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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ENTREGA PERIGOSA / Susan Johnson
ENTREGA PERIGOSA / Susan Johnson

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

               Leicester, Inglaterra Novembro, 1892

Princesa Christina chegou com um dia de atraso para as festividades na casa de campo de sua amiga Shelagh. Ainda naquela manhã, precisara despachar os meninos para a escola e também despedir-se dos pais, que regressavam ao País de Gales. A viagem de trem para o Norte levara mais tempo do que o habitual, devido a problemas com a locomotiva e, sentindo-se exausta, esforçava-se para não perder a paciência com a criada, que a ajudava a arrumar-se para o chá.

Momentos depois entrava no salão e reunia-se aos outros convidados, resistindo ao desejo de gritar de pura frustração. Gina Campbell, ex-atriz, atual esposa de lorde Fane e amante de vários homens importantes, inclusive de seu marido Hans, dominava a cena.

De repente, Christina temeu enfrentar o fim de semana.

Cansada da longa viagem e desgastada com acontecimentos recentes, não se achava disposta a trocar farpas com Gina, que sempre procurava atingi-la com comentários rudes. Protestando fadiga, desculpou-se com Shelagh, ansiosa para repousar um pouco, até o jantar.

Sua anfitriã mostrou-se bastante compreensiva e dali a instantes subia novamente a imponente escadaria de mármore, rumo aos seus aposentos. A idéia de tirar um cochilo nunca lhe parecera tão atraente, em especial porque se levantara às cinco horas da manhã. Descansada, seria mais fácil ignorar o descaramento de Gina Campbell.

Não que não estivesse acostumada ao comportamento devasso e desregrado dos membros de sua classe social. Pecados amorosos eram comuns, mesmo entre suas amigas. E embora ela própria jamais houvesse sido infiel, não se julgava particularmente virtuosa, ou moralista. Cada qual lidava com a vida conforme desejava. Seu casamento assemelhava-se a qualquer outro de seu círculo. Tinha dois filhos maravilhosos e apesar de Hans ser muito diferente daquilo que imaginara, conformara-se há tempos. Afinal, não existiam maridos devotados. Ao chegar no alto da escada, Christina inspirou fundo e percorreu o corredor elegante apressadamente. Certa de estar diante da porta de seu quarto. abriu-a sem bater.

Chocada, estacou, os olhos arregalados.

Lulu, baronesa Kellie, sua melhor amiga, agarrava-se a um homem moreno e musculoso, as pernas alvas enlaçando-o pela cintura. Com o torso nu, o desconhecido a sustentava nos braços, a calça de couro, aberta na braguilha,delineando cada centímetro das coxas poderosas. A entrada de Christina, Lulu deixou escapar um gritinho de surpresa. O homem, contudo, após breve hesitação, murmurou algo no ouvido da parceira e retomou as investidas ritmadas. Imediatamente Christina fechou a porta e se afastou, feliz por não haver ninguém no corredor para testemunhar seu embaraço. Como nenhum dos dois se lembrara de trancar a porta? Teria que se desculpar com Lulu, apesar de a óbvia indiferença do cavalheiro sugerir que aquela não havia sido a primeira vez em que fora pego em flagrante.

Localizando, enfim, seus aposentos, Christina suspirou aliviada, perseguida pelos gemidos de prazer de Lulu. Mesmo não se opondo a tais divertimentos, a possibilidade de conseguir dormir estava agora descartada, considerando o fato de ocupar o cômodo adjacente ao dos amantes. Por isso se enganara e abrira a porta errada. Aliás, um equívoco compreensível numa mansão de quarenta dormitórios.

Sabendo não poder retornar ao salão depois de haver se queixado de forte dor de cabeça, passou a hora seguinte bombardeada pelos ruídos do êxtase da amiga até que, graças aos céus, o silêncio prevaleceu. Abandonando o livro com o qual tentara se distrair, deitou-se na cama e fechou os olhos.

Todavia seu descanso durou pouco.

Dali a minutos, Lulu aparecia, um sorriso resplandecente no rosto.

 

 

 

 

— Vim lhe dizer que acabei de contemplar as glórias do paraíso, minha querida. Ele é inacreditável...

Dando seu repouso por encerrado, Christina sentou-se na cama.

— Por favor, desculpe-me a intromissão.

— E desculpe-me pelos gritos — devolveu a baronesa Kellie, rindo e jogando-se sobre uma cadeira. —Na verdade, você não precisa se desculpar. Seu aparecimento não nos atrapalhou em nada, porque Vale é tão focado. E muito, muito, muito melhor do que qualquer mulher pode imaginar. Acredite-me, os comentários sobre seu desempenho sexual, por mais extraordinários que sejam, não lhe fazem justiça. O homem é fantástico!

— Então o marquês é superior ao seu prezado Teddy? — No mês anterior, Lulu estivera entusiasmada com os dotes de lorde Cliden.

— Não há a menor comparação! Meu querido Max é um deus!

— Então é querido Max agora — Christina a questionou, erguendo uma das sobrancelhas. — Suponho que, devido às circunstâncias, uma certa... intimidade seja permitida.

— A mais deliciosa das intimidades, eu lhe asseguro — retrucou Lulu, maliciosa, mostrando com as mãos o tamanho daquilo que tanto prazer lhe dera.

— Terei isso em mente quando me deparar com o marquês. — O tom de Christina indicava exatamente o contrário. Ela e Lulu eram amigas de infância e embora não aprovasse aventuras extraconjugais, Lulu empenhava-se em lhe contar os detalhes mais picantes de seus relacionamentos.

— Com efeito, quando você vai se permitir essa experiência? Maridos, filhos e trabalhos beneficentes não são suficientes. E a vida passa tão depressa, querida. Pense, daqui a alguns meses completaremos trinta e um anos!

— Estou contente assim. Não preciso da excitação do adultério.

— É porque você nunca encontrou um homem que realmente a excite.

— Talvez. Tampouco espero encontrar, depois de conhecer as centenas de homens desinteressantes que circulam em nosso meio.

— Os quais você sempre rejeitou. Não é normal, querida, ser tão fiel. Deus é testemunha de que nossos maridos não o são.

— Não comece. Você sabe o quanto detesto esse assunto.

É verdade, pensou a baronesa, entristecida. O príncipe de Zeiss era tão conhecido por seus incontáveis casos amorosos quanto pelo pouco tempo que passava em casa, ao lado da família.

—Bem, de qualquer forma, você poderá se distrair cavalgando enquanto estiver aqui. Você trouxe Tremaine?

— E eu deixaria meu cavalo favorito para trás? Meu cavalariço se encarregou de trazê-lo ontem.

— Ouvi rumores de que Hans pretende vir encontrá-la desta vez. — O príncipe alemão raramente se dava ao trabalho de acompanhar a esposa inglesa em qualquer evento, muito menos fora da Alemanha.

— É o que ele disse. Meu marido gosta de competir com Eddie, portanto creio que aceitará o convite de Shelagh para o fim de semana.

— Max monta tão bem quanto Eddie, melhor até. Provavelmente Hans considere o marquês um desafjo interessante.

A princesa esboçou um sorriso pálido.

— O marquês poderá estar cansado demais para competir, se você insistir em mantê-lo ocupado na cama.

— Aparentemente ele pode se dedicar a ambos os esportes sem perda de energia. Pelo menos é o que Sophie me disse. Ela conheceu Max em Baden no ano passado e passou um mês de absoluto prazer ao lado dele, percorrendo o circuito internacional de hipismo.

— Pelos céus, Lulu, você precisa encontrar outra forma de se distrair.

— Haverá tempo de sobra para isso quando eu ficar velha, querida. A propósito, considerando nossa longa amizade, estou disposta a partilhar o maravilhoso Maxwell Falconer com você. Não tenho dúvidas de que ele será capaz de satisfazer todas as nossas necessidades.

— Apesar de apreciar sua generosidade, o marquês de Vale não me interessa. Tampouco desejo ser mais uma na sua extensa lista de conquistas.

— Acho que você não tem um pingo de sangue quente correndo nas veias, querida. Se tivesse, não poderia resistir- lhe — disse.

— Concordo plenamente — a princesa falou, aquela não sendo a primeira vez que discutiam o assunto. Há anos Lulu tentava convencê-la, sem sucesso, a experimentar as delícias dos casos passageiros. — Sua puritana mãe é a culpada por criar filhas tão conscienciosas. — Alegremente deixo todas as aventuras adúlteras para você. Não estou interessada em amantes. Tenho uma vida cheia, que me mantém ocupada. Por exemplo, levantei-me às cinco horas da manhã hoje e gostaria muito de tirar um cochilo antes do jantar. — Então vou deixá-la em paz — concedeu Lulu, levantando-se. — Tornarei um demorado banho de imersão enquanto penso numa maneira de estar com Max esta noite. — Será um pouco difícil, dividindo a cama com seu marido. — Talvez Charles procure a companhia de lady Duff, como fez quando passamos o fim de semana na residência dos Ascot. Lady Duff é uma das convidadas de Shelagh. — Gina Campbell também — completou Christina, com um travo de amargura. — Você tem que ignorar Gina, querida. Ela adora provocá-la. E se ainda não dormiu com todos os homens aqui reunidos, não foi por falta de tentar. — Não me faça pensar nisso. — Os rumores ligando lady Fane a seu marido, além de insistentes, revelavam a pura verdade. — Creia-me, ela não significa nada para nenhum deles. — A baronesa caminhou até a porta. — Portanto, ignore a vadia. É o que todas as outras mulheres farão. — Enquanto os homens a cercarão de atenções. — Porque Gina dormirá com cada um deles. Ouça meu conselho, querida amiga. Prove os prazeres do amor ilícito qualquer dia desses. Não como Gina, é claro, que passa de mão em mão. Apenas experimente, uma única vez. Vejo-a no jantar.

No jantar daquela noite Christina descobriu-se sentada ao lado do marquês de Vale e, por um instante, perguntou-se se não fora obra de Lulu. Mas logo descartou a idéia, quando sua anfitriã, Shelagh Cavendish, lhe sorriu e apontou discretamente o nobre, deixando claro ter sido a única responsável pela distribuição dos lugares. Shelagh, amiga de infância como Lulu, a considerava uma verdadeira aberração na alta sociedade, infestada de infiéis. E agora a expunha ao charme do marquês com a firme intenção de quebrar-lhe a longa abstinência sexual. Decidida a resistir aos possíveis avanços do marquês, Christina fez questão de tratá-lo com absoluta frieza, respondendo a quaisquer observações com monossílabos. Parecendo não perceber sua atitude, Max virou-se para lady Moffet, instalada à sua esquerda e, muito cortesmente, pôs-se a ouvir a velha dama discorrer sobre a pesca do salmão e os méritos dos serviçais que sabiam reconhecer seu lugar. Quando ele tornou a dirigir a palavra a Christina, no meio do jantar, ela estava a ponto de morrer de tédio com a conversa do almirante Galworthy, um ardoroso defensor da superioridade da marinha inglesa. — Eu ficaria feliz em me desculpar, se você achar necessário, princesa. — Sou eu quem lhe deve um pedido de desculpas, sir. — Christina sorriu diante da expressão contrita do marquês. — Já me desculpei com Lulu. Senti-me terrivelmente embaraçada. — O que é natural. A propósito, nunca a vi aqui antes, na casa de Shelagh. — Enquanto eu já ouvi falar a seu respeito mesmo em Silésia. — Sem dúvida palavras elogiosas. — O sorriso franco iluminou os olhos escuros, acentuando a beleza máscula do rosto bronzeado. — Minhas amigas o apreciam muitíssimo. Com certeza por causa de seu charme americano. — Você quer dizer que não herdei nenhuma das qualidades de meu pai. E tampouco as desejaria. — O falecido marquês fora conhecido como um beberrão intratável, incapaz de demonstrar benevolência com quem quer que fosse. — Contaram-me que você monta bem. Talvez esse seja um talento herdado de seu pai. — Na verdade aprendi a montar no Oeste. Meu padrasto possuía minas de ouro em Montana. — Você saiu da Inglaterra ainda criança, não? — O mundo da aristocracia era pequeno. Todos sabiam que Millicent Carter, bela americana, abandonara o marido e voltara ao seu país de origem tão logo herdara a fortuna do pai.

— Partimos quando eu tinha quatro anos. Minha mãe achou melhor retornar aos Estados Unidos. — E como você se sente em relação à Inglaterra? — Gosto de Minster Rui. Meu pai mantinha um estábulo primoroso. Não posso acusá-lo de incompetente neste aspecto. Você pretende fixar residência na Inglaterra? — Talvez durante parte do ano. Dependerá de meus negócios. Meu padrasto e eu estamos desenvolvendo um novo negócio nos Estados Unidos, no ramo do petróleo. — A família de meu marido possui minas de carvão em Silésia. Mesmo contando com bons administradores, uma supervisão dos donos é necessária. — Minha mãe toma as decisões por mim, durante minha ausência. — Max sorriu, orgulhoso. — Provavelmente é mais capaz de descobrir petróleo do que Ted, ou eu. Ela parece uma mulher incomum. Invejo-lhe essa liberdade. — Minha mãe sempre foi independente. Ter o próprio dinheiro torna as coisas mais fáceis. — Tem razão. Não passou despercebida a Max a melancolia embutida nas palavras da princesa. Embora pouco houvesse visitado a Inglaterra enquanto o pai ainda vivia, ele ouvira falar de Christina Grey e de sua irmã, igualmente loura e linda. Sem dote, mas belíssimas, as duas tinham se casado com homens pertencentes à nata da aristocracia. Porém, segundo rumores, ambas enfrentavam casamentos infelizes.

— Você está a par dos últimos feitos da Marinha inglesa agora? — ele indagou baixinho, tacitamente mudando de assunto.

— Nos mínimos detalhes — Christina murmurou. — E você, pelo visto, foi instruído sobre como tratar os serviçais.

— Com mão firme e pomposa arrogância.

— Imagino que irá adotar o conselho de lady Moffet — ela retrucou, perguntando-se por que a voz rouca do marquês a afetava tanto, deixando-a arrepiada da cabeça aos pés. Vendo-a enrubescer, Max experimentou uma sensação estranha. Apesar de mulheres tímidas e esposas virtuosas não serem seu tipo, a simples proximidade da princesa o estava provocando de uma forma sutil e inesperada.

— Você gostaria de mais vinho? — indagou, fazendo sinal para o servo se aproximar.

— Eu não deveria... Talvez só um pouquinho.

Sentindo-se como se tivesse quinze anos outra vez e a ponto de seduzir sua primeira mulher, Max inspirou fundo, repreendendo-se silenciosamente. Com tantas mulheres disponíveis, não seria justo corromper a única inocente, a única que acreditava na santidade do casamento. Além do mais, Christina o lembrava de sua meia-irmã, Célia, tão bela quanto casta. E, durante o resto do jantar, ele se comportou como se fosse Célia sentada ao seu lado.

Terminada a refeição, enquanto os homens permaneciam na sala de jantar para degustar um cálice de Porto e charutos, as damas se retiraram para o salão. Lulu não perdeu tempo em abordar Christina.

— Max não é maravilhoso?

— Ele é muito gentil, discreto. Sua seriedade me espantou.

— Então você está intrigada? — a outra insistiu, esperançosa.

— Foi idéia de Shelagh, não? Colocar-me ao lado dele à mesa.

— Nossa amiga gosta de brincar de Cupido. Max mudará seu mundo, se você permitir.

— Não me pareceu que ele estivesse interessado. Tampouco eu — Christina se apressou a emendar. — Falamos principalmente da extração de petróleo, de lady Millicent e dos meus filhos.

— Com efeito!

— Não fique tão surpresa. Não creio que ele desempenhe o papel de devasso o tempo inteiro.

O marquês chegara à Inglaterra em agosto, para o funeral do pai. E nestes três meses não fora reconhecido por sua abstinência de prazeres.

— Ele não tentou seduzi-la?

— Por Deus, às vezes acho que você é obcecada por sexo! Por favor, falemos de outro assunto.

— Preciso de mais champanhe — Lulu decretou. — A menos que Shelagh acrescente um pouco de conhaque ao chá. Mas querida, não é minha intenção ser inoportuna. Desde que você esteja feliz, fico contente.

De repente, a risada estridente de Gina Campbell ecoou pelo ar, fazendo todas as cabeças se voltarem para a ex-atriz.

— A propósito — continuou Lulu —, em qual trem Hans chegará hoje?

O príncipe Hans Heinrich XV chegou um pouco antes das onze horas, quando os cavalheiros já haviam se reunido às damas no salão. Ainda envergando o traje de viagem, conversou com Shelagh alguns minutos e cumprimentou vários dos convidados antes de se aproximar da esposa. Depois de beijá-la rapidamente no rosto, buscou a companhia de Gina Campbell.

Magoada por ter sido ignorada e desprezada em público, Christina, à medida que as horas se arrastavam, sentia-se cada vez mais humilhada pela descarada atenção com que o marido cercava a amante.

— Querida, não entendo essa sua fidelidade absurda — Lulu comentou, notando a atitude escandalosa de Hans e Gina, entretidos numa conversa obviamente íntima.

— De que adiantaria fazer uma cena?

— Por que não se vingar?

— À sua maneira?

—É a única maneira que conta.

— Então o sexo tornou-se um jogo? Uma disputa?

— Não estou falando em você tentar derrotar seu marido neste jogo, adotando vários amantes. — Sabendo que Hans emendava um caso no outro, não havia chance de Christina vir a vencê-lo. — Estou falando em você, pelo menos uma única vez na vida, se divertir um pouco na companhia de alguém, em fazer amor por prazer, não por dever, em ser feliz por algumas horas.

— Eu adoro meus filhos. Eles são a minha felicidade.

— Você precisa desfrutar de alguma felicidade pessoal também. Ou quer olhar para trás, daqui a vinte anos, e amargar o arrependimento?

— Você não se arrependerá de nada?

— Estou tentando evitar tal coisa. Ouça, nós duas compreendemos muito bem os motivos pelos quais nos casamos.

— Mas eu realmente amava Hans. Ele era alto, bonito e educado anos atrás, quando, ainda menina, o conheci.

— E você o ama agora? — Diante do silêncio de Christina, Lulu prosseguiu. — Caso sirva de consolo, não estamos sozinhas em nossos casamentos sem amor. Com certeza somos a regra, não a exceção.

— Meus pais são felizes juntos — argumentou Christina. — Portanto, não é algo impossível.

— Os meus não são. Nós não somos. Mesmo seus pais sendo felizes juntos, eles não a impediram, ou à sua irmã, de se casarem sem amor.

— Eles esperavam que Charlotte e eu tivéssemos o dinheiro que sempre lhes faltou.

— É uma mísera recompensa, não? — O marido de Lulu, barão Kellie, era um dos homens mais ricos da Inglaterra e da Irlanda, graças ao tino comercial da família.

— Não sei, não tenho certeza... Oh, amiga, não me peça para pesar o amor que sinto por meus filhos contra as infidelidades de Hans.

— Se não fosse por seus filhos você partiria, não?

— A questão é que não posso. Ainda que discutíssemos esse assunto até o amanhecer, nada mudaria os fatos.

— Então arranje um amante.

— Um amante me traria a felicidade? É simples assim? Você é feliz?

— Às vezes. Por que você não considera Max? Estou sendo generosa porque a considero uma amiga querida e ele é a perfeição personificada. E se você pretende ultrapassar a linha, é melhor ser com alguém que valha a pena.

— O marquês é seu para que o dê a mim?

— Se ele estiver interessado em você, não oporei resistência.

— Mas ele não está. — Christina passeou o olhar pelo salão. — O marquês parece mais interessado em May esta noite. Você não deveria ir até lá e reclamá-lo para si?

— Não quero acorrentá-lo a mim. Quero apenas fazer amor com ele. E garanto-lhe que Max tem energia suficiente para saciar um harém. Nós dois chegamos ao clímax várias vezes essa tarde.

— Por favor. Lulu — murmurou Christina, corando —, fale mais baixo. — Porém, pela primeira vez desde a chegada do marido, ela se esqueceu do ressentimento e da raiva, a lembrança do corpo magnífico do marquês e da conversa durante o jantar abafando tudo mais em sua mente.

—Pense em Max, querida. Pense em como ele poderia fazê-la se sentir. Você alguma vez já gritou ao atingir o clímax?

— Não pretendo discutir minha vida sexual no salão de Shelagh. — Hans não aprovaria seus gritos, disso tinha certeza.

— Pois muito bem, mas qual foi a última vez em que Hans a procurou em sua cama? Não quero vê-la morrer de frustração. E este é o fim de meu sermão. — Lulu levantou-se. — Vou tentar ganhar algum dinheiro na mesa de bridge. Você me acompanha?

— Ainda não. Ficarei aqui mais um pouco, até terminar o cálice de champanhe.

— Enquanto isso, pense em se divertir um pouco.

Sozinha, Christina achava cada vez mais difícil suportar a visão do marido e da amante. Enfim compreendia por que ele decidira aceitar o convite de Shelagh para o fim de semana. Hans só aparecera por causa de Gina. Oh, como odiava esse mundinho hipócrita, onde maridos e mulheres fingiam não perceber as traições mútuas, onde as trocas de parceiros eram tão freqüentes que todos davam a impressão de já terem se deitado com todos.

— Você parece estar precisando de outro drinque, princesa.

Christina ergueu os olhos e se deparou com a figura máscula do marquês de Vale, cujo sorriso gentil a fazia querer cair em prantos.

— Posso me sentar ao seu lado? — Sem esperar resposta, Max acomodou-se na cadeira vaga, deixada por Lulu, e ocupou-se enchendo um cálice de champanhe para dar a Christina tempo de se refazer e conter as lágrimas. — Não sei sobre você, mas estou irremediavelmente sóbrio enquanto todo mundo está quase caindo de bêbado. Será que deveríamos tentar alcançá-los?

— Uma idéia esplêndida. — O sorriso que ela lhe ofereceu era hesitante, porém já não havia sinal de lágrimas nos belos olhos melancólicos.

— Lulu parece uma boa amiga. Você a conhece há muito tempo? — Max planejava falar apenas de assuntos agradáveis, a tristeza da princesa tão óbvia que fora atraído para ela como um cavaleiro errante.

— Desde que éramos meninas. Embora ela seja bem mais corajosa do que eu. — Enrubescendo, apressou-se a explicar . — Isto é, não que as atividades de Lulu sejam da minha conta. Oh, céus, estou piorando tudo, não?

— Eu não havia percebido que nossos quartos eram adjacentes — o marquês comentou calmamente. — Qualquer um podia ter se enganado e aberto a porta errada. A propósito, você pretende participar da caçada amanhã de manhã?

— Estou esperando ansiosa. Adoro cavalgar bem cedinho, quando o ar está fresco e o sol brilha suave. Faz-me pensar nas alegrias simples da vida.

— Então deveríamos tomar apenas mais um cálice de champanhe. Dei ordens ao meu criado para me acordar às seis.

— Neste caso estarei de pé antes de você. Minha serva irá me acordar às cinco e meia.

— Você gostaria de me acompanhar numa cavalgada matinal? — Max a convidou, as palavras saindo de sua boca sem que houvesse planejado. Todavia, percebendo-a vacilar, desculpou-se, irritado consigo mesmo por ter tomado tais liberdades. — Perdoe-me. Talvez eu tenha bebido mais do que supus.

— Eu gostaria de cavalgar — Christina murmurou, o olhar abaixado.

Por um instante o marquês permaneceu em silêncio, perguntando-se se seria mesmo sensato se envolver com uma mulher honrada e se poderia se comportar como um verdadeiro cavalheiro.

— Devo esperá-la no halI, ou nos encontramos nos estábulos?

— Nos estábulos — ela retrucou depressa, reparando que o marido acabara de sair do salão na companhia de Gina Campbell. — Agora, com sua licença...

Sozinho, Max sorveu devagar até a última gota de champanhe, inquieto com o desenrolar dos acontecimentos. Nunca se envolvera com mulheres virtuosas e precisaria ter cuidado na manhã seguinte para não dizer, ou fazer, nada que a encorajasse. A última coisa na qual estava interessado era na virtude.

 

Christina surpreendeu o marido e lady Fane trocando beijos ardentes e carícias ousadas do lado de fora do salão.

— Eu apreciaria se você procurasse um quarto antes de manter relações sexuais, Hans — ela falou, seca. Imediatamente o príncipe soltou a amante. — E você, Gina, não preferiria o conforto de uma cama? — acrescentou, cáustica.

Naquele instante a porta se abriu para dar passagem a vários cavalheiros.

— Hans! — um deles gritou. — Venha jogar bilhar conosco. Teddy acha que conseguirá recuperar o dinheiro perdido ontem à noite.

— Com sua licença. — O príncipe curvou-se diante de lady Fane, lançou um olhar gelado para a esposa e se afastou.

— Agora você terá que esperar, Gina. Que pena! — Apesar de saber das traições do marido há anos, Christina estava admirada com a virulência de sua raiva. Talvez porque sempre a represara. — Embora, claro, ainda existam homens disponíveis no salão para atender às suas necessidades.

— Algo do qual você não sabe nada a respeito.

— Dormir com os maridos de outras mulheres? Tem razão, não sei nada sobre isso.

— Refiro-me não apenas a maridos alheios, mas a dormir com o seu próprio, querida — Gina devolveu, venenosa.

— Nem todas podem ser tão generosas quanto você.., e seu marido. — Parece-me que lorde Fane não se importa a mínima em dividi-la com outros.

— Creio que Hans tampouco se importaria em partilhar você.

— O que ele aprovaria, ou não, não me interessa. Eu me importaria. Boa caçada essa noite, querida. Não lhe faltarão parceiros, afinal você está sempre disponível para qualquer um, não?

—Não sou a única com quem Hans vai para a cama — Gina rebateu. ressentida.

—Mas eu sou a única com quem ele se casou. — De cabeça erguida, Christina se retirou.

Hans apareceu nos aposentos do casal horas depois, porém Christina ainda estava acordada, incapaz de dormir após a cena no corredor. Encontrar o marido e Gina atracados fora a culminação de anos de traição. a gota d’água. Estranhamente já não se importava com essas infidelidades. Queria uma solução final para um casamento que só existia no papel.

— Não desejo mais continuar vivendo assim, Hans — ela falou muito calma, sentando-se na cama.

— Não me venha com sermões. Não estou com humor para agüentar tolices.

— Pois trate de mudar de humor, porque não tenho intenção de ser despachada. Estou farta de suas traições e quero que você pare com isso.

— Você não pode estar falando sério.

— Nunca falei tão sério.

Atirando o paletó sobre a cadeira, o príncipe fitou a esposa como se a uma estranha, a voz destituída de qualquer emoção.

— Que diabos você está querendo dizer, mulher?

— Que você tem que dar um basta nas suas aventuras amorosas.

— Não tenho nenhuma intenção de abdicar de minhas amantes.

Por um instante, o coração de Christina se apertou, cheio de mágoa e ódio.

— Então desejo o divórcio.

— Você perderia os meninos.

— Talvez não.

Adotando um tom condescendente, Hans continuou:

— Querida, você não possui renda própria e divórcios são caros. E, caso tenha se esquecido, nosso contrato de casamento prevê que qualquer criança nascida de nossa união pertence a mim. Agora eu apreciaria se parássemos com essa discussão idiota.

— Como você se sentiria se eu dormisse com qualquer homem que me agradasse?

Fosse por indiferença, ou por considerar absurda a possibilidade de Christina cometer adultério, Hans simplesmente não se deu ao trabalho de responder. começando a despir-se.

Vendo-o apenas de cueca. Christina perguntou-se como um dia chegara a achar aquela beleza loura e nórdica sensual. Desprezava o marido e seu corpo, embora atlético, só lhe causava repulsa.

— Talvez eu passe a traí-lo também. Se você pode, por que não posso?

— Provavelmente porque sua mãe desaprovaria e você sempre foi uma filha obediente e ciosa de seus deveres. — O deboche embutido no comentário era evidente.

— E sua mãe não desaprova seu comportamento?

— Ela compreende as prerrogativas de um príncipe. Chega dessa conversa estúpida. Preciso dormir.

— Desejo-lhe boa sorte com Gina. — Christina levantou-se, sabendo que, para não perder os filhos, estaria para sempre acorrentada àquele casamento. — Embora, com certeza, ela não deva distinguir um homem do outro, tantos são seus amantes.

— Não estou buscando exclusividade, doçura. Apenas uma parceira competente para fazer sexo.

— Todos estamos em busca de alguma coisa, não?

Com os nervos à flor da pele, Christina retirou-se para o quarto de vestir e bateu a porta com força. Então atirou-se numa poltrona e fechou os olhos, cansada de tudo. Talvez Lulu tivesse razão. Talvez a única maneira de retaliar fosse através do sexo.

Todavia receava não ser capaz de consumar tal vingança. Como cometeria adultério? Não importava se todos pareciam considerar essa prática banal e corriqueira. No fundo, acreditava que um amante só lhe traria amargura. Ou será que a busca de Lulu pela gratificação pessoal oferecia alguma chance de felicidade? Felicidade e amor ilícito? Não, jamais alimentaria esperanças de que uma coisa conduzisse à outra. Não havia mais espaço para a felicidade em sua vida, exceto pela alegria encontrada nos filhos.

Furiosa e cheia de mágoas, recentes e antigas, Christina não conseguia dormir. Pela primeira vez pensava seriamente nas palavras de Lulu, sobre arrependimentos. Dali a vinte anos, como se sentiria ao olhar para trás e constatar que se conformara com tão pouco? Dali a vinte anos, seus filhos seriam adultos e estariam vivendo a própria vida. O que faria, então. para conservar a sanidade? Hans e ela ainda estariam sob o mesmo teto, mal se falando e relacionando-se como estranhos?

O marquês de Vale perguntara-lhe sobre seus filhos.

De repente, a lembrança da conversa travada no salão lhe trouxe um sorriso aos lábios. Os dois haviam se divertido ao descobrir que Fritz, seu filho mais novo, e o marquês. possuíam o mesmo nome do meio. Max fora gentil ao convidar as crianças para cavalgar em Minster Hill, quando ambos estivessem visitando a Inglaterra.

Sem que percebesse, seus pensamentos fixaram-se nos rumores sobre a prodigiosa energia sexual do marquês.

Chocada com sua própria reação à idéia de seguir o conselho de Lulu, Christina se obrigou a pensar que Max usava as mulheres da mesma forma que Hans. Entretanto, apesar de se esforçar, não conseguia colocá-los na mesma categoria. Abalada com a força do desejo que brotava em seu corpo, ela decidiu cancelar a cavalgada matinal.

Porém, a perspectiva de um futuro povoado pelas infidelidades do marido a fez desistir de desmarcar o combinado. Talvez o marquês se revelasse o perfeito antídoto para sua tristeza. Talvez, nos braços dele, experimentasse o sabor da felicidade, ainda que momentânea. Mas teria coragem de entrar neste mundo desconhecido das aventuras adúlteras?

 

Corno se precisasse de encorajamento para seu primeiro adultério, ao entrar no quarto, de manhã bem cedo, Christina descobriu a cama vazia.

Como ainda podia se sentir tão enraivecida, tão machucada, depois de tantas traições? Hans não tivera sequer a decência de passar uma única noite nos aposentos do casal. E a vida dos dois continuaria assim. A menos que...

Trêmula, voltou ao quarto de vestir, tirou a camisola e escolheu um traje de montaria, banindo da mente qualquer indecisão sobre o certo e o errado, sobre moral e imoral. E quando a serva chegou para ajudá-la a se arrumar, dispensou-a, não querendo que a ausência de Hans se transformasse em fofocas para o deleite da criadagem.

Sozinha novamente, olhou-se no espelho, procurando uma resposta para seu terrível dilema.

Poderia ir até o fim?

Apesar do comportamento infame do marido e das desfeitas públicas às quais ele a submetia, seria capaz de um ato tão vil? Então as palavras de Lulu, sobre arrependimentos futuros, vieram-lhe à cabeça, impulsionando-a a agir.

Os mansos nem sempre herdam a terra. E se a discrição e o dever conduzissem à felicidade, não teria passado a noite anterior aos prantos.

Movida por uma energia nervosa, abriu a gaveta da cômoda e analisou as opções de roupas íntimas. Determinada a embarcar intrépida em sua primeira jornada rumo à auto- descoberta, decidiu-se pela lingerie mais fina, descartando as de algodão. Embora nunca cavalgasse vestindo roupa íntima de seda, aquela seria uma ocasião diferente de todas as outras, mesmo o marquês ainda não sabendo o papel que viria a representar. Convencida de que uma aventura ilícita requeria um corpo cuidadosamente perfumado, optou pela essência de lírios, a fragrância suave se espalhando pelo ar como um convite ao pecado.

Será que fariam amor no chão, ou de pé? Ele a seguraria nos braços, como fizera com Lulu? Quem sabe não se refugiariam em alguma pousada das redondezas? Subitamente cheia de dúvidas, pensou em acordar Lulu em busca de conselhos. Mas eram cinco e meia da manhã e, aos trinta anos, deveria ser capaz de desempenhar o ato sexual sem o auxílio de um livro de instruções! De qualquer forma, não tardaria a descobrir onde o marquês de Vale preferia fazer amor. Sendo um homem de prodigiosos hábitos sexuais, esse pequeno detalhe, de como e onde, não representaria um problema.

Ao terminar de se arrumar, olhou-se rapidamente no espelho e saiu do quarto. Atravessando o corredor deserto e silencioso, perguntou-se quem estaria dormindo com quem. Hans, sem dúvida, achava-se na cama de Gina Campbell. E ela, pela primeira vez na vida, tomara uma decisão da qual sempre se julgara incapaz. Em poucos minutos estaria entrando no sofisticado mundo dos adúlteros. Ou, pelo menos. tentaria.

Lá fora, o sol cálido da manhã brilhava e uma brisa suave agitava as folhas das árvores. Encorajada pela beleza da paisagem, inspirou fundo e sorriu.

Seria esse o cheiro da liberdade?

 

Incapaz de dormir, Max chegou aos estábulos muito antes da hora combinada. Assim que o cavalariço entregou-lhe seu cavalo, dispensou-o, preferindo ficar só enquanto aguardava Christina. Impaciente, olhou o relógio dezenas de vezes, como se fosse um rapazinho nervoso e inexperiente. Irritado consigo mesmo, procurava se convencer de que aquela era uma manhã igualzinha a qualquer outra e a princesa de Zeiss apenas uma mulher como qualquer outra. Entretanto, apesar das considerações lógicas, não conseguia permanecer calmo, indiferente.

E, ao vê-la se aproximar, exsudando altivez e elegância por todos os poros, o ar lhe faltou nos pulmões. Envergando um traje de montaria verde-escuro, ela era a própria imagem da feminilidade, as curvas sinuosas dos quadris e dos seios enfeitiçando-o.

Que diabos faria? Sentindo o início de uma ereção, cerrou os dentes, obrigando-se a desviar o olhar da figura provocante. Para disfarçar o desejo súbito que o assolara, cumprimentou-a friamente.

Porém, ao ver o belo sorriso de Christina se apagar, desculpou-se depressa.

— Perdoe-me se soei brusco. Acordei há pouco tempo — mentiu, pois passara a noite em claro, pensando nela —, e minhas cordas vocais ainda não se aqueceram.

Quão bonito ele estava. Alto, musculoso, viril. Pele bronzeada, cabelos e olhos escuros. Tão diferente de seu marido e tão terrivelmente sedutor.

— De fato é muito cedo — Christina concordou, sentindo-se estranhamente zonza. — Espero que você não se importe de cavalgar comigo.

Percebendo o tremor e a hesitação na voz da princesa, Max não teve coragem de ser honesto. Controlando os impulsos eróticos com uma vontade férrea, sorriu.

— Não, claro que não. — Como poderia manter distância, quando aquela mulher afetava cada um de seus sentidos?

— Você vai fazer amor comigo? — ela indagou de repente, enrubescendo até a raiz dos cabelos.

Pego de surpresa, o marquês quase cedeu ao impulso de tomá-la nos braços e carregá-la de volta para o quarto. Todavia, a razão prevaleceu.

— É que Lulu... você a conhece. — Vermelha feito um pimentão, Christina murmurou, nervosa. — Isto é, nós dois a conhecemos... Lulu é minha melhor amiga... e outro dia me falou... Oh, Deus, nunca fiquei tão envergonhada em toda minha vida. Você vai pensar que sou louca, e com razão. — Sabendo já ter ido longe demais para tentar consertar o estrago e fingir tratar-se de uma conversa normal, resolveu prosseguir, perguntando-se se o silêncio de Max devia-se ao pasmo, ou ao cavalheirismo. — Nunca dormi com homem nenhum além de meu marido. Cheguei à conclusão que talvez esteja na hora de fazê-lo. Se você puder me encaixar entre seus compromissos, ficarei eternamente grata.

Embora ansiasse dizer sim, Max não era um devasso sem caráter, disposto a arruinar damas virtuosas.

— Não deixe Gina incomodá-la. Aquela mulher não vale isso.

— Como você o saberia?

Diante do silêncio dele, a princesa sentiu-se humilhada, tanto por sua ingenuidade quanto pela rejeição que estava sofrendo.

— Digamos que Gina seja extremamente amigável com muitos homens — o marquês ponderou num tom gentil, esforçando-se para não magoá-la. — Mas isto não significa que você deva mudar seu estilo de vida.

— Talvez eu queira mudar.

— Nenhum dos dois merece. Acredite-me.

— Você conhece meu marido?

— Competimos no verão passado. No campeonato europeu de hipismo.

— E Hans não vale meu rancor?

— Não.

— Você sabe como é meu marido e ainda assim me aconselha a cumprir meus deveres de esposa. Parece-me um ponto de vista machista.

— Sou o último homem a adotar opiniões machistas. Gosto das mulheres.

— É o que dizem.

— Não pretendo me desculpar por meu estilo de vida. A questão é a seguinte. Você está zangada agora e busca vingança. Não se lance em algo do que se arrependerá depois.

— Talvez eu não vá me arrepender.

Max inspirou fundo.

— Isso não ajuda muito, considerando meu raro ataque de consciência pesada.

— Então você não está me rejeitando porque não gosta de mim.

— Pelo contrário.

— Fico feliz. — Ela sorriu, sentindo-se menos humilhada. — Pelo menos leve-me para cavalgar — pediu, num fio de voz.

De súbito, era como se Christina estivesse muito perto, o perfume suave inebriando-o, enfeitiçando-o...

— Não deveríamos.

— Não precisamos ir muito longe.

— Não sou um homem virtuoso.

— Levaremos meu cavalariço conosco.

— Um acompanhante, princesa?

— Se você precisa de um.

O que ele precisava, não poderia ter.

— Você é muito tentadora. Saiba-o.

— De fato não o sei. Nunca pensei em outro homem... nesses termos.

— Estou honrado.

— Mas não disposto.

— A pureza e a inocência me intimidam — Max retrucou, entre sério e brincalhão.

— Talvez eu possa me esforçar para ser menos pura.

— Por favor.., não.

— Compreendo.

— Duvido que entenda, porque eu mesmo tenho uma dificuldade enorme para compreender.

— Pelo menos aproveitemos a cavalgada matinal. Levarei Dieter conosco, está bem?

— Suponho que sim. — Que mal haveria se o cavalariço da princesa os acompanhasse? — Seria mesmo uma pena desperdiçarmos essa bela manhã.

— E ambos já estamos vestidos.

— Portanto, por que dificultarmos as coisas?

— É o que eu penso — ela concordou, com um sorriso radiante.

Depois de chamar o cavalariço, os dois se lançaram na direção dos campos verdejantes.

 

Porque a manhã estava perfeita, os cavalos ávidos para se exercitarem e ambos experimentavam uma rara sensação de bem-estar, é que foram mais longe do que pretendiam. Tremaine, após a viagem até a Inglaterra confinado num vagão, queria galopar a rédeas soltas e o garanhão negro de Max acompanhava-o sem dificuldade.

Amazona experiente, Christina, depois de saltar um obstáculo particularmente difícil e receber cumprimentos do marquês, gritou:

— Vamos apostar uma corrida até Digby!

Os dois voaram pelos campos, Dieter ficando para trás em questão de segundos. Ao ouvir o repicar distante dos sinos, a princesa sentiu-se viva pela primeira vez em séculos. E Max provou o gosto de uma desconhecida sensação de contentamento.

Dali a instantes, chegavam ao alto da colina.

— Vou levá-la para tomar o desjejum — o marquês falou, apontando para um aglomerado de pequenas construções no horizonte.

— Eu adoraria!

— O último a chegar terá que se sentar ao lado de lady Moffet no jantar de hoje à noite.

Sorrindo, Christina partiu numa correria desabalada. Em poucos minutos alcançava as ruas pavimentadas da cidadezinha, Max vencendo-a no último instante.

Porém ela não tinha dúvidas de que o marquês poderia tê-la vencido muito antes, devido à sua habilidade excepcional como cavaleiro e à óbvia supremacia de seu cavalo.

— Pensei que um cavalheiro sempre deixasse a dama ganhar — ela brincou, fingindo-se indignada.

— Perdoe-me. — Max abaixou a cabeça. com ar contrito.

— Agi em defesa própria.

— O que o leva a crer que lady Moffet se sentaria ao seu lado no jantar de hoje?

— Ela mesma me informou que requisitaria minha companhia, sendo eu um soberbo conversador.

— Entendo. — Os olhos de Christina brilhavam. — Seu charme é irresistível.

— Não se trata de charme. Meu silêncio é que é irresistível. Lady Moffet prefere o som da própria voz.

— E agora serei obrigada a salvá-lo do infortúnio.

— Claro. Você perdeu.

— Com certeza você sabia que eu não teria chance contra esse seu cavalo enorme. Todavia, sei perder com graciosidade. Na verdade, minha mãe e lady Moffet são amigas.

— Perfeito. Naturalmente retribuirei este favor de alguma maneira.

— É o mínimo que espero.

O tom sugestivo da princesa não lhe passou despercebido.

— Isto é, retribuirei com alguma cortesia social.

— O que tenho em mente é algo de natureza social, milorde.

— Pois eu me referia à natureza do presente, princesa. Flores, por exemplo, seriam perfeitas.

— Por que não me dar algo diferente? Afinal, é notória sua reputação de incansável doador.

— Mas não me envolvo com mulheres interessadas apenas em vingar-se dos maridos.

— Então primeiro você lhes pergunta o que as motiva? Duvido que eu seria a única em busca de vingança.

— Porém você é a primeira tão assustadoramente inocente.

— E se eu não fosse tão inocente? Faria diferença?

— Eu a teria possuído ontem mesmo. — Max soou intencionalmente rude, querendo fazê-la compreender que ela não estava pedindo serenatas ao luar.

— Entendo. — Encabulada, Christina corou.

— Você é belíssima, princesa, além de desejável. Contudo, não me envolvo com amantes inexperientes.

— Se é assim, terei que encontrar outro.

— Fique à vontade — o marquês devolveu sem se alterar, embora a idéia lhe provocasse aversão.

— Você é muito irritante. — Christina torceu o nariz e sorriu. — Não é nem um pouco parecido com o que dizem a seu respeito.

— Apenas porque você está fora de seu meio, querida. Agora vamos tomar o desjejum e conversar sobre qualquer outra coisa que não o seu desejo de vingança.

— Está bem — ela concordou, dando-se conta de que a vontade de retaliar desaparecera diante da crescente atração exercida por esse homem. Um homem que todos julgavam libertino, amoral e que, entretanto, comportava-se como um cavalheiro.

Enquanto desmontavam defronte da estalagem, Dieter finalmente os alcançou e se encarregou de levar os cavalos até o estábulo, para um merecido descanso.

Apesar do salão estar cheio, o estalajadeiro não tardou a aprontar uma mesa para tão ilustres clientes, acomodando-os perto da lareira, onde poderiam desfrutar de alguma privacidade.

— Adoro acordar bem cedinho e aproveitar a manhã. — Tirando as luvas, Christina sorriu. — Você não?

— Às vezes. Hoje tem sido perfeito — ele completou galante. — E se puder comer algo já, minha felicidade será plena.

— Concordo. Os simples prazeres da vida. Ar fresco, sol cálido, boa comida.

— E companhia agradável.

De repente, por um breve instante, Christina teve a sensação de que estavam sozinhos no salão barulhento. Sozinhos no mundo.

Talvez o marquês houvesse sentido o mesmo, porque, deliberadamente, mudou de assunto.

— Agradeço-lhe por me salvar de lady Moffet esta noite.

— Não me custará nada entretê-la. Perguntarei sobre o bebê recém-nascido de sua filha e então não precisarei mais pronunciar uma única palavra. Passarei a noite inteira escutando-a. — Notando Dieter parado na porta, a princesa pediu licença e se levantou. Ao voltar, sorriu para Max, explicando: — Conseguiram achar um lugar para Dieter comer na cozinha. Parece que hoje é dia de feira e a cidade está lotada. Muito quente aqui dentro, não? — Suspirando, ela tirou a jaqueta e colocou-a sobre o banco. — Você está tão faminto quanto eu’? Deve ter sido a longa cavalgada e o ar fresco.

Ela não devia ter feito isso, Max pensou, o olhar fixo no contorno dos seios firmes sob a blusa de seda branca.

— Estou sempre faminto — ele murmurou, num tom ambíguo.

— Você dá a impressão de ter grande apetite.

Tudo o que Christina dizia soava aos seus ouvidos como sugestivo. Irritado consigo mesmo pela forma como estava reagindo a uma mulher sem nenhuma experiência na arte da sedução, tentou, novamente, dirigir a conversa para um tópico neutro.

— Você gostaria de café ou chá primeiro?

— O que você gostaria?

Pronto. Acontecera de novo, O que gostaria mesmo era de arrastá-la para um dos quartos da hospedaria.

—- Prefiro café — falou, ignorando o desejo que começava a incendiá-lo.

— Café seria ótimo.

— Beba chá se preferir.

Não queria vê-la concordando com suas sugestões, quando a luxúria estava a ponto de dominá-lo.

— Café realmente é delicioso numa manhã fria. Gosto do meu quente e doce, com um pouquinho de creme.

Céus, seria a princesa uma cortesã disfarçada? Quente, doce e cremosa... uma combinação tentadora, como ela própria. Por um louco momento o marquês alimentou a idéia de desafiar o bom senso e mandar Dieter embora.

Por sorte, uma jovem apareceu para anotar os pedidos, obrigando-o a retomar o controle das sensações. Temia já não ser capaz de continuar agindo feito um cavalheiro, embora estivessem num local público e Christina não tivesse a menor experiência em relações adúlteras. Assim que a mocinha se afastou, ele pôs-se a falar sobre os filhos da princesa, num esforço supremo para sufocar os impulsos sexuais.

Durante vários minutos conversaram sobre a escola dos garotos, professores e as matérias favoritas. O marquês se comportava como um pai interessado, com comentários pertinentes e observações sensatas. Portanto, quando o café e a comida lhes foram servidos, ambos se acreditavam confortavelmente à vontade um com o outro, como velhos amigos.

O café, de fato, estava quente, doce e cremoso. Antes de terminar a primeira xícara e o omelete, Christina sentiu um calor que nunca sentira antes. De súbito, seu sangue parecia ferver nas veias e uma pressão esquisita no meio das pernas lhe causava um inusitado prazer. Inquieta, remexeu-se na cadeira.

O pequeno movimento não passou despercebido a Max. Assim como o rubor que cobria as faces delicadas e o perfume exalado pela pele alva. Experiente em reconhecer os sinais de excitação feminina, ele achava-se agora enfrentando um difícil dilema.

Nunca rejeitara uma dama que o atraísse. Nunca. E a questão da inocência e do motivo por trás da decisão de Christina, de se entregar a um amante para vingar-se do marido, já não importavam, como meia hora atrás. Na verdade não conseguia entender as razões que o tinham feito relutar em possuí-la até aquele momento. Fora por puro cavalheirismo, ou porque não tinha mais paciência de desempenhar o papel de instrutor na cama?

— Você já terminou de comer?

— Você gostaria de partir? Irei chamar Dieter. — Max depositou os talheres no prato, tentando decifrar a expressão da princesa, inseguro quanto à natureza dos próprios sentimentos.

— Mandei Dieter de volta para a casa de Shelagh. Espero que você não se importe.

Importar-me em possuir você?, ele pensou, o sangue latejando nas veias. Nem em um milhão de anos. Temendo pôr em risco a reputação da dama, olhou rapidamente ao redor, imaginando se alguém estaria acompanhando a conversa.

— Por acaso embaracei-o? — O tom de Christina soava entre provocante e sedutor.

— Aos diabos com a decência — o marquês retrucou baixinho, envolvendo-a num olhar predatório. — Embora a culpa pelo que venha a acontecer seja toda sua.

Em vez de parecer desconcertada, ela exultou.

— Então você já superou seus escrúpulos, sir?

— Mais ou menos. Desde que você entenda bem as regras.

— Há regras?

— Sempre existem regras, querida. Para tudo.

— Você não dá a impressão de ser o tipo autoritário.

— Digamos que sejam costumes, convenções. Como o seu papel de esposa virtuosa, por exemplo. Tem mesmo certeza de que quer fazer isso? É sua última chance de voltar atrás.

— Certeza absoluta. Nunca me senti assim antes, inquieta, trepidante, faminta. Culpo-o por deixar-me neste estado. Sinta minhas mãos, veja como estão em fogo.

— Vou amimar um quarto para nós. — Atordoado com a violência do próprio desejo, levantou-se bruscamente, quase derrubando a cadeira. — Não vá embora — falou, antes de sair à procura do estalajadeiro.

— Você não faz idéia de quão longe vim para chegar até aqui. Não pretendo ir a lugar nenhum.

— Voltarei em instantes.

Com o coração aos pulos, Christina o observou atravessar o salão lotado, notando a reação dos presentes à simples passagem do marquês. Sua beleza máscula, porte altivo e ar de extrema autoconfiança o destacavam onde quer que estivesse.

Bastava fitá-lo para ficar arrepiada da cabeça aos pés. E se não estivesse ardendo tanto de puro desejo, talvez houvesse percebido a completa diferença entre as emoções que a sacudiam agora e aquelas experimentadas no leito conjugal ao longo dos últimos doze anos. Dali a segundos Max regressava, um sorriso suave no rosto.

— Está tudo pronto — ele murmurou, ajudando-a a se levantar e indicando-lhe o caminho até a escada. — Por aqui.

Ao chegarem ao corredor que conduzia aos quartos, deserto e silencioso àquela hora da manhã, Max a beijou de leve no rosto. Diante do olhar surpreso da princesa, tornou a beijá-la. Na boca. E desta vez não havia nada de delicado na carícia. Desta vez ele sugou, saboreou, e explorou os lábios de Christina até deixá-la sem fôlego.

Entretanto perturbava-o que pudesse se sentir tão excitado, tão encantado com simples beijos. Jamais se emocionara ao beijar uma niulher. Soltando-a, deu um passo atrás.

— Não estou acostumado a isso — falou, ambiguamente.

— Tampouco eu — ela respondeu num fio de voz, as pernas se vergando. — Vou desmaiar aqui mesmo.

— Não, não vai. — Tomando-a nos braços, Max a carregou até o quarto. Então colocou-a no chão e trancou a porta.

— Você se lembrou de trancar desta vez.

— Não me faça pensar naquela cena. Você não deveria ter nos surpreendido.

— Então você não é exibicionista.

— Em nenhum aspecto. — Irritado por Christina mencionar outras mulheres, quando estava totalmente focado no que acontecia ali, entre ambos, soou mais ríspido do que pretendera.

— Não fique zangado. Por favor.

— Não estou.., zangado. — Odiando-se por parecer um bruto, provavelmente como o maldito marido dela, estendeu-lhe a mão. — Desculpe-me. Venha, sente-se perto de mim.

— Não sei se sou capaz.

— É só vir até aqui — ele insistiu, julgando-a temerosa.

— É que... não consigo me mexer. Estou excitada demais.

Segurando-a no colo, Max a levou para a cama e depositou-a sobre os lençóis macios. Imaginara que com alguém tão inexperiente, teria que se demorar bastante nas carícias preliminares. Todavia Christina queria gratificação imediata.

— Depressa — pediu num sussurro rouco, contorcendo-se sobre a cama.

Num movimento rápido, Max ergueu a saia que a cobria e a livrou da roupa íntima de seda. Porém, no instante em que seus dedos a roçaram no centro da feminilidade, Christina alcançou o clfmax, o corpo sacudido por estremecimentos violentos.

Paciente, ele esperou alguns segundos. Então. movido pela mesma urgência que a levara impetuosamente ao auge, abriu a braguilha. acomodou-se entre as coxas bem torneadas e a penetrou, mesmo sabendo que não deveria agir assim. Nunca se precipitava, sua reputação de grande amante construída sobre sua extrema habilidade na condução das longas e detalhadas carícias preliminares. Contudo, não conseguia mais se controlar. Impelido por uma luxúria avassaladora, agia como um homem enlouquecido, quase feroz na sua ânsia de possuí-la. Transportada para um paraíso erótico até então desconhecido, Christina abriu as pernas um pouco mais e ergueu os quadris, absorvendo-o por inteiro, novamente à beira do orgasmo.

Ouvindo-a gritar de prazer, Max intensificou o ritmo das investidas. E somente quando ela suspirava baixinho, lânguida e saciada, é que se permitiu chegar ao clímax.

Durante intermináveis minutos, os dois permaneceram imóveis nos braços um do outro, esquecidos de onde estavam, esquecidos de quem eram.

 

Durante muito tempo, apenas o som de suas respirações ofegantes rompia o pesado silêncio do quarto.

Devagar, o marquês abriu os olhos.

— A colcha é cor-de-rosa — ele murmurou.

— Os lençóis também — Chris tina respondeu, ainda lânguida de prazer.

Sorrindo, ele a envolveu num demorado olhar, apreciando cada detalhe do rosto delicado.

— Olá, princesa.

— Agora que retornei ao mundo dos vivos, olá para você também. Agora sei por que Lulu faz o que faz.

A possibilidade de vê-la seguir os passos da amiga, entregando-se a uma sucessão de amantes, o incomodava, embora não entendesse por quê.

— Eu não o recomendaria.

— E por que não? Parece-me um conselho esquisito, vindo de um homem com a sua reputação.

— Esqueça. — Por que a idéia de partilhar Christina com outros o inquietava?

— Suponho que eles não sejam todos como você.

— Não foi isso o que insinuei.

Sentindo-se maravilhosamente em paz com o mundo, ela parecia imune a equívocos e incertezas.

— Prometo não aborrecê-lo mais com perguntas difíceis. Exceto, talvez, por uma última. Porém, deixarei para interrogá-lo depois. No momento, se me perdoar a ousadia, gostaria de dizer que você tem roupas demais cobrindo-o.

— Perdoe-me. Agi levado pela impressão de que a rapidez era essencial.

Christina sorriu.

— Não sou melhor do que Lulu. Por acaso, alguma vez, você chegou a ter chance de, pelo menos, se livrar das botas antes de possuir uma mulher?

Não se tratava de uma pergunta que pretendesse responder.

— Dê-me alguns segundos para recuperar o fôlego e vou tirá-las.

— Desculpe-me por pressioná-lo. Mas tudo estava tão perfeito, tão extraordinário, que fiquei com medo de que aquelas sensações magníficas desaparecessem e eu nunca mais tornasse a experimentá-las e... Bem, nunca cheguei ao clímax antes. Portanto, não podia parar e aguardar, na esperança de que talvez...

— Entendo — o marquês comentou, disfarçando a surpresa. Ou Hans não acreditava em dar prazer à esposa. ou considerava o sexo apenas um ato de auto-satisfação. Embora, conhecendo Gina, duvidasse de que a ex-atriz permitisse tamanho egoísmo num amante.

— Assim, se você não estiver muito... ah, cansado, ou esgotado, ou desanimado... eu queria que fizéssemos de novo. Se você não se importar, é claro — Christina emendou depressa como uma menina temendo ser repreendida por haver pedido uma segunda fatia de bolo.

— Por que eu me importaria?

Incapaz de reprimir o assombro, ela arregalou os olhos. Depois do sexo, Hans sempre saíra imediatamente da sua cama, como se sua simples presença o contrariasse.

— Quão tentador você é, sir.

— Não mais do que você — ele sussurrou, invadido por uma ternura inesperada. Com as faces rosadas, os cabelos loiros desalinhados e uma expressão vulnerável no rosto, ela despertava em sua alma o desejo de protegê-la.

— Estou feliz por você ter me convidado para cavalgar.

Max não retrucou de imediato porque, mesmo desconsiderando sua reserva inicial, via-se agora enfrentando complicações posteriores em nada relacionadas ao sexo. Enervava-o descobrir-se alimentando sentimentos de carinho e, pior ainda, de afeição.

Reconhecendo a hesitação do marquês. Christina se antecipou.

— Não se preocupe. Não vou grudar em você.

— Não é isso. É que sou...

—— Muito disputado. Entendo.

— Não. É que você me atrai mais do que eu gostaria — ele admitiu, questionando a própria sanidade. Honestidade sempre fora uma desvantagem no mundo dos adúlteros.

— E você não gosta de vínculos emocionais. Compreendo. Asseguro-lhe que não serei exigente. Se você não se importar muito, é que ainda estou arrepiada, latejando por causa dessa necessidade deliciosa de tê-lo. Quero você muito, muito... e logo. — Christina desviou o olhar por um instante, mortificada consigo mesma. — Desculpe-me, falei que não seria exigente.

— Você não precisa se desculpar. Ficarei feliz em atender seu pedido. — Teria tempo suficiente para se preocupar com os novos sentimentos que o dominavam depois que a possuísse até a completa exaustão.

— Serei eternamente grata. Você se incomodaria se eu o beijasse? Tenho essa vontade alucinada de beijá-lo, de tocá-lo, de abraçá-lo, de ficar na cama com você para sempre...

Com um beijo sôfrego, Max a interrompeu, querendo o que ela queria, embora o sexo não fosse apenas sexo daquela vez, embora não devesse estar questionando o significado dos sentimentos ternos, embora as palavras “para sempre” o apavorassem como o diabo.

Quando seus lábios se separaram, Christina murmurou:

— Como você pode me fazer sentir assim, só com um beijo?

Ele não sabia, assim como não sabia por que razão considerava aquele encontro dos dois como algo mais além de simples sexo.

— Volto já — Max falou, levantando-se e perguntando-se se não deveria afastar-se dela, daquele quarto e da casa de Shelagh. Para sempre.

Será que dissera alguma coisa errada? Christina se martirizou. Estaria ele se preparando para partir? Desagradara-o de alguma maneira?

Mas o marquês apenas caminhou até a cômoda, tirou uma toalha da gaveta, umedeceu-a com a água do jarro e voltou para a cama. Ainda sem uma palavra, passou a toalha pelo rosto.

Estariam partindo? Teria Max mudado de idéia sobre mais sexo? Teria acabado de experimentar o único clímax de toda sua vida? Pouco familiarizada com o protocolo dos amores ilícitos e sentindo-se rejeitada, Christina tentou decifrar, sem sucesso, o significado das ações de Max.

— Você também está usando roupas demais — ele falou, jogando a toalha no chão e tirando a jaqueta antes de tomar um dos pés de Christina para livrá-la da bota de montaria.

— Pensei que você quisesse ir embora. Eu não quero voltar.

— Nunca mais? — Inseguro sobre o significado daquelas palavras, e igualmente inseguro sobre como lidar com a situação, o marquês se acautelou, temendo envolver-se.

— Pelo menos não em breve. E por razões puramente egoístas. — Sedutora, ela lhe ofereceu a outra perna para que lhe tirasse a bota.

— Poderíamos ir para um outro lugar. — Será que perdera de vez o juízo? Que diabos lhe dera na cabeça para propor tal absurdo?

— Poderíamos?

Ao vê-la tão esperançosa, escutou-se sugerindo, como se um estranho estivesse ocupando seu corpo e cérebro:

— Eu poderia enviar um bilhete a Shelagh. Inventar uma desculpa. — Todavia, bastou começar a tirar as meias de seda de Christina lara descallar seus princípios de jamais se envolver emocionalmenfe. Ter aquelas pernas esguias e bem torneadas enlçando-o pela cintura por mais algumas horas parecia-lhe motivo suficiente para abdicar de quaisquer princípios.

— Mas Dieter sabe que estamos aqui.

— Não demoraremos muito, princesa.

— Você faz isso com freqüência? Nem mesmo sei por que estou lhe perguntando isso, exceto porque me sinto pisando em terreno incerto. Tenho a sensação de que o chão está fugindo sob meus pés.

— Sinto-me assim também — ele confessou baixinho. — E não pergunte por que estou agindo assim, porque não sei. Sei apenas que quero fazer amor com você até não ter mais forças, até não poder respirar. E não estou exatamente feliz por me sentir dessa forma.

— Desculpe-me.

— Não há do que se desculpar. — De repente, Max sorriu.

— Na verdade estou ansiosa para passar mais tempo ao seu lado.

Num impulso, Christina abraçou-o.

—Você é maravilho, perfeito e maravilhoso! Sinto-me como se tivesse quinze anos outra vez. — Com certeza nunca teria tido coragem de fazer, aos quinze anos, o que fazia agora. Porém, naquela idade. ainda não havia sido traída milhares de vezes. Conscientemente reprimindo os pensamentos infelizes, ela Sorriu para o homem que lhe oferecera um novo, e voluptuoso, tipo de liberação.

— Diga-me quanto tempo poderemos permanecer nesta adorável cama cor-de-rosa, quantas vezes você fará amor e diga-me, diga-me, que não estou sonhando.

Curvando-se para fitá-la bem nos olhos, Max sorriu diante de tanto entusiasmo.

— Se for um sonho, não me acorde, princesa. Podemos ficar aqui no mínimo mais uma hora. Ninguém perceberá nossa ausência pelo menos até o almoço. E como não disporemos de tempo ilimitado, só poderei fazer amor com você um milhão de vezes.

— Você é bom demais para mim, milorde. — O brilho de alegria no olhar de Christina era inegável.

— Não se trata de uma atitude altruísta, querida. De jeito nenhum. Agora deite-se de costas para que eu possa desabotoar sua blusa.

— Deixe-me cuidar disso. Sou mais rápida. Se temos apenas uma hora...

Segurando-a pelos pulsos, Max a impediu de tocar os botões.

— Não vamos nos apressar desta vez. Dieter só chegará à casa de Shelagh daqui a meia hora e mesmo se alguém já estivesse à nossa procura...

Christina ensaiou uma resposta, porém o marquês a calou com um beijo suave.

Desta vez vou fazê-la alcançar o clímax muito, muito devagar. Inspirando fundo para conter a impaciência, ela sorriu.

— Tentarei relaxar. Não sei nem mesmo como lhe agradecer por isso, por essa coisa maravilhosa. Tenho trinta anos, sou casada há doze e jamais soube o que estava perdendo.

— É um prazer estar ao seu serviço, madame — Max brincou, curvando a cabeça.

— O prazer foi todo meu, sir.

— Espere só até a próxima vez.

— Será ainda melhor? Não! Impossível!

— Será melhor e durará mais. Será mais profundo e intenso. Só espero que você não traga o estalajadeiro até nossa porta com seus gritos.

Chocada, Christina ergueu as sobrancelhas e balançou a cabeça.

— Eu não gritei.

— Gritou sim.

— Oh, meu Deus...

— Não é problema nenhum — ele a tranqüilizou —, desde que a porta esteja trancada.

— Você não se importa?

— Por que eu me importaria?

— É que parece tão... — Enrubescendo, Christina desviou o olhar.

— Tão quente e sexy?

— Verdade? Sexy? — Ela pronunciou a palavra hesitante, como se falasse outra língua.

— Não tenha receio, ser sexy é uma qualidade, querida. E você possui uma sensualidade inata.

— É mesmo?

— Sim, acredite-me. — Não podia se esquecer de que estava lidando com uma mulher ingênua, apesar de casada há anos.

— De repente sinto-me como precisasse recuperar o tempo perdido.

— Estou inteiramente disponível — o marquês se ofereceu, tirando os grampos que prendiam os longos cabelos loiros da princesa—, tanto para ajudá-la a recuperar o tempo perdido, quanto para recompensá-la pelos anos desperdiçados.

— Talvez eu acabe me revelando exigente, insaciável.

— Farei o possível para satisfazê-la — Max devolveu, num tom baixo e envolvente.

— Ah, você deve ser a realização do sonho de todas as mulheres.

Desconfortável com a alusão a outras amantes, ele manteve silêncio, abstendo-se de responder.

Instigada pela proximidade de seus corpos e pela discrição do marquês, que negava-se a comentar seus casos amorosos, Christina se aventurou mais longe.

— Talvez eu não vá ser mais tão complacente quanto antes — ela murmurou, coquete. — Cheguei ao clímax pela primeira vez na vida, e estou me sentindo poderosa depois desse feito.

— Interessante. Você pretende assumir o controle? — indagou aquele que sempre estivera no poder.

— É possível. — Christina sorriu. — Assim que eu aprender a nadar um pouco melhor, metaforicamente falando, é claro. Lulu disse que você seria o homem perfeito para me ensinar a mergulhar em águas profundas. E minha amiga tinha razão. Oh, céus... Suponho que eu não deveria ter dito isso. Os homens discutem essas coisas com os amigos?

— Não sei, porque não o faço nunca.

— Imagino que depois de tantas damas em sua vida, você não tenha necessidade de discutir nada com ninguém.

Christina calou-se quando Max enterrou as mãos em seus cabelos, numa carícia tão terna quanto erótica. Trêmula da cabeça aos pés, fechou os olhos para saborear a sensação sublime. Contente em colocar um ponto final na conversa sobre suas ex-amantes e mais contente ainda por saber que logo voltariam a fazer amor, puxou-a para mais perto e deslizou a língua pelos lábios carnudos.

— Não me importa a mínima quem assuma o controle. Desde que estejamos de acordo sobre o que fazer.

— E faremos o quê?

— Qualquer coisa que você quiser. Duas vezes — ele murmurou.

— Hum... que adorável. Talvez eu possa retribuir sua generosidade. — Fascinada com o volume prodigioso comprimido sob a calça de montaria do marquês, Christina tocou-o, um calor abrasivo inundando-a. — Tentarei ser boazinha. Tentarei não ter pressa, mas... não posso prometer nada... Por um momento Max pensou que tampouco seria capaz de se conter, o impacto daquela mão pequenina sobre sua rígida virilidade quase o impedindo de respirar. Segurando-a pela cintura, colocou-a recostada nos travesseiros.

-— Seja paciente um minuto e logo estarei ao seu lado. — Rapidamente Max tirou as botas e as meias. — Agora estamos empatados. Vou tirar sua blusa, você tira minha camisa, e assim por diante. Veremos se seremos capazes de nos despir antes de chegarmos ao clímax.

— Então não sou a única impaciente.

— Meus amigos ficariam chocados.

— Minhas amigas também.

— Não estou reclamando.

— Tampouco eu. Pelo contrário.

Devagar, Christina se espreguiçou, os seios fartos se erguendo provocantes diante dos olhos ávidos do marquês.

— Descobri que esse paraíso dos sentidos é terrivelmente excitante. Estou inclinada a descartar tudo o mais que minha mãe me falou.

— Então ela não lhe falou nada sobre esses prazeres? — Inebriado de desejo, Max estendeu a mão e massageou um dos mamilos até deixá-lo rígido sob a blusa de seda. — De certa forma, fico feliz. — Como confessar que sentiria ciúme se tivesse havido outros homens antes dele? — Fico feliz que tudo isso tenha sido guardado para mim. — E isto — ela murmurou, oferecendo-lhe o outro seio, o latejar suave no meio das coxas encorajando-a a um comportamento mais ousado. algo do que jamais se imaginara capaz. Até conhecê-lo. Sob a pressão dos dedos experientes, logo ambos os mamilos se esticavam túrgidos, como se implorando para serem sugados. Certa de que atingiria o auge ainda inteiramente vestida, sem sequer ser beijada. mas incapaz de resistir. Christina pediu baixinho: — Por favor, não pare. Max soltou-a, apesar dos protestos. Depois de beijá-la de leve na boca, desvencilhou-a da blusa, lentamente. Vendo-a levar a mão ao cós da saia, com a intenção de desabotoá-la, impediu-a. — Não, ainda não. Por que nos afobarmos’? Vamos saborear o prazer aos poucos.

— Você tem que me dar o que quero.

— Assim que eu a despir — Max prometeu, dedicando-se aos botões.

— Tenho vontade de mandá-lo para o inferno. — Com os nervos à flor da pele, Christina já não suportava a espera agonizante.

— Você me surpreende, princesa. — Nunca a ouvira praguejar. De fato, no dia anterior, julgara-a a imagem da docilidade e do decoro.

— Talvez eu o faça esperar depois de despi-lo.

— Se já não houver alcançado o clímax. — Sem pressa, Max a libertou da saia. — Ah... absolutamente linda. —Nua da cintura para baixo, as coxas alvas e esguias entreabertas revelando os pêlos dourados sobre o vértice do sexo, Christina o seduzia sem nenhum esforço. — Você não usa espartilho — murmurou, fascinado pelo contorno dos seíos volumosos.

— Não quando estou montando.

— Montando o quê? — ele indagou num tom sugestivo.

— Você, é claro. — Por que a sensação de que aguardara a vida toda por aquele momento, em que estaria deitada ali, esperando que Max, e mais nenhum Outro homem, a possuísse?

— Logo descobriremos quão bem você sabe montar.

— E se você é capaz de me controlar.

— Será interessante descobrir. — Rindo, ele tirou a camisa por sobre a cabeça, sem se dar ao trabalho de desabotoá-la.

— Eu deveria ter tirado sua camisa.

— Mudei de idéia.

— Você pode e eu não?

— Sou maior do que você. Mais forte.

Christina o fuzilou com o olhar.

— Vamos, não fique aborrecida. Seja uma boa garota. Às vezes as regras podem ser mudadas. Como o silêncio dela persistisse, o marquês recostou-se na cama, apoiando as costas largas na cabeceira alta.

— Estou pronto se você estiver pronta, querida.

— Você está me irritando.

— Verdade? — Sem se alterar, ele tirou a calça de couro. Diante da magnífica ereção, Christina imaginou-o penetrando-a e arrastando-a numa espiral de prazer.

— Sentindo-se melhor? — Não lhe passara despercebida a reação que sua nudez provocara.

— Moderadamente. — Também podia adotar um ar blasé, ainda que tremesse por dentro.

Muito sério, ele tomou uma das mãos delicadas entre as suas.

— Isto é novo para nós dois. Essa fome desmedida, voraz, talvez até insensata. Mas venha para os meus braços, querida, porque eu também já não posso esperar.

— Você me enlouquece — Christína confessou, permitindo-se ser alojada sobre as coxas do marquês, perguntando-se se outras mulheres caíam prisioneiras de tão ardente desejo. Suspirando, fechou os olhos quando ele a penetrou, inundando-a de calor, saturando-a até a alma. Max sabia-se perfeitamente sóbrio. Eram dez horas da manhã e, mesmo sem uma gota de álcool no sangue, estava delirante, preso numa teia de emoções sem precedentes.

Agradeceu ao destino por haver decidido aceitar o convite para cavalgar. Lentamente, Max moveu-se.

E a contida princesa gritou.

Por um longo instante, os dois perderam a noção da realidade. Então Christina sentiu a força dos ombros másculos sob suas mãos e ele, a pressão dos dedos femininos. Ao ouvi-la gemer, pedindo mais, Max intensificou o ritmo, indagando-se. pela primeira vez na vida, se seria possível morrer de puro prazer. Entretanto, resistiu à idéia, preferindo não misturar luxúria e emoção. Mas quando os seios fartos roçaram seu peito e Christina, transtornada de paixão, atingiu o clírnax, ele precisou de todo seu autocontrole para não atingir o ápice. Dando-lhe alguns segundos para se recuperar, tornou a arrastá-la para um novo auge.

— Nunca o deixarei ir embora — ela sus surrou, às portas do paraíso. — Desculpe-me...

— E eu vou fazer amor com você durante cem anos — Max falou ofegante, certo de que cem anos não bastariam para aplacar a sede que o atormentava. — Depressa, porque não serei capaz de me controlar por muito mais tempo.

Porém, experiente como era, o marquês conseguiu adiar seu clímax até Christina chegar novamente ao auge. Então, sentiu-se com o coração a ponto de estourar, explodir de prazer.

Minutos depois, Christina o cobria de beijos. Nos olhos, no nariz, no pescoço, na boca.

— São beijos de agradecimento — ela explicou, sorrindo. — E tenho muitos mais para lhe dar quando você tiver tempo.

— Para isto arrumarei tempo.

Uma batida súbita na porta trouxe ao rosto de Chnstina uma expressão de absoluto terror. Levando um dedo à boca para pedir-lhe silêncio, Max levantou-se da cama.

— Quem é? perguntou, a voz fria e autoritária.

— Sou eu, patrão.

— Falo com você em um minuto. — Virando-se para Christina, o marquês sorriu para tranqüilizá-la enquanto vestia a calça. — É meu criado pessoal, Danny. E não se preocupe. Ele sempre age com discrição.

Todavia Max estava ligeiramente apreensivo ao sair para o corredor, segundos depois. Tendo o cuidado de fechar a porta do quarto, indagou sem preâmbulos:

— Alguém está à nossa procura?

— Não, sir, não é isso. Tenho boas notícias. Achei que você gostaria de saber que o príncipe Hans partiu essa manhã com aquela atriz, a tal Gina Campbell.

— Não me diga.

— É verdade. Por volta das oito, oito e meia. Ambos entraram na carruagem seminus. E pareciam ter passado a noite em claro, se é que o senhor me entende.

— Suponho que a residência de Shelagh não lhes ofereça privacidade suficiente.

— Quando eu soube que o cavalariço da princesa havia voltado sozinho, imaginei que milorde tivesse decidido permanecer ausente durante algum tempo, como acontece às vezes. Fiz algumas perguntas a Dieter. Nada de que ele pudesse desconfiar, é claro. Porém o bastante para descobrir seu paradeiro, caso o príncipe resolvesse mandar um empregado atrás da esposa.

— Você agiu muito bem. Obrigado. — Notando a porta de um dos quartos se abrir, o marquês, mais do que nunca, teve consciência de quão vulnerável estavam aos mexericos, expondo-se tão perto da casa de Shelagh. — Alguém já notou nossa ausência?

— Não. A maioria dos hóspedes saiu para caçar logo cedo e as damas que ficaram para trás ainda estão dormindo.

— Perfeito. — A notícia da partida de Hans o agradava imensamente. Por causa de Christina.

— Imaginei que milorde gostaria de saber o que estava acontecendo. O senhor não dormiu muito bem ontem à noite, não é?

Com certeza Danny conhecia Max melhor do que ninguém. O marquês o tinha encontrado numa parada de carruagem, em Helena. Choroso, o então menininho de cinco anos, que perdera a mãe no dia anterior, contara estar aguardando o regresso do padrasto. Mas o homem nunca voltara para buscá-lo.

— Suponho que o mantive acordado também, esperando-me. Desculpe-me.

— Não, sir. Mas eu poderia tê-lo ajudado a selar seu cavalo pela manhã.

— A dama estava arredia. E ainda está. Sua ajuda seria bem-vinda agora. Vamos sair daqui e ir para... algum lugar. Não tenho certeza de onde. Mandarei um bilhete para lady Temple com alguma desculpa. Com a partida do príncipe, nossa ausência não deverá ser um problema. Porém, nós estamos precisando de roupas. Você terá que ser discreto, rapaz.

— A camareira da princesa é muito amigável. Creio que não encontrarei dificuldades.

— Mesmo assim tenha cuidado para não deixar escapar nada.

— Não se preocupe, patrão. Apanharei as roupas e ela não perceberá nada.

— Enviarei uma mensagem informando-o de nosso paradeiro. — Max lançou uma olhada rápida para a porta. — Não podemos ficar aqui. A princesa está nervosa.

— Certo, patrão.

Danny já sumia no corredor deserto quando Max retornou ao quarto.

— Eles sabem? — ela indagou amedrontada, terminando de se vestir. — Alguém está à nossa procura?

— Ninguém está nos procurando.

Visivelmente aliviada, Christina se recostou no espaldar da cadeira.

— Então por que seu criado veio até aqui? E por que você não está sorrindo?

— Danny nos trouxe algumas notícias. Boas notícias, más notícias. Não tenho certeza. Você decide.

— Isto não me parece animador.

— É sobre seu marido.

— Dificilmente serão boas notícias. — Endireitando os ombros, ela pediu: — Conte-me.

— Hans partiu por volta das oito horas da manhã.

— Maravilhoso! Por Deus, são ótimas notícias!

— Ainda não terminei.

— Ah, faltam as más notícias.

— Depende de como você vai encarar os fatos. Seu marido partiu na companhia de Gina.

— Ah. — Devagar, Christina alisou as dobras da saia. — Nas presentes circunstâncias, não posso acusá-lo de nada, não é?

— Provavelmente não. Mas se você prefere...

— Não. É impressionante quão insignificante Hans se tornou para mim. Agora já não me importam suas atitudes. Tampouco quero pressionar você de qualquer forma. Aliás... — Christina sorriu de leve. — Só tenho o que agradecer-lhe.

— Não me agradeça. Você tomou essa decisão sozinha, ao mandar Dieter embora.

— É verdade, não? Então eu consegui me livrar do inferno conjugal. Pelo menos dei o primeiro passo.

— Considero-me afortunado por estar por perto.

— Você está mais do que por perto, querido. Não que seja minha intenção alarmá-lo, prendendo-o a mim. Será apenas por um fim de semana. Depois nós dois retomaremos nossas próprias vidas.

— Não estou alarmado. — E não estava mesmo, embora houvesse passado a maior parte de sua vida adulta evitando formar vínculos afetivos com qualquer mulher. — Então você está interessada em experimentar coisas novas, minha adorada? Uma cama maior, talvez? Uma vista diferente da janela? Paredes à prova de som?

— Sou mesmo sua adorada? — Ela gostava do som da palavra, da entonação afetuosa, gostava do homem que a pronunciara. E também nunca se sentira verdadeiramente. adorada. Nem quando, doze anos atrás, casara-se com Hans.

— Sim — Max respondeu com simplicidade.

— Sendo assim, estou interessada em novas descobertas. desde que você esteja ao meu lado.

— Conte com isso.

— Todavia não vamos muito longe — Christina implorou, o olhar ávido fazendo o sangue do marquês ferver nas veias. — Aliás, se formos para um lugar bem pertinho será ótimo. — A cama. obviamente.

— Não seria sensato permanecermos aqui.

— Você disse que ninguém está nos procurando.

— Mas poderiam começar a nos procurar.

— Envie um bilhete a Shelagh.

— Pense, querida. Dieter sabe do nosso paradeiro.

— Temos mesmo que partir neste instante? — Christina se remexeu na cadeira, um calor delicioso no centro da feminilidade começando a se espalhar pelo resto do corpo. Não podíamos ficar neste quarto mais um pouquinho? — Impelida por um desejo incontrolável, ela ergueu a saia de veludo verde, expondo as coxas alvas.

— Onde estão suas roupas íntimas, princesa?

— Não consegui achá-las.

— Você estava planejando cavalgar assim, sem nada por baixo da saia?

— Quão irritado você parece. Não fique zangado comigo. Quero apenas tê-lo mais uma vez antes de irmos embora. Por favor...

Max sabia que devia ignorá-la, que deviam partir já para evitar problemas. Entretanto, que homem seria capaz de resistir a tamanha tentação?

— Só uma vez. Dieter poderá aparecer de repente.

— Serei eternamente grata. Veja como já estou excitada. Veja como preciso de você.

Inspirando fundo, ele conteve o impulso de penetrá-la corno um animal enlouquecido.

— Não podemos demorar muito. está bem?

— Farei qualquer coisa que você disser.

Milhões de possibilidades passaram pela cabeça de Max, todas imediatamente descartadas. Jamais faria algo que arriscasse a reputação da princesa. Com sua experiência, não seria difícil esperar estarem num lugar mais seguro para tornar a possuí-la. Ela, todavia, estava a ponto de desfalecer de desejo.

Assim, ajoelhou-se entre as pernas bem torneadas e deslizou os dedos pelas dobras rosadas e úmidas. Então, inclinou a cabeça.

— O que você está fazendo? — Christina perguntou nervosa, segurando-o pelos cabelos.

— Estou querendo levá-la ao clímax.

— Você não pode fazer isso. Eu... isto não é... você não pode...

— A decisão é sua. — Max fez menção de levantar-se. — Deveríamos mesmo ir embora.

— Não. ainda não....

— A decisão é sua — ele tornou a dizer.

— É que eu nunca...

— É um orgasmo. querida. Você gosta...

— Você não poderia?

— Assim é mais rápido. Confie em mim — ele sussurrou, colocando as mãos de Christina sobre seus ombros. — Agora segure-se.

Trêmula, arfante, o rosto em fogo, Christina estava à beira do êxtase, apesar de não o saber. Quando os dedos longos e firmes a tocaram em sua parte mais íntima, ela retesou os músculos, os conselhos de sua mãe sobre a necessidade de manter o decoro e a decência vindo-lhe à mente.

— Somos apenas você e eu aqui — o marquês falou baixinho, percebendo-a hesitar entre o desejo avassalador e a vergonha. — Vou provar o gosto doce da sua feminilidade, quer você queira, quer não.

— Não, você não pode... — Um protesto débil, quase inaudível.

— Você gosta quando eu a toco aqui. — Inclinando-se, Max, delicadamente. lambeu o clitóris túrgido.

Christina arqueou as costas e gemeu alto, sacudida por tremores incontroláveis.

— Se você prometer não gritar, farei com que chegue ao clímax duas vezes. E se ficar quietinha, vou possuí-la na carruagem, assim que sairmos daqui. — Introduzindo dois dedos na abertura escorregadia, ele pressionou a palma da mão contra as dobras do tecido macio. Então, abaixou-se e tomou o clitóris intumescido na boca, pondo-se a sugá-lo.

Enlouquecida, Christina deixou-se engolfar pelo calor que começava em seus genitais e se espalhava pelo corpo inteiro, consumindo-a. Insistente, o marquês continuou sugando-a, até lançá-la num orgasmo violento, quase selvagem em sua intensidade. Completamente fora de si, consumida nas chamas da paixão, esquecida do mundo ao redor, ela gritou alto, enquanto Max sorria, inundado no cheiro no gosto dela.

Agora poderiam partir.

E quando estivessem num outro lugar, desconhecido por todos, desfrutariam, sem pressa, da perfeita sintonia sexual que os unia.

 

O marquês alugou uma pequena carruagem, algo que ele mesmo poderia guiar, amarrou os cavalos atrás do veículo e avisou Christina de que chegara a hora de partir. Por sorte, sendo o meio da manhã e estando a maioria dos aldeões na feira, ninguém lhes prestou a menor atenção. E Max também teve o cuidado de pagar o estalajadeiro o bastante para garantir discrição e evitar que o homem fizesse comentários impróprios, caso alguém fosse procurá-los.

— Para onde você está me levando? — Com o braço do amante ao redor de seus ombros, ela se sentia confortada e segura. — Não iremos muito longe, espero.

— Não vou parar no meio do caminho. — Ele sorriu, sabendo a razão da ansiedade.

— Tomara que você encontre uma hospedaria logo.

— O estalajadeiro de Digby me informou da existência de uma boa pousada na próxima aldeia, a uns oito quilômetros daqui chamada The Red Oak. Parece-me um lugar bastante reservado. — Notando a apreensão da princesa, sugeriu: — Pelo menos até a próxima terça-feira, quando os festejos promovidos por Shelagh chegam ao fim.

— Tão cínica. — Por que o comentário dela o incomodara?

— Apenas prática.

— Não é permitido ser prática até terça-feira de manhã.

— Eu gostaria de jamais voltar a ser prática, de me entregar aos sentimentos. Porém sei que não é possível. Ainda assim, você me deu algo muito além do prazer físico. Você me deu esperança.

— Esperança?

Por um instante o marquês desejou que Chrístina dissesse algo a respeito de um futuro juntos. Todavia, imediatamente. rejeitou a idéia. Suas vidas eram diferentes demais, distantes demais, incompatíveis demais.

— Você me deu esperança de viver com mais liberdade. Para sempre lhe serei grata.

Estaria ela se referindo à liberação sexual? Christina pretendia adotar os hábitos das mulheres de sua classe, pulando de um amante para o outro?

— Que tipo de liberdade? — ele perguntou, como se tivesse o direito de questioná-la.

— Liberdade para não esperar simplesmente que alguma coisa aconteça em minha vida. Liberdade para descobrir meu próprio caminho e meus próprios prazeres.

— Você vai ficar na Inglaterra muito tempo? —- deveria indagar, não deveria se importar com isso. E nem deveria, sobretudo, querer tomar parte desses prazeres indefinidamente.

— Por mais duas semanas. Então meus filhos irão para casa, para os feriados de Natal e Ano Novo. Costuma nevar em Silésia, no Natal. É bonito. E você ficará na Inglaterra muito tempo? — Melhor falar de outro assunto que não fossem os filhos e o lar.

— Ainda não sei. — Na verdade comprara a passagem de volta para os Estados Unidos para a próxima quinta-feira.

De repente, consumida por um sufocante sentimento de culpa, Christina se afastou do marquês.

— Talvez devêssemos retornar à casa de Shelagh.

— Não. — Ele podia estar inseguro quanto aos próprios sentimentos e os planos futuros, mas de uma coisa tinha absoluta certeza: não queria abrir mão de Christina já.

— E se eu insistir?

— Então a farei mudar de idéia.

— Talvez você não possa.

— Olhe, estamos quase chegando. — O pequeno atalho para a hospedaria aparecera no horizonte.

— Não quero mais ir para lá.

— Porque você sabe que serei capaz de fazê-la mudar de idéia.

— Pois bem. É por isso mesmo. Você tem razão. Feliz agora?

— Não quero estar com a razão. Quero apenas estar com você num lugar onde não seremos importunados.

—Não. — Enérgica. Christina balançou a cabeça. — Não posso.

Ignorando os protestos. Max seguiu em frente.

— Se você insistir, irei embaraçá-lo na frente de todos.

A risada do marquês ecoou pela estradinha deserta. Você pode tentar, se quiser.

— Você está além da possibilidade de se sentir embaraçado. É isso?

— Há muito tempo coisa alguma me deixa vexado. Mas duvido de que você seja imune à vergonha.

— Você está me ameaçando, sir?

— Estou simplesmente admitindo que sou descuidado quanto a minha reputação. Diferentemente de você, querida — ele concluiu, com um sorriso cúmplice. — E se estiver decidido a agradar a mim mesmo, não hesitarei em tomá-la no colo e carregá-la para qualquer quarto desocupado da estalagem. Creia-me, não haveria muito que você pudesse fazer a respeito.

— Você me seqüestraria, me levaria para a cama contra a minha vontade? E o proprietário da hospedaria? Deixaria tal coisa acontecer sem se opor?

— Em troca de um bom dinheiro, sim.

— Pelo visto você está familiarizado com esse tipo de situação.

— Não, não estou. Jamais seqüestrei uma mulher. Nunca houve necessidade — o marquês completou, sem a menor sombra de vaidade.

Por um instante Christina perdeu a fala, reconhecendo-se como mais uma na longa lista de conquistas de Max, mais uma a sucumbir ao seu charme devastador. E a lembrança do prazer delirante experimentado nos braços dele a obrigou a encarar a inegável verdade: não era diferente das outras. Preparando-se para resistir à tentação, indagou, procurando manter a compostura:

— Estou para me tornar a exceção à regra?

Durante vários segundos o marquês permaneceu em silêncio, as emoções num turbilhão. O tom de Christina lhe permitia variadas interpretações. Jamais obrigara nenhuma mulher a fazer sexo. Mas tampouco acreditava que um casamento infeliz exigia o cumprimento cego do dever, como ela acreditava.

— Você não será a exceção, se não o quiser.

— Duvido que eu queira.

Pronto. Novamente a mesma hesitação. Porém, se a princesa tinha dúvidas quanto a ficarem juntos, ele estava mais certo do que nunca.

— Por que não arrumo uma cama realmente grande para nós desta vez? — Max sugeriu, persuasivo. — Uma cama bem grande, onde teríamos espaço de sobra para brincar e eu poderia lhe mostrar dúzias de maneiras diferentes de vislumbrar o paraíso. Você já foi amarrada? — Vendo-a corar, murmurou: — Aparentemente não. Talvez prefira me amarrar. Alguma vez você já deu ordens a um homem na cama? Também não? Quem sabe então eu apenas me limite a beijá-la da cabeça aos pés e veríamos quantas vezes você alcançaria o climax somente com beijos.

— Maldição — Christina sussurrou, a voz revelando desejo reprimido.

— Se preferir qualquer outra coisa, basta me dizer.

— Prefiro voltar para a casa de Shelagh.

— Você está falando sério?

— Sim.

— Que pena, querida, porque eu preferiria enterrar meu membro rígido vagarosamente dentro de você, até saturá-la, até vê-la desfalecer de puro prazer. — Inclinando-se, ele a beijou de leve no pescoço. — Eu a faria chegar ao paraíso tantas vezes que você perderia a conta, nós dois perderíamos a conta... Depois, tornaria a possuí-Ia.

Desesperadamente faminta, Christina sentiu um calor intenso se espalhar por suas entranhas.

— Eu não deveria.., nós não deveríamos...

Fitando-a como se quisesse enxergá-la pelo avesso, Max a segurou pelos ombros com força.

— Sim, nós deveríamos. Não questione, não pense. não se recrimine. Nada importa, exceto o que temos juntos. Você, eu e essa atração que nos impele um para o outro.

— Eu deveria ter mais bom senso, considerar as conseqüências.

— Assim como eu — ele murmurou. — Sempre fui capaz de me afastar de todas as mulheres sem pesar, e sem olhar para trás.

A íntensidade da voz do marquês lhe deu coragem para se entregar e banir os medos que a espreitavam.

— Não posso crer que eu esteja fazendo isso, que eu esteja fervendo de desejo. Oh, Deus... Todo mundo vai perceber o que se passa quando chegarmos à hospedaria.

— Ninguém saberá de nada. Trata-se de uma pousada à beira da estrada, onde, todos os dias, viajantes se alojam para descansar. Também posso desempenhar o papel do mais perfeito e recatado cavalheiro. Apenas observe-me.

E assim Max agiu ao pedir um quarto, suas maneiras respeitosas, cheias de deferência para com sua jovem e tímida esposa.

— Que cavalheiro distinto — o estalajadeiro declarou à esposa, depois de conduzir os hóspedes ao melhor quarto.

— Pergunto-me se não seria um clérigo, considerando sua gentileza e cortesia.

— Se trata-se de um marquês, suas obrigações não o deixariam com tempo livre para se dedicar aos assuntos da igreja. Homens como ele, contudo, pagam bem a um pároco para cuidar de sua gente. Por acaso ele lhe falou o que desejariam para o jantar’? Talvez fosse melhor mandar Jimmy ao mercado para buscar galinhas frescas.

— O nobre não falou nada sobre jantar, apenas pediu água quente. Parece-me que ambos estão na estrada há horas.

— Formam um belo casal, é verdade. E estão apaixonados eu diria. Você reparou no modo corno ele olhava para a esposa? Não me pareceram olhares de um clérigo.

— Ele me pagou em dobro para ter privacidade, mulher. Portanto, não me importa que profissão tenha. Explicou que a esposa está cansada e deseja dormir.

— Dormir a essa hora do dia? Bem, esses aristocratas são mesmo diferentes dos outros. Fazem o que querem, quando querem.

— Pois podem fazer o que quiserem aqui, enquanto estiverem me pagando bem.

— Eu cuidarei disso — a mulher falou, apanhando o dinheiro. — Não quero que você ceda à tentação de jogar cartas essa noite. Prefiro que Tom Bailey não leve nosso dinheiro para casa.

— Eu me saí bem? — Max tomou Christina nos braços no instante em que o estalajadeiro fechou a porta. — Tratei minha querida esposa com a cortesia que ela merece?

— Você demonstrou ser tudo o que uma esposa poderia desejar — ela murmurou, encantada com aquela fantasia impossível. — Você é, sem dúvida, a alegria da minha vida.

— E você a luz da minha alma.

Quão facilmente o marquês a enfeitiçava, quão facilmente acabaria se apaixonando, se não tivesse cuidado. Sabendo que jamais poderia considerar o que havia entre os dois como qualquer outra coisa além de um envolvimento breve e transitório, Christina adotou um tom de voz brincalhão.

— Você conseguiu encontrar uma cama bastante grande, milorde.

— O melhor para agradá-la... e a mim. E a nós.

Os olhos de Max irradiavam ternura, mas Christina sentiu-se subitamente insegura e angustiada. Quantas vezes ele dissera essas mesmas palavras para as dezenas de amantes com quem se deitara?

— Falei algo errado? — ele indagou, notando a melancolia que a dominara.

— Não estou acostumada a esses jogos amorosos. Não consigo adotar uma postura leviana e indiferente.

— Você é perfeita como é.

— Duvido. Max... com que freqüência você esteve aqui antes, com uma mulher louca para tê-lo?

— Nunca. Ouça, a sinceridade é uma virtude rara nessas situações, assim como são raros os sentimentos que você desperta em mim. Creia-me, tampouco consigo ficar indiferente ao que está havendo entre nós.

Mais do que as palavras, foi a expressão do rosto dele o que a consolou. Entretanto, o peso dos anos de fidelidade absoluta ao marido não poderia ser descartado com tanta facilidade. E embora tivesse sucumbido ao desejo de vingança e à paixão carnal na hospedaria de Digby, o que estava para acontecer agora era muito diferente. Não se tratava de um arroubo momentâneo, insuflado pela raiva e pelas traições de que fora vítima. Haviam ido parar naquele quarto com um único propósito em mente. Por isso, as dúvidas a consumiam.

— Quero-o desesperadamente e desesperadamente gostaria de ir embora. Entende? Eu queria ficar aqui com você para sempre, e também queria partir neste exato momento. antes que eu seja incapaz de fazê-lo, antes que minha vida... Mude para sempre.

— Sim, eu sei, eu compreendo. — Max a apertou com força contra si. — Você me perguntou quando eu partiria para os Estados Unidos. A resposta correta teria sido na próxima quinta-feira. Não lhe disse nada porque não sei se poderei deixá-la. Portanto, não fale em indiferença.

A presença sólida e reconfortante de Max a amparava, quando o resto do mundo girava fora de controle.

— Eu sequer o conhecia ontem — ela murmurou, assustada. — O que está acontecendo?

— Seja lá o que for, nós lidaremos com isso. Para começar, não partirei na quinta-feira.

De súbito, Christina teve a sensação de que o sol voltara a brilhar, após séculos de tenebrosa escuridão.

— Você não imagina quão feliz essa notícia me faz, — Subjugada pela emoção, encostou a cabeça no peito largo e chorou.

— Ei, ei, não chore. — Suavemente ele a massageou nas Costas. — Nada de lágrimas quando ainda temos duas semanas juntos.

— Juntos? — A princesa o fitou através das lágrimas.

— Sugiro que você cancele seus compromissos. Não lhe sobrará tempo.

— Verdade?

Vendo-a tão pasma. tão descrente, Max se pergumou quantas vezes a pobrezinha fora traída.

— Dou-lhe minha palavra de honra. Iremos para Minster HilI e depois eu até decida visitar Silésia.

— Não! Você não pode! — Seria impossível, com a família de Hans hospedada no castelo para as festas de fim de ano.

— Discutiremos isso depois.

— Não. — Apavorada com a idéia, ela deu um passo atrás. — Não há o que discutir. É uma possibilidade fora de cogitação, entende?.

— Se é o que você pensa.

— Estou falando sério. Prometa-me que manterá distância de Silésia.

— Não farei nada que você não queira.

Palavras vagas, ambíguas e alarmantes.

— Prometa-me que não irá a Silésia. Prometa-me.

— Não irei a Silésia — ele repetiu. certo de que o faria se as circunstâncias o exigissem. Sendo um homem criado no Oeste, quando a Lei muitas vezes era mantida pela força das armas, sabia cuidar de si.

— Obrigada. — Aliviada, Christina suspirou fundo.

— E obrigado por ter aprovado as acomodações que escolhi para nós hoje. — O tempo para estarem juntos era limitado e não tinha intenção de desperdiçá-lo com discussões. — A propósito, qual é sua opinião? Sexo ou um banho primeiro? Você decide, porque, com os diabos, estou tentando agir como um cavalheiro e não quero impor nada.

— A não ser certas imposições deliciosas, espero.

— Eu me referia apenas à ordem dos eventos, querida.

— Se é assim, não preciso decidir sobre sexo.

Ele sorriu, sedutor.

— Já tomei a decisão.

— E devo me curvar à sua vontade, sir?

— Ou eu me curvar à sua. Depende do ponto de vista.

— Você está insinuando que sou exigente?

— Somente de uma maneira deliciosa.

— Então você gosta dc mim’?

— Sim. Portanto, não brinque comigo. — Perplexo com a intensidade e urgência de seu desejo, Max afastou-se, distanciando-se fisicamente da dependência que sempre associara a um relacionamento sincero. Passara a vida inteira evitando envolver-se emocionalmente com qualquer mulher e agora se rendia sem hesitar? — Preciso de um drinque. Você quer beber algo? — Notando a ausência de bebidas no quarto, e sem esperar resposta. saiu, falando num tom seco: — Voltarei logo.

Sozinha, Christina caminhou até a janela e encostou a testa na vidraça fria. O famoso marquês estava abalado. Compreendia esse sentimento. Afinal, nas últimas horas, seu mundo também ficara reduzido a fragmentos dispersos. Todas as tradições, todas as regras pelas quais norteara seu comportamento, a conduta que sempre adotara, haviam sido eliminadas por um homem que a fazia se sentir tão feliz que chegava a duvidar de que estivera mesmo viva antes de conhecê-lo. Um homem que iria desaparecer dentro de duas semanas. Ou antes, considerando sua saída repentina. Ele estava evidentemente perturbado pelo desenrolar dos acontecimentos e por isso precisara de um drinque.

Suspirando outra vez, Chrjstina desenhou um coração na vidraça, como urna menina apaixonada e sonhadora querendo ignorar a dura realidade em favor de uma fantasia delirante. Logo, a vidraça estava cheia de corações, como se fossem um presságio de boa sorte, uma promessa de felicidade impossível. Porém, ao ouvir sons de passos, apagou depressa as provas de sua tolice romântica e virou-se para recebê-lo.

Sorrindo, Max trazia nas mãos uma tigela com maçãs, urna garrafa de conhaque, dois copos e, curiosamente, uma esponja.

— Vim carregado de presentes. A sra. Bagshot achou que minha esposa precisava experimentar suas maçãs especiais. A esponja é para... bem... Expliquei ao sr. Bagshot que a esponja seria para o nosso banho e deveria ser nova. Contudo, pedi ao estalajadeiro para não mandar a água quente já, porque esfriaria. Disse-lhe que você estava dormindo. É impressionante como as mentiras se sucedem em situações como essa. Não que eu tenha feito isso antes, asseguro-lhe. De qualquer forma, enquanto descia a escada, percebi que o que eu quero mesmo, acima de todas as coisas, é segurá-la em meus braços, é tê-la junto de mim. Portanto, ao diabo com tudo o mais. Espero que você não se importe. Porém. caso me rejeite, aviso-lhe que sou muito mais alto e forte. Com todo o respeito, sua resistência seria inútil — ele completou com um sorriso radiante.

Max poderia conquistar o mundo com aquele sorriso, ela pensou, derretendo por dentro. — E eu acho que vou precisar de muito mais do que ser abraçada. Aliás, caso você se negue, estou inclinada a rasgar suas roupas e, desconsiderando seus desejos, pretendo amá-lo até a completa exaustão. — Christina sorriu-lhe também, radiante de alegria. — Com todo o respeito, é claro.

— Pelo visto não precisaremos do conhaque, milady,

— Não creio que você terá tempo para beber, a menos que seja muito, muito habilidoso.

— De fato o sou. Todavia posso pensar em maneiras muito mais agradáveis de usar meus talentos.

— Não me importa o que você diga desta vez. Vou tirar minhas roupas mais depressa — ela o atiçou, começando a despir-se.

— Eu me apressaria se fosse você, minha querida esposa.

— Veremos quem ganha, meu querido marido.

E mesmo num tom de brincadeira, a palavra soou deliciosa em seus lábios.

 

Max livrou-se das roupas numa fração de segundo.

— Suponho que a prática leve à perfeição — Christina brincou, atirando a última peça de roupa que a cobria em cima dele.

Ignorando o comentário, que poderia apenas gerar controvérsias, o marquês apanhou a túnica no ar e jogou-a de lado.

— Você não vai mais precisar disso. Estou inclinado a mantê-la nua em pêlo em meu aconchegante covil. Inteiramente despida você servirá melhor aos meus propósitos.

— E aos meus também.

Um sorriso suave iluminou o rosto másculo.

— Onde você esteve durante toda minha vida? Esperando-o me encontrar.

— Maldição. Estive perdendo tempo.

— Enquanto eu tento recuperar o tempo perdido. Nós somos uma combinação perfeita, não? Tomando-a pela mão, Max a conduziu até a cama.

— Seria possível fazê-la se interessar por essa cama enorme, princesa?

— Você falou a sério sobre eu amarrá-lo?

Os olhos castanhos e penetrantes revelaram surpresa.

— Claro, querida.

— Você não se importaria?

— Aja corno lhe agradar. — Embora não tivesse nada contra, jamais se deixara amarrar por amante nenhuma. — A idéia a apetece?

— Não sei... O conceito é intrigante, porque eu estaria lidando com você. Na verdade, você me intriga de todas as formas. Nu, vestido, excitado ou não. Um sinal de quão enamorada estou. Apaixonada seria o termo mais acurado, imagino, considerando nos conhecermos há tão pouco tempo. E você está sempre deliciosamente pronto — ela murmurou, os olhos fixos na rija masculinidade do marquês. Deve ser algo que você disse. — Max sentou-se na cama e acomodou-a entre as coxas. Hum, que bom... A propósito. você vai ter que me ajudar. Por exemplo, o que usarei para amarrá-lo? Por que não os prendedores de cortina? Somente então Christina notou os laços de fita que prendiam as cortinas de musselina. Você é muito gentil em me permitir fazer isso, sir. Tenho apenas um pedido antes de ser amarrado. Dependendo das circunstâncias, talvez eu não vá ser capaz de retirar a tempo. A esponja seria um grande auxílio... dentro de você — efe acrescentou, diante da expressão perPlexa da princesa. Então a esponja não era para o nosso banho.

Não. — Tamanha ingenuidade o estarreceu. Sem compreender o valor contraceptivo de esponjas e com apenas dois filhos em doze anos de casamento, era óbvio que Christina e o marido pouco se relacionavam sexualmente. Seria melhor inserirmos a esponja primeiro. Você poderá ejacular dentro de mim sem conseqüências indesejáveis? — Agora você entende meus motivos egoístas. Estou pensando no meu prazer. —Mas eu gostaria muito também. É gostoso senti-lo dentro de mim — ela admitiu, corando intensamente. — Sente-se aqui, querida. — Levantando-se, Max apanhou a espoja. — Logo você estará pronta para o sexo. — Oh, céus, quando você fala assim eu me sinto... Embaraçada, Christina fechou os olhos por um instante, o centro da feminilidade latejando. — Este é um território novo para nós dois. — O marquês beijou-a de leve na boca, cheio de ternura. — Não costumo me deixar amarrar. — Entretanto o fará por mim? — Eu faria qualquer coisa por você. — Não me ofereça muito. Sou gananciosa. — Estou planejando obter a minha parte, querida. Acredite-me. Não seremos interrompidos? — Paguei muito bem aos Bagshot para garantir nossa privacidade. Então, depressa, mostre-me essa esponja, que me dara a liberdade de tê-lo se derramando dentro de mim. Com um canivete, Max cortou a esponja no formato de um ovo e depois de umedecê-la no conhaque, espremeu o excesso do líquido. Fascinada, Christina seguia cada um dos movimentos do amante. Mesmo se não estivesse tão apaixonada, seria impossível não reconhecer a beleza física do marquês. Os músculos salientes e rígidos denunciavam um estilo de vida atlético. A pele bronzeada, os cabelos negros e o porte altivo conferindo-lhe um ar misterioso, uma mescla de elegância e sutil selvageria. — Talvez eu deva ajudá-la — Max se ofereceu, voltando para a cama. — Por favor, faça-o. Não sei se eu seria capaz de colocar isso.., corretamente. — Lulu costumava falar de uma espécie de anel de borracha e de outros apetrechos para evitar gravidez. Porém nunca prestara muita atenção porque raramente fazia sexo. — Receio não estar a par dessas... coisas. Por um momento Max sentiu-se dominado por uma estranha, e pungente, sensação de posse. Agradava-o que Christina fosse ignorante neste assunto e que houvesse se resguardado... para ele. — Ouvi sobre certos contraceptivos masculinos. Você trouxe algum? Eu não estava planejando... — Fazer algo além de cavalgar. Sim, eu sei. — Christina Sorriu docemente. — Então me encarreguei de seduzi-lo. — Pelo que sou profundamente grato. — E agora você vai me deixar fazer o que quiser com Você. — Mas me reservo o direito de retribuir. É só um aviso ele a provocou.

— Você pretende me amarrar também’? Ainda não sei. Decidirei na hora. Pelo menos você sabe como agir. Tudo é tão novo para mim. Oh, céus, inclusive isso... — Ela arqueou as costas no momento em que os longos dedos masculinos introduziram a esponja em sua vagina. Ouvindo-a gemer baixinho, excitada com seu toque, Max retesou os músculos do corpo, reprimindo o impulso de possuí-la imediatamente. — Não posso esperar. Desculpe-me. Sinto-me tão desajeitada e pouco sofisticada, mas não posso... Agradecendo aos deuses, porque se sabia a ponto de perder o controle, ele a penetrou. Christina ergueu os quadris, oferecendo-se sem reservas, abandonando-se de corpo e alma. Consumido numa turbulência de emoções, Max já não conseguia pensar com clareza, algo impensável para um homem que sempre considerara o sexo um esporte casual. Ofegante, Christina se agarrou aos ombros largos. murmurando palavras desconexas ao atingir o clímax. E no mesmo instante Max explodia em piazer, a figura alta e musculosa sacudida por espasmos violentos. Vários minutos depois, os dois começaram a sair do torpor em que haviam caído, o cérebro registrando pequenos ruídos vindos da parte térrea da hospedaria e o brilho do so se infiltrando pela janela. E mesmo possível morrer de prazer, Christina pensava lânguida. O sexo já não é apenas sexo, Max concluía, entre temeroso e assombrado.

Ele despertou primeiro, talvez devido ao hábito. Afinal, acostumara-se a copular em aposentos onde, a qualquer instante, o marido poderia aparecer. Portanto, o instinto prevalecia. Christina abriu os olhos ao senti-lo se mexer. — Foi uma experiência fantástica. Teremos que praticar mais, querida. Ela jamais imaginara que tal gloriosa harmonia existisse. — Deve ser um dos milagres de Deus. — Aparentemente sim. — Tenho vontade de ficar assim anos a fio. — Christina suspirou, o cheiro do corpo másculo intoxicando-a. — Mandarei um bilhete a Shelagh. — Se ao menos... — Você pode fazer o que bem quiser. — Os homens podem fazer o que bem quiserem. O marquês deu de ombros. — Algumas mulheres também. — Depois de beijá-la na ponta do nariz, ele virou-se, para apanhar uma toalha. Notando Christina estremecer, cobriu-a com uma manta. Então, num gesto rápido e preciso, retirou a esponja. — Até você ter mais prática — falou, sorrindo. Preguiçosamente, levantou-se e caminhou até a lareira para avivar o fogo. Fascinada, Christina acompanhava cada um de seus movimentos, deliciando-se com a visão. Não, não era nem um Pouco diferente da longa lista de mulheres que a haviam precedido. Mulheres ansiosas e desejosas de tê-lo. — Logo o quarto estará quente — disse Max, colocando mais toras. — Temos lenha suficiente para fazer um churrasco. Suponho que vocês não façam churrascos em Silésia.

Não, não se importava de ser mais uma no harém do marquês. Sua felicidade era grande demais ara se incomodar com detalhes. — Tampouco na Inglaterra — comentou. querendo deslizar as mãos pelo corpo bronzeado e viril, sentir a força e poder que dele emanavam. Você gostaria de minha fazenda em Montana, especialmente no verão, quando as rosas silvestres florescem e se espalham ao longo das margens do rio. — Satisfeito com a altura das chamas, Max ergueu-se. — Pronto. Isso devera espantar o frio. — Nunca estive nos Estados Unidos. Tudo o que ouvimos dizer é que é um país enorme, terras a perder de vista. — Venha comigo quando eu partir. Irei lhe mostrar a América. — Partir assim, num piscar de olhos. Se as coisas fossem tão simples... — Traga seus filhos. — Você é doido, sem dúvida. — Provavelmente. — Com certeza era doido, para querer levar para casa uma mulher que mal acabara de conhecer, e os filhos! Convencido de que precisava de um drinque para pôr a cabeça no lugar, pois só podia estar ardendo em febre para cogitar idéias tão malucas, levou dois copos e a garrafa de conhaque para a cama. — Ainda é um pouco cedo — Christina murmurou, sem saber se aceitava, ou não, a bebida. — Então não beba. Todavia, acabou aceitando. Talvez porque fosse menos indecente tomar um drinque no meio do dia do que ficar na cama com um homem que conhecera apenas no dia anterior. — Se você está se sentindo culpada — Max ponderou, como se pudesse ler sua mente —, pense que poderíamos estar prestes a ouvir os discursos de lady Moffet até a completa exaustão. — Motivo suficiente para me permitir estar na cama, ao seu lado. — Um dos motivos, querida. — Um de muitos, espero. — Hesitante, Christina sorveu um gole do conhaque. — Conte com isso. Assim que o quarto ficar um pouco mais quente. Não quero que minha adorada pegue um resfriado. — Impossível me resfriar, tendo-o perto de mim. Ardo de calor quando estamos juntos. Você costuma beber assim tão cedo? — Por acaso você é minha mãe? — Max indagou num tom brincalhão. — Prefiro não ser sua mãe, se é que me entende. Claro que entendia. Aliás, a conversa o induzira a desejar outras atividades mais prazerosas. — Chega de conversa, querida. — Você está no comando? - E uma questão de tamanho. — Falando em tamanho... — O olhar dela se fixou na virilha dele. - Estamos disponíveis, para qualquer coisa. — Como me deixar amarrá-lo? — Ou eu a você.

— Você vai voltar atrás agora? Não é justo, quando nunca em minha vida... Não me lembre daquele porco do seu marido. Surpresa com o tom duro, Christina o fitou. — Considerando seu estilo de vida, você não pode acusar Hans de nada. — Espero que não o esteja defendendo. — Não. Porém você não tem motivos para estar zangado comigo. Se havia um motivo, Max ainda não se sentia preparado para admiti-lo. — Tem razão — concordou depressa. — Desculpe-me. — Talvez eu o desculpe. Mas com uma condição. Você vai insistir nisso, não? — Encare como uma lição de vida para mim. E eu adoraria tê-lo como professor. Um conceito interessante, o marquês pensou, rindo alto. Então, eu deveria dar as ordens, princesa. — Você não aceita ordens? — Em geral, não. — E o faria, por mim? Durante intermináveis segundos, Max a fitou. Depois recostou-se nos travesseiros. — Oh, diabos, por que não? Contudo não garantirei ser dócil por tempo indeterminado. — Uma vez amarrado, querido, você ficará à minha mercê — falou. — Ah, as coisas que faço para agradá-la. Se prefere ir embora... — Você não acha que eu a deixaria partir, acha?

— Sendo assim? — Sendo assim você está no comando — ele concordou com um pouco de má vontade, abrindo um precedente na sua relação com as mulheres. — Diga-me o que fazer primeiro. — Diabos, não! Você está por conta própria. — Então, improvisarei. — Isso vai ser interessante. Após beber mais dois goles do conhaque, Max permaneceu imóvel, perguntando-se por que estava se submetendo àquilo, quando detestava limitações de qualquer espécie. Tampouco se recordava de, alguma vez, ter recebido ordens de uma mulher. — Pronto, você vai ficar lindo amarrado — Christina declarou, desfazendo os laços que prendiam a cortina. — Você realmente está se divertindo, não? — Não me lembro da última vez em que me diverti tanto. Estou completa e confortavelmente nua na frente de alguém que não seja minha criada pessoal. Estou a ponto de amarrar um homem sensual e forte. Será que não poderíamos personalizar isso, querida? Apenas para a minha paz de espfrito? Um homem querido, sensual e forte, que eu adoro ela se corrigiu, sorrindo. — Quando não deveria adorá-lo, quando não deveria estar aqui, e quando estou exultante por ambas as coisas. Chistina nunca ficara nua na frente do marido? Chocado, e grato, Max, prudentemente, não expressou seus pensamentos. Não era hora nem lugar de lembrá-la da existência de Hans, embora o suíno fosse um notório infiel. Por ocasião do campeonato de hipismo, o príncipe dormira com uma mulher diferente todas as noites. — Gosto dessa parte de ser adorado. Se é assim, posso dar sugestões? — Não, querido. Imagine que você está me fazendo um imenso favor. Imagine o que estou aprendendo. — Trata-se de uma aula então? — Sem dúvida. Quero ser tão experiente quanto você. Portanto, teorias não bastam. Aulas práticas são necessárias. — De jeito nenhum! — A possibilidade de sabê-la ganhando experiência nos braços de vários amantes o enfurecia. — Desculpe-me a aspereza. Estou lutando contra um curioso sentimento de posse. — Exatamente. — Christina concordou, feliz por não ser a única a enfrentar esse sentimento. — Sena bom poder mantê-lo acorrentado à minha cama, testar os limites da posse. — Vamos ver quem é dono de quem, querida. — Eu primeiro, claro. — Não me importo de ser o último. Terei mais tempo. — Mas eu tenho você agora. Estenda as mãos, querido. Sem vacilar, Max obedeceu. Logo seus pulsos estavam amarrados com um laço de fita, na cabeceira da cama. — Quão bonito você está. Embrulhado de presente para mim. Agora deite-se. Quer um travesseiro sob a cabeça? — Posso pensar em algo que eu gostaria sobre meu rosto. Isso conta? — Com efeito, sir! — Ela reagiu indignada. Até perceber o significado da sugestão. — Que ótima idéia. Observe como sou boa aluna, estou aprendendo depressa. Em segundos Max tinha também os tornozelos amarrado»

e se não estivesse preso, estaria tão contente quanto a princesa de Zeiss. Por outro lado, mal podia esperar o desenrolar dos acontecimentos, seus desejos carnais aparentemente imunes ao parcial confinamento. Excitado ao extremo, estava, pronto para quaisquer aulas práticas que a dama exigisse. — Estou achando tudo muito estimulante — Chrístina murmurou, deslizando os dedos gentilmente ao longo da masculinidade intumescida. — Estou em chamas só de pensar em você dentro de mim. — Deixe-me ver quão excitada você está ele sussurrou, enlouquecido com o simples toque. — Veja. — Ela acariciou os pêlos dourados. — Daqui não posso ver nada. — Quão perto você quer que eu chegue? — Que tal aqui? — Max mostrou a língua. Apesar da sugestão erótica deixá-la ardendo de desejo, Chrístina resistiu, obrigando-se a se concentrar no jogo de sedução. — Talvez eu não queira agora. — Poderíamos apenas tentar. Um experimento? Sim, um experimento. — E se eu disser que quero ser a primeira? — Então você será a primeira. Christina sorriu, provocante. — Quão compreensivo você é! — Quão deliciosa você é, querida. Chegue mais perto. Deixeme ver se você está quente em todos os outros lugares. — E se eu o mandar esperar? Uma breve pausa.

— Então, esperarei. — Por quanto tempo? Outra breve hesitação. — Por algum tempo. Até eu o liberar? O marquês sorriu, o esforço para se coiitrolr evidente. — Falei que você podia me amarrar, querida. Não me torturar. — Oh, céus! — Ela arregalou os olhos, fingindo inocência. — Tenho sido má? Reagindo ao sarcasmo, Max semicerrou os olhos. Não estou certo de que isto vai funcionar. Claro que vai, porque estou pensando em deixá-lo constatar o quanto estou úmida. Melhor assim? — Você não perde por esperar. — Quando for minha vez. — Talvez eu decida mantê-la amarrada por muito tempo. - Não, você não o fará. — E se eu discordar? De repente Max flexionou os braços. numa exibição convulsiva de força bruta. Com a violência do esforço, os bíceps saltaram, os pcitorais se alargaram, os músculos do abdômen se contraíram. E os laços de fita rasgaram. Livrando-se das amarras nos tornozelos, ele segurou a mão de Christina. Desculpe-me. Não tenho muita paciência. Você não tem nenhuma paciência. — Então formamos um bom par, não? — Agarrando-ai pela cintura, ele a esmagou contra o peito. — Você deveria sabê-lo melhor do que eu. — Sentia-se lisonjeada e irritada, com tamanha demonstração de vigor e poder. — Eu o sei. E agora vou provar seu gosto quente — ele murmurou. Com sua licença, claro. Se estivera irritada, o sentimento foi rapidamente substituído pela lascívia desencadeada pela promessa escandalosa insinuada na voz rouca de Max. Apenas para atiçá-lo, indagou: — E se eu não lhe der licença? — Terei que encontrar uma maneira de persuadi-la. — Talvez eu possa ser persuadida. Embora reconhecendo a agitação da princesa, sob o exterior comedido, o marquês continuou o jogo de sedução. — Isto nos pouparia tempo. — Nosso tempo é limitado, milorde? — Somente o seu. O meu é livre. Em parte para fazer charme porque esse homem se sentia excessivamente confiante em seu próprio poder de atração, Christina o fitou como se considerasse a possibilidade. - Suponho que talvez eu tenha um ou dois minutos livres para atendê-lo. Embora sorrisse, Max reagiu como um perfeito cavalheiro, seus modos impecáveis. Estou honrado, princesa. Você está pronta então? Sem esperar resposta, ele a depositou sobre a cama. Trêmula de ansiedade, Christina fechou os olhos, o corpo inteiro arrepiado ao senti-lo se posicionar entre suas coxas. E quando as mãos firmes a seguraram pelos quadris, debateu-se entre a vergonha de querer o que queria, e o desejo de se entregar a tais prazeres dissolutos, capazes de desencadear sensações pecaminosamente devassas. Sem pressa, Max acariciou os pêlos macios e introduziu um dedo entre as dobras da pele úmida e quente. — Preciso de você — ela gemeu. — Vamos ver o quanto. As palavras dele eram uma carícia em sus sentidos, ato de posse implícito e iminente. Devagar, Max sugou o gosto feminino aroma sensual inebriando-o. Ela era a tentação encarnada, ardente e sequiosa, cujo impacto sobre suas emoções ainda não conseguir entender. Ah, como o sabor de Chnstina o deliciava. Alucinado d paixão, sorveu até a última gota, exultando ao vê-la estremecer violentamente e alcançar o orgasmo. — Valeu a pena conceder-me alguns minutos de seu tempo? — indagou baixinho, depois de alguns segundos. Saciada, ela suspirou alto. — Vou levá-lo para casa comigo. E, pela primeira vez na vida, Max poderia ter ido. — Ou eu a levarei para minha casa. — Seria menos provável Hans se aventurar a invadir sua propriedade. — Querido Max... Estou inundada de desejo sexual por sua causa. E não quero abrir mão dessa sensação. Não agora. — Não há necessidade de abrir mão de nada. — Sempre tão galante. — É muito fácil, querida, quando nós dois queremos mesma coisa. — Jamais imaginei, jamais pensei que pudesse existir algo assim, que eu pudesse desejar esse tipo de intimidade

Sempre julguei Lulu insana, ou entediada, ou desiludida, para buscar distração no sexo. — Talvez Lulu seja mesmo insana, entediada, ou desiludida. O que nós dois estamos experimentando juntos — ele fez uma pausa, lutando para encontrar a palavra certa —, é... diferente. — Como? Diga-me, porque não tenho como comparar. — É algo além de mera distração carnal. É tudo o que sei. Não me peça para ser poético. — As mulheres pedem isso? — Ocasionalmente. E se você não se importar, será que poderíamos continuar essa conversa mais tarde? Ainda estou terrivelmente excitado. — Você me choca, sir. — Christina sorriu. — Minha gratidão não é o bastante? — Não sou assim tão indulgente, querida. — Às vezes sim. — Essa é a palavra-chave. “às vezes”. Agora não saia daí. Tenho planos para você. — Então devo me considerar ao seu inteiro dispor agora? - ela indagou, provocante. — Sem dúvida. — Novamente Max cortou um pedaço de esponja e voltou para a cama. — E peço-lhe desculpas Por não estar mais bem preparado. Eu não havia pensado que... — Teria um raro ataque de consciência pesada? — Sim. Quem poderia imaginar algo assim me acontecendo? Entretanto, no meu estado atual de excitação, eu... De repente, uma batida na porta. Percebendo o pânico de

Cristina, acalmou-a, lembrando-a de que estavam muito distantes da residência de Shelagh. — Sim? — Sua voz soou brusca. Aquela interrupção não estivera em seus planos. — Desculpe-me, patrão. Como diabos Danny os localizara? E, o mais importante por quê? Entreabrindo a porta, perguntoi ao criado: — Como você nos encontrou? — O estalajadeiro em Digby gostou da cor do meu dinheiro e aqui estou porque a condessa está a ponto de ter um ataque. O príncipe de Gales apareceu inesperadamente deseja sua companhia, milorde. — Agora? — O senhor sabe como é Bertie quando quer alguma coisa. A condessa está arrancando os cabelos. Recebi ordens para levá-lo de volta antes dos convidados retornarem da caçada. — Que horas são? — Quase uma e meia. Trouxe cavalos descansados, caso sejam necessários. — O que eu necessito é de paz e quietude, porém, aparenternente, tal coisa não irá acontecer. — O príncipe gosta de companhia, patrão. A condessa disse que ele só veio para o fim de semana porque soube que o encontraria aqui. — Má sorte danada — Max praguejou irritado. Notando a expressão do marquês, Christina o interrogou — O que está acontecendo?

— Oh, céus! — A idéia de encarar toda aquela gente a apavorava. — Não é nada sério. O príncipe de Gales deseja nossa companhia. — Ele está hospedado na casa de Shelagh? — Infelizmente sim. — Virando-se para o empregado. Max ordenou: — Espere-nos lá embaixo. Estaremos prontos para partir em quarenta minutos. Com certeza chegaremos ao nosso destino na hora do chá. — Sim, milorde. — E diga ao estalajadeiro para nos mandar água quente daqui a meia hora. — Depois de dispensar Danny, Max trancou a porta e voltou para a cama. — Aparentemente não teremos a privacidade que buscávamos. Maldito Bertie e sua necessidade de companhia. — É difícil ignorar um chamado real. Mas sinto-me tentado a ignorá-lo. — Não podemos. Sim, eu sei. — Ainda temos algum tempo. — Tempo suficiente, querida. - Para a sua gratificação. — Para a nossa. Eu estava tentando não ser gananciosa. — Logo que ficarmos livres de Bertie, querida, poderemos ser tão gananciosos quanto quisermos, porque pretendo monopolizá-la. Imagine quanta coisa poderei aprender. Começando agora. Embora nossa situação momentânea nea me faça lembrar de minha adolescência, quando as opor tunidades para o sexo eram escassas e limitadas.

— Oportunidades com quem? — ela perguntou, surpresa, — Criadas, governantas, às vezes amigas de minha mãe, — É verdade? Na sua casa? — Naquela fase da minha vida, em qualquer lugar. — Num quarto como este? — Às vezes. — Com a sua governanta? Às vezes. — E o que aconteceu com ela? — Casou-se com um amigo de meu padrasto e partiu meu coração adolescente. — Minha governanta era velha, empertigada e completamente assexuada. — A minha era jovem e francesa. Aprendi meu francês com ela. — Entre outras coisas, milorde. — Sim, entre outras coisas. — Você teria me levado para a cama se eu fosse sua governanta? — Você teria que tomar a iniciativa. Eu não era precoce o bastante para seduzi-la. — Quase chego a odiar sua governanta, quando não deveria. Quando deveria ser indiferente a todas as mulheres que passaram por sua cama. — A princesa exagera — Max murmurou, introduzindo a esponja em Christina delicadamente. — Agora posso tê-la só para mim. — Devagar, penetrou-a. Eles fizeram amor com doce ternura, sem pressa, apesar do pouco tempo e das incertezas quanto ao futuro. E ao atingirem o êxtase, souberam que não apenas seus corpos, mas suas almas, haviam se fundido para sempre. — Estou sem fala, as palavras me faltam — Christina murmurou, zonza. — Onde você esteve durante toda minha vida’? — Não na Alemanha. — Detestava pensar que ela tinha uma vida num outro lugar, longe dele. — Mas você esteve ocupado. — Irrita-me pensar nisso, porque eu não estava com você. Acredite-me, daqui para a frente não vou deixá-la longe dos meus olhos. — E você não poderá conversar com nenhuma outra mulher — falou. Os dois sorriram um para o outro, desejando poder tomar nas mãos as rédeas do destino e reescrever a própria história. Quando a água quente chegou, Max resistiu à vontade de se unir a Christina no banho. Tem certeza? — ela perguntou lânguida, estendendo- se na banheira. É o sensato. — O marquês tentou desviar o olhar da Visão tentadora. — A água está deliciosa. Você terá que esperar até essa noite, querida. — Você é cruel, sir. — E você uma sedutora irresistível. Todavia, terá que esperar até a noite porque não quero os convidados de Shelagh destruindo sua reputação. Quero levá-la embora de lá assim que possível sem que comentários maldosos nos sigam. Está claro? — Hum... fico excitada quando você fala assim, neste tom autoritário. — Você ficará mais excitada ainda quando eu a possuir hoje à noite. E se o príncipe não estivesse à nossa espera, eu a possuiria agora. — Faça-o então. — A oferta é muito tentadora, mas não temos nem cinco minutos a perder. Então, saia dessa água já. Vou falar com Danny e, quando voltar, espero encontrá-la pronta para partir. — Adoro esse seu jeito durão. Max inspirou fundo para controlar o deselo. — E se eu saísse da água, úmida, ardente, e desesperada para tê-lo dentro de mim? Eu a mandaria se vestir. — Verdade? Sabendo-se a ponto de perder o controle, Max deu-lhe a costas e saiu do quarto.

Você o roubou de mim, sua pequena sedutora. Reconhecendo a voz de Lulu, Christina levantou-se da penteadeira e virou-se para receber a amiga que acabara de invadir seus aposentos na casa de Shelagh. Então dispensou a criada: — Por hora basta. Rosie. Terminaremos de arrumar meus cabelos depois. — Tão logo a serva se retirou, desculpou-se. Sinto muitíssimo, Lulu. Você tem todo o direito de... — Não, não, estou absolutamente entusiasmada por você! Sorrindo cúmplice, Lulu sentou-se perto de Christina e envolveu-a num olhar avaliador. — Você está resplandecente, querida. Por causa do adorável Max, não? Agora conte-me tudo. Até os mínimos detalhes. Enrubescendo, a princesa tentou desconversar. — Por favor, não... — Não me venha com desculpas. — A baronesa assumiu Um ar fingidamente severo. — Nem considere a possibilidade de se passar por tímida comigo. Só sairei daqui depois de uma descrição pormenorizada de seu encontro clandestino com o belo marquês. — Eu também — acrescentou Shelagh, entrando no quarto e fechando a porta. — Quero saber de toda a história. Não tão sofisticada quanto as amigas, capazes de discutir detalhes da vida sexual como se falassem sobre o cardápio do dia, Christina corou ainda mais. — Max foi muito, muito bom. — Em que sentido ele foi bom, querida? — Lulu a pressionou, piscando um olho. — Em todos os sentidos possíveis, como você bem sabe. Tenho uma nova percepção da palavra desejo.” E isto é tudo o que vou dizer. — Eu tinha a intuição de que vocês seriam perfeitos juntos. — A baronesa suspirou, pensativa. — Porque ele é muito gentil — acrescentou Shelagh. — Quando a maioria dos homens não o é. E Christina precisava de alguém gentil, porque Hans jamais o foi. E não pule em defesa de seu marido — a condessa a avisou, erguendo a mão. — Nós o conhecemos bem. — Tem razão. Não sei por que me dar ao trabalho de defendê-lo. — Porque sua mãe a ensinou a ser uma esposa obediente e submissa — Lulu decretou. —Por isso você demorou tanto em buscar um pouco de prazer pessoal. — E aí fui obrigada a interferir e estragar tudo — lamentou-se Shelagh. — Mas Bertie tem que ser atendido e ele sempre teve uma queda por você.

— Enquanto eu não tenho o menor interesse por homens de meia-idade e com numerosas amantes. — Diferentemente de homens jovens e viris com numerosas amantes. — Não me faça pensar nisso, Lulu. — Ter inúmeras aventuras não é necessariamente um defeito. Foram essas experiências que fizeram de Max um amante excepcional. — Talvez ele apenas tenha um talento inato para os jogos sexuais. — Shelagh lançou um olhar sério para Lulu. — O marquês não é um homem promíscuo. — Por favor, não tente me consolar, Shelagh. Conheço a reputação de Max — Christina admitiu, suspirando. — Lembre-se de que ele também é doce e generoso. Generoso e doce demais. — Você gosta dele, então. Muito, muito, muito. — Abatida, Christina balançou a cabeça. — Eu deveria ter um pouco mais de bom senso. Não recomece — Lulu a advertiu. — Não faz mal nenhum se divertir um pouco. —Ao menos enquanto for possível. Max partirá em breve Para os Estados Unidos e eu voltarei para a Alemanha para as festas de fim de ano. — Então desfrute dele aqui e agora. Vou colocá-los lado a lado no jantar — Shelagh decidiu. — E eu farei com que o príncipe de Gales se interesse Por outra mulher esta noite. Na falta de lady Brooke, acho que caberá a mim representar o papel de dama coquete. Oh, querida, não se sacrifique por mim. Passei os últímos dez anos me esquivando do príncipe de Gales e sei como lidar com a situação. Lulu atirou os braços para o alto num gesto teatral. — Não temos sido amigas desde sempre? Então é uma por todas e todas por uma. Manteremos você longe das garras de Bertie essa noite, não é, Shelagh? Claro! Você estará ocupada demais para ter que agüentá-lo. Vocês são amigas queridas, porém sou capaz de resolver isso sozinha. Mas ficaria grata se Max se sentasse ao meu lado no jantar. — Considere o pedido atendido. E agora precisamos nos vestir. — A condessa levantou-se. — A propósito Max deu um brilho maravilhoso aos seus olhos. Ao meu corpo inteiro — Christina murmurou. — Bom para ele e ótimo para você. Nem Lulu, nem Shelagh precisaram proteger Christina dos avanços do príncipe de Gales, porque Max deixou claro não permitir concorrência. Assim que a princesa de Zeiss entrou no salão, o marquês já estava ao seu lado, fitando-a como um homem irremediavelmente apaixonado. Aqueles que o conheciam ficaram chocados. E as mulheres, indignadas. Mesmo o príncipe de Gales, famoso por sua falta de perspicácia, reconheceu a demonstração inequívoca de posse do marquês. Embora não compreendesse bem o que se passava, Christina estava feliz com as atenções de Max, pois estivera temerosa de que ele houvesse considerado as horas passadas juntos apenas uma distração inconseqüente. — Senti saudade sua— ele sussurrou, a voz grave soando como uma carícia. — E adoro vê-la corar. — Você está me embaraçando, mas não me importo. Também morri de saudade sua. Veja a expressão de Shelagh. Imagino que ela lhe tenha feito mil perguntas. Receio que sim. Você se importa? — Não. E tampouco me importaria beijá-la agora. se você estivesse disposta a enfrentar os olhares curiosos. — Não se atreva! — Christina teria se afastado se o marquês não a enlaçasse pela cintura, impedindo-a de mover-se. — Estou avisando-a. Pretendo beijá-la mais tarde. — Não no meio do salão. — No meio da minha cama será melhor. — Por favor, não diga essas coisas quando serei obrigada a enfrentar uma longa noite entre essas pessoas. Você poderia, de repente, ficar com dor de cabeça. — Ainda não sou tão audaciosa quanto você. Admita, é uma idéia tentadora. — Como serei capaz de agüentar isso? — Era óbvio que OS dois haviam se tornado o centro das atenções. Porque prometo fazer amor com você a noite inteira. se tivermos paciência. Agora sorria, querida. Bertie está vindo. O jantar foi uma tortura. Para começar, a pedido do príncipe de Gales, Christina sentou-se à sua esquerda e passou horas escutando-o falar sobre os campeonatos de hipismo que ele, Max e Hans haviam disputado no último verão. Entediada, ela foi obrigada a mostrar interesse pelo discurso de Bertie sobre os méritos de seus cavalos e das medalhas ganhas em acirradas disputas. — É uma pena que Hans tenha partido cedo — o príncipe comentou, fazendo sinal para que o criado tornasse a encher seu cálice de vinho. — Eu estava ansioso para vê-lo. Hans sempre tem muitos compromissos — Christina respondeu. certa de que Bertie sabia muito bem com quem seu marido partira. — Diga-lhe que senti falta de sua companhia. — Eu o direi, Vossa Alteza, quando tornar a vê-lo. Por um instante o príncipe a fitou, como se algo em seu tom de VOZ lhe soasse sutilmente estranho. — Você irá caçar conosco amanhã de manhã? — Ainda não sei. — Você irá, não, Vale? Precisamos de um bom atirador no grupo. — Prometi à princesa mostrar-lhe o circuito de saltos em Grammont. — Entendo. — Pausa. — Você trouxe Tremaine consigo, Christina? — Meu cavalo necessitava exercitar-se, sir. — Imagino que sim — o príncipe devolveu, enigmático. Se você quiser se juntar a nós. — Apesar das palavras gentis, estava claro que Max fizera o convite apenas por educação.

— Talvez numa outra ocasião, Vale. — O príncipe sorriu, num tácito entendimento. E assim a refeição se arrastou, prato após prato, com o príncipe de Gales cada vez mais bêbado e seus comentários cada vez mais ferinos e impróprios. Por fim, Max tomou uma atitude. — Creio que a princesa de Zeiss está se sentindo indisposta. Vossa Alteza. Estou bem — Christina reagiu. fitando o marquês. — Você parece pálida — ele insistiu, ignorando o olhar de súplica. — Talvez tenha sido a lagosta. Quem sabe não seria bom descansar um pouco? — Não é nada. Estou perfeitamente bem. — Sei que você irá nos desculpar, sir. Seria terrível para a princesa passar mal à mesa. O príncipe de Gales olhou de um para o outro, tentando decifrar o que de fato acontecia. Todavia Max já ajudava Christina a se levantar, amparando-a sob o braço. — Claro.,. sim, claro — Bertie resmungou. Desculpando-se com Shelagh por se retirarem antes do término da refeição, Max conduziu Christina para fora do salão. — Você pode discutir comigo depois, mas eu não poderia agüentar mais um minuto sequer. Não estou com humor para ouvir imbecilidades durante outras quatro horas enquanto Bertie se embebeda. Ele não pertence à minha família real, portanto posso ser rude se o desejar. Você está livre para me culpar pelo ocorrido, se alguém lhe perguntar. — E qual seria, exatamente, meu motivo, minha desculpa, para sair da mesa com você antes do término do jantar, caso alguém me pergunte? — Quem se importaria com isso? - Alguém poderia se importar. Por Deus, Christina... Você não iria querer passar a noite toda escutando as idiotices de Bertie e jogando bacará até o amanhecer! — Mais do que você, preocupo-me com os mexericos. —Porquê? Ela hesitou, todas as suas preocupações ameaçando se dissolver no ar diante da expressão apaixonada do marquês. Pense, querida. Teremos o resto da noite para nós dois. Ou, se você for mesmo corajosa, poderíamos partir ainda hoje. — Como? Bertie ficaria furioso. Ele entenderá. De repente Christina já não se importava com quem pudesse entender ou não. De repente queria se entregar a algo espontaneamente, sem regras, ou restrições. Queria se aconchegar nos braços de Max. Queria ser feliz. Inspirando fundo, tentou se encher de coragem, porque espontaneidade não costuma ser facilmente conquistada. nem o dever descartado num piscar de olhos. Sua fuga, com certeza. teria desdobramentos imprevisíveis. — Pense... poderíamos ficar sozinhos, bem longe daqui. Diante dela estava a tentação, irresistível, oferecendo-lhe a felicidade que sempre buscara.

— Vamos agora — ela murmurou com o coração aos pulos, antes de mudar de idéia. — Essa é minha garota. — Tomando-a pela mão. Max a arrastou para a porta principal da mansão. — Max? O que estamos fazendo? Precisamos arrumar nossa bagagem. Precisamos deixar um bilhete para Shelagh, um pedido de desculpas para Bertie. Sem diminuir o passo, o marquês sorriu-lhe, tranqüilizador. Eu cuidarei disso. — Como? Max... Max! — Querida, não se preocupe. — Ao saírem para dentro da noite fria, ele tirou o casaco, cobriu os ombros nus de Christina e tomou-a nos braços. — Você precisa de algo com o que se agasalhar e sou o homem certo para mantê-la aquecida. Max levou Christina até os estábulos e depositou-a sobre um monte de feno antes de sair atrás do cavalariço para mandá-lo aprontar uma carruagem. Ao retornar para junto da amante, abraçou-a e beijou-a de leve nos lábios. Iremos para a estação de Tatton e pegaremos o trem da meia-noite.

Um trem para onde?

— Nosso destino importa mesmo? — Não. — Ela sorriu, tímida. — Exatamente, querida. Desde que partamos para bem longe daqui hoje.

— Vamos para um lugar onde ninguém possa nos encontrar. — Que tal Minster Hill? — Seria onde nos procurariam primeiro. — Porém ninguém conseguiria ir além dos portões. — Teríamos privacidade. — Privacidade total. — Pois bem, concordo. O marquês riu, aliviado. — Ótimo. Porque mandei uma mensagem a Danny pedindo-lhe para levar nossa bagagem amanhã. — Teremos que discutir essa sua propensão de assumir o comando — Christina brincou. — Quando quiser, querida. Estou sempre a seu dispor. — Espero que sim. — Com ar travesso, ela lançou um olhar malicioso para Max. — Quanto tempo teremos que esperar? — Se conseguirmos uma cabine privativa no trem, você não terá que esperar nada. — Você é sempre tão gentil, milorde. Ele arqueou as sobrancelhas. — E tenho escolha? — Claro que sim. — Além de fazer amor com você na carruagem? — E seria difícil? — Já não tenho mais dezoito anos, querida. — Então poderíamos passar a noite em Tatton, antes de seguirmos viagem. Eu preferiria ir direto para Minster Hill.

— Quer dizer que minha opinião não conta? Percebendo a melancolia sob o tom brincalhão, Max lembrou-se de que Christina conhecera apenas as restrições de um casamento opressivo. Uma experiência de vida diametralmente oposta à sua. — Como está ficando tarde, talvez seja mesmo melhor pernoitarmos em Tatton. — Obrigada. — É um prazer agradá-la. Não me importa onde estejamos, desde que estejamos juntos. — Oh, Deus, tudo mudou tão de repente... Às vezes me sinto insegura... — Lágrimas grossas banhavam o rosto delicado. Não chore. — Terno, Max secou o pranto com beijos. — Como posso fazê-la parar de chorar? Presentes costumam ser uma boa idéia. — Tatton será meu presente. — Ela sorriu entre as lágrimas. Você é fácil de agradar. Nem diamantes, nem rubis, nem caixinhas Fabergé? — Isso virá depois, quando você estiver preso na minha teia. - Tarde demais, querida. Já estou preso e nem penso em me debater. Quando, em geral, você não se permite ser pego? Exatamente. Porque mulher nenhuma, jamais, conseguiu me prender. Então sou a primeira? — Sim. E é este o problema.

— Ainda temos duas semanas. — Sim, a começar de Tattofi. — Max sabia ser inútil se rebelar contra o casamento da princesa. Precisavam aproveitar o tempo que lhes era permitido sem pensar no futuro. — Você é um amor. Sou louco por querer afastá-la de tudo e de todos. — Um louco absolutamente irresistível.

Capítulo X Max instruiu o cocheiro para deixá-los na estação de Tatton, esperando assim despistar quem pudesse sair ao encalço de ambos. Não que imaginasse vir a serem seguidos, porém não custava ter cautela. Ainda nos estábulos, escrevera um bilhete a Bertie e Shelagh, desculpando-se pela partida brusca. E embora Shelagh, sem dúvida, fosse se mostrar compreensiva, Bertie possuía uma natureza imprevisível pois, como a mãe. a rainha, gostava de tudo ao seu modo e suas exigências satisfeitas. A lua brilhava alto quando o casal atravessou a praça iluminada em direção à hospedaria. Olhe, um unicórnio! — o marquês falou, apontando para a placa da pousada. — Será um sinal significativo? — Fantástico, você quer dizer? Sim, como o nosso encontro. — Sinto-me, definitivamente, vivendo um sonho — murmurou Christina. Ele sorriu.

— Eu não tinha a menor intenção de convidá-la para cavalgar. Quase chego a acreditar no destino. Ou em coincidências felizes. — Se Hans não houvesse sido indiferente aos seus sentimentos e passado aquela noite nos braços de Gina, talvez nunca tivesse ido até os estábulos. — Se conseguirmos um quarto na hospedaria, mais uma vez me considerarei o homem mais feliz do mundo. — E pensar que quase a rejeitara! — Oh, querido, eu não tinha levado essa possibilidade em consideração. Será que corremos o risco de não acharmos um quarto a essa hora? — Provavelmente o estalajadeiro nos providenciará acomodações. Talvez não muito confortáveis. Receio não poder lhe garantir nenhum esplendor. — Você me proporcionará o esplendor. — E você a beleza. Vamos, minha querida esposa. Vamos ver o que obtemos. — Estou ficando acostumada a isso — ela falou baixinho, os olhos brilhando de emoção. Quando Max pediu um quarto, a mulher de meia-idade. lábios finos e magríssima atrás do balcão os mediu de alto a baixo, indagando num tom desconfiado: — A essa hora? — Sim, a essa hora — o marquês devolveu seco. — E se você não pode nos ajudar, encontrarei alguém que possa. — Não há ninguém aqui além de mim. A propósito, não vejo nenhuma bagagem — a mulher acrescentou, desdenhosa.

— Sou o marquês de Vale. Por favor, faça conforme estou lhe dizendo. Fosse a autoridade da voz, ou a imponência do título, o fato é que a estalajadeira imediatamente mudou de tom, abandonando a rudeza. — Peço-lhe perdão, milorde. Mas é que temos tido muitos rapazes altas horas da noite, em especial durante a temporada de caça, acompanhados de mulheres.., de mulheres de uma certa classe... — Não estou interessado no que acontece na aldeia. Um quarto, por favor, e depressa. A proprietária da hospedaria analisou Christina rapidamente, decidindo que as jóias que a enfeitavam eram verdadeiras. Portanto, aquela bela mulher devia ser muito rica. E não seria louca de um nobre com o título de marquês, apesar das circunstâncias questionáveis. Contudo, ainda tinha restrições de natureza moral. — Exijo pagamento adiantado, milorde. — Primeiro mostre-me o quarto. — Virando-se para Christina, falou: — Espere-me aqui, querida. Verei se as acomodações são adequadas. — Saiba que os inúmeros nobres hospedados aqui para a temporada de caça nunca reclamaram de nada, sir. — Reservo-me o direito de tirar minhas próprias conclusões — Max retrucou, marchando para a escada. O marquês de Vale escolheu o mais amplo dos dois aposentos que lhe foram mostrados. — Estamos com sorte, querida — ele explicou a Christina. — Só conseguimos este quarto porque lorde Picard cancelou a reserva na última hora. — Devíamos mandar-lhe uma nota de agradecimento. Urna nota anônima, naturalmente. Encarregarei meu secretário de cuidar do assunto assim que chegarmos a Minster Hili. — Agora terei você todinho para mim. Max ergueu as sobrancelhas, fingindo-se surpreso. — Devo ficar alarmado? — Eu o preferiria submisso. Acho que já passamos por isso antes. — O marquês riu com gosto. — Disponível e ansioso, facilmente persuadido e submisso. Hum não posso lhe garantir nada. — Não tem importância. querido. Na minha impaciência, estou disposta a lhe ceder tudo: poder, autoridade, domínio... desde que eu chegue ao clímax nos próximos minutos. Mal acabara de trancar a porta, Max viu Christina se livrar do casaco e soltar os longos cabelos. presos num coque elegante. — Já estamos de volta ao nosso frenesi ele brincou. encostando-se na porta. — Sim. E você deve admitir que fui paciente até chegarmos aqui. — Paciente? Percorri dez quilômetros tentando conter seus avanços, princesa. — Talvez alguns dos cavalheiros hospedados nesta estalagem não achariam minha ansiedade desconcertante — ela respondeu, coquete. — Para descobrir, você teria que passar por cima de mim, antes de conseguir abrir a porta.

— Adoro quando você fica enciumado, sir. Dê um passo na direção da porta e você verá quão ciumento sou. — Hum, quão deliciosamente poderoso. Você é assim poderoso de outras formas, milorde? Depende. — Depende do quê? Do que você quer. Então você tem certas reservas? Sim. Há perversões que abomino, como as que enolvem animais, por exemplo. — Notando o assombro estampado no rosto da princesa, ele riu e avançou, devagar. — Ah, você está querendo sexo selvagem... — Não, não, na verdade não — ela protestou, alarmada com o que acabara de ouvir. — Você não me entendeu bem. Eu só... — Segundos depois Christina jazia deitada na mesa, os olhos negros do marquês devorando-a. - Você não está mais impaciente, querida’? —- Não, isto é, sim.., O fato é que não compreendi aquele comentário sobre animais. Sua ingenuidade é deliciosa, querida. — Lentarnente, Max começou a abaixar as alças do vestido de seda. — Eu poderia ser perigoso. — Sei que você não é. Você não sabe nada sobre mim, exceto que sou capaz de levá-la ao auge quantas vezes desejar. E agora você quer SeXO selvagem. — Não, não realmente... — Mas talvez eu queira.

— Max! — Um débil protesto. — Você poderia gostar — ele sussurrou, deslizando os dedos sugestivamente sobre a curva dos seios revelada pelo decote generoso. — Você poderia gostar se eu rasgasse esse vestido e a obrigasse a me satisfazer de todas as maneiras. Aliás, esse vestido vinho, decotado e provocante, poderia fazê-la passar por uma cortesã. De alta classe, é verdade. Se você estivesse à venda esta noite, eu compraria seus serviços e a teria ao meu inteiro dispor. — Não... Max... — Entretanto, apesar de ensaiar levantar-se da mesa, Christina já sentia aquele calor abrasivo ameaçar dominá-la. Desculpe-me — Max a segurou pelos pulsos —, você não vai a lugar nenhum. Ela deveria insistir para que fosse solta, porém seu corpo reagia ao som da voz de Max num nível primitivo, e sua sexualidade correspondia de um modo selvagem à pressão da masculinidade rígida roçando-a. Tomada por um desejo avassalador, mergulhou na fantasia erótica. — E se eu estivesse à venda? — Diga-me seu nome — ele ordenou, fitando-a com uma promessa de prazeres —, e lhe direi se estou interessado em comprá-la. Por um segundo Christina vacilou, entre aterrorizada e excitada com a idéia de fazer o papel de cortesã. Todavia, como resistir à beleza daquele homem, aos seus músculos maciços, ao seu charme devastador? — Meu nome é Lola. E espero agradá-lo, porque você me atrai loucamente.

— Meu dinheiro a atrai, isto sim. Não, não... Bem, suponho que deveria ser assim, mas nao é. — Uma prostituta com coração de ouro. O centro da sua feminilidade é tão benevolente? — Eu o receberei sem reservas. Quanto à benevolência, cabe-lhe decidir. — Você obedece ordens? — Creio que poderia obedecer, sir. — Eu insistiria neste detalhe. — Pois bem. — Então resta-nos apenas decidir o preço de sua.., submissão. — Eu realmente não saberia... — Vamos, querida, você não me parece nenhuma inocente. Não há necessidade de barganhar. — Desculpe-me. — Não fique ofendida, Lola. Não estou mesmo interessado em inocência. — Entendo — Christina devolveu, ríspida. Se você não está disposta a ser participativa, eu poderia procurar outra para me distrair. Max a superava naquele jogo. Maldito! — Apenas um conselho, querida. Você agradaria mais seus clientes se não os xingasse. Agora tire o vestido e permita-me admirar seu corpo suculento e assim ignorar seu temperamento ranzínza. Quão gentil de sua parte, milorde. Porém ainda não concordamos quanto ao preço.

Quinhentas libras.

— Mil.

— É melhor você ser boa no que faz. — Afirmam que o sou. Apesar da ficção, os olhos de Max revelava ciúme genuíno.

— Verdade? — Sim, milorde. Verdade. — Imagino que você vá querer receber adiantado. — Metendo a mão no bolso da calça, o marquês retirou um maço de cédulas. Depois de separar o valor combinado, colocou as notas no decote de Christina. Estou pronto quando você estiver. — Ouvi dizer que você está sempre pronto. E ouviu bem. Agora tire a roupa. Quero ver o que acabei de comprar. — Não consigo alcançar os botões. Virando-se de costas, ela esperou. Fosse pelo tom altivo da princesa, ou pela visão das nádegas firmes modeladas pelo vestido de seda, o fato é que Max já não podia conter-se. Atirando-a sobre a mesa, desnudou-a até a cintura. Com gestos rápidos, desabotoou a braguilha e se posicionou entre as pernas alvas com um único propósito em mente. Embora pretendesse resistir mais um pouco, Christina gemeu baixinho e levantou os quadris, oferecendo-lhe amplo acesso. Segurando-a pela cintura, ele investiu mais fundo, até o limite. Contorcendo-se de prazer, ela cravou as unhas nos braços Vou possuí-la a noite inteira... Espero que você não se importe. Mas, de qualquer maneira, sua opinião não tem importância Diante do silêncio da princesa, ele insistiu, num tom baixo e brusco. — Responda-me. Se aquele homem não a estivesse arrastando para o orgasmo. Christina teria até tentado responder-lhe Todavia logo espasmos violentos a sacudiam e ela começou a gritar, a gritar, a gritar. Sem dúvida, uma resposta. Max atingiu o clímax segundos depois. Então, parecendo muito calmo, Sentou-se numa cadeira. — Quando você estiver descansada, tentaremos de novo. Talvez algo menos impetuoso da próxima vez. Sua voz soava agradável, neutra como a de um mero conhecido. -— Não haverá próxima vez. Estou satisfeita. — Levantando-se, Christina abaixou o vestido, seu embaraço evidente. Mas eu não. Max, não estou interessada neste jogo. - Porém eu continuo excitado feito o diabo. Tudo o que preciso é de um mínimo de participação sua. Inquieta, Christina desviou o olhar. Talvez mais tarde. — Agora e mais tarde o marquês a corrigiu, ainda no mesmo tom indiferente. — Desta vez não precisarei de você muito tempo. Talvez você não precise mesmo de mim.

Ele sorriu de leve. — Gosto de senso de humor numa mulher, mas prefiro submissão agora. Portanto, traga esse seu corpo suculento para mais perto e ambos ficaremos satisfeitos. — E se eu obedecer sua ordem? — Então, talvez, eu a deixe chegar ao orgasmo novamente. Obrigando-se a ignorar a ereção tentadora, Christina insistiu: — Desculpe-me, você é irritante demais. — Ah, querida, você nunca sobreviveria no mundo da prostituição. — Com certeza não, se os homens fossem todos tão pouco civilizados quanto você. — A maioria é pior. E muito menos bonitos, ela pensou, sentindo uma pontada de ciúme ao lembrar-se de todas as mulheres que já haviam passado pela cama de Max e no prazer que ele lhes tinha dado. — Não quero continuar com esse jogo. Quero que você faça amor comigo e pare de se mostrar desinteressado. — E eu quero que você pare de considerar idéia de dormir com quaisquer dos cavalheiros hospedados aqui esta noite. — Se alguém tivesse o direito de estar se mordendo de ciúme, esse alguém deveria ser eu — ela protestou. — Não se desvie da questão. Responda à pergunta. Christina, até então, nunca fora o alvo da raiva contida e da frieza extrema do marquês. Assim, espantou-se. — Como você pode me julgar capaz de uma coisa dessas? Max, pare de me olhar desse jeito!

— Você tem certeza agora de que não quer ninguém? — Claro que sim! Por Deus, Max, o que deu em você? De repente ele sorriu, abotoou a braguilha e levantou-se. — Você é uma sedutora provocante, mas é minha. — E você é um homem arrogante, acostumado demais a ter tudo à sua maneira. — Quem está fazendo o que quer agora, querida? — Pensei que alternaríamos o comando. Ele riu. — Deixe-me saber quando for minha vez. — É sua vez de desabotoar meu vestido. — Ela lhe deu as costas e aguardou. Seria necessário um homem com mais força de vontade para resistir ao desejo brutal que o assolava. Sucumbindo ao impulso, ergueu a barra do vestido e introduziu dois dedos na cavidade escorregadia e úmida. — Oh, céus — Christina gemeu baixinho, os joelhos vergando-se. E quando ele retirou os dedos, pediu: — Por favor, não... — Tenho algo melhor. — Guiando-a, Max a fez segurar seu sexo rígido. — Você ainda não fez por merecer suas mil libras. — Diga-me o que tenho que fazer... — Ofegante, febril, ela só conseguia pensar em tê-lo dentro de si, em alcançar o clímax, em saciar a luxúria. — Para começar, você terá que dizer sim, quando eu quiser que você diga sim. — Qualquer coisa...

— Se você está aqui para me servir esta noite, meus desejos são ordens, entendeu? Com os olhos semicerrados, Chrjstina assentiu vagamente. — Repita o que acabei de dizer. — Deus, você está me torturando! Não tenho a menor idéia do que você disse. Faça amor comigo, por favor. — E o que você fará por mim? — Qualquer coisa que você quiser... qualquer coisa... apenas, por favor, não me obrigue a esperar mais. Farei qualquer coisa que você quiser se você me der... isso. — Ela acariciou o membro ereto delicadamente. Qualquer cojsa? — Quero que você faça amor comigo. Quero me deitar na cama ao seu lado e fazer amor com você todos os dias da minha vida. Quero fugir com você para um lugar onde ninguém, jamais, possa nos encontrar. Quero ter um filho seu...

Vibrante, Christina pensava, se o sexo sempre fora uma função tão sem ímportâncja na sua vida? Aquela era uma noite despida de restrições, ou medos. Uma noite de paixão indomável, de sexo levado às últimas Conseqüências. Uma ode à devassidão dos sentidos.

Max a calou com um beijo e, deitando-a sobre a mesa, a penetrou como um homem enlouquecido. Não queria pensar. Queria apenas possuí-la. De corpo e alma. Não se mexa — Christina su ou, deliciando-se com o volume que a preenchia. — Sim, senhora. — Ele investiu ainda mais fundo. Descontrolada, Christina gritou. Como possuí-la podia ser urna experiência tão fantástica, se havia possuído centenas de mulheres, milhares de vezes?. Max se perguntava, atordoado. Como podia precisar desse homem tão desesperadamente.

Capítulo XI Na manhã seguinte, sentado à mesa frente a frente com Christina enquanto tomava o desjejum, Max sorriu. vendo-a vestida com sua camisa. — Acho que devemos providenciar roupas de viagem para você. — Você usará sua varinha mágica? — ela brincou, fitando-o apaixonadamente. Talvez devêssemos ir até a loja da costureira, do outro lado da rua. Eu não poderia. Imagine a expressão da mulher quando me vir no meu vestido de noite amarrotado e descosturado? Seria mais difícil para mim enfrentá-la ou à estalajadeira ontem, quando esperava um quarto na companhia de meu... — Amante? — Sim. — Ela corou até a raiz dos cabelos. Estou vendo que terei que cuidar da costureira sozinho — o marquês concluiu à vontade. — Há muito olhares de censura já não me incomodam. E você vai precisar de um casaco, ou de uma capa, pelo menos. Seu vestido...

Estava nos atrapalhando ontem Você é quente demais, querida. — Max piscou. Seu vestido será consertado em Minster Hill. Para que todos os empregados me olhem desconfiados? Não, obrigada o rasgo sugere uma certa... Pressa? Impaciência? — É tudo culpa sua. Não assumo nenhuma responsabilidade. Se você não fosse tão tentador, como agora, por exemplo. Nu, bronzeado, esbanjando Virilidade e completamente ao meu alcance Ah, é difícil não desejá-lo, não fazer exigências egoístas o tempo inteiro. Talvez eu devesse pedir desculpas por ser tão... Jamais pense em se desculpar Max Sorriu e tocou-a de leve na mão. — Estou encantado com você e satisfaço Suas exigências com imenso prazer. E quando chegarmos a Minster Hill, penso seriamente em mantê-la lá. — E se os Sonhos fossem possíveis eu pensaria seriamente em ficar por lá. Aliás, talvez não precjseios partir amanhã no primeiro trem. Poderíamos passar mais esta noite aqui. Eu gostaria muito. A propósito você já terminou de Comer? Max olhou para a comida no prato e então assentiu levantando-se Sim, já. Christina estendeu ambas as mãos para que ele pudesse Ver0 tremor. Olhe o que você faz comigo. Sinto-me como uma viciada, querendo-o a cada segundo, nunca me saciando, impedindo-o até de tomar o desjejum. Com imensa gentileza, Max tomou-a pelas mãos e ajudou-a a erguer-se. — Posso comer a qualquer outra hora. Agora vejamos como aplacar esse seu vício. Prisioneira de um desejo arrebatador, ela o fitou fascinada, incapaz de resistir àquela sensualidade máscula. Entendia por que dezenas de mulheres se atiravam aos pés do marquês. Você tem uma energia inesgotável, milorde. Por acaso. alguma vez, já recusou uma dama? Certamente não você — Max respondeu, evasivo. — E como você decide qual dama irá escolher, milorde? — Isso importa? — Ele sorriu de leve. — Não posso lhe fazer essa pergunta? — Christina sussurrou, sedutora. — Você pode qualquer coisa, querida. — Se é assim, diga-me o que mais o atrai numa mulher. — Querendo brincar de novo, princesa? — E em caso afirmativo? — Então serei obrigado a possuí-la, como faço sempre com todas as damas que se arriscam a bnncar. — Por outro lado, não estou certa de que quero ir até o fim agora. — Nunca alimentara fantasias sexuais antes, pois sua mãe lhe ensinara ser algo impróprio e indecente. Rindo, Max a tocou de leve no rosto. — Você não se lembra, srta. Grey? — ele murmurou, chamando-a pelo nome de solteira, a idéia de que eram livres intoxicando-o — Eu decido quando, onde e se você quer. — Quanta arrogância, milorde As mulheres consideram a arrogância um traço atraente? Creio que a maioria das mulheres está mais interessada em Outra coisa. E que coisa seria essa? Satisfação. Satisfação sexual. Principalmente. — Max deu de ombros — Todavia você conhece um pouco do assunto. — Por quê? Ainda há mais? Há muito mais, srta. Grey. Você gostaria de algumas aulas sobre satisfação? Levaria muito tempo? — Vai depender do que VOCê estiver querendo aprender. O olhar de Christina deslizou pelo peito largo, pelo abdôme rijo, até se fixar no membro intumescido Você sabe o que eu quero. — De alguma forma eu já sabia que você queria isso. Quão intensamente você o quer? Muito, muito. Demais. Sorrindo-lhe provocante Christina. Voltou atrás. - Aliás, nem tanto assim no momento. — Pronuncie a palavra, querida, ou jovens damas como você não podem dizer “pênis?” — Por favor. — Ela enrubesceu, pouco à vontade. Instigado, Max insistiu. — Você tem que dizer a palavra, ou não terá nada.

— Eu não conseguiria. — Embora visivelmente embaraçada, era óbvia sua crescente excitação. Percebendo-a pronta e pouco disposta a esperar, o marquês se aproveitou da vantagem. — Tudo o que você precisa fazer é dizer a palavra, srta. Grey. — Por que não experimentamos algo diferente? — ela sugeriu, estendendo a mão para tocá-lo. Infinitamente mais experiente em jogos amorosos, Max desvencilhou-se do toque. — Você não vai ganhar essa disputa, querida, me distraindo com carícias. Por que não pede logo o que deseja?

— Por favor...

Por favor não basta.

Christina estremeceu, olhando-o fascinada.

Por favor, eu quero... isso... — balbuciou, num murmúrio quase inaudível. — Você foi muito boa, srta. Grey. Merece uma recompensa. Gemendo baixinho, ela se deixou abraçar, tremendo descontrolada. Nunca me senti assim antes. Insaciável, devassa, querendo-o dentro de mim a todo instante. — Estou aqui, querida. Sem o menor esforço, Max a ergueu nos braços e, segurando-a pelas nádegas com uma das mãos, ajustou as pernas alvas ao redor de sua cintura. Lentamente, penetrou-a, a fricção de seus corpos inundando-os de prazer. Quando, enfim, estava completamente absorvido, ele fIcou imóvel por um segundo, saboreando o êxtase de invadi-la. Jamais iremos embora daqui — murmurou veemente, transtornado de paixão. Não me importo se ficarmos neste quarto para sempre — Christina respondeu, a respiração ofegante. Não diga isso ele pediu, inseguro quanto à própria capacidade de conservar um resto de bom senso. — Não me importo, não me importo não me importo.. — ela repetia sem parar, enterrando as unhas nos ombros largos como se quisesse marcá-lo como seu apenas. Se é assim, vou mantê-la ao meu lado até o fim dos tempos. Daquele momento em diante, os dois pararam de raciocinar. Nada mais importava, a não ser a voracidade com que se consumiam em beijos e carícias selvagens. Como um homem desesperado, Max estabeleceu um ritmo delirante nas investidas, arrastando a ambos num abismo de sensações primitivas e avassaladoras. Enlouquecida Christina o mordeu no pescoço. Ao sentir o gosto de sangue na boca, gritou: Oh, deus, desculpe-me desculpe-me Porém Max mal a ouvia. Embora no íntimo soubesse que aquela atração mútua, tão explosiva quanto incontrolável, os estivesse conduzindo a um desastre iminente, já não se importava com as consequências Desejava-a como nunca desejara nenhuma outra mulher. Por isso o sexo deixara de ser somente Sexo e se transformara numa experiência nova, única, onde corpos e almas se fundiam numa entrega total e sem pudores. E quando os dois chegaram ao clímax. em uníssono, ele se derramou dentro dela, nem sequer se lembrando de que não haviam tomado as precauções necessárias. Minutos depois, quando os efeitos do orgasmo se dissiparam, o desastre e a ruína se tornaram ameaças palpáveis. Com a testa apoiada na parede, Max praguejava baixinho. Christina queria dizer “não se preocupe”, mas não era capaz, o medo a paralisando. — Nós temos que cuidar disso. — Aparentando calma, embora estivesse apreensivo, o marquês a carregou até a cama. — Nós? — Eu cuidarei disso — ele se corrigiu, sabendo-a apavorada. — Deve haver um alquimista na cidade. — Max! — Oh, céus, sua vida íntima se tornaria pública! — Não olhe para mim assim. Precisamos de alguma coisa para lavar o sêmen. — Seria melhor você se desculpar comigo antes. — Christina estava furiosa com ele, consigo, e com a maneira irracional e irresponsável com que haviam agido. — Sinto muito. Apesar de não servir como justificativa. saiba que jamais me aconteceu isso antes. Sinto muito. De verdade. — É o mínimo que você pode me dizer. Max, que acabava de vestir a calça, fitou-a irritado, a voz carregada de fina ironia.

137 — Desculpe-me, porém não me recordo de ouvi-la dizer “não” em nenhum momento. Então a culpa é minha? Depois de uma pausa ele admitiu: — Não, a culpa não é sua. Obrigada. Diante do tom sarcástico da princesa de Zeiss, Max franziu o cenho e inspirou fundo. Você pode ser muito irritante às vezes. E você muito estúpido às vezes. Um silêncio pesado sucedeu ao comentário. Todavia, ao fim de alguns segundos, o marquês sorriu. — Tenho vontade de lhe dar umas palmadas e de beijá-la até sufocá-la Contudo, o mais inacreditável é que gostaria de engravidá-la portanto, só posso estar louco. Aliás, perdi a cabeça no primeiro momento em que a vi. E, a propósito, não gosto de mulheres virtuosas Christina sorriu porque o marquês acabara de descrever o que se passava em seu íntimo. Também havia enlouquecido, porque queria o mesmo. — Pelo menos virtude já não é um problema, milorde — A virtude foi substituída por questões mais traumáticas. Não posso afirmar que me alegra pensar na possibilidade de meu filho ser criado na Alemanha. — Não vai haver nenhuma criança. Obrigado por sua confiança. Isso significa que não preciso ir atrás do alquimista? Não custa nada nos prevenirmos — Christina retrucou, contrita. — Espero que você saiba o que é necessário providenciar, porque eu não sei. Tampouco eu. Mas descobrirei. — Jamais fora seu hábito deitar-se com mulheres inocentes. As damas de sua vida sempre haviam sido sofisticadas o bastante para cuidarem de si e adotarem medidas anticoncepcionais. Porém, desejando preservar a harmonia entre os dois, preferiu não mencionar o fato. Ao entrar na loja, o alquimista e a funcionária o fitaram tão chocados que Max presumiu ser aquela a primeira vez em que ambos se deparavam com alguém trajando roupa de gala em plena luz do dia. Ou talvez não fosse a roupa em si, mas o estado em que seu traje se achava, amarfanhado e descuidado. — Preciso de alguns itens de ordem pessoal — disse o marquês, rompendo o pesado silêncio. A mulher ensaiou falar algo, porém o senhor de cabelos grisalhos a dispensou. — Eu cuido disso, Clare. Após a saída da empregada, Max explicou suas necessi dade rapidamente. Não foi difícil escolher o que precisava Pelo visto, numa aldeia do tamanho de Tatton, artigos daquele gênero tinham pouca serventia. Os preservativos são mais procurados — explicou-lhe o alquimista, colocando algumas caixas sobre o balcão. — Que tipo milorde preferiria?

— Levarei o que você tiver. — Todos eles? — Sim, por favor. — Ignorando o ar perplexo do outro, Max decidiu que talvez fosse mais sensato partirem logo para Minster Hili. Melhor não continuar assombrando os aldeões se pudessem evitá-lo. — Tenho um número considerável de caixas de preservativos, sir. — Ótimo. Embrulhe-as. E depressa, por favor. Enquanto punha-se a arrumar os pacotes, o alquimista indagou, observando-o por sobre o aro dos óculos: — Milorde está hospedado na pousada? — Sim. — Irrequieto, Max consultou o relógio. — E mora pelas redondezas? — Não. — Visitando a região? — Não. — Reprimindo um suspiro de enfado, ele sugeriu: — Dê-me um pedaço de papel. Deixe-me ajudá-lo com os embrulhos. — Então milorde está apenas de passagem? — continuou o alquimista, entregando-lhe uma folha de papel. — Mais ou menos. — O marquês não estava nem um pouco disposto a discutir sua vida com um estranho indiscreto, quando seu esperma marchava a caminho de um óvulo. Friamente, acrescentou: — Tenho muita pressa e não posso perder tempo. Intimidado pelo tom firme e pela presença imponente do nobre, o outro silenciou-se. Mais um momento desconfortável na hora do pagamento. Nervoso, o alquimista descobriu não ter troco.

- Irei ao banco e levarei o dinheiro para milorde na estalagem. — Não será necessário. Fique com o troco. Obrigado, sir! Milorde é extremamente gentil. Que sua visita à cidade seja agradável, sir! Segundos depois, tão logo a porta da loja se fechou, a funcionária de meia-idade correu para a janela, transbordando de curiosidade. — Ouvi cada palavra que vocês dois trocaram. Aquele homem deve ser muito rico para deixar uma gorjeta tão grande! Nunca vi nada assim na minha vida inteira! E como eu gostaria de conhecer a mulher com quem ele está envolvido! Deve ser uma criatura deslumbrante. Imagine, comprar quatro caixas de você sabe o quê. E as marcas de dentes no pescoço! O marquês nem sequer tentou escondê.las, ou disfarçá-las. Veja, agora ele está entrando na loja da Masie! Que será que vai comprar lá? Não tardaremos a saber. Masie é a maior fofoqueira da cidade. — Ele é tão lindo... Pasmo, o alquimista fitou a ajudante. A viúa Clare sempre fora conhecida por seus rígidos padrões de moralidade e pela indiferença aos atrativos do sexo oposto. É impossível não reparar — a velha senhora se apressou a dizer, recobrando a sobriedade — Mas com certeza Deus caprichou ao fazer aquele homem. — E, aparentemente, o diabo se encarregou de lhe dar os vícios. Quanto a Masie Carter, a costureira não era nem um pouco indiferente aos atrativos do sexo oposto e tampouco acalentava rígidos padrões morais. Portanto, quando Max cruzou a soleira da sua porta, ela pensou ter morrido e ido para o céu, onde seria recompensada por uma vida inteira lidando com aldeões rudes e pouco dispostos a pagar suas contas. — Bom dia, sir — sussurrou, ajeitando os longos cabelos tingidos de loiro e desejando estar usando seu melhor vestido. Reconhecendo o tom sedutor, Max adotou uma expressão austera e formal. — Bom dia, senhora. — Chame-me de Masie — a costureira o instruiu. dengosa. — E qual seria o seu nome, milorde? — Sou o marquês de Vale. — Não valia a pena mentir sobre sua identidade numa cidadezinha daquele tamanho, quando todos falavam com todos. — E preciso de seus serviços. — Max sorriu, ciente do efeito que seu sorriso costumava ter sobre as mulheres. — Estou com um pouco de pressa. Espero que você possa ajudar-me. — Conte comigo, milorde. — Ótimo. — Passeando o olhar pela loja, Max descobriu uma espetacular capa de zibelina, forrada de cetim, exposta sobre o balcão. — Necessito de algo assim — falou, apontando para a capa. — É perfeita. Apesar de Masie desejar que os comentários do nobre fossem de natureza mais íntima, era experiente o bastante para saber que mulheres da sua classe não atraíam as atenções de homens como o marquês. — Sinto muito, sir, mas essa capa já tem dona. Um dos criados da condessa Temple virá buscá-la hoje.

— A condessa Temple é uma boa amiga. Ela não se importará de me fazer um favor. Nenhuma mulher se importaria de lhe fazer um favor, Masie pensou, incapaz de ficar imune aos efeitos do charme devastador do belo aristocrata. Contudo, a condessa sempre comprava um número considerável de peças e lhe proporcionava um lucro expressivo. — Estou disposto a pagar muito bem por sua compreensão, senhora. — Milorde não é daqui, é? Você soa como americano. — E o sou, em parte. — Então é amigo da condessa? E do príncipe de Gales, se isso serve para alguma coisa — ele mencionou, prático sobre o funcionamento da sociedade. — Eu realmente preciso daquela capa e de um vestido também. — Milorde está disposto a me pagar a mais? — A quantia que for necessária. A costureira riu. Sem dúvida milorde é estrangeiro. A maioria das pessoas daqui iria barganhar para poupar centavos. Prometo não barganhar. Diga seu preço. - Ah, milorde é um americano rico. Aos olhos implacáveis da costureira não passaram despercebidos as roupas bem cortadas do marquês, seus sapatos feitos a mão e as abotoaduras de ouro. — Moderadamente. Espero não necessitar de uma ordem de pagamento do meu banqueiro. — O senhor tem dinheiro suficiente consigo para comprar a capa de zibelina? Parece-me que partiu de onde estava de uma hora para outra. — Tenho o bastante. — Quem pretendesse jogar cartas com o príncipe de Gales devia ter sempre disponível uma quantia razoável de dinheiro porque Bertie não apenas apostava alto, mas gostava de ganhar sempre. — E eu apreciaria se você pudesse arrumar um vestido depressa. — Vejo que milorde veio do alquimista. — Vivida, Masie reconhecia os contornos dos embrulhos. — Sim. Algum problema? — Absolutamente. Aliás, com sua aparência, seria de se esperar. Talvez meu irmão Ben tenha um casaco que lhe sirva, embora milorde seja bem mais alto e forte... — Não tenho tempo para isso agora. Mais tarde então. Mandarei Ben encontrar algo. Talvez um cachecol para cobrir seu pescoço seja urna boa idéia. — Ele nem sequer piscou — Masie disse horas depois, quando contava os detalhes de seu encontro com o belo marquês às amigas. Um verdadeiro don-juan, isso sim. E com muito dinheiro para gastar.

— Minha cara Masie, estou com muita pressa. — Ela deve ser uma beleza. Um sorriso terno iluminou o rosto do marquês. — Sim, é... e muito mais. Ante a óbvia expressão de afeto, o coração da costureira se enterneceu. — Um homem com o olhar tão apaixonado merece levar a capa de zibelina. — Obrigado. E o vestido? — Porque sua dama partiu com um vestido de noite? — Sim, por isso mesmo. — Qual tamanho? Por sorte, tenho um ou dois vestidos prontos para serem entregues. — Creio que ela veste o mesmo número da condessa Temple. — Então sugiro o vestido de tweed verde-escuro. Confeccionamos lindas roupas esportivas aqui no campo.

Capítulo XIII E tarde demais, tarde demais Christina lamentou-se, quando Max entrou no quarto. — Por que você demorou tanto? No curto período de tempo em que o marquês estivera fora, ela quase se consumira de tanta ansiedade, os pensamentos mais negros passando-lhe pela cabeça. Culpara-o, e também ao marido, pelo inferno que agora vivia, embora soubesse que responsabilidade moral era urna questão pessoal e não tinha ninguém a quem culpar além de si mesma. — Mostre-me o que você trouxe — pediu, sem se interessar pelas peças de roupas que Max colocara sobre uma cadeira. — Quero ver as coisas do alquimista. — Você gostará mais das roupas. — Não sou capaz de apreciar nada agora — Christina respondeu, ácida. Desculpe-me. Providenciei tudo o mais rápido possível e ainda não é tarde demais. Tomarei as iniciativas necessárias — ele prometeu, abraçando-a. — Não se preocupe. — É fácil para você falar.

— Realmente sinto muito, querida, e você pode me castigar como quiser, depois de resolvermos isso. — Terno, Max a beijou no rosto. — Venha ver o que comprei na loja do alquimista. Entre horrorizada e aliviada, interessada e chocada, Christina ajudou-o a fazer a ducha funcionar eficazmente, não sem alguns risos e desacertos. Enfim, composta e menos apreensiva no final da experiência, ela recostou-se na cama e sorriu-lhe. Quando você é capaz de transformar uma lavagem em algo agradável, confesso que serei sua para sempre. — Espere só até ver a capa que encontrei para você neste fim de mundo. Aposto que ficará ainda mais agradecida. Depois de descartar o material usado e lavar as mãos, Max entregou as compras a Christina. — Expliquei à costureira que você precisava mais da capa do que lady Cavendish. — A capa estava destinada a Shelagh? — Sim. — Oh, você acha que deveria ter feito isso? — Não existe “deveria”, querida. Já o fiz. — É simplesmente maravilhosa. — Ela deslizou os dedos pela pele rara. — Oh, céus, é zibelina. Todavia, por mais que eu a considere uma peça deslumbrante, jamais poderia aceitar algo tão absurdamente caro. Claro que sim. Não seja ridícula. — Com gestos ternos, o marquês ajeitou a capa ao redor dos ombros delicados. — Se um presente tão caro a incomoda, pense que o comprei para satisfazer a mim mesmo. Será delicioso possuí-la em cima dessa pele macia.

— Você nunca pensa em outra coisa? E vou me recusar a aceitar o presente. — Por favor, sou um mestre na arte da contenção, perto de você. E conservarei a capa. Christina sabia que estava sendo tola, quando Max se provara o mais gentil dos homens em tantos aspectos. Porém, não queria descartar sua recém-conquistada independência. — Se você já se decidiu, não me resta muito a dizer. Entretanto, gostaria de perguntar-lhe por que está se queixando do meu desejo incontrolável? — Não estou me queixando de nada, muito pelo contrário. Aliás, não vamos brigar por causa de uma capa da qual Shelagh nem precisa. Não me olhe assim, você sabe que sua amiga possui dúzias de capas de pele. — Não é essa a questão. — Então por que estamos discutindo? — Ele sorriu, carinhoso. — Diga-me, porque estou perdido. — Você não pode sempre ter tudo à sua maneira. É sobre isso que estamos discutindo. — Antes que essa conversa se estenda, permita-me lembrá-la de que sempre faço tudo o que você quer, no momento que você quer. Atendo às suas sugestões com prazer e meu... — Paremos por aqui — ela se apressou a intervir, sabendo não poder contradizê-lo. Desde o primeiro instante o marquês não fizera nada além de se curvar às suas exigências sexuais. — Suponho que você tenha razão. E não ouse se gabar. — Não estou me gabando — Max respondeu, procurando manter uma expressão séria. — E agora que nos entendemos, gostaria de frisar que realmente o sensàto é partir para Minster Hili. Depois da minha visita às duas lojas da cidade, os mexericos irão se espalhar numa velocidade vertiginosa. Em especial devido à natureza dos itens que comprei. O que você acha? — Imagino que tenhamos mesmo que partir. — A relutância de Christina era óbvia. — É o mais sensato. Devemos priorizar a discrição, etc, etc... — Essa é sempre a sua prioridade. — Em geral, não. Mas por sua causa sou mais prudente, porque... — Porque receio problemas. — Exatamente. Por mais que eu queira ficar nesta cama quente e macia com você até o fim dos tempos, vou ter que deixá-la novamente só por uma meia hora. Ainda não comprei um paletó e uma calça para viajar. Quando retornar, irei encontrá-la vestida, querida? — E se eu estiver vestida, qual será minha recompensa? Christina indagou, provocante. — Sua recompensa será fantástica, quando chegarmos a Minster Hill. — Vou precisar de uma garantia por escrito? — Dificilmente, quando minha libido está fervendo. — Max sorriu e caminhou até a porta. — Agora mexa-se, querida. Temos apenas uma hora até a partida do próximo trem. Em Minster Hili, nada nos perturbará. Teremos toda a privacidade que quisermos. Quando o marquês retornou, já com as passagens e com as roupas novas, ele exultava. — Estamos com sorte. Consegui uma cabina privativa.

— Você é um homem cheio de recursos. — Vestida e penteada, Christína era a imagem da elegância. A capa de zibelina a cobria do pescoço aos pés, escondendo o vestido de noite descosturado e amarfanhado. — O dinheiro compra quase tudo, querida. Não foi difícil nos garantir uma viagem mais confortável e, sobretudo, longe de olhares curiosos. — Então não precisarei me sentir culpada. — De jeito nenhum. Poderei segurá-la em meus braços sem ter que dar satisfações a ninguém. Todavia, mal o trem se pôs em movimento, Christina adormeceu. Pouco acostumada a passar noites em claro e sem o hábito de desprender tamanha energia sexual, ela estava exausta. Assim, Max aproveitou as horas em que a princesa dormia placidamente para analisar as emoções novas que o invadiam e a natureza do relacionamento de ambos. Nunca. até então, mulher nenhuma despertara em sua alma tais sentimentos. Sempre fora capaz de pôr um ponto final em seus casos sem pesar, sempre conseguira dizer adeus com indi ferença. Todavia, perguntava-se como reagiria à partida de Christina. Como sobreviveria ao impacto daquela perda. Duas semanas voariam. Quase não se reconhecia. Jamais desejara passar quinze dias na companhia de nenhuma mulher. E se essa possibilidade lhe causara pânico no passado, agora ansiava saborear o prazer da presença constante da princesa de Zeiss, já lamentando o momento da separação.

Ironia do destino, Max pensou. Justiça sendo feita a um homem que nunca se prendera a nenhuma mulher. Todavia, sendo um tipo realista, não pretendia se revoltar contra o destino. Teria Christina todinha para si em Minster Hili durante duas semanas. E se daria por satisfeito. Quanto ao futuro... Bem, o futuro era uma grande interrogação.

O telegrama que Max enviara de Tatton naquela manhã especificara o horário de chegada do trem, assim uma carruagem os aguardava na estação Emery. O sol brilhando alto e as folhas das árvores havendo adquirido a cor outonal criavam o cenário perfeito para o início das duas idílicas semanas. Diante da porta principal da mansão, a criadagem, perfilada, os esperava. Ao mordomo Wilder e à governanta, sra. Drummond, coube a honra de dar as boas-vindas ao casal. — Meu Deus — Christina murmurou, pasma. — Nunca vi tantos empregados. Você deve viver num esplendor digno da realeza. Max fitou a longa fila de servos, certo de que o mordomo julgara a princesa merecedora de toda a pompa e circunstância. — Creio que eles trouxeram algumas pessoas da aldeia para impressioná-la — o marquês falou baixinho. — Espero que esteja impressionada. — Sem dúvida. Você é muito rico? — ela o provocou. Lulu está sempre me dizendo que devo ter o bom senso de achar um homem rico quando arrumar um amante. — Exatamente como ela faz. — A voz de Max soou fria.

— Desculpe-me, eu só estava brincando. A expressão do marquês se abrandou. Tomando-a pela mão, conduziu-a pela entrada imponente de Minster Hili. — A propósito, você não vai arrumar nenhum outro amante. — Sim. senhor. Estou às suas ordens. Considere-me sua serva. Você gostaria de ter seus sapatos engraxados também? Na verdade não posso me oferecer para lustrá-los. Receio que seja uma falha na minha educação. Mas sei como orientar os empregados, se isto o agradar, milorde. — Não me faça de idiota — Max devolveu, arrependendo-se em seguida. Afinal, tinha um papel limitado na vida dela. — Perdoe-me. Sei que me excedi. E minha educação incluiu aprender a engraxar sapatos. Caso necessite desse serviço, estarei às ordens. — Asseguro-lhe, milorde, tenho outros serviços em mente para lhe pedir. — Exigências, eu diria. — Estava tentando ser diplomática, mas concordo. — Pelo menos concordamos em alguma coisa, princesa. — Naquilo que é mais importante. E prometo-lhe nunca arrumar um amante. Não para agradá-lo, porém para agradar a mim mesma. Por um instante Max sentiu-se tentado a lhe fazer promessa igual, todavia, realista quanto ao seu passado e ao futuro de ambos, preferiu não mentir. — E eu prometo controlar meu ciúme no futuro. A porta do salão foi aberta e mais um séquito de empregados os aguardava. Enquanto a conduzia pela escadaria de mármore, o marquês lhe mostrava os retratos de seus ancestrais num tom monocórdio de um guia turístico. Christina, por sua vez, levando em consideração a presença dos servos, mostrava admiração pelo talento dos artistas e comentava sobre o luxo da decoração, agindo como uma convidada polida. — Quão mais até chegarmos aos nossos aposentos? — ela indagou num sussurro, ao atravessarem o longo corredor. — Infelizmente, muito. Os criados terão que se acostumar a desviar o olhar. Se eu quiser beijá-la fora de nossos aposentos, o farei. Se você não se importar, é claro. — Nunca sabia como Christina reagiria a demonstrações públicas de afeto, devido às suas preocupações com o que pudesse ser ou não impróprio. — Sei que a minha não será uma visita de amizade platônica. — Graças a Deus, não. Eu teria que tomar vários banhos frios por dia se fosse o caso. — Quer dizer que você seria capaz de controlar seus desejos? — Provavelmente não. — Mesmo tomando banhos frios? — Mesmo se uma chuva ártica caísse sobre nós, querida. — Que bom. — Fico feliz que você se sinta assim. — Quão feliz, milorde? — Vou lhe mostrar em cinco minutos. — Vai demorar tanto assim? — Com os diabos, não! Segurando-a no colo, Max a carregou até seu quarto, indiferente aos olhares dos empregados.

O modo ardente como se amaram naquela primeira tarde em Minster Hili marcou o início de duas semanas de felicidade sem precedentes para ambos. Eles não fizeram nada e fizeram tudo, dependendo do humor. Alguns dias passaram na cama, outros caminhando ou cavalgando pela propriedade por horas a fio, como turistas despreocupados, como amantes contentes com a companhia mútua. Certa noite, vestiram-se a rigor para o jantar e fingiram ser marido e mulher. Conversaram sobre crianças e sobre como algum dia teriam uma menina e um menino, dos nomes que escolheriam e em que escolas os iriam matricular. A brincadeira eventualmente trouxe lágrimas aos olhos de Christina. Depressa, Max levantou-se da mesa e, tomando-a nos braços, levou-a para o quarto. Então a amou com infinita ternura para fazê-la se esquecer da tristeza e a consolar. Já não lhes restavam muitos dias. Precisavam viver o hoje intensamente. O amanhã não importava. Mas o último amanhã chegou, encerrando o precioso idílio. Quando Christina acordou nos braços de Max, na manhã em que partiriam para Londres, foi imediatamente assaltada pela melancolia, embora soubesse ser esse o destino dos que se envolvem em amores proibidos. Impossível desejar a permanência de um caso que começara com tempo certo para acabar. Contudo, embora não pudesse conservar mais aquela vida, para sempre guardaria a lembrança da imensa felicidade que haviam partilhado juntos.

155 — Ordenei um dia ensolarado para você — o marquês sussurrou. Mergulhando nos olhos escuros, ela se perguntou como conseguiria continuar vivendo sem tê-lo ao seu lado. — Não vou chorar — Christina falou, as lágrimas banhando seu rosto angustiado. — Prometo não chorar também. — E apesar do tom brincalhão, a idéia de perdê-la para sempre era intolerável. — Reconforta-me sabê-lo. — A princesa sorriu por entre as lágrimas. — Manterei os lábios cerrados como um britânico, não demonstrando nenhuma emoção. — Você não parece nem um pouco um britânico. — Reconforta-me sabê-lo — ele devolveu, com a intenção de fazê-la rir. — Você vai me escrever? Tão freqUentemente quanto você quiser. — Porém ainda não sabia se seria capaz de manter correspondência, pois martirizava-o pensar em Christina vivendo com outro homem. — Escreva-me a cada minuto. — É isto o que amo em você. Você não é nem um pouco exigente. Será que Max falara sério quando empregara a palavra “amo”? O marquês perguntava-se a mesma coisa. Entretanto, em vez de se estender em conjecturas, preferiu inundá-la de prazer com beijos tão doces que Christina se comoveu. — Quisera tê-lo conhecido quando você era jovem — ela murmurou vários minutos depois, lânguida.

— Sou melhor agora. — Mas não tão doce, creio eu. — Eu não sabia que você estava à procura da doçura — Max brincou, sabendo muito bem ao que Christina se referira. — E agora você está sendo cínico, quando me sinto extasiada pela ternura de seus beijos inocentes. — Alegra-me que tenha gostado, madame. — Já seria bastante difícil vê-la ir embora e não pretendia permitir que a tristeza o invadisse. Não agora. — Tenho muito mais a lhe oferecer, se estiver disposta. — Estou sempre disposta. — Porém os olhos dela tornaram a se encher de lágrimas. — Não chore, querida. Escreverei para você, você escreverá para mim. Mandarei instalar um posto de telégrafo em minha casa. E quando tudo isso não bastar, faremos planos para nos encontrar em algum lugar. Christina assentiu, o pranto sufocando-a. — E a beijarei até chegarmos a Londres. Mas ela chorou muito e Max quase chorou também ao partirem de Minster Hill. Enquanto a abraçava e secava suas lágrimas com beijos, ele se perguntava o que iria fazer com o resto de sua vida.

Quando os dois entraram na casa de Christina em Londres, no fim daquela tarde, os empregados evitaram fitá-los nos olhos e a voz do mordomo soou estranhamente tensa ao lhes dar as boas-vindas. Não familiarizado com a rotina da residência, Max nada estranhou, mas Christina logo percebeu o medo no ar. Todavia, antes que pudesse perguntar algo ao criado, a porta da biblioteca foi escancarada e Hans surgiu, o rosto pálido distorcido pela raiva. Onde diabos você esteve, mulher? E você! — O príncipe apontou o dedo para Max —, saia da minha casa! — Sacudindo a esposa violentamente pelo braço, gritou: — Vagabunda! Vou lhe dar uma lição depois! — Solte-a! — Determinado, Max postou-se ao lado de Christina. pronto para defendê-la. — Por favor, Max. não! — ela implorou. — Apenas vá embora. — Você a ouviu. Saia daqui agora! — Hans ordenou, triunfante. O marquês hesitou, relutante em deixá-la enfrentar a ira do marido sozinha. Entretanto, vendo-a subir os primeiros degraus da escada, receou piorar ainda mais a situação, tomando uma atitude que contrariava o pedido expresso de Christina. — Veja bem, minha mulher sabe o que é bom para ela. — O príncipe sorriu, desdenhoso. Aproximando-se de Hans, Max falou por entre os dentes, a expressão ameaçadora: — Não ouse encostar um dedo nela! — Christina é minha esposa. Vale. Com certeza você compreende as implicações legais disso melhor do que ninguém, considerando sua propensão para se deitar com mulheres casadas. — Dane-se a legalidade. Se você a machucar, virei à sua procura. — É uma ameaça? — Hans rosnou, transtornado. — Uma ameaça, uma promessa e uma garantia. — De que adianta? Você não mora em Silesia. — O mundo está ficando pequeno. — Quão galante, Vale. Você não me parece o tipo. — Eu mudei. — Estou certo de que sua próxima conquista apreciará esse seu rompante de cavalheirismo. Mas, como você sabe, posso fazer o que quiser com minha esposa. — Os olhos azuis se estreitaram, malévolos. — Agora saia da minha casa. Sentindo-se frustrado, provocado e preocupado com Christina, Max a observou subir a escada, seguida pelo marido. Ansiava defendê-la, mas como, se ela mesma suplicara para que não interferisse? A realidade dos fatos era algo difícil de engolir. Ali estavam as conseqüências da vida desregrada que levava, do que acontecia quando se envolvia com mulheres comprometidas Por um instante Max analisou o punhado de servos aglomerados no vestíbulo, inseguros quanto ao que fazer sem uma ordem direta do patrão. —Mesmo sabendo que meu pedido não será considerado, por favor avisem-me se a princesa correr algum perigo.

Sem receber resposta, conforme imaginara, o marquês caminhou até a porta, lutando para não perder a cabeça e o controle. Uma cena violenta de nada adiantaria naquele momento. Todavia, parado na calçada, debatia-se em dúvidas. Deveria ficar, ou ir embora? Entrando nos aposentos da esposa, Hans a envolveu num olhar glacial. De pé junto à janela, ainda trajando a roupa de viagem, Christina não se abalou com a presença do marido. Se ao menos ele a deixasse só, se ao menos tivesse escolhas em sua vida... Se ao menos seus desejos mais profundos pudessem se realizar. — Ele foi embora e não voltará — disse Hans, rompendo o pesado silêncio. Espero que você não alimente sonhos de que Vale venha resgatá-la, como um cavaleiro numa armadura reluzente. — Vivendo com você aprendi a não esperar nada. Ignorando o comentário, ele prosseguiu: Faço votos para que seu rico americano tenha lhe dado essa capa de zibelina caríssima de presente, porque não pretendo pagá-la. Devagar, Christina virou-se para encará-lo. — O que você quer? Não estou com vontade de ficar trocando insultos. — Quão distante e indiferente você me parece, querida. — Sua companhia é detestável. Essa conversa é mesmo necessária? — Ela inspirou fundo, decidida a manter a pose diante do ar debochado de Hans. — Estou aqui. Isso deveria bastar. — Espero que você não tenha sido tola a ponto de pensar que o marquês estava apaixonado. Por Deus! Você pensou isso sim! Idiota! Vale já se deitou com metade das mulheres da Inglaterra desde sua chegada, em agosto. Embora eu não consiga imaginar o que ele possa ter visto numa leviana frígida feito você. Sem dúvida a novidade. Trêmula de ódio por causa do insulto vulgar e receando que o marido houvesse falado a verdade sobre Max, Christina reagiu. — Gina representou uma novidade para você também? — Certamente não durante duas malditas semanas. Neste período, desde que saí da residência de Shelagh, estive em nossa casa e voltei para cá. — Você é livre para regressar a Silésia. Aliás, quanto mais cedo, melhor. — Mas desta vez, minha querida esposa, você me acompanhará. Partiremos amanhã cedo. Eu estou em casa, ela teve vontade de gritar. Porém seus filhos estavam em Silésia. — E se eu não quiser acompanhá-lo amanhã?

— Então a levarei comigo à força. Você é minha propriedade. Paguei pelo direito de usá-la como quiser. Talvez não tenha desembolsado tanto dinheiro, como esse milionário americano — o príncipe completou irônico, apontando para a capa de zibelina. Serena, Christina o fitou friamente. — A conversa está encerrada? Quão altiva ela era. As costas eretas, a cabeça erguida. A rosa inglesa que selecionara para ser a mãe de seus filhos anos atrás e cuja beleza radiante o tempo não alterara. Toda essa pose e beleza distante o enchiam de ressentimento. Não estava disposto a partilhar a mulher com ninguém. Quando chegassem em casa, a dobraria segundo sua vontade. O trem parte às dez horas. Esteja pronta. Segundos depois, sozinha no quarto, Christina desabou sobre uma cadeira, as pernas se recusando a sustentá-la. Jamais experimentara tamanho terror. Todavia, jamais houvera transposto os limites de esposa dócil antes, ou se entregado a uma paixão tórrida durante duas semanas. Ou compreendido o fosso que separava o dever do êxtase. Entretanto todo o prazer desaparecera no momento em que o marido surgira à sua frente. Remorso, medo e uma tristeza infinita a tinham invadido quando contemplara o futuro que a aguardava. O preço a pagar por seus breves dias de contentamento seria duro e implacável. Poderia se transformar em virtual prisioneira, caso Hans resolvesse exercer seus direitos. Poderia ser trancafiada em longínquas propriedades da família, onde os olhos do mundo civilizado não a enxergariam. Seu comportamento imprudente poderia ter um impacto negativo sobre seu relacionamento com os filhos também. Hans sempre os usara para atingi-la, ou ameaçá-la. Não estranharia se fosse humilhada na frente das crianças. Cometera um erro terrível. Nunca deveria ter sucumbido à tentação. Nunca deveria ter saído para cavalgar naquela manhã, nunca deveria ter mandado Dieter embora... Mas de repente lembranças da felicidade descoberta num quarto de hospedaria em Digby inundaram seus sentidos. varrendo o temor e a ansiedade. Sim. existia alegria no mundo, existia paixão. O tempo passado em Minster Hill servira apenas para lhe dar a certeza de que o amor era mesmo um sentimento possível, um sentimento que desconhecera durante seus doze anos de casada. E seriam essas lembranças inesquecíveis que haveriam de aquecer sua alma durante o tenebroso inverno no qual sua vida se transfonnaria dali em diante. Contudo, ainda lhe restava uma grande bênção: os filhos, o amor que lhes dedicava incondicionalmente. Os meninos iriam passar o Natal em casa e a presença deles seria como um bálsamo para seu coração ferido. O prazer da maternidade a sustentaria no futuro. E também ninguém lhe arrancaria da alma as lembranças das duas semanas em que vislumbrara o paraíso. Escondido nas sombras do outro lado da rua, Max observava a casa de Christina, o silêncio da fria noite londrina envolvendo-o como um manto. Não conseguira desertá-la. por razões que iam além da ira de Hans. Quando a vira aparecer na janela, memorizara a localização, perguntando-se se seriam aqueles os aposentos dela, ou do marido. Angustiado, enciumado, chegara à conclusão de ter enlouquecido. Somente a loucura justificaria sua atitude de espreitar uma casa horas a fio. Não, não era verdade. Existia uma outra explicação para esse comportamento irracional, uma explicação que envolvia emoções mais profundas. Seria amor? Ou apenas uma paixão intensa? Um desejo carnal exacerbado? Como entender o que acontecia em seu íntimo, se nunca antes experimentara tais sentimentos? E que sentimentos eram esses que o faziam se comportar feito um adolescente inexperiente e tolo? Que diabos faria agora?, Max se perguntou, quando todas as luzes da mansão foram apagadas. Enfrentaria a madrugada inteira parado ali, imóvel? Arrombaria a porta, desafiaria Hans e raptaria a princesa de Zeiss como se fosse um bárbaro? Essa última possibilidade tinha muitos atrativos. Entretanto a razão ainda prevalecia, fazendo-o descartá-la de imediato. Christina jamais abandonaria os filhos. De repente, o príncipe de Zeiss, elegantemente vestido, surgiu, pronto para uma noite de festas. Considerando o aprumo do traje de gala, estava claro que não retornaria tão cedo.

Esquecido de qualquer dúvida sobre a natureza de seus sentimentos, Max esperou que Hans dobrasse a esquina e agiu. Sem hesitar, bateu na porta. Antes que o mordomo pudesse dizer algo, forçou a entrada e, ignorando os protestos do criado, avançou pelo vestíbulo na direção da escadaria de mármore, galgando os degraus de dois em dois. Breves instantes de hesitação no corredor, enquanto contava mentalmente as portas e as relacionava à janela onde Christina aparecera horas atrás. Não foi muito difícil orientar-se. Logo entrava no quarto certo, o perfume de rosas embriagando-o de prazer. A visão da princesa, adormecida como uma criança, encheu-o de ternura. Uma batida áspera na porta acordou-a de súbito, fazendo-a sentar-se na cama, o olhar aflito pousando sobre o marquês. Max sorriu para lhe transmitir calma. Não se preocupe. Ninguém vai entrar. — Oh, Deus, não! — Agitada, ela começou a se levantar. — Está tudo bem, querida. Tranquei a porta. — Mas e Hans? — Seu marido saiu e... aquela porta é sólida. Visivelmente mais relaxada, Christina recostou na cabeceira, um sorriso doce iluminando as faces rosadas. — Você é louco. — Aceito o veredicto, princesa. Ah, como senti saudade de você. — Max não tentou tocá-la, temendo alarmá-la ainda mais. — Talvez eles mandem alguém avisar Hans. — “Talvez?” — Os empregados não gostam muito de meu marido. — Mas de você sim, suponho. Neste caso, sugiro que vá falar com os servos. Avise-os de que não pretendo me demorar aqui e que, portanto, ninguém correrá o risco de perder o emprego. Durante vários segundos ela limitou-se a fitá-lo, curiosa.

— Posso ser doido, porém não estúpido. Não tenho a menor intenção de expô-la a nenhum perigo. Explique à criadagem que a minha visita será curta. — Obrigada. O alívio contido naquela única palavra era evidente. Todavia, quando Christina se levantou, Max não pôde resistir ao impulso de tomá-la nos braços e beijá-la. Acho que estou apaixonado. Ela balançou a cabeça, sem saber como lidar com o que acabara de ouvir. Não havia futuro para os dois e ansiar pelo impossível só lhe traria mais sofrimento. — Diga aos empregados para não nos incomodarem por dez minutos. O marquês se manteve distante enquanto Christina falava com os criados no corredor. Quando ficaram novamente sozinhos, apressou-se a trancar a porta. — Você não pode demorar muito. — Eu sei. — Hans pode voltar a qualquer instante. Considerando a propensão do príncipe para a vida noturna, Max duvidava de que tal coisa fosse acontecer. Alguns minutos, é tudo o que lhe peço. Preciso falar com você. Dizer adeus, olá, ou só Deus sabe o quê. Terá que ser um adeus. Partiremos de manhã cedo. — Seus filhos estarão à sua espera? Christina assentiu, engasgada com as lágrimas. Deixe-me ao menos ir visitá-la. — Deus, não! Se Hans souber que você está em Silésia... Eu não poderia correr esse risco. — E se ele não ficar sabendo? — Max estava disposto a qualquer coisa para vê-la de novo. — Com certeza você tem alguma liberdade de movimento. Nada a faria mais feliz do que voltar a vê-lo. Entretanto teria que abrir mão dessa felicidade. — Quisera poder dizer sim. Quisera poder usufruir de tantas coisas, meu querido. E estou quase disposta a fazer qualquer coisa para tê-lo perto de mim. Exceto... — Exceto arriscar seu relacionamento com seus filhos. — Sim, exceto isso. Se eu não tivesse filhos, não hesitaria em abandonar tudo e seguir você até os confins da terra, até a lua e além. Eu o quero desesperadamente e não tenho vergonha de admiti-lo. — Então darei um jeito para ficarmos juntos. — Não, não — Christina protestou temerosa. — Nem pense nisso. É impossível. Você sabe como são os contratos de casamento, cada detalhe minuciosamente redigido. E ambos sabemos que uma mulher não tem a menor chance de sair vitoriosa ao se divorciar de um homem influente. — Tempo, dinheiro e a palavra de outro homem influente fariam a balança pender para o seu lado. — Por favor.., você está sendo absurdo. Você sequer sabe se me ama. E não sei se o que sinto é... — Sim, é amor — Max afirmou sem vacilar. — Nós estamos apaixonados um pelo outro. E você não ama seu marido, quanto a isso não há dúvida. — Hans tem apenas o meu desprezo. Se eu pudesse fazer com que você não perdesse seus filhos... — Você não entende? É impossível. Meu filho mais velho é herdeiro do principado. Eu não poderia levá-lo embora para um outro continente. — Talvez você tenha razão — Max retrucou. — Você sabe que sim. — Mas apenas em relação aos seus filhos. Teremos que dar um jeito nisso. — Você não está me ouvindo! — Christina exclamou nervosa. — Não poderemos dar jeito nenhum. Não há nada que nós dois possamos fazer. Não abandonarei meus filhos em hipótese nenhuma. E os meninos não podem sair da Alemanha. — E você será infeliz o resto da sua vida. — Não sou a única mulher no mundo a ter um casamento miserável. Mas você é a única que eu amo. — Você não pode saber se me ama. Não depois de apenas duas semanas. — Então você quer dizer adeus e se conformar com o fato de que jamais tornaremos a nos ver? — Não tenho outra escolha. — Entendo. Max soltou-a e deu um passo atrás. — Não fique zangado. Por favor... — Tarde demais. — Diga ao menos que compreende. — Só se você me disser que deixará Hans caso eu descubra uma maneira de lhe garantir a guarda de seus filhos. — Pois bem. — Nem em um milhão de anos ele acharia uma solução para esse impasse. — Palavra de honra? — Max a pressionou, como um menino ansioso.

— Sim. Dou-lhe minha palavra de honra. — Pena que esse sonho nunca se realizaria. A lei protegeria os interesses de Hans. Novamente o marquês a tomou nos braços. — Neste caso, direi apenas “até logo.” — Saiba que não me arriscarei a perder meus filhos — Christina o acautelou. — Compreendo perfeitamente. — E não vá a Silésia. — Se eu for, ninguém me verá. — Essa não é uma resposta tranqüilizadora. — Não vou mentir para você. Não direi que nunca mais tornarei a vê-la. Na verdade, planejo ficar na Inglaterra durante algum tempo. Você sabe quando voltará a Londres? — Não faço a menor idéia. — Não se atrevia a dizer que talvez fosse transformada em prisioneira. Tampouco podia alimentar falsas esperanças. Acenderei velas na igreja, para que você volte o quanto antes. — Você freqüenta a igreja? — Não o imaginara um homem religioso. Passarei a freqüentar. Christina riu. — Melhor assim. Não gosto de despedidas tristes. Aliás, preferia não ter que me despedir de você. — Max! — Sim, eu sei, eu sei. Contratos de casamento, esposas acorrentadas, herdeiros do trono. Isto está começando a parecer um maldito conto de fadas.

— Quisera que o fosse. Então eu abriria os olhos e tudo desapareceria. — Não tema. Tenciono salvar a donzela em perigo. Uma batida suave na porta. — Já se passaram dez minutos, milady. — E se eu não partir agora, minha carruagem irá virar uma abóbora — ele brincou, para logo depois acrescentar, muito sério: — Preciso de um beijo antes de partir. Um beijo para me sustentar durante sua ausência. Convencida de que aquele seria o último beijo, Christina conteve as lágrimas. obrigando-se a não pensar no amanhã. — Você me permitiu vislumbrar o paraíso, e serei eternamente grata. — Nós nos veremos outra vez, querida. Não chore. O beijo ardente foi interrompido por uma nova batida na porta. — Não me esqueça — Max pediu, afastando-se. — Eu voltarei. Seria impossível esquecê-lo — ela murmurou, chorosa. Antes de sair, mais uma vez o marquês a tomou nos braços e a beijou, na boca, nos olhos, no pescoço, na testa, no nariz, murmurando palavras apaixonadas e temas. Emocionada, Christina começou a soluçar descontroladamente. — Ei, ei... — ele falou baixinho —, você não sabe do que sou capaz. Posso mover montanhas... literalmente. Pusemos toneladas de quartzo abaixo para chegar ao ouro em nossa mina em Montana, portanto não diga que não sou capaz de salvar uma donzela em perigo.

— Meus problemas são uma montanha muito, mas muito grande — Christina murmurou em prantos. — Não para mim. Dê-me duas semanas e terei resolvido tudo.

A confiança dele era tamanha que a contagiava. Lutando para reprimir o choro, falou: — Estou bem agora... de verdade. — Você vai manter a serenidade até ouvir notícias minhas? Um aceno de cabeça. — Ótimo. Lembre-se de que sei mover montanhas. Nada é impossível aos que têm fé. Havendo recuperado o controle, Christina adotou um tom leve. — Neste caso, esperarei sua chegada montado em seu cavalo branco. — Perfeito. — Com um último beijo, ele se retirou. Todavia, enquanto da janela o observava se afastar, a angústia e o desespero voltaram a atormentá-la. Apesar da segurança de Max, sabia que os problemas eram imensos, os obstáculos, representados por seu contrato de casamento, intransponíveis. Provavelmente permaneceria ligada a um marido cruel e a quem não amava para sempre. Nem sempre existia justiça no mundo.

 

Uma sensação de desespero também comprimia o peito de Max, mas devido à pressão do tempo limitado. Precisava encontrar um meio de libertar Christina daquele casamento sem colocar em risco o futuro dos meninos. E depressa. Não era ingênuo a ponto de não saber que as dificuldades seriam grandes, tampouco imporia sua vontade pessoal a qualquer custo. Entretanto, estava certo de que poderia oferecer a ela algumas escolhas. Depois de localizar uma carruagem disponível na esquina, o marquês instruiu o condutor para levá-lo a uma parte mal afamada da cidade, tendo que dobrar o preço para convencer o homem a conduzi-lo até lá. Assim, em poucos minutos, Max caminhava por uma vizinhança onde sua alta estatura, músculos e roupas elegantes o impediam de passar despercebido. Contudo, fora criado num ambiente às vezes duro e inóspito, e entrar num mundo violento não o assustava. Com passos rápidos dirigiu-se a um determinado bar. — Estou procurando Burt Davis — falou ao barman.

— Por quê? Max enfrentou o olhar do outro fixamente. — Você é representante de Davis? — Talvez. Depende. —Pois diga-lhe que tenho uma proposta de trabalho. Bem pago. Meu criado pessoal, Danny, pode me avalizar. — Danny Gili? — Sim. — Por que não me disse logo? Então você é o tal do americano rico. Divertido com o comentário, Max sorriu. — Imagino que sim. — Burt deve chegar a qualquer momento, sir. Se não se importar de esperá-lo, será um prazer lhe fazer companhia. — Sirva-me de um uísque, enquanto espero. — Sim, milorde. Tenho um uísque de boa qualidade, que costumo guardar para ocasiões especiais. É puro malte irlandês. Tendo bebido muitas vezes em campos de mineração e de petróleo ao redor do mundo, Max aprendera a não ser excessivamente exigente. Porém considerava-se com sorte pelo álcool servir de antisséptico contra a sujeira acumulada na borda do copo. O uísque, entretanto, era mesmo de excelente qualidade e serviu para destravar a língua do barman. Assim, detalhes sobre Burt Davis vieram à tona. Aparentemente o amigo de Danny trabalhara para a polícia de Londres até ser demitido devido a problemas não comprovados diga-se de passagem, com um certo carregamento vindo da China.

Ópio, Max pensou. Felizmente Davis não era usuário da droga. Um viciado não serviria para nada. A esposa e o filho dele haviam morrido no ano anterior, vítimas de uma epidemia de difteria e o pobre-coitado não conseguira lidar bem com as perdas. — Davis anda bebendo? Não. Embora acho que seria melhor se bebesse. Pelo menos aliviaria a tensão que o consome. É só trabalho, trabalho, trabalho. Vários uísques depois, aquele a quem Max estivera esperando apareceu. Sem dúvida Burt inspirava respeito. A reação dos freqüentadores daquela espelunca à sua chegada, muitos tirando o chapéu à sua passagem, revelava cortesia e deferência. — Meu empregado, Danny, o recomendou muito bem. — Max estendeu a mão, enquanto o barman se afastava discretamente. — Sou Max Falconer. — Ah, o marquês. Você está muito longe de casa, sir. — O tempo é curto, ou eu teria mandado chamá-lo amanhã—disse. — Alguma coisa que não pode esperar? — Alguma coisa importante para mim. Poderíamos discutir o assunto num outro lugar? — Outro lugar? — A voz de Davis soou desconfiada. — Em minha residência, talvez? Ou um local de sua preferência. — Que tal lá fora? Você na frente. Satisfeito por Davis parecer um sujeito cauteloso, Max o acompanhou. — Sou todo ouvidos, sir.

O marquês foi direto ao ponto. — Tenho um serviço para você. Um trabalho que o obrigaria a deixar Londres amanhã cedo. — E se eu não houvesse vindo ao bar de Paddy hoje? — Eu o teria encontrado de qualquer maneira. — Londres é muito grande. — O dinheiro torna uma cidade menor. — Não costumo lidar com nobres arrogantes. — Raramente uso as regalias de meu título. E você compreendeu mal. Apenas quero contratá-lo para uma missão que exige rapidez e eficiência. — Trata-se dessa viagem? — Sim. Existe alguma chance de você já ter ido à Alemanha? — Talvez. — Você conhece bem aquele país? — O suficiente. Pela primeira vez desde que deixara a casa de Christina e confrontara Hans, Max sentiu-se verdadeiramente esperançoso. — Quero-o para um serviço de tocaia. Diga-me seu preço. — Não faço barganhas. — Neste caso, tampouco eu. Danny falou que você é o melhor. Preciso do melhor. — Esse serviço de tocaia é na Alemanha? — Em Silésia. — Devo vigiar o príncipe, ou a princesa? Max ficou imóvel, os sentidos alertas. — O que você sabe sobre isso? — Sei que você passou duas semanas em Minster Hili na companhia da princesa. Os mexericos se espalham rápido, milorde. Davis sorriu pela primeira vez. — Todo mundo se interessa por sua vida amorosa. Há muito tempo um homem com sua reputação não aparece em Londres. Então o marido traído se mostrou ofendido? — Deus, esse é um maldito país pequeno! Imagino que seja mais fácil namorar as damas casadas em nossas antigas colônias. Davis chegara muito perto da verdade, porém Max não o procurara para discutir sua vida amorosa. Aliás, sua antiga vida amorosa, que agora lhe parecia insignificante e sem sentido. — Sem dúvida o marquês respondeu, retomando o assunto principal. — Você se importaria de ir até minha casa para discutirmos os detalhes? Ou melhor, você está disposto a aceitar esse trabalho? — Depois de ouvir o que você deseja... talvez. — Vamos procurar urna carruagem. Meia hora depois, os dois homens sentavam-se frente a frente no escritório de Max. Este tomando um conhaque, enquanto Davis sorvia um chá preto e forte. Desejo que a princesa seja vigiada para a sua própria segurança. Hans é um canalha desprezível e não merece confiança. — Por quanto tempo você a quer vigiada e qual o objetivo? Não estou interessado em passar o resto da minha vida em Silésia. — Sinceramente?

— Se você ainda não o sabe, diga-o. Não sou o tipo que se dispõe a trabalhar para amantes ciumentos. — Quando terminarmos essa conversa, pretendo ir atrás de meu advogado e discutir o que preciso fazer para me casar com a princesa. — Ah. — Davis disfarçou a surpresa com habilidade. — Então você fala sério. O marquês pôs o conhaque de lado, sem tê-lo terminado. — Nunca falei tão sério em toda minha vida. — Por que a princesa simplesmente não abandona o marido? Ela tem motivos de sobra, com um marido feito aquele. — Não sem os filhos. Christina é refém do futuro dos meninos. O mais velho, claro, é herdeiro do principado. E os termos do contrato matrimonial dão ao príncipe a guarda das crianças. — Não se trata de um arranjo incomum. As mulheres geralmente perdem os filhos, caso se divorciem. Milorde sabe disso. — Sim, porém o que acontece “geralmente” não me interessa. Estou preocupado em achar urna forma da princesa obter a custódia dos garotos. — E enquanto você busca uma saída orn seu advogado, eu me encarrego de manter a princesa em segurança. — Eu ficaria muito grato. Davis tomou o resto do chá e depositou a xícara sobre a bandeja devagar. — Numa análise realista, quanto tempo demorarão os trâmites legais? Tenho negócios aqui que poderão ser adiados. porém não indefinidamente. — Se eu pudesse fazer tudo à minha maneira, a situação ficaria definida amanhã mesmo. Pressionarei meu advogado Lawson impiedosamente. Todavia, sendo realista, eu diria que as coisas serão resolvidas dentro de umas seis semanas. — E se você fracassar? As cortes alemãs não simpatizarão com a sua causa. — Vai depender da princesa, naturalmente. Mas eu sei o que gostaria de fazer. — Levá-la embora para longe? — Sim, para os Estados Unidos. Todavia isso não acontecerá. Não com o futuro dos meninos em jogo. — Eu poderia conseguir um emprego na residência do príncipe. — Você estaria disposto a isso? — Sim. Numa certa noite, anos atrás, quando eu ainda trabalhava na Polícia e cuidava da segurança do teatro para uma das raras aparições públicas da Rainha, o príncipe de Zeiss queixou-se de mim aos meus superiores, argumentando que eu não havia liberado sua passagem tão rapidamente quanto deveria. Chamou-me de anarquista e agitador, e insistiu para que eu fosse punido. — Aquele fora o primeiro de uma série de eventos que, no final, lhe custaram o cargo. — Ele me causou muitos problemas. — Hans causa problemas a muita gente. — Eu não me importaria de lhe devolver na mesma moeda agora. Portanto, milorde, concordo em passar seis semanas em Silésia. Aliviado e grato, Max estendeu a mão. —— Obrigado. Dormirei melhor sabendo que alguém de minha confiança está velando por ela. E com sorte, teremos uma solução em breve. Avise-me como você vai querer ser pago. Naturalmente lhe darei dinheiro suficiente agora para cobrir suas despesas com a viagem. Como nos comunicaremos? — Quando eu ouvir algo de seu interesse, tratarei de lhe enviar um telegrama. Tenho um código simples que podemos usar. — Ótimo. Alertarei meus empregados para me entregarem suas mensagens imediatamente. E agora, se me der licença, embora correndo o risco de parecer rude, estou ansioso para falar com Lawson ainda esta noite. — Entendo. — Davis levantou-se. Max levantou-se também e apontou para a porta. — Meu secretário cuidará de todos os detalhes. Diga-lhe o que quer e de quanto precisa. E se você achar necessário, Danny poderá acompanhá-lo. — Não será preciso. Trabalho sozinho. Mais uma vez, muito, muito obrigado. A idéia de abandonar Christina desprotegida estava me martirizando. Após apresentar Burt Davis ao seu secretário particular, Nigel Cummings, Max deixou-os a sós. Solícita, a empregada de Tom Lawson explicou ao marquês que o patrão havia ido jantar na casa do juiz Raiston. Vinte minutos depois, o mordomo do juiz pedia a Max para aguardar na saleta, pois os convidados ainda não tinham terminado de jantar. — Por favor, transmita uma mensagem minha ao sr. Lawson. Trata-se de um assunto de grande importância.

Sentada à mesa de jantar, Margaret Lawson franziu o cenho ao ouvir a mensagem que o mordomo transmitia baixinho ao marido. E seu desagrado aumentou quando Tom pediu desculpas aos anfitriões e se levantou. Odiava essas atenções desnecessárias aos clientes, quando o sucesso dependia não dos clientes, mas da capacidade de cultivar as amizades certas. Só esperava que o juiz Raiston não se ofendesse. — Meu marido é tão dedicado à profissão — comentou, com um suspiro dramático. — Às vezes preocupo-me com sua saúde. Mas, por outro lado, tanta devoção ao dever merece ser aplaudida. não é mesmo? — Minhas desculpas. Tom, por interromper seu jantar — Max se apressou a dizer. — Porém meu pânico é tal que necessito de seus conselhos. Margaret adora a política da escalada social, enquanto eu a considero incrivelmente enfadonha. Portanto, você me salvou do tédio mortal. — Neste caso, você não se importará se eu lhe pedir para me acompanhar agora. — Que diabos está acontecendo? — o advogado indagou, os olhos castanhos brilhando de interesse. — Vou me casar. — Esta noite? — Muito engraçado. — Desculpe-me, não pude resistir. Porém, se eu quisesse mesmo brincar, lhe perguntaria quem é a noiva, mas como sei de quem se trata, permita-me lhe dar um conselho: isto não vai acontecer. — É por este motivo que preciso de seu auxílio. Você vai fazer acontecer.

— Não na Alemanha. — Será que todo mundo está a par da minha vida íntima? — Max murmurou, impaciente. — Quando você leva a linda Christina Grey para passar duas semanas em sua casa de campo, o mundo inteiro fica sabendo. Ou pelo menos, a nata da sociedade. Desde a adolescência, quando sua beleza desabrochou, Christina tem sido observada com grande fascínio. Ao se casar com um príncipe bonitão, todas as moças da Grã-Bretanha a invejaram. A foto dela tem aparecido mais nos jornais do que as das filhas feiosas da rainha. Que diabos você achou que estava fazendo? Deitando-se com uma criada qualquer? — O marido de Christina ficou ofendido e a está levando para Silésia amanhã. — E seu coração está partido, meu amigo? Perdoe-me se pareço estar desafiando a constância de seus sentimentos. Mas sua reputação não é das melhores. — Alguma vez você já se apaixonou? — Por minha esposa? — Por qualquer mulher. Se a resposta for sim, compreende como me sinto. Se não, sinto pena de você. — O fanatismo dos recém-convertidos. — Deboche se quiser. Não estou lhe pedindo para acreditar em mim. Peço-lhe apenas para pôr em prática suas consideráveis habilidades legais. E se me acompanhar agora, adicionarei mais cinco mil libras aos seus honorários. Tom sorriu e apontou a porta. — Partamos então, meu caro marquês. Max riu. — Assim é melhor. Não preciso de um sermão. Estou quase perdendo a cabeça de tanto me preocupar com ela. Hans é um canalha cruel e você sabe que não uso essa palavra irresponsavelmente. Já na carruagem, Max expôs seus desejos ao advogado. — Em primeiro lugar, eu queria que você conseguisse uma cópia do contrato de casamento de Christina. Depois pesquise os detalhes da transferência do principado de Zeiss para os herdeiros. Hans pode mudar as regras de alguma forma? Também preciso conhecer os direitos que as mães têm sobre os filhos em Silésia. Ponha quantas pessoas julgar necessárias trabalhando no caso. Estou com muita pressa. — Relaxe. Não há nada aberto a essa hora da noite. — Com certeza você poderia conversar com algumas pessoas ainda esta noite. Entenda, ela partirá de Londres amanhã cedo. Acostumado ao pânico e à ansiedade de seus clientes, Lawson estava mais do que disposto a ajudar. E não apenas porque Max pagava bem, mas porque, diferentemente da maioria dos aristocratas, não agia nunca de maneira pretensiosa, ou superior. O advogado, que alcançara sucesso devido ao talento e ao trabalho duro, apreciava esses traços. — Conheço um jovem cônsul na embaixada alemã. Talvez ele esteja disponível. — Eu apreciaria muito qualquer coisa que você pudesse fazer. Quero o divórcio para Christina e os filhos dela em segurança. — E você quer isso tudo amanhã. — O advogado sorriu, complacente. — Você leu minha mente.

— Daqui a vinte e quatro horas sem dúvida terei algumas informações interessantes. — E a princesa também, caso você não tenha percebido. — Não por muito tempo, se você for tão bom quanto Mas, entenda, este caso levará algum tempo até ser resolvido. Seja realista, meu amigo. dizem. — Use meu dinheiro onde e como for necessário para apressar o andamento das coisas. — Era isso o que eu queria ouvir. — Espere e verá, caro marquês. — Com certeza o dinheiro ajudará. Por acaso você conhece algum juiz em Silésia? — Conhecerei, daqui a uma semana. —Perfeito. — Por favor, não se afobe, achando que se casará logo Lawson o instruiu. — A situação dos meninos será nosso maior obstáculo. Em caso de divórcio, as mães não obtêm a guarda dos filhos. Ambos o sabemos muito bem. Mas Christina tem que obter a custódia das crianças. — Você está realmente seguro do afeto que a princesa lhe dedica? O que houve entre vocês dois não foi apenas uma espécie de férias conjugais para uma dama entediada? — Creio que não. — Espero que você esteja certo de que ela o ama, antes de gastar uma fortuna nessa quase impossível empreitada. Lawson não dissera “impossível”, e a sutileza não passou despercebida ao marquês. Essa era a valiosa diferença entre Tom e o resto dos advogados, — Estou plenamente certo. E você pode gastar meu dinheiro com minhas bênçãos. — Quisera ter minas de ouro e poços de petróleo. — Quisera ter uma esposa. Leve a minha — Lawson falou, entre sério e brincalhão. — Já estou comprometido.

Christina não conseguira dormir naquela noite. Tampouco Max, cujo encontro com o cônsul alemão se estendera mais do que o esperado. E Hans também passara a noite em claro envolvido, como sempre, com suas conquistas amorosas. Na manhã seguinte, exausto devido aos excessos, o príncipe estava mais ríspido do que nunca a caminho da estação e Christina procurou se manter tão longe dele quanto possível no confinamento da carruagem. Hans, todavia, pouco lhe prestava atenção entre as cochiladas. Assim, ao chegarem à estação, ela desceu depressa do veículo e caminhou pela plataforma, ansiosa para abordar o trem. Dois homens a seguiram, sem dúvida guarda-costas contratados pelo marido para mantê-la sob vigilância. Como se fosse capaz de fugir abandonando os filhos em Silésia. Uma garotinha, trajando vestido dsbotado e sapatos gastos, aproximou-se, vendendo flores. — Violetas, milady? Dez xelins o ramo. O sorriso radiante da criança a emocionou. Tirando uma moeda de ouro da bolsa, a princesa aceitou as violetas.. — Não tenho troco, senhora. — O troco é seu. — Procure um bilhete no meio das flores — a menina segredou, afastando-se depressa. O coração de Christina disparou. Ofegante, percorreu o resto do percurso até o trem, a certeza de que Max estava por ali, em algum lugar, inundando-a de alegria. Talvez ele houvesse tocado as violetas que agora carregava consigo, pensou, beijando as pétalas delicadas. Observando-a a distância, Max sentiu-se como se tivesse sido beijado. Logo, logo a teria de volta em seus braços. E nunca mais iriam se separar. Ao subirem no vagão que lhes fora destinado, Hans entrou no quarto e fechou a porta. Aliviada. Christina o imitou, contente por ter aquele pequeno aposento apenas para si. Então, com dedos trêmulos, retirou o pedacinho de papel dobrado e escondido no meio dos ramos. “Eu lhe entregarei meu presente de Natal pessoalmente. Até lá, envio-lhe meu amor e muitos beijos. Max.” Ele não deveria. Precisava avisá-lo para não procurá-la em Silésia. Tamanha ousadia e atrevimento o poriam em perigo. Entretanto, a idéia de revê-lo a deixava em estado de graça, como se pisasse nas nuvens. Se o visse no Natal, seria plenamente feliz. Se o visse no Natal, acreditaria em milagres.

 

Os herdeiros do principado de Zejss já estavam em casa para as festas de fim de ano quando, ao cair da noite, Christina e Hans chegaram ao palácio. Enquanto beijava e abraçava os filhos, ouvindo-os contar entusiasmados sobre o lobo que haviam visto no caminho, Christína soube, com absoluta certeza, que ali era seu verdadeiro lugar. Os meninos precisavam dela mais do que as outras crianças precisavam da mãe, porque tinham um pai que não os amava. E aos nove e onze anos, ambos ainda necessitavam de muitas demonstrações de afeto e segurança. Os três ficaram acordados até tarde, tornando chocolate quente e conversando sobre a escola. Feliz em tê-los bem pertinho de si, Christina os escutava falar sobre os amigos, os professores e matérias preferidas, as atividades esportivas às quais tinham se dedicado. — Não quero vê-los voltar para casa cheios de cicatrizes — ela pediu, quando os garotos lhe contaram sobre as aulas de esgrima. — isso só acontecerá na universidade, mamãe, quando nos associarmos aos clubes de duelos. — Por favor, Fritz, não os quero participando disso. — Mas cicatrizes são sinais de honra — Johnnie argumentou, muito sério. — Até o imperador aprova os duelos. — Pois ele não deveria. — Dois anos atrás, o imperador destruíra anos de esforços para proibir duelos na Alemanha ao proclamar os tais clubes “locais onde um rapaz obtém a melhor educação possível para enfrentar sua vida futura”. — Mamãe, são só cicatrizes. Ninguém nunca morre — Fritz a tentou consolar. — E Johnníe já maneja o florete muito bem. Herr Anders diz que se eu aprender a usar meu pulso melhor, serei tão bom quanto Johnnie. Não havia como segurar o tempo, Chnstina refletiu, ouvindo os filhos comparar técnicas de defesa e qualidades dos diversos floretes. Dentro de poucos anos, eles partiriam para a universidade e se descobriria tornando chocolate quente sozinha, nas longas noites de inverno. E só Deus saberia do paradeiro de seu marido então. Mesmo naquela noite, a primeira em casa na companhia dos filhos depois de várias semanas de separação, Hans limitara-se a criticá-los por fazerem tanto barulho e, acusando-os de insuportáveis, trancara-se em seu quarto, em busca de silêncio. — Digam-me o que vocês querem ganhar no Natal — ela pediu, afastando os pensamentos mórbidos de solidão. — Espero que não sejam grandes demais para ganhar brinquedos. — Eu não! — exclamou Fritz. — Quero vagões novos para meu trenzinho, um microscópio maior e um kit de química que realmente faça as coisas explodirem! — Apenas com supervisão, querido. — No verão passado, Fritz quase pusera fogo na cabana do jardim com seus experimentos. — E você, Johnnie — ela indagou, dirigindo-se ao primogênito —, gostaria de ganhar brinquedos, ou algo diferente? — Eu gostaria de uma vara de pescar. Tia Charlotie diz que posso passar um mês inteíro na Escócia pescando, quando o verão chegar. E Charles e Edward têm as melhores varas de pesca do mundo! Embora já houvesse comprado o material de pescaria, Christina comentou:

— Não sei se conseguirei encontrar varas iguais às de seus primos num espaço tão curto de tempo, querido. — Não tem importância, mamãe. Seus presentes são sempre os melhores. Johnnie era sempre tão sério e compenetrado, que às vezes preocupava-se com o menino. Tinha a impressão de que ele, ciente do desprezo paterno, procurava se comportar bem para poupá-la de sofrimentos adicionais. Por sorte Fritz parecia imune à atmosfera sempre pesada da casa e à hostilidade silenciosa entre os pais. — Você aproveitou suas férias na Inglaterra? A pergunta, feita de supetão, alarmou-a. Será que Johnnie ouvira alguma coisa na escola? Ou dos servos? Será que Hans contara aos garotos, apenas para puni-la? — Sei que você gosta de visitar tia Charlotte. — É verdade — Christina retrucou rapidamente, suspirando de alívio. — Minha visita foi ótima. Talvez, depois das festas, possamos ir a Londres antes de vocês regressarem à escola. Compraríamos varas de pesca e também alguns vagões novos para o trenzinho. — Oba! — Frítz gritou, entusiasmado. — Quem sabe na viagem eu poderia me sentar junto com o engenheiro do trem! — Se chegarmos bem cedínho na estação, talvez o engenheiro tenha alguns minutos livres para responder todas as suas perguntas. — Charles e Edward só irão para Eton no meio de janeiro Johnnie esclareceu, animado. — Então comecemos a fazer nossos planos. Escreverei uma carta para tia Charlotte.

E com um pouco de sorte, talvez até conseguisse enganar os cães de guarda que o marido pusera vigiando-a. Talvez até Hans decidisse ir esquiar, como sempre acontecia, e lhe sobraria um instante para ver Max. Enquanto isso, Tom Lawson concentrava seus esforços para conquistar a simpatia do judiciário de Zielona Góra. Sem muito sucesso, diga-se de passagem. Uma esposa inglesa infeliz com seu marido alemão dificilmente iria encontrar quem tomasse seu partido nos tribunais germânicos. — Quisera ter notícias mais animadoras para lhe dar — disse Tom, sentando-se defronte de Max. — Von Thaler, de início, mostrou-se disposto a cooperar. Depois, mudou de idéia. Como ambos sabemos, o acordo de casamento é intocável. Hans tem a guarda das crianças, em caso de divórcio. E até a separação é questionável. As mulheres não podem tomar a iniciativa de pedir o divórcio naquela jurisdição e mesmo se Hans espancasse a esposa, a corte ainda daria um parecer conservador sobre o assunto e não favoreceria Christina. Seriam necessárias muitas provas da violência do príncipe para mudar esse parecer. Somente um olho roxo e lábios inchados não convenceriam nenhum juiz. — Por Deus! É como se vivêssemos na idade Média. Isso é escravidão! — De algumas maneiras, sim. Em especial numa situação como esta, quando o marido tem muito dinheiro e influência. E apesar de seu dinheiro poder comprar o divórcio, Max, a obtenção da guarda dos meninos seria outra história. Quando uma mulher casada se envolve com um amante, a corte tende a analisar o comportamento dessa mulher de maneira preconceituosa, pondo em dúvida suas qualidades como mãe. — Então não há esperança. — Existe uma outra possibilidade. — Fale logo e que seja uma possibilidade encorajadora, porque não vejo Christina há dez dias e estou à beira da loucura. São oitocentos e sessenta e quatro segundos de separação. O advogado ergueu as sobrancelhas, incrédulo ante a drástica mudança do marquês que, até semanas atrás, simplesmente não acreditava na existência do amor. — Enviei um detetive a Silésia. Mas ainda não posso lhe prometer nada, Max. — Entendo. Porém, em vista das circunstâncias, qualquer fiapo de esperança é bem-vindo. — Talvez seja mais que um fiapo. Lembra-se de quando Burt Davis nos mandou aquela informação sobre a prima de Hans, Marlena? Aquela com quem Hans teve um caso anos atrás? Como diabos isso pode ajudar? O maldito já teve milhares de amantes! — Instruí o detetive para checar os arquivos na igreja. em Legnica. A tal prima ainda mora lá. —E? —- E é tudo por enquanto. Todavia, de acordo com Davis. Hans a visita com freqüência. — Que tipo de influência Marlena teria sobre o príncipe? — Ainda não sabemos. Mas iremos descobrir. Trata-se de uma pista que não podemos nos permitir ignorar.

— Considerando que não nos restam muitas alternativas... — Desanimado, Max afundou na cadeira. — Como último recurso, você poderia oferecer a Hans a custódia dividida.

— Ou seja, eu compraria para Christina, a peso de ouro, o direito de ver os filhos. — Sim. — Se essa for a única alternativa, será o que faremos. — Você teve algum contato com a princesa desde que ela partiu de Londres? — o advogado perguntou, fitando-o fixamente. sua preocupação óbvia. — Você crê que ela ainda o estima? O que estou tentando perguntar é: será que Christina não mudou de idéia? Max sorriu pela primeira vez naquele dia. — Ela não pode mudar de idéia. — Então, prosseguiremos. — Não duvide de que iremos até o fim. Não me importam os obstáculos. Não pretendo perder, Lawson. Depois de sair do escritório do advogado, Max, indiferente ao frio e à névoa, caminhou pela rua Piccadilly sem nada enxergar. os pensamentos voltados para a questão que o consumia. No dia em que Christina partira de Londres, ele havia telegrafado à família, dando-lhes urna breve explicação sobre os motivos que o levariam a permanecer mais algum tempo na Inglaterra. O apoio deles fora imediato. “Se você a ama, nós a amaremos também”, sua mãe escrevera: Se precisar de nossa ajuda, Célia, Tom e eu iremos para a Inglaterra. Sentiremos sua falta no Natal. Planejara passar o Natal em Silésia, mas as notícias de Tom o tinham abalado. No início, um dos juízes mostrara-se quase disposto a julgar a causa com simpatia. Agora o homem voltara atrás. De repente, alguém o puxou pela manga. — Você quer que eu engraxe seus sapatos, sir? — indagou uma voz infantil. — Trabalho bem e cobro apenas quatro xelins. — Quantos anos você tem? — Max perguntou gentilmente, vendo no menino maltrapilho os filhos de Christina. — Tenho idade suficiente para trabalhar, sir. — O medo no olhar da criança era evidente. — Vamos sair do vento. — O marquês apontou para o pórtico da igreja, alguns metros adiante. — Você pode engraxar meus sapatos lá. — Tentando deixar o garoto à vontade, continuou: — Como foram os negócios hoje? Por que você quer saber? — Desconfiado, o pequeno engraxate deu um passo atrás. — Não tenha medo. Não vou machucá-lo. — Os negócios foram bons. Christina lhe contara que Johnnie tinha onze anos e Fritz, nove. Ambos de temperamento alegre e brincalhão. Duvidava de que essa criança tivesse tido muitas alegrias na vida. — Você tem família? — Por que a pergunta? — Por nenhuma razão em particular. — Sua melancolia o estava fazendo se sentir próximo dos desafortunados.

Depois de breve hesitação, o garoto, talvez tocado pelo tom bondoso de Max, falou: — Minha mãe está em casa, com meus irmãos menores. — Você tem pai? — Uma pergunta estranha, para um homem que até recentemente encarara a paternidade com receio. — Não vejo meu pai há anos. Mas não tem importância. Posso cuidar da minha mãe e dos meus irmãos melhor do que ele. — Aposto que sim. De súbito, lágrimas grossas deslizaram pelo rosto sujo do engraxate. Sei como você se sente. — O marquês tirou um lenço do bolso e ofereceu-o à criança. — Sabe mesmo? Um cavalheiro importante corno você não deve ter motivos para ficar triste nunca. Tem razão — ele concordou, pensativo. — Posso lustrar seus sapatos agora, sir? — Sim. — Em silêncio, Max observou o menino trabalhar, as mãos magras, porém fortes, executando os movimentos com precisão e habilidade. Em minutos seus sapatos brilhavam. São quatro xelins, sir. Enquanto tirava o dinheiro do bolso. aliás, uma quantia bem acima do preço pedido, uma lufada de vento gelado varreu a rua e Max notou o garotinho estremecer. — Você gostaria de trabalhar para mim? — perguntou num impulso, imagens de sua casa enorme e bem aquecida vindo-lhe à mente.

— Que tipo de serviço? -— O mesmo tom cauteloso de antes. — Talvez ajudar meu criado Danny a cuidar de meus sapatos. Cinco libras por semana, mais casa e comida para sua família. — Você deve estar brincando. — Tratava-se de uma soma absurda para a função. — Estou falando sério. Meu criado, Danny, era mais jovem do que você quando começou a trabalhar para mim. Tem um apartamento em cima dos estábulos capaz de acomodar sua famfiia. Quantos irmãos e irmãs você tem? — Seis. — Com uma amargura muito além de seus anos, o engraxate completou: — Ninguém dá coisa alguma a troco de nada. — Não estou dando nada. Você terá que trabalhar para merecer seu salário. —Não tenho medo de trabalho. — Porém o olhar de suspeita permanecia. — Ótimo. Então acompanhe-me e o apresentarei a Danny e aos outros empregados. Minha mãe está me esperando em casa agora. —— Um aviso sutil de que a família notaria sua ausência, caso Max tivesse segundas intenções a seu respeito. Não moro longe daqui e estou lhe oferecendo um emprego. É só. — Suponho que não faria mal eu dar uma olhada... — Estava claro que Ned Owens não acreditava em milagres. Mas o Natal é tempo de milagres. E depois de Danny tomar o jovem Ned sob suas asas, depois da cozinheira o alimentar até não ser mais capaz de engolir uma migalha, depois de Max e Danny irem buscar sua família num quartinho miserável e transportá-la para o espaçoso apartamento sobre os estábulos, até Ned Owens acreditava em milagres. Por volta das onze horas da noite, quando a famflia Owens já se achava confortavelmente instalada, Max sentou-se diante da lareira na biblioteca, bebendo e pensando em Christina. Certo de que aquela seria mais uma noite insone, decidiu sair para caminhar. Sem que percebesse, seus passos o levaram à igreja perto da qual encontrara o pequeno engraxate. Ao entrar no templo deserto, foi invadido por uma repentina sensação de paz. A casa de Deus lhe proporcionava uma calma tão grande que seu espírito atormentado vislumbrou a salvação. Na penumbra interior, onde arcos, janelas altas e vitrais luminosos compunham uria harmonia mítica, Max dirigiu- se ao altar das velas votivas, onde uma única chama ainda bruxuleava, quase se extinguindo. Como suas esperanças.

Num ímpeto, motivado talvez pela promessa feita a Christina, de que acenderia velas para tê-la de volta, ou talvez devido à necessidade desesperadora de sentir as esperanças renovadas, pôs-se a acender todas as velas que jaziam apagadas, até que a luminosidade feérica revelou a imagem da Pietá sobre o altar. A força poderosa da imagem o fez lembrar-se de Christina, disposta a tudo, a qualquer sofrimento, para não perder os filhos. E no íntimo de seu coração, o marquês orou, pedindo a Deus para conceder a ela, e aos meninos, a felicidade.

Depois de colocar todo o dinheiro que trazia no bolso na caixa de doações, saiu, a alma mais leve, as esperanças renovadas. Respeitando os medos e as reservas de Christina, faria tudo o que fosse legalmente possível para que ela obtivesse o divórcio. E se as opções legais falhassem, estava preparado para levar Hans a compreender os méritos e as vantagens da guarda dividida dos filhos. Talvez devesse vir à igreja mais vezes, Max pensou, erguendo os olhos para o céu e inspirando fundo. Existiam medidas eficazes que podiam ser tomadas além das adotadas pelos advogados. Encorajado, o marquês caminhou resoluto para casa. Dali a dois dias, partiria para Silésia. Tinha um encontro marcado para a véspera do Natal e não pretendia perdê-lo.

Os feriados de Natal e Ano Novo deveriam ser uma seqüência interminável de festejos, com toda a famflia de Hans sendo esperada no palácio. A mãe do príncipe já havia chegado, sua presença autoritária e irascível, sempre dando ordens como se ainda fosse a dona da casa, um tormento para Christina e a criadagem. — Tal mãe, tal filho — a camareira de Christina murmurou ácida, quando a velha senhora se retirou dos aposentos da nora depois de lhe passar uma descompostura por haver ousado colocar o presépio no hall e não na saleta azul. — Fica tão mais bonito no hall — Lise falou num tom consolador. — É o que eu também acho. — Sorrindo, Christina se espreguiçou. Nada iria abalar seu bom humor ante a possibilidade de rever Max. Nem mesmo a língua ferina da sogra azucrinando-a às sete horas da manhã. — A cozinheira disse que qualquer dia vai colocar arsênico no chá daquela megera. — Cuidado, alguém pode ouvir. — Com um olhar cúmplice, a princesa confessou baixinho: — A cozinheira dela na mansão Wether diz a mesma coisa. — Ambas sufocaram o riso com dificuldade. — Somos horríveis, não, Lise, por fazer esses comentários? — Horrível é aquela velha bruxa, milady. Sabendo impossível negar a verdade, Christina mudou de assunto. — Os meninos já acordaram? — Não. Certifiquei-me de que continuavam a dormir quando eu lhe trouxe seu chocolate quente. — Mas eles devem acordar em breve porque combinamos patinar no lago. Assim preciso me vestir depressa. — Os outros parentes do príncipe vão chegar no trem da tarde — a criada a lembrou. — Caso eu ainda não esteja de volta, a governanta sabe quais aposentos estão destinados aos irmãos de Hans e suas respectivas famílias. Meus filhos gostam de patinar e eu também, razão pela qual não pretendo abrir mão dessa oportunidade de me divertir na companhia deles. Além do mais, terei tempo de sobra para ouvir as queixas de minhas cunhadas depois. — O fato é que com Max aprendera que a felicidade está ao alcance de quem não tem medo de abraçá-la. Contra sua vontade, os garotos estudavam num internato e os momentos juntos eram preciosos demais para serem desperdiçados. — A cozinheira servirá o chá, se milady ainda não tiver retornado. E a mãe de Hans poderá desempenhar o papel de anfitriã, como sempre. Duvido de que sentirão minha falta. — Atirando as cobertas para o lado, ela pulou da cama. — Você sabe que faltam apenas dois dias para o Natal? — Sim, madame — Lise respondeu, fitando-a curiosa. A princesa regressara de Londres com um brilho diferente no olhar, como se houvesse despertado para a vida. — E os presentes estão sob a árvore? — Sim, senhora. Não falta nem um. — Perfeito. Tudo está absolutamente perfeito. Ah, como eu adoro o Natal! Apenas um lacaio os acompanhou até o lago, Hans tendo díspensado os homens encarregados de vigiá-la ao chegarem ao palácio Zeiss. Se Max aparecesse mesmo em Silésia, pelo menos não estaria sob vigilância cerrada, o que lhe possibilitaria alguma liberdade. Os meninos e Christina apostaram para ver quem colocava os patins primeiro. Johnnie ganhou e saiu deslizando sobre o gelo brilhante, gritando para que tentassem alcançá-lo. Depois de se divertirem até quase a completa exaustão, o trio patinou lentamente rio abaixo em direção à aldeia, ansiosos para se aquecerem com um bom copo de sidra quente. Calçando apenas as meias e sentados junto à janela da estalagem que se debruçava sobre a praça, Fritz e Johnnie bebiam cidra, comiam fatias de maçãs fritas, polvilhadas com açúcar e canela, e conversavam sobre os presentes que dariam aos primos e parentes. — Olhe, mamãe, olhe! — De pé. Fritz colou o nariz na vidraça para enxergar melhor. — Veja aquele esplêndido trenó vermelho! — O condutor está correndo muito — Johnnie murmurou, apreensivo. — Contudo os cavalos negros são fantásticos. — Árabes — sentenciou Fritz. — Não. São cavalos da Berberia, mais adequados para puxar veículos — o irmão o corrigiu. — Repare bem o focinho e verá que não são árabes. — Você não está sempre certo! — Desta vez estou. — Não está! — Estou! — Não está! Então Christina deixou escapar um gritinho rouco e os filhos a fitaram, preocupados. — Não é nada. Apenas engasguei com a cidra. — Nessa velocidade ele não vai conseguir parar os cavalos a tempo! — Fritz exclamou, entre fascinado e nervoso. — Vai acabar se espatifando contra a parede da estalagem. — O condutor ficou de pé! Ele vai bater se não reduzir a velocidade agora — concordou Johnnie. — Chega, meninos. — Com o coração a ponto de saltar pela boca, Christina tentou acalmar as crianças e fazê-las sentarem-se. Ignorando os apelos da mãe, Fritz continuou acompanhando o desenrolar da cena. — Olhe, ele parou os cavalos no último momento, sem reduzir a velocidade antes. — Impressionante! — murmurou Johnnie, assombrado com tamanha demonstração de habilidade — Agora sentem-se e tomem o resto da cidra — Christina insistiu. — Já está tudo terminado.

— Quero ver os cavalos de perto. — Sem colocar os sapatos, Fritz correu para a porta. — Não, querido, não! — Todavia o garotinho não lhe deu ouvidos. — Posso ir ver os cavalos também, mamãe? São animais tão bonitos! Como podia negar, quando Fritz já escapulira para a rua? — Não demorem! — pediu. na esperança de que os filhos a atendessem. Com sorte, Max levaria os cavalos para os estábulos e ela poderia escapar, evitando encontrá-lo num lugar público. Infelizmente a prudência nem sempre vence o entusiasmo infantil, e dali a instantes os garotos entravam no salão junto com o marquês. — Mamãe! Ele vai nos contar tudo sobre os cavalos! - Fritz gritou, de mãos dadas com Max. Surpresa, Christina notou que seu primogênito também estava de mãos dadas com Max, Johnnie, diferentemente do irmão, tinha dificuldades em fazer novas amizades. — Mamãe, o sr. Weir. Bill, essa é nossa mãe — Johnnie os apresentou, seus modos corteses e educados. — Bom dia. — O marquês inclinou a cabeça e sorriu. — Ele trouxe os cavalos da Algéria, mamãe! Diga-lhe que você teve que atravessar o deserto para buscá-los! — A expressão enlevada de Fritz revelava profundo encantamento. O sr. Weir pode se sentar conosco, mamãe? —- Johnnie pediu, percebendo a reserva materna. — Se não for inconveniente, senhora. Embora o salão esteja deserto no momento.

Naturalmente Max tinha razão e só com muito esforço não se atirou nos braços másculos. — Por favor, sente-se — ela falou, com uma calma e naturalidade que estava longe de sentir. Ele aguardou as crianças se acomodarem antes de puxar uma cadeira e sentar-se. — Conte-nos tudo sobre a Algéria. Tudo! Fritz insistiu, apoiando os cotovelos na mesa, como quem está se preparando para ouvir durante horas. — Não há tempo para lhes contar tudo — respondeu Max com um sorriso afável. — Temos tempo de sobra, não é, mamãe? — Johnnie interveio. — Só precisamos estar de volta em casa à hora do chá e você disse que a cozinheira iria servir as visitas se nós nos atrasássemos. — Vocês decidem. — Max a fitou fixamente. — Quanto a mim, não estou com pressa nenhuma. — Os aldeões não tardarão a começar a chegar para o almoço. -— Christina esperava que sua mensagem houvesse sido clara. Seria perigoso se exporem num local público. — E se eu tentasse conseguir uma saleta particular para almoçarmos? Então ninguém nos incomodaria. — Apesar do turbilhão de emoções que o assaltavam, o marquês agia como se lidasse com uma desconhecida. — Diga sim, mamãe! -— Fritz implorou. — Só temos que voltar para casa quando começar a escurecer — Johnnie se apressou a lembrá-la, reforçando o pedido do irmão. Como acabei de chegar à região, talvez, durante o almoço, os garotos possam me dizer quais os melhores lugares para caçar. — Max não pretendia deixá-la escapar tão facilmente. — Mamãe, por favor! — Outra vez Fritz, os olhos cheios de esperança. — Vou verificar se há uma saleta disponível. — Sem esperar resposta, Max levantou-se e foi atrás de um empre gado. Christina poderia impedi-lo. Na verdade, deveria. Seria loucura ficar numa saleta íntima com Max e os filhos. Se algum conhecido a visse, Hans poderia ser informado. Mas não tinha forças para recusar a chance de vislumbrar o pa raís e experimentar o gostinho, ainda que momentâneo, da felicidade. Segundos depois, o marquês retornava. — Está tudo acertado. Almoçaremos numa sala privada. — Por sobre a cabeça dos meninos, que pulavam de excitação ele articulou as palavras: eu te amo, e lhe estendeu a mão para ajudá-la a levantar-se. Ruborizada da cabeça aos pés, Christina pousou os dedos na mão de Max, sabendo que recusá-lo só atrairia atenção. Porém nenhum dos dois estava preparado para o choque causado pelo breve contato. Ambos estremeceram violentamente. — Você está com fome? — ele perguntou baixinho, o duplo sentido da frase evidente. — Eu estou! — Fritz retrucou animado, apanhando os patins. — Podemos comer mais maçã com canela, mamãe? Ela apenas concordou com um gesto de cabeça, incapaz de falar quando o toque dos dedos de Max fazia seu sangue ferver nas veias. Não sabia como conseguiria sobreviver ao almoço naquele estado de ansiedade e paixão reprimida. — Deixe-me levar seus patins — Max sugeriu, certo de que se continuasse tocando-a, mesmo de leve, não poderia soltá-la nunca mais. — Obrigada. — A voz da princesa soou trêmula e incerta, traindo a urgência de seus desejos. Desejos que precisava sufocar a qualquer custo. Deliberadamente, o marquês sentou-se a distância durante o almoço, evitando mesmo fitá-la. Para um homem acostumado ao pleno domínio das emoções, tratava-se de urna experiência quase assustadora descobrir-se tão afetado pela simples proximidade de uma mulher. Todavia, porque temia arriscar futuros encontros, e porque respeitava a presença das crianças, conteve os impulsos sensuais. Aliás, só estava adiando a felicidade suprema de tê-la para si porque pretendia dormir com Christina ainda naquela noite. Assim, conversou principalmente com os garotos, respondeu às suas infindáveis perguntas e pediu informações sobre os melhores lugares de caça. Apesar da comida saborosa pouco comeu. Tampouco quis experimentar a cerveja local. temendo que o álcool rompesse seu tênue autocontrole. Logo após a refeição, com a desculpa de que necessitava contratar um guia, levantou-se abruptarnente, e se preparou para partir. Se ficasse mais um pouco, perderia a cabeça. Ante a insistência de Fritz, que queria tornar a vê-lo, falou: — Talvez depois das festas de fim de ano. O desaponto dos meninos era tocante. — Vamos para Londres depois dos feriados — lamentou-se Johnnie.

Max lançou um olhar rápido para Christina. — Dependerá das circunstâncias — ela explicou. — Vai depender de tia Charlotte estar em casa e de papai querer esquiar. — De fato Fritz preferia rever o sr. Weir a viajar com o pai e visitar os primos. — Entendo. —- O marquês inclinou a cabeça. — Obrigado por um almoço agradável. — Diga-nos onde você vai se hospedar — pediu Fritz, ignorando a expressão contrariada da mãe. — Ainda não sei. Mas tenho certeza de que voltaremos a nos encontrar. — Max vestiu o casaco, despediu-se dos três polidamente e partiu. — Você acha que nós o veremos de novo, mamãe? — Johnnie indagou, deixando claro o quanto gostara da companhia do sr. Weir. — Talvez, querido. — Nós poderíamos voltar aqui amanhã. Talvez o achássemos — propôs Fritz. — Vamos estar ocupados com nossos hóspedes. — Procurando disfarçar o desânimo ante a perspectiva de entreter os parentes de Hans dias a fio, Christina sorriu. — Talvez nossos hóspedes resolvam ir embora logo. A voz de Johnnie soou esperançosa. — Quem sabe consigamos uma manhã livre? Então eu os trarei para patinar. — Oba! — Os garotos pularam de satisfação, seus rostinhos outra vez animados. — Agora é melhor regressarmos e sermos atenciosos com nossas visitas. — Quando eu crescer vou comprar cavalos negros iguais aos do sr. Weir — Fritz declarou com fervor. Talvez você possa ficar com os de Max, Christina pensou, permitindo-se, por um segundo, alimentar uma fantasia impossível. — E eu vou perguntar ao novo porteiro, Burt, se ele sabe onde o sr. Weir está hospedado. Burt sabe tudo — Johnnie completou muito sério.

— Onde diabos você esteve? — Hans interrogou Christina rispidamente, tão logo a viu entrar no vestíbulo. Porque sua mãe descia a imponente escadaria, ele manteve a voz baixa. — Todos estão reunidos e você está atrasada para o chá.

— A cozinheira tinha instruções para servir o chá durante minha ausência. — Pois estou lhe dizendo: é melhor você se aprontar em dez minutos ou eu... — Hans! Ajude-me a descer os últimos degraus! Antes de atender o chamado, o príncipe de Zeiss ainda teve tempo de ameaçar a esposa mais uma vez. Os meninos, que ao perceberem o clima tempestuoso entre os adultos haviam se escondido atrás de Christina, respiraram aliviados quando o pai se afastou. — Subam para seus quartos agora — ela os instruiu, cal ma — Irei vê-los depois do chá. — Nós só fomos patinar. Ante o tom cauteloso de Johnnie, Christina sorriu para tranqüilizá-lo. — Duvido que seu pai fará perguntas, querido. — Os meninos haviam aprendido, desde muito cedo, a contar o mínimo a Hans. Suas reações eram geralmente negativas e seu temperamento imprevisível. — Vou mandar uma das criadas levar chá e bolo para vocês lá em cima. — Podemos ir patinar amanhã? — implorou Fritz. — Tentaremos acordar bem cedinho — ela sugeriu, desejando que suas vidas não fossem tão complicadas. — Acordarei a qualquer hora que você quiser, mamãe. — Eu também — Johnnie concordou. — Conversaremos sobre isso após o chá, queridos. Agora vamos correr para nossos quartos. Quando Christina entrou na sala, dez minutos depois, ela sentiu-se como se estivesse penetrando em território inimigo, os olhares de cada um dos presentes analisando-a de alto a baixo. Mesmo após doze anos de casamento continuava sendo consíderada uma estranha. “Aquela esposa inglesa”, como costumavam chamá-la às suas costas. Todavia, há tempos essas coisas deixaram de incomodá-la. Os irmãos mais novos de Hans tinham sido obrigados a se casar por dinheiro e, conseqüentemente, suas esposas eram famosas por seus dotes, não pela beleza. Filhas de burgueses ricos, eram burguesas na aparência, na personalidade e nos gostos. Assim, ressentiam-se dos ancestrais aristocráticos de Christina. Não apenas a nobreza, mas a beleza da princesa, lhes inspirava um rancor implacável.

Os irmãos de Hans, como todos os Zeiss, não se importavam com os sentimentos das esposas e exibiam as inúmeras amantes publicamente. Se ao menos ela tivesse sabido... Como se arrependera de ter se casado... Mas no momento, precisava concentrar seus esforços em vencer o tédio provocado por aquele chá interminável. Ao longo dos anos, aprendera a usar a paciência como uma aliada para agüentar as reuniões da famflia Zeiss e tratara de desenvolvê-la. Se exteriormente parecia atenta no que acontecia ao seu redor, sua mente vagava. E agora que Max estava por perto, mais motivos tinha para se concentrar no futuro. contemplando o prazer glorioso de tomar a vê-lo. Porém, perdida em pensamentos, Christina deixou de notar os comentários maliciosos à meia-voz de que era vítima. De repente, uma de suas cunhadas se levantou, o farfalhar do vestido de tafetá horrendo trazendo-a de volta à realidade. Aliviada por mais uma provação haver chegado ao fim, levantou-se também. — O jantar será servido às nove horas — anunciou. — Vejo-os mais tarde. — Com uma breve inclinação de cabeça, saiu da sala. — Ela não disse uma única palavra — comentou a cunhada mais velha, num tom ácido e reprovador. — E parecia com a cabeça nas nuvens — disse outra. cerrando os lábios finos. — Como se estivesse feliz — emendou a terceira, ressentida. As três trocaram olhares cúmplices, como velhas megeras. Hans fitou os irmãos e revirou os olhos, farto de tudo e de todos.

— Ainda temos tempo de tomar um drinque antes de nos vestirmos para o jantar — sugeriu. — Alguém gostaria de jogar bilhar? — As reuniões de família eram sempre um verdadeiro martírio, porque além de desprezar as cunhadas, as constantes exigências de sua mãe o cansavam. — Sua mulher não está grávida, está? -- ouviu-a perguntar secamente. — Por Deus, não! — De repente, um pensamento odioso lhe ocorreu. Fervendo de ódio, levantou-se. - Se me derem licença, me reunirei a vocês daqui a pouco no salão de bilhar.

Voando escadaria acima, Hans invadiu os aposentos da esposa como um animal enfurecido. Ainda trajando a mesma roupa que vestira para o chá, Christina descansava recostada na cama, os olhos fechados. — É melhor você não estar grávida, miserável! Assustada com o súbito ataque, ela abriu os olhos. — Não na frente dos empregados. Lise vai escutar. A criada estava no quarto adjacente, separando o vestido que ela usaria no jantar. — Os serviçais não me importam a mínima! — Hans rosnou. — Exijo uma maldita resposta! Você está grávida? — Por favor, saia. — Seu marido não merecia resposta nenhuma, não depois de anos e anos de infidelidades e indiferença.

— Espere um maldito instante! — Hans deu um passo a frente e ergueu a mão ameaçador. — Se você encostar um dedo em mim, vou gritar tão alto que sua mãe me ouvirá, seja lá onde aquela bruxa gorda esteja. Ele estacou, sabendo que a mãe ainda possuía força na administração do principado e que, como membro da realeza esnobe, achava importante manter as aparências. — Saiba que ainda não terminamos essa conversa —- ele sussurrou, colérico.

— Pois eu acho que sim. — Pelo menos enquanto sua sogra permanecesse no palácio. — Se você estiver grávida, vou matá-la depois da partida de minha mãe. O ódio estampado nos olhos claros e frios era tão intenso que Christina precisou de toda sua força interior para não demonstrar medo. — Felizmente não será necessário. — Dando-lhe as costas, rumou para o quarto de vestir. — Eu sou seu dono — o príncipe gritou. — Nunca se esqueça disso! Livre do marido. Christina despachou Lise, precisando de alguns minutos sozinha para lidar com as chocantes ameaças de Hans. O que o levara a alimentar tais suspeitas? Estaria mesmo correndo perigo, ou as palavras terríveis haviam sido apenas uma explosão de raiva? Seria posta novamente sob vigilância, depois que sua virtude fora questionada? Agora que Max estava por perto, esperava que não. De qualquer maneira, a violência do marido a assustara e a preocupara.

— Responda-me. ordinária! — Não. Agora suma da minha frente. — Levantando-se, Christina caminhou até a janela.

A presença do marquês se tornara, de repente, um fator capaz de desencadear uma situação volátil. No jantar daquela noite, Christina desempenhou à perfeição o papel de anfitriã dedicada, sorrindo com fingida sinceridade, respondendo às perguntas com extrema polidez, rindo do humor sem graça dos cunhados, certificando-se de que a refeição fosse servida com apuro e eficiência. Porém. insegura quanto à própria capacidade de estender a farsa por horas a fio, quase não bebeu, receando perder o autocontrole. Disfarçadamente, consultou o relógio dezenas de vezes, o tédio a ponto de sufocá-la. Obrigando-se a sorrir, fez sinal para o lacaio tornar a encher os cálices de vinho dos cunhados. Terminada a refeição, os homens permaneceram à mesa para tomarem um Porto, enquanto as damas se retiravam para a saleta onde uma bandeja com o chá já as aguardava. Dali a uns trinta minutos os homens se reuniram às mulheres. Mais vinho foi consumido. E finalmente, finalmente.., o relógio bateu onze horas, libertando Christina de seu suplício. — Está um pouco tarde. Se me dão licença. Sentindo-se como uma criança livre do castigo, Christina se refugiou em seus aposentos, em busca de paz e serenidade. Querendo ficar a sós com os pensamentos, dispensou Lise.

Quanto ao local, teria que dar um jeito de avisar Max. — Sim, senhora — a criada respondeu, fazendo uma reverência. — Deixe-me ao menos ajudá-la com suas pérolas antes de sair. — Não há necessidade Christina respondeu sorrindo. — Boa noite, Lise.

— Posso me despir sem ajuda. Verei você pela manhã. Por favor, acorde-me às cinco horas. Os meninos e eu temos planos de patinar antes do desjejum.

— Deixe-me ajudá-la com esse colar de pérolas. A voz profunda e baixa, docemente familiar, soou às suas costas. Com o coração aos pulos, ela virou-se, choque, medo e uma alegria intensa inundando-a. — Como você conseguiu entrar? — Ninguém me viu, O jantar foi bom? — De pé junto à janela, vestido esportivamente num pulôver marfim, calça escura e botas de montaria, Max exsudava sensualidade por todos os poros e agia como se não estivesse em perigo. Como se ambos não estivessem em perigo. — Max! Você não pode ficar aqui! Você precisa ir embora! — Eu soube que Hans tem saído do palácio todas as noites. Mais tarde do que o habitual, para evitar atritos com a mãe. Portanto, não seremos incomodados, se é isso o que a preocupa. Christina não podia contar como fora ameaçada pelo marido, ou Max exigiria que partisse. E jamais partiria, abandonando os filhos. Infelizmente, apesar de todo seu esforço e boas intenções, o marquês nunca seria capaz de apagar as cláusulas de seu contrato matrimonial. — É perigoso demais você ficar aqui. Os meninos e eu iremos patinar amanhã cedo. Poderemos conversar então. Por favor, vá embora agora... — O maldito disse algo para você — ele afirmou, notando-a aflita.

—Não. — Nervosa, a princesa retorceu as mãos. — Hans não me disse nada. Porém você não pode ser descoberto. — Você não estava assim, tão alarmada, quando a vi na aldeia. O que aconteceu? — Por favor, não importa o que aconteceu. Você precisa considerar meus filhos... — Se eu puder assegurar a segurança das crianças, você concorda em se encontrar comigo mais tarde? Seu novo porteiro, Burt, está trabalhando para mim. Se ele confirmar a saída de seu marido, você concordaria em pelo menos, conversar comigo por alguns minutos? Tenho que saber como você está, se não corre risco iminente. — Como deixá-la desprotegida, quando a pobrezinha parecia tão assustada? — Preciso abraçá-la... — ele murmurou, apaixonado. Inquieta, Christina olhou para a porta e para a janela, sem saber o que fazer. — Não sei... Eu quero estar com você.., mas não aqui... Oh, Deus! Tentando não pressioná-la quando a desejava desesperadamente em seus braços. o marquês conteve-se, respeitando o medo que a paralisava. — Eu não me demoraria muito. Apenas alguns minutos.

 

Inspirando fundo, Christina tentou sufocar as lágrimas, as emoções à flor da pele. Ah, como podia suportar a dor de ter o amor de sua vida tão perto e, ainda assim, tão dolorosamente longe? Então, curvando-se ao peso dos sentimentos, sussurrou: — Senti tanta saudade de você... A angústia na voz dela o abalou de tal maneira que Max, num impulso, venceu a distância que os separara e a tomou nos braços. — Irei embora, ou ficarei aqui. Farei qualquer coisa que você quiser, irei aonde você quiser, a esperarei em qualquer lugar. Apenas me fale o que deseja... — Quisera saber. Desejo milhares de coisas que não posso ter — ela confessou, os olhos marejados de lágrimas. De repente, Max teve certeza de que apesar dos obstáculos parecerem intransponíveis, o amor que os unia venceria a tudo e a todos. — Qualquer coisa que você me pedir, eu lhe darei. Qualquer coisa que você desejar, eu farei acontecer. — Lentamente, ele a beijou nos lábios, como ansiara fazer durante semanas. O mundo deixou de importar e, por alguns segundos, enquanto murmuravam palavras ternas e amorosas, foram capazes de esquecer o presente ameaçador. Entretanto, logo o desespero consumia a frágil felicidade. Christina foi a primeira a recuperar a razão. — Você não pode ficar aqui... é perigoso demais... — repetiu.

— Só mais um pouquinho — ele suplicou. Passos ecoaram no corredor, deixando-a rígida de pavor.

— Você tem que ir embora. — Voltarei depois da meia-noite, depois de Hans sair. — Apenas se você estiver absolutamente seguro de que não há nenhum perigo. Estou falando sério. Não posso correr riscos. Max queria abraçá-la outra vez, segurá-la junto do peito por toda a eternidade. — Entendo — falou afinal, afastando-se. — Se eu não estivesse correndo o risco de perder meus filhos, se fosse apenas eu... Compreendo. querida. Você não pode arriscar o futuro dos meninos. — Beijando-a nos lábios, despediu-se. — Eu voltarei, meu amor. Não perca a esperança. Sozinha, Christina sentiu-se sufocar por uma onda de horror e desespero. Se soubesse para onde Max fora, correria atrás dele e lhe pediria para partir. Mas o marquês descera pela janela e suas pegadas já haviam sumido na neve, apagadas pelo vento insistente. Incerta sobre o que fazer, trancou a porta de seus aposentos e então tornou a destrancá-la. Se seu amor voltasse, não teria coragem de renunciar à felicidade, ainda que por breves minutos. Só pedia a Deus que Max não fosse tão irresponsável a ponto de utilizar os corredores do palácio, agora fervilhante de servos e convidados para as festas de fim de ano. De repente a princesa lembrou-se de ouvi-lo mencionar o novo porteiro, Burt. Seria esse o mesmo que os garotos haviam mencionado’? O porteiro teria acesso aos seus aposentos? Poderia Max estar escondido na casa de Burt, aguardando o momento de visitá-la? Seria mais ou menos prudente procurá-lo lá? Não, melhor não sair dali, pois Max prometera voltar. Como podia ele ser tão ousado para desprezar o perigo na sua ânsia de vê-la? Como podia ele ignorar a situação delicada dos meninos? Como podia ele ser tão impulsivo? Como poderia ela sobreviver se ele não tornasse a procurá-la? Em um misto de agitação, pavor e extrema felicidade, Christina esperou. Nervosa, não conseguiu parar um segundo. Andou de um lado para o outro do quarto, serviu-se de um cálice de vinho para não tomar nem uma gota, pensou em trocar de roupa e desistiu, apagou e acendeu as lamparinas, espiou pela janela centenas de vezes. Com os nervos à flor da pele, simplesmente não era capaz de se decidir a respeito de nada. E quando a porta da sacada se abriu, logo depois da meia-noite, Christina, louca de paixão, atirou-se nos braços de Max. — Eu quero um milagre —- sussurrou, abandonando toda a cautela. — Quero você. Ele a beijou de leve na face. — Sou o homem dos milagres, mas antes diga “olá” a Burt. Embaraçada, ela enrubesceu e se afastou. Menos tímido, Max fez sinal para o porteiro entrar. — Querida, este é Burt Davis. Burt, princesa Christina. Agora conte-lhe quem acabou de sair. Polido, Burt tirou o chapéu.

— O príncipe saiu dez minutos atrás, senhora. Suspirando fundo, ela pareceu relaxar afinal. — Obrigada pela informação. E obrigada por... nos ajudar. Esperemos que tudo seja resolvido um dia. — Sim, senhora. O marquês possuí uma determinação férrea em conquistar seus objetivos. — Não me demorarei muito, Burt — disse Max, dispensando-o. Outras coisas mais importantes, como abraçar a mulher a quem amava, consumiam sua atenção. — Sim, senhor. Porém tenha cuidado ao voltar para a portaria, porque os irmãos do príncipe ainda estão na sala de bilhar, bebendo. — Serei cuidadoso. Assim que o porteiro desapareceu dentro da noite, Max fechou a janela da sacada e puxou a cortina. Então virou-se para Christina, sorrindo. - Onde estávamos mesmo? Falávamos algo sobre milagres? — ele a provocou, tomando-a de novo nos braços. — Que tal reorganizarmos o mundo ao nosso gosto? Qual seria seu primeiro pedido? Christina fechou os olhos por um instante, tentando acalmar os nervos. — Não consigo nem pensar direito. Estou aterrorizada, com você aqui. — Ninguém sabe que estou aqui. Hans saiu. Bastou mencionar o nome do príncipe, para a expressão dela se transformar. — Você não pode se demorar, Sinto muito, mas... — Só vou ficar um pouco. Sente-se, enquanto verifico se todas as portas e janelas estão fechadas. Apenas por precaução. Depois de se certificar de que estavam seguros, Max sentou-se no chão, diante da cadeira de Christina, e segurou as mãos pequeninas e frias entre as suas. — Conte-me o que seu marido lhe disse para afligi-la tanto.

— Nada — ela murmurou, desviando o olhar. — Hans foi apenas grosseiro e nojento. Nada diferente do habitual — Christina fitou-o e sorriu. — Agora que sei o que é a felicidade, acho-o mais insuportável do que nunca. É só isso. — O maldito não a ameaçou? — Ele fala muito. É só. — Então o canalha a ameaçou. — Não mais do que tem feito durante esses anos todos. Querido, não quero falar sobre Hans. Não quero sequer pensar nele. Nunca mais. — Você estava linda hoje de manhã na aldeia. — Max mudou imediatamente de assunto para sossegá-la. — Eu não conseguia parar de observá-la, — E você parecia um sonho tornado realidade. — Não pude me manter afastado. Tive que vir a Silésia. — Alegra-me sabê-lo, embora eu esteja apreensiva. Posso me sentar ao seu lado? — O marquês sentia-se como um adolescente, pedindo permissão para algo tão simples. Todavia a situação era mesmo desajeitada, a tensão palpável. — A porta está trancada, querida. E ainda que alguém tentasse arrombá-la, eu teria tempo de escapar pela janela da sacada. Você seria encontrada sozinha.

— Por favor, sente-se — ela falou baixinho, querendo o que Max queria apesar do medo de serem surpreendidos. Levantando-Se, ele a tomou nos braços, carregou-a até o sofá e, mantendo-a no colo, resistiu ao desejo de beijá-la. — Diga-me que ninguém pode entrar aqui — Christina pediu, as costas eretas e rígidas denunciando seu nervosismo. — Você está segura. — Diga-me que você não vai demorar muito. — Partirei no momento que você quiser. — Tem mesmo certeza de que ninguém vai conseguir entrar?

— Seria preciso arrombar a porta, querida — ele a assegurou, esforçando-se para lhe transmitir tranqüilidade. Suspirando fundo, a princesa começou a relaxar, o calor do corpo másculo e a serenidade do marquês acalmando-a afinal. Imagino que você esteja me achando... — Sei que você está assustada, querida. Por que não haveria de estar? E se eu não estivesse tão loucamente apaixonado, não a angustiaria ainda mais com minha presença. Portanto, peço-lhe desculpas. Sei que eu deveria ir embora, mas... não consigo. — E eu não quero que você vá, ou já o teria posto para fora. — Assim, nós dois estamos loucos. — Ou apaixonados. — Às vezes penso que é a mesma coisa. Nunca estive em Silésia antes. E jamais teria vindo à Alemanha, se não fosse por sua causa. Perdi por completo a razão. — Sem dúvida, ou você não teria escalado a parede sob a neve. — Exatamente. Jamais me senti inspirado a cometer loucuras. Até conhecê-la. — Porque você me ama. — Sim, eu a amo. — Loucamente. — Você não sabe do que sou capaz por este amor. — Sem dúvida você me deu uma amostra do paraíso essa noite. — Christina o enlaçou pelo pescoço, deixando que o amor e a confiança de Max a inundassem. E sei que você quer mais. — Você sempre sabe o que eu quero. — Provavelmente você não deveria dizer isso — ele murmurou, lutando para conservar o controle. Percebendo o volume da ereção, Christina gentilmente o acariciou nos cabelos. — Também senti saudade sua. — Céus, Christina, não me provoque! Estou tentando me comportar como um cavalheiro. - Nós poderíamos ser rápidos. — Tem mesmo certeza de que é isso o que quer? — A voz de Max soou rouca, arfante. — Você parece pronto. — Sorrindo, ela moveu os quadris, pressionando a masculinidade rígida e pulsante. — Mal posso me controlar— ele sussurrou. — Não faça assim, a menos que deseje o mesmo que eu. Christina aumentou a pressão das nádegas em sua virilha. — Faz tanto tempo desde a última vez... Tempo demais, meu amor.

— Você precisa de uma cama? — O que você acha? — Os olhos escuros a fitaram como se quisessem devorá-la. — Acho que você poderia me possuir no meio de uma praça que eu não me importaria. — Tenho certeza de que não. — Num movimento ágil, o marquês levantou a saia de Christina. Você realmente quer que sejamos rápidos? Ardendo de desejo, ela não foi capaz de articular nenhum som. Apenas o agarrou pelos ombros, implorando, em silêncio, para que sua fome fosse saciada. Segundos depois, Max guiava sua masculinidade ereta para dentro da cavidade perfumada. — É sua última chance de pararmos por aqui. Mas sua breve concessão à consciência se dissolveu no ar, ante a expressão apaixonada da princesa. Cego de amor, ele a penetrou tão fundo que, por vários segundos, ambos perderam o fôlego. Christína havia se esquecido quão grande, delicioso ele era. Suspirando enlevada, afastou as pernas ainda mais, para o acolher melhor. — Devagar ou depressa? — Max indagou num murmúrio urgente. — Depressa, depressa. Não posso esperar. — Febril, Christina o apertou junto do peito. Logo, os primeiros estremecimentos do clímax a abalavam. — Não... ainda não... — Não? Porém Christina já não ouvia nada. Gemendo baixinho, atingiu o clímax, contorcendo-se violentamente de prazer. Fascinada, Christina observou os contornos dos músculos bem definidos dos braços e dos ombros. Aquela manifestação inconsciente de força física e beleza incendiou seus sentidos, fazendo-a arder. Notando o efeito de sua semínudez sobre a princesa, ele sorriu, seguro de si. Reagíndo ao convite silencioso, Christina deslizou o olhar faminto pelo peito largo, pelo abdome esculpido até chegar à estupenda ereção exposta através da braguilha aberta da calça. Max a sabia sequiosa por mais. Não fique tão convencido — ela falou, ciente de quão desesperadamente o queria. — Não estou convencido, querida, apenas contente. E pronto para possuí-la, como pode ver. Agora tire alguma peça de roupa. — Que tal meus sapatos? — ela o provocou. — É um começo. Aliás, vou tirar os meus também. — À vontade, Max descalçou as botas e as meias de lã. — Tire as meias, querida. Então cuidarei de livrá-la de seu vestido. As instruções simples, dadas num tom sensual, a atiçavam. Inquieta, sentiu o centro da feminilidade latejar. — Por que é você quem sempre dá as ordens? Hábito. — E se eu não gostar? — Então terá que esperar mais até seu próximo clímax. — E você já está pronto agora? — A decisão é sua. Quanta arrogância. — Não se trata absolutamente de arrogância. Estou aqui para lhe proporcionar o que você quiser. Mas antes deveríamos sumir com seu vestido manchado. Sinta-se livre para me dar ordens, se preferir — ofereceu, determinado a libertá-la de suas apreensões. — Como se você fosse obedecê-las. — Eu poderia tentar. — Ah, sim, como aconteceu em Tatton — ela respondeu, irônica. — Peço-lhe desculpas pelo que houve. — Quão sinceras são suas desculpas? — Terei prazer em lhe demonstrar meu arrependimento. milady. — Estamos falando sobre a mesma coisa? — Descobriremos assim que você tirar o vestido. — Você não está me dando outra ordem, está? — Considere uma súplica humilde. — Humilde? — Humilde ao extremo. — Mentiroso. Max arregalou os olhos, fingindo-se ofendido. — Então deveríamos estar falando a verdade? Christina avançou sobre o marquês, com os punhos erguidos. — Ah, sei de uma maneira melhor para você aliviar sua agressividade, querida. — Sem a menor dificuldade, ele a segurou pela cintura. —- Você precisa de sexo. Sem esperar permissão, Max a virou de costas e, rapidamente, desabotoou o vestido, seus gestos seguros e precisos deixando claro não ser aquela a primeira vez em que despia uma mulher. Todavia a idéia a excitava, como se estivesse para gozar de todas as delícias decorrentes da vasta experiência sexual do marquês. Jogando o vestido de Christina no chão, Max a apreciou de alto a baixo. — Assim está melhor. Agora tire a túnica e o corselete, para que eu tenha amplo acesso às suas delícias. Christina corou, embora as palavras vulgares a excitassem. Você precísa de ajuda, princesa? Ela o fitou, estremecendo de desejo. — Depressa e eu lhe darei isso. — Num movimento imperceptível, ele arqueou os quadris, expondo a potente virilidade. Christina não tardou a arrancar a túnica, ficando somente com o corselete rendado. — Seus seios são lindos — Max falou reverente, apreciando os contornos dos globos alvos e firmes. — E a visão de seus pêlos loiros, cobrindo o vértice da feminilidade, me enlouquece. Numa reação inconsciente, Christina sugou o lábio inferior. Quero você para mim. Dominada pela luxúria, esquecida de suas preocupações sobre ordens e submissão, deu um passo à frente. Venha mais para perto. Sem hesitar, Christina obedeceu. — Você gosta quando lhe digo o que fazer, não? — Não. — A resposta não passava de um murmúrio quase inaudível. — Você está pronta para ser possuída, não? Apenas um aceno. — Seus mamilos estão túrgidos e rosados. — Ele a massageou nos seios devagar. — Isto significa que me quer dentro do seu corpo? Ela estremeceu, ciente de que a presença proibida do marquês representava um enorme perigo. Notando o medo súbito apagar o brilho dos olhos verdes, Max a puxou para si. — Desculpe-me, não quis assustá-la. — Apenas não diga isso. — Christina tentou se afastar, porém mãos fortes a impediram. — Ouça, precisamos conversar antes. — A voz dela tremia devido à agitação e ao nervosismo crescente. — O que faremos? Não podemos continuar, pelo menos não agora, sem tomarmos precauções. — Nós não temos que fazer nada, querida — ele a acalmou gentilmente. — Por favor. Faça de mim um homem feliz. — Meu Deus... claro. — Aliviada, Christina sorriu. — Ah, veja como o pânico atropela a razão. Embora eu não planejasse ficarmos juntos essa noite, suponho que meu cérebro tenha tomado as iniciativas necessárias. E realmente havia esponjas limpas quando foram olhar. O suficiente para suprir doze bordéis. Um detalhe que Max achou prudente não mencionar. Entretanto, ao voltarem para a cama, o dilema resolvido, o marquês vacilou por um instante. — Hans nunca dormiu aqui — ela o assegurou, percebendo o que se passava. — Ciúme é uma coisa enlouquecedora. — Estamos juntos agora. É o que importa.

Max suspirou procurando se conformar, porque queria muito mais. — E eu preciso de você. De muitas, muitas, MUITAS maneiras. — Você acha que eu me esqueceria disso, princesa? — ele indagou, rindo. — Eu não lhe permitiria esquecer. — Então serei seu garanhão esta noite? — O tom brincalhão combinava com o olhar irreverente. — Pensei que você já houvesse compreendido, milorde. Será que fui discreta demais? — Na verdade, seu estado de excitação não deixaria dúvidas sobre suas intenções a meu respeito. — Assim, o que posso esperar de um garanhão tão lindamente dotado como você? — Satisfação, madame. Durante a noite inteira. — Por todos os deuses! A noite inteira? — Se você agüentar. — Sorrindo, Max a atirou sobre a cama e cobriu-a com o próprio corpo. — Se ficar cansada, diga-me e a deixarei descansar por alguns minutos. — E se eu quiser parar? — Christina o provocou, lânguida. — Você não pode... Tampouco pode chamar sua criada, ou pedir ajuda, ou gritar quando atingir o auge. Aliás, como diabos vai chegar ao clímax se não puder gritar? — E como você chegará ao clímax se eu não o quiser? —ela devolveu provocante, tentando afastá-lo de si. Rápido. o marquês a segurou pelos pulsos, imobilizando-a. — Você é ágil demais, milorde. E parece forte como um touro. O olhar de Christina se fixou na potente ereção. — Você gostaria de descobrir?

— Gostaria muito, se você não fosse me considerar uma... — Devassa? — Você tem escrúpulos? — ela perguntou numa espécie de murmúrio. — Nenhum. — Então, o que devo fazer para despertar seu interesse? — Abrir suas pernas. — Isso é tudo? — É o único requerimento relevante. — Libertino. — Você está atrás de conversa, ou de sexo? Sem retrucar, Christina entreabriu ligeiramente as pernas. — Abra-as mais — Max a instruiu, acomodando-se no espaço. — Há graus diferentes de relevância. Devagar, ela o obedeceu, um calor delicioso começando a aquecê-la. — Assim está satisfatório, milorde? — Bastante. É uma visão encantadora. Um convite ao pecado. — Obrigada por sua perspicácia. — E por seu banheiro bem suprido. Você está pronta para mim? — Oh, sim... estou sempre pronta. — Mas não grite — ele a preveniu, terminando de desabotoar a calça. — Serei boazinha. — Você sempre é. — Posso tocá-lo? — Não. Receio não ser capaz de me comportar bem. — Não estou interessada em bom comportamento.

— Então não percamos tempo. — Max a penetrou numa única investida e estacou, saboreando o quase insuportável prazer de invadi-la. Quão longa fora sua espera por aquele momento. De quão longe viera para torná-la sua. Todavia, impaciente, Christina o enlaçou pela cintura e se contorceu, estabelecendo um ritmo frenético, o qual Max não hesitou em acompanhar. Ela não se cansou naquela noite mágica. Assim como o marquês se mostrou de um apetite insaciável. Imunes à moderação e a qualquer tipo de reserva, pareciam enlouquecidos, esquecidos de todos e de tudo, exceto da celebração da paixão carnal. Entretanto, não se tratava somente de sexo. O sentimento que os unia era intenso demais, glorioso demais, para vulgarizar as várias maneiras com que se amaram. Principalmente quando, no íntimo de ambos, existia um medo inconfesso de que, talvez, não houvesse um amanhã. — Você precisa ir embora. — O relógio havia batido quatro horas, depois quatro e quinze e agora quatro e meia. — Os empregados não tardarão a se levantar. Eu sei. — Ele a abraçou com mais força. — Estou falando sério. — Max não deveria ter ficado até tão tarde. Não deveria tê-lo permitido. —Eu sei. Não diga “eu sei” outra vez. — Sim, querida. — E não diga “sim, querida” neste tom, como se não tivesse a menor intenção de se mexer. — Sim, querida. Melhor assim?

— Seria melhor se eu não estivesse à beira do pânico. — Hans nunca chega em casa tão cedo. — Preguiçosamente, Max a acariciou nos ombros. Apoiando-se nos cotovelos, Christina o fitou, decidida. — Se você não se levantar da minha cama neste instante. eu mesmo o porei para fora. — Hum... a idéia de você me obrigando a me levantar parece-me até tentadora. Poderíamos... — Max — ela falou, num tom que não admitia discórdia. — Está bem, está bem, já estou me levantando. Porém vou esperá-la na estalagem onde nos encontramos ontem. — Se meus filhos e eu conseguirmos escapar. — Sua vontade de vê-lo era maior do que o medo. — Estarei lá de qualquer modo. Se você não aparecer, espero-a no chalé de Burt hoje à noite. — Em poucos minutos ele se vestiu. Antes de sair. beijou-a com comovente ternura. — Não me esqueça, meu amor. — Eu nunca poderia esquecê-lo, nem se vivesse mil anos. O plano de Christina foi arruinado quando um dos irmãos de Hans insistiu em acompanhá-la, e aos garotos, até a aldeia. Max permaneceu nas sombras, na esperança de que ela se livrasse do cunhado. Todavia o mais jovem dos irmãos Zeiss desempenhava seu papel de acompanhante solícito com um empenho irritante, nem por um segundo deixando-a só e Christina não tardou a perceber a inutilidade de tentar ver Max. Tampouco seus filhos poderiam se encontrar com o sr. Weir, como tanto haviam desejado. Desapontada, explicou ao cunhado que precisava retornar ao palácio devido a um compromisso.

Durante toda a tarde, os meninos deixaram claro o quanto estavam decepcionados por não terem visto o sr. Weir e, para compensá-los, Christina passou cada minuto livre na companhia dos dois. Naquela noite, abrindo uma exceção devido às festividades natalinas, Hans permitiu aos filhos jantarem na companhia dos adultos. Tão logo a refeição terminou, os homens permaneceram à mesa para as bebidas de praxe enquanto as mulheres se retiravam para a sala de estar íntima, onde os presentes tinham sido colocados sob a imensa árvore de Natal. Christina e os filhos haviam trocado alguns dos presentes mais cedo, porque os outros sob a árvore tinham que passar pelo crivo da mãe de Hans, que censurava qualquer coisa, ou brinquedo, que não julgasse prático, ou edificante. As cunhadas de Christina ganharam jóias, como acontecia todo ano, enquanto ela, esposa do primogênito do clã e os herdeiros do príncipe, receberam ações da companhia mineradora pertencente à família. Não que qualquer um dos três tivesse acesso ao dinheiro. Tratava-se de algo simplesmente simbólico. Hans e os irmãos trocaram armas de fogo de diferentes tipos. Sem dúvida preparando-se para a caçada anual. Depois de ler várias passagens da Bíblia em voz alta, a velha princesa anunciou ser hora de se retirarem. Já se aproximava da meia-noite quando Christina retornou aos seus aposentos, depois de colocar os filhos na cama. E se pretendia ausentar-se do palácio, precisaria ter cautela para não chamar a atenção dos convidados. A sogra e os cunhados haviam ido deitar-se e Hans saíra, como de hábito.

E por que isso a surpreendia? Afinal, a véspera de Natal não era diferente de nenhuma outra data para seu marido infiel. Contudo, sentia-se profundamente aliviada. Hans ficaria fora a noite inteira. Seus cunhados já haviam se fechado na biblioteca, onde beberiam até cair no sono. Portanto, estava livre. Com o coração aos pulos, preparou-se para o encontro com Max. Embora soubesse que não deveria...

Operfume dele ainda estava impregnado na capa de zibelina, o aroma viril despertando doces lembranças. Com a gola levantada para se proteger do frio intenso, Christina percorreu os metros que a separavam do chalé do porteíro com o coração batendo descontroladamente, de ansiedade e excitação. De repente, uma figura alta surgiu do nada, fazendo-a perder o equilíbrio. Porém mãos fortes logo a amparavam, transformando o medo repentino em pura alegria. — Pensei que você não chegaria nunca — Max murmurou, abraçando-a com ardor. E eu pensei que o palácio nunca fícaria deserto. — Fitando-o com adoração, ela sorriu. — Você estava me esperando há muito tempo? — Não — o marquês mentiu, pois estivera aguardando-a havia horas. — Mas agora que você está aqui, feliz Natal. — Este é o Natal mais feliz da minha vida. — Vai ficar ainda melhor — ele brincou.

— Suponho que você diga isso a todas as damas — Christina devolveu, sentindo-se gloriosamente viva. — Apenas àquelas prestes a caírem na minha cama na véspera do Natal. — A saber. eu. — Ótimo. Então estou levando a dama certa para casa. — Por acaso você é o lobo mau? — Não, sou o muito, muito bom... — Anjo da minha vida. — Alguns poderiam discordar. — Segurando-a no colo, Max rumou para o chalé. — De qualquer forma, obrigado. E no espírito da ocasião, o que eu poderia oferecer hoje à linda dama? — Tudo. — Se ao menos eu pudesse — ele falou baixinho, a voz vibrando de emoção. — Você pode. Esta noite, o mundo é nosso. Temos as estrelas brilhantes para iluminar nosso caminho e o céu negro que nos protege. — Além de um chalé reservado no nosso nome. — Qual nome? — Marquês e marquesa de Vale. — E onde estão nossos filhos? — Christina perguntou, entregando-se à fantasia. — Dormindo. Sonhando com os presentes que irão ganhar amanhã. Eu mesmo os coloquei sob a árvore. — Da próxima vez, vou ajudá-lo. — Sim, eu sei, — Terno, Max a beijou nos lábios, sob a luz das estrelas. — Não os acorde quando entrarmos em casa.

Capítulo XX

Os olhos da princesa estavam cheios de lágrimas ao alcançarem o chalé. — Não chore, querida, ou vou acabar chorando também. — Gentilmente, ele a ajudou a tirar a capa e tomou-lhe a bolsa das mãos, depositando-a sobre a mesa. Todavia, vendo-a imóvel, como se estivesse atordoada, preocupou-se: — Você está cansada? — Não. Apenas tentando absorver toda a beleza dessa véspera de Natal. Obrigada por ter vindo. — Contei os dias. — Eu também. Alguns segundos de silêncio. — Você gostaria de um cálice de vinho, ou conhaque? Christina balançou a cabeça. — Gostaria de se sentar diante da lareira? De súbito, como se não o tivesse ouvido, ela indagou: — Onde está minha bolsa? Max entregou-lhe a bolsa pequenina. — Comprei-lhe um presente. — Parecendo nervosa, Christina lutou para abrir o fecho de ouro. — Espero que não me julgue presunçosa, ou tola, ou escandalosamente avançada. Comprei-o num impulso e depois fiquei pensando que talvez houvesse me precipitado... Beijando-a na face para acalmá-la, Max a ajudou com o fecho. Qualquer coisa que você me der será perfeito. — Ótimo.., eu espero... isto é... você pode achar que... — Mordendo os lábios, Christina retirou uma caixinha de veludo preto da bolsa.

— Um anel — Max murmurou, abrindo a caixinha. — Eu não deveria.., eu sabia que não deveria — ela falou, insegura. Com certeza dezenas de amantes já o tinham presenteado. — É maravilhoso.., lindo... — O marquês ergueu o anel de linhas simples, com um único rubi incrustado. — Sei que rubi é sua pedra favorita. Há algo gravado do lado de dentro. — Suponho que você não o tenha comprado aqui, em Silésia. — Não. Comprei-o numa loja em Berlim. Mas o jovem joalheiro que fez a gravação deve ter sabido para quem seria o presente, porque quando fui buscar o anel, ele disse: “Invejo seu amante, princesa”. — Tenho sorte de ser esse homem invejado. — Sorrindo, Max leu a inscrição: “Para o amor da minha vida”. Ah, querida, você não imagina quão perfeito esse presente é. Venha até o quarto, venha ver o que tenho para lhe dar. — Se estamos indo para o quarto, sei o que você pretende me dar. — Você vai se surpreender. — É mesmo? — Com certeza, sra. Desconfiada. Quando o marquês abriu a porta do quarto, Christina ficou estática. — Onde você conseguiu violetas em dezembro? — Dezenas de pequenos vasos de cristal, repletos de violetas, enfeitavam o ambiente numa profusão de cores vibrantes. — Acho que a senhora a quem as encomendei disse que as flores vieram da Itália. Porém não era isso o que eu queria lhe mostrar. Sente-se. — Onde você quer que eu me sente? — Na cama. A não ser que você me julgue escandalosamente precipitado — ele brincou, piscando um olho. — Creio que essa sejá uma de suas mais preciosas qualidades. Então nos daremos bem, madame. Quando Christina se sentou, Max ajoelhou-se no chão. — Tenho uma coisa para lhe dar. — Do bolso da calça, o marquês tirou um anel. — Isto pertenceu à minha avó, à minha mãe e depois a mim. Usei-o no dedo mínimo por anos, até não me servir mais. Quero que seja seu agora. Sei que lhe trará sorte. — Eu preciso mesmo de sorte. Nós dois precisamos. E há mais. — Max entregou-lhe ajóia, um sorriso suave iluminando as feições viris. — Mandei que fosse feita uma gravação. Você entende agora por que tudo me pareceu tão perfeito? Dois anéis de rubi, duas gravações. Não havia necessidade de você se preocupar com seu impulso. Estamos destinados a ficar juntos. — Se ao menos os deuses concordassem — ela murmurou, lendo a gravação. “Digby para sempre.” Uma alegria imensa inundou-lhe a alma. — Onde fizemos amor pela primeira vez. — Onde nos apaixonamos. E já que estou de joelhos e acabei de lhe dar um anel... Estive esperando esse momento há semanas. — Emocionado, Max tomou-lhe uma das mãos entre as suas. — Você me concederia a grande honra de...

— Por favor, não — Christina protestou, tentando fazê-lo calar-se. — Você não pode me impedir, querida. — Não vou ouvi-lo. — Então não me ouça. — Por favor, seja prático. Ele sorriu, indulgente. — Como você já deve ter reparado, não sou um homem prático. — O mundo inteiro já reparou nisso. Mas querido... — Não me escute, se preferir. Feche os olhos, se desejar. Porém vou dizer o que está em meu coração porque nunca me senti assim antes e não tenho intenção de abrir mão de você. Pelo contrário, estou disposto a mover céus e terras para tê-la ao meu lado para sempre. Amei-a desde o primeiro momento em que a vi e em inúmeras ocasiões deixei meus sentimentos bem claros. E. sem falsa modéstia, creio que esses sentimentos são recíprocos. Talvez eu tenha chegado a essa conclusão devido aos seus gritos, ou ao seu incansável interesse em mim — ele brincou. De qualquer maneira, você está em débito comigo, meu amor. ignorei meus negócios e minha família, abandonei minhas atividades sociais e viajei uma distância considerável para vir vê-la neste lugar remoto. Christina abriu os olhos. — Não lhe pedi que viesse.

Todavia você me queria aqui.

Como poderia ela mentir?

— Também tive a distinta impressão de que nosso encontro ontem à noite foi satisfatório — o marquês a provocou. — Você quer cumprimentos? — Ele sempre conseguia fazê-la sorrir, sempre conseguia fazer o mundo parecer um lugar melhor. Quero mais do que cumprimentos, querida. Quero ser capaz de dormir à noite outra vez. Quero poder apreciar um nascer do sol, urna cavalgada pelo campo. Quero poder saborear um conhaque sem temer que a melancolia me sufoque. Quero a felicidade de volta em minha vida. Case-se comigo, meu amor. E só há uma resposta aceitável. — Sim — ela se escutou dizendo, como se fosse uma mulher livre. — Então a levarei para ver as rosas em Montana, no próximo verão — Max prometeu, aceitando a resposta sem surpresa, nunca questionando a própria habilidade de alterar o mundo e conquistar o impossível. Compenetrado, colocou o anel que pertencera à avó no dedo anular da mão esquerda de Christina, ignorando a aliança de casamento dada por Hans. — E eu vou lhe mostrar meu chalé na praia, perto de Brighton — ela murmurou, entregando-se ao amor que pulsava em seu peito. — Nós teremos tudo... você e eu... Esta noite. — Esta noite e sempre. Max abraçou-a com força, sabendo-a insegura e temerosa sobre o futuro. Mas pelo menos estavam juntos naquela véspera de Natal. Um milagre lhes fora concedido. Transbordando ternura, beijou-a nos lábios, nas faces, nos cabelos. Até ouvi-la pedir. num sussurro rouco: — Dê-me mais do que apenas beijos. — Ainda não estamos casados e você já está me dando ordens? — ele gracejou. — Não posso esperar. Não quero esperar. Pensei em você milhares de vezes hoje, em tornar a vê-lo, em ontem à noite, em... agora. — Então tenho sua permissão? — Max insistiu, ainda cauteloso porque a notara apreensiva até momentos atrás. — Não somente minha permissão, mas meu fervoroso convite. Não sou tão frágil assim, você sabe. — Eu sei — ele mentiu, quando Christina estava tão niais insegura e amedrontada do que quando haviam estadojuntos na Inglaterra. Você não precisa me tratar como se eu fosse uma boneca de porcelana. Não vou quebrar. — Então vou dominá-la, princesa. E possuir seu corpo. — Max sentou-se na cama e começou a despir-se. — Ah, meu herói. Pronto para a ação quando eu estava começando a me desesperar. Devo me despir, ou você pretende arrancar minhas roupas? — Como preferir, querida. — Descalço e de peito nu, Max sorriu, sedutor. — Vou ganhar meu presente de Natal — ela repetia, como se fosse um refrão. — Vou ganhar meu presente de Natal... — Como poderei dominá-la se você já está tão ansiosa para se entregar? — Mudei minha fantasia.

Max riu com prazer. — Então é melhor me dar algumas pistas, antes de começarmos. — Imagino-me cavalgando um unicórnio e atravessando uma floresta sombria... — E um príncipe, muito excitado... — Um pirata, querido. Por favor, essa é minha fantasia. Bem, um pirata muito sensual aparece no meu caminho. Inteiramente nu, Max aproximou-se e ergueu o vestido de Christina até a cintura. Não estivera preparado para a surpresa. — Vai ser muito fácil possuí-la. Onde estão suas roupas íntimas? — Por acaso me esqueci de colocar roupas íntimas? ela indagou, fingindo-se de inocente. — É o que parece. — Acho que estava pensando em você quando me vesti. — Obrigado, madame. — Devagar, ele acariciou o centro de sua feminilidade. — Confesso que você esteve em meus pensamentos uma ou duas vezes hoje. E talvez você também tenha pensado um pouco em mim. Ou estar rígido como agora é seu estado natural? — Apenas por sua causa fico assim. Você é a única mulher que me deixa nesse estado. Palavra de honra. — Quando você fala desse jeito, cheio de charme, não me importo que não seja um pirata. — Talvez eu seja. Talvez eu a leve embora daqui. Vou acorrentá-la na minha cabana e obrigá-la a me dar prazer dia e noite.

— Hum... dia e noite... que maravilha. Que tipo de barco você tem? — Piratas têm naus, srta. Donzela Cativa, não barcos. E o meu é um iate. — Fazendo-a erguer os braços, o marquês a livrou do vestido. — Não me importa se for barco, nau, ou iate. Importa-me apenas estar com você — ela falou, subitamente séria. — Saiba que a amo de todo meu coração e que este é o melhor Natal da minha vida. — Oh, querido. — Com os olhos cheios de lágrimas, Christina o enlaçou pelo pescoço e beijou-o na boca, quase com desespero. E quando Max a penetrou, a união de seus corpos foi muito além de mero sexo. Não se tratou apenas de habilidade, técnica, ou experiência. Não foi uma fantasia sobre piratas, ou mesmo a expressão de paixão e desejo. Tratava-se de duas pessoas que se amavam e que precisavam sentir, ainda que por breves instantes, que o mundo lhes pertencia. Que pertenciam um ao outro. E que o amor de ambos sobreviveria. Muito tempo depois, quando a luxúria mais ardente fora saciada, quando jaziam sobre os lençóis amarfanhados, lânguidos e exaustos, e o perfume do ar recendia a amor e violetas, Max a beijou nas pálpebras e disse: — Olhe debaixo de seu travesseiro. — Por quê? — Porque sim.

— Hum... — Não seja complicada, mulher. — Vou gostar da surpresa? — Sem dúvida nenhuma. Quase preguiçosa demais para se mexer, Christina deslizou a mão sob o travesseiro. Ao tocar um objeto de metal liso e arredondado, retirou-o. Era um camafeu de ouro. — É lindo! — exclamou, examinando o pingente. — É possível abri-lo? — Se você souber como. — Mostre-me. — Vire o camafeu para a direita — Max explicou, apontando um pino minúsculo. — Aperte-o e a peça se abre. Dentro havia retratos dos dois. — Onde você conseguiu um retrato meu? — Christina indagou curiosa. — Numa das centenas de lojas especializadas em retratos das belas mulheres pertencentes à nata da aristocracia, minha querida ingênua. Mandei que fizessem uma reprodução menor. E agora você estará sempre comigo — ela murmurou, acariciando o retrato de Max. — Até que os tempos sejam melhores. — Depois de passar o camafeu numa fina corrente de ouro, ele, delicadamente, o colocou no pescoço de Christina. — Eu não poderia lhe comprar umajóia grande demais, para não atrair atenção. Mas esse camafeu você poderá usar sempre... e pensar em mim.

— Como se eu não pensasse a cada segundo. — Quanto tempo você poderá ficar em Silésia? Sei que não deveria perguntar-lhe, quando sua vida é tão ocupada. — Ficarei alguns dias. — Seus negócios estavam num estágio que logo iriam requerer sua atenção. E não a distância. — É uma bênção sabê-lo tão perto de mim. Diga a Burt para procurar outro local onde dormir durante esse período. — Creio que ele já tomou as providências necessárias. — Você vai usar meu anel? Sei que é uma atitude infantil e imatura a minha, porém adoro essa fantasia. Será apenas uma fantasia temporária, querida. Você não me conhece se pensa que me contentarei com encontros fortuitos a longo prazo. E claro que usarei seu anel. Vou usá-lo sempre. Você é minha adorável esposa. Christina sorriu, transpirando felicidade. — Você me faz sentír como se qualquer coisa fosse possível. — Dou-lhe minha palavra de que haverá uma solução para nós. Tom está se empenhando nisso. E prometeu-me notícias em breve. Realmente existe alguma possibilidade de que possamos ficar juntos? Ainda não desejando mencionar a desconfiança da existência de um casamento anterior de Hans, caso a pista fosse falsa, Max falou: — Tom está bastante otimista. É tudo o que sei por enquanto. Conto com ele.

Assim como eu conto com você. Apenas você me dá

Você sabe como fazer uma mulher esquecer suas preocupações, lorde Vale. Max sorriu, atrevido. — Tento ser acessível, madame. — Uma palavra pobre para descrever seus talentos, mi lorde.

Depois de horas de prazer intenso, e de terem atingido o clímax e incontáveis vezes, Max e Christina ficaram abraçados e em silêncio, saboreando a presença mútua. — Estarei sempre com você. Sempre e por toda a eter nidade.

As palavras dele aqueceram-lhe a alma e, ainda que por breves instantes, ela se permitiu sonhar com o impossível e se entregar à fantasia.

— E teremos nosso próprio Natal em família algum dia. Max inclinou-se e beijou-a nos cabelos. - Esse é somente o primeiro dos muitos natais que passaremos juntos, minha adorável esposa. — Ele cobriu a mão de Christina com a sua, como se assumisse um compromisso perante testemunhas. Somos um casal. Agora e para sempre. Emocionada, ela tocou o anel que ganhara de presente, desejando, com o ardor de uma criança, que os sonhos se realizassem. — Agora e para sempre — murmurou, como uma prece.

Amor, felicídade, conforto. Não sei o que faria se não pudesse vê-lo... —Christina calou-se, sufocada pelas lágrimas. — Não chore, querida. — O marquês a apertou contra o peito. Você será uma mulher livre nas próximas semanas. Prometo-lhe. -— Era urna promessa que pretendia cumprir. com ou sem Tom. — Agora, meu amor. estamos juntos. Pensemos somente em nós. Por exemplo, nos últimos cinco minutos você não alcançou o prazer. Reagindo imediatamente à sugestão, Christina estre meceu.

— Obrigado, madame — ele retrucou, compenetrado. — Vejamos como posso pôr meus talentos à sua disposição.

Christina entrou no palácio pela porta dos fundos e subiu os degraus gastos que conduziam à cozinha. Continuava muito escuro e os servos ainda não haviam se levantado naquela manhã de Natal. Andando na ponta dos pés, caminhou pelos corredores desertos e entrou em seus aposenlo% quando o relógio batia cinco horas. Fechando a porta silenciosarnente, tirou a capa de zibelina e atirou-a sobre urna cadeira.

— Voltando de uma caminhada matinal? Ao ouvir a voz do marido, gelou.

— Você quer alguma coisa? — indagou, seca. — Quero que minha esposa mantenha a libido em casa.

— Você é o último dos homens que poderiam fazer exigências. Aliás, onde esteve ontem à noite? Hans levantou-se, a penumbra do quarto dando à sua alta estatura e força um aspecto ameaçador. — Não é da sua conta. Agora diga-me onde você esteve. Não é da sua conta. — Esposas sem renda própria feito você não podem se dar ao luxo de tentar ser rebeldes. Seja sensata, minha querida. — Não tenho que ser sensata. Sua mãe ainda está hospedada aqui. — Minha mãe partiu ontem à noite — ele devolveu, com um sorriso malévolo. — Ela adoeceu e preferiu ir para casa. Sentindo-se como se o chão fugisse sob seus pés. Christina lutou para sufocar o terror. Perdera a única carta que trazia na manga. — infelizmente você não estava disponível para despedir-se de sua sogra. Mas o fiz em seu lugar — o príncipe Continuou, destilando malícia. —— Agora, falemos sobre sua caminhada matinal. Quem é ele? — Não existe ninguém. Saí para dar um passeio. E só. — Você está cheirando a sexo. — Você está tendo alucinações — Christina afirmou, recusando-se a demonstrar medo. — Ou talvez o cheiro de sua última parceira ainda esteja em suas narinas. — Minha última parceira de cama prefere o aroma de jasmins. Não é essa sua fragrância favorita, se me lembro bem.

— Eu não conseguia dormir — respondeu, tentando parecer calma.

Nota-se. Sua cama sequer foi desfeita. A resposta vulgar a atingiu como uma bofetada. Um arrepio a percorreu de alto a baixo ante o tom aparentemente indiferente de Hans.

— Essa é uma conversa desnecessária. Saí para caminhar.

Estou de volta. Sinto muito que você tenha perdido seu tempo, imaginando coisas descabidas. — Quão docemente ingênua você é, minha querida. Aliás, você sempre foi assim, tola. Agora, quanto ao seu futuro... — Meu futuro diz respeito a mim. — Engano seu. Seu futuro será aquele que eu decidir. A propósito. espero que você tenha aproveitado bastante essa noite, porque foi a última vez que você fez sexo. Vou colocá-la em regime de prisão domiciliar para resguardar sua... virtude. E minha reputação — ele acrescentou por entre os dentes. — Sua reputação não vale nada. E você não pode me manter prisioneira sem que os outros saibam. — Todavia ela blefava, porque no ano anterior uma jovem rebelde, esposa de um membro proeminente da sociedade local, morrera misteriosamente sem que sua morte provocasse nenhuma reação da comunidade. — De fato, posso sim. Já conversei com o dr. Koetcher, um profundo conhecedor das manifestações da histeria feminina. Aparentemente uma vida social agitada costuma desencadear os sintomas desse precário estado de saúde mental. O olhar de Hans era implacável. Vivemos num mundo dominado pelos homens, minha querida. Pena você não o ter percebido mais cedo. Com uma breve inclinação de cabeça, o príncipe caminhou até a porta. Desesperadamente, Christina desejou que o marido sumisse, que aquela cena toda não houvesse passado de um terrível mal-entendido. Porém, para seu terror, ele abriu a porta e fez sinal para que três lacaios entrassem.

— Minha esposa está proibida de receber visitas. Se isso acontecer. vocês serão açoitados até ficarem em carne viva. Segundos depois, ela era deixada sozinha. Ou quase sozinha. Dois homens estavam de guarda no corredor, enquanto o terceiro acomodara-se numa cadeira, no meio da saleta adjacente ao quarto. Não havia como entrar em seus aposentos, nem mesmo pela janela da sacada, sem ser notado pelo brutamontes encarregado de vigiá-la. Fechando-se no dormitório, ela recostou-se no espaldar da cama, o rosto banhado em lágrimas. O que fizera para merecer tal destino? Por que eu?. perguntou-se silenciosamente, dando vazão a um choro compulsivo. Sim, nunca deveria ter saído naquela noite. Fora um erro medonho. Embora seu maior erro houvesse sido se casar com Hans. Não que fosse capaz de mudar o passado, mas encontrara um certo conforto ao imaginar como sua vida poderia ter sido... como existia a possibilidade de achar a felicidade no mundo. Porque naquela noite estivera no céu, atingira o nirvana, conhecera todos os paraísos concebidos pelo ser humano. Reverente, tocou o anel de rubi que Max lhe dera e depois beijou-o de leve, na esperança de que o objeto lhe desse ao menos um pouquinho da sorte que suas antigas donas haviam desfrutado. Não, não possuía nenhuma ilusão quanto à brutalidade de Hans. Seu marido era capaz de qualquer coisa, de ir às últimas conseqüências para dobrá-la. Porém, se ele pensava mesmo em destruí-la, acharia a tarefa difícil, porque encontraria resistência. Tinha com quem contar para defendê-la. Max estava ali. E Burt Davis também, um homem que já demonstrara iniciativa. Sem dúvida o porteiro faria perguntas quando a descobrisse trancafiada em seus aposentos. Sem dúvida os servos fariam comentários e os mexericos se espalhariam. Esforçando-se para recuperar a calma, Chrístina secou os olhos e inspirou fundo várias vezes. Não havia razão para pânico.

 

Bem cedinho, na manhã do dia de Natal, Johnnie e Fritz levaram um choque ao ver o pai entrar no quarto que ambos compartilhavam. Hans nunca havia colocado os pés nos aposentos dos filhos antes. Aliás, nem sequer se dignara a subir até o terceiro andar por nenhum motivo. Portanto, tal comportamento despertou nos meninos pavor imediato. Depois de dispensar os criados, Hans estalou os dedos, mandando-os, sem uma única palavra, levantarem-se. Como as crianças relutassem em obedecer, irritou-se. — Ergam os ombros e olhem-me nos olhos. Vocês não são simples burgueses. São filhos de um príncipe. Endireitando os ombros, os garotos o fitaram, nervosos. — Sua mãe adoeceu. A súbita palidez dos meninos incendiou sua fúria. — Ah, como abomino essa afetividade ridícula. Vocês já são grandes demais para se comportarem feito bebês. Como sua mãe precisa de descanso e sossego, resolvi mandá-los de volta para a escola imediatamente, antes do término dos feriados. Partirão no primeiro trem.

— Podemos nos despedir de mamãe? — Fritz perguntou, sempre mais impulsivo que o irmão. — Ela está dormindo. Mesmo com seu temperamento cauteloso, Johnnie cedeu ao ímpeto de argumentar. — Mamãe não vai se importar se nós a acordarmos. — Não será possível. O médico a mandou repousar. — Médico! — As crianças exclamaram em uníssono, os olhos cheios de angústia. Não tolerarei insubordinação! — o príncipe gritou. — Vocês farão o que eu ordenar, sem discutir! Estejam prontos dentro de uma hora. Fitando-os pela última vez como se quisesse fulminá-los, Hans saiu do quarto e desceu a escadaria. Aos irmãos e cunhadas, ele contou uma história ligeiramente diferente, explicando que Christina amanhecera indisposta, talvez vítima do mesmo mal que atacara a sogra. Dessa forma, as festividades de fim de ano estavam encerradas. — Você acha que mamãe está mesmo doente? — Pálido e aflito, Fritz retorcia as mãos sem parar. Vamos perguntar a Lise — Johnnie respondeu gentilmente, tentando confortar o irmão caçula. — Ela saberá. Porém, ao procurarem pela criada pessoal de Christina, os garotos foram informados pela governanta de que Lise havia ido visitar a mãe nos feriados de Natal. — Mas Lise não tem mãe — Johnnie sussurrou, ao saírem do quarto da governanta. — Lembra-se de corno mamãe sempre sentia pena porque Lise era órfã. Nosso pai está mentindo, assim como a sra. Isling.

— O que vamos fazer? — Fritz indagou, à beira das lágrimas. — Agora vamos voltar para nosso quarto e pensar. Mas não consigo pensar quando estou apavorado! —Então pensarei por nós dois — Johnnie falou decidido. — Mamãe pode estar precisando da gente. Talvez Josef nos ajude. Ele não gosta de nosso pai. — Ninguém gosta de nosso pai — emendou Fritz. — Ele é tão violento e mau! — Todo mundo tem medo dele. Venha, vamos pedir a Josef para ir lá embaixo e tentar descobrir se mamãe está mesmo doente. O tutor mostrou-se mais do que disposto a ajudá-los. Recém-saído da universidade, Josef realmente gostava dos garotos e, como todos na casa, adorava a princesa, cuja gentileza conquistava quem quer que convivesse com ela. Contudo, ao retornar de sua investigação, as notícias não eram boas. Os aposentos de Christina estavam sendo vigiados, ninguém tinha permissão para entrar. E quando tentara inquirir sobre a saúde da princesa, disseram-lhe, num tom ameaçador, para não fazer perguntas. Eu sabia! — gritou Fritz. Mamãe não está doente! Pelo menos isso é bom — Johnnie declarou, suspirando baixinho. Mas nós temos que partir dentro de uma hora — lembrou-lhes o tutor. — E vocês sabem que a palavra de seu pai é lei. Não há a menor possibilidade de ignorá-la. Será que poderíamos colocar um bilhete sob a porta da mamãe? — Fritz sugeriu, esperançoso.

— Infelizmente não — Josef retrucou, pesaroso. Os guardas não o permitiriam. — Será que nosso pai vai machucá-la? — O olhar de Johnny revelava uma angústia e uma compreensão dos fatos muito além de seus anos. — Claro que não — o tutor o tranqüilizou, embora temesse o contrário. Naturalmente a partida antecipada dos meninos não passou despercebida ao porteiro. Burt abriu os portões imponentes e desejou-lhes boa viagem, perguntando-se o que estaria por trás daquilo tudo. Parecia-lhe suspeito que os garotos estivessem retornando à escola no dia de Natal, assim como também era estranho os demais hóspedes partirem no início da tarde. Determinado a descobrir o que estava por trás daqueles eventos incomuns, Burt aproveitou a primeira chance para ir até a cozinha tomar uma xícara de chá e conversar com o chefe dos lacaios. Os dois haviam se tornado amigos, freqüentemente aproveitando as horas de folga na taverna local, fumando e falando sobre caçadas. O pai de Burt havia trabalhado para o duque de Buckley durante anos como guarda-caça, o que proporcionara ao porteiro um estoque inesgotável de histórias sobre caçadas. Entre um gole e outro de chá, Burt primeiro perguntou ao lacaio se este estaria livre para caçar coelhos no dia seguinte. Depois conversaram sobre o Natal de maneira geral e sobre o aumento do serviço por causa dos hóspedes. Enquanto servia-se de uma segunda xícara. Burt comentou: — Os meninos voltaram para a escola hoje cedo. E os hóspedes também partiram após o almoço. — É o que parece — respondeu o lacaio, evasivo. — Uma situação incomum. — Aparentando indiferença, Burt colocou mais uma colher de açúcar no chá. — Não sei. — O lacaio deu de ombros, esforçando-se, sem sucesso, para agir de modo natural. — Você sabe como são os ricos... Ninguém consegue entendê-los. — É verdade, é verdade. — Sabendo que não obteria mais nenhuma informação naquele momento, Burt resolveu dar a conversa por encerrada, preferindo não insistir no assunto para não levantar suspeitas. -—-- Então nos encontraremos hoje à noite na taverna para combinarmos uma caçada na nossa próxima folga. — Só poderei chegar bem tarde. Estamos todos trabalhando além do horário habitual. — A qualquer hora que você chegar, estarei lá. O príncipe não precisa de mim para abrir os portões à noite. Suponho que não queira me incomodar. Um camarada decente, não? O outro nada respondeu e apenas cerrou os lábios, demonstrando desagrado. Creio que por volta das dez horas estarei livre. — Combinado. Às dez horas na taverna. — Burt levantou-se. — Agradeça à cozinheira pelo chá. Burt não saiu do palácio imediatamente. Determinado a descobrir o que estava acontecendo, perambulou pelos corredores e escadarias, já com uma desculpa na ponta da língua, caso o interceptassem. Diria que procurava o amigo, o chefe dos lacaios. Por sorte, não cruzou com ninguém enquanto se dirigia aos aposentos de Christina. E bastou avistar os dois homens plantados diante da porta para a situação ficar bem clara. Só tinha uma coisa a fazer agora. Voar para a aldeia. Que qualquer outro cuidasse dos portões. O marquês precisava ser colocado a par do que ocorria no palácio. A pequena casa que Max alugara ficava somente a um quarteirão da praça da aldeia e antes que Burt batesse na porta, o marquês a abriu, uma expressão grave no rosto. Vira o empregado descer a rua correndo e imaginara que as notícias não seriam boas. — Deve haver algum problema. — Parece que sim, milorde, embora ninguém esteja falando sobre o assunto ainda. — Em poucas palavras, Burt contou sobre a partida súbita dos meninos e dos hóspedes e sobre o aprisionamento de Christina. Sem interrupção, Max o ouviu, os punhos cerrados revelando a raiva surda. —- Com certeza Hans suspeita de algo. Não posso esperar mais para agir. — Ele flexionou as mãos, tentando aliviar a tensão crescente. — Se eu estiver me precipitando, assumirei a responsabilidade perante Christina, por desagradá-la. Todavia, se ela está encarcerada no quarto, isso significa que corre perigo. Vou mandá-lo atrás dos meninos e conto com sua habilidade para tirá-los da Alemanha em segurança. De preferência, leve-os para Minster Hill. Se os dois preferirem ir para a casa da tia, tente fazê-los mudar de idéia sem assustá-los. No momento, não sei em quem podemos confiar. Leve o tutor das crianças para Mínster Hill também, caso ele não se oponha, e quaisquer outros empregados que queiram acompanhar os garotos. Só não os desejo com medo. Você está entendendo? É absolutamente necessário que Fritz e Johnnie não fiquem apavorados. — Entendido, sir. Embora os pobrezinhos já possam estar cientes de que a mãe corre perigo. Os dois pareciam apavorados ao partirem. O mais novo estava chorando. Não será difícil convencê-los a esperá-la na Inglaterra. — Hans é um canalha. Está mais do que na hora daquele covarde se deparar com alguém que saiba se defender e retaliar. — Quais são seus planos? — Eu planejava esperar até Tom me mandar as últimas notícias sobre a mulher com quem Hans tem dormido todas as noites desde seu retorno à Silésia. Tom também continua buscando a certidão de um provável casamento anterior do príncipe. Seria melhor se eu já a tivesse em mãos antes de tomar uma atitude. Porém as coisas mudaram a partir do instante em que Christina foi colocada em cárcere privado. Vou tirá-la de lá e se alguém cruzar meu caminho, não hesitarei em matá-lo. — O palácio é bem guardado. Você tem certeza do que está fazendo? — Por acaso pareço inseguro? Na verdade Max dava a impressão de que seria capaz de enfrentar próprio diabo sem vacilar. — Quisera poder ajudá-lo, milorde. — Não preciso de ajuda — Max afirmou, movido pela raiva e apreensão. — Os servos fugirão quando me virem apontando-lhes uma arma. E se eu entrar no palácio depois de Hans sair para dormir com a amante, terei que lidar apenas com os guardas à porta dos aposentos de Christina. Você partirá imediatamente e resolverá a situação dos meninos. Mal posso esperar para saber que ambos estão em segurança. — Não se preocupe. Cuidarei dos garotos. — Ótimo. — Max cruzou as mãos atrás das costas, os nervos retesados. — Eu gostaria de agir agora, mas não posso correr o risco de Christina ser ferida caso Hans resolva resistir. Portanto, resta-me aguardar o cair da noite. Deus, as horas custarão a passar... Não sei como suportarei essa espera.

 

Christina caiu doente imediatamente após o desjejum. Vomitou depois do almoço e quando um criado lhe trouxe o jantar numa bandeja, a simples visão da comida lhe despertou suspeitas. Um zumbido constante nos ouvidos e uma dor de cabeça insistente não lhe davam tréguas. aumentando a enorme sensação de desconforto. Durante a tarde, até procurara descansar, tentando se convencer de que seus nervos abalados é que a faziam se sentir tão mal. Todavia a queimação no estômago a impedira de deitar-se. Sentada numa poltrona. vira as horas se arrastarem enquanto lutava contra a vontade de vomítar. Desesperadamente sedenta no jantar, pensara em beber toda a água e o vinho. Mas a certeza de que estava sendo envenenada a contívera. Ao aparecer para retirar a bandeja, o empregado não fizera comentários sobre a comida intacta. Tampouco ela. Não tinha a menor vontade de conversar com qualquer um de seus carcereiros. Entretanto sua recusa em se alimentar levou o marido ao Seu quarto. Dispensando o lacaio com um gesto imperioso de mão, Hans postou-se diante da esposa, impecavelmente vestido para a noite, um brilho triunfante no olhar. — Ouvi dizer que você não quis jantar, querida. Contudo suponho que, eventualmente, a fome a obrigará a comer, não é? Não tenho pressa. Sou um homem paciente. — Ele riu, destilando ironia. — Ou razoavelmente paciente. Duvido de que você dure até o Ano Novo, quer se alimente, quer não. Pensarei em você enquanto estiver degustando minha champanhe essa noite. Talvez até lhe erga um brinde, minha querida, uma vez que muito em breve ficarei livre de sua presença para todo o sempre. — Não será assim tão fácil me matar. Alguém notará minha ausência. — Todos partiram, querida. Os meninos, meus parentes maçantes, minha mãe. Não sobrou ninguém. E com seus nervos tão agitados devido aos últimos acontecimentos, qualquer visitante entenderá sua necessidade de repouso. Quanto ao seu amante, não espere que o maldito venha salvá-la num gesto heróico. Distribuí armas aos criados com instruções para usá-las. Tenha bons sonhos, querida. Hans deixou a porta do quarto aberta ao sair para que ela o visse conversar com um dos guardas, cuja pistola estava presa à cintura. E se seu desespero não bastasse depois da vilania do marido, a idéia de que Max pudesse vir tentar ajudá-la e fosse recebido à bala a apavorava. Preferia morrer a vê-lo ferido. Exausta depois de mais um acesso de vômitos, ela desabou sobre a cama. Prostrada, à beira da inconsciência, Christina foi assombrada por imagens dos filhos amedrontados e perdidos, seus rostinhos banhados de lágrimas.

Tremores incontroláveis começaram a sacudi-la. Talvez estivesse mesmo enlouquecendo. Burt e os meninos já devem ter tomado o trem noturno para Paris, Max pensou, lançando um olhar rápido para o relógio sobre a cornija da lareira. Seu trenó estava lá fora e os cavalos prontos para uma longa jornada. Pela enésima vez, checou as armas. No cinturão de couro, caído sobre os quadris, dois revólveres. E outros dois enfiados no cós da calça. As quatro armas estavam totalmente carregadas e havia munição extra guardada no cinturão. Também trazia consigo uma soma considerável de dinheiro. Força bruta ou dinheiro, ou ambas as coisas, sem dúvida seriam suficientes para comprar a liberdade de uma mulher. O trenó fora abastecido com várias mantas de pele e duas garrafas de cidra quente. Estando Hans fora do palácio, Max esperava que sua missão de salvamento transcorresse sem problemas. Porque era uma noite sem luar e as nuvens pesadas prenunciavam chuva, o marquês guiou o veículo com cuidado. Fizera aquele trajeto até o palácio dezenas de vezes antes, preparando-se para o grande momento. Conhecia cada saliência e curva da estrada, cada árvore e chalé. Ao chegar ao pé da colina, perto do lago de patinação, estacionou o trenó sob os galhos de um pinheiro para não chamar atenção. Vestindo pulôver branco e calça de couro claro, Max quase se fundia à paisagem coberta pela neve. Do lado de fora de uma das janelas dos fundos, ele espiou O interior da cozinha. A criadagem estava reunida em torno da mesa, tomando cerveja. Mantendo-se abaixado, Max caminhou até a porta do porão, que usaria como acesso ao palácio. Escalar a parede até a sacada de Christina estava fora de cogitação, pois exigia uma força física que ela não possuía. Assim, com o auxílio de Burt, elaborara outro plano de resgate. Mediante as informações que lhe tinham sido passadas pelo porteiro sobre a planta do palácio, Max subiu a escada que conduzia aos aposentos da princesa, parando freqüentemente para se certificar de que não escutava nenhum ruído. Dois homens estavam plantados à porta de Christina e, para sua surpresa, armados. O marquês não tinha dúvida de que era capaz de lidar com os dois, porém não com todos os servos de uma só vez, caso barulhos estranhos chegassem aos ouvidos da criadagem. Enquanto os minutos se arrastavam, considerou o que fazer. Não podia esperar muito para agir, se queria pôr uma distância segura entre eles e o palácio antes do regresso de Hans. Atirando uma moeda no ar. observou-a passar por cima da cabeça dos guardas e cair no chão, o som metálico rompendo o pesado silêncio do corredor. No momento em que os homens se abaixaram, curiosos. para ver o que era, avançou, os revólveres apontados para a cabeça de ambos. — Se todos cooperarmos, ninguém sairá ferido. Essa briga não é de vocês e não quero matá-los. Portanto, entreguem suas armas. Coloquem-nas no chão e chutem-nas na minha direção. Garanto que vocês terão dinheiro suficiente para viver confortavelmente bem longe daqui. Não lhes farei urna oferta melhor do que essa. — Embora a voz do marquês soasse gentil, seu olhar era implacável. O mais jovem dos guardas engoliu em seco, reconhecendo no americano o instinto de caçador. — O príncipe não tem a menor consideração por vocês e o que possa lhes acontecer, mas a princesa é importante para mim. Tão importante que não hesitarei em matá-los para salvá-la. E então, o que me dizem? — Quanto? perguntou um dos guardas, a tensão evidente. — Cinco mil marcos... para cada um. E o equivalente a cem anos de salário para homens como vocês. Sugiro que aceitem a oferta. — Por que tanta generosidade? — Naturalmente uma soma tão alta despertava desconfianças. — A princesa é importante para mim. Vocês têm cinco segundos. — Mostre-nos o dinheiro. — Suas armas primeiro. Estou contando. Poucos segundos depois. os guardas depunham as armas. Max tirou um maço de notas do bolso e colocou-o no chão, assim como dois pedaços de corda. Muito calmo, instruiu o mais jovem: — Amarre seu companheiro e dê-lhe parte do dinheiro. Depois eu amarrarei você. Nenhum dos dois mencionou a existência de um terceiro guarda no interior dos aposentos de Christina. Todavia Max era um jogador experiente. Não passara vános verões na companhia do padrasto em lugares remotos do Oeste americano para não aprender nada. Nunca agia sem avaliar bem a situação e sem tomar as precauções necessárias.

Assim, depois dos vigias amarrados, nocauteou-os com a coronha do revólver e arrastou-os para longe. Suavemente, bateu na porta. Quando esta abriu e um homem colocou a cabeça para fora, o marquês lhe acertou a cabeça com um golpe tão forte que o infeliz desmaiou imediatamente. Em poucos segundos, o terceiro guarda também achava-se imobilizado. Entretanto a porta do quarto da princesa estava trancada. Porém Max abandonou toda a cautela ao ouvir soluços. Lançando-se contra a porta, derrubou-a. Chorando, Christina jazia caída no chão em posição fetal, o corpo sacudido por espasmos. — Estou aqui... estou aqui... — ele murmurou, tomando-a nos braços. — Você está segura. Com dificuldade, a pobrezinha abriu os olhos e tentou sorrir. Aterrorizado diante de tamanha fraqueza, Max caminhou para o corredor a passos largos. — Vou levá-la para casa. Tudo vai dar certo — ele afirmou, apesar das dúvidas que o consumiam. Ela mal conseguia falar e estava tão pálida que parecia morta. Sabendo que o tempo urgia, decidiu-se pelo caminho mais rápido. E se alguém ousasse interceptá-los, não hesitaria em destruí-lo. Quando chegava aos últimos degraus da imponente escadaria de mármore, um criado surgiu de súbito. Todavia, ante o corpo inerte de Chrístina, afastou-se respeitosamente e fez sinal para que o lacaio abrisse as portas do palácio. Com a amada inconsciente nos braços, Max correu até o local onde deixara o trenó. Minutos depois Christina estava deitada no banco do veículo, envolta em mantas de pele. — Você pode me ouvir? Erguer as pálpebras exigiu da princesa um esforço sobre- humano. — Estaremos na Inglaterra amanhã, querida. Ela tentou sentar-se, o olhar aterrorjzado. — Meus filhos... — murmurou, as palavras quase inaudíveis roubando-lhe o resto de energia. — Os meninos estão em segurança. Burt os levou para a Inglaterra horas atrás. Christina perdeu a consciência. Em pânico, Max tomou as rédeas e pôs o trenó em movimento, guiando os cavalos como se estivesse enlouquecido. Numa velocidade vertiginosa, percorreu a estrada escura e escorregadia, sem pensar nos perigos que poderia encontrar pela frente. Não poderia perdê-la. Não iria perdê-la. Dez quilômetros até a estação de trem. Dez quilômetros até um médico. Só lhe restava rezar. Max estava agachado, acendendo o fogo da lareira na saleta discretamente decorada, quando o velho doutor surgiu. No mesmo instante o marquês ficou de pé. — Minha esposa está muito doente. Você precisa salvá-la. — Não se tratava de um pedido, mas de uma ordem. O médico lançou um rápido olhar para o desconhecido. notou os revólveres no cinturão que lhe cingia os quadris. reconheceu o sotaque americano e, caminhando até a mulher deitada no chão. perto da lareira, perguntou-se que tragédia teria acontecido. A dama. envolvida em peles caras, parecia uma rainha.

— O marquês de Vale. Ela está... à beira da morte. — Angustiado, Max falou: Você tem que fazer alguma coisa. Ao ajoelhar-se perto do corpo inerte de Christina, o médico a reconheceu. Fitando Max friamente, indagou: — Você fez isso com ela? — Por Deus, não! Nunca! — Conheço essa mulher. Você não é o marido dela. — Tomando o pulso de Christina, o médico franziu o cenho, preocupado. — Não importa quem eu sou, ou quem você é, ou se o príncipe é dono da sua alma. Apenas faça algo por ela — disse Max suavemente, apontando-lhe o revólver —, ou o matarei. — Então quem o ajudaria? Max, entretanto, já não dava mostras de ouvi-lo, ou de compreendê-lo, os olhos escuros revelando uma dor visceral. — Não é necessário me apontar uma arma, sir — o médico falou muito calmo, sabendo que as ameaças do outro eram fruto do desespero. — Ajudarei a princesa de todas as maneiras que estiverem ao meu alcance. Ela é uma boa amiga. Max abaixou o revólver, subitamente drenado de toda a coragem. — Perdoe-me. Jamais senti tanto medo em toda minha vida. — Não há necessidade de se desculpar. Sua reação é compreensível, além de esperada, considerando o que foi feito a ela. — O velho doutor ergueu as pálpebras de Christina. A princesa tem estado doente há muito tempo?

Capítulo XXIV O estalajadeiro lhe explicou como chegar à casa do médico e, minutos depois, com Christina nos braços, Max esmurrava a porta, gritando por ajuda. O empregado que o atendeu a princípio sonolento, diante do tom enérgico não hesitou em sair correndo para acordar o patrão.

— Quem é você?

— Vejamos o que podemos descobrir. — Enquanto o médico examinava rapidamente o peito e o abdome da enferma, Max lançou um olhar aflito para o relógio. Não podiam perder o último trem, ou correriam o sério risco de serem localizados por Hans. Tudo indica que a princesa foi envenenada, embora também exista a possibilidade de que tenha contraído influenza. Os sintomas, em ambos os casos, são igualmente alarmantes e a progressão dos efeitos da doença é igualmente rápida. Todavia há um inchaço da mucosa bucal, o que me leva a suspeitar de envenenamento. Provavelmente por arsênico. — Vou matar o canalha... — Isso não seria sensato agora, sir. Temos que garantir a segurança da princesa. E vocês não podem permanecer aqui. O príncipe acabará encontrando-os. — Partiremos no trem da meia-noite. Por favor, venha conosco até a Costal. Você está vendo quão desesperadamente ela precisa de sua ajuda. O dinheiro é irrelevante, pagarei o que quiser. — A princesa sempre foi gentil comigo e com toda nossa comunidade. Jáo marido... — A antipatia no tom do médico era patente. — Você estará de volta amanhã. Ela... nós ficaremos muito gratos com seu auxilio.

possíveis conseqüências de seus atos. Com certeza despertaria a ira do príncipe. — Deixe-me apanhar minha maleta — ele falou de repente. levantando-se. — Mandarei meu criado cancelar meus compromissos de amanhã. — Obrigado. — Max suspirou fundo, varrido por uma onda de alívio. — Muito, muito obrigado. — Vigilante, sentou-se ao lado da amada, aguardando o médico apanhar o equipamento necessário. Então os dois juntos conseguiram fazê-la tomar um pequeno copo d’água. Durante o penoso processo, Christina abriu os olhos uma vez e deu a impressão de reconhecer Max. — Vou levá-la para casa, querida. Nós estamos indo para casa. Os três chegaram à estação poucos minutos antes do trem partir. Porém, graças à amizade do médico com o bilheteiro, foi possível conseguirem uma cabina particular. Uma vez a bordo, Max colocou Christina no colo e, segurando-a apertado, observava-a respirar, temendo qualquer alteração para o pior. E enquanto o trem varava a noite escura, ele rezou silenciosamente. Naquelas longas horas de medo e incertezas, barganhou com todas as divindades místicas, suplicou a todos os deuses que poderiam estar ouvindo-o, implorou ajuda, fez promessas extravagantes se lhe concedessem a graça de Christina viver. Agarrando-se a preces quase esquecidas da infância, prometeu levar uma vida exemplar dali em diante, se não perdesse Christina. E jurou gratidão eterna se suas orações fossem atendidas.

— Não. Ela estava ótima ontem. É o que não consigo entender.

O velho doutor vacilou alguns segundos, analisando o sintomas.

À medida que passavam por uma sucessão de cidades em sua jornada rumo Oeste, Max fazia questão de citar os nomes de cada uma delas, querendo que Christina soubesse estarem se aproximando da Inglaterra, do lar de ambos. Ao cruzarem a fronteira e entrarem na França, ele disse-lhe que visitariam Paris em breve e que a levaria para fazer compras nas lojas mais belas e elegantes da cidade. Vendo-a erguer as pálpebras levemente, sentiu as esperanças renovarem-se. — Olhe, olhe! — Max exclamou, virando-se para o médico. — Ela me escutou! Durante toda a viagem, Christina foi forçada a ingerir muito líquido, a preocupação inicial do médico sendo hidratá-la e diminuir o nível do arsênico em seu organismo. O tratamento, na verdade, era um paliativo não apenas para a paciente, mas também para o homem que a adorava. Max não suportaria atravessar as horas intermináveis se não tentasse cercá-la de algum conforto. Afinal, era tudo o que podia fazer. Christina sobreviveu à longa noite e na manhã seguinte até o médico começava a acreditar na possibilidade de sua recuperação. O pulso da princesa estava mais forte, a respiração quase normalizada e até a palidez cadavérica do rosto se atenuara. Chegando à costa, Max alugou um iate para cruzar o canal. Depois de se certificar de que Christina estava confortavelmente instalada na cabina, o marquês despediu-se do médico. — Nunca conseguirei pagar minha dívida para com você — falou, embora já houvesse expressado sua gratidão obrigando o velho doutor a aceitar uma soma extravagante de dinheiro. — Se você, algum dia, quiser alguma coisa, precisar de alguma coisa, bastará me pedir. E assim que Christina se recuperar totalmente, tomarei as providências para que o príncipe não seja mais um problema para nenhum de nós. — Tenho amigos influentes na comunidade. Não creio que o príncipe possa me prejudicar. — Então minha vingança será inteiramente pessoal. — Em geral não aprovo a violência, mas no caso do príncipe abrirei uma exceção. Todavia, seja cuidadoso. Ele não tem escrúpulos. Indiferente ao aviso, Max continuou: — Estou ansioso para ver o medo estampado nos olhos daquele canalha. — Talvez você devesse considerar primeiro a sua segurança e a da princesa. Posso cuidar de mim e sei que Hans não vai tolerar a perda da esposa e dos filhos sem revidar. Não porque os ame, mas por simples orgulho e vaidade. Alguém tem que tomar as providências para que ele se mantenha distante. Então desejo-lhe boa sorte, meu amigo. O marquês sorriu sem humor. — Minha pontaria é excelente. Não preciso de sorte. A travessia do canal pareceu reavivar Christina e fosse o fresco ar marinho, ou o fato de estarem se aproximando da Inglaterra, conforme Max fazia questão de informá-la com freqüência, o fato é que ela começou a abrir os olhos ocasionalmente. E até esboçou um leve sorriso ao ouvi-lo anunciar já ser possível avistar as colinas de Dover. Quando o iate entrou no porto e os guinchos das gaivotas os saudaram, Christina falou pela primeira vez, embora sua voz não passasse de um murmúrio: — Obrigada. — Obrigado a você, por me amar — ele devolveu, dominado por uma emoção indescritível. Cinco horas mais tarde os dois chegavam a Minster HílI e quando a carruagem parou defronte da imponente mansão e Christina viu os filhos correrem na sua direção, com gritos de boas-vindas, lágrimas grossas vieram-lhe aos olhos. Os garotos subiram no veículo e a abraçaram com força, suas lágrimas de felicidade misturando-se às da mãe. Burt disse que você estava vindo para cá! — Fritz exclamou. — Eu sabia que era verdade! — Ele disse que Max é capaz de fazer qualquer coisa, de conseguir tudo — Johnníe completou, sorrindo de uma orelha a outra. — O que devemos fazer no momento é colocar sua mãe na cama e alimentá-la com uma sopa quente e uma xícara de chá. — E bolinhos de amora, mamãe! Você precisa experimentar os bolinhos especiais da cozinheira! Nunca comi nada tão gostoso! — gritou Fritz entusiasmado, achando tudo fantástico, agora que sua mãe estava perto.

— Parece-me... maravilhoso... — ela falou num sussurro, sua frase mais comprida desde que o marido a envenenara. Sua amada estava fora de perigo. Max pensou exultante, observando-a com adoração. Ela estava com os filhos. Ela estava em segurança. Ela retomara ao seu verdadeiro lar. A recuperação de Christina foi rápida, cada novo dia trazendo-lhe novas forças. Por volta do meio da semana, conseguiu andar da cama até uma poltrona perto da janela, Max fazendo questão de carregá-la no colo à hora do jantar todas as noites, para que a família se reunisse à mesa e os garotos pudessem diverti-la com suas histórias e brincadeiras. Todavia, ao fim da primeira semana, o marquês já não conseguia mais ignorar a urgência de lidar com Hans. Tom Lawson estivera em Minster Hill duas vezes desde o regresso do marquês, discutindo as evidências cada vez mais claras de um casamento prévio de Hans com uma prima. E, naquela noite, o advogado aparecera inesperadamente com as últimas notícias sobre o caso. Dessa união com a prima, Hans tem um filho de dezoito anos. Entretanto, as certidões do casamento civil e religioso não podem ser encontradas, porque foram arrancadas dos livros de registros. O poder do dinheiro é sempre espantoso — Max comentou cínico. — E quanto às testemunhas? Você conseguiu localizá-las? Ainda não. Porém esteja certo de que não desistirei. Continuarei procurando.

— Ponha mais gente trabalhando. Embora o estado físico de Christina seja muito melhor, ela está apavorada com a possibilidade de Hans lhe tomar os meninos. — Não com o verdadeiro exército que você colocou guardando Minster Hill. — É o que estou tentando fazê-la entender. Mas a lógica nem sempre vence o pavor. Ela está simplesmente em pânico. Aliás, não sem motivo, depois de quase ter morrido envenenada pelo próprio marido. — Um golpe bem calculado o do príncipe. Parece que Marlena está grávida outra vez. Surpreso, Max ergueu as sobrancelhas. — Como você sabe disso? — Estou pagando praticamente todos os empregados daquela cidade em troca de informações. Foi a serva da parteira quem contou a novidade. A criança deverá nascer na primavera.

— Talvez, movido pela caridade cristã, eu não devesse matá-lo antes do nascimento do filho. — Talvez você não devesse matá-lo nunca — Lawson retrucou exasperado, não sendo aquela a primeira vez em que mantinham essa conversa. — Por Deus, Max! Você pode passar o resto da vida na prisão por causa dessa vingança estúpida!

— Quem disse que a identidade do assassino será re velada?

O advogado suspirou fundo, frustrado. — Será sempre algo estúpido. Não importa como você o faça.

— Você não acha que ele merece morrer? — Conheço uma centena de pessoas que merecem morrer. — Então você conhece as pessoas erradas, O fato é que temos de dar um jeito em Hans. Seja à sua maneira civilizada, ou ao meu modo. — Talvez você devesse perguntar a Christina se ela quer o sangue do príncipe nas mãos. — Nunca! Christina já sofreu demais por causa daquele canalha. Ela não será envolvida de forma nenhuma e espero que você acate essa minha decisão sem questionamentos. — Sim, sim, sim — Tom murmurou. — Claro. Todavia é possível que você não consiga mantê-lo afastado para sempre. Hans não enfrenta seus inimigos lealmente como você, meu amigo. Mas vale-se às vezes de meios tortuosos para atingir seus fins. No momento, por exemplo, o príncipe está em Londres, preparando-se para abrir um processo contra você, acusando-o de seqüestrar a esposa. Charles Gordon viu a papelada hoje à tarde. Hans exigirá dez milhões de libras pelos danos sofridos. — Maldito cafajeste ganancioso. Desde o primeiro instante você sabia que ele não era íntegro, benevolente, ou que alimentava elevados propósitos. A propósito, o que Christina diz sobre o verdadeiro exército que você destacou para proteger Minster HilI? Ela não faz idéia do número de homens. Dei ordens para que ninguém se aproxime da casa. Vocês não poderão permanecer dentro dessa fortaleza para sempre. Sim, eu sei. O marquês afundou na poltrona. — Eu só estava esperando que Christina recuperasse um pouco as forças para me ausentar durante alguns dias. — Para matar o marido dela. — O marido bígamo de Christina, se pudermos prová-lo. — Não desista. Você a tem em segurança. Deveria se sentir grato, porque já tem o que quer. Esqueça a vingança. — Mas o infame quase a matou. Ele tem que pagar. — E você resolveu fazer o papel de júri e juiz? — Por que eu apenas não lhe agradeço por seu bom trabalho até agora e nós deixamos essa discussão filosófica para depois? — Depois de você voltar de Londres? — Sim. — Max sorriu friamente. — Creio que o príncipe precisa entender que suas ações geram conseqüências. Naquela noite, enquanto segurava Christina nos braços, o luar envolvendo-os como um manto prateado, Max falou: — Preciso ir a Londres por um, ou dois dias no máximo. Existem alguns negócios que não posso resolver a distância. — Você tem mesmo que ir? — É provável que eu fique fora apenas um dia. Os meninos estão aqui e irão distraí-la. E você está completamente segura. Ninguém poderá entrar em Mínster Hill sem minha permissão. — Você tem certeza? — Christina ainda não fora capaz de esquecer o terror de se descobrir encarcerada no próprio quarto. Tampouco esperava que Hans abrisse mão dos filhos sem retaliar.

— Certeza absoluta. Dou-lhe minha palavra de honra que ninguém a ameaçará. Mais tranqüila agora? — E você voltará logo? — Prometo-lhe que sim. Tão logo cuidasse de Hans.

 

Na manhã seguinte, já em Londres, Max encontrou-se rapidamente com Tom antes de sair à cata de Hans. — Caso haja problemas e eu não retorne dentro de uma hora, mande-me reforço. — Você é um tolo só de pensar em ir atrás do príncipe sozinho. Peço-lhe, por favor, para reconsiderar. É uma loucura. — Não quero testemunhas. Como advogado, você compreende, melhor do que ninguém, as vantagens de resolver esse assunto com minhas próprias mãos. — Pelo menos mandarei meus homens se posicionarem do lado de fora da casa do príncipe — Tom insistiu. — É minha decisão final, portanto não tente me djssuadir. Não que eu duvide de sua coragem. A questão não é essa. Quero apenas ter certeza de que você voltará para casa, e para Christina, inteiro. Também quero que me prometa não fazer nada que o leve a ser julgado por assassinato. — Você ficará feliz de saber que resolvi aceitar seu conselho. Decidi aplicar uma punição menos letal.

— Sinto-me mais animado. — O advogado hesitou. — Acho. Bem, você compreende que o processo que Hans pretende abrir perderá o efeito quando conseguirmos provas do casamento anterior com a prima, nunca anulado. — Se conseguirmos essas provas. — Conseguiremos. É apenas uma questão de tempo. — Ótimo. Mas meu problema com Hans é vingança pessoal. Tenho uma dívida a cobrar. — Tenha cuidado, eu lhe imploro. Aquele homem não luta suas próprias batalhas. Sendo covarde, paga para que alguém o faça em seu lugar. — Melhor ainda. — Talvez ele tenha se cercado de guarda-costas. — Hans é arrogante demais para isso. Depois de uma vida inteira de desmandos e autoritarismo, não espera retaijações. Meu pai também era assjm. segundo me dizem. — E sua mãe deixou o marido, não é? Mas são situações diferentes, Max. — São semelhantes o suficiente. Hans e meu pai são tipos parecidos. Ambos frios, inflexíveis, egoístas ao extremo. Jamais ocorreu ao meu pai que minha mãe o desafiaria. Da mesma forma Hans não imagina que sua vontade não prevalecerá. Porque, até o momento, sempre teve tudo ao seu modo. Lawson conhecia bem a história de Max. De fato, Londres inteira soubera quando a bela americana pegara o filho pequeno e abandonara o marido no dia exato em que recebera notícias da morte do pai, um rico industrial. Havendo herdado urna fortuna, ela pôde divorciar-se, livrando-se de um casamento que lhe fora imposto quando muito jovem.

— Seu pai exigiu pagamento para conceder o divórcio. Hans agirá igualzinho. — Minha mãe pagou alegremente para se ver livre de meu pai. E ele só queria vencer, porque não se importava nem com ela, nem comigo. Assim que os advogados lhe deram o dinheiro, saiu de nossas vidas como se nunca tivesse existido. Hans quer a mesma coisa. Em troca de dez milhões concederá o divórcio a Christina. É uma quantia exorbitante. Darei um jeito para que ele mude de idéia. — Não serei capaz de convencê-lo a abandonar essa loucura? O marquês apenas balançou a cabeça. — Então resta-me somente lhe desejar boa sorte em sua empreitada. — Não preciso de sorte. Tenho algo melhor. — Não vou lhe perguntar o que é, caso você vá necessitar de um advogado mais tarde para defendê-lo. — Eu não lhe diria se você perguntasse, meu amigo. Vamos, não se preocupe. Essa história não vai demorar muito para ser encerrada. Max surpreendeu a empregada na cozinha da mansão londrina do príncipe de Zeiss. — Essa entrada é para o serviço de entregas, sir — disse a criada ao cavalheiro impecavelmente vestido. — Estou fazendo uma entrega — ele retrucou polido. A cozinheira e os demaís empregados o fitaram curiosos; porém, vendo-o seguir em frente como quem conhecesse bem o caminho, imaginaram tratar-se de algum comerciante, chamado à casa para falar com o administrador.

Como os colegas de Burt mantinham a mansão sob contínua vigilância desde a chegada do príncipe a Londres, o marquês sabia que Hans nunca saía antes do meio-dia e que normalmente tomava o desjejum àquela hora, numa saleta cujas janelas se abriam para o jardim. Sem ser importunado. Max entrou na saleta e, apontando uma pequena pistola para o lacaio que servia Hans. mandou-o sair. Apavorado, o rapaz deixou cair a bandeja, ovos mexidos, chá e porcelana partida se espalhando pelo chão. — Eu não o aconselharia a ficar — disse Max num tom gentil, notando que o jovem estava paralisado pelo medo. Fosse devido à aparente tranqüilidade do marquês, ou devido à visão da pistola, o fato é que o lacaio voou da sala, largando toda a sujeira para trás. Sem desviar os olhos de Hans, Max trancou a porta. — Você possui tendências dramáticas — o príncipe murmurou irônico, colocando o guardanapo de lado. — Conseqüência, sem dúvida, de ter uma mãe plebéia. — Falando em mães, vi a sua no Natal e surpreende-me que você não solte grunhidos. Ela tem a aparência de uma guardadora de porcos. — Max puxou uma cadeira e sentou-se calmamente à mesa. — Entretanto, não vim até aqui para trocarmos amabilidades. Vim lhe trazer algo para acompanhar seu desjejum. — Ele tirou uma caixinha do bolso. — Você não pretende atirar em mim com isso, não é? — O príncipe apontou para a pistola com ar desdenhoso. Essa arma não serviria para matar uma mosca. — Discordo. Duas balas dessa pistola na sua cabeça seriam bastante eficazes. Vi homens maiores do que você caírem no chão feito uma pedra. A extrema segurança do marquês acabou provocando uma reação nervosa em Hans, cuja pálpebra esquerda estremeceu. Todavia sua arrogância não tinha limites. — Vocês, americanos, são violentos. Aliás, característica típica da plebe. — Suponho que nem todos possamos ser moderados e benevolentes como você — Max devolveu sem se alterar. — Contudo, jamais mato um homem sem motivo. — Se alguém tem motivo, esse alguém sou eu. Você seduziu e seqüestrou minha esposa. Recostando-se no espaldar da cadeira, Max flexionou os dedos. — Há um pequeno engano. Christina não é sua esposa, como você bem sabe. Afinal, seu casamento com Marlena nunca foi desfeito. — Você é louco. — E você estúpido, por pensar que ninguém, jamais, descobriria seu casamento anterior. Logo terei provas. — Duvido. — Você não terá chances na corte. A propósito, parabéns por seu filho que está para nascer. Na verdade, foi essa criança que lhe salvou a vida. Eu estava inclinado a matá-lo. Agora pretendo satisfazer minhas tendências violentas com algo menos fatal. — Você não escapará ileso disso... de nada disso - Hans o ameaçou. — Meus empregados entrarão nessa sala a qualquer momento. — Talvez - Max respondeu sereno. — Mas você não é um homem apreciado por ninguém, seu maldito canalha desumano. Vou conseguir o que quero porque estou armado, e você não. Duvido que seus criados tentem salvá-lo porque você é um covarde, que abusa apenas daqueles que são mais fracos. E não vou sair daqui até vê-lo pagar pelo sofrimento que causou a Christina durante anos a fio. A princípio, o príncipe presumira que os criados viriam em seu auxílio. Porém, à medida que os minutos se arrastavam sem que ninguém arrombasse a porta, seu nervosismo começou a aumentar. Estava lidando com um doido. Não havia outra palavra para definir o marquês. Somente um maluco como Vale ousaria invadir uma casa em plena luz do dia e ameaçar matá-lo com a calma de quem estava dando um passeio pelo clube. — Estou certo de que podemos chegar a um acordo. — Uma camada fina de suor cobria a testa de Hans, sua segurança inicial esvaindo-se. — Sei que podemos. — Sorrindo friamente. Max encheu um copo com água e despejou o conteúdo da caixinha no líquido. — Estou certo de que você reconhece essa substância. O rosto do príncipe perdeu toda a cor. — Se eu calculei a quantidade corretamente, essa dose não o matará. A menos que as coisas saiam erradas. — O marquês deu de ombros, como se fosse um detalhe sem importância. — É uma pena que a ciência não seja mais precisa. Você deve ter enfrentado o mesmo dilema quando envenenou Christina. Para quando planejava o funeral? Para dali a uma semana, um mês, ou não fazia diferença, seu monstro insensível?

O olhar de Max era tão implacável que Hans perdeu o controle da bexiga. Um odor forte de urina permeou o ar. — Percebo que você compreende a seriedade da situação. Mas, graças ao meu advogado, resolvi lhe conceder uma chance de sobrevivência. Se fizesse as coisas ao meu modo, iria lhe dar um tiro no meio da testa. Porém meu advogado insiste que seria mais difícil me inocentar se você morresse. Portanto, com alguma sorte, essa dose de arsênico não o matará. Não que eu dê a mínima para o que lhe aconteça. A propósito, não deixe derramar uma gota, ou eu lhe meto uma bala. Seria fácil para mim escapar depois de matá-lo. Meu iate está pronto para zarpar e a extradição dos Estados Unidos é incerta. Mas a escolha é sua. Duas balas na cabeça, ou arsênico. Pálido e trêmulo, Hans ofegava como se houvesse acabado de correr quilômetros. — Vou lhe dar dez segundos para se decidir. Minha agenda está apertada hoje. — O marquês olhou o relógio e começou a contagem, a voz destituída de qualquer emoção. Ao chegar no nove, Hans agarrou o cálice e sorveu o conteúdo. Por um instante Max sentiu-se irritado. Teria preferido matá-lo. — Mais uma coisa — disse o marquês. — Se você sobreviver, não abordará esse assunto com ninguém. Se o fizer, me certificarei de que morra tão lentamente que irá suplicar pelo fim. Leva tempo até esfolar inteiramente um homem vivo.

Durante talvez uns dez minutos, Max observou impassível as convulsões tomarem conta do corpo de Hans, a mão pousada sobre a pistola, pronto para atirar caso julgasse necessário. Porém, para seu pesar, o príncipe não esboçou nenhum movimento suspeito, nem ameaçou reagir. E quando o canalha perdeu a consciência, o rosto lívido, Max levantou-se e saiu por uma das janelas. A mulher a quem amava havia sido parcíalmente vingada. Porém, jamais seria possível restituir a Christina os doze anos de vida que lhe tinham sido roubados. Os hõmens de Tom reuniram-se ao marquês na rua. Pouco tempo depois, ele relatava ao advogado os acontecimentos recentes. — Não creio que terei problemas no futuro. Todavia, se o príncipe deixar de ser covarde algum dia e tentar me enfrentar, ficarei feliz em matá-lo, em qualquer lugar, a qualquer hora. Na verdade, precisei me conter para não dar cabo dele hoje. Meus homens continuarão a guardar Minster Hill, para manter Christina em segurança. Você faz idéia de quando conseguiremos obter a certidão do primeiro casamento de Hans? Ou quando localizaremos as testemunhas? — Dentro de uns quinze dias. Talvez menos. Sério? Você está tão confiante assim? — Alguém arrancou aquelas páginas. Nós as encontraremos. — É por isso que você vale todo esse dinheiro que lhe pago. — Estamos muito perto do fim dessa história, meu amigo. — Você acha que posso contar a Christina? Eu adoraria fazê-lo, o advogado hesitou, a prudência um hábito longamente arraigado. — Por que não? — Lawson cedeu afinal. — Estou certo de que venceremos. — Sua certeza é minha certeza. — Sorrindo, Max levantou-se. — E levando essa boa notícia partirei para Minster Hill. — Eu já lhe contei que, semana passada, Burt mandou o sobrinho ajudar nas investigações? — Ah, então essa é sua carta na manga! Ao que me consta, o sobrinho de Burt é excepcional no que faz. — Exatamente — Lawson completou. — Talvez, a caminho de casa, eu deva parar e comprar um presente de noivado. — Acho que seria uma boa idéia. — Que tal se Christina e eu marcarmos a data do casamento? — Para daqui a duas semanas, não vejo nenhum problema. — Estou ficando com a nítida sensação de que você sabe algo e não está querendo me dizer. — Ainda não posso lhe dizer. Não sem ter os documentos em minhas mãos. — Então é possível que esses documentos realmente existam. — É bem provável. — Quão provável? — Bastante provável. Max sorriu. — Obviamente você não é um jogador.

— Em minha profissão, não vale a pena. Só arriscamos quando temos certeza de ganhar. — Mas posso mesmo marcar a data do casamento? — Sim. — Isso já me basta. Eu o verei no dia de meu casamento, então. — Com um aceno, Max levantou-se e saiu do escritório.

Rubis... são maravilhosos... — Christina ergueu o colar para admirá-lo melhor, o fecho de diamantes enormes brilhando sob a luz das velas. — Sempre teremos jóias que combinem — ela brincou, piscando para Max, que se acomodara ao seu lado, na cama imensa dos Falconer. — Assim como nossas vidas — ele murmurou. — Posso saber o significado desse comentário enigmático? — Sentando-se muito ereta, Christina colocou o colar de lado, percebendo alguma coisa no ar. Alguma coisa séria e importante que ainda não fora dita. Quis esperar até estarmos sozinhos. E agora que os meninos já foram deitar-se e a tenho apenas para mim, gostaria de lhe dizer que esse colar é meu presente de noivado. Um noivado muito, muito curto, confesso. — Não! Você deve estar brincando! — ela exclamou, fora de si de alegria. — Conte-me, conte-me, conte-me tudo! Você não disse nada durante o jantar, nem depois, quando teve oportunidade. Oh, malvado, malvado! Eu deveria amarrá-lo e...

Segurando-a pelos pulsos, Max sorriu. — Podemos discutir sexo mais tarde. No momento, querida, quero que você se sente e fique bem quietinha, porque não posso me distrair olhando para essas suas coxas deliciosas. Tenho algo importante a lhe contar. — Algo que você deveria ter me contado mais cedo. — Christina fez biquinho, ofendida. — Eu estava esperando ficarmos sozinhos — ele a lembrou educadamente. — E então, você quer ouvir o que tenho a lhe dizer, ou não? Christina jogou os cabelos para trás, num gesto coquete. — Talvez sim, talvez não. Os olhos de Max se estreitaram. — Talvez eu deva amarrá-la. — Não quero me distrair com essa conversa de sexo — a princesa observou, insolente. — Escute-me, ou não haverá sexo nenhum, madame. Os belos olhos verdes se arregalaram. — Ah, agora tenho sua atenção. — O que você estava dizendo mesmo? — Sorrindo inocentemente, Christina o segurou pela orelha. — Você venceu, querida — ele capitulou, embora pudesse ter se libertado facilmente. — E você deseja me pedir desculpas. — Na verdade, desejo pedi-la em casamento. Por um instante Christina ficou muda. — Você não pode estar falando sério. — Nunca falei tão sério em toda minha vida. Inspirando fundo, Christina fechou os olhos por um instante.

— Quando? Como? Isto é, como será possível... — Quando seria logo que você afrouxasse a pressão dos dedos um pouquinho — ele respondeu sorrindo —, e o como seria da maneira usual. Numa capela, com um pastor, uma noiva, um noivo.., alguns convidados, imagino, embora essa seja a última coisa na minha lista de prioridades. — Como você conseguiu? — ela sussurrou, soltando-o. Segundos depois, Christina estava deitada sob o marquês. — Você é por demais confiante. — Max acomodou-se entre as coxas alvas. — Porém acho essa qualidade incrivelmente atraente. — Se você não me contar agora tudo o que sabe, ou o que aconteceu para tornar a realização desse sonho possível, fecharei minhas pernas e o farei esperar pelo menos um mês. — Você poderia esperar um mês? — Esperei doze anos, se você ainda se lembra. A expressão de Max ficou grave. — É sobre isso que precisamos conversar. — Faço votos de que não seja nada sério, considerando sua expressão. Max sentou-se na cama. — Não fique alarmada. É um assunto sério com final feliz.

— Continue. — O coração de Christina começou a bater alucinadamente. — Tom me disse que podemos marcar a data de nosso casamento. Ele está muito perto de obter as provas que farão de você uma mulher livre. — Hans vai me dar o divórcio? — Não exatamente. É algo um pouco mais... bizarro.

Vendo-o claramente desconfortável, Christina não teve dúvidas de que o assunto era mesmo sério, apesar de Max haver falado em final feliz. — Explique-me tudo. — Você nunca foi legalmente casada com Hans porque ele já era casado secretamente com uma prima, anos antes de conhecê-la. — Nunca fui casada? — Perplexa, Christina arregalou os olhos. — Quer dizer que os meninos são... — Ninguém precisa saber — ele se apressou a intervir. — Os garotos não têm que saber. Nós inventaremos uma história para protegê-los dos mexericos. Também já tomei as iniciativas para impedir que Hans toque neste assunto com quem quer que seja. — Você o viu? — Uma palidez mortal cobriu o rosto delicado. — Rapidamente. Hans cooperou bastante. — Max falou num tom deliberadamente gentil. — Pedirei a Tom para iniciar os procedimentos de adoção amanhã mesmo e farei com que esse processo seja concluído o mais rápido possível. — Você realmente o viu? O coração do marquês encheu-se de compaixão diante da ansiedade de Christina. — Hans está em Londres, porém não permanecerá lá por muito tempo, espero eu. O príncipe desculpou-se pelo que fez a você — Max mentiu, desejando poupá-la. — Aparentemente, sente remorso. — É mesmo? — Pelo menos foi o que me pareceu.

Nunca mais terei que voltar a vê-lo, não é? — ela indagou numa voz quase inaudível. Max puxou-a para junto do peito. — Você jamais tomará a vê-lo. Prometo-lhe. — E quanto aos meninos? Eles serão obrigados a ver Hans, não sendo legalmente filhos dele?

—Não. De repente Christina sorriu, cautelosa a princípio, depois quase gargalhando. — Meus Deus... É realmente um final feliz. É um sonho que se realiza, a resposta às minhas preces. E devo agradecer a você. Eu deveria lhe perguntar o que você fez para chegar a isso, mas não quero saber... Não quero nunca mais pensar em Hans. Nunca mais! — Garanto-lhe que você não precisará pensar nele. — Adoro quando você fala como se tudo fosse sempre simples, bom e verdadeiro... Sinto uma segurança que nunca experimentei na vida. — Christina o abraçou com força, a idéia de ser uma mulher livre intoxicando-a. A sensação era tão deliciosa que a cabeça girava. — Não há palavras no mundo capazes de expressar minha gratidão. Mas, obrigada, meu amor. Do fundo do meu coração. — O prazer foi meu, madame. Fico feliz que a princesa esteja finalmente salva.., embora eu tenha esquecido meu cavalo branco. — Não reclamarei da ausência do cavalo branco quando você fez todos os meus sonhos se tomarem realidade — ela falou baixinho, enlaçando-o pelo pescoço. — Abrace-me com força.

Logo um calor intenso os queimava, a proximidade de seus corpos despertando um desejo avassalador. — Estou ardendo, e, bem.., pronta para recebê-lo.., se você estiver interessado. — Por acaso pareço desinteressado? — Fitando-a fixamente, ele acariciou os pêlos da amada, tão macios e dourados. — Hum... Você me parece maravilhosamente interessado — Christina sussurrou ofegante, ondulando os quadris num ritmo sensual. — Por acaso já mencionei ser uma mulher livre? — Creio que sim. — Portanto, como uma mulher livre, gostaria de convidá-lo a vir brincar comigo. — Terei que checar minha agenda — Max a provocou. — Poderíamos brincar de fazer um bebê essa noite, se sua agenda permitir. As palavras, ditas com suavidade, o atingiram com a força de um raio. Passara a vida inteira tomando todas as precauções necessárias para evitar filhos. Talvez, devido ao hábito de anos, sua hesitação tenha sido palpável. — Desculpe-me, querido. Eu não deveria ter me adiantado. — Não... está tudo bem. — De súbito, a idéia de gerar um filho, a possibilidade de ser pai, encheu-o de uma felicidade tão grande que ele sorriu, extasiado. — Poderíamos começar a trabalhar nisso agora mesmo. — Isso significa que você seria obrigado a fazer amor comigo freqüentemente, Quer dizer se levarmos mesmo essa possibilidade a sério.

— Todos os dias e todas as noites.., para nos garantinnos — Max afirmou, ainda sem deixar de fitá-la. — Para nos garantirmos — ela repetiu, entreabrindo as pernas. — Então você está mesmo querendo um filho? — Eu teria que ejacular dentro de você. — Freqüentemente — Christina murmurou, acariciando a ponta intumescida do pênis. — De manhã e de noite e sempre. Dia e noite, noite e dia... — Agora e sempre — ele murmurou, penetrando-a suavemente. Deslizando as mãos sob as nádegas firmes, Max ergueu-a alguns centímetros e imobilizou-a no ar, contemplando-a reverente. — Isto é amor, em toda a sua glória. Em todas as suas formas. E ambos compreenderam que o sentimento que os unia ia muito além da paixão carnal. Amavam-se profundamente e este amor se intensificara pelo desejo e pelo sonho de um filho. Max moveu-se em suaves ondulações. Christina reagiu com mais vigor, impaciente como sempre, ansiosa, impelida, talvez, pelos longos anos de privação. — Por que tanta impaciência, querida? — ele a provocou. segurando-a com força pelos quadris para imobilizá-la. Christina se contorceu, tentando libertar-se. — Você pode ir no ritmo que quiser. Eu irei no meu — ela devolveu brincalhona. — Por acaso você está me usando egoisticamente? — Apenas uma parte de você. — Pelos céus! Acabei transformando-a numa pequena ditadora insaciável. — E isso o perturba? — Pelo contrário. Essa pequena ditadora insaciável me completa à perfeição. Agüente firme, minha adorada, vou arrastá-la para um êxtase do qual você não se esquecerá jamais. E ele cumpriu a palavra com fervoroso entusiasmo. Os olhos negros a devoraram, enxergando-a pelo avesso. — Acho que seria perfeito um filho nosso. — Você teria que me inundar com seu esperma todos os dias. — Muito.

Na semana seguinte, o sobrinho de Burt entregou a Max, pessoalmente, as certidões do casamento civil e religioso de Hans e Marlena. Desobedecendo as ordens do príncipe de Zeiss, o clérigo encarregado de queimar os papéis não o fizera, o que possibilitara ao sobrinho de Burt vir a roubá-los. Max recompensou o rapaz com a generosidade extremada de um homem feliz e cumprimentou-o por ter tido sucesso onde tantos outros haviam falhado. Ao ver as provas concretas de sua liberdade, Christina caiu em prantos e atirou-se nos braços do futuro marido, agradecendo-o da maneira que o marquês mais apreciava. Com a data do casamento definitivamente marcada, o mundo inteiro pareceu ficar de pernas para o ar, a rotina dos envolvidos no evento mudando da água para o vinho. Todas as lojas mais elegantes de Londres se empenharam na preparação da cerimônia para que o marquês de Vale e sua noiva tivessem o casamento do século. Dúzias e dúzias das flores mais raras e espetaculares começaram a chegar a Minster Hill, apesar de ser quase impossível obtê-las em janeiro, no auge do inverno. Entretanto Max estava disposto a gastar qualquer quantia para transformar sua residência num enorme jardim. Quanto ao vestido de noiva, doze costureiras trabalhavam sem cessar para confeccioná-lo. Joalheiros, chefs e sommeliers passaram a residir em Minster Hili, para não se correr o risco de escapar algum detalhe. Em suma, Max queria seus desejos atendidos imediatamente e para tal desembolsava o que fosse necessário. A família de Christina deveria chegar dois dias antes da cerimônia, os pai, a irmã Charlotte e os dois sobrinhos. O marido de Charlotte não compareceria, estando num safári. Aliás, o duque não compareceria de jeito nenhum, pois preferia sempre dedicar-se aos próprios interesses, nunca se achando disponível para a esposa e filhos. A mãe, o padrasto e a meia-irmã de Max não poderiam chegar a tempo para o enlace, considerando a distância entre os dois continentes, porém esperariam os recém-casados em Nova York, onde lhes ofereceriam uma grande festa durante a lua-de-mel. — Convide quem você quiser, querida — ele dissera à noiva, pronto para receber toda a sociedade, se esse fosse o desejo da amada, apesar de, particularmente, preferir uma cerimônia íntima. — Devido às circunstâncias, creio que chamarei apenas umas poucas amigas — ela respondera. — E os meninos, claro.

De pleno acordo, Max elaborara uma lista de convidados bastante reduzida. Todavia, no mesmo dia em que seus futuros sogros chegaram, ele encontrou a noiva à beira das lágrimas à hora do almoço. Tão logo ficaram a sós, procurou tranqüilizá-la. — Não se preocupe com o que seus pais possam pensar. Sua vida pertence apenas a você. — Você viu como minha mãe é. Questionando tudo e todos. Interrogando-me sem parar, questionando se estou fazendo a coisa certa. Oh, Deus, não agüento mais! — Ela não entende como Hans era. — Ela não quer entender. E meu pai com seus comentários sobre eu abandonar o principado de Zeiss! Aquele nunca foi meu lar! — Talvez ambos precisem somente de tempo para se ajustarem à nova situação. Admita, querida, nós dois estamos fazendo mudanças súbitas e drásticas em nossas vidas. — De fato Max estava se esforçando para ser compreensivo, quando sua primeira reação fora de profundo desagrado com o comportamento dos pais de Christina. Todavia, não quisera causar problemas, quando logo estariam casados e morando nos Estados Unidos a maior parte do ano. — Por ocasião de nosso retorno à Inglaterra, no próximo verão, seus pais já terão tido tempo de se ajustarem a todas essas mu danças.

Ela cerrou os lábios. — Você é muito otimista. — A verdade é que isso não tem a menor importância, querida.

— É fácil para você dizer. Sua famfiia o apóia. — Tudo o que temos a fazer é sermos cordatos e simpáticos por mais dois dias, meu amor. Vamos, você é capaz de ser gentil e relevar certas coisas. — Tentarei — Christina murmurou, franzindo a testa. O coronel e lady Georgina Grey, entretanto, pareciam dispostos a manter o comportamento indelicado de sempre e, à hora do chá, ao se reunirem à filha, insistiram nos palpites desagradáveis, opinando sobre tudo e todos sem que fossem solicitados. Assim, as críticas ferinas se estenderam aos assuntos mais variados, desde o corte de cabelos do tutor dos meninos até o absurdo de convidar o conde e a condessa de Buxley para o casamento, quando sabia-se que a condessa havia trabalhado como governanta antes de conhecer o marido. Porém, o fato que continuava a merecer as críticas mais duras continuava sendo a decisão de Christina de se casar novamente e tão depressa. Como a notícia do divórcio da filha fora repentina, o coronel e lady Georgina Grey não apenas se recusavam a aceitar a idéia, como duvidavam de que houvesse motivos para a separação. Motivos mais do que óbvios para a esmagadora maioria das pessoas que conhecia o príncipe. Durante o chá, deliciando-se com sanduíches de pepino e petit-fours, o casal não disfarçava a má vontade para com o futuro genro, enquanto este fazia questão de tratá-los com a mais absoluta cortesia em atenção à noiva. Até à hora do jantar, quando a mãe de Christina, pela milésima vez, retomou o assunto do casamento inesperado e apressado. — Por que vocês não podiam esperar um período decente está além da minha compreensão — ela murmurou azeda.

— Um divórcio já é desastroso, porém casar-se de novo tão rapidamente é uma afronta ao bom gosto e às convenções. Minhas amigas ficaram pasmas, chocadas... — Por ocasião de nosso retorno da lua-de-mel, suas amigas já terão descoberto novas fontes de mexericos com os quais se distrair, mãe. — O culpado sou eu — interveio Max, querendo tirar o peso dos ombros de Christina. — Receio ter pressionado minha noiva devido à minha agenda apertada. Meus negócios na América estão num ponto em que minha presença é necessária. Christina foi bondosa o bastante para se adaptar às minhas obrigações. — Seu pai não acreditava que um cavalheiro devesse se ocupar com negócios — o coronel falou bruscamente, torcendo as pontas do bigode milimetricamente aparado. — Meu pai acreditava apenas em bebida e caçadas. Felizmente minha mãe lhe deu dinheiro suficiente para manter Minster Híll em bom estado. De outra forma, com o valor das terras caindo no decorrer desse século, ele teria sido obrigado a vender o único bem que possuía. — O valor das terras teria se mantido elevado se não fossem as desnecessárias reformas sociais — observou o coronel friamente. — As classes trabalhadoras perderam o respeito pelo trabalho duro e o país piorou por causa disso. — Está quase impossível encontrar bons empregados para o serviço doméstico, uma vez que todos os jovens estão debandando para a cidade — lady Georgina decretou. — E o salário que essa gente exige? É criminoso! Sabendo não adiantar tentar discutir mudanças sociais, ou os direitos da classe trabalhadora, Max resolveu mudar de assunto. — Diga-me, coronel, qual é sua opinião sobre o vinho? O senhor o está achando saboroso? A vinha pertence a um amigo meu. — O coronel já havia consumido várias taças e suas bochechas estavam vermelhas e brilhantes. — É razoavelmente saboroso, suponho. Porém, claro, nada comparável àqueles armazenados na adega do príncipe Hans. — Pai, pelo amor de Deus! — Christina exclamou, enraivecida. Embora o comentário do coronel houvesse sido de uma grosseria que beirava ao insulto, Max não perdeu a elegância. — Talvez pudéssemos encontrar um vinho mais do seu agrado, coronel — falou, educado. — Mãe, creio que papai já bebeu o suficiente — disse Christina, sem disfarçar o dissabor. — Por favor, Max, não há necessidade de abrir outra garrafa. Esse vinho é excelente! Por sorte o mordomo anunciou a chegada de Charlotte e uma cena mais desagradável foi evitada. Ainda trajando as roupas de viagem, Charlotte desculpou-se pelo atraso, explicando que por um erro de seu administrador incompetente, encarregado de comprar as passagens, acabara partindo um dia depois do que pretendera. Depois de beijar os pais, ela correu para a irmã com os braços abertos e um sorriso radiante nos lábios. — Parabéns, querida! Ou eu deveria dizer: que sorte! — Virando-se para Max, completou: — É você quem deve ser parabenizado, não é?

— Nós dois merecemos os parabéns — Christina retrucou, não cabendo em si de contentamento com a chegada da irmã.

— De fato, sou eu quem saiu ganhando. — O marquês levantou-se para cumprimentar a futura cunhada. — Não é o que todas as damas que você deixou para trás estão dizendo — Charlotte argumentou baixinho, ao abraçar Max.

Permita-me discordar. Por acaso seus filhos vieram também? — ele indagou, desejando mudar de assunto. — Os meninos não perderiam uma oportunidade de ver os primos por nada. De fato, os quatro estão lá em cima agora, brincando. — Sente-se perto de Christina. — Max fez sinal para que o lacaio trouxesse uma cadeira. — Posso lhe oferecer champanhe?

— Claro. Estou louca para entrar no espírito festivo. Vamos celebrar! São notícias deliciosas, querida. Fiquei tão feliz quando soube de seus planos! Desejo-lhe toda a felicidade do mundo. — Abaixando o tom de voz, Charlotte tomou a mão da irmã entre as suas. — Ah, como eu gostaria de ter essa sorte! -— Charlotte, por favor, diga à sua irmã como é pouco natural e irregular esse casamento às pressas. — A voz de lady Georgina destilava repúdio. — As pessoas vão comentar tamanho atrevimento. Seu pai será obrigado a deixar de freqüentar os clubes até que os mexerícos esfriem. E quanto à sociedade... — Mãe, a sociedade está acostumada a divórcios — Charlott retrucou, com uma ponta de impaciência. —E ninguém condenará Christina por fugir de um marido canalha feito Hans. Quanto ao marquês — ela sorriu para o futuro cunhado —, ele é o convidado preferido de todas as anfitriãs da sociedade. Ah... meu champanhe. Pode deixar a garrafa — Charlotte instruiu o lacaio, brindando todos os presentes com um sorriso radiante. — Foi uma longa, longa, viagem de trem. No decorrer da noite, Charlotte conseguiu abafar as mais patentes grosserias dos pais, tentando entretê-los com as fofocas recentes de Londres. Entretanto, mesmo apoiando o novo casal e apesar de suas observações sempre delicadas, várias vezes a conversa se tornou tensa. Depois que a sobremesa foi servida, Max, buscando manter uma relação cordata com o futuro sogro, pelo menos até o dia do casamento, preferiu evitar que ficassem sozinhos à mesa para o Porto habitual. Assim, sugeriu que todos se retirassem para a saleta íntima, onde tomariam chá, ou xerez. — Não bebo nada dessas coisas — disse o coronel rudemente, já trôpego de tão bêbado. — Conhaque, sim, é bebida de homem. Temendo que o outro caísse, Max mandou um lacaio segui-lo a uma distância discreta até a saleta. Porém, percebendo que o marido estava prestes a desmaiar devido à embriaguez, Iady Georgina achou mais prudente fazê-lo ir se deitar, dispensando o xerez. — Graças a Deus — Charlotte murmurou, enquanto o marquês acompanhava seus pais até a porta. — Morando no País de Gales, aqueles dois parecem viver no século passado. Christina suspirou baixinho. Só mais um dia... — E eles estarão fora da sua vida e o querido Max será todo seu. Ah, minha querida, você não sabe como a invejo, por ter encontrado o amor. — Agradeço a Deus sem cessar. — Christina lamentava o destino da irmã, presa a um casamento desastroso e infeliz. — Eu nunca soube o que estava perdendo. — Nós nunca soubemos. — Sinto muito, querida. Sei que seu marido é um homem difícil.

Charlotte deu de ombros, procurando afastar o momento de melancolia.

— Pelo menos Percy está na África. Com sorte, um leão acabará devorando-o falou sem humor. — Compreendo seu sofrimento. Quando olho para trás agora, pergunto-me como fui capaz de agüentar a tirania de Hans por tantos anos. Nossos pais acabaram nos prejudicando, escolhendo nossos maridos e encorajando-nos a nos casarmos.

— Como se títulos de nobreza importassem... — E nós não conhecíamos nada do mundo, aos dezessete anos.

— Sem nos esquecermos de que mamãe colocava as convenções sociais acima de tudo — Charlotte ponderou, amarga.

— Ela ainda é assim — Christina a corrigiu. — A propósito, estou tão agradecida por você ter chegado de viagem hoje. Sua presença me ajudou a suportar as críticas paternais.

Tive alguém com quem dividir o peso de me saber inadequada. — Eu não perderia seu casamento por nada deste mundo. Vê-la feliz me dá esperanças. Quem sabe o futuro me reserva alguma surpresa? — Vá nos visitar na América. E leve os meninos. — Fique conosco pelo tempo que desejar — disse Max, entrando na saleta naquele exato momento. — Cuidado com o convite, ou vocês acabarão tendo em casa uma hóspede permanente— Charlotte falou, entre séria e brincalhona. Seria um prazer, não é mesmo, querida? — O marquês sentou-se ao lado da noiva. — Nós adoraríamos tê-la conosco, querida! A duquesa experimentou uma pontada de inveja, e tristeza, ao notar os olhares apaixonados trocados pelo casal. Todavia, acostumada a não deixar transparecer as emoções, ergueu o cálice num brinde e sorriu. À minha querida irmã e ao homem que lhe trouxe felicidade e amor. — O homem mais sortudo do mundo — Max sussurrou aos ouvidos da amada. Christina corou e ergueu o cálice. — À felicidade e ao amor. Na manhã seguinte, Max desceu para tomar o desjejum mais cedo, pensando que talvez os Grey já houvessem acordado. Christina continuava dormindo, os garotos estavam brincando com os primos e Charlotte, na noite anterior, anunciaria que só sairia da cama por volta do meio-dia. Portanto, restou-lhe a obrigação de aturar os futuros sogros, tarefa que iria requerer várias xícaras de café, ou não teria a energia necessária para suportá-los depois das cenas desagradáveis do dia anterior. Lady Georgina foi a primeira a aparecer e, ao vê-lo, parou na soleira da porta. Ah, é você. Quem ela esperaria que fosse, Max perguntou-se irônico. Sua boa educação, contudo, o fez levantar-se, recebê-la com um sorriso e conversar sobre banalidades, como o clima, por exemplo. — Minha filha perdeu por completo a cabeça e o culpo inteiramente — Lady Georgina disparou, ríspida. Sinto muito. — Max se esforçou para manter o tom suave, enquanto instruía os servos para se retirarem. — Algum dia, talvez, a senhora possa entender a grande felicidade que sua filha e eu encontramos e se sentir consolada. — Nunca entenderei. — Mais uma vez, sinto muito. Pelo visto, estamos num impasse. — Com os diabos, sim! — O coronel entrou na sala agitado, as faces vermelhas e luzidias. — Talvez esse seja um bom momento de discutirmos nossas diferenças. — Por causa de Christina, o marquês estava determinado a conservar a calma a qualquer custo. — Estamos sozinhos. Podemos falar livremente. Por favor, sentem-se. — Não temos nada a discutir. Saia da vida da nossa filha — ordenou o coronel. — Onde está o maldito café? Irritado, ele passou por Max a caminho do aparador. — Christina acabará esquecendo-o com o tempo e estou certa de que o príncipe a aceitará de volta — afirmou lady Georgina, como se os motivos que haviam levado a filha ao divórcio fossem irrelevantes. — Vocês americanos não compreendem nosso mundo, onde a tradição e os costumes são reverenciados, onde as regras importam e a etiqueta é seguida à risca. Minha filha e Hans tinham um casamento perfeito, até você aparecer. Com dificuldade, Max se contivera até aquele instante. Porém, a ignorância proposital de lady Georgina sobre a verdadeiro martírio que fora a vida matrimonial de Christina o induziu a abdicar de qualquer reserva. — Hans tentou matá-la. — Sua voz soou tão tensa que o coronel largou a xícara de café sobre a mesa. — Para sua informação, Christina quase não sobreviveu. Portanto, ela não voltará para o príncipe e para o tal casamento “perfeito”. Christina não voltará para Hans nem agora, nem nunca, não importando o que vocês queiram. — Não acredito numa só palavra sua — rebateu lady Georgina. Você está inventando essa história horrível para atingir seus próprios objetivos. O príncipe é um modelo de marido e pai! — Matá-la? Você está falando absurdos! — gritou o coronel. — Hans é um príncipe! — Ele tentou envenená-la — Max repetiu, firme. — O médico achou que ela não ia sobreviver.

— Impossível! Você está inventando uma mentira atrás da outra! — lady Georgina exclamou, alterada. — Max está falando a verdade. — A voz calma de Christina reverberou dentro do silêncio repentino. — E eu não estaria aqui hoje se não fosse por sua coragem e amor. Portanto, vou me casar com ele amanhã e se vocês não desejarem assistir à cerimônia, sintam-se à vontade para partir agora. O marquês aproximou-se da noiva que, rígida, permanecia de pé na soleira da porta. Pasma, lady Georgina arregalou os olhos. O coronel abriu a boca para dizer algo, porém não conseguiu emitir um único som.

— Hans sempre foi cruel comigo e com os meninos — continuou Christina, inspirando fundo para se armar de coragem. — Minha intenção inicial era poupar vocês dos detalhes sórdidos da desgraça imposta a mim e aos meus filhos, mas talvez seja mesmo melhor colocá-los a par. — Você quer que eu lhes conte? — Max perguntou à noiva, sabendo o quanto a admissão da verdade a feria. — Não. Já é hora de eu começar a dizer o que penso. Virando-se para os pais: — Talvez vocês queiram se sentar. O que vou lhes contar poderá chocá-los. Embora muito pálida, lady Georgina ouviu a narrativa escabrosa, dando-se conta, pela primeira vez, de quão desumanamente Hans enganara a todos. Quando Christina calou-se, ela ergueu os ombros, como se estivesse se preparando para enfrentar um pelotão de fuzilamento, e pediu perdão à filha. Chegou até a pedir desculpas a Max, seu pesar tão evidente que o marquês sentiu pena.

— A senhora não poderia ter adivinhado — ele murmurou gentil, recebendo um sorriso em troca, o primeiro que jamais vira nos lábios da velha dama. O coronel, cuja vermelhidão se intensificara no decorrer do relato, serviu-se de um cálice de conhaque antes de expressar seu pesar e fazer um pedido formal de desculpas à filha e ao genro. Naquela manhã, o clima do desjejum esteve um tanto desconfortável, porém o processo de reconciliação começara, todos os envolvidos se esforçando para que as feridas cicatrizassem. E quando o coronel quase já havia esvaziado a garrafa de conhaque, ele lembrou-se de uma série de defeitos que percebera em Hans, dos quais havia preferido passar por cima para o bem da filha. Nunca gostara da família pouco cordial do príncipe, da maneira dura como ele tratava o próprio cavalo, dos clubes que freqüentava. — Aquele homem não consegue nem atirar direito! Era preciso que os empregados colocassem as aves debaixo de seu nariz para que pudesse acertá-las! Agora, um verdadeiro cavalheiro sabe atirar bem. É algo que se aprende quase desde o berço! Notei que você possui uma bela coleção de armas na biblioteca. — O coronel fitou Max amigavelmente. Reparei nos modelos novos. Quão bom é você num estande de tiro? — Não sou mau — respondeu o marquês, modesto. De fato, podia acertar uma mosca a cinqüenta metros.

— Também não sou mau. Temos que experimentar aqueles seus rifles qualquer hora dessas, não, meu rapaz?

Max sorriu sem reservas.

— Quando o senhor quiser.

Assim transcorreu o desjejum, num clima de crescente boa vontade. E quando Charlotte entrou na sala, às dez horas da manhã, assombrou-se ante a transformação.

— Venha se juntar a nós, querida — Christina a chamou, piscando um olho. — Papai e Max sairão para atirar daqui a pouco. Deveríamos mostrar-lhes do que somos capazes?

— Ensinei as meninas a atirar quando crianças explicou o coronel, orgulhoso. — E se me permite dizer, ambas têm uma pontaria fantástica.

As horas passadas juntos serviram para sedimentar a cordialidade entre genro e sogro. E ao retornarem à casa, descobriram que o lugar fervilhava com a chegada dos convidados.

O jantar foi um acontecimento festivo, com a família reconciliada e a presença dos amigos. Christina e Max desempenharam o papel de anfitriões com absoluta perfeição, sob o olhar afetuoso de Lulu, que não perdia a chance de provocá-los, dizendo saber o quanto deviam estar ansiosos para ficarem sozinhos, bem longe de todos...

O dia do casamento amanheceu brilhante e ensolarado, quente para janeiro. Às onze horas em ponto, os convidados se reuniram na capela de Minster Hili. perfumada por uma profusão de arranjos belíssimos, com predominância de rosas e lírios. No altar, Max, Johnnie e Fritz aguardavam a noiva. E também Charlotte e Lulu, exultantes como damas de honra. Os primeiros acordes do órgão anunciaram a entrada de Christina. Todas as cabeças se voltaram para vê-la.

Deslumbrante num vestido marfim rebordado com pérolas, uma coroa de violetas sobre o véu e um buquê de violetas nas mãos, ela atravessou a nave sozinha. Alta, esguia, a beleza loura e clássica acentuada pela elegância do traje, Christina era a imagem radiante da felicidade plena. E quando Max a tomou pela mão, ele sussurrou, cheio de ternura:

— De hoje em diante, querida, seremos você, eu e Digby para sempre... Mais tarde, durante a recepção, houve uma certa discussão sobre o significado da frase, pois alguns convidados da primeira fila a tinham escutado, sem entendê-la. Porém Lulu a compreendera muito bem e, enquanto tomava um cálice de champanhe na companhia da noiva, longe da multidão, comentou: — Parece que Max tem um carinho especial por Digby. Não apenas Max. Eu também. — Christina sorriu. — E devo agradecer a você por me incentivar, por me dar a coragem necessária naquela manhã, na casa de campo de Shelagh. Confesso que quase a acordei para lhe pedir conselhos, mas, no fim, resolvi ir em frente, confiando no meu instinto. —- Alegra-me que você tenha decidido mergulhar fundo. — A baronesa suspirou, sonhadora. — Ah, se eu pudesse encontrar alguém tão charmoso.

— Talvez você encontre. Depois do que aconteceu comigo, eu realmente acredito em milagres.

— Não sei se tenho tanta sorte quanto você, querida. Se nasci predestinada a conhecer o amor.

Christina riu, desejando que a amiga pudesse ter a sua sorte e descobrir o amor de sua vida.

— Jamais imaginei que um dia lhe diria isso, Lulu. Creia- me, você precisa estar aberta às possibilidades. Milagres acontecem.

E não muito tempo depois, Lulu realmente descobriu que milagres acontecem. Mas essa é urna outra história.

 

                                                                                Susan Johnson 

 

 

                      

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