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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ENTRE A LUZ E A ESCURIDÃO / Alexandra Ivy
ENTRE A LUZ E A ESCURIDÃO / Alexandra Ivy

 

 

                                                                                                                                   

 

 

 

 

Um homem deseja seu amor... O outro deseja sua vida!

Darcy Smith sempre soube que era diferente das outras pessoas, só não sabia em quê. Possuindo um segredo poderoso, capaz de exterminar toda a raça de demônios, Darcy se vê envolvida em uma batalha épica entre vampiros e lobisomens, e descobre um mundo novo, repleto de êxtase e paixões sombrias...

Apaixonada por Darcy, Styx, o líder dos vampiros, fará qualquer coisa para poupá-la de Salvatore Giuliani, o malvado líder dos lobisomens. Mas proteger a mulher que ama pode custar a Styx um preço alto demais... Salvatore Giuliani sabe que não resta muito tempo aos lobisomens. Na iminência da extinção, ele fará de tudo para conquistar Darcy e torná-la sua rainha, já que somente ela conhece o segredo que poderá salvá-lo.

Mas em qual desses dois homens Darcy pode confiar? Pois sua escolha poderá condená-la a uma vida de submissão... ou levá-la a uma vida de felicidade!

 

 

 

 

                                           Capítulo I

A Viper Pit era a casa noturna mais requintada, elegante e exclusiva de toda a cidade de Chicago. Curiosamente, era também a mais obscura. Não constava da lista tele­fônica; tampouco luzes de néon anunciavam sua localiza­ção. Na verdade, o prédio ocultava-se atrás de um discreto glamour.

Qualquer pessoa que fosse alguém saberia encontrar o lugar. E nesse grupo não se incluíam os humanos.

Movimentando-se por entre os pilares de mármore e as fontes luminosas, estavam vários demônios, todos envolvi­dos em uma diversidade de atividades extremamente li­berais; jogando, bebendo, participando de danças exóticas ou de orgias. Todas, naturalmente, custavam uma pequena fortuna. Distrações deliciosas, sem dúvida, mas nessa fria noi­te de dezembro o vampiro conhecido como Styx não estava interessado nem nos passatempos disponíveis sob seu ca­marote, nem nos demônios que paravam para saudá-lo. Em vez disso, lançou um olhar resignado ao seu com­panheiro de mesa. À primeira vista, os dois não podiam ser mais diferentes. Bem, não tão diferentes assim. Afinal, ambos eram altos e abençoados pelos corpos musculosos de todos os vampiros. E ambos tinham olhos negros e os devidos caninos pontudos. Mas era por aí que as semelhan­ças terminavam. O vampiro mais novo, Viper, viera das terras eslávicas e possuía a pele clara de seus ancestrais. Styx, por sua vez, nascera nas terras quentes da América Latina e, mesmo depois de sua transformação, mantinha a pele bronzeada e a feição orgulhosa dos antigos astecas.

Nessa noite, ele havia vestido seu tradicional manto e escolhera calça preta de couro, botas de cano alto e uma camisa de seda também preta. Presumira que usando um traje assim não chamaria muita atenção quando esti­vesse nas ruas de Chicago. Infelizmente, não havia como um vampiro tão alto, com longos cabelos trançados, passar despercebido. Pelos deuses, ele bem que preferiria ter ficado na tran­qüilidade de suas cavernas! Por séculos, vivera a existência de um monge enquanto protegia o Anasso, o líder de todos os vampiros. Essa função de guardião raramente lhe per­mitira sair do lado do velho vampiro.

Com o Anasso agora morto, e ele forçado a assumir o papel de líder, descobrira que não podia mais continuar recluso. Não enquanto surgia um problema atrás do outro para lhe tirar o sossego. O suficiente para irritar o mais paciente dos demônios.

— Fico feliz em tê-lo aqui conosco, Styx, mas que cara feia é essa? — Viper observou-o atentamente.

Percebendo que tinha se distraído, Styx voltou à aten­ção para o amigo. Por instinto, tocou no medalhão que esta­va preso em sua corrente. Era o símbolo de seu povo. Mais do que isso, era considerado um portal para os espíritos passarem de uma geração a outra. Claro, como vampiro, Styx não tinha uma memória tangível de sua vida antes de se transformar em demônio. No entanto, isso não o afastara das tradições mais sagradas.

— Não estou de cara feia.

— Você se esquece, Styx, que minha companheira é uma Shalott, o que significa que estou intimamente acostumado com todo o tipo de careta. E você, meu amigo, certamente está de cara feia. Por que não me diz o que o preocupa? — Styx ficou em silêncio por um momento antes de sus­pirar. Teria de fazer isso, mesmo que o irritasse tanto reconhecer que precisava de ajuda. Como chefe do clã da­quele território, Viper estava mais familiarizado com Chicago do que qualquer outro demônio que ele conhecia. Seria tolice não aceitar ajuda.

— São os lobisomens — ele disse abruptamente.

— Lobisomens? — Viper assobiou baixinho. Não havia amor algum entre os vampiros e os chacais. — Estão lhe criando problemas?

— Já é mais do que um simples problema. Abandonaram suas habituais áreas, e localizei um bando aqui em Chicago. Já mataram vários humanos e deixaram os corpos para ser descobertos pelas autoridades. — Viper nem piscou. Claro, era preciso bem mais do que um bando de lobisomens para tirar a paz de um vampiro poderoso.

— Ouvi rumores de cães selvagens transitando pelas vielas de Chicago. Só posso imaginar que sejam esses a quem está se referindo.

— E eles agora têm um novo líder. Um jovem lobisomem chamado Salvatore Giuliani, italiano de Roma. Um puro-sangue que é ambicioso demais para o seu próprio bem.

— Tentou dialogar com ele?

Mesmo que nunca tivesse desejado a posição que ocupa­va agora, Styx era o novo líder dos vampiros, o que signifi­cava que o mundo dos demônios obedecia às suas ordens. Incluindo os lobisomens. Entretanto, o novo líder o tinha tratado com desdém. Um erro do qual não demoraria muito para se arrepender.

— Ele se recusa a se encontrar comigo. Declara que os lobisomens não são mais subservientes a qualquer outro demônio, e que todo tratado feito no passado não tem mais validade alguma agora. — Viper franziu a testa, imaginando por que Styx ainda não executara a besta.

— Ou ele é corajoso demais ou idiota demais.

— Idiota demais. Convoquei uma reunião junto à Comissão. Quem sabe o conselho de todos os demônios pos­sa colocar algum juízo na cabeça deles. Nesse meio tempo, as ações dos lobisomens nos ameaçam.

— Meu clã está pronto para lhe oferecer ajuda. — Um sorriso de antecipação surgiu nos lábios de Viper. — Se quiser esse Salvatore morto, tenho certeza de que podemos dar um jeito.

Styx não poderia pensar em algo que o agradasse mais do que ordenar a morte de Salvatore Giuliani. A não ser enterrar os caninos na garganta do miserável. Havia momentos na vida de um líder responsável que eram mesmo uma droga!

— Uma oferta tentadora, mas, infelizmente, os lobi­somens são devotados a esse chefe. Se ele morrer subita­mente, não duvido que os vampiros sejam acusados. Espero evitar todo o tipo de conflito por ora.

— Certo. E você tem um plano?

— Não é exatamente um plano, mas espero ter algo de peso contra esse Salvatore. — Ele tirou uma foto do bolso e a estendeu ao companheiro.

Por um momento, Viper analisou a delicada mulher da foto. Cabelos loiros e curtos, olhos verdes grandes demais para o seu rosto em forma de coração.

— Não é o meu tipo, mas é bonita. — Ele levantou o olhar. — É a amante de Salvatore?

— Não, mas ele gastou uma considerável fortuna e bastante energia tentando localizar essa mulher. Acredito que ele a tenha descoberto aqui em Chicago.

— O que ele quer com a moça?

Styx deu de ombros. Os vampiros que ele encarregara de vigiar o lobisomem tinham, conseguido a foto, assim como haviam seguido Salvatore até Chicago. Mas desconheciam o motivo da obsessão do homem por essa mulher.

— Não tenho a menor idéia, mas ela parece extrema­mente importante para Salvatore. Se eu capturá-la pri­meiro, é bastante provável que ele negocie conosco para tê-la em suas mãos.

Um ar de surpresa tomou conta da pálida face de Viper.

— Você pretende raptá-la?

— Pretendo mantê-la como minha hóspede até que os lobisomens voltem a se comportar como devem — Styx cor­rigiu o amigo, mas viu Viper cair na risada.

— O que está achando tão divertido?

— Já deu uma boa olhada nessa mulher?

— Claro que sim.

— E mesmo assim ainda quer mantê-la debaixo de seu teto?

— Há alguma razão para que eu não deva fazer isso?

— As razões óbvias.

— Você fala por charadas, velho amigo. Acredita que a mulher possa representar algum tipo de perigo para mim?

— Apenas da forma como qualquer mulher representa um perigo para nós, homens.

Styx semicerrou os olhos. Pelos deuses, Viper acredi­tava que ele fosse susceptível aos atrativos de uma mera mulher? Uma mortal, ainda por cima?

— A mulher será minha hóspede, nada mais — ele disse friamente.

— Naturalmente.

Styx apontou para a foto. Essa era, afinal, a razão que o levara até aquele exato lugar.

— Sabe me dizer a localização do estabelecimento onde a foto foi tirada?

— É familiar... — Viper pensou um instante. — Sim. É um bar gótico. Diria umas quatro quadras ao sul de onde estamos.

— Obrigado. — Levantando-se, Styx guardou a foto no bolso.

Viper também se levantou e colocou a mão sobre o ombro do amigo.

— Espere. O que vai fazer?

— Já lhe disse. Pretendo pegar a mulher.

— Não pode ir sozinho. Se os lobisomens estiverem observando o lugar, tentarão impedir que você a capture.

— Não temo um bando de cães — Styx retrucou com a voz cheia de desprezo.

Viper olhou com firmeza para o amigo, fazendo-o suspirar.

— Está bem. Levarei os meus homens junto — ele pro­meteu, referindo-se aos cinco vampiros que estavam em sua companhia fazia séculos.

— E para onde vai levar a moça?

— Para o meu abrigo.

— Bom Deus! — Viper caiu na gargalhada. — Não pode levar a pobre moça para aquelas cavernas escuras e úmidas.

Styx franziu a testa. Não havia lugar onde ele se sentis­se melhor.

— Muitas das cavernas são bem confortáveis.

— Já é suficientemente ruim levar a mulher à força. Pelo menos a leve para um lugar onde haja uma cama decente e algum conforto.

— Por que isso importa? Ela não passa de uma humana.

— Importa justamente porque ela é humana. Cristo, elas são mais frágeis que fadas! — Viper arranjou papel e lápis e escreveu algumas linhas. Depois enfiou a mão no bolso, de onde tirou uma pequena chave, colocando-a junto com o bilhete nas mãos de Styx. — Pronto! Isso é uma cha­ve de minha propriedade ao norte da cidade. É tranqüilo e isolado o suficiente para o seu propósito, mas muito mais agradável do que o seu abrigo. — Ele apontou para o pa­pel. — Aí está o endereço. Vou avisar Santiago e o restante dos meus homens para esperarem por você.

Styx abriu a boca para protestar. Porém, como Viper observara, os humanos eram frágeis e sujeitos a uma série de doenças e ferimentos. Precisava da moça viva se quises­se que ela lhe fosse útil.

— Talvez seja mesmo preferível ficar perto da cidade para negociar com os lobisomens — ele admitiu.

— E perto o suficiente para pedir ajuda em caso de necessidade — Viper insistiu.

— Sim. — Styx guardou a chave. — Agora preciso ir.

— Tome cuidado, velho amigo.

— Isso eu posso prometer.

Gina, uma garçonete ruiva e cheia de sardas, estava en­costada no balcão do bar quando os três homens entraram.

— Garanhões à vista — ela sussurrou para a colega. — E de primeira.

Erguendo a cabeça da bebida que preparava, Darcy Smith deu uma olhada nos recém-chegados e se surpreen­deu. Em geral, Gina não era muito exigente, mas naquele caso... Bem, eles eram definitivamente nota dez.

Darcy assobiou baixinho enquanto observava os dois que estavam mais próximos. Musculosos, tinham as cabeças raspadas e usavam roupas justas. Já o homem que vinha atrás dos dois era mais delgado. O elegante terno não escon­dia inteiramente a musculatura, nem os cabelos cacheados que atingiam os ombros suavizavam as feições aquilinas.

Darcy soube de imediato que aquele homem era o mais perigoso dos três.

— O que será que vieram fazer aqui? — ela resmungou.

Os freqüentadores do bar eram góticos, metaleiros, su­jeitos sem dinheiro ou gente esquisita. A maioria ia até ali apreciar as bandas de rock pesado. Alguns preferiam os quartos dos fundos, onde era oferecida uma grande varie­dade de atrações ilegais. Dificilmente um lugar que atrai­ria uma clientela mais sofisticada.

Gina ajeitou o cabelo e pegou a bandeja.

— Provavelmente estão aqui para observar os nativos. Os ricos sempre gostam de ver a plebe.

Darcy observou a garçonete circular entre os fregueses com um sorriso nos lábios. Não podia culpar Gina por seu cinismo. A moça também estava sozinha no mundo, e sem a educação ou os recursos para seguir uma carreira brilhante. Ela, por outro lado, recusava-se a deixar a amargura dominar seu coração. Fazia um pouco de tudo: garçonete, entregadora de pizza, instrutora de ioga. Todo emprego ser­via se ajudasse a colocar comida na mesa. Além do mais, estava economizando para algo melhor. Um dia teria sua própria loja de produtos naturais, e nada iria atrapalhar seu projeto.

Mantendo-se ocupada preparando bebidas e lavando co­pos, Darcy não notou quando os recém-chegados se senta­ram nos banquinhos do bar. Não até sentir os olhares fixos nela. A sensação foi de total desconforto. Os demais clientes do bar pareceram sumir de cena, e ela sentiu-se como se estivesse sozinha com os três. Isso era ridículo, pensou. Forçou-se a caminhar até eles. Afinal, o salão estava cheio, e ela não corria risco algum. Instintivamente parou diante do homem de terno, en­golindo em seco quando notou o dourado dos olhos dele. Um lobo com roupa de seda. Afastou logo o pensamento. Não estava ali para fazer julgamentos sobre ninguém. O homem era um cliente.

— Posso ajudá-lo?

Um leve sorriso revelou dentes branquíssimos.

— Certamente espero que possa me ajudar — ele disse com sotaque italiano.

Darcy sentiu os pelos da nuca se arrepiar quando o olhar dourado deslizou por sua blusa preta e pela saia curta que usava. Havia uma fome naqueles olhos que ela não tinha certeza de que fosse inteiramente sexual.

— Posso lhe oferecer uma bebida? — O estranho sorriu.

— Um Bloody Mary.

— E seus amigos?

— Eles estão trabalhando. — Darcy deu uma olhada nos dois homens que estavam atrás do líder. Uns idiotas sem cérebro, certamente.

— Você é quem manda. — Foi ao bar para preparar a bebida e voltou ao balcão. — Um Bloody Mary.

Estava para se afastar quando sentiu que o italiano a segurava pelo braço.

— Espere — ele pediu. — Quero que me faça companhia. Odeio beber sozinho.

Obviamente os dois patetas atrás dele não contavam.

— Estou trabalhando. — Ele apontou para o balcão vazio.

Darcy suspirou. Detestava ser rude. Isso era ruim para o carma. Mas este homem precisava que ela fosse mais explícita.

— Se está em busca de companhia, encontrará muitas mulheres aqui no bar que ficariam felizes em beber com você.

— Não quero nenhuma outra mulher. — Os olhos dou­rados brilharam. — Apenas você.

— Estou trabalhando.

— Mas não vai trabalhar a noite inteira.

— Não, mas quando sair daqui vou para casa. — Ela afastou o braço dos dedos do homem. — Sozinha.

— Tudo o que quero é conversar com você. Estou certo de que pode me ceder alguns momentos de seu tempo.

— Conversar comigo sobre o quê?

Ele lançou um olhar impaciente em direção aos demais fregueses que pareciam cada vez mais animados.

— Preferia que fôssemos a algum lugar mais tranqüilo.

— Não vai ser possível.

Os olhos dourados ganharam uma luz estranha.

— Preciso falar com você, Darcy. Preferiria que nosso relacionamento continuasse cordial. Mas se quiser dificul­tar as coisas, farei o que for necessário para que minha vontade seja atendida.

O coração de Darcy se encheu de medo.

— Como sabe o meu nome? — Ele se inclinou para frente.

— Sei muita coisa sobre você. — Bem, isso era mais que assustador. Um cavalheiro bo­nito, vestindo um terno caro e acompanhado de seus seguranças não cortejaria uma garçonete. A não ser que fosse psicótico.

Ela deu um passo para trás.

— Acho que é melhor terminar a sua bebida e sair daqui com seus homens.

— Darcy, eu... — Algo lhe chamou a atenção, e ele se vol­tou na direção da porta do bar. — Temos companhia — ele grunhiu para os seguranças. — Lidem com eles.

Os dois brutamontes obedeceram sem pestanejar.

Darcy sabia reconhecer uma oportunidade. O que aquele homem queria com ela não parecia ser nada bom. Moveu-se para a outra extremidade do bar. Não se deu nem o traba­lho de gritar pedindo ajuda. Uma mulher gritando naquele lugar fazia parte do espetáculo. Em vez disso, voltou-se para os fundos do bar. Lá havia uma salinha com tranca na porta. Podia se esconder até que o homem desistisse e fosse embora. Concentrada nos sons de perseguição que poderia vir de trás, ela não percebeu a enorme sombra que surgiu à sua frente, até que seu caminho fosse bloqueado. Notou rapidamente um belo rosto bronzeado e os olhos mais frios que já vira. Antes que o estranho lhe dissesse uma simples palavra, e a escuridão a envolvesse.

Styx permanecia imóvel ao lado da cama. Já estava nes­sa exata posição por cerca de dezessete horas, observando a mulher deitada. Em parte, sabia que a vigília era des­necessária. Não somente a propriedade de Viper era isola­da, como contava com um eficiente sistema de segurança. Sua prisioneira não poderia nem espirrar sem que ele ficasse sabendo. Estranhamente, porém, ele continuava ali. Não podia ser por causa da beleza frágil do corpo daque­la mulher. Ou pelo seu rosto em forma de coração, que pa­recia inocente enquanto ela dormia. Ou pelo ridículo cabelo curto demais, que deixava à mostra a doce curvatura de sua orelha e a tentadora maciez de seu pescoço.

Queria estar perto dela quando acordasse, pois ela gri­taria e criaria uma confusão. Era humana, afinal, e era isso o que os humanos faziam. Essa explicação era muito mais razoável, ele reconheceu enquanto a cobria. Ela se moveu, enrijecendo-se ao reparar que ele a des­pira. Deixara-a, claro, com a calcinha e o sutiã. Os huma­nos tinham um comportamento estranho em relação a esse tipo de coisa.

Esperando pacientemente que ela retornasse à cons­ciência, Styx franziu o cenho ao perceber que ela acordara, mas que mantinha os olhos fechados, fingindo dormir. Toli­ce. Ele deu um passo à frente e inclinou-se para sussurrar em seu ouvido:

— Sei que está acordada. Esse fingimento é uma total perda de tempo para nós dois.

Os olhos continuaram bem fechados.

— Onde estou? Quem é você? — O som de sua voz soou baixinho.

— Não posso falar com você enfiada debaixo das cober­tas. — Ele aspirou profundamente o perfume da jovem. Ela cheirava a flores frescas. E sangue quente. Uma fasci­nante combinação erótica. Engoliu em seco.

— Se eu continuar com os olhos fechados posso fingir que estou tendo um pesadelo e que nada do que está acon­tecendo é real.

— Pode mesmo ser um pesadelo, mas lamento dizer que não vou sair daqui. — Styx esperou um instante. Quando ela continuou se re­cusando a cooperar, inclinou a cabeça e pressionou seus lábios contra os dela.

Os enormes olhos verdes se abriram abruptamente, tomados pela surpresa.

— Pare com isso! — ela exclamou.

Ele deu um passo para trás. Não por causa do protes­to, pois ele era o Anasso. A vontade dele é que prevalecia. Afastou-se simplesmente porque desejava fazer o contrário. Queria sentir-lhe o calor e o perfume. Queria tocar em seus lábios e afundar os caninos na pele macia. Isso não somente o distrairia como era inconveniente demais.

— Trouxe comida para você. — Ele apontou para uma bandeja sobre o criado-mudo.

Os olhos verdes se fixaram por um instante no enorme prato que continha presunto, ovos fritos e torrada.

— Pretende me alimentar antes de acabar comigo? Mui­ta delicadeza de sua parte.

— Você tem uma imaginação muito fértil. Coma e depois conversaremos.

— Não.

Ele parou surpreso. A palavra "não" jamais era usada em sua presença. Certamente não seria aquela jovenzinha que o desafiaria dessa forma.

— Teimosia não vai adiantar nada. Deve estar faminta.

— Estou faminta, mas não vou comer aquilo.

— Não há nada ali que possa lhe causar qualquer mal.

— Há carne.

Styx fitou-a, confuso. Nunca passara muito tempo com os mortais. Eles lhe proviam sangue e, ocasionalmente, sexo. Nada que o levasse a conhecer melhor suas mentes.

— Achei que a maioria dos humanos comesse carne.

— Não esta humana. Sou vegetariana.

— Muito bem. — Séculos de treino permitiam que man­tivesse a calma quando necessário. Pegou a bandeja e, após atravessar o aposento e abrir a porta, entregou-a para um dos vampiros. — Por favor, traga para a Srta. Smith alguma coisa... Vegetariana.

Fechando a porta, ele se voltou para a mulher que agora estava sentada na cama, enrolada na coberta. Uma pena. Tinha descoberto nas últimas horas que gostava de olhar o corpo dela.

— Onde estou? — ela perguntou.

— Em uma propriedade ao norte da cidade. — Styx se aproximou da cama.

— Bem, isso não diz praticamente nada. Por que estou aqui? — Styx cruzou os braços. A mulher parecia se esquecer de que era uma prisioneira. Ele é quem deveria estar fazendo as perguntas.

— Do que se lembra de ontem à noite? — ele indagou. Ela pareceu se perturbar com seu tom brusco de voz.

Depois, deu de ombros.

— Eu estava trabalhando no bar e um homem com dois seguranças começou a me perturbar. — Ela franziu a tes­ta. — Eu estava a caminho de um quartinho nos fundos quando você... Fez qualquer coisa que me derrubou.

— O que fiz não vai prejudicá-la em nada.

— Fácil para você dizer isso. — Styx ignorou a observação.

— O que os homens queriam de você?

— O homem queria conversar.

— Sobre o quê?

— Não sei. E o que você quer?

Ela parecia não saber quem ele era. Em geral, as pessoas faziam de tudo para agradá-lo. Eram espertos.

— Você os reconheceu? Já haviam se aproximado antes?

— Nunca os tinha visto em minha vida.

— E não tem idéia de por que estavam interessados em você?

— Não.

Styx a observou por um longo momento. Não acredi­tava que estivesse mentindo. Afinal, Salvatore passara semanas tentando localizá-la em Chicago, um esforço des­necessário se já se conhecessem. Ainda assim, deveria haver alguma conexão entre eles.

— Deve haver uma razão. — Lançou-lhe um olhar de advertência. — Você deve valer alguma coisa para Salvatore para que ele se arrisque desse jeito.

Surpreendentemente, ela não se acovardou diante de sua expressão. Em vez disso, ergueu o queixo ao fitá-lo.

— Veja, tento não ser uma dessas mulheres histéricas que berram por qualquer motivo, mas se não começar a me dizer quem você é e a razão para ter me raptado, vou começar a berrar até conseguir algumas respostas.

Styx mal acreditava no que estava acontecendo. Talvez devesse reconsiderar o modo de tratar a moça.

— Quer saber a verdade?

— Oh, por favor!

— Muito bem. O homem que se aproximou de você à noite passada era Salvatore Giuliani.

— Eu deveria reconhecer o nome?

— Ele é um chefe de bando.

— Chefe de bando? Está querendo dizer que ele lidera alguma gangue?

— Quero dizer que ele é o rei dos lobisomens. Os dois seguranças, como você os chamou, são membros do bando.

A expressão de Darcy não revelava suas emoções, mas Styx percebeu que ela apertava a coberta com força.

— Muito bem. Estou feliz que tenha me esclarecido tu­do. Agora, se me devolver as roupas...

— Você disse que queria saber a verdade.

— Eu disse.

Styx suspirou impaciente.

— Os humanos são sempre tão difíceis. Não acreditam em nada, mesmo quando as provas estão à sua volta.

Um leve sorriso surgiu nos lábios dela.

— Bem, não somos muito inteligentes... Agora, quanto às minhas roupas... — Ele se aproximou da cama. Não ficou tão perto que ela se sentisse ameaçada, mas o suficiente para alertá-la de que não poderia esperar ser libertada.

— Aqueles estranhos que a abordaram eram lobiso­mens, e eu sou um vampiro. — A voz dele soou fria e firme.

— E eu presumo que Frankenstein esteja esperando por mim do outro lado da porta.

Styx procurou não perder a cabeça. Os humanos eram definitivamente tolos.

— Vejo que não se convence sem uma prova. — Sentindo a necessidade de uma pequena exibição, ele abriu bem a boca, revelando os caninos. — Pronto.

Não se ouviu grito algum. Nem desmaio. Nem mesmo um som de admiração. Em vez, disso a mulher continuava inabalável, com a cabeça repousada sobre o travesseiro.

— Trabalho em um bar gótico. Metade dos nossos fre­gueses tem caninos de um tipo ou de outro.

— Eu poderia sugar todo o seu sangue para provar o que estou afirmando, mas creio que não gostaria disso, meu anjo. — Styx pegou a faca que estava na bandeja. — Talvez isto a convença.

Darcy recuou o medo estampado em seus olhos.

— Que diabos está fazendo? — ela perguntou ao vê-lo abrir a camisa de seda, revelando a tatuagem de um dragão no peito.

Ele deslizou a faca pelo tórax. Dessa vez, ouviu-a sol­tar um pequeno grito e, horrorizada, colocar a mão sobre a boca.

— Deus meu! Você é completamente louco!

— Apenas observe — ele ordenou, abaixando o olhar para ver o corte cicatrizando de imediato, restando apenas um filete de sangue.

Styx mantinha a cabeça baixa e, antes que pudesse per­ceber a intenção de Darcy, ela o estava tocando no peito. Uma estranha sensação tomou conta de seu corpo. O leve roçar dos dedos femininos despertara nele um desejo que o surpreendia.

— Impressionante — ela murmurou, afinal.

Styx procurou controlar o curso de seus pensamentos. Nada de distrações.

— Sou um vampiro de verdade. Não um daqueles malu­cos que freqüentam bares góticos ou festas exóticas.

Darcy parecia nem ouvi-lo, e mantinha os dedos em seu peito.

— Você está curado.

— Estou.

Ela levantou a cabeça, revelando um olhar preocupado.

— E pode fazer isso porque é um vampiro?

— Muitos demônios possuem a habilidade de curar to­dos os ferimentos, menos os mais graves.

— E é preciso ser um demônio para conseguir fazer isso?

— Você agora acredita em mim?

Ela umedeceu os lábios, fazendo com que ele gemesse baixinho.

— Eu acredito que você seja algo... Sobrenatural. — Styx sacudiu a cabeça. A mulher era a mais estranha das criaturas que ele conhecera na vida.

— Eu prefiro vampiro ou demônio. — Ele lhe dirigiu um olhar desconfiado. — Você está encarando tudo isso com mais naturalidade do que deveria.

Ela abaixou os cílios.

— Bem, eu... Nunca fui muito normal.

— O que quer dizer com isso?

— Eu... Nada.

— Conte-me. — Quando ela continuou em silêncio, ele es­tendeu a mão e lhe segurou o queixo. Pretendia ser severo. Ela precisava responder às perguntas. Infelizmente, a pele do rosto era macia como seda, e ele não conseguiu suprimir o desejo de se aproximar para sentir o aroma de seu perfu­me. — Diga-me, anjo.

— Muito bem. Vai ser mais fácil mostrar para você. Dê-me a faca. — Styx arqueou as sobrancelhas. A moça pretendia que ele se distraísse com sua frágil beleza a fim de usar a faca para lhe cortar a garganta?

— Você não vai conseguir me matar com isso.

— Nem cheguei a imaginar que pudesse. Suponho que matá-lo exigiria o habitual; luz do sol ou uma estaca de madeira enfiada em seu coração.

— Ou decapitação.

— Ou isso. — Ela sorriu.

— E para que quer a faca?

— Não planejo nada tão espetacular quanto você. — Ela estendeu a mão até que ele lhe entregasse a faca.

Preparado para enfrentar um tolo ataque, Styx mais uma vez se surpreendeu quando Darcy pegou a faca e fez um pequeno corte no dedo polegar.

— Você está... — Ele se interrompeu, observando, fas­cinado, o corte cicatrizar-se a uma velocidade impressio­nante. Levantou o olhar cheio de curiosidade. — Você não é inteiramente humana.

Ela não pareceu particularmente satisfeita.

— Não sei bem o que sou. Pelo menos, além do fato de eu ser uma aberração. — Ela deu de ombros. — Não pode imaginar quantos lares adotivos me puseram para fora quando viram eu me curar depressa demais. — Styx pegou a mão delicada e a levou ao nariz. Aspirou ao aroma de flores e o sangue, que parecia bastante humano.

— Possui mais alguma característica estranha? — Darcy puxou a mão.

— Esse é um modo gentil de colocar as coisas — ela resmungou.

O olhar dele se deteve no rosto em formato de coração.

— Sendo um vampiro, posso aceitar com naturalidade aquilo que os humanos consideram estranho.

— Vampiro. — Ela estreitou os olhos. — Ei! Espere... Exatamente o quão estranha pensa que sou?

— Você não respondeu a minha pergunta. Não posso ti­rar conclusão alguma sem saber mais alguma coisa.

Darcy mordeu o lábio inferior, pensativa.

— Sou mais forte e mais rápida do que a maioria das pessoas. E... Não envelheço.

Isso o surpreendeu.

— Qual é a sua idade?

— Tenho trinta anos, mas continuo igualzinha a quando tinha dezoito.

Styx precisava acreditar no que ela dizia. Ela parecia jovem e inocente, mas era difícil para um vampiro determi­nar a idade dos humanos. Principalmente porque o tempo não significava nada para os vampiros.

— Você deve possuir pelo menos algum sangue de de­mônio — ele concedeu. Era estranho que não pudesse detectar nenhum sinal de sangue misturado. — E quanto aos seus pais?

A expressão do rosto de Darcy tornou-se indecifrável.

— Nunca conheci meus pais. Fui para o orfanato quan­do era um bebê.

— Não tem família?

— Não.

Styx franziu a testa. Talvez por isso Salvatore estives­se tão determinado a colocar as mãos nela. Agora tinha que descobrir precisamente que tipo de demônio a havia gerado, e o que isso poderia possivelmente significar para os lobisomens.

O hotel abandonado na parte sul de Chicago dificilmen­te oferecia acomodações para a realeza. O teto estava trin­cado, as janelas rachadas, e havia um cheiro de dejetos humanos capaz de virar o estômago do lobisomem mais selvagem. Tendo escolhido para si o maior dos quartos, Salvatore Giuliani colocara sua escrivaninha junto à janela que dava para a rua principal. O ar frio que vinha pelas frestas das paredes não o aborrecia.

Na estante, havia todo o tipo de armas, de pistolas a fa­cas afiadas. Sobre a escrivaninha, estava espalhada uma dúzia de fotos de Darcy Smith. Ele era um homem com uma missão, que realizaria não importando quantos lobos, humanos ou vampiros tivesse de matar. Inconscientemen­te, acariciou uma foto de Darcy caminhando pela rua com um leve sorriso nos lábios.

De repente, levantou a cabeça, ao sentir o cheiro de um lobisomem mestiço se aproximando de seu aposento.

Os mestiços eram os lobisomens inferiores, que haviam sido humanos um dia, mas que tinham sido transformados pela mordida de um lobisomem puro-sangue. Estes, nasci­dos de pai e mãe lobisomens, possuíam habilidades espe­ciais, eram mais fortes e mais inteligentes. Eram também capazes de controlar as suas transformações, a não ser em noites de lua cheia.

Infelizmente, tanto o puro-sangue quanto os mestiços eram cada vez mais raros. Algo precisava ser feito antes que os lobisomens desaparecessem completamente. Por isso, Salvatore trocara Roma pela América. Era seu dever assegurar que os lobisomens não se extinguissem. E uma parte do plano dependia totalmente de Darcy Smith. Ela tinha de cair em suas mãos. E o mais breve possível.

A porta se abriu, e uma bela mulher entrou no quarto. Alta, cabelos negros que caíam até a cintura e feições orien­tais. Naquele momento, usava apenas um roupão de seda curto, que deixava à mostra as pernas perfeitas. Desde que ele chegara à América, ela compartilhava sua cama. E por que não? Era bonita, ardente e um animal sob os lençóis. Ele acordara mais de uma vez com profundos cortes e marcas de mordidas. Ainda assim, estava começando a se aborrecer de sua companhia. Jogando o cabelo para trás, Jade atravessou o quarto com a graça habitual das mestiças de lobisomem. Ela não fez uma reverência ao cumprimentá-lo, Salvatore notou. Jade estava começando a se sentir exageradamente à vontade em sua presença. Talvez fosse a hora de lembrá-la de quem ele era.

— Hess voltou milorde — ela murmurou em uma voz que faria qualquer homem pensar em sexo. — Claro, tê-la no mesmo quarto era o suficiente para fa­zer um homem pensar em sexo. Era um poder do qual ela tirava total vantagem.

Salvatore recostou-se em sua cadeira.

— Mande-o entrar. — Jade deslizou o olhar pelos cabelos de Salvatore, por seu rosto e por seu corpo coberto por um terno de seda. Um sorriso predatório e faminto surgiu nos lábios femininos.

— Parece tenso, milorde. Vamos deixar Hess esperando lá fora. — Ela abriu o roupão e o deixou deslizar sobre o seu corpo nu.

O corpo de Salvatore reagiu. Diabos, uma mulher nua era uma mulher nua! Mas sua expressão não se alterou enquanto dava de ombros.

— Tentador, mas temo que não seja hora de distrações.

— Não é hora, não é hora, não é hora! — ela protes­tou, irritada. Não era mulher para ser rejeitada. O último homem que ousara fazer isso estava agora no fundo do rio Mississipi. — Estou cansada de ouvir isso. Que tipo de homem não tem tempo para mim?

Salvatore apertou os olhos.

— Um que tem assuntos mais importantes a considerar. — A expressão de Jade se tornou petulante.

— É por isso que me rejeita?

— Que outra razão, eu poderia ter?

Jade apontou para as fotos que estavam em cima da escrivaninha.

— Ela.

A paciência de Salvatore se esgotara.

— Se vista e saia daqui, Jade.

— Ela é... Humana, não é?

— Não respondo a seres inferiores. Sou seu rei, e deve se lembrar disso.

Enraivecida, Jade ignorou o alerta que havia na voz dele.

— O que há com essa mulher? Parece obcecado por ela. E isso é doentio.

Salvatore controlou-se para não estrangular a amante. Como legítimo puro-sangue tinha completo domínio sobre os seus instintos básicos. Não precisava da inconveniên­cia de ter de sumir com um cadáver em Chicago.

— Vou lhe dizer mais uma vez. Se vista e saia daqui.

A voz dele soou como um grunhido. Foi o suficiente para Jade entender que fora longe demais. Pegou seu roupão e o vestiu. Ao sair do quarto, parou e dirigiu a ele um olhar cheio de veneno.

Salvatore a observou indo embora. A mulher estava se tornando um problema. Decidiu que no dia seguinte ele a mandaria de volta para o seu povo no Missouri.

Esperou pela entrada de Hess, um mestiço também, que se curvou respeitosamente diante do chefe.

— Milorde.

— Seguiu a trilha?

— Sim. — O homem fez uma careta. — Nós a perdemos ao norte da cidade.

— Ao norte. — Salvatore girava distraidamente o anel no dedo. — Então o vampiro não está voltando ao seu abrigo. Interessante.

— A não ser que ele pretendesse ir depois de nos despistar.

— Uma possibilidade, mas duvidosa. Styx não nos teme. Se ele pretendesse se refugiar em seu abrigo, já teria feito isso e nos enfrentado, caso tentássemos lhe tirar a mulher.

Hess resmungou. Odiava os vampiros.

— Por que ele estava no bar?

— É exatamente essa a pergunta, não? — Salvatore saiu de trás da escrivaninha e se aproximou do mapa que havia na parede. Fez um gesto impaciente para Hess.

— Venha aqui e me mostre precisamente onde perdeu a pista.

Unindo-se ao líder, o mestiço indicou o local.

— Então ele ficou na cidade. E ele estava acompanhado por seus homens?

— Sim.

— Deve estar em algum outro abrigo — Salvatore con­cluiu. — Pegue os melhores batedores e comecem a procurar a trilha. Não podem ficar escondidos para sempre.

 

Darcy estava abismada. Acordara em um quarto estra­nho com um homem lindo ao lado.

Um vampiro.

Bem, ela também nunca se sentira uma pessoa normal. E agora encontrara alguém tão estranho quanto ela. Levantou a cabeça e encarou o seu captor. Ele estava de pé ao lado da cama, imóvel. Naturalmente, essa imobilidade não era a única coisa estranha no homem. O rosto era perfeito demais; as sobran­celhas grossas, os profundos olhos negros com os cílios lon­gos, os lábios sensuais, o nariz nobre. Lembrava a imagem de uma máscara indígena. Certamente, nenhum humano poderia jamais ser tão bonito. Sem mencionar os cabelos de um preto azulado, trançado com ornamentos em bronze em um comprimento que passava de sua cintura.

Era uma fantasia exótica. Justamente o que uma mu­lher esperaria em um vampiro. Darcy engoliu em seco. Não tinha idéia do que passa­va pela mente desse homem que a olhava com enervante intensidade.

— Ainda não me disse por que estou aqui! E nem o seu nome. — Ele franziu a testa como se estivesse despertando de um sono profundo.

— Styx.

Darcy fez uma careta. Não era um nome que inspiras­se carinho, nem sentimentos alegres. Mas, é claro, esse não era um homem para inspirar qualquer coisa divertida. Calor, sim! Ele era assustadoramente lindo. Bonito de­mais com aquela camisa desabotoada e aberta exibindo a pele macia e bronzeada, seu peito largo e a estranha ta­tuagem de dragão.

— Por que me raptou?

— Preciso saber o que os lobisomens querem de você.

— Por quê?

— Eles vêm criando uma série de problemas.

— Você está no comando dos lobisomens?

— Eles têm de seguir as minhas determinações.

— São seus empregados?

— Empregados? Não. Eles me devem lealdade.

— Lealdade? Quer dizer, como servos? — Darcy riu. — Isso não é um pouco medieval demais? — Um sinal de impaciência surgiu nas belas feições de Styx.

— Os lobisomens estão sob as leis dos vampiros e, como líder de todos os vampiros, eles devem me obedecer.

Ela arregalou os olhos. Se ele era louco, pelo menos tinha seus sonhos de grandeza. Um louco com ambição.

— Então você é o quê? O rei dos vampiros?

— Sou o senhor deles, o Anasso — ele retrucou com claro orgulho.

Darcy sentiu seus lábios tremer. Não conseguiu evitar o riso. Não que a história fosse divertida, mas havia muito descobrira que era melhor rir de tudo do que se envolver na amargura.

— Uau! Então é o chefão.

— Chefão? Este é o termo humano para líder?

— Você não está muito atualizado quanto ao que anda acontecendo no mundo, não é?

— Mais do que desejaria estar.

— Isso não importa. Já lhe disse que não tenho nada a ver com esse tal de Salvatore. E não sei nada sobre lobiso­mens. Nem acredito que existam. Agora, se não se impor­ta, preciso voltar para minha casa.

— Temo não poder permitir isso. Salvatore recorreu a tudo para conseguir localizá-la.

— Mas eu já disse que não posso ajudar em nada. Não tenho idéia do que ele quer de mim.

— Talvez não, mas sua presença ainda poderá repre­sentar um benefício para mim. Acredito que Salvatore a queira demais, o suficiente para negociar a sua libertação.

Darcy levou um instante para entender o que essa de­claração implicava.

— Você... — Ela umedeceu os lábios, e observou a reação dele a isso. O pior é que não tinha certeza se ele estava pen­sando em sexo ou jantar. — Pretende me manter aqui contra a minha vontade e então negociar-me com os lobisomens?

— Isso. Direto e claro.

— Mesmo não sabendo o que ele quer de mim? Esse tal de Salvatore pode estar querendo me sacrificar em um ri­tual horrível. Ou pode decidir que eu daria uma refeição saborosa.

Styx caminhou até a janela e puxou as pesadas corti­nas, revelando que a noite já chegara.

— Ele não precisaria se esforçar tanto por um mero sa­crifício, ou mesmo por uma refeição. Acredito que a queira viva.

— Ah, acredita, é? Nem posso lhe dizer o quanto fico tranqüila ao saber disso! Minha vida pode não representar nada para você, mas é importante para mim. — Pegou o travesseiro e o arremessou contra Styx, que se voltou com incrível rapidez e o pegou no ar. — Por favor, quero voltar para casa.

Styx suavizou a voz.

— Darcy, isso não seria seguro. Bastaria você deixar esta casa, e os lobisomens a capturariam imediatamente. É somente a minha proteção que...

Um som estranho o interrompeu. Era uma voz com dis­tinto sotaque francês.

— Não está me vendo? Estou aqui para trazer conforto à sua prisioneira.

Styx olhou para a porta fechada com expressão de espanto.

Darcy arregalou os olhos. O que poderia chocar o se­nhor de todos os vampiros?

— Pelos deuses, o que ele está fazendo aqui? — Styx resmungou.

— Quem é? — Darcy perguntou.

— Levet. Prepare-se, anjo.

Ela puxou a coberta até o nariz, como se isso pudesse protegê-la.

— Ele é perigoso?

— Somente para a sua sanidade mental.

— Ele é humano?

— Não. É uma gárgula.

O coração de Darcy deu um pulo. Vampiros, lobisomens e agora gárgulas?

— Um... O quê?

— Não precisa ficar com medo. Ele pode ter um aspecto assustador, mas mal podemos chamá-lo de demônio. — Darcy não sabia bem o que Styx queria dizer com isso. Bom, não até a porta ser aberta, e uma criatura pequena e cinzenta entrar no quarto carregando uma bandeja.

Possuía feições grotescas, com pequenos chifres e um longo rabo, que balançava de um lado para outro. Mas não podia ter mais de um metro de altura, e as asas eram finas, lindas e de um forte tom colorido. Movendo-se pelo quarto, o gárgula lançou um olhar de desdém para o vampiro.

— Finalmente. Oh, não quero criticar os seus homens, Styx, mas, acredite ou não, eles tentaram impedir a mi­nha entrada. Moi imagine!

— Pedi para não ser perturbado, Levet. Eles apenas cumpriam as minhas ordens.

— Perturbado? Como se eu pudesse perturbar alguém. Levet voltou a cabeça em direção à silenciosa Darcy.

Ela estava admirada. Por trás dos olhos de cor cinza, ela podia detectar uma alma gentil. Nunca errava nesses julgamentos.

— Oh, ela é tão linda quanto Viper afirmou. E tão jovem! — O gárgula se aproximou da cama e colocou uma bande­ja no criado-mudo. — Deveria se envergonhar, Styx. Aqui está, querida, uma saladinha fresca e frutas.

O estômago de Darcy roncou, e ela ficou agradecida. Estava faminta, e a comida parecia perfeita.

— Obrigada. — Sorriu para Levet e pegou uma fatia de maçã.

O sorriso dele revelou dentes pontudos, mas foi com elegante graça que ele se curvou, apresentando-se.

— Permita que eu me apresente, já que nosso anfitrião possui modos de um fungo venenoso. Sou Levet. Estou aqui a mando de minha amiga Shay para me assegurar de que se encontra bem instalada. Obviamente, ela conhece bem o seu anfitrião para saber que estaria precisando de mais conforto. Então larguei meus diversos afazeres para vir até aqui.

Darcy não sabia bem o que pensar do pequeno demônio. Não parecia perigoso, mas ela também jamais imaginara que Styx seria capaz de jogá-la aos lobos. Literalmente falando.

— Foi muita bondade de sua parte — ele disse a Levet. O gárgula tentava inutilmente aparentar modéstia quando o vampiro se colocou ao seu lado.

— Levet — Styx grunhiu.

— Non, non. Não me agradeça. Bem, a não ser que seja na forma de dinheiro vivo. — Ele suspirou. — Não pode imaginar como se tornou difícil para um gárgula viver de­centemente nesta cidade. Styx rangeu os dentes.

— Não tenho a menor intenção de lhe agradecer.

— Não seja um grosso. Vai deixar a garota morta de medo.

— Ela não está morta de medo.

Darcy levantou o queixo em uma atitude desafiadora. Não deixaria o vampiro falar por ela.

— Sim, eu estou.

— Viu? — Levet sorriu de leve e voltou a atenção para Darcy. — Agora, faça a sua refeição em paz. Não vou deixar este vampiro mau machucá-la.

— Levet... — Styx colocou a mão no ombro do gárgula.

— Não toque nas minhas asas. — Levet deu um passo para trás.

Styx fechou os olhos brevemente. Talvez contar até cem ajudasse.

— Noto que tenho de dar uma palavrinha com Viper — ele murmurou, caminhando para a porta.

— Faça isso, mon ami — Levet recomendou. — Oh, e quando falar com aquela adorável governanta, por fa­vor, diga-lhe que não precisa se preocupar com um jantar para mim. Prefiro caçar.

O vampiro abriu a porta, mas antes deu uma olhadela para Darcy.

— Não é o que todos nós preferimos?

Styx conseguiu localizar Viper em outro de seus clu­bes exclusivos, que ficava perto de Rockport. Ao entrar, se­guiu para o escritório dos fundos. Como esperava, encon­trou Viper sentado atrás de sua escrivaninha, examinando alguns papéis. O amigo se levantou ao vê-lo.

— Não esperava vê-lo esta noite, Styx. Não tem uma hóspede em sua casa?

— A que hóspede está se referindo? À mulher que fui forçado a capturar, na esperança de evitar uma guerra sangrenta com os lobisomens, ou ao pequeno gárgula, a quem estou pensando seriamente em matar?

Viper fingiu surpresa, mas não conseguiu esconder o sorriso.

— Ah, então Levet apareceu por lá?

— Apareceu. Agora quero que ele vá embora. Recostando-se em sua cadeira, o vampiro mais novo cruzou os braços.

— Não que eu não lamente por você, mas não tenho nada a ver com essa ida de Levet a sua casa. Foi Shay quem in­sistiu que sua hóspede precisaria de companhia. Ela está bastante convencida de que você fará da vida da moça uma desgraça.

Styx estremeceu. Pelos deuses, ele tratara Darcy com cuidado especial! Não tinha lhe proporcionado os confortos de que ela necessitava? Não respondera as suas perguntas? E, apesar de toda a tentação, não negara a si mesmo o dese­jo de se unir a ela na cama e desfrutar de seu calor?

— Não represento perigo algum à moça — ele afirmou. Viper deu de ombros.

— Bem, em defesa de Shay, devo lembrá-lo de que ela presenciou o quanto você me torturou lá nas cavernas e de que você pretendia sacrificá-la. Ela pode não ter se esque­cido disso.

Styx se recusava a pedir desculpas pelos seus atos. Na ocasião, pensara estar evitando que os vampiros fossem ar­ruinados. No fim, fora forçado a trair o seu próprio senso de lealdade ao se aliar a Viper.

— Talvez Shay tenha se esquecido de que me coloquei na sua frente e o salvei de um ataque mortal — Styx obser­vou com voz fria.

Viper suspirou.

— Está bem. Talvez você tenha enfrentado um perigo para me proteger.

— Não represento perigo algum à moça. E, mesmo que representasse o gárgula não poderia impedir que eu agis­se contra ela.

— Acho que Shay quer que Darcy tenha companhia.

— E ela acha que Levet vai fazer companhia a Darcy? É mais provável que ele a deixe maluca.

Viper se levantou da cadeira e foi até a geladeira, de onde tirou duas garrafas com sangue. Depois de aquecê-las no micro-ondas, serviu o líquido vital em duas taças e estendeu uma a Styx.

— Você descobriu por que ela é importante para os lobisomens?

Styx tomou o sangue antes de colocar a taça de lado. Fazia horas que se alimentara pela última vez. Devia tomar um cuidado maior agora que tinha uma humana sob o mesmo teto. Darcy representava mais do que uma mera tentação.

— Descobri apenas que ela não é inteiramente humana.

— E o que ela é?

Styx sacudiu a cabeça com impaciência. Era irritante admitir que não tivesse solucionado o mistério do sangue de Darcy. Ele era um vampiro, pelo amor de Deus! Sangue era sua especialidade.

— Não sei. Ela tem cheiro de humana e se comporta como humana, mas possui características de demônio.

— E ela não sabe o que é?

— Disse que não tem lembrança dos pais ou de qual­quer parente.

— E acredita nela?

— Sim. Ela parecia bastante perturbada por causa de seus poderes estranhos.

Viper começou a andar de um lado para outro.

— Demônios não são assim tão raros. Shay é um de­les. Mas sempre sabem algo a respeito de seus ancestrais. Acha que é esse sangue misturado que está atraindo os lobisomens?

— É impossível dizer, pelo menos até que saibamos mais sobre ela.

— E ela é bonita como a foto prometia?

Foi a vez de Styx começar a andar inquieto. A sim­ples menção de Darcy era o suficiente para lhe tirar a tranqüilidade.

— O que isso importa? Darcy é minha prisioneira. — Viper caiu na risada.

— Então presumo que a resposta seja "sim".

— Sim, ela é... Fantasticamente bela. Bonita como um anjo. Mas é imprevisível. O que torna difícil saber como lidar com ela.

— Se você se esqueceu de como tratar uma mulher bonita, está mesmo perdido.

Styx resistiu à vontade de agarrar o outro vampiro e atirá-lo contra a parede. Isso era ridículo. Ele nunca per­dia o controle sobre suas emoções. Talvez as pesadas res­ponsabilidades de Anasso o estivessem afetando mais do que ele esperara. Ou, pelo menos, essa era uma desculpa conveniente.

— Não estou mantendo a mulher cativa para satisfazer o meu prazer.

— O que não significa que não possa desfrutar de sua presença. Não precisa continuar com aquela vida de mon­ge. Por que não tira vantagem da situação? — O corpo inteiro de Styx reagiu a esse pensamento. Pelos deuses, ele queria desfrutar das vantagens! Corpo ardente de mulher. Sangue fresco e inocente...

— Ela está sob meu teto para que eu possa barganhá-la com Salvatore. Logo ela irá embora.

— E se os lobisomens pretenderem fazer-lhe algum mal? Mesmo assim, você a entregará a eles?

— Você arriscaria começar uma guerra com os lobiso­mens por uma simples mulher? — ele retrucou.

— Eu estava disposto a arriscar a raça inteira dos vampiros para salvar Shay.

— Mas ela era sua companheira. Você a amava. E essa mulher não significa nada para mim.

— Cabe a você a decisão, Styx. Você é nosso líder. Mas não se apresse meu amigo. Os lobisomens são encrenqueiros, mas podemos mantê-los sob controle enquanto você descobre o que eles querem da moça. Não há por que bar­ganhar com Salvatore até que saiba o valor do que tem nas mãos.

Styx concordou. Se ele pudesse descobrir o que Salvatore queria com Darcy, talvez nem houvesse necessidade de qualquer negociação. Preparou-se para ir embora.

— Vou tolerar o gárgula, se ele não aborrecer Darcy. — Dizendo isso, Styx saiu do escritório, mas não antes de ver um inexplicável sorriso nos lábios de Viper.

Styx voltou para o Jaguar negro estacionado na viela detrás. Não tinha medo de andar pelas ruas escuras, não importava a hora. Poucas criaturas eram estúpidas o sufi­ciente para atacar um vampiro. A menos que tivessem um desejo de morrer. De súbito, ele se deteve. Com um leve movimento, pu­xou as duas adagas de suas botas e observou atentamente na escuridão. Mesmo com o lugar impregnado de cheiro de lixo e de­jetos humanos, ele conseguia detectar o odor indisfarçável dos lobisomens.

Três lobisomens mestiços e um puro-sangue. E estavam bem perto.

Aguçando o olhar, conseguiu localizar um dos mestiços. Na forma humana, ele era de baixa estatura e tinha cabelo bem comprido. Parecia mais um garoto de escola ou um ladrãozinho do que uma criatura da noite. Mas Styx notou a fome predatória no seu olhar e soube que ele estava prestes a atacar. Mesmo lobisomens que não possuíam o sangue pu­ro podiam ser perigosos se estivessem tomados pela besta. Não afastando o olhar do mestiço que estava perto de um jipe preto, Styx aguçou mais os seus sentidos para localizar os demais. Não se deixaria distrair por um inferior quando os outros poderiam cercá-lo.

Havia mais um mestiço escondido atrás de uma caçam­ba, enquanto o puro-sangue e outro mestiço estavam no teto de uma lavanderia abandonada.

Cães espertos.

Mais espertos do que o lobisomem mais próximo, que sol­tou um grunhido. Estava prestes a atacar; tinha os músculos tensos em expectativa, e sua respiração se descontrolara.

Styx, por sua vez, mantinha-se imóvel, com as adagas nas mãos. Esperou que o lobisomem se aproximasse e agar­rou-o pelo pescoço. Ouviu-se um estranho gemido quando ele enfiou a adaga no coração da besta. Um lobisomem podia se curar de quase qualquer ferimento, exceto quando esfa­queado no coração ou decapitado.

O lobisomem caiu no chão, morto, e Styx se voltou para observar o próximo mestiço, que se encontrava atrás da ca­çamba. Lançou a faca com tamanha velocidade que o demô­nio tinha a lâmina de prata enterrada no peito antes que pudesse atacar.

O cheiro adocicado de carne queimando impregnou o ar frio, mas a atenção de Styx já se voltara para os dois lobiso­mens que estavam no telhado.

— Quem é o próximo? — perguntou.

O som de aplausos quebrou o silêncio quando o lobiso­mem puro-sangue levantou-se e encarou Styx. Apesar da sujeira do lugar, ele usava um terno de seda que moldava o corpo, e seu cabelo negro exibia um penteado cuidadoso. Styx não duvidava que ele fizesse as unhas do pé e usas­se cuecas de seda.

— Muito bem. Mas, é claro, você é o famoso Styx, mes­tre dos vampiros, e ditador de todos os demônios! — o lobi­somem exclamou com forte sotaque italiano. — Diga-me, é verdade que recebeu o nome "Styx" por ter deixado um rio de mortos atrás de você? Como conta a lenda grega, Hades, o rei dos infernos, carregava as almas dos mortos por um rio desse nome.

Styx devolveu a adaga à bota e estendeu os braços, como em um convite.

— Desça e descubra por si mesmo, Salvatore.

— Oh, não duvido que eventualmente tenhamos a oportunidade de testar qual de nós é o melhor, mas não esta noite.

— Então por que está me aborrecendo?

— Você está com algo que me pertence.

Um leve sorriso surgiu nos lábios de Styx. Ah, então os seus esforços já estavam rendendo!

— Se quiser me acompanhar até o meu abrigo, você pode tentar pegá-la.

— Eu a pegarei. — O lobo soltou um grunhido baixo. — Isso eu prometo.

— Não vai conseguir nada a não ser que esteja dispos­to a barganhar comigo.

— Não cedo à chantagem de um vampiro.

— Então a adorável Srta. Smith continuará como mi­nha prisioneira.

— Não somos mais seus cães, Styx. Não nos submetere­mos às suas leis nem seremos acorrentados como animais.

Styx estreitou os olhos. Podia sentir a raiva no puro-sangue, mas ele continuava mantendo o controle sobre seus instintos. Uma rara habilidade para um lobisomem, que o marcava como um adversário perigoso.

— Este dificilmente é um lugar para negociar os direitos e privilégios dos lobisomens — Styx observou, com os cani­nos surgindo, ameaçadores. — E eu lhe ofereço um peque­no conselho, Salvatore. Não gosto de ultimatos. Da próxima vez que ousar me fazer um, eu o caçarei e o executarei.

— Não sem represálias.

Era óbvio que o novo rei dos lobisomens precisava de um lembrete dos perigos que teria de enfrentar desafiando um vampiro.

— Convoquei uma reunião com os anciãos. Se eles chegarem antes que eu decida matá-lo, Salvatore espera­rei pela decisão deles. Caso contrário, serei forçado a agir antes que eles cheguem.

— Dê-me a mulher, e eu considerarei... Negociações — Salvatore concedeu com uma voz macia.

Styx pegou novamente a adaga, pronto para usá-la. Aquele era um puro-sangue, que somente um tolo subesti­maria. Além do mais, sua arrogante ordem de que lhe en­tregasse Darcy fazia com que sentisse um desejo enorme de enfiar os caninos na garganta do maldito lobo.

— A Srta. Smith não será solta até que vocês concordem em voltar aos seus lugares de caça de antes e em não ata­car mais os humanos. Somente então poderemos discutir as suas queixas.

O lobisomem riu.

— Se não me der a mulher, eu a pegarei. — Ah, um lobisomem com desejo de morrer! Seu tipo favorito.

— Você pode tentar lobo — disse Styx, sorrindo.

— Seu desgraçado arrogante.

— Por que ela é tão importante para você?

Mesmo a distância, Styx pôde perceber que Salvatore ficara em alerta. Era uma pergunta que ele obviamente não queria responder. Por fim, mentiu.

— Ora, e por que qualquer homem quer uma mulher?

— Você quer que eu acredite que andou a procura des­ta exata mulher, uma que nem conhecia até ontem à noite, apenas porque a deseja na sua cama?

— Muitos homens são tolos no que diz respeito a as­suntos do coração.

— Não. Você é um puro-sangue. Nunca perderia suas energias com uma humana. Pode acasalar apenas com alguém de puro-sangue também.

— Não disse que pretendia acasalar, apenas ir para a cama com ela. — Ir para a cama com Darcy? Styx levara milhares de anos para conseguir um completo controle sobre os seus instintos. E foi isso o que o impediu de matar o lobisomem naquele instante.

— Ela nunca estará em sua cama, lobo. Agora volte para o seu lugar de origem antes que eu o coloque em uma jaula e o castre.

 

Darcy não conseguiu evitar um suspiro de alívio quan­do o pequeno gárgula anunciou que iria procurar seu jan­tar nos bosques em volta da mansão.Não que não apreciasse os esforços de Levet para tentar animá-la. Mas ela queria ficar sozinha para procurar suas roupas e tentar fugir daquela casa de loucos.

Infelizmente, seus planos de escapar estavam indo por água abaixo, já que não encontrava nem a blusa nem a saia. E, claro, ainda havia um vampiro enorme parado junto à porta de seu quarto, além de outros dois que ela via lá embaixo caminhando pelo jardim.

Precisava dar o fora dali. Mas como?

Olhou em volta. O lugar era luxuoso demais. Todos os vampiros seriam ricos daquele jeito? O quarto e o banheiro anexo podiam servir de moradia para uma família inteira. E não duvidava de que os lençóis de cetim que combina­vam com o tapete e as cortinas haviam custado muito mais do que ela pagava de aluguel por mês. Sem mencionar os vasos de porcelana e os enfeites.

Aproximou-se da janela e vasculhou as redondezas. A vista dava para um pequeno jardim e um lago distan­te. Foi então que viu pequenos vasos com violetas africanas no parapeito da janela. Aquilo era uma desgraça, pensou, enquanto pegava os vasinhos e os levava para o banheiro. Molhou as plan­tas com cuidado e começou a tirar as folhas mortas e a afofar a terra.

Poucas eram as pessoas que entendiam o cuidado que plantas daquele tipo exigiam para se manter sadias. Estava tão distraída cuidando das violetas que não per­cebeu que a porta se abrira e que Styx entrara no quarto.

— Aí está você, Dasher — ela murmurou, colocando mais água nas raízes de uma das plantas. — Não, não me esqueci de você, Dancer. Não seja impaciente, Vixen. Tam­bém vou cuidar de você.

— Que diabos está fazendo? — Uma voz masculina res­soou no quarto.

Ela nem se voltou. Somente um homem dentre muitos podia provocar-lhe aquele arrepio no corpo apenas com o som da voz.

— Tentando salvar estas pobres plantas que você ne­gligenciou. Veja como estão feias. Deveria se envergonhar. Se possui uma criatura viva em sua casa, tem a obriga­ção de cuidar dela de forma apropriada.

— Você fala com plantas?

— Claro. — Ela se voltou, e sua respiração quase parou ao vê-lo. Nenhum homem deveria ser tão bonito! Retornou a atenção às plantas. — Elas se sentem solitárias, exata­mente como as pessoas. Não é, Rudolf?

— Rudolf?

— Bem, eu não sei que nome você deu a elas; então lhes arranjei outros. Afinal de contas, é Natal.

— Você está se referindo a alguma tradição humana? — ele indagou, parecendo confuso.

— Vampiros não celebram o Natal?

— Quando alguém é eterno, a necessidade de mar­car a passagem de um ano com estranhos rituais parece redundante.

Darcy surpreendeu-se consigo mesma. Era estranho no­tar que, quando ele estava ao seu lado, ela não o via como uma criatura perigosa, que a mantinha prisioneira. Talvez porque desejasse muito levantar o suéter que ele usava e deslizar os lábios na pele macia e bronzeada.

— O Natal não marca a passagem do ano. — Ela passou os dedos nas folhas de Rudolf. — Diz respeito ao espírito da estação. Paz na Terra e boa vontade entre os homens. Amor, bondade e... Família.

Dedos longos e bronzeados tocaram a mão dela. Apesar da pele fria, ela foi tomada por uma sensação de calor.

— Se é uma celebração tão especial, por que a deixa triste?

— O que o faz pensar que o Natal me deixa triste?

Ele se aproximou ainda mais, os olhos negros estranha­mente hipnóticos.

— Eu sinto sua tristeza. Ela a envolve como o abraço de uma velha amiga. — Darcy engoliu em seco. Estava se deixando perder na­quele olhar magnético e no roçar dos dedos de Styx em seu pulso. Fazia tanto tempo que ninguém a tocava com tanta intimidade...

— Você consegue sentir isso? — ela sussurrou.

— Sou o senhor dos vampiros.

— E isso o torna o quê? Algum tipo de leitor de mentes?

— Não, mas posso sentir as mais profundas emoções quando a estou tocando.

Ela estremeceu. Não gostava de pensar que Styx podia identificar as suas emoções. Não quando parte delas in­cluía o desejo de que ele a tocasse e a beijasse por todo o corpo.

— Diga-me por que está triste Darcy.

— Suponho que alguém que esteja sozinho no mundo fi­que um pouco triste nesta época do ano. Como disse, é um tempo para as famílias. Para compartilhar sua vida com os outros.

— Você não está sozinha agora, Darcy.

Ela se surpreendeu com as estranhas palavras.

— Ser prisioneira dificilmente significa estar em casa para os feriados de Natal.

— Talvez não. — Seus olhares se encontraram. — Mas estamos aqui juntos, e posso suavizar sua solidão, se você permitir.

— O que quer dizer com isso? — ela indagou, com o coração disparado.

— Sinto sua tristeza, Darcy, mas também posso sen­tir a sua paixão. Isso desperta em mim uma necessidade que eu não tenho certeza de que sou forte o suficiente para combater. Uma necessidade que não quero combater. — Com um movimento lento, Styx levou os dedos de Darcy à boca. Estranhamente imóvel, ela o observou sugá-los de leve. Todo o seu corpo estremeceu. Oh, como isso era bom!

— Styx...

— Onde está o gárgula? — Havia um brilho perigoso nos olhos do vampiro.

— Ele... Ele disse que ia caçar.

— Ótimo. — Ele a pegou no colo.

— O que está fazendo?

Rindo suavemente, ele pressionou os lábios em seu pescoço.

— Faz muito tempo, mas não creio que tenha me esque­cido disso tanto assim.

Darcy segurou-se no suéter dele, enquanto Styx lam­bia a base de seu pescoço. Ela sentiu o corpo tomado por um glorioso desejo. Para ela, também fazia muito tempo. Porém, não sabia o suficiente sobre como um vampiro se comportava em relação ao sexo para relaxar.

— Você vai me morder?

— Quer que eu a morda?

— Dói?

— Pelo contrário. — Ele roçou os caninos na pele ma­cia de Darcy. — A mordida de um vampiro nada traz além de prazer. Tomamos cuidado para que nossa companheira não se torne viciada. — Darcy prendeu a respiração quando ele começou a deslizar a língua para mais baixo.  

— Companheira ou presa? — Styx acariciou-a na coxa.

— Algumas vezes companheira, algumas vezes presa; por vezes, as duas coisas.

O calor no corpo de Darcy estava se espalhando com uma velocidade alarmante. Não era algo ruim, mas dificul­tava muito o raciocínio.

— E o que eu sou?

Ele a afastou um pouco para poder observá-la.

— O que quer ser para mim?

Darcy esfregou os lábios na mão de Styx ao sentir que, com a outra mão, ele a tocava na intimidade.

— Acho que sou uma hóspede. Uma que você pretende entregar a um bando de lobisomens.

— Nada ainda está decidido.

— Oh, isso é tranqüilizador! — ela exclamou, fazendo uma careta.

— Preferia que eu mentisse para você?

Darcy não sabia o que responder, mas, no fundo, o que importava?

Abaixando a cabeça, Styx capturou seus lábios em um beijo apaixonado. Ao mesmo tempo, inseriu os dedos sob sua calcinha. Surpreendeu-se ao perceber-lhe a excitação.

— Gosta disso? — ele murmurou.

Darcy fechou os olhos, sentindo as carícias ousadas.

— Oh, sim... — Ela gemeu.

— Posso sentir as batidas de seu coração. Experimentá-las com meus lábios. — Ela lutou para pensar, para não se deixar envolver por completo naquela maré de prazer. Tudo estava acontecen­do depressa demais, mas não queria que ele parasse com a deliciosa invasão.

Styx abriu o fecho de seu sutiã, deslizou os lábios pelo seio e tomou o mamilo entre os dentes.

— Anjo... — ele murmurou antes de fazer o mesmo com o outro seio, sem deixar de acariciar-lhe a feminilidade úmida.

Darcy correu as mãos pelo peito largo e pelas costas fortes. Percebeu que poderia passar horas tocando-o. Pela primeira vez, estava livre para fazer o que quisesse li­vre das restrições e do medo de poder machucar o compa­nheiro. Desfrutando da gloriosa sensação de liberdade, ela arqueou os quadris, conforme o prazer se amplificava cada vez mais.

— Preciso de você. Preciso sentir o seu sabor. — Styx ergueu a cabeça, e seu olhar cheio de desejo quase a levou ao delírio. — Você vai permitir?

Havia algo muito excitante em ser desejada com tama­nha intensidade. Mesmo que no momento ele desejasse seu sangue.

— Sim... — ela sussurrou.

Com um gemido rouco, ele abaixou outra vez a cabeça, e Darcy sentiu uma ponta de medo.

— Juro que não vou machucar você.

— Styx...

As palavras desapareceram em uma onda de prazer quando ela sentiu a pressão no pescoço; a sucção seguia o ritmo dos carinhos no delicado ponto de sua feminilidade.

Aquilo era demais! Já sentira prazer com um homem antes. Não era exatamente uma noviça. Porém, nada podia se comparar à violenta explosão que tomou conta de todo o seu corpo, fazendo-a gritar. Com uma gentileza que ela não teria esperado de um homem tão forte, Styx a carregou para a cama e a depositou entre as cobertas. Deitou-se ao seu lado, observando-a.

— Anjo? Você está bem?

— Acho que sim. — Ela começou a se mover na cama, mas ele a deteve.

— Não deve se mover ainda. — Virando-se, ele pegou um copo. — Tome isto. E um suco de frutas. — Ela deu um gole cauteloso, sentindo então doce gosto de laranjas.

— Você preparou o suco?

— Por que está surpresa? Não sou totalmente inútil. — Darcy esvaziou o copo antes de colocá-lo de lado.

— Não posso imaginar por que um vampiro precise de habilidades culinárias. Não é como se passassem muito tempo na cozinha.

— Não, nossa alimentação não vem da comida.

Um calor que Darcy já começava a reconhecer a invadiu quando ele recomeçou as carícias.

— Você ficou vermelha?

Ela acabara de ter o orgasmo de sua vida nos braços de um completo estranho, além de permitir-lhe que bebesse o seu sangue.

— Claro que fiquei vermelha — resmungou, cobrindo-se com o lençol.

— O que aconteceu entre nós a embaraçou?

— Não sei que tipo de mulher você pega para tomar o seu lanche, mas não costumo fazer isso com alguém que aca­bei de conhecer. Especialmente quando esse alguém é um vampiro que me raptou.

— Não costumo pegar mulheres. É muito mais con­veniente arranjar o que eu preciso em um banco de san­gue. Mas não há vergonha alguma em se compartilhar de uma intimidade como a de que desfrutamos. Houve uma atração entre nós desde o primeiro momento.

— Isso não muda o fato de que somos estranhos, ou que você está me mantendo aqui contra a minha vontade. — Styx se irritou. Segurou o queixo de Darcy e a forçou a fitá-lo.

— No caminho para casa cruzei com Salvatore, anjo. Ele é um perigoso lobisomem puro-sangue, e está desesperado para tê-la em seu poder. Se eu a libertar, não tenho dúvi­das de que a fará prisioneira.

Ele a estava tocando no rosto. Apenas isso, mas, mesmo assim, ela se excitou. Sua vida estava em perigo, e tudo o que conseguia pensar era em fazer amor com esse homem.

— Não sou completamente indefesa.

— Talvez não, mas não é páreo para um lobisomem.

— Ser prisioneira dele seria diferente do que é agora? — Dessa vez, ele pareceu bastante irritado.

— Não represento perigo algum para você. Na verdade, fiz tudo o que podia para proporcionar-lhe conforto.

Apesar da sensação de culpa, Darcy decidiu não pedir desculpas. Era a vítima ali, não era?

— Sim, e enquanto estou nesse conforto, estou perden­do o meu emprego, meu aluguel venceu, e minhas plantas estão morrendo. Posso não ter lá uma grande vida, mas é a que tenho, e não quero arruiná-la.

— Não precisa se preocupar com dinheiro. Eu tenho... — Darcy cobriu-lhe a boca com sua mão.

— Não diga isso. Não sou um caso de caridade.

— Mas se trata apenas de dinheiro. Não tenho necessi­dade dele, e você sim.

— Não. Eu trabalho para ganhar dinheiro.

— Está sendo teimosa.

Ela ergueu o queixo em desafio. Podia ser uma prisio­neira, mas não era propriedade de Styx.

— É direito meu.

Styx acordou na noite seguinte nervoso e sozinho em seu quarto, na parte subterrânea da casa. Apesar de todos os quartos terem nas janelas cortinas pesadas o suficiente para proteger um vampiro do sol, Styx se sentia mais confortável nos túneis que corriam por baixo da vasta propriedade. E, é claro, era o único modo seguro de evitar ceder à tentação de voltar à cama de sua hóspede. Como é que um mero vampiro podia entender uma cria­tura tão estranha, ele se perguntou, imergindo na enorme banheira de Viper. Continuou se perguntando a mesma coisa mais tarde, enquanto trançava seu longo cabelo.

Eles haviam compartilhado algo muito íntimo. Darcy tinha gritado de satisfação enquanto ele absorvera a essência dela em seu corpo. Haviam se tornado um. Ligados como apenas um vampiro e sua amante poderiam ser.

Fora glorioso.

Mesmo sendo um vampiro, ele compreendera como essa união tinha sido rara. Como humana, ela deveria estar des­lumbrada. Em vez disso, declarara que queria ir embora dali e se recusara a aceitar uma parte de sua considerável fortuna.

Ele ainda estava resmungando ao entrar na cozinha. Infelizmente, seu humor não melhorou em nada ao ver o pequeno gárgula sentado à mesa, devorando o resto do jantar. Um jantar que, Styx suspeitava, havia sido captura­do nos bosques ao redor da casa, e que Levet comia cru. Não que ele particularmente se perturbasse com isso. Se houvesse uma oportunidade, ele mesmo gostaria de ca­çar o seu jantar. Desconfiava, porém, de que Darcy não ficaria muito satisfeita se entrasse na cozinha e descobrisse Levet consumindo a carcaça de um animal morto.

O gárgula fez uma careta ao vê-lo. Indiferente ao humor estranho de Levet, Styx voltou sua atenção às coisas mais Importantes.

— Darcy ainda não levantou?

— Não a vi. Talvez porque ela tenha o quarto vigiado por vampiros, como se fosse um animal raivoso, em vez de uma doce jovem. — Styx se irritou. Por que todos sempre viam maldade em tudo o que ele fazia?

— Os guardas estão lá para protegê-la — ele resmungou. — Ou você iria preferir que ela fosse levada embora por um bando de lobisomens?

O pequeno demônio teve a audácia de sorrir.

— Eu apenas estava dizendo...

— Dizendo o quê?

— Que você ainda tem muito que aprender quanto a como conquistar amigos e influenciar pessoas. — Styx engoliu a raiva. Não se explicaria para um mero gárgula. Andou pela cozinha e pegou uma pequena bolsa que trouxera do bar na noite em que capturara Darcy.

— Tenho um trabalho para você.

— Para mim? — Levet arregalou os olhos e observou Styx retirar da bolsa alguns objetos e documentos. — Ei, essa não é a bolsa de Darcy? Não pode...

— Fique quieto — Styx ordenou enquanto lhe estendia um dos itens.

Levet examinou o documento e assobiou.

— Ela é bonita, mesmo na foto da carta de motorista. Fico imaginando o que ela acha do envolvimento amoroso entre espécies diferentes. Você sabe que sou um bom par­tido e...

— Quero que memorize o endereço — Styx o interrom­peu. Era isso ou estrangular o irritante gárgula. Se ele dirigisse um olhar a mais para Darcy, descobriria o que significava irritar o chefe de todos os vampiros.

— Por quê?

— Darcy está preocupada com as plantas que tem no apartamento. Quero que vá até lá e as pegue.

— E quer que eu as traga para cá?

— Naturalmente é para trazê-las para cá.

— Está bem.

— Algum problema?

— Nenhum. — Um sorriso surgiu nas feições grotescas da criatura. — Acho adorável que você se preocupe com as plantas dela.

— Não estou preocupado. — Styx apontou para a porta. — Agora vá!

Levet revirou os olhos.

— Devo trazer mais alguma coisa? Um boneco de pelú­cia? Ou o travesseiro preferido dela?

— Pode trazer as roupas. Os humanos dão preferência aos itens familiares.

— Muita consideração de sua parte.

— Mais alguma observação? — Styx indagou, franzindo a testa.

O sorriso de Levet se ampliou, a ponto de deixar Styx sem jeito.

— Bem, vou elogiar a sua aparência — ele disse, olhando para a calça de couro, as botas de cano alto, a camisa de seda e os amuletos que enfeitavam a trança de Styx. — Tanta elegância para um vampiro acostumado a viver confi­nado em cavernas! — Percebendo o olhar perigoso que rece­bia, Levet parou a brincadeira. — Está bem, já estou indo.

— É mais esperto do que parece, demônio.

Styx esperou até que o gárgula deixasse a cozinha para seguir até o andar superior. Entrou no quarto e o encontrou vazio. Ela teria escapado enquanto ele dormia? Salvatore teria conseguido burlar a segurança e a levara embora? Estava a ponto de chamar todos os vampiros que estavam na casa para começar uma busca, quando sentiu o cheiro de flores frescas.

— Anjo? — ele chamou suavemente.

A porta do banheiro se abriu e Darcy entrou no quarto, corpo coberto apenas por uma pequena toalha branca. Styx cerrou os punhos enquanto os caninos surgiam instintivamente. Sentia-se excitado outra vez.

Darcy não pareceu compartilhar dessa imediata onda de desejo.

— Não ouviu falar que se deve bater na porta antes de entrar? Mesmo um prisioneiro deveria ter direito a alguma privacidade.

Ele ignorou-lhe o mau humor.

— Trouxe um roupão para você. Achei que gostaria de estar com o corpo coberto para poder sair do quarto.

Ela pegou o roupão, sentindo-se meio sem jeito.

— Desculpe. Geralmente não sou assim tão respondona. — Sorriu. — E, apesar do fato de você merecer, ficar com raiva não faz bem ao meu carma. — Styx balançou a cabeça, desanimado. Podia falar mais de cem línguas, mas suspeitava que Darcy criara a sua pró­pria linguagem.

— Seu carma?

— A minha força vital. Não conhece nenhum desses ter­mos, não é? Apesar de certamente já ter sido um humano.

— Há muito tempo atrás.

— E não se lembra desse tempo?

— Não.

— Isso é estranho.

— Não mais estranho do que acordar um vampiro quando se era antes um humano.

Darcy sentiu-se interessada pela primeira vez.

— Como isso acontece? Quero dizer, como alguém se torna um vampiro? — Styx ficou indeciso. Por regra, vampiros raramente dis­cutiam sua origem com outros. Não que fosse exatamente um segredo, mas a maioria dos demônios era, por natureza, discreta. Nesse momento, porém, queria deixar bem claro a Darcy que ela não se transformaria em uma vampira.

— A transformação ocorre quando um vampiro drena todo o sangue de um humano. Nesses casos, o humano mor­re, mas em raras ocasiões pode compartilhar da essência do vampiro e renascer. Não há um modo de saber qual huma­no sobreviverá e qual morrerá definitivamente.

— Então você morreu?

— Sim.

— E agora?

— Agora? Bem, eu vivo.

— Por toda a eternidade?

Styx sorriu de leve. Mesmo os imortais enfrentavam problemas.

— Não há nenhuma garantia.

— E quanto aos lobisomens? Como eles surgem? — Styx não se sentiu nada satisfeito. Por   que esse interesse de Darcy pelos demônios que queriam capturá-la a qualquer custo?

— Há os verdadeiros lobisomens, ou puros-sangues, como preferem ser chamados. Nascem de mãe e pai lobisomens legítimos e são muito raros. E há os mestiços. São humanos que foram infectados por um lobisomem e conse­guem sobreviver ao ataque. São menos poderosos que os puros-sangues e têm pouco controle sobre seus instintos.

Darcy sentou-se na beirada da cama.

— Então há vampiros e lobisomens por toda a parte? — Styx resistiu à vontade de se reunir a ela na cama. Por mais difícil que fosse admitir isso, ele não tinha muita certe­za de que conseguiria se controlar, o que seria embaraçoso.

— Vampiros, lobisomens e um bom número de outros demônios — ele resmungou sem pensar.

— Quantos outros demônios?

— Centenas.

Darcy estava surpresa.

— Como as pessoas não percebem? — Styx reconheceu que Levet estava certo ao dizer que ele não tinha lá muito jeito para lidar com as mulheres. Estava assustando Darcy com aquelas revelações.

— Os vampiros são capazes de alterar as mentes dos humanos que encontram, e a maioria dos demônios pode esconder a sua presença inteiramente. — Ele a observou com atenção. —Além do mais, a maioria dos mortais prefere se convencer de que o mundo sobrenatural nada mais é do que fruto de uma imaginação fértil.

Darcy sorriu, mas aquele ar de tristeza que sempre a envolvia ainda estava presente. Styx sentiu um estranho peso no coração.

— Suponho que isso seja verdade — ela murmurou. — Ninguém nunca acreditou em mim. Mesmo o meu psi­quiatra se recusou a aceitar que eu era diferente. Nem mesmo quando lhe mostrei que podia me cortar e me curar rapidamente. Ele jurou que era um truque, e que eu queria apenas chamar a atenção. Styx suspirou.

— Depois de se trocar, quer se reunir a mim na cozinha para o jantar?

Darcy levantou-se da cama, fazendo um grande esforço para afastar o mau humor. Conseguiu sorrir.

— Concordo, se eu não fizer parte do cardápio.

— Tenho estoque de sangue — ele assegurou, tocando-a de leve nos lábios. — Não vou pedir desculpas por ter toma­do o seu sangue. Nem vou negar que desejo tê-la novamen­te em meus braços e saborear seu sangue outra vez. Mas jamais a forçarei a isso. — Ele a beijou de leve. — Vou esperar você lá embaixo.

Darcy aguardou que ele saísse do quarto para voltar ao banheiro e trocar a toalha pelo roupão.

O bom-senso a alertava para que ficasse em seu quarto. Quando estava sozinha, conseguia se lembrar facilmente de que Styx era um vampiro de coração frio que pretendia usá-la para os seus propósitos pessoais. Mas quando ele estava por perto... Bem, quando ele estava por perto, tudo no que podia pen­sar era em como gostava dos beijos dele, de suas carícias...

Subitamente sentiu uma mão cobrir sua boca.

— Quieta — disse uma voz masculina, que ela reconhe­ceu como sendo de Salvatore. — Não vou machucá-la.

Ela se libertou e encarou o lobisomem. Ele era tão boni­to quanto ela se lembrava, apesar de não estar usando um terno Armani, e sim calça e camisa pretas. Era também tão perigoso quanto ela se lembrava. Bem, se ele quisesse matá-la, já poderia ter feito isso.

Respirando fundo, endireitou os ombros e tentou enfren­tar o olhar dele sem demonstrar medo.

— Pelo amor de Deus! Vocês, homens, estão sempre apa­recendo sem avisar? — Um sorriso surgiu nos lábios de Salvatore, como se ele estivesse satisfeito com essa demonstração de coragem.

— Precisava falar com você em particular.

— E como entrou aqui?

— O sistema de segurança da casa é bom, mas não o suficiente. Não há lugar no qual eu não consiga entrar. — Deslizou o olhar pelo corpo quase nu de Darcy.

— O que você quer? — Salvatore devia estar surpreso por ela não ter se der­retido aos seus pés. Era, de fato, um homem bonito, sexy e perigoso, do tipo que as mulheres acham irresistível. Infelizmente para ele, Darcy já tinha em suas mãos outro homem igualmente bonito, sexy e perigoso. E um por século era o limite.

Salvatore a observou por um longo momento, como se estivesse pensando em como deveria lidar com ela.

— Sei que foi raptada pelo vampiro. Pretendo libertá-la. — Darcy não era tola de acreditar que a intenção dele era simplesmente essa.

— Vai me libertar agora?

— Há algum problema?

— Sim. Eu não confio em você.

As feições de Salvatore endureceram.

— E confia no vampiro?

— Acho que é mais o caso de ele ser o "demônio que eu já conheço". Até agora, ele não me fez mal algum.

— Até agora? Está disposta a arriscar sua vida ficando com um vampiro? — Darcy deu de ombros com desdém. Quando colocado dessa forma, isso soava estúpido. Mas também não se iludiria acreditando em um lobisomem que dera início aos problemas em sua vida.

— Por que quer me salvar? — ela perguntou. Seguiu-se um longo silêncio, como se Salvatore estivesse decidindo se deveria apenas agarrá-la e colocá-la sobre o ombro para levá-la embora dali.

Darcy ficou tensa, preparada para gritar, mas finalmente ele balançou a cabeça.

— Não consegue simplesmente acreditar que sou um bom sujeito?

— Nem por um minuto. — Ele acabou rindo.

— Não nego que preciso de você.

— Por que um lobisomem iria precisar de mim?

— Então sabe que sou um lobisomem. — Ela percebeu que talvez não devesse ter mencionado essa história de lobisomem. Poderia ser o tipo de informa­ção que ele não quisesse divulgar. Mesmo assim, agora era tarde para fingir que não sabia.

— Sei, sim.

Salvatore inclinou-se e farejou o ar em volta dela.

— E mesmo assim não parece particularmente assustada.

— Se quisesse me machucar, já o teria feito.

— Tem razão. — O sorriso de Salvatore voltou, e a ten­são entre os dois diminuiu. — Não tenho desejo algum de machucá-la. Matarei qualquer coisa ou qualquer pessoa que tente lhe fazer mal.

— Bem, isso é... Psicoticamente tranqüilizador, mas ainda não me disse por que vem me seguindo.

— Eu lhe direi quando estiver livre do vampiro. Se ele soubesse do seu valor, certamente a mataria. — Ótimo! Isso era tudo o que ela queria. Um motivo para um perigoso vampiro matá-la.

— Não sei o que você quer dizer com o meu valor. Sou uma garçonete sem estudo e com menos de cinqüenta dóla­res na conta bancária.

Os olhos escuros de Salvatore pareceram adquirir um calor perturbador.

— Oh, não, você nem imagina o quanto é preciosa!

— Por quê? Tem algo a ver com o meu sangue?

— Tem tudo a ver com o seu sangue. — Darcy prendeu a respiração.

— Sabe de alguma coisa sobre os meus pais?

Sem aviso, Salvatore se aproximou mais e tomou seu rosto nas mãos.

— Vou revelar tudo quando estiver sob os meus cuida­dos — ele prometeu.

O toque era surpreendentemente gentil, mas Darcy empurrou as mãos dele com impaciência.

— Pare com isso.

Salvatore sorriu e caminhou para a porta.

— Se quiser saber a verdade sobre o seu passado, deve vir até mim, Darcy. Eu a avisarei daqui a poucos dias quan­do a ajudarei a escapar. — Ele abriu a porta. — Ah, minha querida... Vai precisar voltar ao chuveiro. Os vampiros têm uma incrível habilidade de captar o cheiro dos lobisomens.

Ele desapareceu de vista, e Darcy suspirou profunda­mente.

Salvatore esgueirou-se pelas sombras, frustrado. Nada saíra como planejado. Ele devotara anos procurando por Darcy. E, agora que finalmente a encontrara, ela estava nas mãos daquele maldito vampiro. O que havia de errado com aquela mulher? Ela deveria estar apavorada por ser prisioneira de um vampiro. Deveria dar as boas-vindas a quem fosse salvá-la.

Não que fosse fácil tirá-la daquela casa sem enraivecer um bando de vampiros. Não quando um deles era o pode­roso Anasso. E o mais importante, não podia permitir que ela corresse qualquer risco. Ela era a chave para todos os seus planos. Agora ele estava de mãos vazias e sem um meio de recuperar o seu orgulho. Alguém ia pagar por isso. Começando por Styx, o grande senhor do universo.

 

                                           Capítulo II

Styx mantinha o olhar afastado da pequena mesa que havia no centro da cozinha. Não que houvesse algo errado com a mesa. Na verdade, era perfeita.

Ele havia aquecido a lasanha vegetariana e o pão de alho exatamente como a governanta o orientara. O vinho tinto estava aberto. Ele chegara até mesmo a acender velas que davam ao ambiente um ar especial. E era isso que o deixava preocupado. A cozinha parecia exatamente o que ele planejara. Um cantinho romântico.

Voltou a cabeça pela centésima vez em direção à porta. Não havia explicação para o seu estranho comporta­mento. Não podia ser apenas desejo. Se ele quisesse sexo e sangue poderia conseguir sem esforço. Usando uma de suas habilidades, levaria Darcy a se entregar espontaneamente a ele, assim como a deixá-lo tomar o seu sangue.

Era o que os vampiros vinham fazendo desde o começo dos tempos. Usando suas habilidades de vampiros. Mas o que ele estava fazendo não era o hábito de um vampiro. Felizmente, para sua paz mental, Darcy entrou na cozi­nha naquele exato momento. Resistiu ao impulso, de atravessar o cômodo e tomá-la nos braços.

— Começava a achar que preferia continuar em seu quarto a noite inteira. — Ela sorriu, mas havia algo estranho na maneira como se dirigiu à mesa.

— O pensamento me passou pela cabeça, mas eu estava com muita fome. Alguma coisa tem um cheiro delicioso.

— Já que a minha presença não a leva a sair do quar­to, apelei para a tentação da comida — ele murmurou secamente.

— Uma escolha sábia. — Ela sentou-se à mesa. — O que é isso?

— A governanta afirmou ser uma lasanha vegetaria­na. Espero que goste.

— Se for tão gostosa quanto parece, eu a aprovarei. — Darcy pegou um garfo e comeu um pedaço, fechando os olhos com óbvio prazer. — Deliciosa!

Styx sentiu-se excitar imediatamente. Lembrou-se de como ela fechara os olhos em outro momento de prazer. Darcy olhou para ele com curiosidade.

— E você, não vai comer?

— Já comi.

— Não precisa se sentir obrigado a ficar comigo. Prome­to que não tentarei fugir, pelo menos nos próximos vinte minutos.

— Está querendo se livrar de mim?

— Você deve ter outras coisas mais interessantes a fazer do que me observar comendo. — Styx a fitou por alguns instantes.

— Alguma coisa está perturbando você? — Ela não levantou os olhos do prato.

— Estou aqui à mercê de um vampiro. Um bando de lo­bisomens está ansioso para colocar as mãos em mim. Além do mais, estou faltando no emprego, o que significa que não receberei meu salário. Não acha que qualquer mulher ficaria um pouco tensa se estivesse em meu lugar? — Styx reconheceu que ela tinha razão. Mesmo com todo o conforto que ele lhe proporcionava, Darcy continuava sendo uma prisioneira. Como poderia culpá-la por não se sentir plenamente feliz em tais circunstâncias?

— Pode ser que você tenha razão — ele concedeu, observando-a pegar um pedaço de pão. — Se quiser mais lasanha, posso providenciar.

— Pelo amor de Deus, não! Isto é mais do que eu deveria comer. Vou precisar dar uma volta para fazer a digestão.

Styx se levantou da mesa e foi até a janela.

— Lá fora está frio demais para um humano. — Ela se levantou e aproximou-se de Styx, sem perceber que seu corpo e seu perfume bastavam para excitá-lo.

— Veja, está nevando!

— Anjo, não pode ir lá fora sem sapatos ou casaco.

— Suponho que não. Mas adoro a neve. Ela deixa o mundo parecer renovado.

Pelos deuses! Ele era o senhor de todos os vampiros. Demônios tremiam à menção de seu nome. Não havia quem se arriscasse a ficar em seu caminho. E, no entanto, bastava esta mulher expressar um desejo que ele já queria atendê-lo. Suspirando fundo, ele a pegou nos braços.

— O que está fazendo?

— Creio que encontrei a solução que a agradará. — Ele saiu da cozinha e dirigiu-se a outra ala da casa.

— Styx, coloque-me no chão.

— Ainda não. — Ele abriu uma porta e acendeu as luzes. — Aqui estamos.

Darcy arregalou os olhos, admirada.

— Um solário. Como é lindo!

— Não está inteiramente terminado. Viper planeja surpreender sua mulher dando-lhe o solário de presente.

— Que belo presente! Levet me falou sobre Viper e a esposa. Ela é vampira?

Ele se aproximou de Darcy.

— Ela é como você. Mistura de humano e demônio.

— Ainda não sabemos se tenho sangue de demônio.

— Você é algo mais do que uma humana.

— Talvez.

— Se quiser... — Ele parou de falar ao aproximar o rosto do pescoço de Darcy, ficando subitamente alerta. O odor era fraco, mas não havia dúvida quanto à sua identificação. Cheiro de lobisomem. Surpresa e raiva tomaram conta dele.

Não fazia mais de uma hora que Darcy estivera na companhia de Salvatore. O bastardo tivera a coragem de entrar na sua casa e, de alguma forma, encurralar Darcy enquanto ela estava sozinha. O pior, porém, era o fato de ela não ter revelado o encon­tro. Não era de surpreender que estivesse tão distraída.

Salvatore a teria ameaçado caso revelasse a presença dele ali na casa? Ou o lobisomem conseguira convencê-la de que era inofensivo? Estariam os dois fazendo planos para a fuga?

— Styx? Aconteceu alguma coisa?

— O que poderia ter acontecido? — Darcy sentiu o tom frio da voz dele. Teria insistido mais, caso a porta não tivesse sido aberta. Levet entrou como um furacão.

— Sacre bleu, o que poderia ser pior do que você ter es­colhido uma noite miserável como esta para me mandar sobrevoar a cidade e dar uma de burro de carga? — O gárgula sacudiu as asas, espalhando neve pelo aposento. — Talvez amanhã à noite você me peça para construir um boneco de neve e dançar nu em volta dele.

Darcy caiu na risada, mas Styx precisou de muita força de vontade para não lançar o gárgula pela janela.

— Posso lhe assegurar Levet, que nunca vou mandá-lo dançar nu, na neve ou em qualquer outro lugar — Styx grunhiu. — Bem, distraia a minha hóspede por mim. Temo ter um negócio urgente a tratar.

Fazendo um gesto de despedida, ele deixou o solário. DeAngelo surgiu das sombras e lhe fez uma reverência.

— Mestre.

— Quero que mantenha nossa hóspede sob vigilân­cia. E diga a Santiago que aumente o número de guardas no jardim.

A face enigmática de DeAngelo apresentou um leve traço de surpresa.

— O senhor teme que possamos ser atacados?

— Não sei o que o lobisomem está planejando. Mas lhe asseguro que pretendo descobrir. Até então, não permita que Darcy saia de sua vista.

Darcy estranhou a saída brusca do vampiro.

Nunca tivera a capacidade de ler mentes e certamente não era especialista em vampiros. Mas havia muito apren­dera a identificar a linguagem corporal das pessoas, e sabia que Styx ficara muito tenso antes de sair.

— Eu cheguei em um momento inconveniente?

— O quê? — Virando a cabeça, viu que Levet se aproxi­mara. — Oh, não, nada disso.

— Se quiser segui-lo, saiba que não vou me importar. Estou acostumado com mulheres que adoram vampiros. É o lado triste da minha vida.

Darcy riu.

— Estou muito feliz que tenha ficado aqui comigo, monsieur Levet — ela disse, batendo no ombro da criatu­ra. — Oh, está molhado!

— Claro que estou molhado. Estive debaixo da neve. — Ele apontou o dedo na direção dela. — E tudo por sua causa.

— Minha? Por quê?

— Oh, o seu charmoso vampiro insistiu que você não suportaria outro momento sem as suas preciosas plantas e as peças de roupa que possui que, devo dizer, não são muitas. Precisamos passear em um shopping, ma belle. Certamente, o seu vampiro alto e forte poderá ser convenci­do a lhe emprestar o cartão de crédito. — Ela tentou acompanhar as palavras de Levet, ignoran­do os insultos ao seu guarda-roupa.

— Plantas? Do que está falando?

— O grande mestre insistiu que eu voltasse ao seu apar­tamento e pegasse suas plantas, mas pensou neste pobre-coitado que enviou para o frio e neve? Non. — Levet suspi­rou. — Não sou mais do que um criadinho aos seus olhos.

— Styx o mandou pegar as minhas plantas?

— Não foi o que eu disse?

— E por que ele faria uma coisa dessas? — O gárgula deu uma risadinha.

— Se você não sabe, não serei eu a lhe explicar o motivo. Prefiro acreditar que ele é um monstro sem coração.

Uma estranha sensação de alegria envolveu Darcy por inteiro.

— E você também trouxe as minhas roupas?

— Estão na cozinha. Eu as trouxe, mas não sou um funcionário de hotel para ficar carregando a sua bagagem para o seu quarto.

— Naturalmente que não. — Dirigiu-lhe um sorriso dis­traído e deixou o solário. Por alguma razão, tinha de ver seus pertences.

Havia na cozinha quatro caixas com plantas variadas e uma pequena mala com suas roupas. Estava olhando para elas quando Levet se aproximou.

— Eu trouxe tudo, não foi?

— Sim.

— Não posso imaginar por que você quer mato plantado nesses potes horríveis.

— Não é mato, Levet. São as minhas companheiras.

— Bem, suponho que, como companheiras, elas sejam bem silenciosas.

— Ninguém mesmo entende.

— Eu diria que pelo menos um vampiro entende.

— Sim — ela murmurou.

Styx. Ele entendia. Ou, se não entendia, pelo menos es­tava disposto a aceitar a importância que as plantas tinham para ela. E mandara Levet debaixo da neve para que ele lhe trouxesse suas coisas. Isso era... Deus meu, era algo sensível. Nada que combinasse com um monstro de coração frio.

— Desculpe-me — ela murmurou para Levet enquanto saía da cozinha para ir em busca de Styx. Queria ver o lindo demônio. Queria que ele soubesse que ela não era indiferente a seu gesto.

Não o encontrou em lugar nenhum. A sala de visitas estava vazia, assim como o escritório. Não se surpreendeu ao deparar com um vampiro parado junto à porta.

— Procura alguma coisa? — ele perguntou.

Darcy sentiu um leve arrepio. O homem parecia bastan­te assustador.

— Estou procurando Styx. Sabe onde posso encontrá-lo?

— Ele deixou a propriedade.

— Sabe quando vai voltar?

— Não.

— Ah... — Darcy não conseguiu disfarçar o desapontamento. O que era quase tão assustador quanto o vampiro parado diante dela. Nem mesmo uma mulher que tentava pensar o melhor a respeito de todos deveria correr atrás do homem que a mantinha prisioneira. Isso era uma loucura. Simplesmente... Uma loucura.

A trilha que ia do quarto de Darcy ao dilapidado hotel não foi particularmente difícil de seguir. Isso, porém, não diminuiu a irritação de Styx. Salvatore invadira as suas terras e colocara as mãos imundas em Darcy. Styx queria sangue. Sangue de lobisomem. Foi quando sentiu o indisfarçável cheiro de um vam­piro se aproximando. Em alerta, entrou nas sombras da alameda próxima, com a adaga na mão.

Como líder dos vampiros, ele estava acima de duelos e ocasionais lutas entre clãs. Isso não significava, contu­do, que algum vampiro cretino não pudesse decidir que as suas habilidades de liderança seriam melhoradas se ele tivesse uma estaca no coração. Governava com mão de ferro, e muitos não gostavam de suas leis.

Estava pronto para atacar quando o vampiro se aproxi­mou o suficiente para que seu cheiro fosse reconhecido como familiar. Praguejando, ele devolveu a adaga à bota e saiu das sombras para confrontar seu amigo inconveniente.

— Viper — Styx colocou as mãos nos quadris —, não posso dizer que seja uma surpresa agradável. O que está fazendo aqui?

— Vai acreditar que eu estava passando pelas redondezas?

— Nem por um minuto.

— Muito bem. Estou aqui por sua causa.

— Como soube que eu estaria aqui?

— DeAngelo estava preocupado.

— Ele entrou em contato com você? — Styx sacudiu a cabeça. — Não, ele não ousaria.

— Que escolha ele tinha? Você deixou a mansão descon­trolado, sem levar sua guarda pessoal. — Descontrolado? Styx se irritou com a insinuação. Ele nunca perdia a cabeça. Subitamente percebeu que era exatamente isso o que estava acontecendo. Maldição! Tudo por culpa de Darcy Smith. Ela sozinha consegui­ra fazer com que seu controle pessoal, adquirido durante centenas de anos, começasse a ruir.

— Não preciso de uma babá, Viper.

— Sei disso. Precisa de proteção.

— De um bando de lobisomens mestiços? Você pensa tão pouco de mim?

— Isso não tem nada a ver com os lobisomens. Você não é mais um simples vampiro, Styx. E nosso líder, e DeAngelo é o segundo no comando. Ele não mereceria ser isso se não tomasse medidas para garantir a segurança de seu senhor.

Styx queria argumentar. Essa noite não estava pensan­do como o senhor dos vampiros. Pensava como um homem. Um homem que queria acabar com outro sujeito. Infeliz­mente, DeAngelo estava certo.

— Muito bem — ele concedeu. — Pode ficar aqui e obser­var o que vier em seguida, se quiser. — Livrou-se da mão do amigo, mas Viper bloqueou seu caminho.

— Pretende começar as negociações com Salvatore? — Styx grunhiu. Não tinha de justificar seus atos a nin­guém. Nem mesmo a um poderoso chefe de clã, que era também seu amigo.

— Estou aqui para fazer Salvatore entender que a pró­xima vez que tentar invadir meu território será a última.

— Ele esteve na mansão? — Viper mal conseguiu escon­der a surpresa. Somente os mais valentes ou os mais estú­pidos ousariam entrar na toca de um vampiro.

— Ele se esgueirou para o quarto de Darcy enquanto eu estava no andar de baixo.

— Ele a feriu?

— Não.

— Devo concluir que ele tenha tentado tirá-la de lá con­tra a vontade dela? — Styx lançou um olhar frio ao amigo. Não estava disposto a confessar que não sabia o que acontecera; ou que Darcy tinha ocultado de propósito o encontro com Salvatore; nem que esse mero pensamento era suficiente para fazer seu sangue ferver. Viper certamente o trancaria em uma cela até que recuperasse o bom-senso.

— Mas isso importa? Não basta que ele tenha ousado se aproximar de Darcy?

— Mas não era o que você queria, velho amigo? — Styx deu um passo para trás, franzindo a testa.

— O que disse?

— Ela dificilmente representaria uma barganha atrati­va se Salvatore não estivesse ansioso para colocar as mãos nela. O fato de que ousou se arriscar a ser morto significa que cederá a qualquer exigência que você fizer.

Styx começou a descer a alameda. Não queria que Viper visse sua expressão, que revelava a fúria que sentia ante a mera sugestão de que a entregaria ao puro-sangue. Isso era algo em que pensaria mais tarde.

— É mais provável que ele seja simplesmente arrogante a ponto de acreditar que é capaz de tirá-la de lá sem fazer qualquer concessão. Precisa ser lembrado dos perigos que corre ao contrariar a minha vontade.

— Então pretende dar uma lição no lobisomem? — Styx voltou-se, surpreso com o tom de voz de Viper.

— Há algo de errado nisso?

— Pensei que desejasse evitar derramamento de san­gue. Não é por esta razão que raptou a moça? — Evitar derramamento de sangue? Maldição, não!

— Ele cometeu um insulto que não pode ser ignorado.

— E as negociações?

— Não vai haver qualquer negociação até que eu descu­bra o que ele quer com Darcy.

Houve uma pausa antes que Viper cedesse ao riso.

— O que é tão divertido? — Styx lançou ao amigo um olhar impaciente.

— Você.

— Eu? — Styx cerrou os punhos, tentando controlar o desejo de apertar o pescoço de Viper. Podia ser muitas coi­sas; arrogante, controlador, mortal. Mas nunca tinha sido divertido. Antes que pudesse alertá-lo quanto ao perigo de rir do líder, sentiu um odor diferente. — Alguma coisa bem próxima.

Viper deixou a brincadeira de lado.

— Estão tentando nos cercar — ele resmungou, pegando duas pequenas adagas no bolso.

Styx farejou o ar.

— Três vindos do Sul e dois do Norte.

Viper franziu a testa. Sua companheira, Shay, detesta­va vê-lo se envolver em batalhas recreativas. Como muitas mulheres, ela simplesmente não gostava de violência. Um sermão sempre o aguardava ao chegar a casa com alguns arranhões. Porém, naquela noite, ela não poderia esperar que ele ficasse de lado, permitindo que o seu senhor se tornasse o lanche noturno dos lobisomens.

— Você pega o Norte. Eu fico com o Sul.

— Não. Estão atrás de mim. Os do Sul são meus. — Styx deu as costas para Viper, a fim de que cada um se voltasse para uma das extremidades da rua.

Uma brisa fria os atingiu, e Viper segurou as adagas com mais força. Os lobisomens estavam muito próximos. Ouviu-se um leve som de garras arrastando-se pelo calçamento, e então, com um grunhido, as feras entraram na rua com força total. Já haviam se transformado, mas, mesmo na forma de lobo, eram enormes e possuíam força sobre-humana.

Com os olhos vermelhos brilhando no escuro, eles se lançaram sobre Viper, indiferentes ao fato de a batalha não estar equilibrada. Eram necessários mais do que cinco lobisomens mestiços para enfrentar os dois melhores vam­piros. Especialmente quando ambos eram chefes de clã.

Afastando as pernas, Viper agachou-se. O fato de um lo­bisomem sempre atacar primeiro o pescoço era previsível como o nascer do sol. Soltando gritos horrendos, os lobisomens lançaram-se para a morte. Viper esperou até sentir a respiração quen­te no rosto antes de enterrar as lâminas nos dois peitos largos. Uma das adagas atingiu o coração, derrubando o lo­bisomem, mas a outra apenas feriu o alvo. Viper esperou que o animal ferido o atacasse outra vez e lançou-o longe. Ouviu o som de ossos sendo quebrados e cartilagens se rom­pendo, mas a loucura provocada pelo instinto de matar e o cheiro do próprio sangue fez com que o lobisomem conti­nuasse lutando.

Dentes fortes tentavam alcançar as pernas de Viper, que era obrigado a se esquivar. Chegou a trombar com Styx, mas nenhum dos dois deixou de lado a concentração em sua batalha.

A enorme pata tentou alcançar Viper, mas ele usou a adaga de novo. Sentiu, porém, as unhas riscar seu pesco­ço. Um erro estúpido. Os ferimentos não eram profundos e logo se curariam, mas não antes que Shay tivesse a chan­ce de atormentá-lo por ter sido ferido. Aborrecido por ter permitido que o lobisomem o marcasse, enterrou a adaga no peito dele. Dessa vez, a arma penetrou profundamente o coração da fera, que caiu, grunhindo de dor. Viper o viu tentando re­cuar, mas não o seguiu. Sabia que a fera não sobreviveria.

Queria ter certeza de que Styx tinha terminado a par­te dele. Virando-se para ver se o companheiro precisava de ajuda, distraiu-se com o som leve de passos acima deles. Olhou em direção ao telhado do hotel em ruínas, espe­rando ver um mestiço tentando pegá-los desprevenidos. O que viu, no entanto, gelou seu coração.

— Styx! — ele gritou ao ver o inimigo mirar e lançar uma flecha contra o coração do amigo.

O Anasso olhou para a ferida, a expressão tomada pela dor. Então, com um grunhido, ele caiu. Não chegou ao chão porque Viper o amparou nos braços e o levou para longe dali.

 

Darcy havia desfeito a mala e arrumado as roupas no armário do quarto, limpara a cozinha e ajeitara suas plan­tas no solário enquanto ouvia distraída, a conversa sem fim de Levet até que ouviu passos no hall. Deixou Levet aguando as plantas e foi ver o que estava acontecendo. Notou uma porta aberta, que dava para uma área escura, onde jamais estivera.

Isso não a deteve. Começou a se aventurar descendo uma escada. Vários túneis desembocavam na passagem princi­pal. Deduziu que conduziam a abrigos isolados; ou talvez a saídas, por onde se poderia escapar. Manteria isso em mente. Mas não naquela noite. Não com um guarda observando-a logo que ela se apro­ximou do que parecia ser um pequeno quarto. E não antes que ela descobrisse o que acontecera para causar aquela estranha tensão no ar.

— O que aconteceu? — ela perguntou ao guarda. Os olhos do vampiro ganharam um estranho brilho.

— O mestre foi ferido — ele disse.

— Ferido? — Sentindo uma dor aguda no coração, ela deu um passo à frente, mas o vampiro bloqueou seu caminho.

— Não pode entrar aí.

Ela o empurrou. Uma bobagem, claro. Era como tentar mover uma parede.

— Então se acostume com a minha cara porque não vou sair daqui antes de ver o seu chefe. — O vampiro não pareceu se abalar com a ameaça. Para surpresa de ambos, uma voz baixa soou de dentro do quarto.

— Deixe-a entrar.

O guarda se empertigou, e ela entrou no que, surpreen­dentemente, revelou-se um enorme aposento. Foi recebida por um vampiro alto e bonito. Ora, ora... A beleza era um pré-requisito para se tornar um vampiro?

— Você deve ser Darcy. — Ele a observou por um instan­te. — Eu sou Viper.

— Oh, esta é a sua casa — ela murmurou, com a atenção já voltada para a cama onde Styx estava deitado com os olhos fechados. Mordeu o lábio, sentindo outra vez aquela dor no coração. — O que aconteceu?

Viper se aproximou da cama com Darcy.

— Os lobisomens fizeram uma armadilha. Não perce­bemos até ser muito tarde.

Ela sentiu-se sem ar.

— Muito tarde? Ele vai...

— Morrer? Não. Ele foi seriamente ferido, mas vai se curar.

Darcy observou as feições de Styx. Mesmo inconscien­te, ele mantinha um ar letal. Um guerreiro que mataria sem piedade. Mas ela não sentiu medo algum. Pelo menos, não por si mesma.

— O que eu posso fazer? — ela perguntou.

— Quer ajudar?

— Naturalmente.

— Desculpe minhas suspeitas, mas, considerando que é uma prisioneira, estou mais inclinado a acreditar que es­teja aqui para acabar com ele, em vez de lhe oferecer o seu sangue.

Ofendida, ela se voltou para enfrentar o olhar firme de Viper.

— Se pensa que eu vim aqui para feri-lo, por que me deixou entrar?

— Porque prefiro tê-la sob minhas vistas.

— Brutal, mas honesto — ela resmungou. — Porém, eu nunca machucaria ninguém, exceto para me proteger. E certamente nunca alguém que já estivesse ferido.

— Então por que está aqui?

— Já lhe disse, quero ajudar.

Viper não pareceu convencido, mas, antes que pudesse falar, houve um movimento na cama. Mesmo sem a velo­cidade de um vampiro, Darcy conseguiu chegar junto ao ferido antes de Viper. Sentou-se na cama.

— Styx...

Ele abriu os olhos bem devagar.

— Anjo?

— Estou aqui. — Styx estendeu o braço e apertou-lhe a mão.

— Viper. Ele foi ferido?

— Estou aqui. — Viper colocou-se imediatamente diante do amigo. — O alívio ficou evidente nas feições bronzeadas do líder do vampiro antes que uma expressão de dor o substituísse.

— Foi Salvatore?

— Creio que sim. Certamente é um puro-sangue com um talento para disfarçar o cheiro. Quase não notei a sua presença. Quando você ficar bom, definitivamente teremos de ter uma longa conversa com ele.

— Uma conversa curta.

— Melhor ainda. Agora, você deseja ir para o subterrâ­neo para se curar mais rápido?

— Não.

— Mas isso faria com que o processo fosse menos dolo­roso, sem mencionar que a cura seria mais rápida.

— Não posso ter certeza de que os lobisomens não pla­nejam atacar.

— Mas eles nunca passariam pelos seus homens. Ou por mim.

— Você precisa voltar para Shay. Ela deve estar preocupada.

— Não.

— Isso não foi um pedido, nem uma sugestão, Viper. — Intrigada com a nítida amizade entre os dois homens, Darcy não estava preparada para o olhar frio que Viper lhe dirigiu.

— Ela não deve ficar aqui.

Darcy sentiu Styx apertar mais a sua mão.

— Você usou os seus sentidos para tocar a alma dela, não foi? — Styx perguntou.

— Sim — Viper admitiu com um grunhido.

— Então, vá. — O amigo não pareceu nada satisfeito.

— Se você conseguir uma estaca no peito vou ficar muito aborrecido. — Um pequeno sorriso surgiu nos lábios de Styx.

— Vou me lembrar disso.

Viper atravessou o aposento e, ao chegar à porta, olhou para Darcy.

— Se ele for ferido, não haverá lugar onde você possa se esconder. Nem mesmo a morte a livrará da minha vingança — ele a preveniu antes de sair.

Darcy sentiu um arrepio, mas logo voltou à atenção para Styx, que tentou se mover na cama.

— Não se mexa.

— Então venha para mais perto. Preciso sentir seu calor. — Darcy concordou. Não era uma boa idéia negar alguma coisa a um vampiro. Especialmente a um que fazia com que seu corpo vibrasse por inteiro.

Apesar de tentar disfarçar a dor, Styx voltou a gemer.

Darcy procurou se aproximar mais ainda dele.

— Assim está melhor?

— Muito melhor — ele murmurou, roçando os lábios em sua testa.

Darcy sentiu o coração disparar.

— Viper disse que você foi atacado por lobisomens.

— Eles simplesmente se aproveitaram da minha pre­sença perto do esconderijo deles.

— Por que estava lá? — Styx ficou em silêncio, como se estivesse pensando no que responder.

— Pretendia punir Salvatore por ter invadido o meu território — ele confessou, em um tom de voz extrema­mente frio.

Darcy recuou surpresa.

— Sabia que ele esteve aqui?

— Senti o cheiro dele. Por que não me disse que ele ousou se aproximar de você?

— Temi que agisse impulsivamente e quisesse matá-lo.

Darcy enfrentou o olhar dele com determinação.

— Não quero ser a responsável por um banho de sangue. — Styx forçou um leve sorriso.

— Suponho que faça mal ao seu carma.

— Muito mal.

O sorriso dele se ampliou.

— O que Salvatore disse a você?

— Que pretendia me ajudar a fugir.

— Disse como faria isso?

— Não. Disse apenas que eu deveria esperar por uma mensagem dele.

— E lhe disse a razão de seu interesse por você?

— Disse que não poderia me contar ainda, porque você me mataria caso descobrisse a verdade.

— Ele afirmou que eu a mataria? Desgraçado! — Styx fez menção de se levantar, mas logo caiu gemendo na cama. — Maldição!

Temendo que Styx piorasse, Darcy se inclinou sobre ele.

— O que eu posso fazer para ajudá-lo? Sei de um bom número de ervas que podem aliviar a sua dor.

As feições do vampiro se suavizaram, e ele a acariciou no rosto.

— Temo que suas ervas não tenham efeito algum em vampiros.

Darcy franziu a testa, percebendo que havia sido uma oferta ridícula.

— Não mesmo. Você precisa de sangue.

Styx concordou lentamente, a dor visível em seus olhos.

— Preciso.

Darcy respirou fundo, considerando a perigosa idéia que lhe ocorria.

— E sangue fresco é melhor do que o engarrafado?

— Sim, melhor, mas meu anjo...

— Você se curaria mais rapidamente se tomasse sangue fresco?

— Anjo... Não me ofereça isso, Darcy. — Ele fechou os olhos. — Você não quer fazer isso de verdade, mas estou muito fraco para resistir à tentação.

— Não pode dizer o que eu realmente quero — ela protes­tou, mesmo sabendo que havia verdade nas palavras dele. Não que ela temesse ser ferida. Pelo contrário. Ela se lem­brava muito claramente como aquilo podia ser prazeroso. E algo dentro de si ansiava por sentir esse prazer outra vez.

— Desculpe. Não quero ofender seu coração feminista, mas não é necessário que faça esse sacrifício. Vou pedir a um dos vampiros que me consiga sangue.

— Styx, você quer ou não quer o meu sangue?

Ele arregalou os olhos, sem conseguir disfarçar a ten­são em seu corpo ou o surgimento dos caninos. Oh, sim, ele queria!

— Se soubesse o quanto eu a desejo, estaria fugindo de mim apavorada.

Darcy pensou que poderia estar fazendo exatamente isso, caso seu corpo não a traísse. Inclinou a cabeça, achando que ele levaria diretamente os dentes ao seu pescoço. Era um vampiro, afinal. Em vez disso, os lábios de Styx procuraram os seus, fazendo-a gemer.

O homem sabia beijar. Oh, a experiência de mais de dois mil anos! Os lábios eram gentis, mas havia urgência no to­que, que fazia com que o desejo tomasse conta de seu corpo. Um sentimento que era raro demais. Inclinando-se, ela começou a desmanchar a longa tran­ça de Styx. Queria sentir o cetim dos cabelos daquele vam­piro irresistível.

Ele tocou-a nos quadris.

— Tem de tomar cuidado com os seus ferimentos.

Um leve sorriso surgiu nos lábios dele enquanto abria o roupão que ela usava e começava a tocar em sua pele.

— Anjo, é preciso mais do que uma flecha no peito para impedir que eu a desfrute em meus braços — ele murmu­rou roucamente.

Styx gemeu. A dor e a fraqueza que ainda o atormen­tavam foram esquecidas quando Darcy deitou-se sobre ele. Deslizou as mãos pela pele acetinada e os lábios correram pelo pescoço macio. Seu corpo clamava por ela, mas se forçou a saborear cada doce beijo, cada mordidinha, cada carícia...

Lambeu suavemente a veia proeminente do pescoço, en­quanto a livrava do roupão, e a ajeitou sobre o corpo, pressionando-a de encontro ao membro ereto. Preparou-se para puxá-la de volta caso ela tentasse recuar. Apesar de sentir que ela estava igualmente excitada, conhecia bem os hu­manos, que tantas vezes negavam a si mesmo o que mais desejavam. Passou-se um tempo que pareceu uma eternidade até que Darcy enterrou o rosto em seus cabelos, movendo os quadris em um convite alucinante.

— Darcy... — ele murmurou.

Com esforço, arrancou a camisa. Queria sentir o calor do corpo dela em sua pele. E então permitiu que os cani­nos entrassem Suavemente na carne delicada do pescoço feminino. Com cuidado, ele sugou o precioso sangue. A vida fluiu através de seu corpo, curando suas feridas e provocando sensações que o faziam tremer de desejo. Gemendo ao sentir os dedos dela se mover em seus ca­belos, Styx permitiu que suas mãos deslizassem para mais abaixo, à procura da doce intimidade de Darcy.

— Oh, Deus... — ela gemeu.

Retraindo os caninos, Slyx lambeu a pequena ferida que logo se fechava.

— Anjo, quero estar dentro de você — sussurrou em seu ouvido.

— Oh, sim... — Ele pretendia dizer algo romântico e encantador, mas conseguiu apenas emitir um grunhido quando ela mordiscou seu pescoço. Sem deixar de acariciá-la, usou a outra mão para se livrar da calça. Nesse momento, ele não era um vampiro habilidoso, que oferecia prazer com certo distan­ciamento. Era apenas um homem desesperado para estar dentro de uma mulher, que o deixava louco de desejo.

— Anjo, não acredito que conseguirei me controlar mui­to mais — ele murmurou, tomando um mamilo entre os lábios. Então, ajeitou-a sobre sua ereção e deslizou para dentro do corpo macio.

Nada era tão bom quanto aquilo!

Esperando até que ela começasse a mover os quadris, Styx a acompanhou no ritmo lento, penetrando-a ainda mais fundo. Fechou os olhos quando o prazer tomou conta de todo o seu corpo.

— Styx... — ela murmurou, com a respiração entrecortada.

Ele a segurava pelos quadris enquanto se moviam; não se escutava outro som além dos gemidos de prazer. Naquele quarto, o mundo tinha desaparecido, e nada mais havia além daquela mulher que se tornara tão importante em sua vida. Abrindo os olhos para observá-la, Styx aumentou o ritmo. Podia sentir que ela se aproximava do clímax. Por um instante, distraiu-se com a beleza daquele rosto tomado pelo prazer. As feições suaves, os olhos semicerrados, os lá­bios entreabertos... Era a imagem que ele queria guardar por toda a eternidade.

Ela gritou ao atingir o orgasmo, e Styx também se en­tregou ao êxtase, que o envolveu com uma intensidade impressionante.

Darcy suspirou profundamente.

— Você está curado... — ela murmurou, olhando para o ferimento onde estivera a flecha.

Styx sorriu. Tinha se esquecido do ferimento. Não havia surpresa quanto à cura.

— Estou como novo — ele disse. Darcy continuou fitando-o, surpresa.

— Bom Deus, mal se enxerga uma marca.

— Seu sangue é mais potente do que eu pensava — Styx observou.

Darcy não queria falar sobre o fato de não ser inteira­mente humana e mudou de assunto.

— Esta é uma tatuagem e tanto — disse, tocando o dra­gão dourado.

— Não é uma tatuagem. É a marca do Cuchulainn.

— E isso quer dizer...

— É a marca de chefe de clã. Ela surge depois que alguém participa das batalhas de Durotriges e as vence.

O olhar de Darcy revelava que ela não compreendera a explicação.

— São lutas nas quais os líderes são escolhidos. Eu lhe asseguro que, apesar de serem sangrentas e muitas vezes letais, elas impedem que haja uma guerra aberta.

Darcy não parecia impressionada. Claro, não tinha noção dos anos de hostilidade que ele enfrentara. Ou de como os demônios eram dizimados. Styx se lembrava muito bem desses tempos. Era a úni­ca razão que o fizera concordar em assumir a posição de Anasso.

— Nunca pensaram que poderia ser bem mais fácil escolher um líder por meio de votação? — ela brincou.

Styx acariciou de leve o corpo dela.

— Ainda não somos tão civilizados, anjo. Além do mais, nos divertimos lutando.

— Há outros modos de se divertir.

— Concordo plenamente com você. — Um sorriso mali­cioso surgiu nos lábios de Styx. — Quer, por acaso, que eu faça uma demonstração?

— Acho que já fez mais do que devia — ela o alertou apesar de seu corpo parecer aceitar o convite. Reagiu com uma paixão imediata quando ele recomeçou as carícias.

— Nunca é o suficiente — ele murmurou. — Nunca vou ter o suficiente de você, anjo.

— Styx... — O que quer que ela pretendesse dizer perdeu-se quan­do ele se deitou sobre o corpo tentador. Quando o amanhe­cer chegasse, ele teria de dormir para recuperar sua força. Até lá, pretendia desfrutar dos raros momentos com sua linda prisioneira.

Apenas depois de muitas horas, Darcy voltou ao seu quarto e entrou na banheira quente para aliviar o corpo dolorido. Era uma dor doce e assustadora ao mesmo tempo. Fechando os olhos, ela suspirou. Não estava assustada por causa de Styx, mas sim por causa de suas reações a ele. O que acontecia entre os dois era mais do que excelen­te sexo. Quando estava nos braços dele, sentia-se querida como nunca se sentira antes. Era como se fosse mais do que um corpo ardente e uma doadora de sangue. Como se esti­vessem conectados para além do plano físico. Como se não estivesse mais sozinha no mundo. Perturbada por esses pensamentos, terminou o banho e se vestiu, aliviada por poder usar as próprias roupas. Foi para a cozinha e desfrutou do delicioso jantar deixado pela governanta.

Ao terminar a refeição, foi até o solário. Apesar de estar acostumada a viver sozinha, a amplitude da casa parecia intensificar o sentimento de solidão. Ou talvez estivesse se acostumando demais à companhia de Styx. Um pensamento perigoso.

Subitamente sentiu-se observada e ficou alerta. Sua surpresa aumentou ao ver que se tratava de uma mulher de longos cabelos negros, pele bronzeada e olhos doura­dos. Percebeu que ela não era humana; tampouco vampira. Ela era alguma outra coisa.

— Estou perturbando você? — a estranha perguntou.

— Não. É amiga de Styx?

— Não exatamente. Sou Shay, e você deve ser Darcy.

— Shay... A mulher de Viper?

— Sim.

— Oh, você não deveria estar aqui! — Shay franziu a testa.

— Não deveria?

— Sei que esta é sua casa, mas acho que este solário deveria ser uma surpresa para você.

A mulher caiu na risada enquanto olhava ao redor.

— Viper não consegue me esconder nada. Há sema­nas sei que ele está planejando esta surpresa para mim. Ainda assim, não vou dizer a ele que sei, caso você também não diga nada.

Darcy não conseguiu deixar de sorrir.

— Não direi uma única palavra a Viper sobre isso. — Shay sentou-se em um dos bancos.

— Espero que esteja confortável aqui. Bem, tão confor­tável quanto possível, considerando que está sendo man­tida nesta casa contra sua vontade. Algum dia vou enfiar uma estaca no coração de Styx, sendo ele ou não o Anasso.

— O Anasso?

— O senhor de todos os vampiros. — Shay revirou os olhos.

— Ele é realmente meio arrogante — Darcy admitiu.

— Meio arrogante? Ele poderia escrever um livro intei­ro sobre seu orgulho.

— Ele leva suas responsabilidades muito a sério. Mas ele pode ser bastante bondoso e gentil quando o conhecemos melhor.

Shay caiu na risada.

— Vou ter de aceitar a sua palavra quanto a isso.

— Se está aqui para ver Styx, ele ainda não se levantou.

— Estou aqui para ver você. Viper me contou a seu respeito, e eu quis conhecê-la.

Darcy fez uma careta, lembrando-se do breve, mas tenso, encontro com Viper.

— Posso imaginar o que ele disse. Não pareceu muito satisfeito comigo.

— Ele ficou muito impressionado.

— Acho difícil de acreditar. Viper parecia convencido de que eu iria enfiar uma estaca em Styx no momento em que ele virasse as costas.

— Ele apenas se preocupa com o Anasso. Os vampiros querem protegê-lo sempre.

— Notei isso. Ah, espero que não se aborreça por eu ter colocado minhas plantas em seu solário.

— Claro que não. — Shay tocou a violeta africana.

— Você parece ter habilidade em cuidar de plantas.

— Gosto delas.

— Também gosto, mas eu costumo destruí-las quando mexo nelas. Quem sabe possa contratá-la para cuidar do meu solário quando estiver terminado. Preciso de alguém que me impeça de assassinar toda a vegetação.

Darcy sorriu.

— Não creio que recusaria o emprego. Estou sempre à procura de um.

— Viper me disse que você é garçonete.

— Entre várias coisas. Nunca terminei os estudos; assim, aceito o que consigo.

— Está sozinha no mundo? — Shay perguntou gentilmente.

— Sim.

— Também eu estive assim por muitos anos. Foi tão... — Seus olhos escureceram de dor com a lembrança.

— Solitário? — Darcy terminou a frase, com um sorriso triste.

— Solitário e assustador. — Shay sacudiu a cabeça como se quisesse afastar as lembranças. Então, inesperadamen­te, pegou a mão de Darcy. — Importa-se? Viper me disse que pode ter sangue de demônio. Sou em parte Shalott, que me permite identificar os demônios. Quem sabe posso lhe dizer algo sobre a sua origem.

— O que pretende fazer?

— Lamento, mas vou ter de cheirá-la.

— Está bem — Darcy concordou, por fim.

Shay cheirou-a várias vezes antes de largar a mão de Darcy.

— Estranho. Eu juraria... Que sinto cheiro de lobisomem.

— Pelo amor de Deus! Já tomei dois banhos e me enfiei na banheira desde que estive perto de Salvatore. Vou ter de mergulhar em água fervendo?

— Esteve com um lobisomem?

— Somente por alguns momentos, e ele mal me tocou. — Shay mordeu o lábio, pensativa.

— Pode ser isso.

— Mas você não parece ter certeza.

— Não tenho o que é bastante estranho. — Shay suspi­rou. — Desculpe-me. Eu esperava ser de alguma ajuda.

Darcy instintivamente estendeu a mão e tocou a Shalott.

— Foi muita gentileza sua vir aqui e tentar. Obrigada.

— Eu tinha de vir. Sabe, Darcy, eu realmente sei o que é ser diferente, o que é ter de me isolar dos outros, temendo que descubram a minha verdade.

Darcy sorriu. Já se sentia ligada a essa mulher.

— Você sabe como é, mas agora está feliz.

— Sim.

— Eu também. Levei algum tempo, mas descobri que a vida é preciosa demais, mesmo quando é difícil. Seria errado não apreciar cada dia que me é dado.

— Viper tinha razão. — Shay sorriu. — Você é impressionante.

— A maioria das pessoas me acha esquisita.

— São idiotas. E, como eu mesma também sou considerada esquisita, acho que vamos nos dar bem. — Pela primeira vez na vida, Darcy estava cercada de pes­soas de quem não precisava esconder sua verdadeira na­tureza. Não tinha de mentir nem fingir nem se concentrar em parecer normal. Isso era... Tranqüilizador. Um sentimento estranho para uma mulher manti­da prisioneira por um vampiro e caçada por um bando de lobisomens.

Styx acordou sozinho, o que não era novidade. Vinha despertando havia anos sem uma companheira ao lado. E durante todo esse tempo não se lamentara. Porém, isso estava errado! Darcy deveria estar nos bra­ços dele, aquecendo-o com seu calor e enchendo o quarto de doçura com seu perfume. Por que ela o teria deixado era algo que pretendia descobrir.

Depois de tomar um banho e prender o cabelo com um cordão de couro, ele vestiu o roupão e foi em busca da mulher que consumira seus pensamentos. Não demorou a encontrá-la. Era um vampiro e to­mara o sangue dela. Assim que subiu as escadas e entrou no corredor, pôde senti-la atrás da porta do solário.

Ao se aproximar, sentiu o inconfundível odor do gárgula.

— Droga — ele resmungou quando Levet surgiu das sombras.

— Se eu fosse você, não entraria aí. Não se tiver amor à vida.

— Por quê? — Styx deu um passo à frente, com uma expressão irritada. — Aconteceu alguma coisa com Darcy?

— Ela está bem. Apenas entretida com sua visita.

— Visita? — Styx inclinou a cabeça para trás e farejou o ar. — A Shalott.

— Exatamente. E Shay não anda muito satisfeita com você. — Styx deu de ombros. Shay estava longe de perdoá-lo por ter torturado Viper e tentado entregá-la em sacrifício ao antigo Anasso.

— E quando ela esteve satisfeita comigo?

— Nunca.

Styx, por um lado, achava bom que Darcy tivesse uma companhia com quem pudesse fazer amizade. Ambas eram em parte demônio, e sozinhas no mundo. Ou pelo menos Shay estivera sozinha até Viper se unir a ela. Quem me­lhor para assegurar a Darcy que o mundo do sobrenatural não era tão terrível quanto ela temia que fosse? E, mais importante, que ela não tinha do que se envergonhar?

Por outro lado, não queria dar a chance de Shay colocar Darcy contra ele.

— Faz quanto tempo que elas estão conversando?

— Uma hora, mais ou menos. Parecem estar se dando muito bem.

— Ótimo.

— Ótimo? — Levet caiu na risada. — Não teme que Shay possa convencer sua belezinha a lhe enfiar uma estaca no peito?

Styx deu de ombros, fingindo indiferença. Era regra sua não confiar em ninguém que não fossem seus homens, ou Viper.

— Darcy é boa demais para ferir alguém — ele afirmou. — Mesmo se o alvo for este vampiro aqui.

— Tenho de concordar com você. Ela não se parece com um demônio. Bem, tampouco com um humano.

— Conseguiu identificar o que ela é?

— É um demônio. — Um traço de irritação estava nítido na voz de Levet. Não conseguira determinar os ancestrais de Darcy, o que era um insulto aos seus poderes. — Mas é como se houvesse algo mascarado por sua humanidade.

Styx o encarou. Não hesitaria em usar a curiosidade do gárgula.

— Salvatore sabe a verdade.

Levet retraiu-se, sentindo que estava sendo manipulado.

— Ele já chutou seu traseiro uma vez. Vai se arriscar a ficar embaraçado de novo? — Styx grunhiu baixinho.   Poucos ousavam lembrá-lo de uma humilhação.

— Qualquer tolo pode arremessar uma flecha escon­dido e a distância. Ele contou com a sorte.

— Se é o que você diz...

— Muito bem, não consegui perceber a presença do lo­bisomem. — Styx fez um enorme esforço para controlar a raiva e conseguiu até mesmo esboçar um sorriso frio. — Você, porém, meu amigo, possui habilidades extraordinárias e inteligência suficiente para fazer Salvatore de bobo.

Levet recuou, erguendo as mãos.

— Non. Mil vezes, non. Sou alérgico a cães. Sem mencio­nar os longos dentes afiados e as garras horríveis.

— Certamente um poderoso gárgula nada teme.

— Está maluco? Tenho menos de um metro de altura, minha mágica é uma porcaria e minhas asas são delicadas. Tenho medo de tudo.

— Ser pequeno é uma vantagem, já que você pode entrar no esconderijo deles sem ser notado.

— Tem certeza de que a flecha entrou em seu peito, e não no cérebro? Por que eu me arriscaria por você?

— Não é por mim, mas por Darcy. Até descobrir­mos o motivo de os lobisomens quererem tanto colocar as mãos nela, Darcy estará correndo perigo.

Levet estreitou os olhos.

— Isso não é justo. — Não era claro. Mas Styx estava disposto a recorrer ao que fosse necessário. Tinha de descobrir os segredos dos lobisomens. Não somente por Darcy, mas pela frágil paz que os mantinham afastados de um conflito sangrento.

— E suponho que, se você conseguir ser bem-sucedido, possamos pensar em uma forma de recompensar os seus esforços — Styx concedeu. — O que você deseja?

— Ter dois metros de altura e músculos de aço — Levet respondeu prontamente.

— Levet, sou um vampiro, não um bruxo.

— Está bem. — O gárgula apontou o dedo em direção ao rosto de Styx. — Farei isso, mas somente porque é para Darcy, está me entendendo?

Styx era esperto o suficiente para disfarçar o sorriso. Não duvidara por um momento que o coração mole do demônio levaria o melhor sobre ele.

— Naturalmente.

— E se eu acabar na goela de um lobisomem, eu volta­rei aqui e o assombrarei por toda a eternidade.

— Uma idéia capaz de provocar pesadelos em qualquer vampiro.

Levet soltou uma série de impropérios em francês.

— Você está bem próximo de ter uma estaca enfiada em seu peito, Styx.

— Poderosos demônios já tentaram fazer isso, gárgula.

Fazendo um gesto obsceno para Styx, o pequeno de­mônio o deixou e foi em direção à cozinha. Naturalmente, tinha de dar a última palavra.

— Aguarde-me, vampiro — ele grunhiu.

 

A sala de armas nos subterrâneos da propriedade de Viper era uma beleza. Não apenas contava com uma cole­ção de armas capaz de armar um pequeno exército, mas também fora construída com o aparato necessário para um vampiro treinar suas habilidades de luta. Havia alvos para a prática de arco e flecha e lançamento de facas e pista para combate corpo a corpo e luta de espa­das, além de uma pequena arena. Usando apenas calça e botas de couro, Styx lutava com uma espada contra DeAngelo. Estavam treinando fazia uma hora, e ambos tinham ferimentos que sagravam para pro­var isso. Treinos entre vampiros tendiam sempre a serem mais batalhas do que propriamente treinos. Apesar dos ferimentos, contudo, Styx achava esses exer­cícios ideais para aliviar sua tensão. E DeAngelo era um mestre espadachim, habilidoso o suficiente para dar-lhe um bom trabalho.

Subitamente, Styx percebeu que não conseguiria mais manter a atenção à luta, pois Darcy entrara na sala.

— Por hoje basta, DeAngelo — ele disse, abaixando a espada. — Continuaremos amanhã, à noite.

— Sim, mestre. — Com uma reverência, o vampiro pegou as espadas e levou-as para a sala onde as armas seriam limpas. — Styx sabia que ele fecharia a porta quando saísse, assegurando privacidade para seu senhor e a bela cativa.

Pegando uma toalha, caminhou até ela, com sua natu­reza predatória em alerta. Darcy já se mantivera afastada dele por um bom tempo. Estava ansioso para tê-la nos bra­ços. Em sua cama. Gemendo sob seu corpo. Sim! Era preci­samente isso o que desejava. E com tamanha intensidade que todo o seu corpo doía de desejo.

— Impressionante — ela murmurou suavemente.

Styx deu de ombros, com a atenção fixa nos lábios tentadores.

— Tive séculos de prática.

O sorriso de Darcy aumentou, e ela olhou deliberadamente para seu peito.

— Não estava me referindo às suas habilidades de espadachim.

— Meus ferimentos estão praticamente curados — ele assegurou, colocando a toalha de lado.

Seus olhares se encontraram.

— Mas o ferimento não dói?

— Sim, claro — ele respondeu, estranhando a pergunta.

— Então por que precisa lutar?

— Tenho de praticar. — Ele deu de ombros. — Adoro esta luta. Faz com que eu me sinta... Vivo.

— Isso não deixa de ser irônico — ela disse, torcendo levemente os lábios.

— Que um vampiro possa se sentir vivo?

— Não, que flertar com a morte possa fazê-lo sentir-se mais vivo. — Ele deu um passo à frente, e ficou satisfeito quando Darcy não recuou. Havia um sorriso em seus lábios.

— O que seria a vida sem um pouco de perigo? — ele murmurou incapaz de resistir a tocar-lhe os lábios com a ponta dos dedos.

— Mais segura? — ela retrucou.

A pele dela era macia como seda, fazendo-o sentir o corpo doer de desejo.

— Aborrecida? — ele conseguiu observar.

— Tranqüila.

— Tediosa.

— Prudente.

— Assustadora.

Ela subitamente mordiscou seu dedo, e Styx estreme­ceu da cabeça aos pés.

— Talvez devêssemos apenas concordar em discordar — ela disse os olhos verdes tomados por um brilho perigo­so. — Prefiro minha vida mais pacífica, com o mínimo de perigo e violência possíveis.

Styx acariciou-a no rosto. Não podia negar que em par­te estava fortemente atraído por sua alma gentil. Era um irresistível refúgio depois de séculos de brutalidade sem fim. Mas ele era antes de tudo realista. Sozinha no mundo, essa mulher era uma vítima, espe­rando pelo que lhe aconteceria em seguida. Era surpreen­dente que tivesse sobrevivido relativamente sem traumas durante tantos anos.

— A vida é bela, anjo, mas há muito poucos que possuem um coração terno como o seu — ele murmurou. — Você precisa de alguém que a proteja.

Ela estreitou os olhos. Styx não sabia se era um bom sinal.

— Acha que não consigo me proteger?

— Acredito que você seria capaz de se sacrificar antes de magoar alguém.

— Não preciso de uma espada ou de uma adaga para me defender de um vampiro. — Ela se aproximou mais e colocou as mãos sobre o peito de Styx, começando a explo­rar-lhe os músculos. — Há alguns tipos de armas que são muito mais perigosas.

— Anjo...

— Sim? — Pelos deuses! Ele a envolveu com os braços e pressio­nou-a contra o corpo excitado. Darcy demonstrara seu ponto de vista. Ele se sentia realmente derrotado por aquela frágil mulher.

— De fato, armas perigosas. — O abraço se tornou mais forte. — Mas é melhor que eu seja o único vampiro contra quem vá usar estas armas.

Ela riu da clara demonstração de ciúme.

— Já que os outros vampiros me olham como se eu fosse algo que encontraram na sola de seus sapatos, acho que posso lhe fazer essa promessa.

Styx ficou chocado com a emoção inesperada que tomou conta de seu coração. Posse. Não havia outra palavra.

— Talvez eu devesse esclarecer que me refiro a todos os demônios, humanos e demais criaturas deste mundo, ou de qualquer outro mundo.

Darcy inclinou a cabeça, buscando os olhos dele.

— Isso é muito... Abrangente.

— Totalmente abrangente.

Ela torceu os lábios, como se achasse divertida a reação dele. Mas antes que Styx pudesse protestar, voltou a usar os lábios para acariciá-lo no peito.

— Então não quer que eu faça isto... — Deslizou os de­dos pelo abdômen firme. — Ou isto... — Abriu o botão da calça e desceu o zíper; Styx gemeu quando ela apertou-lhe o membro rijo. — Com qualquer outro homem? — Ela desli­zou a mão de cima a baixo.

Styx afundou o rosto na doce curva do pescoço de Darcy.

— Pelos deuses, você é letal... — disse, acrescentando em silêncio que mataria qualquer homem que ela tocasse com tamanha intimidade. Não havia razão para perturbar a alma pacifista de Darcy com esse pensamento.

— Eu o avisei — ela sussurrou.

Ela realmente avisara. Mas o aviso não incluíra os lábios roçando seus mamilos, depois se aventurando mais abaixo para finalmente envolvê-lo por completo. Ele segurou-lhe os cabelos enquanto ela terminava de despi-lo.

— Deus meu, anjo... — Darcy prosseguiu com as carícias, enlouquecendo-o. Ele fechou os olhos, e seus caninos surgiram, enquanto sentia os lábios femininos em seu sexo. Nunca nada o fizera sentir-se tão bem. A sensação era tão boa que ele poderia morrer naquele exato instante com um sorriso nos lábios. Esforçou-se para se controlar. Ele havia declarado que o perigo o fazia sentir-se mais vivo. Mas aquilo não era nada se comparado ao que es­tava experimentando. E queria viver muito mais para desfrutar disso outra vez.

— Anjo... chega — ele murmurou, abaixando-se até ficar de joelhos diante dela.

Darcy sorriu, satisfeita ao notar os caninos à mostra e o brilho dos olhos negros.

— Não gosta disso? — ela o provocou.

— Gosto muito, mas agora chegou a sua vez.

Ele a libertou da camiseta e do sutiã e começou a su­gar-lhe os seios. Felizmente não precisava se preocupar em respirar, ele pensou quando o calor tomou conta de seu corpo. Como um homem podia se lembrar de algo tão tedioso quanto uma respiração quando confrontado com tamanha beleza?

Seus dedos deslizaram pelas curvas dos seios, enquan­to mantinha o mamilo entre os lábios. Tocara inúmeras humanas antes, mas nunca se sentira fascinado por nin­guém como se sentia por Darcy. Não querendo analisar a estranha obsessão que tinha por essa mulher, Styx tomou-lhe a boca em um beijo famin­to, deitando-a no chão antes de cobri-la com seu corpo.

— Você tem o gosto da primavera... — ele murmurou, enquanto sua língua brincava com o mamilo intumescido.

Darcy gemeu, arqueando-se em um silencioso convite.

— E qual é o gosto da primavera?

— Mel... E néctar... E luz do sol. — Darcy fechou os olhos.

— Oh, Deus...

— Eu apenas comecei anjo — ele prometeu.

Styx despiu-a e passou a explorar com as mãos e a boca o corpo macio e tentador. Ele não mentira. Darcy tinha gosto de néctar, doce o suficiente para turvar a mente de qualquer vampiro. Com os lábios, tocou o interior de uma coxa, deslizan­do a língua até a intimidade úmida e quente. Acariciou-a, fazendo-a gemer. Ao sentir que estava próxima do clímax, deitou-se sobre ela, buscando-lhe a boca enquanto a pene­trava. Darcy o envolveu com pernas e braços, puxando-o para mais perto.

— Você deve mesmo ser um anjo... — ele sussurrou, movendo-se num ritmo cada vez maior. — Porque me mos­trou o céu. — Ela riu baixinho, mas logo se entregou completamente ao prazer. Styx enterrou o rosto na curva de seu pescoço e, ao senti-la chegar ao clímax, inseriu os caninos na pele macia, sugando, então, sua essência. Penetrou-a mais profundamente e atingiu o próprio êxtase.

Era algo muito bom que ele fosse imortal. Certamente um prazer como esse levaria um mero homem ao túmulo.

 

Salvatore bufou, irritado. Sophia logo chegaria a Chicago, e ele ainda não conseguira colocar as mãos em Darcy. Para piorar as coisas, Hess agora o informava que um intruso entrara no prédio e estava para... Bem, Hess não tinha muita certeza do que o intruso pretendia fazer.

Subitamente, Salvatore teve sua curiosidade desper­tada. Sentira a presença do pequeno demônio. Inspirou fundo, incapaz de acreditar no seu inesperado golpe de sorte.

— A gárgula que cheirei no abrigo de Styx... — ele murmurou. — Que intrigante!

Hess farejou o ar e lutou para não se transformar em lobo.

— Ele pertence ao vampiro?

— É o que parece.

— Mas nem se parece um gárgula. Vou engoli-lo na primeira mordida.

— Não — determinou Salvatore. — Ele obviamente está aqui para espionar para os vampiros. Vamos assegurar que leve alguma coisa ao Anasso.

Hess arregalou os olhos, indignado.

— Ficou louco? Devemos matá-lo.

— Ora, Hess. — Salvatore suspirou. Mestiços! — Você está sempre ansioso para resolver seus problemas com violência quando a diplomacia nos serviria muito mais.

— Quando se mata um inimigo, não se precisa de diplomacia.

— Uma lição, meu amigo. Um homem sábio consegue manipular as pessoas. Até mesmo os seus inimigos.

Hess tentou entender o que o chefe queria dizer.

— O gárgula?

— E, por meio dele, o seu senhor — disse Salvatore, sorrindo levemente.

— Mas o senhor foi rápido o suficiente para enterrar uma flecha no peito do vampiro. — Salvatore deu de ombros. Não podia negar que sentira um enorme prazer derrubando aquele bastardo arrogante. Pena que não conseguira matá-lo.

— Bem, ele se tornou um alvo irresistível. Hoje à noite, porém, pretendo usar outro tipo de flecha para atingir o Anasso.

— E o que vai fazer?

— Deixe que eu me preocupe com o gárgula — Salvatore ordenou. — Quero que se assegure de que ninguém aqui o perturbe. Queremos que o pequeno demônio acredite que conseguiu entrar sem ser percebido. — Hess hesitou antes de concordar e desaparecer na es­curidão. Salvatore sabia que o servo podia preferir saciar a sede de sangue, mas que não era tolo para desobedecer à ordem que recebera.

Afastando-o de sua mente, voltou à atenção para o gárgula, que se aproximava com cuidado. Um sorriso surgiu em seu rosto. A esta altura, a montanha estava prestes a vir até Maomé.

 

Darcy suspirou. Não pretendera seduzir Styx quando tinha ido à sua procura. Pelo menos, não conscientemente. Mas que mulher po­dia observar um homem como ele sem ter as paixões em polvorosa?

Deitada no tapete macio, ainda envolvida nos braços dele, era fácil viver o momento. Sentindo-se profundamen­te saciada, tocou o estranho amuleto que ele sempre usava no pescoço. Levantou a cabeça, e seus olhares se cruzaram.

— Está definitivamente derrotado? — ela perguntou suavemente.

Um leve sorriso surgiu nos lábios de Styx.

— Declaro derrota, apesar de ter que admitir que me sinto mais como um vitorioso.

O calor voltou a invadir o corpo de Darcy.

— Estranho. Eu também me sinto assim.

— Por que saiu da minha cama esta noite? Senti sua falta ao acordar.

— Você estava ferido e precisava descansar. Além do mais, não sou do tipo de ficar na cama.

— Algo que pretendo mudar em você.

— E como pretende fazer isso?

— Se quiser que eu demonstre, podemos voltar ao meu quarto.

Darcy riu.

— Acho que qualquer demonstração terá de esperar até mais tarde. Diferentemente de você, sou humana o sufi­ciente para precisar de algum tempo para me recuperar.

— Você não é uma mera humana.

Ela se inquietou. Não podia evitar isso. O mistério de sua origem a atormentaria até descobrir a verdade.

— Talvez eu seja mais que uma humana, mas exata­mente o quê? Nem mesmo Shay conseguiu me dizer.

— Então conheceu Shay?

— Como se você não soubesse! Decerto, sentiu o cheiro dela no momento em que Shay pisou nesta casa. — Darcy sacudiu a cabeça. — Esse costume de você de cheirar está começando a me deixar louca. Não é educado, sabia?

— A maioria dos demônios usa o olfato para sobrevi­ver. Mas você gostou de conhecer Shay?

— Muito. — Darcy sorriu, lembrando-se da bela mulher. — Gosto dela. Sei que vocês dois tiveram problemas...

— Problemas. — Styx franziu o nariz. — Sim, acho que pode chamar assim. Certamente, ela a alertou de que sou um bastardo sem coração.

— Sim.

Ele a acariciou de leve no rosto, seus olhares se encontrando.

— E mesmo assim você me procurou... Não posso ima­ginar outra mulher que, em seu lugar, não teria ódio ou medo de mim. Não apenas sou um vampiro, mas eu a aprisionei e a mantive aqui contra a sua vontade.

— Tem razão. Eu deveria ter medo e me ressentir de você.

— E por que isso não acontece?

— Para ser honesta, não sei exatamente o motivo. Tal­vez porque nunca tenha me sentido realmente uma prisio­neira. Afinal, você não me trancou em um quarto, deixou claro que sua cozinheira sempre deveria me oferecer mi­nhas comidas favoritas e mandou Levet sair debaixo de neve para pegar minhas plantas. Ou talvez porque eu não pense como a maioria das pessoas.

— Acredito que você é uma mulher que segue o coração, em vez da cabeça.

— O que significa que sou impulsiva e não uso o bom-senso — ela concluiu.

— Significa que é bondosa e capaz de ver algo de bom mesmo naqueles que não merecem a sua simpatia. — Deslizou os dedos na pele macia do pescoço de Darcy. — Mesmo em um vampiro rude e sem coração.

— Não é assim, Styx. — Ela meneou a cabeça. — É bem o contrário.

— Poucos concordariam com você, anjo.

— Porque você insiste em parecer rude. Isso o ajuda a ser visto como um líder capaz, mas sei que não é assim.

Styx a fitou, fascinado. Nesse momento, bateram na porta.

— Droga, DeAngelo! Vá embora.

— Mestre, o senhor tem peticionários.

— Peticionários? — Darcy indagou.

Com uma careta, Styx se levantou seu corpo nu bri­lhando sob a claridade.

— Vampiros que pedem justiça. Terei de atendê-los.

— É duro ser rei, não é?

— Mais vezes do que seria esperado — ele resmungou, vestindo-se. — Estará aqui quando eu voltar?

Darcy sorriu.

— Há outro lugar aonde eu possa ir? — Ele se inclinou e a beijou gentilmente.

— Não há lugar onde eu não pudesse encontrá-la.

Styx não podia negar o desapontamento ao ter que sair do lado de Darcy.

— Quem quer me ver? — ele perguntou a DeAngelo.

— Eles disseram se chamar Victoria e Uther. Vieram da Austrália pedir asilo.

— Por que não procuraram Viper? Não tenho um clã.

— Não, mas pode lhes oferecer proteção contra seu chefe. — DeAngelo franziu a testa. — O chefe os desafiou para um Confronto Sangrento.

Styx ficou surpreso. Um Confronto Sangrento era uma batalha em que dois oponentes lutavam até a morte. Um desafio que não podia ser visto sem a devida atenção.

— O que está em disputa?

— O chefe os acusou de conspirar para assumir o con­trole do clã. — DeAngelo deu de ombros. — Eles negam a acusação e dizem que o chefe descobriu que eles eram amantes e quer impedi-los de ficar juntos.

Styx se irritou. O que ele menos queria era se envolver em uma briga doméstica. Especialmente uma que iria man­tê-lo longe de Darcy. Infelizmente, um Confronto Sangrento fora pedido, e ele era forçado a analisar a situação. Droga!

— Eu os receberei — resmungou, seguindo para a sala onde sentia que os vampiros o esperavam.

Ao entrar, observou a mulher alta e morena e o enorme vampiro quando eles se colocaram de joelhos e pressiona­ram suas cabeças no carpete.

— Milorde — ambos disseram. Styx suspirou.

— Levantem-se, Victoria e Uther, e revelem por que procuraram a justiça do Anasso.

 

Já estava amanhecendo quando Darcy deixou o solário e entrou na cozinha. Não havia visto Styx desde que ele fora chamado para atender aos peticionários, e deduziu que ainda se encontravam em conferência.

Pegava uma maçã quando Levet entrou praguejando. Arrepiou-se quando o ar frio invadiu o aposento.

— Bons céus, você parece congelado! — exclamou.

— De fato, estou congelado — Levet resmungou. Sacudiu as asas, tentando livrá-las do gelo. — Um dia desses eu gostaria de enfiar aquele vampiro miserável dentro de um freezer e ver se ele gostaria de se tornar um demônio de gelo.

Darcy pegou uma toalha e começou a secar gentilmente a pele do gárgula.

— Styx mandou você sair de novo?

— Acha que eu adoro ficar brincando na neve?

— Por que ele fez isso? — Ela ficou aborrecida. O que Styx estava pensando? O pobre gárgula estava quase azul de frio.

— Oh... — Uma estranha expressão surgiu nas feições dele. — Uma pequena missão. Onde está milorde?

— Está atendendo uns vampiros que chegaram.

— Sacre Meu. Como um vampiro pode me enviar para debaixo da neve e depois me fazer esperar até que esteja disposto a me receber?

Observando-o, Darcy notou um grande envelope em uma de suas mãos. Informação que poderia muito bem ter algo a ver com ela.

— Você ainda não me disse o que esteve fazendo — ela o lembrou.

Levet pareceu inquieto.

— Não tenho certeza de que o seu captor queira que ou comente com você o que descobri.

— Ora, diga-me logo onde esteve! — Levet acabou sorrindo.

— Consegui entrar no abrigo do lobisomem. — Ah, ela sabia que se tratava disso...

— Que esperteza a sua, Levet. Sem mencionar a coragem.

— Bem, tenho a reputação de ser extremamente corajoso, quando a situação assim o exige.

— Posso entender por que ganhou essa reputação. — Darcy olhou para o envelope. — Descobriu algo de valor?

— Descobri algo intrigante.

— Posso ver? — Ela estendeu a mão, arqueando a so­brancelha quando ele hesitou. — Levet?

Ele fez uma careta, mas acabou suspirando.

— Suponho que vai acabar vendo o que tenho aqui.

Darcy sentiu uma pontada no estômago. Não conse­guia imaginar o que os lobisomens podiam possuir que se referisse a ela. Sentia-se inquieta. Segredos eram coisas perigosas. Porém, ela precisava saber.

O gárgula lhe estendeu o envelope.

Engolindo em seco, ela se sentou em uma das cadeiras junto à mesa. Seus joelhos tremiam. Ao abrir o envelope, encontrou fotos. Retirou-as e as colocou sobre a mesa.

— Deus meu! — exclamou. Eram retratos dela. Todos tirados nas últimas duas semanas. Ali estava ela na mer­cearia; no parque; em seu pequeno apartamento. Ficou enjoada. — Estiveram me espionando. Isso é assustador.

— Há mais — Levet disse suavemente, estendendo-lhe uma foto, que mantivera escondida.

Darcy pegou-a, e sentiu um arrepio no corpo ao olhar a imagem de uma mulher com longos cabelos loiros e olhos verdes. Se não fosse obviamente mais velha nem tivesse o cabelo mais comprido, poderia passar por sua irmã gêmea.

— Meu Deus! Ela se parece comigo. Pode até ser minha mãe. — Sentindo o mundo inteiro girar, Darcy não notou a fi­gura alta e silenciosa que entrara na cozinha até sentir a mão fria em seu ombro.

— Darcy, o que foi? — Ela saltou da cadeira e se viu diante de Styx. Com a mão trêmula, estendeu-lhe a foto.

— Veja.

Inesperadamente, a expressão dele endureceu.

— De onde veio isso?

Levet deu um passo à frente, parecendo aborrecido.

— Do esconderijo de Salvatore. Você me disse para espionar lá.

— Sim. Disse também que trouxesse as informações diretamente para mim, e não para Darcy. No que diabos estava pensando?

— Por que ela não deveria ver? Os retratos, afinal, interessam a Darcy.

— Claro que me interessam — ela disse. — Oh, preciso falar com Salvatore!

— Fora de questão.

Ela se empertigou. Notou o manto que Styx usava, pro­vavelmente era um símbolo de autoridade. Um símbolo que certamente lhe subira à cabeça se pensava que podia orde­nar que ela ficasse ali, como se nada estivesse acontecendo.

— Isso certamente não está fora de questão. — Ela balançou a foto diante do nariz do vampiro arrogante. — Entende o que isto significa? Eu tenho... Família. E o lobisomem sabe onde está.

Styx arrancou a foto de sua mão e a olhou duramente.

— E se for uma armadilha? Salvatore está desesperado para colocar as mãos em você. Acha que poderá simples­mente confrontá-lo, que ele lhe dirá o que quer ouvir, e ficará tudo bem?

Algo semelhante a desapontamento tomou conta do co­ração de Darcy. Talvez fosse normal que Styx encarasse com suspeita tudo o que dizia respeito aos lobisomens, mas ele poderia pelo menos entender sua ansiedade. Pelo amor de Deus, ela esperara esse momento por trinta anos!

— Não há armadilha alguma. Seja quem for a mulher da foto, ela se parece comigo. O suficiente para ser minha mãe.

— Darcy... — Styx estendeu a mão para tocá-la, mas ela recuou ime­diatamente. Não queria que a distraísse com carícias.

— Não, eu preciso saber. — Mesmo impaciente Styx recuperou o controle sobre si mesmo.

— Então descobriremos a verdade — ele disse com a voz cheia de autoridade.

— Como?

— Vou procurar Salvatore. — Darcy revirou os olhos.

— Certo, porque funcionou muito bem da última vez. — Um brilho de raiva surgiu nos olhos do vampiro. Não gostava de ser lembrado de que Salvatore levara a melhor sobre ele.

— Fui pego distraído. Eu lhe asseguro que isso não vai acontecer de novo.

Darcy acreditou nele. Styx mataria o puro-sangue antes que o lobisomem tivesse chance de humilhá-lo outra vez. E isso a impediria de descobrir a identidade da mulher da foto. Não conseguiria respostas de um lobo morto.

— Talvez não, mas Salvatore não vai querer responder a qualquer pergunta de seu inimigo mortal, não é?

— Responderá se souber o que for melhor para ele.

— Oh, pelo amor de Deus! Não vai conseguir arrancar a verdade dele. — Darcy apontou para a foto. — Talvez seja esta a razão de ele estar me procurando. Talvez essa mulher o tenha pagado para me encontrar.

— Ou ela pode estar nas mãos dele.

Ela colocou a mão sobre o coração. O pensamento de que essa desconhecida pudesse ser prisioneira dos lobiso­mens era suficiente para fazê-la entrar em pânico.

— Deus meu! Precisamos fazer alguma coisa.

— Eu já prometi que lidaria com isto, Darcy. Deixe tudo por minha conta.

Ela respirou fundo. Esse era o vampiro mais teimoso que existia no mundo.

— Se insiste em se envolver na situação, tudo bem, mas eu vou pessoalmente confrontar Salvatore.

O olhar de Styx endureceu.

— Esta não é uma decisão que possa tomar.

— Estou tomando a decisão e pronto. Não vou permi­tir que arrisque a vida dessa mulher porque quer punir os lobisomens.

Darcy encerrou a discussão e seguiu para a porta.

— Onde está indo? — Styx grunhiu.

— Vou me vestir.

Styx observou-a sair da cozinha, controlando a raiva. Voltando-se, ele apontou o dedo para o pequeno demônio, que tentava se esconder atrás de uma cadeira.

— Você... — ele murmurou com voz letal. — Você fez isso.

Com esforço, o gárgula levantou o queixo, tentando mostrar-se corajoso.

— Ei, não culpe o mensageiro. Afinal, foi você quem me mandou à toca do lobisomem. Eu poderia ter sido morto. — Uma pena que isso não tivesse acontecido, Styx pen­sou maldosamente. Ele fora até a cozinha na esperança de encontrar Darcy e terminar a noite tendo-a nos braços. Precisava de momentos de tranqüilidade após ter passado um bom tempo lidando com dois vampiros exigentes, que es­peravam que ele magicamente resolvesse seus problemas.

Agora não poderia mais tocá-la. Não quando era obriga­do a convencer a cabeça-dura de sua prisioneira de que não havia chance alguma de ela se aproximar de Salvatore.

— Então voltou com fotos que vão levar Darcy direta­mente para os braços do inimigo — ele grunhiu.

— Eu diria que ela já está nos braços do inimigo.

— Tome cuidado com o que diz gárgula.

— Pode negar isso? — O pequeno demônio saiu de trás da cadeira, balançando a cauda. — foi você quem a raptou. É você quem a mantém prisioneira. É você quem a está usando para alcançar os seus objetivos.

Styx apertou as mãos com força. Era isso ou estrangular o gárgula. Não precisava ser lembrado de que era um vilão nessa história absurda. No momento, estava preocupado com vilões mais perigosos.

— Salvatore é aquele com quem você devia se preocupar, seu idiota. Ele vem investindo tudo para pôr as mãos em Darcy.

— Você não tem prova de que ele pretende fazer-lhe algum mal.

— E tampouco tenho prova de que não pretende. — Styx precisou de muito esforço para dominar a sua raiva e não socar, morder ou matar alguém. — Confia em um lobisomem que já provou não ter respeito por lei alguma?

— Não confio nem em vampiros nem em lobisomens — Levet resmungou. — As duas raças são espertas a ponto de virar a seu favor qualquer situação.

— Se Darcy vier a se machucar, eu o responsabiliza­rei pessoalmente, Levet. Jamais deveria ter lhe mostrado aquela foto.

— Você não a mostraria nunca?

— Claro que não. Por que perturbá-la?

— Mesmo sabendo que a foto poderia oferecer a ela tudo o que vem desejando no mundo?

Styx abanou as mãos, como se descartando o argumento do gárgula. Não poderia permitir que Darcy escapasse dele.

— Não conhecemos os planos de Salvatore, Levet. Ainda não sabemos de nada.

— Se essa mulher for mãe de Darcy... — Levet se inter­rompeu diante do olhar furioso de Styx.

— Chega! Discutiremos isso mais tarde. Por ora vou tentar convencer Darcy a não procurar Salvatore e evitar que ela caia em uma armadilha.

 

Darcy percebeu que suas mãos tremiam enquanto ves­tia o jeans e a camiseta.

Na semana anterior fora seguida por um lobisomem e raptada por um vampiro. Isso era mais do que suficien­te para deixar a mais calma das mulheres à beira de um ataque de nervos.

Mas nada a havia perturbado tanto quanto o retrato.

Precisava procurar Salvatore e descobrir a identidade da mulher. Estivera guardando muitas perguntas por tempo demais. Havia acabado de calçar as botas quando a porta de seu quarto se abriu. Styx entrou, com um olhar distante e severo. Colocando as mãos na cintura, ela se recusou a temer a reação do vampiro. Talvez fosse tolice, mas não sentia medo. Nem mesmo quando ele a segurou pelo braço.

— Darcy, precisamos conversar — ele disse em voz baixa.

— Não. — Ela enfrentou seu olhar. — Não vou conver­sar sobre isso. Tenho de saber a verdade.

— E não acredita que eu descobriria a verdade para você?

— Acredito que seja capaz de fazer o melhor para o seu povo — ela disse com cautela. — E tem de admitir que o melhor para o seu povo possa não ser o melhor para mim. Isso é algo que eu mesma tenho de fazer.

Ele se enrijeceu, como se ela o tivesse esbofeteado.

— Sozinha?

— Styx, isso é importante para mim. Passei a vida in­teira me perguntando o que tinha acontecido com a minha família. Se há alguém lá fora que tem as respostas, tenho de procurá-lo. Certamente pode compreender isso.

Ele caminhou até a janela. Darcy notou que estava muito tenso.

— Parece ter se esquecido de um fato importante anjo — ele disse, com a voz rouca. — No momento, você é minha prisioneira.

Prisioneira. O coração dela pareceu parar de bater.

— Vai me impedir de falar com Salvatore?

— Eu a manterei protegida.

— E quanto a essa mulher? E se desaparecer antes que eu possa falar com ela? E se Salvatore lhe fizer algum mal?

Styx voltou-se lentamente, seu olhar indecifrável.

— Entendo que esteja aborrecida.

Darcy se esforçou para respirar. Não, não, não! Isso não podia estar acontecendo. Não quando estava tão perto! Nem mesmo um vampiro podia ser tão insensível.

— Claro que estou aborrecida! Passei a minha vida in­teira esperando por este momento. Não posso deixá-lo escapar. — Ergueu o queixo em desafio. — Não deixarei que ele escape.

— E eu não permitirei que corra em direção ao perigo enquanto está obviamente atordoada. Salvatore é peri­goso; não é um humano a quem você possa manipular com o bater de seus cílios ou um sorriso. Ele poderia matá-la sem pestanejar.

— Não ouse mandar em mim!

— Pois minha decisão está tomada, Darcy. Farei o que for preciso para descobrir quem é essa mulher, e você ficará aqui. Está claro?

Darcy deu um passo para trás, o olhar frio como gelo.

— Sim. Posso, por favor, ter alguma privacidade?

Algo que poderia ser arrependimento surgiu nos olhos de Styx enquanto ele a tocava no rosto.

— Anjo, não quero deixá-la aborrecida, mas tem de en­tender que não posso arriscar que Salvatore a pegue. — Ela se livrou da mão de Styx, recusando-se até mesmo a ouvir sua voz. Por mais que o respeitasse pela dedicação que ele devotava ao seu povo, neste momento ele era aque­le que a mantinha prisioneira, e não o seu amante. Ele se colocava entre ela e a verdade que tão desesperadamente queria descobrir.

— Você já deixou bem claro que não quer arriscar o seu trunfo, Styx. — Ela olhou para a porta. — Agora, saia, ou será que perdi o direito de ficar alguns minutos sozinha?

Um silêncio inquietante invadiu o quarto, e Darcy te­meu que Styx se recusasse a sair. Podia sentir que ele esta­va com a mente cheia de pensamentos sombrios.

— Talvez devêssemos conversar depois que você tenha descansado — ele finalmente respondeu. Caminhou até a porta e se voltou ao abri-la. — Não sou seu inimigo, Darcy. Se pudesse confiar em mim, eu provaria isso a você.

Com essas palavras, ele saiu do quarto, deixando para trás seu cheiro exótico e másculo.

Logo que se viu sozinha Darcy fechou os olhos.

Se pudesse confiar em mim...

Maldição! Confiava nele. O que confirmava a opinião de muita gente de que ela era completamente idiota. Que mulher com bom-senso confiaria em um predador letal? Porém, mesmo confiando, sabia que ele era honrado de­mais para se esquecer de suas obrigações e deveres. Ele faria tudo o que tivesse de fazer. Assim como ela.

Ignorando a estranha dor no coração, Darcy entrou no banheiro anexo ao quarto e fechou a porta. Quando Levet fora buscar seus pertences, ele trouxera também o telefo­ne celular e algum dinheiro, que ela mantinha guardados na gaveta de meias. Ao perceber isso, ela escondera tanto o telefone quanto o dinheiro entre as toalhas debaixo da pia. Sabia que tal­vez pudesse precisar disso para escapar daquela elegante prisão. E que Styx não facilitaria as coisas.

Pegou o telefone, pensando em quem poderia ajudá-la.

Não a polícia. Iria considerá-la uma louca quando afirmasse que havia sido raptada por um vampiro. Isso se Styx e os seus homens não fizessem algo horrível aos poli­ciais quando tentassem entrar na propriedade, O mesmo era verdade quanto aos amigos. Não poderia Colocar nenhum deles em perigo por causa dos próprios problemas.

Isso a deixava... Sem ninguém.

Rangeu os dentes, pensando...

Subitamente, uma imagem lhe veio à mente. Shay. A bela Shalott deixara muito claro que estava pronta para ajudá-la em qualquer coisa que precisasse. E o mais importante era que Shay não temia nem Styx nem seus vampiros.

Ela era perfeita. Agora, se ela pudesse descobrir o telefone de Shay...

— Darcy.

O telefone caiu de suas mãos quando ela viu Styx entrar no banheiro e ficar diante dela.

— Droga! O que está fazendo aqui? Eu lhe disse...

As palavras cessaram quando ele começou a acariciar de leve seus lábios.

— Shh... Não se preocupe anjo, tudo está bem — ele murmurou.

Darcy estremeceu quando seus olhos se encontraram.

— Styx? — Subitamente uma enorme paz a envolveu. Não podia ver nada além daqueles olhos negros que a fitavam, ouvir nada além de sua voz suave e persuasiva.

— Você está muito cansada, Darcy. Precisa se esquecer de seus problemas desta noite. Esqueça que Levet voltou do esconderijo de Salvatore. Esqueça os retratos.

Darcy tentou resistir ao desejo de fechar os olhos.

— Mas...

— Esqueça Darcy. Agora durma. — Ela dormiu.

 

Viper sacudiu a cabeça enquanto olhava para o retrato.

— A semelhança é incrível — ele concordou, levantan­do a cabeça para observar Styx, que andava pelo pequeno escritório de sua casa noturna. — E Darcy não sabe quem é a mulher?

— Não sabe de nada. Ela ficou muito perturbada com as fotos. Em especial depois que Levet admitiu que as houvessem encontrado no esconderijo de Salvatore. — Tocou distraidamente o medalhão em seu pescoço. — Como todos os huma­nos, Darcy tem uma tendência a tirar conclusões sem ter em mãos evidências de fato. Está convencida de que a mu­lher é parenta sua. Talvez sua mãe.

— Mas parece ser uma conclusão lógica. A semelhança é impressionante. Não pode ser mera coincidência.

Pelos deuses, apenas ele continuava a ter bom-senso?

— Pode ser apenas um artifício de Salvatore para atrair Darcy ao seu esconderijo.

— Isso é verdade — Viper concordou. — E como está Darcy? Você disse que ela se perturbou com as fotos.

Styx lembrou-se da esperança que brilhara nos olhos dela.

— Mais do que se perturbou. Estava determinada a ir ao encontro de Salvatore e exigir explicações.

— O que não me surpreende. Shay me ensinou que os humanos têm uma grande necessidade de possuir uma família. Parece que isso lhes traz felicidade e segurança.

— Isso lhes tira o bom-senso. Darcy colocaria tudo em perigo por causa de uma foto boba.

— Não se trata de uma foto boba para ela, Styx. E não creio que Darcy esteja muito satisfeita com você neste mo­mento. Tem de manter um olho nela, velho amigo. Sinto que, sob o doce sorriso, há uma vontade de ferro. Se ela decidir escapar, não vai ser fácil detê-la.

Styx fechou os olhos por um instante.

— Não preciso temer que isto aconteça agora.

— Porque tem certeza de seu próprio charme?

— Não. Tomei as devidas providências para que ela não faça nada agora. — O tom frio de sua voz não revelava as fortes emoções que o dominavam.

— Que tipo de providências? Styx, você não alterou a memória dela, não é?

— Droga! Viper não precisava parecer tão chocado. Isso era o que vinham fazendo os vampiros através dos séculos. Foi à única solução razoável.

— Diabos! — Viper sacudiu a cabeça. — Não se usa os poderes sobre uma mulher que se levou para a cama.

Styx colocou o manto sobre os ombros. Não precisava de Viper para se lembrar de que o que fizera tinha sido errado.

— Fiz apenas o que foi necessário.

Havia chegado à porta quando as palavras de Viper o alcançaram.

— Talvez, mas se Darcy descobrir a verdade você estará encrencado, amigo.

 

Era quase meia-noite quando Darcy acordou, sentindo-se estranhamente desorientada. Começou a vestir o jeans e a camiseta. Sabia que não era enxaqueca. Talvez fosse o fato de estar doando sangue a Styx?

De qualquer maneira, uma boa refeição e respirar ar puro eram tudo de que ela precisava. E talvez um ou dois beijos de vampiro.

Ao entrar na cozinha, sentiu uma tontura e quase caiu. Pressionou a cabeça com as mãos. Além da tontura, havia uma sensação estranha, como se precisasse se lembrar de algo que tinha acontecido ali.

Isso não fazia sentido algum.

Tentou não entrar em pânico. Sentou-se, respirou fundo e lutou para entender as imagens que lhe vinham à mente. Havia alguma coisa... Levet, sim. O gárgula estava na cozinha, com um envelope nas mãos. E ela o pegava... O que havia no envelope?

Retratos. Retratos dela. E de alguém mais. Tudo lhe veio à mente, e ela se levantou, indignada.

— Desgraçado — ela murmurou.

Styx soube que havia algo de errado no momento em que se aproximou da mansão. Podia sentir a tensão que dominava os seus guardas quando chegou ao portão de ferro. Estacionou o Jaguar na garagem e entrou na casa. A primeira coisa que o atingiu foi o cheiro de fumaça.

Um incêndio acontecera ali. Muito recentemente. Entrou na sala de visitas, onde encontrou DeAngelo e dois outros vampiros falando em voz baixa, com expressões preocupadas.

— O que aconteceu?

— Senhor — DeAngelo curvou o corpo diante de seu chefe — temo que tenhamos falhado. O medo tomou conta de Styx.

— Darcy? Ela está ferida?

—Não, milorde, mas ela... Escapou. — O vampiro não escondeu o desgosto. — Por um momento, Styx apenas sentiu alívio por Darcy não ter se queimado. Poderia agüentar qualquer coisa, menos isso.

Ignorou os guardas que o olhavam como se pedissem des­culpas e tentou ordenar os pensamentos. Darcy escapara. Não acreditou nem por um momento que ela simples­mente tivesse acordado e decidido escapar das garras dele. Afinal, estivera ali por dias e nunca havia feito qualquer tentativa de fuga.

A tática que usara para que ela esquecesse os acontecimentos mais recentes falhara. Droga! Deveria ter levado em consideração que ela não era inteiramente humana. Afinal, havia uma série de demônios imunes às artes de um vampiro. Se ela tivesse conseguido se lembrar, então não apenas havia fugido. Provavelmente fora procurar Salvatore.

— Como ela conseguiu? — O tom de sua voz fez todos os vampiros gelar.

— Ela provocou fogo na cozinha e, enquanto estavamos distraídos apagando-o, ela usou os túneis para sair da mansão — DeAngelo confessou, consternado.

— Foi esperta — Styx admitiu. — Conseguiu distrair todos os vampiros da casa.

DeAngelo arreganhou os caninos, nitidamente irritado.

— Não devíamos ter sido enganados. Não há desculpa para isso.

O único pensamento de Styx era segui-la e trazê-la de volta para onde ela devia ficar.

— Há quanto tempo ela está fora daqui?

— Menos de duas horas. O fogo começou depois da meia-noite, mas não notamos o desaparecimento de lady Darcy até alguns momentos atrás.

Um frio tomou conta do coração de Styx. Duas horas? Era tempo demais.

— Droga! Ela pode estar bem longe agora.

— Quer que a procuremos?

Styx imaginou por um instante se o seu segundo em co­mando tinha enlouquecido. Nem mesmo todos os demônios do inferno poderiam impedi-lo de ir pessoalmente buscar Darcy Smith. Não duvidava de que a propriedade estivera constan­temente vigiada pelos lobisomens, mas talvez ela tivesse conseguido sair dali sem que a vissem. Precisava contar com a sorte. Grunhiu, frustrado.

Sempre fora um vampiro controlado e racional, que exe­cutava planos perfeitos. Não costumava confiar em destino nem na sorte. Não até aquele momento. Que os deuses fossem misericordiosos com ele!

O táxi deixou Darcy em um armazém sujo e isolado na área industrial da cidade. Não tivera opção. Seu dinheiro só dera para chegar até ali. Usou o celular para pedir a Gina que fosse levar-lhe algumas coisas.

Olhando em volta, percebeu que não fora seguida pelos Vampiros. Conseguira iludir a todos eles. Sentou-se em um canto, disposta a esperar pela colega. A demora não foi tanta.

— Darcy? Pensei que estivesse morta — Gina disse ao filtrar no armazém.

— E por que pensaria isso?

— Ora, você desapareceu do trabalho sem avisar nin­guém, não atendia o celular, não estava em seu apartamen­to, e a pizzaria onde você costuma fazer uns bicos me disse que não apareceu no seu turno. O que eu deveria pensar?

— Oh, bem... E chamou a polícia?

— Não.

— Mesmo achando que eu tivesse morrido?

— Ora, morto é morto. Não seria a polícia que a traria de volta.

— Tem razão. — Não podia culpá-la por não querer se envolver com a polícia. — Conseguiu encontrar o meu dinheiro?

— Sim, estava escondido no seu armário, como você disse. — Gina abriu o zíper da mochila e pegou o dinheiro, entregando-o à amiga.

— E o casaco?

— Eu o trouxe, mas não sei se vai querer usá-lo. Cheira a cigarro e cerveja.

Ótimo, Darcy pensou. Precisava de algo que disfarçasse seu próprio cheiro.

— Também trouxe algo para você comer. — Gina deu-lhe um pacote com barras de cereal. — Ah, já ia me esque­cendo... Sabe aquele bonitão que apareceu no bar na noite em que você sumiu?

— O que tem ele? — indagou Darcy, mordendo o lábio.

— Apareceu uma noite ou duas depois e deixou o número do celular. — Gina estendeu-lhe um papel. — Pediu que eu entregasse o número a você, caso voltasse. Quer que ligue para ele. Bem romântico.

O estômago de Darcy se revirou. Apesar de ter deixa­do a casa de Styx para procurar o lobisomem, não se es­quecera dos perigos que ele representava, nem dos retratos que Levet encontrara em seu esconderijo.

Que tipo de homem ficava tirando fotos de alguém desconhecido?

— Romântico? Só para quem gosta de maluco — ela resmungou.

— Bem, se não está interessada, ficarei feliz em ter a chance de pegá-lo para mim.

— Confie em mim, você não vai querer se envolver com esse homem. E um lobo vestido com terno de grife.

— O que isso quer dizer?

— Que deve ficar longe dele. O homem é perigoso.

— Oh, Deus! — Ela levou a mão à boca. — Ele é um traficante de drogas? É por isso que você sumiu da área.

Darcy decidiu que essa era uma boa mentira.

— Algo assim. Quero que tenha cuidado e que não se en­volva com ele. Bem, agora é melhor você ir. Obrigada por ter vindo.

— Não por isso. Até mais.

Gina deixou o armazém, e Darcy pegou o celular. Tinha de entrar em contato com Salvatore. Precisava apenas de coragem para isso.

 

Salvatore estava em seu escritório, lendo relatórios que haviam acabado de chegar da Itália quando o celular tocou, irritando-o. Quem o aborreceria a esta hora? Seu coração disparou ao descobrir quem estava ligando. Como manda­ra colocar um rastreador GPS no telefone de Darcy, conse­guiria localizá-la. Pressionando o aparelho no ouvido, ele deixou o aposento e fez sinal para que Hess o seguisse.

— Darcy? — ele indagou em voz suave. Houve um silêncio do outro lado. — Posso sentir que está aí. Fale comigo.

— Quero me encontrar com você — ela disse por fim. Salvatore desceu os degraus do hotel, tomado pela excitação. Sentia a preocupação na voz de Darcy, mas havia algo mais. Uma ponta de desafio. Mesmo o temendo, ela estava determinada a confrontá-lo. O que significava que o gárgula lhe mostrara a foto que ele havia deixado para ser encontrada.

— É o que eu também quero, apesar de preferir que nosso encontro aconteça em um lugar que não seja o abrigo de um vampiro. — Ele chegou ao fim da escadaria e entrou no lobby. — É bem-vinda para se reunir a mim em minha humilde casa. Pode não ser tão elegante, mas lhe prometo que será recebida como uma hóspede de honra.

— Não. Quero que nos encontremos em um lugar público, onde eu me sinta segura.

Ele não se aborrecia com o tom de voz de Darcy. Ela era uma mulher inteligente, e era natural que estivesse desconfiada.

Depois de deixar o prédio, Salvatore entrou no banco de passageiros de seu carro. Hess assumiu o lugar do motorista e ligou o veículo.

— Quantas vezes tenho de assegurar que não quero fazer mal algum a você? — Salvador perguntou, ligando o sistema GPS. Um sorriso surgiu em seus lábios quando a localizou. Era um armazém abandonado a oeste da cidade, bem afastado da proteção dos vampiros. — Você é para mim a coisa mais importante no mundo.

—Vamos ou não nos encontrar em um lugar público? — ela perguntou.

— Eu a encontrarei onde você quiser — ele murmurou.

— E vai me prometer que virá sozinho. — Salvatore sorriu enquanto Hess pisava mais fundo no acelerador.

—Bem, precisa ser razoável. Pelo que sei, esta pode ser uma armadilha planejada pelos vampiros. Não sou inteiramente estúpido.

— Tampouco eu. Não vou concordar em falar com você se vier com um bando de lobisomens.

— Então precisamos achar uma forma de nos encon­trarmos. Estou disposto a fazer o que for preciso...

Darcy o interrompeu, irritada.

— Seu miserável.

— Por que está zangada? — ele perguntou surpreso.

— Você já está aqui, não é? Estou sentindo o seu cheiro. Conseguiu me localizar.

Ele sentiu o sangue gelar.

— Há alguém aí?

— Você me seguiu ou colocou alguma coisa no meu telefone. Styx estava certo. Você não é confiável.

— Darcy, tem de me escutar. — A voz dele revelava toda a sua preocupação. — Quem está aí no armazém não sou eu, nem nenhum dos meus homens.

— Ah, é? Como sabe que estou em um armazém, Salvatore? Admita você me localizou.

Salvatore grunhiu baixinho. Pela primeira vez em sua existência, lutou para não se transformar em lobo contra a sua própria vontade. Se alguma coisa acontecesse a Darcy...

— Sim, o telefone está sendo monitorado, mas ainda es­tamos a quadras daí — ele confessou. — Não sei quem está no prédio, mas você está correndo perigo.

— E por que eu deveria acreditar em você? — Ela ofegou ao escutar um grunhido vindo de um canto do armazém. — Droga!

O instinto de Salvatore entrou em alerta. Ele reconhe­ceu aquele grunhido. Poderia pertencer apenas a alguém...

— Escute-me, Darcy saia já daí! — Ele fez um sinal para que Hess aumentasse a velocidade. — Darcy?

A linha caíra. Ele se voltou para Hess.

— Faça-me chegar ao armazém em menos de quinze minutos, ou comerei o seu coração no café da manhã.

 

                                             Capítulo III

Darcy enfiou o celular no bolso e observou a mulher para­da perto dela. Não parecia do tipo que andava em arma­zéns sujos e abandonados. Não com aqueles cabelos negros, longos e bem tratados, o rosto perfeito e os olhos amendoados. Parecia do tipo que apreciava seda e champanhe.

Ainda assim, Darcy era inteligente o bastante para não ser enganada pelas aparências. O que vivenciara nos últi­mos dias lhe ensinara uma coisa: as criaturas mais belas do planeta eram as mais letais. A mulher não era humana. Ou, pelo menos, não inteira­mente humana.

Darcy recuou até uma das janelas. Precisava de uma rota de fuga, caso a situação saísse do controle.

— Então você é a misteriosa e fascinante Darcy Smith... — ela disse em uma voz que lhe provocou arrepios. — Achei que as fotos escondessem a sua beleza, mas posso ver que é um tipinho bem comum.

— Lamento desapontá-la. Nós já nos conhecemos?

— Você já estaria morta se tivéssemos nos conhecido — a mulher grunhiu os olhos negros começando a brilhar com uma luz peculiar.

Sentindo outro arrepio percorrê-la, Darcy instintivamen­te se aproximou ainda mais da janela quebrada. Começava a reconhecer aquele brilho... Tratava-se de uma mulher-lobo. Darcy se encontrava em uma situação muito séria. Podia derrotar humanos, mas nunca acreditara ser capaz de ven­cer um lobo enfurecido.

— Vou me arriscar a dar um palpite. Parece que não gosta muito de mim. — Darcy tentava distrair a criatura que se aproximava perigosamente. — Poderia me contar o que fiz para ofendê-la?

— Você por si só já é uma ofensa.

— Não poderia especificar um pouco mais?

— É humana. — Ela voltou o rosto e cuspiu no chão.

— Sou ofensiva porque sou humana?

— É ofensiva porque Salvatore parece preferir você a mim. — Era só o que lhe faltava! Uma ex-namorada psicopata. Uma que por acaso era mulher-lobo. Discretamente, Darcy começou a abrir a janela.

— Então Salvatore não sabe que você está aqui?

— Claro que não. O idiota está tão fascinado por você que me mataria se soubesse que eu ousei atravessar o seu precioso caminho.

— Mesmo assim, aqui está você... — ela disse, tentando subir a vidraça um pouco mais.

— Salvatore não deveria ter me dispensado. Posso não ser puro-sangue, mas não sou uma qualquer, que ele possa descartar como lixo. Ele vai pagar pelo que fez.

— Veja, estou certo de que o que houve entre vocês dois não passou de um mal-entendido. Eu nem o conheço direito.

A vidraça estava agora aberta pela metade. Mais alguns minutos, e ela poderia se arriscar a escapar.

— Na verdade — Darcy continuou —, somos pratica­mente estranhos. Talvez, se você conversar com ele, tudo se resolva.

— Vou resolver tudo agora. — Com um grunhido, a mulher saltou à frente, trans­formando-se em loba diante do olhar surpreso de Darcy. Saber que essas criaturas existiam era uma coisa. Outra bem diferente era observar uma mulher se transformando em uma fera.

Aterrorizante!

Recuperando-se da surpresa, Darcy conseguiu dar um salto para o lado, escapando do ataque, e ouviu um grunhido de frustração. Ela não desviou o olhar do animal, que estava pronto para avançar mais uma vez. Não tinha idéia de como lutar contra ele, mas precisava fazer alguma coisa.

Quando a fera veio de novo em sua direção, Darcy, ins­tintivamente, chutou-a com ambas as pernas. Para sua sur­presa, conseguiu atingi-la e correu em direção à porta. Mais uma vez, o instinto salvou sua vida quando se des­viou de um novo ataque. Usou suas pernas novamente para contra-atacar. A fera foi lançada para longe e caiu no meio de barris, mas logo estava outra vez em pé. Foi quando Darcy notou um cano a poucos metros de distância. Pegou-o e continuou seu caminho em direção à porta. Ao sentir o ataque iminente, voltou-se, usando o cano para se defender. Dessa vez, a fera foi atingida e tombou, sangrando muito pelo ouvido.

Chocada com o que acontecera, Darcy sentiu-se enjoa­da. Tinha usado mais força do que pretendera. Sempre sou­bera que era mais forte do que os humanos, mas derrubar uma mulher-lobo... Ela era realmente uma aberração. Balançando a cabeça em desalento, procurou afastar os pensamentos absurdos. Deixou o armazém para trás e notou um carro esporte estacionado por perto.

Com cautela, aproximou-se do carro, olhando em volta para ver se estava realmente sozinha. O coração deu um pulo quando notou que as chaves estavam na ignição.

Definitivamente, a sorte estava do seu lado.

Abriu a porta e sentou-se diante do volante. O motor ga­nhou vida na primeira tentativa, e Darcy começou a mano­brar para sair do estacionamento.

Não sabia para onde estava indo, mas queria se afas­tar dali. Salvatore chegaria a qualquer momento. Não con­fiava no puro-sangue. Não importava muito se não tivesse sido ele a mandar a mulher à sua frente. No fundo, era o responsável pelo ataque. Era melhor se esconder por uns tempos antes de encontrar o lobisomem.

Tirou o celular do bolso. Enquanto dirigia em uma estra­da vazia, ela decorou o número de Salvatore. Quando teve certeza de que não o esqueceria, abaixou a janela do carro e, com um pequeno sorriso, lançou para longe o aparelho, que caiu em um terreno baldio. Estava cansada de se ver envolvida em uma guerra en­tre demônios, uma guerra que ela não entendia bem. Desse momento em diante, pretendia participar do jogo seguindo suas próprias regras.

Styx soltou alguns palavrões ao entrar no armazém es­curo. Apesar de sentir o odor de Darcy no ar, era óbvio que ela não estava mais ali. Para piorar as coisas, havia um inegável cheiro de lo­bisomem por perto. Caminhando por entre as sombras, Styx descobriu a mulher caída no chão, inconsciente. Tinha um ferimento no rosto e outro na cabeça.

Darcy fizera aquilo?

Parecia inacreditável que a inocente e doce Darcy tivesse conseguido lutar contra uma mulher-lobo, mesmo mestiça. O fato é que nada a respeito de Darcy era previsível. Ela o deixara confuso e fascinado desde o momento em que a raptara.

Sentiu Viper atrás de si. Havia se reunido a ele antes de começar a perseguição. Aprendera a lição de ser mais prudente e não se aventurar sozinho, e já mandara seus vampiros até o abrigo de Salvatore para vigiar o desgraça­do puro-sangue.

— O cheiro dela me levou ao estacionamento — Viper comentou —, mas Darcy deve ter encontrado um carro para escapar. Vi marcas de pneus no chão. Sem dúvida, já está bem longe daqui.

— Maldição! — Styx estava tenso. A noite passava muito depressa; logo amanheceria, e ele seria forçado a buscar seu abrigo. Darcy estaria em algum lugar, sozinha. À mercê de Salvatore. Bem, talvez não exatamente à mercê dele, Styx reco­nheceu olhando a mulher-lobo inconsciente. Seguindo seu olhar, Viper cruzou os braços.

— Quem é a mestiça? — Styx torceu o nariz.

— Ela cheira a Salvatore. Deve fazer parte do bando dele.

— Acha que seguiu Darcy até aqui? — O mero pensamento foi suficiente para que seus cani­nos despontassem. Ele gostaria muito de fincar os dentes em alguma coisa.

— Pode ser, mas parece que as coisas não saíram como ela esperava.

Viper lançou-lhe um olhar de admiração.

— A sua mulher sabe tomar conta de si.

Styx sentiu uma dor no peito ao imaginá-la enfrentando um duelo com aquela criatura.

— Ela deve ter sentido sua vida ameaçada, ou jamais, teria reagido dessa forma. Por que Salvatore mandou a mestiça atacá-la? Se a quisesse morta, ele mesmo poderia ter feito isso quando a encontrou no bar ou mesmo quando ousou invadir a propriedade. Parecia desesperado para mantê-la viva.

— Essa parece ser a questão. — Viper começou a fazer uma busca pelo armazém. — E há mais uma coisa. Outra mulher esteve aqui. Uma humana.

— Nada disso faz sentido. — Viper encontrou uma bolsa caída no chão e sacudiu a cabeça.

— É um mistério que teremos de solucionar mais tarde, amigo. Vai amanhecer em menos de uma hora. Não podemos ficar por aqui.

Styx apertou as mãos nervosamente.

— Se Darcy tem um carro, ela vai deixar o Estado antes que eu a encontre novamente.

Viper se aproximou do amigo e procurou acalmá-lo. Sabia que Styx estava frustrado e prestes a explodir.

— Nem mesmo o Anasso pode lutar contra o sol e vencer — ele disse gentilmente.

O som de um riso chegou até os dois vampiros.

— Certamente não está afirmando que o invencível Styx está com medo de uns poucos raios de sol? — Salvatore indagou com exagerada dramaticidade. — Que terrível de­cepção! A próxima coisa que vou descobrir é que ele não é capaz de subir em prédios ou deter balas.

A mão de Viper em seu ombro impediu que Styx se lançasse contra Salvatore e lhe dilacerasse a garganta.

— Posso temer a luz do sol, mas não temo cães — murmurou com desdém.

Salvatore entrou no armazém, seguido de seu guarda-costas.

— Ah, o magnífico Viper também está aqui! Estamos sendo abençoados com a companhia de tão notáveis vam­piros, não é, Hess?

O mestiço grunhiu, olhando os dois vampiros, e lambeu os lábios.

— Parece mais um jantar para mim, milorde.

Styx sorriu, usando seu poder para fazer o mestiço cair de joelhos.

— Este jantar tem dentes, cão, e não sou fácil de ser digerido. Claro, se não acredita em mim, pode vir tentar dar uma mordida. — O lobisomem mestiço se levantou, mas antes que pudes­se se dirigir à morte certa, Salvatore o segurou pelo braço.

— Calma Hess. Temos assuntos mais importantes a tratar esta noite. — Deu alguns passos e observou a mu­lher inconsciente no chão. — Jade. Eu devia saber. — Olhou para Styx. — Estou surpreso que não a tenha matado.

Styx exibiu seus caninos. Talvez fosse um ato meio infan­til para o líder dos vampiros, mas não estava se sentindo muito respeitado naquele momento.

— Eu a teria matado. Esse não foi trabalho meu.

— Darcy? — Salvatore sorriu uma expressão de prazer surgindo em seu rosto. — Bem, bem... Quem poderia ima­ginar. Ela está se tornando uma mulher e tanto. Uma que qualquer homem ficaria orgulhoso em chamar de sua.

Uma fúria descontrolada tomou conta de Styx, e nem Viper conseguiu detê-lo quando se lançou à frente e agarrou Salvatore pelo pescoço. Drenaria o sangue daquele cão an­tes de permitir que ele colocasse as mãos em Darcy.

Com agilidade, Salvatore reagiu e chutou, conseguin­do atingir o joelho de Styx, que lhe apertou ainda mais o pescoço.

— Você mandou essa mulher matar Darcy? — Salvatore grunhiu, desferindo um soco no estômago de Styx.

— Sempre ouvi dizer que os vampiros são deficientes no que diz respeito a certos órgãos; só não achei que fosse no tamanho do cérebro. — Salvatore atingiu-o no estômago outra vez e conseguiu retirar uma adaga do bolso. Afas­tando-se da ameaça imediata, ajeitou a gravata enquanto olhava para Styx. — Eu sacrificarei qualquer coisa para manter Darcy viva.

— Então por que essa mulher a atacou?

— Jade tende a se julgar mais do que é.

— Espera que eu acredite que ela estava acidentalmen­te no armazém e decidiu atacar Darcy?

— Devia estar vigiando a sua casa em busca de uma oportunidade de encontrar Darcy sozinha. — Um sorriso de deboche surgiu nos lábios de Salvatore. — Falando nisso, por que Darcy estava aqui sozinha?

— Não cometa o erro de me tomar por tolo, cão. Darcy pode ser ingênua, mas eu não sou. Você deliberadamente enviou aquela foto falsa para iludi-la e levá-la a deixar a minha proteção.

— Não há nada de falso naquela foto, vampiro. Se qui­ser, posso fazer com que Sophia rasgue a sua garganta para provar que ela é real. — Os olhos dourados ganharam um brilho especial. — Ela pode fazer exatamente isso quan­do descobrir que manteve a filha dela como prisioneira.

Styx ficou imóvel.

— Qual é o seu jogo, Salvatore?

— Não há jogo algum. — As feições do lobisomem endu­receram. — Darcy pertence a mim.

— Nunca!

— Você viveu tempo suficiente para jamais dizer "nun­ca", vampiro.

O puro-sangue estava querendo mesmo morrer, Styx pensou.

— Eu o verei morto antes que coloque suas mãos em Darcy.

— Não se eu colocá-lo primeiro em seu túmulo.

Styx deu um passo à frente, preparado para enfrentar o desafio de Salvatore.

— É uma ameaça?

— É, sim. Você raptou a minha noiva. Ninguém poderia me culpar se eu o punisse. Mesmo com a morte.

— Noiva... — Sentiu como se Salvatore tivesse enfiado uma faca em seu coração. — Um puro-sangue apenas se une a outro puro-sangue.

— Exatamente.

Styx grunhiu baixinho. A tentação de matar o lobiso­mem era grande demais naquele momento.

— Darcy não é uma mulher-lobo.

— Tem certeza, vampiro?

— Pelos deuses, que tipo de truque é esse?

— Pense o que quiser. — Ele colocou a adaga de volta no bolso e começou a deixar o lugar. — Vamos, Hess, pre­cisamos encontrar a minha rainha. Ah, lamento que não possa ir conosco, Styx. Quando o sol se puser novamente, Darcy já será minha. Em todo o sentido da palavra.

Styx lançou-se à frente sem pensar. Aquele cão que­ria pôr as mãos em Darcy? Ele veria o inferno primeiro. Viper, porém, bloqueou sua passagem.

— Não, Styx! O amanhecer está próximo demais para que você se envolva em uma luta contra os lobisomens. Temos de sair daqui. Agora!

— E deixá-lo livre para procurar Darcy? — Seu corpo inteiro tremia. — Ele a encontrará antes do pôr do sol.

Uma estranha expressão surgiu no rosto de Viper.

— Se ela for noiva dele, teremos de nos afastar, Styx. Nem mesmo o Comitê permitirá que mantenha a compa­nheira de um rei como prisioneira.

— Darcy não é mulher-lobo — Styx retrucou com voz fria.

— Mas...

— Sem "mas", Viper. Como você já disse, o amanhecer está se aproximando. — Styx caminhou em direção à porta do armazém. Ele era um vampiro enfurecido, e tudo o que estava por perto corria perigo.

Nem mesmo considerava a possibilidade de Salvatore não estar mentindo. Darcy não poderia ser a noiva de um lobo. Não quando ele tinha absoluta certeza de que o destino a reservara para ser a sua própria companheira.

 

Darcy acordou com câimbra na perna e com o pescoço dolorido. Obviamente, era ótimo dirigir um carro esporte, mas um horror tentar dormir nele algumas horas.

Esfregando o pescoço, saiu do carro e olhou ao redor do pequeno parque, onde decidira se esconder. Seu estômago roncou, e ela suspirou, lembrando-se das barrinhas de ce­real que deixara na bolsa que Gina levara até o armazém. De repente, pressentiu estar sendo observada, e notou um movimento nas moitas. Deveria haver alguma coisa ou alguém por ali, silencioso o suficiente para ela saber que não era humano.

Aproximando-se do carro, pronta para sair dali, ela viu o elegante Salvatore surgir das sombras, usando um im­pecável terno de grife. Reconheceu o gigante atrás dele como o mesmo homem da noite no bar. Ela se encostou no veículo, sentindo um calafrio.

Salvatore deu um passo à frente.

— Por favor, Darcy, não fuja. Juro que não vou machu­car você.

— E eu devo acreditar nisso porque...

— Bem, porque, se eu quisesse machucá-la, nada me impediria.

— E supõe que isso deva me deixar bem calma? — Ele sorriu.

— Você já provou que é capaz de se virar bem quando necessário.

Darcy lembrou-se da mulher com quem lutara. Detes­tava a idéia de ter machucado alguém.

— Você esteve no armazém?

— Estive.

— E a mulher... Está bem?

— Ela vai se recuperar dos ferimentos. — Uma care­ta surgiu nas belas feições de Salvatore. — Apesar de que ainda não sei se ela ficará inteiramente bem. Ainda não me decidi como puni-la.

— Vai puni-la?

— Não há alternativa. — A voz dele era fria. — Ela não somente desafiou minha ordem direta, como ousou atacar você. Não vou tolerar isso.

— Se me perguntasse, eu diria que ela já foi punida o suficiente — Darcy resmungou.

— Você realmente tem uma natureza muito gentil. No nosso mundo, isso a colocará em constante perigo.

— Você quer dizer no seu mundo.

— Não, no nosso mundo. — Ficou em silêncio por alguns instantes, observando a expressão dela. — Você é uma de nós, Darcy.

O coração dela pareceu parar.

— Um demônio?

Salvatore não queria ser pressionado a dar respostas. Balançou a cabeça com impaciência e olhou ao redor.

— Este não é o lugar certo para esse tipo de conversa. Venha comigo e revelarei tudo.

— Podemos muito bem falar aqui mesmo.

— Você é surpreendentemente teimosa para uma pes­soa tão pequena — ele resmungou, antes de sorrir. — Isso tornará nossa vida mais interessante.

Nossa vida? Ela pressionou o corpo contra o carro, mais alerta.

— Pare aí, chefe. Está indo além do que deve.

— Chefe? — Ele pareceu extremamente ofendido. — Sou um rei, não um chefe. Você vai descobrir que os lobisomens são bem mais sofisticados do que os vampiros, apesar de nossa reputação de selvagens.

Surpresa com a inesperada reação de raiva, Darcy deu de ombros.

— Jamais o tomaria por um selvagem. Não usando um terno de mil dólares.

— Obrigado.

— O que não significa que vou querer passar minha vida com você.

— Mas é o que vai acontecer, sabe disso, não é? — A voz dele soou sensual. — É o nosso destino.

Darcy se arrepiou. O homem possuía um magnetismo animal. Mesmo a distância, ele conseguia fazer com que os joelhos dela tremessem. Mas não estava interessada na paixão que ele lhe oferecia. Preferia a ternura de seu vampiro.

Lembrar-se de Styx provocou-lhe uma inesperada dor no peito. Mesmo estando furiosa com ele, e por uma boa ra­zão, não podia negar que sentia sua falta. Quando estava ao seu lado, o medo não existia, nem a incerteza. Sentiu lágrimas nos olhos.

O puro-sangue remexeu o corpo em desconforto, lan­çando a ela um olhar estranho.

— Darcy, não me diga que está chorando.

— Não é nada. — Ela sacudiu a cabeça. — Estou apenas cansada e com fome.

Ainda parecendo enervado com o fato de ter de lidar com uma mulher chorosa, Salvatore se esforçou para ser delicado.

— Temo que possa fazer pouca coisa quanto a você es­tar cansada e com medo, mas posso alimentá-la. — Ele fez um gesto ao guarda-costas. — Hess.

O Incrível Hulk fez uma reverência diante do rei.

— Sim, milorde?

— Vá até o restaurante mais próximo e traga um lanche para a Srta. Smith. — Voltou-se para Darcy. — Tem alguma preferência?

Ela estava faminta para recusar o oferecimento. Além do mais, não podia negar o alívio por se ver livre de Hess. Ele tinha um ar de fera que a deixava nervosa.

— Nada de carne — ela disse com mais ênfase do que o necessário.

Ambos arregalaram os olhos, surpresos.

— Nada de carne? — Salvatore perguntou. — Está falando a sério?

— Sou vegetariana.

— Impossível! — Salvatore prendeu a respiração, chocado.

— O que há de errado? Há muita gente que não come carne. Você deve saber que é sadio comer frutas e vegetais.

— Mas você é uma...

— O quê?

Salvatore ignorou a pergunta e voltou-se para o seu homem de confiança.

— Hess, traga para a Srta. Smith alguma coisa que não inclua carne.

O brutamonte não arredou o pé.

— Milorde, não acho que deva deixá-lo sozinho aqui. Esta pode ser uma armadilha.

— Bobagem. Nem mesmo o mais determinado vampiro ousaria sair de sua toca durante o dia.

— Os vampiros não são o único perigo que existe.

— Sim, claro, mas não sou alguém indefeso.

— Mesmo assim, acho que devo ficar. — Hess virou a cabeça e arreganhou os dentes para Darcy. — Não confio nessa mulher. Ela cheira a traição.

— Ei... — Darcy começava a protestar quando viu Salvatore dar um murro em Hess.

Gemendo, o homem caiu de joelhos, com a boca sangrando.

— Essa mulher está destinada a ser sua rainha, Hess — Salvatore sibilou. — E, o mais importante, eu já avi­sei muitas vezes que se precisar de sua opinião, eu a pedirei. Até que isso aconteça, fará o que eu ordenar sem questionar. Entendeu?

— Sim, milorde. — Hess se levantou e fez uma nova reverência antes de se afastar.

Salvatore aproximou-se, fazendo-a recuar.

— Lamento tê-la assustado. Os lobisomens que não são legítimos costumam ser desobedientes por natureza, e Hess mais do que a maioria deles.

Darcy umedeceu os lábios secos.

— Você sempre bate em seus criados daquele jeito?

— Somos lobisomens, Darcy, não humanos. E, como to­dos os demônios, somos bestas violentas. Respeitamos a força. Eu não sou um rei apenas porque sou puro-sangue. É o meu poder que me torna um líder.

— Não posso acreditar que todos os demônios sejam violentos.

— Talvez alguns possam ter uma natureza mais gentil, mas eu lhe asseguro, a maioria dos demônios depende de uma força bruta. É o jeito de vencer neste mundo.

Darcy ficou pensativa. Não acreditava que, por ter sangue de demônio, ela se tornaria uma besta selvagem. Levantou o olhar e encontrou o de Salvatore.

— Não gosto muito do seu mundo.

— Acha que os vampiros são diferentes?

— Talvez não. Mas jamais temi que Styx pudesse me espancar.

— Ah, e acha que eu a espancaria? Você é minha consor­te, minha rainha.

Darcy estremeceu. Salvatore já dissera algo parecido antes. Estaria brincando com ela?

— Está bem. Eu, uma rainha, muito divertido — resmungou.

— Você está tornando isto mais difícil do que deveria ser Darcy. Por que teme a verdade?

Ela se afastou do carro, colocando uma distância maior entre ela e o lobisomem. Não sabia o que ele ia dizer, mas suspeitava de que não gostaria de ouvi-lo.

— Bem, talvez possamos mudar de conversa. Fale-me sobre a fotografia. Quem é aquela mulher?

Salvatore era inteligente o suficiente para não contra­riá-la. Encostou-se no carro esporte.

— É alguém que quer muito conhecer você.

— Então por que não está aqui também?

— Ela chegará a Chicago amanhã, ou talvez depois de amanhã.

Darcy se surpreendeu. A mulher não estava em Chicago? Não estava presa em alguma cela, talvez até mesmo sendo torturada?

— Ela não está com você?

— Não no momento. Ela esteve ocupada com suas pró­prias responsabilidades nestas últimas semanas, mas assim que eu lhe telefonar e contar que a encontrei, larga­rá tudo e virá correndo para o seu lado.

Darcy tentou organizar os pensamentos.

— Ela não se encontra em algum tipo de perigo?

— Claro que não. — Salvatore pareceu confuso. — Há algo de errado?

— E como a conheceu?

— Estivemos bem próximos por mais anos do que você pode imaginar.

Darcy mordeu o lábio, compreendendo o que o comen­tário de Salvatore significava.

— Oh, pelo seu rubor só posso presumir que concluiu que somos amantes. Não somos. Sophia é linda e excitante o suficiente para tentar qualquer homem, e ela já possui amantes em número mais do que suficiente. Prefiro não ser mais um no rebanho dela.

Amantes? No plural? Como em um harém?

— E quem é essa mulher?

— Pensei que fosse óbvio. A mulher é sua mãe, Darcy. — Mesmo esperando por essas palavras, ela sentiu os joelhos fraquejar e o coração subir à garganta. — Tem certeza? — murmurou.

Estendendo a mão, ele a tocou de leve no rosto.

— Considerando que eu estava lá quando você nasceu sim. Você era um bebê lindo, assim como suas irmãs.

— Irmãs? Eu tenho irmãs?

— Sua mãe deu à luz quadrigêmea. Algo que não é incomum para uma puro-sangue.

Com um grito, Darcy começou a recuar.

— Espere. Simplesmente... Espere. — Percebeu que Salvatore estranhou a reação, como se não tivesse lançado uma bomba atômica sobre ela.

— O que foi Darcy? Não está se sentindo bem?

— Estou surpresa. Preciso de um minuto.

— Eu a avisei de que este não era o lugar certo para esta conversa.

— Eu lhe asseguro que o lugar não tem nada a ver com a minha reação. — Ela soltou uma risada histérica. — Pelo amor de Deus! Vivi sozinha por trinta anos e agora descubro de repente que não somente tenho uma mãe, mas três irmãs também. E ainda tem mais, já que você está sugerindo que minha mãe seja uma mulher-lobo. O que significaria...

— Que você também é — ele completou.

— Não! Não é possível.

Salvatore estava nitidamente se controlando para não perder a paciência.

— O que preciso fazer para provar que digo a verdade?

— Nada. — O tom de voz dela soou agudo. Nenhuma surpresa nisso. Estava lutando contra as próprias emoções desencontradas. — Acho que eu saberia se me transfor­masse em um animal uma vez por mês. Não é algo que uma garota possa ignorar.

— Há uma razão para que você não se transforme.

— E qual é?

— Isso não é algo que possa ser discutido, a não ser que estejamos em um lugar privado.

— Esses segredos estão começando a me irritar.

— Pensei que ficaria feliz ao descobrir que tem uma família.

— Claro que estou.

— Mas...

Ela nem sabia por onde começar.

— Onde estão minhas irmãs? Por que fui abandonada quando era um bebê?

— Você nunca foi abandonada. — Os olhos dourados ga­nharam um brilho perigoso. — Você e suas irmãs são incri­velmente vitais para o nosso povo. Não há quem não mata­ria para mantê-las em segurança.

— Está brincando comigo? Fui de orfanato em orfana­to até que acabei vivendo nas ruas. Sem mencionar que um dos seus parece não saber o quanto sou vital, já que tentou me matar agora há pouco.

— Jade é uma mestiça, e não sabe de nossos segredos. Ela percebeu o meu grande interesse por você, mas não sabe o motivo nem o quanto você nos é importante.

— E a razão por que fui abandonada?

— Como eu disse, nunca foi abandonada. Você e suas irmãs foram roubadas de nós.

— Roubadas?!

— Bebês sadios são muito procurados, Darcy. Há humanos que pagam barbaridades por uma criança.

Bem, isso era algo pelo qual ela não esperava.

— Fomos roubadas e vendidas no mercado negro?

— Sim. Quando conseguimos uma pista do paradeiro de vocês, as quatro já estavam em um navio para a América. — Havia fúria na voz de Salvatore. — Foi impossível farejá-las no oceano, mesmo sendo lobisomens puros-sangues. Só agora estamos descobrindo o que aconteceu com vocês.

— Ainda não as encontraram?

— Temos pistas de duas delas. — Ele sorriu. — Nem sempre é fácil provar que não pretendemos machucar ninguém.

— Não pode me culpar. Eu... — Ela se interrompeu ao ver o sinal de Salvatore para que se calasse.

— Hess está voltando — ele disse em voz baixa. — Precisa vir comigo. Prometo que responderei a todas as suas perguntas.

— Não vou não. — Ela deu um passo para trás.

— Darcy, sou o único que sabe da verdade.

— Talvez, mas neste exato momento acho que já ouvi demais — ela admitiu. — Começo a pensar que a ignorância é por vezes uma bênção.

— Não pode fugir disso. Não pode fugir de mim — ele disse em tom ameaçador. —Você é importante demais.

Darcy levantou o queixo em desafio. Não estava disposta a ser intimidada. Não quando precisava pensar em tudo o que escutara.

— Já entendi que não vou conseguir me esconder. Pelo menos, não onde algum demônio não possa me encontrar, mas agora eu preciso de algum tempo para refletir sobre tudo isso.

Ela se aproximou do carro, certa de que Salvatore a im­pediria de entrar. Felizmente, o lobisomem devia ter perce­bido que não adiantaria nada usar de violência. Ela entrou no carro e fechou a porta. De repente, ele a abriu e jogou-lhe um pacote no colo.

— Não se esqueça do seu lanche — disse antes que ela protestasse. — E entenda uma coisa. Posso estar sendo paciente por ora, mas chegará o tempo em que precisará aceitar o seu destino.

— E você deve se lembrar, Salvatore, que o meu destino é meu. E farei o que eu quiser. —Bateu a porta e saiu cantando os pneus. Bem, os pneus não eram dela, Darcy reconheceu, rindo histericamente. Afinal, tinha roubado o carro. Só podia esperar que a polícia não a estivesse procurando também.

Já havia gente demais fazendo isso.

Não era um quarto dos melhores. Tinha a pintura gas­ta, tapetes velhos, uma cama estreita e uma tevê quebra­da, mas era mais aquecido e menos desconfortável do que a rua e, naquele momento, não contava com a presença de nenhum demônio.

Sentada perto do aquecedor, Darcy comia a salada que descobrira no pacote de lanche que Salvatore jogara em seu colo. Tentava ordenar os pensamentos. Mas como fazer isso em uma situação como a dela? Bem, tentando ser objetiva? Indo direto aos pontos mais importantes? Se Salvatore pudesse ser considerado confiável, o que ela desejava que não fosse sua mãe era uma mulher-lobo com um batalhão de amantes, que dera à luz quatro bebês, roubados e vendidos no mercado negro.

Parecia roteiro de filme de Hollywood.

Jesus! Depois do que passara nas últimas horas, sentia-se horrorizada em considerar quem poderia ser o seu pai. E, se fora vendida no mercado negro, por que terminara indo de um lar adotivo a outro?

Isso era suficiente para causar uma dor de cabeça em qualquer um. E a dela, naquele momento, parecia confusa, estranhíssima.

— Darcy.

Ela estremeceu ao sentir uma voz dentro da cabeça.

— Sacre bleu, sei que pode me ouvir — a voz grunhiu.

— Levet?

— Oui.

— Devo ter ficado louca! — ela exclamou.

— Non, chérie — o gárgula assegurou. — Estou falando com você através de um portal.

Ridículo, naturalmente. Ela sacudiu a cabeça. O pequeno demônio não podia estar dentro de sua mente. Ou pelo me­nos ela esperava que não estivesse. Porém, neste ponto de sua vida estava disposta a acreditar em qualquer coisa.

— Um o quê?

— Um portal. — O gárgula estava nitidamente im­paciente. — E, mesmo que minha mágica seja fantástica, às vezes ela não sai exatamente como planejada. Então, o que quero dizer é que temos de ir depressa com isto.

—Então... Isto é mágica?

— Claro. Onde você está, ma chérie?

— Oh, não! Não quero que Styx saiba onde estou. Pelo menos ainda não.

— Styx está em segurança dentro de seu caixão. Foi Shay quem me pediu para entrar em contato com você.

As palavras a surpreenderam.

— Por quê?

— Ela está preocupada.

— Mas é esposa de um vampiro.

— Oui, mas ela possui uma mente livre e está muito preocupada com você.

Darcy sentiu um calor no coração. Não estava acostu­mada a ter pessoas se preocupando com ela. Mesmo assim, não queria provocar uma briga entre Shay e o marido.

— Diga a ela que estou muito grata, mas que não pre­cisa se preocupar comigo. Já venho me virando sozinha há muito tempo.

— Nunca contra um bando de lobisomens e vampiros de­terminados. Precisa de um lugar seguro para ficar. E Shay deseja lembrá-la de que nada lhe daria mais prazer do que aborrecer o arrogante Styx.

Darcy caiu na risada. Não duvidava de que Shay adoras­se dar uma liçãozinha ocasional no mestre dos vampiros. Seria bom falar com alguém. Naquele momento, ela não sabia se conseguiria organizar seus pensamentos sozinha. Precisava de um amigo, de um aquecedor que realmen­te funcionasse e de uma xícara bem grande de chocolate quente.

Nessa ordem.

— Está bem. Diga-me onde posso encontrar você.

 

Styx começou a procurar por Darcy antes mesmo que a escuridão completa tornasse a tarefa mais segura. Teria saído mais cedo se Viper não o tivesse obrigado a descansar durante o dia, ameaçando-o de acorrentá-lo à parede caso ele tentasse alguma coisa estúpida.

Viper revelara ser um valioso amigo nos últimos dias, mas havia vezes em que sua determinação em ser lógico enervava Styx.

Ambos retornaram ao armazém e seguiram a trilha por toda a Chicago até chegarem a um pequeno estacionamento.

— Ela esteve aqui — Viper anunciou o óbvio. — E não sozinha.

— Não. — Styx apertou as mãos nervosamente, sentin­do o doce cheiro de Darcy à sua volta. Ela estivera ali mui­tas horas antes, mas a sua essência permanecia. Junto com um cheiro menos agradável. — Salvatore e aquele maldito lobisomem mestiço estiveram também aqui.

— Não há qualquer sinal de luta e nem cheiro de san­gue. — Viper suspirou, aliviado. — O encontro foi obvia­mente pacífico, e é igualmente óbvio que eles seguiram em direções diferentes.

— O que não nos garante que não estejam juntos agora — Styx grunhiu, andando pela neve enquanto examinava as pisadas. Salvatore estivera bem perto de Darcy. Perto o suficiente para tocá-la. Maldito cão! — Que diabos Salvatore quer com ela?

— Uma boa pergunta. Infelizmente, pela primeira vez em séculos, estou sem uma resposta. Por ora, acho que devemos nos concentrar nas pistas que levam a Darcy.

Viper estava certo, diabos! Assim como estivera cer­to sobre as reações de Darcy ao descobrir que ele tentara alterar suas lembranças.

Styx suspirou. A arrogância dele a levara a todo esse desastre.

— Pelos deuses, tudo isso é culpa minha. Se eu não ti­vesse... — Ele sacudiu a cabeça, desgostoso. — Eu acabei provocando a fuga de Darcy. Agora ela está sozinha e à mercê de Salvatore e sua gente.

Viper procurou tranqüilizar o amigo.

— Duvido que ela seja tão dependente. Você mesmo dis­se que suspeitava que ela fosse mais do que humana, e ela conseguiu dar uma boa surra naquela mulher-lobo.

— Mas ela era apenas mestiça. — O olhar de Styx se perdeu na escuridão. — Darcy não conseguiria enfrentar um puro-sangue.

— Vá com calma. — A mão no ombro de Styx se tor­nou mais do que um gesto de amizade, já que Viper sentia que ele mal continha a vontade de sair pela noite, partin­do a cidade ao meio, em busca de seu anjo. — Parece que Salvatore não tem intenção de machucá-la. Eu diria que ele está ansioso para protegê-la, da mesma forma que você.

— Oh, sim, e eu até agora fiz um trabalho brilhante! Poderia simplesmente tê-la atirado nos braços de Salvatore.

— Muito dramático, mas não é verdade. Você fez o que achou melhor.

— O melhor para mim.

— E não pensou no melhor para todos os vampiros?

— Sim, é claro. — Ele fez um gesto de impaciência.

— Então por que está se sentindo culpado?

— Maldição, Viper! — Ele se interrompeu ao captar o cheiro de vampiro. — Alguém vem vindo.

Viper farejou o ar e sorriu.

— Ah, é Santiago.

— E o que ele está fazendo aqui?

— Ele é o melhor rastreador que conheço — Viper expli­cou. — Pode encontrar Darcy, não importa onde ela esteja.

A vizinhança nos arredores de Chicago não poderia ser mais diferente das ruas estreitas e sujas que Darcy deixara havia pouco. Era surpreendente o que uns poucos quilômetros e muitos milhões de dólares podiam fazer. Nes­se lugar, as ruas eram largas, cheias de mansões escondidas atrás de enormes portões e árvores centenárias. Ainda assim, ela se manteve alerta enquanto estaciona­va o carro em uma esquina e caminhava até a árvore onde Levet a mandara esperar por Shay. Chegando à árvore, cruzou os braços, tentando se proteger do frio. Trocaria sua alma por um banho quente.

— Darcy? — indagou uma voz atrás da árvore.

— Estou aqui.

— Graças a Deus! — Shay deu alguns passos e a abra­çou. — Estava preocupada com você.

Sentindo-se desconfortável com aquela demonstração de afeto, Darcy baixou os olhos para sua roupa.

— Apesar das aparências, estou bem.

— Podemos dar um jeito nisso.

— Por que estamos aqui? — Shay apontou para uma mansão no fim da rua.

— Vamos para lá. — Começou a caminhar, acompanha­da de Darcy.

— Parece um palácio. Quem mora ali?

— Pertence a... — Shay suspirou. — Diabos! Vou ser bem honesta. Pertence a Dante e Abby.

— Deixe-me adivinhar, vampiros? — indagou ela, revi­rando os olhos.

— Dante é — Shay confirmou. — Abby, por sua vez, é uma deusa.

Darcy se deteve, estarrecida.

— Agora estou perturbada.

— Não precisa ficar assim. Abby não age como uma deusa todo-poderosa. Aposto que vai adorá-la.

— Você está mesmo falando a sério. Uma deusa?

— Ela carrega consigo o espírito da Fênix, que é adorado por muitos. É conhecida como o Cálice.

— Isso pode se tornar ainda mais maluco? — Darcy resmungou.

Shay sorriu e fez sinal para que ela a seguisse na escuridão.

— Por aqui — murmurou baixinho.

— Por que estamos entrando desse jeito?

— Há sempre vampiros observando a casa. Dizem que querem proteger Dante e sua esposa, mas eles morrem de medo da Fênix.

— Por quê? Eles não a adoram?

— Abby é capaz de torrar os vampiros com um mero to­que. Deixa-os ansiosos a ponto de quererem saber onde ela está a cada momento.

— Mas ela é casada com um vampiro. Ele é um suicida?

— Dante é como todo vampiro. Arrogante, controlador e possessivo, mas não suicida. Abby é capaz de controlar os seus próprios poderes, apesar de, uma vez ou outra, sair do sério.

Darcy não conseguiu deixar de invejar a deusa. Ela também gostaria de sair do sério com certo vampiro. Esse era um talento que toda mulher precisava ter.

Olhou em volta, tentando descobrir algum vampiro espionando.

— Mas se este lugar é vigiado por vampiros, como espera que entremos sem que nos vejam?

— Eu dei um jeito. Espere e verá.

De repente, ouviu-se uma forte explosão.

— O que foi isso? — Darcy indagou.

— Levet.

— Foi ele quem pôs uma bomba?

— Não, geralmente isso acontece quando ele tenta usar magia.

Darcy não conseguiu controlar o riso. Não se surpreendia que o pequeno gárgula fosse capaz de provocar desastres mágicos.

— Uma coisa da qual não devo me esquecer.

— Exatamente. — Shay deu a volta em enormes carva­lhos e entrou por uma abertura que levava a um túnel.

— Vamos por aí?

— Confie em mim — Shay murmurou, desaparecendo na escuridão. — E tente ir depressa. Não gosto de lugares escu­ros e quero estar fora disto aqui o mais depressa possível.

Seguiram em silêncio, até deixarem o túnel e entrarem em um aposento enorme.

Darcy respirou aliviada. Não se importava se estivessem no inferno, contanto que o lugar fosse quente. Nesse momento, as luzes se acenderam, e uma linda mulher de cabelos negros e incríveis olhos azuis surgira à sua frente.

— Abby. — Shay abraçou-a antes de apontar na direção de Darcy. — Essa é Darcy Smith.

Um sorriso simpático surgiu no rosto da mulher.

— Seja bem-vinda à minha casa.

Darcy sentiu algo estranho quando Abby lhe deu a mão. Uma energia, um sinal de poder. Ela se lembraria de não irritar essa mulher.

— Obrigada — murmurou.

Abby soltou sua mão e virou-se para Shay.

— Dante está lá fora, procurando por Darcy. Portanto, podemos subir tranqüilamente para ficar mais confortáveis.

Shay fez uma careta.

— Preciso ir procurar Levet. Espero que ele não tenha queimado as asas de novo. Tive de escutar os seus gemidos por uma semana da última vez que isso aconteceu.

Abby caiu na risada.

— Traga-o para dentro. Vou mandar vir sua comida grega favorita. Se há algo que o distrai, é comer.

— Bem pensado — Shay murmurou, retirando-se.

Ela sumiu em um dos túneis, deixando Darcy sozinha com uma deusa de verdade.

— Estou supondo que os lares de todos os vampiros possuam esses túneis — ela comentou.

— Eles são obsessivos quanto a terem lugares escuros onde se esconder. Acho que não posso culpá-los. Eles são inflamáveis sob a luz do sol.

Darcy começou a se sentir mais à vontade. A deusa parecia quase... normal.

— Venha por aqui — disse Abby, subindo as escadas.

Chegando ao corredor no andar de cima, Darcy con­templou fascinada, o candelabro de cristal que iluminava quadros certamente valiosos e o chão de cerâmica.

Percebendo que sua hóspede estava deslumbrada, Abby se aproximou.

— Darcy? Alguma coisa errada?

— Nunca estive antes na casa de uma deusa. É linda. — Abby pôs o braço em volta de seu ombro e conduziu-a a outra escada.

— Bem, esta deusa aqui preferia viver em um aparta­mento acolhedor, que não desse tanto trabalho com a lim­peza, e ficar bem perto dos shoppings centers — ela con­fessou, com um daqueles sorrisos que convidava o mundo a se unir à sua felicidade. — Dante, por sua vez, prefere este estilo luxuoso.

— Como é? — As palavras saíram dos lábios de Darcy antes que ela pudesse contê-las.

— O quê?

— Ser casada com um vampiro.

— Ah... — As belas feições se suavizaram, ganhando uma expressão sonhadora, a mesma que Darcy vira em Shay quando ela falava de Viper. — Suponho que não se­ria bom para todas as mulheres. Muitos vampiros são excessivamente arrogantes e gostam de ficar dando ordens. E, é claro, eles têm pouca experiência em compartilhar as emoções. Precisam de um bom treino para se tornar bons maridos.

Darcy riu do comentário.

— Pode-se dizer o mesmo de todos os homens.

— Oh, sim, mas vampiros tendem a levar suas falhas a níveis épicos.

— Sei exatamente o que quer dizer.

— Por outro lado, eles são extraordinariamente sensuais e têm a habilidade de fazer com que você se sinta a mulher mais linda e mais adorada do mundo. E o melhor é que, uma vez que se unem em casamento, eles são completamente fiéis e devotados pelo resto da eternidade. Eu nunca preci­sarei temer que Dante me troque por outra mulher.

— Tem toda essa certeza? — Darcy indagou, arregalando os olhos.

Abby se deteve diante de uma porta fechada.

— Sim, e não porque eu seja tola a ponto de me achar irresistível; pelo contrário. Mas, uma vez que um vam­piro escolhe sua mulher, ele é incapaz de desejar outra. Dante sempre me amará tanto quanto na noite em que nos unimos.

Darcy sentiu uma pontada no peito, que percebeu ser inveja.

— Você é uma mulher de sorte — ela murmurou, sorrindo.

— Sim, eu sei. Mas não acredite que foi algum tipo de conto de fadas. No começo, pode ter havido apenas dese­jo, e não amor. Para ser honesta, no começo, tudo o que eu desejava fazer era socar Dante.

Darcy voltou a rir.

— Já passei por isso.

— Styx?

— Sim. — Ela suspirou. — Há momentos em que ele é terno e gentil. E em seguida o vejo dando ordens e usando os seus poderes sobre mim.

— Um típico vampiro.

— Eu preciso saber se posso confiar nele.

— Sim, você pode. Mas até que sinta isso, será muito bem-vinda nesta casa. — Abby abriu a porta. — Estes são seus aposentos. O banheiro fica ali à esquerda, e eu pedi que lhe trouxessem um jantar vegetariano. Por que não rela­xa na banheira? Mandarei que lhe tragam roupas limpas.

— Sim, obrigada. Isso seria maravilhoso.

— Não se preocupe. Enquanto ficar aqui, estará segura. — Darcy sorriu.

— Shay tinha razão. Ela me disse que eu gostaria muito de você, e eu gosto.

Abby abraçou-a com carinho.

— O sentimento é mútuo, querida. Agora vá desfrutar de seu banho.

 

— Diabos! — Styx voltou-se para o vampiro ao seu lado. — Acha que ela está aqui?

— Sim, mestre. A mulher que procura está dentro da casa — garantiu Santiago.

— Incrível.

Com uma risada, Viper bateu nas costas de Styx.

— Veja pelo lado bom, venerável senhor. Estava preocu­pado, temendo que Darcy pudesse estar em perigo. Agora acaba de descobrir que ela se encontra no lugar mais seguro do mundo.

Styx se sentia aliviado por saber que Darcy estava em segurança. E, é claro, satisfeito com o fato de ela não estar na companhia dos lobisomens. Ainda assim, não era um tolo. Apesar de todo o seu poder, não era páreo para a deu­sa. Se Abby decidisse mantê-lo afastado de Darcy, não haveria muita coisa que ele pudesse fazer.

— O que Dante tinha na cabeça quando a escondeu aqui? Deveria era estar procurando por ela, como todos nós — Styx resmungou.

— Não duvido que Dante ainda esteja nas ruas, procu­rando sua prisioneira desaparecida — Viper observou. — Isso parece mais coisa de Abby e de minha querida esposa.

Styx tocou seu medalhão, refletindo sobre a próxima ati­tude. A necessidade de rever Darcy era tanta que chega­va a ser ridícula. E revelava como estava difícil controlar suas emoções desencontradas.

— Por que elas iriam interferir nos negócios dos vampi­ros? — ele perguntou com voz fria.

— Porque são mulheres. — Viper balançou os ombros, a expressão resignada. — Elas se unem, tornam-se mais poderosas do que qualquer um e se voltam contra todos aqueles que ousam machucar uma delas.

— Nem mesmo Shay imaginaria que eu seria capaz de machucar Darcy.

Seguiram-se alguns instantes de total silêncio antes que Viper defendesse a esposa.

— Styx, você raptou Darcy com a intenção de bar­ganhá-la com os lobisomens. Não pode culpar Shay por desconfiar do que pretende fazer com a moça.

— Salvatore jamais a terá. Jamais!

— E quanto aos seus planos de...

— Não tenho de explicar meus atos, Viper — ele retru­cou agradecido pela primeira vez por sua posição de Anasso.Não queria nem pensar na razão de estar agora se recusando a entregá-la aos lobisomens; muito menos explicá-la.

Viper acabou rindo.

— Não, suponho que não tenha de dar explicações. Nem precisa.

Styx sacudiu a cabeça com impaciência.

— Preciso ver Darcy.

— Você verá. Mas primeiro deixe-me falar com Shay.

— Viper...

— Não, Styx. Se Shay estiver lá também, ela o impedi­rá de entrar. É melhor tentarmos resolver isso com o me­nor derramamento de sangue possível. Especialmente se o sangue derramado for o meu.

Naquele momento, Styx não se importava com nada. Precisava ver o seu anjo.

— Eu vou ver Darcy agora, Viper. — Viper começou a descer a rua.

— Vamos, então — ele murmurou resignado.

Enquanto estava mergulhada em seu banho de espuma, Darcy não tinha a menor idéia da batalha que acontecia lá fora. Felizmente, já que se aborreceria ao ouvir as vozes irritadas, as acusações e as ocasionais ameaças que paira­vam no ar. Claro que teria sido bom ter intuído que, ao sair do banho, encontraria o belo vampiro esperando por ela no quarto.

— Deus meu... — ela murmurou, olhando para a por­ta mais próxima, sem saber se permanecia ali ou se saía correndo.

— Espere Darcy. Por favor, não fuja de mim — Styx disse suavemente, olhando-a com uma intensidade de arrepiar. — Quero apenas conversar.

Não foi o gentil pedido de Styx que a deteve. Como estava envolvida somente em uma toalha, pareceu-lhe mais sensato ficar no quarto. Sem dúvida, Styx trouxera consi­go a nação inteira dos vampiros. Preferia não deixar que nenhum deles tivesse acesso à sua nudez.

— Foi Shay quem lhe contou que eu estava aqui?

— Não. Suas cúmplices estavam determinadas a me manter afastado de você. — O olhar dele revelou uma leve irritação. — Felizmente eu fui mais determinado do que elas.

— Estou muito irritada com você.

— E por isso incendiou o meu abrigo.

— Foi um fogo muito pequeno, Styx. Só para distrair os seus homens.

— Nenhum fogo é pequeno para os vampiros, meu anjo.

— Ninguém se feriu, não foi? — ela indagou assustada. Styx tirou sua capa e a jogou sobre a cadeira mais próxima.

— Apenas o orgulho de DeAngelo ficou ferido. — Deu de ombros. — Principalmente quando descobriu ter sido enganado por uma garota pequena.

— DeAngelo ficou ofendido porque sou pequena ou por­que sou uma garota?

— Pelas duas razões, provavelmente.

Ela balançou a cabeça em reprovação. Vampiros!

— Então estou satisfeita por ter ferido o orgulho dele. — Styx deu um passo à frente.

— Foi tolice fugir daquele jeito. Poderia ter se ferido.

— E você se desesperou porque perdeu o seu objeto de barganha, não é?

— Droga, Darcy, eu me preocupei com você — ele grunhiu com tamanha intensidade que ela sentiu um arrepio na espinha.

— Como pode ver, estou bem.

— Mesmo assim, foi uma loucura.

— E não tem nada a dizer quanto àquele feitiço que colocou em mim? Quis me fazer uma lavagem cerebral, seu miserável!

O rosto de Styx se transformou, revelando uma expressão que poderia ser de culpa. O vampiro, porém, era arrogante demais para reconhecer que tinha cometido um erro.

— Fiz aquilo para o seu próprio bem. — Darcy revirou os olhos.

— Você fez aquilo porque não conseguiria me controlar, e isso iria ferir o orgulho do tão poderoso líder dos vampiros.

— Temi que seu desejo de ter uma família vencesse o seu bom-senso. E eu estava certo. Você não conseguiu esperar e se lançou ao perigo.

Darcy ergueu o queixo em desafio. Não estava dispos­ta a ser intimidada.

Uma bobagem, claro. Qualquer um com a mínima inteligência ficaria intimidado diante de Styx.

— Não fugi porque queria saber mais sobre minha fa­mília. — Apontou o indicador para ele. — Eu fui embora porque você me traiu.

— Eu...

Inesperadamente, Darcy se viu dando um passo para trás. Talvez estivesse mesmo um pouco intimidada. Esta­va para dar outro passo, quando ele balançou a cabeça.

— Tem razão, Darcy.

Ela arregalou os olhos, surpresa.

— Tenho?

— Sim. — O olhar que ele lhe dirigiu foi hipnótico. — Eu queria que você ficasse, e estava disposto a fazer de tudo para mantê-la comigo.

Darcy subitamente encontrou-se lutando para respirar.

— Porque precisa de mim para negociar com os lobisomens?

— Não.

— Porque teve medo que eu pudesse acabar represen­tando um perigo para os seus vampiros?

— Não.

— Por que... — Ela gemeu quando Styx de repente a abraçou com paixão.

— Por causa disto — ele sussurrou, antes de seus lábios procurarem os dela.

Darcy sentiu os joelhos fraquejar. Ora, como poderia ficar furiosa quando ele a beijava daquele jeito? Gemeu, sentindo o prazer invadir todo o seu corpo. Por fim, ele se afastou um pouco, fitando-a com tanta intensidade que ela se emocionou.

— Meu anjo, não fuja nunca mais de mim. Não suporto pensar que não vou tê-la novamente em meus braços.

Quando os beijos recomeçaram, Darcy pressionou as mãos contra o peito dele, interrompendo o contato.

— Espere. Quero que fique claro que não serei manipu­lada. Não sou uma boneca sem cérebro a quem você pode dar ordens quando quiser.

Ele a acariciou no rosto.

— Não quero uma boneca sem cérebro, meu anjo, mas é difícil para mim. Estou acostumado a dar ordens e a vê-las sendo obedecidas sem questionamentos.

— Certamente não deve ficar o tempo todo dando ordens.

— Em geral é o que faço. — Darcy riu.

— Então deve ter escolhido namoradas patéticas de­mais, se elas sempre concordavam fazer tudo do jeito que você queria.

— Namoradas? — Ele arqueou a sobrancelha. — Um vampiro só tem uma companheira, e é para toda a eterni­dade.

Darcy sentiu um arrepio. Como se sentiria sendo a mu­lher de um vampiro? Ter essa eterna devoção? Essas carícias para todo o sempre?

Pare já com isso, Darcy. Você tem é que se afastar des­se arrogante machão, e não desejar coisas que nunca vão acontecer.

Mas Styx agora acariciava de leve seus braços, e Darcy sentiu a respiração lhe faltar mais uma vez. Oh, como o cheiro dele era bom! Era um vampiro más­culo e exótico.

— Mas você já namorou antes.

Styx não interrompeu as carícias, deslizando os dedos levemente sobre seus lábios.

— Não no sentido que você imagina. Tive algumas aman­tes, mas elas eram apenas distrações casuais. Os vampiros raramente se ligam em relacionamentos sérios.

— Deve ter se sentido solitário.

— Somos criaturas solitárias. Não temos a necessidade dos humanos de nos ligarmos uns aos outros.

— Então sou uma distração casual para você?

Ele fechou os olhos por um instante, como se estivesse lutando contra uma forte emoção.

— Pelos deuses, não há nada casual sobre o modo como você me faz sentir, anjo. — Seu olhar revelava sentimentos contraditórios. — Você me enfeitiçou a ponto de eu me sen­tir a beira da loucura. Não tenho tido um momento de paz desde que a vi naquele bar.

— O que não me surpreende — ela retrucou. — Raptar uma mulher deve aborrecer qualquer vampiro. — Styx balançou a cabeça.

— Vampiros raptam mulheres mortais com freqüência. Nunca fiz isso, mas muitos conhecidos já fizeram. É um jogo do qual eles gostam.

Darcy torceu o nariz em desgosto.

— Pode parar. É informação demais para mim. — Styx balançou a cabeça, impaciente.

— Não é porque a raptei que a acho excitante.

— Então qual é a razão?

— Você...

Ela arqueou a sobrancelha.

— Eu o quê?

Styx ficou silencioso por tanto tempo que Darcy come­çou a temer que ele fosse se recusar a responder. Por fim, com relutância, ele se abriu.

— Você me faz sentir.

— Sentir o quê?

— Tudo.

— Temo que tenha de se explicar melhor, Styx. — Ele resmungou, mas acabou falando:

— Você me faz feliz, e furioso, e apaixonado, e assusta­do. Não estou acostumado com essas sensações.

Darcy foi tomada pela satisfação.

— E?

— Não gosto inteiramente delas. — Styx rangeu os dentes. — Elas me perturbam.

Estava claro que Styx passara tempo demais ignorando os sentimentos, ou apenas não tendo nenhum.

— Styx, as emoções não são algo de que você possa gos­tar ou não — ela disse com gentileza. — Elas simplesmente surgem.

— É isso que estou descobrindo. E que existem algumas emoções que prefiro em relação a outras.

Darcy umedeceu os lábios secos, enquanto o coração dis­parava. Oh, senhor, ela sabia exatamente a que emoções ele se referia! Eram aquelas que ela mesma sentia naquele exato momento.

Gemeu baixinho, o que foi suficiente para encorajá-lo. Ele a envolveu nos braços e a beijou com ardor. Darcy entregou-se ao prazer, enterrando as unhas nos braços musculosos. Compreendeu que o desejo que experimentava ia além do sexo. Mesmo quando fugia de Styx, sabia que parte dela, a essencial, sempre pertenceria ao vampiro. Não sabia como ou quando isso acontecera, mas não havia como negar essa verdade.

Sentindo que ela correspondia às carícias, Styx tornou o beijo mais ousado. Testou com a língua o calor de sua boca, sem esconder a fome que o devorava, e percorreu seu corpo com as mãos, detendo-se por fim na curva dos quadris.

Darcy foi envolvida por um desejo poderoso. Não impor­tava quantas vezes Styx fizesse amor com ela, nunca seria o suficiente.

Tentando se lembrar por que não devia arrancar as roupas dele de uma vez, ela sacudiu a cabeça lentamente.

— Espere — protestou com voz fraca. — Não consigo pensar enquanto você está me beijando.

Ele roçou os caninos na pele de seu pescoço.

— Então não pense.

Ela agarrou os ombros do vampiro.

— Ainda não resolvemos nossas diferenças, Styx.

— Shh... Não consigo pensar quando estou beijando você — ele disse, lambendo-lhe o pescoço.

Darcy fechou os olhos, rendendo-se. Era uma mulher prática, que sabia reconhecer uma batalha perdida. Mais tarde, voltaria ao assunto. Com um gemido, entreabriu os lábios e agarrou os ca­belos de Styx, que pareciam seda em seus dedos. Perfeitos, como tudo nesse homem.

Um calor se espalhou por seu corpo quando ele a to­mou nos braços e a levou até a cama; e um senso da mais absoluta serenidade invadiu seu coração, mesmo enquanto tomada por um desejo avassalador. Não importava o quanto Styx fosse irritante, arrogante e mandão, era ali que ela queria estar. Nos braços do irre­sistível vampiro.

Ele a deitou sobre as macias cobertas e ficou por um mo­mento de pé, deslizando o olhar faminto por seu corpo.

— Você é tão linda...

Darcy sentiu um arrepio diante do olhar ardente e apai­xonado. Era como se os dois tivessem ficado separados durante anos, em vez de poucas horas.

— Styx?

— Tão macia... Tão quente... — ele murmurou, pondo-se ao seu lado e tocando um dos seios. — Eu poderia me afogar em tanta doçura.

Darcy permitiu que seus olhos se fechassem quando Styx tomou o mamilo entre os lábios. Sim... Este era o tipo de coisa no qual uma mulher poderia se viciar. As mãos dele não descansavam, traçando a curva de sua cintura, tocando-a nos quadris. Darcy gemeu. Isso era mágica. Ele a acariciava como se quisesse memorizar cada pedaço de seu corpo.

— Oh, eu o quero tanto, Styx...

— Assim como eu quero você, e vou querer sempre. Por toda a eternidade.

A voz dele continha uma suave urgência, como se aquilo fosse um juramento. Seus olhares se encontraram.

— Styx, não vamos falar do futuro — ela pediu. — Só quero desfrutar deste momento.

Ele pareceu prestes a discordar, mas por fim balançou a cabeça.

— Então vamos fazer deste momento algo inesquecível. Ele passou a percorrer seu corpo com a boca, e Darcy correspondeu com paixão. Quando se deitou sobre ela e a beijou, os caninos pressionaram de leve seus lábios. Darcy devolveu a carícia erótica com a língua, ansiosa para sentir-lhe o sabor. A reação ardente pegou-o de surpresa, e ela logo sentiu gosto de sangue. Percebeu que os lábios dele tinham sofrido um leve corte. Excitada, sugou o pequeno ferimento, fazendo-o gemer de prazer e puxar ainda mais seus quadris de encontro ao corpo.

Styx não se detinha, enlouquecendo-a ao usar os caninos e a língua para levá-la ao êxtase.

— Styx... — ela gemeu.

— Sim, anjo?

— Agora...

Ele buscou seu pescoço e inseriu os caninos; Darcy ge­meu, entregue às intensas sensações. Sem deixar de sugá-la, Styx penetrou-a. Por um momento, ele ficou parado, desfrutando do prazer de estar dentro dela; logo, lambeu-lhe a pequena marca no pescoço e passou a mover os quadris em um ritmo contínuo.

Ela deu as boas-vindas a essa posse, envolvendo-o com as pernas, e ouviu-o grunhir; os cabelos cobriam em par­te o peito bronzeado e o medalhão sempre presente. Darcy teve certeza de que jamais vira imagem mais linda.

O seu asteca sombrio e poderoso.

Styx intensificou o ritmo até que ela, fechando os olhos e emitindo um grito de prazer, explodisse em um êxtase fantástico. Penetrando-a profundamente mais uma vez, ele a acompanhou, sendo atingido por um intenso clímax.

 

Salvatore voltou ao seu decrépito abrigo e fechou-se no escritório. Distraído, ficou se lembrando do breve encontro com Darcy.

Ela era bonita; não havia dúvida quanto a isso. E ele estava confiante de que não teria problema em ir para a cama com ela. O que, é claro, era o motivo de toda essa perseguição à moça. Mas ela não era o seu tipo preferido de mulher. Não ha­via nela aquela força letal que o atraía. Nem a sensualidade capaz de conquistar todos os homens à sua volta. Tampouco a energia que marcava a maioria dos lobisomens. E era vegetariana, pelo amor de Deus!

Balançou a cabeça, inconformado. Ao ouvir um barulho na porta, apontou naquela direção o arco e a flecha pronta para ser disparada.

Continuou apontando-a, mesmo vendo que era Hess.

— Eu o avisei, Hess. Não quero ser perturbado — ele grunhiu.

Hess manteve o olhar fixo na flecha letal.

— Há um carro chegando.

Salvatore olhou pela janela. De fato, uma limusine bri­lhante parava à porta. Sentiu os músculos tensos. Só havia uma pessoa que ousaria se exibir daquela maneira. E era a última pessoa que ele desejava ver no momento.

— Maldição — ele resmungou sem se dar o trabalho de observar a mulher descendo do enorme carro.

Seguiu para a escrivaninha, onde depositou o arco e a flecha, substituindo-os por duas adagas de prata, que escon­deu sob a jaqueta. Diferentemente de Darcy, essa mulher estava sempre ansiosa para exibir sua natureza de fera.

— Leve os homens para a rua, e não voltem até que eu determine — ele ordenou a Hess.

— Temos de nos esconder?

Salvatore sorriu do orgulho ferido do mestiço.

— Sophia tem um temperamento pior do que o meu, e não vai ficar satisfeita ao ouvir as novidades. Não quero nenhuma morte acidental antes que ela tenha a oportuni­dade de se acalmar.

— Ah... — Hess engoliu em seco. — Bem pensado.

Salvatore observou-o sair rapidamente da sala. Confia­va que o lobisomem mestiço saberia lidar com o bando e manteria todos em segurança fora do prédio. Claro que isso significava que ele estaria sozinho para enfrentar a fúria da rainha. Mas ele era um puro-sangue e daria conta do recado, pensou quando a porta se abriu e a mulher entrou no escri­tório, postando-se à sua frente.

Qualquer outro homem teria caído de joelhos diante dela. Não somente devido à sua aparência sensual dentro daquela calça de couro e de um top minúsculo, mas também porque o ar que a rodeava parecia ser um convite erótico.

— Ah, Salvatore, lindo como sempre — ela murmurou, pressionando o corpo contra o dele. — Hum... certamente vai dar um beijo em sua rainha, não é?

Salvatore livrou-se do abraço.

— Não agora. — Ela caiu na risada enquanto deslizava a mão por seu corpo até chegar onde queria, acariciando-lhe o sexo.

— Você é um danadinho, querendo me privar disso. — Salvatore a empurrou. Não ofereceria sua semente a uma mulher que compartilhava a cama com uma dúzia de homens. Todos ao mesmo tempo. Ele era um rei, não um mero membro do bando. Escolhe­ria sua consorte, que pertenceria apenas a ele.

— Agora não é hora para isso — ele grunhiu.

As belas feições de Sophia, que tinham a mesma apa­rência jovem da adolescência, apesar de ela já ter mais de trezentos anos, endureceram brevemente antes que ela forçasse um sorriso.

— Ainda se esquivando porque me recuso a lhe dar uso exclusivo do meu corpo?

— Nem mesmo o uso exclusivo poderia me tentar a experimentar aquilo que já foi compartilhado com todos os lobisomens puros-sangues e mestiços de cinco continentes.

— Seu bastardo! Pode ser um rei, mas não me dá ordens. — Era verdade. Essa mulher era reverenciada por todos os lobisomens. Até que conseguisse produzir sua própria linhagem, ele era forçado a oferecer-lhe pelo menos respeito.

— Então mantenha as mãos longe de mim, a não ser que seja convidada.

Sophia arreganhou os dentes antes de começar a obser­var à sua volta. Um quê de desdém surgiu em seu belo rosto. O que não era de surpreender, já que estava acostumada com hotéis de luxo.

Onde está o seu bando? — ela perguntou.

— Patrulhando as ruas.

— Teme um ataque?

Salvatore endireitou o corpo, ofendido.

— Pareço um idiota? Claro que temo um ataque. Os vam­piros adorariam nos exterminar para sempre.

— Fale-me desse Styx.

— É frio e arrogante demais para saber que deveria es­tar em seu túmulo — Salvatore resmungou. Odiava vam­piros, e já agüentara demais de Styx, com seu jeito de senhor do universo.

Sophia caiu na risada.

— Ah, você está com inveja, Salvatore. Esse vampiro con­segue a melhor sobre os seus homens. Preciso conhecê-lo.

Salvatore forçou um sorriso.

— Posso combinar um encontro, se você quiser, apesar de ter que avisá-la que ele prefere uma... Versão mais nova de você.

Um calor inesperado encheu o aposento. Sophia não re­cebia bem as ofensas. Ela precisou de um bom esforço para controlar sua raiva selvagem e dirigiu um olhar mortal a Salvatore.

— Onde está a garota?

— Darcy? — Salvatore deliberadamente usou o nome. Apesar de Sophia ter dado à luz quatro meninas, ela não possuía instinto maternal. Em sua mente, tinha o dever de gerar as crianças, mas era obrigação do bando criá-las. Claro, esses bebês eram especiais, a ponto de ela ter sido forçada a participar da busca desde que haviam desapa­recido. Um fato que não fizera nada para melhorar o seu humor. — Ela não está aqui.

Como era de se esperar, os olhos verdes brilharam de raiva.

— O que está dizendo? Não está aqui? Você me disse que ela estava em suas mãos.

— Não se preocupe. Chegamos a conversar. É apenas questão de tempo antes que ela entre novamente em con­tato comigo.

— O que disse a ela?

— Disse-lhe que tinha uma família muito ansiosa para conhecê-la. — Ele retorceu os lábios em um sorriso sardônico. — Especialmente sua devotada mãe.

Sophia ignorou o sarcasmo e passou a andar de um lado para outro.

— Ela sabe que estou aqui?

Salvatore estremeceu ao sentir o calor no aposento. Fazia muito tempo desde que ele tivera uma puro-sangue em sua cama. Precisava de Darcy, e logo.

— Tentei dizer a ela. — Franziu a testa, aborrecido. — Não foi surpresa que ela não tenha se convencido. Ela nem mesmo acreditava em lobisomens até poucos dias atrás.

— Eu deveria saber que você falharia nisso.

— Eu falhei? — Salvatore teve vontade de estrangular a mulher. Ele era um rei. Suas decisões não estavam aber­tas para debate. — Não estou vendo nenhuma de suas lindas filhas agarradas às suas saias. Eu, pelo menos, con­segui localizar Darcy e fazer contato com ela. É bem mais do que você foi capaz de fazer.

Sophia se moveu com graça até ficar diante dele.

— E onde está ela agora? Nas mãos dos vampiros? Ah, sim, você fez um trabalho magnífico!

Ele resistiu à vontade de lhe dar um safanão. Não per­mitiria que ela tivesse a satisfação de saber que sua proxi­midade o incomodava.

— Como eu disse, ela logo voltará a me procurar. Tenho as respostas que ela busca com tanto desespero.

— Seu idiota! Não pode ficar aqui sentado esperando que ela decida entrar em contato com você.

— E o que pretende fazer?

— Trazer minha filha para casa.

— Ou, mais precisamente, aterrorizá-la.

— O que quer dizer com isso?

— Darcy foi criada por humanos.

— Mas está nos braços de um vampiro, não é? Você precisa usar de suas habilidades especiais.

Salvatore precisava de herdeiros fortes que pudessem assumir o lugar dos que estavam desaparecendo. Faria o que fosse preciso para conseguir esses filhos.

 

Styx compreendeu que perdera completamente o bom-senso. Não havia outra explicação para a ansiedade que sentia naquele minuto, enquanto Darcy se vestia no ba­nheiro conjugado ao quarto. Pelos deuses, a mulher estava a poucos metros dele! Per­to o suficiente para que pudesse ouvir todos os movimentos e sentir o perfume de sua pele. Estaria ao lado dela em um piscar de olhos. Mas o mero fato de haver uma porta entre os dois era o suficiente para deixá-lo perturbado.

Isso extrapolava o ridículo.

Ouviu um grito vindo do banheiro. Sem hesitar, abriu a porta. Darcy estava sentada na beira da enorme banheira, usando apenas seu jeans e o sutiã e olhando com horror para o próprio braço. Presumindo que ela podia ter se ma­chucado, ele correu e se ajoelhou diante dela.

— Darcy, anjo, o que foi?

— Meu braço. Há algo de errado nele.

Styx examinou o braço de Darcy, e seus dedos instintiva­mente o apertaram quando encontrou o sinal. Por um mo­mento, tentou aceitar o que via. Não que não soubesse o que era. Todo vampiro podia re­conhecer o símbolo. E não que fosse uma surpresa. Soubera desde o princípio que sua reação a essa mulher era mais poderosa do que deveria ser. E quando ela, durante o ato de amor, sugara seu sangue, a marca fatalmente surgira.

Ainda assim, levou um longo minuto antes que a verda­de assentasse em sua mente. Uma verdade que lhe dava uma enorme satisfação. A sensação de posse. Uma reação que chegava a chocá-lo mais do que tudo.

— Deus meu... — ele murmurou.

— O que foi? — Darcy começava a entrar em pânico. — Estou doente? Tenho alguma coisa grave?

Styx procurou se acalmar e forçou-se a se concentrar nela. Darcy não tinha idéia do que estava acontecendo.

— Não. Você está bem, Darcy.

— Sabe o que é isso? .

Ele hesitou antes de balançar a cabeça afirmativamente.

— Então me conte — ela pediu.

— Jura que não fugirá de mim se eu contar a verdade?

— Droga, Styx, você está me assustando!

— Não há nada a temer, anjo, mas quero que me prometa que me escutará antes de tomar qualquer atitude.

Parte do medo que ela sentia começava a sumir. Passa­va a suspeitar de que o que havia em sua pele não tinha nada a ver com uma doença fatal.

— Foi você quem fez isso? — ela perguntou.

— Ainda não fez a sua promessa, Darcy.

— Pelo amor de Deus, apenas me diga!

Aceitando o fato de que não receberia promessa alguma, Styx desistiu de insistir.

— Esta é a marca da nossa união — ele disse. Darcy abaixou os olhos para a marca.

— Tenho uma tatuagem porque dormimos juntos? Jesus! Isto é algo que você deveria ter mencionado. Quero dizer... Droga, o que ela diz? Fui para a cama com Styx?

Ele escondeu o riso. Ah, se fosse tão simples!

— É um símbolo, Darcy, não são palavras, e você não a tem porque dormimos juntos. É uma representação física de um elo antigo.

— Pode explicar melhor?

Darcy não era um vampiro e não conhecia nada a respei­to do mundo dos demônios. Tinha razão para estar confusa.

— É a marca da verdadeira união de um casal.

— Verdadeira união? Como acontece em um casamento?

— Em parte.

— O que significa...

— Esta marca revela que você é a mulher destinada a mim; porém, para que a união se concretizasse você teria de se entregar totalmente ao nosso relacionamento, sem hesitação alguma.

— Vamos ver se entendi. Tenho esta... Coisa no meu bra­ço, e agora somos marido e mulher?

— Estou ligado a você como seu marido — ele explicou com cautela.

— E isso quer dizer...

— Que pertenço a você, e somente a você, por toda a eternidade. Não haverá outra mulher para mim.

Darcy arregalou os olhos, surpresa com a confissão.

— E quanto a mim? Pertenço a você? — Claro que ela lhe pertencia! Ele mataria qualquer um que tentasse levá-la embora. Com esforço, procurou contro­lar o desejo selvagem de agarrá-la e nunca mais permitir que se afastasse. Cometera erros demais com Darcy. Não a forçaria a nada nem a manipularia para que se tornasse sua companheira, não importando o quanto o quisesse.

— Deve se oferecer a mim espontaneamente, assim co­mo faz quando tomo o seu sangue, para que isso aconteça.

— Mas... Eu me ofereci espontaneamente em mais de uma ocasião.

— Não o seu corpo, Darcy. — Ele procurou palavras para explicar a união mística. — Precisa me oferecer o seu cora­ção e a sua alma. A sua verdadeira essência.

— E o que acontece se eu não o fizer? — Ele rangeu os dentes.

— Você permanece livre.

— Posso simplesmente ir embora, e você continuará meu companheiro?

— Sim — ele grunhiu, arqueando as sobrancelhas quan­do a viu cobrir o rosto com as mãos e emitir um som de riso. — O que está achando tão divertido?

Ela descobriu o rosto, que estava úmido, e a raiva de Styx sumiu.

— Bem, você tem de admitir que exista certa ironia nes­ta situação — Darcy disse, secando as lágrimas. — Foi você quem me raptou e me manteve presa contra a minha von­tade. Agora parece que o prisioneiro é você.

— De fato, é isso mesmo. — Estendeu a mão e a tocou no rosto com carinho. — No que está pensando?

Ela não fez movimento algum para impedir que ele a tocasse.

— Você sabia que isto podia acontecer? — Impulsivamente, Styx a abraçou.

— Acho que sabia dessa possibilidade no momento em que a capturei. Nunca reagi dessa forma a uma mulher em toda a minha vida.

Darcy afastou o corpo para poder observar melhor a expressão de Styx.

— Quer dizer que sempre me quis na sua cama?

— Na minha cama, no chão, na mesa da cozinha, no solário...

— Styx! — exclamou, dando um tapa no peito dele.

Como Darcy não percebia as emoções que o invadiam? Styx se perguntou. Como podia duvidar por um único ins­tante de que toda a sua existência seria agora dedicada à felicidade dela?

— Não precisava ter feito essa pergunta, anjo. Sabe muito bem que sempre me atraiu. Não há um momento em que você não esteja nos meus pensamentos, mesmo quando eu quero que não esteja. Tornou-se parte de mim.

O rubor tomou conta do rosto de Darcy, fazendo-o sor­rir. Ela nunca perderia inteiramente aquela doce inocência que ele achava tão fascinante.

— Você não parece... Aborrecido como deveria estar.

— Concordo. Um vampiro se casa apenas uma vez em toda a sua existência. É um momento em que liga sua vida com outra para toda a eternidade, e esta é considerada a mais sagrada das cerimônias. — Havia emoção em sua voz. — Agora estou ligado a uma mulher que pode muito bem se afastar de mim. Eu deveria estar perturbado.

— Mas não está.

— Não posso negar que parte de mim quer desesperadamente se ligar a você, mas há algo mais... Sinto uma extraordinária sensação de paz.

— Styx...

Ele percebeu que Darcy se assustara com a força dessas revelações.

— Discutiremos isso mais tarde — ele disse com firme­za. — Agora me conte o que Salvatore lhe disse.

— Como sabe que ele... Oh, deixe para lá! — Darcy afastou a mão de Styx porque as carícias que ele fazia não a deixavam pensar direito. — Ele disse que a mulher da foto é minha mãe.

— E acreditou nele?

— Styx, você viu a foto! Até mesmo você tem de ad­mitir que sermos assim parecidas não é apenas uma coincidência.

Ele controlou a vontade de argumentar. Começava a aprender com os erros.

— Tenho certeza de que ele disse mais do que isso.

— Sim... Ele afirma que minha mãe é uma puro-sangue.

— Não! — O grito saiu sem que ele percebesse. — Salvatore tem de estar mentindo. Você não é uma mulher-lobo.

Darcy mordeu o lábio.

— Bem, certamente sou algo mais do que humana. Você mesmo disse que devo ter sangue de demônio.

— Sangue de demônio, sim. Não de lobisomem.

— Tem certeza?

Ele tinha? Irritava-o não conseguir determinar precisa­mente o que ela era. Mas nem podia considerar a hipóte­se de que Darcy tivesse, mesmo que em parte, sangue de lobisomem. Isso não tinha nada a ver com preconceito. Os vampiros podiam ser arrogantes, mas com freqüência escolhiam suas amantes entre as diferentes espécies. Não, sua relutância vinha diretamente do medo de perder essa mulher.

Já era suficientemente ruim essa volta da mãe de Darcy à vida dela. Qual seria sua chance se tivesse de lutar contra o chamado de um bando inteiro?

Vagarosamente voltou-se e a encarou.

— Não sei exatamente o que você é, mas o fato é que já está em uma idade em que deveria ter começado a se transformar.

— E se houver uma razão pela qual nunca me transformei?

— Isso é ridículo. — Pelos deuses, ele deveria ter mata­do Salvatore no momento em que o lobisomem entrara em Chicago! — Isto deve ser uma espécie de jogo.

— Talvez. Seja o que for, pretendo descobrir a verdade.

— Darcy... — Ele parou de falar, olhando para a porta.

— O que foi?

— Viper está se aproximando.

— Então deve ir e ver o que ele quer.

— Precisamos terminar a nossa conversa.

Darcy sorriu antes de lhe dar um pequeno empurrão.

— Vá. Eu estarei aqui quando você terminar de falar com ele.

— Promete?

Ela revirou os olhos.

— Apenas vá.

Viper apareceu no momento em que Styx saiu para o cor­redor. Ele manteve a porta aberta. Não importava que fosse tolice, mas não queria nenhuma barreira entre ele e Darcy.

— Viper, a não ser que a casa esteja em chamas, não quero ser interrompido.

— Preciso falar com você. Sabe que eu não estaria aqui se não fosse um assunto importante.

— Não me importo se o mundo está chegando ao fim, eu...

Ele parou de falar quando Viper aproximou-se e come­çou a cheirar o seu corpo.

— Meu Deus! Você se uniu a ela? — ele grunhiu. Fechou a porta e colocou-se diante do amigo. — Perdeu a cabeça? Você nem sabe quem ela é.

As feições de Styx endureceram.

— Salvatore declarou que ela é filha de uma puro-sangue.

— Ela é uma mulher-lobo? Shay me disse que ela cheirava a lobo, apesar de não ter muita certeza.

Styx estremeceu. Shay suspeitara? Isso era péssimo! Controlou o desejo de grunhir e lançou um olhar duro a Viper.

— Não me importo com o que ela seja.

— Mas é claro que deve se importar.

— Isso não é da sua conta, Viper.

— Você é o nosso Anasso. Tudo termina sendo da nossa conta.

Styx queria deixar bem claro que, mesmo Viper sendo seu amigo, ele não estava disposto a ouvir um sermão.

— Quer me desafiar? Acredita que possa ocupar o meu lugar?

Todos sabiam que Styx possuía um enorme poder, mas o jovem vampiro estava longe de se intimidar. Viper era como todo vampiro. Arrogante demais para ser intimi­dado. Mesmo quando deveria estar.

— Não fale besteira, Styx. Não assumiria sua posição nem se ela me fosse entregue em uma bandeja de prata. Mas não posso ficar parado e observá-lo meter-se em peri­go por causa de uma mulher que claramente é ligada aos lobisomens. E se ela for uma armadilha?

— Armadilha?

— Talvez Salvatore tenha planejado fazê-lo acreditar que ele perseguia Darcy para que você a capturasse.

Styx balançou a cabeça, irritado.

— Por que ele iria querer que eu raptasse Darcy?

— Talvez ela seja uma espiã—Viper arriscou bravamen­te. — Pode ter sido enviada para seduzir você, distraindo-o a ponto de você não perceber que os lobisomens estavam quebrando o nosso acordo. Um truque que parece estar sendo bem-sucedido.

Styx rangeu os dentes e forçou-se a dar um passo para trás. Não queria, levado pela raiva, atacar o amigo.

— O que diz não faz sentido, Viper. — Ele conseguiu recuperar a calma. — Em um momento, sugere que eu não estou tratando Darcy com o devido respeito; no outro, a acusa de ser uma mulher perigosa com a missão de ajudar na queda de todos os vampiros.

— Este é o ponto, Styx. Não sabemos o suficiente so­bre ela para concluirmos se é amiga ou inimiga. E certa­mente não sabemos o suficiente para você fazer dela sua companheira.

Já bastava! Nunca quisera assumir a carga de ser o Anasso, mas ele era, sem questionamento, o líder de to­dos os vampiros. Não se explicaria, nem se desculparia por nenhuma das decisões que pudesse tomar. Especialmente quando a questão era a sua companheira.

— Não falaremos mais sobre isso. Já está feito, e não pode ser alterado. Agora, por que insiste em me interromper?

Por um momento, Viper se esforçou para controlar sua própria natureza. Ele era um chefe de clã, e estava acostu­mado a dar ordens, não a recebê-las. Por fim, conseguiu refrear o instinto de prosseguir com aquela discussão sem futuro. Não tocaria mais no assunto, mas não pretendia ficar feliz com isso, algo que Styx teria de aceitar.

— Desmond acaba de chegar a Chicago exigindo que lhe devolvamos o casal a quem demos acolhida. — Styx levou alguns instantes para recordar de quem Viper falava. Claro, no momento era difícil se lembrar de qualquer coisa, exceto do seu desejo de voltar para Darcy.

Uma realidade perigosa.

Conseguiu, porém, lembrar-se dos dois vampiros que o haviam procurado recentemente em busca de proteção. Desmond devia ser o chefe do clã que eles temiam.

— Ele transpassou o seu território? — Styx perguntou surpreso.

Era passível de punição com a morte o vampiro que entrava no território de outro sem a permissão formal.

— Desmond afirma que tem direito de entrar, uma vez que estamos com dois elementos de seu clã, contra a sua vontade.

— É sabido que esses dois vieram me pedir proteção. Desafiar você é desafiar a mim.

— Presumo que este seja o ponto.

Pelos deuses, havia horas em que ele desejaria a posição de Anasso aos seus maiores inimigos!

— Qual é o dano?

— Até agora, ele já matou alguns demônios. Uma carni­ficina, mas não o suficiente para uma declaração de guerra.

— Algum vampiro entre as vítimas?

— Ainda não, mas é só questão de tempo. Posso lidar com isso sozinho, mas prefiro não ter de matar um chefe de clã.

Styx desanimou. Sabia o que era esperado dele.

— Deseja que eu vá com você?

— Sim. Claro, se não puder...

— Eu irei. — Apesar da relutância, sabia que não tinha escolha. Fora decisão sua dar proteção aos dois vampiros; era agora sua responsabilidade confrontar o chefe que ten­tava tomá-los de volta. — Dê-me apenas alguns minutos com Darcy.

— Como desejar — Viper murmurou, com uma pequena reverência. — Eu estarei à sua espera lá embaixo.

Darcy estava de pé ao lado da janela quando sentiu que Styx entrava no quarto. Voltando-se bem devagar, soube imediatamente, pelo olhar dele, que havia algo de errado.

— O que aconteceu?

Ele se aproximou e a tocou de leve no rosto, mas Darcy percebeu que ele estava tenso.

— Um chefe de clã entrou no território de Viper. Ele precisa lidar com isso antes que o tal chefe provoque uma carnificina entre nós.

— Não gosto disso. — Ela franziu a testa. — Você vai correr perigo?

Ele deu de ombros, mais interessado no formato dos lá­bios dela do que no fato de estar prestes a enfrentar um perigoso vampiro.

— Muito pouco. Desmond apenas precisa ser lembrado dos perigos que corre por desobedecer às nossas leis.

Darcy não se tranqüilizou com essas palavras.

— Continuo não gostando disso. E se o vampiro decidir enfrentar você?

— Viper estará comigo. Poucos podem enfrentar a nós dois juntos. — Ele parou de falar e a fitou, curioso. — Está preocupada comigo?

— Claro que estou preocupada. Você pode me deixar louca às vezes, mas não quero vê-lo em perigo.

A expressão de Styx suavizou.

— Porque você se importa comigo?

Ela se importava, e muito. Mesmo assim, estava relutan­te em confessar suas emoções. Pelo menos, por ora.

— Não quero ver ninguém ser machucado. — Styx acariciou-a de leve no rosto.

— Não pode dizer as palavras, anjo? Não pode admitir que se importe um pouco?

— Você sabe que eu me importo — ela murmurou, suspirando.

— Não parece satisfeita com isso. É porque sou vampiro?

— Claro que não. Estou feliz que não seja humano. Sem­pre soube que não poderia estar com... Um homem normal.

Styx franziu a testa diante da confissão, e depois caiu na risada.

— Devo-me sentir insultado?

Um suave sorriso surgiu nos lábios dela. Aquilo não estava saindo como ela pretendera.

— Sabe o que quero dizer. — Sem pensar, levantou a mão e acariciou de leve a linha do queixo de Styx. Como pode­ria evitar tocá-lo? — Passei anos evitando relacionamen­tos porque todos acabavam me achando meio louca. Nunca fui capaz de ser apenas eu mesma. É maravilhoso não ter de fingir ser alguma coisa que não se é.

— Você nunca precisa fingir para mim, meu anjo. Você é perfeita.

— Não sou não.

— Eu acho que é perfeita, então você é perfeita.

— E sua palavra é lei?

— Podemos dizer que sim.

Incapaz de argumentar, ela revirou os olhos.

— Quanta arrogância!

— Talvez, mas está tentando me distrair, anjo. Posso sentir o que há em seu coração. Cheirar em sua pele; no ar que a envolve. Por que não fala as palavras?

— Tudo está acontecendo muito depressa, Styx. Preciso de tempo para lidar com isso.

— Você tem razão, mas não é fácil. Estranho, conside­rando o que eu tenho enfrentado nesses séculos todos sem perder a paciência. Você está fazendo com que eu me sinta um vampiro recém-transformado outra vez.

— Você fala como se sentisse um órfão indefeso.

— Não é uma analogia ruim. — Ele ficou tenso com as lembranças. — Quando os vampiros despertam, não têm ne­nhuma lembrança de sua vida anterior, e nem sabem quem são. Muitos morrem com o primeiro surgir do sol e, mes­mo aqueles que sobrevivem, por vezes não duram mais que algumas semanas. Não sem a proteção de alguém mais poderoso. Eu sobrevivi por sorte, mesmo quando esta­va muito fraco para lutar contra aqueles que queriam me usar como escravo.

— Não sabia que vampiros tinham escravos. Isto é... Horrível.

— Sim. Mais horrível do que possa imaginar. Essa foi à razão que me levou a unir-me ao Anasso anterior. Ele es­tava determinado a unir todos os vampiros como uma raça e parar com os abusos cometidos pelos mais fortes. Darcy lutou para conter as lágrimas. Sua própria infân­cia não tinha sido fácil, mas nada parecido com o que Styx enfrentara. E, no entanto, ele não era um homem amargo nem quisera a vingança. Em vez disso, tomara o comando da situação e lutara para melhorar o mundo de todos os vampiros.

Como uma mulher podia não se apaixonar por um ho­mem como esse?

— E você conseguiu. É um excelente líder, Styx.

Ele inclinou a cabeça e a beijou. Darcy sentiu o calor familiar, mas antes que pudesse se entregar ao prazer, ele se afastou.

— Um líder que precisa resolver o caso de Desmond — ele admitiu, dando um passo para trás e pegando sua capa.

— Não quero deixá-la, anjo, mas preciso fazer isso.

— Eu sei. — Darcy detestou estar se sentindo tão apreensiva. — Apenas me prometa que vai ser cuidadoso.

— Isso eu posso prometer. — Ele sorriu antes de sur­preendê-la, tirando o amuleto que sempre usava e gen­tilmente pondo-o no pescoço dela. — Eu voltarei. — Prometeu beijando-a. — Eu sempre voltarei para você. — Ele deixou o quarto.

Uma vez sozinha Darcy tocou no amuleto. Talvez fos­se apenas sua imaginação, mas podia jurar que sentia a presença de Styx ao tocá-lo. Suspirando, seguiu para a cama. Era como se dentro de si houvesse um enorme vazio, causado pela ausência de Styx. Ela não precisava de nenhuma tatuagem para lhe dizer que já pertencia àquele fantástico vampiro.

 

Foi o delicioso aroma que fez Darcy acordar. Esfregando os olhos, ela sentou-se na cama, descobrindo Levet parado junto à porta com uma bandeja nas mãos.

— Levet... Que horas são?

— Um pouco depois das três da madrugada. Ela dormira apenas duas horas. Não era de surpreender que tivesse a mente confusa e os olhos pesados. Sacudindo a cabeça, tentou formar um pensamento coerente.

— Styx já voltou?

— Ainda não, mas Viper telefonou há poucos minutos para dizer que haviam localizado o chefe do clã. O invasor está em uma pequena casa na parte oeste da cidade. Styx e Viper devem voltar antes do amanhecer.

— E a comida é para mim?

— Sim.

— Obrigada. O aroma é delicioso. Estranhamente, o pequeno demônio hesitou.

— Posso entrar?

— Claro. Sabe que não precisa pedir.

— Preciso. — Ele fez uma careta. — Não quero aborrecer você.

Darcy imaginou o que havia de errado com Levet. Ele sempre fazia o que desejava, sem hesitar.

— Você nunca me aborrece, Levet.

— Diga isso ao Senhor Todo-Poderoso. Sacre bleu! Nunca encontrei alguém tão aborrecido. — Revirando os olhos, o gárgula conseguiu fazer uma perfeita imitação de Styx. — Darcy está com fome. Darcy está cansada. Darcy não deve ser perturbada. Darcy deve ser protegida. Darcy deve...

Ela ergueu a mão, rindo.

— Já entendi.

— Esse foi só o começo da lista. Ele insistiu que a cozi­nheira de Viper fosse trazida para cá a fim de preparar os seus jantares favoritos.

Um pequeno sorriso surgiu nos lábios de Darcy. Não podia negar o prazer que sentia ao receber tanta atenção de Styx.

— Styx tende a ser mandão, mas você não pode culpá-lo. Ele está acostumado a dar ordens.

— Oh, eu posso culpá-lo, sim! E achei que você também pensasse dessa forma. Afinal, fugiu dele, não foi?

— Bem, como todos os homens, ele é meio cabeça-dura, a ponto de uma mulher precisar ocasionalmente tomar medidas mais radicais para conseguir fazer valer a sua vontade.

— Eu diria que você conseguiu isso. De acordo com Viper... — Levet parou de falar. — Sacre bleu!

Mais surpresa que assustada, Darcy deu um passo para trás, arregalando os olhos, quando o pequeno gárgula agarrou seu braço.

— O que está fazendo?

— Vocês estão comprometidos. — Ergueu a manga da ca­miseta de Darcy. — Ou, mais precisamente, Styx está com­prometido. A cerimônia ainda não foi completada. — Levet a observou, curioso. — Você não parece perturbada com isso. Entende bem o que aconteceu?

Darcy lutou para não rir histericamente. Entender o que tinha acontecido? Diabos, ela não entendia nada! Sua vida se tornara uma total confusão desde o momento em que Salvatore entrara no bar. Vampiros e lobisomens e demô­nios... Oh, Deus!

— Não inteiramente. Styx disse que significa que ele está ligado a mim de alguma forma.

— De alguma forma? Não há nenhum "de alguma forma" sobre isso. Mon Dieu! Quem acreditaria que aquele bastar­do de coração frio seria capaz de se unir a uma mulher?

— Ele não tem coração frio. Possui o coração mais gene­roso e leal que já vi na vida.

Levet piscou surpreso com a firmeza da declaração.

— Tenho de aceitar a sua palavra a esse respeito, uma vez que ele não se revelou desse jeito para nós.

— É apenas porque ele não está acostumado a expor os sentimentos.

— Oh, sim... — Levet ironizou.

Por que todos insistiam em tratar Styx como se fosse o vilão do mundo dos demônios? Ele devotara à vida inteira a proteger os demônios que considerava ser sua respon­sabilidade, sem pedir nada de volta. Todos deveriam estar gratos.

— Ele parece insensível, mas isso não significa que o seja. Ou que não possa se sentir magoado quando é tão mal compreendido.

— Talvez. — Levet não parecia convencido, mas desistiu de argumentar. Subitamente começou a rir.

— Do que está rindo?

— Você acabou de laçar o demônio mais poderoso do mundo. Não sei se devo lhe dar os parabéns ou os pêsames. Isso é tão deliciosamente irônico! As vampiras sempre ten­taram tirar Styx de seu celibato auto-imposto por séculos. Vão arreganhar os dentes quando descobrirem que ele está comprometido.

— Ótimo! — Darcy revirou os olhos. Se Levet preten­dia animá-la, estava fazendo tudo errado. — Isso era tudo o que me faltava. Um bando de vampiras zangadas me perseguindo.

— Oh, não... Não há vampira que ousaria ferir a compa­nheira de seu Anasso. Elas podem desejar você no inferno, mas lutarão até a morte para protegê-la.

Bem, isso soava melhor. Pelo menos, um pouco melhor.

— Talvez, mas como você disse a... Cerimônia ainda não foi completada. Nada ainda está decidido.

— Talvez não para você, mas certamente está decidido para Styx. A marca no seu braço prova que ele está ligado a você pela vida inteira. Para os vampiros, você é agora a rainha deles.

Darcy sentiu um arrepio na espinha. Rainha? Bem, isso era patético.

— Isto está indo depressa demais — resmungou.

— Não acredita em amor à primeira vista?

Ela estava determinada a não olhar para o pequeno gárgula, a fim de esconder a expressão de seu rosto. Houvera um tempo em sua vida em que nem sequer acreditava que o amor existisse. Para ela, o amor costumava ser apenas um mito, assim como vampiros e lobisomens. Como poderia aceitar uma coisa que nunca tinha visto nem sentido?

Agora ela acreditava. Tanto em demônios quanto no amor. Mas amor à primeira vista? Sim...

— Confesso que acredito. E você, Levet? Os gárgulas se apaixonam?

— Oh, sim... Somos como a maioria dos demônios. Te­mos uma companheira, e é para toda a eternidade.

— Você disse a maioria dos demônios. E quanto aos lobi­somens?

— Séculos atrás, os puros-sangues ocasionalmente des­frutavam de uma união monogâmica, mas acabaram se tor­nando obcecados por gerar mais e mais crianças. A maio­ria dos lobisomens hoje em dia é conhecida por seu enorme apetite sexual. Especialmente as mulheres, que podem ter dúzias de amantes ao mesmo tempo. O medo da extinção é um afrodisíaco poderoso, mignon, e produzir filhos são mais importante do que viver um grande amor.

Darcy fez uma careta. Ter dúzias de amantes não era algo que ela quisesse na vida. Especialmente quando não podia imaginar que outro homem a não ser Styx viesse a tocá-la.

— Então quando Salvatore afirma que pretende me tor­nar sua mulher, é apenas conversa-fiada?

— Ele disse isso? — Levet indagou, arregalando os olhos.

— Disse.

Seguiu-se um longo silêncio, até que Levet acabou rindo.

— Sacre Meu! Não é de surpreender que Styx esteja meio doido. Já é duro agüentar os vampiros na melhor das cir­cunstâncias, mas eles ficam meio loucos quando se ligam a uma mulher. E ainda saber que há outro homem cortejando a dama... Deus ajude quem cruzar seu caminho! Ele matará primeiro e fará as perguntas depois.

Instintivamente Darcy olhou em direção à janela. Tinha uma estranha sensação de que alguma coisa não corria bem.

— Não me importo com o humor dele. Não gosto de pensar que Styx esteja agora em busca de um vampiro renegado.

— É preciso mais do que um mero vampiro, renegado ou não, para feri-lo. Acredite em mim. Já o vi em ação.

— Talvez, mas estou com um mau pressentimento.

 

                                         Capítulo IV

Fora preciso apenas seguir o vampiro renegado pelas ruas escuras de Chicago. Desmond deixara para trás uma trilha de sangue. Styx e Viper o localizaram em uma casa de fazenda próxima à casa de Viper, aquela em que Styx estivera com Darcy.

Styx estava preocupado com a facilidade com que ha­viam encontrado o chefe de clã. E mais ainda com o fato de encontrá-lo tão perto de onde ele estivera dias antes.

— O chefe está lá dentro? — ele perguntou a Viper.

— Está com dois outros vampiros no sótão. Ergueram uma barricada para se proteger.

Styx franziu a testa. Algo lhe dizia que alguma coisa estava errada.

— Não estou gostando disso. E se for uma armadilha?

— Está sentindo alguma coisa?

— Nada. E isso me preocupa.

— Ah, claro! Faz sentido pensar que teremos trabalho à frente, já que não está pressentindo perigo algum.

— Exatamente.

— Droga, eu deveria tê-lo deixado com Dante! Vampiros recém-casados deveriam ficar trancados até recuperar a sa­nidade mental — Viper resmungou.

— Não me diga que não é estranho que um chefe de clã seja estúpido a ponto de entrar em uma cidade, deixar um rio de sangue para trás, e, em vez de deixar a cidade ou nos confrontar diretamente, enfiar-se em uma remota fazenda sem proteção alguma?

— Um pouco fácil demais... — Viper grunhiu baixinho.

— Diabos, você tem de ser sempre assim tão racional? — Ele observou a silenciosa casa. — O que quer que eu faça?

— Acho que seria bom chamar nossos homens antes de irmos mais adiante.

Concordando, Viper tirou o celular do bolso.

— Droga! O telefone descarregou. Bem, não é incomum que a tecnologia moderna seja afetada pelo poder dos vam­piros. O que vamos fazer agora?

Styx sentiu-se inquieto. Não poderiam chamar o refor­ço. Tentou raciocinar. Não queria entrar na casa sem saber o que o esperava lá dentro. A única opção seria fazer com que Desmond e seus vampiros saíssem.

— Vamos preparar uma armadilha sem sermos pegos. Pretendo usar o plano de Darcy. O melhor modo de distrair um vampiro é pôr fogo na casa.

— Não posso esperar que tenha um isqueiro ou uma cai­xa de fósforos com você, não é?

— Isso não é necessário. Preciso apenas encontrar de onde vem a eletricidade da casa.

— Isso é fácil. — Viper seguiu para os fundos da casa.

— Por aqui.

Styx o seguiu. A sorte estava do seu lado, e ele facilmen­te localizou a caixa de energia perto de um pequeno terra­ço. Colocou a mão sobre o metal e permitiu que seu poder fluísse, chegando ao circuito elétrico. Concentrado no que estava fazendo, não prestou muita atenção aos arredores. Pelo menos até sentir que o amigo se empertigava.

— Styx...

Com relutância, Styx voltou-se na direção do som de um veículo se aproximando. Segurou o braço de Viper e o pu­xou para trás de um arbusto quando um furgão surgiu, e uma dúzia de vampiros desceu do veículo.

— Diabos... — Styx resmungou, percebendo que o che­fe do clã ordenara que seus homens ficassem afastados da casa para não serem pressentidos. — Eu cuido deles en­quanto você vai buscar ajuda.

— Não vai conseguir detê-los sozinho.

— Há muitos para apenas dois de nós — Styx observou, já sentindo o chefe e os dois vampiros se movendo pela casa. Logo ele e Viper estariam cercados. — Nossa única esperan­ça é que você escape e volte com o seu clã. Estamos perto de seu abrigo.

— Você vai, e eu fico — Viper insistiu.

— Não foi um pedido, Viper. Eu lhe dei uma ordem. — Passou-se um momento enquanto Viper lutava com o seu enorme orgulho.

— Odeio quando você dá uma de superior em cima de mim.

— Apenas vá.

— Se você se deixar matar, vou ficar bem irritado.

— Já disse isso antes.

Esperou até que o amigo sumisse nas sombras; então se levantou e saiu de trás do arbusto. Não queria que ro­deassem e descobrissem Viper antes que ele pudesse escapar. Quando deu um passo à frente, os vampiros perceberam sua presença e apontaram as armas diretamente para o seu coração. Ótimo. Nunca esperara ser amado como o Anasso. Os vampiros não eram o tipo de raça que ficava bajulando o líder. Ainda assim, não era muito freqüente que um vam­piro ousasse desafiar sua autoridade.

Afastou a capa para deixar à vista sua enorme espada, uma arma temida no mundo inteiro.

— Sou Styx, o Anasso — ele anunciou. — Abaixem as suas armas ou serão julgados.

Por um momento, eles hesitaram. Logo, a porta dos fun­dos da casa se abriu, e os três vampiros que haviam estado lá dentro apareceram.

— Não ousem fazer isso, seus covardes. Se ele escapar, eu mato cada um de vocês. — O líder se aproximou de Styx. — Ah, o grande Anasso!

Styx observou os olhos verdes e o rosto fino rodeado de cabelos loiros. Não se deixaria enganar pela aparência frá­gil. Podia sentir o poder do vampiro.

— Desmond, eu presumo — disse, com deliberada arrogância.

— Você tem a honra de me conhecer.

— Honra não é a palavra que eu usaria.

— Não? Bem, talvez seja porque você não saiba nada sobre honra.

Styx não hesitou em agarrá-lo pelo pescoço e atirá-lo ao chão.

Os vampiros se agitaram e se preparam para a batalha, mas Styx os ignorou. Não iria tolerar desrespeito. Não de um de seus irmãos.

— Você está em solo perigoso — ele afirmou em um tom letal.

— E você é mais estúpido do que eu suspeitava se pensa que meu clã não o matará — Desmond falou. — Largue-me.

Com desdém, Styx largou o vampiro traidor no chão. Desmond levantou-se e alisou a camisa de seda, sorrindo.

— Entendeu mal, milorde. Não estou reclamando de sua falta de moral. Sempre achei que isso já tivesse sido aboli­do. Como pode haver lugar para honra e lealdade ou tra­dição entre os demônios sanguinários? Estamos acima de tais fraquezas humanas.

— Obviamente você acredita que está acima das leis dos vampiros também.

— Você quebrou as leis primeiro, quando me tirou dois dos membros de meu clã.

— Eles me pediram proteção. Está no meu direito ofere­cer-lhes abrigo. Eu sou o Anasso.

— É o que você clama ser.

— Clamo? Não há dúvida alguma de que sou o líder de todos os vampiros.

— E, no entanto, como assumiu essa posição? — Desmond fingiu estar tentando se lembrar, e então esta­lou os dedos. — Ah, sim, agora me lembro. Você assassinou o Anasso anterior. Uma empreitada e tanto, devo dizer.

Styx se empertigou ao ouvir a acusação. Na verdade, Viper dera o golpe mortal no Anasso, mas Styx nunca ne­gara sua própria culpa. Assumira por inteiro a responsa­bilidade pela morte do vampiro que ele tinha admirado e protegido por séculos. Um vampiro que enlouquecera de­vido às drogas.

— Está aqui para debater os meus direitos de liderança?

— Quer saber a verdade? Estou aqui para tirar de você esses direitos.

Styx estremeceu. Diabos! Fora até ali acreditando que o vampiro estava apenas tentando demonstrar poder diante do próprio clã. Agora percebia que era uma situação bem mais perigosa. Olhou para o círculo de vampiros, que conti­nuavam apontando as armas diretamente contra seu peito.

— Este é algum tipo de brincadeira?

Com uma risada, Desmond se voltou para o vampiro que estava ao seu lado.

— Jacob, eu estou brincando?

Styx identificou o vampiro como uma criatura totalmen­te subjugada pelo chefe. Houvera um tempo em que era aceito que o vampiro mais forte brutalizasse e escravizas­se o mais fraco, governando pelo terror. Durante os últimos séculos, Styx tentara mudar tais práticas. Infelizmente, Desmond ainda adotava os modos antigos, e seu clã sofria com sua arrogância.

— Não, milorde.

— Está vendo? Nada de brincadeira.

Styx dirigiu ao vampiro um olhar de desdém. Não podia pensar em nada que o agradasse mais do que cortar a gar­ganta desse sujeito. Infelizmente, as armas apontadas em sua direção diminuíam suas opções.

— Qual é o seu plano? Pretende me matar e assumir meu posto?

— Algo assim. Foi o que você fez, afinal. Eu sempre aprendo com os mestres.

— Você acredita mesmo que os vampiros o seguirão simplesmente porque você vai se denominar o Anasso?

— Por que não? Eles o seguem, não é?

— Porque assim o quiseram.

— Bobagem. Você é modesto demais. Sua reputação é co­nhecida. Todos os vampiros sabem que desobedecê-lo é como cavar o próprio túmulo. Seu nome é usado para apavorá-los. Acabando com você, provo que sou mais perigoso, até mais brutal. Um líder perfeito.

Styx considerou que não tinha muitas opções. Poderia confundir a mente de um bando de vampiros, ou imobili­zá-los com sua energia, mas não tantos ao mesmo tempo. Havia inimigos demais a superar ali. E nem mesmo ele era rápido o suficiente para escapar de um tiro no peito. Sua única esperança parecia ser convencer o vampiro maluco de que esse plano não funcionaria.

— Você é patético — ele ridicularizou.

— Eu sou patético? — Desmond tentou parecer indife­rente ao insulto. — Estranho. Não sou eu quem está encur­ralado, não é?

— Pode me matar se quiser, mas os vampiros jamais o seguirão.

— Por que não? Um Anasso é tão bom quanto outro para a maioria de seus irmãos. O que importa o nome, se ele detém o poder?

— Se isso for verdade, o que impedirá que outro chefe o derrube?

— Sou esperto o suficiente para não me trancar em cavernas e desempenhar o papel de monge misterioso. Os humanos têm provado que você não precisa ser bondo­so, ou inteligente, nem mesmo um governante competente. Quantos bufões e idiotas têm sentado em um trono?

Styx caiu na risada.

— Você realmente acha que pode aplicar a política humana entre os demônios?

— Bem, haverá um problema aqui e ali. Mas posso lhe assegurar que serei capaz de convencer aqueles que possam desaprovar meu estilo de liderança. — Ele acreditava que um bando de idiotas conseguiriam assegurar-lhe a posição de Anasso?

— Eu estava errado. Você não é patético. É apenas um idiota. Estaria morto em menos de um mês. Se não pelos clãs fiéis a mim, então pelos meus homens. Eles jamais descansariam até que cada um de vocês estivesse morto.

Desmond deu um passo involuntário para trás.

— Sim, devo admitir que seus homens chegam a me preocupar. Não somente são bem treinados, como leais de­mais a você, mas nunca seriam estúpidos em me atacar de frente por vingança. Eles são do tipo que se esconde nas sombras e vai eliminando um a um de meus homens. A não ser...

Styx não gostou do brilho que tomou conta dos olhos de Desmond. Era um aviso de que as surpresas ainda não haviam terminado naquela noite. Uma pena. Sua limita­da tolerância para surpresas já estava no fim. Logo ele se tornaria extremamente violento.

— A não ser o quê?

— A não ser que você seja bondoso o suficiente para me proclamar o seu herdeiro — Desmond disse, com um sorriso de deboche. — Por escrito, claro, já que você não estará aqui para fazer o anúncio pessoalmente. Os seus homens não terão escolha a não ser aceitar a minha posição. Talvez eu até os torne minha guarda pessoal.

Styx sacudiu a cabeça. O vampiro era demente.

— Você pretende me matar, mas, antes que eu morra, espera que eu o nomeie meu herdeiro? — Ele riu. — E há quem me chame de arrogante!

— Não afirmei que você ficaria satisfeito em obedecer às minhas ordens, mas será isso o que você fará.

Styx arreganhou os caninos em aviso. Ele sacrificara tudo o que possuía para salvar os vampiros de um psicótico. Não os entregaria a outro. Nem mesmo se isso significasse sua própria morte.

— Nunca.

— Um vampiro deve saber que jamais deve dizer "nunca". Jacob arranje papel e caneta.

— Imediatamente, milorde. — O enorme vampiro desa­pareceu dentro da casa.

Styx deu um passo à frente, sorrindo ao ver Desmond recuar.

— Está perdendo seu tempo.

— Penso que não. Afinal, posso não ter a sua força, mas sou muito esperto. Nunca entro em batalha aberta com um oponente, a não ser que tenha absoluta certeza de que vencerei. Neste caso, posso contar com uma linda loira que parece ter conseguido cativá-lo.

— Refere-se a Darcy? — Styx se empertigou.

— Que nome charmoso!

O pânico começou a envolver Styx, mas ele se conteve. Não era possível. Não imaginava como Desmond soubera de Darcy, mas não haveria jeito de ele colocar as mãos imun­das nela. Isso era apenas uma provocação. Mais estúpida do que cercá-lo com aquele bando de idiotas.

— Ela está sob a proteção da Fênix. Ou você também pretende desafiar a deusa?

— Claro que não. Felizmente, você mesmo nos revelou a sua fraqueza. Colocando-a sob a proteção da deusa, pro­vou que não consegue protegê-la sozinho. Mas, claro, tenho meios de capturar a sua adorável Darcy. E, neste exato momento, ela está sendo convencida a se reunir a nós.

Styx ajoelhou-se quando uma força letal invadiu seu cor­po. Mais tarde, ele se puniria por ter sido tão facilmente enganado por seus inimigos. Por ora, porém, estava consu­mido por uma raiva que não tinha limites.

O erro de Desmond nesse elaborado plano era justa­mente o fato de Styx ter se ligado recentemente a Darcy. Ele não era o frio e calculista Anasso, que consideraria a situação com lógica. Aquele Styx perceberia que estava em desvantagem diante de tantos inimigos fortemente arma­dos. Entenderia que o meio mais sensato de manter Darcy em segurança seria ceder às exigências do vampiro.

Este Styx, contudo, era um animal que sabia apenas que sua mulher corria perigo, e que estava disposto a matar qualquer um que atravessasse seu caminho. Sentindo o poder começando a se espalhar pelo corpo, Styx observou Jacob voltando da casa com caneta e papel nas mãos. Sem pensar que estava a meros instantes de sua morte, Desmond sorria.

— Bem, Styx, parece que seus dias de governante estão chegando ao fim. Tem uma última palavra a dizer?

O vento começou a assobiar e o chão a tremer quando Styx se levantou bem devagar.

— Apenas uma. — Ergueu a mão em direção ao rosto do oponente. — Morra.

 

A paz reinava na elegante mansão. Bem, menos nos luxuosos aposentos de Darcy. Sabendo que não consegui­ria voltar a dormir até que Styx retornasse em segurança, ela concordara em participar de um tolo jogo de damas com Levet.

Naturalmente, o gárgula venceu.

— Você trapaceou — Darcy acusou.

— Moi? — Levet assumiu um ar ultrajado. — Não seja ridícula. Por que eu trapacearia quando sou um jogador muito superior a você? Estou ofendido, chérie. Mortalmen­te magoado.

— O que acontece é que você trapaceia sem vergonha alguma. Todas as vezes que eu olhava para a janela, você movia as peças no tabuleiro.

— Este é um jogo estúpido — ele reclamou. — Precisa­mos de um desafio de verdade.

Subitamente, Darcy voltou-se para a porta, certa de que havia alguém no corredor. Dois vampiros. Podia sentir o cheiro deles, mesmo através das grossas paredes. Obvia­mente vinha passando tempo demais com demônios.

— Alguém vem vindo — ela disse baixinho. Levet fechou os olhos antes de fazer uma careta.

— São os dois vampiros que Styx colocou sob sua pro­teção. Achei que Dante tivesse ordenado que eles ficassem escondidos nos túneis até que o chefe deles fosse eliminado.

— Eliminado? — Darcy torceu o nariz. Mulher-lobo ou não, ela nunca se acostumaria com matanças.

Darcy foi até a porta e a abriu. Os dois vampiros estavam parados lá fora, os rostos pálidos sem expressão alguma.

— Sim? — ela perguntou.

— Milady, desculpe nossa intrusão — a mulher falou em uma voz fria.

— O que querem?

O homem loiro deu um passo à frente.

— Recebemos uma mensagem de nosso Anasso. Ele já lidou com o traidor e voltou ao seu abrigo. Deseja que a acompanhemos até lá para que se reúna a ele.

Darcy estremeceu. Styx costumava fazer as coisas pessoalmente.

— Por que ele não veio me buscar?

O vampiro pareceu confuso por um instante, como se a pergunta fosse difícil. Por fim, quem falou foi a vampira.

— Temo que ele tenha sido... Ferido durante a batalha. Os joelhos de Darcy amoleceram enquanto uma onda de pânico a invadia. Styx, ferido? Não. Oh, Deus! Não su­portaria isso.

— Qual é a gravidade dos ferimentos?

— Não sei dizer — respondeu a vampira. Levet aproximou-se e tocou o braço de Darcy.

— Não se preocupe chérie. Irei com você.

— Você deve ir sozinha. Foi à ordem que recebemos. — Nada daquilo fazia sentido, Darcy pensou. Se Styx estivesse ferido, teria voltado para a casa de Dante, onde não somente a encontraria como poderia contar com a aju­da de uma deusa poderosa, caso houvesse necessidade. Por que ele iria querer que ela saísse dali sem proteção? E, mesmo que ele estivesse em outro abrigo, por que mandaria esses dois vampiros para levá-la até lá? Por que não Dante ou Viper?

— Onde estão Shay e Abby? — A resposta levou um minuto.

— Estão cuidando de Viper.

— Ele também foi ferido?

O vampiro grunhiu impaciente.

— Precisamos ir logo. O amanhecer está se aproximando.

— Como Styx entrou em contato com vocês? — ela quis saber, dando um passo para trás.

— Ele mandou um mensageiro — a vampira disse.

— Chega disso! — o vampiro grunhiu. — Pegue-a! — ordenou à parceira.

Darcy conseguiu ser rápida o suficiente para trancar a porta.

— O que foi Darcy? — Levet perguntou surpreso.

— Alguma coisa está errada. — Ela pressionou a porta com as mãos, sentindo que os vampiros tentavam abri-la à força.

— Deve fugir. Esta porta não vai resistir por muito tempo.

— Não vou embora deixando você aqui.

— Sacre bleu! Vampiros não podem me ferir se eu assu­mir a minha forma estática. Nem mesmo os seus caninos podem morder uma pedra. Além do mais, tenho um bom número de feitiços que venho querendo testar. Agora vá.

Ignorando o sentimento de culpa, Darcy seguiu para a janela. Saltou dela com uma velocidade que a surpreen­deu. Passou pelo vidro, ferindo-se, mas isso não importava, já que os cortes se fechariam com rapidez. Procurou, porém, não cair de cabeça. Afinal, um pescoço quebrado...

Com um gemido, forçou-se a ficar de pé. Era uma surpre­sa descobrir que podia saltar desse jeito sem se machucar. Ouviu então um som atrás de si. Voltou-se pronta para enfrentar o que aparecesse. Vampiro, lobisomem, entida­des sagradas...

O que viu foi uma mulher caminhando em sua direção.

Apesar da escuridão, Darcy não teve dificuldade em no­tar os cabelos loiros e os olhos verdes brilhantes.

O choque a fez ficar ali parada.

Esse era o momento com o qual ela sonhara durante trinta anos.

— Mãe? — ela indagou, por fim.

— Sim, querida, sou de fato sua mãe. Que gentileza a sua vir cair aos meus pés. Poupou-me um bom trabalho.

— O quê?

Darcy nem teve tempo de vê-la se movendo. Apenas quando sentiu o golpe, percebeu que algumas vezes sonhos e realidade não eram iguais. Tombou no chão gelado enquanto a escuridão a envolvia.

Sim, a realidade era uma droga!

 

Enfurecido, Styx usou de um de seus poderes, lançan­do um jato de energia capaz de derrubar o mais forte dos inimigos. À distância, podia sentir a agitação dos vampiros e ouvir o som das flechas que vinham em sua direção.

Nada disso importava. O mundo se restringia ao vam­piro que tinha diante de si. Um oponente que deixara de sorrir e o fitava, alerta.

— Sua encenação não me assusta, Styx — Desmond murmurou. — Está cercado, e tenho sua mulher sob o meu controle. Fará o que ordenei ou sofrerá as conseqüências. Styx podia ver os lábios do vampiro se mover. Certamente, estava fazendo algum tipo de ameaça, mas ele já não escutava. O único som que conseguia ouvir era o do trovão de seu poder, que rugia por todo o seu corpo.

— Styx? — Desmond caiu para trás, erguendo as mãos. — Não seja tolo. Meu clã o matará... — Suas palavras de aviso chegaram tarde, já que Styx agarrara a sua garganta e a apertava.

O Anasso usou o corpo do inimigo para bloquear as flechas. Desmond gritou quando as pontas de prata pene­traram seu corpo. Styx atirou-o em direção aos vampiros, que assistiam à cena, horrorizados, e que instintivamente correram para ajudar o chefe.

Com um rugido, o enfurecido Jacob lançou-se em sua di­reção. Styx colocou a perna diante dele, derrubando-o. Em um piscar de olhos, puxou a espada e cortou-lhe o pesco­ço com um só golpe. Sem esperar que o inimigo morto de­sintegrasse, chutou-o de lado e voltou-se a tempo de evitar que uma estaca atingisse o seu coração, entrando apenas no braço.

O vampiro que o atacara arregalou os olhos quando Styx fechou a mão em torno dos dedos que seguravam a estaca e arrancou-a do braço. Em seguida, apertou a mão do atacante, quebrando-lhe os dedos, enquanto fazia-o virar o objeto para si mesmo. Com um grunhido, enfiou-a no peito do oponente, que caiu no chão. Styx sentiu um breve pesar pela morte de seus irmãos de raça. Porém, logo ergueu novamente a espada, virando-a para os vampiros que restavam.

Eles pretendiam ferir Darcy e, por causa disso, morreriam.

Dois dos vampiros estavam ainda socorrendo o líder, mas três outros reuniam coragem para atacar. Styx sabia exatamente o que pretendiam fazer. Rodeá-lo. Mas não permitiria que isso acontecesse. Precisava atacar antes, e rapidamente.

Jogando a cabeça para trás, soltou um rugido e chamou para si toda a sua força.

 

Viper estava praguejando quando o furgão finalmen­te chegou e seus homens saltaram, cercando a casa. Não estava nada satisfeito por ter deixado Styx. Um vampiro não abandonava um irmão no campo de batalha. Porém, quando Styx lhe dera a ordem, não tivera escolha, a não ser obedecer. E tinha sido mesmo mais sensato que ele buscas­se ajuda. Se tivesse ficado, talvez ambos estivessem mortos a essa altura.

O pensamento, contudo, não diminuía a fúria que corria em suas veias. Ele queria matar alguém.

Caminhou para a casa, com a espada em uma das mãos e uma adaga de prata na outra. Podia sentir o cheiro de morte no ar frio. Diabos! Se Styx tivesse... O horrível pensamen­to mal teve tempo de se formar em sua cabeça quando um sorriso surgiu em seus lábios. Ele estava vivo.

Rapidamente, Viper cobriu o resto do caminho e ficou observando Styx eliminar três vampiros. Com esforço, pro­curou afastar a satisfação que sentia ao ver a chacina e olhou ao redor. Havia ainda dois vampiros debruçados so­bre um ferido. Fazendo um gesto com a mão, indicou a seus homens que fossem até os traidores. Havia lhes ordenado que capturassem o inimigo, em vez de matá-lo. Desmond precisaria ser punido de forma a representar um exemplo. Assim, outro chefe estúpido não ousaria levantar a mão contra o Anasso.

Enquanto seus homens obedeciam, Viper voltou-se para Styx, que enfrentava o último oponente. Pela expressão no rosto do poderoso líder, percebeu que ele libertara toda a sua energia, talvez pela primeira vez na vida, e que estava dominado pela fúria da batalha.

Aproximando-se, observou o Anasso, cuja espada se mo­via em uma dança intrincada e bela. Todos os vampiros eram abençoados com força e poder, mas poucos podiam se equiparar a ele; era um mestre na luta. Por fim, ele ergueu a espada e desferiu o golpe final no adversário.

Viper deu um passo à frente para captar a atenção do amigo, que voltou a cabeça, farejando o ar. Para ele, ainda envolvido no furor da batalha, qualquer movimento podia significar um inimigo. Aproximou-se lentamente, dando a Styx a oportunidade de vê-lo.

— Styx, terminou. O inimigo foi derrotado.

— Desmond vive — ele falou com uma voz horrível.

— Mas está subjugado. E, se sobreviver aos ferimen­tos, será executado diante do Comitê e dos chefes dos clãs. Ele precisa servir de lição para os outros.

Styx grunhiu os olhos ainda vagos e tomados pelo brilho da morte.

— Ele vai morrer pelas minhas mãos. Darcy...

— Darcy não está aqui, meu amigo. Ela está em segu­rança com Dante e Abby.

— Não. Ela está em perigo. Os vampiros que coloquei sob minha proteção são traidores. Eles buscaram proteção apenas para descobrir a vulnerabilidade do Anasso. E eles a encontraram em Darcy.

— Então este seria um golpe de Estado.

— Sim.

Viper praguejou furioso por ter sido tão cego. Deveria ter investigado o que o chefe de clã pretendia.

— Os dois têm de ser punidos.

— Depois — disse Viper. — Primeiro vamos voltar e avisar Darcy.

O rosto de Styx revelou uma agonia intensa.

— Eles já estão com ela. Vão trazê-la para cá.

— Se isso é verdade, precisamos estar prontos para capturá-los. Mas acho melhor entrarmos em contato com Dante. Os dois vampiros podem ter planejado pegar Darcy, mas duvido que tenha sido fácil. E sua companheira possui muitos talentos secretos.

Styx lançou ao amigo um olhar atormentado.

— Eu finalmente entendo o que quis dizer quando afirmou que sacrificaria tudo para manter sua mulher a salvo.

— Sim. Você agora tem a sua companheira. Mas não será preciso nenhum sacrifício esta noite. Logo Darcy voltará aos seus braços.

 

Darcy acordou com uma dor de cabeça enorme e com o queixo dolorido, e sentiu que estava presa a uma cama. Engolindo em seco, conseguiu abrir os olhos e olhou em vol­ta. Porém, não havia nada para ver naquele local, exceto que se encontrava em péssimo estado. Testou as algemas para tentar se libertar, mas elas não cederam.

A porta se abriu, e uma mulher entrou no quarto. Sua adorada mãe. Aquela dos mil e um amantes. Darcy ficou chocada com a força da raiva que sentiu da mulher que a tinha gerado. Bem, o primeiro encontro não fora como nos seus sonhos, que nunca haviam incluído ser esmurrada, raptada e amarrada a uma cama.

Depois de fechar a porta, ela se aproximou. Darcy sentiu um arrepio percorrer sua pele. Era uma sensação que come­çava a associar ao fato de estar na presença de lobisomens. Como se algo em seu corpo reconhecesse a companhia de alguém de sua espécie.

A mãe parecia ter saído direto de uma revista de mo­das, e seu cabelo caía elegantemente no ombro, sem um fio fora do lugar. Ela seria lindíssima, caso sua expressão não fosse fria como gelo.

— Então está acordada — a mulher observou. — Estava começando a temer que eu a tivesse atingido com muita for­ça. Seria uma vergonha matá-la depois do trabalhão que tive tentando localizar você.

A raiva correu mais forte nas veias de Darcy. Era isso o que sua adorável mãe tinha a dizer? Que estava feliz por não tê-la matado?

— Já que obviamente sou uma hóspede aqui, querendo ou não, acho que pelo menos deveria se apresentar.

— Você já sabe quem eu sou, querida filha. Bem, é cla­ro que eu ficaria bastante violenta se ousasse me chamar de mãe. Sou Sophia.

— Nunca me ocorreu chamá-la de mãe. Onde estou?

— No abrigo de Salvatore. — Ela observou Darcy. — Você me parece frágil, mas há fogo em seu olhar. O que combina com a sua posição. Vai precisar de fogo. A fraqueza não é tolerada entre os puros-sangues.

— Estou assumindo que boas maneiras não contam muito também. — Olhou para as algemas. — Quando costu­mava fantasiar o encontro com minha mãe, ele não incluía estar amarrada a uma cama.

— Eu também não desejava que fosse assim, mas isso é culpa sua. Sabe disso, não é?

— Culpa minha?

— Devia ter ouvido Salvatore quando ele a procurou. Isso nos teria poupado um monte de problemas.

— Perdoe-me, mas não tenho o hábito de dar atenção a estranhos que me seguem pelas ruas de Chicago.

— Uma pena. Conseguiu fazer Salvatore de bobo, o que chega a ser divertido, mas eu não tenho a paciência dele. É hora de você estar com a sua família.

Família. Quantos anos ela desejara pertencer a uma fa­mília... Estar rodeada dos entes queridos em um lugar que chamaria de lar.

— Engraçado, não me sinto como a filha pródiga. Talvez porque esteja algemada.

— Logo estará livre disso, mas primeiro tem de provar estar disposta a aceitar a sua posição entre os lobisomens.

— Não posso aceitar uma posição da qual nada sei.

— Oh, sim, é uma infelicidade que tenha sido criada por humanos. — Sophia suspirou. — Sua ignorância quanto ao nosso modo de ser está tornando tudo muito mais difícil.

Darcy percebeu que perdia a paciência.

— Uma infelicidade? — Sua voz soou como um grunhido furioso. — Infelicidade ter sido raptada quando bebê e jogada de casa em casa até acabar na rua? Infelicidade ter passado trinta anos me sentindo uma aberração, sem­pre evitando as outras pessoas e imaginando o que diabos havia de errado comigo? Infelicidade que eu descobrisse agora que sou uma... Mulher-lobo? Eu diria que é algo mais do que infelicidade.

Sophia revirou os olhos e aproximou-se da cama.

— Oh, Deus, pare com essa choradeira! A vida é mes­mo uma droga. A única coisa que importa é que você voltou para onde pertence. — Calou-se, aborrecida ao ver Darcy rindo. — O que é tão divertido?

— Estava pensando num velho ditado: "Tome cuidado com o que deseja".

— Ah, Salvatore me avisou que você estava sonhando com a figura da mãe perfeita. Sabe, não sou realmente uma pessoa horrível, mas devo admitir que não tenha muito in­teresse em ser mãe. Sempre me pareceu um papel muito tedioso, com poucas recompensas.

— E quanto ao amor de seus filhos? Certamente vale alguma coisa.

— Não o suficiente. Talvez quando você for uma fábrica de fazer filhos por alguns séculos acabe me entendendo.

— Fábrica de fazer filhos!?

— As mulheres puros-sangues têm um único propósito na vida, que é produzir quantos filhotes seu físico permitir.

— Vocês têm filhotes!?

— Não, nossas crianças nascem como humanas. Mas chamamos de filhotes porque temos mais de um de cada vez, e, é claro, eles possuem o sangue dos lobisomens.

— Salvatore me disse que tenho três irmãs. Terei permissão para conhecê-las?

— Se eu conseguir capturá-las. — Os olhos verdes bri­lharam de irritação. — Elas estão nos dando tanto trabalho quanto você.

— Tenho outros irmãos? Você teve mais filhos?

— Estive grávida mais de cem vezes. Nenhuma gestação, a não ser a sua e a de suas irmãs, chegou ao fim.

Darcy ficou com pena da mãe. Devia ser doloroso para uma mulher engravidar tantas vezes, sabendo que logo perderia os filhos.

— Lamento muito — ela resmungou antes de pensar. — Qual o motivo de tantos abortos?

— Ora, querida, faça o seu cérebro funcionar! Pode ima­ginar o que acontece com o corpo de uma mulher quando ela se transforma?

— Não, nem consigo imaginar.

— Bem, o que acontece conosco é algo extremamen­te violento. Há lendas de que na Idade Média as fêmeas puros-sangues podiam controlar suas transformações, mesmo durante a lua cheia, e assim podiam ter filhos sem temer o aborto. Se isso for verdade, essa capacidade foi per­dida com o tempo.

— Então vocês não têm controle sobre a transformação?

— Durante a lua cheia, não temos controle algum. — Sophia sorriu. — Nem quando alguém é estúpido demais e nos enfurece.

— Mas eu nunca... Mudei de forma.

— E é isso o que a torna tão especial, querida. Uma puro-sangue que não se transforma. Uma máquina perfeita de fazer filhos.

Máquina de fazer filhos... Não nesta vida!

— Por que não me transformo?

— Não pergunte isso a mim. Salvatore pode lhe dar to­dos aqueles detalhes científicos. Coisa como alterar células ou DNA.

— Genética? Eu fui geneticamente alterada?

— Sim, meu amor. Você é uma mulher-lobo equivalente ao monstro do Dr. Frankenstein.

Um grunhido soou quando a porta se abriu e Salvatore entrou no quarto.

— Cale a boca, Sophia, ou eu a fecharei por você. Darcy prendeu a respiração quando Salvatore entrou no quarto. Como sempre, ele usava um caríssimo terno de seda. Sua elegância, porém, não diminuía a expressão agressiva nos olhos dourados ou o ar de violência que pai­rava no ar. Ele não estava nada satisfeito com Sophia e pa­recia pronto para fazer algo a respeito disso. Ela estreme­ceu. Se os dois estivessem prestes a começar uma luta, ela não queria estar no meio deles.

Parecendo indiferente ao perigo, Sophia caminhou até ele.

— Ah, Salvatore... Você viu, consegui fazer o que você não conseguiu. O que não é uma surpresa. Uma mulher em geral é mais capaz do que um homem, não importando se ele se julga superior.

O olhar de Salvatore estava fixo no rosto pálido de Darcy.

— A única coisa que conseguiu fazer foi aterrorizar a sua própria filha. Espero que esteja satisfeita.

— Pelo menos, ela está aqui, e não nas garras dos vam­piros. Se tivesse algum talento, você a teria trazido para cá na hora em que a encontrou. Já estaria em sua cama, e grávida de sua primeira ninhada.

— Espere aí! — Darcy deu um puxão nas algemas.

— Não se meta nisso — Salvatore a interrompeu em voz baixa.

— Diga-me, Salvatore, será que agora consegue fazer sexo com ela, já que está algemada?

— Não vou repetir Sophia. Saia daqui!

Houve um momento de tensão antes que Sophia final­mente fizesse uma reverência debochada.

— Claro majestade. — Aproximou-se da cama. — Tente não machucá-la. Ela é minha filha, afinal. — Sophia saiu do quarto e fechou a porta.

Sozinha com Salvatore, Darcy mexeu-se na cama. Não acreditava que esse homem fosse violentá-la enquanto ela estivesse algemada. Não depois de ter passado os últimos dias tentando ganhar sua confiança. Sentiu-se vulnerável quando ele a olhou fixamente.

Sophia deixara claro que ela fora geneticamente progra­mada para um único propósito: o de ter filhos para os lobi­somens. Eles estavam obviamente desesperados. Por quanto tempo a paciência de Salvatore ainda duraria? Estreme­ceu quando ele estendeu a mão, querendo tocá-la.

— Não me toque.

— Apesar de minha origem, não sou um animal, Darcy. Não quero machucar você.

— Acredito que não. Parece já ter um bom suprimento de mulheres.

Ele balançou a cabeça, irritado.

— Tenho um suprimento de mulheres que possuem o mau hábito de interferir nos meus negócios.

— E o que pretende comigo?

— Já lhe disse. Quero que seja minha companheira. Eu lhe asseguro que estará em uma posição de grande honra entre nosso povo.

Ela se encolheu. Salvatore era um belo homem, dotado de um carisma que a maioria das mulheres acharia irresis­tível. Talvez em circunstâncias diferentes se envaidecesse com o interesse dele.

— Não duvido de que seja uma posição muito honra­da. Mas o que vai acontecer comigo se não estiver disposta a aceitá-la?

— Você a aceitará. — Ele sorriu. — Nossa união foi planejada desde o dia em que você nasceu. Não há como escapar.

Darcy olhou para seus pulsos.

— Obviamente não pretende me manter presa a esta cama, não é?

— Eu a libertarei se me prometer que não vai tentar fugir. Pode me dar sua palavra?

Darcy rangeu os dentes. Seria fácil mentir. Teria ape­nas de abrir os lábios e dizer o que ele queria. Infelizmen­te, não conseguiu fazer isso.

— Não.

— Então as algemas permanecem por enquanto. Você vai acabar aceitando o seu destino.

— Tornar-me uma fábrica de gerar filhotes? Acho que não.

— Foi Sophia quem lhe disse essas coisas, não é? Ela devia aprender a ficar de boca fechada.

— Por quê? Pretendia manter em segredo o fato de que sou produto de uma experiência científica? Ou que o úni­co propósito da minha vida é produzir tantos filhos quanto me forem possíveis?

Surpreendentemente, ele pareceu ofendido.

— Não é segredo que, por séculos, os lobisomens vêm de­saparecendo. As puros-sangues perdem mais e mais filhos, e mesmo os mestiços estão se tornando raros. Caminhamos para a extinção. Eu contratei um batalhão de médicos e cientistas para nos ajudar porque estávamos desesperados. Precisamos de filhos para sobreviver como raça.

— E eles tiveram a brilhante idéia de mexer com o meu DNA?

— Os cientistas isolaram os genes que faz com que nos transformemos em lobos, e os suprimiram em você e em suas irmãs. — Ele a tocou de leve no rosto. — Espera-se que você seja capaz de carregar os meus filhos por toda a gravi­dez, se não se transformar.

Darcy recuou, tentando se afastar dos dedos de Salvatore.

— Seus filhos?

— Sou o rei. Sempre me é dada a prioridade na escolha das fêmeas.

— Não desta fêmea — ela retrucou.

Salvatore pareceu surpreso com a reação de Darcy.

— Você faz parte da matilha. É tradição.

— Pode ser tradição, mas não é a minha. E eu que pensei que Styx fosse arrogante. Ele é um amador comparado a você. Mas me diga Salvatore, achou mesmo que eu pularia na cama de um estranho?

— Não me oponho a esperar um ou dois dias para nos conhecermos melhor.

— Um ou dois dias?

— É quando você estará no período fértil.

— Meu Deus! Alguém já lhe disse que esse seu discurso é horrível?

— Quer que eu a corteje com palavras adocicadas e falsas promessas?

Darcy lembrou-se de Styx, murmurando palavras suaves em seu ouvido enquanto faziam amor. Era isso o que ela queria. Era isso o que seu coração pedia.

— Pode reservar essas palavras doces para alguma outra mulher.

— Pelos próximos meses, não haverá outra mulher. Enquanto estiver grávida, eu lhe serei fiel.

Darcy caiu na risada.

— Justamente quando penso que isso não pode piorar, piora. Diga-me, Salvatore, depois que eu lhe der um filho, serei passada para os outros machos puros-sangues para eles também arriscarem a sorte?

Salvatore deu de ombros.

— Você terá o direito de escolher seus companheiros de cama.

Desgostosa com a situação, Darcy ergueu o queixo em desafio. Já bastava! Preferia se jogar pela janela antes de concordar com tal projeto. Os filhos deviam surgir de uma união onde o casal estivesse comprometido um com o ou­tro e decididos a dar às crianças um lar cheio de amor e segurança. Ela entendia melhor do que ninguém essa necessidade. Além do mais, já pertencia a outro homem. Raça, dever e algemas nunca alterariam isso.

— Só há um homem que eu quero em minha cama, e ele não é um lobisomem.

— Esqueça esse vampiro. Por mais que eu odeie con­cordar com Sophia em qualquer coisa, ela está certa. Perdi tempo demais. Você me pertence. Não há escolha para ne­nhum de nós dois.

— Há escolha, sim.

— Não, minha querida. — Ele tocou-a no rosto. — Hoje à noite, quando a lua surgir, eu a tornarei minha mulher.

 

Diferentemente de Darcy, Styx não estava algemado a uma cama. Encontrava-se, porém, trancado em uma cela escura na elegante casa de Dante. Na verdade, não deixara muita escolha aos amigos. Dizer que ele se descontrolara ao descobrir que os lobisomens ha­viam levado Darcy seria o mesmo que dizer que um furacão era apenas uma brisa suave. Sendo franco, ele explodira em uma tremenda sede de vingança.

Se não fossem seus amigos, ele não apenas teria mata­do os vampiros traidores que haviam tentado raptar Darcy como teria saído em busca de sua companheira em plena luz do dia.

Uma sentença de morte que os lobisomens esperavam que acontecesse.

Agora, conforme o anoitecer se aproximava, ele se es­forçava para colocar de lado as emoções e a considerar a situação com a lógica costumeira, o que não era fácil. Podia não estar espumando de raiva, mas seu desejo de ter Darcy de volta era tanto que ele sentia o corpo inteiro doer.

Precisava convencer os amigos de que recuperara a sa­nidade mental e que podia sair da cela. Aproximou-se da porta.

— Viper, sei que pode me ouvir. Tem um minuto para vir até aqui.

Ouviu-se o som de passos, mas a porta continuou fechada.

— Calma venerado mestre. Estou aqui.

— Abra esta porta.

— Quando a noite tiver chegado.

— Viper. — A voz era capaz de gelar o deserto do Saara. — Abra a porta, ou eu derrubarei esta casa sobre as suas cabeças.

— Esse tipo de conversa dificilmente vai me convencer de que você pode ser solto. Eu o tranquei para evitar que se matasse. Não vai sair até que eu tenha certeza de que recuperou o bom-senso.

Styx engoliu a raiva. Era nisso que dava ter amigos.

— Você já me convenceu. Não pretendo fazer nada estúpido.

— Tenho sua palavra de que não vai deixar esta cela até que a noite tenha chegado?

— Minha palavra — Styx forçou-se a dizer, dando um passo para trás enquanto a porta era aberta. Esperou até que Viper entrasse no pequeno cômodo para agarrá-lo pela camisa. — O que descobriu?

Viper fez uma careta, mas não tentou se libertar.

— Shay conseguiu seguir a pista de Darcy até o abrigo de Salvatore.

— Ela... Ela está ferida?

— Darcy está bem, Styx, os lobisomens não vão machu­cá-la. Não enquanto precisarem dela.

— Aparentemente ela estava sangrando quando foi levada.

— Provavelmente um arranhão ou dois.

— E se fosse com Shay?

— Então quem estaria trancado nesta cela seria eu. E seria você a me alertar de que seria estúpido ir ao abrigo de Salvatore sem pelo menos um plano. Acho que já cometemos erros demais por uma semana, não acha?

Styx soltou o amigo e começou a andar inquieto. Não podia negar que já cometera mais do que um erro. Uma fra­queza em um vampiro que era famoso por sua lógica. E uma fraqueza que ele pretendia deixar de lado. Não haveria erro algum quando ele fosse resgatar Darcy.

— Onde está o gárgula? — perguntou.

— Ainda no estado de pedra. Styx espero que não jogue a culpa nele. Levet fez o que pôde para proteger Darcy.

— Calma Viper. Sei que o pequenino conseguiu deter os traidores para que Darcy conseguisse escapar. Não vou me esquecer de sua coragem.

— Então por que precisa dele?

— Levet esteve no abrigo de Salvatore. Espero que ele possa nos fazer um mapa dos aposentos e nos dar pelo me­nos uma idéia de onde eles a estão mantendo.

— Se ele entrasse lá de novo poderia nos dizer quan­tos lobisomens teremos de dominar antes de chegarmos a Darcy. Preferia não ser pego desprevenido de novo.

Styx sorriu. Um plano estava sendo delineado em sua mente. Logo teria Darcy em seus braços.

— Não tenho intenção de lutar contra ninguém se puder evitar.

— Acredita mesmo nessa opção? — Viper indagou, rindo.

Styx passou as mãos pelos cabelos. Precisava tomar um banho e trocar de roupa. Teria também de se alimentar. Não iria atrás de Darcy sem sua força total.

— Tem de haver um jeito.

— Tem certeza de que não teme os lobisomens?

— Nunca os temi. Mas temo a minha companheira. Mesmo que possa punir os lobisomens por terem ousa­do colocar a mão em Darcy, sei que ela é sensível. Nunca me perdoaria se eu aniquilasse alguém da família perdida por tanto tempo.

— Você acredita que ela se reuniu a eles por vontade própria?

— Não. Ela prometeu que esperaria por mim aqui, e nunca quebraria sua palavra. Mas isso não muda nada. Ela pode estar furiosa por ter sido raptada, mas iria pre­ferir continuar como prisioneira a ver derramamento de sangue. Especialmente se o sangue pertencer aos membros de sua raça.

— Ela não pertence ao bando dos lobisomens. Ela nos pertence, agora.

Styx não conseguiu deixar de sorrir. O amigo sempre desconfiara de Darcy, mas agora que ela era a sua compa­nheira, Viper lutaria até a morte para defendê-la.

— Concordo plenamente. É Darcy quem tem de ser convencida.

— Então pretende negociar a libertação dela?

— Somente como último recurso. — Por mais que pre­ferisse varrer os lobisomens da face da Terra, faria o que fosse necessário para libertar Darcy. Inclusive engolir o seu famoso orgulho de ser um vampiro. — Espero ser capaz de entrar e tirá-la de lá antes de ser visto.

Seguiu-se um longo silêncio antes de Viper cair na risada.

— Claro! O que seria mais fácil do que entrar às escon­didas na casa onde vive pelo menos uma dúzia de lobiso­mens e resgatar a sua amada? Talvez mais tarde possamos alterar o curso do universo?

— Duvida das minhas habilidades, amigo?

— Não, duvido é de sua sanidade mental. Diabos, Styx, você não vai conseguir entrar lá sem que os lobisomens o descubram. Por mais que eu desgoste deles, sei que não são estúpidos. Eles possuem habilidades não muito inferio­res às nossas.

— Habilidades que pretendo usar a meu favor. Eles es­peram que os ataquemos com força total. Eu pretendo que estejam bem atentos quando você e seus homens cercarem o abrigo.

— Quer desviar a atenção deles. E então você entra pela porta dos fundos e pega a sua mulher.

— Isso.

Viper balançou a cabeça, concordando.

— Pode funcionar, mas não quero que vá sozinho.

— Agradeço a sua preocupação, mas ambos sabemos que vou me movimentar lá dentro bem mais depressa e mais silenciosamente se estiver sozinho.

— E se alguma coisa acontecer com você? Como vamos saber que Darcy ainda precisa ser resgatada? Ou prefere que ela permaneça nas mãos dos lobisomens?

— Maldição — Styx resmungou. — Está bem, levarei o gárgula comigo, mas você o avisa de que vai ter de me obedecer sem questionar ou eu o lançarei pessoalmente aos lobos.

 

Salvatore estava com o humor péssimo ao deixar o quar­to de Darcy. Após assegurar-se de que seus homens esta­vam preparados para a chegada dos vampiros, seguiu para o seu escritório.

Lembrou-se do comentário que ela fizera. Admitia pos­suir uma boa dose de arrogância. E outra de vaidade.

Sempre se sentira destinado a ser rei. Um puro-sangue de linhagem impecável e que tinha revelado poder e força sobre todos os outros. E, é claro, fora abençoado com uma beleza masculina que fazia as mulheres travar batalhas para ficar com ele.

Mas Darcy não o queria nem por perto. Seu orgulho feri­do exigia que voltasse ao andar de cima e provasse àquela ingrata quais prazeres ela estava desprezando. Não devo­tara décadas aprimorando suas habilidades de sedução para acabar descartado dessa forma.

Porém, recusava-se a se deixar levar pelos instintos básicos. Como bem dissera a Darcy, não era um animal. Possuir uma mulher à força era algo repugnante para ele. Mesmo que, com isso, pudesse produzir os preciosos filhos de que os lobisomens tanto precisavam.

E agora, o que faria?

Subitamente, aspirou um perfume forte no ar. Rangeu os dentes e pensou em sair pela janela e subir no telhado. Mas não temia homem algum, e certamente nenhuma mulher. Nem mesmo Sophia.

Forçando-se a uma posição descontraída, começou a to­mar seu conhaque quando a linda puro-sangue entrou na sala.

— Pobre Salvatore... Não parece feliz para um homem que vai para a cama com sua mulher.

— Vá embora, Sophia.

Os olhos verdes brilharam de irritação. Era uma mulher que esperava que todos os homens à sua volta morressem de amores por ela.

— Como posso fazer isso? Como mãe, preocupo-me ao descobrir que o futuro marido de minha filha está afogando suas mágoas na bebida.

— Não estou me embriagando, Sophia.

— Ah, então está bebendo para se forçar a cumprir o seu dever? Que triste! Não acha Darcy atraente?

— Considero-a mais atraente do que a mãe dela.

— Oh, que brutalidade... — Sophia riu. — Mas me diga por que está aborrecido.

— Sua filha decidiu que não me quer como companheiro.

— E o que isso importa? Ela está aqui agora, e em seu poder.

— E de má vontade. Eu não estupro mulheres.

— Certamente não duvida de seus poderes de persua­são, não é? Ora, Salvatore, pensei que fosse mais homem do que isso.

— Não é esse o problema. — Darcy está apaixonada pelo vampiro.

— E daí? Ela vai esquecê-lo com o tempo. — Sophia tocou o rosto de Salvatore com a ponta da unha. — O amor nada mais é do que uma falsa ilusão que os homens usam para prender as mulheres. Não me diga que acredita realmente no amor...

Salvatore procurou manter o rosto impassível. O amor entre os lobisomens era agora apenas um mito. A busca por filhos se tornara a única meta, e as emoções não podiam interferir. Seria considerada uma fraqueza fatal admitir que, nas profundezas da noite, ele pensava em como seria bom encontrar a mulher de seus sonhos.

Percebendo que Sophia o observava com curiosidade, Salvatore se forçou a dar de ombros.

— Não importa se acredito no amor. Enquanto Darcy...

— Oh, pelo amor de Deus! Suba logo e acabe com isso. Logo que a tiver engravidado pode passá-la para alguém que não possua essas suas refinadas sensibilidades. Huntley, por exemplo. Ele gosta de forçar mulheres relutantes.

Salvatore arregalou os olhos. Não podia acreditar que mesmo Sophia pensasse em entregar sua filha a um animal selvagem como Huntley.

— Você é realmente uma vergonha como mãe.

— Sim, eu sei.

Salvatore estava pronto a tirar aquela mulher irritan­te da sua frente quando ficou subitamente alerta. Captara um cheiro especial no ar.

— Alguma coisa se aproxima.

— Droga, são os vampiros!

— Ótimo. — Salvatore sorriu. Todos os pensamentos a respeito de Darcy e de seu desagradável dever de engra­vidá-la estavam esquecidos diante do prazer que invadia antecipadamente o seu corpo. Era isso o que ele queria. A oportunidade de se livrar de Styx de uma vez por todas. Os vampiros pagariam agora por tudo de ruim que haviam feito contra os lobisomens. — Quando Styx entrar aqui poderei matá-lo. Nem mesmo a Comissão condenará um lobisomem por proteger o seu território.

Sophia mordeu o lábio inferior, nervosa.

— Acha que ele será tolo a esse ponto?

— Darcy é mulher dele.

— Mulher? — Ela parou surpresa.

— Senti o cheiro de Styx no corpo de Darcy. Nada o deterá para consegui-la de volta.

— Está louco? — Sophia empalideceu. — Se a união aconteceu entre eles, Styx vai nos matar a todos.

— Não desconheço as técnicas de combate, Sophia. Já tenho meus homens em alerta e muitas armadilhas pre­paradas. Os vampiros vão descobrir que não somos presas tão fáceis quanto pensam.

Sophia seguiu para a porta.

— Você é um idiota, Salvatore, e eu é que não vou fi­car aqui para ser feita em pedaços por esses sugadores de sangue.

— Muito bem, pode fugir. Pretendo ficar e lutar.

— E eu voltarei para enterrar o que sobrar de sua carcaça.

Salvatore observou a porta se fechar e cuspiu no chão.

— Covarde.

 

Apesar da extrema agilidade e graça nos movimentos, Styx estava encontrando dificuldade para acompanhar o gárgula. Isso não o surpreendia, considerando que a peque­na estatura de Levet facilitava a passagem por frestas es­treitíssimas, onde seu corpo largo encontrava resistência.

Pior que isso, era o cheiro do lugar, capaz de provocar repulsa no mais determinado dos demônios. Chutando um rato gigantesco, Styx bateu a cabeça no teto da passagem.

— Pelos deuses, gárgula, diminua o passo — ele sibilou.

— Achei que estivesse ansioso para alcançar Darcy. — Styx grunhiu. A necessidade de estar com sua compa­nheira o enlouquecia.

— Caso não tenha notado, sou maior que você.

— Oh, claro, jogue o meu tamanho na minha cara.

Styx se esforçou para manter a paciência. Se não sou­besse que o gárgula adorava Darcy, certamente já o teria esganado.

— O que eu quero dizer é que encontro mais dificulda­de para passar por essas frestas, Levet. Quanto falta para chegarmos?

— Há uma abertura não muito longe daqui, que dá para o estacionamento no subsolo. Lá estão as escadas que vão nos levar para os andares de cima.

— Que estarão sendo vigiados — Styx resmungou. Viper e seus homens deviam estar cercando o decrépito hotel naquele exato momento. E os lobisomens provavelmente estavam distraídos, armando a defesa. Contudo, não su­bestimaria Salvatore. Ele não devia ter deixado Darcy sem nenhuma proteção. — Precisamos pegá-la sem que al­gum alarme dispare.

— Não se preocupe com isso, vampiro. Tenho alguns feitiços...

— Nada de feitiço. Eu cuido dos lobisomens que encon­trarmos pelo caminho.

— Vampiro ingrato.

— Levet, já vi a sua mágica. Não vou colocar a vida de Darcy em risco, caso seu feitiço saia errado.

— Styx, pode ser que Darcy prefira ficar com a família dela.

Styx engoliu em seco. Droga de gárgula!

— Já considerei essa possibilidade.

— E?

O demônio ou era estúpido ou incrivelmente ingênuo. Ninguém cutucava a ferida de um vampiro.

— E eu não a levarei contra a sua vontade — ele resmungou.

— Verdade? Isso não parece coisa de vampiro. — De fato, não era. Mas Styx sabia que não poderia forçá-la a ficar a seu lado.

— Eu não disse que não vou dedicar o restante da eternidade para tentar mudar a decisão dela.

Houve um momento de silêncio antes que o gárgula suspirasse.

— Ela vai querer voltar com você, Styx. Mesmo com todo o bom-senso que Darcy possui, ela está lamentavelmente apaixonada por você.

Styx sentiu o coração disparar. Como se fosse um ser humano fraco e emotivo, e não o senhor e comandante de todos os vampiros. Patético. Mas o que podia fazer um de­mônio apaixonado?

— Ela confessou isso a você?

— Nem precisava. Sou francês. Eu reconheço o amor quando o vejo.

Styx nem notou que batera novamente a cabeça no teto.

Sabia que Darcy sentia-se ligada a ele. E que era tomada por fortes emoções quando estava ao seu lado. Tinha espe­rança de que, com o tempo, ela quisesse completar a união entre eles. Porém, não sabia se isso poderia suplantar o desejo dela de ter uma família.

 

Rangendo os dentes, Darcy continuava tentando romper as algemas. Os pulsos estavam doloridos e havia sangue nas feridas, mas ela se recusava a admitir a derrota.

O sol já sumira, e Styx logo tentaria um resgate he­róico. Precisava escapar antes que o inferno eclodisse ali. Praguejando ao retorcer as algemas, ela quase não escutou uma voz que soava em sua mente.

— Darcy...

— Styx! Onde você está?

— Muito perto. Está sozinha?

— Estou, mas Styx, não quero que venha aqui. É muito perigo — ela disse em voz alta, confusa por estar conver­sando com uma voz interior. — Salvatore estará esperando por você.

— Os lobisomens estão sendo distraídos.

Darcy não ousou nem perguntar que tipo de distração estava sendo usado.

— Isso não vai impedir que eles saibam que você está aqui.

— Não temo um bando de cães — ele respondeu.

— Styx, esta não é hora para machismo. Vamos piorar ainda mais as coisas.

Houve um silêncio em sua mente e, por um momen­to, ela pensou que talvez a comunicação tivesse sido interrompida.

— Você não quer que eu a tire daqui? — ele perguntou. — Prefere ficar?

Mesmo a distância, ela podia sentir o medo de Styx; ele achava que o estava mandando embora porque queria ficar com os lobisomens.

Ela tinha pensado que possuir uma família lhe daria a felicidade tão sonhada, mas tudo não passara de ilusão. Todo o amor e segurança que ela almejava ter na vida se­riam encontrados nos braços de seu vampiro.

— Claro que não quero ficar aqui — ela disse suavemen­te, — Mas não quero que você corra risco algum.

Darcy ouviu um suspiro de alívio.

— O único risco que corro é ficar sem você. — A voz dele soou firme. — Se isso acontecer, não conseguirei sobreviver.

— Teimoso — ela resmungou. Mas conhecia aquele tom. Ele viria de qualquer maneira resgatá-la. E nada, nem mesmo o inferno e todos os seus demônios, o deteria.

— Tome cuidado.

— Sim, meu anjo.

Darcy recostou-se nos travesseiros, tentando controlar as batidas aceleradas do coração.

E se Salvatore tivesse preparado uma armadilha? Os lobisomens estavam desesperados. Styx podia ser ferido. Mesmo morto.

Antes que pudesse começar a se desesperar, a porta foi aberta, e à frente surgiu aquele homem moreno e de feições lindas. Os cabelos negros estavam presos em uma trança, e ele tinha uma espada presa na calça de couro, cada cen­tímetro de seu corpo revelando o guerreiro. Darcy, porém, conseguia apenas ver o amante que mudara a sua vida.

— Styx... — ela murmurou, emocionada.

Ele se aproximou, resmungando baixinho enquanto destruía as algemas que a prendiam na cama.

— Vou matar aquele desgraçado. E vai ser bem devagar e tão doloroso quanto possível.

Darcy logo se viu nos braços de Styx. Ele tocou de leve os lábios em seu rosto, e então viu o machucado no queixo.

— Você está ferida.

— Obra de minha adorável mãe. — Ele a abraçou com mais força.

— Oh, Darcy! Sinto muito.

— Não importa. Ela... Bem, ela não é como eu imaginava que fosse. Para ser honesta, desejaria nunca tê-la conhecido. Preferiria estar sozinha no mundo a tê-la como minha mãe.

— Mas você não está sozinha, Darcy. Tem o seu compa­nheiro. E uma família que a aguarda com ansiedade.

Ela sorriu, pensando em Shay e Abby, e mesmo em seus arrogantes maridos. Eles haviam se revelado muito mais amorosos e preocupados com o seu bem-estar do que qual­quer um dos lobisomens. Incluindo sua mãe.

Certamente era isso o que formava uma família.

— Sim, eu tenho agora uma família.

Styx a manteve pressionada contra o peito até serem interrompidos.

— Apesar de odiar ter que desfazer esse momen­to de final feliz de filme, creio que precisamos sair daqui — Levet falou.

Darcy deixou os braços de Styx, ajoelhou-se diante do gárgula e o beijou no rosto.

— Levet, meu amigo.

Os olhos do pequeno demônio se reviraram de prazer.

— Bonjour, ma petite. Vim aqui para salvá-la.

— Estou vendo.

Ele balançou as asas.

— Você não é a primeira dama que salvo, naturalmen­te. Parece que tenho o hábito de salvar donzelas em perigo. É uma espécie de chamado.

Styx resmungou, mas Darcy fitou o amigo com uma expressão de respeito. Nunca esqueceria que esse demônio arriscara a vida para ajudá-la a fugir dos vampiros que haviam tentado raptá-la.

— Um verdadeiro cavaleiro — ela disse com sinceridade.

— Précisément. — Levet estufou o peito, orgulhoso. Styx acabou com aquela terna conversa.

— Pensei que quisesse ir embora — resmungou, apressando-os.

— Desmancha prazeres — Levet mostrou a língua para o vampiro antes de sair do quarto e voltar ao corredor escuro.

Darcy seguiu a pequena criatura, com Styx na retaguar­da. Um olhar para trás revelou que ele estava totalmente alerta. Ela fez uma pequena prece para que conseguissem sair dali sem ser vistos.

Já haviam percorrido três lances de escada e deixado para trás o lobby abandonado quando Styx tomou a frente.

— Esperem. — Ele pegou a espada enquanto se voltava na direção de uma sombra, de onde Salvatore surgiu.

Darcy sentiu uma pontada no coração ao ver o sorriso de deboche nos lábios do lobisomem. Salvatore estivera espe­rando por eles.

— Ah. Styx. — O puro-sangue fez uma reverência. Pa­recia mais um sofisticado homem de negócios do que um demônio perigoso. — Bem-vindo ao meu abrigo. Estava começando a temer que nunca viesse aqui.

Styx afastou os pés e colocou as mãos na cintura. Suas feições continuaram impassíveis, mas não havia dúvida do clima perigoso no ar.

— Não se meta Salvatore. — A voz de Styx soou tão ameaçadora que Darcy sentiu um arrepio. — Mesmo que eu preferisse arrancar o seu coração do peito, não quero aborrecer Darcy com cenas de violência.

— Nisso estamos de acordo. — Salvatore lançou um olhar cheio de intimidade para Darcy antes de voltar sua aten­ção ao vampiro. — Infelizmente, você tem sido um espinho enterrado na minha carne por tempo demais. Hoje preten­do me livrar disso.

— Palavras de coragem, lobo. Espero que tenha trazido outros dos seus para que consigam realizar essa façanha. — Styx se colocou à frente de Darcy. — Nem mesmo você pode ser estúpido a ponto de acreditar que pode me matar sem contar com a ajuda de mais alguém.

— É o que veremos — Salvatore observou.

— Que assim seja.

Darcy tentou segurar o braço de Styx. O esforço foi em vão, pois ele já se movera à frente. Por um momento, ela ficou parada, observando os dois homens atracados. Styx tinha a vantagem da altura e da força, mas Salvatore con­seguia usar a velocidade de desferir golpes selvagens que poderiam matar um humano.

Apesar desses golpes, parecia que Styx seria o vencedor nessa batalha. Então um brilho estranho envolveu o corpo de Salvatore, e Darcy sentiu um arrepio. O homem estava prestes a se transformar em lobisomem. Ela deu um passo para trás instintivamente quando Salvatore soltou um grunhido de arrepiar os cabelos, e a forma de um lobo começou a surgir. Não aconteceu de imediato, como com Jade. O corpo pa­recia resistir. Aos poucos, o rosto dele começou a se alongar e pelos surgiram em sua pele.

Talvez houvesse uma macabra beleza nessa transforma­ção, mas Darcy não conseguiu deixar de se sentir aliviada por ter sido geneticamente alterada. O animal furioso que agora estava no centro da sala possuía muito mais força e poderes do que ela, mas sua puberdade fora difícil o bastan­te sem ter tido de se transformar em besta selvagem uma vez por mês.

Engolindo em seco, ela tentou se livrar da estranha fas­cinação que a envolvia. Salvatore agora atacava Styx com as garras afiadas. Ela tinha de parar com a luta. Precisava impedir que os dois se matassem. Deu um passo à frente, mas Levet a segurou.

— Não, Darcy.

— Deixe-me ir, Levet. Alguém vai sair machucado dessa luta.

— Oui, e se interferir, o ferido será o seu querido vampi­ro — o gárgula retrucou. — Você só vai conseguir distraí-lo.

Era verdade, ela reconheceu. Naquele instante, não de­veria chamar a atenção de Styx, pois ele tentaria protegê-la, abaixando a própria guarda. Viu-se, portanto, forçada a apenas presenciar a batalha.

Styx conseguira pegar a espada quando Salvatore o ro­deou. Mesmo contra um lobisomem puro-sangue, ele pare­cia invencível, mas Darcy não conseguia deixar de temer o ataque.

As garras afiadas de Salvatore riscavam o chão de ma­deira enquanto ele procurava avançar, ao mesmo tempo em que se esquivava da espada. Com um movimento rápido, o lobisomem enterrou as unhas nas costas de Styx.

Com um grito, Darcy tentou ir à frente, mas Levet a impediu novamente.

Styx conseguiu atingir o corpo de Salvatore com a espa­da. Continuavam se rodeando, e Darcy sentia o cheiro de sangue. Tanto de vampiro quanto de lobisomem.

— Levet — ela implorou —, faça alguma coisa.

— Não posso, chérie. Tudo vai acabar logo.

A violência do combate lançara os dois lutadores no chão. O piso rangia enquanto eles rolavam. O cheiro de sangue era tão forte que Darcy sentiu enjôo.

Um grunhido soou quando Salvatore conseguiu ficar em cima de Styx. Mesmo naquela escuridão, Darcy conse­guiu ver o ódio mortal no olhar do lobisomem. Ele queria Styx morto. E isso ia além da necessidade que ele tinha de possuí-la. Sem perceber que lágrimas corriam pelo seu rosto, ela voltou toda a atenção para o seu vampiro. Havia sangue escorrendo pela pele bronzeada, e as feições revelavam que ele não era indiferente aos ferimentos. Porém, a expres­são mostrava determinação, e não medo. Silenciosamente, ela desejou passar toda a sua força para ele.

Salvatore abriu as mandíbulas, querendo enterrar os dentes no pescoço de Styx. Darcy gritou, horrorizada com o tamanho dos caninos do lobisomem. Eles certamen­te poderiam causar um ferimento difícil demais de curar. Porém, Styx ergueu o braço livre e enfiou-lhe a espada nas costas. Horrorizada, ela viu a arma transpassar o corpo de Salvatore.

Um gemido pavoroso ecoou na sala enquanto o lobiso­mem se encolhia. O sangue jorrava de seu ferimento, e seu corpo começou a voltar à forma humana. Era uma trans­formação lenta e dolorosa, que abalou o coração de Darcy. Ela não conseguia deixar de sentir pena da agonia que ele enfrentava.

Styx levantou-se e retirou a espada do corpo dele. Impassível, posicionou-se sobre o oponente derrotado, com a arma mirando seu coração.

Salvatore tossiu e forçou-se a abrir os olhos.

— Termine logo com isso, vampiro — ele murmurou. Fazendo uma pequena reverência, Styx começou a erguer a espada.

— Styx... Não! — Darcy gritou. — Por favor, não o mate. — Por um segundo, ela achou que Styx fosse ignorar seu apelo. Parada perto dele, não podia deixar de sentir a fúria que fluía do corpo ferido do vampiro. Depois de um instante, ele observou:

— Ele continuará sendo uma ameaça para você enquan­to viver.

Uma mulher sensata teria imediatamente fugido da imagem de um Styx com os dentes arreganhados e sangran­do. Havia selvageria em suas feições capaz de aterrorizar o dono do coração mais frio do universo. Ela, contudo, nunca temeria esse homem.

— Nunca correrei perigo se você me proteger. Por favor...

Styx viu a expressão de piedade nos olhos de Darcy e praguejou.

— Maldição! —Abaixou a espada e encarou o lobisomem ferido. — Lembre-se disso, lobo. Se ousar cruzar o caminho de Darcy, eu não hesitarei. Você estará morto antes que possa piscar.

Com um grunhido, o lobisomem conseguiu se levantar. Como estava nu, era fácil ver seus ferimentos se fechando. Ele mantinha a cabeça abaixada, e os cabelos cobriam seu rosto fino.

— Poupe suas ameaças. Eu fui vencido. Logo os lobiso­mens estarão extintos, e os vampiros poderão ocupar os nossos espaços.

— Não tenho desejo algum de acabar com a raça dos lobisomens.

Salvatore soltou uma risada que terminou em um gemido de dor.

— Perdoe-me se acho difícil de acreditar nisso. Vocês nos levaram a um ponto em que somos inclusive incapazes de gerar filhos.

— Está culpando os vampiros pela falta de filhos? — Styx perguntou.

— Os médicos confirmaram a minha teoria. — Salvatore levantou sua cabeça bem devagar. Havia raiva em seus olhos. — Os lobos devem viver livres. Mantendo-nos em espaços pequenos, acabamos ficando sem os nossos tradi­cionais poderes. O mais importante é que nossas fêmeas perderam a habilidade de controlar suas transformações durante a gravidez.

Styx ficou em silêncio, pensando no que Salvatore aca­bara de dizer.

— É por isso que você quer Darcy?

— Sim. Ela foi... Alterada. Seus traços de mulher-lobo foram suprimidos.

Levet praguejou baixinho.

— Por isso eu não consegui definir o que ela era.

Styx não afastara nem por um segundo o seu olhar do lobisomem. Instintivamente Darcy agarrou seu braço, per­cebendo que o vampiro sentia vontade de terminar o que começara.

— Ela nunca vai ser sua, lobo.

— Styx... — ela implorou.

— Não, Darcy. Por favor, não me peça isso.

Darcy percebeu que Styx achava que ela estava pedindo uma oportunidade de ter filhos dos lobisomens. Ela estre­meceu. Nunca fora uma mulher que sentisse necessidade de ter filhos. E certamente não dormiria com estranhos apenas para ficar grávida.

— Nunca vou lhe pedir um absurdo desses, Styx. Somen­te queria sugerir que vampiros e lobisomens descobrissem um modo de conviver melhor. Quem sabe assim os lobiso­mens recuperem suas forças.

Ambos a fitaram, admirados. Como se a idéia de se sen­tarem para discutir suas diferenças nunca tivesse lhes pas­sado pela cabeça. E talvez não tivesse mesmo.

— Podemos colocar a questão diante da Comissão — Styx finalmente concedeu. — Eles vão se reunir aqui em Chicago.

Darcy voltou sua atenção ao lobisomem.

— Salvatore, está disposto a negociar?

Ele grunhiu baixinho, lançando um longo olhar para o vampiro.

— De que adianta? Somos meros cães, que não têm vez no mundo dos demônios.

— Isto não é verdade. — Styx retrucou friamente. — A Comissão está acima de todas as raças. Eles ouvirão o problema de vocês.

— Vocês querem me ver de joelhos e implorando?

— Deus me poupe dos homens e de seu orgulho — Darcy reclamou. — O que importa se tiver de implorar um pouco? Certamente é um preço pequeno para se pagar pela salva­ção de sua... De nossa raça.

Salvatore não pareceu convencido.

— Não sabemos se será possível reverter nosso destino. — Darcy começou a se irritar. Salvatore parecia uma criança manhosa, e não o líder dos lobisomens.

— Está bem. Eu falarei com a Comissão. Alguém pre­cisa ter bom-senso.

Conforme o esperado, Salvatore se ofendeu.

— Ninguém fala pelos lobisomens, além de mim. Sou o rei.

— Então aja como um rei — disse Darcy, encarando-o com firmeza.

Salvatore se empertigou, mas depois balançou a cabeça, concordando.

— Tem razão. Cumprirei o meu dever.

— Talvez haja esperança para vocês — ela murmurou. O lobisomem sorriu. Sabia que fora manipulado por Darcy. Voltou-se então para Styx.

— Você me venceu, vampiro, mas não posso dizer que eu esteja com inveja por você ter levado o prêmio.

Styx não conseguiu deixar de sorrir também.

— Ela tende a fazer valer a sua vontade.

Darcy estava surpresa. Momentos atrás, os dois de­mônios estavam determinados a se matar. Agora, conver­savam como dois homens criticando as mulheres.

— Chega. Estou cansada, com fome e ansiosa por um banho quente. Quero ir para casa.

Styx voltou-se para Darcy.

— Para casa? — ele perguntou suavemente. — Bom Deus, quando ela aceitara que estar perto de Styx era tudo do precisava para se sentir em casa? Suspirando, percebeu que isso não importava. A única coisa importante era o futuro ao lado dele.

— Sim. — Sorriu para Styx. — Quero ir para a minha casa.

Ele a abraçou com força, beijando-lhe os cabelos.

— Meu anjo.

Levet perdeu a paciência.

— Sacre bleu. Lá vamos nós de novo.

Com uma risada, Darcy saiu dos braços de Styx.

— Está bem, Levet, tem razão. Vamos indo. — O gárgula bateu as asas, animado.

— E eu vou dirigindo.

— Não! — Styx e Darcy gritaram ao mesmo tempo. Os três percorreram o caminho de volta à garagem.

— Viper deve ter nos providenciado algum tipo de transporte — comentou Styx.

— Excelente. Eu sempre quis dirigir um Jaguar — disse Levet.

Aquele demônio na direção de um poderoso Jaguar? Chicago jamais se recuperaria.

— Só se o inferno esfriar, gárgula — ele resmungou en­quanto ouvia Darcy rir.

— Quem o nomeou o comandante desta operação, vampi­ro? Eu quero que saiba que Viper sempre permite que eu...

— Silêncio — Styx sussurrou, puxando Darcy para mais perto.

— O que foi? — ela perguntou.

— Um lobisomem. — Ele cheirou o ar. — Ah, sua mãe, se não me engano. — Um sorriso frio surgiu em seus lábios. — Sempre quis conhecê-la.

Sabendo o que ele estava pensando, Darcy meneou a cabeça.

— Não, Styx.

Frustrado, ele a tocou de leve no queixo machucado.

— Podia pelo menos tirar algum sangue dela.

— Por favor, Styx. Só quero sair daqui.

Styx passou o braço em torno da cintura de Darcy. Droga! Ele queria punir a mulher. Queria lhe devolver pelo menos a marca que ela deixara no rosto da filha.

— Se ela tentar feri-la, eu a matarei — Styx prometeu.

— Somente depois que eu terminar com ela — Levet o alertou, aproximando-se protetoramente de Darcy.

Ela caiu na risada.

— Homens!

Finalmente, Styx visualizou o Jaguar preto escondido nas sombras, na esquina próxima. Também viu a mulher magra e loira encostada no veículo. Era a mãe de Darcy, naturalmente. Elas se pareciam tanto que era impossível negar o pa­rentesco. Pelo menos a distância. Aproximando-se, ele notou que as feições da mulher eram endurecidas por um amargo cinismo, que a filha nunca possuiria.

A mulher endireitou o corpo ao vê-los.

— O que você quer mãe?

Sophia observou Styx por um momento, claramente apreciando o que via.

— Devo lhe dizer que tem bom gosto, filha. O seu ho­mem é delicioso. Agora entendo por que achou Salvatore tão sem graça.

— Eu nunca concordaria com os planos de vocês. Não desejo me tornar... Uma máquina de fazer filhotes.

— Não é assim tão ruim querida. Há certos benefícios a serem descobertos. — Riu baixinho. — Algumas vezes, muitos benefícios.

— Talvez para você. — Sophia deu de ombros.

— Vai dar as costas para a sua família?

Darcy arregalou os olhos ao ouvir a acusação injusta.

— Família? Talvez de sangue. Não, espere. Você alterou o meu sangue. Não pertenço a ninguém.

— Acha que sua vida vai ser muito melhor sendo vampi­ra? Pense Darcy. Não terá filho algum, ninguém que possa chamar de família.

Darcy não precisou se virar para sentir que Styx estava tenso. Mesmo com toda a sua arrogância, ele era bastante sensível quanto ao medo que tinha de perdê-la.

— Não pode estar mais enganada — ela disse com segu­rança. — Já encontrei a minha família. E sei que vocês se sairão bem sem mim.

— E quanto às suas irmãs? Vai desistir delas tão facilmente?

Darcy gostaria de conhecer as irmãs.

— Como posso desistir delas se vocês nem as encontra­ram ainda?

— Nós as encontraremos.

— Espero que não encontrem.

A expressão de Sophia endureceu.

— Tola esperança. Além do mais, apenas porque você não quis nada com Salvatore, isso não significa que uma de suas irmãs não o queira em sua cama. Ele é bonitão e char­moso, quando se esforça.

Darcy não podia negar que havia verdade nas palavras da mãe. Apesar de não poder competir com Styx, ele era um homem bonito.

— Talvez. Mas apesar de querer conhecer minhas irmãs, não vou ceder à sua chantagem.

Sophia arqueou as sobrancelhas, como se estivesse surpresa com a resposta da filha.

— Touché, minha querida. Bem, suponho que nada reste, exceto dizer adeus. Mas, apesar de tudo, gostaria que não nos separássemos como inimigas. Posso não ser lá uma boa mãe, mas fiz o que fiz para proteger o meu povo. Pode me culpar?

Darcy chocou-se com a inesperada atitude.

— Está querendo o meu perdão?

— Creio que sim. Afinal, é minha filha, não é?

— Darcy, cuidado — Styx murmurou, desconfiando das boas intenções de Sophia.

— Está tudo bem, Styx. — Darcy sabia que era uma tola, naturalmente. Não havia razão para confiar naquela mu­lher. Voltou-se para a mãe. — Prefiro que nos separemos em paz. E, para ser honesta, gostaria de conhecer minhas irmãs, caso você as encontre. — Sophia sorriu.

— Podemos fazer um acordo. Eu as apresentarei se prometer não tentar colocá-las contra o nosso povo.

— Eu nunca faria isso. Além do mais, se elas forem pa­recidas comigo, tenho certeza de que têm vontade própria. Vão decidir o que querem para seus próprios futuros.

— Então temos um acordo. — Darcy assentiu.

— Descobrirá que não sou inteiramente má.

— Fico feliz em saber disso.

Mãe e filha se olharam por um longo momento. Por fim, Sophia se virou e começou a sair da garagem, dizendo:

— Vá querida. Essas despedidas emotivas realmente não me agradam.

Com um sorriso, Darcy observou a mãe se afastar. Não encontrara a pessoa com quem sonhara, mas pelo menos podia por fim ter um pouco de paz.

— Venha, Darcy — Styx falou com gentileza. — É hora de ir para a sua cama.

Darcy ficou na ponta dos pés e tocou-o nos lábios.

— Nossa cama.

Para surpresa geral, Styx acabou permitindo que Levet realizasse seu sonho de dirigir o brilhante Jaguar. Ignoran­do o curioso olhar de Darcy, ele murmurou qualquer coisa sobre estar disposto a sacrificar os cidadãos de Chicago apenas para calar a boca do enervante gárgula. Styx não duvidava de que sua companheira estivesse começando a suspeitar que ele não detestasse o pequeno demônio tanto quanto dizia. Além do mais, isso lhe dava a perfeita descul­pa para mantê-la nos braços.

Feliz da vida, o pequeno gárgula assumiu a direção e ligou o carro.

Styx o mandou seguir para o seu abrigo. Sentou-se no banco do passageiro, com Darcy em seu colo. O contato com o corpo macio o excitou. A viagem não seria tão tranqüila. Aspirou o doce perfume e fechou os olhos enquanto Levet atropelava uma caixa de correio, incapaz de dirigir sem in­vadir as calçadas.

Darcy ergueu-se um pouco para olhar a paisagem pela janela do carro.

— Onde estamos indo? — perguntou.

— Para o meu verdadeiro abrigo ao sul da cidade.

— Por que não vamos voltar para a casa de Dante?

— Porque tão logo cheguemos, Shay e Abby vão ficar em torno de você. Terei sorte se conseguir um olhar seu bem de longe. Sou egoísta demais, e quero passar os próximos sécu­los tendo você só para mim.

Darcy voltou a encostar a cabeça no peito de Styx.

— E falta muito para chegarmos ao seu abrigo?

Ele massageou o pescoço de Darcy enquanto sua boca tocava a pele acetinada da testa.

— Várias horas, com esse modo criativo de Levet dirigir. Creio que temos tempo suficiente para um cochilo. — Ele abaixou a voz. — Confie em mim, seus nervos ficarão eter­namente gratos se conseguir dormir durante a viagem.

— Ei! — protestou o gárgula interrompendo o protesto para tentar não atropelar uma indefesa lata de lixo.

Darcy caiu na risada. Como já estavam entrando na ro­dovia, haveria poucos objetos a ser atropelados, graças a Deus!

Aproximadamente três horas mais tarde, Levet entrou na alameda que levava à casa da fazenda. Apesar de a cons­trução precisar de uma reforma, estava em muito melhor estado do que o hotel que Salvatore escolhera como abri­go; porém, não era nada comparada às mansões de Viper e de Dante. A não ser que a pessoa preferisse o silêncio e a beleza do campo. De qualquer forma, ali teria a privacidade necessária. Seus homens chegariam ao amanhecer, mas ninguém teria permissão para invadir seu espaço.

Desceu do carro com cuidado para não acordar a mulher que tinha nos braços.

— Volte para Viper e lhe assegure que estamos bem. Falarei com ele em poucos dias. — Styx sorriu levemente. — Oh, e Levet...

— Oui?

Styx olhou para o carro, que agora ostentava muitos amassados e arranhões.

— Você devia considerar a possibilidade de deixar Illinois antes que Viper possa dar uma boa olhada em seu carro. Ele já matou por muito menos do que isso.

O gárgula empalideceu.

— Admito que venho pensando em visitar a costa oeste — ele disse, meio trêmulo. — Dezembro em Chicago é sem­pre tão sem graça!

— De fato.

Disfarçando o riso só de pensar na reação de Viper ao ver seu lindo Jaguar destruído, Styx entrou na casa e seguiu direto para o porão. Dali era mais fácil abrir a passagem secreta que levava às enormes cavernas subterrâneas.

À medida que descia, o ar ia ficando mais frio, e Darcy estremeceu, mesmo dormindo. Styx se deteve. Seus apo­sentos eram rústicos demais, e não serviriam para ela. O Anasso anterior, contudo, cercara-se de luxo. Mudando seu trajeto, dirigiu-se ao aposento que pertencera a ele. Co­locou Darcy sobre a enorme cama e a cobriu com uma man­ta antes de ir colocar lenha na lareira.

— Styx, este é o seu abrigo?

Ele sorriu e se aproximou, cedendo ao desejo de tocá-la.

— Pelo menos por enquanto.

Darcy ajeitou-se sobre os travesseiros, pressionando o seu corpo contra o dele. Styx sentiu imediatamente o san­gue fluir mais rápido.

— Pretende se mudar?

Ele lutou para controlar o desejo. Ter Darcy em sua cama era uma tentação que nunca seria capaz de ignorar.

— Quando você quiser, poderemos escolher um novo abrigo juntos.

Darcy arregalou os olhos e riu.

— Vamos comprar uma casa?

— Por que isso a faz rir?

— Não sei. É que parece algo doméstico demais para um assustador vampiro.

— Eu pretendo continuar sendo assustador — ele grunhiu, puxando-a para mais perto. — Pelo menos em algu­mas áreas.

Ela sorriu, e um brilho surgiu em seus olhos enquanto começava a desfazer a longa trança de Styx.

— E que áreas seriam essas?

— Prefiro a ação às palavras — ele murmurou, tocando-a com um desejo impaciente.

— Sempre gostei de homens de ação. — A voz de Darcy soou rouca.

E Styx pretendia que houvesse ação. Muita ação, que deixasse os dois saciados e exaustos.

Quando Darcy tocou-o nos ombros, ele ficou fascinado ao reconhecer o desejo na expressão da amada. Não havia nada mais precioso no mundo do que a sua mulher. Ela se tor­nara a razão de sua existência. Sentiu-se tomado por uma ternura que nunca soubera existir.

— Darcy... Meu anjo.

Abaixando a cabeça, ele tomou-lhe os lábios em um beijo suave. Não possuía o romantismo de Dante, nem a nature­za poética de Viper. Não tinha palavras para dizer a Darcy o quanto ela significava em sua vida; por isso, precisava demonstrar o que sentia.

Cuidando para que os caninos não a machucassem, in­seriu sua língua na boca tentadora. Darcy gemeu e levou as mãos ao seu peito; depois procurou pelo zíper da calça. Sem demora, ele a ajudou. Juntos, conseguiram tirar todas as roupas. Com um profundo suspiro de satisfação, ele se acomodou entre as coxas macias. Não havia nada melhor do que sentir aquela pele quente e suave contra a sua. Procurou-lhe o pescoço, mordiscando a pele e já sentindo o cheiro de sangue tomar seus sentidos.

— Styx... — ela murmurou.

— Sim, anjo. — Seus lábios procuraram o mamilo intumescido.

— Styx, eu quero completar a cerimônia. — Estremecendo, ele levantou a cabeça e seus olhares se encontraram.

— O que disse?

Ela envolveu o rosto de Styx em suas mãos.

— Quero ser sua mulher.

A alegria invadiu seu coração, mas ele manteve a expressão contida.

— Sabe o que está dizendo?

— Posso parecer uma loira burrinha, mas agora entendo as palavras que saem da minha boca.

Ele franziu a testa diante da provocação.

— Unir-se a mim não é como um casamento entre hu­manos. Não poderá me abandonar. O elo seria por toda a eternidade.

O olhar de Darcy permaneceu sereno.

— Bem, eu não sei se tenho uma eternidade, meu amor, mas sei que qualquer que seja o meu tempo de vida, eu quero passá-lo com você.

Styx fitou-a intensamente nos olhos.

— Isto é o que verdadeiramente deseja?

— Isto é o que verdadeiramente desejo.

Ele sorriu. Sua mulher. Por toda a eternidade.

— Que assim seja.

— Diga-me o que preciso fazer.

Styx deslizou o dedo pela curva do pescoço de Darcy.

— Preciso beber — ele disse baixinho.

Ele temeu que Darcy recuasse. Apesar de ela já ter lhe dado sangue, aquilo era mais do que alimentá-lo. Era um ato que os ligaria para sempre. Além do mais, não era a ceri­mônia romântica com a qual todas as mulheres sonhavam.

Porém, ela o surpreendeu, ao pressionar sua cabeça de encontro ao pescoço, exigindo suavemente que tomasse o que ela oferecia.

Styx gemeu e enfiou seus caninos na pele macia.

Um prazer incrível invadiu seu corpo. Sugar durante o ato sexual era sempre erótico. Mas ele não esperava o êxta­se que o envolveu naquele momento.

— Darcy...

Com um gemido, deslizou as mãos pelo corpo da ama­da, procurando o calor entre suas pernas. Ficou aliviado ao encontrá-la pronta para recebê-lo. Precisava penetrá-la en­quanto tomava o seu sangue para completar o elo do modo mais íntimo possível.

Como se pudesse sentir sua necessidade, Darcy o en­laçou com as pernas, arqueando o corpo em um silencioso convite. Styx gemeu ao penetrá-la profundamente. Seus corpos estremeceram. Aquilo era o paraíso, ele percebeu ao se mover. Nada jamais tinha sido tão maravi­lhoso, tão completo.

Styx ouviu-a soluçar ao atingir o clímax. Perdendo o controle, ele a acompanhou no êxtase.

— Minha mulher... — ele murmurou. — Meu eterno anjo. Minha salvação.

 

Uma série de resmungos e grunhidos despertou Darcy de seu sono profundo. Abriu os olhos com esforço, ainda sonolenta, e percebeu que estava sozinha na cama. Não era uma surpresa. As duas últimas semanas lhe haviam mos­trado que Styx tinha muitas obrigações a cumprir como Anasso. Dormia poucas horas e, claro, devotava boa parte da noite fazer amor com ela.

Subitamente, Darcy não era mais aquela criatura so­litária que lutava para sobreviver sem família ou amigos. Em menos de um mês, arranjara parentes lobisomens, e seus amigos incluíam um gárgula, demônios e uma deusa. E tinha um vampiro lindo de morrer como marido.

Definitivamente, essa fase de sua vida não ia nada mal.

Rindo, empurrou as cobertas e pegou o roupão que es­tava ao pé da cama. Era enorme e bem quente. Styx não mentira quando a alertara de que as cavernas poderiam ser frias e úmidas.

Mais uma vez, o som de vozes praguejando chamou sua atenção. Levada pela curiosidade, ela resolveu ver o que estava acontecendo.

Lamentando não ter calçado meias, Darcy entrou na enorme sala conectada ao seu quarto. Seu olhar se dirigiu primeiro ao fogo na lareira, antes de descobrir Styx e dois de seus homens no centro da sala. Um enorme pinheiro, pendendo para um dos lados, esta­va sendo ajeitado no vaso. A árvore parecia desafiar todas as tentativas dos vampiros, recusando-se a ficar na posição certa.

Percebendo que ela entrara, os três vampiros se volta­ram, surpresos. Dois deles se curvaram respeitosamente antes de deixar o aposento.

Darcy olhou admirada para o pinheiro.

— Styx, o que está acontecendo aqui?

Vestindo calça de couro e sem camisa, ele estava, como sempre, maravilhoso. Quando ele sorriu timidamente, Darcy lutou para não se jogar em seus braços.

— Estava tentando lhe fazer uma surpresa, querida. Sem muito sucesso, devo admitir.

Ela se emocionou ao perceber o que estava vendo.

— É uma árvore de Natal?

— É o que pretendíamos que fosse.

Ela olhou as caixas que estavam no chão.

— Presentes?

— Acredito que essa seja a tradição, não é? — Styx se   abaixou, pegou   o menor dos   pacotes e   o estendeu a ela.

Fazia tantos anos que ela não celebrava o Natal! Neste momento, no entanto, suas fantasias se realizavam.

— Oh, Styx... — ela murmurou, incapaz de conter as lágrimas.

Havia ternura nos olhos do marido.

— É seu primeiro Natal com sua nova família, Darcy. Agora abra o seu presente, meu amor.

Ela disfarçou um sorriso diante da impaciência de Styx. Rasgou o papel e encontrou um pequeno estojo de veludo. Abriu-o, deparando-se com um fantástico anel de rubi. Surpresa levantou a cabeça em busca do olhar de Styx.

— Deus... Meu.

Ele tirou o anel do estojo e gentilmente o colocou no dedo de Darcy.

— Creio que seja uma tradição humana que os noivos troquem anéis — ele disse com voz rouca.

Darcy riu feliz.

— Sim, mas este aqui é mais do que um anel de casamento.

Styx ficou alarmado.

— Não gostou?

— Ele é lindo, mas deve ter sido caro demais. Você não deveria...

— O que quero é que seja feliz, meu anjo.

Darcy jogou-se nos braços de Styx, descansando a cabe­ça em seu peito nu. O rubi era maravilhoso. E saber que ele queria lhe proporcionar uma festa de Natal a fazia cho­rar de alegria. Mas o que preenchia completamente seu coração era tê-lo como marido, como companheiro para a vida.

— Estou tão feliz por ter você, Styx — ela disse com ternura.

Ele a apertou nos braços, apaixonadamente.

— Mesmo eu sendo o demônio que a raptou?

Darcy riu, lembrando-se da noite em que ele aparecera no bar. Como poderia saber que sua vida mudaria para sempre?

— Especialmente sendo você o demônio que me raptou. Se não fosse assim, eu continuaria sozinha no mundo. Ou pior, poderia estar nas mãos de Salvatore.

Styx resmungou, aborrecido, e Darcy o encarou.

— Você vai fazer o que prometeu? Vai negociar com os lobisomens?

Os olhos de Styx ganharam um brilho estranho, mas ele assentiu.

— Sempre mantenho minha palavra, anjo. Vou falar com a Comissão, como prometi, assim que conseguir uma audiência.

Darcy acariciou-lhe o peito.

— Obrigada, meu querido.

— Posso ser generoso. — Ele deslizou o olhar pelo pes­coço de Darcy. — Eu tenho o que quero. — Dando um pas­so para trás, ele puxou o cinto do roupão que ela usava. — Agora acho que está na hora de eu abrir o meu presente de Natal.

 

                                                                    Alexandra Ivy 

 

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