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Mac Cordero é o forasteiro que se muda para a conservadora cidade de Honória, na Geórgia, sul dos Estados Unidos. Ele não está ali por acaso: seu objetivo é descobrir o homem que abandonara sua mãe grávida, e a quem ela amara secretamente até a morte. O homem a quem Mac Cordero quer encontrar - e destruir - é seu próprio pai.
Mac sabe que seu pai pertence à poderosa família McBride, mas não sabe exatamente quem é ele. Enquanto aprofunda as investigações, finge interessar-se pela reforma de uma casa antiga que comprara na cidade. Contrata uma decoradora local, a jovem, Sharon Henderson, de quem tenta obter informações. Mas Sharon o desconcerta: séria, inteiramente dedicada ao irmão adolescente e rebelde, revela o que sabe sobre os McBride de maneira ingênua e honesta. A paixão é inevitável. À medida que cresce o envolvimento, Mac se transforma. Mas como revelar a verdade sobre sua presença na cidade sem se arriscar a perder a mulher amada? E como despir-se do ódio e abandonar a vingança que formaram sua personalidade? Comovente história de amor, perdão e coragem. Escândalos do Passado conduz o leitor a um mergulho pelos meandros da alma humana, mostrando que somos responsáveis pela nossa vida, que podemos superar a dor, aprender com ela e recomeçar - sempre.
As luzes traseiras riscavam de vermelho a escuridão em frente a Mac Cordero, que dirigia pelos arrabaldes de Honória, na Geórgia. Não seguia deliberadamente o veículo, simplesmente ia à mesma direção pela estrada rural estreita, ladeada pela mata à esquerda e por um rio cujo nível parecia elevado à direita.
Mac não tinha em mente nenhum destino específico. Estava praticamente passando tempo naquela noite de sexta-feira, adiando seu retorno ao motel discreto onde ficaria até arranjar melhores acomodações para os próximos meses. Tinha de realizar coisas nessa cidade estranha. Recentemente adquirira uma casa em estilo vitoriano, construída na década de vinte, cuja reforma seria a desculpa a utilizar se alguém perguntasse por que viera. O motivo verdadeiro... bem, esse às vezes era um mistério para ele também.
Como a temperatura da noite junina era agradável, os vidros das janelas estavam abaixados, permitindo a entrada do ar tépido, repleto de odores da floresta e sons das criaturas noturnas. Nem melhoraram seu humor nem amenizaram a frustração que sentia por ter conseguido tão pouco desde que viera para Honória pela primeira vez, muitas semanas antes. Não estava mais próximo da resolução do mistério que o trouxera do que quando resolvera persegui-lo.
O pequeno carro à frente começou uma subida constante pela encosta de uma colina. Mac ajeitou o corpo no assento de sua caminhonete. De uma forma geral, fora um dia improdutivo. Começava a perguntar-se se tudo ali era sempre monótono, pois detestava ficar entediado.
Um guincho de breques o arrancou de seus pensamentos. Suas mãos apertaram-se no volante quando as luzes à frente balançaram erraticamente, depois deslizaram para o outro lado da estrada... direto na direção do rio. No mesmo instante, uma caminhonete de cor clara surgiu no topo da lombada, em alta velocidade, sem fazer o menor esforço para diminuir. Agindo por instinto, Mac girou o volante para a direita, desviando o caminhão o suficiente para não cair pelo barranco. A caminhonete passou por ele e continuou acelerando.
Praguejando, Mac não perdeu tempo tentando enxergar o número da placa, mas parou, abriu a porta e correu até o lugar, onde desaparecera o veículo. O rio movia-se devagar, como tinta na escuridão, partindo em mil reflexos o luar. Não viu sinal algum do carro que estivera à sua frente. A caminhonete desapareceu de vista depois da curva. Tirando os sapatos, preparou-se para mergulhar.
Uma cabeça irrompeu à superfície em frente a ele no instante em que saltava. Escutou uma respiração forte, seguida pelo que pareceu um grito de pânico e medo. Um instante depois a água fria clareou seus pensamentos e Mac nadou na direção da mulher. Apanhou-a no momento em que afundava outra vez.
Agarrou-a pelos braços e suspendeu-a para a superfície, reparando que era leve e esguia. Suas mãos facilmente enlaçaram-lhe a cintura, para apoiá-la na superfície até que recuperasse o fôlego. Foi difícil distinguir-lhe as feições no escuro, mas ele ficou com a impressão de que ela era bem mais nova do que seus próprios trinta e três anos de idade.
Mais calmo agora que a moça se encontrava em segurança, perguntou com urgência:
— Mais alguém no carro?
— Não, eu estava sozinha — respondeu ela, num murmúrio. — Levei... bastante tempo para sair do carro. Minha janela estava abaixada, mas...
— Não foi tanto quanto deve ter parecido para você — disse Mac. Percebeu que ela tremia e batia os dentes e pressentiu um estado de choque. — Consegue nadar? Está ferida?
— Eu... não sei — disse a estranha, agarrando-se a ele. — Dói, mas ainda não sei onde.
Mac assentiu e passou um braço em volta dela, para ajudá-la até a margem. Depois cuidaria do exame à procura de ferimentos, quando estivessem fora da água. Começou a nadar com braçadas regulares, que denotavam treino.
A margem era alta, e a lama cedia sob seus pés ao saírem da água. Não foi fácil colocá-la em seus braços e carregá-la até o lado da estrada. Fortes tremores sacudiam o corpo delicado, acompanhados pelo som dos dentes batendo. Amaldiçoando a escuridão que o impedia de enxergar se havia algum ferimento grave, Mac depositou-a no cascalho.
— Já volto.
Correu até seu caminhão, com a água pingando da roupa molhada. Encontrou seu telefone celular e discou o número da emergência. Agarrando o paletó leve que atirara no banco do passageiro, deu ao atendente um resumo da situação, pediu uma ambulância e desligou.
A mulher estava deitada na posição fetal quando ele voltou. Suspeitou que se existisse luz suficiente, perceberia que os lábios dela estavam azulados. Ela usava camiseta e calção, e os pés estavam descalços. Encontrava-se no centro de uma poça de água, tremendo.
— Já chamei ajuda — anunciou Mac.
Enrolou-a no casaco, e o pano fino não fez muita diferença; ela mal deu sinal de perceber. Está em choque, pensou, deitando-a de costas e acomodando os joelhos para cima a fim de que as pernas ficassem mais elevadas que a cabeça.
Pouco consciente da própria condição de frio e das roupas encharcadas, ele afastou grossas madeixas de cabelo do rosto pálido. Com os olhos finalmente acostumados à penumbra, pôde distinguir as feições da mulher. A pele era tão branca que parecia porcelana sob o luar. Estimou novamente a idade dela... entre vinte e cinco e vinte e nove anos, mais ou menos. Os cabelos pareciam escuros, mas era difícil saber, naquelas circunstâncias.
— Qual é seu nome?
— Sharon. Sharon Henderson — respondeu ela. A voz estava fraca, mas havia coerência.
— Sou Mac Cordero.
Ela retirou a mão direita e estendeu-a, na direção dele.
— Muito obrigada.
Mac acomodou os dedos gelados entre os seus maiores e mais quentes. Seus olhares se encontraram. Os olhos da moça refletiam o luar. Sabia que o próprio rosto estava no escuro. Ela devia enxergá-lo como uma sombra, por isso ele sorriu.
A mulher estremeceu e Mac apertou-lhe a mão. Sentiu como se algo tivesse passado entre os dois naquele contato... calor, emoção, alguma coisa. Era provável que estivesse reagindo ao tom dramático que a noite assumira de repente. Queixara-se de monotonia havia pouco, mas não esperara algo como aquilo.
Um jipe escuro com uma luz girando na capota subiu a colina e parou do outro lado da estrada. O motorista desceu e caminhou com rapidez até eles, ajoelhando-se ao lado da mulher.
— Sharon? Está ferida? — perguntou o homem, reconhecendo-a imediatamente.
— Acho que não — disse ela, sem muita convicção.
— A ambulância está a caminho, pode contar o que aconteceu?
— Eu estava saindo da casa de Tressie depois do jantar. Depois, veio aquela caminhonete... saiu da estrada lateral, no alto da colina, bem na minha direção. Consegui desviar, mas me tirou da estrada... quase como se fosse intencional.
— Vi a caminhonete — acrescentou Mac. — Não chegou a brecar nem diminuir.
O homem olhou para ele.
— Delegado Wade Davenport, do Departamento de Polícia de Honória — apresentou-se ele.
— Mac Cordero. Eu estava com minha caminhonete, atrás do carro da Srta. Henderson e vi o acidente.
— A julgar pela aparência de vocês, suponho que o carro de Sharon tenha caído no rio das Cobras?
Mac não gostou do nome. Detestava cobras. Mesmo assim, ainda que a superfície estivesse coalhada de cobras, teria saltado para fazer o salvamento. Anos de treinamento e prática haviam começado a dominar suas reações no instante em que percebera a emergência. Era possível tirar o uniforme de policial, mas era muito mais difícil quebrar os velhos hábitos.
— Meu carro... fiz este mês o último pagamento — lamentou ela, olhando para o rio.
Davenport vibrou-lhe uns tapinhas no ombro.
— É melhor não se preocupar com esse tipo de coisa agora, está bem? Tudo se resolve.
Uma sirene quebrou o silêncio pacífico da noite. Davenport olhou na direção do som, depois voltou à atenção para o casal encharcado à sua frente.
— Você disse que a caminhonete saiu da estrada logo depois do alto da colina?
— Foi. Nem ao menos diminuiu para ver se havia algum outro veículo na pista.
— Aquela é a casa dos Porter. Eles saíram de férias há três dias.
— Acha que a perua estava lá para roubar? — indagou Sharon, chocada.
O chefe de polícia olhou para Mac, que já chegara àquela conclusão, depois voltou a sua atenção a moça.
— Vou verificar isso assim que providenciar auxílio. Suponho que nenhum dos dois teve tempo de ver a placa da caminhonete, teve?
— Não — respondeu Mac. — Achei que era mais importante ver se alguém tinha ficado preso embaixo da água.
— Fez a escolha certa. Mais tarde, gostaria de fazer algumas perguntas, Sr. Cordero. Se não se importa.
— Posso dizer tudo o que vi. Mas acho que não foi muita coisa. Aconteceu muito rápido.
Dois paramédicos uniformizados, um homem e uma mulher, aproximaram-se com rapidez. Só então Mac percebeu que ainda estava segurando a mão de Sharon. Ela se agarrara a Mac como se ele fosse sua única segurança naquelas águas turvas e desconhecidas. Foi necessário separar delicadamente os dedos para que pudessem ser atendidos.
Quando se ajoelhara ao lado dela não sentira frio. Recuando naquele momento, sentiu as roupas como um cobertor gelado. Enfiou as mãos nos bolsos, fazendo uma careta ao sentir a temperatura mais fria. Felizmente a carteira ficara no caminhão, e seu único pertence arruinado fora um bom cinto de couro. Os sapatos haviam ficado à beira d'água. Foi apanhá-los assim que a ambulância partiu.
Wade Davenport acabara de usar o rádio em seu jipe, enquanto Sharon entrava na ambulância.
— Prometo ir até o hospital assim que acabar por aqui — prometeu o xerife, enquanto as portas traseiras eram fechadas.
— Está bem — respondeu ela, ainda olhando para Mac.
— Sr. Cordero?
Ele aproximou-se.
— Pois não?
— Obrigada.
— De nada — respondeu ele, surpreso com o fato de Sharon ter se lembrado de lhe agradecer.
Observou-a até que as portas do veículo se fechassem. Só depois da partida da ambulância é que Mac se voltou para o delegado, disposto a responder às perguntas.
Os músculos doloridos se encolheram quando Sharon acomodou-se na cadeira, no domingo à noite, provocando uma careta de dor. Imediatamente arrependeu-se de fazer isso quando o homem do outro lado da mesa no restaurante franziu as sobrancelhas.
— Tem certeza de que está bem?
Como era pelo menos a vigésima vez que ele fazia a mesma pergunta, Sharon precisou utilizar boa dose de paciência.
— Estou ótima, Jerry. O médico disse que eu ficaria um pouco dolorida.
Jerry Whitaker não pareceu se dar por satisfeito. Estava convencido de que os ferimentos do acidente de sexta-feira à noite eram piores do que os arranhões e hematomas leves que ela relatou.
Jerry passara o final de semana fora da cidade e quando voltou, naquela tarde, as novidades sobre o acidente já se haviam espalhado pela cidade com a velocidade de uma bola de metal numa máquina de pinball. Em Honória, era assim que as coisas aconteciam. Sharon, que sempre morara lá, já aprendera a descontar o que escutava, mas Jerry se importava bastante com os mexericos da cidade.
— Me conte mais sobre sua viagem — disse ela, numa tentativa de mudar de assunto. — Como estava o tempo em Charleston?
— Ótimo. Já falou com o delegado Davenport desde que telefonei hoje à tarde? Algum resultado nas investigações sobre o roubo nos Porter? Alguma pista sobre a caminhonete que tirou você da estrada?
Sharon baixou os olhos para o prato.
— Nada. É como se a caminhonete tivesse desaparecido da face da terra. Se o Sr. Cordero não a tivesse visto, eu mesma ia achar que tinha imaginado tudo.
As rugas na testa de Jerry se aprofundaram.
— Claro. Cordero, o Herói. É assim que o estão chamando pela cidade, sabia?
— Está brincando... Que mau gosto das pessoas — reclamou ela.
— Por acaso você já escutou algumas histórias sobre o que aconteceu na sexta-feira à noite? Mildred Scott me contou que você tinha se afogado e Cordero trouxe você de volta com respiração boca-a-boca. Clark Pôster contou que você ficou presa no carro, e Cordero precisou mergulhar e quebrar uma janela para tirar você, quase se afogando também. E então existe a versão de Glória Capps que você se cortou no vidro quebrado, e Cordero salvou você fazendo um torniquete com a própria gravata.
— Isso é ridículo. Ele nem estava usando gravata — protestou ela. — Além do mais, eu já estava fora do carro quando o Sr. Cordero me viu. Tenho certeza de que poderia ter conseguido chegar à margem sem a ajuda dele.
Ela não queria parecer ingrata pela ajuda de Mac, mas não gostou de fazer o papel de vítima indefesa nas versões com os mais improváveis cenários. Havia muito tempo que tomava conta de si e da sua família. Não era fácil deixar os outros encarregados de tudo, ainda que por pouco tempo.
— Claro que você teria conseguido sozinha — disse Jerry. Sharon não sabia se a atitude dele era em apoio a ela ou por despeito que Mac Cordero se tivesse tornado um herói romantizado em Honória.
Jerry vivera ali a sua vida inteira. Assumira o escritório de venda de seguros do pai havia alguns anos, mas um vendedor de seguros raramente era representado como herói ou audaz, termos aplicados para descrever Cordero nas numerosas versões do acidente de Sharon.
Estivera saindo com Jerry, quase casualmente, havia três ou quatro meses. Partilhavam vários interesses e haviam passado horas agradáveis juntos. Desde o início, ela soubera que o relacionamento deles acontecera mais devido às circunstâncias do que ao amor. Não existiam muitos solteiros em Honória. Ela não procurava romance, mas companhia ocasional, o que Jerry fornecia sem fazer muitas exigências.
— Não entendo na verdade porque todo esse carnaval em torno desse sujeito — afirmou ele, cortando o bife com irritação. — Ele é um empreiteiro, pelo amor de Deus. Nem mesmo particularmente esperto, se acha que vai conseguir algum lucro com a casa dos Garret.
— Ouvi dizer que ele se especializou em restaurar casas antigas. Deve ter experiência para saber se vale a pena ou não reformar a casa dos Garret.
Jerry balançava a cabeça, em atitude de teimosia.
— Aquela ruína vai precisar uma pequena fortuna para torná-la habitável outra vez. Deveria ter sido condenada muitos anos atrás. O local não é ruim, mesmo que não seja perto do campo de golfe, como as casas melhores e mais novas. Teria de ser demolida e erguida de novo, é o que eu faria. Talvez até lotear. Fica num terreno enorme, suficiente para construir outras casas e pagar todo o investimento inicial.
Exatamente o que Honória precisava, pensou Sharon. Mais um loteamento cheio de construções baratas, casas práticas e funcionais em áreas pequenas demais.
— Algumas pessoas apreciam velhos prédios históricos — disse ela. — A casa dos Garret era praticamente uma mansão quando foi construída no começo do século vinte. Deve ter sido bonita.
— Pode ser que sim, naquela época, mas agora é só velha. Nunca entendi o que as pessoas enxergam em construções velhas como essa, quando podem ter outras, novas em folha.
Ela não se surpreendia com a atitude de Jerry, que gostava de coisas novas e espalhafatosas. Trocava de carro todos os anos quando o modelo novo saía, sempre estava atualizando seus computadores e equipamentos eletrônicos. O passado não possuía atração para ele. Seus olhos se voltavam apenas para o futuro. Sharon não via necessidade de lembrar-lhe que tinha um fraco por coisas antigas. Era algo que ele não entenderia.
Os pensamentos de Jerry ainda estavam voltados para Mac Cordero.
— O sujeito é só um empreiteiro. — Não sei por que tantas pessoas na cidade querem torná-lo outra coisa! Os rumores sobre ele são absurdos. Por que não podem aceitar que ele seja exatamente quem disse que é?
A especulação mais suave apresentava Cordero como um milionário excêntrico que adorava casas antigas para fazer seus próprios esconderijos e passagens secretas. Alguns afirmavam que ele era agente de uma estrela de Hollywood, que queria um refúgio ocasional para fugir da imprensa. A historia mais incrível sugeria que ele trabalhava para uma família do crime organizado, e preparava a casa dos Garret para um mafioso que precisava sair de Nova York.
— Sabe como os rumores começam aqui? — lembrou Sharon. — Só porque o Sr. Cordero prefere não divulgar informações sobre sua vida pessoal, as pessoas se divertem preenchendo as lacunas com os detalhes mais fantasiosos.
— Então me diga o que você sabe sobre ele — pediu Jerry.
— Não sei nada que você não saiba. Não tive como você sabe muito tempo para conversar sobre assuntos pessoais na ocasião em que o conheci. Tudo o que posso dizer é que ele me pareceu muito competente — disse ela, por falta de uma palavra melhor.
Por mais que odiasse admitir aquilo, mesmo para si, estivera encrencada na sexta-feira à noite. Sim, conseguira sair de seu carro, enquanto ele afundava, por conta própria, mas atingira a superfície abalada e desorientada. Provavelmente teria chegado à margem sozinha, apenas para encontrar a si mesma numa estrada rural raramente usada sem carro ou telefone. Assustada como estivera, havia alguma coisa sobre Mac Cordero que restabelecera sua confiança. Talvez a força dos braços firmes que a apoiaram até que recuperasse o fôlego. Ou a forma direta como sustentara seu olhar quando assegurara que a ajuda estava a caminho. Ou talvez a sensação de apertar a mão dele para recuperar confiança.
Agora ficava embaraçada ao recordar o desespero com o qual se agarrara à mão do estranho que a retirara da água. Naquela hora, simplesmente ficara agradecida por ter alguém em quem segurar-se.
— Você se importaria se a gente falasse sobre outro assunto qualquer agora? — indagou Sharon, pouco confortável com as lembranças. — Parece que o único assunto que se comenta pela cidade há dois dias é esse acidente.
— Claro. Falando nisso, e quanto ao seu carro? Já tiraram da água? Conseguiu recuperar alguma coisa?
Sharon não se incomodou em ocultar seu suspiro. Nada iria distrair Jerry. Deixou de lado os perturbadores pensamentos sobre Mac Cordero e respondeu às perguntas fornecendo tão poucos detalhes quanto possível.
Só podia esperar que alguma coisa acontecesse logo para que a cidade mudasse de assunto.
— Já falei com todos que achei suspeitos, ou que possam ter visto algo suspeito sobre a casa dos Porter, Wade. Espalhei pela cidade que estamos procurando a caminhonete clara que foi vista deixando a cena do crime. Não consegui nada. Aparentemente as duas únicas pessoas que viram o veículo foram Sharon Henderson e esse sujeito. Cordero.
O delegado Davenport ergueu os olhos dos relatórios sobre a mesa para o ajudante magro e desanimado em pé do outro lado da escrivaninha.
— Continue perguntando, Gilbert. Alguém deve ter visto alguma coisa.
— Vou continuar Wade, mas conversei com todo mundo, menos com as galinhas — afirmou o sempre pessimista Gilbert Dodson.
Wade inclinou-se em sua cadeira produzindo vários rangidos e tamborilou os dedos sobre a madeira.
— Nesse caso, siga seu palpite e comece a entrevistar as galinhas.
— Vou trabalhar nisso, chefe — resmungou Gilbert, encolhendo os ombros e saindo da sala.
Wade praguejou quando a porta bateu. Tendia a levar para o lado pessoal quando alguém quebrava a lei em seu território. Tinha havido uma série de arrombamentos cerca de um mês antes, e os culpados não haviam sido encontrados. Agora acontecia outro na casa dos Porter. Entraram e saíram em silêncio e fizeram o serviço com eficiência na mesma caminhonete que quase matara Sharon Henderson.
Os arrombamentos eram interligados. Wade tinha certeza disso, embora não tivesse provas para apoiar seu palpite. Não havia muitos crimes em Honória, e não tinham um arrombamento e furto havia quase cinco anos. Desde que o menino dos O'Brien e seus amigos haviam pensado ser "divertido" começar o próprio grupo criminoso. Agora Kevin O'Brien tinha vinte e três anos de idade e cumprira sua pena. A primeira coisa em que Wade pensou, quando ouviu falar dos furtos, foi verificar o paradeiro de Kevin. Contudo, tanto quanto soubera, daquela vez não havia ligação.
O que significava que tinha outro ladrão operando em sua jurisdição, colocando em perigo seus amigos e suas famílias e vizinhos. Aquilo deixava Wade furioso.
Estreitando os olhos, apanhou o relatório preenchido por Cordero, o "estranho misterioso" sobre o qual toda a cidade comentava. Era interessante notar que os assaltos anteriores ocorreram no período em que Cordero viera comprar a casa velha dos Garret. Agora ocorrera outro, dias depois que Cordero retornara para a realização do projeto. Cordero "por acaso" estivera dirigindo na estrada, ao mesmo tempo em que a casa dos Porter estava sendo roubada. Talvez não existissem ligações ali, mas Wade não acreditava em coincidências.
A esposa de Wade e os meninos viviam naquela cidade. Era seu trabalho protegê-los, assim como aos outros moradores, e garantir segurança a todos. Voltou sua atenção para a ficha de Cordero outra vez, procurando qualquer coisa que lembrasse uma pista.
Não demorou muito para que Mac descobrisse alguma coisa sobre a mulher que retirara do rio das Cobras. Embora não se misturasse com o pessoal da cidade, todos os que encontravam em Honória nos dias que se seguiram pareciam ansiosos para contar algo sobre ela. Achou algumas informações bastante interessantes, mas dois comentários, em particular, despertaram sua atenção. Sharon Henderson era uma decoradora de interiores além de boa amiga da família McBride.
O motel onde estava hospedado não apresentava por acaso uma visão ampla da Firma de Advogada McBride. Das janelas de seu quarto podia enxergar todo o estacionamento. Ouvira dizer que o fundador, Caleb McBride, um residente de Honória agora com seus sessenta anos, recentemente partira para um cruzeiro pelo Caribe com sua esposa, Bobbie. O filho mais velho, Trevor, ficara encarregado do escritório até a volta de Caleb.
Mac observara a corrente incessante de clientes e visitantes que entravam e saíam do prédio durante os últimos cinco dias que passara em Honória. Alguns conseguiram identificar prontamente, tal como a belíssima ruiva esposa de Trevor e os dois filhos, além do irmão mais novo, Trent, a quem Mac encontrara um mês antes no mesmo estacionamento.
Mais tarde, na segunda-feira, Sharon Henderson chegou à firma.
Observando de sua janela, Mac a reconheceu imediatamente, embora não soubesse exatamente como. A mulher atraente e bem vestida que saíra do seda comum não parecia nem um pouco com a órfã molhada e tremendo que ele encontrara na sexta-feira à noite. Os cabelos caíam numa cascata castanha e brilhante até pouco antes dos ombros, e o andar exalava autoconfiança. Quando ela desapareceu no interior do escritório, ele disse a si mesmo que poderia estar enganado. Não havia forma de saber com certeza se a visitante era Sharon. Ainda se conseguisse observá-la mais de perto, porém estava longe demais para distinguir os detalhes.
Bebendo café feito na cafeteira em seu quarto, ainda se encontrava sentado em sua desconfortável cadeira quando a mulher saiu. Embora ele tivesse passado os últimos três quartos de hora se convencendo de que não podia saber se era ela, o sentido familiar de reconhecimento surgiu de novo. Não tinha motivos lógicos para isso, porém estava certo de que Sharon Henderson acabara de passar pela Firma de Advocacia McBride.
Interessante. Ele ouvira dizer que ela era amiga da família, e a visita dela provava que havia também um relacionamento profissional. Imaginou quanto ela conheceria a história real da família McBride... e se partilhava a preferência dos habitantes do município por fofocas.
Talvez fosse hora de fazer-lhe uma visita. Estivera pensando nisso, de qualquer forma, por motivos profissionais. Agora que confirmara a ligação dela com os McBride, tinha motivos pessoais para querer conhecer melhor Sharon Henderson.
— Puxa Sharon, porque não posso ir? Todos os outros vão estar lá.
Sharon fez uma careta enquanto a voz de seu irmão de quinze anos se aproximava perigosamente de um tom agudo. Apertou mais forte o telefone, tentando fazer o mesmo com sua paciência.
— Brad, você não vai a uma festa que não tem nenhum adulto. Sei muito bem que os pais de Mike Riordan estão viajando esse fim de semana, e não aprovo o fato de permitirem que o filho dê uma festa na casa enquanto estão fora. Da forma como vejo, estão pedindo problemas.
— Mas o irmão mais velho de Mike, Joe, vai estar lá para cuidar das coisas. Ele já está na faculdade.
Sharon não pareceu impressionada.
— Ele acabou o primeiro ano de faculdade, portanto deve ter dezessete anos. Desculpe, mas essa não é minha idéia de adulto responsável para cuidar de uma casa cheia de adolescentes. A resposta é não. Podemos sair para ir ao cinema, se você quiser. Ou você pode convidar uns amigos para comer pizza e jogar videogame.
— Todas as pessoas que conheço vão estar na festa. Ninguém vai preferir ficar comigo aqui.
— Duvido que alguém vá a essa festa. Tenho certeza que não serei a única pessoa sensata a achar que é uma má idéia.
— Me deixeeu ir só um pouco, está bem? Se a barra pesar, eu telefono para você ir me buscar.
— Você não vai a uma festa sem um adulto. Isso é definitivo, portanto não adianta discutir mais o assunto — afirmou Sharon, cansada de argumentar.
— Ótimo. Pode arruinar minha vida. — Ela suspirou.
— Ninguém vai arruinar sua vida. Acontece que eu sou responsável por você.
— Se mamãe estivesse aqui, ela deixaria.
O forte da mãe nunca fora a responsabilidade.
— Acontece que ela não está aqui. Enquanto ela não chega, sou a responsável. Você precisa aceitar isso.
Sua resposta foi o silêncio.
— Acho melhor pensar sobre o que quer comer no jantar hoje, está bem? Podemos ir àquele novo restaurante mexicano que você gosta tanto. Que tal?
— Acho que prefiro ficar em casa e assistir televisão — resmungou ele.
— Se é o que você prefere, ótimo. Agora preciso voltar a trabalhar. Vejo você de tarde.
Desligou sem resposta.
Sharon esfregou as têmporas depois de desligar o telefone. Era terça-feira à tarde, um dia pouco movimentado em sua loja de objetos de decoração e deu graças por isso. Sua assistente em tempo integral fora ao dentista e Sharon estava sozinha. Entre seu confronto com seu irmão menor, o rebelde, e os incessantes telefonemas querendo falar sobre o incidente da sexta-feira, um pouco de sossego seria muito bem-vindo.
De costas para a porta da loja, colocou o telefone em seu lugar, atrás do balcão, depois voltou-se para a papelada que examinava quando o irmão ligara. Bateu o cotovelo num grande mostruário de papel de parede, que foi ao chão, do outro lado. Resmungando, ela se ajoelhou para apanhá-lo, enfiando-o embaixo do braço. O que mais poderia acontecer de errado naquele dia?
Naquele instante a mão de um homem apareceu em seu campo visual, oferecendo apoio para que se levantasse. Não escutara ninguém entrando na loja, portanto o fato de não estar sozinha a apanhou completamente desprevenida. Olhou para cima e engoliu em seco quando seu olhar foi capturado por um par de olhos escuros como ônix polido.
Sharon nunca se considerara uma pessoa criativa, mas a imagem que logo lhe veio à cabeça foi a de um gato negro e perigoso. Aquele homem intrigante estava tão deslocado em sua loja quanto... bem, quanto naquela cidade sonolenta.
Não era de se espantar que todos em Honória especulassem sobre ele.
Quase involuntariamente, ela colocou a mão sobre a dele. Houve um choque instantâneo de familiaridade quando os dedos se fecharam sobre os dela, trazendo as lembranças de como se sentira segura quando ele a retirara do rio das Cobras.
— Obrigada, Sr. Cordero — murmurou ela, já em pé.
A sobrancelha esquerda ergueu-se. A voz era a mesma que ecoava no fundo de sua mente desde o acidente.
— Eu... não tinha certeza se iria me reconhecer.
— Acho que não vou esquecer nosso encontro tão cedo. — O sorriso dele não passou de uma repuxada num dos cantos da boca que só o deixou mais atraente, na opinião de Sharon. Ela não conseguiu dar uma boa olhada nele durante o acidente, porque estava escuro, mas agora podia entender porque tantas mulheres falavam dele. Não era sempre que aparecia um homem como aquele na cidade.
"Dois metros de sexo puro", dissera Leslie Anne Cantrell, a namoradeira da cidade. Agora sabia que a outra não havia exagerado. Qualquer mulher normal apreciaria os cabelos de Mac Cordero, os olhos escuros, a pele bronzeada e a constituição atlética.
Não se tratava de um homem que âs mulheres esquecessem com facilidade, não importava como se tivessem conhecido, pensou Sharon.
Percebendo abruptamente que estava em pé olhando para ele, os dedos ainda agarrados à mão forte, soltou-a e enfiou-a no bolso do paletó azul-marinho sobre a blusa estampada e a calça caqui. Embora a expressão nos olhos dele fosse impossível de decifrar, Sharon tinha a sensação de que ele enxergava o interior de seu cérebro.
— Você não sofreu nada com o acidente?
— Não, estou ótima. Alguns arranhões e músculos doloridos, mas foi só, graças a Deus.
— Você teve sorte.
— É verdade — concordou ela.
— Alguma notícia sobre a perua que tirou você da estrada?
— Não. Wade, o chefe de polícia, disse que parece ter desaparecido no ar. Mas se ainda estiver por aqui, ele vai encontrá-la com certeza.
— Você parece confiante.
— Wade leva o trabalho dele muito a sério — afirmou Sharon, sorrindo. — Quando alguém quebra a lei, ele não sossega enquanto não apanha a pessoa.
— Espero que encontre logo — disse Mac.
Pela primeira vez, desde que oferecera a mão a ela, desviou os olhos do rosto de Sharon. Examinou a loja, achando intrigante a aparência geral. Estava cheia de papéis de parede e cantoneiras artísticas, prateleiras de livros com amostras de tecidos e sobre decoração de interiores, além de estantes e mostruários com itens variados para decoração.
— Bonito lugar você tem aqui — comentou ele.
— Obrigada. Comprei há quase dois anos. — Um brilho rápido passou pelos olhos escuros dele.
— Eu sei.
— Sabe? — indagou ela, com uma ponta de curiosidade.
Os lábios dele curvaram-se outra vez naquele meio sorriso sexy que fazia o pulso de Sharon acelerar-se. Isso a distraía e a irritava. Fez um esforço para prestar atenção na conversa em vez de no efeito que aquele sorriso produzia nela. Prometeu a si mesma racionalizar e pensar sobre aquilo.
— Desde que ajudei você a sair da água, todos na cidade querem me falar sobre o acidente e sobre você — disse ele.
— Esta é a minha cidade. Capital mundial da fofoca. O que contaram a você sobre minha pessoa? — quis saber Sharon.
— Que você é uma decoradora talentosa, e esse foi o motivo que me trouxe até aqui.
— Você precisa de uma decoradora? — espantou-se Sharon.
— Preciso. Comprei uma velha casa em estilo vitoriano ao final da estrada Deer Run.
— A casa dos Garret — completou ela. — Como vê as pessoas também andam falando de você.
— Bem, de qualquer forma, estou pensando em reformar a casa. Melhor dizendo, restaurar. Gostaria de colocar a decoração original do período vitoriano, mas sem exagerar. Podemos começar logo, assim haverá tempo para encomendar papel de parede, arandelas e outros itens de decoração que preciso. Está interessada?
Embora ela adorasse a idéia de decorar uma casa histórica, Sharon sentiu necessidade de ser honesta.
— Na verdade não sou decoradora diplomada, Sr. Cordero.
— Pode me chamar de Mac. Fui informado de que você decorou algumas casas e alguns escritórios na cidade. Trent McBride, que está fazendo todo o trabalho de madeira para mim, recomendou você. Ele disse que você está decorando os escritórios do pai e do irmão.
Sharon imaginou se conseguiria ficar à vontade usando o primeiro nome dele. Descobriu-se intimidada por aquele homem, sem saber o motivo. Era difícil imaginar ter um simples relacionamento comercial com ele.
— Faço um pouco de interiores, como trabalho auxiliar da loja. Sempre foi meu interesse, e fiz alguns cursos de decoração. Comecei ajudando amigos, depois outras pessoas começaram a requisitar meus serviços. Mas se você precisar de um decorador mais experiente sugiro que traga alguém de Atlanta.
— Prefiro estimular os negócios locais — afirmou Mac.
Sharon sabia que Cordero contratara os profissionais da cidade para todos os serviços de marcenaria, encanamento e eletricidade. Sabia também que ele exigira uma boa lista de credenciais de todos os que contratara.
— Eu certamente estaria interessada em discutir os detalhes — respondeu ela, apreciando o desafio.
Ele apoiou um braço sobre o balcão, assumindo uma posição que o aproximava de Sharon. O sorriso parecia mais sincero agora, e o trabalho que ele oferecia parecia cada vez melhor, pensou ela, deixando-se levar por devaneios femininos.
— Talvez pudéssemos conversar sobre isso durante o jantar, mais tarde? O restaurante em West Charles não é nada mal.
Ela ficou tentada a aceitar, apenas para discutir o projeto, naturalmente, quando lembrou-se que aquela não era a melhor ocasião do mundo para deixar o irmão sozinho em casa, pois certamente ele escaparia para a festa. Numa outra oportunidade ele voltara para casa escoltado pelo policial Dodson, não pretendia que o fato se repetisse.
— Sinto muito, mas hoje à noite não posso — disse ela, por fim.
Se ele ficou desapontado, não demonstrou.
— Quando seria uma boa ocasião para você? — perguntou Mac.
— Se tiver um par de horas amanhã à tarde, estarei livre.
— Estarei na obra amanhã à tarde, recebendo os trabalhadores. Se quiser me encontrar lá, poderemos conhecer o local. Vai ser bem melhor para você julgar.
Definitivamente intrigada, e confortável com a possibilidade de discutir o projeto na obra e não num restaurante, ela assentiu.
— A que horas?
— Duas horas está bom?
— Estarei lá.
— Então até amanhã — despediu-se ele, caminhando para a porta.
— Sr. Cordero?
— Mac, por favor.
— Eu... queria agradecer por ter me ajudado na noite de sexta-feira.
Ele sorriu de verdade daquela vez, fazendo a respiração dela acelerar-se.
— Não precisa. Vejo você amanhã, Sharon.
Ela não dera permissão para que ele a tratasse pelo primeiro nome, mas não era hora de lembrar isso. Geralmente era a primeira a desistir das formalidades. Naquele caso, porém, um distanciamento maior seria seguro.
Ele abriu a porta e uma loira rechonchuda entrou, quase se chocando com ele.
— Desculpe-me — disse ela, parando a tempo.
— Não faz mal — disse Mac, em tom educado.
Em seguida partiu, deixando as duas mulheres a olhar para a porta fechada.
— Quem era aquele pedaço de homem? — quis saber Tressie Beardem.
Desviando o olhar da porta de vidro, Sharon limpou a garganta e voltou-se para sua empregada:
— Aquele era Mac Cordero.
Os olhos de Tressie arregalaram-se.
— Cordero, o Herói? Uau, ele é ainda mais bonito do que andam dizendo por aí.
— Gostaria que não o chamasse assim — disse Sharon. — É um apelido tão bobo.
— Ei, foi você a donzela em apuros que ele salvou. Sua modéstia não deixa que considere o apelido apropriado.
Embora estivesse tentada a discutir outra vez, Sharon resistiu.
— Como foi sua consulta no médico?
— Ele declarou que sou uma mulher saudável de sangue quente, em minha melhor forma. Portanto, acho que foi esse Mac Cordero que acelerou as batidas do meu coração.
Sharon, que experimentara sensação similar, não discordou da conclusão de Tressie. Aparentemente ambas eram mulheres sadias de sangue quente. Agora era hora de colocar as frivolidades de lado e começar a trabalhar.
— Sobre as arandelas que você encomendou...
— Depois falamos das arandelas, pelo amor de Deus. O que Mac Cordero veio fazer aqui? O que ele disse? O que você respondeu? Conte-me tudo, amiga...
Tressie era participante ativa do batalhão de mexericos da cidade, e grande apreciadora de detalhes sórdidos. Tinha jeito para lidar com as pessoas, mas às vezes Sharon achava a conversa dela difícil de agüentar. Se contasse que Mac lhe oferecera trabalho, as notícias se espalhariam no espaço de uma hora, no máximo. Como ainda não sabia com certeza o que aconteceria, resolveu contar metade da verdade.
— Ele disse que queria ter certeza de que eu me recuperei completamente do incidente de sexta-feira à noite.
— É mesmo? Que simpático.
— Foi sim.
— Descobriu se ele é casado ou algo parecido? — indagou Tressie.
— Não, não descobri. O assunto não surgiu. — Decepcionada, Tressie a encarou.
— Eu teria feito surgir. Por que não perguntou?
— Porque não é da minha conta.
Sharon só podia esperar que a dica fosse percebida.
— Então Porque não telefona e verifica os pedidos das arandelas? Deviam ter chegado dois dias atrás.
Tressie hesitou um instante, relutante em mudar de assunto, mas então assentiu e caminhou na direção do telefone. Por mais que gostasse de fofocar, era uma funcionária esperta e eficiente. Sharon estava grata por ter uma auxiliar como Tressie.
Sentindo-se culpada por não ter contado à outra sobre a oferta de trabalho, Sharon voltou a trabalhar os pensamentos divididos entre seu irmão e o encontro com Mac Cordero.
O homem que acompanhava Mac na cozinha desmontada era jovem. Não mais de vinte e seis anos. Cabelos loiros, olhos azuis com óculos redondos e o corpo mais para magro do que para gordo. Em contraste com os olhos e cabelos escuros de Mac, ele estava consciente de que a diferença não podia ser maior. Ninguém teria adivinhado, olhando para um depois para outro, que tivessem algum parentesco. Apenas Mac sabia disso. Embora ele próprio não soubesse exatamente qual era a ligação.
— Então você quer uma cozinha o mais moderna possível, escondida atrás de armários de época, sólidos e de madeira de lei — disse Trent, olhando ao redor.
A eletricidade ainda não estava funcionando, portanto a única luz vinha das janelas sujas e das duas lanternas que Mac trouxera.
A casa estivera vazia havia anos, e a deterioração era extensa. Tanto que muitos duvidavam da restauração como forma de ganhar dinheiro. Com sua experiência, Mac conhecia o mercado. Já realizara projetos mais ambiciosos, e os resultados foram tanto satisfatórios quanto financeiramente recompensadores. Locais históricos em Atlanta, Savannah, Charleston, Birmingham. Porém, ele não estava preocupado. Viera a Honória mais por motivos pessoais do que profissionais.
Mesmo se lhe custasse cada centavo que ele acumulara nos últimos anos, ainda assim consideraria um dinheiro bem gasto se de fato conseguisse respostas para as questões que o intrigaram durante toda a sua vida.
Mac assentiu.
— Quero todas as conveniências modernas, mas não quero que pareça uma cozinha de restaurante. Gostaria que todas as peças ficassem camufladas, protegidas por armários de madeira.
Trent pareceu aprovar. Mac percebeu que ele observava o grande aposento como se já estivesse terminado, tendo como destaque a grande lareira de pedra.
— Vai sair caro — avisou ele. Mac deu de ombros.
— Qualidade custa caro. Claro, pretendo manter um olho nas despesas, para ver se pago preços justos e não gasto mais do que o necessário.
Trent não parecia preocupado com a perspectiva de controle.
— Vou fazer uma planilha detalhada de custos para você — sugeriu ele. — Se algo inesperado surgir, veremos a melhor maneira de resolver o assunto.
— É assim que gosto de fazer negócios. Não sou do tipo que adora surpresas.
Trent sorriu.
— Eu já tinha percebido isso nas poucas reuniões que nós tivemos.
Mac imaginou como Trent se sentiria sobre surpresas. Poderia lhe dar uma bela surpresa no momento, se quisesse. Mas preferia esperar a hora certa até que tivesse todas as respostas. Então decidiria se e como dar a notícia a Trent.
— Sr. Cordero? — chamou uma voz feminina.
Mac girou na direção do som, perguntando-se porque seu pulso se acelerava ao escutar a voz de Sharon Henderson. Uma decoradora. Isso era tudo o que ela representava para ele. E aquela era sua chance de descobrir o quão íntima ela era da família McBride.
Mac encontrou Sharon esperando pouco além da porta de entrada, que ele deixara aberta. A figura feminina destacava-se enormemente naquele ambiente monocromático e cheio de poeira, pois parecia fresca e colorida, flores brilhantes nas vestes leves. Observava a grande escadaria com expressão pensativa.
— Nunca havia estado aqui antes — ela disse. — Não sabia o que esperar.
Mac resistiu à necessidade de lembrar a ela que apenas estava interessado em seus serviços profissionais e sua amizade com os McBride. Não por ser a primeira mulher que lhe chamava a atenção em meses. Seguindo o olhar dela, observou a escadaria.
— A maior parte dos estragos é só na superfície. Este lugar foi feito para durar, e apesar dos maus-tratos, foi o que aconteceu.
— Vale à pena restaurar tudo?
— Eu não estaria aqui se não achasse que valia a pena — lembrou ele.
Com o mesmo tipo de olhar que Trent dirigira a casa, Sharon observou a grande entrada decorada e o trabalho no piso do que teria sido o saguão.
— Isso deve ter sido muito bonito um dia.
— E vai ser outra vez. Deixe-me mostrar a parte térrea. O segundo andar vai esperar até que os alicerces e pisos sejam verificados.
Ela olhou para cima como se estivesse relutante em perder parte da visita prometida, em seguida voltou-se para segui-lo ao longo do corredor.
Mac levou-a através do saguão, passando pelo único dormitório no andar inferior, depois por um aposento que pode ter sido estúdio ou sala de música e por fim até uma longa sala de jantar. Sem luzes, as salas pareciam ainda mais estragadas do que estavam. A luz do sol conseguia penetrar através das janelas sujas e longas ao final da sala de jantar.
— Vidro despolido e trabalhado — reparou Sharon. — E repare no trabalho que aparece nas cornijas os entalhes. Hoje em dia não se vê mais esse tipo de coisa.
Os comentários dela o agradaram. Ela enxergava o que poderia ser não o que era. Como ele, quando comprara o local.
Sharon aproximou-se da janela para examinar o caixilho.
— O madeiramento está em bom estado na casa inteira? Sem cupins?
— Tem um pouco, mas é mínimo, e bem localizado. Existem alguns lugares onde teremos de reproduzir alguns detalhes, mas é pouca coisa.
Ela se aproximou de uma parede para examinar o papel escurecido que fora uma alegre representação de girassóis, mais indicativo dos anos setenta do que do início do século.
— Aposto que existe pelo menos meia dúzia de camadas nessa parede. Os proprietários costumavam aplicar o papel sobre o que já estava. Se for esse o caso, poderei recriar a decoração original estudando as camadas mais internas.
— Contei seis camadas no dormitório principal. Cinco na cozinha — informou ele, que fizera todo o levantamento antes de comprar o imóvel.
— Os padrões mais antigos estão visíveis ainda?
— Em alguns lugares, sim. Você provavelmente vai querer vê-los, embora eu não esteja interessado numa réplica exata da decoração original. Apenas um visual apropriado para o período.
— As pessoas da cidade sempre se referiram a esse lugar como uma casa vitoriana, mas não é estritamente vitoriana, é? É mais uma combinação de inglês, italiano e até um pouco de influência colonial americana. Uma espécie de coquetel de estilos, feita com muito bom gosto. Deve ter sido espetacular.
A despeito dos protestos sobre não ser decoradora diplomada, ele ficou satisfeito com as observações que ela fizera até ali. Vira exemplos de seu trabalho, tendo visitado locais que ela decorara lojas na cidade, e sabia que ela tinha um sentido de cor e proporção. Agora tinha ainda mais confiança que não cometera um erro ao trazê-la para seu projeto.
Sua amizade com os McBride poderia ser útil para ele mais tarde, mas era a experiência em decoração que o interessava no momento. Pelo menos, foi o que disse a si mesmo, consciente da aparência dela com um suéter azul-claro e calça cinza de caimento fluido, realçando a cintura fina que suas mãos enlaçaram com tanta facilidade.
Lembrou a si mesmo que não tinha tempo para esse tipo de distração no momento. Poderia reparar nos olhos azuis-esverdeados ou na boca deliciosamente carnuda, ou na linha graciosa do pescoço dela. Afinal, tinha um trabalho a fazer, e a casa onde estava era apenas parte dele.
Embora sua voz fosse casual, ele observava Sharon atentamente enquanto se deslocavam para o aposento seguinte.
— Esta é a cozinha — anunciou ele.
O sorriso que iluminou o rosto dela quando deparou com a pessoa que estava lá foi belo e acolhedor. Mac não conseguiu deixar de imaginar como gostaria que um sorriso daqueles fosse dirigido a ele.
— Trent, que bela surpresa — disse ela, com voz ainda mais acolhedora.
Embora Mac tivesse julgado Trent como um tipo sombrio, o sorriso que ele enviou a Sharon exibia seu charme natural com uma ponta de sofrimento. Escutara os rumores locais de que Trent sofrera um acidente quase fatal de avião, que lhe deixara cicatrizes físicas e emocionais. Mac suspeitava enxergar o rapaz que ele fora antes do desastre.
— Oi, Sharon, é bom te ver outra vez — disse ele, beijando-lhe o rosto.
— Eu digo o mesmo. Você está ótimo.
— Você também. Fiquei contente em saber que você não se machucou no acidente de sexta-feira à noite.
— Saí com alguns arranhões leves. Tive sorte — disse ela. — Como vão os planos de casamento?
Um brilho de satisfação aqueceu os olhos azuis de Trent.
— Tudo conforme o esperado. Annie e eu vamos casar no último sábado de agosto.
— Sei que sua mãe está ansiosa para que aconteça outro casamento na família.
— É verdade. Ela adora uma agitação, aliás, qualquer desculpa para reunir a família.
Mac enfiou as mãos nos bolsos.
Sharon e Trent trocaram outras amabilidades e depois a conversa versou sobre o projeto.
— O que achou da casa? — quis saber Trent.
— Tenho uma confissão a fazer. Sempre quis entrar e conhecer o interior desta casa — disse Sharon, fazendo um círculo para estudar com atenção a cozinha e parando na lareira. — É linda, não é?
— Definitivamente tem potencial. Você vai fazer a decoração?
— O Sr. Cordero e eu estamos discutindo essa possibilidade.
Mac estava começando a ficar irritado por ser chamado de senhor, naquele tom de cerimônia, era o oposto do tom que usava ao falar com Trent.
— Mac — lembrou ele, com um sorriso. — Devo presumir que vocês dois se conheçam?
— Acho que pode dizer que sim. Sharon e eu fomos juntos ao baile de formatura.
Sharon ampliou seu sorriso, como quem se lembra de uma época agradável.
— Trent estava no último ano, e eu no primeiro. Ele já fora aceito na Academia da Força Aérea. Fiquei tão impressionada que passei a noite toda olhando para ele e rindo feito boba.
— Não é bem assim que eu lembro — disse Trent. Mac deveria estar contente com o rumo da conversa.
Afinal, eram exatamente essas as informações que viera buscar. Porém, pilhou a si mesmo mudando de assunto.
— Certo... talvez agora fosse bom a gente falar da restauração em si — disse ele, entrando no meio dos dois sem a menor cerimônia. — Tenho aqui uns projetos e plantas...
Sharon e Trent aproximaram-se, um de cada lado, para examinar a luz de lanternas, e Mac teve dificuldade de concentrar-se sentindo o perfume floral que ela usava.
As coisas não estavam saindo exatamente como ele planejara.
Quarenta e cinco minutos mais tarde Trent se foi, explicando que tinha um encontro com sua noiva. Sharon ficou comovida com a devoção que viu nos olhos dele. Por quase um ano depois do acidente, Trent se fechara em sua isolada fazenda e mantiver a os amigos a distância. Durante um ano recebera apenas parentes e Annie Stewart, a governanta que sua mãe contratara à sua revelia. Agora ele e Annie planejavam casar-se, e Trent sorria outra vez. Sharon ficou contente por ele.
Mac limpou a garganta e desviou o olhar da porta por onde Trent desaparecera.
— Baile de formatura, hein? — Ela sorriu.
— Foi. Eu usei um vestido vermelho sem alças, e Trent estava a rigor, com colete vermelho e gravata preta. Eu achei que parecíamos sofisticados e glamourosos. Como estrelas de cinema. Minha mãe ainda tem a fotografia da formatura em cima do piano, com as outras fotos de família — disse ela, percebendo que ele não parecia impressionado. — Até que ponto está pensando em me envolver na restauração?
— Está pensando em aceitar?
— Estou — respondeu Sharon, com certa ansiedade. Alguma coisa na expressão e no tom da voz de Mac fez com que Sharon se perguntasse por que parecia tão contente por ela haver decidido participar da equipe de restauração que ele estava reunindo. Na verdade, pouco a conhecia, e vira apenas alguns exemplos do trabalho que havia realizado. Teriam sido as recomendações tão persuasivas assim?
Mac alegara ser seu hábito utilizar serviço local, e a verdade é que não existiam muitos decoradores profissionais em Honória. Para dizer a verdade, não existia nenhum. Perguntou a si mesma se seria uma coisa inteligente a fazer, envolver-se com aquele homem.
— Tem certeza de que não quer ouvir outra opinião profissional primeiro? — indagou ela.
Mac negou, com um gesto de cabeça.
— Quero você.
Sharon gostaria que ele não tivesse escolhido expressar-se daquela maneira. Algo lhe dizia que aquelas três palavras ecoariam em sua mente por um bom tempo.
— Eu entenderia perfeitamente se você quisesse considerar outro...
— Sharon — interrompeu ele. — Quer o trabalho ou não?
— Quero — disse ela, olhando ao redor.
— Acha que pode fazer um bom trabalho?
— Acho — respondeu ela, visualizando o serviço terminado.
— Então só resta discutir o salário. Já fiz o orçamento para a decoração aqui — informou ele, estendendo uma folha de papel. — Isso inclui sua parte, que está especificada na linha abaixo. Acha satisfatório?
Sharon olhou para os números, piscou um par de vezes e conferiu.
— Acho.
Não conseguiu evitar a lembrança dos rumores que ouvira sobre Mac: que era um milionário excêntrico, ou representava um milionário famoso, ou que trabalhava para alguém importante no crime organizado. O fato é que dinheiro não parecia ser um problema naquele projeto. Seria generosamente recompensada pelo prazer de participar da restauração.
— Gostaria que se envolvesse de perto com o projeto desde o início — disse ele. — Provavelmente reparou que tenho uma maneira peculiar de fazer as coisas. Confesso que não é a mesma usada por outros empreiteiros, mas me serve bem. Monto uma equipe no início e depois envolvo todos no processo de tomar decisões, utilizando a especialidade de cada um em sua área. A decisão final, naturalmente, é minha, mas estou sempre aberto a discussões e sugestões.
— Há quanto tempo vem fazendo isso? Quero dizer, comprando e reformando casas?
— Em tempo integral, há três anos mais ou menos. Antes disso reformei algumas casas pequenas enquanto tinha outro emprego.
— E que emprego era esse?
A intenção de Sharon era conversar e não bisbilhotar, mas ela ficou com a impressão de que ele não gostou muito.
— Tive vários empregos antes desse.
— Certo... Bem, preciso voltar para a loja. Tenho um encontro com um representante de vendas hoje à tarde.
— Eu acompanho você até o carro.
Daquela vez ela conhecia a casa, portanto foi na frente, com Mac seguindo-a de perto. Enquanto caminhava, olhava em volta, tomando dúzias de notas mentais. Gostaria de voltar logo com uma câmera e um bloco de rascunho. Ficou tão envolvida em seu planejamento que se esqueceu de se concentrar por onde andava e Mac foi obrigado a intervir para que ela não tropeçasse sobre uma tábua quebrada. Segurou-lhe o braço.
— Essas tábuas são pesadas. É ainda pior no andar de cima. Uma vez que os carpinteiros comecem, pretendo projetar toda a casa de madeira completamente sólida.
— Eu devia estar prestando atenção por onde eu andava. Acho que estava distraída demais projetando as coisas de cabeça.
— Por mais que eu aprecie sua ansiedade em começar, não iria querer que se machucasse por causa disso.
— Serei mais cuidadosa de agora em diante — prometeu ela, tentando ignorar o calor que sentiu no braço.
— Ótimo.
O rosto de ambos estava a centímetros de distancia um do outro. Os olhos a encaravam com intensidade. Aquele homem decididamente era uma ameaça a seus hormônios. Sharon clareou a garganta, para poder falar com voz firme.
— Mais alguma coisa?
Mac hesitou um instante, depois recuou para que ela passasse. Fez um gesto cortês para que ela continuasse. Sharon tomou cuidado até chegar à porta e sair.
Abriu a porta do carro de aluguel que a companhia de seguros havia providenciado até poder repor o que ficara no fundo do rio das Cobras. Sem saber exatamente o que dizer, ela se voltou para Mac, antes de entrar.
— Vou começar a reunir fotografias e amostras antes de nossa próxima reunião. Gostaria de voltar logo para tirar algumas medidas e fotografias.
— A turma de trabalho começa amanhã, portanto alguém deve estar sempre por aqui. De segunda a sábado. Pode vir quando quiser, mas tenha cuidado ao redor da construção.
— Obrigada, terei. Bem, então nos veremos depois, Sr. Cordero.
— Mac — lembrou ele.
Ela ergueu a sobrancelha, confusa.
— Como assim?
— Gostaria de ouvir você dizer: Vejo você depois, Mac.
— Por quê?
— Vamos dizer que eu não gosto de formalidade no ambiente de trabalho.
— Eu me dou bem com você — mentiu ela.
Usando um sorriso desafiador, ele inclinou-se contra a porta aberta do carro.
— Então por que não consegue dizer meu nome, Sharon?
Ele dissera o dela de um jeito natural. Sharon sentiu um arrepio ao escutar a voz grave. Não era uma forma muito profissional de reagir a um cliente, disse a si mesma.
— Não tenho problema algum para dizer seu nome, Mac. Mas estou atrasada, portanto, se não tiver mais nada, acho melhor ir andando.
— Não, nada mais — disse ele, com um sorriso definitivamente satisfeito ao afastar-se da porta. — Por enquanto. Dirija com cuidado.
Depois de falar, ele girou nos calcanhares e entrou na casa. Nem ao menos olhou por sobre o ombro antes de desaparecer no interior. Sharon suspirou e girou a chave no contato.
Enquanto saía, jurou a si mesma que aquela seria a última vez que ele a transformava numa adolescente tímida.
Quaisquer contatos entre ela e Mac Cordero seriam dali em diante, estritamente comercial embora começasse a conjecturar se Mac tinha alguma outra coisa em mente.
Brad exibia seu melhor comportamento durante o jantar daquela quinta-feira, o que agradou Sharon ao mesmo tempo em que a preocupou. Adorava seu irmão mais novo, mas quando ele começava a representar o papel de "bonzinho", já sabia que teria problemas pela frente.
— Está aproveitando as férias de verão. Brad? — perguntou Jerry Whitaker, que jantava com eles.
Levantando um olhar desanimado do prato de costeletas de porco, arroz e verduras que Sharon preparara, o adolescente afastou o cabelo dos olhos e encarou o namorado da irmã.
— Tudo bem. Pelo menos é melhor do que ir à escola.
— O que está fazendo de bom?
— Jogando beisebol. O treinador Cooper faz treinos toda a tarde. E vou ao clube um par de vezes por semana para as aulas de tênis.
— Parece que você arranjou um atleta na família — comentou Jerry, sorrindo para Sharon.
— É verdade, Brad é muito bom em esportes — respondeu ela, com um sorriso automático.
— O que mais planejou fazer nesse verão, Brad? Ir à piscina com seus amigos? Flertar com as garotas? Parece que tenho uma vaga lembrança de fazer essas coisas quando tinha sua idade.
Brad deu um riso curto, como percebeu que era esperado dele, porém saiu breve demais.
— Sharon não me deixa sair com os amigos. Tem medo que eu me meta em encrencas — reclamou ele.
Jerry dirigiu à namorada um olhar reprovador.
— Isso não é verdade — defendeu-se ela. — Não proíbo Brad de ver os amigos. Simplesmente quero saber onde ele está e a que horas volta para casa.
— E tenho de dizer também quem vai estar comigo, o que vamos fazer e o que vamos comer — completou ele, contando nos dedos à medida que falava.
— Já chega — interrompeu Sharon.
Começava a arrepender-se de ter deixado que ele os acompanhasse ao jantar. Ainda se sentia justificada em tê-lo segurado em casa na segunda-feira à noite, pois a festa acabara com a intervenção do policial Dodson, que mandara todos para casa depois de reclamações de barulho. Surpreendera-se por não encontrar sinais de bebidas alcoólicas entre os convidados menores de idade. Pelo menos os garotos haviam sido espertos.
— Seu irmão já tem quinze anos de idade — dizia Jerry. — Um dia você terá de soltá-lo.
Brad fez cara de inocente.
Sharon ficou irritada com Jerry por censurá-la em frente ao irmão. Sabia que estava fazendo o melhor possível enquanto a mãe viajante estava em férias, num grupo de viúvas que conhecera pela Internet. Não era a primeira vez que Lucy Henderson deixava a casa e o filho aos cuidados de
Sharon, contudo estava ficando cada vez mais difícil, à medida que Brad crescia e se rebelava.
— Coma um pouco mais de verduras, Jerry.
Compreendendo pelo tom a mensagem contida no oferecimento polido, ele riu e estendeu o prato, mudando imediatamente de assunto.
— Ouvi dizer que você vai participar da reforma da casa dos Garret, é verdade?
Demorara quarenta e oito horas para que ele tomasse conhecimento da novidade. Sharon não tinha certeza do motivo pelo qual evitara mencionar o assunto. Geralmente ele demonstrava pouco interesse pelos negócios dela, ao qual se referia como "lojinha de papel de parede".
— Fui contratada como consultora de projetos interiores. Vou ajudar a escolher cores, padrões, texturas e assim por diante. Mac quer a casa completamente pronta para ocupação quando a restauração terminar — informou ela.
— Mac? — repetiu Jerry, erguendo uma sobrancelha.
— Ele não é muito amigo de formalidades. — Engraçado como o nome saíra de repente, provando que já pensava nele assim.
— Não tenho certeza se aprovo esse arranjo. Aparentemente ele é uma figura romântica da cidade. Bonitão, misterioso e rico, segundo dizem. E foi esse mesmo sujeito quem salvou sua vida no outro dia — lembrou Jerry, em tom de brincadeira. — Eu diria que ele está no seu pé.
— Só estou fazendo um trabalho para ele, Jerry. Não saio com ele.
— Fico contente em saber. Por que acha que escolheu você como decoradora? Acha que o orçamento dele é limitado, como dizem os rumores?
— Está me chamando de decoradora barata, Jerry? — indagou ela, consciente de que Brad prestava atenção à conversa.
— Não, Sharon, não foi isso o que eu quis dizer. Mas você precisa admitir que ao menos seja formada em decoração. Escolher papéis de parede e cores sempre foi uma espécie de passatempo para você.
Passatempo? Sharon pensou nas horas que passara estudando, examinando revistas, livros e publicações especializadas. Fizera vários trabalhos em decorações de interiores, até mesmo na recente reforma da agência bancária de Honória, além do projeto da firma dos McBride.
— Ele disse que fui bem apresentada — afirmou ela.
— Tenho certeza de que ele não ficará desapontado com seu trabalho — disse Jerry, tentando agradar.
Será que ele sempre usara esse tom paternal ao falar do trabalho dela, ou aquela noite era uma ocasião especial? Qualquer que fosse o motivo, aquela conversa começava a irritá-la tanto quanto as críticas sobre a forma como tratava seu irmão.
— Vou me certificar de que isso aconteça. Alguém quer sobremesa? Fiz bolo de morango.
Brad e Jerry aceitaram rapidamente a oferta.
Sharon cortava o bolo, sozinha na cozinha, pensando que talvez devesse parar de se encontrar com Jerry por algum tempo. Ela se habituara a sair com ele sem se perguntar muito até onde iria o relacionamento. Não gostara do tom de posse na voz dele quando questionara seu trabalho com Mac. Estaria ele com a impressão de que o relacionamento de ambos exigia exclusividade?
No que lhe dizia respeito, Jerry e ela eram amigos. Não eram amantes. Jerry já mencionara a possibilidade uma ou duas vezes, mas Sharon sempre recusava. Não achava bom exemplo para Brad e não estava pronta para dar esse passo. As duas desculpas eram verdadeiras, porém o motivo real é que não desejava se envolver intimamente com Jerry.
Talvez porque ele nunca lhe tirara o fôlego com um olhar, nem causara um arrepio ao simples toque da mão. Na verdade, Sharon jamais reagira dessa forma a um homem... até encontrar Mac.
O talher que usava para servir o bolo escorregou de sua mão e foi ao chão. O ruído serviu para retirá-la dos devaneios provocados pela imagem do olhar de Mac.
— Tudo certo aí? — quis saber Jerry, da outra sala.
— Tudo.
Imediatamente arrependeu-se do tom usado com Jerry. Não era com ele que estava irritada e sim consigo mesma. Iria ter de controlar-se quando chegasse a vez de Mac Cordero. Precisava lidar com Jerry. Não era justo deixá-lo alimentar ilusões.
Talvez fosse melhor se ela simplesmente se concentrasse em seu irmão e nos negócios, pelo menos nas próximas semanas.
Mac estava em seu quarto de motel naquela quinta-feira à noite, quando alguém bateu à porta. Ele olhou mais uma vez para a fotografia que tinha nas mãos, mostrando uma mulher com um bebê pequeno com os cabelos e olhos de Mac, depois colocou-o de novo na carteira antes de aproximar-se da porta. Respirou fundo, para expulsar os sentimentos de dor e raiva que a fotografia sempre lhe trazia. Só então abriu a porta.
Por hábito, nunca abria a porta sem antes verificar pelo visor. Viu quem era, girou a maçaneta e abriu uma fresta razoável.
— Como vai delegado? Fazendo uma visita social? — cumprimentou ele.
— Parcialmente — disse Wade Davenport. — Se importar se eu entrar?
Mac abriu a porta e afastou-se para dar passagem, indicando as duas cadeiras no canto.
— Eu ofereceria uma bebida, mas tudo o que tenho é meia lata de refrigerante.
Olhando ao redor pelo quarto sóbrio, Wade voltou-se para ele.
— Pretende ficar aqui muito tempo?
Estaria o delegado apenas fazendo um contato amigável ou controlando o estranho na cidade? Mac deu de ombros.
— Tentei encontrar um apartamento para alugar durante o período da restauração. Conversei com o administrador do complexo na West Elm esta tarde, e parece que consegui. Devo me mudar na semana que vem.
Wade caminhou até a janela e olhou para fora.
— A vista não é lá essas coisas. O estacionamento da firma dos McBride. Minha esposa é parente deles. Caleb é tio dela e Trevor é primo.
— Geralmente existe um bocado de ligações numa cidade como essa — observou Mac.
Perguntou-se se o delegado continuaria tão calmo se soubesse que eles dois eram aparentados. Afastando-se da janela, Wade acomodou-se numa das poltronas. Mac sentou-se na outra.
— O que posso fazer pelo senhor, delegado?
— Me chame de Wade. É mais apropriado, entre colegas, não acha?
— Colegas? — repetiu Mac cuidadosamente.
— De um tira para outro.
— O certo seria de um tira para um ex-tira — respondeu Mac, mantendo a calma, apesar da surpresa. — Algum motivo em particular para que tenha feito essa verificação, a meu respeito?
— Se quer saber, você chegou ao mesmo tempo em que uma onda de crimes, coisa rara por aqui. Achei que devia.
— Você é sempre tão meticuloso com as coisas por aqui? — indagou Mac.
— É para isso que me pagam um bom dinheiro.
Mac sabia que os delegados de cidades pequenas ganhavam pouco, por isso riu.
— Cuidado. Se começar a falar sobre um bom dinheiro posso pensar que você ganha por fora.
— Marvella Tucker me traz biscoitos feitos em casa uma vez por mês. Tem noventa anos de idade e gosta de dirigir o carro velho e enorme que tem pelo meio da rua Principal. Ela pensa que não vou multá-la se ela continuar fazendo os biscoitos.
— Ela tem razão?
Wade sorriu e bateu na barriga volumosa.
— O que acha?
— Acho que preciso dar um jeito de entrar na lista de biscoitos da Sra. Tucker.
— Então... o que um ex-policial está fazendo por aqui, a restaurar um velho casarão? Aliás, como foi que escolheu a casa dos Garret?
— Verificando minha história?
— Só conversando — corrigiu Wade. — Estive com o pessoal da polícia de Atlanta. Vivia muito estressado lá com minha família, portanto vim para Honória, onde o ritmo é mais lento e as horas de trabalho são mais curtas. O que o trouxe à Honória?
Mac deu de ombros.
— Minha história é ainda mais curta. Fiquei cansado de trabalhar no esquadrão e resolvi que precisava de uma mudança. Sempre me interessei por casas antigas, portanto foi essa a direção que escolhi. Satisfeito?
— Minha esposa e eu moramos numa casa que o pai dela construiu há mais de quarenta anos. Sempre existe alguma coisa que precisa de manutenção, mas ainda acho melhor do que essas casas novas que parecem descartáveis. Emily diz que a nossa tem personalidade.
— A maior parte das casas antigas tem — concordou Mac.
— Você não chegou a dizer como encontrou a casa dos Garret.
— Vi a fotografia num catálogo. Parecia ter potencial, portanto vim até aqui para verificar. O resto da história você conhece.
A resposta era parcialmente verdadeira, mas próxima o suficiente da verdade para não incomodar muito a consciência de Mac.
— Você tem toda a atenção da cidade, meu amigo. Não há nada que o pessoal daqui goste mais do que ter algum assunto novo para mexericar. Adoram quando chega alguém novo.
— Assim parece.
— São boas pessoas, na maioria. Os mexericos só ocasionalmente se tornam maldosos.
Mac pensou que Wade parecia generoso, se considerasse quantas vezes os mexericos haviam-se voltado contra a família de sua esposa. Não era preciso muito para descobrir que a família McBride era sinônimo de escândalo há várias gerações.
Ninguém, a não ser Mac, sabia que o verdadeiro escândalo estava ainda para ser revelado. Um no qual ele estava intimamente envolvido. Algo que o levava a acreditar que precisava vingar-se... só não sabia ainda a direção exata.
— Mas por que esse falatório todo sobre mim? Qual o fato que o fez começar a me investigar?
Wade deu de ombros.
— O que você teria feito em minha posição? O único estranho na cidade por coincidência está perto da isolada casa dos Porter no momento do roubo. Da última vez que você esteve na cidade, quando veio comprar a casa dos Garret, alguém invadiu o armazém de Joe Baker e levou aparelhos e alguns equipamentos esportivos caros. Tornei uma prática nunca acreditar em coincidências.
Com os olhos semicerrados, Mac estudava o outro homem, sem conseguir ter certeza sobre a motivação dele. Se suspeitava que ele realmente estivesse envolvido por que afirmaria aquilo de forma tão aberta? Estaria o delegado insinuando que o passado de policial o inocentava das suspeitas, ou que as evidências circunstanciais ainda apontavam em sua direção?
— Acho que teria feito o mesmo em sua posição. Mas não sou seu ladrão.
— Isso é o que minha intuição diz.
— Costuma acertar muito seguindo a intuição? — quis saber Mac.
— Cerca de noventa por cento — respondeu o delegado, com um sorriso.
— Margem de erro de dez por cento... nada mal. Sua intuição sabe quem é?
— Infelizmente, não estou chegando a lugar nenhum. Literalmente ainda não consegui uma pista sequer. Só uma sensação de que tenho quatro arrombamentos em relatórios e algo que desconheço está acontecendo em minha cidade. Isso me irrita.
— Vou manter meus olhos abertos. Algumas vezes uma pessoa de fora pode escutar alguma coisa que os moradores não escutariam — ofereceu Mac.
— Especialmente uma pessoa de fora que trabalhou na polícia tantos anos, eu imagino. Apreciaria uma ajuda sua, se algo chamar sua atenção.
Embora não esperasse encontrar-se em posição de desmascarar uma rede criminosa local, Mac concordou.
Wade colocou as mãos nos braços da poltrona e ergueu-se.
— Precisamos trocar impressões qualquer dia desses. Durante o almoço no Café da Cora, por exemplo. Já provou as tortas que ela faz?
— Ainda não.
— Então você vai adorar. Ela faz as melhores que já comi... e olhe que posso ser considerado um especialista em sobremesas — disse Wade, olhando uma última vez para o estacionamento da firma McBride, depois dirigindo-se para a porta. — Vejo você por aí, Mac.
Ainda sem saber o verdadeiro propósito da visita do delegado, Mac observou o carro dele afastar-se. Tinha um pressentimento incômodo de que o delegado Davenport não era um homem fácil de enganar.
— Você devia ter convidado o homem para jantar — comentou Emily McBride Davenport naquela noite, quando o marido mencionou Mac Cordero.
Erguendo os olhos da torre de blocos que estava construindo com sua filha de dois anos, Claire, Wade ergueu a sobrancelha.
— Por que eu faria isso? Nós nem conhecemos o sujeito?
— Ele é novo na cidade, Wade, provavelmente se sente solitário — disse ela, afastando uma mecha de cabelos loiros do rosto.
— Não tenho muita certeza sobre isso. Ele parece um tipo calado e controlado. Provavelmente prefere ficar sozinho. Sabe que ele recusou os convites de todos os moradores bem-intencionados, não sabe?
— A maior parte porque o que queriam era obter informações pessoais sobre ele — redargüiu Emily.
— E não é isso mesmo o que você quer fazer?
— Claro que não — respondeu a esposa, com ares de ofendida. — Não estou interessada nos negócios pessoais dele. Só acho que seria um gesto de boa vizinhança convidá-lo para jantar.
— Não tenho o hábito de trazer estranhos para casa, a menos que eu saiba que ele é companhia adequada para minha família.
— Você gosta dele, Wade. Sei dizer pela forma como fala nele.
Na verdade, gostava mesmo, ainda que não soubesse se confiava ou não nele. Só porque ele pulara no rio para retirar Sharon e havia trabalhado na polícia em Savannah, não queria dizer que o sujeito não pudesse ter outros motivos para estar em Honória.
Sabia que Mac mentira para ele pelo menos uma vez naquela tarde quando dissera que vira a casa dos Garret numa fotografia. A Realtor afirmara que Mac se aproximara dela, perguntando quais as casas disponíveis naquela área. Não viera por ter visto a casa, como afirmara. Na verdade acontecera o oposto. Por que mentir?
Havia um motivo para que Mac viesse a Honória e Wade tinha um palpite de que ainda não escutara toda a história.
Mac resolvera jantar no Café da Cora na sexta-feira à noite. Estivera pensando nas tortas desde que Wade as mencionara no dia anterior. Como era uma bela tarde de primavera, ainda com a luz do sol às seis horas, ele resolveu caminhar o trecho de quinhentos metros do motel até lá.
A parte central de Honória fora vítima da expansão urbana, deixando prédios abandonados e fachadas de madeira. Realizaram um esforço para revitalizar a área, mas o desenvolvimento da parte oeste da cidade cobrara um preço elevado ao centro. Mac estudou os velhos prédios de pedra e pensou na história e tradição abandonadas ali, como em outras tantas cidades pequenas.
Um grupo de adolescentes usando roupas folgadas e na moda demorou-se na calçada, em frente a uma antiga construção transformada em galeria. Mac contou sete rapazes, nenhum deles com mais de dezessete anos, quatro deles portando cigarros. Caras durões, pensou ele, pelo menos em frente aos amigos. Futuros encrenqueiros. Problemas esperando para acontecer. Ele vira rapazes dessa idade e ainda mais jovens portando armas e traficando drogas nas esquinas das ruas em Savannah.
Os meninos lotavam a calçada, bloqueando o caminho de Mac. Ele poderia dar a volta para evitá-los, mas havia um par de carros vindo e não estava com vontade de desviar dos veículos.
— Com licença — disse ele, olhando para o rapaz que parecia ser menos agressivo.
O jovem começou a mover-se, mas dois de seus companheiros aproximaram-se, as expressões desafiadoras. Estavam entediados, pensou Mac, com sede de excitação mesmo negativa. Se dependesse dele, todos estariam manipulando vassouras, fazendo hambúrgueres e apanhando lixo, se necessário.
Sem falar, os rapazes observavam sua reação. Um deles, o mais alto e provavelmente o mais velho, tragou seu cigarro e soprou a fumaça no rosto de Mac. Ele estreitou os olhos. Ainda encarando o primeiro rapaz, ele se aproximou. Manteve a voz bem baixa.
— Talvez não tenha me escutado. Pedi licença para passar.
O rapaz engoliu em seco e alterou o peso do corpo de uma perna para outra.
— Vamos, lá, Brad não seja covarde. Nós chegamos aqui primeiro. Faça ele dar a volta.
Mais uma vez Mac manteve sua voz excepcionalmente baixa, uma técnica de intimidação que aperfeiçoara ao longo dos anos.
— E só dar um passo de lado, e vou embora.
— Não deixe ele ameaçar você, Brad!
— Cale a boca, Jimbo — respondeu Brad, sem desviar os olhos de Mac.
— É melhor não começar nada que não possa terminar rapaz — aconselhou Mac, sem desviar o olhar.
Não conseguia deixar de pensar que o rapaz lhe parecia familiar. Alguma coisa nos olhos amplos e azul-esverdeados lembrou a Mac Sharon Henderson.
As bochechas ardendo de ressentimento e embaraço, Brad afastou-se. Mac continuou andando no mesmo passo de antes, sem se incomodar em olhar por sobre o ombro para a turma de rapazes. Escutou alguns garotos censurando Brad por recuar, e um outro fez algum comentário pouco elogioso sobre a descendência latina dele, porém fingiu não ter escutado e eles não provocaram mais.
Não eram tão durões quanto fingiam. O que não significava que fossem inócuos, se alguém não os controlasse logo podiam tornar-se perigosos, pensou Mac, abrindo a porta do Café da Cora.
Um capacete enorme pendendo de um dos lados da cabeça, Sharon observava o visor de sua câmera no sábado à tarde. Ignorando o som das marteladas no andar de cima, ela enquadrava a janela de chumbo e vidro na sala de jantar da casa dos Garret. Bateu a fotografia, depois baixou a câmera, imaginando se deveria tentar outro ângulo.
Atrás dela, alguém ajeitou-lhe o capacete na cabeça. Sharon sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo, e não precisou escutar a voz para saber que era Mac.
— Isto precisa ficar bem apertado.
Sem saber qual seria a expressão dele, Sharon manteve o olhar no visor como desculpa para evitar encará-lo.
— Encontrei na entrada da casa, numa caixa. Só tinha este.
— Nesse caso acho que vou precisar arrumar um menor só para você. Este não vai proteger muito se cair alguma coisa pesada em cima da sua cabeça.
Como que para ilustrar as palavras dele, ouviram um estrondo no andar de cima, seguido por uma imprecação abafada. Sharon olhou para o teto manchado e sorriu.
— Aceito a sugestão.
— Há quanto tempo está aqui? — quis saber ele.
— Cerca de uma hora. Já tirei fotos da cozinha e do saguão. Estava terminando a sala de jantar.
— O que mais precisa?
— Eu ia tirar algumas fotos do dormitório aqui do andar de baixo. Acho que ainda não posso subir, posso?
— Hoje, não. Os operários estão lá, consertando o assoalho e tapando buracos. Tenho razoável certeza de que a estrutura está boa, mas não quero você andando por aqui até que eu tenha certeza absoluta.
— E quando vai ser?
— Vão terminar durante a tarde ou à noite. Até agora não encontraram problemas.
Embora Sharon compreendesse perfeitamente a posição dele, como proprietário, sendo o responsável por qualquer tipo de acidente na casa, estava impaciente para conhecer o andar superior.
— Eu teria muito cuidado — afirmou ela, esperançosa.
— Da próxima vez — respondeu Mac, sorrindo, mas irredutível.
— Alguém já disse a você que pode ser mandão, às vezes?
— É que por aqui, sou eu quem mando. Sou o patrão, lembra-se?
— Então vou fazer só o andar de baixo... patrão. Dirigiu-se ao quarto, acompanhada de perto por Mac.
— Você já teve algumas idéias? — quis saber ele. Infelizmente as únicas idéias que tinha no momento, entrando com Mac no quarto, não estavam relacionadas com decoração. Não se importava com o fato de não passar de uma sala antiga, sombria e com teias de aranha, com uma das janelas quebradas, por onde entrava uma brisa quente. Não havia nenhum móvel, mas ainda assim era um quarto, onde ela e Mac estavam sozinhos.
— Algumas...
— O arquiteto recomendou retirar a lareira e substituir por uma porta que leve ao jardim — murmurou ele, próximo ao ouvido dela.
Grata por uma oportunidade para afastar-se da tentação, Sharon aproximou-se da lareira de pedra, estudando-a.
— Traria mais luz para a casa, sem dúvida, além de um acesso mais fácil ao exterior... mas eu não faria isso — opinou ela.
— Você manteria a lareira?
Ela voltou-se para observar o centro do aposento, imaginando uma cama grande de ferro, pintada de branco e cheia de travesseiros empilhados. Uma cadeira de balanço no canto, um baú com um vaso de flores frescas... e um belo fogo queimando na lareira. Duas pessoas na cama. Recusava-se a imaginar as feições.
— Com certeza.
— Eu já havia decidido fazer isso — afirmou ele. — Vou transformar a pequena janela no canto oeste em uma porta de vidro que leve ao exterior. Isso deve aumentar a luz natural do aposento durante o dia, e assim não preciso sacrificar a lareira.
— Fico contente. É uma bela lareira — opinou ela, passando a mão sobre a grossa tábua de carvalho. — Sempre desejei ter uma lareira no quarto.
— Você é do tipo romântico?
— Na verdade, não. Considero-me mais do tipo prático. Um fogo é uma ótima forma de espantar o frio nas manhãs de inverno.
A expressão dele informava que não acreditara na autodescrição que ela fizera.
— Quer jantar comigo hoje à noite? — convidou ele.
— Quer conversar sobre as idéias que tenho para a decoração? Acredito que ainda não estejam definidas o suficiente para...
— Isso não tem nada a ver com negócios — afirmou Mac, sem desviar os olhos dela.
Ele a convidava para sair. Ela não saíra com ninguém, a não ser Jerry, durante os últimos meses... geralmente por falta de interesse nas pessoas que a convidaram durante esse período.
Não podia dizer que não tinha interesse por Mac; na verdade, seu problema era o oposto. Talvez estivesse interessada demais em Mac, e era estranho que esse motivo a fizesse hesitar em aceitar o convite. Porém Sharon sempre se considerara boa avaliadora de pessoas. Algo lhe dizia que ele não era exatamente o que parecia.
Não que estivesse com medo dele, nem mesmo falta de confiança, mas definitivamente estava prevenida contra aquele homem. Deveria seguir o inegável impulso de atração em relação a ele, ou escutar os próprios instintos e evitar mais complicações em sua vida?
A sobrancelha esquerda dele ergueu-se.
— Não foi uma pergunta muito difícil, foi?
— Você não é membro de nenhuma organização criminosa, é? — quis saber Sharon.
— Como?
— Segundo um dos boatos locais, você é um milionário excêntrico, um testa-de-ferro para alguém muito famoso no cinema, ou então pertence a uma família do crime organizado. As primeiras duas possibilidades não me assustam, mas confesso que a terceira me preocupa um pouco.
A gargalhada dele foi sincera e contagiosa.
— Meu Deus, não sou mafioso, nem criminoso de nenhum tipo. Trabalho para mim mesmo. Quanto a essa história de milionário... sinto muito, mas não passo nem perto.
Lembrando-se da pergunta de Tressie, Sharon não perdeu a oportunidade:
— É casado?
— Não. Sou solteiro, direito e sem compromissos. Mais alguma pergunta indiscreta que queira me fazer?
— Provavelmente não escutei todas as versões — confessou ela. — Essas são só as histórias que chegaram até a minha loja.
— Sempre leva os mexericos tão a sério?
— Dificilmente.
— Existe alguém que pudesse objetar quanto a você sair comigo para jantar? — quis saber Mac.
Ela pensou em Jerry, mas balançou a cabeça.
— Não estou saindo com ninguém em especial, se é o que está perguntando.
— Então...
Seria uma noite tão boa quanto qualquer outra para sair. Brad iria passar a noite acampado com o time de beisebol, acompanhados pelo treinador e por vários pais. Tendo dado uma desculpa para Jerry depois de sua recente decisão de se afastar dele por algum tempo, Sharon tinha a noite livre. Havia planejado uma olhada no material de decoração e tomar notas preliminares sobre o que encontrasse de bom para o projeto. Em vez disso, porém, Sharon ouviu a própria voz respondendo:
— Está combinado. A que horas?
A única reação dele foi um gesto breve de cabeça, como se nunca tivesse duvidado de que ela aceitaria o convite.
— As sete está bom? Passo para apanhar você.
Sharon pensou nos inevitáveis comentários pela cidade que um jantar na companhia dele provocaria. Os mexericos iriam arder. Perguntas. Não estava acostumada sequer com a idéia de ser o centro das fofocas. Sempre fora um tipo quieto e responsável. Todos conheciam sua mãe como uma cabeça fresca depois da morte do marido, treze anos antes, e que seu irmão possuía uma tendência a andar com as amizades erradas, mas nunca haviam atraído o tipo de interesse que os McBride e algumas outras famílias de Honória despertavam.
— Eu poderia cozinhar — sugeriu ela, imaginando outra alternativa para não ser vista em público com Mac. — Você provavelmente já se cansou de comida de restaurante por aqui. Talvez preferisse comida feita em casa?
— Eu gostaria muito de uma refeição feita em casa. Comer em restaurantes fica cansativo depois de algum tempo — concordou ele.
Sharon assentiu, esperando não lamentar o convite impulsivo. Mal acreditara ter convidado Mac Cordero para jantar em sua casa.
Uma coisa da qual estava certa, no entanto, era que aquele seria o único quarto no qual ficariam sozinhos naquele dia.
Mac estava satisfeito ao estacionar o carro na garagem de Sharon, no sábado à noite. Teria ficado satisfeito em comer ao lado dela em qualquer restaurante lotado da cidade. Jantar na casa dela, onde poderiam conversar em particular e sem ser interrompidos, era ainda melhor do que imaginara.
Esperava aproveitar a noite. Só teria de tomar cuidado para não despertar as suspeitas dela com as questões que pretendia fazer.
Imaginou se ela seria boa cozinheira. Fazia meses que não comia uma refeição que não tivesse sido preparada num restaurante. Embora fosse obrigado a admitir que o prato especial no Café da Cora estivesse bem perto de uma refeição caseira... e Wade não exagerara na qualidade de suas tortas.
A casa de Sharon era em estilo rancho, feita de tijolos, num bairro de classe média. Do tipo que Mac geralmente desdenhava, mas presumia que fora escolhido mais pela disponibilidade financeira do que pelo gosto. Sharon abriu a porta no momento em que seus dedos tocaram a campainha. Provavelmente o estivera esperando.
— Não sabia o que você ia servir — disse ele, erguendo a garrafa de vinho branco. — Trouxe algo para a gente tomar.
Ela apanhou a garrafa sem encará-lo nos olhos nem tocar nos dedos dele.
— Obrigada. É perfeito. Vamos comer carne assada com batatas. Espero que esteja com fome — disse ela, fechando a porta atrás deles. — Só estou dando os últimos retoques no jantar. É capaz de chover daqui a pouco, não acha? O homem do tempo disse alguma coisa em torno de setenta por cento de probabilidade de chuva. Claro, precisamos da chuva, mas espero que não arruíne o acampamento do meu irmão com os amigos do time de beisebol. Se quiser se lavar antes do jantar, pode...
— Sharon — interrompeu Mac, sorrindo. — Calma... — Ela parou, depois sorriu.
— Eu estava falando sem parar, não estava? Desculpe-me.
A conversa não evitara que Mac reparasse em como ela estava bonita, vestida com uma simples blusa amarela de algodão e saia bege de brim. O efeito das cores claras era realçar os cabelos castanhos e a pele macia. Mac considerou a possibilidade de dizer-lhe quão bonita estava, mas ficou com medo de "abrir a torneirinha" de palavras outra vez. Olhou ao redor, admirando a ousadia das cores e texturas.
— Bela sala.
— Obrigada. Sente-se, por favor — convidou ela. — Quer beber alguma coisa antes do jantar?
— Não, obrigado — respondeu Mac, acomodando-se no sofá.
— Vou colocar o vinho na geladeira e dar uma olhada no jantar. Já volto.
Quando ela retornou, pouco tempo depois, Mac ainda examinava a sala.
Sharon acomodou-se numa poltrona de costas retas, em padrão de listras vermelhas, douradas e verdes.
— Na verdade é a casa de minha mãe, mas ela me deixou fazer a decoração. Mamãe está passando o verão na Europa e eu fiquei aqui, para cuidar do meu irmão mais novo. Depois disso, pretendo me mudar para um apartamento próprio.
— Você disse que seu irmão está acampando?
— Está. O time de beisebol está promovendo um acampamento tipo pai-e-filho. Sempre senti pena dele quando eventos como esse acontecem. Nosso pai morreu quando meu irmão era pequeno, mas eles o encorajaram a ir assim mesmo. Nessas ocasiões ele fica mais consciente de não ter pai. Não é fácil...
Não devia ser mesmo, pensou Mac, lembrando-se dos acampamentos que fizera na juventude. Jamais tivera um pai para levá-lo. Imaginou se o irmão de Sharon ficara amargo e ressentido como ele. Perguntou-se se a mãe e a irmã fariam o possível para compensar essa perda. A própria mãe não o deixara esvair-se em lamúrias. Ainda gostava dela por causa disso.
— Que idade tem seu irmão?
— Quinze — respondeu ela, percebendo que ele estava surpreso. — Ele é quase onze anos mais novo do que eu. Meus pais já haviam desistido de ter um segundo filho, e ficaram surpresos quando apareceu Brad.
Brad. Mac lembrou-se do rapaz na calçada, imaginando se poderia ser o mesmo. Se assim fosse, Sharon teria suas mãos ocupadas. A turma com a qual o menino andava parecia procurar encrenca como atividade principal.
— Seu irmão não se importa de ter uma irmã mais velha como babá?
O sorriso dela foi expressivo.
— Temos nossas diferenças, mas geralmente nos damos bem. Seria mais fácil, claro, se ele estivesse em aulas, assim eu não teria de me preocupar em arrumar coisas para mantê-lo ocupado o dia inteiro.
— Ele não arranjou um emprego de verão?
— Não. Está envolvido em vários esportes e ainda não tem idade para tirar habilitação de motorista, portanto não seria bom arranjar um emprego agora. Ofereci para que ele trabalhasse em minha loja durante o verão, mas ele achou que não ia gostar. Não quis forçar e estragar as férias dele e a minha clientela.
Na opinião de Mac a escola deveria funcionar o ano inteiro, com intervalo suficiente no final de ano para organizar outro ciclo. Como essa idéia não era aplicada, acreditava que todos os adolescentes deveriam arranjar empregos de verão para evitar problemas e dar uma visão de ética de trabalho. Afinal, antigamente ninguém sentava o dia inteiro para assistir televisão nem jogar videogames, nem ficava parado nas esquinas provocando forasteiros. Mac tivera seu primeiro emprego aos doze anos.
Não era o trabalho honesto que causava o tédio, mas a falta de algo produtivo para fazer. Ainda assim, Mac aprendera havia muito que o melhor era guardar esse tipo de opinião para si, quando se tratava de educação de filhos nesse caso, de irmãos menores.
Depois de um instante de silêncio, Sharon levantou-se.
— O jantar ficará pronto em alguns minutos. Fique à vontade. Tem certeza de que não quer beber nada?
— Não, obrigado. Só quero lavar as mãos.
— Certo. Segunda porta à direita.
Mac voltou pouco depois. Sua atenção foi atraída para um grupo de fotografias emolduradas, sobre um velho piano num dos cantos da casa. Um estudo rápido confirmou que o irmão era mesmo o rapaz que Mac encontrara na calçada. Não era um bom começo. O irmão de Sharon já o odiava.
A fotografia que chamou sua atenção estava na fileira de trás. Uma jovem Sharon, corada, estava ao lado de um adolescente que poderia ter sido confundido com o irmão mais jovem de Trent McBride, se ele não soubesse que se tratava do próprio. O rosto dele ostentava um belo sorriso, e o braço encontrava-se ao redor da cintura de Sharon. Formavam um belo casal.
Voltou ao sofá para que ela não o apanhasse a bisbilhotar, mas a imagem de Sharon e Trent ainda permanecia clara em sua mente. Permitira que ele vislumbrasse a história que se passara entre ambos, ainda que fosse apenas uma amizade inocente.
Ela aproximou-se, mais velha do que a moça na fotografia e com o mesmo sorriso tímido.
— O jantar está na mesa.
Mac a seguiu para a sala de jantar, incapaz de resistir ao balanço gracioso dos quadris no andar dela. Só porque esperava obter informações dela não significava que ele não podia apreciar uma noite com uma mulher atraente.
— O cheiro está ótimo — comentou Mac, acomodando-se à bela mesa posta por Sharon.
— Espero que goste. Esqueci de perguntar do que você mais gostava quando o convidei para jantar.
— Quando se trata de comida, existe muito pouca coisa que eu não goste — confessou ele, apanhando o guardanapo. — A não ser sushi. Nunca consegui comer peixe cru.
— Eu nunca experimentei. Restaurantes desse tipo não são muito comuns por aqui. Mas gosto muito de frutos do mar.
— Peixe cru não é comigo, mesmo. Se quer saber, meu prato preferido é carne com batatas.
— Que bom então. Parece que adivinhei.
— Com certeza — respondeu ele, colocando na boca uma garfada de batata macia.
O tom de sinceridade e a evidente apreciação a deixaram mais à vontade.
— É bom cozinhar para alguém que aprecia meus esforços. Brad prefere pedir pizza ou hambúrgueres do que comer comida caseira com verdura e legumes.
— Ele vai superar essa fase.
— Espero que sim. É uma briga para conseguir que ele coma direito.
— Sua mãe cozinha bem?
— Quando ela presta atenção ao que está fazendo, sim. Minha mãe é um pouco desligada. Uma artista. Já colocou pimenta no pudim e açúcar nos ovos mexidos. Chegou a misturar café nos cereais de Brad, uma vez.
— Ela parece... interessante.
— Brad adora provocá-la. Diz que quando nossa mãe ficar senil, não vamos ter jeito de saber.
Mac riu e comeu mais um pouco de aspargos frescos na manteiga.
— Você disse que ela é artista?
— Isso. Dá aulas de arte no curso ginasial.
Parecia uma boa oportunidade para mencionar os McBride.
— Trent mencionou que tanto a mãe dele quanto a cunhada eram professoras. Suponho que sua mãe as conheça.
— Aqui em Honória todo mundo conhece todo mundo. A mãe de Trent, Bobbie, leciona na escola de Honória há mais de trinta anos. Ela parece não ter a menor intenção de se aposentar. A esposa de Trevor, Jamie, ensina dicção e arte dramática no colegial. Ela se formou em Honória e passou dez anos em Nova York antes de voltar a ensinar.
— Você mesma nunca teve vontade de lecionar?
— Sempre gostei de decoração. Depois que terminei o colegial, fiz um curso de projeto de interiores por dois anos e tive aulas de administração na faculdade local. Trabalhei numa loja de papéis de decoração por alguns anos, depois o proprietário resolveu vender, e minha mãe me encorajou a comprar. Foi um pouco assustador fazer esse investimento, mas Caleb McBride me ajudou com a papelada e os detalhes. Até agora estou me agüentando bem.
Os McBride retornavam à conversa. Por mais que estivesse interessado na história pessoal de Sharon, Mac sabia que deveria dirigir a conversa para onde desejava.
— Caleb, o advogado? — indagou ele, já sabendo a resposta.
— Isso. Ele é pai de Trevor e Trent. Eles também têm uma irmã. Tara mora em Atlanta.
— Trent mencionou que os pais dele saíram de férias...
— Foram fazer um cruzeiro. São as primeiras férias dele em mais tempo do que qualquer um se lembra. Caleb é um amor, mas completamente viciado em trabalho. Quase tiveram que colocá-lo à força no navio. Ele teve um ataque cardíaco algum tempo atrás, e a família está empenhada em que leve uma vida mais saudável.
Mac tomou um gole do próprio vinho, depois afastou a taça.
— Fico um pouco confuso sobre os relacionamentos por aqui. Qual é exatamente a conexão de família entre os McBride e as pessoas que construíram a velha casa que comprei?
— Trent não contou nada?
— Não temos conversado muito sobre a história da casa, mas tenho planos de fazer isso.
— Bem, a casa dos Garret foi construída pelo bisavô de Trent, eu acho. A avó dele, mãe de Caleb, era uma Garret e acredito que a casa foi construída pelo avô dela.
— Nesse caso os McBride e os Garret são os residentes mais antigos de Honória.
— Sim, mas não sobraram muitos Garret. Acho que só um par de primos distantes em Carrollton. E Caleb é o único McBride que sobrou de sua geração, que eu saiba.
— Ele era filho único?
Mais uma vez, fazia a pergunta já sabendo a resposta, mas queria que a conversa se desenvolvesse naturalmente.
— Não, Caleb tinha dois irmãos, Josias Jr. e Jonas. Ambos estão mortos agora.
Mac ficara enfurecido quando chegou pela primeira vez em Honória e ficou sabendo que dois dos irmãos McBride estavam mortos. Reduzira muito sua chance de vingança. Seu plano original fora fazer alguém sofrer a humilhação e desgraça que sua mãe sofrerá. Tomar público que um McBride tivera um filho e o abandonara, deixando uma mulher vulnerável sozinha para lidar com sua vergonha.
Mas era difícil humilhar um homem morto. E a menos que Caleb McBride fosse o culpado, o que parecia improvável, não parece que Mac conseguiria a vingança que buscava há tanto tempo. Mas pelo menos podia buscar as respostas.
— Os McBride não parecem ter um período muito longo de vida — comentou ele.
— Eu não saberia dizer. Acho que Jonas morreu num acidente quando tinha pouco mais de quarenta anos, mais Josias Jr. era mais velho. Morreu de enfisema e câncer no pulmão depois de fumar muito a vida inteira. A pobre Emily precisou deixar de lado a própria vida para cuidar dele, por muitos anos, o que não foi uma tarefa fácil. O pai dela era um homem difícil. Lembro de ter ficado bastante intimidada pelo olhar bravo que ele sempre tinha, quando eu era adolescente.
— Emily por acaso é a esposa do delegado?
— Isso. Agora se chama Emily Davenport.
— Ela não tinha irmãos nem irmãs para ajudar a cuidar do pai doente?
— Ela possuía um meio-irmão, Lucas, mas ele tinha problemas com o pai como a maior parte de Honória... e saiu da cidade depois da faculdade. Quinze anos mais tarde, voltou para visitar a irmã, mas o pai já estava morto.
Nenhuma menção a doenças congênitas na família McBride, algo que Mac precisava saber, especialmente depois...
— Não sabia que a Sra. Davenport tinha um irmão mais velho. Acho que não o conheci.
— Não. Eu mesma só o encontrei duas vezes. Ele é nove anos mais velho do que Emily. Lucas e sua esposa moram na Califórnia e só vêm visitá-la um par de vezes por ano. Mas estarão aqui em agosto para o casamento de Trent, tenho certeza.
Ficava cada vez mais claro que ela não partilhava a preferência local pelos mexericos, pois apresentava as informações sem acrescentar coisa alguma. Apesar de admirar a discrição como qualidade pessoal, não ajudava sua tarefa. Assumiu um risco calculado.
— Você não estava brincando quando disse que as pessoas por aqui gostavam de fofocas. Estou enganado ao dizer que os McBride atraem mais falatórios do que outras famílias?
— Você não está enganado. Parece que um ou dois escândalos sempre envolvem os McBride. Devo dizer que me parece injusto, pois são uma família simpática e decente.
— Se você acha...
O comentário fez com que ela erguesse o queixo em defesa dos amigos.
— Acho mesmo. Eu conheço a família toda há muito tempo, e todos sempre foram muito bons para mim e para minha família. Espero que você não deixe que algumas pessoas influenciem sua decisão de contratar Trent.
— Jamais baseio minhas decisões profissionais em falatório.
— ótimo. Afinal, qualquer família grande tem a sua cota de escândalos, divórcios, filhos fora do casamento, esse tipo de coisa. Os McBride não são exceção a essa regra. Porém a maior parte das acusações feitas contra eles era falsa, como ficou provado depois. Por exemplo, quando Sam Jennings acusou Emily de apropriação indébita de sua conta no banco, só estava desviando atenção. Sam também foi quem levou todos a pensarem que Lucas havia matado Roger Jennings, quando fora o próprio Sam e Roger não foi a única pessoa que Sam matou.
— Não creio que tenha acompanhado tudo — confessou Mac, abandonando o garfo.
— Desculpe, é que eu fico irritada porque as pessoas ficam contando histórias sobre os McBride. Eles não merecem o tratamento que recebem por aqui.
— Ninguém me falou nada sobre assassinato.
— Não, claro que não. Todos sabem a verdade agora. Acho que eu deveria contar a história para que não fique com a idéia errada sobre Lucas.
— Eu não ia querer que você traísse a confiança de seu amigo só para satisfazer minha curiosidade — murmurou Mac.
— E fato sabido por aqui agora — disse Sharon, encolhendo os ombros. — Mesmo que tenha acontecido há quatro anos, foi um grande escândalo e as pessoas ainda gostam de falar sobre ele. Começou quando Emily era bebê e sua mãe, a segunda esposa de Josias, Nadine, aparentemente fugiu com um homem casado, Al Jennings. Josias sempre foi muito amargo sobre esse assunto e não se misturava com o pessoal da cidade. Ele e Lucas, seu filho da primeira mulher, que morrera de pneumonia, não se davam muito bem. Na verdade, Lucas não se dava com muita gente, porque tinha um temperamento explosivo. Provavelmente por que sua própria mãe morreu tão cedo e seu pai era um homem tão desagradável. Especialmente depois que Nadine desapareceu com Al.
— Parece o suficiente para tomar alguém irritado.
— De qualquer forma, Lucas mantinha algum tipo de reação ódioódio com Roger Jennings... o filho do homem com o qual Nadine supostamente fugira. Roger culpava todos os McBride pela fuga de seu pai, e Lucas o levou a sério porque tinham idades próximas. Numa noite, pouco depois que Lucas terminou o colegial, ambos tiveram uma discussão em público particularmente amarga. Roger morreu naquela mesma noite.
— Como?
— Caiu de um rochedo na terra dos McBride, perto da casa de Lucas. Foi tudo muito trágico, muito misterioso, e desnecessário dizer que as fofoqueiras locais tiveram seu dia de glória. Todos decidiram que Lucas matara Roger. Já o tinham julgado e condenado antes mesmo do enterro. Não havia evidências suficientes para prender Lucas, mas as pessoas que nunca gostaram dele não se importaram com isso. Tornaram a vida tão desagradável para ele que Lucas foi obrigado a partir. Foi embora no meio da noite e ninguém ouviu falar dele por muitos anos.
— O que, naturalmente, fez com que ele parecesse mais culpado ainda aos olhos dos que o acusavam.
— Exatamente. Quinze anos depois, Lucas veio para casa visitar a irmã, Emily, e a verdade apareceu. Nadine McBride e Al Jennings foram assassinados por Sam. Acontece que Sam fora amante de Nadine, e matou os dois num acesso de ciúme. Quando o sobrinho de Sam, Roger, chegou perto de descobrir a verdade, muitos anos depois, Sam o empurrou do rochedo, fazendo parecer que Lucas fosse o verdadeiro assassino.
— Tiveram um assassino que matou três pessoas morando aqui em Honória?
— Ele era meu dentista quando eu era pequena. Sempre achei que era um pouco esquisito, mas nunca pensei que... De qualquer forma ele chegou a tentar com Raquel, a irmã mais nova de Roger, quando ela percebeu a verdade, quatro anos atrás. Se não fosse Lucas e Wade correrem em auxílio dela, Sam a teria matado. Agora ele está na prisão, onde é o lugar dele, e Lucas está casado com Raquel, morando na Califórnia.
Mac não teve muita dificuldade para seguir a história.
— Então, Lucas casou com a irmã do homem que foi acusado de matar, é isso?
— Isso. Ele tem uma companhia de software bem-sucedida. Ganhou muito dinheiro. Acho que isso está relacionado com a forma respeitosa com que é tratado quando vem visitar a cidade.
— O sucesso pode ser a melhor forma de vingança.
— Detesto hipocrisia — disse ela, com uma careta. — As mesmas pessoas que falavam mal dele, agora fingem ter acreditado que ele era inocente o tempo todo.
— Então foi aí que o falatório sobre os McBride começou? — quis saber Mac, mudando de posição na cadeira.
— Na verdade tivemos outros incidentes. Esse foi o mais dramático e os outros sempre eram exagerados.
— E eu que pensei que nada acontecia nesse lugar...
— Tivemos nossa cota de escândalos, mas pessoalmente prefiro uma existência mais pacífica. Se quisesse excitação, teria mudado para uma cidade grande ao invés de ficar aqui, perto da minha família.
Mac, que já vira um bocado da "excitação" da cidade grande como policial, achou que ela tomara a decisão correta.
— Quer mais vinho? — ofereceu ela.
— Não, obrigado.
— Eu tive algumas idéias sobre o projeto hoje de manhã especificamente o saguão da frente. Acha que seria possível mudar o portal para arco? Combinaria com as arandelas da entrada e do corredor.
Ele teria continuado no assunto dos McBride, mas no momento não havia possibilidade de insistir e parecer natural.
— Se quer saber é uma coisa que já discuti com o empreiteiro.
Não esquecera seu propósito em estar ali. Mais tarde recolheria novas informações sobre os McBride.
Convencendo-se de que aquele era um jantar de negócios, Sharon conseguiu relaxar consideravelmente durante o restante da refeição. Era mais fácil conversar sobre decoração com Mac do que sobre trivialidades sociais. Ainda estava irritada consigo mesma por falar tanto dos McBride do jeito que fizera. Deixara transparecer sua raiva pela forma como os mexeriqueiros locais falavam, por isso, não consegui conter sua inclinação natural para defender os amigos.
Mac provavelmente ficara entediado com a conversa sobre pessoas que mal conhecia. Com certeza a considerava tão fofoqueira quanto às pessoas da cidade.
O melhor seria falar de negócios.
O fato de não se sentir completamente à vontade com Mac poderia ser atribuído ao tempo enorme que ela não passava uma noite com um homem que não fosse Jerry, que tendia a dominar a conversa falando sobre si mesmo. Uma noite com Jerry nunca a deixara nervosa como aquele jantar com Mac. Talvez porque Jerry não tivesse os hábitos de Mac, como prestar atenção nela, como se tudo o que ela dissesse ou pensasse fosse interessante.
Percebendo que o prato de Mac estava vazio, ela perguntou:
— Gostaria de sobremesa ou café? Fiz um bolo de morango. É uma espécie de especialidade.
A expressão dele decididamente era estranha.
— Bem... obrigado, mas o fato é que morangos me dão alergia.
— Mais alguma coisa, então? Tenho sorvete e...
— Não, obrigado. Só café. O jantar estava tão bom que comi demais.
— Então por que não tomamos café na sala? Tenho uns esboços que queria mostrar — disse ela.
— Sim, madame. Não quer que eu ajude a limpar os pratos primeiro?
Ela não pôde deixar de sorrir. Mac tinha o tipo de educação antiga que ela tentava incutir em Brad, com resultados parcialmente satisfatórios.
— Seus pais ainda estão vivos? — quis saber ela.
— Fui criado por minha mãe — respondeu ele, depois de hesitar um pouco. — Ela morreu há três anos.
Algo na voz dele levou Sharon a pensar que ele ainda não superara esse fato.
— Foi ela quem ensinou você a ser um perfeito cavalheiro?
Ele assentiu.
— Minha mãe era muito exigente em relação à educação. "Fique em pé quando uma dama está em pé, Miguel." "Diga obrigado sempre, Miguel." "Tire o chapéu na presença de uma dama, Miguel."
— Miguel? Este é seu primeiro nome? Mac fez uma mesura.
— Miguel Luís Cordero.
— Quando começou a ser chamado de Mac?
Ele deu de ombros.
— Isso veio da minha mãe, também. Ela cresceu em San Juan, mas queria que eu tivesse uma educação americana. Deu o nome de meu pai a mim, mas achou que seria mais fácil responder a um apelido.
Ele já apanhava os pratos, mas Sharon fez um gesto para impedi-lo.
— Depois eu dou um jeito nisso. Por que não vai para a sala e eu levo o café?
Mac ergueu os olhos para ela. Mais uma vez ela compreendeu o que significava estar cativa do olhar de alguém. Não tinha certeza de poder desviar os olhos, ainda que quisesse. Ficou aliviada quando Mac quebrou o contato.
— Tomo meu café puro — informou ele.
— Já levo.
Sharon permaneceu na cozinha alguns minutos além do necessário, para ter uma chance de se recobrar daquele momento. Enquanto tratavam de negócios ela se sentia muito bem com ele, mas quando ele parecia sexy e intenso, Sharon ficava paralisada. Não que tivesse algo contra homens atraentes, mas com Mac ela tinha o sentido de que as coisas podiam se complicar... e não apenas por estar envolvida com ele profissionalmente.
Sharon preparou uma bandeja com duas xícaras de café e um prato de biscoitos de chocolate, só para o caso de Mac mudar de idéia com respeito à sobremesa. Quando entrou com a bandeja, reparou em Mac, sentado no sofá, examinando um catálogo de reproduções de luminárias antigas que ela deixara sobre a mesinha.
— As que estão marcadas com fita adesiva são as que você está pensando em usar? Está considerando opções para a reforma? — quis saber ele.
Colocando a bandeja sobre a mesinha, ela se aproximou para verificar o que ele dissera.
— Não. Foram alguns modelos que pedi para outra cliente, que está reformando o quarto. Ela tem uma sala cheia de antigüidades do tempo das Missões e colonial americano, e pensei que essas luminárias combinariam com a decoração. Mas existem muitas outras nesse catálogo que você poderia considerar para o projeto da casa dos Garret.
— Gosto deste aqui — afirmou ele, apontando uma das fotografias.
— É muito bonito. Posso até ver na escadaria do saguão. Iluminaria muito bem o canto escuro ao lado de fora da sala de jantar.
— E que tal algo nesse estilo para o saguão?
Sharon inclinou-se para a frente, estudando a peça escolhida com ar pensativo.
— É muito bonita, claro, mas quer mesmo usar esse estilo? Essa luminária é mais representativa dos anos cinqüenta do que dos anos vinte. Se gosta podemos misturar estilos. Alguns decoradores recomendam misturar estilos e períodos para um efeito mais complexo e...
— Você é a decoradora desse projeto. Quero que decore esta casa como se fosse morar nela.
Ela olhou para Mac com um sorriso.
— O que o faz pensar que eu moraria numa casa em estilo vitoriano? Como sabe que não prefiro vidro e cristal dos anos oitenta? Ou o visual moderno dinamarquês dos anos sessenta?
— Porque reparei em sua expressão quando você viu pela primeira vez a casa. Reparei quando passou a mão na decoração das paredes no quarto principal. Vi como você quase se derreteu com os vitrais da sala de jantar. Foi quase erótico, Sharon. Um erotismo puro e arrebatador.
Ela levou um instante para responder com coerência a essa observação inesperada e pessoal.
— Adoro a casa, claro ou pelo menos a casa que imagino reformada. Mas não tenho certeza se descreveria meus sentimentos como...
— Eróticos? — completou Mac, com um sorriso. — Acha que a palavra não é adequada?
— Na verdade não é isso. Admito que tenho certa paixão por decoração. Fico excitada em fazer parte de seu grupo. E poderia fantasiar sobre ter um lugar como a casa dos Garret. Mas erotismo talvez seja uma palavra forte demais para descrever meus sentimentos.
— Você usou a palavra excitada, paixão e fantasiar de uma só vez, e está me acusando de usar palavras muito fortes? — riu ele.
De alguma forma aquela conversa saíra do padrão. Deveriam estar falando de negócios, não trocando impressões pessoais e semânticas. Sharon fez um esforço débil para retornar ao tema. Olhou para o catálogo.
— Gosta desse?
— Com certeza estou vendo uma coisa que gosto — respondeu ele, fitando-a.
Nem fez esforço para ver o que ela mostrava. O olhar intenso lhe examinava o rosto.
— Eu...
O que ele quisera dizer com aquilo? De repente Sharon ficou confusa e sem palavras. Só percebeu que ele erguera a mão quando sentiu o toque dos dedos no rosto. Não sabia o que havia ali que a eletrificava que lhe dava um enorme sentido de segurança? Seria a lembrança de quando ele a retirara do rio, naquela noite? Aquele começo dramático teria tido o mesmo efeito nele?
— O que você me perguntou? — indagou Sharon, querendo clarear a cabeça.
— Nada.
O olhar de Mac agora pousava sobre a boca. Ela limpou a garganta:
— Você quer...
— Se eu quero...
— Café?
— Café — repetiu ele, com ar decepcionado. Nenhum dos dois se moveu.
— Isto é o que chamo de um momento incômodo — declarou Sharon, ainda sentindo os dedos no rosto.
— Não necessariamente — disse ele, o polegar deslizando sobre a pele macia até a boca. — Podemos voltar a falar de luminárias.
— Falar?
O lábio estremeceu. Ela não sabia se poderia dizer alguma coisa coerente naquele instante. Sabia que poderia insistir em falar apenas de negócios e Mac concordaria. Poderia mover-se para outra cadeira, afastar-se do calor masculino, e ele não a deferia. Seria a coisa mais prática a fazer, típica de Sharon.
Engraçado como parecia não ser a mesma pessoa desde o acidente no rio das Cobras. Não enxergava as coisas do mesmo jeito seu trabalho, a cidade, Jerry. Sua vida. Talvez por ter chegado tão perto de perder tudo. O acidente a tornara consciente de todas as coisas que possuía e tudo o que sonhava.
Percebeu, de repente, que teria sido uma pena morrer sem encontrar Mac Cordero. Sem saber o que significava derreter ao toque dele.
A boca encontrava-se próxima à dela. Se reagira ao toque dele daquela forma, quem diria a um beijo. Desejaria perder aquela chance? Tomando como permissão o silêncio, Mac beijou-a.
Sharon ficou aliviada por não terem explodido fogos de artifício, nem escutado o dobrar dos sinos. Foi apenas um beijo, como os beijos que recebeu antes. Simplesmente uma sensação agradável ao pressionar os lábios contra os dele. Era bom, mas não parecia algo capaz de mudar sua vida. Ela cerrou os olhos e inclinou a cabeça. Entreabriu os lábios e apoiou a mão no ombro dele. Um beijo simples entre dois adultos sem compromisso assegurou a si mesma. Satisfaria sua curiosidade, depois poderiam voltar aos negócios.
A ponta da língua dele tocou-lhe o lábio inferior, provocando um arrepio. Certo, era um beijo especial, não havia motivos para apressar nada. Colocou a outra mão no ombro dele.
Um instante depois, sua cabeça girava, o pulso disparava, e Sharon seria capaz de jurar que fogos de artifício espocavam no céu e um sino tocava em algum lugar. Todos os clichês que conhecia se haviam tornado reais para ela.
Aquele traiçoeiro exemplar masculino esperara até que ela baixasse toda a guarda para atacar de verdade. Só um beijo? Claro, como um tornado parece com a brisa leve da manhã.
De alguma forma os braços estavam ao redor dela, com as mãos explorando locais onde não deveriam estar. E Sharon não queria que ele tirasse.
A língua lhe acariciava o interior da boca, despertando desejos há muito tempo adormecidos, fazendo-a ansiar por mais.
Naquele instante, em alguma parte de sua mente, ela entendeu por que o evitara desde o início. Sabia que aconteceria algo parecido e sabia que não seria fácil.
Sharon sabia o tempo todo que Mac não era como os homens fáceis de esquecer que encontrara no passado. Porém naquele instante não conseguia pensar com clareza. O beijo a deixava tonta. Era maravilhoso. Não parecia importar-se por conhecê-lo há apenas uma semana, ou que ele soubesse tão pouco sobre ela.
Tudo o que importava no momento era que sentira uma conexão muito forte desde o primeiro e dramático encontro. Que se sentira atraída por ele desde então, cada vez mais. Que os olhos, o toque e a voz dele a afetavam de uma forma sobre a qual só havia fantasiado antes.
A mão direita dele deslizou dos quadris, deixando uma trilha de sensações à medida que passava. Pressionou levemente a base das costas, puxando-a contra si. Ela apertou o abraço e deixou que seus dedos se enfiassem nos cabelos negros.
Não sabia exatamente como aquilo acontecera, mas não se arrependia. Era mesmo um beijo espetacular.
A mão dele moveu-se outra vez, acariciando a cintura e parando perigosamente próxima ao seio. Ao mesmo tempo em que desejava aquele toque, Sharon sentiu-se recuando.
— É demais para você? — indagou ele, a boca colada à sua.
A mão moveu-se para uma posição mais inócua.
— É muito cedo — respondeu ela.
Lentamente ele se afastou. Não estava sorrindo. Não parecia muito satisfeito consigo mesmo por haver ultrapassado a linha de defesa. Parecia quase tão chocado quanto ela.
Como Mac era bom em ocultar emoções, recompôs-se em poucos segundos. Retirou as mãos dela.
— Nosso café está esfriando — observou com voz rouca. Na verdade Sharon teria preferido uma bebida fria, considerando o calor que lhe subia pelo corpo. Afastou-se dele e apanhou sua xícara. Não gostou de ver a mão estremecer ao sustentar o pires. Só um beijo?
— Acho que o melhor eu ir embora — disse Mac, pigarreando.
Sharon instintivamente consultou o relógio, sem saber se estava aliviada ou relutante.
— Ainda é cedo.
— Bem, é mais tempo para eu me meter em encrenca, se ficar.
O toque de humor nos olhos dele a fez sorrir, ainda que sentisse o rosto quente. Mac deixara claro que gostaria de continuar. E ela precisava admitir para si mesma que compartilhava aquele sentimento. Porém, como a atitude dele indicava, era cedo demais para lidar com aquele tipo de tentação.
Conhecia Jerry havia muito tempo e jamais o beijara da forma que beijara Mac. Nunca tivera vontade.
— Além do mais, está começando a chover — observou ele, depositando a xícara sobre a mesinha.
Sharon não havia percebido até que ele mencionasse. Não estivera consciente de nada fora daquela sala. Pela primeira vez em várias horas, lembrou-se do irmão. A idéia foi acompanhada por uma pontada de culpa por tê-lo esquecido.
— Espero que os pais do acampamento tenham alternativas para chuva — murmurou, percebendo um raio através da janela.
— Seriam idiotas se não tivessem. A previsão do tempo vem avisando há dias.
— Você sempre planeja cada contingência, Mac?
— Eu tento — afirmou ele, esticando a mão para afastar uma mecha de cabelo da testa dela. — Não planejei você.
O sorriso dela murchou. Certamente compreendia aquele sentimento. Mac, e sua inesperada reação a ele lhe provocaram algo similar. Porém algumas surpresas eram muito agradáveis, pensou ela, ao receber o carinho no rosto.
Sem saber bem o que dizer, ela o acompanhou até a porta. Começou a dizer algo sobre a decoração da casa, mas achou que pareceria deslocado àquela hora. Seria como fingir que nada acontecia entre eles.
— Obrigado pelo jantar. E você tinha toda a razão: é muito melhor comer uma comida caseira — disse ele.
— Fico contente que tenha gostado. Da próxima vez vou lembrar dos morangos — respondeu ela, sem se dar conta de que insinuava novos encontros.
— Para jantar outra vez com você, eu até comeria morangos.
— E arriscar sua alergia? Por mim? Me sinto elogiada.
— Acho bom. Detesto ficar me cocando.
Estendendo uma palma da mão para cima, Sharon ergueu os olhos para cima.
— Parece que a chuva está piorando.
Um trovão deu a impressão de confirmar suas palavras.
— Você, por acaso, não tem medo de trovoada, tem? — quis saber ele.
— Na verdade é o contrário. Ficaria muito surpreso em saber que gosto de trovoadas?
— Antes da noite de hoje pode ser. Agora, já não me surpreendo mais.
Desde o beijo, ele queria dizer. Desde que haviam criado a própria tempestade.
— Você vai se molhar. Deixe eu apanhar um guarda-chuva.
— Não vou derreter — garantiu ele, colocando a mão na maçaneta. — Boa noite, Sharon.
— Boa noite, Mac.
Tomava-se cada vez mais fácil para ela dizer o nome dele. Ele hesitou, ainda segurando a maçaneta. Com a mão livre, puxou-a pela nuca e deu-lhe um beijo leve nos lábios. Ainda assim, capaz de provocar arrepios.
— Vejo você logo — murmurou ele.
Em seguida desapareceu na noite chuvosa.
Sharon fechou a porta, depois se apoiou por um instante contra a madeira fria. Não podia mais fingir que tudo o que existia entre eles era apenas trabalho. Nem para si mesma.
Alguns hábitos de policial eram difíceis de perder, pensou Mac. Anotar tudo com detalhes era um deles. Sentado à mesa oscilante de seu quarto no motel, estudava as páginas espalhadas à frente dele. Numa delas dera início a uma rudimentar árvore genealógica. Ao alto, escrevera os nomes de Josias McBride e Anna Mae Garret. Na linha seguinte estavam os nomes dos três filhos, Josias Jr., Jonas e Caleb.
Embaixo de Josias Jr., ele anotara: Lucas, 40, e Emily McBride Davenport, 31.
Estudou os nomes por um instante e lembrou-se do que sabia sobre o McBride mais velho. Josias Jr. aparentemente era uma pessoa mal-humorada, solitária e difícil de conviver, mesmo para os próprios filhos. Poderia a mãe de Mac ter se apaixonado por um homem como aquele?
Aparentemente havia alguma coisa em Josias que atraía as mulheres. Ele se casara duas vezes, embora a segunda mulher tivesse conseguido um amante pouco tempo depois. O amante pelo qual fora assassinada.
De acordo com o tempo de vida de Sharon, Josias estivera descasado quando Mac fora concebido. O que poderia explicar o caso dele com uma empregada porto-riquenha num hotel em Savannah, mas não se encaixava com a história que a mãe de Mac havia contado. O pai dele era um homem casado, explicara ela, com certa tristeza na voz musical. Embora tivesse falado em deixar a esposa por ela, seu sentido de lealdade familiar finalmente o afastara.
O sujeito jamais chegara, a saber, que deixara Anita Cordero grávida. Anita recusara-se a utilizar o filho como recurso para casar.
Seria possível que o casamento de Josias não tivesse passado de uma mentira conveniente? Uma forma covarde de se livrar do compromisso que perdera a novidade para ele?
Teria Josias McBride Jr. sido o pai de Mac Cordero? Se assim fosse, não parecia ser possível que o homem tivesse alguma reputação a arruinar. Aparentemente deixara pouco respeito ou admiração para trás, quando morrera.
Deixou de lado a árvore genealógica com certa frustração. Ainda não possuía respostas, nem obteria nenhuma naquela noite. Talvez ficasse sabendo mais da próxima vez que tivesse uma oportunidade de discutir a família McBride com Sharon.
Sharon. A mente de Mac encheu-se subitamente com a imagem do rosto dela. O olhar dela quando interromperam o beijo, com a pele avermelhada, os olhos pesados e os lábios úmidos. Ela jamais saberia o quanto fora difícil para ele separar-se. Fazia muito tempo desde que segurara uma mulher nos braços. O beijo o fizera se perder num estado onde não existiam planos, lembranças ou perguntas... apenas desejo.
Dissera a verdade quando afirmara não esperar um encontro com ela. Mesmo enquanto planejava descobrir o que Sharon sabia sobre os McBride, não tivera a intenção de seduzi-la. O beijo fora inesperado, não planejado e não tinha nada a ver com os McBride ou qualquer um que não fosse Sharon. Não existira nenhum motivo para o beijo a não ser desejo. Necessidade.
Não fora nada planejado.
Brad estava em casa no domingo de manhã, demonstrando um humor mais passivo do que normalmente. Os organizadores haviam feito planos alternativos para o caso de chover. As atividades foram transferidas para um grande salão, geralmente alugado ou ocupado por reuniões de pais. Embora tivesse apenas um par de horas de sono, Brad ao menos reclamara quando Sharon pedira que a acompanhasse à igreja.
Não que tivesse aproveitado, pois dormiu durante a maior parte da cerimônia. Ela o cutucou discretamente e ele acordou com um resmungo baixo.
— É hora de ir embora.
— Ótimo. Estou morrendo de fome — respondeu o garoto, com um sorriso satisfeito.
— Claro que está. Vamos comer alguma coisa, não se preocupe.
Porém, como de hábito, demoraram a sair, porque ela sempre encontrava muita gente, e vários queriam saber sobre o incidente no rio. Sharon achou difícil de acreditar que oito dias haviam se passado desde o episódio do rio. Talvez parecesse mais tempo porque escolhera esquecer a experiência.
Fizera um esforço especial para não pensar sobre o assunto, embora não conseguisse bloquear as imagens de seus sonhos. A única coisa que evitava que tais sonhos se tornassem pesadelo era o eco mental da voz de Mac, segura e calma. Escolhera não pensar muito nisso também.
Afastando as imagens e Mac, caminhou resolutamente pelo estacionamento, onde vários membros da congregação a cumprimentaram. Brad a aguardava ali perto, alterando o peso de uma perna para a outra e suspirando ocasionalmente.
— É bom ver você assim tão bem, Sharon — comentou Emily Davenport, sorrindo com seu bebê. — Pensei muito em você durante a semana passada.
Sharon respondeu de forma apropriada, depois acariciou o queixo da pequena Claire.
— Oi, menina, você está cada vez mais bonita.
— Diga "oi" à senhorita Sharon, Claire — instruiu Emily, embora a criança estivesse interessada em outros acontecimentos locais.
— Onde está Clay? — quis saber Sharon, avistando o sobrinho da amiga a conversar com Brad. — Puxa, esse rapaz deve ter crescido uns dez centímetros desde a última vez que o vi. E olhe que faz menos de um mês.
— Poderia dizer o mesmo sobre Brad. Eles estão ficando homenzinhos, não acha?
— Acho, sim. Wade está trabalhando hoje de manhã? Emily suspirou.
— Está. Alguém entrou na Discount Motors ontem à noite, durante a chuva. Roubaram um carro e equipamento de informática.
Sharon franziu a sobrancelha. Já era ruim o suficiente que esses crimes estivessem ocorrendo em sua cidade, mas tão perto de onde seu irmão e os amigos estavam passando o sábado. Discount Motors ficava a quinhentos metros do local onde estavam. Por algum motivo, aquilo tornava o crime mais censurável.
— Wade acha que está ligado ao furto da casa dos Porter?
— Com certeza ele está verificando isso. Temos um churrasco em nossa casa no sábado que vem. Você e Brad não querem vir? Clay iria adorar, porque nunca tem ninguém da idade dele em nossas reuniões.
— Parece divertido. Vamos, sim.
Embora Clay fosse um par de anos mais novo do que Brad, era uma amizade que Sharon gostaria de encorajar. Clay era um bom rapaz, esperto, engraçado, desembaraçado. Popular com os amigos, ainda que ser o filho do delegado da cidade lhe trouxesse certa facilidade nesse ponto. Sharon se preocupava que Brad se envolvesse com as pessoas erradas. Clay Davenport era exatamente o tipo de amigo que ela queria para o irmão.
— Ótimo. Então nos vemos por volta do meio-dia de sábado. Ah, sim, traga um amigo, se quiser.
Sharon suspeitou que Emily estivesse querendo dar uma dica para convidar Jerry. Depois das fofocas, bancar o cupido era o passatempo principal na cidade.
— Quer que leve alguma coisa?
— Que tal um de seus famosos bolos de morango? Wade está sempre elogiando.
— Nem todos gostam de morangos. Mas vou fazer um bolo especialmente para Wade.
— Vai ganhar um escravo.
— Sharon, estou com fome... — queixou-se Brad, passando a mão na altura do estômago.
— Vejo vocês no sábado — despediu-se Emily.
— Mal posso esperar — respondeu Sharon, voltando-se em seguida para o irmão: — Muito bem, Brad, vamos achar logo algo para comer antes que você desmaie.
Mac estava no teto da casa dos Garret no domingo de manhã quando alguém o chamou. Ele olhou por sobre a beirada, cheio de curiosidade, depois disfarçou sua surpresa.
— Como vai delegado? Mais uma visita social? Wade Davenport sorria, lá embaixo.
— O que está fazendo aí em cima, Mac?
— Estou comungando com a natureza. Agüente firme, já vou descer.
Mac abandonou sua inspeção do telhado e desceu pela escada apoiada contra a traseira da casa. Wade o esperava ali.
— Estou começando a desconfiar que está me seguindo por aí, delegado.
— Só achei que podia parar aqui um pouco, já que estava pela vizinhança.
Mac suspeitava que o outro tivesse um motivo específico para parar ali, e podia apostar que já havia passado no motel.
— O que posso fazer para ajudá-lo, delegado?
— Estava pensando se podia me levar a dar uma volta para conhecer a casa?
— Com todo o prazer — respondeu Mac, imaginando o que estaria por trás do pedido.
— Gostaria muito. Sempre fui curioso sobre este lugar, mas nunca tive uma desculpa para entrar e dar uma olhada. Foi o bisavô de minha esposa quem construiu tudo isso, sabia?
— Foi o que ouvi. Podemos entrar por aqui mesmo, pela cozinha.
Porém, Wade não se moveu. Sua atenção se voltava para um grande depósito com cadeado, nos fundos do quintal.
— Para dizer a verdade, gostaria de começar por ali. Se não tiver nenhuma objeção, claro.
Mac enfiou as mãos nos bolsos do jeans, mantendo uma atitude casual.
— Algum motivo em especial?
— Não, só curiosidade.
— Bem, é só um palpite, mas por acaso houve outro arrombamento recentemente?
— Sim. Na noite passada, perto da área de acampamento. Por que pergunta?
— Deixe para lá... vamos ver o depósito. Daquela vez, o delegado seguiu logo atrás.
— Compreende claro, que se trata apenas de um pedido. Não tenho mandato de busca, nem nada parecido.
— Por que eu estaria preocupado com mandatos e coisas parecidas? Afinal, trata-se de uma visita social, não é isso?
— Exatamente — concordou Wade, com um sorriso.
Retirando uma chave do bolso, Mac abriu o pesado cadeado e abriu a porta. Havia linhas de força conectadas a um poste próximo, de modo que ele acendeu a luz pendente do teto, que iluminou as ferramentas e materiais. Em seguida recuou, permitindo o livre acesso do delegado.
Uma olhada rápida pareceu satisfazer Wade.
— E verdade, parece mesmo o que eu esperava encontrar. Você tem ferramentas caras por aqui. Devia melhorar a segurança, considerando os problemas que temos tido por aqui ultimamente.
Mac fechou outra vez o cadeado.
— Vamos agora eu mostro a parte de dentro. Imagino que deseje conhecer toda a casa.
— Vou encontrar algo interessante aí dentro?
— Só se estiver interessado em poeira e teias de aranha. Wade deu de ombros.
— Vamos, eu me divirto fácil.
Uma hora e meia depois, haviam explorado a casa inteira, todos os aposentos. As únicas perguntas que o delegado fez durante o passeio foram sobre a reforma da casa; deu a impressão de estar genuinamente interessado no projeto. Porém, Mac descobria que não era muito fácil saber o que se passava por trás da expressão sorridente do delegado.
Terminaram ao lado da escada.
— Obrigado. Foi muito interessante — disse o delegado.
— Espero ter respondido suas perguntas.
— A maior parte delas.
— Se tiver alguma outra, sabe onde me encontrar. Estarei me mudando para um apartamento na rua Elm Oeste amanhã à tarde. Se eu não estiver aqui, o mais provável é que esteja lá.
— Vou me lembrar disso. Quer dizer... eu acho que realmente não posso ir sem fazer mais uma pergunta. Onde estava, exatamente, ontem à noite?
— Tive um jantar comercial com Sharon Henderson, minha decoradora — respondeu Mac, enfatizando o aspecto profissional. — Voltei ao motel antes das nove horas da noite e assisti a uma reprise de Star Wars na televisão a cabo, depois o noticiário da noite; li por uma hora ou mais antes de pegar no sono. Quer saber o que sonhei?
Wade riu.
— Ei, sou um policial, não um psiquiatra.
— Só estava brincando.
O delegado saiu, dizendo apenas que veria Mac por aí. Com a mão apoiada na nuca, observou a partida dele.
Não conseguia entender aquele sujeito. Seria capaz de jurar que Wade não o considerava seriamente um suspeito dos arrombamentos, mas ainda assim mantinha uma atitude desconfiada sobre ele. Teria de tomar cuidado para não fazer nada que pudesse aumentar as suspeitas do delegado, especialmente no tocante aos McBride. Tinha o sentimento de que Davenport era extremamente protetor quando se tratava da esposa e não permitiria que nada a incomodasse. Não importava quais fossem as ligações de família.
Sharon ficou em sua loja dez minutos além da hora de fechar, na segunda-feira. Tressie já fora para casa e Sharon já a teria seguido se não estivesse esperando por seu irmão. Ele passara a tarde num cinema com amigos que o deveriam ter deixado ali há vinte minutos.
Começava a ficar preocupada. Contra seus princípios, ela lhe dera permissão para ir com um colega de dezesseis anos que possuía carta, decisão que vinha colocando em dúvida o dia inteiro. Provavelmente fora influenciada pela atitude de Jerry, insinuando que era protetora demais em relação ao irmão, que precisava tratá-lo mais como um jovem do que como criança. E Brad estivera apresentando seu melhor comportamento nos últimos dias, portanto sentira-se inclinada a recompensá-lo.
Esperava não ter cometido um erro.
Quando o telefone tocou, ela atendeu rápido. — Interiores Intrigantes, boa tarde.
— Achei que ainda deveria estar por aí.
Jerry era do tipo que não julgava necessário identificar-se. Sharon reconheceu a voz dele em poucos segundos.
— É... ainda estou. Mas estou de saída.
— Como foi seu dia?
— Ocupado. E o seu?
— A mesma coisa. Acredito que tenha ouvido falar do roubo na Discount Motors.
— Fiquei sabendo por meio de Emily, ontem na Igreja.
— Nossa firma tem o seguro deles, passei a manhã toda no Bob Hickey, tentando elaborar uma lista de tudo o que foi roubado ou danificado. Bob é um sujeito boa praça, mas não ganha nenhum prêmio por organização. Ele...
Distraída pelo som da porta se abrindo, Sharon olhou naquela direção, parando de prestar atenção ao que Jerry dizia. Sua ansiedade devia-se ao fato de aguardar a chegaria do irmão. Em vez dele, entrou Mac Cordero. Ficou ainda mais difícil prestar atenção ao telefone. Sorriu para Mac e fez um gesto para indicar que logo estaria com ele.
— E então Martha Godwin telefonou. Estava terrível hoje. Você nem imagina o que ela disse.
Percebendo que Jerry não iria tomar fôlego logo, Sharon cobriu o bocal com a mão e falou suavemente com Mac, que se inclinou contra o balcão próximo.
— Oi!
— Quer que eu espere em algum lugar enquanto você acaba? — ofereceu ele.
— Não, não precisa. Não vai demorar — respondeu ela.
— Bem, de qualquer jeito parece que os dois estamos cansados demais para cozinhar hoje — dizia Jerry, ao aparelho. — Podemos sair para comer fora. Claro, levaremos Brad. Acho que ele vai querer pizza...
— Hoje não posso Jerry, obrigada — disse Sharon, baixando os olhos.
— Acho que já tem planos para esta noite — disse ele, deixando parecer pouca decepção. — Sei que foi um pouco em cima da hora, mas achei que valia a pena tentar. Falo com você depois, está bem?
Ela se perguntou se Jerry começava a entender as indiretas que ela dava. Agora, que se forçara a examinar o relacionamento de ambos, concluíra que não chegariam a lugar nenhum, nem ela queria, não via motivo para continuar. Deviam sentir-se livres para perseguir outros... interesses, pensou ela, olhando para Mac de soslaio. Esperava não ter de dizer diretamente para Jerry, o que podia ser embaraçoso, mas assim faria se julgasse necessário.
— Claro. Conversamos depois.
Fora uma conversa breve, superficialmente idêntica a várias outras; contudo, Sharon ficou com a impressão de que alguma coisa se alterara em sua vida. Como se desligasse Jerry e se voltasse para Mac.
Ele ergueu os olhos do catálogo de papéis de parede que examinava, fitando-a.
— Tudo bem?
— Espero que sim — respondeu ela, afastando o aparelho. — Algo que eu possa fazer por você, Mac?
Ele hesitou por um instante, apenas para que ela ficasse consciente das várias respostas que poderia ter escolhido. Então sorriu.
— Para dizer a verdade, parei para dar meu novo endereço.
— Não está mais no motel?
— Não. Me mudei para um apartamento na rua Elm Oeste — informou ele.
— Está contente com o apartamento?
— É limpo — respondeu ele, dando de ombros. — Melhor do que um quarto de hotel.
— Mobiliado?
— Tenho todo o básico. Por enquanto, está ótimo para minhas necessidades.
— E quanto a roupas de cama? Panelas? Pratos?
— Eu sempre carrego um par de caixas com tudo isso quando vou de um trabalho para outro.
Sharon franziu a testa.
— Parece meio frio quando você fala assim. Não tem uma casa permanente em algum lugar?
— Possuo uma casa em Savannah. No momento está alugada.
— Então você fica se mudando de um trabalho para o outro?
— Nos últimos anos, sim.
— Não tem família?
— Sou divorciado.
— Oh... não tem filhos?
— Não.
Ela considerou como ele poderia ter sido quando casado. Imaginou o que acontecera com o casamento dele e por que ele levaria uma existência tão vazia no momento. Observou-lhe o rosto. Havia emoção nos olhos dele. Tristeza? Arrependimento? Ou estaria deixando-se levar pela imaginação?
— Terminou aqui, por hoje? — indagou ele, trocando de assunto com rapidez.
— Já, mas estou esperando meu irmão. Ele devia estar aqui meia hora atrás.
— Não telefonou para avisar?
— Não. Foi ao cinema com os amigos. Provavelmente pararam em algum lugar para jogar videogame e esqueceram do tempo.
— É típico de adolescentes.
— E verdade, mas Brad sabe que espero que ele chegue na hora sempre.
— Deve ser difícil ser responsável por um irmão adolescente. Ele geralmente obedece?
— Até agora ainda não desobedeceu abertamente. Uma ou duas vezes. Responde um pouco, mas não se rebelou ainda.
— Mesmo assim, aposto que vai ficar aliviada quando sua mãe voltar.
Mac não conhecia a mãe dela, naturalmente. Ter Lucy em casa não fazia muita diferença. Ela deixava os outros assumirem geralmente Sharon. Em relação a Brad, ela se preocupava sobre o que aconteceria quando a escola começasse outra vez. Fora na escola que Brad se envolvera com os companheiros errados em primeiro lugar. Não sabia se a presença de Lucy adiantaria de alguma coisa em caso de encrenca. Lucy não era do tipo que exigia disciplina.
— Qual a penalidade por estar meia hora atrasado?
— Ainda não resolvi. Provavelmente vou tomar o videogame dele por hoje — respondeu Lucy, consultando o relógio. — Talvez a televisão também.
— Certo... isso vai mostrar a ele.
Sharon lançou um olhar desconfiado a Mac. Seria uma crítica? Ele dissera que os adolescentes fazem esse tipo de coisa. Será que esperava um castigo exemplar?
A porta abriu-se e Brad entrou ofegante e de rosto vermelho.
— Desculpe ter chegado atrasado, mana. Jimbo ficou sem gasolina e a gente teve de...
Interrompeu-se ao deparar com Mac. Praticamente parou onde estava. Sharon sabia que estava espantado por encontrar alguém na loja depois da hora de fechar, mas não entendeu por que seu irmão corava mais e fechava o rosto.
— Brad, este é o Sr. Cordero. Mac, meu irmão. Brad Henderson.
— É bom conhecer você, Brad.
Com o olhar nos sapatos, Brad resmungou algo ininteligível.
Sharon ergueu uma sobrancelha. Seu irmão era um pouco esquisito às vezes, mas nunca mal-educado.
— Acho que o Sr. Cordero não ouviu o que disse Brad.
— Tudo bem, já estou de saída — interveio Mac. — Só queria mesmo dar meu novo endereço.
— Obrigada. Provavelmente vou até a casa amanhã para tirar fotografias. E seguro, não é?
— Desde que fique longe dos trabalhadores. Espero ficar por lá o dia inteiro, amanhã. A gente se encontra.
— Até amanhã, então — despediu-se ela, sorrindo.
Ele observou-lhe a boca por um instante e depois encarou-a. Sharon teve a sensação de ter sido beijada. Aquele homem a estava deixando maluca.
Mac voltou-se para a porta.
— Vejo você por aí, Brad. Brad não respondeu. Mac saiu.
— Você foi muito mal-educado com o Sr. Cordero, Brad — disse Sharon, assim que a porta se fechou. — Duvido que ele tenha escutado alguma coisa do que disse.
— Não gosto dele.
— Como assim? Acabou de conhecê-lo.
— Não faz mal. Ele tem cara de panaca.
— Tenha paciência, Brad! Não se pode formar opinião sobre as pessoas sem conhecê-las. O Sr. Cordero é um homem simpático.
Logo depois de acabar de falar ela se deu conta de como soava mal a palavra "simpático", aplicada a Mac.
— Ele é um panaca. E não gostei do jeito como olhou para você!
— Não seja bobo. Agora, vamos para casa jantar — disse Sharon, recolhendo suas coisas. — Prefiro conversar sobre por que chegou mais de meia hora atrasado.
— Já disse, não foi minha culpa.
— Depois conversamos sobre isso.
— Jerry disse, na sexta-feira passada que a gente iria comer uma pizza hoje. Ele não ligou?
— Ligou, mas eu recusei.
— Ah... só porque eu cheguei uns minutinhos atrasado?
— Tive vários motivos — disse ela, abrindo a porta para ele passar.
Brad resmungou algo enquanto ela trancava a loja. Seria uma noite longa e estressante. A única coisa agradável fora a visita de Mac.
Com a câmera em punho, Sharon passou pela porta da frente da casa dos Garret pouco depois das cinco horas da tarde. Passara por vários veículos partindo, porém a caminhonete de Mac ainda estava em frente a casa, ao lado do carro de Trevor McBride.
Imaginando por que um advogado estaria visitando uma casa em reformas, ela parou um instante na estante onde Mac dissera haver capacetes disponíveis. Não conseguiu deixar de sorrir ao deparar com um capacete novo e amarelo ao final da fileira. Com letras bem delineadas, lia-se à frente a palavra decoradora.
Ajustou-se quase com perfeição quando colocou-o na cabeça. Fez com que experimentasse a sensação de fazer parte da equipe. Começava a apreciar aquilo. Com jeito de proprietária, olhou ao redor da entrada e do saguão, imaginando o quão bonito e acolhedor ficaria depois da reforma.
Passos fortes nas escadas recém-reforçadas a fizeram olhar para cima. Mac e Trevor estavam descendo. Nenhum dos dois usava capacete talvez porque o trabalho de construção tivesse terminado naquele dia. Ela os observou enquanto desciam. Dois homens atraentes pensou. Um moreno e atlético, o outro, loiro e esguio.
Imaginou que haveria um debate aquecido entre suas amigas para definir qual dos dois era o mais atraente. Para ela... bem, era difícil não se focalizar em Mac.
Trevor sorriu quando viu Sharon. Mac não sorriu, mas houve um brilho súbito em seus olhos escuros que fez seus joelhos tremerem por um instante. Como era mais seguro, ela se concentrou no visitante.
— Olá, Trevor.
— Como vai, Sharon? Belo chapéu.
— Obrigada. É novo.
— Muito bonito. Lugar interessante, hein?
— Muito. Estou morrendo de vontade de revelar o potencial do andar de baixo, mas ainda não conheço o de cima.
— Parece um labirinto, mas tem um bocado de potencial, também. Mac me levou para dar uma volta rápida. Não venho aqui desde criança e fiquei curioso para saber se era do jeito que eu lembrava.
— E era?
— Não muito — admitiu Trevor. — Mas também foi há muito tempo...
Ela riu.
— Você está falando como se fosse um velho.
— Existem dias em que trinta e dois anos parece muito mais. Especialmente quando tento acompanhar meu filho de seis anos e minha filha de três.
— Como está a família?
— Está ótima, obrigado. Vou dar lembranças a eles.
— Faça isso.
Trevor voltou-se para Mac, que pacientemente esperava a seu lado e agradeceu-lhe pela visita. Apertou-lhe a mão, explicando que estava com pressa. Sharon e Mac ficaram sozinhos na casa quando Trevor fechou a porta atrás deles.
— Fiquei surpresa em ver Trevor McBride aqui.
— Trent mencionou outro dia sobre Trevor ter vontade de ver o lugar antes que começássemos. Mandei um recado por ele dizendo que podia vir a qualquer hora.
— Foi simpático em dispor de tempo para mostrar tudo a ele.
— Eu não tinha mais nada para fazer. E entendo perfeitamente a curiosidade dele.
— Agora sou eu quem está curiosa. Mal posso esperar para ver o andar de cima.
— Pois então vamos — disse ele, indicando a escada com um gesto cortês.
Consciente da proximidade dele, Sharon subiu os degraus reforçados. Como Trevor dissera o andar de cima parecia um labirinto, com quartos pequenos e vários corredores enormes. Para adicionar ao caos reinante, os trabalhadores já haviam começado a derrubar paredes, deixando alguns buracos. Mac guiou-a através de toda a bagunça, apontando as características que iriam ficar e as que desapareceriam, chegando a perguntar a opinião dela em dois locais. Ela tirou várias fotografias, embora soubesse que ficaria muito diferente quando Mac terminasse.
Estudando uma parede particularmente interessante, voltou-se e deparou com Mac em pé, atrás dela.
— Tem um bocado de luz natural por aqui, não é?
Pela forma como ele a olhava, via-se que não pensava na reforma.
— Vai haver mais ainda quando terminarmos — disse ele. Sharon umedeceu os lábios, tentando manter o pensamento no trabalho.
— Está fazendo um bocado de mudanças — comentou ela.
— Eu sei. Mas o interessante é que vou manter o estilo e a estrutura da casa.
— Eu sei. Foi o que achei tão intrigante nesse projeto.
Mac ergueu uma das mãos para endireitar o capacete, que não parecia estar torto. Deixou a mão no ombro dela depois, mantendo o contato físico entre os dois.
— Não acha mais nada intrigante, nesse projeto?
— Bem... — começou Sharon, engolindo em seco. Não sabia como responder àquilo.
— Covarde — murmurou ele, baixinho.
— Como? — indagou ela, erguendo a sobrancelha.
— Nada.
O olhar de inocente que ele tentou fazer não convenceria nem numa peça ginasial de teatro. Sentindo-se mais à vontade com ele, passou os dedos pela frente da camisa de Mac, segurando a câmera com a outra mão.
— Se eu fosse covarde, acha que estaria aqui, agora? Sozinha nessa casa com um sujeito que algumas pessoas dizem estar envolvido com o crime organizado?
— Eu já disse. Não estou...
Ela cobriu-lhe a boca com a ponta dos dedos.
— Sei disso. Só estava provocando.
Movendo-se com rapidez, Mac apanhou a mão dela e segurou-a contra os lábios, beijando-lhe a palma da mão. Engraçado, Sharon nunca percebera que existiam tantas terminações nervosas na palma da mão. E todas deram sinal de vida quando os lábios de Mac lhe tocaram a pele.
A cabeça ainda inclinada na direção da mão, ele ergueu os olhos para os dela. Jamais um homem a havia encarado da forma que Mac fazia. Outros haviam olhado para ela... Mac dava a impressão de enxergar seu interior.
A outra mão dele subiu até a nuca e puxou levemente. Ela nem pensou em resistir.
O beijo foi tão emocionante como os que tivera antes. Imaginara estar mais bem preparada agora do que anteriormente, mas fora um engano terrível.
Quando se deu conta, os braços estavam ao redor do pescoço dele, embora não se recordasse de tê-los colocado ali. Percebeu que a câmera não estava em sua mão, o que talvez estivesse relacionado ao ruído próximo aos seus pés. Não que isso importasse, no momento.
Mac a girou, de forma que a cabeça ficou apoiada no braço dele, melhorando a posição para o beijo. Os movimentos dele eram ousados. Decididos. Havia uma sugestão de perigo. Sharon não imaginara ser atraída por esse tipo de vibração... mas foi.
Desde o início, Mac agradara a uma parte dela que a princípio mal reconhecia. Ele ergueu a cabeça, fitou-a intensamente e cobriu-lhe a boca outra vez. O beijo durou por uma eternidade, e quando terminou, não houve dúvida em sua mente de que ele fora tão afetado quanto ela. O braço esquerdo a amparava e o direito mantinha os corpos próximos, pressionando levemente. Não havia dúvida de que ele a queria e que experiência ser desejada por um homem como aquele!
— Você planejou isso? — quis saber ela.
— Planejei ter você em meus braços outra vez desde que saí de sua casa naquela noite — admitiu ele.
-— Não tenho certeza se devo me sentir lisonjeada ou insultada.
Ele a beijou outra vez.
— Isso é loucura. Mal conhecemos um ao outro.
Ele segurou por um instante o lábio inferior dela com os dentes, provocando uma corrente de eletricidade no corpo de Sharon.
— Sou partidário de conhecer o outro cada vez melhor.
Ela passou a ponta do dedo ao longo da linha forte do maxilar de Mac, percebendo que a timidez inicial praticamente se fora.
— Acho que gostaria disso.
— Que tal jantar essa noite?
— Preciso apanhar meu irmão no treino de beisebol em meia hora. Eu estava planejando fazer um espaguete para nós no jantar. Por que não vem comer conosco?
— Não acho que seu irmão vá apreciar minha companhia.
Ela ficou surpresa por ele haver percebido. Ainda não entendia o antagonismo de Brad em relação a Mac.
— Ele simplesmente não conhece você direito, Mac. Está passando por um estágio de adaptação. Tenho certeza de que vai gostar de você se passarem algum tempo juntos.
Ajeitando uma mecha de cabelos dela, ele deu de ombros.
— É muito importante para você?
Sempre parecera importante para ela que Brad gostasse de Jerry, porque facilitava as coisas quando estavam juntos. Mas não deixaria a atitude do irmão evitar que ela passasse mais tempo com o homem mais fascinante que já conhecera em... bem, em toda a sua vida.
— Venha jantar. Brad vai se comportar bem.
— A que horas?
— Às sete horas.
— Estarei aqui... Você disse que tem mais meia hora?
— Quase...
Ele aproximou-se para beijá-la, sorrindo.
— Parece um tempo adequado para a gente se conhecer melhor.
— Ele vem jantar com a gente? Aqui em casa?
Estou saindo. Sharon suspirou.
— Não estou entendendo essa atitude, Brad. Você só encontrou Mac por alguns minutos.
— Já o vi por aí. É um panaca. Anda por aí como se fosse melhor do que nós, caipiras locais.
Sharon encarou o irmão, surpresa. Estavam na sala de estar, pois ela aguardara até chegarem em casa antes de revelar quem convidara para jantar. Brad a encarava do meio da sala, os cabelos desalinhados. Sem conseguir evitar, ela pensou que ele precisava cortar o cabelo. Ele começava a parecer com alguém que ela não conhecia.
— Quem andou dizendo essas coisas para você? Não posso acreditar que sejam palavras suas.
— Todo mundo está falando sobre ele.
— Pensei ter dito para você não prestar atenção às fofocas maliciosas que correm pela cidade. Você tem inteligência suficiente para formar sua própria opinião, Brad. Precisa conhecer alguém primeiro antes de resolver se gosta ou não da pessoa.
— Sei tudo o que preciso saber. Ele só quer ganhar dinheiro rápido'com à velha casa dos Garret e em seguida vai embora. Não vejo por que precisamos ser agradáveis com ele enquanto estiver aqui.
— Que tal hospitalidade pura e simples? Mac não conhece muitas pessoas na cidade.
— Ele não pertence a esse lugar. Nem ao menos é do nosso tipo.
— Pode explicar melhor esse comentário? — pediu Sharon, estreitando os olhos.
Brad percebeu que pisava terreno perigoso e recuou.
— Não foi nada.
— Acho bom, porque se eu imaginasse que foi uma alusão à etnia do Sr. Cordero, eu o mandaria para o quarto, de onde só sairia no começo das aulas. Não pretendo tolerar nenhum tipo de preconceito nesta casa, está claro? Mas tenho certeza de que não foi isso o que você quis dizer, porque nossa mãe não nos criou assim.
Brad continuou mudo, com as mãos nos bolsos.
— O Sr. Cordero vai se juntar a nós mais ou menos daqui à uma hora. Você vai se lavar e comportar-se com toda a educação, compreende?
— Aposto que Jerry não iria gostar de ver você passando tanto tempo com esse sujeito.
— Não preciso da ordem de Jerry quando convido alguém para jantar. Jerry e eu somos amigos, Brad. Só isso.
— Você não pretende namorar com esse sujeito. Cordero pretende? — perguntou ele, preocupado.
Sharon escolheu cuidadosamente as palavras:
— Gosto de Mac. Ele é um homem interessante. Ele e eu estamos trabalhando juntos no projeto de reforma, o que quer dizer que preciso passar um bocado de tempo com ele nos próximos meses. Tenho certeza de que se der uma chance a ele, também vai gostar.
— Por que não posso ir para a casa do Jimbo jantar? Ela ficou tentada a deixar que ele fizesse exatamente isso, apenas para evitar qualquer confronto com Mac, porém acreditava ser importante ensinar boa educação ao irmão especialmente uma lição sobre tolerância. Não sabia qual dos amigos poderia estar enchendo a cabeça dele com essas bobagens, mas não queria deixar que continuassem.
— Porque tenho um convidado para o jantar e gostaria que você estivesse aqui para nos fazer companhia. Agora vá tomar um banho.
Resmungando algo ininteligível, Brad subiu as escadas pisando forte. Sharon o observou preocupada, imaginando o que estaria acontecendo com seu irmão. Seria comportamento típico de adolescente ou algo mais? Gostaria que Caleb e Bobbie McBride estivessem na cidade. Os conselhos diretos e práticos dos dois, além da experiência em criar adolescentes haviam ajudado em várias ocasiões.
Balançando a cabeça, foi para a cozinha preparar o jantar, esperando não ter cometido um grande erro ao convidar Mac para jantar com eles.
O telefone tocou quinze minutos antes do horário em que Mac chegaria. Ela atendeu na cozinha.
— Alô?
— Oi, meu bem.
— Mamãe! — Olhando ao redor para verificar se nada precisava de sua atenção imediata, Sharon preparou-se para uma conversa longa. — Como vai a Riviera?
— Está uma maravilha, meu bem. Gostaria que vocês estivessem aqui, aproveitando comigo.
Sharon sabia ser verdade, pois no que dizia respeito à Lucy, quanto mais, melhor. Infelizmente, porém, jamais levava em conta que "mais" significava uma quantidade maior de dinheiro.
— Sinto falta das minhas crianças, claro. Estou morrendo de saudade. Como está Brad?
— Estamos ótimos, mãe.
Melhor seria não mencionar o comportamento rebelde de Brad, já que ela não poderia fazer nada a respeito enquanto estivesse lá. Na verdade, provavelmente não faria nada a respeito ainda que estivesse ali, admitiu Sharon.
— Eu não tinha certeza se estariam em casa. Pensei que poderia estar num encontro com Jerry.
— Não. Hoje não — respondeu Sharon, pensando que a lista de assuntos inócuos estava se esgotando. — Me diga o que tem visto e o que tem feito desde que nos falamos pela última vez.
Lucy imediatamente lançou-se num monólogo cansativo e pitoresco, que a filha acompanhou parcialmente, mantendo um olho no relógio. Quando faltavam cinco minutos para as sete horas, interrompeu:
— Quer falar com Brad antes de desligar?
— Claro que quero falar com meu bebezinho.
O bebezinho media um metro e setenta e cinco e pesava sessenta e quatro quilos. Sete centímetros mais alto do que Sharon e quase dez quilos mais. Era cada vez mais difícil enxergar a criança dócil que ele fora. Gostaria também de entender melhor o jovem no qual ele se tornara. Se pelo menos a mãe estivesse ali, poderia dividir com ela essas preocupações.
— Estou com saudade, mamãe... Gostaria que estivesse aqui.
— Eu sei meu bem. Só faltam mais algumas semanas e estarei aí.
— Vou chamar Brad.
O irmão atendeu no aparelho do próprio quarto. Sharon acabara de desligar quando a campainha tocou. Ela pediu a Brad para não amolar a mãe com reclamações e esperava que o irmão cumprisse sua parte no acordo.
— Algo errado? — indagou Mac quando ela abriu a porta,
Ela imediatamente suavizou a expressão.
— Não foi nada. Entre.
— Algo a está incomodando — insistiu ele. — O que foi? Algo em que eu possa ajudar?
— Está tudo bem, Mac. Só estou preocupada com meu irmão.
— Por quê?
Ela deu de ombros.
— Ele é um adolescente, só isso.
— Não invejo você.
Ela compreendia. Poucos homens aceitariam de boa vontade a responsabilidade que Sharon aceitara. Embora esperasse ter o próprio apartamento em pouco tempo, era suficientemente realista para saber que não conseguiria distanciar-se dos problemas familiares. Lucy era dispersiva demais, e desorganizada com a própria vida, quem diria tivesse firmeza para lidar com o problema de Brad.
Lucy era permissiva demais com o filho para isso havia Sharon. Ambas sentiam que precisavam compensar algo, já que o menino perdera cedo seu pai. Talvez exagerassem nisso e tivessem tornado mais difícil a aplicação de medidas disciplinares agora.
— Onde está Brad?
— Ao telefone com minha mãe. Provavelmente contando a ela como sou uma megera.
— Todo adolescente precisa de uma megera para cuidar dele — sentenciou Mac.
— Você provavelmente tem razão.
— Bem, como eu não sou adolescente, talvez possa deixar a careta para ele — disse ele, passando de leve o dedo sobre as rugas na testa de Sharon.
— Desculpe — disse ela, tentando sorrir.
— Assim é melhor.
Naquele instante Brad apareceu no alto das escadas, demonstrando de forma visível que não apreciava a mão de Mac no rosto da irmã. O olhar que lançou a ambos foi gelado.
Mac afastou-se, sem pressa.
— Oi, Brad. É bom ver você outra vez.
Sharon não estava contente com a atitude do irmão, depois que pedira a ele educação. Mas pelo menos fora audível, o que representava uma melhora em relação à última vez. Esperava que ele cumprisse o combinado.
Mac não tentou forçar conversa com o rapaz durante a refeição. Ele e Sharon discutiram o progresso da reforma na semana seguinte, depois voltou a conversa para a política, um assunto que interessava ambos. Mantendo a cabeça abaixada, Brad concentrou-se em sua comida, satisfeito por ser ignorado.
Sharon pareceu decidir que era tempo de seu irmão participar:
— Como está à comida, Brad? Quer mais alguma coisa?
— Está ótima. Eu queria mais um pedaço de pão, por favor — disse o adolescente, sem levantar os olhos.
Ela passou a bandeja com os pãezinhos e ele agradeceu com um murmúrio.
— Está uma delícia — disse Mac. — Sempre gostei de espaguete.
— É uma receita especial de minha mãe — disse ela, satisfeita com o elogio. — Ela é ótima cozinheira quando presta atenção ao que está fazendo. Lembra-se de quando ela colocou pimenta-do-reino em vez de páprica, Brad? Tomamos quase um litro de água cada um.
— Mamãe é ótima cozinheira — respondeu o irmão, em tom defensivo.
— Todos cometem erros na cozinha — opinou Mac, encolhendo os ombros. — Minha mãe costumava se distrair com as bananas-da-terra no forno. Quase acostumei com o som do alarme de fumaça na hora do almoço.
— Bananas-da-terra? Acho que nunca comi bananas-da-terra — declarou Sharon.
— Parecem bananas comuns, mas em Porto Rico são comidas assadas ou fritas.
— Que outros pratos de Porto Rico sua mãe fazia?
— Comíamos risoto de galinha, um dos meus pratos favoritos. Ela fazia também ensopado, uma espécie de sopa de arroz com galinha ou camarão, uma paella. Para sobremesa, era sempre pudim. Ah, os pudins que minha mãe fazia... ainda sonho com eles às vezes.
— Eu gosto de comida americana — opinou Brad.
— Certo. Como espaguete? — perguntou Sharon, apontando o prato vazio dele.
Ele corou e baixou a cabeça. Com ar de desculpas, ela voltou-se para Mac.
— Você já morou em Porto Rico?
— Não. Fui visitar uma vez, mas nasci e fui criado em Savannah.
— O que explica seu sotaque de sulista — provocou ela.
— É isso aí, dona...
— Fala espanhol?
— O suficiente para me fazer entender. Tive de aprender por minha conta. Minha mãe queria que o inglês fosse nossa língua principal.
— Brad está aprendendo espanhol na escola — comentou Sharon, tentando incluir o irmão.
— Isso é porque não tenho outra escolha. Só deixam a gente se formar se aprender dois anos de uma língua estrangeira — declarou o rapaz. — Eu mesmo não vejo utilidade nisso. Inglês é a única língua que preciso saber.
O irmão de Sharon estava a ponto de se tornar um sujei-lo radical e racista, pensou Mac, recordando alguns dos comentários dos rapazes em frente à galeria com Brad. Querendo se juntar contra os estrangeiros suspeitos. Criar uma imagem de superioridade ao tratar os outros como inferiores. Alguém precisava afastar o garoto daquelas companhias antes que se metesse em encrenca.
Não que fosse de sua conta, claro.
— Fiz biscoitos de chocolate para a sobremesa — anunciou Sharon. — Espero que não tenha alergia a chocolate, Mac.
— Não tenho problema algum com chocolate.
— Posso comer a sobremesa no quarto? Quero ler minha revista nova de esportes — disse Brad.
— Temos visitas, Brad...
— Não deixe que eu o impeça de ver sua revista nova — interveio Mac.
— Posso Sharon?
— Acho que sim — disse ela, com um encolher de ombros.
O jovem subiu as escadas quase correndo.
— Desculpe, não sei o que acontece com ele quando está perto de você. Acho que por algum motivo, você o intimida.
Mac, naturalmente, sabia exatamente por que Brad se ressentia de sua presença. O garoto não conseguira superar a vergonha de ficar embaraçado na frente dos amigos, mas teria de superar. Mac não pretendia desaparecer, pelo menos até que estivesse pronto para isso.
— Deixe-me ajudar você com os pratos — ofereceu ele.
— Não, isso não é...
— Sharon essa é a segunda vez que você me alimenta. Deixe-me ajudar.
— Já que insiste.
Como Sharon era do tipo prática e organizada, não levou muito tempo para carregar a lavadora de pratos e arrumar a cozinha. Quando terminaram, o café já estava pronto.
Levaram as xícaras e pratos com biscoitos de chocolate e nozes para a sala. Conversaram enquanto trabalhavam. Mac ficava surpreso com a facilidade que tinha para conversar com Sharon. Geralmente achava difícil falar sobre trivialidades, mas com ela era diferente. Fosse como fosse, precisava ir logo ao motivo que o levara até ali: descobrir mais sobre os McBride.
— Trevor McBride é um sujeito interessante. Ele lembra bastante Trent, mas quando visitou a obra, fiquei com a impressão de que não são nada parecidos, os dois.
— Não mesmo — concordou Sharon. — Sempre pensei em Trevor como o irmão mais ajuizado. Como a irmã mais velha. Tara, ele foi brilhante na escola, presidente de classe, esse tipo de coisa. Ninguém ficou surpreso quando ele seguiu os passos do pai e foi para o Leste inscrever-se na faculdade de Direito. Construiu uma bela reputação para si mesmo em Washington, DC, antes de se mudar de volta para cá e criar seus filhos, depois que sua esposa morreu tão jovem e tragicamente.
— Deve ter sido difícil para ele. Ficar com duas crianças pequenas para criar, quero dizer.
— Bem, foi difícil para ele. Teve sorte em que seus pais o ajudaram nisso. Formam uma família muito unida. Procuram um ao outro sem hesitação quando um deles está precisando. Então ele e Jamie se casaram, e parecem felizes agora. Ele e os filhos adoravam Jamie, e ela obviamente se sentia da mesma forma.
Mac achou difícil identificar-se com uma família que sem hesitar apóia um ao outro, em todas as dificuldades.
— Os McBride têm um bocado de dificuldades, não têm?
— Acho que como todas as famílias grandes, eu suponho.
— Estava pensando sobre esse acidente de avião. Entendi que Trent estava a caminho de uma carreira na Força Aérea quando o avião caiu.
Ela assentiu, distraída, os olhos na escadaria. Pensando sobre o irmão outra vez? Pelo menos estava respondendo suas perguntas.
— Sim, Trent sempre sonhou em ser piloto. Era tão inteligente quanto seu irmão e sua irmã, mas as notas eram algo importante para ele. Só tirava notas máximas, porque precisava delas para entrar na Academia da Força Aérea. Tara e Trevor já eram sérios, bem centrados. Trent era o palhaço. A ovelha negra. Acho que agora isso é bem mais difícil de acreditar. O desastre o mudou muito. Só agora ele está aprendendo a apreciar a vida outra vez. Graças à Annie, sua noiva, em grande parte. Aprendeu que poderia ser feliz fazendo outra coisa que não fosse voar.
— Não deve ter sido fácil para ele desistir do que sempre desejou fazer.
— Tenho certeza de que deve ter sido a coisa mais difícil que ele já fez. A família estava muito preocupada com ele. Bobbie me disse uma vez que ela não tinha certeza de como iria conseguir... mas eu sempre soube que ele era mais forte do que isso.
— Você ainda gosta um pouco dele, não?
Aquilo captou sua atenção. Ela deixou escapar uma risada autêntica, para sua satisfação.
— Meu Deus, não. Sempre considerei Trent um amigo. Na verdade, provavelmente penso nele mais como um irmão... um primo, talvez, do que qualquer outra coisa.
— Só estava verificando os competidores — disse ele, fazendo com que ela corasse.
— Não é Trent.
— Não? Mais alguém que eu não conheça?
— Já disse antes. Não estou envolvida emocionalmente com ninguém. Tenho amigos com os quais saio de vez em quando, mas é só isso.
Ele sorriu de forma maliciosa.
— Ótimo.
Sharon fingiu concentrar-se em seu café, parecendo tão vulnerável que Mac passou o braço nos ombros dela e puxou-a, fazendo com que ela sentisse desejo e não embaraço. Ele limpou a garganta e forçou a si mesmo a retornar ao assunto.
— Trevor é vários anos mais novo do que Trent, não é?
Ela pareceu grata que ele preferisse assuntos menos pessoais.
— Quase seis anos, eu acho. Trent tem vinte e seis e Trevor tem trinta e dois.
— A irmã é mais velha?
— Um ano mais velha do que Trevor. Tara tem trinta e três anos. Qual sua idade, por falar nisso?
— A mesma. Tenho trinta e três — disse Mac.
Perguntou-se se o fato de Tara McBride e ele terem nascido com poucos meses de intervalo tornava mais ou menos provável que tivessem o mesmo pai. Não pôde deixar de imaginar como Sharon reagiria se dissesse aquilo em voz alta. Ela o auxiliara muito com as informações sobre os McBride, porém se suspeitasse o que ele pretendia fazer contra a família, não iria gostar.
— Estou ansioso para conhecer Caleb e Bobby McBride — comentou ele, esperando não estar forçando a sorte. — Pela forma com que falam deles devem ser pessoas interessantes.
Mac tinha fortes suspeitas de que Caleb não era o homem que estava procurando, mas não custava descobrir o máximo que pudesse.
— São mesmo. Tenho certeza que vai gostar deles. Caleb é um verdadeiro cavalheiro do sul. Jamie diz que ele é o próprio advogado sulista de cidade pequena. Assim como pai, ela o adora.
Foi ele o fundador do Escritório de Direito McBride, não foi?
— Foi. Ele começou a advogar bem antes que eu tivesse nascido.
— Imagino que ele viaje bastante a negócios — comentou Mac.
Sharon riu.
— Caleb jamais sai de Honória. Você não faz idéia sobre o que precisaram fazer para conseguir que ele saísse de férias. Ele acredita ser do tipo de pessoa que diz viver muito bem num só lugar a vida inteira. Não me lembro de saber que ele saiu da cidade por mais do que um dia ou dois, e nunca sem a esposa e a família.
Então Caleb nunca saía de Honória. Mac assentiu.
— Ele e a esposa parecem próximos. Devem ser muito parecidos um com o outro.
— Tenho certeza que sim. Mas Bobbie já é outra história.
— Já ouvi dizer que ela pode ser... dominadora — arriscou ele.
— As pessoas que falaram com você provavelmente a conheceram em classe. Ela é o terror do Ginásio de Honória e a melhor professora da cidade. Ferozmente leal à família e aos amigos, de temperamento ranzinza, mas com muito bom coração. Mandona mas bem-intencionada. Existem algumas pessoas que não gostam dela por sua franqueza, mas acho que isso a toma confiável. Ela e Caleb formam um belo casal, foram feitos um para o outro. Ambos têm algo especial a oferecer. São casados há quase quarenta anos.
— Existe algum McBride que você não goste? Ela riu.
— Não, acho que não. Minha própria família é tão pequena só mamãe e Brad, além de alguns parentes distantes que nunca vejo. Devo admitir que sempre fui fascinada pelo clã McBride.
— É o que parece, mesmo.
— Acho que é por isso mesmo que estamos sempre conversando sobre eles. Você deve se perguntar se não tenho outro assunto — disse ela.
Se Sharon imaginava mesmo que era quem provocava o assunto, significava que Mac fora sutil. Ou então estava mais preocupada com o irmão do que afirmara. Ele resolveu ser o suficiente por aquela noite e mudou de assunto.
— Conseguiu todas as fotografias que queria hoje? Vai até lá amanhã?
— Vou comprar um carro amanhã à tarde. Já estou cansada de alugar.
— O seguro foi o suficiente para você?
— Até certo ponto. Perdi um pouco de dinheiro, e terei de financiar o carro novo.
— Acho isso muito injusto. Quem quer que estivesse dirigindo aquela perua deveria pagar por tudo. Não foi sua culpa que o idiota resolveu mudar de pista na estrada.
— Sei disso e tem toda a razão. Fico furiosa, mas acho que terei de viver com isso até que Wade apanhe o sujeito. Mesmo assim, não acho que tenho muitas chances de ser reembolsada.
— Acho que, infelizmente você tem razão.
— Tento não pensar muito sobre isso — disse ela, observando sua xícara de café. — É perturbador. Mas não consigo deixar de pensar, às vezes...
— Pensar o quê?
— Não sei... às vezes fico com a impressão de que a caminhonete veio deliberadamente em minha direção. Quer dizer... Acha possível ter sido de propósito? Para evitar que eu contasse o que pudesse ter visto, ou identificasse alguém. Será que estou deixando minha imaginação exagerar quando penso assim?
Ela gostaria que alguém lhe assegurasse não ter sofrido uma tentativa de assassinato. Sabendo como essa possibilidade seria assustadora para ela, Mac resolveu ser honesto:
— Não sei Sharon, talvez fosse mesmo um acidente, mas naquelas circunstâncias poderia não ser. Você pode apostar que essa pergunta seu amigo Wade vai fazer, se conseguir colocar as mãos no sujeito.
— Se, não quando Wade conseguir apanhá-lo — corrigiu ela.
Pelo que sabia sobre a personalidade do chefe de polícia, Mac entendeu por que ela demonstrava tanta confiança. Se o motorista da caminhonete ainda estivesse na área, havia uma boa chance de que Wade o apanhasse. Porém seria mais provável que ele estivesse longe dali. Vários crimes daquele tipo nunca eram resolvidos, o que constituía uma fonte de frustração entre os que trabalhavam nas forças policiais. Um dos motivos pelo qual Mac desejou sair.
— Tente não pensar muito nisso — aconselhou ele, sabendo que era mais fácil falar do que fazer. — Agora está a salvo porque não há ninguém a identificar.
— Sei disso, mas não consigo deixar de pensar nisso, de vez em quando.
Pela expressão dela, Mac podia facilmente imaginar as noites de medo e insônia. Gostaria muito de colocar as mãos no motorista da caminhonete que quase custara a Sharon a própria vida.
— Estou bem. Jamais vou esquecer a forma como me ajudou naquela noite.
— Fico contente por ter estado lá. Então? Quer companhia para comprar o carro amanhã? Ou prefere fazer isso sozinha?
— Brad quer ir, mas felizmente ele tem treino de beisebol. Acho que ele vai tentar me convencer a comprar algo completamente impraticável, como uma Corvette ou algo parecido. Tenho certeza de que ele não aprova o seda discreto que tenho em vista. Meu amigo Jerry, que é um vendedor de seguros aqui em Honória, queria ir comigo. Ele não iria me deixar conversar direito com o vendedor. É bem-intencionado, mas eu prefiro lidar com a compra por mim mesma.
— Se quiser, posso acompanhar você e só dar minha opinião se você pedir.
— Tem certeza de que tem tempo?
— Se você quiser, eu arranjo tempo.
— Para dizer a verdade, gostaria de ouvir uma segunda opinião. Tinha pensado em perguntar a Trevor ou Trent, mas não sei se estarão disponíveis.
— Eu estou.
— Eu gostaria muito — confirmou ela, com um sorriso.
— Eu também — respondeu ele.
Como estava ficando difícil ficar perto dela e não tocá-la, Mac colocou a xícara sobre a mesa e levantou-se.
— Já vai?
Ele olhou na direção da escada.
— Parece a melhor opção.
— Talvez tenha razão — concordou Sharon, seguindo-Ihe o olhar.
— Onde quer marcar para nos encontrarmos, de manhã?
— Na minha loja, ao meio-dia. Está bem para você?
— Está ótimo.
Ela o acompanhou até a porta. Lançando um último olhar para a escadaria vazia, Mac puxou-a contra si para despedir-se. Foi um beijo rápido, mas não podia ir embora sem Sharon retribuiu com um entusiasmo que sugeria uma vontade tão grande quanto a sua.
Ao dirigir de volta para seu apartamento, Mac tentou analisar exatamente o que acontecia entre ele e Sharon Henderson. Ele a desejava não podia chegar ao ponto de negar isso. Porém precisava também de informações sobre os McBride. Especialmente Caleb e seus irmãos.
Contudo, sentia uma desconfiança inquietante de que havia mais do que isso entre ambos. Não sabia o que fazer sobre o assunto, nem tinha certeza se queria fazer alguma coisa. Seu último relacionamento terminara em tristeza e frustração. Não tinha a menor intenção de passar por nada parecido outra vez. Especialmente com uma mulher que poderia muito bem odiá-lo quando descobrisse o motivo que o trouxera àquela cidade.
Mac estudou a árvore genealógica inicial tomando forma no papel. Duas horas depois de sair da casa de Sharon, ele estava à mesa de seu apartamento temporário, com as notas espalhadas à sua frente. Tentava concentrar-se nos novos detalhes, porém o que lhe vinha à mente eram os lábios de Sharon sob os seus. Fazia uma tentativa para lembrar-se da razão pela qual viera até Honória, que não fosse o olhar recíproco de desejo nos olhos dela.
Pensar em Sharon naquela noite podia ser mais incômodo do que revolver velhas lembranças.
No alto da folha, escrevera: "Caleb e Bobbie McBride". Abaixo, anotara que haviam sido casados por quase sete anos antes da concepção de Mac o que significava que Caleb poderia ser o homem casado que tivera um caso com a mãe de Mac. Embora fosse uma possibilidade, outros detalhes não se ajustavam de forma alguma, Mac tinha dificuldade de acreditar nisso. Caleb estivera estabelecido como advogado na cidade, um emprego que não exigia viagens. Pelo testemunho de todos até agora, ele e a esposa haviam sido felizes, quase perfeitos. Por que arriscar tudo para ter um caso? Especialmente porque a filha de Caleb, Tara, tinha aproximadamente a idade de Mac, o que indicava que Caleb e Bobbie vinham se dando no mínimo razoavelmente bem nos últimos trinta e três anos.
Tudo o que Mac ficara sabendo sobre aquele ramo da família McBride os tornava um assunto perfeito para um seriado de televisão: um advogado e uma professora, com três atraentes, populares e inteligentes filhos, que haviam crescido no tipo de casa que Mac secretamente fantasiara liam juventude. Quando era um menino solitário, cuja mãe solteira trabalhava muito e bastante, ficava sozinho tempo suficiente para sonhar como poderia ter sido sua vida se as coisas tivessem ocorrido de forma diferente.
Observara outros rapazes com seus pais e imaginava como seria ter um pai só para ele. Passara por vários estágios: ressentimento, raiva, revolta e até mesmo rebeldia por seu pai haver escolhido não fazer parte de sua vida. Parecido com Brad Henderson, pensou. O rapaz definitivamente precisava de uma forte influência masculina em sua vida, ao invés de duas mulheres que pareciam viciadas no hábito de mimá-lo.
Mac tivera a sorte de ter uma mãe determinada a fazer alguma coisa da vida dele, e alguns bons modelos masculinos... um par de professores favoritos, um treinador e um policial morador da vizinhança, que resolvera ajudar Mac. Sabia que Brad estava envolvido com esportes, portanto talvez o rapaz tivesse por perto alguns homens capazes de mantê-lo no bom caminho. Mostrar o que era ser um homem de verdade.
Imaginou se o amigo de Sharon, Jerry, seria um desses modelos.
Ouvira falar sobre Jerry, mesmo antes de saber que Sharon e ele saíram juntos por algum tempo, embora ninguém tivesse chamado de sério. Algumas pessoas sentiram necessidade de mencionar a existência do sujeito para Mac como se o estivessem avisando de que a moça tinha proprietário. Mac resolvera buscar as informações com a própria Sharon, que certamente dissera alto e em bom som que nenhum homem possuía direitos de propriedade sobre ela.
Ele concluiu que ela não apreciaria os termos nos quais todos pensavam nela, pois não era um objeto para ser possuído por alguém, incluindo ele mesmo. Ainda assim, estava consciente de que não gostava de pensar sobre Jerry. Tinha certeza de que não gostaria dele e ainda nem conhecera o sujeito. Isso significava que não gostava de pensar em Sharon na companhia de qualquer outro homem.
Batendo o lápis na superfície da mesa, empurrou a cadeira e levantou-se. Não queria ficar sentado ali, identificando-se com o irmão dela, também órfão de pai, nem queria pensar sobre os amigos de Sharon. Não parecia ter uma pista decisiva sobre os McBride naquela noite. Ainda não sabia nada sobre Jonas, Josias Jr. e o irmão mais novo de Caleb. Eram as peças que faltavam no quebra-cabeças que Mac tentava montar.
Precisava descobrir uma forma de incluir Jonas McBride em sua próxima conversa com Sharon. No momento, aquilo parecia mais fácil do que descobrir uma forma de atrair Sharon para sua cama.
Sharon sabia que com o convite dele para ajudá-la a escolher um carro, a privacidade do que quer que exista sobre eles iria acabar. Poderia, com o mesmo efeito, colocar a notícia no jornal de Honória. Sabia que as pessoas iriam começar a falar, porém na verdade não se importava. Ela e Mac eram solteiros, sem compromissos. Não existia motivo algum para que não saíssem na companhia um do outro.
Divertiu-se muito ao lado dele naquela tarde de quarta-feira. Gostou da companhia de Mac, valorizou seu conselho e apreciou a forma como ficou afastado para deixá-la conversar com o vendedor e tomar suas decisões. A forma como olhou para ela a fez sentir-se desejada e especial, de uma forma que nenhum homem a fizera sentir. Percebeu estar ficando cada vez mais envolvida, porém continuava dizendo a si mesma que podia lidar com a situação. Esperava poder.
Acabara de estacionar seu carro novo na garagem quando o telefone tocou. Atirando a bolsa para a bancada, correu par a atender a extensão da cozinha.
— Alô?
— Oi, Sharon. É uma surpresa escutar sua voz em vez da secretária eletrônica.
Ela sorriu. Era Jerry, e pelo tom não parecia feliz. Podia imaginar o motivo.
— Oi, Jerry.
— Ouvi dizer que comprou um carro novo esta tarde.
— É verdade. Eu planejava ligar para você logo de manhã para atualizar o seguro. Como ficou sabendo?
— Charlie Hayes passou em meu escritório pouco antes da hora de fechar para me passar a informação sobre a nova caminhonete dele. Disse que viu você na loja.
Sharon lembrou-se de haver conversado com o diretor da escola, aposentado, que fora patrão de sua mãe. Ela o apresentara a Mac.
— O Sr. Hayes está ótimo, não acha? Completamente recuperado do problema de câncer — disse ela, com uma leve esperança que ele a deixasse dirigir a conversa.
— Charlie me contou que você estava lá com um amigo.
— É verdade. Era Mac Cordero, que se ofereceu para ir comigo quando contei o que iria fazer à tarde.
— Talvez tenha esquecido que eu também me ofereci.
— Não, não esqueci. Mas não queria afastar você do trabalho. Mac tinha tempo livre à tarde.
— Correm rumores que você tem passado um bocado de tempo livre com esse sujeito.
Aquilo significava que as pessoas já falavam.
— Estou no grupo de reforma da casa dele...
— E o projeto não está nem perto do ponto onde seus serviços são necessários. Pelo que escutei, acabaram de começar a demolir paredes e massas antigas para chegar à fiação. Vai demorar semanas para começarem a decorar.
— Mac quer que eu me envolva em todos os estágios. Ele gosta das minhas idéias.
— Tenho certeza de que gosta. — Sharon ignorou o comentário infantil.
— Quer saber sobre meu carro novo? É uma graça, ele...
— O que eu gostaria de saber é o que está acontecendo entre você e esse Mac Cordero.
Ela imaginou por que ele teria ficado tão ofendido com isso. Ela nunca o enxergara dessa forma antes. Em compensação, também nunca fizera nada parecido.
— Não devo explicação nenhuma a você, Jerry. Nem preciso da sua permissão para encontrar outras pessoas.
— É por isso que tem me evitado ultimamente? Por causa de Cordero?
— Não acho que seja um bom momento para discutir esse assunto.
— E quando seria um bom momento, Sharon? Todas as vezes que convidei você para sair ultimamente, recebi uma desculpa.
Ela reconheceu para si mesma que era verdade. Tinha tentado insinuações sutis, mas com Jerry teria sido melhor declarar que não estava interessada nele de forma romântica. Gostava da amizade dele e agora iria perdê-la, mas não podia continuar a sentir-se comprometida com um relacionamento que não chegaria a lugar nenhum.
— Talvez a gente pudesse jantar na semana que vem? — sugeriu ela.
— Não preciso de favores seus...
— Vamos lá, Jerry não há necessidade de...
Sharon interrompeu-se ao ouvir o estalido na linha do outro lado. Ele desligara o telefone!
— Deixou Jerry dar o fora em você?
Ela teve um sobressalto, ainda segurando o bocal do telefone.
— Brad, você me assustou. Quase dei um pulo aqui. Quer ver meu...
— Jerry deu o fora em você?
Só então ela percebeu que seu irmão estava bravo.
— Jerry e eu não acabamos nada, porque não havia nada para acabar. Você me faz parecer seus amigos da escola, que pedem em namoro depois terminam.
— Ele ficou bravo com você porque está saindo com Mac Cordero, não foi?
Sharon começava a ficar irritada com o interrogatório do irmão, especialmente depois do telefonema.
— Isso não é da sua conta.
— Ouvi dizer que você levou esse sujeito para comprar o carro com você, hoje.
— Como é que...
— Por que fez isso? Não sabe que todos comentam? — interrompeu ele.
— Não vejo nada de errado em levar um amigo para fazer compras comigo.
— Parece que você está dando em cima dele.
— Brad!
— Jimbo diz que não se pode confiar num sujeito daqueles. Viajando de cidade em cidade, sem parar em lugar nenhum. Dando em cima das mulheres em todos os lugares, procurando uma...
— Jimbo não sabe sobre o que está falando — cortou ela. — E, francamente, você também não.
— Só sei que os caras estão fazendo piadas com você. Acham que você é boba em se apaixonar por um idiota daqueles. Disseram-me que se eu não enfiar um pouco de juízo em sua cabeça, ele vai acabar fazendo você de boba. Vai acabar como Connie Moser se alguém não impedir.
Sharon não acreditou no que escutava da boca do irmão. Connie era uma garota de dezesseis anos, mãe solteira, que ficara grávida de um rapaz que viera durante as férias visitar os avós. Não viu relação nenhuma.
— Quer fazer o favor de não me comparar a uma garota irresponsável? Você está sendo ridículo. Mac e eu somos ambos adultos. Por que não poderíamos sair juntos quando quiséssemos?
— Você já tem um namorado, o Jerry.
— Jerry nunca foi meu namorado — respondeu ela, quase gritando. Controlou-se, para não se envolver numa discussão de berros com o irmão. — Não estou pedindo sua permissão para sair com Mac.
— Então por que preciso pedir sua permissão para fazer tudo?
— Porque, você goste ou não, sou a pessoa adulta encarregada dessa casa, pelo menos até mamãe voltar. Já tentei ser justa, e deixo você dar sua opinião, mas a palavra final tem de ser minha. Se quer saber, também não gosto, mas mamãe nos pediu esse favor, e nós dois concordamos, portanto vamos cumprir nossa parte do trato.
-— Mas...
— Você não tem o direito nem a responsabilidade de me chamar à atenção sobre as coisas que faço. Não preciso da sua aprovação e não estou nem um pouco interessada na opinião de Jimbo. Fui clara?
Brad assentiu, com um gesto de cabeça, olhando para baixo.
— Vá para cima se lavar e desça em meia hora para jantar. Depois precisamos ir até a igreja. Hoje temos reunião do grupo de jovens.
O rapaz deu a impressão de que iria discutir, depois ficou quieto. Talvez tivesse percebido que ultrapassara seus limites. Por outro lado, ela sabia que ele gostava dos grupos de jovens, embora não fosse capaz de admitir naquele momento. Girou nos calcanhares e foi para o quarto, pisando mais forte do que o necessário.
Sharon esperou até que ele desaparecesse de vista e apoiou-se contra o balcão, deixando que sua raiva se dissipasse dos músculos trementes. Como acabara naquela situação? O que a fizera pensar que podia lidar com aquilo? Quando sua mãe dissera, soara tão simples: dar uma olhada em Brad por algumas semanas, se certificar de que ele não se metesse em encrencas e tomar conta da casa até Lucy retomar. Sem problema, certo?
Errado. Sharon podia sentir toda a combinação desmoronando ao seu redor e não sabia o que fazer. Brad estava mudando. Desafiando-a abertamente de uma forma que nunca fizera. Talvez fosse natural para um menino da idade dele, ou talvez significasse algo mais sério... como poderia saber?
Gostaria que Bobbie e Caleb McBride estivessem ali.
Talvez pudesse conversar com Wade Davenport. O filho dele era um adolescente e parecia bem-ajustado. Talvez o delegado tivesse alguma sugestão. Ou poderia conversar com outro homem adulto na vida de Brad. O treinador de beisebol, Dodson, a quem os rapazes respeitavam, embora ele mantivesse vigilância rígida sobre eles. Será que algum desses poderia ajudá-la?
Por algum motivo, pilhou-se querendo conversar com Mac, embora ele não tivesse filhos e ao menos conhecesse Brad direito. Pensou que apenas o fato de escutar a voz dele a faria sentir-se melhor e essa idéia a deixou quase tão preocupada quanto o problema de Brad.
Mac estava se habituando a jantar no Café da Cora. Não era o único freqüentador regular, mas não era difícil entender por que o lugar era tão popular. A comida era boa e honesta. Havia um prato especial todos os dias, portanto ele não ficava cansado de comer a mesma coisa. E havia ainda as tortas de Cora...
A solidão não era um problema durante as refeições. Mindy Hooper, eterna empregada da casa, tinha uma conversa jovial e agradável, sempre que podia parava um pouco à mesa dele. Embora ela não pudesse ter mais de quarenta anos, o tratava de uma forma quase maternal... da mesma forma que os outros clientes.
Embora Mac só estivesse na cidade por algumas semanas, ela já o considerava um habitante, tendo aprendido sua preferência em bebida durante o jantar, o molho favorito de salada e a forma corno preferia seu café. Sabia também que apreciava qualquer torta, menos a de morango. Era bom sentir-se aceito com tanta facilidade por alguém que julgava os outros pelo rosto, sem querer saber mais sobre a pessoa.
Outros clientes habituais paravam à mesa de Mac para cumprimentá-lo... pessoas que conhecera durante o trabalho, alguns que encontrara em lugares tão diferentes quanto o correio ou a loja de ferragens. Embora ele não estivesse particularmente interessado em fazer amigos em Honória, pois não tinha planos para permanecer depois da reforma, fazia questão de responder aos cumprimentos com simpatia. Não havia motivos para ser mal-educado.
Agradavelmente satisfeito na quinta-feira à noite, saiu do café e foi até sua caminhonete. Naturalmente preferia ter passado a noite com Sharon, mas era bom passarem algum tempo separados. As horas que haviam partilhado durante o dia haviam sido extremamente suaves quase agradáveis demais. Não ficara sabendo nada de novo sobre os McBride, mas em compensação não chegara a puxar o assunto. Ficava incomodado que seu desejo crescente por Sharon começasse a interferir com seu propósito para estar na cidade.
Avançara demais em sua busca para parar. Não podia permitir que Sharon ou qualquer outra pessoa se colocasse entre ele e a verdade. Uma vez que tivesse suas respostas, decidiria o que fazer a respeito. Disse a si mesmo que não se importava com quem se machucasse quando a verdade viesse à tona. Não seria nada em relação ao que ele sofrerá em seu tempo de vida.
Contudo, o fato de estar próximo a Sharon o fez reconsiderar sua posição, entre ações e motivações. Começou a considerar o fato de que existiam coisas mais importantes do que sua vingança. Definitivamente precisava de algum tempo longe dela.
Perdido em pensamentos, levou um instante para perceber o risco sobre a lataria de sua caminhonete, desde a frente até a traseira. O corte profundo rasgava até o metal, parecia ter sido feito com uma faca ou com um prego grande. Com certeza não estava ali quando ele estacionou quarenta e cinco minutos antes.
Quem quer que tenha feito aquilo, sabia exatamente que tipo de dano estava causando. E a quem estava fazendo. Mac não tinha dúvidas de que quase todos naquela cidade já reconheciam sua caminhonete.
Da última vez que estivera em Honória, ele alugara dois carros discretos e escuros, esperando descobrir algo sobre os McBride sem chamar atenção para si mesmo. Naturalmente não percebera na época, quão pouco se passava na cidade sem que todos tomassem conhecimento. Quase fora acusado de seguir Annie Stewart, quando na verdade seguia Trent McBride. Precisara de um bocado de conversa para escapar, acabando por convencer a Trent que desejava contratá-lo para a reforma da casa, não conquistar sua namorada.
Na viagem final, viera com sua caminhonete preta, de acessórios cromados. A mesma que agora fora danificada.
Escutou passos correndo e voltou-se a tempo de ver alguém desaparecer numa esquina, rua abaixo. Provavelmente estivera escondido atrás de um carro ou coisa parecida.
Alguém cuja silhueta lembrava muito a de Brad Henderson.
— Maldição! — resmungou ele, apanhando o celular. Discou o número de Sharon, que atendeu ao segundo toque. — Oi, Sharon, aqui é Mac. Sabe dizer onde está seu irmão?
— Ele tem um jogo mais tarde — respondeu ela, surpresa. — Agora deve estar jantando com os amigos. Por quê?
— Onde eles estão jantando?
— Provavelmente ná nova lanchonete na rua Maple. Todos adoram os hambúrgueres e shakes de lá. O que está acontecendo, Mac?
A lanchonete ficava apenas a algumas quadras dali. Sem dúvida, Brad poderia ter andado com facilidade até lá. Poderia até ter levado um amigo com ele, o fato de Mac não ter visto ninguém com ele não significava que estivesse sozinho.
— Foi um mal-entendido — disse Mac. — Pensei ter visto Brad, mas devo ter me enganado.
— Mac?
— Não se preocupe, sim? Desculpe ter perturbado você.
— Mas...
— Converso com você amanhã. Boa noite, Sharon.
Ele fechou o telefone e guardou-o no bolso outra vez, tentando determinar o próximo movimento.
— O que aconteceu aqui?
Mac voltou-se e reconheceu o homem que havia falado com um dos policiais que ele encontrara na noite do acidente com Sharon. Dolan? Dobbins? Dodson, lembrou ele.
— Boa noite, policial.
O outro, aproximadamente da idade de Mac, apeou de sua viatura oficial.
— Eu estava indo jantar, mas estou vendo que você tem um problema aqui. Algo que eu possa fazer?
Mac olhou para sua caminhonete e balançou a cabeça, irritado.
— Acho que não, policial, obrigado.
— Imagino que vai querer registrar um boletim de ocorrência. Este arranhão tem todo o jeito de que foi feito de propósito. Já conseguiu fazer inimigos na cidade, Sr. Cordero?
— Que eu saiba, não. Não há necessidade de registrar queixa. Posso lidar com isso.
— Não saia por aí querendo lidar com os problemas por conta própria, está bem? Sei que já foi policial numa cidade grande, mas por aqui eu e Wade somos a lei.
Mac quase sorriu. Estaria o sujeito fazendo o papel de policial sulista de cinema? Com sotaque e tudo?
— Eu disse que vou cuidar do assunto, policial. Mas assim mesmo obrigado pelo conselho.
Dodson deu de ombros.
— É você quem sabe. Acho que vou jantar, também.
— A torta de coco está uma delícia hoje — recomendou Mac, numa inspiração súbita.
— Vou lembrar disso. Vejo você por aí — despediu-se o policial, entrando na viatura.
Mac assentiu e abriu a porta de sua caminhonete. Quem quer que tivesse feito aquilo estaria muito longe dali, provavelmente a salvo com os outros jogadores do time de beisebol e prontos a jurar que ele ou eles, jamais saíram dali. Porém Mac não tinha intenção de deixar as coisas daquele jeito. Queria conversar um pouco com o irmão mais novo de Sharon Henderson. E era melhor que o rapaz escutasse, se sabia o que era bom para ele.
— Estou dizendo, delegado, não gosto daquele sujeito. Ele me deixa nervoso.
Wade estudou o rosto de Gilbert Dodson.
— Por que, exatamente, você fica nervoso perto dele, posso saber?
— Por causa da atitude dele. Sempre calmo, com ar de superior, como se soubesse de alguma coisa que a gente não sabe. Estou dizendo, delegado, acho que eu continuaria verificando esse sujeito no caso dos arrombamentos. Aposto que ele tem alguma coisa a ver com essa história.
— Você está tentando me convencer disso por mais de uma semana, Gil, mas não me trouxe sequer uma prova. Traga-me algo sólido para começar a trabalhar nisso. Até lá...
Wade deixou o resto da sentença no ar. Dodson suspirou com seu pessimismo habitual.
— Estou fazendo o melhor que posso delegado.
— Tenho certeza que sim, Gil. Vá até lá e consiga o que precisamos.
Assentindo, Dodson saiu do escritório.
Ele parecia convencido de que o Sr. Cordero estava a ponto de fazer algo nefasto, pensou Wade, ainda olhando para a porta. A antipatia de seu assistente para com Cordero era curiosa, pois Gilbert geralmente se dava bem com todos.
Wade começava a fazer mais perguntas do que dar respostas sobre vários assuntos. E isso começava a dar em seus nervos.
Parecia ser o momento de fazer outra visita àquele homem.
Sharon saiu de sua loja assim que Tressie voltou do almoço, na sexta-feira à tarde.
— Volto mais tarde — disse ela ao sair.
— Bom apetite. Espero que vá dividir com alguém... interessante.
Tressie há uma semana a vinha provocando a respeito de Mac. Sharon a deixou sem resposta. Por um lado, planejava mesmo encontrar com Mac durante sua ausência. Queria saber exatamente o propósito daquele telefonema estranho na noite anterior.
Sabendo que só iria piorar a situação com Brad, não mencionara o telefonema a ele, mas o questionara sobre o que fizera antes do jogo, e ele disse que todos da turma haviam comido na lanchonete, depois foram para o campo colocar os uniformes e se aquecer. Nada de especial, assegurara ele. Bastava perguntar a qualquer dos amigos.
Preocupava-se com o fato de que ele tivesse evitado seus olhos durante a conversa.
A caminhonete de Mac estava estacionada do lado de fora da casa dos Garret, ao lado de outros veículos. Ficou contente em alcançá-lo antes que fosse para casa. Se conseguisse conversar com ele em...
Enxergou o risco na caminhonete dele antes mesmo de descer do carro. Estacionou e aproximou-se devagar, estreitando os olhos para enxergar melhor. Estudou o longo risco que penetrava até o metal, e embora pudesse ter sido causado acidentalmente, no fundo ela sabia o que acontecera. Alguém fizera aquilo de propósito. Um ato malicioso de vandalismo... Ou uma mensagem.
— Se veio me ver, quase não me alcança. Estou a ponto de sair para almoçar — disse a voz dele.
Ela girou nos calcanhares, fazendo um gesto em direção ao caminhão.
— Quando isso aconteceu?
— Ontem à noite, enquanto eu jantava no Café da Cora.
— Você descobriu exatamente na hora que me ligou, por acaso?
— Um pouco antes.
— Você imaginou que Brad fez isso.
— Confesso que a possibilidade cruzou minha mente. Havia algo difícil de interpretar na expressão dele.
— Mac, você não pode acreditar que...
Conversando e rindo alto, dois trabalhadores que Sharon conhecia passaram por eles e dirigiram-se para o barracão onde ficava o estoque. No caminho cumprimentaram-na, o que a fez sorrir e retribuir pacientemente. Depois voltou-se outra vez para Mac.
— Você não está levando a sério...
— Já almoçou? — interrompeu ele.
— Não.
— Eu também não. E estou morrendo de fome. Vamos conversar sobre isso enquanto almoçamos, está bem?
— Bem, eu...
— Vamos, entre — convidou ele, abrindo a porta da caminhonete.
Como era um veículo alto, ela aceitou a mão que ele estendia e sentou no banco único, deslizando para o lado do passageiro. Ficou contente por usar uma calça cinza em vez de saia.
Sharon aguardou até que Mac ligasse o motor.
— Espero que não pense que Brad seria capaz de realizar um ato desses de vandalismo. Com você ou com outra pessoa qualquer.
— Gosta de churrasco?
Era óbvio que ele não pretendia discutir o assunto na caminhonete. Ela resignou-se.
— Gosto.
— Alguém me disse que o Cantinho do Bud tem um ótimo sanduíche de costeleta de porco. Está bom para você?
— A comida é ótima, mas o Cantinho do Bud é só para carros. Não existem mesas nem cadeiras — esclareceu ela.
— Nesse caso podemos levar a comida para meu apartamento. Não é longe, e podemos conversar em particular lá.
O apartamento dele...
Sharon umedeceu os lábios e cruzou os dedos. Seria de fato, melhor discutir aquele assunto em particular, pensou Sharon. Certamente ela não queria ninguém comentando algo sobre seu irmão ter vandalizado uma caminhonete de luxo. Não se podia prever a velocidade dos rumores naqueles dias.
— Está bem, podemos conversar no seu apartamento.
Se ele ficou particularmente surpreso ou contente com a resposta, não foi possível saber.
O Cantinho do Bud era um lugar popular em almoços para viagem, portanto a fila de veículos era grande, embora a hora do almoço tivesse passado. Mac pediu dois sanduíches de lombinho com queijo, uma grande porção de batata frita, duas tortas de pêssego e dois chás gelados. A única escolha que Sharon teve foi se queria molho apimentado ou não. Escolheu molho suave. Mac preferiu o apimentado.
O prédio do apartamento dele não era novo, mas a manutenção fora bem realizada. Adaptava-se bem a negociantes e empreiteiros que ficassem na cidade temporariamente. Pessoas que estivessem de passagem como Mac, pensou ela, com uma sensação desagradável no estômago.
Ele a acompanhou até o apartamento no térreo, numa das extremidades do complexo. A mobília fazia o local parecer mais com um quarto de motel do que com um apartamento, mas pelo menos estava arrumado. A sala, de tamanho decente, possuía um sofá, duas poltronas, uma mesa de centro, outra para as refeições e uma televisão num carrinho com rodas. Uma copa-cozinha compacta e eficiente se abria num dos cantos da sala, e via-se um pequeno quarto com banheiro. Havia também uma porta para conduzir à parte traseira, um pequeno pátio de tijolos com duas cadeiras de plástico, com vista para um gramado bem cuidado.
— Nada mau — comentou ela.
— Por enquanto, serve — respondeu Mac, com um encolher de ombros.
Por enquanto. Novamente um lembrete de que ele não ficaria ali para sempre. Sharon podia visualizar a cena: iria despedir-se com um sorriso, grata por ter tido tempo com ele, ainda que curto. Ou seria o contrário? Iria chorar de coração partido quando Mac fosse embora para um novo projeto?
Decidiu não pensar naquilo por enquanto. Um problema de cada vez, disse a si mesma enquanto ela e Mac colocavam a comida sobre a mesa. Reparou que ele afastava vários papéis espalhados para dar lugar à comida; presumiu que fossem notas sobre o projeto de reforma.
— Sobre os danos ao seu caminhão — disse ela, quando se sentaram.
— Foi você? — indagou ele, com um sorriso.
Ela piscou, desconcertada.
— Não. Claro que não.
— Então não se preocupe com isso. Vou cuidar do assunto.
— E você, não pense que Brad tem alguma coisa a ver com isso.
Evitando responder, ele cravou os dentes no sanduíche.
— Sei que ele não tem sido amistoso com você, mas é só porque ele tem dificuldade de adaptação a pessoas estranhas. Na verdade ele não é um mau rapaz. Se meteu em confusão uma vez ou duas, mas nunca vandalizou nada antes. Não faria uma coisa destrutiva assim.
— Humm... — fez Mac, esticando a mão para o pacote de batatas fritas.
— Não me acredita, acredita? Você precisa admitir que conheço meu irmão melhor do que você.
— Claro. — Mac terminou o sanduíche e olhou para as tortas. — Todos tinham razão. Esta comida é ótima. Quer uma torta?
— Você não quer conversar comigo sobre isso, não é?
— Estou às suas ordens para discutir a qualidade da comida.
— Não foi isso o que eu quis dizer e você sabe disso. Estou querendo conversar sobre Brad.
— Não vejo propósito em discutir seu irmão no momento. Não tenho nenhuma prova de que ele tenha riscado a minha caminhonete, e você está convencida de que não foi ele. Não há nada a dizer por enquanto.
— É que me preocupa o fato de que você acredite que Brad tivesse feito uma coisa dessas.
— Como você mesma disse, não conheço o rapaz da mesma forma que você. Provavelmente vou demorar a formar uma opinião sobre o que ele é ou não capaz de fazer. Tudo o que sei por enquanto é que ele não gosta de mim, por motivos dele. Isso não me incomoda particularmente, a não ser que atrapalhe meu relacionamento com você. Nesse caso eu teria de fazer algo sobre o assunto.
Ele falara em tom despreocupado, como quem realmente não se incomodasse que Brad não gostasse dele. Ela ficaria chateada se algum membro da família de Mac tivesse problemas com ela. Talvez o episódio servisse para demonstrar como Mac e ela eram diferentes. Ou talvez os parentes dela não o incomodassem porque ele não esperava fazer parte da vida dela por muito tempo.
— Coma um pedaço de torta — ofereceu ele. — Garanto que melhora seu humor.
Sharon suspirou e aceitou.
— Você é um homem teimoso ao extremo, Mac Cordero.
— Engraçado é a primeira vez que me dizem isso, sabia? — respondeu ele, mentindo desavergonhadamente.
Balançando a cabeça, ela desembrulhou a torta e mordeu. O recheio era de pêssego seco caramelizado com canela, e a massa folheada simplesmente deliciosa. Crocante e dourada. Ele tinha razão, era difícil permanecer de mau humor comendo uma torta daquelas, mas a preocupação com o assunto de Brad estava apenas adiada, não esquecida.
— Gostaria de tomar um café ou algo parecido? — ofereceu Mac, assim que terminaram a sobremesa.
— Não, obrigada.
Ele ergueu-se e apanhou o que sobrara, organizando tudo e colocando na lixeira.
— A que horas você precisa voltar para o trabalho?
— Não tenho horário definido. Trissie é capaz de cuidar da loja sem a minha presença. Além do mais, ela sabe que tenho sempre o celular à mão.
Mac caminhou até Sharon com a graça de um felino e puxou-a contra si.
— Bem? Você vai deixar a rebeldia do seu irmão se intrometer entre nós?
Pareceu tão tolo quando ele falou. Deixar que um adolescente fizesse as regras para ela. Havia muito que fazia as próprias regras. As próprias escolhas.
Parecia mais fácil mostrar o que desejava do que dizer a Mac. Deixando as preocupações de lado, focalizou-se unicamente naquele instante. O que desejava ali mesmo.
Desejava Mac.
Pousando as mãos nos ombros dele, ergueu-se na ponta dos pés para oferecer os lábios. Não precisou fazer duas vezes.
Mac abraçou-a sofregamente, deixando que seu desejo falasse mais alto, aproximou os lábios dos de Sharon e beijou-a. Não houve tempo para carícias...
Tudo o que Sharon pôde fazer foi agüentar-se e retribuir para ver se conseguia despertar sensações parecidas nele. Pelas alterações na respiração dele e pelo corpo tenso, teve sucesso total.
Trazendo-a mais para junto de si, Mac aprofundou o beijo, invadindo cada recanto entre os lábios de Sharon. Perdida entre as sensações que Mac lhe despertava, ela moldou seu corpo ao dele.
As mãos quentes acompanharam as curvas do corpo com os dedos, tão meticulosamente quanto as de um amante de arte, cego, tateando uma estátua famosa. Dava a impressão de querer memorizar cada centímetro de pele. A diferença é que Sharon não era feita de mármore, e cada terminal nervoso da pele reagia e ampliava o toque, deixando o formigamento de pequenos choques elétricos. Ela teve a sensação de que era capaz de brilhar se alguém acendesse as luzes.
Aflorando com os lábios a pele do rosto até a boca, ele beijou-lhe o lóbulo da orelha, fazendo-a arrepiar-se. Sharon sempre fora vulnerável a Mac, e acreditava que ele sabia disso. Precisava confiar em que ele não tirasse proveito disso.
Não era fácil para ela colocar tanta fé num homem que ainda era quase um estranho. Havia tanto sobre Mac que ainda não sabia... aspectos profundos dele que ela percebia, mas não entendia direito. Só podia esperar que sua confiança nele se justificasse.
Ele ergueu a mão direita para a nuca delicada e deslizou os dedos pelos fios de cabelos, segurando-os para que a cabeça ficasse voltada na direção dele, encarando-o. O movimento foi quase agressivo, mas ela não teve medo. Estranhamente, sentia-se segura nos braços de Mac apesar de estarem sozinhos no apartamento.
— Isso é entre você e eu, Sharon. Mais ninguém — disse ele, com voz rouca.
— Eu sei — concordou ela, que mal conseguia pensar em outra pessoa.
— Você não é o que eu esperava encontrar aqui, Sharon.
Os dedos finos e delicados passearam pelos músculos tensos dos braços de Mac.
— O que você esperava encontrar aqui, Mac?
— Eu mesmo — veio a resposta, depois de breve hesitação.
Em seguida, sem dar tempo para continuar o interrogatório, os lábios de Mac a calaram num beijo. Daquela vez havia uma espécie de arrogância masculina na atitude dele como se representasse algum tipo de vitória. Em algum lugar de sua mente sentiu vontade de alertá-lo de que nada irreversível acontecera. Talvez até conseguisse convencê-lo disso, se acreditasse também.
Passou os dois braços ao redor do pescoço de Mac, permitindo-se afundar naquele abraço. Sentiu-lhe a mão dele deslizar em suas costas, apertando-a contra si, fornecendo evidências sobre o desejo de Mac. A necessidade crescia a cada beijo, cada afago mais erótico.
Apesar de ter sido cautelosa nos últimos dias, estudando as conseqüências de cada ação, Sharon mal conseguia acreditar que estava a ponto de ter uma aventura amorosa com aquele homem. Sabia exatamente o que colocava em jogo o coração, a reputação e o relacionamento com seu irmão. Até mesmo sua reputação profissional, desde que estava envolvida com um cliente, o que não era uma ação prudente.
Ainda assim, quando Mac a abraçava daquela forma, quando a beijava com uma sofreguidão que parecia beirar o desespero, pilhava a si mesma acreditando que o risco não era tão grande. Estar com Mac podia ser recompensa suficiente para qualquer preço a pagar.
A mão dele deslizou por baixo do top de Sharon, os dedos tateando o reduzido sutiã de renda que ela usava. Um arrepio percorreu o corpo dela, ao sentir o toque sobre a pele sensível.
Atento às reações de Sharon, Mac perguntou:
— Estou assustando você?
— Não... está me seduzindo — murmurou ela, apesar da secura na boca e do coração acelerado.
Ele gemeu e puxou-a mais ainda contra seu corpo, aumentando a intensidade de todas as sensações, se é que isso era possível.
Longos momentos depois ele interrompeu o beijo.
— Não foi por isso que eu trouxe você aqui.
— Por que você me trouxe, então?
— Para conversar.
Ocorreu a Sharon que jamais o vira sem camisa. Não sabia se o peito dele tinha pêlos ou não. Apostava que não. Curiosa a respeito, ela começou a abrir os botões.
— Sobre o que queria conversar?
Mac pareceu considerar várias alternativas, antes de responder:
— Deixe para lá.
Ela deslizou uma das mãos para o interior, sentindo a pele contra sua palma. Era liso, como imaginara.
Para recompensar a si mesma, ergueu os lábios. Sentiu-se plenamente realizada com a intensidade do beijo.
— Mac?
— Sim? — respondeu ele, mordiscando-lhe o lábio inferior.
— Preciso voltar ao trabalho dentro de uma hora mais ou menos.
Os lábios dele roçaram o rosto avermelhado.
— Isso não nos deixa muito tempo.
— Não — concordou Sharon, com ousadia. — Portanto, não vamos desperdiçar.
Movendo-se com uma velocidade que quase a deixou tonta, Mac apanhou-a nos braços e levou-a para o quarto. Ela riu, agarrando-se a ele, cada vez mais excitada. Sabia que não se tratava de uma escolha sensível e segura, mas a mulher que ele retirara das águas turbulentas do rio das Cobras era mais aventureira do que a antiga Sharon. Não acreditava mais em perder oportunidades.
Ele fizera a cama pela manhã e colocou-a sob as cobertas, empurrando os travesseiros para o chão com uma das mãos. O coração de Sharon batia tão forte que a surpreendia por não balançar a cama. Não esperara por nada parecido ao vestir-se pela manhã. Não era o tipo de coisa que acontecia no meio de seu dia de trabalho. Não que estivesse se queixando pensou ela, entregando-se a novo beijo. Sentiu-lhe o tremor das mãos quando ele tentou abrir os botões do seu casaco. Resmungando, ele tentou outra vez, os dedos imprecisos com a ansiedade, porém a intensidade do desejo venceu. Ela sentiu o ar frio na pele.
— Eu não estava preparada para isso — confessou ela, com um sorriso encantador.
Imaginara que ele seria mais delicado, mais suave. Ficou satisfeita porque não foi assim. Mac Cordero era tão especial quanto ela imaginou a princípio.
— Mudou de idéia? — indagou ela, deslizando as duas mãos para o interior da camisa dele.
— Nem pensar — riu ele.
— Ótimo.
Sharon puxou a camisa dos ombros dele deixando-o exposto da cintura para cima. Sentiu o interior amolecer como geleia ao olhar para ele. Só conseguia pensar na palavra "bonito" ao olhar para a pele bronzeada, a musculatura definida e o estômago achatado. Havia cicatrizes, evidências de uma vida dura, mas a impressão geral era de perfeição.
Porém o momento de descontrole foi breve, pois quando os dedos retornaram ao corpo dela, as roupas foram removidas com maestria e habilidade. Quando a calça jazia ao lado das roupas de baixo, no chão, ele revelou um talento que a deixou encantada.
Demonstrando a mesma atenção aos detalhes que exibia quando estava trabalhando, Mac dedicou-se a explorar cada centímetro dela, as mãos e a boca movendo-se lentamente e aumentando o erotismo. Deixou os seios úmidos com seus carinhos e continuou a descer, fazendo com que ela se retorcesse com um prazer tão intenso que quase doía. Sharon teve vontade de explorar aquele corpo masculino, porém de alguma forma o que ele fazia parecia drenar-lhe toda a energia. Não sabia nem se seria capaz de erguer a cabeça do travesseiro. Os únicos movimentos que parecia capaz de realizar eram involuntários.
Tentou focalizar-se no aspecto físico e não no emocional, sentindo a pele de Mac contra a dela, a aspereza dos dedos calejados, o som da respiração alterada dele em seu ouvido, o coração batendo com força contra seu peito... e a rigidez pulsando contra o tecido do jeans. Havia também as próprias sensações, como pulso acelerado, garganta apertada e a sensibilidade da pele.
Era mais seguro concentrar-se nessas sensações do que no torvelinho de emoções. Os sentimentos ameaçavam tomar conta de Sharon, trazendo um começo de lágrimas ao canto dos olhos e a certeza de que nada mais seria o mesmo.
Não conseguia pensar naquilo... tinha outras coisas para concentrar-se. Como o que Mac fazia com as mãos no momento. E muito bem, por sinal!
Ele riu quando as mãos dela procuraram o cinto e o botão da calça.
— Está com pressa de voltar ao trabalho? — sussurrou ele.
— Mac...
— O que você quer Sharon?
— Você — respondeu ela, fazendo um movimento que não deixava dúvida algurna.
— Pois não...
Ele mantinha preservativos na gaveta do criado-mudo. Sharon recusou-se a perguntar se os guardava ali habitualmente ou porque usava muito. Resolveu ser grata por estarem à mão.
O tempo que o corpo dele ficou afastado foi curto, mas pareceu uma eternidade. Ela o desejava tanto que o ventre parecia doer. Precisava satisfazer a vontade que ele despertara em seu corpo.
— Agora... — pediu ela.
— Você definitivamente parece do tipo que gosta de dominar — comentou ele, sorrindo.
— Tive de ser. Isso o preocupa?
— Você me preocupa. Mas isso não faz a menor diferença agora.
Sharon não compreendia completamente aquele homem, mas isso também parecia não fazer diferença alguma no momento. Os lábios de ambos se encontraram.
— Agora...
Ele se acomodou entre as pernas dela, os músculos das costas lembravam os de um grande felino prestes a saltar sobre a presa.
Imobilizando-se, ele a encarou, os olhos escuros repletos de emoções que ela não conseguira interpretar.
— Sharon o que quer que aconteça não se arrependa.
— Não. Sem arrependimentos — concordou ela, com sinceridade.
Os músculos de Mac retesaram-se e ele moveu-se outra vez. A imagem do animal perigoso dissolveu-se em sensações puras. Sharon não conseguiu mais pensar de forma coerente.
Os dedos enterraram-se nos ombros dele, como se assim ela fosse capaz de manter a sanidade. Percebeu um grito que brotava do fundo de sua garganta, preso ali pelos lábios dele. Não conseguiu fazer mais do que gemer enquanto ele penetrava mais e mais, movendo-se ritmadamente e, levando-os rumo ao ápice do prazer, quando as sensações se tornaram mais intensas.
Mac interrompeu o beijo e grunhiu, permitindo que o grito em sua garganta escapasse. Sem conseguir mover um músculo sequer, Sharon constatou que tinha razão em estar prevenida contra aquilo. Tivera medo de que sua vida não fosse mais a mesma, agora sabia com certeza que estivera certa.
Tudo mudara.
Agora que estivera com Mac Cordero, jamais ficaria contente com os homens comuns.
Mac sentiu-se como se dúzias de pessoas o estivessem observando quando saiu da caminhonete em frente a casa em obras. Como se existisse alguém em cada janela, observando e comentando. Não se sentira daquela forma quando haviam saído dali juntos, mas agora, sim. As coisas haviam mudado.
Sua preocupação era para com Sharon, não consigo mesmo. Sabendo a forma como os rumores circulavam naquela cidade, quase como passatempo local, detestava pensar que Sharon seria o assunto dessas histórias. Não pensara muito nisso antes, mas agora era diferente. Descobriu-se possessivo e com vontade de protegê-la, duas emoções que não pretendia sentir.
Dissera a si mesmo que tudo o que queria de Sharon era informação, não sexo. Agora não sabia mais o que queria. Só sabia que não podia deixar Sharon se magoar por causa de sua vingança pessoal. Pela primeira vez desde que seu mundo desmoronara, dois anos antes, importava-se com os sentimentos de outra pessoa que não os próprios.
Ajudou-a descer da caminhonete. Sharon sorria os olhos brilhando, o rosto corado e as mãos segurando as suas com tanta confiança que seu coração se apertava.
Jamais deixaria que ela se magoasse, prometeu a si mesmo.
— Preciso voltar à loja — declarou ela.
— Eu sei. Também preciso voltar para o trabalho.
— Mac?
Sharon aprendera chamá-lo por seu nome e o som parecia musical.
— O que foi?
— Tive um ótimo almoço, obrigada.
A vontade que ele sentiu de beijá-la ali mesmo só foi refreada pelas pessoas nas janelas de sua imaginação.
— Eu também.
Provando que não era indiferente à presença de observadores, ela olhou ao redor antes de tocar-lhe a mão.
— Sem arrependimentos — lembrou ele.
Sem ligar para o ambiente, levou a mão de Sharon aos lábios.
— Ligo mais tarde — prometeu Mac.
Ela sorriu e caminhou até seu carro. Ao colocar a mão na maçaneta para abrir a porta, lembrou-se de uma coisa.
— Emily Davenport me convidou para um churrasco na casa dela amanhã à tarde. Ela me pediu que levasse um convidado. Quer me acompanhar?
Uma festa na casa dos Davenport pensou ele. Todos os McBride das redondezas estariam presentes e talvez mais alguns de fora. Uma ótima chance para obter informações. Não fora por esse motivo que cultivara a amizade de Sharon a princípio? Para ter acesso aos McBride. Por que então, sentia-se um crápula?
— Gostaria de ir com você — afirmou ela.
— Seu irmão vai estar lá?
Ela mordeu o lábio, invadida pela culpa de haver esquecido o irmão.
— Vai. Mas prometo que ele vai se comportar. E talvez depois de você passar algum tempo com ele, perceba que não é o tipo de garoto que faria... bem, você sabe.
Mac olhou de soslaio para a lateral da caminhonete e recordou a curta visão de Brad correndo para o abrigo da esquina, naquela noite. Como não queria magoar Sharon, preferia manter em segredo aquela lembrança. Era perfeitamente capaz de lidar com um delinqüente juvenil.
— Se não for inconveniente, gostaria muito de acompanhar você amanhã.
Ela sorriu.
— Ótimo. Quer ir conosco ou prefere nos encontrar lá?
Ele pensou no percurso junto com o irmão dela.
— Podemos nos encontrar lá.
— Muito bem. Então encontro você lá. À uma hora. Sabe onde eles moram?
Wade e Emily moravam numa casa construída por Josias McBride Jr., que tinha uma chance em três de ser o pai de Mac.
— Sei onde eles moram.
— Ótimo. Me liga de noite? — pediu ela, fazendo charme.
— Ligo.
Observou-a entrando no carro e manobrando pela alameda de acesso. Ao ganhar a rua, fez um gesto breve de adeus. Mac ficou confuso por um instante. Sua ex-esposa costumava fazer o mesmo gesto quando saía.
Ela não tinha acenado quando fora embora pela última vez. Estivera com os ombros curvados pela tristeza e pela derrota. Sabendo que seria a melhor atitude, Mac não tentou impedi-la.
Decidira sua vida naquele dia que iria procurar as respostas para as perguntas que o atormentaram a vida inteira. Que alguém iria pagar pelo sofrimento de sua mãe. Era a mesma dor que levara para seu casamento e o destruíra. Agora, outra mulher colocava-se em posição de ser magoada por ele.
Se existisse alguma maldição por haver nascido bastardo de um McBride, a coisa mais generosa a fazer seria manter-se afastado de Sharon Henderson. Infelizmente já era tarde demais para protegê-la.
— Oi, patrão. Teve um bom almoço? — perguntou um jovial carpinteiro a caminho do barracão de suprimentos.
A primeira reação de Mac foi aplicar um corretivo ao indivíduo, só depois percebeu que a frase não fora dita com segundas intenções. Estava fazendo uma tempestade num copo d'água.
— Foi ótimo. Como vai indo o serviço?
— Está indo muito bem. Esta casa vai ficar pronta num piscar de olhos, se continuar tudo assim.
Não precisava ser tão rápido, pensou Mac. Começou a acreditar que cometera um erro terrível ao vir para Honória.
Sharon certificou-se de que seus cabelos estavam arrumados, o batom impecável, as roupas vincadas e a expressão serena antes de entrar na loja. Finalmente confiante, achou que não exibia vestígio algum de onde passara o intervalo do almoço e entrou, sorrindo.
— Puxa você deve ter tido um almoço interessante — observou Tressie, assim que colocou os olhos nela.
— Por que diz isso? — quis saber Sharon, quase deixando cair o queixo de surpresa.
— Estava com Mac Cordero, não estava?
— Como sabe disso?
— Sei por causa do brilho em seus olhos. Sharon fechou o rosto. A outra riu.
— Só estava brincando, Sharon. Kyle McAUister parou aqui para comprar papel de parede para a esposa, e disse que viu você e Mac apanhando um sanduíche no Bud's.
— Diabo, não se pode nem comer um sanduíche nesta cidade sem todo mundo perguntar com que molho?
Sharon sentia vontade de sapatear de tanta frustração. Já era suficientemente difícil para ela sozinha descobrir o que estava acontecendo entre ela e Mac Cordero, quanto mais com toda a cidade sabendo e fofocando a respeito de ambos.
Tressie deu de ombros.
— Você conhece nossa cidade, amiga. É de deixar a gente furiosa, às vezes, mas por aqui as coisas são assim. Como pensa que descobri que o calhorda do meu marido estava andando com aquela vagabunda da boate? Sempre suspeitei que ele tivesse um problema emocional, mas nunca soube que fosse estúpido... Ele sempre se dizia tão esperto. Devia ter lembrado que os segredos, em Honória, acabam vindo à tona. Parece que são atraídos, sei lá.
Por algum motivo as palavras de Tressie despertaram uma espécie de apreensão em Sharon. Não sabia o por que. Apesar de estar tentando manter segredo, por enquanto, de seu relacionamento com Mac, isso não era tão importante assim. Afinal, não estavam fazendo nada de errado. Estavam se apaixonando e não queriam fazer isso em público.
Sentiu que o sangue lhe fugia do rosto. Estaria se apaixonando? De verdade? Não sabia nada sobre Mac, porém a frase parecia correta.
Tressie a observava com ar preocupado.
— Sharon? Você está bem?
Forçando um sorriso, Sharon passou a mão sobre o estômago.
— Acho que foi o churrasco no meio do dia de trabalho. Vou passar o resto da tarde tomando antiácidos.
— Tem certeza de que não quer conversar sobre alguma coisa? Sou ótima ouvinte, você sabe. E por incrível que pareça, consigo ficar de boca fechada quando é necessário.
Sabendo que a oferta era sincera e que Tressie respeitaria de fato sua privacidade, Sharon ficou tentada a falar. Participar um problema dessa natureza com outra mulher aliviaria as emoções fortes que vinham com o amor, como a excitação, as preocupações, as esperanças e os medos.
Sharon tinha várias amigas, porém nenhuma delas era confiável a ponto de fazer confidências sobre suas emoções íntimas. Principalmente depois que suas amigas mais íntimas haviam casado e mudado para outras cidades há alguns anos. Sua mãe e Bobbie McBride, duas confidentes com as quais contava sempre, estavam viajando. Vinha guardando muita coisa para si mesma ultimamente, como a situação com Jerry, a atração cada vez maior que sentia por Mac, sua preocupação crescente com Brad. Apreciaria qualquer conselho que conseguisse.
Ainda assim, não foi o que ocorreu.
— Obrigada, Tressie, mas tudo está ótimo. Só um pouco mais atarefado do que de hábito... Por falar nisso, recebeu alguma notícia do papel que encomendamos para Mabel Watson?
Tressie obviamente apresentava relutância em mudar de assunto, mas um olhar apurado para a expressão da amiga a convenceu de que não tinha outra opção.
Ela suspirou e balançou a cabeça.
— Vou dar uma ligada para lá agora mesmo.
— Obrigada. Vou cuidar de alguns papéis, portanto se precisar de mim, estou no computador.
— E você sabe onde me encontrar se precisar de mim — respondeu Tressie.
— Sei, muito obrigada.
Sharon passou o resto da tarde tentando se concentrar no trabalho, sem conseguir seu intento. A euforia de ter feito amor se fora, deixando apenas um sentimento profundo e agradável. Bastava cerrar os olhos por um instante e se via transportada ao apartamento de Mac. O problema é que a maior parte do tempo se preocupava, em vez de aproveitar.
Ficou pensando no arranhão que rasgava a lataria da caminhonete de Mac de fora a fora. Quem quer que tivesse feito aquilo queria causar danos. Um ato cruel, destrutivo e calculado.
Teria sido um acontecimento ao acaso, ou fora algo pessoal contra Mac? Quem na cidade detestaria ele tanto assim? A não ser Brad, claro.
Sharon não queria acreditar que seu irmão fosse capaz de uma coisa daquelas, ao passo que Mac não compartilhava de sua opinião. Brad era seu irmãozinho. Ia à igreja com ela. O ursinho, já rasgado, ainda estava numa prateleira no armário dele. Ele não teria deliberadamente feito um dano de centenas de dólares porque tinha uma aversão irracional de Mac, teria? Claro que não.
Mas e se...
O telefone tocou. Sabendo que Tressie estava ocupada com um cliente, ela atendeu, grata pela interrupção.
— Interiores Intrigantes, boa tarde.
— Oi, mana. Tommy vai dar uma festa na piscina na sexta-feira e quer saber se eu e Jimbo podemos ir. A mãe dele vai estar lá. Posso ir?
Ela demorou a responder, pensando na caminhonete. Se existisse a menor chance de que Brad tivesse riscado a caminhonete...
— Ela disse que você pode ligar para lá e falar com ela se quiser perguntar alguma coisa, mas queria saber logo para preparar as coisas. Está bem?
Ela pensou bastante no pedido dele. Começava a ter dúvidas sobre Brad passar tanto tempo com Jimbo, mas Tommy parecia um garoto decente. Ela conhecia a mãe dele, que costumava apoiar o time de futebol e costumava oferecer-se para atividades voluntárias. Do tipo que parecia envolver-se nas atividades dos filhos.
— Acho que não há mal nenhum nisso.
— Ótimo. Obrigado, Sharon.
Ele pareceu tão contente e grato que ela acabou amolecendo.
— Tudo bem, Brad, mas me prometa que vai se comportar bem.
— Claro que vou. Sem problema.
A garantia foi dada com tanta rapidez que ela não acreditou muito.
— Brad... — começou ela.
Pretendia obter uma resposta dele em relação à caminhonete.
— Preciso ir, mana, Jimbo está esperando. Temos treino de beisebol.
Sharon engoliu as palavras, pois não era o momento de interrogá-lo sobre um assunto tão importante. Não por telefone, com certeza.
Além do mais, não acreditava de verdade que Brad fora o autor. Era mais provável que Joe Wimble tivesse ficado bêbado outra vez e estivesse causando problemas.
Até que alguém resolvesse iniciar esses arrombamentos, os escândalos de Joe eram os piores crimes ocorridos em Honória desde que Sam Jennings fora preso por assassinato mais do que quatro anos antes.
Seu irmãozinho não era criminoso. Ela tinha certeza que Mac chegaria à mesma conclusão em breve.
Só precisavam de tempo.
O trabalho do dia terminara. Mac trancou a casa dos Garret e dirigiu-se para seu caminhão. Topou com Wade Davenport encostado à porta do motorista. A primeira reação foi praguejar mentalmente. Estava cansado e precisava ficar sozinho por algum tempo. Não estava com vontade de ser interrogado pelo delegado. O aceno foi breve.
— Como vai delegado?
— Oi, Mac. Estou bem, e você? Como vai?
— Não me queixo.
— Arranhão feio você tem aqui. Chegou perto demais de alguma coisa?
— Aparentemente, sim.
— Sabe quem fez isso, Mac?
— Com certeza, não.
— Mas tem suspeitas, não tem? — Mac deu de ombros.
— Meu ajudante, Dodson, está preocupado que você tenha uma rusga com alguém. Ele disse que ficou com a impressão de que você iria cuidar disso sozinho.
— Agora vem aquela parte em que você diz que não quer problemas em sua cidade, certo? Já conheço o discurso, delegado. Seu homem já o recitou para mim.
— Certo, mas você prestou atenção?
Mac permaneceu em silêncio. Wade balançou a cabeça, olhou para o risco na lataria e resolveu mudar de assunto.
— Encontramos a caminhonete usada no roubo da casa dos Porter.
Mac ergueu a cabeça. Estava definitivamente interessado em quem quer que tivesse feito aquilo a Sharon.
— Só a caminhonete? Ou descobriu também o motorista?
— Não, estava abandonada. E limpa. Não parece que vamos conseguir nenhuma pista com ela.
— Registro?
— Foi roubada de um estacionamento de carros usados, em Carollton. Dois dias antes do arrombamento da casa dos Porter.
— Onde encontrou a caminhonete?
— O guarda Dodson descobriu-a numa garagem, a algumas ruas do motel onde você ficava.
— Você não acha que eu estava guiando minha caminhonete e a outra também, acha?
Wade riu.
— Acho que mesmo um homem com todos os seus talentos não conseguiria fazer isso. Perguntou onde foi e eu disse. Só isso.
— Ainda desconfia de mim, delegado?
— Vamos dizer de outra forma. Você é um sujeito que eu não gostaria de subestimar.
— Fui convidado para uma festa em sua casa amanhã. Acha que é seguro ter-me por perto de sua família, ou prefere que eu recuse?
Se Wade ficou surpreso, não demonstrou.
— Vamos ficar contentes em receber você. Foi Trent quem o convidou? — quis saber Wade, sem demonstrar surpresa.
— Para dizer a verdade, foi Sharon.
— Certo. Bem, qualquer amigo de Sharon... — começou ele, sem incomodar-se em terminar o clichê, afastando-se da caminhonete e deixando a frase no ar. — Nesse caso, nos vemos amanhã. Minha esposa vai gostar muito de conhecê-lo. Já ouviu falar muito sobre você, claro, e está curiosa.
Mac decididamente tinha dúvidas quanto a conhecer Emily McBride Davenport, a mulher que, ou era sua prima, ou sua irmã.
— Estou ansioso para conhecê-la.
— Agora preciso ir para casa, jantar. Se mudar de idéia sobre fazer uma queixa dos danos em seu carro, é só dizer.
Mac observou o delegado subir em seu jipe e afastar-se. Estar entre os McBride no dia seguinte poderia ser muito interessante, mas poderia também ser um grande erro, pensou ele. Um dos muitos que cometera desde que viera para Honória.
Esperava que fazer amor com Sharon Henderson não se tornasse o maior deles.
Resolveu jantar no Café da Cora naquela noite. Como era sexta-feira e muita gente tendia a comer fora no final de semana, havia mais gente, e ele precisou estacionar mais adiante, próximo à galeria onde costumavam ficar os jovens. Naquela noite não havia nenhum, o que Mac apreciou, já que não estava com disposição para outro confronto.
Acabara de sair do carro quando Brad saiu pela porta, acompanhado pelo rapaz alto que estivera com ele na outra noite. A primeira reação de Brad ao deparar com Mac foi de surpresa. Em seguida a expressão alterou-se para uma espécie de rebeldia culpada.
— Olá, Brad — cumprimentou ele, encarando o rapaz. Brad baixou os olhos e fez um gesto de cabeça.
— Como vai? Está conseguindo se manter ocupado? — indagou Mac, aproximando-se.
Brad deu de ombros.
— Engraçado ontem, aqui mesmo, avistei um rapaz que parecia você. Correndo pela rua. Assim como se tivesse feito alguma coisa errada e tentasse fugir antes que alguém o visse.
— Não sei do que você está falando — disse Brad, desviando os olhos.
— Ei, cara, deixe meu amigo em paz! — disse o garoto maior, aproximando-se. — Ele não fez nada.
— Nesse caso, não precisa ficar preocupado.
— Está preocupado com este sujeito, Brad? — perguntou o garoto, em tom de ironia.
— Cale a boca, Jimbo. Posso muito bem cuidar disso — disse Brad.
Mac olhou de soslaio para Jimbo antes de dirigir-se a Brad.
— Parece que seu amigo aqui está louco para você entrar numa encrenca, Brad. Talvez seja bom perguntar a si mesmo se ele é seu amigo de verdade.
— Sou eu quem escolho meus amigos.
— É verdade. Por isso mesmo deveria tomar mais cuidado com quem escolhe.
— Vai aceitar um conselho do cara que está transando com sua irmã, Brad?
— Cale a boca, Jimbo!
Enquanto Brad virava na direção de seu companheiro, Mac já se movia. Um instante mais tarde, Jimbo estava prensado contra a parede de tijolos, com as mãos de Mac agarrando a gola da camisa. Apanhado completamente de surpresa, Jimbo estava pálido, os olhos arregalados e a boca aberta. Talvez fosse alguns centímetros mais alto do que Mac, mas não havia dúvidas sobre quem dominava a situação.
— Mais uma palavra sobre a irmã de Brad e você vai se arrepender de ter nascido — disse Mac, baixinho, o nariz a poucos centímetros do rosto do rapaz. — Está claro?
— Solta ele — disse Brad, amedrontado e furioso. — Ele não disse por mal.
Mantendo os olhos em Jimbo, Mac respondeu:
— Deixa seus amigos falarem desse jeito da sua irmã, Brad? Ela não merece isso.
— Ele só queria deixar você bravo.
— Pois conseguiu...
Mac apertou um pouco mais. Não pretendia na verdade machucar o rapaz, mas ele não precisava saber disso.
— Solte o rapaz. Cordero. A ordem viera de trás dele.
Mantendo uma das mãos no rapaz, Mac voltou-se a tempo de ver o policial Dodson aproximando-se em passo acelerado.
— o que está acontecendo aqui?
— Só estou tendo uma conversinha com os rapazes, policial.
— Este cara... é maluco, Dodson — queixou-se Jimbo. — Prenda ele ou algo assim.
— Acho que já escutamos bastante dessa boca suja — disse Mac.
— Muito bem. Cordero solte ele. Não pode andar pela cidade brigando com nossos garotos a menos que deseje terminar na cadeia.
— Certo, Jimbo, vou soltar você. Acho que entendeu minha mensagem. Cuidado com o que diz daqui para a frente, sim?
O rapaz tropeçou quando Mac o soltou. Voltou-se para o policial:
— Como é? Não vai algemar este cara?
Mac sorriu.
— Acho que o policial Dodson compreendeu que eu não estava atacando você. Só estava me entendendo com você. Se vai dar uma de durão, precisa ser durão também para agüentar a encrenca que arruma.
Dodson não parecia como alguém que soubesse o que fazer. Sua vontade seria de prender Mac por causar encrenca. Outra parte dele parecia querer apenas ir até o restaurante jantar, esquecendo o que vira.
Para facilitar as coisas, Mac enfiou as mãos nos bolsos.
— O problema acabou policial. Prometo me comportar.
— Ótimo. Vocês garotos não tem outro lugar para ir? Brad, não devia estar na loja para encontrar sua irmã?
Abalado e evitando olhar para Mac, Brad assentiu e andou alguns passos. Jimbo ainda estava olhando para Dodson, como se não acreditasse.
— Você não vai fazer nada? Vai deixar ele ir embora como se fosse um figurão, ou coisa parecida?
— Dê um tempo, Jimbo. Aprenda a sair enquanto está por cima — aconselhou o policial.
O rapaz disse um palavrão, girou nos calcanhares e chamou o amigo. Quando os dois passaram por ele, Mac chamou Brad.
— O que foi? — respondeu o menino, zangado.
— Por causa da sua irmã, vou deixar você escapar dessa vez com minha caminhonete. Não vai ser assim da próxima vez.
Os olhos do adolescente deram a impressão de querer perfurar Mac. Porém, não disse nada e girou nos calcanhares. Dodson suspirou.
— Você sempre procura encrenca, ou elas é que seguem você?
— Vamos dizer que eu lido com elas à medida que aparecem.
— Está começando a me preocupar. Cordero. Acho que não se encaixa bem por aqui...
Mac preferiu não responder. O policial balançou a cabeça, sua expressão outra vez preguiçosa.
— Estou com fome. Pretendo jantar. Fique longe dos rapazes, sim? Não posso deixar assim da próxima vez, certo?
— Não vai haver mais nenhuma vez. Bom apetite, policial — desejou Mac, voltando para sua caminhonete.
De repente, perdera a fome.
-Não tocou no seu jantar, Brad. Não está com fome?
Brad levantou os olhos da comida. Algo neles fez com que a garganta de Sharon se apertasse. O irmão tinha um olhar perturbado.
— Brad? Algo de errado? Está quieto a noite inteira. Não está se sentindo bem?
— Estou bem — respondeu ele, dando de ombros.
— Você e Jimbo não se divertiram?
— Jimbo às vezes é um panaca mesmo — desabafou ele.
Então era esse o problema: Brad discutira com seu amigo. Sharon relaxou. Adolescentes brigavam o tempo inteiro. E ela estivera desejando que ele passasse menos tempo com Jimbo, de qualquer forma.
— Quer falar sobre isso?
— Não.
— Tem certeza? Sei escutar bem.
— Não quero falar sobre esse assunto, certo?
— Está bem, não precisa ser malcriado. Brad voltou a brincar com sua comida.
— Conversei com Emily Davenport essa tarde — disse ela, tentando puxar conversa. — Ela me contou que Clay está contente por você ir à casa dele amanhã. Ele gosta de você.
— Ele é multo criança.
— E uma criança agradável.
— É.
Sharon considerou o fato de dizer a Brad que Mac também estaria presente, mas como ele já estava de mau humor, rejeitou a idéia. Era possível até que se recusasse a ir se soubesse. Era preciso confiar que ele não seria mal-educado em frente a seus amigos. E que passar mais tempo com Mac iria ajudar seu irmão a aceitá-lo melhor.
Brad afastou seu prato.
— Não estou mesmo com fome, e acho que vou ler ou algo parecido.
Ela começava a falar sobre lavar os pratos, mas decidiu resolver o assunto sozinha com maior rapidez. Parecia melhor do que se dar com a disposição de Brad.
— Está bem. Se precisar de alguma coisa, é só chamar. Esfregando as têmporas doloridas, ela começou a limpar quando ele saiu. Estava cansada. Mal podia esperar pelo instante de ficar sozinha em seu quarto, para poder pensar em todos os acontecimentos do dia e preparar-se para o dia seguinte.
O telefone tocou enquanto ela terminava de limpar a cozinha. Sabia quem estava ligando antes mesmo de atender. Seu palpite se confirmou ao ouvir a voz de Mac.
— Como vão as coisas? — quis saber ele.
— Estão um pouco estressadas por aqui esta noite. Brad está com uma daquelas crises de mau humor.
— Ele mencionou o encontro que tivemos mais cedo?
— Você conversou com Brad hoje?
— Encontrei com ele e um amigo quando vinham saindo da galeria. Não o culpo por não querer falar sobre o assunto, mas imagino que você vai logo ficar sabendo. Tenho certeza de que havia testemunhas.
Ela cerrou os olhos, encostando-se contra o balcão, a cabeça começando a latejar. Só sabia que não iria gostar.
— o que aconteceu?
— Não muito. Jimbo, o amigo de Brad andou dizendo o que não devia, e eu educadamente informei que a atitude dele precisava mudar.
— Brad parecia bravo com Jimbo hoje.
— Devia estar mesmo. O sujeito é um encrenqueiro. Por que deixa seu irmão andar com ele?
— São amigos há muito tempo. Jimbo tem certos problemas de família. Os pais se divorciaram e seu pai mudou-se, o que deu aos rapazes algo em comum. Ele mora com os avós enquanto a mãe tenta recolocar a vida em ordem. Não é um mau menino. Só está revoltado e magoado.
— Até agora só escutei desculpas, Sharon. Ele tem idade suficiente para fazer suas próprias escolhas. Alguém precisa tornar claro para ele que as escolhas têm conseqüências.
Sharon perguntou-se se falavam sobre Jimbo ou Brad.
— O que disse a eles?
— Não muita coisa. Só tornei claro que não vou tolerar mais nada de nenhum dos dois. E disse a eles para ficarem longe da minha caminhonete.
— Ainda acha que Brad fez isso?
— Se fez, tenho certeza que teve ajuda e encorajamento do amigo. Seu irmão parece ser mais um seguidor do que um líder. Você vai ter de tomar cuidado para que ele não siga alguém direto para a cadeia.
— Muito obrigada pelo conselho, senhor Mac, mas conheço meu irmão. Ele não é tão sem vontade como você imagina — respondeu ela, na defensiva.
— Eu não disse que ele não tem vontade. Só disse que ele está andando numa tênue linha de limite.
— Nesse caso eu vou ajudar a guiá-lo. O que ele precisa é de apoio, não de ameaças.
— No caso de adolescentes, às vezes é preciso os dois.
— Tenho certeza de que a sua intenção é boa, Mac, mas como eles dizem por aí é fácil dar sugestões sobre crianças quando a gente não tem filhos.
O silêncio que seguiu as palavras dela foi tão pesado e carregado de tensão que Sharon percebeu ter atingido um ponto sensível. Sempre superprotetora, permitira que as críticas a Brad a deixassem zangada, e revidou. Inspirou profundamente.
— Mac, eu...
— Não se desculpe. Você disse uma coisa que tinha vontade de dizer, certo? Não estou interessado em ficar dando voltas ao assunto com os termos mais educados possíveis. Não é o que quero de você.
— E o que você quer de mim, Mac?
Um intervalo silencioso precedeu a resposta.
— Acho que não é uma pergunta que eu consiga responder no momento.
— É justo — murmurou Sharon, procurando não demonstrar desapontamento.
— Vai ficar satisfeita com isso? Não vai querer que eu recite poesias ou prometa a lua e as estrelas?
— Não quero poesia nem promessas. Só quero que seja sincero comigo.
Mais uma pausa.
— Estou tentando.
Algo na voz dele fez com que percebesse um sentido profundo naquelas palavras. Ela sabia que existiam coisas que Mac não lhe dissera. Partes dele mesmo que ela ainda não tivera permissão para ver. Mas só se conheciam há semanas. A ligação que ocorrera entre eles fora explosiva. O resto viria com o tempo. Pelo menos era o que ela imaginava.
Estava consciente do risco que implicava a confiança que depositava em Mac, de todo o coração.
— Talvez fosse melhor se eu não comparecesse ao churrasco amanhã — sugeriu ele. — Sabe que todos estarão reparando em nós. E seu irmão vai aproveitar mais se eu não for.
A primeira reação dela foi sacudir a cabeça, numa negativa.
— Não. Quero que você vá. Vai conhecer meus amigos os que não conhece ainda. Quanto a Brad, ele precisa passar mais tempo com você para vencer esse antagonismo inicial. E francamente, acho que o mesmo vale para você.
— Acha que tudo é um problema de excesso de testosterona? — indagou ele, sorrindo ao telefone.
— Eu não tinha pensado no assunto dessa forma, mas é possível, não acha?
— Se quer saber, é exatamente isso. Um macho novo entrou no território, e os jovens garanhões estão urinando por todo o lugar, a fim de marcar seu território.
Sharon riu da comparação.
— Com certeza eu jamais colocaria nesses termos.
— Isso é porque você é mulher.
— Fico feliz que tenha reparado nisso.
— Percebi logo de início.
— Então vai amanhã ao churrasco?
— Se você sabe o que está fazendo...
— Sei sim. Quero você lá.
— E eu quero você em qualquer lugar — respondeu ele. Aquilo a fez corar.
— Mac...
— Não foi você quem me disse para ser sincero? Até amanhã? Sharon.
E desligou.
Sharon recolocou o fone no gancho devagar. Pensava em subir até o quarto de Brad para falar sobre essa desavença com Mac, e para saber a verdade sobre o risco na caminhonete. Porém algo a reteve, assim como acontecera no jantar. Descobriu estranhamente que tinha medo de confrontar o irmão talvez porque não tivesse certeza de querer saber a resposta.
Apenas a possibilidade de Brad estar envolvido já a assustava. Sentia-se desqualificada para lidar com um assunto dessa magnitude. Danos à propriedade desse porte eram um caso de polícia, não para uma irmã mais velha. O mais provável é que resultasse numa prisão, não num castigo de ficar preso no quarto. Talvez se recusasse a encarar a culpa de Brad por não saber o que fazer nesse caso.
Mac assegurara que resolveria o problema. Estaria sendo covarde e irresponsável ao deixá-lo fazer isso?
Simplesmente não conseguiria lidar com o assunto naquela noite. Muita coisa acontecera naquele dia. Toda a sua vida mudara de rumo durante a tarde e precisava de um pouco de sossego consigo mesma para pensar. Haveria muito tempo no dia seguinte para conversar com Brad.
Estava apaixonada. Com certeza merecia algumas horas de paz para saborear esse sentimento antes de lidar com as inevitáveis ramificações dele.
Enquanto estacionava a caminhonete no pátio lotado dos Davenport, Mac estava convencido de estar cometendo um erro. Seu relacionamento com Sharon era suficientemente complexo em particular; torná-lo público dessa forma só iria complicar as coisas. Adicionando seu relacionamento secreto com a família McBride, aquela tarde seria bastante desconfortável para ele. De qualquer forma, não era do tipo que gostasse de festas, e definitivamente não tinha experiência alguma com reuniões de família. Que diabo estaria fazendo ali?
Sabia pelo menos parte dessa resposta. Viera para saber mais sobre os McBride e principalmente porque Sharon estaria presente.
Uma caminhonete mais velha estacionou atrás, e Mac reconheceu o veículo de Trent McBride. Ele saiu e foi abrir a porta para a noiva.
— Olá, Mac! — cumprimentou em seguida, sem demonstrar surpresa.
— Como vai, Trent?
— Lembra-se de minha noiva, Annie Stewart?
— Naturalmente. É bom vê-la outra vez, Srta. Stewart.
— Por favor, me chame de Annie — pediu ela, numa voz pequena e delicada como sua constituição.
— Só se me chamar de Mac.
— Claro. Trent está me mantendo informada sobre os progressos da reforma. Ele disse que a casa vai ficar espetacular quando terminar. Pelo menos sei que a parte de madeira ficará ótima — acrescentou ela, sorrindo para o noivo. — Já viu as peças de mobília que Trent faz, Mac? Ele é muito talentoso. Faz as cadeiras de balanço mais bonitas que já vi.
— Annie... — interrompeu Trent, sem graça com os elogios. Mac olhou de um para o outro.
— Gostaria de ver essas cadeiras de balanço. Sempre estou de olho em qualquer peça de mobília.
— Qualquer hora mostro uma para você. No momento, estou mais interessado em comer — disse Trent, retirando do carro uma pequena geladeira. — Venha, Mac, vou mostrar a casa para você.
— Posso ajudar a carregar isso?
A geladeira parecia pesada, e Mac sabia que Trent tinha um ferimento nas costas, proveniente do acidente de aviação.
— Obrigado, mas não precisa.
Annie rolou os olhos em resposta à bravata do noivo.
— Ele nunca admite que o ajudem.
— E mais fácil pegar sozinho. Vocês dois querem comer ou pretendem ficar em pé aqui sentindo esse cheiro?
Mac riu e estendeu o braço a Annie.
— Vamos?
Ela apoiou a mão no braço dele.
— Muito obrigada, senhor. — Trent olhou por sobre o ombro.
— Cuidado, Mac. Sou do tipo ciumento.
— Não se preocupe. É como se fosse minha irmã — respondeu Mac, sorrindo, consciente do tom sério na brincadeira.
Em particular, era como uma piada de humor negro. Mas Mac precisava se distrair de alguma forma.
Seguindo Trent pela lateral da grande casa, com sua varanda enorme, Mac preparou-se para o que viria. O quintal era grande e muito bem ajardinado, sombreado por grandes árvores e canteiros de flores. O dia era ameno, sem nuvens, e as vozes de adultos e crianças misturavam-se à fumaça do churrasco, que saía de uma grande grelha e de várias mesas de piquenique, com toalhas de cores leves e alegres. Uma visão familiar e amena pensou Mac.
Provavelmente porque procurava por ela, avistou Sharon imediatamente. Estava em pé ao lado de uma das mesas de piquenique com outras três mulheres. Identificou a ruiva como a esposa de Trevor, Jamie. Embora não tivesse sido apresentado formalmente, já a vira entrando na firma de advocacia vezes suficientes para saber quem era. A loira de rosto alegre era Emily Davenport. Já a vira a distância, embora não tivesse feito esforço para conhecê-la até aquele momento. Não reconheceu a mulher com cara de frígida e de cabelos avermelhados em pé ao lado de Sharon. Jamais a vira na cidade.
Eram todas atraentes, mas a única que fazia o pulso de Mac acelerar-se era Sharon. Usava os cabelos soltos, numa cortina uniforme até o pescoço. A luz solar brilhava nos fios sedosos, e ele quase pôde sentir outra vez a sensação de tocar-lhe os cabelos e sentir o cheiro de xampu. Ela usava uma blusa branca sem mangas que fechava à frente com uma linha de botões e um short caqui, que revelava um par de pernas muito bonito.
Descobriu a si mesmo fantasiando sobre abrir um a um os botões da blusa, para expor aquele corpo que explorara com tanto prazer em seu quarto, apenas um dia antes. Forçou a si mesmo a clarear a mente antes de penetrar no convívio social.
Sharon sorriu quando o viu. Mac lembrou-se da primeira vez em que ela visitara a casa dos Garret, quando ficara surpresa ao encontrar Trent McBride esperando na cozinha. Mac imaginara naquela oportunidade qual a sensação de ser o alvo daquele sorriso. Agora sabia. Era ótimo.
Wade, Trevor e outro homem estavam reunidos ao redor da grelha, empunhando cervejas e observando atentamente a carne a assar. Trent olhou para Mac e riu.
— Parece que eles estão realizando uma cirurgia cerebral, não é?
Avistando os recém-chegados, Wade entregou sua cerveja para Trevor e caminhou na direção deles.
— Oi, rapazes! Annie, você está linda como sempre. — Ela sorriu.
— E você tão charmoso como sempre.
— E seu cachorro bobalhão, como está?
— Bozo está ótimo, obrigada. E ele não é bobão, só pouco convencional.
— Aquele cão tem o QI de uma tigela de aveia — riu Trent.
Annie fingiu ofender-se, mas ainda estava sorrindo.
— Admita Trent, você adora meu cachorro. — Ele e eu chegamos a um acordo. Vamos dividir Annie... até certo ponto.
Wade voltou-se para cumprimentar Mac.
— É bom ver você, Mac. Trent, por favor, mostre o lugar a Mac enquanto guardamos as cervejas.
Trent acompanhou Mac até uma grande banheira de metal, cheia de gelo e uma boa variedade de bebidas. Sharon e seus companheiros foram encontrá-los ali.
— Oi, Mac!
Ele aceitou uma lata de cerveja gelada que Trent oferecia, depois voltou-se para responder a Sharon.
— Oi, tudo bem?!
— Belo dia para um churrasco, não?!
As palavras eram meras formalidades, pois os olhos dela diziam muito mais. Sharon parecia contente em vê-lo. Ele chocou-se ao descobrir o quanto aquela mulher significava para ele.
— E mesmo.
Mac desviou o olhar e examinou o jardim, reparando que as únicas crianças em evidência eram três garotas loiras, pouco mais do que bebês, brincando perto da mesa de piquenique onde várias mães estavam sentadas.
— Seu irmão resolveu vir com você?
— Ele está lá dentro, jogando videogame com o filho de Wade, Clay, e o filho de Trevor, Sam.
— Um dia como esse e estão brincando dentro de casa? — quis saber Mac.
— Eu disse a eles que podiam ficar lá até a hora do almoço, mas depois precisavam se juntar a nós lá fora. O problema é que Lucas acabou de mandar um jogo novo para Clay, e claro que ele não pode esperar para testar.
— Lembre-se do que eu disse sobre Lucas, o cunhado que possui uma companhia de software na Califórnia — disse Sharon. — Brad pensa que é a coisa mais legal do mundo ter um tio que cria videogames e que Clay gosta de experimentar os novos, antes que cheguem ao mercado.
— Deixe-me apresentar os outros convidados, Mac — convidou Wade, fazendo o papel do anfitrião obsequioso. — Conhece Trent e Trevor, claro, mas ainda não conheceu o cunhado deles, Blake Fox. Ele e Tara moram em Atlanta com a filha, Alison... a menor ali. Blake, este é Mac Cordero, o empreiteiro sobre o qual conversamos.
Apertando a mão de Blake, Mac percebeu que o outro tinha cabelos dourados, olhos azuis e uma constituição que se poderia descrever como esguia. Ele parecia um astro de cinema dos anos quarenta... provavelmente realçado pela roupa bem cortada. Porém havia um brilho de inteligência nos olhos azuis que parecia completamente moderno.
O sujeito combinava com os McBride, de pele e cabelos claros. Mac novamente pensou no contraste físico que existia entre ele e a família.
— É um prazer conhecer você, Mac — disse Blake.
Mac teve a sensação de que ele estudara, decorara e desempenhava aquele papel. Blake parecia um cafetão, ou um tipo de homem desprezível, apesar do disfarce da aparência. Mac conhecera vários homens como ele no correr dos anos. Sabia que Tara era advogada talvez tivesse casado com um também, pensou ele.
Blake voltou-se para a mulher de cabelos avermelhados e escuros que se aproximava.
—- Mac, esta é minha esposa. Tara.
Estendendo a mão. Tara sorria de forma calorosa, dissipando a impressão inicial de frieza.
— Tenho muito prazer em conhecê-lo, Sr. Cordero. Meus irmãos me disseram que está reformando a casa dos Garret. Sempre achei um lugar fascinante e estou contente que alguém tenha reconhecido seu potencial.
— Muito bem, já esperei bastante — disse à mulher que ele identificara como Jamie McBride. — Quero conhecer o homem fascinante do qual toda a cidade está falando.
Ela usava várias bijuterias, anéis e pulseiras, que realçavam sua figura esguia. Os cabelos ruivos estavam cortados segundo a moda e a silhueta bem-cuidada era destacada por um top enfeitado com tirinhas e jeans. Os lábios, as unhas dos pés e das mãos exibiam um belo tom fúcsia.
Trevor suspirou.
— Mac, deixe eu apresentar minha esposa, Jamie. Se sua primeira impressão foi que ela é meio maluquinha bem, tem toda a razão.
Jamie riu e deu um soco no braço do marido.
— Só quero conhecer o homem, Trev. Não é sempre que temos um estranho fascinante por aqui.
Era óbvio para Mac que aquela atriz transformada em professora de teatro ginasial adorava chamar atenção com sua atitude. Apanhou a mão estendida e levou-a aos lábios, participando da brincadeira.
— É uma grande honra conhecê-la, Sra. McBride.
— Conheço um canastrão quando vejo um e adoro. Pode ficar.
— É muita consideração sua especialmente porque ele está na minha casa — disse Emily Davenport para a esposa do primo, avançando um passo. — Sou Emily, Sr. Cordero. Fico contente por ter vindo hoje.
— Aprecio sua hospitalidade. E pode me chamar de Mac.
— Bom. Isso é um churrasco, não uma reunião de negócios — aprovou Jamie.
— Mamãe, Claire está comendo grama outra vez — acusou a garota mais velha.
Todos os adultos voltaram-se. Mac observou quando Jamie respondeu de forma maternal à enteada, Abbie, que viera acusar a prima. Emily distraiu a atenção da pequena Claire da grama, depois os homens voltaram ao braseiro.
Por um instante, Mac não conseguiu tirar os olhos das crianças. Seu filho teria aproximadamente aquela idade.
Podia facilmente imaginar o pequeno Emílio, de olhos e cabelos escuros, brincando na grama com aquelas garotinhas. A imagem quase o fez encolher-se de dor, uma sensação enterrada havia muito tempo.
— Tudo bem, Mac? — indagou Sharon, colocando a mão em seu braço.
— Está tudo ótimo. Eu estava só admirando as crianças.
— São lindas, não são? Gostaria que Caleb e Bobbie estivessem aqui para que pudesse conhecê-los, também. São um casal maravilhoso.
— É eu gostaria de conhecê-los.
Caleb McBride era o único homem vivo que poderia fornecer as respostas que Mac viera buscar. Certamente ele não parecia estar fazendo muito progresso por conta própria.
Durante as horas seguintes, Mac não entendeu por que seu humor piorou cada vez mais ao longo das horas. A companhia era alegre, a comida deliciosa, o tempo, perfeito. Com a exceção de Brad Henderson, que ficou vermelho quando encontrou Mac, os outros todos foram muito acolhedores. Mas parecia que quanto mais amena e agradável se tornava a tarde, mais sombrio se tomava o humor de Mac.
Os McBride conversavam alegremente durante toda a refeição, fixando-se nos últimos eventos ocorridos na vida de todos os presentes, trocando mexericos inócuos e falando sobre os filhos. Depois, todos se entregaram às reminiscências, trocando histórias engraçadas e embaraçosas sobre a juventude, provocando sem piedade e finalizando as sentenças uns para os outros, ao tentar explicar para os cônjuges ou convidados que não conhecessem as histórias. Mac riu nos intervalos apropriados e fez os comentários certos, mas não podia dizer que estivesse aproveitando.
— Lembram-se de quando Trent ficou trancado no celeiro da vó McBride? — sorriu Tara, com um sorriso endereçado aos irmãos e primos. — Ele era um bebê, pouco mais velho do que nossa Allison agora. Savannah ficou histérica. Tinha acabado de ler um livro sobre o rapto do bebê Lindbergh e ficou convencida de que Trent tinha sido raptado. Não se acalmou até uma hora e meia depois que ele foi encontrado.
— Não posso dizer que me lembro — comentou Trent, um tanto sem graça.
— Savannah? — indagou Mac, como era esperado dele.
— Nossa prima — explicou Trevor. — Um ano mais velha do que Tara. O pai dela, Jonas, era o irmão mais novo de nosso pai. Tio Jonas morreu quando Savannah tinha apenas dez anos. Trent e eu nem lembramos dele.
— Nem eu — disse Emily. — Mas gostaria de lembrar. Todos que o conheceram o adoravam.
— Lembro dele um pouco — disse Tara. — Era parecido com nosso pai... bem-humorado, sempre brincando. Tinha uma risada profunda e caramelos de leite no bolso. Era vendedor e sempre trazia presentes para todos das viagens que fazia. E adorava Savannah.
— Ele a mimou demais — comentou Trent. — Ela cresceu pensando que era uma princesa, porque o pai dela vivia dizendo isso.
— Claro ela precisou desistir dessa idéia quando teve gêmeos — comentou Tara.
Portanto todos adoravam Jonas McBride, que sempre voltava com presentes de suas viagens. Será que Anita Cordero também o amara? Não seria irônico se o homem do qual ela sentiu falta durante a vida inteira tivesse morrido menos de dez anos depois que a abandonara?
Como será que a princesinha iria encarar a idéia de ter um irmão mais novo que não conhecia? Um irmão a quem foram negadas as brincadeiras e confidencias trocada com os primos. Um irmão que jamais soubera o que era ser mimado por um pai.
— Todos estão prontos para a sobremesa? — perguntou Emily, erguendo-se. — Temos vários tipos. Wade e Clay,temos aquele bolo de morango da Sharon, que vocês tanto gostam.
Pai e filho abriram-se num sorriso guloso.
— Sharon faz o melhor bolo de morango que eu já provei — disse Wade para Mac. — Espere até você experimentar é uma delícia.
— Mac é alérgico a morango. Acho melhor ele comer um pedaço do famoso bolo alemão de chocolate que Emily fez — disse Sharon.
— E um de meus preferidos — concordou Mac. Percebeu que alguns dos convidados olhavam para eles, certamente pelo tom de familiaridade usado por Sharon. Se já suspeitavam de que alguma coisa acontecia entre eles, agora tinham certeza.
De alguma forma, durante a sobremesa a conversa voltou-se para o acidente de Sharon no rio das Cobras, quando conhecera Mac. Foi durante aquela discussão que Mac ficou sabendo que Blake já fora detetive particular em Atlanta. Wade parecia valorizar bastante o conselho dele sobre como encontrar a pista dos assaltantes. Percebendo que Mac seguia a conversa, voltou-se para ele.
— Quer acrescentar alguma coisa, Mac?
— Para mim parece que você cobriu todas as possibilidades — respondeu Mac.
— O que ele iria saber sobre o trabalho da polícia? — resmungou Brad, do outro lado da mesa. — Ele só sabe consertar casas.
— Pois diga isso a alguns dos criminosos que ele prendeu, em Savannah — disse Wade, repreendendo o garoto pelo tom rude.
Mac engoliu um gemido. Não pretendia que aquilo viesse à baila tão cedo. Devia ter percebido. Mesmo entre amigos num grupo relativamente discreto, os segredos pareciam ter uma maneira própria de aparecer.
— Você foi policial, Mac? — quis saber Blake, aparentemente o primeiro a entender a referência.
Ele assentiu, quase sentindo o olhar espantado de Sharon sobre ele.
— Por dez anos. Me aposentei há alguns anos para me tornar empreiteiro, algo que sempre gostei.
— Acho que não quer que eu mencione suas recomendações? Ou o fato de que se aposentou porque recebeu um tiro cumprindo seu dever, salvando um grupo de espectadores inocentes de um maluco com um rifle?
A expressão de Wade era tão inocente que Mac teve vontade de dar um soco no rosto dele para ver se a calma ia embora. O delegado o havia investigado muito bem. Talvez até tivesse falado com o oficial superior de Mac em Savannah. Estivera certo ao concluir que Wade Davenport não deixava escapar muita coisa.
— Você levou um tiro? — espantou-se Sharon, empalidecendo.
— Foi de raspão — mentiu ele.
Na verdade ficara hospitalizado dez dias. Mas não via necessidade de entrar nesses detalhes no momento.
Jamie McBride foi quem quebrou o silêncio, com um comentário deslocado.
— Cordero, o Herói. Foi assim que o pessoal chamou você desde o começo, porque salvou a vida de Sharon, naquela noite. Imagine o apelido que dariam se soubessem de tudo isso...
Mac sentiu o rosto esquentar, um fato que não ocorria há anos. Wade riu. Trevor olhou para a esposa, sem acreditar no que ela dissera. Brad Henderson resmungou algo ininteligível e levantou-se.
— Vamos, Clay. Estou começando a ficar enjoado.
— Aquele rapaz não gosta mesmo de você, Mac — comentou Wade, depois que os dois saíram.
— Ele só está demorando mais do que as outras pessoas a responder ao meu charme natural — brincou Mac.
— Brad acha que Mac o ameaça, porque Mac e eu nos tornamos amigos — explicou Sharon, preocupada com o comportamento do irmão.
— Adolescentes não gostam de mudanças — disse Trent, dando de ombros.
— Foi o que eu disse a Mac — concordou Sharon. — Tudo o que Brad precisa é de um pouco mais de tempo e compreensão...
— E um belo chute no traseiro — completou Trent.
— Foi o que eu disse a ela — comentou Mac, rindo com a expressão no rosto de Sharon.
— Simpatia e compreensão funcionam até certo ponto com adolescentes — disse Wade. — Às vezes é preciso uma atitude mais dura.
Sharon colocou os dedos nas têmporas e suspirou.
— Está bem. Vou tentar.
— Brad é um ótimo rapaz — disse Emily, com firmeza. — Não fique preocupada com ele, Sharon.
Uma das meninas, talvez Claire de Emily, ou Alison de Tara, aproximou-se de Mac e colocou um brinquedo de pelúcia no colo dele. Em seguida ficou olhando para ele com os grandes olhos azuis, como se aguardasse sua reação.
— Que bonito, Claire — disse ele, arriscando um palpite.
— Esta é Alison — informou a pequena Abbie, de quatro anos. — Claire está lá.
Não era seu dia com as meninas, pensou ele. Reparou como a garota parecia saudável, com as pernas gorduchas progredindo hesitantes. Todos os descendentes dos McBride pareciam saudáveis. Esperava com fervor que tudo continuasse assim. Não desejava que nenhum pai passasse o que ele passara.
Consultou o relógio. A tarde ia avançada. As sombras alongavam-se no quintal. As crianças começavam a ficar cansadas. Ele também. Precisava ir embora.
Sentada próxima a ele, Sharon inclinou-se em sua direção, mantendo a voz baixa.
— Você parece que está pronto para ir embora — disse ela.
— Preciso dar uma passada na casa — disse ele.
— Os eletricistas estiveram lá hoje de manhã e preciso ver se deixaram tudo trancado depois que foram embora.
Sharon levantou junto com ele.
— Acompanho você até a caminhonete.
Olhando apenas para ela, ele sorriu. Acalmou-se quando se focalizou nela. Ajudou-o a concentrar-se no presente e esquecer o passado.
Mac despediu-se dos outros, e todos asseguraram que fora um prazer enorme tê-lo ali.
— Fiquei contente que tivesse vindo, Mac — disse Emily. — Por favor, venha nos visitar em outras oportunidades.
Ele encarou os olhos azuis, enxergando apenas sinceridade. Uma mulher agradável, pensou ele. Teria coragem de arruinar a vida pessoal dela com sua investigação, tornando público que o pai dela também era pai dele, se fosse confirmado? A princípio não se importava nem um pouco com as pessoas que sua atitude pudesse magoar, mas isso fora antes de conhecer os McBride. Antes de ter sido tão bem recebido entre eles. Soubessem ou não, faziam parte de sua família.
Sharon ainda estava pensando no irmão quando acompanhou Mac pela lateral da casa.
— Brad vai conseguir. Mac. Ele só precisa de tempo.
Tempo. Ele considerou aquilo por um instante. Sete meses se passariam antes que a reforma se concluísse. Apesar de não ser absolutamente necessário, ele supervisionava cada dia de trabalho, pois acreditava que devia envolver-se ativamente em seus projetos, desde o início até o final. Gostava de seu trabalho e tinha satisfação em constatar cada progresso.
Não era hábito seu envolver-se com nenhuma mulher durante essa fase. Houve encontros ocasionais depois do divórcio, mas foram poucas. E nenhuma das outras mulheres fez pergunta alguma sobre aonde ele ia ou o que desejava da vida, como Sharon fizera.
Pararam ao lado da caminhonete. Sharon esticou a mão para tocar o profundo arranhão na porta.
— Você pretende arrumar isso, não?
— Mais cedo ou mais tarde.
Ela inspirou, esticando o pano da blusa sumária. Outra vez os dedos dele cocaram de vontade de mexer nos pequenos botões. O que ela disse a seguir, porém, atraiu sua atenção de outra forma.
— Quero que mande a conta para mim. Ele a encarou por um instante.
— Esqueça isso.
— Estou falando sério, Mac.
— Eu também. Você não vai pagar pelo conserto do meu carro.
— Escute, sei que ainda acha que foi Brad quem fez isso. Mesmo que eu espere que você esteja errado, acredito em assumir minhas responsabilidades. Se existir uma possibilidade apenas que seja ele, então eu deveria pagar...
— Eu disse para esquecer — interrompeu ele. — Não importa quem eu acredite seja o culpado sei com certeza que não foi você. Você não vai pagar.
— Mas se Brad realmente fez isso...
— Se Brad é culpado, então ele é quem deveria fazer a devolução, não você. Não pretendo aceitar seu dinheiro, Sharon.
— Mas...
— Já perguntou a Brad se ele tem alguma coisa a ver com o assunto? — disse ele baixinho.
A expressão do rosto dela foi resposta suficiente.
— Você não perguntou. Tem medo do que ele possa dizer — insistiu Mac.
Sharon suspirou e levou a mão à têmpora.
— Sou tão covarde...
— Você é a pessoa menos covarde que conheço. Não consigo imaginar mulheres de sua idade assumindo a quantidade de responsabilidade que você assumiu nesse verão. É você quem precisa de férias, mas parece que todos tiram férias, menos você. Ninguém pode esperar mais do que já deu.
As mãos apertaram as dele.
— Não me importo de tomar conta de meu irmão enquanto minha mãe aproveita uma viagem que era a chance da vida dela. É que bem, não foi tão fácil quanto eu esperava.
— Por isso mesmo, não se sobrecarregue com mais preocupações. Tomo conta dos meus problemas, mesmo que eles envolvam seu irmão. Nem Brad nem eu precisamos de você para resolver esse assunto.
Ela mordeu o lábio, pensando nas palavras dele por um instante. Depois voltou a fitá-lo.
— Mac? Por que não me contou que foi policial? — Ele piscou.
— Não surgiu a oportunidade? — arriscou ele. Sharon continuou olhando para ele. Mac suspirou. — Não sei, talvez não tenha surgido à oportunidade certa para falar do assunto.
— Ou talvez tenha pensado que era algo que eu não tinha necessidade de saber.
Ele não conseguiu descobrir uma resposta para isso. Porém ela sorriu e meneou a cabeça.
— Tudo bem. Não estou tentando descobrir todos os seus segredos. Só fiquei curiosa.
Mac olhou na direção da casa, onde vários McBride estavam reunidos.
— Sharon...
— Acho que estou um pouco estressada hoje — afirmou ela.
— Não quero piorar a situação.
— Não se preocupe, posso lidar com tudo.
Ele recordou a promessa que fizera a si mesmo de não magoá-la. Esperava fervorosamente poder cumpri-la. Esperando que ninguém visse, na verdade sem ligar para isso naquele momento, ele inclinou-se e beijou-lhe os lábios. A boca macia e tépida correspondeu com intensidade. Não foi fácil para ambos se separarem. O que Mac realmente desejava fazer era atirá-la no interior da caminhonete, levá-la para seu apartamento e passar as próximas vinte e quatro horas fazendo amor.
Pelo menos vinte e quatro horas.
— Quero ver você hoje — afirmou ele com voz rouca. — Quando pode dar uma escapada?
Não precisou esclarecer que queria vê-la sozinho, pois Sharon sorriu como quem entendera.
— Logo. Também quero ficar com você.
Ele quase a beijou novamente. Em vez disso, abriu a porta da caminhonete.
— Ligo para você mais tarde.
— Faça isso — respondeu ela, e voltou para a reunião.
O que, exatamente, ele conseguira? Perguntava-se Mac enquanto saía da casa dos Davenport. Sabia que existia uma boa chance de que Jonas McBride fosse seu pai, algo que ele já imaginava. Conseguiu que Sharon ficasse embaraçada pelo comportamento do irmão, pois acreditava agora na possibilidade. E mesmo que soubesse que os McBride não eram amigos de fofocas, tornara seu relacionamento com Sharon o foco de atenção. O que conseguira? Não tinha a menor idéia.
Mas se tornava mais e mais difícil para ele pensar nos McBride como um grupo de pessoas que deviam a ele respostas e desculpas.
Jamie aproximou-se de Sharon enquanto as outras mulheres cuidavam das crianças e tiravam a mesa.
— Então alguma coisa que queira partilhar comigo?
— Como assim? — indagou ela, com ar de inocente.
— Você está saindo com o Sr. Cordero, não está? Ouvi dizer na cidade que estava, e agora que vi os dois juntos, acho que os rumores devem ter uma base verdadeira, para variar.
Sharon ainda não sabia quem havia iniciado os boatos. Ela e Mac haviam sido discretos ao extremo. Mal saíram juntos em público. Só podia presumir que algum dos trabalhadores na casa tivesse tirado suas conclusões ao ver os dois juntos... o que vinha a provar que os homens eram tão fofoqueiros quanto as mulheres.
— Mac e eu passamos algum tempo juntos. Mas é muito cedo, Jamie cedo demais para fazer qualquer previsão.
Jamie riu e colocou a mão no ombro da amiga.
— Não se preocupe, não pretendo iniciar nenhum grupo de discussão sobre o assunto. Mas achei uma graça o jeito que ele olhava para você. É muito bom fazer um homem subir pelas paredes quando a gente está por perto, não é?
— Na verdade ele não... — começou Sharon, rindo.
— Era só uma forma de falar, claro. Mac mal conseguiu tirar os olhos de você a tarde inteira, embora tenha sido muito discreto a respeito. Acho que ele é como Trevor. Não é fácil expressar suas emoções, mas ele as sente com intensidade.
Sharon recordou a tarde em que havia deparado com Mac e Trevor descendo as escadas, lado a lado. Embora fossem muito diferentes no físico, ela pressentira que eram parecidos de outras formas.
— Acho que já sabe que Jerry anda dizendo por aí que você deu o fora nele por causa de Mac.
— Não, não sabia. Ele anda dizendo isso é? — indagou Sharon, surpresa.
— Acho que sim. Ele ficou ressentido com a história.
— Gostaria que ele não reagisse assim. Na verdade eu e Jerry não tínhamos um relacionamento romântico. Nunca falamos sobre o futuro.
-— Homens quem consegue entendê-los? — fez Jamie, completando a frase com um gesto dramático. Sharon concordou com um suspiro. Repentinamente séria Jamie tocou o braço de Sharon.
— Escute, sei que sua mãe está viajando e você tem um bocado de responsabilidades no momento, cuidando do seu irmão e tudo o mais lembro-me de como foi assustador começar um novo relacionamento. Sei como é se apaixonar por um homem complicado e exasperante, com uma história emocional. Aposto que isso descreve tanto o meu Trevor quanto o seu Mac. Enfim, se quiser ou precisar conversar com alguém, sabe onde me encontrar.
— É assim tão óbvio que estou apaixonada por ele? — indagou Sharon.
Jamie sorriu.
— Você podia estar usando um cartaz, meu bem. — Sharon fez uma careta.
— Bem, talvez eu esteja sensível a esse ponto porque não faz muito tempo que aconteceu comigo — arriscou Jamie. — Talvez ninguém mais tenha percebido.
Automaticamente olhando para o grupo de mulheres, Sharon resolveu que cada uma delas parecia estar observando a conversa entre ela e Jamie. Com certeza perceberam, pensou. Poderia estar usando um cartaz com o mesmo efeito.
Mac estava sentado à mesa da cozinha, meditando. Os apontamentos espalhados à sua frente não captavam mais sua atenção, dirigida à fotografia que tinha nas mãos. Uma garrafa de uísque sobre a mesa e um copo pela metade ao lado. Não bebia com freqüência, porém naquela noite não parecia haver motivo para permanecer sóbrio.
Do papel fotográfico, sua ex-esposa e o filho, ainda bebê, olhavam para ele. A fotografia fora tirada num hospital. Karla estava numa moderna cadeira de balanço com Emílio, quatro semanas de idade, no colo. Vários tubos estavam ligados ao bebê, que não apareciam na fotografia. Emílio não conhecera um só dia sem agulhas ou tubos. Duas semanas depois, seu filho morrera quieto e despercebido, da forma como vivera.
Mac estava na fotografia também, ajoelhado ao lado da cadeira de Karla. Ele não queria tirar a foto, mas Karla insistira e parecia pouco a fazer por ela, durante aquele mundo de provações. Foi irônico que ela não quisesse levar a fotografia, quando partiu.
Os médicos disseram que o problema no nascimento de Emílio fora de natureza genética, algo passado de geração em geração. Mac, naturalmente, sabia apenas que não havia histórico da doença pelo lado da mãe. Não havia testes disponíveis para descobrir qual dos dois carregava o gene que causou a morte de Emílio, porém Mac não se importou com isso. Fora fácil demais para ele carregar a culpa, sozinho.
Talvez Karla tivesse feito exames nos últimos dois anos, Mac não sabia. Não falava com ela desde que ambos se separaram, nas semanas depois que Emílio se fora.
Fora Karla quem pedira o divórcio, embora Mac tivesse conversado com ela, no sentido de tentar salvar o casamento. Oferecera-se para ir ao conselheiro matrimonial com ela, apesar de odiar esse tipo de coisa. Porém ela não se interessara. Qualquer amor que tivesse por ele no início perdera-se na tristeza, na raiva e na amargura. E no distanciamento dele.
Mac aceitou sua parte da culpa pelo final do casamento. Perdera sua mãe seis meses antes de Emílio nascer e ainda sofria com as duas perdas devastadoras. Ele a mãe foram muito próximos. Tiveram de ser. Os dois compunham toda a família.
Ainda lamentando a perda da mãe e lidando com os fatos que aprendera sobre a sua família, não estivera preparado para o segundo golpe de perder o filho. Talvez não tivesse apoiado Karla suficientemente. Ou talvez o que partilhassem não tivesse força suficiente para sobreviver a esse tipo de revés.
Ele imaginara que atração, paixão e afeição seriam suficientes. Aparentemente estivera errado. O que começava a sentir por Sharon era completamente diferente do que partilhara com Karla. Mas como iria saber se era mesmo real? Mais duradouro?
A campainha tocou, retirando-o do desagradável devaneio. Ele não esperava ninguém, o que significava que havia uma boa possibilidade de que não fosse algo agradável. Suspirou profundamente, deu mais um gole em seu uísque, e levantou-se.
Alguns instantes mais tarde, abriu a porta da frente para deparar com Sharon Henderson parada ali.
— Provavelmente eu devia ter ligado — disse ela, insegura.
Consciente de que seus cabelos estavam desalinhados, a camisa desabotoada e os pés descalços, ele limpou a garganta.
— Não, eu estava só descansando um pouco. Entre. Ele se afastou para abrir a porta. Após um instante de hesitação, ela entrou no apartamento. Mac fechou a porta.
Sharon não conseguia tirar os olhos do rosto de Mac, quando ele entrou na sala. Como sempre, a expressão dele não demonstrava os pensamentos, mas ela se tomara estranhamente sintonizada com as emoções dele. Percebeu que naquela noite ele estava triste.
— O que foi?
— Nada... Você só me apanhou de surpresa.
Ela devia mesmo ter telefonado. Nunca fora do tipo que age por impulso, mas fizera um bocado de coisas estranhas depois de conhecer Mac.
— Fiquei sozinha esta noite e imaginei se você poderia me fazer companhia por algumas horas. Mas se tem outros planos...
— Ficou sozinha, é?
— Fiquei. Clay e Brad me convenceram a deixar Brad passar a noite lá. Provavelmente vão jogar videogame até de madrugada.
— E você achou que a gente podia jogar algum outro tipo de jogo, foi?
— Só no caso de você estar interessado... — declarou Sharon, com ar coquete.
Ele a tomou nos braços.
— Definitivamente estou interessado. Por que não entra para me explicar tudo direitinho — disse ele, a boca próxima à dela.
— Você esteve bebendo — disse ela, sentindo o odor do álcool e percebendo as bochechas avermelhadas.
— Estive. Está preocupada que eu seja um bêbado domiciliar?
— Não. Acho que você está bebendo esta noite porque está triste com alguma coisa.
— Algo parecido.
— Melhorou com a bebida?
— Não — respondeu ele, com uma careta.
— Existe alguma coisa que eu possa fazer?
Mac apanhou uma das mãos dela e beijou-lhe a palma.
— Existe, sim.
A urgência no tom da resposta fez com que Sharon sorrisse.
— Por que não me diz exatamente o que quer?
Ele deslizou as mãos pelos flancos macios, segurou-lhe os quadris e puxou-a para mais perto.
— Tenho outra idéia. Por que não mostro a você? Passando os braços ao redor do pescoço dele, ela murmurou:
— Acho que seria melhor.
Daquela vez ele não a carregou para a cama. Caminharam lado a lado, os corpos próximos, os passos lentos. Ambos sabiam que não havia motivo para apressar-se.
Deixaram a luz apagada, ligando a lâmpada de cabeceira para obter um clima mais suave. Sharon retirou a camisa de Mac e esticou a mão para o botão do jeans. Pretendia desempenhar um papel mais ativo daquela vez.
Olhando para ele, descobriu nas costas, acima do quadril esquerdo, a cicatriz, onde passou delicadamente o dedo.
— Esta é a cicatriz do tiro?
— Não foi tão mal quanto parece. Meus ferimentos nunca foram graves.
Ajoelhando-se, ela aproximou o rosto e beijou a pele mais clara.
— Deve ter doído muito.
Pela expressão do rosto de Mac, poderia pensar que ele sentia dor. Se sentia, certamente era uma dor agradável que apenas ela podia curar.
Em pé, nu em frente a ela, ele a ergueu e esticou a mão para o primeiro dos botões da blusa sexy.
— Tive vontade de fazer isso à tarde inteira.
— Eu sei, pelo jeito como me olhava. — Passando os lábios pela testa macia, ele murmurou:
— Às vezes imagino que você vê coisas demais quando olha para mim.
Sharon não sabia como responder aquilo, porém não foi preciso. A mão em seu rosto puxou-a para um beijo. Quando terminaram, a blusa e o sutiã estavam no chão e o short aos pés dela. Mac ergueu-a e atirou-se com ela na cama.
— Seu corpo é tão perfeito... — disse ele deslizando as mãos na pele uniforme.
— Não é, não. Também tenho uma cicatriz.
— Onde?
Sentindo-se maliciosa de repente, ela sorriu e passou o dedo pelo lábio inferior.
— Por que você não tenta encontrar?
Foi um desafio que ele aceitou com cuidado. Não deixou um centímetro de pele sem beijar ou acariciar. Mesmo depois de encontrar a pequena cicatriz de operação de apêndice na infância, Mac continuou procurando. Só como precaução, informou ele, porque poderia haver uma imperfeição que ele não tivesse visto. Só quando chegou aos dedos dos pés é que a declarou tão perfeita como imaginara a princípio.
A essa altura ela mal conseguia pensar com clareza suficiente para lembrar o que ele estivera procurando.
Estava recomeçando, pensou Sharon. A mente anuviada de paixão e prazer, ela só conseguia permanecer deitada contra os travesseiros, gemendo. Reunindo todas as forças, ergueu-se do travesseiro e pressionou as costas dele.
— Agora é minha vez.
— Sirva-se — disse Mac, deitando de costas.
Sharon curvou-se sobre ele. Não foi o convite mais romântico que recebera, mas fora sincero, e era isso o que importava. Quando a noite terminasse, conheceria aquele corpo tão bem quanto o próprio, prometeu a si mesma.
Não foi fácil mantê-lo quieto enquanto terminava sua exploração. Ele tentava rolar sobre ela toda hora, e Sharon precisava mantê-lo no lugar com mão firme. Naturalmente ele poderia ter aplicado mais força que ela, porém não colocava muito esforço em sua reação. Deixou-a imprimir o ritmo, embora tremesse de impaciência.
Mac estremeceu violentamente quando ela acariciou o símbolo de sua masculinidade. Gemeu quando os lábios seguiram o toque. Depois de alguns momentos torturantes, fez algo que ela não esperava de um homem daquele tamanho: suplicou.
— Sharon... por favor. O pedido afetou-a de forma estranha. Foi como se ela derretesse.
— Mac...
Os dois se moveram juntos, num dueto fluido e silencioso de desejo. Só levou um segundo para ele colocar o preservativo e outro para penetrá-la profundamente. Os dois se tomaram um só.
Ela não poderia ter começado há adivinhar quanto tempo se passou minutos, horas, dias. Não havia palavras nem pensamentos coerentes. Apenas respirações aceleradas e gemidos. Era tanta emoção exposta que o coração dela deu a impressão de que fosse explodir a qualquer momento.
Sharon sabia que estava desesperadamente apaixonada por aquele homem. Não importava se haviam conhecido um ao outro em pouco tempo, ou se ainda havia segredos entre eles, pelo menos nessa parte. Ela o amava. Se o amor iria ou não levar a um final perfeito... Bem, isso ficava para mais tarde.
Com o rosto nos seios de Sharon, o braço passado nas costas, Mac deitava-se ao lado dela enquanto ambos recuperavam lentamente o fôlego. A sanidade.
— Me diga que não foi um sonho fantástico — resmungou ele depois de algum tempo, sem erguer a cabeça.
— Acho que você não bebeu tanto assim antes que eu chegasse.
— Meio copo.
— Então agora me diga qual foi o mais eficiente para fazer você se sentir melhor. A bebida ou eu?
— Está querendo elogios?
— Estou.
— Você foi infinitamente melhor do que o uísque.
— Aceito qualquer elogio que possa obter. — Apoiando-se num cotovelo, Mac acariciou os cabelos dela.
— Você está bem alegre esta noite.
— Acho que ser ousada faz isso comigo.
— Ousada? É assim que está se sentindo? — Claro. Não costumo fazer coisas desse tipo. Sempre sou sensível e responsável. Não costumo arriscar. Não tenho aventuras e não ajo por impulso.
Mac considerou as palavras de Sharon, e não pareceu gostar muito.
— Uma aventura...
— Por falta de termo melhor.
— Não gosto muito desse.
— Não tem uma palavra melhor para oferecer? — desafiou ela.
— Não. Mas não é uma aventura. — Não era muito, mas já representava alguma coisa. Ela resolveu ficar satisfeita por enquanto.
— Por que você saiu da polícia? Foi porque levou um tiro?
— Não de todo. Eu só estava cansado de dedicar-me tanto ao emprego e não enxergar resultados reais para meus esforços. Eu colocava um traficante na cadeia, e outros três tomavam o lugar dele. Para cada adolescente que conseguíamos recuperar, perdíamos doze. Comecei a detestar ir para o trabalho pela manhã. Me sentia mais ou menos como alguém que quer apagar um incêndio na floresta com uma pistola de água.
Sharon ficou surpresa pela franqueza da resposta, percebendo outro aspecto de seu caráter. Não o teve em menos conta por ele ter deixado um emprego que ficava cada vez mais frustrante.
— Então entrou para o negócio de reformas, onde podia obter resultados definidos. Você apanha uma coisa velha e negligenciada e a transforma em algo útil e belo outra vez.
— Algo parecido — concordou Mac, dando de ombros. Como ele parecia disposto a conversar, Sharon resolveu fazer mais uma pergunta.
— Como sua esposa se sentiu sobre sua mudança de profissão? Ficou aliviada?
— Para dizer a verdade, ela até que gostava de ser casada com um policial. Um empreiteiro não parecia muito excitante.
Aquele não poderia ter sido o motivo principal para que o casamento terminasse.
— Por quanto tempo esteve casado depois que saiu da polícia?
— Mais ou menos um ano.
Deve ter sido um ano difícil, imaginou ela, estudando a expressão dele. Talvez ele não quisesse falar sobre o casamento.
— Me conte sobre sua mãe.
— Você está mesmo com vontade de conversar, não?
— Desculpe. Prefere que eu fique quieta?
— Não. Pode perguntar o que quiser. O que quer saber sobre minha mãe?
— Além do pouco que me contou, posso imaginar que tenha sido muito ligado a ela. Deve ter sido uma pessoa especial.
— Era mesmo — disse Mac, com a voz carregada de orgulho e tristeza.
— Ela nasceu em Porto Rico?
— Nasceu. Casou-se em San Juan quando tinha dezessete anos. Seguiu o marido até Savannah, onde ele foi para trabalhar no porto, e ela se empregou no hotel. Um ano mais tarde, ele morreu num acidente de trabalho, deixando minha mãe viúva antes dos dezenove anos.
— E grávida de você deve ter sido muito difícil para ela.
— Não. O marido dela não foi meu pai. Minha mãe apaixonou-se por outro homem dez anos depois. Ele era casado com outra pessoa. Fui concebido desse relacionamento. A família católica se voltou contra ela por causa disso. Ele me criou sozinha, sem ajuda de ninguém.
— Seu pai?
Mac deu de ombros.
— Nunca o encontrei. Ele não tinha interesse em lidar com a devastação que causou à vida de minha mãe.
— Ela deve ter sido uma mulher forte.
— Era mesmo. Jamais aceitou ajuda de ninguém. Ela me criou com o que ganhava como empregada do hotel. Quando fiz cinco anos, ela era a chefe das arrumadeiras. Nunca conseguiu ganhar muito dinheiro, mas o que tinha foi para cuidar da minha saúde e educação. Comecei a trabalhar para ajudá-la quando eu era apenas uma criança, mas sempre foi uma luta para convencê-la a aceitar o meu dinheiro.
— Ela registrou você como Miguel, mas o apelidou de Mac. E certificou-se de que aprendesse inglês.
— Como eu disse, ela queria que eu me adaptasse. Esperava que me tomasse um médico ou advogado. Mas escolhi entrar para a academia de polícia, seguindo os passos de um vizinho que eu admirava e que sempre demonstrou interesse em me orientar ela não podia ter mais orgulho de mim.
— Você a amava muito, não?
— Eu a adorava.
As palavras simples e sinceras da resposta de Mac a impressionaram a ponto de sentir um nó na garganta. Ela gostaria de saber que se tivesse um filho, ele falaria dela com o mesmo fervor e devoção.
Mac fitava sem ver um ponto indefinido, como se ali enxergasse o passado.
— Depois que minha mãe morreu, descobri que ela colocara todo o dinheiro que possuía em seguros de vida me apontando como beneficiário. Mesmo depois que cresci e comecei a me sustentar, ela sentiu necessidade de garantir meu futuro.
— Parece que ela também adorava você.
— Adorava. Usei o dinheiro do seguro para iniciar meu novo negócio. Acho que ela teria gostado.
— Ela lhe deu a possibilidade de perseguir um sonho, mesmo que tenha sido um sonho diferente do dela. Claro. Com certeza ela teria aprovado.
— Você teria gostado dela.
— Tenho certeza de que a teria adorado também. Como não gostar de uma mulher que criou um homem assim tão especial?
— Acha que já conversamos bastante? — indagou Mac, depois de sacudir a cabeça para expulsar as memórias.
— Por quê? Está pensando em fazer alguma outra coisa? — Sharon perguntou, com um sorriso malicioso.
A cabeça dele baixou até o seio.
— Talvez alguma idéia apareça...
Ela riu e gemeu, quando a língua tocou o mamilo.
— Certo. Também acho que já conversamos bastante.
— Ótimo...
Sharon acordou às duas horas da madrugada, com sede e desorientada. Depois de pensar um pouco para entender onde estava, voltou à cabeça no travesseiro e olhou para Mac. Ele estava profundamente adormecido, os membros estendidos, a boca levemente entreaberta. O sono não amenizava muito as feições dele, pois mesmo adormecido parecia forte e poderoso. Um pouco perigoso.
Sharon sabia que havia um lado mais suave oculto ao mundo exterior. Um lado que Mac permitia que poucas pessoas vissem. Sentiu-se afortunada por ser uma delas.
Permaneceu deitada por um instante, observando-o. Construindo fantasias com esperança.
Finalmente a sede a obrigou a levantar-se. Apanhou a camisa de brim de Mac no assoalho, onde ficara na noite anterior. Era comprida o suficiente para servir como roupão. Enrolando-a ao redor do corpo, dirigiu-se para a cozinha.
Mac deixara a luz ligada. A mesa da cozinha estava atulhada de papéis. Uma garrafa aberta de uísque encontrava-se próxima a um decantador, cuja tampa estava ao lado.
Sharon esticou a mão automaticamente para a tampa de cristal, o gesto parou quando ela percebeu uma fotografia sobre os papéis. Uma mulher morena segurava um bebê minúsculo, de cabelos e olhos escuros. O ambiente obviamente era o de um hospital. Na imagem, Mac encontrava-se ajoelhado ao lado da cadeira, a mão direita sobre a cabeça do bebê, como se para protegê-lo. O olhar e a expressão eram de preocupação.
Os dedos tremiam quando ela se esticou para tocar a fotografia. Podia imaginar Mac sentado sozinho, tomando sua bebida e olhando aquela recordação. Apenas uma explicação ocorreu a ela. Teria essa criança sido de Mac? Ele dissera que não tinha filhos. Será que o bebê morrera?
Não era de espantar que tivesse encontrado tanta tristeza ao chegar. Será que ainda o magoava falar sobre o assunto? Por isso não contara a ela?
Ele merecia privacidade. Já ia se afastando da mesa, quando reparou de relance no nome McBride. Estava escrito em letra de forma no topo de uma das folhas de papel; na verdade, de todas as páginas, observou ela, passando os olhos„ de uma para outra. Por que estaria Mac compilando um esquema genealógico definido sobre os McBride?
Todos estavam ali... pais anotados no topo da página, filhos embaixo. Ele chegara ao requinte de anotar ali a idade dos primos.
Ela própria fornecera essas informações, compreendeu por fim, lembrando de várias conversas nas quais os McBride foram o assunto principal, discutido com detalhes. Recordou-se de ter ficado embaraçada por falar tanto, preocupada que Mac estivesse entediado com o tema. Agora perguntava-se se não fora manipulada por um especialista. Por quê?
Uma caneta, recentemente abandonada, estava ao lado de uma das folhas. Só algumas linhas haviam sido escritas no alto da página.
"Jonas McBride. Esposa: Ernestina. Filha: Savannah, 34. Vendedor ambulante. Casamento infeliz."
Mac ficara sabendo de todas essas informações algumas horas antes, pensou ela, colocando a mão sobre o estômago.
— Quer examinar minha carteira também?
Sharon deu um salto ao ouvir a voz dele, vinda da porta atrás dela.
— Não venha dar uma de santo comigo! Por que está investigando meus amigos?
— É isso o que pensa que estou fazendo?
O olhar de inocência no rosto dele só teve a propriedade de irritar Sharon ainda mais.
— Não venha com jogos de palavras. O que você está fazendo é óbvio. Só falta o tamanho do sapato de cada um aqui.
Ele continuou a fitá-la.
— Mac, quero respostas.
— Eu também. Mas nem sempre conseguimos o que desejamos.
Apertando o espaldar da cadeira até que o nó dos dedos ficassem esbranquiçados, Sharon fuzilou-o com o olhar.
— Os McBride foram o único motivo de você ter vindo para Honória?
Ele não respondeu.
— Por isso foi tão amigável comigo? Por causa da minha amizade com eles?
Mac suspirou e ergueu a mão.
— Calma, Sharon, precisamos conversar.
— Estou perfeitamente calma. E as únicas palavras que quero escutar de você são uma explicação do significado dessas páginas.
— Pode acreditar em mim quando digo que não queria' causar mal nenhum aos McBride?
— Está me pedindo para confiar em você?
— Estou. E exatamente isso que estou pedindo a você.
Soltando a cadeira, ela juntou as pontas da camisa, subitamente consciente de sua exposição. Estranhamente sentiu-se mais nua do que na cama, sem roupas.
— Antes que eu tome essa decisão, pode responder apenas uma pergunta? Com sinceridade?
— Isso depende do que você perguntar.
— Você me procurou por causa da minha amizade com os McBride?
— Sim.
A franqueza dele causou um aperto no coração de Sharon.
— Maldição!
Mac a usara. Acabava de admitir isso. Ao que parece, Brad tinha razão. Devia desculpas a ele depois de chorar bastante. Caminhou na direção do quarto.
— Quero me vestir agora, por favor.
— Foi assim que começou, mas não é por isso que estou aqui com você.
— Gostaria muito de acreditar nisso. Mas vi o que você escreveu nessas páginas. Não sei o que está fazendo, nem o porquê, mas sei que obteve boa parte dessas informações comigo. Você me usou.
— De alguma forma, isso é verdade. Desculpe. Mas depois...
— Por favor, deixe eu me vestir, Mac. Não estou conseguindo pensar com clareza deste jeito.
Ele hesitou por um instante, como se avaliasse a situação, depois se afastou. Ela quase correu para o quarto.
Não conseguiu olhar para a cama desfeita enquanto reunia as roupas e as levava ao banheiro, para vestir-se. Os pensamentos rodavam e ela sentia um nó no estômago. Mergulhara direto da euforia para o desespero e não conseguia avaliar o que acontecera. Ainda não sabia o que Mac pretendia, nem importava muito no momento. Sabia que não iria gostar. Se existisse uma explicação simples e inocente, ele já teria falado. E admitira estar interessado nela por causa das informações sobre os McBride.
Tolamente imaginara que fora a sua personalidade que o tivesse atraído. Talvez seu talento. Afinal, não estaria tão decepcionada se ele dissesse que o motivo fora seu corpo mas como arma contra os próprios amigos dela, estimulando-a a falar sobre pessoas das quais gostava muito isso magoava de verdade.
O que quer que ele desejasse, não havia uma desculpa decente para justificar aquelas ações.
Vestida outra vez de blusa e short, desejava estar usando algo mais formal na noite anterior. Não era fácil parecer fria e distante com aquela roupa, mas iria tentar. Inspirou profundamente várias vezes antes de sair do banheiro. Não estava ansiosa para enfrentar o Mac outra vez.
Ele continuava na cozinha. A fotografia não se encontrava mais à vista e as notas estavam em sua mão. A garrafa de uísque estava fechada e o copo vazio.
Mac encontrava-se recostado à bancada, os braços cruzados sobre o peito desnudo.
— Sente-se melhor agora?
— Não. Agora pode me dizer o motivo de você reunir informações sobre meus amigos?
— Não, Sharon. Ainda não.
— Tem a intenção de me contar, algum dia? Mac hesitou.
— Não sei, ainda não resolvi.
— Está de alguma forma relacionado com seu trabalho na polícia? Está disfarçado por algum motivo? Acha que os McBride estão envolvidos em alguma coisa ilegal?
— Não sou mais policial, Sharon — respondeu ele, balançando a cabeça. — Meus motivos para fazer isso são exclusivamente pessoais.
— E não quer me dizer qual é.
— Existem pessoas que podem sair magoadas. Não sei ainda se quero ser responsável por isso.
— Você já sabia, quando veio para cá que isso iria acontecer. Não se incomodou com esse fato?
— Eu não conhecia essas pessoas antes.
Aquilo fez com que ela parasse um instante. Ele dava a entender que gostava dos McBride. Como se pensasse duas vezes antes de fazer mal a eles. Pensou no que vira naquelas páginas. Os nomes de Caleb e seus irmãos, suas esposas e filhos. Notas sobre os trabalhos de cada um e o casamento.
Minha mãe apaixonou-se por outro homem dez anos depois. Ele era casado com outra pessoa. Fui concebido desse relacionamento.
E sua mãe o chamou de Mac. Teve a compreensão condensada num só instante.
— Você está procurando seu pai.
O único músculo que se moveu nele foi o do maxilar, retesando-se.
— É isso, Mac? Acha que Caleb ou um de seus irmãos fosse o homem casado que teve um relacionamento com sua mãe?
— Sei que era — respondeu ele, com um suspiro. — Sei que foi um deles, só não sei qual.
— Como sabe disso?
— Encontrei o nome nos guardados de minha mãe depois que ela morreu. Só o último nome. Provavelmente ela jamais esperou que eu achasse isso, ou tirasse alguma conclusão. Liguei para a irmã dela em Porto Rico, que confirmou saber que o nome de meu pai era McBride, e que morava em Honória, na Geórgia. Sabia por que minha mãe contara a ela. Ela alimentava a esperança de algum dia morar em Honória, quando seu amante se divorciasse da esposa e casasse com ela.
Sharon percebeu amargura na voz dele.
— Sua tia não sabia o primeiro nome?
— Só o sobrenome. E mesmo assim, minha mãe só contou que meu apelido era Mac porque o nome de meu pai era McBride. Uma homenagem ao homem que a abandonara.
— Então você veio descobrir por si mesmo.
— Achei que me deviam algumas respostas. Não sabia, quando comecei isso tudo, que a maior parte dos suspeitos está morta.
Imitando a postura dele, Sharon cruzou os braços e tentou falar sem emoção na voz.
— Já sabe qual foi?
— Acho que o suspeito mais provável é Jonas.
Ela lembrou o que ele escrevera sobre Jonas. "Vendedor ambulante. Casamento infeliz." Talvez ele tivesse razão.
— Jonas está morto há anos.
— Sei disso.
— A viúva e a filha ainda vivem, naturalmente. Ernestina é uma mulher esnobe e orgulhosa. Ficaria humilhada ao saber que o marido teve um caso e foi pai de uma criança enquanto estavam casados.
— Não vim aqui para humilhar ninguém. Principalmente a esposa dele, que não pode ser culpada por qualquer coisa que ele tenha feito. Minha mãe sabia que ele era casado quando começaram o relacionamento. Ela se apaixonou cegamente, acreditou nas mentiras dele, que jurava amor suficiente para casar com ela.
— E quanto à Savannah? Se Jonas fosse seu pai, ela seria sua irmã. Não tem vontade de conhecê-la?
— Vim aqui para descobrir respostas, não uma nova família. Se Jonas estivesse vivo, poderia tentar magoá-lo da mesma forma que magoou minha mãe. Não teria me importado com o que tivesse acontecido com ele, ou quem mais ficaria magoado. Mas o fato é que ele está morto. É tarde demais para fazer alguma coisa contra ele. A viúva e a filha não têm nada a ver comigo. Não tenho motivos para querer me relacionar com elas.
A dureza na voz dele deixou Sharon chocada. Aquele não era o homem pelo qual se apaixonara. Era um estranho. Irritado, amargo, insensível. Era o homem que a tinha usado para obter informações para os próprios propósitos. Não tinha certeza de que esse homem fosse capaz de amar. Seria essa a única, ou era apenas outra faceta de Mac? Enganara-se redondamente ao apaixonar-se por um estranho?
— Ainda existe um dos irmãos McBride vivo. Caleb. Acha que existe alguma chance de...
— Ele está casado há quase quarenta anos. Raramente sai de Honória. Eu diria que é muito mais provável que Jonas tenha sido o doador de esperma no caso. Pelo que ouvi contar sobre ele, posso entender que tenha se apaixonado por minha mãe. Só não entendo por que a deixou.
— Caleb volta para casa em uma semana. Pretende perguntar alguma coisa a ele?
— Não acha que tenho o direito?
— O direito de causar um escândalo numa família feliz? Não sei... — declarou Sharon meneando a cabeça.
— Minha mãe morreu ainda amando o homem que quebrou o coração dela — afirmou ele, com voz gelada. — Ela nunca deixou de esperar que ele voltasse. Puxa vida, até colocou o nome dele em mim. Tenho o direito de saber quem fez isso a ela. O dever de retribuir por parte de minha mãe.
— Retribuição? Vingança?
Os olhos dele brilhavam como pedras escuras.
— Qualquer que tenha sido o McBride que seduziu minha mãe, não iria querer que suas ações desalmadas fossem conhecidas por seus filhos, netos, vizinhos e amigos. E da forma como os mexericos correm por aqui, não demoraria que todos soubessem. Basta dizer algumas palavras em um ou dois lugares determinados.
A idéia de Mac deliberadamente magoando tantas pessoas a deixou revoltada. Podia entender a raiva dele. Podia entender até mesmo o desejo de vingança. Porém saber que tantos inocentes seriam arrastados nesse processo e que a longo prazo nada viria de bom dessas ações não podia aprovar aquilo.
Não sabia o que dizer. Só sabia que toda a situação a magoara profundamente. O que mais a incomodava era o fato de ter sido usada por Mac para realizar seus propósitos.
Ele não se movera, mas dava a impressão de ter se retraído fisicamente.
— Parece óbvio de que lado você está.
— Desculpe, mas não estou do lado de ninguém. Eu jamais tomaria partido na sua guerra particular, Mac. Você me usou até agora, mas não vou deixar que me use mais.
— Foi mais do que isso — resmungou ele.
— Foi mesmo? Hoje, mais cedo, perguntei se você tinha uma palavra para descrever nosso relacionamento. Você não tinha. Tem uma agora?
Colocando uma das mãos na nuca, ele começou a abrir a boca, porém não disse nada.
— Não pensei que tivesse — afirmou ela, girando nos calcanhares em direção da porta.
— Vai embora?
— Vou — respondeu ela, decidida, sem olhar para trás. — Não se preocupe, Mac. Não pretendo dizer nada sobre o que eu fiquei sabendo aqui. Não vou interferir, mas não vou ajudar, também. Quaisquer outras informações que queira, não vai obter de mim. O que quer que faça com essas informações é problema seu. Só espero que faça a escolha correta.
— E quanto ao trabalho?
Ela mal pôde acreditar que ele tenha pensado em trabalho naquela hora. Foi o orgulho ferido que a fez girar, endireitar os ombros e encará-lo.
— Eu recomendaria que você trouxesse um profissional de Atlanta. Dessa vez você provavelmente vai querer contratar alguém com base no currículo e experiência, em vez de ser por causa da amizade com a família que você quer destruir.
— Não foi por isso que contratei você — respondeu Mac. — Quando se trata de trabalho, escolho as melhores pessoas e você é a melhor. Estou querendo que cumpra suas obrigações profissionais. Seu contrato.
— Ótimo. Esse trabalho vai ficar muito bem no meu currículo. Acho justo que pelo menos nisso eu use você.
— Basta fazer um bom trabalho.
— Sempre faço — retrucou ela, virando e saindo para não estragar com lágrimas sua aparência de frieza exterior.
Brad encontrou Sharon chorando no domingo de noite. Ela estivera orgulhosa de si mesma por não chorar desde que saíra do apartamento de Mac, às primeiras horas da manhã. Porém algo a fizera pensar nele no domingo à noite, quando imaginava que Brad estivesse dormindo, e a torneira se abriu, apesar de seus esforços.
Estava sentada à mesa da cozinha, com uma xícara de chá de ervas em frente a ela, o rosto enterrado nas mãos, os cotovelos apoiados na mesa. Soluçava baixinho. Magoava-a pensar que dera tanto para receber tão pouco. Não era ingênua o suficiente para pensar que ele se apaixonara por ela à primeira vista, mas imaginara existir algo real entre ambos. Algo que tivesse uma chance de durar para sempre.
Obviamente fora mais ingênua do que imaginara. Para Mac não passara de um peão num jogo calculado de vingança. Em virtude da manipulação dele inadvertidamente ajudara a prejudicar amigos. Era tão humilhante que despertava pena de si mesma.
— Sharon? O que foi? O que aconteceu?
Havia uma nota de pânico na voz de Brad, vinda da porta atrás dela. Ele a vira chorar tão raramente que deve ter presumido que algo terrível acontecera.
Ela suspirou e passou as mãos pelo rosto, numa tentativa de melhorar sua aparência.
— Está tudo bem, Brad. Não aconteceu nada.
— Você está chorando.
— Estou triste esta noite. Acontece com as mulheres, às vezes.
Ele não acreditou.
— Alguma coisa aconteceu. Alguém magoou você. Foi o Cordero, não foi? O que ele fez?
Sharon suspirou.
— Brad, por favor ele não fez nada.
— Ele falou alguma coisa de mim? -— Não teve nada a ver com você.
— Mas ele disse alguma coisa...
— Tivemos um desentendimento. Fiquei magoada, mas daqui a uns dias vou ficar bem outra vez. Essas coisas acontecem às vezes.
— Isso quer dizer que não vai ver mais esse sujeito? — perguntou Brad, cheio de esperança.
— Ainda estou trabalhando para ele na reforma da casa dos Garret.
— Por que não manda ele e a casa dos Garret para o inferno?
— Porque tenho um negócio para dirigir. E uma reputação profissional a preservar. Não posso abandonar meu trabalho no meio de um contrato porque o cliente magoou meus sentimentos.
— Bem que eu avisei você sobre esse sujeito. Eu disse que ele não era tão legal como você e todo mundo vivia falando.
O estranho é que o primeiro instinto dela foi defender Mac. Ele e sua mãe haviam sofrido bastante por causa do abandono do pai. A mãe certamente devia ter alguma culpa no assunto, mas Mac confessamente a adorava. Devia tudo a ela. Era natural que quisesse defendê-la. E também perdera o filho logo depois que a mãe falecera, o que fazia sentido, se bem que não justificasse, a transformação de toda essa tristeza em raiva.
Ela não conseguia culpá-lo por querer descontar no pai, mas não iria desculpar o fato de magoar outras pessoas no processo. Ela não merecia estar nessa lista.
— Existem algumas coisas sobre Mac que você não entende — disse ela com voz calma. — Ele não é tão ruim como você imagina.
Brad fez uma careta.
— Você ainda está caída por ele, não está? Mesmo depois que ele magoou você.
— Brad, por favor não quero conversar sobre isso agora. Aliás, você devia estar na cama.
— Eu estava com sede.
— Pois então beba logo e vá para a cama. Amanhã a gente conversa.
— Mas...
— Brad, por favor.
Ele resmungou, apanhou seu copo de água e tomou depressa. Depois parou ao lado da cadeira e desajeitadamente colocou a mão no ombro da irmã.
— Não vale à pena chorar por esse sujeito, mana. Ele vai encontrar o dele ainda...
— Só peço que você fique longe dele, Brad. Por favor. Por mim.
O rapaz resmungou alguma coisa que Sharon não entendeu direito e subiu.
Sharon ficou olhando para a porta com a testa franzida. Ela também não achava ter lidado bem com o assunto. Ele a apanhara desprevenida e vulnerável, quando não estava pensando claramente. Estragara um bocado de coisas naquele dia, pensou com um suspiro.
Não sabia como levar sua vida de volta ao caminho confortável e seguro que seguia antes de conhecer Mac Cordero.
Sempre existiu muito tempo para pensar durante a vigia. Mac tivera suas melhores idéias enquanto estava sentado num carro ou numa janela, esperando alguma coisa que poderia ou não acontecer.
Naquela sexta-feira à noite, encontrava-se sentado sob um grande carvalho numa baixada nos arrabaldes da propriedade que circundava a casa dos Garret. Era quase meia-noite, e ele estivera ali por uma hora. Tivera bastante tempo para pensar. Não que já não tivesse pensado um bocado durante os seis dias que se haviam passado desde que Sharon saíra de sua cozinha.
A noite estava clara, e a brisa fresca trazia os odores agradáveis da vegetação. Apenas um fio de lua flutuava no céu escuro, portanto as sombras pareciam densas, ocultando segredos na escuridão. Mac sabia estar quase invisível com sua roupa preta, como se fizesse parte da noite de verão, com os próprios segredos a encobrir. Em algum lugar acima dele uma coruja piou, um som lúgubre, que zombava do tolo que ele sabia ser.
Não vira Sharon desde o dia em que ela fora embora de sua casa. Sabia que o estava evitando e, se fosse honesto, admitiria estar fazendo a mesma coisa. Ainda se lembrava da mágoa nos olhos dela. Ele não fora capaz de negar que a havia usado porque a verdade é que usara. E o que era pior, fora intencional.
Menos a parte em que se apaixonou por ela durante o processo.
Sharon pedira que ele escolhesse um nome para o que ele sentia por ela, que a convencesse não ser nada mais senão sexo, conveniência. Ele não dissera nada porque não sabia o que dizer. Suas experiências em comprometer-se haviam sido sofríveis. Já a magoara uma vez, não queria fazer isso uma segunda. O irmão dela o odiava, e os amigos também odiariam se soubessem por que estava ali. Era um relacionamento sem esperança e Sharon merecia coisa melhor.
De certa forma, fora desprendido de sua parte deixar que ela partisse antes que se magoasse outra vez. Por que então se sentia como um calhorda? Como alguém que pertencesse às sombras, oculto da luz do sol? Por que ainda ficava tão triste ao recordar a cena em que ela partiu?
Um som atrás dele fez com que ficasse tenso. Absolutamente imóvel, apurou os ouvidos para escutar as vozes que se aproximavam. Reconheceu uma delas como de Brad Henderson.
— Não tenho certeza sobre isso, Jimbo. Acho que a gente deve...
— Ora, Brad, você já está se acovardando outra vez? Numa hora dessas?
— Bem e se a gente for apanhado? E se a mãe de Tommy descobrir que a gente saiu?
— Ninguém vai apanhar a gente, cara. Confie em mim. Eu e Tommy sabemos o que estamos fazendo. A mãe dele dorme como um cadáver quando toma aquelas pílulas, e Tommy viu que ela tomou uma hoje à noite. Além do mais, temos Gil do nosso lado.
— Não sei, não...
Outro rapaz falou, a voz carregada de impaciência.
— Vamos lá, Brad, você odeia esse sujeito. Você mesmo disse que ele merecia isso.
— Vai ser moleza, Brad. Usamos esses alicates para cortar os cadeados, apanhamos as melhores ferramentas, depois vamos nos divertir na casa. Gil disse que os vitrais são de chumbo. Originais. Difíceis mesmo de repor. Isso vai ensinar a Cordero o que acontece se continuar nos provocando na rua.
— Não tenho problema em quebrar nenhuma janela — disse Brad. — Acho que ele merece. Mas roubar não sabia que vocês estavam envolvidos com isso.
— Não venha com sermões, Brad — avisou Jimbo. — Nunca tiramos nada de ninguém que não tivesse seguro para cobrir. E garanto que você não vai reclamar do dinheiro extra para gastar em jogos, com bebidas e comida. Nunca se preocupou em saber de onde vinha o dinheiro na hora de gastar, certo?
— Bem pode ser. Mas a casa dos Porter eu não sabia quem estava dirigindo aquela caminhonete. Minha irmã podia ter morrido.
— Eu já disse: não queria que isso acontecesse. Entrei em pânico, certo? Nunca tinha dirigido uma caminhonete como aquela antes. Mas ela está bem. E nós estamos compensando tudo esta noite. Você disse que esse imbecil a fezela chorar? Aqui está sua chance de fazer ele pagar por isso.
Mac sentiu-se como o imbecil que eles citaram, quando pensou em Sharon chorando, sozinha. Ela não merecera aquilo. Também não merecia isso. A irritação com o irmão dela aumentou.
— Não sei, não...
— Já estou cansado de ficar discutindo — disse um terceiro garoto. — Vamos lá de uma vez. Como é Brad, você está conosco ou não?
— Ele está. Não está, Brad?
— Estou. Quer dizer... acho que estou. Dê-me um minuto, sim? Vão indo e eu encontro com vocês lá.
— Ele vai dar para trás.
— Não vou, não. Escutem só quero dar uma mijada, está bem? Chego lá num minuto.
— E melhor mesmo. Venha, Jimbo, vamos indo.
— Estou atrás de você. Não nos desaponte, Brad.
Mac escutou os rapazes se afastarem na direção do barracão que servia como depósito. Brad ficou onde estava, resmungando, obviamente dividido entre o desejo de acompanhar os amigos e de fugir correndo para casa. Mac achou que o destino interferira com aquela oportunidade para dar uma ajuda ao rapaz no ato de tomar decisões.
Brad não teve a menor chance. Mac passou o braço ao redor dele e colocou a mão sobre a boca antes que qualquer som fosse emitido. Não foi difícil dominar o adolescente esguio, quase em pânico.
Fique quieto antes que você se machuque — sussurrou Mac. — Sabe quem eu sou, não sabe?
Brad assentiu com um gesto de cabeça.
— Seus amigos estão indo ao encontro do delegado Davenport. Está esperando por eles atrás do meu depósito. Deve deixar que eles arrombem o cadeado primeiro, para ter certeza de apanhar todos em flagrante. Depois vai colocá-los num lugar com grades mais resistentes.
Brad gemeu.
— Vou dar uma chance para você, garoto. Não porque eu ache que mereça isso. Para dizer a verdade, acho que faria a você muito bem um ano ou dois no reformatório. Mas sabe como é, acho que isso iria arrasar sua irmã. E, ao contrário de você, me importo bastante com isso.
Brad debateu-se forçando Mac a segurar mais forte.
— Não discuta comigo, jovem. Se você se importasse de verdade com a sua irmã, não estaria aqui fazendo uma coisa dessas, que você sabe, iria quebrar o coração dela. Você não estaria saindo com um sujeito que arrasa com a reputação dela. O mesmo que quase a matou há menos de um mês. Que tipo de homem anda com alguém que não respeita a família dele? Você tem muita sorte em ter uma irmã como Sharon. Devia defendê-la, não andar com pessoas que falam mal dela.
— Você a fezela chorar, cara! — desabafou Brad, através dos dedos do outro.
— Tem razão. E mereço o que você quiser dizer sobre isso. Mas a diferença é que você é irmão dela.
Brad não respondeu.
— Estamos longe demais da cidade para você caminhar até sua casa em segurança há essa hora. Minha caminhonete está estacionada a cem metros daqui, na estrada. As chaves estão comigo, mas os vidros estão abertos. Você deve reconhecer a caminhonete. É uma com um arranhão horrível do lado.
Brad resmungou alguma coisa por entre os dentes.
— A menos, claro, que você queira se reunir aos seus amigos com o delegado Davenport, mas eu não recomendo. Pelo que andei escutando agora a pouco, eles merecem o que vão ter. Você está chegando agora. Tem duas alternativas: ou posso levar você para sua irmã, em casa, ou entrego você aos policiais. Você resolve.
— Espero no carro.
— Essa foi à primeira escolha inteligente que já vi você fazer, rapaz.
Com cuidado, Mac soltou o adolescente, preparado para a eventualidade de ele correr, mas Brad permaneceu ali, a cabeça abaixada, os ombros caídos, repentinamente muito mais jovem do que seus quinze anos.
— Vá até o caminhão. Vou me certificar de que tudo correu conforme o previsto, na casa. Já volto para levar você.
— Jimbo e Tommy vão mesmo para a cadeia?
— Se estiver tentado a ficar com pena deles enquanto espera, pense em como sua irmã poderia ter morrido com facilidade, afogada no rio das Cobras.
Sem dizer uma palavra, Brad começou a andar na direção da caminhonete.
Mac encontrou Wade e dois de seus ajudantes ao lado do depósito de ferramentas. Jimbo e Tommy estavam algemados entre os dois. Jimbo choramingava, Tommy tinha um olhar rebelde e desafiador.
— Parece que você conseguiu apanhar seus arrombadores — disse Mac.
— É. Apanhamos esses dois quando estavam a ponto de se servir das suas ferramentas — informou o delegado.
— Isso não é forma de tratar um convidado na cidade de vocês.
Os dois olharam para ele.
Voltando as costas para eles, Mac falou ao delegado. -— Obrigado por me avisar, delegado. Definitivamente vou apresentar queixa.
— Não diga Engraçado, a gente pensou que ia pegar mais de dois.
Mantendo a expressão impassível, Mac deu de ombros.
— Acho que os amigos deles tiveram juízo suficiente para não se envolverem nisso.
— Fico contente em saber.
Mac percebeu que o policial Dodson não estava presente à cena do crime.
— Sinto muito sobre seu homem, Wade. É sempre ruim quando um policial vira casaca, não é?
— É verdade — concordou Wade, com o rosto sério.
— Se não precisa de mim para mais nada hoje, tenho um assunto a resolver. Nos vemos amanhã.
— Certo. Até amanhã, Mac.
Brad esperava na caminhonete, curvado no banco, o garoto mais triste que Mac já vira em muito tempo. Entrou ao volante e bateu sua porta.
— Seus amigos estão algemados. Fique contente por não estar como eles.
— Eu estou. Acho que devia agradecer você pelo que fez por mim.
— Não fiz por você, lembra-se?
— Eu sei. Fez por Sharon.
— Prenda seu cinto — recomendou Mac, ganhando a estrada.
— Vai contar para ela?
— Não acha que eu devo?
O rapaz olhou para suas mãos, entrelaçadas no colo. Mac deixou que ele se preocupasse por mais um minuto antes de falar.
— Não vou contar para ela. O ponto é evitar que ela descubra que idiota que você quase foi.
Brad não estava em posição de protestar.
— E quando ela souber que Jimbo e Tommy foram presos? Por aqui, quando alguém vai para a cadeia, todo mundo comenta.
— E ela sabe que você começou a noite com eles, certo? Você vai ter de contar que descobriu o que estavam planejando e preferiu ir para casa em vez de se envolver com alguma coisa que você sabe estar errada. Não minta para ela, mantenha sua história.
Brad olhava pela janela quando Mac virou a esquina da rua onde ele morava. Esperou até que Mac estacionasse.
— Se você não tivesse me impedido, eu estaria na cadeia agora.
— Você descobriu isso agora?
— Não. Quer dizer... obrigado. Eu não queria mesmo ir para a cadeia. Não tive nada a ver com os outros arrombamentos, juro. Eu nem sabia que Jimbo estava envolvido até que ele me contou, esta noite. Antes ele não achou que eu participaria, mas hoje achou que eu ia querer ir.
— Porque era o meu depósito que eles iriam roubar, dessa vez.
— Isso.
— Eles pensaram que você me odiava o suficiente para ajudá-los. Depois que você estivesse envolvido, teria sido fácil para eles continuarem a controlar você ameaçando entregá-lo por essa vez.
— Acho que sim.
— Pode confiar em mim, é assim que funciona. Era assim que Gilbert Dodson conseguia que os garotos roubassem para ele. Ele os envolvia, dando dinheiro e presentes, depois os convencia a ficarem trabalhando com ele. Não que tenha precisado usar muita conversa com seus parceiros dessa noite.
— Eu não sabia que o Dodson era corrupto. Pensei que ele fosse um policial normal. Eu sabia que um bocado de caras gostavam de sair com ele, mas pensei que ele era só... sabe como é, gostava deles ou coisa parecida.
Percebendo que o rapaz ainda estava bastante abalado pelos acontecimentos, Mac manteve a voz calma e firme.
— Ele os ensinava a irem direto para a cadeia, isso sim. Mesmo policiais corruptos podem se dar mal quando a ganância aumenta. Ele começou a sentir-se superior a todos, por um motivo ou por outro começou a pensar que as regras não se aplicavam a ele como aos cidadãos comuns.
— Jimbo me contou esta noite que eles só roubavam de pessoas que eram idiotas. E que todos tinham seguro, assim ninguém perdia nada.
— Concorda com esse pensamento?
Depois de pensar um instante, Brad sacudiu a cabeça.
— As companhias de seguro precisam pagar, e as pessoas precisam gastar mais dinheiro para fazer outro seguro. As vítimas precisam sair para repor seus bens. Você viu o quanto sua irmã sofreu para repor o carro dela e as coisas que perdeu. Custou tempo e dinheiro, e não foi culpa dela.
— Não preciso desse discurso. Nunca roubei nada na vida. Eu não teria ido com eles, essa noite. Mesmo contra você. Não fui criado assim. Mas teria me metido em encrenca, de qualquer jeito, porque teria corrido atrás deles para impedi-los. Ninguém iria acreditar em mim.
— Provavelmente, não. Brad suspirou.
— Jimbo disse que você me queria fora do caminho para que eu não interferisse quando estivesse atrás da minha irmã. Ele disse que você faria qualquer coisa que pudesse para nos separar. Disse que se eu o amolasse o suficiente, você resolveria que ela não valia a pena e iria embora.
— Se eu quisesse você fora do caminho, teria deixado o delegado Davenport levar você hoje. Não é verdade?
— É... acho que sim.
— Certo. Agora entre. É muito tarde. E não assuste sua irmã. Toque a campainha e deixe ela ver que é você.
— Pode deixar.
Mac percebeu que o garoto ainda tinha problemas com ele. No momento, estava dividido entre os sentimentos anteriores e a gratidão atual.
— Entre, Brad.
Brad aparentemente resolveu que já falara demais, abriu a porta e saiu da caminhonete.
— Brad?
— O que foi?
— Essa foi a segunda bola. Se errar a terceira vez comigo, está fora. Entendeu?
— Não vai haver outra vez.
— Certifique-se disso.
Demonstrando que não estava tão abalado assim pelos acontecimentos, Brad fechou a porta com mais força que o necessário.
Mac deu marcha à ré, depois parou um pouco adiante na rua deserta, aguardando até ver Sharon abrir a porta da frente para o irmão. Então ele partiu, esperando que ela não o tivesse visto. Já seria difícil para Brad explicar como terminou voltando para casa na caminhonete de Mac sem ter de contar exatamente como se encontraram.
Talvez ele tivesse feito uma boa coisa naquela noite, pensou, enquanto se dirigia para casa. Talvez tivesse colocado um garoto confuso no caminho certo. Ou talvez, tirando o menino do aperto naquela noite, só tivesse contribuído para o desenvolvimento de um delinqüente juvenil.
Tudo o que ele sabia ao certo era que fizera por Sharon.
Era o mínimo que devia a ela.
Por volta do sábado à tarde, Mac decidira sair da cidade.
Embora não fosse sua forma preferida de fazer negócios, supervisionar uma obra a distância e deixar um mestre-de-obras encarregado do trabalho diurno. Talvez sua obsessão por detalhes não se aplicasse ao empreendimento atual, mas seria adequadamente finalizada.
Então poderia colocar o lugar à venda e dar toda aquela procura fútil por encerrada. Isso seria o melhor para todos os envolvidos, pensou ele, com a sombra do sorriso de Sharon na mente.
Estava no dormitório principal da casa dos Garret. Os trabalhadores já haviam saído, e a casa estava imersa em um silêncio tão pesado como a disposição de Mac. Desde que a maior parte do trabalho até ali fora feito no andar superior e na cozinha, aquele aposento mal fora tocado. Permanecia quase como no dia em que ele o vira pela primeira vez.
Sharon adorava aquele quarto. A grande lareira. O teto alto. Os detalhes do acabamento decorados nas arestas. O assoalho de tábuas largas, que logo estaria brilhando de novo. Ela confidenciara a ele que enxergava aquele quarto decorado em estilo antigo, com uma grande cama branca de ferro. Abajures de cabeceira em vidro despolido. E um espesso tapete feito à mão, no chão.
Ela não escolheria a mobília da casa, claro, já que isso ficaria para o novo proprietário. Porém já falara sobre os papéis e as arandelas que pretendia escolher.
Ali, sozinho entre a poeira e as sombras, conseguia visualizar o que ela imaginara. A iluminação suave, a lareira, a cama, desarrumada depois de fazer amor...
Um ruído atrás dele despertou-o do devaneio. Alguém entrara na casa. Não estava esperando ninguém em particular, mas poderia ser Trent McBride, que ficara de trazer uma amostra de armários para sua aprovação.
Ainda assim, de alguma forma, sabia que não se tratava de Trent. Lentamente voltou o rosto para a porta e esperou por ela.
Sharon parecia incerta ao entrar no quarto, o olhar encontrando o dele instantaneamente. Ela usava uma blusa sem mangas e saia de tricô amarelo-clara. Aquele tom de amarelo era sua cor preferida. Mac sabia esse detalhe sobre ela, além de pequenos outros que arquivara na lembrança sem se dar conta. Como o odor floral de seu xampu, a forma como a veia no pescoço saltava quando ele a beijava. O jeito como os dedos se enterravam em seus cabelos quando faziam amor, ou se torciam, quando ela estava nervosa.
No momento estavam se movendo daquela forma, uns contra os outros.
— Como sabia onde me encontrar? — indagou ele, percebendo que ela caminhara diretamente para aquele quarto.
— Não sei... — respondeu ela, parecendo confusa.
— Por que está aqui?
— Preciso falar com você.
— Sobre?
Ele reparou que Sharon inspirou profundamente, os movimentos esticando a blusa fina nos seios que ele uma vez beijara até que ela suspirasse de prazer. Ergueu o olhar de lá com esforço.
— Brad me contou o que você fez por ele. Não sei como agradecer.
— Bem o que foi que ele contou? — indagou Mac, cautelosamente.
— Tudo. Começando com o risco na sua caminhonete e terminando com você o impedindo de invadir seu depósito, ontem à noite. Se não fosse por você, Brad estaria na cadeia hoje. Talvez ele até merecesse mas estou contente porque isso não aconteceu. Devemos muito a você...
— Você não me deve nada — afirmou ele. — Escutei os rapazes conversando. Sabia que Brad não tinha se envolvido em nenhum dos assaltos anteriores. Eu sabia que ele estava sendo levado, embora não quisesse fazer parte disso. Só o ajudei a fazer a escolha correta. Estou surpreso que ele tenha conversado com você.
— Ele disse que precisava. Acho que não dormiu nada a noite passada. Chorou quando veio me contar. Ficou muito desapontado com Jimbo, Tommy e Mike, outro rapaz que se envolveu nos assaltos anteriores. Desiludido com o envolvimento do policial Dodson. E grato pelo que você fez com ele, mesmo depois da maneira como ele o tratou.
— Eu disse a ele que não fiz por ele.
— Sei disso. Ele me contou, também. Disse que você fez por mim. Mas acho que você fez por nós dois.
Embora ela estivesse próxima o suficiente para que Mac sentisse seu perfume floral, ele não tentou tocá-la. Precisou enfiar as mãos nos bolsos para conseguir o feito. A gratidão não era o que desejava de Sharon embora ele mesmo ainda não soubesse exatamente o que queria.
Ela pareceu perplexa com o silêncio dele.
— Brad não sabe como você e Wade ficaram sabendo dos planos dos rapazes naquela noite.
— Wade recebeu uma denúncia. Um dos rapazes falou com um amigo, que tinha consciência e contou a seu pai a história toda. Wade já estivera seguindo Dodson há algum tempo, e descobriu o armazém em Carollton com o produto de vários roubos. O armazém fora alugado sob um nome falso, porém o dono do depósito identificou Dodson mediante uma fotografia. Quanto à noite passada, o garoto que falou demais estava se gabando do que eles iam fazer ao "latino antipático", que chegou na cidade para criar problemas. Por isso Wade estava pronto para eles.
— E Wade contou a você?
— Ele ouviu dizer que iriam tentar convencer Brad a participar por causa do antagonismo dele para comigo. Por causa da amizade dele com você, ele me deu uma chance de interceder. Mas se Brad tivesse ido direto para o depósito com os outros garotos, não haveria nada a fazer, e Wade teria de prendê-lo com os outros. Ele já andou perto da fronteira da ética ao abrir o jogo para mim.
— Preciso agradecer a ele.
— Não. Tanto quanto Wade sabe oficialmente, Brad nunca esteve lá. Nunca confirmei que ele esteve lá, nem pretendo fazer isso. Os outros rapazes não vão dizer nada, e mesmo que falem, ninguém tem nada contra ele. Brad nunca se envolveu. Vamos deixar como está.
Os olhos de Sharon pareciam tão perturbados que o peito dele se apertou. Teve muita vontade de abraçá-la, mas contentou-se em ajeitar uma madeixa de cabelo na testa dela. As pontas dos dedos roçaram a pele macia e tépida, e a tentação de beijar aqueles lábios aumentou, mas ele se conteve.
Se ele a beijasse e ela correspondesse, Mac não saberia se era apenas a gratidão que a motivava. Não poderia aceitar nisso.
Deixou cair à mão, enfiando-a outra vez no bolso. Sharon umedeceu os lábios, como se tivesse pressentido quão perto chegara de ser beijada.
— Brad envolveu-se no ato de danificar sua caminhonete. Ele disse que deixou Jimbo convencê-lo por causa da desavença que tinha com você.
— Naquela noite, eu cheguei a ver Brad. Sabia que tinha sido ele.
— Mas não o perseguiu.
Mac deu de ombros. Ela ergueu o queixo.
— Desculpe não ter escutado você. E pretendo pagar pelo conserto.
— Você não vai pagar nada e ponto final. Se Brad fizer a oferta, posso deixar que ele trabalhe durante a limpeza do local. Não vou aceitar o dinheiro dele, que provavelmente veio de você.
Sharon não ficou completamente satisfeita, mas não disse nada. Cruzou os braços e pareceu indecisa. A distância entre os dois parecia muito maior do que o metro e meio que os separava fisicamente.
Ele odiou aquilo.
— Caleb e Bobbie McBride voltaram para a cidade esta manhã. Não sei se ficou sabendo.
— Não. Mas sabia que eram esperados a qualquer momento — respondeu Mac.
Gostaria que ela não tivesse tocado no assunto dos McBride, lembrando-o da maior área de divergência entre ambos. Ainda estava magoado pela rapidez com que ela resolvera ficar ao lado deles. E por ter sido crítica demais ao não concordar com seu plano. Parecia que os McBride tinham tudo incluindo a lealdade e afeto de Sharon.
Se ele continuasse pensando nesses termos, iria acabar se afundando em autopiedade.
— Já pensou o que vai fazer a respeito? Vai perguntar a Caleb se ele é seu pai?
— Vou sair da cidade. Provavelmente já terei ido no fim de semana que vem.
Sharon fez ar de surpresa.
— Está indo embora? — Ele assentiu.
— Vou escolher um capataz para ficar encarregado do projeto. Pensei em perguntar a Trent se está interessado. Depois vou verificar com ele a cada um ou dois dias e fazer uma visita pessoal com intervalos de semanas. Qualquer problema de decoração que você encontre, ou perguntas sobre a casa, pode falar diretamente com ele. Ele transmite para mim, se for o caso. O mesmo com os outros subcontratados.
— Mas por que, Mac? Por que tem de ir embora?
— Por causa da natureza dessa cidade. Se eu ficar aqui, restaurando a casa de meus avós, trabalhando lado a lado com meus primos e irmãos ou seja qual for o parentesco que têm comigo, alguma coisa pode transpirar. Você acabou descobrindo o que vim fazer, e outros podem fazer o mesmo. Mesmo que eu quisesse magoar alguém quando cheguei, isso não me importa mais. Existem inocentes demais na linha de fogo. Muito pouco a lucrar se eu continuar. Você venceu. Os McBride venceram. É hora de ir.
Parecendo abalada, ela avançou e colocou a mão sobre o braço dele.
— Não posso concordar com você. Não existe motivo algum para você se preocupar em que alguém descubra a verdade, a menos que você queira. Tudo o que precisa fazer é jogar fora suas notas e ser discreto. Você tem tanto investido nesse projeto tenho certeza de que gostaria de ficar e acompanhar tudo.
Ele olhou para a mão pousada em seu braço, pensando em como seria fácil puxá-la e beijá-la ali mesmo. A voz estava rouca quando falou:
-— Não estou indo embora só por causa dos McBride. Também é por sua causa.
— Por minha causa? Por quê?
— Já causei problemas suficientes para você. Não quero fazer com que se sinta mal perante seus amigos — disse ele. — Ou perto de mim.
Os olhos dela tornaram-se embaciados e procuraram os dele.
— Mac, eu...
Da frente da casa veio um ruído de batidas fortes. Os dois tiveram um sobressalto e se viraram instintivamente naquela direção.
— Provavelmente é Trent. Ele disse que talvez viesse — disse Mac, esfregando a nuca.
Com a cabeça abaixada, Sharon recuou um passo.
— Acho que é melhor eu ir... — murmurou ela. — Só queria agradecer você.
— Não era necessário. Mas foi bom ver você — disse ele, percebendo como ela parecia bonita, ali na penumbra, com o vestido amarelo.
Sem dizer nenhuma palavra, ela o acompanhou até a porta. Mac não conseguiu pensar em nada para dizer. Acreditou que acontecesse o mesmo com ela.
Ambos ficaram mudos de surpresa quando a porta aberta revelou a figura de Caleb McBride.
Sharon sentiu o coração parar quando reconheceu o homem à porta da casa de Mac. O que estaria Caleb fazendo ali? Teria de alguma forma descoberto que Mac estava em Honória?
— Sharon! Que bela surpresa — disse ele, com um sorriso satisfeito.
— É bom ver você, Caleb. Como foi de férias?
— Bobbie adorou. Eu estava pronto para voltar uma semana atrás.
— Tenho certeza de que você mal pode esperar para voltar ao trabalho, certo? — disse ela, reparando que Mac os observava.
Ele devia estar se perguntando o mesmo que ela. Por que Caleb teria vindo até ali? E como se sentiria Mac ao estar vendo seu tio pela primeira vez? Caleb voltou-se para Mac e estendeu a mão.
— Desculpe, mas sua adorável convidada me distraiu. Sou Caleb McBride.
— Mac Cordero. Prazer em conhecer o senhor — respondeu Mac, aceitando a mão estendida.
— Espero que me perdoe à visita de surpresa. Minha mãe cresceu nesta casa, e foi por isso que fiquei intrigado quando ouvi dizer que você tinha intenção de restaurá-la. Especialmente porque meu filho é membro de sua equipe de restauração.
— Um membro importante — disse Mac. — Seu filho trabalha muito bem com madeira. Hoje em dia é difícil encontrar quem coloque tanta dedicação e tempo no trabalho.
— É verdade, ele é muito talentoso. Temos orgulho dele.
Sharon reparou que Caleb estudava o rosto de Mac com atenção, como se ali houvesse alguma coisa que o intrigasse. Ou seria a imaginação dela?
— Seu negócio é baseado na Geórgia, Mac?
— Nasci e fui criado em Savannah. Ainda tenho uma casa lá.
Por algum motivo, Sharon percebeu que prendia o fôlego enquanto a expressão de Caleb se alterava. O sorriso do advogado, sempre presente em sua boca, agora parecia ter sumido. Assumiu um olhar saudoso.
— Certa vez conheci uma mulher em Savannah, que também tinha o sobrenome Cordero — disse Caleb, com voz trêmula. — Anita Cordero.
A expressão de Mac bem que poderia estar esculpida em pedra. Todos os músculos de seu rosto pareciam imóveis. Sharon pensou que a única pessoa em Honória que podia entender a emoção nos olhos dele era ela.
— Anita Cordero era minha mãe.
— Era? Como assim?
— Ela morreu três anos atrás.
Caleb ergueu uma das mãos, com dedos hesitantes, para limpar a boca.
— Sinto muito em saber... seu... seu pai ainda está vivo?
— Não sei. Nunca o vi.
— Se importa em me dizer quantos anos tem?
— Trinta e três.
— Meu Deus!
Caleb estendeu a mão para apoiar-se na parede. Sharon aproximou-se dele com rapidez.
— Caleb? Ele teve um ataque cardíaco dois anos atrás — explicou ela a Mac.
— Estou bem... estou bem. Só um pouco abalado. — Mac deu um passo à frente, preocupado.
— Quer que chamemos auxílio médico?
— Por que você veio para Honória, Mac? — quis saber o advogado, ignorando a pergunta.
— Vim procurar algumas respostas. Mas não sabia o que fazer com elas quando descobrisse.
Caleb não conseguia tirar os olhos do rosto de Mac.
— Você tem o rosto de sua mãe. Os olhos dela. — Dominado pela emoção, Mac colocou as mãos nos bolsos.
— Sei disso. Imagino que não tenha os traços da família de meu pai.
Parecendo reunir suas forças, Caleb aprumou o corpo e firmou a voz.
— Sharon, meu bem, será que você podia nos desculpar um instante?
— Não. Sharon conhece minha história. Ela fica. — Ela olhou de um para o outro.
— Não me incomodo em ir. A gente pode conversar depois, Mac.
— Não.
Mac esticou a mão e segurou a dela. Algo na forma como ele fez o gesto lembrou uma súplica. Como se precisasse dela ali com ele. Não partiria agora, pensou Sharon, apertando os dedos dele.
Caleb olhou para as mãos de ambos e para o rosto de Sharon por um instante. Então voltou-se para Mac.
— Conheci Anita Cordero quase trinta e cinco anos atrás. Eu estava servindo de consultor num caso extenso e complicado em Savannah, e precisava ficar num quarto de hotel por semanas de cada vez. Meu casamento passava por um período difícil, e Anita se tomou uma pessoa muito especial para mim. Minha intenção era passar o resto da vida com ela e então minha esposa anunciou que estava grávida.
Grávida de Tara, pensou Sharon, com o coração na garganta. Por Deus! Caleb McBride era pai de Mac.
— Minha esposa e eu tínhamos tentado por vários anos ter um filho, e já começávamos a acreditar que isso jamais aconteceria. A notícia me pegou de surpresa. Bobbie esperava nosso primeiro filho e eu apaixonado por outra mulher. Contei tudo a Anita. Ela me disse que eu precisava ir para casa, ao lado da minha esposa. Disse que jamais separaria uma família. Que não estava escrito ficarmos juntos. Depois pediu que eu nunca mais a procurasse. Me fez prometer que não olharia para trás. E ficou furiosa quando eu estupidamente me ofereci para mandar dinheiro a ela. Anita era uma mulher orgulhosa, de temperamento forte. E acho que sou um homem de temperamento fraco.
Ele devia ter atração por mulheres fortes, pensou Sharon. Bobbie era uma das mulheres mais dominadoras que já conhecera. Todos sempre acreditaram que o casamento de Caleb e Bobbie funcionava porque ele a deixava fazer as coisas ao próprio modo. Sharon jamais sonhara que uma história como aquela pudesse ter acontecido com o pacato advogado.
Portanto o pai de Mac não o havia abandonado deliberadamente. Jamais chegara a saber que deixara um filho para trás ao terminar seu caso amoroso. Será que o fato de saber disso não aliviaria uma parte do ressentimento e da dor que Mac acumulara?
— O senhor nunca olhou para trás — disse Mac.
— Foi muito difícil fazer isso, mas foi o que Anita pediu — respondeu Caleb. — Como ela quis, construí uma vida boa para minha família, mas não consegui esquecer dela.
Os dedos de Mac apertaram os de Sharon, como se buscando força ali para o que ele precisava dizer a seguir.
— Há dois anos perdi meu filho de seis semanas, que nasceu com uma rara doença genética. Um problema no sangue. Os médicos disseram que era algo hereditário e que certamente existiriam outros casos na família. Sabe de algo sobre isso?
Condoído pela sorte do neto, Caleb sacudiu sua cabeça, numa negativa.
— Não existe em absoluto histórico na nossa família de doença alguma hereditária. Eu saberia se existisse — assegurou ele.
Sharon esperava que Mac encontrasse conforto na segurança de Caleb. Mal conseguia imaginar qual seria a dor de perder um filho. A angústia de não saber se transmitira o gene fatal do pai desconhecido...
— Acho que respondeu todas as perguntas que vim fazer. Não há necessidade de se preocupar. Não preciso mais da vingança que queria.
— Mac... ela lhe deu o nome de Mac?
— Miguel Luiz. Ela me chamava de Mac. Como o senhor. Agora sei disso, mas ela nunca me disse seu nome. Quando morreu, fiquei sabendo que meu pai era um McBride, e que morava em Honória. Até que me contasse, eu não sabia qual dos três irmãos seria.
— Isso quer dizer que você veio literalmente numa cruzada em busca de respostas. Deve ter precisado de uma boa dose de coragem — comentou Caleb.
Mac deu de ombros.
— Eu precisava saber.
— Sua mãe era uma mulher especial, Mac. Desculpe-me por ter causado a ela, e a você, tanto sofrimento, por causa da minha fraqueza.
— Acho que minha mãe tem parte da culpa mas tem razão. Ela era uma mulher muito especial. Me deu uma boa vida.
Fico contente em escutar isso. Agora que todos conhecemos a verdade...
— Mac interrompeu com um gesto.
— Minha mãe não quis separar sua família, nem eu. Conheci todos os seus filhos e netos. São ótimas pessoas. Pelo que ouvi dizer, sua esposa é uma boa mulher. Não há necessidade de magoar nenhum deles ao revolver o passado. Planejo sair da cidade logo. Não precisa se preocupar, pois não pretendo causar problema algum.
Ainda segurando a mão de Mac, Sharon pousou a outra no antebraço dele, puxando-o. Estava tão orgulhosa quanto triste.
Foi à vez de Caleb sacudir a cabeça.
— Pretendo contar a história toda para Bobbie. Para nossos filhos, também. Seus irmãos têm o direito de saber que possuem outro irmão, e você merece uma chance de conhecê-los direito. Perdi trinta e três anos da vida do meu filho mais velho. Não quero perder mais tempo.
Sharon sentiu os olhos úmidos, tamanha a emoção contida na voz de Caleb. Mac teria sentido algo parecido?
— Não acho que sua esposa ou Trevor iriam gostar de ouvir o senhor me chamando de seu filho mais velho.
— Bobbie vai dar mais trabalho com isso, claro — admitiu Caleb. — Mas ela é uma mulher forte, com alguns segredos antigos na própria história. Tivemos uma vida confortável juntos nessas bandas. Não vai jogar tudo fora de uma vez. Quanto a Trevor... todos os meus filhos têm corações generosos. E não existe nada que valorizem mais do que a família. Você é irmão deles, Mac. Uma vez que os conheça melhor, vai compreender como isso é importante para eles.
— E quanto ao senhor? — quis saber Mac.
— Você é meu filho. Uma vez que aprenda a me conhecer, entenderá como isso é importante para mim.
— Não vim até aqui para me juntar à sua família. Me virei muito bem sem pai e sem irmãos, até agora. É meio tarde para que eu aprenda a lidar com todos. Acho que seria melhor para mim se todos concordarmos em manter isso para nós mesmos.
Caleb endireitou os ombros, e Sharon percebeu que Mac não herdara toda a teimosia da mãe.
— Deixei que Anita me convencesse a não voltar. Sei agora que foi um erro terrível. Não vou fazer isso outra vez. Pretendo contar à minha esposa a verdade. Faça o que achar que deve fazer, Mac, mas espero que você escolha ficar por um tempo. Deus sabe que não me deve nada, mas eu gostaria de saber se existe uma possibilidade de você me perdoar.
Mac soltou a mão de Sharon e afastou-se dela.
— Já magoei pessoas demais em minha vida. Não pretendo causar mais danos. Vocês todos estavam ótimos antes que eu chegasse — disse ele, encarando-a. — Façam a mesma coisa depois que eu partir.
Sharon decidiu que era hora de participar da conversa e colocou as mãos na cintura, encarando-o.
— Você não acha que nós é que sabemos como estávamos antes de você chegar? Talvez a gente pense que nossas vidas tenham melhorado depois que você entrou nelas.
— E se eu disser que estão errados?
— Nesse caso, talvez a gente queira ter o direito de tentar mudar de idéia. Você é um bom homem, Mac Cordero. Se importa com os outros, mesmo que às vezes tente esconder o que sente. Só que esse seu orgulho vai magoar você em longo prazo se não tomar cuidado. Acho que herdou da sua mãe. Talvez tivesse sido melhor para todos se ela não demonstrasse tanto orgulho em suas ações.
Sabia que assumia um risco ao fazer uma crítica à mãe dele. Para seu alívio, Mac não pareceu ficar ofendido talvez porque estivesse confuso demais com tantas emoções.
— Ninguém aqui está pedindo que assuma compromisso nenhum, Mac. Só queremos a chance de conhecer melhor você. Ver o que o futuro reserva a todos nós — argumentou ela.
Não se esquecera da presença de Caleb ali, escutando cada palavra que ela dizia. Porém algo lhe dizia que tocar Mac era o mais importante no momento. Algo lhe disse que se ela perdesse aquela chance, poderia não haver outra. E não queria arriscar nada parecido.
— Mac, talvez seja tarde demais para que eu seja seu pai — disse Caleb. — Mas espero que não seja tarde demais para que nos tornemos amigos.
Mac inspirou profundamente, e os ombros deram a impressão de relaxar um pouco.
— Preciso de algum tempo para pensar.
— Claro. — Caleb limpou a garganta, olhou para Sharon, depois para o filho. — Seria necessário um homem muito especial para tomar conta do coração dessa menina. E um homem muito tolo para rejeitar esse presente. Como não tenho direito de oferecer conselho paterno, digo apenas essas palavras.
Mac fez uma careta, lembrando a Sharon à expressão de seu irmão rebelde.
— Vejo vocês dois por aí — disse Caleb, recuando na direção da porta, com os olhos ainda postos em Mac. — Tenho algumas coisas urgentes para tratar em casa.
— Caleb... boa sorte — disse Sharon, sem conseguir pensar em outra coisa.
— Para você também, menina. Ela suspeitou de que iria precisar.
O casarão ficou quase fantasmagórico depois que Caleb saiu. Repleto de ecos silenciosos de emoções fortes e dolorosas. Sharon ficou quieta como um dos espectros que provavelmente assombravam o lugar, observando Mac como se estivesse com medo que ele desaparecesse se desviasse o olhar.
Ele estava exausto, emocional e fisicamente.
— Estou com sede. Tenho refrigerantes na geladeira da cozinha. Quer um?
— Quero, sim.
Ele fez um gesto para que ela o precedesse. Mac reparou que Sharon olhou por sobre o ombro duas ou três vezes no caminho. Estaria preocupada que ele fugisse quando ela não estava olhando? Mesmo que a idéia fosse tentadora, não faria aquilo.
A geladeira era pequena, e ele a mantinha na cozinha com bebidas não alcoólicas, sucos e água para ele e para os trabalhadores. Reparou que precisava repor o estoque antes que os trabalhadores voltassem, na segunda-feira pela manhã.
— O que quer? — indagou a Sharon.
Ela estendeu a mão e apanhou um refrigerante diet. Ele escolheu um suco, depois fechou a porta. Abriu a lata, depois ficou olhando para a tampa, subitamente sem sede.
— Mac? Você está bem? — quis saber Sharon, preocupada.
— Estou ótimo — respondeu ele, evitando os olhos dela. Suavemente ela removeu a lata da mão dele e colocou na mesa, ao lado da sua. Depois ficou na ponta dos pés e passou os braços ao redor dele. Mac enrijeceu os músculos, surpreso, depois enterrou o rosto nos cabelos dela.
Estava cansado de lutar, de resistir a ela. Sem dizer uma palavra, Sharon beijou-lhe o pescoço. Como poderia saber o que mais ele precisava no momento?
Ergueu a cabeça para fitá-lo e colocou a mão contra o rosto dele. O sorriso era incerto. Compreensivo, como se ela soubesse o que ele sentia melhor do que o próprio Mac.
Ele baixou a boca para ela, hesitando um segundo antes do contato. Sharon acariciou-o e retribuiu com todo o ardor. Mac quase gemeu de prazer. Fazia alguns dias desde que se beijaram pela última vez. Pareciam semanas.
O carinho e a suavidade deram lugar à paixão. Mac quase não conseguia raciocinar com a necessidade de fazer amor, deixar-se perder nela. Para fazer o resto do mundo desaparecer, deixando apenas os dois.
Como chegara a imaginar que poderia ir embora assim com tanta facilidade? Sabia agora que só tentara enganar a si mesmo.
Sua mão baixou para a barra da saia, depois subiu acariciando as pernas, até os quadris, encontrando o tecido da calcinha e as curvas firmes. Ela era realmente perfeita, pensou ele. Mesmo a pequena cicatriz esbranquiçada no abdômen lhe parecia perfeita.
Sharon reagiu ao seu toque, pressionando-se contra ele, inflamando-o ainda mais. O ambiente não poderia ser pior para os dois. Estavam numa casa velha, envolvidos pelo cheiro de serragem. Sharon merecia flores, velas, sedas e rendas. Alguém melhor do que um surrado ex-policial com tanta bagagem emocional que precisava de carregador.
Ela pareceu não se importar com nada daquilo. Sua boca estava tão sedenta quanto a dele; as mãos, ousadas. Quando Mac retirou a camisa, estendendo-a sobre a bancada e colocou-a sentada ali, Sharon abraçou-lhe o corpo com as pernas.
Ele a possuiu ali mesmo, na bancada, usando o preservativo que carregava no bolso por hábito. Não chegaram a tirar toda a roupa, apenas o necessário. Foi rápido, primitivo e desajeitado. Mac jamais precisara tanto de algo em toda a sua vida.
Seus joelhos pareciam geleia quando terminaram. Teve de apoiar-se à bancada para manter o equilíbrio, a testa tocando a dela. Sua respiração parecia alta aos próprios ouvidos, dando a impressão de ecoar na cozinha vazia.
Quando teve impressão de poder falar coerentemente, murmurou:
— Eu não tinha a intenção de que isso acontecesse.
— Sei disso — respondeu Sharon, baixinho. — Mas estou contente por ter acontecido.
— Eu não queria gratidão, assim como não quero compaixão agora.
Ela sorriu e apoiou o rosto contra o dele.
— Você sempre subestima a si mesmo.
— Pode acreditar que não pretendo fazer isso com você.
— Vou tentar melhorar sempre — garantiu ela, com um sorriso provocante.
Mac a beijou outra vez, sabendo que acabara de comprometer-se em ficar em Honória por mais algum tempo. Não sabia o que iria acontecer. Nem em relação à Sharon, nem aos McBride. Mas Sharon pedira a ele que desse uma chance a si mesmo de descobrir o que o futuro reservava a todos.
Parecia que ele ainda tinha pelo menos mais uma pergunta a responder.
Mac estava no quarto principal da mansão dos Garret, observando o aposento com visível satisfação. Por sobre sua cabeça havia um ventilador antigo no teto, girando devagar, agitando o ar úmido do final de agosto. Luz solar vespertina penetrava pelas janelas e pela porta envidraçada ao lado da grande lareira; lançando um brilho suave à sua sombra sobre o assoalho de madeira.
Era um belo quarto, pensou, quase suplicando por mobília e ocupação. Sua equipe fizera um ótimo trabalho ali, assim como haviam feito em outras partes da casa que estava a ponto de ser completada. O lugar ficaria pronto para entrega por volta do Natal.
— Sabia que encontraria você aqui. Parece ser o seu lugar favorito para pensar.
Mac se voltou com um sorriso para cumprimentar Sharon entrando no quarto. Ela trocara o vestido elegante que usara no casamento de Trent poucas horas antes e agora usava jeans e camiseta, assim como ele. Haviam sido convidados para um jantar formal mais tarde, na casa de Caleb e Bobbie McBride, com Tara, Trevor e as respectivas famílias. Trent e Annie já haviam partido para a lua-de-mel. Sharon e Mac haviam combinado de encontrar-se ali, já que ele precisava verificar algumas coisas, feitas naquela manhã na casa.
— Existe uma certa paz aqui. Me ajuda a pensar — confessou Mac. — Acho que é o meu lugar preferido na casa.
— Com certeza é o meu também. — Sharon caminhou até a lareira, como sempre fazia, e apoiou a mão na pedra, olhando para o interior como se pudesse visualizar um fogo aceso, mesmo naquele dia quente.
Ela pertencia àquela sala, pensou Mac, observando-a. Adequava-se perfeitamente ao ambiente. Assim como ele descobrira quão bem a cama se adequava às poucas semanas que vinham passando juntos.
Logo iria saber se ela concordava com o ponto de vista.
— O casamento foi muito bonito, não achou? — Sharon comentou, antes que ele falasse.
— Flores, música e crianças com roupas novas e engomadas. Teriam se casado do mesmo jeito, sem toda aquela ostentação. Pela expressão no rosto de Trent a manhã inteira, acho que seria exatamente o que ele teria preferido.
Sharon riu.
— Quer dizer que ele não é um homem romântico. Mac deu de ombros.
— Ainda não agradeci por você ter me acompanhado. Sei que esse não é seu programa preferido, mas achei que seria importante você estar lá. Tenho certeza de que Trent ficou contente com sua presença, embora ainda não seja capaz de admitir isso.
Os recém-descobertos meios-irmãos ainda estavam ultrapassando a irritação por Mac tê-los enganado quando chegou à cidade. Jamie dissera a Mac que Trevor estava com problemas para aprender a confiar nas pessoas depois do doloroso escândalo com a primeira esposa e os inconstantes advogados de Washington, DC. O que ele julgara uma traição de Mac... e de Caleb o atingira profundamente.
Trent ainda se recobrava das muitas mudanças em sua vida. O final de sua carreira na Força Aérea, as inconvenientes limitações físicas resultantes do acidente, sua nova carreira como carpinteiro, apaixonar-se perdidamente pela primeira vez em sua vida, em seguida a aceitação de seu meio-irmão, que acontecia ser seu patrão, não fora fácil para ele. Não entendera por que fora necessário que Mac se aproximasse dele dessa forma, em vez de simplesmente abrir o jogo desde o início. Fora Caleb quem pedira a seus filhos para perdoar Mac e tentar entender o que ele passara. Sofrerá enquanto eles cresciam em segurança, amados e protegidos pelo pai que Mac nunca conhecera.
Mac não queria a compaixão de nenhum deles, mas começava a desejar aceitação. Estava cansado de ser sozinho. Precisava de uma família. E pensou que eles acabariam por aceitar. Era preciso tempo e paciência de ambas as partes. Naquele dia fora dado um passo importante nessa direção.
— Não importa o quanto tenha resmungado sobre esse assunto — disse Sharon. — Nunca vi Trent tão feliz.
Estava convencida de que agora, com a verdade revelada, as coisas se resolveriam a contento.
Trent parecia mais do que feliz, pensou Mac. Era uma espécie de satisfação profunda, como se tivesse conseguido tudo o que sempre desejara.
Realmente, fora um dia interessante. Mac percebera que atraíra quase tanta atenção quanto o noivo, pelo menos dos convidados que não faziam parte da família. Estivera consciente de que o observavam, procurando semelhanças físicas entre ele e os McBride; reparando em seu relacionamento com Sharon, imaginando o que se passava entre eles, tentando escutar as conversas entre Caleb e Bobbie, curiosos também com o relacionamento dos dois.
Mac sabia que não haviam escutado nada que pudesse dar origem a mexericos outra vez. Ele e os McBride mantinham um relacionamento amigável e educado. Quanto a Bobbie... Jamais conhecera uma mulher assim. Para dizer a verdade, ela o apavorava. Depois de ter ultrapassado o choque inicial de descobrir quem era ele, bruscamente resolvera aceitá-lo. E para Bobbie McBride, aceitação incluía direito completo a conselhos e orientações. Tudo para o bem dele, naturalmente.
A despeito de sua saudável restrição a ela, Mac, estranhamente, gostava de Bobbie.
Quanto a Caleb... Ele estava tentando descobrir como ser pai de um homem completamente crescido. O relacionamento deles ainda era desajeitado, para dizer o mínimo; porém formara-se uma ligação entre ambos. Embora estivesse ainda cauteloso e lidasse com a raiva que guardava havia tanto tempo, Mac começava a nutrir uma tênue esperança de que essa ligação fosse se fortalecer ao longo dos anos vindouros. Jamais teria com Caleb o mesmo relacionamento que Trevor e Trent, mas talvez pudessem formar seu relacionamento próprio. Talvez fosse algo agradável que nenhum dos dois estivesse esperando.
Tara foi quem teve a reação mais forte ao lidar com as ações paternas de trinta e três anos antes. Ficou sabendo que Caleb e Bobbie só estavam juntos por causa de sua chegada. Mac suspeitava de que ela idolatrava o pai, elevando-o acima da categoria de ser humano, e não fora fácil aceitar os erros dele. Acreditava que as feridas cicatrizariam com o tempo. Tara já esboçava uma aproximação dele, deixando-o saber que não tinha nada contra ele e, se tinha, já perdoara. Tratava-se de uma mulher forte e graciosa, com um coração grande o suficiente para aceitar outro irmão, assim que tudo assentasse.
Era uma família forte, com laços sólidos. Sobreviveriam ao escândalo, assim como haviam resistido a outras provações no passado.
— Viu como Annie ficou contente por sua mãe ter vindo ao casamento? — indagou Sharon, passando o dedo pela madeira polida. — Ela não tinha certeza se a mãe desafiaria o pai, que era contra o casamento, mas eu percebi como gostou de ver a mãe. Talvez a família dela também esteja a caminho do entendimento. É importante que as famílias aprendam a perdoar e continuem unidas. Sei que fiquei muito contente em ter minha mãe e Brad comigo hoje, nossa família toda reunida outra vez para comemorar a felicidade de nosso amigo.
Sharon não falava sobre a família de Annie ou a sua própria, mas a dos McBride. Para indicar a Mac, como já fizera tantas vezes, que confiava em que no final tudo sairia bem. O otimismo era um dos aspectos do caráter dela que Mac admirava mais.
Ela olhava ao redor, observando o aposento.
— Fizeram um bom trabalho aqui, não foi? E o resto da casa está tomando forma com rapidez. Logo vai ficar completamente pronta.
— Acha que vou ter algum trabalho para vendê-la? — perguntou Mac, observando-a com atenção.
— Não. Esta é uma casa belíssima. Vai vender logo.
— Ainda sonha que mora aqui?
Ela franziu o nariz, recordando o assunto.
— Nem me diga...
— Deseja isso, Sharon? Seria feliz morando nessa casa? — O sorriso desapareceu do rosto bonito.
— Não entendi o que você está perguntando...
— Estou perguntando se você quer viver aqui, nesta casa. Comigo. Como minha esposa.
Não foi a mais coerente proposta de casamento da história. Certamente não a mais poética. Só confirmava que ele não gostava de romance. Mas se a sinceridade significava alguma coisa, tudo viera diretamente do coração.
Os olhos encheram-se de água.
— Não chore, por favor — pediu Mac, à beira do pânico masculino. — A menos que seja por alguma coisa boa.
— Isso depende... — respondeu ela, passando as mãos no rosto.
— Como assim, depende? Acabei de lhe fazer uma proposta de casamento.
Sharon continuou como estava, em atitude de expectativa.
— Você aceita ou não? — quis saber Mac.
— Não sei.
— Como assim, não sabe? O que falta?
— Você ainda não me disse por que está pedindo. — Mac suspirou ruidosamente. Aparentemente ela insistia em todos os detalhes. Procurou ser direto e sincero.
— Estou pedindo que case comigo porque amo você. Me apaixonei por você desde o dia em que a retirei da água e venho me apaixonando mais durante todo o tempo. Espero continuar assim a cada dia que eu seja afortunado de passar com você, no futuro. Quero que seja minha amiga, minha sócia, minha amante e mãe de meus filhos. Eu lhe darei minha lealdade absoluta e afeição eterna. Serei um bom genro para sua mãe e um irmão mais velho para servir de modelo a Brad. Acredito que tenho muito a oferecer, Sharon... muito mais se você disser sim.
As lágrimas não puderam ser controladas daquela vez, mas, pela expressão no rosto dela, Mac percebeu que eram de alegria.
— Você me conquistou quando disse que me ama — murmurou ela.
E atirou-se aos braços dele.
— É um sim?
— Sim. Definitivamente, sim!
Mac cobriu a boca de Sharon com seus lábios, antes que ela mudasse de idéia...
Gina Wilkins
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