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Belle sentia-se atordoada.
Era como estar num pesadelo estranho e ver tudo de longe, como uma mera espectadora.
O silêncio que se fez depois da declaração do duque era sepulcral.
A multidão se virou lentamente para encará-lo. Belle nem respirava. A mente incapaz de atinar o que estava acontecendo.
Ao seu lado, o padre limpou a garganta, sendo o primeiro a sair do transe.
— Sir, o que disse? — indagou incrédulo.
— O senhor me ouviu — Will falou com a voz fria caminhando em direção à guilhotina.
A multidão se abriu para sua presença dominadora, ainda em silêncio.
— Que espécie de brincadeira é essa, Will? — Ouviu-se a voz de trovão do Barão de Wessex.
— A lei é clara — Will respondeu aproximando-se.
O barão soltou uma risada irônica, já em posse de sua costumas frieza.
— Essa mulher é uma ladra, uma bandoleira. Não pode mesmo estar pensando em salvá-la!
Will encarou o nobre, com o semblante esculpido em pedra.
— Vou me casar com essa bandoleira. E você não colocará a mão no dinheiro de meu pai.
Ele não esperou a resposta do barão, virando-se foi até onde estava o abismado padre e puxou Belle.
— O que pensa que está fazendo? — Belle conseguiu balbuciar por fim.
— Estou salvando o seu pescoço — sibilou enquanto a guiava através da multidão silenciosa. — Embora desconfie que me arrependa deste ato mil vezes muito em breve.
Ele disse em voz baixa e Belle se perguntou se tinha mesmo escutado, mas sua mente se negava a trabalhar.
O abismado padre olhou para o duque como se este tivesse perdido a sanidade, mas com o olhar ameaçador de Will, ele proferiu as palavras que fariam de Belle uma mulher livre e não mais uma condenada à guilhotina.
Belle se lembraria da “cerimônia” de seu casamento com o Duque de Buckingham como algo difuso e assustador. Quando o padre declarou tudo acabado, ela finalmente começou a acreditar que não era um sonho bizarro, e sim a crua realidade.
Estava casada com Will Cavendish, Duque de Buckingham.
— Está acabado — o padre proferiu. — É uma mulher livre, minha filha.
Belle soltou a respiração lentamente. Ainda em transe. Nem ousava olhar para Will, mas ele pegou sua mão e a puxou para fora da multidão.
No meio do caminho foram interceptados por FitzRoy.
— Não deveria ter feito isso, Will.
— Conversamos depois — Will respondeu friamente, guiando Belle para longe dali.
— Bem, agora que resolvemos tudo, acho que posso cair fora — Belle conseguiu dizer soltando sua mão e virou-se para fugir, mas Will a segurou pelo braço.
— Não vai a lugar algum.
— Como?
— Escutou o que eu disse.
— Olha, agradeço a sua... “bondade” ou seja lá o que o motivou a me livrar da execução, mas não pode estar levando essa história de casamento a sério!
— Sim, eu a livrei da morte, mas não pense que foi porque tenho qualquer interesse em você. Ou porque senti alguma pena.
Belle lutou contra a dor que aquelas palavras lhe causavam e se manteve impassível.
— Então por quê?
— Porque me casar com você colocará fim em certos planos do barão. Portanto, não posso deixá-la ir. Não por enquanto.
E antes que Belle tivesse tempo de tentar entender, Will pegou em seu braço e a jogou dentro da carruagem.
Nada foi dito no caminho. Belle não sabia se ria ou chorava.
Ao chegarem, Will abriu a porta e a arrastou para dentro através dos olhares perplexos dos criados e deu ordem a uma senhora abismada para levar Belle para cima e se afastou.
A primeira vontade de Belle foi de segui-lo e obrigá-lo a ouvi-la. Oras, não era um cãozinho sarnento que ele achou na esquina! Mas conteve sua explosão e acompanhou a mulher até um dos aposentos. Por ironia do destino o mesmo que ela ocupou quando John Cavendish a trouxera até ali.
Parecia anos de distância daquele dia. E John Cavendish agora estava morto. Belle conteve uma vontade súbita de chorar.
A criada saiu do quarto fechando a porta silenciosamente e Belle foi até a janela. O dia estava límpido e o céu azul parecia zombar de seu infortúnio.
“Era para eu estar morta agora.”, pensou sombria.
Mas não estava.
Em uma reviravolta surpreendente, não só se livrara da forca como fora salva por ninguém menos que o Duque de Buckingham.
Will.
O nome dançou em seus lábios. Ainda era inacreditável.
O que significava tudo aquilo? Ele dissera algo sobre frustrar os planos do barão. Estaria ele se referindo ao fato de FitzRoy querer ver os bandoleiros mortos? Mas por que Will seria contra se ele mesmo achava que os bandoleiros tinham sido responsáveis pela morte de seu pai?
Nada fazia sentido.
Ouviu um barulho de porta se abrindo e em seguida a criada voltou e atrás dela um séquito de criados carregando uma tina. Em pouco tempo a água quente borbulhava convidativa.
Duas criadas jovens aproximaram-se e fizeram menção de tirar sua roupa, mas Belle se esquivou.
— Eu posso fazer isso sozinha.
Elas se afastaram ressabiadas e ficaram a encarando por baixo dos cílios curiosos.
Belle respirou fundo.
— Vão ficar aqui me encarando? — indagou mais ríspida do que pretendia e as duas correram assustadas do quarto como dois coelhos acuados.
Será que a notícia de que o duque tinha desposado uma bandoleira condenada já tinha se espalhado? Indagou-se ao ver a porta se fechando atrás delas.
Olhou a água quente e decidiu deixar de lutar contra a maré. Por ora.
Tirando o vestido imundo, mergulhou na água perfumada e deixou-se ficar lá por um tempo infindável. O cansaço de todos os últimos acontecimentos finalmente a vencendo.
Ela acordou de repente com batidas na porta e só então se deu conta de que tinha adormecido. No minuto seguinte a tal criada mais velha entrou no quarto com os braços carregados de vestidos.
— Esses trajes pertencem a Milady Juliet — explicou os colocando em cima da cama.
— E onde ela está? — Belle indagou lembrando-se da irmã de Will.
A criada fez um ricto de desgosto.
— Milady Juliet casou-se ontem.
Belle arregalou os olhos.
— Se casou? Com quem?
— Sim, com Lorde James Holt... Casou escondida. Nem sei como o duque permitiu tal disparate! Mas coisas estranhas estão acontecendo aqui ultimamente... — a mulher comentou desgostosa olhando de rabo de olho para Belle, porém pareceu se tocar a quem estava criticando e ficou vermelha. — Me desculpe, Lady Cavendish, eu...
— Não, tudo bem — Belle respondeu mais nervosa pela mulher tê-la chamado de Lady Cavendish do que pelos comentários desfavoráveis.
— Precisa de mais alguma coisa?
— Não.
A mulher afastou-se do quarto silenciosamente e Belle saiu da banheira, e se enxugando verificou os vestidos de Lady Juliet pensando na informação da criada de que ela tinha se casado. Por que será que Juliet se casou tão repentinamente? Era muito estranho.
Ela colocou um dos vestidos e olhou-se no espelho.
E se sentiu mais do que nunca uma farsante.
Não deveria estar ali.
Suspirando, lembrou-se novamente do porquê de estar naquela casa, sendo chamada de “Lady Cavendish”. Porque estava casada com Will Cavendish.
Cansada de ficar no escuro, abriu a porta e desceu atrás de respostas. E a única pessoa que poderia ajudá-la era Will. Todavia, teve a desagradável notícia de que o duque tinha saído. A criada que lhe deu a informação a fitava com mal disfarçada curiosidade e Belle se perguntou se aquele não seria o momento de dar o fora dali.
Porém, algo deteve suas ideias de fuga. Não sabia bem o que, talvez um sentimento de gratidão por aquele que lhe salvara a vida. Ou a vontade que tinha de descobrir por que ele fizera aquilo.
O certo foi que ela desistiu de fugir. Por enquanto.
As horas não passavam. Pelo menos não para Belle. Cansada de ficar trancada naquele quarto, decidiu perambular pela casa se perguntando por quanto tempo permaneceria ali.
No entanto, estava descendo as escadas quando se deparou com ninguém menos que a cortesã Natasha. Em frente a uma criada, a moça exigia em altos brados querer falar com o duque e quando avistou Belle arregalou os olhos, encarando-a incrédula.
— Você?!
Belle sorriu, continuando a descer as escadas. Aquilo seria divertido.
— Olá, Natasha.
— Mas... o que faz aqui, sua... sua... bandoleira!
Belle deu de ombros.
— Acho que posso te fazer a mesma pergunta.
Natasha bufou de raiva.
— É muito insolente mesmo! Que artimanha usou dessa vez para entrar aqui? Por acaso está se passando por uma criada? Se o duque descobrir que está aqui será enxotada, aliás, acho melhor chamar a guarda...
— Ainda não me disse o que faz aqui, Natasha — Belle insistiu com falsa calma.
— Não é da sua conta, sua atrevida! — Ela virou-se para a criada. — Essa mulher tem que ser posta para fora daqui agora! Chame os guardas do duque!
A criada olhou para Belle, sem saber o que fazer.
— Duquesa, me perdoe, eu disse à milady que o duque não estava.
Natasha engasgou.
— Como? O que foi que disse? Do que você a chamou?
— Senhora, eu... — A empregada deu um passo para trás, assustada com a fúria da cortesã.
— Vamos, fale, sua miserável! — Natasha aproximou-se nervosa da criada.
Belle se pôs na frente.
— Ei, olhe como fala!
— Oras, quero saber por que essa mulher te chamou de duquesa!
— Duquesa de Buckingham para você.
O queixo de Natasha caiu para logo depois seu semblante se enfurecer e ela soltar uma imprecação e começar a rir e aplaudir.
— Você é uma ótima mentirosa mesmo! Quer mesmo que acredite que é uma duquesa? Para ser duquesa teria que ter se casado com Will.
— Eu me casei.
— Está mentindo. — Natasha agora não ria mais.
— Eu e Will nos casamos esta manhã.
— Não pode ser verdade. Will jamais se casaria com uma rameira como você!
— Tem certeza que sou eu a rameira? Posso ser uma ladra, mas nunca usei meu corpo para me sustentar! Ao contrário de você!
— Ora, sua...
— Dobre sua língua. Aliás, acho melhor desaparecer da minha frente.
— Não pode me botar para fora! Vim aqui falar com o duque.
— Ele não está.
— Pois eu vou esperar.
— Vai uma ova! — Belle pegou o braço da cortesã sem a menor cerimônia e a jogou porta afora, ignorando seus gritos indignados.
Quando se voltou, a criada a fitava aturdida, mas ela ignorou. Subiu para o quarto e bateu a porta. Era ridículo se sentir irritada por causa daquela cortesã de meia-tigela.
Ela não se importava se a cortesã tinha direito de visitá-lo, Will poderia sair com todas as cortesãs de Londres.
Ela não se importava nem um pouco!
****
— Espero que tenha vindo me dizer que mudou de ideia.
Will encarou o barão contendo o ódio que sentia por dentro. Tinha que se lembrar que estava ali para resolver de uma vez por todas seus negócios com aquele homem.
— Não, eu não mudei.
FitzRoy levantou a sobrancelha.
— Vai mesmo permanecer casado com aquela bandoleira? A mesma que contribuiu para a morte de seu pai?
— Não vim aqui para falar sobre isso, e sim sobre o testamento.
— Ah sim, o testamento.
— A cláusula era clara. Eu tinha que me casar no prazo estipulado. Portanto nós dois concordamos que os desejos de meu pai foram cumpridos.
— Não creio que seu pai ficaria feliz em vê-lo unido a uma bandoleira.
— Isso é problema meu — Will respondeu friamente.
— Não, a partir de agora, também é problema meu. Já que depende de mim que você receba a herança de seu pai.
— Eu cumpri minha parte.
— Sim, eu sei. Mesmo tendo se casado com uma bandoleira...
Will o cortou.
— Chamarei um representante do rei e estaremos aqui amanhã e pretendo que faça sua parte. Até mais ver.
****
— Quer dizer que estava na casa dela? Dessa tal Ana Lúcia, que na verdade também era um dos guardas? — Blake tentou entender a história de Jack enquanto se esgueirava nas sombras até a casa de Ana Lúcia.
— Sim. Incrível, não é?
— E você a feriu?
— Achei que fosse um guarda! Como ia saber que eram a mesma pessoa?
— E acha que ela está morta?
— Eu não sei, mas preciso ter certeza.
— Isso é perigoso. Podemos ser pegos. — Blake apontou os guardas na porta da casa de Ana Lúcia.
— Não precisa ir comigo — Jack falou pegando a espada. — Espere-me aqui. Se eu não voltar, fuja.
Jack viu um guarda nos fundos da casa. Aproximou-se sem ser visto e deu uma coronhada em sua cabeça; o guarda caiu desacordado e ele colocou seu uniforme.
— Ei você! — alguém chamou.
— Sim?
— O comandante pediu que entrássemos na casa.
— Ok.
Jack acompanhou o homem rezando para que não fosse reconhecido.
Ao entrar na sala parcamente iluminada viu uma senhora, que deveria ser a mãe de Ana Lúcia.
— E então, senhora? — o guarda perguntou.
— Ele morreu. Espero que nos deixe em paz agora — a mulher falou seriamente.
Jack sentiu um baque no peito.
— Sim, irei comunicar ao capitão.
Ele saiu da sala e Jack o acompanhou.
— Eu vou vigiar em volta da casa. Pode ir a minha frente — disse ao guarda e conseguiu se safar sem mais explicações.
— E aí? — Blake indagou.
— Vamos embora. — Foram as únicas palavras de Jack.
E Blake não insistiu.
Dentro da casa a mãe de Ana Lúcia subiu as escadas e entrou no quarto de sua filha.
Um choroso Mário estava ao pé da cama.
— Eles já foram?
— Sim.
— O que faremos?
— Uma hora você terá que me explicar essa história de Ana Lúcia se passar por um guarda!
— A culpa não é minha, mãe.
— Chega! — Aproximou-se da cama e tocou a testa de Ana Lúcia. Ela respirava devagar, mas ficaria bem.
— O que disse a eles? — Mário indagou a mãe.
— Eu disse a verdade. Que Lúcios morreu.
— Mas...
— Lúcios morreu a partir de hoje — ela olhou para o rosto pálido de Ana Lúcia —, mas minha filha sobreviverá.
Mário nada disse, apenas rezou para que Ana Lúcia ficasse bem.
****
Will andou de um lado para o outro tentando não ficar irritado enquanto esperava Belle.
Pedira para o criado ir chamá-la, pois pensara bem e decidira colocá-la a par de toda a situação. Ela tinha que entender que o único motivo de estar ali era porque não queria que a herança de seu pai fosse parar na mão do barão.
Ele a esperou para jantar, mas ela não apareceu. A criada dissera que Belle alegou estar indisposta e que não iria descer. Porém, Will não queria protelar aquela conversa e insistiu que fossem buscá-la.
O criado aproximou-se, soturno.
— Milorde, ela não está no quarto.
— O quê?
— Eu bati e ela não respondeu. Então entrei e... não estava lá.
— Deve estar em algum lugar desta casa — Will falou impaciente —, procure-a.
No entanto uma desconfiança terrível se apossou de Will e ele subiu as escadas de dois em dois degraus, entrando no quarto destinado a Belle.
O lugar estava vazio.
Onde ela se metera?
— Milorde, ela não está na casa — o criado disse atrás de si e Will sentiu as garras da raiva se fechar em seu peito.
A pilantra fugira.
Bem debaixo de seu nariz.
Capítulo 2
Will saiu desabalado do quarto ao mesmo tempo que gritava ordens a sua guarda pessoal para vasculharem toda a propriedade e arredores atrás de Belle.
“Ela não deve ter ido longe, pois para passar pelos portões de Canterbury Hall tem que passar pelos guardas. Todavia, ela já entrara e saíra uma vez sem ser vista.”, pensou desgostoso.
Mas ele não a deixaria escapar.
Minutos depois, os guardas retornaram dizendo que ela não estava dentro da propriedade. Então Will deu ordens para procurarem nos arredores.
Ele sentia que ela estava próxima. Caminhou para fora da casa, prometendo a si mesmo que apertaria aquele pescoço alvo com as próprias mãos quando a encontrasse.
Se a encontrasse.
Belle ouviu a movimentação no jardim e olhou de um lado para o outro, tentando achar um lugar para se esconder. Não ousara sair pelos portões, já que estava cheio de guardas. O plano era se esconder, até a madrugada, quando então seria mais fácil enganá-los.
Mas calculara mal o tempo e esquecera que iriam procurá-la para o jantar. Na verdade, tinha esperança de que Will nem se lembrasse que ela existia, mas estava enganada.
Podia ouvir suas ordens e os guardas se movimentando a sua procura. Apavorada, correu em direção aos fundos da mansão e colidiu com algo sólido.
— Onde pensa que vai , Belle?
Ela levantou o olhar e se deparou com os olhos frios de Will.
Tentou correr, mas ele a segurou pelo braço.
— Me solta!
— Não vai a lugar algum.
Belle o encarou furiosa.
— Não sou obrigada a permanecer aqui enquanto decide o que fazer comigo!
— Preferia estar morta? — indagou irônico.
— Preferia que nossos caminhos nunca tivessem se cruzado.
— Isso nós concordamos!
— Então me deixe ir.
— Não!
— Não sou sua prisioneira!
— Entenda como quiser.
Belle se debateu, mas Will a agarrou e a jogou nos ombros como um saco de batata. E a carregou até a casa. Sob os olhares estupefatos dos guardas e criados, ele subiu as escadas de dois em dois degraus e a colocou no chão apenas quando chegaram ao quarto.
— Não pode me obrigar a ficar aqui! — Belle gritou.
— Pois é exatamente onde vai ficar até, como foi mesmo que disse? Eu decida o que fazer com você!
Belle o encarou com a mão na cintura.
— Eu fugi uma vez. Quando menos esperar dou o fora daqui de novo!
— Espero que não faço isso, ou vai se arrepender.
— Não tenho medo de você.
— Pois deveria.
Will saiu do quarto e Belle soltou uma imprecação ao perceber que ele tinha trancado a porta!
Correu para a janela a fim de tentar fazer a mesma coisa que fizera antes, mas desta vez havia uma imensidão de guarda a postos.
Nem adiantava tentar fugir de novo. Ele a acharia.
Bufando, Belle sentou-se na cama.
O que faria agora? Não tinha muitas opções.
Não queria ficar ali, mas não tinha como escapar daquela situação no momento.
O jeito seria esperar.
E descobrir as verdadeiras intenções de Will.
****
A moça vestida com rico capuz preto entrou na elegante carruagem e um criado taciturno fechou a porta atrás de si.
Natasha arregalou os olhos ao ver quem estava dentro da carruagem. O Barão de Wessex em pessoa.
— Oh... Senhor Barão! — Ela sorriu sedutora. Tinha perdido o duque, mas sua sorte parecia estar voltando. — Em que posso ajudá-lo? — indagou sedutoramente.
Porém, o barão não parecia interessado em seus “serviços”.
— Qual o seu relacionamento com Will Cavendish?
Natasha fez um bico.
— Infelizmente nenhum.
— Mas gostaria de ter, não é?
— Onde está querendo chegar?
— Preciso que o seduza.
A cortesã sorriu.
— Eu tentei seduzir o duque e não consegui. Agora que ele se casou, acha possível?
— O casamento do duque não é o que parece. Já deve saber que a nova duquesa não passa de uma ladra. Will se casou com ela apenas para conseguir a herança do conde.
— Que interessante... Agora começo a compreender. — Sorriu diabólica.
— E sabe o que mais? Sei de fonte fidedigna que o duque estava disposto a pedir a sua mão antes de se deparar com a bandoleira.
Natasha arregalou os olhos.
— O quê?
— Sim, ele não tinha muitas opções.
— Aquela maldita! — Natasha não podia acreditar que aquela bandoleira de uma figa tinha roubado o seu lugar. — Ela me paga!
O barão sorriu cinicamente.
— Então deve nutrir o mesmo desejo que eu de desfazer essa farsa de casamento.
— Sim, apenas diga o que eu preciso fazer. Faço qualquer coisa para colocar aquela ladra na torre, que é de onde ela nunca devia ter saído! E ter a chance de conquistar Will Cavendish!
O barão sorriu satisfeito. Tinha conseguido uma aliada.
****
Will passou a mão pelos cabelos, frustrado. Tinha acabado de dispensar o chefe da guarda real que viera lhe contar sobre a morte do oficial Lúcios.
Ainda não se sabia como, mas desconfiava que o guarda fora morto por um dos bandoleiros, que fugira.
Pensou em perguntar a Belle, mas ela mentiria. Com certeza, faria qualquer coisa para proteger seus comparsas. Tanto que conseguira com que todos fugissem. Menos ela.
Ela ficara para morrer na guilhotina. Will abafou um sentimento de simpatia por sua coragem.
Não devia ter nenhum sentimento por ela. Belle era apenas um meio para alcançar um fim.
E ela tentara fugir. A dissimulada!
Não podia confiar nela. Se Belle fugisse, o barão poderia contestar o casamento e ele perderia de vez o direito à herança de seu pai. E não podia deixar isso acontecer. Jamais deixaria o Barão de Wessex ganhar. Devia aquilo ao seu pai.
Cansado, Will subiu as escadas. Já era madrugada e a casa estava mergulhada no silêncio.
Ele caminhou pelo corredor e então ouviu um grito. Parou, assustado, e ouviu de novo o mesmo grito.
Belle! Reconheceu.
Aqueles gritos vinham do quarto de Belle.
Correu para a porta e a destrancou.
Tarde demais, ele se perguntou se aquele não seria mais um dos seus truques, mas ao se aproximar da cama, ela estava lá, com os olhos fechados e se debatia entre as cobertas, gritando palavras desconexas.
Will sentou-se na cama e a sacudiu.
— Belle, acorde, está sonhando.
Ela finalmente parou de se debater e abriu os olhos.
— Estava sonhando — Will repetiu.
Belle focalizou neles os olhos aturdidos.
“O que Will estava fazendo em seu pesadelo?”, perguntou-se confusa.
Mas não estava mais sonhando com o passado. Aquele que atormentara anos sem fim.
Estava acordada. E na casa de Will.
E ele não era um sonho, pois as mãos que seguravam seu braço eram bem vivas.
Assustada, Belle afastou-se com um safanão, tentando recompor-se.
— O que está fazendo aqui?
— Estava gritando...
Parecia meio assustado. Seria verdade o que estava dizendo?
— Espero que este não seja um truque sujo para entrar aqui! — Belle falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça. Não sabia de onde saía aquela vontade de irritá-lo.
Will fechou a expressão.
— Não preciso de truque algum para entrar ou sair da onde bem quiser. Estou nos meus domínios. E quem é dada a truque aqui é você, não eu, milady. Estava passando no corredor quando ouvi seus gritos. Apenas entrei aqui para ver se estava bem. Embora desconfiasse de que fosse alguma armadilha.
— Pois já percebeu que estou bem e que não estou aprontando nada. Então saia!
— Por que estava gritando?
— Estava tendo um pesadelo — Belle respondeu incomodada.
— O mesmo pesadelo daquele dia na floresta?
Belle hesitou, lembrando-se de quando se conheceram, quando fora obrigada a passar a noite com ele na beira do rio. Naquele dia ela fora atormentada pelos mesmos pesadelos e também fora acordada por Will.
— Não é da sua conta — respondeu por fim, tentando obstruir as lembranças daquele dia que agora parecia tão longínquo. “Teria naquele momento a ideia de que acabariam novamente numa situação parecida?”.
Mas agora era diferente. Agora eles estavam casados.
Belle sentiu uma imensa vontade de chorar e virou o rosto.
— Sai daqui — pediu, mas sem a firmeza que queria aparentar.
— O que são estes pesadelos, Belle? — Will indagou suavemente e Belle o fitou.
— Por que quer saber? O que lhe interessa?
— Tudo o que diz respeito a você me interessa.
— Claro, agora eu sou uma de suas propriedades! — rebateu sarcástica.
— Sim, você é. Quanto antes se acostumar com isso melhor.
Belle riu.
— Sempre o mesmo duque arrogante! Eu não sou de ninguém e muito menos sua! — desafiou. E não esperava o movimento seguinte.
Num átimo, Will a puxou para si, quase colando o rosto no seu, os dedos machucando seu braço.
— Não ouse me desafiar, Belle — falou perigosamente baixo.
— Me solta.
— Solto quando eu quiser. Você vem me provocando com seus insultos...
— Eu não faço nada, nem me importo com você!
— Importe-se o bastante para fazer o que eu mando. Não faça me arrepender de tê-la salvado!
— Vai me lembrar disso a toda hora? Eu não pedi para você se casar comigo!
— Mas eu precisava me casar com você — falou estranhamente.
— Por quê? Por que se casou comigo?
Will respirou fundo. Sabia que teria que se explicar a ela, mas aquele definitivamente não era o momento oportuno. Não com Belle vestindo apenas uma camisola diáfana e os longos cabelos castanhos caindo pelos ombros como um manto escuro.
Will sentiu o sangue se agitar de um desejo proibido e mirou seus lábios entreabertos. Sua consciência lembrou-o de que ela estava ali, em sua casa, e lhe pertencia. Poderia fazer o que quisesse com ela. Poderia tomá-la e aplacar seu desejo de uma vez por todas.
Mas não podia. Muito estava em jogo.
Belle sentiu a sutil mudança em seu toque e os olhos de Will brilharam perigosamente.
Sentiu o corpo aquecendo-se e lutou contra o desejo insidioso que a tomou sem aviso.
Levantou o olhar e o fitou desafiante.
— Vai me tomar à força? É por isso que está aqui? — falou com desdém.
Will sorriu e Belle se arrependeu na mesma hora do que disse.
— Não precisaria usar a força.
— Pois aí que se engana. Não cederei a você, não pode me obrigar!
— Não tive que obrigá-la antes.
— Seu... seu... bastardo! — Belle se debateu furiosa, soltando várias imprecações.
Will sentiu um estranho divertimento ao vê-la perder a compostura e conteve a vontade de rir. E conteve ainda mais o desejo totalmente descabido de calar seus impropérios com beijos até vê-la doce e submissa em seus braços.
Irritado com o rumo de seus pensamentos, ele a soltou e levantou-se antes que fizesse algo que se arrependesse.
— Tente dormir. Amanhã conversaremos.
E sem mais, saiu do quarto.
Belle ouviu o som da fechadura sendo trancada e deu um murro no travesseiro, frustrada.
— Eu o odeio, Will Cavendish! — murmurou para a escuridão.
Mas no fundo de seu coração ela sabia que não era verdade. E esse era seu maior problema.
Fugir era a única solução, mas não podia.
Ele disse que lhe explicaria seus motivos. E ela esperaria.
O amanhã demoraria a chegar.
Capítulo 3
Belle acordou de mau humor. Ainda era inacreditável para ela que sua vida tivesse mudado tanto. Jogando as cobertas para o lado, abriu a janela e admirou os vastos jardins da propriedade. “Por quanto tempo permanecerei aqui?”, indagou-se.
Uma criada apareceu a tirando de seu devaneio e disse que viera aprontá-la, pois o duque a esperava para o café da manhã. Belle conteve uma resposta mal-educada, afinal, a criada não tinha culpa de nada. Pacientemente deixou-se arrumar, sentindo-se uma boneca de louça. Olhou seu reflexo no espelho, vestindo um traje de veludo verde, pertencente a irmã de Will, Juliet, e os cabelos arrumados no alta da cabeça.
Suspirou desalentada. Aquilo não iria dar certo.
Desceu as escadas e sentiu o coração dar um salto ao ver Will ao pé da escada. Estava de costas para ela e ao ouvir seus passos, virou-se e seus olhares se encontraram.
Ele estava impassível e Belle obrigou-se a manter-se serena. Hoje Will não iria mais tirá-la do sério.
Erguendo o queixo, ela acabou de descer as escadas e postando-se a sua frente fez uma mesura exagerada. Certo, prometera não sair do sério, mas poderia tentar irritá-lo. Isso a deixava diabolicamente feliz.
— Milorde...
Quando levantou o rosto, pôde perceber uma centelha de divertimento em seu olhar, mas achou ter se enganado, pois no momento seguinte ele estava sério e frio novamente.
— Precisamos conversar — ele disse por fim.
Belle ergueu a sobrancelha.
— Oh... Isso é sem dúvida inesperado.
— Não seja sarcástica. Vem me atormentando para que lhe diga os verdadeiros motivos de estar aqui.
— Sim, é o que quero saber.
— Ótimo, pois é só o que terá.
— Quem disse que estou pedindo algo mais?
— Belle... de nada vai adiantar continuarmos neste embate — falou cansado.
Belle sorriu.
— Por que não? É divertido! — provocou.
E para sua surpresa, ele lhe brindou com um sorriso que lhe atingiu diretamente de forma inesperada e intensa.
Ainda estava tentando abafar as sensações inquietantes em seu íntimo quando ouviu passos aproximando-se e não acreditou quando viu Natasha caminhando até eles com um sorriso sedutor no rosto.
— Will! — exclamou se pendurando no pescoço dele, como uma aranha traiçoeira.
Belle sentiu a cabeça zunir de raiva e sem pensar duas vezes deu meia-volta e desapareceu dali, deixando Will e a cortesã oferecida para trás.
Will se refez do susto de ver Natasha dependurada em seu pescoço e a afastou, aturdido.
— Natasha? O que faz aqui?
— Precisava muito falar com você — falou batendo as pestanas. — Estou muito preocupada. É verdade o que dizem sobre você e aquela bandoleira?
— Deve saber que sim, afinal não esteve aqui ontem? — respondeu sério.
Natasha não perdeu a compostura.
— Oh, estive sim, mas não pude acreditar no que aquela mulher dizia...
— É a verdade.
— Então está mesmo casado com uma ladra?
— O nome dela é Belle, mas pode chamá-la de Duquesa de Buckingham se preferir.
A decepção de Natasha era visível.
— Eu só queria ter certeza que estava tudo bem com você. Achei que fôssemos amigos... foi tudo muito... inesperado.
— Agradeço sua preocupação, mas acho que não temos mais nada para tratar.
— Me disseram que você se casou com a bandol... Belle, pela cláusula no testamento do seu pai... — Natasha falou com fingida inocência que não passou despercebida a Will.
— Quem te mandou aqui? — indagou desconfiado.
Natasha arregalou os olhos aturdida.
— Ninguém me mandou aqui! Estava realmente preocupada.
— Natasha, chega de conversa fiada. Se você não vai dizer o que a trouxe aqui, é melhor ir embora. Tenho muitas coisas a fazer.
— Me desculpe se o estou perturbando. Não era minha intenção. Só quero que saiba que pode contar comigo, para qualquer coisa...
Deixou as palavras no ar e saiu da casa.
Só então Will procurou Belle com o olhar e percebeu que ela não estava mais ali.
Foi procurá-la e a achou na grande sala de refeições.
Quando o viu ela desviou o olhar para o prato que tinha à frente.
— Sua amante já foi embora? Assim tão rápido?
— Ela não é minha amante.
Belle lançou-lhe um olhar de descrença.
Will sentou à mesa e tentou não se enfurecer.
— Não a chamei aqui...
— Não — Belle rebateu irônica. — Provavelmente ela se acha no direito de aparecer aqui a hora que bem entende. Diga-me uma coisa, Will, por que não se casou com Natasha?
— Porque ela não estava com a cabeça na guilhotina — Will respondeu duramente.
— Então teria se casado com ela?
— Sim, é o que quer saber? Eu estava justamente indo pedi-la em casamento quando me deparei com você.
Belle sentiu aquelas palavras como um tapa na cara. Então Will se importava com a cortesã?
Sentiu uma fúria cega a dominar e uma vontade louca de irritá-lo como ele a irritava.
Forçando uma expressão de surpresa ela o fitou.
— Ia mesmo se casar com uma cortesã? Uma mulher que vende o corpo para quem pagar mais?
— Por que fala assim? Não é melhor que Natasha. Seduzir os homens para roubá-los não é muito melhor do que ser uma cortesã!
Belle sentiu o rosto queimar de ódio e sem pensar levantou-se e caminhando até ele pegou o jarro de água sobre a mesa e despejou sobre a cabeça de Will.
— O que está fazendo, ficou maluca? — Will olhou incrédulo suas roupas impecáveis ensopadas.
— Talvez devesse mesmo ter se casado com a cortesã. Assim eu não seria obrigada a ficar aqui ouvindo seus insultos!
Ela tentou se afastar, mas Will a segurou pelo braço.
— Onde pensa que vai? Ainda preciso falar com você.
Belle puxou o braço com um safanão.
— Não temos nada para falar! — exclamou antes de sair quase correndo da sala.
Só parou quando chegou ao seu quarto e bateu a porta, encostando-se nela. A vontade que tinha era de socar Will até que ele estivesse desacordado no chão.
Como ousava compará-la àquela vaca?
— Milady está bem?
Belle levantou o olhar e só então se deu conta de que não estava sozinha.
Havia umas três mulheres no quarto rodeadas de uma profusão de tecidos.
— Quem são vocês?
Elas se apresentaram como sendo de um famoso ateliê de Londres.
— O duque nos chamou aqui para prepararmos um guarda-roupa completo para a senhora.
— Eu não preciso de vestidos!
A mulher sorriu complacente não dando atenção a sua recusa e começou a lhe mostrar tecidos e tirar suas medidas.
— Com certeza irão ao baile do Rei Charles, o duque é muito influente, precisa estar bem-vestida...
Belle franziu o cenho. Baile real? Era só o que lhe faltava.
Bufou, entediada, horas depois, quando finalmente as costureiras desapareceram da sua frente.
Saiu do quarto e surpreendeu-se ao perceber que a porta não estava trancada. Encontrou Will no que parecia ser um escritório e ele a fitou muito sério quando a viu.
— Posso saber por que mandou vir essas modistas?
— Você precisa de vestidos.
— Não preciso de nada!
— Prefere andar nua pela casa?
Belle ficou vermelha de raiva.
— Sabe o que eu quis dizer. Tenho certeza que essa palhaçada de casamento não vai durar muito tempo, então, por favor, não gaste seu tempo e dinheiro comigo!
— Vamos ao baile real na próxima semana.
— Ah sim, esse baile. Eu não vou.
— Vai sim.
— Mas...
— Sem mas, Belle. Estou cansado de discutir com você. Enquanto estiver nesta casa vai fazer exatamente o que eu mandar. E vamos ao baile do Rei Charles.
— Por que não leva Natasha?
Will começou a perder a paciência.
— Chega desse assunto! Não foi com Natasha que me casei.
— Claro, é difícil me esquecer disso! — Belle falou mais magoada do que gostaria de estar.
Will respirou fundo contendo a fúria.
Belle não fazia outra coisa a não ser tirá-lo do sério.
— Sente-se.
— Por quê? — Belle perguntou em desafio.
— Porque estou mandando.
— Por que não amarra logo uma coleira em meu pescoço e sai me puxando por aí?
— Sim, também poderia amordaçá-la para parar de falar asneira.
— Você pode tentar, duvido que consiga.
Will suspirou.
— Belle, chega. Preciso conversar com você e se continuar com essas birras vai ficar difícil.
— Birras?! Você só sabe ordenar, exigir! Só porque é da nobreza acha que pode tratar todo mundo desse jeito?
— Agora você também é da nobreza, duquesa.
— Não sou não. Isso aqui — ela fez um movimento amplo com as mãos indicando o local — não é o meu lugar. Não pertenço a este lugar.
— E qual é o seu lugar, Belle?
— Eu não sei. Com certeza não é aqui com você.
— Mas é aqui que está. E vai ficar até eu conseguir o que quero.
— E o que seria?
Will decidiu que era a hora de contar a verdade a Belle.
— Quando meu pai morreu, ele deixou uma cláusula no testamento. Eu e minha irmã só teríamos direito à herança, caso eu me casasse.
Belle arregalou os olhos incrédula. Tudo então fazendo sentido.
— Foi por isso que se casou comigo? Para pôr a mão na grana do seu pai?
— Não é questão de dinheiro, e sim de honra. Não posso deixar que o barão coloque a mão no que pertence ao meu pai.
— Seu pai não gostava do barão. Por que deixaria o testamento com ele?
— Contei a você no dia do baile que eram amigos quando eu era criança.
Belle lembrou-se imediatamente da passagem secreta que Will conhecia. A mesma que ele a levara para aquele quarto e... Não. Não queria lembra-se de nada do que acontecera. Sobretudo não queria se lembrar como fora idiota por deixar que ele a tocasse. E mais idiota ainda por ter gostado.
Will a fitou e Belle soube que ele estava pensando no mesmo que ela e um calor proibido subiu por seu corpo deixando o rosto rubro. Irritada, desviou o olhar.
— Sim, eu lembro do que disse — respondeu.
— Meu pai e o barão eram aliados.
— É difícil acreditar. O barão é um homem odioso e seu pai era...
— Meu pai era o quê?
— Um homem honrado.
— Lembro-me agora que ludibriou meu pai para entrar aqui e nunca entendi essa história direito.
Antes que pudesse contar a Will que salvara o conde de ser envenenado, um criado entrou na sala com uma missiva.
Will leu a carta e a encarou friamente.
— Acharam uma pista de onde estão seus amigos — falou sem expressão.
Belle sentiu o chão fugir a seus pés.
Capítulo 4
— Como? — Belle indagou trêmula, tentando não transparecer o quanto estava nervosa.
— Eu preciso sair — Will se afastou e Belle foi atrás.
— Ainda não me explicou esta história de pista...
Ele se virou para a porta a encarando friamente.
— Não confio em você.
Com essas palavras ele se afastou, deixando Belle plantada na porta.
Horas depois ela ainda não sabia o que fazer.
Tentar fugir de novo seria inútil. Apesar de não estar trancafiada no quarto já percebera que sempre tinha alguém de olho nela.
“Não confio em você” Will dissera e Belle pensou que ele tinha razão em não confiar.
Ela não queria ficar ali.
Será que encontrariam Blake e os outros? Esperava sinceramente que não.
Jantou sozinha naquela noite. Quando indagara a um dos criados se sabia onde o duque tinha se metido, não recebera resposta.
Foi dormir ainda sem ter notícias de Will. E quando acordou já era dia. Ao descer para o salão, uma criada lhe deu um bilhete. Era de Will e dizia que ele viajara logo cedo. Não dizia para onde, nem por quanto tempo.
Belle se perguntava se ele estava no encalço dos bandoleiros.
Os dias foram passando e ela estava começando a se acostumar a viver naquela casa sozinha, quer dizer, não estava realmente sozinha, havia uma profusão de empregados e guardas.
Os guardas a vigiavam o tempo inteiro e Belle já desistira de tentar uma fuga. Pelo menos por enquanto. As modistas apareceram depois de uns dias com todos os vestidos prontos, além de uma infinidade de acessórios. Belle se perguntava o que faria com tudo aquilo.
Passava os dias a perambular pela enorme casa à procura de alguma saída secreta. Se na casa do Barão tinha, ali também poderia ter alguma, mas até agora não achara nada.
Um dia, estava voltando do jardim, quando viu uma movimentação anormal na casa.
— O que aconteceu? — indagou à criada.
— O duque está chegando.
Belle não sabia se sentia alívio ou preocupação.
Não sabia o que esperar ou como ficariam as coisas dali por diante.
Mas uma coisa era certa. Não queria encarar Will ainda.
Num impulso, subiu as escadas quase correndo e se trancou no quarto.
Foi à janela e o viu saindo da carruagem.
Alguns homens o rodeavam, e Belle reconheceu alguns membros do parlamento.
De repente, como se sentindo observado, Will olhou para cima.
Belle pensou em recuar, mas sustentou seu olhar. Ele parecia... abatido.
Seria esse um indício de que os bandoleiros não foram encontrados?
Por que não descia e acabava logo com aquela dúvida?
Virou-se para fazer exatamente isso quando uma criada sorridente entrou no quarto.
— Com qual vestido irá ao baile, milady?
— Baile?
— Sim, hoje é o baile real, viemos aprontá-la.
— Agora eu preciso falar com o duque.
A moça pareceu ficar receosa.
— Mas o duque está a portas trancadas com os membros do parlamento.
Belle bufou. Talvez aquela não fosse a melhor hora de confrontar Will.
Ela desceu horas depois e sentiu-se extremamente ridícula naquele vestido cheio de frescuras. Não estava com a menor vontade de bancar a “duquesa” ao lado de Will naquele baile. A única coisa que lhe interessava no momento era saber se tinham prendido os bandoleiros.
Como suspeitava, Will a esperava perto da carruagem. Estava muito sério e conversava em voz baixa com um homem corpulento. Então levantou o olhar e a viu. Os olhos a miraram de cima a baixo com uma meticulosa inspeção e Belle sentiu o rosto esquentar. Não sabia dizer se era de raiva ou excitação por se ver admirada pelos olhos intensos de Will. Ele dispensou o homem com um aceno e Belle aproveitou para aproximar-se.
— Eles foram pegos? — questionou sem rodeios.
Por um momento achou que Will não ia responder.
— Eu não... — ele começou, mas Belle segurou seu braço.
— Will, por favor — pediu. Não importava de estar implorando e sendo fraca na frente dele. Só queria ter certeza que os amigos escaparam.
— Não, eles não foram pegos. Era uma pista falsa. Está satisfeita?
Belle conteve a vontade de sorrir e dizer que estava sim muito feliz por seus amigos terem conseguido fugir.
Mas se limitou a agradecer.
— Obrigada por me informar. — E entrou na carruagem ignorando sua mão estendida para ajudá-la.
Will sentou-se a sua frente e admirou-a disfarçadamente.
A cor verde-escura do vestido novo lhe caía bem, mas sabia que Belle ficaria bem em qualquer coisa, mesmo que estivesse vestindo trapos. Ou vestindo nada.
Will mexeu-se desconfortável, a lembrança daquele corpo nu embaixo do seu fazendo seu sangue correr mais rápido nas veias. Desviou o olhar, disposto a não se entregar à atração sem sentido que teimava em invadir a mente desde que pusera os olhos naquela bandoleira. Raiva e frustração misturavam-se dentro dele a ponto de explodir. Toda aquela situação, a morte de seu pai, o testamento, a fuga dos bandoleiros e agora ter que manter Belle perto de si estava minando sua paciência. O que mais queria era que tudo terminasse logo e finalmente se ver livre daquele desejo proibido. A carruagem parou o tirando de seus devaneios e ele mirou Belle.
Ela estava meio pálida e parecia nervosa.
— Não precisa se preocupar.
Ela o fitou aturdida.
— Não estou nervosa. Estou apenas irritada de ser obrigada e perder meu tempo nesse baile idiota.
Will não conteve o riso.
— Eu também não gostaria de perder meu tempo, mas é preciso.
Belle mordeu os lábios, desconcertada com vontade de rir com ele, mas não podia dar o braço a torcer.
— Então vamos logo com isso.
Um criado abriu a porta da carruagem e a ajudou descer.
Belle olhou para cima, sentindo um tremor de medo. Não queria encarar aquela gente empoada, que odiara a vida inteira.
“Você é um deles agora.”, disse a sua consciência.
Mas não para sempre. Aquele ali não era seu lugar.
— Preparada? — Will perguntou ao seu lado, oferecendo o braço para Belle colocar sua mão.
— Nunca — respondeu, mas o acompanhou para dentro do esplendor luxuoso do salão.
Liliana, a ex-noiva do Will, aproximou-se cautelosa.
— Olá, Liliana — Will a cumprimentou.
Liliana olhou curiosa para Belle.
— Essa é minha esposa, Belle.
— Sim, fiquei sabendo que se casou. Muito prazer, Belle.
Belle cumprimentou a ex de Will sentindo um misto de curiosidade e ciúme.
Ciúme? Estava mesmo com ciúme de Liliana?
Will desviou o olhar da ex-noiva para um dos seus guardas que o chamava discretamente.
— Liliana, se me der licença, tenho negócios a tratar.
Ele se afastou deixando as duas mulheres sozinhas.
Liliana fitou Belle com um sorriso amigável.
— Fico feliz que Will tenha se casado.
— Corta essa, Lady Liliana, já nos conhecemos, esqueceu? Eu fui até sua casa uma vez.
— Sim, eu me lembro.
— Então deve saber que eu não passo de uma bandoleira.
— Não, você não é mais uma bandoleira. Agora é uma duquesa.
Belle riu irônica procurando Will com o olhar. Ele trocava palavras com o mesmo homem corpulento que viu mais cedo.
Liliana acompanhou seu olhar.
— Você o ama?
— Como? — Belle indagou espantada.
— Perguntei se você gosta do Will.
— Não, eu... Acho que não é da sua conta!
— Eu sei que não. Mas Will gosta de você e...
— Will não gosta de mim. Se casou comigo apenas porque eu ia para a guilhotina e precisava de uma esposa para validar o testamento do seu pai.
— Pode ser, mas reparei como se olham, há muito mais aí do que querem admitir.
Belle desviou o olhar, irritada com as palavras de Liliana.
O homem agora se afastava de Will e uma moça ricamente vestida aproximou-se dele.
Belle arregalou os olhos ao reconhecer Natasha.
— Filha de uma... — Parou a imprecação ao lembrar que não estava sozinha.
— Tem ciúme daquela mulher, não tem?
Belle riu.
— Claro que não. Não passa de uma cortesã.
— Mas não gosta de vê-la com Will.
— Eu não dou a mínima — mentiu.
Liliana sorriu.
— Você pode se enganar, Belle, mas sei que se importa. Só espero que você e Will se deem conta disso antes que seja tarde.
Alguém a chamou e ela sorriu.
— Preciso ir. Foi bom revê-la, Belle.
Liliana se afastou deixando Belle sozinha com seus temores.
Natasha continuava a se insinuar para Will. Ele parecia tenso, mas também não fazia nada para conter os avanços da cortesã.
Belle tinha vontade de ir lá e arrancar os olhos dele!
— Ela é muito bonita, não é?
Belle quase deu um pulo ao ouvir a voz do barão atrás de si.
— Para quem gosta de vagabundas!... — respondeu.
O barão sorriu.
— O duque parece gostar. — Ele mediu Belle. — Afinal, parece mesmo ter um gosto duvidoso.
Belle fechou os punhos para conter a vontade de esmurrar aquele barão ordinário.
— Eu contarei ao Will que foi você quem matou o conde.
O barão ficou sério.
— Acha mesmo que ele vai acreditar em você?
Belle deu de ombros.
— Eu não sei, mas se fosse o senhor começava a me preocupar.
— Não me ameace, bandoleira!
— Não estou ameaçando. Apenas avisando que o seu joguinho está chegando ao fim. Nunca conseguirá pôr as mãos nos bandoleiros e tão pouco colocará suas mãos sujas na herança do conde. Você perdeu.
— Não pense que acabou, Belle. Todos sabem que este seu casamento é uma farsa.
— Não sabe de nada.
— Aí que se engana. Tenho espiões na sua casa. E basta uma palavra minha para testemunharem que seu casamento com o duque não é de verdade. E então você voltará para a torre, que é o seu lugar e tudo o que pertencia ao conde será meu!
— Se tem tanta certeza disso, por que ainda não tentou anular meu casamento?
— Porque não é o que quero. — Aproximou-se como uma cobra. — Quero que venha para o meu lado, Belle.
— O quê?
— Torne-se minha aliada.
Belle mal podia acreditar no que estava ouvindo.
O barão estava mesmo tentando convencê-la a ficar do lado dele? Mas com que propósito? Com um falso interesse ela o fitou.
— E o que eu teria que fazer?
— Preciso do apoio de Will no parlamento. Ele está seguindo as ideias do seu pai e destruindo meus planos.
— Tem a ver com Oliver Cromwell? — Belle citou o líder puritano que almejava usurpar o trono inglês.
— Entre outras coisas.
— Então quer que eu convença Will a te apoiar? Acha mesmo que ele faria isso?
— É uma mulher esperta, Belle. Eu mesmo pude ver o poder de sua... persuasão, quando me assaltou. Sabe o que fazer para ter o duque em suas mãos.
— E o que eu ganharia com isso?
— Eu a protegeria. Seu casamento ainda seria desfeito, afinal, depois de conseguir o apoio de Will e finalmente Oliver tomar o poder, teria que me livrar do duque.
Belle não podia crer na cara de pau do nobre, mas continuou dando corda.
— Por que precisa tanto do apoio de Will?
— Will é amigo pessoal de Charles, assim como era o conde. Tentei trazer o conde para o meu lado, mas...
— Quando não conseguiu resolveu matá-lo.
— É assim que eu lido com os empecilhos.
— É uma ameaça?
— Você pode ter tudo, Belle. Apenas venha para o lado certo. Oliver conseguirá a coroa mais dia menos dia e de qualquer jeito quem apoia o Rei Charles estará perdido.
— Se é assim, por que quer tanto a ajuda de Will?
— Preciso provar a Cromwell o meu valor.
Belle deu um risinho cínico.
— Então Oliver não confia em você?
— Claro que confia, mas ele é um homem astuto e tem o pé atrás com nobres. Preciso provar a ele que estou ao seu lado incondicionalmente.
— E Will entra onde?
— Preciso de informações valiosas que só quem é muito próximo ao rei tem acesso. E com essas informações Oliver poderá tomar a Inglaterra o quanto antes.
— E Will seria a pessoa que conseguira essas informações?
— Sim, mas o duque, como seu pai, é muito cheio de escrúpulos. Se negou até a aceitar a mão da minha filha.
— Você queria casar sua filha com Will?
— Sim, ela seria peça importante no tabuleiro.
— Então eu só precisaria convencer Will a passar para você as informações que precisa e eu estaria livre?
— Sim, eu mesmo cuidarei disso. Podemos até chegar a um outro tipo de acordo...
Belle sentiu vontade de vomitar com o olhar lascivo que o barão lhe lançou, mas se conteve.
— E se eu não estiver disposta a ajudá-lo?
— Eu não hesitarei em contestar esse seu casamento fajuto.
— Não tem provas que...
— Meu informante está disposto a testemunhar. E mesmo que não seja verdade... passará a ser, afinal o duque afrontou a nobreza ao se casar com você, uma reles bandoleira condenada à guilhotina. Não será difícil conseguir a anulação de seu casamento. Assim, ele perderá a herança e você voltará à torre, e com certeza, será executada.
Belle sentiu as agruras do medo transpassá-la.
Olhou para Will do outro lado do salão, Natasha continuava a monopolizar sua atenção.
Por mais que não estivesse feliz, não podia traí-lo. Odiava o barão e não queria fazer parte de seu plano sórdido. Mas também estaria disposta a perder tudo? A deixar Will perder tudo depois de tê-la salvado? Mas o barão dissera que Will perderia de qualquer maneira, pois se livraria dele assim que Oliver Cromwell conseguisse subir ao poder.
Belle olhou para o barão. Um plano se formando em sua mente.
— Se eu disser que concordo com você, que ficarei ao seu lado, e ajudarei a conseguir o apoio de Will, nos deixará em paz?
— Por enquanto. Claro que teria que conseguir o que quero logo. Senão me verei obrigado a cumprir com a ameaça.
— Tudo bem, estou ao seu lado.
Capítulo 5
O barão sorriu.
— Não irá se arrepender. Tudo o que tem a fazer é seduzi-lo e engendrá-lo em sua teia. Tenho certeza que Will cairá. Afinal, conseguiu que ele se casasse com você.
— Sim, eu farei o que pede, mas quero garantias de que me deixará em paz depois disso e também aos meus amigos. Se eu conseguir o que quer terá que deixar todos os bandoleiros em paz.
— Certo. É justo.
Belle tentou se afastar, mas o nobre segurou seu braço.
— Espero que não falte com sua palavra, bandoleira. Ou saberá o peso de minha ira.
— Algum problema, Belle? — Belle respirou aliviada ao ouvir a voz de Will atrás de si.
O barão a soltou devagar.
— Claro que não, Will. Eu apenas estava convidando a duquesa para uma dança.
— Ela não dançará com você.
Will pegou o braço de Belle e saiu quase a arrastando pelo salão.
— Me solta, seu bruto!
— O que estava fazendo conversando com o barão?
— Não é da sua conta, ou talvez devesse indagar a você também o que tanto tinha a falar com Natasha?
— Natasha é inofensiva.
Will preferiu não contar a Belle que Natasha na verdade estava pedindo desculpas por seu comportamento e que oferecia sua amizade. Também dissera a Will que tinha contatos com o barão e que poderia ajudá-lo no que fosse preciso. Will não sabia se acreditava naquela súbita amizade da cortesã.
Belle soltou o braço com um safanão e se afastou por entre os convidados.
Will a seguiu.
— Belle, volte aqui! Está dando um escândalo! — Will exclamou exasperado.
Belle se voltou, sentindo-se subitamente cansada.
Talvez fosse todo o turbilhão de emoções da noite, mas estava começando a se sentir mal.
— Quero ir embora — pediu.
Will reparou que ela estava pálida e se preocupou.
— Você está bem?
— Sim, apenas estou cansada de tanta hipocrisia!
— Tudo bem, vamos embora. Vou mandar trazerem a carruagem.
Will observou Belle na semiescuridão da carruagem. O que ela conversara com o barão?
— Preciso que me diga o que o barão te disse.
Belle o fitou. E agora, o que podia falar?
Com certeza, não a verdade. Claro que não tinha a menor intenção de ajudar FitzRoy, mas também não queria dizer a Will que estava enganando o nobre. Ele a chamaria de maluca e provavelmente até duvidaria de suas intenções. Ainda não sabia o que ia fazer, mas não podia dizer nada a Will.
Tampouco imaginava que ele acreditasse nela se dissesse que tinha praticamente certeza que fora o barão o responsável pela morte do seu pai.
— Talvez devesse se preocupar com quem o rodeia. Acho que alguém o trai.
— O que quer dizer?
— O barão sabe que nosso casamento é uma farsa.
— Ele não tem como saber.
— Mas sabe.
— Se ele soubesse já teria usado isso contra mim.
Belle deu de ombros.
— Deve estar esperando a hora certa.
Will a fitou desconfiado.
— O que mais?
— O que mais o quê?
— Tenho certeza que não foi só isso que conversaram.
— Mas foi.
— Belle, espero que não esteja me escondendo nada senão...
— Senão o quê? Vai me mandar de volta à torre?
— Sabe que não, mas não quero que volte a se aproximar do barão. Ele é um homem perigoso.
— Eu sei me cuidar.
— Eu não duvido, mas quero que me escute.
Belle fechou os olhos e não respondeu.
Ainda estava tentando entender o que dera na sua cabeça para se envolver nas artimanhas de FitzRoy.
Como faria para enganá-lo? E quem na casa de Will estava passando informações ao barão? Não podia confiar em ninguém. Devia ter perguntado a ele, já que agora era sua “aliada”. Assim, poderia afastar a pessoa da casa.
Começou a sentir as pálpebras pesadas e sem querer deslizou para o sono.
Will a observou adormecida. Estava preocupado. Havia muito mais naquela história do que Belle deixara transparecer. E também precisava descobrir quem é que estava passando informações ao barão.
Will teria que achar um jeito de descobrir a verdade.
****
Mário torceu as mãos, aflito. Já fazia quase um mês que Ana Lúcia fora atacada pelo bandoleiro e apesar de se recuperar lentamente, ainda estava debilitada. Sua mãe dissera que ela ficaria bem, mas Mário tinha medo dela não mais ficar boa.
E tudo era culpa daquele bandoleiro. Havia seduzido e atraiçoado sua irmã, e Mário se culpava por não ter entregado o bandido. Se não tivesse ficado de boca fechada, Jack estaria há muito tempo preso e Ana Lúcia ainda bem.
De repente ouviu um barulho e voltou para perto da cama novamente.
E soltou um grito ao ver que Ana Lúcia estava acordada.
Ela já tinha acordado antes, mas sempre muito fraca para falar.
— Mário?
— Graças a Deus!
Ana Lúcia fitou o irmão, confusa. Sentia dores em todo o corpo e a mente atordoada.
— Mário... — Ela tentou se levantar, mas sentiu uma forte tontura.
Mário imediatamente colocou a mão em seu ombro obrigando-a a se deitar.
— Nem pense em sair daí. Vou já chamar a mamãe.
— O que aconteceu?...
— Não se lembra? Aquele bandoleiro safado enfiou a espada em você.
Ana Lúcia fechou os olhos. As imagens dançando em sua mente. Sim, ela se lembrava. Havia lutado com Jack. Ele achava que fosse Lúcios. Ana Lúcia fechou os olhos com força e ao abri-los focalizou-os em Mário.
— O que aconteceu com Jack?
— Fugiu.
Ana Lúcia não pôde evitar de sentir um certo alívio. Jack não valia nada, mas ela sabia que bem lá no fundo ainda sentia algo por ele. E agora Jack sabia que Lúcios não existia.
Lembrava que ele havia descoberto tudo, mas também do que adiantava agora? Pensava que estava morta.
Sua mãe entrou no quarto.
— Ana Lúcia, graças a Deus! Está se sentindo bem?
— Sim, estou.
A mãe colocou a mão na cintura e a encarou muito séria.
— Então agora vai me explicar direitinho essa história de se vestir de guarda.
Ana Lúcia revirou os olhos e encarou Mário.
O irmão apressou-se em sair do quarto rapidinho.
— Você não tem juízo? Poderia estar morta agora!
— Eu fiz o que era certo.
— Certo? Fingir que era homem e entrar na guarda real?
— Eu não quero ser igual a você! Não quero me casar e ficar em casa sem fazer nada! Quero uma vida diferente e infelizmente só os homens podem viver assim!
— E veja no que deu! Quase morreu por causa dessa ideia maluca.
— Eu quase morri, porque por mais que tentasse agir como um homem acabei fazendo como todas as mulheres e caindo na lábia de um deles!
— Sim, essa é outra história. Como pôde deixar aquele bandoleiro ficar debaixo do nosso teto?
— Eu sei que agi errado.
— O que aconteceu entre você e aquele homem?
— Nada. — Ana Lúcia disfarçou. — E não quero mais falar sobre isso.
— Sim, é melhor mesmo enterrar este assunto. De hoje em diante, você será apenas Ana Lúcia. Lúcios morreu. E vai agir do jeito que eu mandar.
A mãe saiu do quarto e Ana Lúcia se recostou no travesseiro, cansada, mas no olhar uma chama de determinação.
Sim, Lúcios podia ter morrido, mas ela não pretendia ficar ali plantada como sua mãe queria.
Tinha que dar um jeito de escapar.
****
Belle acordou devagar. Abriu os olhos e por um momento não soube onde estava. A última coisa que se lembrava era de estar na carruagem com Will.
Sentou-se de um pulo olhando ao redor e arregalou os olhos ao perceber que aquele não era o seu quarto.
E então percebeu algo ainda mais estranho.
Não estava sozinha e Will dormia serenamente ao seu lado.
Mas o que é que ela estava fazendo ali?
Capítulo 6
Belle deu um pulo da cama, mas antes que conseguisse fugir, mãos fortes a impediram.
— O que pensa que está fazendo? — Will indagou.
— Quem tem que fazer essa pergunta sou eu! Posso saber o que é que estou fazendo aqui?
— Adormeceu na carruagem.
— Disso eu me lembro... será que pode me soltar?
Will soltou seu braço e se afastou.
Belle voltou a respirar normalmente.
— Ainda não entendi.
— Você me disse que o barão tinha algum espião aqui na minha casa.
— Sim.
— Então, a partir de hoje, é aqui você vai dormir.
— Como é que é?
— Você entendeu. Enquanto eu não descobrir quem é que está do lado do barão, iremos fingir.
— Não. — Belle pulou da cama e só então percebeu que estava de camisola. Lançou um olhar acusatório a Will.
— A criada trocou sua roupa — ele respondeu.
Will exasperou-se com sua desconfiança.
Claro que ele não iria fazer aquilo ele mesmo. Ver Belle sem roupa novamente não seria uma boa ideia para sua paz de espírito e sua convicção de manter tudo como estava.
— Nem pense em discordar dessa ideia.
— É ridículo! Não vou dormir com você!
— Você vai.
— Não seria mais fácil descobrir logo quem é que está espionando para o barão e dar um fim na pessoa?
— Eu vou descobrir, mas por enquanto vai ficar aqui.
Belle já ia responder, mas ouviu uma batida na porta e uma criada entrou entregando um envelope a Will.
A mulher saiu discretamente e Will a fitou.
— Preciso sair. Depois conversamos.
Ele saiu do quarto e Belle bufou irritada.
Era só o que faltava agora.
A mesma criada voltou ao quarto e desta vez entregou um envelope a Belle.
— O que é isso?
— Um homem deixou para a senhora. Tinha o brasão do Barão de Wessex.
Belle abriu o envelope e gelou.
Era uma missiva do barão. Com poucas palavras ele pedia que se encontrassem naquela manhã.
Belle apressou-se em jogar o papel na lareira. Sentia-se enjoada de medo. Talvez não tivesse sido uma boa ideia concordar com seus planos, mas precisava de tempo.
Agora sim estava perdida. Como iria conseguir enganar o barão?
Quando desceu para o grande salão, encontrou Will conversando com o mesmo homem que viu no dia anterior.
Quando a viu, Will dispensou-o e foi em sua direção.
— Meus empregados estão sob vigilância.
— É bom descobrir logo o espião, porque não vou ficar no seu quarto!
— Belle...
— Estou cansada de ficar aqui dentro! Será que não posso sair para dar uma volta?
— Tudo bem. Vou designar alguns guardas para acompanhá-la.
— Não é preciso...
— Quem decide isso sou eu.
Belle mordeu os lábios.
Como iria conseguir despistar os guardas para encontrar o barão?
****
Belle pediu ao cocheiro que a deixasse no parque. Uma dama de companhia muito calada a acompanhava. Além dos guardas.
Ela caminhou pela grama verde sentindo-se ridícula.
Se o barão aparecesse ali, na frente dos guardas, nem sabia o que ia acontecer.
Mas ele apareceu e Belle teve vontade de sair correndo.
— Olá, duquesa.
Belle olhou em volta e os guardas não esboçaram qualquer reação. Claro que eles não iam achar que o Barão de Wessex fosse uma ameaça.
— Olá, barão — Belle respondeu.
Eles caminharam lado a lado e os guardas mantiveram uma distância respeitosa.
— E então, Belle, como vai seu plano?
Belle olhou em volta preocupada.
— Não se preocupe, não estão ouvindo.
— É muito arriscado me encontrar aqui. Com certeza o Will vai ficar sabendo que nos encontramos.
— Tenho certeza que arranjará uma desculpa...
— Acha que o Will vai acreditar? Ele não é idiota!
— Não me interessa o que vai fazer para que ele acredite em você. Apenas consiga o que combinamos, do contrário estará em maus lençóis.
Belle parou e virou-se para ele, furiosa.
— Não vou deixar você me intimidar! Seu espião na casa do duque já deve ter lhe contado que meu casamento foi consumado — mentiu.
Belle viu os olhos do barão se turvarem de raiva e ele a segurou pelo braço.
— Não pense em voltar atrás, bandoleira.
Os guardas de Will aproximaram-se, mas foram impedidos de chegar até Belle pelos guardas do barão que bloquearam o caminho.
— Me solta — Belle pediu.
— Você não sabe com quem está lidando. Se não fizer o que eu quero, acabo com você.
— Já tentou acabar comigo uma vez e não conseguiu!
— Porque o Will te salvou! Mas duvido que ele se importe com você para te salvar de novo!
— Não pode nada contra mim. E muito menos contra Will.
— Você que pensa.
O barão a soltou e fez sinal para seus guardas desbloquearem o caminho.
Antes de partir, ele encarou Belle.
— É bom que esteja dormindo com Will, assim conseguirá o que quer mais facilmente. Nos encontraremos aqui amanhã. E é bom que tenha algo para mim.
— A senhora está bem? — o chefe da guarda indagou.
— Sim, estou. Vamos embora.
— Mas...
— Agora!
Belle chegou em casa e subiu direto para o quarto.
Estava tremendamente arrependida de ter concordado com os planos do barão. Agora teria que ter alguma coisa para ele até o dia seguinte. Estava perdida.
E quando Will descobrisse que estivera com o barão estaria mais perdida ainda.
Não demorou muito para ela ter uma ideia no que tinha se metido. Minutos depois Will entrou no quarto como um furacão.
— Me contaram que estava com FitzRoy!
— Oh, já foram te contar?
— Não se faça de desentendida, Belle.
— Não sei o que está querendo dizer...
Ele se aproximou a segurou seu braço.
— Armou este encontro com ele, não foi? Por isso pediu para sair!
— Solte-me, está me machucando!
— Vamos, responda!
Belle engoliu em seco sem saber o que dizer, mas finalmente levantou o queixo.
— Sim, eu marquei.
Will a soltou. Estava completamente furioso.
— Eu queria descobrir quem era que estava nos espionando... — Belle mentiu.
Will a fitou incrédulo.
— Acha que vou acreditar?
— Mas é a verdade. Eu marquei este encontro com o barão para que me dissesse quem espiona você.
— Achou mesmo que ele lhe diria?
Belle deu de ombros.
— Por que não? Lembra que sou uma bandoleira, Will, e como você mesmo gosta de frisar, eu engano os homens muito bem!
— Então foi isso? Foi seduzir o barão?
— Não é o que está pensando. Apenas ia tentar arrancar dele um nome!
— Belle, acho que você está mentindo. Os guardas me disseram que o barão a segurou e que discutiram.
— Sim, é verdade. Ficou furioso comigo quando percebeu o que eu queria.
— Diga o que mais tem nessa história.
— Não há nada — Belle insistiu.
Will a fitou com raiva por alguns instantes, mas por fim se afastou.
— Tudo bem. Se é assim que quer, assim será. Tinha começado a achar que podia confiar em você, mas estava enganado.
Ele a fitou com uma centelha de dor no olhar e Belle sentiu um baque no peito.
E num instinto, ela deu um passo em sua direção.
— Will, por favor.
Ele a fitou friamente.
— Está proibida de sair deste quarto.
Ele saiu batendo a porta e Belle sentiu um nó na garganta.
Com as pernas subitamente fracas, sentou-se na cama.
Não devia estar sentindo aquela dor. Aquele vazio no peito e aquele medo terrível.
Tudo estava uma confusão. O barão queria algo que ela jamais iria conseguir. Will a odiava.
Belle sentiu lágrimas quentes em seus olhos e no minuto seguinte estava chorando copiosamente.
Porque não queria que Will a odiasse.
Não quando estava apaixonada por ele. Como foi que deixou isso acontecer?
Agora sim estava definitivamente perdida.
Belle não sabia dizer quantas horas passou chorando, mas ouviu uma batida na porta e uma criada entrou.
— O que quer? — indagou irritada.
A moça aproximou-se e lhe deu uma carta.
— O que é isso? Foi um lacaio do barão?
— Não senhora, foi um desconhecido.
A mulher ia se afastar, mas então Belle a chamou.
— Qual seu nome?
— Lauren, senhora.
— Lauren, por acaso você conhece o barão?
— Não senhora.
— Não teria coragem de trair o duque, não é?
A moça arregalou os olhos assustada.
— Claro que não. Eu e meu pai trabalhamos aqui desde sempre, os Cavendish são os melhores patrões e...
— Tudo bem, pode sair.
A criada se afastou fechando a porta atrás de si.
E Belle abriu a carta e quase caiu para trás.
Era uma carta de Jack!
“Belle
Espero que esteja bem. Ainda não posso acreditar que para se livrar da guilhotina se casou com o duque. Blake diz que você sabe se cuidar, mas mesmo assim estamos preocupados.
Estamos indo para a Escócia, iremos nos esconder na propriedade de Logan, mas antes de partirmos decidimos escrever para você. Vamos te esperar até amanhã à noite. Não sabemos o que anda acontecendo por aí, mas não podemos te deixar sozinha.
Se não aparecer até amanhã, saberemos que não irá conosco e partiremos.
Jack”
Belle fechou a carta.
A mente num turbilhão de pensamentos.
Estava feliz e aliviada por saber que seus amigos estavam bem e prestes a atravessar a fronteira. Estariam mais seguros na Escócia.
E iriam esperá-la. Mas ela queria ir?
Partir significava nunca mais ver Will.
Mas o que tinham? Nada. Estavam casados, mas ele a desprezava. A salvou porque precisava de uma esposa para validar o testamento do seu pai.
E agora estava perdida porque o barão não a deixaria em paz.
Sim, talvez o melhor fosse fugir.
Aquele mundo não era dela. Assim como Will nunca seria.
Ignorando o nó na garganta, Belle tocou o sino chamando uma criada.
A mulher apareceu.
— Precisa de algo, milady?
— Onde está o duque?
— Saiu, senhora.
— Certo. Onde está a roupa que cheguei aqui?
— Nós a queimamos, senhora.
Ela reparou nas roupas da empregada.
— Acho que as suas vão servir...
— Não estou entendendo, senhora...
— Vamos, tire suas roupas.
— O quê?
— Pode pegar um dos meus vestidos para você.
— Mas...
— É um presente. Temos o mesmo corpo, quero lhe dar um vestido.
A moça sorriu feliz e rapidamente trocou de roupa, e quando ia pegar suas roupas do chão, Belle a impediu.
— Deixe-as aí.
— Mas senhora...
— É uma ordem.
A mulher saiu e Belle colocou as roupas, inclusive a touca branca no cabelo.
Agora era rezar para que não desconfiassem de nada.
Dando uma última olhada pelo quarto, ela pulou a janela.
Não havia nenhum guarda ali, mas não tardou a ver uns no portão.
Abaixou o olhar e apressou o passo.
— Onde vai Lauren? — um deles perguntou.
— À cidade, o cozinheiro pediu para comprar algumas coisas... — Belle falou disfarçando a voz e o portão foi aberto.
Ela respirou aliviada ao se ver finalmente fora dos portões.
Deu uma última olhada para a imponente mansão. Sentiu uma imensa vontade de chorar, mas não podia voltar atrás.
Piscando os olhos para afugentar as lágrimas, apertou o passo. Estava finalmente se aproximando do centro da cidade quando começou a se sentir mal.
Lembrou que não tinha comido nada naquele dia e já era à tarde.
Segurou-se numa árvore, mas uma tontura forte a tomou e ela foi engolida pela escuridão.
****
Ana Lúcia deu um suspiro de enfado ao caminhar com seu irmão pelas ruas de Londres.
— Não vou aguentar isso por muito tempo — resmungou desgostosa.
— Ana Lúcia, tem que obedecer a mamãe.
— Não quero ser mais uma criadinha de algum nobre sem-vergonha!
— Não tem saída.
Ela olhou saudosa ao ver uns guardas na rua.
— Daria tudo para voltar...
— Mas não pode. Quase morreu!
— Quase morri por outro motivo, como bem sabe.
— Sim, se apaixonou pelo bandoleiro.
— Cala a boca! Não quero mais falar sobre isso.
— Não está mais aqui quem falou!
Ana Lúcia bloqueou a mente, como sempre fazia quando a imagem de Jack a assolava.
Não deveria mais pensar nele.
Lançou os olhos pela rua e então viu uma criada mais à frente.
A moça parecia estar passando mal e no momento seguinte, caía na calçada.
Ana Lúcia correu até ela seguida por Mário.
— Nossa, essa deve estar mal... — Mário comentou enquanto Ana Lúcia virava a moça.
— Cala a boca! Não vê como está pálida?
Ana Lúcia segurou seu rosto e este movimento fez a toca cair, revelando os longos cabelos castanhos e reconheceu a bandoleira.
— Mas esta é Belle, a bandoleira!
— Quem?
— A bandoleira que andava no grupo do Jack!
— A que se casou com o Duque de Buckingham?
— Sim, ela mesma! Nem me lembrava mais dessa história.
— Mas o que ela faria aqui desmaiada, no meio da rua e vestida de empregada?
— Não sei, mas temos que tirá-la daqui. Venha, Mário, me ajuda a levantá-la. Vamos levá-la para a casa do duque.
****
Will não podia acreditar.
Tinha ido atrás do barão, mas ele não estava.
Não acreditou na história de Belle. Ela escondia algo e ele tinha que descobrir o que era.
Também não podia crer que Belle fora tola o bastante para se envolver em alguma artimanha com o barão. Mas também como confiar nela? Era uma bandoleira.
A verdade era que Belle o confundia o tempo inteiro. Pensara ver alguma verdade em seu olhar na noite anterior, mas hoje descobrira que podia o estar enganando com o barão.
Por que faria isso? Pensava que ela odiasse o barão.
Mas Belle não queria estar ali. Ele a forçou àquele casamento. Para salvá-la e porque fora conveniente a ele.
Devia expor a situação e prometer que a deixaria partir quando toda a situação com o barão se resolvesse. Era o certo a fazer. Todavia, havia algo dentro dele que o impedia.
Porque bem lá no fundo, não queria que Belle partisse.
Mas o que podia fazer? Confiar nela?
Não sabia se Belle era de confiança. Era uma bandoleira e estava em seu espírito fugir. E sua lealdade estava com seus amigos. Will sabia que não podia aprisioná-la para sempre.
Mesmo que seu coração pedisse para que não a mandasse embora.
Sabia que era perigoso mantê-la ali, mas por enquanto precisava dela para ir contra o barão.
E quando tudo terminasse a livraria daquele acordo e ela poderia ir embora.
Will ignorou o vazio que este pensamento lhe afligiu e desmontou, entrando em casa.
Iria procurar Belle e tentar arrancar a verdade dela, se estivesse metida em algum plano com o barão, ele a faria desistir e a manteria sob vigilância cerrada até tudo acabar. E então ela partiria.
Todavia, quando ele entrou no quarto achou apenas a criada, que estava estranhamente vestida com as roupas de Belle.
— Onde está sua senhora?
A moça o encarou com os olhos arregalados de medo.
— Ela fugiu, milorde.
Will sentiu a fúria o dominar. Não era possível que ela fugira novamente.
— Guardas! — gritou e aproximou-se da mulher. — Por que está com essas roupas?
— Ela disse que ia me dar um presente... e pediu que eu deixasse minhas roupas aqui...
Will sorriu com sarcasmo. Então fora assim que Belle conseguira fugir.
— Há quanto tempo isso aconteceu?
— Há mais ou menos uma hora, milorde.
Will soltou uma imprecação e saiu do quarto.
Já ia gritar aos guardas novamente quando um deles entrou na casa, esbaforido.
— Milorde, esses dois apareceram aqui com Lady Cavendish...
Will viu um garoto e a moça morena entrando, mas sua atenção recaiu na mulher desacordada nos braços do garoto.
— Belle! — Ele se aproximou preocupado.
— Ela está respirando, creio que desmaiou — a moça dizia, mas Will já tirava Belle do colo deles e tomava sua pulsação.
— Sim, parece apenas desacordada. — Ele encarou o guarda. — Chame o médico... Rápido.
Will subiu as escadas e depositou Belle na cama. Só então reparou que a moça morena estava atrás dele.
— Eu a encontrei caída na rua, e a reconheci.
— Muito obrigado por trazê-la, será recompensada.
— Não quero nenhuma recompensa.
Will a encarou atentamente.
— Eu conheço você?
Ana Lúcia corou.
— Não, nunca nos vimos, senhor...
O médico entrou no quarto e todos tiveram que sair.
Will passou a mão pelos cabelos, encostando-se na parede do lado de fora, sentindo-se mais frustrado do que nunca. Sentia-se aliviado por Belle não ter conseguido fugir e preocupado por ela estar mal.
Agora teria que esperar que o médico a examinasse.
Belle acordou lentamente e então viu o homem grisalho.
Ele colocara um lenço contendo algo de cheiro forte em seu nariz.
— Sente-se melhor, Lady Cavendish?
Belle sentou-se de um pulo.
— Quem é você?
— Sou médico. O duque me chamou para examiná-la.
— O duque? — Belle olhou em volta e percebeu que estava novamente em seu quarto. — Não!
Lembrou-se que tinha conseguido fugir, mas perdera os sentidos e não lembrava mais de nada.
— Não se preocupe, milady, a senhora está bem.
— Que ótimo — ela falou irônica.
— O duque pareceu bastante preocupado.
— Posso imaginar — falou no mesmo tom, tentando sair da cama. Talvez ainda conseguisse sair dali, mas o médico a impediu.
— Aconselho a senhora ficar aí. Ainda está meio fraca. A criada disse que não comeu nada.
— Sim, por isso devo ter desmaiado quando mais precisava de força! — falou com raiva de si mesma.
— Sim, a senhora perdeu os sentidos por estar franca, mas pode haver outros motivos.
E o médico começou a cravá-la de perguntas que não parecia a ela fazer o menor sentido.
— Creio que tinha razão — o médico disse por fim.
— O que quer dizer? Estou doente?
— Não, milady. A senhora está grávida.
Capítulo 7
Belle arregalou os olhos, não acreditando no que tinha ouvido.
— O que disse? — indagou num fio de voz.
— A senhora está grávida.
— Não pode ser! — gritou. Um medo terrível se apossando de seu corpo.
— Tenho muitos anos de experiência e não há dúvida.
Não podia ser. Ela não podia estar grávida.
Mas é claro que podia. Tinha dormido com Will naquela festa não tinha?
Belle fechou os olhos com força, o coração batendo descompassado no peito.
A realidade adentrando pouco a pouco em sua mente.
Estava grávida.
Ainda não conseguia pensar racionalmente. Aquilo mudava tudo.
— Talvez queira que eu chame o duque e... — o homem não conseguiu prosseguir, pois Belle segurou seu braço apavorada.
— Por favor, não conte ao duque.
— Mas, milady...
— O senhor não entende...
Ainda não sabia o que ia fazer, mas com certeza não podia contar a Will.
Tentando pensar racionalmente, ela largou o braço do homem e tentou sorrir.
— Eu mesma quero contar a ele, o senhor entende, não é?
— Claro que sim. — O homem pareceu compreender.
— Obrigada. — Belle respirou aliviada.
O médico saiu do quarto e Will entrou.
— Você está bem? — ele indagou comedido.
— Sim, estou.
— O médico disse que sua indisposição é normal. O que ele quis dizer com isso?
Belle deu de ombros.
— Nada. Apenas que eu não comi o dia todo e desmaiei.
— Por que ia fugir, Belle? — perguntou com uma voz cansada.
Belle mordeu os lábios. Como responder aquela pergunta? Com certeza não podia dizer que recebera uma carta de Jack e que ia reencontrar os amigos.
E muito menos que estava numa enrascada envolvendo o Barão de Wessex.
— Este casamento é um erro, Will.
Ele a encarou.
— Você sabe por que nos casamos. Não havia saída. Nem pra você e nem pra mim.
— O barão não pode nada contra você, não é?
— Legalmente não. A não ser que prove que não cumpri com os termos do testamento.
— E quando você vai terminar com isso?
— Logo. Eu ia te falar antes de você desaparecer que vamos viajar.
— Para onde?
— Para o campo. Vamos visitar Juliet. Pelo menos essa sua indisposição serviu para trazê-la de volta.
— Claro, assim você não perde para o barão!
— Sim, por que mais seria?
Belle virou o rosto para esconder a expressão desolada que não conseguiu evitar.
Respirou fundo e quando o fitou novamente, estava sob controle das emoções.
— Belle... — ele se aproximou, como se fosse lhe dizer algo.
— Não, Will. Não vamos fingir que estou aqui por outro motivo além deste. — Mudou deliberadamente de assunto. — Quando partimos?
— Amanhã cedo.
— Ótimo, agora, por favor, me deixe sozinha.
— Para você tentar fugir?
— Com certeza deve estar cheio de guardas por aí para me impedir.
Por um instante, Belle achou que ele não fosse sair dali, mas Will apenas concordou com a cabeça sem mais uma palavra e saiu do quarto.
Will caminhou até seu escritório sentindo-se preocupado.
Por que sentia que havia algo errado com Belle? Ela estava pálida e os olhos irrequietos.
Will sufocou o sentimento de culpa. O que poderia fazer? Aquele não era um casamento normal. Estava ali apenas porque ele precisava resolver a situação com o barão.
Então por que sentia aquele peso no peito?
Ao descer viu que os irmãos que trouxeram Belle ainda estavam por lá.
— Ela está bem? — a moça indagou.
— Sim, está. Qual seu nome?
— Ana Lúcia.
— Ana Lúcia, muito obrigado, se tiver algo que eu possa fazer por você...
— Não, eu não preciso de nada.
Mário cutucou a irmã.
— Na verdade ela está procurando um emprego.
— Mário! — Ana Lúcia exclamou irritada.
— Mas é verdade, mamãe quer que você.... você sabe.
Will encarou Ana Lúcia.
— Nós sempre estamos precisando de criados. Se você quiser pode trabalhar aqui.
Ana Lúcia engoliu a recusa ao pensar que talvez esta fosse sua única boa oportunidade no momento. Não era mais Lúcios, mas ainda podia ajudar o duque.
Sorriu educada.
— Muito obrigada, milorde. Eu aceito.
— Muito bem. Esteja aqui amanhã cedo. Vamos viajar para Kent e quero que nos acompanhe.
— Tudo bem. Será que eu posso... ver a duquesa?
— Claro.
Ana Lúcia subiu as escadas e bateu na porta, entrando em seguida.
Belle parecia meio pálida e tinha os olhos vermelhos. Estaria chorando?
E também não parecia muito satisfeita em ser incomodada. Se Ana Lúcia não soubesse quem ela era de verdade, uma bandoleira, teria saído correndo.
— Quem é você?
— Fui eu que... a encontrei.
— Ah... agora entendi. Muito obrigada por me trazer — Belle falou irônica.
Ana Lúcia aproximou-se.
— A senhora está bem?
— Eu ficarei... espero — falou amarga.
— Sei que não é da minha conta, mas... o que estava fazendo no centro de Londres vestida de empregada?
— Tem razão, não é da sua conta — Belle respondeu mordaz.
— Me desculpa. Mas é que... a impressão que tive era que estava... fugindo.
— Talvez estivesse, mas agora não estou mais, não é? Graças a você.
— Calma aí, não tenho culpa se desmaiou na rua, eu só quis ajudar!
— Me desculpa — Belle respondeu arrependida por estar sendo grossa com a moça. — Hoje foi um dia difícil pra mim.
— Deve estar sendo difícil para você viver aqui, quero dizer, sendo uma bandoleira.
Belle a examinou atentamente. Aquela moça não lhe era estranha. E por que estava ali conversando com ela?
— Qual seu nome?
— Ana Lúcia.
— Sei... Então deve saber que sou uma bandoleira... Bem, acho que isso não deve ser um segredo.
— Não, não é. Todos sabem de como foi salva da guilhotina pelo duque.
Belle deu de ombros.
— Bem, Ana Lúcia, muito obrigada por ter me ajudado, agora, se me der licença, estou cansada.
— Tudo bem. Eu só queria... — Ana Lúcia hesitou. — Na verdade eu queria saber... se você tem notícia de seus amigos.
— O quê? Por que quer saber? — Belle indagou desconfiada.
— Não é nada, mas é que... — Ana Lúcia ficou meio vermelha. — Conheço um dos seus amigos.
— Conhece?
— Sim, Jack.
Belle arregalou os olhos.
— Conhece Jack?
— Na verdade... Por favor, o que vou dizer agora, não pode dizer para ninguém, ainda mais agora que o duque me ofereceu um emprego, mas...
— Fale logo!
— Eu escondi o Jack na minha casa.
— Você... Meu Deus!
— Mas depois ele... fugiu, como deve saber.
— Entendi... De onde conhece o Jack?
— É uma longa história, mas teria que contar a você outra hora, pois já está tarde e minha mãe já deve estar preocupada.
— Você disse que vai trabalhar aqui?
— Sim. E o duque disse que irei para Kent também.
Belle sorriu.
— Que bom. Então nos vemos amanhã.
Ana Lúcia foi embora e Belle ficou pensativa. Tinha sido um longo dia cheio de revelações.
Amanhã estaria a caminho de Kent e seus amigos estariam na Escócia. Talvez fosse melhor assim. Sentia-se mais sozinha e confusa do que nunca.
E o que faria agora? Como contar a Will que estava grávida? Nem ela sabia como reagir a isso.
O que Will diria se soubesse? Era capaz de nem acreditar que era dele. Para um duque arrogante e inatingível, que pensava que era uma vagabunda que dormia com todo mundo, acreditar que ela dizia a verdade seria impossível.
Não, não contaria a ele. Não por enquanto.
Começou a sentir sono e as pálpebras pesadas. Pensaria numa solução amanhã.
Belle acordou com uma batida na porta. O sol já estava alto e ela sentou-se, preocupada quando a criada entrou no quarto.
— Bom dia, milady. O duque pediu para acordá-la.
— Que horas são?
— Já passa das dez.
— Dormi tudo isso?
— Milorde pediu para não acordá-la.
— Onde está Ana Lúcia? A nova criada?
— Ah sim, a criada nova. Já deve estar a caminho de Kent. O duque mandou alguns criados irem antes, bem cedinho.
Belle jogou as cobertas para o lado e levantou-se. Apenas para sentir uma tontura repentina e um forte enjoo. Fechou os olhos até que o mal-estar passasse. “Se continuar assim, como esconderei a gravidez de Will?, indagou-se preocupada.
Quando desceu, o encontrou do mesmo jeito de sempre, educado e inatingível.
— Sente-se melhor?
— Sim, estou ótima — Belle respondeu.
— Não quero obrigá-la a viajar depois de ter passado mal, mas...
— Tudo bem, já disse que estou ótima! Não sou um vaso frágil. Sou muito mais forte do que imagina.
— Eu sei disso. — Estendeu a mão para ajudá-la a subir na carruagem.
Belle pensou em recusar, mas segurou a mão estendida, seus olhares se encontraram por um momento, mas Belle desviou o rosto, lutando contra as batidas desenfreadas do coração.
Seguiram viagem e Belle permaneceu calada, olhando a paisagem pela janela.
Will a observou. Ela parecia diferente, distante. Ainda estava zangado pela última tentativa de fuga e preocupado por seu desmaio.
Na verdade, ele já tinha decidido levá-la para Kent antes de descobrir de sua fuga. Aquela história com o barão não estava cheirando bem. E ainda tinha a questão do tal espião. Ele já descobrira quem era e o demitira. Era um jovem cavalariço que chorara e dissera que precisava ajudar os irmãos menores e por isso aceitara dinheiro do barão.
Will apenas o deixara ir, mas como saber se não havia mais gente que não podia confiar?
Assim, achara melhor saírem da cidade por um tempo.
Quem sabe assim, ele e Belle não poderiam de alguma forma, superar o abismo que os separavam e manter um relacionamento cordial, sem brigas pelo menos? Se teriam que conviver sabe Deus por quanto tempo, melhor que fosse de maneira cordata. Will observou a linha clássica de seu rosto. Os olhos incrivelmente verdes estavam fixos em algum ponto além da janela. Ela tinha uma beleza sufocante. Que o enfeitiçara da primeira vez que a vira. E fora impossível esquecer desde então. Achava que se livraria dessa obsessão, como gostava de chamar, quando a possuísse, mas não. O desejo ainda estava ali, latente. E nem todos os problemas pelo quais passara desde o malfadado Baile de Máscara do barão fizeram com que se esquecesse da textura da pele aveludada contra seus dedos, ou o gosto que tinha seus lábios, ou como ela o fascinava até mesmo quando o desafiava.
E Belle parecia não fazer outra coisa desde que a salvara de ser enforcada e se casara com ela. Will às vezes se irritava, ela poderia ao menos sentir-se grata, mas não. Em vez disso, ela o enfurecia e tentava fugir. E se não fosse o bastante as ameaças do barão aumentavam ainda mais a tensão. Will estava certo de que tudo se resolveria facilmente. Bastava se casar e o barão não teria mais nada a fazer, mas estava errado em ignorar a fúria de FitzRoy. Ele queria vingança e Will sabia por quê. Seu pai havia se negado a apoiá-lo. E isso minou seus planos de ascensão junto ao parlamento.
E o que será que Belle tinha tratado com ele? Poderia confiar nela quando dizia que não fora nada?
Mas o que fazer com aquela vontade estranha que vinha sentindo de acreditar em tudo o que ela dizia? Will nunca se sentiu tão confuso ou vulnerável. Não queria mais manter aquela distância fria entre eles, mas também não queria ser alvo de seu ardil.
Bastava um olhar para esquecer quem ela era e desejar mergulhar em seu olhar de fogo e consumir-se naquelas chamas
O que ele ia fazer? Ainda não sabia. Talvez devesse deixar as coisas como estavam. Ou tentar mudar. Ele a encarou novamente. Sentiu um desejo quase doloroso de estender a mão e tocá-la, vencer a distância entre eles e...
De repente ela se virou e o flagrou encarando-a.
— O que foi?
— Nada. Apenas... estava pensando... nessa nossa situação.
Belle mordeu os lábios desviando o olhar.
— Até quando vai durar, Will? — indagou com a voz sem emoção.
— O que quer dizer?
Ela o fitou.
— Este casamento, ou esse “engodo”!
— Casamentos são para sempre, Belle.
— Mas não o nosso. Não é de verdade, podemos anular.
— É isso que você espera?
Belle o fitou. O que ele estava querendo dizer?
Não era o que “ele” queria?
Pensou na gravidez. Uma hora Will teria que saber e então como seria? Ele a obrigaria a ficar ali para sempre? Belle não podia se esquecer que seu filho seria um herdeiro dos Cavendish. Se é que Will iria acreditar que era dele.
— O que mais poderia ser? — respondeu finalmente.
— Belle, eu... Eu sinto muito.
— Sente pelo quê?
— Por tudo. É minha culpa se está aqui agora.
— Se não fosse por você estaria sem a cabeça, então... não posso reclamar.
— Eu realmente não queria... — Will procurou as palavras certas.
— Não queria estar casado comigo, não é? — Belle completou. — Com certeza, preferia alguém como a Liliana.
— Liliana não tem nada a ver com isso.
— Ok, eu acredito!
— Belle, eu realmente não quero brigar com você!
— Ah não?
— Não, não temos que viver discutindo.
— E vamos viver como?
— Eu sei que não queria estar aqui. Sei que de certa forma a forcei a este casamento, mas podemos tentar uma convivência pacífica até...
— Até quando? — Belle indagou num fio de voz.
Will hesitou. Deveria dizer até que a situação do testamento se resolvesse, mas não conseguiu dizer, porque no fundo não era o que queria. Havia algo em Belle que o atraía e fazia desejar o impossível. Que o fazia acreditar que em outras circunstâncias talvez tudo fosse diferente, talvez...
Mas Will não teve tempo de responder, pois a carruagem parou com um baque surdo.
— Mas o quê?...
Belle não precisou olhar para fora para perceber o que estava acontecendo.
— Não acredito!
— O quê?...
Belle sorriu sem poder acreditar.
— Acho que estamos sendo assaltados!
— Assaltados? — Will indagou incrédulo.
No minuto seguinte as portas da carruagem se abriram e mãos fortes agarraram Belle e a tiraram de dentro. Belle se debateu e Will socou o homem que tentava fazer o mesmo com ele.
— Oras, seu nobre imbecil! — o homem lutou com ele até que o outro mostrou a espada no pescoço de Belle.
— Solta ela — Will pediu com mal contida fúria.
Os homens riram.
— Não iremos machucá-los. Apenas levar tudo o que lhe pertence.
— Ah, mas não vai não! — Belle gritou dando com o cotovelo nas costelas do homem que a soltou. Então aproveitou de sua distração e pegou a espada.
— Will! — gritou e jogou a espada em sua mão.
O barulho de lâmina cortando o ar se fez ouvir e Belle deu um grito ao sentir braços fortes a erguendo por trás. Com um movimento ágil, ela virou um soco na cara de seu agressor e pegou uma espada que estava no chão. Lutou com ele, enquanto Will tentava acabar com os outros três. E quando tinham finalmente vencido estes, mais homens armados surgiram do meio da floresta.
Belle encarou Will.
— O que vamos fazer? — Belle indagou ofegante.
Ele a puxou pelo braço.
— Você não vai fazer nada!
— Oras, Will, esqueceu de quem eu sou? — falou com um sorriso e para sua surpresa Will sorriu de volta.
— Pode ser uma bandoleira, mas não esqueça que eu venci a luta com seu bando.
— Então é melhor vencer agora também, senão estamos perdidos. Estes homens não parecem ser magnânimos como meus amigos...
— E com experiência no assunto, sugere que façamos o quê?
— Na atual situação, acho melhor corrermos.
— Pois eu prefiro lutar.
Belle quase riu e se não fosse a situação de perigo estaria se divertindo.
— Acho que concordo com você!
Os bandidos aproximaram-se prontos para a luta e eles lutaram bravamente até que todos os bandoleiros estivessem caídos.
Will a encarou ofegante quando se livrou do último homem.
— Você está bem?
Belle gargalhou.
— Fazia tempo que não me sentia tão bem!
Will mirou seus olhos brilhantes e os cabelos desarrumados, o vestido rasgado em vários pontos, mas ela não parecia machucada. Era como voltar no tempo e vê-la novamente pela primeira vez. Ouviu um gemido e então lembrou-se do cocheiro. Aproximou-se e o homem estava ferido, mas ainda vivo.
Belle rasgou um pedaço do vestido e improvisou um curativo.
— Temos que tirá-lo daqui.
— Sim, tem uma vila não muito longe.
Eles colocaram o homem dentro da carruagem e Will subiu para conduzir os cavalos e lançou um olhar divertido ao ver Belle ao seu lado.
— Achei que fosse lá dentro, Belle.
— Faz tempo que não sinto o sol... Prefiro ir aqui.
Will sorriu e Belle sentiu o coração batendo descompassado no peito e um calor que nada tinha a ver com o sol espalhar-se por seu corpo. Ele nunca a fitara assim, com aquele sorriso. Ele parecia quase humano e não um nobre arrogante e inatingível, mas haviam lutado juntos, e vencido os bandidos. Belle riu.
— Do que está rindo?
— De você. Onde um duque aprendeu a lutar desse jeito?
— Eu estive no exército de Charles por um tempo.
— Sério?
— Sim, eu era muito jovem. E um tanto rebelde.
— Você me surpreende. Acabamos com eles, não foi?
Will riu de sua alegria quase infantil.
— Sim, acabamos com eles, mas não conseguiria sozinho.
— Claro que não, duque. Pode lutar bem, mas não é páreo para uma bandoleira!
— Você é mesmo perigosa. — Ele lhe lançou um olhar tão cheio de significados que Belle desviou o rosto, respirando com dificuldade.
Sentia o corpo dolorido da luta, mas estava tão feliz como há tempos não sentia.
Estava vivendo uma aventura. Com Will. E ele não mais a fitava com aquele frio distanciamento, era como se um muro tivesse sido derrubado. Mas o que esperar agora? Ela não queria pensar nisso. No momento queria curtir aquela trégua com Will. Só não sabia quanto tempo duraria.
Já anoitecia quando alcançaram um vilarejo. Com sua influência, Will conseguiu que o cocheiro fosse acomodado e tratado de seus ferimentos.
Assim que saíram da casa do médico, Belle sentiu uma leve tontura, mas tratou de disfarçar.
— Você está bem? Esta pálida — Will indagou preocupado.
Belle sorriu.
— Devo estar enferrujada desta vida de aventuras... Talvez possamos achar uma taverna, antes de seguirmos viagem.
— Acho melhor pernoitarmos por aqui e seguir viagem amanhã. Você não me parece muito bem, não quero que desmaie de novo.
Belle sentiu uma vontade louca de chorar. Nunca poderia imaginar que Will se importaria com o que ela estava sentindo.
— Como quiser — respondeu.
Eles entraram no ambiente esfumaçado da taverna e sentaram em uma mesa afastada. Uma moça aproximou-se para anotar os pedidos e foi então que Belle a viu. Sua mãe estava a poucos metros de distância. Belle sentiu o chão fugir a seus pés e como se um ímã as ligasse levantou-se.
— Belle? Aonde vai? — Will indagou confuso, mas ela não ouviu.
Marion virou a cara e tentou se afastar, Belle segurou-a pelo braço.
— Mãe?
— Não sou sua mãe.
— Mamãe, por favor ...
Marion largou o braço.
— O que faz aqui? — Ela olhou através de Belle para Will e depois mirou Belle de cima a baixo, reparando em suas roupas. — Além de andar com bandidos agora também virou uma meretriz?
— Não é nada disso, eu...
— O que um homem como aquele estaria fazendo com um tipo como você?
— Ela é minha esposa — Will falou atrás dela segurando o braço de Belle.
— Will, fica fora disso.
Marion encarou Belle com sarcasmo.
— Então se casou? Que mentiras contou para conseguir um marido? Com certeza ele não deve saber quem você é de verdade, uma bandoleira, uma...
— Duquesa — Will falou friamente. — Duquesa de Buckingham.
Marion encarou Belle incrédula.
— É verdade? Como pode ser? Da última vez que a vi andava assaltando carruagens por aí com seus amigos arruaceiros.
— Sim, é verdade, mas você não está interessada em saber nada da minha vida, não é? Nunca quis. Para seu governo, eu ia ser executada na guilhotina, mas Will me salvou.
— Quem é essa mulher, Belle? — Will indagou confuso.
— Ela é minha mãe — Belle encarou Marion com amargor. — Ou era, como ela gosta de frisar. Adeus, mamãe.
Belle saiu da taverna sem olhar para trás e Will fitou Marion.
— É mesmo mãe da Belle?
— No dia em que ela matou meu marido e se juntou àqueles bandoleiros deixei de ter uma filha.
— Você rejeitou a própria filha?
— Ela matou meu marido!
— Mas ainda era sua filha, nunca quis saber seus motivos?
— Eu não devo satisfação ao senhor.
— Não, não deve, mas deve algo a Belle.
— Não devo nada. Ela escolheu seu caminho. Agora se me der licença, tenho trabalho a fazer.
Marion se afastou e Will foi atrás de Belle. Ela estava na carruagem, toda encolhida e encarava algum ponto fixo à sua frente.
Will sentiu o coração se apertar.
— Você está bem?
Ela apenas meneou a cabeça positivamente.
— Podemos ir embora?
— Sim, me informaram de uma hospedaria mais à frente.
Belle disse a si mesma que não iria chorar. Não desta vez. Estava cansada de sofrer por Marion. Ela jamais a perdoaria. Não esperava encontrá-la ali. Fora um fim terrível para um dia que tinha sido tão bom, quando finalmente se sentia mais próxima a Will, mas encontrar Marion apenas a fizera ver que não era e nunca seria uma nobre. Ela era Belle, filha de uma criada que se casou com um bêbado. Um homem que abusara emocionalmente de sua mãe e dela mesma. Belle não se arrependia por tê-lo matado. Ele não valia nada, mas Marion não percebia isso. E iria odiá-la para sempre. E agora Will deveria saber a verdade. Vira em seu olhar. Ele sabia. Marion devia estar feliz por ter contado a Will como a filha era e o que tinha feito.
Belle vestiu a camisola branca e sentou-se na cama. Estava naquele quarto há uma hora. Haviam chegado na hospedaria e Will pedira o quarto, Belle estava tão cansada emocionalmente, que nem se dera ao trabalho de perguntar se ele ficaria no mesmo quarto que ela. Provavelmente não. Agora ele devia estar querendo distância dela. Abriu um sorriso amargo que terminou em um engasgo. Com certeza o empoado duque não sabia onde estava se metendo ao tirá-la daquela guilhotina. De repente ouviu a porta se abrindo e Will apareceu. Belle o fitou surpresa e chocada.
— Will? Eu achei que... Achei que...
— Achou o que, Belle?
— Que não fosse ficar aqui — confessou num fio de voz e sentiu o mundo parar de girar quando ele fechou a porta atrás de si e deu um passo para dentro do quarto.
— Não, ficarei aqui com você esta noite.
Capítulo 8
Belle desviou o olhar contendo as batidas desenfreadas do coração. Mas o que aquilo significava?
E encarou de novo.
— Por quê? Não tem nenhum empregado aqui para nos espionar.
— A hospedaria está cheia.
— Ah...
Ela mordeu os lábios, irritada por ter pensado que ele estivesse ali porque queria estar. Era uma tola mesmo. Will continuava o mesmo nobre inatingível de sempre.
Ela deu de ombros com uma expressão indiferente.
— Faça como quiser.
Deslizou para baixo das cobertas, virando de costas, ignorando os movimentos dele tirando a roupa. Fechou os olhos com força.
Sentiu o colchão se mexer quando ele se deitou ao seu lado e prendeu a respiração, mas nada aconteceu. O silêncio do quarto era quebrado apenas pelos barulhos da noite lá fora.
Belle piscou para afugentar as lágrimas traiçoeiras. Era realmente ridículo que conseguisse conter o pranto por Marion e justamente Will a fizesse chorar.
— Belle, está acordada?
Ouviu a voz dele a chamando e pensou em ignorar e fingir que estava dormindo, mas se ouviu respondendo.
— Estou.
— Quer falar sobre o que aconteceu?
— Não.
— Belle...
Ela se virou irritada.
— O que acha que tem para falar? Ela já deve ter te contado tudo, como eu sou uma pessoa horrível e uma assassina!
— Então é verdade.
— É.
Belle virou de costas para ele, abraçando os próprios joelhos junto ao corpo. Queria que ele fosse embora, que a deixasse em paz com seus fantasmas.
Will a viu ali, toda encolhida, a distância entre eles aumentando de novo. Tinha vontade de estender a mão e tocá-la, mas não o fez. Queria que ela se abrisse com ele e contasse tudo.
— O que aconteceu de verdade, Belle?
— Eu o matei.
— Ninguém mata alguém sem motivo.
— Ele não valia nada, batia na minha mãe.
— Batia em você?
— Não, porque eu fugia... sempre fui boa de fugas...
— Eu já comprovei isso.
Ela virou para encará-lo.
— Mas não boa o suficiente para fugir de você — sussurrou.
Will a fitou com um sorriso.
— Você é boa o suficiente para o que quiser, Belle.
Belle prendeu a respiração.
A mão dele tocou seu cabelo, deslizando para sua nuca e trazendo seu rosto para perto. Os lábios tocaram os seus muito levemente. Belle fechou os olhos, suspirando. Nada na vida parecia tão certo como aquele momento. Ele se afastou e a fitou tão intensamente, com tanto desejo que Belle sentiu o corpo incendiar-se num calor sufocante, o coração disparou no peito e o ar tornou-se rarefeito. Era como se o momento estivesse suspenso no tempo e tudo o mais deixasse de existir, a não ser o desejo quase palpável que até aquele instante conseguira esconder, mas que não era mais capaz de controlar. E quando ele desceu a boca sobre a dela novamente, desta vez com paixão e urgência, Belle soltou um gemido sufocado e entreabriu os lábios para a língua quente e úmida invadir o interior macio de sua boca, provando-a como se fosse uma fruta rara. Os braços dele a enlaçaram e a puxaram para si, Belle passou a perna sobre ele e sentou em seu colo, as bocas unidas num beijo explorador.
As mãos masculinas deslizaram por suas costas, trazendo-a para mais perto, deixando um rastro de fogo por onde passava, o calor do toque atravessando a camisola e incendiando seus sentidos. Ele parou de beijá-la e se perdeu nos olhos brilhantes. As mãos seguraram a barra da camisola e a desnudou com facilidade. Belle engoliu em seco com o olhar intenso sobre ela.
— Você é tão linda... tão perfeita. — Ele deslizou as palmas da mão por seu rosto e ombros, e Belle fechou os olhos confusa com a torrente de emoções que a invadiu.
— Eu não sou perfeita — respondeu fracamente, a mente enevoada com as mãos de Will sobre ela.
— Abra os olhos, Belle — pediu e ela atendeu, e o que viu em seu olhar foi tanto desejo que se sentiu esquentar inteira. — Você é a mulher mais perfeita que eu já vi... e tem me fascinado desde que pousou estes olhos desafiantes sobre mim — ele falava num tom rouco e envolvente que fez o coração e Belle se expandir no peito e o corpo derreter.
Os lábios deslizaram por seu rosto, testa, desceram por sua garganta e Belle arquejou ao sentir que ele a girava fazendo-a deitar-se na cama para em seguida encobrir o seu corpo delgado com o dele, nu e excitado.
— Will... — Belle murmurou perdida em sensações abrasadoras, subindo os braços para deslizar pelas costas fortes, sentindo os músculos se retesarem em suas mãos.
A palma da mão dele, quente e levemente áspera, tocou os seios delicados e Belle gemeu alto. No minuto seguinte, ele trocou a mão pela boca, a língua envolvendo o mamilo duro e sugando a carne macia até Belle perder a noção da realidade. As mãos desceram mais e tocaram a junção entre as pernas, os dedos deslizando para dentro dela atiçando labaredas em seu íntimo. Belle gritou arqueando os quadris sob as carícias lascivas, cada músculo interno retesou-se e ficou à espera.
Will observou o prazer estampado em seu rosto e perdeu o pouco controle que lhe restava. Ele precisava dela como precisava do ar para respirar. Sem mais aguentar, deslizou para o meio de suas coxas macias.
— Eu preciso estar dentro de você — sussurrou roucamente contra seus lábios, os dedos explorando o sexo úmido, pronto para ele, e com um gemido entrecortado a penetrou fundo.
Belle enterrou forte as unhas nos ombros, as pernas cingindo sua cintura e Will moveu-se. As estocadas do sexo cada vez mais urgentes e intensas. As mãos buscaram a de Belle e os dedos entrelaçaram-se delicadamente. Mais uma vez. E outra. Tudo deixou de existir enquanto seus corpos moviam-se juntos, as respirações se misturando, os corações batendo no mesmo ritmo. Até não restar mais nada, a não ser o prazer intenso e profundo.
Will enterrou o rosto na curva de seu ombro e murmurou seu nome vezes sem fim na noite escura, e Belle deixou o corpo levitar e estremecer no mesmo delírio de um clímax profundo que a deixou com lágrimas nos olhos, ao perceber que, por mais que fugisse, ele sempre a encontraria, porque agora, estava dentro dela, em seu coração e ela não sabia o que fazer com este sentimento.
Belle acordou e a princípio não se lembrou onde estava, ou com quem estava, mas um braço masculino a enlaçou firmemente e podia ouvir o som ritmado de uma respiração morna em sua face. Abriu os olhos e a realidade do que tinha acontecido a atingiu como um raio. E agora? Como ficariam as coisas entre eles?
E suas ideias de fuga? E a criança que estava esperando? Belle sentia-se mais confusa do que nunca. Poderia ser aquilo o começo de algo diferente e inesperado? Ela o observou no sono. Parecia mais novo e relaxado, não um nobre inatingível. Teve vontade de esticar a mão e acariciar o rosto com a barba por fazer, mas então ouviu uma batida na porta e afastou-se ao mesmo tempo que Will acordava e ia ver quem estava à porta. Belle pensou que o melhor a fazer era sair da cama. Percebeu que estava nua, vestiu rápido a camisola, mas ao colocar o pé no chão sentiu uma tontura súbita e sentou-se, abaixando a cabeça e esperando que o mal-estar passasse. Will voltou para junto dela.
— Era o cocheiro que pedi para vir substituir o antigo... — começou a explicar e reparou na palidez de Belle. — Belle, você está bem? — Ele tentou tocá-la, mas Belle se afastou bruscamente.
— Sim, estou ótima. Será que pode me deixar sozinha? — falou friamente, louca para se livrar dele.
Will a encarou confuso. Por que ela estava agindo assim?
Pensava que as coisas tinham mudado entre eles, que podiam tentar viver juntos.
Mas Belle nem o fitava e o tratava com frieza. Will se perguntou se tinha se enganado e a noite passada não significava nada para ela.
Teve vontade de obrigá-la a encará-lo e dizer o que estava pensando. Mas se conteve.
— Como quiser, milady — respondeu colocando as roupas rapidamente e saindo do quarto.
Belle o viu sair e fechou os olhos, segurando-se na cadeira mais próxima até que o enjoo passasse. Sabia que Will não gostou do jeito que ela o tinha tratado, mas não queria ainda contar sobre a gravidez. Arrumou-se e desceu para o sol da manhã.
Sorriu ao sentir os raios de sol em seu rosto, sentindo-se bem como há tempos não se sentia, mas quando fitou Will, ele estava sério e taciturno, e o sorriso desapareceu de seu rosto.
— Podemos ir? Quero chegar ainda pela manhã em Kent.
— Claro — ela respondeu entrando na carruagem.
Ele se sentou à sua frente, calado, e prosseguiram viagem.
Belle o fitou de esguelha. Será que tudo voltaria a ser como antes? Iriam tratar-se com esta fria indiferença? Ela não tinha certeza se suportaria aquilo, pensou, amarga, voltando a sentir um enjoo incômodo. Fechou os olhos encostando a cabeça no banco de couro, tentando livrar a mente dos pensamentos indesejados e acabou pegando no sono. Quando abriu os olhos novamente, tinham parado e a porta da carruagem estava aberta e Will a fitava impaciente.
— Chegamos? — indagou e ele apenas meneou a cabeça concordando e estendeu a mão para ajudá-la a sair.
Belle segurou a mão firme e saltou para um jardim muito verde e ao levantar os olhos estava em frente a um solar elegante e grandioso.
— Will! — a voz feminina gritou e Belle viu a irmã dele sair correndo de dentro da casa e se jogar em seus braços. — Não acredito que você veio!
Will sorriu carinhoso para Juliet e Belle se perguntou se um dia ele sorriria assim para ela.
— Eu mandei os criados antes avisando de minha chegada, Juliet.
— Eu sei, mas ainda não estava acreditando. — A moça olhou para Belle e depois para Will com um olhar indagador. — Mas essa não é...
— Deve se lembrar de Belle, Juliet.
— Sim, claro que me lembro, mas o que ela faz aqui? E com você?
— Nós nos casamos.
Juliet abriu a boca e arregalou os olhos chocada.
— Você se casou? Com uma bandoleira?
— Juliet! — Will começou em tom de repreensão, mas no minuto seguinte a expressão incrédula era substituída por uma gargalhada.
— Por essa eu não esperava!
E sem aviso a moça deu um grito e abraçou Belle, que encarou Will através dos cabelos de Juliet, sem saber como agir.
— Oh! Isso é maravilhoso! Agora devemos ser o principal escândalo de Londres! Que belos irmãos nós somos!
— Chega Juliet! — Will afastou a irmã de Belle. — Estamos cansados da viagem.
— Claro, vamos entrar, já mandei preparar o quarto principal.
Will assentiu.
— Ótimo, leve Belle até lá, tenho alguns assuntos para resolver.
Will desapareceu num corredor estreito e Belle seguiu Juliet para o andar de cima até um quarto tão enorme e elegante quanto o de Londres.
— Este quarto é lindo — exclamou.
— Espero que goste daqui, Belle... Nossa, nem posso acreditar!
Juliet segurou a mão de Belle.
— Quero que me conte tudo, todos os detalhes. Como meu irmão foi se casar com uma bandoleira! — Ela riu. — Tão... romântico!
Belle soltou a mão sem graça.
— Na verdade não é uma história romântica, Juliet.
— Como não? Meu irmão Duque de Buckingham se casou com uma bandoleira!
— Sim, mas só porque eu ia ser morta na guilhotina e ele me salvou.
— Jura? E como isso não é romântico?! Nunca pensei que Will fosse tão heroico!
Belle nada falou. Pelo jeito Will ainda não havia contado à irmã que estava sendo ameaçado e por isso tinha se casado com ela. Então não seria Belle que iria contar.
— Juliet, se você me der licença estou muito cansada.
— Ah, sim, você está meio pálida...
— É só cansaço da viagem — respondeu rápido.
— Me desculpe — ela falou se levantando. — Deixarei você descansar. Nos vemos no jantar.
Ela sorriu e abriu a porta, mas antes de sair virou-se para Belle mordendo os lábios.
— Posso te perguntar só mais uma coisa?
— Sim!... — Belle respondeu já começando a ficar cansada daquelas perguntas de Juliet.
— Você teve notícias do Irmão Logan?
Belle franziu o cenho.
— Por que quer saber?
Juliet deu de ombros.
— Bem, por nada, apenas... talvez te conte essa história algum dia, mas nos conhecemos num convento.
— Ele está na Escócia — Belle respondeu vagamente e Juliet sorriu saindo do quarto.
Belle pensou ver alguma coisa estranha no olhar da irmã de Will, mas não pensou muito nisso. No momento queria apenas tirar aquele vestido pesado e deitar-se naquela enorme cama, fechar os olhos e esquecer dos problemas.
Capítulo 9
Belle acordou com batidas na porta e ficou feliz ao ver Ana Lúcia entrar.
— Olá!
— Olá, duquesa. Foi bem de viagem?
Belle corou sem querer ao lembrar-se da noite na hospedaria, mas sacudiu a cabeça desanuviando o pensamento.
— Sim, apesar do assalto, já deve estar sabendo.
— Ah, sim, já estou sabendo sim. Chegamos aqui ontem à noite mesmo e logo de manhã chegou a mensagem do duque. Embora ele pedisse que não contássemos para Lady Juliet...
— Entendi.
— A senhora quer que eu a ajude a se arrumar para o jantar?
— Obrigada, mas... Será que você pode me chamar de Belle em vez de “senhora” ou “duquesa”?
Ana Lúcia sorriu.
— Claro, Belle!
— Assim é melhor. Eu não me sinto uma duquesa mesmo — Belle falou amarga enquanto Ana Lúcia a ajudava a pôr um volumoso vestido verde.
A criada a fitou através do espelho.
— Por que não? Está casada com um duque.
— Você sabe por que estamos casados, Ana Lúcia.
— Mas... Você não gosta nem um pouquinho dele?
Belle olhou seu reflexo no espelho. O que dizer?
— Na verdade, um pouco mais do que deveria e este é o problema — Belle confessou com um sorriso triste.
“Pobre duquesa!”, Ana Lúcia pensou. “De bandoleira a nobre de um dia para o outro, mas infeliz no amor. Tinham isso em comum.”.
Ana Lúcia ia responder, quando ouviram uma batida na porta e uma sorridente Juliet entrou.
— Ah! Mas que vestido maravilhoso! Aposto que tem uma infinidade de maravilhosos trajes nesse monte de baú que veio com seus criados! Pena aqui em Kent ser tão enfadonho! Não vejo a hora de voltar a Londres!
— Por que voltou se não gosta daqui? — Belle indagou trocando um olhar divertido com Ana Lúcia que arrumava seu cabelo.
— Era preciso. Devido às circunstâncias do casamento — falou rindo.
— Sim, fiquei sabendo de seu casamento. E quando vou conhecer seu marido?
— James é ótimo! Vai adorá-lo! Vem, vamos descer. Senão daqui a pouco meu irmão manda a cavalaria atrás da gente — falou puxando Belle pela mão.
Belle lançou um olhar de desculpas a Ana Lúcia que deu de ombros sorrindo. À porta Juliet virou-se para Ana Lúcia.
— Ah, esqueci de dizer, Ana Lúcia. Amanhã se mudará para cá uma nova criada, uma senhora muito simpática. O nome dela é Esmeralda. É cigana! Sabe Deus como é que veio parar aqui! Deixarei que você cuide dela, instruindo-lhe!
Ana Lúcia esperou as duas saírem e fez uma careta. Não gostava nada daquela vida de criadinha.
E agora teria que pajear essa tal criada cigana. Era só o que faltava!
Belle tentou conter a onda de náusea ao sentir o cheiro do prato que estava sendo servido. Juliet tagarelava sem parar perguntando a Will sobre a vida em Londres e arrancando apenas respostas em monossílabos. Ao seu lado, o marido de Juliet, James, concordava com tudo o que ela dizia e parecia uma boa pessoa, mas também parecia distante e tinha um olhar triste. Destoando um pouco da esfuziante Juliet.
— Aqui em Kent a sociedade é mais restrita, mas também temos muitas famílias que vêm de Londres... Eu e você vamos passear por aí! — Juliet riu para Belle. — Todas vão morrer de inveja! Will sempre foi um dos partidos mais cobiçados por essas bandas!
Belle olhou para Will, que estava muito sério. Sim, ela não duvidava das palavras de Juliet.
— Mas ele era noivo da Liliana então... oh! Me desculpe — ela falou sem graça.
Belle sorriu.
— Eu conheci Lady Liliana, uma mulher de muita classe.
— Se você diz! — Juliet continuou mordaz. — Não foi nada elegante casar com outro sem ao menos terminar o compromisso com Will!
— Juliet, chega! — Will a repreendeu. — Belle está cansada e com certeza você a está cansando ainda mais com essa conversa fiada.
— Mas como você é chato.
Will levantou-se ignorando as palavras de Juliet e segurou a mão de Belle.
— Nós vamos nos recolher, a viagem foi muito estafante. Boa noite, Juliet, James.
Juliet sorriu maliciosa.
— Tenham uma boa noite. Esqueci que são recém-casados! — falou piscando para Belle que ficou vermelha igual um pimentão.
Eles subiram as escadas sem uma palavra e quando chegaram ao quarto, Belle não soube o que fazer. E agora?
— Você ainda está bastante pálida, tem certeza que está bem? — ele indagou preocupado.
Belle o fitou, não contendo a irritação. Ele sumia o dia inteiro, como se ela não existisse e agora vinha forçar preocupação?
— E você está bastante carrancudo! — falou e para sua surpresa ele riu.
— Me desculpe, mas achei que você estivesse fria comigo primeiro.
— Eu não estava bem de manhã, estava enjoada.
— Por isso me mandou sair do quarto? Por que não me disse? — ele se aproximou.
Belle deu de ombros.
— Não sei... na verdade, não sei bem como agir com você, depois de... — Ela tentou se afastar, mas Will a segurou.
— E se dissesse que eu também não?
A atmosfera mudou bruscamente, o ar entre eles estava repleto de uma doce tensão. Os dedos em seu braço eram quentes e Belle ansiou sentir aquele toque em toda sua pele, como na outra noite.
— Eu não acreditaria — respondeu por fim.
— Disse a mim mesmo para não me envolver com você — desceu as mãos por seu braço, tocando a cintura e a trazendo para si —, mas você é um tormento... — disse bem perto de seu ouvido, causando um alvoroço dentro dela. — Por que fugiu de mim essa manhã?
Belle abriu os olhos, tentando pensar, mas era muito difícil com os lábios masculinos sussurrando em seu ouvido.
— Não sei por que se importa, se sou um tormento pra você — acusou sem ar.
Os lábios tocaram o lóbulo de sua orelha e Belle fechou os olhos, suspirando.
— Queria você, mas não queria forçá-la a nada, Belle.
— Desde quando você se preocupa com isso?
— Não quero que me acuse de ser um duque arrogante.
— Mas você é — Belle insistiu.
— Não com você, mas não me respondeu ainda.
— Eu não sei... você me deixa confusa... Não consigo pensar quando me toca desse jeito — respondeu sinceramente.
— E isso é ruim? — Will a fitou com os olhos tão intensos que Belle teve que fechar os seus para fugir daquele fascínio.
— Sim, quando preciso manter o controle — confessou num fio de voz.
— Abra os olhos, Belle.
Ela o obedeceu.
— Por que é tão teimosa?
— Orgulho é tudo o que eu tenho. Se deixar que me controle, eu não terei nada.
— Eu não quero controlá-la.
— O que você quer então?
— Quero você, sempre quis.
— Sim, para agir contra o barão...
— Não, quero você desde a primeira vez que a vi — ele murmurou roucamente contra sua pele, beijando suas pálpebras fechadas, sua face, sua têmpora.
Belle flutuava numa nuvem de desejo incandescente, a luta para manter-se lúcida sendo perdida para o fogo que ardia dentro dela.
Os lábios sequiosos agora exploravam seu pescoço e Belle arfava, respirando com dificuldade, as palavras dele eram como um afrodisíaco poderoso em seu sistema nervoso.
— Eu queria beijar sua boca, tocar sua pele, estar dentro de você... até apagar de sua mente toda qualquer memória de outro toque, de outros homens...
— Não foram tantos homens assim, na verdade apenas dois... Que nem valem a pena ser lembrados — Belle confessou ofegante com as mãos que passeavam por cima do vestido.
Will a fitou como se não acreditasse e Belle sacudiu a cabeça.
— É sério... Não sou essa mulher que está pensando, Will.
— E quem é você?
— Não sei... achei que sabia, mas... Não faço mais ideia.
— Então podemos descobrir... juntos.
A boca desceu sobre a sua num beijo intenso.
Belle sentiu o mundo girar lentamente e as mãos subiram para se segurar nos ombros fortes, apertando os dedos sobre os músculos.
As mãos masculinas começaram a desatar os nós dos laços que prendiam o vestido, que caiu com um farfalhar a seus pés. As anquinhas seguiram o mesmo caminho e Belle se viu apenas de espartilho. Ele parou de beijá-la para traçar um caminho de fogo por sua pele, descendo por sua garganta até o colo macio. Belle gemeu, jogando a cabeça para trás, sentindo-se fraca e quente, e não reclamou quando ele a pegou no colo e a levou para cama, livrando-a do resto das roupas, para então contemplá-la longamente em sua nudez e Belle sentiu-se corar com o olhar ávido.
— Eu já disse o que eu quero. E o que você quer, Belle? — ele perguntou de repente e ela o fitou confusa.
— Eu... eu...
— Quer que eu a toque?
Ela apenas sacudiu a cabeça afirmativamente, incapacitada de falar o que quer que fosse.
— Onde?
— O quê? — balbuciou perdida. — Está brincando, não é?
E ele sorriu. Um sorriso que fez seu sangue correr mais rápido nas veias e um calor quente e úmido a percorrer inteira concentrando-se no meio de suas pernas.
— É só me dizer — ele insistiu, agora bem perto de seu ouvido e Belle cerrou as pálpebras. — Quero descobrir tudo sobre você... — murmurou roucamente voltando a beijá-la e roubando-lhe toda a capacidade de pensar racionalmente.
As mãos a percorreram, ávidas e exploradoras, fazendo a pele queimar, os lábios fizeram o mesmo trajeto levando Belle a um nível de excitação tão intenso que ela se sentia tremer inteira e desejar que ele tirasse logo as próprias roupas e se juntasse a ela mais uma vez, mas Will não parecia ter pressa.
As mãos rodearam os seios alvos, os dedos apertando os mamilos róseos, para depois experimentá-los com a língua e os lábios, torturando seus sentidos. Desceram pelo ventre plano e tocaram o vértice escondido e Belle arquejou, uma lança de desejo aguda a transpassando e a tirando do prumo.
— Will! Oh... — murmúrios de prazer escapavam de seus lábios entreabertos enquanto Will a enlouquecia com o toque da língua em seu ponto mais secreto.
Ela foi envolvida em um espiral de desejo, o sangue bombeava mais intensamente em seus ouvidos, sua mente girava, o corpo serpenteava em busca de um alívio para aquele tormento até que ele veio quente e profundo e ela gritou seu nome na noite escura, o corpo sacudido por espasmos de prazer intenso e alucinante. Quando finalmente conseguiu voltar à realidade, abriu os olhos e ele estava ao seu lado, nu e excitado e partiu para cima dela com um beijo devorador, fazendo o desejo reacender em seu corpo novamente de forma extraordinária. O contato da pele dele, áspera e tão masculina, contra a dela macia e delicada, causava uma deliciosa fricção que a deixava arrepiada. Ela desceu as mãos pelas costas firmes sentindo os músculos se contraírem, desceu um pouco mais, passando pelo abdome definido e envolveu o membro rijo com as mãos trêmulas e adorou vê-lo perder o controle e, com um gemido rouco, segurar suas mãos acima da cabeça e mergulhar nela com uma força quase bruta, para depois parar e a encarar com aqueles olhos que pareciam desnudar sua alma.
— Você está bem? — indagou ofegante e Belle sorriu.
— Ah, sim, muito bem...
Em resposta ele a beijou e impulsionou o quadril contra os seus, vezes sem fim. Belle sentia cada fibra do seu ser concentrada naquele impulso e recuo, mergulhava cada vez mais fundo num mar de sensações inebriantes até a explosão final. Ouviu-o murmurar seu nome em êxtase e o abraçou com força, querendo que ele nunca mais se afastasse dela, mas quando a realidade voltou, Belle sentiu uma dor profunda ao constatar que não estava preparada para se afastar dele ainda.
E nem sabia se um dia estaria.
Capítulo 10
Belle acordou com batidas na porta.
— Milady, posso entrar? — indagou uma criada.
Belle sentou-se e ao se dar conta que estava nua, puxou as cobertas para se cobrir.
— Entre!
A mulher entrou e sorriu para ela.
— Ainda é cedo, milady, mas milorde pediu para perguntar se gostaria de cavalgar.
Belle abriu a boca, confusa. Milorde devia ser Will.
Teve vontade de indagar a criada por que “milorde” não perguntara pessoalmente, ou por que “milorde” saíra da cama sorrateiramente, mas se calou e sorriu.
— Tudo bem, vou me arrumar e descer.
— Quer que chame sua criada?
— Ela já acordou?
— Creio que não, milady, mas se quiser, eu a acordo.
— Não. Pode deixar. Eu me arrumo sozinha.
A mulher saiu do quarto e Belle apressou-se em vestir a roupa de montaria.
Desceu minutos depois. Não se dera ao trabalho de prender os cabelos que balançavam ao vento quando saiu para a manhã fria de outono.
Will vinha da estrebaria, seguido por um cavalariço que trazia dois belíssimos cavalos. Ele estava todo de preto e Belle sentiu um baque no peito. Sem saber como agir, ela parou, as mãos crispadas no tecido da saia.
Então ele sorriu e Belle sentiu todo o medo desaparecer enquanto ele se aproximava.
— Bom dia, duquesa.
— Bom dia, duque.
— Espero não ter te acordado muito cedo, mas essa é a melhor hora para cavalgar.
— Eu sei. E não ligo de acordar cedo.
Ele se aproximou mais.
— Mesmo tendo ficado acordada até mais tarde? — indagou e Belle sentiu falta de ar.
— Will!
Ele riu. E Belle pensou que nunca tinha o visto rir assim.
— Gosto quando você ri — falou sem pensar e em resposta ele a beijou.
Belle esqueceu do mundo ao redor, mas alguém pigarreou e Will a soltou e piscou para ela antes de se virar para o cavalariço muito vermelho.
— Obrigado, Kellan.
Eles montaram e galoparam pelos campos de Kent por um longo tempo até a beira de uma montanha. Will desmontou e a ajudou a desmontar. Segurando sua mão ele a levou até a beira do precipício.
Belle perdeu o fôlego com a beleza do lugar.
— É maravilhoso. — Ela o fitou. — É tudo seu?
— Sim, é da família Cavendish a várias gerações.
Ele ficou pensativo.
— Está pensando no barão? Acha que ele pode tirar isso tudo de você?
— Ainda há a possibilidade, mas muito remota.
Belle pensou que podia aproveitar aquele momento para falar dos planos do barão, que ela tinha concordado em ajudar, mas Will sorriu e a puxou pra si.
— Não quero falar do barão.
Belle também sorriu, o abraçando.
— Nem eu, duque.
Will a beijou, longa e lentamente e Belle suspirou, derretendo em seus braços. Os lábios dele deslizaram devagar por seu pescoço e ela gemeu, os dedos crispados na camisa masculina.
Fechou os olhos, encostando o corpo no dele e de repente lembrou-se do segredo que guardava.
Tinha que contar a Will que estava grávida.
Ficou tensa, e um enjoo súbito a dominou.
Will parou de beijá-la e fitou.
— Você está bem?
Belle o encarou, sabendo que aquele era o momento, mas algo a fez recuar. As palavras não saíam. Talvez ainda tivesse medo de que Will não acreditasse nela. O elo entre eles ainda era tão frágil e Belle tinha receio de que tudo voltasse a ser como antes.
— Belle?
Ela respirou fundo e tentou sorrir.
— É que eu ainda não comi nada hoje...
— Por que não me disse? Vamos voltar para casa.
Ele lhe deu um beijo rápido e a ajudou a montar.
Cavalgaram de volta em silêncio e quando estava chegando perto da casa, Juliet saiu correndo de dentro de casa.
— Ainda bem que voltaram!
— Algum problema, Juliet? — Will indagou desmontando e sendo seguido por Belle.
— Sim! Aquela criada da Belle, que veio de Londres, está discutindo com a nova empregada, a cigana esquisita!
— Ana Lúcia? — Belle indagou.
— Essa mesma! Não sei mais o que fazer! A casa inteira escuta os gritos! Tem que dar um jeito nisso.
— Onde elas estão? — Will perguntou.
— No quarto da Belle.
Belle segurou o braço de Will.
— Deixa que eu resolvo.
Belle subiu as escadas e entrou no quarto, onde uma Ana Lúcia enfurecida gritava com uma mulher corpulenta.
— O que está acontecendo aqui?
Ana Lúcia se calou ao vê-la, mas ainda parecia nervosa.
— Por que está brigando com essa mulher?
— É uma descarada! Entrei aqui e a peguei mexendo nas suas coisas.
Belle virou-se para a mulher.
— É verdade? Senhora... — Belle esquecera o nome da mulher.
— Esmeralda, ao seu dispor — a mulher falou.
— O que a Ana Lúcia diz é verdade?
— Não, não, em absoluto! — falou com sotaque espanhol. — Essa mocinha deve é ter algum problema na cabeça...
— Oras, sua... — Ana Lúcia avançou pra cima da mulher, mas foi segurada por Belle.
— Está vendo, milady? Está desequilibrada — a mulher insistiu.
— Eu vou arrancar seus olhos, sua cigana duma figa! — Ana Lúcia gritava tentando se livrar dos braços de Belle.
— Chega vocês duas! — Belle gritou por fim e fitou Ana Lúcia. — Ana Lúcia, por favor, deixa que eu resolvo essa situação.
— Tem que acreditar em mim, ela estava mesmo remexendo nas suas coisas! Tem alguma coisa esquisita nessa mulher.
— Deixe comigo. Por favor, saia.
A contragosto Ana Lúcia saiu do quarto e Belle mirou a mulher.
— Então, por que estava mexendo nas minhas coisas?
— Oras, milady, mas é duquesa há tão pouco tempo e já está cheia de nobreza! — A mulher sorriu sarcástica e Belle franziu a testa.
Conhecia aquele sorriso de algum lugar. E aquela voz... De repente ela arregalou os olhos estupefata.
— Jack?!
— Como vai, Belle?
Belle não podia acreditar e ficou sem fala por alguns momentos. Aquela cigana esquisita nada mais era do que seu amigo Jack!
— O que foi? Está sem fala, duquesa?
— Mas o que está fazendo aqui? E vestido desse jeito?
Ele deu uma voltinha.
— Não ficou ótimo?
— Enlouqueceu? Alguém te viu? Claro que te viu! Se o Will descobre que está aqui.... Meu Deus! — Belle correu e trancou a porta e fechou as cortinas enquanto falava apavorada.
— Relaxe, Belle! — Jack deitou-se em sua cama. — Macio este colchão...
Belle avançou pra cima dele, puxando-o.
— Levante daí! Como chegou até aqui? Aliás, por que está aqui?
Ele ficou sério.
— Acha mesmo que te deixaríamos pra trás?
— Achei que estivessem na Escócia!
— Blake está. Quando não apareceu, decidi ir te buscar. Aí descobri que estava vindo pra cá. Conheci uma cigana no caminho e roubei as roupas dela. A peruca eu roubei do grupo de teatro circense e...
— Blake concordou com essa loucura?
— Não gostou muito, mas também estava preocupado com você.
— Jack, se arriscou muito vindo aqui!
— Precisava ver se estava bem! Este duque nos odeia! E não engoli essa história de casamento!
— Eu ia morrer na guilhotina! E ele me salvou!
— É difícil acreditar!
— Mas é verdade!
— Um dia ele te põe na cadeia e no outro casa com você? Ele ainda acha que matamos o pai dele?
— Sim.
— E agora?
— E agora nada! Agora você tem que ir embora daqui o mais rápido possível antes que te descubram!
— Ninguém desconfia de nada!
— E a Ana Lúcia? Ela me disse que escondeu você na casa dela.
Jack ficou sério.
— E eu achei que tivesse morta.
— Morta? Como assim?
— Ela te contou que era o soldado Lúcios?
— O quê?
— Sim, lembra daquele oficial que vivia atrás da gente? Nada mais era do que a Ana Lúcia vestida de homem!
— Você tem certeza?
— Tenho sim. E ela me enganou direitinho!
— E você a seduziu?
— Não me olhe com essa cara! Aposto que ela gostou bastante e eu não fazia ideia de quem ela era. No dia que você ia ser executada eu saí da casa dela e Lúcios apareceu na minha frente, lutamos e eu... o matei. Na verdade, achei que tivesse matado. E então descobri que na verdade era Ana Lúcia.
— E você gostava dela?
— Isso não faz a menor diferença agora! Aliás, o que me preocupa é ela estar aqui. Pode estar armando alguma das suas.
— Ela me pareceu ser uma boa pessoa.
— Mas odiava os bandoleiros.
— Ela não é mais Lúcios.
— Mesmo assim. Temos que ficar de olho!
— Não temos nada. Você vai embora.
— Vou sim. — Ele segurou suas mãos. — E você vai comigo.
Belle o fitou e respirou fundo.
— Jack, não posso ir com você.
— Por que não? Se ficar aqui vai ser fritada por aquele barão safado!
— Eu não posso ir porque... eu estou grávida.
Jack arregalou os olhos estupefato.
— Grávida? Do duque?
— Sim.
— Bem, isso é uma surpresa. Ele já sabe?
— Não!
— Por que não?
— Tem outras coisas...
Ela não conseguiu terminar, pois ouviu uma batida na porta seguida de alguém mexendo na maçaneta.
— Belle, está aí?
Ouviu a voz de Will.
Eles trocaram olhares assustados.
— Se ele te pegar aqui...
— Não vai fazer nada, não se preocupe. Não vai me reconhecer. Abra a porta.
Belle abriu a porta tentando parecer despreocupada.
Will a fitou.
— Vim te chamar para o desjejum. Por que estava com a porta trancada?
Ela sorriu.
— Nada, ia me trocar.
Will viu a “empregada”.
— Essa é a criada cigana?
— É sim. Pedi que me ajudasse.
— E Ana Lúcia?
— Ana Lúcia estava um pouco nervosa.
— A briga?
— Não era nada. Vamos descer?
— Achei que quisesse trocar de roupa.
— Prefiro comer antes. — Ela olhou para Jack. — É... está dispensada.
— Sim, madame. — Jack passou por eles de cabeça baixa, mas Belle achou ter visto um sorriso quando passou.
— Esquisita essa mulher... — Will comentou enquanto seguiam pelo corredor.
— É porque é estrangeira.
— Deve ser... Descobriu por que ela e Ana Lúcia estavam discutindo?
— Bobagem!
Juliet apareceu no corredor.
— Will, o administrador quer falar com você no seu escritório.
— Certo. Nos vemos depois.
Will se afastou e Juliet passou o braço pelo de Belle.
— Fico feliz que tenha resolvido a briga entre as criadas! Eu detesto ter que resolver este tipo de coisa! Ainda bem que está aqui! Pode cuidar da casa!
— Eu não sei nada de cuidar de uma casa dessas! — Belle falou quando sentavam à mesa.
— Eu posso te dar uma dicas! — Juliet começou a comer tudo o que via pela frente e Belle riu.
— Nossa, que apetite!
Juliet sorriu.
— Posso te contar um segredo?
— Claro.
— Eu estou grávida!
Belle engasgou.
— Sério? Que surpresa... boa. Seu irmão já sabe?
— Não, ainda não... Na verdade... — Juliet parecia que ia contar algo mais, mas duas criadas apareceram. — Nada, não é nada. Conte-me como foi seu passeio.
Depois da refeição, Belle foi procurar Ana Lúcia.
Ela estava no jardim da casa.
— E então? Ela confessou tudo? Já a demitiu?
— Na verdade, não.
— Vai dizer que acreditou em suas mentiras?
— Não é isso. Na verdade, eu esqueci de dizer que ela estava ali porque eu pedi.
— Sério? Não pareceu!
— Logo de manhã, eu a encontrei e pedi para pegar um vestido.
— Por que ela não me disse então?
— Porque era um segredo. Era uma surpresa... para você.
— Para mim?
— Sim, eu queria te dar um vestido de presente.
Ana Lúcia parecia embaraçada e Belle se sentiu meio culpada por enganá-la.
— Nossa. Então tenho que pedir desculpas a ela.
— Tenho certeza que Esmeralda não vai ficar brava. Aliás, acho melhor manter-se afastada dela. Ela é meio estranha mesmo. E acho que não ficará muito tempo aqui.
— Certo, como quiser.
Belle sorriu.
— Agora que descobriu, acho melhor você mesma escolher um vestido!
Ana Lúcia sorriu animada.
— Obrigada.
— Ana Lúcia, se tivesse algo para me contar... sobre você... me contaria, não é?
— O que quer dizer?
— Eu preciso saber... Se posso confiar em você.
— Acha que não sou confiável?
— Não é isso. Você sabe quem eu sou. Ou quem eu fui. É difícil pra mim viver entre estas pessoas.
— Entendo. E se acha que estou contra você, está enganada. Quero apenas ajudá-la e estou do seu lado.
Belle sorriu.
— Que bom. Quero mesmo que sejamos amigas. — Belle sorriu. — Nunca tive uma amiga, acredita?
— E Lady Juliet?
— Juliet é meio avoada. E... é um deles, mas você não.
— É, não somos da nobreza.
— Não mesmo. Agora preciso ir. Juliet insiste em me ensinar como uma dama deve proceder.
— Boa sorte.
— Eu vou precisar. Até mais.
Belle se afastou e Ana Lúcia a acompanhou com o olhar, sorrindo.
— Olha como está feliz...
Ana Lúcia fechou a cara ao ver a criada cigana.
— O que quer?
Jack sorriu. Era engraçado irritar Ana Lúcia.
Na verdade, ainda estava furioso com ela. Sofrera de verdade ao pensar que estivesse morta e tinha sido uma surpresa e tanto vê-la viva ali na casa do duque. Não podia negar que ficara feliz por ela não ter morrido, mas também bravo por ter se martirizado em vão.
E agora tinha a oportunidade de uma pequena vingança; iria enganá-la, como ela o tinha enganado um dia. E depois que se cansasse desse joguinho, ele a teria de novo. E depois partiria.
Ana Lúcia não significava mais nada para ele.
— Está olhando o quê? — ela questionou o fulminando com o olhar.
— Nada, senhorita... Vejo que ainda está brava...
Ana Lúcia mordeu os lábios.
— Na verdade, eu... queria te pedir desculpas. A Belle, quer dizer, a duquesa, me contou que pediu para mexer nas coisas dela para pegar um presente pra mim.
— Ah... Claro, era isso mesmo... A senhorita foi muito grossa comigo...
— Eu já pedi desculpas!
— Sim, mas talvez devêssemos dar um abraço para selar nossas pazes, fazemos isso em Andaluzia.
— Está brincando, não é?
Jack abriu os braços.
— Vamos senhorita, apenas um abraço e seremos amigas!
Ana Lúcia ainda fez uma careta, desconfiada, mas se aproximou e deixou a mulher abraçá-la.
Jack apertou Ana Lúcia perto de si, lamentando as roupas volumosas femininas que usava que o impedia de senti-la melhor. Sentiu o cheiro dos cabelos dela, uma fragrância feminina e autêntica e excitou-se.
— Já chega... — Ela se soltou e Jack sorriu.
— Agora sim, somos verdadeiras amigas....
— Sei...
Ana Lúcia se afastou e Jack assobiou.
Aquilo ia ser muito interessante.
— Fique longe dela, Jack.
Jack sorriu ainda mais ao ver Belle sair de trás de uma árvore.
— Espionando?
— Você é um patife!
— Ei... Acho que isso não é da sua conta.
— É da minha conta você estar aqui!
Ele ficou sério.
— Podemos partir assim que quiser.
— Já falei que não posso.
— E o que vai fazer? Vai viver com o duque para sempre? Sabe que isso não vai acontecer!
Belle mordeu os lábios, irritada com a verdade contida nas palavras de Jack.
— Ainda não entendi o que ele ganha mantendo esse casamento.
— Ele precisava de uma esposa para receber a herança. Era uma cláusula no testamento do conde.
— Ah... agora entendi.
— E o barão iria ficar com tudo, caso o Will não se casasse.
— Que safado!
— E tem mais. O barão odeia o Will. E... pediu que eu o ajudasse.
— Ajudar em quê?
— A convencer o Will a apoiá-lo no parlamento. Tudo tem a ver com Oliver Cromwell.
— Por isso ele matou o conde?
— Sim. O conde se negava a ajudá-lo e Will também.
— E você se bandeou pro lado daquele pervertido?
— Não! Claro que não! Mas eu precisava de tempo e o enganei.
— Então o barão acha que está do lado dele?
— Acha.
— É Belle, está metida numa confusão maior do que eu pensei. Mais um motivo para dar o fora comigo.
— Não posso.
Com o canto do olho Belle viu Juliet se aproximando.
— Depois nos falamos. Preciso ir!
Jack se afastou e Belle foi ao encontro de Juliet.
— Pronta para as lições?
Belle sorriu a acompanhando, mas sua mente estava longe. Pensava como iria resolver seus problemas.
Capítulo 11
Belle escutava as coisas que Juliet dizia, mas seu pensamento continuava longe.
A presença de Jack ali definitivamente era um problema. Tinha que convencê-lo a ir embora. No entanto conhecia Jack o suficiente para saber que ele não desistiria até convencê-la. Belle não queria nem saber o que aconteceria se Will viesse a descobrir a presença do bandoleiro ali em Kent.
— Você está me ouvindo? — Juliet chamou sua atenção e Belle piscou, sorrindo sem graça.
— Me desculpe, estou distraída.
— Percebi. O que eu disse foi que podíamos dar uma volta. Talvez uma cavalgada... Não tem muita gente interessante por estas bandas, mas com a chegada do verão muitas famílias de Londres vêm para cá...
Juliet começou outro monólogo sobre como era chata a sociedade ali em Kent e Belle suspirou.
— Juliet, acho que chega por hoje.
— Ah, me desculpe. Acho que falo demais, não é? Mas me sinto tão sozinha aqui... sem ninguém para conversar!
— E James?
— Não é a mesma coisa! Homens não gostam de falar de moda! Ou de fofocar sobre as últimas novidades!
Belle riu.
— Por que veio morar aqui se não gosta?
— É chato mesmo, mas é melhor, já que a minha barriga daqui a pouco começa a aparecer.
— Ainda está de pouco tempo...
Juliet segurou sua mão e olhou para os lados.
— Na verdade, não estou de tão pouco tempo assim.
Belle franziu o cenho e de repente entendeu.
— Você se casou grávida!
— Sim, é verdade.
— Por isso seu irmão permitiu que se casasse com James?
— Bem... ele não sabe que estou grávida.
— Então...
— Você promete guardar segredo?
— Sim.
— O filho que espero não é de James.
— Oh... Entendo agora. — A irmã de Will era mais maluca do que Belle imaginava.
— Por isso tive que me casar às pressas.
— E James sabe?
— Sabe sim. Ele foi muito bom comigo, me salvou na verdade.
— Por que não contou ao Will?
— Ficou maluca? Ele me mataria!
— Desculpa perguntar, Juliet, mas quem é o pai do seu filho?
— O Irmão Logan.
— Logan?! — Belle gritou estarrecida.
— Shi... Fale baixo!
— Isso é realmente inesperado.
— Entende agora? Logan fugiu com Lady Katherine e eu nem pude contar a ele.
— Juliet, tem certeza que ele foi embora com Lady Katherine? — Estaria Lady Katherine na Escócia também?
— Eu ouvi eles combinando. Resolvi não atrapalhar. — Ela deu de ombros.
E Belle se perguntou se ela estava realmente bem com isso como tentava parecer.
— Pelo menos tudo se resolveu. Agora vamos mudar de assunto, que meu irmão vem vindo aí.
Belle olhou através de Juliet e viu Will aproximando-se, sentiu o coração bater mais rápido no peito.
— O que fazem aqui fora?
— Estava dando algumas dicas a Belle... afinal, ela é a dona da casa agora.
Will fitou Belle.
— Não sei por que não consigo imaginá-la gostando disso.
— Will! — Juliet exclamou chocada. — Não precisa falar assim, é claro que ela aprecia.
— Acho que você quer se livrar de seus deveres.
— Pois acertou.
— Não a deixe transformá-la numa cabeça de vento igual a ela, Belle.
— Oh! Não sou obrigada a ouvir isso! — Juliet fez um bico.
Belle segurou o riso.
— Vou me recolher, pois você nem bem chegou e eu já sinto dor de cabeça!
Juliet se afastou e Will se sentou ao lado de Belle.
— Você me surpreendeu agora — ela disse.
— Por quê?
— Porque achei que pudesse reclamar de minha influência sobre Juliet e não o contrário.
— Juliet já é desmiolada o bastante para se deixar influenciar por você.
— Mas eu sou uma bandoleira.
Ele a fitou intensamente.
— Não, você é uma duquesa.
— Não me sinto assim.
— É o que você é agora, Belle.
Belle afastou-se, mas Will a seguiu e a fez encará-lo.
— Por que está com essa cara?
— Porque acho que isso aqui... — ela apontou para tudo a sua volta e o fitou — você, nada disso faz sentido para mim. Não parece real.
Will segurou sua mão.
— É real, Belle.
E então ela fez a pergunta que a assombrava, mesmo sabendo que estava dando um passo no escuro.
— Até quando?
— Para sempre.
— Está falando sério?
Will sorriu. Nem ele sabia por que estava dizendo aquelas coisas, mas era a mais absoluta verdade.
— Por que acha que estou mentindo?
— Porque você é um nobre e eu sou...
— Eu sei o que você é. E não me importo.
Belle o fitou vendo a verdade em seu olhar e sentiu o coração dando um pulo no peito.
Seria possível esquecer todo o passado e viver com Will. Para sempre?
No fundo era o que ela queria, não era? Então por que não se permitir ser feliz?
Lembrou-se do segredo que guardava. E não podia mais esconder aquilo de Will.
— Will, eu preciso te contar uma coisa...
Mas antes que Belle conseguisse pronunciar qualquer palavra ouviram o som de uma carruagem parando a poucos metros deles e emergir de lá de dentro o Barão De Wessex com um sorriso maligno.
— Espero que não seja muito tarde para uma visita.
Belle apertou a mão de Will com força, podia sentir a tensão que vinha dele.
— O que faz aqui? — ele indagou friamente a FitzRoy.
— Ora, Will, vim passar uma temporada na minha casa de campo. Respirar novos ares.
— Pergunto o que faz aqui na minha casa.
— Uma visita de cortesia entre... vizinhos. — O nobre encarou Belle com certo desdém no olhar e ele se sentiu estremecer de repulsa. — Como vai... duquesa?
Não passou despercebido a Belle o tom jocoso que ele usou ao se referir a ela como duquesa.
Belle abriu a boca para responder, mas Will a impediu colocando-se na sua frente.
— Acho que não tem nada para fazer aqui, barão.
— Ah, mas eu tenho sim. — Ele voltou a abrir a porta da carruagem e Belle arregalou os olhos ao ver sair de lá de dentro a cortesã Natasha em pessoa. A moça trajava um rico vestido azul e fixou o olhar de tigresa em Will.
— Como vai Will, quanto tempo...
Aquilo foi demais para Belle, ignorando o olhar de advertência de Will, ela deu um passo à frente.
— O que essa rameira está fazendo aqui?
— Meça suas palavras, Lady Cavendish, pois está falando com a futura Baronesa de Wessex — o barão falou.
— O quê? — Will e Belle indagaram ao mesmo tempo.
— Isso mesmo que ouviram — Natasha passou a mão enluvada pelo braço do barão. — Eu e o barão estamos noivos e vamos nos casar.
— E o que nós temos a ver com isso? — Will indagou com frieza frente à revelação de Natasha.
— Oh, Will, isso são modos de um duque? — Natasha fez beicinho. — Não vai me dar os parabéns? Ou está com ciúme?
Belle revirou os olhos, irritada.
— Natasha, você deve saber o quanto está sendo inconveniente — Will respondeu apertando a mão de Belle entre a sua. Talvez para impedi-la de voar no pescoço da cortesã.
— Não fale assim com minha noiva, Will — FitzRoy retrucou.
Will ignorou a observação.
— Eu acho melhor vocês irem embora.
— Sim, nós iremos, mas voltaremos amanhã para uma visita.
Natasha segurou o braço do barão, os dois saíram caminhando lentamente em direção à carruagem.
— Essa Natasha é uma cara de pau! E eu não acredito nem um pouco neste "noivado" — Belle falou irritada.
— Sim, está claro que estão aprontando alguma — Will falou.
— Vai recebê-los amanhã?
— Não deveria, mas preciso saber exatamente o que ele pretende.
— Eu odeio esse homem. Ele me olha como se eu fosse um inseto.
Will segurou sua mão.
— Não tem o que temer.
Belle o fitou. Gostaria de poder acreditar nele, mas Will não sabia o que tinha prometido ao barão.
E ela não sabia como iria sair daquela enrascada.
Natasha e o barão estavam chegando à carruagem e então Belle viu Juliet aproximando-se.
— Barão de Wessex!
Will soltou uma imprecação ao ver Juliet cumprimentando animada os indesejados visitantes.
FitzRoy sorriu para Juliet.
— Lady Juliet, quanto tempo!
— Sim, não nos vemos desde aquele baile. Muito animado por sinal! Pena ter acabado tão mal!
— Ainda não tive a oportunidade de congratulá-la por seu casamento.
— É mesmo! Tem que conhecer o James! Por que não ficam para o chá? — Ela olhou curiosa para Natasha. — O senhor e lady...
— Natasha. Minha noiva.
Juliet sorriu.
— Vai se casar? Que maravilha! Tem que dar um baile. Um aqui e um em Londres! Ah, preciso fazer um vestido novo...
Juliet passou os braços pelos de Natasha.
— Me conte tudo sobre Londres, Natasha! Venham, vamos tomar um chá.
O barão lançou um olhar desafiador irônico a Will e seguiu Juliet para dentro da mansão.
Belle segurou o braço de Will ao vê-lo prestes a explodir.
— Deixe, Will. Eles fazem isso para nos provocar.
— Não quero este homem perto da minha irmã.
— Ele não vai poder fazer nada com ela com a gente aqui.
— Tudo bem. Vamos entrar e nos livrar disso o mais rápido possível.
Belle sentiu o estômago revirando. O barão conversava com Juliet como se fossem velhos amigos e a irmã de Will, em sua ingenuidade, não percebia a tensão que reinava no recinto, mas o pior mesmo era aturar os olhares sedutores que Natasha lançava a Will. O descaramento da cortesã estava deixando Belle com os nervos à flor da pele.
— Belle, você está bem? — Will indagou preocupado.
Ela sorriu sem graça.
— Na verdade não. — Levantou-se. — Desculpa, mas eu preciso me retirar.
E sem esperar resposta, ela saiu da sala direto para os jardins.
A tontura que vinha sentindo intensificou-se e ela se segurou na primeira pilastra que achou.
— Está realmente muito pálida, Belle. Seria culpa?
Ela se virou assustada ao ouvir a voz de FitzRoy.
— O que faz aqui? — indagou friamente.
O barão aproximou-se, sorrateiro.
— Precisamos conversar.
— Não tenho nada para falar com você! — Belle tentou passar, mas o homem a segurou pelo braço.
— Está enganada. Temos muito o que falar. Ou se esqueceu de nosso acordo?
Belle puxou o braço com força, olhando para os lados, com medo que alguém estivesse escutando a conversa.
— Não faça essa cara de assustada, Belle — o barão falou irônico.
— Não deveria estar aqui. E sabe bem disso. O que pretende? — Belle o encarou em desafio. — Trazendo essa meretriz aqui?
— Já falei para medir as palavras, afinal, você mesma não passa de uma bandoleira.
— Duquesa! — Belle levantou o queixo. Não iria deixar aquele homem odioso intimidá-la. Já estava na hora de dar um ponto final naquela farsa. — Quero que saia já daqui e leve com você aquela meretriz desclassificada!
— Ora, ora, vejo que está com ciúme de Natasha. Mas quem não ficaria? Ela é uma mulher lindíssima. E Will com certeza já deve ter notado.
— Eu sei o que pretende. Está aqui para acabar com meu casamento e assim conseguir a herança.
— Não me interessa a herança de Will, e sim o apoio que você prometeu me ajudar a conseguir.
— Pois eu mudei de ideia.
O barão ficou sério.
— O quê?
— Isso mesmo que ouviu. Não vou mais ajudar você em nada!
— Não ouse virar minha inimiga, Belle.
— É inimigo do Will, portanto é meu também.
— Sabe que posso acabar com esse seu casamento...
— Não pode não. Apenas tente e se arrependerá amargamente.
— Pois bem. Já que escolheu assim, agora estamos em lados diferentes. Uma pena. Como minha aliada poderia ter muitas coisas.
— Não me interessa. Agora, se me der licença... — Ela se afastou e nem olhou para trás para ver se o barão a seguia.
Mas ao adentrar na sala, parou estupefata.
Não havia sinal de Juliet.
E Will estava perto da janela. Com Natasha firmemente grudada nele, enquanto o beijava possessivamente...
Capítulo 12
Belle sentiu o chão fugir aos seus pés e soltou uma exclamação abafada.
Will empurrou a cortesã e a fitou com o olhar consternado enquanto Natasha sorria vitoriosa, nem um pouco envergonhada de ter sido pega em flagrante.
Belle deu meia-volta e saiu quase correndo.
— Belle volte aqui! — Will a chamou.
Mas Belle não queria saber. Queria apenas sumir dali antes que arrancasse os olhos de Natasha. E de Will.
Mas o barão a interpelou.
— Que cara é essa “duquesa”?! Parece que viu algo que não gostou.
— Devia se preocupar mais com o que sua noiva faz!
Belle passou por ele e subiu as escadas correndo.
Will apareceu e viu o barão.
— Ora, ora, Will. Sua esposa está precisando de alguma educação social...
Will ignorou os comentários sarcásticos do barão.
— Quero que saia agora de minha casa. E leve sua noiva junto.
O barão parou de sorrir.
— O quê?
— Não tenho nada para tratar com vocês.
Natasha apareceu e segurou o braço do barão.
— Vamos, querido. Já demos nosso recado.
Os dois se afastaram e Will subiu as escadas atrás de Belle.
Estava enfurecido. Natasha e o barão estavam ali com o único intuito de estragar o breve elo que existia entre ele e Belle. E justo agora que ele percebera que o que os unia era mais do que uma barganha para ela conseguir a liberdade e ele a herança, mas ela o vira beijando Natasha. Ou melhor, Natasha o beijava.
Fora muito rápido, num minuto ele tentava arrancar dela o que estava fazendo ali com o barão e no outro ela o beijava.
Will a empurrara tarde demais, pois Belle o pegara em flagrante.
Com certeza Natasha vira a aproximação de Belle e o beijara. E conseguira seu intuito a julgar pela cara de Belle antes de sair correndo.
— O que eles estavam fazendo aqui?
Will virou-se e viu a nova criada, Ana Lúcia, aproximando-se.
— O barão? O conhece?
Ana Lúcia ficou vermelha. Por um minuto esquecera de que era Ana Lúcia e não mais Lúcios.
— Sim, quero dizer, de ouvir falar, claro, mas sei que aquela moça com ele trabalha naquele clube... Oh, me desculpe.
— Tudo bem, Ana Lúcia, é verdade. Agora eles estão noivos.
— Sério? Eu não confio naquele homem... Oh, me desculpe!
Will riu.
— Fique tranquila. Eu também não confio.
— Se ele não é amigo do senhor... O que estava fazendo aqui?
— É o que eu me pergunto.
Will se afastou e Ana Lúcia ficou pensando que ele não parecia nem um pouco satisfeito com aquela visita.
— Bisbilhotando, querida?
Ana Lúcia virou-se irritada ao ouvir a voz da empregada cigana.
— O que disse?
— Ora, acabei de ver você escutando a conversa do barão e do duque atrás das portas. Que comportamento deplorável.
— Oh, cale a sua boca! E meta-se com a sua vida!
A mulher sorriu e por um lampejo de segundo Ana Lúcia pensou já ter visto aquele sorriso em algum lugar.
— Não precisa ficar brava, querida, seu segredo está guardado comigo!
— Que segredo? Ficou louca?
— Com certeza o duque não gostará de saber que escuta as conversas particulares dele...
— Escuta aqui, sua velha intrometida, cuide da sua vida e me deixe em paz! Eu sou amiga pessoal da duquesa e, com certeza, ela não gostaria de saber como você está me tratando!
Jack riu e Ana Lúcia franziu a testa.
— Eu não te conheço de algum lugar?
Jack ficou sério. Talvez devesse contar a ela a verdade.
Não, ainda não. Estava se divertindo com aquela brincadeira. Ana Lúcia podia sofrer mais um pouquinho.
— Não, querida, não nos conhecemos...
Ele se afastou.
Viu a carruagem do barão se afastar na estrada. Não gostava nada daquilo. Aquele homem estava aprontando alguma. Teria que convencer Belle a dar o fora dali o mais rápido possível.
****
Will bateu à porta, mas como Belle não atendeu, ele a abriu e entrou.
Ela estava de costas para ele, perto da janela. Will sentiu um aperto no peito.
— Belle, precisamos conversar.
Ela se virou e fitou friamente.
— A Natasha foi embora? Por que não a convidou para ficar?
— Belle...
— Pareciam estar se dando muito bem!
— Não é o que está pensando.
— Eu vi.
— Natasha é perigosa e você sabe do que ela é capaz.
— Sei sim. E ela quer você.
— Mas eu não a quero.
— Não foi o que pareceu.
Belle virou-se de novo.
Estava mais irritada consigo mesma do que com Will.
Vê-lo com Natasha a deixou cheia de ciúme. E era um sentimento assustador. Fazia-a se sentir insegura. E não queria se sentir assim.
— Eu sei o que você viu — Will falou por fim — e deve saber que ela fez de propósito. Deve ter ouvido você se aproximar.
— Não o vi rejeitando ela.
— Não tive tempo.
— Sei...
Will segurou seus ombros e a fez encará-lo.
— Você não sabe. Não entende que eles estão aqui para fazer exatamente isso?
Belle soltou-se.
— Eu sei sim, mas Natasha deve ter motivos para supor que ela é uma ameaça.
— Não é verdade.
— Não tenho tanta certeza. Eu estava lá. No quarto dela, se lembra? Você achou que eu fosse ela, mas estava lá com Natasha e não comigo.
— Não! Eu imaginei você.
Belle riu irônica.
— Quer mesmo que eu acredite?
Ele se aproximou e tocou seus cabelos, Belle tentou se afastar, mas ele não deixou.
— Não quero Natasha, Belle. Se quisesse, ela estaria aqui no seu lugar agora, mas não está.
Belle o fitou. Queria tanto acreditar nele.
Só que existiam tantas coisas que o separavam. Lembrou-se das ameaças do barão. Ele não os deixaria em paz.
E Belle tinha medo do que o futuro lhes reservava.
— Precisa confiar em mim. Tudo se resolverá — Will garantiu e Belle relaxou em seus braços quando ele abaixou a cabeça para beijá-la.
Mas foram interrompidos pelas batidas na porta e Will a soltou quando Juliet entrou.
— Oh, me desculpa entrar assim! Não sabia que estava aqui, Will — Juliet desculpou-se.
— Tudo bem, Juliet — Belle falou tentando sorrir.
— Por que o barão saiu daqui daquele jeito? Quase não consegui me despedir! Sorte que o peguei ainda entrando na carruagem!
— O barão não é bem-vindo aqui, Juliet.
— Por que não?
— É uma longa história.
— Mas eu o convidei para o baile!
— Que baile?
— O baile que daremos no sábado!
— Que história é essa?
— O baile para apresentar a Belle à sociedade! Esqueceu?
— Juliet, tem que me consultar antes. O barão não é mais um amigo da família.
— E por que não me disse? Agora o que vou fazer?
— Deixe tudo como está, Juliet — Belle disse e os dois irmãos a fitaram. — O barão não me assusta, Will. Deixe a Juliet dar esse tal baile.
— Belle, não sei se é uma boa ideia — Will objetou.
— Mas claro que é uma ótima ideia! — Juliet deu pulinhos e segurou a mão de Belle a puxando para fora do quarto. — Venha, temos que providenciar nossos vestidos! Tenho uns tecidos maravilhosos no meu quarto.
Belle deixou-se levar pela entusiasmada Juliet e tentou esquecer por ora todos os seus problemas.
Mas quando a noite caiu, Belle se viu de novo apavorada.
E tudo por causa de um bilhete.
Estava saindo do quarto para o jantar quando Ana Lúcia aproximou-se.
— Deixaram este bilhete para você.
— Quem?...
Ana Lúcia mordeu os lábios.
— Era um lacaio do barão.
Belle sentiu um pavor frio a dominar e amassou o papel sem ler.
— Ana Lúcia, por favor, diga a Juliet e Will que estou me sentindo um pouco indisposta e não jantarei.
— Se eu puder ajudar...
— Não, Ana Lúcia, muito obrigada.
Belle se fechou no quarto e Ana Lúcia virou-se preocupada e deu de cara com a empregada cigana.
— Ei, que susto! Estava espionando?
— Por que a duquesa está com essa cara? — a mulher perguntou séria.
— Não é da sua conta! — Ana Lúcia rebateu afastando-se para ir avisar Will da indisposição de Belle, e Jack só esperou ela desaparecer no corredor e entrou no quarto de Belle.
E se surpreendeu ao vê-la chorando.
— Ei! — Ele sentou ao seu lado. — O que aconteceu?
Belle passou o bilhete pra ele.
Nele o Barão de Wessex exigia que ela fosse se encontrar com ele na manhã seguinte. E se ela não fosse ameaçava aparecer ali e contar tudo a Will.
Jack soltou um palavrão.
— Esse barão não vale nada! Mas não é motivo para você chorar desse jeito!
— Você não entende? Se Will descobrir que concordei com os planos do barão vai me odiar.
— Por isso temos que ir embora. Por favor, Belle, fuja comigo.
— Não posso... estou esperando um bebê, Jack. Não posso mais fugir.
Jack a abraçou.
— Que confusão se meteu, hein? — ele falou beijando o topo de sua cabeça e quando ele levantou o olhar, deu de cara com Ana Lúcia parada na porta com a expressão desconfiada.
— O que essa mulher intrometida está fazendo aqui, Belle?
Belle se desvencilhou de Jack.
— Não está acontecendo nada, Ana Lúcia. Ela estava apenas me consolando.
Ana Lúcia olhou de um para o outro desconfiada, mas quando ia falar, Will apareceu.
— Belle, você está bem? — Ele segurou seu rosto. — Está chorando?
— Não é nada...
— Ana Lúcia me disse que não estava passando bem.
— Eu estou com dor de cabeça, só isso.
— Quer que eu chame um médico?
— Não! Não precisa. Na verdade, acho que já me sinto melhor. Vamos jantar?
— Sim, vamos.
Eles saíram do quarto e Ana Lúcia voltou a fitar a empregada.
— Eu não confio nem um pouco em você.
— Ora, ora, doçura... sempre desconfiada.
Ana Lúcia franziu o cenho. Aquela voz, aquele olhar... da onde conhecia aquela mulher?
— Eu acho que te conheço!
Jack sorriu aproximando-se.
— Eu acho que não, lindinha...
Então Ana Lúcia soube. E quase caiu para trás de susto.
— Jack?!
Capítulo 13
— Surpresa! — Jack exclamou sorrindo.
Ana Lúcia arregalou os olhos ao vê-lo arrancar a peruca.
— Não acredito!
— Pois pode acreditar, doçura! Sou eu, em carne e osso!
Ana Lúcia sentiu primeiro incredulidade, depois espanto, e por fim raiva por ter sido enganada todo aquele tempo! E mesclado a tudo isso, um sentimento de alegria por estar vendo Jack de novo, mas ignorando este último o fitou furiosa.
— Por que está aqui vestido deste jeito?
— Longa história, mas o importante é que nos reencontramos de novo... — Aproximou-se, mas Ana Lúcia o empurrou, dando um tapa na sua cara.
— Você me enganou esse tempo todo!
— Olha quem fala! Não era você que tinha vida dupla, Lúcios?
Ana Lúcia ficou vermelha.
— Aquilo era diferente.
— Ah, era? Então explique, porque até agora eu não entendi. Tem ideia de que quase a matei?
— Você quase matou o Lúcios!
— Poderia ter me contado, quando fiquei na sua casa.
— Você não iria entender.
— Agora nunca saberemos, não é?
— Por que está aqui, Jack?
— Para levar a Belle embora.
— Ficou maluco? Ela sabe quem você é?
Jack calou-se. Não queria comprometer Belle e ainda não sabia de que lado Ana Lúcia estava. Lembrava-se bem que Lúcios era aliado do barão.
— E você, baby, de que lado está?
— Estou do lado da justiça; e você é um bandoleiro.
— Teria coragem de me denunciar?
— Não posso compactuar com isso! Se o duque descobre, vai me acusar de ser sua cúmplice.
— Então é disso que tem medo?
— Claro que sim! E você deveria ter medo também.
— Não vai ter coragem de me entregar...
— Eu tenho sim, mas te darei uma chance. Tem que ir embora daqui. Agora. Fuja.
— Eu não vou embora sem a Belle.
— O duque vai te perseguir até a morte, não percebe?
— Agora se importa com a minha vida, Ana Lúcia?
— Claro que não!
— Então não precisa se preocupar. Eu não vou embora.
— Jack...
— Desista, doçura.
— Não me deixa outra escolha. Vou agora contar ao duque quem você é.
Ana Lúcia virou-se, mas antes que alcançasse a porta, Jack a agarrou e a beijou. Pega de surpresa ela se debateu, mas o calor dos lábios masculinos sobre os seus era uma doce persuasão e, com um gemido, ela se rendeu.
Jack afastou a boca da dela e sorriu.
— Sabia que podíamos nos entender...
Ana Lúcia abriu os olhos e saindo da letargia que a dominava, livrou-se das mãos de Jack com um safanão.
— Pois se enganou se pensa que pode me convencer desse jeito!
Ela se virou para sair, mas então a porta se abriu e Belle apareceu.
Belle olhou de um para o outro e não demorou a perceber que estava ocorrendo.
— Ana Lúcia, vejo que já descobriu tudo.
— Então você sabia?
Belle fechou a porta, para que não fossem ouvidos e fitou Ana Lúcia.
— Sim, eu sabia.
— Você vai mesmo fugir?
Belle encarou Jack.
— Não.
— Ainda precisamos acertar isso... — Jack falou.
— Não adianta, Jack. Você sabe qual é a minha resposta.
— Se o duque descobrir que ele está aqui... — Ana Lúcia continuou.
— Eu sei — Belle cortou. — Por isso vou te pedir para não contar nada.
— Mas...
Belle virou-se para Jack.
— Por favor, Jack, nos deixe sozinhas.
Jack recolocou a peruca e saiu do quarto.
Belle aproximou-se de Ana Lúcia.
— Sei que está brava com ele, mas se contar ao duque que o Jack está aqui, todos seremos prejudicados.
— Mas é errado. O duque vai acabar descobrindo de qualquer maneira.
— Ana Lúcia, se você nos delatar, todos saberão que você era Lúcios — Belle ameaçou.
Ana Lúcia arregalou os olhos.
— Você sabia?
— Jack me contou.
— Lúcios está morto.
— Sim, Jack me contou isso também, mas Will não gostará de saber que o enganou.
Ana Lúcia mordeu os lábios, amedrontada e Belle sentiu-se condoída.
Pegando as mãos de Ana Lúcia entre as suas, ela a fitou.
— Não quero prejudicá-la. É minha única amiga agora, mas temos que manter nossos segredos a salvo. De nada adiantaria revelar que o Jack está aqui agora. Todos perderemos.
— Como pode enganar o duque dessa maneira? Achei... — Ana Lúcia abaixou a cabeça, meio envergonhada — que gostasse dele...
— Você tem razão. E por isso mesmo preciso que guarde esse segredo.
— Jack não irá desistir até levá-la com ele.
— Eu sei. Estou tentando fazer com que vá embora. Sabemos como o barão nos odeia. Se descobrir, Jack irá para a torre.
— Sim — Ana Lúcia concordou com a voz sumida.
A verdade era que não queria que Jack morresse. Seu espírito de justiça, talvez alguma herança que ser Lúcios por tanto tempo deixara nela, gritava para que entregasse o bandoleiro, mas também algo a impedia. Talvez estivesse mais envolvida com o bandido do que gostaria.
— E então, Ana Lúcia, posso contar com você?
Ana Lúcia respirou fundo.
— Pode sim.
Belle sorriu e levantou-se. Ana Lúcia percebeu que ela estava meio tonta.
— Belle, você está bem?
— Estou sim.
— Você parece meio pálida.
— Estou grávida.
— Grávida? — Ana Lúcia arregalou os olhos e antes que Belle pudesse responder a porta se abriu e Will entrou.
— Quem está grávida? — indagou às duas.
Belle pensou rápido.
— Juliet. Sua irmã Juliet está grávida — respondeu lançando um olhar de advertência a Ana Lúcia.
Will franziu o cenho.
— Juliet está grávida?
— Sim. Ana Lúcia, pode nos deixar a sós?
— Claro. Com licença.
Ana Lúcia saiu rapidamente fechando a porta atrás de si.
— Que história é essa da Juliet estar grávida?
Belle deu de ombros com um sorriso amarelo.
— Pois é. Não era para eu te contar.
— Por que não?
— Acho que ela mesma gostaria de dar essa notícia.
Will aproximou-se e a fitou atentamente passando a mão por seu rosto.
— Você está bem?
Belle fechou os olhos. Por que não contava a ele?
Simplesmente achava que ainda não era a hora.
— Estou bem sim. Apenas estressada com essa aparição do conde e de Natasha.
— Não precisa se preocupar, Belle. Tudo vai dar certo.
Ela sorriu tristemente, pois duvidava que no fim tudo acabaria bem.
Sentiu um arrepio de medo e abriu os olhos apreensivos.
— Você promete? — falou num fio de voz e Will rodeou seu rosto com as mãos e a beijou delicadamente a princípio, mas Belle ficou nas pontas dos pés e aprofundou o beijo.
— Faça amor comigo, Will — pediu num sussurro, colando o corpo ao dele.
Queria que ele a abraçasse e a fizesse esquecer tudo o que os separava porque o tempo que tinham juntos poderia estar se esgotando.
Ele a levou para a cama e a despiu devagar, tocando com os lábios masculinos cada pedaço de pele que se revelava. Belle gemeu, quando ele tocou com a língua sua cintura, sentindo o corpo tremer em expectativa e um desejo úmido instalar-se entre suas pernas.
— Eu quero você dentro de mim — pediu ofegante, e Will despiu-se rapidamente e a puxou para cima de si, os lábios se unindo num beijo explorador.
Com as mãos firmes ele a guiou para sua ereção exigente e Belle arfou ao se sentir preenchida. Fechando os olhos, cavalgou-o, sentindo o desejo elevar-se cada vez mais alto, até a explosão final, doce e quente, que a deixou exausta e sonolenta. Deitou a cabeça no ombro de Will e ele acariciou seus cabelos até que adormecesse e quando acordou, já era dia.
E estava sozinha na cama.
E antes que pudesse levantar, Juliet entrou no quarto feito um furacão.
— Você contou ao Will!
Belle fitou a moça.
— Uma hora ele teria que saber, Juliet.
— Bem, isso é verdade, mas tomei um susto quando tocou neste assunto essa manhã.
— Fique tranquila, não contei sobre Logan.
— Graças a Deus! Eu ficarei em apuros se Will um dia descobrir, mas vamos, levante-se, temos muitas coisas a fazer para o baile.
— Ah, Juliet, não estou com muito ânimo para esse baile...
— Eu sei que não deveria ter convidado o barão e sua noiva, já pedi mil desculpas ao Will. Ele não pareceu muito satisfeito, mas pelo menos ele viajou e...
— Como?
— Ele viajou. Achei que soubesse.
Belle conteve a onda de decepção. Will viajou? E por quanto tempo? E o pior, por que não lhe contara nada e nem se despediu?
— Para onde ele foi? — indagou a Juliet.
— Londres. Disse que volta antes do baile.
— Sei...
— Não fique triste. Pense pelo lado bom, teremos todos estes dias sozinhas para fofocar!
Belle sacudiu a cabeça com um sorriso resignado. Pelo menos teria alguns dias para tentar fazer com que Jack fosse embora. E quando Will voltasse, finalmente contaria a ele que estava grávida.
Capítulo 14
Ana Lúcia acordou cedo. Ou melhor, nem dormiu.
A aparição de Jack estava mexendo com seus nervos.
Cansada de rolar na cama, ela se levantou e vestindo uma capa para se proteger do frio da manhã saiu da casa. Caminhou para bem longe e admirou a neblina.
— Fugindo do que, doçura?
Ela deu um pulo de susto ao ouvir a voz preguiçosa de Jack atrás de si.
— Está me seguindo?
Jack riu.
— Sim, estou.
— Você é muito cara de pau mesmo!
Ela tentou passar por ele, mas Jack a impediu.
— Sai da minha frente!
— Não... Precisamos ter uma conversa.
— Eu não quero falar com você.
— Pois eu quero.
— Vai ficar querendo!
— Deixa de ser difícil.
— O que você quer comigo, Jack?
Ele sorriu lentamente.
— Tem certeza que não sabe?
— Você é muito convencido! Acha que vou cair na sua lábia de novo?
— Por que não?
— Por que não! Nada mais é como antes.
— O que é diferente? Por que ficamos juntos antes? Sabe que sempre me perguntei, por que resolveu me ajudar?
Ana Lúcia desviou o olhar. Como responder se nem ela sabia?
— E quando descobri que era Lúcios — Jack continuou — tive certeza de que estava me enrolando. Que dormiu comigo para depois me entregar à guarda. Foi isso, Ana Lúcia?
Ana Lúcia respirou fundo. Poderia mentir, mas do que adiantaria?
— Não, não foi. Está satisfeito? Agora se já tem a sua resposta, me deixa em paz! Porque nada mais vai acontecer entre nós!
— Por que não?
— Foi um erro! Devia estar fora de mim quando escondi um bandoleiro no meu quarto e, pior, me entreguei a ele! O mesmo bandoleiro que depois me apunhalou quase me matando!
— Eu apunhalei Lúcios!
— Mas eu era Lúcios! E isso não pode ser esquecido!
— Está usando isso para me jogar para escanteio!
— E daí? Você é um fugitivo, Jack! Tem que ir embora daqui. Sumir. Desaparecer.
— Já falei que eu só vou quando convencer a Belle a ir comigo!
— Não vê que a Belle não quer ir? Ela está feliz aqui. Não é mais uma bandoleira!
— Ela está se enganando. O duque é um nobre. E mais dia menos dia vai fazer diferença.
— Pode até ser, mas se ficar aqui tudo só vai piorar.
— Isso quem decide sou eu.
— Tudo bem. Ótimo. Fique aqui e depois não diga que eu não avisei.
Ana Lúcia se afastou com passos decididos sem olhar para trás.
Jack a viu se afastando e se perguntou por que insistia ainda. Ana Lúcia não queria nada com ele. E talvez estivesse certa. Sabia que era perigoso permanecer ali, mas não podia deixar Belle sozinha para ser engolida pelos tubarões.
Tinha que convencer Belle a ir com ele. E quem sabe convencer uma morena arredia a acompanhá-los também.
Os dias passaram lentamente. Sem Will ali, Belle sentia-se inquieta. E a preocupação com o baile que se aproximava piorava tudo.
— Você está bem? — Juliet indagou entrando na sala de estar elegante.
Belle não se sentia muito bem há dias. Enjoava muito e o nervosismo fazia com que se sentisse ainda pior.
Tentou sorrir.
— Sim, estou bem.
Juliet sentou-se ao seu lado e a fitou atentamente.
— Não, não está não.
— Juliet...
— Eu acho que você esta grávida!
Belle desviou o olhar e Juliet gargalhou.
— Acertei, não é! Mas é maravilhoso! Meu irmão já sabe?
— Não, ainda não.
— Ele vai ficar doido quando souber!
— Não tenho tanta certeza — Belle resmungou.
— O que disse?
— Nada.
— Bem, agora temos mais um motivo para dar uma festa!
— Juliet, por favor, não conte a ninguém.
— Claro que não vou contar. Você tem que contar ao Will primeiro!
— Sim. Isso mesmo.
— Vem. Vamos experimentar nossos vestidos. Enquanto eles ainda nos servem!
O dia do baile chegou. Belle estava animada, mas não com a festa, e sim com a volta de Will, que prometera voltar naquele dia. Mal podia esperar para vê-lo e finalmente poder contar que estava grávida. Talvez Juliet tivesse razão e ele realmente gostasse da notícia.
Mas o dia passou e a noite chegou e nada de Will.
— Eu vou matar meu irmão! — Juliet entrou no quarto de Belle toda arrumada. — Ele prometeu que viria.
— Talvez alguma coisa tenha acontecido... — Belle falou tentando convencer a si mesma.
— Não interessa! Como pode nos deixar sozinhas no dia de um baile tão importante?
Belle não respondeu.
— Vem, vamos descer. Os convidados já estão chegando e eu estou louca para apresentá-la a todos. Está linda neste vestido verde, realça seus olhos.
Belle acompanhou Juliet escada abaixo sem muito entusiasmo. A cunhada a apresentou a uma infinidade de pessoas que Belle nem se lembraria do nome depois e então ela viu o barão entrando de braços dados com uma radiante Natasha e teve vontade de sair correndo.
Aquele baile iria ser um suplício.
FitzRoy a viu e Belle forçou um sorriso falso.
— Duquesa — ele a cumprimentou. — Está muito bonita. Onde está o duque?
Antes que Belle respondesse, Natasha soltou um risinho.
— Acho que não sabe, querido.
— Não sei do quê? — Belle indagou tentando manter a calma.
— Onde seu marido está — respondeu a outra —, mas eu sei.
Belle teve vontade de estapear a cortesã. Será mesmo que sabia onde Will estava? Ou estava jogando com ela?
— Ele está em Londres — Belle respondeu. — E acho que é de conhecimento de todos.
Natasha não desfez a expressão de triunfo.
— Tenho certeza que sim. Por que não a levou com ele?
— Porque está tratando de negócios.
— Já que falou em negócios. — O barão soltou o braço de Natasha e segurou o de Belle. — Acho que temos assuntos para tratar, duquesa.
— Me solta — Belle falou entredentes.
— Como quiser, mas acho bom me acompanhar, ou quer que falemos de nossos assuntos aqui, na frente de todos?
Belle respirou fundo e achou melhor acompanhar o odioso nobre.
Tinha mesmo que botar um fim naquela história de uma vez por todas.
Belle levou o barão para o escritório e fechou a porta.
— Muito bem, Belle, acho que já fui muito paciente com você. Will está em Londres porque o rei chamou. Há indícios de uma revolta a caminho. E sabe o que é engraçado? Ele deveria estar ao meu lado e não do rei!
— Não é problema meu.
— Não? — Ele se aproximou com os olhos chispantes. — Você prometeu me ajudar a convencê-lo!
— Eu menti.
— O quê?
— Eu menti. Nunca pretendi te ajudar! Acha mesmo que seria aliada de um ser asqueroso como você?
O barão a encarou furioso.
— Esquece que posso destruir seu casamento?
Belle sustentou seu olhar.
— Não pode não. Meu casamento é de verdade. E eu estou grávida.
— Está mentindo.
Belle sorriu triunfante.
— Não estou. Agora vai sair da minha casa e levar aquela vagabunda com você.
— As coisas não ficarão assim!
— Não tenho medo das suas ameaças!
— Tudo bem, bandoleira. Eu irei embora, mas não pense que venceu. Poderíamos ser aliados, mas preferiu ser minha inimiga. Não esqueça disso.
Com essas ameaças, o nobre saiu intempestivamente e Belle se segurou no móvel mais próximo, sentindo-se esgotada, mas aliviada.
Agora não devia mais nada a FitzRoy. Mas a que preço?
Caminhou até a janela e contemplou a noite escura.
O barão era um homem inescrupuloso. E Belle tinha certeza que ele iria querer se vingar dela.
Contendo o medo frio que a transpassou, ouviu a porta abrir-se a suas costas e virando-se o coração batia acelerado de alívio ao ver Will.
— Will! Você voltou!
Ele sorriu e com poucas passadas estava a sua frente, a abraçando forte.
Belle agarrou-se a ele como um náufrago agarra-se à única salvação.
— Senti tanto a sua falta — confessou e ele a fitou.
— Não mais do que eu senti a sua. — E então a beijou.
Belle sentiu o mundo voltar ao lugar finalmente. Will estava de volta e estava com ela.
E tudo parecia perfeito.
Sentia o calor dos braços dele em volta de si, as mãos em seus cabelos e suspirou colando o corpo ao dele, não querendo que a soltasse nunca, mas ainda precisava saber por que ele partira tão intempestivamente e obrigando-se a voltar à realidade interrompeu o beijo.
— Por que partiu sem falar comigo?
Will ficou sério.
— Sinto muito, mas recebi um chamado do rei e tive que partir na hora.
— Poderia ter falado comigo.
— Não quis te acordar. Me desculpe.
Ele parecia mesmo culpado e Belle sorriu.
— Posso te desculpar dessa vez, se nunca mais fizer isso.
Ele acariciou seu rosto.
— Eu prometo, duquesa.
— Aí estão vocês!
Belle olhou para a porta e viu Juliet.
— Não podem ficar se escondendo aqui! Temos convidados!
Will e Belle se entreolharam e Belle deu de ombros.
— Acabei de chegar, Juliet! — Will reclamou.
— E a culpa é de quem? Você é o duque e todos estão esperando sua presença! Deixa para matar a saudades de Belle depois!
E para enfatizar suas palavras, segurou a mão do irmão e saiu o puxando.
Belle riu e os acompanhou para fora do escritório.
****
Ana Lúcia tentava equilibrar as duas bandejas nas mãos ao voltar para a cozinha e foi interceptada por Esmeralda e soltou uma imprecação.
Estava cansada de ter que toda hora ver Jack. Ele sempre dava um jeito de fazer piadinha e gracejos quando ninguém estava olhando. E isso enfraquecia suas resoluções.
A outra criada se afastou e Jack colocou as bandejas em cima da mesa e a fitou sorrindo.
— Pena que estamos aqui como criados, senão poderíamos dançar...
— Cala a boca, Jack!
Ele gargalhou e um outro criado entrou.
— O duque acabou de chegar e preciso de alguém para cuidar de seu cavalo. E não sei onde o cavalariço se meteu!
— Deixa que eu cuido — Jack falou e o criado o fitou de cima a baixo. Jack riu. — Sou uma mulher muito forte...
Ana Lúcia revirou os olhos.
— Tudo bem, se acha que consegue! — o criado falou aliviado de ter se livrado daquele trabalho.
— Consigo sim.
— Ana Lúcia, vá e a ajude — o homem pediu e Ana Lúcia fez uma careta.
— Eu?
— Sim, ela é só uma senhora! Ande logo!
Ana Lúcia encarou Jack com raiva e este deu de ombros.
Sem alternativa, Ana Lúcia o seguiu para fora da casa, até os estábulos.
E não viram dois vultos na escuridão.
— Você deixou que ela o intimidasse? — Natasha perguntou ao barão, no jardim da mansão.
— Ela está grávida — FitzRoy quase cuspiu as palavras.
— Grávida? Não pode ser!
— E agora se recusa a nos ajudar!
— Aquela vadiazinha!
— Controle-se, Natasha! Você devia ter feito seu trabalho direito!
— Eu tentei, mas essa bandoleira parece que jogou algum feitiço no duque! Ele mal olha pra mim agora!
O barão sorriu maldoso.
— Sim, ela conquistou o duque, disso não há dúvida. Sendo assim agora acho que não preciso mais dos seus serviços.
— O quê?
O barão tirou um punhado de moedas de ouro do bolso.
— Acho que isso vai bastar, para voltar a Londres.
— Está me dispensando?!
— Ora, Natasha, achou que eu fosse mesmo me casar com você?
— Tínhamos um trato!
— E você não me serviu de nada!
— Ainda posso servir!
O barão levantou a sobrancelha incrédulo e Natasha aproximou-se mais e falou seu plano no ouvido do barão.
O nobre sorriu.
— Você é mais diabólica do que eu pensava.
— Temos um trato?
— Sim, temos.
— Ótimo! — Ela sorriu triunfante e então ouviram um barulho. — Ouviu isso?
O barão segurou o braço de Natasha e a levou para trás do estábulo ao ouvir passos aproximando-se.
Ana Lúcia e Jack entraram no estábulo e Jack colocou o cavalo do duque na estrebaria, lançando olhares cobiçosos a Ana Lúcia.
— Você está muito bonita hoje.
Ana Lúcia não respondeu.
— Eu ainda penso no que aconteceu. Você não?
— Não — a moça mentiu tentando se afastar, mas Jack a segurou. — Me solta, Jack!
— Hoje não, doçura — negou antes de beijá-la.
Ana Lúcia não resistiu por um momento, mas então ouviu um barulho e se afastou.
— Tem alguém aqui!
Jack também tinha ouvido e fez um sinal para Ana Lúcia fazer silêncio e foi em direção ao barulho.
FitzRoy apareceu na escuridão, empunhando a espada.
— Voltamos a nos encontrar, bandoleiro!
Belle estava ansiosa. Não via a hora da festa acabar e poder ficar sozinha com Will e finalmente contar a ele sobre o bebê.
Ao longe avistou Natasha entrando e vindo em direção a eles, sorrindo.
— Olá, Will.
— Natasha — Will falou seriamente.
— Acho melhor vir comigo.
— O quê?
— Eu e o barão descobrimos um intruso em sua propriedade!
— Um intruso?
— Sim, venha comigo!
Belle sentiu um arrepio de medo.
— Fique aqui, Belle — Will pediu fazendo um sinal para os guardas.
— Não, eu vou com você!
Will e Belle seguiram a cortesã.
E Belle quase caiu para trás ao ver o barão apontando a espada para Jack ainda vestido de empregada.
— O que está acontecendo aqui? — Will indagou.
— Não o reconhece, Will? — O barão falou triunfante. — Pois essa “criada” é um velho conhecido de sua esposa.
Will encarou Belle que não ousava em respirar.
— O que quer dizer?
O barão retirou a peruca de Jack.
— Você?! — Will exclamou surpreso.
— Acho que é nosso dia de sorte, hoje, Will — o barão comentou.
— O que faz aqui? — Will indagou a Jack friamente.
Jack sorriu sarcástico.
— Acho que não adianta falar nada a meu favor neste momento, não?
— Deveria perguntar a sua esposa o que ele faz aqui — FitzRoy comentou maldoso.
Então Will fitou Belle.
— Você sabia disso?
Belle o encarou, os olhos cheios de lágrimas e a expressão derrotada. De nada adiantava mentir. Sacudiu a cabeça afirmativamente.
— Sim.
Belle viu a decepção em seu rosto mesclado com uma raiva intensa.
Will desviou o olhar.
— Prenda-o — Will ordenou e se afastou.
Belle ficou parada no lugar incapaz de se mexer.
— Eu sinto muito, Belle — Jack falou antes de ser levado.
— O que faremos com ela? — Um dos guardas apareceu trazendo Ana Lúcia.
— Ana Lúcia? — Belle aproximou-se. — Soltem-na — ordenou.
— Mas ela era cúmplice!
— Eu não vi nenhuma ordem do duque para prendê-la. Solte-a agora!
O guarda soltou Ana Lúcia e se afastou.
Ana Lúcia fitou Belle.
— Belle, o que faremos agora?
— Eu não sei.
— O Jack está perdido...
— Eu vou pensar em algo.
— E o duque vai nos matar!
Belle respirou fundo.
— Se ele tiver que matar alguém será a mim. Fique tranquila, você não tem culpa de nada.
— Eu sinto muito, Belle... Tomara que consiga resolver as coisas com o duque e convencê-lo a não fazer nada com o Jack!
— Eu também — disse dando meia-volta e indo procurar Will.
Sem saber o que o futuro a aguardava.
Capítulo 15
Os convidados iam entrando em suas carruagens, todos comentando entre si a última fofoca. Belle ignorou os olhos curiosos e entrou na casa com o coração pesado. Sabia que tinha uma batalha árdua pela frente.
— O que aconteceu? — Juliet indagou ao vê-la. — Meu irmão entrou aqui muito sério e disse que o baile estava encerrado! Estão dizendo que aquela criada cigana esquisita na verdade era um bandoleiro! É verdade?
— É sim, Juliet. Sabe onde Will está?
— Meu Deus! Era um dos seus amigos? Qual deles?
— Juliet, por favor, agora não posso responder suas perguntas. Preciso falar com o Will.
— Pela cara dele, se eu fosse você, adiava essa conversa o máximo possível!
— Bem que eu gostaria! — Belle falou amarga.
Juliet deu de ombros.
— Se insiste... Ele está no escritório. Boa sorte.
Belle caminhou até o escritório e encontrou Will sentado à mesa escrevendo uma missiva.
— Will, eu sinto...
Ele levantou o olhar a mirando com frieza.
— Sente mesmo? Diga-me a quanto tempo escondia seu amigo aqui, na minha casa, bem debaixo dos meus olhos?
— As coisas não são assim...
— Então são como, Belle? Eu confiei em você!
— Eu não sabia... Que ele viria... Eu...
— Quer mesmo que eu acredite?
— Mas é a verdade! Ele apareceu aqui do nada!
— Mas já está aqui há algum tempo.
— Falei que tinha que ir embora, mas ele insistia que eu tinha que ir junto!
— Por que ele ia insistir nisso? Já tinha conseguido fugir e voltou por você. Por que, Belle? O que há entre você e aquele bandoleiro?
— O que está insinuando, não há nada!
— Ele não viria atrás de você se não houvesse!
— Jack é meu amigo!
— Eu não acredito.
— Acha mesmo que estava dormindo com o Jack embaixo do seu nariz?
— Eu não sei mais o que achar! Olhe bem nos meus olhos e diga que nunca houve nada entre você e aquele bandoleiro?
Belle não conseguiu mentir.
— Houve sim, mas há muito tempo...
Will empalideceu de ódio.
— Saia daqui!
— Will, por favor!
— Saia daqui ou eu não respondo por meus atos!
Belle tremia inteira. Como Will podia tratá-la assim? Acreditar que fosse sórdida àquele ponto?
— Sim, eu vou — sussurrou decepcionada. — Eu sabia que isso iria acontecer um dia, Will. Nunca confiou em mim de verdade. Não devia ter se casado comigo.
— Mas eu me casei. Para salvar o seu pescoço e para quê? Para você mentir, enganar, trair?
— Acredite no que quiser.
Ela subiu as escadas sentindo o peso do mundo em suas costas. Entrou no quarto e sentando-se na cama escondeu o rosto entre as mãos e chorou.
Tudo estava perdido. Jack estava preso. E Will a odiava.
O que iria fazer agora?
Belle não soube dizer como adormeceu, mas acordou com os olhos inchados e a mesma roupa da noite anterior.
Ana Lúcia entrou no quarto e a fitou apreensiva.
— Belle, o que aconteceu?
— Você pode imaginar — falou desanimada.
— Você e o duque brigaram?
— Ele não acredita em mim. Acha que o enganei o tempo inteiro.
— O que vai acontecer?
— Eu não sei.
— Eu pensei... Que talvez pudesse convencer o duque a não enforcar o Jack.
Belle a fitou amarga.
— Acha que ele me ouviria? Ele me odeia!
— Você pode tentar.
Belle ficou pensativa. Ana Lúcia estava enganada. Will não faria nada que ela pedisse, ainda mais se fosse para ajudar Jack.
Mas também não podia deixar que Jack fosse morto sem fazer nada.
Respirando fundo, ela se levantou.
— Ana Lúcia, me ajuda a tirar este vestido e me prepara um banho.
— O que vai fazer?
— Sabe para onde levaram Jack?
— Disseram que ele está na propriedade do barão. Parece que o barão tem sua própria prisão particular!
— Certo, pegue papel e tinteiro. Vou escrever uma carta.
— Para quem?
— Para o Jack. E você vai encontrar alguém para entregar a ele.
— Eu?
— E quem mais? Vamos, não faça perguntas. Se vamos tentar ajudá-lo, não podemos perder tempo.
Belle ficou a manhã inteira apreensiva. Uma criada lhe avisou que Will estava fora. E Belle se perguntava o que aconteceria agora.
Cansada de ficar no quarto, desceu e estacou ao ver Juliet conversando animadamente com ninguém menos que Natasha na sala.
James estava presente, mas, como sempre, calado, olhando para longe, em seu próprio mundo.
Ele sempre parecia muito triste e Juliet tinha lhe contado que ele era irmão de Guilhermina. Belle ficara surpresa por James ser parente da amante de Blake que tinha os ajudado a conspirar contra o barão para depois entrega-los.
— O que faz aqui? — indagou à cortesã.
— Nossa, isso são modos? — Natasha sorriu.
Juliet levantou e passou o braço por seu ombro, lhe lançando um olhar apreensivo.
— Belle, não seja mal-educada. Natasha veio apenas me pedir desculpas pela confusão de ontem.
— Sim, a culpa é minha e do barão. Nós que flagramos o tal bandoleiro que se vestia de empregada.
— Você é muito cara de pau...
— Belle... por favor. — Juliet a forçou a sentar.
Alguns empregados entraram e colocaram uma bandeja no aparador.
Juliet sorriu nervosa.
— Vamos tomar um chá. Tenho certeza que nos acalmaremos.
Natasha levantou-se.
— Ótima ideia. Deixa que eu sirvo!
Natasha foi até o aparador e estava de costas servindo as xícaras quando Juliet tocou a mão de Belle.
— Desculpe por isso... não posso mandá-la embora... — sussurrou.
— Tudo bem. — Belle tentou sorrir para acalmar Juliet.
Natasha se virou segurando duas xícaras.
E sorrindo falsamente as serviu.
Juliet tomou quase o todo o conteúdo da sua, nervosa, mas Belle permaneceu com sua xícara intocada.
A simples presença daquela rameira maldita a enchia de nojo.
Natasha sorriu pra Belle.
— O bandoleiro era seu amigo, não é? Sinto muito...
— Não precisa ser falsa. Você não sente nada.
— Que pena que não acredita em mim... Por favor, tome seu chá, antes que esfrie.
— Eu não quero seu maldito chá.
Juliet gemeu desalentada.
Belle levantou-se cansada daquela farsa.
— Saia daqui.
Natasha já não sorria.
— Mas...
— Desapareça da minha frente e não ouse mais botar os pés aqui ou incomodar Juliet.
— Está sendo muito mal-educada.
— Belle — Juliet segurou seu braço, mas Belle ignorou.
— Tudo bem — Natasha falou se levantando. — Eu vou. Passem bem!
Natasha saiu pisando fundo e Belle respirou aliviada.
— Que horror! — Juliet murmurou pegando a xícara de chá da Belle e a tomando. — Realmente sinto muito, Belle, ela apareceu do nada...
— Não a deixe mais entrar aqui, chame os empregados, ou melhor, me chame. Eu adoraria colocá-la pra fora a pontapés.
Juliet riu.
— Devia mesmo tomar este chá.
— Não quero. Estou enjoada. Sabe onde está seu irmão?
— Ele saiu logo cedo e não voltou.
— Tudo bem. Vou para meu quarto.
A tarde passou, a noite caiu e nada de Will.
Belle permaneceu sentada no mesmo lugar. Será que Will não voltaria?
E onde estaria, sumido o dia inteiro?
A casa estava silenciosa. Ana Lúcia viera perguntar se iria jantar, mas Belle dissera que não. Não tinha o menor apetite diante dos problemas que se desenrolavam a sua frente.
De repente ouviu a porta se abrir e esperou, ansiosa.
Sabia de quem eram aqueles passos.
Will entrou na sala e estacou ao vê-la.
— Olá, Will.
Belle levantou-se e o encarou de cabeça erguida.
Era impossível saber o que ele estava pensando. E isso a deixava ainda mais nervosa.
Esperou pela reação dele, mas para seu desespero, Will deu meia-volta.
— Vai me ignorar até quando? — insistiu.
Will parou e virou-se.
— Não tem o direito de me fazer perguntas, Belle.
— Tenho sim. Somos casados. Sou a Duquesa de Buckingham! E você vai me ouvir, nem que esta seja a última coisa que faça na vida!
Belle finalmente viu alguma emoção tremeluzir no olhar de Will. Raiva.
Mas isso era melhor que a indiferença.
— Acho que não temos mais nada a dizer.
— Você me acusou de coisas absurdas ontem e acho que tenho o direito de me defender!
Will soltou uma risada nervosa.
— Depois de tudo que aprontou ainda se acha no direito de querer se defender? Ou vai defender seu amigo bandoleiro?
— Sim, eu o defendo, porque como mesmo disse, é meu amigo!
— Acho que me expressei mal: seu amante.
Belle sentiu a fúria e a frustração a dominá-la e deu um passo à frente, o rosto vermelho de indignação, pronta para dizer poucas e boas a Will, mas antes que pudesse dizer qualquer palavra a porta se abriu e um pálido James apareceu.
— Juliet não está bem!
— O quê? — Will e Belle falaram ao mesmo tempo.
— Eu não sei o que ela tem, cheguei e a encontrei deitada se contorcendo e... sangrando...
Will não esperou James terminar. Correu escada acima e Belle o seguiu.
Juliet estava na cama, de camisola e se contorcia de dor, abraçada à barriga.
— Juliet, o que você tem? — Will indagou ajoelhando-se ao lado da irmã.
Juliet abriu os olhos marejados.
— Will... Acho que estou perdendo meu bebê.
Belle aproximou-se também e empalideceu ao ver a grande mancha de sangue na camisola de Juliet. Will também viu.
Virou-se para James.
— Corra até a vila e traga o médico!
James correu para fora e Belle e Will se entreolharam.
— O que será que está acontecendo? Estará mesmo perdendo o bebê? — Will indagou preocupado.
Belle se sentou ao lado de Juliet e segurou sua mão fria.
— Eu temo que sim.
O médico chegou muito rápido e colocou Belle e Will para fora do quarto.
Will andava de um lado para o outro, horas depois no corredor, e Belle torcia as mãos.
Belle se compadeceu do sofrimento dele.
— Juliet é jovem e forte. Nada vai lhe acontecer. — Tentou confortá-lo.
Will a fitou com os olhos apreensivos.
— Espero que sim... é minha irmã... já perdi meu pai... Não tenho mais ninguém.
Belle teve vontade de lhe dizer que tinha a ela, mas se calou.
— Não vai perdê-la.
O médico saiu do quarto e Will e Belle o abordaram para saber o que estava acontecendo.
— Ela está bem? — Will perguntou.
— Sim, agora está.
Belle respirou aliviada.
— Mas perdeu o bebê — o médico completou.
Belle fechou os olhos com vontade de chorar.
— Posso vê-la? — Will indagou e o médico respondeu que sim.
Will entrou no quarto de Juliet e Belle teve vontade de entrar também, mas se conteve. Temia não ser bem-vinda.
Pelo menos Juliet estava bem, mas ficaria arrasada com a perda do bebê.
Belle tocou a própria barriga. Sentindo um inédito instinto de proteção com o bebê em seu ventre.
James saiu do quarto, muito triste.
— Eu sinto muito. — Belle segurou sua mão.
— Eu também.
— James, eu sei... que não era seu filho... talvez seja ainda mais difícil...
— Era meu filho, Belle. Porque eu ia criá-lo como se fosse.
— Sim, claro... Juliet está bem?
— Vai ficar. Por que não entra?
— Depois. Ela precisa de algo?
— Sim, acho que precisa comer alguma coisa.
— Eu vou buscar. Volte para ficar com ela.
Belle desceu as escadas e encontrou Ana Lúcia.
— Coitada de Lady Juliet. Ela é meio doida, mas não merecia isso.
— Não mesmo. Será que pode pedir para a cozinheira preparar algo leve para ela comer?
— Sim, claro. — Ana Lúcia parecia que queria dizer algo a Belle.
— O que foi?
— Belle, não acha estranho a Juliet perder o bebê assim do nada?
— Essas coisas acontecem...
— Mas eu acho estranho.
— O que quer dizer?
— Que existem ervas que fazem as mulheres perderem os filhos. Minha mãe me contou sobre isso... Acho que ela tinha medo que eu engravidasse, sei lá...
— Juliet jamais faria uma coisa dessas!
— Mas alguém poderia fazer! Alguém que não gostaria que ela tivesse o bebê. É que os criados comentam... que na verdade o bebê não era do marido dela.
— Criados falam demais! — Belle cortou, mas estava digerindo as palavras de Ana Lúcia.
Quem naquela casa faria algo assim?
Então Belle lembrou-se que alguém sem escrúpulos tinha estado ali hoje.
Natasha.
Na sua mente, lhe veio a imagem de Natasha insistindo que tomassem o chá. O chá que a própria cortesã serviu.
O chá que Juliet bebera de sua xícara!
Belle segurou-se na parede, subitamente tonta.
— Belle, o que foi? — Ana Lúcia segurou seu braço.
Belle a encarou horrorizada.
— Acho que você tem razão. Juliet tomou alguma coisa, mas não era para ela. Era para mim!
— O quê?
— Eu contei ao barão que estava grávida. Ele deve ter contado à Natasha.
— Mas...
— Ela nos serviu um chá. Insistiu que eu tomasse, mas eu não tomei. Juliet tomou o da minha xícara!
— Meu Deus!
Belle colocou a mão na barriga instintivamente. Tinha feito uma grande bobagem ao contar ao barão sobre sua gravidez.
Agora seu bebê estava em perigo. E Juliet, que nada tinha a ver com a história, perdera o dela.
— Belle, é muito grave! Tem que contar ao duque. Aquela mulher pode tentar algo contra você de novo quando descobrir que não conseguiu dessa vez!
— Eu não sei o que vou fazer...
— Conte ao duque!
— Não sei se essa é a melhor opção, considerando toda a confusão com o Jack! Mas vou pensar em algo. Não vou deixar Natasha me derrotar. Agora ela mexeu com o meu filho!
— Assim que se fala!
As duas ouviram passos e pararam de falar. Uma criada apareceu e deu um envelope a Belle.
— Obrigada.
Belle abriu e empalideceu.
— O que foi? — Ana Lúcia indagou curiosa.
Belle encarou Ana Lúcia.
— Jack será enforcado... amanhã ao amanhecer!
Capítulo 16
— O que vamos fazer? — Ana Lúcia indagou horrorizada com a notícia de que Jack seria enforcado.
Belle a encarou.
— Vamos agir.
— O quê?
— Sele três cavalos e me espere.
— Belle, o que pretende que façamos?
— Vamos tirar o Jack de lá!
Belle não parou nem um momento para pensar nas consequências do que estava fazendo, a única certeza era que não poderia deixar Jack ser enforcado. Se ele estava preso, era porque viera atrás dela.
Subiu correndo para o quarto e trocou suas roupas elegantes por outras mais simples. Olhou sua imagem rapidamente no espelho e sentiu-se de novo a velha Belle, a bandoleira. E não Belle, a Duquesa de Buckingham. Sentiu um aperto no peito ao pensar que o status de nobreza não duraria muito. Não com Will a odiando. E nem com o perigo rondando à espreita.
Mas pensaria nisso depois.
Rezando para que Will não aparecesse, foi até a sala de armas e pegou as espadas.
Encontrou Ana Lúcia no portão da propriedade com os cavalos e jogou a espada para ela.
— Vamos, não podemos perder tempo — disse montando.
Ana Lúcia a acompanhou ainda incerta.
— Tem certeza disso? É muito perigoso, e você está grávida...
— Não temos alternativa. Ou prefere deixar o Jack morrer?
— Claro que não! Mas posso fazer isso sozinha, não esqueça que passei anos como oficial da guarda real.
Belle riu empoeirando o cavalo.
— Isso vai ser de grande valia! Vamos!
As duas cavalgaram pela noite escura até o castelo onde Jack estava preso. A propriedade do barão em Kent.
— Vou distrair os guardas, depois atacamos. Onde será a cela?
— Na torre mais alta provavelmente.
— Então vamos.
Ana Lúcia se escondeu na escuridão e Belle caminhou até o portão da propriedade.
— Alto lá! — o guarda gritou.
Belle deixou cair o capuz.
— Duquesa de Buckingham! — Um deles a reconheceu.
Belle sorriu.
— Olá, pode abrir os portões? Preciso ter uma conversa urgente com o barão.
Os dois rapazes se entreolharam.
— Já é tarde, senhora, o barão já se recolheu.
— Tenho certeza que ele não se importará de ser acordado por mim.
Eles se entreolharam de novo e deram de ombros, abrindo o portão.
— Obrigada — Belle sorriu segurando a espada escondida sob o vestido.
E quando se viu finalmente dentro dos domínios do barão, empunhou a espada, desferindo um golpe no ombro do guarda, antes que ele pudesse esboçar qualquer reação.
— Ei! — O outro tentou pegar a espada, mas Belle foi rápida e o desarmou.
— Mãos para o alto!
O homem obedeceu estupefato.
— Ana Lúcia! Amarre-o!
Ana Lúcia surgiu das sombras e as duas amarraram os dois guardas.
— Desculpe-me por isso. Não queria machucar seu amigo, mas ele vai viver — Belle falou para o guarda o amordaçando.
As duas seguiram para dentro do castelo.
— Não é estranho não ter mais guardas de prontidão? — Ana Lúcia indagou baixinho.
— Estamos no campo e não em Londres. E é de madrugada, mas deve ter alguém vigiando a cela.
— Por aqui! — Ana Lúcia as guiou por uma escada em caracol, até a torre.
Um guarda dormia ao lado da porta.
Belle sorriu.
— Estamos com sorte! Ei! — Ela o acordou, e o guarda olhou surpreso para as duas mulheres apontando as espadas. — Quieto! Obedeça e sairá vivo dessa!
Ana Lúcia pegou as chaves da cintura do homem e Belle desferiu um golpe em sua cabeça.
— Assim é melhor.
Ana Lúcia abriu a porta da cela e entrou.
Jack levantou-se e a encarou, primeiro surpreso e depois sorriu.
— Acho que é tarde para visitas...
Belle surgiu de trás da moça e Jack arregalou os olhos.
— Belle? O que faz aqui?
— Não temos tempo a perder, Jack. — Jogou a espada do guarda em suas mãos. — Vamos embora!
— Vocês enlouqueceram? Não sabem o perigo...
— Cale a boca! Vamos antes que mais guardas apareçam! — Belle gritou e os três correram escada abaixo.
E quando estavam no portão ouviram um guarda gritar ao longe, mas era tarde.
Montaram e saíram em disparada pelo bosque adentro.
Somente quando estavam bem longe, puderam parar.
— Isso foi realmente muito perigoso, Belle.
— Não reclama não, Jack! Salvamos seu pescoço! Agora você tem que sumir daqui. O mais rápido possível.
— Você vem também!
Belle sacudiu a cabeça negativamente.
— Não!
— Mas os guardas do barão te viram. Sabem que foi você quem arranjou a fuga. E o duque vai saber.
— Isso eu resolvo...
— Por favor, Belle... É suicídio ficar!
— Não adianta, Jack. Eu já tomei minha decisão. Por favor vá! — Ela passou as rédeas do cavalo para ele e se afastou.
Jack olhou para Ana Lúcia que se mantinha calada.
— Obrigado por ajudar a Belle nisso.
Ana Lúcia deu de ombros desviando o olhar.
— Sabe como ela é, não deixaria você morrer.
— E você não se importa? — ele falou aproximando-se.
— Jack, monte nesse cavalo e suma daqui antes que nos descubram e aí toda essa loucura terá sido em vão!
Jack parou a sua frente.
— Venha comigo.
— O quê?
— Belle estará em apuros quando descobrirem da minha fuga. E você estará pior ainda, sendo só uma criada.
Ana Lúcia engoliu em seco. Ele tinha razão.
E por que negar? Havia uma parte dela que queria ir com ele.
Mas também havia uma parte dela que precisava ficar.
— Eu não posso.
— Por favor, Ana Lúcia. Sei que sou um bandoleiro, mas...
— Não é isso, Jack. Preciso ficar, pela Belle.
Ana Lúcia olhou para Belle que se ocupava em levar os cavalos para beberem água no riacho próximo e não ouvia a conversa.
— Essa noite a irmã do duque perdeu o bebê que esperava. E Belle está certa de que na verdade era para ela perder! Aquela cortesã que anda com o barão colocou alguma coisa no chá!
Jack soltou um palavrão.
— Então tenho que convencê-la a ir!
— Sabe que não vai adiantar.
Jack ainda hesitou por alguns instantes e então segurou a cabeça de Ana Lúcia e a beijou.
— Não irei embora sem vocês — disse baixo para que só ela escutasse.
— Jack...
— Ficarei escondido.
— É perigoso...
— Até ter certeza de que tudo estará bem. Manterei contato.
E antes que Ana Lúcia pudesse dizer qualquer coisa, ele montou e se foi.
Belle e Ana Lúcia voltaram para o castelo e Ana Lúcia decidiu não contar a ela que Jack ficaria por perto. Belle já tinha preocupações demais e quando o duque descobrisse o que tinham feito ficaria furioso com ela. E com Ana Lúcia também.
— O que faremos agora? — Ana Lúcia perguntou enquanto entravam na casa.
— Acho que você deveria ir embora. Não precisa ficar, eu resolvo tudo sozinha.
— Não. Fizemos juntas. Se tivermos que pagar, pagaremos juntas.
Ouviram passos e James apareceu.
— Belle, ainda acordada?
— Sim, a noite estava bonita, fui dar uma cavalgada. O duque perguntou por mim?
— Não, ele ficou conversando com a Juliet por um bom tempo. Depois se trancou no escritório. Acho que está lá ainda.
— Juliet está bem?
— Ela está... Agora você me parece meio cansada...
— Um pouco cansada sim. Tivemos uma noite agitada... Eu vou dormir. Boa noite.
Belle foi para o quarto e fechou a porta. Realmente se sentia muito cansada. Toda a emoção da noite a esgotara física e emocionalmente. Colocou a camisola e deitou-se sob as cobertas. Antes de adormecer, pensou em Will. Estava em paz por enquanto, porque quando ele descobrisse o que tinha feito, a confusão recomeçaria.
Will encheu o copo de mais uísque. Sentia-se miserável.
Confiara em Belle. Cego, deixou-se enganar e acreditara que poderiam ficar juntos. Esquecera que ela era uma bandoleira ardilosa. A dor da traição o dilacerava por dentro. Como pudera ser tão idiota? Belle tivera a desfaçatez de manter seu comparsa dentro da própria casa. Ela se dizia inocente. E Will sentia raiva de si mesmo em pensar que por um momento quisera acreditar nela, mas o orgulho ferido falara mais alto.
E agora não sabia o que fazer. A razão ditava que deveria livrar-se de Belle. O rei lhe daria a anulação do casamento, devido às circunstâncias em que ele se realizara.
E o que aconteceria com Belle? Ele a entregaria ao ódio do barão?
Não, Will não podia fazer tal coisa. Sabia que o barão estava só esperando o momento de Will livrar-se dela para colocar as mãos ardilosas em Belle.
Estava furioso com ela, mas não a ponto de entregá-la a FitzRoy.
Todavia como manter aquele casamento depois da traição?
Mas ele queria mesmo terminar com tudo?
Will bebeu mais um gole de uísque.
A verdade era que não sabia o que fazer.
Ouviu batidas na porta.
— Entre.
Um dos seus guardas pessoais entrou.
— O que aconteceu?
— Um guarda do barão chegou com essa mensagem.
O homem lhe deu o pergaminho e Will soltou uma imprecação ao ler.
— Problemas, senhor?
— O bandoleiro fugiu. Prepare os cavalos. Vamos até lá agora!
Quando Will voltou à mansão era de manhã.
Estava furioso. Segundo os relatos dos guardas do barão, Belle e mais uma moça tinham ajudado Jack a fugir. Will não podia acreditar. Belle havia ajudado o bandoleiro bem debaixo do seu nariz!
O barão esbravejara e exigira que Will entregasse Belle e sua cúmplice aos guardas, mas Will fora firme. Ele mesmo daria um jeito em Belle. O barão fora contra, mas Will não iria entregar Belle a ele.
Agora, ao entrar em sua casa e subir as escadas, sabia onde estava indo, mas não sabia o que ia fazer.
Belle acordou com batidas na porta e em seguida uma criada entrou com uma bandeja.
— Bom dia, milady.
— Eu não pedi nada...
A mulher sorriu.
— Um passarinho me contou que está grávida e sei que mulheres grávidas têm enjoos de manhã. Por isso lhe trouxe algo que lhe fará muito bem.
Belle sorriu. A mulher parecia mesmo muito gentil.
— Obrigada — Belle agradeceu pegando a xícara. — O que é isso?
— Algumas ervas, lhe farão muito bem.
— Espero que sim. — Belle tomou um gole.
— A senhora precisa de mais alguma coisa?
— Ela não precisa de nada.
As duas viraram em direção à porta ao ouvir a voz do duque.
Belle sentiu o coração pular no peito. Alegria ao vê-lo e temor.
Ele estava furioso, podia sentir.
E Belle imaginava bem o porquê.
— Saia, por favor — Will pediu à mulher, que saiu do quarto fechando a porta atrás de si.
Belle colocou a bandeja cuidadosamente de lado.
— Que modos são estes, “senhor duque”? — falou ironicamente, tentando manter a calma.
— Onde ele está?
— Ele quem?
— Não se faça de desentendida! Jack!
— Não está na masmorra do barão?
— Você o ajudou a fugir ontem à noite, não tente negar. Os guardas te viram.
Belle respirou fundo. Sim. Do que adiantava negar.
Levantou o queixo.
— Sim, eu o ajudei!
Belle viu Will ficar mais furioso ainda.
— Quem te ajudou?
— Ninguém.
— Havia alguém com você. E pelas descrições, era Ana Lúcia!
— Ela não tem culpa. Eu a obriguei. Ameacei mandá-la embora se não me ajudasse.
Will soltou um palavrão.
— Ultrapassou todos os limites agora, Belle! O barão pediu a sua cabeça e de sua ajudante também! Tem ideia em que tipo de confusão se meteu para ajudar seu amigo bandoleiro?
— Oh, agora ele é meu amigo? Achei que fosse meu amante!
— Cale-se! Eu devia ter deixado o barão levá-la!
— Por que não deixou? Está louco para se ver livre de mim! — Belle jogou as cobertas para o lado e levantou-se.
— E por que não fugiu com Jack? — Will indagou devagar.
Belle sentiu uma súbita tontura. Não, o chá não tinha surtido efeito algum, pensou.
De repente a tontura intensificou-se e sentiu falta de ar.
Will viu o rosto de Belle passar de vermelho de raiva para a palidez mortal.
— Belle? — Ele a chamou, subitamente preocupado.
E de repente ela fechou os olhos e tombou ao chão.
— Belle! — Will gritou, a raiva dando lugar à preocupação ao vê-la desmaiada. — Belle? — Ele tirou o cabelo de seu rosto.
Ela respirava com dificuldade ao abrir os olhos opacos.
— O que você tem?
Belle via Will através da névoa de dor que tomava todos seus membros, sentia o ar rarefeito e a mente girando.
Will a pegou e colocou em cima da cama, gritando para os criados.
Ana Lúcia apareceu seguida de uma jovem criada.
— O que... Meu Deus! O que ela tem? — indagou ao ver Belle prostrada.
— Chame um médico! Rápido! — Will gritou.
A criada saiu do quarto correndo.
Ana Lúcia aproximou-se.
— O que aconteceu?
— Ela desmaiou... De repente.
Ana Lúcia reparou na xícara e teve um déjà-vu. Lembrou-se do que Belle havia dito sobre a droga na xícara que fez Juliet perder o bebê.
Desconfiada, pegou a xícara e cheirou. E colocou a mão na boca, horrorizada.
— O que foi? — Will indagou.
— Quem deu isso a ela?
— Não sei, alguma criada... O quê?...
— É veneno! Alguém a envenenou!
No bosque escuro, uma figura toda de preto aguardava a rica carruagem aproximar-se.
A jovem dama saltou de lá e encarou a mulher.
— E então?
— O serviço já foi feito, milady.
— Tem certeza que ela tomou dessa vez?
— Sim, mas a senhora sabe que não é apenas uma erva para ela perder o filho.
A dama sorriu malevolamente.
— Não, agora ela irá morrer.
— Onde está meu dinheiro?
— Aqui. — A moça passou o saco de moeda à mulher. — Desapareça. Se a encontrarem... Não quero que a liguem a mim.
— Sim, senhora.
A mulher se afastou e Natasha voltou para a carruagem, sorrindo.
****
— O quê? — Will indagou estupefato ao ouvir as palavras de Ana Lúcia.
— Isso é veneno, senhor!
Will pegou a xícara de sua mão e a cheirou. Sentiu o sangue congelar. Sim, Belle tinha sido envenenada.
— Chame a criada que trouxe essa xícara a ela. Agora!
Ana Lúcia saiu rápido do quarto.
Belle gemeu. Will tocou seu rosto muito pálido. Um medo terrível de que ela morresse se apossou dele.
Ana Lúcia voltou para o quarto minutos depois.
— Ela sumiu, senhor.
— Como assim sumiu?
— Desapareceu. As coisas dela também sumiram! Isso prova que realmente foi ela!
— Por que uma criada iria querer matar Belle? Não faz sentido!
— Ela deve ter recebido ordens de alguém. E eu sei bem quem pode ter sido.
Will fitou Ana Lúcia.
— Do que está falando?
— Ontem Natasha esteve aqui. Lady Juliet tomou um chá servido por ela. Chá este que era para Belle beber. E depois Lady Juliet perdeu o bebê!
— Por que Natasha daria um chá abortivo a Belle?...
— Porque Belle está grávida, milorde.
Will sentiu a mente girar num turbilhão. Como assim Belle estava grávida? Se era verdade por que não contara nada a ele? Como até Natasha sabia e ele não?
Mas ele sabia por quê. Estavam brigados. Com certeza ela realmente não pretendia contar a ele. E agora estava morrendo.
Sentiu a lança da culpa o dilacerá-lo. Não fora capaz de protegê-la.
O médico entrou no quarto e Will explicou tudo a ele rapidamente e o médico começou a agir.
— Ela irá viver?
— Ainda é cedo para saber.
— Por favor, salve minha esposa. Ela está grávida.
Capítulo 17
Will saiu do quarto e encarou Ana Lúcia.
— Peça para selar meu cavalo. Vou até a casa do barão tirar essa história a limpo. E chame os guardas!
— Sim, senhor.
Assim que Will saiu, um garoto se aproximou.
— Pediram para entregar esse bilhete para você.
Ana Lúcia abriu e era um bilhete de Jack dizendo onde estava escondido.
— Por favor, leve essa resposta.
Ana Lúcia rabiscou um breve bilhete, onde contava o que tinha acontecido com Belle e o garoto partiu.
— Como ela está, doutor? — Ana Lúcia entrou no quarto de Belle minutos depois.
— Acho que ela viverá. Por sorte tomou pouco veneno. As próximas horas serão críticas.
— E o bebê?
— Ela não perdeu.
— Ainda bem!
Ana Lúcia sentou-se ao lado da cama de Belle, horas depois Will apareceu.
— Como ela está?
— Reagindo bem ao antídoto — o médico respondeu —, mas ainda não há certeza se irá sobreviver. Temos que esperar.
— E o barão e aquela vadia? — Ana Lúcia perguntou.
— Não estão mais aqui. Foram para Londres.
— Fugiram para Londres você quer dizer!
— Eles pagarão — Will falou com frieza —, mas no momento o que interessa é Belle viver.
As horas seguintes foram de extrema agonia. Até o médico dizer que tanto Belle quanto o bebê estavam fora de perigo.
— Eu vou embora. Se ela apresentar alguma piora me chamem. Voltarei amanhã para ver como ela está.
Will acompanhou o médico para fora do quarto.
— O senhor tem certeza que ela ficará bem?
— Ela reagiu bem ao antídoto.
— O senhor pode dar uma olhada na minha irmã também, por favor? Ela ainda está bastante chocada com a perda do bebê e com essa história da Belle ficou pior ainda.
— Claro.
Will acompanhou o homem até o quarto de Juliet.
Ana Lúcia estava no quarto de Belle quando uma criada entrou.
— Ana Lúcia, tem um garoto aí fora querendo falar com você.
Ana Lúcia levantou-se e correu até a porta da casa.
— O que você tem para mim?
— O moço pediu que a senhora me acompanhasse.
Ana Lúcia seguiu o menino, olhando em volta, com medo de estar sendo seguida.
E lá no bosque estava Jack.
— Você ficou maluco?
— Precisava saber se a Belle está bem.
— Agora está.
— Foi o barão, não foi?
— Acho que foi aquela lambisgoia da noiva dele!
— Você precisa convencer a Belle a ir embora. Ela corre muito perigo aqui.
— Tenho que concordar com você, mas não sei se ela vai querer. Agora preciso ir. Podem dar por minha falta. — Ela tentou se afastar, mas Jack a segurou.
— Assim que Belle estiver fora de perigo, você vai me levar até ela.
— Ficou louco?!
— Não. Eu preciso tirar ela de lá. Nem que seja à força.
— Jack! Não!
— Se você não me ajudar. Eu conseguirei sozinho!
Ainda se passariam alguns dias para Belle finalmente acordar totalmente.
— Belle! Ainda bem que acordou! — Ana Lúcia, que só saía do seu lado quando o próprio duque estava ali, aproximou-se ao ver Belle tentar se levantar. — Não, fiquei aí quietinha!
— Oh, meu corpo dói... O que aconteceu?
— Não se lembra? Foi envenenada!
— O quê? Meu bebê...
— O médico disse que está tudo bem.
— Foi Natasha, não foi?
— Temo que sim. Na verdade foi aquela criada estranha, mas ela desapareceu!
— Sim, uma das últimas coisas que me lembro é de tomar aquele chá...
— Belle, você corre muito perigo.
— Eu sei...
Belle ficou pensativa. Se pegasse Natasha, ela a mataria com as próprias mãos, mas não podia pensar só em si própria agora. A vida de seu filho estava em perigo. Encarou Ana Lúcia.
— Ana Lúcia, preciso fugir daqui.
— Ai meu Deus! O Jack diz a mesma coisa!
— Jack?
— Sim, ele não foi embora. Está escondido no bosque. Disse que ia ficar por aqui até você decidir ir embora com ele!
— Sabe onde ele está?
— Sim. Na verdade disse que iria aparecer aqui para levar você embora e se eu não o ajudasse, iria conseguir sozinho.
— Sim, é o que vamos fazer. Vamos fugir!
— Belle, concordo que corre perigo, mas... O duque ficará furioso!
— Ele não se importa comigo. Provavelmente ficará feliz de se ver livre de mim...
— Eu não teria tanta certeza disso! Ele disse que a Natasha e o barão pagarão por ter tentado te matar! E ficou muito preocupado quando eu disse que você estava grávida.
— Contou a ele?!
— Não tive escolha! Você estava morrendo!
Belle mordeu os lábios. E agora? Ela não tinha dúvida que o melhor a fazer era fugir, mas Will, sabendo que esperava um filho, poderia lhe causar trabalho.
De repente o motivo de sua preocupação entrou no quarto.
Ana Lúcia se afastou e fechou a porta atrás de si.
— Você está bem? — ele indagou.
Havia tensão em sua voz.
Belle sacudiu a cabeça afirmativamente.
— Por que não me disse que estava grávida, Belle?
— Para quê? Para duvidar que o filho fosse teu e ouvir mais tolices? Não, muito obrigada!
— Belle...
— Não, não se aproxime de mim! Por causa da obsessão daquela mulher por você que eu quase morri!
— Está me culpando?
— Estou sim! Como posso viver em paz agora sabendo que ela quer destruir meu filho?
— Nosso filho.
Belle sentiu uma estranha emoção ao ouvir falar aquilo, mas não podia amolecer.
— Meu filho — ela corrigiu. — Meu filho está em perigo.
— Eu vou proteger vocês dois.
— Não foi capaz de proteger até agora como é que quer que eu acredite que será diferente daqui para frente? — Ela virou o rosto. — Saia daqui, Will. Estou muito cansada.
Ele respirou fundo.
— Sim, deixarei você por ora, mas voltaremos a ter essa conversa.
— Chame Ana Lúcia para mim, por favor.
Will saiu do quarto e Belle lutou contra as lágrimas. Deixá-lo seria como se separar de uma parte dela mesma, mas não tinha outro jeito.
— Me chamou? — Ana Lúcia entrou no quarto.
— Sim, pegue uma roupa para mim. Algo bem simples. Arrume nossas coisas. Vamos partir com o Jack.
— Tem certeza que é uma boa ideia?
— Não tem outra saída. Vamos, me ajude a levantar.
Ana Lúcia suspirou, mas concordou com Belle.
As duas esperaram até a madrugada. Ana Lúcia do lado de fora da casa. E então avistou Jack.
— Você é mesmo maluco! Mas está com sorte, a Belle concordou em ir com você. Siga-me. Vamos subir por essa árvore para buscá-la.
Jack fez Ana Lúcia se voltar.
— Você virá também? — indagou ansioso.
— Sim, eu irei.
Jack sorriu malicioso e Ana Lúcia soltou o braço.
— Não pense que é por você! Vou pela Belle!
— Ok, doçura, discutimos isso depois... Agora vamos buscar a Belle!
Belle ouviu as batidas na janela e a abriu.
— Você demorou!
Jack riu.
— Pelo menos você caiu em si!
— Vamos logo! — Ana Lúcia os chamou.
Belle passou pela janela e Jack a ajudou a descer.
Eles montaram e Belle ainda olhou uma última vez para a casa.
— Adeus, meu amor — sussurrou com lágrimas nos olhos e seguiu Jack e Ana Lúcia pela noite escura.
Quando amanheceu, Will foi até o quarto de Belle e sentiu um calafrio ao vê-lo vazio.
— Ana Lúcia! — chamou a criada, mas foi outra moça que apareceu.
— Onde está Ana Lúcia?
— Não sei, senhor, não a vejo desde ontem à noite. Achei que tivesse dormido no quarto com a duquesa.
— A duquesa também não está no quarto! — Ele desceu as escadas. — A duquesa desapareceu, procurem por toda a propriedade!
Ele voltou para o quarto, o coração apertado de preocupação.
Foi então que viu o papel dobrado sobre a escrivaninha.
Will
Eu sinto muito,
Mas não posso mais ficar aqui.
Fui embora. Com Jack.
Me esqueça.
Adeus,
Belle.
Will amassou o papel, a raiva e a dor o dominando.
Belle fugira.
Com Jack!
Juliet entrou no quarto e o viu transtornado.
— O que aconteceu? Cadê a Belle?
— Fugiu.
— O quê?
— Fugiu com o Jack!
Juliet arregalou os olhos estupefata.
— Você tem certeza? Ela pode ter sido sequestrada... Não esquece que tentaram matá-la!
— Não, este bilhete diz tudo.
Juliet pegou o papel de suas mãos.
— Onde achou isso?
— Na penteadeira.
— Espera... Há um bilhete em minha penteadeira também! Eu não dei atenção, mas... — Ela correu para seu quarto com Will atrás.
Ela foi até a penteadeira e pegou a missiva.
Desdobrou, lendo-o rapidamente.
— O que é isso?
— Uma carta. Da criada de Belle, Ana Lúcia. Na verdade, é para você... — Ela lhe estendeu o papel e Will leu.
Sua graça,
Me desculpe estar indo embora assim de repente, mas não podia deixar Belle ir embora sozinha. Sei o que está pensando. Que ela e Jack estão, de alguma forma, envolvidos e que fugiram por isso, mas está enganado. Se houve algo entre eles foi há muito tempo e eu posso garantir que são apenas amigos. Na verdade, quem está romanticamente envolvida com o Jack, sou eu. Eu o escondi na minha casa depois do Baile de Máscara do barão e depois ele conseguiu fugir. Jack voltou para a Inglaterra porque achava que Belle estava em perigo e no fim não estava totalmente errado.
Por isso ela foi embora. Ela teme por sua vida e mais ainda pela vida do bebê. Sabe que se ficar, Natasha e o barão arranjarão um jeito de assassiná-la.
Nós estamos indo para a Escócia. Para a residência de Sir Logan Harris, Jack disse que a propriedade chama MacAlister. E que lá estão todos os bandoleiros. Confio em você para não contar ao barão. Do contrário estaremos todos mortos, mas creio que gostará de saber onde Belle está.
O barão tem um ódio irracional pelos bandoleiros. Sei que são bandidos, mas no fundo são boas pessoas e fazem o que fazem para sobreviver. Belle me contou que no baile, pretendiam assaltar o barão para poderem fugir e largar de vez a vida de crime, mas tudo deu errado.
Como última confissão. Lembra do soldado Lúcios? Então, era eu.
Me desculpe por enganá-lo.
Ana Lúcia
— Nossa, Will! Estava achando que a Belle fugiu com o Jack porque eles têm um romance! E quem tinha um romance com o bandoleiro bonitão era a empregada! Que na verdade fingia ser o soldado Lúcios! Estou chocada!
Will respirou fundo várias vezes. Será possível que estivera errado o tempo inteiro?
— O que vai fazer Will? Vai atrás dela, não é?
— Não faço ideia onde fica o tal castelo na Escócia.
— Pode perguntar a Liliana.
— Liliana?
— Sim. A irmã dela fugiu com Logan, não? Com certeza ela sabe.
— Lady Katherine? De onde tirou essa história, Juliet? Lady Katherine está na Irlanda.
— Não, ela fugiu com Logan!
— Não sei de onde tirou isso, mas quando estive em Londres da última vez, conversei com Lorde Richmond brevemente. Posso garantir que não há nenhum escândalo envolvendo a família Richmond.
Juliet empalideceu.
— Mas... eu os vi combinando...
— Não sei o que viu, mas Lady Katherine está com o marido na Irlanda. Lorde Richmond me disse que estava de viagem marcada pra lá.
Juliet se sentou, estupefata.
Como assim Katherine não havia fugido com Logan?
Será possível que desistira?
E ela se casou com James.
Sentiu um peso enorme no peito.
E do que adiantaria tudo agora?
Seu casamento com James era uma farsa por causa da gravidez. Que nem existia mais.
Conversara com James na noite passada e dissera que ele podia pedir a anulação do casamento quando quisesse. Era certo que não era feliz ali. Ele passava o tempo inteiro calado, perdido em pensamentos. Ainda não tinha superado a morte de Guilhermina.
Ele fora bastante generoso dizendo que podiam permanecer casados se ela quisesse.
Mas Juliet não tinha certeza se queria isso.
Não amava James, embora tivesse aprendido a gostar dele.
E também não era justo mantê-lo naquele casamento.
Colocou a mão na barriga. Agora se sentia tão vazia como James se sentia. Não sabia que estava tão apegada a ideia de ser mãe daquele bebê até ele lhe ser tirado.
Pelo ardil da noiva do barão. Natasha.
Juliet sentiu um rancor frio e desconhecido a dominá-la.
— Eu devia ir atrás de FitzRoy e Natasha — Will lhe tirou do devaneio —, mas eles podem esperar. Primeiro preciso achar Belle. E saber toda a verdade da boca dela. Sim, vou para Londres procurar Liliana e saber onde fica a propriedade MacAlister.
— Eu vou com você para Londres — Juliet decidiu.
— Não acho seguro.
— Eu não sou o alvo, e sim a Belle. Vou avisar ao James que vamos partir.
Havia planos em sua cabeça, mas não diria a Will.
Capítulo 18
Eles atravessaram a fronteira quando o sol estava alto. Cavalgaram a toda velocidade a noite inteira e agora estavam na Escócia.
— Falta muito para chegarmos à propriedade de Logan? — Ana Lúcia indagou.
— Não. Ele mora na fronteira. Mais umas duas horas de viagem e estaremos lá.
Ele fitou Belle preocupado.
Ela se mantinha estranhamente quieta.
— Você está bem, Belle?
Ela sorriu.
— Sim.
— Podemos parar para descansar...
— Não! Vamos prosseguir.
Eles chegaram às terras de Logan no fim da tarde.
Desmontaram e logo foram cercados pelos companheiros.
— Você conseguiu trazê-la! — Colin falou abraçando Jack.
Blake abraçou Belle.
— Não me parece bem.
Ela tentou sorrir.
— Muita coisa aconteceu...
— Vamos entrar, precisam descansar e então nos contarão toda a história — Logan falou.
Madeline cutucou Colin.
— Ela não tinha casado com o duque?
— Sei lá!
— E quem é essa beleza aqui? — Colin indagou apontando para Ana Lúcia.
Jack puxou Ana Lúcia, passando o braço em volta de seus ombros.
— Essa é minha noiva.
— O quê? — Ana Lúcia indagou estupefata e os outros também.
Jack riu sarcástico.
— Vai dizer que não é, docinho?
Ela o empurrou.
— Eu não sou sua noiva coisa nenhuma!
Colin e os outros riram.
— Vamos entrar e depois acertamos estes detalhes! — Blake colocou ordem.
Eles se sentaram em volta da mesa e Belle e Jack contaram tudo.
— Quer dizer que aquela vaca da Natasha tentou te envenenar? — Madeline perguntou.
— Sim. Primeiro ela tentou fazer com que eu perdesse meu filho, mas foi Juliet quem tomou a beberagem no meu lugar — disse isso olhando para Logan sem querer, mas ao perceber o que estava fazendo, desviou o olhar. — Ela perdeu o filho que esperava. E no dia seguinte, eu fui envenenada.
— O barão deve estar por trás disso — Blake falou.
— Eu não sei. Ela me odiava por causa do Will. Frustrei as ideias dela de virar duquesa.
— Agora você é a duquesa — Colin falou rindo.
Belle sacudiu a cabeça.
— Não sou não.
— Mas é casada com o duque.
— Com certeza o casamento será anulado.
— Mas você está grávida...
— Chega, Colin! — Blake o cortou ao ver a angústia de Belle. — A Belle precisa descansar. Já está anoitecendo. Amanhã continuamos nossa conversa.
Logan a levou para um quarto e perguntou se ela precisava de alguma coisa e ela sacudiu a cabeça negativamente. Belle olhou pela janela. O sol se punha no horizonte. Ela passou a mão na barriga. Sentia vontade de chorar.
Pensava em Will. Ele devia odiá-la agora. Pensaria que fugira com Jack porque eram amantes. Piscou para afugentar as lágrimas traiçoeiras. Tinha feito a coisa certa.
Ali, estava a salvo do ódio de Natasha e de FitzRoy.
E a salvo com seu filho.
Ana Lúcia subiu para o quarto e estacou ao ver Jack lá dentro.
— Posso saber o que faz aqui?
— Este é nosso quarto, doçura.
— Nosso uma ova! Saia daqui agora.
Ele riu e aproximou-se.
— Vai se fazer de difícil? Já fizemos isso antes, lembra?
— Que história foi aquela de noiva, posso saber?
Ele de repente fez algo que deixou Ana Lúcia surpresa. Pegou sua mão e ficou sério.
— Acho que devemos nos casar.
Ana Lúcia não conseguiu falar, totalmente espantada.
— Você está brincando comigo?
— Pareço estar brincando? Não valho muita coisa, doçura. Sou um bandido. Possivelmente passarei a vida tendo que fugir, mas gostaria de fugir com você.
Ana Lúcia sentiu falta de ar. Ele estaria mesmo falando sério?
E por que se sentia ridiculamente feliz?
— Ana Lúcia, eu não estou brincando.
Ela retirou as mãos das dele e se afastou, tentando pensar racionalmente.
Gostava de Jack? Sim, gostava, constatou. Gostava muito.
Então o que a impedia?
Nada, falou sua consciência.
Ela se virou para ele séria.
— Tudo bem, posso até aceitar...
Ele riu aproximando-se.
— Mas... — ela se afastou.
Ele revirou os olhos.
— Tem que ter um “mas”! Se for pedir para continuar fingindo ser guarda, devo te alertar que não faz parte das minhas fantasias.
— Sim, tenho algumas condições.
Ele se sentou na cama e cruzou os braços.
— Ok, doçura, pode falar. Sou um homem que pode fazer muitas concessões...
— Primeiro: não quero me casar com um bandoleiro. Portanto, nada de roubos a partir de agora.
— É justo. E vamos viver do quê?
— Honestamente!
Ele riu.
— E nem pense que vou te sustentar!
Jack riu ainda mais.
— Segundo: nada de outras mulheres.
Ele levantou a sobrancelha.
— Doçura...
— Aceita ou não?
Ele fez uma careta.
— Nada feito então... — ela se afastou para sair, mas Jack a alcançou e a agarrou a jogando na cama.
— Acho que posso aceitar a segunda condição sim, contanto que não me negue nada... se é que me entende... — Ele deslizou as mãos pelo corpo dela e Ana Lúcia suspirou. — Mais alguma condição? — Ele beijou seu pescoço.
Ana Lúcia gemeu.
— Não me lembro de nada agora...
Ele riu e a beijou e tudo o mais foi esquecido.
****
Chovia muito, Will andava de um lado para o outro ignorando a chuva.
O cocheiro saíra há algumas horas para tentar achar outra carruagem, já que a deles estava com as rodas danificadas.
Juliet bufou de dentro da carruagem.
— Vai demorar muito ainda?
— Eu não sei! — Will falou já ficando preocupado com a demora do cocheiro.
James abriu a porta da carruagem.
— Acha que tem alguma coisa errada, Will? — falou baixinho.
— Eu não sei.
— Acho que devemos ir atrás. Ele já demorou muito.
— Não podemos deixar Juliet.
— Eu vou.
— Vai ficar completamente encharcado.
James o mediu, divertido.
— Você já está!
— Tudo bem. Pode ir.
Will foi até o fundo da carruagem e pegou sua melhor capa emprestando para James, que a vestiu.
— Eu volto logo.
James tinha se afastado alguns passos quando Will ouviu um barulho estranho vindo do bosque.
Algo estava errado.
— Juliet, fique aí dentro! — ele gritou erguendo a espada, mas era tarde.
Do nada, três homens saíram da mata, e horrorizado ele viu James ser atingido, sem ter tempo de se defender.
— James, não!
James caiu desacordado e sangrando no chão. No minuto seguinte, os homens avançavam para cima dele. Will lutou e venceu o primeiro e em seguida conseguiu acabar com os outros dois.
Juliet abriu a porta da carruagem.
— Mandei ficar aí dentro, pode ter mais homens em tocaia! — Will gritou, ajoelhando-se ao lado de James.
— James! — Juliet gritou chocada e, ignorando os pedidos de Will, saiu da carruagem e ajoelhou-se ao seu lado.
— Ele está... — Juliet balbuciou.
— Morto — Will constatou com imensa tristeza.
Juliet começou a chorar copiosamente e Will a abraçou.
— Vai ficar tudo bem...
Ela sacudiu a cabeça o fitando.
— Não! A culpa é minha!
— Claro que não é sua culpa, Juliet!
— Você não entende! Eu o envolvi nisso! Ele queria só me ajudar e agora está morto!
— A culpa não é sua!
— Deus está me castigando!
— Para com isso, Juliet. Está em choque!
Ela se soltou de seus braços e passou a mãos nos cabelos de James.
— Ele foi um anjo em minha vida. Salvou-me quando não tinha mais saída...
— Do que está falando?
Ela fitou Will.
— O bebê que eu esperava não era de James.
— O quê?
— Eu sinto muito, Will. Por isso precisei me casar rapidamente. Quando eu contei ao James que estava grávida, ele quis me ajudar.
— Por que não me contou?
— Você me mataria.
— Quem era o pai do seu filho, Juliet?
Ela sorriu tristemente.
— Não tem mais importância. Nada mais tem importância.
Will estava perplexo com essa história de Juliet, mas agora realmente não era hora para perguntas. Precisavam sair dali.
Ouviu uma carruagem se aproximando e os dois se levantaram.
— Fica atrás de mim, Juliet — pediu pegando a espada.
Mas seu cocheiro colocou o rosto para fora.
— Senhor, consegui a carruagem... Deus Misericordioso! O que aconteceu aqui? — indagou ao ver James no chão.
— Fomos vítimas de uma emboscada. Precisamos sair daqui. — ele ajudou Juliet a subir na carruagem e colocou o corpo de James na parte de malas.
A carruagem partiu e Juliet deitou a cabeça no ombro do irmão, chorando baixinho.
Will acariciou seus cabelos. Sua mente não parava de trabalhar.
Quem os atacara?
Seriam a mando do barão?
Ele tinha que tirar aquilo a limpo.
Mas precisava achar Belle primeiro.
Chegaram a Londres ao cair da noite.
Will providenciou para que o corpo de James fosse levado para a casa de sua mãe e deixando Juliet aos cuidados dos criados foi até a casa de Liliana.
— O que faz aqui, Will? — Liliana o recebeu com tristeza.
Ele contou a ela sobre os últimos acontecimentos.
— O barão foi capaz disso tudo? Meu Deus!
— Por isso Belle fugiu. Ela temia pela vida do bebê.
Liliana segurou sua mão.
— Eu sinto muito, Will. Estou feliz que vai ser pai... Mas muito chocada com essa história. Coitada da Belle.
— Então Belle está em algum lugar na Escócia. Está na casa do bandoleiro chamado Logan.
— Logan?...
— Sim. Minha irmã disse que Katherine o conhecia... que iam fugir juntos.
— Oh... Bem, é quase verdade. Foram noivos há muito tempo, meu pai era contra. Então Katherine se casou. Logan estava insistindo para que fugissem, mas ela caiu em si. É feliz hoje com seu marido.
— Então você sabe dizer onde é a propriedade dele?
— Sim, eu sei... Posso ajudá-lo. Katherine tinha um mapa de como chegar lá, da época que iam se casar.
— Preciso desse mapa.
— Claro. Eu lhe darei.
Quando Will voltou para casa já era tarde da noite.
— Onde está Lady Juliet? — perguntou a um criado.
— Ela saiu, senhor.
Onde Juliet havia se metido àquela hora?
— Ela disse aonde ia?
— Não senhor...
Will se preocupou. Juliet não podia ter saído. Estava convalescendo e abalada demais com a morte de James.
E já estava pensando em sair e tentar achá-la, quando a porta se abriu e Julliet apareceu.
— Onde diabos estava?
— Precisava de ar...
— Pelo amor de Deus, Juliet! É perigoso!
— Eu só queria espairecer...
Ela retirou a capa, parecia cansada e abatida e sua ira foi substituída por preocupação.
— Você está bem?
Ela sorriu tristemente.
— Eu vou ficar em algum momento. E então? Descobriu onde fica a propriedade de Logan?
— Sim, Liliana me deu um mapa.
— E quando partimos?
— Eu partirei ao amanhecer.
— Eu vou também.
— Juliet...
— Não, Will! Como pode pensar em me deixar sozinha aqui? — ela falou chorosa e Will se condoeu.
Sim talvez fosse melhor levá-la com ele. Assim teria certeza que ela estaria segura.
— Tudo bem. Esteja pronta ao amanhecer.
****
A tarde caía e todos no castelo comemoravam. Havia música e bastante comida e bebida.
Era a festa de casamento de Ana Lúcia e Jack.
Todos riam felizes, mas Belle se mantinha reticente.
— Você está bem? — Blake indagou.
Ela deu um sorriso triste.
— Estou tentando ficar bem.
— Sei que deve ser difícil para você, Belle.
— É horrível. Essa... Incerteza.
— Está segura aqui.
— Sim, mas a que custo? Will me odeia. E o barão e aquela vaca estão impunes por aí!
Ele segurou sua mão por cima da mesa.
— Tudo se resolverá. Eu tenho certeza disso.
— Queria poder acreditar em você...
— Em breve estaremos longe. Na América. — Ele sorriu. — Não era este seu sonho?
Ela tentou sorrir.
Sim, em breve estariam partindo para um novo mundo, finalmente.
Para uma vida nova, onde não teriam passado, apenas um futuro.
Não partiam com o dinheiro que queriam, àquele que iriam roubar do barão, mas eles eram jovens e fortes. E certamente teriam mais chance de sobreviver do que ali.
Porém, pensar que nunca mais veria Will a enchia de pesar.
De repente Colin entrou correndo no salão.
— Duas pessoas estão chegando!
Eles ficaram alerta.
— Se identificaram?
Neste momento os dois visitantes entraram no salão, vestindo grandes capas com capuzes cobrindo o rosto.
— Quem são vocês? — Logan indagou.
Juliet retirou o capuz deixando cair os cabelos pretos.
— Não me reconhece mais, Irmão Logan?
— Juliet? O que faz aqui?
Will retirou o próprio capuz e Belle soltou uma exclamação abafada.
Seus olhares se encontraram através da multidão.
— Eu vim buscar a duquesa. Minha esposa.
Capítulo 19
Belle prendeu a respiração, o coração martelando no peito.
Ainda parecia alguma cena saída de um sonho. Ou pesadelo. Ver Will na sua frente.
O silêncio na sala era sepulcral por alguns instantes.
Ela o fitava como se tivesse visto um fantasma. Por um momento pensou em fugir, mas antes que pudesse esboçar qualquer reação, Will abriu caminho entre as pessoas e avançou em sua direção.
Belle engoliu em seco e assumiu uma postura desafiadora.
— O que faz aqui?
— Precisamos conversar. — Ele olhou em volta.
— Não tenho nada para conversar com você — Belle falou entredentes.
— Temos sim.
Blake, percebendo a tensão, fez um sinal para que todos voltassem a suas atividades e aproximou-se de Belle.
— Belle, por que não leva o duque para um lugar onde possam conversar em particular?
— Não! Não tenho nada para falar com ele!
— Mas eu tenho. — Ignorando Belle, Will virou-se para Blake. — Onde podemos conversar?
— Ei, não haja como se eu não estivesse aqui! Você é surdo, não quero falar com você! Perdeu seu tempo! — Belle exclamou.
— Você pediu por isso... — E sem aviso ele a pegou no colo e a colocou nos ombros como se fosse um saco de batatas.
— Solte-me, seu cretino. — Belle se debateu, mas Will a ignorou e subiu as escadas.
Belle ainda pôde ouvir as risadas divertidas de seus companheiros.
— Vai me dizer onde é seu quarto ou terei que entrar em qualquer um?
Irritada, mas tentando evitar mais humilhações, Belle falou onde era seu quarto e ao chegar lá Will finalmente a pôs no chão.
Ela o fitou irada.
— Quem pensa que é para chegar aqui desse jeito? Se pensa que vou ao menos ouvir o que tem a dizer, perdeu seu tempo vindo até aqui!
— Por que fugiu Belle? — Will indagou ignorando seus gritos.
— Ainda pergunta? Aquela louca da Natasha tentou me matar, acha pouco?
— Eu iria te proteger.
— Como quer que eu acredite que iria me proteger? Nem acredita em mim! E aquela infeliz mexeu com meu filho e isso não vou admitir! Se quisesse ficar com você que ficasse!
— Mas eu não quero ficar com ela.
— Problema seu! — rebateu ressentida. — Volte para Londres e me esqueça!
— Não vou voltar. Não sem você.
— Will, está louco se acha que vou voltar com você! Devia sentir-se feliz por nosso casamento acabar.
— Não estou feliz. Você está, Belle? — ele indagou suavemente.
Ela piscou para afugentar as lágrimas traiçoeiras.
— Do que importa agora? Acabou. Não confia em mim e muito menos foi capaz de me proteger como diz.
— Se tivesse ficado e pudéssemos conversar como adultos em vez de fugir na calada na noite com seu amigo...
— Ah! Sabia que estava demorando para começar as acusações!
— Não estou te acusando de nada!
— Mas me acusou antes!
Will respirou fundo.
— Me desculpe.
— O quê? Agora acredita em mim?
— Sim. Por isso estou aqui. Para pedir seu perdão.
— Acha mesmo que pode aparecer aqui do nada e achar que vou te perdoar e vai ficar tudo bem? Depois de tudo o que aconteceu?
— Belle...
— Não! O que você quer de mim, Will?
Ele se aproximou e Belle recuou até onde a parede a impedia.
— É difícil acreditar que quero você?
Ela abriu os olhos.
— Eu acreditei quando me disse isso da outra vez, mesmo indo contra todas as possibilidades. Mesmo sendo você um duque e eu uma bandoleira. E o que foi que eu ganhei? Apenas a sua desconfiança!
— Então deixa eu te mostrar o quanto a quero, o quanto senti sua falta...
Belle fechou os olhos e gemeu ao sentir os lábios contra os seus.
Segurou-se em seus ombros, absorvendo sua força, deixando que o calor que vinha dele se apossasse de seu corpo e de seu coração.
— Will... — sussurrou quando ele a pegou no colo e a depositou na cama, as roupas sendo tiradas rapidamente até não restar nada entre eles, a não ser o desejo saudoso.
Belle derreteu ao sentir os seios em contato com seu peito largo. Fechou os olhos, deslizando numa doce inconsciência, enquanto os lábios masculinos desciam por seu pescoço mordiscando a pele macia, as mãos apalpando os seios agora mais cheios, para depois tocá-los com a língua úmida e quente. Belle serpenteou o corpo embaixo dele ansiosa, as mãos subindo pelas costas fortes, os músculos ondulando contra seus dedos. Precisava dele como precisava do ar para respirar. E sem medo disse isso em seu ouvido e Will soltou um gemido rouco, a boca devorando a sua, a língua adentrando entre seus lábios, imitando o ato sexual, enquanto a mão cobria o sexo úmido, os dedos deslizando para dentro dela. Belle gritou, trêmula e fraca, desejando mais, desejando que ele estivesse dentro dela.
Will separou suas pernas com o joelho e a penetrou fundo, rápido, intenso. Belle o abraçou forte, as unhas cravadas em seus ombros, ondulando os quadris de encontro a ele, os músculos internos se apertando em volta da rija ereção. Will moveu-se dentro dela, as estocadas cada vez mais rápidas até o ápice final, doce e inebriante, que os tirou da terra por alguns instantes, até voltarem tempos depois, ofegantes e satisfeitos.
Will rolou para o lado, a trazendo para si. Belle o fitou com os olhos confusos e Will acariciou seu rosto.
— Não vamos mais nos separar, Belle.
— Como posso acreditar que é possível? Tantas coisas nos separam... Você achou que eu te traí com Jack. Não acreditou em mim. — Ela ainda não conseguia esconder a mágoa. Queria ficar com Will, mas tinha medo que nunca acreditasse nela de verdade.
— Eu sei. E tenho que te pedir perdão. Eu errei. Estava louco de ciúme. De insegurança.
— Você inseguro?
— Eu nunca conheci uma mulher como você. Passei muito tempo achando que o que sentia era apenas luxúria. Que não poderia existir nada entre nós além disso.
— Mas não podia mesmo... Você é um nobre!
— Isso perdeu toda a importância quando nos casamos...
— Só se casou comigo por causa da herança do seu pai! E porque eu estava indo para a guilhotina.
— Eu também achei que era só por isso, mas a verdade é que foi apenas uma desculpa para fazer o que eu queria mais que tudo. Ter você pra mim.
Belle sentiu o coração derreter. Podia acreditar nele? Podia acreditar que podiam ter um futuro juntos? Mas como?
— Eu descobri, quando partiu... — ele acariciou seu rosto — que não posso mais viver sem você. Eu te amo. Isso basta?
— Queria muito que bastasse, mas tem tanta coisa em jogo... Tentaram matar nosso bebê. — Pela primeira vez ela usou a expressão nosso e isso o confortou. — Tentaram me matar!
— Não vou deixar que eles cheguem perto de vocês de novo.
— Acha que conseguirá pegar o barão? Ele matou o seu pai e saiu impune!
Will fechou o semblante.
— Do que está falando?
— Não foi os bandoleiros. Foi ele! Eu vi seu pai e o barão discutindo no baile. E tentei segui-los, mas quando cheguei ao jardim seu pai já estava morto.
— Por que não me disse? — Will indagou chocado.
— Não ia acreditar em mim! Mas agora você sabe do que o barão é capaz.
Will sentou-se passando os dedos nervosos pelo cabelo.
De repente tudo fazendo um assustador sentido.
Por que não pensara nessa possibilidade antes?
Estava tão cego por raiva dos bandoleiros que deixara passar a ira do barão contra seu pai.
Que agora foi transferida a ele.
— E tem mais, o barão já tinha tentado matar seu pai antes.
Will encarou bela, confuso.
— No parlamento. Guilhermina escutou na casa do barão que ele tinha planos de envenenar seu pai. Eu fui até o parlamento impedir. Um cachorro acabou morrendo quando impedi seu pai de beber.
— Então era por isso que estava na minha casa?
— Sim.
— Meu pai não me disse...
— Mas é a verdade. Acredita em mim agora?
— Sim, acredito que não foram vocês. Depois do que eles foram capazes de fazer contra você, acredito que eles farão tudo para me destruir.
— Ele quer o seu apoio. Para o golpe contra a coroa.
— Jamais ficarei contra a coroa.
— Eu sei. E seu pai também se recusou. Por isso morreu.
— Fomos emboscados na estrada de volta a Londres. James morreu.
Belle empalideceu.
— Meu Deus! Acha que foi o barão.
— Quem mais?
— Então todos corremos perigo...
— O barão terá o que merece. E Natasha também.
— Não posso pôr meu filho em risco de novo, Will.
— Eu sei. Por isso voltarei a Londres.
— E eu?
— Acho que tem razão, melhor permanecer aqui.
Belle afastou-se um pouco dele.
Era isso que queria? Ficar ali, em segurança, mas longe de Will?
Ela o fitou novamente.
— Não, eu vou com você.
— Belle...
Ela o abraçou.
— Juntos pegaremos o barão.
— Não quero que corra perigo. — Ele acariciou suas costas.
Ela segurou sua mão e entrelaçou os dedos nos dele.
— Não posso ficar aqui sabendo que eles estão impunes.
— Não sei se é uma boa ideia...
Belle sorriu.
— Will, eu sou uma bandoleira, acha que não sou páreo para essa missão?
Ele sorriu.
— Tinha me esquecido disso. — E a beijou.
Mas Belle afastou a boca da dele e o fitou.
— Não está bravo por eu estar grávida?
Will sorriu lentamente, os dedos passando por sua barriga.
— Como poderia. Eu estou feliz com o nosso bebê.
Ela sorriu e o beijou.
E nada mais foi dito por um longo tempo.
****
Juliet mordeu os lábios, meio encabulada, depois que Will e Belle saíram do salão, afinal não conhecia ninguém a não ser o Irmão Logan, mas sinceramente agora que estava na sua frente, não sabia bem como falar com ele.
Parece que um tempo infinito tinha se passado desde a última vez que se viram. Era certo que só se aproximara do Irmão Logan para se divertir, mas não podia negar que nutrira certos sentimentos pelo escocês, mesmo sem perceber. Magoou-se por ele ter escolhido Lady Katherine. Porém se conformou com seu destino ao casar-se com James para não ser mais um motivo de escândalo para a família, ainda mais depois que o pai se foi.
Mas o bebê se foi assim como James. E desde então ela se sentia como um barco à deriva.
Seu espírito alegre e inconsequente estava em confusão, não acostumado a sentir aquela desolação.
Quando Will dissera que partiria para a Escócia para encontrar Belle, ela quis reencontrar Logan. Agora, frente a frente com o escocês já não tinha tanta certeza que era este seu destino.
Juliet vivera a vida inteira sem pensar nas consequências dos seus atos. Era até estranho a ela agora que estivesse ponderando suas decisões.
— Deve estar cansada. — Logan a fitava de forma comedida.
Talvez assim como ela o fitava também.
— Sim, um pouco. A viagem foi longa.
Ele chamou uma criada e pediu para acompanhá-la até um aposento.
Juliet acompanhou a mulher escada acima, não sem antes notar o olhar preocupado de Logan.
A mulher a deixou sozinha e Juliet sentou-se na cama suspirando.
Tirou a roupa e tentou dormir, mas não conseguia conciliar o sono. Depois que os barulhos da festa tinham cessado, desistiu de dormir e levantando se vestiu novamente e saiu do quarto pé ante pé.
Não demorou para encontrar o que estava procurando. Uma adega.
Entrou e abriu uma garrafa de uísque escocês.
— Por que não me surpreendo de encontrá-la aqui?
Ela se virou ao ouvir a voz de Logan e sorriu.
— Ora, ora, Irmão Logan, alguns hábitos nunca mudam. Venha, sente-se e tome um gole comigo.
Logan pegou a garrafa e bebeu um gole generoso e encarou Juliet, passando a garrafa para ela.
— O que veio fazer aqui, Juliet?
Ela sorriu.
— Meu irmão veio buscar a esposa.
— Isso eu sei. Mas o que você veio fazer aqui?
Juliet mordeu os lábios.
— Eu me casei.
— Eu sei.
— Sabe?
— Eu a procurei... para me despedir.
— Por que Lady Katherine não está aqui?
Logan sorriu com amargura.
— Porque ela desistiu de fugir comigo. Ela prefere o marido.
— Sinto muito.
E era verdade. Gostava do Irmão Logan, por isso mesmo tinha até entendido que ele preferia correr atrás de sua felicidade com Lady Katherine.
E agora sentia certa raiva da mulher que o desprezara.
— Não sinta. Acho que ela estava certa, afinal. Eu a persegui agora porque ainda vivia no passado. Não me conformava de tê-la perdido, mas o tempo passou, ela mudou. Os sentimentos mudaram.
— Mas você ainda a ama, não é?
— Eu amei muito Katherine, mas preciso aprender a deixar este sentimento lá, onde ele foi importante. Não podemos voltar no passado.
Juliet suspirou.
— Meu marido foi assassinado.
— O quê?
— Sofremos uma emboscada na estrada. Will acredita que foi o barão.
Logan segurou sua mão.
— Eu sinto muito.
— Eu também. James era um homem muito bom.
Eles ficaram bebendo em silêncio por mais algum tempo.
— Eu perdi um bebê — ela disse de repente.
Logan a fitou.
— Belle contou. Eu lamento.
— Não era de James — sussurrou, sem conseguir encará-lo.
Logan franziu o cenho e então entendeu.
— Juliet, por que não me disse? — indagou consternado.
— Eu ia contar, mas então você ia fugir com Lady Katherine — ela deu de ombros, tomando mais um gole — e eu me casei com James. Ele foi muito bom comigo. Sabia o tempo inteiro sobre o bebê e resolveu me ajudar. Pobre James.
Logan a fitava em silêncio.
— Eu sinto muito por tudo. Se eu soubesse...
— O que teria acontecido? — Ela riu tristemente. — Teria desistido de fugir com Lady Katherine? Eu duvido. Nunca teve nenhum sentimento por mim.
— Juliet...
Ele queria lhe dizer que não era assim.
Que sempre sentiu algo por ela. Ainda não sabia definir bem o que, mas que fora forte o suficiente para lamentar ter sido tão cego em relação a Katherine.
Por causa disso, deixara Juliet sozinha para lidar com as consequências dos seus atos, porque ela o seduzira, mas ele também tinha culpa.
E agora não existia mais a criança. E até mesmo o homem que a ajudou estava morto.
Pobre Lady Juliet. Estudou seu rosto bonito. Ela parecia diferente agora, mais madura. Provavelmente os últimos acontecimentos tinham deixado uma marca em seu espírito livre.
Ele lamentou por isso.
— Agora chega. — Juliet enxugou uma lágrima fortuita. — Não quero falar mais de coisas tristes. Quando for embora levarei uma destas garrafas suas.
Ele riu. Talvez nem tanto.
— Sim, pode levar.
Ela se levantou e cambaleou levemente.
— Ops! — Riu quando Logan a segurou.
— Acho melhor ir dormir, Lady Juliet.
Seus olhares se encontraram.
— Sozinha?
— Sozinha.
Ela deu de ombros.
— Como disse, alguns hábitos nunca mudam. Boa noite, Irmão Logan.
Mas ela não se mexeu. E repentinamente Logan a beijou.
Ela sorriu por dentro, enquanto ele a pegava e a carregava para fora da adega, se sentindo viva pela primeira vez em meses.
Sabia que era mais um desatino. Logan não gostava dela. Ela partiria em breve para Londres novamente, mas pelo menos teria essa noite de esquecimento.
Mas quando ele a depositou na cama, se afastou.
Juliet abriu os olhos, o encarando interrogativamente.
— Logan...
— Não, Juliet. Faremos o que é certo desta vez.
— Não... — Ela gemeu desalentada.
— Você ainda está triste. E acho que nossa cota de responsabilidade já passou do limite.
Ela se sentou e sorriu conformada.
— Acho que tem razão. Eu não quero mais te trazer problemas.
— Acho que eu lhe trouxe mais problemas, milady.
— Eu caçava os problemas, isso sim. Talvez seja hora de pensar nas consequências. Em breve partirei de volta a Londres, e nunca mais nos veremos.
Logan se afastou.
— Boa noite, milady.
****
O amanhecer encontrou Will acordado. Depois que Belle adormeceu, ele saiu da cama e vestiu-se, ainda inquieto por todas as revelações sobre o barão e sua fúria assassina, e caminhou pelo castelo silencioso, até uma janela alta, onde pôde observar a noite findando.
Agora se sentia um tanto tolo por não ter desconfiado antes. FitzRoy dera muitos indícios de que não tinha nenhum escrúpulo, mas Will duvidava que ele fosse capaz de matar seu pai, um homem que fora por muito anos um grande amigo.
Todavia, o nobre agora estava consumido por sua ambição e envolvido com os puritanos que queriam derrubar o rei e não iria descansar. E sua sede de poder era tanta que ele matara o conde, fizera Juliet perder o bebê e tentara matar Belle.
Will sentiu um desejo frio de vingança lhe cegar. Queria FitzRoy pagando por seus crimes. Queria a cabeça do nobre na guilhotina.
Para tanto, ele precisava alertar Charles o quanto antes. Precisava voltar a Londres, denunciar FitzRoy e esperar que a justiça fosse feita.
— Acordado, duque? — Blake se aproximou e se postou ao lado de Will.
— Sim, tenho muito o que pensar.
— Sei que talvez não seja o momento de falar disso, mas preciso perguntar. Somos bandidos e o atacamos. Achei que estava junto ao barão, que queria nosso pescoço.
— Por muito tempo eu quis exatamente isso.
— E mesmo assim se casou com Belle.
— Não podia deixar que morresse na guilhotina — confessou — e havia outras razões também, porém, a verdade é que me apaixonei por ela.
— Então não está aqui para nos entregar?
— Claro que não.
— Belle contou que achava que matamos seu pai.
— Agora eu sei que foi o barão.
— E o que pretende fazer com essa informação?
— Eu vou entregar o barão ao rei.
— Acha que será o suficiente?
— Terá que ser... — Ele se voltou para o bandoleiro. — E eu preciso de sua ajuda com algo...
****
Quando Belle acordou encontrava-se sozinha na cama. Onde Will estava? Ainda parecia incrível que ele estivesse ali, que acreditasse nela, afinal, e que lhe acenasse com um futuro juntos.
Sorriu, feliz, mesmo sabendo que ainda tinham uma batalha contra o barão pela frente. Belle sabia que enquanto FitzRoy estivesse atrás deles, não haveria paz.
Pulou da cama e se vestiu apressada. O sol já estava alto no céu, denunciando que dormira demais. Desceu para o salão principal ansiosa para encontrá-lo e saber dos seus planos.
— Bom dia, Belle — Juliet aproximou-se e a abraçou. — Nem tivemos tempo ontem de nos falar. Como pôde ir embora daquele jeito? Will ficou tão preocupado!
Ela olhou em volta, à procura de Will, mas não o encontrou entre os rostos conhecidos.
— Onde está Will?
Juliet mordeu os lábios.
— Ele voltou para Londres.
— O quê? — Belle não podia acreditar. — Ele não pode ter ido sem mim!
Contemplou os amigos, ainda atordoada.
— Ele fez o que é certo, Belle — Blake disse.
— Não!
— Ele pediu que ficasse para protegê-la. — Logan tocou seu ombro.
— Você e seu bebê — Ana Lúcia endossou.
— Will não podia ter ido sozinho! Eu tinha que estar com ele!
— Nós vamos partir para a América, Belle... — Jack falou. — O duque tomou a decisão dele...
— Não me interessa! Eu vou voltar também... — Ela deu meia-volta, para se arrumar.
Will não iria enfrentar o barão sozinho.
Juliet segurou seu braço.
— Belle, o que vai fazer?
— Will me contou que o barão emboscou vocês. Ele está disposto a tudo! Pode matar Will.
— Will vai até o rei. Vai entregar o barão!
— Eu não posso deixá-lo sozinho... Estou com um mau pressentimento...
— Belle, seja razoável... Você fugiu para cá para se proteger...
— Não me interessa mais me proteger se Will não estiver comigo! — Encarou os amigos com determinação. — Eu vou para Londres. Nem que seja sozinha!
— Eu vou com você então! — Juliet segurou sua mão.
— Eu também. — Ana Lúcia se colocou ao seu lado.
— Ei, mulher, ficou louca?... — Jack deu um passo à frente, mas Ana Lúcia levantou a mão para impedi-lo.
— Não manda em mim só porque casou comigo! Belle precisa de nós. Se quiser ficar, pode ficar!
— Maldição. Se é assim, eu vou também!
— Vocês ficaram malucos? — Colin os interrompeu. — Nós estamos prestes a dar o fora daqui e nos livrarmos desses nobres para sempre e agora vamos voltar e colocar nosso pescoço a prêmio?
— Belle é uma de nós — Blake disse.
— Mas o duque não!
— O duque está com a Belle agora. Então devemos protegê-lo.
Juliet encarou Logan.
— E você?
— Nós vamos voltar a Londres e garantir que o barão pague por tudo o que fez.
Capítulo 20
Will não sabia o que esperar quando chegou a Londres, mas com certeza não era o que viu.
A cidade estava um pandemônio. A agitação da plebe nas ruas lhe dizia que algo incomum estava acontecendo e ele sentiu um arrepio premonitório na espinha quando percebeu que havia homens vestidos de preto à porta do Palácio de Whitehall.
Puritanos, pensou, desmontando e entrando no palácio, ignorando os olhares sobre si.
Porém, quando chegou ao salão principal, não foi Charles quem o recepcionou e sim Oliver Cromwell.
O líder puritano, que conspirou por meses contra os desmandos de Charles lhe sorriu.
— Ora, ora se não é o Duque de Buckingham.
Will olhou em volta, atordoado.
— O que faz aqui? Onde está Charles?
— Charles está morto. — Não foi o líder puritano quem respondeu e sim um homem que surgiu atrás dele, o Barão de Wessex.
Então Will compreendeu.
A coroa havia caído.
Os puritanos deram o golpe afinal.
Charles estava morto, assim como a monarquia.
— Está sem palavras, Will? — FitzRoy aproximou-se, sorrateiro como uma cobra. — Sei que sua família era apoiadora de Charles.
— Charles era um déspota. E perdeu o pescoço por isso — Oliver disse. — A Inglaterra está em novas mãos agora. Vamos criar uma república.
— Sim, nós vencemos, Will — FitzRoy sorriu, parando a sua frente —, mas, mesmo sabendo que se negou a apoiar nossa causa, lhe daremos uma segunda chance. Venha para o nosso lado agora. Alguns nobres ainda não entenderam que a nova ordem agora é outra. Precisaremos de alguém como você a nos apoiar na transição.
— Está louco se acha que vou ficar do lado de um homem como você — Will sibilou. — O homem que matou meu pai. Que tentou matar minha esposa...
FitzRoy riu.
— Ora Will, não sei o que sua esposa bandoleira inventou, mas...
— Meça as palavras para falar de Belle.
— Sim, vejo que continua enfeitiçado, mesmo ela tendo fugido com seu comparsa, aquele mesmo que ela ajudou a fugir da prisão. Como é mesmo o nome? Jack?
Will passou por FitzRoy e encarou Oliver Cromwell.
— Eu estou aqui para acusar o Barão de Wessex de assassinato. Ele matou o meu pai.
— É verdade, FitzRoy?
— E o que eu fiz foi garantir que o conde não o entregasse a Charles. Eu estava comprometido com a causa, sempre estive. Sabe que o Conde de Canterbury queria te derrubar...
— Sim, eu sei disso.
— Não pode deixá-lo impune! — Will gritou. — Se é o novo poder, tem que saber do que FitzRoy é capaz! Ele conspirou para que minha esposa perdesse a criança que espera e fez com que minha irmã abortasse em seu lugar! E depois tentou envenenar minha esposa!
— A esposa que é uma ladra?
— Minha esposa que é uma duquesa!
— Uma bandoleira nunca deixa de ser uma bandoleira — FitzRoy dardejou. — Tanto que fugiu com seus comparsas!
— Você tentou matá-la! Ela fugiu para proteger a si e a criança que espera!
— Quer dizer que sabe onde ela e os companheiros estão? Que tal entregá-los e assim provar sua lealdade a nova ordem?
— Acha que lhe direi onde Belle está? Quer matá-la, porque não conseguiu que se unisse a você! Assim como quis me matar. Também é responsável pela morte de James Hunt, o marido da minha irmã, quando fomos emboscados na estrada! Com certeza sua intenção era me tirar do caminho de vez.
— Wil, Will, está fantasiando agora... Sinto muito pela morte do seu cunhado, a querida Lady Juliet não merecia esse sofrimento, mas certamente esse ataque se deve a bandoleiros da estrada... E insiste que eu tentei matar a bandoleira? Deve saber que quem envenenou sua esposa foi a cortesã Natasha!
— Então a traga aqui! Com certeza ela falará que tudo o que fez foi em conluio com você!
FitzRoy riu.
— Sabe muito bem que Natasha não está entre nós.
— O que está dizendo?
— Oras, Will, não foi você que a envenenou?
— O quê?
— Natasha está morta. Foi encontrada envenenada no clube. Ela morreu na noite em que retornou de Kent, ansiando por se vingar de quem tinha tentado matar sua esposa...
— Isso é absurdo, eu não matei a Natasha! Provavelmente você mesmo deve ter se livrado dela, assim não tem provas de seus podres!
— Já chega disso! — Oliver nos interrompeu e encarou Will. — Não estou disposto a manter ao meu lado um homem que era amigo pessoal de Charles.
— O que...
Mas antes que Will pudesse dizer qualquer coisa, guardas o cercaram, o segurando.
— Will Cavendish, está preso sob a acusação de traição à nova república e morrerá amanhã ao amanhecer na guilhotina.
A última coisa que Will viu antes de ser levado foi o sorriso de satisfação do Barão de Wessex.
****
— Não achei que os veria novamente. — Charlotte os recebeu em sua casa naquela noite, seu semblante era sombrio ao contemplar o bando, que agora seguia com uma moça desconhecida.
— Espero que não seja um problema nossa presença aqui novamente — Logan disse.
— Sim, não podemos ficar em outro lugar, ainda mais agora — Blake completou.
— Não deveriam ter voltado!
— Nós precisamos! — Belle esclarece com urgência. — Deve saber que me casei com o Duque de Buckingham e muitas coisas aconteceram desde então. O Barão tentou me recrutar para o lado dele e quando me recusei, ele e sua amante, Natasha, atentaram contra a minha vida e também achamos que é responsável pela morte do marido de Lady Juliet, a irmã do duque.
A mulher encarou Juliet, que se mantinha ao lado de Logan e não pôde deixar de se condoer. Assim como se condoía pela notícia que teria que dar a Belle.
A prisão do Duque de Buckingham já tinha se espalhado pela cidade.
— Enfim, fugi para a Escócia e encontrei meus amigos, mas Will foi atrás de mim. Porém ele voltou sozinho, disposto a entregar o barão ao rei, mas eu não acho que somente isso vá bastar...
— Você tem razão. O duque não devia ter voltado à corte...
— Charlotte, o que foi? O que quer dizer? — Logan tocou seu ombro, prevendo que as notícias não seriam boas.
— O Rei Charles está morto. Foi executado na guilhotina essa manhã. Oliver Cromwell e os puritanos tomaram o poder.
— Meu Deus — Juliet murmurou.
— Mas se Charles não está mais no poder... — Belle sentiu um medo terrível.
— Significa que o barão venceu — foi Madeline quem completou sombriamente.
Colin segurou sua mão.
— Não deveríamos mesmo ter voltado...
— E Will? — Belle sussurrou.
O plano dele era delatar o barão ao rei, mas se o rei estava morto...
Belle sentiu as agruras do medo esmagar seu peito.
Will chegou tarde demais...
— O Duque de Buckingham está preso na torre — Charlotte respondeu.
Juliet soltou um grito, colocando a mão na boca.
— E será executado como traidor do novo regime ao amanhecer — a francesa completou.
Belle sentiu dificuldade de respirar, mas a dor de saber que Will estava preso lhe deu certo alento.
Significava que ele não estava morto.
“Não ainda.”, a voz do medo sussurrou em seu íntimo.
Mas ela não se entregaria ao temor.
Ainda havia tempo e ela não desistiria sem lutar.
Um dia Will a salvou.
Agora chegara a hora dela salvá-lo.
Ou morrer tentando.
— Eu disse que não devíamos ter voltado! — Madeline gritou. — Estamos perdidos...
— Acalme-se, Madeline!
— Me acalmar? O barão vai matar a todos nós! — Madeline se soltou dos braços de Colin, se afastando chorando.
— Belle... — Juliet tocou sua mão. — Will não pode morrer...
— Ele não vai — Belle garantiu relanceando o olhar para seus companheiros que escutavam taciturnos às pesarosas notícias. — Nós vamos tirar ele de lá...
— Belle, isso é loucura! — Colin se rebelou.
— O barão sempre foi louco para nos pegar — Jack disse. — Agora que tem o poder, ele vai nos caçar! Temos que ir embora ainda hoje!
— Não podemos deixar o duque morrer! — Ana Lúcia se opôs.
— Blake? — Belle encarou o amigo.
Blake respirou fundo.
Mais do que tudo ele queria ir embora. Fugir para a América e se colocar o mais longe possível da ira do barão, mas sabia que não deixaria Belle para trás.
— Se vamos fazer isso, precisamos saber como...
— Você ficou louco? — Jack se opôs.
Black encarou os amigos.
— Vocês têm o direito de não participar disso. Podem partir ainda agora à noite...
— Eu não vou! — Ana Lucia se rebelou. — Se quiser ir pode ir, Jack.
— Inferno! Então acho que lá vamos nós de novo colocar nosso pescoço a prêmio!
— Bem, então precisamos de um bom plano! — Ana disse.
— Eu acho que sei como vamos agir... — Logan completou.
****
— Posso saber aonde vai? — Jack seguiu Ana Lúcia para fora da casa da francesa.
Ana Lúcia não parou para encará-lo, continuando em frente, enquanto puxava o capuz sobre a cabeça.
— Vou até a casa da minha mãe.
— Acha que é uma boa ideia?
— Quero me despedir...
Jack segurou seu braço.
— Se despedir porque também acha que esse plano maluco de livrar o pescoço do duque vai fazer todos nós irmos para a cova?
Ela puxou o braço, continuando em frente com passos decididos.
— Não. Porque amanhã estaremos a caminho da América.
Jack suspirou, a seguindo, ainda a contragosto.
— E não pensou em pedir permissão pra mim não?
Ana Lúcia riu.
— Vai sonhando.
— Mulher, você vai me dar trabalho...
— É só não querer mandar em mim que estaremos de acordo.
Notando que ele continuava com uma carranca, Ana Lúcia entrelaçou seus dedos nos dele.
— Sabe que estou indo à casa da minha mãe porque preciso de algo que está lá também.
— Sim, eu sei.
— Então posso aproveitar e te apresentar como meu marido. Sabe que minha mãe vai ficar feliz? O sonho dela era que eu me casasse.
— Com um bandoleiro?
Ana Lúcia riu.
— Podemos deixar essa parte de lado.
Ele sorriu, a beijando.
E seguiram em frente.
****
A casa da francesa estava silenciosa quando Juliet esgueirou sorrateiramente até o quarto de Logan.
Quando abriu a porta, ele estava de pé, ainda vestido, olhando a noite escura pela janela.
— Também não conseguiu dormir?
Ele se voltou.
— Acho que ninguém conseguirá essa noite.
Ela se aproximou.
— Mas acredito que você poderia tentar. Está pálida, fez duas viagens cansativas em poucos dias e não faz tanto tempo assim que perdeu um bebê.
Juliet sorriu.
— Não sou tão frágil como pensa, Irmão Logan.
Foi a vez de ele sorrir.
— Poderia parar de me chamar de Irmão Logan.
— Velhos hábitos...
Eles ficaram em silêncio por um tempo, cada um perdido em seus pensamentos.
— Eu preciso confessar uma coisa — ela sussurrou de repente.
Logan mirou seu rosto.
— Aconteceu algo na noite antes de Will e eu viajarmos para a Escócia...
Ela se afastou, Logan podia sentir uma nuance diferente em sua voz.
— O que aconteceu?
Ela se voltou.
— Na noite em que chegamos, Will foi direto para a casa de Liliana, ele queria saber como chegar a sua propriedade na Escócia. Eu fiquei em casa, mas não por muito tempo. Eu sabia que precisava fazer algo... Nós tínhamos uma criada em nossa casa, que estava por lá desde que eu nasci. Ela era muito boazinha, conversava comigo e me dava atenção quando ninguém mais fazia isso. — Juliet sorriu com certo saudosismo. — O nome dela era Deidre. Eu gostava de vê-la cuidar das plantas em nosso quintal. Ela tinha uma pequena horta, mas além de tomates e coisas do tipo, ela também cultivava outras um tanto estranhas. Um dia eu tentei comer uma delas e ela ficou tão brava. Me disse que jamais eu poderia ingerir aquilo, que poderia morrer. Que era veneno... — Sua voz foi perdendo a nitidez. Como se ela estivesse em outro tempo. — Naquela noite, eu fui àquela horta. Eu sabia o que queria. E também sabia onde estava indo quando saí de casa, sem que Will soubesse. Não foi difícil encontrá-la no clube. — Juliet sorriu agora. Aquele mesmo sorriso que Logan conhecia tão bem. O sorriso da garota que queria fazer algo proibido. — Foi quase divertido misturar na bebida dela, assim como ela fez na bebida para matar Belle. — Ela encarou Logan com fúria no olhar. — Assim como fez na bebida que matou meu filho.
Logan aproximou-se e tocou seus ombros. O olhar sombrio.
— Quem você envenenou, Juliet?
— Natasha, a cortesã que ajudou o barão. Eu a matei.
Ela se afastou e quando se voltou, Logan ainda tentava digerir aquela confissão.
Lady Juliet, a mimada e inconsequente filha do conde, tinha se transformado em uma assassina em um ato de vingança.
— Acha que vou para o inferno por isso? — sussurrou.
E Logan notou que havia lágrimas em seus olhos.
— Porque eu não me arrependo. Ela merecia morrer.
Ele se aproximou e tocou seu rosto, enxugando sua lágrima.
— Ela merecia mesmo morrer, mas você não merece sofrer por isso. Está feito.
— Eu quero esquecer.
— Eu sei, e você vai. Amanhã vamos resgatar seu irmão e poderá ir embora pra longe e esquecer tudo.
Ela assentiu e tocou seu peito.
— Poderemos morrer amanhã, não é?
— Sim. — Ele não poderia mentir.
— Então só temos esta noite.
E Logan entendeu.
E pela primeira vez, concordava com ela.
Amanhã poderia ser tarde demais para qualquer coisa.
Ele pegou Lady Juliet no colo e a levou para a cama.
****
Foi a noite mais longa de sua vida.
Desde que o puseram na torre até os primeiros raios de sol adentrarem na prisão, Will se perguntava o que poderia ter feito de diferente para mudar seu destino.
Talvez tivesse sido muito arrogante em achar que o barão cairia fácil assim que colocasse o rei a par de todos os seus crimes. Agora se perguntava se teria conseguido, mesmo com o rei ainda vivo e no poder.
Em poucas horas iria morrer na guilhotina, seguindo o mesmo destino de Charles e não havia nada que pudesse ser feito.
Lamentava deixar sua irmã sozinha. Lamentava nunca mais ter a chance de segurar Belle em seus braços pelo menos mais uma vez, mas se sentia feliz de não a ter trazido junto, afinal. Se Belle estivesse com ele, os dois estariam indo em direção à morte.
Ao menos ela viveria. Poderia ir para a América, como era seu intento.
A Inglaterra era uma terra estranha agora.
Um barulho de porta se abrindo o fez abrir os olhos.
— Vamos, chegou a hora — um guarda pediu e Will podia avistar outros ao seu lado.
Iriam acompanhá-lo até a guilhotina.
Com um suspiro pesado, Will levantou-se.
— Teremos que prender suas mãos — o guarda disse e Will estendeu os braços.
Sua cabeça foi coberta e o empurraram em frente.
Will deu os últimos passos de sua vida sem nada ver. Apenas rezava para que fosse rápido.
Ao menos encontraria seu pai do outro lado. Pediria perdão por não tê-lo protegido.
— À direita, duque — uma voz disse perto e sentiu uma mão em seu braço, o guiando.
A luz do dia o alcançou, mesmo abaixo do pano que cobria sua cabeça. Queria poder ver e respirar o ar puro.
— Podiam descobrir meus olhos? — pediu.
O braço que o guiava apertou mais.
— Fique quieto, que logo acabará... — Will franziu o olhar, reconhecendo aquela voz... de onde?
Mas não era possível.
— Lúcios?
Ele não estava morto?
Então se lembrou.
Ana Lúcia.
A criada que lhe confessara em carta ser Lúcios. Que fugiu com Belle e se casou com o bandoleiro Jack.
— Ana Lúcia?... — sussurrou ainda atordoado.
— Estamos todos aqui. Belle está aqui.
E foi a última coisa que conseguiu ouvir, antes de outras mãos puxá-lo para o lado oposto e o obrigarem a subir alguns degraus. E então o tecido que cobria sua cabeça foi tirado e piscou, aturdido, a visão do povo à frente se desvendando em seus olhos.
A praça estava cheia.
Ouvia a multidão sussurrando.
A plebe que viera assistir sua morte.
Deixou os olhos correrem, as últimas palavras de Ana Lúcia martelando em sua mente. Estamos todos aqui.
Belle está aqui.
— Devia ter vindo para meu lado, Will.
Ouviu o barão falando.
Claro que ele estaria ali.
O nobre traidor queria ver com os próprios olhos sua morte.
Mas a atenção de Will não estava no regozijo do barão, e sim continuava a varrer a praça, ávido por vê-la.
Nem que fosse a última vez.
E então seus olhares se encontraram através da multidão. Ele reconheceria a bandoleira de olhos verdes em qualquer lugar do mundo.
Sua bandoleira.
Sua duquesa.
Ela sorriu, retirando o capuz da capa que lhe cobria a cabeça.
E os homens atrás dela fizeram o mesmo.
Ele reconheceu Blake, Jack, Colin...
— Uma última palavra, duque? — O barão continuou.
— A justiça um dia será feita. Pode não ser hoje, mas pagará por isso. Pela morte do meu pai. Pela morte do bebê da minha irmã. E por ser um traidor ganancioso — Will disse essas palavras ainda com o olhar preso em Belle.
Mas que diabos ela estava fazendo ali?
Por um momento desejou pedir que fosse embora.
Que o deixasse morrer sabendo que pelo menos ela estava em paz.
Mas ela fez um sinal para os companheiros que recolocaram os capuzes e começaram a se aproximar.
Inferno, ela estava louca?
— Se é assim... — O barão fez um sinal para um padre que estava ali e desceu, provavelmente querendo ver a morte de Will de um lugar privilegiado, ou não desejando que sangue respingasse em suas vestes finas de traidor.
O franciscano usava um capuz sobre a cabeça, quando se aproximou.
— Tem que se arrepender, meu filho, para entrar sem pecados no reino dos céus.
Aquela voz?
Will finalmente retirou o olhar de Belle e reconheceu Logan, quando ele jogou o capuz para trás.
Foi tudo muito rápido.
Logan piscou e, virando-se para o carrasco, enfiou a espada em sua barriga.
— Mas o que...
Will ouviu a voz do barão, atordoada, assim como todos ao redor, vendo o carrasco cair morto para trás.
Logan aproximou-se e com um golpe certeiro cortou as cordas que prendiam o pulso de Will e lhe jogou uma espada.
E de repente, as pessoas que pareciam paralisadas no lugar, atordoadas com a cena inusitada do padre matando o carrasco e libertando o prisioneiro, acordaram e Will ouviu gritos da multidão confusa e a movimentação dos guardas.
— Não o deixem fugir! — o barão gritava em algum lugar.
Com uma rápida olhada quando corria com Logan ao lado, Will percebeu que o homem estava cercado de guardas que tentavam protegê-lo.
— Vamos rápido! — Logan gritava, seguindo à frente, empurrando a multidão do caminho.
— Que diabos... — Will sussurrou olhando para trás e percebeu que os guardas lutavam com os bandoleiros, tentando chegar até eles.
E entre os bandoleiros, estava Belle, brandindo sua espada com fúria contra um dos guardas.
E sem pensar, ele se voltou, mas Logan o puxou.
— Vamos...
— Temos que ajudá-los!
— Não, eles estão se defendendo! Aproveite a confusão e corra!
— Ele está fugindo... — um guarda gritou apontando para eles.
— Eu vou atrás deles! Proteja o barão, o tire daqui!
Will reconheceu a voz de Ana Lúcia, ainda em seu disfarce de guarda.
— Rápido! — Logan o puxou, mas ele não podia deixar Belle.
— Belle! — gritou, tentando se voltar, os olhos presos na luta dela com o guarda.
— Corre, Will — ela pediu.
— Você ouviu, vamos embora! — Agora era Ana Lúcia que o empurrava.
Sem que conseguisse voltar, viraram uma esquina e Will arregalou os olhos ao ver Juliet, segurando alguns cavalos. Madeline mais atrás dela.
Ela correu para ele e o abraçou.
— Graças a Deus, Will!
— Montem, rápido! — Logan gritou.
E todos montaram.
— O barão? — Logan indagou a Lúcios.
— Jack e Colin estavam dando trabalho, os guardas o levaram para o castelo.
— Então vamos tirar os bandoleiros de lá! — Logan incitou o cavalo e eles voltaram para a praça.
A multidão gritou quando eles avançaram com os cavalos.
Alguns guardas estavam no chão, mas outros já saíam do castelo.
Se não fugissem rápido iria ser um massacre.
Will avistou os cabelos de Belle por entre a balbúrdia e gritou indo em sua direção, puxando-a para cima de seu cavalo.
Ela agarrou seu pescoço.
— Will...
— Vamos! — Logan gritou e com um rápido olhar, ele viu que Blake, Jack e Colin já estavam montados e avançaram, deixando os gritos da multidão e os guardas para trás.
Eles cavalgaram por horas, sem parar. Sem olhar para trás.
Sabiam que tinham que colocar a maior distância possível entre eles e os guardas.
E a ira do barão.
A noite avançou cobrindo tudo com seu manto escuro e eles continuaram em frente.
E só pararam quando chegaram ao oceano. A imensidão azul como a última fronteira entre eles e a liberdade.
Belle sentiu as pernas fraquejarem quando finalmente desmontaram e Will a segurou.
— Eu devia estar bravo por ter arriscado seu pescoço, Belle! — sussurrou e Belle sorriu, tocando seu rosto.
— Chegou a minha vez de salvá-lo.
— Podia ter morrido... — Ele olhou em volta. Para o bando que desmontava, cansados, porém aliviados. — Todos poderiam.
— Você é um de nós agora, duque — Jack colocou o braço em volta de Ana Lúcia, agora já sem sua peruca, embora ainda com as vestes de guarda que usou para enganar a todos mais uma vez.
— E nós cuidamos dos nossos — Blake disse.
Juliet se aproximou e o abraçou.
— Você está bem? — Will a estudou.
— Sim...
— O que vai acontecer agora? — Will indagou.
Pensava no barão.
Impune por todos os seus crimes. Que ia governar com Oliver Cromwell e sentiu um gosto acre na boca.
Queria voltar a Londres e ter a chance de matá-lo.
Mas também queria viver.
Ele segurou Belle mais forte.
Tinha muitos motivos para viver.
— Will, eu estive em nossa casa antes de soltá-lo — Juliet disse. — Consegui pegar minhas joias, as joias da mamãe e algumas moedas do papai... Sei que não é tudo o que temos, mas...
— Não tem problema — ele lhe garantiu com uma nova resolução e olhou para o bando. — Tem um lugar para mais dois neste barco rumo ao novo mundo?
— Tem certeza, Will? — Belle indagou incerta.
Ele tocou seu rosto.
— Onde mais eu iria? Acho que agora sou tão fugitivo quanto vocês.
— Vai perder seu título, tudo...
— Eu tenho você. E é a única coisa que importa.
E ela sorriu, se permitindo ter esperança.
— Eu te amo, duque...
Ele sorriu de volta.
— Não sou mais um duque.
— Agora é um bandoleiro?
— Podemos ser o que quisermos. Temos um novo mundo e um novo futuro...
****
Belle contemplou o horizonte a sua frente.
O mar azul e no fim um mundo totalmente desconhecido.
Olhou para o lado e viu Juliet, conversando com Logan.
Eles pareciam cada vez mais próximos agora e Belle se perguntava o que aconteceria quando chegassem ao novo mundo.
Juliet havia lhes confessado o que fez com Natasha. Will ficara transtornado, mas Belle não.
Natasha teve o que mereceu.
Mais à frente, Colin estava com Madeline.
Blake ao lado deles, Jack e Lúcia discutiam por algum assunto e Blake tentava apaziguar os ânimos.
Então Will tocou sua mão e ela o fitou.
Lembrou-se do dia que se conheceram. Não fazia tanto tempo assim, mas tanta coisa havia acontecido. Como poderia imaginar que aquele nobre iria se transformar no centro de seu mundo? Passou a mão delicadamente sobre o ventre. E em breve teria um filho. Que nasceria neste novo mundo.
Ao sentir os braços de Will a sua volta, Belle teve certeza que dali para frente nada ficaria entre eles, e um futuro feliz não lhe parecia mais só um sonho.
Epílogo
Inglaterra, 1660
O Barão de Wessex contemplou a missiva que lhe fora entregue e a amassou, irritado.
Charles II tomava o poder, enfim.
Oliver havia morrido há dois anos, depois de governar a Inglaterra até sua morte. A exemplo dos monarcas autoritários que havia combatido, Oliver também se voltou contra o parlamento e com a ajuda de um exército burguês instituiu uma ditadura aberta. Depois de sua morte, seu filho Richard assumiu. O barão se manteve fiel, porém, o herdeiro de Cromwell era um fraco e não tinha o mesmo prestígio que o pai e, agora, o parlamento convocou Charles II, o filho de Charles I, para assumir novamente e restaurar a dinastia dos Stuart.
E FitzRoy temia por seu destino. Tinha que pensar rápido. Se perguntava se Charles sabia que ele fora um dos responsáveis pela queda do seu pai. O garoto não estava na Inglaterra, sendo mandado para a França, para sua proteção. Sim, poderia continuar nas boas graças de quem agora tinha o poder em mãos se fosse esperto como sempre. Com um sorriso, ele tomou o rumo do Castelo de Whitehall, e estava tão satisfeito em elaborar em sua mente maquiavélica as manobras necessárias para se manter a salvo que não viu os dois homens encapuzados que lhe emboscaram.
— Barão de Wessex? — a voz jovem o chamou e ele olhou para trás.
Dois rapazes o encaravam. Um era loiro e o outro moreno, com um brilho furioso nos olhos azuis que o barão pensou por um momento conhecer de algum lugar.
— Sim? — respondeu.
Sem aviso, o rapaz que ele achou conhecer aproximou-se e enfiou a espada em seu peito.
Atordoado o barão cambaleou.
— Que diabos... quem é você?
— Meu nome é William Cavendish, assim como meu pai.
— E eu sou James Harris, embora ninguém tenha perguntado — o rapaz loiro disse.
O barão caiu para trás, a visão escurecendo, enquanto o rapaz se debruçava sobre seu corpo que perdia a vida pouco a pouco.
— Lembre-se que foi o filho da bandoleira que veio cobrar uma dívida.
O barão fechou os olhos, com um último suspiro.
Will respirou fundo limpando a espada suja do sangue traidor de Wessex.
Não contara a sua mãe e seu pai que quisera voltar a Inglaterra para se vingar. Eles nunca entenderiam.
Mas cresceu na fazenda da família, ouvindo as histórias sobre o infame barão que tentara matar seus pais. Que os obrigara a fugir para a América.
E assim que souberam que Oliver Cromwell morrera e que a monarquia seria restaurada, ele se juntara ao primo James, e juntos embarcaram de novo para a Inglaterra.
E ele só tinha uma coisa em mente. Acabar com a vida do Barão de Wessex.
E finalmente sua família foi vingada.
— Acho que agora poderia aceitar aquele convite do rei — James disse tocando seu ombro. — Um título e um castelo não é nada mal.
Will sorriu.
Sabendo de sua volta e ciente de como seu avô, o Conde de Canterbury, e seu pai, o Duque de Buckingham, havia sido fiel à coroa, o novo rei lhe oferecera um novo título, Duque de Durham, e um castelo com o mesmo nome perto da fronteira da Escócia.
— Sim, agora podemos seguir em frente.
Os Cavendish estavam de volta a Inglaterra.
Juliana Dantas
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