Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
ESCRAVA DO DESEJO
Em pleno século XII, na Inglaterra havia muito casamentos entre os nobres realizados por conveniência, com os altos índices de criminalidades, muitas mulheres são raptadas, damas e serventes. Os cavalheiros com suas espadas embainhadas, não duvidam antes a mínima atitude desafiar seu agressor para um duelo, em busca de sua honra, em busca do sangue, da vingança... da servidão...
Entretanto neste selvagem ambiente medieval ocorre um estranho incidente, produto do mais cruel e maquiavélico dos métodos para se apropriar de uma fortuna, que desencadeará uma tormentosa paixão entre Warrick de Chaville e Rowena Bellene. Estes protagonistas passaram por grandes reviravoltas alternando-se entre carcereiros e prisioneiros, em grandes revanches de destino.
Rowena, uma virgem nobre deve gerar um herdeiro ou sofrerá à fúria sem limites de seu inescrupuloso meio-irmão Gilbert, que por sua própria avareza e ambição sem limites provocou uma guerra sem precedentes . No momento oportuno aparece Warrick, quem é seqüestrado por sua aperencia, um homem loiro de pele clara, possuindo a perfeita aparencia para depositar sua semente em Rowena, e desta forma, lhe fazer conceber um filho.
Warrick sentindo-se profundamente humilhado, cultiva um ódio profundo por Rowena e sai em busca de vingança.
O destino fará que os papeis sejam invertidos, alternando os papeis. Pouco tempo depois Rowena de nobre passará a servente, uma escrava das vontades de Warrick, uma escreva do desejo, onde será submetida a grande virilidade de seu captor. Mas ele enquanto ele planeja sua revanche começará a sentir a deliciosa tortura que a impactante beleza emana.
De forma que não se poderá dizer que será o carcereiro ou o prisioneiro.
Inglaterra, 1152
A dama era pequena e frágil, mas ante a corpulência do cavalheiro que estava ao seu lado, essa fragilidade se destacava muito mais. Sua cabeça loira não superava os largos ombros do varão, e quando a palma da mão aberta caiu sobre a bochecha feminina, o fino corpo estremeceu com a força do golpe. Um golpe daquele tipo a teria enviado facilmente ao chão se não tivesse tido certo apoio. Dois dos escudeiros do cavalheiro a sustentavam. Situados atrás dela, erguiam seus braços, forçando-a ficar em pé, para receber um golpe destinado a ela. Isso a mantinha erguida para evitar, de dobrar o corpo, e a obrigava a receber um golpe atrás do outro.
A certa distância naquele ambiente, Rowena Belleme observava. Também a seguravam com força dois soldados, que a detinham naquele miserável ambiente com o fim de que presenciasse a brutalidade de seu meio-irmão. O sangue corria pelo centro de seu queixo, pois tinha mordido os lábios para evitar o grito. As lágrimas desciam copiosamente por suas bochechas. Mas não a tinham golpeado. Era provável que isso acontecesse se não cedesse às reclamações de seu meio-irmão, depois de demonstrar que falava a sério. Mas enquanto restasse um pouco de paciência, não desejaria ferir Rowena visto que provocaria comentários no casamento.
Gilbert d'Ambray não tinha tais escrúpulos ante sua madrasta. Senhora Anne Belleme, não, agora era Anne d'Ambray e de novo viúva, porque o pai de Gilbert tinha morrido, isso de pouco valia, servia apenas para aprisioná-la, garantindo a conduta de Rowena. E não havia muitas coisas que Rowena não fizesse por sua mãe. Mas o que Gilbert pedia agora...
Anne se voltou para olhar a sua filha. Tinha as bochechas avermelhadas pelas marcas da pesada mão de Gilbert, e, entretanto, não tinha derramado uma lágrima nem proferido um só grito. Sua expressão, tão eloqüente, arrancou mais lágrimas a Rowena. Seu rosto dizia claramente: "Têm-me feito isso tantas vezes, que não significa nada. Não leve em conta, filha. Não dê a esta serpente o que te pede".
Rowena não desejava dar nada a ele. Lorde Godwine Lyons, o homem que Gilbert tinha designado para ser seu marido, tinha idade suficiente para ser seu avô; mais ainda, seu bisavô. E a mãe de Rowena se limitou a confirmar os rumores que tinham chegado a seus ouvidos a respeito deste senhor quando Gilbert exigiu que convencesse a sua filha de que acatasse seus desejos.
-Conheço o Lyons, e não é apropriado dar a ele uma herdeira do nível de Rowena. Inclusive se sua idade não fosse um problema, esse homem provocou escândalos por causa de sua perversão. Jamais aceitarei semelhante união.
-É o único homem disposto a lutar para recuperar as propriedades de Rowena - assinalou Gilbert.
-A propriedade que seu pai perdeu por causa de sua própria cobiça.
-Vamos, todo homem tem direito a...
-A invadir seu vizinho? -interrompeu Anne com todo o desprezo que sentia por seu enteado, e que não era nem sequer a metade de que tinha sentido pelo brutal pai do jovem-. Acabar com tudo e fazer uma guerra sem motivo algum? Roubar e obrigar às mulheres a contrair casamento antes mesmo que tivessem enterrado a seus maridos! Só se tem esse direito desde que o fraco de Stephen foi coroado rei.
Gilbert ficou ruborizado, provavelmente mais por causa da cólera que pela vergonha do que seu pai tinha feito a Anne. Na realidade, ele era um produto dos tempos. Era apenas um menino de oito anos quando Stephen roubou a coroa a Matilda, depois da morte do velho rei Henry. O reino se dividiu então, pois a, metade dos homens recusaram a aceitar como governante uma mulher, e a outra metade mantiveram seu juramento a Matilda, e agora transferia sua fidelidade ao filho desta, Enrique da Aquitania. Hugo d'Ambray era um dos barões que por então se comprometeu com o Stephen e, portanto se acreditou com direito a assassinar ao pai de Rowena, que era vassalo do Henry, e obrigar depois à viúva de Walter Belleme a casar-se com ele. Deste modo obteve o controle de todas as posses de terras dos Walter, herdadas pela própria Rowena, sem falar das terras de dote da Anne. E nem Anne nem Rowena podiam reclamar por esta injustiça, muito menos para um rei que tinha semeado a anarquia no domínio.
A diferença de seu pai, que tinha manifestava uma grande hostilidade que acompanhada por sua brutalidade, Gilbert era como a maioria dos homens de seu tempo, respeitoso quando era necessário, grosseiro em outras circunstâncias, e disposto a encher seus cofres com os frutos dos trabalhos de outros homens. Mas como tinha vivido dezessete anos na anarquia, suas atitudes eram iguais as de outros barões. A maioria destes não podia queixar-se de ter um rei tão fraco que no país imperava a ilegalidade; por outra parte, a maioria aproveitava essa ilegalidade e a agravava.
De fato, durante os três anos em que Gilbert tinha sido meio-irmão de Rowena, jamais havia dito a ela uma palavra dura, nem tinha levantado a mão ou machucado-a, como fazia às vezes o pai. Como cavalheiro Gilbert era um indivíduo direito e hábil. Como homem, de fato era muito arrumado, com os cabelos negros e uns olhos castanhos escuros que inquietavam por sua expressão constantemente alerta. Até agora, Rowena o tinha odiado só porque era o filho de seu pai. Para seu próprio benefício no curso das mesquinhas guerras com os vizinhos, o pai e o filho tinham devastado as terras de Rowena e se tornou responsável por tudo o que ela e sua mãe haviam possuído. Tinham anulado o contrato matrimonial que seu pai tinha preparado, e a tinham mantido solteira simplesmente para benefício próprio, porque desejavam continuar aproveitando todo o possível à custa do trabalho forçado dos seus servos, e exigindo ano após ano o serviço militar a seus vassalos.
Mas um ano atrás Hugo d'Ambray tinha tomado uma decisão irrefletida: apoderar-se de Dyrwood, que se estendia entre uma das propriedades de Rowena e uma das que pertenciam ao próprio Hugo. Isso equivalia, a remover um ninho de vespas, pois Dyrwood pertencia a um dos principais chefes militares do condado do norte; o senhor de Fulkhurst, que não só pediu a ajuda de seu vassalo Dyrwood para dispersar aos sitiadores e obrigá-los a retornar a seus lugares de origem, mas sim, além disso, se dedicou sistematicamente a destruir o homem que se atreveu a tentar um movimento para prejudicá-lo.
Por desgraça, converteram-se em objetivos deste agitado cavalheiro não só as propriedades de Hugo, mas também as que ele controlava por via de tutela. Hugo descobriu então que trabalhava para um rei débil: Stephen recusou ir, em sua ajuda. Estava muito atarefado com seus próprios problemas. E embora Hugo tivesse morrido dois meses atrás no curso dessa guerra provocada por sua própria cobiça, Fulkhurst não se sentia satisfeito. Gilbert estava descobrindo que aquele senhor da guerra prosperava com a vingança.
Gilbert tinha pedido a paz, mas sua proposta foi recusada e isso o irritou e o induziu a fazer todo o possível para reconquistar as terras dos d'Ambray. E o preço que estava decidido a pagar consistia em sacrificar Rowena jogando-a ao leito conjugal de um velho libertino. Inclusive havia dito a Rowena que aquilo não duraria muito, e que logo poderia voltar para a tutela de seu meio-irmão, pois o homem estava a dois passos do caixão. Mas enquanto estivesse casada, com aquele velho lascivo, Gilbert desejava que dessa união nascesse um menino. Tinha deixado perfeitamente claro, pois só desse modo poderia recuperar Rowena e suas terras, além das terras e as riquezas de Lyons através do menino. Desse modo obteria os recursos necessários para recuperar as propriedades de d'Ambray, que agora estavam nas mãos de Fulkhurst.
Era um plano excelente, pensou Gilbert. Para falar a verdade, não custava nada, e permitiria obter tudo o que desejava - inclusive, a própria Rowena, agora ela poderia compartilhar seu próprio leito. Isso era a outra parte de seu plano, pois o jovem se sentia em parte obcecado pela pequena beleza de cabelos de linho que era sua meio-irmã.
Tinha-a desejado desde a primeira vez que a viu, quando ela tinha apenas quinze anos. Mas seu pai não tinha permitido tê-la. O valor da moça, dizia, diminuiria bastante se a privava de sua virgindade, embora que ele não tivesse a mínima intenção de casá-la com ninguém. Mas Hugo d'Ambray não podia viver eternamente. Gilbert tinha inteligência suficiente para compreender que a bendita virgindade não era para ele, e bastante paciência para esperar até que o assunto já não fosse um problema, quando fosse concedida a um marido.
Por isso Gilbert a tinha tratado tão bem: não desejava que ela percebesse sua parte na cruel herança de seu pai. Queria que Rowena o olhasse com simpatia quando finalmente a levasse para sua cama. Desejava-a tanto que se mostrou disposto a desposá-la ele mesmo se o assunto tivesse acarretado algum ganho. Mas como os d'Ambray já controlavam as terras da jovem, o casamento não lhe proporcionava nenhum benefício. Apenas quando ela concebesse, Gilbert finalmente a teria, embora tivesse a verdadeira intenção de casá-la novamente para obter mais vantagens em uma ocasião futura. Se livrar dos maridos seria a parte mais fácil. Conseguir que Rowena sentisse paixão por ele não seria tão simples.
Para Gilbert casá-la com o Lyons contra sua vontade, seria fácil. Acreditava também que obrigá-la a aceitar seu destino, golpeando a sua mãe não fosse uma falta tão grave. Longe disso, Gilbert estava tão acostumado a ver como seu pai tratava à senhora Anne, que o fato pareceu desprovido de importância. Não tinha levado conta que Rowena tinha vivido esses três anos em Kemel, e não com sua mãe no castelo Ambray, e que, não tendo presenciado as mesmas cenas, não tinha chegado a imunizar-se contra essa experiência. Gilbert estava certo de que Rowena não se sentiria afetada porque maltratava a sua mãe, pelo qual não acreditava que os golpes que agora descarregava sobre senhora Anne pudessem impressioná-la. Tratava-se simplesmente da menor coisa que podia fazer para obrigá-la a aceitar o casamento, e, portanto foi o primeiro que tentou quando o raciocínio e a contagem dos benefícios fracassaram.
O primeiro engano de Gilbert foi supor que Rowena sentia por sua mãe o que ele tinha sentido pela sua, quer dizer quase nada. O segundo foi que não prever uma reação tão imediata por parte de Rowena. Nem sequer havia tornado a olhá-la desde que começou a esbofetear a sua mãe, uns instantes antes. Mas quando viu que Anne olhava a sua filha com tanta coragem, ele também voltou os olhos nessa direção, e o corpo ficou rígido de cólera. Compreendeu então o engano que tinha cometido. A moça tinha muito afeto por sua mãe. Seus grandes olhos de safira estavam úmidos de lágrimas. Ardia de desejos para pedir a Gilbert parasse, e não o fazia porque sua mãe tinha manifestado claramente que não aceitava o casamento com Lyons.
Teria sido melhor que a drogasse, e a casasse com Lyons, e inclusive a levasse a cama antes que recuperasse a consciência, para lhe apresentar o fato consumado. Mas aqueles formosos olhos azuis o olhavam já com tanto ódio, que Gilbert compreendeu que ela jamais o desejaria como ele tinha esperado. Não importava. Ainda assim a possuiria, e logo; mas se irritava muito ao pensar que não seria tal como tinha imaginado, e fechando os dedos em um punho o descarregou sobre o flanco da cabeça da Anne. A mulher desabou sem proferir um só grito.
Rowena fez um ruído, um murmúrio abafado, antes de murmurar:
- Não. Pare.
Gilbert deixou à mãe, a quem sustentavam seus homens, e se aproximou da filha. Ainda irritava o pensamento sobre o que tinha perdido pessoalmente. O aborrecimento estava ali, em seus olhos, em sua expressão, e com uma mão levantou o rosto de Rowena, obrigando-a a olhá-lo. Mas seus sentimentos para ela se fizeram evidente no fato de que sua mão não a tratou com rudeza, face à irritação que sentia. Quase sem querer, enxugou brandamente as lágrimas de sua bochecha. Mesmo assim, sua voz era dura:
-Se casará com lorde Godwine?
-Casarei.
-Fará com bom boa vontade?
Rowena olhou inexpressiva por um momento antes de explodir:
-Pede muito...
-Não. O que te custa um sorriso se garantir que ele cumpra prontamente o contrato matrimonial?
-Dúvidas de que o faça?
-Não, mas não há tempo a perder. Agora Fulkhurst está inativo, mas só porque se apoderou de Tures.
Rowena empalideceu ao ouvir isto. Sabia que duas de suas residências perto de Dyrwood tinham sido ocupadas, uma inclusive sem luta, mas o castelo de Tures tinha sido a principal propriedade de seu pai, sua fortaleza, e estava muito mais ao norte. Rowena tinha crescido em Tures. Tudo o que sabia a respeito do amor e da felicidade tinha aprendido ali, ao amparo daqueles muros de pedra. Agora um guerreiro inimigo ocupava o castelo, não, na realidade os inimigos tinham ocupado nos últimos três anos; portanto, qual era a diferença? Qual a diferença de um ou de outro? Ela não o teria, e não acreditava que jamais chegasse a ter. Inclusive se lorde Godwine podia recuperá-lo para ela, pertenceria a ela só no papel.
Gilbert interpretou mal a expressão de Rowena, e tratou de reconfortá-la.
-Não se desespere Rowena. Lyons enriqueceu explorando as marcas de sua cidade durante os últimos vinte anos, enquanto foi o dono de Kirburough. Então os mercenários contratados com sua riqueza derrotarão Fulkhurst e o enviarão de volta a seu próprio domínio. Recuperará Tures antes que termine o mês.
Rowena não respondeu. Já haviam dito que o contrato matrimonial estava redigido de tal modo que a beneficiava; que a propriedade, uma vez recuperada, pertenceria a ela, e não ficaria nas mãos de seu marido, um aspecto que nada significava para ela nesse tempo em que se fazia pouco caso da lei e a justiça, mas que significariam muito se Enrique chegasse a governar. Sem dúvida, Lyons pensava aproveitar bem as propriedades de Rowena. Era óbvio que Gilbert desejava voltar a ter tudo por seu controle, o que significava que se Lyons morresse rapidamente por causa de sua idade avançada e suas doenças, Gilbert a ajudaria nesse sentido. Mas Gilbert desejava que ela primeiro tivesse um filho de Lyons. Como tinha feito dia atrás durante os últimos três anos, Rowena estremeceu e rogou a Deus que Enrique de Aquitania ganhasse o trono da Inglaterra. Seu pai tinha sido vassalo de Enrique, e Rowena lhe Juraria fidelidade em um piscar de olhos. Então, e só então, poderia escapar do controle de Gilbert d'Ambray.
Em lugar de revelar o que estava pensando, perguntou ao Gilbert:
-Isso significa que meus vassalos me jurarão fidelidade esta vez, ou estarão atarefados de novo combatendo em suas guerras?
Gilbert ficou com as bochechas vermelhas. Este era outro aspecto que seu próprio pai tinha ignorado a lei, pois quando as propriedades Belleme mudassem de dono à morte do pai de Rowena, os nove vassalos do falecido tiveram que ir para render comemoração a Rowena pelas propriedades que agora retinham na representação da Jovem. Entretanto, ela não tinha visto nenhum desses cavalheiros durante os três anos em que viveu isolada em um dos recintos menores de Hugo. Cada vez que mencionava o assunto, arrumavam desculpas no sentido de que seus cavalheiros estavam suportando um lugar, ou em meio de uma campanha, ou outra coisa do estilo. Era muito provável que seus homens acreditassem que ela estava morta. Para Hugo foi modo mais fácil de segurar aqueles homens no serviço sem ter que atender à preocupação que eles manifestavam pelo bem estar de Rowena.
Com uma voz dura que desalentou a possibilidade de novos comentários, Gilbert disse:
-Cinco de seus vassalos morreram lutando contra Fulkhurst, e não sabemos se sir Gerard está vivo ou não, pois o tinham designado castelão de Tures. É provável que esse monstro o tenha assassinado como fez com meus próprios cavalheiros.
Concluiu com um encolhimento de ombros que deu a entender claramente que não se interessava muito se Gerard tinha sobrevivido ou não.
As bochechas de Rowena empalideceram novamente. Não fez mais pergunta por que temia saber quais eram os cavalheiros que ainda viviam e quais tinham perecido. A quem devia culpar pela morte daqueles homens? Fulkhurst, que tinha descarregado os golpes mortais, ou ao Gilbert e seu pai, que tinham provocado à ira de Fulkhurst? Deus todo-poderoso, quando recuperaria a paz no país?
Com voz neutra, pediu ao Gilbert que ordenasse que a soltassem. Ele fez um gesto em direção a seus homens, e quando ela ficou livre se aproximou de sua mãe. Mas a mão de Gilbert segurou o seu braço e a empurrou para a porta. Rowena tratou de largar-se, mas o aperto de Gilbert era firme. –Deixe-me ir com ela.
-Não, suas mulheres a atenderão.
-Gilbert, faz três anos que não a vejo - recordou Rowena, embora soubesse que o pedido de nada serviria.
-Quando estiver grávida do filho de Lyons e possamos ter a certeza de que suas terras são nossas, terá tempo suficiente para vê-la.
Mais manipulações e atos de coerção. Rowena não pôde continuar em silêncio, e soltou a seus sentimentos com uma voz de ódio.
-É desprezível, pior ainda que seu pai. Pelo menos ele era sincero em sua crueldade!
A mão de Gilbert apertou com mais força o braço de Rowena, e esse foi o único indício de que as palavras dela o tinham afetado.
-Só levo em conta seus melhores interesses quando...
-Mentiroso! Farei o que quer, mas se repetir de novo que com isso me beneficiarei, começarei a gritar.
Gilbert não discutiu com ela. O que desejava era abraçá-la e beijá-la, pois o fogo da fúria feminina avivava seu desejo mais que a beleza dela. Mas não se atrevia nem sequer a beijá-la. Se chegasse ao leito de Lyons sem sua virgindade, o senhor podia repudiá-la, e desse modo frustrariam as esperanças de Gilbert, que se centravam na posse da riqueza do nobre senhor. De modo que se limitou a dizer:
- Bem, vamos, hoje iremos a Kirkbu Rough. Amanhã se casará.
E Gilbert a levaria ao seu próprio leito logo que houvesse oportunidade! No mínimo indício de que estava grávida.
Chegaram ao Kirkburough quando o sol raiava. As portas da cidade ainda estavam abertas, mas eles se dirigiram à torre. Rowena observou que os altos muros da grande fortaleza estavam pintados com um resplendor vermelho, um claro presságio de que ela mesma estava entrando no inferno.
Gilbert tinha tido a sensatez de ficar em silêncio durante a viagem de uns vinte quilômetros, pois Rowena se sentia incapaz de medir suas palavras ante ele. Legalmente, era seu meio-irmão e tutor, e ninguém podia negar que tinha chegado a assumir essas duas funções apelando aos meios imorais. Mas se não fosse por sua mãe, Rowena teria se rebelado francamente e teria feito algo para escapar da situação em que se achava. Acreditava que inclusive podia ser capaz de matar Gilbert, pois o odiava depois do que tinha acontecido naquele dia. Mas não podia escapar, pois não tinha a mínima dúvida de que sua mãe sofreria horrivelmente como castigo, e já tinha sofrido bastante às mãos dos d'Ambray.
Agora Rowena compreendia mais claramente por que ela e sua mãe tinham sido separadas imediatamente depois de ter sido obrigada a sair de Tures. Se Rowena e Anne as tivessem tentado para escapar juntas, poderiam ter recebido ajuda de alguns dos poderosos personagens que se opunham ao Stephen, como tinha sido o caso de Walter Belleme. Provavelmente Rowena tivesse tido que casar-se para proteger-se dos d'Ambray, mas teria sido com um homem escolhido por ela mesma.
Agora, nada de tudo isso importava, estava ali para contrair o casamento no dia seguinte. Se pelo menos... Deus santo, quantas vezes seus pensamentos tinham começado desse modo.
Se pelo menos seu pai não a tivesse amado tanto, a teria casado adequadamente à tenra idade de quatorze anos, como faziam a maioria dos nobres com suas filhas. Seu prometido tivesse sido um homem honrável. Teria esperado para consumar o casamento até que ela tivesse mais idade e fosse capaz de ter filhos. Mas seu pai não tinha desejado tentar com a nascente beleza de Rowena ao bondoso senhor, e tampouco tinha querido renunciar tão logo à companhia de sua filha.
Se ao menos não tivesse saído para enfrentar o exército de d'Ambray, possivelmente ainda estaria vivo. Teriam perdido Tures, mas poderiam ter escapado para ir à corte de Enrique ou inclusive à residência de algum dos senhores que o apoiavam.
Se pelo menos as leis que afetavam às mulheres tivessem sido respeitadas, se pelo menos Enrique fosse rei... Se pelo menos Gilbert morresse. Mas era muito tarde principalmente para isso. Ela estava sob a guarda de Lyons, quer dizer sob o controle real de Lyons, como se já estivessem casados. Estava decidido a casar-se com a jovem para obter o que desejava, e nesse sentido pouco importava que Gilbert estivesse ali para obrigá-la a submeter-se.
Rowena se sentia atingida pelo desespero enquanto subia pela escada que levava ao Grande Salão. Era evidente que Gilbert não tinha mentido ao falar do poder de Lyons. Depois de cruzar o grande pátio, Rowena contou nove cavalheiros na casa, e as torres e os muros estavam protegidos por soldados. Havia mais cavalheiros no salão, onde as mesas estavam preparadas para o jantar, com baixela de ouro e tecidos de fina qualidade. Inclusive os muros exibiam a riqueza do senhor com suas inúteis arma de prata e ouro lustrado, a maioria enfeitada com finas jóias.
Havia muitos criados, um ou mais para cada hóspede, mas neles Lyons não esbanjava seu dinheiro. Foram vestidos com farrapos, os corpos não muito limpos e se comportavam como indivíduos acovardados, até o ponto de que tremiam as mãos e arregalavam os olhos; não era de sentir surpresa que fosse assim.
Enquanto cruzava o vestíbulo para aproximar-se do estrado onde Lyons se sentava como um rei na sala de audiências, Rowena viu três criados algemados sem motivo aparentes; um tinha recebido golpes tão fortes, que estava estendido no chão, de onde recebeu os chutes de um cavalheiro que pretendia determinar claramente que seu verdadeiro propósito era esquivar o cumprimento de suas obrigações.
Rowena se sentiu tão desconcertada por esta cena, parou e Gilbert arrastou-a pelo braço para obrigá-la a mover-se outra vez, mas não antes que o cavalheiro que estava golpeando ao criado visse que ela o olhava. O indivíduo não sentia vergonha nem arrependimento; simplesmente, sorria.
Era sabido que quando não havia damas presentes, os homens se comportavam quase como bestas. Mas ali havia damas, esposas de alguns dos cavalheiros que residiam no castelo. Era evidente que não produziam nenhum efeito no comportamento dos homens. Isso revelava claramente o caráter do senhor de Kirkburough, pois a maioria dos homens se comportava segundo o exemplo de seu amo, para bem ou para mau.
Rowena tinha evitado voltar os olhos para a mesa do senhor. Desejava atrasar todo o possível o que devia ser seu destino. Gilbert se deteve para indicar que tinha chegado o momento. Mesmo assim, sua primeira imagem do Godwine Lyons de Kirkburough quase provocou um grito de horror. A mão de Gilbert se fechou com mais força sobre seu braço. Rowena tinha retrocedido involuntariamente um passo.
Era pior do que ela poderia ter imaginado. Não só era velho, mas também parecia um cadáver. Tinha a pele de uma cor branca pastosa, e tão enrugada que não havia em nenhuma parte um centímetro que pudesse considerar-se liso. O que restava de seus cabelos era branco, exceto uma magra mecha loira, que indicava qual tinha sido a cor original. Tinha o corpo tão curvado, que não era mais do alto que Rowena, e, ela tinha passado uns poucos centímetros do metro e cinqüenta. Seu traje de seda de cores vivas, adornado no pescoço e as mangas com custosa pele, unicamente conseguia que parecesse ridículo.
O branco de seus olhos tinha um matiz amarelo escuro. Um filme branco cobria a cinza de uma das íris. Estava quase cego. Teve que aproximar poucos centímetros de Rowena para olhá-la, e ela se sentiu ofendida por seu fôlego fétido, que quase provocou náuseas antes que retrocedesse. Com os dedos curvos, beliscou-lhe a bochecha e gaguejou, revelando que em sua boca só restavam dois dentes.
Gilbert gritou ao fazer as apresentações e isso indicou a Rowena que o velho estava quase surdo. Foi uma sorte, porque Rowena não teve mais remédio que engolir o orgulho e rogar:
-Por favor, Gilbert, não me faça isto. Se for necessário que me case com alguém, escolhe a outro... Quem quer...
- Cale-se - murmurou Gilbert ao ouvido de Rowena -. Está combinado e prometido.
Sem que se pedisse o consentimento de Rowena?
-As promessas podem quebrar - disse a jovem para Gilbert.
-Não; não há outra pessoa que aceitasse tudo o que eu pretendo pedir.
O que ele pedisse. Para seu benefício. Rowena tinha rebaixado a implorar, mas sem o mais mínimo resultado. Sabia que de nada serviria. Jamais voltaria a pedir nem ao Gilbert nem a outro homem, pois só Deus tinha compaixão. Os homens tinham unicamente cobiça e sensualidade.
Voltou-se para olhá-lo e viu que estava muito perto. E com voz neutra, sem sentimento, disse:
-Cuide das suas costas, irmão, pois a primeira faca que encontrar, à primeira oportunidade que me ofereça, te matarei por isso.
-Não diga tolices - replicou Gilbert, mas com gesto inquieto seus olhos procuraram os de Rowena. E algo em sua expressão lhe disse que essas palavras não tinham sido uma ameaça vazia. Parecia realmente impressionado quando exclamou:
-Rowena!
Deu-lhe as costas e pediu a um criado que a levasse ao quarto que tinham preparado. Se Gilbert ou lorde Godwine tivessem tentado impedir que saísse do salão, provavelmente Rowena teria devotado uma excelente amostra do que era um ataque de loucura. Mas não tentou nada, e Rowena teve que parar nos degraus sumidos em sombras que levavam ao quarto da torre, já que as lágrimas, por fim brotaram lhe impediam de ver.
Rowena despertou um tanto desorientada, mas passaram apenas uns instantes antes que soubesse exatamente onde se encontrava. Não podia determinar quanto tempo dormiu, mas tinha sido muito depois da meia-noite. Agora quase podia sentir que gelava o sangue enquanto o medo transpassava os ossos e a mantinha imóvel no leito.
Uma luz entrava pela alta janela do quarto, mas não era muito mais intenso que a que provinha das velas distribuídas em distintos lugares da pequena câmara. Passou longo momento antes que perguntasse quem tinha acendido aquelas velas e alimentado novamente o fogo. E quem tinha aberto as cortinas que rodeavam a cama? Se Gilbert se atreveu...
-Pensou ficar deitada até que chegue o momento de te enfrentar com o sacerdote?
-Mildred? -exclamou surpreendida Rowena, ao reconhecer a voz daquela pessoa pela qual sentia tanto afeto.
-Sim, preciosa.
Rowena se levantou e viu a criada sentada sobre um banco que não estava ali quando tinha entrado pela primeira vez no quarto. Era sua própria criada. E sua própria donzela sentada sobre ele.
Mildred tinha sido sua criada há muito tempo, até onde Rowena podia recordar, e antes tinha servido à senhora Anne. Era uma mulher de corpo pequeno, menor inclusive que Rowena, embora não magra. Seu ventre redondo distinguia claramente, pois adorava comer. Tinha ao redor de quarenta e cinco anos, os cabelos cinza e uns olhos castanhos de expressão cálida. Tinham permitido acompanhar a Rowena durante a reclusão da jovem, três anos antes. Foi o único gesto bondoso que Hugo dAmbray tinha tido com ela.
-Como chegou aqui? -perguntou Rowena enquanto passeava o olhar pelo quarto para ver se havia alguém mais.
-Quando foram te buscar, ontem pela manhã, ordenaram que guardasse todas suas coisas e as trouxessem aqui. Esses canalhas pensavam em me deixar atrás, mas eu os fiz mudar de idéia.
-Estava muito certo de que eu cooperaria com esta farsa - disse amargamente Rowena.
-Vi esse velho ontem à noite, ao chegar. Como pôde aceitar se casar com isso?
Rowena sentiu que as lágrimas começavam a amontoar-se em seus olhos, mas as conteve. Contudo, o lábio inferior ainda tremia quando disse:
-Gilbert estava batendo em minha mãe. Duvido de que tivesse suspenso o castigo se eu não aceitasse.
- OH, minha querida - exclamou Mildred, e se apressou em abraçar Rowena-. Sabia que era um monstro, exatamente como seu pai. Suas doces palavras jamais me enganaram, nem sequer quando se fazia de homem galante e procurava estar perto de suas saias.
-Deus me perdoe, mas agora o odeio. Em tudo isto eu não lhe interesso absolutamente; só se preocupa seu próprio benefício.
-Sim, é certo. Aqui já estão se preparando para a guerra. Dizem que este castelo estará quase vazio quando chegar o novo dia. Seu futuro esposo facilitou a todos seus cavalheiros e quase um milhar de soldados ao jovem Gilbert, e há dinheiro suficiente para contratar a vários milhares mais. Não passará muito tempo antes que recupere tudo o que esse monstro do norte de Fulkhurst te roubou.
-Não foi mim a quem roubou - exclamou Rowena-. Acredita que Gilbert me devolverá minhas terras? Recuperará, e quando Lyons morrer também se apoderará de mim, para me casar outra vez na próxima ocasião em que se encontre em apuros.
-De modo que esse é seu plano, não é? -perguntou indignada Mildred.
-Pelo menos, é o que me confessou. Mas enquanto isso; tenho o que ficar grávida de modo que as terras de Lvons passem também às mãos de Gilbert. - Rowena emitiu uma risada entrecortada-. Mildred, um homem tão velho ainda pode procriar? - A donzela emitiu um resmungo.
-Isso é o que querem acreditar os homens, mas é quase impossível. De todos os modos, ontem à noite escutei muitas histórias sobre o modo em que este senhor tratou de ter outro filho para substituir aos que morreram na guerra. Teve quatro esposas nos últimos tempos, e isso sem contar às seis que teve em sua juventude.
-E o que aconteceu a todas essas mulheres?
-As primeiras esposas morreram por diferentes causa, mas os criados afirmam que a maioria em circunstâncias suspeitas. Em troca, repudiou as últimas. Todas eram donzelas inocentes, mas ele disse o contrário quando não lhe deram o filho que desejava com a rapidez esperada. Querida, isso é tudo o que deseja de ti.
-De modo que se não dou um filho, é possível que me repudie dentro de um ano. Não sinto surpresa que Gilbert tenha acertado que não estaria casada muito tempo.
-Não. Por outra parte, se quer saber minha opinião, este ancião não durará nem sequer um ano. Faz cinco anos que deveria ter morrido. Se ainda está vivo, só pode ser graças a um pacto com o diabo.
-Não fale isso - murmurou Rowena, fazendo o sinal da cruz, apesar de concordar com sua criada. A própria Rowena já tinha pensado que o velho senhor se parecia com um cadáver. Mildred a olhou com o cenho franzido.
-Realmente pensa te casar com lorde Godwine?
-Pergunta-o como se tivesse outra, alternativa.
- Sim, temo-as . Poderíamos assassiná-lo.
Rowena enrugou a testa ao ver que suas esperanças renasciam em um instante e se sumiam segundo depois.
- Acredita que não pensei nisso? Mas se estragar desse modo os planos de Gilbert, é muito possível que mate a golpes a minha mãe, enfurecido por minha atitude. Não estou disposta a correr esse risco.
-Não, é obvio - conveio Mildred.
Amava a mãe tanto como à filha e não podia suportar a idéia de que qualquer uma delas sofresse. Mas ela possuía certo conhecimento das ervas e podia impedi-lo.
-Se tiver que suportar o casamento, terá que aceitá-lo, mas não precisa entregar seu corpo e seu leito a esse velho lascivo. Podemos reduzi-lo à impotência... Rowena desprezou a idéia antes que sua criada a expressasse. -Gilbert se sentirá satisfeito unicamente se vir sangue nos lençóis.
-Não é necessário que seja o seu.
Rowena não tinha pensado nisso. Significava que possivelmente não precisaria sofrer o contato com aqueles dedos enrugados e retorcidos, aquele fôlego fétido, a repugnância que agitava a alma? Se pelo menos... Estremeceu-se interiormente. Esse gênero de pensamentos jamais a tinha ajudado, e tampouco a ajudaria agora.
-Possivelmente lorde Godwine esteja preparado para descer à tumba, mas isso não significa que seja estúpido. Se não recordar ter consumado o casamento, não é provável que queira repetir o intento a manhã seguinte? estremeceu-se ante a idéia.
- Prefiro sofrer este horror na escuridão da noite e não à luz do dia. Mildred, não acredito que possa suportar vê-lo me tocar, além de senti-lo.
-Muito bem, querida. Nesse caso, prepararei uma bebida. Não dormirá, mas estará à beira da inconsciência. Não saberá o que acontece a seu redor e, portanto não se importará o que esse velho sensual te faça.
Rowena franziu o cenho. Não estava certa de que desejasse perder completamente a capacidade de sentir quando estivesse perto de Godwine Lyons. Já a situação mesma a colocava em condições de impotência; a bebida acentuaria esse estado. Mas, o que era melhor? Não saber, ou simplesmente não ver?
-Quanto tempo durará o efeito de sua bebida? -perguntou com expressão reflexiva.
-Umas poucas horas. O suficiente para permitir que ele faça o que tenha que fazer.
-E se ele beber por engano?
-Não o prejudicará. Se mesmo assim pode atuar, fará. Simplesmente, não o recordará.
Rowena gemeu, e se recostou sobre a cama.
-Nesse caso, terei que suportá-lo de novo à manhã seguinte.
-Não, por que tem que haver um engano? Deixarei a bebida na câmara nupcial, misturado com o vinho. Servirão o teu, preparando para que o beba, mas não farão o mesmo com ele. Se limite a bebê-lo logo que chegue. Não importa quem esteja contigo, ninguém te reprovará que tente te fortalecer para o que deve suportar.
-Sim, é assim. Algo será melhor que... Rowena se interrompeu quando ouviu que batiam na porta, mas não era Gilbert, como ela tinha temido. Entraram numerosos criados com jarras de água, uma bandeja com pão e queijo, e uma túnica nupcial de cor nata. Explicaram a Rowena que lorde Godwine desejava que vestisse se não tinha nada apropriado. Disse-lhe também, ou melhor, dizendo escutou murmurar às criadas, que as duas últimas esposas também tinham usado essa túnica. Lorde Godwine era um homem frugal, que não exagerava o gasto; mas por outro lado, a túnica em questão demonstrava o que pouco se preocupava com os sentimentos de Rowena.
Enquanto uma das criadas a sustentava com o fim de que ela a examinasse melhor, Rowena disse:
-Por que não? As outras esposas tiveram a sorte de escapar dele. Talvez me corresponda à mesma fortuna.
Houve um silêncio inquieto durante um momento e Rowena compreendeu que teria que manter em silêncio seus pensamentos. Depois de tudo, aquelas criadas pertenciam ao senhor do castelo. Mas ela não tinha feito outra coisa que as impressionar com sua franqueza. Logo ouviu uma risada nervosa e depois outra, e comprovou que em geral as criadas concordavam com ela: todas odiavam ao homem que ia converter se no marido de Rowena.
O dia avançou, apesar de que Rowena esperava que não fora assim, e pouco depois da sexta hora, foi unida em casamento ao lorde Godwine Lyons de Kirkburough. Não aconteceu nada que a salvasse. Em presença de testemunhas, com a bênção humana - ela preferia acreditar que Deus não tinha dispensado a sua e passou do controle de um homem ao de outro, seu novo marido. O ancião tinha dormido durante toda a missa.
Preparou-se um festim para passar o resto do dia. Rowena se sentou ao lado de seu marido, observando-o engolir pedaços que devorava com sua boca desdentada. Para favorecê-la ou por perversidade, pois tinha observado que ela não comia o velho lhe encheu o dourado prato até acima. Rowena estava certa de que se tentasse engolir algo, começaria a vomitar.
Gilbert estava de bom humor. Tinha executado todo seu plano, de modo que nada poderia estragar o dia... Nem sequer o silêncio de Rowena cada vez que ele falava.
Gilbert se sentou frente a ela, ao outro lado da mesa, comeu com muito prazer, consumiu cálices de vinho com mais gosto ainda, e se vangloriou constantemente do modo em que expulsaria de suas terras Fulkhurst, se não pudesse chegar a matá-lo, que era o que desejava fazer. Mildred havia dito a verdade. Gilbert nem sequer permitiu que os homens de Lyons participassem plenamente nos festejos, uma atitude que provocou muitos resmungos audíveis; em troca, obrigou-os a ir saindo do castelo em grupos de uma centena cada um durante todo o dia. Enviava-os a seu próprio castelo, para que se reunissem ali com seu exército, que já tinha ordem de partir ao Tures ao terminar o dia. Gilbert nem sequer desejava esperar até ter mais homens. Desejava expulsar Fulkhurst de Tures antes que senhor da guerra pudesse escapar.
Rowena não estava absolutamente interessada nos comentários agressivos de Gilbert. Agora o odiava profundamente, inclusive abrigava a esperança de que não pudesse arrebatar Tures de Fulkhurst, embora isso significasse que ela mesma jamais conseguisse recuperar o castelo. Já não se importava. Gilbert era um nobre tão agressivo como Fulkhurst. No fundo de sua alma, Rowena esperava que os dois se matassem, e quanto antes melhor.
Quando chegou o momento de que as damas a levassem a suíte nupcial, Rowena se sentia tão curvada pelo temor que estava certa de adoecer. Tinha a pele de uma cor branca leitosa, como o de seu marido e o olho doía pelo esforço de conter as lágrimas ao longo de todo o dia.
Não houve brincadeiras grosseiras nem conselhos audaciosos, como os que estavam acostumados a fazer durante os casamentos. Rowena somente recebeu olhadas compassivas, e as mulheres a prepararam depressa e se retiraram sem perder tempo. Ficou só com uma fina anágua. Ninguém havia dito que a tirasse, e ela tampouco desejava livrar-se desse objeto. Godwine via tão pouco que possivelmente não percebesse nada, e desse modo Rowena possivelmente poderia interpor algo entre sua própria pele e a de seu marido.
Logo que ficou sozinha, pegou a camisola e se apressou a apagar todas as velas, exceto as que estavam acesas, junto à cama e poderia apagar sem se levantar. Depois, caminhou para a mesa, onde já estava a garrafa de vinho e os dois cálices. Só um estava cheio. Vacilou ao estender a mão para o vinho misturado com a bebida de sua serva. O efeito duraria só umas horas. E se seu marido não vinha a procurá-la até passadas varias horas? Não era melhor esperar um pouco mais? Tivesse devido perguntar ao Mildred quanto tempo devia esperar até que a beberagem fizesse efeito.
A porta se abriu bruscamente sem prévio aviso. Gilbert entrou sem pressa e seus olhos escuros se cravaram na mão que se estendia para o cálice.
-Não, deixe isso - ordenou secamente, disposto a impedir os movimentos de Rowena se não obedecesse. Gilbert trazia sua própria garrafa de vinho e a depositou sobre a mesa. -Foi uma sorte que me chamasse à atenção sua docilidade.
-Por acaso posso agir de outro modo quando tem prisioneira a minha mãe?
Ele ignorou as palavras de Rowena, e com o cenho franzido olhou o cálice de vinho.
-Quis envenená-lo?
-Não.
Acentuou-se seu gesto de preocupação quando a olhou.
-Então, ia envenenar você mesma?
Ela emitiu uma risada quase histérica, e desejou ter o valor necessário para dar esse passo. Ele tomou pelos ombros e a sacudiu.
-Responde! Rowena se largou.
-Se envenenasse a alguém, seria a você - Disse. Toda sua fúria brotou no olhar que dirigiu.
Ele pareceu desconcertado por um momento, e Rowena pensou que Gilbert tinha temido realmente que ela pudesse machucar a si mesmo. Não procurou os olhos de Rowena quando disse:
-Exagera na importância de tudo isto. -Rowena compreendeu que se referia ao casamento. - Quanto antes ficar grávida, antes eliminarei a esse homem.
-Pensa matá-lo?
Ele não respondeu, pois tinha deixado aberta à porta e os dois alcançavam para ouvir o grupo que se aproximava com o marido.
-Se coloque na cama para esperá-lo. –Empurrou-a um pouco nessa direção-. E se comporte como corresponde a uma esposa.
Rowena se voltou bruscamente.
-Já que foi você quem planejou este casamento, deveria ser também você quem o esperasse na cama - murmurou furiosa-. Vê tão pouco que possivelmente não note a diferença.
Gilbert sorriu.
-Agrada-me ver que ainda tem bom humor, para certas ocasiões. Certamente, não seria prudente confiar em você, assim levarei estas coisas.
"Estas coisas" eram a garrafa de vinho e a taça depositada mordeu os lábios Rowena teve sobre a mesa. Rowena teve que mordê-los lábios para abster-se de lhe pedir que deixasse ao menos o cálice. Se soubesse quanto o desejava Rowena, seria ainda mais improvável que não o retirasse. Em qualquer caso, ela não podia fazer nada. Com um soluço abafado, correu à cama, e acabava de se cobrir quando chegou o marido, acompanhado pelos poucos cavalheiros a que ainda não tinham saído do castelo. As risadas e as brincadeiras grosseiras terminaram ao ver a Rowena na cama, e Gilbert se encarregou de expulsá-los sem muitas cerimônias quando viu que a olhavam com olhos ambiciosos. Em menos de um minuto, ficou sozinha com seu marido.
Estava preparado para ela. Vestia uma camisola negra que fazia que sua pele parecesse ainda mais branca. O laço que fechava o pescoço se afrouxou no caminho ao dormitório, e ele não se incomodou em ajustá-lo; em definitivo, soltou-se de tudo logo que avançou o primeiro passo. Rowena tinha fechado um instante os olhos, mas essa imagem do corpo de seu marido não a abandonaria facilmente as pernas tão magras que pareciam não ter mais que ossos, as costelas salientes, o ventre fundo e aquela coisa minúscula entre as pernas. Rowena tinha ouvido que a chamavam de muitos nomes, o qual fazia pensar em uma arma monstruosa, mas o que agora via não era uma arma que provocasse medo.
Quase se pôs a rir, mas ao mesmo tempo estava muito perto das lágrimas. Começou a rezar em silêncio, pedindo força para suportar aquilo, pedindo que terminasse depressa, e que não enlouquecesse uma vez que aquele homem tivesse terminado com ela.
-Bem, onde está preciosa? -perguntou ele com descosideração-, Sou muito velho para andar te perseguindo.
-Aqui, meu senhor.
Como ele continuava procurando à esquerda, Rowena compreendeu que não a tinha ouvido, e repetiu suas palavras quase gritando. O homem se aproximou dela, e tropeçou com os degraus em seu intento de subir à cama.
-Bem? Bem? Que esperas? - perguntou no mesmo tom rabugento, de pé no último degrau, mas sem fazer o mais mínimo esforço para meter-se na cama-. Não vê que meu guerreiro necessita ajuda para adotar a posição de firmeza ante ti? Esposa vem e brinca com ele.
Aquela coisa minúscula era um guerreiro? Rowena emitiu um som negativo que ele não conseguiu ouvir. O senhor sorria para si mesmo, e na realidade não a olhava, mas sim cravava os olhos além da cama, com uma expressão de desconcerto.
-Não me parecerá mal se o beijar, preciosa - sugeriu, sempre sorrindo.
Rowena levou a mão à boca como se a idéia lhe provocasse náuseas, e a bílis subiu à garganta. Com esforço conseguiu conter. Se o senhor pudesse ver a expressão de Rowena, teria rido. Mas sua cegueira era tão grave como a surdez. Rowena desejava matar Gilbert por tudo o que estava fazendo passar.
-Bem? Bem? -perguntou de novo o senhor. Seus olhos começavam a percorrer a cama, mas inclusive de pé, ali mesmo, não podia encontrar a jovem-. Onde está, menina tola? Terei que chamar a meu criado John e pedir que te encontre? Logo o conhecerá. Se não ficar grávida no prazo de um mês, entregá-la-ei a John para que se encarregue do assunto. Sou muito velho para passar de novo por isso. É pela última e terei um filho seu de um modo ou de outro. O que me diz?
Possivelmente tentava impressioná-la? Ou ela tinha ouvido mal?
-O que digo meu senhor, é que parece um homem desesperado, a menos que... Entendo-te bem? Entregar-me-á a esse homem John para que me deixe grávida, se você não pode fazê-lo?
-Sim, farei isso. Simpatizo com o John. Não me importaria dizer que seu filho é meu. Melhor isso que entregar tudo a meu irmão, um homem a quem desprezo mais que a nenhum outro.
- Por que não afirma que John é seu filho?
-Não seja estúpida, moça. Ninguém acreditaria que é meu. Mas não se duvidará de que eu sou o pai de seu filho.
Estaria tão certo? Aquele homem era pior que do que ela tinha pensado. Rowena era sua esposa, e, entretanto se propõe-. Fecundá-la exatamente como fazia com suas vacas e seus bezerros. Se não pudesse conseguir, deixaria para outro - não, insistiria em que outro o fizesse. Gilbert tampouco protestaria, Pois desejava o mesmo, que houvesse um filho.
Santo Deus tinha que passar realmente por tudo isso? O senhor estava tão debilitado que ela poderia empurrá-lo com uma só mão. Mas, o que aconteceria a sua mãe se adotasse essa atitude? E agora ele era seu marido. Um marido era todo-poderoso. A vida mesma de Rowena dependia agora do capricho daquele homem, pois se ele decidisse matá-la ninguém o obrigaria a prestar contas.
-Acaso fiz um mau negócio? -A voz do senhor se elevou ao contemplar essa possibilidade-. Vêem aqui, esposa, e me ajude a fazer o que tenho que fazer, e agora mesmo!
Era uma ordem direta, e ela não podia andar-se com rodeios; mas estava certa de que desmaiar se o tocasse.
-Não posso - disse, em voz bastante alta para não ter que repeti-lo-. Se pretender tomar, faça. Mas eu não te ajudarei.
O rosto do ancião se tingiu de um vermelho tão intenso, que ela teve a certeza de que nenhuma das dez esposas anteriores se atreveu jamais a negar-se a cumprir o que ele pedia. Ordenaria que a golpeassem por isso? Era evidente que aquele homem não tinha força suficiente para castigá-la por si mesmo.
-Você... Você...
Não disse nada mais. E pareceu que os olhos saíam de órbitas. A cor se obscureceu ainda mais. Vacilou sobre o degrau, uma das mãos apertada com tanta força contra o peito que Rowena temeu que as suas costelas cedessem. Estava a um passo de dizer algo conciliador, só para acalmá-lo, mas antes que pudesse falar, o ancião caiu para trás, sem produzir o mínimo som.
Rowena se aproximou da beirada da cama para olhar para o chão. O velho não se movia. Estava ali, sobre o tapete, a mão ainda apertada contra o peito, os olhos sempre desorbitados. Parecia que não respirava.
Rowena continuou olhando-o fixamente. Estava morto? Talvez tivesse tido um golpe de sorte? Uma risada borbulhou em sua garganta, mas se converteu em um brando gemido. Que faria agora Gilbert? O que tinha acontecido não era culpa de Rowena. Ou sim? Se ela não tivesse se negado... Se em efeito o resultado era culpa dela, teria uma Justificação. Como podia ela saber que um breve gesto de desafio ia matar a aquele homem?
Mas estava realmente morto? Rowena não queria tocá-lo para saber. Inclusive agora, a idéia do contato parecia repulsiva. Mas alguém tinha que comprová-lo.
Saltou da cama e correu para a porta. Depois saiu ao corredor... E caiu em braços de Gilbert.
-Sim, é o que temia - disse Gilbert com vivo desagrado, Propunha-se fugir. Mas não conseguirá. Voltará ali...
-Gilbert, está morto! -exclamou Rowena. As mãos de Gilbert apertaram cruelmente os braços de Rowena antes de empurrá-la de retorno ao dormitório. Aproximou-se do ancião e inclinou a cabeça para o peito da figura queda. Quando Gilbert olhou a Rowena, tinha a expressão sombria por causa da fúria.
–O que o fez?
Ela retrocedeu ante a intensidade da acusação.
-Não, não o toquei, e no quarto só havia seu vinho, que ele não bebeu. Nem sequer tinha entrado na cama. Segurou-se ao peito e caiu.
Gilbert voltou a olhar ao ancião e pareceu acreditar o que havia dito Rowena. Cobriu o corpo de lorde Godwine com a túnica negra antes de levantar-se e olhar a jovem. Depois de pensar um momento disse:
-Não abandone este quarto. Não permita que ninguém entre.
-O que fará?
-Vou encontrar um substituto adequado. Agora é imperativo que fique grávida nesta mesma noite. Por desgraça, tenho os cabelos negros. Se não, faria eu mesmo.
Os olhos de Rowena cintilaram ao compreender o que significava estas últimas palavras, e também as primeiras.
-Não. Eu não o faria - resmungou ele-, se desejas voltar a ver viva a sua mãe.
Agora havia dito claramente o que ela tão somente tinha suspeitado, e Rowena empalideceu, pois não duvidava de que aquele homem falava a sério. Mas o horror do que propunha fazer... Um substituto! Desesperada, perguntou:
-Como pode manter semelhante engano? Esse homem está morto.
-Não é necessário que ninguém saiba até que tenha passado bastante tempo e te vejam grávida. Enquanto puder, permanecerá trancada neste dormitório...
- Com o cadáver? - ofegou Rowena, voltando outro passo.
-Não, eu retirarei o corpo - disse Gilbert impaciente-. Quando chegar o momento de enterrá-lo, encontrarei outro cadáver que o represente. Seja como for, estará enterrado oficialmente antes que seu irmão saiba que morreu, e você certamente estará grávida antes que o homem chegue para tratar de reafirmar seus direitos. Mas não daremos nada. Isso é o que teria desejado Godwine.
Provavelmente assim era. Mas Justificava o que Gilbert se propunha fazer? Parecia que confiava tanto em seu novo plano. Por que não? Também nesta situação ele se limitava a não fazer nada e esperar enquanto o corpo de Rowena se via sacrificado no altar da mentira. E esta vez a vida de sua mãe realmente dependia de que ela se submetesse.
O atacaram quando ele saía do quarto de banho da estalagem. Eram cinco, vestidos com objetos de couro como os escudeiros, embora ele duvidasse de que fossem. Pareciam mais com ladrões. A ilegalidade prevalecia na maioria dos povos e as cidades, que tinham senhores débeis ou ausentes ou prefeitos corruptos. Não conhecia o povo de Kirkburough; nunca antes tinha passado por ali. Por isso sabia, podia ser outro refúgio de bandidos onde se assaltava e roubava aos viajantes e os forasteiros, ou os torturava para que prometessem elevados resgates. Viajar sozinho ou com uma pequena escolta através da Inglaterra de Stephen era arriscar a sofrer ou a perder a vida.
Sim, tinha sido um ato de estupidez ou presunção ter chegado ali só com seu escudeiro, simplesmente porque desejava arrumar sua aparência antes de reunir-se com sua prometida. Por um gesto de vaidade se colocou naquela situação. Tinha dependido muito tempo de sua reputação de homem que respondia sem vacilar às ofensas que o infligiam para manter a distancia os seus possíveis agressores. Aquela reputação tinha servido durante um bom número de anos, no momento em que tinha consagrado sua vida à vingança. Mas se alguém deseja que sua reputação seja útil, é necessário que a pessoa conheça, e como ele não conhecia essa região, tampouco seus habitantes conheciam o visitante.
Podia perdoar-se aquele descuido de Warrick de Chaville, embora ele mesmo não o fizesse, pois não era um homem propenso a perdoar. O povo tinha parecido pacífico e tranqüilo. Tinha muitas coisas em que pensar. Logo se casaria acreditará uma vez, e não queria que sua nova esposa o temesse como tinha acontecido às duas primeiras. Tinha depositado muitas esperanças na senhorita Isabella. Durante quase um ano a tinha cortejado sempre que tinha tido tempo, embora que esse não fosse seu estilo. O pai da dama a tinha concedido apenas a pediu, pois desejava vivamente que se consertasse aquela união; mas Warrick desejava o consentimento de Isabella e não queria comprometer-se com ela até que o obteve. Agora o tinha, e ansiava fazer sua à dama.
A Senhorita Isabella Malduit não só era uma grande beleza e uma mulher muito desejada, também tinha o falar doce, o temperamento tenro, e um encantador senso de humor. Warrick desejava que houvesse humor em sua vida. Queria amor e risada, coisas que faltavam a sua existência desde que sua família tinha sido destruída e só tinha ficado ódio e amargura. Tinha duas filhas, mas eram criaturas frívolas e egocêntricas. Amava-as, mas não podia suportar muito tempo suas discussões e suas tolices. Desejava uma vida de lar como a que tinha conhecido em sua infância, uma vida que o induzisse a voltar sempre para sua casa, em lugar de levá-lo a consagrar seus esforços à guerra. E queria um filho varão.
Não estava pedindo muito, e em todo caso não pedia mais que o que qualquer homem tinha direito a esperar. A esposa apropriada podia dar tudo isso. Tinha-a encontrado em Isabella. Sentia muito afeto por aquela dama. Abrigava a esperança de que logo seria algo mais que afeto, embora para falar a verdade não estivesse certo de ser capaz desse tipo de amor depois de tantos anos de ódio. Mas não era necessário que amasse a sua esposa. Só queria que ela o amasse. Em qualquer caso, nada de tudo isso importava se estivesse destinado a morrer aquela mesma noite.
Não estava bem armado. Tinha deixado a espada e a armadura no quarto alugado, aonde naquele momento Geoffrey estava certamente limpando. Tinha chegado ao banheiro com uma adaga no cinturão. Agora nem sequer tinha suas botas, pois as tinha deixado em mãos de um criado com o para que as lavassem. Tinha posta unicamente uma larga túnica de banho, acertada à cintura, com a adaga curta colocada sob o cinturão.
Apesar de que aparentemente estava indefeso, os cinco homens que o rodearam vacilaram ao princípio ante a idéia de tirar suas espadas, pois Warrick de Chaville não era um indivíduo de proporções usuais. Com seu quase um metro e noventa era meia cabeça ao mais corpulento dos atacantes, e mais ainda aos quatro restantes. Com os braços e o peito nus não podia duvidar-se da força de seu grande corpo. Mas mais que isso, tinha um aspecto duro. Havia um gesto implacável em seu rosto, como se agradasse matar pelo mero prazer de fazê-lo. E os olhos cinza que tinham determinado que o escolhesse como vítima eram tão frios que pelo menos um daqueles homens sentiu a necessidade de fazer o sinal da cruz se antes de desembainhar a espada.
Mesmo assim, tiraram suas armas. Talvez o chefe tivesse falado, talvez tivesse formulado uma reclamação antes de combater, mas Warrick não era um cavalheiro passivo. Em geral tinha uma atitude agressiva, e esta vez não foi uma exceção. Segurou a adaga com uma mão e emitiu um grito de guerra que quase estremeceu as vigas. Ao mesmo tempo, lançou-se para diante, e cortou o rosto ao homem que estava mais perto. Tinha apontado à garganta, mas o grito do homem foi de mais utilidade, porque assustou aos outros. Logo foi evidente que ou eram embaraçados com as armas ou não desejavam matá-lo. Bem, era um erro que cometia o grupo de assaltantes. Feriu outro, mas então a folha de Warrick começou a se chocar com o aço de seus inimigos. Não queriam machucá-lo, mas tampouco desejavam morrer.
E então, Geoffrey, que tinha escutado o grito de guerra de Warrick, entrou na briga com um grito de batalha menos ressonante. O rapazinho tinha só quinze anos e não era o escudeiro que Warrick teria envolvido em um combate, pois considerava que ainda não estava em condições de confrontar esse tipo de luta. Era hábil com a espada, mas seu corpo ainda não estava completamente desenvolvido, de modo que não podia pôr muito peso em seus golpes. Tinha mais brio e vontade que qualquer outra coisa, e agia partindo da forma errada de que podia fazer exatamente o que fazia seu senhor. Atacou mas como não devia um corpo poderoso que respaldasse a prometida, ninguém se afastou temeroso de seu caminho, e, sem armadura que o protegesse, foi atravessado antes que pudesse sequer completar seu ataque.
Warrick viu a expressão de incredulidade e horror que apareceu no rosto juvenil de Geoffrey quando se inclinou sobre a espada cravada em seu ventre, e soube que em poucos instantes mais estaria morto. O moço se criou na casa de Warrick desde que tinha completado os sete anos. Um ano antes Warrick o tinha posto sob seu amparo, apesar de que tinha vários escudeiros e não precisava de outro. Tinha chegado a sentir muito afeto por aquele rapazinho que sempre se mostrava tão ansioso por lhe agradar. Deixou escapar sua adaga sobre o homem que tinha matado Geoffrey. Conseguiu enterrou a adaga no pescoço do outro; enquanto o indivíduo desabava, Warrick arrebatou a espada.
Mas não chegou a usar aquela arma mais eficaz. A lamina de outra espada caiu sobre seu crânio e Warrick se desabou lentamente.
Os dois homens que tinham tido a sorte de permanecer fora do alcance de Warrick se inclinaram sobre ele ofegantes. Passou um minuto inteiro antes que considerassem a possibilidade de embainhar suas espadas. A pessoa tocou com a bota de Warrick, para acertar de que não se movia. Os cabelos loiros, ainda úmidos por causa do banho, mancharam-se de sangue, mas Warrick respirava. Não estava morto e ainda podia servir.
-Este homem não é o servo que nos ordenaram procurar - disse um homem ao outro-, A julgar pelo modo de brigar, tem que ser um cavalheiro. Não pôde ver a diferença quando entrou no quarto de banho?
-Não, estava coberto com o pó da viagem. Só vi que não usava armadura, e que tinha a cor adequada de olhos e os cabelos loiros, como disse lorde Gilbert. Pareceu-me que fomos afortunados porque ao fim tínhamos encontrado o que nosso amo queria.
Bem, amordaça-o, e não permita que o lorde Gilbert não fale com ele.
- O que importa? A metade dos cavalheiros de lorde Godwine são um bando de bestas, e não encontramos a outro que tenha os cabelos e os olhos adequados. A propósito, para que o querem?
-Isso não nos importa. Nós fazemos o que nos mandam. Mas tinha que golpeá-lo tão forte? Agora teremos que carregar com ele. - O outro resmungou:
-Melhor isso que o ter de novo acordado. A primeira vez que o vi, não me pareceu tão corpulento. Acredita que o garoto era seu filho?
-Possivelmente, e isso significa que ao despertar voltará a lutar. Melhor amarrarmos as mãos e os pés. Inclusive lorde Gilbert terá dificuldades para impor-se a este homem.
Rowena tinha dormido na beira da cama, os olhos fixos no lugar do chão em que tinha caído o lorde Godwine. Gilbert tinha ocupado de retirar pessoalmente o cadáver, e depois a tinha deixado sozinha, não sem antes avisar várias vezes que não permitisse que ninguém entrasse no quarto.
Ela teria desejado excluir também ao Gilbert. Se tivesse tido uma arma, inclusive podia ter tratado de liquidá-lo naquele momento, antes que ele a obrigasse a executar atos mais indignos. Mas não tinha nenhuma arma. E tampouco podia fugir sem pôr em perigo a vida de sua mãe. Nem sequer podia dizer o que era pior, casar-se e deitar-se com o Lyons, ou o que Gilbert planejava agora para ela. Não, acaso podia haver algo pior para uma jovem de dezoito anos que deitar-se com um senhor lascivo?
Não podia sentir a mais mínima compaixão por sua morte, embora talvez coubesse considerar que ela era em parte responsável. Era provável que ele tivesse assassinado a bom número de mulheres inocentes que tinham tido a desgraça de serem suas esposas, simplesmente porque se cansou delas ou precisava de um novo dote com a qual encher seus cofres. Rowena sabia que havia muitos homens sem escrúpulos que faziam precisamente isso, e sem o mínimo sentimento de culpa.
Por outra parte, sabia também que havia homens distintos, decentes, como seu pai. Não todo o universo tinha cansado na iniqüidade; só uma pequena parte do mesmo, durante o reinado da anarquia.
Até estava escuro e reinava o silêncio no castelo quando Gilbert voltou para despertá-la. Rowena não podia imaginar o que era, embora o esgotamento de seu corpo e sua mente o dizia que não tinha dormido muito. Mas as primeiras palavras de Gilbert despertaram por completo.
-Tudo está preparado para você. Meus homens tiveram sorte na busca. A cor dos cabelos e os olhos era o que mais me preocupava; tinham que ser exatamente iguais aos de seu marido; isso é o que primeiro chama a atenção em um menino. Pois bem, achamos o que procurávamos.
Rowena sentiu que o rosto avermelhava e depois esfriava. O temor determinou que os músculos do estômago se endurecessem quase até lhe provocar cãibras. Gilbert tinha conseguido. Tinha encontrado um homem que se deitaria com ela, exatamente como teria feito seu marido se ela não ficava grávida com rapidez suficiente. Lyons e Gilbert eram dois indivíduos da mesma índole, inclusive no modo de pensar. Não teria sentido surpresa que tivessem pensado no mesmo homem, aquele John a quem seu marido teria utilizado. Deus todo-poderoso, como era possível que aquele pesadelo continuasse?
-Vamos depressa - continuou dizendo Gilbert enquanto a obrigava a sair do alto leito-. Faltam muitas horas para a alvorada, mas necessitará bastante tempo com esse homem. Convém que se unam mais de uma vez para garantir a implantação da semente.
-Por que me diz isso? - exclamou Rowena, tratando de desprender seu braço do aperto de Gilbert, enquanto ele a empurrava para a porta aberta-. Reparte suas perversas instruções ao pobre que encontrou. -Já o verá - foi tudo o que disse Gilbert. E em efeito, quase imediatamente soube a que atender se, pois o homem tinha sido colocado no pequeno dormitório que estava diretamente em sua frente. Ali havia uma cama e dois altos candelabros, um a cada lado, mas nenhum outro móvel. Tinha sido o quarto utilizado por seu marido para celebrar suas orgias com as criadas do castelo, embora Rowena não soubesse. Inclusive havia algemas fixadas à parede, sobre a cama, dissimuladas sob o colchão; mas não as tinham usado para prender ao homem, porque era muito corpulento. Gilbert temeu que desse conta de romper aquelas minúsculas algemas concebidas para mulheres, e, portanto tinha ordenado que trouxessem outras mais largas, passadas sob o leito, e uniam a mão com o fio de modo que o prisioneiro não podia mover um membro sem pressionar sobre outro.
Tudo o que Rowena viu foi que o homem estava preso à cama, coberta só por um grande tecido acertado à cintura. Tinham-no imobilizado? Não, viu as algemas de ferro nas mãos a certa altura sobre a cabeça. E duas algemas emergiam do tecido que cobria o corpo, sobre o extremo da cama. Tinham-no algemado! Era uma precaução necessária? Ele estava dormido... Ou desacordado.
Finalmente Rowena compreendeu, mas tudo o que pôde dizer foi:
-Por que não pagou a ele para fazer o serviço?
Gilbert estava de pé ao lado de Rowena, aos pés da cama, e continuava apertando o braço.
-Se o tivesse feito, teria sido ele quem iria domá-la. Em troca, decidi te oferecer a oportunidade de dominar a situação para que não sentisse que...
Gilbert vacilou bastante para encontrar a palavra, e ao fim Rowena a subministrou.
-Para evitar que me sentisse violentada? Ruborizou-se.
-Não. Simplesmente quis deixar que resolvesse o assunto a seu modo. De uma maneira ou de outra, esta noite deve perder sua virgindade.
Rowena compreendeu que ele acreditava que estava fazendo um favor. Ela não via assim, pois a seu julgamento toda a situação era perversa. Manipular ao homem e obrigá-lo a participar era ainda mais perverso, mas Gilbert via as coisas de um só modo, o modo que significava ganho e benefício para si mesmo. Se não havia um filho que herdasse a propriedade de Lyons, tudo iria parar às mãos do irmão de Lyons, e isso incluía o nutrido exército de mercenários que Gilbert necessitava desesperadamente. O meio-irmão de Rowena podia utilizar esse exército durante as poucas semanas em que a morte de Lyons permanecesse escondida; mas umas poucas semanas não bastariam para recuperar tudo o que tinha perdido nas mãos de Fulkhurst.
Aquele nobre safado merecia o inferno, porque era tão mau como Gilbert, ou pior. Se não fosse por ele, ela não estaria naquela situação. Se não tivesse sido por ele, ela não teria sido obrigada a contrair casamento.
Tendo mencionado a virgindade de Rowena, Gilbert certamente recordou que a jovem em efeito não era mais que uma virgem.
-Enfim... Sabe o que tem que fazer? Se não sabe procurarei a alguém que te ajude. Faria eu mesmo, mas me parece que não poderia suportar que...
Ela olhou para ele assombrada quando compreendeu que Gilbert tinha deixado incompleta a frase.
-Isso te parece desagradável e, entretanto me obriga a fazê-lo?
-É necessário - replicou Gilbert, com os lábios apertados-. Não há outro modo de apropriar-se de Kirkburough.
Ao ver que a situação o desagradava tanto avivou um pouco a esperança de Rowena.
-Mentirá a respeito da morte do ancião - recordou-o-. Também poderia mentir sobre o filho, pelo menos o tempo suficiente para utilizar aos soldados.
-E quando descobrir que não há nenhum filho?
-Não, este é um feudo rico, e a cidade é importante. Não perderei tudo isso por causa de seus resmungos. Rowena fará o que te ordeno. Coloquei perto de seu quarto a este homem de modo que ninguém te veja vindo aqui todas as noites. Durante o dia pode dormir. Eu direi que Godwine está doente e que você o atende, o qual é perfeitamente apropriado. Os criados se manterão longe, exceto sua própria donzela, e confio que fará o que manda... Se desejar conservá-la.
Mais ameaça? Também era capaz de matar a Mildred? Deus, como o odiava!
-Quanto tempo durará isto, Gilbert? Sabia exatamente a que aludia à pergunta.
-Até que fique grávida. Se te parecer tão desagradável te sugiro que use o corpo desse homem mais de uma vez por noite. Sim, duas ou três vezes cada noite; não será muito difícil para este caipira robusto, e desse modo chegaremos mais rapidamente à meta.
De modo que o pesadelo não terminava nem sequer com o que devia acontecer aquela noite, mas sim continuaria indefinidamente? E agora se converteu também no pesadelo de um terceiro, aquele infeliz cuja desgraça era ter cabelos dourados e olhos cinza.
-Pensa mantê-lo assim para sempre?
-Não precisa preocupar-se por ele - respondeu Gilbert com indiferença-. Não é mais que um servo, e será eliminado uma vez que deixe de ser útil.
-Um servo? - A primeira vista tinha percebido que o homem era corpulento, mas agora examinou de novo a longitude do corpo, e pôde ver os pés ao extremo da cama, e a cabeça sobre o outro extremo-. É muito corpulento para ser um servo. O que fez Gilbert? Seqüestrou a um camponês livre?
- Não, possivelmente é o bastardo de um senhor, mas isso no máximo - disse Gilbert com expressão confiada-. Se um senhor tivesse chegado a Kirkburough, teria se apresentado no castelo para passar a noite de graça, em lugar de instalar-se no povoado. Inclusive um cavalheiro de categoria inferior, um homem sem propriedades, teria procurado a companhia de seus iguais e teria vindo aqui. É possível que seja um homem livre, mas de todos os modos ninguém de importância, possivelmente se trate de um peregrino.
-Mas, propõe matá-lo? A pergunta surpreendeu ao Gilbert, que replicou impaciente:
-Não seja estúpida. Não podemos deixá-lo com vida e que aclame o menino uma vez que nasça. Ninguém acreditaria, mas levantaria rumores, e o irmão de Godwine o aproveitaria.
De modo que inclusive se fizesse exatamente o que Gilbert queria, teria que morrer. Aquela revelação desencadeou a cólera de Rowena ante a injustiça de todo o assunto, a colera que seu temor tinha tratado de reprimir até esse momento
-Gilbert, você e sua maldita cobiça... É um canalha - disse Rowena baixo enquanto se desprendia do aperto da mão de Gilbert. A expressão de surpresa de seu meio-irmão como se não pudesse imaginar o que tinha feito mal, foi o cúmulo para ela, e sua fúria se descarregou em um grito.
-Fora! Não preciso de ajuda para violar a este homem. Mas me envie Mildred; talvez precise de sua ajuda para reanimá-lo. De pouco nos servirá tal como está.
A cólera e a amargura a induziram a falar daquele modo, mas aqueles gritos foram os que Warrick ouviu quando recuperou o sentido. Não abriu os olhos. Tinha sido guerreiro muito tempo para conceder essa vantagem. Desta vez, entretanto, o ardil de nada lhe serve, pois não se disse uma palavra mais e um momento depois a porta se fechou com um forte golpe.
Silêncio. Esteve sozinho um momento, mas aquela mulher gritando logo voltaria, se suas palavras... Não, não podia acreditar o que acabava de escutar. Mulheres não eram estupradoras. Como poderiam fazê-lo se careciam dos elementos necessários? Em todo caso, era impossível que se referiu a ele. Portanto, devia chegar à conclusão de que era a brincadeira de uma mulher muito baixa. No máximo isso. Mas enquanto estivesse sozinho...
Abriu os olhos para contemplar o teto. O quarto estava bem iluminado, e Warrick alcançava a ver o resplendor das velas a cada lado, sem necessidade de mover-se. Voltou à cabeça para procurar a porta, e a dor o paralisou. Manteve-se imóvel um momento, fechando os olhos, e cobrou consciência das coisas quase sem as ver. Jazia sobre uma cama branda. Uma mordaça apertava os lábios. Estava igual a quando o tinham apressado, sem suas roupas. Isso não o alarmou. Não havia motivo para vesti-lo quando ele mesmo podia fazê-lo uma vez acordado. A cama? Melhor que o colchão de palha de uma masmorra.
E então sentiu as algemas nas mãos. Tratou de mover uma; ouviu a algema que ressonava e sentiu o puxão no tornozelo. Deus santo, amarrado, e com fios, não com cordas!
O que desejavam era um resgate, significava que sabiam quem era e que se arriscavam a sofrer os efeitos de sua vingança, que sempre se descarregava prontamente. Sem lembrar dos ladrões e os proscritos seqüestravam a quem cruzava no caminho para conseguir o pagamento do resgate. Não importava se capturavam a um cavalheiro ou um mercado, uma dama ou uma peixeira, e a tortura de um tipo ou de outro chegava canídeo se não conseguiam o que reclamavam. Certa vez Warrick se alojou na guarida de um barão salteador, e inclusive ele tinha sentido náuseas ante o que descobriu na masmorra daquele homem: corpos que tinham sido esmagados lentamente debaixo de pesadas pedras, cadáveres nus pendurados pelos polegares com a pele enegrecida pela fumaça, mais uns com os pés completamente queimados, todos mortos porque seus torturadores simplesmente os tinham esquecido depois de que Warrick começou a visitar a guarida. E esta não era uma choça nem o chão do bosque, nem sequer a estalagem onde o tinham apressado. As paredes de pedra eram as de uma fortaleza. Portanto, um pequeno senhor, tão perverso como um ladrão qualquer.
Warrick abriu de novo os olhos, disposto a ignorar a dor na cabeça para ver todo o possível de seu cárcere. Levantou a cabeça e a viu ali, aos pés da cama. Chegou à conclusão de que já tinha morrido, pois aquela figura podia pertencer só a um dos anjos de Deus, um ser perfeito mais à frente.
Rowena continuava olhando com ódio a porta que se fechou depois da saída de Gilbert quando ouviu o ruído das algemas e olhou de novo ao homem deitado na cama. Tinha os olhos fechados, estava completamente imóvel, mas ela percebeu instintivamente que estava acordado. Antes não o tinha olhado de perto, não tinha visto muito mais que um corpo masculino, um corpo masculino grande. Estava de costas, sem travesseiro, e ela estava a uns poucos metros mais longe, aos pés de um colchão bastante alto. Rowena não podia dizer muito a respeito daquele homem do lugar em que estava. Então ele levantou a cabeça, e seu olhar cravou a Rowena em seu lugar. Ela permaneceu totalmente imóvel, esquecendo inclusive respirar.
A surpresa do homem fazia que o cinza de seus olhos tivesse mais matizes chapeados, fosse mais suave e luminoso. Inclusive com a mordaça que dividia o rosto, adivinhava-se que seu rosto era arrumado, com os traços bem definidos... Arrogante. O que a induzia a pensar assim? As maçãs do rosto largas? O nariz aquilino? Possivelmente aquele queixo duro, mais perfilado por causa da mordaça. Mas tinha que estar enganada. A arrogância era um traço dos nobres. A arrogância em um servo só podia lhe conduzir um bom número de chicotadas.
Mas este servo não baixava os olhos nem os afastava na presença de uma dama. Era audaz, ou possivelmente ainda estava muito surpreso para recordar qual era seu lugar. Mas, em que estava pensando? Ele não podia saber que era uma dama, posto que Rowena ainda tivesse a camisola e a bata. De repente, entretanto, disse-se que certamente podia saber quem era, pois o camisão branco estava confeccionado com o tecido mais fino, suave e quase transparente. A bata era desse estranho veludo do Oriente, que sua mãe tinha dado quando fez quatorze anos e que a própria Rowena tinha costurado. Mas ele era um bastardo, como havia dito Gilbert, e ao parecer se sentia orgulhoso de sua condição. Por outra parte, pouco se importava o que fosse? Não podia se importar... Aquele homem estava destinado a morrer. Mas primeiro ela tinha que lhe oferecer sua virgindade... OH, Meu deus! Como podia ser? Estúpida, como podia não ser, se sua mãe...?
Sentiu desejos deitar-se no chão e chorar. A tinham criado bem, com amor, com consideração, evitando que a roçassem a crueldade e a dureza da vida. Para ela era difícil acreditar que tudo aquilo era real: tratava-se de uma experiência tão alheia a tudo o que antes tinha vivido. Devia tomar realmente a aquele homem, violá-lo de fato. Como? Movida pela cólera, havia dito ao Gilbert que não precisava de ajuda; mas não era certo, pois não tinha a mínima idéia sobre o modo em que se engendravam os filhos.
Nos olhos do prisioneiro já não havia surpresa. Havia... Admiração! Isso seria positivo? Sim, para ele era melhor não encontrar repulsa a Rowena. Ela se alegrava pelo menos disso. Aquele homem não tinha nada que ver com seu marido. Era jovem, limpo, inclusive arrumado, tinha a pele suave, o corpo firme... Não, não se assemelhava absolutamente a seu marido. Inclusive o cinza dos olhos e o loiro dos cabelos tinham matizes distintas dos que tinham caracterizado as de Lyons; uns eram mais claros, outros mais escuros.
Teve a estranha sensação de que podia ler o que o cativo pensava olhando-o aos olhos. Neles viu uma interrogação. Haviam dito por que estava ali? Não, era provável que não, pois tinha perdido o sentido até poucos minutos antes por que Gilbert teria incomodado em revelar nada, quando só precisava permanecer deitado e aceitar o que lhe fizessem? Ela tinha recebido as instruções de Gilbert era o ela a pessoa que faria o que era necessário fazer. Tinha essa pergunta nos olhos... Rowena correspondia explicar a situação, e nem sequer poderia dizer que ficaria em liberdade quando todo tivesse terminado. A cólera de Rowena se manifestou outra vez, e a dor só em relação com o prisioneiro. Ele não tinha feito nada para merecer aquilo. Era um inocente que se enredou nos planos de um monstro. Ela se apoderaria de sua semente, mas Gilbert arrebataria a vida. Não, não podia permitir, faria por sua mãe, mas de um modo ou de outro devia impedir o resto do plano. As arrumaria para ajudá-lo a escapar quando chegasse o momento, antes de informar ao Gilbert de que a semente tinha jogado raízes, e, portanto o homem já não era necessário.
Mas não podia dizer ao prisioneiro. Não podia respirar falsas esperanças: era possível que não tivesse êxito no intento de ajudá-lo. Tão único podia fazer era tentá-lo. E ele não precisava saber que estava destinado a morrer. Não havia motivos para dizer que pensasse o que desejasse muito, e por não conceber a idéia de que ficaria em liberdade depois de terminado Rowena?
De novo o prisioneiro se comunicava com a Rowena mediante os olhos, e outra vez ela compreendeu. Estava assinalando a mordaça com o olhar, e depois olhava de novo a Rowena. Desejava que a retirasse, para poder falar. Mas Rowena não acatou a insinuação, pois não acreditava que pudesse suportar os pedidos do prisioneiro, que pediria para ser liberado e agravaria desse modo ainda mais a culpa que ela sentia. Sabia que o que devia fazer estava mau. Mas que alternativa restava? Escutar além como lhe pedia... Não, isso era impossível.
Meneou lentamente a cabeça, e ele recostou sobre o colchão e deixou de olhá-la. Se não tivesse compreendido a situação, teria pensado que a despedia com arrogância, porque tinha recusado fazer o que ele queria. Mas o mais provável era que o prisioneiro tivesse o pescoço fatigado por havê-lo mantido levantado tanto tempo. Aproximou-se pelo lado da cama de modo que ele pudesse vê-la sem esforçar-se; mas os olhos do homem estavam fechados. Não se importava que ela estivesse ali. Ou possivelmente não a tinha ouvido aproximar-se com os pés descalços. Rowena parou. Agora podia vê-lo mais claramente. O corpo grande ocupava totalmente a cama. Pareceu-lhe que podia ser inclusive mais alto que Gilbert, embora não podia estar certa disso; sem dúvida, tinha o peito muito mais largo, seus braços eram grossos e largos, musculosos do ombro a mão. Os ombros, o pescoço e o peito também tinham grossos músculos, e a pele bronzeada estava tensa. O que fazia para ganhar a vida, evidentemente, obrigava-o a esforçar-se muito. Possivelmente era um lenhador. Alem do que ele era mais robusto que muitos cavalheiros que Rowena já tinha visto.
A moça percebeu que estava olhando, mas não podia evitá-lo. Era forte, muito forte, e Rowena compreendeu de repente que se sentia agradecida com o Gilbert, porque depois de todo o homem estava maniatado. Mas um momento depois se sentiu envergonhada do que pensava. E, entretanto, aquele homem podia parti-la facilmente em duas com as mãos nuas. Era melhor para ela que essas mãos não a alcançassem.
-Sinto muito - começou, perguntando-se por que murmurava quando ambos estavam sozinhos-. É melhor que não escute o que você tem para me dizer, mas posso lhe explicar por que está aqui.
Ele abriu de novo os olhos e voltou lentamente a cabeça para olhá-la. Agora não expressava curiosidade, não fazia perguntas. Ela compreendeu que o que manifestava nesse momento era só paciência. Considerava que obteria resposta para todas suas perguntas; mas Rowena não era tão corajosa para chegar a isso. Diria unicamente o que tinha que dizer, e nada mais.
Era o momento de fazê-lo; sentiu a onda de calor que subia pelo pescoço e tingia as bochechas.
-Eu... Você e eu... Nós... Devemos... A pergunta se repetia nos olhos do prisioneiro, e se não tivesse estado amordaçado a teria formulado a gritos. Rowena não podia culpá-lo por perder a paciência, mas tampouco se decidia a dizer uma palavra. Estava muito envergonhada. Tratou de recordar que era só um servo, e que sempre se mostrou bondosa, mas firme com seus criados, como tinha ensinado sua mãe. Mas este homem não se parecia com nenhum de quão criados ela tinha visto no curso de sua vida. E essa arrogância... Não podia tirar-se da cabeça que o prisioneiro era algo mais que um servo; e embora isso não pudesse agravar a situação, na realidade a piorava.
Então ouviu o rangido da porta e quase desmaiou de alívio quando viu que ao fim tinha chegado Mildred. Não voltou a ocupar do homem deitado na cama, que tinha esticado quase todos os músculos de seu corpo na espera que ela chegasse ao centro de sua explicação. Uma explicação que já não se produziria. Agora via como Rowena fugia do quarto.
Warrick voltou a cair sobre a cama e resmungou frustrado. "Droga! Devemos o que? por que não pôde dizê-lo?" Mas depois se impôs afrouxar os músculos. Não podia culpá-la. Era um ser delicado, de beleza etérea, e não era a pessoa que o tinha levado a aquele lugar.
Não podia imaginar por que motivo estava ali, a menos que tivesse ido levar alimento. Não via comida no quarto; entretanto, podia haver depositado no chão. Mas se não tinha querido tirar a mordaça, como poderia comer?
Pergunta sem respostas. Paciência. Logo saberia o que queriam dele, e poderia pensar na vingança: quem tinha ordenado que o capturasse quem fosse o responsável, morreria. Era a promessa que tinha formulado ante Deus muitos anos atrás, quando sua alma ficou comovida e contraída por causa da destruição provocada por todas suas perdas: Jamais permitiria que alguém voltasse a fazer mal sem pagar na mesma moeda ou possivelmente com algo pior. Era uma promessa que tinha mantido durante dezesseis largos anos, a metade de sua vida. Era uma promessa que manteria até o dia de sua morte.
A pequena mulher voltou a ocupar seus pensamentos, e a deixou penetrar neles, pois era uma imagem muito mais agradável que suas sombrias reflexões. A primeira vez que a tinha visto, realmente a tinha acreditado um anjo com sua auréola de cabelos dourados reluzente à luz das velas. Ia vestida totalmente de branco, e os cachos de linho desciam sobre os ombros e os ultrapassavam para chegar aos quadris.
Os olhos cor safira dominavam a carinha pequena; eram verdes, redondos e sedutores, e escondiam segredos e pensamentos, até que tinha visto aquela faísca de cólera. Esse gesto tinha despertado sua curiosidade quase mais que a razão pela que se encontrava ali. Tinha alimentado o ridículo desejo de representar o papel de guardião daquele anjo, de esmagar e destruir totalmente tudo o que a incomodasse.
Tinha desejado perguntar o que era o que a irritava. Tinha tratado de induzi-la a tirar a mordaça. A negativa da jovem o tinha surpreendido, e depois se sentiu incomodado. Tanto que se comportou como um menino malcriado, negando-se a olhá-la de novo, negando-se a reconhecer sequer que estava ali. Pensava agora no que tinha sentido naquele momento, e se surpreendeu de sua própria reação. Sim, aquela mulher produzia nele um efeito estranho.
Mas não tinha podido ignorá-la muito tempo. Na verdade, agradava-lhe contemplá-la; era tão agradável aos olhos, e o fato de que ela devesse dizer o que ele tinha que saber tinha sido a desculpa para olhá-la de novo. Mas havia voltado a sentir impressionado por sua beleza ao vê-la a menos distancia, quando ela se deteve junto à cama. A pele de alabastro era perfeita, os lábios cheios, sugestivos, e com grande contrariedade do próprio Warrick tinha começado a sentir certo calor nas vísceras.
Afogou-se em sua risada, se tivesse admitido o que sentia, mas a mordaça tinha impedido de seduzir a aquela mulher e convidá-la a que se deitasse com ele quando ainda estavam sozinhos. Mas então a amargura penetrou em sua cabeça para perguntar: por que ia aceitar ela, quando ele não era mais que um prisioneiro, e nem sequer tinha a bolsa com seu dinheiro, e portanto não podia oferecer nenhuma só moeda? Quando recuperasse a liberdade, ocuparia dessa mulher, quando recuperasse a liberdade queimaria a fortaleza até os alicerces, de modo que ela necessitaria outra casa. Warrick ofereceria a sua. Pensou durante um momento em sua prometida, que agora estava esperando-o, mas isso não o induziu a mudar de idéia, de todos os modos, desejava levar a aquela mulher a sua residência.
-E agora, sabe tudo - disse Rowena com expressão deprimida, depois de relatar a Mildred à sórdida história da morte de seu marido e o encontro com o substituto-, E Gilbert falou muito a sério, esta vez disse claramente. Ou fico grávida, ou matará a minha mãe.
-Sim, não duvido de que falava a sério. É um verdadeiro feto do demônio. Tem sorte de que não tenha pretendido permanecer no quarto para vê-la. Seu marido o teria feito se entregar a seu homem, esse John. -Mildred suspirou. Bem, imagino que terá que fazê-lo. Rowena se esfregou as mãos.
-Sei, mas... Como?
Os olhos do Mildred brilharam, fechou-os um instante, e depois voltou a abri-los. Era evidente que sentia repugnância.
-Realmente, sou muito estúpida. Esqueci que você não pode saber. Seu marido teria tomado o que desejava, e você te teria limitado a permanecer deitada, sem fazer nada. Mas agora tem que fazer tudo por ti mesma, e esse moço que está deitado ali nem sequer poderá te dirigir, pois esta amordaçado. E diz que está de costas?
-Sim, deitado de costas, e duvido de que possa mover-se sequer, tem os quadris presos. Mildred suspirou de novo.
-Trato de imaginá-lo... Olhe, nunca cavalguei sobre um homem. Não é natural.
-Gilbert certamente pensa que não é difícil, se o deixou aprisionado desse modo.
-Não disse que seja impossível - observou Mildred com expressão de desagrado.
Era um assunto para empregadas da cozinha, não para sua dama. Agora tinha as bochechas tão rosadas como pálidas estavam as de Rowena. Mas aquele canalha de d'Ambray sem dúvida retornaria à alvorada para comprovar pessoalmente que se executou o ato, de modo que a situação não tinha remédio.
-Sim, está bem, já o tenho - continuou dizendo-. Falar-te-ei claro para terminar em seguida. Deve colocar-se sobre seus quadris, introduzir o membro em seu corpo, e depois cavalgar sobre ele. Sentirá dor até que se rompa sua virgindade, mas depois não sofrerá muito. Imagine que está montando seu cavalo e que a animal balança ao trote. Você salta não, não te ruborize- e se adapta ao movimento logo que está sentada nos arreios. Recorda que seu membro necessita o movimento para entregar a semente, e que você deve contribuir esse movimento se ele não puder. Somente te sentar, uma vez que o introduziste totalmente, não é suficiente. Acredita que poderá fazê-lo agora? Precisa que te explique algo mais?
-Não, eu... Não. Mildred a abraçou.
-Preciosa, considera que isto é quão mesmo outra tarefa qualquer. Eu te daria outros conselhos mais fáceis, se ele não fosse um estranho, e não estivesse destinado a sê-lo. Recorda que isso é tudo o que é, e que nunca terá que voltar a vê-lo uma vez que comece a formar o menino, de modo que não merece que se sinta envergonhada.
Essa era a situação, pensou Rowena enquanto retornava ao quarto, as bochechas tintas pelo rubor. Ele a olhou logo que abriu a porta, e a observou enquanto se aproximava da cama. Esta vez só o que demonstrou foi um interesse superficial, e por sua parte Rowena não revelou nada de seus próprios e desordenados pensamentos.
Uma tarefa como outra qualquer? Muito bem, disse-se Rowena. Mãos à obra.
Voltou o olhar para a cama, pois não desejava olhá-lo nos olhos enquanto explicava aqueles fatos repugnantes.
-Devo conceber um filho, e tenho que fazê-lo imediatamente. Escolheram-lhe para me ajudar porque seus cabelos os olhos são iguais aos de meu marido, já que o menino deve ter o mesmo aspecto que ele. De maneira que necessitamos nos unir esta noite, e a seguinte e todas as noites, até que a semente frutifique. Isto não me agrada mais que a ti, mas não tenho alternativa... E você tampouco.
As algemas do prisioneiro soaram, mas ela não quis olhar aqueles olhos expressivos. Com um gesto brusco, Segurou o grosso lençol que o cobria e a jogou no extremo da cama de onde caiu ao chão. Rowena não olhou enquanto caía. Como respondendo a seu próprio impulso, seus olhos se viram atraídos para a virilidade do homem e Rowena ficou assombrada ante suas proporções. Sim, esse era realmente a arma monstruosa da qual tinha ouvido falar. Agora jazia suave e quieta em um leito de cachos dourados.
Da garganta do prisioneiro brotou um grunhido, que surpreendeu Rowena; os olhos da jovem se voltaram para o rosto do prisioneiro. Tinha olhos expressivos, muito expressivos, e agora prometiam uma dura vingança se ela não desistisse. Rowena retrocedeu um passo, de repente temerosa. No rosto do homem se via tanta fúria!
Rowena não tinha contado com isso. À maioria dos homens não lhes tivesse importado o que ela tinha que fazer. Foram deixando bastardos por toda parte, de modo que o que importaria um a mais? Não, aquela era a atitude dos nobres, não dos servos. Os servos obtinham seu prazer onde podiam dificilmente sabiam se um menino lhes pertencia ou não, pois as donzelas com as quais se divertiam não eram constantes e, além disso, os servos pretendiam a casar-se se os surpreendiam.
Acreditava que teria que casar-se com a Rowena? Ou se opunha ao modo em que deviam unir-se, com ela em cima, de modo que a mulher controlasse a situação? Mildred havia dito que era antinatural, e talvez ele pensasse o mesmo. Bem, Rowena não podia evitá-lo. Não podia evitar nada do que estava acontecendo.
-Lamento que se oponha, mas isso não muda nada - disse com o tom saturado de amargura-. Mesmo assim devo fazê-lo. Mas o farei depressa, de modo que isto não te incomode muito tempo. Os olhos do prisioneiro a olharam hostis, como se houvesse dito um pouco incrivelmente estúpido. Rowena tivesse desejado que fosse tão fácil interpretar o que ele pensava. Tivesse desejado que facilitasse as coisas, mas por que tinha que agir? Certamente aquele homem sentia que abusavam dele, quão mesmo sentia a própria Rowena. Negou-se a continuar olhando-o. Estava disposta a terminar de uma vez com todo o assunto.
Uma vez decidido isto, subiu sobre a beira da cama, mas esta de repente se agitou com tanta energia que Rowena caiu para trás e aterrissou no chão. Elevou os olhos ao teto, tratando de recuperar o fôlego que o golpe tinha tirado, perguntando-se o que acontecia. Mas então ouviu um ruído de algemas que se entre chocavam e compreendeu... Rowena se enfureceu.
Quis gritar: Droga! Mas a única coisa que fez foi levantar-se e olhá-lo hostil.
-Unirei a ti. Entende? É necessário! Retornou à cama, preparada esta vez para a reação violenta, mas menos preparada para observá-la realmente. Ele era um indivíduo agressivo, e a Rowena pareceu terrível contemplar a energia que se manifestava em seus saltos e contorções. O corpo masculino se esticava além do concebível, e parecia aumentar-se. Toda a cama saltava e se movia sobre o piso. Rowena perdeu de novo o equilíbrio, e começou a cair, mas se inclinou para ele a tempo, de modo que caiu cruzada sobre o corpo masculino e não ao chão.
Ele se aquietou instantaneamente. A Rowena preocupou a possibilidade de havê-lo machucado, e elevou seu próprio corpo para olhar debaixo. Mas seu membro viril estava como antes, de modo que Rowena não podia dizer se seu ventre tinha machucado ou não. Desde aquela posição viu o sangue que manchava os tornozelos do prisioneiro. Voltou os olhos para as mãos, e ali também viu sangue sobre as mãos. Sussurrou entre dentes, ante essa prova de sua violência.
-É estúpido. Por que sofre por algo que não pode impedir?
Ele respondeu com outro grunhido. Enquanto continuava imóvel ela passou rapidamente uma perna sobre seus quadris para montá-lo, e lhe dirigiu um olhar de triunfou. Agora se ele reagia, seus movimentos serviriam aos propósitos de Rowena. Mas não o fez. Limitou-se a olhar a jovem com uma expressão assassina nos olhos brilhantes.
Warrick nunca havia sentido tão furioso em sua vida Aquela moça se propunha roubar um filho, seu filho! Se o obtinha, matá-la-ia. Não, isso seria muito rápido. Obrigaria a sofrer todas as torturas do inferno. Mas não podia ter êxito. O que aquela mulher queria fazer o irritava, mas também o deixava frio, e a estúpida fêmea nem sequer o entendia. Pelo menos, isso era o que sugeria o olhar de triunfo que tinha dirigido.
Viu-a levantar a camisola o indispensável para despir sua pele morna e aplicá-la contra o corpo de Warrick. Por alguma perversa razão, irritou-se ainda mais ao comprovar que Rowena não pensava despir-se. Pretendia roubar o filho, mas não estava disposta a mostrar sua nudez para obtê-lo. Bom, logo comprovaria que estava condenada ao fracasso. Com esse propósito, fechou os olhos para evitar vê-la, para evitar a visão daquele corpo muito formoso.
O prisioneiro se alimentava de sua própria cólera. Fervia de raiva, e somente desejava pôr a mão sobre o corpo daquela mulher para golpeá-la até que perdesse a consciência. Que ela se atrevesse a fazer aquilo! Recordou as palavras que antes tinham parecido uma brincadeira, ou seja, que não precisava de ajuda para violá-lo. Somente por isso a desprezava. Somente por isso podia matá-la, mas de todos os modos ela se propunha roubar, roubar a carne de sua carne. Essa só intenção selava seu destino.
Mas era uma estúpida se acreditava possível estuprar um homem. Se tivesse fechado a boca e se limitou a oferecer seu corpo, podia ter tido o que procurava. O corpo de Warrick teria respondido instantaneamente ao convite, como quase tinha feito nada mais ao vê-la. Mas agora nem sequer precisava esforçar-se para permanecer imperturbável sob o corpo de Rowena, pois a cólera assassina que sentia continuava impedindo que manifestasse o mais mínimo interesse pela carne morna da moça.
Ela não se limitava a sentar-se sobre ele e esperar o milagre. Podia sentir os dedos de Rowena tocando o de um modo tal como nunca tinha observado nas carícias de outras mulheres. Quando compreendeu que Rowena estava tratando de introduzir em seu próprio corpo seu membro flácido, abriu o olho incrédulo. Percebeu que os de Rowena estavam agora fechados. Mordia-se o lábio inferior e concentrava tão intensamente a atenção no que fazia que seus traços pareciam contraídos. Estremeceu quando uma das unhas de Rowena o arranhou, mas compreendeu que ela nem sequer sabia que o tinha feito.
Perguntou-se durante quanto tempo continuaria tentando o impossível. Não muito. Finalmente emitiu um soluço de frustração, e sem voltar a olhá-lo, abandonou seu assento e quase fugiu do quarto, derrotada.
Warrick experimentou uma satisfação tão intensa que quase desejou gritar. Tinha-a frustrado tão facilmente, quase sem esforçar-se. Tinha vencido. Ela tinha fracassado. A moça, Mesmo assim, retornou.
Warrick não tinha pensado que pudesse fazer tal coisa. O rosto de Rowena estava avermelhado, mas também exibia uma expressão tão decidida que ele sentiu os primeiros espasmos. Lentamente se tirou a bata e a deixou cair ao piso. Quando se inclinou para recolher a arena de sua camisola, ele fechou com força os olhos.
A voz da moça se chegou brandamente.
- Senhor, pode resistir, mas uma pessoa que sabe me disse que de nada servirá.
Ele não teria respondido a isso, inclusive se pudesse, mas sentiu desejos de degolar a quem quer tivesse infundido a coragem necessária para tentá-lo outra vez. Aguçou o ouvido para comprovar que se aproximava. A mão pequena que roçou o peito disse que estava ali.
-Certamente compreendeste que sou virgem. Ele não sabia, mas a palavra produziu o efeito desejado, apesar de que não acreditar. Mas também o comoveu a mão da moça, que seguiu um caminho lento descendo não o peito até o ventre. Ele esperava que sua própria cólera o distraísse, mas em troca foi à voz de Rowena a que o distraiu.
-Sou tão ignorante, nem sequer soube que não estava preparado para mim, que precisava de certo fôlego nem sequer sabia dessa carne branda, que tem aqui mudaria e se converteria em uma coisa dura como o resto de seu corpo. -Tocou-o no lugar justo, enquanto dizia estas palavras-. Pareceu-me difícil acreditar, porque já é bastante grande, mas Mildred me acertou que assim são as coisas. Tenho muito interesse por ver eu mesma esse acontecimento tão estranho.
Sabia que suas palavras eram tão excitantes como o contato? Maldita moça, e maldito quem a tinha aconselhado! A testa lhe cobriu de suor. Não sucumbiria a aquela sedução.
-Vou beijar-te... E te lamber por toda parte, inclusive como último recurso... Ali. Mildred disse que teria que estar morto para não reagir quando te beijar ali.
Mas ele já estava reagindo. Sua mente expressou a gritos a cólera que sentia, mas sua carne o traía vilmente, como sim tivesse vontade própria, e se sentisse seduzida pela promessa de Rowena. Esticou o corpo para destruir as ataduras. Retorceu-se, tratando de afastar a mão de Rowena. Mas ela permaneceu ao lado da cama, imperturbável ante a agitação do homem, os dedos da delicada mão fechados ao redor dele, sustentando-o com firmeza. Ele ficou quieto quando compreendeu que tudo o que fazia a ajudava.
-Não o teria acreditado se não o estivesse vendo - exclamou ela, atônita.
Sua voz expressava certo temor. Agora o olhava, e oferecia seu corpo a aquele indigno pedaço de carne porque obedecia a suas carícias e não à vontade de seu dono. Rowena nem sequer sabia que não tinha alcançado o tamanho máximo, porque Warrick lutava contra isso com todas as forças de seu ser.
-Acredito que agora não preciso te beijar.
Havia decepção na voz de Rowena? OH, Meu deus, já podia suportá-lo muito mais. O que tinha acreditado impossível não o era. Ela podia conseguir o que desejava se continuasse, mas tinha esperança de que se detivesse.
Quando a jovem subiu à cama, o prisioneiro se agitou de novo, mas Rowena se segurou nos quadris e se sustentou. Agora podia sentir a nudez da moça que o abraçava, seus peitos que pressionavam contra sua pele de homem, quase à altura do ventre. Também aquilo ajudou a Rowena, fazendo que um caudal maior de sangue aflui-se ao seu membro traidor; Warrick se aquietou de novo, com a esperança de que não alcançasse a dureza necessária para penetrá-la, rogando que ela fosse realmente virgem, de modo que não conhecesse a diferença e fracassasse outra vez.
Rowena se arrastou sobre ele, sempre se sustentando com firmeza, não fosse que o prisioneiro a desmontasse outra vez. Warrick gemeu ante esse novo estímulo. E então ela se sentou. O estava já bastante duro, de modo que a moça só precisava pressioná-lo um pouco na direção apropriada.
Calor. Calor ardente e umidade. Por que ela não podia estar seca? Por que não podia...?
O gemido de Rowena atravessou como uma faca o corpo de Warrick, embora adivinhasse qual era a causa. Continuava tratando de instalar-se bem, mas sua virgindade não cedia, e a moça avançava com muita lentidão, com o qual provocava em seu próprio corpo uma dor cada vez mais intensa. Warrick sentiu um selvagem prazer ao comprová-lo. De modo que era virgem de verdade, e seu próprio sofrimento a frustraria, embora ele não pudesse fazê-lo.
Mover-se naquele momento realmente teria ajudado à moça, de modo que permaneceu completamente imóvel. Ela era tão pequena e estava tão tensa, que sentiu o impulso quase entristecedor de afundar sua virilidade em sua feminilidade. Reprimiu-o depressa. Não podia controlar a aquele traidor, mas ainda controlava o resto de seu corpo. Outro gemido, mais intenso, e abriu os olhos para gozar no sofrimento da moça. As lágrimas corriam nos olhos de Rowena. Os olhos cor safira, frágeis por causa da umidade, refletiam essa dor. Warrick tinha esquecido a nudez da moça.
Era uma mulher pequena, mas de forma generosa, com peitos abundantes, a cintura pequena. Os quadris femininos que descansavam sobre ele, os peitos esplêndidos que se elevavam com o suave ofego de Rowena, a sensação da cálida umidade que envolvia só a metade de seu membro, a visão daquela parte de seu corpo no interior feminino... Todo isso o maltratou. Não empurrou para dentro. Não era necessário O sangue se acumulou para inflamar totalmente seu membro para dar toda sua longitude, que atravessou completamente à virgindade sem que nenhum deles se movesse para ajudar.
Ela gritou quando isto aconteceu, e o peso de seu corpo fez que recebesse completamente o membro masculino para encerrá-lo no mais profundo de seu ser. Warrick chiou os dentes contra a mordaça que cobria a boca. Esticou os músculos, mas em todo o resto continuou imóvel. Agora lutava tratando de provocar sua própria impotência. Lutava para desentender-se das intensas ânsias de seu corpo. Era uma tortura. Nunca tinha resistido algo com tanta força, nunca tinha desejado algo que se opunha tão profundamente a sua vontade.
Ela se movia sobre ele, no princípio vacilante, com estupidez. Ainda lhe doía, ainda gritava, mas estava decidida. A respiração de Rowena, tão agitada, acariciava o ventre de Warrick ao mesmo tempo em que seus cabelos, originando outra carícia e outra tortura. E ele soube exatamente quando perdeu a batalha. Tentou por uma última vez de afastá-la, agradecido pela dor de seus tornozelos e nas mãos; mas ela soube, soube, e se segurou firmemente ao corpo masculino. E depois, já não se importou, ficou submetido aos impulsos do instinto animal, que se impôs por completo e lhe arrancou sua semente em uma incrível explosão de alívio. Maldita mulher, maldita mulher!
“Alegro-me de que seja você.”
Warríck jamais esqueceria aquelas palavras, e tampouco as perdoaria. Recordou-as constantemente durante os dias seguintes, enquanto estava preso à cama.
Ela se desabou sobre o peito do homem quando tudo terminou, e suas lágrimas umedeceram a pele do varão. A Jovem não tinha sentido prazer na união, mas tinha conseguido o que procurava. E antes de separar-se, havia-lhe beijado a bochecha e murmurado: "Me alegro de que fosse você", e o ódio que ele sentia se duplicou.
Depois, chegou à criada para curar as feridas. A mulher mais velha tinha estalado a língua ao ver as lesões que ele mesmo se causou, mas também descobriu o galo com sangue coagulado na cabeça, e o limpou. Ele permitiu. Destruído por seu próprio fracasso, já não se importava o que lhe fizessem. Tampouco o inquietou a visita anterior do homem que contemplou o sangue e o sêmen que ainda umedeciam o ventre, e falou com uma estranha mescla de satisfação e ódio.
-Ela me disse que resistiu. Melhor assim. Acredito que poderia te matar pelo que conseguiste que ela. -Depois se voltou e saiu. Já não voltou a aparecer.
Entretanto, aquelas poucas palavras tinham subministrado muita informação ao prisioneiro. Compreendeu que seu carcereiro não tinha intenção de permitir que saísse com vida deste assunto. Não queriam cobrar resgate. Necessitavam unicamente ao menino que possivelmente já tinha posto no ventre da mulher. Também compreendeu que aquele homem estava com ciúmes dele, e que de boa vontade o mataria uma vez que já não fosse útil.
De todos os modos não se importava nem o que acontecesse ao dia seguinte, nem nada. Nem sequer sentiu a humilhação de que Mildred o alimentasse, banhasse-o e o ajudasse a satisfazer suas necessidades mais elementares ali mesmo, na cama. Nem sequer tentou lhe falar quando lhe retiraram a mordaça para alimentá-lo. Sua apatia era quase total... Até que retornou a mulher.
Só então soube que certamente já tinha chegado a noite outra vez, pois ali não havia janelas que indicassem o passado do tempo. E só então recuperou a vida, e sua fúria quase o enlouqueceu. Os movimentos desordenados afrouxaram as ataduras, e obtiveram que as algemas de ferro se afundassem mais profundamente na carne ainda ferida.
Mas aquela segunda noite ela se mostrou paciente. Não tentou tocá-lo até que ele se esgotou. E evitou deitar-se até que esteve quase completamente preparado.
Três vezes o visitou aquela segunda noite, em diferentes horários, e três vezes na seguinte, despertando-o quando era necessário. Era inevitável que cada vez necessitasse mais tempo, pois o corpo de Warrick já estava satisfeito. Entretanto, isso não a deteve. Tinha-o completamente ao seu dispor. Examinava-o cuidadosamente enquanto o acariciava e estimulava para melhorar sua preparação; acariciava-lhe todo o corpo, mas sobre tudo entre as pernas.
Fascinava-lhe o órgão viril, aproximava-o de seu rosto e derrubava sobre ele seu fôlego, mas nunca fez o que tinha prometido a primeira noite, pois era desnecessário. A mera idéia de que podia fazê-lo, alterava-o como se estivesse realizando a experiência mesma. E ele não podia impedi-lo, não podia detê-la, não estava em condições de freá-la com um olhar ou de infundir temor. Ela o usava, esgotava-o e já não exibia o mais mínimo remorso. Não tinha a mais mínima compaixão.
Ah, Meu deus, como desejava vingar-se. Era a única coisa em que pensava o terceiro dia, que lhe faria se pudesse pôr as mãos em cima. E pensar que tinha concebido a idéia de lhe oferecer um lar o primeiro dia que a viu. Sim, ofereceria um e em sua masmorra. Mas primeiro lhe daria seu castigo.
Não, primeiro devia escapar
- Me diga seu nome.
Era a primeira vez que falava com Mildred. Ela o olhou com precaução enquanto se aproximava dos lábios outra colherada de espesso guisado de cordeiro.
-Acredito que não o farei. Não precisa sabê-lo.
-Mulher, meus homens me encontrarão. Se quiser sobreviver a destruição que provocarei neste lugar, é melhor que coopere agora comigo. Ela teve a ousadia de burlar-se.
-Estava sozinho quando te capturaram.
-Não, estava com meu escudeiro Geoffrey. Sabia que o mataram?
Falou com um tom tão frio que Mildred de repente teve medo, embora ele estivesse aprisionado. Depois, burlou-se de si mesmo e dele.
-Um cavalheiro? Não, ordenaram trazer um varão. Acredita que não sabe qual é a diferença? Ele não tentou convencê-la do contrário.
-Meus homens se adiantaram. Devia me reunir com eles na manhã seguinte. Acredita que continuarão a viagem sem mim?
-Parece-me que sua história é muito interessante, mas por que me diz tudo isto? -perguntou Mildred.
-Me solte.
-Ah, formosa tática. -Ela o olhou sorridente-. Mas é desnecessário que me conte mentiras. Se eu tivesse a chave para te liberar destas algemas, não a usaria, pelo menos até que minha dama obtenha o que necessita de ti.
Não adicionou que Rowena já tinha pedido que procurasse a chave. Mas até agora Mildred não tinha tido sorte, e não desejava que o prisioneiro alimentasse falsas esperanças, uma atitude que compartilhava com a Rowena.
A comida durou mais tempo esta vez, porque ele não estava disposto a submeter-se. Aquele lapso mais prolongado tinha permitido que os sinais vermelhos da mordaça nas bochechas se misturavam. Mildred o olhou quando se inclinou para lhe pôr outra rodela, e a visão do rosto do prisioneiro sem os sinais que tendiam a distrair ao observador provocou na criada ou calafrio.
-Por Deus, que expressão tão cruel - disse Mildred, mais para si mesma que para ele-. Não o tinha percebido até agora
Warrick não necessitava que o dissessem. Era a razão pela qual suas primeiras esposas o tinham temido. Era a razão pela qual seus inimigos o temiam. Por isso aquela maldita mulher tivesse devido afastar-se dele. Estava sobre tudo nos olhos, que expressavam intensamente seus pensamentos sombrios, mas também no torcido duro e amargo de sua boca, dificilmente sorria. E sua expressão era especialmente azeda agora, porque sabia que ela não queria ajudá-lo.
-Convém-se recordar que...
Mildred ajustou a mordaça para interromper suas palavras, ao mesmo tempo em que dizia indignada:
-Amigo, de nada te servirá me ameaçar. Cumpro ordens de minha senhora, não tuas. Não sente remorso que se sinta mal todas as noites, quando se separa de ti. Não te teria feito nenhum mal tratá-la com doçura, posto que ela não tenha mais remedeio que fazer o que faz. Mas não, é tão cruel por dentro como por fora.
O tinha recaído em uma cólera candente para ouvir aquelas palavras de despedida. Acaso devia sentir compaixão por uma mulher que o tinha violentado repetidas vezes? Devia simpatizar com ela quando seu propósito era lhe roubar um filho? Quando ela se alegrava, sim, alegrava-se de que ele estivesse a disposição do que à dama lhe desejava muito, em lugar de que fosse outro? E por que tinha que ser assim? Por que ele se alegrava, quando as mulheres lhe temiam? Tinha sido assim desde que cumpriu os dezesseis anos, quando descobriu de tudo o que tinha perdido, sua família, seu lar, quando compreendeu que nada restava, salvo sua vida e um contrato matrimonial o qual não podia romper. Tinha mudado nesse momento, mudado absolutamente, e não só em seu caráter, mas também em sua aparência, pois a escuridão que tinha penetrado em sua alma também se refletia em seu rosto.
Desde aquele momento, jamais tinha levado a cama a uma mulher que ao princípio não temesse que ele pudesse machucá-la de um jeito ou de outro. Inclusive depois da segunda ou a terceira
Ainda não confiavam em que não lhes infligisse alguma felicidade. Suas esposas... Essas criaturas tímidas e submissas, nunca haviam conseguido superar o temor que as inspirava, embora jamais tivesse dado motivo para acreditar que se mostraria brutal com elas. Mas ambas tinham morrido muitos anos antes. E tinham vivido com ele durante esses anos em que Warrick existia e respirava só para a vingança, em que todos seus pensamentos se relacionavam com a destruição e a morte... Como lhe acontecia agora.
Como era possível que ela se alegrasse? Alegrava-lhe vê-lo aprisionado, de modo que não podia tocá-la? Porque ela sabia que morreria antes que lhe tirassem as algemas, e portanto nada tinha que temer? Era uma possibilidade muito real, a possibilidade de que o massacrassem ali mesmo, naquela cama, sem ter uma oportunidade para defender-se, sem ter uma oportunidade para pelo menos alcançar uma mínima vingança.
Warrick não temia a morte. Tinha existido um período em que inclusive a tinha procurado um período em que sua vida era algo tão vazio e miserável que a ele simplesmente não importava se vivesse ou morresse; e a situação depois não tinha melhorado muito. Mas lamentaria desperdiçar a oportunidade que se oferecia agora de melhorar sua existência com senhora Isabella. Inclusive mais que isso, lamentaria a impossibilidade de vingar-se daquela gente por todos os males que lhe tinham causado, sem falar de sua própria morte.
Por isso, Warrick se sentiu profundamente assombrado quando no dia seguinte Mildred chegou não só com comida, mas também com uma pilha de roupas e a chave dos grilhões. E veio respondendo à ordem de sua senhora, se é que podia acreditar as primeiras palavras que pronunciou.
-Senhor, foi uma sorte ter encontrado a chave; minha senhora deseja que parta, e tem que ser agora, enquanto seu irmão está no povo contratando a seus mercenários. Disse isso enquanto tirava a mordaça-. Eu o convencerei de que sua semente está bem plantada, mas isso não significa que ele não te persiga.
-Seu irmão? Warrick recordou ao homem e seus zelos - certo que não é irmão de sangue.
-Não, não têm o mesmo sangue, graças a Deus - disse Mildred, sem olhar de Warrick, e tirando as algemas sem perda de tempo.
-E se minha semente não frutificou? Colocará Outro lugar nesta maldita cama?
-Isso não tem por que te inquietar.
-Então, me diga por que necessita de um filho. É meu filho Tenho direito, ou seja, pelo menos isso.
Mildred se surpreendeu, pois supunha que Rowena tinha lhe esclarecido situação; de todos os modos, encolheu os ombros.
-Por quê? Para apropriar-se deste lugar. Ela se casou com o velho senhor de Kirkburough, mas ele morreu no mesmo dia, o dia que o capturaram. E agora dirão que o menino é dele.
Devia ter adivinhado: cobiça. E Kirkburough era um feudo importante, com a localidade incluída. Tinha visto a torre do povoado. Tinha evitado aproximar-se porque não desejava cruzar-se com o senhor do lugar, e ter que explicar sua presença na zona. Sua escolta de trinta homens certamente teria ordenado que se adiantasse. Tudo o que Warrick precisava era de uma cama e um banho, e isso podia conseguir em qualquer estalagem. Não tinha calculado a possibilidade de cruzar-se com uma esposa ambiciosa decidida a conservar a toda costa o que tinha obtida graças a seu casamento.
Mildred se separou de Warrick quando a última algema caiu ruidosamente ao piso. Warrick baixou com cuidado os braços, e sentiu os músculos doloridos depois de três dias naquela postura antinatural. Chiou os dentes para conter a dor. Também a boca lhe pareceu estranha sem a mordaça. Mas não esperou que a dor dos ombros se aliviasse antes de apoderar-se das roupas que Mildred havia trazido.
A túnica estava confeccionada com um tecido de qualidade muito inferior, apropriada no máximo para um cidadão de baixa categoria; alem do que, cheirava muito mal. Mas pelo menos lhe cobria os ombros e os braços, embora fosse um pouco curta. O mesmo podia dizer-se das meias, comidas pela traça e desfiadas, e que apenas chegavam aos tornozelos. O calçado era de pequeno e apenas lhe cobria os pés. O cinturão era uma tira magra de couro.
Não disse uma palavra a respeito daquelas roupas deploráveis. Tão pronto se vestiu, em sua mente houve um só pensamento.
-Onde está ela?
-Não. -Mildred caminhou para a porta-. Se pensar em machucá-la, farei um escândalo.
-Só quero falar com ela.
-Lembre-se. Leio-o em seus olhos. Pediu-me que te ajudasse a escapar porque não quer que sua morte recaia sobre sua consciência, mas não deseja voltar a vê-lo. Se retornar aqui, lorde Gilbert te matará. De qualquer forma é melhor que parta o mais rápido possível.
Ele a olhou longamente, e o desejo de pôr as mãos na mulher que podia estar levando já seu filho conflitava com seu desejo de liberdade. Warrick não sabia com quantos teria que combater se Mildred avisasse a todos que estava na torre. De modo que se decidiu.
-Muito bem, mas preciso de uma espada, meu cavalo...
-Está louco? -perguntou Mildred-. Irá como está, e assim não chamará a atenção. Os homens que te capturaram se apoderou de tudo o que era seu, não duvide. Agora, vêem. Levarei o senhor a porta posterior. Resta pouco tempo.
Ele a seguiu, mas memorizou tudo o que viu ao passar enquanto a mulher o tirava da fortaleza. Quase mudou de idéia quando viu o escasso número de homens que havia fora os criados. As defesas eram fortes, mas não havia quem as guarnecesse.
Não sentia surpresa que o irmão da dama estivesse contratando homens. Kirkburough podia ser ocupado em um dia, e Warrick voltaria em menos de uma semana para demonstrá-lo.
-Está feito.
-Sei - disse friamente Rowena enquanto se separava da janela-. Olhei-o até desaparecer nos bosques.
-Tenho um mau pressentimento - disse incômoda Mildred-. Deveríamos ter esperado.
-Não. Gilbert disse que não sairá daqui até que tenha a certeza de que estou grávida. Propõe deixar o lugar de Tures nas mãos de seus cavalheiros; estes não acreditam que avanço muito durante as primeiras semanas, e a ele na realidade não o necessita. Hoje é o primeiro dia que sai do castelo, e da fortaleza. Talvez não volte a sair. Ele vigia a todos com olhos de águia, para se assegurar de que os criados não vêm aqui. Acredita que não chamaria a atenção da partida desse indivíduo enorme?
-Às vezes dorme...
-E a fortaleza está completamente fechada, vigiada por seus próprios homens em todas as entradas. Mildred sabe que este era o melhor momento, possivelmente o único para tirar daqui a esse homem sem que Gilbert saiba e arme um escândalo.
-Mas não cumpriu seu propósito - recordou-lhe Mildred. Rowena estremeceu, apesar de que não fazia frio no quarto.
-Eu... Não poderia fazê-lo outra vez, embora ele estivesse aqui. Disse-lhe isso ontem. Nunca mais.
-Sim, preciosa, sei que foi difícil...
-Difícil? - Rowena a interrompeu com uma risada áspera-. Foi péssimo, muito ruim! E não posso continuar cometendo uma falta para evitar outra. Tive que fazê-lo a princípio, para demonstrar ao Gilbert que obedecia a suas reclamações. Mas depois o convenci de que se afastasse, de que sua presença turvava tanto ao homem que não podia tentá-lo, não era necessário retornar a esse quartinho. Entretanto, o fiz. Continuei obedecendo ao pé da letra a Gilbert, embora se tivesse parado a pensar...
-Por que te atribui à culpa? -perguntou Mildred-. Nem sequer o ato te agradou, mas a ele sim.
-Não, não o agradou. Como podia obter prazer de algo que detestava? Mildred, Ele lutou contra mim constantemente. Machucou-se para lutar contra mim. Repugnava-lhe o que eu estava fazendo, odiava-me, e se ocupou de fazer-me saber. Esses olhos... - estremeceu-se outra vez-. Eu não poderia ter entrado ali de novo. Não poderia obrigá-lo de novo embora minha própria vida tivesse dependido disso.
-Mas, e se seu plano não funcionar?
-Funcionará. É necessário. Gilbert não saberá que escapou. Acreditará que ainda o visito todas as noites. Quando souber se tiver concebido ou não, direi que fui eu quem o deixou fugir. Não me castigará por isso, pois não quererá ameaçar a vida do menino. E a vida ou a morte desse homem não é importante para seu plano. O mesmo disse que ninguém acreditaria nas palavras de um servo se este reclamar ao menino. Essa é a menor de minhas preocupações.
-Não estou tão segura que fosse um servo - reconheceu Mildred com expressão inquieta.
-Você também viu sua arrogância?
-Afirmou que tinha um escudeiro que foi assassinado quando o capturaram.
- Deus santo, outro motivo para me desprezar. - Rowena suspirou-. De modo que era um cavalheiro de baixo berço. Acredita que reconhecerá ante ninguém o que lhe fizeram aqui?
-Não, jamais - replicou Mildred sem manifestar a mais mínima dúvida.
-Nesse caso, não precisamos temer que comece a soltar rumores... Se houver um menino. Mas o havendo ou não, diremos a Gilbert que estou grávida. Depois, ele irá combater a esse condenado e o Fulkhurst... Gostaria que ambos se matem. E apenas quero partir, nós faremos o mesmo. Ainda tenho todas nossas roupas, que valem quase uma fortuna, e ali há uma cidade onde poderemos obter um bom preço por tudo. Contrataremos a nossos próprios homens, tiraremos minha mãe da fortaleza de Ambray enquanto Gilbert está ocupado em Tures depois iremos a França e a corte do Enrique.
- O lorde Gilbert não agradará perder Kirkburough e a ti
-Acredita que isso me importa? -quase resmungou Rowena com expressão amarga-. Depois do que fez, confio em que jamais volte a achar prazer em nada.
Mais avançada à tarde, pareceu que Rowena conseguiria satisfazer seu desejo, pelo menos provisoriamente. Gilbert tinha retornado pouco antes do povoado, onde tinha encontrado só três homens que mereciam ser contratados e quatro mais a quem valia a pena treinar; chegou uma mensagem que provocou nele um estalo de cólera. A Rowena agradou presenciá-lo do lugar em que estava sentada, costurando junto ao lar.
Permitia-lhe descer ao Grande Salão umas poucas horas diárias, de modo que as pessoas se acostumassem a vê-la e ela pudesse aceitar a todos, os que perguntavam pelo lorde Godwine; estava recuperando-se, mas ainda se encontrava muito doente para sair de seu quarto, e continuava insistindo em que só ela o atendesse. Gilbert tinha advertido a necessidade de apelar a este subterfúgio, e de afirmar que Lyons não estava tão gravemente doente que não pudesse cumprir as obrigações conjugais com sua esposa. Quando chegasse o momento oportuno, Gilbert se limitaria a afirmar que o senhor do castelo tinha tido uma recaída trágica e havia falecido.
Agora, Rowena viu como seu meio-irmão ficava púrpuro, tão furioso estava, e amaldiçoava e renegava, de modo que quase todos os criados fugiam espavoridos. Em primeiro lugar, pensou que tinha descoberto a fuga do substituto de Lyons. Mas a menos que o homem se deixasse apanhar estupidamente, isso não era possível, pois Gilbert não tinha subido ao andar de cima desde sua chegada ao castelo.
Quando a viu, sentada ali, a cor púrpura de seu rosto se atenuou levemente. Adotou uma atitude reflexiva enquanto a olhava, muito reflexiva e calculadora. Rowena conteve a respiração quando se aproximou, e de repente experimentou o terrível temor de ver-se obrigada a realizar outro ato desprezível. Mas quando ouviu o que Gilbert tinha que dizer, pôs-se a se rir de não ter temido que a esbofeteasse.
-Não sei como descobriu que Kirkburough é meu agora, Nero certamente sabe. Fulkhurst me seguiu até aqui. O maldito seja esse homem é implacável!
- Acreditei que havia dito que estava em Tures.
- Estava. Mas sem dúvida percebeu de que meu exército se aproximava e escapou antes que começasse o assédio. Deveria reunir outro exército, pois vem com quase quinhentos homens sob o estandarte do dragão.
-Se formou outro exército, por que não o levou imediatamente a Tures para expulsar ao seu?
-Não seja estúpida, Rowena - replicou impaciente Gilbert-. O castelo de Tures era a fortaleza de seu pai. Sabe que tem, defesas muito sólidas. Os homens que Fulkhurst deixou ali para defendê-lo podem sustentar durante várias semanas. Não tem pressa em retornar a Tures, sobre tudo se descobriu que estou aqui com apenas um punhado de homens. Se me capturar, pode impor condições que provocarão a desintegração de meu exército. -Ou pode te matar.
Ele a olhou hostil, mas Rowena se sentiu satisfeita ao ver que a cor de seu meio-irmão se convertia a uma espécie de palidez antinatural.
-Está certo de que é ele? -perguntou Rowena-. Tures está há dois dias ao norte daqui.
-Ninguém pode confundir suas cores, ou esse maldito dragão vermelho sobre fundo negro. É ele, e chegará a menos de uma hora, de modo que devo partir agora mesmo.
-E eu?
-Te dará procuração desta fortaleza, à margem de que eu esteja aqui ou não. Sabe que é minha, e jurou apoderar-se de todo o que me pertence, por nossa intromissão em Dyrwood. Maldito seja, por que não se satisfaz com a morte de meu pai? Corno estas palavras não estavam dirigidas a ela, Rowena não tentou responder. Não podia compreender a vingança, pelo menos nesse nível. Mas não a alarmava que o senhor de Fulkhurst se aproximasse, ou que Gilbert se propor deixá-la para confrontar ao invasor. Tudo o que frustrasse ao Gilbert e seus odiosos planos seria bem recebido por ela.
-Você negociará pessoalmente com ele -continuou Gilbert -Não te fará mal. O ano passado capturou a outra de meus feudatários, senhora Acostume, e só insistiu em que jurasse fidelidade. Faz o mesmo se reclamar isso. Não importará. Retornarei dentro de três dias com o exército para derrotá-lo. Sim, é melhor aqui que no castelo de Tures, porque é fácil rodear Kirkburough. E agora disponho de homens suficientes para fazê-lo, o triplo que ele. Não tema, Rowena, em pouco tempo voltará comigo.
Dito isto, segurou-a pelos ombros e deu um beijo que não podia considerar-se fraterno. Rowena se sentiu surpreendida e enojada. Até esse momento não tinha sabido que ele a desejava.
Só depois de que Gilbert partiu, Rowena compreendeu que ela e sua mãe se salvaram da fúria daquele homem graças a uma distração. Ele tinha a mente tão concentrada na ameaça que representava Fulkhurst e na necessidade de derrotá-lo, que tinha esquecido tudo o que se referia ao homem, se supunha estava encadeado no andar superior. Se aquele tivesse estado ainda ali, ela se teria visto em dificuldades para explicar sua presença aos invasores quando se apropriassem da fortaleza.
Felizmente, essa não era uma das preocupações de Rowena. Tampouco prestou atenção às instruções de Gilbert, pelo menos ao princípio, pois sua intenção tinha sido abandonar a fortaleza apenas quando ele partisse. Mas não precisou muito tempo para descobrir que aquele canalha desprezível levou consigo a todos os guerreiros e até o último dos cavalos.
Rowena considerou brevemente a possibilidade de ir ao povoado e esconder-se ali, de modo que a fortaleza ficasse aberta, ocupada só por criados deviam receber ao exército de Pulkhurst. Mas Fulkhurst desejava vingança além de conquistar, e um homem assim bem podia incendiar o povoado em busca de Gilbert ou da nova dama de Kirkburough. Tampouco lhe serviria fugir ao bosque, como tinha feito o substituto de Lyons. A pé, sem dinheiro, não poderia salvar a sua mãe antes que Gilbert descobrisse o que tinha feito.
Esta vez não teve mais opção que atender às instruções de Gilbert, porque não podia fazer outra coisa. Mas não reclamaria nada. Esperaria a ver que condições se ofereciam, e partiria dali. Ninguém podia saber que a fortaleza estava totalmente indefesa. As portas estavam fechadas, a porta enclausurada. Vista de fora, Kirkburough parecia uma fortaleza bem defendida. Ela não duvidava de que podia conseguir do atacante condição favorável para ela mesma e os criados.
Uma vez que tivesse conhecido Fulkhurst e apreciado que tipo de homem era, possivelmente pudesse apelar a aquele cavalheiro, e pedir ajuda. Se não fosse pior que Gilbert, ofereceria submeter-se a ele. É obvio Fulkhurst já se apropriou de três das propriedades de Rowena, e não era provável que as devolvesse. Ela não as mencionaria. Outras propriedades de Rowena continuavam em mãos de Gilbert, mas de todos os modos, Fulkhurst se propunha ocupar tudo o que estava sob o controle daquele. Para falar a verdade, ela não tinha nada com o que negociar. Sim, podia ajudar ao Fulkhurst. Conhecia os planos de Gilbert, podia perceber de que ele retornaria. Mas Fulkhurst acreditaria nela?
Mildred queria ir com ela até a entrada, mas Rowena a convenceu de que continuasse no salão e fizesse todo o possível para acalmar aos criados. Levou consigo a quatro servidores, pois não tinha a força necessária para elevar os protetores das frestas. Mas tinha esperado muito tempo. O exército de Fulkhurst tinha chegado, estavam à distância de um tiro de flecha, e a visão da força, quinhentos homens armados para a guerra, com quase cinqüenta cavalheiros montados, fez que os homens que acompanhavam a Rowena se deixassem dominar pelo pânico.
Só queriam fugir e esconder-se, e Rowena não pôde criticá-los, pois ela sentia o mesmo. Entretanto, não podia se permitir essa atitude, e seu próprio medo, adicionou a seu tom certa frieza enquanto explicava serenamente que se não permanecessem ali para ajudá-la, morreriam; que o inimigo os mataria depois de derrubar as portas... Ou que ela pereceria. Os homens permaneceram a seu lado, embora se deitasse ao chão, longe das frestas de onde se disparavam as flechas.
Rowena observou, tratando de recuperar a calma. Tantos cavalheiros. Não tinha esperado isso. O dragão vermelho que cuspia fogo aparecia em vários estandartes claramente visíveis, e muitos dos cavalheiros os tinham agregado aos arreios de seus cavalos. Sim, era a gente de Fulkhurst, embora ela não pudesse adivinhar qual dos cavalheiros montados era o chefe.
Não passou muito tempo antes que um homem se separasse do grupo. E avançasse até a entrada. Não vestia a típica grosa cota de malhas; portanto não era um cavalheiro. Pelo menos havia quarenta soldados que estavam montados, mas não nos grandes corcéis, e aquele era um deles.
Tinha uma voz potente. Rowena ouviu claramente cada palavra, mas não dava crédito. Não havia condições nem garantias. A rendição completa ou a destruição total. Dispunha de dez minutos para decidir.
Não havia nada que decidir. Embora fosse uma falsa ameaça, do qual duvidava Rowena não podia aceitar o desafio, pois os homens que havia trazido com ela não esperaram para escutar sua decisão. Correram para abrir as portas sem esperar a ordem, e Rowena não pôde impedi-los. Agora, o que podia fazer era esperar a entrada do exército.
Os cavalheiros entraram com as espadas desembainhadas, mas dentro os esperava somente Rowena, que permaneceu de pé no primeiro degrau da escada. Não pareceram surpreendidos. E os que foram enviados a guarnecer os muros o fizeram depressa, sem tomar muitas precauções nem acautela ante a possibilidade de que alguém se opor.
O resto do exército se aproximou de Rowena, encabeçado por três cavalheiros que desmontaram em primeiro término. Dois tinham vestimentas tão luxuosas que provavelmente eram senhores, embora só uma pessoa pudesse ser Fulkhurst; o outro possivelmente era seu vassalo. Mas o terceiro cavalheiro foi o que avançou lentamente para ela. Era mais alto que os dois restantes, e ao tempo que se aproximava embainhou a espada. Enquanto avançava não afastava os olhos de Rowena, embora ela não pudesse apreciá-lo claramente porque tinha baixa a viseira do elmo.
Tinha escolhido um mau lugar para esperar, pois o sol estava entre dos homens e dava diretamente no rosto, arrancando faíscas douradas a suas tranças de linho, e destacando a reluzente brancura de sua pele de alabastro, e lhe impedia de dizer nada sobre o homem que se aproximava, exceto que era muito alto e estava completamente revestido de armadura inclusive a de malha estava cercando-o até a parte inferior do queixo o elmo com o largo protetor nasal bem encasquetado e ambos os adminículos dissimulavam seus rasgos, exceto o tailandês cruel que era sua boca.
Rowena abriu a boca para saudar, mas só pôde emitir uma exclamação quando as mãos do homem seguraram os seus ombros, com tal força que ela temeu que quebrasse os ossos. Fechou os olhos a causa da dor. Uma nova e brusca sacudida a obrigou a abri-los.
-Seu nome?
Sua voz era tão fria como cruel era a expressão dos lábios. Rowena não sabia como interpretá-lo. Devia saber que era a dama do castelo, simplesmente pelo traje, e, entretanto a tratava como a uma serva do campo, e isso a aterrorizava.
-Senhora Rowena Bell... Lyons - disse com voz que era um mero chiado.
-Já não é senhora. De agora em adiante, é minha prisioneira. Rowena quase se desabou de alívio. Pelo menos não se propunha matá-la ali mesmo, sobre os degraus. E ser prisioneira não era tão grave, era uma situação provisória. À maioria das pessoas de nobre berço a trancavam em seus quartos apropriados e se concediam todas as cortesias que correspondiam a seu nível. Mas o que tinha querido dizer ao afirmar que já não era senhora?
Ele continuava apertando-a com força, esperando. O que esperava? Que ela se opusesse à decisão de fazê-la prisioneira? Não, Rowena não discutiria com aquele homem. Por isso tinha visto e escutado até esse momento, era pior que Gilbert. Mas o que podia esperar-se de um homem que saía para fazer a guerra se outro lhe arrebatava apenas um centímetro de terra?
Ela começava a inquietar-se, sabendo que ele a olhava fixamente, mas sentia muito temor para olhá-lo a sua vez finalmente, ele se voltou sempre a sustentando, e literalmente a jogou sobre o peito revestido de armadura de um dos homens que se aproximou com ele.
-Levem a prisioneira a Fulkhurst e ponham-na em minha masmorra. Se não estiver ali quando eu chegar, alguém pagará as conseqüências.
O homem que estava atrás dela empalideceu. Rowena não o viu. Também ela estava pálida, quase a beira de um desmaio, depois de ouvir aquelas palavras.
-Por que? -perguntou, mas Fulkhurst tornou para entrar na fortaleza.
Mildred o encontrou na câmara na qual não desejava entrar desde fazia uns dias. As altas velas se consumaram depois da última visita de Rowena ao quarto, pouco antes da alvorada; mas ele tinha encontrado uma vela nova e a tinha fixado ao suporte de metal do candelabro. Seus homens estavam saqueando a fortaleza, e apoderando-se de todas as coisas valiosas que desejavam. Mildred não imaginava o que podia estar fazendo ali aquele homem, quando uma olhada bastou para saber que no quarto só havia uma cama.
Vacilou antes de falar. O estava de pé, olhando fixamente o leito. tirou-se o elmo, mas a touca de malha ainda cobria a cabeça. Era um homem muito alto, e os ombros largos recordavam ao Mildred que...
-O que quer?
Ela se assustou, pois nem o homem se voltou para olhá-la quando se aproximou da porta, nem tampouco Mildred tinha emitido um só som. Tampouco agora se voltou. Em troca, inclinou-se e levantou do chão as largas algemas. Ela o olhou, fascinada, enquanto ele passava duas vezes a algema ao redor do pescoço, como se fosse um colar de pérolas, e deixava pendurando os extremos dos ombros até a cintura. Mildred estremeceu, e se perguntou por que tinha recolhido as algemas, a menos que se propor as usar com alguém. -Responde! Ela se assustou e balbuciou:
- Dizem... Dizem que é o senhor de Fulkhurst.
-Sim.
-Por favor, o que tem feito com minha senhora? Não retornou...
-E não retornará... Nunca.
Ele se voltou para dizer a última palavra, e Mildred retrocedeu.
-Isso o determinará a compaixão de Deus; não você! Uma das comissuras de seus lábios se curvou em um gesto ameaçador.
-Por que eu não?
Mildred pensou na possibilidade de fugir. Pensou na conveniência de pedir. Recordou a sua tenra Rowena nas mãos daquele homem, e quis chorar.
-Ah, Meu deus, não a machuque! -gritou horrorizada-. Ela não tinha alternativa...
-Cale-se! -rugiu ele-. Acredita que pode desculpar o que ela me fez? Seus motivos não importam. Jurei que ninguém me faz mal sem pagá-lo dez vezes.
-Mas ela é uma dama...!
-Porque é uma mulher poupei sua vida! Mas isso não muda seu destino. Tampouco você o conseguirá. De modo que não me peça por ela, ou recairá sobre ti a mesma sorte.
Mildred calou enquanto Warrick passava frente a ela para entrar em outro quarto, ao outro lado do corredor. Sabia que Mildred continuava rondando ao redor da porta, retorcendo as mãos, as lágrimas brotando de seus olhos. Talvez tivesse contraído uma dívida com Mildred, mas se voltasse a pedir por aquela bruxa de cabelos de linho, a enviaria também às masmorras. Não era homem que falava duas vezes.
A outra câmara, muito mais ampla, estava preparada para alojar a um senhor, com suas comodidades, custosas embora escassas; tinha poucos objetos de caráter pessoal que indicassem a quem pertencia. Mas Warrick sabia. Abriu bruscamente o único arca que ali havia, e a abundância de objetos finos confirmou o que tinha suspeitado. De todos os modos, perguntou:
-Lhe pertencem? Mildred conseguiu responder.
-Sim - disse.
-Minhas filhas poderão usar estes objetos.
Disse-o com tanta indiferença que dissipou o temor de Mildred e avivou sua cólera, embora não era tão estúpida para manifestá-la ali mesmo.
-É tudo o que resta.
Ele se voltou para olhá-la de frente, e não precisava de sentimentos naqueles olhos de expressão odiosa, como a tinha havido antes em sua voz.
-Não, tudo o que resta é a pele das costas, e os farrapos que eu tive que entregar. Embora não esquecendo que a mim me concedeu ainda menos.
Não, pensou Mildred, naquele homem não havia indiferença. Só o desejo de vingança, e por isso se apoderava dos vestidos; mas provavelmente era o menor dos castigos que pensava infligir a Rowena. E Mildred não encontrava o modo de ajudar a sua ama, pois ele não desejava saber que ela tinha sido uma vítima tanto como ele mesmo. Certamente, as razões de Rowena pouco importavam a um homem como aquele, que não era um servo, nem um cavalheiro de escassa categoria, a não ser um elevado senhor. Simplesmente, ninguém o fazia a um senhor o que tinham feito a ele, porque depois não podia viver para contá-lo.
O temor de Mildred se reavivou intensamente, mas tampouco então foi temor por ela mesma.
-Irá matá-la?
-Esse prazer seria muito simples - disse ele com frieza-. Não, não a matarei. É minha prisioneira. Jamais a libertarei por um resgate, jamais permitirei sair de Fulkhurst. Estará a minha disposição até o dia de sua morte.
-Não tem compaixão?
-Depois do mal que me fizeram? Não, mulher, não tenho. Passeou de novo o olhar pelo quarto antes de perguntar:
-Lyons tinha parentes?
Mildred estava muito comovida para pensar nas segundas intenções da pergunta.
-Sim, acredito que um irmão.
-Aqui não ficará nada mais que alguém queira se apropriar - disse Warrick-. Mas tampouco ficará nada para o irmão dessa mulher. A Mildred arregalou os olhos.
-Também pensa em queimar a fortaleza?
-Tudo acontecerá no devido tempo a este lugar, verdade? Ela não entendia que o sentimento de vingança fosse tão absoluto. Ele que tinham obrigado a fazer a Rowena tinha sido senhor Kirkburough. Se só se tratava desse lugar, possivelmente ela poderia entendê-lo. Não lamentaria ver que o incendiavam, e sabia que Rowena tampouco incomodaria que frustrassem desse modo Gilbert.
-E o que acontecerá com os servidores que ficam sem casa? Ele encolheu os ombros, como se o assunto não lhe importasse, mas disse:
-Não queimarei o povo... Exceto a estalagem. E adicionou friamente:
-Os habitantes do castelo podem transladar-se ao povoado, ou eu os colocarei em distintos lugares de minha propriedade, o qual melhorará sua situação, a julgar pelo aspecto esfarrapado que têm.
Depois olhou mais atentamente a Mildred, e a túnica de fina lã que ela usava, e disse:
-Você não mora aqui, verdade?
-Vim faz apenas três dias, quando trouxeram para minha senhora.
-Então, é livre para retornar a seu lar. Retornar à morada de Gilbert, que Fulkhurst sitiaria em um futuro próximo? Ou de retorno a sua verdadeira residência em Tures, que já tinha sido capturada e que Gilbert tinha decidido recuperar? Formosas alternativas: ambas a obrigariam a viver em meio da guerra e a destruição. Mas Mildred não queria dizer-lhe se ele não sabia ainda quem era Rowena, ou que o meio-irmão de Rowena era seu inimigo jurado, Mildred não seria a pessoa que o informasse disso para acentuar ainda ir ao anseio de vingança que ele já sentia. -Meu lar está destruído - foi tudo o que disse. Ele a olhou com o cenho franzido, e o gesto provocou um calafrio em Mildred, pois parecia ainda mais cruel.
- Faço pagar com a mesma moeda aos que me fazem mal, também recompenso aos que me prestam serviço. Pode ir viver ao castelo de Fulkhurst, se assim o desejar.
O lugar aonde tinha enviado a Rowena? Mildred não tinha esperado, e quase não podia acreditar em sua boa sorte em meio de tanto desastre.
Ele percebeu o prazer que Mildred sentia, interpretou-o com acerto, e o recusou sem mais trâmites.
-Entenda, mulher - adicionou bruscamente-. Se for ao castelo de Fulkhurst, será para me servir e servir aos meus, não a ela. A ela jamais voltará a servi-la. Se não puder me conceder sua lealdade...
-Posso -apressou-se em afirmar -. Fá-lo-ei, de boa vontade.
-Mesmo? - perguntou ele com cepticismo, a dúvida ainda evidente em seus expressivos olhos-. Falta vê-lo. Mas possivelmente você me dirá o nome do irmão?
As conseqüências de tal informação atravessaram a mente de Mildred. Gilbert não estaria pior se Fulkhurst se soubesse de seu nome, e o mesmo aconteceria se seu inimigo o achasse, pois já estava claro de seu ódio. Mas Rowena sofreria mais se ele soubesse a que atender. Inclusive podia mudar de idéia e matá-la para ter direito total às propriedades da dama. Mas, não era provável que se soubesse do nome de Gilbert enquanto estivesse ali? Não, os criados só o conheciam pelo nome de lorde Gilbert. E ela duvidava de que Warrick interrogasse a todos os homens que moravam no povoado.
-Mulher, por que vacila? -perguntou-. Certamente conhece seu nome.
Mildred olhou com dureza a seu interlocutor, disposta a suportar toda a expressão de sua cólera.
-Sim, conheço-o, mas não o direi. Embora ela o odeie, agora ele é a única esperança que minha ama tem de ver-se a salvo de sua "mercê". Eu não o ajudarei, mas tampouco te ajudarei contra ela. Se me pedir isso, terei que recusar seu oferecimento. Ele a olhou longamente, antes de perguntar:
-Por que não me teme?
-Temo-te. O homem grunhiu.
-Dissimula-o muito bem.
Ele não reagiu encolerizado, e se limitou a emitir o típico grunhido masculino, o qual indicou a Mildred que aceitava as circunstâncias, embora não o satisfaziam absolutamente. Mildred tirou o chapéu a si mesmo sorrindo, e se perguntou se ele era tão cruel como parecia.
Ao Warrick não agradou aquele sorriso, mas não formulou mais pergunta à mulher, e ordenou que recolhesse suas coisas. Enviou a um de seus homens para retirar as roupas. Beatrix e Melisant podiam usar depois de reformar os vestidos, pois ambas as jovens eram um pouco mais altas que a moça dos cabelos de linho. E agradaria ver que outras mulheres usavam as posses de Rowena. As mulheres atribuíam muita importância a suas roupas. Sim, isso o agradava... E também o agradariam muitas outras coisas.
Teria que encontrar uma recompensa apropriada para Robert Fitz-John, que tinha sabido reagir rapidamente naquela junta. Sir Robert tinha ficado no comando dos homens que Warrick havia trazido para escoltar a Isabella em sua viagem ao Fulkhurst. Outros dezesseis cavalheiros tinham formado parte do grupo; alguns tinham mais idade que Robert, e, entretanto Warrick havia sentido impressionado pela capacidade de liderança do homem mais jovem em várias escaramuças do ano precedente. No momento, limitou-se a ascendê-lo ao capitão da guarda.
Desenvolvia bem. Quando Warrick não se reuniu com seus homens, como tinha previsto, Robert enviou a vãos cavalheiros de volta ao povoado de Kirkburough, para comprovar o que o tinha detido. O hospedeiro afirmou que Warrick tinha partido apenas abriram as portas do povoado, aquela manhã. Tiraria o chapéu à mentira se apenas ficasse o sol. Mas Robert não tinha tido motivos para duvidar daquela versão. Supôs que Warrick já não estava no povoado, e começou a procurar na campina e os arredores. Mas os bosques eram espessos para o sul, e trinta homens não podiam cobrir muito terreno com a rapidez que Robert desejava.
Precisava cobrir a vários caminhos, para sair em Isabella quando chegasse seu grupo.
Depois Robert decidiu enviar um mensageiro, mas perto das posses de Warrick, para pedir ajuda. Era a fortaleza de Manns, ocupada por seu vassalo, sir Félix Curbeil a só uma légua e meia ao oeste de Kirkburough. Enquanto isso Isabella tinha chegado e se sentiu turvada quando soube que Warrick não estava ali para recebê-la, e que na realidade tinha desaparecido.
Resultou que outro de seus vassalos estava visitando sir Félix quando chegou o mensageiro do Robert. Sir Brian tinha quase duzentos homens consigo. De modo que quando aquela manhã Warrick se encontrou com seus homens dispersos na região, lhe informou que sir Félix e sir Brian chegariam a poucas horas com seus dois pequenos exércitos, e com a intenção de destruir Kirkburough se Warrick não tivesse aparecido ainda.
Warrick não podia haver-se sentido mais surpreso nem mais agradado. Tinha contemplado a possibilidade de perder vários dias enviando a Fulkhurst a ordem de reunir mais homens, pois Félix já tinha dado seus quarenta dias aquele ano durante o conquista de duas fortalezas pertencentes a seu mais recente inimigo, o senhor de Ambray. Não teria imposto mais tarefas a Félix, por muita impaciência que sentisse, mas Félix tinha vindo de boa vontade. E sir Brian simplesmente amava a briga: essa era a razão pela qual sempre tinha disponível um pequeno exército de mercenários. Na realidade, Warrick acabava de enviar Brian de volta a seu lar com o fim de que se ocupasse "de seus assuntos", pois o jovem senhor tinha estado a serviço de Warrick quase meio ano, e não mostrava indícios de desejar que o licenciasse.
O mesmo não se desenvolveu de acordo com o plano era que senhora Isabella não tinha esperado; depois de acampar um dia, tinha partido para seguinte com sua pequena escolta. Warrick não atinava a entender o que a tinha induzido a adotar essa atitude. E não tinha deixado Robert nenhuma mensagem, salvo as palavras "continuo meu caminho". Ele não desejava castigá-la antes que estivessem casados, mas não estava disposto a suportar uma atitude absurda de uma esposa. Tinha deixado Robert ao mando dos homens, e ela tivesse devido subordinar-se ao Robert.
Mas nem sequer isso podia menosprezar seu êxito: a visão de Rowena Lyons de pé no pátio, sozinha, tinha-o repleto de selvagem alegria. Tinha-a. Como tinha jurado que seria em seu poder, e ela lamentaria eternamente ter chegado a aquela situação.
Warrick saiu de Kirkburough, mas não antes de aproximar pessoalmente uma tocha acesa à cama em que tinha estado encadeado e impotente, e de enviar vinte homens mais para garantir que sua prisioneira não escapasse.
Rowena se sentiu aturdida durante os acontecimentos daquele dia terrível. Tinham-na posto sobre um cavalo, as mãos amarradas, as rédeas dirigidas por outro, de modo que ela não precisava concentrar a atenção em guiar ao animal. E tampouco soube aonde ia. O castelo de Fulkhurst estava ao norte. Ela sabia, e sabia que a levavam ali a toda pressa. Como chegaria, não importava.
Sua escolta tinha sido no princípio de cinco homens, embora fossem todos cavalheiros, e, portanto era menos provável que sofressem o ataque de bandas de ladrões, se os havia na região. Mas um sexto cavalheiro os alcançou no caminho com ordens mais concretas de seu senhor.
Rowena conseguiu escutar que não deviam falar com ela, somente para dar ordens, que não deviam dispensar um tratamento especial, pelo mero feito de que "parecia" ser uma dama; -o qual originou muitas deduções - e que não deviam tocá-la, salvo para ajudá-la a montar e desmontar, ou para amarrá-la bem quando não estivesse a cavalo. Nada disso importava. Nem sequer pensou no assunto, tão impressionada estava pelo que tinha acontecido.
Ao cair a noite acamparam à beira do caminho, e apenas desencilharam os cavalos e acenderam fogo chegaram vinte homens mais enviados pelo senhor de Fulkhurst. A julgar pelo aspecto dos animais, tinham cavalgado com firme propósito para alcançá-los na escuridão.
Rowena sentiu que finalmente se avivava seu interior, mas só porque no princípio temeu que fosse Fulkhurst quem tinha chegado com tantos homens, sobre tudo quando viu que um dos cavalheiros montava um cavalo muito maior os restantes. Entretanto, quando se aproximou da luz do fogo decidiu que não era ele, a menos que tirasse a armadura: aquele homem de cabelos negros vestia só uma túnica e meias de lã. Em qualquer caso, ela não tinha modo de saber.
Embora não estivesse vestido como os restantes cavalheiros, e nesse novo grupo havia só nove, um escudeiro levou seu cavalo, exatamente como fez com outros. Rowena supôs que os outros dez homens eram escudeiros, pois todos eram mais jovens que ela e tinham trajes muito luxuosos para ser meros soldados. Tampouco isto podia saber com certeza. Muitos falavam com mesmo tempo, e ela não podia entender claramente o que diziam do lugar em que estava sentada, sozinha, apoiada contra a árvore, frente ao fogo.
Certamente, tinham-na amarrado com mais força depois de permitir satisfazer suas necessidades naturais, e isso com um condenado guarda que estava no máximo a dois metros de distância. Agora, tinha uma corda ao redor dos tornozelos; outra corda, ainda mais grossa, prendia-lhe a cintura ao tronco da árvore. E tinham prendido as mãos à costas, de modo que não tinha modo de alcançar as cordas que lhe prendiam os pés. O fato de que se sentisse muito incômoda não inquietava aos guardas, e, além disso, harmonizava com a ordem de Fulkhurst, no sentido de que não se concedesse "um trato especial".
Quando o recém-chegado, um homem de elevada estatura, dirigiu-lhe apenas um olhar de curiosidade, Rowena sentiu um grande alívio. Não podia ser Fulkhurst, pois este teria dispensado mais atenção. E um momento depois confirmou esta idéia, quando ouviu que o primeiro guarda falava.
-Ele te enviou sir Robert? Não acreditei que fosse uma prisioneira tão importante.
-Qualquer prisioneiro é importante para ele, pois do contrário não o capturaria - replicou sir Robert.
-É obvio - conveio o outro-. Embora me alegre de passar à responsabilidade a outra pessoa. Lorde Warrick disse foi imperativo que chegasse sã e salva a Fulkhurst. Sabe o que fez para merecer a masmorra?
-Não me disse isso, e não é assunto que nos interessam. Mas sentia curiosidade. Rowena podia vê-lo nos olhos de todos quando a olhavam, depois de formular a pergunta. Se eles não sabiam por que a tratava com tanta dureza, tampouco ela poderia descobrir muito em breve. A curiosidade dos homens não podia ser tão intensa como a de Rowena.
Mescladas com a curiosidade, Rowena também percebeu expressões admiradas em alguns, e isso lhe provocou inquietação. Possivelmente depois de tudo era melhor que tivessem ordenado proibi-los de tocá-la, em vista do que, como Rowena bem sabia, podiam fazer às mulheres prisioneiras. Alguém tinha sido enviada à masmorra por só um dia no ano anterior, na fortaleza de Gilbert; a intenção tinha sido de aplicar no máximo um castigo superficial. Mas o carcereiro tinha aproveitado plenamente a ocasião enquanto a moça esteve ali.
- Richard, está certo de que não pode fugir? Sir Robert disse com tanta secura que Richard se ruborizou. O que Robert tinha visto era uma corda ao redor da cintura. A que amarrava os pés estava escondido sob as saias e a única manta que tinham desdobrado sobre o colo de Rowena.
-Não ouviu o tom de lorde Warrick quando a jogou sobre mim - disse Richard em um tom defensivo.
-Não, mas tenho aqui homens suficientes para garantir que a prisioneira esteja vigiada noite e dia. Warrick não disse nada a respeito de se impedir que durma.
Sir Robert se aproximou para desatar a corda que acertada a cintura de Rowena. Também voltou a lhe atar as mãos, mas por diante. Rowena o agradeceu quando terminou, mas Robert não indicou que a tivesse escutado, não a olhou aos olhos. E depois se esqueceram dela. Os homens foram comer e finalmente se acomodaram para passar a noite.
Mais tarde, um dos escudeiros trouxe um pedaço de pão e uma parte de queijo mofado, com um Jarro de água. Ela não tinha apetite e era provável que adoecesse se tentasse comer, mas se sentiu agradecida pela água. Não se incomodou em dizer. Se eles não falavam, por que ela tinha que falar?
Havia desejado não ter adquirido uma consciência tão cabal de sua difícil situação como a que tinha da chegada Sir Robert. Tinha sido muito mais fácil confrontar a situação rodando sua mente não tinha conhecimento de todas as conseqüências.
Agora, sabia o nome do senhor, o indivíduo que a enviava à masmorra. Rowena tinha escutado antes o nome de Warrick de Chaville, mas então não sabia que quem falava se estava referindo ao senhor de Fulkhurst. Sua masmorra... Deus todo-poderoso uma masmorra! Não era um sonho. Uma masmorra. E ao passo que levavam, estaria ali pela manhã.
Certamente ele a conhecia, e sabia que Rowena era a legítima proprietária de três das propriedades que pouco antes se renderam ante ele. Mas, como podia saber? Nunca o tinha visto, jamais antes se encontraram. Possivelmente simplesmente ele tinha ouvido dizer que Rowena tinha se casado com Godwine Lyons, e em efeito, tinha dado seu novo sobrenome. Se não fosse assim, acaso existia outra razão para aprisioná-la a uma masmorra? A pessoa morria nessas masmorras, a causa do abandono, os mantimentos poluídos, ou por qualquer outra razão. Sim ela morreria, não poderia reclamar suas propriedades... E tampouco o faria Gilbert.
Ah, Meu deus, então seu encarceramento não seria provisório. Fulkhurst desejava que morresse, não queria só assassiná-la com suas próprias mãos. Rowena não via a diferença, mas isso tão somente era importante para ele.
Teria desejado não ser uma herdeira. Ter sido uma serva inferior, sem nenhuma posse que os homens pudessem cobiçar. Tures e tudo o que essa fortaleza representava não tinham contribuído mais que sofrimento desde que os d'Ambray tinham decidido matar ao pai de Rowena para apoderar-se da propriedade.
Aquela noite dormiu pouco, mas no dia seguinte não sentiu fadiga. Sua ansiedade não dava paz a sua mente. E o dia passou depressa, tão mesmo os quilômetros do trajeto.
Chegaram a Fulkhurst quando já ficava o sol. O fulgor vermelho dos muros do castelo recordava tanto a Rowena primeira visão de Kirkburough que o corpo quase tremeu Não tinha acreditado só quatro dias antes que estava entrando no inferno? Sabia que aquilo seria muito pior, a guarida do dragão flamígero do norte.
Era uma fortaleza inexpugnável, um baluarte similar ao castelo de Tures. Mas enquanto Tures no máximo se elevava para o céu com uma torre de cinco pisos de altura, Fulkhurst se estendia sobre a terra. Adicionou-se um pátio exterior nos últimos dez anos, e por isso o pátio interior era maior do usual. As paredes a ambos os flancos eram muito grosas, e estavam protegidas por profundos fossos.
O pátio externo era quase como um povoado. Continha tantos edifícios, inclusive um novo salão em construção, cuja altura alcançaria os dois andares. Entretanto, ainda se realizavam muitos exercícios de armas no pátio interior, pois dispunha de considerável espaço.
A torre de pedra se elevava só quatro pisos, embora fosse maior do normal. Rowena logo comprovou que havia outro nível escavado por debaixo. Depois de passar por uma porta que comunicava com o subsolo, a masmorra era outro agregado de lorde Warrick o seu castelo.
A escada descia até a pequena sala de guarda de paredes de pedra e piso de madeira, que agora estava vazia. A única porta era de ferro com uma barra também de ferro que a reforçava. Levava a um corredor que tinha um metro cinqüenta de distancia, com outra porta de ferro ao fundo, e dois mais a cada lado. A cela que estava ao fundo era a mais espaçosa, embora Rowena não o tivesse adivinhado, pois era um quadrado de tão somente uns dois metros cinqüenta por dois metros cinqüenta. Ela estava acostumada à era de terra calcada, as paredes de pedra, o teto uma grade de ferro similar a um restelo, com o piso de madeira do subsolo em cima.
A cela estava completamente vazia, e nela não havia nem sequer um tecido velho sobre a que deitar-se. Não fazia frio? Pois era verão, mas havia uma corrente de ar que passava através das pranchas do andar superior. Rowena olhou fixamente a cela pequena e vazia à luz da tocha, e fez um esforço para evitar o pranto.
O próprio sir Robert a levou ali. Não disse uma palavra enquanto tirava as cordas das mãos, mas franzia o cenho. Quando seus olhos encontraram os de Rowena, ao terminar de desatá-la, ela teve a certeza de que queria lhe falar. Mas a ordem de seu senhor o freava a língua: era homem que cumpria as ordens até o mais mínimo detalhe. Quando se voltou para sair, ordenou ao homem que sustentava a tocha:
- Deixa isso e diga ao carcereiro que traga um colchão de palha e tudo o que for necessário.
Até que se fechou a porta ela não tinha advertido que naquele terrível lugar estaria completamente às escuras. De todos os modos, guardou silêncio. Aguçou o ouvido para escutar os passos que se afastavam, mas o som não durou muito. Depois, ouviu o movimento dos ratos que cruzavam o piso, sobre sua cabeça.
Rowena compreendeu que estava em dificuldades quando o carcereiro apareceu com apenas duas mantas magras e um oxidado recipiente de água. O carcereiro era um homem corpulento, de média idade, com os cabelos castanhos em desordem, os olhos aquosos, e um fedor em sua pessoa que quase provocou o vômito de Rowena. Ao vê-la pela primeira vez ficou surpreso, mas a surpresa durou apenas um momento, e depois o homem nem sequer tentou esconder o prazer que lhe produzia contemplá-la. Sentia-se tão agradado, que estava a um passo de tornar a rir enquanto explicava a rotina seguida, e a que ela teria que ajustar-se.
Traria comida uma só vez por dia, e já tinha perdido o alimento daquele dia, de modo que teria de esperar ao seguinte, e se quisesse algo melhor que pão mofado e água, teria que pensar em um modo de pagá-lo. A fina túnica que Rowena vestia podia permitir obter um pouco de manteiga e queijo durante uma quinzena, mas depois... Teria que fazer suas necessidades em um canto do calabouço, e podia conseguir ou não que um dos peões do estábulo limpasse o lugar uma vez por semana. Não disporia de água para banhar-se. Ele não era um lacaio e se negava a trazer cubos de água do poço, apesar de que estava muito perto. Não devia dar motivos de queixa, porque se o fizesse possivelmente se esqueceria de alimentá-la. Se desejar algo melhor, inclusive outra tocha, tinha que pagá-lo.
Rowena conseguiu que durante esse recitado, o horror não expressasse em seu rosto. Sabia que tipo de pagamento desejava aquele homem. Manifestava-se em seus olhos, que posavam insistentes o busto e os quadris da jovem. Ela podia afirmar naquele momento que jamais tocaria o corpo daquele porco fedorento, mas, como se sentiria um mês mais tarde? Inclusive semana? Não tinha comido a noite anterior, nem durante esse dia Já sentia certa debilidade junto com os espasmos da fome. E a tocha? Teria que estar sepultada permanentemente na escuridão daquela tumba, desejando ansiosa a visita do homem fedorento, só porque ele podia trazer consigo uma luz?
Não poderia ter falado, embora o tivesse tentado, mas ao carcereiro não se desagradou do silêncio de Rowena. Inclusive sorriu um momento antes de retirar-se. Apenas fechou a porta, Rowena se sentou sobre as mantas e chorou. Sua tocha duraria apenas umas horas, depois... Na realidade não lhe importava a escuridão, mas nunca a tinha suportado sem dispor dos meios para obter luz, e nunca em um lugar como aquele, com a proximidade dos ratos.
Sentia-se tão dolorida, que ao princípio não alcançou a escutar a azeda discussão que dois homens mantinham na sala de guarda. Foi uma discussão breve, e alcançou a escutar claramente a última frase:
-Vá!
Um momento mais tarde, estremeceu-se ao notar que alguém abria de novo a porta da masmorra. Não era o carcereiro, a não ser um homem que chegou com um conjunto de velas, e as depositou no centro da cela. Era um pouco maior, e a surpresa que manifestou ao ver pela primeira vez a Rowena durou muito mais. Depois, examinou o que ela tinha no calabouço, e amaldiçoou em alta voz.
-Esse canalha, arrumado a que tampouco te trouxe comida, não é?
Rowena piscou, e depois negou lentamente com a cabeça.
-Sim, é o que eu acreditava. E agora o canalha diz que quer continuar neste posto. Deseja-o! Odeia-o, e com muita razão, mas agora compreendo por que mudou de idéia. É uma pequena e muito bonita. Sem dúvida lorde Warrick acredita culpada de um crime muito perverso posto que te trancou aqui, mas estou certo de que as coisas se esclarecerá quando ele retornar.
Rowena o olhou fixamente. Não sabia o que pensar aproxima dê aquele homem e seu discurso. Certamente, estava indignado, mas ela não sabia muito bem por que.
Não a atemorizava como tinha acontecido com o outro havia muita bondade em seus olhos celestes, e ela sentiu desejos de chorar outra vez.
Certamente ele percebeu, pois disse com voz áspera:
-Vamos, vamos nada disso. Certamente o tempo que estiver conosco não será tão desagradável. Este lugar é deplorável para trancar a uma dama, mas embora que tudo é bastante íntimo, e eu me ocuparei de alegrá-lo para ti.
Alegrar uma masmorra? Não pôde evitar um sorriso ao conceber um pensamento tão absurdo.
-Quem é? -perguntou Rowena. -Chamam-me John Giffard. -Então, também é um carcereiro?
-Só quando é necessário, o qual não acontece freqüentemente. Mas me separaram de meu retiro, junto ao fogo, para me dizer que devo te atender. A ordem chegou um pouco tarde, embora fosse melhor tarde que alguma vez. Esse canalha não te machucou, verdade? Ela quase perguntou: Que canalha?
Mas percebeu a tempo que se referia ao outro carcereiro.
-Não, não me tocou. Mas entendo que a ordem de seu senhor é que ninguém me toque, nem para bem nem para mau, e que não me fale. Não te disseram que não deve me falar?
-Não, ninguém me disse tal coisa, e embora me dissessem isso não me importaria. Faço o que quero, e sempre o farei, embora tenha umas quantas chicotadas nas costas de uma vez em que tentaram me convencer do contrário.
Ela experimentou uma reação de cólera por simpatia para aquele homem.
-Quem te castigou?
-Isso não importa. -O homem sorriu-. Não se preocupe. Foi faz muito tempo, e a causa esteve em minha própria, habitação. Agora, vejamos o que posso te trazer para uma hora tão tardia É provável que a cozinha já esteja fechada, mas certamente haverá um pouco de fruta no depósito. Ele e trouxe quatro maçãs recém cortadas, e com isso ela satisfez seu apetite. Mas não foi tudo o que ele encontrou. Também trouxe uma armação de madeira e um colchão com várias mantas grosas. Descobriu também um velho tapete que cobriu quase todo o espaço do piso. Outra viagem lhe permitiu trazer uma gaveta para fixar as velas, e uma caixa com mais vela, de modo que já não precisou preocupar-se com a escuridão. Também trouxe um urinol, um cubo de água com tecidos para lavar-se, e água fria e fresca para beber.
John Giffard era um verdadeiro presente do céu. Converteu a masmorra em um quarto que era se não agradável, pelo menos cômodo. Trazia-lhe duas abundantes comidas diárias, com mantimentos que eram apropriados para a mesa de um nobre. Trazia grande quantidade de água potável, além de água para lavar-se. Trouxe-lhe agulha e fio para manter atarefadas as mãos e a mente. Passava uma parte bastante considerável do tempo todos os dias murmurando a respeito disto e aquilo, a maioria das vezes sobre coisas superficiais e corriqueiras. Simplesmente adorava falar, e a Rowena agradava escutá-lo.
Sabia que devia agradecer a sir Robert a presença do John Giffard. Certamente sir Robert sabia como era o outro carcereiro, e também que este tinha um coração bom e humano. Depois de tudo, Robert tinha compadecido dela, embora fosse improvável que Warrick de Chaville o agradecesse. Mas lhe mostraria sua gratidão ao sir Robert se apresentava a oportunidade.
Os dias se converteram em uma semana, depois em dois e depois em três. Quando Rowena ao fim percebeu que tinha chegado o momento de seu fluxo mensal e que esse dia tinha passado sem novidades, sentou-se sobre seu colchão e pôs-se a rir histericamente. De fato, o plano de Gilbert tinha tido êxito A semente daquele condenado bruto se implantou em só três noites de esforço. Mas Kirkburough tinha desaparecido. Do caminho eles se pararam para observar a nuvem de fumaça que se elevava sobre as copa das árvores, ao incendiarem todas as construções de madeira Não ficava nada que pudesse entregar-se a um menino; um menino concebido precisamente com esse propósito, agora totalmente inútil.
Depois da risada nervosa chegou às lágrimas, um verdadeiro rio de lágrimas mescladas com auto compaixão. O que tinha feito ela para merecer um destino tão triste? O que aconteceria quando Warrick de Chaville retornasse a Fulkhurst?
Sem dúvida separariam dela o John Giffard, e lhe tirariam todas as comodidades que lhe tinha subministrado. Voltaria o outro carcereiro, ou alguém parecido a ele. E de Chaville se preocuparia porque ela estivesse grávida? Não, aquele homem desejava vê-la morta. Rowena não acreditava que se pedisse ao menos pela vida do menino servisse de nada. Ele não tinha cobiçado Kirkburough. Tinha-o destruído, de modo que não se importaria o destino do menino se falasse que era o herdeiro de Lyons. Além disso, o menino também era filho de Rowena, e o propósito de Chaville ao desembaraçar-se dela se veria frustrado se a jovem deixasse um herdeiro de tudo o que lhe pertencia.
Não teria que preocupar-se com dar a luz em uma masmorra. Não lhe permitiria viver tanto... Salvo que Fulkhurst não retornasse. E acaso sua guerra com o Gilbert, que ainda tinha o exército de Lyons, não o manteria afastado muito tempo? Sim ela podia ter ao menino antes que Fulkhurst soubesse, estava certa de que poderia convencer ao John Giffard de buscasse um lar.
Rowena não podia definir muito bem quando o menino tinha começado a converter-se em sua principal preocupação. Talvez tivesse sido concebido com uma finalidade perversa, talvez tivesse perdido sua utilidade, mas ela não considerou nenhum destes aspectos. Era seu filho. Não se importava que o pai fosse um caipira corpulento que sempre tinha odiado a Rowena. Esse pai...
Dispunha de muito tempo para pensar naquela masmorra, e com muita freqüência suas lembranças voltavam para substituto de Lyons. Não lhe agradava, mas ao parecer não podia controlá-lo, se fechava os olhos, ainda podia vê-lo estendido ante ela, com o corpo tão impressionante. Ainda podia recordar o que havia sentido graças a ele, aquela força intensa que provinha, sua possibilidade de controlar seu corpo, por muito que ele lutasse contra o domínio de Rowena.
Não tinha mentido quando lhe disse que se alegrava de que tivesse sido ele. Não tinha gostado de possuí-lo, mas depois do sofrimento inicial, não tinha sido ingrato tocá-lo ou saboreá-lo. Ele não lhe provocava repulsão, não lhe provocava náuseas, pois cheirava a limpo, e era muito atrativo para o olhar, exceto por aqueles olhos que a odiavam com tanta paixão. Antes de falar pela primeira vez, entretanto, Rowena tinha visto doçura neles: aqueles olhos tinham feito que parecesse muito arrumado apesar da mordaça que deformava sua boca.
Não ouviu chegar ao John até que a porta se abriu com o rangido acostumado e a arrancou de seus pensamentos. Esta vez o homem não exibia seu acostumado e amável sorriso, e parecia perturbado por algo. De repente...
-Senhora Rowena, está grávida?
Olhou-lhe assombrada. Não tinha sentido náuseas pela manhã, como acontecia a algumas mulheres, e seu busto não aumentou ainda no mais mínimo.
-Como soube?
-Então, é assim?
-Sim, mas como...
-Eu não o tinha pensado, mas meu senhor perguntou se você tinha tido... Enfim... Seu período feminino, e eu me dei conta de que não me pediu... Mais tecidos. Por que não me disse isso?
-Acabo de saber. Mas, o que significa isso de que seu senhor perguntou? Quando perguntou?
Rowena perdeu a cor que tinha mantido naquele quarto sem sol.
-Retornou?
-Sim, e agora devo te levar ante ele.
Rowena não pediu ao John que não a levasse ante a presença de seu amo. Não tinha sentido. Se ele não a levasse, viria alguém para obrigá-la. De todos os modos, precisava defender-se. O que recordava de Fulkhurst era sua corpulência e o talho cruel que tinha em lugar da boca; também a gelada frieza de sua voz quando ordenou que a metessem na masmorra.
Logo que prestou atenção ao Grande Salão enquanto o atravessava. Era meio da tarde, de modo que não havia muita gente ao redor; quase todos eram criados que executavam alguma tarefa, e uns poucos soldados e alguns cavalheiros de estatura não muito elevada.
Levaram-na a grande sala pessoal do senhor. Era um amplo quarto ao outro lado do corredor. Estava iluminado pela luz do sol que entrava por duas grandes janelas, um a cada lado do quarto. A ampla cama tinha quatro postes e um fino dossel. Estava disposta contra o muro de pedra que dividia a sala, de modo que no inverno contasse com o calor suplementar da grande estufa que esquentava a parede.
Havia outras coisas que observar, mas Rowena estava tão impressionada pelo que parecia uma pilha de algemas depositadas no centro da cama, que não prestou atenção ao homem que se encontrava de pé ao lado oposto do leito, até que o rodeou a cama e se aproximou.
Sua mesma estatura evidenciava quem era se não era suficiente com sua fina túnica negra e suas meias; sua identidade se expressava também na boca, essa fina boca que desenhava um gesto cruel. Ela necessitou um momento mais para dar-se conta dos cabelos loiros, não de tudo castanhos, mas sim, mas bem dourados, notar-se nos olhos, com seus matizes chapeados e emocionais
Olhou-o com olhos arregalados, e a palavra "você" se formou em seus lábios sem que se ouvisse o mais mínimo som; depois muito piedosa escuridão a tragou.
-Vamos, vamos - grunhiu John enquanto a sustentava para evitar que caísse ao piso.
Warrick saltou para diante e quase a arrancou dos braços do John. Levou-a para a cama e a depositou ali. Uma das mãos pequenas de Rowena foi descansar sobre a algema que estava ao lado. Sentiria ao despertar. Warrick sorriu.
-Não imagino qual foi à causa do desmaio, meu senhor - disse John com voz ansiosa-. Esteve comendo bem. Warrick não afastou os olhos da mulher dos cabelos de linho.
-De modo que a mimou. Não tem mordida de rato nessa pele tão suave?
A resposta do John foi um resmungo ruidoso. Warrick conhecia seu homem. John era famoso por seu coração brando e sua atitude gentil frente a todas as criaturas vivas.
Warrick havia sentido furioso consigo mesmo depois de enviar a ordem de que só John Giffard devia ocupar-se de vigiar a Rowena. Mas não enviou uma contra-ordem. Não desejava que ela sofresse, até que ele estivesse ali para fazê-la sofrer. E não queria que seu corpo pequeno e delicado se amiudasse por causa das privações, em vista do que ele se propunha fazer. Mas sobre tudo, não queria que outro homem a tocasse, pelo menos até que ele soubesse tinha tido êxito em seu roubo. De acordo com a versão do John, tinha-o tido.
-Meu senhor, é uma dama muito suave e doce. O que fez para merecer a masmorra?
-Cometeu um delito contra minha pessoa, um pouco tão grave que não posso mencioná-lo.
- Sem dúvida!
-John, permitiu que esse bonito rosto te enganasse. Não é, mas que uma fêmea ambiciosa disposta a fazer de tudo, por atroz que seja para alcançar sua meta. Possui uma decisão obstinada, digna de um homem. Ela... -deteve-se, ao perceber que estava dizendo mais do que era necessário. Não precisava explicar seus motivos a outro homem-. Despojei-a do título que obteve ao casar-se com o Godwine Lyons, de modo que não continue chamando-a de "senhora". E não precisa preocupar-se mais por ela. Não retornará à masmorra... Por agora.
Warrick sentiu que John precisava discutir, embora não o olhou para comprová-lo. Mais valia que John não ultrapassasse seus limites esta vez, e John certamente adivinhou, pois se retirou em silêncio do quarto sem dizer uma palavra mais.
Warrick continuou olhando fixamente a sua prisioneira, sem preocupar-se de que o desmaio de Rowena pudesse privar o de sua vingança. Agora que finalmente tinha chegado o momento podia mostrar-se paciente, embora até esse momento não o tivesse sido.
Entretanto, manteve-se afastado com toda intenção, pois sabia muito bem que não podia estar ali sem começar a gozar da vingança que tinha escolhido. Mas isso por si mesmo não serviria. Tinha que saber primeiro se aquela mulher tinha terminado com êxito seu plano inspirado pela cobiça.
Já sabia a que segurar, e isso determinava que o delito que ela tinha cometido contra ele fosse ainda mais grave. Se ele tinha contemplado a possibilidade de atenuar o castigo, o fato de que estivesse grávida resolvia a questão, e fazia que a fúria de Warrick se renovasse, com muita maior intensidade que antes. Levava no ventre um filho de Warrick. E não tinha direito a isso!
Tinha percebido o momento mesmo em que Rowena o tinha reconhecido, e sabia que o temor que isso lhe tinha inspirado tinha provocado o desmaio. Aquele temor o vangloriava. Não tinha estado certo de que ela o tivesse reconhecido com a armadura que Robert tinha emprestado, quando se enfrentaram no pátio de Kirkburough. Agora sabia que não o tinha reconhecido. Mas naquele momento Rowena sabia quem era. E possivelmente então tinha aprendido já que tipo de homem era ele. Soube de sua reputação de homem decidido a destruir absolutamente a quem cometesse a insensatez de apoderar-se do que lhe pertencia. Que nunca antes tivesse tentado vingar-se de uma mulher não importava. Só precisava decidir qual era a represália que convinha a uma pessoa do sexo feminino; e tinha tido tempo demasiado para decidir enquanto procurava a Isabella.
Tinha sido uma tentativa inútil. Quando um de seus mensageiros chegou para lhe informar de que sua futura esposa não tinha chegado a Fulkhurst, Warrick se sentiu agradecido porque tinha um motivo para atrasar sua própria chegada ao castelo. Mas a busca da Isabella tinha sido um motivo de frustração. Podia ter seguido muitos caminhos distintos para chegar ao Fulkhurst. Finalmente, tinha deixado a busca da dama a cargo do pai, que certamente estava mais comovido por seu desaparecimento que o próprio Warrick. E isso também o tinha irritado, porque dedicava mais tempo a pensar na mulher que tinha ali, quando tivesse devido preocupar-se só por sua prometida que tinha desaparecido.
Rowena suspirou e Warrick conteve a respiração, esperando, desejando que abrisse os grandes olhos cor safira. Tinha os lábios entre abertos. Ele recordava a transbordante sensualidade daqueles lábios, a calidez dela contra sua pele cada vez que se esforçava para provocar a resposta do corpo masculino. Os cabelos de linho estavam reunidos em duas grossas tranças, uma sob a cabeça, a outra lhe cruzando o peito. Warrick recordou aqueles seios, cheios e tentadores, embora nunca tinha podido tocá-los ou saboreá-los, dois seios que se revelavam só para inflamar seus sentidos, para contribuir a sua derrota. Agora podia tocá-los, e precisava esforçar-se muito para não rasgar de um golpe a túnica. Mas ainda não. Ainda não. Era necessário que estivesse consciente de tudo o que fazia, do mesmo modo que ele tinha sofrido dolorosamente com tudo o que lhe tinha feito.
Rowena se estirou, de sua garganta brotou um som suave, e depois lhe aquietou o corpo, exceto a mão. Ele observou os dedos que descansavam sobre as algemas e sentiam os frios elos de ferro; observou o cenho franzido, que deformava a testa, enquanto se perguntava o que era o que estava tocando.
-Uma lembrança - explicou Warrick-. De Kirkburough.
Ela abriu os olhos, uns olhos enormes que dominavam Seu rosto pequeno e oval. Emitiu outro som, como se estivesse sufocando-se. Seu medo era evidente, excessivo, e se parecia, mas com o terror. Ela se enfureceria se desmaiaria outra vez.
Rowena desejava desmaiar. Por Deus, não era de sentir surpresa que tivesse passado essas semanas em uma masmorra. O assunto nada tinha que ver com suas posses. Estava destinada a morrer, mas não por mera privação, como tinha pensado. Recordou o ódio daquele homem, e compreendeu que provavelmente a torturaria até a morte. Agora sabia por que tinha lutado com tanta violência contra a violação. Não era um servente que sentisse respeito por ela, a não ser um poderoso senhor, um homem a quem ninguém se atrevia a tratar como eles o tinham tratado. E Gilbert, aquele estúpido absoluto, nem sequer sabia que tinha capturado a seu pior inimigo. Fulkhurst provavelmente ignorava quem era ela.
Uma risada borbulhou em sua garganta. Não pôde contê-la. Se não tinha perdido a razão, logo a perderia. Ele estava ali, de pé ao lado da cama, olhando-a com o cenho franzido. Rowena o tinha acreditado arrumado? Era uma ilusão. Essa boca, esses olhos frios. Era um pesadelo vivente, o pesadelo de Rowena, um homem que expressava crueldade em cada linha do rosto.
Começou a tremer por causa da impressão. Warrick amaldiçoou horrivelmente, levou sua mão à garganta de Rowena e a apertou com força. Os olhos da jovem arregalaram ainda mais.
-Se desmaiar de novo, te castigarei - grunhiu Warrick. Aquilo estava destinado a tranqüilizá-la? De todos os modos, soltou e se afastou da cama. Para defender-se melhor, ela o observou, mas o homem se limitou a aproximar-se da lareira e permaneceu ali de pé, olhando as cinzas.
Visto desde atrás não era um monstro, só um homem. Os cabelos dourados na realidade não formavam cachos, mas se curvavam sobre o pescoço. Este parecia brando e suave, embora ela nunca se atrevesse a aproximar tanto sua mão ao rosto de Warrick, para tocá-lo. Seu corpo ainda era atrativo para os olhos. Ela sabia que devia ser alto, mas não tinha acreditado que fosse tanto. Deus santo, como era possível que se atreveu desafiá-lo e a induzi-lo a esse excesso de cólera? Estava lívido de fúria, apenas a um passo de aproximar-se e destroçá-la. Mas ela não podia permitir que incluísse o menino em sua vingança.
Continuou falando em voz baixa, pedindo que entendesse suas razões.
-Tenho-o, levarei dentro de mim até o dia de seu nascimento, e o quero por ele mesmo, só porque é meu.
-Esse menino nunca será teu. Você não será nada mais que um recipiente que o alimentará até que nasça. Não disse gritando, mas sim com enorme frieza.
-Por que o quer? -gritou ela-. Para ti não será mais que um bastardo. Não tem um número suficiente de bastardos para te satisfazer?
-O que é meu é meu, do mesmo modo que agora você é minha, e farei contigo o que me agrade. Mulher, não discuta mais comigo, porque o lamentará imediatamente.
Era uma ameaça que não podia ignorar. Tinha chegado muito longe, atreveu-se a dizer muito mais do que era sensato naquele momento. Podia conhecer intimamente a aquele homem, mas no fundo não sabia nada dele. Mesmo assim, o tempo diria, e agora dispunha de tempo. Ele tinha concedido esse tempo, tinha-lhe concedido a vida. De todos os modos, as coisas não ficavam assim, pois o desenlace daquele assunto era muito importante para ela. Agora Rowena podia esperar até que tivesse mais possibilidades de vencer.
Separou-se do leito e permaneceu de pé ao lado. Surpreendeu-a ter chegado sequer até ali, posto que tanto a desprezava. Na realidade, ele tinha todo o direito do mundo de desprezá-la. Rowena desejava fechar os olhos à consideração do assunto do ponto de vista de Warrick; mas não podia fazê-lo. Desejava também que ele visse o problema do ponto de vista dela, mas ele não estava disposto a isso. Pouco se importava que ela lamentasse o que tinha feito, e que desejasse não ter agido como o fez. De todos os modos, tinha participado. Rowena merecia a vingança que ele exigia. E para ser justo, não merecia ter o menino, sobre tudo se o considerava que lhe tinha sido roubado, como havia dito antes, só que... Ela não podia mostrar-se justa, no que se referia ao filho. De novo começava a sentir-se tensa sob o olhar gelado do homem, mas ao fim ele disse com zombador menosprezando:
-Não me surpreenderia que te faltasse inteligência, em vista do plano que concebeu para reter Kirkburough...
-Foi o plano de Gilbert, não o meu. Ele queria esse lugar, não eu.
-Continua demonstrando sua estupidez. Mulher, nunca volte a me interromper. E nunca me traga desculpas pelo que fez. Seu Gilbert não foi quem se sentou em cima de mim e me obrigou a...
Estava muito colérico para terminar. Rowena se afastou de novo quando viu que a pele do homem se escurecia.
-Sinto muito! - exclamou, sabendo que era uma resposta inadequada, mas incapaz de dizer outra coisa.
-Sente-o? Prometo-te que chegará a senti-lo muito mais. Agora pode começar a acalmar minha irritação. Mulher, apenas te reconheço vestida desse modo. Tire a roupa.
E agora tinha o corpo tenso por causa da emoção e a túnica se estendia lisa sobre as costas e os ombros. Passaram os minutos, e não se voltou para olhá-la. Rowena parou de tremer e respirou fundo várias vezes. Sua tortura ainda não ia começar, pelo menos não seria naquele quarto. Havia levado ela ali provavelmente só para atemorizá-la... E vangloriar-se. O prisioneiro era agora o carcereiro.
-Mulher, já se acalmou?
Acalmar-se? Acaso voltaria a conhecer jamais esse estado. Mas assentiu, e compreendeu que ele não podia vê-la, pois ao lhe falar não tinha sido cuidadoso.
-Sim.
-Embora estivesse em meu direito, não tenho intenção de te matar.
Rowena não tinha percebido que estava tão tensa e rígida como ele até que se desabou sobre o colchão, aliviada. Dadas as circunstâncias. Jamais teria acreditado que poderia ter tanta sorte, e tampouco teria pensado que ele demonstraria um espírito tão compassivo que comunicasse quais eram seus planos. Poderia havê-la deixado permanecer presa do terror. Poderia haver... Mas ainda não tinha concluído.
-Receberá seu castigo. Não duvide. Mas minha represália será uma espécie... Olho por olho. - Voltou-se para contemplar a reação de Rowena, mas viu só incompreensão, de modo que se explicou melhor-. Assim como você e seu irmão se propuseram me tirar à vida se fugisse, agora a tua me pertence, e a considero de escasso valor. Receberá o mesmo trato que me deu. Salvaste-te só porque eu desejava saber primeiro até onde chegava sua culpa, e tinha tido êxito em seu roubo. Ambos sabemos que o tiveste. Deu procuração do filho de minha carne, e do mesmo modo te será arrebatado quando nascer.
-Não - disse ela em voz baixa.
-Não? - estalou ele, com um gesto de incredulidade.
-A posse é nove décimos parte de...
-Não estamos falando de bens materiais! O que você me roubou é carne de minha carne.
A Rowena tinha faltado o fôlego quase totalmente. Fechou os olhos, atemorizada. Fulkhurst havia dito olho por olho. Isso significava que a forçaria como ela o tinha forçado. E não seria mais agradável para ela do que tinha sido antes para ele; quer dizer, a vingança justa e lógica dada às circunstâncias. Mas por que escolhia aquele modo de castigá-la se a odiava tanto, se na realidade não desejava tocá-la? É obvio para ele a vingança era o que mais importância tinha. Rowena compreendia esse traço de sua natureza. Mas ver-se obrigada a tirar as roupas para ele...
-Se tiver que te ajudar...
Outra ameaça, sem que ela soubesse muito bem que sentido tinha; mas sim sabia que não desejava descobri-lo.
-Não, eu o farei - disse Rowena em um murmúrio abjeto. Voltou-se para desatar sua túnica bordada, mas depois de dar uns poucos passos ele ficou atrás dela, e sua mão lhe segurou dolorosamente o ombro enquanto a obrigava a voltar-se em circulo. Embora não sabia o que tinha feito errado, o certo era que a cólera daquele homem se avivou novamente. Ele não lhe deu muito tempo para perguntar-se qual era a causa de sua irritação.
-Sabe que preciso verte nua para avivar meu apetite. Por isso se despiu para mim. Mulher, quem te aconselhou, aconselhou-te bem. Mas tem que recordar uma coisa. Se não puder obter o que pretendo por falta de interesse no que você me oferece, você mesma será a culpada. Não te darei outra oportunidade, se isso for o que buscas, pois o que eu não possa fazer encomendarei a outro... Não, a outros dez.
Riu de te desgostar tanto como pode me desgostar a mim mesmo. Rowena viu o olhar de Fulkhurst enquanto ele retrocedia mais um passo e pediu a Deus que lhe permitisse saber se falava realmente a sério, ou se tratava nada mais de uma ameaça vazia. Parecia ter crueldade suficiente para fazê-lo. Parecia sentir bastante irritação para fazê-lo. Mas desejava cobrar olho por olho, e ver que outros a violavam não seria o mesmo.
Ou sim? Deixou cair à túnica ao chão e levou rapidamente as mãos às cordas que acertavam os flancos de seu casaco. Não podia correr riscos com ele, sobre tudo em vista das terríveis conseqüências que a ameaçavam. Tratou de evocar o conselho da Mildred e não atinou a recordar uma só coisa. O quarto estava muito iluminado pela luz do dia, ela mesma tinha a pele muito sufocada por causa da vergonha, e seus dedos eram muito torpes. Sabia que nesse momento não era absolutamente atrativa.
O sangue de Warrick já estava fervendo por ela. O temor de Rowena o excitava, e isso era tudo. Se não fosse esse tentador rubor nas bochechas. Nem seu comportamento virginal. Certamente, não o corpo pequeno, mas estranhamente curvado que recordava, e que agora se revelaria de novo. Compreendeu dolorido que não podia continuar observando-a, pois se o fizesse não conseguiria executar tudo o que se propunha.
Com uma maldição silenciosa, passou ao outro lado da cama e recolheu a algema. Sua intenção era obrigar a Rowena que passasse a algema por debaixo da cama e a que ela mesma dispusera o corpo tal como ele o ordenava; mas agora decidiu fazer ele mesmo a algema, para divertir-se. Só que isso não lhe levou muito tempo, em todo caso não tanto como o que Rowena necessitou para despir-se.
A bata vermelha de Rowena estava sobre o chão, e a camisa de mangas largas em cima. Ainda tinha posta uma magra túnica de linho, embora os dedos da jovem segurassem a arena e se dispunha já a passá-lo sobre sua própria cabeça; então, por fim, percebeu o que ele estava fazendo.
-Por favor, não - pediu Rowena, passando o olhar da algema que ainda sustentava com uma mão os seus olhos frios - Não me oporei, juro-o.
Ele nem sequer vacilou em sua resposta implacável.
-Será o mesmo, exatamente o mesmo. Rowena olhou fixamente as algemas que Warrick tinha acertado aos postes de cada extremo do leito, e que estavam dispostas de tal modo que ela não poderia fechar as pernas.
-Isto não é o mesmo - disse Rowena.
-Terá que ter em conta as diferenças de sexo. Eu não preciso manter abertas as pernas. Você, sim.
Ela fechou os olhos ante a vivida imagem mental que as palavras do homem evocavam. Olho por olho. E não podia impedi-lo. Nem sequer podia pedir compaixão, pois ele nada sabia de tais sentimentos. Estava friamente decidido a lhe fazer aquilo, e seria exatamente como ela o tinha feito a ele.
-Demora-se muito, mulher - advertiu em voz baixa-. Não force ainda mais minha paciência.
Passou a regata sobre a cabeça, e se instalou rapidamente no centro da cama: o que fosse para terminar de uma vez, de maneira que aquele doentio medo se dissipasse. Deitou-se antes que ele o ordenasse, mas tinha o corpo rígido como uma tabua. Manteve fechados os olhos, com força, mas mesmo assim podia escutá-lo, e o som dos passos lhe indicou que se aproximou dos pés da cama.
-Abre as pernas. -Ela gemeu interiormente, mas não se atreveu a desafiá-lo.
-Mais - adicionou-o, e também obedeceu.
Lançou uma exclamação quando os dedos do homem se fecharam sobre seu tornozelo para imobilizá-lo até que o ferro frio o prendeu-os. O círculo de ferro não se ajustou tanto como tinha acontecido com ele, e o peso da algema gravitou sobre o arco e o talão. O outro pé muito em breve aconteceu à mesma sorte. Warrick lançou uma maldição ao ver que a algema não se estendia o suficiente sobre a cabeceira e não chegava às mãos de Rowena. Tinha sido feito de acordo com a estatura do próprio Fulkhurst, que era muito maior que Rowena.
-Parece que terá que ter em conta outros aspectos. Em seu tom se manifestava claramente o desagrado. Nela respirou a esperança de que renunciaria por completo às algemas Tivesse devido compreender que não existia tal possibilidade- em efeito, retirou-se e retornou pouco depois com duas tiras de tecido que atou às mãos de Rowena, e depois às algemas de ferro. Olho por olho: Rowena teve que escutar o rangido da algema cada vez que se movia como ele o tinha escutado; tinha que sentir o peso que atirava de seus membros como ele o havia sentido.
Sentiu as ataduras, e sentiu um pânico entristecedor. Meu Deus será ele tinha sentido assim? Tão impotente tão temeroso? Não, ele não tinha sentido temor, só raiva. Ela desejava experimentar um sentimento mais intenso, que a apoiasse em toda aquela experiência, mas a cólera pelo que podia lhe fazia era o que menos se importava naquele momento. De modo que a situação não era exatamente a mesma. Ela não se retorceria nem debateria para evitar o contato, não tentaria afligi-lo com seu olhar nem prendê-lo leito. Só podia abrigar a esperança de que essas diferenças não lhe importassem, e, portanto não o irritassem ainda mais.
Abriu os olhos, surpreendida quando ele pôs a mordaça entre seus lábios. Tinha esquecido aquele detalhe, mas ele não. Não queria escutar seus pedidos, do mesmo modo que ela não tinha desejado escutar os dele, embora as razões em cada caso não fossem as mesmas. Ele não sentia culpa, como ela havia sentido. Estava obtendo sua vingança. Ela só tinha tentado salvar a vida de sua mãe.
Nos olhos de Fulkhurst se via a satisfação que sentia ao vê-la impotente. Ela desejava não havê-lo visto, ou se tirou as roupas antes de lhe aplicar a mordaça. Mas a prova de que estava preparado, representou para ela escasso alívio. Comprovou que só tinha que sofrer a violação dele, e não a que proviesse de muitos outros enquanto ele olhava. E ela já sabia o que sentiria ao penetrá-la. Ela podia suportá-lo... Era necessário que o suportasse.
-Pergunto-me se aqui é uma virgem, como o foi ali? - As mãos do homem se fecharam sobre os seios de Rowena para sublinhar o que dizia; as duas mãos, e seus olhos se posaram também no corpo da Jovem, para ver o que ele mesmo via. Rowena olhou fixamente a rosto de Fulkhurst com o fim de discernir o momento em que terminaria de brincar com ela. Isso era tudo o que estava fazendo. Não tinha necessidade de acariciá-la e induzi-la a consumar o ato como ela tinha tido que fazer com ele. Já estava em condições físicas. Era desnecessário que lhe acontecesse o mesmo. Além disso, Rowena sentia no máximo o calor nas palmas das mãos do homem, e experimentava um sentimento momentâneo de surpresa quando o contato era suave. Mas estava muito atemorizada para sentir algo mais que isso.
Brincou por um longo momento com os seios de Rowena, roçando os suaves mamilos, beliscando-os sucessivamente. Mas quando terminou franzindo o cenho, Rowena pensou que podia morrer de medo. Não sabia que aquele gesto obedecia a que não tinha conseguido que lhe endurecessem os mamilos como resposta às carícias; nem sequer um pouco, nem sequer uma vez. Ainda estava aterrorizada por aquela expressão de seu rosto, quando ele deslizou uma mão entre suas pernas. Rowena gemeu ante o intenso desagrado que sentiu.
- De modo que não queria sentir a vergonha que me causou? Acredito que não o obterá, mulher.
Outra ameaça, mas agora ela estava muito aturdida, e não podia lhe pedir que se explicasse. Não tinha idéia do que era o que tanto lhe desagradava, ou da vergonha que ele desejava lhe infligir. Rowena teria feito algo que exigisse, só para se separar de seu rosto aquele gesto. Mas não havia nada que pudesse fazer presa como estava à cama.
Começou a tremer, não tanto como quando tinha acreditado que estava a um passo da morte, mas o suficiente como para que ele percebesse e se sentisse ferido.
-Fecha os olhos, droga. Está bem que me tema, mas não permitirei que reaja cada vez que abaixo a cabeça, pelo menos agora. Não te farei mais do que você me fez, e já sabe como é, de modo que esqueça seus temores. Ordeno isso. Estava louco se acreditava que podia fazer tal coisa, por muito que tentasse tranqüilizá-la. De todos os modos estava louco, pois de acordo com suas próprias palavras desejava que lhe temesse, mas não agora. O que importava quando? Entretanto ele tinha ordenado. Deus santo, como podia acatar aquela ordem? Fechou os olhos. Nesse sentido tinha razão: ela reagia frente à insatisfação claramente marcada no rosto dele. Nem sequer o temor por ser incapaz de prever o que lhe faria em seguida foi tão desagradável como ver aquela expressão em seu rosto irritado. E o que ele fez depois foi, como antes havia dito, mesmo lhe tinha feito. Começou a acariciá-la, e não só os seios, mas também todo o corpo.
Não tentou determinar por que ele a tocava se para seu propósito isso não era necessário. Suas mãos tinham um efeito calmante, e ela aceitou de boa vontade o contato como um meio de apaziguá-lo. Quem sabe por que Rowena começou a afrouxar-se. Começou a sentir outras coisas, fora o medo: a textura das mãos masculinas, calosas, mas suaves; a respiração cálida sempre que ele se inclinava; a pele arrepiada quando a tocava em zona sensível.
Estava tão relaxada quando sua boca tocou um de seus seios, que sentiu apenas um momento de alarme que não durou. O calor a envolveu, e sentiu uma brusca ardência que endureceu o mamilo e enviou uma sensação estranha à boca de seu estômago. Essa sensação não lhe pareceu ingrata. Recordava-lhe coisas que não eram desagradáveis e que tinha sentido em ocasiões quando ela mesma o tinha acariciado. Também ele sentia isso naquele momento? Sentia-o agora?
As carícias do homem foram um pouco mais duras agora que tinha conseguido dela a resposta desejada. Aquilo tampouco desagradou Rowena. De fato, de um modo inconsciente, arqueava ao contato com a mão masculina, as carícias sobre os seios, sobre o ventre, como se de repente desejasse todo isso. Mas quando a mão voltou para a união das pernas, endureceu-se outra vez. Só que esta vez ele não tentou lhe introduzir os dedos. Simplesmente continuou ali suas carícias, brandamente. Estava tocando algo escondido naquela região, e provocava com isso a sensação mais lânguida e deliciosa. Ela se afrouxou mais, esquecendo por que estava ali, esqueceu quem se o fazia. As sensações eram deliciosas, e percorriam esse lugar secreto, e se misturavam. Nem sequer teve consciência de que ele começava a cobri-la, e quando sentiu o órgão grosso deslizando-se lentamente, mas fácil mente na calidez feminina abriu os olhos surpresa e viu o olhar do homem, sobre ela, tão impregnada de triunfo masculino que Rowena estremeceu. Estava inclinando-se sobre ela com os braços completamente estendidos, de modo que o único lugar em que a tocava era aquele no que estava ocupando-a. Ela não voltou o olhar para os corpos unidos. Não podia afastar seus olhos dos olhos do homem.
-Sim, agora sabe o que se sente quando a gente não pode controlar ao corpo traidor - disse ele, quase ronronando de satisfação-. Obrigou-me a desejar isto, apesar de minha fúria, e por isso eu te obrigarei a desejá-lo, apesar de seu medo.
Ela moveu freneticamente a cabeça, mas ele se limitou a rir e a penetrou ainda mais profundamente.
-Sim, nega-o se quiser, mas a prova é a facilidade com que entrei, e a umidade que agora me envolve. Isso é o que eu queria mulher, te obrigar a aceitar como você me obrigou. E a vergonha de sua incapacidade para te negar ao que eu quero te invadirá cada vez que dê procurar a você.
O prazer que ele sentia ao obter sua vingança era para ela um espetáculo tão insuportável como sua cólera. Rowena fechou de novo os olhos, mas foi um engano. Ao fechar os olhos sentiu melhor à plenitude do corpo masculino na profundidade de seu ventre, e embora isso não fosse uma experiência nova, antes ela nunca tinha estado "preparada" para ele. A diferença era indescritível, como a do dia de noite. Cada movimento de penetração determinava que ela ansiasse o seguinte, mais duro, mais profundo, mais... Até que finalmente ela gritou apesar da mordaça, quando todo o prazer estalou e a transportou além de qualquer limite que pudesse ter imaginado.
Ficou inerte e saciada, e um momento depois, quando pôde voltar a pensar, sentiu-se tão envergonhada como ele tinha querido que se sentisse.
Era inconcebível que a agradasse aquela tortura, que sentisse prazer em mãos de seu inimigo, um homem que a desprezava absolutamente. E então soube realmente o que ele havia sentido, tudo o que havia sentido, e o odiou porque o tinha demonstrado.
O primeiro dia no quarto do senhor se fez interminável para a Rowena,embora pelo feito de que de Chaville a deixou no momento mesmo em que concluiu com ela, exatamente como a moça sempre tinha feito com ele. É obvio, devia continuar encadeada ao leito. Olho por olho. E se ele se atendia exatamente ao propósito de repetir o que tinha suportado de parte de Rowena, esse dia não voltaria a forçá-la. Surpreendia-lhe que de Chaville não tivesse esperado até que chegasse a noite para violá-la, pois esse era o momento em que Gilbert a tinha levado a presença do prisioneiro pela primeira vez.
Aquela primeira vez... Rowena tinha sofrido uma dor terrível ao lhe entregar sua virgindade, uma dor que tinha sido muito mais agudo por causa de sua ignorância. Mas para ser justo, ele tinha provocado seu próprio sofrimento cada vez que tinha lutado contra ela. Aquela vez, em troca, ele não tinha sofrido absolutamente. Além disso, ela não tinha conseguido nenhum prazer ao tomá-lo e em troca ele tinha conseguido seu prazer como homem em cada ocasião. Ao violá-la ali, era inevitável que gozasse, e isso não era justo. Na realidade, a Rowena irritava intensamente que ele pudesse vingar-se e, além disso, sentir prazer.
Olho por olho. Se havia dito a verdade, Rowena podia esperar que a tivesse algemada a aquele leito durante três noites, e que a soltasse à terceira manhã. Também podia prever que a violaria três vezes a segunda noite, e a terceira, se pudesse agir sem necessidade de que ela o incitasse com suas carícias. Se não atinava a reagir por si mesmo... Rowena não queria pensar no que aquele homem podia fazer. Passaram as horas e não ouviu ruídos que a perturbassem. Sem perceber sequer, tinha perdido a sensibilidade nos braços O notou quando tentou esticá-los, e então a sensibilidade voltou convertida em uma sensação de profundo desagrado. Depois, periodicamente, foi movendo-os cuidadosamente não quis pensar no que sentiria depois de ter dormido durante um momento.
O sono, entretanto, demorou muito em chegar. O quarto se escureceu com a chegada da noite, mas Rowena não fechou os olhos. Sentia a necessidade de aliviar seu corpo, mas a combateu até que por fim passou, e começou a temer a possibilidade de ficar envergonhada naquela cama se alguém... "OH, Meu deus", pensou, nunca lhe tinham afrouxado as algemas para lhe permitir fazer suas necessidades. Mildred tinha ocupado dele. Quando Rowena pensava nisso sentia que a pele lhe ardia por causa da mortificação; e ela ainda não se enfrentou à mesma situação. Mas ele sim a tinha sofrido, e aquela era outra humilhação a que Rowena nem sequer tinha prestado atenção. Entretanto, se tivesse pensado nisso naquele momento, o que poderia ter feito? Gilbert não tinha querido que ninguém, salvo ela e Mildred, estivesse a par da presença do cavalheiro na fortaleza, de modo que ela não tivesse podido enviar a um criado para lhe facilitar as coisas.
Foi quase como se lhe tivesse lido o pensamento, inclusive através das espessas paredes de pedra: o senhor Fulkhurst retornou, e trouxe consigo a uma criada com uma bandeja de comida. Warrick foi diretamente para os pés da cama. A mulher se deteve bruscamente quando viu a Rowena, e seus olhos escuros se encheram de horror. Ele nem sequer havia coberto a Rowena ao retirar-se, e em troca ela sempre tinha estendido o tecido sobre Fulkhurst antes de abandoná-lo.
-Enid, deixa isso aí e vá procurar o que fizer falta - disse à mulher.
Enid não vacilou e se afastou a toda pressa. Seu senhor não emprestou atenção, porque estava observando a Rowena. Mas ela não o olhava, até que ele passou um dedo sobre o flanco do pé de Rowena, para chamar sua atenção. Então sim o olhou, mas com todo o ódio que ele a obrigava a sentir.
-Ah, o que significa isto? Agora exibe algo mais que um coração tenro? -Warrick sorriu, mas sem verdadeiro humor, só como um indício mais do triunfo que tinha alcançado-. Sua antipatia não me desagrada. Não, dou-lhe a bem-vindo.
Ela fechou os olhos, de modo que Fulkhurst não pudesse ver o ódio que tanto lhe agradava, uma sorte de pequena represália de parte de Rowena. Mas não lhe permitiu nem sequer isso.
-Me olhe - ordenou com dureza, e quando ela obedeceu imediatamente, adicionou-: Assim está melhor. Mulher, sempre que estiver em minha presença, olhará, a menos que te ordene o contrario.
Outra ameaça. Era muito bom para ameaçar, embora sem enumerar as conseqüências. Rowena se demonstrou o que achava a respeito com outro olhar de ódio. Por que não, se lhe agradava?
Mas Warrick se embarcou em um novo assunto, a razão pela qual tinha entrado no quarto.
-Parece que terei que aceitar outras coisas por causa de seu sexo. Você ordenou a uma mulher que me atendesse. Eu enviaria a um homem, disso pode estar certa, mas não tenho nenhum em quem pode confiar, não posso estar certo de que nenhum atenda suas necessidades sem ocupar-se ao mesmo tempo das suas próprias: ao ver sua nudez, sem dúvida provocaria sua sensualidade. De modo que Enid se ocupará de você: está acostumada a cuidar dos feridos e os doentes, e não levar nem trazer intrigas, porque perdeu a língua faz muitos anos, quando outro homem se apoderou dela durante um tempo de Fulkhurst.
O rosto de seu carcereiro se converteu no mais cruel que já tinha visto antes, a rosto de um homem capaz de cometer a pior atrocidade. Como ela não tinha feito nada para provocar essa atitude, supôs que respondia à idéia de Fulkhurst em poder de outros homens. E Rowena tinha pensado que só ela e Gilbert provocavam sua fúria?
Mas a expressão sombria não durou; retornou a aquele sorriso que não era um autêntico sorriso.
-De todos os modos, não me sentirei satisfeito se não sofrer as mesmas humilhações que eu. De modo que suportará minha presença enquanto Enid atende suas necessidades, e tal como acabo isso de perceber, manterá os olhos em mim. Não tentará me ignorar ou fechar os olhos para esquecer minha existência. Com pretende?
Rowena estava muito aflita para assentir sequer, mas tivesse proferido insultos contra ele de ter podido conheceu então outra das humilhações que ele havia suportado: a frustração de ver-se incapacitado para responder com maldições ou de qualquer outro modo.
Enid retornou logo, e começou a cumprir suas novas obrigações sem necessidade de que lhe dissessem nada. Rowena, consciente da ameaça de Warrick, manteve os olhos fixos nele enquanto o senhor se apoiava no respaldo da cama. Mas não o via. Concentrava em troca a atenção na Enid, e na breve olhada que lhe tinha jogado um momento antes. Tratou de fazer uma imagem da faxineira. Apesar dos cabelos cinza, a mulher na realidade não era velha; devia ter ao redor de quarenta anos. Tinha o nariz ligeiramente farpado, mas pelo resto seus rasgos eram agradáveis, e sua pele era suave e sem rugas. As mãos tenras eram rápidas e eficientes, o que agradou profundamente a Rowena.
O pior finalmente terminou: aquela violação de sua intimidade tinha sido o mais horrível atropelo. Enquanto ele a forçava, estava nua, e seu sentido de justiça lhe dizia que merecia estar assim. Mas aquilo não. Com sua lógica perversa, Warrick tinha arrumado de modo que tivesse que suportar a duas pessoas como testemunhas; em troca, o tinha cuidadoso uma sozinha.
Tentou recordar que aquele homem tinha sofrido o mesmo, tinha experimentado os mesmos sentimentos, e que por isso agora tinha decidido forçá-la. Mas tais conclusões não mudaram em nada a situação. Não merecia aquilo. E apenas tiraram a mordaça, lhe esclareceu visão que tinha tratado de manter confusa. Então lhe disse o que pensava dele, e ao demônio com as conseqüências.
-É o homem mais cruel e desprezível que existe sobre a terra, mil vezes pior que Gilbert! A resposta do homem foi dizer à criada.
-Não me interessa escutá-la, Enid, de modo que mantém a boca cheia de comida, para que só possa mastigar.
-Cã... Rowena quase se afogou com a comida, porque lhe meteram em sua boca uma colherada enorme. Antes que tivesse terminado de mastigá-la, outra ocupou seu lugar. Enid - acaso tinha pensado que podia lhe agradecer algo? - obedeceu ao pé da letra a seu amo. E antes que Rowena pudesse dizer outra palavra, amordaçaram-na de novo.
Depois, a criada foi despedida sumariamente. Warrick abandonou os pés da cama para aproximar-se do flanco e inclinar-se sobre ela. Quase voltava a ser atrativo com sua expressão absolutamente neutra.
-Fêmea estúpida - disse-. Foi um truque ardiloso, turvar sua visão. Mas se me tivesse obedecido, tivesse visto que eu disposto unicamente minha presença, não minha atenção. Agora te merece um castigo por seu espírito caprichoso. Esquece qual será?
Sua atenção? Não, mais que isso, pois a mão do homem se aproximou da intimidade de Rowena, e seus dedos se introduziram dolorosamente no calor seco da mulher, e ali ficaram. Sua falta de reação não provocou nenhum gesto esta vez, pois ele sabia que antes Rowena tinha cedido, e isso lhe garantia que, ao igual a ele a moça não poderia resistir muito.
Lentamente, com confiança absoluta, começou a desatar os cordões de suas meias com a mão livre, enquanto a outra permanecia profundamente afundada entre as pernas de Rowena. Obedecendo a suas ordens, ela teve que observar como o fazia.
-Tenta resistir, trombadinha - disse ele com voz suave-. Luta como o fiz eu, e aprende que ao corpo nada importa o ódio, a cólera e a vergonha. Não é mais que uma simples vasilha, com instintos simples, mas intensos, e um dos, mais fundamentais é o antigo instinto que leva a procriar. A carne do homem estava solta sob a túnica, e pelo vulto que pressionava sobre o tecido escuro, ela compreendeu que já tinha alcançado todo seu tamanho. Essa constatação se manifestou nas vísceras da jovem, umedeceu os dedos do homem, e ela gemeu, pois agora sabia o que umidade significava. A risada triunfante de seu apreensor o ratificou.
Não a tocou em outros lugares, e a montou imediatamente Se deslizou com absoluta facilidade no interior do corpo feminino. Aquilo era um castigo, não parte de sua vingança, não parte de sua inclinação a cobrar-se olho por olho, pois se supunha que não a forçaria outra vez até a manhã seguinte. A Rowena não importou. Seu corpo estava se subministrando o modo de evitar a dor, recebendo de boa vontade os meios para procriar mesmo ao feito de que já tinha satisfeito esse instinto fundamental. Mas também o corpo estava dando a bem-vindo a outra coisa, e embora esta vez lutasse, negou-se com toda sua vontade, gritou enfurecida contra isso, de todos os modos havia agradar nos profundos impulsos que a comoviam sem que ela pudesse negar-se. Que Deus a ajudasse, Warrick estava observando-a quando esse prazer culminou e explorou em uma vez que pulsasse irradiação; a rendição total da fêmea ao domínio do macho se manifestava agora claramente; ele podia saboreá-la. Rowena também o observava, pela primeira vez, quando o mesmo prazer se manifestou nele, as linhas cruéis de Seu rosto se desvaneceram durante um instante, e revelou de novo ao homem autenticamente arrumado que existia sob a, mascara do rosto do ódio.
Ela não desejava vê-lo. Fechou os olhos para apagar a imagem, e não se importou se por essa razão ele a mataria. Quão único fez Warrick foi derrubar-se sobre o corpo de Rowena, sua testa sobre o travesseiro, a bochecha contra a têmpora dela, a respiração trabalhosa ressonando em seus ouvidos. E tampouco se separou dela com a mesma rapidez que antes.
Quando o fez, sua respiração tinha recuperado a normalidade, e o rosto ocupava de novo seu lugar. Apressou-se a arrumá-la roupa, mas uma vez feito isto, olhou-a fixamente, deixando que seus olhos percorressem toda a longitude do corpo feminino, antes de voltar para o rosto que ainda ruborizada de Rowena; e seus dedos percorreram a suave superfície do braço levantado da moça.
-Possivelmente no futuro obedeça mais prontamente minhas ordens ou possivelmente não. -E então seus lábios cruéis esboçaram uma careta depreciativa-. Reconhecerá que nunca cedi tão facilmente como você, mulher. Pergunto-me como reagirá ao pensar às vezes em que voltarei para ti durante nos próximos dias. E esperarei até a noite: não desejo perder sono, como aconteceu a ti. Acaso teme trombadinha, que minha vingança já não reapareça tão desagradável?
Teria lhe cuspido à cara, se não tivesse estado amordaçada. Seus olhos se umedeceram e ele pôs-se a rir.
-Excelente. Não me agradaria pensar que espera ansiosa minha visita quando eu detestava tanto as tuas, quando o único em que pensava era na possibilidade de fechar as mãos sobre esse pescoço tão suave e arrancar o último suspiro de seu pequeno corpo.
Que agora ele levasse a mão a essa zona e apertasse não provocou o alarme na Rowena. Sabia que jamais se conformaria com nada tão rápido e definitivo como a morte de sua prisioneira, quando se tratava de um homem tão cruel e implacável. Ele percebeu que Rowena não o temia, e sua mão desceu para lhe tocar um seio em lugar do pescoço.
-Acredita que me conhece, não é? - cuspiu, sem dúvida com um profundo sentimento de desagrado ante ela-. Pense melhor, mulher; nunca me conhecerá tão bem que possa adivinhar o que sou capaz, nunca saberá que demônios aninham em meu corpo e minha mente, e me convertem no que sou. É melhor que reze pedindo que me satisfaça à vingança, pois se não for assim, desejará a morte.
Se o que queria era unicamente assustá-la com aquelas palavras, estava mostrando-se diabolicamente engenhoso.
Quando Rowena pensava em que Warrick de Chaville voltaria outra vez, começava a tremer, de modo que preferia não pensar nisso. Mas ele voltava.
Rowena nem sequer estava acordada quando chegou pela manhã, pouco depois do amanhecer. Quando ao fim cobrou consciência de sua proximidade, também percebeu que ele tinha induzido já a seu corpo feminino a recebê-lo. Fez rapidamente, com tal pressa que Rowena se sentiu quase mais irritada porque tinha perturbado seu sonho do que porque tinha invadido seu corpo: o último terminou antes que ela sentisse grande coisa. Logo, apesar de que se sentia esgotada, não pôde voltar para sono.
Enid chegou pouco depois, mas esta vez Warrick não vinha com a criada. Rowena não estava de humor para aceitar os olhares de simpatia que recebia da mulher mais velha; entretanto, sentiu-se agradecida para ela. Nem sequer tinha percebido que os ombros lhe doíam por causa da forçada postura, notou-o quando Enid começou a massagear a zona, e embora não fosse necessário que, fizesse tal coisa, a criada lavou com cuidado seu corpo e eliminou o aroma daquele monstro da pele de Rowena.
Warrick voltou ao meio dia. E de novo de noite. A única compensação de Rowena era que tinha tido que esforçar-se muito a terceira vez para acariciar a vergonhosa umidade que a aturdia. E assim aconteceu também o dia seguinte. A terceira vez, foi última que teve que suportar a penetração do corpo do homem em sua feminilidade, foi à pior de todas.
Ele não tinha interesse em prepará-la bem para que o recebesse... Outra coisa, e não se haveria sentido surpreendida se o propósito real de seu apreensor tivesse sido enlouquecê-la. Continuou tocando-a muito depois de compreender que ela estava preparada para recebê-lo, acariciou-a mais do que ela podia suportar. Avivou a sensualidade nela até que sentiu desejos de pedir que a possuísse; mas tudo o que Rowena fez foi receber o que lhe dava, quer dizer uma nova consciência de seu próprio corpo, o conhecimento da debilidade de seu espírito tanto como da fraqueza de sua carne. O canalha conseguia que ela o desejasse. E sabia. Era seu triunfo definitivo.
Só mantinha a Rowena era a certeza de que na terceira manhã seria liberada, para satisfazer o anseia do homem de cobrar-se olho por olho. Mas temia que tivesse planejado outra vingança. Não acreditava nem por um minuto que se sentisse satisfeito só com o que já tinha feito. Havia dito que a vida de Rowena lhe pertencia como pagamento da intenção de matar Gilbert, e que lhe atribuía escasso valor. Havia dito que agora Rowena lhe pertencia e que devia fazer o que a ele desejasse muito.
Não, não lhe permitiria partir, como Rowena o tinha permitido; pelo menos não o permitiria antes que nascesse o menino. Queria retê-lo e separar a Rowena de seu filho, teria que permitir que partisse ou simplesmente enviá-la a outra de suas propriedades. Ela não podia permitir que acontecesse tal coisa, embora não sabia o que podia fazer a respeito, porque ignorava inclusive o que o dia seguinte lhe traria.
O dia seguinte trouxe Enid, que vinha com a chave das algemas. Rowena tinha suposto que Warrick o faria em pessoa, para lhe explicar que novas humilhações que a esperavam. É obvio, Enid não pôde dizer uma palavra. Trouxe comida esta vez Rowena pôde usar suas próprias mãos, e também roupas.
As roupas originaram na Rowena suas primeiras suspeitas a respeito de sua sorte futura. Seus objetos de vestir tinham desaparecido fazia muito tempo, mas as que agora recebia não se pareciam em nada. A regata e a jaqueta eram de lã comum, não de tudo tosca, mas nada que pudesse considera de boa qualidade. Eram os objetos que se atribuíam a servidora de um castelo, a jaqueta mais curta que a que uma dama devia usar, nova e poda e agora propriedade de Rowena. Como cinturão havia uma tira de couro trancado. Incluía-se também uma saia de lã, assim como sapatos simples, mas não pantufas brandas nem nada para ficar sob a jaqueta. Baixo aqueles objetos devia permanecer nua, provavelmente uma humilhação mais que lhe recordava a mudança das circunstâncias.
E devia sair do quarto do senhor.
Apenas Rowena conseguiu restabelecer a circulação do sangue nos braços, e penteou e prendeu seus cabelos, Enid lhe ordenou que a seguisse. A mulher não podia dizer o que aconteceria agora, mas sem dúvida sabia aonde ia Rowena. Logo que tiveram entrado no Grande Salão, sentiu o olhar que a induziu a voltar os olhos para a mesa do senhor.
Warrick estava sentado ali, e um raio de sol que vinha do alto das janelas e tingia de ouro os cabelos castanhos de sua cabeleira. Embora tivesse passado fazia longo momento à hora do café da manhã, ainda tinha de frente a ele um prato de comida e um jarro de cerveja. Olhou-a com olhos inexpressivos, um olhar fixo que recordou a Rowena a última vez que o tinha visto, quando ela estava completamente nua em sua cama.
Rowena disse a si mesma que isso tinha terminado. Podia suportar tudo o que a partir desse momento queria lhe fazer, sempre que isso tivesse terminado. Ele não ordenou que se aproximasse. Não tinha a mais mínima intenção de lhe perceber a respeito do que aconteceria. Que assim fosse. Não podia ser tão grave se ele não demonstrava muito interesse em presenciar seu horror ao descobrir do que a esperava.
Um movimento atrás atraiu sua atenção antes de continuar avançando. Olhou para o fogo, e viu sentado ali a um grupo de mulheres. Todas interromperam o que tinham estado fazendo e a olharam com avidez. Rowena não as tinha visto antes por causa da atenção que tinha prestado à mesa do senhor e que não incluía o grupo reunido ante o fogo. De fato, o raio do sol era tão intenso, que tudo o que estava ao redor parecia envolto em sombras. Mas agora os olhos de Rowena se adaptaram e viu que a maioria das mulheres eram damas, e várias muito jovens. As duas mais jovens a olhavam com o cenho franzido, pareciam-se muito...
Deus santo, Warrick tinha filhas completamente adultas! Não eram muito parecidas com ele, exceto no modo de franzir o cenho. Aquele gesto as assinalava claramente como membros da mesma família. Nesse caso, também devia ter esposa. Não, que dama tivesse estado disposta a ceder seu dormitório de modo que o marido pudesse violar ali a outra mulher? Por outra parte, a esposa de Warrick de Chaville certamente não poderia influir nos desejos daquele homem, e para o caso pouco importava tinha amantes ou violava a outras mulheres em sua cama. Rowena só podia compadecer a mulher que tivesse um marido como aquele.
Então lançou uma exclamação: uma das mulheres abandonou seu tamborete, de modo que Rowena pudesse vê-la bem. Mildred! Como era possível?
Rowena sentiu que a alegria alagava seu peito, iluminava-lhe o rosto, e deu um passo adiante. Mildred se separou dela para olhar para Warrick, e depois voltou a sentar-se, de novo oculta pelas outras mulheres sentadas ante ela. Sem dizer uma palavra? Sem sequer uma expressão de bem-vindo? Rowena não compreendia. Mas então seu olhar se voltou para Warrick, viu o sorriso do homem e compreendeu. Em certo aquele sentido era outra vingança de sua parte. Era possível que tivesse indisposto totalmente ao Mildred com sua ama? Não, não acreditava possível, mas sem dúvida Mildred não devia falar com a Rowena.
Sua colera se manifestou com a mesma rapidez com que o tinha feito a alegria um momento antes. Já a tinha inquietado que lhe permitisse unicamente uma vestimenta tão escassa e abrigava suspeitas com respeito ao próximo passado do plano de Warrick para quebrá-la; mas isto, lhe negar toda relação com a mulher que era como uma segunda mãe para ela...
Esqueceu a debilidade de sua posição, esqueceu que ele podia jogar de novo à masmorra, golpeá-la e matá-la. Rowena não fez caso da mão da Enid que tentava prendê-la, caminhou para o estrado e se aproximou da frente de uma mesa de Warrick, até que ficou ante ele. O homem se limitou a arquear o cenho em um gesto de interrogação, como se percebesse que ela estava enfurecida.
Rowena se inclinou para diante e murmurou de modo a só ele a ouvisse:
-Pode me negar até a última das coisas que avaliação, mas eu rogarei até o fim de meus dias que você, Warrick que apodreça no inferno.
Ele lhe dirigiu o cruel sorriso que Rowena estava chegando a conhecer tão bem.
-Mulher, será que devo temer por uma alma que já está condenada? E não te autorizei a te mostrar tão familiar ao se dirigir a mim.
Ela endireitou o corpo, incrédula. Acabava de amaldiçoá-lo e de condená-lo ao inferno eterno, e lhe preocupava unicamente que tivesse usado seu nome de pilha? Ela fervia de fúria, e ele se limitava a sorrir?
-Me desculpe - burlou-se Rowena-. Devia te chamar bastardo. Ele ficou de pé com tal rapidez que a surpreendeu. E antes que ela tivesse pensado sequer em fugir, inclinou-se completamente sobre a mesa para lhe prender as mãos.
Rowena conteve uma exclamação, com tal força ele a apertava, mas só o que ouviu dizer foi:
- Meu senhor.
-O que?
-Não terminou suas palavras com o tratamento que corresponde. Deve dizer "meu senhor".
Não estava disposto a matá-la por havê-lo chamado bastardo?
-Você não é meu senhor.
-Sou-o agora, mulher, e em adiante ouvirei como o diz... Freqüentemente. Dirá agora.
Rowena tivesse preferido que lhe cortassem a língua. Certamente ele viu sua expressão obstinada, porque a sacudiu e disse com voz suave, mas ameaçadora:
-Diga, ou farei que lhe castiguem com um chicote, como corresponde a essa insolência. Não era uma falsa ameaça. Tinha-a pronunciado de modo resultasse evidente que cumpriria com o que dizia. Um homem como ele não ameaçava em vão. Ela preferia desconhecer as conseqüências da ameaça. Mas esperou vários segundos antes de murmurar com ódio:
-Meu senhor.
Soltou-a imediatamente. Rowena se esfregou a mão enquanto ele voltava a acomodar-se em sua cadeira, com uma expressão que não era distinta da que tinha mostrado quando ela o desafiou. Mas esta vez era uma expressão enganosa, porque na realidade o irritava o fato de que o primeiro ato de Rowena ao abandonar seu cativeiro tivesse sido ofendê-lo, quando depois dos últimos três dias tivesse devido sentir-se tão intimidada como para não sentir desejos de mostrar-se desafiante.
-Possivelmente não está tão desprovida de sensatez como de inteligência - disse Warrick respondendo à capitulação de Rowena, mas depois adicionou em um grunhido-: Fora de minha vista, não seja que recorde o que me disse.
Rowena não necessitou que o ordenassem outra vez; nem sequer dirigiu um olhar de Warrick. Foi até onde estava Enid, que esperava ansiosa ao pé do estrado, e com ela saiu do salão e desceu um piso, até a cozinha.
A cozinha pelo geral estava em um edifício separado, no pátio do castelo, mas durante os últimos anos se difundiu o costume de incluí-la no recinto da fortaleza, sobre tudo nas regiões nas que chovia muito e fazia mal tempo. A cozinha de Fulkhurst tinha essas características, e ocupava o amplo espaço que estava acostumado a albergar a guarnição do castelo.
Havia pelo menos vinte pessoas atarefadas em diferentes trabalhos. Estavam preparando o jantar. Um enorme fogo ardia sob um grande pedaço de carne que estava sendo assado. Os cozinheiros rodeavam uma larga mesa onde se procedia a cortar verduras, preparar massas e cortar a carne. Da despensa negavam especiarias. Dois escudeiros comiam depressa, de pé em uma mesa enquanto uma bonita criada paquerava com eles. Uma criada do curral estava sendo repreendida por derramar um pouco de leite de seu cubo, ao tropeçar com um dos vários cães que se enredavam nas pernas dos que aconteciam. Por sua vez, a moça tinha atirado um chute ao cão se limitou a uivar, mas não abandonou seu lugar perto do talho do açougueiro. Uma faxineira estava lavando os jarros que tinha ficado do almoço. O padeiro colocava madeiras novas no forno. Dois robustos servos vinham do porão com pesados sacos de grão.
Dada a amplitude do lugar, não fazia muito calor, havia bastante fumaça por causa dos muitos fogos acesos e das velas que ardiam em diferentes lugares. Rowena olhou tudo com certo temor. O mordomo estava ali, pois acabava de abandonar a sala dos funcionários de palácio situada um andar mais acima. Mas Enid não levou a Rowena junto a aquele homem. Aproximou-se de uma corpulenta mulher, a que estava repreendendo a leiteira. Loira, o rosto aceso; e alta para ser mulher, com um pouco mais de um metro setenta centímetros. Não era uma serva, a não ser uma mulher livre, e a esposa do cozinheiro principal.
-De modo que esta é a outra de Kirkburough - disse Mary Blouet, enquanto olhava a Rowena de acima a abaixo, o mesmo estavam fazendo todos outros que se encontravam na cozinha, embora não tão francamente como Mary. -Se rumorejava que havia uma dama na masmorra, mas agora que enviaram a mim, vejo como são realmente as coisas. Chamará senhora Blouet, e não te dará ares nem me responderá. Já tive bastante com a altiva Mildred, mas como conta com o amparo do senhor, não posso lhe fazer sentir o dorso de minha mão. Você em troca não goza desse favor, verdade?
-Não - replicou Rowena, incapaz de dissimular o desprezo que sentia-. Gozo de tão escasso favor que talvez meu destino seja vê-me castigada para sempre.
-Castigada? Não, a menos que seja necessário. Bem, vamos. Tenho que vigiar às pessoas, porque do contrário jamais se faz nada... Estas criadas são muito preguiçosas. Enquanto caminhamos te explicarei suas obrigações. Rowena pareceu surpreendida.
- Então, não trabalharei na cozinha?
- Aqui? -Mary se pôs a rir com verdadeiro gosto - tem suficiente ajuda e não necessitam mais. Além disso, o marido não agrada as mulheres em seu domínio. Não suporta a preguiça em seus trabalhadores, e em troca eu tenho que agüentá-la todo o dia, e não posso fazer nada para remediá-la, sobre tudo quando essa cadela da Célia me subtrai autoridade lhe dou as costas. E se as acerta para não ser castigada porque é a fêmea favorita de lorde Warrick, e todos sabem. Como desejaria...
O pensamento ficou inconcluso enquanto Mary subia pela escada que levava novamente ao Grande Salão. Rowena tratava de atrasar-se, pois temia outro encontro com Warrick, mas ele já não estava ali. E poucas damas continuavam Junto ao fogo. Não achou signos do Mildred.
-Não tenho autoridade sobre as criadas das damas - disse Mary quando viu para onde olhava Rowena-. Não tenho tanta sorte como essa Mildred, que conseguiu uma tarefa muito fácil.
-Faz muito tempo que Mildred está aqui?
-Não, veio com o senhor. Por quê? Conhece-a?
-Sim.
-Bem, te afaste dela. Há hierarquia na gente do castelo, como em qualquer lugar desta classe, e o fato de que ela esteja a cargo das filhas do senhor a coloca em maior escala hierárquica, na frente das criadas e de outras damas, e todas estão mais alto que você. Mas você está mais alto que os ajudantes da cozinha, de modo que se afaste também deles. Poderá escolher as suas amigas entre as mulheres que estão ao meu cargo, mas recorda meu conselho: não seja amiga da Célia.
Rowena não estava interessada "nessa Célia", embora fosse a favorita de Warrick. Preocupava-lhe mais sua própria situação. Sabia que seria uma das "mulheres" da Mary, mas ainda não sabia o que isso significava.
A impressão que provocava sua nova condição de criada era relativa, pois já tinha suspeitado que sua sorte séria algo pelo estilo, em vista das roupas que lhe tinham entregado. Uma das primeiras coisas que Warrick lhe havia dito ao retornar ao Kirkburough era que já não era uma dama. A ironia do caso era que ela podia recordar ter desejado precisamente isso, ser nada mais uma serva inferior; despojada de tudo o que podia ser um motivo de cobiça e luta Realmente, no futuro teria que ter mais cuidado no que desejava.
Mas Warrick não podia convertê-la em uma autêntica criada, pois Rowena tinha nascido em um berço nobre e se educou de acordo com seu nível; isso não podia arrebatar-lhe por muito que o desejasse. Mas Warrick devia conseguir que a tratassem como a uma criada, e já tinha ordenado que assim fosse; nesse sentido Rowena nada podia fazer, pois na realidade estava a mercê de seu carcereiro. Entretanto, quando pensava em que ele tivesse podido enviar a de retorno à masmorra, e lhe arrebatar o amparo do bondoso John Giffard, devia considerar-se afortunada, mais que afortunada. Uma criada tinha liberdade de movimentos, ia de um lado a outro quase inadvertido. Uma criada podia escapar.
-Aqui passará quase todo seu tempo - disse-lhe Mary enquanto abria a porta que levava a sala de costura, no andar de acima do Grande Salão.
Três mulheres se afastaram imediatamente da janela onde tinham estado observando aos homens que praticavam exercícios com armas no pátio do castelo. Mas não conseguiram ocupar seus assentos antes que Mary as visse. E Rowena não pôde deixar de perceber a roca com o fio que se estendia sobre o piso, e desaparecia sob suas saias. Uma das mulheres tinha tentado apressar-se para continuar fiando, mas não o tinha conseguido.
Rowena olhou a sala enquanto Mary observava hostis as suas mulheres. Havia uma prateleira cheia de novelos de linho, quantidade suficiente para obter uma boa massa de fiação se contava com mais mulheres para trabalhar a matéria prima; mas estavam somente aquelas oito. Havia grandes prateleiras de lã recém trabalhada junto às paredes, e todo aquele material podia converter-se em fio. Havia seis grandes teares, e outro grupo de teares de mão menores no canto; mas só, três dos maiores estavam funcionando, e só a pessoa tinha um tecido quase completo. A única janela permitia o passo de luz, de modo que pelo menos não existia o problema de que a fumaça das velas manchasse o tecido recém fabricado.
Finalmente, Mary começou a descarregar sua irritação sobre as mulheres.
-Perdendo o tempo de novo, não é? -repreendeu-as-. Terminará o que devem fazer enquanto haja luz, do contrário nenhuma de vocês jantará. E se vos encontro folgadas outra vez esta semana, ireis parar ao tanque. Há outras que têm dedos ágeis, se me dito a trazer as da aldeia.
Dito isto, bateu de novo a porta. Rowena se surpreendeu e disse:
- Acreditei que devia trabalhar aqui.
-Sim, evidente, mas terá bastante que fazer o resto do dia-não começará a tecer e fiar ainda, e não terá que compartilhar o castigo que receberão essas ociosas.
Rowena sentiu que estava por completo de acordo com o que dizia Mary; impulsionada pela gratidão lhe disse:
-Sei produzir um fio fino, embora leve mais tempo, e posso ensinar aos bichos-tesouras a conseguir um tecido de melhor qualidade, bastante bom para as damas do castelo.
Tinha tido escassa oportunidade de dirigir a suas criadas durante os últimos três anos, fora das que a serviam só a ela. Mas já tinha quinze anos quando sua vida mudou tão drasticamente, e sua mãe já lhe tinha ensinado tudo o que precisava saber para administrar um castelo. Tudo o que podia ordenar que pudesse fazê-lo também por si mesmo, acaso tivesse podido dirigir bem a outros se não sabia exatamente o que era necessário fazer? E em efeito, havia coisas que ela sabia fazer melhor que ninguém.
Depois de atrair o interesse da Mary, continuou:
-Mas meus conhecimentos se esbanjariam neste setor, porque sou mais hábil com uma agulha.
-Isso deve ser o que pensou meu senhor, pois também ordenou que te ocupasse de suas roupas, e da confecção de objetos novos para ele, embora seja melhor que usemos com esse fim a lã tecida. Mas diz que pode ensinar a outros a tecer melhor?
Rowena ainda estava ruborizada pelo que acreditava era um castigo mais severo, quer dizer ver-se obrigada a tecer as roupas daquele homem, de modo que se limitou a assentir com um gesto duro. Mary não percebeu o rubor nas bochechas de Rowena por causa da escuridão do corredor; só se mostrou surpreendida.
-Esteve a cargo das tesouras de Kirkburough? -perguntou.
-Não, não estive muito tempo nesse lugar.
-Bem não levarei a mal se em efeito ensinar algumas coisas minhas mulheres enquanto te ocupa de suas próprias tarefas, mas não o que me ordenaram que fizesse, e de todos os modos não disporá de muito tempo livre. -Depois se voltou para "sair limitando-se a adicionar-: Quando terminar seu trabalho do dia pode retornar aqui para dormir com as outras.
Rowena imaginou a sala com muito pouco espaço livre, e perguntou:
-Todas dormem ali?
-Não! Só, três. As outras cinco são tão relaxadas como Célia. Todas têm homens que vão dormir com elas durante a noite. -Mary se deteve o final da escada para cravar seus olhos pequenos na Rowena-. Você não pertence a essa classe de mulheres, verdade?
Rowena sabia que alguma pessoa a tinha visto entrar no dormitório do senhor três dias antes, e outras a viram sair pela manhã. Embora Mary não parecesse estar sabendo, era provável que o dissessem mais tarde. Se Rowena devia estar submetida à vigilância da Mary, como parecia ser o caso, não queria converter a aquela mulher em inimizade, permitindo que a surpreendessem mais tarde com feitos que Rowena podia se esclarecer naquele mesmo momento. Mary não parecia uma mulher má, só um tanto apressada pelo trabalho. Possivelmente pudesse inclusive ajudar a Rowena, se esta conquistava sua simpatia.
-Senhora Blouet, estarei imensamente agradecida se pode se separar de mim a todos os homens, mas... Há uma coisa que você deve saber, se seu senhor não o disse. Mantiveram-me em seu dormitório estes últimos três dias... Presa a sua cama.
-Não, Jamais faria isso! -disse indignada Mary-. por que mente?
O que menos esperava Rowena era ouvir que alguém defendia energicamente a aquele homem cruel e vingativo. Era possível que Mary não tivesse idéia do tipo de pessoa que era ele na realidade?
-Enid sabe que é assim, e eu duvido de que seu senhor o negue: tem suas razões para me castigar desse modo. Digo-lhe isso só para que não sinta surpresa se ele me chama com o fim de continuar me castigando, pois certamente ainda não completou sua vingança.
Mary ainda parecia cética, embora admitisse:
- Sim, é provável, pois suas outras obrigações, agora que o penso, podem ser interpretadas como um castigo, se não lhe agradarem. Deve servir a mesa em todas as comidas do lorde Warrick, te ocupar da limpeza de seu dormitório com a ajuda exclusiva da Enid, e atender seu banho, o qual provavelmente incomodará a Célia, pois antes era sua obrigação, e lhe agradava muito.
Rowena sentiu náuseas. E ela que tinha acreditado que o pior já tinha passado, e que ser degradada à condição de criada era o final de tudo!
-Há outra coisa que deve saber. Estou grávida, e lorde Warrick está a par.
-E te dá mais trabalho que a outra serva qualquer do castelo? Não, tampouco posso acreditar isso.
-Por que ia mentir se a prova aparecerá em poucos meses?
-Então, é que ele não sabe - insistiu Mary. -Ninguém mais me vera nunca, senhora Blouet. O menino é dele, e se propõe inclusive... Tirar-me isso Lançou uma exclamação.
-Moça, está levando muito longe suas acusações. Se for certo o que diz, é provável que meu senhor te encontre marido, de modo que não me fale mais do assunto. Vêem comigo. Tem que limpar o dormitório hoje mesmo, ninguém o tem feito estes... Últimos três...
Mary não concluiu a frase, que devia confirmar uma das afirmações de Rowena. Apertou com força os lábios e começou a descer a escada.
Rowena não a seguiu imediatamente. Sentia-se aflita pelo novo temor que Mary involuntariamente lhe tinha provocado. Warrick podia casá-la, e com um servo, com o vilão, mais baixo. Por favor, Meu deus, não permita tal coisa!
Rowena detestava ter que entrar de novo naquele quarto, mas comprovou que o lugar não era tão deprimente nem muito menos, agora que ela já não estava atada à cama Aproximar-se daquele leito lhe parecia, entretanto, inadmissível. Preferia escovar o chão de joelhos, e assim o fez, entra Enid se preocupava de trocar a roupa da cama, tirar o pó e em geral, organizar tudo. Rowena ia levantar os tapetes e às tirar para sacudir, mas Enid meneou a cabeça; tinham que ocupar-se de lavar a roupa: Enid, a roupa branca, Rowena, os objetos de vestir do senhor. Indicou-lhe que essa era sua obrigação mediante o simples recurso de depositar as roupas em seus braços; depois, os braços também carregados, Enid lhe fez gestos lhe ordenando que a seguisse.
Rowena tinha lavado roupas uma só vez em sua vida, embora soubesse bem como se fazia. Não era uma tarefa agradável. Terei que molhar os lençóis em uma artesã de madeira com uma solução de cinzas de madeira e sabão cáustico, e depois as golpear, as enxaguar e as pendurar a secar. Os objetos de lã dos criados deviam tratar do mesmo modo, mas não podia fazer isso com os objetos finos do senhor. Terei que ferver e lavar a mão com um sabão mais suave, e depois as ferver outra vez e as enxaguar não uma a não ser três vezes, para pendurá-las finalmente.
No tanque com os grandes caldeirões de água fervendo constantemente, as nuvens de vapor, o sabão mais suave; mas ainda abrasivo que lhe avermelhava a delicada pele, Rowena decidiu que aquela não era a pior de suas tarefas, sobre tudo porque as restantes lavadeiras se mostraram todas muito cordiais, e algumas inclusive chegaram a ajudá-la depois de que Enid partiu. Não, ainda não tinha chegado o pior, mas cabia abrigar a esperança de que o senhor de Fulkhurst não fosse um homem muito exigente, que exigisse um banho mais de uma vez por semana, e possivelmente ela contaria com uns poucos dias de graça antes de confrontar aquela obrigação.
Quando retornou ao salão, comprovou que já tinham preparado as mesas de cavalete para o jantar. Warrick ainda não tinha ulcerado, mas a mesa do senhor começava a ser ocupada por pessoas privilegiadas que podiam comer nela: suas filhas, vários de seus cavalheiros, o mordomo, que também era um cavalheiro, e uma dama que já tinha ultrapassado a idade amadurecida, e que agora era tutora das filhas nas artes domésticas.
Um dos cavalheiros que estavam ali era sir Robert. Rowena se apressou a ir à cozinha para ver o que devia levar a mesa do senhor, com a esperança de que lhe oferecesse a oportunidade de falar em particular com ele, antes da chegada de Warrick. Não tinha esquecido a ajuda do cavalheiro quando a pôs aos cuidados de sir John Giffard, nem sua própria promessa de agradecer-lhe Não a prejudicaria cultivar sua amizade, pois talvez pudesse voltar a ajudá-la, e ela necessitasse toda a colaboração possível para escapar desse lugar.
Mas quando retornou com a primeira bandeja de comida, Warrick estava em seu assento, seus olhos se cravaram nela assim que entrou no salão, e não se separaram de sua pessoa até que saiu dali. Rowena não o viu, sentiu-o: não quis olhá-lo de novo depois da primeira olhada. Havia algo muito irritante no olhar daquele homem, algo que não passou inadvertido a Rowena.
Surpreendeu-lhe ver que Warrick a esperava ao final da escada quando voltou com a segunda bandeja. Sua expressão não era um bom augúrio para a Jovem.
-Não te disse que me devia olhar quando estivesse em minha presença? -perguntou ele.
-Esqueci - mentiu Rowena. Aquela resposta o apaziguou só pela metade.
-Voltará a esquecê-lo?
-Não.
-Não o que?
-Meu senhor - conseguiu dizer ela entre dentes. Pareceu agradado.
-Possivelmente necessite que alguém recorde a quem pertence agora - disse ele em tom reflexivo, ao tempo que sua mão se fechava sobre o seio de Rowena.
Ela voltou com tanta pressa que seu movimento a levou a escada, onde perdeu pé. Warrick estendeu a mão para apanhá-la, mas tudo aconteceu muito depressa e ele não pôde sustentá-la a tempo. Rowena não gritou. Experimentou um instante de alívio ao ver que seu sofrimento terminava daquele modo, o pesar ocupou sua mente. Mas este sentimento também muito breve para provocar um grito: caiu apenas dois degraus, diretamente sobre o criado que vinha atrás com outra bandeja de comida.
As duas bandejas golpearam a pedra com estrépito, enquanto o homem estendia a mão para evitar sua própria queda. Foi uma sorte que não se segurasse a Rowena, ou ela teria sofrido um puxão doloroso, já que Warrick a separou do homem quase com a mesma rapidez com que ela tinha alcançado sobre o criado. Não a soltou até que a sacudido com força pelo menos duas vezes.
-Mulher, nunca tente evitar que te toque, ou te acontecerá algo pior que uma queda pela escada. Agora, veja o desastre que provocaste, e faça depressa, porque não comerei até que você mesma encha meu prato... E tenho apetite.
Em outras palavras, a cólera daquele homem aumentaria cada minuto que passasse até que acabasse de limpar a escada. Não podia evitar que as mãos tremessem antes de terminar.
Rowena estava furiosa pelo sentimento de ansiedade que Warrick lhe tinha provocado. Quando finalmente retornou ao salão com uma nova bandeja de comida, descobriu que ele estava comendo o que havia sobre a mesa, e tão absorto na discussão com seu mordomo que provavelmente nem por um momento tinha pensado nela. De todos os modos, insistiu em que Rowena lhe enchesse o prato, limitando-se a assinalar o que desejava. E também insistiu que permanecesse ali para voltar a encher com cerveja sua taça, apesar de que um jovem pajem permanecia atrás da cadeira com uma jarra de bebida com o fim de cumprir precisamente essa função. Enquanto isso, ela tinha que olhá-lo fixamente.
Também estava furiosa por isso. Não lhe agradava olhá-lo, ver cada um de seus matizes, saber exatamente quando seus pensamentos se voltavam para ela, pois sabia que essa era uma forma mais de vingança; obrigá-la a contemplar seu rosto cruel, um castigo idêntico ao que estava implícito no fato de lhe servir a mesa. As duas coisas estavam calculadas para lhe inculcar a idéia de que ainda estava completamente a sua mercê.
Quando quase tinha acabado de comer, Warrick lhe ordenou que se adiantasse com um gesto da mão, sem olhar sequer se lhe prestava atenção. Rowena se teria visto em dificuldades de havê-lo desatendido; sabia que ele estava pondo-a a prova, para comprovar até onde lhe obedecia, embora fosse evidente que esperava um acatamento total. Isso também a enfurecia: estava tão arrogantemente certo de que ela faria tudo o que lhe ordenasse. Ninguém o desafiava jamais? Ninguém provocava intencionadamente sua cólera? Um pensamento estúpido: inclusive quando simplesmente franzia o cenho, era temível. E por muito que a chateasse, Rowena não tinha o atrevimento de provocar um castigo, ou outra represália qualquer... Pelo menos ainda.
-Esta noite quero um banho - disse-lhe, quando sentiu a presença de Rowena a seu lado. Mas seguiu sem olhá-la-. Ocupe-te disso.
Rowena fechou levemente os olhos, lamentando que ainda e depois de tudo não lhe perdoasse aquela nova humilhação. Ouviu a risada de uma das filhas, seguida de um severo olhar de repreensão da dama tutora, e sentiu que ela mesma se ruborizava.
Todos os que se encontravam ali teriam devido ser cegos para não perceber a atenção que Warrick lhe dispensava durante a comida. E sempre que um senhor se ocupava especialmente de uma das criadas, era quase certo que a moça em questão terminasse em sua cama - ou pelo menos isso era o que todos pensavam-. Essa norma não era aplicável no caso de Rowena, pois já tinha suportado aquela desagradável experiência. Mas eles não sabiam que, em lugar de favorecê-la, Warrick estava castigando-a.
Rowena saiu depressa do salão, simplesmente para afastar-se daqueles olhos de olhar frio. Encontrou a Mary na cozinha, jantando com seu marido, e isso lhe recordou que ela ainda não tinha comido. Pior, quando teria tempo para comer, com todas as obrigações que lhe tinham atribuído? Era evidente que não seria aquele dia. Por outra parte, aquele dia era uma exceção, pois devia completar a limpeza com um atraso de três dias, e tinha começado tarde; era impossível além que Warrick quisesse um banho todas às noites.
Mary se limitou a lhe explicar como devia realizar aquela tarefa, enquanto continuava engolindo suculentos pedaços de perdiz assada, e o ventre de Rowena protestavam ruidosamente porque lhe concedia só o aroma da comida. Soube de que não fazia falta transladar a grande banheira do pequeno hall frente ao dormitório, onde dormiam os escudeiros de Warrick, pois durante o verão ele se banhava ali. Tampouco tinha que conduzir os muitos cubos de água que eram necessários: tinha criados encarregados daquele trabalho. Mary lhe disse quem era para que pudesse mandá-los a pela água a vez seguinte. Explicou-lhe onde encontrar os tecidos e o Sabão destinados unicamente ao uso do senhor. Advertiu-lhe que ao senhor se agradava o banho algo mais que morno, mas não muito quente que a temperatura era responsabilidade da própria Rowena - receberia um bom bofetão se enganasse. Outra inquietação da qual podia ter prescindido, pois bem sabia que a maioria dos cavalheiros reagia com violência ante o menor desconforto; e pobre o que estivesse perto deles quando se incomodavam.
Era irritante ter que cruzar todo o longo do corredor para chegar ao dormitório. Contudo, pareceu-lhe que aquela vez Warrick não emprestava atenção. E embora o olhasse todos os tantos passos, para sujeitar-se à ordem absurda de olhá-lo sempre, ele não podia pretender que não lhe tirasse olho, já que tivesse podido tropeçar com algo, não?
Imaginava que não. No hall, frente ao dormitório... Encontrou-se frente a frente a Célia.
Compreendeu imediatamente quem era por causa de sua extraordinária beleza e do ódio concentrado que faiscava em seus olhos verdes. Usava regata e uma jaqueta com bastante decote, para mostrar seu amplo busto, e a abundante cabeleira de cachos acobreados lhe conferia uma sensualidade selvagem que devia ser sugestiva para qualquer homem. Os dentes amarelados eram apenas visíveis; seu entristecedor aroma de rosas era quase repulsivo. Aquela mulher tinha sem dúvida a impressão errônea, como acontecia a muitos nobres, de que o perfume intenso podia dissimular a sujeira.
Célia não se andou com rodeios, e passou diretamente ao ataque.
-Conheço-te... Estava na masmorra. O que fez para sair desse castigo e vê-te favorecida? Abriu as pernas ante ele? Ajoelhou-se...
-Célia, fecha sua suja boca e sal daqui! Os olhos verdes a olharam incrédulos.
-Você... Atreve-te a me falar assim! A mim? Exatamente o que Rowena precisava uma rixa por um homem que desprezava. Era para rir. E que acreditasse favorecia? O que alguém invejasse suas odiosas obrigações? Deus todo-poderoso, o que aconteceria depois? A atitude que vinha da mulher era irritante, e recordava a Rowena o havia dito dela Mary Blouet. Era evidente que Célia tinha permitido que sua posição como favorita do senhor lhe subisse à cabeça e agora manifestava uma altiva superioridade era inadequada em uma criada. Era nada mais uma criada, por muito que tratasse de elevar sua linguagem, para não parecê-lo. Mas o mesmo é você... Por agora, recordou Rowena. Portanto que direito tem a te zangar pela audácia de outra faxineira?
Esta idéia por desgraça não impediu que em seu tom se manifestasse o sarcasmo ao responder:
-Acredito que posso te falar como me agrado, Célia. Acaso não sou agora a favorita do senhor?
Esta resposta mereceu uma bofetada que resultou totalmente imprevista, assim como uma perversa réplica.
-Não por muito tempo, cadela. Recorda que quando se cansar de seu corpo pálido e fracote, eu conseguirei que lamente ter tido a intenção de ocupar meu lugar.
Rowena estava muito aturdida para dizer uma palavra enquanto Célia se dirigia à porta. Jamais em sua vida a tinham esbofeteado, e realmente não era agradável. Supunha que se tratava de outra experiência a qual teria que acostumar-se. A quem podia apelar, sobre tudo se a ofensa provinha da senhora Blouet, a quem devia obediência, ou do próprio Warrick? Mas, de outro criado? Não, não estava obrigada a aceitá-lo... Embora frente a aquela criada não tinha o mais mínimo amparo. Podia imaginar a reação de Warrick se tentava esbofetear a sua "favorita". E Célia sabia. Por isso podia incorrer naquele comportamento desconcertante e não sofrer as conseqüências.
Os criados começaram a chegar com a água. Rowena foi procurar os tecidos e o sabão ao lugar onde estavam guardados no dormitório. Trouxe outro tecido para afundá-lo na água fria e aplicá-lo a sua bochecha. Acalmou-lhe parte do calor, e a marca já se dissipou um tanto quando Warrick entrou no quarto.
Olhou primeiro a banheira e o vapor que se elevava lentamente. Tinha utilizado toda a água quente disponível para enfraquecer a água fria vertida ali enquanto ela não olhava; de modo que agora lhe restava à água fria para enxaguar de Warrick Estava a ponto de ordenar mais água quente quando ele chegou, mas a presença de Warrick a distraiu, em especial quando o olhar do homem a examinou e se fixou em sua bochecha. Aproximou-se dela, e a obrigou a levantar o queixo.
-Quem te bateu? -perguntou.
-Ninguém.
-Lembre, mulher. O que fez para provocar o desagrado da senhora Blouet?
Por que supunha que Rowena tinha a culpa? Devia lhe dizer a verdade, exceto a bofetada era simplesmente o que merecia por ter descido ao nível da Célia. Sabia muito bem que ele não faria nada se soubesse que a agressora era sua preciosa Célia, e quem sabe por que isso a machucou mais que a mesma bofetada.
De modo que mentiu, e lhe pareceu satisfatório fazê-lo naquele caso especial.
-Tropecei. Como me ordenou que te olhasse constantemente, não podia ver por onde pisava quando vinha pelo corredor.
Ele não tinha estado observando-a, de modo que não sabia se aquilo era certo ou não.
Por uma vez, o cenho franzido de Warrick não a assustou.
-Mulher estúpida. Terá que te ensinar sentido comum além de suas obrigações?
-Se me está permitido olhar por onde caminho quando está presente, tem que me dizer isso não desejo te desobedecer.
-Seriamente? -resmungou ele, ante a total resposta de Rowena, e a soltou-. Nesse caso veremos quanto te agrada me obedecer. Dispa-me.
Tinha-o esperado, mas o rubor o tino no rosto, e assim as duas bochechas tiveram a mesma cor avermelhada. Ele continuava de pé, frente à Rowena, as mãos lhe pendurando frouxamente a ambos os lados do corpo. Ao parecer, não estava disposto a ajudá-la no mais mínimo. Rowena detestava aquilo, detestava aproximar-se Warrick sabia, e a tratava como a uma serva; não, mas bem como a sua escrava pessoal.
Rowena se se apressou em despi-lo, e nem sequer tentou dissimular seu ressentimento. Aquele sorriso sem alegria que ela odiava se desenhou nos lábios de Warrick. Rowena evitou olhá-lo à cara. Desse modo não tinha mais remedeio que lhe olhar o corpo... Que lhe parecia a salvo de toda crítica.
Ele nem sequer se inclinou de modo que Rowena pudesse lhe tirar a túnica, e assim a obrigou a aproximar-se mais, para alcançar a altura de seu peito e seus ombros. Rowena conteve uma exclamação quando seus seios roçaram acidentalmente o peito de Warrick, e outra quando seus mamilos se endureceram repentinamente. Comoveu-se tanto que retrocedeu vários passos uma vez que a túnica esteve finalmente em suas mãos.
Warrick riu ante a expressão irritada de Rowena. Pelo menos, ela abrigava a esperança de que essa fora a única causa de sua grande satisfação. Não podia ter percebido a reação do corpo feminino ao contato com o seu verdade? E como era possível que algo assim acontecesse se Rowena o desprezava? Tudo carecia de sentido para ela.
Não desejava aproximar-se o de novo. Mas ainda tinha que lhe tirar as meias e as botas. Não podia fazê-lo. Seus peitos começaram a estremecer-se de novo só de pensá-lo. Por Deus, o que se passava?
Ele esperou pacientemente. Ao ver que ela não tentava aproximar-se, disse: Termina de uma vez.
Rowena meneou lentamente a cabeça, e viu que ele arqueava o cenho:
-Prefere que te prenda de novo a minha cama? Ela se aproximou bruscamente, quase chocou com Warrick. Ouviu-o rir e chiaram os dentes. Aquele homem era realmente desprezível, na verdade podia dizer-se que... Será melhor que se ajoelhe.
Rowena se ajoelhou sem pensar sequer naquela nova ordem, e de repente teve frente a seus olhos o grande vulto sob as meias. De novo lhe tingiram de vermelho as bochechas, e os dedos e tremeram enquanto tratava de desatar as cordas para deixar em liberdade a arma vingadora que ele tinha entre as pernas
-É muito satisfatório vê-la nessa posição humilde... Como um bichinho doméstico aos meus pés - continuou ele em um tom casual-. Talvez ordene que me sirva à mesa nessa postura. -Frente a todos?
-Por favor. -As palavras brotaram de seus lábios como um gemido.
Apoiou a mão sobre a cabeça de Rowena -exatamente como se ela não tivesse sido mais que um bicho que reclamava a atenção do amo- e a jogou para trás, até que ela o olhou.
-Voltará a vacilar quando tiver que cumprir com seu dever?
-Não, não vacilarei.
Ele não falou mais, deixando-a dominada pela dúvida, pois não sabia se sua resposta o tinha satisfeito. Rowena estava de joelhos, porque tinha recusado obedecer, um castigo rápido e humilhante. Acaso não bastava?
Baixou a calça e as meias de seu amo, mas evitou olhar o que avançava para ela, e se inclinou para lhe tirar as botas. Quando terminou, ele permaneceu imóvel no mesmo lugar. Rowena via seus pés nus; foi um desafio, mas não precisamente um ato de desobediência, acaso os pés não eram parte dele?
-Realmente, põe a prova minha paciência - disse Warrick, ao ver que ela continuava cravando os olhos em seus pés.
Mas esta vez não insistiu, e Rowena viu que os pés se afastavam e depois desapareciam no interior da banheira. Suspirou aliviada. Estava esquecendo mesmo assim que "atendê-lo no banheiro" significava algo mais. Ele o recordou.
-Mulher, que esperas agora? Aproxime-se e me lave o cabelo. Era parte do serviço. Rowena sabia. Pelo menos não pedia que lhe lavasse todo o corpo. A jovem não desejava aproximar-se de novo ao corpo nu; unicamente pensando-o sentia já certo calor e umidade interior, e isso a irritava.
Pegou o tecido, molhou-o e ensaboou, mas antes de tocá-lo perguntou:
-Por que sua esposa não se ocupa disto?
-Não tenho esposa.
-Mas tem duas filhas.
-E tinha duas esposas. Ambas morreram faz muito. Estava arrumando as coisas para ter outra... -de repente segurou a blusa de Rowena, aproximou-a e grunhiu-: Devia me reunir com ela, mas me impediram isso, de modo que se foi e agora desapareceu. Sabe onde estava eu e por que não pude me reunir com minha prometida como era minha intenção? - Ela temia responder. Mas ele não esperou que o fizesse-. Estava preso a uma cama para seu prazer. Santo Deus, também lhe culpava daquilo?
-Não foi para meu prazer - murmurou Rowena. Ele a soltou empurrando-a apenas.
-Implore para que encontrem a senhora Isabella, e para que não tenha morrido.
Outra sombria advertência de conseqüências ignoradas. Rowena se perguntou se a dama, longe de estar perdida, não teria aproveitado a oportunidade de evitar um casamento com aquele homem. Era o que certamente teria feito Rowena se lhe tivesse devotado a mais mínima ocasião.
O assunto o tinha irritado. Ela o recebeu pela tensão das costas, enquanto a ensaboava depressa. De modo que na realidade não se surpreendeu muito quando lhe entregou o tecido para que terminasse de lavar-se só e Warrick não o aceitou. Ganhou outro castigo por havê-lo zangado.
-Acredito que trabalhei muito hoje, de modo que você me lavará... Em todas partes. Será melhor tirar as roupas, para que não as molhe.
Gostaria que o inferno o tragasse. Por que tinha que vingar-se das coisas mais minúsculas? Era um filho do demônio, se mostrava tão cruel.
Rowena fez o que lhe ordenava, e se tirou ao mesmo tempo a camisa e a jaqueta, rompendo vários cordões ao fazê-lo. Depois, ficou imediatamente a jaqueta sem mangas antes que ele percebesse que na realidade estava desafiando pela possibilidade de molhar-se. Quando se aproximou para ajoelhar-se e começou a lhe ensaboar o peito, Warrick viu o que o feito e a situação o surpreendeu. Rowena conteve a respiração, perguntando-se se receberia dele a primeira bofetada. Por como não fez nada, acabou por olhá-lo a rosto e descobriu que Warrick tinha um sorriso sincero nos lábios, um sorriso que lhe devolvia sua beleza natural. A expressão de Rowena manifestou assombro e ele pôs-se a rir.
Rowena se sentou sobre os calcanhares, zangada. O que menos desejava era "divertir" ao monstro. Mas não parecia que esse dia fosse receber nada do que desejava. O voltou a sorrir e disse:
- Vamos, termina antes que se esfrie a água. Ela obedeceu, mas banhar aquele grande corpo masculino era uma tortura, não podia descrever-se de outra forma. O coração lhe pulsava com força, acelerava o pulso, e os mamilos bicudos chegaram quase a doer, pressionando contra a lã de sua jaqueta. Enquanto o lavava recordava muito bem às vezes em que o tinha obrigado a confrontar aquela mesma situação com suas carícias. A virilidade do homem lhe tinha roçado o braço um número suficiente de vezes, e ela sabia que estava a um passo de adquirir seu máximo volume, que certamente o alcançaria antes que ela terminasse a operação.
O rosto de Rowena estava avermelhado. O dele ainda exibia uma notável beleza, pois continuava sorrindo, divertido pelo desconforto da mulher. A ela isso já não importava, porque Seu rosto não era o único que desprendia intenso calor. De repente teve o impulso súbito e enlouquecido de meter-se com ele na banheira.
Em troca, levantou-se bruscamente e começou a lhe ensaboar os cabelos. Mas o fez com excessiva força, e formou tanta espuma de sabão que esta se deslizou aos olhos de Warrick.
-Já é suficiente, mulher - queixou-se ele-. Agora me enxágüe. Rowena estendeu a mão para o cubo, leve porque quase tinha terminado e então recordou que não ficava água quente.
-Terá que esperar...
-Não, agora.Agora, Droga!
Ela apertou os lábios. Bem, Warrick o tinha pedido. Com grande prazer, Rowena lhe jogou sobre a cabeça água gelada. Notou que ele continha a respiração, enquanto a água escorria pela cara, e o afogava e lhe provocava uma reação violenta. O momento de prazer se converteu em alarme. Sem dúvida a castigaria, apesar de que Rowena não tinha a culpa. Mas Warrick não saltou da banheira. De todos os modos ela continuou retrocedendo lentamente, para a porta, enquanto ele se limpava a água do rosto, até que ao fim baixou as mãos e os olhos cravaram em seu sítio a Rowena.
-Tratei... De te dizer que não ficava água quente...
-Sim, isso fez. Se os olhos não me tivessem ardido tanto, poderia te haver escutado. O corpo dela se endureceu.
-Então, também disto me culpará? Se me tivesse perguntado isso, poderia te haver dito que Jamais tinha banhado a ninguém deste modo, e que não conhecia a forma de...
-Cale-se!
Sem dúvida estava irritado, mas não pareceu que desejasse levantar-se e castigá-la, de modo que Rowena disse:
-O que usará agora? Irei buscá-lo.
-Não é necessário. Desejo me deitar. Irei diretamente à cama.
-Então... Posso me retirar... Meu senhor? A vacilação que ela insistia em mostrar antes de lhe oferecer a formula de respeito era intencionada, e o olhar que lhe dirigiu dizia que sabia a que atinar; possivelmente por isso Warrick respondeu:
-Não, primeiro me secará.
Era provável que esse fosse o castigo pela água fria. Ao dizê-lo ficou de pé, e como estava a certa distância, Rowena não pôde evitar a visão de grande parte do corpo masculino.
Meneio a cabeça, para negar-se de novo a lhe obedecer, mas perguntou:
- Estas agradadas com os resultados de seus manejos?
-Não! - disse enfaticamente Rowena.
- Antes sempre o estava - recordou-lhe ele. A voz de Warrick era muito rouca. Deus todo-poderoso tentava seduzi-la para que o desejasse? Nesse caso, o mais provável era que ao obter a despedisse e mandasse chamar a sua Célia. Tinha tido seu olho por olho. Não podia desejá-la outra vez. Não, quão único queria era mais vingança.
-Não... Agrada-me a violação mais do que agradava a ti - disse Rowena com expressão miserável-. Já te disse quanto lamento o que te fiz. Quando acabará sua vingança?
-Quando já não me irritar te olhar. Quando se tiverem satisfeito todas as ofensas. Quando tiver matado a seu irmão pela morte de meu escudeiro. Quando já não me interessar, mulher, e não antes... Possivelmente nunca.
Rowena jazia em seu incômodo leito, sobre o piso da saia de tecer completamente acordada. Tornou-se a pôr a regata antes de deitar-se. Aquele objeto tosco podia picar, mas o colchão de palha de lã ainda mais áspero era muito pior, de modo que a regata lhe oferecia certo alívio. Não o tinha de outro tipo, nem de seus pensamentos nem de seu ventre e tampouco como resultado das inquietantes faça a sessão que esse lorde vingança tinha provocado nela.
Não compreendia aqueles sentimentos. Ela não desejava Warrick de Chaville. Não podia desejar a um homem a quem odiava. Mas durante aqueles últimos dias ele tinha conseguido muitas vezes que o desejasse, apesar de seu ódio. E seu corpo o tinha recordado aquela noite e respondido de novo, e não como ela tinha desejado que respondesse.
Ele estava zangado tanto depois de que lhe recordaram todas as razões pelas quais desejava vingar-se. Tinha conseguido dominar-se bastante bem. Essas reações estavam só em seus olhos expressivos. Mas era suficiente para obter que Rowena tremesse. Agradava-lhe ver que Rowena tinha medo. Isso era quase suficiente para pacificá-lo... Quase.
Seus pés eram como de madeira quando se aproximou dele com o tecido suave para secá-lo. E sua voz fria não a tinha aliviado absolutamente.
-Se ajoelhe outra vez - tinha-lhe ordenado-. E tome cuidado, mulher, que não te escape uma só gota de umidade. Se me esfriar por sua negligência, te castigarei.
Havia dito como se as restantes das ameaças não tivessem sido a sério. Rowena o duvidava, mas em tudo caso naquele momento a inquietava só aquela. Em atitude de autodefesa, impôs-se secá-lo lentamente, para ter a certeza de que não deixava uma gota de umidade em parte alguma da pele
Foi uma experiência que desejou não repetir. Seu tremor de medo se converteu em outra coisa. E ele sabia a observava como um falcão, e podia ver perfeitamente o efeito que exercia sobre ela. É obvio, o efeito que ela exercia sobre ele era inclusive mais evidente, e se manifestava em todo seu esplendor. A fascinação de Rowena ante a virilidade do homem se repetiu. Contra sua vontade, inclusive o acariciou ao secá-lo.
Nesse instante lhe ordenou bruscamente que saísse. Rowena se sentia surpreendida, mas não esperou a que lhe repetisse a ordem. Fugiu imediatamente, e se encaminhou para a escada que conduzia às habitações das mulheres, que compreendiam as salas de costura e malha.
Estas últimas estavam escuras, pois ainda era cedo, as outras mulheres estavam abaixo, no Grande Salão. Rowena tivesse devido acalmar-se um pouco, e depois ir procurar algo para comer. Em troca, utilizou uma tocha que pegou do corredor para acender umas poucas velas no quarto, preparar o colchão de palha, ficar de novo a regata e deitar-se.
Dormir era outro assunto. Rowena ainda estava acordada quando quatro mulheres entraram Juntas. Falaram em voz baixa uns poucos minutos, e depois todas foram deitar se e dormiram sem a mais mínima dificuldade. Ainda estava acordada quando o ruidoso rumor de seu ventre se uniu aos suaves sons das outras mulheres que dormiam. Ainda estava acordada quando se abriu a porta, e uma forma enorme se recortou no buraco, contraposta à luz que vinha do corredor.
Rowena sabia quem era. Inclusive tinha suspeitado que fosse a vê-la, apesar de que imaginava gozando com a Célia. A menos... Possivelmente acreditava que Célia estava ali? Vinha a procurar a sua favorita, e não a Rowena? Mas se aproximou de Rowena e disse:
- Vêem. Agora, Rowena não duvidou de que falava com ela, apesar da ira do visitante não era mais que uma sombra escura. Nenhuma das outras mulheres se moveu. Rowena tampouco reagiu, exceto para menear a cabeça. Estendeu a mão e repetiu aquela única palavra. Ela se sentiu assaltada pela lembrança das mãos do homem sobre seu corpo, do prazer incrível que esse corpo lhe tinha dado vazio antes, e meneou de novo a cabeça violentamente. Não desejava de novo esse prazer, pelo menos dele.
Ele falou respondendo a sua negativa, em voz baixa, só para os ouvidos de Rowena.
-Acontece-te tão mesmo a mim, do contrário não continuaria acordada. Eu não quero suportar mais. Vêem agora, ou te levarei pela força.
Ela temia a cena que sobreviria, e que sem dúvida poderia despertar às demais, mas mesmo assim não se moveu. Ele adicionou:
-Seus gritos não importarão. Não o compreende? Ela tinha um pouco mais de dignidade que todo isso. Mas como era provável que gritasse se ele a tocava ficou de pé e saiu com o homem fora do quarto, só até o corredor vazio. Ele continuou caminhando, pois esperava que ela o seguisse. Quando ao fim compreendeu que Rowena não estava atrás, voltou. Não estava zangado. Pelo menos ainda. Limitou-se a arquear o cenho enquanto perguntava:
-Precisa de ajuda? A indiferença do homem era irritante.
-Não irei contigo - disse ela secamente-. Já se vingou de mim. Se voltar a forçar não será olho por olho.
-Disse-te que só seria olho por olho, mulher? Depois do que aconteceu hoje vai, ou seja, a que te atinar. O que dita te arrancar, terei. -E depois encolheu os ombros, pouco antes que o sorriso sem humor se desenhasse em seus lábios-. Isto nada tem que ver. Simplesmente, pensei que não há que alguém sirva neste momento, e, portanto está atada ao Fulkhurst, como outra serva qualquer. Isso significa que não pode fazer nada sem minha permissão, e que como outra serva qualquer está obrigada comigo. Significa também que, como passa às outras, se mandar te levantar as saias e gozar e o que tem entre as pernas, em qualquer momento, em qualquer lugar, é meu privilégio. De modo que se lhe digo venha a minha cama, apressará a me obedecer. Está claro?
-Sim, mas...
-Sim, o que?
-Meu senhor -resmungou ela.
-Aprende com lentidão. Mas por outro lado, o que pode esperar-se de uma mulher tão estúpida.
-Não sou estúpida... Meu senhor.
-Não o é? Não te parece que foi estúpido tratar de me roubar um filho?
-Não estúpido - confessou ela - só enganado... Mas não tinha alternativa.
-Ninguém te tinha posto uma faca no pescoço - disse ele com voz dura.
Tinham advertido a Rowena que não apresentasse desculpas. Ele estava irritado e não era provável que as escutasse, embora ela se atrevesse a tentar que a entendesse. Entretanto, não podia deixar acontecer algumas das coisas que Warrick havia dito, embora isso o zangasse ainda mais.
-Lorde Warrick, sabe muito bem que não sou serva. Se o fosse, sem dúvida estaria de acordo com tudo o que diz, e inclusive possivelmente reagisse de distinto modo quando... Convoca-me no meio da noite. Mas me chamar de serva não consegue que o seja, não modifica meus sentimentos, não me permite aceitar o que você denomina "seu privilégio".
-Você gosta de me dizer que não teve alternativa. E Acredita que tem alternativa com tudo isto?
-Se for assim, terá que me prender outra vez – as certa-lhe Rowena-, jamais irei voluntariamente a sua cama. Ele riu cruelmente ao observar sua confiança.
-Mulher, Poe essas algemas por seu bem, não para o meu. Eu teria preferido que resistisse não desejo sua submissão. Não, quero seu ódio, e sua vergonha quando ao fim sucumba. Possivelmente inclusive esta, vez te farei rogar... Rogar o que não deseja receber.
Ela empalideceu para ouvir aquelas palavras, embora ele não percebesse a palidez na semi-penumbra. Rowena podia recordar a última vez na cama de Warrick, quando ele tinha brincado com a jovem e a tinha excitado de tal modo que ela se havia sentido disposta a lhe rogar que a possuísse... Não pôde fazê-lo por que estava amordaçada. E isso tivesse sido mais humilhante de todo o resto combinado. Mas ela estava presa então, e não podia impedir essas carícias íntimas. Liberada, lutaria, de modo que ele não poderia levá-la de novo a essa cúpula da necessidade ardente... Não, nem sequer poderia conseguir que lhe rogasse. Jamais.
Armada com essa convicção dispunha-se a cometer o absurdo engano de lhe dizer que o que procurava era impossível, quer dizer, aquele era o meio mais certo para demonstrar o contrário do que pretendia. E então seu ventre interrompeu o silêncio com uma queixa ruidosa. Inclusive isso a envergonhou, sobre tudo quando ele baixou os olhos para olhar fixamente o órgão de onde partia o som.
-Quando comeu por última vez? -perguntou Warrick.
-Esta manhã.
-Por quê? Teve tempo demasiado...
-Não o tive antes de seu banho, e depois, eu... Só desejava me esconder e tratar de recuperar o ânimo.
-Não me culpará por te haver perdido uma comida, e tampouco voltará a perdê-la. Não me importa se morrer de fome, mas terá que esperar até que meu filho já não dependa de ti. Já tem muito pouca carne sobre os ossos. Se saltar outra comida, te castigarei.
Rowena começava a não assustar quando ouvia aquelas ameaças. Parecia que falava a sério, que tinha a intenção de cumprir o que dizia, mas as formulava com muita freqüência e por isso mesmo já não inspirava muito temor.
-Não tenho a intenção de morrer de fome para evitar sua vingança.
-Bem, porque comprovará que não tem modo de escapar. Agora, vêem...
-Retorno a minha própria cama.
-Vem comigo... E não te adverti que não devia me interromper?
-Sim, mas como você não cumpre essa norma, não acredito que deseje que te considere um hipócrita além de um monstro.
Voltou a desenhar-se em seu rosto aquele sorriso sem alegria. Em realidade, o sorriso era muito mais intimidador que suas ameaças, porque sempre tinha sido prelúdio dos castigos. Ele se adiantou um passo. Ela retrocedeu outro.
-Não pensará escapar de mim, verdade, mulher? -burlou-se ele Ela levantou o queixo.
-Sim, por que não? De todos os modos, sua intenção é me castigar. E já não tenho outro recurso que ser mais veloz que você, caipira lhe sigam.
Antes que desse o passo que lhe permitiria apoderar-se de Rowena, ela passou por seu lado, em direção à escada circular que começava ao final do corredor. Se puder chegar ao salão, encontraria muitíssimos lugares para esconder-se, inclusive entre os servidores ali dormiam. Mas o que tinha na mente era o depósito que estava no porão.
Rowena desceu os degraus de dois em dois. Ouviu que ele amaldiçoava detrás, escutou o assobio de sua própria respiração e o roçar do aço sobre a pedra, ao pé da escada. Rowena conseguiu deter-se a tempo. O homem que lhe fechava o passo tinha uma vela em uma mão, a espada na outra. Não era maior que ela, mas tinha pelo menos um palmo mais de estatura.
Rowena não pôde encontrar o modo de esquivar a espada ou ao Jovem que a empunhava. Sentiu-se elevada por trás, e ouviu a voz de Warrick:
-Afasta essa arma, Bernard, e vá despertar ao cozinheiro. Mas logo que o jovem foi cumprir a ordem, a voz dura cobrou um acento brandamente ameaçador ao murmurar junto ao ouvido de Rowena:
-Se não tinha merecido o castigo antes, terá agora... Mas primeiro, comerá.
A cozinha era um lugar inquietante sem o grande fogo que crepitava e as muitas tochas que dissipavam as sombras. O gato emitiu um grunhido queixoso antes de estender-se atrás da porta. O cozinheiro resmungava a respeito de seu sono interrompido; Bernard sustentava no alto a vela, de modo que o cozinheiro pudesse ver o que estava fazendo. Rowena continuava presa nos braços de Warrick. Cada vez que se movia um pouco, ele interpretava o gesto como um intento de fugir, e apertava com mais força os braços.
Quando ao fim a sentou em um tamborete, frente à mesa, Rowena encontrou uma excelente diversidade de mantimentos, entre os quais podia escolher; todos eram pratos frios, mas mesmo assim tentadores para um ventre vazio. A meia tigela de pão ainda estava branda, quão mesmo a manteiga distribuída sobre ela. Havia uma grosa fatia de carne assada, alguns pedaços de vitela, uma parte de cavala condimentada com hortelã e salsinha, embora sem o molho de acedera que o tinha acompanhado antes. Uma parte de queijo, peras, e um bolo de maçã completavam a comida, além de um Jarro de cerveja.
-Não sobraram perdizes? - perguntou Warrick ao cozinheiro quando Rowena começou a comer.
-Uma, meu senhor, mas senhora Beatrix pediu que a servissem pela manhã...
Warrick o interrompeu para ordenar:
-Serve-a. Minha filha pode comer o que se prepare para o matutino, como faremos todos outros. Agora esta mulher morre de fome.
Rowena não podia acreditar o que estava ouvindo. Warrick sabia que estava lhe criando outro inimigo? Não tirava coisas à filha da casa para dá-las a uma criada A uma hóspede, sim, mas não a uma criada. E, além disso, o cozinheiro teria que lutar pela manhã com a zangada Beatrix de modo que aí tinha também um inimigo; e o cozinheiro era marido da Mary Blouet, que tinha a Rowena a seu cargo
-Aqui há mais comida da que posso comer - disse-lhes Rowena-. Não necessito...
-Necessita de variedade - insistiu Warrick.
-Mas eu não gosto da perdiz - mentiu a Jovem.
-Não só te alimenta você - replicou ele.
Aquele comentário lhe avermelhou o rosto por causa da vergonha, sobre tudo porque ali estavam os outros dois homens, que a olhavam de diferentes modos, como se a estranha conduta de Warrick agora fosse mais compreensível. A esse passo, a notícia de que estava grávida provavelmente se difundiria por todo o castelo. Este fato, unido a grande atenção que Warrick concedia a Rowena, facilitaria a todos adivinhar quem era o pai. Não se importava? Não, por que devia se importar, se seu propósito era apoderar do menino?
A frase de Warrick provocou o olhar hostil de Rowena.
-Nem o menino nem eu queremos perdiz, não o queremos. Ele a olhou um momento antes de aceitar com tom de resmungo:
-Muito bem. -E depois se voltou para o aliviado cozinheiro e adicionou-: Mas deveria beber vinho em lugar de cerveja. Traz uma garrafa desse meio suave que enviei de Tures. Rowena esticou o corpo. Também o cozinheiro, que disse:
- Meu senhor, terei que despertar ao mordomo para conseguir a chave.
-Pois o faça.
Rowena acabava de evitar o ganhar dois novos inimigos ao renunciar a um de seus pratos favoritos. Não estava disposto a conseguir outro, o mordomo, ao aceitar seu próprio vinho, o qual provavelmente se asfixiaria, porque era dele. Era cruel lhe oferecer a bebida que lhe tinham arrebatado, mas não Podia atribuir essa crueldade de Warrick, porque ele não sabia que Rowena era a senhora de Tures.
Deteve o cozinheiro que já se dirigia à escada.
-Master Blouet, isso não será necessário. Neste momento o vinho me faz mal - mentiu Rowena-. Por isso não posso bebê-lo.
O cozinheiro se voltou esperançado, para obter a confirmação de seu senhor, mas Warrick estava olhando irritado a Rowena.
-É estranho - disse-, que o que provoca mal estar a outros é o que te faz mal precisamente agora - disse a jovem.
-Não é assim -replicou com ar de dúvida, e depois adicionou com hostilidade-: Nunca volte a contrariar minhas ordens, mulher. Se Master Blue te obedecer, em lugar de acatar meus mandatos, receberá dez chicotadas.
Ao escutar isso, o pobre cozinheiro subiu depressa a escada para despertar ao mordomo. Rowena deixou de comer, e se levou as mãos ao ventre, de modo que Warrick soubesse que lhe estava estragando o apetite.
-Sua atitude de recusa é desprezível - murmurou Warrick ante o descaramento de Rowena. Ela perguntou:
-O que fará com o vinho? Eu não o beberei.
-Ordenarei que o levem a meu dormitório, para bebê-lo, como lhe levarão a ti logo que tenha concluído a comida; a menos que já tenha terminado... -Rowena voltou tão depressa à comida, que o sorriso sem alegria apareceu de novo nos lábios de Warrick-. Bernard? Bernard não necessitava que lhe repetissem a ordem.
-Sim, meu senhor, logo que tenha terminado - aceitou o moço.
Warrick pôs um dedo sob o queixo de Rowena, que ela estava movendo energicamente ao mastigar.
-Não te abarrote mulher, e não demore muito; do contrario terei que retornar aqui para ver o que te demora, e isso não me agradaria. E deixou-a sozinha com o escudeiro e a comida. Rowena mastigou mais lentamente, mas a ansiedade condenava lhe apertar o estômago. Dispunha-se a violá-la outra vez De fato, tinha prometido fazê-lo.
Talvez devia recusar ao moço e não de Warrick depois escapar e esconder-se. Bernard era mais corpulento que Rowena, embora ainda não se desenvolvesse por completo de modo que certamente tinha mais possibilidades de fugir dele que de seu amo. Mas desse modo obteria que castigassem ao escudeiro. E se Warrick vinha a por ela? Não despertaria a outros com o fim de que lhe ajudassem a procurá-la? É obvio aquele canalha desconsiderado adotaria precisamente essa atitude. Não lhe importava que as pessoas do castelo trabalhassem firme o dia inteiro e que precisasse dormir. Tampouco lhe importava, mas em todo caso não desejava que todos os habitantes de Fulkhurst a olhassem com ódio, pois ali não havia uma só alma que a protegesse da vingança e os insultos.
-É melhor que se dê pressa - disse Bernard atrás-. O humor de meu amo não inclui a paciência: não gosta de esperar muito tempo.
Ela não olhou para trás para responder.
-E o que? Agora virá a me buscar. Acredita que isso me importa? Venha ou não venha, terei que suportar sua cólera. E seus pequenos castigos...
Rowena se perguntou qual seria a humilhação que a esperava por havê-lo desafiado no corredor, junto às habitações, por escapar dele, por contrariá-lo. Os pedidos que tinha mencionado? Algo pior? Não. O que podia ser pior que pedir prazer a um homem a quem desprezava?
-É uma mulher perversa, e não agradece sua generosidade. Rowena se engasgou com a carne que estava mastigando. Quando o acesso de tosse se acalmou, voltou-se para olhar com odeio ao Jovem que tinha formulado aquela absurda declaração.
-Que generosidade? -perguntou
-Alimenta-te depois de que já se fechou a cozinha. Antes de hoje, nunca a tinham aberto nestas circunstâncias. Master Blouet não se atreveria a fazê-lo nem que ele mesmo estivesse morrendo de fome. Era uma norma usual na maioria dos castelos. Se não se procedia assim, corria-se o risco de que houvesse esbanjamento. Mas Rowena não estava impressionada.
-Alimenta a seu filho, não a mim - burlou-se. Ele não abriria a cozinha nem sequer para suas filhas - replicou o jovem.
-Você sabe tudo! -exclamou ela, impaciente-. Esse homem me odeia. -Quando te deseja antes que a outra? Quando vacilou horas inteiras ante a possibilidade de despertar, embora sua necessidade era grande? Quando inclusive te levou em seus braços para que não pegasse frio porque estava descalça?
Ela poderia ter refutado cada uma daquelas afirmações, mas se ruborizou intensamente ante a menção da necessidade de Warrick, a que ela tinha provocado durante o banho. Rowena tinha suposto que mandaria chamar a Célia. Por que não o tinha feito? Porque contigo se venha e satisfaz sua necessidade. Mas, por que tinha esperado tanto tempo? Porque para falar a verdade ele não podia suportar o contato com o corpo de Rowena, do mesmo modo que ela não podia suportar o contato... Não, estava mentindo-se. Na realidade, jamais a tinha incomodado tocar esse corpo belamente formado quando o tinha tido em seu poder. E essa noite, excitou-se ao tocá-lo, apesar de que ele não a tocava. Mas isso lhe incomodava! Incomodava-lhe o efeito que ele produzia nela!
-Não importa que eu não deseje seus cuidados? -perguntou Rowena, como se pudesse obter que o moço a compreendesse e trocasse de opinião. O se limitou a responder: -Ia lhe hei isso dito, é perversa.
-E seu é ignorante e preconceituoso! Seu senhor é um indivíduo cruel e vingativo...
-Não! -exclamou Bernard, agora irritado-. É bom e benévolo com quem o serve. Só castiga os seus inimigos.
-E eu sou um de seus inimigos - murmurou Rowena, lhe voltando às costas.Mirou fixamente a comida que já não desejava.
O poderia fazê-lo? Rowena decidiu ser tão perversa
-Seu inimigo? Uma mulher? O que poderia ter feito. Para ganhar sua inimizade? Falou Bernard.
Só estuprá-lo e lhe roubar um filho. Mas aquele era um crime tão entristecedor aos seus próprios olhos, que Jamais o reconheceria a ninguém. Era provável que Warrick mudasse de idéia e a mataria se falasse, porque pelo menos a metade de seu ódio provinha do fato de que alguém pudesse lhe haver infligido aquela ofensa, a ele, que era um senhor tão poderoso.
De modo que não respondeu e se limitou a dizer com voz desfalecida:
-Se pensa me levar com ele, faça-o. Já terminei aqui o cozinheiro voltou com o mordomo, e se aproximou apressado.
-Moça, não te agrada os restos?
-Master Blouet, foi uma comida excelente, mas já estou satisfeita. E em adiante farei todo o possível para comer a horas normais, de modo que não lhe incomodem de novo. O desprezou a desculpa:
-O menino deve alimentar-se. Ocuparei de que receba sempre uma porção mais abundante.
-Não, não é necessário...
-Lorde Warrick assim o quer. E o que lorde Warrick queria, se fazia. Rowena chiou os dentes e saiu da cozinha. Mas antes de chegar aos degraus de pedra, apanharam-na por trás, como antes. Mas nestes braços não se sentia certa. Tinha a impressão de que podia cair de um momento a outro.
- Me solte Bernard. Sou perfeitamente capaz de...
-Perversa - repetiu o Jovem, enquanto subia os degraus-. Prefere adoecer-se e morrer de modo que a meu esfolem a chicotadas. Realmente perversa.
-Tolo, é mais provável que quebre o pescoço quando cair contigo.
-É cavalheiresco ajudar a todas as mulheres... Mas a próxima vez tenha a bondade de usar sapatos.
Estava queixando? Rowena lhe teria arrancado as orelhas, mas temeu que por causa da surpresa a deixasse cair. Deus protege dos aspirantes a cavalheiro.
-Como pode saber se o piso está frio quando não esta descalça? Gelam-me os tornozelos dos pés. Depois de tudo, terá que me levar.
Ele estava de pé, ofegante. O escuro salão se estendeu a confusão havia só uma tocha ao fundo para iluminar o estreito atalho entre os corpos dormidos dos criados. Bernard a olhou horrorizado.
-Ah... Quer que te empreste meus sapatos?
-O que quero é retornar a minha própria cama. O horror do Bernard se acentuou.
-Não pode fazer isso!
-Pois me olhe.
Rowena se voltou e começou a percorrer o atalho, mas logo que tinham acontecido cinco segundos quando se sentiu levantada de novo. Agora Bernard estava zangado, e lhe falou com verdadeiro mau humor.
-Amiga esses ares de grande dama não vão. Acredita que o favor de um senhor eleva a essa condição? Não é assim, e será melhor que o recorde.
As palavras do Bernard a ofenderam, e a induziram a responder sem pensá-lo.
-Não necessito que elevem a uma hierarquia que já é minha. Seu magnífico e benévolo senhor foi quem quis me fazer algo distinto do que sou, apesar de que sou a senhora de... -Seu sentido comum retornou antes que dissesse "Tures". Em troca, disse "Kirkburough"-. Um lugar que ele destruiu recentemente.
-Lembre-se, mulher.
-E suas falas como seu amo, estúpidas - replicou Rowena-.
Na realidade, a única mentira que te disse foi que o que tinha nos pés. Agora, me solte!
Obedeceu, e a soltou porque na realidade já não tinha força os braços. Mas isso não serve de muito a Rowena, pois tinham chegado à hall do dormitório, e a porta do aposento interior estava aberta. Logo apareceu o se atraído pela voz sonora de Rowena.
-O que te acontece? -perguntou Warrick a seu escudeiro, pois o moço ofegava visivelmente.
Rowena respondeu antes de poder fazê-lo Bernard - Quis te imitar e me trazer, mas descobriu que tem que crescer um pouco antes de começar a representar o papel do bárbaro que impõe sua vontade às mulheres.
A dupla burla não passou inadvertida para nenhum dos dois varões. Bernard se ruborizou intensamente. Warrick sorriu o mesmo sorriso gelada que Rowena detestava.
-De modo que minha nova serva tem garras, não é? -respondeu Warrick-. Já me ocupar de cortar-lhe entra, Rowena.
Ela não se moveu nem um centímetro, horrorizada pelo que acabava de fazer. O que a tinha induzido a pensar que podia burlar-se dele e insultá-lo sem pagar o preço? Mas de todos os modos, enquanto se visse obrigada...
-Eu... Estou farta de aceitar castigos que não mereço... -Dirigiu um olhar ao Bernard antes de terminar com estas palavras-: Se quiser que entre aí, terá que me arrastar. Já lhe disse isso, não irei por própria vontade.
Tudo teria estado muito bem se Bernard não bloqueasse a única saída, mas essa era a situação, e, portanto Rowena não teve aonde ir quando Warrick aceitou seu desafio e se aproximou para aferraria. E embora tentasse com todas as forças que possuía soltar sua mão do aperto dos dedos de Warrick, viu-se levada bruscamente ao dormitório, e ali o fechou de um golpe a porta. Não se deteve até que se aproximo da cama e a jogou sobre ela.
Depois, lentamente, e com evidente prazer, aproximou seu corpo ao de Rowena, até que ela compreendeu que não teria a mais mínima possibilidade de afastá-lo.
-Vê agora que pouco importa sua vontade? -provoco-a.
- Odeio-te.
-Retribuo-te de todo coração o sentimento, e te acerto que se tratar de odiar tenho muita mais pratica que você. -Estava lhe mostrando seu sorriso cruel, de modo que Rowena alimentou poucas dúvidas a respeito da sinceridade de suas palavras.
De repente sentiu desejos de chorar. Inclusive umas poucas lágrimas apareceram em seus olhos, e os iluminaram com o brilho de um par de jóias
Ele viu as lágrimas e momento, e as examinou pensativo durante um momento antes de dizer:
-Não pensará me facilitar às coisas, verdade? Onde está a resistência que me prometeu?
-Você se agrada muito com meu ódio e minha resistência. Prefiro não te conceder o mais mínimo prazer.
-Mulher egoísta - burlou-se ele, embora de repente em seus olhos se manifestassem um autêntico humor-. De modo que pensa deixar inerte o corpo, e abriga a esperança de que eu me aborreça e te abandone?
Ela ainda não conhecia esse tipo de reação no Warrick, e disse com expressão fatigada:
- Agora que o menciona...
Ele riu, confundindo a Rowena, e riu ainda mais quando viu a confusão da moça. Depois, aproximou a mão à bochecha de Rowena, uma mão tão suave, e o polegar se deslizou lentamente, inquietante, sobre a totalidade do lábio inferior.
-O que vou fazer contigo?
Pergunta-a não pareceu destinada a ela, era simplesmente como se pensasse em voz alta. Mas de todos os modos, ela respondeu:
- Deixe-me ir.
-Não, jamais - disse ele com voz suave, enquanto fixava os olhos nos lábios de Rowena-. Você foi virgem em mais de um aspecto. E o que me diz disto?
Olhava-a com olhos quentes e com um sorriso que o fazia enormemente arrumado. Rowena quase se sentiu hipnotizada. Então, seus lábios tocaram os dela.
Tinha-o previsto, estava preparada para resistir, mas não para a imprevista participação do resto de seu próprio corpo, sobre o qual não exercia nenhum controle. A língua de Warrick roçou os lábios de Rowena, e ela experimentou sensações em ventre. Ele introduziu a língua entre os dentes de Rowena.
Warrick estava aturdido, dominado pela satisfação total e o descontentamento. Nenhum dos dois sentimentos lhe agradava nesse momento, mas nenhum o deixava em paz. Alguém o induzia a desejar a possibilidade de negar o outro, mas não podia, pois mergulhar-se no corpo daquela bruxa de cabelos de linho tinha sido incrivelmente satisfatório. É obvio, todo aquilo era tão agradável porque lhe permitia vingar-se dela. Um prazer tão imenso não podia responder a outro motivo.
Mas não tivesse devido experimentar nada de todo isso, pois não alimentava a intenção de tocá-la de novo depois de havê-la liberado de suas algemas. Sua intenção tinha sido certamente continuar torturando-a, e cobrindo a de vergonha. Até se propunha obtê-lo, pois não estava disposto a lhe permitir que vivesse sem pagar por isso certo preço, e desejava que Rowena o recordasse constantemente.
Mas aquela noite tinha demonstrado Warrick que era um besta se acreditava que podia envergonhá-la obrigando-a a emprestar serviços Íntimos sem pagar a sua vez o preço correspondente. Tivesse podido fazê-lo se Rowena tivesse contínuo sentindo só vergonha, mas em troca se excitou, embora tinha feito todo o possível para evitar que ele o percebesse; e o fato de que ela o desejasse tinha determinado que Warrick se descontrolasse. De todos os modos, tinha conseguido resistir à sedução de Rowena, e a tinha afastado de sua pessoa. Mas a mulher tinha continuado influindo em seu mente... e seu corpo.
Que pudesse obrigá-lo a desejá-la tão intensamente tivesse ido irritá-lo. Na verdade, aquela expressão o enfurecia, pois não se tratava de algo distinto da falta de controle padecia quando ela o tinha tido em seu poder. E em efeito ele tinha combatido a ânsia entristecedora de ir buscá-la levar-lhe aquela noite. Mas logo que pensou que a condição em que ela estava agora lhe dava todo o direito possuí-la outra vez, perdeu a batalha.
Inclinou-se para olhá-la. Ela fingia dormir, com a esperança de evitar que Warrick continuasse prestando atenção e Warrick sorriu para si mesmo. Não tinha suposto que lhe pareceria tão divertida. Sua atitude e os intentos de desafiá-lo eram ridiculamente divertidos. A maior parte do tempo lhe temia, mas às vezes também se irritava. E ele comprovava que lhe agradava a cólera de Rowena muito mais que seu medo, o qual não parecia muito lógico.
Tampouco tinha muita lógica que ela procurasse intencionadamente provocar sua cólera, em vista da gravidade de sua posição. Não tinha incomodado em despi-la ou despir-se, simplesmente tinha levantado a saia, como tinha advertido que podia fazer. Também havia dito que não desejava sua boa vontade, mas ouvi-la rogar que a possuísse tinha sido bastante agradável, e tinha apaziguado sua cólera de senhor.
Rowena tinha a saia levantada até os quadris. O apoiou uma mão sobre o flanco nu da jovem e viu como ela continha a respiração. Mas não abriu os olhos, e continuou fingindo que dormia. Outro pequeno gesto de desafio que ele decidiu ignorar no momento.
A atitude de Warrick era estranha. Desprezava a Rowena pelo que lhe tinha feito, mas lhe agradava muito tê-la em seu poder. E aquela ânsia de possui - lá quando já se sentia perfeitamente satisfeito agravava seu descontentamento.
Com o cenho franzido afastou a mão, e chegou à conclusão de que a presença da jovem devia ser a causa de sua estranha disposição de ânimo. Pelo menos isso podia solucionar-se, e depressa.
-Saia, mulher. Que te use não significa que compartilhe minha cama contigo mais do que já o tenho feito. Não gostou de dormir em um colchão de palha duro estas últimas três noites.
-Estou transbordando simpatia - replicou Rowena enquanto saía, do colchão e se encaminhava para a porta. Seu sarcasmo saia demasiado evidente e não divertiu de Warrick. Lembre-se da minha cama branda quando dormir em seu próprio colchão de palha duro - disse ele. Rowena se voltou para lhe dirigir um breve sorriso.
-Já esqueci sua cama; uma laje de pedra seria preferível.
-Não era essa sua atitude quando me rogava que te possuísse.
O rosto de Rowena ficou vermelho quando ouviu estas palavras. Bem, isso lhe ensinaria a mostrar-se um pouco mais hábil com suas brincadeiras. Mas ele esqueceu logo que viu os pés nus de Rowena.
-Volta aqui, Rowena. - O rosto de Rowena passou do vermelho ao branco, e ele explorou-: Não estou de humor para te levar de volta a sua cama porque esqueceu trazer seus sapatos.
- Esqueci? Não tinha intenção de abandonar o quarto em que dormia. Você despertou na metade da noite, e pretendia que eu estivesse completamente vestida?
-Não dormia. Mas de todos os modos, terá que dormir aqui, até que eu ordene que lhe tragam os sapatos, pela manhã.
-Não me esfriarei, juro-lhe isso.
-Pretende permanecer aí e discutir comigo, mulher? -perguntou ele. Ela inclinou a cabeça.
-Não - disse em voz tão baixa que ele apenas a ouviu.
-Então, retorna agora mesmo a esta cama. Não direi mais. Rowena se adiantava muito lentamente, pondo à prova a paciência, o domínio de si mesmo e as boas intenções de Warrick. Mas quando chegou à cama, estava tão irritado que adicionou:
-Acima de tudo, tire essa camisa. Não desejo que me arranhe a pele se chegar a roçá-la enquanto durmo.
Ela voltou bruscamente à cabeça para mostrar de Warrick que não estava assustada, como ele tinha acreditado. Tinha tentado esconder sua fúria. Agora renunciou a sua ficção; tirou a camisa e a jogou no chão. Essa demonstração de irritação era simplesmente divertida. A coloração vermelha na pele, por causa da lã áspera, era o que irritava de Warrick.
Condenada pele, tão delicada. Fazia uma exceção ao permitir que Rowena compartilhasse sua cama, em defesa de sua saúde, e agora se via obrigado a fazer outra exceção em favor da jovem.
Warrick não agradava debilitar sua vingança com aspectos parciais, mas de todos os modos se disse que devia ordenar a Enid que trouxesse os objetos de tecido suave de Rowena e possivelmente também sua própria camisa, quando pela manhã lhe levasse os sapatos. Mas mais valia que aquela fosse à última concessão que o fazia por causa de seu sexo ou seu corpo delicado, pois se aquilo continuava assim a mulher começaria a pensar que não sentia verdadeiro desagrado frente a ela.
Para obter que não pensasse semelhante coisa, passeou o olhar sobre a nudez de Rowena, e disse:
- Realmente, é agradável te ensinar qual é seu lugar.
-Sob seus pés? -resmungou Rowena.
Warrick começou a tirar-se seus próprios objetos de vestir. Mas esboçou um sorriso incerto antes de responder:
-Se o desejar assim, assim será. Agora, te coloque sob as mantas. Não quero ouvir uma só palavra mais esta noite.
Ou ver de novo aquele corpo atrativo que ela nem sequer tentava esconder aos olhos de Warrick.
Por uma vez Rowena se apressou a obedecer à ordem, mas quando ele a sua vez se deitou, depois de apagar as velas, e se voltou para ela só para encontrar uma posição cômoda, Rowena exclamou:
-Não posso suportar de novo seu contato. Enlouquecerei. Ele se sentiu tentado de refutar aquelas palavras. Em troca. Disse:
-Cale. Estou muito fatigado para te forçar de novo... Por muito que peça.
Mas perversamente lhe aconteceu um braço pela cintura e a atraiu à curva de seu corpo.
-Não posso dormir assim - disse ela, chiando os dentes.
-Será melhor que possamos dormir mulher, porque ao contrário não importará tão cansado esteja. Ela se manteve assim quieta que nem sequer respirou. Ele se pôs a rir e a apertou, com mas força.
-Se te desejar de novo, suas tolas travessuras não me impedirão; de modo que durma, não me faça mudar de idéia. Rowena respirou fundo e não disse mais nada. Warrick, em efeito, estava cansado, mas nem tanto que não apreciasse a calidez do corpo apertado contra ele. Depois de tudo, a suavidade da mulher era agradável, e compreendeu que se não se tivesse cuidado terminaria acostumando-se a isso.
Deus se mostrou compassivo pela manhã, pois permitiu que Rowena despertasse em um quarto vazio. Não sabia como confrontaria de Warrick à luz do dia, depois do que tinha acontecido a noite anterior, mas pelo menos sentia um alívio temporário, embora não por causa das lembranças.
Gemeu quando evocou as diferentes cenas, e afundou a cabeça sob o travesseiro. Havia-se sentido tão segura que poderia resistir à tentação de pedir a Warrick, mas com os lábios e os dedos daquele homem torturando-a, com seu sangue cada vez mais apressado pela necessidade, as palavras que ele tinha desejado ouvir brotaram dos lábios de Rowena. E não tinha importado nada exceto o prazer delicioso que tinha negado até que obedeceu a suas ordens. A mortificação e o ódio de si mesmo tinham chegado depois, mas durariam muito mais tempo, provavelmente para sempre. Ainda não podia suportar a idéia de olhá-lo aos olhos e ver sua expressão de grande satisfação.
Estava certa de que morreria curvada pela vergonha, e ele riria. A debilidade de Rowena não significava nada para aquele homem; seu próprio triunfo era tudo. Sim, ele riria dela, e ela o odiaria mais que nunca...
-Desperta, mulher, e te ponha isto.
Rowena emitiu uma exclamação de surpresa, moveu-se e viu Warrick de pé junto à cama, com roupa interior feminina nas mãos, assim como com a jaqueta e os sapatos que e a tinha deixado na sala de costura. Olhou-a com o cenho franzido... Depois continuou falando com sua habitual brutalidade.
-Acredita que pode vagabundear na cama, como provavelmente é seu costume, só porque ontem à noite você me agradou? Sua condição não muda, e tampouco suas obrigações, a que descuidou esta manhã. Eu já comi, assim precisará servir a mesa do estrado até a noite; por isso vá tomar o café da manhã agora e te ocupe de seus outros deveres. Saiu antes que ela pudesse lhe dar uma resposta adequada irritante. De modo que vagabundeava na cama. Como se pudesse fazê-lo, sobre tudo na cama daquele homem.
E de repente percebeu que tinha confrontado a situação e sobrevivido. Não estava disposto a vangloriar-se da vergonha de Rowena? O único modo de mencioná-lo era dizer que tinha encontrado nela um pouco de prazer? Certamente, não o entendia. Tinha desperdiçado uma oportunidade perfeita para humilhar mais a sua prisioneira.
Rowena contemplou os objetos deixados sobre a cama, e sua confusão se agravou. Sabia por que tinha entregado as roupas próprias de uma criada: para que aqueles objetos tão ásperos lhe recordassem constantemente sua nova condição. Entretanto, agora tinha sua própria roupa interior, de fina e suave fiação, que lhe protegeria a pele. Ainda teria que vestir a jaqueta e a saia de criada, mas já não sofreria a irritação na pele por causa daqueles objetos.
Olhou divertida a porta por onde tinha saído Warrick. Aquele homem cruel recusava permitir que passasse fome, recusava permitir que tivesse frio; embora sua inquietação com aquele assunto teria haver com o menino que levava em seu ventre. Agora recusava permitir que sua pele se irritasse com os objetos que ele mesmo tinha insistido em que usasse, e isso nada tinha a ver com o filho. Relacionava-se com ela. Cruel? Sim, certamente, era-o... Mas possivelmente nem tanto. E bem, o que estava pensando? Não havia bondade em Warrick de Chaville, nem um pouco sequer. Sem dúvida, tinha algum motivo escondido para lhe devolver suas roupas, um motivo que ela não sabia ainda, mas que provavelmente a envergonharia. Um homem odioso. Não tinha nada melhor que fazer que atormentá-la da pior forma possível? Vestiu-se depressa, suspirando gostando da familiar comodidade de sua combinação do fino tecido branco, e a regata a vermelha ajustada que chegava até os tornozelos, como devia o caso, tratando-se de uma dama. A superfície áspera da jaqueta já não tocou a pele, mas Rowena comprovou que tinha um problema para assegurá-la sobre os ombros agora que debaixo estava a regata suave, em lugar da áspera na que pelo menos mantinha em seu lugar o outro objeto
De todos os modos, sentiu-se muito melhor usando pelo menos alguns objetos próprios, e quase sorria quando entrou no grande salão, e sorriu mais abertamente quando viu que Warrick não estava ali para desconcertá-la com suas frias olhadas. Procurou Mildred perto do fogo, mas ali estavam unicamente as filhas de Warrick com sua tutora, aprendendo novos estilos de costura. Não voltou as olhar, de modo que não viu como elas a observavam enquanto se aproximava da escada que conduzia à cozinha, com uma expressão quase tão odiosa como a do pai.
-Queridas, não lhe emprestem atenção - recomendou-lhes senhora Roberta-. Uma dama não se rebaixa a olhar a mulheres dessa classe.
-Mas passou a noite no dormitório de nosso pai - assinalou Melisant, de treze anos-. Célia nunca passou toda a noite com ele.
-Com seus ares altivos. Célia não é uma companhia muito agradável - disse Beatrix com expressão desdenhosa.
Beatrix era a filha mais velha, com quatorze anos, se não se contava à bastarda Emma, por quem o pai jamais perguntava, e a qual nenhuma das filhas legítimas reconhecia como irmã. Melisant era a mais bonita das duas, com seus cabelos loiros e seus olhos cinza, mesclados com azul na medida suficiente para evitar que fossem tão frios como os do pai. Beatrix tinha cabelos e olhos castanhos, e maçãs do rosto muito pequenas. Teria acreditado formosa se sua expressão não tivesse sido sempre tão dura e desaprovadora. Por outra parte, era bem sabido que Warrick se comprometeu com a mãe de Beatrix em idade muito ternas, e a madre tinha sido uma mulher pouco atrativa. Em troca, tinha escolhido pessoa - memória à mãe do Melisant por sua beleza.
-Beatrix não guardava muito rancor a sua irmã mais nova. Depois de tudo, tinha mais idade, e era a herdeira de seu pai. Melisant receberia toda a herança que lhe correspondia por parte de sua mãe, mas Beatrix ficaria com o resto, enquanto não houvesse herdeiros varões. E essa era a razão por o qual Beatrix vivia temerosa da chegada de senhora Isabella, e silêncio tinham adorado saber que Isabella tinha desaparecido, e que possivelmente estava morta. Warrick tinha necessitado muito tempo para encontrar a depois de chegar à conclusão de que era o momento de casar-se outra vez e tinha levado ainda mais tempo fechar o trato com ela. Estava tão atarefado com suas guerras e a ampliação de sua propriedade, que seria a propriedade do Beatrix, que não tinha tido tempo para procurar outra esposa.
Não agradavam os rumores que lhe chegavam a respeito da nova criada. Duas vezes haviam dito já que essa mulher estava grávida, e que o menino provavelmente era de Warrick. Em si mesmo isso não era alarmante, pois Warrick Jamais contrairia casamento com uma serva de categoria inferior, e o bastardo de uma serva Jamais herdaria Fulkhurst, embora se tratasse de um varão. Mas o outro rumor que tinha chegado a seus ouvidos era que essa mulher na realidade não era uma serva, a não ser uma dama de bom berço que simplesmente se ganhou a inimizade de Warrick, o qual modificava toda a situação.
Não acreditava. Nem sequer seu pai, que se mostrava completamente cruel com seus inimigos, trataria desse modo a uma dama. Mas se era certo e a moça desse um filho varão de Warrick, poderia induzi-lo a contrair casamento com ela.
Beatrix sabia que Warrick queria um herdeiro varão. Todos sabiam. Se esse herdeiro varão nascesse, ela não poderia suportá-lo depois de ter vivido sempre com a esperança de ser a herdeira das posses de seu pai. Desejava-o, necessitava - Não tinha a beleza da Melisant. Só a posse do Fülkhurst lhe permitiria conseguir o marido que desejava.
Aí está de novo - disse Melisant enquanto Rowena aparecia no salão, esta vez com o Enid-. Eu gostaria de saber de onde tirou essa bonita camisa vermelha.
-Sem dúvida, despojos que nosso pai lhe deu de presente - replicou Beatrix entrecerrando os olhos-. Acredito que a chamarei...
-Não o fará - repreendeu-a severamente a tutora que sabia muito bem quão rancorosa podia ser sua pupila-. Se lhe causarem problemas à preferida de seu pai, é provável que paguem as conseqüências. Recordem quando tiverem marido.
Beatrix olhou hostil à anciã, mas não discutiu. Tinha comprovado que era mais fácil ignorar os sábios conselhos de senhora Roberta, e depois fazer o que desejasse muito quando a velha tola e piedosa não estivesse perto.
Graças à exaustiva limpeza praticada na véspera, Rowena e Enid terminaram cedo no solar, e assim Rowena subiu a escada que levava a sala de costura muito antes do meio-dia. Mas se assustou quando abriu uma das portas do corredor, e uma mão a atraiu para o interior.
-Já era hora de que viesse por aqui - resmungou uma voz, embora com inequívoco afeto.
-Mildred!
-Sim, e me passei toda a manhã aqui, esperando que saísse do quarto de costura. Como é possível que venha do andar de baixo?
Rowena estava muito ocupada abraçando à mulher para dizer nada por um minuto, mas depois as palavras fluíram em turba.
-Como é que está em Fulkhurst? Warrick tratou de vingar-se também de ti? Alegro-me tanto de que esteja aqui, Mildred, mas não me agrada que esse monstro abuse de ti. Jamais acreditei que voltaria a vê-la..
- Calada preciosa - acalmou-a Mildred, e levou a Rowena a sentar-se sobre um tamborete entre cestos cheios de instrumentos de costura-. Como posso te responder se não se calar nem sequer para respirar? E por que não responde você minha pergunta? Disseram-me que dormia na sala de costura.
Mildred ocupou o tamborete mais próximo; Rowena não a olhou quando disse:
-Ontem à noite dormi abaixo. Pelo rosado intenso que tinjo as bochechas de Rowena, Mildred compreendeu que mais valia não perguntar onde havia estado. Limitou-se a dizer:
- Não me surpreende. Rowena moveu bruscamente a cabeça.
-Não te surpreende? Por que não? Chateou-me que queria quisesse... Já tinha vingado o bastante.
-Seriamente?
-Sim, exatamente olho por olho. Tudo o que lhe fez, ele me fez isso... e ainda mais.
-Então, foi tão terrível?
-Pior que terrível.
-Tudo?
Rowena franziu o cenho para ouvir esta pergunta.
-O que quer saber? -inquiriu. Mildred se encolheu os ombros.
-Cordeirinha, olho por olho significa que sentirá o mesmo prazer que ele teve em suas mãos. Foi assim? As bochechas de Rowena se tingiram de vermelho intenso.
-Vejo que assim foi. Mas era previsível que acontecesse assim, tratando-se de um homem de aspecto tão magnífico...
-De aspecto tão cruel...
-... Um homem que sabe fazer as coisas.
-Quão único Warrick de Chaville quer Mildred, é que eu pague pela cobiça de Gilbert. Bem, o que faz aqui? Temi que lhe abandonassem nas ruínas de Kirkburough, e que não pudesse retornar ao Tures.
-Ninguém ficou nas ruínas. Lorde Warrick não queimou o povoado, com a única exceção da estalagem onde o capturaram, mas inclusive assim ofereceu a todos os habitantes da fortaleza novos lares em suas propriedades, se o desejavam. Por minha parte, considerou que me devia algo por sua liberdade, em contrario a que eu lhe disse que me tinha limitado a cumprir suas ordens.
-Sei que não lhe agrada ouvir desculpas, e que não as aceita.
-Sim, temi que me matasse se pronunciava uma palavra sobre o assunto; irritava-o só a menção de sua inocência. Mas me ofereceu viver aqui, em Fulkhurst, se lhe prometia fidelidade total... e renunciava a ti. Era o único modo de te seguir até de modo que aceitei de boa vontade. Mas me proibiu falar contigo. Rowena suspirou.
-Imaginava. Certamente não quer que sua presença reconforte, embora só saber que está perto me consola. Mildred lhe oprimiu a mão.
-Cordeirinha, não desespere. Não acredito que seja. Um homem tão cruel como pretende nos fazer acreditar. Ouvi dizer muitas coisas a respeito dos acontecimentos que o converteram no homem que é agora, e me custa te dizer isto, mas a verdade é que o compadeço.
-Compadece-o? - perguntou incrédula Rowena-. Mildred golpeou-te na cabeça, para te trazer aqui? Mildred sorriu.
-Não, arrastou-me por toda a campina com seu exército, procurando a sua prometida que desapareceu, mas te acertou que não pensou muito em senhora Isabella enquanto a buscava. E tampouco parecia muito desesperado quando em cada um dos lugares em que perguntava ninguém tinha notícias do passo da dama. Em troca, teria que havê-lo visto quando o mensageiro que chegava de Fulkhurst todos os dias se atrasava um pouco. Lorde Warrick enviava dúzias de homens com ordem de trazê-lo, e quando o mensageiro ao fim chegou pobre dele se não levasse o relatório do John Giffard. Rowena endureceu o corpo para ouvir esse nome. -John? Mas eu acreditava que ele era só o carcereiro. Que notícias podia enviar a Warrick?
Mildred lhe dirigiu um olhar que dizia claramente: Não te faça de tola.
-Warrick não sabia que John se ocupava de me vigiar enquanto eu estava na masmorra.
-Como podia ignorá-lo se ele mesmo o ordenou assim?
-O ordenou? Eu acreditei que sir Robert... Rowena parou para pensar nas conseqüências do que Mildred acabava de lhe dizer. Warrick a tinha enviado à masmorra, não para que sofresse... Salvo em sua própria imaginação. É certo que sua imaginação tinha sido terrível, mas a cela era como um palácio comparado com o que teria sido sem a presença do John como carcereiro. Warrick podia ignorar que John era um homem de muito bom coração? Não a bondade do John se expressava em cada um de seus gestos recebia a primeira olhada. Conhecê-lo era saber que jamais machucaria a ninguém.
De repente exclamou, quase dolorosamente:
- Não entendo! Por que quis acercar de que estava bem atendida antes de saber que levava a seu filho em meu ventre?
Mildred abriu seus grandes olhos pardos.
-De modo que aconteceu naqueles poucos dias? Sofre a causa da gravidez? Tenho excelentes remédios para isso, e para a inflamação que pode chegar depois. Rowena desprezou impaciente o oferecimento do Mildred.
-Não, não há sintomas, à exceção da falta de meu transtorno mensal.
-Sim, o mesmo aconteceu com sua mãe, continuava cumprindo tranqüilamente suas obrigações como se não...
-Mildred, não desejo falar de filhos; Warrick se propõe me tirar o que levo.
Mildred a olhou reflexiva, antes de perguntar:
-Disse que o faria?
-Afirmou que se não me houvesse dito isso? Diz que me arrebatará o menino quando nascer, do mesmo modo que eu... O tirei. Olho por olho.
-Você o quer?
- É obvio, quero-o. É meu!
-E dele - assinalou Mildred com calma.
-Mas ele não quis que nascesse.
- Você tampouco.
-Mas se o deseja agora é só para que eu sofra. E essa não é razão para reter o menino.
-Sim, e possivelmente ele chegue a entendê-lo assim. É muito logo para preocupar-se do que se propõe fazer dentro de oito meses. É muito provável que antes que chegue o momento te tenha partido daqui. Ainda não pensaste na possibilidade de escapar? Rowena resmungou.
-Sim o Pensei- mas? Como posso conseguir quando há vigias em todas as saídas, durante o dia? Se me explicar isso, hoje mesmo parto. Mildred sorriu.
-Não será tão fácil. Mas possivelmente lorde Gilbert te ajude quando não estiver onde está. A estas horas deve saber que o senhor de Fulkhurst foi quem destruiu Kirkburough. Surpreende-me que ainda não se aproximou com seu exército. Rowena conteve uma exclamação.
-Não o pense! Prefiro permanecer aqui e sofrer todas as crueldades de Warrick antes que ficar de novo sob o controle de Gilbert.
-Bem, isso me parece interessante. Seu meio-irmão se limitaria a te casar de novo, e em troca...
-Com um marido velho e decrépito já tive o bastante, Mildred. E Gilbert... Antes de sair de Kirkburough me beijou, e seu beijo não foi fraterno.
-Ah, de modo que ao fim manifestou seus desejos, verdade? E será pior se retornar, pois agora nada lhe impede de te levar a sua cama, sobre tudo enquanto leve em seu corpo ao herdeiro que ele desejava para o Kirkburough. Mas por outro lado, é um homem muito arrumado. Talvez não se oponha.
-Mildred!
-Oporia? Bem, bem, é uma sorte que no momento não possa sair daqui. É o lugar mais certo em que poderia estar para evitar que lorde Gilbert se apodere novamente de ti.
Possivelmente era certo, mas Rowena desejava que Mildred não falasse como se devesse estar, agradecida com Warrick por convertê-la em sua prisioneira e sua amante involuntária. Mildred não tratava o assunto com a gravidade necessária. Na realidade, não parecia absolutamente preocupada com a situação de Rowena.
- Mildred, por que sinto que nada de tudo isto te inquieta. Acredita que Warrick terminou de vingar-se de mim? É certo que não é assim. Para ele sou uma boneca, e embora não me cortaram as mãos para me castigar, sua intenção é me fazer vitima de suas pequenas crueldades todos e cada um dos dias que permaneça sob seu teto.
-Ah, mas me pergunto quanto tempo durará esta animosidade de começar a apreciá-lo é o diz. Acredito que não muito.
-Agora estou certa de que te golpeou na cabeça, e com tal força que nem sequer o recorda. Mildred se pôs a rir.
-Não, preciosa. Acontece só que tive mais oportunidade que você de observá-lo descuidado. E não acredito que seja tão cruel um homem cruel teria ordenado que lhe torturassem até a morte, e teria sido testemunha disso. Em troca, lorde Warrick te há devolvido olho por olho.
-Nega minha condição, e declarou que sou sua serva.
-Nós também achamos que ele era um servo e o tratamos em conseqüência - recordou-lhe Mildred. Mas se quer saber minha opinião, esse homem está obcecado por você, e por razões que não são a vingança. Sem dúvida, quer vingar-se. Está em sua natureza. Mas talvez não saiba como fazê-lo neste caso. Depois de tudo, é uma mulher, e até agora todos seus inimigos foram homens. Sabe como tratar com eles. Contigo, não sabe a que atinar se.
-Mildred, essas conjeturas não me servem - disse Rowena irritada.
-Não te ocorreu pensar que pode usar contra ele as armas femininas, verdade?
-Que armas?
-Sua beleza. Sua sensualidade. E assim, inclusive o casamento seria uma alternativa, e o menino uma atração mais.
-Jamais...
-Sim, poderia chegar a isso se desejar com bastante intensidade, você pode conseguir que ele te deseje tanto. Inclusive poderia conseguir que te amasse, bastaria que tentasse.
Amar? Como seria Warrick com esse sentimento tão tenro em seu coração? Seria tão intenso no amor como o era no ódio? Não, o que estava dizendo? A só idéia era absurda. Mas Mildred não tinha concluído.
-A maioria das damas detesta o leito matrimonial, e não é surpresa se estiverem unidas a verdadeiros caipiras que as usam só para procriar, enquanto obtêm seu próprio prazer com outras mas você já sabe o que pode ser o leito casamento com este senhor, e como marido, seria difícil que encontrasse alguém que harmonizasse tão bem contigo pela riqueza, a juventude além disso, é um homem viril -como você bem sabe- e não é muito feio.
-Não é feio - protestou Rowena em uma reação irrefletida-. Inclusive é muito simpático quando... Sorri. -Franziu o cenho, irritada ao perceber que acabava de dizer algo em favor daquele homem-. Mildred está louca, e essas idéias são mera fantasia. Warrick deseja de mim somente o menino que lhe roubei, e minha expiação eterna por esse delito. Esse homem despreza a imagem de minha pessoa.
-É mais provável que a imagem de sua pessoa excite seu desejo, e isso é o que ele despreza agora. Não vê aonde quero chegar? Não disse que a idéia do casamento vá maturar facilmente nele, só que é possível levá-lo a pensar nisso. Acima de tudo, deve eliminar essa animosidade que sente frente a ti, e obtê-lo implicaria certo esforço por sua parte.
-Seria um autêntico milagre.
-Não, trata-se simplesmente de obter que não pense só no que lhe fizeram. Desconcertá-lo. Não fazer o que espera faça. Seduzi-lo intencionadamente. Pode-se conseguir que pense que o deseja a pesar do modo em que te tratou até agora, tão melhor. Isso o desconcertará totalmente, e dedicará mais tempo a refletir a respeito deste assunto que a idear essas pequenas crueldades que você diz. Está disposta a tentá-lo?
-Prevejo que só conseguirei fazer o papel de tola se aceitar sua idéia. Mildred acredito que se engana simplesmente porque desejas esse tipo de solução.
-E se não for assim? Agrada-te o modo em que agora te trata?
Rowena recordou com um estremecimento a experiência da noite, a vergonha de ver-se obrigada a pedir, o prazer indesejado que o pedido lhe tinha proporcionado.
-Não - disse em um murmúrio. Então, usa suas armas para mudar a situação. Mostre à donzela que foi antes da chegada dos d'Arnbray Era quase impossível resistir a suas maneiras sedutoras; todos os homens que lhe conheciam sabiam muito bem.
-Não acredito que agora possa voltar a ser aquela moça desenvolvida e feliz.
Mildred se inclinou para lhe dar um abraço breve e quente - Sei preciosa. Mas só precisa fingir. Isto tampouco é possível? -Possivelmente o seja. -Então, tentará?
-Preciso pensá-lo. Não sei se desejo os cuidados de Warrick mais do que já tenho.
- Assim não conseguirá que mude em nada sua situação. Rowena elevou obstinada, o queixo.
- E tampouco estou certa de que deseje deixar de odiá-lo. Mildred sorriu.
-Então, continua como até agora. Evita que ele conheça seus verdadeiros sentimentos. Ele é o homem que expressa no rosto tudo o que sente, ao contrario de você, faz de modo que não te será muito difícil. Mas compreende que uma vez que mude e comece a procurar seu favor, talvez fique apanhada no jogo, quão mesmo ele, e descubra que já não o odeia.
A idéia de que Warrick de Chaville pudesse cortejá-la era tão ridícula Rowena não se incomodou em discutir a probabilidade de que algo assim acontecesse jamais; nem de que ela chegasse a sentir por ele algo diferente ao que sentia naquele momento. Além disso, estava realmente farta do assunto, de modo que o mudou.
-Como é possível que ninguém venha a nos incomodar neste quarto, Mildred? É o quarto de costura, verdade?
-Sim, mas enviei às mulheres a provar uma nova tintura. Rowena se pôs a rir ante a expressão perversa no rosto da Mildred.
-Não se tratará daquele horrível verde que descobrimos o ano passado?
-Exatamente. Mas não os disse que era terrível. Disse-lhes que podiam conseguir um matiz muito formoso, assim passassem longo momento tratando de achá-lo. Depois confessarei que esqueci mencionar ou que terei que adicionar um pouco de amarelo, para chegar ao verde folha definitiva.
-Está a cargo das costureiras, e pode lhes repartir ordens?
-Não, mas as pessoas do castelo me olham com certo temor porque agora sou a donzela das duas filhas do senhor. Não conhecem até onde chega minha autoridade, e, portanto me obedecem sem discutir.
-E o que te parece servir às filhas? Mildred resmungou.
-São as duas cadelas mais altivas e egoístas que jamais conheci. Lorde Warrick não me fez nenhum favor ao me atribuir esse cargo. Mas para ser justa, duvido de que ele saiba até onde chega à má educação de suas filhas. Queixam-se bastante freqüentemente de que ele nunca está aqui para corrigi-las, e você e eu sabemos por que se comporta assim.
-Sim, essa condenada guerra com o Gilbert e Deus sabe com quantos mais. Sabe quando voltará a partir?
-Não te faça ilusões, querida. Além disso, tem que estar perto se quer fazê-lo objeto de suas manobras para melhorar sua própria sorte. Se partir logo, suas dificuldades não se aliviarão enquanto esteja ausente.
-Não, reduzirão se na metade, e eu poderia viver facilmente desse modo.
-E o que me diz se decide te enviar de novo à masmorra para ter a certeza de que contínua sendo sua prisioneira até que retorne?
Era muito provável, e sem a garantia de que John Giffard voltaria a ser seu guardião. Mas a alternativa, tratar de seduzir a aquele homem... Não, não desejava pensar ainda nisso, não podia fazê-lo. Ficou de pé, inquieta, e disse:
-É melhor que parta, não seja que nos descubram e castiguem às duas. Mildred protestou.
-Este é o piso das mulheres. Não é provável que ele venha...
-Veio ontem à noite - disse Rowena enquanto se aproximava da porta. Mas ao chegar ali parou, e passou um momento antes que se voltasse para perguntar com ar reflexivo-: O que quis dizer quando mencionou que é natural que agora queira vingar-se?
-Não ouviste nada a respeito do que aconteceu aqui faz dezesseis anos?
-Warrick mencionou que Fulkhurst esteve ocupado faz muito tempo. Trata-se disso?
-Sim, lorde Warrick não estava aqui naquele momento. Tinha ido visitar outro nobre; de não ter sido assim teria morrido quão mesmo sua família.
-Foi um assédio?
-Não, traição. Conforme me explicaram, um barão, sir Edward Bainart, cobiçava Fulkhurst, e a senhora Elizabeth, a mãe de Warrick. Bainart dizia ser amigo da família e não revelava seus verdadeiros desejos. Durante uma de suas visitas atuou para apoderar-se do que desejava. Esperou até que todos estiveram dormindo, e então enviou a seu pequeno grupo de homens a despachar aos soldados de Fulkhurst, e aos criados mostrassem a intenção de resistir. Depois, entrou no dormitório e assassinou em sua própria cama ao pai de Warrick, em presença da Elizabeth. Aquele homem tão estúpido acreditou que ela estaria muito temerosa para criar problemas depois de ver o que acontecia. Mas não tinha contado com o tanto que ela amava a seu marido. Criticou-o cruelmente diante de seus homens, e o enfureceu de tal modo que a entregou a seus soldados, a todos; e aquelas bestas ignorantes a mataram depois de maltratá-la brutalmente. As duas irmãs de Warrick, uma mais jovem que ele, outra mais velha, pensaram que aconteceria o mesmo, e saltaram juntas do parapeito. Uma morreu instantaneamente, a outra sofreu terríveis feridas, mas suportou quase uma semana de terrível sofrimento, até que também faleceu.
Rowena compreendeu por que Mildred simpatizava com Warrick.
-Gostaria que não me houvesse dito nada - observou. -É mais sensato conhecer inimigo, e uma simples pergunta pode contribuir com muita informação quando está cheia de mulheres que mexericam. Lorde Warrick tinha só dezesseis anos quando lhe chegou a notícia de que Fulkhurst estava em mãos de outro homem, e de que toda sua família , havia morrido. Passaram seis meses antes que conhecesse os detalhes completos, e durante esse período atentaram duas vezes contra sua vida. Depois de tudo, ele continuava sendo o herdeiro de Fulkhurst, embora não tinha a ajuda do rei nem um exército próprio para reconquistar o castelo. Bainart sabia, e por isso desprezou Warrick e não acreditou que fosse uma ameaça. Não conhecia um dos recursos de Warrick, um compromisso matrimonial feito em sua infância, ainda válido. Era muito jovem para fazer nada a respeito naquele momento, mas o mesmo dia em que se armou cavalheiro foi reclamar a sua prometida, e com as terras do dote da jovem, que lhe subministraram homens, e a ajuda adicional do pai...
-Reconquistou Fulkhurst?
-Sim.
-E matou ao Bainart?
-Com suas próprias mãos. Mas isso não foi tudo. Sua impossibilidade de agir imediatamente para vingar a sua família permitiu que seu ódio se inflamasse durante aqueles dois anos. A prosperidade de Fulkhurst tinha decaído, porque muitos dos servidores foram mutilados ou morreram sob o domínio de Bainart. O que Warrick reconquistou foi um lugar em estado lamentável.
-E então as restantes propriedades de Bainart se converteram em seu objetivo - conjeturou Rowena.
-Exatamente. Necessitou três anos, mas no final, todas as posses do Bainart se somaram a Fulkhurst, duplicando sua extensão. Lorde Warrick perdeu a sua primeira esposa e depois arrumou outra, com o fim de acrescentar seus recursos mediante esse segundo casamento. Esta vez escolheu a uma donzela mais agradável que sua primeira esposa.
-Acaso tinha então outros inimigos, e necessitava um exercito ainda mais numeroso?
-Não, mas tinha jurado que ninguém voltaria a ofendê-lo sem pagar dez vezes sua ofensa. É uma opinião que manteve após, e deu a reputação de homem disposto retribuir sem demora todas as ofensas. Esse juramento o comprometeu em uma guerra atrás de outra, ano detrás ano, pois não permite nem a mais mínima ofensa.
-De maneira que isso é o que o converteu no monstro cruel que é agora.
-Não, o que é agora é o mesmo que foi desde dia em que descobriu da destruição de toda sua família. A dor e o desespero converteram ao rapazinho que era no homem que é agora. Dizem que não há comparação entre os dois, que o rapazinho era bondoso, afetuoso, cheio de picardia e da alegre exuberância da juventude.
-E o homem é frio e não tem coração...
-Mas agora sabe a razão e não duvido de que se mudou uma vez, possa voltar a mudar.
-Ou não.
-Onde está o otimismo de sua juventude?
-Destruído à mãos dos d'Ambray.
-Então, querida, lhe devolva a vida, pois aqui tem a oportunidade de acertar seu próprio futuro... E de curar a um homem que viveu muito tempo com os demônios de seu próprio passado. Uma empresa meritória, em minha opinião.
-Não quero conhecer sua opinião - disse Rowena com irritação cada vez mais intensa-. Pode compadecê-lo, porque você não é o objeto de seu ódio. O que eu penso, em troca, é que ele e seus demônios se merecem mutuamente.
-Permitirá que sua tragédia te faça uma pessoa tão dura e inflexível como é ele?
-Agora te contradiz para me pressionar, reconhece que é um homem duro e inflexível. Deixe-me em paz, Mildred. Disse que pensaria.
-Muito bem - suspirou Mildred, mas adicionou tenazmente agora que sabe, não o compadece um pouco?
-Nem um pouco - disse obstinadamente Rowena... Desejou que suas palavras não fossem uma mentira.
-Bem vindo, Sheldon! - exclamou Warrick, e deu um abraço de urso a seu antigo amigo-. Passou muito tempo desde que veio a me visitar.
-Provavelmente porque me faz ranger as costelas cada vez que venho - resmungou Sheldon.
-Mentiroso - respondeu Warrick, mas rindo, pois se Sheldon não era tão grande como o próprio Warrick, era igualmente alto e ia totalmente vestido com sua armadura.
Sheldon de Verei era o filho maior da casa onde se alojou Warrick muitos anos atrás, e este tinha sido seu escudeiro quatro anos inteiro. Como entre eles havia só cinco anos de diferença, também eram amigos. Sheldon tinha trinta e sete anos, mas sua barba e os longos e desordenados cabelos castanhos estavam salpicados prematuramente de cinza, um traço usual nos homens de sua família. Isso não diminuía sua atitude, mas bem originava olhares de estranheza nas pessoas que o viam pela primeira vez.
-Vêem, sente-se e deixa que seu escudeiro te tire parte dessa pesada armadura - disse Warrick enquanto se aproximava do lar. Depois, chamou uma criada que passava-. Emma pede bebida para meu hóspede. - A moça se voltou para obedecer, mas depois de um momento Warrick a chamou outra vez-. E traz a nova criada, para que a sirva.
Sheldon observou à esbelta jovem enquanto transmitia a ordem à outra criada e depois caminhava para a escada para dirigir-se às habitações das mulheres.
-Ainda anda como uma criada? - comentou depois de que a moça desapareceu.
-É uma criada.
-Também é sua filha.
Warrick franziu o cenho ante aquela afirmação cortante
- Não é possível saber. Sim, deitei-me com sua mãe, mas só uma vez, quando eu tinha quinze anos, um dia que autorizou a voltar para casa para fazer uma breve visita. É foi provável...
-Por que se dedica a procurar desculpas e pretende negar as coisas? -interrompeu-o Sheldon-. Na realidade, é suficiente olhá-la para saber que é sua filha. É a única de suas filhas que se parece com você.
Warrick se acomodou melhor em sua cadeira, junto ao fogo e enrugou ainda mais o cenho.
-Não soube nada dessa moça até que já era uma mocinha. Sua mãe me temia tanto que a mantinha escondida na aldeia durante minhas esporádicas visitas, e meus criados são tão circunspectos que nenhum me mencionou sua existência. Nem sequer você a tinha mencionado nunca até hoje.
Sheldon se ruborizou, porque o que havia dito Warrick era certo.
-Reconheceu-a como filha quando ao fim soube de sua existência?
Warrick emitiu um grunhido.
-Meu amigo, quando a vi pela primeira vez, somente pensei que era uma moça atrativa com quem me tivesse gostado de gozar um poucos anos mais, e assim o disse; então ela se apressou a me explicar, acalorada e ofendida, que não podia fazer tal coisa porque era minha filha. Nunca me havia sentido tão estúpido: não sabia nada e interpretei mal toda a situação. - Sheldon se pôs a rir.
-Não é fácil esquecer uma situação tão grave.
-Não, não o é, e te acerto que não a esqueci. Durante um tempo ela se escondia quando eu voltava para casa, mas agora já não o faz.
-Mas, reconheceste-a?
-Não. Já te disse que não é possível demonstrar que é minha filha... Ou acaso esquece que meu pai ainda vivia quando ela foi concebida? Bem poderia ser sua.
-Sei que não acredita, e eu tampouco. Seu pai amava muito sua mãe para interessar-se pelas mulheres do castelo.
Warrick não podia negar aquele fato, e seu cenho franzido se converteu em um gesto irritado.
-Amigo, acredito que te dei a boa vinda com excessivo juramento. Por que me incomoda me falando dessa moça? Sheldon suspirou.
-Devia dizer isso ao princípio. Meu segundo filho, Richard, desejaria tomá-la por esposa.
Warrick o olhou um momento, antes de tornar-se a rir.
-Sua esposa? Que brincadeira é esta?
-Não é uma brincadeira. Talvez não percebesse, mas te converteste em uma força que terá que ter em consideração. Senhores mais poderosos que eu cobiçam uma aliança com sua casa. Acaso não lhe pedem freqüentemente a mão de suas filhas?
-Sim, muitas propostas, e não disponho de tempo para considerá-las. Mas tenho duas filhas legítimas, e de boa vontade daria ao Richard qualquer delas.
Sheldon esboçou uma careta.
-Não se ofenda Warrick, mas Richard me ameaçou indo-se a França se volto havendo comprometido com qualquer delas. Deseja unicamente a Emma, e eu de boa vontade aceitaria a união.
-Mas se não for mais que alguém sirva! -disse Warrick.
-Não se a reconhece como tua filha. - Warrick voltou a franzir o cenho.
-Seria uma ofensa a sua família. Não tem o comportamento e nem as maneiras de uma dama. Conseguiria lhes envergonhar...
-Pode acostumar-se a tudo o que precisa saber.
- Quem o fará? -resmungou Warrick-. Se pedir a senhora Roberta que inclua a minha bastarda em suas aulas, rirá da minha cara, o que é mais provável, partirá ofendida. É impossível, Sheldon. - Seu amigo voltou a suspirar.
-Deveria haver ensinado faz muito tempo, mas, como diz, ignorava sua existência. E eu não tenho uma esposa que se ocupe do assunto.
-Bem, o que digo a meu Richard, que está pensando em tomá-la por esposa? Realmente carece a tal extremo de todos os refinamentos de uma dama?
Warrick não escutou a pergunta. Emma tinha retornado a sala, e atrás vinha Rowena. A visão da mulher de cabelo de linho se separou da mente de Warrick todas as idéias sobre o problema de Sheldon. Rowena não olhou para onde estava Warrick, mas os olhos do cavalheiro a seguiram até que desapareceu pela escada que conduzia à cozinha.
As lembranças da noite anterior retornaram e o fizeram mover-se incômodo em sua cadeira. Depois, percebeu que Sheldon o olhava fixamente.
-O que?
Sheldon arqueou as sobrancelhas ante aquele tom áspero.
-Perguntei se te oporia a que eu procurasse uma dama disposta a ensinar a Emma. Sem dúvida, não será fácil encontrá-la, mas de todos os modos necessito sua permissão antes de fazer alguma coisa.
Mas Warrick não o olhava, e o que disse de novo foi:
-O que? -embora com menos calor desta vez.
-Warrick, que demônios te acontece, e por que está tão distraído?
Rowena havia tornado a entrar no salão com uma bandeja cheia de bebidas. Aquela condenada mulher era a causa do desconcerto de Warrick. Não podia olhá-la sem recordar tudo o que lhe tinha feito, e não podia recordar isso sem sentir o calor em suas vísceras. A fúria e o desejo chocavam de novo em seu interior, e cada vez era mais difícil que a fúria ganhasse a batalha.
-Precisa de algo mais, meu senhor?
Ela tinha depositado a bandeja sobre a mesa entre as duas cadeiras, e agora estava ali, de pé, as mãos unidas, e os olhos recatadamente baixos, fixos nos pés de Warrick. Ele a tinha vestido com a roupa de uma criada, e, entretanto jamais tinha parecido uma serva. Inclusive ali, de pé, esperando para servi-lo, tinha toda a graça majestosa de uma rainha. Aqueles ares de grande dama eram mais que irritantes, mas a idéia logo conseguiu fazê-lo sorrir, pois pensou ali teria a uma pessoa que bem podia ensinar a Emma tudo o que a jovem precisava saber; e não tinha por que pedir-lhe era suficiente com que o ordenasse.
Naquele momento, entretanto, limitou-se a dizer:
-Vá dizer à senhora Blouet que prepare um quarto para meu hóspede.
-Já não necessito que responda a minha última pergunta - disse Sheldon apenas ela saiu-. Esta é a dama a quem trancou em sua masmorra? - Warrick se surpreendeu.
-Como sabe?
-Vim ao Fulkhurst faz quinze dias, esperando conhecer sua prometida. Ninguém lhe disse isso?
-Não, não me mencionaram isso. Mas, como soube sobre Rowena?
-Dada a grande escolta que a trouxe e a instalou em sua masmorra, converteu-se no assunto principal de conversação de toda sua gente. Por isso lembra, houve muitas conjeturas, a respeito de se em efeito era uma dama ou não. É?
-Seria melhor formular a pergunta deste modo: "Era uma dama?" Era-o. Agora já não o é.
-Por quê?
-Porque é minha prisioneira, sem direitos e sem concessões. Não me interessa enforcá-la, nem esfolá-la a chicotadas, nem prejudicar a de nenhum outro modo: castiguei-a com a perda de sua hierarquia anterior. Converti-a em minha serva.
-O que fez?
-Não quero falar disso. Baste dizer que tem sorte de estar viva.
Sheldon não disse nada durante vários minutos, possivelmente porque o tom de Warrick era excessivamente defensivo.
-Certamente foi algo muito grave - disse, mas depois encolheu os ombros; o assunto não lhe interessava muito, pois ainda devia resolver seu próprio problema-. O que me diz de Emma?
-Deixa o assunto em minhas mãos. Para falar a verdade, minha nova serva bem pode ensinar à moça, se é que ela é capaz de aprender. Vejamos se o ferro pode converter-se em prata antes que voltemos a falar do assunto.
Quando Rowena retornou à sala de costura, apareceu Célia. No rosto um sorriso de superioridade e um gesto um pouco tenso que advertiu a Rowena de que não lhe agradaria escutar o que a moça tinha a dizer. E em efeito, assim foi.
-Mulher, saída da torre. Sir Sheldon pediu um banho, e você terá que lhe ajudar.
Rowena observou que a dicção de Célia melhorava muito quando não estava nervosa. E agora a via feliz e satisfeita, diferentemente de Rowena, que sentia que o chão se afundava sob os pés.
- Foi Warrick que ordenou a Mary te dizer o que deveria fazer, -sorriu Célia-. E vá depressa. Sir Sheldon já está no dormitório. E recorda-o, mulher, ele não é só um convidado, a não ser um bom amigo de seu senhor. De Warrick não agradaria que seu amigo não fora agradado com seu serviço.
Para ouvir isto, várias riram. Rowena se limitou a ficar de pé e abandonar o quarto. Estava zangada com Warrick por causa desta nova humilhação que lhe impunha, mas inclusive, mas zangada consigo mesma porque começava a pensar seriamente nas sugestões de Mildred. Um homem que podia enviar a cama de outro homem -e Rowena não duvidava de que esse era o sentido da advertência da Célia, como não o duvidavam as outras mulheres- não merecia que o seduziram, inclusive se esse era o modo de melhorar sua própria sorte.
Também se sentia surpreendida. Quando a jovem Emma a tinha convocado, Rowena tinha esperado receber o que tinha faltado àquela manhã: a humilhação por seu comportamento da véspera na cama do senhor. Mas quando esteve na frente de Warrick nem sequer tinha mencionado o episódio, embora algo havia em seus olhos enquanto a olhava, como se estivesse procurando a lembrança de todas as cenas vividas. Em lugar disso tinha-a entregue a outro homem, e com sua bênção. Podia entender-se que era outro castigo, e, entretanto, Rowena não atinava a compreender o que tinha feito para merecê-lo. Nem sequer tinha vacilado no momento de abordá-lo chamando-o "Meu senhor". Não tinha demorado quando ele a tinha mandado chamar. Parecia, pois, que Warrick tinha chegado a um ponto no que não necessitava motivo para castigá-la, no que a boa conduta de nada podia servir a Rowena. Se for assim, por que devia ela incomodar-se em fazer o que lhe mandavam? Porque há castigos piores que ajudar a um estranho a banhar-se. Entretanto, era inconcebível que lhe pedisse também para ir à cama com ele, pouco importava que esse fora o desejo de Warrick, e tampouco importava o que ele podia lhe fazer se negava. O estranho teria que violá-la, e não era provável que o fizesse. Um cavalheiro podia possuir a uma moça que encontrasse no campo, e fazê-lo sem pensar duas vezes, mas não abusaria desse modo da criada de seu anfitrião, pelo menos, sem a autorização deste. Aí estava o eixo da questão. Haveria dito Warrick a aquele sir Sheldon que podia deitar-se com a serva?
Com a cólera se mesclava uma dor que devia estar ali, mas o temor se impunha a ambos os sentimentos quanto mais se aproximava do dormitório do visitante, até que ao fim sentiu quase náuseas. Contudo, havia em seu caráter uma nervura de obstinação que não lhe permitia fugir e ocultar-se.
A porta do dormitório estava aberta. Um jovem escudeiro saía nesse momento com a pesada armadura de sir Sheldon. O vapor se elevava da banheira colocada no centro do quarto. Havia perto alguns cubos de água fria para moderar, a temperatura da água quente. Sir Sheldon estava de pé junto à banheira, esfregando-a nuca, como se lhe doesse. Necessitou um momento para vê-la de pé, a poucos passos da porta. Quando a viu, sua surpresa se manifestou muito em breve.
-Senhora, vem me ajudar?
Senhora? De modo que sabia. Warrick tinha falado dela. E depois a enviava ali, de modo que tudo fosse ainda mais humilhante para a Rowena. Maldito aquele monstro e seus diabólicos métodos de vingança. Rowena baixou a cabeça e resmungou:
- Lorde Warrick me enviou.
-Eu haveria dito que... - Começou sir Sheldon, mas terminou com um leve rubor-. Agradeço-o.
Aquela só palavra verteu uma nova luz sobre o que Rowena tinha que fazer e dissipou a vergonha que ao princípio sentia. Se ela fosse a senhora do castelo e estivesse casada, não vacilaria em ajudar a um hóspede apreciado. Sua mãe o tinha feito com freqüência, e se o visitante necessitava algo mais que um banho, enviava a uma moça afável a determinadas tarefas, das quais havia em todos os castelos. Sem dúvida, não se esperava que as damas virginais ajudassem a banhar ao visitante, mas Rowena já não era exatamente uma jovem virginal. Seria melhor ocupar-se de todo o necessário, e comprovar primeiro se sir Sheldon realizava intentos impróprios antes de condená-lo.
Resolvida aquela questão, Rowena se adiantou para ajudar ao homem a despojar-se de sua túnica, que já estava meio desatada. Ainda se sentia um pouco nervosa, de modo que tentou manter uma conversação para distrair-se.
- Viajastes muito, sir Sheldon?
-Não, na realidade não.
-Me disseram que são bons amigos de lorde Warrick. Então, faz muito que o conhecem?
-Sim, foi meu escudeiro.
-Seu escudeiro? - Ele lhe dirigiu um sorriso.
-Por que te surpreende? Pensava que tinha chegado a ser cavalheiro sem ter treinado?
Ela sorriu ante a suave censura. Logo que tinha prestado atenção a aquele homem no salão, pois tinha a atenção fixa em Warrick, mas depois de uma inspeção mais atenta lhe pareceu que Sheldon não era tão velho como lhe tinha parecido no princípio - Na realidade, não devia ser muito mais que Warrick.
-De modo que o conheceram antes que chegasse a ser tão... -Como se tratava de um amigo daquele homem, devia ir com cuidado as palavras. “Ao final, utilizou o termo duro". A palavra provocou a risada de Sheldon.
-Não o conhece muito bem, se só disser que é duro. A maioria das mulheres o considera terrível. - Rowena se ruborizou.
-Não afirmo conhecê-lo, mas não me atemoriza... Muito.
Ele voltou a rir, com risada profunda e sonora. Ela deu um puxão nas meias de sir Sheldon, para lhe demonstrar que não apreciava sua satisfação.
-O que faz aqui, mulher?
Rowena se assustou ao escutar aquela voz, e olhou para a porta, de onde provinha. Warrick enchia a abertura que ela não tinha pensado em fechar. Aquela imagem desmentiu o que Rowena acabava de dizer. Ele via terror, ido às nuvens. Rowena não alcançava a adivinhar a causa de sua ira.
-O Senhor, você me ordenou que viesse -Atreveu-se a dizer que te mandei aqui, mas isso só conseguiu que ele se zangasse mais.
-Não, não o ordenei, não o teria feito. Seus deveres são muito claros, mulher. Se aumentarem ou diminuem, eu mesmo lhe direi isso. Agora, saia para meu dormitório e me espere ali.
Ela estava vermelha de indignação, mas não se atreveu a discutir com ele frente de seu amigo. Saiu sem dizer outra palavra a nenhum dos dois homens, mas logo que tinha alcançado uns degraus da escada quando Warrick a alcançou e a sacudiu bruscamente, empurrando-a contra a parede de pedra. A ranhura que dava luz à escada estava bloqueada pelas largas costas de Warrick, de modo que ela não podia ver claramente até onde chegava sua irritação, mas sua voz o indicou.
-Me explique por que não devo te castigar depois de te haver encontrado onde não deve estar.
-Eu acreditei que me enviar com sir Sheldon era um castigo. E agora, me diga por que me castiga por fazer o que me ordenaram?
-Sim te atreve... - Ele a sacudiu uma vez. -Não lhe ordenaram que viesse aqui. Se voltar a dizer uma mentira, Deus me perdoe, não mandarei que lhe golpeiem, farei eu mesmo.
Rowena engoliu suas palavras de réplica. Aquele homem estava tão irritado que começava a assustá-la de verdade. Falou em tom suave e tranqüilizador.
-Só te digo a verdade. Mandaram-me que deveria ajudar a banhar-se o sir Sheldon. E me disseram que eram suas ordens
-Quem lhe disse isso?
-Célia.
-Não se atreveria.
-Se o pergunta, a senhora Blouet pode te dizer a quanto se atreve Célia. E todas as outras mulheres ouviram como me enviou aqui, não só para ajudar a seu amigo, mas também para agradá-lo em tudo o que ele desejasse. - estremeceu quando as mãos do homem lhe apertaram com mais força os braços-, Não confie só em minha palavra. As outras mulheres confirmarão o que digo. -Fez uma pausa, e o estômago lhe encolheu de temor quando concebeu uma idéia-, A menos que Célia lhes tenha pedido que mintam. A senhora Blouet diz que todas as obedecem...
-Tocou-te?
Rowena piscou ante a mudança de assunto, que devia acentuar sua amargura, e a induzia a manifestá-la.
-Não, mas o que importa se o fez? Uma criada tem pouco que dizer nestas coisas. Você mesmo o disse.
-Não pode te opor ao que eu te faça mulher, mas ninguém mais deve te tocar.
Para confirmar suas palavras, a mão de Warrick se fechou sobre a grosa tranca para sustentar imóvel a cabeça de Rowena, e sua boca se fechou sobre os lábios da jovem. Foi um beijo irritado, de castigo e reclamação ao mesmo tempo. Não lhe agradou. Agradou-lhe ainda menos que houvesse uma onda de calor em suas vísceras, como se preparando para confrontar uma invasão mais profunda.
Mas ele não desejava possuí-la ali mesmo, na escada. Terminou o beijo, e ela continuava apertada contra Warrick. A mão do homem se fechou sobre os cabelos de Rowena quando perguntou:
-Teria agradado se ele lhe tivesse pedido isso? Ela nem sequer tentou mortificá-lo com uma mentira.
-Não, me teria negado, e se isso não tivesse bastado, o havia recusado com toda minha força. -Sentiu que a tensão abandonava o corpo de Warrick, e que a mão que o prendia os cabelos se afrouxava. Então, acrescentou-. Mas isso de pouco me teria servido. Tivesse necessitado uma arma e não me permite tê-la.
-Nem te permito, nem te permitirei - grunhiu ele, de novo irritado.
Desta vez não avivou a cólera de Warrick, porque sentia mais ou menos a mesma sensação que ele.
-Então, o que impediria que um homem qualquer me violasse, se me visto como uma serva e todos consideram que às servas está permitido tomar? Inclusive seus soldados não vacilariam... - Interrompeu quando viu a careta no rosto de Warrick.
-Eles conhecem e compreendem meu interesse por ti. Ninguém se atreveria a te tocar. Não, terá que compartilhar a cama unicamente comigo... Mas por outro lado, não parece que te desagrade muito. Protestos, mas não durante muito tempo.
Rowena afastou a mão que Warrick tinha levantado para lhe acariciar a bochecha.
-Que ódio, como odeio a ti!
Aquilo só conseguiu que ele pusesse-se a rir, irritando-a de tal modo que o separou de um empurrão e desceu depressa o resto da escada. Ele lhe permitiu afastar-se, mas a idéia de que Warrick podia havê-la detido se o tivesse desejado acentuou a fúria de Rowena. Ele controlava o corpo de Rowena, e seus sentimentos, e tudo o que ela fazia. Rowena nem sequer podia zangar-se sem autorização de Warrick, pois ele sabia muito bem como assustá-la de modo que sua cólera se dissipasse.
Aquele domínio tão absoluto era intolerável, e ela já não podia suportá-lo. Podia aceitá-lo como um castigo merecido pelo que lhe tinha feito, mas já a tinha castigado bastante por aquilo, e ainda faltava o pior dos castigos, que arrebatassem a seu filho. Já estava farta de aceitar submeter-se a seu destino. Se as sugestões da Mildred podiam modificar a relação entre ambos, dar a Rowena sequer um pequeno grau de domínio frente a aquele homem insuportável, tentaria.
Warrick não tinha percebido até então quantos de seus homens observavam a Rowena exatamente como ele o fazia, mas logo que a jovem entrou no salão, muitos olhos além dos de Warrick se cravaram nela. Aquilo ele não gostou absolutamente. De fato, desagradou-lhe tanto que fez o inconcebível para chamar a atenção só porque desejava demonstrar seu desagrado.
Seus homens o conheciam bem. Não se enganaram ao julgar o que o tinha irritado. Mas por mais irônico que pareça, incomodou-lhe ainda mais que compreendessem e não voltassem a olhar a jovem. Sua atitude era a de um homem ciumento, o que era absurdo. Por Deus, ela era unicamente sua prisioneira. Entretanto... Entretanto, o que acabava de sentir não era distinto do que havia sentido antes quando a tinha encontrado com Sheldon. Não, aquilo tinha sido mais intenso. Uma raiva total o havia possuído ao vê-la ajoelhada aos pés de seu amigo, no momento de despi-lo.
-Você não gostava da forma de seu jarro? -perguntou Sheldon ao tempo que ocupava seu assento ao lado de Warrick.
-Por que o diz?
Warrick viu o jarro em sua mão e percebeu que o metal brando tinha cedido sob a pressão de seus dedos. Jogou irritado o objeto esmagado, e pediu outro, que foi posto em seguida por um pajem, assim como a cerveja destinada a enchê-lo. Ela devia estar ali para fazer isso, que diabos a retinha na cozinha? Então Rowena apareceu com uma larga bandeja cheia de pratos de comida, e ele tratou de dominar-se para dissimular seus sentimentos.
-Deve se esforçar mais se não quiser que saiba como lhe afeta, - advertiu seu amigo, tratando sem êxito de ocultar sua diversão-. Está tão tenso...
-Vá ao inferno, Sheldon.
Sheldon se pôs a rir, mas não insistiu, e se inclinou para a esquerda para falar com Beatrix, com quem se dispunha a compartilhar um dos manjares. Warrick tentou relaxar, mas era impossível. Quanto mais se aproximava Rowena à mesa, mais tenso ele se sentia, como se esperasse receber um golpe. E em efeito parecia que o tinham castigado quando viu o sorriso nos lábios da jovem.
-O que comerá meu senhor? -perguntou ela com voz agradável enquanto depositava o prato frente à Warrick-. Um pouco de cada coisa? - Nem sequer olhou os manjares que lhe oferecia.
-Facilitei-te muito as coisas, mulher?
-Não, meu senhor.
-Então, por que me sorri? - O sorriso desapareceu instantaneamente.
-É que me esqueci da situação. Que desejas? Que franza o cenho? Indiferença? Possivelmente medo? É suficiente que o diga...
-Cale-se! -grunhiu Warrick, e com um gesto ordenou que se afastasse.
Rowena pôde sentir o olhar de Warrick perfurando as costas enquanto atravessava depressa o salão, e quase não pôde conter a risada antes de desaparecer da vista do senhor. O lorde da vingança seria uma presa mais fácil que o que inclusive Mildred tinha acreditado. Com apenas um sorriso o tinha enfurecido, sem que ninguém a castigasse. Perguntou-se se poderia decidir-se a mudá-lo próxima vez, sem que o ordenassem. Não era algo que desejasse fazer, mas tinha tomado a decisão, e não queria vacilar com respeito aos meios.
-De modo que já sabia da verdade? - Rowena se assustou e olhou ao redor. Viu a Mary Blouet. Ignorava a que se referia, mas pensou que era insensato que parecesse tão agradada consigo mesma, ali onde outros podiam adverti-lo.
-Que quer dizer?
-Que a digna e altiva Célia foi enviada à fortaleza de Dyrwood. Não sei como o fez, mas lhe agradeço isso
Rowena não pôde falar durante um momento, tanta era incredulidade.
-Seriamente a enviou ali?
-Sim, e eu diria que boa viagem. Mas, por que parece tão surpresa?
-Mas se não fiz nada que... Quero dizer, só lhe disse que me tinha dado uma ordem invocando seu nome. Não sabia que ela tinha mentido, mas ele se zangou, e eu... Seriamente a despachou? - Mary sorriu.
-Não estou dizendo isso? E o que fez foi mais que o que outro se atreveu a fazer. Eu mesma tivesse devido lhe perceber a respeito de como aproveitava as vantagens de sua posição, mas um homem tem atitudes estranhas nessas coisas. É muito possível que o mensageiro que leva essas notícias sofra as conseqüências da ira do destinatário.
Rowena moderou o prazer que começava a sentir. Recordou que o que Célia fazia era ofensivo, e merecia castigo. Certamente, Warrick não o tinha feito para beneficiar a Rowena. Simplesmente tinha visto que Célia estava exagerando, e tinha reagido rápido para castigá-la. Depois de tudo, aquele homem se satisfazia muito distribuindo castigos. Por que sua amante favorita tinha que ver-se excluída de todo isso?
Rowena voltou depressa para salão com outra fonte de comida, e por um momento esqueceu seu plano destinado a desconcertar e seduzir sutilmente o seu torturante. Observou que o humor de Warrick tinha piorado. É obvio, existia o perigo de que em lugar de confundir ao homem e induzi-lo a perguntar-se o que significava aquela atitude dela, irritasse-o. O cenho franzido que a seguiu enquanto se aproximava da mesa expressava irritação.
Vacilou ante a perspectiva de aproximar-se, agora que teria um aspecto tão severo, mas não podia evitá-lo. Sua obrigação era lhe servir a comida, e não só deixá-la ante ele.
-Meu senhor, gosta de algo disto?
Rowena não percebeu a implicação daquela pergunta inocente até que viu o fogo que se acendia nos olhos de Warrick. Ruborizou-se. Sua intenção não tinha sido adotar uma atitude provocadora, e, entretanto assim tinha parecido. E comprovou surpreendida que o cenho franzido se convertesse em careta, não desse humor cruel que ela aborrecia, mas sim do autêntico prazer masculino.
-Vêem aqui, mulher, e veremos se gosto de algo.
Sir Sheldon deixou escapar uma gargalhada, quão mesmo outros cavalheiros que alcançaram para ouvir o diálogo. O rubor de Rowena se converteu em uma chama ardente. Mas esta vez não vacilou. Rodeou a mesa e foi deter se ao lado da cadeira de Warrick. Em um instante, encontrou-se instalada sobre os joelhos do senhor.
Era a oportunidade perfeita para continuar seduzindo-o, se conseguia esquecer que ambos, era o centro de atenção. Mas ela não atinava a esquecer que estavam presentes outros nobres, entre eles algumas damas, e inclusive as jovens filhas de Warrick, e o que Rowena desejava era arrastar-se para o interior de um buraco, e esconder-se ali durante vários anos. Certamente, se lhe tivesse concedido embora fosse um pouco do respeito que correspondia a sua verdadeira hierarquia, Warrick jamais a teria tratado assim frente a todos os presentes. Mas a classificava como uma serva inferior, indigna da atenção das damas, indefesa frente às indiretas sensuais dos cavalheiros, assim como frente a seus ataques promovidos pela lascívia, ao menos, por isso se referia ao senhor de Fulkhurst.
-O que acredita, que tentará o meu paladar? -continuou dizendo Warrick em atitude de brincadeira-. Escolhe e veremos.
Era a salvação? Podia encher o prato de Warrick e partir?
Não perdeu tempo e se inclinou para chegar à fonte mais próxima. Sentiu a mão de Warrick que se aproximava de sua perna, e pressionava entre as coxas. Endireitou-se com tal pressa que sua cabeça golpeou o queixo do senhor. Os dois se estremeceram Mas depois ele sorriu.
-Então, acredita que nenhuma das viandas me tentará? Rowena gemeu intimamente. Não tinha modo de vencer naquele jogo que ele tinha instigado, e não acreditava que se limitasse deixá-la ir, afastando-se de seus joelhos se o tentava. Poderia suportar uns instantes o contato, possivelmente ele se cansasse do jogo e recordasse que estava sentado ali para comer, não para divertir-se com seu brinquedo mais recente.
Inclinou-se para frente para encher de novo o prato do senhor. A outra mão de Warrick se deslizou sob as saias até que encontrou uma coxa nua, e ela sentiu uma de onda de calor que nada teve que ver com a vergonha. De repente, horrorizou-a que ele pudesse levá-la ao estado em que se encontrou a noite da véspera, ali mesmo, com centenas de olhos olhando avidamente.
Ao diabo com o orgulho. Inclinou-se para ele e murmurou junto ao pescoço do homem:
- Por favor.
-Seriamente me agrada essa palavra em seus lábios - replicou Warrick, e seu tom de enorme satisfação.
Era uma alusão direta, uma alusão ao pedido que tanto a tinha envergonhado; mas nesse momento não sentia vergonha. Estava muito violenta pelo que o fazia. Ele ainda não tinha terminado.
-Possivelmente agora me dirá o que antes te induziu a sorrir? Rowena abriu enormemente os olhos. Tudo isso era porque o tinha desconcertado com seu maldito sorriso? Precisava cobrar-se aquele gesto de Rowena que o tinha confundido? A idéia a irritou, e a cólera a induziu a esquecer sua gravidez, a esquecer que outros ouvidos, além dos ouvidos de Warrick, podiam escutar a resposta.
E lhe respondeu, com outro sorriso, depois de que ele tomasse um gole de sua cerveja.
-Meu senhor, só estava pensando em sua cena de ciúmes este meio-dia.
Ele se afogou, e sua resposta chegou com uma voz áspera, e inclusive lhe assobiem.
-Ciúmes!
Ela se inclinou para trás, de modo que Warrick pudesse ver que meditava atentamente a respeito do que o havia dito.
-Talvez a palavra posse seja mais adequada. Agora entendo que que sou unicamente tua para usar e abusar, e que ninguém mais deve ter esse privilégio.
Warrick olhou com o cenho franzido Sheldon, cujos ombros se sacudiam por pura satisfação, sem dúvida porque tinha escutado essas palavras. Depois, Warrick voltou a olhar a Rowena, e ela não teve mais que um momento para desejar não ter escolhido um lugar tão público para ficar igualada com ele.
-Acerto-me de que está disponível para satisfazer meus caprichos, e te parece que isso é espírito de posse? -grunhiu em voz baixa-. Não me inquietaria te entregar a meus homens e observar como lhe possuem, sempre que não esteja de humor para te gozar eu mesmo. Preciso-lhe demonstrar isso?
Era uma dessas ameaças que, só por havê-la formulado, teria que executar se ela não se corrigia imediatamente. A cólera de Rowena se acentuou, mas isso não lhe impediu de rodear com os braços o pescoço de Warrick, e apertar com força.
-Rogo-te que não faça tal coisa - disse ao ouvido de Warrick; e depois, com mais suavidade, roçando com os lábios o lóbulo de sua orelha-. Somente desejo compartilhar sua cama, e conhecer só o contato contigo.
Sentiu que um estremecimento percorria o corpo do homem. Imediatamente a obrigou a abandonar seus joelhos. Ao levantar-se viu o rubor no rosto do senhor; depois os olhares de ambos se cruzaram e ela sentiu que o calor do ventre de Warrick a penetrava.
-Vá à cozinha e come. Depois, venha a meu dormitório.
-Deseja um banho, meu senhor?
-Mulher, desejo te encontrar em minha cama. Depois veremos se houve dito a verdade.
Rowena não poderia sobreviver a aquele episódio. Estava certa de que as falações a respeito da terrível cena do salão lhe seguiriam até o fim de seus dias, através dos campos e os povoados, através dos países, por onde fosse se é que conseguia sair de Fulkhurst. Mas, o que lhe importava isso ao senhor Vingança? Ninguém murmuraria a respeito dele. Que um nobre se divertisse com uma de suas servas em sua própria mesa de jantar nada significava. Depois de tudo, quem o reprovaria?
Aborrecia a idéia de retornar para enfrentar-se com o motivo de sua vergonha mais recente. Era lamentável que não houvesse modo de chegar ao dormitório de Warrick vindo da cozinha sem atravessar toda a extensão do salão. Mas quando Rowena retornou, depois de demorar longamente sua comida, não viu que houvesse murmúrios referidos a ela. Na verdade, os homens não a olharam absolutamente, e as mulheres que estavam perto desviaram prontamente a vista.
Confusa, perguntou-se: mortificou-se sem motivo? Ou somente os que estavam sentados frente à mesma mesa tinham visto como subia aos joelhos de Warrick? Mas também ali a ignoraram, exceto o próprio Warrick. Este a olhou, mas com ar distraído, pois estava enredado em uma profunda discussão com seu amigo Sheldon. Rowena estava desconcertada, e a situação não lhe agradou. ele era o que devia sentir-se confundido, não ela. Mas havia um modo bem simples de comprovar se algo em desuso tinha acontecido no breve tempo que tinha passado na cozinha, algo que determinasse as mulheres; e inclusive as preguiçosas costureiras que não tinham prestado atenção a seus ensinos aquela tarde, agora parecessem intimidadas quando viu a jovem Emma, a mesma que a tinha ido procurar ao chegar sir Sheldon, e se deteve junto à mesa. Percebeu que a moça estava sozinha.
-Emma, eu posso confiar em sua bondade e te perguntar o que aconteceu aqui enquanto estive lá em baixo?
-Não aconteceu nada depois de seu formoso espetáculo.
-Compreendo - replicou Rowena com voz dura, e se voltou para sair, decepcionada: a moça tinha parecido antes mais amistosa.
De repente, Emma lhe segurou a mão para tranqüilizá-la:
- Não, senhora, não quis te insultar. Só que é estranho ver que o terrível dragão se comporta como um homem normal.
O terrível dragão? Que boa expressão, mas Rowena estava mais preocupada com o modo em que Emma acabava de chamá-la, pois sabia era muito pior que Warrick a tratasse como a uma serva se os outros sabiam que não o era.
-Por que me chama "senhora"? - Emma encolheu os ombros.
-Não pode dissimular o que é, embora use as roupas de uma serva. Suas maneiras, sua forma de falar claramente as palavras, embora suas palavras falem com igual claridade de seu nobre berço.
-Você também fala assim - assinalou Rowena, aliviada porque Emma se limitava a formular conjeturas. Emma sorriu.
-Limito-me a imitar, embora acredite que o faço melhor que Célia. - Rowena não pôde deixar de rir.
-Sim, muito melhor que ela. Mas me diga se não tem acontecido nada.
-Por que essas mulheres parecem quase temerosas?
-Quando lhe olham? - Ante um gesto de Rowena, o sorriso da Emma se alargou-. Souberam de Célia, e acreditam que foi porque você o pediu ao senhor.
-Mas eu nunca...
-Eu não acreditei que fosse sua culpa, mas elas sim. E também as impressiona o fato de que não tema ao dragão, nem sequer quando está de muito mau humor.
-Sequer lhe temer. Tem minha vida em suas mãos.
-Não, não mata mulheres. Mas inclusive Célia se escondia dele quando estava zangado; hoje todos viram o quanto estava zangado... E depois você conseguiu que risse. Ouvir sua risada é bastante estranho.
Por alguma estranha razão, Rowena se sentiu muito triste para ouvir aquilo, mas se apressou a recusar esse sentimento. Não lhe importava que aquele homem não fosse feliz. A própria Rowena o tinha passado bastante mal os últimos anos.
Embora tivesse preferido permanecer ali e conversar, pois adivinhava que Emma podia ser sua amiga, separou-se da jovem, perfeitamente consciente da ordem de Warrick: apresentar-se em seu dormitório; não, em sua cama. E agora que sua vergonha se dissipou, tinha que confrontar aquela ordem, e o nervosismo que lhe provocava.
Na verdade, tinha preparado bem para a sedução de Warrick, pensou, mas bem ele tinha precipitado as coisas com suas descaradas brincadeiras durante a comida. Agora, Rowena já não necessitava sequer mostrar-se sutil. Só o que podia frustrar seu plano era que ele acreditasse que a motivava o medo, mais que o desejo real de estar em sua companhia. Era necessário que Rowena não demonstrasse o mínimo temor. Mas a idéia de seduzi-lo e o fato concreto da sedução não eram o mesmo, e seu nervosismo estava tão perto do medo que aos olhos da própria Rowena eram duas coisas inseparáveis.
E o que aconteceria se tudo fosse inútil, se seus avanços não modificavam o modo de tratar de Warrick? Mildred estava certa de que as coisas mudariam, mas Rowena não opinava exatamente o mesmo. E, entretanto... Ele havia ficado excitado só com algumas palavras, e essa experiência tinha mudado drasticamente seu humor; não o modo de tratar a Rowena, mas certamente seu humor. Teriam que esperar e decidir quais seriam seus futuros avanços.
Entrou no dormitório e logo que tinha dado uma olhada à cama, onde não desejava instalar-se na espera da chegada de Warrick, quando ele fechou a porta atrás da jovem. Ela se voltou, assustada, certamente a tinha seguido apenas passo ao lado da mesa, apesar de que parecia enrascado na conversação. Rowena viu o ardor em seus olhos, e compreendeu. A desejava nesse mesmo momento, desejava-a enormemente não estava disposto a esperar um minuto mais. A idéia original nela uma cálida sensação de poder. O que ela pretendia fazer e dizer seria assim muito mais fácil. Mas também para irritação de Rowena, excitou vivamente seus próprios sentidos.
Ali estava, de pé frente à porta, olhando-a, enquanto desabotoava lentamente sua capa. Usava uma formosa túnica parda, bordada na arena e o pescoço com fios de ouro. A cor se adaptava aos cabelos dourados, que tinham crescido muito desde seu fechamento no Kirkburough, de modo que agora chegavam aos largos ombros. Seu cenho estava depravado, de modo que a atitude de seus rasgos estava exposta à vista de Rowena, e turvava seus sentidos.
Rowena tinha dificuldade para olhá-lo quando lhe mostrava assim, normal, não como o homem cruel que podia ser. Como o acanhamento lhe convinha, depois do que havia dito de Warrick no salão, a jovem se refugiou nela e baixou os olhos.
-Vêem aqui, Rowena.
Não vacilou quando teve que aproximar-se, mas não quis encontrar-se com o olhar do homem. Aqueles olhos expressivos produziam nela um efeito que não podia controlar.
-De modo que desejas compartilhar minha cama?
-Sim.
-Por quê?
Deus santo, por que não podia aceitar sua palavra? Por quê? Ela não tinha previsto que haveria um interrogatório, e não podia pensar agora que o tinha tão perto.
-Por que quer uma mulher compartilhar o leito de um homem? - replicou com voz condoída.
- Porque o meu é mais brando que o teu. - Dirigiu-lhe um olhar que se chocou com o de Warrick. O canalha. Duvidava dela, e se propunha obrigá-la a agir para convencê-lo. Rowena não tinha desejado seduzi-lo inicialmente. E não estava disposta a esforçar-se naquela tarefa.
-Está certo - disse Rowena secamente-. Entretanto, não durmo muito. Talvez depois de tudo seja preferível que use a minha.
Voltou-se irritada, mas lhe segurou o braço e a apertou com força contra seu peito. Um momento depois sua boca demonstrou à moça que sensações provocavam no senhor do castelo, e sua paixão se manifestou cálida ou mais ainda, ardente. Segurou-se a ele porque sentiu que dobravam as pernas, se segurou nele porque não podia fazer outra coisa. E ali estava Warrick, implacável em seu ataque, decidido, conseguir que ela sentisse o que ele sentia, e que Deus tivesse piedade de ambos.
Rowena quase se desabou quando a soltou. Warrick não percebeu. Afastou-se de Rowena, o corpo tenso por causa da agitação. Sentou-se na cama, e acariciou com tal força os cabelos de Rowena que a jovem estremeceu. Mas quando os olhos de Warrick se cravaram de novo nela, Rowena gemeu interiormente. Sua expressão era agora intensamente cruel, a expressão que ela temia.
-Ainda diz que me deseja mulher? Se responder que sim, Warrick as arrumaria para obrigá-la a sofrer; Rowena sabia, porque o leu em seus olhos. Mas se dissesse que não, era provável que tentasse mostrar que mentia, e precisamente agora, com o sabor de seus lábios ainda em seus próprios lábios, não estava certa de sua uma negativa fosse à verdade. Em qualquer dos dois casos, ela perdia... Ou ganhava. Mas ganhar custaria um pouco mais de seu orgulho, porque seu plano era uma espada de dois fios. Agora, Rowena sabia que para representar seu papel teria que sangrar um pouco.
Ele esperou paciente, dando tempo demasiado para seguir o caminho do covarde. Mas ela permaneceu firme. Iria até o final sem se importar com o custo.
-Ainda te desejo, meu senhor.
Ele não respondeu durante um momento. Era quase como se não pudesse falar. E então sua voz chegou rouca e áspera.
-Necessito provas. Mostre-me isso.
Rowena não esperava menos. Aproximou-se lentamente a ele, e começou a tirar a jaqueta. Passou-a sobre a cabeça de Warrick, de pé ao alcance das mãos do homem. Soltou lentamente a camisa. Estava como hipnotizada ao ver como ele sentia, ela podia ver, e a sensação de poder retornava, infundindo uma audácia que em outras condições não teria exibido.
Deixou cair ao chão a camisa, de modo que ficou com a roupa interior, as meias e os sapatos. Para tirar um sapato, não inclinou, mas sim apoiou o pé sobre a cama, perto da coxa de Warrick. Era um gesto descarado e intencional, e acabou com a resistência do homem. Gemeu. Estendeu o braço para fechar a mão sobre o traseiro de Rowena, e a atraiu para ele. A jovem se chocou contra o corpo do homem, e seus joelhos deslizaram a cada lado dos quadris masculinos. Rowena inclinou torpemente as costas, enquanto ele afundava o rosto nas suaves proeminências dos peitos femininos.
Foi um abraço excitante. Também tocou uma corda mais tenra nela, pois ele não fez nada mais, limitou-se a sustentá-la assim um momento. Rowena rodeou com seus braços a cabeça de Warrick. Já não estava certa de estar representando um papel ou atuando contra sua vontade, pois se sentia muito bem o retendo assim.
E então, ele inclinou para trás a cabeça e lhe pediu:
- Me beije.
Ela obedeceu, apoiando as mãos nas bochechas de Warrick, dando um beijo desprovido de paixão, um beijo de tenra inocência, durante os três segundos que a carícia durou. Os lábios de Warrick a obrigaram a abrir os seus, e sua língua lambeu o interior da boca feminina antes de afundar-se mais profundamente nela. Pela primeira vez, Rowena experimentou o sentimento da agressão, e depois se sentiu atingida pela paixão que sua breve reação desencadeava nele.
Caiu sobre a cama, levando-a consigo, e sua boca a devorava. Warrick rodou rapidamente, pressionado com o vulto duro de sua virilidade entre as pernas de Rowena; e o pulso da jovem se acentuou, e sentiu que suas vísceras se comoviam, e o coração pulsou desesperadamente. Os dedos de Rowena se afundaram nos cabelos de Warrick, e agarravam grandes punhados. Necessitava daquela ancoragem, pois seus sentidos perturbados turvados determinavam que perdesse o controle de seu próprio corpo.
Gemeu quando Warrick a deixou, mas ele o fez só para cobri-la melhor, e para acomodar-se ao corpo feminino, agora nu ante ele. Seus olhos a brocaram, e depois suas mãos provocaram um ofego atrás de outro enquanto ascendiam lentamente pelo ventre feminino para lhe cobrir os seios. Capturou um e o levou a boca, e se inclinou para acariciar o tenro botão com sua língua antes de tentar que toda a esfera redonda coubesse em sua boca.
Ela ofegou com o seguinte intento, e não percebeu sequer que arqueava o corpo para aproximá-lo mais de Warrick, que sustentava a cabeça do homem em um golpe de chave, inconscientemente exigindo mais.
Emitiu um grito de protesto quando ele parou para retroceder outra vez. Warrick não exibiu seu sorriso triunfal quando escutou a exclamação. Sua necessidade era excessiva, e nesse momento não deixava espaço para uma vingança mesquinha.
Também ele ofegava. Seus olhos não se separavam de Rowena enquanto tentava desprender-se de suas próprias roupas. Ao tirar rasgou a preciosa túnica. Rowena se sentou para ajudá-lo, mas os dedos tremiam tanto que só conseguiu enredar as cordas das meias, de modo que também se rasgaram quando ele se encarregou da tarefa. Sua virilidade ficou entre eles, inflamada, aço com veludo, e pareceu a coisa mais natural do mundo fechar a mão ao redor daquele membro.
Ele aspirou com força antes de gemer:
-Não - e tomou com a sua a mão de Rowena, e a aprisionou sobre a cama.
Ela gemeu ante aquela contenção, mas a boca de Warrick se aproximou para receber o som, e depois seu corpo desceu para abrir as coxas da moça, e para ela já nada importava só aquele fogo que se dispunha a penetrá-la. Baixou a mão livre até a cintura de Warrick, tudo o que pôde alcançar, para induzi-lo a que a pressionasse. Mas ele se mantinha afastado, e aquela mão também ficou prisioneira quando ele tratou de dominá-lo tudo. Ela já não podia esperar mais.
-Vamos... Por favor, Warrick, agora - pediu esta vez sem que ele o ordenasse, em uma atitude de acatamento imediato.
Ele se jogou sobre Rowena. Ela se derreteu ao redor do corpo do homem. Warrick empurrou com dureza e com força. Ela gritou na culminação, chegou antes que ele, continuou depois que ele, com tanta intensidade que quase desmaiou. Estava flutuando em sua lânguida satisfação quando lhe ouviu
-Pergunto-me, mulher, se alguma vez te possuirei tranqüilamente, ou se sempre me provocará para cair nessa loucura. Rowena se limitou a sorrir.
Warrick continuava ali quando Rowena despertou, pela manhã; permanecia deitado ao lado da jovem, no grande leito; mas não dormia. Teve a sensação de que ficou observando-a um momento sem que ela o percebesse, e a idéia a turvou, porque ele tinha uma expressão excessivamente séria aquela manhã.
-Meu senhor, deveria ter me despertado, e me ordenado que fosse cumprir minhas obrigações.
-Seriamente? Por que, posto que uma de suas obrigações, de acordo com seu próprio pedido, está precisamente aqui?
O rubor se estendeu sobre as bochechas de Rowena, e o fez com rapidez excepcional.
-Isso significa que devo me desentender de meus restantes deveres?
-Ah - disse ele, como se de repente compreendesse-. Agora já temos um motivo que explica por que procurou meu leito.
-Eu não... Os trabalhos que agora me ocupam não são excessivos... Ainda.
-Como ainda? -O franziu o cenho até que seu olhar recaiu no ventre de Rowena, e seus olhos se converteram em agulhas de gelo. Mas sua voz continuou dizendo brandamente, com uma enganosa suavidade-. Entendo. De novo demonstra que é incrivelmente estúpida ao me recordar o menino que me roubou. Mas por outro lado, este poderia não ser mais que outro motivo de sua súbita paixão por mim, verdade? Ou vais dizer-me agora que não tinha pensado em chegar a um trato comigo pelo menino?
-Quero tê-lo comigo. Não o posso negar.
-Visto que desejas tanto que está disposta a abrir as pernas ante mim sempre que eu lhe ordene isso?
Como podia ter esquecido sua crueldade, ou quanto o odiava, quando isso era precisamente o que ela tratava de mudar sem dúvida, o que tinha acontecido entre eles durante a noite não o tinha transformado em nada, e isso era inquietante. Estava esquecendo, entretanto, que Warrick não acreditava que a jovem o desejasse realmente, e que por isso se burlava. Rowena não podia pensar em outro modo de convencê-lo fosse ou não verdade o que ela sustentava.
De repente, irritou-se profundamente ao ter fracassado de modo tão absoluto. Por que aquele homem não podia aceitar simplesmente o que ela propunha? Por que tentava descobrir motivos ocultos? E essa condenada pergunta. Estava tão irritada que se sentia disposta a abrir as pernas sob a manta, às abrir tanto que ele o percebesse, e estava disposta também a retribuir a brincadeira.
-Vamos, senhor dragão! Vêem cuspir seu fogo sobre mim. O cenho franzido pareceu tão sombrio como a morte.
-Mulher! Quero uma razão, e a quero agora. Ela começou a falar acaloradamente, e a olhá-lo também com hostilidade.
-É cruel por tudo o que me exige, vingativo por seus motivos, mas quando me toca, mostra-se gentil. - Assombrava-a que depois de tudo que as palavras brotassem de seus lábios, e por isso modificou depressa seu tom, e tratou de demonstrar certa incerteza, e também algum rubor-. Não quis reconhecê-lo ante mim mesma, e menos ainda ante ti, mas comprovo que... Desejo seu contato.
Santo Deus estava adquirindo eficácia para mentir, e a expressão de Warrick mudou. Ela adivinhou que desejava acreditar. Mas como... Inquietou-a muito, produziu-lhe uma sensação muito desagradável.
-Se sentia tanto desejo de meu corpo, não teria esperado tanto para tentá-lo e obter que te agradasse de novo. Acaso preciso te ensinar os ardis de uma prostituta?
O insulto desta vez não a afetou, pois reconheceu que era na realidade, um intento de combater a tentação de acreditar nela.
Pensava que nenhuma mulher podia desejá-lo sem um motivo anterior? Recordou as palavras da Emma no sentido da às mulheres estavam impressionadas porque Rowena não o temia E Mildred havia dito que durante a metade de sua vida ele tinha sido o homem mais cruel e vingativo que era agora. De modo que o medo era tudo o que ele esperava? E que mulher podia desejá-lo realmente se lhe temia?
Rowena dedicou um momento a perguntar-se por que já não lhe temia, antes de levar a mão ao centro do peito de Warrick para obrigá-lo a abandonar sua posição meio inclinada.
-Possivelmente tenha que me ensinar meu senhor Warrick - disse ela com suavidade, inclinando-se sobre ele-. Sei algumas coisas, mas estou certa de que posso melhorar se me ensinar outras.
A mão de Rowena se deslizou sob a manta, e comprovou assombrada que ele não tinha permanecido indiferente a sua estreita proximidade. Tampouco ela. Não podia dizer-se que fosse imune ao contato com ele. Seria difícil se tivesse que impor-se aquele contato. Mas foi fácil, muito fácil... Agradou-lhe fazê-lo. O mesmo a ele. Warrick fechou os olhos. Acelerou-lhe a respiração. E não passou muito momento antes que ela se deitasse de novo, sua boca unida a de Warrick, e as mãos do homem lhe retribuindo em espécie a tenra tortura que ela acabava de lhe infligir.
Antes que se decidisse a dar a Rowena o que ela ansiava desesperadamente, Bernard entrou sem anunciar-se no dormitório, conforme era seu costume. O pobre moço avermelhou de vergonha quando viu que de Warrick não gostaria que o incomodassem; tentou sair sem incomodar aos atarefados ocupantes da cama. Mas Warrick era guerreiro, e tinha reações rápidas, sobre tudo depois de perceber a intromissão.
Levantou a cabeça e resmungou:
-O que?
Bernard só pôde balbuciar:
-O pai... Aqui... Com a noiva.
Rowena escutou confusa a mensagem. Como supunha que o pai de Warrick estava morto, o escudeiro podia aludir a seu próprio pai, ou a um dos dois sogros de Warrick. Mas a palavra "noiva" meio que conseguiu acalmar os sentidos excitados de Rowena.
Warrick não se desconcertou ao escutar a misteriosa mensagem.
-Estão aproximando-se de Fulkhurst, ou já chegaram? A serenidade com que formulou a pergunta determinou que o rapazinho recuperasse sua própria compostura.
-Meu senhor; estão no salão, e desejam vê-lo. Digo-lhes o que...?
-Não lhes diga nada. Estarei ali em um momento para lhes dar as boas vindas.
Rowena deduziu dessa resposta que Warrick não pensava terminar o que tinha começado, e seu corpo elevou um protesto irritado. Mas seu rosto carecia completamente de expressão quando ele voltou a olhá-la. Ele não tinha a mesma atitude. Parecia frustrado, irritado, e depois de examiná-la um momento, disse resignado:
-O sentido da oportunidade de lorde Reinard deixa muito que desejar.
Warrick suspirou e se separou de Rowena. Ela descobriu que desejava obrigá-lo a voltar. A palavra "noiva" agora lhe produzia um efeito peculiar. Mas não fez nada que permitisse que Warrick adivinhasse que se sentia muito perturbada.
De todos os modos, podia formular uma pergunta:
-Lorde Reinard é um de seus sogros?
-Logo será.
De modo que se confirmavam os piores temores de Rowena. Tinha desaparecido a oportunidade de suavizar a esse homem. Tinha chegado sua prometida, já não se entreteria com a Rowena. E logo uma esposa compartilharia o leito com ele. E o que faria então com sua prisioneira? Enviaria de novo à masmorra? Ordenaria que o servisse e atendesse também sua nova esposa?
-De modo que encontraram a sua prometida - disse ela com voz inexpressiva, enquanto o via revisar um arca em busca de roupa, sem dúvida algo esplêndido, para sua preciosa senhora Isabella. Pelo menos isso significa que já não me perseguirá por meu delito.
Warrick dirigiu um duro olhar.
-Mulher, não acha que estará livre de culpa até que eu saiba por que desapareceu.
Rowena não fez nenhum comentário. Não lhe importava qual fosse à desculpa da dama, sabia somente que desejava que não tivessem encontrado a Isabella. E essa era uma comprovação inquietante, pois não deveria se importar que a achassem ou não.
Warrick se desprendeu dela, e sua mente se concentrou nos visitantes o esperavam. Rowena não podia ignorá-lo com igual facilidade, embora também ela pensasse nos visitantes. Mas inclusive enquanto sua inquietação se agravava em vista da nova situação e do modo em que a afetaria, seus olhos não podiam afastar-se da esplêndida nudez de Warrick, de seus músculos alargados, nus e musculosos, da tensa curva de suas nádegas, dos músculos que se moviam sobre as largas costas. Havia força e poder em cada linha... Sim, beleza, havia beleza nessa áspera masculinidade. Não podia negar, e tampouco negava a necessidade de sentir fortemente apertada contra o seu esse corpo tão esplêndido.
Voltou-se apenas antes que ele se girasse para calça e a calcinha, e então viu que a mesma necessidade se manifestava também nele, embora Warrick não fizesse caso, do mesmo modo que se desentendia dela; pelo menos isso foi o que ela pensou até que de novo encontrou o olhar de Warrick, que a descobriu naquele descarado examinando sua pessoa.
Então, voltou para a cama, e sem dizer uma palavra a agarrou pelo pescoço e a aproximou dele, até que sua boca pressionou duramente a de Rowena. O coração da jovem pulsou aliviado, mas antes que pudesse lhe rodear o pescoço com os braços para induzi-lo a voltar para a cama, ele a soltou. O rosto de Warrick era uma terrível mescla de desejo e cólera; sem dúvida sentia cólera porque ela o tentava para que ignorasse a sua preciosa Isabella. Sem dúvida, a tentação não era bastante intensa. Nisso sua impressão não era de tudo acertada.
-Fique exatamente assim, mulher - ordenou duramente Warrick-. Retornarei aqui antes que o fogo se apague nesses olhos de safira, e verei se ainda pode satisfazer a promessa que leio neles. Não viu o rubor que tinham as bochechas de Rowena, e se voltou para vestir-se depressa. Supunha-se que não era tão fácil interpretar suas reações como acontecia com as de Warrick; mas dúvida, aquela vez ela não tinha escondido nada. Sentia-se mais vulnerável que em outro momento qualquer de seus encontros com esse homem. Uma coisa era que reconhecesse ante si mesmo que podia desejá-lo, que o desejava, pelo menos nesse momento. E outra muito distinta permitir que ele visse com seus próprios olhos, sem que ela apelasse a suas mentiras. Mentiras? Talvez antes, quando conseguia controlar-se, alguns de seus atos e palavras tinham sido mentiras, mas agora não o eram.
Warrick abandonou o quarto sem voltar a olhar a Rowena. Ela percebeu que se pôs um mínimo de objetos, e nada de todo isso estava destinado a impressionar a uma prometida. De fato, pensou Rowena, tinha um ar bastante desalinhado e tosco, e como seus sentimentos ainda estavam comovidos pela irritação, as rugas cruéis de seu rosto e destacava bem. Podia considerar-se afortunado se sua prometida não lhe desse uma olhada e começasse a chorar.
Esse pensamento provocou um sorriso na Rowena, mas só durante um momento. Depois, reafirmou-se o sentimento de ansiedade, ainda mais intenso que antes. Não importava como reagisse Isabella frente à Warrick, o certo é que estava ali para desposá-lo. O temor de uma prometida era ao menos probabilidades tinha de evitar a celebração de um casamento, e, portanto se chegaria a ela, o qual significava que a situação de Rowena mudaria; e por mais voltas que lhe desse ao assunto, a jovem não via que com a mudança melhorasse sua situação.
Era possível que ainda inflamasse a sensualidade de Warrick, mas agora teria uma esposa para acalmar suas ânsias, e Rowena receberia unicamente as sutis crueldades e as pequenas vinganças do cavalheiro. Sem o contato íntimo que a lascívia de Warrick tinha imposto até então, ela não teria esperança de modificar o trato que lhe dispensava. Tudo seria pior.
O cavalheiro tinha ordenado a Rowena que permanecesse sua cama, mas ela não podia obedecer. Levantou-se, vestiu-se depressa, e depois percorreu agitada no quarto, esperando a volta de Warrick. Ele não voltou logo como havia dito pouco antes de sair. E os desejos que tinha provocado Rowena para momento que se acalmaram.
Por fim se instalou no duro banco, ante a janela, para refletir e esperar. Não passou muito tempo sem que chegasse à definida conclusão de que mais valia reconsiderar a possibilidade da fuga: possivelmente durante a excitação e a desordem do casamento.
Warrick retornou repentinamente e sem prévio aviso, mas não estava sozinho. A mulher que vinha lhe pisando os calcanhares era uma dama alta e luxuosamente vestida, o rosto pálido como um pergaminho novo. A via altivamente atrativa em sua calidez, com os cabelos muito escuros e os olhos verdes. Também estava terrivelmente nervosa, embora nela houvesse um olhar resignado e decidido.
Rowena observou tudo isto com os olhos muito grandes. Não podia entender por que Warrick tinha levado ali à dama, pois se Rowena tivesse seguido as ordens do senhor, ainda estaria nua no leito do cavalheiro. Ele não podia ter esquecido isso, verdade? Não, pois voltou primeiro os olhos para a cama, e quando a encontrou vazia, de repente, viu a Rowena encolhida junto à janela.
Ela percebeu imediatamente que Warrick desejava algo de sua prisioneira. Adivinhou-o como o tinha adivinhado antes, quando estava preso frente a ela, e ela tinha comprovado que podia ler seus pensamentos. Mas não conseguia compreender o que desejava esta vez, e então ouviu que Isabella falava.
Sim, a mulher temia, e com razão. O que estava confessando à duras costas de Warrick era por que não o amava. E agora Rowena compreendeu exatamente o que desejava Warrick dela. Queria demonstrar a Isabella que o que estava lhe dizendo não importava absolutamente, mas que o mero feito de dizê-lo não bastava. Rowena não estava certa de que seu orgulho fosse a única coisa que ele queria proteger, ou se desejava aliviar os sentimentos de ansiedade da dama. Em ambos os era evidente que tinha abrigado a esperança de achar a Rowena no mesmo lugar em onde a tinha deixado, uma posição que teria falado mais claramente que as palavras. Rowena não sabia muito bem por que desejava ajudar de Warrick ou inclusive como podia fazê-lo, mas em todo caso ficou de pé para mostrar-se à outra mulher. Por desgraça, isso não foi suficiente. Isabella estava muito absorta em sua explicação para prestar atenção à presença de uma criada. Fazia um grande esforço para obter que Warrick a escutasse, mas ele nem sequer se voltava para olhá-la, e em troca continuava observando a Rowena.
Rowena se aproximou dos dois, mas parou frente à Warrick lhe dizendo sem palavras que podia utilizar sua presença como lhe desse a vontade. O que decidiu fazer foi enfrentar-se com a Isabella tendo a Rowena a suas costas; levou para trás sua própria mão até que ela tomou, e depois a aproximou mais, até que Rowena se inclinou sobre as costas de Warrick. O que este quadro devia parecer com os olhos da Isabella, se ela se dignava olhar, era que Rowena se escondia timidamente atrás de Warrick, e que ele tentava tranqüilizá-la embora sem chamar de fato a atenção sobre sua pessoa.
Possivelmente todo isso era muito sutil para a Isabella, pois ainda não tinha terminado com sua extensa explicação sobre o modo em que ela e alguém chamado Milhares Fergant se amaram na infância. Rowena queria ser invisível, a julgar pela atenção que lhe emprestava. Tivesse sido melhor que voltasse descaradamente para a cama de Warrick, possivelmente inclusive que se despisse outra vez. Sorriu para si mesma ante essa absurda idéia, e depois quase riu em voz alta quando pensou que Isabella talvez não a tivesse percebido, mas era certo que Warrick saberia a atinar-se.
Esse momento de capricho provocou nela uma atitude zombadora que não tinha tido em muitos anos. Contemplou a possibilidade de segurar atrás da cintura de Warrick. Não, isso era muito audaz. Em troca, desprendeu sua mão da mão do cavalheiro, viu a costa tensa do homem, mas ele se afrouxou quando sentiu que as mãos de Rowena posavam em seus flancos, exatamente em cima dos quadris. Os dedos de Rowena não eram muito visíveis, mas ela já não pensava sequer na possibilidade de que Isabella visse algo mais. Agora desejava burlar-se de Warrick, e foi o que fez, deslizando lentamente as mãos pelos flancos do homem, sentindo que ele endurecia o corpo; e depois tratava de deter os movimentos de Rowena apertando os braços contra os flancos. Ela se limitou a soltar os dedos e baixá-los ao longo dos quadris.
Quase rompeu a rir quando ouviu que ele continha a respiração. Mas quando retirou a mão para pegar a nádega do homem, ele a surpreendeu girando em circulo e lhe cravando um olhar que por uma vez não soube interpretar. Rowena dirigiu a sua vez um olhar de cândida inocência, que provocou um leve movimento na curva dos lábios de Warrick, antes que reagisse e lhe dirigisse um olhar de advertência. Supunha-se que ela estava lhe ajudando a confrontar a confissão da Isabella, e não o distraindo no momento de ouvi-la.
E então ambos perceberam o súbito silêncio, um momento antes que Isabella perguntasse impaciente:
- Warrick, quem é essa mulher?
Ele se voltou. Rowena apareceu à cabeça por um flanco das largas costas.
-É minha prisioneira - foi tudo o que Warrick disse como resposta.
-Senhora Rowena de Kirkburough - adicionou Rowena quase no mesmo instante, muito consciente de que ele não aceitaria nem veria com bons olhos o que havia dito.
Estava certo. Chegou à réplica, e ela estremeceu.
- Senhora antes de ser prisioneira. Agora é a mulher que conceberá meu próximo bastardo.
Rowena afundou os dentes no dorso do braço de Warrick -com força- para lhe agradecer essa revelação desnecessária. Ele não fez o mais mínimo gesto que demonstrasse que tinha recebido a dentada.
-Compreendo - disse friamente Isabella.
- Por fim entende? Bem, talvez me explique por que acha necessário me seguir até aqui com essa historia de apaixonados pela infância quando te disse explicitamente no salão que não estava interessado em escutá-la. Acredita que seu amor era uma condição de nosso casamento? A brutal frieza do tom determinou que Isabella empalidecesse ainda mais. Rowena, de novo atrás de Warrick, estremeceu-se durante um momento compadeceu da outra mulher.
-Eu... Tinha abrigado a esperança de que entendesse - disse triste Isabella.
-Em efeito, entendo. Não me ama. Não me importa. Acontece que o amor não é o que reclamo de ti.
-Não, Warrick, você não compreende absolutamente. Não posso me casar contigo. Já... Estou comprometida com Milhares.
Seguiu um prolongado silêncio. Rowena se sentiu impressionada. Nem sequer imaginava o que devia sentir Warrick.
Mas a voz de Warrick tinha um acento de surpreendente moderação quando ao fim perguntou:
-Então, o que faz aqui, com seu pai, que parece acreditar que te trouxe para celebrar um casamento?
Rowena avançou até o flanco de Warrick, agora dominada pela curiosidade: não desejava perder uma palavra do diálogo. A dama se retorcia as mãos, mas Rowena se sentiu surpreendida ao comprovar que Warrick não parecia inquietar-se com as notícias tanto como tivesse devido ser o caso.
-Quando meu pai me encontrou em Londres, Milhares tinha sido enviado aos York por assuntos do rei de modo que não estava comigo. Eu... Não pude dizer a verdade a meu pai. Tinha-me proibido ver de novo a Milhares depois que ele recusou sua petição de mão. Queria que você fosse seu genro. Você e ninguém mais.
-Não me importa a aprovação de seu pai em relação com nosso casamento. O que eu pedi foi seu consentimento, e você me deu isso.
-Me vi obrigada a fazê-lo. Pela mesma razão, não pude dizer a meu pai que me tinha casado com a bênção do rei. Milhares é o homem de Stephen; renunciei a muitas coisas para tê-lo, mas ele é o homem a quem amo. Meu pai me mataria se souber o que tenho feito.
- Acredita que deve me temer menos?
Rowena estava certa de que a mulher desmaiaria de tão horrorizada se sentiu ela mesma para ouvir essa pergunta. Tivesse desejado castigar pessoalmente de Warrick porque assustava intencionadamente a Isabella. E não duvidava de que o fazia com toda intenção. Agora o conhecia bem, e estava muito familiarizada com seu estilo de pronta represália. Evidentemente, Isabella não estava na mesma situação.
Ver outra pessoa convertida na destinatária da hostilidade de Warrick era estranho. Ainda mais estranho era o desejo de Rowena de desativar a cólera do senhor do castelo.
-Senhora Isabella, a masmorra de Warrick te agradará - disse no tenso silêncio que seguiu-. Seriamente, é muito cômoda.
Warrick a olhou, como se tivesse enlouquecido. Mas Isabella se limitou a olhá-la com olhos inexpressivos, pois não compreendia o que Rowena dava a entender.
-Bem, pensa colocá-la na sua masmorra, verdade, meu senhor? -continuou dizendo Rowena-. É ali onde envia a todas as mulheres enquanto espera a ver se elas...
-Rowena... -começou ele, em tom de advertência. Rowena lhe dirigiu um doce sorriso.
-Sim, meu senhor?
Não diria o que se propunha dizer enquanto lhe sorrisse assim. Warrick emitiu um som de exasperação, mas quando voltou a olhar a Isabella, sua expressão já não era tão sombria.
-De modo que te fugia a Londres para se casar com seu amado? -disse a Isabella-. Diga-me, este era seu plano quando veio para ver-me, ou a coisa se precipitou a causa do atraso de nosso encontro?
Rowena conteve a respiração, e desejou que a resposta da mulher não adicionasse outro pecado a sua própria pronta de faltas. Não teve tanta sorte.
-Milhares, tinha reunido com minha escolta esse meio-dia. Por volta de meses que não o via. Já quase não abrigava esperanças. Mas quando não veio com seus homens, pareceu obra da sorte... Quero dizer... Milhares e eu vimos que essa era nossa única...
Isabella finalmente calou furiosamente ruborizada, mas depois de um momento adicionou:
-Realmente, sinto muito, Warrick. Não foi minha intenção te enganar, mas meu pai ansiava vivamente meu casamento contigo.
Era inaudito e ofensivo; Rowena simplesmente não pôde resistir o comentário:
-Lástima que ele não pudesse casar-se pessoalmente com Warrick.
Lamentou imediatamente o comentário impulsivo. A frivolidade estava desconjurada em um assunto tão grave. Warrick não podia apreciá-lo, e se encolerizaria com ela. Isabella certamente acreditava que Rowena estava louca. E de repente, Warrick se pôs a rir. Seu olhar encontrou a expressão surpreendida de Rowena, e riu com mais intensidade ainda. Embora Isabella não apreciasse essa reação.
-Como te atreve a brincar com este assunto? -perguntou a Rowena-. Meu pai possivelmente ainda me mate quando...
-Não o fará se Warrick declarar nulo o contrato matrimonial - disse Rowena. Ante essa idéia, Warrick deixou de rir.
-Por Deus, isso começaria uma guerra. É melhor que ela receba os golpes que merece completamente; e que eu assegure ao lorde Reinard que não estou ofendido pela perda da dama.
-Isso não resolve sua situação - recordou-lhe Rowena.
-Mulher, imagina que essa dificuldade é algo que me inquieta?
Rowena não fez conta.
-A aliança te pareceu bastante boa, meu senhor. Não é possível falar com uma de suas filhas, de modo que uma delas estabeleça a aliança em seu lugar... Se essa família tiver varões solteiros?
Warrick meneou a cabeça, satisfeito.
-Rowena, te dedique a suas obrigações, não seja que também proponha entregar meu castelo. Este assunto não te concerne, exceto por esse papel indireto que representa nele, e que dificilmente esquecerei.
-Ah. - Ela suspirou, pouco impressionada pela advertência-. Vejo que me espera outra baforada de fogo do dragão...
-Fora! -interrompeu-a Warrick, mas sua expressão não era muito cruel. Na realidade, estava a um passo de sorrir.
Rowena lhe sorriu também, e ouviu que Isabella dizia antes de fechar a porta:
-Warrick, sua sugestão é excelente.
-Senhora, não me surpreende que lhe pareça isso, pois resolve muito bem seu dilema. Mas não me dá o filho que eu desejava Rowena não esperou a escutar como a dama repetia suas desculpas. Afastou-se, enquanto pensava no sexo do menino que levava em seu ventre. Um filho varão tivesse estado muito bem mas isso era o que Warrick desejava. O interrogante era:
-Um varão lhe proporcionaria uma oferta de casamento, ou lhe garantiria a perda de seu primogênito?
Warrick não sabia muito bem em que argúcias estavam enredando-o essa mulher, mas já tinha chegado à conclusão de que não lhe importava. Ele não podia adivinhar o que pretendia obter Rowena com seu estranho comportamento. Tampouco se importava. O que ele tinha planejado para essa mulher não mudaria. Bem, possivelmente apenas um pouco, pois ele já não desejava lhe provocar sofrimento. O engenho atrevido de Rowena também era uma agradável surpresa. Como em Kirkburough ela se mostrou solene e decidida, Warrick não podia esperar a aparição de uma faceta brincalhona em seu caráter.
Kirkburough não era a especialidade de Rowena, e agora tampouco o seria. Mas pela primeira vez, Warrick se perguntou quem era Rowena, e de onde tinha saído.
-Já falou à dama a respeito de Emma?
Warrick tinha parado de observar a seus homens que punham a prova suas habilidades lutando com os cavalheiros de Sheldon no pátio de exercícios. Durante um momento não entendeu a que se referia seu amigo até que percebeu que Sheldon olhava a Rowena, enquanto esta cruzava o pátio para dirigir-se ao tanque, nos braços uma grande pilha de roupa branca. A jovem se destacava claramente, com suas longas tranças que reluziam iluminadas pela luz do sol, a camisa vermelha apenas visível no pescoço, os braços e os pés, conformando um grande contraste com a jaqueta cinza que se pôs. Não podia confundir-se com os criados que estavam ao redor. Era quase ridículo lhe atribuir essa categoria, e, entretanto Warrick estava disposto a insistir em sua postura, à margem de modo em que outros a considerassem... Ou a chamassem.
Mas o irritava ter esquecido por completo a nova tarefa que tinha aceitado lhe atribuir. Sem dúvida, quando ela estava perto, os pensamentos do Wanick se orientavam em outra a direção.
-Com as idas e as vindas de lsabella, não tive oportunidade de...
-Não diga mais - Sheldon interrompeu o que na verdade era uma desculpa muito débil-. É realmente desagradável o trato que dispensou essa família, e o jovem, Milhares deve estar louco se acha que poderia te roubar a sua prometida e não pagar o preço com sua vida. É uma vergonha, conheço seu pai...
-Sheldon, por Deus, não me atribua feitos nem intenções que não estão em minha mente.
Sheldon o olhou com tanta incredulidade que Warrick se ruborizou até a raiz dos cabelos.
-Não quer dizer que pensa perdoar a vida do moço depois do mal que te fez verdade? Warrick sente-se realmente bem?
Warrick estava franzindo o cenho antes que Sheldon tivesse terminado sua frase, porque seu amigo exibia uma preocupação absolutamente séria.
-Não estou atordoado, droga. Acontece simplesmente que não me importa ter perdido a essa dama. A aliança se mantém, pois prometi a Beatríx em meu lugar. Lorde Rinard está tão satisfeito como eu com o resultado, Realmente, o que perdi é a dama, que já tinha definido seus sentimentos, de modo que sem dúvida teria acabado enganado. Na realidade, devo agradecer a audácia de Milhares Fergant.
De novo Sheldon se limitou a olhar; o qual induziu de Warrick a resmungar.
-Meu amigo, como está seu braço? Embolorou-se tanto como o meu durante estas últimas semanas?
Sheldon finalmente pôs-se a rir.
-Pode recusar um oferecimento expresso de um modo tão amável?
-Eu não te recomendaria isso.
-Então, adiante - disse Sheldon desembainhando a espada-, Mas não esquecendo de repente que está perdoando o que fez Forgant. A última vez que substituiu a um de seus inimigos com minha pessoa fiquei sem poder levantar-me da cama durante uma quinzena.
Wartick arqueou o cenho enquanto desencapava sua própria espada.
-Esse tempo em que ficou de cama se alarga cada vez que o menciona. Quer minha simpatia ou praticar um pouco?
-O dia que você conceda a alguém uma prática leviana...
Sheldon não terminou a frase e enfrentou o primeiro ataque de Warrick. O choque dos aços aproximou dos restantes homens que estavam no campo, mas só os dois amigos lutaram enquanto os homens cessavam em suas atividades para olhá-los, Rowena olhou através da porta aberta do tanque, sem fazer caso da roupa de cama que tinha levado ali para lavar. Nas proximidades da porta de acesso ao pátio de exercícios, um mensageiro que acabava de chegar agora resistia a entregar o desafio que havia trazido, pois tinha que aproximar-se dos dois veteranos cavalheiros que se descarregavam golpes no que parecia uma cena de combate mortal.
De uma janela do castelo, Beatrix também observava a seu pai, e abrigava a esperança de que tropeçasse ou se enganasse ao responder os golpes, e que fizesse o papel de tolo. Estava furiosa com ele, ao extremo de que já tinha esbofeteado a duas criadas e provocado o pranto de sua amada Melisant.
A causa era a horrível desilusão de ver chegar à prometida de Warrick, quando Beatrix tinha começado a acreditar que Isabella nunca apareceria; e depois de esperar o pior, um casamento em poucos dias, receber a notícia, umas poucas horas mais tarde, de que seu pai não se casaria, de que em troca seria ela quem se casaria, e com um membro dessa família. Os Malduity podiam parecer bastante bons a seu pai, mas ela tinha aspirado a um título mais elevado, maior poder e mais riqueza, pelo menos a um conde. Mas não, teria que aceitar a um mozalbete, que logo que tinha sido armado cavalheiro pouco tempo antes, e que com certeza não herdaria a não ser depois de passados muitos anos; e para cúmulo, ela teria que viver com seu sogro. Era intolerável, e tudo porque ele assim o tinha decretado. Ela se encarregaria de que ele se lamentasse. Que se tivesse atrevido a lhe fazer isso...
Warrick se levantou lentamente, seu orgulho mais ferido que seu traseiro. Sheldon estava erguido atrás dele, rindo, e por bons motivos. No curso de sua vida Warrick nunca tinha sido surpreendido desse modo, como um escudeiro a quem surpreende com sua primeira espada de madeira na mão. A culpa era dessa mulher de cabelos de linho e de sua camisa vermelha que atraía o olhar, sem falar do deleitoso corpo que esses objetos cobriam. Ele logo que viu a labareda vermelha pela extremidade do olho, e quando tentou ver algo mais... Sheldon o derrubou com um golpe nas suas costas; o impacto para o qual não estava preparado enviou Warrick ao chão; pois tinha parado no pátio para olhar fixamente a ignóbil posição de Warrick no chão, e tal parecia que ela estava preocupada, quando o mais provável era que tivesse que esforçar-se para evitar a risada, como estava fazendo Sheldon.
-Compreende de verdade - disse Sheldon-, que minha proeza ao derrubar ao dragão será conhecida em qualquer parte?
-Vá ao inferno - grunhiu Warrick, enquanto ficava de pé, mas adicionou com um sorriso tenso-: o melhor ainda, não quer provar de novo?
Sheldon recusou, mas sem deixar de sorrir.
-Amigo, prefiro me negar. Recolherei meus louros e me retirarei enquanto...
-Um mensageiro, meu senhor - interrompeu nesse momento um mordomo de Warrick.
Warrick se voltou impaciente para o mensageiro, e percebeu que estava muito limpo para ter viajado de muito longe. Recebeu o pergaminho enrolado sem a mais mínima mudança de expressão que indicasse que tinha identificado o selo.
O mensageiro esperou para repetir as palavras que tinha fixado na memória, mas o senhor de Fulkhurst não as necessitava, pois estava lendo pessoalmente a mensagem ou fingindo que lia, pensou o homem, sorrindo para si mesmo. Supôs isso, pois o senhor não reagia como correspondia frente às palavras de desafio do amo que o tinha enviado ali com a missiva. O mensageiro tampouco estava nervoso, depois de presenciar a estupidez do senhor Fulkhurst no campo de exercício. O temido dragão do norte sem dúvida dependia de seus homens, que se encarregavam de ganhar as batalhas.
O mensageiro se sentiu menos certo dessa opinião quando Warrick o olhou diretamente aos olhos com a expressão mais fria que ele tinha visto jamais. O famoso dragão tinha um olhar cruel em seu rosto, disso o mensageiro estava muito certo.
-Se seu senhor está tão ansioso por morrer, agradarei, mas em meu tempo e lugar. Em pouco tempo mais terá minha resposta completa.
E com um gesto, Warrick despediu do homem.
Sheldon logo que esperou que o homem se afastasse para perguntar com o cenho arqueado:
-Pensa matar a alguém a quem conheço?
-Não o conhece, mas certamente terá ouvido falar dele. Trata-se de d'Ambray, que adota uma tática diferente. Agora reclama que nos encontremos em Gilly Field, dentro de dois dias, para terminar a guerra entre nós com um combate individual.
Sheldon assobiou entre dentes.
-O homem deve ter tão pouco miolo como seu pai se acreditar que você não sabe que Gilly Field é um lugar muito apropriado para os enganos. Ouvi dizer que o mesmo desafio foi formulado ao Walter Belleme, o velho senhor de Tures, mas quando Belleme cavalgou até ali para aceitar, emboscaram-no e mataram. Desse modo os d'Ambray se apoderaram de Tures e de tudo o que há ali.
-Todo isso eu sei - replicou Warrick-, e já me dei procuração a essa jóia de sua coleção. Inclusive tinha alimentado o pensamento de permitir que tivesse a paz que ele pedia - depois que perdeu o castelo de Ambray.
-Então, essa é sua próxima campanha, o baluarte de Ambray?
-Sim, mas sem dúvida demorei muito em agir, e lhe concedi tempo demasiado para considerar a traição como alternativa.
-Possivelmente, embora deva reconhecer Warrick, que não é um inimigo a quem se pode deter facilmente quando sai a destruir a seu antagonista. É bem sabido que ninguém provoca ao dragão sem machucar-se. E essa reputação determinou que mais de um homem contemplasse o assassinato em lugar dos meios limpos que permitiriam se derrotar, sobre tudo porque Stephen não levantará uma mão contra ti.
-Por que haveria de fazê-lo? A metade dos meus inimigos são seus inimigos, e lhe agrada que os liquide sem que lhe custe nada.
-Certo - conveio Sheldon, e depois perguntou com curiosidade:
-Falou a sério quando disse que não desejava destruir por completo a d'Ambray?
Warrick encolheu os ombros, e olhou de novo para o lugar onde tinha estado Rowena, a qual já tinha se retirado.
-Possivelmente estou me cansando da guerra permanente. Muitas coisas se viram descuidadas por causa dos conflitos. Minhas filhas não têm uma guia apropriada, e eu mal conheço minhas próprias posses. Por Deus, atravessei com muita cautela Seaxdale para chegar a Tures, e nem sequer sabia que era meu próprio povo. E fui omisso nas obrigações de gerar meu filho varão...
-Oh, sim, e é tão velho que já quase é muito tarde para...
-Vá ao inferno, Sheldon.
O homem maior sorriu antes que sua expressão de novo cobrando seriedade.
-Lamento por lsabella, sei que te agradou escolhê-la.
Warrick desdenhou o assunto.
-Realmente, deveria me sentir furioso com a dama, e com o pai que a obrigou a enganar quando ele sabia que seu coração se inclinava decididamente por outro. Em troca, quase sinto alívio de que o tenha terminado, sobre tudo porque é certo que ela não me teria convencionado tanto como eu acreditava antes
-E possivelmente já pensa em outra mulher que a substitua?
Warrick necessitou um momento para compreender a quem se referia Sheldon, mas depois franziu o cenho.
-Não, está enganado. Jamais honraria a essa pequena bruxa com...
-Sim, faria, se te der o filho que desejas.
A imagem de Rowena com um menino em seus braços ocupou a mente de Warrick e ele sentiu um desejo muito intenso que um estremecimento percorreu o corpo, mas sua conduta e valores morais que o tinha guiado durante toda a sua vida o proibiam de permitir que ninguém escapasse da vingança depois de prejudicá-lo, e muito menos se beneficiasse com o que tinha feito, meneou a cabeça com obstinação.
-Parece inconcebível que...
Mas Sheldon elevou a mão, e obteve interrompendo.
-Não diga palavras que depois se sentirá obrigado a manter. -E antes que Warrick de todos os modos insistisse, Sheldon adicionou-; Verei você muito em breve, amigo.
Wattick olhou Sheldon mantendo a expressão mais sombria em seu rosto, em outras ocasiões jamais permitiria que alguém o interrompesse, com a única exceção de Sheldon, que o conhecia desde antes de suas tragédias e compreendia o que era o que o impulsionava, embora as vezes achava bom carecer de poucos amigos... E esse era um de tais momentos.
Warrick não estava de bom humor quando a tarde chegou ao salão. E ali viu Emma, e isso lhe recordou que ainda não se ocupou do assunto de sua educação. Agora lhe ordenou que se aproximasse, enquanto ele caminhava para o fogo. Havia somente duas cadeiras entre muitos tamboretes, reservadas unicamente para ele e seus convidados, ou para suas filhas. Ordenou a Emma que ocupasse uma delas enquanto ele utilizava a outra; mas isso determinou que ela o olhasse com uma expressão de estranheza, o que recordou Warrrick que ela mesma não se considerava um membro de sua família, do mesmo modo que Warrick jamais lhe tinha atribuído esse caráter.
O que agora se propunha fazer, não lhe incomodava muito. Os bastardos eram uma realidade da vida, e muito poucos se elevavam muito por cima do estigma de seu nascimento, ou da servidão de suas respectivas mães, a menos que tivessem um pai que fosse membro da família real ou que não houvesse irmãos legítimos.
Pelo que ele sabia, Emma era sua única descendente bastarda, não contando com o que estava crescendo no ventre de Rowena. Embora a jovem agora devesse ter perto de dezesseis anos, ele tinha conhecido sua existência só durante os últimos anos. Possivelmente tivesse feito mais em seu favor se tivesse pensado mais nela, mas Warrick poucas vezes tinha estado em sua casa desde que ela tinha chamado sua atenção, e também poucas vezes tinha pensado em coisas diferentes da guerra... Até agora.
Ele a olhou fixo, e percebeu o que Sheldon tinha percebido tão facilmente: que em efeito ela lhe parecia mais que qualquer das outras duas filhas. Havia força no rosto e a atitude, e isso faltava nas duas irmãs. Inclusive os olhos e os cabelos tinham exatamente a mesma cor que os de Warrick, exceto, enquanto os olhos do senhor do castelo exibiam uma fria hostilidade, os da Emma tinham uma calidez que conferia certa beleza a seu rosto.
Ele observou também que seu olhar direto não inquietava a jovem. Se ele tivesse cuidado desse modo Melisant sem lhe falar, a menina ao fim se teria posto a chorar. Beatrix teria começado a formular desculpas pelo que recentemente tivesse feito errado, sem esperar a que seu pai formulasse uma acusação. Emma permanecia sentada tranqüila e a sua vez olhava de Warrick, embora certamente não a via cômoda. Em definitivo, Warrick não tinha previsto que ela demonstraria esse valor. Talvez, depois de tudo, ela seria uma boa esposa para o jovem Richard.
Warrick não tinha a mais mínima intenção de abordar brandamente o assunto. Suas primeiras palavras foram:
-Sheldon de Vere tem um filho que pede sua mão.
-Refere a Richard?
Warrick assentiu.
-Estava sabendo de sua intenção?
-Não.
-Mas entendo que celebrou algumas conversações com ele, pois do contrário não teria pedido especificamente sua mão.
-Procurou-me sempre que veio aqui com seu pai.
-Sem dúvida, para te roubar beijos. - Warrick resmungou:
-Moça, ainda é virgem?
A ela lhe avermelharam as bochechas, embora seu olhar permanecesse unido a de Warrick, e os lábios se curvaram nas comissuras.
-Aqui nenhum homem nem sequer me olha, porque me tomaria.
Warrick sorriu ao perceber a contrariedade que ela sentia.
- Agrada-me sabê-lo. E Richard sem dúvida se sentirá ainda mais agradado. Mas antes de te entregar a ele, terá que aprender muitas coisas para não envergonhar a sua família.
Ela olhou incrédula.
-Diz que ordenará que me ensine o que sabe uma prostituta?
Ele franziu o cenho.
-Falei algo que te induza a pensar isso?
-Diz que ele me reclama e que pensa me entrega. Se não for sua amante, o que serei?
Os lábios de Warrick esboçaram uma careta de desgosto, mas era contrariedade consigo mesmo.
-Imagino que não posso te culpar de pensar assim. Mas na realidade será sua esposa, se for possível te ensinar as maneiras de uma dama.
-Esposa? -Ela se limitou a modular a palavra, mas sem som, tão grande era sua surpresa. Mas quando por fim compreendeu com claridade as conseqüências dessa palavra, o rosto se iluminou da alegria, e seus lábios desenharam um sorriso deslumbrante. - De sir Richard?
-Se... -começou a repetir Warrick, mas ela o interrompeu.
-Meu senhor, nada de "se". Aprenderei o que seja necessário. Não o duvide.
Pela primeira vez em sua vida Warrick se sentiu orgulhoso de uma de suas filhas, algo que acreditava não lhe aconteceria até que tivesse um varão. Não duvidou da decisão da Emma. Mas faltava ver até, aonde chegava sua capacidade.
Mas pelo bem da moça, desejava que ela tivesse êxito. Em relação com esse propósito, agora resistia a repartir a Rowena a ordem de assumir a tarefa. Talvez o comportamento de Rowena nesse momento não seu estuário rancor, mas ele tinha feito muitas coisas e era possível que a jovem se mostrasse hostil. Não tinha feito nada que, ela não merecesse, mas o modo em que funcionava a mente de uma mulher não merecia confiança. Existia a possibilidade de que ela ensinasse mal a Emma, só para vingar-se de Warrick.
-Senhora Roberta poderia ser uma candidata apropriada - comentou pensativo, mas antes que pudesse adicionar por que possivelmente não era aceitável, fez Emma.
-Não o fará - disse Emma, e parte da alegria desapareceu de seu rosto-. Despreza-me... E não estou certa de que saiba algo mais que a costura. É a única coisa que lhe parece importante.
A risada de Warrick a interrompeu.
-Podem dizer-se muitas coisas boas em favor de uma costureira hábil, mas menciono à dama como a candidata provável só por que já atua nessa função, e, portanto seria ideal, mas também concordo em que não quererá te ensinar. Como alternativa, acredito que Rowena pode te ajudar, em tudo isto se o pedir.
-Mas ela já tem tantas obrigações...
Emma não completou a frase porque agora ele franzia o cenho precisamente porque não tinha percebido que tinha sobrecarregado a essa mulher, Rowena nada havia dito, não tinha queixado do excesso de trabalho... Mas e, tinha-lhe mentido? O que sabia Warrick dos criados e do que se considerava uma cota normal de trabalho? Ele jamais tinha tido que dirigir a outras pessoas, fora de seus soldados, mas agora que o pensava, inclusive a senhora Blouet o tinha cuidado com estranheza quando ele mencionou tudo o que devia exigir-lhe a Rowena. Nesse momento ele tinha pensado unicamente em lhe atribuir tarefas que conforme previa deviam provocar resistência na jovem, porque eram o que se parecia com as obrigações de uma esposa. Enviar à sala de costura teria sido nada mais que uma idéia de último momento, para evitar que acreditasse que ela estava dedicada com exclusividade ao serviço do senhor.
-Aliviaremos suas obrigações restantes, de modo que ela tenha tempo demasiado para dedicar a sua pessoa... Se aceitar a tarefa.
-Eu lhe agradecerei muitíssimo a ajuda, mas não deveria ser você quem lhe fale desta questão, e não eu?
Warrick grunhiu.
-Emma, ela não quererá me fazer favores, e se eu insistir... Basta dizer que é mais provável que você consiga mais se o pedir o que eu conseguirei lhe repartindo uma ordem direta. -Mas agora pensou que sua filha uma vez tinha questionado a escolha da instrutora, de modo que perguntou-:
-Sabia que era uma dama?
Agora foi a vez de Emma de franzir o cenho ante a observação.
-Mas ainda o é. Isto é algo que não pode lhe tirar só porque você... -ruborizou-se e ela mesma se corrigiu-. Sinto muito, meu senhor. Ninguém devia saber? Perguntamo-nos por que a tratava assim, mas isso é teu assunto.
A censura que se manifestava no tom da Emma irritou Warrick.
-Exatamente, é meu assunto, e de ninguém mais, de modo que não continue fazendo perguntas a respeito.
Mas Warrick compreendeu antes de ter terminado de falar que o sentimento de culpa o tinha induzido a responder com tanta atitude. Por Deus, agora Rowena conseguia que ele se sentisse culpado, quando para falar a verdade se mostrou mais benigno com ela do que merecia. Quando pensava no que poderia lhe haver exigido... A vida mesma! Não, não devia sentir-se culpado pelo trato que lhe dispensava.
E precisamente nesse momento Rowena apareceu, vindo da cozinha, e atraindo instantaneamente a atenção de Warrick com sua camisa vermelha, ele se prometeu que queimaria na primeira oportunidade. Ela também o viu quase imediatamente, mas se voltou depressa para retornar por onde tinha vindo, de modo que agora fugia dele, verdade? Sim, possivelmente acreditava que era o mais conveniente depois da tolice que tinha cometido essa manhã com a Isabella. Mas agora que ele a tinha visto compreendeu que já não podia concentrar a atenção na Emma, de modo que a despediu lhe ordenando que esperasse até que ele tivesse oportunidade de fazer o pedido a Rowena. Desse modo, não precisaria ordenar que diminuíssem as obrigações de Rowena. Aliviariam durante sua própria ausência. E cabia supor que quando retornasse, depois de matar a d'Ambray, ela teria criado uma rotina de cooperação com a Emma, e ele se limitaria a permitir que isso continuasse.
Apenas Emma se retirou, Rowena reapareceu e caminhou para Warrick com uma jarra de cerveja em uma mão e um jarro na outra. Rowena conseguia surpreendê-lo de novo com sua disposição a servir ao senhor do castelo sem que ninguém o ordenasse. Ou talvez ela sentisse a necessidade de demonstrar seu arrependimento? Sim, provavelmente era isso, e tinha muita razão ao adotar essa atitude. Por Deus, a mulher o tinha mordido sem ter noção do modo em que ele podia reagir. E não tinha sido uma dentada sem importância. O músculo em que ela tinha afundado o dente ainda lhe doía. O admirava tanta audácia, mas a admirava. Mas ela não devia saber. Rowena... Parou bruscamente na metade do caminho para o fogo, sua atenção concentrada em outra coisa. Mas se tratava simplesmente da Beatrix que ingressava no salão, seguida por uma criada. Mas quando ele olhou de novo a Rowena, pareceu que a jovem se sentia curvada durante um momento, e depois resignada. E mais tarde, inclusive isso se dissipou. Ele olhou de novo a Beatrix, franzindo o cenho, sem poder descobrir o que tinha levado a Rowena a reagir desse modo. E então viu a jaqueta azul que sua filha usava um objeto muito audaz para uma moça de tão poucos anos; e, além disso, um objeto que ele não estava acostumado a ver nela. Tinha um grande decote diante, destinado possivelmente a exibir uma camisa especial debaixo, embora o objeto que Beatrix usava não chamava a atenção. Sem dúvida, não fazia jogo com o objeto que a cobria.
Warrick estabeleceu a relação, mas desejava não havê-lo feito. A jaqueta era de Rowena, e a tinha modificado para adaptá-la ao corpo pequeno da filha do senhor. Mas, onde estava o prazer que ele tinha acreditado que sentiria quando pela primeira vez decidiu dar de presente os objetos de Rowena, para pisotear seu orgulho e seu sentido de dignidade? Em troca, agora se sentia incômodo pelo que em efeito sentia. O gesto tinha sido eficaz. Sim, ela se sentia machucada de ver suas roupas no corpo de outra. E agora ele sentia desejo de arrancar o objeto do corpo de Beatrix e devolvê-la a Rowena, o que, é obvio, não podia fazer.
Por todos os demônios, não lhe agradava que Rowena provocasse nele esses sentimentos. Agora se sentia mais culpado, e era cada vez mais irritante que um sentimento pouco usual nele impedisse de consumar o que tinha sido uma vingança perfeitamente organizada. Por isso falou com atitude a Rowena quando ela esteve perto.
-Mulher, estou completamente desagradado contigo.
Os olhos de Rowena flamejaram um momento antes que ela respondesse com brutalidade.
-Já vejo meu senhor. Expressas do modo mais eloqüente seus sentimentos, como de costume.
Ele franziu ainda mais o cenho ao dizer:
-Entretanto, não treme ante mim.
Ela encolheu os ombros, depositou a cerveja sobre a mesa perto de Warrick em lugar de oferecê-la, como tinha sido sua intenção inicial.
-Você assinala freqüentemente que sou muito estúpida.
-Ou muito ardilosa.
Ela riu ao ouvir isto.
-Como queira meu senhor, sou regulável.
-Já veremos quão regulável é quando comentamos suas transgressões mais recentes durante a manhã. Possivelmente acha que esqueceria sua conduta na presença de senhora Isabella. Mordeu-me, mulher.
Rowena realizou um esforço tão grande para dissimular seu orgulho, mas fracassou.
-Seriamente?
-Sabe muito bem que o fez. Também me desobedeceu.
Este comentário tinha um acento mais grave, de modo que ela replicou também com mais seriedade.
-E foi bom que o fizesse, Desejava que a dama me encontrasse em sua cama? Mas eu me sentiria muito envergonhada.
-Isso não importa...
-Compreendo - interrompeu-lhe ela com um gesto duro, agora desagradada-. Portanto, suponho que a humilhação já não se utilizará como um meio para me castigar, e terei que suportá-la como uma experiência pessoal a cada momento.
-Não ponha palavras em...
Ela o interrompeu de novo.
-Não. Compreendo perfeitamente.
Ela se voltou para afastar-se, mas ele se apoderou da longa trança que passou a frente de seu rosto, baixou a mão até que ela se viu obrigada a inclinar-se; e as cabeças dos dois quase se tocaram.
-A indignação está desconjurada em um servo- disse ele, em uma sorte de branda advertência. - Esqueceu que é minha serva?
Ela fez uma pausa antes de responder em voz baixa;
-Meu senhor, jamais esqueceria que sou tua.
Os olhos de safira de Rowena encerravam uma promessa tão sensual que isso, unido a suas palavras, determinou que a virilidade de Warrick se inflamasse em cabal avaliação de tais palavras, Warrick se perguntou, será que ela fazia de propósito, ou não sabia sequer o efeito de tudo isso nele. Se estivessem sozinhos, Rowena teria descoberto muito rapidamente.
Ele soltou a trança, pois precisava pôr distância entre eles, não fosse que fizesse o papel de tolo levando-a diretamente a seu leito. Mas Rowena não retrocedeu como esperava, e seus dedos tocaram brandamente o dorso da mão de Warrick, no que era sem dúvida uma carícia.
-Meu senhor, posso pedir uma mercê?
Ele endureceu o corpo, ao recordar que Célia sempre tinha esperado até que ele ardesse em desejos de possuí-la, de modo que, então não podia lhe negar nada. Mas inclusive assim, disse agora;
-Peça.
Ela se inclinou ainda mais para murmurar ao ouvido do senhor.
-Se o converteste em minha obrigação, mas o que desejo é explorar a vontade seu corpo. Deitará comigo sem algemas que prenda, e me permitirá te tocar como me agradaria?
As palavras lhe falharam. De todas as coisas que ela podia haver pedido, inclusive sua própria liberdade, ele jamais teria pensado na possibilidade de que a mercê consistisse em agradar precisamente a seu carcereiro. Em definitivo, ele ia fazer o papel do tolo, porque a desejava tanto que estava a um passo de explodir.
Ele começou a ficar de pé, mas a mão de Rowena se aproximou do ombro de Warrick e ela adicionou:
-Olhe, não referia a este momento, a não ser mais tarde, quando felizmente queira me ter de novo.
-Mulher, acredita que pode me dizer tanto e eu depois possa esperar para...
-Não estava tentando te levar a sua cama - apressou-se a esclarecer.
-Seriamente?
Um suave rubor tingiu as bochechas de Rowena.
-Tinha pensado... Este entardecer, quando escurecer...
Não concluiu a frase.
Warrick, tão disposto a mergulhar-se nela que logo que podia esperar, compreendeu o dilema de Rowena, embora desejasse não ter entendido.
-Às vezes esqueço que foi virgem. Agora mesmo eu preferiria que as coisas tivessem outra aparência, mas... Saia, mulher, e não quero que apareça ante mim antes de pôr-do-sol... Mas quando chegar esse momento será melhor que me espere em meu quarto, só que não espere sua graça até que eu tenha gozado pelo menos uma vez, e mais provavelmente duas. Realmente, não poderei te dar descanso até a manhã.
O leve rubor de Rowena se converteu em escarlate intenso antes que ele concluísse. Assentiu brevemente com a cabeça e se afastou depressa. Mas a ausência de Rowena não acalmou o ardor de Warrick, e sua própria inquietação começou a irritá-lo.
Maldita mulher, o que havia nela que o levava a reagir e chegar a tais extremos de emoção?
Da primeira fúria devoradora que exigia vingança a esta sensualidade irritada que agora o dominava. E depois, estava esse súbito suavizamento de sua necessidade de vingança total, com o jovem Fergant, inclusive com o senhor d'Ambray, que merecia sua vingança fazia quase dois anos. Tinha sido algo gradual, ou se tratava também de um resultado do efeito profundo que Rowena produzia nele?
Realmente, parecia que agora ela ocupava seus pensamentos excluindo a todo o resto. E ele nem sequer podia dizer que tudo acontecia porque também ela merecia sua cólera total, pois Warrick já não pensava na vingança quando recordava de Rowena. Inclusive o desafio de Ambray agora lhe interessava pouco, enquanto que um mês antes teria aproveitado sem vacilar a oportunidade de enfrentar cara a cara seu inimigo. Pela manhã sairia para responder ao desafio, mas o via agora sobre tudo como um incomodo.
E de repente pensou que em efeito se dispunha a sair pela manhã, e que não retornaria durante um bom número de dias... E que não a veria durante esse período.
Warrick saiu do salão seguindo a direção que tinha tomado Rowena. Ela estaria mais tarde a sua mercê; ele insistiria nisso. Mas não via nenhum motivo que o obrigasse a esperar até que ficasse o sol para obter o que desejava. Talvez ela necessitasse da escuridão para mostrar-se audaz com Warrick, mas ele preferia a luz quando se afundava no corpo feminino, porque então podia observar todos as facetas da expressão de Rowena no momento em que ela alcançava seu próprio gozo sob o corpo do senhor do castelo.
Ele tinha ido, mas Rowena não foi devolvida à masmorra como tinha temido. Nem sequer falaram obrigado ao abandonar a cama para cumprir suas obrigações matutinas, em troca de falar permitido despertar sozinha... No quarto vazio.
De todos os modos, Warrick tinha despedido dela ao amanhecer. Ela o recordava apenas, recordava que ele a tinha abraçado, apertando-a com força contra seu peito revestido pela cota de malhas, e a tinha beijado meigamente. Meigamente? Sim, nisso não se enganara, pois tinha os lábios doloridos ainda, e, entretanto esse beijo não foi doloroso, mas ela retornou ao sono quase imediatamente depois que ele a deixou na cama, pois o esgotamento da noite que passou com ele foi excessivo, e por isso não demonstrou interesse na partida de Warrick, ou em outra coisa.
Agora que estava acordada, pensou nesse beijo, tão diferente a todos os que ela tinha aceitado e dado durante a longa noite. Os lábios inchados podiam demonstrar que não tinha existido muita ternura nos restantes beijos. O qual não se importava. Os prazeres que ela tinha recebido superavam de longe os pequenos desconfortos que eram sua seqüela. E agora pensava que também sentia saudades que Warrick se mostrou tão insaciável, certamente não era porque ela tivesse manifestado descaradamente em voz alta o que faria com o corpo masculino, e, entretanto ele a tinha encontrado não muito depois que se separaram no salão, à tarde da véspera, e a tinha miserável a sua mercê em seus aposentos, onde tinha demonstrado as conseqüências de provocá-lo desse modo.
Ele tinha mostrado um desejo tão ardoroso de possuí-la que isso aconteceu apenas uns momentos depois que chegaram à cama. Tinha sentido certo incomodo quando Warrick mergulhou nela, mas a Rowena pareceu tão excitada na paixão desatada de homem que seu corpo se umedeceu no segundo embate, e sentiu um desejo desenfreado no terceiro, depois, de fazer amor serenamente, mas com não menos ardor. E foi realmente fazer amor, pois ele deu mais de si mesmo que o que tomou, sem mencionar uma só vez o que se interpunha entre eles.
Em determinado momento ambos compreenderam que ansiavam por algo diferente do outro, e Warrick foi despertar ao cozinheiro. Mas era desnecessário, pois alguém havia deixado uma bandeja de comida no hall, para eles, além de um banho com todos os elementos necessários. Aproveitaram ambas as coisas, embora a essa altura da situação o alimento estava tão frio como a água. Os dois tinham perdido a noção do tempo...
Mas a noite ainda não tinha acabado, e Rowena não esquecia o que tinha iniciado essa odisséia de complacência sensual. Tampouco o tinha esquecido Warrick. Mas só depois que ele teve a certeza de que necessitaria de um milagre para ressurgir vida a sua virilidade, ele aceitou ao pedido original de Rowena. Mas o homem estava enganado no julgamento a respeito de suas próprias possibilidades, pois não pôde permanecer quieto muito tempo para o benefício de Rowena.
Duas vezes o tentou, e em cada caso, quando finalmente perdeu o controle, possuiu-a como um selvagem. Ela tinha começado com o pescoço com seus lábios, trabalhando lentamente e descendendo para os ombros, e depois pelos braços musculosos, atravessando o peito, Rowena teria querido lamber cada centímetro do corpo masculino, mas não tinha chegado muito mais à frente do ventre; quando ele a jogou sobre a cama e a penetrou profundamente. Só quando ele esteve quase esgotado ela por fim conseguiu obter o que queria, e inclusive agora se ruborizou ao recordar sua própria audácia e os sons de prazer que tinha arrancado de Warrick.
Agora parecia um sonho, o modo em que tinham compartilhado o ato, tão distinto do que ele era geralmente. Agora nenhuma só vez ele mostrou sua faceta cruel. E ela se surpreendeu, porque recordou com quanta freqüência tinha conseguido que esqueceria. Tinha sido uma noite que provavelmente ela não esquece.
Não esqueceria jamais.
Rowena não sabia, e não podia definir agora que ele partiu, era se seu novo comportamento e o modo que a tratava era uma ansiada conseqüência da sedução que ela exercia, ou se tratava de uma atitude no máximo provisória. Ele lhe havia dito que estaria ausente menos de uma semana, mas nesse momento esse lapso parecia um período imensamente longo, porque ela desejava saber se o plano da Mildred realmente tinha sido bem-sucedido. É obvio, inclusive tinha sido eficaz, essa separação podia frustrar todos os esforços, de modo que ela tivesse que recomeçar outra vez.
Rowena suspirou enquanto se levantava e vestia. Sabia que estava impacientando-se precisamente no momento em que não estava pronta para supor que tinha domado tão o dragão. Uma noite não mudaria um homem. E um pequeno aviso da causa pela qual tinha querido vingar-se dela reavivaria o antigo fogo. Mas ela tinha realizado certo avanço. Isso era inegável. E tampouco podia negar que seduzir Warrick de Chaville não era tão difícil como ela tinha acreditado. Não, podia dizer que não era prazeiroso.
Rowena não percebeu que era tarde, até que entrou no salão e percebeu pelas altas janelas que não entrava nenhum raio de sol matutino, pois era uma presença usual. A espaçosa sala estava quase deserta, exceto uns poucos criados. Mildred era uma deles, e se apressou para interceptar a Rowena que se dirigia à cozinha.
Rowena se surpreendeu e perguntou:
-Agora que não está não é perigoso que nos vejam conversando?
-Ao demônio com ele - replicou Mildred-. O que soube não pode esperar a oportunidade de que falemos a sós. Mas, por que não te angustia sua partida?
Rowena sorriu.
-Olhe, está não é a masmorra.
-Não, não refiro a isso, a não ser ao lugar que lorde Warrick se propõe visitar. É possível que não saiba?
-Que não saiba o que, Mildred? Warrick me disse unicamente que se ausentaria por pouco tempo, e não a razão pela qual devia partir. -Rowena começou a franzir o cenho-. Não pode ser para empreender uma guerra, em tão pouco tempo.
-Não, não é a guerra, mas de todos os modos se trata de um combate. Gilbert o desafiou, e Warrick vai buscá-lo. Será um encontro cara a cara.
Rowena empalideceu.
-Por Deus, um deles morrerá.
Mildred piscou assustada porque isso podia ser motivo de preocupação.
-Certamente - disse com acento de impaciência-. Mas primeiro terão que se encontrar.
Rowena apenas a escutou, pois não podia separar da mente a imagem do corpulento Gilbert, de sua habilidade com a espada e do fato de que Warrick brigaria com limpeza, mas era provável que Gilbert não fizesse tal coisa. Sentiu náuseas no ventre ao imaginar Warrick... Estendido no chão... Ensangüentado...
Aproximou-se com dificuldade à cadeira que estava junto ao fogo, sem saber que tinha caminhado para ali. A mão fria do Mildred se posou sobre a bochecha cálida de Rowena.
-O que te acontece, preciosa? -perguntou ansiosa a mulher idosa-. É o menino?
Rowena olhou à mulher com uma expressão desesperada nos olhos.
-Não quero que ele morra.
-Ah - disse Mildred, sentou-se em um tamborete que estava ao lado de Rowena, e continuou com voz áspera- E por que tem que morrer? Saiu daqui preparado para confrontar uma armadilha, nem sequer é provável que haja combate... Pelo menos entre esses dois, eu pensei que se preocuparia mais que Warrick soubesse quem é realmente. Quando olhar com atenção ao Gilbert, reconhecerá em um de seus agressores no Kirkburough, e estabelecerá a relação entre as duas coisas. Isso já não te preocupa?
-Não pela mesma razão, agora sei que não me matará, pelo menos não o fará por minhas propriedades - adicionou Rowena com um sorriso mais doentio que qualquer outra coisa, temo sua cólera se acreditar que o enganei com meu silêncio, e é precisamente o que fiz. Por isso poderia me enviar, de retorno à masmorra.
O sorriso da Mildred foi ainda mais doentio.
-Antes do que te acredite, querida. Rowena franziu o cenho.
-Por quê?
Mildred olhou primeiro para trás para estar certa de que se encontravam sozinhas.
-Senhora Reatrix esteve protagonizando ir desde que o informou que devia casar-se com um membro da família Malduit. Está completamente furiosa com Warrick, e se esse homem ensinou algo a seus filhos, é a satisfação da vingança, Propõe-se obter que seu pai lamenta havê-la comprometido com um rapazinho e quem ela não considera digno de sua pessoa... E se propõe chegar a isso utilizando a você.
Rowena olhou com os olhos muito grandes a Mildred.
-A mim? Mas acaso tem autoridade, agora que Warrick partiu?
-Alguma, não muita, porém é muito ardilosa para depender disso. Ontem à noite a ouvi conspirar com sua irmã, e o que propõe na realidade é inteligente. Ignora qual foi seu delito contra Waffick e por que está prisioneira aqui; ninguém sabe, mas embora pareça estranho, propõe-se afirmar que foi capturada por roubo, e que Warrick o disse.
Rowena fechou os olhos, porque não desejava entender.
-Então, dirá que lhe roubei algo.
-Sim, e sua jóia mais valiosa, um colar de pérolas que Warrick lhe deu de presente. Melisant confirmará o que ela disser, dirá que foi a última esteve perto do quarto antes que comprovasse o desaparecimento da jóia. Então, Beatrix exigirá que revisem a sala de costura, assim como o dormitório de Warrick, e enquanto estiver lá achará o colar no suposto esconderijo, confirmando sua culpa.
-E nem sequer terá que insistir em que me enviem à masmorra. Farão de todos os modos, até a volta de Warrick, e é provável que ele acredite o que lhe contarem. Tão freqüentemente ele disse que eu era uma trombadinha. Terá que me castigar, severamente... Possivelmente com o chicote dele...
-Não tem que preocupar-se por isso, preciosa. Tem que temer o que fizer Beatrix com a esperança de ferir seu pai.
Rowena franziu o cenho.
-Mas John Giffard...
-Não está aqui. Há outro carcereiro, o homem não é tão amável, e que conforme dizem que sente prazer em abusar dos que caem em suas garras.
Rowena empalideceu.
-Sim... Já o vi.
-Mas isso não é tudo. Beatrix se propõe sugerir que lhe interroguem para descobrir se roubou outras coisas. Sabe como interroga este homem aos detidos?
-Mediante a tortura?
-Sim. Essa cadela espera que você fique tão machucada... E usada que Warrick não queira ver-te de novo em sua cama. Mas o que é pior deseja que perca ao menino que leva em seu ventre. Desse modo pensa machucá-lo, porque sabe como todos, quanto deseja um filho, embora seja um bastardo.
-Vou vomitar.
-Não te critico - disse Mildred com simpatia.
-Não, vomitar realmente. -E Rowena correu para a privada.
Mildred estava esperando com um tecido úmido quando ela reapareceu. Rowena aceitou agradecida e perguntou:
-Quanto tempo passará até que arrume esta armadilha?
-Até que Beatrix se prepare para o jantar. Essa será sua desculpa para reclamar seu colar... E descobrir que falta. Mas há essa hora você estará fora daqui. Já te preparei o saco com mantimentos e roupas, alguma de seus objetos, mas também mais peças de traje de uma criada; terá que usar isso para sair daqui. Escondi o saco na adega, e me dispunha a ver que era o que te retinha tanto tempo...
-Dormi...
-Ah, quer dizer que nosso plano funcionou?
-Seu plano, mas sim, parece que assim foi.
-Rowena riu sem alegria. Não é que agora isso não tinha muita importância.
-Não, este assunto resolverá quando retornar Warrick. E não precisa ir muito longe. Há um bosque a uma légua ao leste daqui, e é tão extenso que ali poderia esconder um exército completo. Permaneça perto do limite, e eu direi a Warrick para ir te buscar uma vez que o obrigue a compreender, por que era necessário que partisse.
-Mildred, não pode me acompanhar?
-Minha ausência chamaria atenção muito rápido, e isso a sua vez daria o alarme em vista de sua própria ausência; em troca, se eu permanecer aqui, ninguém dirá nada até que se formulem as acusações. Terá mais possibilidades de se sair sozinha, e é necessário que eu esteja aqui para acertar que Warrick conheça a verdade antes que Beatrix apresente suas mentiras.
-Esquece que ele não escuta desculpas, pelo menos, não as que nós possamos oferecer - disse Rowena com voz tênue-. Se, devo partir, é melhor que não retorne. Tures não está muito longe daqui.
- São três ou quatro dias longos a pé! - exclamou Mildred.
-Mas minha gente me ajudará, ou me esconderá até que eu possa imaginar o modo de resgatar a minha mãe, que está no castelo de Ambray.
-Rowena, não pode viajar tão longe só e a pé. Confia no Warrick. Se lhe der tempo te ajudará. Sinto-o assim.
Rowena meneou a cabeça.
-Não compartilho sua confiança. E agora o penso, não quero um homem que crie filhos tão perversos, e sobre tudo não quero que ele tenha nada que ver com a criação de meu filho.
-Pode culpá-lo por sua negligência, mas recorda que nenhuma dessas moças teve mães que as guiassem, em troca você...
-Mildred, agora não há tempo para discutir isso - interrompeu-a Rowena com impaciência-. Diga-me unicamente como devo sair deste castelo.
A expressão irritada de Mildred revelou que se incomodava em deixar incompleto o assunto.
-Há um só guarda pela entrada do fundo. Você passará por ali enquanto eu o distraio. Mas se está decidida a partir definitivamente, espera no bosque um dia; não, melhor que sejam dois dias, até que se acalme a situação. Depois, encontrarei contigo.
Rowena a abraçou aliviada.
-Obrigada - disse.
-Me agradeça depois que me escute durante todo o caminho a Tures, e saiba que sua atitude me parece absurda - resmungou Mildred.
O bosque não era um refúgio propício para uma mulher sozinha, sobre tudo quando o mais leve ruído podia anunciar a um ladrão ou um assassino disposto a jogar-se sobre ela. O céu se escureceu com a ameaça da chuva apenas ficou o sol, de modo que não havia lua que assinalasse o passar do tempo; mas de todos os modos o tempo transcorreu lentamente para Rowena. Passaram várias horas durante as quais ela tentou dormir e não pôde, o único consolo foi que não choveu.
Não se sentia reconfortada por sua própria fuga. Não estava acostumada e era muito duro e não se sentia cômoda, inclusive com os objetos de lã que Mildred tinha subministrado e que formavam uma espécie de leito; além disso, Rowena tinha frio. Pôs de novo seus próprios objetos, como um ato de desafio, que se prolongaria no máximo até a manhã seguinte, em que teria que vestir de novo o traje de serva, pelo escasso amparo, pois isso poderia contribuir. A jaqueta amarela e o manto escarlate que ela usava se infundiam de novo a sensação de que era ela mesma, uma identidade sacudida pelas ameaças do senhor de Fulkhurst.
Fulkhurst... Rowena desejava ter coragem necessária para esperar seu retorno, mas carecia da certeza de Mildred no que a ele se referia. Possivelmente não era tão cruel como ela havia acreditado no princípio que seria, mas ainda era capaz de brutais represálias e julgamentos desumanos; e Rowena não duvidava, pois se ele acreditasse que ela tinha roubado esse condenado colar, o fato de que compartilhasse sua cama e levasse no ventre a seu filho não impediria de lhe aplicar o mesmo castigo que teria infligido a qualquer outra pessoa culpado desse mesmo delito.
Existia a possibilidade de que acreditasse se oferecesse a Rowena a oportunidade de declarar sua inocência. Mas era uma pequena possibilidade em vista do que sabia dela, nada muito bom, graças ao Gilbert e ela não estava disposta a arriscar a sofrer o chicote ou coisa pior só para possibilitar que a filha se vingasse do pai.
Rowena descobriu que também alimentava alguns pensamentos de vingança em relação com essa jovem dama, que a obrigava a passar a noite nesse bosque inóspito. As damas jamais abandonavam suas residências sem uma escolta armada que as acompanhasse. Freqüentemente inclusive as servidoras recebiam um par de acompanhantes se fosse obrigada a cumprir diligências fora do castelo. Mas ela estava sozinha e tinha unicamente a pequena faca que tinha encontrado no saco de Mildred como único amparo. Mildred tinha incluído outra das jaquetas de boa qualidade que Rowena podia vender para comprar uma escolta se chegasse a um povoado; mas essa era uma palavra decisiva: "se"; e enquanto isso podia acontecer muitas coisas desagradáveis, sobre tudo uma vez que abandonasse o refúgio dos bosques.
Quando pensava em alguma dessas coisas desagradáveis, comprovava que era fácil conceber a esperança de que Beatrix de Chaville recebesse sua justa recompensa pelo que tinha provocado. Se Rowena morresse antes de chegar ao final dessa desventura, talvez conseguisse retornar e torturar a Beatrix... Sim, isso seria uma justa recompensa, uma vingança eterna. Warrick adoraria a idéia.
Esse pensamento a induziu a sorrir, e em efeito manteve essa expressão quando por fim conseguiu dormir, um momento depois. Mas os ruídos do bosque tampouco agora lhe concederam paz, e despertaram repetidas vezes no pouco que ficou da noite, até que a jovem abriu os olhos a tênue luz de uma alvorada cor lavanda, e viu um homem inclinado sobre ela.
Rowena se levantou depressa, e sentiu uma dor nas têmporas. Mas não era um sonho. As pernas continuavam junto a ela, e se repetiu o som dos cavalos que a tinha despertado. Voltou-se e viu outros homens desmontando perto, quase uma dúzia, que estariam em poucos instantes ao alcance da mão.
Não parou para averiguar quem era. Depois da noite inquietante, Rowena se deixou dominar pelo pânico, segurou a faca que escondia na cintura, e descarregou um ataque selvagem sobre as pernas que estavam perto. O homem pegou um alarido, mas um de seus companheiros interrompeu o grito porque saltou para ele e lhe cobriu a boca com a mão. Rowena não o viu; ergueu-se de um salto e correu entrando no bosque, de modo que os cavalos não pudessem segui-la facilmente. Mas os homens puderam, e três deles perseguiram, rindo divertidos, o qual a assustou mais que outra coisa qualquer. Sabia o que acontecia quando os homens perseguiam as mulheres pelos campos ou os bosques. Terminavam reclamando uma recompensa por seu esforço.
Estavam aproximando-se. Rowena alcançou para ouvir a violência de seu coração, as pulsações que ressonavam em seus ouvidos. A armadura incomodava os movimentos dos homens, mas no caso de Rowena as saias longas a estorvavam, e ela não conseguia levantá-las só com uma mão para acelerar sua própria corrida. Mas continuava esforçando-se, pois o pior que podia lhe acontecer era que a condenada saia lhe estorvasse os movimentos. E então foi o que aconteceu, e um de seus pés se enredou na arena da saia, e ela perdeu o equilíbrio.
A faca caiu da mão, enquanto ela manuseava para atenuar o golpe; mas em definitivo conseguiu manter o equilíbrio e reatar a fuga. Mas era impossível recuperar a arma, e agora, com as duas mãos livres, pôde recolher a saia. Mas a vantagem chegou muito tarde, porque um homem estava bastante perto, atrás, e aproveitou a oportunidade para jogar-se sobre Rowena. Se ela o tivesse visto, teria saltado fora do alcance de seu perseguidor, mas não pôde esquivá-lo por uns poucos centímetros. Ele conseguiu segurar só a beirada da capa antes de cair de boca sobre o chão; mas isso foi suficiente para obrigá-la a parar bruscamente, e finalmente parar de costas. Se tivesse mantido a capa fechada ao pescoço em lugar de sustentada pelos ombros, possivelmente se tivesse quebrado o pescoço. Mas nas condições dadas, durante os primeiros segundos ela teve a certeza de que tinha fraturado a coluna vertebral, tão dolorosa foi à queda. E antes que ela compreendesse que ainda podia mover-se, já era muito tarde para fazê-lo.
Os dois homens restantes tinham chegado ofegantes, e um parou ante ela, e outro permaneceu a um flanco. E o que estava atrás agora ficava de joelhos, e estava tão irritado pelas conseqüências de sua própria queda que de novo deu um puxão à capa que ainda sustentava na mão.
Rowena ao cair tinha golpeado a cabeça contra o chão. Mas não estava tão aturdida que não pudesse atirar um chute ao homem que tinha na sua frente, e que se inclinava sobre ela, e tampouco deixou de gritar. Emitiu um alarido agudo, e isso mudou a atitude dos homens a respeito do que podiam ter feito com ela em um primeiro momento. O que agora lhes preocupava era terminar com o escândalo que ela provocava, e quase chocaram uns contra os outros pela pressa de cobrir sua boca. Ela mordeu uma mão, afastou outra, mas depois uma terceira a golpeou, e se dispunha a castigá-la outra vez quando o braço foi retido por um dos dois restantes.
-Espera, conheço-a.
-Que tolice, homem. Como pode?
-Por Deus, é nossa senhora.
Disse-o com muita certeza, mas Rowena sentiu ainda mais assombro. A senhora desses homens? Pensou em Tures, mas não reconheceu os rostos inclinados sobre ela... E então recordou a um, e gemeu para si mesma. Inclusive o confirmou um quarto rosto que se inclinou sobre a jovem, e uma voz incrédula que ela tinha acreditado que jamais voltaria a escutar.
-Rowena?
Ele não esperava uma resposta. Tinha chegado ao lugar enquanto golpeavam a Rowena, e quando a lembrança da cena se combinou com a surpresa, de um tranco obrigou a voltar a um dos três homens que ainda estavam junto à cabeça da jovem. E então o meio-irmão de Rowena a elevou e a sustentou tão fortemente contra seu peito que ela logo que pôde respirar.
-Como chegou aqui?
A Pergunta se impôs aos pensamentos de Rowena, que eram uma mescla de medo agregado à irritação, Se alguém devia achá-la, por que devia ser Gilbert? E ela não sabia o que lhe dizer; somente compreendia que não devia lhe revelar nada do que lhe tinha acontecido realmente durante esse mês em que não o tinha visto.
Mas podia lhe dizer uma coisa, e o fez.
-Tiveram-me prisioneira no castelo de Fulkhurst, mas finalmente pude escapar.
-Ele te capturou? Eu estava louco de angústia, e durante todo este tempo, ele te reteve? -Tinha afastado ela um pouco enquanto a interrogava, mas agora a abraçou de novo, com um sincero e profundo pesar que havia sentido-. Acreditei que estava morta. Em Kirkburough não havia ninguém que me dissesse o que te tinha feito o senhor de Fulkhurst.
Que a preocupação de Gilbort era sincera determinou que Rowena se sentisse estranha ao considerar quanto odiava a esse homem.
-Não me surpreende - respondeu Rowena com cautela-. Meenviou a sua masmorra antes que os criados de Kirkburough saíssem de seu esconderijo e presenciassem a cena.
-Sua masmorra! -rugiu assombrado Gilbert-. Seus homens lhe sussurraram que não falasse tão alto, mas ele se limitou a olhá-los hostil, e depois voltou os olhos para a Rowena.
-Esse homem certamente está louco. Não lhe disse quem foi?
Ela a sua vez o olhou hostil por causa da estupidez que estava demonstrando.
-Pensa que eu devia confessar tudo, quando sabe que a intenção desse homem era te destruir e destruir a toda sua família? Já tinha dado procuração de algumas de minhas propriedades porque você as retinha. Acredita que ele não me teria assassinado para te arrebatar o resto com tal facilidade? De modo que dava e só o que ele já supunha, que eu era a senhora de Kirkburough. -Depois, Rowena mentiu para confirmar o suposto inicial de que Warrick tinha chegado em Kirkburough em busca de Gilbert-. Enviou a sua masmorra porque estava tão furioso já que você não se encontrava ao alcance de sua mão de maneira que ele pudesse te matar, Gilbert na verdade tinha uma expressão de culpabilidade, e depois a confirmou ao dizer:
-Sinto muito, Rowena. Não pensei que te machucaria, pois nesse caso não teria deixado ali; mas esse dia não pensava com clareza.
Quando ele pensava claramente, ou sem que a cobiça se emposse em sua mente? Agora, ele a conduzia de retorno pelo caminho que ela tinha usado para escapar, de modo que Rowena perguntou em mudar:
-O que faz aqui, Gilbert? Não quererá ocupar um castelo tão forte como o de Fulkhurst.
-Não, não é isso, mas darei procuração do lugar para a noite.
-Como?
-Enviei-lhe um desafio. Se não for estúpido, certamente suspeitou uma armadilha, e terá levado consigo a maioria de seus homens. -Parou e perguntou excitado-: Pode confirmá-lo? Sabe quantos homens levou consigo?
-Não o vi partir -replicou ela, contrariada- e tampouco tive tempo para contar quantos ficaram para trás uma vez que ele partiu.
Ele se mostrou decepcionado, e continuou caminhando, e arrastando a Rowena.
-Não importa - disse ao fim-, Certamente se levou a maioria de seus homens. Por que teria que deixá-los detrás se, como você assinalou, Fulkhurst é seu castelo mais forte, e pode manter a raia a um exército só com um punhado de homens?
-Então, como pensa tomá-lo?
Ele voltou a cabeça para sorrir a Rowena.
-Com um punhado de homens.
-Ah, é obvio. Que estúpida sou.
Ele lhe sacudiu o braço, para mostrar que não lhe agradava esse tom sarcástico.
-Tinha projetado me aproximar do anoitecer, para pedir alojamento.
-Dirão que vá para uma aldeia próxima - prognosticou Rowena.
-Não, posto que venho em nome de Stephen, com uma mensagem selada que o demonstra.
-É assim?
-O que?
-Vem em nome do rei?
-É claro que não - replicou Gilbert impaciente-. Mas a mensagem é autêntica. Tive a boa sorte de encontrá-la, depois que mataram ao mensageiro.
-Você o matou?
Ele se interrompeu de novo para dizer asperamente a Rowena:
-Por que me atribuir os fatos mais perversos?
-Não é assim, só te atribuo o que sei que é capaz de fazer - replicou ela.
-O que importa como dei procuração da mensagem? Com ela conseguirei entrar em Fulkhurst. E possivelmente devolva em troca uma prisioneira que fugiu perversamente.
Ela desejava que Gilbert fizesse precisamente isso. Assim poderia perceber aos que estavam dentro do castelo, e não importava o que isso lhe custasse, enquanto desse modo conseguisse frustrar os planos de Gilbert.
Gilbert sem dúvida pensou que a tinha conseguido amedrontar com sua ameaça, pois Rowena não disse mais nada até que chegaram os restantes dos homens que tinham ficado a cargo dos cavalos. Rowena identificou a vários homens de Kirkburough cavalheiros de Lyons, homens que por direito agora deviam estar servindo ao irmão de Warrick, não a Gilbert.
Rowena se sentiu paralisada quando percebeu isso. Por Deus, eles sabiam a que atinava? Ou estavam seguindo cegamente a Gilbert, no erro suposto de que ele tinha certo direito a Kirkburough através de Rowena, simplesmente porque Lyons tinha ordenado que lutassem até a morte pela causa de Gilbert? Certamente sabiam que Lyons estava morto, pois Gilbert dizia que ele tinha retornado a Kirkburough depois da destruição da fortaleza. Mas nesse caso, o contrato matrimonial os obrigava? Entretanto, esse contrato perdia validez se Lyons não chegasse a consumar o casamento. E isso só ela sabia, unicamente ela, Gilbert e Mildred e Warrick. Gilbert certamente não disse nada. Também era provável que tivesse dado a entender que Rowena já tinha concebido um filho.
Rowena se perguntou por que ele não a tinha interrogado a respeito disso, mas de repente soube a que se segurava. Gilbert ainda tinha o que desejava, o que tinha conseguido graças ao casamento de seu meio-irmão: o exército de Lyons. E se dispunha a descarregar um golpe brutal contra Warrick, a captura de seu baluarte, e também de suas filhas. Gilbert se preparava para ganhar a guerra. E tinha contribuído os meios necessários. Como tinha podido agir com tal rapidez, Kirkburouh já não importava, e tampouco necessitava um menino para retê-lo.
Warrick... ver-se-ia destruído. Afligiria a cólera e Gilbert poderia impor condições para liberar as filhas de Warrick, inclusive podia lhe exigir a vida.
Ela tinha que fazer algo. Talvez não importasse a sorte de Warrick, mas agora recordou sua alegria, sua paixão, e esse tenro beijo ao partir; e maldição, isso lhe importava... Pelo menos não desejava vê-lo morrer. Tampouco queria que Gilbert ganhasse essa guerra.
Desejava gritar aos homens de Lyons que não deviam estar ali, que o contrato que os tinha levado a essa situação já não era válido. Mas se fizesse tal coisa, Gilbert a deixaria desmaiada a pauladas; não duvidava disso. Impulsionado pela cólera, inclusive podia matá-la, e nesse caso ela já não serviria para nada. Mas o que podia fazer? Perceber ao castelo, ou convencer aos homens de Lyons, sem que Gilbert soubesse, de que eles não deviam encontrar-se ali? Realmente, precisava fazer as duas coisas, pois inclusive se Gilbert se via reduzido só a seus próprios homens, ainda podia tratar de apoderar-se de Fulkhurst enquanto sua guarnição fosse muito escassa.
O homem a quem ela tinha ferido, assim como um companheiro, tinham saído do lugar, provavelmente para retornar a seu acampamento. Rowena esperou enquanto Gilbert a observava e ela contemplava aos homens que ainda permaneciam no lugar.
-Então, este é seu exército? - perguntou ela com ar de inocência-, Acreditei que meu casamento te tinha permitido acumular forças muito maiores.
Para falar a verdade, ele não podia culpá-la por esta observação, que também não lhe agradou.
-Não seja tola; meu exército está escondido no mais profundo destes bosques. Duas horas depois que escurecer avançará para o castelo em espera de meu sinal que indique que as portas estão abertas.
-Quer dizer, se pode entrar. Ainda acredito que se recusarão. Mostrarão cautelosos na ausência do senhor. É provável que ele também tenha percebido que vigiem a possibilidade de um engano, pois você o chamou com seu ardil da provocação, e não confia em você. O senhor de Fulkhurst é um homem ardiloso.
-Tenta me assustar?
-Em efeito. Acredita que esqueci o que me obrigou a fazer?
-Cale-se! -disse ele, arrastando-a a certa distância dos soldados, para lhe dizer de novo:
-Se recordar tanto, recorda também que ainda tenho em meu poder a sua mãe.
Era desnecessário dizer mais. Rowena assentiu, e em seu rosto se desenhou uma expressão deprimida. O que a tinha induzido a pensar que podia fazer algo para impedir o desastre que Gilbert queria provocar? Com ela, em definitivo sempre se impunha sempre sábia, o que podia dizer para desanimá-la, para deixá-la absolutamente derrotada.
Essa manhã o sol apareceu por pouco tempo, antes de ficar escondido pela massa de nuvens cinza que tinha ameaçando uma chuva na véspera. Rowena desejou que chovesse muito. Por que não? Já se sentia tão miserável... A náusea lhe oprimia o estômago. Por que os homens que a vigiavam não experimentavam também parte desse desagrado?
Havia poucos ao redor de Rowena, e os via tranqüilos e despreocupados. Gilbert tinha ido com outros dois a um lugar de onde podia observar as entradas e as vindas do castelo. De fato, não tinha ordenado a esses homens que permanecessem ali para vigiá-la. Agora, eles a viam como a sua senhora, de modo que era seu dever protegê-la, e isso impedia que a abandonassem. Mas afastar-se agora não convinha a seu novo objetivo, que era impedir que Gilbert capturasse Fulkhurst.
Ele lhe tinha deixado muito poucas alternativas com sua ameaça. A menos que Gilbert morresse, a mãe de Rowena pagaria o que a jovem poderia fazer para frustrar o plano de Gilbert; salvo que ela pudesse fazer algo sem que ele suspeitasse de nada. Mas, o que podia fazer com uma tática tão indireta?
É obvio, ela podia cortar com suas próprias mãos a cabeça da serpente, e abrigar a esperança de que o corpo desapareceria da vista; mas se ela conseguisse matar ao Gilbert, era provável que um dos homens de seu meio-irmão a matasse por isso, e ela não desejava sacrificar-se até esse ponto, e menos por um homem que só ansiava vingar-se de sua pessoa.
Ela podia explicar ao Gilbert que Warrick era o homem que ele tinha encarcerado em Kirkburough. Talvez isso o encolerizasse de tal modo que ele cometesse uma tolice, possivelmente inclusive desejasse desafiar realmente Warrick, e saísse a persegui-lo... Rowena estava sonhando. Gilbert jamais ficaria em perigo, e menos conhecendo a magnitude do exército que Warrick tinha levado consigo, e sem ter a certeza de que o seu era maior. Rowena desejava saber qual era o número de soldados desse exército. Havia visto muitos homens em Kirkburough, mas sabia que Gilbert tinha contado com a possibilidade de contratar a muito mais graças à riqueza de Lyons. Gilbert já tinha podido executar seu plano?
Havia uma esperança a qual ela se segurava, ou seja, que Gilbert se inquietasse pelos prognósticos que ela tinha formulado a respeito do que aconteceria quando ele tentasse entrar no castelo. Se pelo menos Gilbert alimentasse algumas duvida, dispunha do resto do dia para acentuá-las. De fato, em definitivo, ele podia convencer-se de que seu plano original estava destinado ao fracasso. Depois, recordaria como burlou dela, e pensaria seriamente em utilizá-la para entrar na fortaleza. Assim, ela disporia de tempo para dar o alarme, pois a julgar pelo modo em que ele tinha explicado seu plano, Rowena compreendeu que não tinha a intenção de forçar a entrada apenas ele ingressasse no castelo. Era provável que a levassem diretamente à masmorra, mas isso a beneficiaria, ao separar de Gilbert, de modo que ela podia confessar quem era esse homem, sem que Gilbert soubesse que Rowena era a pessoa que o tinha traído.
Sim, ele a utilizaria se a dúvida começava a lhe curvar, e o faria sem suspeitar que Rowena desejasse ajudar ao homem que a tinha apressado. Gilbert sabia que era odiado por Rowena, mas acreditava que a jovem odiava ainda mais Warrick.
Começou a sentir-se melhor, até que recordou o que a esperava na masmorra de Fulkhurst. Beatrix tinha representado sua farsa antes de descobrir a fuga de Rowena? Em caso negativo, talvez não tivesse formulado suas acusações, e tinha chegado à conclusão de que elas de nada lhe serviam uma vez que Rowena tinha desaparecido. E a captura do pior inimigo de Warrick podia ser uma de suas armas, sobre tudo se Rowena em definitivo era a responsável por essa captura. Inclusive era possível que não a enviassem à masmorra. Talvez até pudessem sentir-se agradecidos ante sua intervenção... Não, de novo estava sonhando. Mas pelo menos, podia obter desse modo que o maldito carcereiro pensasse duas vezes antes de abusar de sua pessoa, até que Warrick retornasse e julgasse a tentativa de fuga. Mas se a recebesse com essa acusação por roubo...
Compreendeu que a respeito disso não podia fazer nada. Teria que confrontar o que a esperava no castelo, se Gilbert decidisse utilizá-la. Mas agora Rowena não estava tão desejosa de ser usada. E começou a olhar de novo aos homens que estavam ao redor, perguntando-se outra vez se não estava escondendo algo, algo que os levasse a desobedecer às ordens de Gilbert, sem que isso significasse que o enfrentassem, porque essa atitude podia expor a Rowena à cólera de seu meio-irmão... E as suas represálias.
Dos seis homens que tinham permanecido junto a ela, só de dois estava certa de que pertenciam a Kirkburough, embora pudesse ser o caso de todos. Mas certamente não era assim. Podia supor que Gilbert quereria ter consigo, quando se aproximasse das portas do castelo, a um número mais elevado de homens que conforme sabia que eram fiéis. Se ela pudesse falar com um dos cavalheiros de Kirkburough, sem que os homens de Gilbert a escutassem...
Quando um deles mencionou a comida, Rowena compreendeu que tinha muito apetite. Mas não fez caso do alimento que levava em seu próprio saco, e ficou de pé, com ar indiferente, para afastar do grupo. Supunha que os homens compartilhariam com ela o que tinham, e abrigava a esperança de que um dos dois com quem desejava falar lhe trouxesse comida. Mas como de costume, a sorte não a favoreceu. Não conhecia o homem que lhe ofereceu um pouco de veado frio e pão duro, e o simples expediente de lhe perguntar seu nome lhe contribuiu a informação adicional de que ele provinha de Ambray.
Rowena lhe agradeceu, mas recusou seu oferecimento, e disse que não tinha apetite, embora seu ventre protestasse ruidosamente diante de tamanha mentira. Depois, ela esperou até que os homens terminassem de comer e de novo se afrouxasse a tensão, e esperou um momento mais, rogando que Gilbert não voltasse ali para comer. Não o fez. E finalmente, a jovem olhou a um dos homens do Kirkburough e confessou que, depois de tudo, tinha apetite.
Ele se apressou a lhe levar comida de sua própria provisão, e depois de lhe agradecer Rowena observou:
-Surpreende-me que te tenha comprometido nesta causa que não te interessa, e está condenada a fracassar. -E depois, arriscou uma conjetura-:
-E o faz sem que lhe paguem.
Ele não negou a afirmação e disse:
-Jurei fidelidade ao Kirkburough, e lorde Gilbert...
-Não tem nenhum direito ali, e tampouco eu - apressou-se a dizer Rowena antes de acovardar-se. Depois, ela fingiu surpresa-. Mas certamente você sabe. Que se de minha união com lorde Godwine não nascem filhos, seu irmão herdara tudo. Ele agora é o senhor de Kirkburough, e não duvido de que agora está ali e se pergunta qual foi o destino dos homens de seu irmão, aos mesmos sem dúvida ele necessitará para reconstruir a fortaleza. Realmente, não compreendo por que os homens preferem a guerra e a morte antes que a reconstrução, mas sem dúvida é seu caso, pois do contrário não estaria aqui, a não ser ali.
Ele não disse nada durante um momento. Na verdade, parecia incapaz de falar. Depois, olhou-a com o cenho franzido, em um gesto digno do próprio Warrick.
-Senhora, por que me diz isto?
Que seu interlocutor lhe tivesse recordado de Warrick permitiu a Rowena achar uma resposta.
-Não desejo morrer, mas meu meio-irmão não quer me escutar. Obceca-o a possibilidade de matar ao Fulkhurst, e isso não me surpreende, pois Fulkhurst jurou destruí-lo. Mas Gilbert não conhece o homem a quem eu cheguei a conhecer porque fui sua prisioneira. Vocês tomarão facilmente o castelo, mas não sairão vivos dali, e tampouco eu, pois Gilbert me arrastará também até esse lugar.
-Senhora, suas palavras não têm sentido. Contaremos com reféns: as filhas desse homem.
-Acredita que isso importará a um guerreiro tão cruel? Isso é o que não consigo que Gilbert entenda, pois não aceita me escutar. Seu plano funcionaria... Contra outro inimigo. Mas este senhor não tem consideração por suas filhas nem por ninguém. Sacrificará até mesmo a sua gente, sem o mais mínimo pesar, porá sítio a seu próprio castelo, mas não se aceitará condições, nenhuma rendição. A única coisa que esse homem importa é vingar-se de quem se atreva a ofendê-lo.
-E se estiver enganada?
-E se estiver certa? -Não era fácil evitar que seu tom expressasse exasperação-. -Prometeram-lhe tanto que está disposto a correr o risco?
-O que pretende além de seu objetivo a seu irmão? -perguntou ele desconcertado, ela não estava obtendo nada, e o resto começava a olhá-los, perguntando-se do que falavam. Por que esse homem tinha que ser tão obtuso e obstinado O que ela necessitava era de um covarde.
-Gilbert tampouco te escutará, quando o que quis fazer foi só lhe dizer, é que eu te adverti. É mais provável que te censure pelas incomodo que toma. -Depois Rowena suspirou, como resignada-. Sinto muito. Não devia expressar meus temores, mas pensei que talvez pudesse te salvar e salvar aos amigos que possivelmente tenham no outro acampamento, pois esta não é sua guerra e nem sequer pertence a este lugar. Pensei te pedir que me levasse contigo se tiver astúcia suficiente para se afastar; mas agora compreendo que não pode me ajudar. Os homens de Gilbert lhe impediriam isso. Talvez ainda possa convencê-lo de que envie a Ambray antes que ele entre no castelo. Sim, farei isso.
Deu-lhe as costas, e pediu que ele não dissesse nada a outros, ou pelo menos aos homens de Gilbert. Quando se atreveu a olhá-lo de novo, viu que falava unicamente ao outro cavalheiro de Kirkburough, ao parecer, em uma conversação muito séria.
Em definitivo ela tinha tido um pouco de sorte? Se esses dois podiam encontrar uma desculpa para retornar ao outro acampamento e perceber aos homens de Kirkburough que estavam ali, possivelmente o exército se dispersasse. Se isso acontecesse com bastante rapidez, Gilbert receberia a correspondente advertência, e talvez renunciasse a seu plano. Renegaria e se zangaria, e diria que os desertores eram covardes que sabiam unicamente intimidar aos mercados do povoado; mas o que podia fazer a respeito? Sabia que não tinha direito de usar o exército de Lyons. Rowena o recordaria se fosse necessário. Não, não podia fazer isso, porque em tal caso ele trataria de averiguar, perguntando à própria Rowena, qual era a razão pela qual esses homens se afastaram.
Ela se limitaria a confessar que com toda inocência tinha denominado Fulkhurst o dragão do norte, e que o homem com quem ela falava tinha empalidecido intensamente. Depois, quereria saber se Gilbert não tinha advertido a seus homens que Fulkhurst era o famoso dragão, uma denominação que sem dúvida eles tinham escutado inclusive em Kirkburough, embora antes não tivessem relacionado ao personagem com o que eles mesmos estavam fazendo. Ela seria a culpada, embora de um modo inocente; portanto, Gilbert não a culparia muito... Ou pelo menos ela tinha essa esperança.
Em todo caso, Gilbert não perseguiria a esses homens se estava convencido de que eram covardes e de que não lutariam por ele. Teria que conceber outro plano para formar outro exército, e por desgraça, de novo, Rowena estava em poder de seu meio-irmão. Apenas ele pensasse no assunto, não se mostraria tão zangado. Mas apenas ele pensasse nisso, ordenaria que vigiassem mais de perto a Rowena. Deus santo, não havia um modo de que ela evitasse esse dilema?
Mas o homem com quem ela tinha falado não tentou afastar do acampamento. Rowena começou a pensar que ele era muito corajoso e predestinado para o que lhe convinha; e de repente um dos homens que partiu com Gilbert retornou para lhes perceber que tinham despachado várias patrulhas do castelo, provavelmente com ordem de procurar Rowena. Ela entendia a coincidir com essa opinião. Tanto que se tratava de um servo ou um prisioneiro fugido, os guardas do castelo tinham a obrigação de encontrá-lo ou confrontar a cólera de Warrick. Mas essa busca não agradava a Gilbert, pois ameaçava seu próprio plano.
Um homem devia se comunicar com as pessoas do outro acampamento, se por acaso as patrulhas estivessem profundamente escondida no bosque. Se os exploradores avistassem ao exército, este devia capturá-los, pois não podia permitir-se que o castelo descobrir sua presença. Os dois homens de Kirkburough se ofereceram como voluntários para levar a mensagem, e depois propuseram deslocar-se unidos, se por acaso tropeçavam com uma das patrulhas.
Rowena logo que pôde evitou um sorriso.
A tarde se prolongou com irritante lentidão. Rowena imaginou inumeráveis vezes o que aconteceria. Mas persistiu o fato de que a menos que o outro acampamento estivesse muito longe, um dos homens de Gilbert já deveria ter retornado para informar que os homens de Kirkburouah estavam retirando-se... A menos que não fizessem tal coisa.
É obvio isso era possível. Os dois homens que partiram deste acampamento possivelmente tivessem preferido abster-se de fazer algo para salvar a seus camaradas de uma morte certa. E talvez tivessem decidido simplesmente salvar suas peles. Ou talvez Rowena tivesse interpretado mal a ansiedade que esses homens tinham demonstrado para afastar-se. E para o caso, possivelmente o homem com quem ela tinha falado não havia dito uma palavra a seu amigo. A conversação mantida com tanta seriedade podia haver-se referido a outra coisa completamente distinta, e era muito possível que ambos tivessem descartado o que ela disse por entender que provinha de uma mulher assustada.
Rowena certamente estava louca se acreditava que umas poucas palavras originadas nela podiam assustar a um verdadeiro exército. Não, ela não tinha concebido a idéia de assustá-los, só desejava destacar que essa guerra não correspondia a eles, que participando não conseguiriam nada, e que eles se beneficiariam muito mais se retornassem com seu verdadeiro senhor. Mas provavelmente, de tudo isso ela não tinha extraído nenhum benefício.
A chuva continuava ameaçando, e por isso tinha sido impossível definir a aproximação da noite. De repente as sombras caíram sobre eles, e também chegou Gilbert, que vinha cavalgando a galope entre as árvores, muito excitado; ao aproximar-se obrigou a seu pobre cavalo a parar bruscamente. Ao parecer não percebeu que o número de homens que tinha deixado atrás era mais reduzido; mas possivelmente de todos os modos não pensava usar a todos. Em definitivo, quanto maior fosse o número de homens que o acompanhassem, menor a possibilidade de que ele pudesse entrar em um castelo fechado, sem que importassem para o caso seus motivos.
Não desmontou simplesmente se aproximou de Rowena e lhe estendeu a mão.
-Decidi dizer que te encontrei no caminho, sem escolta, e como você não quis me dizer de onde vinha me vi obrigado a te levar comigo. Expressarei a esperança de que se façam cargo de sua pessoa, pois o assunto que me encomendou o rei é urgente e não pode adiar-se nem sequer por uma dama tão formosa. -Depois, esboçou um amplo sorriso, enquanto perguntava-.
-Acredita que me aliviarão da carga de sua pessoa?
-Como está expostos a que os expulse do castelo ou os castigue severamente com o chicote por me haver permitido a fuga, não duvido de que baixarão a ponte levadiça.
Rowena falou com voz tão áspera como podia, como se a idéia lhe parecesse desprezível. Certamente seu acento teve certo efeito, pois Gilbert pôs-se a rir.
-Não tema, Rowena. Terá que suportar essa masmorra só umas poucas horas mais, e depois, isso não se repetirá, Não vale a pena fazer o possível para provocar a queda de Fulkhurst, depois de mau momento que te obrigou a passar?
Rowena não quis responder a isto. O que Warrick lhe tinha feito era culpa pelo que Gilbert tinha provocado. E ela não culpava muito a um dos homens. Este se sentia mais ou menos justificado. Em troca, ela culparia eternamente o outro.
-Gilbert, se tiver êxito com seu plano, logo verá quais são os resultados de meu cárcere.
Como ele tinha esperado precisamente uma resposta desse tipo, as palavras de Rowena não lhe desagradaram. Não havia muitas coisas que agora mesmo pudessem lhe desagradar, pois sentia muito próximo o momento da vitória, mas a atitude hostil de Rowena não era mera ficção. Alegrava-a que as dúvidas que ela tinha semeado agora frutificassem. Ela conseguiria arruinar o plano de Gilbert, e obter que nesse processo que o capturassem e isso justificava o custo que ela tinha pagado. Mas Rowena teria preferido que fosse eficaz a outra estratégia, porque nesse caso ela não teria terminado nas mãos de Warrick, como seria agora. No outro caso ela teria ficado com o Gilbert, mas antes que ele pudesse achar outro modo de aproveitá-la, ela teria podido desembaraçar-se dele e de suas ameaças.
Mas não seria assim. Ela voltou de novo os olhos para o profundo do bosque, antes de iniciar a marcha, mas ainda não havia sinais de que os homens de Gilbert devessem perceber que ele tinha perdido seu exército.
Três vezes voltou o olhar para as árvores. Ainda havia tempo. Mas tudo estava em silencio ao redor deles. E então se encontraram frente à entrada de Fulkhurst, e Gilbert mencionou seu nome falso, sua condição de mensageiro de Stephen, seu relato inventado sobre o encontro de Rowena no caminho. Ela não escutou pela segunda vez a história, não se mostrou atrás de Gilbert, de maneira que os guardas da entrada a identificassem. Não desejava colaborar. Estava ali. Faria o que devia fazer. Mas cada vez mais o papel que estava representando provocava sua irritação.
Olhou por última vez para trás, e ali... Era um dos homens de Gilbert que vinha para eles pelo caminho? E diminuía sua velocidade ao vê-los em frente ao castelo? Talvez esses cavalheiros de Kirkburough tivessem esperado a que se aproximasse o cair da noite para comunicar o que ela lhes havia dito? Depois de tudo, eram homens ardilosos. Na escuridão, Gilbert não os perseguiria. Estaria dentro do castelo, esperando a aparição de um exército que não viria, e graças às coisas exageradas que Rowena havia dito a respeito da crueldade de Warrick, esse exército esperaria que em pouco tempo mais Gilbert desaparecesse. Mas essa estratégia, excelente para os homens, não podia ajudar a Rowena.
O homem já estava voltando-se, pois tinha chegado à mesma conclusão. Chegava muito tarde para Gilbert perceber. Mas possivelmente ele acreditava que isso não importava. Talvez Gilbert ainda dispusesse de um número suficiente de homens para alcançar seus objetivos... Mas isso não serviria aos objetivos de Rowena.
Rowena começou a dizer a Gilbert o que suspeitava, quando o guarda chamou.
-Me espere ali. Meu senhor receberá à moça.
Rowena franziu o cenho enquanto se perguntava qual era a armadilha. Mas Gilbert olhou para um lado e amaldiçoou. Então, ela ouviu os ruídos inequívocos de muitos cavalos que se aproximavam, e ele também olhou. Sim, era o dragão que retornava. Com a última luz do dia, logo não podia vê-lo, mas ela não duvidava de que se tratava de Warrick. E tampouco Gilbert duvidou.
Ele continuou amaldiçoando, embora não em voz tão alta para que o ouvissem os guardas.
-Maldito seja, não pôde ter chegado a Gilly Field e retornado tão rápido. É impossível!
-Portanto, mudou de idéia. -A voz de Rowena, recordou sua presença ao Gilbert, e agora ele formulou um comentário.
-Não te inquiete Rowena-. Isto só muda meu plano de conquistar a fortaleza. Sim, meu exército continua sendo mais numeroso que o dele, e retornarei com ele esta noite. É uma sorte que não tenha pedido ainda que me permitam passar a noite no castelo. Pois agora insistirei em que devo continuar minha viagem.
Ele não podia estar falando a sério.
-Propõe-te continuar aqui e saudá-lo? -Perguntou ela com acento de incredulidade.
-Por que não? Nunca me viu de perto ou sem armadura, de modo que não me conhece. -Gilbert sentia desejos de rir-, Será uma excelente brincadeira, e a esclarecerei para minha volta.
Isso era mais do que Rowena podia suportar. Sua resposta não tinha absolutamente nenhum propósito, exceto o prazer de que ela fosse à pessoa que estragasse a confiança de Gilbert.
-Gilbert, lamento insinuar este assunto precisamente agora. Mas ele em efeito te identificará. Conhece-te como meu meio-irmão, não como d'Ambray, mas de todos os modos é um homem a quem ele deseja matar, pois é quem o encadeou a uma cama em Kirkburough. A brincadeira, irmão, recairá sobre sua cabeça.
-Maldita seja, relaxe! -Estalou Gilbert-. Não é possível que o tenha apressado e não soubesse. E não pôde aproximar-se com um exército se estava preso a uma cama.
Por sua própria conveniência, Rowena modificou um pouco a verdade.
-Era seu exército, mas ele não o dirigia. Veio não para te buscar, Gilbert, a não ser para encontrá-lo. E apenas o liberaram, ele me enviou aqui, a sua masmorra, propõe-se me obrigar a que eu padeça o resto de meus dias pelo que lhe fiz. E com respeito a você, simplesmente quer vê-lo morto, mas não confie em mim palavra, ele te reconhecerá sim permanece aqui e o saúda, de modo que...
-Basta! –gritou Gilbert, e puxou-a do braço a obrigou a desmontar.
-O que está fazendo? -perguntou ela, furiosa.
-No castelo sabem que é você. Se te levar comigo, nos perseguirão, e isso não me convém. De modo que lhes diga que meu assunto é muito urgente para esperar. E não tema. Minha primeira exigência quando retornar será sua liberdade.
Gilbert não lhe ofereceu a possibilidade de responder. Afastou-se montado em seu cavalo, seguido por seus homens, e como agora estava bastante escuro em poucos momentos desapareceram da vista. Tampouco era possível continuar vendo o exército que se aproximava, embora o ruído dos homens e os cavalos agora eram mais intensos.
Rowena se perguntou por que permanecia ali, esperando. Poderia facilmente se esconder no fosso, e ninguém teria visto onde se escondia. Inclusive poderia esconder sob a ponte levadiça quando a houvessem descido, para fugir mais tarde, uma vez que tudo se aquietou. Os homens do castelo teriam imaginado que o grupo de Gilbert a tinha levado. Mas isso provocaria uma perseguição, encabeçada pelo próprio Warrick, e Gilbert enfiaria diretamente para seu exército... Ou para o que ficava dele. E Warrick não teria ordenado que seus homens se mobilizassem para perseguir sete combatentes. E ela era uma tola, porque ainda estava ali, de pé, quando o primeiro cavalo surgiu da escuridão e se parou junto à jovem.
Apareceram tochas nas muralhas, projetando não muita luz -exceto no fosso. De modo que, depois de tudo, teriam podido vê-la se tentava ocultar-se. Quem sabe por que, essa situação lhe provocou risada. Mas não riu, pois Warrick em pessoa montava o grande cavalo olhava à fugitiva.
-Mulher, por que me espera aqui, e não onde tinha que estar?
-Fugi - replicou audazmente Rowena.
-Seriamente?
O cepticismo dessa resposta, assim como o sorriso de Warrick sumiu, disse a Rowena que não acreditava. Perfeito. Ela conseguiria que Warrick revelasse mais coisas se ele acreditasse que a jovem inventava histórias para diverti-lo, é obvio, se Rowena se ocupasse de omitir as palavras fundamentais que estavam acostumadas a irritá-lo
De modo que Rowena encolheu os ombros, e suspirou.
-Realmente, não sou tão nobre que assuma a culpa quando não sou responsável por nada. Tive que ir, pois do contrário teria passado a noite em sua masmorra.
-Ah - disse ele, como se isso explicasse tudo-. Temia um lugar que, segundo suas próprias palavras, "pareceu-te seriamente muito cômodo".
Ele tinha que recordar o que Rowena havia dito a senhora Isabella?
-Não teria a mesma opinião esta vez - replicou Rowena com acidez, e depois se apressou a voltar para um tom indiferente-. E te falo a verdade, não teria retornado, exceto me descobriu o nobre cavalheiro que concebeu a idéia de utilizar-me para entrar em Fulkhurst, pois veio aqui com o propósito de capturar seu castelo.
Quando esta informação não determinou que Warrick franzisse sequer o cenho, ela se incomodou e decidiu acentuar ainda mais a aparência de despreocupação.
-E com respeito a isso, talvez te convenha entrar em Fulkhurst e se preparar para um assédio. Por outra parte, é possível que eu tenha induzido, com umas poucas verdades muito simples, para dispersar-se ao exército que estava esperando nesses bosques, do qual não tenho certeza. Mas expliquei a um dos cavalheiros que eu estava certa de que o senhor a quem ele e seus amigos estavam obedecendo não tinha direito a lhes exigir esse serviço, por tudo o qual eles deviam retornar com seu verdadeiro amo. Acho que pintei um quadro bastante sombrio de sua pessoa, ante a possibilidade de que o temor fosse eficaz onde a lógica fracassa.
-Aceito de boa vontade todos os adornos que se adicionem a minha reputação.
-Sem dúvida - murmurou ela.
Warrick lhe dirigiu um sorriso.
-E agora, me diga como conseguiu fugir.
-Não foi fácil - apressou-se a dizer Rowena, e ele pôs-se a rir, sempre caso que as respostas de Rowena estavam destinadas a diverti-lo.
-Se eu acreditasse que foi fácil - replicou Warrick, falando com certa indiferença-, devolveria eu mesmo à masmorra, para te ter certa, embora fosse visitar-te... Freqüentemente.
A probabilidade de que ele não estivesse brincando frustrou o intento de Rowena de "diverti-lo".
-Voltou a tempo para salvar ao seu castelo, assim como a sua família; eu o teria tentado, mas nada garantia que seus homens tivessem acreditado em mim quando eu falasse que o "mensageiro do rei"; que acaba de afastar-se não era absolutamente um representante do rei, e que ele se propunha abrir as portas a seu próprio exército à noite para entrar. Se você tivesse retornado mais tarde, talvez o teriam capturado se alguém me acreditasse; mas se não me acreditassem, teria encontrado que suas filhas eram utilizadas como reféns, e que o que esse homem reclamava era sua vida.
O rosto de Warrick já não expressava satisfação, bem antes que ela terminasse de falar; mais ainda, sua expressão era totalmente sombria.
-por que acredito que não está brincando?
-Porque não brinco, nem o fiz antes. Warrick, é tudo verdade. Encontrará provas da presença desse exército nos bosques que se estendem para o este, ou inclusive achará ao exército mesmo, se não se aproximarem para te assediar durante a noite. O senhor cavaleiro? Ele... É meu meio-irmão. Ele vinha aqui porque quer vingar-se de você... Pela destruição de Kirkburough. Você compreende a vingança, verdade?
Sem responder, Warrick se inclinou e a montou sobre seu cavalo. As mãos de Warrick, que a sustentavam com força, afundaram-se profundamente no corpo de Rowena, e o mesmo aconteceu com a conclusão a qual ele chegou.
-E você lhe teria ajudado?
-Eu o teria traído!
-Quer que acredite nisso? -perguntou Warrick com voz áspera-. O seu próprio irmão?
-Não é meu autêntico irmão, e o desprezo tanto que o mataria; mataria se me oferece a oportunidade.
-Então, me deixe que eu o faça por você - propôs Warrick com expressão razoável, embora seu tom fosse arrepiante-. Diga-me onde posso encontrá-lo.
Era hora de dizer a verdade completa? Não, ele estava tão irritado nesse momento que não poderia escutá-la.
Ela meneou a cabeça em um gesto de negação.
-Arrebataste-me mais que o suficiente. Agora também deseja me tirar à vingança? Acredito que não o permitirei.
Ele franziu o cenho ante essa resposta. Inclusive sacudiu Rowena. Mas de todos os modos ela não estava disposta a esconder à informação que ele requeria. Finalmente, ele emitiu um rouco resmungo e a soltou. Ela teve que segurar-se ao corpo do cavalheiro para conservar o equilíbrio. Aqui, a ponte levadiça desceu, e a jovem compreendeu que ela já não tinha muito tempo para lhe dizer o resto, e que ele logo o escutaria de lábios de outros, mas em prejuízo de Rowena.
-Meu senhor, não perguntou por que teria ido parar a sua masmorra.
-Tem que fazer mais confissões?
Ela estremeceu ante esse tom zombador e cruel.
-Não é uma confissão, a não ser a verdade segundo eu a conheço. Ontem devia ser acusada de roubar um artigo muito valioso colar de uma das damas de castelo. Encontrariam em seu quarto, e isso demonstraria minha culpa. O assunto ofereceria a desculpa para "me interrogar" a respeito de outros supostos roubos. Existia a esperança de que não ficaria muito de mim para te tentar quando retornasse e que o sofrimento provocado pelo interrogatório determinaria que eu perdesse a meu filho. Eu não estava disposta a sofrer isso sendo inocente da acusação. De modo que saí do castelo antes que formulassem o plano.
-E se for culpada, está realizando esta confissão para aliviar sua culpa.
-Exceto não sou culpada. Mildred escutou o plano e me advertiu. Pode perguntar-lhe.
- Maldita seja, mulher, que havia feito para provocar tanta inimizade para sua pessoa? Acredita que não sei que ela mentiria por você? Espero que possa usar melhores argumentos para demonstrar sua inocência.
-Agora compreende por que tive que partir - disse Rowena amargamente-. Meu único argumento é o que acabo de te dizer. Você terá que se encarregar de descobrir a verdade demonstrando que minha acusadora é uma mentirosa; do contrário, terá que me castigar com a severidade que o delito exige.
Rowena sentiu que ele endurecia o corpo ao ouvir estas palavras.
-Maldita seja, mulher, o que fez para provocar tanta inimizade nessa pessoa?
Rowena se decidiu, a pergunta sugeria que lhe acreditava... Ou queria lhe acreditar.
-Não fiz nada -limitou-se a dizer- e ela não se propõe me ferir, é a ti a quem quer machucar. E se eu desaparecesse possivelmente ela não me acusasse, ou sequer falasse do roubo. De nada lhe teria servido. Mas agora que retornei talvez ainda continue com seu plano, para te obrigar a me castigar.
Pararam frente à torre do castelo. Ficaram ali certo tempo, e ao redor tudo era atividade: homens que desmontavam, cavalos foram levados aos estábulos, escudeiros e pela frente movendo-se de um lado para o outro. De repente, Rowena perguntou:
-Warrick, por que retornou tão rápido?
-Não, mulher, não mudará o assunto. Você me dirá quem é a dama que deseja me ferir através de sua pessoa, e me dirá isso agora.
Ela desmontou antes que Warrick pudesse detê-la, mas se voltou para olhá-lo nos olhos.
-Não me pergunte isso. Se mudar de idéia, e decidir não fazer nada, redima-se e não deve castigar-lhe pelo que pensou fazer no calor da irritação. Se não mudar de idéia, saberá muito em breve.
O cenho de Warrick era mais sombrio que nunca, e agora podia ver facilmente com tantas tochas que iluminavam o recinto, enquanto o céu se iluminava com os raios e ressonava com os trovões. Um calafrio percorreu as costas de Rowena, pois ele parecia um demônio, sentado ali e julgando-a... E depois, falou também como a encarnação do mesmo demônio.
-Eu decidirei quem é que merece um castigo - a advertiu-, de modo que não acreditava que poderia se negar a revelar a verdade, como se negou a me dizer o nome de seu irmão.
-Terei uma resposta. Ele...
-Se se atrever a me ameaçar depois do que suportei –interrompeu, ela com verdadeira fúria - juro que perderei o escasso alimento que hoje tomei comida dos soldados e bastante rançosa... E vomitarei tudo sobre seu pé!... Seria mais conveniente para você que te preparasse em vista do próximo assédio; neste caso não sou mais importante que uma prisioneira sem valor que agora não irá a parte alguma, graças a seu condenado irmão? Depois, terá tempo demasiado, não duvido, de te ocupar de minha fuga, meu roubo... E minha audácia!
Ela deu a volta e o deixou ali, muito irritado para preocupar-se se o tinha encolerizado excessivamente com seu discurso, de modo que não viu o tímido sorriso que se desenhou nos lábios de Warrick, nem ouviu a risada que seguiu. Mas seus homens perceberam tudo isto, e mais de um se perguntou o que lhe parecia tão divertido que Warrick enquanto repartia ordens para preparar as defesas do castelo.
O ruído que vinha do Grande Salão indicava que as pessoas do castelo ainda estavam jantando. Rowena conseguiu ouvir enquanto subia a escada que levava o salão, de modo que diminuiu o passo. Seu humor se esfriou também ao recordar o que se dispunha a confrontar.
Tinha pensado ir diretamente à cozinha para compensar a escassa quantidade de alimento ingerido durante o dia, mas agora mudou de idéia. Mas não podia ir a nenhum lugar que não a obrigasse a atravessar essa sala. Então, retornaria para fora? Não, as primeiras gotas da tormenta que tinha ameaçado durante tanto tempo tinha começado a cair no momento mesmo em que ela entrava na torre. Rowena tinha conseguido evitar a chuva todo o dia. Não pensava voltar ao ar livre para recebê-la agora.
Warrick a encontrou, sentada sobre os degraus, no lugar mais escuro projetada pela luz das tochas sobre ambos os extremos da escada. Fez um gesto para afastar aos que o tinham acompanhado, até que ele ficou sozinho com a Rowena. A jovem não queria olhá-lo, embora ele soubesse que Rowena tinha consciência de que ali estava o senhor do castelo. Mas não parecia disposta a explicar por que se encontrava ali.
Finalmente, Warrick teve que perguntar:
-O que faz aqui? Tinha acreditado que desejaria substituir essa comida rançosa que leva no ventre com algo mais tentador preparado pelo Master Blouct, algo que provavelmente não quererá vomitar.
Tampouco agora ela o olhou, e encolheu os ombros.
-Eu teria pensado o mesmo, mas para chegar à cozinha devo atravessar o salão.
-Então?
-Então eu... Desejo que esteja comigo se tiver que confrontar uma acusação.
Rowena não pôde imaginar por que essa afirmação induziu a Warrick a abraçá-la e beijá-la, mas isso foi o que ele fez. Ele estava molhado, mas isso não importou a Rowena. Segurou-se a ele, e percebeu a falta de paixão nesse beijo, e deu a boa vinda ao que em troca tinha: calidez, sobriedade, força... E ternura, ela quase lançou uma exclamação ao receber algo como isso depois do que tinha confrontado.
Quando ele a deixou, sua mão ainda lhe acariciou a bochecha, e seu sorriso o adicionou calidez a seus olhos.
-Venha - disse Warrick amavelmente, e a ajudou a subir a escada passando um braço ao redor da cintura-. Não te culparei de novo se sentir a necessidade de esvaziar seu ventre... Ou se trata do menino?
-Não... Pelo menos, não acredito.
-Então, vá comer - disse Warrick, empurrando-a para a escada que levava a cozinha.
-E você?
-Estou certo de que por esta vez posso precisar de sua ajuda, embora quando tiver terminado pode me trazer uma garrafa de vinho e ordenar que nos prepare um banho.
O uso da expressão "prepare-nos" não foi um engano, e Rowena continuava ruborizando-se quando entrou na cozinha, uns instantes mais tarde. Uma vez que esteve ali, tudo parecia normal. O trabalho não parou quando a viram. Ninguém chamou os guardas. Mas Mary Blouet a viu, e a atacou como um cavalo de guerra amarrado à carga.
-Deveria te castigar com uma vara, moça - foram suas primeiras palavras quando chegou Rowena à despensa, longe da curiosidade do resto-. Onde demônio estava? Revistaram todo o castelo. Inclusive enviaram patrulhas.
-Ah, ontem aconteceu algo que devesse me preocupar?
-De modo que por isso se escondeu - replicou Mary, com o cenho franzido-. Mas já fazia horas que tinha escondido. Na realidade, passei toda a tarde, mas... Bem, não disse a ninguém que faltava. Merecia um descanso, porque lorde Warrick te obrigou a trabalhar muito duro. E depois, quando senhora Beatrix armou tanto escândalo com as pérolas desaparecidas... Bem, não sentiu vontade de abandonar seu esconderijo.
De modo que Beatrix tinha começado a executar seu plano. Não tinha sabido que Rowena não estava no castelo, porque Mary a tinha protegido. A situação merecia um comentário risonho, mas Rowena havia sentido uma pontada de frio medo quando Mary lhe confirmou que tinha tido razões reais que justificavam sua atitude.
-Encontraram as pérolas?
-Sim, no dormitório de lorde Warrick. Isso é estranho. O guarda Thomas disse que senhora Beatrix parecia saber perfeitamente onde estavam essas pérolas, como se ela mesma as tivesse posto ali. Mas senhora Beatrix afirma que você foi quem as levou, pois sua irmã diz que te viu frente ao dormitório das duas, pouco antes que fosse hora de trocar-se para jantar.
Rowena conteve uma exclamação.
-Quando?
-Antes do banho - replicou Mary-. Foi então quando não puderam achar as pérolas, e, entretanto afirmam que a viram apenas uma hora antes.
-Quer dizer que a última vez que as viram foi bem na entrada a tarde? -perguntou Rowena excitada.
-Sim, isso mesmo, dizem.
Rowena se pôs a rir. Quase abraçou a Mary Blouet; e depois, o sentimento de alívio a dominou, e em efeito abraçou à mulher.
-Bem, bem - resmungou Mary, embora na realidade não sentisse desagrado-. Por que foi isso?
-Porque me permitiu ter um dia de descanso e não disse a ninguém, e isso me permitirá demonstrar que sou inocente da acusação de Beatrix.
-Não vejo como, mas me alegra muito saber, pois os guardas ainda estão te procurando. É extraordinário que tenha chegado até aqui sem que lhe parem.
-Talvez tendo a meu lado Warrick, os guardas acreditariam que agora ele se ocupará do assunto.
-Já voltou?
-Sim. -Rowena sorriu-. E me ordenou que comesse, de modo que será melhor que o faça. Por Deus, acredito que recuperei o apetite. Também preciso pedir um banho e uma garrafa de vinho de Tures.
-Pois bem, come. Eu me ocuparei do banho e o vinho.
-Obrigado, senhora...
-Mary - disse a mulher mais velha, sorrindo-. Sim, acredito que agora pode me chamar Mary.
Quando Rowena entrou na sala, não muito depois, embalava uma garrafa de vinho em seus braços, como se tivesse fosse um menino. Seu passo não era absolutamente vacilante, e quando chegou onde estava Warrick, em seus lábios se desenhava um sorriso.
Ele não parecia muito alegre consigo mesmo. Tinha escutado as acusações. Realmente, Beatrix nem sequer tinha esperado que ele se aproximasse da mesa, e o tinha seguido até seu quarto para lhe oferecer uma versão completa dos fatos, enquanto seu pai trocava a túnica úmida e se secava os cabelos.
Agora, a mulher dos cabelos de linho parecia disposta a contar um segredo muito agradável. Ele assim esperava, porque a acusação contra ela era muito grave.
Warrick tinha aproximado do fogo, e sobre a mesa do senhor já não havia comida. Beatrix ocupava uma das cadeiras, Melisant estava ao seu lado, sentada em um tamborete. Warrick indicou a Rowena com um gesto que ocupasse a outra cadeira.
Beatrix conteve uma exclamação ao ver isto, mas não disse uma palavra. Seu pai tinha estado olhando-a com gesto severo do mesmo momento em que Beatrix tinha acusado de roubo a Rowena. Isso lhe agradava. Abrigava a esperança de que estivesse enfurecido, teria preferido que ele retornasse e descobrisse que a mulher estava golpeada e já não era desejável; mas possivelmente ele mesmo se encarregasse de mutilá-la depois de pronunciar seu veredicto. Em todo caso, não voltaria a recebê-la em sua casa depois de declará-la culpada. Pelo menos, Beatrix tinha conseguido isso.
-Minha filha - começou a dizer Warrick com expressão de desgosto e dirigindo-se a Rowena - formulou uma grave acusação contra você. Ela que diz ante a acusação de que roubou um colar de pérolas?
-Ela disse quando desapareceu?
-Quando, Beatrix?
-Pouco antes da janta - disse Beatrix.
-Pergunte, meu senhor, como está certa disso - propôs Rowena.
-Como, Beatrix?
Beatrix logo que pôde evitar um gesto de desagrado. Não atinava a compreender que importância tinha esse detalhe. Alguém tinha dado procuração do colar, e este tinha aparecido no dormitório de Warrick, certamente esta mulher não sugeriria que ele se deu procuração da jóia.
-Ao final da tarde o vi pela última vez e decidi que o usaria durante o jantar. Apenas uma hora mais tarde desapareceu, e ela -apontou com o dedo a Rowena - foi vista nesse momento frente a meu dormitório, Melisant a viu.
Rowena sorriu de Warrick.
-Não disse meu senhor? - perguntou como de passagem, porque fugi ontem?
-Fugiu! - exclamou Beatrix-. Quer dizer que não estava escondida no castelo desde ontem?
-Não, minha senhora. Não podia depender de um mero esconderijo para o que tinha planejado contra mim.
As bochechas do Beatrix tingiram de vermelho antes que seus olhos resplandecessem de malícia.
-Reconhece que fugiu? Sabe qual é o castigo que se aplica a um servo fugido?
-Sim, senhora Beatrix, Tenho minhas próprias terras, meus próprios servos, e presenciava a atuação do tribunal de meu pai com bastante freqüência antes que morresse. Deveria saber o que podia me esperar...
-Mentirosa! -zumbiu Beatrlx-. Pai, pensa tolerar que minta desse modo?
-Duvido de que ela minta - replicou Warrick-. Eu a converti em serva, não seu berço. Mas nos separamos do assunto, Rowena, a que hora saiu daqui?
-A meio-dia.
-De novo lembrou - Beatrix esta vez gritou-. Como é possível que a escute?
-Não diga uma palavra mais, Beatrix - advertiu Warrick, em um tom gelado.
-Essa hora, de minha partida, pode verificar-se, meu senhor - propôs Rowena-, A senhora Blouet te dirá que me procurou, mas não pôde me achar em toda à tarde. E o guarda da porta traseira pode te dizer exatamente a que hora Mildred o induziu a conversar com ela, de modo que eu saísse sem ser vista. Tenho a esperança de que não o repreenderá por seu descuido, pois se ele se mostrou mais diligente, você me teria achado, não às portas do castelo, a não ser em sua masmorra; pelo menos, havia encontrado o que restava de mim - concluiu, dirigindo a Beatrix um olhar de franco desprezo.
-O que diz Beatrix? -perguntou Wanick.
-Mente - disse Beatríx desdenhosamente-. Que venham os que segundo ela diz confirmarão suas mentiras, que o digam em minha cara.
-Acredita que poderá intimidá-los para que se calem? -replicou Warrick, com um sorriso nos lábios que Rowena odiava-, Não acredito. Mas me responda isto, se ela roubou suas pérolas, por que não as levou com ela quando fugiu?
-Como posso saber de que modo pensa uma prostituta?
Este comentário determinou que Warrick franzisse horrivelmente o cenho. Beatrix o olhou incrédula muito irritada para ter medo. Mas quando Warrick cravou os olhos em Melisant, sua filha mais nova pôs-se a chorar.
-Ela me obrigou a dizê-lo! - gemeu freneticamente Melisant-. Eu não queria, mas ela me esbofeteou e disse que diria que eu roubei seu colar se não acusasse a sua amante. Sinto muito, pai! Eu não desejava ferir, mas Beatrix estava tão zangada contigo...
-Sim, comigo - grunhiu em voz baixa Warrick-. Tudo isto foi feito contra mim. Bem, o que farei Beatrix, será para seu benefício, e faz momento que o vem procurando.
Warrick castigou a sua filha ali mesmo no salão, de modo que todos o vissem, e usou o grosso couro do cinturão de sua espada. Rowena ocupou a cadeira que lhe permitia usar, e fechou os olhos para evitar a visão do espetáculo, mas não pôde isolar do som. E foi uma flagelação brutal. Os gritos de Beatrix se elevaram roucos, e era lamentável escutar seus pedidos. Rowena teve que morder o lábio para abster-se de pedir que o castigo cessasse antes que Warrick considerasse suficiente. Mas quando ele concluiu, sua filha estava completamente arrependida e intimidada.
Depois que saiu do salão com a ajuda de suas damas, Warrick se deixou cair na cadeira que estava ao lado de Rowena.
-Isto deveria ter acalmado minha cólera, mas não consegui.
-Certamente, dissipou a minha - disse-lhe secamente Rowena.
O som que Warrick emitiu parecia uma risada abafada.
-Olhe mulher...
-Não, lamento - disse ela com expressão séria-. Este não é momento para brincadeiras. E sua cólera sem dúvida é compreensível. Tem que ser doloroso saber que sua própria filha está disposta a te prejudicar. Mas trata de recordar que ela é não mais que uma menina, com reações infantis, porque isso e não outra coisa foi seu intento de vingança.
Ele a olhou hostil.
-Mulher, tenta me consolar?
-Por Deus, não penso nisso.
Mas esta vez ele não pôde conter sua risada, - Me alegro de que ainda esteja aqui.
Rowena conteve a respiração para ouvir estas palavras.
-Seriamente? -perguntou com voz suave.
-Sim, detestaria ter que sair para te buscar debaixo dessa chuva.
Ela o olhou hostil para ouvir esta resposta, até que viu a leve curva de seus lábios. Acaso o temido dragão na realidade estava brincando com ela?
Era surpreendente Rowena estava tranqüila agora. Na realidade, parecia que ele já não era seu carcereiro, nem ela a prisioneira, Talvez essa noite de mútua paixão que tinham compartilhado realmente tinha eliminado a necessidade de vingar-se dela? A idéia era tão tentadora que Rowena decidiu explorá-la melhor.
-A questão de meu roubo - começou Rowena medindo o terreno - está resolvida a sua satisfação?
-Sim... Neste caso.
Rowena parou, pois essa resposta não era um bom presságio em relação com o que ela desejava escutar. Mas de todos os modos a expressão do rosto de Warrick não denotava contrariedade, de modo que ela se atreveu a insistir.
-E que diz de mim... O breve passeio por esses bosques?
Ele suspirou irritado ante os termos moderados que ela usava para descrever o que teria sido uma fuga bem-sucedida se seu irmão não tivesse estado nessa área procurando vingança.
-Mulher, que desejas saber?
-Me castigará por isso?
-Sou acaso um monstro para adotar essa atitude, quando sei muito bem o dano que poderia haver-se infligido se você não tivesse abandonado o castelo precisamente nesse momento?
Ela sorriu.
-Na realidade...
-Não o diga - advertiu-lhe Warrick.
-O que? -perguntou ela com ar de inocência.
O cenho franzido de Warrick não a intimidou nem um pouco.
-Posto que já resolvemos o problema de seu roubo e sua fuga, desejaria comentar sua audácia?
Rowena elevou os olhos ao céu, e formulou o desejo de que ele não tivesse tão boa memória.
-Preferiria, mas bem que essa discussão ficasse reservada para outro momento, se for possível em um futuro longínquo. Mas há outra coisa...
Agora que tinha chegado o momento de pedir, sentia que se dissipava sua audácia. Warrick mostrava uma atitude, bem suave, a pesar do desagrado que sentia a causa do incidente com sua filha. E Rowena não desejava que essa atitude mudasse, e não queria voltar a ver o rosto cruel que expressava a cólera mais sombria do senhor do castelo. Mas ela tinha que saber se sua nova atitude mostrava para ela era mais profunda que a que podia ver-se na superfície.
Finalmente, ela disse o que pensava.
-Warrick, ainda te propõe ficar com meu filho?
O que ela temia aconteceu: o rosto cruel que se apertava a ocupar o primeiro plano, o torcido dos lábios, os olhos entrecerrados, e a fria ameaça do tom.
-Por que acredita que já não o desejo?
-Eu... Não pensei isso... Só que...
-Queria criá-lo como um servo?
-Não sou uma serva! -disse ela-. Tenho propriedades legítimas.
-Não tem mais direito que os que eu te outorgo - grunhiu ele.
-O que fará com o menino? -perguntou Rowena- Quem o cuidará enquanto se dedica a combater em suas condenadas guerras? Outra serva? Sua esposa?
Pareceu que ele não percebia o tom zombador com que Rowena tinha terminado.
-Se me der um varão, eu mesmo o cuidarei. Quero um varão.
- E uma filha?
Ele encolheu os ombros-. As filhas bastardas também têm sua utilidade, conforme acabo de aprender.
Ela se encolerizou tanto para ouvir esta resposta que sentiu desejos de gritar. Mas perder os estribos, como lhe acabava de acontecer, não era o modo de raciocinar com um homem, e sobre tudo com esse homem.
De modo que se dominou, e tratou de que seu rosto expressasse só contrariedade, e desceu o tom para alcançar um nível moderado e perguntar:
-E o que diz da criação, o amor de uma boa guia?
Ele arqueou o cenho.
-Acredita que sou incapaz de subministrar todas essas coisas?
-Sim. Beatrix é um exemplo apropriado.
Foi um golpe duro. E deu no vazio. A expressão de Warrick se converteu na de um homem que sofria intensamente.
Por incrível que pudesse parecer, Rowena sentiu o mesmo, uma sorte de opressão no peito porque sofria por ele; e pela mesma razão ela se levantou de sua cadeira para aproximar-se de Warrick.
-Sinto muito! -exclamou ao mesmo tempo em que jogava os braços ao pescoço e o apertava para manifestar seu pesar-. Não quis dizer isso. Juro que não foi minha intenção! Não tem culpa se o país está assinado pela ilegalidade, ao extremo de que tem que combater constantemente para proteger o que é teu, em lugar de permanecer em casa com sua família. Esse maldito Stephen é o culpado. Por sua culpa, meu próprio pai saiu a lutar uma e outra vez, e já vê desmiolada eu sou, apesar de que contei com a ajuda de minha mãe que me guiava. Sua única culpa é que já não me assusta, de modo que minha condenada língua agora se desboca...
-Cale-se.
Ele estava tremendo, e seus braços a apertaram. Rowena tratou de afastar-se um pouco para lhe ver a cara, mas ele a sustentava com excessiva força. E também emitia o som mais terrível.
-Warrick? -perguntou ela com certo temor-.Você não está chorando, verdade?
Ele a sacudiu com mais força. Rowena fechou os olhos, em um gesto de suplica. A cabeça de Rowena finalmente conseguiu afastar do ombro de Warrick, mas foi suficiente que ele a olhasse uma vez e sua risada silenciosa se converteu em uma estridente gargalhada. Rowena gritou exasperada, e golpeou o peito de Warrick. Ele lhe sustentou a rosto com as duas mãos e a beijou, mas ele ainda ria, de modo que pelo menos ao princípio o beijo foi um tanto incerto. Mas ela estava tão zangada com ele pela brincadeira pesada, que lhe segurou os cabelos com as mãos e puxou com força. E então terminou a alegria de Warrick. Depois de uns momentos, também terminou a irritação de Rowena.
Os dois estavam sem fôlego quando se separaram. Rowena se sentia muito cômoda para mover-se, embora não tinha sido convidada a sentar-se nos joelhos de Warrick, e teve que fazer certo esforço para ficar de pé. Ele resolveu o problema apertando a bochecha de Rowena contra seu peito e sustentando-a ali, enquanto a outra mão acariciava o quadril da jovem.
-Mulher, é tão tola. Nem sequer pode sustentar uma boa discussão, porque te inquieta muito a possibilidade de ferir os sentimentos de seu antagonista.
Não estavam sozinhos no salão, mas em geral ninguém lhes fazia caso. A Rowena não preocupava especialmente a atitude dos espectadores, e isso a surpreendia. Umas poucas noites antes a teria mortificado ver-se assim em presença de terceiros. E umas poucas noites antes Warrick não lhe haveria dito algo pelo estilo.
Rowena sorriu para si mesma.
-A maioria das mulheres em efeito se vê curvadas pela compaixão. Warrick está me criticando porque sou feminina? Ele emitiu um grunhido.
-Simplesmente afirmo que há um momento para ser implacável e um momento para ser... Feminina. Entretanto, neste momento te prefiro feminina.
Ela se esticou sensualmente, esfregando com mais força seu corpo contra o de Warrick. Ele respirou o hálito da jovem.
-Isso te pareceu bastante feminino? - murmurou ela com um ronrono sedutor.
-Mas bem implacável... Ou desejas que agora mesmo te leve a minha cama?
Para falar a verdade, ela não se oporia, mas em troca disse:
-Esqueceu que tinha pedido o banho?
-Se disse isso para esfriar meu ardor, está esquecendo o último banho que me dava... Em sua companhia.
-Não, não o esquecimento; mas pode acontecer que de novo a água esteja fria- advertiu Rowena.
Ele se inclinou para esfregar o pescoço com o nariz.
- Importa-te?
-Importou-me a outra vez?
Ele sorriu, enquanto ficava de pé, e a obrigava a fazer o mesmo.
-Nesse caso, vêem e traz o vinho. Confio em que esta vez não te sufocará?
-Não, estou certa de que isso não acontecerá.
Rowena ainda não estava acostumada a esse jogo verbal. Suas bochechas coraram, mas além o acelerava o pulso. Depois de tudo, ainda era uma prisioneira, embora, mas bem não parecesse prisioneira... De seus desejos. Mas possivelmente o mesmo o estava acontecendo de Warrick.
-Enviei a um homem com ordem de adiantar-se até Gilly Field, para explorar o setor. Quando retornou para informar que não tinha achado nenhum tipo de atividade, eu já tinha recebido outro informe referindo a um numeroso exército que avançava para o norte, em direção a Fulkhurst.
-Então, você sabia que nesses bosques se escondia um exército? -exclamou Rowena -. E me permitiu falar e falar do assunto, tentando se convencer do perigo, e enquanto isso você...
-Do que te está queixando? -perguntou Warrick-. Não escutei cada uma de suas palavras?
-Divertiu-te com cada uma de minhas palavras - replicou ela, indignada.
-Não todas.
Esse seco aviso fechou sua boca por um momento. Ele tinha perguntado de novo qual era o nome de seu irmão. E depois perguntou onde estavam as terras que ela afirmava possuir, possivelmente contemplando a possibilidade de que Gilbert estivesse ali. E tinha irritado intensamente quando ela não quis responder nenhuma das perguntas.
Durante essa manhã não tinham abandonado o dormitório, embora Warrick já tinha levantado várias horas. O exército de Gilbert, ou o que restava dele, não tinha aproximado para iniciar o assédio do castelo durante a noite, e não era provável que o fizesse agora. Mas Rowena finalmente decidiu perguntar de novo por que Warrick tinha retornado com tal rapidez a Fulkhurst. Era o que agora ele estava lhe explicando... Se ela atinava a cessar em suas interrupções.
Ele esperou um momento para comprovar se Rowena diria algo mais, e continuou falando:
-Como não encontramos a esse suposto exército por volta do final do primeiro dia de marcha, pareceu-me prudente retornar para casa. Era o que cabia esperar de d'Ambray: induzir-me a abandonar o castelo para atacar ao Fulkhurst enquanto eu não estava aqui e não poderia defendê-lo. Em troca, seu irmão tinha a intenção de aproveitar minha ausência. Pergunto-me agora se d'Ambray não descobriu também da existência deste exército, e acreditou que era meu, e que espreitava para emboscar o emboscado. Nesse caso, deve ter-se enfurecido ao pensar que eu adivinhei qual era seu plano.
E Warrick se sentiria ainda mais que furioso se chegava a descobrir que d'Ambray e o meio-irmão de Rowena eram uma e a mesma pessoa.
Podia haver conjeturado depois do fiasco mais recente. Rowena estava surpreendida por que Warrick não tinha chegado a essa conclusão, pois certamente tinha sido possível ver um só exército. Mas para extrair a conclusão certa, ele teria que reconhecer que quem o tinha torturado e abusado de sua pessoa no Kirkburough era seu pior inimigo; e era provável que aceitasse outra possibilidade qualquer, por mais absurda que lhe parecesse, antes de chegar a isso.
Em relação com este assunto, ela tinha guardado silêncio durante muito tempo. Logo que tinha chegado à conclusão de que ele não a mataria por causa de sua identidade, tivesse tentado explicar a verdade. Agora, ele podia interpretar o silêncio de Rowena como uma conspiração contra sua pessoa, e seus esforços para seduzi-lo como um meio de conhecer seus planos para avisar a Gilbert. Depois de tudo, por que, ele acreditaria que Rowena odiava a seu meio-irmão, quando era igualmente provável que os dois estivessem conspirando contra Warrick? A verdade agora não só renovaria sua cólera contra ela, mas também era provável que o induze a procurar de novo a vingança. Ela não podia suportar agora essa situação, sobre tudo porque estava descobrindo que respirava intensos sentimentos para esse homem.
Rowena sabia que era estúpido de sua parte permitir que acontecesse tal coisa. Mildred lhe tinha advertido dessa possibilidade. Embora nesse momento ela se burlasse da dita perspectiva, na realidade não atinava a ver de que modo poderia havê-la impedido, pois tinha criado essa situação quando a própria Rowena quando não prestava muita atenção ao assunto. A culpa provavelmente residia nesses condenados desejos sobre os quais ela não exercia o mais mínimo controle. Era difícil sentir antipatia por um homem que lhe agradava tanto na cama. E era mais difícil ainda rechaçar a um homem que a cada momento lhe revelava uma faceta mais gentil de seu próprio caráter.
Terminou de pentear os cabelos e começou a trançá-los. De novo vestia a jaqueta amarela, que não tinha provocado comentários a véspera, e tampouco hoje, apesar de que ela se pôs uma túnica de serva, guardada no saco que levava consigo. Supunha que estava pondo a prova de Warrick ao abster-se de usar essas roupas; quer dizer, desejava ver até que ponto ele se deteria às normas originais que tinha imposto a Rowena, agora que sua atitude a fazia já não era a mesma.
Rowena se voltou agora para perguntar:
-Acredita que d'Ambray tentará outra manobra?
Warrick se recostou na cama, na qual estava sentado, observando a Rowena.
-Não lhe oferecerei nenhuma oportunidade. Partirei contra seu castelo em dois dias.
Os dedos de Rowena se mobilizaram em seus próprios cabelos, e agora conteve a respiração.
-Qual? Quer dizer, tem mais de um?
-Sim, e controla outros aos quais não tem direito. Mas seu refugio é o castelo d'Ambray, e eu o ocuparei. Confio em que esta vez estará ali quando eu inicie o ataque.
Se Gilbert não estivesse ali, a mãe de Rowena ainda se encontrava no lugar. Senhora Ambray podia ver-se definitivamente liberada do controle de Gilbert... Ou podia ficar ferida se d'Ambray não se rendesse, e se o combate continuava ao casaco das muralhas.
-Você e seus homens... Matam todos que encontram quando tomam um castelo? -perguntou Rowena com voz vacilante.
-Alguém morreu em Kirkburough?
-Kirkburougb não se defendeu - respondeu-lhe Rowena-. Ambray será diferente.
-Rowena, os homens morrem indiscriminadamente em uma batalha, mas eu nunca matei por capricho, - E depois ele se sentou na cama-. Por que perguntas? E se me disser se o que lhe inquieta é algumas pessoas que nem sequer conhece, eu...
-Não comece a me ameaçar tão cedo na manhã - interrompeu-o ela, contrariada-, Só estava pensando nas mulheres e os meninos. Este senhor tem uma família, uma esposa... Uma mãe?
-Ninguém, da morte de seu pai... não, na realidade, estão a viúva de seu pai e a filha desta mulher, mas não são parentes sangüíneos.
-Entretanto, ouvi dizer que você destrói a famílias inteiras quando ataca a um inimigo.
Ele lhe sorriu.
-Mulher, dizem muitas coisas de mim. Possivelmente a metade seja verdade.
Ele não revelava o que ela precisava saber, e Rowena começava a sentir-se nauseada pelo medo, de modo que perguntou:
-Então, não matará a essas mulheres, embora sejam parentas políticas do senhor do Ambray?
Ele franziu o cenho e olhou a Rowena.
-Rowena, se eu fosse capaz de matar mulheres, você não estaria aqui me fazendo pergunta tão tola.
Rowena lhe voltou às costas, mas não antes que ele visse sua expressão aflita. Warrick murmurou uma maldição e se aproximou dela por trás, e a obrigou a apoiar as costas contra seu peito.
-Minha intenção não foi que a resposta soasse desse modo-, simplesmente, formulava uma norma - disse a Rowena-. Acredita que me agradam suas perguntas, quando me descrevem como um ser tão cruel? Acreditava que já não me temia.
-Não te temo.
-Por que não?
Ela se voltou para olhá-lo, mas a cor de repente tingiu suas bochechas, e de novo baixou os olhos, envergonhada, com voz tênue e arrependida disse:
-Porque não machuca as mulheres... Inclusive quando tem motivo para fazê-lo. Sinto muito, Warrick. Não devia permitir que meus pensamentos se desbocassem, mas... Preferiria que não fosse fazer a guerra.
-Sou cavalheiro...
-Sei, e os cavalheiros sempre têm que combater aqui ou lá. Mas não é obrigatório que isso agrade às mulheres. Ausentará muito tempo?
Os braços de Warrick a rodearam e a aproximaram mais.
-Sim, possivelmente vários meses. Mulher sentirá falta de mim?
-Quando a metade de minhas obrigações desaparece contigo?
Ele apalpou as nádegas.
-Isso não foi uma resposta adequada para seu senhor.
-A resposta foi para o homem que me chama sua serva. Tenho outra resposta para o homem que me amou toda a noite. Sonharei com ele, rezarei por ele, e contarei os dias que faltam para sua volta.
Os braços de Warrick a apertaram com força. Sua boca devorou a de Rowena, antes que se turvasse o pensamento por causa da labareda de calor que se elevou tão rapidamente, Rowena decidiu que essa resposta tivesse sido preferível, E possivelmente tivesse sido desejável se não fosse de tudo certo.
Warrick afastou os olhos de sua comida fria quando abriu a porta. Sorriu lentamente ao ver quem entrava.
-Condenação, Sheldon, o que faz aqui? E não me diga que simplesmente passava perto.
-Vim com suas provisões desde Fulkhurst. Talvez deseje deixar esses manjares pouco agradáveis, e esperar a chegada de um pouco de carne fresca. Contei uma dúzia de porcos, dos quais agora estão sacrificando um.
-Não passamos tão mal - replicou Warrick-. A aldeia teve um verão próspero antes de nossa chegada, e eu me assegurei de que nenhum dos animais fosse levado do castelo, embora permitisse que todos os aldeões se refugiassem aqui.
Sheldon sorriu ante essa estratégia.
-Mais bocas para alimentar, mas menos alimento para lhes subministrar. Geralmente, os sitiadores não têm tanta sorte.
Warrick encolheu os ombros.
-Tive sorte de surpreendê-los com um guarda de avançada. Mas agora que já recolheram a colheita, era provável que o castelo estivesse bem provido. Passou um mês, mas duvido de que nem sequer estejam começando a racionar.
-Bem, trago-te algumas catapultas que podem te ser úteis.
-Realmente?
-Assim como uma boa quantidade de pedras para disparar com as catapultas. Mas vejo que trouxe de Tures a tua. Na realidade, devia te haver trazido pedras grandes e não pedras brutas.
Warrick sorriu.
-Ele teria apreciado, pois a maioria de meus projéteis estão no fundo do maldito fosso. E não me serviram de muito. Bem, meu amigo, me diga o que está fazendo aqui. Esta não é sua guerra.
Por sua vez Sheldon encolheu os ombros.
-Como já recolhi minha própria colheita, sinto um aborrecimento profundo. Converteste a seus vizinhos em pessoas tão respeitosas da lei, graças a suas prontas represálias ante a mais mínima infração, que em nosso condado já não acontece nada que seja sugestivo. E depois da morte de Eleonor, já não tenho uma esposa que me atenda em casa. Tive que escolher entre realizar incursões além da fronteira, ir à corte - coisa que detesto- ou vir a te oferecer meu excelente conselho durante uma quinzena ou coisa assim, ou pelo menos minha companhia.
-Desejo, boa vinda, embora seja provável que se aborreça aqui tanto como em sua casa.
-Warrick, sua companhia nunca é aborrecida, porque é muito fácil te provocar. -Sheldon sorriu-. Mas, isso significa que te propõe permanecer quieto obstinado a suas posições?
-Não acostumo ser um sitiador passivo. Temos ao inimigo sempre atarefado e alerta.
-Quantas torres ocupastes?
-Foram queimadas três, e agora são restos que ocupam o fosso. Estou construindo duas mais.
-Certamente os que olham das ameias se desmoralizam quando vêem chegar seus abastecimentos. Mas abandonaste esta vez a esse lobo esquivo, ou conseguiu escapar?
-A semana passada ainda estava dizendo a meus arautos que se fossem ao inferno, embora ele mesmo não apareça nas muralhas, para agradar a meus arqueiros. De todos os modos, há primeira semana que estivemos aqui estalou um incêndio. Não sei se algum soldado corajoso desceu pelas muralhas do castelo para provocar dificuldades, ou se foi descuido em meu próprio campo; mas na emoção que seguiu um regimento inteiro pôde ter escapado descendendo pelos muros ou saindo pela porta do fundo, que está dissimulada com tanto cuidado e ainda temos que localizá-la. Também existe a possibilidade de que d'Ambray não esteja ali e que seu segundo responda em seu nome. Não me agradaria absolutamente que assim fosse.
-Não será a primeira vez que acredita tê-lo pego e ele consegue escapar.
-Sim, mas se fizer o mesmo desta vez, juro que destruirei o castelo pedra por pedra e dispersarei os restos.
-Bem, isso seria realmente um esbanjamento. Se você não o quiser, por que não o entrega aos Malduit como dote da Beatrix? Que eles se preocupem tratando de evitar que d'Ambray o recupere - se não desejar fazer você mesmo o esforço.
Warrick sorriu ante a idéia. Era uma espécie de vingança sutil, e ao mesmo tempo tinha ramificações divertidas, sobre tudo depois que lorde Reinard tinha tratado de enganá-lo com uma prometida mal disposta, e inclusive tinha aproveitado seu próprio intento, na realidade, ele e d'Ambray se mereciam mutuamente.
-Está certo de que não desejaria que Emma leve como dote o castelo... Para aliviar o aborrecimento do qual se queixa? -burlou-se Warrick.
Sheldon pareceu horrorizado.
-Por Deus, não se mostre tão generoso conosco! Algumas terras ou um moinho estarão muito bem para o Richard. Depois de tudo, é o estudioso de nossa família. Apenas ganhou as esporas, pois realmente acredito que lorde John o compadeceu quando o fez cavalheiro este ano.
Warrick sorriu ante estas verdades meio ditas. Sim, Richard era um verdadeiro estudioso, mas os três filhos de Sheldon, mesmo que nenhum tinha completo ainda vinte anos, eram valentes. Herdaram do pai suas qualidades.
-Será melhor que capture d'Ambray, antes de lhe dar um destino - reconheceu Warrick.
-Pouca dúvida cabe de que o conseguirá, em vista da magnitude do exército que tem aqui. Os cem homens que trouxe comigo...
-Mas não são necessários - disse Sheldon-, Onde conseguiu tantos homens?
-Os cavalheiros sem terras abundam nos tempos atuais. Os que se aproximam de mim não desejam dedicar-se à pilhagem nem às manobras políticas na Corte. Minhas guerras são simples e francas, meu exército não tem que lutar com a indecisão ou com o excesso de senhores que se traem mutuamente para alcançar a supremacia. É o caso dos homens que preferem a luta à paz...
-Mas esta será sua última campanha, verdade? O que fará com um exército tão numeroso quando estiver em paz?
Warríek encolheu os ombros.
-Conservarei pelo menos a metade. Tenho propriedades suficientes para sustentar a estes homens. Possivelmente surgira ao resto que entre no serviço do jovem Henry. Há rumores de que tentará ocupar o trono outra vez.
Sheldon sorriu.
-Então já não te manterá neutro na política?
-Combati por Stephen só quando me conveio, paguei tributo quando não foi assim, e inclusive opus a ele quando um de seus fiéis partidários mereceu minha inimizade. Mas veria com agrado a ascensão de um rei novo para nos trazer a paz, de modo que em minha ansiedade não tenha que me preocupar de mantê-la, acredito até que possivelmente possamos chegar a isso.
Sheldon esteve de acordo com esta opinião, e os dois falaram de alguns dos grandes personagens que já pertenciam ao campo de Henry. Chester tinha visitado Sheldon para medi-lo sobre o assunto, Hereford tinha falado em particular com Warrick em Londres. Reacenderia se a guerra civil, e os vassalos de Henry desejavam saber de antemão os quais os acompanhariam ou ao menos se manteriam neutros.
Mas isso ficava liberado à discussão futura. Sheldon abordou um assunto de interesse mais imediato para ele.
-Desejava trazer comigo Richard, mas no caminho de volta nos detivemos em Fulkhurst, e não pude afastá-lo de sua prometida. Warrick, não poderia acreditar como essa jovem se transformou. Quase quis dizer a meu filho que você tinha mudado de idéia e tinha decidido oferecer a mim a mão de sua filha. Mas estou certo de que se eu sugerir tal coisa, ele desafiará a duelo. Está mais apaixonado que nunca.
-Mas, e as maneiras da moça? -perguntou Warrick-. Viu algum progresso?
-Sua pequena dama convertida em serva tem feito maravilha em tão pouco tempo. Confeccionou um novo guarda-roupa para a Emma, e ensinou todos os aspectos da administração de um castelo e as obrigações conjugais. Realmente, jamais diria que Emma se criou na aldeia. É graciosa, fala com doçura...
-Suficiente Sheldon! Richard pode tê-la.
-Nesse caso, de boa vontade a aceitarei como nora e não como esposa.
Warrick resmungou:
-Jamais duvidei disso. - Depois, perguntou como ao descuido-: E o que diz da tutora da Emma? Como se acerta?
-Ah, agora recordo que durante este último mês não a viu, verdade?
Warrick não necessitava que o recordassem. Desejava voltar para sua casa. Pela primeira vez desde sua adolescência, tinha um motivo para voltar para seu lar, e se sentiu frustrado pela impossibilidade de satisfazer esse desejo.
-Que tal as prostitutas do acampamento? - perguntou Sheldon -. Vale a pena as provar?
-Não sei - grunhiu Warrick-. E não respondeu a minha pergunta. Rowena está bem? Come o suficiente? Emma não a fadiga muito, verdade?
Sheldon sorriu.
-Não, esta maravilhosa principalmente por agora você não está ali para intimidá-la. Acentua a elegância e a beleza de seu salão. Emma a adora. Seus criados a respeitam. Melisant prefere a companhia de Rowena a de sua própria tutora. Sim, inclusive sua filha mais nova melhorou desde que enviaram a Beatrix a residir com seus futuros parentes políticos. Acredito que também por isso tem que agradecer a sua pequena Rowena.
-Possivelmente a traga aqui - disse secamente Warrick-. Poderá ocupar ela sozinha Ambray, sem minha ajuda.
-Elogiei-a muito?
-Um pouco... E por nada... Já decidi quem será a minha nova esposa. -A expressão de Sheldon empalideceu vários segundos antes que o cavalheiro explodisse.
-Não é possível! Não diga tal coisa! Droga Warrick, eu teria jurado que sentia certa ternura pela senhora Rowena. Essa jovem não tem posses, nem família. Você não mudou tanto que agora as coisas do coração podem ocupar o primeiro lugar em sua consideração? Quem é a outra dama? O que te atrai o que é tão importante que está disposto a arriscar a união com outra Isabella?
Warrick encolheu os ombros.
-Ela afirma ter algumas propriedades, mas por obstinação se nega a dizer onde estão.
-Ela não quer falar. Não te diz? - Sheldon arqueou o cenho-. Está brincado comigo Warrick?
Warrick sorriu.
-Sim, essa mulher me seduziu, tal como você pensou. E aposto que já se apropriou de meu castelo, bem posso convertê-la na verdadeira senhora do lugar.
Rowena se pôs a rir quando Emma enrugou o nariz, porque cheirou a graxa rançosa que estava fervendo.
-É necessário que eu saiba todos os detalhes de cada coisa? Inclusive da fabricação de velas?
-Poderá se considerar afortunada se tiver quem fabrica as velas, se não for assim, contratará a um, por um preço que pagará seu marido, ou possivelmente consiga ensinar a tarefa a um de seus criados; se seu fabricante de sabão só sabe o modo de preparar sabão, alguma vez voltará a gozar da doce fragrância do sabão que prefere, porque os comerciantes que cobram muito caro. Ou poderá fabricar seu próprio sabão?
Emna se ruborizou como poderia ter feito uma pergunta tola.
-Gostaria que Richard aprecie o que faço por ele.
-Apreciará que dirija sem complicações sua própria casa, não precisa saber sobre o fogo da cozinha, a vaca que se soltou no pátio, e o comerciante que tratou de te cobrar muito pela pimenta, e a quem mandou embora de sua casa. Richard verá o chá servido e os ovos preparados depressa e colocados sobre sua mesa, sorrirá e te falará de sua própria jornada, que é nada comparada com a tua. Assim, fanfarronará frente a seus amigos e dirá que tem a esposa mais extraordinária da terra, uma mulher que nunca se queixa, nunca lhe traz problemas a respeito dos quais ele nada sabe, e dificilmente o obriga a gastar.
Emma emitiu uma risada.
-Ela realmente precisa ser uma autêntica Santa?
-Por certo que não - replicou Rowena enquanto se afastava com a Emma do desagradável aroma da graxa -, se eu ainda confrontasse a desgraça de ser a esposa desse velho repugnante que era Lyons, possivelmente tivesse comprado a pimenta muito cara, e teria recheado com ela o pescado. Querida, ofereço-te no máximo um conselho geral, os mesmos que me deu minha mãe. Agora, vá procurar a Edith, nada me obriga a te ensinar em detalhes todo o processo da fabricação de velas, e que já conheço; quando Edith pode encarregar disso. E não volte a me perguntar por que não é possível limitar-se a ensinar o assunto, esquece-se rapidamente o que alguém ouça; não acontece o mesmo com o que alguém faz.
Rowena retornou ao salão e à costura que tinha deixado junto ao fogo. Estava preparando uma túnica vermelha para Warrick, e o assunto era uma tarefa longa, pois a fina seda exigia pontos pequenos e muito cuidadosos. Teria sido melhor trabalhar com a luz do quarto dormitório, mas Rowena não podia acostumar-se a tratar como próprio esse quarto, embora lhe havia dito que o aproveitasse, pouco antes de partir, contra a vontade Rowena dormia ali todas as noites.
Esse dia também tinha levado ao quarto de Warrick a arca com as roupas de Rowena. Ele não falou uma palavra a respeito, fora de comentar a beleza da casaca real púrpura com cós dourados, que ela usava essa noite. Só depois que ele partiu Rowena comprovou que suas obrigações deviam mudar totalmente ao senhor Warrick.
Primeiro Emma lhe falou de próprio casamento, o qual se celebraria só se ela conseguisse a assimilar as obrigações de uma esposa de elevado berço; mas agora Emma contava com a autorização de seu pai para pedir a Rowena que fosse sua professora nessas tarefas. Foi inevitável que Rowena cometesse uma grosseira falta de tato ao perguntar quem era o pai da Emma. Durante a primeira semana nada mais que recordar de Warrick a enfurecia, pois não tinha advertido nada. Mas nesse mesmo dia, Mary Blouet lhe tinha informado que se ela aceitasse ensinar a Emma, o que em efeito tinha feito, a desculparia de todas as restantes obrigações.
Ajudar a Emma era um prazer. Rowena tinha chegado a simpatizar com a moça, e por isso sentiria saudades quando Emma se casasse com o jovem Richard. Isso seria só depois do retorno de Warrick, e ninguém podia imaginar quando chegaria esse momento.
Depois, houve outras mudanças. Beatrix tinha sido enviada a viver com sua nova família um dia depois de receber seu castigo, e foi como se todo o castelo respirasse um pouco mais aliviado quando ela partiu. Depois que Warrick se afastou, a filha mais nova realizou tímidos avanços, respirados pela Rowena, depois que comprovou que Melisant não era tão mesquinha como tinha acreditado Mildred. O que acontecia era que ela tinha sofrido a intensa influência de sua irmã mais velha.
A mudança das circunstâncias de Rowena influiu em outros, embora ela estendesse a pensar que o fator mais importante era o lugar em que dormia. Agora, Mary veio para lhe falar de seus problemas, e o marido de Mary reservava os bocados mais tenros para a jovem. Inclusive o mordomo de Warrick a consultava antes de enviar ao John Giffard ao povoado mais próximo em busca de provisões. Quando não estava realizando diligências, John comia com ela e com Mildred. Embora Melisant tivesse convidado a Rowena para jantar à mesa do senhor com ela e senhora Roberta - que era a única ainda desprezava a Rowena - a jovem não estava disposta a aceitar. Talvez Warrick tivesse decidido lhe facilitar as coisas antes de partir, mas não havia dito que já não devia considerar-lhe sua serva. E uma serva, embora vestisse os luxuosos objetos de uma dama, não jantava a mesa do senhor.
Embora estivesse muito atarefada com Emma, ela ainda dispunha de muito tempo para pensar em Warrick. E compreendia que seus próprios sentimentos se descontrolavam quando a saudade lhe provocava autêntico sofrimento. Mas agora que ele não a olhava com o desejo ardente nos olhos, Rowena perdia a confiança que tinha adquirido nesses últimos dias que tinha passado com ele. Ele a tinha desejado quando estava no castelo. Tinha realizado concessões que ela jamais tinha esperado. Mas depois de tudo, ela não era nada mais que o que ele tinha decidido que fosse: sua servidora, sua prisioneira. Não podia esperar nada mais que isso. Nem sequer podia esperar que quando ele retornasse ratificaria seus privilégios, pois o tempo apagava todas as lembranças, e possivelmente ele já tinha encontrado outra pessoa que lhe interessasse.
-Senhora, terá que vir comigo.
Rowena olhou a sir Thomas, coberto de pó a causa da viagem, de pé frente a ela. Tinha saído do castelo com Warrick, mais de um mês antes. Ela olhou esperançosa mais à frente do cavalheiro.
-Warrick retornou?
-Não, senhora, continua frente ao castelo de Ambray.
-Me levará ali?
-A toda pressa.
Ela empalideceu.
-Está ferido?
-Certamente, não.
-Bem, não precisa dizer como se fosse uma pergunta estúpida - exclamou Rowena-. E que outra coisa pode pensar quando diz que devemos nos apressar?
-Foi a ordem de meu senhor - explicou sir Thomas-. Mas não viajaremos com tanta pressa para que não termine tão suja e fatigada como eu agora, cavalgara a noite inteira, mas posso demorar um dia e meio para te levar sã e salva ao Ambray. Se agora se der pressa para recolher umas poucas roupas e o que necessita, podemos retomar com passo mais pausado.
Rowena franziu o cenho, em um gesto de curiosidade.
-Sabe por que me chama?
-Não, senhora.
Ela conteve de repente uma exclamação, e perguntou:
-Ocupou a fortaleza de Ambray?
-Ainda está habitada pelo antigo dono, embora seja um lugar bastante certo e poderá estar ali um tempo.
De modo que a chamada carecia de sentido.
Rowena tinha pensado em outra razão que podia induzir de Warrick a chamá-la a sua presença. A idéia a tinha atemorizado toda a jornada, mas era possível, não, provável, Warrick podia ter visto Gilbert apostado nas muralhas, e haveria identificado. Possivelmente a chamava com o fim de que ela confrontasse sua cólera mais sombria, sua expressão mais cruel. Possivelmente desejasse vingar-se outra vez, talvez inclusive usá-la contra Gilbert, torturá-la frente às muralhas, enforcá-la. Não, não, ele não faria tal, cosa. Mas então recordava as chicotadas recebidas pela Beatrix, e a masmorra. Recordava que a tinha prendido à cama - bem, na realidade isso não tinha sido tão desagradável, mas esse castigo...
Tinha tanto medo quando chegou ao acampamento que rodeava Ambray, que logo viu o castelo silencioso que se elevava no centro. Foi levada imediatamente ao quarto que Warrick ocupava, mas ele não estava ali. Isso não contribuiu a acalmar seus nervos inquietos. Já tinha chegado. Rowena desejava que o que fosse terminasse de uma vez.
Mas ela não teve tempo nem sequer para incomodar-se porque a deixavam esperando, pois Warrick entrou menos de um minuto depois. Tampouco teve tempo para julgar seu estado de ânimo, pois quando a viu ele a abraçou. E não teve oportunidade de pronunciar uma só palavra, pois a boca de Warrick cobriu a de Rowena e lhe impediu de pronunciar as palavras e formular as desculpas que antes tinha concebido.
Durante um momento interminável ela se sentiu aflita por esse sentido de posse, pois o beijo lhe disse que ela pertencia a Warrick e que ele desejava consumi-la. Seu sentimento de ansiedade não reapareceu imediatamente quando lhe permitiu respirar outra vez, e não se impôs a seus sentidos excitados até que foi depositada no colchão de palha de Warrick e o viu desprender do cinturão da espada, pouco antes de inclinar-se para cair sobre ela.
-Um momento! - exclamou Rowena, opondo as duas mãos para manter afastado de Warrick-. O que significa isso, Warrick? Por que me chamou aqui?
-Porque sentia saudades - replicou ele, desafiando a pressão que ela exercia para detê-lo, e inclinando-se para dizer as palavras contra os lábios da mulher-. Porque senti que enlouqueceria se tivesse que esperar um dia mais sem te ver.
-Isso é tudo?
-Não é suficiente?
O alívio de Rowena foi tão intenso, que foi sua vez de beijá-lo com paixão que nunca tinha demonstrado. As mãos de Warrick se fecharam sobre os seios de Rowena, reclamando-os. As mãos de Rowena apertaram os quadris de Warrick, para aproximar ainda mais. Mas era um abraço insatisfatório, embaraçado pelas roupas, pois ele não parava de beijá-la para despir a sua amada.
Quando ao fim ele tirou a túnica, fez com tanta pressa que ela pôs-se a rir.
-Continua destruindo as suas roupas, e depois eu devo as consertar.
-Se preocupa?
-Não, pode rasgar também as minhas, se assim o desejar. -Dirigiu-lhe um sorriso-. Mas talvez eu me possa tirar isso em menos tempo se me permitir isso.
-Não, agrada-me assim como está. Não pode saber quantas vezes imaginei nesta posição.
Ela deslizou as mãos sobre o peito que ele tinha despido para lhe oferecer o contato, e depois se inclinou para lamber um mamilo.
-Com tanta freqüência como eu imaginei fazer isto?
-Rowena... Não faça... - disse ele com voz entrecortada e tratou de afastá-la; mas ela se segurou com força e atacou o outro mamilo-. Basta, ou gozarei apenas entre em ti.
-Warrick, isso está bem, enquanto te agrade. Acredita que não me ocuparei de que me atenda depois?
Ele gemeu, despiu a Rowena e lhe desfez as tranças, e se lançou sobre ela. E ela se ocupou de que depois lhe dispensasse o mesmo prazer.
Nem essa tarde nem essa noite Warrick abandonou seu quarto. Pela manhã, quando Rowena despertou, disseram-lhe que sir Thomas esperava para levá-la de retorno ao castelo de Fulkhurst. Disse o escudeiro de Warrick. Do próprio Warrick não havia o mais mínimo sinal.
Rowena se sentiu divertida, e depois irritada. Havia a trazido até ali só para fazer amor um dia? Realmente, não entendia por que não podia ficar mais tempo.
Apenas se vestiu e saiu do quarto e reclamou que a levasse a presença de Warrick; enquanto isso, Bemard esperava para levá-la com sir Thomas. O rapazinho meneou a cabeça e franziu o cenho, tratando de recordar a mensagem que lhe tinham ordenado comunicar na presença dessa reclamação.
-Senhora, ordenou que lhe disséssemos que se voltar a vê-la é provável que se retenha aqui. Mas este não é um lugar apropriado para a senhora, de modo que deve partir.
Rowena abriu a boca para discutir com o Bernard, mas a fechou quase em seguida. Por Deus, como podia ter esquecido onde estava?
Voltou-se para olhar para o castelo e a torre que se elevava sobre suas fortificações. Sua mãe estava ali, muito perto, mas inalcançável... Por agora. Mas logo Anna se veria liberada do lugar que tinha sido seu cárcere nos últimos três anos. Warrick se encarregaria disso. Não sairia dali até que obtivesse seu propósito.
Alguns dos muros externos tinham sofrido danos por causa de uma catapulta, embora nem tanto que abrisse uma brecha para entrar. Rowena sabia onde estava à entrada do fundo. Tinha passado por ali a primeira vez que esteve no castelo, onde ela e sua mãe se viram separadas. Mas informar disso de Warrick equivalia a lhe dizer que ela conhecia Ambray, conhecia o Gilbert; e Rowena não podia fazer tal coisa.
Mas, estava disposta a correr o risco de continuar ali para ver sua mãe logo que forçassem a entrada ao castelo? Podia negar-se a sair do lugar, era suficiente que falasse com Warrick, para convencer o de que lhe permitisse continuar no lugar, ou pelo menos permanecer perto... Mas, como podia chegar a sua mãe sem a presença de Warrick, que assistiria ao encontro? Não podia, e Anne não imaginaria que era necessário fingir que não conhecia a Rowena.
Era melhor partir, embora lhe parecesse irritante saber que não podia fazer nada para ajudar a sua mãe a escapar dali, o mesmo que acontecia se Warrick, pelo menos, sem prejuízo de sua própria pessoa. E como não podia garantir-se que sua ajuda séria útil, mais valia abster-se de oferecê-la.
Mas Anna logo se veria liberada, e Warrick a enviaria a suas próprias posses, nas que não permitiria ingressar Gilbert -embora fosse improvável que ele se incomodasse no tolo modo de entrar ali, quando já não necessitavam a Anne, como meio de pressão contra Rowena ou por qualquer outro motivo ou Warrick enviaria a Anne ao Fulkhurst até que terminasse a guerra. Ali, Rowena disporia de uma oportunidade mais conveniente para perceber a sua mãe que não devia reconhecê-la, pelo menos na presença do Warríck. E assim, todos voltariam a reunir-se.
Warrick pela centésima vez se lamentou de ter cedido a suas próprias necessidades e de ter ordenado que trouxessem Rowena. Vê-la não melhorava as coisas. Tinha sido agradável, muito agradável, mas seu desejo agora era pior, pois desejava estar com ela mais do que nunca e tinha compartilhado com ela só dois dias.
Mas a breve visita decidiu a levar adiante o lugar mais agressivamente. Intensificou o trabalho nas duas torres, com o fim de tê-las preparadas para a manhã, e começou a trabalhar. Despachou as patrulhas com a missão de encontrar penhascos e projéteis pesados para a catapulta. Trouxeram da aldeia dois grandes caldeirões cheios de terra e pedras brutas para formar projéteis improvisados. Traçaram planos para começar a abrir um túnel se o ataque da manhã falhasse, embora em suas filas não tivesse mineiros que se ocupassem de fiscalizar este último recurso.
Essa noite Warrick inspecionou a torre de madeira terminada, a que ele ocuparia. Propunha-se estar na plataforma mais alta quando a empurrasse para o fosso, inclinando-a sobre a água para apoiar-se na muralha. A essa altura das coisas estaria em chamas, pois lhe disparariam flechas incendiárias logo que estivesse perto; portanto, todo o processo devia ser executado com a maior rapidez possível, antes que se convertesse em uma tumba de fogo para os que estavam em seu interior. Mas como incluía uma escada protegida, era a defesa mais conveniente para os homens escolhidos com o fim de tomar por assalto a muralha, e descer e abrir as portas para o resto do exército. E ele estava decidido a ser um deles, a participar dos primeiros combates, não nos últimos.
Estava repartindo a ordem de jogar de novo água em volta das duas torres, quando Sheldon foi buscá-lo.
-Warrick, isto te parecerá muito divertido - disse, enquanto se aproximava de uma mulher muito assustada e molhada-. Afirma que ela e sua acompanhante provocaram a enfermidade da metade da guarnição do castelo. Fez com o propósito de que esta noite pudéssemos ocupar o lugar, com muito pouco esforço.
-Mesmo? - O tom de Warrick foi tão seco como o do Sheldon. E quando formos recolher o fruto desta ajuda inesperada, mas bem-vinda, com certeza perderei a metade de meu exército na armadilha. -Sua voz se converteu em um rugido rouco e continuou nesse tom-:
-Acreditam que sou um estúpido, e que cairei em uma armadilha tão vulgar? E usar uma mulher! Arranque a verdade, não me importa como.
A mulher pôs-se a chorar para ouvir isto.
-Não, por favor! É certo o que afirmo. Minha senhora não sente afeto pelo novo amo, e em efeito desprezava seu pai. Ambray foi uma prisão para nós. Só desejamos partir!
-Mulher, encontrou um modo de sair - observou Sheldon-. Também sua senhora. Por que não se afastou de uma vez, em lugar de inventar uma história?
-Porque necessito uma escolta para chegar a minhas propriedades, só desejo voltar ali sã e salva - disse Anne enquanto se aproximavam de Sheldon-. Pensei te ajudar para conseguir o que desejas que parece ser Ambray, em troca dessa escolta.
-Minha senhora, deve esperar! -gemeu a criada-. Não tivesse devido...
-Quieta Helvise! - exclamou a dama-. Não tive paciência para esperar quando essa porta estava sem vigilância. Acreditem ou não, prefiro estar aqui e não ali.
Estava tão molhada como sua servidora porque tinha cruzado o fosso sem a ajuda de uma ponte, mas mantinha uma atitude majestosa a pesar do guarda, que continuava lhe prendendo com força o braço. Sheldon a olhava atraído e divertido, pois era uma mulher de boa aparência, a que se manifestava inclusive nessa condição. Warrick a olhava igualmente divertido, porque parecia conhecida, embora jamais a tivesse visto.
-De modo, senhora, que devemos te acreditar só porque você o diz? -perguntou Warrick com cepticismo.
Então Sheldon perguntou:
-Quem é senhora?
-Anne Belleme.
Warrick resmungou.
-Belleme, agora d'Ambray.
-Não, não reconheço esse nome, pois o sacerdote não escutou que eu consentisse nesse casamento à força. Foi uma farsa que me reteve prisioneira aqui durante três anos.
-Mas, tinha os meios para nos ajudar a terminar com seu fechamento, por que esperou tanto? -perguntou Warrick-. Senhora, não chegamos ontem. Faz trinta e três dias que estamos acampados aqui.
Que Warrick contasse os dias para conhecer a cifra exata provocou um sorriso de Sheldon, e isso atraiu o olhar da Anne. Piscou ao comprovar que não era tão velho como lhe tinha parecido à primeira vista. Quando lhe sorriu, a dama se ruborizou, pois não se parecia um homem desprovido de atrativo. Não, justamente o contrário.
Warrick olhou aos dois com o cenho franzido ante a súbita distração que não lhe contribuía com respostas.
-Sheldon, tem inconvenientes em que continue? -na realidade, acredito que senhora Anne deveria secar-se antes de continuar...
-Não há tempo para isso - interrompeu-lhe Anne-. O mal-estar que afetou a muitos membros da guarnição não persistirá depois que esvaziem o ventre. Limitamo-nos a adicionar carne em mal estado ao jantar, e ainda não a consumiram.
-Ainda não disse por que agora faz isto - disse Warrick.
-Se for o senhor de Fulkhurst... -A dama esperou que ele o confirmasse, e Warrick o fez em um breve gesto. Depois, ela explicou-: Disseram-me coisas terríveis de ti, de modo que eu roguei que não tivesse êxito aqui. Mas quando vi que tinha a minha filha em seu acampamento, e que ao parecer ela estava bem e sã, compreendi que tinham mentido.
-Sua filha? -resmungou Warrick-. Senhora acredita ter uma filha em meu acampamento? Bem, pode ir vê-la, mas é duvidoso que meus homens aceitem renunciar a ela se lhe quer levar isso
-Fugiu?
O que ele estava implicando provocou o furioso rubor da dama.
-Minha filha não é uma de suas camponesas. Ignoro como a libertou das garras de Gilbert e em troca caiu nas tuas, pois ele não mencionou que a tinha perdido. Mais ainda, agradou-o relatar que ela tinha feito tudo o que Gilbert...
-Então, d'Ambray está no castelo? - interrompeu-a Warrick com impaciência.
Ela meneou a cabeça, provocando a áspera maldição de Warrick, e a amável pergunta de Sheldon.
-Fugiu?
-Não. Veio aqui dominado pela mais terrível cólera. Eu pensei que sem dúvida tinha perdido outro castelo e por isso estava de tão mau humor. Mas permaneceu aqui menos de uma semana, e de fato partiu a véspera de sua chegada.
Isso provocou outra horrível maldição de Warrick.
-Sabe aonde foi?
-A corte. Seus recursos estão esgotados, e não pode continuar a guerra contigo se não receber ajuda de Stephen. Mas ele tentou antes e não é provável que agora tenha melhores resultados que então, pois os d'Ambray nunca estiveram na lista de favoritos do rei desde que Hugh se opôs a Stephen há vários anos. Realmente, ao resgatar a minha filha das mãos de Gilbert, arrebataste-lhe as propriedades que lhe restavam. Se lhe tirar d'Ambray, a única que Gilbert reterá é uma pequena fortaleza em...
-Senhora, sua filha não está aqui - interrompeu-a Warrick, exasperado-. Acredita que não teria aproveitado a presença da única herdeira de Lorde Belleme se a tivesse tido em meu poder? Como você diz, o controle de sua pessoa eliminaria um dos últimos recursos de d'Ambray.
-Ignoro por que insiste... - começou a dizer Anne, e franziu o cenho. É possível que não saiba quem é?
-Por Deus, já escutei bastante de tudo isto! -explodiu Warrick-. Sheldon, se ocupe dela.
-Farei com bom agrado -disse Sheldon, e começou a rir-. Mas antes que te afaste enfurecido, por que não lhe pergunta o nome de sua filha? Ou ainda não percebeu com quem se parece tanto esta dama?
Warrick olhou a seu amigo, e depois à mulher. E então pareceu que lhe imobilizava o corpo. Não amaldiçoou de novo quando viu por que acreditava conhecida a mulher, mas sua voz tinha um acento frio quando voltou a falar.
-Bem, senhora Anne, qual é o nome de sua filha?
Agora ela não estava muito certa de que desejasse lhe responder. Nunca tinha visto ninguém mudar de aparência tão bruscamente e adotar um rosto cruel que agora exibia. Retrocedeu um passo, Sheldon lhe segurou o braço sobre os ombros, e isso a reconfortou, mas ainda assim
-Possivelmente estou enganada...
-Não, não estava enganada, mas eu sim estive errado, ao acreditar que podia confiar nessa bruxa mentirosa!
-Por que está tão irritado? -Perguntou Anne Sheldon enquanto Warrick se afastava-. Estamos falando de Rowena, verdade?
-Sim, e também acertou ao pensar que não lhe disse quem era.
-Se não o disse, sem dúvida teve bons motivos para agir assim.
-Duvido de que meu amigo pense o mesmo - replicou Sheldon, mas quando viu a expressão ansiosa de Anne disse:
- Ele não lhe fará mal. E acredito que tentará acalmar sua cólera entrando agora mesmo no castelo, sem se importar com a possibilidade de que o espere uma armadilha, de tão zangado está.
-Mas eu não menti. A porta traseira está aberta e sem vigilância.
-Nesse caso, vêem comigo, a levarei a minha cabana, onde pode esperar até que isto tenha concluído.
Rowena viu aproximar-se dos dois guardas, em atitude tão decidida que soube a que atinar. Antes que eles abrissem a boca, ela já sabia. Não precisavam dizer-lhe, mas o fizeram.
-Senhora, temos uma mensagem do lorde Warrick, Em adiante, terá que se alojar na masmorra.
Bingo, tinha sabido que diriam exatamente isso; mas mesmo assim empalideceu intensamente quando o viu confirmado.
-Ele disse... Quanto tempo?
-Adiante - repetiram os homens.
O qual, é obvio, significava indefinidamente... Ou para sempre.
-Disse qual era o motivo?
Uma pergunta estúpida, por que se torturava ela mesma?
Ela tinha sabido que isso era o que aconteceria se Warríck descobrisse que Gilbert d'Ambray era o meio-irmão da própria Rowena. Ela devia ter sido corajosa e ter dito a verdade quando ele lhe ofereceu a oportunidade. É certo que teria confrontado a cólera de Warrick, mas lhe teria dado a oportunidade de tentar algo para acalmá-lo, ou pelo menos de lhe dizer por que guardou segredo. Agora, ele tinha chegado à pior conclusão possível, e não desejava ter nenhuma relação com ela, queria vingança... Não, não se tratava disso. Isto era raiva pura, e definitiva.
Os guardas se limitaram a menear a cabeça ante a pergunta de Rowena, e depois lhe ordenaram que os acompanhasse. Ela obedeceu. Que alternativa tinha? Pelo menos tinha estado sozinha no grande salão quando foram procurá-la. Emma não estava ali para protestar, e tampouco Mildred. Rowena teria tido que esforçar-se muito para evitar que se enredasse em uma discussão com os dois guardas.
Sim, ela sabia que Warrick lhe faria isso, mas no mais profundo de seu ser não tinha acreditado que isso fora possível.
Quando o carcereiro a quem ela temia apareceu com o sorriso sensual nos lábios, contente porque de novo tinha em seu poder a Rowena, esta lhe voltou às costas, porque sentiu que a náusea a invadia. Não era o filho o que provocava essa reação. Era a opressão que sentia no peito. E agora desejava que as lágrimas fluíssem, mas não apareceram.
Quando John Giffard chegou menos de uma hora mais tarde, para lhe dizer que esta vez tinha tido que bater no outro para obter que partisse Rowena lhe formulou uma só pergunta:
-Está aqui por pedido de Warrick?
-Não, minha senhora. Difundiu-se depressa a notícia de que lhe traziam de novo aqui. Vim com a maior rapidez possível.
Nesse momento ela chorou. Ignorava por que a última vez a tinham atribuído ao John. Nunca o tinha perguntado. Mas que não tivessem feito o mesmo dessa vez se explicava por si mesmo. Warrick não importava o que lhe acontecesse agora, enquanto ela estivesse trancada e ele não tivesse que voltar a vê-la.
Um momento depois ouviu uma discussão na sala de guarda. Reconheceu a voz do Mildred. Ela e John tinham chegado a serem muito amigos ultimamente. Agora, não era o caso. Quando retornou o silêncio, Rowena compreendeu que John se impôs, e também soube qual tinha sido a causa provável da discussão. Não permitia a Mildred que a visse, e John não se atrevia a desobedecer a seu senhor.
Passaram duas horas mais, e voltou John a abrir a porta.
-Senhora, mudou de idéia. Sabia que o faria, mas... Devo te trancar em seu quarto e não aqui, com um guarda na porta.
-O que acontecerá se preferir ficar aqui? -quis saber ela.
-Não o fala a sério.
-Sim, falo sério.
John suspirou.
-O guarda tem suas ordens. Arrastará para fora daqui se não ir por própria vontade.
-Nesse caso, caminharei.
-Se anime...
-Não, John - interrompeu-a-. Meu coração está morto, pois já não me dói.
Deus santo, por que isso não podia ser certo? Pediu que lhe adormecessem os sentimentos, mas ao parecer não podia obtê-lo. De todos os modos, ninguém saberia, nem John, e sobre tudo nem Warrick.
A mudança de cárcere não lhe contribuiu nenhuma esperança. Certamente Warrick tinha recordado que ela estava grávida. Era evidente que o tinha esquecido em seu primeiro acesso de cólera, e o tinha irritado ainda mais o fato mesmo de recordar que estava obrigado a fazer concessões a Rowena embora só fosse para proteger ao menino. Rowena nem por um momento pensou que ele podia ter outros motivos para ordenar que a transladasse a prisão mais cômoda.
Não lhe permitiam ver ninguém, exceto ao guarda, que lhe entregava a comida todos os dias. Cada vez que tinha tentado lhe falar, ela tinha recebido grunhidos murmúrios como resposta, de modo que já não o tentava. Certamente, teria preferido permanecer na masmorra com o John.
Sentava-se freqüentemente no vazio da janela, e dali, podia contemplar o pátio. Não havia muita atividade ali abaixo, mas era melhor ver isso que nada. Também costurava muito, pois já levava três meses de gravidez; fazia regatas suaves para a Emma e nada absolutamente para Warrick. O que tinha confeccionado para Warrick antes de sair com destino de Ainbray, agora destruiu para preparar minúsculas túnicas com destino ao menino.
Ninguém lhe havia dito uma palavra sobre o lugar de Ambray. Se Warrick tinha conhecido a verdade a respeito da identidade de Rowena, isso significava que se deu procuração do castelo. Gilbert estava ali? Tinham-no capturado morto? Sua mãe estava bem? Achava-se em liberdade? Em um novo cárcere como conseqüência da fúria do Warrick?
Contava os dias. Por cada um que passava perfurava um orifício profundo com sua agulha em um dos postes da cama. Tinha sido uma formosa cama, bem trabalhada. Agora tinha vinte e cinco buracos feios que ela admirava, antes que pudesse adicionar o vigésimo sexto, Warrick retornou Rowena não recebeu nenhuma advertência. Apareceu ali, entrando no quarto, detendo-se frente ao vazio da janela, onde ela estava sentada; os pés apoiados no assento de frente, as mãos no ventre, mais volumoso mas ainda não arredondado. Ela estava tratando de determinar se o movimento que sentia era o menino ou uma indigestão, deu uma olhada de Warrick, e chegou à conclusão de que era indigestão.
-De modo que o poderoso guerreiro retorna - disse ela, sem preocupar-se, se lhe agradava ou não o tom de voz-. Matou Gilbert?
-Ainda não o encontrei, e não porque não o procurou durante estas semanas.
-Então, por que volta aqui? Pois não tinha pressa por retornar, verdade? Enviou suas ordens. Isso foi suficiente.
-Por Deus, como se atreve!
Ele se interrompeu quando ela desviou os olhos e olhou pela janela, ignorando-o intencionadamente. Não a via atemorizada nem arrependida. Sua expressão era certamente a mesma. Ele não tinha esperado isso, mas por outro lado não tinha pensado muito no assunto, pois tinha tentado expulsar de sua mente para concentrar a atenção só na busca de d'Ambray.
Mas agora se disse que não lhe agradava o tom de ressentimento de Rowena. E a cólera que havia sentido essa noite na conversação com a mãe de Rowena, agora começava a reavivar-se.
Warrick se sentou no banco que estava em frente, para olhar Rowena.
-Um comportamento tão inocente para esconder tantos enganos - comentou friamente.
Ela o olhou com o cenho arqueado, e perguntou com voz serena.
-Quando te enganei? Em Kirkburough, quando não sabia quem era? Em Kirkburough, quando chegou com seu exército para matar a meu meio-irmão, sem saber quem era realmente? Mas eu acreditei que estava ali porque procurava Gilbert d´Ambray, seu inimigo jurado, de modo que lhe devia dizer isso então, quando estava certa de que me mataria também , se soubesse que era meu meio-irmão. Ou talvez devesse revelar isso quando me retirou de sua masmorra a primeira vez para me explicar qual seria sua vingança, Warrick, devia dizer isso então, para agravar o que já tinha planejado para mim?
-Sabia que eu não te mataria!
-Não, nesse momento não sabia!
Olharam-se hostis, Rowena agora não se mostrava serena. Em seus olhos havia vinte e cinco dias de cólera reprimida. Os de Warrick tinham um olhar gelado.
-Que desculpa me oferece pelo silêncio que manteve depois, quando escapou, e d'Ambray te devolveu? Enviou-te de retorno com o fim de que me espiasse?
-Estou certa de que teria pedido isso se tivesse pensado, mas até que chegou, ele acreditava ter triunfado, e que teria os meios necessários para te dobrar. Quando em efeito chegou, não teve tempo de pensar em outra coisa que não fosse à fuga, mas não te disse então que ele era d'Ambray pela mesma razão que não lhe disse isso quando chamou a seu castelo. Não desejava confrontar de novo sua cólera... Ou isto.
Moveu a mão para indicar o quarto.
-Devo acreditar nisso, quando é mais provável que você e d'Ambray colaborem neste engano? Deixou-te em Kirkburough com o fim de que eu te encontrasse - disse Warrick com voz dura-. Devia me deixar seduzir por ti e te revelar todos meus planos?
-Ele supôs que consertaria um acordo comigo. Mas me deixou porque o pânico o dominou. Você se aproximava com quinhentos homens, e ele tinha alguns. Propunha retornar com o exército de Lyons, que tinha sido enviado para te arrebatar em Tures. Possivelmente abrigou a esperança de que eu te distrairia o tempo necessário de modo que ele pudesse escapar. E é mais provável ainda que pensasse que eu o atrasaria se me obrigasse a acompanhá-lo. Não sei se teve outras coisas em sua mente esse dia, além do temor e a raiva. Mas sei que não tinha o propósito de me deixar contigo mais tempo que o que ele necessitasse para retornar. E em efeito retornou. Quando me encontrou esse dia nos bosques, disse-me que acreditava que estava morta.
Warrick resmungou:
-Mulher, diz com muita inteligência, mas não te acredito uma palavra.
-Pensa que me importa o que você acredita? Faz um mês me teria preocupado, mas agora não.
-Mulher, suas circunstâncias dependem do que julgue certo - recordou-lhe Warrick.
-Minhas circunstâncias não podem ser piores.
-Acha mesmo? -replicou Warrick em tom ameaçador-. Talvez deva te castigar como responde, e não me limitar a reduzir sua liberdade.
Estas últimas palavras determinaram que ela levantasse bruscamente em um acesso de cólera.
-Adiante, seu cretino! Faça-o! Não por isso te desprezarei mais que agora.
-Sente-se - resmungou ele com voz rouca.
Mas Rowena recusou sentar-se ao lado de Warrick. Rodeou o fogo para aproximar-se da outra janela e ocupou ali um assento, as costas rígida, meio voltada para o quarto. Olhou sem ver pela janela, tão irritada que as mãos tremiam sobre o colo. Odiava-o, desprezava-o. Desejava que ele... Odiava-o.
Ouviu que ele se aproximava por trás e obstruía o passo para chegar ao vazio da outra janela, de modo que Rowena não podia sair dali sem afastar de Warrick. O que não estava ao alcance de suas forças; de modo que ela se irritou também ante esse fato.
-Mulher, não explicou sua conduta. Realmente, não acredito que jamais volte a acreditar em suas palavras. O que fez esteve a um passo da traição. Se me houvesse dito que d'Ambray era o que se aproximou de meu castelo, o teria capturado apesar da escuridão da noite. Se me houvesse dito que era Rowena de Tures, eu poderia haver dado procuração antes de suas propriedades restantes, e desse modo...
-Antes? -interrompeu-lhe ela com voz azeda-. E não acreditará que agora te ajudarei às conseguir, verdade? Não te ajudaria embora você...
-Cale-se! -exclamou ele-. Seu ressentimento não tem razão, mulher. Não podia te deixar em liberdade para manter comunicação com esse filho do demônio, e não duvido de que ele conseguiu infiltrar a alguém para levar suas mensagens. Agora preciso interrogar a minha própria gente, para eliminar aos que não estavam aqui antes de sua chegada, sejam ou não inocentes. E agradeça que não te deixo na masmorra.
-Quer que eu o agradeça por esta tumba, onde não tive com quem falar desde que me trancaram? Sim, estou-te muito agradecida - disse com acento zombador.
Depois, fez-se silêncio. Ela não se voltou para comprovar se ele mostrava arrependido, ou menos tinha compreendido a que pena a sentenciava ao ordenar seu confinamento. Impulsionado pela cólera ele a tinha condenado sem julgamento, sem lhe perguntar sequer se era culpado. Essa dor infernal que ela tinha acreditado que se suavizaria, agora era mais e mais agudo, e lhe oprimia o peito e lhe apertava a garganta.
Finalmente, ouviu que ele suspirava.
-Retornará a suas obrigações, as que lhe atribuí a princípio. Mas não duvide de que te vigiarão. E jamais voltarão a confiar em você.
-Quando confiou em mim? -perguntou ela com uma voz tênue e azeda, sentindo que a dor quase a sufocava.
-Mulher, quando compartilhou minha cama, confiei que não me trairia.
-E não te traí, o que fiz se denomina defesa própria.
-Fingindo que me desejava?
Ela teria desejado dizer: "Sim, também isso", mas não desejava machucá-lo como ele a machucava.
-Não, meu silêncio, mas não precisa temer que minha conduta imprópria do passado volte a lhe incomodar, o que senti por ti já não existe em meu peito.
-Droga, Rowena, não conseguirá que meus atos me pesem! Acontece que você...
-Acaba com suas recriminações. Não desejo ouvir de ti nada mais, exceto... Diga-me o que fez com minha mãe.
Ele ficou em silêncio tanto tempo que Rowena não pensou que lhe responderia. Possivelmente era tão cruel que desejava lhe deixar na dúvida. Não, isso não era possível.
-Entreguei-a aos cuidados de meu amigo, Sheldon de Vere. Ela me ajudou a ocupar o castelo de d'Ambray. Pelo que lhe devo gratidão. Também ajudou a ocupar suas propriedades restantes, o que você devia fazer. Os homens de d'Ambray foram eliminados com escasso derramamento de sangue. Ele já não controla o que é teu.
Rowena não lhe agradeceu isso. Agora ele controlava tudo o que pertencia a Rowena, além de sua própria pessoa. E não era provável que jamais renunciasse a isso.
Em voz baixa, sem olhá-lo, curvada pelo sentimento do desespero, ela disse:
-O dia que você entrou triunfal em Kirkburogh; eu tinha pensado te oferecer minha fidelidade, apesar dos relatos horríveis que tinha escutado a respeito de sua pessoa, se demonstrava que foi um pouco menos desprezível que Gilbert, mas não foi assim. Enviou-me diretamente a sua masmorra. Deve imaginar porque jamais desejasse te revelar minha própria identidade.
Ele saiu antes que as lágrimas traíssem a Rowena.
Rowena retornou as suas obrigações anteriores, mas isso não dissipou a atmosfera sombria que se instalou em Fulkburst, Mary Blouet não se alegrava ao ver-se obrigada a controlar novamente a Rowena. Melisant chorava freqüentemente. Mildred resmungava sempre. Emma dirigia olhadas tão odiosas a seu pai que ele devia repreendê-la por isso, mas não o fazia, e o salão era um lugar tão silencioso durante as refeições inclusive um acesso de tosse parecia um grande som.
Roweha recusava falar do assunto com alguém, e nem sequer o comentava com Mildred, com quem estava muito irritada por ter promovido um plano que tinha tido conseqüências tão contraproducentes para ela. Warrick não tinha caído na armadilha; mas ela sim, de modo que agora Rowena escutava Mildred sem lhe prestar atenção, e sem formular comentários.
As semanas que seguiram se pareceram muito a seus primeiros dias ao serviço, Warrick, com umas poucas e notáveis exceções. Agora não tinha que ajudá-lo a tomar seu banho nem acompanhá-lo compartilhando a cama. Tampouco recebia esses sorrisos sem alegria que ela tinha odiado. O senhor do castelo apenas a olhava, e quando o fazia, seu rosto carecia de expressão, ela, não era mais que o que ele o tinha imposto ao princípio: uma criada a quem não se emprestava atenção. Em uma atitude perversa, ela tinha parado de usar suas próprias roupas, apesar de que Warrick não tinha insistido nisso. Mas se ela não era mais que uma criada, se pareceria precisamente a uma criada.
Ainda ensinava a Emma quando dispunha de tempo. Agradava-lhe fazer isso, e pelo mesmo tentava demonstrar seus sentimentos a jovem. Momentos felizes oscilavam entre a depressão e a amargura, ou simplesmente eram manifestações amargas. Mas se esforçou ainda mais para evitar que Warrick conhecesse o que ela sentia.
Mas chegou o dia em que Emma se afastou, e foi ao lar de Sheldon, para casar-se com o jovem Richard. Não foi permitiu a Rowena presenciar o casamento. Tinha costurado o vestido com que Emma se casaria, mas não podia estar ali para vê-lo sobre o corpo da jovem.
A partir desse momento, Rowena já não dissimulou seu ressentimento.
Warrick percebeu imediatamente a mudança. Duas vezes em um mesmo dia lhe derrubaram a comida sobre as pernas. Ninguém podia acreditar que as duas ocasiões tinham sido acidentes. E ele já não podia achar em seu cofre roupas que não necessitassem acertos maiores ou menores. Por volta do fim da semana seu quarto estava sujo. Os lençóis de sua cama não tinham sido bem lavados, e isso lhe provocou irritação. Seu vinho era cada vez mais azedo, a cerveja chegava cada vez mais quente, a comida que ela depositava frente à Warrick era cada vez mais salgada.
Warrick não disse nada a Rowena a respeito de qualquer destes aspectos. Não estava certo de que conseguiria falar com ela sem a levá-la para a cama. Desejava-a tão intensamente que devia apelar aos maiores esforços para abster-se de tocá-la. Mas não se aproximava. Ela o tinha enganado. Tinha conspirado com seu inimigo contra ele. Sua risada, suas brincadeiras, seu desejo do próprio Warrick, todos eram mentiras. E, entretanto, não podia odiá-la. Jamais a perdoaria, jamais voltaria a tocá-la, nunca lhe demonstraria o quanto era vulnerável perante ela; mas de todos os modos não podia odiá-la, ou deixar de desejá-la.
Ele não sabia por que permanecia ali para torturar-se. Precisava sair a procurar de d'Ambray, em lugar de enviar a outros com essa missão. Ou visitar o Sheldon e sua nova esposa. Tinha ordenado a alguém que mencionasse a Rowena esse casamento? Sem dúvida, não o tinha feito, pois certamente essa informação não tinha suspenso, pelo menos provisoriamente, o ressentimento que ela demonstrava. Como se ela tivesse motivo para experimentar ressentimento. Ele sim, mas ela não.
Embora devesse partir, não o fez. De modo que dois dias mais tarde, Sheldon apareceu com sua nova esposa.
Warrick os recebeu na escada de acesso à fortaleza. Sheldon se limitou a sorrir e disse ao dono da casa que "se preparasse", e depois entrou no salão, deixando de Warrick só com senhora Anne. Os lábios apertados da dama se perceberam o que lhe vinha em cima. E chegou sem preâmbulos.
-Estou aqui para ver minha filha, e não me tente negar isso. Sua própria filha acaba de me confiar o tratamento atroz que Rowena recebeu de ti. Não estou muito certa de que possa perdoar Sheldon de não me haver isso dito ele mesmo. Se o tivesse ficado sabendo antes, te teria feito uma armadilha em Ambray, em lugar de te entregar o castelo. Que um homem possa ser tão...
-Basta, senhora! Não sabe nada do que ocorreu entre a Rowena e eu. Não sabe nada do que sua filha me fez. É minha prisioneira, e assim continuará. Pode vê-la, mas não a tirará daqui. Isso está claro?
Anne abriu a boca para discutir essa afirmação, e depois a fechou. Olhou-o hostil um momento mais, antes de assentir brevemente e de começar a passar frente a ele. Mas logo que tinha dado dois passos se voltou com brutalidade.
-Lorde Warrick, não me deixarei intimidar por ti. Meu marido me alertou que tem bons motivos para ser assim. Duvido, mas também me disse que talvez acredita que Rowena foi um instrumento voluntário nos planos de Gilbert.
-Não acredito - replicou friamente Warrick.
-Nesse caso, está mal informado - insistiu Anne. Mas adicionou em um tom mais razoável-: Minha filha me ama. Acredita que ajudaria ao Gilbert depois de vê-lo enquanto me castigava cruelmente para conseguir sua cooperação?
Warrick endureceu o corpo.
-Cooperação por quê?
-Gilbert tinha feito um acordo com o Sr. Lyons, um acordo referido a Rowena, ela recusou. Eu também recusei a união, ele era um velho lascivo de fama escandalosa, não estava à altura de Rowena. Mas Lyons tinha prometido seu exército a Gilbert, para combater. De modo que ele a trouxe para o Ambray e a obrigou a presenciar enquanto me castigava.
-Por que a senhora? Por que ela mesma não recebia os golpes?
-Porque embora seja de um modo retorcido, acredito que, ele tem afeto por ela. Em todo caso, não queria prejudicar sua beleza, pois o casamento se celebraria logo que chegassem em Kirkburough, mas Gilbert não via dificuldade nenhuma para me golpear, e não teria detido até que ela aceitasse casar-se com o Lyons. Mas disse que sem dúvida ela retornaria apenas se a aliassem de mim, depois de tudo, é uma muita obstinada e bem pôde desejar que o oferecesse a oportunidade de arruinar os planos de Gilbert depois do que ele me fez. Mas quando ele esteve em d'Ambrgy uns poucos dias, vangloriou-se de havê-la acovardado totalmente, e que ela faria o que lhe exigisse, porque ele o tinha advertido que me mataria se Rowena não lhe obedecesse, não sei se faria ou não. Gilbert não é tão cruel como era seu pai, Entretanto. Ela certamente acreditou, e o tinha odiado por... O que acontece? -exclamou a dama quando viu o rosto cor cinza de Warrick.
Warrick meneou a cabeça, mas emitiu um gemido enquanto recordava outras palavras e via a Rowena escarranchado sobre seu corpo preso, enquanto explicava ao prisioneiro o que ela faria. "não me agrada, tão mesmo a ti, mas não tenho alternativa nem você tampouco, " Não tinha alternativa. Tinha tratado de salvar a vida de sua mãe, não tinha desejado estuprar Warrick, e tinha lamentado tanto o que tinha feito que tivesse considerado que a vingança se justificava,
-Ahhh! - exclamou angustiado, e a dor que o atravessava o peito o pareceu insuportável.
Anna se alarmou.
-Um momento, irei procurar...
-Não, não tenho nada grave, nada que um bom chicote não possa curar - disse Warrick com um sentimento de humilhação-. Senhora teve boas razões para me criticar, Sou o pior dos... ah, Meu deus, o que fiz!
Passou frente à mulher e entrou no salão. Viu o Sheldon e se limitou a lhe dizer:
-Mantenha aqui a sua esposa - e depois subiu correndo a escada.
Rowena estava no quarto, dedicada à costura, e não se encontrava sozinha. Acompanhava-a Mildred e mais três mulheres. Viram Warrick, e se retiraram depressa, Mildred demorou mais em desaparecer. Dirigiu a Warrick um desses olhares apaixonados que tinha estado lhe prodigalizando durante semanas, sem que ele percebesse, tampouco agora prestou atenção, pois tinha os olhos cravados na Rowena.
Ela ficou de pé e deixou a um palmo o tecido que descansava sobre seu colo, sua expressão era a mesma que havia mostrado durante várias semanas um profundo desagrado.
-Agora que interrompeste nosso trabalho - disse, contrariada - que desejas?
-Acabo de falar com sua mãe.
A expressão de Rowena manifestou surpresa e prazer.
-Sim, e poderá vê-la em seguida. Mas preciso falar primeiro contigo.
-Agora não, Warrick! - disse Rowena com impaciência. Faz três anos que não vejo minha mãe. A vi brevemente uma vez faz uns meses, quando...
As palavras de Rowena se perderam, e determinaram que ele a apressasse.
-Quando o que?
-Não importa.
-Importa, quando d'Ambray a castigou?
-Ela te disse isso?
-Sim. E mais. Por que você alguma vez não disse que ele tinha ameaçado sua vida?
Rowena arregalou os olhos, e depois olhou Warrick com uma faísca de irritação.
-E se atreve a me perguntar isso? Não quis escutar minhas razões. "Nunca me traga de novo uma desculpa para justificar o que fez." Essas foram suas palavras.
Ele estremeceu.
-Eu sei. É provável que não teria me importando se tivesse descoberto. Estava muito encolerizado. Mas agora importa. -Vacilou um instante. Mas era necessário que soubesse. Também te obrigou a me vigiar?
-Já lhe disse isso. Nunca pensou nisso. Estava muito atarefado pensando como podia usar contra ti o exército que acabava de conseguir.
Warrick apoiou o corpo contra a porta fechada, no rosto uma expressão sombria.
-Então, enganei-me ainda mais do que tinha pensado no princípio? Meu deus, foi inocente de tudo, inclusive de enganar-me do qual te acusei mais recentemente.
Rowena o olhou com incredulidade.
-Inocente de tudo? Eu te estuprei. Esqueceu isso?
-Não. Perdoei-lhe isso. Mas...
-Quando me perdoou? - perguntou à jovem-. Não recordo que me haja dito nada nesse sentido.
Ele franziu o cenho ante a interrupção e a teimosia de Rowena.
-Mulher, sabe exatamente quando. Foi o dia que me pediu uma graça... A noite que não dormiu.
A cor tingiu as bochechas de Rowena.
-Podia ter mencionado - murmurou ela, e adicionou ao recordar essas semanas.
-Não é que isso tenha importância agora.
-Tem razão. Isso pouco importa quando eu não tinha nada que perdoar. Mas agora você tem muito que perdoar. Não é assim?
Ela o olhou fixamente um momento prolongado, e depois se encolheu os ombros, em um gesto prolongado.
-Certamente, está perdoado. Agora, posso ver minha mãe?
Warrick franziu o cenho.
-Não pode absolver minha culpa tão facilmente.
-Não posso? Por que não? Ou não pensou que simplesmente não me importa que o lamente?
-Ainda está zangada - conjeturou Warrick, como se isso explicasse a estranha conduta de Rowena. - Não te critico, mas te compensarei. Casaremo-nos, e quando...
-Não me casarei contigo - o interrompeu ela, em voz baixa... Muito baixa.
Agora mudou Warrick a olhou com dureza, e depois rugiu.
-Tem que te casar comigo!
-Por quê? Para que possa se absolver de sua culpa? - Ela meneou lentamente a cabeça-. Não estava escutando no dia que te disse que o que sentia por você já não existe? Por que me casaria contigo, Warrick? -E então o controle de si mesma se desabou-. Dê-me uma boa razão!
-Desse modo nosso filho não nascerá como um bastardo.
Ela fechou os olhos para esconder seu pesar. O que tinha esperado? Que ele dissesse: Porque te amo!
Rowena suspirou. Quando voltou a olhá-lo, seu rosto era mais um rosto inexpressivo ou quase.
-Bem, as coisas serão desse jeito - Ela admitiu com voz neutra-. Mas isso não é razão suficiente...
-Droga, Rowena, você...
-Não me casarei contigo! - gritou Rowena a Warrick, agora incapaz de suportar mais, expressando todo o ressentimento que experimentava-. Tenta me obrigar a fazê-lo, e te envenenarei! Castrarei você enquanto dorme! E além disso...
-Não precisa continuar.
Ele tinha a mesma expressão que a tinha enganado antes, a de um homem arrasado pela dor. Mas Rowena desta vez não caiu na armadilha.
-Warrick, se quer se redimir comigo, me deixe livre. Renuncia a seus direitos sobre meu filho e me deixe voltar para minha casa.
Depois de um momento interminável, de Warrick afundou os ombros... Mas assentiu.
Ele não chegou, ela devia dar a luz a sua filha a qualquer momento, mas ele não vinha, e tinha que ser uma filha. Sua filha. Era uma formosa vingança de sua parte; em efeito, não daria a Warrick o filho que ele tanto desejava, ela o tinha decretado assim, desejava-o assim, de modo que seria uma menina, a sorte finalmente devia favorecê-la alguma vez.
Mas Wartick não veio. Por que ela tinha acreditado que ele a acudiria, só porque tinha a visitado em Tures uma vez por mês, todos os meses, desde que ela tinha saído de Fulkhuúst?
Ele ainda queria desposar, ela ainda se. Mostrava-se grosseira com ele, duas vezes tinha negado a recebê-lo. Mas ele insistia em voltar. E continuava tratando de convencê-la de que devia aceitá-lo.
De modo que ele estava arrependido. E logo, o que importava para Rowena era muito tarde. Mas ele se mostrava inexorável. Conseguiu ganhar à mãe de Rowena, e Anne era muito eficaz na tarefa. Tinha estado preparando-se durante três anos.
- O desejo de casar-se contigo nada tem haver com o sentimento de culpa – afirmou Anne para Rowena em uma de suas muitas visitas-, Pensava em casar-se contigo antes de saber que tinha motivos para sentir-se culpado, adotou a decisão quando te levou ao castelo de Ambray.
Sheldon era outro motivo de irritação; até onde o assunto concernia a Rowona, Sheldon lhe tinha arrebatado sua mãe; o jovem tinha aproveitado a vulnerabilidade da Anne, tinha-a seduzido e desposado antes mesmo que ela pudesse recuperar o fôlego. Agora a tinha convencido de que a dama o adorava, quando isso era impossível, pois se tratava de um amigo de Warrick.
E o mês precedente, um dia em que Rowona estava especialmente deprimida. Anne apareceu com outra revelação.
-Ama-te. Disse-me isso ele mesmo quando o perguntei.
-Mãe - queixou-se Rowena horrorizada. Como pôde perguntar-lhe isso?
-Porque desejava saber, você certamente nunca se incomodou em perguntar.
-É claro que não - replicou asperamente Rowena-, se um homem não pode dizer por própria iniciativa, sem a necessidade de arrancar uma declaração...
-Não se trata disso, querida, depois que perguntei se havia lhe dito e respondeu que não sabia como fazê-lo.
Sua mãe não era uma pessoa capaz de mentir isso, mas Warrick sim. Era capaz de dizer a uma mãe exatamente o que ela desejava escutar. Esse homem bem que podia utilizar recursos mesquinhos, e ardilosos.
Mas isso nada significava para ela. Não estava disposta a ceder e casar-se, com esse homem, inclusive se ele conseguia demonstrar que não estava morta por dentro, como tinha acreditado antes, e que seu coração ainda acelerava; e batia forte quando ele estava perto, embora ela ainda pudesse desejar o corpo de Warrick, inclusive em seu estado! Por despertar de seus próprios desejos não trocava a situação, Ela não estava disposta a fazer de novo o papel da imbecil, e a expor seu coração a mais sofrimento.
Agora, estava sentada no vazio da janela de seu quarto. Era a senhora de Tures. Mas teria preferido a familiaridade de seu antigo dormitório quando retornou ali, em vez de um quarto muito mais amplo.
Acariciou o seu travesseiro, sorrindo agradada porque era muito mais agradável que os bancos duros das janelas nos quartos de Warrick. É obvio, ele tinha duas janelas e ela só essa; e na de Warrick havia vidro, um artigo que era muito caro, e em troca o vidro de Rowena se quebrou durante um dos últimos assédios. Agora contava unicamente com um magro tecido que cobria o vazio e através de qual ela mal conseguia ver; além disso, um extremo se soltou e se movia impulsionado pelo vento de abril, e assim ela podia entrever o caminho que se aproximava da entrada principal do castelo. Esse caminho ainda estava vazio, exceto um mercado com sua carreta de mercadorias.
Não era a primeira vez que quebravam a janela. A própria Rowena tinha destruído uma quando tinha nove anos, em um acidente, e depois não a tinham reparado durante quase dois anos. A janela dava ao contraforte, e estava um andar mais baixo que a torre. No andar mais alto estava à capela, o qual ela agora contemplava era o teto desta capela, a um metro e meio sob sua janela, embora um pouco para a esquerda, pois a parede fronteira do contraforte estava diretamente debaixo.
Rowena tinha saltado por essa janela uma vez, antes que reparassem, e tinha aterrissado exatamente nas alamedas de trinta centímetros de largura, e depois tinha saltado o metro restante, até o teto da capela. Tinha-o feito para assustar a uma donzela.
Em efeito, tinha assustado à moça, que tinha deslocado diretamente para a Anne, gritando que Rowena estava morta, e que tinha se jogado pela janela, aterrissando dois andares mais abaixo. Rowena desejou ter morrido depois da reprimenda que recebeu; além disso, trancaram-na em seu quarto durante... Agora não podia recordar quanto tempo tinha sido.
Sorriu com a lembrança, enquanto acariciava o ventre. Sua própria filha jamais faria nada tão absurdo. Sobre tudo por causa das barras de ferro que Rowena ordenaria instalar em suas janelas. Mas agora podia entender a cólera e o medo de sua mãe. Poderia ter morrido. Um pequeno erro de cálculo e teria caído no vazio...
-Sonhando acordada, minha senhora?
Rowena se imobilizou. Não podia ser. Mas ao voltar-se, viu que em efeito era Gilbert, que depois de entrar pela porta fechava estava caminhando para a jovem.
-Como entrou no castelo?
Ele se pôs a rir.
-Isso foi fácil. Hoje é o dia das compras, quando vêm da cidade para induzir às senhoras a separar-se de umas poucas moedas. De modo que hoje sou um comerciante. Introduzir um exército é difícil, mas não o é, se trata de um só homem.
-Ainda tem um exército digno desse nome?
Essa pergunta destruiu sua cara travessa e feliz.
-Não, mas... Bendito seja Deus! - exclamou quando esteve bem perto e pôde ver o ventre redondo de Rowena-. De modo que funcionou.
A expressão calculadora se desenhou no rosto de Gilbert, e ela quase pôde ouvir o assunto exato de seus pensamentos ambiciosos.
-Não dirá que é o filho de Lyons. Eu o negarei... E Warrick de Chaville sabe a que unir-se.
-Em efeito - observou Gilbert-. Ele te possuiu!
-Você me entregou a ele! -gritou Rowena-. Ou por acaso esqueceu que foi sua idéia, sua cobiça?
-Chega! - gritou Gilbert, voltando nervosamente os olhos para a porta-. Pouco importa a quem pertence o menino, enquanto eu possa usá-lo.
Ela o olhou com os olhos muito grandes.
-Ainda pretende reclamar a posse de Kirkburough? Como é possível tal coisa?
-É necessário. Não tenho mais nada. Inclusive agora esse canalha conquistou minha última fortaleza. Não posso ir ali. Rowena, não tenho aonde ir.
Ela compreendeu que Gilbert desejava que entendesse, e possivelmente simpatizasse com ele. Perguntou-se, se Warrick o tinha transtornado um pouco com sua perseguição incessante. Ou este era o efeito que o desespero provocava em um homem?
-Essa não pode ser a razão pela qual veio aqui, pois não sabia nada do menino, Qual é o propósito de sua visita, Gilbert?
-Me casar contigo.
-Está louco!
-Não, recuperaste todas as suas propriedades, e as controlas - disse Gilbert, tratando de explicar seu raciocínio-, Agora é proveitoso casar contigo, pois o homem que for seu marido...
-Jurei fidelidade a Warrick - mentiu Rowena-, Ele não permitirá que me possua.
-Não pode me deter. O que tento, terá que voltar a ocupar esses castelos que te devolveu, assim como outras posses, desta vez esgotará seus próprios recursos, e então pode vencê-lo.
-Gilbert, por que não pode renunciar a tudo isto? Perdeste, por que não abandona a região quando ainda pode fazê-lo? Parte da corte de Luis, ou a de Henry. Começa de novo.
-Agora que te tenho, ninguém poderá dizer que fui vencido.
-Mas você não me tem - disse Rowena com voz serena-, Não me casei com Warrick, a quem amo, Deus sabe que não me casarei contigo, a quem detesto. Prefiro saltar por esta janela. Tenho que demonstrá-lo?
-Não diga tolices! - exclamou Gilbert, furioso, ante a ameaça de Rowena. E a revelação de que ela amava de Warrick. Mas nesse momento o preocupava mais a ameaça, pois ela se sentou muito perto dessa janela-, Se... Não quer dormir comigo, renunciarei a isso, mas tenho que me casar contigo. Agora não tenho alternativa.
-Não. Há alternativa - disse Warrick da porta-, Tire sua espada e lhe demonstrarei isso.
Rowena se surpreendeu tanto com a aparição de Warrick, que não pôde reagir quando Gilbert se aproximou dela de um salto e apoiou uma adaga sobre o pescoço da jovem.
-Solta sua espada, Fulkhurst, ou ela morre - ordenou Gilbert, sua voz quase exultante ante a visão do triunfo.
-Warrick não o aceite! Ele não me matará.
Mas Warrick não a escutava, já estava soltando sua espada. Tão facilmente arriscava sua vida? Caramba, a menos que...
-Agora, vêem aqui ordenou Gilbert - os olhos de Rowena exibiram uma expressão de incredulidade quando Wartíck avançou um passo sem a mais mínima vacilação. Parecia disposto a aproximar-se de Gilbert e a permitir que o matassem. Não, isso não aconteceria enquanto ela ainda pudesse fazer algo.
Gilbert estava perto de Rowena, mas mais próximo à entrada do dormitório. Sua faca nem sequer roçava a pele da jovem, e tinha os olhos fixos em Warrick.
Rowena recolheu os joelhos e com um forte golpe o enviou para Warrick, e imediatamente passou as pernas sobre a beirada da janela e deslizou para fora.
Ouviu os dois homens que pronunciavam seu nome enquanto ela tocava com os pés o quadrado liso da muralha. Por Deus, tinha sido tão fácil quando ela era mais jovem, e não estava tão pesada. Saltou o último metro restante, mas o teto da capela era impossível. Ela estava acomodando-se com todo cuidado sobre a beirada da muralha para salvar o resto da distância, quando Gilbert apareceu a cabeça pela janela e a viu.
-Droga, Rowena, quase me mata de susto! -gritou-lhe.
Quase? Por Deus, quando ela teria um pouco de sorte?
Mas Gilbert não continuou ali para continuar repreendendo-a, o ruído das espadas que se chocavam em um golpe mortal chegou claramente através da janela e Rowena compreendeu o que era o que tinha distraído ao Gilbert. De modo que os dois finalmente tinham a possibilidade de satisfazer o desejo de matar-se um ao outro. Pouco importava que ela estivesse ali sentada sobre na beira da muralha, com uma queda de trinta ou e quarenta metros as suas costas, bem possivelmente vinte e cinco metros, pois o contraforte não era tão alto como a torre.
A cãibra a surpreendeu, e conseguiu que seu corpo se balançasse, e quase perdesse o equilíbrio. Seu coração acelerou os batimentos do coração, e ela já não quis chegar até o teto, e saltou a distância que ainda lhe restava. Fez outra aterrissagem violenta, e outra cãibra foi seu castigo. Inclinou-se esta vez, contendo a respiração até que aumentou a dor; mas então um calafrio lhe percorreu o corpo. Não, agora não. Não era possível que sua filha decidisse nascer agora.
Voltou o olhar para a janela, e apoiou melhor os pés sobre o caminho de pedra de sessenta centímetros de largura que rodeava o teto liso de madeira da capela. Embora se via forçada a elevar o olhar para ver o que estava acontecendo em seu próprio quarto, duvidava de que pudesse voltar ao caminho sem ajuda. Descer a altura de três andares era uma coisa, subir por uma beira estreita e lisa outra muito distinta. Ela podia fazê-lo, mas agora estava muito pesada e torpe para realizar a façanha sem excessivo risco.
Estava próxima do teto da capela, perto de seus pés. Permitia que durante um ataque os homens se apostassem ali para disparar flechas protegidos pelas janelas. Caíam uns seis ou sete metros até a capela, mas para chegar lá precisava de uma escada. E a única entrada a esse setor das janelas fora a janela do dormitório de Rowena.
Ela sabia que agora não teria nenhuma escada, mas de todos os modos ela tratou de chamar. Como tinha previsto, não houve resposta, de modo que Rowena se limitou a gritar
-Socorro!
Obteve mais resposta que a que esperava. Um criado entrou correndo à capela, mas era só um rapazinho, e o que fez foi olhar assombrado para Rowena. E antes que ela pudesse lhe dizer que trouxesse uma escada, Gilbert estava descendo pela beirada da janela, com uma espada.
-Se afaste! - gritou-lhe antes de saltar diretamente para o caminho junto à janela.
Mas Rowena não se moveu, paralisada pelo temor do que podia significar a aparição de Gilbert. Possivelmente Warrick tinha morrido. Ao aterrissar, Gilbert chocou contra ela, não com muita força, mas não a suficiente para deslocá-la uma curta distância. Ele já estava cansado do combate com Warrick. Dobrou-lhe uma das pernas ao aterrissar no atalho de pedra, e Gilbert caiu para o teto. Mas seu joelho entrou exatamente pela abertura da porta da armadilha. Isso o desequilibrou ainda mais, e possivelmente seu corpo teria caído ladeira a baixo, mas o ventre de Gilbert chocou com força contra a beirada da abertura, e isso reteve ali seu corpo. Machucou-se, estava sem fôlego, e sua espada tinha escorregado sobre o teto; de todos os modos, pôde se recompor com bastante facilidade.
E Rowena permaneceu ali de pé, aturdida pelo pensamento de que Warrick tinha morrido. Não tentou empurrar Gilbert para o buraco quando ainda podia fazê-lo, e não tratou de apoderar-se de sua espada e jogá-la ao vazio. Permaneceu ali, paralisada pelo horror... E de repente Warrick aterrissou na frente dela.
Rowena gritou assustada, retrocedeu um pouco mais, e tocou a parede baixa que tinha atrás. Ele lhe sorriu tratando de reconfortá-la, e depois avançou em busca de Gilbert, que já tinha recuperado sua espada. O sentimento de alívio de Rowena desapareceu como conseqüência de outro acesso de dor, não tão agudo como os restantes, mas mais profundo, e por isso mesmo pior. Entretanto, ela não fez conta, e observou como os dois homens se atacavam.
Avançaram e retrocederam no reduzido espaço. Rowena se separou do caminho quanto era necessário, evitando a porta da armadilha, que ainda estava aberta, assim como as espadas que cortavam o ar. Suportou mais dores, mas continuou ignorando-os. Finamente, o combate ficou limitado à área que estava frente à porta armadilha, e assim pôde aproximar-se para descobrir o que evitava que lhes emprestassem ajuda. Tinha chegado essa ajuda. Havia mais criados debaixo, agrupados ao redor da toalha do altar que sustentavam entre todos, e um lhe gritava que saltasse.
Estúpidos! Ela não era um peso leve que podia confiar na toalha do altar. Rasgaria em dois, esse fino tecido, se é que não o arrancava das mãos dos criados ao cair. Em qualquer dos dois casos, ela acabaria estendida sobre o piso de pedra, provavelmente morta.
Mas de repente já não se viu obrigada a escolher, pois os dois combatentes se aproximaram repentinamente, Gilbert tropeçou com ela e lhe enviou diretamente ao orifício da porta da armadilha. Rowena gritou quando sentiu que o piso tinha desaparecido sob seus pés. Gilbert se voltou e a segurou com o braço livre, mas o peso agregado desequilibrou ao homem, e ele teve que soltar sua espada e usar os dois braços para evitar que Rowena desaparecesse no buraco. Gilbert deu a espada a Warrick para fazer isto, e seu único pensamento foi salvar Rowena.
Rowena se agarrou a ele para salvar a vida, e estava tão comovida que não podia soltá-lo inclusive depois que se separou do orifício e pôde afirmar de novo os pés.
Warrick, esquecido momentaneamente, voltou no quadro.
-D'Ambray te afaste dela.
A ameaça inerente que estas palavras expressavam, assim como a ponta da espada que passou sobre o ombro de Rowena para pressionar o peito do Gilbert; era o incentivo para obter que Gilbert fizesse o que lhe ordenava. Mas Gilbert não a liberou, e em troca suas mãos a sustentaram com mais força, e Rowena o conhecia bem para saber a orientação de seus pensamentos.
-Ele não acreditará que está disposto a ameaçar minha vida depois que acaba de salvá-la - disse Gilbert.
A expressão que essas palavras originaram no rosto de Warrick era quase cômica por causa da frustração. Rowena se voltou a tempo para vê-la, e a desgostou o fato de que ela mesma o interpretava como certo. Certamente, ele não estava disposto a admitir que Gilbert fugisse, agora que o tinha, mas matá-lo nesse momento não era parte de seu código cavalheiresco. Uma vida salva sempre merecia uma recompensa justa. Mas ainda considerava desprezível Gilbert, quão mesmo Rowena. Se Warrick tinha que perdoar, não era melhor esperar a outra ocasião? Perdoar? Warrick? O caso o vingativo Dragão do norte tinha mudado tanto?
Sim, tinha mudado, mas isso não era algo que o agradava. Seu feroz resmungo não foi muito elegante enquanto baixava a espada.
-Concedo-te a vida, mas não deve incomodá-la mais.
Gilbert nunca tinha sido um homem que se negasse a aproveitar uma autêntica oportunidade.
-Me devolva também Ambray.
Rowena conteve uma exclamação ante a audácia de Gilbert.
-Não, Warrick, não aceite! Ele não merece...
-Rowena, eu decidirei o que vale sua vida - interrompeu-a Warrick-. Na realidade, um castelo... Ou cem castelos... Não podem comparar-se com o que você significa para mim.
Não era muito romântico que a comparassem com edifícios de pedra, mas o que importava era o significado que se escondia nas palavras, e que foi suficiente para obrigá-la a calar, o tempo necessário para que Wartick dissesse ao Gilbert
-Terá que me jurar lealdade, será meu servo.
Glibert não vacilou, divertido antes a ironia implícita no fato de que Warrick jurasse proteger a ele.
-De acordo, E Rowena...
A espada se elevou de novo, perigosamente.
-Rowena será minha esposa quando me aceitar, Em qualquer caso, nunca voltará a depender de ti D'Ambray, não me tente para que troque de idéia. Toma o que ofereço e te considere afortunado porque já não reclamo uma vingança absoluta.
Assim, Rowena ficou em liberdade e se entregou imediatamente a vos braços de Warrick, O forte aperto lhe provocou outro gesto de dor, o qual a sua vez recordou que já não dispunha de tempo para mais conversa.
-Se vocês dois terminaram, minha filha ira nascer agora, Warrick, e não aqui, junto às janelas, - Os dois homens a olharam com grande satisfação, de modo que ela adicionou em voz bastante mais forte- agora, Wartick! E obteve melhores resultados. Na verdade, foi uma reação de pânico. Certamente, os homens freqüentemente eram inúteis...
-E por que houve tantos juramentos e maldições quando já tudo tinha terminado? -quis saber Mildred enquanto depositava o menino nos braços de Rowena-. Trabalhou bem, preciosa. É um verdadeiro anjo, um verdadeiro...
-Ele devia ter sido uma ela - resmungou Rowena, embora não pudesse manter essa expressão azeda logo que contemplou ao precioso menino de cabelos dourados.
Mildred sorria.
-Não é possível que continue dizendo isso. Olhe quantos meses obrigou a sofrer a esse homem. Eu o lamentei tanto.
-Não é certo - replicou Rowena-. Foi a única que não tentou me induzir a mudar de atitude.
-Só porque conheço sua obstinação, e sabia que insistindo contigo te aferraria mais a sua posição. Era inútil raciocinar contigo a respeito deste assunto. Tinha que descobrir por si mesma que esse homem te ama. Mas, era necessário que o obrigasse a esperar até o último minuto para lhe conceder sua mão?
-Esperar? - disse incrédula Rowena-. Não foi procurar à parteira, trouxe o sacerdote! E nenhum quis retirar-se até que não me arrancaram o "sim". Isso foi chantagem. Isso foi.
-Pura obstinação de sua parte. Sabia que se casaria com ele. Somente quis que sofresse até o fim mesmo.
Rowena apertou com força os lábios. Ultimamente discutir com Mildred era completamente inútil. É obvio, sua atitude era mera obstinação. O homem tinha estado disposto a morrer por ela. Nenhum rancor podia sustentar-se frente a isso.
-Onde está meu... Marido?
-Esperando lá fora o momento de ver seu filho. O mostro, ou você mesma o fará?
Sem esperar resposta, Mildred caminhou para a porta para dar passo de Warrick. E então ele se aproximou, e olhou a Rowena com tanta suavidade e orgulho nos olhos que o último resto de animosidade se dissipou. Depois de tudo, ela o amava. Rowena o tinha percebido claramente de tantos modos diferentes muito antes de separar-se dele, que era inútil continuar negando-o. Sorriu timidamente de Warrick.
-O que te parece?
Warrick nem sequer tinha observado ao menino. Fez agora, mas seus olhos voltaram em seguida para ela, e o olhar tinha sinais de humor.
-Confio em que seu aspecto melhorará com o tempo?
Ela olhou alarmada ao seu filho, mas logo seus lábios desenharam um sorriso.
-Seu aspecto nada tem de errado. É natural que mostre a pele avermelhada e enrugada.
-O que foi da filha que esperava me dar?
Ela se ruborizou, e depois sorriu.
-Acredito que finalmente teve sorte... Porque esse desejo especial não foi concedido.
Ele se sentou sobre a cama e surpreendeu a Rowena com um beijo.
-Obrigado.
-Não foi tão difícil... Bem, possivelmente um pouco.
-Não, agradeço-te porque aceitou se casar comigo.
-Oh, - disse ela, impregnada de sentimentos tão quentes, que quase desejava tornar a rir-. Na realidade, isso foi... Um prazer.
Ele lhe deu outro beijo, agora não tão tenro.
-Não está mais zangada comigo?
-Não, mas jamais volte a me trancar na masmorra
-Já não a tenho, ordenei que a destruíssem depois que veio para Tures.
-Por que fez isso? -perguntou ela, surpreendida.
-Era uma evidencia insuportável do que eu tinha te feito.
-Mas Warrick, tinha razão, inclusive eu posso...
-Mulher, não me venha com desculpas... Ou tão logo esqueceu as palavras que me jogou na cara?
Falava a sério, mas havia também certo tom de brincadeira.
-Muito bem, grunhe um pouco mais se quiser. Mas minha opinião é que arruinou uma boa masmorra.
O comentário arrancou um sorriso de Warrick.
-Possivelmente tive excessiva pressa, mas sempre posso ordenar que a reconstruam.
-Será melhor que não faça isso, meu senhor - advertiu Rowena com fingida ferocidade.
-Então, se voltar a ter a necessidade de te encerrar em meu dormitório, ocuparei de ficar trancado contigo.
-Bem, a isso não me oporei.
-É ainda uma mulher descarada?
-Por isso vejo que não te inquieta muito meu descaramento
-Não, não me inquieta.
-E me ama?
-Em efeito, amo-te.
-Não o diga como se estivesse fazendo meu gosto, sim, Warrick, ama-me. Como pode negá-lo se...?
-Em efeito, amo-te, mulher.
Isso soava muito melhor, tão melhor que ela o aproximou para lhe dar outro beijo. Depois, murmurou brandamente:
-Warrick, alegro-me de que fosse você. Me alegro tanto.
Ele recordou essas palavras, enunciadas muito tempo atrás, e reconheceu ao fim:
-O mesmo digo senhora, o mesmo digo.
Johanna Lindsey
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