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CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
CAPÍTULO 24
Miguel
— Você tem certeza?
— Sim, tenho que analisar os negócios, preciso voltar. Além do mais, voltarei em breve. — digo jogando um punhado de roupas de volta dentro da mala.
— Algo aconteceu, você está mudado.
— Não aconteceu nada, Paulo.
Paulo concorda e parece até aliviado. — Estarei mandando um carro ir buscá-lo.
— Ainda hoje. — digo encerrando a ligação.
Saio do banho quente secando o cabelo com a toalha olhando para o par de botas que vinha usando todos esses dias. Reviro os olhos evitando pensar naquela diaba loira que vinha atazanando meus pensamentos e... Tiro os sapatos italianos do fundo do armário, visto minha calça de sarja e um suéter polo, me preparando para o frio de São Paulo.
— O cheiro está divino, Maria, desculpa pela demora, estava escovando os cavalos e dando uma última olhada no Chuvisco. — escuto Dandara dizer, quando desço a escada carregando minha mala.
— Espero que esteja tudo em ordem, agora trate de lavar as mãos e vir jantar.
— Alguém viu Miguel? — Dandara pergunta.
Paro nos últimos degraus esperando e ouvindo a conversa.
— Está animada hoje, perguntando do Seu Miguel... menina...
— Que foi, Maria?
— Tome cuidado onde se mete. Vocês são feito fogo e palha, quando junta é difícil conter.
— Deixe de bobagem, passe logo essa travessa que estou morrendo de fome.
— Seu Miguel, algum problema? — Bento me surpreende saindo da sala.
— Não, estou voltando para a capital.
As cadeiras na cozinha produzem barulho ao serem arrastadas.
— Como assim? — Dandara para em minha frente, encarando minha mala e minhas roupas.
— Tenho trabalho em São Paulo que não posso adiar, assim que possível voltarei.
Um carro buzina do lado de fora, me avisando que chegou a hora.
— Ô Seu Miguel, não quer um pedaço de bolo para a viagem? — Maria pergunta.
— Não, obrigado.
Meus olhos não saem de Dandara, que parece plantada no chão.
— Volto em algumas semanas.
Dandara
Parecia que minhas botas tinham sido pregadas no chão. E nem mesmo vê-lo sorrindo e saindo porta afora eu consegui me mexer.
— Eita, não é que a menina colocou mesmo o moço pra correr! — Bento comenta. — Ai, que isso mulher! — escuto ele reclamar quando saio correndo atrás de Miguel.
— Fique quieto, homi tonto. — Maria retruca.
Miguel estava quase fechando a porta do carro quando gritei seu nome, fazendo-o parar.
— Só um minuto. — diz descendo do carro.
— Então vai embora? — pergunto.
Miguel não responde, mas também, que merda de pergunta eu tinha acabado de fazer.
— Você disse que não desistia.
Ele me dá um sorriso torto — Tem batalhas que ganhamos ao sair. E não estou desistindo de nada, tenho coisas a resolver. Em algumas semana eu volto.
Sei que ele espera alguma posição, eu queria correr para seus braços, mas...esses pequenos pensamentos traiçoeiros comendo meu cérebro foram o que me impediram, fazendo com que ele entrasse no carro novamente, fechando a porta e dando a ordem para o motorista prosseguir.
Ver o carro se afastando e o último olhar de Miguel no vidro traseiro me trouxeram um sentimento de vazio.
Miguel
Estava sentado em meu escritório, com a porta fechada, revendo as plantas do resort. Mas meus pensamentos se perdiam com frequência, indo de encontro à diaba loira. Eu não queria admitir para mim mesmo que aquela mulher tinha me laçado de tal maneira que eu me sentia como um dos seus cavalos, totalmente de quatro.
Olho para o relatório em minha frente, ponderando meus pensamentos. Um grunhido baixo retumbou em minha garganta e fiz questão de engolí-lo de volta. Precisava me acalmar, cacete, eu tinha que me aprumar!
Dandara não era nada para mim, alguns meses atrás mal recordava de sua existência. Mas, mesmo enquanto pensava isso, sabia que era uma imensa mentira.
Ela era alguma coisa, só não sabia o quê. E nem mesmo se ela pensava da mesma forma.
Fecho a pasta empurrando-a para longe, não adiantaria ficar ali como um bicho enjaulado, pego minhas coisas, enfiando o celular no bolso da calça social, quase passando por cima de Paulo no corredor.
— Miguel, tem um segundo? — Paulo me chama enquanto continuo meu caminho.
— Agora não — retruco. — Tenho coisas para fazer.
— Miguel.
Paro, a impaciência fervilhando quando me viro para olhar meu amigo. As sobrancelhas de Paulo se uniram com certa preocupação.
— Está tudo bem?
Assinto.
— Olha, não estou com cabeça hoje. Deve ser o cansaço consumindo o corpo, nos falamos amanhã.
— Bruno queria saber sobre o projeto do Haras, pediu até mesmo que dê um pulo no escritório dele.
— Ligue para ele e diga que o projeto será alterado por inteiro — comento.
Paulo abre a boca para questionar minha atitude, mas desiste ao olhar melhor meu rosto.
De jeito nenhum iria compartilhar o que estava em minha mente, nem mesmo eu saberia dizer se os planos que rondam meu cérebro são coerentes.
Uma vez dentro de meu apartamento, acreditei que poderia colocar minha cabeça em ordem, bem, isso foi antes de me virar e dar de cara com meus pais sentados em minha sala.
— Que diabos estão fazendo aqui?
— Esse é o jeito de falar com sua família? — minha mãe retruca vindo em minha direção com um enorme sorriso no rosto e os braços abertos.
— Ainda não entendi o que estão fazendo aqui.
— Sua mãe não se aguentou quando soube que você tinha retornado, desmarcou até o jantar com sua tia — meu pai explica. — Eu avisei que ficaria bravo.
— Estou cansado, apenas isso. — digo retribuindo o abraço de minha mãe e indo até o sofá para cumprimentar meu pai.
— Me conte tudo, como estão as coisas por lá, Maria e Bento estão bem? Ah, e a Dandara? Sinto falta do meu cavalo.
Franzo a testa surpreso, — Não sabia que ia muito ao Haras, nem que tinha um cavalo para chamar de seu. Achei que fazia anos que não via o lugar.
Minha mãe sorri, batendo as mãos na coxa — Imagina, meu querido, eu e seu pai vamos pelo menos duas vezes ao ano.
Encaro meus pais seriamente. Eu estava sendo feito de bobo por todos?
— Achei uma decisão linda do seu tio deixá-lo para você, mesmo sabendo que você não tem habilidade nenhuma com animais. Não conseguiu nem cuidar da samambaia que demos quando se mudou, a pobrizinha morreu seca! — diz rindo.
— Julia!
Minha mãe se vira acariciando o rosto de meu pai, — Estou dizendo alguma blasfêmia? Lembra do Miguel pequeno? Ele nos fez jurar que nunca mais iríamos forçá-lo a pisar no Haras, tudo porque Dandara fez com que caísse no esterco.
Isso não mudou muito — penso.
— Em minha defesa, acreditei que a planta era artificial e, se vocês me dão licença estou muito cansado para ficar relembrando sobre minha infância.
— Claro, meu querido. Viemos mesmo dar um beijinho rápido. Amanhã almoçamos juntos?
Aperto a pequena ponte entre os olhos sabendo que ela não sossegaria enquanto eu não aceitasse.
— Tudo bem. Você escolhe o lugar.
— Perfeito! — minha mãe dá um pequeno beijo em minha bochecha, — Até amanhã.
Assim que fecho a porta respiro meramente aliviado, tudo que eu não queria no momento era pensar nos longos cabelos loiros que desciam pelas costas daquela diaba, ou como ficava sexy montada naquele cavalo gigante. Ela era tão linda, mesmo sendo uma esquentadinha, que até doía minhas bolas.
Eu quis voltar no mesmo instante que parti, mas confesso que queria uma posição dela, queria que ela deixasse um pouco de lado essa história de herança, do haras e olhasse para a porra da combustão que ocorria toda vez que chegavamos perto um do outro.
Puta merda, estou obcecado por ela!
Quando acordei na manhã seguinte não estava melhor que a noite anterior, levantei, tomei um banho e fiz meu café. Passei o resto da manhã conciliando alguns negócios pendentes por causa de minha viagem e deixando que a hora passasse até meu fatídico almoço em família.
Às onze e quarenta paro o carro em frente ao restaurante predileto de meus pais.
— Conte mais como estão as coisas por lá.
Minha mãe não é do tipo que desperdiça o tempo com assuntos cordiais, ainda mais quando quer arrancar alguma informação da pessoa. Deve ser mal de família, minha tia Lucia era idêntica, coitada de minha prima.
— Eu mal sabia que mantinham contato com tio Pedro. — respondo olhando para as opções no cardápio.
— Quanto mau humor, meu filho. Achei que os ares do interior fariam bem para você.
— Irônia não combina com a senhora, mãe.
— Julia, fala como se não conhecesse Miguel. — meu pai comenta sorrindo.
— Não sei quem nosso filho puxou, não me recordo de ninguém tão mal-humorado como ele. — Minha mãe ajeita os cabelos perfeitamente arrumados, — Talvez seja sua prima, Joyce tem o humor idêntico ao dele, não tem? — questiona virando-se para meu pai.
Fecho o cardápio encarando meus pais — Me digam, vocês já sabiam da arapuca que Pedro armou para mim?
— Lógico que não, — minha mãe diz, trocando um olhar culposo com meu pai — ficamos tão surpresos quanto você. E fico feliz pelo gesto dele.
— Um gesto um tanto suspeito, como você mesmo disse eu não sou daqueles que troca os ares da cidade grande pelo cantos dos passarinhos às seis da manhã, isso é com minha prima... Vamos pedir?
— Miguel, saceie a curiosidade de sua mãe. — minha mãe ri, aceitando o pedido que o garçom coloca em sua frente.
— O Haras está repleto de dívidas, parece que os feitos de Dandara não conseguiram arcar com as despesas, sei que hipismo é uma modalidade bastante requisitada pelos mais afortunados, mas sendo sincero, não entendo como aquilo ali, naquela cidadezinha de nada continua com tanto movimento . Sobre Dandara, se é isso que a senhora está tão curiosa, continua exatamente a mesma, — ao dizer isso escondo um sorriso, quase a mesma na verdade, tirando os seios volumosos e a bunda redondinha, coisas que não tinha na infância... — Bom, ela continua apaixonada por aqueles bichos e insuportável. Fez-me relembrar muito da infância, já que no primeiro dia fez questão de me deixar com os pés atolados na merda.
Minha mãe coloca a mão na boca contendo o riso.
— Que bom que estou divertindo você. No penúltimo dia que fiquei ali ela me arrastou para salvar um cavalo selvagem, insano, o animal estava tão machucado que quase matou todos nós no transporte, Dandara é insana como aqueles cavalos. E ainda dei um soco na cara do bêbado, para que ele não colocasse as mãos em cima dela. — respondo casualmente.
Meus pais anuem com a cabeça.
— O que foi? — questiono ao notar que eles ainda me olhavam, ignorando a comida em sua frente.
Meu pai dá um pigarro, solta os talheres. — Posso estar enganado meu filho, mas você está caidinho novamente por essa garota.
Dou um sorriso falso. — Você está imaginando coisas, meu pai.
Estava tão evidente assim que algo havia mudado?
CAPÍTULO 25
E a gente nem ficou
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça
E o pouco que durou
Nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça
(A gente nem ficou, Jorge e Mateus)
Dandara
“— Miguel é um cagão, Miguel não me alcança — grito correndo pelo campo.
— Você provoca e depois corre.
Olho para trás vendo Miguel se aproximar de mim, aumento minha corrida, passando por entre as madeiras da cerca.
— Corro nada, pode vir, garoto molenga.
— Peguei, pirralha!
Rolamos na grama, fico brava ao olhar o estado do meu cabelo, cheio de pedaços de grama. — Você é um idiota, não brinco mais com você! — Seguro um punhado do cabelo dele, Miguel se debate.
— Vou contar para o tio o que está fazendo.
— Seu frouxo, bundão! Peça desculpas!
— Não vou pedir nada!
— E eu não vou largar! — retruco ainda agarrada aos cabelos dele.
— Astaah, de novo vocês estão agarrados como dois bufálos selvagens? — Pedro bate o chicote no ar fazendo o cavalo relinchar.
— Ele que começou, moleque chato!
— Sua mentirosa, eu não venho mais aqui, tio!
— Controlem-se! Não quero saber quem começou, vocês dois juntos é problema!
— Prefiro a companhia dos cavalos — digo empurrando o peito de Miguel, fazendo-o cair de bunda na grama.
— Eu vou te pegar, Dandara!
— Chega, os dois! Vamos entrar, lavar as mãos para comer. — Pedro resmunga, mas sorri ao mesmo tempo. — Um dia ainda vou ver vocês dois casando.”
Fecho minha mão sobre a rédea de Bruto, sentindo raiva por ter essas lembranças da infância de novo, não queria lidar com nada no momento que envolvesse aquele brucutu.
— Vai tentar mais uma vez?
— Sim, acho que posso melhorar o tempo desse carinha. — acaricio a crina do cavalo.
Faltam poucos dias do pequeno open house que farei aqui no Haras, o pessoal da redondeza e alguns dos mais importantes competidores estão marcando presença. Isso é o que importa, com a festa eu conseguirei arrecadar o dinheiro que preciso para quitar a dívida.
Mesmo não sendo uma festança, será algo organizado, teremos música de viola, o buffet Maria e Dona Sila que estão organizando e também as competições. Santiago, Mathias e Bento fazem uma verdadeira força tarefa para deixar tudo organizado, desde os cavalos até o solo nos cercados onde haverá a competição.
Vejo Bento correndo em nossa direção, seu corpo, um tanto curvado devido à idade, balança enquanto ele corre.
— Alguém mande esse homem não correr mais! — Mathias diz.
Dou risada. — Fale isso para ele, diga para se aposentar. Ele vai te chamar de cu de asno e mandar ter respeito.
Mathias ergue um pouco o chapéu coçando a cabeça ao concordar.
— Bento pode ser mais velho, mas dá de trinta a zero em você, rapazote — caçoo.
— Menina! Menina, Dandara — Bento grita, parando um pouco de correr.
Desço do Bruto fazendo um carinho no corpo, deixando que ele corra livre pelo cercado.
— O que houve?
— Temos um probleminha na equitação.
— Não diga que algum dos alunos caiu e tenho que correr com paramédicos.
— Arra, crendeuspai! São as gemêas novamente, e o pai delas quer falar com você.
— Vamo lá ver qual é o incêndio da vez.
Vitória e Alice, duas pestinhas, adoravam colocar o terror no Haras, o pai tinha paixão pelos cavalos e colocou as duas para praticar equitação. Alice tinha verdadeiro talento ao contrário de Vitória, mas o que Vitória tinha era amor pelos animais, o que a fazia, mesmo sem nenhuma técnica, ser melhor que a irmã.
— Boa tarde, Seu Nelson.
— Dandara, que bom que veio rápido.
Encaro a cena, vendo o cavalo delas irritado, girando em círculos, bufando.
— Meninas saiam de perto dele, agora!
Pulo a cerca segurando o chapéu. — Ei, Rock! Ei, preste atenção em mim. — digo tomando a frente delas.
Ele continua bufando, mas se mantém no lugar.
— Dandara esse cavalo não vai comigo, como irei competir? — Alice retruca.
— Ele não gosta dos seus métodos, sua idiota! — Vitória retruca.
— Vocês duas, arre égua! Não adianta brigar na frente dele, isso só vai fazer vocês duas tomarem um coice!
Mesmo enquanto controlo as irmãs a não se engalfinharem, permaneço olhando para o animal, ele não tira os olhos de Vitória, e cada vez que Alice puxa a rédea ele fica mais bravo... só por ser afastado de Vitória.
— Calem a boca já! — repreendo. — Desculpe, Seu Nelson — acrescento vendo o olhar assombrado do homem. — É simples, quero fazer um teste com vocês. Vitória, pegue o cabresto do Rock e ande um pouco com ele.
Ela me olha surpresa.
— Vamos menina!
Ela faz o que eu mando e o cavalo na hora para de bufar e se remexer inquieto. Rock segue a menina com verdadeira adoração. É tão claro como água que cai da cachoeira.
— É simples, Rock não gosta de você Alice, ele aceita seus comandos porque é um bom cavalo, se fosse outro, teria lançado você para longe.
Ela abre a boca em um “oh” perfeito.
— Ele é apaixonado por você Vitória, seguiria até o comando mais tolo que lhe ordenasse.
— Você só pode estar de brincadeira.— Alice retruca. — Papai?
Arqueio a sobrancelhas, — Vamos fazer um teste, Alice ordene que ele sente.
— Não farei isso!
— Vamos garota é um comando simples. Estrale a língua duas vezes e aponte para baixo e diga o comando. — Vejo sua recusa. — Eu poderia tentar, mas sei que ele vai me obedecer porque eu o domei. Então fará por respeito, querendo ou não obedecer.
— Faça, Alice. — diz o pai das garotas.
Ela faz exatamente como acabei de dizer e tudo que o cavalo faz é torcer a cara ou balançar a cabeça como uma verdadeira negativa. Ele não suporta a menina.
— Vitória, faça o mesmo.
Ela executa o comando e é na mesma hora atendida.
— Bento vá com Alice nos estábulos e veja um cavalo mais apropriado para ela.
— Isso não é justo!
— Alice, cavalos são o tipo de animal que não aceitam imposições, eles têm uma sensibilidade tamanha, se Rock escolheu sua irmã é porque a personalidades deles combina, você é mandona e gosta de ter um cavalo com técnicas altas em hipismo. Por isso Bento vai lhe dar o correto, deixar vocês dois juntos só fará com que se machuque ou machuque o cavalo e não queremos isso, não é mesmo?
— Faça o que Dandara pede, ela entende do assunto. — Nelson diz.
Estou quase ultrapassando a cerca e voltando para meu treinamento quando o pai das garotas sorri pedindo um dedo de proza.
— Dandara, eu sei que Alice precisa de outro cavalo, — ele faz uma pausa, confirmando que as garotas não estão ouvindo. — Mas não consigo bancar dois cavalos e todos os custos, é alto demais.
Suspiro, mordendo o lado interno da bochecha por um segundo. — Fica por minha conta, tragam grandes prêmios para nós e logo você poderá me recompensar.
O homem me abraça agradecendo imensamente pelo meu gesto, me deixando sem jeito.
Me afasto sorrindo, mas ao olhar para o rosto de Bento me preparo para ouvir.
— É por isso que ocê tem que ter uma pessoa como Miguel para cuidar das coisas com ocê.
— Tá maluco, homi?
— Vai dizer que aquele agarrão que o homi lhe deu foi porque conseguiu acabar com a briga das duas? — Questiona arqueando a sobrancelha.
— E não é? — me faço de sonsa, sorrindo ao voltando para meu treinamento.
Miguel
— Ei, cara.
Olho para cima vendo Paulo em pé na soleira da porta de meu escritório. Faço um sinal e ele caminha em direção à mesa, fechando a porta atrás de si.
— Você tem estado quieto recentemente. Algo errado? Como está o desenrolar da história sobre a herença?
— Você marcou a reunião com Bruno?
— Sim, hoje às dez horas, ele deve estar chegando.
Paulo se senta na minha frente, encarando meu rosto com curiosidade.
— Tenho outros planos para aquele lugar.
— Entendo.
— Não me olhe com essa cara — digo.
Paulo ri eguendo as mãos, num ato e redenção. — Bom, eu não teria imaginado nem mesmo em mil anos que uma cidadezinha tão inóspita conquistaria seu coração.
— Nem eu, para ser honesto — admito.
— Precisa de ajuda com alguma coisa?
— Não. A menos que você tenha uma maneira de fazer uma mulher cabeça dura entender meus motivos e aquiescer o que eu digo e faço.
A sobrancelha de Paulo se levanta.
— É complicado, é tudo que precisa saber no momento...
Paulo ri novamente. — Mostre-me uma mulher que não seja complicada.
— Mas é exatamente por isso que ela não sai da minha cabeça! Ela não é uma mulher qualquer. Não sei, cara. Ela atinge lugares que nenhuma outra alguma vez atingiu.
— Pelo visto o presunçoso se apaixonou para valer e, pelo que parece, não é exatamente recíproco?
Levanto rapidamente o dedo médio.
— Irônico, mas a mulher que me jogou literalmente na merda é a que não consigo esquecer.
— Já vi que tenho mais motivos para gostar dela. Sei que paciência não é uma das suas virtudes, mas talvez este seja o momento em que você precisa se familiarizar com o conceito.
A intensa diversão na voz de Paulo só me fez ficar mais mal-humorado.
Definitivamente isso não estava presente muito em minha vida, e não seria da noite para o dia que iria me acostumar com a ideia, nem mesmo parecia que Dandara fosse mulher de aturar homem mole. E não iria ter paciência quando queria tanto alguma coisa como eu desejava ela.
Não conseguia explicar isso, essa vontade de algo que me deixava aflito, angustiado com o passar dos dias.
— Então, o que você pretende fazer?
— Eu tenho uns ajustes com Bruno e a equipe, mas estarei retornando para o Haras assim que liberar esses documentos de alvará. Não irei ficar aqui, além do mais, temos a reunião com o avogado do meu tio-avô. Se ela vai me dizer não, pelo menos quero ouvir isso de seus lábios, em vez de ficar sentado aqui.
— Boa sorte, cara.
— Bom dia, senhores — digo estendendo a mão para Bruno e Leonardo que já me aguardavam com semblantes preocupados na sala de reunião.
— Bom dia, Miguel.
— Vamos ao que interessa. — digo ao me sentar.
Tinha enviado um e-mail bastante detalhado do que queria para o Haras, óbvio que acabaríamos mexendo na estrutura de toda a propriedade, mas quando tudo estivesse pronto, seria a junção perfeita do que eu queria para aquele lugar com o que a esquentadinha sempre amou.
Esse projeto demandará uma equipe inteira apenas para aquela cidade. Precisarei colocar no papel todos os gastos, como maquinário, refeição e moradia para os que decidirem ficar por lá, e combustível para os que voltarem todos os dias. Ajapi não é uma cidade longe, porém, leva umas boas três horas de carro e eu não acho que compensaria fazer isso todos os dias.
Sairia caro, mas estou disposto a cobrir os custos.
— Temos todas as modificações, aqui ficaria a entrada individual para o Haras, e aqui para os chalés — Leonardo mostra cada ponto na planta do projeto — ambos são interligados, porém damos a individualidade para cada um. Como a propriedade tem hectares livres, trabalharemos bem e sem nenhum tipo de problema com os animais.
— Ótimo, isso mesmo que desejo. Foquem nisso, então! — digo olhando para eles.
CAPÍTULO 26
Dandara
— Pedro me deixou esse Haras e eu não vou desapontá-lo, esse evento trará pessoas novas e dinheiro. Eu não vou desapontá-lo.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Seu Pedro não vai ficar desapontado com você se assumir que se deixou levar pelo seu coração, que em anos ele deixou de ser uma geleira e se apaixonou.
Reviro os olhos para Maria.
— Lá vem você novamente com isso!
— Está desperdiçando sua vida mentindo para si mesma.
Dou a volta na mesa, me sento encarando a quantidade de papeladas em minha frente. — Miguel é complicado, não somos do mesmo mundo, eles não se encaixam — digo por fim.
— Deixa de besteira, a gente se encaixa onde nosso coração está.
— Desculpe atrapalhar, Dandara. — Mariana vem em minha direção com olhos arregalados. — Preciso de sua assinatura para esses documentos.
— Vou mandar um prato de comida para você — Maria retoma nossa antiga discussão.
— Agora não, eu irie em breve.
— Arra! Continue sem comer que vai ficar abatida!
— Temos muito trabalho pela frente, venha Mariana, precisamos ajeitar as coisas por aqui. O evento é em dois dias.
Mariana segue em meu encalço terminando de anotar o que eu passo para ela.
— O que Cindy e sua turminha está fazendo aqui?
— Ela está levando a sério a competição contra você, alugou uma pista só para ela e as amigas.
— Tudo que eu não queria enfrentar nesse momento.
Ajeito o chapéu pronta para passar pelo batalhão de meninas fúteis e continuar meu serviço, paraliso assim que escuto ela falando sobre o Haras.
— Isso aqui é piegas, já era! Ainda mais sob o comando de Dandara. Haras bom mesmo é o que meu pai entrou de sócio, vocês precisam ver, além é claro, dos cavaleiros. — Cindy comenta rindo.
Paro furiosa encarando as meninas, que cessam os risos ao me ver plantada na frente delas.
— Boa tarde, Dandara — uma delas diz, entreolhando as amigas.
Dou um sorriso falso — Cindy! — aumento o sorriso, ou parece mais que posso mordê-la — Pare de falar do meu Haras, cuide da sua vida, porque, quem mexe com fogo acaba queimado!
Ela retribui o olhar de ódio — Sabe Dandara, será uma pena se não conseguir competir. Mas o segundo lugar ou o terceiro é bacana também. Ou então... posso pedir pro papai comprar seu lindo Percheron.
— Sua...
— Aoh, meninas, tudo bom? — Mathias se enfia no meio de nós — Dandara preciso de você, venha...venha — diz tocando meu braço.
Mathias e Mariana me levam para longe enquanto espumo pela boca.
— Aquela vadiazinha, eu deveria esfregar a cara dela no esterco!
— É, concordo com você, mas pessoas como Cindy Munhoz estão acostumadas a infernizar os outros e, isso é tudo que não precisa no momento. — Mariana comenta.
— Henrique disse que tem uma tenda para nós. — Mathias sorri mudando de assunto.
— Isso é bom, melho garantir antes que o humor dele mude. — falo — Peça ajuda para alguns homens.
— Pode deixar. Você não está contente com tudo isso, né?
— Não, odeio esse circo em volta dos animais, o problema é que preciso dos palhaços para salvar o que temos aqui. — confesso.
— Você está mais arredia que o normal.
Ignoro o comentário, dando uma olhada geral em tudo. Alguns homens trabalhavam pesado para deixar equipamentos fixos nos cercados de competição e o terreno pronto.
Meus pensamentos viajaram até Miguel, aquele traste... Estava roubando minhas noites de sono e ainda se aventurava em roubar minha atenção pelo dia. Mas depois que voltou para a cidade grande, nem mesmo uma ligação fez. Ele era louco.
Tiro o chapéu preto com a fivela incrustada em prata. Quando abro a caixa endereçada a mim era a última coisa que esperaria, e no fundo convenci a mim mesma que usaria por Miguel ter sido o culpado por eu perder meu antigo chapéu na noite do resgate de Chuvisco, mesmo sabendo que no fundo isso tinha sido uma mentira deslavada que estava contando a mim mesma e para todos. E mesmo com esse presente ele não se deu o trabalho de ligar, então, por que diacho eu ficaria aqui me lamuriando e pensando naquela maldita noite enfiada no velho celeiro?
Passo as mãos nos olhos, tentando esquecer essas coisas. Já estava com a vida cheia o suficiente para ter um homem me deixando louca.
Quanto tempo o coração leva pra saber
Que o sinônimo de amar é sofrer
No aroma de amores pode haver espinhos
(Sinônimos, Chitãozinho & Xororó feat Zé Ramalho)
Enfim chegou o dia do bendito open house , como alguns diziam. Sorte que o clima estava ameno, nada de muito sol e a brisa gelada que às vezes se lançava por nós também não atrapalharia. Mathias e os homens que ajudaram na organização tinham feito um pequeno palco decorado para que a banda sertaneja tocasse durante o evento animando o povo, as arquibancadas em volta das arenas principais estavam apinhadas 6 de gente, só aguardando o ínicio.
Cumprimento as pessoas que passam por mim, Mariana estava tomando conta do cercado com os instrutores, deixando as crianças brincarem e andarem com os cavalos, seria uma tarde perfeita, se Deus quisesse. Com certeza se estenderia até a noite, com muita música e dança, além do churrasco.
Caminho até os estábulos vendo Santiago dar a última olhada em alguns cavalos.
— Estão todos bem?
— Sim, mas esse carinha tem que ficar de fora.
Olho para o cavalo preocupada — O que houve com ele? — vou até eles, olhando para o animal.
— Estou com receio do tendão, não queria forçá-lo.
Agacho vendo Santiago raspar o casco dele. — Última coisa que quero é ele com uma lesão mais séria. Fez bem deixá-lo aqui.
O relincho de Trovoada me chama atenção, me fazendo sorrir. — Oi, meninão — abro a portinhola de sua baia deixando que ele saia, sacudindo-se todo — vamos dar uma volta? Mas nada de ir para os campos abertos hoje, entendeu?
— Em todo esses anos trabalhando com cavalos, nunca vi e acredito que nunca entenderei o tipo de relação que vocês têm. — Santiago comenta com um sorriso.
— Trovoada é especial.
— Dandara, que bom, te encontrei.
Viro vendo uma das amazonas. — Camila, o que posso fazer por você?
— Sol e eu estamos prontas para o volteio. — volto-me para Trovoada, com o sorriso desmanchando. — Teremos que deixar nossa volta para mais tarde.
Ele se chacoalha, batendos as patas no chão.
— E se eu tiver uns agrados para ele? — Santiago segura um ramalhete de cenouras imensas em frente ao focinho de Trovoada, chamando sua atenção.
— Obrigada, amigo — digo — Vou pedir para anunciarem vocês. — complemento saindo com Camila do estábulo.
Quando Camila me procurou interessada em apresentar sua modalidade eu fiquei encantada, não é tão comum termos uma volteadora. O volteio é uma ginástica sobre cavalos em movimento, é como um tripé: o cavalo, o volteador e o condutor. Exige muita mobilidade e agilidade. Diferente dos outros esportes onde o cavalo é selado, neste o animal usa uma espécie de cinta com duas alças de mãos e duas de pés, o cilhão e apenas isso.
Mathias anuncia a entrada de Camila, Sol e a égua fazendo as pessoas aplaudirem. Os cavalos para esse tipo de esporte têm que ser dóceis e tranquilos, um cavalo mais genioso poderia derrubar o volteador.
Sol conduz a égua, dando algumas voltas, enquanto Camila corre ao seu lado, mas é quando ela se lança pelo cavalo, ficando praticamente de cabeça para baixo que arranca assobios e palmas da plateia. É um espetáculo lindo de se ver, a conexão que Camila tem com o animal, as acrobacias que faz em seu dorso.
Desvio os olhos das garotas vendo olhos fixos e sorrisos estampados nos rostos de quem assiste e fico feliz, está tudo dando certo. Do outro lado do Haras está começando a prova de seis barras, assim como planejei, o Haras todo sendo usado, atraindo atenção para todos os amantes do mundo country e de rodeio.
Passo por todas as pequenas arenas montadas, vendo se tudo ocorre bem até que escuto a voz do locutor anunciando que em alguns minutos começarão os três tambores.
Um dos juízes era da ANTT 7 , e até poderia ser minha deixa para voltar às competições se quisesse.
Busco Bruto nas baias, verifico sua sela, assim como as ligas de trabalho para ajudar na sustentação dos tendões e as articulações. Faço uma trança em meu cabelo respirando fundo.
— Está pronto? Será seu momento de mostrar para aqueles bundões como você manda bem!
Vejo nos olhos de Bruto o quanto está animado, os olhos pedem velocidade e adrenalina.
Troto com ele até a pista, esperando por nossa vez, sentindo um nó na boca do estômago, as competidoras são boas, fazem um bom tempo. Todas querem uma vaga na ANTT, é uma chance de ouro.
Cindy passa por mim, fazendo sua turminha se levantar numa verdadeira arruaça. Ela fez um tempo bom apesar de ter derrubado um dos tambores, bastou sair do foco dos espectadores para castigar a égua com o chicote. Desço do Bruto irritada por ver uma situação dessas.
— Cindy — advirto, ela para com o chicote alto, encarando meu rosto com desdém.
— Nem se atreva a descer esse chicote nela!
— Ah é, e você vai fazer o quê? — desafia.
Ela sabe que não posso fazer nada. Pois até mesmo se denunciasse ela por maus tratos, o rancho dos Munhoz era respeitado e o pai dela tão cretino quanto a filha, acabaria em nada. Olho para a barriga da égua machucada, as feridas que Mathias e eu tentamos evitar estavam sangrando e maiores, sendo maltratas pelas fivelas da sela apertada mais do que deveriam.
— Como eu disse, não se meta no meu caminho. Vai, vai — acrescenta dando chicotadas no animal, fazendo meu coração se apertar ao ver o olhar triste da égua ao gritar silenciosamente por ajuda.
— Agora vamos receber nossa anfitriã, Dandara Monteiro!
Ajeito o chapéu, me concentrando na pista, nos tambores, Bruto anda calmamente até a linha de partida, ficando entre os sensores dos cronômetros. Vou silenciando as vozes, deixando de lado os barulhos, aquilo que pode tirar meu foco, acaricio a crina de Bruto que arreganha os dentes.
Bruto faz uma saída com explosão, e mesmo o solo estando com marcas fundas das competidoras anteriores, Bruto se sai bem, ele é um cavalo extremamente focado nos obstáculos, o que facilita nossa interação. Sinto a adrenalina atravessar meus ossos, Bruto exige mais e me faz deixá-lo comandar. Estávamos dando a volta no último tambor quando meus olhos vão para a arquibancada e cometo um grande erro: meus olhos passam pelos rostos conhecidos e os novos, parando nos de Mathias, Maria e... Miguel! Miguel, ele está sorrindo então tudo que desliguei volta, o barulho das pessoas incentivando e o grito dele:
— Vai esquentadinha!
Bruto aumenta a velocidade atravessando o sensor, foi eu fechar os olhos por um segundo tentando tirar a imagem de Miguel gritando o apelido ridículo que me deu, e no segundo seguinte eu estou no chão. Minhas costas batem na areia, sinto uma dor forte me tomar os pulmões, bem na hora que o locutor anuncia que eu tinha feito o melhor tempo.
— Filho duma égua! — xingo me sentando, vendo os três em pé na arquibancada, tomados pelo susto.
CAPÍTULO 27
Miguel
Paro o carro em uma vaga longe da entrada, caminhando o resto do caminho até a porteira do Haras, tinha esquecido completamente do evento que Dandara está organizando, merda, eu poderia ter vindo ontem se não fossem as intermináveis reuniões com a equipe.
Uma banda animava uma porção de pessoas que dançavam em frente ao pequeno palco, o Haras estava abarrotado, parecia uma imensa feira no meio do mato. Escuto a gritaria e as palmas, e o nome de Dandara ser anunciado. Olho em direção a arena e corro até lá, pedindo licença para algumas pessoas, procurando um lugar no meio da plateia. Mathias acena ao me ver e me junto a ele e a Maria.
Olho de ponta a ponta da arena vendo três tambores dispostos no meio e Dandara na ponta montada no cavalo. Meu coração dispara quando vejo o olhar determinado em seu rosto e o animal sair correndo como um maluco, os batimentos disparam dentro do meu peito como nunca antes.
É, puta merda, eu estou apaixonado pela esquentadinha!
— O que ela está aprontando? — pergunto mais alto que os gritos da plateia.
— É como um rodeio, é a competição de três tambores. — Mathias explica brevemente não tirando os olhos da arena — Vai Dandara! — grita sacodindo seu chapéu no ar e batendo as botas no chão de madeira da arquibancada.
Ela está dando a volta no último tambor quando seus olhos vieram para nós, se fixando em mim. Sorrio animado, ao que parece ela está ganhando, o grito foi totalmente involuntário, fico de pé na arquibancada e grito:
— Vai esquentadinha!
E então, chão! Foi literalmente isso, num instante ela estava acabando a competição no outro estava deitada no chão com uma expressão de dor.
— Puta merda! — escuto Mathias dizer.
Pulo os dois degraus e chego ao chão, logo correndo até a porteira da entrada da arena, mal esperando por alguém. Corro até Dandara que está se sentando, me ajoelhando ao seu lado.
— Pelo amor de Deus, nunca ouviu dizer que não pode se mexer se cai do cavalo, sua maluca? Está tudo bem, o que você está sentindo? — disparo a falar, olhando cada pedaço de seu corpo verificando se não tinha sangue ou alguma fratura.
— Seu filho duma puta! O que está fazendo aqui? — o rosto de Dandara fica vermelho de raiva.
Ela está parecendo uma locomotiva enlouquecida, bufando mais que um búfalo.
— Mulher maluca, eu vim saber se você está bem. — comento contrariado.
—— Dandara, fique deitada, vamos. — Mathias ordena ajoelhando-se ao meu lado com um paramédico.
— Estou bem, estou bem! — resmunga — tira isso de mim senão vou enfiar no seu rabo Breno! — discute com o paramédico, que arregala os olhos ficando paralisado.
— Dandara não posso te liberar, a menos que faça os primeiros socorros. — ele ainda tenta argumentar.
— Eu vou comer seu fígado no café da manhã se não tirar as mãos de mim! — diz pondo-se de pé — Estou bem, onde o Bruto está?
— Eu pedi para levarem ele para a baia, ele está bem.
Ela me encara com ódio.
— Dandara, tudo bem? — um senhor vem em nossa direção segurando o microfone
— Sim, Zé, tudo certo. Fiz um tempo bom?
— O melhor, nem parece que ficou anos sem entrar nas competições. — ele diz sorridente.
— Isso é ótimo.
Ela para por um segundo encarando cada um de nós. — Vão ficar aí encarando o nada até quando? Zé, continue com a competição. — diz antes de sair mancando.
Que mulher azeda, eu deveria lhe dar uns tapas! Ando apressado em sua direção. — Está com o pé machucado, deixe de ser besta e vamos fazer alguns exames.
— O que você está fazendo aqui? Diga logo o motivo que te fez aparecer e suma! — ela grita.
Seguro o braço dela fazendo colar seu corpo no meu, ô mulherzinha... parece uma potranca. — Eu voltei por você. Você aconteceu, sua potranca descontrolada!
Ela ergue a cabeça, os olhos nos meus. E sei que pela primeira vez deixei a esquentadinha sem palavras.
Que se foda! Dou um tranco em seu corpo, pegando-a de surpresa, minha boca desce selvagem sobre a dela, e Dandara se rende ao beijo, à dança sensual de nossas línguas, mordo seus lábios entre um roçar e outro da barba, gostando de ver a pele de seu queixo irritada e avermelhada pelo meu beijo. Suas mãos se agarravam firmes em minha camisa despejando uma onda de calor e tesão pelo meu corpo. Eu poderia tomar aquele corpo ali mesmo, sem nem me importar com a plateia, era como entrar num carro em velocidade máxima e saber que não teria volta depois que a trava descesse.
Dandara me consumia a ponto de faltar o ar. Era o laço firme no meu peito. Um laço que aceitava e me entregava ao ser arrastado.
Não lutaria mais, não mais.
— Diacho que são dois teimosos, não conseguem ver o que está plantado bem no nariz deles. — escuto a voz de Maria.
Dandara me empurra afastando nossas bocas, rompendo nosso beijo.
— No fundo eu gosto desse seu jeito, arredia, teimosa, arisca. Mas mesmo gostando desse jeito, eu quero o fim desse joguinho. Você me quer na mesma intensidade que eu te quero.
— Mas é muita pretensão achar...
Agarro sua trança puxando seu pescoço para mim, beijando sua boca de novo. — Foi ruim?
— Horrível! — murmura com os dedos cravados na gola de minha camisa.
— Muito ruim, né? — sussurro dentro de sua boca — Acho melhor irmos resolver essa situação tão delicada em outro lugar, acredito que deixamos metade dos marmanjos de pau duro.
CAPÍTULO 28
Dandara
Parte de mim queria chutar o joelho de Miguel e deixá-lo plantado de cócoras no chão. Contudo, havia sempre o outro lado da moeda... Deus, eu estava mais derretida que sorvete debaixo do sol, mole e molhada, só faltava ser... Eu tinha me derretido nos braços dele. E foi esse lado que falou mais alto, fico nas pontas dos pés e o beijo na boca.
Miguel agarra minha nuca, me virando de costas para ele, suas mãos brincam com minha blusa, desabotoando os primeiros botões enquanto eu me atrapalho em fechar a corrente do celeiro. Ele me provoca com beijos curtos e doces, saboreando e incitando, me deixando com pensamentos incoerentes. Suas mãos descem estourando os botões restantes de minha blusa, fazendo-os voar para longe. Seus dedos se enroscam em minha regata.
— Você me desafia desde o primeiro dia, te desejei desde o dia que coloquei meus olhos em você e eu não corro de um desafio — diz com ferocidade, segurando meu corpo, empurrando nós dois para cima dos fardos de feno, deslizando seu corpo sobre o meu.
— Quem diria, o grande superior da cidade grande, perdendo o controle — digo entre as respirações entrecortadas — será que você não percebeu que era exatamente assim que eu queria te ver?
— Não me provoca — ameaça passando a mão firme pelo meu sexo por cima da calça, raspando os dedos pelo meu abdômen tocando meu seio.
Em um segundo estamos nus, minha pele estava ardendo, queimando. Éramos praticamente explosão gratuita, era necessidade, uma necessidade de ficar finalmente juntos. Miguel se ajoelha entre minhas pernas, fazendo o prazer escorrer quente pelo meu corpo. Gemidos desconexos escapam de meus lábios enquanto sinto meu sexo se contorcendo.
— Miguel...
— Ah, eu sei esquentadinha, eu sei bem.
Miguel chupa meu seio forte até que meu corpo estremece com suas carícias no meio de minhas pernas e sua língua pelo meu corpo.
— Lasqueira ...acaba logo com isso!
Sinto a risada contra minha pele — Mas não era horrível? — questiona me deixando impaciente, deslizo minha mão por sua barriga segurado sua ereção entre meus dedos, provocando-o, gostando da reação dele ao fechar os olhos e gemer.
— Está bom o suficiente para você? — questiona movendo o quadril contra mim.
Eu só consigo gemer, perdida em sensações, evitando qualquer pensamento que possa corroer esse momento, pelo menos por enquanto. Ele me beija com força, enquanto intensifica suas investidas. Aperto seu membro com meu sexo gostando das caretas que ele faz, minhas pernas na sua cintura, fazendo uma força extra, mostrando o tamanho de minha necessidade de sentí-lo no ponto que eu desejo.
O som da moda de viola do lado de fora acabou sendo a trilha sonora da confusão que existia ali dentro. Seu beijo faminto clamando por uma parte minha, sua língua com movimentos tão sensuais quanto o resto de nosso corpo.
Senti tudo dele, uma perdição que faz meu corpo se arquear apaixonado, e terrivelmente perdido com tudo isso.
Miguel geme alto e eu junto. Exaustos, depois de ficar toda mole com a última onda de prazer saindo pelos meus poros. Ele deita sobre mim, sua cabeça no meio do meu peito, minha mão entre os fios de seu cabelo e meus olhos fixos nos espaços entre as madeiras do teto do celeiro, mostrando um céu pronto para se render ao escurecer completo.
Me fez nascer no peito, esta paixão
E agora não durmo direito
Pensando em você
Lembrando os seus olhos bonitos
Perdidos nos meus
Que vontade louca que eu tenho
De tê-la comigo
(Princesa, Leonardo & Eduardo Costa)
Sento desvencilhando-me do corpo de Miguel. Sendo seguida por seu olhar.
— Lá vamos nós!
Sorrio me vestindo — Deixe de ser besta, tem uma festa rolando do lado de fora e eu já me ausentei demais, tenho que ir.
Ele se levanta, deixando meu olhar seguir por seu corpo nu.
— Por que não aproveitamos mais um pouco, ao que parece tem música rolando e comida, ninguém está gritando e nada pegando fogo, a não ser... — sua mão desliza pelo meu quadril, querendo ir para o meio de minhas pernas. Gargalho me levantando, coloco rapidamente a calcinha e minha calça jeans, assim como minhas botas.
— Bela tentativa brucutu, mas existem coisas a serem feitas.
Ele está lindo, os cabelos molhados de suor e o corpo exposto.
— Do que está rindo? — pergunto.
— Nada — diz coçando a barba. — O que farei aqui sem você?
Pego minha camisa xadrez destruída e jogo em Miguel — Pelo visto não tem mais conserto, e se eu fosse você não ficaria com minha bunda exposta. As cobras adoram se embrenhar no meio do feno, vai que uma queira entrar no lugar errado. — caçoo.
Ele dá um pulo para fora dos fardos de feno, colocando suas roupas.
Vou até ele beijando sua boca devagar. — Nos vemos depois.
— Foi bom para você?
Reviro os olhos — Que coisa mais broxante de se dizer, talvez tenhamos que fazer novamente para ver se é tudo isso mesmo — brinco fugindo quando tenta me agarrar.
Espio o lado de fora antes de sair do celeiro, sorrindo e cumprimentando algumas pessoas que cruzam comigo, devia estar com uma aparência desgrenhada, passo as mãos pelo cabelo, soltando a trança que tinha feito pela manhã.
— Dandara do céu, por onde andou?
— Eu...estava fazendo umas coisas, o que houve? — pergunto vendo Mariana mais sorridente que o normal.
— Mulher, Matheus e uns peões estão dando um show na pista de dança.
— Como estão as coisas?
— Menina, tudo de bom! Nunca vi uma festança tão animada!
Sorrio — Quanto você bebeu?
— Umas três cervejas, quatro, sim quatro. — diz entrelaçando seu braço no meu.
Ela me arrasta até a roda de viola, passando pelos casais e amigos dançando animadamente.
— Agora sim minha festa começa!
Viro vendo Matheus com uma caneca imensa de cerveja nas mãos.
— Que bom que está gostando.
Ele segura minha cintura, me fazendo curvar o corpo para trás.
— Pelo visto vou ter que sequestrar os barris de bebida, estão todos animadinhos demais. — digo empurrando seu peito para longe.
— Que isso, Dan. Vem, quero ter minha chance de dançar com você — Matheus tenta me puxar para o meio da pista, mas puxo minha mão dando um sorriso simpático cruzando com o olhar raivoso de Miguel perto das mesas.
— Curtam a festa. E dona Mariana, nada de se queixar de ressaca amanhã. Temos trabalho pela frente.
— Sim, senhora — diz rindo ao se empuleirar no pescoço de um dos amigos de Matheus.
— O que aquele peão folgado queria? — Miguel questiona enfezado.
— Eles estão bêbados, o nível de cerveja está alto demais.
— Oi Dandara, está tudo lindo! — cumprimenta uma senhora ao passar por nós.
Retribuo o cumprimento sorrindo.
Caminho com Miguel até perto da cerca do redondel, onde ele encurrala meu corpo com o seu. — Não quero você com esse idiota, o que é? Acaba de fazer amor comigo e vai ficar roçando em outro?
— Ciúmes, brucutu? — puxo sua camisa passando a ponta da língua por sua boca, me divertindo com tudo.
— Nada disso, apenas não quero. Ainda estou tirando pedaços de feno da minha bunda e você já está roçando nos outros?
— É até bonitinho te ver assim, mas para sua tranquilidade eu e Matheus nos suportamos, os cavalos do pai dele são importantes aqui pro Haras. — explico.
— Já sabe.
Seguro o riso — Tenho coisas para checar agora, nos vemos depois.
— Vou ajeitar minhas coisas e tomar um banho, não quer me acompanhar?
— Quem sabe, mas preciso falar com Mathias, posso até levar uns quitutes se for um bom menino.
Ele cerra os olhos dando um tapa em minha bunda — Não me desafie, potranca, você não é a única perigosa por aqui — diz antes de caminhar em direção a casa.
Metade das pessoas já foram embora, deixando um rastro de sujeira para trás, terei trabalho dobrado pela manhã, os violeiros ainda estão firmes e fortes animando o resto das pessoas na pista de dança e pelo visto isso não terminará tão cedo. Despeço-me de Maria e Bento que estão em frente ao fogo curtindo o resto da festa, assim como deixo Mathias responsável por tudo.
Caminho em silêncio até a casa com um prato de alguns doces típicos nas mãos, abro a porta de madeira escutando a voz de Miguel, entro sem fazer barulho querendo dar um susto no brucutu. Mas algo me faz parar na entrada, vendo ele caminhar de um lado para o outro na sala, iluminado apenas pelo fogo que queima na lareira.
— Sim, correu tudo bem, cheguei bem no meio do evento que Dandara estava organizando. — ele fica por alguns intantes escutando — Sim, sim. Tudo sob controle, mantenha o plano, a reunião será amanhã com o advogado. É, o prazo termina hoje à meia-noite.
Aquilo faz tudo cair sobre mim. “Mantenha o plano”? Que porcaria ele queria dizer com isso?
— Acredito que no final de semana estarei em São Paulo, afinal, preciso deixar tudo ajeitado, quero acompanhar o ínicio das obras aqui.
Dou alguns passos para trás, saindo da casa, deixando o prato que levava se espatifar na varanda e saio correndo, me escondendo na escuridão, contornando toda a festa em direção ao estábulo do Trovoada, evitando que alguém me visse naquele momento. As lágrimas de ódio nublam minha visão enquanto eu corro, mas não deixo nenhuma cair. Eu tinha sido uma idiota, óbvio que para ele tudo era um jogo, fui eu que comecei com isso, não seria uma surpresa se ele entrasse na onda.
Só em contos para boi dormir que essa disputa pelo meu Haras ficaria esquecida porque ele havia ido para cama comigo.
— Ara, desistiu de dormir? — Mathias questiona.
— Pois é, a música está animada. — comento com uma falsa animação.
— Deixei seu troféu no escritório, Cindy queria que você fosse desclassificada, já que acabou caindo, mas os juízes disseram que por estar em cima do cavalo ao passar pelos sensores está valendo.
— Tudo que não quero no momento é ouvir o nome dessa garota, você acredita que a égua dela estava com sangramentos nas feridas? Eu devia denunciar aquela vaca.
— Eita lasqueira , que bicho te mordeu? Essa raiva toda é por causa de Cindy mesmo?
— Ah um bem grande, você nem imagina.
Mathias ergue o chapéu coçando a cabeça.
— Volte para a festa, nos vemos amanhã — resmungo retomando meu caminho.
Quando entro no estábulo fechando a porta atrás de mim, tento deixar todos os pensamentos e sentimentos confusos do lado de fora, mas eles se esgueiram por debaixo da porta, passando pelas frestas. Puxo uma manta em uma das baias, grudando no corpo, Trovoada está deitado em sua baia, mas se ergue assim que me vê parada na portinhola.
— Oi, amigão. — Passo me juntando a ele, me aconchegando em seu corpo. — Hoje foi um dia bom e ruim.
Trovoada encaixa a cabeça sobre meu joelho dobrado, enquanto me ajeito em seu corpo, deitando a cabeça em sua barriga, escutando seu coração bater forte. Fixo minha atenção nisso, nas batidas ritmadas de Trovoada, tentando não pensar em mais nada até que caísse no sono.
Parecia que tinha acabado de cochilar quando sinto o nariz de Trovoada bater em meu rosto, me fazendo ter um sobressalto, fico em silêncio escutando o barulho de passos e, me encolho mais contra seu corpo.
— Dandara, Dandara?
Maldito sem alma! Torço em silêncio para que ele realmente não venha procurar entre as baias.
Seus passos param a poucos metros, assim como minha respiração.
— Tem certeza que não viu ela? — ele questiona, sua voz estava irritada.
— Não, Seu Miguel, a última vez foi quando estava indo em direção a casa com um prato de doces.
— Que merda!
— Aconteceu alguma coisa? — Bento pergunta curioso
— Nada de mais, vem, me ajude a procurá-la.
— A menina deve ter ido espairecer um pouco, e quando ela se embrenha pela mata no seu cavalo, demora horas para voltar. — Bento comenta. — Oía lá, Trovoada não está na sua baia, sossegue o facho, daqui pouco ela volta.
— Você não entende, Bento.
— Ô se entendendo. Mas não dá para recuperar o leite que cai do balde, num é mesmo?
Respiro fundo, soltando a respiração ao escutar o barulho da porta bater, só de escutar a voz dele fazia uma borbulha de ódio em meu estômago, enchendo meu corpo de um sentimento ruim, como fui tola, literalmente uma caipirinha idiota, como esse povo de cidade grande diz.
— Trouxe seu café, como pediu. — Mariana tira os óculos de sol, mostrando o cansaço em seu rosto — Não quer mesmo me contar o que aconteceu?
Tomo o café quente em um gole, descartando o copo na lixeira.
— Não estou a fim, preciso refazer as contas, à tarde tenho aquela reunião com o advogado.
Mariana arregala os olhos — Eu tinha esquecido do prazo. Como vamos fazer?
— Fique calma, vamos por a mão na massa.
A cada soma, a cada papel que eu examinava e separava nas pilhas, o pesar crescia dentro de mim, a festa ontem tinha sido um sucesso, tínhamos feito novos contratos, mas também tivemos mais gastos. O dinheiro realmente tinha entrado, conseguiríamos pagar boa parte da dívida, mas não quitar tudo.
Giro na cadeira, largando os papéis sob a mesa, olhando o porta-retrato com uma foto minha e de Pedro.
“— Você irá encontrar o equilíbrio, sempre encontra as melhores soluções, minha menina.
Olho frustrada para Pedro, andando de um lado para o outro de seu quarto, revoltada por vê-lo naquelas condições — Esse povo todo confia em você, ninguém irá trazer os cavalos para mim.
— Isso porque não conhecem como você é boa. O dia que conhecerem, ninguém erguerá o olhar para dizer algo contrário, esses animais têm uma verdadeira adoração por você.
Torço a boca.
— Sei que estou pedindo demais, você acabou de entrar para os grandes nomes dos tambores. Entendo se não quiser... — Pedro se curva tossindo, o ar lhe faltando.
Sento na ponta da cama, lhe entrego um copo de água, devolvendo para o criado mudo, segurando suas mãos nas minhas. — Pouco me importa o prêmio, o dinheiro que ganhei nas últimas competições iram nos ajudar. Até que o senhor fique bom.
Um sorriso fraco brilha em sua boca, — Amo sua esperança, minha filha.
— O senhor nem pense em começar com esse negócio de doença e ficar deitado o dia todo nessa cama.
— Sim, senhora.
— Eu chuto sua bunda pra longe, viu?
Pedro sorri mostrando as rugas da idade espalhadas pelo rosto. Depois da morte de meu pai ele tinha sido o mais próximo de uma família que eu tive.
— Mathias contou que passou duas noites dormindo no estábulo...
Bufo — Mathias se intocou no estábulo, por que está fugindo de Maria como Diabo que foge da água benta. O sem vergonha tomou uma coça do mais novo corno da cidade. Chegou no Haras mais furado que peneira velha no sol.
— Garoto não tem juízo. — Pedro diz rindo.
— Ele não está lá para cuidar dos cavalos como deve tá alegando, tava é fugindo da colher de pau de Maria, evitando tomar outra coça.
— Temos que inventar um apelido para essa colher, afinal ela já é de casa. — Pedro brinca.
— Falando em problemas, Tião está fraco, Nina sumiu, não está nem aí pro cavalo. To quase batendo na porta dela com a lista de gastos que estamos tendo.
— Seu Roberto disse que ela está fazendo um bendito de um cursinho fora da cidade. E tente não morder os donos, controle seu lado animal. — Predo retruca.
— Você está folgado, não? — digo brincando.
— Estou podendo — ele dá de ombros, tossindo e sei que falar muito o esgota.
— Descanse, eu vou tomar conta das coisas.
— Ligue para Julia. Sim, minha sobrinha, a mãe de Miguel. — Acrecenta ao ver meu olhar descrente.
Só a menção desse nome me fez querer revirar os olhos, Pedro sempre tentou fazer o sobrinho-neto se apaixonar pela vida no campo, mas nunca conseguiu, também, aquele moleque era uma peste quando vinha aqui!”
CAPÍTULO 29
Miguel
Acordo sozinho no dia seguinte, por um momento fico recordando o que havia acontecido no dia anterior. Foi tudo tão maluco quando cheguei, Dandara era turrona demais, e então tinha o fato que ela tinha sumido... Bem, não literalmente. Mas eu me preocupo sobre o quanto ela ouviu de minha conversa ao telefone ontem e como tinha entendido. Aquela cabeça girava mais que um redemoinho, Deus sabe o que a esquentadinha poderia ter pensado.
Saio da cama, separo minhas coisas e vou para o banho. Depois de realizar toda minha higiene matinal desço em busca do café da manhã. Já sentindo a boca do meu estômago se contorcer pelas horas em jejum.
— Maria! — cumprimento entrando na cozinha.
— Tarde, Seu Miguel — diz descascando seus legumes.
— Tão tarde assim, eu durmo muito bem quando estou aqui, acredito que é pela calmaria, na cidade grande sempre tem os barulhos dos carros, aviões. — desato a falar.
Maria olha para mim, depois pro relógio em cima de sua cabeça, levando meu olhar junto. Duas horas da tarde, puta merda, era realmente tarde! Encho uma caneca vazia com café, e corto um pedaço de bolo.
— Dandara deu algum sinal de vida?
— A menina acorda cedo, dificilmente saberemos onde está, mas se não tiver no meio dos bichos, deve estar no escritório.
— Seu Miguel — Bento cumprimenta entrando na cozinha com uma cesta de vime.
— Seu Miguel está procurando a moleca — Maria comunica, cade aquela senhora bondosa? Hoje Maria parece ter acordado com o humor de Dandara.
— Ara , a menina seguiu para a cidade, está com os cornos virados.
— Que merda! Desculpem — acrescento logo vendo o rosto dos dois.
— Espero que vocês dois tomem jeito, antes que seja tarde demais.
— Essa mulher não tem jeito, mais venenosa que cobra no meio do mato — resmungo.
— Talvez, mas você também não é o modelo de pessoa fácil. — Maria fala me olhando de maneira misteriosa. — A pergunta é Seu Miguel, você deixará ela escapar por seus dedos?
Olho para o casal em minha frente. Eu lá tinha que deixar alguma coisa? Dandara era o pão que o diabo amassou com a bunda, se eu sequer tentasse mandar algo, ela faria o oposto somente para me provocar. Não era muito diferente das potrancas que tentava domar naquele lugar.
E eu achando que tudo se resolveria assim, fácil. Mal sabia o quanto estava enganado. Deixo o resto do meu café sem terminar, subo correndo para pegar as chaves do carro e minha carteira. Eu precisava encontrar Dandara antes da reunião, saber o que se passava naquela mente, principalmente contar o real motivo para estar ali, queria que ela soubesse dos meus planos para o Haras.
Entro na caminhonete alugada meio emputecido por ela não ter me confrontado, até isso seria melhor do que apenas ouvir minha conversa no telefone e ter sumido pelo meio do mato. Não poderia dizer o que ela ouviu, mas pelo modo que desapareceu deixando para trás um prato quebrado na varanda, eu tinha certeza que não tinha sido boa coisa, e que nesse momento eu seria o boi de piranha 8 como eles costumam dizer.
Dei ré e saí do Haras, não demorou muito até que eu chegasse ao centro da cidade e encontrasse o escritório do doutor Daniel.
Paro diante da recepção simples do escritório, retribuindo o sorriso que a moça me lança.
— Boa tarde, tenho uma reunião marcada com o doutor Daniel.
— Seu nome, por favor.
— Miguel Ramirez.
— Claro, será na primeira sala, é só seguir o corredor, última porta a direita. O doutor irá encontrá-lo daqui um instante.
— Obrigado — digo seguindo suas instruções.
Assim que abro a porta sou fuzilado pelo olhar raivoso de Dandara, sentada do outro lado da mesa. Como a mocinha da recepção tinha dito, apenas Dandara estava na sala, o advogado ainda não tinha entrado, e isso me daria tempo para falar com ela.
— Posso saber por que fugiu ontem?
Ela me ignora, olhando para a janela, fingindo que não estava ali bem em sua frente.
— Dandara precisamos conversar.
Ô diacho de mulher.
— Deixe de ser cabeça dura e me escute. O que você ouviu ontem?
Ela me encara, a raiva transbordando seu rosto — Ouvi o suficiente, e é bom não falar mais comigo senão eu arranco sua língua e dou para você comer!
— Dandara...
— Boa tarde, Miguel, Dandara — Daniel entra na sala interrompendo minha tentativa de explicar o que aconteceu. — Sente-se por favor.
Puxo uma cadeira, me sentando, sem tirar os olhos de Dandara, mesmo que ela não dirija nem mesmo um suspiro de ódio em minha direção.
— Esse é o doutor Ronaldo, ele vai nos acompanhar hoje.
— Vocês desejam que eu leia todo o testamento novamente ou apenas as cláusulas?
— O que for mais rápido. — Dandara diz.
— Como conversamos cinco meses atrás, as condições tinham que ser cumpridas.
— E foram. — digo.
— Dandara, Miguel, vocês chegaram a um acordo? — o advogado pergunta.
— Sim — respondo na mesma hora em que ela diz o contrário. — Não!
Ambos nos encaramos, Dandara desvia os olhos rapidamente de mim, focando no advogado.
— Antes de darem uma resposta definitiva, quero ler a carta que Seu Pedro deixou para esse momento, quem sabe mudam de ideia.
— Mesmo com o evento planejado ficaram dívidas pendentes, por isso não cumpri todas as exigências que Pedro impôs. — Dandara dispara a falar, ignorando os dois advogados em nossa frent.
— Eu tenho a possibilidade de quitar e deixar o Haras rentável outra vez — retruco
O advogado nos olha, esperando que Dandara retruque de qualquer maneira, mas ela se mantém calada, com a cabeça baixa.
— Vamos à carta, está bem? Ai discutiremos isso. — ele diz nos olhando, retira um envelope lacrado de dentro de sua pasta, abrindo-o e puxa uma folha de papel amarelado. — “Querida Dandara, nem tente revirar os olhos nesse momento, minha menina. Anos atrás você me questionou por que nunca mais decidi encontrar uma pessoa para dividir a vida, naquele momento eu me recordo que apenas dei de ombros e disse que ninguém especial ou mais especial que minha Ceci tinha surgido. O que deixei de contar para você naquele dia foi que nem tudo é rosas e perfumes, as mágoas nos ensinam muito mais que um momento de felicidade, e raiva é um dos sentimentos que impede que vejamos onde existe o amor. Pode estar achando que tudo está escutando nesse momento seja muito confuso, mas sei que com a cabeça fria irá entender. Amar alguém é pura contradição, é sofrer e gostar da sensação, é sorrir e ao mesmo tempo se perguntar o porquê de tudo isso. É querer correr para longe, fugir e nunca mais retornar. E principalmente é querer matar o cidadão que lhe arranca a paz em alguns momentos, mesmo que depois de alguns segundos ocê já o ame novamente. A primeira vez que vi vocês juntos sabia que estava escrito em um lugarzinho bem maluco que vocês um dia iriam ficar juntos. Como disse pode ser culpa da velhice, sim culpem minhas rugas. Lembro-me bem do quanto você e Miguel implicavam um com outro na infância, o quanto os olhos dele brilhavam quando lhe via montada em um cavalo ou, até mesmo, do quanto você tentava disfarçar a tristeza por ele não vir ao Haras...”
— Ele estava maluco, só pode — Dandara retruca. — É culpa da doença, esses delírios todos.
—“Este Haras é meu sonho de menino, minha conquista de adulto e ver o amor que empenha todos os dias nele não me permitiria outra coisa a não ser dá-lo a você. Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor, e se depois de todos os momentos, vocês não se renderem ao que começou na infância, apenas ignorem este velho e sejam felizes, mas se eu estiver certo... bem, não queimem meu Haras pelo caminho. Do seu pai de coração, todo amor.”
O silêncio toma a sala, eu poderia dizer que meu tio-avô realmente era um cara louco, mas vendo o desejo e amor que corria pelas minhas veias por essa mulher maluca, acabava concordando com todas as palavras.
Dandara encara os advogados, mantendo o silêncio. Vejo o quanto trava sua mandibula para que as lágrimas não lhe transbordem os olhos.
— Desejam mudar de ideia? — Daniel retorna a questionar.
— Acabe logo com isso, Daniel. Quer tirar leite de pedra? — ela retruca.
— Bem, nesse caso o Haras fica em posse total do sr. Miguel Ramirez, como vocês pediram agilidade, já havíamos preparado todos os tipos de papelada e, confesso que esperava outra posição de Dandara, — comenta encarando a mulher à sua frente, mas ela mantém os olhos colados nas mãos sobre suas pernas. — Como alegou que não quitou as dividas em seu valor total e Miguel tem essa possibilidade, passo para as mãos dele.
Ronaldo, busca na pasta os documentos, organizando-os e passando para Dandara com uma caneta.
— Só quero tempo, eu preciso cuidar dos cavalos, preciso arranjar um lugar para mim e Trovoada, sei que Miguel tem alguns ranchos e Haras para a compra dos outros animais...
— Dandara... — Eu tento argumentar, mas ela me lança um olhar de ódio, interrompendo o que estou prestes a contar.
— Você pode saber onde enfiar essas terras, mas dos meus bichos não sabe. Eu vou realocá-los para o melhor lugar. Onde não sofram nenhum tipo de maus tratos.
— Por mim isso não será nenhum problema, podemos acrescentar uma cláusula no documento, se assim preferir. — Daniel diz.
Dandara confirma com um gesto, assinando e rubricando os papéis, logo entregando novamente para o advogado.
E então, sai, levanta-se com brutalidade, empurrando a cadeira com força para trás, deixando nós três plantados na sala.
— Bom, Sr. Ramirez, pelo visto é dono de um grande empreendimento. — Daniel, o advogado responsável por tudo, me dá um sorriso com certo desconforto, passando os papéis que Dandara tinha acabado de assinar. Fazendo com que aquelas folhas pesem entre meus dedos, dando um desconforto absurdo dentro do peito.
CAPÍTULO 30
Dandara
Saio com Trovoada ao entardecer, o tempo estava virando, uma garoa fina caía sobre nós enquanto eu galopava para longe, se pudesse fugiria montada em Trovoada, sem rumo ou direção, apenas iria...para longe de tudo. A dor dentro de meu peito era tão massante. Precisava pensar, me acalmar. Sob meu corpo, Trovoada corcoveou e mordeu o freio.
— Tudo bem, garoto, vamos gastar as energias.
Com um puxão nas rédeas, mudo de direção e deixo que ele escolhesse a velocidade, passamos como um raio pelo riacho perto do Haras, assim como por todas as instalações, cruzamos a parte de mata fechada seguindo para mais longe, serpenteando o rio Corumbataí. Acompanhando as margens, cavalgando no escuro, indo para oeste, onde brilhavam as primeiras estrelas. O único som era o chapinhar dos cascos na água.
Trovoada balança a cabeça com força e resfolegou quando puxei o freio. — Ainda não gastamos toda a energia?
Não, a raiva ainda fervilhava dentro de mim e ele sabia bem disso, desejei por um mísero segundo que a fúria amarga e dilacerante desaparecesse junto com a dor que borbulhava em meu peito.
“Mas você não pode viver sempre solitária, assim como sei que para todo vento forte existe um cobertor macio para aquecê-lo. Miguel será esse cobertor”
Miguel era uma serpente, uma coral enrolando-se nos meus pés. Aquele filho duma égua tinha se enrolado onde ninguém tinha conseguido, seu veneno corria fundo em minhas veias, inundando minha cabeça com seu cheiro, o jeito bruto que ele fazia amor... Aquele maldito, sacripanta! Não tinha dúvidas que ele adoraria cada minuto daquela situação, no começo era apenas uma obrigação de suportá-lo e o gostinho de não facilitar a vida dele em nada no Haras, mas e depois? Depois o quê? Mal poderia desenrolar os fios desencapados dentro de meu cérebro.
Respiro fundo inalando o cheiro de mato, da noite e do cavalo, eu poderia ir mais além, mas a chuva começava realmente a ficar forte. Dou a volta e cavalgo para casa em meio à escuridão.
Miguel
— Sabe não sei nada sobre seus talentos de advogado, Daniel, mas toda essa coisa imposta por Pedro realmente vale?
— Os termos do testamento são bem claros e precisos.
— Ainda assim...
— Ela pode contestar o testamento, mas será um caminho íngreme e difícil. Foi a decisão de Pedro... — Daniel fez uma pausa. — Sendo sincero não estou contente em passar tudo para você, em todos esses anos como advogado e amigo da família sempre tive apreço pela menina, ela deu duro por essas terras, fez o Haras crescer, as crianças que vão lá realmente melhoram com o que ela oferece. Desculpe ser tão franco.
— Não precisa se desculpar, eu posso ser visto como um insensível de cidade grande, mas não quero destruir aquele lugar.
Olho para a janela, vendo que o dia escurecia lentamente. Aquela mulher ficava tão confortável na sela de um cavalo como sem, o cabelo dourado brilhante ao sol era uma beleza à parte em tudo que ela era, o olhar aguçado e às vezes tão calculista como de uma águia, ela era esculpida com uma beleza de quem vive ao ar livre.
A princípio achara engraçado quando o advogado contou sobre o testamento e, obviamente surpreso. Ver o quanto Dandara tinha ficado irritada por eu ser o escolhido assim como ela foi uma beleza a parte de se ver, aquela potranca ficava ainda mais linda brava, era como soltar um touro com uma rua repleta de pessoas vestindo vermelho.
— Parece que teremos tempestade — Daniel comenta me arrancando dos pensamentos.
Encaro realmente a paisagem do lado de fora vendo as nuvens pesadas ao longe, realmente, parecia que o mundo tinha se fechado.
— Acho melhor voltar, Seu Miguel, se essa tempestade cair, ficará ilhado no meio da estrada.
— Eu não irei arrancar aquele lugar dela. — digo, como se precisasse mostrar para esse velho que eu não era tão cruel como eles pensavam.
— Fico feliz, existem muitas famílias que dependem do trabalho que Dandara dispõe no Haras.
O ar estava mais frio quando saio do pequeno escritório. Enquanto dirijo, começo a entender a paixão de quem vive longe das ruas apinhadas de pessoas, ruas engarrafadas e os problemas que decorrem disso. Ao longe, na estrada de terra, a montanha some por entre as nuvens baixas e pesadas de neblina, mesmo com a chuva um pouco forte contra o parabrisa do carro, é possível ver tudo. Maldito tio-avô, não é que o velho estava certo? Eu nutria uma paixão desde a infância por aquela esquentadinha, tudo que queria agora era explicar o mal entendido que tinha ficado entre nós, fazê-la entender que apesar de minha conversa no telefone parecer suspeita, ela apenas não sabia dos detalhes. E é por isso acelero mais quando um raio cruza o céu.
No curto caminho até o estábulo eu estava encharcado, a roupa colava em meu corpo, assim como as gotas da chuva em meus cabelos caíam pelo rosto. Abro a porta vendo Dandara com Trovoada, pelo jeito que seu rosto estava sério, ela ainda está azeda.
— Vocês realmente não mentem quando dizem que vai cair um temporal.
— Você odiava isso, odiava vir para cá, odiava até mesmo seu tio. Ele só poderia estar sofrendo nos últimos dias para imaginar tais sandices.
Chego mais perto, sua raiva era como um grande campo magnético em volta de seu corpo, mesmo longe eu podia sentí-lo. — Se quiser ficar chateada comigo, fique à vontade. Não fui eu quem redigiu a droga do testamento e, muito menos o forçou a me incluir. O que você precisa entender...
— Não preciso entender nada, não preciso mais ouvir uma coisa sequer que saía da sua boca, você conseguiu o que queria. — diz destilando veneno em cada palavra.
— Olhe para mim enquanto eu falo com você!
Aquela mulher insolente tinha o poder de me irritar. Dandara ignora completamente o que digo e começa a desencilhar o imenso cavalo à nossa frente, fingindo-se de surda.
Os trovões ecoavam furiosos do lado de fora. Puxo Dandara pelo braço para que vire e me encare. Ela me lança um olhar furioso, seus olhos me fuzilam.
— Você deixou bem claro sobre seus planos: vamos amansar a caipira e assim destruir tudo que ela construiu esses anos, enquanto você se senta em cima do seu enorme ego em sua sala, no alto de um prédio, criando seus hoteizinhos de luxo! Então, por que você não pega seu traseiro gordo e some daqui? Pelo menos me deixe ficar em paz nos últimos momentos que me restam no Haras!
— Você não passa de uma bronca!
Observo as olheiras em seus olhos, sinais da noite mal dormida, e a boca, que sempre achara particularmente atraente, estava apertada em linha estreita. Eu gostava do seu jeito ríspido e apreciava provocá-la quando ficava assim. — Não vê que poderia ganhar muito dinheiro vendendo o Haras para mim?
Ela cruza os braços, aprumando sua postura, dando uma gargalhada exagerada. Meus olhos me traem, dando uma espiada na linda curva que seus seios fazem pelo decote de sua blusa. Ao ter os braços os pressionando.
— Perdeu algo aqui embaixo?
Torço a boca, encarando seu sorrisinho sarcástico. — Nada que não tenha visto bem de perto nesses meses, principalmente com a minha boca e, pelo que me recordo, você gemeu muito quando isso aconteceu.
Dandara ergue a mão pronta para dar um tapa em meu rosto, mas consigo contê-la, puxando seu corpo para o meu.
— Posso dizer que esse tempo que ficou no meio dos bichos te deixou insana, olha que eu poderia ter usado isso contra você!
O cavalo relincha alto empinando um pouco o corpo para trás.
— Calma, Trovoada, é só ignorar esse mosquitinho barulhento — ela diz dando a volta no cavalo, acariciando seu corpo.
— Potranca mal-educada!
Dandara me fuzila com o olhar.
Acontece tão rápido, ela dá um pequeno estralo de dedos, fazendo o cavalo vir para cima de mim, que por consequência, me faz andar para trás, escorregando naquele feno fétido.
Tentando escapar, para que a bunda do animal não encontrasse meu rosto, fazendo com que eu caísse sentado em um carrinho de mão repleto de feno velho.
Cerro os dentes, bufando de raiva.
Maldita caipira!
O cavalo relincha, parecendo se divertir com seu feito.
— Quer uma ajudinha? Pelo visto você odeia a natureza, mas adora se refestelar nela. — Dandara caçoa.
Cerro os dentes levantando do carrinho, tentando tirar a sujeira que colou em minha bunda e costas, enquanto Dandara me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho frouxo de escárnio nos lábios.
— Realmente, adoro cair de boca, principalmente quando é em uma caipira e sabe o que é mais engraçado, você também adora cair de boca nesse brucutu aqui — desafio.
A cara de brava que ela faz é impagável e me faz gargalhar.
— Podemos acabar com essa história de uma vez. Quem sabe testar uma relação?
Dandara respira três vezes bem devagar, aquilo era provocação, e eu confesso que estava louco para vê-la gritar, vocíferar e espernear. Mas ela apenas inclina a cabeça respondendo num tom de voz gélido. — A possibilidade disso acontecer é a mesma que Pedro se erguer do túmulo.
Um raio cruza o céu assim que ela fecha a matraca, fazendo Trovoada se assustar, jogando nós dois para cima dos blocos de feno.
Desato a rir, é inevitável. — Não brinque com os mortos — caçoo.
Ela tenta sair, mas agarro seu corpo, prendendo-a mesmo de forma desajeitada sobre o meu, adorando sentir sua respiração raivosa contra meu peito.
— Seu filho da mãe!
Seguro seu corpo mais firme. — Também amo você potranca, e por mais que adoro rolar no feno com você, adoria que dessa vez tivessemos uma cama e que depois eu não tenha que verificar certos lugares vendo se não esqueci um fiapo perdido.
— Você tem sorte que não tenho nada mortal por perto, senão juro que te matava.
Tinha que admitir, eu a desejava, o incrível é que, quanto menos tentava desejar Dandara, mais forte se tornava o desejo e eu podia ver isso nos olhos dela.
— Você me deseja, seu corpo treme e não é de raiva ou ódio, é de amor, não tente mentir, só tem nós dois aqui.
— Me solta!
— Não!
— Se você não me soltar, vai se arrepender!
— Você está querendo, sabe que me quer na mesma intensidade que eu lhe quero, sabe disso e o jogo acabou. Só não admite isso. Posso estar no seu território, mas vim por livre e espontânea vontade.
— Mas eu devia enfiar um soco no meio dos seus cornos — diz ao se desvincilhar de minha ficando de pé.
Saio atrás dela, agarrando seu cabelo trazendo sua boca para mim. Tentando calar os resmungos e os tapas que desferi em meu corpo.
— Eu vou... gritar para todo mundo...
— Grita, os trovões te calarão. Vou te provar em cada pedacinho, quero a marca de minha boca pelo seu corpo.
Domo sua boca, engolindo sua respiração ofegante, enrolando minha língua com a sua, segurando firme seu cabelo, seu corpo junto ao meu. Chupo sua boca interrompendo o beijo vendo se ela quer mesmo fugir como tanto afirma. Por um segundo era apenas bocas se buscando, mãos tateando os corpos e eu a beijando com mais fome, com até um gosto de saudade ou seria com um toque de recomeço?
— O que você vai fazer, me forçar? — pergunta passando a mão pela minha nuca.
— Nunca, nunca forçaria uma mulher, nem mesmo abusaria, mas vou fazer o que você quer que eu faça.
— Você acha que vai me domar, que sou uma presa fácil? — questiona me encarando, existe fogo correndo pelas veias dessa mulher, e ele me incendeia apenas de olhar.
— Não, fácil você não é, por isso que perco tanto a cabeça. Sou capaz de tudo para ter você.
Beijo sua boca, devorando-a, mordendo seu queixo. Seguro sua blusa com as duas mãos pronto para me livrar de maneira mais fácil de tudo aquilo que me atrapalhava de sentir o calor da pele de Dandara contra a minha.
— Se rasgar minha roupa como é que eu saio daqui?
— Você tá me enlouquecendo.
— Vai com calma, e deixa que eu cuido da minha blusa. — diz desaboando cada botão com calma, fazendo minha cabeça ferver.
Ajudo retirar a blusa de seus ombros, jogando longe, ela queria mesmo me enlouquecer, novamente sem sutiã por debaixo da regata branca molhada pela chuva. Sugo seu seio por cima da regata, gostando de ouví-la gemer jogando a cabeça para trás. Empurro seu corpo novamente para os blocos de feno. Beijo seu pescoço, descendo por sua barriga, lambendo o limite entre a calça e seu quadril, ela rola para cima de mim, montando em meu quadril, arrancando sua regata. Chupo seu seio gostando da fricção que seu quadril faz em meu pau.
— Me deixe tirar logo essas roupas, eu vou explodir.
Ela ri concordando, ajudando a arrancar minha calça. Quando estou totalmente nu e pronto para arrancar o restante das roupas de Dandara ela empurra meu peito, se ajoelhando em minha frente, sua boca desce sobre meu pau, mamando com vontade e desejo, o fato dela me encarar debaixo é quase a perdição.
— Que porra, isso é muito maluco.
Ela chupa com força, largando meu pau — É tesão...
Eu queria explicar para ela que é muito mais que isso, não era apenas o desejo incontrolável, queria explicar que antes dela eu não era assim? Como iria fazer ela entender a dimensão dos senimentos que passavam aqui dentro? Que quando ela abre os olhos enquanto me beija me deixa louco, que eu perco completamente o controle?
Ataco sua boca num beijo apaixonado, sentindo sua boceta roçar na cabeça do meu pau, entrando e saindo de leve com as ondulações que o corpo de Dandara faz. Puxo seu quadril para baixo, montando-a de maneira apressada em mim, metendo com vontade, gemíamos com nossas línguas enroscadas, era ardente.
O resto todo sumiu, não importava que estavamos no meio do estábulo, com as portas abertas. O que importava era que érmaos só nós dois ali.
— Não dá, Miguel. — Dandara diz interrompendo nosso beijo e travando os movimentos.
— Como assim não dá? — pergunto puto.
— Não dá...eu.
Dandara se levanta segurando minhas roupas e um pisca alerta se acende em minha mente.
— Dandara?
Ela solta uma gargalhada correndo para porta. Olho com misericórdia para a Diaba em minha frente, ela apenas lambe os lábios ao encarar meu pau ereto e sedento por ela.
— NEM PENSE EM ME DEIXAR PELADO NESSE ESTADO!
Ela para, mordendo os lábios para não rir.
— Dandara? — imploro.
— Um banho de chuva será ótimo — diz antes de correr na escuridão.
— Filha da puta, Dandara, volta aqui!
Olho para o estábulo vendo que a diaba tinha levado tudo, todas as minhas roupas e as dela, deixando para trás apenas o chapéu. Não, eu não vou andar por aí tampando minhas coisas com isso! Ela tinha enlouquecido!
Ela é segredo
Ela mete medo
Só pra assustar meu coração
Ela é tão bonita
Que até Deus duvida
Dessa sua cara de ruim
Ela é teimosa
Ela é toda prosa
E dizem que ela sempre foi assim
Jeito de cowboy
Num corpo de mulher
Do tipo que não olha pra ninguém
E ela não dá trela
Mas acho que espera
E sabe que o amor um dia vem
(Pura emoção, Chitãozinho & Xororó)
CAPÍTULO 31
Dandara
— Dandara! — o grito dele vem alto atrás de mim.
Corro mais rápido ao escutar os gritos dele atrás de mim, rindo tanto que tropeço algumas vezes por me distrair. A chuva caí forte sobre mim, dificultando minha visão, subo as escadas da casa vendo a figura do Miguel vir nua e raivosa em minha direção.
— Menina o que é isso, está molhando a casa toda. — Bento diz abrindo a porta com olhar preocupado.
— Desculpe, Bento não tenho tempo para explicar.
— Dandara, o que você andou aprontando? — Maria resmunga, empunhando a colher de pau.
— Dandara, eu vou matar você! — escuto o grito de Miguel mais próximo.
— Menina!
— Me deixe passar — digo passando como um foguete por Bento em direção às escadas, correndo até meu quarto. Óbvio que eu não trancaria a porta, apesar da raiva ainda fervilhando dentro do peito, eu queria é que Miguel viesse atrás de mim. E qual era a maldade se para isso ele pagasse mico ao passar por todo o Haras e por Maria e Bento como veio ao mundo?
— Seu Miguel, por Cristo! — escuto a voz de Maria.
— Olhe para o outro lado, mulher! Não quero você encarando os negócios do homi ! — ouvir o ciúmes na voz de Bento me fez rir ainda mais.
— Perdão, Bento, mas não tive escolha — Miguel retruca.
— Deixe de bobeiragem homi , quando eu vou poder ver um homão desses como veio ao mundo!
Meus Deus! Eu iria causar uma separação — penso rindo ainda mais.
— Eu vou te pegar, agora você não me escapa sua esquentadinha!
Corro pro banheiro abrindo o chuveiro na água quente. Esperando por ele.
A porta de meu quarto se abre com violência, mostrando Miguel nu, com meu chapéu tampando as partes íntimas. Os olhares raivosos e impacientes que me lançava davam vontade de mordê-lo... em vários pontos interessantes! O jogo estava mudando, assim como as regras. Deixo de fora toda parte racional, todos os sentimentos conflitantes, me entregando apenas para o desejo incendiário em minhas veias quando Miguel bate a porta atrás de si.
— Espero que não tenha mudado de ideia — digo dando de ombros.
— Não, não mudei, mas você levará boas palmadas nesse traseiro gostoso!
— Só isso? Está bem — diminuo a distância entre nós dois, passando os braços em volta do pescoço dele. — Vamos recuperar o que pausamos. — então colo a boca de modo apaixonado na dele.
Seus braços largam meu chapéu no chão, segurando meu corpo, a boca se ajustou à minha, sugando meu lábio inferior, a respiração tornando-se mais rápida, Os lábios ficaram mais suaves e ele murmurou meu nome baixinho.
— Eu quero você, quero você de verdade, Miguel.
Os músculos de minhas coxas vibravam mais que as cordas de uma viola, numa moda triste, Miguel nos levou até o banheiro, entrando debaixo da ducha quente, arrancando as roupas molhadas de meu corpo.
Observo seus dedos retirando peça por peça de minhas roupas.
— Sem mais truques?
— Sem truques — digo.
Ele passa uma das mãos em minha nuca, agarrando meus cabelo, puxando minha cabeça para trás e meu corpo para si. — Eu sempre quis brincar com seu cabelo, mesmo quando você era uma criança chata, adorava ver como ele ficava exposto ao vento e ao sol.
— Você costumava puxá-lo.
— É o que os meninos fazem, principalmente quando querem chamar atenção das meninas. — Miguel segura mais firme, fazendo minha cabeça pender. Sua boca provou a linha exposta de meu pescoço, mordiscando o ponto onde a veia pulsava loucamente. — Eu quero estar dentro de você.
Suas mãos deslizaram por meus seios, acariciando-os com as pontas dos dedos, fazendo um gemido sair por minha boca entreaberta. A mão escorregou para baixo, passando pelo quadril, seguindo suavemente para meu centro, acariciando, despertando meus nervos, senti meus pensamentos rodopiarem loucamente, engolindo tudo que vinha de Miguel: seu cheiro, sentindo sua pele, querendo me fundir nele para sempre.
Meus olhos estavam fixos nos seus.
— Dandara?
— Hum — respondo piscando lentamente os olhos para as sensações que tomavam o controle de meu corpo.
— Eu nunca iria tirar o Haras de você...
Meu corpo se retesa, — Por favor, esse assunto agora não.
— Eu preciso falar
Abro meus olhos encarando seu rosto sério.
— Eu tenho outros planos para ele, planos que envolvem você, quero deixar esse Haras como você sempre sonhou, e se pudermos aderir uns chalés para aumentar a renda será muito bom, principalmente se você ouvisse minha ideia antes de me tacar novamente na sujeira dos seus cavalos. — fala com um sorriso no rosto.
A boca de Miguel desceu até meu ombro, acompanhei sua excitação, o modo como me deixava levar pelos sentimentos. E ele não deu muito tempo para que eu pensasse em tudo, Miguel voltou a beijar minha boca, acariciando minha perna e enroscando-a em sua cintura, fazendo seu membro tocar em minha entrada e meu corpo tremer por inteiro. Meu quadril gritava para receber a atenção merecida, então, Miguel desliza para dentro de mim, nos olhávamos de tão perto que via as faíscas de aceitação e prazer profundo refletidas em seus olhos. Ele enfiou o rosto contra meu pescoço me levando como o recuo leve que o vento fazia na relva ao passar. Me levando mais fundo para dentro de si, para dentro do desejo e amor tão bem refletidos ali entre nós.
E eu queria tudo.
Miguel ergue os olhos pecaminosos para mim, a boca avermelhada e inchada de tanto me beijar. Comigo enroscada ainda em seu corpo ele fecha o chuveiro indo até a cama. Ele moveu o quadril apenas para que caíssemos na cama, puxando meu corpo para o meio do colchão, abrindo minhas pernas, chupando minha intimidade me fazendo me virar um amontoado de sensações e gemidos. Choramingo contra o lençol, vibrando, agarrada em seu cabelo. Perdendo-me novamente, completamente fora de mim, latejando contra os lábios e língua de Miguel.
— Me beije... — imploro puxando seu corpo para o meu. Miguel sorri aceitando, misturando nosso gosto. Me fazendo não querer sair dali, nem mesmo fugir do seu amparo.
CAPÍTULO 32
Miguel
Acordei com uma sensação gostosa, a quentura do corpo de Dandara pressionado no meu, minha mão se moveu sobre sua pele nua. Quanto tempo dura a felicidade ou que estamos sentindo? Ali, olhando para o rosto de Dandara deitada sobre meu peito, sentindo a intensidade do sentimento pulsar dentro de mim, soube que ele duraria o tempo que quiséssemos.
O céu do lado de fora da janela estava tão azul e tão límpido que mal daria para acreditar na tempestade que tivemos no dia anterior. Enfio a mão nos cabelos dela, virando a boca para mim, roubando um beijo e outro.
Dandara abre os olhos, me banhando com eles. — Bom dia.
Ela me dá um sorriso preguiçoso, espreguiçando-se em meus braços. — Eu preciso ir.
— Não precisa não.
— O que quer dizer com isso?
— Você está arrumando uma desculpa para fugir disso — digo apontando para nós, deitados nus e com as pernas entrelaçadas. — E se não percebeu, estou louco para me enfiar novamente em você.
Ela geme uando a puxo para cima, tomando sua boca num beijo lento e terno.
— Bem ao contrário do que você pensa, sou uma pessoa ocupada. — diz rindo contra meus lábios.
Rolo para cima dela, aprisionando seu corpo com o meu. — Acho que conheço você melhor do que qualquer outra pessoa, tive tempo suficiente para conhecer seus defeitos e você tem um monte deles.
— Que pena que lhe frustro — interrompe arredia.
— É mal-humorada, tem temperamento irritante, além de ser inteligente, mas a teimosia leva a melhor na maioria das vezes. — faço uma pausa vendo seu rosto e sinto vontade de sorrir — Veja, esse seu olhar, esse que está em seu rosto nesse exato momento, ele é o motivo.
— Motivo de quê?
— O motivo de eu me apaixonar por você.
Ela para de testar força comigo, olhando no fundo dos meus olhos.
As diferenças se perdiam em meio ao que tínhamos ali e ao que poderíamos significar quando estavámos juntos.
— Nunca quis tirar isso daqui de você, bem, talvez quando nos reencontramos. Mas perceber o amor que tem por esse lugar, pelos cavalos, seria como arrancar um peixe da água, ele morreria. Quando voltei para São Paulo foi justamente para modificar tudo que havia planejado para o Haras, eu quero que ele prospere. Quero que ele seja conhecido pelos quatros ventos, por isso conversei com meus arquitetos e engenheiros para unirmos o que mais queríamos, você terá seu Haras, suas pistas de sei lá o quê, assim como um espaço para seu projeto de equoterapia e eu vou implantar uns chalés, trazendo a possibilidade de mais turistas, mais renda, mais amantes de cavalos. — faço uma pausa curta, apenas para ver se ela não iria reagir dando uma joelhada em minhas bolas. — Foi isso que escutou naquela noite, eu estava confirmando meu plano com meu assistente.
Ela se manteve em silêncio, e juro por Deus, eu não sabia se isso era um bom ou mau sinal.
Passo a ponta dos dedos em sua têmpora. — Acho que você vai ter que casar comigo, esquentadinha.
— É mesmo, você acha?
Sorrio, — Sabe eu teria encontrado outra forma se houvesse um jeito, eu costumava pensar que você seria uma distração e tanta, já que é mais difícil que segurar um furacão. Depois, se tornou minha, aí não teve jeito, eu sabia que a queria e o fato de sentir tudo isso me deixava irritado, porque cada vez eu a desejava mais.
— E então, você acredita que essa é sua ideia de propor casamento?
— Vamos ser sinceros, esquentadinha, você nunca teve um cara assim e, com essa atitude espevitada e agressiva, não vai arrumar um melhor. Pedro estava certo, vai acabar solteirona e uma velha ranzinza.
— Olha, não vejo por esse ponto, afinal, tem alguns peões interessados em visitar meus países baixos novamente.
Dessa vez sou eu que me irrito e estreito os olhos para ela. Suspiro com força. — Tudo bem, amo você sua maluca, quero que case comigo. Não quero viver sem você o que me torna tão insano quanto você ou mais, já que estou pedindo em casamento uma doida tacadora de homens no esterco. Está bom assim?
— É, um pouco, — diz fazendo pouco caso — onde está o anel?
— Anel? Puta que pariu, Dandara! Não carrego anéis comigo, quando estou tirando mais preocupado em fazer amor com uma mulher!
— Bem, então é bom providenciar, brucutu.
Abro a boca para reclamar, mas a fecho sorrindo. — É mesmo?
— É mesmo. Que homem lerdo você foi, hein? Por que demorou tanto?
Ela enrosca os braços em meu pescoço me puxando para ela, invertendo nossas posições, fazendo seu sexo roçar perigosamente contra meu corpo. Aquela mulher seria minha perdição ou meu fim...ou o meu começo.
Dessa vez o sexo foi lento, longo, deliro em seus braços, nossos corpos se esfregando, sentindo...Os lençóis amarrotados sofriam com nosso amor, com a nossa entrega. E quando o orgasmo vem, ele foi arrebatador, lavou nosso corpo como uma imensa onda, nos deixando caídos e suados sobre a cama.
EPÍLOGO
Miguel
Sentados debaixo de uma imensa árvore, enquanto os cavalos pastam, com Dandara deitada sobre minhas pernas de olhos fechados curtindo a brisa que passava por nós alisando um pouco o calor do dia. Eu tomo coragem, tirando a pequena caixinha atrás de minhas costas.
Essa diaba não tinha aceitado meu primeiro pedido de casamento por que eu estava sem uma aliança, depois quando toquei no assunto ela anunciou a gravidez. Eu estava sendo, como sempre, enrolado em seus dedos. Mathias e Bento já começavam a caçoar sobre a situação, dizendo que eu tinha me tornado manso demais para domar Dandara.
Hoje eu tinha que mudar isso!
— Dandara — chamo, esperando que ela abra os olhos de maneira preguiçosa, acariciando a barriga proeminente, com nossa filha no ventre.
— Você disse que se eu tivesse a aliança casaria comigo, o povo está começando a comentar das suas escapadelas em meus pedidos — resmungo.
Ela se senta, rindo. — E eu sou lá de ficar escutando o que o povo diz?
— Ave Maria, mulher! Mathias não cansa de rir da minha cara.
— Ocê é um besta por deixar ele fazer isso, nosso arranjo tem funcionado muito bem — diz dando de ombros.
Faço uma careta, deixando a caixinha com o anel apoiado em minha perna. — Isso tudo é medo de ser enlaçada? Por que já estamos juntos.
— Então por que diacho, quer tanto que um papel importe mais do que temos.
Eita diaba, tudo tem uma resposta ligeira na ponta da língua e, eu fico parecendo aquelas mulheres desesperadas para casar.
— Vamos fazer um acordo. Quando nossa filha nascer, se eu puder voltar aos rodeios, eu me caso com você, de papel passado e vestido branco.
— Nem fudendo! Eu quase morri do coração quando caiu do Bruto aquela vez, não tenho sáude para isso não.
Ela ri, volta a deitar em minha coxa. — Então nada feito!
— Sério isso?
Ela dá de ombros. — Amo você, amo nossa vida e não estou nem um tiquinho desesperada para ficar com seu sobrenome. Já fizemos tudo que não podíamos antes de subir no altar.
— Dandara! — exclamo puto da vida.
— A vida é uma negociação.
— Desisto de você! — retruco bravo.
— Desiste nada, você me ama! — devolve, forçando a cabeça para me dar um selinho, rindo de minha careta.
Alguns meses depois...
— Cadê aquele filho de uma potranca velha! Migueeeeeeeeeel!
Corro ainda mais rápido quando escuto o grito dela. Larguei tudo em São Paulo quando Maria me ligou avisando que nossa filha estava nascendo. Ainda achava uma maluquice Dandara querer um parto humanizado quando poderia ir para um excelente hospital e não sofrer nadinha. Mas era aquela coisa, quem sou eu para discutir com a diaba?
Entro esbaforido no quarto vendo Dandara deitada na cama, Maria colocando uma compressa em sua testa e a parteira no meio de suas pernas. Desvio os olhos, não querendo ver o estrago que nossa filha vai causar no meu parque de diversões, agachando ao seu lado. Ela segura minha mão com força, fincando as unhas em mim.
— Onde ocê estava, filho duma égua!
— Mulher, eu quase me matei na estrada, vim o mais rápido que Deus permitiu. — resmungo torcendo meus dedos para fugir do seu aperto.
— É tudo culpa sua! Tudo issoooooo! — diz rangendo os dentes, urrando de dor.
— Fique calma minha filha, essa menina vai sair rapidinho — a senhora diz observando o meio das pernas de Dandara.
— Dandara, controle-se. — Maria diz. — Ficar nervosa não ajuda e pare de culpar o coitado. Ocê não tropeçou num pau, se sentou é por que quis.
Todo mundo encara Maria surpreso.
— Que isso, Maria? — Dandara diz fazendo uma careta.
— Arra, menina acha que eu sou santa? Já caí muito nos paus da vida. Só que não fui besta de deixar a abelha se procriar dentro de mim — comenta dando de ombros.
— Ave Maria! Eu tinha que ser surdo nessa hora! — resmungo.
Dandara arfa, jogando o corpo de volta nos travesseiros.
As mechas loiras de seu cabelos escurecidas pelo suor. — Não há nada que possa fazer? Algum rémedio?
— Não vai resolver, as contrações estão rápidas, essa menina quer sair logo.
— Preciso de ar.
— Vai pegar ar na puta que te pariu, Miguel! — ela vocifera — Eu estou sendo rasgada ao meio, você não vai pra nenhum lugar.
Outra contração vem, fazendo Dandara agarrar mais firme minha mão, quase quebrando meus dedos quando arqueia a coluna.
— Está vindo!
O quarto é tomado por gemidos longos e sofridos e então... o chorinho perfura o ar, fazendo Dandara desabar nos travesseiros com o semblante mais leve.
— É uma linda menina — Maria diz sorridente.
Beijo o topo da cabeça de Dandara, recebendo nossa menininha nos braços, vendo-a fazer caretas e parar de chorar quando Dandara a coloca sobre o peito.
Eu não estava preparado, muito menos imaginava o tipo de sensação que sentiria ao ver minha filha. O narizinho igual da mãe, os lábios enrugadinhos e os longos cílios nos olhos. Num estralo de dedos, eu estou a mercê das duas mulheres em meu peito.
Cinco anos depois...
Olho para o horizonte vendo Dandara vir em minha direção, o sol se pondo deixava seus cabelos dourados ainda mais claros e brilhantes, sento na cadeira de balanço na varanda admirando o que o Haras Setti tinha se transformado nesses anos, os primeiros meses de obra foram um total pesadelo para todos os meus engenheiros e homens, Dandara se mostrou muito mais entendida do assunto do que acreditei e óbvio que todos, mesmo sendo homens barbados e velhos, morriam de medo da senhora Ramirez. Mas no fim, tudo compensou, cada hóspede que entrava se sentia num pedacinho do paraíso, e ver o sorriso de Dandara era tudo que eu mais amava.
Sobre a senhora Ramirez? Finalmente Dandara parou com seus joguinhos e aceitou casar comigo, bom, barganhamos e cada um saiu com o que queria. Ela seu retorno aos rodeios, para minha completa insanidade e eu o casamento.
Puxo na memória aquele dia, eu estava tão agoniado que Dandara aprontasse comigo que suava frio no altar.
— Fique calmo Miguel, Dandara deve estar chegando — Minnha mãe disse consultando o relógio. — Noivas se atrasam.
O problema é que noivas costumam demorar uma hora, nem isso, Dandara estava duas horas atrasada, nossos convidados estavam empacientes, eu estava quase pegando o carro e indo atrás daquela diaba.
— Chegou! — Bento anunciou entrando com tudo na pequena igrejinha de Ajapi.
— Finalmente — disse ajeitando a gravata e tirando o suor da testa.
Quando Dandara pisou dentro da igreja, eu esqueci completamente o por quê estava agoniado ou qualquer outra coisa. Ela estava linda, seu vestido branco descia com perfeição sobre suas curvas, Daisy andava em sua frente espalhando petálas de rosas, toda moleca e sorridente. E meu coração, esse estava sofrendo dentro do peito, tamanha minha felicidade.
Estendo a mão para ela, dando um beijo delicado em sua testa, levando-a comigo para o altar.
O padre Osório começa seu discurso, chego mais perto chamando sua atenção. — Você acha que não vi sua bota cheia de barro?
Dandara segura o riso, me olhando de rabo de olho, seus sorriso brilha assim como os olhos.
— Espero que tenha valido a pena quase matar seu marido do coração.
Dandara encosta discretamente a cabeça em meu ombro e sussurra: — A medalha está amarrada na cinta liga, todinha para ocê retirar mais tarde.
— Diabaaaa — digo estendendo seu apelido.
— Oi, brucutu — diz jogando-se em meu colo, quase virando nós dois da cadeira. — Pensamento longe?
Fico em silêncio, não vou cair nos seus truques.
— Ainda está bravo comigo?
— Um pouco e não pense que esqueci de seu castigo, você teve sorte que Daisy teve um pesadelo e fugiu para nosso quarto.
Ela tenta impedir a gargalhada colocando a mão na boca.
— Não sei por que tem tanto receio do rodeio!
— Porque eu já vi como você pode se machucar e não quero isso. Como eu e Daisy ficaremos sem você? — resmungo.
— Sabia que eu acho muito sexy esse seu jeito mandão? — pergunta mordiscando o lóbulo de minha orelha.
— Assanhada! Você está de castigo de sexo!
— Ah, mas nem pensar! Isso já é demais!
— Você quer provocar um infarto em mim, isso sim.
Ela desce a boca pelo meu pescoço, lambendo meu queixo — Eu poderia causar várias coisas, meu amor.
— Sei bem disso. — comento contendo o arrepio que percorre meu corpo.
— Papai!
Respiro fundo.
— Salvo, dessa vez... — Dandara sussurra em meu ouvido, virando-se para olhar nossa filha.
Era outra que queria ver o pai debaixo de sete palmos de terra!
— Daisy esse cavalo não é muito grande para você montá-lo? — pergunto receoso, sei que Trovoada é manso e nunca iria machucá-la de próposito.
— Papai, olha o que eu aprendi — ela grita estalando os lábios, fazendo Trovoada empinar o corpo para trás, ao mesmo tempo em que eu me ergo segurando o corpo de Dandara nos braços, fazendo-a gargalhar.
— Daisy, por Cristo!
As duas desatam a rir de mim, e nem mesmo raiva consigo sentir dessas duas.
— Desça do Trovoada antes que seu pai precise de um marca passo, filha.
Daisy, mesmo pequena, desce com habilidade do cavalo, assim como a mãe; nasceu apaixonada pelos cavalos, antes mesmo de andar direito já ficava cambaleando atrás deles. E para minha frustração como pai, sua primeira palava foi “Trovo”, ou seja, ela chamou o cavalo, sim, o cavalo foi o que recebeu mais sua atenção!
— Diacho de mulheres! — resmungo dando um beijo em Dandara.
Minha história com a esquentadinha ainda está sendo escrita, tendo o meio do mato como cenário de risadas, brigas, provocações e muito amor, sendo o cenário da nossa vida, nosso passado foi escrito aqui, assim como nosso presente e com certeza muito do futuro seria. Dandara foi tudo aquilo que não pedi em uma mulher, mas tudo aquilo que eu amava mais que a própria razão. Ela me tira dos trilhos, me enlouquece e me completa. E no fundo, ali abraçando as duas mulheres de minha vida, eu só poderia desejar uma coisa: que isso perdurasse para sempre, que fôssemos complemente um do outro por anos, com a mesma intensidade no amor e na loucura.
— Miguel, tenho algo a falar.
Encaro Dandara aguardando.
— Vou ter que me ausentar um pouco das atividades, no Haras e nos rodeios.
Em partes me preocupo, nem mesmo doente Dandara deixava de trabalhar no Haras, por outro lado, eu agradecia de ficar longe dos rodeios.
— Acho que vamos ter mais um filho.
Daisy gritou empolgada, pulando em meu colo. — Vou ganhar um irmãozinho!
— Miguel? Te assustei? — Dandara questiona olhando para meu rosto.
— Desde quando desconfia disso? — Sinto o sangue bombar mais forte em minhas veias.
— Uns dias — diz rindo.
— Mulher você ainda me mata! Espero que dessa vez seja parecido comigo, juro que não aguento uma dose tripla de Dandaras em minha vida! — brinco beijando carinhosamente seu rosto. — Mas...já quero deixar claro que não vou passar o mesmo com o nascimento de Daisy, Deus me livre!
Dandara cai na gargalhada, confirmando com um gesto.
E isso era apenas os primeiros capítulos de nossas vidas... De uma coisa eu tinha certeza, cada dia mais eu amaria essa esquentadinha.
A. K. Raimundi
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