Talvez tivesse sido esta a razão de ela ter se sentido atraída por Jonathan. Pela segurança de saber que não era atrás do dinheiro do seu pai que ele estava, como a maioria de seus namorados anteriores.
Na volta do restaurante, ao contrário da ida, ela e Peter fizeram o percurso em silêncio. Um cheiro forte de alecrim misturado com tomilho perfumava o ar, e Alyssia sentiu uma agradável sensação de paz como há muito não experimentava. Tudo ao redor dela era calmo. Nada de agitação, música alta, luzes fortes ou murmúrio de vozes. Havia Peter Morrison, era verdade, mas ele não era agitado e sim um grande incômodo.
Os homens em geral representavam um passatempo divertido em sua vida agitada, e era assim que ela gostava e pretendia continuar.
Seu noivado fora um erro, só agora percebia. Um erro amargo, mas com o qual aprendera uma lição: preservar ao máximo os seus sentimentos íntimos, jamais atirando-se com otimismo exagerado a nada.
Naquele momento a civilização lhe parecia a anos-luz de distância. E a antiga Alyssia, a garota fútil e inconseqüente, também pareceria, se Peter Morrison não continuasse repetindo a todo instante que ela não passava de uma garota mimada e cheia de vontades.
Olhou para ele, andando silencioso um pouco à frente. Que cara mais chato, pensou, e quase em seguida tropeçou e caiu. Foi direto para o chão, sem nada que amortecesse a queda, e sentiu uma dor aguda no joelho. Mal teve tempo de dizer “ai” e Peter já estava abaixado ao lado dela, querendo ajudá-la a se levantar.
— Eu estou bem, obrigada, foi só um arranhão, nada de mais.
Como se não a tivesse escutado, ele a pegou no colo e começou a andar.
— Olhe, eu já disse que não foi nada, acredite-me. Posso caminhar perfeitamente, quer ver?
— Quando chegarmos em casa terei de dar uma olhada nisso.
— Não me diga que você também é médico?
Ele riu e continuou andando, carregando-a como se ela fosse uma criança.
Alyssia sentia seu coração batendo forte e descompassado, tinha medo até que Peter ouvisse. Nunca pensara que a proximidade de um homem pudesse deixá-la assim tão perturbada.
— Por favor, quer me colocar no chão? Eu já disse que estou ótima.
Mais uma vez foi como se ela tivesse falado com o vento. Quando chegaram em casa, sua resistência estava tão no limite que ela teve medo de não conseguir parar em pé.
Felizmente, Peter a levou direto para o sofá, onde a colocou com uma delicadeza espantosa para um homem daquele tamanho.
— Agora vamos ver o que aconteceu, menina.
Alyssia respirou fundo. Claro que estava doendo, mas a humilhação de ter sido carregada por ele era pior que a dor. E quando Peter ergueu a barra de seu vestido acima dos joelhos, ela instintivamente enrijeceu o corpo, puxando um pouco a perna e segurando o vestido para baixo.
— Calma, não vou machucá-la. — Ele ergueu de novo o vestido.
— Só quero ver o que houve.
Ela puxou de novo o vestido.
— É que... bem, aprendi alguma coisa sobre primeiros socorros, se me trouxer um pouco de água quente, creio que...
— Você quer parar de agir como se eu fosse violentá-la? — Peter perdeu a paciência. — Fique quieta que voltarei num segundo.
Assim que ele virou as costas, Alyssia tentou esticar a perna, mas gemeu de dor. Sabia que não era nada grave, apenas um ferimento precisando ser limpo e desinfetado, mas a última pessoa no mundo que ela desejava limpando seu machucado era Peter Morrison.
Pouco depois ele voltou da cozinha com uma bacia de água morna, uma toalha e gentilmente começou a limpar o ferimento.
Alyssia procurou se manter calma, fria e reservada, enquanto ele trabalhava em silêncio, mas por dentro seus sentimentos se transformaram numa confusão de emoções que não faziam o menor sentido.
Que mãos... Que dedos... Por mais que lutasse contra seus pensamentos, aquelas mãos faziam sua imaginação voar longe e tentar adivinhar que sensações elas provocariam em contato com outras partes de seu corpo.
De repente estremeceu. No mesmo instante Peter ergueu o olhar.
— Está doendo?
— Não. Isto é, está!
— Já terminei. Não foi tão ruim assim, foi? — ele olhou para Alyssia durante algum tempo, então sorriu. — Quer que eu dê um beijo para sarar mais depressa?
— Não!
— Era só uma brincadeira.
Uma brincadeira sem a menor graça, Alyssia pensou, quando Peter saiu levando a bacia para a cozinha. Principalmente porque ele próprio havia dito com todas as letras para que ela se mantivesse a distância. Que diabos de regra era aquela? Só se aplicava a ela?
Furiosa, subiu as escadas mancando e trancou-se em seu quarto. Vestiu o pijama, deitou-se e pegou um livro para não pensar mais em Peter Morrison. Mal terminou a primeira página, o rosto dele surgiu em sua mente.
Droga! O que estava se passando com ela? Que fim levara sua autoconfiança, seu senso prático? Onde estava a garota que sempre sabia controlar a tudo e a todos?
Jonathan nunca a fizera sentir-se daquele jeito. Tinham um relacionamento agradável, se divertiam juntos e não faziam muitas perguntas a respeito um do outro.
Talvez se tivesse feito mais perguntas a ele teria descoberto certas coisas sozinha e não através de amigos, como acontecera. Sempre soubera que Jonathan era mulherengo, mas nunca imaginara que o noivado deles significasse tão pouco... Droga!
Enterrou a cabeça no travesseiro com ódio de si mesma. Havia fugido, o que não era seu estilo, mas fugido do quê? Para quê? Ela mesma não sabia. Mas pretendia descobrir, custasse o que custasse.
Fechou o livro, apagou a luz e ficou escutando passos no andar de baixo. Quando meia hora depois ouviu Peter subindo as escadas. Num gesto instintivo, puxou as cobertas até o pescoço.
Céus, disse a si mesma, alguns segundos depois. Do que estava com medo? Que Peter invadisse seu quarto como um troglodita e a atacasse? Dificilmente ele seria tão selvagem, já que dissera mais de mil vezes que ela não era seu tipo.
Além do mais, ainda se considerava noiva de Jonathan, pensou, e ouviu a água do chuveiro começar a cair. Então, sua imaginação voou para dentro do banheiro. O corpo perfeito e atlético surgiu nu em pêlo diante dos seus olhos, e ela estremeceu horrorizada.
Ufa! Ainda bem que amanhã seria um outro dia e tudo voltaria ao normal.
Solidão...
Alyssia comcçou a rir para não chorar. Até parecia piada que planejara passar aqueles quinze dias relaxando na praia, se bronzeando ao sol, bebendo um drinque, quando ali estava ela descendo as escadas da própria casa como um gatuno. E tudo para evitar cruzar com aquele homem detestável logo pela manhã.
Peter Morrison a desprezava. Abominava sua maneira de ser, seu estilo de vida e cra petulante o suficiente para nem disfarçar seus sentimentos. Era demais para quem desejava relaxar. Quinze dias num ninho de cobras teria sido preferível!
Não, ela iria para Nice, isso sim. Tinha amigos em Nice, ou melhor, sua melhor amiga morava em Nice com o irmão, e então passaria o dia com eles conversando, fazendo compras e só voltaria à noite para dormir. Seria o único jeito de conseguir ficar durante horas longe de Peter.
Para seu azar, quando entrou na cozinha lá estava ele sentado diante do balcão, de costas para a porta, preparando um sanduíche. Assim que pousou os olhos no corpo atlético, bronzeado, tentou imaginar se alguma vez na vida ele fora cortes com alguém. Ou será que não a vira entrar?
Como se lesse seus pensamentos, Peter se virou ligeiramente.
— Há café na garrafa térmica, você nos serve?
— Bom dia.
— Oh, é mesmo, bom dia. E o pão está no forno.
— Por acaso não existe “por favor” no seu vocabulário?
— Oh, é mesmo, por favor.
Alyssia contou até dez, resistindo ao impulso de jogar pão, café e a garrafa térmica nas costas dele. Ainda assim, serviu duas xícaras e sentou-se com o olhar espichado para o sanduíche que ele preparava. Parecia delicioso.
— Por que não faz um para você também?
— É que normalmente não como nada no café da manhã. Quero manter a linha.
Peter olhou para o lado, examinou-a atentamente e voltou ao sanduíche.
— Bobagem, você é magra. Poderia até engordar uns quilinhos que não lhe faria mal.
— Não, se eu quiser continuar cabendo dentro das minhas roupas.
Santo Deus, em que século vivia aquele homem, Alyssia se perguntou, ao morder um croissant. Será que não sabia que as mulheres rechonchudas de Rubens não estavam mais na moda?
— Quais são seus planos para hoje? — Peter perguntou, ao começar a preparar um segundo sanduíche. — Sei que não é da minha conta, mas...
— Acertou, não é da sua conta e eu pretendo passar o dia em Nice.
— Já está sentindo falta de agitação?
— Já estou sentindo falta de companhia agradável, se quer saber. Tenho alguns amigos que moram em Nice e pretendo visitá-los.
— Tudo bem, nesse caso levo você até lá. Tenho mesmo de comprar algum material que está faltando para eu terminar um dos armários.
— Você quer me levar? Muitíssimo obrigada, mas posso ir sozinha, não se preocupe. E, além disso, pretende me levar como? Só se for nas suas costas, porque não vi nenhum carro estacionado aí fora.
— Mas acontece que tenho um carro, sim, e ele está na garagem logo mais adiante, na subida do morro.
Já devia ter imaginado, Alyssia pensou. Afinal, para tudo ele tinha uma resposta.
— Bem, de qualquer forma, não será preciso você ir até Nice por tão pouco. Se me der a sua lista posso comprar o que está querendo.
— Sairemos assim que terminarmos o café, certo? E como está o seu joelho?
— Muito bem, obrigada.
— Ótimo.
E ela também estivera ótima ao acordar. Até encontrá-lo na cozinha!
Peter terminou de comer os sanduíches e foi para a pia lavar o prato. Quando Alyssia se levantou para fazer o mesmo, ele não deixou.
— Deixe isso comigo. E agora vá depressa vestir alguma coisa mais confortável e me encontre lá fora em dez minutos.
Ela ia responder, mas Peter já havia voltado a atenção para a louça, ignorando-a por completo.
Na verdade, era isso o que mais a irritava em Peter Morrison. Aquela indiferença. A falta de atenção com que a tratava. Ditava algumas ordens e simplesmente a ignorava, como se ela não estivesse mais ali presente.
E se existia alguma coisa a que não estava acostumada era com falta de atenção! Sempre fora o centro das atenções de seu pai, dos amigos. Chegava a ser insultante saber que ele a tratava da mesma forma como trataria qualquer pessoa com quem fosse obrigado a compartilhar uma casa.
Alyssia subiu para o quarto e se vestiu o mais rápido possível, escolhendo um vestido leve, bem florido e sem costas. Passou batom nos lábios carnudos, reavivou ainda mais seus olhos negros com rímel e se olhou no espelho. Decididamente, não havia nada de infantil em sua aparência, pensou, satisfeita.
Peter a esperava na frente da casa. Subiram um pouco mais a ladeira e então ela notou que havia de fato uma garagem escondida entre as folhagens. E, dentro dela, um carro. Um carro? Alguma coisa próxima de um carro.
Possuía quatro rodas, direção, bancos, mas não se parecia em nada com os carros que conhecia. Assemelhava-se mais a um enorme besouro movido a bateria, velho e caindo aos pedaços. Duvidava que aquilo saísse da garagem que diria levá-los ate Nice!
— Isto é um... carro?
— Mas que observadora. Chama-se jipe, não sabia?
Ela esperou que Peter o tirasse da garagem, então subiu na coisa estranha, arregalando os olhos para a rusticidade do veículo.
— Você tem certeza de que é seguro?
— Muito seguro, embora não seja bem o que você está acostumada.
— E alguém se acostuma com isso?
— Você nem imagina quantas pessoas têm carros como este. Caso não tenha notado não existem, apenas Porsches e Ferraris no mundo.
— Sei disso! Acontece que nunca andei numa coisa dessas antes. Parece que nem tem motor, mas vai sair voando, por aí.
Peter caiu na gargalhada e Alyssia deu graças por a viagem ser curta e a estrada quase deserta.
Ela já estivera em Nice inúmeras vezes e conhecia a cidade quase tão bem quanto Londres. Adorava aquele lugar, a capital noturna da Riviera, onde haviam lojas maravilhosas, restaurantes excelentes e uma vida noturna fantástica.
Após uns quinze minutos de viagem, Peter olhou para ela.
— Ainda acordada?
— Claro que sim.
— Pensando na vida?
— Não.
— No namoradinho, então?
— Não! Nem na vida, nem no meu noivo, eu só estava planejando o meu dia.
— Já esteve em Nice antes, não?
— Já.
— Com o namoradinho?
Alyssia olhou para ele, irritada.
— Quer fazer o favor de se concentrar na estrada para que a gente chegue vivo a Nice, em vez de querer saber o que não é da sua conta?
— Escute aqui, mocinha, estou começando a ficar cansado dessa sua atitude, ouviu bem?
Alyssia se lembrou do pedido do pai, sabia que devia se desculpar, mas nem em um milhão de anos sairia de sua boca um pedido de desculpas àquele poço de arrogância.
Endireitou-se no banco, mas manteve o olhar fixo na estrada.
— Sobre o que vamos conversar, então, sr. Morrison?
— Que tal Nice?
— Nice?
— E por que não? Há muita coisa interessante sobre Nice, ou você não acha?
— Mas eu não sei o que falar sobre Nice. Estive aqui muitas vezes, mas...
— Mas nunca se interessou em olhar a sua volta? Pergunta mais idiota, não é mesmo? Alguma vez você já se interessou por algo além desses lugares agitados onde costuma ir?
Alyssia odiou o tom de voz dele e sentiu-se corar.
— Nem sempre, mas, por favor, poupe-me mais um dos seus sermões. Não conheço nada sobre a história de Nice porque...
— Porque?...
Porque ela nunca estivera ali em companhia de alguém interessado em conhecer os arredores da cidade, Alyssia pensou, notando que já se encontravam na Promenade des Anglais, uma avenida arborizada com palmeiras no centro de Nice.
— Dá para você me deixar aqui, por favor? — pediu a Peter. — Meus amigos têm uma loja aqui perto e eu prefiro fazer o resto do percurso a pé.
— Tudo bem. — Ele desviou o jipe do trânsito parando num local proibido e olhou para ela. — Onde devo pegá-la?
— Onde? Oh, aqui mesmo, digamos... às quatro horas, está bem?
— E quanto ao almoço? Meio-dia na frente do Café Normande, combinado?
— Para o almoço, já tenho outros planos.
— Que planos?
— Estou pretendendo almoçar com os meus amigos, posso?
— Ótimo. Estou louco para conhecê-los, traga-os também.
— Mas...
— Às doze em ponto, então. E não vá se atrasar, porque chegar tarde não é desculpa feminina, mas falta de educação mesmo. E agora desça que estamos atrapalhando o trânsito.
Alyssia olhou para ele indignada, pronta a armar um escândalo, mas Peter havia se inclinado sobre ela para abrir a porta e o braço dele roçara em seu seio. Ela ficou tão perturbada que preferiu descer rapidamente.
— Meio-dia, não se esqueça! — ele ainda gritou, quando o carrinho verde já sumia no meio do trânsito.
Impossível tentar escapar daquele homem, Alyssia pensou, enquanto se dirigia à butique de seus amigos. Tão impossível quanto fugir de um enorme tubarão dentro de um pequeno aquário.
Após atravessar o Jardim Alberto I, com sua fonte pitoresca e seu teatro ao ar livre, chegou ao seu local preferido em Nice. Um emaranhado de ruas onde só haviam butiques, as mais sofisticadas, e antiquários, os mais finos.
A loja de Simone ficava entre uma joalheria e uma casa de calçados. Alyssia hesitou um momento diante da porta de vidro, mas então avistou o rosto da amiga atrás do caixa atendendo uma freguesa. Entrou e correu para abraçá-la, pegando Simone totalmente de surpresa.
— Alyssia! Você por aqui, sua bandida! Por que não me escreveu ou telefonou avisando?
— É que eu resolvi tão de repente que nem tive tempo. E você? Tudo bem por aqui?
— Tudo maravilhoso, minha querida. Quem não estaria, numa cidade como Nice?
Simone era uma dessas pessoas que se podia passar anos sem ver, mas que não mudavam nunca. Sempre mais para o estilo “gordinho”, embora estivesse constantemente fazendo regime, tinha o rosto rechonchudo emoldurado por cabelos escuros e cacheados. E era dona do sorriso mais cativante que Alyssia conhecia.
— E André? — Ela olhou ao redor. — Saiu?
— André foi até o banco, mas logo estará de volta. Ele vai ficar radiante quando souber que você está aqui, Aly. Sabe muito bem que continua seu fã número um, não? Oh, ele é louco por você.
André, ao contrário da irmã, era magro, sempre elegante, tinha um rosto belíssimo e encantava as mulheres com seu ar de dom-juan.
Alyssia, em particular, sentia-se envaidecida com a atenção especial que ele lhe dispensava sempre que a via. Segundo uma carta que recebera de Simone, por ocasião de seu noivado com Jonathan, André ficara desolado quando soubera que a perdera.
As duas conversaram durante algum tempo, então Alyssia decidiu falar sobre o almoço.
— Bem, Simone, estou pensando em fazer algumas compras e depois almoçarmos todos juntos, que tal?
— Por mim está ótimo, querida. Temos tanto que conversar, não?
— É verdade, mas antes quero avisá-la que haverá mais alguém conosco. — Ela fez uma careta. — Peter Morrison.
— Peter Morrison... Esse nome não me é desconhecido. Por acaso não é aquele arquiteto famoso?
Alyssia a fitou, surpresa.
— Já ouviu falar dele?
— Quem não ouviu? Mas de onde você o conhece, Aly?
Quando Alyssia explicou que Peter estava construindo a casa de seu pai, Simone soltou um assobio.
— Uma casa assinada por Peter Morrison! Nada mal, hein? Mas como é ele, me conte?
— Como é ele? — Alyssia soltou um suspiro. Levaria o dia inteiro se tivesse que dizer tudo o que achava de Peter, por isso decidiu-se pelos três adjetivos que melhor o definiam. — Arrogante, intragável e prepotente.
Simone arregalou os olhos, surpresa.
Mais tarde, enquanto fazia suas compras, Alyssia ficou imaginando a reação da amiga se ela tivesse acrescentado “e sexy”.
As butiques como sempre tinham roupas maravilhosas, e Alyssia como sempre não resistiu. Às onze horas havia acumulado um número tão grande de sacolas que mesmo sendo cedo decidiu ir para a Vieille Ville, a cidade velha, onde Peter marcara para almoçarem.
Normalmente quando ia àquela parte de Nice com seus amigos, eles se dirigiam diretamente ao restaurante escolhido, nunca circulavam pelos arredores. Naquele dia, no entanto, pela primeira vez, prestou atenção na praça com seus bistrôs e cafés movimentados. No mercado, com o colorido das bancas apinhadas de frutas e verduras. Nas pessoas que compravam. E no delicioso aroma de especiarias no ar.
E ficou deslumbrada com a vida pulsante, com a variedade de cores e tipos de pessoas. Não se conformou por nunca ter reparado em nada daquilo antes. Quantas vezes não passara por aquelas ruas? Bastaria ter olhado para os lados, porque todas aquelas coisas lindas sempre estiveram ali.
Só não estendeu mais suas descobertas porque não via a hora de se livrar do peso de todas aquelas sacolas.
Chegou ao restaurante antes de todos e logo em seguida entrou Peter. Imediatamente ele a localizou numa mesa ao fundo. No entanto, primeiro parou um instante para conversar com o proprietário. E ela o viu sorrir cheio de simpatia e charme, como se fossem velhos conhecidos.
Não podia entender como alguém tão estúpido e mal-educado conseguia ser amável com as outras pessoas.
— Olá. — Ele escolheu o lugar bem à frente dela e sentou-se, fazendo um sinal ao garçom. — Que pontualidade, hem?
Alyssia concordou, notando que Peter colocava um pacote pequeno sobre a cadeira ao lado.
— Era “essa” a sua lista de compras? Veio até Nice só para comprar essa coisinha aí? Eu poderia muito bem ter feito esse favor a você, não havia necessidade de se abalar até aqui.
Era como se Alyssia tivesse dito: “você não precisava ter estragado o meu dia por tão pouco”, e Peter a fitou muito serio.
— Acredite-me, se não quisesse vir a Nice, não teria vindo.
A cerveja chegou e ele tomou um grande gole, recostando-se na cadeira após colocar o copo sobre a mesa.
— E sua amiga? Não vem?
— Amigos. São dois e não uma. Simone e André, irmão dela.
Naquele instante, Alyssia os viu entrar e fez um sinal, aliviada.
Não gostava de estar a sós com Peter. Por qualquer razão, a presença dele a deixava tensa, inquieta, e por mais que se esforçasse não conseguia ignorá-lo.
Esperou que André e Simone se sentassem, então fez as apresentações.
André continuava em boa forma. Após os cumprimentos formais, passou o resto do almoço absorvido nela, enchendo-a de elogios, como sempre chegando a ser teatral ao declarar que seu noivado com Jonathan o deixara com o coração partido.
Pelo canto dos olhos, Alyssia percebia que Peter havia se entrosado muito bem com Simone. Aliás, bem até demais. Aquele sorriso charmoso, o olhar cheio de calor não lhe parecia uma simples vontade de se mostrar educado.
Que desgraçado! Qualquer pessoa naquele restaurante pensaria que os dois tinham um caso. E Simone àquelas alturas devia estar pensando de onde ela tirara a idéia de que Peter Morrison era insuportável.
Quando ele pediu licença para lavar as mãos, de fato Simone se virou para ela, indignada.
— Como teve coragem de dizer que Peter era arrogante, Aly? Olhe que há muito tempo não conheço um homem tão charmoso.
— Sim, charmoso como um ataque de gripe.
— E ainda por cima lindo de morrer. Não acha que ele é atraente, Aly?
— Só se for no sentido mais primitivo da palavra.
— Também. — Simone deu uma risadinha maliciosa. — Mas entendo seu ponto de vista, afinal, você só tem olhos para o velho Jonathan, não?
Alyssia notou uma certa ironia na voz de Simone. Ia perguntar a razão, mas depois lembrou-se que a amiga nunca simpatizara muito com Jonathan, e resolveu deixar passar.
— E por falar nisso, onde está o seu Jonathan neste momento?
— Em algum lugar perto de Genebra, sei lá. O pai dele o mandou a negócios.
— É óbvio. Nunca imaginei que ele tivesse ido por conta própria.
Daquela vez o tom maldoso de Simone de fato a surpreendeu.
Que diabos estaria acontecendo? Todos pareciam dispostos a fazê-la de vítima, primeiro Peter Morrison e agora sua melhor amiga!
Mas não teve tempo de investigar, porque Peter estava voltando, e elas tiveram de mudar de assunto.
Ao vê-lo aproximar-se da mesa abrindo um largo sorriso para Simone, e sem sequer olhar para ela, Alyssia ficou com ódio. Pobre menina rica... Não fora assim que ele a chamara?
Furiosa, se virou para André com um sorriso muito mais caloroso do que normalmente daria. Mostrou-se tão absorvida no rapaz que no final do almoço não sabia mais como dissuadi-lo da idéia de que daquela vez não pretendia pintar a noite de vermelho ou de qualquer outra cor e que não queria jantar com ele à luz de velas.
Finalmente acabou concordando com um simples almoço na semana seguinte, e, antes de se despedirem à porta do restaurante, marcaram hora e local.
Peter se manteve reservado, sem dizer uma palavra, enquanto eles combinavam. E continuou em silencio até entrarem no carro e começarem a andar.
— Simpática aquela sua amiga, não?
— Simone? Sim, ela é.
— Faz tempo que vocês se conhecem?
Alyssia fez as contas. Fazia uns dez anos que ela e Simone eram amigas.
— Sim, faz. Estudamos juntas, mas depois ela veio para cá abrir a butique. Os pais dela são separados e a mãe mora com ela e André.
— Ela é muito despretensiosa. O contrário do que eu esperava.
— Está insinuando que todas as minhas amigas deveriam ser pretensiosas?
Peter olhou-a e em seguida voltou a atenção para a estrada.
— Entenda como quiser.
— E André? O que achou dele?
— Nada demais.
— Claro. Os homens em geral cismam com ele porque André é muito bonito e tem boa aparência. As mulheres o acham fascinante.
Peter olhou-a de novo.
— E você também acha?
Alyssia retribuiu o olhar e levou um choque. Não. Ela não achava André fascinante. Perto daquele homem sentado a seu lado, André chegava a ser insignificante. Apesar da elegância, dos traços perfeitos e da conversa agradável, faltavam-lhe força e vitalidade, aquela sexualidade vibrante que parecia fluir do corpo de Peter.
— Acho — mentiu, com o coração aos saltos dentro do peito. — Sim, acho André extremamente charmoso e bonito.
— E o que o namoradinho pensa disso?
Alyssia se virou para ele, irritada.
— Gostaria que você parasse de se referir ao meu noivo desse jeito. Aliás, preferia mesmo que nem falasse mais nele. Mas, de qualquer forma, não é porque sou noiva que não posso achar um outro homem atraente. Não significa que vou ter um caso com um deles só porque me atrai fisicamente.
— Mas poderia ter, não?
— Claro que não! Admito que me sinto envaidecida com a atenção de André, mas o que há de tão anormal nisso? Se uma mulher tentasse seduzi-lo, você não se sentiria da mesma forma?
— Não. Para ser sincero não consigo imaginar nada mais repulsivo do que uma mulher colocando de lado o orgulho para correr atrás de um homem.
— Não acredito no que está dizendo!
— E não ligo a mínima se você acredita ou não.
Alyssia sentiu o rosto em brasas. Além de tudo, ele era mentiroso! Com certeza tinha seus casos passageiros com mulheres, que homem solteiro não tinha? Até Jonathan, que era noivo, ela se lembrou com tristeza. Provavelmente Peter estava dizendo aquilo só para evitar uma eventual curiosidade sua num campo mais íntimo.
E qual seria o tipo dele, de fato? As grandes amazonas ou as moças coradas e sorridentes da vila? Sem dúvida alguém muito feminina, que sabia fazer tudo e principalmente preparar um jantar divino em menos de meia hora.
Alyssia observou as mãos fortes em torno da direção e tentou imaginá-las acariciando um corpo feminino. Como seria ser tocada por elas? Que sensações provocariam numa mulher?
Horrorizada com o curso de seus pensamentos, decidiu mudá-lo o mais rápido possível.
— O que teremos para o jantar desta noite?
— Fiz algumas compras no supermercado. Poderá tentar de novo as suas habilidade culinárias quando chegarmos.
— Os meus desastres culinários, você quer dizer?
— Bem, eu não aconselharia de novo aquela filosofia do jogue-tudo-dentro-da-panela. Sabe, esse tipo de receita requer uma certa prática.
— Que você tem de sobra, não é mesmo? Muito obrigada pelo conselho, mestre-cuca, mas pessoalmente continuo partidária da filosofia vamos-ao-restaurante.
Que homem mais odioso! Onde havia ido parar todo aquele charme despejado em cima de Simone minutos atrás? Sem dúvida evaporara no instante em que os dois ficaram sozinhos.
O almoço, o vinho e a viagem a deixaram com sono e Alyssia foi se deitar assim que chegaram em casa, só acordando três horas depois, morrendo de fome de novo.
Rapidamente levantou-se, vestiu um jeans e uma regata e desceu as escadas louca para cuidar de uma vez do jantar e apaziguar seu estômago.
Peter não se encontrava à vista quando ela entrou na cozinha. Sobre a pia haviam alguns filés de peito de frango, uma lata de ervilhas e meia dúzia de batatas. Ela fez uma careta e já ia jogar tudo dentro da panela quando se lembrou do conselho do mestre-cuca.
Fritou então primeiro os pedaços de frango na manteiga e cozinhou as batatas numa outra panela.
Quando Peter chegou, ela tenlava se lembrar como se preparava um molho de queijo.
— Olá, que cheiro bom. — Ele foi direto destampar a panela. — E por enquanto está com cara boa, também.
— Muito engraçado.
— Posso ajudar em alguma coisa?
— Sabe como se faz molho de queijo?
— Claro que sei.
— Claro que sabe — ela repetiu, rindo. Ao que tudo indicava o vinho, baixara suas defesas. — Como fui me esquecer de que você sabe fazer de tudo menos cirurgia de ponte de safena?
Peter também achou graça, e Alyssia se viu rindo com ele, desejando que aquele momento durasse um pouco mais.
Diante do fogão, ele começou a ensiná-la a preparar o molho de queijo, fazendo-a primeiro derreter a manteiga, depois juntar a farinha e por fim o leite bem lentamente.
— E não se deve parar de mexer — disse a ela, circundando-a com os braços para ajudá-la a mexer a panela. — Se não ficar atenta, o molho pode encaroçar.
Alyssia sentiu o coração batendo descompassadamente. Estavam tão próximos um do outro que os braços se tocavam, e cada vez que isso acontecia sua pele se arrepiava toda. Mal conseguia prestar atenção no que Peter estava fazendo, ocupada demais em controlar as próprias pernas para que não cometessem a estupidez de fraquejarem.
Céus! Nunca pensara que algum homem pudesse deixá-la naquele estado. Com Jonathan sempre fora tudo tão controlado, racional, nada que chegasse aos pés daquela loucura. Tinha a sensação de que seu corpo explodiria se Peter fizesse nela uma simples carícia que fosse.
E foi por esta razão que fez de tudo para não se tocarem, quando ele lhe passou a colher de pau e foi até a geladeira pegar água.
Jantaram no jardim, daquela vez. Peter havia improvisado uma pequena mesa e dois bancos, e eles puderam apreciar um cenário espetacular enquanto comiam: o entardecer com a lua despontando sobre as águas azuis do mar Mediterrâneo.
Quando terminou de comer, Peter cruzou os talheres e olhou para ela, com ar satisfeito.
— Bom... Muito bom. Um esforço honroso para quem foi forçada a fazer o trabalho.
— Muito obrigada, mas não se esqueça de que você também ajudou. E, por falar nisso, onde aprendeu a cozinhar?
— No lugar de sempre. Na cozinha.
Alyssia deu uma risada, alegre.
— Ah, você entendeu o que eu quis dizer.
— Sim, eu entendi. Bem, acredite ou não, todo solteirão acaba se interessando pela cozinha por uma simples questão de escolha.
— Que escolha?
— Ou ele morre de fome ou vai todas as noites a um restaurante, o que acaba se tornando cansativo. Você também vai ter de se interessar, quando se casar com o namoradinho.
— É... Suponho que sim.
— E você vai?
— Vou o quê?
— Casar-se com ele?
Peter fez a pergunta sem olhar para ela, e houve um instante de silêncio enquanto ele aguardava a resposta. Um instante que pareceu durar uma eternidade e que fez o coração de Alyssia se acelerar de novo dentro do peito.
Sem saber se deveria se zangar ou não, ela ergueu os olhos para ele e daquela vez seus olhares se cruzaram. Céus, como se sentia atraída por aquele homem!
Levantou-se abruptamente, começando a recolher os pratos.
— Deixe isso — ele a impediu, segurando-lhe o pulso. — Você me parece com sono.
Ela, com sono? Seus sentidos nunca haviam estado tão alertas em toda a sua vida! Ainda assim decidiu acatar a sugestão de Peter.
— Bem, agora que você falou nisso eu... — deu um riso nervoso — ...eu acho que estou mesmo com sono.
Peter não respondeu e continuou segurando-a pelo pulso, com o olhar fixo nela.
No instante seguinte, estava beijando-a.
Foi o beijo mais quente, mais arrebatador, mais devasso que Alyssia já experimentara em toda a sua vida. Quando deu por si, sentia-se totalmente dominada pelo desejo daquele homem, que mais uma vez provou não existirem limites para a sua vontade.
Enterrou os dedos nos cabelos macios, arqueou o corpo de encontro ao dele, entreabriu os lábios e deixou escapar um gemido.
Não era de seu feitio conter emoções, especialmente iguais às que estava sentindo naquele momento. Portanto, sabia que se Peter a quisesse poderia tê-la ali mesmo, sobre a terra úmida do jardim.
Mas de repente ele parou de beijá-la. Foi uma atitude tão inesperada que Alyssia levou alguns segundos para perceber que Peter havia se afastado.
— Isto foi um erro, Alyssia.
Ao vê-lo passar a mão nos cabelos, visivelmente perturbado, ela caiu em si.
— Você tem toda razão, foi mesmo um erro. Deve ter sido o efeito do vinho e da lua.
Efeito do vinho e da lua... Que desculpa mais esfarrapada. Teria reagido da mesma forma se estivesse embaixo de uma lâmpada incandescente num quarto vazio e tão sóbria quanto uma freira!
Olhou para o contorno rígido do rosto de Peter e só não fugiu porque suas pernas não a obedeceram.
— Sempre fui a favor de evitar mulheres casadas, e as noivas para mim estão na mesma categoria. — Peter parecia zangado consigo mesmo. — Além do mais, você é quase uma criança. Nem sequer conhece direito os seus sentimentos.
— Não é preciso se desculpar, nós dois já concordamos que foi um erro. Ah, e apenas como um lembrete, não sou uma criança.
Peter olhou para ela, os olhos cinzentos parecendo prateados, sob o luar da noite.
— Escute, Alyssia, não estou interessado em ter casos amorosos. É possível que você esteja acostumada com homens que vivem saltando de cama em cama, dormindo com qualquer mulher que o atraia, mas vou lhe avisando desde já. Não é meu estilo. Obviamente está tendo problemas com o seu noivado, mas não é na minha cama que vai encontrar as respostas.
— Mas não foi esta a minha intenção!
— Ótimo, significa que até aqui nos entendemos. Escute, não a estou culpando pelo que aconteceu, mas...
— Melhor assim. — Ela voltou a empilhar os pratos, sem olhar para Peter. — Então vamos deixar tudo como está e levar esses pratos para a cozinha.
— Vá para cima — Peter ordenou, com as duas mãos enfiadas nos bolsos. — Deixe que depois eu cuido disso.
Alyssia deu uma olhada para ele antes de entrar na casa e subir para o quarto. Na verdade, preferia correr para bem longe dali. Peter estava coberto de razão. Fora um erro, um grave erro que ela não pretendia repetir.
Nada mais relaxante do que tomar sol.
Imóvel sobre a toalha, ouvindo apenas o barulho das ondas quebrando na praia e sentindo o sol arder em sua pele, Alyssia chegou à conclusão de que, se conseguisse relaxar, esqueceria todos os seus problemas.
Sabia, no entanto, que não podia. A questão de seu noivado, justamente o principal motivo de ela estar ali em Nice, ficara esquecida por algum tempo, mas continuava pendente.
Olhando para trás agora, percebia que teria sido um erro casar-se com Jonathan. E que fora mais uma questão de orgulho ferido do que coração partido a descoberta de que ele a vinha traindo. Aliás, até se sentia aliviada, porque, em se tratando de Jonathan, orgulho ferido era um caso da menor gravidade.
O que estava sentindo naquele momento, sim, era de difícil solução. Era algo terrível que começava a despedaçá-la com uma ferocidade implacável. Podia fechar os olhos, mas jamais apagar o que se passara na noite anterior.
Droga! Pior de tudo era que fizera um tremendo papel de idiota, que só contribuíra para piorar ainda mais o já péssimo conceito que Peter tinha dela.
Ele não dissera com todas as letras que não gostava de mulheres fáceis? E não fora exatamente essa a impressão que dera, de estar louca para ir para a cama com ele? Claro que Peter aceitara suas provocações, mas nada teria acontecido se ela tivesse demonstrado um mínimo de relutância.
Bem, pelo menos naquela manhã fora poupada da humilhação de cruzar com ele logo cedo. Precisava de tempo. Tempo para se recuperar o amor-próprio esfacelado.
Lembrou-se das palavras da astróloga quando lera seu mapa astral. Que sua tendencia era ser impulsiva e que ela facilmente esquecia os dissabores do dia anterior por acreditar que no dia seguinte novos sonhos se realizariam.
Na ocasião achara muita graça nas deduções da mulher, mas não era justamente o que estava fazendo? Evitando pensar em seu problema com Jonathan e se atirando nos braços de um homem que na verdade não tinha tempo para ela?
As costas começaram a arder, e ela se virou de frente para o sol, enquanto procurava colocar os fatos de forma mais objetiva. Peter Morrison não passava de um estranho. Um ser perigoso que não tinha por ela o menor respeito, e que no calor de um momento a beijara, mas que se arrependera no instante seguinte, porque basicamente a detestava. E quanto a ela, fora mesmo idiota por ter se deixado levar pelas circunstâncias.
Pronto, ali estava o resumo claro e simples do que acontecera. Dali em diante seria só uma questão de manter-se alerta e não permitir que nada interferisse em seu bom senso.
Alyssia estava tão distraída, imersa em suas conjecturas, que só percebeu que Peter se encontrava em pé junto dela quando uma sombra encobriu seu rosto. Sentou-se no mesmo instante, mas daquela vez não se preocupou em se esconder com a saída de banho. Com beijo ou sem beijo, queria mostrar que não ligava a mínima para ele.
— Você está tapando o meu sol, sabia?
— Estou, é? — Peter estendeu uma toalha calmamente ao lado dela. — Eu nunca soube que ele era seu.
— Aliás, posso saber o que veio fazer aqui?
— Conversar. Vim falar com você sobre ontem à noite.
— Pois pensei que este fosse um assunto encerrado. A meu ver, já dissemos tudo. Ou não?
Peter não respondeu. Havia se deitado e mantinha os olhos fechados. Usava um calção tão reduzido que Alyssia custou a desviar o olhar das pernas bronzeadas.
— Ou não? — insistiu, impaciente.
Ele então olhou para Alyssia.
— Você não ama aquele seu namoradinho, ama?
— Qual é o seu interesse nisso?
— Responda a minha pergunta.
— Não vou responder coisíssima alguma.
— Nesse caso, eu mesmo faço isso. Você não ama o seu namorado e provavelmente nunca amou. E tenho certeza do que estou dizendo pela forma como me beijou ontem à noite. Se eu quisesse, você teria feito amor comigo, o que não seria normal numa pessoa apaixonada por outra, concorda ou não?
— Não sou obrigada a responder.
Alyssia pegou uma revista que levara consigo e começou a folheá-la, como se Peter não estivesse mais ali. De repente, ele perdeu a paciência e tirou-lhe a revista das mãos. Segurou-a pelo queixo e a fez olhar para ele.
— Pare de se comportar como uma criança. Estou falando com você. Será que o seu namoradinho sabe que por detrás desse seu ar de filhinha de papai intocável você é uma gata selvagem? Meu palpite é que ele não faz nem idéia.
— E não faz mesmo. Simplesmente porque não sou assim quando estou com ele!
— Você não o ama, encare de uma vez a verdade. Se eu resolvesse beijá-la agora, essa gata selvagem voltaria à vida no mesmo instante. Ou não?
— Não! E que interesse você pode ter em saber o que sinto em relação a Jonathan?
— Muito. Seu pai me pediu para convencê-la a desistir desse noivado e tentar descobrir o que sente por esse rapaz. Agora que já sei, só posso dizer que vai cometer o maior erro da sua vida casando-se com ele.
Alyssia mal conseguia acreditar no que acabava de ouvir.
— Meu pai o quê?!
— Droga! — Peter colocou a mão na testa e sentou-se. — Eu não devia ter dito isso, fiz besteira.
— Meu pai pediu que você me convencesse a desistir do meu casamento com Jonathan? Como pôde?
— Ele anda preocupado com você, Alyssia. Mas eu lhe garanto que não teria movido uma palha se não tivesse ficado bem claro para mim que você não sente absolutamente nada pelo seu noivo.
— Chega! — Ela se levantou e começou a andar na direção da água. — Não quero ouvir mais nada disso!
— Quer sim! — Peter a alcançou e a fez virar-se — Não vê que está fugindo da verdade?
Alyssia o fitou bem dentro dos olhos.
— Diga, Peter, também era parte do plano do meu pai que fizesse amor comigo para me convencer que me casar com Jonathan seria um erro?
— Você sabe que não. Não tenho medo de admitir que há muito tempo não desejei uma mulher como desejei você ontem à noite.
— Está dizendo isso só para que eu me sinta melhor?
— Droga, mulher! Pelo que seu pai me contou, esse tal Jonathan não passa de um playboy riquinho. Vocês com certeza teriam matado um ao outro!
— Isso não é verdade!
— Não é? Por que não pára um minuto para pensar e pela primeira vez na vida tenta ser honesta consigo mesma?
— Assim como você foi honesto comigo? Não sentia nada por mim quando me beijou, não foi? Só queria provar essa sua teoria de que não estou apaixonada pelo meu noivo. Você só queria...
Quando procurava pelas palavras exatas, sua boca foi esmagada pela de Peter. Seus lábios foram comprimidos com tal força que chegaram a doer.
Alyssia ainda tentou lutar. Fez de tudo para se livrar dos braços dele, mas aos poucos viu suas forças minarem diante da onda de desejo que cresceu dentro dela.
Céus! Aquele homem a fazia agir insanamente! Odiava-o. Porém sabia que seu ódio não era suficiente para impedi-la de sentir o prazer das mãos másculas em seu corpo.
Peter a tocava enquanto a beijava. Com suas mãos fortes e hábeis transformava o corpo de Alyssia numa massa incandescente de desejo.
Ele a ergueu no colo e a levou para a beira da água, onde se deitaram na areia. O vaivém das ondas os tocavam gentilmente, mas nem por isso conseguiu aplacar o calor que tomara conta de ambos.
Alyssia ainda tentou protestar, mas a voz saiu tão fraca que ela mesma duvidou que tivesse dito qualquer coisa.
Nunca imaginara que pudesse sentir emoções tão fortes como as que Peter despertava nela. Nunca nem sonhara que esse tipo de sensação pudesse existir.
Os lábios ávidos não paravam. Haviam deixado sua boca e desciam agora pelo pescoço, distribuindo mordidas leves em meio a beijos e carícias com a língua. Qualquer sinal de bom senso que por ventura ainda surgisse, sua mente se encontrava totalmente bloqueada para recebê-lo.
Num movimento busco e preciso, de repente, Peter puxou a parte de cima do biquíni e olhou para os seios expostos ao sol.
— Deus, como você é linda...
Alyssia prendeu a respiração quando sentiu na pele rosada o calor úmido de um beijo. Como podia existir um homem tão perfeito, pensou, extasiada. E um homem praticamente estranho podia deixá-la naquele estado, desejando experimentar todas as formas possíveis de prazer?
E foi exatamente o que aconteceu. Ali, à beira-mar, ele a fez sentir-se a mais linda das sereias. Nunca em todas as suas experiências havia experimentado o prazer de forma tão completa e avassaladora.
Peter rolou então para o lado e ambos ficaram imóveis, silenciosos, o braço dele ainda sob seu pescoço.
Mais do que tudo, naquele momento Alyssia desejou ser acariciada por ele. Teve vontade de tocá-lo, mas infelizmente sabia que o instante sublime se fora. Ambos haviam voltado ao mundo real e começavam a surgir as dúvidas e os arrependimentos.
Arrependimentos. Se Peter se arrependera do beijo da noite anterior, como encararia o que acabara de acontecer entre eles?
E depois de tudo o que ouvira dele, de que maneira ela poderia salvar um pouco de sua dignidade?
Decidiu aguardar que Peter falasse primeiro. Esperou algum tempo e, como ele continuasse quieto, Alyssia acabou não suportando o silêncio.
— E agora, o que vai ser, Peter?
— O que vai ser? Bem, desfazer o que acabou de acontecer entre nós e que não podemos.
— Mas você gostaria?
— As coisas escaparam ao controle. Eu sabia que isso ia acontecer no minuto em que a beijei, mas não consegui evitar.
— Nem eu.
— Agora acredita quando digo que não foi para provar a teoria de que não sente nada pelo seu noivo que a beijei?
— Acredito.
— Melhor assim.
Alyssia tentou sorrir, mas ao ver que Peter continuava sério, percebeu que as coisas não seriam tão fáceis como gostaria.
— Bem, de qualquer forma, eu já havia mesmo decidido romper meu noivado com Jonathan. Antes de vir para cá, soube de certas coisas que não gostei e... e também descobri que nunca o amei de verdade.
Aliás, para ser mais exata, ela descobrira que nunca soubera o que era o amor. Se algumas vezes acreditara estar apaixonada, percebia agora que amar era muito diferente de tudo o que sentira até então.
— Afinal, por que você ficou noiva dele?
— Não sei. Talvez porque nos divertíamos juntos e eu me sentia segura, quero dizer, segura de que não era atrás do meu dinheiro que ele estava. Você sabe, quando se tem pai rico, esse é um problema muito freqüente.
— Pelo menos você é honesta.
— Obrigada.
Ela estendeu a mão para tocá-lo e sentiu-o tenso.
— Há alguns pontos que precisam ficar bem claros entre nós, Alyssia. Fizemos amor, está certo, mas isso foi tudo. Um ato físico apenas. Não vejo o menor sentido em ficarmos discutindo se deveria ou não ter acontecido, porque já aconteceu e pronto. Como já disse antes, e vou repetir, emocionalmente você é uma criança, apesar desse seu corpo de mulher, muito desejável por sinal. Mas por dentro você continua infantil, e não pretendo ter um envolvimento com uma garota. Confesso que senti uma forte atração por você e ainda sinto, mas isso é tudo. Não quero que fique imaginando que pode substituir Jonathan por mim, porque não vai adiantar. Já tive a minha dose no amor, e não tenho a menor intenção de experimentar de novo desse fruto amargo.
Quando Peter terminou o longo discurso, Alyssia sentou-se, deixando o olhar perdido no horizonte.
— Você não sabe mesmo economizar palavras, não é?
— Só não quero que acabe magoada por minha causa.
— Quanta consideração da sua parte. — Alyssia deu um riso irônico. — Não imagina como é bom saber que se preocupa tanto assim comigo. Mas, me diga, Peter, reserva sempre esse discurso para as mulheres com quem faz amor?
— Pelo amor de Deus, garota! Com você é impossível conversar como adultos, não é?
Ele havia se sentado junto dela, mas Alyssia se recusou a olhar para o lado.
— Olhe, não precisa se preocupar, porque depois que eu for embora daqui, dificilmente a gente vai se ver de novo. Sossegue a sua consciência, se é disso que tem medo.
— Não seja boba. Não estou dizendo para que a gente finja que não aconteceu nada, só quero dizer que...
— Que sentimos atração um pelo outro e ponto final.
Ele deu de ombros.
— Se prefere colocar as coisas desse modo, sim.
— Muito bem, sr. Peter Morrison — Alyssia virou-se para ele, furiosa —, detesto ter de destruir esse seu superego, mas a última coisa que preciso ou quero nas atuais circunstâncias é um envolvimento, como você diz. Com qualquer homem que seja!
Daquela vez, pelo menos estava sendo sincera. Não queria se envolver com ninguém. Por um capricho cruel do destino aquele homem a enfeitiçara, mas, no que dependesse dela, Peter jamais saberia desse seu momento de fraqueza.
Reuniu todas as forças e olhou para ele, cheia de ironia.
— E mais um detalhe. Não pense que durante o resto da minha estada aqui vamos ficar brincando embaixo dos lençóis. Eu estava meio deprimida, por isso me deixei levar por um instante de fraqueza, foi só. Bobagem minha, mas é assim que sou. Impulsiva. Na maioria das vezes primeiro faço, depois penso. Quando resolvi vir para Nice, não pensei muito antes, como também não pensei antes de fazer amor com você agora há pouco. Se soubesse que no final ia ouvir um discurso desses...
As palavras foram deixadas no ar de propósito, porque ela sabia que se continuasse acabaria chorando. Mas Peter completou por ela.
— Você não teria feito, certo?
— Isso mesmo.
Peter a encarou por alguns segundos e depois se levantou.
— Bem, já que cada um de nós dois falou o que quis, vou voltar para casa e cuidar da vida.
Alyssia esperou que ele se afastasse para deixar cair a máscara. Voltou para a toalha onde se esticou novamente ao sol. Passaria o dia todo na praia. Preferia morrer de fome ou de insolação a olhar para a cara de Peter tão cedo!
Pela primeira vez na vida um homem destruía suas defesas, minava seu autocontrole, fazia de Alyssia Stanley um ser vulnerável. De uma mulher sofisticada e segura, a transformara numa perfeita imbecil!
Seus amigos em Londres jamais a reconheceriam. Jonathan muito menos. Onde estaria a garota desprendida, livre, inconseqüente, que só pensava em se divertir e gastar dinheiro, se perguntariam.
Quanta ironia. Justamente ela que sempre tivera dúzias de homens a seus pés e que os descartava como quem se livrava de uma meia desfiada, estava agora apaixonada por um para quem significava tanto quanto um trapo velho.
Tudo bem, Peter dissera que sentia atração por ela, e Alyssia até acreditava que fosse verdade. Mas, por outro lado, sabia que se ele nunca mais a tocasse também não sentiria a menor diferença. E era isso que doía.
Sim, porque com ela as coisas eram diferentes. Era como se tivesse passado a vida toda fechada dentro de uma concha e de repente despertasse para um mundo que nunca sonhara existir.
O relógio marcava cinco horas quando resolveu voltar para casa.
Sentiu-se aliviada quando não escutou nenhum barulho de martelo nem avistou Peter Morrison, mas logo se pegou procurando-o por todos os cômodos e ficando ligeiramente desapontada ao perceber que ele devia ter saído.
Aproveitou então para tomar um banho bem demorado, lavou os cabelos e, quando acabava de se vestir, ouviu vozes no andar debaixo. Quem seria? Uma delas era de Peter, mas e a outra? Prestou alguns segundos de atenção e então reconheceu a voz de Simone.
Um segundo depois ela descia as escadas quase correndo. E quando chegou à porta da sala lá estava Simone, toda sorridente, praticamente bebendo as palavras de Peter.
Os dois olharam para ela e por um instante teve vontade de se desculpar e voltar para o quarto, dizendo que não queria atrapalhar. Mas pensou melhor e abriu um sorriso, indo direto cumprimentar a amiga.
— Você por aqui, Simone? Mas que surpresa! O que houve para aparecer?
— Nada... — A amiga ficou vermelha como um pimentão e acrescentou depressa: — Vim só fazer uma visitinha, afinal não é todo dia que você resolve vir à França, não é mesmo? Peter estava aqui me fazendo companhia enquanto você não chegava. Aliás, ele me contava histórias interessantíssimas sobre os lugares por onde tem viajado.
Alyssia sentou-se ao lado da amiga no sofá e balançou a cabeça, recusando quando Peter lhe ofereceu um copo de vinho.
— Não, obrigada.
— Tem certeza? — ele insistiu educadamente. — Esse é de uma safra muito boa.
— Prefiro ficar com a minha água mineral, obrigada.
Peter deu de ombros e voltou-se para Simone, como se Alyssia não estivesse mais ali, e continuou a conversa.
Ela cerrou os dentes com força enquanto pelo canto dos olhos os observava. Sorrisos. Simpatia. Olhares calorosos. Tudo indicava que Mister Charme entrara novamente em ação. E pela receptividade de Simone o galã parecia estar fazendo muito sucesso.
Sentindo-se como um peixe fora d’água, continuou quieta, apenas ouvindo, até que Simone fez a caridade de lembrar-se de sua existência.
— Oh, Aly, meu irmão não fala em outra coisa senão no almoço de vocês na semana que vem.
— É mesmo?
— Você nem imagina como ele está ansioso. Queria que eu perguntasse em que restaurante você gostaria de ir, veja só.
— É mesmo?
— Pois então. A primeira idéia dele era um lugarzinho bem aconchegante, romântico, e quando contestei dizendo que uma moça comprometida em geral prefere ir a esse tipo de lugar com o próprio noivo, ele se horrorizou com a minha lógica.
Houve um instante de silêncio. Alyssia teve medo que Peter fizesse algum comentário sobre sua decisão de romper o noivado. Ainda não tocara naquele assunto com Simone, pois achava que Jonathan deveria saber antes de qualquer outra pessoa, mas, para seu alívio, ele foi muito discreto.
— Quando vai ser esse almoço, afinal? — quis saber.
— É Aly quem deve responder. — Simone olhou para ela. — Que dia mesmo você e meu irmão marcaram? Na quarta-feira?
Ela balançou a cabeça, confirmando, e Peter se virou para Simone:
— Nesse caso, gostaria de fazer uma sugestão, posso?
— Onde? — Os olhos de Simone brilharam. — Sempre me interesso por novos restaurantes. Dá para notar, não?
Ela e Peter riram, mas Alyssia não achou tanta graça. Lembrou-se do comentário dele de que ela bem poderia ganhar uns quilinhos e pela primeira vez na vida olhou com inveja para as coxas roliças de Simone.
— É um lugar bem pequeno, na verdade muito pouco conhecido — Peter explicou. — A especialidade da casa é frutos do mar, que aliás eles preparam como ninguém. Fazem uma “loup de mer” soberba. O dono é um velho amigo meu, e se todos toparem podemos fazer uma mesa de quatro. Sim, creio que se eu reservar com antecedência não haverá problemas.
— Que idéia magnifica! — Simone aplaudiu. — Uma mesa de quatro será maravilhoso, não acha, Aly?
Alyssia pensava em outra coisa e, em vez de responder, se voltou para Peter, intrigada.
— Eu não sabia que você era tão conhecido assim por aqui.
— Sempre trabalhei muito nessa região, especialmente em Cap Ferrat. Não se esqueça de que falo francês fluentemente, o que traz muitas vantagens quando se trabalha no continente.
— Nem me diga! — Simone concordou. — André e eu também falamos bem o francês, mas tenho visto muitos comerciantes passando dificuldades por aqui por causa da língua.
— E você? — Peter olhou de novo para Alyssia. — Também fala outras línguas além do inglês?
Com a nítida impressão de que ele se esforçava para incluí-la na conversa, ela balançou a cabeça, negando, enquanto Simone dava uma risada gostosa.
— Oh, Aly nunca ligou muito para os estudos, não é, querida? Sempre foi a mais brilhante da classe, mas vivia sendo cobrada pelos professores de que podia fazer melhor. Lembra-se de como costumávamos caçoar de você por causa disso, Aly?
Alyssia nunca se sentiu tão pouco à vontade em toda a sua vida. Peter estava olhando para ela com interesse, como se o que acabava de ouvir fosse alguma informação valiosa.
— Ora, Simone. Tenho certeza de que Peter não está nem um pouco interessado nesse tipo de assunto.
— Ao contrário, estou sim — ele protestou com veemência. — Conte mais, Simone.
Alyssia lançou um olhar significativo para a amiga, mas, se percebeu, Simone se fingiu de desentendida.
— Bem, todas nós sentíamos inveja de Aly. Afinal, ela era a mais bonita da escola inteira. E só fazia o que bem entendia, significando muita diversão e nenhum dever de casa. Com exceção de arte. Ah, em arte você era sensacional, lembra-se, Aly?
Alyssia balançou a cabeça, contra a vontade. A imagem que Simone estava fazendo dela era exatamente a esperada por Peter. Uma loirinha bonita, rica e fútil.
Subitamente ela ficou em pé, decidida a dar um fim naquela conversa idiota.
— Então gente? Qual é a sugestão para o jantar de hoje?
— Falou em comida é comigo mesma. — Simone se levantou de um salto. — Eu trouxe alguns patês, um queijo Brie e algumas baguetes de pão francês. Está tudo lá no meu carro. Ninguém pode dizer que faço visitas de mão abanando. Vou buscar e volto num instante.
Assim que Simone saiu da sala, Peter se voltou para ela com um ar muito sério.
— Por que não seguiu um curso de arte?
Alyssia deu de ombros. Sabia que Peter não estava de fato interessado.
— Sei lá, não achei importante.
— Porque sabia que tinha um futuro garantido e nunca precisaria trabalhar para ganhar a vida, não é mesmo?
Um novo dar de ombros, desta vez sem resposta, tirou a paciência dele.
— Mas o que há com você? Não continua remoendo nossa conversa na praia, continua?
— Claro que não.
— Ainda bem, porque afinal somos adultos. Fizemos amor, mas não quer dizer que o mundo tenha se acabado. E se vamos conviver sob o mesmo teto seria ótimo entrarmos num acordo civilizado.
— Claro.
Alyssia mal conseguia olhá-lo nos olhos. Céus! Como era duro saber que significava tão pouco para ele terem feito amor.
Simone entrou de volta com os pacotes e foi direto para a cozinha, de onde gritou, pedindo ajuda.
— Alguém pode me dar uma mãozinha por aqui? Onde fica a manteiga, o alho e o azeite?
Alyssia olhou para Peter.
— É você que ela quer.
Ele deu de ombros, levantando-se, deixando-a ali às moscas, sem saber o que fazer.
Pouco depois começou a ouvir a conversa dos dois na cozinha, o riso alegre de Simone e o entusiasmo com que ela descrevia uma receita exclusiva de pão de alho. Incapaz de suportar por mais tempo um terrível sentimento de solidão, resolveu juntar-se a eles.
Sabia que Simone fizera um curso de culinária francesa ao sair da escola e que até chegara a fazer planos de abrir um restaurante em vez da butique. No último instante, porém, mudara de idéia.
Agora, ao vê-la ali ao lado de Peter, percebia que os dois formavam o par perfeito na cozinha. Ambos eram morenos, tinham cabelos pretos e, ao contrário dela, conheciam o assunto.
Naquela noite, também, eles comeram no jardim. Embora fosse uma refeição fria, estava tudo muito delicioso, especialmente o pão de alho, quentinho e crocante.
Quando já estava para ir embora, Simone tocou novamente no assunto de seu almoço com André.
— E então, como ficamos a respeito de quarta-feira?
Peter olhou para ela, mas Alyssia limitou-se a dar de ombros, demonstrando total indiferença.
— Bem, vou deixar para vocês duas decidirem — ele disse, então levantou-se e foi para a cozinha depois de se despedir de Simone, enquanto Alyssia acompanhava a amiga até o carro.
— Seria divertido se fizéssemos um grupo de quatro, você não acha, Aly? Além do que, serviríamos de acompanhantes para você e André.
Ela riu, dando o braço à amiga.
— Desculpe se fui meio chata esta noite, Simone.
— Tudo bem. Eu estava até pensando que você não gostou que eu tivesse vindo.
— Imagine! Quanto mais gente por perto, melhor. Menos tenho de bancar a civilizada com aquele arrogante do Peter Morrison.
— Verdade? — Simone abriu a porta do carro e jogou a bolsa no banco de trás. — Olhe, então vou lhe confessar uma coisa, Aly. Não foi por você que eu vim. Quero dizer, também gostei de lhe fazer uma visita, mas foi principalmente por causa de Peter que resolvi aparecer. Gostei dele de verdade.
Alyssia sentiu o sangue gelar nas veias. Teve uma reação tão violenta à confissão de Simone, que se envergonhou de si mesma. E daí se sua amiga sentia atração por Peter? Afinal de contas, ele não deixara bem claro que não queria compromisso nenhum com Alyssia?
— Ele é todo seu, Simone. Use e abuse, afinal, gosto não se discute.
— Em termos, minha querida, em termos.
— O que quer dizer?
— Que posso estar interessada nele, achá-lo super-atraente e simpático, ao contrário da sua opinião, mas esse sentimento não é correspondido.
Alyssia sentiu seu coração dar um pequeno salto dentro do peito.
— Mas vocês me pareceram se dar tão bem.
— Sem dúvida isso é verdade. Nós nos entendemos como velhos amigos, mas é tudo. Não sou o tipo dele.
Daquela vez, sentiu o coração dar vários saltos dentro do peito, cada um maior que o outro. Precisou se esforçar para não sair cantando e dançando ainda assim Simone a fitou durante alguns instantes, antes de falar outra vez:
— E sobre a quarta-feira, então, vamos os quatro juntos?
Alyssia concordou prontamente. E que ninguém perguntasse por que não fizera isso antes, já que o plano não poderia ser melhor. Com Peter e Simone junto, não teria de se submeter às investidas amorosas de André, coisa que podia manobrar facilmente, mas que preferia evitar.
Quando entrou em casa, Peter olhou para ela com uma das sobrancelhas erguidas.
— Sentindo-se melhor?
Ela sorriu, decidida a fazer o mesmo jogo dele, como se nada tivesse mudado.
— Melhor do que quando?
— Do que esteve a noite toda.
— Sim, estou ótima. Talvez um pouco cansada, por isso, se não se importa, estou indo para a cama.
— Que bom. — Peter deu um passo na direção dela e riu ao vê-la recuar assustada. Sua intenção era tão somente pegar o copo que estava na mesa atrás de Alyssia. — Não se preocupe, não vou tocar em você.
Alyssia subiu para o quarto com aquelas últimas palavras ecoando em seus ouvidos e só conseguiu começar a relaxar quando se viu aninhada entre as cobertas e com a luz apagada.
Durante algum tempo ficou ouvindo o barulho distante das ondas quebrando na praia. E pensando em si mesma, no quanto mudara desde que saíra de Londres.
Não era mais aquela garota superficial que só pensava em se divertir e gastar dinheiro. Agora estava apaixonada por um homem. Um homem que tinha o dom de enfurecê-la, que derrubava todas as suas defesas e que conseguia ler o que se passava em seu íntimo.
Como seria maravilhoso se esse seu amor fosse correspondido...
De repente teve uma ideia. Uma de suas ideias malucas, mais um de seus caprichos extravagantes, mas por que não? Já consultara antes uma astróloga, por que não repetir a loucura? Seria interessante comparar a opinião das duas e saber se os astros poderiam dizer a ela que caminho tomar.
A brilhante ideia de consultar uma astróloga não parecia mais tão brilhante assim na manhã seguinte, quando Alyssia acordou.
Primeiro, porque o dia amanheceu chuvoso. Não uma garoa fina como estava acostumada a ver em Londres, mas uma chuva forte e contínua, o dia ideal para se passar em casa, lendo embaixo das cobertas.
Mas ficar em casa significava pensar em Peter e ver Peter. E como estas eram duas coisas que ela preferia evitar, decidiu dar de ombros para o mau tempo e foi para a vila se informar a respeito de uma astróloga.
Que atitude mais ridícula, disse a si mesma no caminho. Afinal, o que as estrelas poderiam lhe dizer que não acabasse descobrindo por si mesma? Ainda assim não desistiu.
Pelo catálogo telefônico descobriu que havia apenas uma astróloga nas redondezas. E que felizmente falava inglês, alem de outras cinco línguas. Não pensou duas vezes ou sabia que voltaria atrás. Ligou para a tal fulana e, quando deu por si contava detalhes de sua vida pelo telefone e em seguida tomava um táxi com um endereço na mão.
Sorte sua não ter tido que dar explicações a Peter sobre sua saída de casa num dia tão horrível, pensava no caminho. Claro que não teria dito a verdade, se ele tivesse perguntado. Só não sabia que tipo de mentira o convenceria, já que para enfrentar um temporal daqueles estava só com uma jaqueta e um chapéu de palha!
Quando finalmente o motorista a deixou à porta de uma casa modesta, num bairro afastado de Nice, Alyssia tinha serias dúvidas se não estaria ficando meio maluca. Uma coisa era estar em Londres, numa sexta-feira à tarde e, num rompante de entusiasmo, acompanhar algumas amigas a uma astróloga. E outra muito diferente era estar num país estrangeiro e sair debaixo de uma tempestade atrás de uma astróloga, na esperança de encontrar a receita da felicidade. O que inventaria a seguir? Uma consulta à bola de cristal? Magia negra?
Sim, sem dúvida seu comportamento era estranho demais para uma pessoa que se considerava normal. Mas quando decidiu voltar atrás, o táxi já dobrava a esquina, e ela não teve jeito senão tocar um pequeno sino dourado pendurado na porta da casa.
Não demorou muito e uma jovem de olhar penetrante, cabelos de fogo e pele sedosa apareceu diante dela com um largo sorriso no rosto.
— Srta. Stanley?
— Eu mesma.
— Entre, por favor.
Alyssia hesitou um instante, mas entrou, deixando que a moça a ajudasse a se livrar da jaqueta ensopada. O tempo todo olhava ao redor, nervosa. Céus! Por que diabos não fora fazer compras. Com certeza as maravilhosas butiques de Nice resolveriam os seus problemas tão bem ou melhor que aquela jovem da mesma idade que ela.
Tarde demais, no entanto. A moça não parava de falar. Claire, foi como pediu para ser tratada. Simplesmente Claire. Nada de madame “isso” ou “aquilo” pois, conforme alegou, preferia usar de simplicidade, já que a maioria das pessoas tendiam a ver sua profissão como uma farsa. Tratavam-se dos céticos, como os chamou.
E assim também era a casa. Aconchegante mas comum, sem nenhum dos aparatos rebuscados da astróloga de Londres.
Alyssia a ouviu em silêncio, explicara que já fizera seu mapa astral, baseada nas informações que ela lhe dera pelo telefone. Tentou não parecer mais uma daquelas pessoas céticas, mas Claire logo notou seu nervosismo.
— Não precisa ficar tão nervosa assim. Não sou mágica muito menos uma bruxa que vai colocar em você um terrível feitiço. Na verdade, a astrologia só é um mistério para quem não conhece nada a respeito do assunto.
— Bem, para ser sincera, já consultei uma astróloga em Londres, certa vez.
— Faz muito tempo?
— Faz — ela mentiu, mas depois se sentiu envergonhada. — Quero dizer, não tanto assim.
— Então deve ter uma idéia do que é o nosso trabalho. Não vou perguntar por que decidiu procurar outra, mas aqui está o que decifrei do seu mapa. — Ela a conduziu a uma mesa diante da qual a fez sentar-se. — Quem sabe não podemos fazer algumas comparações com a sua primeira visita, não?
Alyssia procurou sorrir e então num tom suave e pausado Claire começou a falar sobre ela.
Daquela vez, como suas amigas não estavam lá para distraí-la, prestou atenção em cada palavra, cada vírgula, cada gesto. Deixou-se absorver pela familiaridade com que aquela estranha falava sobre seu caráter. E ficou fascinada.
Sem dúvida o que a moça dizia poderia se aplicar a qualquer pessoa. A maior parte, porem, definia tão bem sua personalidade, acertava no alvo com tal precisão, que aos poucos ela foi esquecendo o ceticismo inicial.
Ouviu palavras como “impulsiva”, “confiante”, “temperamental”, adjetivos que, tinha de reconhecer, se aplicavam a ela sem sombra de dúvida.
— Você é uma pessoa sincera, forte, capaz de grandes feitos, como a maioria das mulheres de áries — Claire explicou-lhe. — No momento, entretanto, sinto que não está feliz. Que parte da sua incrível energia está sendo desperdiçada. Você nasceu sob a regência do planeta Marte, que significa uma pessoa capaz de aceitar qualquer desafio.
Alyssia ensaiou um sorriso.
— É muito cômodo para mim, ficar aqui sentada ouvindo você falar sobre a minha personalidade.
— Algumas vezes ajuda, acredite. Afinal das contas, de que maneira uma pessoa pode resolver seus problemas sem que antes haja algum tipo de confronto consigo mesma?
Ela arregalou os olhos.
— Quer dizer que... bem, você reparou que tenho problemas?
— É muito mais óbvio do que imagina. E não que esteja escrito em seu mapa. Torna-se óbvio pela expressão do seu rosto, pelo seu jeito de sentar. Há uma infinidade de indicações, você nem imagina quantas. Na minha profissão, acaba-se aprendendo a ler as pessoas antes mesmo de se olhar o mapa astral delas.
— O que deve ser de grande ajuda.
— Sem dúvida.
Alyssia estava abismada. Pela primeira vez na vida percebia como lhe fazia falta falar de si mesma. E o quanto era mais fácil, em se tratando de uma pessoa estranha. Sabia que se tentasse se abrir com qualquer de seus amigos, eles provavelmente ririam dela. Quem acreditaria que a alegre, segura, linda e milionária Alyssia Stanley pudesse ter problemas?
Claire lançou para ela um olhar penetrante.
— Você deve saber que não posso ler o seu futuro, não com todos os detalhes complexos, no entanto posso lhe dar uma idéia geral dos fatos mais marcantes da sua vida. Gostaria de ouvir? Seria uma espécie de extensão da leitura do mapa, já que as duas coisas estão praticamente ligadas uma à outra.
Alyssia prendeu a respiração. Não tinha tanta certeza assim se queria saber a respeito de seu futuro. E se houvesse algum fato sinistro pelo caminho?
Claire adivinhou seus temores.
— Não precisa ter medo, está bem? Não vou dizer, por exemplo, para que não passe embaixo de uma escada amanhã, porque poderá sofrer um acidente. Nada disso. Como já expliquei, só posso fazer alusões gerais.
— Como as profecias de Nostradamus.
— Já ouviu falar delas? Poucas pessoas conhecem.
— De qualquer forma, não sei se...
— Os seus problemas estão centralizados num homem, certo?
— Bem...
Claire nem esperou que Alyssia respondesse para continuar.
— Não posso afirmar com precisão qual a idade desse homem ou como ele é fisicamente, mas posso dizer que conseguiu virar a sua vida de cabeça para baixo. E com toda a certeza que ele é do signo de virgem.
De virgem! Alyssia gelou. Lembrava-se perfeitamente da astróloga de Londres ter dito algo parecido com “tomar cuidado com virgem”.
— E posso afirmar também que ele é muito diferente de você — Claire acrescentou. — Ele é reservado, fechado em si mesmo, jamais demonstra vulnerabilidade.
Daquela vez Alyssia ficou nervosa de verdade. Levantou-se e começou a andar pela sala, inquieta, dividida entre ir embora e ficar para ouvir mais. Decidiu-se pelo último.
— E as coisas não andam dando certo entre vocês dois ou não teria vindo até aqui, correto? — Novamente ela não esperou que Alyssia respondesse. — O fato é que você está andando sobre um campo minado e campos minados exigem o máximo de cuidado, porque são extremamente perigosos.
Alyssia nem piscava. A astróloga usava aquele tom monótono, e ela parecia hipnotizada.
— Esse seu homem é do tipo que só tem uma mulher.
E que não era ela, Alyssia pensou, estática, e logo em seguida viu sua suspeita confirmada.
— Alguém a quem ele está amarrado há muitos anos.
— Não!
A moça se assustou com seu grito e mais ainda quando ela pegou a bolsa e começou a remexê-la a procura de alguns francos.
— Você não vai embora, vai?
Céus, era tudo o que ela queria, pagar a astróloga e dar o fora dali o quanto antes!
— Eu preciso, me desculpe.
— Mas ainda há muito mais, eu gostaria que...
— Olhe, não quero ouvir mais nada. Na verdade, tenho um compromisso e... e não posso ficar nem mais um minuto, sinto muito.
— Mas...
— Você já me ajudou bastante, acredite. Foi ótimo conversar com alguém, falar de sentimentos, quem sabe até quando eu voltar para Londres não arranjo um cachorrinho ou talvez um gato, assim sempre que eu precisar terei com quem desabafar?
A astróloga balançou a cabeça, inconformada.
— É uma pena você sair assim no meio da sessão. Esse homem da sua vida, bem... existe de fato uma outra mulher mas...
Alyssia colocou algumas notas na mão dela e foi saindo.
— Muitíssimo obrigada por tudo, mas agora eu preciso mesmo ir, já estou atrasada.
Ela foi andando na direção da porta, vestindo a jaqueta e o chapéu sem ligar a mínima para o fato de que o céu parecia estar desabando.
— Mas olhe só essa chuva, você não pode ir agora! — Claire se indignou. — Por que não espera mais um pouco, posso chamar um táxi e enquanto isso tomamos um chá. Se não quer mais que eu fale, tudo bem, ficarei calada, mas é loucura sair por aí debaixo dessa chuva.
Sem sombra de dúvida seria uma atitude muito pouco sensata, no entanto Alyssia não queria saber de sensatez naquele instante. Tudo o que desejava era dar o fora dali o mais rápido possível, e rezar para que a chuva fria apagasse de sua cabeça o que acabara de ouvir.
Andou pelo menos uns quinze minutos antes de conseguir um táxi. Àquelas alturas estava tão encharcada que foi um custo no seu precário francês convencer o motorista a levá-la.
Durante todo o caminho de volta, não conseguiu pensar em outra coisa senão nas palavras da astróloga. Tentou se convencer de que era tudo bobagem, mas tudo fazia sentido.
Por exemplo, Peter ter dito que tivera uma experiência amarga no passado e que por isso não queria mais saber do amor. Por que outra razão ele continuava solteiro? Um homem como ele, atraente, brilhante e bem-sucedido podia escolher a mulher que desejasse, no entanto ele vivia só. Ainda se ele fosse do tipo aventureiro, conquistador, ela até entenderia. Mas não tivera essa impressão além do que, ele mesmo afirmara que não era.
Oh, céus! Não queria mais pensar em nada daquilo mas as palavras da astróloga continuaram martelando sua cabeça até chegar em casa.
Droga! A verdade era que Peter fizera amor com ela porque a desejara e ela se entregara a ele porque estava apaixonada. Eram dois sentimentos totalmente opostos!
Quando desceu do táxi havia chegado à conclusão de que havia desperdiçado a manhã afinal tudo o que ouvira não passavam de meras conjeturas.
Talvez devesse era pensar melhor no assunto. Estava apaixonada por Peter, seu amor não era correspondido mas nada a impedia de lutar por ele. Não era porque uma astróloga qualquer, ainda por cima tão jovem quanto ela, dizia que havia uma mulher na vida dele que essa mulher tinha de existir. Casado ele não era, tinha certeza, então onde estaria a tal dona?
Sua intenção era entrar em casa sorrateiramente mas nem bem pôs os pés no hall ouviu vozes na sala. Molhada mesmo aproximou-se para ver quem era e qual não foi a sua surpresa ao dar com Peter conversando com... uma mulher! E atraente por sinal.
Os dois olharam para ela como se estivessem vendo um fantasma.
— Alyssia! Por que diabos teve de sair de casa com um tempo destes?
— Ah, voccs ingleses. São todos uns malucos, non?
Ao ouvir o forte sotaque da mulher que exibia um sorriso cativante, Alyssia viu todo o seu otimismo ir por água abaixo. Dona de um rosto mais para interessante do que propriamente bonito, a desconhecida era o que ela classificava de uma francesa autêntica. Elegante, charmosa, com muita elasse. Tinha traços angulosos, enormes olhos azuis e um sorriso encantador. Em resumo: fossem outras as circunstâncias, até teria simpatizado com ela.
Mas claro que isso seria impossível. Sim, porque aquela sem dúvida era a tal mulher de quem lhe falara a astróloga. Só podia ser. Do jeito que estavam sentados no sofá, ela e Peter, um bem perto do outro, não havia dúvida de que existia alguma coisa entre eles.
Tentando disfarçar seu desaponto, procurou ser o mais seca possível.
— Eu sinto muito. Não era a minha intenção interromper.
— Não acha melhor ir trocar logo de roupa, Alyssia? — Peter sugeriu. — Não pretende pegar uma pneumonia e passar o resto da temporada na cama, não é mesmo?
— Oh, Peter — a francesa objetou no seu terrível sotaque. — Não vai fazer apresentações de nós duas?
— Claro que sim. Nicole, esta é Alyssia a garota de quem eu lhe falava. Alyssia, esta é Nicole.
Nicole abriu um sorriso caloroso.
— Você tem razão, a jovem precisa mudar as roupas, non? Por acaso foi dar um passeio na chuva? Oh, que bobage, non?
— Não, não fui dar um passeio na chuva — Alyssia respondeu irritada. — Minha loucura tem limites. E agora se me derem licença, vou me trocar e voltarei num minuto.
— Não precisa se apressar, Alyssia.
Aquela última recomendação de Peter era totalmente desnecessária. Claro que não havia pressa. Ela sabia muito bem que por ele, poderia ficar no quarto o resto do dia.
Pouco depois, no entanto, vestindo um jeans e uma camisa de seda, voltava para a sala onde os dois continuavam conversando. Em francês.
Ao vê-la, Nicole sorriu, mudando para um inglês sofrível.
— Então você gosta de fazer compras mesmo com esse tempo medonho, non?
— Non.
Peter a fitou intrigado.
— Não? Então onde se meteu debaixo dessa chuva toda?
— Saí por aí.
— Ah... — Nicole a fitou com cumplicidade. — Às vezes é melhor não mencionar os gastos, non? Esses homens, eles nunca entendem.
— Imagine — Peter protestou — Alyssia não é do tipo de fazer segredo de seus gastos, não é mesmo Alyssia?
— Não, de fato não sou. Na verdade sou a garotinha rica, bobinha e disponível que você usa de graça.
Peter só faltou esganá-la com o olhar. Felizmente Nicole não compreendeu uma palavra se bem que pela expressão furiosa dele, deva ter percebido que a piada fora de mal gosto. E como tinha um inglês muito limitado, voltou a falar com ele em francês.
Alyssia sentiu o sangue subir.
— Acho muita falta de educação ficarem falando francês quando sabem que não compreendo.
Peter olhou para ela com os olhos apertados.
— E eu acho muita falta de educação você querer entender o que obviamente não é da sua conta.
— Mas não se esqueçam que vocês estão em minha casa.
— E por isso devemos fazer o que sua senhoria deseja?
Alyssia sabia que estava sendo infantil mas simplesmente não conseguia se conter.
— Exatamente.
— Nesse caso se prefere que vamos embora, basta dizer. Não precisa gastar essa sua língua afiada com rodeios.
Ele se virou para Nicole, e os dois voltaram a conversar provavelmente terminando o assunto que haviam começado.
Depois de algum tempo ambos se levantaram. Alyssia já começava a sentir-se aliviada porque Nicole finalmente ia embora quando percebeu que Peter também ia junto.
— Vejo você mais tarde, O.K.? Vou ter de sair um pouco, portanto pode almoçar sem mim.
Fazendo o impossível para conter seu desaponto ela estendeu a mão para Nicole.
— Foi um prazer conhecê-la.
— Oh, oui. Pena que non pudemos conversar mais, non? Infelizmente tenho pressa. Meu marido e meu filho estão em casa, acho que com muita fome.
Alyssia esperou que eles saíssem e jogou-se numa cadeira totalmente perplexa. Então Nicole era casada? E também tinha uma filha? Céus! Agora entendia tudo. Peter estava apaixonado por uma mulher casada! Por isso se mostrava tão arisco quando ela fazia perguntas.
A astróloga estava certa quando a prevenira. E também quando dissera que havia alguém na vida dele. Mas até que ponto Peter se sentia amargurado por se encontrar numa situação daquelas?
Milhões de perguntas começaram a atormentá-la. Será que eles se conheciam há muito tempo? Sim, tivera a impressão de que se tratavam com muita familiaridade. Mas será que Nicole já era casada quando Peter se apaixonou por ela? Provavelmente não. Lembrava-se quando ele dissera que queria distância de mulheres casadas.
Droga! Como odiava tudo aquilo!
Ainda indignada, foi para a cozinha e preparou um sanduíche com o resto do patê que sobrara da noite anterior. Comeu sem nenhum apetite e voltou para a sala onde se surpreendeu ansiosa para que Peter voltasse logo.
Chegava a parecer uma piada essa sua atitude. Nunca fora o tipo de garota que ficava inquieta esperando pelo namorado. Que diabos estaria acontecendo com ela? Sabia que havia mudado ou melhor, sentia na pele que já não era mais a mesma, mas será que mudara tanto assim? Ou seria o amor que fazia aquilo com as pessoas?
Ela suspirou desanimada. Talvez devesse voltar para Londres onde pelo menos sempre levara uma vida segura. Segura mas fútil e insatisfatória, essa era a verdade. Não, bastava ter passado os últimos anos fugindo. Fugindo de si mesma, fugindo de um compromisso mais sério na vida, fugindo de seu dilema com Jonathan. Agora iria enfrentar o que viesse pela frente.
A astróloga não dissera que era o tipo de pessoa capaz de enfrentar grandes desafios? Pois muito bem. Ali estava um desafio, talvez o maior de sua vida!
Passaria os dias restantes na mesma casa que Peter, depois voltaria para Londres e de uma maneira ou de outra tinha certeza que sobreviveria sem ele.
Menos desanimada, ela pegou uma folha de papel e começou a desenhar. Primeiro copiou as flores do medalhão da jarra, depois fez o esboço de algumas árvores e continuou rabiscando sem prestar muita atenção no que fazia.
Na verdade seu pensamento continuava em Peter. Ele não deveria estar trabalhando àquelas horas? Sim, havia assumido um compromisso com seu pai. Ou será que se achava tão importante assim que podia terminar a casa quando bem entendesse? Trataria de lembrá-lo disso quando ele resolvesse aparecer.
Não se passou nem dois minutos porém, mudou de ideia. Não diria nada. Peter certamente pensaria que ela estava com ciúmes o que não era verdade. Aquele aperto no peito que estava sentindo não passava de raiva de si mesma por ter se deixado levar a uma situação daquelas. Jamais de ciúme!
Ela continuou desenhando, amassou vários esboços e quando olhou no relógio já eram seis horas. Continuava chovendo embora com menos intensidade, e ela se encontrava tão absorta em seus pensamentos que nem ouviu Peter chegar. Quando olhou para trás ele se encontrava em pé, perto dela, tirando a jaqueta molhada e tratando-a como se nada tivesse mudado entre eles.
— O que está fazendo aí? Desenhando?
— Parece.
Ele pegou algumas das folhas amassadas e abriu-as para examinar os desenhos.
— Alyssia Stanley, a artista. Muito bons. Há força nos traços.
— Ora, pare de ser tão paternal.
— Paternal? Foi o que eu fiz, fui paternal?
— É o que você faz o tempo todo.
— Hum, não acho não. Posso me lembrar de mais de uma vez em que a última coisa que eu tinha em mente era ser paternal com você.
Ela se sentiu rubra como um pimentão.
— Não sei do que está falando.
— Não mesmo?
Ele se sentou ao lado dela no sofá. Tão perto que afundou a almofada e ela precisou se esforçar para manter o corpo erecto e não encostar-se nele.
— Eu não sabia que você entendia de arte.
Ele sorriu, esticando as pernas para frente. Parecia seguro de si, como se adivinhasse que a deixava nervosa.
— Mas claro que entendo. Na minha profissão é muito importante se conhecer arte. Além do que, coleciono quadros. É o meu hobby.
— Um hobby dispendioso, por sinal.
— Sim, talvez. Mas voltando aos seus desenhos, foi isso que foi fazer, hoje de manhã? Comprar material de desenho? Devia ter me avisado assim eu teria ido junto para ajudá-la.
— E perderia a visita de Nicole?
Ele ergueu as sobrancelhas intrigado e ela se odiou por ter dito aquilo. Tentou consertar mas estava visivelmente nervosa.
— Ela é muito simpática, não? Mora aqui por perto?
— Mora sim.
— Faz tempo que você a conhece?
— Por que tantas perguntas?
— Por nada. Só estou tentando ser educada assim como você foi quando fez todas aquelas perguntas sobre André e Simone. Mas se não quiser não precisa responder.
— Sei disso muito bem, não precisa me dizer se posso ou não responder. Ouça, quando eu achar que você está se intrometendo demais na minha vida direi logo, não se preocupe. Mas já que está tão interessada, sim faz tempo que nós nos conhecemos.
Então por que não se casou com ela, Alyssia teve vontade de perguntar mas subitamente ele fez algo que a pegou de surpresa. Afastou gentilmente uma mecha de seu cabelo, deixando-a nervosa a ponto de sentir falta de ar.
— Você... não quer um café?
Ele sorriu lentamente, fazendo seu coração disparar.
— Um café... não.
Era ela que ele desejava, percebeu logo e entrou em pânico. Sim, Peter a desejava mas para substituir a mulher que ele amava e com quem passara a tarde toda, provavelmente sem poder tocar.
Seus olhares se cruzaram e por um instante ela pensou que seu coração fosse sair pela boca de tão forte que batia. Desejou ser acariciada por aquelas mãos fortes, das quais já conhecia o poder de enlouquecê-la mas então sabia que seria uma outra mulher que elas estariam acariciando.
— Você está me olhando mas na realidade não está me vendo, não é mesmo Peter?
A expressão dele mudou de repente.
— De que diabos está falando?
— Você sabe muito bem.
— Não, eu não sei. Nunca sei o que se passa nessa sua linda cabecinha e já estou perdendo a paciência! Se tem alguma coisa para me dizer por que não diz logo em vez de ficar com rodeios?
Sim, ela queria fazer uma pergunta e sabia que Peter não ia gostar nem um pouco de ouvi-la. Mas precisava tirar uma dúvida. Confirmar o que a astróloga dissera e a única forma que via era perguntando a ele. Mesmo correndo o risco de ser esganada.
Respirou fundo para tomar coragem e acalmar os nervos e falou com a voz bem firme.
— Nicole é mais que uma amiga sua, não é? Digo, está mais envolvido com ela do que deixa aparentar, estou certa?
— Qual é o seu interesse nisso, posso saber?
— Fizemos amor, lembra-se?
— E só porque fizemos amor você acha que tem o direito de me cobrar satisfações? — ele deu uma risada sarcástica — Nunca me passou pela cabeça que você fosse do tipo que gosta de exclusividade.
— Ainda não respondeu a minha pergunta, Peter.
— Tudo bem, então vou responder. Sim, Nicole e eu já percorremos uma longa estrada juntos e sim, pode-se dizer que estamos envolvidos de uma forma bem mais profunda que uma simples amizade. Satisfeita?
E miseravelmente infeliz, ela pensou desejando que a terra a engolisse naquele exato momento.
— Você a conheceu aqui, não? Nesta mesma vila?
— Exato. Conheci Nicole exatamente nesta vila.
— Por isso decidiu fazer esse trabalho para o meu pai?
— Um dos motivos.
— Entendo.
Já havia escurecido mas nenhum deles se levantara para acender as luzes a casa se encontrava na mais completa escuridão.
De repente ela se levantou.
— Bem, estou cansada, acho que vou dormir.
— Alyssia... Há certas coisas que você não pode compreender. Você não passa de uma criança, droga!
— Engano seu, Peter. Entendo bem mais do que você imagina. Mas como você mesmo disse uma vez, somos dois adultos e ainda faltam alguns dias para eu ir embora. De certa forma, foi bom as coisas terem ficado mais claras entre nós. É sempre melhor sabermos em que pé estamos, não?
— E em que pé “você” está?
— Eu? — ela procurou fazer um ar de mulher experiente e segura. — Não gosto de dividir meus homens. Você foi a exceção que fugiu à regra.
— Exceção? — Ele fitou-a durante algum tempo como se avaliasse o sentido exato da palavra, então deu de ombros — Melhor assim. A última coisa que eu gostaria era de vê-la emocionalmente envolvida comigo.
— Envolvida com você?! — ela reagiu com o orgulho ferido — Como... como se atreve a sugerir que eu esteja, hein?!
— Não estou sugerindo que esteja. Estou sugerindo que evite.
Peter a encarava diretamente dentro dos olhos e Alyssia nunca pensou que algum dia chegasse a sentir tanta raiva. Uma raiva nascida da humilhação e do reconhecimento não só de que estava apaixonada por ele mas de que Peter soubera adivinhar seus sentimentos.
Olhou para ele com uma calma fria, controlada.
— Muito obrigada pelo conselho, mas na verdade ele não era necessário.
Peter a fitou durante alguns instantes, fez como quem ia dizer algo, então desistiu, girou nos calcanhares e foi para o andar superior.
Alyssia primeiro desejou sumir da face da Terra. Depois desejou que Peter sumisse da face da Terra. E quando concluiu que nenhuma das duas coisas seria possível subiu as escadas pé ante pé e trancou-se em seu quarto.
Se pudesse voltar o relógio para trás nem teria ido a Nice para começar. E se tivesse ficado em Londres tudo estaria bem àquelas alturas.
Ignorando os roncos que seu estômago dava de tanta fome ela se despiu, vestiu a camisola e entrou embaixo das cobertas. Só então permitiu que as lágrimas rolassem livres por sua face. Ao menos agora tinha certeza que alimentar esperanças seria pura perda de tempo.
E não era o suficiente para que agradecesse aos céus?
A tensão dentro da casa chegou a tal ponto que Alyssia se viu ansiosa quando chegou a quarta-feira, o dia do almoço com André. Qualquer coisa era preferível a continuar suportando aquele clima sufocante.
Não que Peter também se sentisse afetado pela tensão. Ao contrário dela, ele agia como se tivesse deixado esquecida num canto da mente a última conversa deles. Era ela quem não conseguia agir normalmente.
Cada vez que ele lhe dirigia a palavra era um caos. Seu corpo gelava, embora cada vez com mais perfeição estivesse aprendendo a esconder suas reações.
Dali a um mês, pensou, enquanto se arrumava para o almoço, tinha certeza que estaria rindo de tudo aquilo. Nem saberia explicar o que havia visto num homem tão grosseiro e perigoso.
— Ei, Alyssia! — ele gritou pela terceira vez do andar debaixo. — Vamos logo com isso, mulher!
Ela sorriu, dando de ombros e continuou passando batom calmante. Ele que esperasse.
O que mais a incomodava de fato era que a despeito de tudo o que se passara entre eles, de tudo o que haviam dito um para o outro, Peter não mudara a forma de tratá-la. Nada parecia tê-lo afetado. Enquanto ela continuava tendo dificuldades para disfarçar suas emoções ele se mostrava perfeitamente à vontade.
Continuava com o mesmo senso de humor meio seco mas que ainda tinha a capacidade de fazê-la rir. Embora não visse nenhuma graça no que estava sentindo por ele.
Quando finalmente a viu descendo a escada dentro de um vestido verde de linho bem justo, soltou um profundo suspiro.
— Até que enfim, hein?
— A culpa é do seu carro. Se não fosse por ele você não estaria me apressando desse jeito, para chegarmos a tempo. Quase seria preferível pegarmos uma carona com duas tartarugas.
Os lábios rijos se curvaram num sorriso irresistível.
— O meu Jaguar em Londres certamente ficaria com ciúme. Vamos então?
Peter não tirava os olhos dela fazendo-a sentir-se tensa. Não gostava nem um pouco quando ele sorria daquele jeito. Era o tipo do sorriso capaz de lembrá-la do quanto ele sabia ser charmoso quando desejava.
Oh, céus! Seria tão mais fácil se ele a tratasse com frieza. Se demonstrasse desprezo por ela. Mas sabia que tal comportamento não condizia com a personalidade dele. E talvez fosse esse lado gentil que ele tinha uma das razões pelas quais se apaixonara. Essa era a grande diferença que existia entre os dois e que os colocava em lados opostos na maneira de sentir as coisas.
Alyssia achou a viagem a Nice interminável. O jipe socava, pulava, parecia cair em todos os buracos. E o tempo todo Peter se desculpava com ela. Sempre com um ar de riso o que a deixou em dúvida se por trás das desculpas ele não se divertia às suas custas.
Mas se esperava algum tipo de reação de sua parte, ele perdia tempo. Sua intenção era fingir que nem notava o ar zombeteiro por trás das palavras educadas.
O sol havia voltado a brilhar no céu e com tal intensidade que a claridade chegava a ofuscar a vista. Felizmente soprava uma brisa leve que tornava o ar refrescante e agradável.
— Pretende contar aos seus amigos sobre a sua decisão de romper o noivado?
Alyssia assustou-se com a pergunta assim à queima-roupa e desejou nunca ter tido a fraqueza de confiar nele. Mas já que ele tocava no assunto balançou a cabeça.
— Não. Só vou dar a notícia depois que eu tiver conversado com Jonathan.
— Acho justo.
— Acha é? Pois então agradeço mas não preciso da sua opinião nesse assunto.
Ele olhou rapidamente para ela e voltou a atenção à estrada.
— Por que sempre se coloca na defensiva, Alyssia? Se não tomar cuidado vai estar com o rosto todo enrugado antes dos trinta anos.
— Santo Deus! Não vá me dizer agora que acredita na humanidade inteira!
— Claro que não. Eu seria um idiota se acreditasse e isso eu não sou. Por outro lado não significa que o meu lema seja, ninguém merece a minha confiança a menos que prove o contrario.
— Menos no amor, não é?
De novo ele olhou-a, desta vez demorando-se um pouco mais.
— Não acha que já esgotamos este assunto há muito tempo? A menos que ache divertido ficar batendo na mesma tecla sem parar.
Ela evitou olhar para ele. Não estava gostando daquela conversa. Não queria continuar por isso fingiu que observava a paisagem e ficou quieta. Segundos depois, sentiu novamente o olhar de Peter sobre ela.
— Já que não me parece interessada numa conversa formal, responda uma coisa, apesar de todo o dinheiro, das roupas caríssimas, das festas e boates, você não é feliz, é?
Alyssia se voltou para ele furiosa.
— Isso não é da sua conta!
— Não é mesmo. Mas resolvi fazer que seja.
— Com que direito? Porque continua achando que sou uma criança e preciso da sua preciosa orientação psicológica?
— Antes fosse.
— Prefiro continuarmos com aquela conversa formal porque estou cansada de discutir.
Continuaram o resto da viagem em silêncio e quando chegaram ao restaurante Simone e André já esperavam por eles.
O lugar de fato era bem pequeno, menor ainda do que Alyssia imaginara. As mesas ficavam tão próximas umas das outras que quase se esbarrava no vizinho. Entretanto era justamente nessa falta de espaço que residia todo o encanto do ambiente. Em meio a garrafas de vinho, queijos e salames pendurados no teto se desfrutava uma intimidade normalmente rara nos restaurantes sofisticados que ela costumava freqüentar.
Imediatamente ela se sentiu à vontade ouvindo com interesse Simone falar de suas freguesas, contando histórias hilariantes a respeito delas.
— Os tipos mais comuns são as gordas com gosto extravagante ou as bem jovens com mais dinheiro na bolsa que juízo na cabeça.
— É mesmo? Mas você cumpre o seu dever sendo sincera quando uma delas escolhe mal, não?
— Evidentemente. Eu me sentiria péssima se deixasse alguém sair da minha loja com uma roupa que não lhe caía bem.
— Claro.
Alyssia viu Simone olhar para o irmão e em seguida para ela de novo. Sentiu alguma coisa estranha no ar.
— O que há, Simone? Sei que não é da minha conta mas... algum problema?
Simone lançou um outro olhar para André e depois para ela.
— Não é nada, Aly. Depois a gente conversa.
— Sobre o que?
Simone olhou rapidamente para Peter então deu de ombros.
— Não importa.
— Mas claro que importa — ela começava a ficar impaciente. — Diga pelo menos do que se trata. E não tente mudar de assunto, por favor.
— Prefiro não falar sobre isso agora. Não na frente de Peter.
Ao ser mencionado, Peter recostou-se na cadeira esticando as pernas para a frente, roçando-as de propósito nas de Alyssia.
— Por mim não se acanhem — disse com um sorriso. — Não ouvirei uma palavra, vou até fingir que não estou aqui.
Ao sentir que ele a olhava com certo cinismo, Alyssia virou-se rapidamente para a amiga.
— Vá em frente, Simone.
— Bem, eu não pretendia tocar nesse assunto mas...
— Mas eu insisti — André interveio. — Achei que como sua amiga Simone tem o dever de falar.
Alyssia já adivinhava do que se tratava e na verdade estava se divertindo com o embaraço dos dois.
— E então, Simone?
— É sobre Jonathan, Aly.
— Você ouviu certos rumores sobre ele, não foi? Rumores de que ele anda aprontando nas minhas costas.
— Mas... Você já sabia?!
— Sim. E foi justamente por isso que vim para Nice. Eu queria ficar sozinha, pensar um pouco e decidir o que fazer da minha vida.
— Oh, Aly... Mas deve ser tudo invenção, minha amiga. Só pode ser. Não acredito que Jonathan pudesse...
— Não se trata de invenção, Simone. E eu já me decidi, vou romper o noivado.
No mesmo instante, Simone olhou para Peter.
— Você sabia disso?
Ele confirmou com um gesto de cabeça, então ela olhou para Alyssia depois para ele de novo. Parecia estar tentando chegar a alguma conclusão mas não sabia bem qual. Finalmente virou-se para Alyssia com as sobrancelhas erguidas.
— Pelo visto a viagem surtiu efeito, quero dizer, você conseguiu chegar a uma conclusão, não?
— A essa e a muitas outras.
— Verdade? — A voz de Peter soou suave como a de um anjo. — E quais seriam elas, dá para você se explicar com mais clareza?
— Não — ela respondeu com secura. — Mas tenho certeza que se pensar um pouco vai acabar descobrindo sozinho.
— Gente, não estou entendendo nada. — Simone olhava de um para o outro visivelmente confusa. — Alguém aqui pode me explicar...
— Não é nada, Simone — Alyssia disfarçou e mudou de assunto. — Alguém aqui já viu o último filme com Gérard Depardieu?
Pouco depois o garçom trouxe os pratos, mas ela comeu sem sentir o gosto da comida. Fechou-se em seus pensamentos de tal forma que mal participou da conversa, falando apenas quando lhe perguntavam alguma coisa.
Na verdade estava atônita consigo mesma. O que alguns dias atrás lhe parecera o problema central da sua vida se tornara sem que ela percebesse, um fato da menor importância.
Seu noivado com Jonathan.
Se Simone não tivesse tocado no assunto, nem teria se lembrado mais da existência do pobre Jonathan. Era como se o tivesse banido de sua vida no instante em que decidira romper o noivado.
Quando finalmente saíram do restaurante, André e Simone olhavam para ela com reserva, como se estivessem com pena da mulher traída. Mal sabiam eles que a traição de Jonathan era um fato da menor importância dentro de seu coração atormentado.
Simone a abraçou e beijou cheia de emoção. Parecia querer dizer alguma coisa mas depois desistiu. André apertou sua mão com força.
— Manterei contato, está bem?
— Claro.
— E vamos nos divertir ao máximo antes de você voltar para Londres, eu prometo. Vamos pintar a Côte d’Azur de vermelho!
— Claro.
Ela se divertir? Para que isso fosse possível seria preciso que ela se sentisse alegre coisa que há muito tempo não acontecia. E não tinha nada a ver com Jonathan seu atual estado de espírito.
Assim que Simone e André se afastaram, até Peter se mostrou preocupado.
— Você está bem?
— Já tive almoços mais relaxantes, eu juro.
— Não creio que Simone tivesse mencionado aquele assunto se não achasse que era para o seu bem.
— Também não creio. Mas, às vezes, tenho a impressão de que passei a vida toda cercada de pessoas que sempre fizeram tudo pensando no meu bem.
— E é tão mal assim?
— Mal propriamente não. Mas acaba cansando.
— É... Dinheiro demais tem suas desvantagens.
Seus olhares se cruzaram e ela teve a impressão de que Peter conseguia ler o fundo da sua alma.
— Que tipo de desvantagem?
— Por exemplo, você sempre foi muito mimada e está na hora de começar a aprender certas coisas.
Alyssia sentiu que corava. Claro que ele tinha razão mesmo assim não era nada agradável ouvi-lo falar como se ela não passasse de uma criança.
Deu um riso seco, sarcástico.
— E o que você recomenda, doutor? Uma disciplina rígida e nada de sair de casa?
— Não. Apenas sugiro que pense bem antes de assumir um outro compromisso sério com alguém.
— Hum... Nesse caso talvez eu deva preparar duas listas, uma com os prós e outra com os contras do candidato.
— Quem sabe dá certo. Não dizem por aí que há muitas decisões a serem tomadas num casamento arranjado?
Alyssia virou-se para ele intrigada.
— Você não sente mesmo nenhum tipo de emoção, não?
— Há muito tempo descobri que sentir emoções só traz desvantagens. Com elas os problemas nunca têm fim.
E estar apaixonado por uma mulher casada certamente era um problema, Alyssia pensou com amargura.
— Quer dizer então que no atual momento você se considera livre delas?
— Das emoções? Isso mesmo.
Céus! Por mais que tentasse descobrir o que se passava no coração daquele homem, ele sempre dava um jeito de escapar. Revelava tão somente o que desejava que ela soubesse.
Assim que sentou-se no jipe, quente devido ao calor do sol, ela se recostou e fechou os olhos.
Acabou dormindo e só se deu conta de que haviam chegado quando Peter parou o jipe na garagem. Sonolenta, entrou em casa e já se dirigia à escada, alegando que ia dormir pois estava cansada demais até para tomar sol.
— Não está deixando que essa história toda do noivado a afete mais do que deveria, não?
Ao perceber que Peter seguia atrás dela praticamente entrou em pânico.
— Claro que não! Você sabia que eu já tinha tomado a decisão de romper o meu noivado. Não foi nenhum fim de mundo, pode acreditar. E também não precisa sentir pena de mim.
Haviam chegado à porta do quarto e ele passou a mão nos cabelos, visivelmente exasperado.
— Você não tem jeito mesmo. Quem disse que estou sentindo pena?
— Não é preciso dizer, está escrito no seu rosto. E agora se me der licença, quero descansar.
Ela esperou que ele se fosse mas Peter simplesmente enfiou as mãos nos bolsos da calça e continuou olhando-a.
— Sabe de uma coisa, Alyssia? Você é a pessoa com o pior gênio que eu já conheci em toda a minha vida.
Por culpa sua, ela se controlou para não gritar. Sim, porque antes de conhecê-lo sempre fora uma pessoa calma e controlada.
— Tudo o que eu quero é ficar sozinha, Peter. Será que posso?
— Claro, Sua Alteza. — Ele fez uma reverencia e girou nos calcanhares afastando-se.
Alyssia soltou um suspiro de alívio ao ouvi-lo descer as escadas e fechou a porta.
Droga! Nem se lembrava mais da existência de Jonathan. E isto porque sabia muito bem como lidar com todos os Jonathans do mundo. Eles eram previsíveis. Mas não sabia lidar com Peter. Aquele homem conseguia despi-la de todas as camadas protetoras. O simples fato de pensar que ele poderia entrar em seu quarto já a deixava totalmente insegura.
Céus, como odiava sentir-se assim tão vulnerável. Não poderia mais permitir que Peter a dominasse daquele jeito!
Ela se sentou junto à janela e olhou para o mar. Apenas vagamente percebia a linda vista que se estendia diante de seus olhos. Pensava em sua vida quando estivesse de volta em Londres sem Peter por perto. A simples idéia a fazia sentir-se terrivelmente vazia. Desolada.
Não soube dizer por quanto tempo ficou ali sentada, pensando. Levantou-se e foi tomar um banho demorado durante o qual procurou relaxar o mais possível.
Escolheu um vestido leve e florido desceu para a sala e quando já se preparava para enfrentar uma daquelas tardes intermináveis, alguém bateu na porta. Ao abrir, qual não foi sua surpresa ao dar com um André sorridente segurando um enorme buquê de margaridas.
— Flores para uma flor!
— Oh, André, mas que lindas! São maravilhosas! Lindíssimas, mesmo.
— É só um buquê de flores. Se bem que compradas e não roubadas pelo caminho eu lhe garanto. — Ele riu e olhou para ela com carinho. — Achei que elas a deixariam mais animada.
— E adivinhou. Não imagina como gostei desse seu gesto, André.
E era verdade. Estava se sentindo tão deprimida que a chegada de André com aquelas flores foram a melhor coisa que poderia ter-lhe acontecido.
Ela o convidou para sentarem-se na sala e logo em seguida Peter apareceu, erguendo as sobrancelhas ao ver quem chegara.
— André?... O que está fazendo aqui?
Alyssia olhou para ele com o cenho franzido mas André nem se abalou com a falta de boas-vindas.
— Vim resgatar uma linda dama de uma tarde melancólica — ele ergueu a mão de Alyssia onde depositou um beijo. — N’est ce pas, mon amour?
Alyssia riu, deliciada, mas reparou que Peter não achara a menor graça. Continuava olhando seriamente para André.
— Mas que gesto caridoso o seu. Onde está sua irmã? Não era ela quem deveria ter vindo?
— Talvez. Mas dei um jeito de convencê-la a desistir da ação de caridade de hoje e vim substituí-la. Além do que tenho mais prática em curar donzelas deprimidas. Uma boa refeição num bom restaurante e pronto! Como num passe de mágica a linda dama voltará a sorrir com seu antigo charme e encanto.
Alyssia estava adorando tudo aquilo. André sempre tivera o dom de fazê-la rir, e era tudo o que ela precisava naquele momento.
Retribuiu o sorriso dele com outro encantador.
— O que seria de mim sem esses cavalheiros gentis em suas armaduras de bronze?
Peter franziu as sobrancelhas.
— É esse o seu método de consolar damas que acabaram de romper o noivado? Dando em cima delas?
Houve um silêncio constrangedor dentro da sala. Quem Peter pensava que era? Antes que dissesse qualquer coisa, André tomou a iniciativa.
— Penso que está precipitando os acontecimentos um pouco além da conta, Morrison.
— Você acha? — ele se virou para Alyssia. — E você? O que diria?
— Diria que está sendo terrivelmente grosseiro e arrogante. E mais. Que um jantar na agradável companhia de André sem a menor sombra de dúvida trará de volta o meu sorriso charmoso e encantador!
André sorriu e beijou de novo a mão dela.
— Podemos ir então?
— Claro, meu cavalheiro.
Peter havia se encostado no batente da porta e observava os dois com aquele olhar de dono da verdade que Alyssia tanto odiava. Aliás, até podia imaginar o que ele eslava pensando. Que ela não passava mesmo de uma garota volúvel e impulsiva, que se atirava nos braços do primeiro homem que cruzava o seu caminho para se consolar de um noivado rompido.
No fundo sabia que ela própria contribuíra para aquela imagem nada verdadeira de si mesma. Sim, praticamente dera o sinal verde a André. Mas e daí? Peter merecia. Ele não jogara com seus sentimentos ao dizer com todas as letras que, para ele, ela significava apenas um corpo desejável?
Pois bem, se ele preferia achar que ela era uma garota estilo passatempo, problema dele.
— Vejo você quando der — disse a ele antes de sair, exibindo o sorriso mais forçado que conseguiu. — Pode deixar a chave embaixo do tapete.
— Tudo bem.
Peter nem sequer piscou e por um instante ela brincou com a idéia de que ele estava com ciúme. Mas só por um breve instante porque o conhecia bem demais para saber que isso seria a coisa mais absurda do mundo.
— Pode ficar tranqüilo, Morrison, que a trarei de volta sem faltar nenhum pedaço. — André brincou mas Peter deu-lhe as costas sem responder e ele se virou para Alyssia. — Eu, hein? Que diabos deu nele?
— Quem pode saber? Menopausa masculina, talvez?
De qualquer maneira a atitude estranha de Peter a deixou muito confusa. Mas decidiu que naquela noite não iria pensar em nada que tivesse ligação com Peter. Trataria de aproveitar o jantar ou acabaria frustrada além de zangada consigo mesma por ter se rendido às fraquezas interiores.
André a levou a um restaurante maravilhoso e eles tomaram vinho, degustaram um soberbo guisado de carneiro acompanhado de legumes com creme e riram muito. Quando saíram do restaurante ele a deixara convencida de que o mundo era lindo e a vida mais ainda.
— Você é como um irmão para mim, André. É tão bom conversar com você. Não imagina como isso me faz bem.
— Obrigado, mas vou ser sincero, Aly. Já ouvi elogios mais animadores.
Ela compreendeu o que ele queria dizer e tentou sorrir.
— Eu... Bem, ainda não me sinto preparada para um outro relacionamento, você entende?
Ele balançou a cabeça dando um suspiro.
— Eu compreendo. Mas podemos continuar nos vendo enquanto você estiver por aqui, não?
— Claro.
André apertou sua mão gentilmente sobre o banco do carro e ela não se opôs. Fisicamente não significava nada para ela aquele contato entre os dois, mas gostou.
Ao descerem do carro em frente à casa, foram de mãos dadas até a porta como duas crianças. Ela se sentia meio sonolenta resultado da combinação do vinho com o farto jantar.
— Posso lhe dar um beijo de boa-noite? — André pediu. — Sem nenhum compromisso, eu prometo.
Alyssia gostou da idéia. Por que não? Ergueu o rosto e sentiu nos lábios o toque macio da boca de André.
Nenhuma chama de desejo se acendeu dentro dela. Também não sentiu calafrios ao longo da espinha nem ficou com as pernas bambas. Assim mesmo achou a sensação agradável. Tão agradável quanto andar de mãos dadas com ele.
Inclinou-se um pouco mais para perto dele e fechou os olhos. Realmente, se fizesse um bom esforço, acabaria se convencendo de que Peter não era o único peixe a nadar no mar.
Quando André a convidou para irem a um cassino em Mônaco, Alyssia descobriu que André estava de fato empenhado em fazê-la se divertir enquanto estivesse em Nice.
E o pior era que ela não podia culpar ninguém pela insistência dele senão ela mesma. Depois do beijo da noite anterior, quem poderia adivinhar que idéias andavam passando pela cabeça dele?
Era mesmo muito azar o dela. Sentia-se como alguém que caíra na areia movediça e que cada movimento só fazia aumentar as dificuldades.
Primeiro Jonathan, que, felizmente, olhando para trás agora, não passava de um ponto escuro no horizonte. Depois Peter. Ela deu um longo suspiro. Com Peter todos os seus problemas haviam começado.
Ela aproximou um pouco mais o rosto do espelho para passar batom. Se ao menos não tivesse deixado suas emoções falarem mais alto que o bom senso... Mas não. Como sempre, usara o coração no lugar da razão.
E o mesmo se dera quando concordara em sair com André naquela noite. Fizera isso só para provar a si mesma e a Peter, que continuava sendo dona de seu nariz. Não que ele se importasse, obviamente.
Céus! Quando afinal se tornaria adulta e deixaria de agir impensadamente?
Se tivesse tido um pingo de juízo na cabeça àquelas horas não estaria se arrumando com todo o capricho para uma noite que prometia ser tão agradável quanto um ataque de gripe.
Praticamente já havia convencido André de que não estava disposta a ir aos cassinos de Mônaco, conforme ele insistira, quando naquela manhã, depois de receber um recado de Nicole, Peter anunciara que pretendia passar o dia todo fora.
— Tudo bem — ela respondera sem pestanejar. — Provavelmente vamos nos ver só amanhã porque André e eu combinamos ir a Mônaco esta noite.
Por causa de um ataque de ciúme por imaginá-lo com Nicole ela inventara aquela mentira e agora ali estava ela, desesperada, só desejando que André não visse em sua súbita mudança de idéia um convite para avançar o sinal.
Uma ariana fogosa, ardente. Fora a descrição que a astróloga fizera dela. Um ariana estúpida combinaria bem melhor já que tanta fogosidade só conseguira atingir a si própria.
Ela terminou de se arrumar e olhou-se no espelho. O mini de crepe preto acompanhava suas curvas descendo quase reto até acima dos joelhos. Era decotado apenas nas costas onde duas alças fininhas se encontravam à altura da cintura.
Normalmente sorriria satisfeita não apenas com sua imagem mas também ante a perspectiva de uma noite num dos famosos cassinos de Mônaco. Mas naquele momento não conseguiu sentir nem mesmo um mínimo de entusiasmo.
Ainda assim escolheu um conjunto de bijuterias finas para quebrar a seriedade do preto e desceu as escadas ao escutar André chegando.
Iria se divertir naquela noite, disse a si mesma, ao se dirigir à porta. E não ia desperdiçar um segundo pensando que Peter passara o dia todo fora e certamente não ajudando Nicole a preparar o mingau da criança e muito menos o almoço do marido!
Como ela conseguiu passaras as horas seguintes nunca soube. Coisas que sempre a fascinaram como ambientes requintados, gente sofisticada, conversas picantes, lhe pareceram entediantes e tremendamente fúteis. Não parava de olhar no relógio imaginando a que horas conseguiria convencer André de irem embora.
Jantaram num restaurante magnífico onde ele a apresentou a diversos conhecidos, todos ricos e famosos e com quem ele se sentia perfeitamente à vontade.
Apenas vagamente ouvia a conversa deles. Contrariando o firme propósito de não se lembrar da existência de Peter, a todo momento se pegava pensando nele e Nicole juntos e se o marido dela desconfiava do que havia entre os dois.
E como seria ele? Bem mais velho a ponto de não perceber que a esposa estava apaixonada por outro homem? Ou seria um daqueles executivos fanáticos que só se davam conta de que o casamento ia mal quando a mulher fazia as malas para ir embora de casa?
— Que tal uma passada pelas roletas? — André sussurrou em seu ouvido. — Estou sentindo que hoje é meu dia de sorte.
— Oh, Andre você quer mesmo?
— Pensei que tivéssemos combinado ir ao cassino. Você sempre adorou esse lipo de agito, não?
— Esta noite não, por favor.
— Ora que é isso? Prometi e vou fazer você esquecer as suas tristezas.
— Uma boa noite de sono terá o mesmo efeito eu lhe garanto.
— Mas não a mesma graça. A menos que...
— E não sairá tão caro — ela acrescentou depressa.
— E o que é o dinheiro senão alguns pedaços de papel?
— Acho que muita gente não concordaria com esse ponto de vista. — Já começava a soar como Peter, ela pensou e decidiu acabar de uma vez com aquela noite divertida. — Ah, está bem. Já que você insiste...
— Assim é que se fala.
Ele soltou uma risada tão alegre que Alyssia acabou esboçando um sorriso.
Àquelas alturas André já esvaziara sozinho mais de uma garrafa de vinho enquanto ela se mantinha sóbria como uma rocha, sorvendo lentamente seu primeiro copo. Se ele continuasse naquele ritmo com toda certeza ela teria de voltar para casa de táxi.
Pouco depois, entravam num dos vários cassinos existentes em Mônaco. Nas mesas, as roletas giravam freneticamente emitindo aquele som característico que fazia fervilhar nas veias a adrenalina.
Mulheres jovens e lindíssimas desfilavam em torno das mesas de jogos, algumas de braço com homens bem mais velhos que elas, com idade para serem seus avós.
Todos e tudo ali dentro respiravam dinheiro. Embora já tivesse freqüentado cassinos muitas vezes, naquela noite ela teve uma visão diferente daquele mundo de contos de fada cujo brilho ofuscava a realidade. Pela primeira vez percebeu a inutilidade daquelas pessoas vivendo em suas gaiolas de ouro, alheias às tristezas do mundo.
Não conseguiu entender como gostava de frequentar lugares como aquele e torná-los parte de sua vida. Não fora para menos que Peter se mostrara tão agressivo quando eles se conheceram. O grande problema era que ele não percebera sua mudança.
Alyssia começava a sentir-se sufocada pela fumaça quando decidiu comunicar a André que gostaria de ir embora.
— Mas não posso levá-la para casa, Aly!
— Não me diga! E eu não sei disso? Já planejei tomar um táxi, pode deixar.
— A esta hora? — Ele riu. — Terá muita sorte se conseguir, meu bem. Escute, porque não passamos a noite num hotel?
— Aonde?!
— Num hotel. Você sabe, aqueles lugares onde a gente aluga um quarto e...
— Eu sei o que e um hotel, André! Mas...
— Mas o quê? Não me diga que está com medo do lobo mau não gostar, hein?
— Não seja ridículo!
No final ela acabou concordando. O que havia de mal em passar a noite ali e voltar na manhã seguinte? Não devia mesmo nenhuma explicação de seus atos a Peter.
Ela se viu então num quarto de solteiro de um dos hotéis de Mônaco e na manhã seguinte a caminho de casa ao lado de um André cabisbaixo, curtindo uma terrível ressaca.
Sentia-se suja, cansada e tensa, quando desceu do carro mas comparada a André seu estado até que era ótimo. Toda a elegância e classe do infeliz pareciam ter ficado naquele cassino em Mônaco. Além de abatido, com olheiras profundas, tinhas as roupas amassadas como se tivesse dormido com elas.
Encontraram Peter sentado na sala lendo o jornal e tudo o que ele fez foi erguer o olhar da leitura, encarando-os com frieza.
— Pelo visto a noite foi de arrasar, hein?
Alyssia cerrou os dentes.
— Você nem imagina quanto.
— Sim, foi demais — André confirmou, envolvendo-a pelos ombros. — Primeiro demos um giro pela agitada vida noturna, depois gastamos alguns francos na roleta e quando percebemos que não poderíamos ficar longe um do outro, resolvemos passar a noite num hotel.
Alyssia ficou rija. Percebendo o olhar gelado de Peter achou que devia explicar melhor as palavras de André mas no último segundo mudou de idéia. Não devia nenhuma satisfação àquele arrogante.
Peter colocou o jornal no chão, ao lado da cadeira e esticou as pernas preguiçosamente olhando para André.
— Mas você é mesmo muito caridoso, não? Talvez devesse tirar patente desse seu método. Sexo como remédio para todos os males inclusive ataques de depressão.
Alyssia arregalou os olhos.
— Mas nós...
— ...com toda certeza descobrimos que sexo cura muitos problemas. — André terminou por ela. — Não foi querida?
Alyssia sentiu-se gelar. Era óbvio que ele estava querendo ver o circo pegar fogo.
— Cura todos os muitos problemas ou inicia mais alguns? — Peter perguntou a ele num tom bem calmo. — Vocês dois parecem que vão precisar dormir três dias para se refazerem das atividades noturnas.
— Tem razão — Alyssia concordou prontamente. — É melhor você ir agora, André. E diga a Simone que vou procurá-la antes de voltar para Londres.
Tirando o braço dele de seus ombros ela literalmente o empurrou porta afora.
— Manterei contato, Aly.
— Tudo bem, tudo bem.
Ela o acompanhou até o carro e acenou quando ele partiu soltando um suspiro de alívio. Céus! Que pesadelo! Ao passar pela sala, sentou-se numa das cadeiras mesmo tendo consciência de sua figura patética com aquele minivestido preto todo amassado.
— Peter, eu gostaria de explicar algumas coisas.
— Gostaria? E por quê?
Ela soltou um suspiro. Sabia que ele não ia tornar as coisas nada fáceis para ela.
— Não é o que você imagina.
— Não? Você está querendo dizer que não passou a noite com ele num hotel?
— Não! Quero dizer, sim!
— Você me parece um pouco confusa. Será que a noite de amor não a afetou mais do que você pensava?
— Não! Não afetou!
Ele se levantou.
— Olhe, eu tenho trabalho para fazer não posso ficar perdendo tempo com bobagens.
Ao perceber que ele ia se retirar, levantou-se e o segurou pelo braço, estremecendo só de sentir o calor da pele bronzeada sob seus dedos.
— Por favor...
Peter olhou para ela durante alguns segundos e então sentou-se de volta no sofá, com uma expressão aborrecida.
— Está certo, pode continuar. O que queria me dizer?
— Bem, quanto a André e cu... Droga! Você teve uma impressão errada sobre o que aconteceu entre a gente ontem à noite.
— Tive? Como sabe qual foi a minha impressão e quem disse que eu me importo com o que você e aquele dom-juan de meia tigela andam fazendo por aí?
— Mas não fizemos nada, aí é que está a questão!
— Aí é que está uma coisa difícil de acreditar, isso sim. Não acha que está querendo subestimar a minha inteligência?
— Ora, você!
— Diabos, Alyssia! — De repente ele levantou a voz. — Você fez amor comigo, não? Por que acha que eu deveria acreditar que não faria com ele? Não sou presunçoso a ponto de me considerar o único homem em seu horizonte.
— Nesse caso não vejo mais sentido em continuarmos esta conversa.
Ela sentia as lágrimas prestes a rolar e fazia um enorme esforço para não dar a Peter o gosto de vê-la chorar.
A astróloga acertara. Não havia a menor chance de conseguir que aquele homem tivesse reações próximas a de um ser humano normal. Porque ele não era um ser normal. Havia uma carapaça em torno dele que a impedia de atingi-lo.
— Você sempre prefere acreditar no pior a meu respeito, não? É tão grosseiro e cínico. Não sei como tive coragem de fazer amor com você.
— Não sabe como teve coragem ou está arrependida de não ter se guardado para André?
— O que você acha?
— Estou perguntando o que “você” acha!
Alyssia tinha os olhos cheios de lágrimas mas desta vez de raiva e não de tristeza.
— Eu acho que... que deve ter acontecido alguma coisa no seu passado, você deve ter amado alguém e esse amor o transformou numa pessoa amarga. Um defeito que pelo menos eu não tenho.
Peter ficou pálido e tenso. Pela expressão dele Alyssia percebeu que tocara num ponto muito sensível e se arrependeu. Decidiu então retirar-se da sala, não dizer mais nada, pois sabia que um pedido de desculpas jamais sairia de sua boca.
Munindo-se de toda a dignidade possível, levantou-se, evitando olhar para ele. Só Deus sabia o que uma troca de olhares entre eles desencadearia num momento daqueles. A melhor solução seria deixá-lo se acalmar sozinho.
Ainda bem que não mencionara a astróloga, pensou aliviada. Teria sido o mesmo que jogar um fósforo aceso num monte de palha.
Lentamente, começou a se mover na direção da porta, aliviada de, pelo menos, não ter mencionado a astróloga, quando os olhos implacáveis pousaram nela.
— Então é assim que você aproveita o seu tempo livre? Usando essa sua imaginação fértil para fazer conjeturas sobre o que não é da sua conta?
Alyssia sentiu o sangue gelar em suas veias.
— Se é isso que você acha, então o seu ego é ainda maior do que eu imaginava! — Ela ia se retirando quando de repente se virou de novo. — E eu não teria feito nenhuma conjetura se você conseguisse ser honesto comigo.
— Meu passado não lhe diz respeito. Não é porque fizemos amor que você tem o direito de exigir explicações sobre minha vida pessoal.
Não havia o que responder, ela sabia disso. Peter não lhe devia nada. E se as palavras dele a machucavam tanto era apenas porque o amava.
Encontrar dignidade àquelas alturas se tornou uma piada. Com os olhos transbordando de lágrimas ela subiu para o quarto e atirou-se na cama, cobrindo a cabeça com o travesseiro. Chorar não estava em seus planos. Preferia morrer a que Peter a visse mais tarde com os olhos inchados.
Ficou um tempo com a cabeça coberta sem pensar em nada, até que sentiu um leve toque no ombro. Só então percebeu que Peter se encontrava ao seu lado. Deu um salto na cama e olhou para ele assustada.
— O que você quer aqui?
Ele não respondeu. Andou até a janela e ficou olhando para fora. Depois de alguns segundos ela perguntou de novo.
— E então? O que veio fazer aqui?
Silêncio. Ele parecia não ouvi-la, absorto na vista.
— Escute. Se veio até meu quarto sem ser convidado para apreciar a vista sugiro que dê meia-volta e faça isso de uma outra janela da casa.
Ou de uma outra casa, melhor ainda, ela pensou quando subitamente Peter se virou para ela e pela primeira vez desde que o conhecera o viu com um olhar sombrio.
— Eu não devia ter dito aquelas coisas.
Um pedido de desculpas? Por pouco ela não arregalou os olhos.
Talvez devesse seguir-lhe o exemplo, mas não. Desculpar-se com Peter Morrison nunca! Dissera uma ou duas coisinhas que não deveria, mas na verdade não estava mais arrependida. Só lamentava tê-lo deixado perceber o quanto a afetava.
— Muito bem — disse a ele, passada a surpresa. — Agora que você já se livrou de um peso na consciência, sinta-se livre para se retirar.
Ele a encarou por alguns instantes e começou a se aproximar da cama, deixando-a em pânico. Quando chegou perto, inclinou-se sobre ela, apoiando as duas mãos no colchão, uma de cada lado de sua cabeça e fitou-a bem dentro dos olhos.
— Você consegue despertar em mim o que eu tenho de pior, mulher.
Alyssia engoliu em seco. Tão perto dela assim ele a deixava totalmente descontrolada. Confundia seu raciocínio, inibia sua agressividade, sua arma mais poderosa, e acionava determinados mecanismos de seu corpo impossíveis de serem controlados.
Apesar de tudo, ela ainda tentou mostrar-se valente.
— Nesse ponto não tenho muito o que responder, não é?
— Melhor. Prefiro quando você não está falando.
Em lugar do pânico ela teve uma sensação próxima a de estar flutuando no ar. Semicerrou os olhos indiferente à imagem convidativa que fazia deitada ali na cama, com a farta cabeleira espalhada pelo travesseiro, as maçãs do rosto coradas e a respiração ofegante atraindo o olhar dele para seus seios subindo e descendo sob o lençol.
Quando Peter afastou uma mecha de seus cabelos da testa, foi como se a tivesse tocado num ponto muito íntimo. Ela deixou escapar um gemido e no instante seguinte ele a beijava.
E foi só sentir a pressão dos lábios carnudos, o gosto da boca macia e quente para que ela arqueasse e estendesse os braços para puxá-lo para cima de si.
Naquele momento Alyssia sentiu como se jamais pudesse ter dele o suficiente. E naquela fração de segundo tomou sua decisão Não podia mais continuar lutando. Se Peter a desejava, mesmo que fosse para satisfazer uma necessidade momentânea, mesmo que fosse para substituir a mulher que ele amava, seria dele.
Sim, dava a mão à palmatória, ele vencera. Conseguira reduzir sua força de vontade a nada.
— Oh, céus! Você é a mulher mais impossível que eu já conheci ainda assim eu a quero tanto que chega a doer.
— Também quero você Peter...
De repente, as roupas de ambos se tornaram uma barreira entre eles. Com mãos tão aflitas quanto as de Peter, ela o ajudou a livrá-la do vestido preto que tinha a impressão de vestir há séculos e em seguida ele a ajudou a tirar as meias de náilon, jogando-as sobre o monte de roupas no chão.
Foi então a vez dela observá-lo se despir. Fascinada, manteve o olhar preso na estrutura perfeita do corpo musculoso.
Peter deitou-se sobre ela, e mordiscou-lhe a orelha.
— Sabe de uma coisa, sua gata selvagem? Eu gostaria de passar horas aqui fazendo amor com você. A tarde toda. Tocar cada pedaço desse corpo, descobrir todos os seus pontos vulneráveis.
Alyssia ergueu o queixo expondo o pescoço à boca incansável e pensou, deliciada, que todos os seus pontos eram vulneráveis em se tratando de Peter Morrison.
Carinhos, agrados, mordidas, beijos. Peter conhecia todas as formas de levá-la à beira da loucura. E essa parecia ser exatamente a intenção dele: fazê-los atingir um ponto onde não pudessem mais se conter.
Cada nova carícia dele, encontrava nela resposta imediata. Até que finamente atingiram o tal ponto. Seus corpos se uniram num ritmo perfeito e harmonioso e ele a transportou para um outro mundo, irreal e maravilhoso.
Lentamente, ambos começaram a voltar à realidade. O sorriso nos lábios e a expressão relaxada era o indício de que a aquela viagem fora mais gratificante que a primeira.
Assim que ele rolou para o lado, Alyssia se virou para ele e tentou dar às palavras um tom verdadeiro.
— Não quero assumir compromissos, Peter. Tanto quanto você. Mas eu o quero. Quero você a cada minuto de cada dia que eu estiver aqui.
Pronto. A proposta estava feita. Ela se oferecera a ele numa bandeja de prata, sem obrigações e estava disposta a assumir as conseqüências quando chegasse o momento de se separarem.
Ele ficou olhando para ela durante algum tempo, depois acariciou seu rosto e alisou seus longos cabelos demoradamente.
— É isso mesmo que você quer, Alyssia? — perguntou então com gentileza. — Acha suficiente?
Ela podia sentir o coração dele batendo forte sob sua mão.
— Acho.
A resposta saiu quase num sussurro e ela teve de desviar o olhar em seguida para que ele não percebesse que era mentira.
Peter já a prevenira uma vez que tudo o que podia oferecer a ela era prazer. Nada além de prazer físico. E acabara de mostrar a ele que compreendera perfeitamente o recado. Dificilmente passaria pela cabeça dele que em algum lugar do caminho as coisas haviam escapado ao seu controle e que se apaixonara por ele.
Mil perguntas inevitáveis entretanto, já começavam a atormentá-la. O que aconteceria, por exemplo, quando sua temporada na França terminasse? Faltavam apenas dois dias e a simples ideia de que aqueles momentos de felicidade chegariam ao fim dali a quarenta e oito horas apenas, a fazia estremecer de pavor. Nunca imaginara que algum dia na vida fosse olhar para o vazio e sentir-se incapaz de preenchê-lo.
Daquela vez o precipício se abria diante dela, embora soubesse que por enquanto podia manter os olhos fechados, estava se aproximando rapidamente da beirada.
Peter a fez deitar-se de costas e rolou para cima dela.
— Sabe, logo que vi você naquele dia, pensei, aí está uma eterna borboleta.
— O que quer dizer? — ela riu.
— Que cometi um erro achando que você era do tipo que pousa de flor em flor, sempre mudando para uma mais bonita, atraente, mas incapaz de sentir verdadeiras paixões. Como me enganei...
Daquela vez não houve muitas preliminares. Eles fizeram amor como se o amanhã estivesse para chegar e com ele a despedida. Combinava com o estado de espírito de Alyssia, cujos movimentos de encontro ao corpo de Peter foram desesperados e famintos de desejo.
Ninguém, nenhuma astróloga, cartomante, vidente, bruxa ou feiticeira poderia tê-la prevenido sobre Peter Morrison. Ela jamais sonharia com a existência de um homem semelhante a ele. Surgira do nada e sem lhe dar nenhuma chance de defesa e de repente se tornara senhor de todas as suas emoções. Dono de seus sonhos. Motivo da sua dor.
Todos os homens que haviam passado por sua vida não significaram mais que alguns momentos agradáveis e muita diversão. E fora assim que ela sempre imaginara o amor: prazer e divertimento e não aquela dor e sofrimento por que estava passando. Pior ainda era saber que preferia a dor de estar com Peter, sabendo que ele não a amava, do que não tê-lo ao seu lado.
O que só vinha confirmar as palavras da astróloga em Londres sobre uma tal chama que fora acesa e que nada mais poderia controlar. Havia apenas um ponto que ela queria verificar.
— Peter, qual é o seu signo?
— O meu signo? Ora que bobagem. Nunca acreditei nessas coisas mas já que quer saber, é Virgem.
Alyssia estremeceu. Cuidado com a ameaça de Virgem, as palavras da astróloga vieram à sua mente. Mas não seria tarde demais, agora?
Normalmente a ideia de uma viagem a S. Tropez teria partido de Alyssia. Na manhã seguinte porém, quando entrou na cozinha para tomar o café da manhã e Peter fez a sugestão, ela não conseguiu disfarçar o desaponto.
— Temos mesmo de ir? — Abraçou-o por trás mordiscando-lhe a orelha. — Sei mais de mil maneiras melhores de passarmos o dia.
— Posso imaginar que maneiras são essas.
— Preferia que eu fosse mais sutil? Que tal alguns olhares tímidos, um bater de cílios e coisas do gênero?
— Não sei. — Ele passava manteiga numa torrada. — Eu ficaria tão surpreso, partindo de você esses olhares tímidos que não sei bem o que aconteceria.
— E?...
— Acho que prefiro o seu jeito direto mesmo.
Ele se levantou para pegar um suco na geladeira e Alyssia o seguiu com o olhar.
Desde que fizeram amor na noite anterior ela só pensava em tocá-lo, deslizar a mão pela pele macia do corpo viril, ouvi-lo gemer de prazer com suas carícias. Em vez de irem para S. Tropez gostaria mesmo era de passar o dia na cama com ele afinal, tinham tão pouco tempo juntos.
E o que iria acontecer então? Peter não tocara no futuro do relacionamento deles. Nem mesmo num futuro mais imediato, de caráter temporário. E ela hesitava em trazer o assunto à tona.
— Então você me prefere do meu jeito mesmo? Devo tomar isso como um elogio ou não?
Peter riu.
— Vá pegar um maiô que vamos tentar fazer o meu jipe chegar inteiro a S. Tropez.
— Mas não costumo usar maiô quando vou a S. Tropez.
— Então hoje vai abrir uma exceção.
Alyssia foi até o quarto, enfiou a parte de baixo de um biquíni dentro de uma sacola, o óleo de bronzear e uma toalha e quando desceu Peter esperava por ela diante da porta da frente.
Que diferença fazia se ele não queria passar o dia com ela na cama, só saindo quando estivessem famintos? O importante era estar com ele e não pensar nas conseqüências, adiar o mais possível a volta à realidade.
Lembrava-se de S. Tropcz como uma cidade alegre e vibrante, onde não se parava um minuto sequer. Agora, de bolsa a tiracolo e óculos escuros enterrados no meio do nariz ela olhou ao redor e classificou S. Tropez de um lugar com gente demais.
— Não entendo por que quis vir até aqui, Peter.
— Não é o tipo de lugar que você cresceu adorando? Cafés sofisticados, discotecas e badalações. Deveria se sentir em casa.
Alyssia balançou a cabeça sem entusiasmo.
— É... Creio que sim.
Em parte ele tinha razão. De fato sempre gostara de tudo aquilo mas havia mudado, será que Peter não percebia?
Claro que não. E talvez estivesse querendo dizer que ela não era mesmo o tipo de mulher que ele gostava. Que Nicole sim, era e seria sempre a mulher da vida dele.
Talvez até fosse uma forma de mostrar que quanto mais cedo ela se acostumasse de novo ao antigo estilo de vida tanto melhor porque dali a dois dias era para onde ela voltaria.
Eles andaram um pouco pelas ruas e Alyssia nem se importou com sua aparência. Usava calça comprida branca e uma camiseta listada de azul-marinho e branco, nenhuma das duas de marcas esportivas famosas.
Sentia-se imune às três regras básicas de S. Tropez, tidas como, usar a roupa certa, ser vista com a pessoa certa, no lugar certo, no momento certo.
De fato ela havia mudado, pensou com certa ironia. Duas semanas numa casa semi-acabada na companhia de um homem que não ligava a mínima para as aparências, haviam operado nela um verdadeiro milagre. Não tinha certeza ainda se era a Cinderela ou a abóbora só sabia que não era mais a garota detestável que chegara ali há quinze dias.
Peter caminhava silencioso e ela se virou de repente para ele, deslizando a mão dentro da dele e entrelaçando os dedos.
— Dois centavos por eles, vamos!
— Pelos meus pensamentos?
— Exatamente.
— Bem, já que quer saber eu estava pensando como detesto lugares cheios de gente apesar do meu trabalho exigir que eu esteja constantemente viajando.
— E o que mais?
Ele fez uma pausa, então aproximou a boca do ouvido dela.
— E que eu gostaria de encontrar um lugar bem sossegado para fazermos amor neste exato momento se é que é possível encontrar um nesta cidade.
Alyssia sentiu seu pulso acelerar-se e sorriu.
— Não faça isso.
— Bem então que tal entrarmos num desses cafés para beber alguma coisa?
— Ótima idéia!
Eles escolheram um café no final da rua e quando procuravam lugar para se sentarem, ela escutou alguém chamar por Peter. Uma voz familiar. Quando se virou, deu com Nicole atrás deles, toda sorridente, de braço dado com um homem grisalho, bem mais velho que ela.
Alyssia precisou se esforçar para esconder seu desaponto. Droga! De todas as pessoas do mundo precisavam encontrar justamente aquela mulher?
— Por que não se sentam conosco? — Nicole os convidou. — Parece que ali nos fundos há uma mesa vaga.
Peter concordou no mesmo instante e eles os seguiram, Alyssia já imaginando que passaria a meia hora seguinte sentada como uma idiota ouvindo os outros três conversarem em francês.
Felizmente isto não aconteceu. Ao contrário de Nicole que tinha muito sotaque e pouco vocabulário, o marido falava um inglês fluente. Conversou com ela durante um bom tempo sobre os mais variados assuntos e ela o achou muito simpático.
Reparou que a todo momento ele olhava com ternura para a esposa sentada ao lado de Peter. E quanto mais os observava mais se indignava com a atitude de Nicole. Aliás, não podia entender por que ela se casara com um homem com idade para se pai dela se já amava Peter. Teria sido por dinheiro? Era bem possível. E agora que Peter também se tornara milionário viera o arrependimento.
Nicole desceu alguns pontos em seu conceito. Talvez devesse lembrá-la que havia uma criança envolvida naquela sujeira toda.
— E como vai seu filho, Nicole?
A francesa pareceu um pouco surpresa com a pergunta mas explicou que o garoto estava numa festa e que eles iriam buscá-lo mais tarde.
— Coisas de mãe. — O marido sorriu. — Sempre superprotetoras.
— Entendo.
— E você, Alyssia? — Nicole sorriu para ela. — Pretende ter filhos algum dia?
— Algum dia talvez. No momento estou mais preocupada em aproveitar minha vida de solteira.
Não havia o menor sentido em entrar em detalhes de seu rompimento com Jonathan além do que, fora uma chance de dizer a Peter que ela não estava emocionalmente envolvida com ele.
Pediram mais uma rodada de café e quando finalmente Nicole se levantou, pegando a bolsa, ela se sentiu aliviada. Mas quando chegaram à porta do café, em vez de se despedir, a francesa a convidou para acompanhá-la até uma butique ali perto onde queria um palpite na compra de um vestido.
— Deixamos os rapazes um pouquinho, non?
Alyssia forçou um sorriso. Céus! Era só o que lhe faltava!
Não queria acompanhá-la a nenhum lugar e duvidava que Nicole precisasse de sua opinião para comprar um alfinete que fosse. Peter olhou-a e sorriu e ela não teve jeito de recusar.
Pouco depois, as duas entravam na tal butique do outro lado da rua. Alyssia mal reparou nos modelos expostos. Nicole pegou um vestido rosa, pediu sua aprovação e ela balançou a cabeça sem sequer notar se vestia bem ou não.
Enquanto pagava com o cartão do marido, a francesa se virou para ela.
— Na verdade eu queria falar com você, Alyssia.
Ela se alarmou.
— É mesmo?...
— Se não se importa, claro.
— Se não me importo? Por que eu deveria? Ainda não sei sobre o que quer falar comigo, não é mesmo?
— Sobre Peter.
— Oh!
E sobre quem mais haveria de ser, ela pensou, imaginando que Nicole jamais a teria arrastado até aquela butique para falarem sobre o tempo ou o preço das verduras.
— Bem, penso que você e Peter têm um envolvimento, non?
— De... de certa forma, sim.
Para sua surpresa, a francesa sorriu.
— Eu já imaginava. É fácil para uma mulher perceber estas coisas, non?
— Será que é?
— Você não acha? Talvez esta seja uma percepção muito francesa então. Vocês ingleses nem sempre vêem o que está bem na frente do nariz, non?
— Você fala como se nós fôssemos uns “bolhas”.
— Bolhas? Que sont bolhas?
— Idiotas.
— Ah... Mais non! Eu não queria dizer isso, de forma alguma.
— Tudo bem. — Alyssia começava a perder a paciência. — Mas o que você estava dizendo?
Houve uma pausa para que Nicole assinasse a nota e pegasse o pacote e então as duas saíram da loja.
— Vamos andar um pouco, sim? — Nicole propôs, fazendo um sinal para os homens em frente do café. — Eles podem esperar mais alguns minutos.
Alyssia preferia voltar, no entanto, mais uma vez foi obrigada a ceder. E só faltando bufar, começou a andar ao lado de Nicole.
— Sim, eu queria falar com você sobre Peter. Ele está muito diferente, você sabia? Talvez não perceba isso mas ele e eu...
— Já sei. Vocês se conhecem há um bom tempo.
— Então Peter contou para você?
O interesse de Nicole foi tão genuíno que ela perdeu o jeito. Esperava que àquelas alturas a reação de uma mulher sentindo-se traída fosse de raiva e não de interesse.
Mas daí, Nicole também estava traindo o marido. Non?
— Ele me contou, sim.
— E o que mais ele contou?
Alyssia deu de ombros casualmente, odiando ter de estragar a impressão de que havia uma certa intimidade entre ela e Peter.
— Mais nada.
— Oh... — Nicole ficou desapontada. — Então ele não falou sobre nós dois? Sobre a nossa afinidade?
Ela sentiu um fio de esperança.
— Vocês são parentes?
— Mais non! — Nicole riu. — Au contraire. Quero dizer, temos uma afinidade muito especial e eu tinha esperança que Peter tivesse falado com você sobre isso. Já faz tempo... Tanto tempo...
Ao vê-la com o olhar distante, como se lembrasse de algum fato do passado, Alyssia não conseguiu evitar uma ponta de ciúme. E percebeu que Nicole não pretendia se aprofundar no assunto, achando que já falara demais.
— Por que você mesma não me conta, Nicole? — propôs e de repente parou de andar, cruzando os braços. — Sabe, todo esse enigma já está começando a me dar dor de cabeça.
No mesmo instante Nicole começou a remexer a bolsa.
— Você quer uma aspirina, está com dor de cabeça, chérie?
— Oh, não — ela começou a rir. — Falei no sentido figurado. O que eu quis dizer foi que a minha dor de cabeça já passou, tudo bem.
— Então podemos voltar para os homens, non?
Alyssia concordou e depois ficou pensando se não teria sido uma saída astuta de Nicole em vez de simples incompreensão da língua.
Deram meia-volta e de repente ela se viu fazendo uma pergunta que surpreendeu a si mesma.
— Nicole, me conte o que está havendo entre você e Peter.
— O que está havendo? Me parece uma expressão tão estranha, mais non, não posso responder. Terá de partir de Peter.
Muito bem, então. Ao que tudo indicava o único ponto positivo daquela conversa entre as duas, fora saber que Nicole tinha aspirinas na bolsa caso ela precisasse. E o fato de ter remexido numa porção de dúvidas que ela já havia afastado da mente pelo menos por enquanto.
Pouco depois, ela e Peter se dirigiam à praia que conforme era de se esperar parecia um formigueiro de tão lotada.
Ao lado dela, usando um calção que escondia pouco além do indispensável Peter se estendera numa toalha e tomava sol com um boné escondendo o rosto. Não demorou muito para que ela descobrisse que não era a única mulher por ali a achá-lo atraente.
— Você costuma freqüentar essa praia, Peter?
— Não. — Ele ergueu os olhos para ela debaixo do boné. — Por quê?
— Porque ela está literalmente repleta de mulheres que se não o conhecem parecem interessadíssimas em serem apresentadas.
Ele riu.
— Está tentando me dizer alguma coisa sobre a minha atração física?
— Eu não. Mas tenho quase certeza que elas estão.
Peter a segurou pela nuca e a puxou para perto dele dando-lhe um beijo na boca.
— Não sou muito dado a manifestações públicas de afeto mas você hoje está irresistível, sabia?
Ela sorriu deliciada.
— Obrigada.
— Eu nem devia estar lhe dizendo isso porque vai ficar mais convencida ainda do que já é.
Por um instante ela ficou em dúvida. Será que ele estava falando com ela mesma ou pensando em Nicole?
— Céus! Você fala como se eu fosse uma daquelas mulheres que passa horas na frente do espelho e nunca sai de casa sem um estojo de cosméticos dentro da bolsa.
— Ainda bem que você está me lembrando.
Ela relaxou um pouco, dando um soco no ombro dele.
— Não sou assim, Peter. E é muito indelicado de sua parte até brincar que eu seja. Admito que um dia eu tenha sido mas mudei.
Ela brincava com a areia fazendo-a escorrer entre os dedos e não percebeu a expressão do olhar de Peter quando ele falou.
— Ninguém consegue mudar os hábitos de uma vida inteira em duas semanas, Alyssia.
— Você não sabe. Não pode afirmar como sendo um fato.
— Sei que não, mas posso tirar minhas próprias conclusões.
— Em outras palavras, você acha que eu não mudei absolutamente nada.
— Talvez tenha mudado.
— Muitíssimo abrigada. Pelo menos me concede o benefício da dúvida.
Ele riu, presenteando-a com uma dose dupla de seu charme masculino e ela não resistiu. Inclinou-se para beijá-lo, exatamente como ele fizera antes com ela.
— Não sou muito dada a manifestações de afeto em público mas mesmo coberto de areia o seu rosto é...
— Irresistível?
— Mais ou menos isso.
Muito mais que isso, ela pensou com uma ponta de tristeza. Peter jamais saberia o quanto o amava porque não sentia nada por ela. Para ele, ela continuava sendo a mesma Alyssia e só Deus sabia porque fizera amor com ela.
Não, ela também sabia. Ele era um homem e ela pouco fizera para repeli-lo. Na verdade, só faltara aparecer com um cartaz pregado na testa dizendo que queria ir para a cama com ele.
E Peter já não dissera que seu estilo era mesmo o direto? Por que diabos ele ia se fazer de rogado na ausência da mulher que amava, se tinha uma à disposição?
Eles passaram o dia todo na praia. Nadaram, fizeram uma refeição leve numa das barracas de sanduíche, ali mesmo, e no final da tarde voltaram para casa.
Ela ia em silêncio, preocupada com seus pensamentos quando de repente virou-se para ele.
— Você viaja muito, Peter?
— Sim, por quê?
— E vem sempre para cá?
Ele olhou para ela, intrigado.
— Bastante. Onde está querendo chegar com estas perguntas?
Ela deu de ombros e olhou pela janela.
— A nenhum lugar.
— Mesmo? Engraçado não foi essa a minha impressão. Mas vou acreditar na sua palavra se me disser que foi só um interesse pela minha vida particular.
— A sua vida particular? E esse departamento não é barrado para uma garota do meu tipo?
— Uma garota do seu tipo?
— Cama, mesa e banho.
— Oh, não! — Ele tirou uma das mãos da direção e passou nos cabelos. — Pensei que já tivéssemos resolvido esse assunto de uma vez por todas.
— E resolvemos.
Ela percebia que a atmosfera estava se tornando cada vez mais pesada, queria dizer qualquer coisa alegre para aliviar a tensão, mas Peter parecia disposto a ir até o fim.
— Se resolvemos, porque tenho a impressão de estarmos rodando em círculos?
Ela deu de ombros.
— Sei lá.
Eles haviam chegado e quando Alyssia colocou a mão no trinco para abrir a porta, Peter se inclinou sobre ela e não deixou.
— O que deu em você, me diga?
— Nada.
— Nada, nada. Estou começando a desconfiar que existe muita coisa por trás dessa palavra. Toda vez que você responde nada tenho a impressão de que existe muita coisa errada mas que não quer discutir ainda.
— Então por que insiste? Não me diga que se importa tanto assim com o que se passa pela minha cabeça?
Tudo poderia estar correndo às mil maravilhas entre eles se ela se sentisse satisfeita com o tipo de relacionamento que Peter podia lhe oferecer. Mas infelizmente não se sentia. E descobrira isso quando vira Nicole naquela manhã.
Não. Pensara que só estar ao lado de Peter bastaria, que um relacionamento físico seria preferível a nada, no entanto percebia que só isso não bastava. Precisava de muito mais. Queria ser amada.
Quem diria? A garota independente, liberada, mudara para o estilo “tudo ou nada” num relacionamento.
Enquanto pensava Peter olhava para ela como se esperasse que ela dissesse alguma coisa. Acabou perdendo a paciência. Scgurou-a pelo queixo e obrigou-a a encará-lo.
— Quer parar de ficar aí sentada como uma estátua e me dizer o que está havendo com você?
— Por quê? Não me diga que você se importa.
— Ah, então é isso.
— Isso o quê?
— Você se diz plenamente satisfeita com a nossa situação mas na verdade quer um compromisso, não é?
— Não quero nenhum compromisso!
— Não quer? Então isso significa que já se cansou?
Alyssia baixou o olhar. Peter acabava de jogar-lhe um salva-vidas e ela não ia perder a chance de usá-lo.
Ergueu o rosto e fez um enorme esforço para encará-lo de forma convincente.
— Se eu já cansei? Sim, você acertou. A ida a Nice e a S. Tropez me fizeram ver que já está na hora de deixar esse charme rústico e voltar para onde é meu lugar.
— Entendo.
— E se fui para a cama com você, foi só por causa do que estava acontecendo entre mim e Jonathan. Acho que estava precisando me distrair um pouco e coincidiu de você estar no lugar certo, no momento certo.
— Puxa, que sujeito de sorte eu sou.
Alyssia mordeu os lábios com força até sentir um gosto de sangue na boca.
— Veja as coisas como são, Peter. Você me usou, eu usei você e...
— E agora que teve o que queria, já pode fazer as malas e ir embora.
— Pois é.
Peter recostou-se no banco, colocando as duas mãos na nuca.
— Muito bem... Nunca pensei que algum dia uma mulher fosse me fazer de bobo dessa maneira, mas você se saiu muito bem. Agora eu sei o que deve fazer com o seu tempo livre. Representar.
Oh, céus! Aquilo estava sendo horrível, Alyssia pensou. Era como esfregar sal numa ferida aberta.
— E não me diga que você se importa, Peter. Não venha me dizer que tenho sido mais que um simples passatempo para você.
Não mais zangado, ele deu de ombros, indiferente.
— Se é o que você diz.
Ela abriu a porta do carro, sentindo-se miserável.
— Acho melhor ir arrumar as minhas malas — disse e ao ver que Peter não se movia, estranhou: — Não vai entrar?
— Não — ele respondeu sem olhar para ela. — Tenho coisas melhores a fazer do que passar a noite na mesma casa que uma vagabunda como você. Mesmo que seja uma única noite. Portanto, se fizer o favor de sair, aqui fica o meu adeus. Foi uma experiência muito proveitosa, eu lhe garanto.
Ele fez um sinal de adeus tocando a testa com os dedos e partiu antes que ela pudesse dizer qualquer coisa.
Fazia um dia maravilhoso quando Alyssia desembarcou no aeroporto de Heathrow em Londres. E o sol brilhando no céu azul foi uma cruel lembrança dos dias adoráveis que passara na França vivendo um sonho impossível.
Havia saído de casa naquela manhã sentindo-se miserável. Achando que nunca mais seria feliz na vida. Por sorte, nem vira Peter.
Bem, pelo menos fora poupada da agonia de enfrentá-lo com aquele olhar cínico. Com aquela expressão dura que colocara uma barreira entre eles em questão de minutos.
Enquanto terminava de se arrumar e esperava pelo táxi, prometera mais de mil vezes a si mesma que, custasse o que custasse, não se aproximaria de homens por um bom tempo.
E quando o táxi chegou, partira sem se virar para trás para dar uma última olhada na casa.
Assim que chegou a Londres, ligou para Simone. Qualquer coisa lhe dizia que se sentiria bem melhor desabafando com sua melhor amiga. E foi o que fez. Contou tudo o que se passara entre ela e Peter mas não disse que se apaixonara por ele, preferindo adiar para quando estivesse em condições de tocar na ferida.
— Então foi isso, Simone. Graças a Deus, caí em mim a tempo. Recobrei meu juízo.
Simone que ouvira quieta, falou pela primeira vez, irônica.
— E com que rapidez, não? Pois vou lhe dizer uma coisa, minha amiga. Mesmo correndo o risco de você bater o telefone na minha cara, ouviu?
— Pois diga então.
— Cometeu um grande erro, Aly. Fluía algo entre vocês dois, dava para perceber.
— É mesmo?
— Sim, senti isso. Devo ser médium.
— Tudo bem. Nesse caso deixou de fluir.
Ela achou melhor encerrar o assunto por ali mesmo já que não estava sentindo nenhuma melhora com o desabafo. A última coisa que precisava era de uma autópsia num relacionamento fracassado. Ainda mais que esse relacionamento fora unilateral.
Ligar para Jonathan para romper o noivado foi bem menos doloroso que arrancar um dente. E um alívio também, embora soubesse que estava sendo covarde em não dizer pessoalmente. Mas na verdade não se sentia em condições de ver ninguém, muito menos ele.
Jonathan reagiu da forma que ela esperava. Não fez nenhum escândalo, prova que de fato a vinha traindo.
Cumprida a obrigação ela passou o resto da semana vagando pela casa sem ânimo, até que seu pai perdeu a paciência, o que era raro nele.
— Não tem nada melhor para você fazer do que ficar por aí feito um fantasma?
— Nada me ocorre no momento, pai.
— Mas você precisa fazer alguma coisa, filha.
— Está certo, vou sair para dar uma volta.
— Boa idéia. Não posso mais ver você se arrastando pela casa desse jeito.
— Não estou me arrastando. — Ela mentiu. — Só estou meio entediada.
— Pois tenho uma cura para tédio.
— Qual é?
— Vá procurar um emprego, arranje um hobby. Qualquer coisa que goste de fazer. Vai se sentir muito mais útil do que sair com esses amigos que você tem.
Pela primeira vez em dias ela abriu um sorriso sincero. Atirou-se ao pescoço do pai e o beijou na ponta do nariz.
— Paizinho querido! Que idéia maravilhosa você me deu! Você, com essa sua rabugice, acabou de apertar o botão certo.
Peter Stanley abriu um largo sorriso.
— Os pais sempre sabem das coisas.
— Pensei que fossem as mães.
— Na falta delas, claro.
Alyssia sabia o que tinha a fazer e tratou de não perder tempo. A loja de arte em Covent Garden era a melhor que conhecia e foi para lá que ela se dirigiu. No minuto em que pôs os pés dentro da loja, sentiu que tomara a decisão certa.
Levou algum tempo escolhendo pincéis, tintas e paletas e quando voltou para casa fervilhava de excitação, não vendo a hora de começar.
Seu primeiro trabalho seria pintar Peter Morrison. Lembrava-se de cada detalhe do rosto dele, cada linha, contorno e sinal. Transportá-lo para a tela seria a melhor forma de exorcizá-lo. Assim esperava.
Atirou-se então ao trabalho com espírito vingativo entregando-se à árdua tarefa de colocar na tela as imagens tão vivas que guardava de Peter. E conforme passavam os dias mais horas se dedicava ao novo hobby, apesar de ter percebido logo no início que pintar o retrato dele jamais iria exorcizá-lo.
Fez uma série de esboços procurando captar todos os estados de espírito do homem que primeiro a enfurecera, depois a divertira e finalmente a conquistara. E cada vez que olhava para um daqueles esboços percebia que nunca conseguiria esquecê-lo.
Certa manhã, encontrava-se absorta diante de uma tela, quando seu pai entrou para chamá-la.
— Telefone para você, meu bem.
— Homem ou mulher, pai?
— Pelo amor de Deus, Alyssia! Desse jeito vão pensar que está treinando para ser eremita.
Ele saiu do quarto e ela foi atrás para atender.
— Alô?
— Alyssia, comment ça va!
Ela sentiu o sangue gelar nas veias ao ouvir a voz de Nicole. Demorou tanto a responder que a outra estranhou.
— Sou eu, Nicole. Lembra-se de mim, non?
E como ela poderia ter esquecido? Nem que tivesse tido um ataque de amnésia isso aconteceria.
— Sim eu me lembro. O que você quer?
— Espero não estar amolando você mas descobri que morava em Londres, Peter me contou e eu pensei, vou ligar para ela.
Alyssia sentiu um aperto dentro do peito. Faziam duas semanas que não ouvia o nome de Peter e escutá-lo só mostrou o quanto seu estado emocional continuava frágil.
— E então, você ainda não me disse por que telefonou.
— Estou aqui em Londres e pensei que poderíamos nos encontrar, talvez?
— Para quê?
— Para conversar, non?
— Já conversamos, não se lembra?
— Mas é que devemos discutir algumas coisas. Por favor, c’est très important.
Alyssia pensou um instante. Apesar de duvidar que a francesa tivesse muito mais para lhe dizer que da outra vez, estava curiosa.
— Está bem — concordou. — Onde quer me encontrar?
Ela achou que Nicole fosse dizer o nome de algum restaurante e ficou surpresa quando citou o hotel em que estava hospedada. E estranhou mais ainda quando o encontro foi marcado no quarto.
— No seu quarto? Não prefere me encontrar no saguão? Poderíamos ir a um café ou coisa parecida. Não tenho muito tempo livre, marquei alguns compromissos e...
— Non, non. Quero dizer, é mais conveniente vir ao hotel mesmo. Às cinco, está bem para você? Não precisa ficar muito tempo se não quiser.
Alyssia só se deu conta do quanto estava tensa depois que desligou. Tinha as palmas das mãos suadas e deu um suspiro profundo, como se tivesse passado minutos sem respirar.
Tinha ainda algumas horas para continuar pintando mas não conseguiu mais se concentrar. Tantas perguntas a atormentavam...
Às quatro em ponto estava pronta. Vestia um conjunto de saia e blazer de linho verde e uma regata de seda preta. E se sentia nervosa como uma colegial.
Droga! Era frustrante pensar que apesar de todos os seus esforços a lembrança de Peter, indolente, forte e sensual ainda a fazia tremer daquele jeito. E não fora por isso que concordara com aquele encontro? Porque via em Nicole um elo de ligação com ele?
Faltavam dez para as cinco quando o táxi a deixou diante do hotel. Na recepção, informou-se sobre o número do quarto e quando chegou uma camareira a fez entrar.
— A sra. Giraud pediu-nos para lhe dar o recado de que ela precisou sair um instante mas para a senhorita ficar à vontade.
Ela olhou para a moça, incrédula.
— Como assim, saiu?
— Não se preocupe, senhorita. Ela garantiu que voltaria logo.
Toda a expectativa de repente se transformou em frustração. Zangada, Alyssia entrou no quarto e no mesmo instante seus olhos bateram numa garrafa de champanhe dentro de um balde com gelo.
Um drinque? Àquela hora da tarde? Ou se tratava de uma extravagância do hotel ou Nicole tivera um ataque repentino de insanidade mental. Elas nem sequer eram amigas, muito pelo contrário!
Após recusar a oferta da camareira de abrir a garrafa, ela esperou que esta saísse e sentou-se no sofá olhando ao redor. Droga! Por quanto tempo teria de esperar? E se Nicole a deixasse ali durante horas?
Na falta do que fazer pôs-se a examinar a luxuosa decoração do quarto com móveis de muito bom gosto, mas provavelmente idêntica a dos demais. Correu o olhar ao redor, procurando por algum livro ou revista mas tudo o que havia na mesinha ao lado do sofá era o cardápio do hotel e um cartão de agradecimento por parte da recepção.
No mais, parecia totalmente inabitado.
De repente, Alyssia se levantou. Foi ate o armário e abriu uma das portas. Vazio. Abriu as outras uma por uma, cada gaveta e também não encontrou nada. Nenhuma roupa pendurada, nem malas sequer.
Por um momento, quase perdeu o controle. E se não tivesse sido Nicole no telefone? E se tivesse sido uma mulher qualquer, a mando de um maníaco sexual ou coisa do tipo? Alguém que queria se vingar dela por alguma razão?
Passado o primeiro susto ela ligou para a recepção para confirmar se o número do quarto estava mesmo certo.
— Mas não há roupas nos armários — protestou, indignada, ao saber que estava certo. — Não há malas, nem nada, apenas uma garrafa de champanhe dentro de um balde de gelo!
— Mas não houve nenhum engano, srta. Stanley. Tenho certeza que a sua amiga chegará logo.
Alyssia agradeceu e desligou desanimada. Muito bem. Se a sua “amiga” não chegasse dentro de meia hora não encontraria ninguém à espera.
Começou a andar pelo quarto, foi até a janela, admirou a vista, voltou, sentou-se. Levantou de novo e quando se preparava para ir embora escutou a chave girando na fechadura.
Felizmente, pensou, já se preparando para dizer à Nicole que tinha um compromisso e não podia ficar mais que dez minutos, quando seus olhos se arregalaram primeiro de surpresa e depois com horror.
Não era Nicole. Nem nenhuma outra mulher e sim Peter, Peter Morrison em pessoa, mais irresistível que nunca em trajes esportes e óculos escuros.
Ela demorou alguns instantes para conseguir falar.
— O... O que você está fazendo aqui?
Ele parecia tão ou mais surpreso que ela.
— Eu é que deveria estar lhe fazendo esta pergunta, não acha?
Alyssia voltou para o sofá onde sentou-se com as pernas bambas. Não tinha coragem nem de olhar para ele que por sua vez escolheu a cama para sentar-se.
— Vim me encontrar com a sua amiga e acredite, se eu soubesse que você também ia aparecer eu não teria vindo.
— É mesmo? Engraçado, eu também vim me encontrar com ela.
— Ah, é? Bem, eu nem deveria ficar surpresa, não é mesmo?
Peter pareceu não gostar de seu comentário.
— Que jeito maldoso de falar — ele a fitou com desprezo. — Mas também de você o que mais eu poderia esperar, não?
— O que quer dizer?
— Que eu deveria ter confiado mais na minha primeira impressão de você.
Ela se sentia tão furiosa que mal conseguia respirar direito. Que diabos Nicole pretendia com aquilo? Mostrar que ela e Peter estavam juntos? Vangloriar-se?
— É... Talvez devesse mesmo. Embora eu não entenda essa sua hipocrisia. Sei tudo sobre você e Nicole.
— Sabe mesmo? E o que essa sua mente fértil e sórdida descobriu sobre nós, pode me contar? Se bem que eu já imagino.
— Ora, como se atreve a...
— A falar assim com Sua Alteza? A bonequinha de luxo continua se zangando quando alguém diz algumas verdades que ela prefere não ouvir?
Alyssia mordeu os lábios com força. Peter brincava com o puxador da cortina e ela desejou que ele se enforcasse com o cordão.
— Você acredita mesmo nisso? Pois eu lhe digo, você não seria capaz de dizer uma verdade se a sua vida dependesse dela.
— O que quer dizer?
— Não sabe? Aposto como vai me dizer que veio até aqui porque haveria uma festa ou então para discutir com Nicole a situação política da França.
Daquela vez ele aproximou-se dela e deixou-a trêmula ao segurá-la pelos ombros, olhando-a de forma ameaçadora.
— Talvez você tenha razão. Talvez eu esteja aqui para dormir com ela. O que acharia disso, hein?
Alyssia sentiu o coração batendo forte, quase saindo pela boca.
Seria pela proximidade dele ou a iminência de descobrir a verdade?
— E... e é por isso que você está aqui?
— Por que está tão ansiosa para saber?
— Não estou. Só acho desprezível você ter um caso com uma mulher casada, nada mais.
Por um instante ela teve quase certeza de que Peter fosse agredi-la. Mas a encarou por alguns instantes, com seu olhar mordaz e de repente se afastou, indo até a janela onde ficou olhando para a rua.
Ali estava uma boa oportunidade para ela ir embora, Alyssia pensou. A porta estava aberta, ninguém a impediria. Mas não foi. Parecia grudada no sofá, fascinada por aquele perfil que fitava a rua.
Peter ainda não respondera a sua acusação e mais do que nunca ela queria que ele se manifestasse.
— E então? Está com medo de dizer alguma coisa, Peter?
— Não. — Ele se virou para encará-la. — Não há nada, absolutamente nada neste mundo de que eu tenha medo.
E ela sabia que ele falava a verdade. Não havia nada que aquele homem temesse. Especialmente brincar com a vida dos outros, como fizera com a dela, revirando-a de pernas para o ar para em seguida dizer-lhe adeus.
— Mas não tenho nenhuma intenção de contar o que você quer saber e muito menos alimentar essas suas especulações — ele continuou suavemente. — Não é da sua conta.
Houve um longo silêncio entre eles, que foi interrompido pelo toque estridente do telefone. Nicole, Alyssia pensou no mesmo instante e, quando Peter atendeu, falando o tempo todo em francês, ela teve certeza.
Ele lhe pareceu irritado a princípio. Discutiram um pouco mas então o tom de voz dele foi abrandando e quando desligou parecia bem mais tranqüilo.
— Era Nicole, não? — perguntou a ele. — O plano não saiu de acordo?
— Não muito.
— E qual era o plano, posso saber? Não. Nem precisa dizer, afinal para que quebrar um hábito de uma vida inteira, não é mesmo?
Os olhares de ambos se cruzaram e ela percebeu que de fato Peter não parecia mais zangado. Qualquer coisa na expressão dele mudara. Estaria desapontado? Era bem possível.
De repente, ela percebeu que não havia mais nenhum sentido em continuar ali. Só não compreendia como era possível que cada centímetro de seu corpo continuasse ansiando por ele quando toda a lógica e a razão do mundo lhe diziam o contrário?
Não era justo! Precisava dominar suas emoções como sempre fora capaz. Só via uma saída então. Levantou-se, pegou a bolsa do chão e se virou para ele, procurando demonstrar total indiferença.
— Bem, não há mais por que continuarmos aqui. Tenho mais o que fazer e tenho certeza que você também deve ter.
Alyssia se virou para a porta e nem percebeu quando ele se aproximou, silencioso feito uma sombra e a segurou pelo braço, fazendo-a parar.
— Espere.
Ela parou com o coração aos saltos dentro do peito e tentou encará-lo sem demonstrar o quanto o simples toque da mão dele em seu braço a perturbava.
— Parece que você tem mania de fazer isso, não?
— Só com você.
Ela respirou profundamente, mal conseguindo manter as pernas firmes.
— Nesse caso quero que me solte já antes que eu comece a fazer um escândalo dentro deste hotel.
Ele olhou-a com um ar de riso.
— Que tipo de escândalo?
— Vou... Vou começar a gritar feito uma louca. Cada pessoa dentro do hotel vai vir até aqui e ficará sabendo o que se passa neste quarto.
— Você teria coragem?
— Pode acreditar que sim.
— Bem, nesse caso só há um jeito de evitar que isso aconteça, não acha?
Alyssia notou um brilho intenso nos olhos cinzentos e no instante seguinte Peter a beijava ardentemente.
A princípio ela ainda tentou reagir. Colocou a mão espalmada sobre o peito rijo procurando empurrá-lo mas foi o mesmo que nada. Petera segurava pela nuca e pressionando sua boca com força, acabou minando sua resistência. Quando conseguiu fazê-la entreabrir os lábios, o mundo explodiu.
Uma onda de paixão e volúpia a atingiu como um raio, despertando cada centímetro do seu corpo. Render-se a sensações tão devastadoras tornou-se inevitável já que vinha se contendo desde que Peter entrara naquele quarto.
Mas de repente veio o desespero.
— Não, Peter... Por favor, não!
Sem parar de beijá-la, com os lábios de encontro aos dela ele gemeu.
— E por que não?
— Temos de... Precisamos primeiro conversar racionalmente sobre isso tudo, eu...
— Mas quem disse que é racional o que estou sentindo por você?
Alyssia foi tomada de pânico. Também sentia o mesmo. Parecia que a razão e o bom senso haviam criado asas e voado pela janela.
Céus! Que loucura! Ela sabia que precisava ser forte, resistir ou passaria o resto da vida sofrendo as conseqüências de sua fraqueza. Teria de conviver para sempre com a humilhação de ter se entregado a um homem que não a amava.
— Por favor, Peter, não faça isso comigo.
— Não estou fazendo nada com você, Alyssia. Nós dois estamos fazendo isso um ao outro.
— E o que teria acontecido se eu não tivesse vindo até aqui? Seria com Nicole que você estaria fazendo isso, não?
Ele se afastou um pouco para olhá-la nos olhos.
— Você quer conversar, certo? Então vamos.
— Mas não aqui!
— Por que não? Tem medo?
— Medo do quê?
Peter deu um ligeiro sorriso.
— Medo de mim, deste quarto, daquela cama. Medo do que está sentindo de fato por mais que se esforce para se mostrar indiferente.
— Eu... eu... Eu não estou com medo de nada.
Ele sorriu, levando-a até o sofá onde a fez sentar-se bem perto dele como se quisesse avisá-la que não adiantaria tentar fugir de novo.
— Você está com medo, sim — disse-lhe gentilmente como se ela fosse uma criança. — E sente medo porque sabe que me deseja tanto quanto eu te desejo.
— Desejo, desejo, desejo... Só existe esta palavra no seu vocabulário, é?
— Não — ele afastou uma mecha de cabelo do rosto dela. — Também preciso de você. E eu não fazia ideia do quanto até que você fugiu.
— Não fugi.
— Claro que fugiu. Mas isso não fez diminuir nem um pouco a necessidade que eu sinto de você, pelo contrário. Aumentou ainda mais.
A necessidade que ele sentia dela... Devia se sentir feliz ouvindo aquelas palavras do homem que amava no entanto isso não aconteceu. Sim, Peter sentia necessidade dela, mas não por causa de sua maravilhosa personalidade e sim por causa do seu corpo maravilhoso.
Estava acostumada àquele tipo de galanteio. Era comum os homens tratarem amor e desejo sem diferenciá-los entre si e isso nunca a incomodara. Com Peter, no entanto era diferente. Amava-o e pela primeira vez percebia que não bastava que ele a desejasse apenas ou que precisasse dela.
— As pessoas não precisam umas das outras, Peter — disse a ele. — Elas precisam, sim, é de ar, água, comida...
— Você está jogando com as palavras, sabe disso.
— E você comigo. Vamos, me diga, por que veio até aqui encontrar-se com Nicole? Aqui, justamente num quarto de hotel? Precisamos conversar sobre ela.
— É isso que incomoda você? Acha que vim até aqui para levar Nicole para a cama?
— O que mais eu poderia pensar?
Ele deu um longo suspiro.
— Você tem razão, precisamos mesmo conversar. Sobre Nicole e sobre outras coisas também.
Alyssia ficou aguardando com a respiração suspensa. Será que finalmente iria ter respostas a todas as suas dúvidas? Ou será que mais uma vez Peter daria voltas e voltas em torno do ponto principal, confiando no poder de atração que exercia sobre ela, para levá-la para a cama?
— Estou esperando Peter. Antes de mais nada por que concordou em vir até este lugar? O que existe entre você e Nicole? Preciso saber.
Ele desviou o olhar do rosto dela e de repente lhe pareceu tão vulnerável.
— O que existe entre mim e Nicole? — repetiu a pergunta como se falasse consigo mesmo. — Não é nada do que você imagina.
— Primeiro me diga e deixe que eu decido.
— Está certo. — Ele se levantou e começou a andar pelo quarto.
— Bem, conheci Nicole muitos anos atrás, sete, para ser exato. Eu havia terminado a faculdade e meu primeiro trabalho seria no sul da França. Naquela mesma vila onde fica a sua casa.
— Daí você ter se oferecido para pagar a dívida ao meu pai, certo? Na verdade não passou de uma desculpa para que voltasse ao passado e revivesse suas lembranças.
— Sim, talvez inconscientemente.
— Conheceu Nicole lá, então. Naquela vila começou o caso de vocês.
Doía dizer aquelas palavras mas Alyssia não conseguia evitar. Funcionava como um antídoto. Doses pequenas do próprio veneno para curá-la do veneno fatal.
Ele se sentou de novo no sofá ao lado dela.
— Sei o que imagina e de certa forma deixei que pensasse assim — Peter continuou calmamente. — Aprendi a preservar a minha privacidade de tal forma que nem liguei quando você começou a tirar suas próprias conclusões. — Ele parou de andar e olhou bem dentro dos olhos dela. — Mas está enganada. Não amo e nunca amei Nicole em toda a minha vida.
Alyssia sentiu o coração dar um salto dentro do peito. Depois achou que havia ouvido mal.
— Como disse?
— Eu disse que não há nada entre mim e Nicole. Nós nos conhecemos há muitos anos, sim, temos uma amizade muito especial mas isto porque... bem, porque eu amava a irmã dela.
Daquela vez ela não conseguiu impedir que seus olhos se arregalassem.
— A irmã de Nicole? Mas...
— Mas você nunca a viu, não é o que ia dizer? E nem podia porque ela morreu num acidente de carro há cinco anos.
— Oh... Eu... eu sinto muito, Peter.
De repente ele se levantou e voltou a andar pela sala. Parecia tenso. Sentiu vontade de tocá-lo, acariciá-lo, mas sabia que devia deixá-lo tomar a iniciativa, afinal será que Peter estaria lhe contando tudo aquilo não fosse Nicole ter provocado aquele encontro entre eles?
Era de importância vital que ela descobrisse a verdade.
— E se Nicole não tivesse arranjado este encontro entre nós, Peter?
— De qualquer forma eu teria vindo a Londres. E, é claro, pretendia procurá-la. — Ele se virou para ela bruscamente. — Dormimos juntos, certo?
— Parece que sim.
— E então? Achou que depois de fazer amor com você durante alguns dias eu ia deixar que sumisse da minha vida assim sem mais nem menos?
— Mas teria me contado sobre a irmã de Nicole?
Houve um longo silêncio e ela percebeu que estava sentada tão na beira do sofá que mais um pouco iria para o chão. Nem piscava. Olhava para Peter como se sua vida dependesse do que ele diria a seguir. E, de repente, sentiu-se tola de novo. Em nenhum momento ele dera qualquer indicação de que se importava com ela.
Fez um esforço enorme para relaxar e ficou aguardando.
— Sim — finamente ele admitiu, olhando para o outro lado. — Eu teria contado.
— Mas por que só agora?
— Ainda não me sentia preparado para partilhar a minha vida com alguém. A cama, sim, mas a minha vida... Tratava-se de algo intocável e no que dependesse de mim continuaria para sempre. Eu amava Jeanne e fiquei desesperado quando ela morreu. Ela era tão jovem, cheia de vida. Nunca mais quis saber de envolvimentos, concentrei todas as minhas energias no trabalho. Decidi que dali em diante me tornaria invulnerável ao amor e a todo o sofrimento que ele causa.
Peter olhou um instante para ela e Alyssia sentiu o coração dar um salto dentro do peito.
— Continue — pediu-lhe num sussurro.
— E então apareceu você. E mexeu comigo, acredite-me. Para começar me deixou louco de desejo como eu nunca mais pensei que alguma mulher fosse me deixar.
Peter aproximou-se dela e a beijou de uma forma arrebatadora, rolando para cima dela no sofá, deixando-a ofegante de desejo.
— Quero você, Alyssia. Pensei que fosse enlouquecer quando veio embora e entrei naquela casa vazia.
E quanto ao amor, ela teve vontade de gritar. O que aconteceria quando aquela chama se apagasse?
Como se lesse seus pensamentos, Peter afastou-se um pouco e olhou para ela.
— Você chegou com esse seu jeito infernal de discutir por tudo e nada, infernal e adorável e eu vi a minha preciosa invulnerabilidade evaporar como éter.
Alyssia mal tinha coragem de enfrentar os olhos cinzentos. Seu coração batia descompassado e ela descobriu que estava trêmula.
— Não é só atração física que sente por mim? Não sou apenas uma substituta de Jeanne?
— Não... Nem uma coisa nem outra. Se fosse assim, há tantas garotas por aí com um corpo tão espetacular quanto o seu, não acha? — Ele deu um suspiro profundo antes de continuar: — O fato é que lutei o quanto pude contra o que sinto por você. Mesmo depois de termos feito amor, eu disse a mim mesmo que desejava você desesperadamente, mas que tudo não passava de uma forte atração física, nada além.
Os lábios de Alyssia se curvaram num sorriso e quando ela esticou o braço para acariciá-lo, Peter levou sua mão aos lábios quentes e úmidos.
— Você é uma mulher maravilhosa, Alyssia. Tentei me proteger dos seus poderes, mas você me enfeitiçou. Foi por isso que a levei para a cama. E eu não conseguia entender como me deixei enfeitiçar por alguém tão...
— Infantil?
— Isto é parte do seu encanto. E eu só descobri isso tarde demais.
Antes que ela se desse conta do que Peter estava fazendo ele a ergueu nos braços e a levou para a cama. Começou a beijá-la, acariciá-la, e quando sua respiração estava tão ofegante quanto a dele, quando nenhum dos dois podia agüentar um minuto a mais, fizeram amor.
Ainda abraçados, Peter roçou os lábios em sua orelha.
— Eu não conseguia pensar em mais nada a não ser em você desde que veio embora. Fiquei insuportável. Por que acha que Nicole inventou este encontro? Porque nem ela agüentava mais o meu gênio terrível.
Alyssia sentiu algumas lágrimas escorrerem em seu rosto. Tentou evitar mas não conseguiu. E Peter percebeu.
— Mas o que há? Por que esse choro agora? Eu disse alguma coisa que a magoou?
Ela balançou a cabeça.
— Não, Peter.
— Então por que as lágrimas? Você sabe que eu nunca faria nada que pudesse magoá-la, não sabe?
— Nunca?
— Jamais. Enquanto eu viver, eu juro.
— Enquanto você viver? — Ela sentiu o coração dar um salto dentro do peito. — Não está querendo dizer enquanto estivermos juntos?
— Exatamente isso.
— Mas então... não entendo.
— Eu te amo, Alyssia. Fiz de tudo para esconder esse amor até de mim mesmo mas não posso mais.
— Oh, Peter... Eu também te amo, meu amor.
Ele sorriu, segurando-a pelo queixo para beijá-la na ponta do nariz.
— Eu já tinha adivinhado. E, minha querida, este foi mais um dos motivos que me impediu de resistir. Ainda assim, adorei ouvir você confessar.
— E Jeanne?
— Vou sempre me lembrar dela, é claro, mas meu coração e meus pensamentos de hoje em diante serão só seus. Nicole já havia percebido que eu estava apaixonado por você bem antes de mim. Sabia que precisei me controlar ao máximo para não acertar o queixo daquele dom-juan de meia tigela?
Ela riu.
— André?
— O próprio. Bem, creio que agora só me resta fazer uma coisa.
— E o que é?
— Casar-me com você.
Daquela vez não chovia a cântaros quando Alyssia chegou com Peter a uma modesta casinha branca, num bairro afastado de Nice. Fazia um sol radioso mas ela reconheceria aquela casa nem que fosse no Pólo Norte.
— Isso é ridículo — Peter reclamou pela décima vez. — Vou atribuir essa sua invenção a maluquices pré-nupciais. Dizem que toda noiva fica nervosa, não? Mas espero que esses ataques não se repitam com freqüência.
Alyssia riu enquanto puxava a cordinha do sino dourado pendurado na porta. Tinha a impressão de estar vivendo um sonho. Fazia cinco dias que ela e Peter haviam voltado a Nice e ela se sentia tão feliz que havia decidido morar ali mesmo.
Não demorou muito e a mesma jovem dos cabelos de fogo e olhar penetrante abriu a porta para eles. Como não havia marcado hora daquela vez, Alyssia teve medo que Claire não a reconhecesse.
— Oi... Não sei se você se lembra de mim, mas...
— Claro que eu me lembro. — A ruiva abriu aquele mesmo sorriso encantador da outra vez. — Vamos entrar?
Peter foi praticamente empurrado para dentro. Claire os convidou para sentarem-se e então Alyssia explicou.
— Este é Peter e ele é... bem, é um daqueles céticos, sabe?
Peter concordou, meio sem jeito.
— Sim, Alyssia literalmente teve de me seqüestrar para vir até aqui.
— Você é de Virgem?
Peter arregalou os olhos.
— Como adivinhou?
— Uma suposição apenas.
— Nós dois vamos nos casar daqui a duas semanas — Alyssia contou depressa antes que Peter dissesse algo que não devia. — E eu queria que você soubesse.
A moça sorriu.
— Eu já sabia. E se tivesse ficado mais tempo naquele dia, se não tivesse saído correndo debaixo daquela chuva eu teria lhe contado que no final do seu túnel havia uma luz muito brilhante.
Daquela vez Peter a fitou desconfiado.
— E você já sabia de tudo isso?
— Vejo que é mesmo um cético. — Ela se levantou indo na direção da cozinha. — Será que os céticos aceitam um chá?
Pouco depois os três tomavam chá enquanto conversavam sobre generalidades.
— E o que trouxe vocês de volta à França? — Claire quis saber.
— Trabalho — Peter respondeu já mais à vontade. — Uma certa casa que não foi terminada dentro do prazo por culpa de uma certa senhorita que virou meu mundo de cabeça para baixo.
— E aí pensamos em dar um pulo até aqui para que você soubesse que tudo deu certo no final — Alyssia acrescentou. — E também que em certos pontos você foi incrível. Mas por que não me disse que tudo se resolveria?
— Porque você não quis ficar para ouvir.
— Detesto ter de ser um pouco mais realista que vocês duas nesse ponto mas... não fica fácil demais dizer tudo isso em retrospecto?
Eles haviam terminado de tomar o chá e Peter fez a observação, levantando-se.
Claire deu uma de suas risadas cristalinas.
— Pois é... Bem, mas antes de irem embora quero dar a vocês uma coisa.
Ela foi até o quarto e alguns minutos depois voltou com uma delicada camisolinha de cambraia branca que entregou à Alyssia.
— Que linda, Claire! E olhe só este bordado. — Ela ergueu o olhar para a astróloga. — Mas por que isso?
— É um presente meu para o bebê que você vai ter daqui a dez meses.
Eles ainda escutavam a risada alegre de Claire depois que se despediram e ela fechou a porta.
Peter a envolveu pelos ombros ao irem até o carro.
— Bem, acho melhor voltarmos logo para casa e tratarmos de providenciar para que essa astróloga não seja acusada de charlatanismo.
Alyssia ergueu o rosto para ele com a maior inocência.
— O que quer dizer?
Ele soltou uma gargalhada e em seguida a beijou mostrando exatamente o que queria dizer.
Cathy Williams
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