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Londres - 1641
— Tem que se arrepender, minha filha, para entrar sem pecados no reino de Deus — o padre pediu.
Belle permaneceu em silêncio lançando ao religioso um olhar de desafio que o calou.
— Sendo assim — o chefe da guarda continuou, virando-se para o público — Annabelle Green é considerada culpada por todos os seus crimes e morrerá na guilhotina como manda a lei da Inglaterra...
O homem prosseguiu com a sentença e Belle respirou fundo, tentando se manter firme. Ela não se importava.
Sempre soubera que poderia ter um fim assim, mas em algum lugar dentro do seu peito havia a dor pelos sonhos desperdiçados.
Lembrou-se dos planos de ir para a América. Começar vida nova. Longe da vida de crimes. Tudo estava perdido para ela agora, mas pelo menos seus amigos poderiam manter o plano.
Arrastou o olhar para o público que assistia a tudo ávidos por sangue. Sentiu nojo daquela encenação ridícula. Por que não a matavam logo?
No meio à plebe avistou o barão e suas roupas empoadas a fitando com um olhar de vitória e lamentou não ter enfiado uma espada no peito dele quando teve oportunidade. Porém, não foi a presença do Barão de Wessex que fez sua visão escurecer, e sim o homem atrás dele.
Por Deus, o que ele estava fazendo ali? Viera ter certeza de que ela iria mesmo pagar por seus crimes?
De repente seus olhares se encontraram.
Belle sentiu como se todo o resto desaparecesse e naquele momento ela teve, pela primeira vez, um arrependimento amargo da vida que vivera. Porque foi aquela vida que a separou irremediavelmente daquele homem.
Mas por que estava lamentando? Ele a odiava e ela deveria odiá-lo também. E se estava ali, à beira de ser executada era também por culpa dele. Will Cavendish fazia parte daquela nobreza hipócrita que ela tanto odiava.
E estava ali para assistir sua morte.
E por que ele a encarava daquela maneira? Como se lamentasse?
Num átimo, as lembranças do que viveram juntos passou pela sua mente. A paixão ainda estava ali, dentro dela, apesar de tudo. Apesar de seu fim.
E soube, com uma certeza inabalável, que não lamentava tê-lo conhecido.
Com ele vivera emoções que nem sabia que existiam e sentira-se mais viva do que nunca.
E se iria morrer, levaria consigo a lembrança do que tinha vivido com o Duque de Buckingham.
Capítulo 1
Kent – Inglaterra
Belle caminhou por entre os arbustos ondulando os quadris e soltou um suspiro de alívio quando chegou à estrada. Os olhos verdes perscrutaram o caminho.
A carruagem que se aproximava era muito fina. Ela parou e jogou os longos cabelos castanhos para o lado. A blusa bufante caiu para o lado revelando um bom pedaço da carne branca e macia. Então ela respirou fundo e se posicionou à frente da carruagem que se aproximava.
O cocheiro freou os cavalos bruscamente, assustado.
— O que aconteceu, Bernard?
Ela ouviu a voz aristocrática de dentro do coche e sentiu asco. Homens ricos e influentes usavam esse tom de voz. Homens desprezíveis.
— Meu senhor — o cocheiro falava apalermado —, tem uma senhora obstruindo a passagem... — O homem a encarou. — Ficou maluca? Colocando-se à frente dos cavalos dessa maneira? Podia ter morrido! Ou quebrado o pescoço! Ou ter algum membro amputado!
A moça conteve a vontade de rir e permaneceu no mesmo lugar. Ouviu a janela da carruagem ser aberta e um homem ricamente trajado surgiu no seu campo de visão. Deveria ter uns quarenta anos, trajava-se como um pavão e a postura era altiva. Ele pousou os olhos nela e a moça vislumbrou uma centelha de interesse mesclado a algo diabólico que deixou uma impressão ruim em seu ser, mas não se mexeu.
O nobre avançou em direção à moça. Os olhos a miraram de cima a baixo.
— O que faz uma lady tão bonita no meio da estrada? Está perdida? — ele falava com certo desprezo, típico das classes altas. Com certeza já deveria ter percebido pelas suas vestes que não era uma lady coisa nenhuma. A saia rodada que usava não tinha as anquinhas tão em moda, a camisa branca, e à moda dos ciganos, os cabelos soltos e revoltos estavam longe de ser de uma dama. Então ela sorriu. Sabia que tinha um sorriso estonteante e já o usara muitas vezes com homens como ele. Notou a expressão do homem mudar sutilmente. Com certeza achava que estava com sorte.
— Qual o seu nome, senhorita? — insistiu.
— O senhor poderia me dizer o seu primeiro. — Ela jogou a cabeça para o lado numa expressão de desafio e sedução.
— Sir Henry FitzRoy, Barão de Wessex.
A moça se regozijou. Sim, estavam com sorte hoje. Um barão!
Então jogou a cabeça para trás e gargalhou. O homem ficou desconcertado.
— O que é tão engraçado, milady?
Ela parou de rir e o encarou.
— O senhor!
O homem não teve tempo de responder, pois da floresta saíram três homens brandindo espadas com aparência ameaçadora, um deles tinha um lenço cobrindo parcialmente o rosto. A moça encarou o barão com um sorriso.
— Me desculpe, senhor, mas teremos que roubá-lo!
— Mãos para o alto! — gritou o homem com lenço sobre o rosto e depois olhou a moça. — Bom trabalho, Belle. — Ele sorriu, piscando para ela.
Belle ficou séria.
— Até que enfim apareceram! Achei que teria que enrolar este idiota pra sempre! E que coisa ridícula é essa, Jack? — Arrancou o pano de seu rosto.
— Ei... era meu disfarce!
— Mais parece um palhaço! — ridicularizou.
— Chega vocês dois! — gritou o mais alto. Tinha uma aparência ameaçadora, com sua barba e cabelo ruivo.
— Desculpe-me, Blake — Belle aquiesceu.
— Acho melhor deixar essa briga de vocês para depois. — Blake lançou um olhar de aviso para Belle e Jack.
— Isso mesmo, não vamos discutir na frente da vítima! — Jack concordou.
— Já que terminados este assunto — o terceiro membro falou — podemos continuar o assalto?
Belle sorriu ao ouvir Colin falando. Era o mais jovem deles, mas nem por isso menos esperto. Juntara-se ao bando ainda adolescente e todos desconheciam suas verdadeiras origens.
— Certo! — Blake tomou a frente. — Jack, amarre o cocheiro, e Colin, amarre o barão.
— Por que eu tenho que ficar com o cocheiro? — Jack reclamou. — Sou hierarquicamente superior ao Colin!
— Hierarquicamente superior? Que conversa é essa, Jack? — Belle riu.
— Entrei no bando antes, sou muito mais experiente, mais bonito.
Dessa vez Belle e Colin caíram na risada e Blake revirou os olhos impaciente.
— Agora chega! Está bem, Jack, a Belle amarra o cocheiro, você vem comigo ver o que tem para roubarmos.
Colin foi amarrar o barão que pareceu se refazer do susto.
— Então são assaltantes... — Estendeu os punhos para Colin amarrá-lo.
— Sim, senhor.
— Bandoleiros...
— Sim, senhor.
— Escute, meu rapaz. Se me soltar, posso te dar uma boa recompensa...
Colin o encarou por um momento.
— Não, obrigado. — E continuou a amarrá-lo.
— Olha só como eles te tratam, um rapaz tão bem apessoado. Deveria estar na corte.
— Ei! Pare com isso! — Belle gritou ao ouvir o que o barão dizia a Colin. — Cale a boca se quiser sair vivo daqui! — ameaçou.
— E você, senhorita? O que espera ganhar com essa vida? Acompanhando um bando de homens mal-encarados em pilhagens...
Belle se irritou. E, aproximando-se, virou um soco na cara do barão que caiu para trás desacordado.
Ela viu a cara espantada de Colin ao seu lado.
— Eu mandei ele calar a boca! — justificou-se. — Agora me ajuda com o cocheiro. O homem parece que vai se borrar todo de medo!
— Até eu estou com medo de você!
Belle riu.
Jack seguiu Blake com a espada em punho para verificar o que tinha de valor na carruagem do barão.
— Estamos ricos! Olha que beleza! — murmurou passando a mão pela rica decoração da carruagem.
Mas Blake não prestava atenção.
Tinha algo de errado ali. Ele podia sentir.
— Olha isso... — Jack colocava o casaco de brocado que provavelmente pertencia ao barão.
— Shi... — Blake o calou.
— O que foi?
Blake pediu silêncio. Desembainhando a espada, fez sinal para Jack se levantar do banco e rasgou o tecido de cima a baixo.
— Ei, ficou doido? Isso vale... — Jack começou a falar se aproximando, mas então percebeu o que Blake tinha visto. Havia uma moça loira embaixo do banco.
Ela ofegava de medo.
Era jovem e bonita. Um sorriso malicioso brincou no rosto do bandoleiro.
— Ora, ora, veja o que encontramos...
— Por favor, não me machuquem! — a moça implorou.
— Não iremos machucá-la, milady. Contanto que não faça nada impensado — Blake ameaçou, estendendo a mão para ajudá-la.
Jack contemplou embasbacado a moça que se erguia soberba à frente deles. Até Blake parecia enfeitiçado.
Guilhermina correu o olhar de um para o outro, a expressão de medo sendo pouco a pouco substituída pelo divertimento. Sim, os ladrões, como todos os homens, estavam encantados com ela. Bem, talvez pudesse usar isso a seu favor. Quem sabe não deixariam sair ilesa?
Com um suspiro, soltou um gritinho e colocou a mão na testa, fingiu-se tonta.
— Oh... Acho que vou desmaiar...
Os dois homens se apressaram em segurá-la.
— Deixa que eu seguro! — Blake avisou, mas Jack o empurrou.
— Não, eu sou mais forte!
Belle ouviu as vozes alteradas saindo de dentro da carruagem e trocou um olhar confuso com Colin.
— O que está acontecendo?
Rumou para perto da carruagem com Colin em seu encalço e estacou à cena bizarra a sua frente. Blake e Jack discutiam puxando uma moça loira elegantemente vestida de um lado para o outro.
— O que está acontecendo aqui? E quem, por Deus, é essa daí?
Blake pareceu se recompor.
— Estava escondida embaixo do banco.
— Entendi. E o que os dois estão fazendo com ela?
Colin começou a rir. Belle o encarou ameaçadoramente e ele engoliu o riso.
— Ela desmaiou e eu fui segurá-la, mas Blake... — Jack começou a explicar.
— Já entendi. — Belle revirou os olhos. — Homens! Tão previsíveis! — Acho que o Colin pode cuidar da moça e vocês parem de pensar com a cabeça errada! — gritou se afastando.
Eles trataram de seguir suas ordens e passaram a moça para o colo de Colin.
— Ei, por que ela acha que eu não vou agir igual vocês? — Colin indagou confuso.
— Porque pra ela você não é homem — Jack respondeu.
— Sério? — Colin se afastou ainda confuso.
Colocou Guilhermina perto de uma árvore. Ela era realmente bonita, não era de se estranhar que Blake e Jack estivessem brigando.
De repente a moça gemeu e pareceu que ia acordar. Abriu os olhos e focalizou nele.
— Olá, madame!
Guilhermina encarou aquele desconhecido. Era jovem e um tanto sujo, mas até que não era de todo mal.
— Oh... O que aconteceu? — perguntou manhosa.
— A madame desmaiou...
— Sim... está tudo tão confuso... onde está o barão?...
— Amarrado ali — Colin apontou e Guilhermina esqueceu o fingimento e sentou-se olhando para onde o bandido apontava e viu o barão amarrado e desacordado. Sentiu medo.
— O que fizeram com ele? — Sentiu-se receosa.
Colin riu.
— Ah, não se preocupe. A Belle costuma agir meio impulsivamente às vezes...
— Quem é Belle? — Guilhermina deduziu que devia ser a moça que ralhara com os outros dois quando brigavam por ela. Será que era esposa de algum deles?
— Belle é aquela ali. — O moço apontou e Guilhermina viu a jovem de longos cabelos castanhos.
Encarou o bandido de novo, disposta a descobrir mais sobre eles.
— E você é quem?
— Oh, me desculpe não me apresentar. Meu nome é Colin e aquele ruivo grandão é o Blake, o moreno é o Jack.
— Vocês são...
— Bandoleiros, madame. Mas não se preocupe, não iremos machucá-la. Apenas roubar tudo o que tem.
Guilhermina desviou o olhar com uma careta. Ser roubada de tudo que tinha não era uma boa opção.
Pelo menos tudo ali não era dela, e sim do barão. Bem que tinha avisado que precisavam de uma escolta, mas o nobre rechaçara. Agora olha no que deu!
— Ei, Colin — a moça de cabelos castanhos o chamou com os olhos flamejantes —, pare de fazer social com a prisioneira e venha nos ajudar! E, por favor, não se esqueça de amarrá-la!
Guilhermina se assustou.
— Prisioneira? Amarrar-me?
Colin pegou a corda.
— Não se preocupe, madame. É só para garantir que não vai fugir.
— Não... olha... Colin, não é? Não precisa me amarrar. Eu vou me comportar, não irei fugir nem nada...
Ele pareceu pensar por um instante, mas sacudiu a cabeça.
— Preciso realmente amarrá-la.
— Por favor, não faça isso... — Guilhermina começou a chorar. Ou melhor, fingir que chorava. — Tenha piedade, senhor!
Belle, Blake e Jack ouviram a moça chorando.
Belle fez uma careta.
— Era só o que faltava!
Jack riu.
— Eu falei que era melhor eu cuidar dela!
— Para quê? Para seduzi-la? — Blake o encarou com ironia.
— E por que não? Ela é bem bonita... E você viu como me olhava? Ela me queria...
— Cala a boca, Jack! — Belle reclamou.
— O que é Belle, está com ciúme?
— Claro que não! E quer saber? Pode ir lá cuidar da mocinha indefesa! Pelo menos acho que terá mais sucesso do que o Colin.
Jack piscou para Blake e se afastou.
Blake olhou para Belle.
— Não sei se foi uma boa ideia.
— Por que não? Está com ciúme?
— Da moça?
— Não, do Jack! Claro que é da moça!
— Não, não estou, embora a tenha achado bonita, mas qualquer homem acharia.
— Sei...
Ele continuou observando Belle que se ocupava em tirar as coisas da carruagem.
— Está olhando o quê? — perguntou nervosa.
— Não está com ciúme?
— De quem? Da moça? — ela brincou e ele riu.
— Não, do Jack.
Belle observou Jack que agora conversava com a loira enquanto a amarrava. Ela parecia tão quieta como um cordeirinho agora.
Fitou Blake.
— Não, não tenho.
— É que...
— Chega, Blake! — Ela o cortou e se afastou.
Colin aproximou-se de Blake e viu Belle se afastando nervosa.
— O que deu nela?
— Nada... Faça seu trabalho!
Guilhermina observou o homem que a amarrava. Depois que ele aparecera e mandara Colin se afastar ela tivera medo e se calara.
— Não se preocupe, docinho. Vou apenas amarrá-la, não vou machucá-la, sabe disso, não é? — Ele sorriu charmoso e afastou uma mecha de cabelo da testa da moça.
Até que ele era bonito, cabelos pretos, um corpo musculoso, sorriso fácil.
Ele acabou de amarrá-la e Guilhermina sorriu.
— Obrigada.
— Não há de quê, docinho.
— Meu nome é Lady Guilhermina Ley.
Jack sorriu pensando que ela estava no papo. Seria bom se divertir com uma dama daquela estirpe... Então com o canto do olho ele viu Belle se afastando parecendo tensa e sentiu uma pontada de culpa.
— Senhor Jack? — a dama loira o chamou com um beicinho e ele esqueceu Belle momentaneamente. — Eu preciso... preciso... ai que vergonha! Na verdade eu preciso de um minuto de privacidade!
— Já entendi. — Ele a segurou e a fez levantar-se e percebeu o movimento que os seios faziam. Sim, ela realmente era um espetáculo. — Vou levá-la a um lugar afastado.
Blake observou Jack se afastando com a moça e o chamou.
— Ei, onde pensa que vai?
— Ela precisa de privacidade, entendeu? Nós já voltamos.
Blake sacudiu a cabeça, impotente. Sabia bem o que Jack iria fazer. O pior é que pela cara da moça, ela não parecia muito contrariada...
— Você vai deixar? — Colin perguntou.
— O quê?
— Sabe o que ele vai fazer.
— O Jack pode fazer o que quiser.
— Mas ele vai forçá-la.
— Acha mesmo que ele precisará forçá-la? — Blake levantou as sobrancelhas.
— Acho que não. Mas não sabemos o que ela é para o barão. E se for sua esposa, ou noiva?
— Uma moça daquelas?
— Pode ser irmã, ou uma parenta. Mesmo assim se ele descobre uma coisa dessas, estamos perdidos.
Blake conjeturou sobre as palavras de Colin.
E agora o que deveria fazer?
— Pode se virar — Guilhermina disse ao bandido chamado Jack depois de um tempo. — Muito obrigada, Senhor Jack, o senhor é muito gentil.
— Não precisa me chamar de senhor...
Ela riu encabulada.
— Não seria apropriado...
Ele se aproximou e sem aviso a encostou na árvore mais próxima, colando seu corpo ao dela e viu os olhos azuis escurecerem de paixão. Sim, ele não estava enganado. A dama era pura explosão.
— Vai me violar, senhor? — ela murmurou, ofegante.
— Se a senhorita insiste... — Ele abaixou a cabeça e a beijou sofregamente.
A dama se entregou com um suspiro e rodeou os braços em volta de seu pescoço, colando os seios no peito do bandido.
— Solte-a, Jack! — O chamado do Blake o fez soltar a moça.
— O que está fazendo aqui?
— Não pode tocar nela. Não sabemos o que representa para o barão.
— Você está é com inveja!
— Cale-se! Volte para perto da carruagem. A Belle quer trocar uma palavrinha com você!
A menção a Belle pareceu convencer Jack.
— Ok. — Ele se aproximou de Guilhermina e beijou sua mão. — Foi um prazer, milady!
Blake esperou Jack se afastar e encarou Guilhermina com frieza.
— Vamos, senhorita, preciso amarrá-la novamente.
— Por favor, não faça isso. — Ela começou a fazer drama.
— Não adianta fazer essa cara para mim, milady. De nada vai adiantar.
Guilhermina fez um muxoxo. Percebeu que sua chance de escapar passara e a contragosto aproximou-se do estranho bandido e ele a amarrou e a puxou de volta a estrada. Ela o observou, curiosa.
— O senhor não é inglês...
— Não, não sou.
Guilhermina viu que ele não estava para conversa, mas insistiu.
— Da onde você é?
Ele não respondeu.
— Por que me trata assim? — ela insistiu. Na verdade estava incomodada por aquele homem dentre todos não cair na sua lábia.
— Mulheres como você devem estar acostumadas a ter os homens aos seus pés, mas não irei cair na sua conversa.
— Que pena — Guilhermina sussurrou e viu algo no olhar dele mudar, mas a sensação passou e eles voltaram a caminhar.
Realmente era uma pena...
Chegaram à estrada e Blake viu que tudo já estava arrumado.
— O barão ainda não acordou?
— Não. A chave de esquerda da Belle é boa... — Colin comentou.
— Vamos? Não podemos ficar aqui por mais tempo... é perigoso — Belle comentou.
— Sim.
Blake colocou Guilhermina sentada de costas para o barão desacordado e a amarrou nele se afastando.
Jack não resistiu a uma última gracinha e aproximando-se da moça pegou sua mão e com a boca tirou o anel de ouro de seu dedo e sorriu.
— Me desculpe, querida, mas terei que ficar com seu anel.
Os bandoleiros montaram em seus cavalos e se afastaram a galope. Deixando Guilhermina boquiaberta.
— Está vendo, barão? Quando acordar vai ter que me dar um outro anel!
****
Lady Juliet Cavendish mal conseguia disfarçar a expressão de tédio em seus olhos amendoados enquanto deixava a vista vagar para além da sala até os campos verdes a perder de vista e um suspiro ansioso reverberou em seu peito ao ver o sol brilhando. Sentiu uma necessidade premente de sair e sentir a luz solar e o vento quente beijar seu rosto.
Determinada a seguir aquele súbito anseio, os dedos delicados alisaram as pregas do elegante vestido enquanto se levantava. Todavia, antes que prosseguisse com seu intento, Will, seu irmão mais velho e Duque de Buckingham, adentrou a sala.
— Aonde vai, Juliet? — perguntou desconfiado.
— Dar uma volta.
Juliet percebeu a expressão contrariada do irmão.
— Vai me dizer que agora sou prisioneira na minha própria casa? — questionou magoada.
A expressão do irmão suavizou.
— Claro que não. Mas o sol está muito forte e...
Juliet riu.
— Por favor, Will! Não é esse motivo que não quer me deixar sair!
— O papai me deixou responsável por você! Se algo te acontecesse...
— O que pode me acontecer? Estamos nas suas próprias terras, no campo!
— Mesmo aqui, pode ser perigoso.
— Estou cansada desse excesso de zelo! Não sou feita de porcelana!
Will a encarou, obtuso.
— Sabe por que agimos assim, não é Juliet? Depois do que aprontou no ano passado...
Juliet fechou os olhos, sabia do que ele estava falando.
Will estava se referindo a sua fuga malsucedida com o cocheiro.
— Não quero falar sobre isso. — Fugiu do assunto de propósito.
— Sei que prometemos não mais falar sobre o assunto vergonhoso, mas você parece não se dar conta da seriedade do seu erro!
— Mas eu não consegui fugir afinal de contas, não é?
— Não conseguiu porque eu a impedi!
— Will, por favor, não aguento mais ficar trancafiada nesta casa! É um tédio aqui.
— Papai a mandou para cá até que os rumores fossem esquecidos...
— Já faz quase um ano! Com certeza os mexericos já devem ter cessado. Por favor, vamos voltar à corte!
Will encarou a irmã. Era tão jovem. E tão inconsequente.
Mas ainda assim, muito jovem para viver reclusa naquele lugar.
Talvez ela tivesse razão e devessem voltar a Londres, afinal.
— Por favor... — suplicou mais uma vez com os olhos marejados.
Juliet exultou ao ver que o irmão estava cedendo.
Will podia agir feito uma pedra de gelo a maior parte do tempo, mas sempre cedia às vontades dela.
— Juliet, eu não sei...
Juliet resolveu apelar. Ajoelhando-se aos pés do irmão, segurou suas mãos e lançou-lhe um olhar doce.
— Por favor, vamos voltar! Estou definhando aqui! Vou fazer greve de fome! Assim, quando eu morrer, talvez você se sinta suficientemente culpado...
— Chega de drama, Juliet! — Soltou as mãos, irritado.
A garota resolveu mudar de tática e, se levantando, sorriu maliciosa.
— Sabe quem ficaria feliz com a nossa volta? Lady Liliana...
— Eu e Liliana não temos nada a ver com isso!
— Claro que tem! Você deixou sua noiva sozinha durante todo esse tempo! Pobrezinha! Deve estar delirando de saudades! E vai me dizer que você também não está sentindo sua falta? Hum? A doce Liliana deve estar o aguardando, ansiosa para enfim se casarem!
Will riu da lógica de Juliet.
Sim, ela tinha razão. Havia protelado o casamento com Liliana em prol de resguardar a irmã na casa de campo, livre da confusão de fofocas que envolveram.
Will sentiu um aperto de culpa. Sim, tinha que voltar para a noiva.
— Tudo bem, você venceu, Juliet. Vamos voltar à corte. Amanhã mesmo partiremos.
****
Guilhermina amaldiçoou a má sorte que estava tendo aquele dia pela enésima vez.
Seus sapatos enterravam-se na lama, cada vez que tentava dar mais um passo.
— Ande logo, Guilhermina! — FitzRoy ordenou mais à frente e ela parou, fatigada.
— Não! Não consigo dar nem mais um passo! Meus sapatos não foram feitos para andar na terra! O Senhor Barão pode prosseguir, eu espero o socorro aqui! — disse sentando sobre uma pedra.
Quando ele se virou, Guilhermina tinha no rosto o mais sensual dos sorrisos. Mas desta vez não surtiu efeito, o irado barão caminhou até ela e a segurando pelo braço a fez levantar-se.
— Irá comigo, Lady Guilhermina!
— Ei, não precisa me tratar assim. — Fez beicinho enquanto ele praticamente a arrastava. — Sei que está nervoso pelo assalto...
— Cale-se! Ou me sentirei tentado a retirar a oferta que fiz de ajudá-la!
Guilhermina se assustou com a ameaça.
— Não, por favor! Ficarei quieta, se é o que quer! — Engoliu em seco e se obrigou a prosseguir ao lado do Barão de Wessex.
Ele seria o meio para ela voltar à boa vida. E não desperdiçaria a oportunidade.
Ao entardecer chegaram a um vilarejo. E graças a Deus o barão foi reconhecido e providenciaram outra carruagem para prosseguirem para Londres na manhã seguinte.
Guilhermina sentou-se feliz no banco confortável da hospedaria.
— Ufa, ainda bem! Pensei que teríamos que andar até Londres!
O barão a encarou, astuto.
— Sinto muito, Lady Guilhermina. Uma criatura tão delicada como a senhora não foi feita para a vida dura.
Guilhermina sorriu, charmosa.
— É por isso que eu gosto do senhor, sabe reconhecer o meu valor. E espero que mantenha sua palavra!
— Sim, eu manterei, mas antes caçarei e mandarei para a guilhotina aqueles bandoleiros maltrapilhos.
Guilhermina sentiu um arrepio com o olhar de ódio do barão.
Sim, Guilhermina pensou, aqueles bandoleiros estavam perdidos. Conhecia a fama impiedosa do Barão de Wessex. Ele não descansará até colocar o famigerado bando atrás das grades da torre de Londres!
Seria uma pena, Guilhermina pensou com um suspiro, pois eles eram ladrões muitos charmosos...
— Eles não fazem ideia com quem se meteram — o barão selou sua ameaça.
Capítulo 2
O bando galopou por horas a fio sem nada dizer.
O silêncio apenas era cortado pelas canções desafinadas de Jack.
— Para de cantar, Jack! — Belle reclamou.
— Está brava comigo por causa da dama, não é?
— O quê? Que dama?
— A moça loira. Lady Guilhermina.
Belle levantou as sobrancelhas.
— Sabe até o nome dela?
Ele riu.
— Você sabe que eu sou bem persuasivo, Belle.
Belle revirou os olhos.
— Você é um patife!
Ele gargalhou e emparelhou seu cavalo com o de Blake.
— Ela te contou que o nome dela era Guilhermina, Blake? — provocou, mas Blake não respondeu.
— Eu vi como olhou para ela... Saiba que aquela lá não faz seu tipo, de inocente não tem nada. Mas de repente, se você quiser apenas perder umas noites... — Jack não conseguiu terminar, pois Blake avançou para cima dele e os dois caíram no chão, numa luta feroz.
Belle e Colin desmontaram assustados, tentando apartar a briga.
— Ei, parem com isso! O que deu em vocês? — Ela segurava Jack enquanto Colin segurava Blake.
Jack cuspiu sangue.
— Foi ele quem começou.
— Você estava passando dos limites!
— Chega! — Belle gritou. — Não acredito que estão brigando por causa daquela meretriz loira!
— Tem razão. — Blake se soltou de Colin. — Não devemos brigar.
Jack riu.
— Está recuando, eu sei...
— Jack! — Belle lançou-lhe um olhar de advertência. — Já chega!
E como sempre quando Belle falava, Jack parecia voltar à razão.
— Vamos prosseguir — Blake pediu. — Tem uma taberna perto daqui.
— Ótimo! Poderemos comemorar! Beber muito rum! — Colin riu divertido.
— E conhecer belas garotas — Jack completou.
— E contar o dinheiro que roubamos! — Belle piscou e Blake riu.
— E combinarmos o próximo assalto!
Eles chegaram à taberna ao entardecer. O tempo estava mudando e nuvens escuras anunciavam uma tempestade.
— Vai chover. — Belle olhou para o céu.
— Ainda bem que achamos uma taberna — Jack cochichou em seu ouvido e ela o empurrou, enquanto entravam na taberna.
O ambiente cheirava a fumo e a bebida. A suor e cavalos.
Todos pararam e olharam para o grupo incomum que entrava no lugar. Com os olhos pousados principalmente na bela dama, mas logo desviaram a atenção para a própria cerveja ao ver os brutamontes ameaçadores ao seu lado.
O bando entrou e sentaram numa mesa afastada.
— Isso que é vida! — Jack se encostou à cadeira, relaxado.
— Odeio o jeito que olham pra mim — Belle resmungou.
— Ninguém vai mexer com você com a gente do lado — Colin a tranquilizou.
— Eu sei. Mas mesmo assim é horrível. Ser mulher é horrível!
Eles riram.
— O Colin sabe bem como é... — Jack brincou com o amigo.
— Oras, seu! — Colin esbravejou.
— Ele está brincando, Colin! — Blake refutou.
— Mas estou de saco cheio dele me chamando de maricas!
— Ele vai parar! — Blake ameaçou e Jack se calou, mas continuava rindo.
Uma garçonete de corpo avantajado se aproximou da mesa.
— O que vão pedir rapazes?
— Cerveja para todos! — Jack esbravejou.
— Ok, bonitão! Se quiser mais alguma coisa. — Ela piscou e de repente franziu o rosto. — Espere, estou te reconhecendo... Não é aquele bandoleiro? Sim, é você! Aquele que chamam Cigano!
Quando a mulher se afastou eles caíram na gargalhada.
— Cigano! — Belle não se aguentou ao ver Jack nervoso.
— Estão rindo do quê? Cigano... que nome ridículo!
— Não, combinou. — Colin se dobrava de rir.
Belle olhou em volta e viu que todos olhavam para eles disfarçadamente. Provavelmente já sabiam quem eram.
— Cigano! — Jack repetia, irritado. — Nem cigano eu sou! Que nome ridículo! Tinham que me chamar de um nome mais viril... como... Thor, ou...
Jack continuou seu monólogo sobre nomes viris, a garçonete trouxe as cervejas e Belle continuou a observar o movimento do bar. Sentia-se estranhamente nostálgica. Tinha crescido num lugar como este. Ela sacudiu a cabeça para desanuviar os pensamentos. Não queria pensar sobre o passado.
— Ou talvez Diabo das Montanhas! — Jack continuava a tentar achar nomes.
Então a atenção de Belle foi para uma mesa distante. Havia um homem sentado, solitário. Usava um capuz sobre a cabeça e não dava para ver suas feições. Parecia tão sozinho e Belle sentiu uma tristeza inexplicável. Ele era tão diferente dos homens que ali se encontravam...
Uma garçonete aproximou-se da mesa dele e só então Belle reparou que havia uma garrafa de whisky escocês vazia na mesa. O homem deve ter pedido mais, mas a mulher se recusava a servir.
— Eu estou pagando! — ele falou mais alto e a moça continuou irredutível. E fez um movimento imperceptível com a cabeça para um brutamonte parado perto da porta que se aproximou.
— Senhor, tem que ir embora...
— Sou um freguês como qualquer outro. — Ele levantou a cabeça e tirou o capuz, revelando um cabelo comprido castanho-claro. — Vamos, sirva-me!
Belle reparou no sotaque escocês. Sim, ele estava com problemas. O brutamonte acercou-se da mesa.
— Saia agora, senhor, ou terei que colocá-lo para fora.
Sem saber o que estava fazendo, num impulso, Belle se aproximou.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? Por que não querem servi-lo?
— Não se intrometa, moça!
— Não, eu vou me intrometer sim! — Ela encarou a garçonete. — Vamos, traga uma bebida! O problema é dinheiro? — Belle pegou um saquinho de moedas de ouro e esparramou pela mesa. — Aí está!
Então Belle virou-se para o brutamonte.
— Vão me dizer qual é o problema?
— A senhora não devia se intrometer, se não quiser se machucar.
Belle riu.
— Machucar? Sabe com quem está falando?
— Belle, o que está acontecendo aqui? — Blake apareceu, com Jack e Colin atrás.
E o homem reconheceu-os.
— A moça aqui está se intrometendo no assunto que não lhe diz respeito.
— Eu só quero saber por que não vão servi-lo! Só porque ele é escocês? Isso é ridículo!
Ela escutou o escocês rindo e o encarou.
— A moça tem brios, devo reconhecer — disse como que para si mesmo.
— Ele não é somente um escocês — o grandalhão falou. — É um padre.
Os quatro olharam para o escocês e só então Belle reparou em suas vestes.
— Não conheço muito do clérigo, mas é certo um padre bebendo numa taberna? — Colin perguntou a Jack que deu de ombros.
— Você é um padre? — Belle perguntou.
Ele riu sarcástico.
— Não mais, senhora. É o que estou tentando dizer a eles.
Belle o fitou, desconcertada. Mas quem era este homem?
Um ex-padre, ele dissera.
Estavam encrencando com ele porque era de uma ordem católica.
Ela se virou para a garçonete e o brucutu.
— Ouviram? Ele é um ex-padre, então acho que pode beber como todo mundo!
O brucutu parecia que ia falar algo, mas encarando as presenças ameaçadoras de Colin, Blake e Jack atrás de si, recuou.
Belle sentou-se à mesa na frente do ex-padre e Colin, Blake e Jack fizeram o mesmo.
A garçonete aproximou-se com o whisky.
O homem sorriu servindo-se.
— Acho que te devo uma, senhora.
— Belle — ela apresentou-se. — E você é...
— Logan Harris. — Ele bebeu um gole e encarou os outros homens. — E esses daí quem são?
— São meus amigos — Belle os apresentou. — E então Logan, o que faz um ex-padre por essas bandas?
— Acho que em busca de uma bebida como vocês.
— Deve ter desistido da vida religiosa há pouco. — Jack apontou para suas vestes e o homem fez uma careta.
— Parece que sim... — Ele permaneceu em silêncio e Belle percebeu que ele não queria falar mais.
Seus comparsas olhavam para ela com uma interrogação na face. Na certa queriam saber por que perdia tempo com aquele ex-padre beberrão.
Mas Belle não saberia dizer. Apenas sentia uma compaixão pelo homem que parecia tão solitário e amargurado.
Ele ainda era jovem e até bem apessoado.
— Bebam! — ela ordenou e eles se entreolharam e continuaram bebendo.
Então Belle levantou o olhar e a viu. Estava a poucos metros de distância, anotando pedidos, os cabelos castanhos oleosos presos num coque. Será que estava tendo uma alucinação?
Sentiu um suor frio na pele e o coração congelando.
Seria mesmo possível que aquela fosse Marion?
Marion a viu também e ficou paralisada.
— Belle, o que você tem? — Colin perguntou ao vê-la branca igual papel.
Mas Belle nada disse, apenas se levantou e aproximou-se da mulher.
— Olá, mamãe. Quanto tempo — falou com a voz embargada de emoção e dor.
— Belle. O que faz aqui? — A mulher a encarou com raiva.
Belle apontou para os amigos.
— Entendi. Está bem pior do que eu pensava, Belle.
— Não fale assim, mamãe...
— Não me chame de mãe! Minha filha morreu no dia que decidiu pôr fim a vida de meu marido!
Belle sentiu as lágrimas que segurava por tanto tempo ameaçando romper.
— Mãe, por favor...
— Saia daqui! Se não quer que eu chame os guardas para te levarem presa!
Belle ainda encarou mais uma vez a mulher que a estava enxotando de novo e saiu da taberna.
A chuva caiu torrencialmente, molhando suas roupas, seus cabelos, mas não se importava.
Tudo o que importava era a dor que lhe oprimia o peito. Marion nunca a perdoaria. Mesmo que tudo o que Belle fez tenha sido por ela. Por seu bem. O padrasto era um bêbado miserável que a maltratava. Marion não merecia aquela vida. Então, com apenas 17 anos, Belle tomara para si a mão do destino quando o assassinara. E desde então Marion não olhava na sua cara e Belle fora expulsa de casa e encontrara seu destino ao lado daqueles bandoleiros, tornando-se, ela própria, uma fora da lei. Isso aconteceu há três anos.
E pela primeira vez em todo esse tempo ela encontrou a mãe de novo.
Ouviu a porta da taberna se abrir e alguém se aproximar.
— Belle, o que aconteceu, quem era aquela mulher? — Blake indagou.
Belle virou-se para encará-lo. As lágrimas se confundiam com a chuva.
— Minha mãe — murmurou num fio de voz.
Blake, como os outros, conheciam ao menos metade de sua história triste.
— Aquela era sua mãe? O que ela te falou?
— Ela me odeia...
— Belle, por que sua mãe a expulsou? O que fez de tão grave?
Belle sacudiu a cabeça. Não podia contar a eles seu maior pecado.
— Isso faz parte do passado. Por favor, podemos ir embora daqui? — pediu.
— Mas a chuva...
— Por favor, Blake...
— Tudo bem. Vou chamar o Colin e o Jack.
— Não precisa! — Jack e Colin estavam saindo da taberna. — Já estamos aqui — Jack olhou para Belle. — Por que fugiu? Quem era aquela mulher?
— Minha mãe.
Ela viu o questionamento nos olhares dos amigos, mas se afastou para buscar seu próprio cavalo.
— Não perguntem nada que não vou responder!
Eles não insistiram.
Belle montou e de repente a porta da taberna se abriu e Logan saiu de lá.
— Para onde estão indo?
— Em busca de outra taberna! — Belle falou por entre a chuva. — Quer seguir com a gente? — perguntou para espanto dos outros.
Logan deu de ombros.
— Por que não?
****
Belle bebeu um gole de whisky e sentiu o líquido quente queimar sua garganta.
— Tome cuidado com essa bebida, milady.
Ela levantou a cabeça ao ouvir a voz do escocês. E sorriu sarcástica.
— Pois hoje eu queria me embebedar.
— Para quê?
— Acho que com o mesmo intuito que o senhor: para esquecer.
— Uma moça como você não deveria precisar de uma bebida para esquecer. São para homens como eu, que foram esquecidos por Deus.
— Como sabe se também não fui esquecida?
Ele apenas tomou mais um gole de sua bebida e nada falou.
Tinham chegado àquela taberna há algumas horas dando vivas, pois era difícil achar tabernas tão próximas uma da outra por aquelas bandas.
Belle observou os companheiros. Jack estava próximo ao balcão rodeado de garotas tão belas quanto fáceis. Colin tentava chamar a atenção delas pra si sem sucesso e Blake bebia sozinho num canto.
Ela queria ficar sozinha também. Mas o escocês a acompanhara e oferecera o whisky. E ela aceitara. Hoje, precisava como nunca de uma bebida.
— Ainda não me disse o que faz andando com três homens pelas estradas — indagou de repente.
— Somos bandoleiros. — Esperou a reação do homem, mas ele apenas arqueou as sobrancelhas.
— A senhorita também? Ou pertence a algum deles?
— Não! Eu não pertenço a ninguém, a não ser a mim mesma!
— Uma mulher independente. Difícil de se encontrar nesses tempos.
— Mas é assim que eu sou.
— Como acabou assim?
— É uma longa história que talvez eu te conte algum dia. — Ela se levantou. — Preciso dormir. Amanhã temos trabalho, boa noite, padre!
Ela se encaminhou para o andar de cima da estalagem e foi para o quarto.
Pensou em como gostaria de um banho, mas teria que esperar para encontrar um rio pelo caminho amanhã, já que a estalagem não era lá essas coisas. Deveria se contentar em ter uma cama quente para dormir. Nem sempre tinham este luxo, geralmente dormiam ao relento.
Deitou-se sem tirar a roupa e apagou a vela. Não tinha fechado os olhos quando ouviu a batida na porta.
— Belle, está acordada? — Belle fez uma careta ao ouvir a voz de Jack.
— Vá embora, Jack!
— Eu queria falar com você...
— Eu estou com sono! Desaparece!
— Mas... — Ela viu a maçaneta se mexendo.
— Se você entrar aqui eu corto o que tem no meio de suas pernas!
— Ok, Belle. Estou vendo que não está de bom humor hoje. Boa noite.
Na manhã seguinte, Belle estava com dor de cabeça. O sol que brilhava alto quando saiu da estalagem não ajudou em nada e ela gemeu fracamente, colocando a mão sobre os olhos.
— Bom dia, Belle! — Jack aproximou-se, mas ela o afastou com um empurrão.
— Me deixa em paz! Não estou a fim de suas gracinhas hoje!
— Alguém acordou com o pé esquerdo! — Colin brincou, mas ao ver a cara ameaçadora de Belle calou-se.
Blake saiu da estalagem logo atrás de Colin.
Eles aprontavam suas montarias quando Logan apareceu. Ainda usava o hábito de padre, mas em nada sua aparência lembrava um.
— Bom dia, irmãos! — ele cumprimentou.
— Bom dia — Blake falou sério e Jack e Colin se limitaram a espiarem o estranho padre de soslaio.
— Para onde estão indo? — o escocês perguntou.
— Não temos destino, irmão! — Colin respondeu.
— Com certeza não é o mesmo que um padre! — Jack falou com sua habitual insolência.
— Não sou padre. Acho que já tinha esclarecido este ponto ontem à noite.
— A questão é o seguinte, escocês — Blake tomou a frente. — Somos bandoleiros das estradas, então é lá que vivemos. Nosso trabalho é assaltar e pilhar. Não temos honra. Então aconselho você a seguir seu destino sozinho.
— E se eu quiser me juntar a vocês?
Colin, Jack e até Belle, que se mantinha afastada da discussão, pararam o que estavam fazendo e olharam espantados para Logan.
Belle caminhou até ele.
— Por que quer seguir com a gente?
Ele deu de ombros.
— Não tenho para onde ir, no momento sou tão sem destino quanto vocês. E creio que posso ajudar.
— Você é muito estranho, padre — Belle observou.
Em resposta ele riu.
— Precisa olhar para você mesma! — comentou, irônico.
Jack se aproximou com cara de poucos amigos do escocês. Mas Belle colocou a mão à frente, impedindo-o.
— Ok, pode ir com gente, mas saiba que terá que trabalhar duro.
— Belle, ficou maluca? — Jack explodiu. — Vai convidar o padre para roubar conosco?
— O Jack tem razão — Blake ponderou. — Talvez não seja uma boa ideia.
— Ele pode ser de grande valia. — Belle olhou para os companheiros. — Um religioso sempre terá credibilidade, caso o golpe da moça bonita falhe.
Todos fizeram silêncio esperando o veredicto de Blake.
— Tudo bem, ele pode vir.
Jack resmungou algo e Colin apenas deu de ombros e eles montaram e seguiram viagem.
****
William Cavendish, Duque de Buckingham, andava impaciente de um lado para o outro na elegante sala.
— Juliet! Ande logo, não a esperarei nem mais um minuto! — gritou no pé da escada.
— Eu já vou! — a irmã respondeu, mas não apareceu.
— Eu estou falando sério!
Ele caminhou apressado e saiu da mansão.
— Nós já vamos senhor? — o cocheiro perguntou.
Will olhou mais uma vez para a porta.
— Sim vamos! — Ele subiu na carruagem, mas o cocheiro não fechou a porta.
— O que está esperando? — perguntou impaciente.
— Lady Juliet... — o homem respondeu ressabiado.
— Pode tomar seu lugar e prosseguir.
— Mas, milorde...
— Juliet que vá a pé, se quiser!
O homem fechou a porta da carruagem e sentando em seu lugar atiçou os cavalos.
Nem um minuto depois, Will ouviu a voz de Juliet gritando e seus passos correndo atrás da carruagem.
— Espere! Will!
Will sorriu e abriu a janela, a ponto de ver Juliet esbaforida correndo com os sapatos numa mão e o leque em outra. Virou-se para o cocheiro.
— Pode parar. Milady Juliet vai prosseguir conosco.
Juliet entrou na carruagem vermelha e suada encarando o irmão com raiva.
— Como ousa? Me fazer correr desse jeito?
Will tinha vontade de rir, mas a encarou sério.
— Estamos muito atrasados. E por sua culpa.
— Teria mesmo coragem de me deixar para trás?
— Sim, teria. Precisa aprender a ter responsabilidades, Juliet. Se voltar a Londres com esse comportamento mimado, papai a mandará para aquele convento novamente.
Juliet o mirou, assustada.
— Não, para aquele convento não! Eu não suportaria! Aquele lugar é horrível!
— Você ficou apenas dois meses naquele lugar, Juliet! E foi expulsa pelas freiras! Nem elas te aguentavam!
— Um bando de mal-amadas!
— Eu ainda acho que tem alguma coisa por trás disso...
— Não há nada! — Juliet o cortou. — Apenas não me adaptei àquele lugar horroroso, agora vamos mudar de assunto! Escreveu para Lady Liliana contando da sua volta?
— Não, farei um surpresa.
— É muito injusto que você possa escolher com quem casar e eu não.
— Juliet...
— Está bem, já sei que vai falar dos direitos masculinos e tudo o mais, mas que é injusto é! Nós, mulheres, somos praticamente escravas!
Will riu alto.
— Você pode ser tudo, menos escrava, Juliet. Tem uma vida de princesa. E sabe que faz todas as suas vontades. Por isso vive se metendo em confusão.
— E você é muito chato! Parece um velho falando! Não sei como a Liliana te aguenta! Jamais me casaria com um homem como você, tão enfadonho!
— Claro, você se casaria com o cocheiro!
— Não fale assim. Só por que Tom era cocheiro? Não é melhor que ele só porque tem um título, Senhor Duque de Buckingham! Queria que você tivesse se apaixonado por alguém que não fosse tão perfeita como Lady Liliana Richmond, aí ia ver, que não mandamos no coração!
— Você é muito jovem e tem sonhos muito românticos!
— Queria que engolisse essas palavras um dia.
— Este dia nunca chegará, pois me casarei com a Liliana. Agora chega dessa conversa.
Juliet bufou e, cruzando os braços em frente ao vestido, fingiu olhar a paisagem.
Will a observou. Sua irmã era muito inconsequente. Muito diferente dele próprio. Desde cedo aprendera que o título que herdaria o tornava diferente das outras pessoas.
Ele tinha responsabilidades e muitos dependiam do seu bom senso, mas não reclamava. Sabia de seu dever e não fugia dele. Já era imensamente rico e dono de muitas terras, que herdara do avô materno, o antigo Duque de Buckingham, e herdaria outros tantos e mais o título do pai, John Cavendish, Conde de Canterbury, quando este morresse. Também sabia que teria que ter herdeiros a quem deixar seus títulos e fortuna. E Liliana seria a mãe perfeita.
Conhecera Liliana a vida inteira, mas nunca dera muita atenção à garota loira franzina. Até que se encontraram na casa do Duque de Sandwich há dois anos, numa temporada de caça, depois que Will saíra da guarda do Rei Charles, amigo pessoal do Conde de Canterbury. E ele se surpreendera que a jovem Liliana Richmond tinha se transformado numa mulher não só muito bonita, como muito perspicaz. Em pouco tempo estavam noivos. Se não fosse o escândalo envolvendo Juliet, eles já estariam casados. Mas agora ele estava voltando a Londres e marcaria a data de casamento com Liliana.
Will sentiu uma pontada de culpa e uma sombra toldou seus olhos azuis. Não só por tê-la deixado sozinha por este longo período, mas porque ao contrário do que Juliet acreditava, Will sabia que não era apaixonado por Liliana. Gostava dela e a queria como esposa, mas essa paixão que os poetas cantavam em prosa e verso, nem acreditava que existisse.
Por que estava pensando nisso agora?
Devia ser influência do longo período passado com a romântica Juliet. As ideias malucas de sua irmã estavam embaralhando sua cabeça.
****
O Barão de Wessex deixou a graciosa Lady Guilhermina no portão de sua casa, nos arredores de Londres, e prosseguiu para sua própria residência.
— Até que enfim! — A voz masculina alcançou Guilhermina enquanto ela avançava em direção à escadaria, mas ela não deu atenção, apenas continuou seu caminho.
— Guilhermina! — um homem jovem apareceu no salão a chamando.
Ela parou no primeiro degrau e encarou seu meio irmão James Holt. Herdeiro da fortuna de todas as casas, terras e títulos.
Até mesmo dela, Guilhermina. Direito adquirido quando seu pai, um esperto comerciante, casara-se com a viúva mãe de James.
— Bom dia, James! — ela falou com desprezo.
— Guilhermina, onde esteve? Será que nunca vai crescer e tomar responsabilidades? Estou farto desses seus disparates! Está enlameando o nome da minha família!
Guilhermina riu.
— Disse bem: sua família! Afinal, nunca fui considerada da sua família, não é?
— Não fale assim...
— Eu falo como eu quiser! Não manda em mim!
— Por que age assim? É para irritar minha mãe? Não era assim, depois que seu pai morreu...
— Cale-se! Não coloque meu pai no meio!
— Onde esteve, afinal? O criado disse que chegou na carruagem de Wessex.
Guilhermina levantou a cabeça presunçosamente.
— Sim, estava na companhia do Barão de Wessex. Ele está sendo muito bom comigo.
— Não acredito! Mais um para sua coleção de amantes? O que está pretendendo desta vez? Não venha me dizer que ele se casará com você!
— Não, ou acha que me degradaria me casando com um velho daqueles?
— Mas é amante dele!
— Não ainda.
— Você me dá nojo, Guilhermina.
— Você tem inveja. Porque outros têm o que você gostaria de ter.
James não respondeu. Guilhermina conhecia os sentimentos que o meio irmão nutria por ela. E usava a seu favor, claro. James podia ralhar com ela, mas era sempre ele quem a livrava das encrencas.
— Faça como quiser. Mas não venha me pedir para limpar a sua sujeira quando tudo acabar — James ameaçou.
— Claro que não, irmãozinho — ela respondeu irônica e dando meia-volta continuou a subir as escadas. Quando chegou ao topo viu a mãe de James, Phelipa, a encarando com mal disfarçado ódio.
— Não toma jeito?
— Isso é problema meu! — Guilhermina bateu a porta do quarto com força e se encostou nela. Estava chegando o dia em que mostraria a eles do que era capaz e neste dia, pagariam por tudo a que lhe fizeram.
Guilhermina não passava de uma intrusa naquela casa. Seu pai nada lhe deixara. E a madrasta a humilhava constantemente por Guilhermina viver às suas custas, mas esta situação estava acabando.
Com a ajuda do Barão, tomaria seu lugar por direito.
****
O Barão de Wessex chegou a sua grande propriedade em Londres. Não sorriu. Não cumprimentou nenhum criado. Mas ninguém estranhou. Sir Henry FitzRoy não era simpático com ninguém.
Mas ao ver a moça que descia correndo as escadas, ele se permitiu um sorriso.
— Papa! — Ela correu para abraçá-lo.
— Olá, Claire!
— Que bom que voltou. Estava entediada aqui sozinha!
— Eu sei, querida! — Com o canto do olho observou Sebastian, seu homem de confiança, aproximar-se. — Claire, vá para seu quarto. Preciso tratar de assuntos urgentes com Sebastian.
Claire fez um muxoxo, mas não desobedeceu.
Assim que ela se afastou Sebastian aproximou-se.
— Olá, barão. Mandou me chamar?
— Sim, venha até meu escritório e poderemos conversar com tranquilidade.
Sebastian acompanhou o barão para a saleta e fechou a porta atrás de si.
Uma criada entrou minutos depois com um cálice de xerez e saiu silenciosamente da sala. FitzRoy ajeitou-se numa poltrona e encarou Sebastian.
— Tive uma experiência desagradável na estrada. Fui assaltado por bandoleiros.
— Sinto muito, senhor. O que quer que eu faça?
— Quero que investigue quem são aqueles patifes. Não será difícil, pois há uma moça entre eles e isso é raro. Descubra quem são e me informe.
— O que faço quando descobrir? Entrego às autoridades?
— Não, quero eu mesmo cuidar desse assunto. Pode ir, Sebastian, está dispensado.
****
O bando seguiu até a margem de um rio, onde desmontaram.
Blake trocou algumas palavras com Colin, que se embrenhou na mata.
— Onde ele vai? — perguntou Logan.
— Procurar o lobo mau — Jack brincou.
— Ele vai sondar a estrada, para ver se tem alguma carruagem rica se aproximando — Belle respondeu desfazendo a trança do cabelo castanho.
— E o que fazemos agora?
— Esperamos. — Blake jogou algo duro e gelado nas mãos de Logan. — Uma espada, vai precisar.
— Sabe usá-la, padre? — Jack desdenhou e em resposta Logan girou o corpo e colocou a espada no pescoço de Jack.
— Acho que isso responde minha pergunta. — Jack colocou a mão na lâmina afiada e a afastou de seu pescoço.
Belle disfarçou um sorriso. Aproximou-se de Logan e entregou-lhe um tecido preto.
— Toma, o que me pediu.
— Obrigado.
Colin voltou tempos depois.
— Tem uma carruagem se aproximando com o brasão da família Buckingham!
— Família importante — Logan falou distraído.
— Como sabe, padre? — Jack perguntou desconfiado.
— É uma família conhecida — respondeu simplesmente.
— Eles tinham escolta? — Blake perguntou.
— Não, apenas o cocheiro.
— Deu para ver quem estava dentro?
— Um homem e uma mulher, mas não deu para prever a idade.
— Certo. Vamos ao trabalho. Belle?
— Eu vou indo para a estrada e vê se não demoram muito desta vez!
Logan colocou o pano preto no rosto e Jack fez uma careta.
— Por que ele pode usar máscara e eu não posso?
— Porque você fica ridículo, Jack! — Belle falou por sobre os ombros indo em direção à estrada.
Quando chegou à estrada, arrumou os cabelos cuidadosamente e jogou a blusa para o lado. Não demoraria muito a carruagem aparecer com mais um idiota a ser ludibriado por ela. Eram todos iguais, ricos e tolos.
Avistou a carruagem aparecer na estrada e ondulando o quadril preparou-se para sua encenação.
Will cochilava quando a carruagem parou bruscamente. Ele se ajeitou no banco alerta.
Juliet também acordou e olhou atordoada em volta.
— O que aconteceu, por que paramos?
— Eu não sei. Algum problema? — perguntou ao cocheiro de dentro da carruagem.
— Senhor, há uma moça parada no meio da estrada... — o homem comunicou sem jeito.
Will franziu o testa. Uma moça?
Disposto a averiguar, ele abriu a porta da carruagem e saltou.
E lá estava ela. Ele parou por um instante, atordoado.
Cabelos castanhos selvagens adornavam o rosto imaculadamente branco. A camisa branca permitia que os ombros ficassem à mostra. Por cima ela usava um corpete marrom, que apertavam os seios perfeitos em um sinuoso decote. As mãos delicadas pousavam na cintura delgada, e Will sentiu como se o tempo parasse quando ela o encarou com os magníficos olhos verdes brilhantes.
Quem era aquela moça?
Capítulo 3
Belle não saberia dizer o que esperava ao ver o homem descer da carruagem, mas com certeza não era o que viu. Ele era jovem, muito mais jovem do que os homens que costumava abordar. Tinha fartos cabelos escuros e os olhos que a encararam tinham um tom de azul profundo que a deixou paralisada por alguns instantes.
O nobre a mediu da cabeça aos pés, numa atitude que não era novidade a ela. Afinal, os homens sempre a olhavam assim. No entanto a novidade era que ela jamais sentira aquele frisson por dentro com aquela inspeção minuciosa. E quando seus olhares se encontraram foi como se ele mirasse diretamente para dentro dela, como se pudesse descobrir todos os seus mais íntimos segredos.
Por minutos sem fim eles apenas se olharam, Belle sentia o coração batendo forte no peito e a respiração presa na garganta. Em algum lugar de sua mente, se perguntava o que estava acontecendo. Por que aquele homem a deixava prostrada sem conseguir formular nenhum pensamento coerente?
O cavalo relinchou e o encanto foi quebrado. Belle lembrou-se de quem era e porque estava ali.
Aquele nobre bem-vestido seria assaltado.
Levantou a cabeça, jogando o cabelo para trás e o encarou sensualmente.
— Olá, senhor — disse com a voz melodiosa, feliz por não ter engasgado.
Will limpou a garganta para falar, fascinado por aquela estranha na estrada.
— Milady está perdida?
Belle sorriu, aquele sorriso que já desarmara os mais influentes e ricos homens da Inglaterra.
— Quem é o senhor?
Will franziu a testa. Alguma coisa estava errada. O que aquela moça estava fazendo parada no meio de uma estrada deserta? E sozinha? Ou não estaria sozinha? Relanceou o olhar para as vestes da moça. Ela se vestia como uma cigana. De repente ficou alerta. Os sons da floresta chegavam até ele. Tinha alguma coisa errada. Pensou nos perigos apresentados pelos bandoleiros das estradas. Seria a moça uma bandoleira? Ela era tão delicada, tão bonita...
— O senhor ainda não me respondeu — Belle insistiu.
Will colocou a mão na cintura, entrando no jogo dela, mas continuava alerta.
— Diga-me a senhora. Qual o seu nome?
— Meu nome é Belle.
Belle se amaldiçoou assim que a resposta saiu de seus lábios. O que dera nela para dizer o verdadeiro nome ao homem? Incomodada, olhou em volta, querendo desesperadamente que os amigos aparecessem, mas sabia que eles só prosseguiam quando a vítima respondia quem era, assim podiam verificar se era apropriado assaltá-lo ou não.
— Está sozinha?
— Sim, estou.
Então ele a surpreendeu e sorriu. Belle sentiu um estranho calor por dentro com aquele sorriso.
— Eu acho que está mentindo. — Ele a surpreendeu novamente.
— Quem é você? — Ela se viu perguntando, não mais para saber quem era a vítima e sim para saber quem era aquele homem que a tirava do prumo.
— William Cavendish, Duque de Buckingham.
Belle se viu presa naquele olhar mais uma vez. O nobre a fitava como se ela fosse a única mulher do mundo e ele o único homem para ela.
Maldição! O que estava errado?
Foi tirada de seu transe, pela movimentação dos comparsas aproximando-se, mas não conseguiu se mexer. Tudo aconteceu muito rápido. Blake, Jack, Colin saíram da mata empunhando suas espadas e no momento seguinte, o Duque de Buckingham a puxava para si e desembainhou uma espada reluzente, colocando em seu pescoço.
Os amigos pararam no momento que a viram refém e Belle arfou amedrontada, furiosa e... algum sentimento mais profundo que fazia sua pele arrepiar e que ela não queria nomear.
Que diabos?...
Com um braço o homem prendia seu corpo contra o dele e com o outro segurava a espada em seu pescoço.
Belle pôde ver Jack avançar, mas Blake fez um movimento para ele parar.
— Solte-a, senhor — Blake pediu ameaçadoramente. — Não iremos machucá-lo.
O duque deu uma risada sarcástica.
— Mas irão me assaltar usando a moça como isca! Se tentarem algo eu corto seu belo pescoço! — o duque ameaçou.
— Ele não vai fazer nada, não recuem! — Belle gritou e em resposta o homem apertou mais a espada, fazendo um filete de sangue escorrer pela pele branca.
Belle sentiu a dor lacerante, mas se manteve firme. A raiva daquele duque empoado a tomando por inteiro.
Num impulso deu uma cotovelada na barriga do homem, mas apenas serviu para ele prendê-la ainda mais, fazendo com que cada parte de seu corpo ficasse grudada a ele.
— Não brinca comigo, moça! — ameaçou junto ao seu ouvido. — Ou pode se arrepender.
— Parece que temos um impasse! — Blake exclamou. — Sua graça, somos bandidos, mas não assassinos, no entanto não hesitaremos em matá-lo se machucar Belle.
— Não irei soltá-la. Quero que se afastem e vão embora. Depois que tiver certeza que estamos a salvo, eu a deixarei ir.
Jack e Colin esperavam por uma definição do líder Blake.
Jack encarava o duque com ódio. Iria matá-lo com sua própria espada por ter ousado pôr as mãos em Belle.
Mas Blake ouvira a sentença do duque “estamos a salvo”? Isso queria dizer que o duque não estava sozinho. Com poucos passos ele chegou à porta da carruagem e descobriu uma jovem dama. Ela estava paralisada de medo e ele a puxou para fora da carruagem.
Will viu o homem arrastando Juliet pelo cabelo e se assustou.
— Largue-a! Se machucá-la eu...
Belle ouviu a preocupação na voz do nobre em relação a moça. Seria a esposa dele? E por que sentiu aquela pontada estranha de ciúme?
— Se largar Belle, nós largamos a moça — Blake anunciou.
Will hesitou. Ter a comparsa deles presa era seu único trunfo, mas não poderia deixar que machucassem Juliet.
Ele empurrou Belle em direção a eles com raiva. Ela cambaleou e Jack a segurou.
— Agora jogue a espada! — Blake exigiu e Jack obedeceu.
Irritada consigo mesma por ter sido pega pelo duque, Belle caminhou até onde estava Blake e a moça e a agarrou pelos cabelos. A moça gritou.
— Juliet! — Will fez que ia se aproximar, mas Belle pegou a própria espada e colocou no pescoço da garota.
— Nem pense nisso! — ameaçou.
— Belle... — Blake a repreendeu sem saber por que ela estava agindo assim.
— Se machucá-la, irei caçá-la até o inferno — Will ameaçou com ódio.
Ficaram se encarando com fúria por alguns instantes até que Blake quebrou o silêncio.
— Pare com isso, Belle. Temos um assalto a fazer!
— Agora solte minha irmã! — o duque exigiu.
Irmã? Belle olhou melhor para a moça, reparando que ela tinha os mesmos cabelos escuros e olhos azuis do duque. Então não era sua amante ou esposa. O que era aquele alívio descabido que sentia?
Com desprezo, jogou a moça em direção a William Cavendish. Ele a segurou e passou as mãos por seu cabelo.
— Você está bem?
— Sim, estou — Juliet respondeu trêmula.
Ele se virou para os bandidos.
— Levem o que quiserem. Não os impedirei. Só peço que não machuquem minha irmã. — Will tinha medo que algo acontecesse com Juliet, afinal bandoleiros não eram conhecidos pela gentileza.
— Tem a minha palavra, mas teremos que amarrá-lo — o ruivo que parecia ser o líder anunciou.
— Não é preciso. Não tentarei nada — Will respondeu.
— Tudo bem, confiarei em sua palavra.
Jack e Belle encararam Blake estupefato.
— Ficou maluco? — Belle aproximou-se dele.
— Esqueceu o que ele fez com a Belle? — Jack indagou.
— Eu confio em sua palavra — Blake falou baixo para que somente Belle e Jack escutassem. — E ele só a pegou, porque baixou a guarda!
Belle ficou vermelha como um pimentão e Jack a encarou desconfiado.
— Eu não baixei a guarda, ok? Ele que é mais esperto do que imaginávamos!
Jack deu uma risadinha irônica.
— Está brava porque não conseguiu dobrá-lo com seu charme, Belle?
— Cale a boca e vá fazer o seu serviço!
— Colin, você fica de guarda com os prisioneiros, Jack olhe a estrada e Belle me acompanha!
Só então Belle percebeu que estava faltando alguém.
— Mas onde está...
— Ele está montando guarda na floresta.
— Por quê?
— Porque ouvimos alguns barulhos estranhos. Fiquei receoso de que tivessem mais bandoleiros e que enquanto pilhávamos aqui, eles levassem nossas coisas.
— Entendi.
Belle seguiu Blake para dentro da rica carruagem, mas se sentia irritada ainda. Tinha baixado a guarda. Pela primeira vez em toda sua história de pilhagem e assaltos, deixara-se envolver por um sorriso bonito. E quase colocara tudo a perder. O que esse William Cavendish, Duque de Buckingham, tinha que a deixava fora de si?
— Belle? Belle?
Ela fitou Blake.
— Sim?
— Está distraída! Pedi para verificar as malas!
— Está bem.
Will observou os bandoleiros. Juliet agarrava-se a ele, tremendo.
— Fique calma, querida.
— O que eles irão fazer com a gente? Se arriscou muito ameaçando aquela moça!
— Tinha que fazer alguma coisa. Não podia deixar que eles pegassem você.
— Eu sei. — Sorriu para o irmão. — Está sempre me protegendo. Não sei o que seria de mim sem você.
— Estaria perdida. Agora fique quieta.
— O que pretende, Will? — ela perguntou baixinho ao ver a expressão do irmão.
— Pretendo livrá-la disso.
— Como? Ficou maluco?
— Não. Apenas espere e quando eu fizer o sinal, corra para a floresta.
— E você?
— Eu sei cuidar de mim...
Will pensava na faca que tinha em sua bota. Se conseguisse distrair o guarda, um moço mais jovem e franzino que parecia não apresentar perigo, podia pegá-la.
De onde estava, via a moça que se chamava Belle e o líder tirando as coisas de dentro da carruagem. Will não se importava, não trazia nada de muito valor na carruagem, não que fizesse alguma diferença para sua enorme fortuna, mas se preocupava com a segurança de Juliet. Sabia que sua atitude de ameaçar a bandoleira tinha irritado seus companheiros, principalmente o moreno que a fitava ameaçadoramente. Será que era algo mais para bandoleira? Um amante talvez? Will sentiu-se incomodado com este pensamento.
O homem mais jovem que os observava se distraiu com algo que o moreno falou. Will soube que era sua chance e, pensando rápido, virou um soco e com um movimento desarmou o rapaz que caiu desacordado.
— Corre, Juliet! — Will gritou apanhando a espada do bandoleiro caído enquanto a irmã corria para a mata.
Jack se aproximou de Will gritando com a espada em punho.
O barulho das lâminas se encontrando cortou o ar, quando Jack avançou para cima de Will.
Belle e Blake saíram da carruagem alertados pelo barulho.
— Mas o quê... — Blake olhou estupefato para Jack e Will lutando.
— Eu falei pra você que ele não era confiável! Maldição! — Belle deixou o olhar vagar em volta à procura de Colin e o viu caído. Correu para lá e respirou aliviada ao perceber que ele estava apenas desacordado.
— Onde está a moça?
— Deve ter fugido! Vou atrás dela! — Blake respondeu.
— Não! Deixa que eu vou! Você tenta ajudar o Jack.
Belle correu para a mata, tentando seguir o rastro da irmã do duque, mas ela parecia ter desaparecido feito fumaça!
Enquanto isso, Blake empunhou a espada e avançou para cima do duque também. O homem era mais habilidoso do que imaginavam e continuou lutando agora com os dois.
Até que com um golpe certeiro, Jack foi atingido no braço e tombou.
A luta prosseguiu entre Blake e o duque, mas minutos depois o bandoleiro foi desarmado pelo nobre e, ofegante, levantou os braços em rendição.
— Você venceu, duque!
— Abaixe-se e sente perto dele!
Blake sentou perto de Jack e Will amarrou os dois.
— Ele irá sobreviver! — Apontou para o ferimento do bandido, agora meio grogue.
Rumou para a carruagem e desamarrou um dos cavalos e só então percebeu que o cocheiro havia fugido. Bem, melhor para ele. Will pegou o cavalo e montou seguindo em disparada à procura de Juliet. Pegaria a irmã e fugiriam dali. Não se importava com as coisas de valor que tinha na carruagem, podia ficar tudo para os bandoleiros. Ele só queria ver Juliet em segurança.
Juliet correu sem olhar para trás o mais rápido que pôde. Podia ouvir o barulho de luta atrás de si e se preocupou com Will, mas não ousava voltar. Além do mais, sabia que Will era muito bom com uma espada. Na verdade, os bandoleiros não sabiam com quem estavam se metendo.
Assim, ela continuou fugindo pela mata. Quando julgou estar longe o suficiente, parou, ofegante.
Sentou-se e esperou.
Sabia que Will a encontraria. Só que o tempo foi passando e nada do irmão aparecer. Ouviu um barulho de um galho se quebrando atrás de si e se virou assustada.
— Will, é você?
Uma mão tapou sua boca e ela se debateu contra os braços que a prendiam. Jesus, uns dos bandidos a achara, estava perdida!
Mas não se renderia sem lutar. Assustada, se debateu com toda força, até que seu algoz a virou para ele e Juliet viu a máscara que cobria seu rosto. Quando ele tirou a mão de sua boca, ela gritou a todos pulmões, mas o bandido a encostou na árvore e tapou sua boca de novo.
— Cale-se, milady! — ele falou baixo e Juliet sentiu um arrepio subir pela espinha. Aonde tinha ouvido aquela voz antes?
Apavorada, ela usou de toda força que dispunha e conseguiu libertar uma mão e arrancou a máscara do rosto do homem.
Foi então que o reconheceu.
— Você! — exclamou num fio de voz, quando ele finalmente tirou a mão de sua boca.
****
Will cavalgou pela floresta à procura de Juliet, a cada minuto que passava com mais medo ficava.
Ela não poderia ter ido muito longe. Então ele viu por entre a folhagem um tecido branco. Juliet!
Levou o cavalo até lá e agarrou o tecido. Mas não era Juliet e sim a bandoleira!
Ela gritou e se debateu. Will a puxou para cima da montaria e a moça empunhou a espada, o fazendo se desequilibrar e os dois rolaram para o chão. A espada voou de sua mão e ela tentou se afastar para pegá-la novamente. Porém, Will foi mais rápido e a segurou rolando por cima dela e a prendendo embaixo de si.
A moça ainda se debateu, mas Will era maior em tamanho e força e a subjugou facilmente. Ela o encarou com os olhos chispantes e o rosto vermelho.
— Solte-me, seu cretino! — gritou, tentando se mexer embaixo dele, mas Will segurava seus braços acima da cabeça e usava as pernas para mantê-la cativa.
— Não irei soltá-la até que fique quieta!
— Só fico quieta morta! O que fez com meus amigos? — Belle perguntou lembrando-se de Jack e Blake.
— Eles estão a salvo, mas fora de combate, então de nada adianta gritar, pois eles não virão a seu socorro!
— Como um duque almofadinha como você iria vencer uma luta com Blake e Jack! Está mentindo!
— Não estou mentindo. E você, o que fazia aqui?
— Estava à procura de sua irmã!
— Você a achou? O que fez com ela? Diga!
— Eu não fiz nada, porque não a encontrei!
Ficaram se olhando com raiva por alguns instantes e então Will deu-se conta de que o corpo cheio de curvas da bandoleira estava firmemente grudado ao seu. Ele podia sentir os seios arredondados contra seu peito e um desejo proibido o fez prender a respiração e encarar os olhos verdes brilhantes.
Belle percebeu quando o olhar do estranho mudou sobre ela e teve consciência do peso dele sobre si, do cheiro másculo que impregnou os seus sentidos e arfou, sentindo-se estranhamente trêmula e fraca.
Ele baixou o olhar para sua boca e ela entreabriu os lábios.
E esperou.
Capítulo 4
Belle sentiu um frisson pelo corpo e soube que ele iria beijá-la. Não podia deixar acontecer, mas por que não conseguia se mexer?
A pressão do corpo masculino sobre o seu causava um reboliço dentro dela, a respiração em sua face esquentava sua pele. E quando os olhares se encontraram ela soube que estava perdida.
Então fechou os olhos, numa doce rendição.
Will fitou aquele rosto adorável, a respiração ofegante fazia os seios subirem e descerem. Era mais do que um homem podia aguentar, mas ele não podia sucumbir.
Aquela moça era uma bandoleira, que usava seus atributos femininos para seduzir e depois roubar os homens. Este pensamento o encheu de desprezo e ele finalmente conseguiu voltar à realidade. De um pulo, saiu de cima dela.
Belle levou um tempo para registrar a realidade. Abriu os olhos e viu o estranho duque parado ao seu lado. Ele a encarava com frio desprezo e Belle se perguntou se tinha imaginado o olhar de desejo que flagrara momentos antes.
— Levante-se, moça!
Humilhada como nunca antes, Belle sentiu o rosto esquentar de vergonha e fúria. Com toda dignidade que conseguiu reunir, levantou-se ajeitando o vestido. E dando meia-volta, desatou a correr.
Infelizmente o duque era rápido e alcançou facilmente, a segurando pelo braço.
— Solte-me!
— Não adianta, não vou soltá-la. Terá que me ajudar a achar minha irmã. E só então pensarei no que farei com você.
****
Juliet encarou o rosto de Logan sem poder acreditar. Quase um ano tinha se passado desde que pusera os olhos nele pela última vez. E quem poderia dizer que se encontrariam de novo? E o que ele estava fazendo naquele lugar? Da última vez que o vira no convento de Noterfield, ele era um frade que passava por lá com outros religiosos.
— Irmão Logan? O que faz aqui? — perguntou estupefata.
Ele a libertou e soltou uma imprecação.
— Acho que deveria perguntar a mesma coisa a você, Lady Juliet.
— Eu estou indo para Londres com o meu irmão, o Duque de Buckingham e fomos assaltados e... — Ela franziu o rosto e a realidade a atingiu como um raio. — Você é um dos assaltantes! Por isso a máscara!
— Touché!
— Mas... como... você é um religioso!
— Não mais.
Juliet sacudiu a cabeça tentando ordenar os pensamentos e o encarou novamente.
— Quer dizer que largou a ordem? Não posso acreditar! Espero que... — Ela se calou, os pensamentos invadidos por lembranças que pareciam esquecidas.
Alguns meses antes Juliet chegara ao convento totalmente desolada. Sua fuga com o cocheiro da família fora frustrada. No meio do caminho para a Escócia, seu irmão a achara e a levara de volta para casa. Apenas para ser castigada pelo pai e para ser mandada para aquele convento no fim do mundo.
Os dias naquele lugar eram horríveis. E ela percebeu em pouco tempo que não tinha vocação para a vida religiosa. Mas como convencer o pai que não podia ficar naquele lugar? Só de pensar em sua juventude perdida, se desolava.
Nunca mais iria a bailes, nunca mais dançaria com rapazes. Nunca mais compraria vestidos novos. Sua vida acabara.
Aguentara os dias naquele mausoléu na esperança de que seu pai se arrependesse de mantê-la ali e mandasse buscá-la, mas os dias se transformaram em semanas e nada aconteceu. Até que uma ordem de religiosos franciscanos chegara ao convento. E dentre eles estava Logan.
Juliet, que estava cansada de ver sempre os mesmos rostos, se alegrara em ter a oportunidade de conversar com pessoas diferentes. Só que as irmãs a proibiram solenemente de chegar perto dos frades. O que elas não sabiam é que para Juliet tudo o que era proibido era muito mais interessante. Assim, ela esperava as irmãs se distraírem para se aproximar dos frades. No entanto não foi tão fácil como esperava, pois eles a ignoravam.
Mas numa noite, Juliet se esgueirou pelos corredores frios do convento para fazer o que fazia desde que chegara ali, foi até a adega roubar vinho das irmãs. E ao abrir a porta, tomou um susto, havia um frade ali e ela arregalou os olhos ao ver que ele estava bebendo!
Ele percebeu sua presença e a encarou surpreso.
— Oh... não sabia que tinha gente aqui — Juliet balbuciou. — Você está bebendo?!
— Sim, estou. E você, o que faz aqui?
Juliet enrubesceu, mas decidiu arriscar.
— Acho que o mesmo que o senhor.
Ela entrou e sentou-se à mesa.
Ele levantou a sobrancelha, curioso. Juliet manteve a mesma postura, então ele encheu um copo e Juliet tomou o vinho.
Foi assim que conhecera Logan. Ele não falava muito, mas Juliet falava pelos dois. E a partir daquele dia, eles sempre se encontravam na adega para tomar vinho.
— E então, Irmão Logan, de onde você é mesmo? — Juliet indagou curiosa um dia.
— Escócia.
— Isso é muito evasivo...
— A senhorita é muito curiosa para uma religiosa.
Juliet fez uma careta.
— Não sou uma religiosa! Quer dizer, estou aqui por imposição da minha família.
— E por que te mandaram pra cá? Deixa eu adivinhar... algum escândalo?
Juliet ficou vermelha.
— Pode-se dizer que sim. Apesar que fugir com o cocheiro não é um pecado tão horrível para eu merecer ficar trancafiada neste lugar horrível!
Ele gargalhou.
— Este lugar não é horrível, muito pelo contrário, aqui se busca a paz e a comunhão espiritual.
— Pra mim não passa de um mausoléu! Deus me livre ter que ficar aqui pra sempre! Nunca mais ir a um baile, nunca mais ser cortejada...
— Se tivesse casado com o cocheiro acha que sua vida seria melhor que essa?
— Claro que sim!
— Pois eu acho que você só quis fugir para ter um pouco de aventura.
— E se for? O problema é meu! Pelo menos eu quero viver, não me enterrei numa vida religiosa vazia! Olhe para você: um padreco que precisa de uns cálices de vinho pra suportar a vida!
Juliet percebeu tarde demais que tinha exagerado quando ele, num movimento ágil, levantou-se e atravessou com poucos passos a distância entre os dois e a agarrou pelos ombros, obrigando-a encará-lo.
— Você não me conhece!
— Não mesmo. Mas não finja que é melhor que eu, pois não é. Essa vida também não é para você, por mais que se engane. Sabe tão bem quanto eu, que não nasceu para isso, assim como eu não nasci.
Ficaram se encarando com fúria por alguns momentos. E de repente Juliet começou a sentir uma tensão diferente. Um calor estranho se apossou de seu corpo o ar tornou-se rarefeito. Mas então ele a largou e Juliet pensou ter imaginado o momento.
Ele saiu da adega intempestivamente e Juliet sentou-se, sentindo as pernas bambas. Levou a mão ao peito como se assim pudesse conter as batidas do coração.
Nos dias que se seguiram ela voltou à adega, mas não encontrou mais Logan. Porém, sempre que o via pelos corredores sentia aquele mesmo tremor no corpo, uma excitação vibrante que nunca imaginara sentir. Ela sentia que tinha que fazer alguma coisa quanto àquela atração pelo Irmão Logan. Oras, se iria passar o resto da vida trancafiada naquele convento escuro, que mal havia de experimentar um pouco de paixão?
Assim, numa noite escura, Juliet se esgueirou pelos corredores vazios até o quarto de Logan. Com o coração aos pulos, ela abriu a porta. Ele despertou e a encarou surpreso.
— Juliet? O que faz aqui?
Juliet adentrou no quarto e fechou a porta.
E sem uma palavra, levou a mão aos botões da camisola e a despiu. O tecido caiu a seus pés e Juliet o fitou febril.
Ele arregalou os olhos, estupefato, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela se aproximou e deitou ao seu lado e o beijou. Logan não reagiu apenas por um momento, mas depois segurou seus braços e interrompeu o beijo.
— Ficou maluca?
— Talvez! — Juliet respondeu ofegante. — Eu só queria... saber como é, já que provavelmente vou morrer aqui. E eu decidi... que quero que você me mostre!
— Saia já daqui, milady!
— Eu sei que também quer... eu vejo em seu olhar que essa vida de celibato não combina com você!
— Pare, Juliet!
— Por quê? Você não sente? — Ela pegou a mão e levou ao peito e viu os olhos castanhos do religioso escurecerem de desejo. — Por favor, Logan, faça amor comigo... — sussurrou e ele a beijou com ímpeto, se rendendo. E foi tudo o que Juliet conseguiu, pois no momento seguinte a porta se escancarou foram pegos em flagrante pelas irmãs da ordem.
E claro, Juliet foi considerada culpada por tentar seduzir o frade.
Ela nunca mais viu Logan, pois ele partiu com sua ordem na manhã seguinte e ela teve que se contentar em ser expulsa do convento sem as madres contarem a sua família o verdadeiro motivo. Porque aí sim estaria perdida!
Assim, Juliet fora enviada à residência da família em Kent, tendo Will como seu guardião.
E ela achara realmente que nunca mais veria o Irmão Logan, mas ali estava ele, em carne e osso. E tinha virado um bandido. Sem querer, Juliet começou a rir da situação inusitada.
— Mas é mesmo muito engraçado!
Logan a encarava, sério.
— O que é engraçado, milady?
— Você! Eu! Toda essa situação bizarra! Quer dizer que não é mais frade! Isso sim é uma novidade interessante. Por favor, não me diga que aquele incidente em Norterfield teve algo a ver com...
— Não — ele respondeu e Juliet sentiu uma pontada de desapontamento.
Seria muito romântico ser ela o motivo dele ter largado a ordem.
— Oh... então por quê? Acabaram-se os vinhos? Ou não me diga que foi pego em flagrante bebendo todo o vinho dos franciscanos?
— Nem uma coisa nem outra. Decidi que aquela vida não era pra mim.
Os olhos de Juliet brilharam e ela sorriu.
— Está vendo como eu tinha razão? Sabia que estava certa!
— E pelo o que vejo também se livrou da vida religiosa...
— Sim, devo agradecer a você! Depois que me flagraram em seu quarto fui considerada perdida para sempre! — Juliet riu. — Graças a Deus! Morreria se ficasse mais um dia naquele lugar!
— Que bom que a sua quase sedução serviu para algo, então.
— Quase sedução porque você quis assim — dardejou. O pior é que ainda tinha o orgulho ferido por ter sido rejeitada na sua primeira tentativa de sedução. Ela o encarou de cima a baixo novamente, mas agora ele não era mais religioso...
Ele riu e Juliet sentiu um arrepio na espinha. Logan ainda causava nela os mesmos efeitos de outrora.
— Não mudou nada não, milady Juliet? Sempre pronta a seduzir...
Juliet deu um sorriso malicioso.
— E o senhor, milorde, sempre pronto a declinar...
— Milady tem a língua ferina e uma cabeça de vento — ele desdenhou e Juliet desfez o sorriso.
— Como ousa falar assim comigo, seu... Nem sei do que te chamar! Por Deus, como foi que de frade virou um ladrão?
Ele sorriu irônico.
— A vida tem destas coisas, milady. Mas não devo explicações a você.
Juliet deu de ombros.
— Também não me interessa! — Levantou o queixo altivamente. — Quero que soltem meu irmão. Agora!
Dessa vez Logan gargalhou.
— Por que faria isso, Lady Juliet? A senhorita está em desvantagem. Eu sou o bandoleiro aqui. E a tenho em minhas mãos.
Juliet controlou-se para não sucumbir ao medo. O Logan que conhecera outrora não lhe faria mal. Agora este... Tinha sérias dúvidas. Melhor seria não arriscar.
— Tudo bem. Vai fazer o que comigo então? Me violar? — ela desdenhou. — Isso sim seria irônico!
— Não diga bobagens! Não a quis antes e não a quero agora. Se tem em alta conta, não é milady? Por quem me tomas? Por mais um dos seus admiradores imberbes? Como o tal cocheiro?
Juliet enrubesceu de raiva.
— Cale-se!
— Ótima ideia! Na verdade, nós dois devemos nos calar! Será muito melhor!
Ele caminhou até uma montaria que estava próxima.
— Ainda não me disse o que vai fazer comigo!
— Vou levá-la de volta da onde saiu. Lá o chefe dirá o que fazer com você.
Juliet se apavorou e aproximou-se dele segurando seu braço.
— Por favor, Logan, não faça isso! Não pode me entregar ao seu bando!
— Eu posso sim, milady.
— Meu irmão lhe dará uma boa recompensa se me proteger! Por favor!
— Talvez eu não esteja interessado em recompensas!
— Mas meu irmão é muito rico. Pode conseguir o que quiser. Não me leve de volta!
— Não!
Juliet buscou na mente algo que o convencesse. Mas não lhe veio nada. Com certeza não poderia oferecer a si mesma, já que ele não tinha o menor interesse.
— Meu irmão pode não só transformá-lo num homem rico como também respeitável! Talvez consiga um título para o senhor... um marquês talvez... — Ela percebeu que as palavras não surtiram o menor efeito nele, que continuava a mexer na sela do cavalo. — Minha família é uma das mais importantes da corte e meu irmão está noivo de uma moça também de uma família importante... Lady Liliana Richmond e... — Logan virou-se de repente.
— O que disse?
— Disse que o Will vai ajudá-lo e...
— Não, você disse um nome! O nome da noiva de seu irmão?
— Liliana Richmond, filha de Lorde Richmond, um dos burgueses mais ricos e influentes da corte e...
Logan virou-se, pensativo. Então a noiva do Duque de Buckingham era da família Richmond?
Logan fechou os olhos para abstrair as lembranças dolorosas que este nome lhe causava.
— Logan? — Juliet o chamou, ressabiada, sem saber o que o afetara. — O que decidiu?
Ele a encarou com o semblante esculpido em granito.
— Vou ajudá-la, milady.
Capítulo 5
Belle encarou aquele duque pomposo sem acreditar no que ele estava falando. Com um safanão, puxou o braço que ele prendia.
— Está maluco se pensa que irei acompanhá-lo a algum lugar, senhor!
— Mas você vai. Se tentar fugir, eu a pegarei. Não há escapatória!
— Quero saber o que fez com meus amigos!
Ele soltou uma risada irônica.
— Se está preocupada, eu não os matei. Apesar de merecerem.
— Então está perdido! Eles virão atrás de você e acabarão com sua vida!
— Veremos. — Ele pegou de novo seu braço a puxou floresta adentro, já que o cavalo havia desaparecido.
Belle revirou os olhos. O que este duque metido a herói estava pensando? Ora a mirava com tanto desejo que podia sentir a tensão quase palpável no ar, ora a tratava com o mais puro desdém, como se ela fosse leprosa. Isso a irritava e a confundia. Respirou fundo tentando manter a calma. Seja racional, Belle!
— Ei, dá para parar de me puxar desse jeito? Está me machucando!
Em resposta ele a puxou ainda com mais força.
— Meus amigos bandoleiros têm mais modos do que você! — Belle dardejou, mas não surtiu nenhum efeito. — Tem certeza que estamos indo para o lugar certo? Quem garante que sua irmã foi para este lado?
— Ninguém garante. Ela fugiu em direção ao norte.
— Mas ela pode não estar mais nesta direção... Talvez um de meus amigos a tenha achado e...
Ele parou abruptamente e a encarou com mal contida raiva.
— É bom minha irmã estar em segurança. Senão não descansarei até levá-los à forca.
— Sua irmã não está em segurança porque você mandou ela correr para a floresta. Sozinha. Então não venha nos culpar...
— Chega! — gritou e Belle se calou com o fúria que emanou dele.
E ela percebeu que o duque estava falando sério. Era bom a irmã estar fora de perigo, senão estavam perdidos. Devia ser um homem muito poderoso, emanava poder e dinheiro. Nobreza.
— Acho que em vez de estarmos perdendo tempo discutindo, deveríamos estar procurando sua irmã. Daqui a pouco já vai anoitecer e não poderemos prosseguir.
— Sim — ele respondeu sucinto, mas Belle o puxou.
— Eu sei reconhecer uma trilha, então se me deixar ir à frente.
— Para você tentar fugir novamente?
— Foi você mesmo quem disse que eu não conseguiria fugir então o que há a temer?
Ele pareceu ponderar por alguns momentos então a soltou.
— Tudo bem. Pode ir à frente, mas é bom que não tente nenhuma gracinha.
— Tem a minha palavra, duque!
Belle virou-se e prosseguiu com ele em seu encalço. Porém, ela não obteve sucesso. Horas depois ainda estavam andando em círculos, sem o menor sinal da irmã do duque.
Belle estacou.
— Sua irmã não veio por aqui!
— Mas... É impossível! Você deve estar mentindo, me enganando.
— Não estou! Tentei achar algum rastro dela, mas não encontrei nada. Provavelmente, ela deve ter seguido por outro caminho.
Will suspirou frustrado. O que teria acontecido com Juliet, sozinha, na floresta?
Belle se compraz de sua preocupação.
— Olha, ela deve estar em segurança...
Will a encarou sarcástico.
— Como se você se preocupasse!
Belle bufou, desviando o olhar. Que tonta era de esperar algum sentimento por parte do duque!
— Já está anoitecendo. Acho melhor me liberar e...
— Não!
— Mas...
— Eu disse não. Ficará comigo até acharmos Juliet.
— Não vamos encontrá-la. Não aqui e muito menos hoje!
— Não me interessa. Sei que você deve conhecer essa floresta com a palma da mão. E irá me levar até minha irmã.
— Mas vai anoitecer!
— Então passaremos a noite aqui e prosseguiremos amanhã.
— Passar a noite aqui? Com você? — Belle gritou ultrajada.
— Por que o ultraje, moça? Já deve ter passado muitas noites ao relento com seu bando!
— É diferente! — Era muito, mas muito diferente, Belle pensou, desesperada. Ela não sentia aquele misto de atração e medo por seus comparsas. Tinha que arranjar um jeito de se livrar daquele William Cavendish. Mas como? O homem parecia ter três olhos e uns cinco braços!
Então teve uma ideia.
— Espera! — Ela se agachou tocando a folhagem no chão.
— O que foi?
— Pegadas... de sapatos femininos...
— Onde? — Ele se abaixou ao seu lado.
— Elas vão por aqui!
Belle correu, fingindo estar acompanhando as pegadas e o duque a seguiu, compenetrado. Se estivesse em outra situação ela riria, mas estava por demais concentrada em conseguir fugir.
Já havia estado ali antes. E sabia que mais à frente havia um pântano. Não era todo mundo que conseguia correr por ali. E este duque empoadinho com certeza não conseguiria. Aí ela finalmente se veria livre dele.
— Você tem certeza?... — ele perguntou atrás de si.
— Sim, estamos no caminho certo! — Belle falou animada.
Mas Will não era tão tolo como Belle pensara e intuía que tinha alguma coisa ali. Ela estava aprontando alguma. Ele não entendia muito de rastros, mas percebera que a bandoleira estava inventando. Então avistou o pântano. Sorriu, irônico. Agora entendia qual era o seu jogo, mas ele não cairia em sua armadilha.
Ela prosseguiu correndo à frente e Will se permitiu ficar para trás. À direita ele enxergou uma bifurcação e seguiu por ali. Belle se acharia muito esperta por ter se livrado dele, mas teria uma surpresa mais à frente.
Belle avistou o pântano e correu.
— Por aqui! — gritou sem perceber que Will não estava mais atrás dela.
Sorrindo, entrou no pântano. A lama chegou até a sua cintura, mas ela não se importava. Queria fugir do duque.
Quando estava no meio da travessia, olhou pra trás e surpreendeu-se ao não ver ninguém.
Onde será que ele tinha se metido? Teria ficado para trás? Belle quase gargalhou de alegria, estava sendo mais fácil do que previra. Ele não passava de um idiota, afinal. No entanto quando estava quase acabando de atravessar a lama, ela empalideceu. O duque estava a sua frente. Todo limpo e lhe sorriu com sarcasmo.. Mas como é que ele tinha chegado até ali?
— Mas... O que... — Belle gaguejou, estarrecida.
— Acho que não conhece os caminhos desta floresta tão bem como pensa, bandoleira. Há uma bifurcação à direita. Se tivesse um pouco mais de conhecimento teria se poupado de mergulhar na lama.
Belle se enfureceu com o olhar irônico dele e sem pensar em mais nada, avançou com o intuito de tirar o riso de mofa daqueles lábios cruéis!
— Oras, seu... — Mas o ímpeto de sair da lama, Belle se enroscou nas próprias saias e caiu de cabeça no barro lamacento. Tentou levantar, mas conseguia apenas afundar mais.
Iria morrer. Enlameada. Na frente do duquezinho arrogante.
Mãos firmes a puxaram pelos cabelos e Belle se viu erguida do pântano. Debateu-se para se livrar daquelas mãos odiosas e se enfureceu ainda mais ao ouvir uma gargalhada.
— Você... Você... eu te odeio! — Bateu o pé no chão esparramando lama pra todo lado.
— Isso é para aprender a não brincar comigo, moça.
Belle o encarou ofegante de raiva. Imaginava qual era seu estado. Coberta de lama dos pés até os cabelos. Deveria estar horrenda. E estava assim na frente de Sir William Cavendish. Ela quis que o chão se abrisse aos seus pés.
Respirou fundo para conter a vontade insana de pular no pescoço elegante do duque.
— Nem mais uma palavra! — ameaçou e saiu caminhando com toda dignidade que conseguiu juntar levando em conta as circunstâncias. William Cavendish iria pagar. Nem que fosse a última coisa que ela fizesse na vida. Iria apagar aquele riso irônico de seu rosto. Ele não perdia por esperar.
Will a seguiu, sentindo-se satisfeito por humilhá-la. Aquela bandoleira não sabia com quem estava se metendo. Ninguém ludibriava Will Cavendish, Duque de Buckingham. No entanto Will não podia negar que ela tinha brio. A pequena ladra caminhava a sua frente de cabeça erguida e porte ereto, como uma rainha indo em direção aos seus súditos. E não como uma bandoleira que acabara de cair num pântano lamacento. E sem querer, sentiu uma pontada de admiração pela bela bandoleira.
A tarde ia caindo quando avistaram uma clareira e um lago.
Belle deu graças aos céus. Finalmente se livraria de toda lama, mas ao lembrar que não estava sozinha, sentiu o alívio sumir.
— Vamos parar por aqui. Você pode se livrar de toda esta sujeira — ele disse lacônico.
Belle cruzou os braços em frente ao corpo.
— Não vou entrar na água na sua frente!
— Você pode escolher ficar assim também. Para mim tanto faz.
Belle bufou. Que homem odioso! Mas o que podia fazer? Tinha que se livrar daquela lama.
Resignada, entrou no lago de roupa e tudo. Assim poderia lavá-las. Já dentro da água, tirou a roupa e as lavou, pendurando num galho. E finalmente se livrou de toda a lama e sujeira que cobria o corpo e os longos cabelos castanhos. Em momento algum ousou olhar na direção de seu algoz. Não se importava se ele estava olhando ou não.
Depois de ter certeza que estava finalmente limpa. Belle preparou-se para sair da água. E só então se deu conta que não tinha roupa! E agora?
Permaneceu na água mais alguns momentos e fitou Will de soslaio. Infelizmente ainda estava ali. No momento, se ocupava em fazer uma fogueira com galhos. Belle gemeu, desolada. Então ele olhou em sua direção e ela disfarçou seu infortúnio.
— Está olhando o quê?
— Estava pensando até que horas vai ficar aí na água. Será que tinha tanta sujeira assim? Há quanto tempo não toma um banho?
— Claro que não! Na verdade estou esperando você ser cavalheiro e virar-se!
— E perder o espetáculo? De jeito nenhum! — Ele cruzou os braços em frente ao corpo e esperou.
Belle estremeceu de frio e de raiva. Ele realmente não iria facilitar. E ela não podia ficar ali a noite inteira. Morreria de hipotermia. Mas onde estava sua coragem e ousadia que a fizera a mais sedutora bandoleira da Inglaterra? Por que se sentia tímida e temerosa na frente daquele homem?
Com esta nova resolução, ela caminhou lentamente para fora da água e riu por dentro ao ver a cara de espanto do duque. Ora, ora, se não era bom provar um pouco do próprio veneno! Mandando para o fundo da mente os últimos resquícios de vergonha e reunindo toda a coragem que podia, ela finalmente caminhou para sair da água.
Will não conseguia se mexer. A bandoleira saía do lago, caminhando lentamente em sua direção. Parecia uma ninfa profana, com os pingos de água descendo pelo corpo jovem e esguio, as curvas perfeitas se delineando a sua frente como uma visão. Ele sentiu o corpo se agitar e a respiração presa na garganta. Ela era linda. Os seios firmes, que os cabelos castanhos mal cobriam, a cintura fina, a vértice entre as pernas longas e torneadas... Will sentiu o corpo reagir a toda perfeição e uma ereção pulsante mandou mensagens de puro desejo carnal a sua mente.
Ele a mediu de cima a baixo, sem se conter e seus olhares se encontraram e se prenderam. Ela finalmente parou a poucos metros dele e por alguns instantes foi como se nada mais existisse no mundo a não ser aquela conexão muda que falava de desejos proibidos e inesperados. Mas eles estavam ali, pulsava dentro dele como uma força incontrolável. Queria romper a distância que os separavam e segurar aquele corpo molhado entre as mãos, queria beijar a boca que prometia prazeres inimagináveis, queria possuí-la como nenhum outro homem o fez.
“Mas ela deve ter tido muitos homens, Will!”, sua consciência sussurrou e isso o fez lembrar quem ela era. Uma ladra. Com muito custo, desviou o olhar daquele corpo proibido. E quando se sentiu controlado novamente, voltou a encará-la e só então percebeu que ela tremia de frio.
— Pelo amor de Deus, vista-se!
— Eu gostaria muito, mas não tenho roupas! — Ela apontou para as roupas molhadas.
Will soltou uma imprecação nada educada e tirando o casaco aproximou-se e a cobriu, afastando-se rapidamente, com medo que aquele desejo incontrolável voltasse a dominá-lo.
— Sente-se perto do fogo! — ordenou e ela estranhamente obedeceu.
Pouco a pouco, Belle parou de tremer e o fitou com aqueles olhos verdes desafiantes.
— Obrigada — surpreendeu-o — pela blusa.
— Não queria que morresse congelada — ele resmungou com frieza, para quebrar aquela suavidade do momento.
Belle o encarou do outro lado da fogueira. As chamas brincavam no rosto viril e distante e ela desejou passar as mãos na barba que despontava. “Devo estar enlouquecendo.”, pensou confusa. Este homem era um duque riquíssimo e arrogante que a mantinha cativa apenas para humilhá-la. Como fizera instantes antes a obrigando a sair nua da água. Belle sentiu o rosto queimar. Ainda podia sentir sobre si o olhar quente e intenso do duque. Ele a desejava. Belle já vira o desejo nos olhos de muitos homens para saber reconhecê-lo.
Mas o problema é que ela nunca retribuíra aquele desejo até então. Claro que ela não era inocente. Crescera numa taberna, rodeada de homens. E tivera uma época que ela se deixara levar pela curiosidade, assim perdera a virgindade muito cedo. Não que se orgulhasse, ou que tivesse sido uma experiência boa, mas aprendera que a vida, para quem não tinha uma família rica e nem dinheiro, como ela, era assim. Tinha que aprender a sobreviver com o que Deus lhe dera.
Não era promíscua, no entanto.
Na verdade, só dormira com dois homens na vida. Um era o viajante que passara pelo bar de sua mãe quando ela tinha 15 anos. A malfadada experiência a fizera prometer a si mesma que jamais voltaria a fazer aquilo de novo. Tinha sido traumatizante.
E outro fora Jack.
Jack era um rapaz bonito. Mas, quando o conhecera, Belle não caíra de amores por ele. Ele era arrogante e metido. Porém, insistente.
Um dia, Belle cedera. Não fora lá essas coisas também, mas Jack prometera que melhorava com o tempo. Ela acreditara. No entanto facilmente se cansara de Jack e de sua lábia rasteira. E assim ela colocara um fim no caso. Agora eram só companheiros de pilhagem. Não que ele não insistisse, mas ela não tinha intenção de voltar a dormir com ele. Nem com ninguém. Amor não era para ela. E também não queria ficar igual a sua mãe, trabalhando numa taberna para sustentar o marido bebum.
Não, Belle seria independente e nem um homem a faria de idiota. Nem Jack nem nenhum outro.
Ela fitou de novo o misterioso duque. E muito menos um nobre arrogante, como este William Cavendish. Ele podia desejar seu corpo, mas quando o tivesse lhe viraria as costas como todo nobre faz com as plebeias. Não, ela não podia se deixar levar por aquele desejo absurdo que sentia pelo duque. Vivera sem cair nas armadilhas da paixão até hoje e continuaria assim. Começou a sentir os olhos pesados de sono e encostada numa árvore adormeceu.
Will observou Belle dormindo. Parecia tão tranquila no sono, tão inocente. No entanto era uma víbora que daria o bote se ele deixasse. Por isso tinha que se manter alerta.
Vislumbrou um pedaço de pele branca, as pernas que sua blusa mal cobria. Suspirou, desalentado. Não fora uma boa ideia manter a bandoleira que o enfeitiçava por perto. Deveria tê-la deixado ir quando tentara fugir. Mas achava que ela poderia ajudar a achar Juliet. E era tudo que importava no momento. Will encostou-se numa árvore e tentou dormir.
Só que a imagem da sereia de olhos verdes saindo da água não deixava sua mente. Diabos! Ao amanhecer se livraria dela e procuraria Juliet sozinho. A irmã era meio avoada, mas também era muito esperta, devia estar se virando bem.
Will deixou seus pensamentos voarem até Londres onde estava sua noiva. Liliana. Finalmente eles se casariam. Liliana era a mulher perfeita pra ele. Doce e amorosa, com sua beleza etérea que o encantava. Nada a ver com a sedução despudorada daquela bandoleira.
Will suspirou. Estava há tempo demais sem uma mulher. Como qualquer homem saudável, ele tivera inúmeras amantes, mas desde que ficara noivo, ele se mantivera fiel, esperando o dia em que se casaria com Liliana e pudessem consumar o casamento.
Por isso desejava tão intensamente a primeira que cruzara seu caminho. Era só isso. Belle não era especial. Não mesmo.
Capítulo 6
— Posso saber para onde estamos indo? — Juliet indagou na garupa do cavalo de Logan.
— Você saberá quando chegarmos!
— Quanto mistério!
— Não é mistério algum.
— Já anoiteceu se não percebeu. — Ela fitou as folhagens escuras da floresta. — Não vamos passar a noite aqui, não é?
Ele deu uma risada sarcástica.
— Milady não terá que passar por este sacrifício!
— Oh, ainda bem! E onde estamos indo mesmo? — insistiu.
Ele não respondeu, mas algum tempo depois chegaram numa estalagem.
— Oh, que maravilha! — Juliet desmontou e o seguiu.
Entraram e a dona, uma senhora gorda bem-encarada, os atendeu e Juliet passou a frente.
— Queremos um quarto!
— Dois quartos — Logan corrigiu.
— Um quarto, querido! — Ela sorriu frente a fúria dele. — Nos casamos hoje! Estamos em lua de mel.
A mulher sorriu.
— Que romântico!
A mulher se afastou e Logan segurou seu braço, obrigando-a encará-lo.
— O que está pensando, milady?
— Estou salvando seu pescoço!
— Eu sei muito bem o que pretende!
— Eu não pretendo nada. Apenas inventei uma história para evitar perguntas desagradáveis!
— Pois vai desmentir essa história!
— O que é, Irmão Logan? Está com medo de mim? O que acha que posso fazer? Violentá-lo?
Ele a encarou com mal contida fúria até que a dona da estalagem voltou e ele a soltou.
— Tudo bem, milady. Faremos como você quer. Por enquanto!
Assim que a mulher fechou a porta atrás de si. Juliet sentou na cama com um risinho.
Estava adorando provocar Irmão Logan. Quer dizer. Logan somente. Ele não era mais um padre.
Ela tirou os sapatos e sentou-se no meio da cama.
— Logan?
Ele a encarou e Juliet bateu com a mão no espaço ao lado da cama.
— Senta aqui.
— Acho bom parar de brincar comigo, milady. Já estou farto de suas gracinhas!
Ele saiu do quarto batendo a porta e o sorriso de Juliet se desfez.
— Chato!
Duas horas depois, Juliet havia tomado um banho que a dona da estalagem lhe providenciou e comido uma sólida refeição. A gorda dona da estalagem perguntara curiosa onde estava seu marido e Juliet inventara uma história.
Ela se deitou sob os lençóis e se perguntou onde Logan tinha se metido.
Será que a abandonara ali? Não, ele não teria essa coragem!
Virou de um lado para o outro até que, cansada, adormeceu. Acordou com um barulho para notar que Logan estava de volta e havia improvisado uma cama no chão. Sentiu-se aliviada por ele ter voltado.
— Logan? Está acordado?
— Não! — ele bufou.
Juliet deitou olhando o teto.
— Você lembra de quando ficávamos bebendo o vinho das irmãs até tarde?
— Lembro — ele respondeu de má vontade.
— Era engraçado não era? Eu me sentia tão... tão... pecadora!
— Que bom pra você!
— É sério! Eu tive uma vida protegida, mas sempre quis viver uma vida de aventuras. Sabe que eu invejei aquela moça que anda com vocês?
— Belle?
— Sim. Ela era tão destemida, tão sensual... Queria ser como ela. Livre.
— Você sonha demais, milady.
— Sei que são só sonhos... Provavelmente vou voltar à corte e meu pai vai arranjar um marido absurdamente rico e nobre para mim. E eu viverei uma vida sem graça e vazia.
— Porém muito rica.
Juliet riu.
— Sim, porém muito rica!
Ela virou e o fitou.
— Por que deixou a ordem? — perguntou baixinho.
Juliet pensou que ele não fosse responder. Enfim ele a encarou.
— Acho que foi como você disse uma vez... Não era vida pra mim.
— E vida de bandoleiro é?
— Eu não sei. Mas estou tentando descobrir.
— Sabe o que seria ótimo? — Ela sentou na cama. — Se você arranjasse um vinho!
— Juliet...
— É sério! Pelos velhos tempos, por favor!
Ele considerou por alguns momentos, por fim levantou-se.
— Ok. Mas depois chega!
— Eu prometo!
Ele saiu do quarto e Juliet apressou-se em botar seu plano em andamento.
Porque hoje seduziria Padre Logan!
Tirou todas as roupas e deitou-se nua embaixo das cobertas.
Logan voltou minutos depois com uma garrafa e duas taças.
— Que maravilha! — Juliet exclamou.
Ele lhe deu uma taça e Juliet o encarou bem dentro dos olhos.
— Ao nosso reencontro!
— Como queira, milady!
****
— Não! Solta ela, Doug, eu vou matar você... vou matar...
Will acordou desorientado. Alguém gritava. Ele se sentou alerta e lembrou-se da onde estava e com quem. Procurou a bandoleira e ela estava no mesmo lugar, mas se debatia e gritava. Aproximou-se e a segurou seus ombros.
— Moça, acorde, está tendo um pesadelo!
— Não! — Ela lutou para se livrar, mas ele a sacudiu.
— Acorde, Belle!
Belle abriu os olhos, desorientada. Suava e estava pálida.
Will sentiu um baque no peito ao fitar aqueles olhos atormentados e um instinto de proteção o assolou sem aviso algum.
— Estava tendo um pesadelo...
Belle respirou com dificuldade, ainda desorientada. Estava sonhando com Doug, como sempre.
Odiava aqueles pesadelos! Odiava lembrar.
Fitou o rosto preocupado do duque.
— Me desculpa, duque... — balbuciou por fim.
Mas ele não a soltou.
— Me chame de Will. Você está bem? — perguntou preocupado e Belle o encarou.
Por que o duque estava preocupado com ela? Odiava sentir-se vulnerável. E era exatamente assim que estava se sentindo neste momento.
Então, ele baixou o olhar e Belle percebeu tarde demais que a blusa que estava usando abriu totalmente, revelando os seios ao olhar ávido do duque. Num primeiro momento não foi capaz de se mexer. O olhar dele era como se a queimasse, como se marcasse seu corpo com ferro em brasa. E sem aviso, as chamas se espalharam por sua pele e ela se sentiu fraca e trêmula. Belle arfou. Porém, Will desviou o olhar e se afastou.
Belle quedou-se ali, sem entender o que tinha se passado. Envergonhada, fechou o casaco com as mãos trêmulas e sentiu o frio da noite a atingindo agora que ele não mais a tocava.
— Durma, moça — Will falou secamente, ainda sem encará-la.
Belle fechou os olhos, mas sabia que agora seria impossível dormir.
****
— Pare! Não aguento mais rir!
A garrafa já estava quase vazia e Juliet gargalhava seguida por Logan. Sentia uma deliciosa dormência nos membros e a mente anuviada.
— Mas é verdade, milady! O Padre Thomas sempre fazia isso!
Logan tomou um gole na própria garrafa e deu a ela.
Juliet pegou a garrafa e num gesto solene ergueu-a no ar.
— Ao Padre Thomas! — Ela brindou e levou a garrafa à boca.
E quando se virou para Logan novamente, ele não ria. E só então percebeu que na ânsia de fazer o brinde, o lençol tinha escorregado a desnudando da cintura pra cima.
Ficou vermelha por um instante. E então sorriu e passou a garrafa a ele, sem se preocupar em se cobrir.
Logan pegou a garrafa e tomou o último gole de vinho que tinha dentro, mas sem parar de encará-la. Juliet sentiu-se derreter.
Ele passou a garrafa a ela novamente. Juliet sacudiu.
— Acabou!
— Acho que tomei o último gole.
— Então tenho que dar um jeito nisso — sussurrou e inclinou o corpo. Segurando o rosto de Logan, ela o beijou. Ele tinha gosto de vinho e algo mais básico. Deliciosamente masculino.
E Juliet gemeu ao descolar a boca da dele.
— Hum... devo dizer que o vinho fica muito, mas muito melhor assim — sussurrou e esperou.
Ele poderia rejeitá-la. Ou não. Ela passou a língua sobre os lábios e Logan acompanhou o movimento.
E num rompante, ele a puxou pelos cabelos e a beijou com fúria. Juliet soluçou e Logan avançou sobre ela, deitando-a na cama, esmagando seu corpo com o dele. A boca deixou a sua para percorrer sua face, sua têmpora, suas pálpebras com beijos enlouquecedores, as mãos desceram para acariciar seus seios, apertando-os com a palma áspera e rude.
Juliet subiu os braços e enterrou as mãos nos cabelos castanho-claros enquanto ele atacava sua garganta com beijos ferozes, desciam até chegar ao seio sensível, que ele sugou com a língua quente e úmida, milhões de vezes até ouvi-la gritar, totalmente entregue. Sim, era o que ela queria. Paixão selvagem, sem limites, sem barreiras.
A boca voltou a devorar a sua com beijos cada vez mais profundos, alucinantes. Juliet arranhou as costas fortes, sentindo os músculos se contraírem ao seu contato. Ele deslizou a mão por entre seus corpos e a tocou na junção entre as pernas e Juliet arquejou. Os dedos atrevidos tatearam, sentindo, provando, procurando e Juliet achou que fosse desmaiar de tanto prazer. Apertou-se contra ele, ansiosa, querendo se perder um pouco mais naquele delírio profano. A mente, que já estava entorpecida pelo vinho, entorpeceu-se ainda mais pela luxúria. Ela poderia morrer ali. Em seus braços, experimentando as sensações mais incríveis que podia imaginar.
Então, ele se encaixou no meio de suas pernas e segurou suas mãos em cima da cabeça. Juliet abriu os olhos para encontrar os dele, selvagens. Sentiu a ereção exigente e um fogo líquido a devorou.
— Tem certeza, milady? Pois se eu continuar, não haverá mais volta...
— Sim, sim, eu tenho... eu quero... quero que você me possua, Irmão Logan!
Sem deixar de encará-la, ele segurou seus quadris e a penetrou lentamente. Juliet cravou as unhas em seus ombros, fechando os olhos com força, sentindo uma dor lacerante rasgá-la até que ele a preencheu totalmente. Mexeu-se devagar. Impulso. Recuo. Juliet começou a sentir a dor se esvaindo. Abriu os olhos e ele ainda a fitava enquanto se movia em cima dela. Dentro dela, a possuindo não só com o corpo, mas com os olhos. Juliet sentiu o desejo voltando em ondas sucessivas que foram dominando seu corpo, sua mente, sem deixar espaço para mais nada. Movendo-se junto com ele, buscou algo que ainda não sabia o que era mais que a incendiava por inteiro. E em algum lugar de sua mente pensou que era assim.
Era assim a paixão. Era assim ser possuída por um homem.
E então ele se moveu mais rápido, com mais força, e ela perdeu totalmente a noção da realidade até explodir numa última onda de prazer avassalador que a levou ao céu.
****
Belle acordou e viu o céu tingindo-se de vermelho. Estava amanhecendo. Levantou-se e arregalou os olhos ao não ver o duque. Será que ele tinha partido? Um misto de satisfação e pesar a dominou.
Deveria sentir-se aliviada por se livrar daquele duque arrogante. Por que sentia aquele vazio inexplicável?
Suspirou e levantando-se foi até onde estavam suas roupas e as vestiu rapidamente. Foi então que o viu. Ele estava saindo da água, nu, como um deus grego. Arregalou os olhos, medindo-o dos pés a cabeça, sem se conter.
Belle sentiu um calor insidioso subindo pelo corpo. William Cavendish era um homem lindo. De repente, sentiu-se envergonhada de estar bisbilhotando o duque e se escondeu atrás de uma árvore, encostando-se no tronco, levou a mão ao peito como se assim pudesse conter as batidas desenfreadas do coração traiçoeiro.
— Está pensando em fugir novamente?
Ela deu um pulo ao ouvir a voz rouca atrás de si e o encarou.
— Você me assustou! — Um rápido olhar constatou que ele estava totalmente vestido.
— O que faz escondida aqui?
Havia frieza em sua voz e em sua expressão.
Este era o mesmo homem que a fitara com uma preocupação infinita na noite passada? Que pedira de forma acolhedora que lhe chamasse de Will?
Belle levantou o queixo.
— Não estava escondida. Estava me vestindo!
— Ótimo! Vamos partir. Precisamos achar minha irmã.
— Sim senhor! — Belle respondeu sarcástica e o seguiu. — E me diga, caro duque, vai fazer o que comigo depois que encontrarmos sua irmã?
Ele a encarou duramente.
— Eu a entregarei aos guardas. Você e seus comparsas.
****
Quando Juliet acordou estava sozinha. Sentiu uma dor incômoda em partes que ela nem sabia que podia doer e sorriu. Sim. Finalmente tinha seduzido Irmão Logan e foi tudo e muito mais que imaginou. Mas onde será que ele tinha se metido? Será que foi embora?
Levantando-se, ela se vestiu rapidamente e desceu para o sol quente da manhã. Procurou-o com o olhar. Havia apenas algumas pessoas em frente ao local. Juliet reconheceu os uniformes. Guardas!
Logan tinha partido. Sentiu uma decepção fria. Sabia que tudo o que podia haver entre eles era aquela noite. Juliet não tinha ilusões, mas ele podia ao menos se despedir dela!
Voltou para dentro da estalagem e de repente uma mão a puxou. Ela se debateu, até que o reconheceu. Logan!
Ele tirou a mão de sua boca.
— Ei, o que deu em você? Achei que tivesse partido!
— Eu já deveria ter feito isso sim! Mas não confio em deixá-la sozinha, milady! É um perigo para si mesma!
Juliet se irritou e colocou a mão na cintura.
— Não preciso de sua proteção!
— Não vem ao caso agora milady! — Ele segurou seu braço e apontou para os guardas. — Está vendo aqueles guardas? Vai pedir ajuda a eles, entendeu? Eles a ajudarão a achar seu irmão.
— E você?
— Eu irei partir.
— Não tem medo que eu o entregue?
— Faça isso, milady. E veremos quem sairá perdendo.
— Oras, seu...
— Controle sua língua, Lady Juliet. Então acho que nos despedimos por aqui.
Juliet o fitou um tanto magoada com a forma fria que ele a estava dispensando. Ainda mais depois da noite que passaram juntos.
Logan deve ter percebido, pois suavizou a expressão.
— Sabe que é o certo a fazer, Juliet. — Acariciou seu rosto de forma quase carinhosa. — Precisa voltar a Londres em segurança e encontrar seu irmão.
Ela sorriu com certo pesar. Sentiria falta de Logan. De seu humor escocês. E de suas mãos atrevidas.
E não se arrependia de tê-lo seduzido. Mas ele tinha razão.
Ela precisava partir e seus caminhos não se cruzariam mais. Ela guardaria apenas aquela noite na lembrança.
— Cuide-se, Lady Juliet.
Juliet aproximou-se e o beijou levemente.
— Adeus, Irmão Logan. Vou guardar para sempre essa noite na minha lembrança.
Ele sorriu.
— Eu também, milady.
Ele se virou e partiu. Juliet suspirou. Deu meia-volta e foi ter com os guardas.
Avistou um moço moreno e o chamou.
— Guarda!
— Precisa de ajuda, milady?
— Sim, fui assaltada e... meu irmão ainda pode estar em perigo!
— Conte-me tudo, milady...
— Juliet Cavendish, irmã do Duque de Buckingham.
— Buckingham?! Meu Deus, milady, está tudo bem com a senhora?
— Sim, estou. Consegui fugir. Mas meu irmão... eu não sei o que pode ter acontecido com ele!
— Tudo bem, vou chamar os guardas, faremos uma busca pela floresta! A propósito, meu nome é Lúcios Ludovic.
— Obrigada, Lúcios. Meu irmão ficará muito grato e te recompensará por me ajudar.
****
Will seguiu com a bandoleira pela floresta. A mente infestada por preocupações com Juliet. E tentando entender o que aquela moça tinha que o tirava do sério.
Ela era uma bandida, dizia sua mente. Mas seu corpo parecia não entender. E a desejava. Era a verdade mais pura. Só que ele não podia tê-la.
— Espera! — Ela estacou e Will ficou alerta.
Será que os comparsas dela os estavam seguindo? Will lutara com eles uma vez e vencera. Mas será que teria uma segunda chance?
Levara Belle com ele e deveria bastar para eles quererem matá-lo.
— O que foi?
Belle olhou para todos os lados. Ouviu o barulho familiar. Eram eles. Este era o assobio de Blake quando precisavam se encontrar.
Fitou o duque. Eles o matariam.
Não eram assassinos, mas não sabia o que se passava na mente deles. O nobre os desafiara. Ela foi assaltada por sentimentos conflitantes.
Não queria que Will Cavendish morresse. Por mais que ele a tivesse obrigado a essa situação, ele não merecia morrer. Mas... O que faria? Ela o entregaria aos amigos e pediria clemência?
Will observou a gama de sentimentos passando pelo rosto da moça e soube. Os bandoleiros estavam realmente perto.
Seus olhares se prenderam por alguns instantes, sabendo que estes eram os últimos momentos juntos.
Então Will ouviu outro barulho. Cavalos. Muitos. Ele puxou Belle para trás das árvores.
— Não abra a boca — advertiu.
Ele a levou para fora da estrada e olhou mais à frente. E reconheceu as cores da guarda real.
Sentiu um alívio misturado a um estranho pesar. Belle também notou a guarda e sentiu medo.
Era o fim. Ele a entregaria. E ela estava perdida. Pensou nos amigos, que também estavam próximos. Estavam todos em apuros. Fitou o duque. Ele a ameaçara entregá-la ao guardas. E com certeza estaria feliz agora por estar prestes a fazer exatamente isso. Belle levantou a cabeça, orgulhosa.
— Então este é o fim?
— Parece que sim.
Belle olhou pra trás e viu os guardas cada vez mais perto e junto havia uma moça.
— É sua irmã, não é?
— Sim — Will falou com alívio. Finalmente tinha encontrado a irmã e ela estava a salvo. Encarou a bandoleira a sua frente, lembrando que a mantivera consigo para achar a irmã. Mas agora o que iria fazer?
Entregá-la aos guardas, seria o certo.
Mas de repente ele rejeitou a ideia. E soube que não podia entregá-la.
— Fuja.
— O quê?
— Fuja. Seus amigos estão por perto.
— Mas eu pensei...
— Diabos, moça, fuja!
Belle enfrentou seu olhar, surpresa. Ele a estava ajudando a fugir? Não iria entregá-la aos guardas? Sentiu uma emoção estranha a corroer por dentro. E um pesar profundo por ter que se separar de Will Cavendish.
— Obrigada — sussurrou e virou-se para correr.
Will a observou se afastando e num impulso a puxou pelo braço e a beijou. Saboreou aqueles lábios com avidez de um homem sedento que passou a vida inteira no deserto e finalmente encontra um oásis.
Belle fechou os olhos com força, ao sentir a boca do duque sobre a sua. Os braços dele cingiam sua cintura, trazendo seu corpo trêmulo para perto da rocha que era o dele. Crispou os dedos em sua camisa deixando-se levar pelas sensações proibidas que a assolavam desde que o conhecera. Ele entreabriu os lábios dela com a língua, que invadiu o interior macio de sua boca, explorando seu gosto. O cheiro dele a intoxicava, a embriagava. O coração batia descontrolado no peito, um prazer quente, intenso a dominou, deixando-a zonza e perdida. Nada, nada que tivesse vivido antes se comparava àquele beijo. Mas em algum lugar de sua mente, lembrou-se de quem era e de onde estava. Com uma força nascida do desespero, soltou-se de seus braços e correu sem olhar pra trás. Pois temia não resistir ao apelo sedutor do duque e aí sim, estaria perdida para sempre.
Will a deixou ir sentindo no corpo as garras firmes do desejo insano e a alma atormentada pelo que acabara de fazer. Por um momento de loucura, deixara-se levar pela atração proibida que sentia pela bandoleira. Mas por Deus, ele não conseguia se arrepender! Ter aquele corpo sedutor entre os braços, sentir a boca macia entre seus lábios, seu gosto proibido... fora como experimentar um pedaço do paraíso.
— Will! — Ele voltou à realidade com a voz de Juliet que pulou do cavalo e aconchegou em seus braços — Graças a Deus você está vivo!
— E você? — ele a estudou, preocupado. — Está bem? Se machucou? Onde estava todo este tempo?
— São muitas perguntas, Will. Mas o importante é que estamos bem! E você? Como conseguiu se livrar dos bandoleiros?
— É uma longa história!
Um guarda se aproximou.
— Sua graça, está sozinho?
— Sim. Os bandoleiros ficaram para trás!
Como ninguém refutou, ele teve certeza que ninguém tinha visto Belle.
— Nós vamos dar uma busca pelos arredores.
— Façam o que achar melhor. Eu só quero levar minha irmã para casa.
— Sim, nós vamos providenciar uma escolta.
— Obrigado, oficial...
— Lúcios Ludovic, senhor.
— Obrigado, Lúcios.
Will pensou com alívio que iria embora finalmente. Iria para Londres. Para os braços de sua noiva. E esqueceria a sereia de olhos verdes que o enfeitiçara.
Capítulo 7
Will e Juliet chegaram a Londres na manhã seguinte. Juliet colocou a cabeça para fora do coche, feliz por estar de volta à cidade.
— Não é maravilhoso estar de volta? — Riu feliz, mas Will permaneceu sério e distante.
— Will? O que você tem? Está com essa cara fechada desde que nos encontramos!
Ele suspirou, desalentado.
— Não é nada, Juliet.
— Deve ficar feliz por termos nos livrado dos malfeitores! Você foi muito bravo e corajoso!
— Sim — ele respondeu distraído.
— Ah... Já sei por que está com essa cara! Está preocupado porque vai ver a Liliana!
— Não é nada disso! — Will desconversou. — Agora, por Deus, pare de me atormentar.
Juliet se calou e deu de ombros, ocupando-se em admirar a paisagem.
Will voltou a se fechar em pensamentos sombrios. Por mais que tentasse, não conseguia parar de pensar na bandoleira, mas tinha que parar com aquele desatino. Assim que deixasse Juliet em casa, iria ver Liliana. E assim, finalmente na presença tão almejada de sua saudosa noiva, esperava tirar de vez a bandoleira de seus pensamentos.
****
— Está quieta, Belle.
Belle olhou para Jack.
— Não tenho nada pra falar, por que perder meu tempo falando asneiras, igual você?
— Ei... que grosseria! Está esquentadinha assim desde que foi ludibriada pelo duque almofadinha.
— Eu não fui ludibriada por ninguém, entendeu?
— Mas você deveria tê-lo vencido e ao contrário, o duque a obrigou a perambular com ele pela floresta a noite toda!
— Eu poderia ter fugido quando bem entendesse!
— Sei... mas como culpá-la? O duque até que era bem esperto com a espada. Ainda bem que conseguiu fugir antes que ele a entregasse ao guarda!
Belle desviou o olhar. Quando encontrou os amigos, se furtou de dizer a eles que o duque permitiu sua fuga. Porque não queria que eles fizessem mais perguntas do que já estavam fazendo. Tinha medo que eles descobrissem que o duque a beijara. Era tolo este pensamento, mas não podia deixar de ter medo. Porque infelizmente não conseguia parar de pensar no beijo proibido.
— Agora me diz, Belle. Ainda não ficou muito esclarecida essa história de passar a noite com o duque...
— Passar a noite? Que passar a noite? Eu não passei a noite com ninguém!
— Não foi neste sentido que eu quis dizer, apesar de... deixa pra lá — ele desconversou.
— O que quer dizer, Jack?
— Quero dizer que você é bonita. E se eu fosse o duque com certeza aproveitaria o fato de ter você a minha mercê.
— Pois nada aconteceu!
Jack deu uma risadinha.
— Ele não te quis, é?
— Cala boca, Jack! Não me interessa se queria ou não! E se aquele duque de uma figa tentasse alguma coisa ele ia se ver comigo! Não sou nenhuma idiota!
— Eu sei. Pois venho tentando convencê-la a voltar a dormir comigo faz tempo.
— Eu já falei para desistir! Não vou voltar a ter nada com você e nem com homem algum!
— Tudo bem. Mas eu não vou desistir.
— Isso é problema seu.
— Veremos! — incitou a montaria mais à frente e foi a vez de Blake aproximar-se dela.
— Você está bem?
— Sim, por que não estaria?
— Tenho achado você estranha desde este último assalto malsucedido.
— É impressão sua. E então... — Belle apressou-se em mudar de assunto. — O que faremos agora?
— Vamos dar um tempo. Este Duque de Buckingham foi um problema.
— Por que diz isso?
— Belle, o assalto não foi como esperávamos. Ele reagiu. E é um homem de muita influência. Temo que tenha mandado nos caçar.
— Você acha que Will nos caçaria?
— Will? — Blake levantou a sobrancelha e Belle corou.
— O duque, quero dizer.
— Eu não sei, mas devemos estar preparados. Vamos sumir das estradas por um tempo, até termos certeza que está tudo bem.
— E você acreditou na história do padre? — Belle apontou para Logan que ia mais à frente com Colin.
— Por quê? Você não?
— Por que ele entregou a irmã do duque aos guardas? Ele deveria trazê-la até nós, seria uma segurança.
— Ele agiu certo. Se fizéssemos algo contra a irmã do duque estaríamos em maus lençóis.
— Sim, tem razão.
****
Will chegou à casa de Liliana e foi atendido pelo criado que quando o viu, arregalou os olhos como se tivesse visto um fantasma.
— Duque de Buckingham!
— Boa tarde. Lady Liliana está?
— Sim, ela está, mas...
— Ferdinand, quem está aí?
Will ouviu Liliana se aproximando e sorriu.
Ela o viu e arregalou os olhos, aturdida.
— Will!
O criado se afastou quase que silenciosamente e Will aproximou-se de Liliana e a beijou.
Porém a moça se desvencilhou dos seus braços.
— O que faz aqui, quando voltou?
— Acabei de chegar. E mal podia esperar para vê-la.
— Will, eu...
Só então Will percebeu que Liliana estava estranha. Ela não parecia feliz com sua presença. O que estava errado?
— Liliana, sei que fiquei muito tempo longe, mais do que deveria, mas agora estou de volta. E finalmente podemos nos casar.
Ela parecia ainda mais aturdida quando segurou suas mãos.
— Precisamos conversar.
— Qual o problema? Você está bem?
— Sim, estou. Mas... preciso contar-lhe algo.
— O quê?
— Eu me casei.
— O quê? — Will sentiu as garras terríveis do medo o assolar. Não devia ter ouvido direito.
Mas o semblante culpado de Liliana dizia mais do que mil palavras.
— Eu sinto muito...
— Como assim você se casou? — Will gritou, furioso. — Não pode ser verdade. Estávamos noivos, iríamos nos casar quando eu voltasse!
— Eu sei. Eu não previ nada, não planejei nada, apenas... aconteceu!
Will deu uma risada sarcástica. Sentia-se vazio por dentro e ao mesmo tempo cheio dos mais vis sentimentos. Raiva, frustração, ressentimento.
— Explique-se! Se é que tem uma explicação!
— Eu o conheci numa viagem.
— Viagem?
— Sim, eu estava me sentindo tão sozinha a sua espera. Parecia que você não ia voltar nunca!
— Mas eu voltei — Will falou com emoção na voz e Liliana baixou o olhar.
— Meu pai me presenteou com uma viagem à França. Eu não queria ir, mas ele insistiu. E então... — Ela se aproximou o fitando diretamente no olhar. — Tem que acreditar em mim quando digo que não planejei nada. Apenas, ele apareceu e eu... me apaixonei.
— Se apaixonou? — Will quase cuspiu as palavras. — Achei que você fosse apaixonada por mim, Liliana.
— Eu também pensei. Mas você me deixou sozinha, por tanto tempo, me sentia tão abandonada!
— Por que não me disse? Se sentia dessa maneira por que não me impediu?
— E adiantaria? Você é muito dedicado à sua família, jamais deixaria Juliet sozinha.
— Eu não acredito que isso está acontecendo. — Ele segurou a cabeça com as mãos. Vendo seus planos para o futuro desmoronarem como um castelo de areia.
Liliana, sua Liliana, sua adorável noiva tinha se casado com outro. Tinha o traído. “Que tolo fora em se manter fiel ao compromisso que tinham.”, pensou amargo, lembrando-se de repente dos olhos da bandoleira.
Sacudiu a cabeça para fugir dos pensamentos confusos.
Liliana agora chorava baixinho, com os olhos cheios de culpa e remorso. Mas isso não amenizou a raiva de Will. Apenas servia para se sentir mais miserável.
— Ele me pediu em casamento e eu... eu juro que queria te esperar para podermos conversar e lhe dizer como me sentia, mas ele não quis esperar e eu temi perdê-lo.
— E em mim, Liliana? Parou para pensar em mim enquanto se entregava ao seu amante francês?
— Me desculpe, Will, eu me sinto tão culpada... sei que fui muito má e você sempre foi tão bom comigo... — Ela tocou seu rosto, mas Will afastou sua mão bruscamente.
— Chega! Não quero ouvir mais nada!
— Será que um dia será capaz de me perdoar? De me entender?
— Duvido muito, Liliana — Will falou ressentido.
— Desejo do fundo do meu coração que você seja feliz, que possa passar por cima disso tudo e encontrar uma mulher que realmente te ame como você merece.
Ele riu sarcástico.
— Depois disso, Liliana, acho que não quero chegar perto de uma mulher tão cedo. Não para me casar pelo menos! Não para construir sonhos que no final viram pesadelos.
— Will...
— Chega! Eu já ouvi o bastante! Adeus!
Ele saiu pela porta de forma intempestiva. Não sabia para onde ia, ou o que faria. Sabia apenas que se sentia miserável. Vazio. Queria apenas esquecer.
****
— Como assim vamos dar um tempo? Isso é absurdo! — Jack expressou seu descontentamento ao ouvir os planos de Blake naquela noite. Depois de cavalgarem por horas, Blake decidira que deveriam parar e passar a noite ali mesmo e reunira os comparsas para falar sobre seus planos.
— É o mais sensato a fazer neste momento — Blake insistiu.
Mas Jack não estava gostando nada daquela história.
— Eu ainda não entendi onde está querendo chegar.
— Temo que nossos pescoços estejam a prêmio depois do último assalto.
— Está querendo dizer o assalto ao Duque de Buckingham?
— Sim.
— Acha que o duque irá revidar? — Colin perguntou.
— Temo que sim.
— Não acredito que estão com medo de um duquezinho de merda! — Jack esbravejou.
— Acontece que o duquezinho de merda lutou e venceu todos nós! — Blake replicou, começando a se irritar com Jack. Já não bastasse que estivessem nesta situação difícil, ainda tinha que convencer o bandido a conter seu gênio difícil.
Belle, que estava quieta até aquele momento, resolveu tomar partido.
— Blake tem razão, Jack. Não que eu tenha algum medo daquele duque de uma figa, mas ele parece influente, e pode ter mandado nos caçar igual cães sarnentos.
— Nós já nos safamos de coisa pior.
— Pode até ser — Blake concordou. — Porém algo me diz que devemos ter cautela.
— Vai me dizer que os espíritos ciganos estão cochichando no seu ouvido? Faça-me o favor! — Jack desdenhou.
— Estou apenas dizendo que mexemos num vespeiro assaltando o duque e sua irmã.
— Ainda acho absurdo. Nos esconder é uma atitude covarde! Se ele vier atrás, a gente luta!
— Se fosse somente lutar era fácil — Logan, que até aquele momento se mantinha afastado da discussão, ocupado com uma garrafa de whisky, se intrometeu —, mas existe uma coisa chamada poder e influência que vem de nobreza. O Duque de Buckingham é um dos homens mais influentes da corte e mantém contatos íntimos com o rei.
— Como sabe? — Belle perguntou desconfiada.
— É de conhecimento geral para quem já viveu na corte.
— É disso que estou falando — Blake salientou.
— Então vamos nos acovardar e sair de fininho com o rabo entre as pernas? — Jack perguntou raivoso.
Blake apenas levantou-se, dando a conversa por encerrada.
Jack segurou o braço de Belle.
— Você concorda? Vai se acovardar diante do homem que a humilhou?
Belle soltou o braço com um safanão.
— Posso até não concordar, mas Blake é nosso chefe. E ele decidiu assim. Então acho melhor controlar sua língua.
— Eu não posso concordar. Aquele duque maldito! Sabia que ia nos trazer problema!
— Não podemos fazer nada agora, Jack.
Ele a fitou com um brilho estranho no olhar.
— Eu não penso assim...
Belle o viu se afastar e desconfiou que Jack estivesse tramando algo.
— O que vai fazer? — perguntou desconfiada.
Ele se voltou pra ela e sorriu.
— Melhor não te contar. Do jeito que é fiel ao Blake, é capaz de ir correndo contar a ele. E estragaria meus planos.
— Jack, não seja precipitado...
— Acalme-se, Belle, eu sei o que estou fazendo.
— Não vá fazer nada estúpido!
Ele se aproximou.
— Depende do ponto de vista. Tenho certeza que vai aprovar. Boa noite. — Beijou-lhe os lábios de leve e sorriu, esperando alguma reação, mas a moça apenas lhe deu as costas e não viu o sorriso se Jack se desfazendo.
Quando Belle acordou horas depois ainda estava escuro. E Jack tinha desaparecido.
— Blake! Acorda! — Sacudiu o irlandês.
— O que foi?
— Jack se foi.
— O quê? — O chefe despertou totalmente, seguido de Logan e Colin.
— Como assim se foi? — um sonolento Colin questionou.
— Eu sabia que ele estava tramando alguma coisa! — Belle se irritou.
— O que exatamente você sabe, Belle? — Blake perguntou cauteloso e ela o encarou.
— Eu acho que Jack foi atrás do Duque de Buckingham.
Blake se enfureceu.
— Aquele idiota!
— Como sabe que ele faria isso? — Logan perguntou cauteloso.
— Eu conheço o Jack. E ele culpa o duque por termos que parar. O que não está totalmente errado. E eu acho que ele foi pra Londres, e temo que ele cometa um desatino. — Ela encarou Blake de forma significativa.
— Como assim? — Colin pareceu confuso.
— Jack vai matar o duque — Blake respondeu sombrio e Belle sentiu um arrepio de medo traspassar a espinha.
Jack era realmente um idiota impulsivo. Se tentasse algo contra o duque perderia o pescoço na guilhotina.
— Temos que impedi-lo! — ela falou resoluta.
— O que acha que devemos fazer, Belle? — Blake perguntou sarcástico. — Jack já enfiou a corda no próprio pescoço!
— Mas temos que impedir! É suicídio!
— E sugere o quê? Que vamos todos para Londres? Para sermos presos com Jack?
— Não! Vamos encontrá-lo e impedi-lo de cometer essa loucura!
— Não! — Blake refutou e Belle sentiu-se desesperada.
— Blake, ele é nosso amigo!
— Ele é maluco! Não posso pôr em risco a vida de todos vocês pelos desvarios do Jack!
— E duvido que ele faria algo assim pela gente... — Colin observou.
— Tudo bem, se vocês não querem ir, vou sozinha! — Ela se afastou decidida em direção a sua montaria.
— Belle, não... — Blake foi atrás.
— Não vai conseguir me impedir, Blake, então nem tente!
Ele a encarou frustrado.
— Eu vou com você.
Eles se voltaram espantados ao ouvir a voz de Logan.
— Logan, não precisa ir, eu sei me defender sozinha.
Ele riu.
— Eu não duvido. No entanto acho que vai precisar de toda ajuda que puder.
— Obrigada! — Ela sorriu agradecida.
Blake a encarou, lutando contra seus instintos. E soube que não poderia deixar Belle arriscar o pescoço sozinha por causa de Jack.
— Então vamos todos! — ele falou e Colin sorriu.
Sabia que Blake iria ceder às vontades de Belle.
Eles montaram e tomaram o caminho de Londres.
Belle sentia o coração apertado no peito. Era por Jack pensava, temerosa.
Sim, tinha medo que o amigo cometesse uma loucura e fosse executado. Mas bem no fundo de seu coração, ela sabia que não era só o que a motivava. Ela temia pela vida do duque. E este sentimento era o que mais a assustava.
Capítulo 8
Will sentiu a garganta queimar com gosto da bebida. A cabeça girava em mil pensamentos confusos que por mais que tentasse esquecer, não conseguia. Liliana o traíra. A miserável.
E ele foi tolo o suficiente para acreditar que ela o esperaria.
Realmente foi um idiota. “Mas de quem era a culpa afinal?”, pensava amargo. Tinha abandonado Liliana para resguardar Juliet. Mas prometera que voltaria. E voltara. Mas era tarde demais.
Sem aviso, sua mente foi invadida por outros tipos de pensamentos. Era sempre assim desde que pusera os olhos nela pela última vez. A imagem de seus olhos verdes cheios de um mistério irresistível dançava em seu pensamento. Deveria tê-la possuído e acabado com aquele fascínio tolo. Mas tentara ser fiel a Liliana. E pra quê? Resistira bravamente a insidiosa atração pela bandoleira em nome de um compromisso que pelo menos pra ele ainda era mais importante que tudo. Levou novamente o copo aos lábios e tomou o restante da bebida de um só gole. Olhou em volta, para o ambiente esfumaçado. Estava num clube masculino exclusivo em Londres, onde as mais belas cortesãs da cidade se exibiam e se deitavam para quem pagasse mais. Mas ele não estava interessado. Não hoje.
Hoje ele gostaria de tocar a pele de alabastro de uma certa bandoleira, provar novamente o gosto de seus lábios, perder-se na atração avassaladora que os unia. Intuía que somente isso o faria esquecer a dor que estava sentindo no momento. Soltou uma risada amarga. Devia estar enlouquecendo. Ou a bebida finalmente subira a sua cabeça, embaralhando seu raciocínio.
— Olá, milorde.
Ouviu a voz melodiosa ao seu lado e levantou a cabeça se deparando com olhos muito verdes num rosto magnífico adornado por belos cabelos escuros.
— Vai me pagar uma bebida? — A linda mulher sorriu sedutora.
Will analisou o pedido. Não estava com disposição para jogos hoje. Mas do que adiantava ficar sozinho? E ela era muito bonita. E o encarava com interesse.
— Certamente.
— Eu sou Natasha — a moça se apresentou. — A seu total dispor — acrescentou com um olhar malicioso e só agora Will reparou no sotaque diferente.
— Natasha — repetiu já com a voz meio embargada pela bebida. — Sente-se e beba comigo.
Ela não esperou um segundo pedido e sentou-se, inclinando o corpo e Will pôde ver par de brancos seios pelo generoso decote.
— E o senhor é quem?
— Will Cavendish.
Ela arregalou os olhos.
— Duque de Buckingham?
— Culpado.
Natasha soltou uma sonora gargalhada.
— Hoje deve ser meu dia de sorte.
— Que bom que pelo menos alguém tem sorte nesta mesa — falou sarcástico.
Ela levantou a sobrancelha.
— Não me parece nada bem, duque. E está aqui há bastante tempo, apenas bebendo. Sozinho.
— Culpado novamente.
— O que lhe aflige? Negócios vão mal? Política? Ou mulheres? — acrescentou sugestivamente.
Will fez uma careta e ela sorriu.
— Definitivamente mulheres. Engraçado, pela sua aparência e fortuna não me parece alguém que tenha problemas com mulheres.
Will não respondeu, apenas continuou bebendo.
— Tudo bem. Vejo que não quer falar sobre o assunto. — Ela deu de ombros. — Também não gostaria de falar sobre suas outras mulheres, sua graça. Então estamos quites. — Ela pegou seu copo. — Um brinde a essa noite.
Will a encarou e os olhos dela brilhavam perigosamente.
— Eu prometo que o farei esquecer todas as mulheres que lhe aflige, Duque de Buckingham!
A madrugada já findava quando Natasha carregou um alcoolizado duque escada acima para seus aposentos. Regozijava-se de sua sorte grande. Tinha o riquíssimo e influente Duque de Buckingham em seu poder. Desde que chegara de Praga estava esperando por uma oportunidade assim, de arranjar um amante muito rico, que a sustentasse e ela pudesse ser exclusiva. Este era o sonho de toda cortesã. E ela estava muito perto de realizar o seu.
Mas quando entrou no quarto, Will desabou na cama, desacordado e a meretriz fez uma careta.
Deveria tê-lo levado ali pra cima há mais tempo. Antes que ele estivesse bêbado igual a um gambá. E agora? Deveria deixá-lo dormir ali e no dia seguinte tentar seduzi-lo?
Ou não? Ele era um homem importante. E se procurassem por ele? Não queria ser acusada de nada.
Sentou-se olhando para o homem desmaiado e tomou uma decisão. Mandaria alguém à casa do duque para avisar onde ele estava, assim alguém viria buscá-lo. Com certeza o nobre ficaria muito agradecido e lhe recompensaria. Aí sim, ela daria o golpe.
****
Jack sorriu consigo mesmo. Era um sujeito muito esperto. Depois que chegara a Londres, descobrir onde ficava a residência do Duque de Buckingham não fora difícil. Apenas molhar a mão das pessoas certas. Ainda estava escuro quando desmontou em frente a residência do nobre. A névoa cobria as ruas, tornando tudo mais sombrio.
O duque estaria dormindo sem saber que em breve pagaria com a vida por ter mexido com o bandoleiro errado. Claro que o acordaria antes de matá-lo e diria quem era e por que estava acabando com sua vida. Ele vingaria Belle. Tocou a espada na bainha e aproximou-se sorrateiro dos grandes portões, onde havia dois homens o guardando. Diabos! Praguejou baixinho. Não contava que teriam guardas vigiando a casa. Mas não podia desistir. Agora iria até o fim.
Um dos homens se afastou rapidamente, ficando apenas um que se ocupou em fechar os grandes portões de ferro. Era a hora certa. Jack aproximou-se.
— Boa noite. Aqui é a residência do Duque de Buckingham?
— Sim, mas quem é o senhor? — o homem perguntou desconfiado e Jack percebeu que ele não era um guarda, e sim um criado. “Bem mais fácil assim.”, pensou aliviado.
— O duque está?
O homem parecia consternado.
— Não, ele não está.
Jack franziu o cenho.
— Como assim não está? É madrugada!
— O duque saiu ontem e ainda não voltou, ele está no clube dos cavalheiros.
— No clube dos cavalheiros? — Jack assoviou. O duque era bem safadinho então. Dado à boemia e a mulheres bonitas. Bom, que ele tivesse aproveitado sua última noite na Terra.
— Agora se me der licença, preciso pedir que alguém o busque.
— Como assim?
— Quem é o senhor afinal?
— Eu sou amigo do duque. De Kent. — Jack buscou na memória algo para fazer o criado acreditar na sua história. — Sou amigo da Lady Juliet também.
— Ah sim! Agora entendi.
— Você ia dizendo que o duque está com problemas...
— Sim, aquele homem que saiu daqui agora há pouco veio avisar que sua graça bebeu demais. Vou mandar alguém buscá-lo.
— Eu posso fazer isso.
— O senhor?
— Sim, eu e o duque somos muito amigos e já tomamos várias bebedeiras, se é que me entende, estou acostumado.
— O duque bebendo? Que estranho, nunca o vi assim.
— Ele mudou bastante desde que ficou em Kent.
— Bem, se não for incômodo para o senhor...
— Claro que não será.
— Então pode usar uma das carruagens do duque.
— Muito obrigado.
Jack riu por dentro. Agora tudo estava perfeito. Teria o duque em suas mãos. E seria o seu fim.
Só precisava descobrir como chegar ao clube.
****
— Tem certeza que vai dar certo? — Blake perguntou a Belle em outro ponto de Londres.
Belle olhou para a casa onde tinham acabado de chegar e fitou Logan.
— Você disse que sabia como achar o Duque de Buckingham. É essa a casa dele? — Belle perguntou ao escocês.
Ele estava estranhamente quieto desde que chegaram a Londres e havia comunicado que sabia como achar o duque.
— Logan? — Belle o chamou novamente. Ele contemplava a casa de linhas elegantes com o olhar perdido e virou-se para encará-la.
— Não, esta não é a casa do duque.
— E por que estamos aqui então?
— A pessoa que mora aí sabe onde encontrá-lo.
— De quem é esta casa afinal? — Colin perguntou.
— É a casa da noiva do duque.
Belle sentiu um baque. Noiva? Will era noivo?
— O quê? — perguntou confusa.
— Lady Liliana Richmond. É a noiva do Duque de Buckingham.
— Como sabe?
— Não importa — Logan desconversou. — O importante agora é saber como vamos falar com Lady Liliana.
— Belle vai pedir para chamá-la — Blake falou, mas Belle estava branca igual papel. — Belle, tudo bem?
Belle sacudiu a cabeça como se assim pudesse se livrar daquela dor incômoda no peito.
— O quê? — perguntou distraída.
— Falei que você vai entrar aí e tentar falar com Lady Liliana.
— Eu? Não, nem pensar! — replicou apavorada. Não tinha estômago para ficar frente a frente com a noiva do duque. Não sabia bem por quê. Mas não podia fazer aquilo.
— Claro que pode. Só você pode. É muito mais fácil e sabe disso.
— Não, eu não posso!
— Belle, o que você tem? — Blake perguntou confuso.
— Enquanto vocês discutem o tempo está passando e Jack pode estar a caminho de acabar com a raça do duque — Colin avisou.
Blake olhou para Belle.
— Belle?
Ela respirou fundo. Colin tinha razão. Não havia tempo a perder.
Sacudiu a cabeça afirmativamente.
— Tudo bem. Eu vou ver o que consigo com essa noiva — concordou se encaminhando para os portões da mansão e eles se esconderam.
Belle fez uma prece silenciosa. Tinha que conseguir levar aquilo adiante. Disso dependia a vida do duque.
— Boa noite — ela falou ao sonolento criado que apareceu. — Preciso falar com Lady Liliana.
— O quê? Sabe que horas são?
— Sim, eu sei. Mas é urgente.
— Nada é tão urgente que não possa esperar até uma hora decente.
— Por favor. É sobre o Duque de Buckingham. Ele corre perigo.
— Como?
— É caso de vida ou morte.
O homem pareceu reconsiderar.
— Espere aqui. Vou ver o que consigo. Disse que é quem mesmo?
— Belle — ela respondeu, não tinha por que mentir.
Minutos depois o criado voltou e abriu o portão.
— Entre, Lady Liliana a receberá.
Belle seguiu o homem para dentro da suntuosa mansão; ao adentrarem numa sala ricamente decorada, uma moça loira a encarou. Ela era muito bonita e usava penhoar de pura seda. Belle nunca tinha visto algo tão caro. Não era à toa que Will gostasse dessa tal de Liliana.
— Você disse que tinha assuntos de vida ou morte sobre o Will? — ela falou com voz melodiosa.
— Sim. Ele corre perigo de vida. Preciso avisá-lo a tempo.
— Mas quem é você? E quem quer matar Will?
— É uma longa história, mas neste momento há um homem a caminho da casa dele para matá-lo.
— Meu Deus!
— Por favor, preciso que me diga onde mora para evitar uma tragédia.
— Mas você é uma mulher, como pode impedir a ação de um assassino?
— Acredite, eu tenho como impedi-lo. Além do mais, tenho homens comigo.
— Quem é você afinal?
— Sou apenas uma pessoa que quer evitar que alguém seja morto injustamente.
Liliana a encarou por alguns instantes e por fim explicou como chegar a casa dos Cavendish.
— Espero que não seja tarde demais.
— Eu farei o possível — Belle respondeu. — Seu noivo viverá.
— Mas Will não é meu noivo. Não mais.
Belle a fitou confusa.
— Agora entendo por que veio até mim, achava que eu ainda era noiva de Will. Mas eu me casei. E não foi com ele. Mesmo assim, não quero seu mal e vou rezar para que esteja são e salvo.
Belle nada respondeu e saiu rapidamente da casa. Sentia um estranho alívio por dentro, mas não era hora de analisar seus sentimentos. Tinham que correr contra o tempo e evitar que Jack matasse o duque.
Mas eles não estavam com sorte e ao chegarem na residência dos Cavendish, Colin foi se informar e voltou com a notícia que não só o duque não estava lá, como Jack já passara por ali e estava a caminho de encontrar Will.
— E agora? — Belle perguntou assustada.
— Agora vamos correr e tentar impedir! — Blake respondeu e todos montaram e saíram a galope até o centro de Londres.
****
Will acordou desorientado. Abriu os olhos e sentou-se devagar. Estava num quarto espalhafatoso. Mas ainda vestido. E sozinho. Indício de que não seduzira, ou fora seduzido, pela beldade estrangeira. Mas o que estava fazendo ali? Sentia a cabeça latejando demais. E ainda estava meio bêbado. Levantou-se e saiu cambaleando do quarto. O lugar estava no mais absoluto silêncio e ele conseguiu chegar à rua sem encontrar ninguém. O dia amanhecia e uma névoa escura cobria as ruas de Londres. Onde diabos deixara seu cavalo?
Ele saiu cambaleando pela rua e então ouviu a carruagem se aproximando e aliviado reconheceu o brasão dos Buckingham.
Mas no momento seguinte, quem saiu da carruagem não foi o cocheiro da família, e sim um homem moreno, vestido de preto e com a espada em punho.
— E não é que nos encontramos de novo, duque? — o homem falou sarcástico.
— Quem é você? — Will perguntou grogue. A mente confusa o impedindo de reconhecer o real perigo.
— O homem que irá te matar!
Will franziu a testa, confuso, e Jack aproveitou e partiu pra cima, mas ouviu galopes dobrando a esquina e ao levantar o olhar viu seus comparsas se aproximando.
— Jack, não! — Belle gritou, desmontando e correndo na direção deles.
— Tarde demais, Belle. Tenho que matá-lo. — E ele tentou prosseguir, mas Belle se pôs na frente de Will.
— Não, não tem. Eu vim te impedir!
— Por que está defendendo esse calhorda?
— Não estou defendendo ele e sim você! Não percebe a loucura que está prestes a cometer?
— Estou nos livrando desse duque!
— Está se metendo em confusão! Se matá-lo, vai direto para a guilhotina!
— Claro que não! Vamos fugir!
— Ele é um homem importante, Jack! Amigo pessoal do rei! Se matá-lo vão te caçar até o fim do mundo!
— Isso mesmo, Jack! Baixe essa espada e vamos sumir daqui, antes que os guardas apareçam! — Blake ordenou.
Por alguns instantes Jack ficou do mesmo jeito, mas depois fez o que Blake pedira, soltando uma imprecação.
— Que bom que finalmente fez algo certo! — Belle reclamou e virou-se para o duque só então percebendo que este homem não era o mesmo homem de ação que a tinha mantido cativa. Ele estava branco igual papel e cambaleante, com uma expressão perdida no olhar.
— Will? — Belle o chamou confusa.
Ele finalmente pareceu focalizá-la.
— Você! — exclamou — Acho que estou mesmo bêbado se já estou vendo coisas.
E sem aviso, ele desabou em cima de Belle.
Capítulo 9
— Ai meu Deus! — Belle gritou tentando segurá-lo.
— O que está acontecendo? — Blake perguntou tirando Will de cima de Belle.
— Ele está bêbado! — Belle respondeu.
— Sim, quando fui a casa dele, consegui a carruagem, pois me passei por um amigo que viria buscá-lo, já que foram avisar que o senhor duque aqui tinha se divertido num clube até cair! — Jack informou.
Belle fechou a cara. Quer dizer que o duque era dado a diversões em clubes masculinos?
Ela não sabia dizer por que sentia aquela vontade horrível de espancá-lo.
— O que vamos fazer, Blake? — Colin perguntou.
— Temos que ir!
— Não podemos deixá-lo aqui! — Belle objetou.
Blake a encarou.
— Belle, é perigoso...
— Não podemos deixá-lo aqui na rua neste estado! Além do mais o idiota do Jack pegou a carruagem dizendo que iria levá-lo pra casa!
Blake considerou por alguns instantes.
— Tudo bem. Vamos colocá-lo na carruagem. Jack você conduz.
— Eu?
— Sim, foi você quem pegou a carruagem, você que vai devolver!
— E se ele acordar? E se lembrar quem sou eu? Estarei perdido!
— A Belle vai junto!
Belle arregalou os olhos, espantada.
— Eu?
— Sim, tenho certeza que o manterá fora de ação.
— Blake, não é uma boa ideia...
— Se ele acordar e ver você, será bem melhor do que ver um de nós.
— Como pode ter certeza?
— Porque ele a teve à mercê dele por 24 horas inteiras e não fez nada.
— Pode ter mudado de ideia.
— Eu duvido. Algo me diz que o duque é um cavalheiro honrado. Não faria mal a uma mulher. Mesmo ela sendo uma bandoleira.
— Continuo achando absurdo!
— Eu já decidi. Você vai. Iremos nos encontrar naquela taberna da Rua Antiga.
Belle entrou na carruagem com o desacordado duque e seguiram em frente. Ela observou a rua pela pequena janela. Onde estava com a cabeça quando concordou com aquele desatino?
“Pelo menos o homem está desacordado.”, pensou tranquila até ouvir um gemido e fitá-lo assustada. Ai Jesus, ele estava acordando!
O duque abriu os olhos e focalizou nela e Belle prendeu a respiração, temerosa.
— Você está sonhando — sussurrou — Não é real.
Mas ele continuou a encarando estranhamente.
— Se é um sonho, acho que não se importará se eu fizer isso? — E sem aviso, a puxou para si, cobrindo os lábios dela com os seus.
Belle tentou resistir, mas para um bêbado até que o duque era bem forte. Os braços que a seguravam firmemente não a soltavam. Tinha que acabar com aquilo já!
Mas em meio às negações de sua mente, um calor vibrante começou a se espalhar por seu corpo. A boca masculina pressionava com urgência, persuadindo os lábios da moça a se abrirem a suave invasão da língua ávida que se enroscou na dela numa dança sensual. Belle gemeu, perdida em sensações desenfreadas. O coração batia descompassado no peito, uma estranha fraqueza a dominava, deixando-a lânguida e sem a menor vontade de lutar contra aquele desatino.
As mãos que a seguravam deixaram a força, para deslizar suavemente pele de seu braço e Belle se arrepiou. Aquilo não podia estar acontecendo. Mas estava. Will Cavendish a beijava como se nunca mais fosse parar. Ela arfou, num misto de medo e desejo desconhecido até então. A boca dele descolou da sua apenas para traçar beijos úmidos por seu rosto afogueado e Belle fechou os olhos, deixando-se levar por aquela doce loucura que a dominava.
— Sua pele é tão macia — ele sussurrou em seu ouvido enquanto as mãos continuavam a exploração pela pele de Belle, tocando seus ombros nus, para depois depositar um beijo na pele onde tocava com os dedos, a arrepiando por inteiro.
Belle sentia-se derretendo pouco a pouco, a mente girando, o corpo tomado da mais intensa excitação que já tinha sentido e... A carruagem parou e ela despertou daquele sonho impossível. “O que, por Deus, estou fazendo?”, perguntou-se horrorizada.
— Belle!
Ela ouviu Jack gritando e livrou-se dos braços de Will pouco antes do bandoleiro abrir a porta com má vontade.
— Chegamos!
— Certo — respondeu vermelha igual pimentão, mas Jack pareceu não perceber e ocupou-se em tocar a sineta no grande portão de ferro. Belle deu graças a Deus por Will estar ainda grogue. Seria o fim se ele tivesse despertado totalmente e Jack descobrisse o que estavam fazendo antes deles chegarem! Deu uma última olhada para ele. Parecia tão vulnerável ali, com a cabeça recostada no banco de couro preto, os olhos fechados e o rosto pálido... Tentando manter-se controlada, pulou da carruagem atrás de Jack.
— É melhor irmos embora. Não quero que sejamos vistos!
— Mas o empregado do duque já me viu antes.
— Antes de você tentar matá-lo! Agora vamos logo! O duque já está entregue.
Jack a seguiu rua abaixo. Belle não olhou para trás. Não deveria olhar pra trás. O breve interlúdio com o duque foi algo totalmente impróprio. Ele, provavelmente, nem se lembraria do que tinha feito. E era melhor assim. Eles nunca mais se veriam mesmo.
****
Os bandoleiros se encontraram naquela tarde numa taberna.
— Você foi muito imprudente, Jack — Blake reclamou ainda inconformado.
— Entregamos o duque são e salvo não ficou satisfeito? — Jack falou irônico.
— Sabe que salvamos seu pescoço, não é? — Blake rebateu.
— Eu não precisava de ninguém para me salvar! Estava com o duque nas minhas mãos e ia dar cabo na vida dele rapidinho!
— E ia seguir o mesmo caminho que o duque indo para a guilhotina! — Belle rebateu.
Jack a encarou desconfiado.
— Ainda não engoli essa sua história, viu? Não estou gostando nada de ver você defendendo aquele almofadinha!
— Eu já falei que não estou defendendo ninguém!
— Aquele não é o Barão de Wessex? — Colin chamou a atenção deles, olhando para a porta e todos seguiram seu olhar.
— Diabos! — Blake praguejou.
— Agora sim estamos perdidos! — Jack sussurrou.
Belle se preocupou. Se o Barão de Wessex os vissem ali, estariam realmente enrascados.
Eles permaneceram tensos enquanto o barão sentava-se numa mesa em outro canto. Sozinho.
— Vocês não acham estranho que um barão da estirpe dele esteja numa espelunca como essa? — Belle perguntou baixinho.
— Sim, é muito estranho — Logan concordou.
— Acho melhor a gente ir embora daqui — Jack falou baixinho.
— Talvez seja o melhor a fazer — Blake concordou.
Belle reparou na moça loira entrando no lugar.
— Olha! Aquela não é a mesma moça que estava com o barão no dia do assalto?
Blake olhou e a reconheceu. Sim. Era mesma moça. Ele a reconheceria em qualquer lugar.
— Sim, ela mesma — Jack assobiou —, e continua um pedaço de mau caminho!
****
Guilhermina fez uma careta ao sentir a fumaça impregnando seu nariz. Mas que espelunca era aquela que Sir FitzRoy tinha combinado o encontro? Avançou pelas mesas até ver o barão e sorriu sedutora, aproximando-se. Todos os homens se viraram para observá-la. Alguns faziam gracejos. Com certeza eles não sabiam com quem ela estava.
— Barão... — Ela sentou à frente de FitzRoy.
— Está atrasada — o nobre falou muito sério e Guilhermina remexeu-se incomodada, sorrindo do seu jeito sedutor. Mas, ao contrário do que pensava, o sorriso não surtiu efeito algum no barão.
— O importante é que estou aqui, não? Então podemos falar de negócios.
— Milady é astuta.
— Eu tenho que ser. O que eu quero saber é o que o senhor quer em troca de me ajudar a reaver minha herança?
— Preciso que seduza Oliver Cromwell.
— O quê? Quer que eu seduza o líder puritano do parlamento?
— Acho que não será difícil para você, com todos seus... talentos.
— Não, claro que não. Eu seduzo quem eu quiser.
— Então preciso que o seduza e me mantenha informado de todos os seus passos.
— E posso perguntar por quê?
— Não, não pode. Apenas faça o que eu mandei. Aí então poderá ter sua herança de volta.
— E quando será?
— Quando fizer a sua parte.
Guilhermina analisou o pedido do barão. Não seria impossível, claro. Ela já imaginava que teria que fazer algo assim, mas na verdade achava que teria que dormir com o próprio barão.
Todavia, ela não reclamaria. O barão era o único aliado contra sua madrasta. E ela faria o que ele pedira. Seduziria Oliver Cromwell.
— Então, já que tratamos de negócio, acho que o Senhor Barão não precisa mais de mim aqui.
— Sim. Pode ir. Passarei as instruções em breve.
Guilhermina levantou e fez uma graciosa mesura, afastando-se. Não via a hora de sair daquele muquifo. Foi então que ela os viu.
Os mesmos bandoleiros que os assaltaram na estrada estavam sentados numa mesa próxima. Arregalou os olhos e preparou-se para gritar. Mas o líder deles levantou-se rápido e, tapando sua boca, a puxou para um canto escuro.
— Quietinha. Não queremos que o barão descubra que estamos aqui, entendeu?
Ela sacudiu a cabeça positivamente.
— Vou tirar a mão de sua boca. Quero que prometa que não vai gritar.
Ela sacudiu a cabeça.
Ele tirou a mão e ela se virou para encará-lo.
— Vocês são muito cara de pau! Que ousadia!
— Não preciso saber a sua opinião, milady. Mas também não poderia deixá-la ir.
— Não vou contar nada ao barão, se é o que te preocupa.
— Não tenho como confiar na senhorita.
Ela sorriu, sedutora.
— Eu me lembro. Você não gostou muito de mim — ela brincou com os detalhes de sua blusa.
— Eu não disse que não gostei de você.
Guilhermina sorriu, satisfeita.
— Sinto que quer algo de mim.
— Quero que vá ao barão e o convença a sair.
— Por que faria isso?
— Por que não faria?
Ela analisou o pedido. Gostava de Blake. Tinha algo nele que a atraía.
Por que ela tinha que entregá-los ao barão? Podia manter-se calada e se divertir com o bandoleiro. Estava mesmo precisando de diversão.
— Tudo bem — concordou.
Ela caminhou em direção à mesa de FitzRoy novamente.
— O que faz de novo aqui, Lady Guilhermina? Achei que não suportava mais ficar neste lugar indigno de uma dama.
Ela sorriu.
— Na verdade, eu não suporto mesmo, mas pensei que o barão podia ir comigo. Vim num coche alugado, já que minha querida madrasta não quis me emprestar o dela.
— Sim, posso levá-la até sua casa.
O barão levantou-se e acompanhou-a para fora na taberna.
Guilhermina deu uma última olhada para o bando e piscou.
Ao chegar à rua, disfarçadamente, enquanto o barão falava com o cocheiro, pediu a um menino que passasse um recado a Blake pedindo para ele encontrá-la logo mais à noite.
Estava atraída pelo chefe dos bandoleiros. E iria tirar proveito disso.
Enquanto se afastava com o barão, atinou que não havia informado ao garoto qual dos homens era o bandoleiro a qual o recado se destinava. Bem, certamente o garoto encontraria Blake.
Blake e os comparsas respiraram aliviados ao ver Guilhermina e o barão finalmente indo embora da taberna.
— Como sabe que ela não vai nos entregar? — Colin questionou.
— Se quisesse ela já teria feito — Blake respondeu.
— Isso é estranho — Belle comentou. — Qual será a dessa moça?
Um menino aproximou-se e sussurrou algo no ouvido de Jack.
Jack sorriu satisfeito quando o menino se afastou.
— O que foi? — Belle indagou.
— A moça quer se encontrar comigo à noite! Sabia que ela me queria!
— Não acredito! — Belle exclamou incrédula.
— É verdade. Não vai me dizer que está com ciúme, Belle?
— Claro que não! Só acho estranho que uma moça como ela, uma lady, queira alguma coisa com um bandoleiro!
— Você está com ciúme isso sim!
— Acho melhor irmos embora! — Blake falou carrancudo. — Já ficamos tempo demais aqui.
— Mas não podemos partir hoje! Tenho um encontro à noite — Jack refutou.
— Não, não tem.
— Blake, talvez seja interessante deixar o Jack se encontrar com esta moça — Logan se intrometeu. — Ele pode descobrir sobre suas reais intenções.
— A intenção dela é dormir comigo! — Jack sorriu.
— Logan tem razão — Belle disse — O que ela faz se encontrando com o Barão de Wessex num lugar como este? E mais: o que o rico Barão de Wessex faz aqui?
— Acho que era um encontro secreto — Logan conjeturou.
— Um encontro romântico? — Colin completou.
— Eu acho que não — Belle falou pensativa. — Não havia paixão entre eles.
— Então querem que eu arranque da moça a verdade? — Jack completou.
— Sim — Belle anuiu e todos olharam para Blake, que continuava sério.
— Não acho uma boa ideia. Acho que devemos partir hoje à noite.
— Blake, pense bem. Podemos descobrir muita coisa. O barão é muito influente — Belle insistiu.
— Tudo bem. Mas partiremos amanhã. Tendo o Jack descoberto algo ou não!
Eles saíram da taberna em direção a uma hospedaria e ao passarem pela praça, pararam ao ver a aglomeração de pessoas esperando algum condenado morrer na guilhotina.
Belle estremeceu ao ver que era uma mulher, ainda jovem como ela.
Sem conseguir se conter, parou assistindo ao espetáculo como as outras pessoas.
— Jenny Spencer é considerada culpada por tentativa de assassinato — o guarda dizia lendo a sentença. — Pede clemência?
— Não — a moça sussurrou.
Alguém comentou à frente.
— Ela tentou matar o amante!
— Dizem que o pegou com outra! — O rapaz ria.
O guarda continuou.
— Alguém neste lugar tomaria essa mulher como esposa?
— Que diabos? — Belle resmungou.
— É uma antiga lei — Blake explicou. — Se alguém a toma como esposa, ela se livra da condenação.
A plateia permaneceu em silêncio. E Jenny Spencer foi colocada na guilhotina.
Belle girou o rosto e se afastou rápido, apenas ouvindo o barulho da lâmina decapitando a mulher.
****
Will acordou com uma tremenda dor de cabeça. Abriu os olhos para ver um criado parado ao seu lado aparvalhado.
— Senhor! Graças a Deus acordou!
Will sentou-se na cama, tentando ajustar os olhos à claridade do quarto.
— Não fale alto desse jeito, Art.
— Me desculpe, senhor. Mas estava desacordado há tanto tempo, e depois, no estado em que chegou...
Will franziu a testa tentando se lembrar como viera parar ali. Então se lembrou. Liliana havia se casado. Furioso com a ex-noiva, ele fora até o clube. E conhecera uma moça com sotaque estrangeiro e olhos verdes. Natasha. E então tudo ficava muito confuso em sua mente. Acordara e saíra do local, sentindo-se péssimo. E será que sonhara que um homem moreno apontara uma espada para ele lhe jurando de morte? Era por demais bizarro essa situação.
De repente lembrou de algo mais. Olhos verdes brilhantes o encarando com preocupação. Natasha? Não, não era Natasha. Era Belle, a bandoleira. E ele a havia beijado. Tinha provado o gosto daquela boca macia, tocado a pele de alabastro. Mas só deveria ser fruto de sua imaginação.
— Art, como vim parar aqui? — perguntou confuso.
— Um amigo seu o trouxe. Jack ou algo assim.
— Não tenho nenhum amigo chamado Jack.
— Ele disse que o conhece de Kent. Enfim, ele o trouxe hoje de manhã.
— Ele estava sozinho? — Will perguntou, mesmo sabendo que a ideia de ter estado com Belle fosse absurda.
— Sim, estava.
— É estranho. Não me lembro de ninguém com esse nome. Como ele era?
— Era moreno, senhor. Um ar cigano.
Moreno? Será que então não tinha imaginado a parte da ameaça de morte?
Será que o homem que o ameaçara era o mesmo que dissera ser seu amigo?
— Você disse que ele me trouxe na nossa carruagem?
— Sim. Ele chegou aqui logo após o mensageiro do clube avisar onde o senhor estava. Então ele se apresentou como sendo seu amigo e disse que poderia buscá-lo, já que já tivera que fazer isso inúmeras vezes em Kent.
— Eu? Bebendo até cair em Kent? Isso é absurdo!
— Eu também achei senhor, mas...
— O que ele disse depois que me trouxe? Tem certeza que estava sozinho?
— Sim, senhor. Ele não disse nada, apenas o deixou aqui e foi embora.
Tudo era muito estranho. Se o homem o queria morto, por que não continuou o seu intento? Will estava completamente vulnerável.
Por que o homem desistira de matá-lo e o trouxera para casa? Muito estranho...
— Senhor, quem era aquele homem?
— Eu não sei. Mas com certeza não era meu amigo. Muito pelo contrário. Ele tentou me matar.
O criado arregalou os olhos.
— A culpa é minha, senhor! Coloquei sua vida em perigo!
— Tudo bem, Art. Agora, por favor, preciso tomar um banho e me barbear.
— Faz bem, senhor. O conde está furioso por ter voltado sem avisá-lo. E lady Juliet já contou a ele que foram assaltados.
Ótimo, tudo o que precisava era ter a ira do seu pai sobre si.
Will desceu para a sala já quase refeito da bebedeira, mas sua cabeça ainda latejava um pouco.
— Will! — Juliet correu em sua direção o abraçando. — Você está bem?
— Por favor, Juliet não grite!
— É claro que ele não está bem!
Will ouviu a voz do pai.
— Depois da bebedeira de ontem!
— Papai, por favor...
— Pensei que tivesse juízo, Will, mas vejo que me enganei! Tiveram que te trazer aqui!
— Sim, por um assassino — ele comentou sarcástico.
— O que quer dizer? Que história é essa?
Will contou ao pai em poucas palavras o que tinha sucedido.
— Oh, Will, você poderia ter morrido! — Juliet falou chorosa.
— Mas é um disparate! Como pode ter quase sido assassinado! — Sir John se exaltou. — Temos que comunicar a guarda, temos que investigar essa situação! Como se já não bastasse o assalto na estrada!
— Papai, não sei se é preciso...
— Mas claro que é! Você é um duque! Vou agora mesmo mandar uma mensagem ao chefe da guarda real.
Will seguiu o pai que se sentou na longa mesa de carvalho, redigindo um bilhete.
— Por que não me avisou que Liliana se casou?
O pai o fitou, com pesar.
— Sinto muito. Eu mesmo não sabia até poucos dias, quando ela retornou da França para passar uma temporada com o pai e a irmã, Lady Katherine, que também voltou da Irlanda. Eu pensei em lhe mandar uma missiva, mas estava esperando para poder ir pessoalmente lhe contar.
— Fui tomado totalmente de surpresa. — Will passou os dedos pelos cabelos, ainda irritado pela traição.
— Eu imagino. Eu teria ido avisá-lo, mas o parlamento está uma confusão.
— Como assim?
— O rei está preocupado.
— Fiquei sabendo que ele queria dissolver o parlamento mais uma vez, mas não conseguiu.
— A questão é que tem muita gente descontente com os novos impostos.
— Achei que tinha o aconselhado a desistir.
O conde era amigo pessoal do rei, e embora Charles fosse um tirano em alguns casos, o conde sempre tentava ajudá-lo a se manter moderado.
Nem sempre era fácil.
— O problema é que os cofres estão vazios desde a guerra com a Espanha. Charles precisa de dinheiro para financiar um levante contra uma possível revolução puritana na Escócia. Sabe que ele tem dialogado muito com os católicos e isso irrita muito alguns membros do parlamento, principalmente aqueles ligados aos puritanos.
— E o que acha que vai acontecer?
— Muitos membros estão em briga com o rei. É uma disputa política em curso. Querem diminuir o poder do rei e isso Charles não vai aceitar.
— Acha que vão conseguir?
Charles já dissolvera o parlamento antes, mantendo seu poder absolutista.
— Eu não sei, filho, mas tenho tentado me manter fora desta briga. Não sei até quando conseguirei. Apoio Charles sempre, mas desta vez temo que a rebelião será difícil de ser contida.
— Mas Charles tem todos os nobres ao seu lado.
— Há rumores de que alguns membros da aristocracia rural estariam do lado da burguesia e dos puritanos.
— Tem certeza disso?
— Sim tenho, até alguns nomes e o mais forte deles é do Barão de Wessex.
— Mas o barão também era amigo do rei. Era seu amigo!
— Sinto dizer que FitzRoy está revelando uma faceta desconhecida. Ele está cada vez mais próximo de Oliver Cromwell.
— Quer dizer que o homem, que disse se chamar Jack, desapareceu feito fumaça? — perguntou o chefe da guarda real horas mais tarde na casa de Will.
— Sim — Will respondeu lacônico.
— Ele disse que iria matá-lo? Mais nada?
— Não que me lembre.
— Ele estava bêbado! — Sir John comentou em tom acusatório.
O chefe da guarda ficou visivelmente encabulado e nada falou.
— Bem, vou investigar a situação. — Ele verificou alguns papéis e encarou Will. — O oficial Lúcios me disse que o senhor e sua irmã foram assaltados na estrada?
— Sim, fomos.
— Será que não foi um dos bandidos que tentou matá-lo agora?
Will franziu o testa. Não tinha pensado nesta possibilidade. Pensando bem... agora ele lembrava que tinha um homem muito moreno entre os bandoleiros sim. Seria o mesmo homem? E se fosse, será que então não tinha sido sonho o encontro com Belle? Ele se sentiu agitar com essa possibilidade.
— Pode ser sim. Não me lembro bem das feições do homem que tentou me matar.
O chefe da guarda se levantou.
— Se lembrar-se de algo, nos comunique. Vou pedir para Lúcios averiguar o paradeiro dos tais bandoleiros. Aí talvez possamos chegar à identidade do agressor. E tem mais. Na semana passada o Barão de Wessex foi assaltado perto do mesmo local onde o senhor e sua irmã foram pegos.
— Acha que pode ser os mesmos bandidos? — Will perguntou intrigado.
— Achamos que sim. E o barão está muito empenhado em descobrir o paradeiro deles. Se foi mesmo um dos membros da quadrilha que tentou assassiná-lo, eles podem estar em Londres.
O homem se afastou com Sir John e Will ficou pensativo.
Será mesmo que não tinha sonhado com Belle?
Era uma pergunta que ele não saberia responder no momento.
Capítulo 10
— Papai!
Claire correu ao encontro de FitzRoy ao vê-lo chegar.
— Preciso falar com o senhor!
— Agora eu não posso. Estou muito ocupado.
— Mas o senhor está sempre ocupado!
O barão se exasperou. Claire estava cada vez mais insuportável. Desde que a mãe morrera, quando a garota tinha apenas cinco anos, ele vinha a aturando, achando que pelo menos conseguiria usá-la para uma aliança vantajosa, com um casamento.
Talvez fosse o momento de começar a pensar no assunto...
Neste momento Sebastian entrou na sala.
— Barão, o membro da guarda está aqui.
— Mande-o entrar. — Ele virou-se para Claire. — Querida, conversamos depois. Agora vá para seu quarto.
Claire fez um muxoxo, mas obedeceu o pai e saiu contrariada da sala.
Lúcios entrou no recinto.
— O chefe da guarda disse que o senhor tinha uma missão para mim, milorde?
— Sim, preciso que siga Lady Guilhermina Ley, você deve saber quem é. Era minha acompanhante no dia que fui assaltado na estrada.
— Sim, senhor, eu sei quem é.
— Quero que fique de olho nela já a partir de hoje e me relate tudo o que ela faz, entendeu?
— Sim, senhor.
— Se fizer bem o seu trabalho, posso arranjar para que seja promovido a um posto maior na guarda.
Lúcios se afastou e Sebastian aproximou-se.
— O senhor está desconfiado de Lady Guilhermina?
— Sim. Mulheres não são confiáveis e muito menos essa. Se a tenho como aliada, preciso saber de todos os seus passos.
— Já ficou sabendo que o Duque de Buckingham e a irmã também foram assaltados voltando de Kent?
O barão se surpreendeu.
— Deveras?
— Sim, e pelo o que entendi, acho que foi pelo mesmo bando. Porém, o que os guardas disseram é que o duque lutou com eles e fugiu, salvando a si e a irmã. Toda Londres está comentando como o jovem duque é bravio.
O barão fez uma careta.
Então o duque teve mais sorte. Grande coisa.
— Ele conseguiu ferir mortalmente algum ladrão.
— Não, senhor.
— Deveria ter matado, mas tudo bem. Eu terei prazer de mandá-lo para a guilhotina mesmo.
****
Lúcios postou-se em frente à casa de Lady Guilhermina e não demorou muito para ela sair. Guilhermina se enveredou pelas vielas de Londres e Lúcios achou estranho uma moça como ela estar se encaminhando para lugares tão afastados.
Então ela entrou numa hospedaria e Lúcios ficou do lado de fora. O que será que ela estava fazendo ali? Será que esperava alguém?
E quando ele viu quem se aproximava não pôde acreditar. Pela descrição se parecia muito com um dos bandoleiros que assaltaram o barão e a própria Lady Guilhermina!
Deveria agir. Somente assim tinha como descobrir se era um dos bandidos realmente. E se fosse. Ele estaria feito.
— Parado senhor! — gritou com a espada em punho.
Jack virou sem acreditar e se deparou com o guarda. Colocou a mão na cintura e viu que estava sem sua espada. E agora?
— Bom dia. Algum problema?
— Identifique-se.
Jack sorriu.
— Jack Salazar, ao seu dispor.
— O que faz parado aqui, Senhor Jack?
— Vim ver uma amiga.
— O senhor se parece muito com a descrição de um bandoleiro que assaltou o Duque de Buckingham e o Barão de Wessex.
— O senhor está me confundindo. Eu vim me encontrar com Lady Guilhermina, deve saber quem é, uma dama importante de sociedade. Aliás, já estou atrasado, se me der licença...
Jack tentou passar, mas Lúcios apontou a espada para seu peito.
— Sinto muito, senhor, mas não posso deixá-lo passar.
— E posso saber por quê? Quem é você? — Jack começou a se irritar com o guarda.
— Sou Lúcios e tenho que levá-lo ao chefe da guarda para uma averiguação.
Jack pensou rápido. Se acompanhasse o guarda, estaria perdido. Mas também não podia lutar com ele, já que estava sem sua espada.
Então fez a única coisa que lhe restava no momento.
Correu.
— Ei, parado aí! — Lúcios gritou atrás dele, mas Jack continuou a correr o mais rápido que podia.
Porém o guarda também era rápido e o perseguiu através das ruelas de Londres. Jack olhou para trás e surpreendeu-se ao ver que o guarda ainda o perseguia. Tinha que se livrar dele, antes que encontrassem outros pelo caminho que se juntariam a perseguição.
Mas como?
Mais à frente, avistou um ferreiro que amola espadas. Sem pensar duas vezes, roubou uma, ignorando os gritos do homem e continuou a correr, até chegar a uma viela vazia e virando-se foi pra cima do guarda. Este foi rápido e levantou também sua espada, os barulhos das lâminas se encontrando cortou o ar e eles se embrenharam numa ferrenha luta.
Entraram num estábulo e a luta prosseguiu. Jack não acreditava que estava tendo dificuldade para vencer um guarda almofadinha. Mas o homem lutava com braveza e ele se espantou quando foi atingido no braço. Estupefato, olhou o sangue escorrendo e deixou a espada cair. O guarda avançou para cima dele.
— Renda-se. Ou terei que matá-lo.
— Está para nascer o homem que irá me pegar, seu guardinha! — Jack falou sarcástico e viu o guarda se irritar.
— Eu odeio gente como o senhor! Bandoleiros, larápios sem honra! Ficarei feliz em vê-lo esvair em sangue!
— Que pena. Hoje não é seu dia de sorte!
E aproveitando-se da distração do guarda, virou um soco na cara do homem que caiu para trás. A espada voou longe e Jack pulou para pegá-la, mas o guarda teve a mesma ideia e o puxou. Engalfinharam-se numa luta corpo a corpo entre murros e pontapés, e Jack pensou que este guarda de uma figa estava lhe dando muito trabalho. Talvez devesse mesmo matá-lo. Ele viu seu rosto. Poderia vir atrás dele depois. Jack era mais forte e não sem algum esforço conseguiu dominar o guarda.
— Solte-me! — o guarda exigiu por entre os dentes.
E Jack deu uma risadinha sarcástica.
— Vai sonhando, guardinha... Você mexeu com o bandoleiro errado!
De repente ele ouviu o barulho da cavalaria e com uma rápida olhada viu as cores da guarda.
— Maldição!
E agora? Arriscava-se para dar cabo ao guarda ou fugia?
Era melhor fugir.
Rapidamente se levantou e, dando uma última olhada para o guarda, falou antes de correr:
— Isso ainda não acabou!
No minuto seguinte Jack desaparecia na ruela escura.
Os guardas chegaram no momento seguinte.
— Lúcios! — Um deles o reconheceu e correu para o companheiro. — Você está bem? Está ferido?
— Não. Eu estou bem. — Lúcios se levantou meio cambaleante.
— Quem era aquele que correu?
— Um bandoleiro. Um dos que assaltaram o duque e o barão.
— Precisamos persegui-lo!
— Não vai adiantar. Ele deve estar longe.
— Como o encontrou?
— Estava seguindo Lady Guilhermina e o encontrei... — Lúcios resolveu não falar mais nada, antes precisava comunicar ao barão. — Eu preciso ir. Tenho que me reportar ao Barão de Wessex.
Ele se afastou pensativo. Foi até a casa do barão, mas foi informado que ele não estava, então resolveu ir embora.
Quando chegou em frente a sua casa em um subúrbio calmo de Londres, ele abriu o portão e respirou fundo.
Um adolescente franzino saiu da casa e fez uma cara de alívio.
— Ainda bem que chegou! Não aguentava mais ter que arranjar desculpas pra você!
— Não começa, Mário!
— Não, você tem que me escutar! O que está fazendo é muito perigoso.
— Faço isso há tempo o bastante para saber me defender.
— Não poderá se defender sempre... Ana Lúcia.
— Shi! Eu já falei pra não me chamar de Ana Lúcia enquanto eu estiver vestida assim! — Ela olhou preocupada para os lados.
— Então é melhor se apressar. A mamãe já perguntou umas três vezes a hora que ia chegar.
— Ana Lúcia, é você? — A moça ouviu a voz da mãe a chamando e fez uma careta preocupada.
— Eu avisei — Mário.
— Inferno! Eu já vou, mãe!
Ela entrou correndo em casa e foi direto para o quarto trocar as roupas masculinas por um vestido, soltou os cabelos e desceu para a cozinha.
Elena a mirou de cima a baixo com a expressão desconfiada.
— Onde se meteu até agora?
— Estava trabalhando.
— Não é certo. Uma mulher não deve trabalhar!
— Mas é preciso. Além do mais é muito injusto que só os homens possam ficar com a parte boa!
— Você tem ideias muito avançadas para o meu gosto. Se seu pai estivesse aqui...
— Mas ele não está! — Ana Lúcia cortou contrariada. Lembrando que o pai, um membro da guarda real, deixara a mãe viúva há alguns anos, morrendo em uma batalha.
— O Mário deveria colocar um pouco de juízo nessa sua cabeça, mas é tão desmiolado quanto você.
— Estão falando de mim? — Mário entrou na cozinha.
— Sim, precisa convencer a sua irmã e deixar este trabalho de cozinheira.
Mário e Ana Lúcia trocaram olhares.
— Sim, mãe. Eu já falei pra ela. Este trabalho é muito perigoso.
— Perigoso? Trabalho de cozinheira? — Elena estranhou.
— Mário está caçoando de mim, mamãe. — Ana Lúcia lançou um olhar ameaçador a Mário.
— Sim, eu estava brincando.
Elena pareceu esquecer o assunto, mas para entrar em outro que irritava Ana Lúcia mais ainda.
— Você precisa se casar.
— Eu nunca vou me casar!
— Ah vai sim!
— Não, não vou. Casar para quê? Para terminar igual a senhora?
— Ana Lúcia! Olha como fala!
— Me desculpe, mamãe.
— Precisa melhorar seus modos. Desse jeito nunca vai arranjar um marido.
Ana Lúcia revirou os olhos e decidiu não continuar o assunto. Sua mãe era como todos. Achavam que uma mulher não tinha outra coisa a fazer na vida a não ser arranjar marido.
Mas ela não era assim. Nunca fora. Ela queria mais. Queria ter as mesmas liberdades que os homens. Sempre achara injusto que seu irmão pudesse tudo e ela nada e desde pequena se rebelara contra seu destino, que era casar e ter uma penca de filhos.
Prometeu a si mesma que fugiria desse destino. E conseguira. Tudo bem que para tanto tivesse que viver uma vida de mentiras, mas não se importava.
Tinha vivido e presenciado mais coisas do que qualquer mulher.
Porque fingia ser um homem.
A ideia surgira quando vira um anúncio da academia da guarda real. Ingênua, ela se apresentara somente para ser ridicularizada.
— Uma mulher? Na guarda real? Só se for para aquecer nossa cama — um cabo idiota tinha dito e os outros tinham rido.
Ela saíra de lá com muita raiva e jurara que mostraria a eles.
Chegara em casa e Elena imediatamente a chamara para ajudá-la com as roupas dos fidalgos que costurava. Como ajudante de um famoso alfaiate, Elena sempre trazia trabalho para casa. Ana Lúcia detestava aqueles afazeres. Mas então naquele dia tivera uma ideia. Pegara algumas roupas escondido e as vestira. Prendeu os longos cabelos castanhos sob um chapéu e se apresentara à guarda. Morrera de medo de que fosse descoberta, mas para sua surpresa isso não acontecera. E ela fora admitida na academia.
Para despistar a mãe teve que contar ao seu atrapalhado irmão Mário. Ele fora contra, a princípio, mas no final acabara a ajudando. E desde então Ana Lúcia tinha virado Lúcios, um membro da guarda real. “E em breve serei promovida.”, pensou com um sorriso. Bastaria capturar aqueles bandoleiros e o barão a ajudaria.
E pensar que tivera um deles sob sua mira e deixara escapar a enervava.
Aquele bandoleiro moreno iria pagar. Ela conseguiria achá-lo e o faria comer terra e o jogaria na cela mais imunda de Londres. Nem que esta fosse a última coisa que fizesse na vida.
Como era mesmo que ele dissera que se chamava? Jack. Um bandido insolente. E metido a charmoso. Um idiota como todos os homens. Ainda bem que ela estava vestida de homem e ele não viera com aquele sorriso cheio de dentes pra cima dela. Os sorrisos ele guardava para Lady Guilhermina.
Mas o que uma lady estava fazendo se encontrando com alguém como o Jack, um bandoleiro? O barão tinha mesmo por que desconfiar da moça. Mas será que era mesmo verdade o que o bandido dissera? E se fosse um engodo? E se ele tivesse ali para fazer algum mal a Lady Guilhermina?
De qualquer maneira, ela contaria ao barão no dia seguinte toda esta história e se fosse verdade que Guilhermina estava mancomunada com o tal bandoleiro, estava perdida.
E Ana Lúcia estaria feita.
Para conseguir o sucesso total, tinha que descobrir onde estava o bandoleiro. Como faria isso ela não sabia. Mas iria descobrir. Ou melhor: Lúcios iria descobrir.
****
Logan mirou a casa de linhas nobres. Os tijolos brancos contrastando com o verde das trepadeiras. A casa de Katherine. Não importava quanto tempo passasse sem ali estar. Ele nunca seria capaz de esquecer. A dor e o ressentimento ainda estavam vivos em sua memória.
Tudo o que fizera através dos anos foi tentar não mais voltar ali, mas o destino o trapaceara novamente. Não tinha como fugir.
Mas o que poderia fazer? Tudo estava perdido. Sempre estivera. O pai de Katherine o odiava e com certeza se o visse ali o mandaria para a guilhotina. Agora tinha mais motivos do que nunca.
Sentindo o peso do mundo em suas costas ele resolveu partir. Então ouviu o barulho de passos se aproximando e sentiu o sangue parar de correr nas veias ao ver Katherine. Ela também o viu. Pois ficou branca igual papel, parada no mesmo lugar.
Nem um dos dois se mexeu por alguns momentos intermináveis.
Então ele sorriu e caminhou até ela.
— Olá, Katherine — falou emocionado.
— Logan... — ela murmurou com a voz trêmula.
— Precisamos conversar.
Ela pareceu perceber onde estava e arregalou os olhos assustada.
— Por favor, vá embora! Se meu pai o vir aqui...
— Eu vou. Mas você irá me encontrar no lugar de sempre amanhã à tarde.
— Está louco se acha que...
— Amanhã à tarde. Eu a esperarei.
Ele se afastou rapidamente e logo depois Richmond apareceu.
— O que aconteceu? — perguntou à filha. — Está branca igual papel!
— Nada...
— Estava conversando com alguém? — perguntou desconfiado.
— Não, claro que não! — desconversou. — Vamos? Já está ficando tarde...
Eles subiram na carruagem e Katherine ficou pensativa.
Mas o que é que Logan estava fazendo ali em Londres? A última vez que o vira fora há muitos anos. E chegara a pensar que nunca mais o veria. Mas ele estava ali novamente. E queria se encontrar com ela. Mas Katherine não podia. Não devia.
O que faria agora?
****
Já era noite quando Guilhermina chegou em casa. Bateu a porta irritada. Fora ludibriada pelo bandoleiro. Ela o esperara a tarde inteira e ele não se dignara a aparecer. O salafrário.
Mas o que ela pensara? Confiar em um bandido. Estava mesmo ficando louca.
— Onde você estava?
Ela parou e encarou James.
— Não estou com paciência para aturar você, James!
— E eu estou cansado desse seu comportamento inconsequente!
— Você não manda em mim. Eu faço o que bem entender da minha vida!
— Sim, dorme com qualquer um em troca de favores.
— Porque você e sua mãe roubaram minha herança!
— Nós não roubamos nada, então não venha usar isso como desculpa para a sua promiscuidade.
Ela riu.
— Você fala assim, porque tem ciúme.
— Não, eu não tenho ciúme. Apenas me preocupo com você.
— Mentira! Se preocupa em sujar o nome da família.
— Você já fez há muito tempo!
— Como se eu fosse considerada desta família!
— Está sendo injusta. Você vive aqui, não te falta nada...
— Me falta liberdade!
— É o que você mais tem.
— Mas não é a que eu quero. Eu quero o meu dinheiro de volta.
— Sabe que é absurdo.
— Não me interessa.
— Todo mundo sabe que você anda pulando na cama do Barão de Wessex. Ele é perigoso, Guilhermina.
— Pode pensar o que quiser. Não me interessa. — Ela se afastou.
— Não pense que vou limpar a sua sujeira desta vez.
— Eu nunca pediria. Não desta vez.
— Está brincando com um homem perigoso.
— Eu sei o que faço. — Ela subiu as escadas correndo. Estava cansada das conversas de James.
James viu Guilhermina subir as escadas com o rosto preocupado.
— O que está acontecendo aqui? — Lady Phelipa entrou na sala a ponto de ver Guilhermina desaparecer no andar de cima. — Agora entendi. Sua querida irmã se dignou a aparecer.
— Ela não é minha irmã.
— Eu sei. É o que me preocupa.
— O que quer dizer?
— Você está apaixonado por ela.
— Mamãe...
— Não tente negar. Eu sempre soube. E sempre esperei que se livrasse desse fascínio quando visse quem ela é de verdade. Mas não aconteceu. Você precisa se casar, James.
— Eu não acho...
— O que espera? Que Guilhermina se apaixone por você? — James abaixou o olhar e Phelipa percebeu que era exatamente isso que ele queria. — Nunca vai acontecer. Guilhermina está perdida. Precisa esquecê-la.
— E você acha que isso vai acontecer se eu me casar?
— Precisa se casar. Precisa de um herdeiro. Tem que concordar comigo.
James sabia que a mãe tinha razão. Já passara tempo demais atrás de um sonho impossível.
— E pela sua cara deve ter alguém em mente.
— Sim. Lady Juliet Cavendish. Filha do Conde de Canterbury seria perfeita.
****
Will entrou no clube esfumaçado e sentou-se numa mesa afastada. Não demorou para uma jovem loira sorridente se aproximar.
— Olá, senhor. Procura divertimento?
Will sorriu e já ia responder que não fora ali com este intuito quando ouviu a voz com o sotaque estrangeiro.
— O duque já tem companhia, Madeline.
Natasha aproximou-se e, lançando um olhar ameaçador para Madeline, sentou-se ao seu lado.
Madeline deu de ombros e se afastou.
Natasha sorriu para Will.
— Não pensei que voltaria aqui.
— Nem eu.
Ela passou a língua pelos lábios bem feitos num gesto que com certeza esperava fazer algum efeito devastador no seu interlocutor.
— Você me deixou muito confusa. Indo embora daquele jeito... sem se despedir.
— Por isso estou aqui. Vim me desculpar. E agradecer. Sei que mandou chamar alguém na minha casa.
Ela deu de ombros e lhe lançou um olhar sugestivo.
— Fiz porque gostei de você.
Will ignorou a observação.
O que fora fazer ali afinal? O que esperava?
Ver Natasha novamente apenas o fazia perceber mais uma vez que não tinha a mínima atração por ela. Mas ela estava interessada. Will conhecia o tipo. Ambiciosas e sedutoras, com certeza Natasha contava com ele para ser seu mais novo provedor.
Em outros tempos talvez aceitasse a oferta, mas agora ele não tinha a menor disposição.
E devia esse desinteresse à bandoleira de olhos verdes que enfeitiçara sua mente e seus sentidos. Não conseguia parar de pensar nela, na maciez da pele branca, na doçura dos lábios tentadores. Porém, se desprezava por isso. Estava sonhando com algo impossível. Com alguém que estava muito longe de sua realidade. Alguém que com certeza nunca mais encontraria. A não ser em sonhos. Como naquele da carruagem.
— Está distraído...
Ele voltou à realidade com a voz sedutora de Natasha.
Ela se debruçou sobre a mesa, deixando entrever um decote revelador e cravou nele os olhos claros.
— Talvez devêssemos continuar o que começamos na noite passada.
Pronto. Ela fizera a oferta final. Mas Will não se sentia tentado a aceitar. Nem um pouco. Era um caso perdido.
— Me desculpe, Natasha. Talvez em outra ocasião. — Ele se levantou. — Até mais ver.
Ele se afastou deixando uma estupefata Natasha para trás.
Quando estava saindo, esbarrou no Barão de Wessex que estava entrando, seguido de seu lacaio.
— Ora, ora, quem está de volta. Will, bem-vindo a Londres. — O homem sorriu e Will lembrou-se das palavras de seu pai.
Não retribuiu o sorriso e isso não passou despercebido ao barão.
— Com licença, estou de saída. — Will pôs o chapéu, disposto a se afastar, mas o nobre segurou seu braço.
— Fiquei sabendo que também foi assaltado por um bando em Kent — o homem disse com desagrado. — Por que não toma um xerez comigo e conversamos sobre este assunto?
— Sim, eu e Juliet fomos assaltados, mas conseguimos fugir.
— Admirável! Infelizmente e não tive a mesma sorte. No entanto esses larápios não perdem por esperar. Eles pagarão, mais dia menos dia.
Will franziu a testa, hesitante.
Então o barão nutria ideias vingativas contra os criminosos?
E não devia, ele mesmo, estar com os mesmos pensamentos?
Porém, não estava com a menor vontade de se unir ao barão.
— Boa sorte com isso — disse, deixando o barão entender com sua resposta lacônica que não estava interessado em suas ideias de desforra.
— Vejo que não pensa como eu. Mesmo assim, gostaria de ter uma conversa com você. Deve saber das agruras do parlamento.
— Sim, meu pai meu colocou a par. Mas no momento não tenho nada a dizer sobre o assunto. Até mais ver.
E ele se afastou deixando para trás um barão bem descontente.
— Ele costumava ser um rapaz mais educado — resmungou entrando no recinto.
— Ouvi rumores... — Sebastian comentou, prendendo a atenção do barão.
— Rumores?
— Sim, que ele voltou de Kent e ficou furioso porque Lady Lilian Richmond, que era sua noiva, se casou com um francês na sua ausência.
O barão sorriu maldosamente.
— Então o jovem duque está com o coração partido e sem um compromisso? Talvez isso me sirva para algo...
****
Belle caminhava pelas ruas escuras de Londres. Sentia frio, mas não se importava. Não sabia o que procurava, mas sabia que estava perto. Aquele vazio que a torturava, a consumia, pedia algo que ela só sabia existir em sonhos. Sonhos que ela nunca alimentara, mas que a envolvia pouco a pouco sem que tivesse vontade de resistir.
Então ela o viu. Ele caminhava em sua direção. Usava roupas pretas e no olhar uma expressão de caçador.
Ela parou, esperando, ansiando, desejando.
Uma força irresistível os unia, como uma linha invisível, porém devastadora.
Quando ele se aproximou e a envolveu com seus braços Belle arfou, encarando aquele rosto que dominava seus mais secretos sonhos.
— Will... — sussurrou seu nome na noite escura como um mantra divino e em resposta ele desceu a boca sobre a sua, beijando seus lábios como nenhum outro fizera.
Belle sentiu o corpo se desintegrando com a força daquele beijo. Nada mais importava a não ser as mãos que a seguravam firmemente, a boca que devorava a sua com urgência.
Por toda a sua vida ela esperava por ele sem saber.
Tão de repente como a beijara, ele a soltou. Sentiu-se vazia de novo quando não mais estava em seus braços e abriu os olhos e congelou quando não mais o viu. Ele tinha desaparecido.
— Will? — gritou na noite escura, mas ouviu apenas o sussurro do vento em resposta.
Ela percebeu que estava mais sozinha do que nunca e um sentimento opressor a dominou, roubando seu ar e toda vida de seu corpo.
Belle acordou sobressaltada e sentou-se na cama. Abrindo os olhos, focalizou-os no quarto da hospedaria, voltando à realidade.
Que raio de sonho fora aquele? Estava mesmo sonhando que o Duque de Buckingham a beijava?
Estava enlouquecendo. Só podia ser. Irritada, jogou as cobertas longe e levantou-se, saindo do quarto. Precisava de ar. Precisa livrar-se daquelas sensações desconhecidas que a dominavam. Precisava esquecer.
— Onde vai com tanta pressa?
Ela ouviu a voz de Logan e se virou. Ele estava parado na sacada, sozinho.
Ela caminhou até ele, postando-se ao seu lado, olhando a noite escura.
— A lugar algum. Apenas queria... — ela respirou fundo abraçando o próprio corpo — esquecer algumas coisas que têm acontecido ultimamente.
— Se fosse tão fácil... — ele comentou estranhamente e Belle o encarou.
Quem seria realmente aquele homem? E que mistérios guardava na sua vida?
— Por que se tornou um frade? — perguntou de repente e ele riu.
Era um homem muito bonito, o escocês.
— Mulheres são sempre curiosas. Mesmo as bandoleiras.
— Você não quer responder — Belle observou.
— Não gosto de falar sobre o passado — ele respondeu com uma certa tristeza na voz.
— Então somos dois.
Ela também tinha um passado que queria esquecer.
Engraçado como não pensara muito naquelas coisas depois que conhecera o duque.
Belle sacudiu a cabeça.
Não, não podia mais pensar nele. Era absurdo. Insano. Perigoso.
— Se importa de eu ficar aqui com você? — perguntou a Logan. — Podemos ficar em silêncio. Eu só não quero ficar sozinha.
Ele a fitou, como se perguntando o que a perturbava, mas nada indagou.
— Pensei que passasse as noites com o Jack.
Belle fez uma careta.
— Não mais. Há muito tempo na verdade.
Ele soltou uma risada.
— Só queria me certificar de que não levaria um murro na cara.
— Mas não há nada de mal aqui. — Ela levantou a sobrancelha. — Ou há?
— Não, claro que não. Você é muito bonita, Belle. Mas não é para um homem como eu.
Ela não falou nada. Apenas deixou-se ficar ali, admirando a noite silenciosa ao lado daquele homem misterioso. No momento, era o que bastava. Amanhã pensaria nos seus problemas. Amanhã.
Capítulo 11
— Will! — Juliet foi ao encontro do irmão que descia as escadas e o beijou. — Bom dia!
Will não retribuiu seu sorriso. Tivera uma noite maldormida com sonhos bizarros envolvendo uma certa bandoleira que não lhe saía do pensamento.
— Por que está com essa cara? Oh, como pude ser tão insensível. — Juliet apertou sua mão — Está sofrendo pela traição de Lady Liliana! Como pôde te trocar por um francês qualquer?
— Não quero falar sobre isso, Juliet...
— Sim, deve esquecê-la! Ela é uma dissimulada!
E então a irmã sorriu.
— Acho que poderíamos fazer algo para nos animar! Gostaria que me levasse para dar uma volta na cidade.
— Nem pensar, tenho muitas coisas a fazer hoje.
Juliet cruzou os braços e bateu o pé.
— Não aguento mais ficar trancada em casa! Pensei que teria de volta minha vida social ao voltarmos a Londres!
— Você a terá. Por que não pede ao papai?
— Ele está com visitas.
Will levantou a sobrancelha.
— Não sabia que ele iria receber alguém.
— É o Barão de Wessex!
Will se preocupou.
— Já vi que você não vai fazer minhas vontades hoje, então vou pintar no jardim!
Juliet se afastou e Will resolveu ir ao encontro do pai. Porém estancou a porta do escritório ao ouvir as vozes exaltadas lá dentro.
— Não pode querer que eu compactue com um absurdo desses! — John gritava.
— Não adianta fugir, John — A voz do barão estava mais calma, mas tinha uma ironia cortante. — Cedo ou tarde terá que escolher um lado, e o melhor é que seja do lado certo.
— Não, eu não o farei. E se o fizer nunca será contra a coroa. E se insistir nesta ideia, me verei obrigado a relatar tudo ao rei. Agora, por favor, retire-se.
Barão de Wessex abriu a porta e passou por Will que entrou no escritório encarando o pai interrogativamente.
— O que está acontecendo, pai?
— O barão está mesmo mais envolvido com os puritanos do que eu supunha.
— Tem certeza?
— Sim.
— Nunca ouvi dizer que ele tivesse tendências puritanas...
— O que eu temo é que ele tenha interesses puramente comercial nessa história.
— O que quer dizer?
— Will, ouça bem o que vou lhe dizer, mas tem que ficar entre nós.
— Tudo bem.
— Existem indícios de uma conspiração para depor o Rei Charles.
— Pai, o senhor tem certeza?
— Sim. E FitzRoy está no meio.
— Por isso discutiam hoje?
— Sim. Tentei conversar com ele, em nome dos velhos tempos, mas não quer me ouvir. Ele quer que eu fique do lado dele, na revolta.
— E o que o senhor fará?
— Claro que não quero estar em uma rebelião contra Charles!
— Vai alertar o rei?
— Seria o certo a fazer. Mas só irei tomar um partido quando tiver certeza de tudo. Por enquanto, tudo fica como está.
— É muito sério...
— Will, você não irá fazer nada.
— Mas...
— Eu o proíbo.
Will achou melhor não discutir, mas não concordava com o pai. Se existisse um plano de conspiração contra a coroa, tinha que chegar aos ouvidos do soberano.
— Vamos mudar de assunto. Hoje virá nos visitar Sir James Holt.
— Não sabia que tinha negócios com ele. — Will estranhou.
— Não tinha, mas agora tenho.
— Que tipo de negócio?
— A mãe dele veio me procurar um dia desses e propôs que James e Juliet se casassem.
— E o que o senhor disse?
— Eu não fui contra, mas você sabe como é sua irmã. Ela me preocupa muito.
— Papai, nós concordamos que não iríamos obrigá-la...
— Eu sei, mas a Juliet é muito inconsequente. Temo que ela possa aprontar mais alguma se não tomarmos uma atitude.
— Então está pensando em casá-la com James Holt?
— Sim.
— E como pretende convencê-la?
— Juliet tem que seguir minhas ordens! Já a deixei muito solta todos esses anos! Se tiver que obrigá-la eu o farei! Espero que não seja preciso obrigá-la, o rapaz é bem apessoado e é jovem. Talvez ele a conquiste, quem sabe?
Will deu de ombros.
— O senhor é quem sabe, mas temo que não seja fácil...
— Nem eu espero que seja. — John ficou sério. — Will, você também precisa se casar.
Will se irritou.
— Não vou me casar — retrucou duramente.
— Precisa superar Liliana! Você é um duque, herdeiro de uma fortuna. Não pode permanecer solteiro para sempre! Tem que ter herdeiros! Sei que sofreu um baque muito forte com a Liliana...
— Não quero falar sobre isso! — Will se afastou abruptamente e John tentou ir atrás, mas o criado o interceptou.
— Lorde James Holt está a sua espera na sala de visitas.
— Sim, estou indo para lá. Onde está Juliet?
— Nos jardins, senhor.
Juliet pintava a paisagem, compenetrada quando viu Will passando e correu até ele.
— Will!
— Agora não, Juliet!
— Ainda de mau humor? — Juliet indagou ofendida.
— Me desculpe — ele falou arrependido.
— Está desculpado! Diga-me, aonde vai com tanta pressa?
— Vou resolver alguns negócios.
Juliet fez uma careta.
— Que enfadonho! Que tal em vez de ir resolver seus negócios chatos, você me levar para dar uma volta?
— Não vai a lugar algum, Juliet. — Sir John apareceu. — Temos visitas, já para dentro!
Ele se afastou e Juliet olhou para Will.
— Quem é essa visita?
— Lorde James Holt — Will respondeu e montou em seu cavalo.
— Por que o papai iria querer que eu recebesse aquele chato?
— Porque ele é seu pretendente! Boa sorte, irmãzinha! — Will se afastou a galope deixando uma Juliet petrificada no lugar.
Seu pai queria que se casasse com Lorde James?
Ela o detestava! James era um chato enfadonho e jamais iria se casar com ele. Mas o que ela faria agora? Tinha que sair dali. Não iria fazer sala para aquele idiota!
Indo até as cocheiras, selou seu cavalo e desapareceu dali. Não sabia para onde ia, mas pelo menos teria um tempo para pensar numa saída.
****
— E então como foi a conversa com o Conde de Canterbury? — Sebastian perguntou a FitzRoy quando o barão adentrou em sua sala particular.
— Uma lástima.
Em poucas palavras o barão relatou a conversa com o conde.
— Pensei ter ouvido o senhor dizer que o apoio do conde era fundamental.
— Sim, eu disse. Ele é amigo do rei. — Ele encarou Sebastian com um olhar maligno. — Acho que terei que me livrar de John Cavendish.
****
— Então, como foi seu encontro? — Colin perguntou a Jack na manhã seguinte.
Eles estavam numa taberna e bebiam tranquilamente à espera do líder Blake aparecer.
Jack sorriu.
— Foi como deveria ser, ela ficou muito satisfeita! — respondeu cheio de si.
Blake aproximou-se e sentou à mesa com cara de poucos amigos.
— Sugiro deixar o papo furado de lado e irmos embora o mais rápido possível. Já nos arriscamos demais ficando na cidade.
— Eu não posso partir — Logan anunciou. — Tenho um compromisso.
— Olha aqui, escocês. Está há pouco tempo nessa vida de crimes, mas mesmo um novato como você deve saber que bandoleiros como nós não podem ficar dando as caras por aí!
— Mas o Jack ainda não nos disse se descobriu algo com a Guilhermina! — Belle falou e todos olharam para Jack.
— Sim, Jack. O que foi que descobriu? Espero que tenha valido algo este seu encontro, já que nos arriscamos por ele — Blake falou friamente.
Jack se mexeu na cadeira, desconfortável.
— É... bem... na verdade...
— Fala logo! — Belle se impacientou.
— Na verdade eu tenho uma confissão a fazer.
— Dormiu com a moça e não descobriu nada, não é? Como você é idiota Jack! — Belle se irritou.
— Na verdade eu nem cheguei a encontrá-la...
— O quê? — todos falaram ao mesmo tempo.
— Tinha alguém me seguindo e fui interceptado.
— Quem estava te seguindo? — Belle se alarmou.
— Eu sabia que não era uma boa ideia! — Blake se irritou.
— Um guarda — Jack respondeu.
— E o que aconteceu? — Colin perguntou enquanto Belle e Blake trocavam olhares preocupados.
— Nós lutamos e eu acabei com ele. Depois fugi.
— Você o matou? — Logan indagou.
— Não.
Blake bateu na mesa.
— Sabia que iria nos colocar em enrascada! Agora a guarda real está atrás da gente!
— Ei, a culpa não é minha! Eu nem deveria ter ido naquele encontro, já que o recado nem era pra mim!
Blake o encarou sem entender.
— Como disse?
Jack corou.
— O menino achou que eu fosse você.
No momento seguinte Blake partia para cima de Jack, esmurrando-o.
— Seu idiota!
Os outros levantaram e apartaram a briga.
— Vai me pagar por isso! — Blake gritou.
— Pagar por quê? Eu nem me encontrei com a moça!
— Chega! — Belle gritou para os dois. — Estamos com um problema muito sério aqui. Então será que dá para deixar a discussão sobre mulher para outra hora?
Eles se calaram e todos se sentaram novamente.
— O que vamos fazer? — Colin perguntou.
— Temos que fugir daqui o mais rápido possível — Blake anunciou.
— Se fugirmos, quem garante que não irão atrás? — Logan objetou.
— Jack, quem era o guarda? — Belle se virou para o bandoleiro.
— Um tal de Lúcios. Ele disse que achava ser eu um dos membros do bando que assaltou o barão e o duque.
— Quer dizer que ele “achou”? Então ele não sabe quem você é. Na verdade, poderia nem o estar seguindo!
— Então como me achou?
— Poderia ter desconfiado pela sua descrição. E teve certeza quando você fugiu e depois lutou com ele.
— Como vamos saber se isto é correto? — Logan questionou.
— Não precisamos saber de nada — Blake respondeu. — Apenas fugir!
— Não, ele tem razão — Belle falou pensativa. — Acho realmente que não estavam seguindo Jack. Para que seguir um bandido? Se você o acha, o prende logo!
— Poderiam querer saber onde estava o resto de nós — Colin comentou.
— Não. Tem alguma coisa aí...
— Belle, não temos tempo para suposições, temos que ir embora — Blake insistiu.
— Acho que devemos ficar e tentar descobrir o que está acontecendo. Se esse Lúcios reconheceu o Jack acho que tem mais coisa aí.
— Eu não sei... — Blake continuava reticente.
— Pensa bem, Blake. E se fugirmos e nos acharem? Acho que devemos encontrar esse Lúcios e dar uma prensa nele! — Belle falou e todos a encararam. — É sério. Somente ele reconheceu o Jack. Se ele estiver fora da jogada, podemos fugir mais tranquilamente!
— Eu quero mesmo pegar aquele paspalho! — Jack falou com raiva.
— Tudo bem — Blake concordou. — Você e a Belle irão atrás do guarda. Colin vai tentar descobrir algo sobre o barão. Encontramo-nos aqui e veremos o que fazer. Se não descobrirmos nada iremos embora. Sem discussão.
****
Logan a esperava. Não sabia se ela viria. Mas esperaria mesmo assim. Talvez Katherine não ousasse desafiar seu pai. Todavia ele tinha esperanças. Sabia que talvez fosse um erro o que estava fazendo. Mas não poderia se ver livre do passado até ter certeza que Katherine estava bem.
— Olá, Logan.
Ele levantou a cabeça e a viu.
— Oi Katherine. — Ele sorriu.
Ela sentou-se à mesa da taberna a sua frente. Parecia extremamente nervosa.
— Você está muito bem. Parece que os anos não passaram para você — ele comentou.
— Mas eles passaram, Logan. E não voltam mais.
— Eu sei disso mais do que ninguém — ele concordou amargurado.
— Por que voltou? — Katherine perguntou de repente.
— Precisava ver você. Saber se está bem.
— Eu estou bem. Se era o que queria saber...
— Não é só isso. Quero saber se...
— Eu me casei — ela confirmou suas suspeitas e ele estreitou o olhar.
— Então Richmond conseguiu te dobrar. Quem é ele?
— Você não o conhece. Ele é irlandês. Eu moro lá agora. Estou aqui visitando meu pai, mas voltarei para a Irlanda logo.
— Você é feliz?
Ela sorriu.
— Sim, eu sou.
— É feliz ou finge ser?
— Pois essa é a verdade — ela suspirou —, eu não devia estar aqui. E nem você. Se meu pai descobre...
— Eu não tenho medo do seu pai.
— Mas deveria ter! — ela falou aflita.
— O que ele pode fazer, Katherine? Me matar? Eu já estou morto há muito tempo!
— Será que não entende que eu tive que me separar de você, para que ficasse em segurança?
Ele deu uma risada sarcástica.
— Não deveria ter deixado você. Deveria tê-la raptado.
— Meu pai nos acharia.
— Sempre a filha do seu pai, não é?
— Chega, Logan! Isso ficou no passado. — Ela olhou em volta. — Preciso ir...
Ele segurou sua mão.
— Não, por favor. Não vá. Não ainda. Me desculpe. Prometo me comportar.
— Logan...
— Me desculpa. Se não quer falar do passado, não falamos. Fale-me de sua vida na Irlanda.
Ela pensou por alguns momentos e então sorriu.
— Tudo bem, mas não poderei me demorar.
****
Juliet cavalgou para o mais longe possível até chegar ao centro da cidade, e então desmontou. O que faria agora? Para onde iria? Andou a esmo por horas a fio. Tentava achar uma saída para seu dilema. Não podia, não queria se casar com James.
Pensou em voltar para casa, mas não queria correr o risco de encontrar o pretendente. Poderia ir à modista. Sim, iria à modista, pensou sorrindo, atravessou a rua e um grupo de homens maltrapilhos mexeu com ela, levemente assustada, já que nunca tinha andado pelas ruas de Londres desacompanhada, apertou o passo. Mas eles continuaram assoviando e um deles puxou seus cabelos. Juliet correu e entrou na primeira porta que viu.
Ajustou os olhos à escuridão velada do lugar e percebeu que estava numa taberna. Sorriu, empolgada. Nunca tinha estado numa taberna!
— Vai querer alguma coisa, senhorita? — um grandalhão perguntou a medindo de cima a baixo. Com certeza se perguntando o que uma moça bem vestida estava fazendo ali. Ainda mais sozinha.
— Eu... eu... — ela gaguejou olhando em volta.
Foi então que o viu. Logan estava sentado numa mesa distante.
Sorriu, aliviada. Deus ouvira suas preces. Encontrara o bandoleiro novamente. Sem dar ouvidos às perguntas do grandalhão, ela aproximou-se da mesa de Logan.
— Irmão Logan! Não acredito que nos encontramos novamente!
Ele se virou e arregalou os olhos estupefatos ao vê-la.
— Lady Juliet? O que faz aqui?
Ela deu de ombros, coquete.
— Estava dando uma volta e decidi entrar para tomar alguma coisa, posso acompanhá-lo?
Ela olhou para o lado e só então percebeu que ele não estava sozinho. Havia uma moça ali. Muito bonita e fina por sinal, que a encarava curiosamente.
Desconcertada, Juliet mirou Logan.
— Oh.... Não sabia que estava acompanhado... me desculpe... — balbuciou.
A moça sorriu.
— Não vai nos apresentar, Logan?
Foi quando ela falou que Juliet a reconheceu. Não a via há muito tempo, ela tinha mudado um bocado, mas a reconhecera.
— Lady Katherine Richmond?
A moça estreitou o olhar.
— Nós já nos conhecemos?
Juliet sorriu.
— Sim, meu irmão foi noivo de sua irmã, Lady Liliana.
— Você é Juliet Cavendish? Nossa, está irreconhecível, quando a vi pela última vez era uma garotinha!
— Sim, já faz muitos anos...
Katherine encarou Logan.
— De onde conhece Lady Juliet?
Logan e Juliet trocaram um olhar e Juliet percebeu que ele não queria que a moça soubesse como se conheceram. Ou o “quanto”. Qual seria o tipo de relacionamento que Lady Katherine tinha com Logan? Ela não era casada?
Contendo a curiosidade, Juliet se recompôs e sorriu.
— Nos conhecemos em Kent. Passei uma temporada lá com meu irmão, na propriedade da família.
— Entendi. — A moça olhou para Logan como se perguntando o que ele fazia em Kent. Será que sabia que Logan era um bandoleiro?
Ela o encarou. Queria conversar com ele. Pedir que a ajudasse. Mas com certeza, Logan não a queria ali naquele momento. Sentiu um desânimo profundo a dominar. Pensava que encontrar Logan fosse a solução perfeita. Mas agora não tinha tanta certeza.
— Bem, eu preciso ir. Não era nem para eu estar aqui — falou aturdida, sorrindo sem graça.
— Juliet... — Logan a chamou, mas ela não escutou e saiu rapidamente.
Andou sem rumo. Depois de um tempo, ela levantou o olhar e percebeu que estava perdida. E agora? As pessoas a encaravam estranhamente e Juliet se arrepiou com os olhares mal-encarados. Estava numa parte perigosa da cidade, perdida, e não fazia a menor ideia de como sair dali.
— Está perdida, gracinha?
Ela sentiu o bafo em seu pescoço e virou-se assustada, dando de cara com os mesmos homens maltrapilhos que a tinham importunado antes.
— Me deixem em paz!
Eles riram debochados.
— Não está com sorte hoje, querida. Mas nós estamos! — O homem a agarrou enquanto outro pegava sua pequena bolsa, Juliet debateu-se e com um safanão, conseguiu se soltar e correr. Mas eles gritaram e foram atrás. Oh Deus, estava em apuros!
Olhando por sobre os ombros a todo instante com medo que os homens a alcançassem, Juliet não percebeu o declive da rua à frente e perdendo o equilíbrio, rolou a pequena viela, perdendo os sentidos.
Capítulo 12
— Bom dia, guarda! — Will adentrou na sede da guarda real e o homem o encarou com respeito, o reconhecendo.
— Duque de Buckingham. — Fez uma mesura.
— Sabe onde posso encontrar o guarda Lúcios? — Will perguntou sem preâmbulos.
— Ele ainda não veio trabalhar, senhor.
— Onde posso encontrá-lo? — Will insistiu.
Will ouvira dizer por alguns guardas que Lúcios havia lutado com um bandoleiro e queria saber mais sobre o assunto.
— Creio que na casa dele, milorde.
— E você sabe onde?
O guarda lhe passou o endereço e Will foi atrás de Lúcios.
Claro que o fato de ele estar interessado em saber se o homem que havia desafiado o guarda era mesmo o bandoleiro que o assaltara não tinha nada a ver com uma certa moça de olhos verdes. Ele queria apenas saber sobre o caso. Somente isso.
****
Juliet sentia-se mal. A cabeça latejava como se pesasse uma tonelada. Ela virou o rosto e abriu os olhos, gemendo quando a claridade do dia atingiu sua visão embaçada.
— Você está bem?
Ela abriu os olhos de novo ao ouvir a voz e deparou-se com Logan a encarando preocupado.
Então se lembrou. Os homens a perseguiram, ela caíra e não se lembrava de mais nada.
— Onde estou? — perguntou aturdida, tentando se sentar. — Tinha uns homens me perseguindo...
— Está segura agora.
Olhou em volta. Estava sentada numa rua deserta.
— O que está fazendo aqui? Não estava com Lady Katherine?
Ele sorriu.
— Parece que eu pressenti que ia se meter em confusão.
Juliet ficou vermelha, enquanto ele a ajudava a levantar-se.
— Tem certeza que está bem? Quando a vi caindo, corri até aqui, mas havia perdido os sentidos.
Juliet massageou a têmpora.
— Minha cabeça ainda dói, mas estou bem.
— Fico feliz em saber.
— Obrigada por ter me ajudado. Fiquei realmente apavorada quando aqueles brutamontes começaram a me perseguir!
— O que uma moça tão bem vestida faz nesta parte da cidade? Não mede as consequências, Juliet? — ele perguntou intrigado.
— Eu me perdi — Juliet desconversou e outra preocupação a assolou. Como voltaria para casa?
— Agora entendo. Teve muita sorte de se livrar dos malfeitores, eles são muitos por aqui.
— Mas nem todos são maus. Veja você. Apesar de ser um bandoleiro agora me ajudou pela segunda vez.
— Por que saiu desacompanhada? Com certeza seu irmão não gostará nada.
— Eu saí escondida. — Resolveu falar meia verdade. — Agora sei que meu irmão tinha razão quando me proibia de sair sozinha de casa...
— Sim, seu irmão é um homem sábio.
Juliet levou o olhar ao céu e notou as nuvens se formando.
— Preciso ir embora.
— Eu a acompanho.
— Você faria isso? Na verdade, nem sei como chegar até a minha casa! Deixei meu cavalo numa estrebaria no centro e...
— Tudo bem, nós vamos caminhando. Iremos encontrar.
Juliet sorriu.
— Não atrapalho seu encontro com Lady Katherine?
Logan ficou sério.
— Não era um encontro.
Enquanto caminhavam ela teve vontade de perguntar sobre que tipo de relacionamento ele tinha com Lady Katherine, mas se calou.
Pelo olhar de Logan, parecia que ele não queria falar sobre o assunto.
****
— Ana Lúcia, onde vai? — Ana Lúcia estacou no meio do caminho ao ouvir a voz da mãe.
Tentava sair despercebida para ir ao trabalho.
— Vou trabalhar, mamãe.
— Não vai não! Tem que me ajudar nos afazeres!
Mário passou por ela rindo.
— Eu falei que esta história não ia dar certo!
— Cala sua boca!
Elena apareceu na sala.
— Já estão brigando?
— Não, mamãe. Mas vai ter briga se ele não parar de me provocar.
Ana Lúcia se virou para subir de novo as escadas quando ouviram uma batida na porta.
— Deixa que eu atendo! — Mário gritou e Ana Lúcia deu de ombros continuando a subir até que ouviu a voz de Mário a chamando.
— Ana Lúcia, corre aqui! — pediu urgente. — Tem um homem aí querendo falar com o Lúcios.
— O quê? — Ana Lúcia tentou ver quem era o visitante e quase caiu pra trás ao ver o Duque de Buckingham!
— Ai meu Deus! É o duque!
— E agora? O que eu faço? Mando ele embora?
— Claro que não idiota! É o Duque de Buckingham!
— Mas se a mamãe o vir aqui...
— Faz o seguinte: diz que eu não estou, mas diz que eu irei até sua casa assim que me der o recado!
Mário desceu para despachar o ilustre visitante e Ana Lúcia correu para sair pela janela e vestir as roupas de Lúcios.
Sorria enquanto se vestia, apertando os seios em faixas. Devia estar ficando importante, já que o próprio Duque de Buckingham viera a sua procura. Ou melhor, a procura de Lúcios!
****
Belle e Jack estavam em frente ao quartel real debatendo como fariam para saber de Lúcios.
— Eu vou! — Belle falou.
— Ficou louca? — Jack objetou.
— Escuta bem. Eu vou entrar, daqui dá pra ver que só tem um guarda na portaria.
— E vai conseguir que ele te informe de Lúcios como?
Belle sorriu, ajeitando a blusa para mostrar os ombros nus.
— Nem deveria fazer essa pergunta, Jack!
Ela se aproximou do homem que a mirou de cima a baixo com interesse.
— Bom dia, milorde. — Belle sorriu.
— Bom dia, senhorita.
— Por acaso sabe onde posso encontrar o guarda Lúcios?
O homem franziu o cenho.
— Mais alguém querendo saber onde está o Lúcios?
— Por quê? Outra pessoa esteve à procura dele hoje?
— Sim, um duque.
Belle sentiu um alarme soar.
— Por acaso seria o Duque de Buckingham?
— Este mesmo, senhorita.
Quer dizer que Will estivera ali atrás do guarda? Mas por quê?
— O duque falou o que queria com o Lúcios?
— Não senhora!
Belle aproximou-se do homem tocando seu peito.
— Diga-me, senhor, por acaso pode me contar o que o Lúcios fazia seguindo um bandoleiro ontem?
— Lúcios não seguia o bandoleiro, e sim Lady Guilhermina.
— Como? Por que seguiria Lady Guilhermina?
— Eu não posso contar...
Belle aproximou-se mais, roçando o corpo no guarda que prendeu a respiração.
— Não pode, ou não quer?
— Milady...
— Por favor, oficial — Belle pediu provocante.
— Lúcios está numa missão para o Barão de Wessex. Como ele esteve na região do assalto e, inclusive, foi ele quem achou o duque e sua irmã, Lady Juliet, ele foi encarregado do assunto.
— O Barão de Wessex? Tem certeza? Ou é o duque quem está atrás dos bandidos?
— O barão tem um interesse muito maior. Entenda, senhorita, ninguém mexe com o Barão de Wessex e sai impune. Ele é perigoso. E muito poderoso. Mais dia menos dia ele achará os bandoleiros e eles apodrecerão na torre antes de irem para a guilhotina.
Belle sentiu um tremor de medo, mas se controlou.
— Por que Lúcios seguia Lady Guilhermina?
— Eu não sei, mas ele tem contatos pessoais com o barão. E Lúcios é muito ambicioso, não vai descansar enquanto não achar os bandoleiros e entregar na bandeja para o barão e o duque.
— O duque?
— Sim, o mesmo homem com quem ele lutou ontem é o suspeito de tentar matar o duque. Então é claro que o duque quer vê-lo morto na guilhotina também. Na verdade, creio que o duque e o barão estão juntos nisso.
Belle não queria ouvir mais nada.
Quer dizer que o sanguinário barão estava à procura deles? Era preocupante. Tão preocupante quanto saber que ele e o duque estavam juntos nesse intento.
Belle não soube dizer por que sentia aquela dor incômoda no peito. Com certeza não tinha nada a ver com Will, quer dizer, Duque de Buckingham. E nem com os beijos que tinham trocado que não saiam de seu pensamento. Sacudiu a cabeça, irritada consigo mesma.
Tinha que parar de pensar no duque. Will Cavendish era o inimigo.
****
Juliet sentiu o coração se apertar ao chegar em frente aos portões da sua casa. Encarou Logan e sorriu.
— Obrigada por me acompanhar.
— Não podia deixá-la sozinha na rua.
— Sempre me protegendo.... Talvez eu precise da sua ajuda ainda — sussurrou dando um passo em sua direção, mas Logan deu um passo atrás.
Juliet desfez o sorriso.
— Não nos veremos de novo, Juliet.
— Mas...
— Eu sou um bandoleiro procurado. Nem deveria estar em frente a sua casa.
— Por favor, apenas me diga onde posso encontrá-lo.
— Adeus, Juliet. Cuide-se.
Ele lhe deu as costas, e Juliet o viu se afastar sentindo um vazio no peito.
Entrou em casa, tentando passar despercebida.
— Posso saber onde se meteu? — Sir John gritou quando a viu.
— Estava por aí — respondeu evasiva.
— O que está pensando?! Desapareceu sem dizer para onde ia! Sozinha! E ainda por cima tínhamos visitas!
— Eu sei, o enfadonho Sir James! — Revirou os olhos.
— Sim, Sir James, ou melhor, seu pretendente.
— Não vou me casar com aquele pulha, não pode me obrigar!
— Ah, é aí que se engana. Não só posso como vou.
— Não, por favor, não pode estar falando sério, me prometeu...
— Eu prometi que poderia escolher com quem se casar e veja quem você escolheu: um cocheiro! Você só se mete com confusão, Juliet!
— Se tivesse me deixado casar com ele...
— Chega! Não quero mais ouvir falar desse assunto! Acha mesmo que iria deixar minha única filha casar com um cocheiro?! Um homem sem posses, sem família influente, um plebeu?
— Como o senhor é esnobe! Acha que o chato do James pode me fazer feliz só porque é rico e de família importante?
— O que eu quero é que você pare de agir sem pensar! Primeiro foge com o cocheiro, depois é expulsa do convento por um motivo que até hoje foge a minha compreensão!
— As madres eram umas chatas! — Juliet desconversou. Se seu pai soubesse que tinha sido expulsa do convento por tentar seduzir um padre estava perdida.
E se ele ao menos desconfiasse que tinha dormido com o agora ex-padre e atual bandoleiro Logan, aí sim seria o fim.
Então uma ideia iluminou suas feições. E se ela confessasse seu deslize com o bandoleiro? Sim, aí o pai não poderia obrigá-la a se casar com o idiota do James.
Não que James não fosse bonito, pois ele era, mas era tremendamente enfadonho e completamente dominado pela mãe. Sem contar que diziam as más línguas que nutria uma paixão secreta por sua meia irmã, Guilhermina.
— Não vou aturar seus disparates, Juliet — John falou com seriedade. — Se aprontar mais uma, sou capaz de trancafiá-la no convento mais distante possível, sem alternativa de volta — ameaçou.
Não, melhor não contar sobre Logan, Juliet concluiu.
Pois se contasse, se livraria do casamento com James, mas teria um destino pior ainda.
Com os olhos cheios de lágrimas, subiu as escadas correndo e se trancou no quarto, se jogando na cama.
O que faria agora?
Poderia falar com Will.
Sim, era isso. Pediria ajuda ao irmão. E rezaria para que ele convencesse seu pai a mudar de ideia.
****
— Você fez o quê? — Ana Lúcia, ou melhor, Lúcios, perguntou ao desavisado guarda chamado Matthew.
— Eu contei à moça qual a sua missão com a barão e...
— Quem era a moça?
O guarda ficou vermelho.
— Eu achei que fosse uma conhecida sua...
— E eu lá tenho conhecida! Me diga como ela era?
— Era muito bonita, longos cabelos castanhos, lindos olhos verdes e um par de... — O guarda colocou as mãos em concha sobre o peito, como se fossem seios femininos e Lúcios rolou o olhar.
Homens!
Ana Lúcia ficou pensativa com a descrição. Só podia ser a bandoleira descrita pelo barão e pelo duque.
Mas como ela tivera coragem de vir até ali?
Com certeza o bandoleiro Jack tinha contado a ela. O bandoleiro tinha mandado a comparsa investigar. E graças à burrice de Matthew, ela sabia de tudo.
Se o barão descobrisse estava perdida. E não podia desperdiçar essa chance e muito menos irritar o barão.
— Me desculpe, Lúcios, eu não deveria ter contado...
— Mas contou. Agora Matthew, eu vou visitar o duque, pois ele esteve na minha a casa me procurando.
— Sim, fui eu que dei o endereço.
— Não falei que não quero que saibam onde eu moro?
— Eu sei, mas era um duque.
— Tudo bem, agora a burrada já foi feita. — Lúcios ia se afastar, mas voltou-se para o colega. — E da próxima vez, Matthew, vê se pensa com a cabeça de cima e não a de baixo!
****
Colin esperou os portões da casa do barão serem abertos e se aproximou ao ver um rapaz franzino.
— Olá, posso trocar uma palavrinha com você, amigo?
O rapaz o encarou e Colin sorriu.
— Boa tarde, meu nome é Jonh Clinton e eu sou novo na cidade, acabei de chegar de Surrey e estou procurando um trabalho. Por acaso sabe se tem alguma vaga de cavalariço?
— Não tem não. O barão é um pão duro e só tem a mim para cuidar dos cavalos — o rapaz falou de má vontade.
— Sei como são esses nobres! Já trabalhei para um no interior!
— Duvido que seu antigo patrão fosse como o barão...
— Ouvi falar que aí mora o Barão de Wessex...
— Sim, é ele mesmo.
— Você não parece gostar muito do seu senhor... qual é mesmo seu nome?
— Carl.
— Carl, não gosta de seu patrão?
— Eu o odeio.
— Então por que trabalha aqui?
O menino corou.
— Ah... já sei — Colin sorriu malicioso. — Tem mulher no meio. Me diga, por quem está apaixonado?
— O nome dela é Claire e infelizmente ela é filha do barão.
Colin assoviou.
— Hum... está numa encrenca, Carl. Filha do barão... e se ele for como você falou, nunca terá permissão para ficar com ela.
— Eu sei. Mas nos encontramos escondido.
— E o barão não desconfia de nada?
— Não. Ele é muito ocupado...
— Sei... é verdade que ele foi assaltado por um bando há alguns dias?
— Sim, é verdade. E ele está furioso. — Carl aproximou-se mais, como se fosse contar um segredo. — Claire me disse que ouviu ele jurar vingança contra os bandoleiros que o assaltaram.
— É mesmo? — Colin se interessou. — E por acaso você sabe se ele já descobriu alguma coisa?
Carl deu de ombros.
— Isso eu não sei.
— O barão está em casa agora?
— Não, ele está no parlamento, mas deve voltar no fim da tarde, pois à noite ele vai sair.
— Sair pra onde?
— Ele vai ao Clube. — Carl abaixou o tom de novo. — Ele tem uma amante lá.
— Verdade?
— Por que está tão interessado na vida do barão?
— Por nada. Apenas curiosidade. E então, realmente não tem vaga, não é?
— Sinto muito, não temos não. Mas me deixa seu endereço, se souber de alguma coisa...
— Na verdade eu decidi voltar ao interior. Muito obrigado, Carl. Até mais.
****
Juliet ouviu os passos do irmão e correu ao seu encontro.
— Will! — Ela o abraçou. — Ainda bem que chegou!
— O que foi? O que você tem?
— O papai ainda não te contou, não é?
— Contou o quê?
— Que eu fugi para não ter que receber James Holt.
— Não acredito, Juliet!
— Não briga comigo! Você e o papai ficam ralhando comigo e nem perguntam o que me aconteceu!
— E o que te aconteceu?
— Eu fui assaltada e quase morta! — Juliet exagerou. — Mas estou bem, para a sorte de vocês que iriam se remoer de remorsos se eu morresse! Porque a culpa seria toda de vocês dois e...
— Chega de drama, Juliet! Está mesmo bem? O que de verdade aconteceu?
— Eu estava perdida e uns homens mal-encarados ficaram fazendo gracejos e pegaram minha bolsa. Então eu corri, com medo e acabei caindo. — Parou o relato, não podia contar sobre Logan. — Um homem me ajudou e me trouxe de volta.
— Que homem? Um desconhecido? Juliet...
— Foi apenas um senhor! Não corria perigo.
— Mas correu perambulando pela cidade sozinha!
— Oh, Will, não pode deixar o papai me obrigar a casar com o James!
— Você quem o obriga a isso. Age sem pensar, se mete com confusão...
— Vocês exageram, não é bem assim!
— Você sabe que é, querida.
— Eu só queria não ter que casar com o James!
— Mas terá que se casar mais cedo ou mais tarde.
— É muito injusto! Por que os homens podem ter liberdade de fazer o que bem querem e as mulheres não?
— Você teve bastante liberdade, e veja no que deu!
— Por favor, fale com o papai. Eu farei o que ele quiser, mas não posso me casar! Não quero!
— Por que não dá uma chance ao James?
— Ele é um chato!
— Você não o conhece direito.
— Sei o suficiente. Não pode ignorar os boatos sobre ele, Will. E se eu me casar com ele serei infeliz eternamente.
Will fitou a irmã. Sim, ele sabia dos boatos sobre James e a irmã, Lady Guilhermina. Mas acreditava que eram só boatos.
Todavia e se fosse verdade?
— Tudo bem, Juliet, vou conversar com o papai e verei o que posso fazer.
Juliet sorriu e o beijou no rosto.
— Eu amo você! É o melhor irmão do mundo!
Uma batida na porta e um criado entrou.
— Um guarda está a sua procura, senhor.
— Obrigado.
Will fitou Juliet.
— Preciso conversar com este guarda, Juliet.
— Tudo bem.
Ela se afastou e Will foi ao encontro de Lúcios.
****
Os bandoleiros se encontraram numa estalagem pouco movimentada.
— E então o que descobriram? — Blake perguntou.
Em poucas palavras todos narraram o que tinha acontecido. Ao fim, Blake estava extremamente preocupado.
— É mais grave do que supomos.
— Nós vamos fugir? — Colin perguntou.
— Talvez seja essa a melhor solução no momento — Blake concluiu.
Jack fez uma careta.
— Fugir? Como covardes? Eu acho que temos que dar um fim nesse barão de meia tigela e também no guarda Lúcios! Se tivessem me deixado acabar com a raça do duque...
— Cala a boca, Jack! — Belle gritou — Você só fala bobagens! Se estamos nesta situação é por sua causa!
— Ei, a culpa não é minha não! Pelo o que eu entendi o barão e o duque estavam atrás da gente muito antes!
— Chega, vocês dois! — Blake os interrompeu. — Precisamos pensar numa solução e não ficar discutindo.
— Colin, você disse que o barão vai ao Clube? — Logan perguntou.
— Sim, ele tem uma amante lá.
— E se nós fôssemos até este lugar? Poderíamos observar o barão de perto.
— Ele nos reconheceria — Jack objetou.
Logan sorriu.
— Não se formos disfarçados.
— Disfarçados?
— Sim, a moda agora entre os lordes é usar peruca. Podemos nos disfarçar e entrar no Clube.
— É uma ótima ideia! — Belle concordou.
— Pode dar certo — Blake se convenceu. — Então vamos achar o disfarce e ir ao Clube.
— Sim, temos que ir rápido — Belle observou, mas Blake segurou seu braço.
— Você fica, Belle.
— Mas...
— É um Clube de homens e você fica.
— Isso é ridículo!
— O Blake tem razão — Jack concordou. — É um Clube aonde os homens vão para ver as mulheres, se é que me entende... — Sorriu malicioso. — Acho que vou gostar deste Clube...
Eles se afastaram e Belle cruzou os braços, irritada. Homens! Eram todos iguais. Mas não ficaria assim. Claro que ela daria um jeito de entrar no tal Clube.
Eles iriam ver!
****
Will entrou na sala de visitas e viu o guarda Lúcios.
— Duque! — O rapaz fez uma reverência. — O senhor foi a minha procura, em que posso ser útil?
— Fiquei sabendo que encontrou um dos bandoleiros ontem.
— Sim, senhor.
— Queria saber mais detalhes.
Lúcios contou tudo a Will que sacudiu a cabeça ao final.
— Estou certo que pela descrição é o mesmo bandoleiro que me assaltou e depois tentou me matar.
— Eu também, senhor.
— E ele fugiu.
O rapaz corou.
— Infelizmente, senhor.
— Mas tenho certeza que com o Barão de Wessex atrás deles, eles serão pegos mais dia menos dia — Will observou, pensativo.
Engraçado, alguma coisa naquilo não o agradava. Só não sabia o que era.
Deveria ficar contente com a perspectiva dos bandoleiros que o assaltaram serem pegos.
— Milorde, tem mais uma coisa. Hoje de manhã, uma moça esteve no batalhão perguntando por mim.
— Uma moça?
— Sim, e desconfio que era a bandoleira que acompanha os bandidos.
— Você tem certeza? — Will perguntou pasmo.
— Certeza eu não tenho, mas pela descrição... só pode ser ela. Sedutora, bonita e muito esperta.
Will sentiu o coração batendo mais rápido no peito, apenas com a perspectiva de saber que Belle estava por perto. Em algum lugar da cidade.
Devia estar enlouquecendo. Ou era a falta de uma mulher. Talvez devesse ir até o Clube e aceitar a oferta da bela Natasha.
— Diga-me, Lúcios, não quer me acompanhar ao Clube?
— Eu, senhor?
— Sim, por que não? Podemos beber e conversaremos.
Ana Lúcia pensou seriamente em arranjar uma desculpa para o convite do duque, mas não poderia declinar.
— Tudo bem, senhor. Eu posso acompanhá-lo.
Enquanto seguia o duque para fora da casa, ela pensava que se sua mãe descobrisse que iria a um estabelecimento de má reputação, mesmo que frequentado pela nobreza, estava perdida.
Capítulo 13
Belle sorria consigo mesma ao entrar na cozinha do Clube seguindo um homem baixinho, o gerente. Era mesmo muito esperta e tinha conseguido um emprego de criada. Devidamente disfarçada com uma peruca loira, ela ouvia as instruções do homem.
— As meninas aqui são muito exigentes, e você deve atendê-las no que for preciso. Todas as noites nós temos um grande movimento, recebemos os homens mais influentes e nobres da corte, então, fique atenta.
— Sim, eu entendi tudo.
— Uma das criadas faltou hoje então vai ter que começar agora, alguma dúvida?
— Não, tudo bem.
— Você vai ficar encarregada de servir as mesas.
— Certo.
O homem colocou uma bandeja na sua mão.
— Então, pode começar.
Blake, Colin, Logan e Jack entraram no elegante local e sentaram numa mesa afastada.
— Uau, mas é o paraíso! — Jack sorriu ao ver as moças elegantes.
— Não se meta em confusão, hein? — Blake avisou.
— Não vejo por que não podemos aproveitar e nos divertir um pouquinho...
Blake fechou a cara e nada disse. Não adiantava falar com o Jack quando se tratava de mulher.
— Espero que o barão venha mesmo — Logan comentou.?
— Espero que ele não nos reconheça isso sim! — Blake falou preocupado?
— Não irá — Logan garantiu.?
Eles tinham se disfarçado com roupas nobres e perucas, como era a última moda entre a nobreza.?
— Assim espero — Blake falou tenso — se isto não der certo, poderemos ir parar na forca.??
Belle não demorou a avistar seus companheiros e foi até eles.
— Olá cavalheiros, o que vão beber? — perguntou sorridente.?
— Belle? — Blake arregalou os olhos ao vê-la. — Ficou maluca? O que faz aqui??
Ela se inclinou, fingindo limpar a mesa.?
— O mesmo que vocês. Tentando descobrir algo que nos ajude.?
— Eu falei que não era para vir! — Blake reclamou.?
— Mas já estou aqui, então se conforme. Fingi me chamar Lucy e pedi um emprego e aqui estou. Aliás, com mais possibilidades de conseguir algo do que vocês.
— Belle...?
— Blake, é sério. Não precisa se preocupar. Eu terei cuidado.
Ela percebeu o homem baixinho olhando para ela e se afastou dos amigos indo atender outras mesas. ??
Ana Lúcia entrou no elegante Clube atrás do duque tentando não demonstrar seu horror. O que viera fazer naquele lugar? ?
— Vamos nos sentar — Will indicou uma mesa e Ana Lúcia o seguiu, olhando para todos os lados. ?Eles se sentaram e uma moça baixinha e sorridente veio até eles.?
— Olá, duque! Que surpresa o senhor por aqui! E trouxe um amigo! ?
Will sorriu.?
— Sim, este é Lúcios. ?
Ana Lúcia sorriu sem graça quando a moça estendeu a mão. Ela segurou os dedos da moça e beijou sua mão. Não iria dar certo, pensou. Mas, para sua sorte, a moça estava mais interessada em Will.?
— O duque vai querer algo? Pode pedir qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo! — ela falou insinuante. ?
Todavia, antes que Will pudesse responder algo, saindo sabe Deus de onde, apareceu uma cortesã estonteante.?
— Madeline! — ela gritou — Será que não tem nada melhor pra fazer? Como entreter aquele grupo de cavalheiros que acabou de chegar? ?
Madeline fechou a cara. ?
— Oh, me esqueci que o duque já tem dona! Me desculpe, Natasha! ?
Ela se afastou. E Natasha sentou à mesa deles.?
— Olá, milorde — Natasha falou e Will sorriu para ela. — Que bom vê-lo de novo. ?
Ela parecia não reparar na presença de Lúcios e Ana Lúcia agradeceu por isso. Aliás, tinha que arranjar alguma desculpa e dar o fora dali. ?
— Este é Lúcios, ele é membro da guarda real — Will apresentou e só então a moça pareceu perceber sua presença e deu um sorriso educado e, virando-se, ela fez um sinal com a mão e uma moça morena apareceu.?
— Lúcios, esta é Starla. Como sei que nunca esteve aqui ela vai levá-lo para conhecer nosso Clube.?
Sem que Ana Lúcia pudesse ter tempo de fugir, a moça a puxou pela mão e só restou a Lúcios segui-la pelo esfumaçado salão. ?
— Ela não deveria estar aqui — Blake comentou preocupado, vendo Belle se afastar.?
— A Belle sabe se cuidar — Logan comentou.
— Olá, cavalheiros — uma moça loira aproximou-se sorrindo —, meu nome é Madeline, muito prazer.?Sem aviso, ela sentou à mesa deles. Colin a encarou embasbacado. Jack o cutucou para ele fechar a boca e pegou a mão da moça.?
— Olá, querida, você é muito bonita, hein? ?
A moça sorriu coquete.?
— Bem-vindo ao nosso Clube, cavalheiros! Nunca os vi aqui!
— Somos do norte. ?
— Viemos da Escócia — ?Logan e Colin falaram ao mesmo tempo.
Colin corou.?
— Quer dizer, viemos da Escócia mesmo. Escuta, Madeline, posso te pagar uma bebida? ?
— Claro! — Ela chamou Belle. ?— Este moço elegante vai me pagar um xerez! ?
— Mais algum pedido? — Belle piscou.?
— Não, está dispensada! — Madeline falou e Belle se afastou. ?— Então, como é mesmo seu nome? — ela perguntou a Colin. ?
— Colin, senhorita.?
Jack o cutucou novamente, mas Colin parecia enfeitiçado e nem reparou que tinha falado o nome verdadeiro. De repente uma comoção se fez ouvir e o barão entrou com seu séquito.?
Madeline se levantou, pálida.?
— Com licença.?
— Ei, onde vai? — Colin segurou sua mão.?
— Oh, me desculpe, mas o dever me chama. Adorei conhecer você, Colin!
Ela se afastou e foi ao encontro do barão, que se sentou numa mesa do outro lado do salão. Eles viram Madeline se sentar ao lado do barão e ficaram tensos. ?
Belle aproximou-se servindo as bebidas.?
— Ele está aqui — comentou.?
— Sim, nós vimos — Blake comentou. ?
— E vou até lá e... ?
— Não! Ele vai reconhecê-la. Fique o mais longe possível. ?
Belle abaixou o tom.?
— Escute, aquela moça que estava sentada aqui, Madeline, acabei de descobrir que ela é a amante do barão.?
— Madeline? — Colin comentou visivelmente decepcionado.?
— Sim, ela mesma. Vou tentar me aproximar dela e descobrir algo. ?
— Mas não agora. Vamos esperar ela se afastar do barão — Blake pediu.
— Tudo bem. — Belle se afastou.?
— Não acredito que justo ela é amante do barão! — Colin comentou. ?
Jack sorriu debochado. ?
— É garoto, se deu mal. ?
— Mas ela é tão linda...
— Esquece, Colin. Se meter com a amante do Barão só nos traria mais problemas — Jack advertiu. — Cavalheiros, estou vendo uma linda moça olhar para mim no balcão, então, com licença. — Ele se levantou e se afastou.
?— Não pensei em vê-lo aqui novamente — Natasha comentou e Will sorriu.?
— Nem eu.?
— Então por que voltou? ?
Will a fitou. Ela era bonita. Lindíssima na verdade. E não faria cobranças. Moças como ela ficavam contentes com alguns presentes e um bom pagamento. Então por que hesitava? Uma outra moça lhe veio à mente. Maldição! Já estava passando do limite. Sim, tinha que tirar a bandoleira da cabeça. Encarou Natasha e sorriu.?
— Eu voltei por você.
Starla tentava de todas as maneiras chamar a atenção de Lúcios e Ana Lúcia só pensava em sair dali. Mas como? Não poderia simplesmente fugir, pois seria uma desfeita com o duque. Reparou num homem que conversava animadamente com uma garota no balcão. Alguma coisa nele a intrigava. Parecia que o conhecia de algum lugar... Mas de onde???
Jack não podia acreditar. O que aquele guarda Lúcios estava fazendo ali? Ele pensou em correr e avisar aos amigos para darem um fora dali, mas por outro lado parecia que Lúcios não tinha o reconhecido, com a peruca de cachos até a cintura, então, ele tinha vantagem.
Sim, ele iria dar um fim naquele guarda que se atrevera a tentar pegá-lo. Afastando-se da cortesã, ele foi em sua direção.??
Ana Lúcia o reconheceu. Sim, apesar da peruca empoada e das roupas chiques aquele bandoleiro, Jack. E ele vinha em sua direção. O que deveria fazer? Pela sua expressão, ele queria briga. Ana Lúcia era um guarda e podia lutar com ele e melhor, poderia prendê-lo.
Ela levou a mão à bainha e soltou uma imprecação ao ver que estava sem a espada. Poderia gritar e anunciar a presença do bandoleiro ali, mas pelo olhar de ódio, o homem não pararia antes de matá-la.
Não. Ela tinha que ser prudente e pensar em um plano.
E os outros bandoleiros estariam ali? Por quê?
A moça ao seu lado segurou seu braço.
— O que acha de subirmos para meu quarto? ?
Ana Lúcia pensou rápido e puxou a moça pela mão. ?
— Sim, esta é uma ótima ideia!
Jack viu o guarda se afastar e se apressou em segui-lo, mas Belle o parou.
— Aonde vai?
— A lugar nenhum.?
— Eu vi seu olhar... o que está tramando, Jack? ?
Jack pensava numa desculpa quando uma cortesã se aproximou.?
— Ei você — ela chamou Belle —, venha já até aqui, preciso que faça um serviço pra mim.?
Belle seguiu a moça contrariada.?
— Sim, senhora? ?
— Quero que vá até a adega e traga o melhor vinho que tiver lá. Para ontem. Não vou gostar se fizer meu convidado esperar. ?
Belle se afastou para fazer o que a moça pediu, irritada.?O homem baixinho a interceptou.?
— Aonde vai?
— Buscar um vinho para aquela ali. ?
— Ah, sim, Natasha! Realmente ela está com um convidado muito importante, vá logo, não pode deixá-los esperando! ?
Belle desceu até a adega e pegou o vinho voltando rapidamente, mas estancou ao ver quem estava com a cortesã metida. O Duque de Buckinghan em carne e osso. E agora? Não podia ir lá. Ele a reconheceria. ?
— O que está esperando? — o baixinho perguntou e Belle o encarou.
— Não posso — ela falou aflita.?
— Não pode o quê? ?
— Servi-los! ?
— Oras! Claro que pode! Anda logo ou quer ser demitida no seu primeiro dia de trabalho? ?
Belle pensou rápido e quando deu o primeiro passo, deixou escorregar a garrafa da sua mão propositadamente, indo o vidro se espatifar no chão.?
— Sua estúpida! Olha o que você fez! — o homem gritou.?
— Me desculpe, eu... ?
— Vá buscar algo para limpar essa bagunça! ?
— Mas e o pedido de Natasha?
— Eu mesmo vou buscar! Vá sabendo que o custo disso vai sair de seu salário ouviu?
Belle revirou os olhos e se afastou, irritada. O que o duque estava fazendo ali? Ora, mas era óbvio. Se divertia com a bela cortesã. O salafrário. Mas o que ela tinha a ver com isso? Nada, absolutamente nada. Então por que sentia aquela fúria seca ao pensar no duque com a estrangeira? Deveria dar o fora dali, o mais rápido possível. E convencer os amigos a fazerem o mesmo.
Ana Lúcia se preparou para sair do quarto, dando uma última olhada em Starla, que no momento se encontrava amarrada na cama e amordaçada. Com certeza estava achando que Lúcios era dado a algumas perversões. O importante era que ela conseguiria fugir dali, mas antes que conseguisse sair ouviu uma batida na porta.
— Sei que está aí, guardinha de meia tigela! — Jack gritou. — Saia agora e terá uma morte rápida!
Ana Lúcia se apavorou. E agora? Olhou a janela. Iria sair por ali. Olhou para baixo, com certeza quebraria o pescoço se pulasse daquela altura, mas não tinha outro jeito. Pendurou-se no parapeito e viu uma janela aberta do lado e teve a ideia de pular para lá.??
Cansado de bater, Jack arrombou a porta com a espada em punho e viu a moça amarrada na cama.?
— Mas o quê?
Então ele reparou na janela aberta e foi olhar. Lúcios não podia ter pulado por ali. O desgraçado. Talvez estivesse em outros quartos e ele saiu abrindo todas as portas do corredor. Acharia o Lúcios e daria um fim nele. Nem que fosse a última coisa que fizesse na vida. ??
— Onde o Jack se meteu? — Blake estava começando a se irritar.?
— Ele deve estar com uma mulher — Logan falou —, escutem, viemos aqui para descobrir sobre os planos do barão e é isto que devemos fazer! ?
— Mas como?
— Ele não me conhece. Não estava com vocês quando o assaltaram. ?
— E o que quer fazer? ?
— Eu vou até lá e me apresentarei a ele.?
— É arriscado. ?
— Sim, é. Mas dará certo. ?
Logan levantou-se e foi até o barão. ??
Natasha encarou Will.?
— E então, o que acha de subirmos para o meu quarto? ?
Will hesitou. E agora? Oras, dane-se a cautela! ?
— Eu acho uma boa ideia. ?
Natasha sorriu vitoriosa. ?
— Espere aqui um momento. Vou ver o que aconteceu com o vinho que pedi!
Ela se afastou e fechou a cara ao ver Belle na cozinha.
— Sua idiota! Cadê o vinho que pedi! ?
— Oh, me desculpe, eu... ?
— Mas que incompetente! Agora o que digo ao duque? ?
Belle teve vontade de dizer exatamente o que aquela metida deveria dizer ao duque mas se calou.
— Quer saber, deixa pra lá! Por favor, diga a Armand que quero o vinho no meu quarto, entendeu? ?
A moça se afastou e Belle bufou.?
— Que mal-educada! ??
Ana Lúcia pulou a janela e se viu num quarto tipicamente feminino. Já ia abrir a porta, quando ouviu os passos no corredor.?
— Não adianta se esconder, guardinha, eu vou te achar...
Ana Lúcia se apavorou. Pelo barulho o bandoleiro estava abrindo as portas de todos os quartos e logo chegaria ali. Pensando rápido, ela viu várias roupas femininas e soube o que fazer. Pegando as roupas, tirou suas vestes masculinas e colocou o vestido, soltou o cabelo e apagou as velas que iluminava o lugar. Foi a última coisa que conseguiu fazer quando o bandoleiro escancarou a porta. ?
Belle observou o homem baixinho, Armand, voltar esbaforido.?
— Natasha pediu que o vinho fosse levado no seu quarto.?
— Esta Natasha é mesmo rápida! — O homem parecia satisfeito. ?
— O que quer dizer?
— Nada! Tome, leve o vinho até o quarto dela, vou verificar se o barão está satisfeito e vê se não quebre desta vez! ??
Natasha voltou à mesa e se enfureceu ao ver Madeline ali.?
— Posso saber o que pensa que está fazendo?
— Estava dizendo ao duque que o barão soube que ele estava aqui e quer falar com ele — Madeline respondeu.
— E eu estava dizendo a ela que não estou com disposição para falar com o barão! — Will retrucou ríspido. Sabia o que o barão queria com ele, mas não estava disposto a aturá-lo hoje.
— Oh, entendi — Natasha anuiu —, mas, milorde, tem certeza que quer fazer esta desfeita ao barão? — indagou melindrada. Conhecia a fama do Barão de Wessex e pensava que nem um homem poderoso como o duque deveria contrariá-lo.
— Sim, eu tenho.
— Ai meu Deus, o que digo ao barão? — Madeline torceu as mãos preocupada. — Ele exigiu que eu levasse o duque até ele! ?
Will se compadeceu da moça.
— Natasha, por que não vai você mesma dizer ao barão que estou ocupado?
Natasha sorriu.?Muito disposta a agradar e ganhar pontos com o duque.
— Tudo bem. Em alguns minutos estarei indo para meu quarto me preparar para o senhor... — anunciou sedutora. — E então pode ir me encontrar lá.
Will se sentiu satisfeito por ter uma desculpa para não ir ter com o barão e se afastando em direção às escadas, foi interceptado por um homem baixinho que balbuciava desculpas sobre um vinho e Will suspirou, ouvindo o homem por alguns instantes, até que conseguisse livrar-se de sua bajulação e subiu as escadas, esperando que a cortesã já estivesse a sua espera a aquela hora.
Ana Lúcia sentiu o coração parando de bater e prendeu a respiração. Ele a tinha reconhecido? Especulava amedrontada. O bandoleiro a encarava agora com um olhar malicioso e Ana Lúcia resolveu agir.?
— Como ousa entrar no meu quarto desta maneira, senhor? — fingiu-se de ultrajada.?
O bandoleiro pareceu recuperar a fala.?
— Me desculpa, eu... — ele olhou para dentro do quarto — pensei ter visto alguém pular para cá...
— Como pode ver, não tem ninguém aqui além de mim! Ou devo concluir que isso é um plano sórdido da sua cabeça para entrar no quarto de uma lady?
Ela saiu para o corredor, onde a luz cingiu seu rosto. Teve medo que o bandoleiro a reconhecesse e esperou.
Mas em vez disso, ele sorriu. ?
Jack a encarou. Ela era bonita. Muito bonita. Se aquele era o quarto dela, deveria ser uma das moças daquele Clube. Ele sorriu lentamente. Estava com sorte hoje. O guardinha que se danasse. Ele tinha conhecido uma mulher estonteante e não ia deixar passar a oportunidade.?
— Por que está rindo? — Ana Lúcia indagou desconsertada. ?
— Qual seu nome? — ele perguntou e ela franziu o cenho, mais desconcertada ainda.?
E agora? ?
— Ana — respondeu, sem pensar. — Não era mentira, já que seu nome era Ana Lúcia.
— Ana — ele falou seu nome como se o saboreasse e ela achou estranhamente agradável. — Gostaria de tomar uma bebida comigo lá embaixo? ?
Ela arregalou os olhos. Jesus, o que faria agora? Queria se livrar dele não lhe fazer companhia, mas, pensando bem, se ela fingisse ser uma das moças daquele lugar e descer com ele para o salão poderia descobrir muitas coisas sobre os bandoleiros. Até mesmo onde estavam escondidos e seria ela a prendê-los! Ela sorriu consigo mesmo. Era um ótimo plano.?
— Isso é um sim? — Ele estendeu a mão e Ana Lúcia hesitou apenas um segundo antes de deixar sua mão ser envolvida pela dele e o segui-lo escada abaixo.
Logan aproximou-se da mesa do barão.?
— Barão de Wessex? ?
O barão o encarou interrogativamente.?
— Meu nome é Robert Burke, ouvi falar muito do senhor.?
— Pois eu nunca ouvi fala do senhor.?
Todos riram em volta.?
— Sim, acabei de chegar da Escócia, sou um enviado do rei para aqueles lados.?
O barão ficou atento.?
— Deixe-nos a sós! ?
Madeline se afastou e o barão o convidou a sentar. ?
— Então, Senhor Burke, em que posso ajudá-lo?
— Talvez o senhor possa me dizer. Ouvi que há rumores sobre a insatisfação do parlamento com o rei, justamente pelas brigas na Escócia...
Colin viu Madeline se afastando e a seguiu com o olhar. ?
— Pare, Colin, não vá se meter em encrenca... — Blake falou, mas Colin parecia não estar ouvindo. ?
— Eu vou lá falar com ela.?
— Colin...
Mas Colin não estava mais escutando, ele ia em direção a Madeline. ?
— Oi.
Ela se virou e sorriu. ?
— Olá.?
— Posso te pagar uma bebida? ?
Ela relanceou o olhar para o barão.
— Não creio que o barão iria gostar.?
— Ele está ocupado. Vamos, é só uma bebida. ?
Ela sorriu.?
— Tudo bem. ??
Belle entrou no quarto de Natasha. O lugar estava na total escuridão. Deveria ter subido com um candelabro! Mas ela não iria ficar ali, tinha apenas que colocar a garrafa de vinho numa mesa e sair. E estava fazendo exatamente isso quando escutou passos no corredor e no momento seguinte alguém entrava no quarto e fechava a porta. Belle prendeu a respiração. Nem ousava se mexer. ? — Natasha? ?
Ela arregalou os olhos ao ouvir aquela voz, pois reconheceria aquele timbre em qualquer lugar do mundo. Mesmo na escuridão total ela sabia quem estava ali.
Capítulo 14
Belle apavorou-se.
Jesus, se ele a visse, com certeza a reconheceria. E agora, como conseguiria sair dali?
— Você está quieta. — Ele deu um passo à frente e Belle mordeu os lábios dando um passo atrás. — Por que está no escuro?
Will estranhou aquele comportamento da cortesã. Seria algum jogo para seduzi-lo? A total escuridão e o silêncio?
Podia ouvir o som de sua respiração e na escuridão do quarto, apenas vislumbrava suas formas e os cabelos compridos. De repente ele teve um princípio de arrependimento de estar ali. Prestes a usá-la para esquecer seus sonhos impossíveis.
Deveria dar meia-volta e sair daquele lugar, mas então ele continuaria com aqueles mesmos desejos inconfessáveis. Não. Iria ficar. Com certeza Natasha não se importaria com seus sentimentos. Era apenas mais uma cortesã.
Ele deu um passo à frente e tocou seu rosto.
Não pense, Will, apenas aja.
Belle mal podia respirar, ela mal podia pensar! O que é que ele estava fazendo?
Estava a confundindo com Natasha!
Ela tinha que sair dali, o mais rápido possível e acabar com aquela farsa!
Afinal, a verdadeira Natasha poderia aparecer a qualquer instante e a desmascararia.
E o duque a reconheceria e ela estaria perdida.
Mas então ele tocou seu rosto com delicadeza e Belle fechou os olhos. Um calor proibido e inconveniente subindo por seu corpo. Sentiu a respiração acelerar e o coração bater mais rápido no peito.
E sem saber nem como e nem porque, ela se viu aproximando-se mais, entregando-se àquele desejo proibido. Um último resquício de sobriedade passou por sua mente confusa antes que ele abaixasse a cabeça e a beijasse. E Belle soube que estava irremediavelmente perdida.
****
Ana Lúcia mordeu os lábios, nervosa, ao sentar-se numa mesa em frente ao bandoleiro. Bebeu o vinho de sua taça quase inteiro e o bandoleiro apressou-se em encher mais.
Estava ficando louca, só podia. Por achar que aquele plano daria certo.
— E então, Ana... — Ele sorriu e ela desviou o olhar.
Por que ele não parava de sorrir daquele jeito?
Deixava-a nervosa.
— Espero não estar usurpando o lugar de nenhum amante ciumento.
— O quê? — Ela quase cuspiu a bebida. — Quem disse que eu tenho algum amante? — dardejou ultrajada. Esquecendo-se momentaneamente de seu disfarce.
O bandoleiro sorriu mais ainda.
— Então você está disponível. Hoje é mesmo meu dia de sorte!
Ana Lúcia gemeu, angustiada. Aquele bandoleiro atrevido estava pedindo para levar um soco no meio da fuça! Que atrevimento!
Todavia ele pensava que ela era uma cortesã. Nada mais natural achar que estava ali disponível para os homens.
Obrigou-se a sorrir e demonstrar tranquilidade. E fazer o que viera fazer ali: descobrir sobre os bandoleiros. Levou a taça aos lábios começando a sentir-se melhor.
— Então, senhor... Não me disse seu nome... — Ela se abanou com o leque de seda, tentando parecer relaxada e sedutora.
Ana Lúcia percebeu que ele ficou incomodado com a pergunta e demorou um pouco tentando achar uma resposta. Então sorriu de novo. Aquele maldito sorriso!
— Milady pode me chamar do que quiser.
— Mas eu gostaria de saber seu nome. Ou... Não pode dizer? É algum segredo? Por acaso é algum tipo de... Fora da lei?
Ela se congratulou ao vê-lo se mexer incomodado.
— A senhorita tem a mente fértil.
Ela deu de ombros.
— Só perguntei seu nome, mas se não quer responder talvez eu deva ir atrás de outro cliente! — Ela levantou-se, mas o bandoleiro segurou seu braço.
— Jack — respondeu rápido e Ana Lúcia desprendeu o braço de suas mãos, sentando-se novamente.
— Então, Senhor Jack, o que faz na cidade?
— Negócios.
— Que tipo de negócios?
— Eu não quero falar de negócios com uma moça tão bonita. Quando estou com uma mulher prefiro falar de assuntos mais agradáveis.
Ele segurou a mão dela por cima da mesa, acariciando os dedos lentamente e Ana Lúcia sentiu um estranho calor que começava onde ele tocava e se espalhava pelo resto do corpo. Incomodada, puxou a mão, se abanando e tomando mais vinho.
— E o senhor é muito atrevido!
Ele gargalhou.
— Deve estar acostumada com homens se atrevendo com você, madame. Afinal, é uma coisinha linda...
Ana Lúcia se abanou, sem saber como agir. Nada estava saindo como planejado. Como conseguir que ele falasse sobre os bandoleiros?
Ela tentava pensar em algo para se livrar daquela situação, bebendo uma taça de vinho atrás da outra quando de repente ele se levantou e estendeu-lhe a mão.
— Não parece muito à vontade aqui embaixo. Que tal subirmos para o seu quarto?
O quê? Será que ela tinha ouvido direito?
— Eu... eu... — gaguejou buscando uma resposta na sua mente entorpecida.
O que seus companheiros de guarda diriam se a visse assim? O destemido Lúcios tremendo de medo em frente a um bandoleiro?
— Eu vou facilitar para você: só precisa dizer sim ou não.
Oh Deus!
Pense racionalmente Ana Lúcia.
— Eu gostaria de saber mais sobre o senhor. Sobre seus “negócios”. Gosto de saber o que um homem faz antes de... — Ela deixou as palavras no ar.
Convivera tempo demais com homens para saber que eram um bando de tolos orgulhosos. Principalmente em frente a uma mulher. Esperava que o bandoleiro atrevido abrisse a boca.
— Eu posso satisfazer a sua curiosidade, mas lá em cima.
E agora?
Coragem, Ana Lúcia.
Ela lhe estendeu a mão e ele a puxou.
Ana Lúcia sentiu uma tontura súbita e teve que se apoiar nele.
— Acho que eu tomei muito vinho...
— Não se preocupe, doçura, eu não a deixarei cair.
Ana Lúcia não estava pensando racionalmente quando deixou o bandoleiro a guiar escada acima, mas quando estavam chegando ao quarto, ela começou a recobrar a consciência.
O que estava fazendo? Perdera o juízo?
Parou subitamente e sacudiu a cabeça.
— O que foi? — O bandoleiro percebeu sua hesitação.
— Não, eu não posso fazer isso, eu...
E então, ela teve as palavras sufocadas pela boca do bandoleiro que desceu sobre a sua com urgência.
Oh Deus, ele a estava beijando. E ela estava permitindo!
Uma fraqueza súbita a cometeu e Ana Lúcia segurou-se nele para não cair e no movimento arrancou sua peruca. Os cabelos pretos caíram por sua testa.
Ele separou a boca da sua e sorriu.
— Não se preocupe, doçura — ele falava enquanto a encostava na parede. — Eu não gostava dessa peruca mesmo! — murmurou antes de unir seus lábios novamente e Ana Lúcia deixou de pensar.
****
Will saboreou os lábios da cortesã, aprofundando o beijo e a segurando pela cintura. Alguma coisa na sua mente o alertou para algo estranho. Então ele a soltou. Sua mente deveria estar lhe pregando uma peça. Porque enquanto beijava Natasha, tivera e impressão de estar beijando outra pessoa. Uma bandoleira de olhos verdes para ser mais exato. Era loucura. Mas aquele perfume...
Fechou os olhos aspirando a fragrância floral que não saía de sua mente desde que a tivera nos braços naquela carruagem. Mas fora um sonho. Ou não? Poderia estar enlouquecendo e inventando uma mulher que na verdade só existia na sua imaginação?
Isso explicaria a sensação de irrealidade que vivia naquele momento.
Mas por que tinha que se ater à realidade se a imaginação era bem mais interessante?
Ele podia sentir as formas macias junto a si, a respiração cálida em seu rosto. Então, fechou os olhos e mergulhou no sonho proibido e quem estava em seus braços não era mais a cortesã, e sim a bandoleira que enfeitiçava seus sentidos. Sem pensar em mais nada, abaixou a cabeça e a beijou novamente, com urgência, saboreando seu gosto como o mais inebriante dos néctares. Ela era toda maciez e curvas e ele a apertou mais contra si, fazendo-a sentir o quanto a desejava naquele momento. Ela gemeu contra sua boca e o som o arrepiou e o fez beijá-la ainda com mais ímpeto, explorando o interior macio de sua boca, até que não restasse mais fôlego e ele deixasse seus lábios, para distribuir beijos curtos pelo rosto macio, circundar a pequena orelha com a língua, trilhar a garganta macia com beijos úmidos. As mãos subiram para tocar os seios por cima do vestido. O sangue corria rápido em suas veias, o desejo o queimava por dentro. Ele precisava tê-la. Agora, neste momento. Com um movimento ágil, a colocou na cama e cobriu o corpo com o seu, beijando seus lábios entreabertos, o pescoço alvo, o colo macio.
Belle delirava. A cabeça girava perdida em mil sensações. Em algum lugar de sua mente, ela sabia que tinha que parar com aquele desatino. Não podia deixar que ele a beijasse, a tocasse daquela maneira, mas não tinha forças. Ela tremia sob suas mãos, sob a força do desejo que os subjugava.
O corpo inteiro queimava de um desejo que ela nunca pensara que existisse. Nada mais importava a não ser deixar-se consumir naquele fogo. A boca dele agora estava sobre seus seios, por cima do vestido, as mãos se imiscuem por baixo de seu vestido tocando o exterior da sua coxa.
Belle arfou, abrindo a pernas instintivamente para melhor senti-lo. As mãos subiram como se por vontade própria e tocaram seus cabelos, trazendo- o para junto de si, beijando-o com vontade, as línguas se encontrando e se acariciando. Nunca alguém a tinha beijado assim, tão intensamente, tão intimamente. Era como se ele a conhecesse de muito tempo. Como se soubesse de todos os seus segredos, seus anseios. Era como estar à beira de um precipício, pronta para pular rumo ao desconhecido.
De repente ela teve medo. Não era certo. Will nem ao menos sabia que era ela, Belle, quem estava ali com ele, naquele leito. Fechou os olhos com força, um estranho pesar a invadiu, rápido e intenso.
Porque queria que Will soubesse que era ela, Belle, quem estava em seus braços. Era ela quem ele beijava.
Mas era um sonho estúpido. E insano.
Ele levantou a cabeça e a fitou na escuridão, como se ansiando enxergar seu rosto. Belle desejou com todas suas forças que estivesse olhando para ela. Não para uma cortesã qualquer.
Will acariciou sua face com uma ternura infinita, e Belle fechou os olhos sentindo um nó na garganta.
— Belle...
Ela abriu os olhos ao ouvir sua voz. Ele a chamara de Belle?!
Em seguida, tudo aconteceu rapidamente. A porta se abriu e um facho de luz invadiu o ambiente.
Uma Natasha furiosa adentrou no quarto.
— Mas o que está acontecendo aqui? — gritou.
Will girou rápido o rosto para notar Natasha à porta, atordoada.
Se Natasha estava ali. Quem estava consigo na cama?
Ele soube antes de olhar. Mesmo sabendo que era impossível.
Girou o rosto devagar para a mulher que estivera beijando até poucos segundos e mirou os olhos verdes assustados. Os cabelos eram outros. Mas ele reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar do mundo.
— Você?!
Capítulo 15
Belle empurrou Will que não esboçou reação, sentando-se na cama.
O olhar estupefato do duque ainda cravado nela como se tivesse vendo um fantasma.
E agora? Como ia se safar dessa situação?
Por alguns momentos eles apenas se encararam, ele surpreso, ela apavorada.
Mas antes que qualquer um dos dois pudesse ter qualquer reação, Natasha avançou para dentro do quarto com os olhos acusadores.
— Sua... vagabunda! Sai já da minha cama! Quem você pensa que é? — Ela se virou para Will. — Não sei o que ela te disse para te enrolar, mas saiba que eu não tenho nada a ver com isso! Ela não passa de uma criada, que com certeza será demitida assim que eu relatar sua desfaçatez a Armand!
— Criada?! — Will a encarou em busca de uma resposta.
— Eu tenho que sair daqui. — Foram as únicas palavras que Belle conseguiu proferir, tentando sair da cama.
— É bom mesmo, desaparecer da minha frente, sua... — Natasha continuou.
Mas antes que Belle pudesse sair, Will segurou seu braço.
— Não, não vai a lugar algum!
— Solte-me!
— Não vou deixar você ir até me explicar o que faz aqui!
Belle pensou em como se livraria daquele sufoco. Tentou soltar o braço, mas Will era mais forte e a segurou com firmeza.
Natasha deu um passo à frente não gostando nada daquela situação.
— Will, acho melhor deixá-la ir. Vou entregá-la a Armand e com certeza ele a interrogará dos motivos de ter entrado no meu quarto. Não é serviço para um duque, querido!
Belle prendeu a respiração, louca para que Will a deixasse ir. Ser interrogada pelo Armand era mil vezes melhor do que ter os olhos inquisidores do duque sobre si.
Mas ele não a soltou, e tampouco deixou de encará-la.
— Eu sei quem você é. Na verdade, o que quero saber é o que faz aqui. Neste lugar, neste quarto. E porque estava se passando por Natasha.
— O quê? — Natasha gritou com o rosto lívido de raiva. — Essa vadia estava se passando por mim?! Agora começo a entender! — E sem aviso a cortesã agarrou os cabelos de Belle a forçando a sair da cama. — Vai pagar caro por isso, sua puta!
Belle tentou se soltar das mãos de Natasha que a arrastava até a porta.
Will levantou-se também.
— Solte-a Natasha.
— Mas, Will...
— Eu quero me entender com essa moça. Na verdade ela é muito mais do que uma criada. Ela é uma bandoleira.
Natasha soltou Belle estupefata.
— O que me intriga é o que ela está fazendo aqui — Will continuou friamente. — E onde estão seus parceiros?
— Eles não estão aqui — Belle apressou-se em responder.
— Não acredito em você.
— Não estou preocupada com o que você pensa! — Belle respondeu tentando sair, mas Will foi mais rápido e bateu a porta. — Não vai a lugar nenhum, Belle.
Belle sentiu um friozinho no estômago ao ouvi-lo falar seu nome. Claro que o fato de ele lembrar seu nome não era nada demais.
— Will, querido, acho que devemos chamar os oficiais. Você mesmo não veio acompanhado de um? — Natasha falou colocando a mão no braço de Will.
Mas ele continuou com a atenção fixa em Belle.
— O que significa, Belle? É uma armação? Armou com seus comparsas para estar aqui comigo? Faz parte de algum plano sórdido para me extorquir mais dinheiro? Por isso estava comigo nessa cama se passando por uma cortesã?
Já era demais para Belle. Quem aquele duque empoadinho era para acusá-la de todo aquele absurdo?
— Não te devo nenhuma explicação! — sibilou cheia de desprezo. — Saiba que eu não estava aqui por você! Isso tudo foi uma confusão! Entrei neste quarto para trazer um vinho para essa daí e não para seduzi-lo! Nem sabia que iria entrar aqui! E se bem me lembro, foi você quem me agarrou e não o contrário!
— Podia ter dito algo que denunciasse sua presença, mas em vez disso me fez acreditar que era Natasha! — Will acusou.
Belle lembrou-se de um detalhe atordoante. Ele a chamara pelo nome. Ele dissera “Belle” momentos antes de Natasha os flagrar.
E pelo olhar atordoado de Will, notou que ele estava se lembrando da mesma coisa.
Deus, o que tudo significava? Belle especulou angustiada. Ele não poderia saber de sua identidade! Ou podia?
Ela esperou com a respiração presa na garganta por sua resposta.
— Eu não sabia que era você — respondeu com raiva e Belle se irritou.
— Oh, me desculpa então! Não sabia que aquela meretriz ali também se chamava Belle! — rebateu irônica. — Oras faça-me o favor! Sabia exatamente quem eu era quando se deitou naquela cama então não venha dizer o contrário!
— Eu imaginei você!
Belle deu um passo atrás com o peso da revelação.
Um silêncio tenso se instalou no quarto. Belle o fitou angustiada, perdida. Mas o que ele estava dizendo? Que abraçara Natasha pensando nela, Belle, a bandoleira que o assaltara dias atrás?
Era totalmente absurdo!
Natasha deu um passo à frente, sem entender bulhufas daquela conversa estranha, mas irritada com a intensidade do olhar trocado entre o duque e aquela tal Belle.
Esperara demais para tê-lo para si e não seria aquela bandoleira e nem ninguém a lhe atrapalhar.
— Chega dessa conversa! Querendo ou não, vou chamar os guardas! Essa mulher não só entrou aqui com falsos pretextos como também se fez passar por mim, apenas para enganá-lo!
— Cala a boca — Belle gritou irritada. — Não sabe de nada!
— Cala boca você, sua vadia mentirosa!
— Vadia é você, que tem que se deitar com homens para sobreviver!
— Eu não sou obrigada a ficar ouvindo desaforos de uma bandoleira! Vou agora chamar os guardas! — Natasha abriu a porta e saiu à procura dos guardas.
Belle se apavorou e olhou para Will.
— Deve estar satisfeito, não é?
— Eu só quero saber o que está fazendo aqui!
— Não é da sua conta! Me desculpa se estraguei seu encontro romântico com aquela cortesã metida a besta! Realmente não era minha intenção me passar por ela!
— Se não era, por que não se revelou?
— Para ir presa? — Belle respondeu. Sabia que mentia. A verdade era que não conseguira pensar em nada a partir do momento que ele a tocara.
Agora tinha que sair daquela enrascada. Não podia ficar ali. Por causa de sua atração por Will colocara todos os seus amigos em perigo. Agora Natasha estava chamando a guarda. E todos seriam presos se ela não fugisse naquele momento.
— Olha, Will, quer dizer, duque, não era para eu estar aqui e sinto muito por ter me confundido com a tal Natasha... Mas acho que não importa mais agora. A sua namoradinha foi chamar os guardas e sinceramente sou muito jovem para morrer na guilhotina. Então, acho que isso é uma despedida. Adeus, duque!
Ela se virou para sair, mas se pensava que ia se livrar de Will assim tão facilmente estava muito enganada. Ele a segurou pelo braço.
— Não vai a lugar nenhum, Belle.
— Será que não entendeu? Não vou ser presa!
— Pouco me importa se vai presa ou não!
— Por que está fazendo isso? — perguntou num fio de voz.
— Eu não sei... só sei que no momento que entrei nesse quarto, esperando estar com uma cortesã qualquer, eu pensei em você. No momento que a toquei quis que fosse você, eu imaginei que fosse você...
O coração de Belle batia descompassado no peito, uma emoção até então desconhecida a traspassou, fazendo suas pernas tremerem. Ele não podia estar falando sério. Não devia.
Mas quando ela mirou dentro de seus olhos, viu refletido ali a mesma confusão que existia dentro dela.
Enquanto isso no salão...
Blake estava preocupado. Todos os comparsas tinham desaparecido. Só esperava que nem um deles estivesse metido em confusão.
— Acho melhor irmos embora. — Logan aproximou-se da mesa.
— Descobriu alguma coisa com o barão?
— Ainda não, mas ele me convidou para ir a sua casa amanhã. Já é um começo.
Blake não gostou nada daquilo.
— É muito arriscado. Ainda acho que devemos ir embora da cidade.
— Não agora. Acho que estou prestes a descobrir algo muito importante — Logan especulou. — Onde estão os outros?
— Jack sumiu. Colin não desgruda da amante do barão e também não vejo a Belle pelo salão há um bom tempo.
— Isso é um problema... — De repente Logan soltou uma imprecação. — Mas o que é que ele pensa que está fazendo?!
Blake seguiu o olhar de Logan e não acreditou no que viu. Colin tinha agarrado Madeline e a estava beijando. Bem debaixo dos olhos do barão!
— Ele ficou maluco...
Blake moveu-se para acabar com a loucura do comparsa, mas antes que desse um passo o barão levantou-se com o rosto lívido de raiva ao ver a cena. Os homens que o acompanhavam foram direto para Colin.
— Agora estamos fritos... — Logan sussurrou.
— Temos que tirar ele dali já.
— Tarde demais...
Os homens do barão alcançaram Colin e o agarraram. Colin lutou para se safar e no movimento a peruca caiu.
E Blake notou quando o barão o reconheceu.
— Este homem é um bandoleiro! Prenda-o! — Foi o grito seguinte.
Blake e Logan não pensaram duas vezes em desembainhar a espada e daí para frente estava feita a confusão.
Ana Lúcia tinha enlouquecido... Só podia. Senão que outra coisa explicava que ela, uma moça direita, apesar de nas horas vagas se passar por homem, estar num quarto de bordel, deitada numa cama desconhecida, deixando um bandoleiro beijá-la?
Ela tinha que parar com aquela insanidade, mas não tinha forças. Sentia-se fraca.
Devia ser o vinho. Sim. O maldito vinho que tinha ingerido para ter coragem de continuar com aquela farsa.
Mas o que fora fazer ali mesmo?
Sim, porque a partir do momento que o bandoleiro insolente a depositara naquela cama e tinha começado a beijá-la, ela se esquecera de tudo o mais, a não ser a pressão da boca firme sobre a sua, as mãos que tentavam abrir os botões do vestido...
Não era certo. Estava ali não para se perder totalmente com aquele bandoleiro, por mais que seu corpo dissesse o contrário. Estava ali para ter respostas. Para descobrir onde estavam seus comparsas. Juntando forças, Ana Lúcia tentou afastá-lo.
— Senhor... por favor, tem que parar... — pediu fracamente e em resposta ele riu.
— Eu sei que você não quer que eu pare, baby... — ele respondeu beijando seu pescoço e Ana Lúcia gemeu, perdida.
O que ela queria mesmo? Perguntou-se tentando pensar racionalmente. Mas estava tão difícil...
Então um barulho vindo do andar de baixo a assustou.
O bandoleiro também escutou e afastou-se, alerta.
— Diabos! — Pegou a espada e abriu a porta.
Ana Lúcia ainda permaneceu no mesmo lugar, como se prostrada, até que ele a encarou e sorriu.
— Não saia daqui. Ainda não terminamos!
E com essas palavras ele saiu do quarto.
Ana Lúcia levantou-se e abriu a porta tentando descobrir o que estava acontecendo. E então ela viu o bandoleiro lutando com um dos guardas do barão!
Uma moça passou assustada pelo corredor e Ana Lúcia a reconheceu como sendo Natasha, a cortesã que estava com o duque.
— Ei, o que está acontecendo? — perguntou a ela.
— Os bandoleiros estão no salão e foram descobertos! Tenho que avisar ao duque! — Ela se afastou correndo e Ana Lúcia voltou para o quarto praguejando, buscando suas roupas da guarda.
Maldita hora que tinha se vestido de mulher! Agora teria que se recompor novamente para ir ajudar os guardas do barão contra os bandoleiros! E ela estivera com um deles bem debaixo do seu nariz! E o deixara escapar.
Tudo porque ele tinha um sorriso fácil e mãos atrevidas.
Ana Lúcia praguejou novamente com raiva de si mesma.
Belle encarou Will sem saber o que pensar.
Mas o que ele estava dizendo? Não podia ser verdade.
Ela não queria que fosse. Só que antes que ela pudesse esboçar qualquer reação um grito se fez ouvir e um barulho ensurdecedor de briga veio do andar de baixo.
Natasha entrou no quarto.
— Meu Deus, uma confusão dos diabos foi armada lá embaixo! Parece que bandoleiros tentaram atacar o barão. Com certeza deve ser os amigos dessa daí!
Jack apareceu na porta do quarto.
— Belle, temos que sair daqui agora! — gritou com a espada em punho.
— Você! — Will olhou para Jack furioso.
Belle pensou rápido e virou um soco na cara de Natasha que caiu por cima de Will e ela aproveitou para fugir atrás de Jack.
— O que estava acontecendo ali, Belle?
— É melhor nem saber! O que houve lá embaixo?
— Fomos descobertos!
— Oh, meu Deus!
— Vamos por aqui. — Ele a puxou para a porta dos fundos.
— Não! Temos que ajudá-los!
— Belle, temos que sair daqui, eles sabem se cuidar.
— Não vou sem eles!
Jack soltou uma imprecação e olhou pra cima ao ouvir passos.
— O duque está vindo atrás de nós.
— Diabos! Vamos sair daqui então! — Ela seguiu Jack pela porta dos fundo, ansiosa por fugir de Will.
Ana Lúcia, já vestida de Lúcios, saiu no corredor a ponto de ver Jack fugindo pelos fundos e topou com o duque.
— Lúcios! Onde esteve?
— É... eu...
— Não importa, temos que detê-los!
Eles saíram correndo, mas era tarde demais, os bandoleiros pareciam ter evaporado.
Capítulo 16
Belle andava de um lado para o outro, nervosa.
Estavam num beco escuro, perto da estalagem no qual tinham se hospedado, onde marcaram de se encontrar caso algo desse errado.
— Acalme-se, Belle!
— Cala a boca! Não devíamos tê-los deixado lá!
— Você queria o quê? Se ficássemos lá seríamos pegos!
— Mas tínhamos a obrigação de ajudá-los!
— Como, com o duque atrás da gente? Aliás até agora eu não entendi o que estava acontecendo naquele quarto com o duque...
— Não estava acontecendo nada! — Belle respondeu rápido.
— Pois eu acho que você está escondendo alguma coisa...
— E você onde estava? Não estava no salão com eles por quê?
Ele riu.
— Estava em um quarto com uma bela moça, satisfeita?
Belle fez cara de nojo.
— Mas não vale nada mesmo! A gente numa missão e você pensando em mulher!
— Está com ciúmes?
— Não seja ridículo! Pouco me importa com quem você dorme! O que me preocupa é que deixamos nossos amigos para lutarem sozinhos com guardas armados!
— Estamos interrompendo alguma coisa?
Belle virou-se surpresa ao ouvir a voz de Colin e sorriu aliviada ao ver Blake e Logan os acompanhando.
— Ainda bem que conseguiram!
— Sim, conseguimos fugir — Blake falou sério. — E como conseguiram sair de lá? Não tinha certeza se ainda estavam lá, já que desapareceram.
— Encontrei a Belle no corredor e fugimos.
— Eu queria ficar e ajudá-los, mas o duque e aquele guarda, Lúcios, estavam atrás de nós — Belle respondeu.
— Fizeram bem em sair dali.
— Não, não fizemos! Poderiam ter sido pegos! Enquanto o Jack se engraçou por um rabo de saia! — gritou, furiosa.
— E você que até agora não explicou o que fazia no quarto com o duque? — Jack retrucou sarcástico e Belle se enfureceu.
— Cala boca, seu cretino!
— Chega vocês dois! — Blake gritou. — Temos que manter a calma. Iremos partir ainda hoje à noite.
— Não, não acho uma boa ideia — Logan objetou. — Todas as estradas, toda Londres, estarão atrás do bando agora.
— Por isso temos que partir imediatamente! — Black insistiu.
— Já está amanhecendo. E o barão é um homem poderoso — Logan continuou —, acho que devemos nos esconder até a poeira abaixar.
— Nos esconder onde, padreco? — Jack perguntou e Logan abriu um sorriso enigmático. — É capaz de o barão mandar invadir todas as estalagens da cidade!
— Eu sei um lugar perfeito.
****
— Eu sinto muito, barão. — Um aparvalhado Armand tentava acalmar o poderoso lorde depois da confusão armada.
O Barão de Wessex estava possesso. Tivera todos os bandoleiros embaixo do seu nariz e os deixara escapar. Mas pelo menos servira de alguma coisa. Agora sabia que eles estavam na cidade.
Ele ouviu uma movimentação a viu o Duque de Buckingham descendo as escadas ao lado de um guarda. Era Lúcios, que contratara para ficar de olho em Lady Guilhermina.
— Duque de Buckingham, que surpresa. O mundo é mesmo pequeno. — Sorriu, mas o duque permaneceu sério.
— Barão de Wessex.
— Uma lástima que o mesmo bando que tenha assaltado a nós dois tenha conseguido fugir mais uma vez, não é mesmo? Aliás, acho uma estranha coincidência, eles estarem justamente aqui, quando nós dois estamos.
— Sim, muito estranho, mas com certeza não uma coincidência — Will comentou.
— Insisto que devemos conversar mais atentamente sobre o assunto.
— Nós não temos assunto em comum.
— O fato de querermos os dois ver os bandoleiros atrás das grades é assunto o bastante.
Will sabia onde o ardiloso barão queria chegar, mas não estava disposto a se unir a ele para nada. Muito menos para pegar os bandoleiros.
— Espero que o meu entrevero com o Conde de Canterbury, seu pai, não esteja influenciando em sua decisão.
— Meu pai não tem nada a ver com isso, e sim minhas próprias opiniões em relação ao senhor.
Will notou o barão ficar sério. Talvez tivesse ido longe demais. Ninguém ousava contrariar FitzRoy, mas não se importava, não tinha medo dele.
— Pensei que gostaria de ver os bandoleiros presos tanto quanto eu — o barão comentou por fim.
— Eu quero — Will confirmou —, mas não concordo com seus métodos. Acredito na justiça.
O barão sorriu lentamente, um sorriso irônico.
— Pois bem, Sir, não insistirei, mas espero que pense bem. Não gostaria de me ter como inimigo.
O barão olhou para Lúcios.
— Por favor, guarda, me acompanhe.
— Sim senhor. — Lúcios seguiu o barão.
Natasha desceu as escadas e sorriu para Will.
— Sinto muito por toda essa confusão.
— Não sinta, não é culpa sua — ele falou distraído.
Ela colocou a mão em seu peito.
— Ainda está em tempo de corrigir alguns equívocos...
Ele tirou as mãos da moça de sua roupa.
— Não hoje. Até mais ver — ele se despediu e saiu para a noite escura.
Madeline, que tinha se escondido em seu quarto, morrendo de medo da ira do barão, desceu as escadas.
— Graças a Deus eles partiram! Nem sei o que o barão vai ser capaz de fazer comigo!
— Você foi uma tola! Deixando aquele bandoleiro te beijar! — Armand criticou.
— Eu não sabia que ele era um bandoleiro! E ele me pegou desprevenida! Acha que seria idiota de deixar um homem me beijar na frente do barão?
— Mas bem que gostou do bandoleiro...
— Gostei sim. Pena que ele é um fora da lei... — Ela olhou para Natasha, que tinha o rosto fechado. — Por que está com essa cara?
— A noite não saiu como planejado.
— O quê? Vai me dizer que não conseguiu seduzir seu querido e rico duque?
— O pior não é isso. Estava tudo indo muito bem, e ele iria me encontrar no quarto, mas quando abri a porta, ele estava beijando aquela criadinha nova!
— Como?
— Sim, e eu descubro que ela estava se passando por mim, a safada!
— Conta outra, Natasha. Até parece que o duque não ia saber a diferença!
— Eu também acho estranho, mas ele não iria mentir. O problema é que ele a conhecia. Ela era nada menos do que um dos bandoleiros!
— Nossa! Será que eles entraram aqui com o intuito de seduzir o duque?
— Eu não sei, mas preciso descobrir, pois aquela bandoleira significa mais para o duque do que ele admitiu.
— Absurdo. Ele é um duque!
— Sim, ele é. No entanto a paixão não escolhe suas vítimas. Ele está caído por aquela bandoleira. E isso vai contra meus planos. Preciso dele apaixonado por mim e por mais ninguém.
— E o que vai fazer?
— Ainda não sei, mas pensarei em alguma coisa.
****
O barão chegou ao seu escritório e Sebastian o seguiu.
— Pediu para me chamar, senhor?
— Sim. Quero que espalhe pela cidade que darei uma grande recompensa em ouro para cada bandoleiro pego.
****
Will chegou em casa e estranhou ver o pai ainda acordado.
— Oi, filho. Pensei que iria passar a noite fora — John comentou e Will percebeu que de alguma maneira seu quase caso com Natasha já tinha chegado aos ouvidos do conde.
— As coisas não saíram como planejadas. Aliás, muita confusão aconteceu.
Will relatou ao pai o acontecido da noite no Clube, menos a parte envolvendo Belle. Não queria que o pai fizesse mais perguntas.
O conde tinha o semblante grave e preocupado ao final do relato.
— Will, tome muito cuidado. Bandoleiros já atentaram contra sua vida...
— Eu me preocupo muito mais com o barão do que com os bandoleiros. Eles me tiveram nas mãos, se ainda quisessem me matar já o teriam feito — ele falou pensando nos momentos que estivera sozinho com Belle. Sim, havia pensado que o fato de ela estar lá era algum ardil contra ele, mas não tinha mais tanta certeza. Na verdade, tudo era muito confuso.
— Sim, o barão está com o orgulho ferido e não descansará enquanto não pegá-los, mas não podemos culpá-lo. São bandidos, Will.
— Eu sei. Tem alguma coisa aí que me intriga muito.
— Só quero que pense bem antes de se meter em confusão. Já basta sua irmã Juliet.
— O que aconteceu agora?
— Por enquanto nada, mas amanhã James voltará aqui para conversarmos.
— Quero estar presente nessa conversa, papai — Will pediu. Preocupava-se com o futuro da irmã e sabia que Juliet precisava de um pouco mais de juízo, mas também não queria que ela se casasse com um homem que não a merecesse.
— Tudo bem. Ouvi dizer que o motivo de estar no Clube é uma bela estrangeira — John comentou.
Will sorriu.
— Pode-se dizer que sim.
John tocou seu ombro.
— Um homem tem direito a se divertir, mas não pode esquecer que não passa disso.
— Eu sei — Will falou gravemente. Não sabia por que, mas em vez da imagem da cortesã lhe veio à mente outra moça. Bem mais complicada do que o pai imaginava.
O que o conde pensaria se soubesse que estava atraído por uma bandoleira?
Com certeza acharia que enlouquecera. Ele mesmo já não tinha tanta certeza de sua sanidade.
****
— Chegamos — Logan avisou.
Belle cruzou os braços para tentar afastar o frio da noite e olhou para cima.
Estavam em frente a um casarão com ares de abandonado. Parecia que não morava ninguém ali há anos.
— Que lugar é este? — Blake perguntou.
— É a casa de uma velha amiga — Logan explicou batendo a porta.
— Será que essa amiga ainda está viva? — Colin perguntou baixinho. —Parece um lugar habitado por assombração.
A porta se abriu e uma mulher sorriu ao reconhecer Logan.
— Sir Logan! Não pensei que o veria de novo nesta vida.
Logan sorriu.
— Charlotte — ele a cumprimentou e a mulher magra de meia-idade olhou curiosa para eles.
— E quem são estes?
— São meus amigos.
— Entrem. — Ela deu passagem para eles passarem e Belle se arrepiou ao entrar na velha casa.
— Charlotte, precisamos de abrigo por alguns dias. Podemos ficar aqui?
— Sabe que sim. — Ela sorriu. — Em que tipo de confusão está metido agora? Espero que não seja com a tal da Katherine...
— Não — Logan a cortou. — Isso ficou no passado. Deixe-me apresentar meus novos amigos. Este é Blake, Jack e Colin e esta é a Belle.
— Muito prazer. Posso saber o que fazem aqui?
— São bandoleiros e estão se escondendo do Barão de Wessex — Logan respondeu de pronto.
— Bem, qualquer inimigo de FitzRoy é meu amigo. Portanto, sejam bem-vindos. Como podem ver, a casa não está em seu melhor estado, mas podem ficar o tempo que quiserem. Subam e escolham seus quartos, tem muitos aqui — a mulher falava enquanto desaparecia num corredor escuro.
Belle aproximou-se de Logan.
— Quem é esta mulher, Logan?
— Uma velha amiga.
— Ela é francesa, não é?
— Sim, mas está em Londres há muito tempo. Bem, eu vou me recolher. Fiquem à vontade.
Logan subiu as escadas e Belle e os amigos se entreolharam.
— Mais alguém achou tudo muito estranho? — Jack perguntou.
— Este lugar me dá arrepios — Colin comentou.
— Nós vamos ficar aqui à mercê desta francesa estranha? — Jack perguntou a Blake.
— Por enquanto sim. Amanhã é outro dia, então veremos quais serão nossos planos.
Belle afastou-se e subiu as escadas, com Jack em seus calcanhares.
— Está muito quieta desde que saímos do Clube, Belle.
— E você fala demais.
— Ainda não me explicou o que fazia no quarto com o duque...
Belle virou-se furiosa.
— Chega desse assunto! Não quero mais que toque no nome desse duque na minha frente, fui clara?
Belle entrou na primeira porta que achou e a trancou, encostando-se nela.
Sentia-se extenuada. Física e emocionalmente.
Droga de plano. Droga de Clube.
Droga de duque.
Por que ele tinha sempre que aparecer na sua vida quando menos esperava e bagunçar tudo? Se fechasse os olhos ainda podia sentir a boca firme sobre a sua, as mãos passeando por sua pele em brasa... nunca, nunca, tinha sentido algo assim em toda sua vida. Era como se nada mais importasse a não ser sentir toda aquela confusão de sentimentos que a assolavam cada vez que estavam juntos.
Sentimentos?
Ela não poderia, não deveria sentir nada por Will!
Belle abriu os olhos irritada. Mas o que estava fazendo?
Devia estar fora de si, para ficar revivendo cada beijo, cada toque de Will e ansiando bem lá no fundo do seu coração que as coisas fossem diferentes. Ou que ela fosse diferente.
Mas não era. Ele era um duque. Um nobre. E ela uma bandoleira. Proscrita. Procurada pela guarda real.
Nunca, jamais, nem em um milhão de anos iria acontecer alguma coisa entre eles.
Não que ela se importasse, disse a si mesma.
Era apenas luxúria. Desejo.
E com certeza nunca mais veria o duque novamente. Então não tinha nada com que se preocupar.
Mas só este pensamento, de nunca mais vê-lo, a deixou com um vazio inexplicável no peito.
Suspirou desconsolada.
Andou pelo quarto antigo, os móveis cobertos de poeira davam uma sensação de desolação que combinava com seu humor.
Abriu as janelas e olhou o céu escuro. E fez uma prece silenciosa para que conseguisse esquecer tudo o que se relacionava ao Duque de Buckingham.
Tudo.
Ou temia estar se metendo na maior enrascada de sua vida.
Logan avistou Charlotte sentada num canto escuro da longa varanda.
— Sei que está aí, Logan.
Ele sorriu aproximando-se.
— Achei que nunca mais voltaria a Londres.
— Eu também.
— O que aconteceu? Da última vez que tive notícias suas estava num mosteiro.
— Não era vida para mim.
— Eu sempre soube. O que faz andando com bandoleiros?
— Sou um deles agora.
Ela levantou a sobrancelha.
— Você sempre me surpreende.
Eles ficaram em silêncio por alguns instantes.
— Já a viu?
Charlotte não precisou falar o nome para Logan saber de quem ela estava falando.
Charlotte era uma antiga cortesã. Ele a conhecera quando veio para Londres atrás de Katherine e, com medo do pai, ela se negara a fugir com ele. Arrasado ele se embebedara e chegara a pegar a espada com o intuito de matar Richmond, mas Charlotte o encontrara e o dissuadira, acalmando seu espírito e o aconselhando a partir.
Isso há sete anos. Charlote era muito diferente. Estava em seus últimos dias como cortesã, a beleza já deixando seu corpo e rosto. E ela também contara sua história a Logan e seu ódio do Barão de Wessex, com quem teve um caso que durara anos, até que ele a desprezasse por estar ficando velha e a trocasse por cortesãs mais novas.
— Sim, eu a vi — respondeu por fim.
— Pensei também que tinha ido parar naquele mosteiro por causa dela.
— Por causa do pai dela — corrigiu amargo.
— Ela ainda é uma mulher casada, pelo o que sei.
— Eu sei.
— O que pretende, Logan? Uma vez já não foi o bastante?
— Eu não sei. Não planejei voltar aqui e nem voltar a vê-la.
— O pai dela o mataria desta vez.
— Ele já tentou e não conseguiu.
— Agora é um procurado da guarda real e pior — ela o encarou —, procurado do Barão de Wessex.
— Sim. Mas essa é a vida que vivo agora.
— Se atraíram a ira de FitzRoy devem saber que ele não descansará até vê-los destruídos.
— Eu sei.
— Eles sabem? — a francesa perguntou enigmaticamente.
— Não, eles não fazem ideia.
— Talvez devesse dizer a eles.
— Não.
— Tudo bem. Não irei insistir. Apenas peço que tome muito cuidado. Você e seus amigos estão num ninho de vespas.
— Nós tomaremos.
****
Quando Guilhermina chegou em casa já amanhecia. Estava meio bêbada. As festas de Lady Chalbert eram as melhores da corte. E as mais devassas também. E precisava de um pouco de diversão para esquecer o fora que levara do bandoleiro. Ele que fosse para o inferno.
— Você é uma vergonha .
Ela ouviu a voz da madrasta e fez uma careta.
— E você uma chata!
— Estou cansada de aturar sua devassidão, Guilhermina.
Guilhermina riu.
— Vai fazer o quê? Me pôr para fora?
— Sabe que eu só não a enxotei daqui ainda, porque James não deixa.
— Sim, nosso querido e benevolente James!
— Ele é um idiota que acredita estar apaixonado por você.
— Por isso me odeia, não é? Porque o James me ama...
— Pois saiba que seus dias estão contados. James irá se casar com Lady Juliet Cavendish.
Guilhermina não acreditou.
— Está mentindo — falou rindo. — James não vai se casar com ninguém, ele ainda sonha em se casar comigo...
— Ele já concordou e está tudo acertado com o pai dela. Eles já estão praticamente noivos.
— E o que significa? Ele pode se casar, mas vai continuar apaixonado por mim!
— Pois eu não teria tanta certeza — Phelipa refutou com um sorriso superior. — Juliet é uma moça lindíssima e James está encantado com ela. Portanto, o dia em que me verei livre de você está muito próximo!
Guilhermina fechou o cara e subiu as escadas, irritada.
Seria mesmo verdade? James iria se casar com esta Lady Juliet? Isso a irritava profundamente. James não podia gostar de mais ninguém a não ser dela.
Andou pelo corredor e ignorando a porta de seus aposentos, entrou no quarto de James.
Ele estava deitado e acordou assim que ela entrou.
— Guilhermina o que faz aqui?
Ela deu de ombros, sorrindo.
— Vim ver meu irmãozinho.
— Não somos irmãos, Guilhermina.
— Eu sei. — Ela caminhou em direção à cama, sentando-se. — Eu sei — sussurrou antes de beijá-lo.
James segurou seus braços e a afastou.
— O que está fazendo?
— Não é óbvio? — Ela aconchegou-se mais a ele. — Estou fazendo o que você sempre sonhou, James, então aproveite.
Ela se deitou ao seu lado e James não pôde mais resistir.
****
O dia amanhecia e Will ainda estava acordado.
Sentado no jardim ornamental, ele pensava nos últimos acontecimentos.
Fazia mesmo poucos dias apenas que tudo tinha mudado bruscamente?
Há apenas alguns dias, ele estava em Kent com Juliet, ansiando voltar para Londres e rever sua noiva para enfim se casarem.
Liliana.
Engraçado como a dor que sentira depois de saber de sua traição tinha desaparecido como fumaça. Assim como os sentimentos que pensava sentir por ela.
Talvez Liliana tivesse feito um favor aos dois ao escolher outro destino.
Talvez nunca fossem felizes juntos.
Quando foi que tudo mudou?
Tudo começou com aquele assalto e a bandoleira de longos cabelos castanhos e olhos flamejantes parada no meio da estrada.
Desde aquele dia ele não fora capaz de pensar racionalmente.
Era como um feitiço. Tudo o que ele desejava era sentir de novo o gosto doce de seus beijos, a textura de sua pele branca, o aroma especial de seu corpo.
Will sentiu uma pontada de desejo no baixo ventre e praguejou.
Estava indo longe demais.
Ela era uma fora da lei. Andava com um bando de homens e Deus sabe com quantos já tinha dormido. Will sentiu uma lança fria de ciúme. O que era absurdo.
Talvez devesse voltar ao Clube e terminar o que começara com Natasha.
O problema era que depois de provar novamente do fruto proibido ele só queria uma coisa, encontrar Belle de novo e matar a sede que tinha dela. Quem sabe assim se veria livre daquele fascínio. De uma vez por todas.
Capítulo 17
Guilhermina levantou-se ao primeiro raio de sol e começou a pegar suas roupas. James acordou e a encarou.
— Aonde vai?
— Para o meu quarto oras!
— Mas...
Ela o encarou impaciente.
— James, não pense que o que aconteceu muda alguma coisa. Somente queria provar a você que ainda me ama e não pode se casar com outra.
James ficou rubro de raiva. Não sabia por que ainda a amava. Devia ser realmente uma obsessão como sua mãe dizia.
E ali estava a prova de que Guilhermina realmente não valia nada. Os sonhos que tinha com ela nunca iriam se concretizar.
— Pois se enganou, querida irmã. Eu estou mais disposto do que nunca a me casar com Lady Juliet.
Guilhermina se enfureceu.
— Você não pode!
— Não só posso como vou. Agora suma da minha frente antes que me veja tentado a seguir os conselhos da minha mãe e te coloco pra fora desta casa.
— Você não ousaria...
— Ousaria sim. Não vale nada, Guilhermina. E eu tenho nojo do que aconteceu entre nós.
Guilhermina riu sarcástica.
— Tente se enganar, James. Duvido que consiga!
Ela saiu do quarto batendo a porta.
Mas o medo estava estampado em sua face e ela via o rosto de sua madrasta a rir da cara dela. E se James se apaixonasse pela tal Lady Juliet?
Será que ainda teria seu lugar naquela casa? O barão estava custando a lhe ajudar a reaver sua herança. E certamente o poderoso lorde não era de confiança, mas era a única esperança que lhe restava.
****
Ana Lúcia penteava os cabelos em frente à penteadeira. Estava pensativa. Na verdade o seu poder de concentração em coisas práticas fora para o lixo desde que se metera em toda aquela confusão com o bandoleiro moreno.
Onde estava com a cabeça quando deixara ele beijá-la? E pior: como pudera apreciar?
Agora tinha desperdiçado sua chance de agradar ao barão e ser promovida.
— Maldito bandoleiro! — disse em voz alta, com raiva de si mesma por ter sido suscetível ao charme do bandido.
Uma batida na porta e logo em seguida Mário entrou e lhe entregou um bilhete.
— Quem entregou? — perguntou abrindo a carta e sorriu excitada ao ver a letra clara do Duque de Buckingham.
— Um dos oficiais. Disse que o duque mandou um criado te procurar lá no quartel.
Ana Lúcia levantou-se de um pulo e começou a se arrumar. Como Lúcios, claro.
— O que ele quer com você? — Mário perguntou.
— Eu não sei. Apenas pede que eu vá ter com ele.
— Não está apaixonada por esse duque, não é Ana Lúcia?
— Claro que não, idiota! — rechaçou a ideia absurda. Não que o duque não fosse lindo, mas não queria saber de homens em sua vida. Além do que, ele a conhecia como Lúcios e não como Ana Lúcia.
Porém, a imagem de outro homem se formou em sua mente. Ela sacudiu a cabeça para desanuviar os pensamentos perigosos.
— Invente uma desculpa à mamãe — pediu colocando a peruca e prendendo os bigodes falsos. — Vou ficar fora o dia inteiro, ainda tenho que ir me reportar ao barão.
— Ana Lúcia, Ana Lúcia, você está se metendo com gente importante, é perigoso...
— É a minha única chance de ser alguém. E não vou desperdiçar. Me deseje boa sorte? — Abraçou o irmão lhe dando um beijo em seu rosto.
Mas Mário se afastou, irritado.
— Já falei para não chegar perto de mim vestida de homem! É esquisito!
Ana Lúcia gargalhou e pulou a janela para ir ao encontro do duque.
****
— Como vai, Lúcios? — Will disse ao entrar na sala.
Ana Lúcia, ou melhor, Lúcios, levantou-se respeitosamente.
— Sua Graça...
— Pode me chamar de Will — ele informou amigável e lhe sorriu.
Ana Lúcia já ia sorrir de volta, encantada com o sorriso do duque, mas se conteve a tempo.
— Em que posso ser útil, senhor? — perguntou com a voz mais grave que tinha.
— Quero que me conte tudo o que sabe sobre os bandoleiros.
— Bem, não sei muita coisa...
— O que o barão lhe pediu?
— O barão quer ver todos capturados. Só que na verdade ele me encarregou de ficar de olho em Lady Guilhermina.
— Irmã de Lorde James Holt? O que ela tem a ver com o barão?
— Eu não sei...
— Tudo bem, Lúcios. — Will pôde bem adivinhar qual era o caso. — Continue.
— Eu estava seguindo Lady Guilhermina quando me deparei com um dos bandoleiros. Eu o persegui, nós lutamos, mas ele fugiu. Era Jack, o mais moreno. O mesmo que tentou matá-lo.
— Por acaso você tem ideia do que eles estavam fazendo no Clube ontem?
— Não sei. Poderiam estar armando uma emboscada tanto para o senhor quanto para o barão.
— Lúcios, é o seguinte, tudo o que descobrir sobre os bandoleiros quero que se reporte primeiramente a mim, antes de qualquer pessoa, entendido?
Ana Lúcia franziu a testa. Por essa ela não esperava, aliás tivera a leve impressão de que o duque não estava nem aí para os bandoleiros. Não como o Barão de Wessex.
Com certeza se o barão soubesse que estava passando informações para o duque antes dele estaria em maus lençóis. Todavia, não ia nem um pouco com a cara do barão.
Pensando rápido, ela tomou sua decisão.
— Tudo bem. Eu o informarei de tudo.
Neste momento um criado entrou na sala anunciando a chegada de Lorde James Holt.
— Se me der licença, Lúcios...
— Sim, eu já vou. Até mais.
Ela se despediu e saiu da casa rapidamente.
James entrou em seguida. Os dois homens se cumprimentaram e de repente Will lembrou-se do que Lúcios tinha dito sobre Guilhermina. Estaria a meia irmã de James tendo um caso com FitzRoy?
— A que devo a visita? — Will perguntou.
— Já deve saber que penso em me casar com a sua irmã.
— Sim, meu pai me contou.
— Por que acho que a ideia o desagrada? — James perguntou notando a reserva de Will.
— Não é que me desagrade, mas vocês mal se conhecem. Acho que não deve fazer nada precipitado.
— Talvez tenha razão. Por isso gostaria de ter permissão de cortejar Juliet.
— Tudo bem. Tem minha permissão. James, preciso perguntar uma coisa. O que sua irmã tem a ver com FitzRoy?
James se mexeu incomodado.
— Não adianta eu tentar esconder, afinal já deve saber da fama de Guilhermina. Desde que o pai dela morreu, mudou totalmente. Não sei mais o que fazer.
— Então ela realmente é amante do barão?
— Eu não sei, mas ela tem algum tipo de negócio com ele. Na verdade, eu não gosto nada dessa aproximação. O barão é um homem muito perigoso.
— Sim, sinto muito pelos seus problemas com Guilhermina — Will falou solidário.
— Não sinta. Guilhermina escolheu seu caminho.
Will levantou-se.
— Vou pedir para irem chamar Juliet. Fique à vontade.
****
— Entre, Lúcios.
O barão o chamou até sua austera sala. Ana Lúcia entrou rodando o chapéu na mão. Estava nervosa. Pensava no pedido do duque. E rezava para que o barão não descobrisse.
— Então o que tem para me contar? — o barão pediu, ou melhor, exigiu. — Descobriu algo sobre Lady Guilhermina que seria suspeito?
— Na verdade temo que sim. Quando estava a seguindo, encontrei com um dos bandoleiros e tenho certeza de que ele ia se encontrar com ela.
Ana Lúcia viu o barão ficar rubro de raiva. Não queria estar no lugar de Lady Guilhermina.
— Obrigada, guarda. Por hoje é só. Não precisa mais segui-la. Já descobri o que queria. Por favor, agora quero que se concentre na busca pelos bandoleiros. Já pedi para anunciar uma grande soma em dinheiro por sua cabeças. Se estiverem na cidade, nós os acharemos.
— Não creio que ainda estejam aqui.
— Pode ser, mas a sorte está lançada. Está dispensado.
****
Juliet suspirou entediada enquanto passeava pelos jardins com James. Só de pensar que ele era seu pretendente, tinha vontade de vomitar. Devia contar a ele que não era mais virgem. Mas talvez não o surpreendesse, muitas moças na sociedade também não o eram, apesar de manter as aparências.
Ou podia contar que dormira com um bandoleiro com o pescoço a prêmio, mas aí ela arruinaria toda a sua família. Teria que contar com o bom senso de James. Se é que ele tinha algum.
— Sir...
— Pode me chamar de James.
— Certo, James. Vamos logo ao assunto — ela disse por fim. — Sei que está aqui porque é meu pretendente, mas quero deixar bem claro que não quero me casar com o senhor.
James pareceu surpreso com aquele desabafo.
— Mas o seu pai...
— Meu pai pode me obrigar, certamente. Sou uma mulher e no fim terei que obedecê-lo, mas queria saber o que leva o senhor, um homem rico e bem apessoado, a querer se casar comigo. Certamente não me ama.
— Não, eu não a amo. No entanto casamentos são feitos de alianças, milady.
— Por isso vai se sujeitar a se casar com uma mulher contra sua vontade?
— Não quero que se case comigo contra a vontade. Quando seu pai me propôs este casamento, achei que estivesse de acordo.
— Claro que não estou! Eu nem o conheço direito!
James estava surpreso com a insolência de Lady Juliet, mas ela tinha razão. Nem se conheciam. Como poderiam ser felizes?
— Pois bem, milady. Irei conversar com o seu pai novamente e retirarei o pedido de casamento.
Juliet ficou tão feliz que seria capaz de pular no pescoço de James, mas se conteve.
Mal podia acreditar em sua vitória!
Depois que James foi embora ela lembrou de seu reencontro com Logan naquela taberna. Ele estava com Katherine Richmond, a irmã da ex-noiva de Will. Mas que diabos estavam fazendo juntos?
E o que os bandoleiros estavam fazendo na cidade?
Ela foi tomada por uma extrema curiosidade.
E resolveu botar um plano em prática.
****
Blake, Belle, Jack, Colin e Logan se reuniram na antiga sala do casarão da francesa.
— O que vamos fazer, Blake? — Belle perguntou.
— Acho que devemos partir.
— Pensei que a gente ia se esconder — Colin argumentou.
— É muito arriscado permanecermos na cidade. No campo, conhecemos as florestas com a palma da mão, será mais fácil nos escondermos.
— Então é isso, vamos nos esconder para sempre? — Jack perguntou contrariado.
— Eu não sei — Blake respondeu —, mas agora nós mexemos num ninho de vespas. Este barão é um homem implacável.
— Eu não sei vocês, mas eu não quero ir para a guilhotina — Belle comentou sombria.
Jack sorriu.
— Nem um de nós, Belle.
— Está decidido, partimos o mais rápido possível — Blake decidiu por fim. Virou-se para Logan. — Seu encontro com o barão está cancelado.
Logan se levantou.
— Antes eu preciso fazer uma coisa. — Ele iria se despedir de Katherine, mas não queria contar aos comparsas. Não sabia quando teria a chance de vê-la de novo. Se é que se reencontrariam algum dia.
— Se o escocês vai sair. Eu também preciso ir a um lugar — Colin falou.
— Vai aonde? — Jack perguntou.
— Cuida da sua vida! Até mais.
Antes que Blake pudesse falar algo os dois desapareceram porta afora.
****
Liliana olhou disfarçadamente para a irmã mais velha do outro lado da sala. Katherine estava inquieta e ela se perguntava o porquê.
— Katherine, o que está acontecendo? — perguntou por fim.
Katherine a encarou.
— Pode guardar um segredo?
— Precisa perguntar? Claro que sim!
— Eu me encontrei com Logan.
Liliana arregalou os olhos, incrédula.
— O quê? Como assim?
— Ele veio me procurar e pediu que eu fosse me encontrar com ele. Juro que não queria... Mas eu fui — confessou.
— Katherine, ficou doida? Se papai descobre...
— Eu sei, mas... não tive como recusar.
— O que ele está fazendo de volta à cidade?
— Ele não me disse muita coisa.
— Vai se encontrar com ele de novo?
— Ele pediu. Mas eu não sei... Tenho muito medo.
— Não deve se envolver com ele de novo, Katherine. Sabe disso. Está casada agora. Seria loucura. Fora que o papai o odeia e se o encontrasse novamente, o mataria!
— Eu sei. Acho mesmo que não o encontrarei mais.
— É o melhor a fazer.
Liliana segurou suas mãos e Katherine a fitou.
— Você ainda pensa em Will? — perguntou de repente.
— Por que pergunta?
Ela deu de ombros.
— Não sei. É que pensei que gostasse dele. Me surpreendi quando anunciou que ia se casar com outro.
— Eu também me surpreendi. Não esperava me apaixonar. Às vezes me arrependo de ter me casado sem desmanchar o noivado com Will antes. Mas não me arrependo de ter casado. Tenho certeza que eu e Will nunca daríamos certo.
De repente uma porta se abriu e a criada entrou.
— Lady Juliet Cavendish está no vestíbulo.
As irmãs se entreolharam.
— Juliet? Mas o que ela veio fazer aqui? — Liliana especulou.
Então Katherine se lembrou que encontrara a moça quando estava com Logan. E ficara curiosa em saber de onde se conheciam. De Kent, tinha dito a moça. Mas o que Logan fazia em Kent?
— Eu a encontrei na taberna que estava com Logan. Eles se conheciam.
— Se conheciam da onde?
— Ela disse que de Kent.
— Que estranho. — Liliana virou-se para a criada. — Mande-a entrar.
Juliet entrou na sala e sorriu ao ver as duas elegantes loiras, como se fossem grandes amigas.
— Senhoras. — Ela fez uma reverência. — Muito prazer em revê-las.
— O prazer é nosso — Katherine respondeu. — E a que devo a honra de sua visita?
— Oh, desde que fiquei sabendo que estavam em Londres quero visitá-las, mas... depois do que aconteceu com o noivado...
Liliana sorriu sem graça.
— Sim, eu entendo. Espero que não tenha ficado com raiva de mim.
Juliet a fitou. Raiva? Claro que tinha ficado com raiva. Aquela loira aguada tinha dispensado seu irmão com a maior cara lavada.
Mas não iria falar nada. Fora ali por outro motivo. Para interrogar Lady Katherine sobre Logan.
— Então, Lady Katherine, me surpreendi ao vê-la ontem naquela taberna. E não fazia ideia que conhecia Logan.
Katherine e Liliana se entreolharam.
— Eu também me surpreendi de vê-la — Katherine devolveu, saindo pela tangente. — Você me disse que conhece Logan de Kent?
— Na verdade, eu o conheci como Irmão Logan. Passei um período num convento e ele passou por lá com sua ordem de franciscanos.
— Sir Logan era um frade? — Liliana se surpreendeu.
— Vocês não sabiam? Lady Liliana também conhece Sir Logan? Devo entender que ele é um amigo da família então?
— Mais ou menos — Liliana respondeu seca.
— Eu também me surpreendi por ele ser frade. Ele não combinava com a batina entende? — falou sorrindo. — Devo deduzir que ele não era frade quando se conheceram?
— Não, ele não era — Katherine respondeu.
Juliet sorriu para a moça.
— Sabe, Lady Katherine, quando os vi juntos ontem, tive a leve impressão de se tratar de um affair... — falou maliciosa.
Katherine enrubesceu.
— Pois pensou errado.
— Oh, não precisa mentir para mim. Somos quase família, não é? Me conta, foram namorados? Ele ainda é apaixonado por você? Por isso a procurou?
Katherine e Liliana se entreolharam e Liliana deu de ombros.
— Se quer saber, Lady Juliet, sim, eles foram namorados, mas foi há muito tempo, há muitos anos.
— Por que não se casaram?
— Papai não permitiu.
— Por que não? Por que ele não era rico?
— Ele era rico — Liliana respondeu e Juliet arregalou os olhos estupefata.
— Jura?
— Mas era escocês, o que bastou para meu pai detestá-lo — Liliana respondeu. — E mais o fato de ele ser da guarda escocesa, claro.
Juliet estava perplexa com aquelas informações sobre Logan.
— Como vocês se conheceram? — perguntou à Katherine.
— Numa viagem que meu pai fez a negócios à Escócia. Nos conhecemos e nos apaixonamos. Eu queria fugir com ele, mas meu pai descobriu e a partir daí fez tudo para arruiná-lo.
— Como assim arruiná-lo?
— Meu pai é muito poderoso e Logan também o desafiou até o limite.
— E por que não lutou? Por que não fugiu com ele?
— Eu tive medo. Se fugisse, meu pai iria matá-lo.
— Que história triste. Por isso que ele virou padre?
— Temo que sim. Ele ficou revoltado quando eu me casei e fui para a Irlanda. Ele queria que eu continuasse lutando, não entendia que eu não tinha escolha. Tinha medo que se insistisse meu pai o matasse.
Agora Juliet entendia um pouco da personalidade de Logan.
Mas será que ele e Lady Katherine ainda teriam alguma chance de ficarem juntos? Na sociedade em que viviam não. Tudo era realmente muito triste.
O que Lady Katherine acharia se soubesse que tinha o seduzido? Juliet especulou.
Mas não podia contar a ela. Não queria prejudicar Logan.
Ela se levantou dando a visita por encerrada.
— Eu preciso ir. Nem meu pai e nem meu irmão sabem que vim aqui.
Liliana adiantou-se.
— Como o Will está? — perguntou receosa e Juliet a encarou com ironia.
— Como se importasse...
— Mas eu me importo — defendeu-se Liliana.
— Agora você se importa com ele? E quando resolveu se casar com outro? Não tem o direito de perguntar nada sobre o Will! Sua... dissimulada! — Juliet gritou furiosa.
— Milady está sendo grosseira... — Liliana tentou manter a pose apesar de estar ficando vermelha.
— Pouco me importa! Já estava na hora de você ouvir umas boas verdades!
— Não preciso ficar ouvindo desaforos dentro da minha própria casa! — Liliana fez menção de se afastar, mas Juliet aproximou-se e segurou seu braço.
— Ah não? Mas vai ouvir!
— Solte-me!
— Não vou soltar até eu disser tudo o que está entalado aqui! O Will era bom demais para você mesmo! Como pôde fazer isso com ele? O homem mais maravilhoso do mundo?
— Ele me deixou sozinha para ir atrás de você! Por causa de seus escândalos! Como ousa vir aqui na minha casa me questionar quando você mesma não vale nada?!
Juliet se enfureceu ao ouvir os desaforos de Liliana e não pensou duas vezes em virar uma bofetada na cara da moça. A partir daí estava armada a confusão. Katherine entrou no meio para tentar separá-las, mas sem sucesso, até que os empregados, alertados pelos barulhos, vieram em seu socorro e finalmente conseguiram segurar Juliet.
— Ponha essa louca para fora da minha casa! — Liliana gritou.
— Eu vou com muito prazer! — Juliet desdenhou enquanto os criados a levavam porta afora.
Ela caminhou para fora da residência dos Richmond bufando.
Estava enfurecida! Que infeliz ideia tivera de ir até ali?
— Está perdida, milady?
Ela se virou ao ouvir a voz e surpreendeu-se ao ver Logan.
— Eu que devo perguntar, o que faz aqui? Oh, agora me lembrei. Deve ter vindo ver Lady Katherine! Não tem medo que o pai dela descubra?
Logan a encarou estranhamente.
— O que sabe sobre mim e Katherine?
Juliet sorriu, matreira.
— Praticamente tudo. Ela mesma me contou.
— Foi por isso que veio aqui? — ele perguntou desconfiado.
— Foi sim — Juliet confessou. — Fiquei curiosa quando vi vocês, mas não se preocupe, não contei nada sobre... aquela noite — completou piscando maliciosamente.
Mas ele estava sério.
— Aquela noite foi um erro.
Juliet disfarçou a mágoa de suas palavras.
— Eu sei, mas eu não me arrependo. Ao contrário de você, “Irmão Logan”!
— Você nunca pensa nas consequência dos seus atos?
— O que quer dizer?
— É mimada demais. Vive aprontando e espera que os outros consertem seus erros por você.
Juliet se irritou com a crítica, mas levantou o queixo.
— E o problema é de quem? Não tem nada a ver com a minha vida, Irmão Logan. Então não venha querer me dar lição de moral.
— Longe de mim pretender tanto — ele falou irônico e de repente pareceu olhá-la mais atentamente e percebeu seus cabelos despenteados e as roupas amarrotadas. — O que aconteceu com você?
Ela deu de ombros.
— Tive uma pequena discussão com Lady Liliana.
— “Pequena discussão”?
— Ela é uma cretina. Traiu meu irmão e não podia deixar as coisas assim!
— Como assim ela traiu seu irmão?
— Casou-se com outro sem terminar com ele!
— E o que você tem a ver com isso?
— Tudo! Ele é meu irmão!
— Por isso saiu no tapa com Lady Liliana?
— Sim — respondeu se sentindo um pouco envergonhada.
— Você tem um jeito muito impulsivo de resolver as coisas.
— Quando vai contar a Katherine que virou um bandoleiro? — Ela mudou de assunto deliberadamente.
— Não é da sua conta.
— Pode até ser. Mas sinceramente, eu acho que já se passou muito tempo desde que você e Lady Katherine foram apaixonados. Ela está casada agora.
— Você não tem ideia do que aconteceu... — ele falou com amargura e Juliet se condoeu de sua dor.
Nunca amara assim, mas sentia simpatia pela dor que havia na expressão de Logan. E sentiu raiva de Katherine por ter sido tão covarde. Se fosse ela, não hesitaria nem um segundo em seguir com ele.
— Posso imaginar. Mas o que entendi é que Katherine foi uma covarde! — desdenhou. — Se ela o amasse de verdade teria fugido, apesar de todos os perigos!
— Nem todos são inconsequentes como você, Juliet.
— Realmente! O que é uma pena. Pelo menos eu tenho coragem de me arriscar e de ir atrás do que eu quero!
— E o que você quer, de verdade? — ele perguntou seriamente. — Não me parece que tenha um plano real para sua vida, além de querer desafiar a todos e se divertir.
Ah isso doeu.
Teve vontade de estapear Irmão Logan assim como estapeou Lady Liliana, mas em algum lugar dentro dela, ela sabia que ele tinha razão.
O que ela queria de verdade?
— E você, o que quer? Reconquistar Lady Katherine, apesar de tudo?
— Eu achei que ela estava perdida. Segui minha vida, tentando esquecer, entrei na ordem para preencher o vazio e de nada adiantou. Vaguei sozinho, e encontrei os bandoleiros.
— E é isso que tem a oferecer para uma mulher como Lady Katherine? Uma vida de crimes?
Ele sorriu.
— Nem sempre fui este andarilho, Juliet.
— Katherine disse que era rico... Eu não entendo.
— Melhor não entender.
— Então é isso mesmo? Ainda quer Lady Katherine?
— Eu não sei, apenas talvez esteja perseguindo um sonho impossível.
De repente Juliet sentiu inveja de Lady Katherine.
Queria que Logan pedisse que fugisse com ele.
Mas sabia que isso nunca aconteceria.
Logan estava obcecado com o passado.
— Bem, eu preciso ir. Se meu irmão ou meu pai descobrem que eu vim aqui estou perdida. — Ela deu a conversa por encerrada.
— Adeus, Lady Juliet.
— Por que adeus? Vai partir?
— Sim, nós temos que fugir da cidade, as coisas estão perigosas para o nosso lado.
— Vai pedir que Lady Katherine vá com você?
— Na verdade, acho que ela já deixou bem claro sua posição. Eu vim me despedir.
— E não ia se despedir de mim? — Ela não deveria ficar brava.
Mas ficou.
— Juliet...
— Não, esquece. Preciso ir. Boa sorte. — E num impulso, ficou na ponta dos pés e o beijou nos lábios.
Ele a segurou pelos ombros para afastá-la e Juliet sorriu maliciosamente.
— Você ainda tem gosto de vinho...
— Pare, milady!
— Por quê? — falou desafiadoramente. Acabara de descobrir que Logan ainda a afetava profundamente. E sentiu uma vontade louca de estar com ele de novo. Era uma total loucura, mas não podia evitar. Ela o queria. E quando Juliet queria alguma coisa, ela ia até o fim. — Está com medo de mim, não é? — sussurrou aproximando-se até que seus corpos estavam quase se tocando.
Sentiu que ele não lhe era indiferente, mas lutava contra a atração que os unia.
— Não. Apenas dispenso mais complicações para minha vida.
— Tudo bem. Sei que ainda é apaixonado por Lady Katherine. E pode ficar tranquilo, eu não estou apaixonada por você — mentiu. Talvez estivesse um pouco? Ela mesma não sabia dizer.
— Então por que estamos tendo essa conversa?
Juliet sorriu e ficando nas pontas dos pés, sussurrou em seu ouvido.
— Porque eu não hesitaria nem um minuto, se me pedisse para dormir com você de novo... — Ela o encarou com os olhos flamejantes, satisfeita ao perceber que ele não estava tão imune quanto gostaria. — Sabe onde me encontrar.
E sem dizer mais nada, ela montou em seu cavalo e partiu.
****
Guilhermina adentrou no escritório do barão e sorriu ao cumprimentá-lo.
— Tenho ótimas notícias! — falou entusiasmada. — Os bandoleiros estão na cidade! — contou crente estar informando algo que o barão não soubesse.
FitzRoy levantou-se com o semblante indecifrável e sem nenhuma palavra estapeou Guilhermina.
Ela gritou assustada e levando a mão à face dolorida fitou sem entender o que tinha feito de errado. Mas o barão estava furioso, então algo tinha acontecido.
— Eu já sabia disso. E sei também que ia se encontrar com um deles.
— Não! Não é verdade, eu... — Ela tentou se defender, mas o homem segurou seus cabelos com força e a fez encarar seus olhos azuis odiosos.
— Não tente me fazer de idiota outra vez, milady, pois pagará caro. Suma da minha frente e fique longe do meu caminho, senão não hesitarei em jogá-la na sarjeta.
Guilhermina sentiu os olhos marejarem de dor e medo quando ele a soltou.
Mas só pôde menear a cabeça afirmativamente.
Guilhermina saiu do escritório humilhada.
Enxugou uma lágrima que teimou em cair e levantou a cabeça. Odiava o Barão de Wessex.
Estava se afastando pelo corredor, mas então viu aquele odioso capacho do barão discutindo com uma moça vestida espalhafatosamente.
— Precisa me deixar entrar! Quero falar com o barão agora! — ela exigia em altos brados.
— Você vai desaparecer daqui e nunca mais voltar! O que está pensando? Que o barão vai te aceitar depois do que aprontou ontem?
— Eu não tive culpa! Foi aquele bandoleiro que me beijou!
Ao ouvir a palavra bandoleiro Guilhermina se escondeu nas sombras para ouvir mais daquela história.
— Pois o barão pensa diferente. Na verdade ele já estava cansado de você e pensando em substitui-la.
— Está mentindo! Exijo falar com o barão!
— Uma meretriz não exige nada! Suma daqui antes que eu mande os guardas a levarem.
— Não vou obedecer ordens de um pau mandado!
— Pois se eu fosse você iria embora agora mesmo, se o barão a ver aqui é capaz de enforcá-la!
A moça pareceu reconsiderar e finalmente se afastou com passos firmes.
Sebastian passou por ela e entrou no escritório do barão.
Ela ia se afastar, mas então ouviu a voz grave do barão e sem pensar muito no que estava fazendo, aproximou o ouvido na porta para escutar a conversa.
— Tem certeza, barão? — Sebastian dizia.
— Sim, eu tenho. Preciso me livrar o mais rápido possível do Conde de Cunterbury. John Cavendish é uma pedra em meu sapato.
— Mas... matá-lo não seria arriscado? E se descobrirem?
Guilhermina arregalou os olhos ao ouvir os planos maquiavélicos do barão.
— Não irá descobrir. Ele morrerá envenenado, hoje à tarde, no parlamento.
Guilhermina correu dali perplexa com a ousadia do barão. Não que se preocupasse com esse Lorde Cavendish. Então lembrou-se que James iria se casar com Juliet, a filha do John Cavendish! E agora o que ela deveria fazer com essa informação? Tinha que pensar muito bem...
Ela passava pelos portões da suntuosa mansão quando a viu, a mesma moça que discutia com Sebastian. Apressadamente, Guilhermina aproximou-se dela.
— Olá. Acabei de ver você discutindo com aquele beduíno ridículo.
A moça sorriu.
— Ele é um imbecil mesmo. — Então franziu o cenho. — Mas quem é você?
— Meu nome é Guilhermina.
A moça a encarou desconfiada.
— O que fazia na casa do barão? Vai me dizer que é sua nova amante?
— Não, não sou. Mas digamos que tenho negócios com ele. E você quem é?
— Me chamo Madeline, e eu sou, ou era, amante do barão.
— Que história é aquela de beijar bandoleiro?
— Ah, foi uma sucessão de erros. Eles chegaram ao clube ontem à noite, estavam disfarçados e um deles resolveu ficar no meu pé.
— Como ele era?
— Loiro e jovem.
— Entendi...
— Enfim, ele me beijou sem aviso e o barão viu, aí se armou a maior confusão e guardas e bandoleiros travaram uma luta. Os bandidos conseguiram fugir.
— Nossa, que impressionante. Eu conheço estes bandoleiros. Estava com o barão quando foi assaltado.
— Então você conhece o Colin? — Madeline perguntou entusiasmada.
Guilhermina levantou as sobrancelhas.
— Colin? Já conhece até o nome dele?
Madeline ficou vermelha.
— Na verdade — ela falou cochichando —, recebi um bilhete. Ele quer se encontrar comigo.
— Jura? — Guilhermina mal podia acreditar na própria sorte.
Encontraria os bandoleiros afinal.
— E você vai se encontrar com ele?
Madeline parecia indecisa.
— Eu não sei... Se o barão descobre...
— O barão que vá para o inferno! O empregado dele acabou de te escorraçar!
— Mas Colin é só um bandoleiro...
— Você gostou dele não gostou?
— Sim, gostei — Madeline confessou.
— Então aventure-se!
A cortesã sorriu.
— Você tem razão.
— Onde ele marcou o encontro?
— No Parque Central.
— Você vai agora?
— Sim. Ele diz aqui que vão partir hoje à tarde, por isso quer me ver.
— Então não podemos perder tempo!
— Nós?
— Sim, eu vou com você. Afinal ele é um bandido e pode ser perigoso!
Madeline a fitou desconfiada.
— Por que todo este interesse?
Guilhermina fez um olhar inocente.
— Na verdade, eu também me apaixonei por um dos bandoleiros — mentiu.
— Você?
— Sim, ele me manteve refém e eu não pude resistir... Claro que ninguém sabe e eu não tinha nenhuma esperança, mas agora... sinto que posso reencontrá-lo.
— Por qual deles está apaixonada?
— Pelo chefe...
— Oh, por isso ficou preocupada quando eu falei! Tudo bem, vamos comigo. Chegando lá, nós pedimos ao Colin para nos levar até seu bando e você finalmente vai encontrar seu amor!
Capítulo 18
Após ver Juliet se afastar, num impulso, Logan resolveu segui-la. Apenas para se certificar que não se meteria em mais confusões. Quando viu que ela realmente tomou o rumo de sua casa, voltou o caminho da casa de Katherine novamente. Não deveria ter seguido Juliet, mas tinha o mau hábito de querer protegê-la dela mesma e de seu comportamento impulsivo.
Porém, precisava falar com Katherine. Vê-la antes de partir.
Então o que viu afixado no muro o fez parar.
Havia um cartaz dizendo que o Barão de Wessex queria a cabeça dos bandoleiros vivos ou mortos.
Logan se preocupou. Precisava avisar os amigos o quanto antes. Contrariado, ele deu meia-volta e foi em direção à casa da francesa.
Ainda precisava falar com Katherine, mas agora teria que esperar. Ele passou por um rapaz loiro que tocava no meio da rua, cantando a beleza de uma dama. Sorriu consigo mesmo e jogou uma moeda.
— Boa sorte, rapaz.
O moço sorriu para ele e agradeceu a moeda e então olhou para sua mão.
— Os guardas não vão gostar de ver que arrancou o cartaz.
— Não pretendo que eles saibam.
O cantor deu de ombros.
— Eu não vou contar.
Logan jogou mais uma moeda.
— Como se chama?
— Charlie, sir.
— Bela música, Charlie. E boa sorte como a dama.
****
Blake desceu as escadas e olhou para Belle.
— Cadê os outros?
— Colin e Logan saíram, não se lembra? E Jack está lá fora, arrumando os cavalos.
— Mas que diabos! Só espero que não tenham se metido em confusão.
— Eles sabem se cuidar — Belle os defendeu.
— Eu não gosto nada disso, temos que partir logo.
— Eu sei, mas eles já devem estar voltando.
Ouviram um barulho vindo da porta e Jack entrou sorrindo.
— Colin está chegando.
— Pelo menos um apareceu.
— E vocês não imaginam com quem...
Blake e Belle se entreolharam preocupados e no momento seguinte Colin entrava na casa acompanhado de Madeline.
— Olá, Blake. Essa é a Madeline.
— Da onde saiu essa? — Belle perguntou.
— É a moça que eu beijei ontem no Clube — Colin esclareceu.
— E o que ela está fazendo aqui?
A moça sorriu para Blake.
— Tem alguém que pediu para ver você.
Blake franziu a testa, confuso.
— Quem?
Passos femininos adentraram na sala e o queixo da Blake caiu ao ver Guilhermina.
— O que significa? — indagou com mal contida fúria.
Jack assoviou.
— Isso aqui está ficando interessante...
— Colin, você enlouqueceu? Por que trouxe essas duas aqui? — Belle indagou.
— Eu não queria trazer, mas elas insistiram. — Apontou para Guilhermina. — Ela disse que queria conversar com o Blake.
— Eu não tenho nada para conversar com esta moça — Blake falou duramente.
Guilhermina sorriu.
— Eu acho que o que tenho a dizer vai lhe interessar. E muito. Estou vindo da casa do Barão de Wessex.
Blake pensou por um instante no que deveria fazer.
— Talvez devêssemos ouvi-la — Jack falou subitamente sério.
— Podemos falar em particular? — Guilhermina sugeriu.
Blake aquiesceu e Guilhermina o acompanhou até outra sala.
O bandoleiro cruzou os braços e a fitou.
— Pois bem, o que tem de tão importante a dizer, milady?
— Muitas coisas — ela falou sedutoramente e colou o corpo ao dele —, mas antes vamos acertar outra pendência que há entre nós — ela sussurrou e o beijou.
****
Juliet passou pé ante pé pelo vestíbulo, porém não teve sorte. O conde a interceptou.
— Onde estava?
— Fui dar uma volta.
— Sozinha?
— Sim, por quê? Pensei que ninguém nesta casa se importasse por onde eu ando ou o que eu faço.
— Está passando dos limites, Juliet. James acabou de sair daqui dizendo que não vai mais se casar com você.
— Jura? — Juliet abriu um sorriso, mas ao ver a carranca do pai ela disfarçou. — Quer dizer, que pena...
— Não pense que eu não percebi o que você fez. Está se achando muito esperta, mas chegará o dia em que não terá mais como fugir de seus compromissos.
— Eu disse que não queria me casar com ele!
— Você não tem querer. Deixei-a solta demais e veja no que deu!
— Não pode me obrigar a fazer o que eu não quero...
— Isso veremos! — o conde falou duramente.
E Juliet bateu o pé, raivosa e correu para seu quarto, batendo a porta e se jogando na cama.
— Que inferno! — gritou para as paredes.
****
Blake ajeitava a roupa enquanto ainda observava a nudez de Guilhermina sobre os lençóis.
Ainda não sabia se tinha feito o certo sucumbindo ao charme da bela dama.
— O que pretende aqui, milady? — perguntou com uma nota de confusão.
— Não posso querer apenas você?
— Talvez seja difícil pra mim acreditar.
Ela o fitou mais séria.
— O barão tem planos de pegá-los — disse por fim.
— Nós iremos sair hoje da cidade. Estamos apenas esperando Logan voltar.
Guilhermina mordeu os lábios, confusa sobre o que fazer.
Poderia ir agora ao barão e contar onde os bandoleiros se escondiam e voltar às graças do nobre. E como ficava com Blake? Ela o queria, já tinha admitido para si mesma.
Mas valeria a pena?
Tinha que pensar direito antes de se decidir.
— Bem, eu preciso ir. — Ela começou a se vestir, mas Blake segurou seu braço.
— Como posso saber se não vai sair daqui e contar ao barão nosso esconderijo?
— Não tenho interesse em vê-los na guilhotina. Confie em minha palavra.
Blake hesitou.
Era difícil acreditar em Lady Guilhermina, embora se sentisse muito atraído pela dama, não entendia seus verdadeiros propósitos.
Guilhermina percebeu a hesitação do bandido.
— Certo, entendo que não confie em mim, mas lhe contarei algo que o fará acreditar em mim.
— E o que seria?
— O barão tem planos de matar o Conde de Canterbury hoje à tarde no parlamento. Envenenado!
— Por que o barão faria isso?
— Ele tem seus motivos. Estou lhe contando para entender que posso ter interesses no barão, mas não o apoio totalmente.
— Por que está com ele então?
— Desejava que me ajudasse a reaver minha herança. Porém, ele nunca cumprirá com sua palavra. Me enxotou hoje de sua casa.
— E o que acha que faremos com essa informação?
— Que entenda que o barão é mais perigoso do que aparenta. Se ele está disposto a matar um amigo pessoal do rei, é capaz de tudo.
— Nós partiremos hoje à noite. Em breve estaremos longe das vistas do barão.
— Estão enganados se acham que conseguirão ir muito longe.
— Não temos outra opção.
— Talvez tenham.
— E qual seria?
— Mate o barão.
— Não. Não somos assassinos.
— É o único jeito de se verem livres!
— Não somos assassinos. Partiremos hoje.
Ele foi até a porta a abrindo e encarou Guilhermina.
— E você ficará aqui, até que estejamos longe, por garantia.
Guilhermina se enfureceu.
— Não pode me prender aqui!
Blake a ignorou e trancou a porta.
Blake voltou para a sala surpreendeu-se ao ver os comparsas reunidos em volta de Logan.
— Finalmente voltou.
Logan nada falou, apenas entregou a ele o cartaz.
Blake praguejou ao ver. Tinham se arriscado demais ficando na cidade. Agora estavam com o pescoço a prêmio.
— Temos que ir embora o mais breve possível — disse por fim. — Manterei Lady Guilhermina aqui até que possamos partir. Não confio que não vai dizer ao barão onde estamos.
— O que essa moça estava fazendo aqui? — Logan perguntou a ele.
— Veio me alertar sobre os planos do barão.
— Não confie nela, Blake — Logan advertiu e Blake ficou pensativo.
Ele encarou os amigos.
— Ela contou sobre os planos do barão de matar o Conde de Canterbury.
Os companheiros se entreolharam.
— E quem é este tal conde? — Jack perguntou sem entender o que é que eles tinham a ver com isso.
— Ele é o pai do Duque de Buckingham — Madeline respondeu e Belle ficou alerta.
— O barão vai matar o pai do duque?
— Foi o que Guilhermina me contou — Black disse, notando o interesse de Belle e a encarou com um olhar de advertência, mas ela ignorou.
— Por que ele faria isso?
— Eu não sei, mas o barão é um homem ardiloso e tem muitos inimigos. Acho que o conde está atrapalhando seus planos ou algo assim.
— Ele disse como irá matá-lo? — Belle continuou.
— Envenenado. Hoje. No parlamento.
Belle ficou pensativa. Não sabia por que estava preocupada. Nem conhecia o conde.
Mas ele era o pai de Will.
Não, não podia voltar a pensar no duque.
— Não temos nada a ver com isso — Blake disse por fim. Escondendo dos amigos a sugestão de Guilhermina de que deveriam matar o barão.
Ele dissera não.
Não eram assassinos.
E em poucas horas estariam longe de Londres.
Mas Belle tinha o pensamento longe.
— Vamos deixar um homem ser assassinado? — Colin perguntou.
— Nem sabemos se o que ela diz é verdade! — Jack ironizou.
— Bem, ela ficará trancada até partirmos. Aprontem-se. — Blake encarou Colin e Madeline. — Essa também será mantida aqui por precaução até partirmos, ao anoitecer.
— Pensei que iríamos agora — Logan comentou.
— Agora é perigoso. Vamos esperar anoitecer e então partimos.
****
Colin acariciou os cabelos de Madeline. Estavam deitados numa cama em um dos quartos da casa da francesa depois de fazerem amor.
— Venha comigo — pediu.
Ela o fitou com pesar.
— Eu não posso.
— O barão não a quer mais.
— Não é só isso. Eu tenho uma vida aqui.
— Poderá ter uma vida comigo.
Ela acariciou seu rosto.
— Não é assim tão simples. O que eu faria atrás de vocês? Seria uma bandoleira como a Belle?
— E por que não?
— Não é vida pra mim.
Ele fechou a cara.
— Está falando isso porque não sou um nobre rico?
— Não! Mas há de convir que a vida que leva...
— Eu vou enriquecer. Vamos fazer muitos assaltos e estou juntando um dinheiro...
Ela o calou com um beijo.
— Chega de falar. Devemos aproveitar o tempo que nos resta. Amanhã é outro dia.
Colin a beijou e nada mais foi dito.
****
A tarde findava. Blake estranhou o silêncio da casa e um pressentimento ruim o tomou.
Avistou Jack cuidando dos cavalos.
— Onde estão todos?
— Colin está dando um trato na cortesã bonitinha — Jack falou maliciosamente. — Logan saiu de novo.
— Como assim saiu? — Blake perguntou contrariado. Estava cansado desse vai e vem do escocês. — E a Belle?
Jack deu de ombros.
— Não faço ideia. Não está com você?
Blake praguejou e saiu à procura de Belle pela casa com Jack em seus calcanhares.
— O que está acontecendo? — Jack perguntou confuso.
— Temo que Belle esteja se metendo em confusão.
— O que está querendo dizer?
Blake não respondeu, então avistou Charlote.
— Você viu a Belle?
A mulher sorriu enigmática.
— Eu a vi sim.
— Onde ela está?
— Ela me disse que ia até o parlamento.
Blake soltou um palavrão.
— O que a Belle iria fazer no parlamento? — Jack perguntou sem entender.
— Ela deve ter ido impedir que o Conde de Canterbury seja assassinado!
****
Belle caminhou pelos corredores sombrios do parlamento rezando para que seu plano desse certo.
O tempo todo se perguntava o que estava fazendo ali.
Apenas impedindo um assassinato dizia para ela mesma.
Não tinha nada a ver a suposta vítima ser o pai de Will.
Claro que não!
Poderia ser qualquer um. Ela faria a mesma coisa.
Vestida de criada, ela se escondeu na sombra quando dois homens passaram por ela.
Onde será que era a sala do conde?
Viu um homem passar e aproximou-se.
— Senhor, preciso encontrar o Conde de Canterbury, sabe onde é sua sala?
O homem a mediu de cima a baixo com interesse e Belle sorriu, sedutora.
— Eu sou nova aqui...
— A segunda sala à direita. Depois de falar com o conde, pode passar na minha sala? Tenho uma incumbência à senhorita — o homem falou lascivo e Belle disfarçou a cara de asco com um risinho.
— Como queira, senhor.
Ela se afastou em direção à sala do conde, rezando para que não fosse tarde demais.
Quando chegou à porta, hesitou. Olhando para os dois lados do corredor, colou o ouvido na porta e gelou ao ouvir a voz de Will!
— Pai, a Juliet não é mais criança.
— Mas se comporta como tal! Eu a esperei chegar, tinha saído sozinha para Deus sabe onde!
— Quer dizer que James rompeu o compromisso?
— Sim. Agora não sei mais o que fazer.
— Talvez devêssemos dar um tempo a ela.
— Não. Juliet já teve tempo demais. Preciso encontrar outro pretendente.
— E como vamos conseguir obrigá-la a se casar?
— Ela terá que me obedecer.
— Eu preciso ir...
Belle correu e se escondeu a tempo. Will abriu a porta e saiu para o corredor em direção onde ela estava. Belle sentiu o coração falhar uma batida e adentrou mais nas sombras. Se ele a visse ali, estava perdida. Mas o duque passou por ela rumo à saída e não a viu. Belle respirou aliviada.
Andou de novo em direção à sala do conde e bateu, abrindo a porta.
— Me desculpe, milorde, mas preciso limpar essa sala.
Ele a mirou confuso.
— Nunca a vi aqui.
Belle ficou vermelha.
— Eu sou nova.
— Qual o seu nome, senhorita?
— Belle.
— Tudo bem, Belle, entre.
Ela entrou e deu um grito de susto ao ouvir um latido.
O conde riu.
— Me desculpe, este é o cachorro do Visconde de Lambert — disse apontando para um cão branco ao lado da mesa. — O visconde o leva para todos os lugares. E às vezes ele aparece aqui.
Belle sorriu sem graça.
Quando será que tentariam matar o conde?
Envenenado, dissera Madeline.
Ela fingiu limpar as prateleiras, enquanto o conde remexia em vários papéis.
De repente a porta se abriu e um homem corpulento adentrou nervoso.
— Conde de Canterbury! Quem sua filha pensa que é para ir a minha casa agredir Liliana?
O conde encarou o homem sem perder a calma.
— Do que está falando, Lorde Richmond?
— Juliet esteve na minha casa essa manhã e segundo relato dos criados, agrediu minha filha!
— Eu não sabia que ela havia estado na sua casa.
— Mas esteve! Se tivesse um pouco de controle sobre a sua filha, saberia onde ela anda! Mas como todos comentam, Lady Juliet faz o que quer, inclusive se envolver com cocheiros!
— Cale-se! — O conde levantou-se já não tão controlado. — Peço desculpas se Juliet foi a sua casa. Não tinha nada que fazer lá! Desde que sua filha desonrou o compromisso que tinha com meu filho se casando com outro, não temos mais nada a ver com a sua família.
— Quer dizer que não foi o senhor ou o seu filho que a enviou até lá?
— Claro que não. Agora se me der licença...
O conde saiu da sala apressado e Belle torceu as mãos, aflita. Lorde Richmond também se afastou e até o cachorro do tal visconde seguiu o conde.
Inferno! Perdera a oportunidade de falar com o conde sobre quererem envenená-lo! Pensando rápido, ela o seguiu.
Todos estavam reunidos numa sala enorme e Belle gelou ao ver o Barão de Wessex entre eles.
Tentou ficar incógnita, enquanto a reunião prosseguia.
FitzRoy sorria, como se tivesse um truque na manga enquanto o conde falava. Bella não entendia muito bem, mas era algo sobre o rei estar querendo cobrar mais impostos, enquanto os lordes presentes cochichavam entre si.
Então uma criada entrou na sala com várias taças de vinho e Belle sentiu a respiração presa na garganta ao ver os olhos do nobre se iluminarem. Era agora.
Ela caminhou devagar, tentando chegar ao conde, o coração batendo forte no peito. O conde pegou a taça e levou aos lábios, ela quase podia sentir o a expectativa maldosa do barão. Com um grito, conseguiu bater na taça que voou da mão do conde e se espatifou no chão.
Um silêncio surpreso recaiu sobre o local.
O conde a encarou confuso.
— O que está acontecendo, senhorita?
— O vinho estava envenenado! — Belle anunciou.
Mas antes que esboçasse qualquer reação, o barão levantou-se furioso.
— Insolente! Como ousa tal ultraje?!
Belle o encarou com os olhos fervilhando de raiva, esquecendo-se momentaneamente de seu disfarce.
Então ele franziu o olhar e Belle viu o reconhecimento em seu olhar.
Engoliu em seco ao ver o ódio vindo do homem.
O terror a dominou e ela deu meia-volta pronta para correr. Ainda ouviu o burburinho atrás de si e a voz ensandecida do barão.
— Guardas! Prendam-na. É um dos bandoleiros!
Belle sentiu um medo terrível e soube que estava perdida.
John Cavendish ficou parado por um instante, tentando entender aquela confusão, olhou para o chão e viu o cão do visconde, caído sobre o vinho derramado.
Veneno, pensou, horrorizado.
A moça tinha falado a verdade.
A confusão estava armada, com os guardas correndo em perseguição à falsa criada.
O conde saiu da sala e caminhou pelos corredores em direção à saída.
A carruagem estava parada na porta do parlamento e ele entrou ainda aturdido com a ideia de que alguém estava tentando matá-lo.
A carruagem prosseguiu e então ele a viu. A moça que havia impedido que ele tomasse o vinho corria. Ele olhou para trás e viu os guardas saindo do parlamento. Eles iriam pegá-la. Num impulso, ordenou ao cocheiro que parasse e abriu a porta.
— Milady! Entre aqui!
Belle fitou o conde aturdida. O que ele estava fazendo?
Nunca que iria entrar naquela carruagem! Mas ouviu o barulho dos guardas e sem pensar duas vezes entrou e o conde deu ordens ao cocheiro para prosseguir.
Belle ofegou e encarou o conde.
— Vai me entregar aos guardas?
Ele a encarou com simpatia.
— Deveria fazer isso?
Ela deu de ombros.
— Sou uma bandoleira.
— Eu ouvi o barão falando isso. Mas você me salvou. Como sabia que o vinho estava envenenado?
— Alguém que conheço ouviu o barão tramando contra sua vida.
— O Barão de Wessex? — John indagou nem um pouco surpreso. Deveria desconfiar que FitzRoy não o deixaria atrapalhar seus planos.
— Sim, ele mesmo. Não parece surpreso.
— E não estou. O barão é um homem ardiloso.
Belle permaneceu em silêncio.
— A senhorita está bem? — O conde a surpreendeu ao lhe lançar um olhar preocupado.
— Sim. Pode me deixar em algum lugar, acho que os guardas já devem ter desistido.
Ele a encarou estranhamente.
— Por que arriscou o pescoço para me salvar?
Belle mordeu os lábios. Como responder a pergunta que ela fizera para ela mesma diversas vezes desde que decidira ajudá-lo?
— Eu faria isso por qualquer um.
Ele pareceu aceitar sua desculpa. Belle olhou pela janela da carruagem e se viu numa rua elegante. A noite já caíra há algum tempo e ela se preocupou. Precisava voltar à casa da francesa.
— Eu preciso ir — falou para o conde.
— Os guardas estão atrás de você.
— Vou arriscar a sorte.
— Não. Eu lhe devo minha vida.
A carruagem parou e a porta se abriu antes que ela pudesse esboçar qualquer reação.
— Ficará escondida na minha casa esta noite. Até a poeira abaixar. Depois eu a ajudarei a fugir.
Belle abriu a boca perplexa.
— Não posso fazer isso!
— Não tem escolha — o conde falou autoritário a ajudando a descer da carruagem e a levando para dentro.
Belle gemeu, horrorizada.
Mas o que é que ela estava fazendo na casa do Duque de Buckingham? Quando ele a visse ali estaria perdida de vez!
— Não posso ficar aqui! — Ainda insistiu.
— Não se preocupe.
Eles subiram as escadas e ele a levou até um luxuoso quarto.
— Ficará aqui esta noite.
— Mas... eu ouvi dizer que tem filhos, como vai explicar a eles minha presença?
— Não se preocupe com nada. Alertarei a criadagem para manter segredo.
Sem mais nada a dizer, o conde saiu do quarto.
Depois de um tempo, ela finalmente conseguiu sair do transe em que se encontrava.
Foi até a porta com a intenção de fugir dali o mais rápido possível, mas uma criada sorridente entrou seguida de dois homens.
— Olá, milady. Irei preparar seu banho e lhe trarei algo para comer.
Os homens iam e vinham enchendo uma banheira enorme com água quente e Belle ficou parada no mesmo lugar horrorizada.
A mulher veio ajudá-la a tirar a roupa, mas Belle se esquivou.
— Eu posso fazer isso sozinha!
A criada já ia se afastar sem nada dizer quando Belle a chamou.
— Pode me trazer um papel e um tinteiro? Preciso escrever um bilhete. Você poderá achar alguém para entregá-lo? Não é muito longe daqui.
— Sim, senhorita.
****
— Papa! — Claire correu ao encontro do pai, descendo as escadas de dois em dois degraus.
— Claire, querida. Por que está gritando dessa maneira?
— O senhor não se esqueceu do meu Baile de Máscara, não é?
— Claro que não. Realizar-se-á em duas semanas. Já está tudo planejado. — Com o canto do olho FitzRoy viu Sebastian chegando com o semblante grave. — Claire, nos deixe as sós, por favor.
Claire nem discutiu e saiu da sala.
— John Cavendish ainda está vivo!
Sebastian se encolheu ao ouvir a voz irritada do barão, que continuou.
— Eu gostaria de saber o que aquela maldita bandoleira estava fazendo ali!
— E como ela descobriu do veneno?
— É uma boa pergunta.
O barão estava furioso. E Sebastian temeu por sua segurança.
— Senhor, podemos tentar novamente.
O barão encarou Sebastian ameaçadoramente.
— E como acha que faríamos isso? — perguntou friamente.
— No Baile de Máscara. Todos estarão mascarados. Não terão como descobrir se o conde for alvejado.
O barão pensou nas palavras de Sebastian. Sim, talvez ele tivesse razão. E houvesse mais uma chance.
— Sim, podemos tentar. Mas espero, Sebastian, para seu próprio bem, que consiga eliminar John Cavendish, se não quiser você mesmo ser eliminado.
— Sim, senhor, eu compreendo.
— E tem mais uma coisa: eu quero a cabeça da mulher que impediu que o Conde de Canterbury fosse morto.
****
Horas depois Belle respirou aliviada. Um criado tinha ido entregar um bilhete aos bandoleiros, explicando onde estava. E Belle contava que eles já, já, estariam ali para resgatá-la. Pois, apesar de tudo, não podia confiar no conde. Ele bem que podia querer entregá-la ele mesmo aos guardas. Sem contar que só de pensar que estava sobre o mesmo teto que o duque, já sentia calafrios de medo.
Porém as horas foram passando e nada.
Cansada de esperar, ela decidiu dar o fora dali sozinha mesmo. Reunindo toda a coragem ela saiu do quarto, pé ante pé. O corredor estava escuro e todos já deviam ter se recolhido.
Estava com sorte, pensou atravessando o longo corredor. De repente ouviu um barulho e passos. Assustada abriu a primeira porta que achou e fechou atrás de si.
Duas pessoas conversavam. E em vez de se afastar, continuaram no corredor, impedindo sua fuga.
Praguejando, Belle decidiu-se por outro caminho.
Olhou para o quarto que tinha entrado e viu a janela aberta. Sim, poderia sair por ali. Não era muito alto. Andou até a janela e estancou de repente ao perceber que o quarto não estava vazio como imaginara. O próprio Duque de Buckingham em carne e osso dormia tranquilamente entre os lençóis de linho!
E agora? Ela pensou engolindo em seco.
Tinha que fugir, antes que ele acordasse e percebesse sua presença. Mas algo a prendia ali. Sem conseguir se conter ela relanceou o olhar para a figura adormecida e sentiu a boca subitamente seca. Ele estava nu da cintura para cima, ou ela assim imaginava, já que a parte de baixo estava sob o lençol. O peito subia e descia sob o peso da respiração. A barba por fazer despontava no queixo bonito. Belle sentiu um calor indevido subir pela espinha e a respiração tornar-se difícil.
Deus, por que ele tinha que ser tão bonito?
Por que ela não conseguia parar de olhar para ele?
Como se dominada por forças estranhas, ela se viu aproximando-se cada vez mais da cama e do homem adormecido. Abaixando o corpo, sentiu a respiração dele em sua face e gemeu enlevada.
Então, a mão dele se mexeu de repente e prendeu o braço dela a puxando para cama e Belle se viu deitada sobre os lençóis com Will em cima dela a encarando furioso!
Capítulo 19
Juliet acordou sobressaltada com um barulho. Assustada, levou a mão ao peito. O barulho de novo.
Na janela! Alguém jogava pedras na sua janela.
Ela conhecia bem aquele barulho, pois o cocheiro que namorara a acordara assim muitas vezes.
Levantou-se para espiar e arregalou os olhos ao ver Logan.
— Logan? — cochichou. — O que faz aqui?
— Preciso falar com você.
Juliet soltou uma sonora gargalhada.
— Por essa eu não esperava!
— Fale baixo, quer acordar a todos?
— Mas é por demais assombroso vê-lo aqui! — Juliet mal podia acreditar.
Logan deveria ter pensado melhor na sua oferta.
Ela sentiu um reboliço por dentro.
— Suba por esses galhos! — ela pediu baixo.
Logan começou a subir e Juliet esperou sorrindo em expectativa.
Quando ele entrou no quarto, Juliet prendeu a respiração.
Então ele estreitou o olhar, muito sério.
— Onde está a Belle?
— O quê? Do que está falando?
— Belle. Ela mandou um bilhete dizendo que estava sendo mantida aqui. Preciso que me diga onde ela está.
Juliet mal podia conter a decepção. Então ele não tinha vindo atrás dela.
Tinha vindo atrás da Belle!
— Não tem nenhuma Belle aqui.
— Não brinque comigo, milady. Ou você diz onde ela está ou eu mesmo terei que procurá-la.
— Por que sua amiguinha estaria aqui?
— Porque ela estava com o seu pai.
— Meu pai? — Juliet indagou incrédula.
— Sim, mas agora eu não tenho tempo para explicar.
Juliet cruzou os braços.
— Espera um pouco. Você me usou para subir aqui, não é?
— Não começa...
— Eu não acredito! Eu achei que quisesse me ver! — ela murmurou decepcionada.
Logan pareceu arrependido de sua agressividade e suavizou a voz.
— Juliet, o que aconteceu naquela hospedaria não vai voltar a acontecer.
— Então por que está aqui?
— Vim buscar a Belle e sabia que a única maneira de entrar na sua casa seria por você.
Juliet estava irritada. E humilhada.
— Ah é? — Ela foi até a porta e a trancou com a chave.
— O que está fazendo? Me dê essa chave!
Ela se virou para ele e jogou a chave dentro do decote da camisola.
— Você quer a chave? Vem pegar!
Sabia que estava sendo infantil, mas não se importava.
Queria dar uma lição em Logan.
****
Will encarou o rosto da bandoleira.
— Você?! — Estreitou o olhar ainda sem poder acreditar que a bandoleira estava ali. Na sua casa. Em seu quarto. Em sua cama.
Por um momento nem um dos dois se mexeu.
Até que ela pareceu se refazer do susto e tentou libertar-se.
Mas Will a segurou firmemente.
— Me solta, seu...
— Não. Não antes de me explicar o que faz aqui!
— Eu não vou te explicar nada! — Belle se debateu com mais força, o que surpreendeu Will por um instante e ela conseguiu soltar um braço, dando-lhe um safanão.
Will usou todo o peso do corpo para prensá-la na cama e conseguiu segurar seus braços acima da cabeça novamente.
Ela arfava do esforço de se soltar e seus olhos soltavam faíscas, escuros de raiva.
— O que faz aqui, milady? Devo concluir que seus colegas estão à espreita? É algum tipo de plano sórdido para me roubar? Ou me matar?
— Eu não estou aqui por você!
— Ah não?
— O senhor é muito presunçoso! Agora me solte! — ordenou.
Mas Will não iria deixá-la escapar tão facilmente. Existia algum motivo para ela estar ali. Ele só não sabia qual. Provavelmente era algum plano dela. Ou até mesmo de seus comparsas. O certo a fazer era chamar os guardas.
Mas alguma coisa dentro dele o impedia.
Os olhos verdes o fitavam com fúria mal contida. Os seios arfavam ameaçando romper do decote do vestido. Ela tinha um cheiro bom de sais que impregnou sua narina e Will aspirou sentindo o sangue correr mais rápido nas veias.
Os olhares se encontraram e se prenderam. Ele mirou sua boca.
Belle viu o olhar do duque brilhar perigosamente.
Amaldiçoava-se mil vezes por se deixar pegar naquela situação.
Deveria ter fugido enquanto era tempo. Mas não. Ela ficara embasbacada pelo duque e ele agora a prendia embaixo dele. Os braços seguravam seu pulso com força, o peito largo a prensava, as pernas prendiam as dela, impedindo-a de se mexer. De repente, ela sentiu dificuldade de respirar. Em algum lugar dentro de sua mente, tinha plena consciência de que ele estava nu e que a única coisa que separavam seus corpos era seu vestido.
Um calor súbito a inundou sem aviso, o coração disparou no peito. Viu quando o olhar dele mudou sobre ela, e prendeu em sua boca. Belle conteve o impulso de passar a língua sobre os lábios ressequidos.
Deus, não podia deixar acontecer de novo!
Um medo terrível suplantou o desejo e Belle o empurrou com força redobrada, conseguindo se libertar. Rápida, tentou sair da cama, mas o duque também era rápido e a puxou pelo cabelo.
— Não vai conseguir se livrar de mim tão fácil, moça!
Belle gritou e partiu pra cima dele com os punhos.
— Seu miserável! Seu bastardo!
Talvez Will não esperasse que ela agisse com tanta fúria e por um momento ele se deixou estapear.
Mas segurou seus braços deitando-a novamente. Belle esperneou e se debateu conseguindo inverter as posições e aproveitando da pequena vitória, ela se lembrou do punhal que guardava na meia e rapidamente pegou a pequena arma e colocou no pescoço do duque.
— Quieto!
Will parou no mesmo instante, surpreso.
Ela arfava em cima dele, a mão delicada segurando o punhal contra sua jugular.
O rosto vermelho e os cabelos desgrenhados.
— Solte-me agora — ela ordenou.
Will tirou as mãos dela devagar.
Belle regozijou-se da vitória. Agora era hora de dar o fora dali.
Mas contrariando o que ordenava sua mente, permaneceu no mesmo lugar. Não conseguia desgrudar os olhos do dele, como se uma força imaginária os ligasse irreversivelmente.
Era como se o tempo estivesse suspenso enquanto estavam ali, juntos, encarando-se com fúria e... desejo.
Belle engoliu em seco.
Não podia estar atraída por aquele nobre. Não queria!
— Vai cortar minha garganta, milady? — ele perguntou perigosamente baixo e Belle sentiu um arrepio subir pela espinha.
— É o que merece — ameaçou, mas até para seus ouvidos a voz soou como uma carícia.
— Então, já que vou morrer, acho que mereço um último pedido.
Enquanto falava ele subia as mãos pelo corpete do vestido e sem aviso puxou para baixo desnudando os seios de Belle.
— Oh! O que pensa que está fazendo... Oh Deus! — Ela fechou os olhos sem conseguir prosseguir ao sentir a boca masculina em sua pele.
Belle gemeu, perdida, enquanto os lábios firmes rodeavam o mamilo ereto, a língua quente e úmida torturando a pele sensível.
Ainda teve um último resquício de sanidade e juntando todo seu alto controle ela sussurrou.
— Vou matá-lo por isso...
Em resposta, ele segurou seu braço o tirando de seu pescoço e Belle não ofereceu resistência.
— Vale a pena morrer por isso... — rebateu e num movimento ágil, rolava por cima invertendo as posições.
Os lábios sôfregos cobriam os dela num beijo urgente, as línguas se encontrando e se acariciando numa exploração mútua. As mãos desceram para acariciar os seios com os dedos hábeis, a boca separou-se da sua para trilhar um caminho de beijos úmidos por sua face, pálpebras, têmpora. Rodeou o lóbulo de sua orelha com a língua atrevida antes de sussurrar numa voz rouca que a tirou totalmente do prumo.
— Eu a quero, Belle, a quero como nunca quis nenhuma outra antes... e duvido que vou querer depois...
Belle fechou os olhos com força lutando contra a onda de euforia e excitação que dominava seus sentidos.
Era impróprio, insano. Impossível.
Mas os beijos prosseguiam cada vez mais intensos, as mãos deslizavam por seu corpo por cima do tecido do vestido a deixando trêmula e fraca. O cheiro dele a intoxicava. Tudo nele era pura força e masculinidade pulsante.
Quando as mãos se imiscuíram para debaixo da saia do vestido, prendeu a respiração. Podia sentir a palma quente subindo por suas pernas, tocando o interior macio de suas coxas. Então ele levantou totalmente seu vestido e encaixou-se entre suas pernas. Belle derreteu ao sentir a ereção exigente contra si. A única barreira entre eles agora era o fino tecido da peça íntima.
— Não faça isso, por favor — implorou sem fôlego, mas seus quadris traidores já se moviam ansiosos por fricção.
O duque levantou a cabeça e a fitou. Os olhos queimavam em sua pele.
— Não faça o quê? Não a toque, não a beije? Não a possua?
— Sabe que não pode fazer isso... — murmurou num fio de voz, apelando para o resto de bom senso que ainda lhe restava enquanto o duque roçava sua ereção exigente contra ela, a deixando úmida e pulsante de desejo.
— Pode dizer com certeza que não é o que você quer também?
Belle não foi capaz de negar.
Ela o queria com todo seu corpo, com toda sua alma, que Deus a perdoasse!
— O desejo que sentimos vai muito além de qualquer outra coisa, Belle... você não vê? Não adianta lutar contra, sempre acabaremos assim...
As palavras dele adentravam em sua mente como uma droga, entorpecendo sua razão, deixando lugar apenas para o desejo que a queimava por dentro.
Ela levantou a mão e tocou seu rosto, a barba por fazer arranhando sua pele, traçou as linhas duras, a boca perfeita.
Sim, ele tinha razão. Por que lutar contra aquela força que a arrastava em sua direção?
Era um desejo proibido, inconfessável, mas irresistível.
Como num convite mudo, suas pernas se abriram um pouco mais, seus corpos se encaixavam com perfeição. Ela viu o desejo brilhar nos olhos de lince e arfou.
— Sim, eu também quero você... — confessou.
Então, com um gemido rouco, ele a beijou.
****
Juliet sorriu, satisfeita com sua própria temeridade.
Queria que Logan a desejasse, para então rejeitá-lo. Como ele fazia com ela agora.
— O que foi? Está com medo, Irmão Logan?
— Vou pedir somente mais uma vez, Juliet, me dê essa chave — ele falou com mal contida fúria.
— Eu já falei. Vem pegar!
Juliet mordeu os lábios, com uma imensa vontade de rir.
De repente, ele caminhou com passos firmes até ela e Juliet vibrou de satisfação. Mas quando a alcançou, não foi de jeito nenhum como esperava. Sem nenhuma cerimônia ele a pegou no colo.
— Ei o que está fazendo?...
— Eu vim pegar a chave, milady...
E então sem o menor aviso, ele a virou de ponta-cabeça e sacudiu. Juliet gritou e a chave caiu no chão com um baque.
Logan a colocou no lugar e Juliet arquejou de ultraje.
— Oras seu... bastardo! — gritou.
Sua revolta não tinha tamanho, porém Logan não parecia muito preocupado, pois já estava ocupado abrindo a porta.
— Vai pagar por isso, eu vou gritar para que toda a casa escute e você vai ver...
Já no corredor ele voltou.
— Se fizer isso vai se arrepender.
— Se tem uma coisa que me arrependo foi de ter conhecido o senhor! — Ela quase cuspiu as palavras e abrindo a boca se pôs a gritar em todos os pulmões.
— Socorro! Socorro! Tem um bandido no meu quarto!
Logan avançou para cima dela e tapou sua boca com a mão rezando para que ninguém tivesse escutado seu pequeno show, mas era tarde. Ele ouviu o barulho de portas se abrindo e ficou alerta.
Tinha que encontrar Belle e dar o fora dali.
Segurou a mão de Juliet com força e a arrastou.
— Ei, me solta, o que pensa que está fazendo?
— Vai me ajudar a encontrar Belle.
— Já disse que ela não está aqui!
— Você não diz coisa com coisa, milady.
Um criado apareceu na escada e Logan virou dois socos e o homem caiu desacordado.
Continuou pelo corredor abrindo todas as portas.
Só esperava conseguir encontrar Belle antes que os guardas aparecessem.
****
Will ouviu o grito de Juliet e soltou Belle.
— Mas o quê?...
O grito de Juliet se fez ouvir de novo agora mais audível.
— Socorro! Tem um bandido em meu quarto!
— Diabos! — Ele se levantou vestindo a calça às pressas. Ainda lançou um olhar para a mulher seminua em sua cama e então uma desconfiança fria o tomou.
— O que está armando? — perguntou friamente.
Belle engoliu em seco finalmente saindo da névoa de desejo que a envolvia.
— Não sei do que está falando! — Ela se levantou de um pulo ajeitando as roupas.
Will a fitou furioso.
— Tem bandidos na minha casa e para o seu bem eu espero que nada tenham feito a minha irmã!
Ele pegou a espada e saiu porta afora.
Belle ainda ficou parada no mesmo lugar por um minuto.
Então era assim? Ele a beijava, a tocava, praticamente fazia amor com ela e depois lhe virava as costas, fazendo acusações vis?
Onde estava com a cabeça por se deixar envolver por aquele duque paspalhão?
Os sons da confusão chegaram aos seus ouvidos e ela voltou à realidade.
Precisava sair dali. Provavelmente o grito da irmã do duque fora o aviso de que os companheiros receberam sua mensagem e vieram resgatá-la.
Correu para o corredor apressada e respirou aliviada ao ver Logan.
— Logan! — ela o chamou.
— Belle, ainda bem que te achei, precisamos sair daqui.
— Sim, por aqui! — Ela indicou o lado oposto de onde o duque tinha ido.
Logan olhou para Juliet e a empurrou.
— Vá, corra! E nem pense em fazer qualquer bobagem, milady.
Juliet levantou a cabeça.
— Estou morrendo de medo! Mas pode fugir. Deixa que eu distraio meu irmão. Nem sei por que te ajudo, porque não merece!
Não pensou duas vezes em seguir os conselhos de Juliet, não perderia tempo analisando seu comportamento confuso, mas ela o chamou.
— Irmão Logan? Lembre-se que fica me devendo uma! — Ela piscou e desapareceu no corredor.
Ele e Belle correram e pularam a primeira janela que encontraram.
Logan jogou uma espada para ela quando viram alguns guardas, mas conseguiram se livrar de todos e correram para sua montaria, finalmente conseguindo escapar.
****
Jack estava sentado na varanda quando se surpreendeu ao ver Lady Guilhermina pulando a janela.
— Ei, onde pensa que vai?
— Embora, claro! Diga para seu amigo que não vou entregá-los ao barão, embora ele nem tenha se dignado a aceitar minha proposta.
— Que proposta?
Mas antes que ela conseguisse responder, Guilhermina se afastou e montou em seu cavalo, saindo a galope.
Jack hesitou por um instante, pensando se deveria ou não ir atrás dela quando ouviu o barulho de cavalos se aproximando vindo de outra direção.
Era Belle e Logan e ele respirou aliviado pelo escocês ter conseguido tirá-la da casa do conde.
— Quer dizer que conseguiu se meter em mais encrenca do que eu, Belle? — Ele riu enquanto entravam na casa.
— Cale a boca, Jack.
Blake desceu as escadas acompanhado por Colin e sua carranca demonstrava que não estava no melhor dos humores.
— Não acredito que desafiou as minhas ordens, Belle.
— Você queria o quê? Que eu deixasse um inocente morrer?
— Quem disse que ele era inocente? Você nem o conhece!
— Que seja! Você me conhece e sabe que jamais deixaria algo assim acontecer sem tentar impedir.
— Só que agora você foi longe demais. Colocou sua vida em risco, poderia ter sido presa, ido para a forca.
— Mas eu não fui — ela respondeu secamente e se afastou, subindo as escadas.
Bateu a porta do quarto e sentou na cama. Estava irritada consigo mesma, pois sabia que Blake tinha razão. Arriscara demais para salvar o conde. E uma hora dessa poderia estar presa na torre mais alta de Londres.
Mas não estava. Porque John Cavendish a salvara.
E ela fora tonta o bastante para se enfiar justo no quarto de Will.
O que teria acontecido se Juliet não tivesse gritado?
Ela fechou os olhos com força para obstruir os pensamentos confusos.
Ouviu uma batida na porta e Blake entrou.
— Se vai continuar a ladainha...
— Não, eu vim te pedir desculpas.
Belle nada falou e ele se aproximou e sentou-se ao seu lado.
— Eu entendo você. E sinto orgulho. Mas deve ter consciência que poderia ter perdido a vida neste embate.
— Eu sei. Mas... não podia deixar acontecer, simplesmente não podia.
— Você é uma bandoleira, Belle. Escolheu essa vida. Estamos no lado de lá da lei.
— Você já pensou em outra vida? — ela perguntou de repente.
Ele não respondeu de pronto.
— Por que está perguntando?
— Não sei... tenho pensado muito nisso ultimamente. Acha possível, pessoas como nós ter uma segunda chance?
— Acredito que todos têm uma segunda chance.
— Por que entrou nessa vida?
— Eu não lembro muito bem. Não há muita oportunidade pra quem nasce pobre.
— Nem para mulheres.
Ele sorriu.
— Por que estamos tendo essa conversa?
Belle desviou o olhar.
— Temos que decidir o que fazer. — Ela mudou de assunto deliberadamente. — Não sei se continuar nas estradas é o caminho.
— Sim, vamos reunir a todos daqui a pouco.
Capítulo 20
John Cavendish trancou a porta do escritório e olhou para os dois filhos.
— Posso saber o que se passou aqui? Eu saio e quando volto a confusão está armada?
— Talvez o senhor devesse explicar o que uma bandoleira estava fazendo dentro desta casa! — Will retrucou.
— Bandoleira?
Juliet sorriu.
— Sim, papai, a Belle estava aqui, bem debaixo do nosso teto, não é emocionante?
Will lançou um olhar exasperado para Juliet, e voltou a encarar o pai.
— Fui eu quem a trouxe para cá — John respondeu simplesmente.
— O quê? — Will e Juliet falaram ao mesmo tempo.
— Sim, aquela moça... — John ia falar da tentativa de assassinato, mas se calou. Não queria preocupar os filhos. Ele continuou — eu a encontrei na rua, parecia perdida...
— Não acredito, papai! Aquela moça é uma bandoleira! Do mesmo bando que me assaltou, amiga do homem que tentou me matar! O que estava pensando ao trazê-la para dentro de nossa casa? De certo ela te ludibriou para conseguir entrar aqui. Deveria ter algum plano...
— Já chega, Will! Não preciso dar satisfação a você de meus atos. Tive meus motivos e não aceito que me desautorize.
Will o encarou com desconfiança.
— Por acaso você e essa bandoleira... — Ele nem conseguiu terminar a pergunta, tamanho o ciúme que o possuiu.
— Claro que não! Da onde tirou essa ideia absurda? Francamente, filho!
Will conseguiu respirar mais aliviado. Não gostaria de concorrer com seu próprio pai.
— Então quer que eu acredite que do nada teve a ideia de hospedar a bandoleira aqui?
— Não sabia que ela era uma bandoleira. Na verdade, desconfiei, mas não tinha certeza. Agora se me dão licença. Vou me recolher, já é tarde a amanhã continuamos essa conversa.
— Acho uma ótima ideia! — Juliet concordou, dando graças a Deus por nem Will e nem o pai terem indagado da presença do outro bandoleiro em sua campainha.
— Tudo bem, papai. Mas ainda não terminamos esta conversa — Will disse.
O pai e Juliet se retiraram e ele ficou perdido em pensamentos.
Aquela história do pai era muito estranha. Amanhã teria que averiguar.
Porém, seus pensamentos voaram para quando tivera Belle em seus braços. Quente e receptiva. Ele a teria possuído se Juliet não tivesse gritado, disso tinha certeza. E só de pensar nesta possibilidade ele sentia o sangue se agitar. Precisava tê-la.
Agora mais do que nunca. Só não sabia como encontrá-la.
****
Nas primeiras horas da manhã, Blake reuniu a todos para uma conversa franca. Apenas Madeline não estava presente. Ela voltara ao clube, pois poderiam dar-lhe por sua falta.
— Precisamos partir. — Foram as primeiras palavras do chefe. — Já ficamos tempo demais, nos arriscamos muito. Mas precisamos de um plano, porque infelizmente todos estarão a nossa procura.
— E para onde vamos? — Colin perguntou.
— Com o barão em nosso encalço não podemos voltar às estradas. Sinto muito, mas o barão não vai descansar. Nada vai impedi-lo de nos caçar, aqui ou em qualquer lugar da Inglaterra.
Um silêncio pesado recaiu sobre todos.
Belle levantou e os encarou. Não parava de pensar nas palavras que dissera a Blake. Uma outra vida, um outro lugar. Seria possível?
Por que só agora percebera que estava cansada daquela vida?
— Eu estive pensando... — ela limpou a garganta — se parássemos de assaltar.
Eles se entreolharam confusos com suas palavras.
— O que quer dizer? — Jack indagou.
— Nunca pensaram em parar? Em mudar de vida?
Jack riu.
— Que outra vida podemos ter?
— Eu não sei, mas só temos um jeito de descobrir. Se tentarmos.
— Belle, já conversamos sobre... — Blake falou cauteloso, mas ela não recuou.
— Estamos sem saída, não vê? É como Logan falou, o barão irá nos caçar! Estamos perdidos de qualquer maneira.
— E o que sugere? Que nos entreguemos?
— Claro que não! Mas não vejo muita chance de permanecermos vivos se voltarmos a pilhar. Seremos pegos.
Cada um se perdeu em seus próprios pensamentos, conjeturando sobre o que Belle falara.
— Eu gostaria de ter outra vida... — Colin comentou como se para si mesmo.
— Não daria certo — Jack comentou. — Que outro tipo de vida conhecemos?
— Aqui ninguém nasceu ladrão! — Belle argumentou.
— E iremos viver onde? Onde seria longe o bastante para o barão não nos encontrar?
Belle sorriu.
— O novo mundo... América!
— Não pode estar falando serio! — Jack desdenhou.
— Mas estou. Lá seria ideal, um mundo novo, repleto de possibilidades, podemos comprar terras e...
— E posso saber com que dinheiro? — Jack a acordou.
— Sim, Belle, o Jack tem razão — Blake concordou. — Para ter uma nova chance, precisaria de dinheiro. Muito dinheiro.
— E onde conseguiríamos este dinheiro? — Jack indagou.
Belle sorriu.
— Em um grande assalto! O maior de todos. O último assalto.
— Pode dar certo — Colin concordou com Belle.
— E iríamos assaltar quem? O rei? — Jack perguntou sarcástico.
— Não.
Eles ouviram uma voz na porta e olharam para ver Guilhermina entrando junto com Madeline.
— Poderiam assaltar o barão.
Blake se enfureceu.
— Onde diabos estava? Achei que estivesse trancada!
Ela sorriu.
— Eu fugi! E como eu disse, não fui correndo ao barão entregar vocês.
Blake a encarou desconfiando enquanto ela se aproximava.
— Eu quero que o barão se lasque muito! E o que a Madeline me contou vem de encontro aos planos de vocês. E aos meus também. Conte a eles, Madeline.
— O barão esconde uma grande fortuna nos subterrâneos de sua casa. Eu sei, porque ele mesmo me mostrou.
Jack sorriu.
— Isso está começando a ficar bom.
— Mas como teríamos a chance de assaltar o próprio barão? — Blake indagou.
Guilhermina levou a mão ao decote e de lá tirou um papel e botou na mesa.
— No Baile de Máscara que se realizará em duas semanas!
Os bandoleiros nada disseram por alguns momentos, mas sorriram lentamente.
— Senhores — Blake cravou a faca no papel —, temos um grande assalto a planejar.
Capítulo 21
— Will! — Juliet desceu as escadas correndo ao ver o irmão.
Will não estava em seu melhor humor, acabara de receber uma missiva e teria que viajar para tratar assuntos das terras da família. Isso significava que não poderia tentar achar Belle.
— O que você quer, Juliet? — indagou impaciente.
— Ai, que mau humor! Nós acabamos de receber um convite para o Baile de Máscara de Claire FitzRoy, filha do Barão de Wessex! Não é excitante?
— Nós não vamos nessa festa, Juliet.
— Como não? É o baile mais comentado do ano! Nós temos que ir.
— O papai com certeza não irá permitir.
— Mas se você pedir, ele concordará.
— Juliet, já estou atrasado, podemos deixar essa conversa para quando eu voltar?
— Aonde você vai?
— Para Kent.
— E quando volta?
— Eu não sei, mas talvez demore.
— Tem que voltar antes do baile!
— Veremos!
— Will, por favor...
— Verei o que posso fazer, Juliet. Agora, por favor, não arruíne a paz entre você e papai com suas ideias.
— Pode deixar. Serei comportadíssima na sua ausência.
— Isso eu quero ver.
— Você vai viajar hoje?
— Sim, à tarde.
— Então ainda temos tempo para um passeio na cidade!
Will não teve tempo de responder, pois Juliet já se apressava a se trocar.
****
Will andava de um lado para o outro na mais cara modista de Londres. Juliet o obrigara a ir com ela, para encomendar um vestido novo para o baile. Ele não quisera contrariá-la e ali estava. Atrasado para viajar.
Já ia entrar na sala da costureira e avisar Juliet que iria embora com ou sem ela, quando viu Liliana e Katherine entrando.
— Will! — Liliana empalideceu.
— Olá Liliana. Katherine. — Will as cumprimentou educadamente.
— Oi Will — Katherine respondeu e se afastou. — Liliana, vou entrar e olhar os tecidos.
Liliana implorou com os olhos para a irmã não a deixar sozinha com Will, mas Katherine a ignorou e se afastou. Um silêncio tenso se instalou entre eles.
— Você está muito bem — Will falou educado.
— Obrigada.
— Estou com minha irmã.
— Ah sim. Eu a vi estes dias. Deve saber que foi até a minha casa.
— Juliet?
— Sim. E ela não me perdoou pelo fim do nosso noivado, pois me agrediu.
— É mentira!
Os dois viraram ao ouvir a voz de Juliet.
— Ela mente, Will! É uma dissimulada!
— Cale-se, Juliet! Não creio que teve o desplante de ir incomodar a Liliana! Onde está sua educação?
— Você vai me dar bronca e a defender? Pois saiba que ela também me bateu! E eu fui te defender! Defender sua honra!
— Chega. Estou profundamente envergonhado de sua atitude!
— Ah é? Pois então fique aí com a sua querida Liliana!
Juliet saiu da sala batendo o pé.
Will encarou Liliana.
— Me desculpe, Liliana. A Juliet é um tanto inconsequente.
— Não tem problema. Ela queria apenas te defender.
— Eu sei me defender sozinho.
— Eu sei. Você.... Ainda está bravo comigo? — perguntou receosa.
— Não — ele respondeu sinceramente. — Não mais.
— Fico aliviada.
— Eu preciso ir. Antes que Juliet se meta em confusão.
— Sim, adeus, Will.
— Adeus, Liliana.
Juliet e Will estavam saindo da modista quando Lúcios se aproximou.
— Duque de Buckingham! Ainda bem que te encontrei.
— Sim, oficial, descobriu alguma coisa?
— Infelizmente não. Parece que os bandoleiros desapareceram da face da Terra.
Will soltou uma imprecação visivelmente decepcionado.
— Me desculpe, duque, mas...
— Tudo bem, Lúcios. Continue procurando. Agora se me der licença, tenho que levar minha irmã em casa e vou viajar para o interior. Quando voltar nós conversamos.
Ana Lúcia viu o duque partir, sentindo-se péssima. As coisas não estavam saindo como planejado. Tinha que achar os bandoleiros. Mas eles pareciam ter desaparecido do mapa. E com eles lá se ia sua chance de promoção e sucesso, pensou decepcionada.
Mas o que fazer? Desistir?
Não. Não iria desistir. Haveria de encontrar um jeito de achar os bandidos.
De repente Jack lhe veio à mente. O bandoleiro tinha gostado dela, Ana Lúcia. Mas odiava Lúcios. Ana Lúcia não soube dizer por que isso a incomodou. Suspirou, desalentada. Seria Jack a chave para chegar até os bandoleiros? E se Jack encontrasse Ana Lúcia, a moça que tinha tentado seduzir no Clube?
“Será que Ana Lúcia teria coragem de entrar no jogo dele para assim tê-lo na palma da mão e achar seus comparsas?”, indagou-se animada.
Sim, esta poderia ser a solução perfeita.
Mas como encontrar Jack?
****
Belle caminhou pela casa antiga sentindo-se acuada. Estava cansada de ficar presa ali, mas no momento não tinha outra maneira. Esperariam até o dia do baile e assaltariam o Barão de Wessex. Depois fugiriam para uma nova vida.
Belle suspirou. América.
Parecia tão longe e tão perto ao mesmo tempo.
Porém, estava decidida a mudar. Aquela vida de assaltos não a satisfazia mais.
“O que causara aquela mudança interna?”, indagou-se.
De pronto lhe veio a imagem do Duque de Buckingham. Belle sacudiu a cabeça, irritada. Não devia pensar nele.
Mas era impossível. Por mais que tentasse, não conseguia tirar Will do pensamento. A todo instante era atormentada por lembranças de seus olhos sobre ela, de suas mãos em sua pele, da boca sobre a sua...
Quando é que aquele fascínio proibido iria deixar de atormentá-la?
Talvez quando fosse embora para muito longe conseguisse esquecê-lo.
Será que esqueceria mesma? Lembrou-se da conversa com Logan há algumas noites, quando o ex padre lhe contou sobre sua paixão malsucedida por Lady Katherine. Ele ainda estava ali por ela, ainda sonhava em ficarem juntos.
Era muito triste certas histórias de amor.
Mas não era amor o que sentia pelo duque. Claro que não.
— Belle? — Ela foi tirada de seus devaneios pela voz da francesa.
Belle se virou e a viu acompanhada de uma sorridente Madeline.
— O que querem? Algum problema? — indagou impaciente.
Mas Madeline pegou sua mão e praticamente a arrastou escada acima.
— Venha conosco! Charlote acabou de me mostrar coisas incríveis! Você vai adorar.
Elas adentraram em um sótão repleto de caixas para todos os lados.
— Não entendi o que estamos fazendo aqui...
A francesa foi até uma das caixas e a abriu e tirou de lá um vestido branco.
— Uau! É lindo! — Madeline exclamou. — Um pouco sujinho, mas lindo! Onde arranjou todas estas coisas? — Madeline indagou fuçando em tudo, tirando vestidos, luvas, chapéus e mais uma infinidade de coisas dos baús.
— Eram meus — a mulher falou daquele jeito enigmático. — De uma outra época...
— Por que nos trouxe aqui? — Belle indagou.
— Se vão ao Baile de Máscaras precisarão de trajes adequados.
— Sim, podemos achar algo aqui! — Madeline falou animada.
— Fiquem à vontade e peguem o que precisar. — A mulher saiu da sala silenciosamente.
— Adorei este! — Madeline colocou um vestido vermelho em frente ao corpo e rodopiou com ele.
Belle permaneceu impassível.
— Não está animada? — Madeline indagou.
Belle deu de ombros.
— Não estou indo a este baile para me divertir. Será apenas mais um trabalho.
— Nada impede que façamos bela figura! Não esqueça que teremos que nos passar por autênticas damas da corte!
— Sim, você tem razão — Belle concordou meio desanimada.
Nas horas seguintes, se ocupou em tirar tudo das caixas e examinar o que podia ser usado junto com Madeline.
— Olhe! — Madeline pegou umas máscaras de tecido finíssimo de dentro de uma caixa. — São perfeitas! — falou dando uma para Belle e colocando outra.
As duas riram como duas crianças.
Belle a fitou, um pouco curiosa.
— Por que trabalha naquele lugar?
Madeline deu de ombros.
— Não há muitas opções para moças pobres!
— E você conhece a Natasha há muito tempo? — Belle perguntou como quem não quer nada.
— Aquela é uma metida a besta! Tem o rei na barriga! Se acha mais bonita e melhor que todo mundo, quando não passa de mais uma cortesã.
— O duque vai muito lá? — Belle não conseguiu se conter e perguntou.
Madeline sorriu maliciosa.
— Nos últimos tempos sim, ele é amante de Natasha!
Belle tentou não ficar chocada com aquelas palavras.
Abaixou a cabeça e fingiu arrumar um tecido.
As lágrimas vieram sem aviso. Ela piscou, aturdida.
Por que sentia como se tivessem tirado seu chão?
O que lhe importava se Will era amante de Natasha? Nem gostava dele!
— Mas por que está perguntando? — Madeline indagou curiosa.
Colin escolheu aquele momento para entrar no sótão e Belle aproveitou para fugir dali.
— O que deu nela? — Colin perguntou e Madeline deu de ombros.
— Não sei.
****
Blake beijou Guilhermina mais uma vez, ao se despedir na varanda da casa.
Ela o fitou com um suspiro.
Estava se apegando mais do que deveria ao bandoleiro.
Sim, no fim, tinha feito uma bom negócio.
Iriam roubar o idiota do barão, pegaria uma boa soma em ouro e poderia recomeçar em outro lugar, longe de sua madrasta e de James.
França, talvez.
E com certeza Blake estaria com ela.
Juntos conquistariam tudo o que ela sempre sonhou.
Só faltava convencê-lo de algo.
— Pensou bem na minha proposta?
Ele se afastou, a contragosto.
— Se está falando na morte do barão, minha resposta ainda é não.
Guilhermina tentou não se irritar enquanto ele se afastava e entrava na casa.
Mas antes que fosse embora, Jack se aproximou.
— Olá, milady.
Ela revirou os olhos.
— O que quer? — indagou impaciente.
— Eu ouvi sua conversa com o Blake.
Guilhermina cruzou os braços em frente ao peito.
— E daí?
— E daí... — Jack se aproximou lentamente — e daí que estou disposto a te ajudar.
— Como?
— Eu posso matar o barão.
****
Ana Lúcia tentava achar uma maneira de encontrar novamente Jack. Totalmente sem pistas, ela decidiu voltar ao Clube, como Lúcios.
— Bom dia — falou a Armand, o gerente do local —, preciso interrogá-los sobre os bandoleiros que causaram aquela confusão outro dia.
— Sim, estamos inteiramente à disposição, oficial.
Depois de interrogar o homem sem obter nada de concreto, passou às garotas, mas nem uma delas também tinha algo a acrescentar. Até que chegou a moça que era amante do barão.
— Eu não tenho nada a dizer — ela respondeu impaciente.
Mas Ana Lúcia não era boba e percebeu que Madeline estava visivelmente nervosa.
— Você é amante do barão.
— Eu era. Não sou mais.
— Por que não?
— Porque um daqueles bandoleiros me beijou. Claro que contra minha vontade, mas o barão não acreditou em mim.
— Sei... E você nunca mais viu o bandoleiro?
— Claro que não — Madeline respondeu rápido.
“É mentira.”, pensou Ana Lúcia.
Mas sabia que a moça não diria mais nada.
— Obrigada. É só por ora.
Ana Lúcia decidiu seguir Madeline a partir daquele dia.
Mas parecia que a cortesã ficara alerta, pois não saiu mais do clube.
Cansada de esperar, Ana Lúcia resolveu agir. Quando não tinha ninguém olhando ela voltou e entrou pelos fundos no bordel. Tinha um destino certo. O quarto da cortesã Madeline.
Procurou em tudo quanto foi canto por algo que a ligasse ao bandoleiro, mas nada encontrou. Já estava desistindo quando viu um papel jogado na lareira.
Pegou e ficou feliz ao ver que não estava totalmente queimado.
E ficou mais feliz ainda ao ler a missiva.
Madeline
Sinto sua falta, meu amor.
Infelizmente aquele guarda está a seguindo. Fez bem em não voltar mais aqui. Assim, ninguém descobre sobre o esconderijo dos bandoleiros.
Mas está tudo certo para nosso plano no Baile de Máscara do barão.
Seu, Colin.
Ana Lúcia arregalou os olhos.
Quer dizer que Madeline estava envolvida com os bandoleiros?
Ana Lúcia amassou o papel, pensativa.
Deveria avisar ao próprio barão?
Não, ela avisaria da possibilidade da presença dos bandoleiros ao duque.
E então, os bandoleiros seriam pegos no baile. E ela ficaria com todos os louros da vitória para si.
Eles não perdiam por esperar.
Iria a este baile e os pegaria com a boca na botija.
****
Guilhermina chegou em casa e sorriu, feliz.
Em pouco tempo poderia dar adeus às humilhações que sofria com Lady Phelipa.
Mas antes, decidiu se despedir do idiota do James.
— O que está fazendo aqui? — ele indagou quando a viu entrar em seu quarto.
— Não adivinha? — ela falou mansamente enquanto desamarrava as fitas do vestido que caiu aos seus pés com um farfalhar.
— Não me seduzirá de novo, Guilhermina.
Ela sorriu quando subiu na cama.
— Não? — Guilhermina o beijou.
E James foi novamente seduzido.
Horas depois, Guilhermina estava se vestindo, pronta para dar o golpe final e dizer a James que já não se importava com seu casamento porque tinha outros planos e que em breve partiria para sempre, quando James segurou seus ombros e a fez encará-lo.
— Case-se comigo.
Ela riu.
— Que disparate é este? Não está noivo de Lady Juliet Cavendish?
— Não. O compromisso foi desfeito.
Guilhermina o encarou, confusa.
— Não podemos nos casar. Isso é absurdo!
— Claro que podemos. Não somos irmãos de sangue. Nem o mesmo sobrenome temos.
— Sua mãe o mataria pelo escândalo!
— Não me importo! Eu a amo. Podemos ir para a França. Só nós dois.
Guilhermina o encarou sem acreditar.
Será mesmo que James estaria falando sério e iria contra sua mãe para desposá-la?
Mas ela não gostava de James.
Ele era apenas um capricho.
Atormentava-o apenas para irritar Phelipa. E porque ele a protegia.
Agora, poderia seu futuro ter um outro fim?
Se casasse com James, ele herdaria tudo.
E ela teria seu dinheiro de volta.
“Mas e Blake?”, uma vozinha sussurrou.
Hoje a noite iriam assaltar o barão. E se tudo desse certo, estariam ricos ao fim do baile. E o barão morto pelas mãos de Jack.
Deveria dar as costas ao bandoleiro e ficar com James?
E sua paixão por Blake?
Bem, hoje à noite ela teria uma decisão a tomar. De qualquer forma o plano estava em curso e ela não se furtaria de ver o barão morto.
Porém, era melhor manter uma carta na manga.
Aproximou-se e beijou James.
****
Juliet rodopiou pelo chão, dentro do novo vestido.
O conde entrou na sala e ela sorriu.
— Não estou deslumbrante?
— Sim, está muito bonita. Mas aonde vai com este vestido?
— Ao Baile de Máscaras do barão.
John ficou subitamente sério.
— Você não vai a este baile.
— Mas o Will vai me levar!
— O Will fará o que eu mandar. E vocês não irão a este baile.
Juliet bateu o pé.
— Mas todo mundo vai estar lá!
— Não me interessa. E não pense que eu me esqueci que afugentou James.
— De novo com esta história?
— Sim, de novo. E já que se livrou de James, terei que arranjar outro pretendente.
— Não! Por favor, papai, não faça isso comigo!
— Sim eu farei. Você passa dos limites, Juliet, Ou se casará ou será enviada a um convento, e desta vez sem volta!
John saiu da sala e Juliet jogou-se no sofá emburrada.
Como se livraria desta?
****
Will estava em sua residência em Kent quando recebeu a mensagem de Lúcios.
Dizia que os bandoleiros iriam agir no Baile de Máscaras do barão.
Will sentiu a excitação percorrê-lo. Sim, finalmente encontraria Belle. Mandou selar o cavalo. Voltaria a Londres a tempo de ir ao Baile de Máscaras do barão.
****
Belle desceu as escadas, já arrumada e totalmente irritada.
Um assovio se fez ouvir e Jack bateu palmas.
— Ora, ora, como está elegante!
— Cale a boca.
— Mas que humor é este? Não está feliz que finalmente vamos conseguir pôr nosso plano em ação?
— Sim, eu não vejo a hora de tudo acabar e podermos ir para bem longe!
— Nossa, Belle, mas o que deu em você? Está com essa cara amarrada há duas semanas!
— Problema meu!
— Ok, não quer falar, não fala.
Blake entrou na sala seguido dos outros comparsas.
— Todos prontos?
— Sim — Belle respondeu respirando fundo.
— Então coloque suas máscaras, senhores, e vamos ao nosso último assalto.
****
Juliet andava de um lado para o outro totalmente arrumada. Será mesmo que Will não chegaria a tempo?
Já estava quase tendo um faniquito quando ouviu os cascos de cavalo se aproximando.
Correu e abriu a porta na mesma hora que Will estava chegando.
— Ainda bem que chegou! Bem a tempo de me levar ao baile!
Will sorriu. Juliet não tinha mesmo jeito.
— Sim, iremos ao baile. Apenas irei me trocar. Onde está o papai?
— Acho que ainda não voltou do parlamento. Will, papai não quer que a gente vá ao baile.
— Mas nós iremos — Will respondeu.
Juliet soltou um gritinho.
— Sabia que podia contar com você!
****
“O barão de Wessex convida toda
a corte para o Baile de Máscaras de sua
Filha, Lady Claire FitzRoy”
Os fogos de artifício cortaram os céus e o pátio da enorme residência do Barão de Wessex estava lotado de carruagens.
Os bandoleiros se infiltraram no meio dos cortesãos, tentando não chamar a atenção.
— Senhores, vamos nos dispersar. Nos encontramos no local combinado à meia-noite.
Ele olhou para Colin.
— Colin, tudo certo com a Madeline?
— Sim, irei encontrá-la agora como combinamos.
— Ok. Então, vamos ao baile.
Os bandoleiros adentraram na elegante residência se misturando aos convidados.
****
Dois vultos conversavam na sala escura.
— E então, Sebastian, o Conde de Cunterbury virá? — FitzRoy indagou a seu fiel empregado.
— Sim, ele estava no parlamento hoje à tarde. Claro que não tinha a menor intenção de vir, mas depois do pequeno probleminha que causamos, ele terá que vir procurá-lo. Então o trabalho será feito.
— Muito bem. Só espero que desta vez você não falhe.
— Não falharei senhor.
****
Ana Lúcia estava nervosa. Jamais deveria ter vindo vestida de mulher.
Mas lhe parecera uma boa ideia, já que os guardas reais não foram convidados ao baile.
Agora como faria para falar com o duque? E como, por Deus, saberia quem era o duque em meio àquelas profusões de máscaras?
Olhou para os rostos mascarados, tentando imaginar se um deles seria Jack, ou um dos seus comparsas.
E se perguntou como faria para achá-los. Antes que fosse tarde demais.
****
Guilhermina entrou no salão apinhado de nobres e segurou o braço de James. Sua madrasta a encarou com raiva.
— O que pensa que está fazendo?
— O que lhe parece, querida madrasta? — ela falou de modo afetado acariciando o braço do calado James.
Mas Phelipa fitou o filho interrogativamente.
— O que significa isso, James?
— Eu e Guilhermina vamos nos casar.
— Mas isso é um disparate!
— Aceite, querida madrasta! Você perdeu.
Com o canto do olho ela reconheceu Blake.
— Agora se me derem licença... — Ela beijou o rosto de James, para horror de Phelipa. — Eu já volto, querido.
Ela se afastou indo em direção ao jardim, sabendo que Blake a seguia.
Era hora de saber os verdadeiros sentimentos do bandoleiro e tomar sua decisão.
****
Juliet sorria triunfante ao entrar no suntuoso salão da casa do Barão de Wessex acompanhada de Will.
— Oh, não é magnífico?
Mas Will não respondeu. Uma ansiedade fremente o dominava.
O único pensamento que tinha era encontrar Belle.
Mas como descobrir se ela estava realmente ali atrás daquelas máscaras?
Talvez devesse tenta achar Lúcios, o oficial.
— Juliet, preciso encontrar um oficial...
— Oh, pode ir. Estarei me divertindo, não se preocupe.
Juliet desapareceu em meio às pessoas e Will foi atrás de Lúcios.
Logan caminhou entre os salões. Procurava apenas uma pessoa: Katherine.
Tinha que encontrá-la e convencê-la que agora teriam uma chance.
O plano audacioso dos bandoleiros de irem para o novo mundo o seduzia.
Na Escócia, Richmond ainda os achariam, mas não na América.
E lá não existia vilões como Richmond. Seriam pessoas sem passado. E poderiam viver uma nova vida.
Ele não estava certo que ela viria até poucos dias. Chegara mesmo cogitar voltar à residência Richmond, mesmo arriscando seu pescoço.
Porém, recebera o bilhete de Katherine no dia anterior. Ela dizia que encontraria com ele no baile e falara de como estaria vestida.
Logan suspirou impaciente, já cansado de procurar quando a viu.
O vestido azul reluzente. Ele já ia até ela quando viu um homem aproximar-se acompanhado de outra moça. Certamente Richmond e Liliana.
Logan se posicionou atrás de uma pilastra e esperou.
Sua atenção foi tomada por Colin que passou por ele naquele momento. Acompanhado de uma dama de rosa que deveria ser Madeline. Sentiu um certo nervosismo de antecipação.
Se tudo desse certo em breve estariam a bordo de uma embarcação rumo à América.
E deixariam tudo para trás.
De repente ele pensou em Lady Juliet. E nem sabia o porquê. Mas havia algo nela que sempre o confundia. Sempre a achara uma menina mimada e inconsequente, embora a atração fosse forte. Porém, nunca levara a sério. Certamente ela só quisera dormir com ele pra provar um pouco de liberdade. Para Lady Juliet era apenas um capricho.
Não devia sentir pesar em deixá-la para trás.
Mas havia uma parte dele que sentia.
****
Juliet caminhou por entre as pessoas, excitada com as expectativas do baile.
Queria se divertir. Dançar e flertar. Antes que enfrentasse seu tortuoso destino. Andando por entre as pessoas, arregalou os olhos horrorizada quando viu alguém exatamente com o vestido igualzinho ao seu.
E não precisou pensar muito para deduzir quem era: Katherine Richmond.
Bufando Juliet se aproximou da irmã da ex-noiva de Will.
— Por acaso isso é algum tipo de brincadeira?
A mulher a fitou através da máscara sem nada entender.
— Perdão?
— Não se faça de desentendida! Está com um vestido igualzinho o meu! Por acaso você e aquela sua irmã armaram uma para cima de mim? O que fizeram? Subornaram a costureira?
— Ah, agora estou te reconhecendo: Juliet Cavendish.
— Sim, quem pensou que era?
— Me desculpe, mas somente agora percebi que estamos com os vestidos iguais.
— Vai querer que eu acredite?
— A culpa não é minha. Aliás, isso me desagrada tanto quanto você. Deve ter sido engano da costureira...
— Quer dizer que não é algum tipo de armação?
— Claro que não! Por que iria querer me vestir igual a você?
Neste momento alguém chamou Katherine.
— Me desculpe, minha irmã está me chamando.
A moça se afastou e Juliet cruzou os braços irritada.
Era só o que faltava. Mas o que podia fazer?
Não poderia voltar em casa e trocar de vestido. Will a mataria se pedisse algo assim.
Mas e se fosse sozinha?
Sim, pensou animada, encaminhando-se até a saída do salão. Poderia pedir ao cocheiro que a levasse em casa. Assim poderia trocar de vestido e não ficaria mais à sombra de Katherine Richmond.
Estava se encaminhando para as portas que davam para o jardim quando um braço a puxou por trás e uma mão tapou sua boca.
Esperneou assustada.
— Calma, sou eu.
Juliet parou de lutar quando reconheceu a voz.
Logan? Pensou aturdida enquanto era levada para um canto escuro do jardim.
E antes que pudesse esboçar qualquer reação, ele a encostou numa pilastra e a beijou.
****
Will fitava os convidados, de salão a salão. Nos rostos mascarados buscava aquele que o atormentava há semanas.
A ansiedade era como um veneno que entorpecia seus sentidos e o deixava em alerta. Era como uma obsessão. Tinha que encontrar a bandoleira.
Will sabia que ela estava ali. Podia pressentir, como um felino em busca da presa, intuía que ela estava perto.
Então um andar lhe chamou a atenção. Will sentiu o corpo se agitar, e os músculos ficarem tenso.
Era ela.
Os cabelos castanhos, arrumados num elaborado penteado dançavam sobre os ombros delicados.
Ele a seguiu hipnotizado.
De repente, como sentindo seu olhar, ela parou e virou-se devagar.
Por um momento infinito nem um dos dois se mexeu no salão apinhado.
Belle se recriminaria mil vezes naquela noite por não ter seguido seu primeiro instinto e não olhado quando se sentiu observada. Mas o olhar do mascarado era como brasa, e ela sentiu os cabelos da nuca se arrepiarem.
Virar-se e encarar o estranho fora um instinto sedutor.
Quando sentiu o primeiro alarme de desconfiança soar em sua mente, deveria ter corrido e sumido em meio aos casais que rodopiavam.
Mas em vez disso sentiu-se plantada no lugar, como se mil raízes tivessem prendido seus pés no chão.
Com o fôlego preso na garganta, observou quando o mascarado avançou em sua direção.
E quando chegou suficientemente perto para que ela pudesse ver seus olhos através da máscara, Belle o reconheceu.
O duque a encontrara.
Capítulo 22
Passado o susto de se ver agarrada por Logan sem mais nem menos, Juliet entregou-se ao beijo com sofreguidão, mas em algum lugar da sua mente, atinava que algo estava errado. Porque da última vez que tinha visto Logan ele não parecia nem um pouco tentado a beijá-la. Ou disposto a aceitar sua oferta.
Então por que agora ele a beijava como se ela fosse a mulher mais desejável do mundo? Por que suas mãos percorriam suas curvas por cima do vestido azul com uma urgência quase desesperada?
A boca faminta largou a sua para deslizar por seu rosto e por seu pescoço alvo com beijos quentes. Juliet gemeu, perdida, deixando as dúvidas para serem respondidas outra hora.
— Katherine... — ele sussurrou e Juliet abriu os olhos, surpresa.
Katherine?
A névoa de desejo foi se dissipando totalmente quando Juliet entendeu.
Ele a estava confundindo com Katherine Richmond!
Seria engraçado se não fosse humilhante, Juliet pensou consigo mesma, sem conseguir evitar de rir.
Ele parou de beijá-la e a fitou, arrancando a própria máscara.
Então ele pareceu finalmente entender que a mulher que tinha nos braços definitivamente não era Katherine.
— Olá, Logan — Juliet falou docemente e em resposta ele arrancou a máscara de Juliet. — Surpresa!
— Juliet? — Ele a fitou entre confuso e horrorizado.
Juliet começou a rir ainda mais.
— Mas que tipo de brincadeira é essa? — Logan exigiu seriamente.
— Brincadeira? Foi o senhor que me agarrou e me trouxe para cá, não se lembra?
Logan passou a mão pelos cabelos num claro gesto de frustração.
— Eu a confundi com outra pessoa — confessou desgostoso.
— Percebi seu engano quando me chamou de “Katherine”.
Ele a mirou da cabeça aos pés.
— Por que diabos seus vestidos são iguais?
Juliet deu de ombros.
— Parece que foi algum erro da costureira.
— Eu não acredito! — Logan exclamou como que para si mesmo.
Juliet tocou seu braço.
— Está tudo bem, Logan. Foi apenas um engano. E foi até engraçado...
— Não tem nada de engraçado, Lady Juliet! — rebateu furioso.
— Por que está sendo grosso comigo? A culpa não é minha!
— Tudo bem, me desculpe. É que... Inferno! — Ele sentou num banco próximo. — Precisava realmente falar com Lady Katherine. Talvez esta seja a nossa última chance.
— Sinto muito. — Ela sentou-se ao seu lado. — Acho que estou sempre a te atrapalhar, não é?
Ele segurou sua mão.
— Não fale assim. Meus problemas com Katherine são muito antigos, não tem nada a ver com você.
— Meu pai disse que vai me obrigar a me casar — ela disse de repente.
— Este é o destino de todas as moças de sociedade, Juliet.
— Eu sei, mas não quero me casar com quem meu pai me obrigar. Não quero ser infeliz.
— Por que acha que será infeliz? A vida não é como sonha, Juliet. Não se vive de aventuras sempre.
— Você vive!
— Eu sou um bandoleiro. Não há nada de romântico na vida de um bandido.
— Então por que escolheu viver assim?
— Destino talvez. Falta de opção... Não sei. Acho que estava buscando um propósito.
— Queria ser como aquela sua amiga, a Belle. Livre para fazer as próprias escolhas.
— Você é da nobreza.
— Como Lady Katherine. Acho que temos muito em comum além de ter conhecido você — Juliet brincou.
Eles ficaram em silêncio por alguns momentos.
— Vai voltar lá para dentro e procurá-la?
— Sim, tem que ser hoje...
— Por quê?
— Juliet, talvez esta seja a última vez que nos encontramos.
— O que quer dizer?
— Nós vamos embora para muito longe.
— Para onde?
— América. Não há lugar para pessoas como nós aqui.
Juliet pegou as mãos frias de Logan e o fitou ansiosa.
— Leve-me com você — pediu desesperada.
— Juliet... Você não sabe o que está pedindo.
— Por favor, Logan. Me ajuda a fugir dessa vida, apenas me leve daqui!
Ele se condoeu, mas ela não tinha noção do que estava pedindo.
Acariciou seu rosto.
— Eu não posso, milady.
— Por que não? Por causa da Katherine? Acha que ela vai desafiar o pai e abandonará o marido para fugir com você?
— Talvez sim, talvez não, mas eu tenho que tentar. Senão nunca me livrarei do passado.
— Mas você me deseja.
— Sim, eu a desejo, mas me arrependo de não ter resistido naquela pousada... Nada deveria ter acontecido.
— Eu não estou arrependida! Foi um sopro de aventura na minha vida sem graça.
— Ainda é muito jovem, e terá muito o que viver. Não se martirize desta forma.
Juliet enxugou as lágrimas.
— Talvez tenha razão. Eu só queria... Queria me sentir livre, como me senti quando estávamos juntos.
— Não posso levá-la comigo, Juliet. Eu sinto muito.
— Tudo bem. Volte para o baile, ache Lady Katherine. Espero mesmo que ela seja corajosa desta vez e fuja com você.
— Eu também espero.
Juliet levantou-se.
— E se ela não quiser, sabe onde me encontrar.
Ela ia se afastar, mas Logan segurou sua mão.
— Eu sinto muito por tudo, Juliet.
— Não sinta.
— Desejo que você encontre alguém que a faça feliz.
Ela sorriu.
— Eu acho que encontrei, mas ele gosta de outra.
Num último impulso, ela ficou nas pontas dos pés e o beijou.
— Adeus, Irmão Logan.
Ela colocou a máscara e entrou no salão iluminado.
Estava tão aturdida que tropeçou em alguém.
— Oh, me desculpe.
O cavalheiro mascarado a segurou pelo braço.
— Não foi nada, senhorita...
— Juliet Cavendish — ela respondeu distraída.
— Oh, então nos conhecemos.
Ele tirou a máscara.
— Lembra de mim?
Juliet reconheceu o Barão de Wessex.
Juliet fez uma mesura educada, ignorando que os olhos do barão sobre si eram cobiçosos.
— Me acompanha nessa dança, milady.
Juliet hesitou, mas resolveu aceitar e segurando no braço do barão, ela o acompanhou para o meio do salão.
****
Belle ficou paralisada por alguns instantes, o coração parando de bater, o fôlego preso na garganta. Will a encarava intensamente, com uma expressão predadora no olhar. E então voltou à realidade e num átimo, virou-se para fugir. Porém, o duque foi mais rápido e a segurou pelo braço.
— Não vai a lugar algum.
— Solte-me! — Belle exigiu, tentando soltar o braço das garras de aço do duque.
Eles se encararam desafiantes, os olhos do duque de um azul-escuro prenderam nos seus e sem querer ela sentiu a respiração acelerar.
Fugir. O instinto de sobrevivência gritava.
Tentou manter-se calma e pensar racionalmente.
— Solte-me agora, senhor. Ou farei um escândalo.
— Faça isso, e chamarei os guardas do barão para prenderem você e seus amigos.
Belle arregalou os olhos, preocupada.
Como ele sabia que eles estavam ali?
— Eu estou sozinha e não tenho medo do senhor.
O duque sorriu. Um sorriso lento e Belle lutou contra a onda de calor.
— A senhorita tem um estranho instinto suicida, mas creio que não vai querer prejudicar seus comparsas.
Sim, ele tinha razão. O maldito. Só de pensar que tudo poderia ir por água abaixo...
Daquele assalto dependia muita coisa para jogar tudo fora por causa de seu orgulho.
Levantou a cabeça, em desafio.
— Pois bem, senhor duque. Estou a sua disposição.
Os olhos de Will brilharam em desafio enquanto ele a puxava para o meio do salão, por entre os cortesãos. Quando ele segurou sua cintura firmemente e começou a se mover com ela no ritmo da música, Belle duvidou seriamente de sua sanidade. O corpo junto ao seu era firme e decidido. Os braços que a prendiam quase que sem poder respirar era como garras de aço. Estavam tão perto que ela podia sentir sua respiração contra a pele. Quente e cálida. Um arrepio traspassou sua espinha e ela lutou para se libertar sem sucesso. E para seu desespero, ele ainda a prendeu mais perto, a boca quase encostando em seu ouvido.
— Ainda não percebeu? — ele sussurrou. — Está sob meu domínio agora.
Belle fechou os olhos, as palavras dele adentrando em seu corpo, como um veneno, entorpecendo seus sentidos.
Lutou contra aquele fascínio. Respirando fundo abriu os olhos.
— O senhor se engana se pensa assim, duque. Não exerce poder nenhum sobre mim. Eu o odeio. Deveria ter deixado o Jack te matar!
Belle se arrependeu na mesma hora de suas palavras, mas era tarde e percebeu o entendimento nos olhos de Will.
— Era você. Não era um sonho, você estava lá comigo, naquela carruagem.
Belle desviou o olhar, tentando não pensar, tentando não lembrar.
— Não acha estranho como nossos caminhos sempre se cruzam?
— Não seja ridículo. Isso aqui não é “obra do destino”! E sim um plano maquiavélico seu para nos capturar!
— Como pode me culpar? São bandoleiros.
— Mas você conseguiu fugir de nós.
— E a deixei se safar. Nunca se perguntou por quê?
Sim, milhões de vezes, Belle pensou.
Porém, tinha muito medo da resposta.
— Por que está me dizendo essas coisas, sir? Sei que me odeia. Odeia a meus amigos. Então por que não acabamos logo com isso e chama os guardas para me prender?
— Acha que é o que eu quero?
— O que mais poderia ser? O que um nobre como o senhor pode querer de mim?
— Eu quero você.
E sem aviso, ele a puxou pela mão, por entre os casais e a Belle não restou alternativa a não ser segui-lo.
****
Ana Lúcia respirou fundo e se preparou para dar início a primeira parte de seu plano. Depois de muito pensar em como faria para encontrar o bandoleiro, chegou a única conclusão: não poderia achá-lo, mas ele poderia achá-la se a reconhecesse. Então, munida de toda coragem necessária, tirou a máscara do rosto e começou a circular pelos salões.
— E não é que nos encontramos de novo?
Ana Lúcia estancou. Aquela voz.
E lá estava ele, o bandoleiro. Devidamente mascarado. Mas não precisava ver seu rosto para saber que era ele. Aquele tom irônico e debochado da voz só tinha um dono: Jack.
— Ora, ora, se não é a dama misteriosa. — Ele se aproximou como um gatuno que era.
E Ana Lúcia parecia paralisada no lugar.
— Ana... — ele pronunciou seu nome seguido de um sorriso e Ana Lúcia sentiu um calor por dentro.
Não. Não podia cair na lábia dele de novo. Estava ali porque tinha um trabalho a fazer e por este motivo estava se sujeitando a falar com ele.
Jack era o caminho pelo qual conseguiria sua tão sonhada promoção.
Reuniu a calma necessária e ergueu a cabeça.
— Olá, senhor... — ela fez uma mesura graciosa. — Pode me chamar de Ana Lúcia.
O que alargou ainda mais o sorriso dele.
Se pelo menos ele não sorrisse, Ana Lúcia pensou, voltando a ficar com medo.
— Me desculpe por ter sumido naquele dia no Clube, mas... negócios mais urgentes requeriam minha atenção...
— Sei... Me disseram que é um bandoleiro — Ana Lúcia jogou verde.
Os olhos dele se estreitaram.
— Quem lhe disse?
— Oras, foi armada a maior confusão naquele dia, e os bandoleiros estavam lá... vai me dizer que não era um deles?
Jack sorriu.
— Não sei se posso responder para você...
Ana Lúcia respirou fundo se munindo de toda coragem possível.
— Pode confiar em mim — disse com suavidade. — O que um bandido como o senhor faz no baile do barão? Está sozinho?
Ela se recriminou. Não deveria fazer tantas perguntas. E se ele desconfiasse?
— Por que tantas perguntas, querida? — Ele tocou seu rosto e sem aviso aproximou o rosto do dela e Ana Lúcia arfou sem querer. Mas o que estava fazendo? Não podia cair nas garras dele de novo!
— O senhor poderia, por favor, não chegar tão perto? — pediu sem fôlego.
Mas ele tinha outros planos e cingiu sua cintura com as mãos.
— Não, eu não posso. E sabe por quê? Porque eu não tenho pensado em outra coisa a não ser em sentir você de novo, Ana Lúcia...
Ana Lúcia gemeu, perdida. Oh, Deus, se pelo menos ele não fosse tão envolvente...
Vendo que a moça estava totalmente confusa, Jack aproveitou e pegou sua mão, levando-a para fora do salão.
****
No jardim escuro, Guilhermina aproximou-se do bandoleiro, mas ele a afastou.
— Quem era aquele homem com você?
— Meu meio irmão.
— Pareciam mais que isso.
Ela suspirou.
— James não é nada. O que quero saber é... — Ela respirou fundo e tocou sua mão. — Não falamos do futuro. Depois desta noite, quando estivermos com o ouro do barão... O que vai acontecer com nós dois?
— Guilhermina... — Ele tentou se afastar de novo, mas ela segurou seu rosto.
— Sabe que quero ficar com você, não é?
E sem esperar mais ela o beijou.
— Guilhermina?
A voz de James os alcançou e Blake afastou Guilhermina.
James havia tirado a máscara e encarava o casal, muito pálido.
— James! — Guilhermina exclamou.
— Quem é este? Meu Deus, como eu pude ter acreditado em você?
James parecia prestes a chorar.
— O que está acontecendo aqui? — Blake indagou com frieza.
— Nada — Guilhermina apressou-se em dizer. — James é meu irmão...
— Não somos irmãos! Ou era isso que pensava quando entrava no meu quarto para me seduzir? Era isso quando esteve na minha cama ontem? Quando a pedi em casamento e você aceitou?
Blake encarou Guilhermina com frieza.
— É verdade?
Guilhermina tocou seu braço.
— Não! James fantasia comigo...
— Minha mãe tinha razão — James disse por fim. — Não passa de uma vagabunda aproveitadora. Agora acabou, Guilhermina. Quero que saia da minha casa ainda hoje! Adeus!
James se afastou e Blake encarou Guilhermina com raiva.
— Por quanto tempo manteria essa farsa, milady?
— Não é farsa! James não é nada! Eu quero ficar com você, ir embora com você! Esquece o James. Seremos ricos no fim da noite e iremos juntos para a França...
— Não — ele a interrompeu. — Eu deveria saber que não era de confiança. Terminamos por aqui.
Guilhermina empalideceu.
— Eu não significo nada para você, não é?
— E para você sou apenas um meio de alcançar um fim. Então, você receberá sua parte no assalto. Mas seguirá seu caminho.
Guilhermina estremeceu de raiva e decepção.
E virando as costas se afastou, voltando ao baile
Blake a seguiu, mantendo uma certa distância.
Não confiava em Guilhermina. Ainda mais agora.
Ele tinha chegado a acreditar que poderiam ficar juntos, mas Lady Guilhermina tinha muitas facetas e algumas delas ele não gostava nem um pouco.
Mas seria melhor assim. Cada um seguiria o seu caminho.
E não poderia perdê-la de vista.
No caminho passou por Colin e Madeline, e o jovem fez um movimento com a cabeça.
Sim, tudo continuava dentro dos planos.
****
Belle via os rostos mascarados passar por ela como um borrão. A mão do duque prendia a sua como garra. Em algum lugar da sua mente, ela tentava se lembrar de todos os motivos que não deveria estar com ele, mas tudo sumia com a força da atração que sentia.
Por que continuar mentindo para si mesma? Não pensava em outra coisa a não ser no duque. Desde que seus caminhos se cruzaram, ela não foi capaz de se manter imune como sempre fazia.
O que ele tinha de diferente dos outros? Não saberia dizer.
Limpou a garganta, tentando manter-se à tona.
— Posso saber para onde está me levando, sir? — perguntou incisiva.
No entanto ele apenas a fitou por cima dos ombros. A máscara negra deixava à vista seus olhos azuis que a dominavam totalmente. Belle sentiu o sangue correr mais rápido nas veias e o primeiro impulso foi puxar a mão, mas ele a prendeu ainda com mais força.
Estavam agora num corredor vazio. Os sons da festa iam ficando para trás, junto com o que lhe restava da sanidade.
Ele abriu uma porta e a puxou para dentro. Estavam numa espécie de escritório.
Mas ele não parou, continuou a puxando.
— Solte-me, por favor — Belle pediu, desesperada.
Mas ele a fitou intensamente.
— Jamais.
Ele tocou uma estante e como num passe de mágica, uma porta secreta se abriu.
Will a puxou para uma escada em espiral. Belle subiu os degraus atrás dele, os olhos se acostumando à penumbra. Até que ele abriu outra porta e dessa vez estavam num quarto ricamente mobiliado, apesar da semiescuridão que dominava o recinto.
E então ele finalmente soltou sua mão.
Belle engoliu em seco. Seus olhos buscando as rotas de fuga. Mas, para seu espanto, o quarto não tinha porta, tirando aquela que entraram. E pela brisa que entrava pelas janelas abertas, estavam em um andar superior.
— Que lugar é esse?
— Eu costumava ficar aqui quando criança. Com minha irmã. O barão era um dos aliados e amigos do meu pai.
— Era?
— Não estamos aqui para falar do barão.
Ele se aproximou lentamente e Belle foi se afastando para trás, até tocar a parede.
— Então por que me trouxe aqui?
Ele colocou um braço em cada lado de sua cabeça, a prendendo no lugar, mas sem tocá-la.
— Você imagina o quanto eu tenho ansiado por ter você assim, totalmente a minha mercê?
As palavras dele entraram em sua mente como uma droga e Belle lutou contra o entorpecimento.
Com todo o orgulho que lhe era peculiar, levantou a cabeça em desafio.
— O senhor não passa de um nobre mimado, que pensa que deve ter todos a sua mercê.
— Você não me conhece, Belle.
— Conheço sim. Você me deseja, e pensa que pode me ter. Mas está muito enganado. — Tentou empurrá-lo, mas o duque era infinitamente mais forte e a prendeu com os dois braços na parede.
— Por que foge? — sussurrou, os olhos atormentados presos no seu. — Você seduz os homens sem pensar nas consequências, Belle. Uma bandoleira que usa seu corpo para aplicar golpes, mas se enganou ao pensar que podia brincar comigo e sair impune.
Então ele a beijou. Com força, com fúria, com urgência. Belle lutou para se libertar, mas era inútil. O duque não interrompeu o ataque a suas defesas, a boca forçando a sua a se abrir a doce invasão de sua língua.
Belle começou a sentir a cabeça girar e um desejo quente se apossar de todo o corpo. Uma fraqueza súbita a fez parar de lutar e deixar-se beijar.
Deus, o que ela estava fazendo?
Por que de todos os homens do mundo somente aquele duque arrogante a deixava assim, trêmula de desejo, a mente vazia de qualquer pensamento, a não ser satisfazer aquela fome que ele lhe despertava no corpo e no espírito?
Ela não soube dizer quando exatamente começou a corresponder ao beijo. A língua buscando a dele numa dança sensual.
O corpo masculino estava firmemente grudado no seu e por um momento Belle ansiou senti-lo por inteiro, sem o empecilho das roupas pesadas.
Will interrompeu o beijo. A moça ainda estava de máscara, somente os olhos febris o encarando perdidos, como dois poços profundos onde Will sentia-se afogar e os lábios entreabertos, inchados de seus beijos. Ele passou os dedos sobre eles e ela arfou delicadamente. Tudo nela o seduzia.
Soltou suas mãos e tirou sua máscara e a dela. O rosto mais belo do que se lembrava, tirava-lhe o fôlego.
Ele abaixou o olhar para o decote proeminente do vestido, podia entrever os seios alvos subindo e descendo com a força da respiração pesada.
Will gemeu, sentindo um desejo cru consumi-lo.
Mas ele não tinha mais que lutar contra aquele desejo.
Belle estava ali, entregue, a sua disposição. Poderia tê-la vezes sem fim até saciar a fome que tinha dela. Até se livrar daquele fascínio descabido que lhe inspirava. Afinal, era uma bandoleira. Uma mulher que usava o corpo para roubar. Com sabe Deus quantos homens antes dele.
Este pensamento o encheu de uma fúria cega, ciúme de todos que pudessem tê-la tocado, desfrutado de seus favores. Se embebedado com seu cheiro. Se fartado com seu corpo.
Seus olhares se entraram mais uma vez. Ela parecia... temerosa. E Will riu, irônico.
— O que teme, Belle?
Belle engoliu em seco.
— Eu não deveria estar aqui com você.
— Mas está. E não a deixarei ir desta vez.
— Por que está fazendo isso?
— Porque eu a quero. Mais do que quis qualquer outra coisa na vida. Porque preciso tê-la para poder me livrar do desejo que me consome dia e noite.
— Pensei que tivesse uma amante para isso, aquela Natasha.
— Natasha não é nada.
— Se você diz.... — Belle lutou de novo para se libertar, a lembrança da amante de Will obstruindo sua mente.
— Não vai a lugar algum, Belle. Porque hoje, não há saída. Não há outro destino para nós dois. A não ser deixar-nos consumir por este desejo que nos une... — Ele abaixou a cabeça e tocou com os lábios a veia que pulsava em sua garganta.
Belle fechou os olhos, trêmula.
Os beijos prosseguiram, inebriantes, por toda a extensão de sua garganta, queimando por onde passava.
As mãos masculinas cingiram sua cintura e subiram para tocar os seios por cima do vestido. O coração de Belle batia descompassado no peito.
— Por favor, deixe-me ir... — implorou num fio de voz, mas já sentia o corpo totalmente entregue.
— Não... — ele sussurrou contra sua boca. — Não até eu ter acabado com você, aí então, prometo que poderá ir, Belle. Poderá voltar para sua vida de roubos. Mas antes... antes eu quero ter você por inteiro...
E quando a beijou novamente, foi para selar a promessa.
E Belle deixou de lutar.
Sim, talvez fosse mesmo o que deveria fazer.
Ela também o desejava, também se sentia presa naquele fascínio.
Então por que não se entregar ao desejo. Ao menos uma vez? Depois desta noite não o veria nunca mais. Iria embora para muito longe.
E finalmente se veria livre da paixão pelo duque.
Ele parou de beijá-la e a fitou, ofegante. Belle engoliu em seco com a força que vinha daquele olhar. Era como se ele pudesse ver dentro dela. E sentiu-se desfalecer, caindo um precipício, cada vez mais fundo.
Mas ele estava ali para ampará-la em sua queda, a pegou nos braços e a depositou na grande cama.
Beijando seu rosto, suas pálpebras fechadas, seus lábios entreabertos. Gemidos entrecortados saíam da garganta de Belle. As mãos dele se imiscuem para debaixo do vestido, tocando a pele lisa de sua perna, subindo cada vez mais, deslizando pela coxa macia até tocar a junção de suas pernas por cima do tecido fino da roupa íntima. Belle arquejou, trêmula. A boca dele devorou a sua num beijo urgente. Os dedos massagearam delicadamente o centro de seu prazer, fazendo Belle gemer deliciada. Nunca, nunca tinha sentido algo parecido. Então era assim que uma mulher se sentia quando perdida de desejo?
Ele se afastou de repente e Belle sentiu o frio do quarto atingi-la. Mas ele apenas se ocupou em livrá-la do pesado vestido, que se quedou no chão juntamente com o resto de suas roupas. Will a contemplou da cabeça aos pés, um olhar carregado de desejo masculino, enquanto se ocupava em despir as próprias roupas.
— Você tem o corpo mais lindo que eu já vi em uma mulher — sussurrou.
Belle sentiu-se corar naquele escrutínio.
O duque se desnudava a sua frente, lindo como ela se lembrava e então partiu para cima dela, com mãos e lábios trilhando um caminho de puro fogo por sua pele que queimava com as carícias atrevidas.
A boca se apossou de um seio, cingindo o mamilo com a língua quente e dura e Belle jogou a cabeça para trás, gemendo, enquanto ele sugava os mamilos entumecidos.
— Will... — Belle sussurrou seu nome na noite escura. Puxando sua cabeça para beijá-lo na boca, explorando os lábios masculinos, sentindo seu gosto.
Will gemeu e pegou sua mão levando à ereção pulsante por cima da calça.
Seus olhares se encontraram e se prenderam.
— Vê como a quero? — ele perguntou com a voz enrouquecida.
Belle sentiu o próprio desejo aumentar em níveis insuportáveis. Queria que ele a possuísse. Ali. Agora.
— Por favor... — pediu arfante, ondulando o corpo contra o dele.
Will, abriu suas pernas com o os joelhos, cansado daquela espera. Queria ter tempo para adorá-la por horas a fio, mas o desejo era forte demais. Esperara demais por aquele momento e se via a ponto de explodir.
— Sim, Belle, eu sei o que você quer, pois é o mesmo que eu quero — ele falou com a respiração entrecortada, segurando suas coxas com força, se posicionando entre elas. — Vamos acabar logo com isso. — Foram suas palavras impacientes antes de penetrá-la com força.
Belle arfou, as mãos pressionando seus ombros, ao sentir-se invadida.
A sensação foi quase insuportável. Inesperada em seu prazer e ela prendeu a respiração surpresa.
Por um momento ele não se mexeu. Deixou-se ficar, ali, dentro dela, tentando manter o controle.
Belle tinha os olhos fechados e os lábios entreabertos.
Will tirou os cabelos de seu rosto afogueado com cuidado.
— Belle, abra os olhos — pediu e ela atendeu. — Machuquei você? — indagou com uma inesperada suavidade e Belle apenas meneou a cabeça de forma negativa, incapaz de falar.
Então ele se mexeu dentro dela e Belle soltou a respiração, resfolegando.
Ele deixou o olhar preso no dela enquanto se movia. Devagar a princípio.
As respirações se misturando. Belle o abraçou com os braços e pernas, o desejo crescendo dentro dela, os músculos internos se retesando para recebê-lo e ele beijou seus lábios secos, vezes sem fim, enquanto intensificava os movimentos. E sem aguentar mais, ela fechou os olhos, movendo-se com ele.
As mãos fortes seguravam seus quadris, impulsionando a masculinidade pulsando cada vez mais fundo.
Belle sentiu as ondas de um prazer até então desconhecido se avolumando dentro dela, até chegar a um nível insuportável e ela gemeu, agarrada a ele, querendo desesperadamente um alívio. Então algo arrebentou dentro dela. Doce, profundo, intenso. E ela gritou, perdida, enquanto as ondas a sacudiam de cima a baixo, convulsionando seu corpo de encontro ao dele. E Will soltou um gemido rouco, os dedos apertando sua pele, enquanto num último movimento de quadris, se satisfazia dentro dela.
Belle abriu os olhos momentos depois. A realidade a atingindo com força.
O que, por Deus, tinha feito?
Capítulo 23
Logan não demorou a encontrar Katherine, mas ela estava na companhia do pai, então ele não poderia se aproximar. Porém, viu sua chance quando Lady Liliana se afastou.
— Olá, Lady Liliana.
Ela não o reconheceu.
— Sou Logan.
Ela arregalou os olhos assustadas.
— Ficou maluco? Se meu pai te vir aqui...
— Eu preciso falar com a Katherine.
— Não...
— Fale para ela me encontrar no jardim da ala leste. E é melhor que ela venha, senão eu terei que desafiar seu pai. Eu não me importo.
Ele se afastou e Liliana voltou para o lado de Katherine, apreensiva.
— Papai, se não se importa, eu preciso tomar um pouco de ar. — Ela lançou um olhar de entendimento com Katherine.
— Tudo bem, eu vou com você.
Quando estavam suficientemente longe, Katherine indagou:
— O que aconteceu?
— Logan.
— O quê?
— Ele quer falar com você.
— Oh, Deus!
— Ele disse que está te esperando no jardim da ala leste.
Logan a viu se aproximando e respirou aliviado.
— Eu não deveria estar aqui. — Foram suas palavras trêmulas.
Ele pegou suas mãos frias entre as suas.
— Katherine, não temos muito tempo, mas preciso te contar uma coisa.
— Sim, precisa! Tem algo muito errado com este seu retorno à cidade, está envolvido com o que Logan?
E então ele contou a ela sua história como bandoleiro.
— Meu Deus, Logan, mas é muito grave! Você nem deveria estar aqui agora! É um bandido procurado!
— Eu irei embora.
— Para onde?
— América.
— Por que está me dizendo isso?
— Porque eu quero que vá comigo.
Ela tirou as mãos da sua se afastando.
— Não está falando sério! Eu sou casada.
Ele segurou seu ombro.
— Fuja comigo. Eu sei que você não é feliz...
— Não sabe de nada da minha vida! Sim, eu me casei praticamente obrigada pelo meu pai, mas meu marido é um bom homem e...
— Você o ama?
— Sim, eu o amo.
— Não está falando a verdade.
— Logan, o que aconteceu entre nós foi há muito tempo. Não existe mais. Não adianta insistir.
— Está falando isso porque tem medo do seu pai.
— Agora você é um bandido e quer que eu vá embora com você...
— Mas deixarei de ser. Nós faremos nosso último assalto e sumiremos. E quero que você venha comigo. E então Katherine, qual sua resposta?
— O que está ocorrendo aqui?
Os dois viraram-se ao mesmo tempo ao ouvir a voz estrondosa de Richmond.
— Papai, por favor...
— Seu canalha! Como ousa aparecer por aqui novamente?
— Eu vim falar com a Katherine.
— Katherine é uma mulher casada agora!
— O senhor a obrigou a se casar e ir embora. Porque me odiava, simplesmente por ter sangue escocês.
— Não queria um homem como você com minha filha.
— Acho que quem tem que decidir isso é a Katherine.
— Pois eu acho que não — Richmond ameaçou e fez um sinal com a mão.
Vários guardas apareceram e detiveram Logan, que não teve tempo de lutar.
— Papai, o que está fazendo? — Katherine indagou horrorizada.
— Ponha-o daqui para fora!
— Não! — Katherine gritou, mas Richmond a arrastou dali para dentro da mansão.
Logan tentou lutar, mas era impossível.
Os guardas o levaram para fora.
****
Belle fechou os olhos com força. Um arrependimento amargo a tomando. O que acabara de fazer? Tinha se entregado ao Duque de Buckingham. Um homem que a odiava.
Um homem que ela deveria odiar. Mas sabia, bem lá no fundo do coração, que a realidade era bem diferente. O que acabara de acontecer provava isso.
Ele levantou a cabeça e a fitou. Belle não sabia dizer o que havia naquele olhar.
E nem queria saber. Com um safanão, se livrou de seus braços e se levantou caçando as roupas.
No momento seguinte, ele também estava de pé e segurava seu braço.
— Já vai fugir, Belle? — perguntou perigosamente baixo.
Belle levantou o queixo, usando a única arma que sabia.
— Pensei que já pudesse ir, afinal, já conseguiu o que queria, não? — indagou com desdém.
Will a fitou frustrado. Sim, ele conseguiu o que queria.
Mas o que sentia não havia passado, muito pelo contrário, tinha se intensificado ainda mais.
— Maldição, Belle! — praguejou a soltando e se afastando, tentando ordenar os pensamentos.
Belle aproveitou a momentânea liberdade e se vestiu às pressas.
Fugir. Era seu único objetivo. Lembrou-se dos planos. Sim, mais um motivo para sair dali. Tinham que seguir com os planos de assalto ao barão.
E depois desaparecer. E nunca mais pôr os olhos naquele duque arrogante.
Ela só não soube dizer de onde vinha aquela dor no peito. Uma vontade imensa de chorar. Piscou para afugentar as lágrimas, quando ele virou e a fitou.
Will não sabia o que fazer. Achara que bastaria tê-la para acabar com o que sentia. Afinal, ela não passava de uma bandoleira sedutora.
Mas não acabara. Ele ainda a desejava. Não só seu corpo, mas ele queria saber de todos os seus pensamentos. Queria saber o que ia no seu coração.
Deveria estar enlouquecendo, pensou.
— Me desculpe — ele se viu falando.
Ela o encarou incrédula e depois assumiu a postura de desafio.
— Desculpas? Desde quando um nobre pede desculpas? Faça-me o favor, duque! Me usou sem o menor escrúpulo! E agora se me der licença, eu tenho mais o que fazer!
Belle tentou se afastar, mas ele a segurou.
— Não vai a lugar algum.
— Solte-me. O que mais quer de mim? Já não teve o bastante?
— Nunca será o bastante — ele falou intensamente e Belle teve medo.
Não medo dele, mas dela mesma. Da vontade súbita de se aninhar em seus braços. De pedir que não a deixasse ir. Que a visse além do exterior de bandoleira sedutora.
Deus, tinha que fugir dali!
Com uma força nascida do desespero, levantou a perna e o chutou. Pego de surpresa, Will a soltou praguejando e Belle aproveitou para correr pela saída secreta.
Correu o mais rápido que pôde, sabia que ele estava atrás dela.
Quando finalmente chegou ao salão, colocou a máscara e se misturou aos outros mascarados.
E quando Will chegou ao salão ofegante, já era tarde. Ela tinha desaparecido feito fumaça.
****
Blake seguia Guilhermina de perto.
Com o canto dos olhos avistou quando Colin e Madeline se afastaram discretamente. Como dois casais de namorados fugindo para um canto escuro. Mas ele sabia onde eles estavam indo. Estavam indo até o escritório do barão.
Blake procurou o barão e o encontrou conversando com uma moça. Seu lacaio de confiança como um cão de guarda, estava por perto, alerta. Mas onde Belle tinha se metido? Sua parte era distrair o lacaio do barão, enquanto eles roubavam o barão.
Logan estaria esperando com a carruagem, mas infelizmente Blake também não tinha mais visto o escocês. Ele sentiu um tremor de apreensão.
Um cortesão anunciou a todos que faltava pouco para meia-noite. Quando todos tirariam as máscaras. Blake se perguntou onde Jack havia se metido. Deveria encontrar com ele no salão e os dois dariam respaldo a Madeline e Colin, os ajudariam a pegar tudo e sairiam no meio da confusão. Mas ele estava no local combinado e nada de Jack. Deixando a atenção de Guilhermina, ele foi procurar o companheiro.
****
Jack beijava Ana Lúcia. Ela era realmente um achado. Parecia arisca às vezes, mas era só beijá-la para tê-la submissa. Ele acariciou seu seio por cima do vestido, ouvindo-a ofegar. Gostaria de ter mais tempo com ela. Mas infelizmente tinha uma missão.
Que não era só ajudar no roubo. Ele teria que matar o barão. Não contara nada aos comparsas, pois sabia que seriam contra, mas ele tinha que acabar de vez com o barão, só assim poderiam ser livres. E talvez ele pudesse levar a pequena Ana Lúcia com ele. Será que ela aceitaria?
Jack ouviu o burburinho no salão e soube que era a sua hora.
Ele a afastou delicadamente.
Ela o fitou confusa.
— Gostaria muito de permanecer aqui com você, mas o dever me chama.
Ana Lúcia saiu da névoa de sensualidade que a envolvia.
Sim, ela também tinha um dever, mas se esquecera. Porque o bandoleiro a beijara e ela se deixara seduzir. Onde estava com a cabeça? Ela se afastou de seus braços, arrumando as vestes e o cabelo, pensando numa maneira de descobrir quais eram os planos do bandoleiro.
— E posso saber que dever é este? — perguntou tentando soar despreocupada.
Ele sorriu lentamente. Ana Lúcia sentia-se derreter quando ele sorria assim, mas lutou para se manter serena. Tinha que agir como Lúcios e não como Ana Lúcia.
— Eu não posso contar.
— Você é um bandoleiro, não é? E o que estaria fazendo aqui? Seria... um assalto? Ou um... assassinato?
Ele ficou sério.
— Não sei do que está falando.
— Ah... então eu acho que cheguei perto da verdade!
— Acho bom não se intrometer nos meus negócios, doçura — ele falou cortante.
Ana Lúcia se obrigou a ser mais sutil.
— Me desculpa. Não quis parecer indiscreta. Apenas... queria conhecer um pouco mais de você.
Ele pareceu ficar satisfeito com a resposta e a puxou pela cintura.
— É o seguinte, beleza. Eu estou numa missão muito séria essa noite e realmente tenho que ir. Mas... gostaria muito de vê-la novamente, porém eu vou partir para muito longe amanhã.
— Partir para onde?
— Eu posso contar a você, mas não agora — ele a beijou mais uma vez e a soltou —, me encontre no porto do Tâmisa ao amanhecer.
Foram as suas últimas palavras antes de se afastar.
Ana Lúcia foi atrás dele.
****
Guilhermina sabia estar sendo seguida por Blake. O cretino. Ele era como todos os homens. Só queria possuí-la e depois a deixar.
E agora James também a odiava.
Ela estava sem saída, mas ainda lhe restava uma alternativa.
Ela iria entregar os bandoleiros ao barão.
E então reconquistaria a confiança do nobre e poderia sair daquela confusão ainda com alguma coisa.
Depois de algum tempo a seguindo com o olhar, o bandoleiro finalmente desapareceu de vista e ela foi atrás do barão.
— Barão. — Guilhermina tirou a máscara e viu os olhos do nobre se escurecer de raiva.
— O que faz aqui, Lady Guilhermina, pelo o que eu sei não foi convidada.
— Enquanto o senhor me insulta, os bandoleiros estão infiltrados na sua festa.
A moça que acompanhava o barão deu um gritinho colocando a mão na boca, mas eles a ignoraram.
— Do que está falando, milady?
— Eu mesma acabei de me deparar com um deles. Acho que estão atrás de alguma coisa na sua casa. E eles estão acompanhados de sua ex-amante, a Madeline.
Ela viu o barão ficar lívido e fazer um sinal para seu lacaio.
— Sebastian, reúna os guardas. Mande-os imediatamente ao meu escritório, coloque alguém de prontidão. Os bandoleiros estão aqui.
Ele se virou para Guilhermina.
— Acompanhe Sebastian e diga como está vestido o bandoleiro que viu e toda a informação que tiver.
Guilhermina sorriu. Agora ela tinha a atenção do barão.
****
Colin e Madeline estavam no escritório do barão.
— É aqui mesmo? — Colin perguntou ao retirar o quadro.
— Sim. — Madeline sorriu e aproximou-se tocando a parede e a mesma se abriu, revelando uma passagem.
Eles entraram e ali estava guardada toda a fortuna do barão. Barras de ouro, diamantes, moedas de todos os tipos.
— Conseguimos! Passe-me a sacola!
Eles estavam se ocupando e guardar tudo quando os guardas apareceram e os detiveram.
Madeline e Colin se entreolharam, apavorados e viram o barão entrando em seguida.
— Deveria imaginar que iria aprontar comigo, não é Madeline? E quem é este? Seu novo amante?
Ele se aproximou e bateu na cara dela.
— Agora diga onde estão os outros.
— Estamos sozinhos — gritou Colin.
— Eu não acredito em vocês, mas seus amigos não conseguirão escapar. Guardas, levem-nos para a torre.
****
Juliet sabia que Logan estava em apuros e precisava avisá-lo.
Mas como?
Talvez se achasse Lady Katherine...
Estava à procura da moça quando se deparou com seu pai.
— Papai! O que faz aqui? — O conde nem se dignava a usar uma máscara como todos.
— Eu que lhe pergunto. Quais eram as minhas ordens?
— Foi o Will que me trouxe!
— Você e o Will passaram dos limites. E onde está ele?
— Não faço ideia.
— Se prepare para ir embora agora.
— Mas eu...
— Chega, Juliet.
John estava acompanhado de dois guardas de confiança.
— Levem-na para casa. Irei procurar Will.
Esperneando, Juliet foi levada para a carruagem.
****
Belle tentava se esgueirar pelos corredores. Sabia que Will estava atrás dela. O ideal seria sumir daquele baile, mas tinha uma missão. Aliás, já estava na hora de dar início a ela. Procurou FitzRoy com o olhar e quando o viu sentiu algo de estranho no ar. Ele conversava nervosamente com seu lacaio, Sebastian.
— Porque acabei de ver John Cavendish.
— Ele está aqui?
— Sim. Mandou a filha embora e está à procura do filho.
— Ótimo. Então você já sabe o que tem que fazer.
— Barão... acho que não deveríamos fazer isso.
— Não interessa o que pensa.
— Não posso matá-lo.
— Ok, Sebastian, já deveria saber que é um frouxo. Eu mesmo terei que fazer o serviço!
O barão pegou a máscara de Sebastian e colocou nele mesmo, se afastando.
Belle o seguiu. Então o barão iria tentar matar John Cavendish de novo. Ela tinha que impedir.
Seguiu o barão e gelou ao vê-lo interceptar o conde.
Mas antes que pudesse dar um passo, alguém segurou seu braço.
— Onde se meteu?
Ouviu a voz de Jack atrás de si.
— Agora não, Jack.
— Cadê o Blake?
— Não sei.
Preocupou-se ao ver os dois nobres se afastando em direção ao jardim, e os seguiu, deixando Jack falando sozinho.
****
Blake intuiu que alguma coisa estava errada. A movimentação dos guardas era muito estranha. Lembrou que tinha perdido Guilhermina de vista e ainda não encontrara Jack. Melhor era ir para seu posto, ajudar Madeline e Colin.
Mas ao chegar na ala leste onde ficava o escritório do barão, ele sentiu o chão lhe faltar ao ver Madeline e Colin sendo escoltados pela guarda.
O plano tinha falhado.
****
Belle correu para o jardim. Onde será que eles tinham ido?
De repente ela ouviu as vozes alteradas e foi na direção do som, com cuidado para não ser notada. Mas quando finalmente lá chegou, sufocou um grito ao ver o conde caído, mortalmente ferido.
Ela correu para ele, ajoelhando-se ao seu lado.
— Conde? — Ela tentou ajudá-lo, mas o homem agonizava.
Ele focalizou os olhos vítreos nela, tentando falar, mas em poucos segundos, a vida deixou seu corpo.
— Oh Deus! — Belle balbuciou.
Olhando em volta.
Teria sido mesmo o barão?
E quem mais mataria o pai de Will?
— Belle! — Blake aproximou-se correndo, mas parou ao ver o corpo no chão e Belle muito pálida. — O que aconteceu aqui? Quem é este?
— É o Conde de Canterbury, pai do Will... do duque! Acho que o barão o matou. E eu não consegui impedir...
— Precisamos sair daqui imediatamente. Pegaram Madeline e Colin!
— O quê?
— Alguma coisa deu errada. Eles foram pegos.
Belle levantou-se.
— O que faremos agora?
— Temos que fugir.
— E Jack e Logan?
— Não consigo encontrá-los.
— Mas temos que encontrá-los!
— Belle...
— Já perdemos Colin. Não podemos deixá-los aqui!
Eles correram de volta para o salão.
****
O relógio deu 12 badaladas. A música ficou mais alta, quando os convidados começaram a tirar as máscaras.
Will andava pelo salão, dentre os rostos procurava um só. Belle.
Mas ele não a encontrava. De repente ele notou a movimentação dos guardas. Alguma coisa estava errada. Ele interceptou um deles.
— O que está havendo?
— Fomos informados que há bandoleiros aqui. Já pegamos dois. Um homem e uma mulher.
Will sentiu o sangue gelar.
— Ainda há outros. — O homem se afastou.
Will ficou paralisado por um instante. Belle foi pega. Seria presa. Provavelmente morta.
Ele deixaria acontecer?
Não, gritou o instinto. Ele não parou para analisar os sentimentos, mas no momento a única coisa que tinha que fazer era impedir que Belle fosse presa.
****
Jack também percebeu que havia algo errado.
Viu os guardas do barão pelo salão. Teriam sido descobertos? Então ele a viu, Lady Guilhermina estava na companhia do lacaio do barão.
Ela tinha o entregado!
Escondeu-se atrás de uma pilastra quando passaram.
— Conseguimos prender dois, um casal, eles estavam na sala do barão com a boca na botija... — diziam.
Então Jack percebeu que estavam em apuros. Caminhou para longe do grupo.
Onde estariam os outros? Belle correra para fora. Estaria salva? E Blake e Logan? Bem, com certeza elas sabiam se cuidar. Ele tinha que fugir dali.
— Ei você — um guarda o chamou e Jack parou.
Inferno!
— Retire a máscara, senhor — o homem ordenou.
— Pensei que estivéssemos num Baile de Máscara. — Jack se virou.
O homem estava com a espada em punho e Jack avaliou suas chances numa luta.
Rapidamente mais dois guardas se juntaram ao primeiro.
— Senhor, precisamos que retire a máscara e nos acompanhe.
— Ele está comigo.
Jack ouviu uma voz feminina e lá estava Ana Lúcia.
— Algum problema, senhores?
— Milady, precisamos deter todos os homens suspeitos.
— Por que ele seria suspeito? Não sabe com quem estão lidando?
Os guardas ficaram confusos.
Ana Lúcia se aproximou e colocou a mão no ombro de Jack.
— Aposto que o barão ficaria muito insatisfeito por destratar um de seus convidados, o Visconde de Windsor.
— Me desculpe, milady... — O guarda não sabia o que fazer.
— Serei discreta e não relatarei ao barão essa confusão. Agora se nos der licença. — Ela pegou na mão de Jack e se afastaram.
— Posso saber que história é essa? — Jack indagou sem nada entender.
— Acabei de livrá-lo da guilhotina, então fique quieto — ela falou friamente e ele resolveu não contrariar.
Ana Lúcia sabia que ia se maldizer pelo impulso de salvar o bandoleiro mil vezes depois, mas no momento ela não conseguiu se conter. Saíram do baile para a noite escura e Jack a fez parar.
— Por que me defendeu lá dentro?
— Eu não sei — ela respondeu sinceramente.
— Acho que tenho que te agradecer, não é?
Ana Lúcia não pôde responder, pois mais guardas se aproximavam. Jack a puxou para um canto escuro.
— Diabos! Eles estão por toda parte! — Jack reclamou.
— Venha comigo. Eu sei aonde podemos ir.
****
Belle e Blake tentavam passar despercebidos e ao mesmo tempo achar Logan e Jack.
— Talvez eles já tenham fugido — Blake falou.
— Pode ser... olhe, ali está Lady Liliana e a irmã dela.
— O que elas têm a ver com isso?
— Tenho certeza que Logan falou com Katherine essa noite. — Belle aproximou-se das duas mulheres.
— Lady Katherine?
— Sim?
— Preciso saber se viu Logan.
— Meu pai o colocou para fora.
— Agora?
— Não, já faz algum tempo, por quê?
— Nada!
Eles se afastaram.
— Pelo menos dessa Logan se livrou. Agora resta Jack. Se bem o conheço ele deve ter dado o fora no primeiro sinal de confusão.
— Tomara que sim.
— Precisamos sair daqui, Belle, olha o tanto de guarda.
— Ali estão eles!
A voz de Lady Guilhermina se fez ouvir e Blake soltou uma imprecação.
— Corra! — Ele pegou a mão de Belle e os dois precipitaram para fora da casa, com os guardas em seu encalço.
Foram alcançados no jardim. Blake lutou com os guardas. Belle aproveitou e pegou a espada do primeiro caído e foi ajudá-lo.
Com o canto do olho, Belle viu o próprio barão aproximando-se.
— Corra! Fuja! — Blake ordenou.
— Não! Não posso deixá-lo sozinho.
— Droga, Belle, fuja agora!
Belle correu, enquanto Blake continuava lutando com os homens que caíram um a um até que o próprio barão levantou a espada.
— Agora é comigo, bandoleiro.
O som das espadas cortou o ar.
Lady Guilhermina aproximou-se correndo observando a luta feroz.
“Deus, o que tinha feito?”, pensou arrependida.
De repente o barão conseguiu desarmar Blake. O barão avançou, e Guilhermina se pôs na frente.
— Não!
Blake assistiu, horrorizado Guilhermina cair em seus braços, mortalmente atingida.
O barão ficou paralisado no lugar, sem acreditar.
Os guardas apareceram e James também.
— Guilhermina? — gritou.
Blake aproveitou a confusão e correu, conseguindo escapar para fora do castelo.
****
Belle observava tudo de longe. E deu um grito abafado quando viu Lady Guilhermina ser atingida. Blake correu e só então, ela se pôs a fugir também.
Foi quando passou pelo mesmo jardim que estava John Cavendish.
Parou por um instante, lamentando, e sentiu o coração se apertar ao ver Will se aproximando, finalmente vendo o corpo do pai. Ele correu para o corpo, horrorizado.
— Papai? Papai? — Ele levantou o rosto e Belle sentiu lágrimas quentes em seus olhos ao ver seu sofrimento.
Ela queria aproximar-se, dizer que lamentava sua perda. Que gostaria de ter impedido, mas os guardas estavam se aproximando justamente com o barão.
Com uma última olhada, ela correu e desapareceu na noite escura.
****
Will estava chocado, olhava o corpo sem vida do pai ainda sem acreditar.
— Will, eu sinto muito.
Will levantou o olhar para FitzRoy, que desistira de correr atrás dos bandoleiros ao ver que o duque achara o corpo do pai.
— O que aconteceu aqui? — indagou com frieza surpreendente.
— Foram os bandoleiros. Eles o mataram — FitzRoy não hesitou em dizer.
— O quê?
— Eles estavam aqui para me assaltar. Descobri tudo a tempo. Mas conseguiram fugir, e seu pai tentou detê-los e foi morto.
Will encarou o barão com mal disfarçada fúria.
Os bandoleiros tinham matado seu pai.
Os amigos de Belle, ou até ela mesma poderia ter-lhe ceifado a vida.
Uma dor imensa o tomou.
Naquele momento, ele jurou vingança.
Quem tinha matado seu pai, iria pagar.
Capítulo 24
Belle estava péssima. Pela primeira vez na vida, sentia como se não houvesse saída. Olhou para Blake do outro lado da sala. Ele se mantinha em silêncio tenso. A francesa adentrou o recinto e os encarou.
— O que aconteceu?
— Deu tudo errado — Belle respondeu.
— Onde estão os outros?
— Colin e Madeline foram pegos. Não sabemos do Logan e nem de Jack. De alguma maneira o barão descobriu tudo.
— Não. Lady Guilhermina nos delatou. A culpa é toda minha, não deveria ter confiado nela — Blake falou amargo. — E agora ela está morta.
— O Conde de Canterbury também está morto — ela murmurou ainda atordoada.
Deus, só de pensar no olhar de Will quando vira o pai morto ela tinha vontade de chorar.
Mas não podia chorar agora. Tinham serviço a ser feito.
— A questão agora é: como vamos fazer para resgatá-los?
— Do que está falando, Belle?
— Não podemos deixar nossos amigos serem mortos!
— Nós só sabemos de Colin e Madeline.
— Mas vamos descobrir se Logan e Jack também foram pegos.
— Alguém sabe que estão aqui? — a francesa indagou.
— Não. A única que sabia era Lady Guilhermina.
Ouviram um barulho na porta e se colocaram em alerta, e no minuto seguinte Logan apareceu.
— Logan! Achamos que estivesse sido preso — Belle exclamou.
— Esta era a intenção do crápula do Richmond, mas consegui me livrar dos guardas. O que aconteceu?
— Deu tudo errado.
Em poucas palavras Belle relatou a Logan o acontecido da noite.
Ele os fitou gravemente.
— E agora?
— Agora vamos dar um jeito de resgatá-los.
— Belle... — Blake começou a objetar.
— Temos que ir buscá-los.
— É suicídio. Se formos resgatá-los também seremos mortos!
— Eu prefiro morrer a fugir com o rabo entre as pernas e deixar meus amigos entregues ao próprio destino! Se você quiser, pode fugir. Mas eu irei buscá-los com ou sem sua ajuda!
Belle saiu da sala batendo a porta.
Blake e Logan trocaram olhares.
— O que faremos? — Logan indagou.
— Eu não sei, sinceramente eu não sei.
****
Ana Lúcia trancou a porta devagar e respirou aliviada.
Ninguém tinha a visto entrar com Jack.
O bandoleiro a fitou sorrindo.
— Então é aqui que você se esconde...
— Eu não me escondo.
— Você é um bocado difícil de achar... Achei que vivesse no Clube.
— Eu? Claro que não! — Ana Lúcia respondeu ofendida.
Jack levantou a sobrancelha intrigado.
— Não? E o que estava fazendo lá então?
Ana Lúcia pensou rápido.
— Eu... eu... Oras, não é da sua conta! Sinta-se agradecido por eu ter te salvado, deveria estar atrás das grades uma hora destas.
— Por que me salvou? — ele indagou intrigado.
Sim, por quê? Era a pergunta que ela mesma se fazia desde que o tirara da festa.
Deveria estar enlouquecendo, mas não queria que o bandoleiro fosse preso.
— Você faz perguntas demais! — ela falou seca.
— Hum... você tem garras afiadas.
Ana Lúcia teve vontade de rir.
E se ele soubesse quem ela era realmente? Que era Lúcios?
— Bem, você pode ficar aqui por enquanto. Mas amanhã terá que ir embora. Se minha família te descobre aqui... estou perdida!
— Você estava num baile desacompanhada.
— Problema meu. Na verdade... eu fugi para ir ao Baile de Máscaras — mentiu.
— Entendi.. Fugiu também para ir ao Clube?
— Digamos que sim. Agora cale-se antes que alguém escute sua voz.
— Ok, doçura!
Sem o menor pudor, Jack se jogou de costas na cama com os braços atrás da cabeça a fitando.
Ana Lúcia ficou parada no mesmo lugar. E agora?
Jack sorriu e bateu no lugar ao seu lado.
— Venha até aqui, Ana Lúcia.
Ana Lúcia mordeu os lábios com força, num misto de medo e excitação.
Não era certo ele estar ali em seu quarto a fitando com um convite mudo no olhar que a deixava de pernas bambas. Aquele bandoleiro era problema.
E ela estaria perdida se cedesse àquela sedução, por mais tentadora que fosse. Fechou os olhos com força e quando o encarou estava no domínio da situação. Sabia que tinha deixado o bandoleiro beijá-la na festa, mas não podia continuar com isso agora.
Era um jogo muito perigoso.
— Saia da minha cama.
— Como?
— Saia da minha cama agora!
— E quer que eu durma onde?
Em resposta Ana Lúcia foi até o baú e pegou uma coberta jogando no chão.
— Ali — apontou.
Jack sentou na cama a encarando intrigado, como se perguntasse por que ela tinha mudado de ideia. Afinal, ao trazê-lo para casa, provavelmente achava que estava disposta a alguma intimidade com ele.
— Está falando sério? — ele indagou por fim, ainda sem acreditar.
— Sim, estou. Portanto, saia já daí se não quiser que eu te ponha pra fora.
Jack se levantou, mas em vez de se afastar, aproximou-se como um tigre em volta da presa.
— Pois eu não acredito em você — ele falou preguiçosamente, tentando tocá-la, mas Ana Lúcia foi rápida e lhe deu um safanão. — Ficou doida? — Ele massageou o rosto dolorido, surpreso com sua força.
— Toque-me de novo e ficará sem seus preciosos dotes! — Ana Lúcia ameaçou.
E Jack pareceu entender que ela estava falando sério.
Deitou-se no chão e observou Ana Lúcia se deitar na cama ainda vestida.
— Vai dormir vestida?
— Cala boca, Jack.
— Mas...
— O problema é meu, ok? — Ela se virou de costas tentando dormir.
Se é que conseguiria dormir. A cabeça cheia de pensamentos conflitantes e o corpo cheio de um desejo proibido.
Desta vez, ela tinha mesmo se metido numa enrascada.
****
Belle suspirou, com o pensamento longe. Olhou o céu ainda escuro, pensando em como tudo poderia ter dado tão errado.
— Belle?
Ela olhou para trás e viu Blake e Logan.
— Nós iremos buscá-los — Blake respondeu. — Agora só precisamos de um plano.
Horas depois ainda estavam discutindo um plano que pudesse dar certo, para resgatar Madeline e Colin.
Pensou em Jack e se perguntou onde ele tinha se metido. Era bem a cara de Jack ter fugido e largado todos ali.
— A morte do Conde de Canterbury dificulta tudo. Estão nos culpando — dizia Blake.
— Eles não têm prova — Logan objetou.
— Mas é a palavra do barão contra nós — Belle falou amarga.
— Tem certeza que foi o barão que matou o conde?
— Quem mais o faria? Não tenho provas, mas só pode ter sido ele!
— O duque jamais acreditaria — Logan continuou e Belle fechou a cara.
Não queria falar do duque.
Não queria nem ao menos lembrar que ele existia. Quanto menos se lembrar do que tinha acontecido no baile.
Ela fora uma tola.
Como pudera ser tão fraca? Fora um erro terrível se entregar ao duque.
Agora ele a odiava e achava que ela e os amigos eram responsáveis pela morte de seu pai.
Se ele ao menos soubesse...
Soubesse o quê? Que ela já salvara a vida do pai dele antes, mas não fora capaz de salvar agora? Do que adiantaria? Ela era uma bandoleira procurada pela guarda real.
E ele um nobre. Suas vidas jamais voltariam a se cruzar. Mas como esquecer? Como apagar de sua mente, de seu corpo e, por Deus, de seu coração, os momentos que tinha passado com ele?
— Belle? Belle?
Ela voltou à realidade com a voz de Blake.
— O quê?
— Você está distraída! Eu falei que Logan irá sair, já que de nós era o único que não estava no baile na hora do assalto e irá tentar descobrir o que está acontecendo.
— E como pretende descobrir?
— Eu irei mandar uma mensagem à irmã do duque.
— Juliet Cavendish? Ficou maluco?
— Não. Eu conheço Juliet há muito tempo, é uma longa história.
— Acha que ela não irá te delatar?
— Não, ela não o fará.
— Foi ela quem gritou quando foi me buscar na casa do duque.
— Ela não o fará desta vez, confie em mim.
— Espero que tenha razão. Essa é nossa única chance — Blake falou soturno.
****
Juliet olhou o caixão de seu pai descer e soltou um soluço abafado. Tudo tinha virado de cabeça para baixo desde a noite anterior.
Ela estava com raiva. Porque ele não a deixara ficar no baile. Poderia se sentir mais culpada? Quando Will chegara em casa e contara que o pai estava morto, Juliet desacreditou, mas era verdade. Agora eram só ela e Will.
Descansou o olhar no irmão ao seu lado. Will tinha o semblante esculpido em granito.
E Juliet sabia que ele não descansaria até pegar quem matou John Cavendish.
Mas será mesmo que foram os bandoleiros? Juliet custava a acreditar que Logan e seus amigos fossem autores de ato tão vil.
Mas Will estava convencido da culpa deles. E jurara vingança.
Uma agitação mais à frente se fez ouvir e Juliet viu o barão e seu séquito se aproximando.
O serviço fúnebre acabou e todos passaram por ela e Will para prestarem condolências.
O barão aproximou-se.
— Eu sinto por essa perda. O conde era um homem admirável — ele falava alto o bastante para que todos ouvissem. — Podem contar com a minha ajuda.
— Não precisamos de nada, barão — Will respondeu friamente.
— Talvez seja um pouco cedo para dizer que não precisará.
Com essas palavras enigmáticas o barão se afastou com seu séquito.
Juliet observou o barão se afastando. Ele a fitou novamente e Juliet sentiu uma tontura súbita. No momento seguinte tudo se escureceu e ela perdeu os sentidos.
****
Ana Lúcia saiu do quarto fechando a porta lentamente, andando na ponta dos pés para não fazer barulho, mas foi acabar de encostar a porta e sua mãe surgiu no corredor.
— Onde se meteu ontem?
— Mãe, não grita! Quer me matar de susto?
— Quero saber onde se meteu ontem à noite!
— Ela estava comigo, mama.
Mário apareceu, salvando Ana Lúcia.
— Fomos fazer um serviço.
— Sei... — A mãe não parecia muito convencida. — Os dois me parecem muito estranhos.
— A senhora está imaginando coisas... — Mário desconversou.
— Vocês escaparam por ora!
Carmem se afastou e Mário fitou Ana Lúcia.
— E aí, como foi o baile?
— Se eu te contar não acredita! Vem comigo.
Minutos depois, Ana Lúcia tinha acabado de contar toda a história a Mário. Sem contar os beijos de Jack, claro.
— Quer dizer que você trouxe um bandoleiro para dentro de casa? Ficou maluca?
— Fala baixo!
— Se mamãe descobre, pior, se a guarda nacional descobre que o oficial Lúcios está acobertando um bandido que deveria prender...
— Eu sei que estou ferrada!
— Então por que este disparate?
Ana Lúcia suspirou.
— Eu não sei. Já me fiz essa pergunta milhares de vezes.
— Está apaixonada por ele?
— Claro que não! Que pergunta idiota!
— Então por que ele está aqui e não na torre?
— Eu não sei... é só que... eu sei o que eu deveria fazer, mas não consigo.
— Está encrencada, Ana Lúcia. O que vai fazer? Entregá-lo ao duque?
— Eu não sei... Por enquanto eu não sei.
****
— A senhorita está grávida.
— O quê? — Juliet balbuciou em choque.
— Está grávida, Lady Juliet.
Juliet sentiu o sangue se esvair do rosto.
— Não pode ser... — murmurou em choque, mas ela sabia que podia.
O médico a fitou compadecido.
— Eu posso ajudá-la em algo?
— Não conte para meu irmão, eu imploro.
— Tudo bem, milady.
O médico saiu do quarto fechando a porta e Juliet recostou-se nos travesseiros, desolada.
E agora, o que faria?
Juliet desceu as escadas totalmente pálida.
— Onde está meu irmão? — perguntou fracamente ao criado.
— Ainda está com o barão, mas tem uma moça o aguardando na saleta.
— Quem?
— Ela disse se chamar Natasha.
— Não conheço nenhuma Natasha. Vou subir para meu quarto. Não quero ser incomodada.
— Chegou essa carta para a senhora — Juliet pegou a missiva e arregalou os olhos ao ver o que continha no bilhete.
Logan estava marcando um encontro com ela!
Ela mal podia acreditar na sua sorte. Tudo não estava perdido.
Colocou o casaco e saiu para a rua, ignorando as perguntas do criado.
Mas ao passar pelos portões, viu uma carruagem chegando ao mesmo tempo que sentiu uma tontura súbita e se segurou nos altos muros que circundava sua casa, rezando para que aquele enjoo passasse logo.
— Milady Juliet, a senhorita está bem?
Juliet levantou os olhos e viu que a recém-chegada era ninguém menos que Katherine Richmond.
Ela se empertigou.
— Sim, estou — respondeu rapidamente.
— Tem certeza? Está tão pálida...
— Sim, eu tenho, agora se me der licença, estou de saída.
— Mas eu preciso falar com a senhorita.
— Me desculpe... — Juliet tentou se afastar, mas Katherine segurou seu braço. — Por favor, Juliet, preciso saber. Você sabe como encontrar Logan?
Juliet franziu a testa e então se lembrou. Logan estava no baile ontem a procura de Lady Katherine. O que será que tinha acontecido?
— Eu não...
Ela ia responder que não sabia onde encontrá-lo, mas calou-se de repente. E agora? Deveria contar à dama que estava justamente indo se encontrar com o escocês?
— Por favor, milady, eu... meu pai o colocou para fora do baile ontem, antes de começar toda aquela confusão... e eu... temo que esteja em perigo.
— Por que ele é um bandoleiro?
— Milady sabe?
— Sim, afinal fui assaltada por ele.
Katherine a encarou confusa e Juliet fez um gesto de descaso.
— Ah deixa pra lá...
— Então você sabe onde ele está?
Juliet suspirou. Lady Katherine parecia mesmo bastante desesperada.
— Sim, eu sei — confessou. — Na verdade estava indo me encontrar com ele agora.
— Por quê?
— Eu não sei. Mas podemos ir juntas e descobrir.
Quando chegaram no local combinado, o parque da cidade, Logan viu Katherine com Juliet e ficou surpreso.
— Katherine? O que faz aqui?
— Eu sinto muito, Logan, por tudo o que aconteceu ontem, eu... não deveria ter deixado meu pai colocá-lo para fora, mas precisava muito falar com você, por isso fui a casa de Milady Juliet, pois achei que ela soubesse onde encontrá-lo.
Só então Logan olhou para Juliet mais atentamente e reparou em como ela parecia diferente... Não estava com seu sorriso coquete habitual, muito pelo contrário, a palidez de sua fronte era assustadora.
— Você está bem?
Ela se recompôs.
— Sim, estou ótima. — Sorriu, mas Logan reparou que o sorriso não chegou aos olhos. — Enfim, me enviou este bilhete, deduzi que era algo urgente. Espero que não tenha problema por ter trazido Lady Katherine.
Logan pareceu confuso por um momento.
— Eu deixarei você conversar com Milady Juliet primeiro. — Katherine se afastou e Logan olhou para Juliet.
— Não sei se foi uma boa ideia revelar para ela que estava aqui — falou preocupado.
Juliet deu de ombros. Nem ela mesma sabia o que estava fazendo.
— Ela me pareceu desesperada...
— E como sempre não pensou muito antes de agir.
— Não, mas achei muito bom receber seu bilhete, também precisava falar com você.
— Eu sinto muito por seu pai, espero que não pense que tenhamos algo a ver com isso.
— Não, eu não acho, mas meu irmão sim.
— Eu sei. Mas, acredite, não fomos nós.
— Eu acredito, mas devem saber, que como bandoleiros, a culpa recairia sobre vocês.
— O que mais você sabe?
— Não muita coisa. Meu irmão estava com o barão hoje, mas não sei o que falavam.
— O barão é ardiloso. Preciso que me diga tudo o que descobrir sobre este caso, poderia me ajudar? Meus amigos estão presos por um crime que não cometeram e precisamos tirá-los de lá.
— Eu não sei como posso fazer isso.
— Apenas fique atenta a tudo. Amanhã a encontrarei aqui no mesmo lugar. Vai me ajudar?
— Sim, ajudarei — Juliet concordou.
— Muito obrigado. O que tinha para falar comigo?
Juliet suspirou e olhou para Lady Katherine, que estava perto dali. Certamente se perguntando o que Juliet tinha a ver com Logan.
— Não é nada. Amanhã nos falamos. Acho que Lady Katherine está meio impaciente e meu irmão pode dar por minha falta! Até amanhã, Irmão Logan!
Juliet se afastou quase correndo e Katherine se aproximou.
— O que aconteceu? — indagou a Logan.
— Nada.
— O que tinha para falar com Juliet? Ela me falou que você a assaltou! Achei que tinham se conhecido no convento.
— Sim, nos conhecemos e por um acaso do destino meu bando a assaltou.
— Entendi... — Katherine o fitou pensativa. — O que há entre você e essa moça, Logan? — perguntou de repente.
— Não há nada.
— É que às vezes me parece... Eu não sei.
Ele segurou seus ombros.
— Não há nada entre mim e Lady Juliet, Katherine, acredite — mentiu.
— Não que eu ache que você viva como um monge! — Ela sorriu nervosamente. — Mas Milady Juliet é de uma família importante e é bem avoada às vezes, se envolver com ela seria...
— Acho que não está aqui para falar de Juliet, está?
— Não.
— O que veio fazer aqui Katherine?
Ela segurou as suas mãos e o fitou.
— Eu vim dizer que aceito fugir com você.
Logan arregalou os olhos surpreso.
— Você tem certeza?
Ela sorriu nervosa.
— Sim, eu tenho. Vamos pegar o primeiro navio amanhã. Para qualquer lugar, contanto que seja bem longe daqui!
Ela o abraçou e Logan a segurou junto a si, sentindo um dilema a assolá-lo.
Esperara por isto a vida inteira. Que Katherine jogasse tudo para o alto e fosse embora com ele, mas agora ele estava comprometido com os bandoleiros.
O que fazer?
E por que estava pensando no semblante preocupado de Lady Juliet?
****
— O que veio fazer aqui — Will disse já cansado da ladainha sem sentido que o barão destilava desde que chegara ali.
— Prestar minhas condolências.
— O senhor não era amigo do meu pai.
O barão sorriu com frieza.
— Não ultimamente, mas sabe que fomos no passado. Infelizmente John não concordava com algumas de minhas manobras políticas.
— Eu também não concordo.
— Eu quero apenas ajudá-lo, Will.
— Já falei que não preciso de sua ajuda.
— Eu sei que quer pegar os bandoleiros que mataram seu pai. Este também é meu desejo.
— Sim, eu irei pegá-los. Agora se me der licença, eu preciso ir ver como está minha irmã, ela passou mal hoje no enterro.
— Sim, Lady Juliet é uma flor delicada, mas creio que ainda temos mais um assunto para tratarmos.
— Eu acho que não.
FitzRoy pegou um pergaminho e entregou a Will.
— O que é isso?
— É o testamento de seu pai.
— Por que estaria com ele?
— Eu sou o avalista.
— Não pode ser!
— Sim, eu sou. Tratamos desse testamento há muito tempo, vocês ainda eram crianças.
Will abriu o testamento e começou a ler.
Que diabos estava escrito ali?
Ele encarou o barão.
— O que significa? — perguntou colérico.
— Significa que ao menos que se case, toda sua fortuna irá ser transferida para mim. Foi seu pai quem colocou esta cláusula.
— Meu pai não faria isso.
— Fez sim. Pode mandar avaliar, esta é a letra dele. Tínhamos testemunhas. Então, Will, ou você se casa ou perderá sua herança.
Capítulo 25
Will sentiu a descrença dar lugar a fúria ao analisar o testamento. Sim, seu pai realmente tinha acrescentado aquela cláusula ao documento.
— Como pode ver, Will, é tudo legítimo.
— E se eu não me casar?
— Como disse, tudo passará para mim. No entanto creio que para um duque da sua estirpe não será difícil arranjar uma noiva.
— Não tenho a menor intenção de me casar.
— Ah, sim, esqueci que acabou de sair de uma desilusão amorosa. Lady Liliana se casou com um estrangeiro na sua ausência, não é?
Will se controlou para não esmurrar a cara cínica do barão.
— Sim — respondeu laconicamente.
— Bem, o prazo de uma semana para se casar, do contrário, a herança mudará de mãos.
— Meu pai deveria ter mudado este testamento!
— Este testamento é antigo, data de muitos anos. Infelizmente seu pai e eu entramos em desavença nos últimos tempos.
— Ele não concordava com suas ideias políticas.
— Sim, mas podemos mudar isso, Will. Sempre há uma maneira de arrumar as coisas.
— O que quer dizer?
— Se garantir seu apoio a minha causa lhe darei a mão de minha filha Claire.
Will o fitou incrédulo.
Fitou o homem seriamente por alguns instantes.
Não, ele não estava brincando.
— Está usando sua filha como barganha?
O nobre deu de ombros.
— Estou lhe oferecendo uma solução.
— Está fora de questão.
— Como queira. — O barão se afastou até a porta. — Boa sorte em arranjar uma noiva. Porém, lhe darei tempo para pensar. Uma semana, Will.
Com essas palavras ele partiu.
Will esmurrou a mesa. Uma raiva cega o dominava.
Não pensava em se casar depois da desilusão com Lady Liliana.
Mas também não poderia deixar a fortuna de sua família ir parar na mão daquele crápula.
Ele saiu da sala intempestivamente.
— Olá, Will.
Ele olhou e viu Natasha lhe sorrir.
— Natasha? O que faz aqui? — indagou surpreso.
— Fiquei sabendo da morte de seu pai. Vim dar meus pêsames. — Mãos enluvadas seguraram seu braço. — Sinto muito, Will...
Ele retirou a mão da moça.
— Estou muito ocupado no momento, Natasha, por favor, agora não é a melhor hora para uma visita.
— Oh. Lamento. Que falta de tato a minha. — Ela sorriu ainda mais sedutoramente e colocou o chapéu, mas antes de ir aproximou-se, seu corpo quase roçando no dele.
— Eu só queria que soubesse que pode contar comigo, Will. Para qualquer coisa... — Ela deixou as palavras pairando no ar e saiu da sala.
Mas Will já não prestava atenção. Sua mente estava cheia de outros problemas.
— Onde está minha irmã? — indagou a um criado.
— Saiu, senhor.
Will se preocupou. Só esperava que Juliet não estivesse metida em confusão. Mas infelizmente agora não poderia ir atrás dela.
Will conversou com vários lordes naquela tarde, buscando uma saída, mas todos foram unânimes em dizer que não havia maneira de impugnar o testamento. A não ser que falasse com o rei. Mas o rei estava fora da cidade no momento, preocupado com a crescente ameaça puritana a seu reinado.
Ou ele seguia as regras ou perderia tudo para o ardiloso Barão de Wessex.
Mas o que seu pai estava pensando quando fez tamanha barbaridade? Agora não teria mais como perguntar, pensou cheio de dor.
De repente lhe veio à mente os olhos da bandoleira. Ela o fitara com pesar quando a vira pela última vez, quando encontrara seu pai morto.
Pesar por seus amigos terem o matado?
Will estava cheio de um ódio cego. Precisava pôr as mãos nos malditos bandoleiros.
E tirar de uma vez Belle da cabeça. Ela era uma fora da lei. Uma mentirosa. Provavelmente combinara com os amigos de distraí-lo enquanto eles assaltavam e pilhavam a casa do barão.
Então por que não esquecia a maciez de sua pele debaixo da sua?
Ela era como um veneno, que adentrara em seu sangue. Uma obsessão.
Mas tinha que esquecer.
Começaria caçando os bandoleiros.
****
Ana Lúcia tentava despistar a mãe, a toda hora olhando para as escadas. Esperava que o bandoleiro permanecesse quieto e não denunciasse a sua presença.
— Mamãe, estou muito cansada, vou voltar para meu quarto.
— Não vai trabalhar?
— Mais tarde.
Ana Lúcia ia subindo as escadas quando Mário aproximou-se.
— Tem visitas, ou melhor, Lúcios tem visitas.
— O quê?
— O Duque de Buckingham está se aproximando.
— Inferno! Por favor, vá distrair a mamãe. Preciso me trocar.
— E o bandoleiro?
— Eu não sei!
— Bom dia, Lúcios.
Will entrou na casa quando Ana Lúcia, ou melhor, Lúcios abriu a porta.
— Bom dia, duque. Em que posso ser útil?
— Não o vi no baile ontem.
— Oh... mas eu estava lá. Grande confusão aquela não?
— Sim, infelizmente conseguimos apenas prender dois dos bandoleiros. Mas existem outros por aí.
Ana Lúcia sentiu o rosto queimar.
— Sim, eu sei.
— Eles mataram meu pai e terão que pagar. Posso continuar contando com sua ajudar para pegá-los?
Ana Lúcia prendeu a respiração.
E agora? Deveria dizer que estava com um dos bandoleiros ali, a sua mercê?
— Sim, pode deixar. Vou continuar investigando — ela se pegou dizendo, apesar de tudo.
— Obrigado, Lúcios.
O duque saiu da casa e Ana Lúcia bateu a porta.
Mas o que dera nela? Escondera o bandoleiro do duque.
Agora ela estava realmente perdida.
Jack estava no quarto de Ana Lúcia se perguntando qual era a daquela misteriosa moça. Por que ela aparecia um dia num Clube de má reputação e no outro toda pudica?
Ela era um enigma para ele.
Ele sorriu lentamente, mas ele gostava de enigmas.
E iria decifrá-la.
E seduzi-la, claro.
Fazia tempo que uma mulher não lhe despertava o interesse daquela maneira. Porém, ele também estava preocupado com o que tinha acontecido com os companheiros no baile. Teriam sido todos presos? Ou teriam conseguido fugir?
Ele olhou pela janela e então paralisou. Um homem bastante conhecido se afastava da casa.
Mas o que o Duque de Buckingham estava fazendo ali?
Será que Ana Lúcia havia o entregado?
A pequena traidora! Jack pensou com raiva.
Tinha que fugir dali o mais rápido possível.
Pulou pela janela e se escondeu atrás de um arbusto para se certificar que não havia nenhum guarda ali, vendo o lugar livre, ele correu.
Ana Lúcia estava indo tirar as roupas de Lúcios quando Mário apareceu esbaforido.
— Ele fugiu.
— O quê?
— O seu bandoleiro fugiu!
— Diabos!
Ana Lúcia correu para fora sem pensar duas vezes.
E não demorou a ver Jack.
— Parado aí! — Ana Lúcia encostou a espada em suas costas.
Jack virou-se e franziu o cenho ao ver Lúcios.
— Ah, você!
— Sim, eu!
Ana Lúcia não sabia o que ia fazer.
Prendê-lo? Deixá-lo fugir?
Mas antes que pudesse esboçar qualquer reação, Jack virou-se lhe desferindo um golpe na espada, desarmando-a. No minuto seguinte, tentou dar-lhe um soco, mas Ana Lúcia foi mais rápida e se defendeu a tempo.
Jack queria luta e partiu pra cima.
Eles se engalfinharam numa luta feroz e em algum lugar na mente de Ana Lúcia ela pensava no que ele faria se soubesse quem realmente era. Mas não interessava agora.
Ele odiava Lúcios e Ana Lúcia não deixaria ele ganhar essa.
Partiu para Jack com a mesma fúria.
Avistou a espada e a pegou desferido um golpe no braço de Jack, que jorrou sangue.
Ele a encarou entre surpreso e furioso e Ana Lúcia teve um princípio de arrependimento.
— Vou matá-lo por isso! — Foram as palavras de Jack antes de avançar para cima dela.
Mas na rua soou um apito. A guarda real estava se aproximando.
E Jack não pensou duas vezes antes de correr e fugir.
Ana Lúcia pensou que tinha que correr atrás dele.
Mas não o fez.
— Algum problema oficial? — perguntou um guarda.
— Não. Era apenas um gatuno das ruas. O que fazem aqui?
— Estamos caçando os bandoleiros. O barão está oferecendo uma grande recompensa para quem entregá-los.
Ana Lúcia não respondeu.
Quando chegou em casa tudo o que precisava era de um banho.
Se enfiou na banheira e pensou que era bem feito por ser tão estúpida.
Ficara sem o prisioneiro.
O pior não era isso.
O pior era estar mal porque Jack fugira sem ao menos se despedir.
Como se ela não significasse nada.
Ana Lúcia sacudiu a cabeça, com raiva de si mesma e saiu da banheira se enrolando num lençol branco.
Então ouviu um barulho na janela e se virou assustada para ver Jack adentrando no quarto.
— Você!
Ele sorriu.
— Parece surpresa em me ver, doçura. — Ele sorriu e a mirou de cima a baixo com um olhar de interesse. — Acho que cheguei em boa hora...
— O que faz aqui? — Ana Lúcia indagou friamente.
Ele deu de ombros.
— Oras, achei que tivesse me escondendo aqui.
— Então aonde estava? Achei que tinha dado o fora.
— Eu pensei em fazer mesmo... quando vi o Duque de Buckingham.
— Você o viu?
— Sim, e o que mais ele estaria fazendo aqui a não ser que pretendesse me entregar e engordar seu bolso com a recompensa?
— Achou que eu fosse capaz disso?
— Eu não sei. Fico me perguntando por que uma moça como você me escondeu aqui, antes achava que era... bem, que estávamos nos entendendo...
Ana Lúcia desviou o olhar vermelha e Jack continuou.
— Quando vi o duque... tive certeza que tinha caído numa cilada.
— Eu não ia te entregar.
— O que o duque estava fazendo aqui?
Ana Lúcia pensou rápido.
— Não sei... deve ter algum negócio com meu irmão... Nada a ver comigo.
— O que seu irmão teria com o duque?
— Oras, e eu sei? Eu... nem conhecia esse duque!
Só então ela reparou que Jack estava meio pálido e que o braço sangrava.
— Você está machucado.
Ele fez uma careta.
— Pois é, um guardinha idiota me acertou.
Ana Lúcia mordeu os lábios, louca para responder àquela afronta, mas se calou e respirou fundo.
— Eu vou pegar algumas coisas para fazer um curativo.
Ela voltou minutos depois e aproximou-se.
— Deixa eu ver isto.
Ele tirou a camisa e Ana Lúcia lutou contra a vontade de deslizar os dedos pela pele morena, concentrando-se em limpar a ferida do braço e fazer um curativo.
Ela ia se afastar quando acabou, mas Jack a surpreendeu segurando sua mão.
Ana Lúcia o fitou confusa.
— Me desculpa por ter te acusado.
Ela sacudiu a cabeça tentando soltar a mão.
— Eu...
— Por que está me mantendo aqui, Ana Lúcia? — ele perguntou suavemente.
Ana Lúcia abriu a boca para responder, mas nenhum som saiu.
Os rostos estavam muito próximos e ela podia sentir o hálito quente de Jack em sua face, e quanto ele se aproximou ainda mais e a beijou ela entreabriu os lábios com um suspiro de rendição.
As mãos dele desceram para envolvê-la e trazê-la para mais perto, aprofundando o beijo.
Ana Lúcia não soube dizer quando nem como, mas quando se deu conta estava deitada em sua cama com o corpo firme do bandoleiro em cima do seu. As mãos masculinas a livraram do lençol que a cobria e Ana Lúcia arfou, perdida.
A razão tinha a abandonado e agora só existia o desejo urgente que a consumia. A boca que deslizava sobre seu colo, até os seios túrgidos, que ele envolveu com a língua e os lábios, causando uma explosão de sensações vibrantes que a percorreu por inteiro.
E quando Jack também se despiu e posicionou-se entre suas coxas, Ana Lúcia soube que não havia mais alternativa a não ser consumir-se naquele fogo que se acendera em seu interior e abraçou-se a ele, sentindo a masculinidade pulsante a invadindo até não restar nada entre seus corpos ardentes.
****
A noite caía quando Will entrou no Clube.
Não sabia bem o que fora buscar ali, mas não queria ir para casa.
O peso dos seus problemas o oprimia.
O ambiente enfumaçado o dominou e ele pediu uma bebida.
Ao longe Natasha o avistou e sorriu aproximando-se.
— Olá, Sua Graça.
Will a fitou enquanto ela sentava perto dele.
— Não me parece nada bem.
Will soltou uma risada amarga.
— Não estou num bom dia.
Ela se aproximou mais e pegou sua mão, colocando sobre seu peito.
— Eu posso ajudá-lo a esquecer — falou sedutoramente.
Will a fitou confuso.
Aquela cortesã sedutora seria mesmo capaz de fazê-lo esquecer?
Ele duvidava. Tomou mais um gole de sua bebida.
Mas Natasha era insistente e deslizou os lábios por seu rosto, até capturar sua boca.
Will a beijou.
Ela tinha gosto de vinho e seu perfume enjoativo impregnou sua narina.
Porém, enquanto estava ali, naquele Clube luxuoso, com a mais bela cortesã se oferecendo a ele, Will não conseguia pensar em outra coisa a não ser em como tinha sido tolo em se deixar envolver na armadilha de outra mulher, tão perigosa quanto aquela profissional.
Com cuidado, se desvencilhou de Natasha.
— Me desculpe, mas acho que hoje não seria boa companhia.
Ele se levantou e saiu do Clube para a escuridão da noite.
De nada adiantara estar ali.
Natasha era linda e já deixara claro muitas vezes que estava disponível, mas...
De repente uma ideia passou por sua cabeça.
E se ele se casasse com Natasha?
Ela era uma profissional e não esperaria nada dele a não ser dinheiro.
E ele poderia lhe dar muito e depois se livrar dela quando conseguisse reaver sua herança.
E não precisaria aceitar a proposta de FitzRoy que queria praticamente lhe vender a jovem filha.
Parecia a única saída, mas Will não se sentia bem em usar a cortesã.
****
Blake e Belle discutiam a melhor maneira de entrar na torre e resgatar Madeline e Colin.
— É muito perigoso, Belle — Blake dizia.
— Não tem outra maneira. É tudo ou nada. Você ouviu Logan. Eles vão leva-los a guilhotina ainda essa semana. O barão exige!
— Se agirmos sem pensar, nós também seremos pegos e do que vai adiantar?
Belle se exasperou e olhou para Logan, que permanecia estranhamente quieto.
— Logan, fala para ele que não temos outra saída... Logan?
— Sim? — ele respondeu distraído.
— O que há com você? Desde que voltou está esquisito.
Ele suspirou e levantou-se encarando os dois.
— Eu não vou com vocês.
— Do que está falando? — Belle indagou sem entender.
— Eu vou fugir com Katherine ao amanhecer. Eu sinto muito. Queria realmente ajudá-los, mas... Venho esperando Katherine se decidir há muitos anos.
— Você vai nos deixar? — Belle perguntou.
— Eu sinto muito, Belle. Eu estava num dilema muito difícil, mas me decidi. Partirei ao amanhecer.
— Achei que estivesse com a gente! — Belle reclamou.
— Não podemos obrigá-lo a embarcar nessa, Belle — Blake falou —, você pode ir, Logan.
Belle o fitou pesarosa.
— Blake tem razão. Para onde vai?
— Primeiro para a Escócia. Eu tenho terras lá. Está no momento administrada por um primo, mas não poderei ficar, porque o pai de Katherine sabe onde estou. De lá pretendo ir para a América. E por favor, assim que conseguirem resgatar Colin, ou mesmo que não consigam, serão bem-vindos na minha terra. Poderão ficar por lá, até decidirem o que fazer.
— Você é senhor de terra na Escócia? — Belle não escondeu a surpresa.
Logan sorriu.
— É o Castelo MacAlister. Já foi mais próspero, mas muitos conflitos com a coroa inglesa tirou-lhe a grandeza. Meu sobrenome não é MacAlister porque minha mãe se casou com um inglês. Porém, ele morreu e ela voltou para a família. Meu avô me deixou o castelo e eu fui criado lá.
— Sua mãe ainda é viva?
— Não, ela padeceu há alguns anos. Eu cheguei a lutar contra a coroa com os rebeldes escoceses, por isso que Richmond me odeia. Quando me apaixonei por Katherine deixei tudo e vim atrás dela, mas ela não teve coragem de partir comigo, temia o pai. Então eu entrei na ordem dos franciscanos, e depois encontrei vocês.
— Espero que seja feliz agora. — Belle o abraçou, se despedindo.
— Desejo boa sorte a vocês.
****
Juliet caminhou sem destino a tarde inteira até cair a noite.
Ela não havia ido embora depois de se despedir de Lady Katherine e Logan. Ela ficara e escutara a conversa. E agora ela sabia que eles fugiriam juntos.
E o que ela poderia fazer? Estava grávida e Logan iria fugir com seu antigo amor, a deixando para trás.
E como ela poderia contar ao irmão que estava grávida?
De repente uma ideia lhe ocorreu.
Ela estava resoluta quando chegou a casa dos Holt.
O criado a recebeu educadamente e lhe disse que o senhor estava no jardim.
Juliet foi até lá e encontrou James.
— James?
Ele a fitou surpreso. Tinha o rosto abatido. Também, pudera, acabara de perder a irmã.
— O que faz aqui, Milady Juliet?
— Preciso conversar com você.
— Não sabia que tínhamos algum assunto.
— Você ainda aceitaria se casar comigo? — Juliet indagou. Era sua única saída.
Ele a fitou com o semblante triste.
— Não, milady. Eu estou saindo da cidade. Irei para um mosteiro ao norte.
— Oh... que irônico — Juliet comentou, lembrando-se que conhecera Logan num mosteiro.
— O que é engraçado, milady?
— Nada... deixa pra lá. Na verdade, eu nem deveria ter vindo aqui. Perdoe-me. E condolências por sua perda. Adeus, James — falou se virando para partir, tentando não chorar.
— Espere, Lady Juliet. O que aconteceu? Por que está tão desesperada?
Juliet respirou fundo e contou tudo a James.
****
Logan esperou Katherine até o amanhecer.
Mas ela não apareceu.
Será que tinha desistido?
Rumou até sua residência sem se importar com o que podia acontecer.
Esperou, à espreita, por horas, até que Richmond saísse pelos portões. Então conseguiu entrar, ignorando os pedidos dos criados.
— Logan! — Katherine exclamou surpresa ao vê-lo.
— Ia me deixar esperando até que horas?
— Me desculpe. Eu não posso fazer isso. Pensei melhor e... seria um erro. Fui movida por um impulso.
— Você concordou em fugir comigo, Katherine!
— Você está vivendo num passado que não existe mais. Eu fiquei tentada ontem, também movida por isso, por este velho sentimento, mas ao pensar melhor, percebi que era um erro. Eu realmente amo meu marido e estou partindo para a Irlanda. Por favor, vá embora.
Logan não podia acreditar. Esperara a vida inteira por aquele momento e agora estava tudo perdido.
Decepcionado mais uma vez, ele saiu da casa dos Richmond sem rumo.
E o que faria agora?
Não iria mais lutar. Iria voltar para a Escócia e retomar sua vida lá.
Mas antes, ele iria se despedir de Lady Juliet.
****
— O quê? — Will olhou para James e Juliet a sua frente, estupefato.
— Você ouviu, Will. Eu e James nos casamos.
— Juliet, até ontem você odiava a ideia de se casar com ele e agora me diz que se casaram escondido?
James deu um passo à frente.
— Eu sinto muito, Will, sei que devíamos ter esperado, mas devido as circunstâncias da morte do seu pai...
— Sim, devia ter esperado!
— Will, chega. Não era o que queriam? Não era essa a vontade do papai? Então pronto. Eu me casei. James e eu partiremos para o campo ainda hoje.
Will olhou de um para o outro. Realmente não entendia.
Juliet nunca parecera gostar de James. Pelo contrário.
Mas coisas estranhas vinham acontecendo ultimamente.
Talvez a morte de Lady Guilhermina e a morte do conde tenham aproximado os dois.
— Tudo bem. O que está feito, está feito. Tem a minha benção.
Todos concordaram com a cabeça, mas ninguém sorriu.
Naquela tarde, Juliet entrou na carruagem e partiu com James Holt.
— Está bem, Lady Juliet? — James indagou.
Ela sorriu tristemente.
— Acho que ficarei. Nunca poderia agradecer pelo que está fazendo.
— Não agradeça.
— Eu tenho que agradecer sim. Está se casando comigo, um casamento apenas no papel para me salvar. Nunca mesmo poderei agradecer.
— Eu jamais me casaria mesmo. Depois de Guilhermina...
— Eu sinto muito.
— Não sinta.
Ela deitou a cabeça em seu ombro e segurou sua mão.
James Holt não era um chato. Era apenas um homem atormentado por um amor impossível. E que agora estava salvando sua vida.
No final, ele poderia ser um grande amigo.
****
Logan aproximou-se da casa de Juliet a tempo de ver a carruagem se distanciando.
Chamou um cavalariço.
— Poderia chamar Lady Juliet.
— Ela acabou de partir, senhor.
— Partiu?
— Sim, ela se casou com Lorde James Holt e partiram para o interior.
Logan olhou de novo para a carruagem se distanciando.
Então Juliet tinha se casado? Por essa ele não esperava.
Mas Juliet era uma incógnita.
Ele sorriu tristemente. Sentiria falta dela, só se dava conta naquele momento, mas talvez fosse melhor assim.
Ele subiu no cavalo e partiu a galope. A Escócia o esperava.
Iria voltar pra casa.
****
Will viu a carruagem de sua irmã se afastando e chamou um empregado.
— Quero que envie uma missiva a FitzRoy, Barão de Wessex.
Will estava aliviado de afastar Juliet daquele momento difícil. Nem que para tanto tivesse que concordar com aquele casamento.
Ele sabia que mais dia menos dia, Juliet poderia se meter em confusão maior. E agora seu pai não estava mais ali.
Will sentiu uma dor no peito, mas ignorou.
****
O Barão de Wessex amassou a carta, furioso.
— O que aconteceu, barão? — Sebastian indagou.
— Will declina minha oferta. Não quer se casar com a minha filha.
— Oh... Eu sinto muito.
— Não sinta, meu caro. Eu dei uma saída ao duque. Ele não aceitou. Agora só me resta esperar para conseguir colocar a mão em sua fortuna.
— Sim, senhor.
— Como vai o caso dos bandoleiros?
— Os dois que estão presos serão executados amanhã ao entardecer, como ordenou.
— Muito bem. Tenho mais uma ordem. Coloque alguém para vigiar o duque. Ele não pode sob hipótese alguma conseguir que alguma dama se case com ele, entendeu? Não quero que meus planos venham por água abaixo.
— Pode deixar, barão.
— Eu irei à torre, interrogar eu mesmo os dois bandoleiros. Quero ter uma conversinha com a Madeline — ele falou malignamente. — Ninguém me engana e sai impune.
****
Blake e Belle andavam pelas ruas de Londres naquela noite. Belle sentia as mãos suarem de nervoso, mas não havia outro jeito. Tinha que salvar Madeline e Colin.
— Olhe — Blake chamou sua atenção para um cartaz na rua, que prometia uma grande recompensa para quem entregasse os bandoleiros.
Belle o fitou decidida.
— Não vou desistir.
— Eu sei, mas quero que saiba do risco...
— Eu sei de todos os riscos.
Seguiram em frente e minutos depois estavam em frente à torre de Londres.
— Blake, quero te pedir uma coisa antes de entrarmos. Se me pegarem, não volte para me resgatar.
— Quem garante que não serei eu a ser pego?
— Eu só quero deixar claro.
— Belle...
— Vamos em frente!
Belle respirou fundo e adentrou no lugar.
— Olá — ela falou sedutoramente para o guarda. — Será que pode me ajudar?
O moço se aproximou solícito, e Belle deu uma coronhada em sua cabeça.
Blake aproximou-se e os dois rumaram para dentro.
Conseguiram deter mais alguns guardas pelo caminho.
— É aqui! Estamos quase chegando! — Belle falou animada.
Em poucos minutos conseguiram chegar à cela de Colin e Madeline, deixando um rastro de guardas machucados para trás.
Abriram a cela e Colin sorriu aliviado ao vê-los.
— Conseguiram! Venha, Madeline, eu disse que eles iam conseguir!
— Corre, rápido! — Belle pediu enquanto Blake montava guarda.
Os dois correram com Blake à frente e Belle foi atrás, sempre atenta.
E então viram um vulto.
— Inferno! Continuem, eu cuido dele.
Belle se aproximou do homem encapuzado sorrindo.
— Olá, senhor... — Mas as palavras morreram em sua garganta ao ver que o homem encapuzado não era nada menos que o Barão de Wessex.
— Ora, ora, se não é a bandoleira.
Belle tentou correr, mas era tarde demais.
O barão a segurou pelos cabelos e seus gritos fizeram o local se encher de guardas e ela só rezou para que Blake e os amigos tivessem conseguido fugir.
Capítulo 26
Belle se encolheu na cela escura. Uma vontade imensa de chorar. Mas não choraria. Do que adiantaria?
Estava tudo perdido agora.
Mas pensando bem, o que perdera?
Nada.
Não tinha nada que valesse a pena na sua vida. A mãe a odiava. E ela vivia uma vida de roubos com bandoleiros.
Então a imagem de Will lhe veio à mente e sentiu uma dor no peito que não soube definir. Fechou os olhos com força como se assim pudesse parar de pensar no que tinha acontecido, mas era impossível. As lágrimas vieram sem que conseguisse contê-las. Um soluço depois outro. Chorava porque só agora se dava conta de que acalentava sonhos no fundo da alma que nem ela sabia que existiam até aquele momento. Quando não havia mais esperança para nada.
Não tardou para o barão em pessoa adentrar em sua cela.
Belle o encarou sorrindo com ousadia.
— Tire esse sorriso do rosto — ele ordenara furioso.
Mas em vez disso, Belle gargalhou e o nobre aproximou-se dando-lhe uma bofetada.
Belle voltou a encará-lo, agora séria, limpando o sangue de sua boca. Ergueu a cabeça em desafio.
— Terá que se contentar comigo na guilhotina, barão.
— Eu sei. E já que parece tão ansiosa pelo seu destino, será executada esta manhã.
Belle sentiu um arrepio de medo.
O barão lançou-lhe mais um olhar de desprezo e saiu da cela.
****
Ana Lúcia acordou de repente. E logo percebeu que havia algo diferente.
Diferente talvez fosse uma expressão muito branda para definir a situação.
Algo muito errado seria mais apropriado.
Levantou-se de um pulo e o bandoleiro ao seu lado despertou a fitando com um sorriso.
Ana Lúcia apressou-se em se cobrir.
Bem, talvez fosse tarde para aquele tipo de pudores.
Mas ainda não era tarde para pôr a cabeça no lugar.
Porque ela deveria ter enlouquecido totalmente por ter dormido com aquele bandoleiro que deveria entregar aos guardas.
Mas ela não o fizera.
Em vez disso se deitara com ele.
Ana Lúcia soltou um gemido desalentado.
— Bom dia, doçura, não quer voltar para cama?
Ela o fitou muito séria.
— Eu... eu... tenho que sair daqui!
Ela se afastou quase correndo e bateu a porta atrás de si.
Mário apontou no corredor e a mediu arregalando os olhos ao ver seu estado.
— Jesus! Agora você perdeu totalmente o juízo!
Ana Lúcia passou por ele com uma carranca.
— Não faça perguntas.
— Eu não preciso perguntar. Está escrito na sua testa...
— Cala-se! Quer que a mamãe nos ouça?
— Você está lascada, Ana Lúcia...
— Eu sei muito bem!
— Eu ia mesmo te acordar. Chegou uma mensagem para você, ou melhor, para Lúcios, exigindo sua presença. Parece que dois dos bandoleiros que estavam presos fugiram, mas pegaram a moça que anda com eles.
— Sério? Maldição! — Ana Lúcia soltou uma imprecação contra ela mesma. Se não tivesse se deixando envolver por Jack, poderia ter sido ela mesma a entregar os bandoleiros ao barão.
— Já é tarde e eu vou me vestir de Lúcios. Ainda preciso ver como estão as coisas e ... Talvez seja melhor eu entregá-lo.
— Vai entregá-lo depois de...
— Chega, Mário. Por favor, fique de olho para que ele não fuja de novo.
— Eu?!
— É, você! Eu volto o mais rápido possível.
— Com os guardas?
Ana Lúcia suspirou.
— Eu não sei, sinceramente eu não sei.
Jack estava cansado de ficar trancado naquele quarto. Onde teria se metido Ana Lúcia?
A casa parecia estar mergulhada no mais completo silêncio e talvez ele devesse arriscar em dar uma volta. Ir até a casa da francesa. Ver o que acontecera com seus comparsas.
Mas ao sair do quarto se deparou com um menino o fitando desconfiado
— Você não pode sair — ele disse rápido.
Jack deu um sorriso sarcástico.
— Por que, por acaso você é meu carcereiro?
— Não, mas a Ana Lúcia...
— Sim, posso saber que fim levou Ana Lúcia?
— Ela foi até a praça central. Hoje está ocorrendo uma execução... — o menino hesitou — de uma bandoleira.
Belle. Jack empalideceu.
Jesus, tinham pego Belle!
Sem pensar, ele correu, passando pelo menino que não conseguiu detê-lo.
Não sabia bem o que ia fazer, mas não poderia deixar Belle ser executada sem tentar ajudá-la.
Só que na primeira esquina ele viu um guarda.
— Parado aí!
Jack não pensou duas vezes e, virando-se rápido, deu um soco na cara do homem e pegou sua espada.
Mas se pensava que estava livre estava muito enganado, pois se materializou a sua frente o tal Lúcios. Jack sorriu ao ver o homem arregalar os olhos.
— E não é que nos encontramos novamente? Acho que terei minha vingança mais rápido do que imaginava.
“Mas o que é que Jack está fazendo aqui?”, pensou Ana Lúcia, irritada.
Ela ainda estava confusa por se dar conta de que os sentimentos pelo bandoleiro eram mais fortes do que gostaria que fossem. Pensava em deixá-lo ir, para que se salvasse.
E o imbecil estava ali, no meio da rua e pelo o que acabara de constatar, tinha nocauteado um guarda e estava ameaçando a ela, ou melhor, Lúcios!
Ana Lúcia soube que chegara a hora de revelar quem era realmente. Mas antes que pudesse abrir a boca, Jack partiu para cima dela com a espada em punho e a atingiu no abdômen. Ana Lúcia sentiu a dor lacerante de carne rompida e tombou para trás.
— Jack... — balbuciou, não com a voz de Lúcios, e sim com a sua própria.
E foi então que Jack, que já estava se virando para fugir, voltou-se a fitando incrédulo.
O guarda agonizava no chão. Mas tinha algo errado. Aquela voz... Não, não podia ser.
Então seus olhares se encontraram e ele soube a terrível verdade.
— Ana Lúcia? — balbuciou incrédulo.
Ana Lúcia sorriu em meio à dor.
— Você é um idiota, Jack... Mas te enganei direitinho... — ela não conseguiu terminar, pois suas palavras se transformaram num engasgo.
Jack ajoelhou ao seu lado.
— Por que não me disse... por que... Meu Deus, eu acertei você! — Jack tocou o ferimento profundo, sentindo o sangue em suas mãos. — Precisa de um médico...
— Você tem que fugir, Jack...
— Não. Tenho que tirá-la daqui.
— Não! Me escuta — Ana Lúcia falou firmemente. — Fuja. Agora.
Jack olhou no fim da rua e ouviu o barulho da cavalaria se aproximando.
Ele olhou para Ana Lúcia mais uma vez.
— Eu vou morrer, Jack — ela disse por fim.
— Não, não pode morrer! — falou desesperado.
— Mas você ainda pode se salvar. Corra.
O barulho dos guardas estava mais próximo agora.
E quando ele voltou a atenção para Ana Lúcia, ela tinha desfalecido.
— O que você fez? — Ele olhou para cima e viu Mário o encarando horrorizado.
— Eu sinto muito... — Foram suas palavras antes de correr o mais rápido que podia.
Não fugia apenas da guarda real. Mas da culpa que o consumia.
Tinha matado a mulher por quem estava se apaixonando.
****
Will acordou naquele dia com uma resolução.
Iria pedir Natasha em casamento. Na atual conjuntura era a única opção.
Entrou na carruagem, deu instruções ao cocheiro para seguir para o Clube.
Não deixaria o barão seguir com seus planos.
Então de repente a carruagem parou.
Havia uma grande agitação na praça.
Ele olhou para o cocheiro.
— O que está havendo? — perguntou contrariado.
— Uma execução, senhor. Acho que não conseguiremos passar.
Irritado, Will desceu da carruagem e avistou um guarda.
— O que está havendo aqui?
— Nós conseguimos pegar um dos bandoleiros e ele será executado imediatamente.
Will se interessou. Como é que ele não ficara sabendo daquilo?
Ao longe ele avistou o empoado barão e se dirigiu a ele.
Assim que o viu, FitzRoy lançou-lhe um olhar de superior ironia.
— Não imaginava vê-lo por aqui, Will.
— Por que não fui comunicado que prenderam um dos bandoleiros?
— Fala como se estivesse escondendo o fato deliberadamente...
— Por que não fui comunicado? — Will insistiu friamente.
— Apenas porque a prendemos ontem à noite e...
Mas Will não ouvia o resto, apenas um detalhe.
— O que disse? — perguntou sentindo um zunido no ouvido.
— Pegamos Belle, a bandoleira que segue aqueles criminosos.
Will sentiu o sangue gelar.
Não teve tempo para muitas considerações ou perguntas.
No momento seguinte ouviu uma grande agitação entre os presentes e ele olhou em direção de onde vinham vários guardas. E no meio deles, lá estava ela. A bandoleira que atormentava sua vida.
Que o seduzira e o enganara.
Deveria estar feliz por ela ter este fim, afinal, não passava de uma criminosa vil.
Mas não estava feliz.
Belle caminhava entre os guardas com a cabeça erguida. Como se estivesse indo a um baile e não em direção a guilhotina.
Mantinha os olhos desafiadores e as mãos amarradas em frente ao corpo quase passava despercebida tamanha a força de sua imagem.
— Eu prometi que a pegaria — o barão falou ao seu lado. — Pena seus comparsas terem fugido.
Will o fitou.
— Todos fugiram? — indagou irritado.
Queria pôr a mão em todos os bandoleiros. Eles mataram seu pai.
E Belle era cúmplice.
— Sim, todos fugiram.
— Por que Belle não fugiu junto? — Will indagou. Conhecia Belle. Ela era esperta. Era estranho que não tivesse conseguido se safar como os outros.
— Veio resgatá-los junto com outro bandoleiro, acho que o chefe, mas ela teve a má sorte de me encontrar pela frente. Sua prisão foi a distração que os amigos precisavam. A bandoleira se sacrificou pelos amigos — o barão falou com desdém —, uma pena. Adoraria ver o pescoço de todos eles, mas me contentarei por ora em ter o lindo pescoço dessa bandoleira atrevida.
Will voltou a fitar Belle. A multidão silenciara agora.
Ela estava perto da guilhotina e o carrasco e um padre se encontravam do lado.
Ainda mantinha a mesma posição de desafio. Como se não se importasse a mínima com o que iria lhe acontecer.
Ela se sacrificara por eles, dissera o barão.
E iria morrer na guilhotina.
O chefe da guarda se posicionou ao seu lado e começou a ler suas acusações.
— Pede clemência? — indagou por fim.
Belle o fitou com desdém.
— Não.
— Tem que se arrepender, minha filha, para entrar sem pecados no reino de Deus — o padre pediu.
Belle permaneceu em silêncio, lançando ao religioso um olhar de desafio que o calou.
— Sendo assim — o chefe da guarda continuou, virando-se para o público —, Annabelle Green é considerada culpada por todos os seus crimes e morrerá na guilhotina como manda a lei da Inglaterra...
O homem prosseguiu com a sentença e Belle respirou fundo, tentando se manter firme. Ela não se importava.
Sempre soubera que poderia ter um fim assim. No entanto em algum lugar dentro do seu peito, havia a dor pelos sonhos desperdiçados.
Lembrou-se dos planos de ir para a América. Começar vida nova. Longe da vida de crimes. Tudo estava perdido para ela agora, mas pelo menos seus amigos poderiam manter o plano.
Arrastou o olhar para o público que assistia a tudo ávidos por sangue. Sentiu nojo daquela encenação ridícula. Por que não a matavam logo?
No meio à plebe avistou o barão e suas roupas empoadas a fitando com um olhar de vitória e lamentou não ter enfiado uma espada o peito dele quando teve oportunidade. Porém, não foi a presença do Barão de Wessex que fez sua visão escurecer, e sim o homem atrás dele.
Por Deus, o que ele estava fazendo ali? Viera ter certeza de que ela iria mesmo pagar por seus crimes?
De repente seus olhares se encontraram.
Belle sentiu como se todo o resto desaparecesse e naquele momento, ela teve, pela primeira vez, um arrependimento amargo da vida que vivera. Porque foi aquela vida que a separou irremediavelmente daquele homem.
Mas por que estava lamentando? Ele a odiava e ela deveria odiá-lo também. E se estava ali, à beira de ser executada era também por culpa dele. Will Cavendish fazia parte daquela nobreza hipócrita que ela tanto odiava.
E estava ali para assistir sua morte.
E por que ele a encarava daquela maneira? Como se lamentasse?
Num átimo, as lembranças do que viveram juntos passou pela sua mente. A paixão ainda estava ali, dentro dela, apesar de tudo. Apesar de seu fim.
E soube, com uma certeza inabalável que não lamentava tê-lo conhecido.
Com ele vivera emoções que nem sabia que existiam e sentira-se mais viva do que nunca.
E se iria morrer, levaria consigo a lembrança do que tinha vivido com o Duque de Buckingham.
Will queria sair dali. Deveria sair dali. Sentia um suor frio na fronte enquanto o chefe da guarda lia a sentença.
Morte.
Belle e seu sorriso brilhante iriam desaparecer.
E por que doía?
Ela não valia nada. Tudo fora mentira.
Mas de nada adiantava negar. Ele lamentava.
Em algum lugar dentro dele, não queria que ela morresse.
— Já, já, estará terminado — o barão falou ao seu lado. — E então, Will, já arranjou uma noiva?
Will não deu ouvidos. A decisão de se casar com Natasha foi jogada para o fundo da mente.
O barão tomou sua expressão de dor como de derrota e sorriu malévolo.
— Uma pena não querer ser meu aliado, Will.
Will o fitou com raiva. Odiava o barão mais que tudo.
E quando abriu a boca para falar de seus planos uma comoção da multidão chamou sua atenção.
E ele voltou à atenção para a cena a sua frente.
O chefe da guarda continuou.
— Annabelle Green irá para a guilhotina neste momento, a não ser que alguém nesta praça a tome em casamento.
Belle fitou o homem.
Mas do que ele está falando?
O padre a fitou.
— É uma lei antiga.
— Lei?
— Sim, se algum homem se casar com uma condenada à morte, ela é perdoada.
Belle se lembrou vagamente.
Nunca tinha visto alguém conseguir se safar assim.
O guarda fez sinal para o carrasco que segurou Belle pelo cabelo.
A plateia uivou excitada pelo espetáculo.
Era o fim, Belle pensou.
— Eu me caso com ela.
O silêncio que se seguiu foi irreal.
Belle pensou ter ouvido errado.
Todos olharam em direção à voz.
E o coração de Belle parou ao ver o autor da bizarra proposta.
Ninguém menos do que Will Cavendish.
O Duque de Buckingham.
Juliana Dantas
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