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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ESCURIDÃO DEPOIS DA MEIA NOITE / Lara Adrian
ESCURIDÃO DEPOIS DA MEIA NOITE / Lara Adrian

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

MIDNIGHT BREED 10

ESCURIDÃO DEPOIS DA MEIA NOITE

 

Na escuridão da noite, uma guerra de sangue aumenta no mundo oculto da Raça. Após a existência em segredo por muitos séculos, mantendo uma frágil paz com os humanos que caminham ao seu lado inconsciente, um único ato de retaliação colocou a nação vampiro em risco total de ser descoberta. Cabe à Ordem - um grupo de guerreiros da raça comprometidos a proteger a humanidade e seus iguais - para impedir Dragos, o vampiro louco pelo poder no centro do conflito, antes de seu impulso para a dominação poder explodir em uma catástrofe.

No centro da missão da Ordem está Sterling Chase, uma vez executor moralmente rígido da lei Raça, agora um guerreiro caído da graça, cuja maior batalha é aquela travada contra sua própria natureza selvagem. Com o vício chamando-o para a escuridão eterna, o caminho para a redenção de Chase nunca pareceu mais fora de alcance - até que ele se sente atraído por uma bela jovem que pode ser algo muito mais do que parece...

 

 

—As cargas estão colocadas, Lucan. Detonadores prontos, assim que disser uma palavra. Ao seu sinal, tudo termina bem aqui.

Lucan Thorne ficou em silêncio no crepúsculo que enchia o pátio coberto de neve da propriedade de Boston, que por muito tempo serviu como base de operações para si e seu pequeno grupo de irmãos de armas. Por mais de cem anos, em inúmeras patrulhas, saíam deste ponto para guardar a noite, mantendo uma frágil paz entre humanos inconscientes que possuíam as horas do dia e os predadores que se moviam entre eles, secretamente, às vezes letais, no escuro.

Lucan e seus guerreiros da Ordem lidavam com a justiça de forma rápida e mortal e nunca conheceram o sabor da derrota.

Esta noite era amarga em sua língua.

—Dragos vai pagar por isso. — ele rosnou em torno dos pontos emergentes de suas presas.

A visão de Lucas queimava âmbar enquanto olhava pelo gramado extenso até a clara fachada de pedra calcária da mansão gótica. Um caos de marcas de pneus o marcava por causa da perseguição policial que entrou pelos altos portões de ferro do complexo naquela manhã, e chegaram a crivar balas na porta da frente da Ordem. O sangue manchava a neve, onde disparos dos agentes da lei derrubaram três terroristas que bombardearam o edifício das Nações Unidas em Boston, e em seguida, fugiram do local com uma dúzia de policiais e todos os noticiários da área em sua captura.

Tudo — desde o ataque a uma instalação do governo humano, a mídia cobrindo a perseguição policial dos suspeitos até o terreno seguro do complexo — foi orquestrado pelo principal adversário da Ordem, um vampiro louco pela sede de poder chamado Dragos.

Não era o primeiro Raça a sonhar com um mundo onde a humanidade viveria para servi-lo e servi-lo com medo. Mas onde os outros antes dele, com menos compromisso, falharam, Dragos demonstrava uma surpreendente paciência e iniciativa. Ele foi cuidadosamente plantando as sementes de sua rebelião durante sua longa vida, cultivando seguidores secretamente dentro da Raça, e transformando em Subordinados todos os humanos que sentia que poderiam ajudar a cumprir seus loucos objetivos.

Durante o último ano e meio, desde a descoberta dos planos de Dragos, Lucan e seus irmãos o mantinham fugindo. Conseguiram fazê-lo recuar, frustrando todos os seus movimentos e impedindo sua operação.

Até hoje.

Hoje a Ordem foi empurrada para trás e ia fugir, e Lucan não gostava nem um pouco.

—Qual o ETA até a sede temporária?

A pergunta foi feita para Gideon, um dos dois guerreiros que ficaram atrás com Lucan para desembaraçar as coisas em Boston, enquanto o resto do complexo seguia em frente para uma casa segura, de emergência, ao norte do Maine. Gideon desviou o olhar do pequeno computador portátil na palma da mão e encontrou o olhar de Lucan acima das bordas dos óculos em tons de azul.

—Savannah e as outras mulheres estão na estrada há quase cinco horas, então devem estar no local em cerca de trinta minutos. Niko e os outros guerreiros estão apenas algumas horas atrás delas.

Lucan deu um aceno de cabeça, triste, mas aliviado que a realocação abrupta estivesse caminhando bem, assim como devia. Havia algumas pontas soltas e detalhes ainda não resolvidos, mas até agora todo mundo estava seguro e os danos que Dragos tentou infligir à Ordem foram minimizados.

Algo se movimentou do outro lado de Lucan quando Tegan, o outro guerreiro que ficou atrás, voltou da checagem mais recente do perímetro.

—Algum problema?

—Nenhum. — A face de Tegan não mostrava nenhuma emoção, só propósito sombrio.

—Os dois policiais no veículo descaracterizado, perto dos portões, ainda estão em transe e dormindo. Após a dura limpeza de memória que apliquei mais cedo hoje, há uma boa chance que não acordem até a próxima semana. E quando o fizerem, estarão com uma ressaca infernal.

Gideon grunhiu.

—Melhor limpar a mente de um par de policiais de Boston que um banho de sangue público envolvendo metade das delegacias da cidade junto com os federais.

—Maldição. — disse Lucas, lembrando do enxame de policiais e repórteres que encheram a enorme propriedade naquela manhã. —Se a situação se agravasse e qualquer um desses policiais ou agentes federais decidisse bater na porta da mansão... Cristo, tenho certeza que não preciso dizer a qualquer um de vocês o tão rápido ou longe as coisas iriam ladeira abaixo.

Os olhos de Tegan eram graves na escuridão crescente.

—Acho que devemos agradecer a Chase por isso.

—Sim. — respondeu Lucan. Ele viveu muito -novecentos anos e mais alguns - mas pelo tempo que caminhava nesta terra, sabia que nada o faria esquecer da visão de Sterling Chase saindo da mansão e indo diretamente para o gramado cheio de policiais fortemente armados e agentes federais. Poderia ter morrido de várias maneiras nesse momento. Se a adrenalina ou pânico de qualquer um dos homens armados no pátio não o matasse no local, bastaria mais de meia hora sob a exposição do sol da manhã.

Mas, aparentemente, Chase não se preocupou com nada, enquanto se permitia ser algemado e levado pelas autoridades humanas. Sua rendição — seu sacrifício pessoal — comprou um tempo precioso para a Ordem. Desviou a atenção da mansão que os escondia, dando a Lucan e aos outros a chance de assegurar o complexo subterrâneo e mobilizar a evacuação de seus moradores uma vez que o sol se pôs.

Após uma sequência de ligações ruins e cagadas pessoais, e mais recentemente um ataque fracassado contra Dragos, que inadvertidamente colocou o rosto de Chase no noticiário nacional, era o último guerreiro para quem Lucan se voltaria em busca de respostas. O que fez hoje não era nada menos que surpreendente, se não suicida.

Mas Sterling Chase estava num caminho autodestrutivo já há algum tempo. Talvez esta fosse sua maneira de pregar o último prego no caixão, de uma vez por todas.

Gideon enfiou uma mão em seu loiro cabelo espetado e soltou uma maldição.

—Fodido lunático. Não posso acreditar que realmente fez isso.

—Deveria ser eu. — Lucan olhou de Gideon para Tegan, o guerreiro que estava com ele quando fundou a primeira Ordem na Europa e aquele que o ajudou a estabelecer a base dos guerreiros na casa em Boston, séculos mais tarde. —Sou o líder da Ordem. Se houvesse um sacrifício a ser feito para poupar todos os outros, deveria ser eu o único a fazê-lo.

Tegan o olhou severamente.

—Quanto tempo acha que Chase seria capaz de manter sua Sede de Sangue longe? Se está sobcustódia humana ou solto nas ruas, sua sede é dona dele. Ele perdeu e sabe disso. Sabia quando saiu por aquela porta esta manhã. Não tinha nada a perder.

Lucan grunhiu.

—E agora está sentado sobcustódia da polícia em algum lugar, cercado por humanos. Pode ter nos poupado da descoberta hoje, mas e se sua sede levar a melhor sobre ele e acabar expondo a existência de toda a Raça? Um momento de heroísmo poderia desfazer séculos de sigilo.

A expressão de Tegan era friamente séria.

—Acho que vamos ter que confiar nele.

—Confiança — disse Lucas. —Essa é uma moeda em falta ultimamente.

Infelizmente, agora, não tinham muita escolha no assunto. Dragos demonstrou de forma bastante eficaz o quão longe estava disposto a levar sua inimizade com a Ordem. Não tinha nenhum respeito pela vida humana, ou por sua própria espécie, e a partir de hoje, mostrou que levaria seu poder de luta para fora das sombras e a campo aberto. Era um terreno perigoso, com apostas incrivelmente altas.

E era pessoal agora. Dragos cruzou uma linha aqui, e não haveria como voltar atrás.

Lucan olhou para Gideon.

—Está na hora. Detone. Vamos acabar com isso.

O guerreiro deu um leve aceno e voltou sua atenção para seu computador portátil.

—Ah, porra. — ele murmurou, os traços de seu sotaque britânico pontuando a maldição. —Aqui vamos nós, então...

Os três machos Raça estavam lado a lado na escuridão gelada. Acima deles o céu estava claro e sem nuvens, um negro sem fim, perfurado com estrelas.

Tudo ficou imóvel, como se a Terra e os céus congelassem no tempo, suspensos naquele instante entre o silêncio de uma noite de inverno perfeita e o primeiro retumbar baixo da destruição se desdobrando a cerca de 90m sob as botas dos guerreiros. Pareceu continuar assim para sempre — não um bombástico e grande espetáculo ruidoso e furioso, vomitando fogo e cinzas, mas uma aniquilação tranquila, mas completa.

—Os alojamentos foram selados. — informou Gideon sombrio quando o trovão começou a decair. Tocou a tela do seu dispositivo portátil e outra série de profundos rosnados rolaram muito abaixo do chão coberto de neve. —A sala de armas, a enfermaria... tudo se foi agora.

Lucan não se permitiu debruçar sobre as memórias ou história alojada no labirinto de salas e corredores, que sistematicamente explodiam com um toque do dedo de Gideon nessa tela minúscula de computador. Levou mais de cem anos para construir o complexo que se tornou. Não podia negar a dor fria em seu peito ao sentir que estava tudo sendo derrubado.

—A capela foi selada. — disse Gideon, após pressionar o detonador digital em outro tempo. —Tudo que resta é o laboratório técnico.

Lucan ouviu a leve entonação na voz baixa do guerreiro. O laboratório de tecnologia era o orgulho de Gideon, o centro nevrálgico de funcionamento da Ordem. Era onde montavam estratégias antes da missão de cada noite. Não foi preciso nenhum esforço para Lucan ver os rostos de seus irmãos, um grupo de honrados e corajosos homens Raça, reunidos em torno da mesa de conferência do laboratório, cada um disposto a dar sua vida pelo outro. Alguns deles o fizeram. E alguns provavelmente o fariam no tempo ainda por vir.

Quando a percussão suave de explosivos continuou a retumbar no subterrâneo, Lucan sentiu um peso em seu ombro. Olhou ao seu lado, onde Tegan se levantou, a grande mão do guerreiro permanecendo uma presença constante, seus frios olhos verdes mantendo o olhar de Lucan numa mostra inesperada de solidariedade quando o último trovão desapareceu no silêncio.

—É isso — anunciou Gideon. —Essa foi a última. Agora acabou.

Por um longo tempo, nenhum deles falou. Não havia palavras. Nada a ser dito na sombra escura da mansão, agora vazia e seu complexo abaixo arruinado.

Finalmente, Lucan se adiantou. Suas presas apareceram nas bordas de sua língua quando deu um último olhar ao lugar que foi sua sede, a casa para sua família por tantos anos. Luz âmbar enchia sua visão quando os olhos se transformaram por sua fúria em fogo lento.

Girou para enfrentar seus dois irmãos, e quando finalmente encontrou as palavras, sua voz era dura e crua com determinação.

—Podemos ter acabado aqui, mas esta noite não marca o fim de nada. É só o começo. Dragos quer uma guerra com a Ordem? Então, por Deus, ele a conseguiu.

 

A cela no Departamento do Xerife do Condado de Suffolk cheirava a mofo e urina e o cheiro acre de suor humano, ansiedade e doença.

Os sentidos agudos de Sterling Chase recuaram quando lançou um olhar ao trio de delinquentes atualmente algemados e parados junto com ele na sala de retenção, dentro da prisão de Boston. Do outro lado da sala de seis por oito, sem janelas, o viciado sentado no banco na frente dele batia os saltos da bota nervosamente sobre o piso de linóleo branco arranhado. Seus braços estavam presos atrás dele, os ombros magros curvados para frente sob as dobras enrugadas de uma camisa de flanela xadrez. Os olhos do viciado estavam afundados profundamente nas órbitas ocas de seu rosto, seu olhar inquieta atrás e para frente, parede a parede, teto ao chão, e vice-versa. No entanto, durante todo o tempo teve o cuidado de evitar olhar diretamente para Chase, como uma presa aterrorizada pela instintiva compreensão que um perigoso predador estava próximo.

Na outra ponta do banco comprido, um homem careca de meia idade estava sentado imóvel como pedra, suando em bicas, o escasso cabelo do lado puxado sobre sua testa oleosa enquanto silenciosamente murmurava sob sua respiração. Estava orando num sussurro quase inaudível, mas Chase ouviu palavra por palavra, um apelo ao seu Deus pela absolvição de seus pecados e negociando misericórdia com o fervor de um homem de frente para a forca. Nem uma hora antes, este mesmo homem estava lamentando sobre sua inocência, jurando aos policiais que o prenderam que não tinha ideia de como centenas de fotos dele posando com crianças nuas acabaram em seu computador. Chase mal podia suportar respirar o mesmo ar que o pedófilo, muito menos olhar para ele.

Mas foi o terceiro homem na sala de retenção, o frio peso pesado que chegou dez minutos atrás, por uma detenção por agressão doméstica, que deixou os molares de Chase tão apertados como um torno. As calças de brim frouxas cediam sob a inchada barriga de cerveja envolta numa camiseta dos Patriotas da Super Liga de Futebol. A camisa cinza estava rasgada na costura do ombro, seu logotipo vermelho-branco-e-azul na frente manchado pelo restante de uma panela de assado e purê de batatas. A julgar pelo caroço na ponta do nariz do cara e pelas unhadas sangrando abaixo do lado esquerdo de seu rosto, parecia que a fêmea vítima não caiu sem luta. As narinas de Chase queimavam, a garganta coçava, enquanto os olhos enraizavam nos quatros longos e sangrentos talhos junto ao rosto do humano.

—A porra da cadela quebrou meu nariz. — O Homem do Ano reclamou quando se encostou na parede de tijolo branco acetinado da cela. —Acredita nessa merda? Dei-lhe uma palmadinha por deixar cair meu jantar no meu colo, disse-lhe apenas para ver onde diabos estava indo, por Jesus, e ela me acerta e me deixa inconsciente. Grande erro. — Ele resmungou, a boca curvando num sorriso de escárnio. —Não será estúpida o suficiente para tentar um golpe desse novamente, no entanto. E os policiais, cara! Deveria saber que acreditariam na palavra da cadela sobre a minha. Assim como da última vez. Devo deixar um juiz balançar um pedaço de papel para mim dizendo que tenho que ficar longe da minha própria esposa? Tenho que ficar fora da minha própria maldita casa? Foda-se. E foda-se ela também. A mandei para o hospital mais uma vez. Da próxima vez que a ver, vou corrigir essa cadela tão bem, que nunca mais será capaz de pôr os policiais em cima de mim novamente.

Chase não disse nada, apenas ouvia em silêncio, tentando não se fixar muito nos filetes vermelhos brilhantes que escorriam abaixo pela mandíbula que a esposa do batedor. A visão e o cheiro de sangue fresco era suficiente para acordar o predador em qualquer membro da Raça, mas era pior para Chase.

A cabeça inclinou abaixo em direção ao seu peito, e puxou uma respiração superficial e pegou um cheiro de algo ainda mais preocupante sob a sujeira e o cheiro acobreado da coagulação de hemácias — algo cru e selvagem, beirando o irracional.

Dele.

A compreensão fez sua boca torcer, mas era difícil apreciar a ironia quando suas gengivas pulsavam pela necessidade de se alimentar.

Graças à sede feroz que foi sua companheira constante por mais tempo que gostaria de admitir, suas entradas sensoriais estavam fatigadas. Sentia a cada minuto a mudança no ar ao seu redor. Via cada espasmo e tic dos movimentos de seus companheiros de cela, inquietos. Ouvia cada respiração ansiosa e expulsa, cada batimento cardíaco rítmico, cada sangue pulsando nas veias de todos os três humanos, que estavam a pouco mais que o alcance do braço dele dentro da sala.

Sua boca salivou febrilmente com a ideia. Atrás de seu lábio superior, os pontos de suas presas pressionavam como punhais duplos na almofada de sua língua. Sua visão começou a apertar, queimando em âmbar quando suas pupilas diminuíram para fendas finas sob as pálpebras fechadas.

Porra. Este era um lugar ruim para ele, especialmente em sua condição.

Lugar ruim, ideia ruim. Malditas chances ruins de se afastar de toda essa situação de qualquer maneira, forma ou jeito.

Não que desse a mínima para más ideias e malditos resultados quando ofereceu a si mesmo para a polícia no gramado da frente da propriedade da Ordem mais cedo naquele dia. Sua única preocupação foi proteger seus amigos. Dar-lhes a oportunidade — muito provavelmente apenas uma chance — para evitar serem descobertos pelos agentes da lei humanos e, esperava ele, encontrar uma maneira de sair do complexo e chegar a algum lugar seguro.

E assim não resistiu quando os policiais prenderam algemas nele e o arrastaram para a delegacia. Colaborou por sete horas de interrogatório, distribuindo informações suficientes para os garotos locais e os federais se satisfazerem com seu questionamento interminável e mantê-los concentrados unicamente sobre ele, como chefe e mentor da violência que teve lugar na cidade nos últimos dias. A violência que começou algumas noites atrás, com um tiro na festa na casa de férias de um esperançoso jovem político do Norte.

A tentativa de assassinato frustrada foi feita por Chase, mas o alvo pretendido não era o menino de ouro do senador ou mesmo seu convidado de honra, o vice-presidente dos Estados Unidos, como os policiais e agentes federais se inclinaram a acreditar. Chase pretendia acertar o vampiro chamado Dragos naquela noite. A Ordem estava caçando Dragos há mais de um ano, e de repente Chase encontrou o bastardo se acotovelando com influentes e bem conectados humanos, se passando por um deles. Para que fim, Chase só podia imaginar, e nenhum era bom. É por isso que, quando viu a oportunidade de agir, não hesitou em puxar o gatilho sobre o filho da puta.

Mas ele falhou.

Não apenas aparentemente Dragos se afastou do ataque, como Chase se tornou o foco de cada meio de comunicação no país nas horas seguintes. Ele foi visto na festa do senador, e a testemunha deu aos agentes da lei uma descrição quase fotográfica dele.

Junte isso a um atentado no dia seguinte nas Nações Unidas em Boston e uma perseguição policial dos suspeitos — um bando de caipiras fortemente armados e descontentes que levaram os policiais direito à porta da frente da Ordem — e os melhores de Boston tinham a certeza que descobriram uma célula terrorista de grande envergadura nacional.

Um equívoco que Chase estava feliz em perpetrar, pelo menos por enquanto.

Passou as horas do dia dentro da delegacia, para que os policiais acreditassem que foi cooperativo e estava sobcontrole. Quanto mais tempo ficasse ali sentado, fingindo que a culpa por tudo que aconteceu recentemente descansava diretamente sobre ele, dizendo todas as coisas que queriam ouvir, menos impaciente ficaria a lei em revistar a mansão ou voltar ao local. Ele fez tudo que podia para desviar a atenção de seus amigos no complexo. Se não tivessem usado o tempo com sabedoria e evacuado por agora, não havia muito mais que pudesse fazer para corrigir isso.

Quanto a ele, tinha que se mover também.

Ele devia o troco a Dragos — o troco e mais alguma coisa. O bastardo intensificou seu jogo nas últimas semanas, e após este último golpe, que quase expôs a Ordem para a humanidade, Chase temia pensar no que Dragos podia estar disposto a fazer em seguida. Pelo que não era a primeira vez, Chase considerou por que Dragos bajulava o senador recentemente. O homem estava em perigo apenas pela associação, se Dragos já não o recrutou desde que Chase o viu pela última vez.

E se Dragos transformou um senador dos Estados Unidos num de seus Subordinados — particularmente Robert Clarence, um senador com acesso pessoal à Casa Branca através de sua amizade com seu mentor da universidade, o vice-presidente? As ramificações eram impensáveis. As repercussões de um movimento como esse seria irreparável.

Mais uma razão para dar o fora deste lugar o mais rápido possível. Tinha que ter certeza que o senador Robert Clarence não estava já sob o controle de Dragos. Melhor ainda, tinha que encontrar Dragos. Tinha que capturá-lo de uma vez por todas, mesmo se tivesse que fazê-lo sozinho.

As algemas de metal em sua volta não poderiam contê-lo por mais tempo que ele permitisse. Nem esta sala trancada, nem qualquer um dos policiais que se desviavam pelo corredor e paravam para olhar ameaçadores para ele pelo pequeno painel de vidro na porta da cela.

A noite já tinha caído. Chase sabia sem precisar olhar o relógio nas paredes nuas ou a rua da cidade pela janela fora do edifício. Podia senti-la em seus ossos, até sua medula fraca e faminta. E com a noite veio à lembrança de sua fome, a sede selvagem que pertencia a ele agora.

Ele a empurrou abaixo dentro dele e uniu seus pensamentos em torno de seu negócio inacabado com Dragos.

Difícil de fazer quando o Homem do Ano e seus arranhões de gato escorriam provocando a sede de Chase no canto da pequena sala.

—Fodidos policiais, hein? Pensam que podem nos deixar sentados aqui sem comida ou água, presos juntos como um bando de animais. — Ele zombou e plantou sua bunda ao lado de Chase no banco. —Por que prenderam você?

Chase não respondeu. Levou esforço suficiente apenas conter o rosnado baixo que se encolhia na parte traseira de sua garganta ressecada. Manteve a cabeça baixa, os olhos desviados para que o humano não visse o brilho faminto irradiando deles.

—O que é, se acha muito bom para uma conversa?

Ele sentiu o cara o medindo, verificando o moletom e camiseta que Chase usava quando a polícia o levou — as mesmas roupas que usava na enfermaria subterrânea do complexo nos momentos antes de se soltar e correr para cima no esforço de poupar seus amigos. Ele estava descalço também, mas agora usava um par de sapatos de plástico pretos de chuveiro, cortesia da cadeia do condado de Suffolk.

Mesmo com o curto cabelo loiro caído sobre a testa, o olhar desviado, Chase podia sentir os olhos do humano fixos nele.

—Parece que alguém te acertou também, atleta. Sua perna está sangrando através das calças.

Assim era. Chase olhou para a pequena flor vermelha que se infiltrava através do tecido cinza cobrindo a coxa direita. Mau sinal, as feridas da outra noite ainda não se curarem. Precisava de sangue para isso.

—Os policiais fizeram isso com você, ou o quê, homem?

—Ou o quê. — Chase murmurou, sua voz áspera como cascalho. Ele deslizou um olhar baixo pelo humano e deixou seu lábio superior subir apenas o suficiente para mostrar as pontas dos seus dentes.

—Filho da puta. — Os olhos do homem grande arregalaram. —Que porra é essa!

Ele se afastou de Chase num recuo desajeitado que o fez bater na porta da cela quando um par de policiais uniformizados a abria.

—Hora de dar um passeio, amigos. — o primeiro policial disse. Olhou ao redor da sala, do pedófilo ao viciado, esquecido de tudo, exceto sua própria miséria, até o brutamonte que agora tinha sua coluna grudada na parede oposta, à mandíbula aberta, sugando ar como se tivesse corrido uma maratona. —Temos um problema aqui?

Chase ergueu o queixo apenas alto o suficiente para enviar um brilho estreito ao humano que gemia por toda a sala. Desta vez, manteve os lábios fechados e conteve o brilho âmbar de suas íris num brilho fosco. Mas a ameaça estava lá, e o grande e duro espancador de esposa não parecia disposto a testá-lo.

—N-não — ele gaguejou, e fez um movimento rápido da cabeça. —Nenhum problema aqui, seu guarda. Tudo está legal.

—Bom. — O policial caminhou mais para dentro da cela, enquanto seu parceiro segurava a porta aberta. —Todo mundo fora. Sigam-me. — Ele parou na frente de Chase e empurrou o queixo na direção do corredor de fora. —Você primeiro, idiota.

Chase levantou da bancada. Com 1,98m de altura, se erguia sobre o oficial e os outros humanos na cela com ele. Embora nunca trabalhasse um minuto de sua vida, graças à genética Raça e um metabolismo que funcionava como um veículo de alto desempenho, o volume muscular de seu corpo diminuía o policial a um rato de academia. Como se afirmasse sua autoridade sobre Chase, o humano encheu seu peito e apontou para a porta, deixando a outra mão descansar na coronha de sua pistola no coldre.

Chase caminhou à sua frente, mas só porque teria menos problemas para fugir do corredor que de dentro da cela.

Atrás dele, a voz do pedófilo era oleosa, muito educada.

—Estaria bem perguntar onde está nos levando, Oficial?

—Por aqui — o outro tira disse, dirigindo o grupo pela recepção no hall e em direção a um longo corredor que se estendia numa faixa longa em direção à parte de trás da delegacia.

Chase continuou ao longo do linóleo gasto, avaliando o momento oportuno para fazer sua pausa e acelerar fora da delegacia antes que qualquer um dos humanos pudesse perceber que foi embora. Era uma jogada arriscada, certo como um inferno que deixaria um monte de perguntas em seu rastro, mas infelizmente não tinha muita escolha.

Enquanto se preparava para dar o primeiro passo em direção à liberdade, uma porta de metal abriu no final do corredor. O ar frio da noite de dezembro cheio de finos flocos de neve dançava em torno da forma alta e magra de uma jovem mulher. Estava embrulhada num longo casaco de lã com capuz. As mechas caramelo-marrom do cabelo se entremeavam com avermelhadas e caíam pelas bochechas em direção aos calmos e inteligentes olhos.

Chase congelou, observando quando espanou um pouco da neve fresca de suas botas de couro brilhante e virou para dizer alguma coisa para o policial que a acompanhava na delegacia.

Santo inferno. Era a testemunha da festa do senador.

O policial que a escoltava pegou o olhar de Chase e seu rosto ficou tenso. Com uma cara feia para os oficiais que conduziam o mal programado desfile criminoso, dirigiu a atraente assistente pessoal do senador Clarence até uma sala fora do corredor e fora de vista.

—Continuem se movendo. — disse o policial na retaguarda do grupo.

Se Chase queria chegar ao senador, havia uma boa chance que Bobby Clarence pudesse estar na delegacia de polícia hoje à noite, juntamente com sua linda assistente.

Curioso o suficiente para descobrir, Chase reconsiderou seu plano de fuga. Em vez disso, entrou na fila e deixou que os guardas o levassem mais abaixo pelo corredor em direção à sala que sua testemunha foi.

 

—Por favor, fique confortável, Srta. Fairchild. Isso não deve demorar muito. — O detetive de polícia que conheceu na delegacia abriu a porta para a sala que as testemunhas faziam a identificação e esperou enquanto ela caminhava em frente. Vários homens sisudos em ternos escuros e um punhado de policiais uniformizados já esperavam lá dentro.

Tavia reconheceu os agentes federais, homens a quem previamente se apresentou nas primeiras horas após o recente tiroteio na festa do senador. Ela acenou para o grupo em saudação quando entrou na sala.

Estava escuro como uma sala de cinema lá dentro, a luz vinda apenas do painel de vidro que mostrava a área vazia delineada do outro lado.

Sobrecarregados painéis fluorescentes banhavam o quarto com um brilho totalmente branco que não tornava o local mais convidativo. Um gráfico de medição de altura decorava a parede traseira, com os números 1 a 5 estampados em intervalos uniformemente acima da marca de 2,15m.

O detetive fez um gesto para uma das várias cadeiras estofadas de vinil posicionadas na frente da grande janela.

—Vamos iniciar em breve, Srta. Fairchild. Sente, se quiser.

—Prefiro ficar em pé. — ela respondeu. —E por favor, Detetive Avery, me chame de Tavia.

Ele balançou a cabeça, e caminhou na direção de um bebedouro e máquina de café numa bancada no canto mais distante.

—Eu ofereceria café, mas é ruim, mesmo quando é recém-feito. Este do fim do dia, é pior que petróleo bruto. — Ele colocou um copo de papel sob a torneira do bebedouro e empurrou a alavanca. O jato claro soltou algumas bolhas grandes quando o copo encheu. —Casa Branca — disse ele, voltando-se para oferecer água para ela. —Sua, se quiser.

—Não, obrigada. — Embora apreciasse seus esforços para deixá-la à vontade, não estava interessada em brincadeiras ou atrasos. Tinha um trabalho a fazer aqui, e um laptop cheio de programações, planilhas e apresentações a serem revistas, uma vez que chegasse em casa. Normalmente não se importava pelas longas horas de trabalho que invadiam suas noites. Deus sabia, não precisava se preocupar com uma vida social no caminho.

Mas estava no limite esta noite, sentindo a estranha mistura de hiperintensidade mental e esgotamento físico que sempre a perseguia depois de uma rodada de tratamentos e exames na clínica privada de seu médico. Esteve sob os cuidados de seu especialista na maior parte do dia, e mesmo não estando entusiasmada por ter que dar uma parada na delegacia de polícia esta noite, parte dela estava ansiosa para ver em primeira mão o homem que abriu fogo numa sala lotada de pessoas algumas noites atrás, e então orquestrou um ataque no coração da cidade, e nesta manhã estava atrás das grades, onde pertencia.

Tavia se aproximou da janela de visualização e deu um toque experimental com a unha.

—Este vidro deve ser bastante espesso.

—Sim. Um quarto de polegada de segurança. — Avery a encontrou lá e tomou um gole de água. —É um tipo de vidro que parece um espelho do outro lado. Podemos vê-los, mas eles não podem nos ver. O mesmo vale para o áudio, nossa sala é à prova de som, mas tem alto-falantes sintonizados para acompanhar do outro lado. Assim, quando os bandidos estão de pé contra a parede lá fora, você não precisa se preocupar que qualquer um deles possa ser capaz de identifica-la ou ouvir qualquer coisa que diga.

—Não estou preocupada. — Tavia não sentia nada além de determinação quando encontrou com os olhos do homem de meia-idade por cima da borda do copo Dixie. Ela olhou para os outros oficiais e agentes. —Estou pronta para fazer isso. Quero fazer isso.

—Certo. Agora, em apenas um minuto, um par de oficiais trarão um grupo de quatro ou cinco homens para aquela sala. Tudo que precisa fazer é dar uma boa olhada naqueles homens e me dizer se algum deles poderia ser o homem que viu na festa do senador na outra noite. — O detetive riu um pouco e disparou um recadinho para seus colegas policiais. —Após a descrição detalhada que deu aos agentes da lei após o tiro, tenho a sensação que vai tirar de letra este exercício aqui esta noite.

—O que eu puder fazer para ajudar. — respondeu ela.

Ele engoliu o resto de sua água e esmagou o copo de papel na mão.

—Normalmente não divulgamos fatos sobre nossa investigação, mas desde que o cara confessou tudo e renunciou à assessoria jurídica, a formação desta noite é apenas uma formalidade.

—Ele confessou?

Avery assentiu.

—Sabe que o pegamos pelas acusações de invasão e tentativa de assassinato. Não tem como se safar já que o esboço detalhado que forneceu combina com ele e está ostentando ferimentos de bala recentes por sua fuga.

—E o bombardeio de hoje no centro da cidade? — Tavia perguntou, olhando para os agentes federais por confirmação. —Está admitindo a responsabilidade por isso também?

Um dos agentes acenou em reconhecimento.

—Nem sequer tentou negar. Diz que orquestrou a coisa toda.

—Mas pensei que haviam outros envolvidos. As estações da notícia passaram a cobertura da perseguição policial durante todo o dia. Ouvi que os oficiais mataram três homens-bomba em alguma propriedade privada local.

—É isso mesmo — Avery concordou. —Ele afirmou que contratou os três caipiras para fraudar a explosão no prédio da ONU da cidade. Obviamente não foram as melhores opções, já que nos levaram direto para ele. Não que esboçasse qualquer tipo de reação. Saiu da casa e se entregou à polícia logo após nossa chegada na propriedade.

—Quer dizer que ele vivia lá? — Tavia perguntou. Viu as imagens da mansão e seus terrenos enormes no noticiário. Era palaciano. O calcário pálido cobrindo as paredes dos quatro andares, as portas altas laqueadas em preto e as janelas em arco pareciam mais adequadas à tradicional elite endinheirada da Nova Inglaterra que a um maníaco violento com aparentes tendências terroristas.

—Não fomos capazes de descobrir de quem realmente é a propriedade — o detetive disse a ela. —O imóvel é privado há mais de cem anos. Tem cerca de dez camadas de advogados e papéis legais em torno da escritura do lugar. Nosso criminoso alega que o arrendou por alguns meses, mas não sabe nada sobre o proprietário. Diz que veio mobiliado, sem contrato, e paga o aluguel em dinheiro para um dos melhores centros de escritórios de advocacia.

—Ele disse por que fez tudo isso? — Tavia perguntou. —Se confessou o disparo e o bombardeio, está oferecendo qualquer desculpa pelo que fez?

O detetive Avery deu de ombros.

—Por que qualquer lunático faz essas coisas? Não tinha uma resposta concreta para isso. Na verdade, o cara é quase tão enigmático como o lugar que está vivendo.

—Como assim?

—Não temos sequer certeza do seu nome verdadeiro. O que nos deu não tem um número de segurança social ou qualquer registro de emprego. Nenhuma licença de motorista, nem registro de automóvel, nem cartão de crédito, título de eleitor, nada. É como se o cara fosse um fantasma. A única coisa que encontramos foi uma doação à Universidade de Harvard Alumni feita em seu nome. A trilha morre lá.

—Bem, isso é um começo, pelo menos. — Tavia respondeu.

O detetive soltou um grunhido como risada.

—Seria, suponho. Se o registro não remontasse à década de 1920. Obviamente não é nosso bandido. Posso não ser o melhor juiz de idade, mas me sinto muito seguro que ele não chega nem perto de noventa anos de idade.

—Não — murmurou Tavia. Pensando na noite da festa do senador Clarence e no homem que viu disparar além da galeria do segundo andar da casa, daria a ele algo em torno de sua idade, trinta e poucos anos no máximo. —Um familiar, talvez?

—Talvez. — respondeu o detetive. Ele olhou para a porta da outra sala quando se abriu e um policial uniformizado entrou à frente da fila de homens atrás dele. —Certo, aqui vamos nós, Tavia. Hora do show.

Ela assentiu com a cabeça, e em seguida deu um passo atrás do vidro unidirecional quando o primeiro suspeito entrou na sala delineada.

Era ele — o que veio para a delegacia identificar.

O conheceu à primeira vista, instantaneamente reconhecendo as cinzeladas maçãs do rosto e a saliência rígida e implacável de seu queixo quadrado. Seu curto cabelo dourado estava desgrenhado, algumas pontas caindo sobre a testa, mas não o suficiente para esconder a cor penetrante de seus olhos azul-aço. E era imenso — Tão alto e musculoso como se lembrava. Seus bíceps estavam marcados sob as mangas curtas de uma camiseta branca. As folgadas calças de moletom cinza pendiam de seus quadris magros e insinuavam as poderosas e musculosas coxas.

Ele vagava pelo espaço com um ar de desafio e arrogância que fazia o fato que estava numa prisão com as mãos algemadas atrás de suas costas parecer inconsequente. Andava na frente dos outros, os membros longos numa marcha solta que parecia mais animal que humano. Havia um ligeiro coxear no movimento suave de suas pernas, ela notou. Uma mancha de sangue marcava sua coxa direita, uma mancha vermelha escura que embebia o tecido mais claro de seu moletom. Tavia viu a mancha crescer um pouco mais a cada passada longa, que o levou por toda a extensão da área marcada. Ela estremeceu um pouco dentro do calor de seu casaco de inverno, sentindo-se enjoada. Deus, nunca foi capaz de suportar a visão de sangue.

Ao longo dos alto-falantes, um dos policiais instruiu o homem a parar na posição de número 4 e olhar para frente. Ele fez, e quando ficou de pé de frente para o vidro, os olhos se fixaram diretamente sobre ela. Infalivelmente.

Um choque de consciência a atravessou.

—Tem certeza que ele não pode...

—Juro, está perfeitamente segura e protegida aqui dentro. — Avery assegurou.

E ainda assim aquele olhar azul contundente permanecia enraizado nela, mesmo depois do último dos três homens serem levado para a fila e virar para frente. Os outros homens estavam desleixados e deslocados, os olhos baixos e ansiosos sob as cabeças inclinadas ou correndo ao redor e não vendo nada, exceto seu próprio reflexo no grande painel em forma de vidro.

—Se estiver pronta. — disse o detetive ao lado dela.

Ela assentiu com a cabeça, deixando que os olhos percorressem a linha dos restantes três homens, embora não houvesse necessidade. Os outros não pareciam nada com ele. Eram uma mistura de formas, tamanhos e idades. Um homem era muito magro, com cabelo castanho pegajoso pendurado frouxamente ao redor de seus ombros. Outro era do tamanho de um touro, os ombros largos e uma barriga grande. Tinha um rosto emoldurado por mechas grossas e escuras e olhos pequenos que brilhavam acima do bico vermelho inchado em seu nariz. O terceiro era um homem careca, provavelmente na casa dos 50, suando em bicas sob o clarão dos holofotes.

E então lá estava ele... a ameaça intensa, quase cruelmente bonito, e ainda não tinha tirado os olhos dela. Tavia não era do tipo de se deixar levar pelo medo, mas mal podia suportar o peso daquele olhar, mesmo estando escondida com segurança na área de visualização escurecida por trás de um quarto de polegada de vidro de segurança e cercada por meia dúzia de agentes da lei armados.

—É ele. — ela exclamou, apontando para a posição 4. Apesar de ser impossível, poderia jurar que o viu elevar a boca num meio sorriso quando ela levantou a mão para apontá-lo. —É ele, detetive Avery. Ele é o homem que vi na festa naquela noite.

Avery deu uma tapinha leve no ombro enquanto os policiais no outro quarto começavam a instruir os homens para avançar um de cada vez.

—Sei que disse que isto é apenas uma formalidade, mas ainda precisamos que tenha certeza, Tavia.

—Estou absolutamente certa disso. — ela respondeu, o tom nítido quando o sangue nas suas veias começou a zumbir com algum tipo de alarme inato. Ela olhou de novo para o outro quarto quando o Número 4 deu dois passos à frente. —Não há necessidade de continuar aqui. Esse homem é o atirador. Reconheceria seu rosto em qualquer lugar.

—Certo, então. Isso é bom, Tavia. — Ele riu. —O que eu disse? Acabou num instante. Foi muito bem.

Ela descartou o elogio como desnecessário, dando ao funcionário uma leve sacudida de cabeça.

—Há mais alguma coisa?

—Ah, não. Só vai demorar mais alguns minutos para desembaraçar as coisas aqui, e então pode seguir seu caminho. Se quiser que a leve em casa...

—Não, obrigada. Tenho certeza que vou ficar bem. — Enquanto falava, seus olhos entraram em confronto mais uma vez com o homem que poderia ter matado alguém na festa do Senador Clarence. Se realmente era o mentor do bombardeio no centro da cidade desta manhã também, então teve a vida de várias pessoas inocentes em suas mãos. Tavia esperava que aquele olhar penetrante pudesse ver através do vidro a profundidade do desprezo que sentia por ele em seus olhos. Depois de um longo momento, ela gesticulou para a janela de visualização. —Se isso for tudo, detetive, o senador tem uma grande apresentação amanhã de manhã, e tenho um monte de logística e outros trabalhos para colocar em dia ainda esta noite.

—Tavia Fairchild.

O rosnado profundo — um som inesperado de seu nome nos lábios de um estranho —a fez congelar por um momento onde estava. Não tinha como saber quem falou. O ronco baixo de sua voz passou por ela com a mesma certeza fria das balas que ele fez chover sobre a multidão de participantes da festa na outra noite.

Ainda assim, chocada com o que estava acontecendo, Tavia virou um olhar interrogativo sobre o detetive e demais agentes e oficiais.

—Esta sala... Pensei que disse...

Avery murmurou um pedido de desculpas e agarrou um telefone de parede, ao lado da janela de visualização. Enquanto falava no receptor, o homem de pé no ponto número 4 continuava falando com ela. Ele ficou olhando para ela, como se não houvesse nada entre ela e seu foco mortal.

Ele deu um passo adiante.

—Seu chefe está num monte de problemas, Tavia. Está em perigo. Você pode estar também.

—Porra! Coloque esse filho da puta sobcontrole agora. — exigiu um dos agentes federais ao detetive no telefone.

Os oficiais na sala de formação entraram em ação.

—Número 4, cale-se e fique na linha!

Ele ignorou a ordem. Deu outro passo adiante, até mesmo enquanto o segundo policial se movia do outro lado da sala.

—Preciso encontrá-lo, Tavia. Ele precisa saber que Dragos vai matá-lo ou pior. Pode ser tarde demais já.

Muda, ela balançou a cabeça. O que ele dizia não fazia sentido. O Senador Clarence estava vivo e bem, ela o viu no escritório naquela manhã, antes dele sair para um dia cheio de reuniões e compromissos no centro de negócios.

—Não sei do que está falando. — ela murmurou, mesmo que ele não fosse capaz de ouvi-la. Não devia ser capaz de vê-la também, mas o fazia. —Não conheço ninguém com o nome de Dragos.

Ambos os policiais caíram sobre ele agora. Cada um segurando um braço, tentaram levá-lo de volta para a parede. Ele os jogou como se fossem nada, todo seu foco concentrado em Tavia.

—Ouça-me. Ele estava lá naquela noite. Era um dos convidados na festa.

—Não. — disse ela, certa que ele estava errado agora. Ela pessoalmente subscreveu e enviou cada um dos 148 convites. Sua memória para essas coisas era infalível. Se pressionada, poderia recitar todos os nomes e descrever cada rosto na lista de convidados. Não havia ninguém com esse nome naquela noite.

—Dragos estava lá, Tavia. — Os policiais na sala de formação o apertaram novamente. —Estava lá. Atirei nele. Só gostaria de ter matado o filho da puta.

Ela sentiu a cabeça se movendo lentamente para os lados, as sobrancelhas apertadas, quando a loucura do que ele estava dizendo afundou dentro dela. Não foi apenas um acidente na festa.

A única pessoa ferida pela violência naquela noite foi um dos contribuintes mais generosos da campanha do senador Clarence, um bem-sucedido empresário local e filantropo chamado Drake Master.

—Está louco — ela sussurrou. No entanto, mesmo enquanto falava as palavras, não acreditava plenamente nela mesma. O homem que mantinha seu olhar tão improvável, tão impossivelmente através do vidro não parecia louco. Parecia perigoso e intenso, totalmente certo do que estava dizendo. Parecia letal, mesmo com as mãos algemadas atrás das costas.

Ele manteve seu olhar sem piscar seus olhos. Despachá-lo como louco seria mais fácil de aceitar que o nó frio de medo se formando em seu estômago sob o peso de seu olhar claro. Não, qualquer que fosse sua intenção na noite da festa do senador, duvidava muito que fosse motivada por insanidade.

Ainda assim, nada do que dizia fazia sentido.

—Esse cara está enlouquecido — disse um dos federais. —Vamos acabar isto e tirar a testemunha fora daqui.

O detetive Avery assentiu.

—Peço desculpas por isso, Tavia. Não precisa ficar aqui por mais tempo. — Ele girou à sua frente. Seu rosto estava tenso com uma mistura de perplexidade e incômodo quando segurou seu braço para indicar um caminho em direção à porta do corredor. Os outros oficiais e agentes federais lentamente se reagruparam e começaram sair atrás deles.

Na sala de formação, Tavia ouviu barulho e grunhidos de uma luta física em andamento. Tentou espreitar em volta do detetive, mas ele já estava a guiando para longe da janela.

Quando chegaram na porta da sala de exibição, houve uma pequena batida do outro lado antes que se abrisse na frente deles. O Senador Clarence estava no corredor, flocos de neve se agarrando ao seu cabelo bem penteado e no casaco de lã azul marinho.

—Me desculpem, não pude estar aqui mais cedo. Meu encontro com o prefeito ocorreu tarde, como sempre. —Ele olhou para Tavia e sua expressão amigável ficou um pouco sombria. —Há algo errado? Tavia, nunca a vi tão pálida. O que está acontecendo lá?

Antes que ela pudesse mostrar sua preocupação, o senador entrou na sala de exibição.

—Senhores — ele murmurou, saudando o agente da lei e o outro funcionário quando entrou.

Quando se aproximou da janela de visualização, um rosnado baixo irrompeu de dentro da área de formação.

Era um som inumano. Um rosnado sobrenatural que fez o sangue gelar nas veias de Tavia. O alarme disparou por ela num instante, todos os instintos retinindo com aviso. Algo terrível estava para acontecer. Girou de volta para a sala.

—Senador Clarence, tenha cuidado.

Tarde demais.

A janela de visualização explodiu.

Vidro quebrado e despedaçado saiu em pedaços pequenos em todas as direções quando algo enorme desabou através da abertura e caiu numa pilha no meio da sala de visualização.

Era o homem parecido com um touro de cabelos escuros e camisa de futebol. Estava gritando de dor, os membros torcidos de forma não natural. A pele no rosto, no pescoço e nas mãos estava rasgada e sangrando pelo impacto.

Tavia lançou um olhar assustado atrás dele.

O painel grande na forma de vidro de segurança não era nada agora, apenas ar.

Nada, apenas ar ... e, de pé na frente de seu quadro quebrado, uma ameaça eminente de músculos duros e intenção mortal.

As algemas que o prenderam antes pendiam inúteis, uma em cada pulso. Ele de alguma forma se livrou delas. Meu Deus, como devia ser forte para ser capaz de fazer não só isso, mas também jogar um homem adulto através de uma placa de vidro de segurança? E a rapidez com que deve ter se movido para fazer tudo isso antes que qualquer um dos oficiais na sala de formação pudesse detê-lo?

Os frios olhos azuis olharam atrás dela, fixos como lasers no senador Clarence.

—Maldito Dragos — o homem fervia, a fúria fervendo em seu olhar e no chiado baixo de sua voz. —Ele já tem você, não é? O maldito já possui você.

Seu braço direito foi jogado para frente, passando através do espaço aberto da janela. Rápido como um ataque de cobra, pegou a manga do casaco do senador Clarence em seu punho. O puxou de volta, tirando o senador de seus pés. Ele puxou o peso inteiro do homem com uma mão, arrastando-o em meros instantes através dos cacos de vidro e escombros.

Oh, Deus. Este homem ia matar o senador Clarence, aqui e agora.

—Não. — Tavia estava se movendo antes que percebesse. Pegou a algema de metal que cercava seu pulso e puxou com toda força que possuía. —Não!

Sua fraca tentativa para detê-lo mal o fez parar. Mas naquela fração de segundo, seu olhar encontrou o dela. Havia algo de sobrenatural nas pupilas de seus olhos... algo que parecia crepitar com fogo profano. Algo que cravava direto no centro de seu ser como a ponta afiada de uma lâmina, ao mesmo tempo em que agitava uma curiosidade escura, que a atraía.

Seu coração estava acelerado em seu peito. Seu pulso martelava, tão alto que batia em seus ouvidos. Pela primeira vez em sua vida, Tavia Fairchild conhecia o terror verdadeiro.

Olhou dentro daqueles olhos azuis estranhamente hipnóticos, e gritou.

 

Ela não o deixou ir, mesmo quando seu grito rasgou de seus lábios. Dedos finos, mas aparentemente fortes seguravam a algema de metal em seu pulso, como se seus reflexos estivessem prontos para uma luta, independentemente do medo e pânico que vibrava por todo o quarto atingido pelo caos.

Tavia Fairchild era tenaz; Chase teve que reconhecer isso.

Não teve medo dele na noite da festa do senador ou alguns minutos atrás, quando olhou nos olhos dele através do vidro de uma face e o condenou à polícia e agentes federais acampados na sala de exibição.

Não podia culpá-la por isso. Ela e os agentes da lei acreditavam que faziam a coisa certa, tentando conter um homem — um perigoso assassino confesso solto nas ruas. Suas mentes humanas não podiam compreender o tipo de mal que Chase e o resto da Ordem lutavam.

Tavia Fairchild não tinha nenhuma ideia que seu chefe era um homem morto.

O senador Robert Clarence podia parecer inalterado aos olhos mortais, mas os sentidos Raça de Chase farejaram o Subordinado no instante que entrou na visualização do quarto. O homem pertencia a Dragos agora, obedecendo a ninguém, exceto seu Mestre. Chase viu a verdade no brilho opaco do olhar do político e na total falta de preocupação por si ou qualquer outra vida na sala. Dragos o enviou para a delegacia. Isso significava que Chase enviaria o Subordinado de volta para o filho de uma cadela em pedaços.

Afastou o olhar de Tavia Fairchild e soltou sua mão do seu aperto.

—Onde está Dragos? — Ele apertou seu punho em torno do braço do senador e apertou até que sentiu os ossos partirem e estalarem contra a palma da mão. —Diga-me agora.

O Subordinado apenas uivou em agonia.

—Abaixo! — Gritou um dos policiais atrás dele na sala de formação. Houve um movimento de luta, um borrão de movimento na sala de visualização enquanto os agentes federais e oficiais dentro tentavam tirar Tavia da luta.

Chase apertou o senador mais forte, quebrando seu braço num aperto que deixou marcas.

—Vou encontrá-lo. E vai me dizer onde, lixo de merda...

Algo forte bateu em seu ombro por trás. Não uma bala, mas a mordida perfurante de muitas farpas individuais. Como anzóis, mergulhando em sua carne.

Seus ouvidos captaram o rápido som clapt-clapt de uma Taser sendo descarregada. Ao mesmo tempo, seu corpo foi bombeado com 50.000 volts de eletricidade. A corrente passou por ele num choque violento. A eletricidade o acendeu desde o couro cabeludo até o calcanhar, fazendo seus músculos gritar em protesto.

Chase rugiu, mais da fúria que de dor. O golpe era tão debilitante quanto uma picada de abelha num de sua espécie. Deu um passo a frente, uma mão ainda presa no Senador Clarence, a outra balançando em volta para encontrar um melhor apoio.

—Pelo amor de Deus — alguém na sala de visualização engasgou. —Alguém verificou as drogas nesse cara? Em que diabos ele está ligado?

Um dos agentes federais num terno escuro tirou sua semiautomática do coldre.

—Golpeie este bastardo de novo! — Ele ordenou. —Derrube-o, porra, ou vou fazer isso de forma permanente aqui e agora!

Outro tiro do Taser o atingiu. As farpas fecharam no centro de sua coluna neste momento, e tomou mais uma rodada de cinquenta mil volts. O golpe duplo fez seu trabalho bem o suficiente. Chase perdeu o controle sobre sua presa. No instante que Clarence foi libertado, vários policiais e agentes federais o tiraram às pressas junto com Tavia da sala.

Chase girou o braço esquerdo para arrancar os eletrodos presos na carne de seu outro ombro. Com a corrente do segundo tiro ainda atacando seu sistema nervoso central, empurrou o peitoril da janela quebrada e deu um salto desajeitado sobre a armação de metal rachada.

O agente federal abriu fogo. Assim como um dos policiais uniformizados na sala de visualização ao lado dele.

Balas cravaram no peito e torso de Chase. Rodada após rodada, jogando-o para trás em seus calcanhares. Ele cambaleou, olhando a confusão vermelha que florescia em cima dele.

Não era bom. Estava todo fodido, mas era Raça. Podia sobreviver a isso.

E ainda havia uma chance de colocar as mãos no Subordinado de Dragos antes dos policiais o levarem para fora da delegacia...

Enquanto o Federal recarregava a arma vazia, um dos policiais na sala de visualização quase vazia apontava a pistola para Chase.

—Fique onde está! — O policial era jovem, e sua voz falhou um pouco, mas seu objetivo era estável. —Não faça um maldito movimento, idiota.

Chase estava pingando sangue como água através de uma peneira. Agrupava-se ao redor de seus pés e nos cacos de vidro espalhados pelo chão. Ele deu um passo atrás, tentando atingir a velocidade e agilidade que faziam parte de quem — e do que — ele era. Mas o poder não respondia à sua chamada.

Seu corpo já estava comprometido pela Sede de Sangue beliscando seus calcanhares há tantos meses.

E estava perdendo sangue. Muito, muito rápido.

Mas ainda podia sentir o cheiro do Subordinado de Dragos em algum lugar no edifício. Sabia que o escravo ainda estava ao seu alcance, e havia outra parte dele — algo do cavalheirismo manchado nele — que se irritava pelo pensamento de deixar uma mulher inocente a dez metros de um dos servos sem alma de Dragos.

Veria o Subordinado morto antes que tivesse a boa vontade de permitir Tavia Fairchild em qualquer lugar perto desse tipo malvado.

Chase girou ao redor de si, sua visão falhando ao buscar a porta que o levaria ao corredor. Deu um passo lento, arrastando os pés sob ele.

—Ah, merda. — resmungou um dos policiais ansiosos.

Uma arma clicou duro atrás dele. A voz do Federal de novo, todo profissional.

—Um passo mais, e será seu funeral, idiota.

Chase não poderia evitar que suas pernas se movessem nem que estivesse algemado com um tanque do exército.

Caminhou para frente num outro ritmo.

Só sentiu o primeiro tiro. Os outros martelaram nele um após o outro, até que o piso saiu de sob seus pés. Ele cheirava pólvora e uma explosão de adrenalina humana. E, enquanto as pernas dobravam, e seu corpo alcançava um descanso duro no chão da sala de formação, sentiu escuro cheiro de seu próprio sangue bombeando no campo de linóleo branco sujo em todas as direções ao redor dele.

O macho Raça levou seu tempo dando um pequeno passeio entre a limusine com motorista no meio-fio e o clube privado enfiado no fundo de um beco estreito em Chinatown. Não levava guarda-costas com ele observando a escuridão em torno das ruas invernais ou encobertos pelas sombras dos prédios subindo em todos os lados dele.

Hoje não.

Hoje a noite entrou no coração de Boston, no coração do domínio da Ordem sem um único cuidado. No lugar dos guardas, optou pelas mais divertidas, mais caras companheiras. Um par de deliciosas fêmeas humanas se apressavam para manter o ritmo com ele, seus saltos altos clicando rapidamente no gelo incrustado no pavimento. Não sabia seus nomes, não importava. Eram apenas brinquedos, uma ruiva de pernas longas e uma loira ainda jovem, selecionadas por ele alguns minutos atrás, quando notou as jovens menores de idade esperando na fila para entrar no Lanotte, o atual local quente da cidade.

Elas trotavam atrás dele, rindo e ansiosas, enquanto ele abordava o volumoso macho Raça postado como sentinela perto do vestíbulo abobadado e da porta de metal do clube privado. O guarda, um brutamonte pertencente à Agência de Execução chamado Taggart, que fez alguns trabalho ímpares para ele durante seu mandato nas mais altas fileiras dessa impotente organização, olhou para ele com raiva quando assumiu uma postura proibitiva na frente da porta. Mas em seguida, os olhos redondos sob a pesada testa arregalaram de surpresa e reconhecimento.

—Senhor — Taggart murmurou, oferecendo uma inclinação de cabeça enquanto abria a porta, e se afastava para permitir que o trio entrasse no clube.

O respeito era bem-vindo, como era o sentimento de liberdade que usava sobre os ombros como um manto de rei enquanto atravessava a sala lotada de machos Raça e homens e mulheres humanas seminuas que forneciam entretenimento especializado no clube. No palco central, uma beleza de pele escura envolvia seu corpo nu num poste de acrílico com a graça desossada de uma serpente. Nas mesas e banquetas abaixo da plataforma elevada do palco, dezenas de machos Raça assistiam com muita atenção. Outros se reclinavam em seus assentos e alcovas particulares, com serviços mais personalizados dos humanos empregados por esta Agência.

No entanto, apesar dos diversos atos sexuais e beberagens de sangue que ocorriam no andar do clube, havia um ar de contenção sobre o local. A Lei da Raça proibia a matança de humanos, e para a maioria dos membros, do órgão de fiscalização em particular, a lei era inviolável. Era como um princípio sacrossanto de sigilo, o voto que permitia que a Raça convivesse com a humanidade para se alimentar — desapercebidos e incontestáveis durante séculos.

Para alguns, como ele e o outro homem agora abrindo caminho através do clube para cumprimentá-lo, essa haste há muito tempo começou a atrapalhar.

Dragos viu quando seu tenente se aproximou. Era um de um punhado com a mesma opinião, membros leais ao círculo interno de Dragos, um punhado cada vez menor, graças a uma série de cagadas e fracassos ao longo do caminho que o obrigou a abater os membros mais fracos do rebanho. Mas que estava atrás dele agora.

Estava olhando à frente, em direção à vitória. Tão perto que podia praticamente prová-la em sua língua.

—Boa noite, Diretor-adjunto Pike.

—Senhor. — O agente de execução lançou um olhar furtivo em torno dele antes que encontrasse o olhar de Dragos. —Este é um... bem, senhor, é um prazer inesperado vê-lo aqui na cidade.

—Então por que parece como se estivesse prestes a se mijar? — Dragos respondeu, arreganhando os dentes num sorriso breve. Normalmente, uma surpresa de sua aparição pessoal significava que uma cabeça estava prestes a rolar. —Relaxe, Pike. Estou aqui esta noite por prazer, não negócios.

—Então, nada está errado, senhor?

—De jeito nenhum — respondeu Dragos.

Seu tenente ainda não parecia confortável. Mantinha sua voz baixa, sem dúvida, com medo de ser visto falando muito familiarmente com ele em um lugar público.

—Mas, senhor, realmente acha que é sensato entrar na cidade assim, ou vir aqui, de todos os lugares? Foi apenas na semana passada que a Ordem enviou dois de seus guerreiros neste clube para fazer perguntas sobre você.

Dragos deu um aceno leve de cabeça.

—Não estou preocupado com a Ordem. Eles estão com suas mãos cheias agora. Vi pessoalmente hoje.

Pike o olhou por um momento.

—Os rumores são verdadeiros? O complexo da Ordem foi descoberto pelos hu... — Olhando para as duas companheiras mortais de Dragos, Pike abruptamente limpou a garganta. —Foram encontrados pela polícia local?

Dragos sorriu.

—Vamos apenas dizer que os melhores de Boston tiveram uma pequena ajuda nessa área.

O macho Raça devolveu o sorriso, mas seus olhos continuavam desviando incertos de Dragos para o par de fêmeas humanas agarradas a ele de ambos os lados.

Dragos cruzou os braços pela pergunta nos olhos de seu prudente tenente.

—Fale livremente, Pike. Eu as alimentei com muito álcool e cocaína pelo caminho, não se lembrarão nem de seus nomes pela manhã. Se eu as deixar sobreviver por muito tempo — ele falou lentamente, olhando de soslaio para as mulheres jovens, que mal podia esperar para provar.

—Está falando do bombardeio no centro esta manhã e da perseguição policial dos suspeitos que se seguiu...

—Isso é precisamente o que estou dizendo, Pike. — Dragos viu a expressão impressionada de seu tenente se aprofundar. —Desde a orquestração da explosão pelos Subordinados que recrutei para fazer o trabalho, a perseguição que levou os agentes da lei direto à porta da frente de Lucan Thorne. Tudo isso foi obra minha.

—Ouvi que um dos guerreiros está sobcustódia policial. Será que realmente prenderam Sterling Chase?

Dragos assentiu. A aparente rendição voluntária do guerreiro foi um detalhe que não arranjou ou previu neste golpe em toda ofensiva contra a Ordem. Ainda não tinha certeza do que fazer com isso, mas enviou seus mais recentes Subordinados verificar a situação na delegacia. Na verdade, devia ouvir do senador um relatório completo a qualquer momento agora.

—Os boatos dizem que Chase está quase fora de controle — disse Pike. —Não me surpreende saber, suponho. Depois do jeito que veio aqui procurando por você na semana passada com aquele outro guerreiro — e pelos relatórios que eu vi sobre quantos agentes machucou e a forma como lutou como um cão raivoso — soa como ele tenha caído na Sede de Sangue para sempre. Difícil acreditar que é o mesmo Sterling Chase de poucos anos atrás. Naquela época, era aceito o fato que iria direto para os altos escalões da Agência.

Dragos exalou um suspiro, de imediato entediado pelos meandros inúteis que a memória do Agente Pike viajava.

—Deixe o filho da puta virar Renegado ou morrer na custódia humana —eu poderia dar uma merda por isso. Menos um guerreiro para lutar é o que importa para mim.

—Claro, senhor. — Pike respondeu secamente. —Não poderia concordar mais.

Dragos descartou a obediência servil com um aceno breve.

—Preciso de uma mesa, Pike. — Enquanto falava, estendeu a mão para acariciar o sedoso cabelo loiro de uma de suas companheiras. Para não negligenciar a ruiva, se virou para ela e acariciou a coluna longa e fina de sua garganta. —Vou pegar essa, perto do palco.

Era a melhor da casa, uma mesa grande em meia-lua com banqueta de couro, com localização central, com vista tanto dos bailarinos no palco como do resto do clube. E estava também ocupada atualmente por nada menos que oito machos Raça, a maioria deles de categoria igual ou superior ao Diretor Adjunto Arno Pike.

Apesar de seu tenente parecer muito desconfortável pela ordem, correu para cumprir a licitação de Dragos. Algumas cabeças se voltaram para os Agentes na mesa, um par de olhares afrontados e descontentes carrancas, mas Pike tirou os homens, em seguida, voltou correndo para levar Dragos ao seu lugar.

Dragos vagava pelo clube da Agência como se o possuísse.

Inferno, não demoraria muito para ele, de fato, possuir este clube, a cidade, e todos dentro dela — Raças e humanos.

Não ficaria satisfeito até que o maldito mundo estivesse ajoelhado aos seus pés.

Logo, assegurou a si mesmo. Seu plano levou longos séculos para estabelecer as várias bases e definir cada tijolo em seu lugar. Estavam todos juntos agora, e nem mesmo a Ordem seria capaz de interferir com seus objetivos.

Ele deslizou para o assento de couro suntuoso na sua mesa recém-adquirida, a ruiva bonita de um lado, a loira de olhos arregalados do outro.

— Junte-se a nós, Pike. Todo mundo aqui já viu que sua lealdade é minha. Além disso, não há necessidade de fingir. O jogo mudou a partir desta manhã. Agora eu faço as regras.

Quando Pike se acomodou ao lado da loira, Dragos deu um olho apreciativo sobre a outra mulher. A pele do pescoço e o decote generosamente exposto estava pálido como creme, quase translúcido. Finas veias azuis passavam perto de sua clavícula, tentando suas presas em suas gengivas. Os caninos afiados incharam na sua boca. Desceu sobre ela num único ataque— perfurando rápido demais para ela fazer algo mais que suspirar quando perfurou sua carótida e tragou, engolindo duro e longo da ferida pulsante.

Depois de um par de gananciosas puxadas, virou para provar a amiga do outro lado dele. Foi ainda menos gentil com ela, cavando seus dedos em seus braços, e ela gemeu, tentando escapar de seu domínio quando ele a mordeu. Poderia a ter acalmado com um transe leve, uma consideração que a maior parte de sua espécie oferecia livremente para escravos de sangue. Mas onde estava a graça disso?

Dragos se alimentou abertamente das duas mulheres, com os olhos em Arno Pike, que lutava como o inferno para manter sua parte selvagem presa em meio a tanto sangue fresco. Seus olhos estavam tão brilhantes como brasas, as pupilas diminuídas para finas fendas verticais. Mesmo seus lábios estando apertados, Dragos sabia que a boca de Pike estaria cheia pelas suas longas presas.

Dragos riu. Estendeu a mão e agarrou um pedaço do terno do macho da Agência, no padrão preto e camisa branca, puxando-o para perto.

—Por que negar a si mesmo? Do que tem medo, da Ordem? — Ele balançou a cabeça. —Isto é pelo que temos trabalhado. Esta liberdade. É o direito de nascença de todos os Raças.

Pike soltou uma rajada de ar dos seus pulmões. Com a expiração, seus lábios se curvaram longe de seus dentes e presas, expondo-as num rosnado faminto quando o cheiro de sangue fresco o envolveu. Pike girou seu olhar âmbar para a loira, que agora estava caída na cabine entre eles, drogada e atordoada pela perda de sangue e sem saber o que estava acontecendo.

—Pegue-a — disse Dragos ao seu tenente. —Ela é sua.

Com um rosnado, Pike balançou a mulher sobre a mesa e rasgou seu vestido na frente. Caiu em cima dela como um animal, se alimentando num espetáculo público que atraiu todos os olhos Raça do local.

Dragos assistiu com prazer voyeurista, não só pelo que desencadeou, o desejo frenético de seu tenente, mas pelo ávido interesse dos outros machos que lentamente se aproximavam de todos os lados, as presas reluzentes, o âmbar dos olhares ardentes pela implacável luz estroboscópica ricocheteando fora do palco.

Como era bom sentir e conhecer esta sensação de relaxamento, de puro poder predatório. Fazia muito tempo desde que foi capaz de se mover livremente em público assim, sem a Ordem sempre respirando no seu pescoço, o interrompendo a cada volta. Ia terminar a execução de Lucan Thorne e seus guerreiros. O ataque entregue a eles hoje deveria ser sinal suficiente disso. Agora era sua vez de irem ao chão. Sua vez de perguntar onde ele podia atacar da próxima vez, e quão profundamente.

Agora, estava no comando.

Possuía este momento e tudo que estava dentro dele.

E não estava satisfeito, ainda não.

Mandou a ruiva para cima da mesa com um comando sussurrado em seu ouvido. Ela se despiu como ele a instruiu, girando no ritmo baixo e forte saindo do sistema de som do clube e passando os dedos finos através dos riachos gêmeos de sangue que corriam da mordida aberta em seu pescoço.

As fileiras apertaram, os tubarões prontos para matar. Apenas alguns segundos se passaram antes que o primeiro vampiro rompesse a multidão para saltar em cima da mesa com ela.

Quando pegou sua garganta com os dentes, Dragos acenou com aprovação.

—Beba — disse ele, e em seguida se levantou para enfrentar a multidão. —Peguem o quanto quiserem, todos vocês! Não existem leis aqui esta noite. Ninguém para nos impedir de ser o que realmente somos.

Com um rugido de assentimento, outro homem saltou acima da mesa para beber do pulso da ruiva. Em seguida, outro, prendendo sua boca à volta do outro.

Num canto distante do clube, um grito de mulher rasgou solto, em seguida caindo abruptamente em silêncio enquanto outra pessoa tomava seu lugar nas sombras. Cada vez mais alimentação começava, pontuada aqui e ali pelo alarme dos gritos dos humanos sendo atacados de repente pela matilha voraz de sedentos Vampiros Raça.

Dragos observava tudo com a satisfação de um rei bárbaro em casa em sua arena.

A fragrância de cobre derramada do sangue humano se erguia de todos os lugares, transformando o clube numa orgia de sexo e louca selvageria desmarcada.

Dragos saboreava a energia crua e violenta vibrando em torno dele. Este era o poder. Esta era a liberdade, enfim.

E neste momento, neste perfeito e terrível momento, nem mesmo a Ordem podia tomá-lo dele.

Deixe-os saber o que fez aqui e ferver por que não estavam lá para detê-lo. Deixe-os rasgar a Agência de Execução numa busca furiosa para encontrar seus aliados secretos. Poderiam desmantelar toda a organização pelo que ele se importava. Sua operação se beneficiaria de qualquer distração que a Ordem tivesse. E logo, nada que fizessem importaria mais.

Ele os possuiria, da mesma forma que possuiria o restante dos camponeses do mundo, insignificantes desavisados.

Com o triunfo surgindo em suas veias, Dragos jogou a cabeça atrás e rugiu como a besta que nasceu para ser.

 

—Acha que o mataram?

—Hmm? — O senador Clarence grunhiu do seu lugar ao lado de Tavia na parte de trás do rápido Suburban negro do FBI. Não falou durante a maior parte do caminho para fora da cidade, exceto para insistir que ele e os agentes federais pessoalmente assegurassem que ela chegasse em casa com segurança. Agora, ele olhou para ela, sua expressão estranhamente branda, considerando o que aconteceu antes na delegacia.

Talvez fosse o choque. Deus sabia, ela própria ainda estava num estado de descrença.

—Houve tanto tiroteio quando nos levaram para fora da sala... Só queria saber se acha que a polícia disparou e matou esse homem.

—Não ficaria surpreso se o fizeram. — O senador deu de ombros casualmente. —Não me importo muito. Nem você deveria, Tavia. Não há espaço em nosso mundo para alguém como ele. Se fosse por mim, teria enchido o cérebro do bastardo de chumbo.

A frieza da observação a perturbou. Ela conhecia Bobby Clarence há quase três anos, primeiro como estagiária dele quando ele era assistente de promotoria, então, como sua assistente pessoal desde o momento que decidiu concorrer a uma vaga no Senado. Sabia que delineava uma linha dura quando se tratava de segurança nacional e combate ao terrorismo; construiu sua campanha inteira em seu compromisso com essa plataforma. Mas ela nunca o ouviu falar tão insensivelmente sobre a vida ou suposta morte de outra pessoa.

Tavia se afastou, olhando a neve passando através da janela escurecida enquanto o veículo corria para o norte ao longo da rodovia, deixando as milhas da cidade atrás de si.

—Quem é Dragos?

Porque ficou tão quieto, num primeiro momento achou que o senador não a ouviu falar. Mas quando ela olhou para ele mais uma vez, estava olhando diretamente para ela.

Através dela, ao que parecia. Um estranho espinho afiado abria caminho em volta de seu pescoço, lá e indo, enquanto o belo rosto de seu chefe relaxava num olhar de leve confusão.

—Não sei o que dizer, Tavia. Devo conhecer o nome?

—Ele parecia pensar que sim — o homem na delegacia. — Ela procurou no rosto do senador algum sinal de reconhecimento, mas não viu nada lá. —Antes que você entrasse na sala, ele me disse que estávamos em perigo por alguém chamado Dragos. Disse que pode estar em perigo. Queria avisá-lo...

Os olhos do senador Clarence se estreitaram.

—Ele disse tudo isso para você? Falou com este homem? Quando?

—Não falei com ele. Não exatamente. — Ela ainda estava tentando dar sentido a tudo que aconteceu nesta noite. —Ele me viu através da janela na sala de exibição. Começou a falar, dizendo um monte de coisas estranhas.

O senador balançou lentamente a cabeça.

—Paranoia as coisas loucas que diz, Tavia.

—Sim, só que não parecia louco para mim. Parecia perturbado e volátil, mas não louco. — Ela olhou para seu chefe, vendo como esfregava preguiçosamente seu pulso —o mesmo pulso que foi esmagado como punição pelo homem que se livrou das algemas e violou uma sala de testemunhas supostamente segura antes que meia dúzia de policiais e agentes federais pudessem conter a situação. Tudo para que pudesse colocar as mãos sobre o senador Clarence. —Quando ele o viu, disse que já era tarde demais. Disse que essa pessoa, Dragos, era seu dono. O que quis dizer com isso? Por que acha que conhece esta pessoa, ou onde encontrá-lo?

Um tendão marcou na mandíbula magra, cinzelada.

—Tenho certeza que não o conheço, Tavia. Os políticos fazem um monte de inimigos, alguns deles malucos inofensivos, outros sociopatas destrutivos que anseiam por atenção e pensam que a violência e o terror são as melhores maneiras de obtê-la. Quem sabe de que pecados este lunático pensa que sou culpado. Tudo que sei é que veio à minha casa para cometer assassinato, e quando falhou, ele e seus amigos militantes decidiram explodir um prédio do governo e levar várias vidas inocentes no processo. O único perigo claro que vejo para nós pareceu ser na noite da festa e ele mesmo.

Tavia reconheceu estes fatos terríveis com um aceno de cabeça sóbrio. Não podia discutir qualquer um deles, e não sabia por que se sentia obrigado a dissecar e analisar tudo que ouviu na sala de visualização da delegacia. Não sabia por que não conseguia tirar o homem e cada palavra bizarra que falou de sua mente.

E seus olhos...

Ainda podia ver sua cor de aço azul, e a intensidade com a qual ele a prendeu em seu inabalável e inegavelmente olhar sensato.

Ainda podia sentir o calor peculiar que parecia irradiar dessas íris tempestuosas no instante que seus olhares se confrontaram e prenderam, meros segundos antes das Tasers o atingirem e as balas começarem a voar.

Estava tão absorta em seus pensamentos que pulou quando o senador bateu levemente a palma da mão contra seu joelho.

—Ah, maldito. Sabia que estava esquecendo alguma coisa.

—O que é isso? — Ela perguntou, virando-se para olhar para ele quando o SUV saiu da estrada para pegar o trecho de um par de quilômetros de asfalto rural que levaria à sua casa.

Ele deu-lhe um olhar tímido, o que geralmente reservava para aqueles momentos que estava prestes a pedir-lhe para trabalhar no fim de semana inteiro ou ajudá-lo a encontrar, de última hora, um presente para alguma apresentadora da sociedade que era crucial que ele impressionasse.

—Amanhã de manhã é o Café da Manhã de caridade para o hospital infantil.

Tavia assentiu.

—Oito horas em Copley Place. Mandei a lavanderia para sua casa e enviei seu discurso por e-mail para seu celular e o computador de sua casa antes de sair do escritório para a delegacia de polícia hoje à noite.

Ela cobriu todas as bases para ele, como de costume, mas ele não parecia satisfeito. Ele estremeceu um pouco.

—Estava pensando em fazer algumas mudanças no discurso. Na verdade, estava esperando que você pudesse me ajudar a reescrevê-lo completamente. Com tudo que vem acontecendo ultimamente, não tive oportunidade de conversar com você sobre isso. Estou... Desculpe, Tavia. Sei que provavelmente está exausta, mas pode me garantir uma hora ou algo assim hoje ainda? Podemos trabalhar na minha casa, já que estamos a meio caminho de Marblehead...

—Não posso — respondeu ela, as palavras saindo antes mesmo que percebesse que ia dizê-las. Nunca recusou qualquer tarefa que pediu, mas algo sobre esta noite — algo sobre o próprio Bobby Clarence — fazia seus instintos se mexerem com uma estranha cautela. Balançou a cabeça, mesmo enquanto seu olhar de surpresa se tornava decepção, então fria reprovação. —Gostaria de poder ajudar, mas minha tia está muito doente. Tenho o remédio aqui. — Ela enfiou a mão na bolsa e tirou um frasco prescrito cheio de comprimidos brancos. —Receio não estar lá para ter certeza que ela os tome e tenha uma boa refeição...

—Claro. Eu entendo — respondeu o senador. Ele estava ciente de sua vida em geral — do fato que sua tia Sarah a criou sozinha pela maior parte da vida de Tavia. Era a única família que Tavia conhecia, e o fato que Tavia largaria tudo para cuidar da mulher mais velha não era exagero.

Pelo menos isso era verdade.

O Suburban desacelerou, triturando gelo e neve sob seus pneus à medida que se aproximava da pequena cabana cinza com suas puras venezianas pretas, coroa de flores de Natal na porta da frente, e a amarela luz alegre brilhando em quase todas as janelas. Tavia encontrou o olhar atento do senador do outro lado do assento do banco largo.

—Sinto muito não poder ajudar neste momento. Tenho certeza que as mudanças ficarão muito boas.

Ele balançou a cabeça.

—Dê à sua tia Sarah minhas melhoras. Diga a ela que espero que se sinta melhor em breve. — Sua boca se curvou num sorriso que poderia parecer simpático se não fosse pelo brilho sombrio de dúvida em seus olhos. —Vejo você de manhã, Tavia. Podemos conversar mais depois.

Ela abriu a porta do SUV e começou a subir.

Talvez devesse ter mordido a língua, mas uma pergunta estava na ponta da mesma desde o momento que deixou a delegacia de polícia, uma pergunta que a perturbava quase tanto como as que agora rodavam em sua cabeça sobre o próprio senador. Na verdade, era algo que a esteve incomodando antes mesmo disso... desde algum momento na semana passada, e no instante que colocou os olhos num dos mais generosos patrocinadores de Bobby Clarence.

Fez uma pausa fora do veículo, girando de volta para o senador.

—O quanto conhece Drake Masters?

Ela viu então. O deslizamento da fachada para o modo cuidadoso.

—Drake Masters — disse ele, menos uma pergunta que uma demanda. O senador pigarreou e tentou treinar seus traços numa máscara de leve perplexidade, mas Tavia já tinha visto passar por ele. —O que Drake Masters tem a ver com alguma coisa?

Ela deixou a questão relaxar e esticar. Não tinha resposta para isso. Ainda não.

Mas tinha toda a intenção de descobrir.

—Tenho que ir agora. — disse ela, e se virou para fazer a curta caminhada até a casa.

Tia Sarah apareceu na porta, vestida num terno de veludo vermelho com um avental com temas de Natal verde amarrado ao redor dos quadris. Música festiva derramava na noite, juntamente com aroma de pão de canela recém-casado e algo com carne fervendo no fogão.

—Aí está, finalmente. — a mulher mais velha exclamou. —Por que não atendia o celular? Tentei falar com você toda a noite.

—Sinto muito. Devo ter desligado o som. — Tavia entrou na casa e viu quando o SUV preto rolou lentamente para longe da calçada. —Foi um longo dia, tia Sarah. Devia ter ligado. Espero que não tenha se preocupado.

—Claro que me preocupei. Eu te amo. — Seus olhos castanhos enrugaram nos cantos, enquanto olhava Tavia mais atenta. —Como foi sua visita com o Dr. Lewis? Falou sobre os terrores noturnos e dores de cabeça que tem ultimamente? Será que pegou seu remédio?

—A consulta foi muito bem, mesmo depois de 10.000 delas. Tenho minha fonte de nova droga aqui mesmo. — Tavia sacudiu a bolsa, fazendo com que o frasco de comprimidos chocalhasse quando encontrou o olhar acolhedor de sua tia. Ela sorriu para a mulher mais velha por todas as suas perguntas e preocupações. Foi a primeira sensação real de conforto, de normalidade, que teve durante todo o dia. —Também te amo, tia Sarah. O que é o jantar?

Primeiro, Chase achou que estava no inferno. Além de se sentir como se fosse atropelado por um caminhão — repetidamente — a boca parecia cheia de algodão seco e sua cabeça tocava com o beep implacável e o silvo de máquinas eletrônicas em algum lugar próximo.

Ficou ali por um momento, de olhos fechados, os sentidos ainda tentando voltar à vida depois de um sono longo e sufocante. Alguém estava na sala com ele.

Duas pessoas. Humanos, um macho e uma fêmea. Estavam falando suavemente de ambos os lados dele, a mulher cobrindo suas pernas nuas com um lençol fino e um cobertor enquanto o homem alcançava sobre a cabeça de Chase para pressionar botões num dos monitores reclamando.

—Pressão arterial ainda muito alta — disse o homem, sua voz áspera com sotaque de Boston saindo do que parecia um barril profundo no peito. —A frequência cardíaca não baixou muito na última hora também. O corpo deste cara está tão rápido quanto um maldito carro de corrida.

—Ele apenas tem sorte por estar vivo. — respondeu a mulher. —Com todos esses buracos de bala nele, seus sinais vitais deviam estar perto da morte, não fora do normal. — Ela parecia de meia-idade e cansada, tirando um pacote de bala de hortelã que mastigava ruidosamente enquanto falava. —Ouvi dizer que o laboratório errou seu exame de sangue novo, então vão fazer novamente tudo pela terceira vez. O Palhaço Buncha está lá em baixo hoje à noite ou algo assim, juro por Deus. Entretanto, parece que vou ter que começar outra unidade de O negativo antes da mudança do próximo turno.

Puta merda.

Não estava morto, não estava no inferno também. Estava numa instalação médica humana. A julgar pela algema de metal frio que prendia seu pulso direito no trilho da cama de rodas, Chase achava que ainda estava tecnicamente na cela do condado.

Tinha que dar o fora de lá.

Seu instinto imediato foi saltar e levar seu rabo bem longe do local, antes que seus resultados de laboratório e exames de sangue estranhos e incomuns começassem a levantar perguntas que nenhum humano estaria ansioso para saber as respostas. E como se isso não fosse razão suficiente, havia também o fato que Dragos recrutou outro Subordinado. Fúria acendeu sob a espessa neblina de seus ferimentos quando se lembrou do brilho do olhar sem alma do senador Clarence. Queimou ainda mais quente quando pensou em Tavia Fairchild, uma mulher inocente e sem consciência do mal perto o suficiente para tocá-la.

Chase tinha que fazer algo. Mas não tinha força para levantar ou sair. Não podia nem mesmo convocar os meios necessários para levantar as pálpebras pesadas.

Precisava de sangue.

Não do tipo embalado que a Enfermeira Balas de Menta estava falando, mas novas células vermelhas, retiradas de uma veia aberta humana. As transfusões provavelmente mantiveram seus órgãos funcionando no momento após o tiroteio, mas para que realmente se curasse e recuperasse toda sua força Raça e poder, precisava se alimentar.

Muito.

E em breve.

Passando ao lado dele perto da cama, o enfermeiro reorganizou alguns tubos e cordas presas ao braço livre de Chase.

—Ouviu sobre o outro cara que trouxeram aqui depois do que aconteceu nesta noite: o que esse cara tentou usar como bola de demolição? Está muito arrebentado.

A fêmea soltou um grunhido agudo.

—Oh, ouvi sobre ele. Ruptura na coluna vertebral, paralisia total do pescoço para baixo. Justiça poética, se me perguntar.

—O que você quer dizer?

Mais goma e uma baforada de menta ressaltou quando se inclinou para inspecionar uma das feridas no peito de Chase.

—Antes de eu vir para cá, costumava trabalhar à noite no Massachusetts General Hospital. Admiti sua esposa no Serviço de Urgência mais de uma vez depois que ele cuidava dela, e em seguida, tinha um aparente ataque de consciência e a trazia para ser remendada. Sempre tinha algum tipo de desculpa, como bateu contra uma parede ou abriu a cabeça enquanto estava limpando. Não vai me ver chorando por esse cara quando passar o resto de sua vida sobre seu rabo, comendo comida de bebê e mijando em um saco.

—Merda. — O enfermeiro soltou uma risada baixa. —Não dizem que o karma é uma puta por nada.

— E assim sou eu quando não tenho um cigarro por mais de duas horas — disse ela, mastigando ainda mais duro em sua gengiva. —Pode terminar aqui, enquanto corro lá embaixo e fumo um cigarro?

—Sim, claro. Estou quase terminando. Só preciso preparar uma bebida para o Sr... ah... — Uma pausa enquanto olhava o nome. —Para o Sr. Chase aqui. Algo para ganhar a batalha, depois da tentativa de suicídio por envenenamento de chumbo que fez esta noite na sala de formação.

A enfermeira balas de menta tirou as luvas de látex com um estalo violento que pareceu um trovão na cabeça de Chase.

—Você é uma graça, Mike. Certifique-se de desligar as luzes quando acabar aqui, certo?

—Sim, sim. Saia daqui já. Tenho tudo sobcontrole.

Chase ouviu os passos da enfermeira quando saiu da sala. A porta fechou um sussurro. Os sentidos de Chase começaram a crescer pelo impulso de agir, aproveitar esta chance e se alimentar.

Olhou através da fenda das pálpebras separadas. O enfermeiro se virou, desembrulhando um claro tubo fino de um saquinho plástico de IV. Era um homem considerável, como sua voz indicava — alto e forte, com volumosos ombros largos sob o avental azul céu.

—Tudo bem, Sr. Chase. Tenho uma bolsa de “boa noite” para você aqui. — Ele encaixou o saco num dos polos em forma de gancho do IV ao lado da cama, depois se inclinou para pegar o braço esquerdo de Chase e anexar o final do tubo numa linha preparada. —Prometo a você, esta é uma merda muito boa...

Os olhos de Chase estavam totalmente abertos agora.

—Jesus Cristo! — O corpo do homem tensionou em alarme quando tentou pular em volta da cama.

Não foi muito longe. Chase apertou sua mão em torno do pescoço do homem e o puxou numa explosão repentina de energia em espiral. Era tudo que tinha em si, mas foi o suficiente.

Com os gritos roucos do homem abafados contra o cobertor em seu peito, Chase afundou seus dentes no pescoço do humano.

Bebeu rapidamente, profundamente, gole após gole. O sangue acobreado atingiu sua língua seca como fogo, incendiando as células esgotadas de seu corpo e alimentando seus sentidos. Foi uma inundação instantânea de força e poder, o mesmo que o tornava tão viciante. Não podia pensar nisso agora. Só uma coisa importava, que era sair deste lugar.

A tentação de se empanturrar era tão poderosa como seria para qualquer viciado, mas assim que Chase sentiu o pico da potência, passou a língua sobre as punções e selou a ferida. O homem estava mole agora, tonto pela alimentação. Para estar seguro, Chase colocou a palma da mão contra a testa humana, pondo-o num um cochilo de transe rápido e pesado. Chase empurrou seu peso fora dele com o braço livre. A braçadeira em seu outro braço desabou sob uma combinação de comando mental e pura força Raça.

Nu, mas com muitas ataduras, Chase sentou e começou a puxar os tubos e fios de seus braços. Liberou-se do emaranhado de aparelhos médicos, em seguida, correu para tirar o enfermeiro de seu uniforme azul. Ele os colocou, carrancudo quando alcançou os Crocs brancos que facilmente eram dois tamanhos menores que o dele.

Descalço, Chase ergueu o humano grande para cima da cama em seu lugar, apertou o monitor de frequência cardíaca no dedo do enfermeiro antes que a máquina tivesse chance de gritar em alarme. Para ter certeza que o humano não acordaria gritando a palavra "vampiro", Chase fez um rápido trabalho em sua memória, limpando o ataque da sua mente adormecida. Depois de puxar o lençol e cobertor em torno do queixo do homem, Chase girou a cabeça para a porta.

Assim que a enfermeira Bala de Menta a empurrou para abrir à sua frente.

—Não tenho certeza, Darcy. Acabei de voltar de férias — ela falou por cima do ombro, a cabeça virando para o posto de enfermagem quando começou a entrar no quarto.

Chase recuou contra a parede atrás da porta. Seu corpo ainda estava alto e poderoso por sua alimentação, os músculos tensos e à espera de seu comando. Não queria machucar a mulher, mas se ela o visse...

Ela permaneceu na porta e olhou para a cama onde o grande enfermeiro jazia imóvel, ainda num cochilo profundo.

—Mike? Ainda está aqui? — Ela perguntou, falando num tom abafado para não acordar o paciente.

Quando ela deu um passo tranquilo para o quarto, Chase se empurrou mais nas sombras por trás da porta aberta. Juntou essas sombras em torno dele, as chamando numa de suas habilidades pessoais, que era às vezes até mais eficaz que a força bruta de sua espécie. Ele manteve as sombras perto, dobrando-as à sua vontade, enquanto a mulher olhava ao redor da sala à procura do seu colega.

—Michael? — Ela franziu a testa, tremendo um pouco de frio pela ilusão de Chase. Puxou o tecido de seu casaco branco apertado em torno dela. —Falei tanto para lembrar de desligar as luzes quando acabasse.

Com isso, ela girou nos calcanhares e saiu, batendo no interruptor de luz em seu caminho para fora.

O quarto ficou escuro, e Chase soltou a cortina de escuridão que o protegeu antes.

Ele olhou pela janela da porta quando ela voltou para a estação até o salão e entrou numa conversa tagarela com o par de jovens enfermeiras lotadas lá. Chase saiu da sala em seu uniforme roubado, os pés descalços, em silêncio quando deu o primeiro passo para o corredor em direção à fuga.

Não o viram.

Nem poderiam quaisquer olhos humanos o seguir quando brilhou com uma velocidade sobrenatural abaixo pela extremidade oposta do longo corredor, tão silencioso e furtivo como um fantasma.

Uma vez fora, Chase atingiu a rua a pé. Para os poucos humanos que passou, ele não era nada, apenas uma rajada de vento frio no meio das lufadas que caíram do céu escuro da meia-noite. Sabia exatamente aonde ia agora. Com seus sentidos predatórios o guiando, foi para uma residência específica em North Shore, tão rápido e certo quanto à própria morte.

 

Quinhentos e trinta e dois e-mails em sua caixa de entrada desde a tarde — incluindo o que Tavia Fairchild disse que enviou contendo seu arquivo do discurso para a manhã de arrecadação de fundos.

Sua eficiente assistente sempre tinha o trabalho de incluir um arquivo separado com observações divertidas sobre algumas pessoas que estariam no café da manhã de caridade. A fraude social o ajudava a manter sua reputação de apresentável e charmoso sem esforço. Mal olhou para o documento, achando difícil se preocupar com os empreendimentos filantrópicos e causas da moda de um monte de socialites de Back Bay ou a classificação da equipe da faculdade de todos os executivos corporativos endinheirados na lista de convidados.

Sob a luz baixa da lâmpada de mesa, em seu estúdio, abriu seu calendário e lançou um olhar desinteressado sobre o mar de reuniões e comitês, aparições públicas e compromissos sociais que enchiam as páginas.

Nada disso importava para ele, não mais.

Alguma vez importou? Não tinha certeza. Sentia uma sensação fria de desapego de tudo. Mesmo da visão de seu próprio nome, de seu próprio ser.

Ah, ainda tinha um trabalho a fazer. Era imperativo que continuasse sua trajetória ascendente. Mas todos os seus velhos sonhos e desejos pessoais — a ambição que usou para impulsionar cada passo seu — não significavam nada agora.

Sua vida tinha um novo propósito.

Drake Masters — Dragos, a única causa que servia agora — tinha mostrado um caminho mais verdadeiro.

Ele deixou tudo claro da última vez que se encontraram. Foi só na noite passada? Não conseguia lembrar exatamente quanto tempo foi. Tempo, assim como tudo ligado ao reservatório de quem ele foi, de alguma forma, em algum lugar, deixou de existir.

Para ele, parecia que pertencia ao seu Mestre desde sempre. Não havia nada antes ou depois dele. Nada além do propósito de servir seu gosto e protegê-lo acima de tudo.

Era por isso que a primeira coisa que fez ao retornar para sua residência em North Shore foi entrar em contato com seu Mestre e informá-lo do que aconteceu na delegacia de polícia com o guerreiro Raça sobcustódia policial.

Ele falou ao seu mestre sobre Tavia Fairchild e todas as suas perguntas descuidadas — e suspeitas também. Esperava que seu Mestre não estivesse descontente por ter deixado a mulher fora de sua vista, mas não houve repreensão. Na verdade, o Mestre parecia quase divertido pelo relatório.

—Deixe a mulher para mim — ele instruiu. —Vou lidar com a curiosa Tavia Fairchild pessoalmente. Tem suas ordens, Subordinado. Veja se as completa sem demora.

E então ele fez.

A audiência privada já estava marcada para amanhã à noite, um favor pessoal do impressionante amigo de longa data que subiu para um dos maiores postos do país. Seu Mestre ficaria satisfeito. E nesta hora amanhã, teria outro servo leal adicionado às suas fileiras.

O Subordinado sorriu, ansioso pela aprovação de seu Mestre.

Desligou o computador e estava prestes a subir para ir para a cama quando ouviu um ruído abafado no corredor fora do seu estúdio. Levantou-se e caminhou até a porta fechada, então cautelosamente olhou para fora.

Um de seus seguranças estava imóvel no corredor do hall. Seu sangue encharcava o tapete de cor clara, vazando rapidamente de sua garganta cortada. O Subordinado inclinou a cabeça, escutando o silêncio natural ao redor. Não havia guardas à vista. Nenhum alarme em qualquer lugar dentro da grande casa.

Tinha outros homens armada vigiando a noite. Quem estava dentro agora provavelmente matou todos eles.

Raça.

As veias do subordinado discordaram com o aviso. Recuou rapidamente para o estúdio e tentou fechar a porta antes que o perigo pudesse alcançá-lo.

Mas era tarde demais para isso.

A morte já estava no quarto com ele, se manifestando das sombras atrás dele. O Subordinado piscou e viu a escuridão ilusória se desfazendo. De pé em seu lugar estava o inimigo de seu Mestre. O guerreiro que deveria estar morto nas mãos da polícia hoje à noite.

Estava descalço, água da neve pingando dos cabelos encharcados e o avental hospitalar azul se estendendo apertado e molhado ao redor de seu corpo. Sangue salpicava a frente dele, embora se dos ferimentos a bala que recebeu na delegacia de polícia ou das vidas dos homens que matou em seu caminho até aqui dentro, o Subordinado não podia dizer.

O guerreiro Raça deu um passo na direção dele, os olhos soltando uma luz âmbar viciosa. Seus dentes eram enormes, punhais letais que poderiam rasgar um corpo em pedaços.

Mas o Subordinado não tinha medo.

Estava determinado.

Esse vampiro veio para tirar informações dele, a informação que nunca chegaria, nem mesmo sob a pior tortura.

Sabia o que o esperava aqui esta noite. Tortura e morte.

—Nunca vai derrotá-lo. — afirmou o Subordinado, devoto em sua fé do poder de seu Mestre. —Não pode vencer.

Mas não havia incerteza no olhar ameaçador lancinante que arrasou com ele, apenas fúria selvagem que prometia um fim infernal.

Seus pés começaram a se mover sob seus pés, pedindo aos velhos instintos de seu corpo que fugisse desta ameaça. Virou-se e viu como um fluxo repentino de sangue cortava num arco ao longo da parede e da porta na frente dele.

Seu sangue.

Seu fim infernal, apenas começando.

Ela estava queimando.

Tavia se moveu em sua cama, suspensa num espesso véu que separava o sono da vigília. Os lençóis e edredom eram muito pesados, o corpo muito quente embaixo deles na sua camisola de algodão e calcinha. No torpor do seu sono agitado, empurrou as cobertas longe, mas o calor ficou com ela.

Estava por dentro dela, mas não era a erupção de fogo súbito que por vezes varria sua pele e terminações nervosas, quando ficava muito tempo sem seus medicamentos, mas outro tipo de calor. Algo lento e fluido crescendo, um desabrochar quente de dentro dela.

A sensação formigava em seus seios, uma dor doce que viajava a cada mamilo e os inchava, em seguida, em direção à sua barriga. Os olhos fechados, ainda dormindo e se mantendo em sua teia, ela se arqueou no prazer, querendo que a sensação se atrasasse nesse lugar ainda faminto. Lá no fundo, onde seus sentidos estavam vivos, atingidos da mesma forma que seu corpo despertava pela demanda erótica.

O calor lambeu uma trilha que se tornou menor agora, alcançando o osso do seu quadril. Em seguida, abaixo na carne macia de sua coxa nua. O sangue corria através de suas veias e artérias. Podia senti-lo subindo a cada batida crescente do seu coração.

Antecipação cresceu como calor, quente e úmida agitando o pequeno ninho de cachos entre suas pernas.

Sim. O silencioso apelo ecoou na repetição pesada de seu pulso. Siiiiiimmm...

Sabia que era apenas um sonho. Sua mente semiconsciente entendia que este amante fantasma que a seduzia agora não podia ser real. Ela nunca esteve com um homem. Nunca sentiu a questionadora, ansiosa boca em seu corpo. Nem mesmo em seus lábios. Não podia. Sua realidade era muito frágil, muito apertada pelo medo e pela vergonha.

Mas não agora.

Não assim, quando estava tonta pela excitação de um sonho que não podia suportar sair.

Com o sono e o prazer a seduzindo para ficar, estendeu a mão para tocar a parte dela que estava derretendo, viva pelas sensações. Seus dedos eram sua língua, sedosa e implacável, a beijando e acariciando em todos os lugares.

Imaginou ombros largos entre suas pernas. Pele lisa e enxuta, músculos duros esfregando contra sua nudez.

Renda-se, deixe tudo ir. A voz baixa falou dentro de sua mente, os encorajamentos murmurados tão sedutores que podia sentir seu hálito quente patinando contra sua carne vivificada. Quero ver você, provar você, toda você. Quero fazer você gritar meu nome.

Mas ela não sabia seu nome, a lógica se enroscou nos fios da teia do sonho. Afastou a intromissão de sua consciência e afundou ainda mais em sua fantasia. Não tinha escolha a não ser render-se, porque o prazer enrolava mais apertado agora, formigava pela pele, cada centímetro do seu fogo... à beira da desintegração. Ela se contorcia na cama, incapaz de tomar muito mais.

E então sua voz estava ao lado de sua orelha. Sua boca molhada e quente contra seu pescoço, sua voz uma vibração profunda que sentiu por todo o caminho até seus ossos. Deixe eu te provar, Tavia...

—Sim — ela sussurrou na escuridão de seu quarto. —Oh, Deus. Sim.

Ela sentiu a boca abrir em seu pescoço, sua língua e dentes pressionando abaixo na carne tenra, a perfurando. Ela gritou com dor por sua mordida afiada, choque e prazer explodindo ao mesmo tempo e enviando o dilúvio dentro dela sobre as bordas.

Estava se afogando, no sonho, agora, irremediavelmente à deriva quando seu amante fantasma se levantou para olhar para ela onde estava embaixo dele.

Era ele.

O homem da formação policial. O atirador da festa do senador. A ameaça mortal com olhos de aço, cujo rosto a assombrado desde o primeiro momento que colocou os olhos sobre ele.

Pairando acima dela agora em seu sonho, seu olhar não era menos cruel, ainda firme, desprovido de misericórdia. Seus lábios se abriram, e sua boca, larga e sensual — boca que lhe deu tal prazer — estava lisa e escura com sangue.

O sangue dela.

A descoberta tão surpreendente a cortou como uma lâmina contra sua pele.

Ele sorriu, belo e terrível, expondo as pontas de pérolas de afiados dentes...

—Não! — Tavia se sacudiu do sono pela completa visão deles, seu grito horrorizado e cru em sua garganta. Ela sentou, ofegante e agitada, mesmo enquanto seu corpo ainda retumbava pelo orgasmo.

Uma batida na porta de seu quarto a fez lutar para se cobrir.

—Tavia, você está bem? — A voz da mulher mais velha chamou através da porta fechada. —Alguma coisa errada?

—Eu estou bem, tia Sarah. Não há nada errado.

Houve uma hesitação, mas só por um momento.

—Ouvi você chorar durante o sono. Não é terror noturno, não é?

Não, era algo ainda pior, pensou. Os terrores noturnos nunca começavam tão agradáveis, apenas para terminar tão horríveis no final.

—Não foi nada, realmente. — de alguma forma conseguiu evitar a angústia de sua voz. —Estou bem. Por favor, não se preocupe. Volte para a cama.

—Tem certeza? Posso trazer alguma coisa?

—Não, obrigada. — Tavia fechou os olhos na escuridão de seu quarto, tentando esquecer o sonho perturbador que ainda estava maduro em sua mente, ainda vivo em sua pele e no ritmo de seu pulso. —Boa noite, tia Sarah. Vejo você na parte da manhã.

Mais silêncio, enquanto sua tia preocupada e zelosa esperava fora de seu quarto. Então, finalmente:

—Tudo bem. Se você diz. Boa noite, querida.

Tavia ficou ali sentada por um longo momento, ouvindo o som de passos em retirada e o rangido suave da porta do quarto de sua tia no corredor.

Jogou os pés no chão. Pisou no tapete até o piso frio de seu banheiro. Seu rosto estava pálido e abatido no espelho do armário de remédios. Ela deslizou o painel de vidro e tirou um dos fracos de pílulas monstruoso que o Dr. Lewis prescreveu para combater os ataques de ansiedade que a assolaram a maior parte de sua vida.

Tavia sacudiu uma das grandes cápsulas brancas e a jogou em sua boca, engolindo com um gole rápido de água da torneira do banheiro. Melhor tomar um par. Nunca teve um motivo melhor para tomar a dose máxima. Engoliu o medicamento e outro gole de água, então voltou para a cama.

Vinte minutos e estaria ao abrigo de um cochilo pesado, medicamentoso. Entrou debaixo das cobertas e esperou que os poderosos remédios obstruíssem todos os pensamentos do homem que invadiu seus sonhos, como o criminoso perigoso que provou ser.

 

O ponto de encontro da Agência de Execução em Chinatown parecia o rescaldo de uma zona de guerra.

Mathias Rowan, atual diretor da região para a Agência, se esforçou para ignorar o latejar maçante de suas presas emergentes quando pisou no clube privado para examinar a carnificina. Sangue cobria tudo, desde os pisos e paredes, cadeiras e mesas, até a plataforma elevada do palco — até mesmo o maldito teto estava sujo pelo material.

—Inferno de hora para chamá-lo assim, Diretor Rowan, mas achei que precisava ver por si mesmo. — disse o agente ao lado dele.

Ia amanhecer logo, sem tempo para qualquer um de sua espécie ser afastado de seus Darkhavens com o sol prestes a subir. Mas uma coisa como essa não podia esperar. Uma coisa assim — tão imprudente, a indizivelmente selvagem anarquia —comprometia toda a sua espécie.

—Entrei em contato com você assim que eu e minha equipe chegamos para verificar a situação, senhor. — Os sapatos engraxados do Agente trituravam os cacos de vidro espalhados e detritos quando fez uma pausa ao lado de Rowan em silêncio, o estabelecimento cheio de cadáveres. —Os humanos estavam todos mortos e o local já desocupado quando chegamos aqui. Pela aparência e cheiro do lugar, estou supondo que faz várias horas agora.

O olhar de Rowan viajou sobre as provas da violência e morte que aconteceram no clube mais cedo naquela noite. Que foi perpetrada pelos membros Raça era óbvio, mas nunca em seus mais de cem anos de vida viu tal desrespeito brutal pela vida humana. O fato que o assassinato quase certamente foi feito por seus colegas agentes de execução enojava sua alma.

—E ninguém se apresentou como testemunha do que aconteceu aqui? — Confirmou. —E quanto a Taggart, não é quem geralmente cuida da porta na maioria das noites?

Ele tinha que ter visto algo. Ou qualquer um das dúzias de agentes que frequentavam este lugar que estava na moda?

—Não sei, senhor.

Furioso com tudo isso, Rowan virou sobre o agente.

—Não sabe se estava aqui hoje à noite, ou não sabe se é responsável pelo abate destes humanos no meio da maldita Boston?

—Hum, não, senhor. — O rosto do Agente empalideceu um pouco sob o brilho do seu superior. —Não tinha certeza por onde começar numa situação como esta. Você foi a primeira chamada que fiz.

Rowan soltou um suspiro de frustração. O agente era jovem, novo para seu posto. Recém-promovido das fileiras gerais, estava com medo de sair da linha ou cometer um erro. E era dedicado à justiça, uma raridade no âmbito da Agência nos dias de hoje, Rowan tinha que admitir. Perguntava-se quanto tempo o garoto manteria seu brilho.

—Está tudo bem, Ethan. — Ele bateu de leve no ombro do jovem. —Fez a coisa certa aqui. Vamos chamar sua equipe e começar a limpar toda essa bagunça.

O agente deu um aceno rápido.

—Sim, senhor.

Enquanto ele saía para chamar os outros, Mathias Rowan deu outro longo olhar no derramamento de sangue e morte que o rodeava. Era hediondo, o que aconteceu aqui. Imperdoável. E não podia deixar de sentir que o massacre tinha o selo de um vilão que estava vindo a conhecer muito bem.

Dragos.

Durante os vários meses que Rowan secretamente se aliou à Ordem, descobriu em primeira mão do que Dragos era capaz, desde o rapto e abuso de dezenas de inocentes mulheres Companheiras, até o recente ataque a um Darkhaven local que tirou a vida de quase todos de uma proeminente família Raça.

E então houve a violação do quartel-general secreto da Ordem pelos agentes da lei humanos menos de vinte e quatro horas atrás.

Mais estragos instigados por Dragos.

Agora isso.

Rowan estava certo que Dragos estava na raiz do que aconteceu aqui esta noite. Qual a melhor hora para o diabo sair para dançar do que quando a Ordem estava com as mãos cheias com um deslocamento forçado de seu complexo e a rendição de um deles à custódia da polícia? Rowan deveria ter esperado algo assim. Deveria estar preparado para intervir com Lucan e seus guerreiros esta noite, com metade da Agência atrás dele.

Claro, assumindo que meia Agência ainda era leal ao seu juramento de serviço. Rowan realmente não tinha certeza disso, definitivamente não mais. A Agência não passou sem sua quota de problemas ao longo das décadas muitos longas de sua existência. Burocrática, lenta para se mover, muito política, às vezes, era a prima inchada e impotente para a eficácia da Ordem, com precisão cirúrgica como protetora da Raça e da humanidade também.

A corrupção entre as fileiras era galopante, purulenta sob a superfície. Mais e mais, estava ficando impossível saber em quem se podia confiar.

Alguns homens permaneciam bons, mas havia outros — mais do que Rowan se importava em admitir — que escondiam sua má-fé por trás de uma máscara de dever para a Agência e autoridade.

Dragos mesmo foi um deles, subindo a um dos mais altos cargos na organização, e, sem dúvida, ganhando um campeonato de seguidores leais, antes de a Ordem o expor e mandar correndo para se esconder profundamente cerca de um ano atrás.

Não, Rowan pensou sombriamente. Não havia dúvida que a noite de abate em massa no território da Agência de Execução foi a maneira de Dragos mijar, tanto na Ordem como na Agência, ao mesmo tempo.

—Filho da puta. — rosnou no silêncio tumular do clube.

Não havia nada a ser feito agora, com a manhã prestes a chegar e a Ordem montando acampamento temporário há algumas horas ao norte de Boston, mas Lucan tinha que ser informado da situação.

Rowan se afastou da carnificina e foi para fora — passando na entrada pela equipe de agentes armados com sacos para cadáveres e equipamentos de limpeza — a caminho de seu veículo. Uma vez sentado no interior do sedan, discou uma linha de acesso codificado que foi dada pela Ordem. Ele tocou.

—Gideon, é Mathias Rowan. — disse quando a linha conectou na outra extremidade. —Temos uma situação aqui embaixo. Lucan não vai gostar. Más notícias, meu amigo, e tem o nome de Dragos escrito sobre toda ela.

—Merda, merda, merda. — Tavia checou o relógio de novo, esperando impacientemente pelo rosnado de passageiros madrugadores na frente dela para sair do trem na estação central do Governo de Boston.

Eram quase 8 horas, e estava atrasada para o trabalho.

Definitivamente, uma primeira vez para ela, embora não fosse como se não tivesse uma boa desculpa. O estresse dos últimos dias, aparentemente, estava acabando com ela. Ficou ainda mais tensa depois do incidente na delegacia de polícia e do comportamento estranho do senador Clarence.

O sonho perturbador não fez nada por seus nervos também. Enquanto relaxava sob seus medicamentos ansiolíticos que permitiram que dormisse, também a fizeram apertar o botão de soneca tempo demais esta manhã.

Ela viu uma abertura no meio da multidão de movimentos lentos e correu por ela. Andando rapidamente, cruzou os tijolos salpicados de neve fora do terminal, passando apressada por uma barraca de flores repleta de poinsétias vermelhas e brancas e coroas de flores perenes. Na rua, um vento frio soprava rápido, trazendo o repetitivo refrão de um sino do Exército de Salvação de algum lugar próximo e o aroma de grãos de café torrados e produtos de panificação da Starbucks da esquina. O estômago de Tavia roncou em resposta, mas ia na direção oposta.

Tentou o celular do senador, mas foi direto para a caixa postal, tal como aconteceu nas duas outras vezes que ligou a caminho da cidade. Estaria no café da manhã de caridade agora. Normalmente teria verificado duas vezes com ele para se certificar que tinha tudo que precisava para o evento.

Normalmente estaria no escritório há pelo menos uma hora, começando as tarefas do dia, enquanto ele estava fora cortejando seu público.

Normalmente ...

Nada nos últimos dias parecia normal.

Nem mesmo perto.

Tavia caminhou pela praça em direção ao escritório do senador na Câmara Municipal, a cabeça baixa, o rosto mergulhado nas dobras de seu lenço de malha quando outra rajada de vento o enrolou. Ela cortou entre o par de torres e o prédio do governo ao lado deles, ouvindo a cacofonia de uma multidão, mesmo antes de virar a esquina e ver o tumulto.

Vans de notícias e equipes de filmagem de cada rede local e um par de canais a cabo nacionais se alinhavam na Rua Nova Sudbury como abutres. Veículos da polícia, uma vista incomum na sede do governo quando um grande recinto estava do outro lado da rua, bloqueavam a entrada e saída, sombreados por SUVs negros federais estacionados em frente das portas do edifício e ao longo da pista em arco no meio-fio.

Pavor apertou seu estômago, transformando-o num punho de gelo em seu intestino.

—Desculpe-me. — Tavia se aproximou de um repórter do Canal Cinco que estava afofando seu capacete imóvel de cabelos loiros e fazendo uma checagem de som.

—O que está acontecendo aqui?

—Entre na fila, querida. — respondeu a mulher. —Isso é o que todos nós estamos esperando para descobrir. O comissário de polícia apenas chamou para uma conferência de imprensa às oito horas.

Tavia atravessou os grupos de repórteres que pairavam e curiosos que vieram das ruas vizinhas por todo o ruído e atividade. Teceu entre o mar de corpos, tentando abrir caminho mais perto da entrada do edifício onde à maioria dos agentes de polícia e federais estavam agrupados.

Alguém pegou forte seu braço.

—Srta. Fairchild.

—Detetive Avery — disse ela, o chute no peito relaxando um pouco quando encontrou o olhar sério do homem mais velho. —Que história é essa?

—Venha comigo, por favor. — Ele a acompanhou por entre a multidão até a frente da entrada do edifício. O saguão estava ocupado com mais policiais uniformizados e homens armados da SWAT. O detetive fez uma pausa com ela, o rosto fatigado, o envelhecendo ainda mais. —Quando foi a última vez que falou ou viu o senador Clarence, Tavia?

O nó frio em seu estômago ficou ainda mais forte.

—Na noite passada, quando ele me deixou em casa.

—Se lembra que horas eram?

Ela balançou a cabeça.

—Não tenho certeza. Foi logo depois que deixamos a delegacia de polícia. Aconteceu alguma coisa com ele? É disso que se trata?

O Detetive Avery apoiou os punhos nos quadris e soltou um suspiro pesado.

—Não há nenhuma maneira fácil de dizer isso, receio. Alguém invadiu sua casa durante a noite e... o atacou. Foi morto, Tavia. Ele e alguns de seus seguranças também.

—O quê? — Ela se esforçou para processar a notícia, embora seus instintos já estivessem alertas que algo terrível aconteceu. Estupor rastejou sobre choque e descrença. —Isto não pode estar acontecendo. O Senador Clarence não pode estar morto. Deveria fazer um discurso hoje num hospital no café da manhã de caridade...

Avery pôs a mão como consolo no ombro dela.

—Vamos pegar esse cara. Não se preocupe com isso, tudo bem?

Ela balançou a cabeça em silêncio, tentando dar algum sentido à notícia terrível. À procura de explicações, respostas.

—O homem de ontem à noite na estação, ele advertiu que o senador estava em perigo. Ouviu o que ele disse, não é? Disse que alguém queria matar o senador Clarence. Alguém chamado Dragos.

Uma dura zombaria soou ao seu lado. Tavia olhou e encontrou o olhar duro de um policial uniformizado, que se aproximou enquanto ela e o Detetive Avery estavam falando. Uma cicatriz dividia sua escura sobrancelha esquerda, fazendo seu olhar ainda mais grave.

—Nada, apenas besteira do bastardo. Devia ter bombeado seu crânio de balas. Talvez o derrubasse.

Ao olhar confuso de Tavia, Avery disse:

—O homem em custódia... ele escapou ontem à noite da enfermaria.

—Escapou. — ela murmurou. —Não entendo. Como isso é possível?

—Estamos tentando descobrir isso nós mesmos. Vi o cara quando foi levado da sala de formação. Estava em má forma. De alguma forma conseguiu superar um enfermeiro de duzentos quilos, deixando-o inconsciente antes de escapar do prédio despercebido. Quer dizer, o cara não deveria ser capaz de sair de lá por seus próprios pés, muito menos encontrar o caminho para Marblehead e ir atrás do senador como fez. Nunca vi nada tão brutal. Assim sangrento.

Tavia engoliu o pedaço de tristeza e horror que atravessava sua garganta.

—Sinto muito — disse o detetive Avery, olhando-a preocupado. —Sei que provavelmente não precisa ouvir os detalhes feios. Passou por muito recentemente.

—Está tudo bem. — Ela puxou uma respiração rápida, recuperando a compostura. —Vou ficar bem.

—Gostaríamos que viesse para a delegacia, se puder. Temos mais algumas perguntas para você, e os federais vão querer falar com você também.

—Claro.

Ele fez um gesto em direção à porta do edifício, onde os repórteres pareceram se multiplicar no tempo que ficou dentro.

—Podemos ir agora, antes que este lugar realmente se transforme num jardim zoológico.

Tavia acenou com a cabeça, saindo atrás dele quando ele e um pequeno grupo de oficiais uniformizados a escoltou para fora até um sedan de polícia esperando.

Por um momento, quando saiu para o frio da manhã, sentiu como se estivesse caminhando por um mundo diferente, que não pertencia a ela. Havia algo irreal em tudo, como se estivesse olhando através de um véu, incapaz de ver algo claramente.

Ou talvez fosse simplesmente que não queria ver.

Era incapaz de imaginar o tipo de homem — o tipo de desumano letal — que seria necessário para fazer ao senador Clarence o que o Detetive Avery deixou implícito.

Ela não queria pensar sobre os momentos finais do senador. Trabalhava para ele há anos, sabia que era um bom homem que acreditava que podia fazer diferença. Claro, parecia estar agindo de um pouco estranho ultimamente. Isolado de alguma forma. Distraído. Quem não estaria, depois do tiroteio em sua casa, apenas algumas noites atrás? Uma bala que poderia facilmente o ferir, mas em vez disso atingiu um de seus convidados VIP.

Drake Masters.

O nome rodou através de sua cabeça, e voltou novamente para o que o homem na cadeia disse, que na festa disparou na pessoa que conhecia como Dragos. A pessoa que parecia convencido da intenção de prejudicar ou matar o senador Clarence. Alguém que provavelmente não existia, exceto na sua imaginação.

Parecia loucura para ela agora, mesmo em seus pensamentos.

Ainda mais quando considerava a violência do mesmo homem sobcustódia policial que saltou no Senador Clarence no momento que o viu na sala.

E hoje Bobby Clarence estava morto.

Um assassino confesso, claramente transtornado, estava à solta.

De repente, o sonho perturbador que a acordou na noite passada parecia ainda mais perturbador à luz do dia frio.

Quando o sedã da polícia rolou do meio-fio, Tavia só podia esperar que os olhos ardentes azuis e rosto impiedoso que ainda podia ver tão vividamente em sua mente ficasse relegado aos seus pesadelos.

 

A noite de merda de Lucan estava se transformando numa manhã ainda mais de merda.

Começou com o telefonema de Mathias Rowan algumas horas atrás, por volta do amanhecer, relatando a matança em massa de quase uma dúzia de humanos num clube da Agência. Felizmente, Rowan limpou a situação antes que os assassinatos pudessem chamar a atenção do público, mas era pouco conforto em meio à tempestade do inferno de más notícias e os problemas que a Ordem vinha enfrentando.

E Lucan tinha certeza que as coisas só iam piorar antes de melhorar.

Porra, se ficassem melhores.

Agora, enquanto a humanidade se movimentava apressada pela manhã — na mesma hora que a maioria dos Raça estariam se preparando em suas Darkhavens para dormir e esperar o dia —Lucan e o resto dos moradores do ex-complexo de Boston ainda estavam se estabelecendo em seu novo ambiente.

Lucan não dormia há mais de trinta e seis horas, não que qualquer um dos outros guerreiros o fizesse. Reunidos na sala de guerra improvisada do imenso Darkhaven retirado na floresta ao norte do Maine, que agora era sua base de operações, Lucan e Gideon fizeram o inventário das instalações e sistemas de verificações de status nas últimas horas. Juntaram-se a alguns dos outros, e a conversa em torno da grande mesa de madeira talhada à mão da antiga sala de jantar se voltou para estratégias de missão e necessidade de retaliar contra Dragos por suas contínuas e crescentes ofensas.

—Sabe — disse Dante —, há um lado positivo em tudo isso. — Ele sentou na borda da mesa grande, as sobrancelhas escuras torcendo sobre os olhos cor-de-uísque. — Se precisávamos de uma desculpa para chutar alguns traseiros da Agência de Execução, temos com certeza agora.

—Na mosca. — Permanecendo perto, Rio fez uma inclinação com seu rosto cheio de cicatrizes e ergueu o punho para bater junto com Dante. —Esta noite batermos nos botecos da cidade com algum retorno pesado. — acrescentou ele, seu sotaque espanhol rolando com sua raiva. —Nada mais doce que a chance de derrubar Dragos e a Agência juntos.

Dante sorriu.

—A cereja do bolo.

—Quantos destes clubes privados a Agência de Execução tem? — Desta vez foi Lazaro Archer quem falou. O ancião Raça era o único civil na sala e, em circunstâncias normais, não seria permitido sentar nos negócios da Ordem. Mas era também o proprietário da casa no norte do Maine, propriedade que os guerreiros comandavam como sede temporária, e estavam longe das circunstâncias normais.

—De acordo com Mathias Rowan — Gideon respondeu —, há cinco clubes conhecidos ao redor de Boston, o de Chinatown sendo o local principal.

—Então, quais as probabilidades de Dragos fazer outra aparição num destes lugares? — Archer perguntou.

Lucan grunhiu.

—Nulas.

No extremo oposto da mesa, Tegan, recostado na cadeira e contemplando a maioria da reunião improvisada, balançou a cabeça em concordância.

—Ele tinha um ponto a marcar na noite passada e o fez de uma maneira tão pública quanto podia. Não vamos encontrar Dragos atirando merda e arrasando com os soldados rasos dele na Agência. Não acho que vai tornar isso fácil para nós.

Dante franziu a testa, considerando.

—Ainda digo que não pode ferir se farfalharmos os arbustos da Agência para ver o que aparece. Podemos não pegar Dragos, mas em compensação alguns agentes sujos valeriam o esforço. Especialmente se conseguirmos que um deles fale. — O polegar passou preguiçosamente pela bainha da lâmina de couro no cinto em torno de seus quadris. Uma fração de segundos depois, uma de suas lâminas curvas gêmeas estava em sua mão, o titânio brilhando enquanto dançava a arma através de seus dedos. —Se Harvard estivesse aqui agora, sei que diria a mesma coisa.

Lucan não podia discordar que Dante tinha um ponto. Sterling Chase — Harvard, como foi ironicamente batizado por Dante quase no momento que o ex-agente de execução pôs os pés no complexo da Ordem, pela primeira vez, quase um ano e meio atrás —passou décadas na Agência de Execução Raça. Tempo suficiente para ver um pouco de sua ineficácia e corrupção. Foi por causa dele que a Ordem encontrou um aliado em Mathias Rowan alguns meses atrás. Rowan era um dos colegas de confiança de Chase durante seu tempo na Agência, e estava provando ser um ativo valioso, bem como um amigo para Lucan e o resto dos guerreiros.

Houve um tempo que Lucan diria que Chase também. Inferno, ainda se sentia dessa maneira, apesar das falhas de Harvard e fracassos da tarde. Lucan odiava que fosse forçado a traçar uma linha na areia com ele. Entendia muito bem a besta que Chase estava lutando. Caminhou pelo mesmo caminho, a viu derrubar sua família e amigos há muito tempo atrás, e, quase, a si mesmo.

Porque experimentou o poder destrutivo da Sede de Sangue e viu o que poderia fazer até mesmo ao mais forte de sua espécie, Lucan estava disposto a tudo, menos o perdão, quando se tratava de proteger seus amigos e parentes de seu dano. A incapacidade ou falta de vontade de Chase para se endireitar de sua espiral descendente colocou todos no complexo em risco.

No entanto, Lucan não hesitaria em admitir que a Ordem estava muito melhor por ter tido Chase em seu rebanho. E trabalhar sem ele agora, especialmente depois do que fez para ganhar a oportunidade muito necessária de desocupar o complexo de Boston parecia como se a Ordem tivesse perdido um membro.

Pelo que não foi a primeira vez, Lucan considerou a viabilidade de voltar à cidade para recuperar Chase da custódia da polícia. Era contra seus princípios deixar um companheiro sozinho e exposto no campo. A Ordem sempre tomava muito cuidado com seus caídos em batalha, e apesar de Chase ainda estar vivo por tudo que sabiam, foi uma das decisões mais difíceis que Lucan tomou ao partir de Boston com o resto do complexo, deixando Chase para trás.

Não ajudava que não houvesse nenhuma palavra sobre ele desde que foi transportado em custódia na manhã de ontem. Gideon estava mantendo um ouvido no chão, nas estações de monitoramento de notícias e fontes de cabos para todas as atualizações, mas não havia nada a relatar.

O silêncio no rádio era a única coisa que mais incomodava Lucan. Não esperava por um minuto que Chase pudesse ficar dentro de um bloqueio humano por mais tempo do que quisesse. E não levaria muito tempo antes de sua sede por sangue o levar a se alimentar. Deus me livre se perdesse o controle e atacasse alguém dentro da delegacia.

Só em pensar fez Lucan soltar uma maldição baixa.

—Todos nós precisamos é de um par de lábios soltos — Rio estava dizendo agora, levando-o de volta ao tópico em questão. —Um agente que nos diga algo que não sabemos sobre Dragos e estaremos muito mais perto de matar o bastardo que no passado.

—Não vou discutir nada disso. — disse Lucas. —A Ordem — inferno, todos da nação Raça — estariam melhor se a Agência sofresse uma séria faxina. Mas não podemos desviar nosso foco de Dragos como alvo principal. Tanto quanto gostaria de atacar pelos corredores da consagrada Agência e começar a fazer cabeças rolarem, temos nossas mãos cheias o suficiente sem declarar guerra total à Agência de Execução como um todo.

Tegan encontrou seu olhar pensativo com um estreitamento de seus olhos verdes.

—Isso pode ser exatamente o que Dragos estava esperando que fizéssemos. Jogar uma distração no nosso caminho, enquanto está ocupado fazendo outros planos.

Gideon grunhiu.

—Dividir para conquistar. Dificilmente seria o primeiro megalomaníaco a usar essa arma.

E em outro lugar, outro tempo, Lucan poderia ser arrogante o suficiente para cair numa armadilha desta tática, acreditando-se acima de fracasso. Ele foi infalível uma vez, por um longo período de tempo invencível.

A Ordem foi fundada no fio de sua espada e na coragem de suas convicções. Naquela época não tinha medo de nada, não se curvava a ninguém. Montou em todas as batalhas ao lado de seus companheiros guerreiros, determinado a desafiar a morte, mesmo disposto a aceitá-la, se esse momento chegasse.

Quase 700 anos se passaram desde aquela época. Mas foi apenas recentemente — uma questão de meses — um piscar de tempo em comparação com os séculos que vivia, que começou a tomar decisões que não se baseavam unicamente em sua confiança como líder e nas proezas de batalha de seus homens.

Nunca se preocupou com o bem-estar de ninguém, além de si mesmo. Não havia necessidade. Mas agora?

Inferno...

Agora, sentia responsabilidade pelas vidas de todos sob seu teto, e era um peso que ficava ainda maior desde a evacuação abrupta de Boston.

Ele ouviu a fonte de algumas das suas angústias — gargalhadas brilhantes e gritos encantados de uma menina — vindos de outro quarto.

—Oh, meu Deus! Oh, meu... Caramba, Rennie! Ele disse que ia fazer e realmente fez!

Pela carranca confusa de Lucan, Gideon explicou.

—Aparentemente Mira descobriu a árvore de Natal que Niko trouxe para ela da madeireira antes do amanhecer, esta manhã.

—Árvore de Natal — Lucan ecoou com leve incômodo. Recordava vagamente de Nikolai dizendo algo sobre a menina de oito anos sentir falta das decorações festivas na nova sede, mas não houve menção de trazer uma maldita árvore.

Lucan se levantou e saiu da sala de reuniões para enfrentar a tolice acontecendo na grande sala abobadada no centro da grande casa de pedra e de madeira. No momento que chegou lá, metade do complexo já estava reunido para admirar o pinheiro de dois metros. Nikolai e sua companheira, Renata, estavam com a companheira de Rio, Dylan, ajudando a posicionar a árvore enquanto os guerreiros Kade e Brock olhavam para suas respectivas companheiras, Alexandra e Jenna, ambos recém-chegados do Alasca.

O neto adolescente de Lazaro Archer, Kellan, pairava na periferia. Com apenas 14 anos, o garoto magricela já tinha atravessado o inferno e voltado, graças a Dragos. De seus parentes só restava seu avô, e mesmo o jovem insistindo que estava tudo certo com o que tinha acontecido, Lucan adivinhava que só seria questão de tempo antes de Kellan Archer detonar como uma bomba atômica ou implodir em si mesmo.

O jovem Raça estava no fundo da sala como um espectador entediado, com os braços cruzados sobre o peito, uma franja cor de gengibre muito longa caída sobre seu rosto, enquanto tentava não parecer muito impressionado com toda a produção acontecendo na frente dele agora. Lucan poderia se identificar.

Mira não tinha tal restrição. Saltava no pijama roxo de lã e chinelos de camurça, efervescente na sua alegria.

—Rennie, não é a árvore mais maravilhosa que já viu?

—É bastante impressionante, Ratinha. — Niko e Renata, para todos os efeitos, adotaram Mira como deles próprios após o guerreiro trazer as duas para a casa em Boston, quando voltou de uma missão em Montreal, no verão passado. A morena Renata era tão letal quanto qualquer um dos guerreiros da Ordem, mas seus frios olhos jade suavizavam enquanto dava um sorriso torto para Nikolai do outro lado da árvore, enquanto tentava equilibrá-la em seu apoio.

—É perfeita, bebê.

—Espera...não — Mira abruptamente a dirigiu. —Vai colocá-la muito perto da lareira!

Niko deu a menina um olhar irônico sobre o ombro.

—Claro. Não queremos impedir o Papai Noel de descer pela chaminé com todos os seus presentes.

Kellan Archer zombou de seu posto próximo ao fundo da sala.

—Papai Noel é um mito. Apenas bebês acreditam nele.

—Kellan! — Renata engasgou.

—Está tudo bem, Rennie. — Com os cabelos loiros finos balançando, Mira se voltou para o menino, o olhando muito ofendida. —Não acreditava em Papai Noel desde que tinha cinco anos. Só não queria que a árvore pegasse fogo, se estivesse muito perto da lareira. — Ela revirou os olhos. —Kellan acha que sou um bebê.

—Como devemos decorar a árvore, Mira? — Desta vez foi Alex, a Companheira de Kade que falou. —Trouxe os enfeites que fez?

A boca de Mira pressionou numa linha sombria.

—Só tive tempo de arrumar alguns. Tive que deixar o resto para trás em Boston no complexo.

Ah, Cristo. Lucan gemeu interiormente. Tudo reprimia a alegria aqui. Ele fez isso antes mesmo que entrasse na sala.

Sentindo-se estranho e fora do lugar, estava prestes a se virar e sair da sala quando Niko o jogou sob o ônibus.

—Ei, Mira, certifique-se de agradecer a Lucan também. Trazer esta árvore da floresta foi ideia dele.

—Não — Lucan negou fortemente. —Não tinha nada a ver com...

Mas a menina já se lançava em sua direção. Ela o pegou num abraço apertado em volta da cintura, o rosto docemente inocente virou para encontrar seu olhar furioso.

—Obrigada, Lucan. Este vai ser o melhor Natal de sempre.

Pelo amor de Deus.

Ele ficou ali imóvel, impotente nos braços da criança.

—Talvez possamos fazer guirlandas de pipoca? — Mira perguntou em voz alta, libertando-o no instante seguinte para pular de volta e continuar sua supervisão da decoração da árvore. —O que acha disso, Rennie?

—Claro — respondeu Renata.

A Companheira de Brock, Jenna, caminhou para assanhar o cabelo de Mira.

—Podemos recolher algumas pinhas hoje. São bonitos ornamentos, não acha?

A garota concordou com entusiasmo. —Vai ser ótimo!

—O que acha? — Lucan perguntou ao jovem Raça mal-humorado parado ao lado dele.

Kellan deu de ombros.

—A árvore parece meio curta e desgrenhada para mim.

—Curta e desgrenhada? — Niko respondeu. —Que inferno você diz.

Com a árvore agora no local que satisfazia Mira, o guerreiro Raça colocou as mãos nos ramos cobertos de folhas e as manteve lá. Ficou quieto por um longo momento, e Lucan sabia que o vampiro nascido russo estava convocando a capacidade extrassensorial que era única para ele. Cada macho Raça herdava algum tipo de poder de sua mãe Companheira, seja uma bênção ou uma maldição. No caso de Lucan, através da sugestão hipnótica, podia manipular a mente humana para ver e acreditar que tudo que quisesse.

Quanto à capacidade de Nikolai, Lucan achava uma ironia divertida o fato que seu chefe de armas, especialista em armas com uma propensão a fazer coisas explodirem fosse dotado de um talento que só rivalizado com a própria Mãe Natureza. No silêncio e concentração de Niko, algo começou a acontecer profundamente dentro do centro do pinheiro. Houve um farfalhar suave, então, como se inundado com nova vida, galhos da árvore e agulhas começaram a florescer e esticar. Cresceu mais cheio, mais alto, avançando mais 60 cm em direção ao teto abobadado da sala grande.

Mira riu sobre o silêncio que se abateu sobre todos os outros na sala.

—Impressionante! — Exclamou ela, batendo palmas animadamente quando a árvore cresceu ainda mais.

Kellan Archer, por sua vez, ficou boquiaberto, de queixo caído.

—O que...

Niko tirou as mãos de dentro para fora do núcleo da árvore e tocou a ponta dos seus dedos, como um pistoleiro do Velho Oeste. Sob sua coroa de cabelos loiros, os olhos gelados da Sibéria de Niko enrugaram nos cantos quando deu um olhar ao adolescente. —Agora a única coisa curta e desgrenhada aqui é você, garoto.

Todo mundo riu do adolescente, mesmo Lucan. Ele observou brevemente Kellan avermelhar nas bochechas antes que sua cor voltasse para a palidez amarelada que era seu normal há alguns dias. Lucan lançou um olhar avaliador sobre o corpo magro e fino do jovem Raça, o rosto quase abatido.

—Tem se alimentado ultimamente?

Kellan deu de ombros, evasivo.

—Ele não tem — Mira ofereceu. —Nem mesmo uma única vez desde que foi levado ao complexo, em Boston.

O olhar penetrante que enviou à menina era nada menos que assassino.

—Isso é verdade? — Lucan perguntou.

Outro dar de ombros, cabeça baixa, se recusando a encontrar os olhos de Lucan.

—Acho que sim.

Não admira que parecesse tão anêmico. Fazia quase duas semanas desde que o adolescente foi sequestrado a mando de Dragos. Apenas alguns dias antes que fosse resgatado pela Ordem e trazido, junto com seu avô, em defesa da Ordem, para a sede em Boston, os únicos sobreviventes do ataque Dragos ao Darkhaven de sua família.

Era uma coisa para um adulto Raça ficar uma semana ou mais sem sangue, mesmo que fosse forçado. Mas um adolescente precisava de sustento regular para seu corpo se desenvolver e aprimorar sua força sobrenatural a seu potencial máximo. Para aqueles como Lucan, ligados pelo sangue com Companheiras, a alimentação era um ato de intimidade, tão sagrado quanto era primordial. Para os machos não acasalados e crianças em idade de caça, a alimentação necessária vinha de um hospedeiro humano.

Kellan passou seus primeiros dias na enfermaria do complexo se recuperando do ataque, mas estava fora do leito há um tempo agora e seu corpo estava em grave necessidade de alimento.

Lucan olhou para o adolescente.

—Passou muito tempo desde que se alimentou. Precisa cuidar disso, Kellan. Mais cedo ou mais tarde.

—Eu vou — respondeu ele, os olhos abatidos.

Lucan estendeu a mão e levantou o queixo do jovem, até que não teve escolha, senão encontrar seu olhar.

—Vai hoje à noite. Isso é uma ordem, meu filho.

Kellan franziu a testa. Seu corpo fez um palpável recuo mental, como um animal de repente encurralado num canto.

—Meu avô disse que iria comigo. Estive esperando ele ter tempo, mas está tão ocupado ajudando Jenna...

Lucan balançou a cabeça, dispensando o comentário como à desculpa que tinha certeza que era.

—Vou levá-lo eu mesmo se tiver que fazer. Hoje à noite, Kellan. Fui claro?

Finalmente, um aceno de cabeça, acompanhado por outra olhada na direção de Mira.

—Sim. Foi claro.

Com esse problema resolvido, Lucan olhou para Jenna. A ex-policial do Estado do Alasca era a mais recente adição à população feminina da Ordem.

Ao contrário do resto das mulheres dos guerreiros e também da pequena Mira, Jenna não era uma Companheira, mas do estoque básico do Homo sapiens. As outras fêmeas foram agraciadas com o DNA original e as propriedades de sangue que permitia compartilhar uma longa vida — estendida pelo laço de sangue com os machos Raça e por carregar seus filhos. Companheiras, uma raridade entre suas irmãs mortais, eram identificadas pelos seus talentos únicos especiais e o aroma pessoal de seu sangue, bem como uma pequena marca escarlate de nascença em algum lugar de seus corpos na forma de uma lágrima caindo no berço de uma lua crescente.

Embora Jenna tenha nascido humana, chamá-la de mortal agora não seria muito preciso.

—Gideon me disse que seu exame de sangue mais recente parece bom. Com poucas flutuações nas contagens das células, mas sem surpresas maiores.

A morena alta deu uma risada sarcástica.

—Nada muito incomum. Ainda uma aberração cyborg em andamento.

—Uma aberração quente, se me perguntar. — acrescentou seu companheiro, Brock. O enorme guerreiro negro exibia um largo sorriso que mostrava a ponta de suas presas. —Eu meio que tenho meu próprio Robocop pessoal.

—Oh, sim. — respondeu ela, sorrindo junto com ele. —Vou lembrá-lo disso no dia que for forte o suficiente para chutar seu traseiro vampiro.

Brock exalou um suspiro exagerado.

—Porra, mulher. Já me tem de joelhos, no que diz respeito a você. Agora quer chutar minha bunda?

Do outro lado da sala, Nikolai riu.

—Ei, bem-vindo ao meu mundo, cara.

A brincadeira rendeu um soco brincalhão no ombro de Renata. Ela estendeu a mão para Mira e cobriu os ouvidos da menina antes de adicionar silenciosamente:

—Em sua bunda ou em suas costas, é tudo de bom. Direta, Jen?

Com a concordância risonha de Jenna, Brock a puxou perto e deu-lhe um beijo na boca. Passou a mão em torno de seu pescoço, possessivo, mas terno enquanto olhava nos olhos castanhos de sua companheira.

—Ela sabe que me tem, de qualquer jeito que me queira. Para sempre, se tenho algo a dizer sobre isso.

Onde os dedos descansaram na nuca de Jenna tinha um caroço do tamanho de um arroz da matéria de biotecnologia alienígena incorporada sob a pele. Uma lembrança indesejada de quando acordou da sequência de um ataque recente, feito por um antigo, o último dos oito outro-mundo vampiro que eram os pais da primeira geração dos Raça na Terra. Jenna emergiu desse calvário milagrosamente viva, mas mudou de muitas maneiras. Ainda estava mudando, evoluindo fisicamente e geneticamente.

Seu corpo era capaz de se curar de uma lesão, algo que Gideon descrevia como adaptação-regeneração semelhante à maneira como os Raça se curavam, exceto que Jenna não precisava ingerir sangue para auxiliar o processo. Não tinha presas ou sede de sangue, mas era mais forte e mais rápida que qualquer humano, tão sobrenaturalmente ágil como qualquer Raça. Gideon não estava totalmente certo, mas os testes iniciais pareciam indicar que algo do DNA do Antigo estava dentro do chip de biotecnologia que se integrava na estrutura genética de Jenna. A ultrapassando em vários níveis.

Parte do que era óbvio, mesmo para um observador casual.

Se curvando em torno de seus ombros pela parte de trás do pescoço, onde o implante residia, estavam os arcos de círculos e floreios de um dermaglifo crescente.

As marcas na pele eram exclusivas da Raça de Lucan e dos pais outro-mundo deles, no entanto, esta mulher humana já trazia a sua própria. O dermáglifo de Jenna nunca mudava de cor ou pulsava como os de Lucan e seus irmãos Raça faziam em momentos de extrema emoção ou fome. A cor de seu dermaglifo permanecia estática, apenas uma sombra mais escura que sua pele clara.

E depois havia a questão da tendência de Jenna para falar na língua dos Antigos, enquanto estava dormindo. Os pesadelos eram um novo desenvolvimento, ficando mais forte apenas no último par de dias. Sonhos violentos de combate e catástrofe.

A Ordem ainda estava tentando dar sentido a tudo que Jenna estava se tornando, e parecia que uma chave para resolver essa questão podia ser encontrada ao decifrar as palavras alienígenas e imagens que atormentavam sua mente inconsciente. Lazaro Archer se alistou para ajudar nessa frente. Em algum lugar perto de mil anos de idade e um Raça de primeira geração como Lucan e Tegan, Archer também trazia a experiência útil de ter passado mais tempo na companhia de seu pai Antigo. Baseando-se na sua memória da língua dos outro-mundo, Archer estava ajudando Jenna a revistar tudo que podia, na esperança que os escritos pudessem oferecer algumas respostas.

Lucan estava prestes a pedir uma rápida atualização quando o som da voz de sua própria companheira atrás atraiu sua total atenção.

—Espero que não estejam planejando a decoração da árvore de Natal sem nós.

Gabrielle serpenteou o braço em volta da sua cintura e sorriu para ele quando a embrulhou no abrigo de seu braço. Apenas a sensação dela próxima a ele, seus suaves olhos castanhos como chocolate derretido, fez seu pulso chutar num ritmo mais forte.

—Ohh, está linda. — disse a companheiro de Dante, Tess, que entrava na sala, bem agora. Segurava seu filho recém-nascido de três dias em seus braços, um pacote de pele rosa embrulhada que arrulhava e borbulhava dentro do cobertor azul pálido que cercava sua forma minúscula. Baixou a voz para um sussurro suave quando baixou o rosto para seu filho. —Olhe para isso, Xander. Sua primeira árvore de Natal.

Enquanto ela falava, os companheiros de longa data Gideon e Savannah, e Elise que estava vinculada a Tegan somente desde o ano passado, entraram na sala enorme. Não levou mais que um momento para todas as mulheres, Mira incluse, se agruparem em torno de Tess e do bebê. Nem mesmo Gabrielle ficou imune. Abandonou Lucan sem uma palavra, aparentemente atraída como as outras por algum invisível farol feminino hipnotizante com a presença de um pacote tão pequeno de vida inocente.

Lucan deu ao bebê e suas admiradoras apenas uma olhada de passagem, e relutante com isso. Há muito tempo a base de operações da Ordem não era um lugar para crianças, principalmente crianças desamparadas. Mas até conhecer e se apaixonar por Gabrielle, não esteve muito interessado em fêmeas pondo os pés no complexo.

Não que isso fosse exatamente um complexo. Ou qualquer coisa perto de uma base de comando viável, muito menos agora, quando a Ordem precisava de toda a vantagem tática que pudesse para entrar nesta guerra com Dragos.

Olhou em volta, o Darkhaven emprestado no meio de uma floresta isolada, a acolhedora sala grande com lareira e vigas crescentes e o pinheiro enorme que se estendia na direção deles, perfumado pelo aroma verde do exterior. Olhou para as pessoas que estavam ao redor dele lá, a maioria seus irmãos de armas e suas companheiras amadas. A família que nunca quis, mas de alguma forma acabou por ter de qualquer maneira.

E então olhou para Gabrielle.

Era seu farol irresistível. Sua força maior e sua fraqueza mais vulnerável. Era seu coração. E era aí que sentia um aperto crescente, enquanto a observava baixar o rosto no aveludado bebê nos braços de Tess. Ela inclinou a face para baixo e beijou o bebê na delicadamente arredondada testa, e a beleza pura desse instante único fez o punho em torno do coração de Lucan apertar ainda mais.

Não queria reconhecer esta coisa que estava se infiltrando em seu corpo. Esta dor estranha dentro dele que não podia significar nada bom, especialmente agora.

Foi um alívio ouvir o tranco súbito de botas batendo ao longo do corredor. A batida urgente o empurrou para o modo de batalha num instante, antes mesmo que Tegan aparecesse, o problema escrito no rosto austero do guerreiro.

—Mais notícias ruins fora de Boston.

—Chase? — Lucan perguntou, temendo a resposta enquanto o resto da sala caia num silêncio igualmente grave.

Tegan assentiu.

—Gideon só ficou sabendo disso num feed de notícias da Internet. O Senador Clarence está morto, Lucan. Brutalmente atacado e morto em sua casa, junto com vários de seus seguranças. E adivinha quem desapareceu sem deixar vestígios da delegacia de polícia na noite passada?

As veias de Lucan irromperam com fúria.

—Filho da puta. O que diabos está errado com Harvard?

Mas realmente não precisava perguntar isso, e Tegan não se preocupou em responder. Ambos roçaram ombros com o vício que Chase estava sofrendo agora. E se descobrissem que a Sede de Sangue o levou a matar — especialmente tão descaradamente, e um indivíduo tão altamente visível, cuja morte poderia ter consequências irreparáveis para toda a nação Raça — Chase havia efetivamente acabado de assinar sua própria sentença de morte.

 

Chase levantou a gola do casaco quando dobrou a esquina, numa rua do lado escuro da cidade e se dirigiu mais profundamente na noite cheia de pedestres na hora do rush. Seus ferimentos por arma de fogo estavam sangrando novamente. Podia sentir o calor líquido do seu próprio sangue escoando através do tecido do jeans folgado e da camisa de flanela xadrez que ele pegou numa caixa da igreja cheia de doações de Natal. Suas botas de construção estavam muito apertadas por serem um tamanho menor e o casaco de lã escuro tinha um leve cheiro de naftalina, mas estava quente. Muito quente, na verdade. Sua pele parecia ardente, se estendendo também apertada em torno dele.

Sabia que era a fome chamando.

Começou como picadas chatas cerca de uma hora atrás, uma maneira do seu corpo dizer que a noite estava caindo e que era hora de se alimentar.

A cabeça latejando, as veias estridentes com mais insistência que um despertador, acordou numa fábrica abandonada em Malden, onde foi depois de pagar sua visita surpresa à casa do senador Subordinado. Teve a sorte de encontrar abrigo na noite passada. Mais sorte ainda que seu cansaço dominou sua ganância do vício. Não seria o primeiro de sua espécie a ficar estúpido pela Sede de Sangue e acabar calcinado na parte da manhã.

Mas não caiu nesse abismo ainda.

Pela maneira como seu estômago estava se torcendo sobre si mesmo, tinha que se perguntar se mergulhar na loucura de sangue não seria realmente um alívio no final. Deus sabia, combatê-la a cada segundo de vigília era sua própria marca do inferno.

O sangue que tirou do enfermeiro lhe deu o impulso que precisava para fugir da enfermaria e cuidar do escravo de mente de Dragos, mas estava pagando o preço por isso agora. Como uma amante desprezada que de repente demonstra um interesse breve, mas passageiro, sua sede de sangue exigia toda a sua atenção. Saiu pela rua, de volta à agitação da cidade mais por necessidade egoísta e servil que por qualquer senso de propósito justo ou direito.

Seu olhar pesado deslizou de um humano a outro, a tentação em qualquer lugar, caminhou entre eles como um fantasma. Sem querer, encontrou-se por trás de um grupo de jovens carregando sacolas de compras e longos rolos de papel de embrulho. Casualmente as seguiu enquanto faziam seu caminho até a rua, conversando e rindo uma com a outra. Enquanto a fome o exortava a se dirigir ao estacionamento mal iluminado no final da quadra, as mulheres viraram subitamente à direita e entraram num barulhento pub irlandês.

À medida que desapareciam no estabelecimento lotado, Chase diminuiu o ritmo. Seus dentes estavam afiados contra sua língua, e sob a inclinação baixa de sua cabeça podia ver o brilho fraco de pontos individuais âmbar refletindo do seu olhar de volta para ele na janela do pub, enfeitada por uma guirlanda.

Merda.

Tinha que fazer algo, colocar essa coisa sobcontrole. Sabia onde estava o levando, é claro. Viu isso acontecer com homens melhores do que ele. Viu isso muito recentemente, em sua própria família, num promissor jovem, com o mundo inteiro à sua frente. Perdeu para a Sede de Sangue e foi levado para sempre numa única e maldita ação que assombrava Chase desde então.

Camden.

Jesus, realmente passou mais de um ano desde a morte de seu sobrinho?

Parecia uma questão de dias, às vezes. Outras vezes, como agora, com seu próprio reflexo feroz olhando para ele, parecia que séculos passaram.

Porra de história antiga.

E não podia se dar ao luxo de ficar relembrando o passado. Se manter em movimento era a melhor coisa que podia fazer. E se queria uma chance de driblar sua fome esta noite, era melhor começar a arrastar seu rabo longe da população humana e encontrar um lugar para suar sozinho. Pela maneira como estava dolorido e pelo modo como seus ferimentos eram persistentes, a cura do seu corpo necessitava de novas células vermelhas, então não era prudente estar em qualquer lugar público.

Chase começou a se virar, mas através das janelas do pub, um clarão de movimento numa das telas de TV montada na parede chamou sua atenção. Atrás de uma loira repórter falando sem parar, cobrindo uma história de mais cedo naquele dia, teve um vislumbre do sedoso cabelo castanho caramelo e um rosto bonito que reconheceu instantaneamente.

Tavia Fairchild, sendo escoltada para fora de um edifício de escritórios de Boston por vários policiais e agentes federais em algum momento daquela manhã.

Chase olhou para sua imagem na tela. Suas bochechas estavam flácidas, o olhar doente pelo choque e tristeza quando o agente da lei a apressou para um veículo à espera fora do prédio do governo. Um relógio na parte inferior do vídeo de notícias confirmava o assassinato do senador e que o suspeito ainda está foragido. O vídeo dividia a tela para mostrar sua foto tirada na delegacia, mas Chase só olhou para ela. Sua atenção estava fixa em outra coisa, algo que fez seu sangue gelar em suas veias.

Olhou mais de perto um dos policiais que estava levando Tavia para fora do prédio. Não o detetive da delegacia, mas outro homem, um policial uniformizado com cabelos escuros e o olhar fixo de um escravo da mente. Santo inferno. Quanto de profundo era o alcance de Dragos?

E o que isso significava para Tavia Fairchild, se seus escravos a mantivessem perto de sua mira?

Não poderia ser bom.

A fúria de Chase disparou quando viu o policial Subordinado colocar as mãos sobre ela para ajudá-la a caminho do veículo — da mesma forma que disparou quando a viu ao lado do senador Clarence na sala de visualização da delegacia. Embora estivesse longe de ser herói de alguém, Chase sentiu os pressentimentos manchados de seu velho sentido de honra criar vida dentro dele, quando pensava nela em qualquer lugar perto de Dragos ou de sua legião de servos sem alma.

A notícia da manhã facilmente tinha oito horas agora. Potencialmente oito horas que Tavia respirava o mesmo ar que o policial Subordinado que a levou no carro com o detetive de polícia e foi embora. Se Dragos quisesse prejudicar a mulher, teria tempo de sobra para fazê-lo. Não que Chase devesse ser o único a salvá-la. Inferno, duvidava que pudesse até mesmo salvar a si mesmo.

Mas isso não evitava que seu sangue subisse com novo propósito.

Fez seus pés se moverem, se afastando do bar e atravessando a rua para as sombras. Desapareceu na escuridão, todo seu foco predatório enraizado num único objetivo: encontrar Tavia Fairchild.

Quinze minutos depois, Chase estava agachado como uma gárgula na borda da cobertura do Departamento do xerife do condado de Suffolk, seu olho treinado no agitado estacionamento abaixo. Depois de um desfile de final de turno de policiais uniformizados e pessoal dos escritórios acabarem, sua paciência estava tensa e a cerca de dois segundos de invadir o lugar para encontrar o policial que procurava. Mas então, finalmente, algo útil. Reconheceu o detetive de meia-idade logo que o humano saiu do edifício.

Este era o homem que esteve na sala de visualização de testemunhas com Tavia Fairchild. O mesmo homem que a acompanhava no noticiário da televisão e na conferência de imprensa naquela manhã. Chase viu o humano caminhar através do estacionamento em direção ao seu carro. Apontou o controle remoto na mão e o sedan Toyota prata manchada com ferrugem tocou no meio da linha.

Chase desceu do telhado, suas botas de doação da caixa da igreja pousando no asfalto frio sem um som.

—Tem tempo para um bate-papo, detetive? — Chase já estava no banco do passageiro do veículo no momento que o humano abriu a porta do motorista e sentou atrás do volante.

—Jesus Cristo! — Ele pulou, o pânico inundando seu rosto gordo. Seus instintos policiais chutaram ao mesmo tempo, enviando suas mãos para buscar o revólver no coldre da cintura.

—Não faria isso se fosse você. — Chase alertou.

Aparentemente, pensando melhor, o oficial pulou para a maçaneta da porta ao lado dele. Como se tivesse qualquer chance de fuga. Puxou a alavanca, mas não a liberou, mesmo depois de repetidas tentativas para soltar as fechaduras eletrônicas com a outra mão.

—Droga!

Chase olhou para ele, imperturbável.

—Isso que vai fazer não é bom, também.

No entanto, Avery tentou os bloqueios e maçaneta da porta outra vez, sem saber que Chase os mantinha fechados por sua força Raça. Em seguida, o policial envelhecido de repente ficou desesperado e deixou cair o cotovelo na buzina. O alegre balido japonês disparou como um grito antes que Chase puxasse o braço humano e chamasse sua atenção.

—Isso foi imprudente.

—O que vai fazer? Matar-me aqui mesmo na porra do estacionamento?

—Se o quisesse morto, não estaria sentado aqui prestes a se mijar, detetive.

—Oh, Jesus. — Avery gemeu. —Que diabos está acontecendo? O que há de errado com seu rosto?

No reflexo brilhando que voltava para o vidro da janela ao lado do motorista, Chase viu as brasas gêmeas de seus olhos brilhando âmbar ardente na escuridão do veículo. Parecia monstruoso, feroz. Insano. Nada perto de humano. Ele rangeu os dentes juntos, sentindo as pontas de seus dentes raspando violentamente contra sua língua.

O vislumbre de seu reflexo fez sua mente cambalear de volta para outro momento semelhante de seu passado recente. Naquela época, pouco mais de um ano atrás, Chase sentou num veículo escuro, os olhos brilhantes e os dentes prontos para matar, enquanto olhava para o rosto aterrorizado de um vendedor de droga humano que encaminhou seu sobrinho Camden num vício induzido por narcóticos, para a Sede de Sangue.

Chase era tão hipócrita então, tão certo que poderia ser — talvez o único — capaz de salvar Camden. Ao contrário, foi o único que o destruiu. Sua mente ecoava com a explosão de tiros que abriram o peito do menino naquela noite. Ainda podia sentir o frio implacável do metal em seu lado, a reverberação no seu bíceps no silêncio repentino que se seguiu. O cheiro das balas e do sangue derramava no ar quando um grito cru e enlutado da mulher que uma vez quis como dele mesmo, dividiu a noite.

E agora era Chase que estava aflito, condenado. Não por causa de um gosto irresponsável de Crimson — a substância que arruinou a vida do jovem Cam e de alguns de seus amigos antes do último Outono, mas por causa de sua própria negligência e fraqueza. O ponto culminante de uma vida de fracassos.

Seu egoísmo, a necessidade insaciável e contundente de preencher um vazio que se abriu dentro dele estava finalmente engolir ele inteiro.

Sentiu-se mal com ele mesmo quando o detetive de polícia ficou boquiaberto com o rosto transformado em terror abjeto. Os olhos do homem estavam arregalados como pires, a boca aberta no torpor mudo antes de um gemido abafado irromper de sua garganta.

—Meu Deus, o que é você? O que diabos quer de mim?

Chase soltou uma maldição dura. Não era assim que pretendia agir, deixando o policial humano vê-lo pelo que realmente era, mas era tarde demais para isso. Lidaria com isso depois que obtivesse a informação que procurava.

—Onde ela está? — Chase se inclinou perto, a besta nele saltando ao sentir o cheiro do medo cru. —Preciso encontrar Tavia Fairchild.

Apesar do medo e confusão inundando o olhar do detetive, uma centelha de protecionismo queimou.

—Acha que vou te dizer para que assim possa matá-la também? Vá se foder.

Chase tinha que respeitar o homem por isso. Policial ou não, não havia muitos de sua espécie que mostrariam esse tipo de aliança com alguém que mal conheciam.

Especialmente quando estavam olhando para o rosto de um pesadelo andante. Na experiência de Chase, apenas Subordinados poderiam ser contados no quesito de lealdade, e isso vinha com o preço de suas próprias almas. O Detetive Avery aqui estava muito vivo e com muito medo, mas olhava de volta para Chase com o que só podia assumir ser algum sentido inviolável de honra.

Chase conheceu uma vez esse sentimento em si mesmo. Mas, há muito tempo mal o reconhecia mais.

Realmente não importava agora. O homem que realmente era estava aqui, fazendo este humano decente se encolher diante dele.

—Vi você com ela esta manhã — Chase disse. —Estava com outro policial uniformizado. Cabelo escuro, cicatriz feia correndo numa das sobrancelhas. Qual o nome dele? Preciso encontrá-lo também. Comece a falar, detetive.

—Não vou te dizer nada. Menos ainda onde Murphy a levou.

Santo inferno. Então ainda estava com o Subordinado.

—Onde ela está, porra?

—Em algum lugar seguro. — Avery praticamente cuspiu as palavras.

Chase se abateu sobre o homem.

—Seguro de quê?

—De você, filho da puta! — O detetive começou a tremer, agarrando o colarinho da camisa branca amarrotada e soltando a gravata. — Deus todo-poderoso... você não pode ser real. Não pode ser humano. Isso é como sobreviveu a todos esses tiros. Isso é como foi capaz de sair da enfermaria na última noite...

Chase sentiu o terror rolando do homem quando a compreensão, finalmente, por inteiro, se enraizou no rosto abatido do humano. Estava boquiaberto agora, como se esperasse ser rasgado em pedaços a qualquer momento pela besta que Chase era.

Este era o motivo da Raça proteger o segredo de sua existência por todo esse tempo. Este medo profundo, alimentado pelo mito e folclore sinistro — não totalmente falsos — era a razão da Raça nunca esperar qualquer tipo de convivência pacífica com o homem. O medo da humanidade pelas coisas que viviam na noite estava muito arraigado. Muito perigoso para ser confiável.

Chase não estava acima de usar esse terror a seu favor agora. Nem hesitaria em ferir este homem a fim de obter as respostas que veio buscar. Se Avery soubesse que tipo de mal estava fazendo companhia a Tavia Fairchild agora, não precisaria de coerção.

Então, novamente, se este humano ou qualquer outro entendesse sequer a metade da ameaça que Dragos e seus seguidores representavam no caminho da vida da humanidade, não poderia discutir com qualquer um deles.

Ainda assim, Chase optou pela verdade nua e crua.

Em francos e impiedosos termos, disse tudo ao detetive Avery.

Quando terminou, e após o envelhecido e cansado oficial divulgar o local que estava Tavia Fairchild, Chase o poupou do fardo de carregar seu terrível conhecimento além daquele momento.

Limpou a memória do homem, limpou tudo e o deixou sentado sozinho, mentalmente entorpecido, mas ileso, no interior escuro de seu Toyota.

Tavia demorou no chuveiro da suíte de hotel, não querendo deixar ir a solidão decadente e imperturbável. Não a incomodava muito que não estivesse exatamente sozinha.

A dupla de agentes federais e o policial fardado que a trouxeram naquele dia estavam no corredor curto, na sala do espaçoso quarto.

Separados dela por duas portas fechadas — seu banheiro privada e seu quarto — os homens atualmente estavam absortos num jogo de basquete que sintonizaram alguns minutos antes dela pedir licença para tomar um banho e tirar um cochilo até o serviço de quarto chegar com o jantar. Sob a quente água, ouvia a vibração metálica da televisão na sala, acompanhada por um grito ocasional de desânimo ou um grito triunfante dos homens assistindo o jogo.

Foi surpreendida quando o oficial Murphy informou que estaria passando a noite no hotel — possivelmente mais de uma — sobvigilância armada. O policial de olhos duros com a cicatriz sinistra em sua sobrancelha foi seu companheiro o dia todo, desde o momento que ele e o detetive Avery a levaram para longe do gabinete do senador Clarence naquela manhã. Deus, era tudo tão surreal. Não tinha experiência em ser uma testemunha ocular de um crime, muito menos em precisar de proteção policial em local desconhecido.

Na verdade, porém, não parecia muito diferente de rotina em casa: nunca deixada totalmente por conta própria, alguém sempre verificando seu bem-estar, invadindo sua privacidade sempre que queria, com o raciocínio que tudo era simplesmente para seu próprio bem. Nunca se sentiu particularmente indefesa ou enferma, independentemente do que o Dr. Lewis e Tia Sarah pareciam pensar. É verdade, seu corpo se rebelava de tempos em tempos, seja em reação ao novo tratamento de sua confusão mental ou em situações de estresse elevado. Tavia nunca percebia bem como prever o ataque dos seus "feitiços" como tia Sarah se referia a eles. O Dr. Lewis dizia que tinha uma forma rara de epilepsia, complicada por uma série de outras doenças estranhas que exigiam sua assistência especializada desde quando era um bebê.

O médico de cabelos grisalhos era tanto uma figura paterna para ela quanto tia Sarah foi a única mãe que conheceu. Tavia nunca viu sequer uma fotografia de seus pais biológicos, tendo perdido ambos num incêndio em sua casa que, de alguma forma milagrosa, a poupou.

Tudo que tinha para lembrá-la do passado que perdeu eram as cicatrizes que cobriam quase todo o seu corpo.

Tavia molhou o pequeno sabonete do hotel e o correu ao longo de seus braços e torso, depois abaixo pelo comprimento de suas pernas. As cicatrizes rastreavam por quase toda a parte que tocava, até mesmo em seu pescoço, indolores, desde que se lembrava. Com base em quanto do seu corpo cobriam, as cicatrizes deveriam parecer mais graves do que eram. Os tratamentos do Dr. Lewis operaram algum tipo de magia sobre elas, aparentemente.

Ainda eram horríveis para ela, uma teia implacável de pele rosada sobre a bronzeada que só podia ser escondida sobgolas altas, mangas compridas e calças.

O tipo de vestimenta conservadora de seu trabalho com o senador era uma bênção, e nem mesmo ele sabia de seus defeitos extensos ou suas complicações médicas. Para ele e todos os outros que entrava em contato, Tavia era reservada, profissional e exigente. Sua vida profissional era a única coisa em que se sentia verdadeiramente no controle, e a tornava sua missão ser perfeita de cada maneira possível.

Deus sabia, não tinha vida pessoal para se preocupar.

Apenas tia Sarah, que desistiu de sua própria vida pessoal para se dedicar a cuidar da filha de seu irmão morto. A mulher mais velha nunca falou de seu passado ou sonhos que poderia ter quando jovem. Nunca se casou, nunca lamentou o fato não ter família ou os próprios filhos.

Tavia muitas vezes se perguntava por que sua tia escolheu se nomear, ao longo da vida, guardiã e zeladora de sua sobrinha. Não que não tivesse perguntado, mais de uma vez. Tia Sarah apenas sorria placidamente sempre que questionada sobre essas coisas e descartava todas as perguntas com um tapa gentil na mão de Tavia. —Não se preocupe comigo, querida. Você que é importante. E estou exatamente onde deveria estar.

Pena que tia Sarah não se sentisse do mesmo modo sobre dissecar cada ação e pensamento de Tavia. Queria saber tudo, sempre. Mas nunca ficava irritada ou impaciente, não desde que Tavia a conhecia. Nunca reclamou, o que fazia Tavia se sentir um pouco culpada por estar desfrutando das poucas horas longe da atenção constante de tia Sarah, agora.

Em vinte e sete anos, passou menos de um mês contado fora de casa, incluindo viagens de negócios com o senador e as ocasionais observações de emergência durante a noite e tratamentos privados na clínica do Dr. Lewis. Tia Sarah nunca foi indiferente em qualquer dessas ocasiões, mas quando Tavia falou com ela por telefone mais cedo nesta noite, depois que as redes de notícias a cabo transmitiram o relatório do assassinato do senador Clarence em praticamente todas as estações pela maior parte do dia, a mulher estava tão chateada como Tavia nunca viu.

Levou quinze minutos apenas para convencê-la que Tavia estava segura, especialmente quando os agentes federais e oficiais a proibiram de divulgar a alguém onde estava hospedada. Tavia tinha certeza que se desse a tia Sarah o nome do hotel ou endereço, teria batido na porta assim que pudesse chegar lá. Receava que Tavia não estivesse dizendo tudo a ela, o que não estava.

—Não entendo, querida. Está em algum tipo de problema? Por que os policiais precisam que fique em algum lugar durante a noite?

—Tem um monte de perguntas para mim ainda, tia Sarah. O detetive encarregado da investigação achou que seria mais conveniente se eu ficasse na cidade para que possamos falar hoje à noite um pouco mais, e aí comece novamente no início da manhã.

—Mas não sabem sobre sua condição. Não está bem, Tavia. Deveria estar em casa, e não presa em algum lugar de sua conveniência.

—Estou perfeitamente bem. — ela insistiu, mas ficou claro que tia Sarah não acreditou totalmente.

Tavia gastou mais dez minutos para assegurar que, de fato, tinha seus medicamentos — todos eles, incluindo a pequena reserva que mantinha a mão no caso de uma emergência como esta que poderia atrasá-la na volta para casa —em sua bolsa.

Tavia não tinha energia para explicar que poderia ficar por mais de uma noite. Também não divulgou o fato que convenceu o Detetive Avery a enviar uma viatura não marcada para a vizinhança de tia Sarah para ter certeza que nenhum perigo que Tavia pudesse estar respingasse em seu único parente vivo.

—Não se preocupe comigo, tia Sarah. — ela disse a velha tão delicadamente quanto podia. —Vai dar tudo certo. Realmente vai.

A conversa a deixou com a sensação mais de sufocada que protegida. Odiava a preocupação relutante de tia Sarah, mas havia momentos que Tavia não podia imaginar um futuro sem a tia em sua vida. Sob o mesmo teto. Sentia-se presa, sufocada por isso, e ao mesmo tempo envergonhada por este pequeno ressentimento contra uma mulher que claramente queria apenas o que era melhor para ela.

Tavia colocou a cabeça sob o jato quente e passou um monte de xampu em seu cabelo longo. Ela limpou o couro cabeludo, sentindo as imperceptíveis e quase sumidas cicatrizes antigas que acompanhavam a parte de trás de sua nuca e seu couro cabeludo. Lavou o xampu, em seguida, aplicou o condicionador nas palmas das mãos e o passou nos cabelos.

No outro quarto da suíte, uma buzina soou no jogo na televisão, marcando o fim de um tempo. As vozes dos homens foram transportadas enquanto discutiam a última jogada e faziam observações sobre a equipe de fora da cidade.

Tavia levou seu tempo se enxaguando, encharcando os cabelos e o corpo, relutante em deixar a paz, quente e úmida de que estava gostando. Mas com a barriga começando a roncar e os homens à espera para pedir o jantar até que ela estivesse pronta para comer, finalmente estendeu a mão para desligar o registro do chuveiro. Ele cortou com um guincho.

E depois... silêncio.

Um silêncio não natural e sinistro.

Nua e pingando, espiou atrás da cortina de plástico. Ouviu por um longo momento.

Nada, exceto calma, nem mesmo o som da televisão agora.

—Olá? — Ela chamou ansiosamente. —Oficial Murphy?

Ela pisou no tapete do banheiro. Não havia tempo para se preocupar com uma toalha, então pegou o roupão do hotel de seu gancho na parte detrás da porta e o envolveu em torno de si mesma. Fios de cabelos molhados caíam em seu rosto enquanto rapidamente amarrava o cinto em sua cintura e se arrastava à frente para colocar a mão na maçaneta da porta.

Alguma coisa estava errada. Muito errada. Podia sentir isso em cada fibra do seu ser, nas terminações nervosas chocando com súbito alarme, determinado.

Escorregou para o quarto vazio e foi silenciosamente na direção da porta fechada que levava aos quartos da suíte no final do corredor.

Enquanto se aproximava, um gemido abafado saiu do outro quarto, seguido de um baque duro que fez o chão vibrar sob seus pés nus.

Tavia congelou.

Não precisava abrir a porta para saber que a morte esperava do outro lado, mas não pôde evitar que a mão girasse a maçaneta. Olhou através da menor fresta que ousou. Seus olhos encontraram o olhar cego do Oficial Murphy, deitado imóvel na outra extremidade do corredor. O grande homem tinha seu pescoço torcido e quebrado como uma boneca, sua cabeça num ângulo mórbido no chão.

O coração de Tavia bateu forte contra sua caixa torácica.

Teria o intruso matado todos eles?

Era ele, sabia com uma certeza visceral que pulsava em suas veias.

Seus instintos gritavam para sair de lá agora. Girou nos calcanhares e correu para o controle deslizante das cortinas do outro lado da cama. Tateando a alavanca, finalmente destrancou a porta de vidro e abriu a tela. Uma rajada de vento varreu dentro, soprando finos flocos de gelo em seus olhos.

Dois passos para a varanda fria de concreto, parou e soltou uma maldição assobiada.

O quarto estava dez andares acima da rua.

Sem saída, não por aqui. O que quer que estivesse acontecendo na suíte fora de seu quarto, estava presa no meio.

—Merda. — Tavia afastou o controle deslizante. Ela se virou... e parou bruscamente com um suspiro.

O homem de seus pesadelos, o psicopata demente que assassinou o senador Clarence a sangue frio — e, sem dúvida, agora queria acabar com ela —estava a menos de dois centímetros de seu rosto.

Ela abriu a boca para gritar, mas não conseguiu o menor som antes que ele apertasse uma mão em sua nuca e a outra descesse rapidamente nos lábios. Seu aperto era forte, inquebrantável. De olhos arregalados, aterrorizada, chegou a segurar os dedos, mas resistiram como ferro.

—Fique quieta. — respondeu asperamente, um comando brusco. Sua voz era áspera e profunda, muito mais poderosa de perto do que ontem à noite na delegacia. Havia algo mais completo no conjunto sombrio de sua boca também, e algo não muito certo sobre seus olhos.

No início, atribuiu seu brilho estranho como brasas a um truque de sua mente em pânico. As pupilas pareciam distorcidas de alguma forma, esticadas, finas e estreitas no centro das íris em chamas. Impossível que pudesse ser qualquer coisa, além de imaginação.

Mas não... não era a aflição que a fazia ver isso. Era real. Tão real quanto o calor implacável de suas mãos sobre ela, os dedos abrasadores na sua nuca e pressionando quentes contra sua boca.

Tão real quanto às nítidas e alongadas pontas brancas de seus dentes, que brilharam quando entreabriu os lábios para falar mais uma vez.

—Não vou te machucar, Tavia.

Oh, Deus.

Aqui estava seu pesadelo diante dela na vida real.

Ele não era humano, não podia ser. Sua mente rejeitou a palavra que saltou para fora das histórias de terror e ficção sombrias que tia Sarah a repreendia por ler quando era criança.

Tavia não tinha certeza do que ele era, mas não acreditava nem por um segundo que não ia matá-la naquele instante seguinte, como fez com o senador e os homens na outra sala. Lutou contra ele com tudo que tinha agora, tentando se torcer e ficar livre. Mas não podia se mover longe dele.

Era forte, tão forte quanto qualquer monstro deveria ser.

E com a explosão de adrenalina em sua corrente sanguínea, Tavia sentiu seu corpo começar a se rebelar sob a calma forçada que os medicamentos forneciam.

Sua frequência cardíaca martelou, fazendo seu pulso bater em suas têmporas. Gemeu contra os dedos que seguravam sua boca fechada, durante todo o tempo tentando sair da espiral de ansiedade.

Ele manobrou em torno dela e a empurrou para a cama.

—Não! — Sua mente gritou, o grito físico apagado em sua garganta.

Estava de costas e lutando inutilmente, sua mão ainda cobrindo seus lábios. A outra saiu rapidamente detrás do pescoço, apenas para descansar em sua testa. Aqui, a tocou de leve, o calor de sua palma larga deslizando apenas pela superfície de sua pele.

—Relaxe, Tavia — disse ele, baixo, seu rosnado ameaçador agora mais como persuasão. —Feche os olhos.

Ela resistiu, debatendo a cabeça sob o conforto ímpar de suas palavras. Ele parecia confuso por ela não obedecer. Aqueles olhos desumanos se estreitaram, fixando-a num brilho âmbar mordaz.

—Durma. — Era um comando agora, sua mão ainda segurando a testa.

Ela olhou para ele em desafio, permitindo que lesse sua fúria em seu próprio olhar fervente. Lutando com as pernas, batendo os punhos em vão contra os músculos duros de suas costas e ombros, ela fez outra tentativa desesperada de se libertar.

Enquanto se debatia e lutava, sentiu o ar frio atingir a pele nua do peito. Seu roupão do hotel escancarou no V largo abaixo, expondo-a ao seu olhar da garganta ao umbigo. Desnudando a pior parte dos defeitos de sua pele.

Ele arregalou os olhos.

Em seguida, xingou.

—Inferno Santo...

Tavia gemeu, humilhada, transformando seu susto em algo ainda mais terrível. Mais terrível que ser agredida e temer por sua vida.

Agora, este surpreendente desumano olhava boquiaberto para ela como se ela fosse a aberração.

A palma da mão apertada contra a boca se afastou com outra vívida maldição. A cabeça inclinou num ângulo animalesco, seus selvagens olhos âmbar se voltaram para seu rosto, obviamente incrédulos.

—Que porra é essa?

 

Ele estava tendo alucinações.

Tinha que estar.

Chase sabia o que a Sede de Sangue podia fazer para um de sua espécie. Entendia como a doença podia corroer a lógica, roubar os sentidos e a razão até que nada mais mantinha sua mente sólida. Ele com certeza duvidou de sua própria sanidade nos últimos dias.

A Sede de Sangue estava apertando com força depois que deixou o detetive no estacionamento do posto policial. O combate corpo a corpo com os dois federais inconscientes e com o Subordinado morto, deitado no quarto ao lado, o deixaram ainda pior. Estava em mau estado, sabia, mas nunca sua aflição se manifestou com tal enlouquecido truque mental, como agora.

Porque o que achava estar vendo na pele nua de Tavia Fairchild era impossível.

Um padrão de manchas densas — mas delicadas — rastreava seu corpo do pescoço ao tronco. Eram de cor clara, um lilás quase desvanecido mais escuro que o tom de sua pele clara. Mesmo com sua visão prejudicada, inundada pela luz âmbar de sua fome, a teia de floreios se interconectando e os redemoinhos entrelaçados pareciam algo que estava intimamente familiarizado.

As marcas se pareciam muito com dermaglifos Raça.

—Impossível — disse ele, ouvindo sua própria confusão no rugido feroz de sua voz.

Os desenhos da pele ocorriam apenas em sua espécie. E eram cortesia de uma anomalia genética Raça, que começou quando os Anciãos tiveram seus filhotes com Companheiras e criaram a Raça, todos da espécie de Chase, que por milhares de anos existiram no planeta, nascidos do sexo masculino.

Através do nevoeiro da sua razão questionável, se lembrou de Jenna Darrow, a mulher que chegou recentemente à Ordem do Alasca após um ataque pelo último dos Anciãos. A Companheira humana de Brock tinha marcas como essas agora, mas eram menores em comparação e provocadas pelo DNA alienígena contido no caroço do tamanho de um arroz de biotecnologia que o antigo implantou nela durante seu calvário.

Isso era algo completamente diferente.

Como o roupão ainda estava fracamente preso na cintura de Tavia, o padrão da pele intrincada desaparecia sob as dobras do tecido. Ele pegou um vislumbre mais em seu quadril enquanto ela tentava se afastar dele na cama.

Jesus, o quanto se estendiam?

Ele se aproximou do cinto, prestes a abri-lo.

—Não! — Ela gritou, os olhos fixos nele em horror abjeto quando puxou as bordas fechadas com punhos trêmulos. —Vá embora! Não me toque!

Seu medo o sacudiu do rumo insano que sua mente estava tomando. Não foi até lá para aterrorizá-la. Seu objetivo era vê-la segura, se certificar que o policial Subordinado que a acompanhava não a machucasse. Ao mesmo tempo, estava condenadamente curioso porque Dragos alistaria um dos seus escravos de mente para agir como seu protetor.

Essa pergunta queimava ferozmente quando olhou para suas mãos brancas apertadas que prendiam o roupão fechado sobre seu corpo como se sua vida dependesse disso.

Chase colocou sua mão sobre a testa dela mais uma vez, outra tentativa de transe, mas ela tinha uma mente muito forte que não cairia fácil. Lutou contra a calmaria que deveria abrandá-la por apenas alguns momentos, e tornaria mais fácil para ele decidir o que fazer em seguida. Ela empurrou e lutou, se recusando a se render, apesar do medo que podia sentir saindo em ondas de seu corpo alto e enganosamente atlético.

E tinha outros problemas o agitando agora.

Na frente do quarto, um dos agentes federais que Chase deixou inconsciente estava começando a despertar. Se qualquer um deles acordasse e o visse ali, os olhos soltando faíscas âmbar e os dentes estendidos em afiados pontos, sua mente limpa por ele há poucos minutos teria sido por nada. E não tinha tempo para fazer tudo de novo.

—Levante. — ele rosnou para Tavia Fairchild. Tirou o casaco roubado e a cobriu com ele, roupão e tudo. Então a pegou pelas lapelas de lã e arrastou para fora da cama. —Venha comigo.

Ele deu-lhe pouca escolha. A puxou ao longo do pequeno corredor até a sala de estar da suíte do hotel, ignorando seu suspiro engasgado quando viu os sinais da luta e os três agentes deitados em grandes montes caídos no chão. Sua respiração estava ficando rápida e forte agora, na iminência de hiperventilar.

—Você os matou — gritou ela. —Oh, Deus ... deixe-me ir!

—Só matei quem precisava matar — ele disse enquanto a arrastava através da sala, depois do Subordinado morto. Um dos federais gemeu e começou a se mover onde estava deitado no chão por perto. Seriam apenas segundos antes dele voltar a si, e Chase precisava ter ido embora antes que isso acontecesse.

—Por favor — Tavia disse embargada. —Por favor, não faça isso. Diga-me o que quer de mim!

Deus o ajudasse, não tinha certeza de como responder isso agora. Tudo que sabia era que tinha que sair de lá e não podia deixá-la para trás. Então ela vinha com ele.

Quando ela respirou fundo e a sentiu se preparar para soltar um grito, ele puxou a arma do policial Subordinado da cintura traseira de sua calças onde a guardou após a briga. Bastou um olhar para a arma e ela ficou quieta. Ele nunca usaria nela, era Raça, o que lhe dava cerca de uma dúzia de outras formas que poderia a ter ameaçado a ficar em silêncio. Mas a pistola era mais convincente para as sensibilidades mortais.

—Por aqui — ele ordenou a ela. —Rápido.

Chocada e confusa, ela não resistiu. Chase a empurrou para o corredor do hotel fora da suíte, em seguida, a empurrou para a escada.

Refrescado pela ducha, Lucan saiu pelas portas francesas do seu quarto privado e de Gabrielle no complexo do Maine e ficou sozinho no deck de madeira. Estava nu, gotas de água ainda presas à sua pele, evaporando em tentáculos ao redor dele quando entrou no ar da noite frágil. Estava frio neste extremo norte e o profundo inverno causticante. Ele expirou, deixando limpar sua mente e cristalizar seus pensamentos em torno dos objetivos da missão e do dever. Coisas que conhecia bem — os encargos que escolheu carregar sobre os ombros sozinho, quando fundou a Ordem todos esses séculos atrás.

Nunca se ressentiu dessa escolha, e que se danasse se ia começar a fazer isso agora.

Numa maldição murmurada, inalou outra golfada de frio estimulante e a empurrou profundamente abaixo, determinado a sufocar a dor estranha que o incomodou todo o dia. Ela o incomodava há mais tempo que isto, tinha de admitir, embora crescesse quando viu Gabrielle com Dante e o bebê de Tess, e antes que a dor perturbadora — o vazio indesejado — se desse um nome.

Estava com saudades.

Profunda e inegável.

Cristo, estava doente com isso.

Viu sua amada Companheira perto da pequena criança Raça e por um instante intenso ansiou vê-la inchar com seus próprios filhos. Todo o macho nele rugiu pela necessidade de tomá-la da forma mais primitiva, básica. Naquele momento, hoje cedo, era o que queria mais que qualquer coisa que já desejou.

E isso era algo que não podia se dar ao luxo de sentir bem agora.

Não quando seu mundo estava no meio de uma guerra com Dragos e todo mundo olhava para Lucan para liderá-los. Era ruim o suficiente que se preocupasse com Gabrielle cada vez que a deixava atrás para entrar em combate. Não podia suportar a ideia de, possivelmente, a deixar para criar seu filho sozinha.

Por isso que sempre franzia a testa para os guerreiros, que tendo uma Companheira, os proibia, qualquer um deles, de iniciar uma família servindo a Ordem. Apenas dois verões atrás seu ponto foi provado tragicamente no complexo de Boston quando Conlan, um membro da Ordem por mais de cem anos, teve uma explosão fatal com granadas e explosivos C-4, enquanto a patrulha perseguia um Subordinado. De luto, a viúva de Conlan, Danika, foi forçada a liberar seu companheiro morto para o sol, grávida de seu primogênito. Ela decidiu deixar Boston logo depois, devastada e desolada.

Não que a dolorosa lição fosse o bastante para qualquer um dos outros guerreiros evitar envolvimentos emocionais. De alguma forma, dentro do espaço de menos de dois anos, quase todos tomaram Companheiras, inclusive Lucan. As coisas só ficaram mais complicadas quando Niko e Renata trouxeram com eles Mira, de oito anos de idade, como sua própria filha quando emparelharam cerca de seis meses atrás, e agora Dante e Tess tinham o recém-nascido Xander Raphael.

Lucan inclinou o rosto para olhar ameaçador o disco cinza pálido de uma lua crescente minguante espreitando pela copa dos pinheiros crescentes ao redor. Teria que ser um tolo para pensar em adicionar outra vida inocente na lista de vítimas potenciais nesta situação com Dragos, que se transformaria na catástrofe que Lucan temia estar por vir.

Passou a mão pelos cabelos úmidos e exalou uma maldição para escuridão da noite fria.

—Não sabia que tinha voltado.

A voz quente de Gabrielle chamou sua atenção. Virou-se para encará-la e ficou impressionado, como sempre, pela forma como era bonita. Hoje à noite seus longos cabelos ruivos estavam presos em sua nuca delicada num coque frouxo, cachinhos emoldurando seu rosto bonito e calmos olhos castanhos. Estava vestida toda de preto, não as cores suaves e linhas simples que normalmente usava, mas uma blusa de seda decotada desabotoada até entre seus seios. O tecido era transparente, deslizando sobre a pele de alabastro e o sutiã preto rendado. A saia era justa e se apegava a cada curva sua, insinuando o brilho de seus quadris e suas longas pernas magras. As botas de couro brilhantes a levantavam uns bons cinco centímetros nos saltos altos finos.

Porra, estava quente.

Não era de admirar que estivesse condenado desde o primeiro momento que colocou os olhos nela.

Lucan limpou a garganta.

—Voltei há cerca de uma hora. Está maravilhosa.

Ela sorriu e saiu para encontrá-lo, cruzando os braços ao redor dela para se esfregar do frio. Sua respiração soprou numa nuvem de luz enquanto falava.

—Está em casa há uma hora? O que está fazendo aqui?

Lucan encolheu os ombros e a puxou para o calor de seu abraço.

—Só pegando um pouco de ar.

—Está muito frio — ressaltou. —E você está nu.

Ele colocou sua boca em sua têmpora.

—De repente queria que você estivesse também.

Sua risada silenciosa não parecia tão leve quanto parecia.

—Como foi com Kellan esta noite?

—Ele caçou — respondeu Lucas. —Se alimentou.

—É uma boa notícia.

Lucan grunhiu.

—Será uma boa notícia quando não precisar mandar fazê-lo ou exigir um acompanhante para se certificar que aconteça.

—Ele passou por muita coisa — Gabrielle lembrou. —E é apenas um garoto. Dê-lhe tempo.

Lucan acenou com a cabeça, adivinhando que ela tinha razão. Kellan não ficou nada satisfeito ao descobrir que Lucan falou sério sobre levá-lo pessoalmente para encontrar um anfitrião de sangue naquela noite, se Lazaro já não tivesse planos firmes para ver a tarefa feita. Ao anoitecer, Lucan encontrou o jovem no improvisado quarto de armas da Ordem, engajado num simulado combate solo, empunhando um par de punhais longos. Não era muito bom —os braços muito longos e desengonçados, as pernas que não cooperavam — mas não teve muita prática em batalha, enquanto viveu no Darkhaven. Quase cortou o pé com uma lâmina e se atrapalhou quando Lucan anunciou que estavam indo à caça, apenas os dois, juntos.

Lazaro Archer era perfeitamente capaz e pronto para assumir ele mesmo o garoto, mas Lucan estava curioso. Levou Kellan para Bangor, a cidade mais próxima com uma população decente e locais de reuniões públicas suficientes para escolher sem ser notado como algo mais que turistas de "longe".

Kellan escolheu um velho bêbado dormindo num parque no centro da cidade —presa fácil, mas hoje à noite o exercício não foi acerca de desafio ou técnica. Lucan ficou atrás, enquanto o menino rapidamente se alimentava, em seguida, deixava o anfitrião de sangue num pacífico cochilo de transe induzido. Kellan não disse duas palavras com ele na viagem de volta para a sede, mas seus olhos perderam suas olheiras e a cor de sua pele era rosa, corada e saudável pela alimentação.

Gabrielle virou um olhar interrogativo sobre ele.

—Voltou a todo esse tempo, mas não veio me encontrar e me deixar saber? Isso não é próprio de você.

Ele beijou a testa franzida.

—Você estava com Tess. Não queria incomodar, caso estivessem descansando. Além disso, perguntei a Gideon sobre uma verificação nos sistemas hoje cedo e ele estava esperando eu voltar.

A curiosidade de Gabrielle tomou um tom de suspeita.

—Se não o conhecesse melhor, poderia achar que estava tentando me evitar.

Ele zombou da ideia, mas parte dele se perguntava se podia estar certa. Lançou um olhar sombrio ao céu da noite e à maldita lua suspensa dentro dele. Este era o momento fértil de Gabrielle, e para cada Companheira que compartilhava um laço de sangue com um tipo como Lucan.

Bastava tomar seu sangue e dar sua semente juntos, uma alimentação mútua no momento da liberação — durante o ciclo de uma lua crescente — para criar a centelha de vida de um novo Raça.

O ato era sagrado, não podia ser celebrado com qualquer vestígio de dúvida.

Gabrielle olhou para ele em silêncio. Ela deu um pequeno passo a frente, saindo debaixo do braço dele para olhar o céu de veludo preto por si mesma. Soltou um pequeno suspiro, sem palavras, mas repleto de compreensão. Ela deu as costas para a lua e o encarou, encostado na grade alta do deck.

—Ouvi que souberam de Hunter hoje. Ele e Corinne estão a caminho do norte?

Lucan balançou a cabeça, mais que disposto a pegar o desvio oferecido pela conversa.

—Tiveram que esperar a luz do dia, na Pensilvânia, mas estarão na estrada novamente esta noite. Esperam chegar na Nova Inglaterra antes do amanhecer, e chegar aqui amanhã à noite.

Ainda parecia estranho, por vezes, pensar em Hunter como parte da Ordem, mas o letal Gen Um que uma vez serviu como assassino para Dragos provou ser um trunfo essencial no pouco tempo que estava com os guerreiros. Agora, estava retornando de uma missão em Nova Orleans, que trouxe à Ordem valiosas informações de uma área-chave da operação de Dragos. Hunter estava trazendo essa informação com ele.

Estava trazendo outra coisa também: Corinne, sua nova Companheira, e o menino que ela deu à luz há cerca de treze anos atrás, quando era mantida em cativeiro num dos laboratórios de genética de Dragos.

—Não posso dizer que estou surpresa que Hunter e Corinne estejam juntos — comentou Gabrielle, como se estivesse em sintonia com os pensamentos de Lucas, tanto quanto seu vínculo de sangue com ele os ligava emocionalmente. —Ambos são sobreviventes do mal de Dragos. Agora têm um novo começo, juntos. Nathan também, pobre criança.

Lucan considerou o filho Raça de Corinne, um dos muitos filhos das dezenas de Companheiras presas que Dragos usou para criar seu próprio exército particular de assassinos Raça de primeira geração. Uma prole de Gens Um que compartilhavam o mesmo DNA paterno do Antigo que Dragos manteve escondido e secreto, por séculos, escravizado como doador até que o outro-mundo escapou para as florestas do Alasca. O Antigo estava morto, morto pela Ordem após deixar um rastro de sangue através de muitos assentamentos lá, antes do ataque a Jenna que a mudou para sempre.

Mas seus filhos Raça criados em laboratório viveram, cresceram em solidão, cuidados por Subordinados e educado por Dragos na arte de matar. Eram chamados Hunters, despojados de suas identidades e toda a humanidade desde o momento do nascimento. Garotos como o filho de Corinne, Nathan. E o próprio Hunter da Ordem, cuja mãe era uma Companheira presa, mas não viveu o suficiente para ver a liberdade de seu cativeiro ou ter a oportunidade de procurar pela criança como Corinne recentemente fez. Graças aos esforços persistentes de Gabrielle e das outras mulheres da Ordem, Corinne e as poucas Companheiras sobreviventes restantes foram localizadas em sua prisão secreta e libertadas para tentar começar uma vida novamente.

—Quantos garotos como Nathan acha que há? — Gabrielle perguntou.

Lucan balançou a cabeça.

—Muitos. Dragos vem criando seus assassinos por décadas, começando com Hunter, 50 e tantos anos atrás.

—E suponho que não devemos esperar que as experiências de Dragos estejam limitadas aos laboratórios de reprodução — acrescentou ela, seu tom sombrio. —Só Deus sabe a extensão de seu trabalho doente.

—Com alguma sorte — disse Lucan —, a informação do laboratório que Hunter está trazendo na volta com ele de Nova Orleans nos dará alguma ideia sobre isso.

A boca de Gabrielle se curvou.

—Tenho certeza que Gideon não pode esperar para colocar suas mãos sobre os arquivos do computador. Sem mencionar as amostras genéticas que Dragos mantinha armazenadas e congeladas.

Lucan assentiu.

—Ouvi Gideon falar a respeito, desde o primeiro contato com Hunter, dizendo que estava trazendo os tanques criogênicos e os registros laboratoriais em breve para nós.

A recuperação da informação de laboratório era apenas o mais recente golpe que a Ordem aplicou na operação de Dragos. Era também muito provavelmente o que o empurrou além do limite, desesperado o suficiente para puxar o gatilho sobre o bombardeio do edifício em Boston e levar a lei humana à porta da frente da Ordem.

—Essa coisa com Dragos está longe de terminar — disse Lucas, compartilhando seus pensamentos perturbadores com Gabrielle. —Não vai acabar, não por um longo tempo. Fará algo que não pode ser corrigido. Posso sentir isso em meus ossos. Nunca seremos capazes de voltar ao modo como as coisas eram.

Gabrielle deu um passo na direção dele. Colocou os braços em volta da cintura nua, seu rosto descansando calorosamente contra seu peito.

—Está fazendo tudo que pode. Todos estamos, Lucan. Deixe Dragos fora de sua cabeça agora.

Ele rangeu os molares juntos, pronto para dizer que não tinha como tirar o desgraçado de sua mente. Dragos vivia dentro dele como um fantasma agora, zombador e sujo, oleoso, uma ameaça.

Gabrielle estendeu a mão e pegou sua mandíbula tensa nas mãos sensíveis. Trouxe sua boca até a dela, pressionando um beijo lento nos lábios.

—Tente esquecê-lo por um pouco de tempo — disse ela. Seus olhos brilhavam para ele com uma pitada de malícia. —É seu aniversário, afinal. Ou se esqueceu?

Ele grunhiu, surpreso pelo lembrete.

—Nunca penso muito nesse dia. — disse ele enquanto acariciava as pontas dos dedos ao longo da linha graciosa de sua garganta.

—Bem, eu sim — disse ela. —E tenho algo para você.

Ela saiu de seus braços e caminhou de volta ao seu quarto. Ele seguiu atrás dela, sem conseguir tirar os olhos do balanço de sua bunda perfeita, que parecia ainda mais incrível a cada passo que dava nos saltos agulha pretos. Ela puxou algo de uma gaveta da cômoda, do outro lado da sala, e segurou atrás enquanto se virava para ele.

—Não é muito, apenas algo que pensei que gostaria de ter.

—Não tinha que me dar nada — respondeu ele, a voz um pouco grossa, agora que suas presas erupcionavam de suas gengivas de desejo por sua mulher. Queria arrancá-la dessa saia pegajosa e lambê-la da ponta de suas botas brilhantes até as pontas pêssego dos mamilos apertados no sutiã preto e na seda transparente da blusa. —Já tenho tudo que poderia querer.

Ela puxou o presente em volta, um grande quadrado dobrado de tecido amarrado com uma fita de cetim vermelho. Gabrielle o colocou em suas mãos.

—Abra-o.

Ele puxou o laço e desatou a fita. Quando começou a desdobrar, pela amostra do bordado, percebeu logo o que era. A velha tapeçaria de séculos de idade, uma representação medieval de um cavaleiro das trevas, um cavalo, um castelo ardendo no monte à distância atrás dele. Lucan lembrava desse momento muito bem, ele o viveu. Encomendou a tapeçaria não muito tempo depois que fundou a Ordem, sem nunca suspeitar dos segredos que teria em sua concepção, ou por quanto tempo ele os manteria.

A tapeçaria era importante para ele por muitas razões, mas principalmente agora, porque sua Companheira fez que a peça saísse com segurança de Boston.

—Estava tão ocupado encontrando equipamentos de combate e materiais, que resolvi trazer algumas coisas suas antes.

Lucan olhou para satisfazer seu olhar amado.

—Obrigado. Nunca tive um presente tão agradável.

Colocou a tapeçaria em cima da cama perto e puxou Gabrielle em seus braços. Suas bocas se encontraram num beijo profundo, sem pressa, sensual. Lucan se embebeu nela, sentiu o calor de seu corpo pressionado contra sua pele nua, a seda deslizando entre eles quando a puxou mais perto e passou a língua ao longo da suavidade molhada de seus lábios, o desejo se agitando como gasolina pegando fogo dentro dele.

Sua respiração escapou num rosnado áspero quando escorregou as mãos ao longo da linha elegante de sua coluna, em seguida, até a curva forte de seu traseiro. Ela gemeu quando ele a acariciou e beijou, a ponta lisa de sua língua empurrando pelos dentes para entrar em sua boca. Seus dedos encontraram seu pênis e o pegaram num aperto firme. Ele já estava duro como granito, mas seu toque enviou seu sangue todo para baixo, crescendo numa dor impossível. A boca prendeu com a dele, ela brincando com ele, levemente acariciando seu eixo, provocando suas bolas com apenas as pontas dos dedos.

Lucan pôs a mão entre eles e espalmou seu seio, passando seu polegar sobre o seixo duro de um mamilo tenso contra o tecido e seda que o limitava. Fez um rápido trabalho com os pequenos botões da blusa, então a deslizou por seus ombros e a deixou cair no chão aos seus pés. Quando começou a alcançar o fechamento frontal do sutiã, Gabrielle pegou sua mão e a guiou para seus quadris.

—Me toque — ela sussurrou em meio de beijos inebriantes. —Sinta o quanto quero você.

Ele obedeceu no mesmo instante, levantando o tecido longo de sua saia até que podia deslizar a mão por baixo. As coxas firmes estavam envolvidas em meias de seda que raspavam contra as pontas dos dedos ásperas quando acariciou o comprimento delas. A seda terminava abruptamente, coroada por uma faixa de renda aderente. Seus quadris e bunda estavam nus.

Sem calcinha.

Ah, Cristo.

Ela soltou um suspiro, estremecendo quando ele deixou as mãos vaguearem sobre sua pele lisa, nua. Quando colocou os dedos entre o cetim molhado de seu sexo, sentiu seu gemido de resposta vibrando profundamente dentro de sua própria garganta. Sua excitação pulsava pela necessidade de estar nela. Seu sangue estava fundido, um desejo quente e possessivo em suas veias. Encontrou o zíper ao lado de sua saia e o puxou abaixo. Suas mãos estavam desajeitadas e ásperas quando a empurrou sobre seus quadris e viu como sua mulher se revelava para ele, sem nada, apenas um sutiã preto rendado, e botas de couro reluzente até as coxas.

—Santo inferno — ele murmurou, festejando seu olhar sobre ela.

Ela sorriu, uma curva felina em sua boca inchada pelos beijos.

—A tapeçaria pode não ser o melhor presente que já ganhou.

Lucan só pode ficar lá com atenção plena quando ela lentamente abaixou nos calcanhares delgados diante dele e pegou o pau duro em suas mãos. Seus olhos nos dele, acariciou seu eixo e espalmou suas bolas, seu polegar trabalhando a parte inferior, os dedos lisos com sua excitação. Deus o ajudasse, quando a boca fechou em torno da cabeça dele, quase se perdeu ali mesmo.

Ela o chupou até que mal podia se aguentar, até que tudo que podia fazer era erguê-la de pé e se enterrar ao máximo onde estavam em pé mesmo. Não sabia como encostaram na parede perto das portas francesas abertas um momento depois, não tinha controle suficiente para fazer uma pausa nesta febril foda e levá-la para a cama, onde poderia fazer amor com ela adequadamente.

Não que isso não fosse bom. Nunca sentiu nada mais apropriado em sua vida que o calor de Gabrielle o engolindo completamente, o corpo preso em seus braços, sua boca faminta e exigente na dele.

—Alimente-me — ela sussurrou contra seus lábios agora, beliscando-o com seus pequenos dentes. —Deixe-me beber de você, Lucan.

Não podia recusar. Não havia nada mais íntimo que o vínculo que compartilhavam. Não havia nada mais precioso que pudesse oferecer a sua Companheira que a força vital que lhe dava a imortalidade com ele e a unia a ele enquanto ambos respirassem. E beber dele aumentaria seu prazer agora como nada mais poderia.

Recolhendo seu peso em um braço, enquanto continuava a empurrar em seu corpo acolhedor, Lucan levou seu outro pulso à boca e afundou suas presas nas veias que pulsavam lá. Gabrielle o puxou para ela e agarrou forte. Ela gemeu de êxtase quando as primeiras gotas de seu sangue atingiram sua língua.

Podia sentir seu clímax crescendo. O dele próprio estava bem atrás dela, ganhando poder enquanto ela sugava seu pulso e se enrolava mais firmemente em torno dele.

Podia ver o pulso dela batendo forte nas veias de sua bonita garganta. Esse tambor rítmico atingiu dentro dele também, levando-o à liberação e acenando para ter o prazer que esperava logo abaixo da pele delicada do pescoço de sua bonita Companheira.

Os olhos de Gabrielle estavam abertos, olhando para ele, implorando. Inclinou a cabeça, se oferecendo a ele como uma oferta em cima de um altar.

Lucan rosnou com a força da tentação. Mas sua liberação estava muito perto. E havia uma lua crescente lá fora hoje à noite. Seu olhar se moveu em direção a ela pelas portas francesas abertas e não pode evitar seu rosnado.

A boca de Gabrielle se afastou dos pequenos ferimentos em seu pulso. Estendeu a mão para tocar seu rosto, seus olhos compreensivos.

—Seria tão ruim, Lucan? Eu quero isso também.

Ele não conseguia falar. Olhou para seu olhar amoroso, rasgado pelo desejo e medo, medo do tipo de futuro que seus filhos teriam se falhasse em sua missão agora. Será que poderia arriscar isso?

Será que poderia arriscar sabendo que os filhos que compartilhava com Gabrielle poderiam nascer nesta — ou, pior, se tornar vítimas dela?

Gabrielle não mostrou nenhuma piedade. Seus lábios apertaram mais uma vez a veia aberta em seu pulso, enquanto as pernas envolviam apertadas em seus quadris, os saltos o perfurando como esporas enquanto o segurava contra ela e gritava com os primeiros tremores de seu orgasmo. Lucan rugiu quando o prazer abalou seu corpo, a bainha de seu sexo apertando em volta dele, os músculos o persuadindo na direção do ponto de não retorno.

—Faça — ela sussurrou asperamente, os lábios manchados de vermelho pelo seu sangue quando alcançou sua nuca com a palma da mão. Guiou o rosto abaixo em sua garganta vulnerável. Pressionado a boca contra sua carótida pulsando quando seu corpo esbelto começou a deslizar da liberação. —Oh, Deus, Lucan. Por favor... faça agora. Posso sentir o quanto quer isso também.

O orgasmo de Lucan enrolou duro na base de seu eixo. Não conseguia parar de mover os quadris, não conseguia evitar que sua semente transbordasse, sua liberação à beira de explodir.

Um corte de seus dentes contra sua pele. Isso era tudo que seria necessário. Um gosto de seu sangue na ponta da língua e seria incapaz de não tomá-la por inteiro. Estaria grávida de seu filho até o final da noite.

Ah, porra...

—Não — ele rosnou, mais para si mesmo do que por rejeição ao que ela pedia. Seu pênis estremeceu enquanto se dirigia mais fundo, seu controle começando a desaparecer. —Não posso... não vou fazer isso com você.

Mal soltou as palavras antes de seu corpo detonar dentro dela. Sua liberação correu por ele, um fluxo correndo, sem fim. Lucan virou o rosto para longe da tentação do pulso da veia de Gabrielle enquanto sua semente a inundava e ela ficava imóvel contra ele.

—Sinto muito — ele murmurou quando finalmente foi capaz de achar sua voz novamente. Gentilmente puxou seu pulso fora de seu alcance e selou os furos com uma lambida de sua língua. —Gabrielle... eu sinto muito.

Sentindo-se como um covarde e um bastardo, abaixou a cabeça para ela e a segurou num silêncio prolongado e terrível.

 

Ela não sabia onde ele a levou. O quarto estava escuro, as janelas fechadas com persianas de aço prensadas entre os painéis duplos de vidro. Nenhuma luz vinha de fora da rua, mas nas horas que passaram desde que foi levada para lá, Tavia podia ouvir o barulho abafado do tráfego crescente com a chegada da aurora. O silêncio de fim de noite se foi, agora marcado pela confusão da manhã, o barulho ocasional de uma buzina de carro ou o silvo de um ônibus de transporte coletivo freando com o zumbido rítmico de pneus no asfalto congelado.

Estava numa casa de algum tipo. Provavelmente ainda dentro de Boston, talvez até mesmo no coração da cidade.

Ela devia estar morta agora. Após ser forçada a sair do hotel com uma arma, tendo testemunhado o que aconteceu dentro da suíte — três agentes totalmente armados desacordados e deixados imóveis pelas mãos de um homem claramente desequilibrado e letal — Tavia não via qualquer razão lógica para pensar que seria poupada, não importa a palavra de seu sequestrador que não iria machucá-la. Estava alerta e esperando a morte chegar a qualquer momento, ouvindo a calma dentro do lugar estranho que ele a trouxe, se perguntando se ele simplesmente dormia além da porta trancada do quarto ou se decidia a melhor forma de dispor dela.

Mesmo agora, depois de a noite passar ao amanhecer e ainda estar respirando, não estava nada convencida que sairia desta situação viva. Sentou na beirada de um colchão king-size nu num quarto que estava vazio, exceto pelas poucas peças de mobiliário cobertas, temendo que a próxima vez que o visse provavelmente seria a última.

Ele não disse a ela para onde iam, simplesmente correu pela escada dos fundos do hotel até a garagem abaixo do nível da rua, a jogou no porta-malas do sedã dos agentes federais, e fugiu com ela. Embora parecesse que levou mais de uma hora, Tavia podia jurar que nunca deixaram a cidade. Os sons e cheiros, os solavancos e curvas da rede compacta de ruas, o crepitar geral da atividade que seus sentidos reconheciam como se pudesse quase imaginar a cidade dentro da escuridão apertada da mala.

Era familiar para ela. Era a liberdade lá fora, se pudesse encontrar uma maneira de sair deste quarto trancado.

Fora dessa inerte e envolta casa fantasma.

Apertando mais o roupão em torno de si, Tavia saiu da cama e foi até a janela mais uma vez. Não havia nada para ver, nenhum meio de abrir as janelas. Pareciam ser controladas eletronicamente e tão seguras como um cofre de banco. As vidraças eram grossas, os painéis fixos. O único modo de atravessá-las seria as estilhaçando, assumindo que o vidro podia ser quebrado. E supondo que pudesse encontrar qualquer tipo de ferramenta para usar nisso.

Os olhos dela levaram algum tempo se ajustando à escuridão sem luz, e Tavia olhou para o mobiliário que estava envolto em lençóis pálidos por todo o quarto. Robustas, as formas sugeriam uma mesa alta e cômoda espelhada no piso no fim da cama de dossel. Ela se aproximou e levantou o lençol para dar uma rápida olhada nas gavetas. Para sua surpresa, encontrou meias cuidadosamente embaladas e cuecas dobradas, organizadas com precisão militar e agrupadas por cores e estilos de tecido.

O guarda-roupa rendeu a mesma descoberta inesperada: um armário cheio de roupas masculinas, dezenas de ternos com aparência cara e smokings, facilmente dezenas de milhares de dólares em roupas casuais conservadoras. Uma coleção de sapatos tamanhos 43, tudo preto, e tudo meticulosamente polidos e mantidos, forrados na linha inferior do armário enorme. Quem viveu aqui desfrutou de uma vida privilegiada, rodeado por coisas muito finas.

E, aparentemente, deixou tudo para trás.

O quarto inteiro gritava dinheiro antigo e raízes há muito estabelecidas. Tavia olhou para as molduras que rodeavam o teto, as paredes que não eram pintadas ou forradas, mas cobertas de delicada seda marfim. Foi para o outro lado do grande quarto, os pés descalços afundando num tapete escuro com estampas orientais que se espalhava ao longo de quase toda a extensão do piso.

Uma mesa ampla tomava a maior parte do espaço da parede em frente à cama. Puxou o lençol e sentou na cadeira de couro suntuosa. A parte superior da mesa estava limpa, mas suas gavetas, como os da mesa e da cômoda, tinham o conteúdo perfeitamente ordenado de uma vida interrompida e abandonada.

Tavia vasculhou as canetas e materiais de escritório à procura de algo que pudesse usar como arma contra seu raptor ou uma ferramenta para romper seu confinamento. Quando escavou em direção à parte traseira da gaveta, as pontas dos dedos encontraram uma pilha de fotos instantâneas com uma variedade de outras antigas numa bandeja de prata rasa.

Puxou a bandeja para fora e a colocou sobre a superfície de madeira polida da mesa. Estava gravada com um nome de distinta sonoridade: Sterling Chase.

Dele? Ela se perguntava.

Um frasco de metal pequeno do tamanho de seu polegar rolou para frente e para trás em cima das fotos. Tavia o pegou e examinou, mas não poderia dizer o que, se algo, estava lá dentro. Sentia a luz na mão, e não fez nenhum som quando ela o mexeu, mas sua rolha estava cuidadosamente selada com cera vermelha. Ela o virou de lado, quando seu olhar caiu sobre as fotografias.

Havia cerca de uma dúzia no total. Eventos aleatórios e assuntos documentados do que parecia ser de uma década atrás: A recepção formal dentro de um clube de campo elegante. Alguma premiação com a presença de uma multidão de homens imensos vestidos no mesmo tipo de ternos escuros que encontrou no armário do quarto.

Uma festa de aniversário de menino, resplandecente com balões brilhantes, serpentinas e um monte de presentes embrulhados — uma celebração que parecia ter acontecido nesta casa.

E um último instantâneo enterrado no fundo da pilha.

Tavia olhou para ele e sentiu um pouco do sangue sair correndo de sua cabeça...

Era seu captor.

A ameaça demente — o homem que alertava seus instintos que era algo mais que humano. Estava atrás de um caro sofá a olhando, seus braços musculosos abertos para formar um arco protetor em torno dos ombros delgados de uma mulher loura e do menino da foto da festa de aniversário. O menino estava mais velho, já não era a criança de cabelos brancos sorrindo e segurando uma caixa gigante com um arco em cima dela, mas um adolescente bonito vestindo um moletom da Universidade de Harvard e um sorriso arrogante que parecia dizer que tinha o mundo aos seus pés.

A mulher era impressionante. Delicada e bonita, o rosto oval perfeito, tão perfeito como a seda marfim nas paredes que a rodeavam, os longos cabelos louros da cor do milho, seus grandes olhos lavanda cobertos por escuros cílios. Ela sorria para o jovem como uma mãe orgulhosa, mesmo que parecesse ser apenas alguns anos mais velha que ele.

O raptor de Tavia estava sorrindo também, uma curva sutil, praticada da boca larga que o fazia parecer ao mesmo tempo encantador e devastador. Atraente não chegava nem perto de descrever os ângulos inclinados do rosto e o corte determinado e quadrado de sua mandíbula.

Mas onde seu sorriso parecia ensaiado e colocado, seu olhar era desarmantemente nu. Ardia com um tipo doloroso de desejo.

Tudo isso visando à bela jovem que se mantinha vagamente no abrigo de seu abraço.

Tavia voltou atrás com o resto das fotos mais uma vez. Ele estava na maioria delas, participando de aparentes importantes reuniões, vestido em seus ternos impecáveis, rodeado pela riqueza, privilégio e requinte.

Meu Deus.

Quem ele era, o que se tornou — essa era a vida de onde ele veio.

Esta era sua família.

Este lugar que a trouxe?

Era sua casa.

Chase acordou com um barulho forte na cabeça.

Soltou um rosnado gutural, a sede de sangue o triturando com garras afiadas que mal o soltaram de seu aperto na noite anterior. Seu crânio latejava, a boca estava seca como algodão. Cada partícula de seu ser parecia crua, viciada. Faminta por uma dose.

Sem abrir os olhos, levantou do chão onde caiu algumas horas atrás, enfraquecido pelo esforço e machucado, desesperado por alimentação. Uma alimentação que não podia se dar ao luxo de tomar, quando seu vício só ansiava cada vez mais pela próxima vez.

Sentiu que a madrugada se foi. Horas se passaram desde que chegou a este lugar com a mulher do hotel.

Tavia Fairchild.

O nome dela parecia menos estranho agora, e mais um quebra-cabeça que precisava resolver. Ela era um mistério que não fazia sentido para ele, mas um que não podia ignorar.

Foi por isso que a trouxe aqui, a este lugar que nunca devia voltar de novo.

Precisava de tempo para pensar, tempo para observá-la. Nos momentos urgentes após a violação de sua suíte de hotel — assegurado por policiais — e o tempo precioso que desperdiçou dirigindo em torno de Boston em busca de um abrigo viável, finalmente aceitou que só havia um lugar que podia ir agora. Seu antigo Darkhaven, onde foi o líder de sua família após a morte de seu irmão mais velho em serviço para a Agência de Execução Raça.

Chase se afastou dele quando se juntou à Ordem um ano e meio atrás, nunca olhando para trás. As dúzias de parentes próximos pelos quais era responsável —jovens primos, amigos, família e relações distantes, desde então se mudaram para outros Darkhavens na área. Agora, sua antiga casa nada mais era que um túmulo vazio das memórias de seus pecados passados e fracassos.

Esta mansão triplex em Back Bay de Boston era o último lugar que queria estar, mas não conseguia pensar em nenhum outro lugar que seria seguro o suficiente para Tavia e distante o suficiente da rede para ele. No que dizia respeito a ele, os policiais humanos só conheciam sua única residência sendo a mansão da Ordem. Não sabiam coisa alguma sobre ele, exceto o que esteve disposto a contar.

Tudo um pouco mais de mentiras e meias verdades.

Chase gemeu, não querendo abrir seus olhos quando outro ataque martelou atrás de suas têmporas. Seu corpo inteiro recuou sob o implacável bang! ... Bang! ... Bang! ... Que parecia ecoar em torno e dentro dele.

Então a queda repentina de vidro quebrando.

Chase estava em pé e na porta trancada de seu quarto num instante.

A abriu e encontrou Tavia de pé com seu roupão branco do hotel na frente da janela fechada, arquejando enquanto fazia uma pausa para levantar a pesada cadeira e batê-la contra o vidro novamente. Um halo penetrante de brilhante luz solar atravessava o vidro estilhaçado, cegando-o assim que entrou.

Chase assobiou pelo assalto solar, suas presas saindo de suas gengivas por causa de sua ira. Levantou o braço na testa para proteger os olhos e segurar seu braço antes que ela pudesse dar outro golpe.

—Que porra acha que está fazendo?

—Deixe-me! — Ela gritou quando ele arrancou a cadeira de suas mãos. —Vou sair daqui!

Chase a agarrou pelo braço e a puxou do quarto com ele, batendo a porta fechada atrás deles. A empurrou para o estúdio adjacente onde passou a noite.

—Está fora de sua maldita mente?

Ele a empurrou para longe dele não muito gentilmente, mal capaz de controlar a parte selvagem que estava tirando suas forças, procurando algum motivo para se soltar. Ela estava meio abaixada no chão, perto da lareira, o roupão escancarado o suficiente para descobrir a maior parte de um seio perfeito. Chase xingou. Sua visão estava banhada em âmbar ardente, sua pele picava pela agitação de seus dermaglifos lívidos.

Normalmente, tentaria desviar o olhar, tentaria se esconder dos curiosos olhos humanos, mas ela olhava para ele sem piscar, inabalável, seu olhar inteligente preso infalivelmente em sua transformação de homem para monstro.

—Quem é você? O que há de errado com seus olhos? Vi seus dentes na noite passada no hotel. Você... —Ela engasgou um pouco com a palavra. —Vi seus dentes. Posso vê-los agora também. Então me diga a verdade. O que diabos é você?

—Acho que sabe, Tavia — ele respondeu sem rodeios.

—Não — ela disse. Soltou um som curto como risada. —Não, juro a você que não sei. Nem tenho certeza se quero saber.

Ela tremia agora, as pernas trêmulas quando começou a ficar de pé. Ele inclinou a cabeça, olhando para ela. A estudando por uma reação que diria mais sobre quem — e o que — ela era.

—Você está com medo.

Seu rosto ficou um pouco mais pálido.

—Estou apavorada, seu doente filho de uma puta! Matou meu patrão. Matou vários policiais e agentes federais...

—Eu te disse, os agentes estavam principalmente ilesos — ele interrompeu para lembrá-la.

—Não importa o que você diz. Não acredito em você — respondeu ela com veemência. —É um psicopata de sangue frio. Na melhor das hipóteses, é o que é. Na pior das hipóteses, nem quero pensar no que pode ser. É um monstro!

Chase deu um passo em direção a ela, vendo seu peito debaixo do roupão solto, que mal a cobria, mas ela lutava para permanecer em pé.

—Agora está com raiva.

—Fique longe de mim — ela disse enquanto ele se aproximava.

Ele olhou para a pele exposta. O V do decote de seu roupão mostrava uma fatia ampla das marcas que cobriam o peito e o tronco. Aquelas marcas ainda estavam da mesma malva desvanecida que esteve quando a viu pela primeira vez na noite passada na suíte do hotel.

Não podiam ser dermaglifos, percebeu agora. Os seus mesmos estavam pulsantes e em cores vivas — uma reação visceral ao seu elevado estado emocional — mas os dela, apesar de seu medo e raiva agora, permaneciam estáticos, totalmente imutáveis. —Estas marcas suas... como diabos pode tê-las?

—Nunca viu cicatrizes de queimaduras? — Ela puxou o manto fechado para escondê-las quando a cor rosa cobriu suas bochechas. —Não que seja da sua conta, mas quando era um bebê, houve um acidente. Queimei todo meu corpo.

Embora a história parecesse plausível, e ela certamente parecia acreditar, Chase não estava convencido.

—Vi cicatrizes de queimaduras antes e não pareciam com isso.

—Bem, as minhas são. — disse ela. —E acho que deve saber que também tenho uma condição médica séria. Não estou bem. Preciso dos meus remédios.

Ele zombou, impassível pela óbvia linha tola.

—Não parece doente para mim.

—Estou dizendo a verdade — ela insistiu. —Meus remédios estão na minha bolsa, no hotel. Não posso ficar mais de oito horas sem tomá-los. Poderia ser fatal para mim.

Ele deu mais um passo na direção dela, perto o suficiente para ver o desespero em seus olhos verdes cítricos. Ela olhou abaixo na direção das ferramentas da lareira, então tentou agarrar apressada um atiçador de ferro. Ela empunhou a coisa como uma lâmina na frente dela, prestes golpeá-lo duro com ela.

Chase jogou o longo metal de suas mãos por toda a sala com o poder de sua mente. O queixo dela caiu, os olhos se arregalando quando o atiçador foi transportado via aérea. Ele atingiu o piso de madeira com um ruído estridente derrapando antes de parar a vinte metros de distância.

—Não é muito forte, Tavia. — Chase se aproximou antes que ela pudesse perceber que estava se movendo. Ela piscou para ele em alarme quando colocou as mãos sobre seus ombros num aperto sutil, mas firme. —Não é muito rápida também.

Ela lutou contra ele, mas ele a segurou com facilidade. Mesmo que seu cérebro mortal trabalhasse para processar o que estava presenciando, seus instintos estavam imediatamente prontos para enfrentá-lo. Os olhos em chamas, o queixo subindo em desafio.

—É disso que se trata para você? Quer alguém para lutar com você antes de finalmente matá-lo?

Assim próximo era impossível não notar como era bonita. Seu cabelo caramelo-marrom caia em ondas brilhantes que dobravam em seus ombros, emoldurando as altas maçãs do rosto, a curva da mandíbula graciosa e elegante garganta. Seu olhar verde brilhante, mesmo inundado de raiva e medo irradiava inteligência aguçada. Longos cílios pretos cobriam aqueles olhos, suavizando a inteligência afiada com uma inocência doce. Sua boca era generosa, os lábios carnudos rosa escuro feitos para beijar. Entre outras coisas.

Chase a bebeu, sua suspeita de antes se transformando em interesse de outro tipo, não menos poderoso. Um desejo espontâneo e indesejável o alfinetou nesse momento, intensificando e escurecendo agora que a estava segurando a apenas um sopro de distância da sua boca.

Não uma delicada criança, mas uma mulher magra e atlética que tinha poucos centímetros a menos que sua altura de 1,98m. Ela tinha corpo de nadadora, com perfeitas proporções musculares, tonificada, forte e ágil. Parecia naturalmente apta, não moldada pelos rigores de um personal trainer e dieta rigorosa.

Cada curva e ângulo era uma construção impecável de anatomia feminina, escassamente coberta por um pedaço grande de pano e seu corpo masculino respondeu com aprovação em ascensão.

Podia sentir seu pico de ansiedade enquanto a estudava. Suas narinas vibraram com o cheiro de seu medo e indignação e algo mais além da adrenalina que o simples Homo sapiens carregava em suas veias. Carrancudo, tentou processar o que seus sentidos diziam.

Ele inclinou a cabeça em sua direção, movendo seu rosto perto do lado do pescoço dela. Ela ficou totalmente imóvel quando ele arrastou um longo fôlego contra sua pele, a cheirando forte.

—Não tem cheiro humano.

—Oh, Deus — ela gemeu, sua voz vibrando através dele. —Por favor, não faça isso.

A fome o atacou pelo erro de ficar tão perto de sua carótida pulsante. Era muito fácil se imaginar penetrando a carne macia. Bebendo de sua veia aberta.

Perguntava-se que sabor ela teria. Será que seu sangue seria acobreado picante, mundano ou algo mais exótico?

Provar sua veia era provavelmente à maneira mais rápida de determinar se era de fato humana, ou alguma outra coisa. Mas sabia que um gole seria muito. Precisava morrer de fome para arrancar esta sede para fora de si mesmo, não alimentar o vício. E Tavia Fairchild estava completamente fora dos limites até que chegasse ao fundo de quem, e o que, realmente era.

Chase procurou seu olhar.

—Diga a verdade, Tavia. Sabe que não é o que está fingindo ser.

—Não sei do que está falando. — ela insistiu. —Está louco.

—Não. — ele disse, dando uma risada áspera e sem humor. —Não estou louco, ainda não. Estou são o suficiente para ver que guarda um segredo. Então me diga o que é. Diga-me o que você é. Será que Dragos fez isso com você?

Ela fez outra tentativa inútil de sair de seu aperto.

—Você é um lunático! Nunca ouvi falar do nome Dragos até que você o disse na delegacia de polícia.

Quando ela se afastou dele, Chase estendeu a mão e levantou seu rosto atrás para o dele. Observou, esperou, à espera de ver suas pupilas começar a diminuir para finas ranhuras verticais da maneira que as dele estavam agora. Mas não houve mudança nas pretas piscinas redondas que olhavam para ele. Ela não podia ser Raça, não importava como seus instintos dissessem que nada mais poderia a explicar.

Impulsivamente, colocou o dedo nos lábios dela e os forçou em sua boca, macia e úmida para procurar nos dentes pela presença de presas. Não havia nenhuma, é claro. Apenas uma linha reta de humanos dentes brancos e brilhantes.

Ela apertou seu dedo com eles, o mordendo com força suficiente para tirar sangue.

Chase puxou sua mão de volta com uma maldição afiada.

Ela olhou para a pequena ferida, seus olhos presos nela e cheios de raiva. Seu corpo tremia agora, tremia todo, como se estivesse prestes a se partir. Uma gota do sangue de Chase manchava seu lábio inferior.

—Cristo — ele murmurou, só agora reconhecendo o quanto a estava forçando. Uma parte dele sentia vergonha pelo terror que estava infligindo sobre ela, mas outra parte, aquela que ainda latejava e estava selvagem pela fome, cavava suas garras em seu traseiro, exigindo ser solta do seu controle.

Tudo que era Raça em Chase insistia para que pegasse esta fêmea e saciasse sua sede por ela. Desejo, desconfiança e crua necessidade de sangue era uma combinação perigosa, que não tinha certeza de quanto tempo poderia suportar. Cresceu acima dele numa onda negra, quase muito poderosa para resistir. Tinha que colocar alguma distância entre ele e essa mulher, antes que a Sede de Sangue se apoderasse dele completamente.

Com um grunhido, girou Tavia e puxou as mãos dela para trás.

—O que está fazendo? — Ela exigiu.

Ele não respondeu. Não tinha voz, agora que sua fome rugia a vida dentro dele. Um comando mental trouxe uma peça de seda, que servia de cortina numa janela próxima, até a palma de sua mão. A prendeu em torno de seus pulsos, em seguida, a acomodou numa cadeira ao lado da lareira.

—Por favor. — disse ela, seu tom era de medo e indignação numa negociação desesperada. —Por favor, não vou contar a ninguém o que vi. Prometo. Apenas me deixe ir.

Ele agachou na frente dela, no nível de seus rostos. Ela estava tremendo e se sacudindo, um brilho de suor denso saindo de sua testa. Olhando para ela agora, tinha que se perguntar se estava dizendo a verdade sobre sua condição médica. Parecia doente e pálida desde que o mordeu, à beira do desmaio.

Chase mesmo não se sentia tão bem. Facilmente faltavam oito horas antes do anoitecer. Oito horas antes que pudesse se entreter com a ideia de sair de lá para eliminar um pouco de sua agressão. Oito horas preso num quarto próximo a uma mulher que o tentava mais do que queria considerar.

Seus dedos tremiam pela força de sua fome de sangue quando estendeu a mão para limpar a mancha escarlate de seus lábios. Seus olhos imploravam por misericórdia, mas a besta feroz ganhando vida dentro dele agora não tinha nenhuma.

Levantou e caminhou para longe dela, sem uma palavra.

 

—Hoje a polícia não fez nenhum comentário quando questionada se o incidente que ocorreu ontem à noite no centro comercial de Hyatt Regency estava de alguma forma relacionado ao recente assassinato do senador Robert Clarence. O Canal 5 tem relatos não confirmados que pelo menos um corpo foi retirado da cena. No entanto, os policiais não estão dispostos a revelar quaisquer detalhes adicionais na pendência de uma investigação completa...

Dragos silenciou a TV de tela plana e jogou o controle remoto atrás dele na cama. Nu, sua pele coberta de dermaglifos ainda brilhando de suor e sangue humano derramado puxou as calças de onde caíram algumas horas atrás, e as vestiu.

—Vistam-se. — disse ao par de mulheres que atenderam suas necessidades recentes, básicas e carnais. As duas humanas eram jovens e estúpidas, arrancadas do estoque local do continente na noite passada e trazidas um punhado de milhas da costa para seu covil nesta ilha escondida. Deram uma olhada no seu carro com motorista como se esperassem em um semáforo na sua cidade triste e pouco depois subiram ao interior, logo que ele curvou o dedo para elas em convite.

Seria seu último erro, como com todos os seus outros brinquedos, não tinha intenção que qualquer uma delas vivesse para sair de seu covil inteiras.

Descartando o pensamento delas já, saiu do quarto. Uma vez que se mudou para a fortaleza remota ao largo da costa do Maine mais de um mês atrás, conseguiu obter o máximo de sua operação on-line novamente e funcional. Sistemas estavam no lugar numa base de contingência para anos, e seus escravos pessoais de tecnologia e especialistas de laboratório trabalhavam contra o relógio para ver tudo continuando a funcionar sem problemas.

Tinha outros Subordinados incorporados ao redor de Boston e outros lugares, uma verdadeira legião de escravos mentais humanos cujos olhos e ouvidos — e às vezes suas mãos matando — eram leais apenas a ele. Foram esses Subordinados que relataram sobre o hotel ontem à noite, horas antes dos jornalistas experientes na estação de televisão local começarem a farejar o incidente.

Dragos conhecia o policial que foi morto dentro da suíte que pertencia a ele. Também sabia que era trabalho da Ordem, especificamente de Sterling Chase, que fez a matança. A fuga do guerreiro da custódia policial tinha custado a Dragos já vários Subordinados, e não menos que o próprio senador Robert Clarence.

Não que Dragos não fizesse uso rápido e prudente das conexões políticas do humano em ascensão desde o momento que escreveu sua primeira contribuição para a campanha de eleição do senador. Na verdade, o senador poderia ser ainda mais útil morto do que enquanto estava respirando.

Uma pena ter que perder Tavia Fairchild no início do jogo, no entanto.

A notícia que ela desapareceu durante a noite não era uma surpresa completa. Estava sob a vigilância de seu Subordinado e dois agentes federais no hotel. Com a invasão da suíte por Sterling Chase, parecia quase certo que a fêmea estivesse nas mãos da Ordem agora.

Será que iam matá-la quando percebessem o que era? — ele se perguntou ociosamente.

Não importa. Não era a primeira de sua espécie, nem a última. E uma vez que a Ordem descobrisse isso, seria muito tarde para fazer alguma coisa de qualquer maneira.

Dragos estava sorrindo quando entrou em seu centro de comando. Ignorando as cabeças abaixadas de sua equipe Subordinada na sua chegada, caminhou até a sala do centro de operações e sentou no banco apressadamente deixado por um dos técnicos. Ligou um diretório de arquivos criptografados num dos computadores e observou com orgulho como o monitor enchia de esquemas e diagramas de credenciação de segurança para numerosas infraestruturas do governo.

Mais informação carregava na tela: layouts de usinas, operações militares e salas de controle de transporte, tanto nos Estados Unidos como no exterior. Estruturas Políticas e organizacionais de empresas.

Documentos ultrassecretos que só um espião de habilidade consumada e anos de esforço dedicado poderiam proporcionar.

Dragos olhava os meios para derrubar o homem de dentro para fora. Tudo que faltava era abrir a porta.

Quando fez uma pausa para admirar os frutos de seu próprio gênio, seu celular começou a tocar no bolso da calça. Era a linha que usava apenas para negócios específicos — de fato, deu o número privado apenas para duas pessoas. Com o senador Clarence abatido duas noites atrás, deixava apenas outra opção possível.

—Drake Masters — anunciou quando respondeu, dando o nome que seu interlocutor estaria esperando ouvir.

O segundo no comando dos Estados Unidos limpou a garganta.

—Bom dia, Sr. Masters. Espero não estar ligando num momento ruim.

—Claro que não. — Dragos respondeu suavemente. Embora sua voz fosse calma e profissional, seu pulso disparou pela promessa da isca numa armadilha para sua presa distraída. —E, por favor, senhor, me chame de Drake.

—Bem, obrigado, Drake. — disse o ex-professor universitário que atualmente estava a apenas um batimento cardíaco de distância, sem dúvida na maior sede do poder do mundo. Também foi um amigo de longa data e mentor de Robert Clarence, e o peso de sua tristeza era evidente na voz fraca e rouca do envelhecido humano.

—Uma coisa terrível, terrível, o que aconteceu com Bobby. Nosso país perdeu um verdadeiro patriota, um dos melhores. E acho que deve saber que ele falava muito bem de você.

Dragos deu uma risada leve antes de usar um tom adequadamente sóbrio quando falou de seu Subordinado.

—O senador e eu tivemos uma união de mentes, se quer saber. Compartilhamos um sonho comum para este país. Na verdade, para todo o mundo.

—Não tenho dúvida disso — o vice-presidente concordou. —Sei que não conhecia Bobby há muito tempo, mas deixou uma impressão bastante forte sobre ele, Drake. Era praticamente tudo de que falava ultimamente, especialmente nos últimos dias. Sentiu que era muito importante que você e eu tivéssemos a chance de sentar e discutir como nossos interesses para o país podem engrenar. Inferno, o garotinho insistiu que eu abrisse espaço para você na minha agenda, então, quem sou eu para recusar?

—Bobby podia ser bastante persuasivo quando se tratava da campanha que ele acreditava, — disse Dragos. —Mas então, não era isso parte do seu charme?

O homem riu.

—Está certo, Drake. Está certo. Ouça, queria pedir desculpas por não termos nos conectado ontem à noite como Bobby providenciou antes que fosse... — A voz sumiu por um momento. —Obviamente, muita coisa mudou nos últimos dois dias.

—Claro. Não precisa se desculpar. — Mas Dragos não estava prestes a deixar seu encontro cara-a-cara com o importante político deslizar por entre os dedos. —Não pensaria em me impor, senhor, especialmente depois que acabou de perder um amigo próximo. — Ele fez uma pausa, como se para se recompor. —Você e eu perdemos um bom amigo. Negócios podem esperar por outro momento.

—Na verdade — o humano continuou —Estou planejando estar em Boston amanhã à tarde para o funeral de Bobby. Talvez você e eu possamos encontrar algum tempo para falar após o funeral.

—Certamente — disse Dragos, se esforçando para conter o entusiasmo de sua voz. Tudo que precisava era de alguns minutos a sós com o humano e ele seria completamente seu. Os lábios de Dragos se separaram com seu sorriso aumentando, as presas enchendo sua boca em antecipação pelo triunfo que viria em breve. —Até amanhã, senhor.

Chase estava na frente da pia do banheiro na suíte master do Darkhaven, costurando o último de seus ferimentos por arma de fogo da outra noite. Bolas de algodão e gaze enchiam a bacia preta profunda da pia, tudo encharcado e cheirando a antisséptico e sangue. Passaram aproximadamente setenta e duas horas desde que foi ferido na delegacia. As feridas deviam estar curadas agora. Que ainda permanecessem não era um bom sinal.

Nem a dor atroz que sacudia profundamente em sua medula, obrigando-o a caçar. Se alimentar. Preencher o vazio que em breve seria interminável, inextinguível.

Seus dedos tremiam ao redor da agulha de costura do kit de farmácia. Sua visão estava borrada nas bordas, tornando-se difícil como o inferno se concentrar sob o amarelado brilho das luzes do banheiro. Piscou para afastar o tilintar irritante de seus sentidos, rangeu os dentes e empurrou a agulha para passar o fio através da pele acima do músculo peitoral esquerdo. Puxou o último ponto apertado, em seguida, fez um nó rudimentar para amarrar as suturas.

Quando mordeu a ponta da linha para soltá-la, pegou seu reflexo no espelho. Selvagens olhos rodeados de preto olharam para ele no espelho. Pele pálida e bochechas magras que o envelheciam — não muito para os mais de cem anos de sua verdadeira idade, mas facilmente uma década a mais dos 30 vibrantes que era sua aparência normal como membro adulto Raça. Parecia cansado e desgastado, à beira da derrota.

Inferno, sentia isso também.

Com uma maldição murmurada, jogou a agulha na pia com o resto do lixo. Sua respiração estava irregular quando soltou um longo suspiro, então se levantou com um rosnado baixo. Que diabos estava fazendo, se escondendo neste lugar esquecido por Deus, mantendo uma mulher contra sua vontade no outro quarto? Mesmo que ela fosse algo mais do que parecia, mesmo que estivesse ligada de alguma forma a Dragos — quem era ele para ser seu juiz e verdugo? Não fazia mais parte da Ordem. Não fazia parte da Agência de Execução há muito tempo.

De onde estava agora, não era tão difícil se ver através dos olhos assustados de Tavia. Estava enlouquecido, perigoso... um monstro.

Pelo que não era a primeira vez, seus olhos se desviaram para o pequeno frasco de prata que repousava sobre a borda da bancada de granito preto. Ele o encontrou no quarto, caído em cima de sua mesa velha com um punhado de fotos impressas de quando ele chamava essa casa de Darkhaven. Foi incapaz de resistir a pegar o recipiente delgado com seu maldito conteúdo selado dentro.

Mesmo agora, sua mão se moveu em direção a ele como se atraída por uma corda invisível.

Chase espalmou o frasco, o frio do metal contra sua pele. A cera vermelha que selava a rolha de cortiça parecia suave sob a ponta do polegar. Dentro da cápsula prata estava tudo que restava de uma substância fabricada que destruiu muitas vidas antes do outono passado, incluindo a de seu sobrinho, Camden.

O laboratório e o humano que criaram a droga estavam muito longe, mas Chase salvou esta última dose como um lembrete para si mesmo do mal que ajudou a destruir. E olhando para ela agora, teve que reconhecer que salvou a amostra venenosa por outra razão. Era seu fim. Sua garantia que se sua luta para resistir à Sede de Sangue fosse demais para suportar, poderia acabar com ela num único momento.

Um gosto de Carmesim era suficiente para torná-lo um estúpido Renegado enlouquecido num instante. Assim como fez com Camden e muitos jovens amigos Raça inocentes no ano passado. Mas no interior do inócuo frasco de prata polido estava uma dose letal da droga. Mais que suficiente para matar.

Chase rolou o cilindro fino na palma da mão, vendo-o por aquilo que realmente era: sua pílula de suicídio.

Estava a meio caminho, totalmente por conta própria. Quando de pior poderia chegar antes que o Carmesim fosse sua melhor opção?

A agitação na outra sala trouxe de volta seus pensamentos para problemas mais imediatos. Tavia estava acordando. Ela finalmente adormeceu pouco antes do pôr do sol, exausta, caída na cadeira onde a deixou. Agora era noite profunda, e Chase já havia saído para buscar suprimentos e voltado, enquanto ela dormia. Colocou o Carmesim sobre o balcão do banheiro e saiu para o estúdio.

Ela estava sentada agora, o roupão do hotel em volta dela como um cobertor, com as mãos ainda presas atrás dela. Sua cabeça se ergueu lentamente quando ele entrou na sala, seus movimentos pesados e apáticos. Ela gemeu pelo esforço. Sua língua saiu para molhar os lábios secos.

—Que horas são?

Chase encolheu os ombros quando se aproximou dela.

—Perto de 10, acho.

Ela gemeu de novo, sacudindo sua cabeça.

—Muito tempo. Nunca fiquei tanto tempo sem meus remédios.

—Vai se sentir melhor depois que comer. — Chase apontou para a mesinha ao lado dela, onde estavam uma sacola de papel e uma garrafa de água. —Trouxe um sanduíche.

Ela se encolheu como se a simples ideia a repugnasse.

—Não estou com fome. Sinto-me tonta. Preciso sair daqui. Meu corpo dói todo do lado e minha pele... parece muito tensa por todo lugar.

Chase grunhiu. Ela estava praticamente descrevendo como se sentia agora, seu corpo mal saindo da onda torturante da Sede de Sangue que o sobrecarregou pela maior parte do dia e da noite. O sofrimento era intenso. A tentação de caçar e comer enquanto estava fora nesta noite quase o venceu.

—Se incline para frente — disse para Tavia quando agachou na frente dela na cadeira. Apesar do olhar de desconfiança em seus olhos, ela pendeu contra ele, enquanto ele alcançava atrás dela para desatar o cordão que prendia seus pulsos nas costas.

Não quis perceber o quanto ela cheirava bem tão perto de seu rosto, como sua pele e cabelos ainda carregavam a fraca fragrância de sabonete e xampu do hotel e esse aroma mais intrigante que era só dela. Tentou ignorar o peso de sua testa no seu ombro nu e o fato que por toda parte do seu corpo onde o tocava, seus sentidos ardiam com uma consciência instantânea. Sua exalação suave o queimou como fogo, as amarras se afastaram de suas mãos e ela cedeu ainda mais em seus braços.

Chase pôs a palma da mão em concha em torno de sua nuca e a puxou para trás para olhar seu rosto. Procurou por sinais de doença em suas bochechas coradas e brilhantes olhos verdes. Embora pudesse ver que estava cansada, sobrecarregada fisicamente e emocionalmente, ainda havia uma força nela, um desafio silencioso que parecia mais instinto que poder consciente. Era de uma beleza encantadora e inteligente em seus traços delicados, mas orgulhosa.

E ela estava o estudando agora também.

Seu olhar vagou por seu rosto, demorando em sua boca antes de levantar para encontrar e fixar seus olhos.

—Parece normal agora — ela murmurou. —Diferente de antes. Neste momento, parece humano... mas não é, verdade?

—Não, — ele disse simplesmente, decidindo que era inútil negar quando ela já o tinha visto no seu pior.

Ela engoliu em seco, mas não se afastou ou se dissolveu em histeria. Estava calma e fria, processando sua admissão num silêncio cauteloso.

—Será que sua família sabe? É por isso que eles deixaram você?

Ele franziu o cenho, confuso agora.

—Minha família. Do que está falando?

—Esta casa — disse ela. —E as fotos... Eu as encontrei na mesa do outro quarto. Havia uma bandeja de prata dentro da gaveta. Tem um nome gravado sobre ela. Seu nome, certo? Seu nome é Sterling Chase.

—Quanto menos você souber sobre mim, melhor, Tavia.

—Mas Sterling é seu nome — ela insistiu, se recusando a desistir.

—Chase — ele murmurou. —Ninguém me chama de Sterling. Não mais.

Ela o observou agora, o estudando muito de perto para seu gosto.

—O que aconteceu com sua família, Chase? Vi sua foto com uma mulher jovem e um menino. Só queria saber se sua esposa...

Chase a cortou com uma baixa maldição sussurrada.

—Ela era companheira do meu irmão. Não minha.

—Oh. — Os olhos de Tavia o deixaram, então, uma rápida olhada abaixo que o deixou mais desconfortável do que devia.

—Do jeito que estava olhando para ela na foto, pensei...

—Pensou errado — respondeu ele, conscientemente seco. Não estava prestes a desenterrar seus pecados passados, e muito menos os levar a julgamento. Era ruim o suficiente que carregasse o fardo de sua própria consciência, quando chegou neste Darkhaven e as memórias o pararam. —Esta foi minha casa uma vez — disse a ela. —Mas fui o único a sair. Nunca quis ver esse lugar de novo.

—Há quanto tempo foi embora?

Sua pergunta o pegou desprevenido, uma coisa tão simples de perguntar. Embora não quisesse reviver, viu a resposta deslizar facilmente de sua língua.

—Fez um ano no último outono. Logo após o Halloween.

Ainda podia ouvir a repercussão do tiro em seus ouvidos. O grito devastado da companheira de seu irmão, Elise, ecoando dentro da noite quando seu filho — apenas uma criança — caiu sem vida no chão. Um belo adolescente, que virou Renegado por causa do Carmesim e foi morto por tiros de titânio disparados da pistola de Chase.

—Estava apaixonado por ela?

Chase se sacudiu de suas lembranças sombrias, uma carranca se formando entre os olhos.

—Eu disse, ela pertencia ao meu irmão.

—Ouvi o que disse — disse Tavia uniformemente. —Mas isso não foi o que perguntei.

—Não tenho certeza se já amei alguém — ele murmurou. —Cristo, nem tenho certeza se sou capaz.

Não era um comentário mal-humorado, mas a pura verdade. Nunca pensou nisso antes. Nunca disse as palavras em voz alta até agora.

Ele manteve o olhar de Tavia, percebendo apenas depois que sua mão ainda estava envolta ao redor de seu pescoço. Seu pulso chutou contra as pontas dos dedos, os tendões de seu pescoço tensos quando a segurou num aperto frouxo, mas implacável. A viu abrir os lábios para puxar uma respiração e sentiu uma súbita, feroz vontade de beijá-la. Um impulso louco, mas não estava exatamente operando em plena sanidade recentemente. Ele engoliu o desejo indesejado, a garganta seca como cinzas.

—Deve comer agora — disse ele, a soltando e levantando abruptamente. —Trouxe algumas roupas também. Pode se trocar depois que se alimentar.

—Eu te disse, não estou com fome. — disse ela, empurrando o sanduíche longe.

Chase encolheu os ombros.

—Faça como quiser.

Ele colocou tanta distância quanto podia entre eles, indo para o outro lado do estúdio num passo agitado perto das janelas altas. As persianas eletrônicas estavam fechadas e estavam assim desde que os moradores da Darkhaven se mudaram no ano passado. Mas o corpo de Chase sabia que era noite do outro lado do aço e vidro. Suas veias pulsavam com o conhecimento, cada dura batida do seu pulso uma lembrança da sede que estava se esforçando para negar.

—Você não está bem também — disse Tavia, observando seu ritmo e espreitando do outro lado da sala. —Mesmo não sendo... não importa o que realmente é, posso ver que precisa de atenção médica. Assim como eu...

Ele zombou, um rosnado baixo e cru em sua garganta.

—Você não precisa se preocupar comigo. Quanto a si mesma, não parece tão doente como quer que eu acredite.

—Mas estou — ela insistiu. —Querendo ou não acreditar em mim, está brincando com minha vida me mantendo aqui assim. Já matou vários inocentes. Realmente quer outra vida manchando suas mãos?

—Nenhum deles era inocente — ele respondeu asperamente. —Eram Subordinados de Dragos, todos eles. Desalmados. Estúpidos. Já estavam mortos muito tempo antes de eu terminar com eles.

—Subordinados — disse ela, olhando-o com cautela. —O que quer dizer com eram Subordinados de Dragos? Na delegacia, tentou me avisar que o senador estava em perigo. Mas então, quando o viu, disse que era tarde demais, que Dragos já o possuía. O que quer dizer com isso?

Ela estava realmente confusa, o que só fez sua suspeita aprofundar. Ou realmente era alheia à Dragos e suas maquinações, ou era uma atriz consumada. Chase a dispensou com um movimento brusco de sua mão.

—Não importa. Falei demais.

Mas ela não ia desistir.

—Diga-me o que realmente é isto. Só estou tentando entender...

—Talvez seja melhor para você, se não o fizer.

—Talvez devesse ter pensado nisso antes de me colocar no meio disto.

Seu tom não tinha nenhum veneno, apenas uma ousada franqueza que tinha que respeitar. Chase olhou para ela, percebendo que tinha um ponto. Ela estava profundamente atolada agora, graças a ele. E enquanto não podia estar certo se ainda estaria viva se não houvesse intervido com o senador e o policial Subordinado que estivera com ela no hotel, tinha que admitir que fez tudo para garantir que sua vida nunca mais voltasse ao que era antes.

Mesmo se o que era antes fosse uma mentira.

Ainda havia uma parte dele convencido que ela não era quem dizia ser, ou não sabia dela mesma. Não podia descartar a sensação que era algo mais que humana. Algo diferente. Mas o quê?

Poderia Dragos ter essa resposta?

O pensamento atravessou sua mente antes, mas agora o incomodava. Ficava gelado ao achar que ela poderia de alguma forma estar conectada a Dragos, inconsciente ou de outro modo. E no fundo, na parte dele ainda comprometida com a causa da Ordem, ainda determinada a ver Dragos aniquilado — Chase queria saber se Tavia Fairchild poderia ser útil para ajudá-lo a chegar perto do inimigo que pretendia destruir.

Sua própria vida já estava perdida. Estava totalmente preparado para cair em chamas, juntamente com Dragos, se isso fosse necessário para derrotá-lo de uma vez por todas. Depois de tudo, não tinha nada a perder.

Teria descido tão baixo que estaria disposto a apostar a vida desta mulher também? Não tinha certeza se queria saber a resposta dessa pergunta.

Do outro lado do estúdio, Tavia gemeu baixinho e levou as mãos à cabeça.

—Oh, Deus... está ficando pior. Realmente preciso dos meus remédios. Preciso sair daqui... — Ela olhou para ele, então, e era impossível ignorar o verdadeiro sofrimento em seus olhos. —Por favor — disse ela. — Por favor... Não vai me deixar ir?

Chase ficou olhando, tentando ver através de seu jogo. Mas não havia engano nem jogo aqui, só miséria, medo e confusão. Sabia que o certo seria fazer o que ela pedia e libertá-la.

E se fosse um homem melhor, poderia fazer.

 

CAPÍTULO 13

 

Tavia acordou gritando no escuro.

A pele dela parecia cortada e crua, num segundo incendiando, no seguinte esfriando até os ossos. Debatia-se e pulava — apenas para perceber que estava deitada de costas numa cama grande, contido pelos pulsos e tornozelos por grossas cordas entrançadas com as cortinas do quarto. Lembrava vagamente de ser trazida de volta para o quarto depois que recusou a comida e a bebida, doente demais para engolir qualquer um. Tentou dizer ao seu captor que não tentaria fugir — que sequer podia tentar, pois seu corpo começou a se rebelar.

Ela pediu para deixá-la ir, implorou pela sua misericórdia. Ele não mostrou a ela nenhuma.

Tavia tentou lutar contra os laços que a prendiam sobre o colchão agora, mas não tinha força. Seus membros estavam pesados, sua cabeça tonta, o estômago revirando e se agitando.

Oh, Deus... o que estava acontecendo com ela?

Estava tão doente agora, mais doente que já esteve antes. Doía toda, torturada com um tremor no corpo inteiro que parecia se originar no fundo de sua medula. Seus sentidos pareciam em guerra entre eles, balançando e escorrendo da fraqueza para a hiperatividade. Sentiu seu pulso batendo em suas têmporas e dos lados do pescoço. Seu coração batia contra suas costelas, tão rápido e forte que era uma maravilha o órgão não explodir.

Os olhos estavam fechados apertados, e fez outra tentativa inútil de se livrar da corda que a prendia na cabeceira da cama. Puxou e puxou, gemendo drasticamente à medida que a pele macia de seus pulsos começava a se irritar.

—Quieta agora. — Quentes dedos fortes se prenderam em torno de ambos os pulsos. Seu captor, Chase. Ela não tinha sequer o ouvido entrar no quarto, mas lá estava ele, envolto nas sombras sombrias. Seu toque era firme, mas suave, sua voz um sussurro áspero que patinava sobre sua testa. —Fique imóvel, Tavia. Está bem.

Seus olhos procuraram os dela, manchas de fogo ardente âmbar em seu olhar carrancudo. Ela não queria que sua voz grave a acalmasse, mais do que queria que a palma da grande mão aliviasse um pouco da queimadura das restrições que colocou nela.

No entanto, encontrou algum conforto em suas palavras murmuradas. Seu polegar acariciando seus pulsos à toa acalmou o pulso irregular. Contra sua vontade, ela se acalmou, seus sentidos respondendo a ele como a maré que se estendia para atender a lua.

—Deixe-me ir — disse ela, ainda querendo negar o que estava sentindo. Seu corpo não era seu mesmo agora, mas não perdeu completamente sua mente. Não ainda, de qualquer maneira.

Pelo menos estava vestida agora. Antes de ele a devolver ao quarto que aparentemente se tornou sua prisão, Chase deu a ela um saco de compras de uma loja de roupas da Back Bay e permitiu que usasse o banheiro para se refrescar e trocar o roupão do hotel por um agasalho preto. Ele comprou uma calcinha e sutiã também, e não queria saber o quanto esteve próximo a olhando enquanto dormia mais cedo naquele dia, a fim de saber o tamanho dela tão perfeitamente.

Mas apesar de suas garantias, ela não estava bem. Sentia algo deslocado e solto dentro dela, uma parte sua se partindo, à deriva, fora do seu alcance.

Lutou contra o sentimento de desamparo, o pânico crescente tirando seu fôlego.

—Deixe-me ir — ela ofegou. Não podia conter seu gemido ou o choro desesperado que vazava entre os lábios. A onda de sua doença a arrastava outra vez. Não sabia quanto tempo poderia combatê-la. —Por favor... Acho que estou morrendo. Tenho que... sair daqui...

Quando sua voz desapareceu na neblina que inundou seus sentidos, sentiu o toque suave de Chase em sua testa. Um cuidado agradável que não parecia possível vir do monstro que sabia que ele era, quando empurrou de lado o cabelo úmido que se agarrava em sua testa. Seu toque demorado, traçando um rastro de luz ao longo da curva de seu rosto, em seguida, pela linha de sua mandíbula rígida.

—Por favor — ela sussurrou, mas sua voz estava quase sumida agora. A consciência escurecendo por trás de suas pálpebras pesadas, levando-a de volta na direção de um sono inevitável.

Quando sua mente começou a deslizar para a escuridão, pensou ter visto um vislumbre de humanidade em seus olhos, uma nota de pesar na leve torção de sua boca enquanto olhava para ela.

Mas ele não disse nada.

E então estava à deriva mais longe de sua realidade, a escuridão se levantando para levá-la. Virou a cabeça para ele, seu rosto molhado de lágrimas quentes quando ele lentamente se retirou do seu lado e desapareceu nas sombras.

Hunter chegou na nova localização da Ordem naquela noite, à frente de uma tempestade de inverno tempestuosa. Lucan e os outros guerreiros se apressaram em ajudá-lo a descarregar o caminhão baú que dirigiu desde Nova Orleans, trazendo uma riqueza de informação tirada de um dos tenentes caídos de Dragos.

Um cofre à prova de fogo trazia registros laboratoriais impressos e unidades de armazenamento de múltiplos dados de computadores criptografados. Havia um par de grandes tambores de aço inoxidável, uma merda pesada, coroada de metal polido, tampas hidraulicamente fechadas que pareciam volantes. Apenas um dos recipientes criogênicos alojava amostras genéticas viáveis, o outro estava com um rombo enorme e a tampa comprometida, sangue seco respingado abaixo do lado do tanque.

Não havia necessidade de Lucan adivinhar como o estrago foi feito. Hunter também trouxe os pedaços quebrados de um colar de obediência de polímero ultravioleta carregado que rompeu de seu portador em combate. O assassino que Dragos enviou para proteger o material de laboratório com sua vida. Graças às habilidades mortais de Hunter, o assassino falhou. E agora a benção das informações que confiscou do laboratório pertencia à Ordem.

Hunter entregou os pedaços de outro colar UV quebrado, este liberado do pescoço de um menino de 13 anos de idade. O filho de Corinne, Nathan. Como toda Raça, o jovem tinha os olhos e a cor do cabelo de sua mãe. Neste menino, o cabelo ébano era apenas uma sombra em seu crânio, limpo e barbeado na típica forma dos assassinos. Apenas um dos muitos métodos usados por Dragos — e de longe o menos cruel de todos — para despojar a individualidade e transformar seus assassinos em ferramentas de destruição sem emoção, desde o momento que eram criancinhas.

Lucan olhou para o jovem mortal com reserva sóbria, notando como Nathan ficava atrás do resto do grupo que se reunia dentro da nova sede para cumprimentar Hunter e Corinne. O rapaz olhava sem expressão como sua mãe era rapidamente acomodada em abraços calorosos pelas outras Companheiras da Ordem. Seu olhar como a água do mar era plano e ilegível, se movendo em observação isolada de Tess e o bebê para o resto das mulheres tagarelas, Gideon, Rio e Kade, que estavam em torno do recipiente de criogênio para inspecionar a informação recém-chegada junto com Nikolai, Brock, Dante e Tegan.

—O menino pode ser um problema — comentou Lucan, voltando sua atenção para Hunter, que estava ao lado dele na grande sala. Também estava observando Nathan em consideração silenciosa. —Não gosto da ideia de trazer um dos soldados de infantaria de Dragos para a minha casa, não importa o quanto o assassino seja jovem.

Hunter inclinou a cabeça quase imperceptivelmente.

—Tinha reservas sobre mim, se bem me lembro. Não matei ninguém em seu sono até agora. Nem mesmo Chase.

Lucan olhou para o assassino normalmente estoico.

—Senso de humor em você? Bem, estou maldito. — Ele exalou uma risada que conseguiu tirar parte do peso de seus ombros. Parte, não toda. —Só me preocupa que o menino tenha sido arrancado de uma situação ruim para cair em outra. Não estamos exatamente equipados para ajudar um fodido menino a voltar a ter contato com seus sentimentos.

Hunter concordou.

—Assumo plena responsabilidade pessoal por ele. Nathan será meu problema para administrar, não da Ordem.

—Ele significa muito para você?

Hunter concordou com a cabeça de novo, mais solene neste momento.

—Sim. Porque ele significa muito para ela.

Lucan seguiu o olhar de ouro do guerreiro para a pequena e bonita Corinne. Os olhos do par se encontraram satisfeitos, e Lucan praticamente podia sentir a eletricidade vibrando no ar entre eles.

—E quanto ao resto dos assassinos ainda sobcomando de Dragos? — Era um lembrete desagradável, mas um fato que nenhum deles podia se dar ao luxo de ignorar. —Parte de sua missão com a Ordem é nos ajudar a caçar e neutralizar todos os ativos referentes à Dragos. Mesmo os mais jovens assassinos que representam uma ameaça muito real, muito letal.

Quando a atenção de Hunter voltou para Lucan, estava frio com convicção.

—Minha missão para ver sua operação desmantelada não mudou, nem meu voto para você e o resto da Ordem. O que estou fazendo agora, posso fazer por Corinne. E por seu filho.

Lucan grunhiu.

—E acha que ele é diferente dos outros como ele?

Hunter ficou pensativo, e levou um momento para responder.

—Nathan tem algo que nenhum de nós nunca teve. Ou não por muito tempo. É amado. Isso é possivelmente a única coisa forte suficiente para desfazer o pior da formação de Dragos.

A observação — a compreensão muito humana do poder milagroso do amor — caiu como um choque em Lucan, especialmente defendida pelos lábios deste macho. Mas inferno, mal conseguia argumentar. Sem o amor de Gabrielle, só podia imaginar onde estaria. Caminhando rapidamente para o mesmo caminho escuro em direção a Sede de Sangue que Chase estava no momento, não tinha dúvida.

Lucan colocou a mão no ombro enorme de Hunter.

—Espero mesmo que não esteja enganado sobre isso, cara. Por causa dela e do menino.

—Não cometo erros — respondeu ele, a entonação da declaração quase robótica mostrando um vislumbre do soldado perfeito que nasceu e foi criado para ser. Mas quando encontrou o olhar de Lucas, seus olhos tinham uma determinação que não era nada além de pessoal. —Apostaria minha própria vida nesta decisão, Lucan. Não vou deixar você cair. Nem Nathan.

Um tendão marcava o maxilar de Lucan enquanto considerava os inumeráveis riscos potenciais, e a confiança que Hunter pedia a ele. Finalmente, deu um aceno de cabeça firme.

—Traga o menino de novo.

Em alguns segundos, Hunter o conduzia para frente, sua grande mão descansando no ombro magro e atlético do jovem assassino para guiá-lo onde Lucan esperava, além da atividade ainda acontecendo ao redor da sala.

—Nathan. Este é Lucan. É o líder e fundador da Ordem.

Os olhos do menino estavam impassíveis, sem piscar, enquanto ficava ali em silêncio. Lucan ofereceu sua mão.

—Nathan — disse ele, inclinando a cabeça em saudação, enquanto esperava o menino responder. Pensou que sua mão não seria aceita, mas depois, no último segundo, Nathan estendeu a dele também. Havia incerteza no gesto do rapaz, mais uma imitação de Lucan que a compreensão do que se esperava dele. Mas era um começo. Lucan brevemente apertou os frios dedos surpreendentemente fortes em sua compreensão. —Está seguro aqui, filho. É bem-vindo aqui.

Os olhos pareciam olhar através dele, e Nathan retirou sua mão e a fechou num punho ao seu lado.

—Hunter — gritou uma voz de menina em meio a uma escalada caótica quando ela entrou na sala, seu loiro cabelo fino saltando. —Hunter, finalmente conseguiu voltar!

Mira passou pelo meio da reunião como um miniciclone, energético e alto, totalmente desinibida na sua alegria. Atirou-se nos braços do grande Gen Um, rindo enquanto ele a erguia e mantinha o rosto de Mira nivelado com o dele. Seu sorriso era carinhoso, mais paciente do que a maioria poderia creditar a um macho tão letal.

Mas foi Mira o instrumento para trazer Hunter para dentro da Ordem. Desde aquela época, os dois se tornaram verdadeiros, senão improváveis, amigos.

—Percebe que quase perdeu o Natal? — Informou a ele, parte repreensão, parte incredulidade feminina. Sua atenção desviou tão rapidamente como chegou, seu pequeno rosto girando para estudar o recém-chegado no meio deles. —Quem é esse?

—O filho de Corinne — Hunter respondeu. Então, com uma pausa significativa: —O nome dele é Nathan.

Ela se arrastou dos braços de Hunter e foi até o assassino adolescente. —Oi, Nathan. Sou Mira.

Ele não disse nada, apenas olhou para ela como se fosse alguma espécie nova e estranha que nunca encontrou antes. Lucan se perguntou se o menino nunca esteve tão perto de uma mulher, além de sua mãe, até mesmo uma tão pequena como Mira. O pobre garoto não saberia o que o atingiu, se ela decidisse torná-lo um de seus projetos pessoais como parecia ter feito com Kellan Archer.

Deixando as crianças com suas apresentações embaraçosas, Lucan sinalizou para Hunter segui-lo enquanto caminhava até se juntar à conversa acontecendo ao redor do material de laboratório recuperado.

—Vamos tirar um pouco de suco desses tanques crio antes que suas baterias de apoio morram. Hunter, há um par de quartos não reclamados, por isso, se você e Corinne quiserem escolher e se instalar, vá em frente.

Ele olhou onde Nathan estava sendo apresentando à enorme árvore perto da lareira, com Mira animadamente explicando que estava fazendo decorações para ela e desfrutaria de sua ajuda quando chegasse a hora de pendurá-las. Lucan balançou a cabeça e soltou uma risada simpática. Para Hunter, acrescentou:

—Já Mira pode mostrar a Nathan o quarto de Kellan. Os dois meninos podem ficar juntos.

 

A manhã o atingiu como um martelo rachando a parte superior de seu crânio.

As pálpebras de Chase piscaram aberta, cada fibra do seu corpo em alarme instantâneo, completo.

Algo não estava bem na casa.

Estava também condenadamente tranquila. Quieta como um túmulo.

Porra. Por quanto tempo esteve fora? A Sede de Sangue o pegou durante a noite, mas resistiu ao impulso de deixar o Darkhaven e caçar. A última coisa que se lembrava era de lutar contra a fome, uma batalha que só ganhou por pouco. Agora, levantou no estúdio, mentalmente sacudindo a mesquinha contração de sua sede de sangue e a dor surda em seus ossos por ter caído no chão. Cada músculo sedento de sangue gritou em protesto, quando fez uma rápida, mas forte caminhada em direção à porta fechada do quarto.

Nenhum som do outro lado da fechada porta de madeira de cem anos.

Ela estava em má forma na noite passada. Quando foi ver como ela estava, facilmente várias horas atrás, disse que achava que estava morrendo. Ele duvidava disso, mas ela parecia tão miserável que quase a levou de lá como ela implorava. Sua dor o alcançou num nível que não estava preparado para reconhecer, muito menos submeter-se.

Mas agora se perguntava se estava errado sobre como ela estava doente.

Jesus, e se estivesse morta...

—Tavia? — Sua voz era cascalho na garganta seca. Não se preocupou em bater, apenas girou a fechadura e empurrou a porta. Entrou no quarto.

Estava vazio.

As cordas das cortinas que usou para contê-la estavam num emaranhado desgastado na cama. Tavia estava longe de ser vista.

—Inferno Santo. — Chase deu um olhar à janela, ainda tapada com pedaços da mesa que ele empurrou para barrar a janela quebrada e prevenir sua fuga. Entrou mais no interior.

E então ouviu.

Um suave e rápido ofego, como de um animal pequeno com medo, vindo do outro lado da cama grande.

—Tavia. — Ela estava debruçada sobre os calcanhares numa bola apertada, a cabeça caída. Não respondeu à sua voz, apenas ficou lá respirando superficial, rápida. Seu corpo tremia todo. Suor umedecia seu cabelo caído e fazia o tecido de seu agasalho preto se agarrar ao arco curvo de sua coluna vertebral.

—Cristo... Tavia, você está bem?

Ele estendeu a mão, colocando a mão levemente em suas costas. Ela se encolheu longe do contato, uma estocada violenta que colocou meio metro entre eles. Sua cabeça balançou ao redor, os cabelos caídos numa espessa cortina sobre o rosto... mas não o suficiente para esconder o brilho âmbar brilhante de seus olhos.

Ah, porra. A realidade do que Chase estava vendo fez o sangue congelar em suas veias. Isto não podia ser.

Só podia olhar enquanto seus lábios se curvavam para trás num rosnado selvagem. Ela puxou uma respiração irregular, em seguida, soltou um silvo feroz através de seus dentes afiados e as longas presas reluzentes.

Mesmo que suspeitasse que ela fosse algo mais do que aquilo que parecia, vendo-a de fato o tomou totalmente de surpresa.

Tavia Fairchild era de alguma forma, impossivelmente, Raça.

Não era de admirar que as restrições não a segurassem. Não eram mais eficazes que uma linha sobre um de sua espécie. O que esta fêmea claramente era.

Agachada e fervendo, o prendia num olhar ameaçador que era ao mesmo tempo surpreendente e incrível em sua fúria. Suas pupilas estreitadas eram fendas muito finas, inundadas pelas brasas de fogo de suas íris. Ela rosnou para ele, a cabeça um pouco inclinada, uma besta mortal avaliando sua presa.

Foi o único aviso que ele teve antes que saltasse e o derrubasse num ataque rápido e vicioso.

Caíram duro, a espinha de Chase batendo no chão sob seus pesos combinados. Sua respiração saiu dele numa rajada e um gemido de Tavia que parecia um grito de banshee ecoando em sua cabeça. Ela começou a lutar assim que atingiu o chão. Rápida e forte, ela o agarrou, gritando e rosnando quando ele tentou se afastar de seu ataque frenético.

A frente com zíper de seu agasalho estava aberta apenas o suficiente para uma visão digna da teia de dermaglifos que se espalhavam num florescer do peito para cima e sua garganta. Ele não tinha dúvida agora de que isso é que eram: marcação Raça em sua pele, inundada com cores, os tons variando do roxo intenso ao sangue vinho e preto. Estava furiosa e dolorida de fome, seus dermaglifos dizendo muito à vista.

Como essas marcas genéticas ficaram adormecidas até agora?

Que inferno fizeram com ela para manter sua verdadeira natureza reprimida?

Chase não tinha muito tempo para pensar sobre isso. Tavia puxou seu braço para trás e bateu o punho em direção ao seu rosto. Ele se esquivou do golpe, mais rápido que ela somente por causa da sua experiência e formação. Estava ignorante e fora de controle, um poder natural bruto desencadeado pelo que era claramente a primeira vez. Era uma Raça feroz de uma forma elegante e feminina.

E maldição se Chase já viu algo mais quente em toda a sua vida.

Ela lutou contra ele um pouco mais, grunhindo enquanto ele desviava de cada golpe, rugindo e rosnando quando finalmente a agarrou pelos pulsos e esticou os braços acima dele. Seu pulso batia forte e firme do lado do pescoço esguio. Ele podia senti-lo batendo contra as pontas dos dedos, onde prendia seus pulsos fortes. E podia sentir o pulsar, a batida sólida ao longo do interior das suas coxas também, que se apoderaram dele como ligas de ferro ao redor de sua cintura, prendendo-o sob ela com força surpreendente.

Ela ofegou e arfou, os olhos âmbar brilhantes e os dentes arreganhados, dizendo que a luta não terminou ainda.

Nem mesmo estava perto.

—Tavia, me escute. — Seus músculos se contraíram num aviso que ela estava prestes a atacar. Chase cuspiu uma maldição, os dentes cerrados pelo esforço para manter seu domínio em seus braços tensos. —Tavia, pelo amor de Deus, precisa se acalmar.

Ela rugiu por sua tentativa de argumentar com ela, mas não tentou se libertar do seu domínio.

Não, ela mordeu.

Chase soltou um grito mudo quando as presas afundaram na carne e tendões de seu pulso esquerdo. Não foi a dor da picada que o abalou, mas a percepção súbita e alarmante de seu sangue jorrando livremente em sua boca.

Tentou falar o nome dela — avisá-la para parar — mas a única coisa que saiu de sua boca foi um gemido abafado. O prazer e a dor de sua mordida o atravessava, como um choque atingindo cada fibra do seu ser.

Cristo, era bom.

Muito bom, especialmente quando não tinha certeza do que seu sangue faria com ela. Ela era de alguma forma Raça; entendia isso agora. Mas como seu corpo reagiria aos glóbulos vermelhos dele entrando nos dela?

Ele teve essa resposta nem um segundo mais tarde.

Tavia soltou um grito gutural. Seus olhos queimavam brilhantes agora, soltando luz âmbar tão quente como brasas ardentes. Suas presas gotejavam sangue — seu sangue — pelo queixo e escorrendo por seu peito. Seus dermaglifos pulsavam, vivos e mutáveis, sexy como o inferno contra o creme suave de sua pele.

Quando ele levou seu pulso perfurado à boca para selar as feridas, Tavia avidamente o olhou. Ela lambeu os lábios, a língua rosa escura lambendo cada gota de seu sangue derramado que permanecia na boca. Inclinando a cabeça atrás por um momento, suas mãos se moveram distraidamente até o pescoço, em seguida, por cima do seu zíper para acariciar a curva dos seios. Era um movimento sensual, inconsciente mesmo, uma reação instintiva ao sangue que já alimentava suas células. Quando ela olhou para ele novamente, seu olhar ardente enraizou em sua garganta. Sua respiração ainda estava dura e frenética, seu corpo ainda vibrando com a agressão em espiral.

E ela estava quente. Chase podia sentir seu corpo irradiando onde estavam encostados, seus quadris cobertos pelo nylon escarranchados em seu abdômen nu. Suas próprias calças pareciam muito apertadas, sua ereção crescente onde seu traseiro muito agradavelmente esfregava contra sua virilha.

Deus, ela era magnífica. Além da beleza.

E tudo que era macho nele respondia com rapidez indesejada — com interesse — muito óbvio.

Ele não teve chance de juntar vontade para afastá-la antes que ela caísse em cima dele de novo, mais rápido que antes, se movendo tão rápido que mal conseguia acompanhá-la. Sua mordida era mais forte agora. Um golpe mortal e objetivo em sua carótida.

O corpo de Chase arqueou violentamente, cada músculo e tendão tenso como cabos quando seus dentes cravaram no pescoço e afundaram. Ela o sugou com força, puxando um longo gole de sua veia que deixou seu pau tão duro que pensou que explodiria no local.

Ele não queria reconhecer o prazer que sentia, mas estaria condenado se pudesse negá-lo. Sua furiosa excitação era suficiente, mas já podia sentir seus dermaglifos se iluminando com aprovação quando Tavia sugou outro gole de seu sangue.

—Cristo — ele sussurrou, incapaz de fazer qualquer coisa, exceto atender a demanda de sua boca em sua garganta. A sensação era diferente de tudo que já conheceu.

Solteiro, se alimentou exclusivamente de humanos por toda a vida. E nunca permitiu que um anfitrião de sangue bebesse dele. Não que seus dentes pudessem se comparar ao prazer das lâminas afiadas das presas de Tavia, segurando-o firmemente contra sua boca enquanto ela avidamente se alimentava de sua veia.

A cada batida do seu coração, sentia sua energia sendo puxada de dentro dele, dos membros, núcleos e sentidos, fluindo para dentro dela. A nutrindo. Podia sentir seu poder crescendo. Sua fome se aprofundava a cada puxão forte em suas feridas. Ela gemeu contra sua pele, bebeu um pouco mais, o zumbido de seu prazer elevando seu próprio desejo cada vez mais forte.

Os quadris de Tavia começaram a se mover, esfregando contra ele. Sabia que ela estava sentindo a mesma excitação que ele. Podia vê-lo na líquida rotatividade de seu corpo.

Podia sentir a fragrância de seu desejo em cada respiração dura que puxava em seus pulmões.

Seu pênis estava duro como pedra sob seus quadris ondulantes. A dor de seu desejo era brutal, uma agonia, pura delícia.

E se sua necessidade era insuportável, a dela só poderia ser pior.

Geneticamente melhorado com qualidades destinadas a tornar maleável um anfitrião quando mordido, o sangue Raça era ainda mais potente quando ingerido. Por uma fêmea nascida Companheira, era a excitação em sua forma mais primitiva.

Para Tavia?

Não podia saber. Sua única resposta vinha na forma como seus quadris se esfregavam mais exigentes contra os dele. Ele ergueu as mãos para descansar ao longo de suas costas, à beira da loucura quando ela deslizou a parte inferior de seu corpo, alinhando o calor do seu núcleo duro ao cume de sua virilha.

Sabia que devia parar com isso antes que se aproximasse mais. Mas qualquer pensamento de negá-la estava perdendo terreno rapidamente sob o assalto sensual sendo travado em sua honra já manchada.

—Tavia — ele murmurou áspero, sentindo o golpe de suas próprias presas prementes na carne macia de sua língua enquanto seu corpo se entregava à natureza sombria do que ele realmente era. —Ah porra...

Mais.

Era tudo que sabia naquele momento, a única coisa que importava.

Mais.

Mais do fluido temperado que esfriava o deserto que era sua garganta. Mais do poder que surgia em cada partícula de seu ser, acalmando a dor em seus ossos e músculos assolados, acalmando a fúria — a tempestade violenta de raiva animal — que primeiro a despertou de seu sono durante a noite e a deixou tremendo e confusa, amontoada no chão da sala.

Ela queria mais do prazer que começou com seu primeiro gosto do elixir escuro picante que corria sobre sua língua como veludo líquido de algum outro mundo exótico. Era sangue. Sabia disso numa parte de sua mente que ainda estava presa à realidade.

Era seu sangue. Sterling Chase. O homem que devia ter medo e, provavelmente, desprezar. O homem que não era um homem mesmo, mas algo perigoso e selvagem.

Ela queria mais dele.

Seu pulso disparou pelo pensamento, batendo duro em suas veias. Sentiu o bombeamento de sangue quente e vivo em todos os órgãos e músculos. Podia praticamente ouvir as células o chupando do seu corpo, bebendo de sua força escura, afirmando-o como dela mesma.

E oh, era bom.

Em todos os lugares que faziam contato, sua pele fervilhava de excitação. Ela não podia negar o prazer, mais do que podia negar a necessidade de saciar a sede que sentia como se estivesse crescendo dentro dela toda sua vida.

Sentiu-se tão doente antes - morrendo, tinha certeza. Mas agora não sentia nenhuma doença. Nenhuma fraqueza trêmula, ou a ansiedade que tantas vezes lutou para aliviar com remédios. Ela se sentia viva agora. Infinitamente, vigorosamente viva.

Ela bebeu urgentemente de sua veia aberta, incapaz de ser gentil. Nem podia conter a outra ânsia que a atacava, uma necessidade latente de lamber toda sua pele e aguçar seus sentidos.

Tudo parecia mais vivo agora. Sua cabeça estava cheia com o cheiro de sua pele escura e o sangue que pulsava tão fortemente contra sua língua. Ela o respirava, saboreava o sabor selvagem dele. O espetáculo de poder duro do seu corpo abaixo dela, o musculoso peito nu quente e acetinado suave sob a ponta dos seus dedos.

Seu coração batia tão forte quanto o dela, uma batida que podia sentir de alguma forma pulsando em suas próprias veias também. Podia sentir o poder de seu desejo, um desejo que fez seu núcleo fundir numa piscina e queimar ainda mais intensamente.

Tavia gemeu, perdendo seu poder sobre o pouco controle que restava.

—Mais — ela murmurou contra sua pele. Seus quadris se moviam por iniciativa própria, devassa apesar de sua inexperiência. Tudo que conhecia era o anseio, a dor que inchava para consumi-la quando moveu o corpo virgem contra a grande protuberância inflexível que se aninhava entre suas coxas abertas. A explosão de prazer dentro dela pelo atrito era deliciosa, mas não era suficiente para saciá-la. Não o suficiente.

Estava ofegante quando finalmente arrancou sua boca das punções gêmeas que fez em sua garganta. Ela levantou em cima dele e olhou abaixo em seu rosto atormentado. Seus olhos brilhavam como brasas. Atrás de seus lábios entreabertos, suas presas brilhavam brancas como neve e como punhais afiados.

—Por favor — sussurrou ela, e se perdeu para tudo, exceto para as demandas de sua nova consciência. Para deixar seu ponto claro, balançou a pélvis sobre ele, sibilando pela necessidade faminta que ansiava por ser preenchida. —Por favor... faça essa dor ir embora.

Seu gemido de resposta soou rouco em sua garganta, à beira da recusa.

Mas então ele estendeu a mão e passou sua grande mão em torno de sua nuca. Com um rugido feroz, a puxou abaixo para sua boca e a reivindicou num beijo feroz.

 

A boca de Tavia estava quente na dele, sensível e ansiosa quando ele empurrou sua língua pelos lábios entreabertos dela num beijo profundo, implacável. Ela o levou para dentro, beijando-o de volta com igual ferocidade, mesmo sua boca estando um pouco desajeitada, sua língua um pouco destreinada, chocando-se contra os pontos longos de suas presas. Mas era uma maldita aprendiz rápida, tinha que dar isso a ela.

Ainda sentada em cima dele, mexeu os quadris no mesmo ritmo dos impulsos agressivos de sua língua, logo em seguida, ela estava correspondendo à ousadia de sua boca, esfregando seu corpo contra ele num ritmo exigente. Suas presas femininas raspando as suas maiores era uma sensação erótica diferente de tudo que já conheceu. As pontas afiadas raspavam seus lábios enquanto ela apertava mais profundo seu beijo, mordiscando e estimulando, deixando-o selvagem.

Cortou o contato com um grunhido, seus pulmões falhando na respiração, tão rápida quanto sua frequência cardíaca. Ele soltou seu domínio sobre sua nuca só para alcançar o zíper na frente de sua blusa. O abriu para expor sua pele ao seu olhar apreciativo.

Seus dermaglifos estavam lívidos com cores escuras. Redemoinhos lindos e arcos brincavam através de sua clavícula e abaixo em seu peito, desaparecendo sob o modesto sutiã preto que comprou com suas roupas. Escolheu a coisa às pressas, pegando um algodão simples que parecia caber nela. O sutiã não podia ficar mais sexy nela se fosse feito de rendas e cetim. Seus atrevidos pequenos seios o preenchiam perfeitamente.

Chase abriu mais o fecho frontal com o dedo polegar e, em seguida, abriu o tecido. Uma bonita fluorescência pulsava em vinho profundo e tonalidades índigo rastreavam em torno de seus escuros mamilos rosados. As cores do desejo, escritas por toda a sua pele cremosa como se feita pela mão de um artista. Ele bebeu sua visão, e o sopro que corria dentro e fora dele agora o deixava num suspiro irregular.

—Tão bonita — ele sussurrou, as palavras roucas, sua voz grossa e seca. Então, levantou os ombros do chão para que pudesse ter um desses botões requintados em sua boca. Ele os sugou com cuidado, tanto quanto podia administrar, relutante em roçar a pele delicada com suas presas. Não queria machucá-la, nem acidentalmente mordê-la e fazê-la sangrar. Já foi longe demais com essa fome erótica para lidar até mesmo com a menor queda de seu sangue derramando.

Apenas a mera ideia chutava seu tesão com ávido interesse.

Tavia fez um som tormentoso quando ele rodou sua língua ao redor do nó duro de seu mamilo. Podia sentir sua necessidade através de sua vibração. O calor o inundou através de sua roupa, e o lento esfregar de seus quadris enviava seu duvidoso autocontrole fora de alcance.

Com os olhos fechados, ela jogou a cabeça pata trás com um gemido baixo quando ele sugou um pouco mais forte, mudando um bico doce pelo outro. Ele assistia sua paixão brincando sobre sua pele, os tons escuros se movendo nos dermaglifos e se inundando numa dança viva de cores que se espalhavam por seus seios e abaixo em sua plana barriga. Sua cintura afilada tão perfeitamente, provavelmente caberia na circunferência de suas mãos.

Ele fez exatamente isso, um momento depois, alavancando para rolá-la enquanto a seguia, se movendo com ela até que era o único em cima, sua pélvis presa diretamente entre suas coxas. Ele deu um impulso sem gentileza, um gostinho do que estava prestes a vir. Ela gemeu quando ele fez um recuo lento. Quando as pálpebras levantaram, seu olhar explodiu com fogo âmbar. Ela agarrou sua cabeça entre as mãos e o puxou abaixo para ela num beijo que era maduro com demanda primitiva.

—Mais — ela raspava em sua boca aberta. E então o mordeu de novo, um aperto forte que enviou uma picada deliciosa direto até seu pau.

Com um grunhido se separou e levantou os joelhos acima dela. Suas mãos tremiam quando agarrou o cós da calça dela e as puxou abaixo pelas suas coxas, a calcinha também, num puxão violento.

E, ah, Cristo. Havia mais dermaglifos aqui, acariciando as curvas de seus quadris e acentuando o ninho delicado de cachos escuros sobre o monte de seu sexo. Passou os dedos entre as pernas dela e a encontrou úmida, quente e apertada. Tão fodidamente apertada.

Ele gemeu, respirando o perfume dela, um perfume que era ao mesmo tempo terreno e exótico, inocente e selvagem. Não podia resistir a provar. Com seus olhos presos nos dela, levou os dedos à boca e lambeu sua doçura em sua boca.

Ela se contorceu debaixo dele, ofegando e o agarrando, seu olhar ardente. O rosto se contorcia em agonia. Seu aroma intensificou, estimulando sua própria necessidade a um passo da febre.

Ele se desfez das calças e as empurrou de seus quadris, sibilando quando a primeira onda de ar frio atingiu seu pênis nu. Não podia estar dentro dela rápido o suficiente.

Sem tempo para se despir adequadamente, sua necessidade era galopante.

Tavia agarrou seus ombros enquanto deslizava a cabeça do seu sexo ao longo da fenda de seu corpo. Suas unhas curtas marcaram sua carne quando a cutucou na posição, e em seguida, afundou dentro dela numa estocada profunda. Ela gritou então, seu aperto sobre seus ombros aumentando.

Vagamente ele registrou o quanto era realmente apertada. Um pensamento alarmante cintilou em seu cérebro encharcado de desejo: ela não poderia ser virgem, poderia?

Mas, então, seu grito silenciou num gemido baixo, um som misto de prazer e dor. E agora que estava dentro dela, não podia deixar de se mover, entrando e saindo do quente e úmido núcleo.

Suas pálpebras abriram se arrastando lentamente quando ele se enfiou mais profundo a cada golpe. Seus olhos âmbar se fixaram nele penetrantes e febris, quando aumentou seu ritmo para corresponder à corrida do seu coração. Os lábios entreabriram num suspiro trêmulo, seus caninos reluzentes.

Ele sentiu o clímax crescente. As ondulações suaves dos músculos finos ao longo de sua bainha o agarraram quando o primeiro pequeno espasmo correu através dela. Ela ofegou acentuadamente, tensionando sob ele enquanto ele se dirigia mais profundo, empurrando-a mais duro.

—É isso — ele murmurou com voz rouca. —Você queria. Agora me tome.

Ela soltou um grito abafado quando seu corpo estremeceu, apertou as mãos como tornos gêmeos em seus ombros. Sua garganta estava tensa pela erupção de seu grito, um grito selvagem de clímax. Continuou se movendo dentro dela, perdendo para a tensão erótica de seu núcleo envolto tão apertado em volta dele que os pequenos espasmos de seu orgasmo o ordenhou, arrastando uma maldição crua de entre seus dentes e presas.

Sua própria necessidade não tinha misericórdia também. Afundou ainda mais e mais duro em seu calor, perdido numa unidade primitiva e urgente. A intensa sensação o atingiu, latente sob a superfície de seu prazer e sentiu o despertar da mais escura ânsia que lentamente o deixava superar. A fome o alcançou agora, um predador o sentindo mais fraco. Mais distraído.

Contra sua vontade, os olhos de Chase enraizaram na vulnerável garganta de Tavia. Afastou o rosto, um esforço que levou tanta força que seu corpo inteiro sacudiu com ele.

Ou talvez fosse o sexo que o deixou tremendo.

Não fazia muito tempo que tinha fodido alguém, mas as fêmeas humanas que pegava quando lhe convinha nunca lhe deram prazer. Orgasmo, com certeza. Mas tinha a mesma descompressão de uma boa luta. Uma dor que podia suportar. A cortejava, de fato, e quanto mais brutal melhor. Era assim que lidava nos últimos meses em que seu vício estava pior. Segurava a Sede de Sangue através da agressão e combate, na esperança de trocar uma perversidade por outra. Uma dança perigosa, mas a único que conhecia.

O prazer não era algo que visse há muito tempo. Dor e brutalidade era uma opção muito mais segura para ele. O mantinha claro e fundamentado. Não como agora.

Agora, mal podia pensar em linha reta enquanto o prazer do corpo de Tavia e as adagas de sua sede de sangue lutavam por sua alma.

Ele arriscou outro olhar para ela e a encontrou o observando atentamente. Seu clímax tinha diminuído, mas podia senti-la equilibrada na borda de outro. Ele sabia que devia terminar isto — antes que o chicote de sua Sede de Sangue ascendente fosse demais para ele suportar. Mas sua libido tinha outras ideias. Seus quadris sacudiram para frente, um impulso poderoso que o afundou ao máximo.

Pressionou mais, olhando para ela, sua voz pouco melhor que cinzas no fundo da sua garganta.

—Mais?

A resposta de Tavia foi um silvo extasiado com os dentes abertos e presas brilhantes.

—Sim.

Sua própria permissão era um tipo de tormento. Porque Chase não achava que tinha controle suficiente para parar agora. Nem mesmo se ela implorasse.

Tavia se agarrou aos seus ombros largos quando uma onda de êxtase brilhante caiu sobre ela, mais uma vez. Onda após onda, inundando todos os seus sentidos, arrancando-a de sua própria pele pela intensidade de tudo que estava sentindo. Não podia falar. Não conseguia respirar, apenas fechar os olhos e soltar o suspiro prazeroso que parecia se originar a partir do âmago de seu ser.

Sentia-se eletrificada, cada nervo explodido e irregular, com sensação de formigamento.

Havia uma dor entre as pernas, mas estava apenas vagamente consciente disso, também arrastada pela transformação esmagadora do seu corpo inteiro. Sua existência inteira estava enroscada num vórtice de dor e prazer, clareza e confusão.

Abriu os olhos e viu a origem de tudo.

Chase. Sobrenatural, demoniacamente belo, ele pairava sobre ela enquanto seu corpo absorvia o impacto da batida de seus impulsos. Não podia afastar seu olhar longe dele, o fio tênue de sua mente consciente hipnotizada pela beleza profana de seus olhos de fogo e as marcas na pele que se espalhavam sobre seu peito e em seus braços grossos apoiados de cada lado dela.

As marcas na sua pele estavam cobertas por cores escuras, assim como as dela.

Tudo parecia como uma espécie de sonho sombrio, mas ela estava vivendo. Sentindo isso, em cada célula e fibra despertada de seu corpo. Balançou embaixo dele, impotente com seu ritmo urgente. A tensão se espalhou pelos seus traços selvagens, em grande parte dos ombros e abaixo ao longo da linha rígida de seu grande corpo.

Com um rosnado baixo, seu ritmo se intensificou, e seus longos dentes afiados se estenderam ainda mais por trás de seus lábios entreabertos. Suas pupilas como as de um gato diluíram para a mais básica fenda quando seu olhar deslizou mais abaixo, fixando-se em sua garganta. Calor irradiava de esse olhar feroz, como uma lâmina quente pressionada contra seu pescoço. Sua boca ficou maior quando os lábios ficaram tensos e se afastaram mostrando todos os dentes enquanto ele se dirigia dentro dela com agressividade, implacável.

Ela sabia que deveria ter medo. Sabia que nada disso deveria estar acontecendo, não em qualquer tipo de realidade que pudesse compreender.

Mas não estava com medo agora. Apenas sentia antecipação instintiva enquanto seu corpo amortecia o dele, inclinando a cabeça de lado como se atraída por cordas invisíveis, dando-lhe pleno acesso ao seu pescoço.

—Sim — ouviu-se sussurrar quando seus golpes se tornaram mais frenéticos. Seus olhos estavam fixos na garganta, sem piscar, vorazes. Tavia engoliu, sentindo uma necessidade premente que suas presas penetrassem na carne tenra. Ela lambeu seus lábios ressecados, com fome de novo por ele também.

Quando ela estendeu a mão e agarrou sua nuca, ele assobiou, rígido como se o tivesse queimado. Resmungou um som irritado, com o rosto contorcido num esgar dolorido enquanto seu ritmo acelerava ainda mais. Seu olhar ficou mais quente, queimando sua garganta exposta com um calor que parecia correr por toda ela agora.

A pressão aumentou, crescendo em direção a algo imenso e glorioso. Tavia cavalgava com ele, inundada em espanto no súbito inchaço que explodiu em outro orgasmo arrasador. Ele baixou a cabeça ao lado da dela, respirando em rajadas sobre sua pele animada e a coluna exposta do pescoço. Por um instante, sua boca roçou a curva sensível de seu ombro. Ela esperou sentir os lábios fechando em sua carne. Prendeu a respiração enquanto seu prazer começava a crescer nas bordas e a necessidade de sentir suas presas afundando em sua carne se tornava um ruído ensurdecedor em suas veias.

—Não — respondeu asperamente drasticamente. —Porra. Não.

E com uma maldição escura bufada contra seu ouvido, tudo terminou.

Ele se retirou, rolando longe dela tão abruptamente que sentiu sua ausência golpeá-la como uma bofetada. Suas costas largas flexionaram e ondularam quando ele girou sobre seus pés, raiva inconfundível em sua pressa. Puxou as calças num puxão brusco e se afastou de onde ela estava deitada, sem fôlego e confusa, estranhamente desprovida.

Isso para não falar da humilhação.

Suas bochechas coraram com um novo tipo de calor quando o viu entrar no banheiro adjacente sem sequer olhar para trás. Como se não pudesse ficar longe rápido o bastante. A porta bateu fechada atrás dele, não alta o suficiente para abafar o barulho baixo que surgiu depois de fechada.

Tavia levantou do chão num silêncio mudo, atordoado.

Seu corpo ainda estava vibrando pela sensação, mais lento para reagir à rejeição do que o resto dela. Suas veias ainda latejavam, seu pulso martelava numa batida constante, forte, que agora começava a fazer suas têmporas doerem. E dentro dela, o poder que despertou dela ainda não tinha decaído.

As cicatrizes das queimaduras que a cobriam desde quando se lembrava estavam pulsantes e vibrantes. Não a cor escura que estava acostumada a ver, mas floridos tons mutáveis que desafiavam toda a lógica que foi criada para acreditar sobre si mesma. Não eram cicatrizes. Não podiam ser. Nada sobre elas — nada sobre seu corpo e esse poder correndo por ela — era normal. Sabia agora.

Ela mesma não era normal.

Um gemido miserável saiu de entre os lábios quando sentiu a pressão forte de seus dentes descansando contra sua língua. Não, ela se corrigiu. Não dentes — mas presas.

—Oh, Deus. — Ela olhou para as manchas de sangue nos seios e abdômen. Sangue dele, escuro e pegajoso de quando o mordeu.

Entre as pernas estava mais sangue, mas essas manchas rosadas em suas coxas não pertenciam a ele. Tavia gemeu, sentindo uma pontada de pânico começando a rastejar até o fundo da garganta quando o peso do que fez aqui — a realidade impressionante de tudo que aconteceu no último par de dias — se abateu sobre ela.

O sexo não foi a pior parte. Deus, nem mesmo próximo. Ela provavelmente passaria o resto de sua vida tentando se convencer que foi a coisa mais estúpida que já fez — melhor ainda, que nunca aconteceu. Mas agora, com suas terminações nervosas crepitando e o resto de seu corpo num tipo de flutuação agradável de bonança, não podia fingir que o sexo era nada menos que incrível.

E desprotegido.

Oh, Deus.

—Estúpida, estúpida, estúpida —repreendeu a si mesma em voz baixa enquanto lutava para colocar suas roupas de volta, mantendo os olhos na porta do banheiro fechada enquanto puxava a calça, endireitava o sutiã e puxava o zíper.

Não, muito mais preocupante que jogar fora sua virgindade com total abandono, o imprudente era morder o pescoço de um estranho em algum torpor febril que a convenceu que ambos eram... Jesus, a palavra nem sequer se formava em sua mente, parecia tão ridícula.

E, no entanto, não era ridícula.

Puxou a manga para olhar as cicatrizes que não eram cicatrizes, suas cores ainda lívidas e se agitando, passando das sombras escuras de violeta e vinho para um bronze profundo avermelhado diante de seus olhos. Na boca, as pontas afiadas de seus caninos estavam alongadas ainda, embora não da mesma forma feroz de antes. Sua visão ainda estava tingida de laranja, mas também começava a diminuir.

Não, pensou, ferida e desanimada. Não era ridículo de tudo.

Seu corpo sabia disso, mesmo se a lógica e a razão se recusassem a aceitar.

Ela tentou ignorar tudo, mas por mais que tentasse, não conseguia afastar a sensação que nunca foi mais consciente ou presente em toda a sua vida. Seu corpo se sentia — finalmente — como se pertencesse a ela.

Como se um sudário fosse tirado de sua consciência, se sentia viva pela primeira vez.

—Não — ela gemeu baixinho, lutando para empurrar a surpreendente verdade longe.

Nada disso podia estar acontecendo. Estava muito doente poucas horas atrás. Talvez tudo isso fosse uma enorme alucinação. Afinal o Dr. Lewis a advertiu sobre o tempo e mais de uma vez sobre a suspensão da sua medicação, que mesmo ignorar uma dose podia ser imprevisível, além de ter complicações muito graves.

Talvez fosse isso. Talvez nada disso fosse real. Talvez sua mente e seu corpo conspirassem contra ela logo que perdeu os primeiros comprimidos. Talvez estivesse morrendo como temia, estivesse morrendo desde o momento que ele a trancou neste quarto depois de agarrá-la no hotel. Melhor isso que a alternativa perturbadora. Sua mente e corpo estavam morrendo, trabalhando através de alguma fantasia terrível que começou com o pesadelo que a despertou em seu quarto, em casa, com visões de sangue e sexo e um homem que não era um homem em tudo.

Ela se agarrou a essa lógica com necessidade desesperada enquanto pegava o par de tênis da caixa de sapato ao lado da cama.

Não é real, disse a si mesma, rasgando o papel para tirar o Nike novinho da caixa. Não é real. Apenas um truque estranhamente tátil e detalhado de sua falta de remédio, provavelmente a morte de sua mente.

—O que está fazendo? — Ele saiu do banheiro sem que ela percebesse.

Não é real, lembrou a si mesma. Não precisava responder a ele, ou sequer reconhecer sua presença. Focando totalmente em desembaraçar os laços do par de tênis, fez uma tentativa desesperada para ignorá-lo.

Não estava funcionando.

Não era alucinação. Ele era de carne e osso, 1,98m de homem musculoso quase nu. Parecia mais calmo agora, mas não havia como escapar do brilho ardente e brilhante de seus olhos. Sem mencionar as pontas afiadas de suas presas. Pânico crescente formava uma bolha na parte traseira de sua garganta.

—Tavia, precisamos conversar.

—Não, não precisamos. Fizemos o suficiente, acho. — Ela escorregou o primeiro sapato e rapidamente o atou.

Ele veio até ela, às sobrancelhas franzidas sobre os olhos desumanos.

—Há algumas coisas que precisa entender. Jesus, há coisas sobre você que eu preciso entender...

—Cale a boca — ela retrucou, a preocupação começando a queimar ainda mais quente que qualquer embaraço ou confusão sobre sua saída repentina alguns momentos atrás. Ela enfiou o pé no outro sapato e puxou os cordões apertados. —E se fosse você? Acho melhor ficar longe de mim, ou prometo, vou prestar queixa. Posso ter todos os policiais da comunidade na sua porta em cinco minutos. Uma frota de agentes federais também.

Na verdade, ele teve a audácia de rir, embora com pouco humor.

—Queixa? Chamar a polícia para mim? Querida, sou um problema que nenhum agente da lei humana vai resolver para você. Depois do que aconteceu entre nós, deve ser bastante óbvio para você que nós dois temos grandes problemas.

Ela levantou e encontrou seu olhar grave.

—Não tente me encontrar. Não chegue perto de mim nunca mais. Só quero esquecer que tudo isso aconteceu. Só quero ir para casa.

Ela deu um passo para se mover, mas ele a pegou pelo braço. Seus dedos a seguraram firme, não a deixando ir, mesmo quando tentou soltá-lo.

—Me solta, porra.

Ele balançou a cabeça, seus olhos tristes.

—Não tem para onde ir.

—Vou para casa! — Ela saiu de seu alcance, a indignação picando como ácido em suas veias. Estava crescendo dentro dela, fazendo sua pele formigar pelo calor. Ela não tinha que ver suas cicatrizes — ou melhor, as marcas inexplicáveis em seu peito e braços — para saber que estavam ficando mais coloridas agora. Reagindo ao seu temperamento como uma espécie de barômetro emocional. Ela o evitou e foi para a porta do quarto aberta. —Inferno, me deixe sozinha.

Ele chegou lá antes que ela própria chegasse.

Tavia ficou boquiaberta a poucos centímetros de distância do seu peito nu.

—Saia do meu caminho.

—Não vai a lugar nenhum. — Seu rosto ficou mais sério agora. Havia uma ameaça em seus olhos, um aviso que não teria nenhum escrúpulo em forçá-la fisicamente a permanecer durante o tempo que considerasse necessário.

Tavia se irritou com essa ameaça.

—Disse para sair. Preciso ver minha tia. Preciso ligar para o meu médico, por que não pode entender que não estou bem?

—Tudo que tem — ele murmurou, seu nível de voz profundo —, não é doença. Está assustada e confusa. Inferno, eu mesmo não estou pisando em solo totalmente firme no momento. O que quer que você passou, o que é ... precisamos de respostas, Tavia. Vou te ajudar a consegui-las.

Ela balançou a cabeça, não querendo ouvi-lo. Ainda não era capaz de conciliar nada do que estava experimentando.

—Tudo que preciso é ir para casa. Agora.

Quando tentou passar por ele novamente, ele apoiou os dois braços no marco da porta, prendendo-a dentro da sala com seu corpo.

—Assim que a noite cair, vou levá-la a algum lugar seguro. Há pessoas que conheço que podem ajudá-lo a dar sentido a tudo. Pessoas muito mais adequadas para cuidar de você do que eu.

—Não preciso de ninguém cuidando de mim. Menos ainda de você ou alguém que conhece.

Ele exalou uma zombaria, baixou os braços e começou a se mover para frente. A empurrando para um canto com apenas sua presença invasora.

—Não confia em mim.

—Não, não confio.

—Isso é provavelmente inteligente, considerando o que quase aconteceu aqui.

Quase? Estava preocupada o suficiente com o que aconteceu. Tavia voltou atrás sobre seus passos, com menos medo dele que indignação. Sua fúria se enrolava em sua barriga, se misturando com os restos do poder vibrante que ainda estava vivo e corria através de suas veias.

—Não confio em você por causa de tudo que fez. Por causa de tudo que vi aqui. Nem tenho certeza se posso confiar em mim mesma. Nada disso faz qualquer sentido para mim.

—Faz — ele disse uniformemente. —Você só queria que não fizesse.

—Cale a boca. — Ela balançou a cabeça vigorosamente, a raiva e o medo pressionando sua garganta. —Não quero ouvir mais nada. Só quero dar o fora daqui.

—Isso não vai acontecer, Tavia.

Quando ele começou a se aproximar de novo, algo explodiu dentro dela. Foi sua fúria e pânico, em erupção num reflexo físico. Antes que pudesse pensar nisso, antes que sequer tivesse consciência, seu braço estava se movendo, e ela o empurrou com toda a sua força. Ele voou pata trás como se puxado por uma corda, mas um segundo depois recuperou o equilíbrio.

Em menos de um piscar de olhos estava de volta em seu rosto, inclinado sobre ela com as narinas dilatadas, os olhos brilhando.

—Porra, não vou te machucar.

Ela não se atreveu a acreditar nele. Nem esperar para descobrir se podia. No instante que sentiu os dedos dele descansando em seu braço, recuou e deixou seu punho voar — acertando com uma rachadura os ossos na parte inferior do queixo dele.

Para sua grande surpresa, ele caiu com o impacto. Soltou uma maldição dura quando cambaleou de joelhos, sacudindo o vidro quebrado da janela grosseiramente bloqueada atrás deles.

Tavia não ia tentar mais uma rodada com ele. Enquanto ele tentava se livrar do golpe, ela pulou em volta dele. Saiu do quarto e pelo meio do enorme prédio, por todo o vestíbulo de mármore incrustado e saiu pela porta da frente para a azáfama matinal da área residencial de Back Bay.

Ela o ouviu berrar atrás dela, mas só ousou um olhar fugaz em sua direção enquanto os pés voavam sobre a calçada polvilhada de neve. Ele ficou parado na porta aberta, com o braço levantado para proteger os olhos.

Ficou lá, parado, olhando para ela de dentro do abrigo sombreado enquanto ela corria para a rua e freneticamente para um táxi que passava. O táxi amarelo desacelerou numa parada e ela subiu, dando ao motorista o endereço dela numa corrida sem fôlego.

O carro deu uma guinada de volta ao tráfego, soltando uma nuvem de vapor opaco e fumaça que subiu como um véu, apagando o prédio e o homem que Tavia esperava nunca mais ver novamente.

 

O Senador Bobby Clarence foi um bom católico aparentemente, mas um político ainda melhor. A igreja que astutamente frequentava em Bangor desde que era estudante de Direito no primeiro ano em Harvard era não apenas a maior, como a mais prestigiada em Boston. Cerca de cinquenta anos atrás, esta mesma igreja pranteou um paroquiano que era mais famoso que um amado presidente caído, fato que Dragos adivinhou ter desempenhado papel fundamental do ambicioso jovem Clarence na decisão de se juntar ao seu rebanho.

Embora o senador não tivesse família, fora da Catedral de Santa Cruz, no início da tarde fria, a polícia direcionava o tráfego para acomodar a multidão de participantes do funeral à espera de obter um dos dois mil lugares disponíveis. A fita de luto se estendia desde o par das vermelhas portas duplas na entrada, até a calçada e tijolos ao redor do grande terreno de esquina que a catedral neogótica maciça ocupava.

Dragos estava sentado dentro de seu sedan em marcha lenta, com seu motorista a uma quadra da rua, impaciente para o serviço começar. Estava se arriscando muito, se aventurando fora durante o dia. Mesmo com as precauções que tomou com óculos escuros de bloqueio UV, chapéu de abas largas feito de lã, um denso, longo e generoso lenço de malha para proteger o pescoço e sua cabeça de Gen Um Raça quase puro era uma responsabilidade aqui. Sendo da segunda geração de sua espécie, podia suportar menos de meia hora sob a luz solar direta antes que sua pele sensível ao sol começasse a cozinhar.

Mas alguns riscos eram esperados.

Algumas coisas, supunha, valiam um pouco de dor.

Suportou sua parte já, graças à Ordem. O assassinato de seu senador Subordinado, logo após Dragos o tomar, foi no mínimo, inconveniente. Ainda se aborrecia por ter perdido o humano antes de usar seu pleno potencial. Mas, novamente, os planos de Dragos não esperariam um punhado de anos que levaria para a estrela política de Bobby Clarence completar sua natural — alguns poderiam dizer inevitável — ascensão para a Casa Branca.

Dragos certamente tinha a intenção de ajudar a limpar seu caminho, de qualquer maneira necessária.

Mas, porra. Bobby Clarence em breve seria pó, e Dragos tinha melhores opções para prosseguir. Supondo que essas opções caíssem em suas mãos como esperava.

—Que horas são? — Dragos perguntou ao seu motorista Subordinado pelo que não era a primeira vez.

—Dez minutos antes das duas, Mestre.

Dragos sussurrou uma maldição contra o vidro escurecido da janela de seu banco traseiro.

—Ele está atrasado. O serviço vai começar em breve. Qualquer sinal da carreata do serviço secreto na frente? Veículos federais em qualquer lugar?

—Não, Mestre. Devo dirigir em torno da catedral para ter uma visão melhor?

Dragos rejeitou a sugestão com um aceno de sua mão enluvada.

—Esqueça isso. Pode já estar dentro. Preciso entrar antes que fique tarde. Dirija em direção aos fundos do lugar, longe de toda a comoção e olhos curiosos. Vou encontrar um caminho através da parte traseira.

—Claro, Mestre.

O Subordinado deslizou o sedan pelo canto para inspecionar o perímetro da catedral. Como Dragos esperava, havia um pequeno recanto sem importância que fornecia ao pessoal de serviço o acesso ao edifício monstruoso. O alto portão de ferro forjado estava aberto, mas havia nada além de um par de pequenas lixeiras e um carro estacionado no asfalto mal remendado. Duas portas vermelhas eram um par de escolhas em termos de entrada.

—Lá. — Dragos apontou para a mais distante atrás, onde as sombras da tarde e um beiral formavam um bolsão de sombra em meio ao brilho do sol da tarde. O Subordinado parou na frente da porta. Música de órgão vibrava por todo o prédio, um local sagrado que não sabia que estava prestes a inaugurar o lançamento da guerra profana de Dragos. Ele saiu do carro.

—Espere na calçada até que eu chame você. Isso não deve demorar muito.

O Subordinado deu um aceno obediente.

—Sim, Mestre.

Tavia correu para sua casa, deixando tia Sarah fora, na calçada, cuidando do táxi, uma vez que seu próprio dinheiro — como também os remédios — foi deixado em sua carteira, na outra noite no hotel. Sentia-se à beira do colapso quando a familiaridade do lar a cumprimentou. Todos os macios babados sobre os móveis de tia Sarah, as bugigangas sortidas sobre todas as superfícies disponíveis, as mesmas coisas que há muito faziam Tavia ansiar por um lugar só dela, com seus próprios pertences organizados ao seu próprio gosto, agora pareciam tão confortáveis e bem-vindos como o calor aconchegante de um cobertor de lã.

A casa parecia normal.

Parecia sólida e real, quando apenas há pouco tempo estava certa que estava presa em algum tipo de sonho angustiante e inevitável.

Quando se sentou à mesa da cozinha, uma rajada de ar frio soprou no chão atrás dela quando tia Sarah voltou para a casa.

—Onde esteve esse tempo todo, Tavia? Não sabe que estive preocupada com você?

Tavia girou na cadeira para enfrentar a mulher mais velha, não sentindo nada além de felicidade pela preocupação que irradiava das mãos se torcendo e nos desesperados olhos castanhos.

—A polícia esteve aqui ontem — ela informou Tavia com voz questionadora, às mãos em punhos nos quadris. —Me pediram que se a visse, os chamasse de imediato. Claro, pensei que estivesse com eles. Não foi isso que me disse? Quando falamos antes, disse que estava hospedado num hotel do centro da cidade para ajudar a polícia na sua investigação.

Deus. A suíte de hotel arranjado pela polícia parecia ser a cem anos atrás. Tudo o que aconteceu desde aquela noite parecia ter acontecido na extensão de uma vida. Tudo que queria era deixar tudo para trás e continuar com a vida que conhecia. Esta vida, a única que queria.

—Nunca mentiu para mim antes, Tavia. Vai partir meu coração se estiver escondendo algo de mim agora, depois de todos esses anos...

—Não. — Tavia pegou as mãos nervosas da tia com uma ideia luminosa e a guiou para a cadeira ao lado dela na mesinha. —Não mentiria para você, mas um monte de coisas estranhas têm acontecido ultimamente. Coisas terríveis, tia Sarah. O atirador na festa do senador, saiu da custódia da polícia e matou o senador Clarence.

—Eu sei — a mulher mais velha murmurou. —Está em todos os noticiários. Há uma perseguição em curso por ele por toda a Nova Inglaterra.

Tavia balançou a cabeça pela futilidade dessa noção.

—Nunca vão pegá-lo. Mesmo se a polícia o encontrar e levá-lo, não serão capazes de mantê-lo atrás das grades. Ele sairá de novo. É mais perigoso que qualquer um pode imaginar.

Tia Sarah estava franzindo a testa agora, seu olhar indagador.

—Onde conseguiu essas roupas? E onde está sua bolsa? Fiquei tão aliviada ao vê-la, que nem sequer pensei em perguntar por que não tinha dinheiro para pagar o motorista de táxi...

Tavia continuou falando, mesmo quando a voz de sua tia sumiu.

—Ele não pode ser tratado como um criminoso normal. Não pode ser tratado como um ser humano, porque não é. Ele não é humano.

—Parece positivamente pálida, querida. — Tia Sarah estendeu a mão e tocou as pontas dos dedos na testa de Tavia, então estalou a língua quando pegou uma de suas mãos e a apertou entre as dela, suaves e frescas. Sua pele parecia cera contra o toque muito mais quente de Tavia. —Está se sentindo enjoada agora? Quando foi a última vez que tomou seus remédios?

—Maldição, por favor, pare de agitação e me escute!

A mulher mais velha ficou imediatamente em silêncio, os olhos fixos em Tavia agora. Protegida e incerta.

—Aquele homem, ele invadiu a suíte do hotel só um pouco depois que liguei para você, tia Sarah. Matou um policial e incapacitou dois agentes federais. Então entrou na sala onde eu estava, e me levou embora.

Tia Sarah parecia de alguma forma de pedra agora, não totalmente histérica como era sua reação habitual a tudo que envolvia Tavia.

Seus olhos castanhos não piscavam, a examinando muito séria e contemplativa, calma.

—Ele te tocou, Tavia? Fez alguma coisa com você...? Será que a machucou?

Tavia demorou para responder isso. Não a machucou fisicamente, embora a ameaça parecesse muito real quando isso estava acontecendo.

—Me levou para algum lugar onde costumava viver, acho. Amarrou-me. Continuou a fazer perguntas sobre quem eu era. Parecia não acreditar em nada que eu dizia a ele.

Houve um longo silêncio, enquanto sua tia a via falar, absorvendo o peso de suas palavras. Então:

—O que disse a ele, Tavia?

Ela deu de ombros, um aceno lento de cabeça.

—Disse a ele que não era ninguém, que só queria ir para casa. Disse que estava muito doente e que deixei meu remédio no hotel...

Tia Sarah respirou forte sobre aquela ponta de notícia.

—Não os toma desde duas noites atrás? — Ela se levantou. —Tenho que chamar o Dr. Lewis agora. Ele precisa vir aqui em casa e aplicar um tratamento de emergência.

Tavia agarrou a mão dela e a segurou no lugar.

—Tia Sarah, algo muito estranho aconteceu comigo hoje. Não posso entender...

Ela puxou a manga longa de seu casaco, expondo seu antebraço. As marcas já estavam de volta à sua cor normal agora, apenas ligeiramente mais escuras que seu próprio tom de pele.

—O que é isso? — A tia perguntou, olhando para o braço descoberto. —Diga-me o que procurar. São suas cicatrizes que doem? Porque o Dr. Lewis pode prescrever algo, tenho certeza...

—Não são cicatrizes — Tavia murmurou. Ela correu os dedos sobre a teia de redemoinhos e arcos, não sentindo nada de anormal. —Não sei o que são, mas pouco tempo atrás, essas marcas eram todas de cores diferentes. Estavam... Não sei como explicar isso. Estavam... vivas de alguma forma.

Tia Sarah estava olhando para ela, não para as marcas em seu braço, mas profundamente em seus olhos.

—Parecem perfeitamente normais para mim, querida. Não vejo nada de errado.

—Não, — disse Tavia. —Nem eu. Não mais. — O que a fez pensar mais uma vez, desesperadamente, que a transformação que pensou ter experimentado foi apenas uma alucinação bizarra. —E meus olhos, tia Sarah? Como parecem para você?

—O mesmo verde bonito de sempre — ela respondeu suavemente. —Mas esses círculos escuros sob eles me preocupam muito. Precisa descansar e precisa de sua medicação.

—E meus dentes? — Ela apertou. —Nada de estranho aí?

Quando olhar de tia Sarah se transformou em pena, Tavia passou a língua sobre a linha de seus dentes, encontrando apenas sua habitual dentadura. Seus caninos estavam alinhados com o resto de sua boca, sem presas se projetando abaixo de suas gengivas.

—Vou ligar para o Dr. Lewis agora, certo? — A mulher mais velha disse, falando com ela como se fosse um idiota. E, realmente, não devia ser surpresa, dadas as coisas bizarras que acabavam de sair de sua boca. —Tenho seus remédios no armário do corredor. Fique aqui, e vou pegar um para você tomar enquanto esperamos o médico. Isto soa bem para você, Tavia querida?

Ela balançou a cabeça quando foi deixada sozinha na cozinha, cansada de tudo que aconteceu, fosse uma nova realidade chocante ou fabricada totalmente em sua mente.

Não estava a ponto de mencionar o sexo. Isso, ela tinha certeza, aconteceu. E pensou melhor sobre mencionar o sangue em seu corpo também, mesmo que ajudasse a comprovar sua provação. Dizer a tia Sarah sobre isso só conseguiria que verificasse seu corpo ou pior, um exame dela pelo Dr. Lewis e suas mãos geladas e ferramentas.

—Aqui está você agora. — Tia Sarah voltou com um punhado de vidros de remédio. Ela os pôs na frente de Tavia e então foi até a pia para encher um copo com água. —Vá em frente, tome-os. Vai se sentir melhor, sabe disso.

Tavia balançou os vários comprimidos e cápsulas que constituíam sua dose diária de três vezes de remédios. Ela os engoliu com um grande gole de água, estremecendo quando o nó das pílulas e o líquido frio desceram por seu corpo.

—Preciso de um banho — ela murmurou, acabando rapidamente, agora que estava de volta em terreno familiar. —Estou tão sedenta e cansada.

—Claro que sim. — Tia Sarah a ajudou a ficar de pé. —Se refresque e descanse um pouco. Estou chamando o médico agora. Tenho certeza que estará aqui logo.

Chase limpou as manchas de sangue do chão do quarto o melhor que pôde, embora não soubesse por que se incomodava. O Darkhaven estava vazio há mais de um ano, e com certeza não tinha motivo para pisar nele nunca mais. Nada havia além de lembranças ruins e vergonha dentro destas paredes.

E hoje, com o que aconteceu entre Tavia e ele, acrescentou a cereja no bolo.

Figurativamente, se não literalmente.

—Jesus, só ando para foder as coisas. — Ele amontoou o maço de toalhas de papel molhadas, tiradas de um rolo amarelado encontrado na cozinha, e as jogou no lixo do banheiro com os invólucros de ataduras e a agulha torta de seu autoatendimento anterior.

Quando passou pela pia, seu olhar passou pelo frasco de prata de Carmesim. Ele o pegou e segurou por um momento. Rolou o recipiente delgado na palma da mão.

Considerou arrancar a rolha de cera que o selada e jogar o conteúdo venenoso no vaso sanitário.

Mas a mão dele se recusou a se livrar da maldita coisa.

Menos uma tábua de salvação que um meio rápido para um determinado fim, esta última dose existente de carmesim era uma muleta que temia poder precisar, talvez mais cedo do que tarde.

Ainda no meio da tarde, sua sede de sangue o agarrava, novamente, se é que alguma vez realmente o deixou. Não tinha mais certeza. A dor, o frio constante se tornava parte dele. Quanto tempo antes que pertencesse completamente?

Considerando o quão perto chegou de dar uma mordida no pescoço de Tavia hoje, sua caída para a Sede de Sangue estava ficando escorregadia o tempo todo.

Apenas pensar o lembrava de como incrível se sentiu dentro dela, ficando duro mais uma vez, seu sangue correndo em suas veias como lava em sua corrida abaixo. O pior era que ainda estava apertado pelo orgasmo que interrompeu a fim de se impedir de afundar suas presas em sua garganta quando seu orgasmo começou.

O desejo de se liberar na sua mão agora e tirá-la de seu sistema era tal que nem sequer tentou resistir. Apertando o frasco de Carmesim na mão, se encostou contra a bancada de granito preto, pegou seu eixo na outra e furiosamente o bombeou na pia. Gozou num grito áspero que era mais sobre alívio que prazer.

Sua liberação o aliviou um pouco, mas uma necessidade maior ainda persistia. E agora que teve um pequeno gosto de Tavia Fairchild, sabia muito bem que não podia confiar em ficar em qualquer lugar perto da fêmea.

Houve um tempo — um milhão de anos atrás, parecia — quando ele era tudo sobre contenção e honra. Guiava-se por padrões de qualidade e altos ideais, desdenhoso de nada menos que a perfeição. Como seu pai e irmão antes dele, foi um agente da lei Raça impecável e impiedoso com aqueles que não podiam se manter ou manter suas próprias necessidades egoístas em cheque.

O que era, na verdade, era um hipócrita insensível que se considerava a léguas acima do resto das sujas massas, tanto de sua espécie como humanos.

Que piada, porra.

Ele de alguma forma se tornou a maior coisa que sempre desprezava. E pior ainda, arrastou uma inocente e jovem mulher assustada ao longo da bagunça com ele.

Ela provavelmente estava derramando tudo para a polícia até agora. Talvez para as agências de notícias também. Apenas outra bagunça a ser limpa rapidamente. Não deveria a ter deixado fugir como fez. Havia muita coisa que precisava ser explicada. Muitas coisas que ela precisava saber, a fim de entender o que realmente era.

Uma fêmea Raça.

Não só isso, mas uma fêmea Raça com dermaglifos de Gen Um e a capacidade inexplicável de caminhar incólume em plena luz do dia.

Santo. Inferno.

O pensamento não diminuiu nada do seu impacto sobre ele. Se alguma coisa, era mais surpreendente pensar que realmente existia. Profundamente perturbador imaginar a única maneira que poderia ser possível.

Dragos a fez.

O filho da puta devia a ter criado num de seus laboratórios, brincando de Deus com a genética Raça — algo há muito execrado como o pior tipo de blasfêmia dentro da Raça. Os bebês eram sagrados, não a ciência. Todo mundo sabia disso. Todos dentro da Raça obedeciam esse princípio simples.

Mas não Dragos.

Seus laboratórios secretos de procriação produziram um exército de assassinos Gen Um, então porque não isto?

Mas qual sua intenção com ela? Parecia óbvio agora que Tavia não sabia que era outra coisa senão humana. Sua verdadeira natureza, e suas manifestações físicas, foram suprimidas de alguma forma. Por medicamentos? Sua professada "doença" na verdade era seu corpo se esforçando para negar sua parte Raça?

—Jesus Cristo — ele sussurrou, fazendo uma limpeza rápida em si mesmo e na bacia.

A Ordem precisava ser informada o mais rápido possível.

O problema era que não sabia onde estavam, ou como alcançá-los. Tornou-se persona non grata com Lucan e o resto dos guerreiros. Sem boas-vindas, possivelmente para sempre.

Mas sabia de alguém que podia estar disposto a intervir. Alguém que podia estar disposto a tomar Tavia Fairchild sob sua proteção também. Deus sabia que Chase era um mau candidato para esse dever.

O que significava que teria que pedir um grande favor, possivelmente pela última vez, de seu ex-colega da Agência de Execução.

Mathias Rowan.

 

Ela não conseguia dormir. Depois de um banho longo e quente, Tavia se vestiu com suas próprias roupas, e depois deitou na cama olhando para o teto num estado de calma expectativa.

Do que, não podia dizer. Mas não importava o quanto tentasse fechar os olhos para o descanso muito necessário, seu corpo parecia estar correndo numa nova e estranha calibração.

Seu sangue zumbia em seus ouvidos e através de suas veias. Seus músculos estavam tensos pelo poder, espetando e contraindo com energia não gasta, ociosos. Estava prestes a sentar e gastar essa sensação num ritmo acelerado em torno de seu quarto quando ouviu a porta da frente abrir.

Vozes no vestíbulo: Tia Sarah trazendo o Dr. Lewis para dentro e dando-lhe um rápido resumo de por que o chamou na casa. Os dois falavam em voz baixa, todo o caminho até o corredor e de volta a sala, mas Tavia pegou o básico de sua conversa.

—Duas noites inteiras desde que tomou seus remédios pela última vez — Tia Sarah o informou, o estresse em sua voz calma.

A usual voz de barítono do Dr. Lewis estava baixa, pouco mais que um estrondo que atravessava as paredes até o quarto de Tavia.

—Qualquer indicação externa de angústia sistêmica?

—Não. Mas disse que notou mudanças... — Esta última palavra foi sussurrada, cheia de significado.

Tavia sentou na cama, se concentrando em ouvir tudo que fosse dito.

—Essas mudanças ocorreram enquanto estava com ele? — O Dr. Lewis perguntou.

—Essa foi minha suposição, sim.

Uma pausa.

—Houve contato com ele, físico ou... de natureza íntima?

Oh, Deus. Tavia estremeceu, odiando como cada aspecto de sua vida estava aberto para discussão e dissecação por todos ao seu redor. Odiava mais a prolongada condição médica só por isso. A verdadeira privacidade era algo que nunca conheceu.

—Não sei exatamente o que ocorreu entre eles — Tia Sarah respondeu. —Ela disse que estava fisicamente contida. Ele fez um monte de perguntas. Ela não mencionou nada mais que isso.

—Mmm-hmm. E como se apresentava quando chegou aqui hoje? Qualquer coisa peculiar?

O assoalho rangeu suavemente quando a dupla começou a percorrer a casa, mais para dentro, ainda cuidando de manter suas vozes baixas. Estavam perto do início do corredor, se Tavia podia confiar em sua audição.

—Estava quente ao toque, mas não tinha febre. E ruborizada. Quanto ao resto, não notei nada de anormal.

—Nada mais? — O Dr. Lewis grunhiu. —Isso em si é incomum. Quarenta e oito horas sem supressão médica na sua condição deveria ter produzido algum tipo de reação. Já vimos isso com todos os outros.

Todos os outros? Tavia prendeu a respiração quando um choque de alarme passou por ela, tão frio como gelo. Do que estava falando? Que outros?

—Queixava-se de estar cansada. — Tia Sarah acrescentou. —A mandei tomar um banho e descansar um pouco.

—Será que ainda está dormindo?

—Sim. No seu quarto, no corredor.

—Bom — o Dr. Lewis disse. —Vou entrar e dar uma olhada rápida antes de acordá-la para sua avaliação clínica de tratamento.

Cada tendão e terminação nervosa do corpo dela dispararam em pequenas explosões dentro dela quando os passos se aproximaram da porta fechada do quarto. Seus sentidos estavam hiperaguçados agora, a pele formigando como se atingida por milhares de minúsculas agulhas. Ela saltou quando a maçaneta girou e o Dr. Lewis apareceu lentamente no espaço por trás da porta.

—Oh. Tavia, está acordada. — Ele sorriu, uma curva fraca de sua boca, que estava parcialmente escondida dentro dos bigodes de sua barba grisalha. —Sua tia me disse que ia tirar um cochilo. Espero não ter perturbado seu sono.

Ela estava muito tensa para se preocupar em ser educada.

—O que há de errado comigo, Dr. Lewis?

—Não se preocupe. É por isso que estou aqui. — disse ele, entrando. Carregava a mala de couro grande que carregava seus suprimentos médicos para atendimentos domésticos. Tavia viu a mala de instrumentos frios e remédios amargos mais vezes ao longo de sua vida do que queria recordar.

—Não, não. Sente-se. — disse ele quando ela começou a levantar da cama. —Não precisa se incomodar com nada. Está tudo sobcontrole agora. Vai ver, vou recuperá-la.

Tavia o olhou com cautela.

—Algo está acontecendo comigo.

—Eu sei. — disse ele, balançando a cabeça sombriamente. —Mas não há motivo para alarme, garanto. Vou administrar um pequeno tratamento de reforço que fará você se sentir bem de novo. Ainda melhor que uma semana no Spa. Como isso soa?

Tavia mal resistiu ao impulso de dizer que nunca pisou num Spa. Coisas como essa estavam fora dos seus limites por causa de sua fisiologia delicada e extensos problemas de pele, fato que ele conhecia muito bem, sendo seu médico exclusivo desde que era uma criança órfã. Estava tentando ser leve e bem humorado, mas havia um achatamento em sua voz. Uma gravidade maçante em seu olhar. Isso a fez tremer um pouco, no fundo de seus ossos.

Ele se aproximou de onde estava sentada na beirada da cama.

—Levante sua manga, por favor? — Ela hesitou, então obedeceu, levantando lentamente a manga do suéter. —Tudo parece bem com sua pele — disse a ela. —Isso é maravilhoso, Tavia. Muito encorajador.

Ele pegou um chumaço de algodão com álcool estéril e limpou a pele fria sobre seu bíceps à mostra.

—Quantos outros como eu o senhor trata, Dr. Lewis?

Ele olhou para cima, claramente assustado.

—Desculpe-me?

—Há muitos nas minhas condições? — Perguntou ela. —Quem são? Onde vivem?

Ele não respondeu. Esmagando o algodão utilizado e as toalhas de papel na mão, girou longe e as jogou no lixo próximo.

—Pensei que era a única — disse ela, sem saber por que esta revelação estava acelerando sua respiração, chutando seu pulso com uma nota de apreensão. Com medo de uma resposta que de repente não estava tão certa que queria ouvir. —Por que não me diz quem são os outros?

Ele riu levemente.

—Alguém esteve ouvindo atrás da porta. Sempre teve uma mente excessivamente curiosa, Tavia. Desde quando era criança.

Ele se ocupou com sua maleta de médico agora, a voz tímida, ligeiramente paternalista. E, francamente, estava se zangando.

—Quantos, Dr. Lewis? Nenhum deles morreu desta doença... morreu?

—Vamos nos concentrar em fazer o melhor, certo? Podemos falar sobre tudo, uma vez que esteja totalmente recuperada.

—Não me sinto doente.

—Mas está, Tavia. — Ele deu um suspiro quando retirou vários instrumentos de sua bolsa. —É uma jovem muito doente, e teve sorte agora. Da próxima vez, pode ser outra história.

Seus instintos dispararam em alarme ao vê-lo encher uma seringa grande de um frasco de medicamento líquido claro que tirou do seu estojo. Ele se virou então e veio em sua direção com ele, um sorriso frio nos lábios.

—Vai se sentir muito melhor em apenas alguns momentos.

Oh, não, inferno. Tavia recuou, sobpuro impulso de sobrevivência. Não sabia de onde veio, nem sabia como conseguiu mover seu corpo tão rapidamente.

Estava de repente em cima e do outro lado de sua cama, no tempo que levou para o pensamento se formar em sua mente.

O Dr. Lewis ficou boquiaberto. Limpou a garganta, mal perdendo o ritmo.

—Agora, não vamos tornar isso difícil, Tavia. Não estou aqui para te machucar. Só quero ajudar.

Ele gentilmente fechou a porta e caminhou em sua direção, a seringa firme na mão. Seu sorriso tinha ido de gelado para ameaçador. A pele de Tavia começou a formigar, ficando quente e tensa. Seus dentes doíam, e podia sentir nitidamente sua visão se estreitando sobre ele como se fosse uma presa em sua mira.

O Dr. Lewis inclinou a cabeça e deu um estalo suave de sua língua.

—Garota má. Alguém não contou toda a verdade sobre onde esteve ou o que esteve fazendo.

Tavia se moveu na frente dele quando rodeou o pé da cama.

—Quem não disse a verdade foi você. — Enquanto falava, sentia o raspar de seus dentes contra sua língua. —Que diabos esteve me dando todos esses anos? O que fez comigo?

—Tavia? Dr. Lewis? — A voz de Tia Sarah soou do outro lado da porta fechada. —Está tudo bem aí?

—Tia Sarah, fique fora! — Tavia gritou. —Por favor, não entre!

Sua preocupação com sua tia era genuína, mas havia uma parte dela que não podia suportar deixar a mulher mais velha vê-la neste estado. Não queria perder o amor de sua tia se viesse a descobrir que a menina que criou, na verdade, era um monstro.

—Tavia, o que está acontecendo...

—Não é seguro. — ela gritou. —Chame ajuda, mas não entre. Dr. Lewis...

—A menina foi comprometida — ele interrompeu, falando sobre ela com calma enervante. —O processo foi ativado.

Processo? O que diabos isso significava? O que o Dr. Lewis estava fazendo com ela todos esses anos? Tavia não teve muita chance para adivinhar sobre isso.

O Dr. Lewis saltou sobre ela. A longa agulha da seringa começou a descer em direção ao seu rosto num arco, rápido e mortal. Tavia pulou fora de seu trajeto, os músculos e membros se movendo em perfeita sintonia, tão fácil como respirar. Num instante estava na frente de seu agressor, no seguinte, estava atrás dele, agachada e pronta para saltar.

Não havia tempo para se perguntar se ele percebia que não poderia vencer contra ela. Ele veio de novo para ela, e ela o olhou como se o visse pela primeira vez agora.

Como perdeu o brilho opaco de seus olhos antes? Como os olhos de um tubarão. Mortos e frios. Desalmados.

Sua nova visão estava mais clara para deixá-la ver isso, e sabia que suas íris estavam da cor âmbar brilhante pelo fraco brilho que banhava o rosto assassino do Dr. Lewis quando veio na sua direção, empunhando sua seringa como se fosse uma arma.

Tavia ficou na ponta de seus pés e o levou ao chão. Quando ele caiu, bateu a cabeça na borda da cabeceira da cama. A ferida sangrando abriu o couro cabeludo cinza, derramando amargos glóbulos vermelhos acobreados. Mesmo com seus sentidos recém-sintonizados, podia sentir o cheiro de uma nódoa sobre ele. Era humano, mas... não era.

E não estava disposto a desistir facilmente. Ele tentou furá-la com a agulha, mas Tavia agarrou seu pulso. Apertou até que quebrou. Ele apenas resmungou, mesmo a dor devendo ser excruciante. Com um rosnado fervendo em sua garganta, Tavia torceu o membro fraturado e enfiou a seringa no peito do velho homem, inserindo o conteúdo.

Imediatamente ele começou a bufar e tossir. Soltava uma espuma espessa, os olhos quase pulando para fora de seu crânio quando a mandíbula relaxou e a saliva rastejou abaixo em seu queixo. O medicamento era veneno, pelo menos, para ele. Convulsionou na morte, seu último suspiro saindo num chocalho embargado.

Tavia pulou e correu para o corredor, frenética. Tinha que encontrar tia Sarah e tirá-las de lá.

A mulher mais velha estava no telefone na cozinha. Falava rápido, sua voz baixa num sussurro cuidadoso, sem saber que Tavia se aproximava ou que Tavia podia ouvi-la tão claramente quanto qualquer coisa nesta forma nova e poderosa que a tomou.

—...processo foi ativado. Sim, Mestre. Lewis está com ela agora. Claro. Entendo, Mestre.

As pernas de Tavia pareciam um pouco instáveis debaixo dela ao ouvir a tia falar. Palavras estranhas. Uma entonação estranha, plana. Servil e insensível. Tavia se forçou a encontrar sua voz.

—Tia Sarah?

Ela desligou o telefone abruptamente e se virou.

—Tavia! Está bem? O que, na Terra, estava acontecendo lá dentro? Onde está o Dr. Lewis?

Tavia nem sequer piscou. A preocupação da tia Sarah parecia completamente falsa agora. Tão falsa quanto o Dr. Lewis provou ser. Triste pela compreensão surgindo, disse:

—Eu o matei.

—Você, você o quê?

—Tia Sarah, quem era no telefone?

Ela passou a mão sobre o alegre avental de Natal, alisando rugas inexistentes.

—Foi, ah, do consultório do Dr. Lewis. Pela maneira como as coisas soaram lá há um momento atrás, pensei que seria melhor chamá-los... vê-los... tê-los ... enviá-los...

A mentira morreu em seus lábios. Seu rosto relaxou numa estranha espécie de calma. Sem emoção.

Tavia balançou a cabeça, notando que os olhos de Sarah assumiam o mesmo brilho plano que o Dr. Lewis tinha. Podia ver agora, sua visão mais clara do que nunca foi. Não havia mais medicamentos para silenciar esta parte extraordinariamente poderosa dela, que viveu dentro dela provavelmente toda a sua vida.

Sarah voltou para a cozinha, longe de Tavia. Girou para devolver o telefone ao gancho.

—Você me traiu. — disse Tavia para volumoso traseiro de sua tia. —Todo esse tempo. Você e o Dr. Lewis. Mentiram para mim.

—Não era você que servíamos.

A admissão abriu um buraco frio no peito de Tavia.

—Do que está falando? Quem serve?

—Nosso Mestre. — Sarah virou para encará-la novamente. Tinha uma faca de açougueiro na mão.

Pavor e tristeza correu pela espinha de Tavia.

—Realmente vai me matar?

Sarah deu um pequeno aceno de cabeça.

—Cabe a ele decidir se você vive. É seu dono também. Ele a possui desde o início, criança.

—Ele, quem? — Tavia perguntou, mas um pensamento doentio já cravava em seu cérebro, cortante como a borda da faca de Sarah. —Dragos.

Ela pensou no que o senador Clarence e Sterling Chase disseram sobre ele. Que Dragos já o possuía. Agora Tia Sarah e o Dr. Lewis também?

—Diga-me o que está acontecendo. — ela exigiu da velha. Moveu-se para frente, preparada para sacudir a verdade fora dela se precisasse.

—Tenho minhas instruções. — Sarah respondeu de forma uniforme. E com isso, sem nem mesmo a menor hesitação, passou a lâmina através de sua própria garganta.

Seu corpo caiu no chão de linóleo cremoso numa pilha sem vida, o sangue acumulando numa mancha vermelha escura abaixo.

Tavia ficou ali, entorpecida e tremendo, olhando para o cadáver da mulher que nunca conheceu de verdade. Sentia-se totalmente desamparada. Acabava de perder a única família que teve.

Também sabia que sua casa não era mais segura para ela. O Dr. Lewis e Tia Sarah estavam mortos, mas devia haver outros. Outros que serviam este mal chamado Dragos.

Ele é seu dono também.

Ele a possui desde o início, criança.

Tavia sacudiu o sentimento debilitante que subiu junto com esse pensamento.

Correu para fora da casa sem olhar para trás.

Tudo mudou agora, e nunca poderia voltar. Não para esta casa que foi a única casa que já teve, nem para sua vida como foi por todos os seus vinte e sete anos.

Uma vida que não era nada além de uma mentira terrível e monstruosa.

 

Mathias Rowan estava atrasado.

O diretor da Agência de Execução ficou chocado ao ouvir Chase um pouco antes, quando ligou para Rowan de uma rede fixa há muito não usada no Darkhaven vazio de Chase. No entanto, para seu crédito, Rowan concordou em fazer a viagem até Back Bay, logo que o sol se pusesse. Mas agora era entardecer e nenhum sinal dele ainda.

Chase estava vestido para a batalha, depois de pegar jeans preto, botas com solado e uma camisa de mangas compridas de malha preta na parte de trás de seu guarda-roupa velho. Sua pistola da Agência dentro do coldre parecia insubstancial em comparação com o par de 9 mm semiautomática que usava quando era membro da Ordem.

Não se importava em admitir o quanto incomodava perceber que provavelmente nunca sairia em outra patrulha com Dante ou com os outros guerreiros. Deixou sua honra escorregar por entre os dedos, muito ocupado se agarrando a indulgências egoístas para perceber o que estava perdendo. Agora era tarde demais para trazer tudo de volta, não importa o quanto quisesse se provar digno de confiança. Assumindo que já não estivesse longe demais para tentar.

Com a escuridão se assentando lá fora, as veias de Chase estavam iluminadas pela vontade de caçar, e estava custando um inferno de esforço resistir ao apelo selvagem de sua fome. Em vez disso começou a perambular por seus aposentos vagos, pelo estúdio, tentando ignorar o sussurro insidioso de sua Sede de Sangue, tentando-o a sair e deixar o ar gelado da noite de inverno aliviar um pouco da febre dos seus sentidos.

Era uma chamada da sereia e sabia disso. Um aceno para o desastre.

Se sua Sede de Sangue não o pegasse no momento que saísse para a escuridão, não havia a mínima chance que um bom policial humano não o fizesse. Chase não queria arriscar qualquer cenário, muito menos deixar sua notoriedade atual, inadvertidamente, levar policiais ou agentes federais até o Darkhaven de Mathias Rowan na cidade.

Deus sabia que suas ações imprudentes prejudicaram um número suficiente de pessoas que se preocuparam com ele recentemente. Não estava prestes a adicionar Rowan e sua família nessa lista.

Sequer Tavia Fairchild.

Ela era toda a razão para pedir este favor a Rowan. Ele saberia o que fazer com ela. Ele, melhor que Chase, seria o melhor para recuperá-la e levá-la à Ordem, onde estaria protegida de Dragos, seus servos e aliados.

E seguro de Chase também.

—Cristo. — ele murmurou, passando a mão sobre a cabeça, fazendo outro circuito pelo estúdio. Ela não deixou sua mente desde o momento que fugiu, e até agora não podia deixar de se perguntar onde estava, com quem estava... se estava segura.

Parte dele queria ir atrás dela, ainda mais do que queria se alimentar.

Parte dele simplesmente a queria, e não era uma boa notícia.

Não dessa forma perigosa que estava, enquanto Dragos ainda estava lá fora, lidando com seus Subordinados e planejando seu próximo golpe contra a Ordem.

Talvez contra o mundo como um todo.

Esse pensamento foi suficiente para colocar sua cabeça de volta no lugar. Chase não tinha que se preocupar pela segurança de uma fêmea — mesmo uma fêmea extraordinária como Tavia Fairchild. Sua vida já estava quase perdida. Inferno, esteve disposto a jogá-la fora inúmeras vezes nos últimos meses. Se pudesse chegar perto o suficiente de Dragos para levar o bastardo junto, ficaria feliz em gastar seu último suspiro para que isso acontecesse.

Mas primeiro precisava ter certeza que Tavia não seria pega no fogo cruzado. E isso significava deixá-la sob a proteção da Ordem.

Onde diabos estava Rowan?

Quando a batida da aldrava na porta do prédio da frente soou, um momento depois, Chase abriu o painel de carvalho pesado com uma maldição rosnada.

—Caramba, você demorou...

Não era Mathias Rowan ali. Era Tavia. Ela esperava na varanda, no escuro, tremendo com apenas uma camiseta de gola alta, jeans solto e sapatos de couro.

—Estive caminhando por horas. Eu... não sabia para onde ir. —Ela respirou. Foi uma inalação esfarrapada e instável. Soprou-a numa rajada de vapor que soava muito perto de um soluço. —Eu matei alguém hoje.

—Jesus Cristo. — Todo o resto desapareceu, enquanto olhava para a expressão aflita de Tavia. Chase saiu e passou um braço em torno de seus ombros tremendo. —Venha para dentro.

Ela se sentia dura quando ele a guiou para o hall de entrada, se movendo com rigidez robótica. Choque, adivinhou, olhando para seu olhar desfocado e linhas em seu rosto.

—Está bem? Machucou-se em algum lugar?

Ela deu um aceno fraco de cabeça.

—Ele tentou me matar. Acho que ia me envenenar com alguma coisa. Ele disse que me faria sentir melhor, mas sabia que estava mentindo. Havia algo de muito errado com ele. Só senti, antes mesmo de ele me atacar. Eu o matei. Eu matei o Dr. Lewis. — Ela puxou outro fôlego engasgado quando um arrepio a percorreu da cabeça aos pés. —Não sabia o que fazer. Não sabia para onde ir ou em quem podia confiar. De alguma forma, acabei aqui.

—Está tudo bem — disse ele. —Vamos, vamos começar a aquecê-la.

Ele a levou para o estúdio e a sentou na cadeira coberta. Agachou na frente dela e pegou suas mãos entre as dele para esfregar um pouco de calor nelas. Quando a olhou, haviam lágrimas em seus olhos.

—Minha tia Sarah — ela murmurou. —Está morta também. Cortou a própria garganta bem diante de mim.

—Sinto muito — disse Chase, escutando a dor e confusão em sua voz quebrada.

—Não entendo como puderam mentir tanto para mim. Toda a minha vida, mentiram para mim. — Ela franziu a testa, deu uma sacudida lenta de cabeça. —E seus olhos. Nunca percebi como seus olhos eram frios. O Dr. Lewis e Tia Sarah... mudaram de alguma forma.

—Não, Tavia. Foi você quem mudou. — Ele fixou seu olhar confuso. —Não notou nada de anormal porque até hoje estava vivendo como uma humana. Sua verdadeira natureza estava sendo suprimida, sem dúvida, pelos mesmos medicamentos que pensou que a ajudavam. Não acho que estava doente.

Ela ouviu em silêncio por um longo momento, absorvendo suas palavras.

—Eles me traíram. Nunca se importaram comigo, não foi? Vi hoje, quando cada um deles olhou para mim. Havia um vazio terrível em seus olhos. Como olhos de um tubarão.

Chase resmungou, conhecendo esse olhar bem.

—Eram Subordinados. Todos têm esse mesmo brilho morto em seus olhos. Vai saber imediatamente quando os vir.

—Subordinados?

Ele balançou a cabeça.

—Humanos sangrados quase até a beira da morte e que viraram escravos de mente de um poderoso membro da minha espécie. — Ele passou seu polegar sobre o padrão emaranhado dos dermaglifos que corriam ao longo da parte inferior de seu pulso. —Nossa espécie.

Ela puxou as mãos fora de seu alcance.

—Vampiros. — Ela engoliu em seco, as sobrancelhas finas unidas. —É isso que sou, uma vampira? Sei que é isso que você é. Não é?

—Não exatamente.

—Então o que, exatamente? — Ela exigiu, levantando da cadeira, com a voz beirando o pânico. —Que diabos está acontecendo comigo? Diga-me o que está acontecendo!

Ele estava junto com ela.

—Não tenho certeza do que você é, Tavia. Ou como pode ser o que parece ser. Nunca vi nada parecido a você. Ninguém viu. O que você é... é impossível.

—Ótimo. — Ela fez um som estrangulado na parte de trás de sua garganta. —Então, sou um monstro. Mesmo para os seus padrões.

Ah, Cristo. Ele não era a pessoa certa para explicar tudo isso a ela. Seus dias de diplomacia e conversa suave estavam muito longe. Melhor que descobrisse o que precisava saber com Mathias Rowan, alguém que ainda era parte da cultura do Darkhaven e que poderia facilitar seu caminho. Mas mesmo enquanto pensava nisso, Chase se incomodava com a ideia de Tavia sendo educada por alguém. Especialmente alguém tão nobre e encantador e bem educado como Mathias Rowan.

Não que Tavia Fairchild parecesse uma mulher que precisava lidar com luvas de pelica.

E para o melhor ou pior, no momento, Chase era tudo que ela tinha.

—O que você é, Tavia, é Raça. O folclore humano nos chamaria de vampiros, mas essas histórias exageram a verdade. Como eu, como o resto da Raça, você vive, respira, é muito poderosa. Aqueles de nosso tipo vivem por muito tempo, por pelo menos séculos. Alguns de nós vivem há mais de mil anos. E sim, subsistimos por beber sangue humano de uma veia aberta.

—Não — ela interrompeu. —Isso não está certo. Não comigo. Durante vinte e sete anos tenho comido comida normal. Bebo coisas normais, como qualquer outro humano. Nunca provei uma gota de sangue, muito menos bebi da veia de ninguém. Até...

Ele viu o rosto dela ficar um pouco vermelho.

—Até que se alimentou de mim hoje cedo. E isso foi depois que seu corpo teve a chance de expurgar um pouco das drogas que continham sua parte que não é humana — sua parte Raça — em algum tipo de prisão induzida.

—Não sou como você. Não posso ser. — Ela se afastou dele, dando alguns passos pela sala e virando de costas. —Não quero ser parte deste... deste pesadelo.

—É a realidade, Tavia. — Ele se aproximou por trás dela e pôs as mãos levemente nos seus ombros. Ela não resistiu quando ele a virou para enfrentá-lo. —Não tem a opção de fazer parte disto ou não. Goste ou não, está vivendo isso agora.

—Bem, não gosto disso. — Ele podia vê-la lutando para aceitar tudo que ouvia. Seus brilhantes olhos verdes ainda estavam úmidos de lágrimas não derramadas, mas nenhuma única caiu. Ela irradiava uma força de aço, o queixo rígido e alto, olhando para ele com um olhar teimoso e inquebrável que era mais Raça do que ela gostaria de admitir. —Não gosto de nada disso, mas se essa é a verdade, então não vou fugir dela.

Ele balançou a cabeça uma vez, reconhecendo sua coragem.

—Não vou mentir para você. Isso posso prometer.

Ele não disse que havia pouco mais de valor que tinha para dar. Se passasse mais tempo perto dele, descobriria isso em breve por conta própria.

—Conte-me sobre Dragos. — Seu olhar era firme quando encontrou o dele. —Na delegacia naquela noite, disse que o senador Clarence pertencia a ele. Que era propriedade de Dragos.

—Sim — disse Chase. —O senador era um dos Subordinados de Dragos. O policial na sua suíte do hotel também era Subordinado. Como sua tia e seu médico. Todos pertenciam a Dragos. Não podemos ter certeza de quantos escravos da mente ele tem sob seu comando. Após todos esses anos, pode haver milhares.

Tavia franziu a testa.

—Então, onde entro nisso? Tia Sarah disse que ele é dono de mim também. Que eu pertenço a ele desde o início, foi como ela se expressou. Não sou uma de suas Subordinadas.

—Não — disse Chase. —Mas baseado no que você é, não há dúvida que Dragos está envolvido. Até você, Tavia, nunca houve uma Raça fêmea. Nenhuma, nunca. Nossa Raça começou há milhares de anos, quando uma nave que transportava um grupo de outros-mundos biologicamente avançados pousou no planeta. Mataram e violaram, e às vezes deixavam determinadas fêmeas, geneticamente exclusivas, conhecidas como Companheiras, grávidas de seus filhos.

Não podia ler a expressão dela agora. Parecia que uma parte dela entendia, e outra estava cética.

—Está me dizendo que alienígenas acasalaram com humanas milhares de anos atrás e bebês vampiros nasceram? — Ela zombou. —Isso é ridículo. Sabe como isso o faz parecer louco?

—Deve saber agora por que não sou louco. — Quando ela tentou desviar o olhar dele, fez seu olhar voltar com a ponta dos dedos sob o teimoso queixo.

Disse que não mentiria para ela, então decidiu contar a verdade nua e crua.

—Nossos antepassados não eram deste mundo, isso é verdade. Eram bebedores de sangue selvagens e guerreiros que abateram civilizações inteiras a cada vez. Os antigos estão todos mortos agora, mas até pouco tempo atrás, um permanecia vivo. Dragos o manteve preso em seus laboratórios por décadas, até que o antigo escapou para o Alasca e a Ordem eventualmente o matou. Mas até então, Dragos usou este Antigo, em cativeiro, em vários experimentos genéticos e criou um exército de assassinos Raça, o exército mais poderoso que este planeta jamais conhecerá. Se Dragos decidir soltá-los, não há como dizer o quanto poderá causar estragos.

—E eu? — Tavia perguntou agora. —Não entendo o que nada disto tem a ver comigo.

—Não entende? — Chase fez uma pausa, deixando sua mente afiada considerar as possibilidades.

—Dragos me criou — disse ela após um momento. —Eu era um de seus experimentos genéticos.

O aceno de resposta de Chase era sombrio.

—Não há outra maneira de explicar o fato que você exista, Tavia. É obviamente Raça, mas é mulher, algo que nunca vimos. E pode caminhar à luz do dia sem se queimar. Isso é uma impossibilidade para nossa espécie também. Até agora. Até você.

—Então, se sou filha da criatura no laboratório de Dragos, quem seria minha mãe?

—Uma companheira, tenho certeza — disse Chase. —Dragos manteve dezenas presas em seus laboratórios ao longo de décadas. Se eu estiver certo, provavelmente você tem uma pequena marca de nascença vermelha em algum lugar de seu corpo. Teria a forma de uma lua crescente e lágrima.

Tavia olhou para ele num silêncio atordoado.

—Em minhas costas. Sempre acreditei que era apenas parte das minhas cicatrizes. Nada do que acreditei antes era verdade, não é? Era tudo mentira. — Ela recuou, usando os braços para se abraçar como se estivesse doente. Lançou um olhar aflito sobre ele, seus olhos verdes soltando faíscas âmbar. —Por que ele faria isso comigo? O que possivelmente Dragos teria a ganhar, me criando como uma espécie de monstro Frankenstein?

—Você não é um monstro. — Chase assegurou.

—Sou uma abominação, porra! — Gritou ela. Os dermaglifos que apareciam sobre a borda do suéter de gola alta estavam cheios de cor e se agitando numa escura nuance enquanto seu sofrimento crescia. Os pontos afiados de seus dentes eram apenas visíveis sob a borda escura de seu lábio superior.

Era tão bonita assim, que mal conseguia pensar direito. Mas ela não via isso. Com um rosnado áspero, puxou as mangas longas de sua blusa, expondo seus antebraços. Então começou a esfregar os dermaglifos que acompanhavam os braços, esfregando as palmas das mãos sobre eles num frenesi cruel, como se quisesse arrancá-los de sua pele.

Chase acalmou suas mãos, as pegando nas dele.

—Não é um monstro, Tavia. Você é um milagre.

Estendeu a mão e empurrou seu cabelo solto longe de seu rosto corado. A vontade de beijá-la era quase irresistível, mas se reteve, não querendo tirar proveito de sua angústia e confusão. Pena que não teve a mesma restrição mais cedo naquele dia.

Por mais que o envergonhasse pensar na sensação de seu corpo forte e flexível enrolado em torno dele, não podia negar que, se ela o deixasse beijá-la agora, acabariam nus mais uma vez. E agora que pensava em Tavia nua, seu próprio corpo começou a reagir com interesse óbvio.

Ele acariciou os ângulos aveludados de seu rosto. Através das presas emergentes, disse:

—Jesus Cristo... você é a coisa mais incrível que já vi. Possivelmente a única de sua espécie.

—Não. — Ela deu um aceno vago de cabeça, mas não se afastou de seu toque. —Não sou a única. Há mais como eu.

A mão de Chase fez uma pausa quando descansou contra seu belo rosto.

—Há outras? Tem certeza?

—Ouvi o Dr. Lewis dizendo. Quando tia Sarah disse que não tomei meus remédios por um par de dias, ele pareceu alarmado. Disse que os outros nunca ficaram sem tratamento sem graves reações.

Santo inferno. As veias de Chase ficaram frias pelo espanto.

—O que mais ele disse? Mencionou quantos eram? Onde poderiam estar?

Tavia balançou a cabeça.

—Tentou negar quando perguntei sobre isso.

—Sabe onde é seu consultório?

—Claro. Vou lá para exames e testes médicos especiais desde que era uma criança. Tem uma clínica privada e instalação de tratamento numa antiga fazenda em Sherborn, a sudoeste de Boston.

—É onde guarda seus registros dos pacientes?

—Pelo que sei, tudo é mantido na clínica.

Enquanto Chase fazia um cálculo mental de quão rápido podia chegar à clínica rural, uma batida soou na porta da frente do Darkhaven.

— Está tudo bem... — Chase disse para ela. —Estou esperando alguém.

Ele foi para o saguão e abriu a porta para Mathias Rowan.

—Desculpe pelo atraso, Chase. As coisas na Agência não poderiam estar piores. Tenho as mãos cheias lidando com traidores da Agência e um abate de humanos em massa no clube em Chinatown, na outra noite. Vim assim que pude. —Quando atravessaram o hall de entrada até o estúdio, Rowan olhou para o Darkhaven vazio e soltou um suspiro baixo.

—Jesus, nunca pensei que voltaria a este lugar. Especialmente depois do que aconteceu com Camden.

—Nem eu — Chase parou na frente do seu antigo colega da Agência. —E sei que não chamaria você para ajudar a menos que não tivesse outra escolha. Odeio te arrastar para essa merda...

Rowan pôs a mão no ombro de Chase.

—Caso não tenha notado, já estou nisso. Está em apuros, sei disso. Inferno, todos numa centena de milhas sabem, tanto humanos quanto Raças. Não pode ligar a televisão sem ver seu rosto em cada canal de notícias do país. O último lugar que deveria estar agora é em Boston, meu amigo.

Chase assentiu.

—Sim. Mas preciso de sua ajuda com algo, Mathias. É urgente, e é importante.

—Achei que devia ser algo grande para me chamar. O que posso fazer?

Chase se afastou e deixou Rowan continuar até o estúdio, onde estava Tavia. Seus olhos se iluminaram no macho Raça, as pupilas finas inabaláveis no centro de suas íris âmbar brilhantes. Os dermaglifos em seus antebraços descobertos ainda estavam vivos pela mudança de cores.

Mathias Rowan perdeu seu comportamento normalmente polido e ficou totalmente boquiaberto olhando para ela.

—O que...

—Tavia Fairchild — disse Chase. —Conheça meu velho amigo Mathias Rowan.

—Olá — disse ela, as pontas de seus dentes brilhando como diamantes em sua boca.

—Ela é... — Rowan começou, então parou. Olhou para ela em descrença, em seguida, lançou um olhar interrogativo de volta para Chase. —Não pode ser...

—Ela é — disse Chase. —E preciso que cuide dela para mim. Leve-a a Ordem o mais breve possível. Precisa de proteção contra Dragos.

—Meu Deus — exclamou Rowan. Caminhou em sua direção com cautela, analisando-a como se visse alguma nova maravilha do mundo. O que não estava longe da verdade.

—Notável. Mas... Como pode ser isso?

—Vou explicar isso mais tarde. — Chase verificou seu cinto de armas e pegou mais munição na caixa em cima da lareira do estúdio. —Basta tirá-la de Boston. Levá-la pessoalmente para Lucan. Ele saberá o que fazer.

Rowan abriu a boca, mas antes que pudesse protestar ou fazer mais perguntas, Tavia soltou:

—Não vou a lugar nenhum com ninguém.

—Vai — Chase respondeu. —Não é seguro para você agora. Dragos saberá que seus Subordinados estão mortos, e virá por você. Acredite em mim quando digo que nada poderia ser pior para você que cair em suas mãos.

O queixo teimoso subiu um nível.

—Vou arriscar. Mas não vou a lugar nenhum até que saiba mais sobre quem realmente sou e o que está acontecendo.

—E vou te ajudar com isso, se puder. Disse que seu consultório é em Sherborn? É onde mantinha seus registros de pacientes e todos os outros que tem tratado sob o comando de Dragos?

—Sim, mas a clínica é fechada. O tempo todo é vigiada com segurança armada.

Chase encolheu os ombros.

—Não é problema.

—Espere aí. — exclamou Rowan. —Vamos devagar. Diga-me do que se trata, Chase. Se isso tem algo a ver com Dragos, devemos buscar a Ordem mais cedo ou mais tarde.

—Não há tempo para isso. Inferno, provavelmente é tarde demais para pegar as informações. Dragos pode ter bloqueado o lugar já.

Rowan amaldiçoou sombriamente.

—Mais uma razão para trazer Lucan e a Ordem aqui também. Vou chamá-los...

—Faça tudo que tem que fazer — Chase respondeu, achando difícil conter a amargura na sua voz, sabendo que Rowan tinha livre acesso à Ordem, enquanto ele nem sabia onde foram. —Não vou esperar. Vou para que a maldita clínica agora.

Tavia estava ao seu lado antes que desse o primeiro passo. Ainda era um pouco irritante que uma mulher se movesse com a mesma velocidade e agilidade, como qualquer outra Raça.

—Vou com você — disse ela. —É da minha vida que estamos falando. Não vou ficar atrás e deixar que ninguém me controle. Nunca mais. Além disso, sou a única familiarizada com a clínica e seus registros. Precisa de mim.

Por mais que quisesse negar, Chase podia ver que discutir seria inútil. É só perderia um tempo precioso, algo que não tinha, se queriam mesmo ter a mínima chance de coletar informações de valor da clínica do médico morto.

Tavia Fairchild podia ser inexperiente e não-treinada, mas em seu sangue e ossos era Raça — fisicamente forte e poderosa por seu próprio direito. Era também fêmea, e Chase podia ver por sua expressão determinada que não aceitaria seu não como qualquer tipo de resposta.

—Tudo bem, então. — disse ele. —O que estamos esperando? Vamos.

 

A Clínica Particular do Dr. Lewis estava aninhada num trecho rural que uma vez foi uma fazenda colonial na cidade rural de Sherborn. Parcialmente abaixo da enluarada trilha estava uma pista, levando as instalação médica e clínicas, uma guarita e uma cancela automatizada servindo como portão.

As melhorias modernas sempre pareceram a Tavia extremamente fora de lugar na propriedade de paredes de pedra e pastos verdejantes. Mas o Dr. Lewis era meticuloso sobre a privacidade de seus pacientes especiais — e sua segurança — o que se tornou ainda mais estranho quando Tavia, Chase e Mathias Rowan se dirigiram até a guarita escura e a encontraram vazia.

—Algo não está certo — disse ela do banco de trás do SUV escuro. —Há sempre pessoal de segurança de plantão aqui, não importa as horas. O Dr. Lewis deixa alguém na porta o tempo todo.

Chase olhou pela janela de passageiro para a paisagem escura, em seguida, deu um olhar triste para seu amigo sentado atrás do volante.

—Dragos sabe que esta instalação foi comprometida.

Rowan assentiu, igualmente grave.

—Pode ser uma armadilha. Pode não valer a pena o risco de ir mais longe.

—Temos que ir. — Tavia sentou mais à frente, as mãos segurando o lado do banco de couro preto de Chase. Não ia chegar tão longe só para voltar sem tentar. —Minha vida está aqui dentro dessa clínica. Poderá ser a única chance que tenho de saber quem e o que realmente sou. Se existem outros como eu, merecem a verdade também.

Ela viu o tendão na mandíbula de Chase ficar rígido. Não disse nada, mas podia ver sua dúvida no azul escuro do seu olhar quando olhou para ela. Podia senti-lo, uma fria indecisão através de suas próprias veias.

—Preciso saber o que ele me fez e por quê. Preciso saber toda a verdade, algo que nunca tive na minha vida. Não posso deixar você me negar isso. Não depois de tudo que passei.

O aceno de resposta de Chase demorou para chegar, apenas uma leve inclinação do seu queixo na direção de Rowan. Em seguida, o veículo saiu da estrada para as terras nevadas, rugindo quando Rowan acelerou o motor do SUV e subiu pela pequena parede de pedra empilhada, enviando as antigas rochas pelos lados das grandes rodas do veículo. Com um solavanco, empurrões e subidas, atravessaram as pedras caídas e foram na direção do prédio da clínica várias centenas de metros à frente.

Chase saiu antes que parasse. Passando quase mais rápido do que Tavia podia localizá-lo, correu para o edifício, quebrando uma janela da área de recepção e entrando à frente deles. Olhou como facilmente assumia o papel de líder. Parecia vir naturalmente para ele, saltando nas linhas de frente, abrindo caminho para os outros segui-lo. Ela teve um vislumbre de algo dourado nele naquele momento, algo brilhante e heroico sob a superfície áspera de homem perigoso que era agora.

—Estamos limpos — disse ele, reaparecendo no espaço aberto quando Tavia e Rowan correram para encontrá-lo. Afastou de lado alguns cacos de vidro irregulares com a bota e ofereceu sua mão para Tavia. —Cuidado com o degrau.

Ela subiu no escritório escuro e estava ao lado de Chase, Rowan seguindo logo atrás. A clínica estava diferente agora, apagada e vazia. Não mais o lugar que vinha se curar, mas um ninho de ilusão. A confortável sala de espera, com suas cadeiras macias de clube e agradáveis pinturas de aquarela emolduradas nas paredes, agora parecia falsamente acolhedora como uma lagoa tranquila infestada de piranhas.

—Por aqui — disse ela, rodeando a parede que separava a sala de espera da secretária recepcionista do outro lado.

—Onde estão todos os arquivos de pacientes? — Mathias Rowan perguntou, quando ele e Chase a seguiram até a área. Com o cenho franzido, ele rapidamente verificou seus arredores.

—Cada clínica médica que já vi tem milhares de registros de papel na mão.

Tavia balançou a cabeça.

—Não o Dr. Lewis. Ele é — era — maníaco quando se tratava da segurança do paciente. Tudo aqui é informatizado e protegido por senha.

—Interessante — Chase comentou.

Rowan puxou uma de suas pistolas do coldre sob seu casaco preto.

—Se os dois têm as coisas sobcontrole aqui, vou dar uma olhada ao redor do resto deste lugar.

Chase acenou para o amigo quando Rowan desviou para o corredor, mas seus olhos nunca deixaram Tavia. Observou enquanto ela rodeava a área de trabalho dos computadores e tomava assento na cadeira de rodinhas por trás da estação de trabalho. Quando um prompt de senha apareceu, entrou com uma sequência complicada de letras e números no teclado. A máquina aceitou o código, em seguida, retomou seu processo de inicialização.

Quando ela olhou para ele, Chase estava olhando para ela com um olhar interrogativo no rosto. Ela deu um encolher de ombros leves.

—Estive aqui há alguns meses durante uma queda de energia. Quando a equipe reiniciou o computador, não pude deixar de notar o que ela digitou na senha.

Chase se inclinou mais perto dela, as mãos grandes na borda da mesa.

—Essa sequência tem cerca de uma dúzia de caracteres.

—Treze, na verdade.

Ele resmungou, as sobrancelhas franzindo.

—E se lembrava perfeitamente todo esse tempo?

—Só tenho que ver algo uma vez para lembrar. É assim que minha mente funciona.

—Impressionante. — Ele deu um sorriso devastador que fez seu pulso chutar em alta velocidade.

Não estava acostumada a sentir atração, mas era impossível não notar o quão próximo ele estava dela agora. Como podia ouvi-lo respirar, praticamente sentir a batida rítmica de seu coração. Ou como seus bíceps grossos e poderosos roçavam seu ombro, cada suave fricção parecendo entrar em sua corrente sanguínea como uma corrente elétrica, quando ela chegou numa tela de login para o programa de registros da clínica.

Outra solicitação de senha apareceu, e com essa ela se atrapalhou no início, muito ocupada tentando ignorar o calor do corpo de Chase ao lado dela e o peso aquecido de seu olhar atento. Tentou o código novamente.

—Estamos dentro. Esta é à base de dados do paciente. Já vi isso em uso, provavelmente, milhares de vezes.

Chase assentiu.

—Vamos localizar o arquivo.

Ela digitou seu nome no campo de pesquisa e prendeu a respiração quando a tela começou a encher com datas e registros dos seus tratamentos. Os dados voltaram ao total de vinte e sete anos de sua vida. Toda a sua existência, condensada em milhares de linhas de entradas de itens armazenados como bits e bytes num frio disco rígido de computador.

Todas as traições à espera de serem descobertas com apenas um clique do mouse.

—Ei. — Sua voz profunda estava baixa ao seu lado. Ele pousou a palma da grande mão sobre a parte superior da mão apertada num gesto que a fez se sentir confortada e menos abalada.

—Vai ficar bem com isso?

Ela engoliu em seco. Deu um aceno de cabeça trêmulo.

—Sim. Estou bem. Quero saber.

Antes que pudesse pensar melhor e mudar de ideia, Tavia clicou para abrir o registro mais recente. Era sua visita no início daquela semana.

—Tive uma consulta com o Dr. Lewis sobre enxaquecas recorrentes. Ele me tratou por um par de horas aqui na clínica e me mandou para casa com remédios novos.

Chase olhou para o registro no monitor.

—Apenas alguns dias atrás.

Tavia assentiu.

—E mais tarde naquela noite, fui levada para a delegacia de polícia para identificá-lo como o atirador da festa do senador Clarence. — Parecia impossível que fosse menos de uma semana atrás que seu mundo virou de cabeça para baixo. Menos de uma semana atrás, que este homem de pé ao lado dela entrou em sua vida de forma tão abrupta. Tão estranhamente, obscuramente inesperado. —Nada foi o mesmo para mim desde aquela noite. Não será o mesmo para mim nunca mais.

Os tempestuosos olhos azuis de Chase se fixaram nela por um longo momento, sóbrios, cheios de remorsos. Ela percebeu só então que a mão dele ainda estava descansando em cima da dela. Seu pulso batia na ponta dos dedos, e no centro aquecido da palma da mão forte.

—Queria que nunca tivesse me conhecido. Confie em mim, entendo. Desejo que isso não tivesse acontecido, Tavia.

—Não, não desejo isso. — disse ela, surpresa em como realmente queria dizer isso. É verdade que sua vida foi jogada no caos desde o primeiro momento que colocou os olhos nele, quando estava na varanda da galeria da casa do senador com uma arma apontada para uma multidão de convidados inocentes da festa. Pensou que ele fosse desequilibrado e perigoso, e talvez fosse um tanto, mesmo agora, mas não podia culpá-lo pela bagunça que era sua vida atualmente.

Por causa dele, questionou sua própria realidade. Ele abriu seus olhos, e só porque não queria ver as coisas à sua frente, não queria dizer que era culpa dele. Se qualquer coisa, este homem mortal e terrivelmente brutal salvou sua vida.

Ela olhou para ele, vendo nas linhas duras do seu rosto, em seus cruéis e belos olhos austeros todo o cansaço do mundo.

—Estou contente porque te conheci, Sterling Chase. Agora, é o único amigo que tenho.

Ele olhou para ela. Então riu, baixo e cínico. Sua mão se afastou da dela agora, deixando atrás um frio em sua pele.

—Deve saber algo sobre mim, Tavia. Não tenho amigos. O que tenho é um mau hábito de decepcionar todos ao meu redor. Melhor ouvir isso agora que ser tola o bastante para achar que pode contar comigo mais tarde.

Não havia raiva em sua voz, apenas uma declaração simples de fato. Ela se sentia triste por ele de alguma forma, observando a maneira sutil que se distanciou dela agora.

Primeiro seu toque retirado, então sua advertência que pareceu tão eficaz quanto uma rejeição física. Mesmo seus olhos estavam fechados, não mais atentos e abertos, mas semicerrados e escuros. Ilegíveis.

Ele levantou e caminhou para a parede oposta da sala para espiar entre as cortinas de metal fechadas.

—Vamos indo — disse ele, com a voz entrecortada e impessoal. —Não temos muito tempo para levar o que precisamos e dar o fora daqui.

Tavia foi direito ao trabalho, enviando o conteúdo completo de seu arquivo para a impressora no canto do escritório. À medida que os registros eram exibidos na tela, verificava os dados, lia os detalhes de cada visita sua a clínica do Dr. Lewis. Toda provação e tratamento médico experimental estava documentado.

Cada comprimido, soro e droga amarga estava anotada no arquivo, junto com os resultados que produziam para sua condição.

E havia mais registros associados com seu arquivo.

Tavia parou numa das entradas, franzindo a testa quando reconheceu sua própria letra numa página escaneada. Outra página seguia a primeira.

Vários outras também, todos produzidas pela sua própria mão, cheias de nomes, códigos e diagramas. Reconheceu todas, mas não se lembrava de escrever nada disso.

Chase se aproximou e olhou para a tela por cima do seu ombro.

—O que é isso?

—Uma lista dos maiores contribuintes da campanha do senador Clarence. Cada nome está aqui, junto com os bancos emissores e números de conta dos cheques escritos neles.

—Tem certeza?

Tavia assentiu.

—Eu era a única que processava os depósitos. Esta é minha letra.

—Por que daria essa informação ao seu médico?

—Não o fiz — disse ela. —Não o faria. Pelo menos, não conscientemente.

Ela rolou a página abaixo para um novo documento, que mostrava um esboço à mão da residência de um juiz federal. Outro diagrama mostrava o esboço plano de uma usina nuclear que ela excursionou com o senador na última primavera. Ainda mais documentos listavam dados pessoais e informações sigilosas de dezenas de aliados políticos do senador Clarence e rivais.

—Meu Deus — sussurrou ela, horrorizada com o que estava vendo. —Esta coleção de informações valeria uma fortuna para os inimigos dos Estados Unidos.

—Ou para alguém como Dragos — disse Chase. Apontou para uma das primeiras entradas em seu arquivo. —Abra isso.

Ela clicou, e os dados de seu primeiro tratamento na clínica encheram a tela. Na data do registro, tinha apenas seis meses de idade. Tavia leu a página, sentindo uma mistura de fúria e tristeza correndo sobre ela quando a verdade de suas origens foi descrita para ela em frios termos clínicos.

Antigo + Companheira conexão genética bem-sucedida. Espécime viável fêmea transferida para substituto gestacional. Laboratório de nascidos vivos a termo.

Cobaia 8 removida para atendimento Subordinado, residente em Pleasant Street, 251 — Saugus — Massachusetts. Admissão ao programa de tratamento, nesta data, como Paciente "Octavia".

Ela rolou para um registro posterior e leu as informações em silêncio, atordoada e enojada.

—Houve outros antes de mim, mas morreram quando bebês nos testes médicos. O Dr. Lewis aparentemente descobriu uma combinação de produtos químicos e imunossupressores produzidos sinteticamente que inibiam a sede de sangue e parava a transformação genética. Testou em nós, sabendo que alguns morreriam.

A boca de Chase estava pressionada numa linha reta enquanto lia o registro junto com ela.

—A vida não significa nada para Dragos e seus seguidores. Nem mesmo a mais inocente.

Tavia desceu para uma seção diferente do seu arquivo e rapidamente leu o conteúdo.

—Ele orquestrou todos os aspectos da minha vida desde o momento que nasci. Os testes médicos e mentiras sobre quem eu era seriam ruins o suficiente, mas foi apenas o início. — Ela apontou para uma notação sobre sua memória fotográfica. Havia referências a exercícios detalhados em que a clínica a colocou a fim de ajudar a aumentar sua capacidade inata e aprimorá-la como arma.

Havia também outros documentos, explicando sessões de hipnose que se passaram por horas e dias num trecho de tempo que bombearam sua mente inconsciente para conseguir informações, forçando-a a documentar tudo que viu e ouviu, página após página de detalhes, escritos enquanto sua mente e corpo estavam sob o feitiço de narcóticos. Teve todo o treinamento para a missão que Dragos reservou para ela.

Tavia abriu outra entrada, não mais chocada com alguma coisa que lia. A realidade a cobria como um cobertor molhado, frio. A gelando até o osso, dentro de um vazio dolorido que achava que nunca seria preenchido.

—Ele me usou, Chase. Criou-me para que pudesse me usar. Desde o início, assim como tia Sarah... — Ela parou a si mesma, fechando os olhos com a pontada de mágoa que brotou dentro dela pela traição. —Assim como a Subordinada que fingiu ser minha tia disse. Dragos me possuiu desde o primeiro dia. Assegurou-se que eu tivesse educação, os contatos certos, as habilidades sociais necessárias e os acessos. Então abriu caminho para eu fazer meu trabalho com uma estrela política em ascensão como o senador Clarence. Todo esse tempo, fui apenas um fantoche para ele.

—Somos todos fantoches quando o assunto é Dragos. Todo ser vivo neste planeta ou é uma ferramenta para ele usar ou um obstáculo que precisa ser empurrado fora do seu caminho.

Havia uma gravidade na voz de Chase que fez o estômago de Tavia apertar com medo.

—Será que pode ser detido?

O fato que Chase levou mais que alguns segundos para responder só fez o nó em seu intestino um pouco mais apertado, um pouco mais frio.

—Não sei — disse ele. —Se me perguntasse um ano atrás, teria uma resposta diferente. Naquela época, acreditava que o bem sempre triunfava sobre o mal. Tudo era preto ou branco, certo ou errado, e os caras maus sempre perdiam no final.

—E agora?

Ele soltou um suspiro forte e balançou a cabeça.

—Agora, há momentos que não posso sequer ter certeza de que lado estou.

Tavia sustentou o olhar assombrado.

—Você é um dos mocinhos. Talvez não saiba disso. Ou talvez tenha apenas esquecido. Talvez um dia me conte sobre isso.

Durante muito tempo, ele não disse nada. Apenas olhou para ela de uma forma que fez seu coração doer um pouco por ele. Naquele momento, teve a súbita vontade de puxá-lo perto e tranquilizá-lo que não estava sozinho. Um pensamento louco. Um que só ganharia uma rejeição rápida e cortante. Se Sterling Chase estava sozinho ou à deriva no seu mundo, era porque escolheu estar. Com certeza não precisava de sua simpatia ou amizade.

Talvez ela fosse a única que precisasse ser reconfortada.

Não que acharia isso, em face do rosto severo e olhos impiedosos fixos nos dela agora.

Para seu alívio, Mathias Rowan quebrou o silêncio constrangedor quando veio pelo corredor adjacente.

—Porra, Chase, tem que ver este lugar. É mais como um centro de dados de uma clínica médica. Há uma sala de servidores, no outro extremo do corredor que deve ter trinta pilhas de discos ativos dela. Devem ter milhões de provas armazenadas aqui.

—Vamos retirar tudo — disse Chase. —Comece arrancando as unidades. Vamos levá-las conosco. Talvez Gideon possa tirar algo útil delas.

—Certo. — Rowan assentiu e girou para cumprir a ordem. Congelou um instante depois, a cabeça inclinada.

Tavia ouviu também - uma perturbação vaga no ar em frente ao prédio da clínica. Quase imperceptível, mas inconfundível para seus sentidos aguçados.

—Merda. — Chase deu um olhar sombrio para Rowan e ela. Manteve a voz baixa, pouco acima de um sussurro. —Temos companhia a caminho. Precisamos sair.

—E os servidores? — Rowan perguntou.

Chase balançou a cabeça.

—Pode ser tarde demais para isso.

—Acho que podemos levar alguns.

—Então faça isso rápido.

Quando Rowan decolou num flash de movimento, Chase pegou a pistola do coldre de ombro. Com a outra mão, pegou o braço de Tavia e a levantou da cadeira na mesa.

—Precisa sair daqui. Agora.

Ela olhou de volta para a impressora, ainda emitindo seus registros clínicos.

—Espere! Não tenho meus arquivos. E se houver mais como eu ainda lá fora, em algum lugar? Preciso saber. Tenho que procurar mais desses arquivos.

—Fodam-se os arquivos. Fodam-se os outros — Chase rosnou, a levando consigo contra vontade para o corredor. —A única coisa que me importa agora é ter certeza que sai viva daqui.

Ele a puxou pela sala de espera onde a janela quebrada bocejava aberta na noite fria. Chase parou. Tavia o fez também, seus pulmões congelando no centro de seu peito.

Uma enorme forma masculina estava na frente deles, vestido da cabeça aos pés de negro, como uma espécie de ninja com esteroides. Uma malha cobria o crânio do macho e metade do seu rosto, deixando apenas olhos frios e escuros visíveis.

Era Raça; Tavia sabia disso nas profundezas de sua medula.

E estava lá para matar a mando de Dragos.

 

Nos escassos segundos que Mathias Rowan levou para chegar à sala do servidor, no outro extremo da clínica, percebeu que era tarde demais.

Alguém já estava dentro.

Rastejou em direção à porta parcialmente aberta, cuidando de não fazer nenhum som quando sacou a pistola da Agência e olhou para o centro de dados pouco iluminado.

Agachado no chão, perto dos racks de servidores estava um humano vestido com um uniforme de guarda de segurança e grosso casaco de inverno. Um recipiente do tamanho de uma caixa de sapato forrado de espuma acolchoada estava aberto perto das botas do homem. O centro retangular de espuma vazio, sem seu conteúdo.

Mas o que...?

Rowan se aproximou. O humano fixou um pequeno teclado digital na parede de servidores e estava entrando com uma sequência de números. Um rápido sinal sonoro Beep Beep... seguiu um instante mais tarde, em seguida, um relógio de contagem regressiva apareceu na face digital do dispositivo.

Compreensão fria varreu Rowan como um rio de gelo.

Era uma bomba.

—Filho da puta. — Rowan estava dentro da sala do servidor agora. Tinha sua arma levantada, visando à parte traseira da cabeça do humano. —Levante antes que eu decore este quarto com sua massa cinzenta.

O homem se levantou lentamente, as mãos erguidas em sinal de rendição. Rowan não ficou surpreso por se encontrar olhando para o olhar sem brilho de um Subordinado.

Atrás do escravo de Dragos, o relógio de contagem regressiva no detonador da bomba estava em alta velocidade em frações de segundos. Nem dez minutos a percorrer.

—Pare-o — Rowan rosnou. Colocou a arma bem na cara do Subordinado, já sentindo os pontos de suas presas emergindo por sua raiva. —Faça isso agora, idiota.

O Subordinado só olhava, sem piscar. Imóvel. Imperturbável.

—Puxe o gatilho agora ou veja este lugar explodir em torno de nós em menos de nove minutos. Não faz diferença para mim, vampiro. De qualquer forma, as ordens do meu Mestre foram cumpridas.

Os lábios de Rowan se afastaram para mostrar suas presas num rosnado. Não queria nada mais que despedaçar este bastardo sem alma e limpar o olhar complacente do seu rosto com um monte de pólvora e chumbo.

Queria isso tão ferozmente que não ouviu o outro Subordinado rastejando atrás dele até que era tarde demais para se defender do golpe que veio. Algo duro e frio esmagou todo o lado da sua cabeça.

Atordoado, sentiu as pernas moles debaixo dele.

Caiu de quatro, virou a cabeça e viu o longo tubo de aço balançando para ele de novo, um golpe direto visando o centro de sua face.

Mãe de deus, Chase pensou, enquanto olhava para o enorme Gen Um na frente deles.

—Volte de onde viemos — ele ordenou para Tavia. —Encontre Rowan. Saiam daqui.

Mas antes que ela desse o primeiro passo, mesmo enquanto dizia para ir, sabia que era tarde demais para qualquer um deles correr ou esperar fugir. Tarde demais para abrir fogo sobre o Hunter, uma arma altamente especializada, nascida e criada nos laboratórios de Dragos para uma única finalidade: matar.

O assassino viu a arma na mão de Chase e a tirou voando de suas mãos com o poder de sua mente. Foi arremessada numa aquarela emoldurada na parede, a pintura caindo no chão com a pistola na área de recepção.

Não era bom.

Chase examinou o assassino na frente dele, avaliando as probabilidades de jogar Tavia para fora através da janela quebrada, a única saída viável.

Nunca faria isso. E atrás deles, na clínica, nada além de silêncio. Por tudo que sabia, Mathias já poderia estar morto, por outro Hunters como este ou alguma outra ameaça que Chase só podia imaginar.

Sabia que uma coisa era certa: Não haveria misericórdia aqui, apenas a execução infalível das ordens de Dragos.

O olhar escuro do assassino passou por Chase para se estabelecer e travar em Tavia. Havia ameaça pura naqueles olhos insensíveis, clara e fria, inabalável. A mira de um atirador treinado em seu alvo. Chase entendeu a mensagem de uma só vez. Foi por Tavia que o Hunter veio; Chase estava meramente parado no caminho.

O assassino deu um passo ousado para frente, esmagando vidro quebrado em suas botas de combate pretas.

—Solte à fêmea.

Chase bufou pela ordem.

—O diabo se vou. — Ele apertou o pulso de Tavia, sentindo seus tendões tensos contra seus dedos quando a girou atrás dele. De jeito nenhum esta máquina assassina criada em laboratório chegaria perto dela enquanto Chase estivesse respirando. Ele sentiu os impulsos selvagens da Sede de Sangue voltando à vida dentro dele e, em vez de lutar contra sua parte selvagem, a acolheu com agrado. —Você a quer — ele rosnou para o assassino de Dragos —, então vai ter que passar por mim primeiro.

O assassino não fez mais que piscar pela ameaça. Nem tentou alcançar sua própria arma. Não, esses assassinos eram treinados para desarmar e acabar com um adversário ainda mais rapidamente com as mãos nuas e força bruta de Gen Um. Chase viu mais de um deles em ação antes, o conhecimento fazendo seus próprios músculos contraírem em imediata preparação para a batalha quando o Hunter baixou o queixo e caminhou para frente.

O assassino tentou agarrar Tavia, um balanço de braços longos que Chase bloqueou com um golpe baixo de seu cotovelo. Quando o alcance do Hunter falhou, um momento de distração que era tudo que podia esperar — Chase deu um olhar selvagem para Tavia atrás dele.

—Corra — gritou, suas íris transformadas dourando o rosto ferido num brilho âmbar ardente. —Saia daqui, de qualquer forma que puder!

As palavras mal saíram de sua boca antes que as mãos do assassino tomassem conta dele. De repente, estava no ar. Colidiu com as deslizantes janelas opacas que separavam a sala de espera da área de trabalho da recepcionista do outro lado da parede. Vidro temperado explodiu ao redor dele pelo impacto.

Quando caiu no chão em meio à chuva de escombros, viu Hunter espreitando Tavia. As mãos fortes caíram em seus ombros, a puxando nas garras assassinas.

—Não! — A raiva de Chase derramou sobre ele num rugido. Levantou-se e voou pelo ar num salto furioso.

O assassino cambaleou quando Chase se chocou com ele. Perdeu seu aperto sobre Tavia, rosnando quando ela pulou fora do seu alcance. Mas o bastardo do Gen Um não caiu. Chase bateu com o punho ao lado da mandíbula do macho, um ataque repetido que rachou ossos e dentes, mas dificilmente registrado pela fria falta de reação do Hunter treinado por Dragos.

E maldição, Tavia não correu como ordenou que fizesse. Tinha uma pequena chance preciosa de escapar, e cada segundo contava. Se esta luta terminasse aqui e agora, ela terminava também.

Ele começou a gritar outro comando para ela se mandar de lá, mas sua voz alta interrompeu o pensamento.

—Chase, cuidado!

Seu alerta chamou sua atenção para a mão livre do assassino, que estava se aproximando com uma lâmina de aparência desagradável. Ele se esquivou do fio da arma, mas o movimento defensivo custou caro. Ainda agarrava o Hunter, ainda bloqueava golpe após golpe quando o Gen Um saltou debaixo dele como um cavalo selvagem, e Chase não teve tempo de reagir antes que a lâmina entrasse nele novamente. Desta vez acertando, uma explosão impressionante de frio e dor aguda ao lado de sua caixa torácica.

Agonia explodiu atrás de suas pálpebras. Seu pulmão perfurado arquejou um suspiro forte, as bordas de sua visão ficando cinzentas e sombrias. O assassino o jogou fora como o peso morto que de repente se tornou, então girou em torno para acabar com ele.

—Chase — Tavia gritou. Ela começou a correr em direção a ele, mesmo quando o Hunter levantou seu punhal enorme sobre o corpo de Chase, preparado para golpear até o assassinato.

Ah, porra.

Não.

Os instintos protetores de Chase guerreavam com a dor e a lesão que o derrubou. Não podia deixá-la assim. Não podia deixar Tavia enfrentar a ira da máquina assassina de Dragos sozinha.

Gritou de angústia quando seus pulmões arderam e a densa neblina da inconsciência foi subindo até engoli-lo. No milésimo de segundo que o Hunter saiu de cima dele para o matar, Chase rolou do caminho da lâmina e levantou rápido sobre os pés. O assassino se virou para ele, a adaga prestes a atacar novamente, os olhos frios entrecerrados aparecendo pela touca preta do Hunter.

E Tavia também estava de pé atrás do enorme Gen Um num piscar de olhos.

Suas brilhantes íris verdes brilhavam com flashes âmbar agora. Os ângulos suaves de seu rosto estavam apertados em seus ossos delicados. Chase viu o propósito transformando seu olhar e tentou dissuadi-la com um movimento sutil de cabeça.

Um comando que categoricamente ignorou.

Os lábios se separaram mostrando as pontas alongadas de suas presas e ela se estendeu rápida como um relâmpago para segurar a mão erguida do Hunter. Segurou e puxou para ela, um toque selvagem no movimento. Ossos e tendões deram um estalo audível. Quando a lâmina caiu no chão, o assassino sibilou, girando sobre ela como uma víbora.

Sua mão inútil caída ao lado, o Hunter atacou com a outra e pegou Tavia pela frente da sua garganta. Só então o frio treinamento assassino escorregou de seu controle. Suas presas socaram para fora de suas gengivas quando se abateu sobre Tavia, seus dedos impiedosamente presos ao pescoço.

A própria raiva de Chase foi nuclear. A visão dela ofegante e esperneando, o arranhando enquanto seu aperto espremia a vida dela, o colocou em movimento como nada faria antes.

Pulou para sua pistola caída e descarregou, o braço firme, apesar da dor em seu peito e o rugido feroz de suas veias. Impiedoso, Chase acertou rodada após rodada na cabeça do Hunter. O crânio se separou, pulverizando Tavia com sangue e tecido quando o grande Gen Um cambaleou sob o ataque e, finalmente, caiu numa pilha imóvel aos seus pés.

Tavia olhou para o macho Raça morto, inalando em suspiros rasos, tudo que conseguia após a contusão que teria esmagado sua vida se não fosse Chase. Podia sentir o gosto de sangue nos lábios, podia sentir o cheiro no cabelo, na pele e roupas. Revirou seu estômago, mas ao mesmo tempo acordou um poder negro e profundo dentro dela.

Se queria negar antes, agora não havia espaço para dúvidas.

Era uma deles — uma Raça.

Sentia seu poder vindo à vida dentro dela, um poder que lhe deu força para ficar imóvel, sem vacilar, enquanto Chase continuava à frente apertando a última rodada de sua pistola. Ele olhou para o assassino com desprezo, virando a cabeça arruinada para expor um colar preto e grosso que cercava o pescoço do homem morto. Chase mirou no colar e disparou a bala final nele, sem rodeios.

Um flash de luz — incrivelmente brilhante — explodiu ao redor deles. Imediatamente Tavia sentiu o corpo de Chase a protegendo, seus braços fortes a envolvendo enquanto o halo de pura luz branca disparava e depois desaparecia rapidamente. O calor de Chase permaneceu apenas um momento mais que isso, seguro e confortável. Em seguida, também se foi.

—Está bem? — Ele perguntou, sua voz rouca, urgente.

Ela olhou para a cabeça que estava separada do corpo fumegante.

—Estou bem — disse ela, apesar de sua garganta parecer em carne viva, à voz um rosnado áspero quando tentou falar. —E-e sobre você?

Suas presas latejaram ao sentir o cheiro de seu sangue derramando, vazando da punhalada do seu lado. Chase minimizou a lesão com pouco mais que uma careta.

—Vou sobreviver. — Ele agarrou a mão dela e a levou para longe da carnificina.

—Aquela luz — disse ela, enquanto corria ao lado dele. —O que fez? O que saiu daquele colar?

—Raios UV. Dragos faz seus Hunters usarem dispositivos de obediência ao redor de seus pescoços. Qualquer adulteração ou dano dispara o detonador ultravioleta.

—É bom saber — disse ela, ainda surpresa e abalada por tudo que testemunhou. Deu um último olhar para trás quando Chase a guiou para o corredor com ele. —Quantos Hunters Dragos têm?

Chase grunhiu.

—Muitos.

Tiros soaram em algum lugar perto da parte traseira da clínica, uma chuva rápida de tiros que ecoaram até os ossos de Tavia.

—Mathias. — Chase xingou sob sua respiração. —Não vou deixá-lo para trás.

Tavia assentiu.

—Vou com você.

Ele não discutiu agora. Juntos, correram pelo corredor da clínica.

Acharam Mathias Rowan mancando para fora de uma sala, manchado de sangue fresco num rastro atrás dele. Sua cabeça estava sangrando muito, e sua perna esquerda arrastava rigidamente enquanto mancava em direção a eles.

—Saiam! Saiam agora! Há uma bomba na sala do servidor — ele gritou, acenando de volta. —Matei os dois Subordinados que a colocaram, mas o temporizador está em contagem regressiva rápida. Temos que sair daqui agora!

Correram para a janela da frente da clínica e mal deixaram o prédio antes que um ronco baixo agitasse o subsolo. Expandiu-se, em vibração e barulho, cada vez mais forte, enquanto os três atravessavam o prado cheio de neve.

A explosão que se seguiu foi estrondosa.

Fogo iluminou o céu noturno quando a clínica do Dr. Lewis — e todas as suas décadas de segredos e mentiras — explodiu numa bola de chamas, fumaça e destroços voando.

 

A antiga cadeira no covil de Dragos na ilha era sua posse há mais de um século. A monstruosidade desconfortável era um trono esculpido há 600 anos na dura madeira de Wallachian e adquirida de uma antiga igreja no sudoeste dos Alpes da Transilvânia. A lenda dizia que os braços polidos de cabeça de dragão esculpida no assento, outrora carregou o peso de um medieval governante sanguinário cujo nome disseminou o medo na maioria dos humanos até hoje.

Dragos normalmente achava o folclore divertido — na melhor das hipóteses. Hoje à noite, invejava o medo mortal que o ex-proprietário da cadeira inspirou em seus súditos.

Hoje à noite, Dragos desejava infligir esse tipo de cru e profano terror, não só sobre aqueles que o serviam, mas no mundo como um todo.

Sua raiva começou mais cedo naquele dia, quando o vice-presidente não conseguiu chegar ao funeral do senador Clarence. A preocupação pela segurança de última hora obrigou o funcionário do governo humano a cancelar sua aparição em Boston. Quanto a Dragos, desperdiçada viagem durante o dia o fez perder horas esperando entre a multidão de pessoas em luto pelo humano, o que não fez nada para melhorar seu humor. Nem o fato que agora suas chamadas para o escritório do político estavam sendo encaminhadas para lacaios que educadamente se ofereciam para verificar a agenda do vice-presidente pela disponibilidade de atendê-lo novamente em algum momento do final do ano.

Dragos rosnou só de pensar nisso.

Suas unhas cavaram os braços de madeira do trono do Torturador, enquanto observava a cobertura jornalística de um incêndio fora de controle num trecho de terra privada na cidade rural de Sherborn. Não era a perda da clínica do Dr. Lewis que enfurecia Dragos; a destruição do edifício e seus dados coletados foram seu comando, uma ordem emitida logo após ter sido informado da morte do seu médico Subordinado.

Era o fato que seu Hunter enviado não voltou com Tavia Fairchild que fazia seu temperamento ferver em direção à plena ebulição. Enviou o assassino para buscá-la ao anoitecer, suspeitando que acabaria de volta na clínica mais cedo ou mais tarde, a curiosidade sobre seu verdadeiro passado por certo a levando de volta direto para as mãos do seu criador. Dragos estava tão ansioso para ensinar a bela Tavia todas as maneiras que poderia agradá-lo, agora que sua fachada mortal foi arrancada.

Mas o Hunter não conseguiu trazer para Dragos seu prêmio.

Mais um fracasso num dia cheio de contratempos e aborrecimentos.

Um desrespeito.

Sua paciência chegou ao fim e não haveria mais atrasos em seu direito de primogenitura.

Dragos saltou da cadeira com uma maldição violenta, agarrando a antiga cadeira de valor inestimável em suas mãos quando ficou de pé. Num acesso de raiva arremessou a coisa na lareira de pedra maciça que enchia todo um lado da sala. A cadeira quebrou em pedaços quando bateu na imponente parede de rocha de granito e argamassa.

Seis séculos de história reduzidos a estilhaços por seu capricho.

A totalidade da perda da irrevogável destruição o encheu com uma satisfação tão real e visceral como o orgasmo mais explosivo. Dragos saboreou a corrida do poder em suas veias. Ele a bebeu, a deixou alimentá-lo como doador de vida, um fluxo livre de sangue.

Era efervescente, bêbado por sua própria grandeza irrompeu pela porta de seus aposentos particulares e gritou para um dos seus criados Subordinados.

—Convoque meus tenentes — ele rosnou. —Quero até o último deles na linha de vídeo segura dentro de uma hora. Os tenha prontos e esperando meu comando.

Rowan puxou sua respiração através de seus dentes quando Chase enxugou a última gota de sangue da parte traseira do couro cabeludo contundido.

—Jesus, dói como a porra. Suas mãos pesadas não ajudam a situação também. É uma horrível enfermeira maldita.

Chase grunhiu.

—Cuidar de doentes nunca foi meu forte.

—Merda nenhuma. Está acabando?

—Concluído. — Chase já havia cuidado de suas próprias feridas da batalha na clínica, e ele e Rowan transformaram a cozinha do Darkhaven numa improvisada sala médica enquanto Tavia ia para um quarto do andar de cima se limpar e descansar. A mansão estava tranquila, exceto pelo ocasional murmúrio de conversa dos parentes civis de Rowan — um punhado de irmãos e sobrinhos, alguns deles com suas Companheiras —sobre seus negócios dentro do Darkhaven.

Chase soltou a bagunça dos cuidados com as feridas de Rowan e olhou para o Agente de Execução, estremecendo com um olhar de soslaio.

—Quando foi a última vez que levou uma pancada no dever, de qualquer maneira?

Rowan encolheu os ombros.

—Quer dizer, desde que fui promovido a diretor da região? Difícil ser atingido quando está sentado atrás de uma mesa ou lidando com a papelada na maior parte do tempo.

—Pensei que sabia o que o trabalho envolvia quando fez campanha por ele.

—Só fiz campanha por ele porque você se recusou — disse Rowan. —Sabe que o lugar de diretor tinha seu nome nele. Inferno, era a tradição que fosse para você. Houve um Chase nesse escritório desde que a Agência está presente em Boston.

Mais de duzentos anos, na verdade.

Primeiro o pai de Chase, então Quentin, irmão de Chase. Passaram seis anos desde que Quent foi morto no trabalho. Todos na família e na Agência assumiram que Chase entraria como diretor. Em vez disso, após o choque do que aconteceu com Quent e a tristeza de sua morte desapareceu, Chase se jogou em campo, fazendo patrulhas de rua e outros trabalhos de merda que geralmente iam para os novos recrutas e casos disciplinares. Trabalho destinado a sujar as mãos, fazer suas bolas suarem em um pouco em ação antes que qualquer um deles começasse a disputar por atenção ou conselhos e favores políticos no âmbito da Agência.

Para quem visse do exterior, a decisão de Chase em evitar a mesa de diretor era de honra, coragem. Um irmão de luto, único filho sobrevivente de um dos nomes mais respeitados na sociedade Raça, se afastando do título e do privilégio de continuar o legado de sua família, trabalhando abnegado nas trincheiras.

A verdade era que tinha pouco a ver com alguma dessas coisas. Chase não podia suportar a ideia de tentar preencher os sapatos de Quentin ou de seu pai. Seu sucesso sempre seria medido pelos padrões impossíveis por eles estabelecidos, e seu fracasso em comparação seria mais do que podia suportar. A vergonha de quão profundamente compreendeu esse fato atingia Chase até hoje.

Então, evitou a responsabilidade.

Fugiu dela, uma desgraça que só foi pior pela maneira que todos concluíram que agiu pela mesma integridade brilhante que sempre guiou sua família antes dele. E deixou a fachada, todos esses anos. Mesmo depois que se juntou à Ordem, continuou desempenhando seu papel virtuoso. Mas não durou. Não, viram através dele muito rápido.

Ele foi uma fraude por toda a sua vida. Ouro e impecável por fora, mas podre e doente à morte de si mesmo por dentro. Muito pior depois que Quent morreu. Graças à sua aflição crescente, esta dança perigosa com a Sede de Sangue, Chase não se importava mais em manter a máscara que o escondeu por tanto tempo. O esforço era demais.

Agora, usava sua doença no exterior. Mesmo seu talento para mover as sombras o abandonou. Estava nu agora, exposto. Nada podia escondê-lo mais.

Rowan soltou um suspiro, interrompendo o caminho escuro dos pensamentos de Chase.

—Há dias, muitos mais do imagina, se quer saber a verdade nua e crua, que não sei nem mesmo o que a Agência defende. Peguei o escritório, porque achei que poderia fazer a diferença. Não faço. A corrupção está lá muito tempo, e está muito funda. É um câncer cujos tentáculos tocaram quase todos na organização.

Chase compreendia. Sentiu o esmagamento do próprio peso.

—As coisas na Agência estão descendo ladeira abaixo há muito tempo. Para limpá-la?

—Cristo. — Ele balançou a cabeça, considerando a amplitude das mudanças que exigiriam. —Tem que virar todo o lugar do avesso. Começar tudo de novo, com uns poucos escolhidos a dedo e reconstruir do interior. Novas filosofias, novas medidas. Reformar a Agência, pedaço por pedaço.

Rowan o observava atentamente, balançando a cabeça para concordar.

—Talvez um dia volte e me ajude a fazer exatamente isso.

—Foda-se. — Chase zombou. —Não eu. Fiquei feliz com a chance de sair quando o fiz. Nunca foi uma boa opção para mim.

Rowan grunhiu, as sobrancelhas escuras se unindo numa carranca.

—Pensei que talvez tenha deixado a agência por um motivo diferente. Acho que me perguntava se talvez a deixou para seguir Elise. Sabe, para ter certeza que não estava cometendo um erro, se envolvendo com um dos guerreiros da Ordem. — acrescentou, quando Chase estalou um olhar duro sobre ele.

—Ela não poderia estar em melhores mãos — disse Chase, querendo dizer exatamente isso. —Tegan a adora, como deveria. É um homem bom, digno dela. E ela o ama, talvez até mais do que a Quent.

—Sim. Vi isso por mim também — respondeu Rowan. —Mas no momento...

Chase se pegou pensamento de fuga de seu velho amigo.

—Na época que sai da agência, não sabia o que queria. Só sabia que se quisesse manter minha sanidade —manter minha alma —precisava sair.

Ele entregou a Rowan a verdade agora, tanto quanto estava disposto a compartilhar. Havia algumas coisas que não contava a ninguém. Coisas que nunca compartilhou, vergonha de seu passado que esperava guardar para sempre.

—E agora? — Rowan perguntou depois de um momento.

Chase exalou uma risada sem humor.

—Não me preocupo com essas coisas mais.

—Talvez devesse. — Rowan e colocou a mão no ombro de Chase. —Você e eu fizemos um longo tempo, meu amigo. Vi você no seu melhor. Mesmo no seu pior, é um inferno de muito melhor que a maioria dos idiotas que se autodenominam meus amigos dentro da Agência. Sempre que precisar de alguma coisa, estarei cuidando de suas costas.

Chase franziu a testa, relutante em aceitar tão indigno presente.

—Não pedi isso a você, Mathias. Apenas....

—A fêmea no andar de cima — disse Rowan, com um aceno de cabeça grave. —Jesus Cristo, Chase. A vi com meus próprios olhos, mas ainda mal posso acreditar. Dragos gerou uma fêmea Gen Um em seus laboratórios?

—Mais que uma, de acordo com os registros de pacientes que vimos hoje à noite na clínica.

Rowan manteve a voz baixa, para não ser ouvido por qualquer um dos outros moradores civis da sua Darkhaven.

—Percebe o que isso significa? O que isso significa para o futuro da nossa raça inteira? Aquela jovem lá muda tudo.

—Sim — disse Chase. —E é por isso que precisa ser protegida. O lugar mais seguro para ela é com a Ordem. Estou esperando que você assegure que ela chegue lá.

—Pode fazer isso sozinho, Chase. — O ombro de Rowan levantou num encolher vago. —Disse que eu tinha que informar Lucan sobre tudo isso. Liguei para ele assim que voltou. Está enviando Tegan e alguns dos outros para recolher a fêmea. Estão a caminho já, devem chegar aqui em uma hora.

Chase xingou baixinho. Quando saiu da mansão da Ordem e sobcustódia da polícia com os humanos algumas manhãs atrás, fez isso como um ato de término. Sua maneira de liberar seus irmãos guerreiros do peso de sua presença e todas as falhas que esteve no centro quando começou a perder sua batalha para a Sede de Sangue.

Sua caminhada para fora foi um último esforço para juntar um pouco da garra e honra —uma débil redenção, sacrificando sua própria liberdade pela deles. Não achava que enfrentaria Lucan ou Dante ou Tegan ou o resto da Ordem novamente. Com certeza não queria ver seu legítimo desprezo agora.

—Vai ter que fazer as honras por mim — disse a Rowan. —Não estou planejando ficar por muito tempo.

—Onde mais tem que ir?

A questão não foi colocada como qualquer desafio, mas sua preocupação não era bem-vinda também. Chase levantou e começou a perambular em torno da cozinha. Acima de sua cabeça estava o quarto de hóspedes privado mostrado a Tavia em sua chegada. A água do seu chuveiro ainda estava aberta, e podia ouvir o gemido abafado dos tubos de cobre velho através das grossas paredes de gesso.

—Ela está lá em cima há muito tempo. Acha que está bem?

—Considerando tudo que ela passou apenas hoje, diria que está se mantendo muito bem.

—Sim — disse Chase. —Tavia é ... impressionante.

Lembrou-se dos últimos dias e noites. Todas as revelações surpreendentes. A preocupação inesperada — o carinho indesejado — que sentia pela mulher que era uma estranha para ele nem mesmo uma semana antes. E sim, havia a complicação adicional de seu desejo por ela.

Mais uma razão para cortar e correr agora, antes que se deixasse enredar ainda mais.

—Merda. — Chase enfiou os dedos espalmados sobre seu couro cabeludo com um profundo suspiro. —Tenho que ir. É melhor assim. Melhor para ela. Inferno, é melhor para mim também.

Rowan o estudou agora. O perspicaz diretor da Agência não precisava de nada mais para entender o quão intimamente Chase fodeu as coisas com Tavia já.

—O que devo dizer a ela?

Chase xingou novamente, mais intensamente agora.

—Basta dizer que estou arrependido. Por tudo.

 

—Acha que isso é verdade? — Lucan estava no interior do centro de comando dos computadores improvisado de Gideon, inclinando um ombro contra a parede. —Poderia Dragos criar uma Raça fêmea em seus laboratórios?

Gideon olhou acima de seu estudo numa das várias estações de trabalho. Seu olhar era sério sobre os aros dos óculos azuis pálidos descansando baixos em seu nariz.

—Baseado no que encontrei no recipiente crio que Hunter trouxe de volta de Nova Orleans, diria que é mais que possível.

Ele rolou a cadeira no chão de tábuas de pinho polido, parando na frente de outro computador ocupado.

—Vê isso aqui? — Ele apontou para o esquema exibido no monitor. Lucan caminhou até dar uma olhada. —Este é apenas um de uma dúzia de análises que estive executando nos picolés genéticos do laboratório na caixa de gelo. Estamos falando de inúmeros exemplares, Lucan, colhidas do Antigo, sua prole Raça de laboratório, e mais de 20 Companheiras. Inferno, até encontrei algumas amostras humanas no tanque. Dragos vem recolhendo DNA, células sanguíneas, células-tronco, embriões — tudo num laboratório cheio de geneticistas Subordinados que poderia possivelmente mantê-los ocupados por uma geração.

—Jesus Cristo — Lucan murmurou.

—E esses são apenas os espécimes viáveis — acrescentou Gideon. —O segundo recipiente de crio tinha mais do mesmo, mas os danos ao tanque quebraram os selos e destruiu todo seu conteúdo.

—O que está acontecendo ali? — Lucan perguntou, apontando para outro computador com um monitor completo de dados rolando. Um programa sendo executado em modo de tela dividida, a metade inferior rasgando linha após linha de códigos rápidos, a parte de cima exibindo uma sequência de caracteres de 13 campos.

Apenas três dos campos eram preenchidos com um número estático: 5, 0 e 5.

—Isso, — Gideon disse, —é uma rotina para desencriptar que escrevi na outra noite. Entrei através de alguns dos dados de laboratório, sem quaisquer problemas, mas um dos arquivos tem uma trava de senha extra sobre ele. Meu saco usual de truques sequer raspou na criptografia, por isso estou vindo por ela de outro ângulo.

—E está funcionando? — Lucan perguntou, observando o código vertiginoso encher o monitor e se manter em curso.

—Está funcionando — disse Gideon. —Mas muito mais lento do que eu esperava. O programa está sendo executado há cerca de vinte e quatro horas e foi tudo que retornou. Nesse ritmo, demoraremos mais quatro ou cinco dias para quebrar a sequência. Assumindo que os resultados do programa serão precisos.

Lucan grunhiu.

—E não temos como saber o que está no arquivo mesmo se quebrarmos a criptografia.

—Certo — respondeu Gideon. —Mas desde que Dragos deu o passo extra para fechar o arquivo com várias seguranças, estou supondo que o que está dentro é informação que queremos.

—Concordo, mas mais quatro ou cinco dias podem ser tarde demais para fazer uso de tudo que encontrar ai dentro. Diga-me que tem algo mais que isso.

Gideon assentiu.

—Invadi as transmissões de GPS que Hunter nos enviou enquanto estava em Nova Orleans. Desde que a informação nos levou ao filho de Corinne, talvez possamos começar a peneirar outras células dos Hunters de Dragos por todo o país. Localizando essas células podemos começar a tirá-los um por um. Desmontar o exército de Dragos até o zero.

—Soa como um plano. Precisamos de algumas vitórias, agora que estamos começando a ver tudo que Dragos fez esses anos - inferno, nessas décadas - tudo que planejou.

—A fêmea Gen Um — Gideon meditou, ocupado num dos teclados na frente dele. —Como viveu entre os humanos todo esse tempo? E que diabos Dragos tem a ganhar com a criação dela, em primeiro lugar?

—Perguntas que faço a mim mesmo — respondeu Lucan. —Teremos oportunidade de interrogá-la, uma vez que Tegan e os outros a peguem na casa de Rowan.

Incerto se Tavia Fairchild seria cooperativa, Lucan enviou Hunter e Niko junto com Tegan. Renata também, não só porque a presença de outra fêmea podia oferecer alguma sensação de conforto para Tavia, mas também por causa da habilidade única de Renata como Companheira. A companheira de Niko tinha o poder de imobilizar temporariamente qualquer Raça usando a força especial de sua mente. Infelizmente, as enxaquecas monumentais que tendia a sofrer mais tarde significavam que Renata usava seu talento com moderação.

—E Chase? — Gideon perguntou. —Será que Rowan disse algo sobre ele quando chamou?

—Só que estava lá no Darkhaven de Rowan, e que parece um inferno. — Mais uma razão para Lucan achar que era uma boa ideia enviar Renata até Boston esta noite com o resto da equipe.

—Para o melhor ou pior — Gideon disse: —Tenho que dizer que estou aliviado em saber que Harvard ainda está respirando.

—Não tenha muitas esperanças quanto a ele — respondeu Lucan, mas a verdade era que também ficou aliviado que Chase ainda estivesse vivo. E mais que um pouco grato por trazer Tavia Fairchild para a atenção da Ordem. Isto, além do risco pessoal de Chase quando se rendeu aos humanos na manhã do ataque ao complexo. Provavelmente salvou mais de uma vida naquele dia, um ato de sacrifício que Lucan ainda se humilhava ao refletir agora.

Lucan era o líder da Ordem a todo esse tempo porque sabia desenhar as linhas duras na areia, mas também sabia quando essas linhas deveriam ser dobradas.

Sterling Chase foi mais que uma mancha sem brilho ultimamente, mas não era um total caso perdido.

Lucan deveria saber. Esteve lá há não muito tempo.

—Como foi? — Gideon tinha se afastado de seu computador e teclados e olhava Lucan por trás das lentes geladas de suas sombras. A jocosidade técnica habitual do gênio foi substituída por uma calma sóbria, enquanto olhava para Lucan agora. —Nunca me disse o que se sentia ao encostar na Sede de Sangue.

Não demorou muito para recordar. A luta de Lucan contra sua própria natureza selvagem diminuiu um pouco desde que Gabrielle entrou em sua vida há um ano e meio, mas essa memória não estava muito fora de alcance.

—Foi um inferno — admitiu. —Implacável, consumindo tudo como o inferno. A fome e a agressão eram constantes. É uma combinação perigosa, autodestrutiva. O combustível da Sede é a compulsão para a violência, e a violência intensifica a vontade de caçar e se alimentar. — Ele conteve uma maldição. —Tão ruim quanto eu, Tegan suportou algo ainda pior.

Gideon deu um aceno de cabeça terrível. Sabia o básico da história de Tegan.

—Perdeu sua Companheira e se tornou Renegado. Você o salvou.

—Vários longos meses de reclusão à beira da inanição para salvar Tegan, não eu. Mesmo assim, não havia garantia que sairia melhor do outro lado. — Mas ele saiu, apesar de tudo, mesmo com a dor e raiva que possuía o guerreiro. Lucan estava feliz que de alguma forma Tegan ainda o considerasse um amigo. Um irmão. —Foi há muito tempo, séculos para ele, mas posso dizer que a coceira da Sede de Sangue nunca o deixou completamente. Tegan saiu de sua queda livre ao longo do tempo. Um longo tempo, algo que não podemos oferecer a Chase agora, com Dragos à solta.

Uma das sobrancelhas de Gideon se ergueu sobre os olhos graves.

—As paredes do abrigo de precipitação abaixo deste Darkhaven são feitas de aço e concreto com 20 centímetros de espessura. Há uma porta tripla reforçada, construída para resistir a uma explosão nuclear. Deve ser forte o suficiente para manter um vampiro puto desligado até termos tempo para lidar com ele adequadamente.

Lucan deu um olhar ao guerreiro, sentindo uma centelha de conspiração no canto da sua boca.

—Já estive lá embaixo para verificar a situação. Dei uma olhada logo depois que falei com Rowan esta noite.

Gideon estava balançando a cabeça agora, um sorriso torto em seu rosto. —E aqui pensando que tinha chutado Harvard.

—Ainda posso — ele advertiu sobriamente. —Vou esperar que me convença de uma forma ou de outra. Como disse, melhor não ter esperanças, até vê-lo ao nosso...

O trovão repentino de passos batendo no chão fora da sala cortou o aviso de Lucan. Ele e Gideon levantaram e correram para ver o que estava acontecendo.

Lazaro Archer quase colidiu com eles.

—É Jenna — disse ele, a preocupação gravada em linhas duras no rosto severo do Raça ancião. —Venha depressa!

Seguiram para a sala grande do outro lado da residência. Brock já estava lá, agachado ao lado de sua companheira, caída e mole no sofá de couro marrom.

—Jenna. — A voz de Brock era suave, mas urgente, enquanto as mãos escuras acariciavam o rosto apático. —Querida, pode me ouvir? Vamos, Jenna. Abra seus olhos para mim. Acorde agora.

Lucan olhou para Archer.

—O que aconteceu?

—Não tenho certeza. Estávamos analisando os diários da língua antiga, tentando descobrir traduções para algumas frases alienígenas mais evasivas que tem falado em seu sono nas últimas semanas. Ela perguntou se podia descansar um pouco, então fui procurar Kellan. Quando voltei, ela estava se debatendo no sofá, ofegante.

—Outro pesadelo — Gideon sugeriu. Manteve a voz baixa, enquanto Brock tentava acordar Jenna, como só ele conseguia. —Ontem ela me disse que está tendo pesadelos. Sonhos sobre estar presa num pequeno compartimento escuro, sobre ser perfurada repetidamente com agulhas e facas, sua pele arrancada do seu corpo enquanto tudo que pode fazer é ver isso acontecer.

—Jesus — Lucan assobiou. —Isso não pode ser uma coincidência.

—Não — Gideon concordou. —Meu melhor palpite é que, juntamente com o material estranho que o Antigo implantou nela, vieram algumas de suas memórias.

E isso não foi tudo que o Ancião deu a Jenna. Seu corpo ainda estava mudando, células e órgãos se adaptando em direção a algo mais que humano. O dermaglifo em sua nuca e ombros crescia um pouco mais a cada dia, não havia como saber quanto do seu corpo iria cobrir em um ano ou uma década. A forma de sua fisiologia estava mudando, crescendo, e Gideon estava convencido que tal como sua força sobre-humana e resistência, o tempo de vida de Jenna não poderia mais ser medido em termos humanos.

—Jenna — Brock a acalmou, se aproximando quando ela começou a despertar e murmurar baixinho em seus braços. —É isso aí, querida. Está bem agora. Tenho você. Vou mantê-la segura.

—Brock? — Suas pálpebras vibraram enquanto ele continuava a falar com ela. Ela gemeu, a respiração vindo mais rápida que o peso do sono e começou a recuperar a consciência. Seu corpo se agitou agora, acordando totalmente. Ela soltou um soluço superficial e se agarrou a ele, seus olhos arregalados e cheios de lágrimas. —Havia água por toda parte. Continuava subindo e subindo, e as pessoas... havia pessoas gritando em volta de mim, se afogando. Oh, Deus... foi tão terrível!

Lucan deu um olhar interrogativo para Gideon, que balançou a cabeça, igualmente confuso.

Brock pegou o rosto dela em suas mãos, a segurando ainda, acalmando com seu toque.

—Que pessoas, querida? Que água? Quem estava se afogando?

—Eu não sei. — Ela encostou o rosto contra seu peito e engoliu um soluço áspero. —Não sei quem eram, mas estavam morrendo. Homens, mulheres e crianças. Animais também. A onda rugia por cima de tudo. Lavou toda a cidade.

A carranca cautelosa de Gideon devia combinar com a dele. Mesmo Lazaro Archer parecia um pouco abalado pela descrição de Jenna do caos e destruição em massa.

Brock sussurrou palavras suaves contra sua orelha.

—Apenas um sonho mau, querida. Está segura. Ninguém morreu. Foi apenas um sonho ruim. — O guerreiro levantou um olhar escuro, sombrio para Lucan, Gideon e Archer. —Estamos a forçando muito duro. Está exausta, física e mentalmente. Todos estes testes, diários e análises. É muito. Isso para, agora.

—Não. — Não foi Lucan ou qualquer um dos outros que falou para recusar, mas Jenna. Recuou do abraço de Brock, sacudindo a cabeça. Seu rosto estava manchado de lágrimas e tenso, mas seus olhos castanhos firmes de determinação. —Não, Brock. Não preciso parar de procurar respostas. Não quero parar.

—Olhe o que está fazendo com você — ressaltou. —Dificilmente pode fechar os olhos sem acordar gritando de um novo pesadelo, geralmente pior que os que vieram antes.

Ela ainda estava balançando a cabeça quando pegou o rosto tenso em suas palmas. —Estou bem. Um pouco abalada, mas estou bem. Quero fazer isso. Estamos chegando perto de algo grande, posso sentir. Quero entender esses sonhos, mesmo que me apavorem. São uma parte de quem sou agora, Brock. Preciso saber o que querem dizer.

—Pode haver alguém que pode ajudar — Gideon disse e todas as cabeças se viraram para ele. —Claire Reichen — disse ele. —A Companheira de Andreas Reichen é uma caminhante dos sonhos. Pode ser capaz de ajudar Jenna a navegar por estes sonhos e coletar informações que do contrário poderíamos perder.

—Sim — disse Jenna. —Acha que estaria disposta a fazê-lo?

—Claire está em Rhode Island —Lucas lembrou a todos. —Com Reichen na Europa no momento, fazendo o reconhecimento da Agência para nós lá, não podemos pedir a Claire para abandonar seu Darkhaven e vir para o norte por uma fantasia.

—Talvez ela não precise — Gideon disse. —Ela já caminhou em sonhos à distância antes. Não é a coisa mais fácil para ela fazer, mas não está fora de questão.

Brock passou a mão pela cabeça raspada.

—Não estou me sentindo bem com nada disso. E se algo acontecer?

—O que pode acontecer? — Jenna perguntou a ele. —São apenas sonhos. Talvez sejam antigas memórias, não sei. Mas preciso saber, Brock. Ele me deixou viver por uma razão. Fez-me escolher, e então colocou esta peça viva de si mesmo sob minha pele. Por quê? O que quer de mim? Não posso descansar até que tenha essas respostas. Não pode me pedir para fugir do que estou me tornando.

—Não faria isso — Brock disse suavemente. Baixou a voz para um sussurro áspero. —Sabe que a amo mais que tudo, Jenna. Só quero que esteja a salvo.

—Estou segura. — Ela sorriu para ele como se ninguém mais estivesse na sala. —Estou segura com você, e não tenho medo. Apenas prometa que estará aqui para me pegar quando eu acordar.

—Sempre. — Ele a beijou, um breve encontro de suas bocas que irradiava tanto calor quanto um forno.

Jenna não tirou os olhos de seu companheiro por um momento.

—Faça a chamada para Claire, por favor, Gideon?

Ao aceno de Lucan concordando, Gideon pegou seu celular e rapidamente discou para o Darkhaven de Reichen à beira-mar em Newport, Rhode Island.

 

Ele tinha toda a intenção de partir.

Depois de sair da cozinha de Mathias Rowan, sua mente recomposta. Evitar o desprezo de alguns de seus antigos irmãos da Ordem e simplesmente desaparecer na noite era a extensão de seu plano. No entanto, de alguma forma, Chase, em vez disso se encontrou subindo as escadas até o segundo andar do Darkhaven.

Os alojamentos no andar de cima estavam quietos, a maioria dos moradores da mansão estavam em suas próprias suítes ou saíram na noite para caçar ou jogar na cidade.

O quarto onde Tavia estava ficava no outro extremo do longo corredor. Chase caminhou pelo corredor antigo que se estendia a partir do topo da larga e curva escada, levando a cada extremidade das alas da antiga casa. Ficou parado na frente da porta fechada, sem saber se devia perturbá-la.

Do outro lado do painel grosso de mogno entalhado e polido, ouviu o silvo fraco de água corrente.

Ainda estava no chuveiro?

Estava lá em cima há mais de uma hora.

Estava tudo certo?

—Tavia. — Chase bateu levemente na porta. Nenhuma resposta. Bateu novamente, desta vez mais forte. Mais do mesmo silêncio perturbador. —Tavia, está aí?

Tentou o botão de cristal facetado e o encontrou desbloqueado. Sua respiração ficou superficial em seus pulmões, e empurrou a porta e entrou na apagada suíte.

—Tavia? Por que não responde...

Sua voz foi sumindo no nada quando virou o canto do quarto e a encontrou sentada em silêncio contra a parede no escuro.

Chorando.

—Ah, Cristo.

Ainda vestida com as roupas da clínica, os braços em volta dos joelhos dobrados, balançava com a força de suas lágrimas. A cabeça baixa, os cabelos caídos para esconder o rosto, as ondas longas de caramelo emaranhadas e confusas pela batalha anterior naquela noite. Embora não fosse uma criança abandonada, longe de ser impotente ou fraca, nunca pareceu tão pequena ou vulnerável para Chase.

Ele atravessou o quarto e se agachou diante dela. Ela nem sequer olhou para cima para confirmar se ele estava lá. Seus ombros tremiam enquanto soluços suaves sacudiam seu corpo.

—Ei — ele sussurrou, estendendo uma mão hesitante para ela.

Ele a acariciou, carícias lentas que apenas pareciam fazê-la chorar mais. Ela não falava, apenas sugava o ar e chorava novamente.

—Shh — ele acalmou, sem saber como consolá-la, sabendo que era uma má escolha para o trabalho. Se havia uma coisa que preferia evitar mais que decepcionar aqueles que dependiam dele, era lidar com uma exposição tão crua de emoção feminina.

Mas não podia se afastar da tristeza de Tavia, nem mesmo ela merecendo os braços de alguém melhor.

—Está tudo bem — ele murmurou, empurrando os fios de seu cabelo para trás. Levantou seu queixo, forçando seus avermelhados olhos a encontrar o olhar dele.

Deus, ela estava deslumbrante. Mesmo destruída pela angústia, o rosto sujo de sangue seco e sujeira da clínica, os olhos molhados de lágrimas e inchados de tanto chorar. Chase olhou para ela e percebeu que nunca a ouviu rir. Nunca viu seu sorriso. Desde que estava com ele, foi de aterrorizada a indignada, então de angustiada e confusa a perdida e sozinha. Agora, totalmente destruída.

Sim, houve paixão entre eles também, mas mesmo essa foi feroz e crua. Ele tomou algo precioso dela quando permitiu que as coisas fossem tão longe quanto foram. O sexo e o sangue — sua primeira vez em qualquer um — e ele, o bastardo egoísta, gostou avidamente do prazer de ambos.

A culpa pressionava sobre ele enquanto puxava Tavia para seu abraço e a balançava enquanto ela chorava em seu peito.

—Ninguém da minha vida antes era de verdade — ela disse, sua voz grossa e embargada de lágrimas. —Pensei que poderia lidar com isso, mas dói tanto. Todo mundo que conheci estava mentindo para mim. Usando-me. Toda a minha vida, me traindo.

Chase acariciou sua cabeça e costas, passando a palma sobre a seda emaranhada de cabelos.

—Vai ficar bem — disse a ela. —Você é forte, Tavia. Vai passar por isto, não tenho dúvida. E há pessoas entre os Raça que podem ajudá-la.

Não ele, certamente. Fez bastante dano em relação a ela. E mesmo que fosse bom segurá-la, alguma forma parecendo reconfortante sentir seus braços em volta dele enquanto ela chorava, as brasas de sua fome acendiam logo abaixo da superfície da sua calma. Foi uma luta se conter, conter o brilho febril de suas íris quando Tavia levantou a cabeça para encontrar o olhar dele.

—Quer saber a ironia de tudo isso? — Ela mordeu um suspiro estrangulado. —Amava a Subordinada que Dragos designou para ser minha família. Eu a amava como minha mãe. Até mesmo gostava do Dr. Lewis. Eram as duas pessoas em quem mais confiava neste mundo, as únicas pessoas que realmente me conheciam. Pensei que iam me proteger, me tornar melhor. —Outro soluço rasgou solto da garganta, cru pela dor. —Teriam me matado se Dragos quisesse. Não era nada para eles. Nem para ninguém. Isso dói ainda mais que o choque de descobrir o que realmente sou.

Ao vê-la em tal angústia Chase queria ele mesmo ter providenciado a morte deles. Os dois Subordinados que a traíram já tinham partido, mas ainda restava para Dragos encontrar um fim brutal. Mais que qualquer coisa, Chase queria ser o único a entregá-lo — prolongado e sangrento, quanto mais violento, melhor.

Mas teve o cuidado de manter suas mãos suaves quando passou a ponta de seu polegar sobre uma mancha de fuligem que sujava o ângulo delicado de sua bochecha. Ele limpou as marcas e não pode resistir a tocar com seus lábios o centro de sua testa franzida. O cheiro de fumaça da explosão na clínica se agarrava em sua pele e cabelo. Sangue seco da batalha com o Hunter de Dragos manchava suas roupas e o rosto estava salpicado de manchas escuras, oxidadas.

—Venha aqui — ele sussurrou, a afastando de seus braços, e ajudando a levantar.

Ele pegou a mão dela e a levou para o calor do banheiro adjacente. Vapor flutuava pela parte superior do boxe de vidro do chuveiro ligado. A névoa prateada envolveu Tavia quando ficou diante dele, em silêncio, sem resistir, enquanto ele cuidadosamente tirava a roupa suja de seu corpo.

Os dermaglifos desenhados no tronco, desde a base da garganta até as pontas escuras de seus seios e abaixo ao longo do plano liso da barriga e nas coxas nuas, tremulavam com o menor rubor de cor.

A cor ia escurecendo, conforme seus olhos a percorriam com admiração inegável.

Sua mão tremeu só um pouco quando ela estendeu a palma da mão ao longo do lado de sua mandíbula. Os olhos da cor das folhas novas cresceu tempestuoso e as pálpebras ficaram pesadas quando ela se aproximou dele e apertou os lábios entreabertos na sua boca.

Chase a beijou, usando cada grama de autocontrole para manter sua boca suave na dela, apesar do surto de desejo que se espalhava em suas veias como relâmpago. Custou um esforço ainda maior levantar as mãos entre eles e a afastar de seu corpo endurecido.

Isso não se tratava de sua própria necessidade. Ficaria com ela só por causa da preocupação, se ficasse aqui por mais tempo, seria apenas para oferecer conforto, não para tomar nada mais dela do que já tomou.

Ele abriu a porta do chuveiro e fez sinal para ela entrar. Seguiu um momento depois dela, retirando às pressas suas próprias roupas, então fechou o vidro atrás dele.

Ele lavou seu cabelo e corpo com delicadeza e cuidado, sem pressa. Logo, o sangue e cinzas das violentas horas mais cedo nessa noite foram lavados, restando apenas à beleza nua de Tavia diante dele. Seus dermaglifos se agitavam com cor, o índigo escuro, vinho e ouro uma paleta mais delicada combinando com a própria pele nua de Chase. Sua boca estava cheia com seus dentes alongados e uma necessidade que o fazia sentir a garganta seca como o deserto. Apertou sua mandíbula para que ela não visse o quanto a ansiava.

Não que pudesse ignorar a grossa saliência acima de seu pênis. A prova dolorosamente óbvia de seu desejo enchia o espaço escasso entre eles, crescendo mais dura a cada momento que a pele molhada e acetinada de Tavia roçava contra ele.

A palma da mão tocou de leve seu seio. Podia sentir o tambor de seu pulso batendo na ponta dos dedos. Ele podia ouvi-lo batendo em seus ouvidos, um pulsar baixo correndo sob o silvo sibilante do chuveiro.

Ela o queria também.

Apesar da angústia que destruía tudo, exceto ela, o desejo colocava uma faísca âmbar em seus olhos verdes. Suas pupilas se estreitaram, intensificando o calor ardente de sua íris. Sua palma alisou um caminho no peito dele, sobre seus cortes curados e muitas contusões, ferimentos que ele mal notava sob o toque quente de sua mão. Mal os notava. A viu estremecer quando descobriu o pior deles, ouviu sua respiração presa quando estudou a ferida mais recente — a causada pela ponta da lâmina do Hunter.

—Dói? — Sua voz era áspera e aveludada, as pontas de pérola de seus dentes brilhando enquanto falava.

Chase balançou a cabeça, incapaz de encontrar sua voz quando ela continuou sua exploração tátil de seu corpo. Ele não sabia se a afastava ou rezava para ela continuar. Seu pau respondeu por ele, sacudindo em grande expectativa quando os dedos molhados se perderam mais abaixo, em direção à sua virilha.

Seu nome era uma maldição ralada através de seus dentes e garras quando arrastou os dedos abaixo do seu eixo e acariciou o comprimento dele. Seu corpo ficou tenso sob a ducha quente do chuveiro, o sangue correndo em suas veias se fundindo. Viu a macia mão pálida escorregando levemente sobre sua carne dura, agonizante pelo prazer dela. Morria para ela tomá-lo totalmente na mão. Sabendo que deveria impedi-la antes de deixar que as coisas fossem longe demais novamente.

Se ele tivesse apenas uma migalha de honra, faria exatamente isso.

Tinha uma centena de razões para simplesmente se virar e ir embora como planejou o tempo todo. Mais cem razões pelas quais uma mulher tão rara e única, e mesmo milagrosa como Tavia merecer um cara melhor, qualquer outro homem além dele. Ela merecia alguém bom e verdadeiro, alguém digno, que a introduzisse na vida que esperava por ela como uma Raça.

Mas Deus o ajudasse, quando olhava para ela agora, quando sentia seu toque acender um calor até sua medula, Chase sentia uma onda de possessividade tão completa e poderosa, que o deixava tremendo.

Não queria desejá-la. Não acima de seus outros vícios infernais. Sangue e violência quase o destruíram. Olhando para Tavia como estava agora, nua e sob o chuveiro pingando, tão adorável em sua transformação de mulher para a linda Raça gloriosa, Chase não podia imaginar algo que o consumisse mais do que o que sentia quando estava perto dela.

Mas, tão febril como era essa necessidade, a tocava com ternura extrema. Uma mão deslizando abaixo da cortina molhada de seu cabelo, segurou sua nuca e delicadamente a puxou perto. A beijou, breve, roçando seus lábios contra os dela.

—A maneira como nos unimos antes — a voz estava áspera e grossa, então soltou uma maldição dura. —Foi sua primeira vez. Merecia algo melhor. Não tinha o direito...

Ela o silenciou com outro beijo, mais exigente que o dele. Quando ela levantou a cabeça para olhar para ele, não havia arrependimento em seus ardentes olhos. Só desejo. Aberto e honesto desejo, sem vergonha.

—Me deu exatamente o que eu queria.

—Será que dei? — Ele tocou seu rosto e cabelo, maravilhando-se como ela podia parecer tão malditamente segura de si e tão dolorosamente inocente ao mesmo tempo. —E agora?

Seus olhos arderam ainda mais brilhantes. Atrás de seus lábios entreabertos, seus dentes estavam maiores, mais nítidos. Requintados pontos brancos que faziam o vampiro feroz nele se encaixar e se prender nela.

Ela se aproximou, o calor de seu corpo tocando sua pele como uma chama. Sua palma estava entre eles, o fogo dos suaves dedos direto ao longo de seu abdômen, em seguida, em direção à sua excitação. Seu olhar sobre o dele, Tavia envolveu sua mão ao redor da circunferência do seu eixo e acariciou desde a base até a ponta e de volta novamente.

Chase não pode conter o rosnado de aprovação que irrompeu de sua garganta.

Fechou a água e abriu a porta do chuveiro.

Então pegou Tavia em seus braços e a levou para o quarto com alguns passos longos.

 

Apesar de o seu corpo pulsar com óbvio desejo, a colocou sobre a cama como se achasse que ela fosse feita de vidro.

Seus olhos estavam transformados, soltando fogo, aquecendo sua pele quando deixou seu olhar vagar sobre o rosto dela. Quando falou, sua voz era pouco mais que um rosnado.

—Desta vez, vamos devagar. — Ele rodou acima do colchão com ela, agachado de quatro acima dela como um gato grande. —Desta vez, quero te dar o que quer... mas não até que esteja gritando por isso.

Oh, Deus.

A antecipação do que ele podia fazer era quase suficiente para desfazê-la. Ela se deitou e o deixou tocá-la, as pontas dos dedos deslizando em sua testa, bochecha e queixo, até o vão sensível na base da garganta, onde seu pulso martelava em batimentos rápidos. Ele levou seu tempo a estudando, traçando os ardentes arcos e emaranhados de cor em sua pele.

—Tão bela — ele murmurou rouco. —Como pôde ser levada a pensar que é nada menos que perfeita? Eu poderia matar Dragos só por isso.

Ela ouviu a fúria contida na voz dele, a sentiu na batida forte de seu pulso, que quase enchia seus ouvidos, enchia seus sentidos. Mas seu toque era delicado, reverente. Muito cuidadoso.

O primeiro contato dos lábios sobre os dela foi quente e indulgente, um rastreamento preguiçoso que tirou todo o ar de seus pulmões. Sua língua deslizou dentro, varrendo entre os dentes antes de testar as pontas afiadas de suas presas. Fiel à sua palavra, a beijou lentamente, não quebrando o contato até que ela estava derretendo sob ele, inundada no prazer de sua boca na dela.

—Você tem gosto de céu — ele falou devagar contra seus lábios entreabertos. —Tão pura, limpa e brilhante. Deus, que me faz.

Ela não podia falar, só podia apertar as mãos na colcha sobre a cama e se segurar enquanto seu beijo ia descendo. Seus lábios e língua úmidos e quentes em seus seios, dentes e presas raspando os mamilos enquanto se movia abaixo por seu corpo num caminho enlouquecedor e agradável.

Ele beijou sua barriga e lambeu o furo de seu umbigo, e então sua boca estava à deriva sobre o seu osso do quadril e descendo para a sensível carne de sua coxa. Ela gemia enquanto seu hálito quente se espalhava por sua pele sensível. Ofegou quando sua língua traçou a fenda de seu corpo. Estremeceu com um grito mudo quando começou a sugar o broto apertado de seu sexo, beijando-o com a mesma atenção, lenta e sensual que derramou em sua boca.

—É tão bom — ela sussurrou, seus caninos afiados e lisos, os pontos longos enchendo sua boca.

Tavia se arqueou em seu beijo, seus quadris se movendo por conta própria, cada centímetro seu vivo e em chamas, o obedecendo. Não podia lutar contra o prazer se amarrando dentro dela, só podia se deixar ir quando a levou às alturas da mais pura sensação, então ela caiu sobre a borda.

Seu orgasmo se dividiu em seu núcleo, espalhando sua luz em seus membros como chuva quente e sol reluzente. Ela o deixou levá-la, deixando toda a dor e feiura das últimas vinte e quatro horas atrás dela enquanto a boca de Chase continuava seu ataque bem-aventurado em seus sentidos.

Ela ainda estava ofegante, seu corpo ainda reverberando com prazer quando ele se levantou para ela com olhos famintos. Seus lábios estavam brilhantes com sua nata, doces pelo gosto de seu próprio clímax, quando tomou sua boca num profundo beijo de derreter os ossos. Seus dentes bateram e entraram em confronto, as pontas raspando numa inesperada sensação erótica.

O corpo de Tavia estava derretido, frouxo, o calor de sua liberação ainda vibrando. Ela arranhou suas costas e ombros quando a beijou, sentindo outro clímax crescer. A dor profunda fez algo animal despertar dentro dela. Ela mordiscou o lábio inferior, uma mordida quase forte o suficiente para tirar sangue. Sua voz parecia cinzas em sua garganta, quase irreconhecível para seus próprios ouvidos.

—Quero você dentro de mim.

Sua resposta foi um rosnado estrondoso que vibrou em seus ossos.

—Paciência — respondeu asperamente, seus olhos brilhantes piscando com diversão sombria. —Não demonstrei todas as outras maneiras que posso fazer você gozar.

Ele pegou seus lábios num beijo longo. Desta vez, a língua dele foi fundo, enchendo sua boca enquanto descia a mão entre eles e inseria seus dedos na bainha apertada de seu sexo. Ele a sondou no mesmo ritmo do seu beijo, empurrando profundamente em seu núcleo, enquanto sua boca quente a saqueava em cima. Seu corpo apertou em torno dele, tentando segurá-lo dentro, mesmo quando o atrito de seus impulsos a fez gemer com prazer.

—Está tão molhada — ele murmurou ardente. —Parece seda. Tão quente e apertada ao redor dos meus dedos. Poderia gozar apenas sentindo você assim.

Ele moveu seus quadris contra a lateral da coxa, o cume grosso de sua ereção tão duro quanto aço, mas suave como veludo. Queria senti-lo a enchendo, o desejava com tudo que era feminino dentro dela, com fome voraz. Ela soltou um protesto sem palavras quando ele retirou seu toque, mas a pressão de seus dedos encontrou o clitóris dela e ela sufocou um grito e suspirou pela sensação sacudindo através dela. Ele acariciou e esfregou o nó sensível, girando o dedo sobre ela enquanto seus dedos mergulhavam de volta em sua fenda. Seu clímax veio rapidamente, ondulação após ondulação, sua vagina contraindo em pequenas ondas. Sua voz estava áspera, rasgada num grito de liberação que tentou abafar na curva forte do pescoço dele.

Com um grunhido primitivo, ele puxou seus quadris abaixo ao longo dos dela e se abaixou até seu grosso eixo descansar entre as coxas molhadas. Sem inseri-lo, começou uma lenta fusão de seus corpos, seu pau aninhado na fenda de seu núcleo. Moveu-se contra ela, levantando seu peso corporal, em seguida, soltando-o abaixo novamente, provocando-a com a promessa quente e úmida da penetração. Ela já estava além da excitação; alguns golpes torturantes foram tudo que precisou antes que fosse catapultada para outro lançamento arrasador.

—Cristo, você é linda assim, Tavia. — Viu-se em seu olhar escaldante e extasiado, o brilho dos seus olhos âmbar banhando seu rosto e pele num calor delicioso. Seu próprio desejo queimava em tons escuros sobre o belo padrão de seus dermaglifos, uma tempestade de agitação de cor que pintava seus braços fortes e torso em vinho tempestuoso, ouro e anil. Ele estremeceu com seu impulso lento, que deixou a cabeça de seu pênis no seu baixo ventre.

—Ah, foda-se. Não posso esperar mais. Tenho que entrar em você.

Ele se empurrou para dentro num rosnado baixo, encaixando-se ao máximo.

Com uma careta dura, balançava dentro dela, montando-a com força. Ela não conseguia deter a crescente onda de sensações que tomava conta dela a cada estocada profunda de seu corpo. Não mais do que podia deter o impulso primitivo que a fez levantar para pegar a maior parte dura de seu ombro entre os dentes. O orgasmo derramou através dela quando o mordeu, marcando sua pele com seus dentes.

Ele resmungou entre os dentes. Seu ritmo frenético se tornou mais feroz, mais animal a cada golpe. Podia senti-lo lutar contra sua própria natureza. Ela sentiu a sede voraz que vivia dentro dele e a angústia que o levava a negá-la propositalmente. Ele sofria com a negação, um brutal corte em sua alma, dolorido.

No tambor forte e pesado de seu pulso, podia sentir o impulso primitivo que o obrigava a mordê-la naquele momento para beber dela e marcá-la como dele.

Mas não fez isso.

Em vez disso, virou a cabeça dela, rugindo com uma mistura de raiva e alívio, e mergulhou fundo e entrou. Seu calor derramou dentro dela, seu corpo grande estremecendo, brilhando de suor. Tavia acariciou suas musculosas costas quando caiu em cima dela. Ela estudou o rosto dele, tentando entender o quê sobre ele o fazia parecer tão aberto e confiável e por outro lado tão friamente distante. Ou, assombrado e distante. Ou, sombrio e sozinho.

Ela se sentia de alguma forma triste por ele. Preocupada por ele. Certo. Ridículo. Como se ele precisasse de sua simpatia ou preocupação.

Mas isso não a impedia de querer entendê-lo, mesmo um pouco. Quando mais nada em sua vida fazia sentido, de alguma forma fazia com Chase. Não era apenas sexo, por incrível que fosse. Era o fato que foi a primeira pessoa a ser honesta com ela, mesmo que não estivesse preparada para ouvir. Para o melhor ou pior, ele era sua âncora num mundo que explodiu tão rápido e tão longe como nunca viu antes. O que disse a ele antes, na clínica, era verdade: era o único amigo que tinha agora. E por isso a incomodava saber que ele sofria uma dor particular.

Fizeram amor lento novamente na cama, se entregando um ao outro pelo que pareceram horas. Depois ficaram lá por um longo tempo, o corpo de Chase envolvendo todo o dela, suas pernas num emaranhado agradável, quando Tavia fez a pergunta que ecoava em sua mente a cada baque duro de coração.

—Por que não se permite alimentar? — Uma tensão desconfortável rastejou por ele em resposta, palpável pela cintilação do seu pulso e o silêncio sutil de seu corpo contra o dela. —Não me refiro apenas a mim — disse ela. —Não se deixa beber de ninguém. Quanto tempo faz?

Ele encolheu os ombros.

—Alguns dias, acho.

Pela forma como sua voz soou, tão rouca e crua, poderia ter dito que estava morrendo de fome há um ano.

—Quanto tempo consegue ficar sem?

—Normalmente alguém da minha geração pode passar uma semana com uma única alimentação. Às vezes mais.

—Mas isso não é normal para você, é? — Ela quase teve que pedir, seu pulso ainda batendo por ele numa batida oca, uma dor que sentia reverberando em suas próprias veias. —Posso sentir sua fome, Chase. Não sei como, mas posso sentir isso dentro de mim como se fosse minha.

Ele rolou para longe dela e xingou, baixo e zangado, sob sua respiração.

—É o vínculo. — Sua expressão era grave, a boca numa linha dura. Ele passou uma mão áspera sobre o topo de sua cabeça e amaldiçoou novamente, desta vez mais sombrio. —Bebeu meu sangue, Tavia. Está ligada a mim. Se fosse humana, não seria problema. Mas você não é. Tampouco apenas Raça. A parte de você que é Companheira está ligada a mim através do meu sangue, que vive dentro de você agora.

Atônita, passou a mão sobre o peito, onde a dor surda de sua fome agora queimava com o gosto amargo de seu arrependimento.

Ele balançou a cabeça, um aviso sombrio.

—É isso mesmo. Se eu sentir algo forte o suficiente, seja dor ou prazer, dor ou alegria, vai sentir isso também. O laço de sangue vai aproximá-la de mim. Vai sentir como se eu fosse um eco em suas veias.

Ela manteve seu olhar perturbado.

—Por quanto tempo?

—Até que um de nós morra.

Tavia engoliu, seus olhos se arregalando enquanto tentava absorver o que podia significar para sempre sentir sua presença como parte de seu próprio ser. A escuridão pulsante de suas emoções era uma força poderosa, intensa, mas não exatamente agradável.

Observando a reação dela, Chase zombou baixinho.

—Eu deveria me certificar que ia entender o que estava fazendo, o que custaria, antes de você me morder.

—Não sei se poderia me parar — disse ela, lembrando muito vividamente o quanto estava voraz naquele dia. Nos momentos após a febre descer e os medicamentos do Dr. Lewis saírem do seu organismo, uma criatura selvagem se soltou pela primeira vez. —Nunca senti fome assim antes. Apropriou-se de mim. Se acha que o culpo...

—Deveria — soltou duramente. —Eu era o único no controle. Havia inúmeras maneiras que podia impedir a situação de chegar tão longe. Independentemente de como é bom sentir seus dentes bonitos afundados no fundo da minha garganta. — Seus olhos a queimaram. Uma espiral de desejo correu por ela, sua ou dele, ela não tinha certeza naquele momento. Estendeu a mão para ela, seus dedos leves em seu queixo, o polegar acariciando seus lábios com ternura. —Você parece tão fodidamente boa. A coisa mais doce que já conheci.

—Mas se arrepende.

Ele deu um aceno de cabeça fraco.

—Voltaria atrás em um segundo. O laço de sangue é sagrado. É inquebrável, e está destinado a ser compartilhado com alguém que ama, Tavia. Com seu companheiro.

E, obviamente, não estava se apresentando como voluntário para essa função. Essa angústia que sentia doer em resposta deveria ser um alívio. A maneira como sua vida inteira estava desmoronando agora, se envolver com um semipsicótico vampiro sedento de sangue era a última coisa que precisava lidar.

Só que estava envolvida. Se qualquer um deles escolheu ou não, estavam muito envolvidos agora. Especialmente se estava ligada a ele por algum tipo de vínculo psíquico inextricável.

Uma ligação de um único lado, percebeu, vendo o remorso em seu rosto áspero, bonito.

—Já esteve ligado a alguém, Chase?

—Não.

—Mas queria estar — ela disse suavemente. —A mulher na foto que encontrei na sua antiga casa...

—Elise? — Ele soltou uma maldição e balançou a cabeça.

Tavia lembrou de como ele disse a ela que a mulher era a companheira de seu irmão morto. Apenas a menção dela no momento deixou Chase muito defensivo sobre o que podia ter sentido por ela.

—Disse que não estava apaixonado por ela, mas não era bem a verdade, não é?

Ele soltou um longo suspiro e recostou na madeira entalhada da cabeceira da cama, em silêncio contemplativo. Ela esperou para sentir suas paredes emocionais subirem mais altas.

Sabia tão pouco sobre ele, mas não era difícil imaginar que o faria bater a porta na cara dela.

Ela limpou a garganta e começou a sentar, de repente, querendo um pouco de espaço para si mesma.

—Não importa. Não tem que dizer...

—Eu a queria — desabafou. As palavras eram ásperas, de autocondenação. —Ela pertencia a Quentin, sempre pertenceu a ele... mas havia uma parte minha que a queria de qualquer maneira.

Tavia se acalmou ao lado dele, girando para enfrentá-lo.

—Você a seduziu?

—Em meus pensamentos, muitas vezes. Isso era ruim o suficiente. — Ele deu um aceno vago de sua cabeça. —Elise era apenas uma parte do meu problema, mas levou um tempo para eu perceber isso. Eu queria tudo que meu irmão tinha. Queria ser como ele, tudo que era. Todas as coisas pareciam caber tão bem nele. Coisas que vieram tão fáceis para ele, mas nunca estavam ao meu alcance. Tentei ser o homem que vi nele, mesmo depois que percebi que estava só fingindo que podia sequer chegar perto.

Havia tal tormento em seu rosto que fez apertar seu peito. Seus olhos estavam assombrados, cheios de culpa, vergonha e segredo, com um desprezo interior que mal podia imaginar. Meu Deus, quanto tempo viveu com esse intenso ódio por si mesmo?

—Seu irmão sabia como se sentia?

—Não. Deus, não. Nem suspeitava. — Ele franziu os lábios, os olhos no chão. —Nós dois éramos Chase, depois de tudo. Estaria abaixo de Quent imaginar que o invejava, mesmo que um pouco. Fomos preparados para ser moralmente puros, nada menos que perfeitos em todos os sentidos. Nosso venerável pai não aceitaria menos. —Sua voz tinha uma ponta frágil, cáustica. —Há certas expectativas que acompanham o nascimento de um dos filhos dos Chase. Quent não tinha nenhum problema em superar os padrões mais exigentes de nosso pai.

—E você? — Tavia perguntou gentilmente.

Sua boca se contorceu sarcasticamente.

—O primeiro da minha turma a cada curso. Influente, respeitado. Bem conectado na minha profissão e entre os meus pares sociais. O caminho à minha frente era de ouro, se espalhando diante de mim para que eu o pegasse.

—Não tenho dúvida disso — ela respondeu. —Mas não foi isso que perguntei. Quis dizer...

—Meu pai — ele terminou por ela, sem inflexão na voz. —O problema de ter um irmão como Quentin à sua frente é que ele tende a lançar uma sombra muito longa. É fácil ser engolido por ele, se tornar invisível. — Ele encolheu os ombros. —Desisti de tentar competir com meu irmão quando era ainda menino e já estava há uma década na Agência, cumprindo o legado secular da família Chase em serviço.

—Então o que aconteceu?

Ele resmungou, indiferente.

—Um monte de anos seguindo a maré. Décadas seguindo todas as regras, fazendo o que era esperado de mim e mais algumas coisas. Tempo inútil gasto coletando elogios e admiração na Agência, de pessoas que se diziam meus amigos apenas enquanto servia seus interesses ou caprichos.

—Mas não seu pai. — Tavia entendia agora.

—Ele já tinha o filho que queria. Eu era... redundante. — Ele exalou forte, balançando a cabeça. —Me disse o quanto se sente sozinha e vazia, após perceber que seu passado foi construído sobre mentiras e que ninguém que conhecia nunca realmente se importou com você. — Ao eu aceno, ele continuou. —Às vezes pode se sentir assim mesmo quando está rodeada pela família.

Ela estendeu a mão e abriu o punho que repousava ao seu lado, torcendo os dedos com os dele. Por algum tempo, ele permaneceu em silêncio, olhando para suas mãos presas. Quando falou, havia uma vulnerabilidade ímpar na sua voz profunda. Como se fosse deixá-la espreitar dentro das câmaras escuras do coração que parecia tão certo que não possuía.

—Meu irmão morreu há seis anos. Foi morto em serviço para a Agência, por um Renegado trazido para a reabilitação.

—Um Renegado? — Ela balançou a cabeça, incerta.

—Se um membro Raça permite que sua fome o supere, o vício não fica muito atrás. É chamado Sede de Sangue, e não há como voltar atrás uma vez que tome conta. Transforma-se em Renegado... o pior tipo de insanidade. Tem sede, caça e mata. Destrói, até que alguém te leva para fora ou faz um favor ao mundo e deixa o sol te transformar em cinzas.

Ela não tinha certeza do que parecia mais terrível: a aflição em si, ou a finalidade sombria de sua cura.

—Mas a agência é capaz de reabilitar alguns?

Sua risada sem alegria não deu muita esperança.

—Durante muito tempo, a Agência de Execução tem operado sob a noção que não havia razão para pensar assim. Claro, a Agência também é responsável pelas instalações que abrigam esses membros doentes Raça por toda a Europa e Estados Unidos. Muitos construtores de impérios dentro das camadas superiores da Agência tentaria convencê-la que o sistema tem seus sucessos.

—Você não pensa assim.

—Não que já tenha visto ou ouvido. Se me perguntar, as instalações não são nada mais que o frio armazenamento de uma população de gafanhotos apenas esperando pela oportunidade de escapar e devorar tudo em seu caminho.

Tavia estremeceu pela imagem horrível que ele pintou.

—Nada pode parar um Renegado?

—Apenas uma bala ou lâmina forjada de titânio. O metal age como veneno no sistema de um Renegado de sangue doente. Falhando isso, um banho de sol, muito quente, também faz o trabalho.

Ela o estudou, vendo a angústia escrita nas linhas tensas de seu rosto.

—Deve ter sido terrível, perder seu irmão para um desses monstros.

—Sim. Foi. — Ele balançou a cabeça tristemente, sua expressão distante e pensativa, a mil quilômetros de distância. Levou um momento para seu foco retornar. —Dificilmente me lembro dos dias e noites que se seguiram. Tinha tanta fúria e tristeza dentro de mim... era tudo que conhecia por muito tempo depois.

Sombras enchiam seus olhos enquanto falava, e Tavia sentiu que estava escondendo alguma coisa, um segredo que não estava pronto para compartilhar com ela. Talvez com ninguém. E estava claro que as coisas que fez naquela época ainda o assombravam agora, apesar de suas alegações que deixou as lembranças para trás.

—Era impensável que Quentin pudesse cair tão de repente. Elise ficou destruída, é claro. Então seu filho, Camden. O garoto era apenas um adolescente. Já fazia planos para frequentar aulas particulares noturnas, especialmente conseguidas em Harvard, a mesma que Quentin e eu fizemos, e nosso pai antes de nós. Cam estava tão animado. O mundo inteiro à frente dele.

A fotografia de Chase e Elise e o menino sorrindo voltou a ela em detalhes. Mesmo sem seu dom genético de memória impecável, Tavia recordaria o olhar cobiçoso nos olhos de Chase.

—O que aconteceu com Elise e seu filho depois que seu irmão foi morto?

A expressão de Chase nublou novamente, sombras enchendo seus olhos.

—Viveram sob meus cuidados por um tempo. Meu pai foi morto em patrulha antes de Quent, de modo que me deixou como líder do Darkhaven dos meus parentes. Elise e Cam se mudaram para minha casa em Back Bay imediatamente após a morte de Quent. Para ser honesto, pensei que poderia entrar e pegar as peças que a morte de Quent deixou para trás. Pensei que talvez pudesse finalmente saber o que era ser ele - apenas uma vez. Mas ainda podia sentir o frio de sua sombra, mesmo depois que ele se foi.

—E sobre Elise? — Tavia perguntou, desejando que pudesse negar a pontinha de medo que já a agulhava, esperando ouvir que ainda sentia algo pela mulher além de laços familiares. —Como foi para você, de repente, tê-la em sua casa, sob sua proteção?

—Era como viver com dois fantasmas, meu irmão e ela. Ela se afastou de todos após Quent morrer. Ninguém além de Camden importava para ela. — Seu suspiro exalado foi profundo, afiado com uma espécie de grosso remorso. —Nenhum de nós poderia saber que em breve estaria morto também, virou Renegado e se atirou à morte como um cão raivoso.

A mão de Tavia subiu até a boca. Podia sentir a dor a rasgando como uma ferida fresca.

—Meu Deus, Chase. Isso é terrível.

—Sim — disse ele, balançando a cabeça em concordância sóbria. Seu silêncio se prolongou, frio e pesado. —Ela nunca pôde me perdoar por ter puxado o gatilho.

Tavia não podia evitar — se abriu para ele, ferida por sua confissão. Mas antes que pudesse perguntar o que poderia levá-lo a fazer tal coisa terrível, o som de vozes abafadas veio do andar de baixo.

Vozes masculinas, profundas, enchendo o vestíbulo da mansão. Uma mulher estava lá também. Tavia ouviu Mathias Rowan cumprimentá-los como velhos amigos.

—O que está acontecendo? Quem está lá em baixo?

Ao lado dela na cama, Chase ficou tenso e imóvel.

—A Ordem chegou.

 

Chase fechou a porta do quarto de Tavia atrás dele sem fazer um som. Vestiu-se, logo que ouviu as vozes dos guerreiros, e assegurou a Tavia que não havia motivo para alarme e que devia esperar lá em cima até que ele ou Rowan viessem buscá-la.

Para sua surpresa, não tentou discutir com ele. Sem dúvida, já tinha o suficiente em sua mente, depois de ter descarregado todo seu passado inglório sobre ela. Ou quase todo. Não foi tão longe a ponto de divulgar o pior de sua vergonha. Se pudesse evitar, nunca saberia como duvidosa sua honra realmente era.

Não que a deixasse se interpor no caminho de seduzi-la aqui esta noite, apesar de suas boas intenções.

Sabia muito bem onde boas intenções geralmente o levavam, mas porra, podia descrever fazer amor com Tavia como algo próximo ao inferno.

Seu pulso acelerou pelo pensamento dela, e isso não ajudava quando ainda podia sentir o cheiro dela em sua pele e a provar em sua língua. Ainda podia sentir o calor de seu corpo apertado em torno dele. Seu pau respondeu com uma pontada ansiosa, já um aviso para repetir o desempenho.

Ah, merda.

Talvez esse fosse o inferno depois de tudo.

Chase puxou sua camisa escura sobre a protuberância crescente em sua calça jeans preta e saiu para enfrentar seus ex-irmãos de armas. Lá embaixo no vestíbulo do Darkhaven, a voz de Tegan retumbou com sua típica frieza ameaçadora.

—Agradeço o convite, Mathias, e a intercepção de ambos - a fêmea e Chase. Gostaria que tivéssemos chegado aqui mais cedo para dar algum suporte esta noite. Gostaria de uma olhada nos registros clínicos por mim mesmo.

—É isso mesmo. — Nikolai estava lá com Tegan também. Chase conheceu o vampiro nascido na Sibéria por sua risada imprevisível e seu rugido gelado.

—Pessoalmente, gostaria muito de ajudá-lo a torrar um par de cérebros apodrecidos de Subordinados e exterminar uma das aberrações de Dragos.

Chase andou pelo corredor do segundo andar e parou no topo das escadas. Lá embaixo, Niko tinha um sorriso de soslaio para o terceiro guerreiro que os acompanhava nesta missão de recuperação de Boston.

—Sem querer ofender pela aberração, Hunter.

O antigo assassino nem sequer piscou.

—Não me ofendi.

Em pé, com Rowan e os três membros da Ordem estava a Companheira de Niko, Renata. A beleza de cabelos escuros estava vestida de couro preto da cabeça aos pés olhou quando Chase chegou. Os pálidos olhos verde jade o fixaram.

—Caras — ela murmurou, alertando-os de sua presença com uma subida sutil de seu queixo.

Chase começou a descer as escadas sem qualquer reconhecimento.

Tegan foi o primeiro a quebrar o silêncio tenso.

—Falando do diabo. Tenho que dizer, estou surpreso ao encontrá-lo aqui esperando por nós, Harvard. Imaginei que faria uma parada rápida e fugiria. Esse é mais seu estilo esses dias.

Chase sorriu, dando um grunhido sardônico.

—Agora que mencionou, estava a caminho.

Ele deu alguns passos em direção à entrada e a porta do Darkhaven que estava logo atrás de Tegan e dos outros. Apenas alguns metros escassos para a liberdade. No entanto, sua marcha desacelerou até que estava praticamente parado.

Por mais que quisesse evitar esse confronto com Tegan, Niko e os outros, mal podia suportar a ideia de abandonar Tavia sem uma palavra de explicação. Especialmente agora. Seria mais fácil antes, se saísse como planejou mais cedo esta noite. Antes que acabasse de volta em seus braços.

Voltasse para dentro do calor dela, doce, molhado.

Porra.

Com quem estava brincando?

Nada sobre se afastar desta mulher seria fácil, agora ou antes.

Qual seria a reação de Tavia quando descobrisse que esses três guerreiros — e a mulher que não-fazia-prisioneiros e podia debilitar o mais poderoso Raça com uma única rajada de seu poder — estavam lá para levá-la em custódia para a Ordem?

Deveria ter explicado algumas coisas para ela, mas estava muito ocupado a despindo e tendo certeza que seu corpo requintado jamais o esqueceria. Sim, deveria ter feito um monte de coisas de forma diferente a respeito de Tavia. Perder ainda mais liberdade, ainda mais o sentido de controle não cairia bem com ela. Estava chateada e confusa com toda essa situação, desde que teve a infelicidade de cruzar com ele.

Quanto a Chase, enfrentar os olhares reprovadores de seus irmãos era ruim o suficiente. Não queria ver a decepção nos olhos de Tavia também.

Deu mais um passo e sentiu a tensão nos guerreiros subir mais um nível.

—Onde diabos pensa que vai? — Tegan perguntou, a voz profunda ainda mais letal por sua calma.

A parte selvagem de Chase queimou em resposta à ameaça reconhecida. Seu sangue raspou em suas veias, cru e frio.

—Não me deixe interromper algum negócio importante da Ordem — ele rosnou, mais veneno em seu tom do que pretendia. Mas era a aflição falando por ele agora, provocando calor como um fósforo próximo da estopa, e coçando por uma luta. Coisa que não queria começar com nenhuma dessas pessoas.

Ele deixou a Ordem em maus termos suficientes; o mataria trazer mais desgraça ou decepção para o grupo de indivíduos que verdadeiramente conheceu e apreciou. E o pensamento de levantar um punho ou arma para qualquer um deles agora era suficiente para fazê-lo recuar de vergonha.

As mãos apertadas de seus lados, desceu a escada.

—Já dei as boas vindas. Estou indo fora daqui.

—Não penso assim, Harvard. — Tegan se moveu para seu caminho. —É o inimigo público número um dos humanos. Lucan quer você fora das ruas.

—Ou então, o quê? Está aqui para fazer algum tipo de intervenção? — Chase zombou, a agressão fervendo nele agora. —Bem, pode me poupar. Não pedi.

—Não, não o fez. — O enorme guerreiro ruivo o olhou com raiva, a cabeça inclinada abaixo como um touro se preparando para o ataque. Seus olhos perfuraram Chase, implacáveis em sua avaliação. Nunca houve qualquer esconderijo quando se tratava do segundo membro da Ordem mais antigo. Sem chance para Chase, quando tudo que precisaria seria um toque das mãos de Tegan para ler suas emoções e entender o quanto Chase estava perto da beira do desastre. —Talvez não esteja compreendendo o que estou tentando dizer, Harvard. Vai voltar com a gente. Você e a fêmea.

A parte selvagem de Chase amaciou, recuando os lábios para trás de seus dentes e mostrando as presas num sorriso de escárnio.

—Da última vez que soube, Lucan e o resto de vocês me tornaram um proscrito. Ficou claro para mim que não sou mais bem-vindo.

O pacificador Rowan limpou a garganta.

—Chase, pelo amor de Deus. Se acalme.

Tegan desdenhou do argumento, não se incomodando com a ameaça de confronto.

—Pode vir livremente, ou estamos preparados para levá-lo à força.

Quando Chase soltou uma risada sem senso de humor, cáustica, Renata se moveu entre Tegan e Niko, tão graciosa quanto era perigosa.

—Eu os ouviria se fosse você. Temos nossas ordens.

—É verdade — ele desafiou, dando a ela um olhar que encolheu mais de um esquadrão de machos Raça da Agência totalmente armados num nó de ansiedade, transpirando como meninas. Mas não Renata. A Companheira de Nikolai apoiou suas longas pernas numa posição pronta para a batalha e o olhou de volta. O que apenas o deixou mais puto. —Se me atingir com esse seu talento de rajada mental, é melhor se assegurar de me matar rápido. Ou nem vai me ver voltando sobre você.

O rosnar de Niko foi tão mortal como Chase nunca ouviu. O guerreiro deu um passo duro para frente, à palma da mão fechada num punho de aparência desagradável na semiautomática no coldre debaixo do braço. Chase sabia que a arma estaria carregada com munição para Renegados — as pontas ocas com titânio — a especialidade artesanal de Niko.

Da forma como seu sangue se agrupava agora, frio e ácido, Chase não tinha dúvida que uma rodada provavelmente seria suficiente para transformá-lo em fumaça no local.

Deus o ajudasse, estava meio tentado a testar a ideia ali mesmo.

Em vez disso, com uma maldição, começou a levantar as mãos num show de rendição.

Mal se contorceu, antes que sentisse o solavanco repentino de relâmpagos entrando em seu crânio. Renata. Ela se abateu sobre ele antes que sequer soubesse o que o atingiu. Foi breve e apenas um tiro de aviso, sabia disso. Caso contrário, não teria inteligência suficiente para questioná-la. Mas santo inferno, era a sensação da morte. Chase soltou um estrangulado rugido quando a energia psíquica ricocheteou em seu crânio e o fez baixar num joelho.

Não viu Tavia vindo.

Nenhum deles poderia, ela se movia tão rápido e tão furtivamente. Se materializando como se do nada, saltou sobre o parapeito do segundo andar do corredor e caiu, como um gato, na entrada abaixo.

Num segundo estava curvada sobre Chase no chão. No seguinte, ele foi empurrado para trás de sua forma elegante, observando com os olhos semicerrados pela dor como ela enfrentava sozinha os três guerreiros Raça letais fortemente armados, e uma Companheira que podia tão facilmente girar seu poder surpreendente para Chase e explodi-lo com força total para Tavia.

Deus, não.

Se ela levasse um tiro ou um golpe da fúria de Renata por causa dele...

—Não a machuque — ele rugiu, as palavras arrancadas de sua garganta, selvagens e sobrenaturais.

Usou toda a sua força para superar a dor da explosão mental de Renata, ficou de pé e tomou seu lugar ao lado de Tavia.

—Porra, nenhum de vocês a machuca!

Mas nenhum deles tentou qualquer jogada.

Não o fariam, só então percebeu. Não vieram aqui machucar ninguém, nem mesmo ele, exceto se os forçasse. Todos olhavam, inclusive Mathias Rowan, pasmos e com os olhos arregalados e de queixo caído para Tavia Fairchild em toda sua magnificência transformada.

Agachada, suas longas pernas vestidas com jeans dobradas, os pés descalços, prontos para saltar. Seu cabelo solto oscilava em torno de seus ombros como uma juba caramelo, as indomadas ondas mal escondendo o incêndio âmbar de seus olhos. Ela sibilou, os lábios afastados para expor as presas gêmeas que brilhavam tão brilhantes como diamantes e afiadas como adagas. Entre o V profundo do suéter preto, seus dermaglifos estavam vivos com cores furiosas, se agitando como uma tempestade escrita em sua pele suave e pálida.

Não havia dúvidas sobre o que essa mulher era: perigosa, camuflada, absolutamente letal Raça Gen Um.

E mais quente que o próprio inferno.

Os três guerreiros da Ordem pareceram voltar aos seus sentidos juntos. Falaram em uníssono quase perfeito, Tegan, Niko, e em seguida, Hunter, um após o outro.

—Santa

—Fodida

—Merda

Renata ainda estava olhando, vagamente balançando a cabeça em descrença. Suas sobrancelhas finas se levantaram em seguida e um sorriso começou a torcer a curva de sua boca larga.

A visão de seu humor irônico e seu olhar perspicaz baixou a tensão na sala em enormes níveis.

Ela olhou de Tavia para Chase, em seguida, voltou novamente para Tavia com espanto.

—Agora, isso que eu chamo de fazer uma entrada.

Dragos chegou para a conferência de vídeo com seus tenentes mais de quarenta e cinco minutos atrasado.

Sua falta de pontualidade alcançava dois propósitos: Primeiro, nunca era demais lembrar aos seus subordinados que serviam ao seu capricho e conveniência; mais o mais importante era o fato que seu atraso dava a cada um dos quatro membros restantes do seu círculo original tempo de sobra para refletir sobre seus erros menores e se preocupar com qual das cabeças ia rolar.

Essa preocupação tinha um peso ainda mais especial, considerando o fato que cada um de seus tenentes na tela era assistido por um dos Hunters de Dragos, pessoalmente selecionados. Se os tenentes dessem uma razão para duvidar, levaria menos de um segundo para qualquer um dos Gen Um assassinos ao lado deles despachar o problema permanentemente.

Mas a cabeça de ninguém estava em perigo aqui esta noite.

A raiva de Dragos estava centrada totalmente na Ordem. Era por causa deles que conheceu um revés após o outro. Por causa deles sua operação estava estilhaçada e mancando agora, toda sua obra e experiências promissoras interrompidas ou destruídas. Por causa deles foi forçado a acelerar seus planos a respeito da humanidade.

Em vez de esperar até ter todos os jogadores Subordinados na posição ao redor do mundo — um objetivo que só ficaria mais difícil com Lucan e seus guerreiros respirando no seu pescoço, derrubando-o a cada oportunidade — Dragos decidiu que o tempo de espera acabou.

Tomou seu lugar à frente de sua longa mesa de conferência, de frente para a parede com os monitores montados. Quatro telões mostravam os rostos de seus tenentes: Arno Pike da Agência de Execução, em Boston; Ruarke Louvell, antigo diretor da Agência de Seattle; se reportando da Europa estava Moric Kaszab da Agência, em Budapeste; e, por último, Nigel Traherne, um bem-relacionado líder de Darkhaven abastado de Londres e o único sobrevivente no círculo de Dragos não intimamente associado com a Agência de Execução.

Havia outros três neste quadro antes, homens indignos que finalmente encontraram seus fins de diversas maneiras violentas. Dragos pessoalmente os verificou. Os nomes — Fabian, Roth e Vachon — pouco significavam para ele agora. Eram poeira sob os calcanhares de sua bota, insignificantes.

Idos e esquecidos.

O que os oito tinham em comum, Dragos e seu círculo íntimo de sete soldados leais, era serem a segunda geração de linhagens e, mais crucialmente, a crença inabalável que era a Raça — e não a humanidade — que merecia governar este aglomerado de rochas em órbita. Por muitas longas décadas, trabalharam juntos, tramando e conspirando secretamente e alimentando o sonho da operação com material, pessoal e financiamento, informação e apoio. Tudo que Dragos pedisse, incluindo sua lealdade inabalável.

A posição dos quatro no vídeo ainda agora mantinha a crença que a visão de Dragos para o futuro era a única aceitável. Acreditavam nele como seu líder. Seu eventual rei. Enquanto o faziam, e até que provavam ser ineficazes ou um passivo aos seus objetivos, Dragos permitia que vivessem. Podia até mesmo prometer que iriam desfrutar de alguns despojos que viriam em breve.

Muito em breve, ele pensou, mal conseguindo conter a excitação que o percorria enquanto considerava o caos que estava prestes a entregar ao mundo.

—Senhores — disse ele, dando a cada um deles um aceno de saudação. —Esperamos muito tempo por este momento. Mas não mais. Chamei todos esta noite para que saibam que nosso triunfo está finalmente em nossas mãos.

Sorrisos frios e olhares ansiosos acompanharam o comentário. Dragos deixou a corrente de excitação escura vagar por um momento, deleitando-se em seu poder. Apesar de sua decisão de hoje à noite mais cedo beirar a indignação e o impulso vingativo, teve tempo suficiente para considerar todas as ramificações do Armagedon que estava prestes a decretar. Se parecia uma solução adequada antes, agora, com a cabeça mais fria, mais calculista, estava ainda mais convencido que era hora de aceitar o desafio.

—Cada um de vocês nesta reunião foi trazido para minha confiança por causa de uma determinação comum. Um sonho que todos compartilhavam, projetar um mundo em torno de nossos ideais. Nossas próprias liberdades e leis. Estamos perto, meus camaradas. Tão perto que seria impensável que nossa visão para o nosso mundo — para o nosso futuro — fosse prejudicada pela Ordem ou pelos tolos que se aliam com eles. — Ele examinou os rostos de seus tenentes, o prazer de ver o rancor fervendo em mais de um par de olhos apertados. —Com a vitória em nossas mãos, não podemos nos dar ao luxo de deixá-la escapar por entre nossos dedos. Nosso tempo de se esconder, planejar e esperar foi longo. — Dragos bateu com o punho na mesa da frente dele quando se levantou da cadeira. —Estou doente de morte com tudo isso! Chegou a hora de fazer esse maldito mundo sangrar!

Três dos quatro machos Raça olharam para ele com acenos de assentimento a esta declaração de guerra explosiva. A respiração de Dragos entrava e saía de seus pulmões com fúria, reacendendo em suas veias as agulhadas de impulso violento. Essa agressão latente se aprofundou quando olhou para Nigel Traherne e encontrou o Londrino franzindo a testa, sua cabeça loura tremendo lentamente em desacordo tranquilo.

—Tem algo a dizer, Sr. Traherne?

Nigel pigarreou, parecendo de repente desconfortável. Como bem deveria.

—Se estou correto em assumir o que você tem em mente, senhor...

As palavras sumiram, desnecessárias para completar. Todos reunidos nesta sala entendiam exatamente o que estava sugerindo. Foi a opção de operação no pior cenário o tempo todo.

—Um ato desta magnitude não pode ser desfeito — Traherne advertiu. —Tenho que saber se, talvez... Senhor, temo que as recentes derrotas em seus esforços para conseguir o senador americano e limpar o caminho para outras áreas de governos humanos pode o ter empurrado a pensar de modo um pouco imprudente.

—Imprudente. — Dragos grunhiu, os punhos apoiados sobre a mesa, às juntas esmagando a madeira polida. Ele se irritou com o desafio à sua autoridade. A temerária dissidência. Mas se absteve de atacar. Por hora. —Parece imprudente para o resto de vocês?

Um por um, os outros três tenentes mostraram seu apoio.

—Estou mais que cansado de esperar. — O obediente e sanguinário Pike falou em primeiro lugar. —Confio em você para nos guiar, senhor, como já fez todo esse tempo. Estou preparado para atacar ao seu comando.

—Vou ser honesto — acrescentou Louvell. —Sempre temi que chegaria a isso. Mas estou a bordo no que for decidido. Cheguei longe demais para voltar atrás agora. Todos o fizemos.

Kaszab sorriu um sorriso desagradável, seus olhos escuros brilhando.

—A humanidade tem mantido as rédeas do poder por tempo suficiente. Eu, por exemplo, estou mais do que pronto para ver a Raça se levantar para governar a noite como é nosso direito de primogenitura.

Dragos olhou de volta para a expressão desconfortável de Traherne e encolheu os ombros.

—Claramente está sozinho em suas preocupações, Nigel.

—Senhor, eu...

Dragos levantou a mão e deu um aceno leve de cabeça.

—Entendo, claro. Decisões como esta - como muitos são necessário para trazer nossa operação para este momento crucial e a vitória que espera do outro lado - não são para os mais sensíveis ou mansos.

—Senhor, tive com você mais do que boa vontade em todo o resto até agora. Ainda acredito na causa — deve saber disso. — O medo surgiu na voz do vampiro agora, e uma nota de outra coisa. Tristeza, Dragos arriscou adivinhar, vendo o colapso do macho orgulhoso no rosto afundado sem esperança. —Senhor, minha Companheira está esperando nosso filho a qualquer momento. Meus dois filhos mais velhos me deram mais de uma dúzia de netos — garotos que entrarão em idade adulta no mundo que criaremos. Concordo que a Raça deve aproveitar seu lugar como raça dominante neste planeta. Só esperava que houvesse uma maneira melhor de assegurar que isso aconteça.

Dragos cruzou os braços sobre o peito, à espera que Traherne esgotasse sua problemática, o ataque de consciência de última hora. Atrás do macho, o assassino designado para garantir sua segurança mantinha seu olhar fixo em Dragos. Um cão amarrado, mas letal, aguardando o comando de seu mestre.

—Há muito tempo tinha minhas reservas sobre colocar um civil no círculo — afirmou Dragos uniformemente. —Mas você se provou valioso, Nigel. Trouxe-me Companheiras para os programas de melhoramento e genética. Encontrou algumas das mais brilhantes mentes científicas humanas para se tornarem Subordinados dos laboratórios de operação. Derramou centenas de milhões de dólares ao longo das décadas para ajudar a equipar as instalações, e forneceu valiosas informações, tanto um ponto de vista social como político, entre as sucursais europeias da nação Raça.

—Sim, senhor — ele concordou avidamente. —E fiz tudo isso porque tenho fé em você, em sua visão.

A raiva de Dragos não recuou nem um pouco. Mas ele sorriu, sentindo a boca apertada pela presença de suas presas emergentes.

—Nunca duvidei da sua fé, meu bom Sr. Traherne. Tinha o coração e os meios. Ainda tinha a malícia, quando precisava. O que sempre faltou, no entanto, foram bolas.

Com o menor movimento de seus olhos, Dragos sinalizou para o Hunter que estava atrás de Traherne.

—Acabe com ele.

A matança foi rápida e limpa. No monitor de vídeo, os olhos se arregalaram quando a cabeça de Traherne caiu para frente, torcida num ângulo não natural em seu pescoço quebrado.

Seu crânio aterrissou com um baque duro sobre a mesa na frente dele.

Dragos mal observou o morto por um segundo. Deixou o tenente morto permanecer na tela quando voltou sua atenção aos outros três membros de sua aliança profana..

—Temos que nos aventurar onde ninguém antes se atreveu — disse sem perder o ritmo. —Agora começaremos os preparativos para dar o passo final para assegurar nosso lugar na história.

 

Eles rumaram para o norte num grande Land Rover SUV preto, horas longe de Boston e profundamente no estado do Maine.

Tavia não queria ir a qualquer lugar com ninguém, muito menos com um grupo de três machos Raça fortemente armados e uma mulher vestida de couro que parecia igualmente perigosa, com ou sem as armas e lâminas que enfeitavam seu cinto de armas. Mas a promessa de Chase que estaria segura com eles — no paraíso da Ordem, que era onde se dirigiam agora — era garantia suficiente para ela aceitar.

Ele sentou no banco de trás do veículo, intercalado entre ela e o guerreiro aparentemente responsável pela operação, um homem formidável, com implacáveis olhos verdes e uma juba de cabelos ruivos. Seu nome era Tegan. Nikolai e Renata sentavam na frente, o perspicaz guerreiro loiro ao volante e sua companheira de cabelos de ébano ao lado dele no banco de passageiro.

Sentado no banco atrás de Tavia, Chase e Tegan, estava um estoico macho gigante com cabelo castanho claro cortado rente e penetrantes olhos de ouro. De todos os ocupantes do veículo, era este quem deixava Tavia mais em guarda. Frio, detalhado — tudo sobre o macho chamado Hunter era medido e controlado. Todo eficiência firme e letal, como a borda de uma lâmina de matar. O que não era surpreendente, considerando sua antiga profissão.

Tavia queria saber mais sobre ele, especialmente considerando o fato que foram gerados do mesmo DNA nos laboratórios de Dragos. Mas houve pouco tempo para perguntas ou conversas na casa de Mathias Rowan. A viagem ao norte também não estava exatamente preenchida com conversas.

Chase não disse uma palavra durante todo o tempo que estava viajando. Seu queixo estava mergulhado em direção ao seu peito, mas mesmo sob seu cabelo desgrenhado caído sobre a testa, o brilho abrasador de seus olhos era difícil de perder. Os dermaglifos em seus antebraços nus ainda fervilhavam com tons escuros. Seu próprio corpo retomou seu estado normal antes mesmo que deixassem Boston, mas Chase parecia estar indo muito mais lento. Sua raiva, que explodiu na casa de Mathias, ainda surgia como um veneno em sua pele.

A dor psíquica que Renata o atingiu também persistia. Tavia sentia os ecos pelo vínculo de sangue que ainda estava tentando se acostumar. Deus, ficou tão alarmada —aterrorizada até os ossos — no momento que a sacudida de fúria mental atingiu o crânio de Chase. Ela reagiu por instinto puro, saltando acima do corrimão sem um pensamento para a impossibilidade humana de se mover e atingir o vestíbulo abaixo. Tudo que importava para ela naquele instante era Chase. Seu alívio ao encontrá-lo vivo, vendo-o se levantar ao lado dela, foi tão profundo e completo, que desafiava a descrição.

Assim como o calor que a envolveu quando ouviu a raiva para protegê-la em sua voz poderosa quando gritou para seus amigos não a machucarem.

Agora, seu prolongado silêncio — sua presença nos confins estreitos do SUV — parecia colocar todos em guarda. Pressionado contra ela, seu rígido corpo irradiava calor e agressão. Talvez devesse sentir a mesma apreensão com relação a ele que seus amigos, mas o calor de sua coxa era um conforto contra a dela. Seus ombros volumosos eram firmes em sua cabeça enquanto ela repousava levemente sobre ele, seu olhar fixo na paisagem escura indefinida passando pelas janelas do veículo enquanto as milhas ficavam atrás deles.

Quando ela olhou para cima, encontrou os gelados olhos azuis de Nikolai olhando para ela pelo espelho retrovisor. Não era a primeira vez que a olhava curioso, a examinando. Dessa vez, Renata escorregou pelo assento de passageiro e deu um tapinha em seu ombro.

—Pare de olhar boquiaberto a pobre moça, Niko. Ela não é um espetáculo, por Jesus.

—Desculpe — disse ele, e xingou algo que soava como russo. —É só que levará um tempo para me acostumar com a ideia.

Renata revirou os olhos para ele, então girou em seu assento para enfrentar Tavia.

—Perdoe-o. Acho que todos estamos tentando realmente não olhar. Quero dizer, Mathias nos disse sobre você, mas realmente vê-la por nós mesmos... e no Darkhaven? Bem, uau... —Ela deu um olhar aos outros no veículo, depois sacudiu a cabeça, fazendo seu cabelo preto na altura do queixo fluir em volta de seu queixo. —Entre Jenna e Tavia, as coisas ficarão realmente interessantes por aqui.

—Quem é Jenna? — Tavia perguntou. —Ela é... como eu? — Ela sentiu uma pontada de esperança pelo pensamento, mesmo que não tivesse certeza se deveria desejar essa vida e todas as traições que vinham com ela, a alguém.

—Jenna é humana — Nikolai respondeu, olhando para ela mais uma vez pelo retrovisor. —Ou era. Até algumas semanas atrás.

—Jenna ainda é humana onde conta. — Renata se virou para seu companheiro e tocou o centro de seu peito. —Ela pode estar mudando fisicamente e psiquicamente, mas por dentro ainda é Jenna.

—O que aconteceu com ela?

Renata olhou rapidamente para Tegan como se pedindo permissão antes de explicar.

—Jenna foi atacada há algumas semanas no Alasca, onde costumava viver. A criatura que fez isso era um Antigo.

—O que Dragos mantinha em seus laboratórios — Tavia terminou, recordando o que Chase disse a ela sobre o último dos antepassados alienígenas da Raça. —Pensei que a Ordem o matou.

—Sim— disse Renata. —Mas antes que o pegassem, o Antigo invadiu a casa de Jenna. Ele a aterrorizou, manteve-a como refém, e se alimentou dela. E antes que tudo acabasse, incorporou algum tipo de tecnologia alienígena em sua pele, no topo de sua medula espinhal. Também continha fios de seu DNA.

Nikolai assentiu.

—Depois que trouxemos Jenna para Boston com a gente, ela ficou inconsciente por alguns dias. Quando acordou, as coisas sobre ela começaram a mudar.

—Que tipo de mudanças?

—A força desumana foi uma das coisas — disse Renata. —De um dia para outro, ao que parece, desenvolveu uma velocidade incrível e agilidade. Seu corpo começou a aprender a se curar de lesões. O tipo de coisas que definitivamente não se vê no ser humano normal.

—Para não falar do dermaglifo que está se espalhando como vinhas do local onde o chip foi implantado.

Tavia encontrou os olhos de Nikolai no espelho.

—Então, o Antigo a transformou em um de vocês? — Uma Raça...

—Ela não é Raça — ele respondeu. —Mas não é exatamente humana agora também. Gideon fez todos os tipos de testes, e o melhor que conseguiu foi descobrir que o DNA do Antigo é mais rápido para replicar que seu próprio DNA de Homo sapiens. Está tomando conta de seu sistema nervoso e órgãos vitais, até mesmo do seu sangue.

—Meu Deus — Tavia murmurou. —Deve ser terrível para ela.

—Não é nenhum piquenique — Nikolai concordou. —Mas está lidando com isso como à veterana que é. Não é tão mau negócio, considerando todas as coisas. É mais forte, mais rápida, mais saudável que qualquer humano poderia ser. E pelos achados de Gideon, ele está achando que sua expectativa de vida aumentou exponencialmente.

—Ainda assim — Tavia disse, incapaz de não comparar as mudanças bruscas de Jenna com suas próprias revelações inesperadas. —Não é fácil descobrir que é algo além do que pensou.

O olhar de Renata era simpático.

—Como está indo?

—Estou bem. — Ela assentiu, percebendo que era verdade. —Estava com medo no começo, mas estou feliz por finalmente saber a verdade.

Nikolai continuou.

—Acho que a parte mais assustadora para Jenna agora são os sonhos. Gideon acha que o chip está projetando memórias do Antigo em seu subconsciente. Ela está tendo pesadelos recentemente. Um monte de violentos sonhos estilo Armagedon. Está realmente causando estragos nela.

—Pelo menos Jenna tem Brock — Renata disse, olhando amorosamente para seu próprio companheiro. —Vai ajudá-la a passar pelo que ainda está à frente dela. E tem o resto de nós também.

O olhar de volta de Nikolai era tão aquecido quanto terno. Ele se esticou e pegou a mão de Renata, a levantou até a boca, e pressionou um beijo no centro da palma da sua mão.

—Quanto sabe sobre a Raça? — Desta vez foi Tegan quem falou. Não olhou para Tavia, mas seu rosnado baixo veio do outro lado de Chase.

—Quer dizer, além do fato que há algum tipo de raízes estranhas em sua história?

—Sua história também — comentou o guerreiro, monótono.

Certo, ela pensou. Era coisa de romances de terror e filmes de ficção científica, mas poderia muito bem começar a possuí-lo.

—Chase contou algumas coisas. É muito para absorver. Está tentando me ajudar a dar sentido a tudo.

A calma zombeteira de Tegan tinha um tom cético.

—E eu aqui pensando que poderia estar muito ocupado ficando famoso com os humanos para ter tempo para ensiná-la. Acho que não preciso perguntar o que mais pode ter ensinado, né, Harvard?

O leve soco enviou um surto de raiva branco-quente através de suas veias — não sua raiva, mas a de Chase. Ela sentiu seu corpo ficar rígido ao lado dela quando Tegan lançou um olhar o medindo. O guerreiro observava, sem expressão, mas o avaliando da mesma forma. Por um tenso momento incerto, Tavia achou que Chase se lançaria sobre o outro macho pelo que claramente era uma intenção de provocação.

Todo mundo deve ter pensado a mesma coisa, porque todos se mantiveram totalmente em silêncio. Cautelosos. Sem saber o que Chase poderia fazer no instante seguinte.

Mas não explodiu como uma granada que pareciam pensar que ele era.

Tavia o sentiu lutando para se conter. Mesmo parecendo perigoso —quase tanto quanto acariciar um urso — ela estendeu a mão para ele na cabine escura do SUV. Sua mão grande estava espalmada na coxa coberta de jeans, os dedos a segurando como um torno. Tavia acariciou a ponta do seu dedo indicador ao longo do dorso da mão, uma garantia de silêncio. Um sinal de sua confiança nele, de sua fé.

Que sabia que ele lutava contra algo poderoso e escuro, e que se importava.

Ele não olhou para ela, mas as pontas dos dedos relaxaram. Ele deixou a mão descer em direção à dela, deslizando no mais básico dos contatos. A aqueceu lá no fundo, esta ligação não dita que se formou entre eles. Parecia menos sobre laços de sangue ou as circunstâncias insanas que os juntou e mais sobre algo profundo — algo significativo, profundo e precioso — que tomava forma dentro de ambos.

Ela se preocupava com este homem, este complicado e mal-assombrado macho Raça, perigoso. E mesmo que nunca admitisse isso, ela podia sentir que ele se importava com ela também.

Do outro lado de Chase, o rosto de Tegan relaxou em indiferença. Ele sentou com um suspiro exalado lentamente.

—Estamos quase lá.

O veículo tinha saído da autoestrada há algum tempo e agora começava a bater, sacolejar numa estrada rural de pista dupla que cortava entre o que parecia ser uma floresta espessa e virgem. Dirigiram milhas na escuridão enluarada antes de Nikolai deslizar para uma trilha coberta de neve que não parecia apta para qualquer coisa mais sofisticada que um cavalo e trenó. Quando parecia que o caminho desolado nunca acabaria, os faróis do SUV cortaram pelas florestas densas e varreram a frente de uma fortaleza de pedra e madeira imensa. Era robusta, mas bonita. Como algo saído de um conto de fadas gótico.

Ao lado dela, Chase sentou um pouco mais reto, olhando fora para a construção de madeira.

—Nova sede da Ordem? — Ele perguntou, sua voz soando seca como cinzas.

—É sim. — Nikolai desacelerou para uma parada e desligou o motor. —Lar doce lar.

—Está pronta para começar, Jenna?

Ela acenou para Gideon e apertou a mão de Brock um pouco mais forte. Seu rosto bonito cheio de preocupação, seus insondáveis olhos castanhos fixos nela.

—Não tem que fazer isso se não tiver certeza. Já passou por muitas coisas...

—Tenho certeza — respondeu ela, o alcançando onde estava deitado em sua cama para acariciar sua mandíbula forte. —É apenas um sonho, depois de tudo. Não precisa se preocupar comigo.

Sua risada era uma lixa suave, irônica, mas não relaxado.

—Dizer para não me preocupar com você é como dizer para parar de respirar. Não posso, querida. Sabia disso quando se comprometeu comigo.

—Sim, sabia. — Jenna sorriu para seu companheiro, se perguntando como era possível que seu amor por ele aprofundasse a cada dia. —E sabe muito bem que sou tão teimosa quanto você.

—Mais — ele cortou, arqueando uma sobrancelha preta.

Ela não diria isso. Nem que não deixaria seu medo ou preocupação impedi-la de aproveitar esta missão com as duas mãos. Porque isso que a busca por respostas se tornou para ela: uma missão. Como qualquer das dezenas de patrulhas que fez como policial no Alasca. Ia para dar um presente a todos.

Mesmo se tivesse que fazê-lo tremendo em suas botas.

—É apenas um sonho — disse Brock novamente, e talvez ela precisasse da confiança, tanto quanto ele. Seus nervos estavam ainda crus e estridentes da última vez que o pesadelo a arrastou. A parede maciça de água, batendo de todos os lados. Os gritos dos moribundos se levantando no vento da noite. Tanto terror e destruição, centenas de vidas arrastadas num instante. Pareceu tão real. Horrivelmente, vividamente real. Mesmo agora, fazia seu coração martelar em pânico, as palmas das mãos úmidas com ansiedade. —Não é real, apenas um pesadelo. Vou ficar bem, Brock. Posso fazer isso.

Ele franziu a testa com ceticismo, e pela primeira vez desde que conhecia seu companheiro, Jenna estava feliz pela ausência de um laço de sangue com ele. Ela nasceu humana, não Companheira, e a falta da minúscula marca de nascimento vermelha de lágrima e lua crescente foi um obstáculo entre eles no início. Mas apenas brevemente. O amor foi a cola que os uniu como um só. Brock podia não ser capaz de ler seus sentimentos mais profundos através de seu sangue, mas sua conexão emocional não era mais fraca para ele.

É por isso que sua carranca franziu mais quando acariciou a mão dela e viu Gideon preparar o leve sedativo que a ajudaria a dormir agora e, esperançosamente, submergi-la ainda mais fundo no sonho.

—Não gosto disso nem um pouco. Não me importo se é apenas um sonho ou algum tipo de eco psíquico das memórias do Antigo se repetindo no seu subconsciente. Não quero te deixar ir.

—Então, não me deixe. — disse ela, envolvendo os dedos um pouco mais apertados em torno dos dele. —Fique segurando minha mão. Posso enfrentar qualquer coisa, se souber que está comigo. E também terei Claire lá dentro para me guiar desta vez.

Tinham contactado a companheira de Andreas Reichen em Rhode Island várias horas atrás, após a última luta de Jenna com o sonho aterrorizante. Claire combinou o local para ajudar de qualquer maneira que pudesse e estava em seu Darkhaven, aguardando a chamada de Gideon. Uma vez que Jenna estivesse dormindo, Claire se juntaria a ela no sonho. Juntas, esperavam voltar com uma imagem mais clara do que o pesadelo e seus apocalípticos eventos possivelmente significavam.

Jenna pressionou um beijo nas juntas de Brock, em seguida, olhou para Gideon.

—Vamos fazer isso.

Com um olhar de desculpas ao seu companheiro guerreiro, o gênio residente e médico parcial da Ordem inclinou-se com a seringa de sedativo. Jenna se encolheu quando a agulha espetou, então, lentamente, soltou a respiração que não sabia que estava segurando. Depois de um momento, um calor agradável se espalhou sobre ela lentamente, como um cobertor macio sendo levantado de seus pés ao queixo.

—Sente-se bem até agora, Jen? — A voz de Gideon veio para ela em câmera lenta exagerada, cada sílaba esticada e deformada.

Custou um grande esforço ela gerir até mesmo um aceno fraco. Suas pálpebras estavam começando a fechar, parecendo pesadas como chumbo.

—Acho que é pa...

Não teve chance de concluir o pensamento.

Um espesso nevoeiro cinza a envolveu, levantou-a da cama inconsciente do peso de seu corpo. Ela se deixou levar, também apática para resistir. A nuvem de escuridão a manteve no ar enquanto se afastava da sede da Ordem... longe de tudo que conhecia.

Depois de um longo tempo, uma eternidade, ao que parecia, o nevoeiro começou a afinar e seus pés tocaram o chão.

As pálpebras se ergueram, mostrando a ela nada além de escuridão. Estava sozinha. Nenhum sinal de qualquer um. Somente ela, de pé sob um céu noturno sufocado por nuvens, nua em pé, empoleirada numa borda íngreme de pedra.

—Claire — ela chamou, mas o vento frio soprou suas palavras para o nada, assim que deixaram sua língua.

Tentou não ter medo, mas sabia o que estava por vir.

Mal pensou nisso, em seguida, as ondas caíram em todas as direções.

Abaixo de seu lugar no alto precipício, a água subia e rolava, devorando o vale abaixo. Era uma cidade lá embaixo, sabia disso. Sabia que toda a sua população estava sendo tragada, afogada pela enchente repentina e castigante.

—Não! — A palavra explodiu em sua cabeça, mas a boca não fez nenhum som. Observava com os olhos indiferentes a propagação da catástrofe, destruindo tudo em seu caminho. —Não! Nãoo!

Desolada, doente de horror, mal sentiu o toque suave e quente em seu braço. O barulho do caos e aniquilação era ensurdecedor. O mundo inteiro ao seu redor estava escuro e sombrio. Vazio.

—Jenna.

Ela se assustou ao ouvir o som da voz da voz feminina — alguém mais vive com ela neste plano infernal, alguém que sabia o nome dela.

—Jenna, pode me ouvir? — A voz de Claire Reichen, aveludada e constante, vinha do lado esquerdo dela. —Desvie o olhar da carnificina, Jenna. Olhe-me. Estou aqui com você agora.

Ela fez como instruído, espantada ao descobrir que tinha força. A esteira do desastre e morte deixado em seu rastro ainda enchia sua cabeça, mas havia uma paz agora também. A corda a alcançando no escuro.

Claire pegou a mão dela e assentiu.

—Encontrei você. Quer tentar voltar para o início comigo agora que estou aqui?

Jenna assentiu, incapaz de comandar sua voz — a voz que incorporava no presente sonho — para falar. Ela queria voltar. Podia fazer isso. Tinha que fazer.

Um movimento súbito a puxou para trás através da escuridão.

As ondas recuaram em hipervelocidade, inundação e destruição desenrolando num instante. A rolando de volta ao momento que sempre entrava no sonho, oscilando à beira da destruição vindoura.

Em seguida, voltando ainda mais.

Olhou abaixo pelo penhasco alto, atônita. A cidade enluarada no vale abaixo era antiga. Estradas pavimentadas e templos brancos se espalhavam em todas as direções. Enormes portões e torres de pedra, valas de proteção e cheias de água dos canais que corriam como artérias de uma primitiva e próspera metrópole. Sua beleza era mítica, de tirar o fôlego.

Girou a cabeça para ver se Claire testemunhava a mesma coisa. Mas antes que pudesse olhar na sua direção, uma luz súbita brilhante apareceu no distante horizonte à sua frente, iluminando o céu da noite como um sol recém-nascido.

A terra retumbou sob seus pés. O tremor sacudiu com força terrível, tão grande que ela cambaleou onde estava, quase perdendo seu apoio na borda da montanha recortada. O planeta inteiro tremeu, como se prestes a se abrir em seu núcleo.

E para o mar além, uma grande nuvem se formava. Subia alta e furiosa, agitando as cinzas num funil coroado com uma turva cabeça de cogumelo. A nuvem soprou um vendaval de calor tão intenso que teve de levantar o braço para proteger o rosto da queimadura.

Abaixo dela, no vale, alguns dos templos brancos mais altos começaram a tremer e se abrir. As pessoas saiam das casas e tabernas, correndo pelas ruas, em pânico e confusão. Seus gritos subiam no vento da noite seca como gritos de banshee.

O lamento e uivo de uma população experimentando sua própria morte súbita atacando.

Quando as ondas se levantaram de todas as direções, Jenna arrancou seu olhar longe da carnificina prestes a acontecer. Procurou por Claire ao lado dela, mas ela tinha ido embora.

Agora alguém estava ao lado dela no penhasco.

Um Antigo.

Havia três outros com ele, todas da mesma altura imensa, cabeças calvas e torsos nus cobertos de dermaglifos sobrenaturais. Suas finas pupilas eram felinas na escuridão, arrebatadamente entusiasmados enquanto observavam a destruição tomando forma diante deles.

Estavam exultantes.

E fizeram essa coisa terrível, estava certa disso.

De repente, a realidade a atingiu. Aqui, neste momento, nessa paisagem horrível, não era Jenna. Era um deles. Um desses antigos saqueadores — aquele que implantou seu material estranho em seu corpo humano e fez dela outra coisa. Uma sombra de si mesma. Um receptáculo transportando sua história, não importa o quanto fosse cancerígeno e feio.

Este momento não era apenas um sonho. Era uma memória. Um evento passado saindo dela, quadro a quadro de forma horrível.

Na cidade abaixo, as pessoas gritavam e choravam. Tentavam fugir, mas o mar estava inchando ainda mais, atingindo alto na terra. Não havia lugar para correrem. Nenhuma esperança para qualquer um deles sobreviver.

Um dos Antigos ao seu lado girou seus olhos de âmbar insensíveis para ela. Os tolos deviam ter se rendido quando tiveram chance.

Não uma voz, mas um pensamento enviado profundamente em seu cérebro.

Outro olhou em sua direção, igualmente impassível. Ela nunca vai se render.

E de um terceiro: E sua legião que fugiu com ela?

Vamos caçá-los. Esta voz era de Jenna, mas ainda não a dela. A projeção psíquica de pensamentos que não estava sequer ciente que era dela. Porque não era.

Pertencia a ele — aquele cuja estranha pele ocupava agora, nesta paisagem de pesadelo.

Não entendia as palavras que estava falando, não mais que podia compreender a razão pela qual essas criaturas fizeram uma coisa tão hedionda com toda uma comunidade de pessoas. Mas os outros quatro com ela sobre a falésia estavam olhando para ela agora pedindo orientação, procurando o conselho do ser sobrenatural diante deles.

Onde quer que desapareçam, pelo tempo que levar, disse a mente dentro de seu crânio, no estranho idioma que não era dela. Nós os caçaremos... até reivindicar a cabeça do último deles.

 

Um único par de passos soou na porta da sala que Lucan assumiu como seu escritório particular. Olhou para cima e soltou um suspiro agravado.

—Entre.

Tegan entrou, ainda vestido com seu casaco de inverno e armas, acabando de chegar de Boston.

—Não quero interromper.

Lucan encolheu os ombros e afastou as análises das informações do laboratório que Gideon lhe deu mais cedo naquela noite. Ainda não leu as malditas coisas, no entanto, apenas passou os olhos pelos papéis, no piloto automático, na última hora, feliz pela desculpa de se fechar longe do resto do complexo para lutar com seus pensamentos. Graves, pensamentos perturbadores que provavelmente não iam melhorar, se o olhar sério de Tegan fosse qualquer indicação.

—Como foi?

—Poderia ter sido pior. — Tegan arqueou uma sobrancelha ruiva. —Chase e a mulher estão ambos lá fora com os outros.

—Nenhuma resistência dele? — Lucan mal podia acreditar.

—Oh, ele resistiu. Ou teria, se Renata não o derrubasse em sua bunda com um tiro de treinamento de obediência instantâneo.

—Merda — Lucan resmungou, passando a mão no queixo tenso. —E a mulher?

Agora os astutos olhos verdes de Tegan brilharam com uma luz irônica.

—Tavia Fairchild é tudo que Rowan nos disse e mais algumas coisas. É Raça, com todos os seus direitos, e além disso Gen Um. Sem dúvida nenhuma sobre isso. Tem os dermaglifos e dentes para provar.

—Não tenho certeza se quero saber como foi capaz de confirmar isso.

Tegan resmungou e balançou a cabeça. Precisava muito para deixar o guerreiro Gen Um num estado de temor, mas não havia nenhuma dúvida da surpresa em sua voz baixa.

—Deveria tê-la visto, cara. No instante que Renata golpeou Chase com sua rajada mental, Tavia veio do nada, cuspindo veneno e pronta para encarar todos os quatro ao mesmo tempo. — Ele exalou uma maldição irônica. —Talvez devesse ter deixado que tentasse, só para ver do que era capaz em sua forma bruta de Gen Um. Com treinamento e um pouco mais de tempo para se acostumar com ela mesma em sua nova pele, acho que poderia ser um inferno de ativo para nós.

—Ela não vai ficar — disse Lucas, já odiando a ideia de outro civil, e além disso uma fêmea, estivesse sob o telhado da Ordem. Mais uma vida inocente colocada em suas mãos. Uma vida diferente de qualquer outra, se os fatos sobre as origens de Tavia Fairchild chegassem perto da verdade. —Concordei em trazê-la porque não podemos permitir que qualquer pessoa conectada à Dragos fique solta e sem controle nas ruas agora. Está aqui para prestar qualquer informação que possamos recolher dela e a acalmar até que esse filho de uma cadela do Dragos seja cinzas de uma vez por todas. Logo que tenhamos o que precisamos, ela volta para Rowan ou uma casa segura em algum lugar. De qualquer maneira, sairá daqui o mais rápido possível.

—Vai dizer isso a Chase?

O olhar escuro de Lucan foi recebido com um olhar frio.

—Ah, Cristo... Harvard e ela...

Tegan inclinou a cabeça em confirmação.

—Parece que sim. Se o movimento que fez em sua defesa na casa de Rowan não fosse suficiente para me convencer, a viagem ao norte confirmaria isso.

—Está falando de sexo ou de sexo e um laço de sangue entre eles?

—Isso não sei — admitiu Tegan. —Harvard parece merda, mas está se mantendo inteiro na maior parte. O testei no caminho, e tenho que dizer, fiquei surpreso por ele passar no teste. Não por muito. Não havia como confundir a vibração feroz vindo dele, mas há uma nova restrição sobre ele que não vi há muito tempo.

Lucan considerou por um momento.

—Acha que ele precisa ficar na solitária?

—Acho que se o colocar num buraco, isso só poderia empurrá-lo direto ao longo da borda. Agora, Tavia parece ser a única coisa que o mantém inteiro, e até mesmo isso é precário.

—Jesus. — Lucan se recostou na cadeira e soltou um longo suspiro. — Quando as coisas não serão ruins o suficiente por aqui? Harvard está lá fora, você diz?

Tegan assentiu.

—Hunter e Niko estão mantendo um olho nele, enquanto desci aqui para falar com você.

—E a mulher?

—Está reunida com o vagão de boas-vindas agora. Parece que voltamos à base em tempo. Todo mundo está prestes a iniciar com Dante e Tess a Cerimônia de apresentação de Xander.

Lucan franziu a testa.

—É hoje à noite?

Mas, porra, claro que era. Gabrielle e as outras Companheiras estavam fazendo os preparativos para o ritual, tentando dar ao filho de Tess e Dante uma introdução boa em seu mundo, apesar do caos que os rodeava. Como líder do seu agregado familiar, Lucan oficializaria esta noite onde Xander Raphael seria apresentado oficialmente para seus amigos e parentes, e seus padrinhos se comprometeriam publicamente em sua criação, caso alguma tragédia acontecesse com Dante e Tess, antes que atingisse a idade adulta.

O ritual era mergulhado na tradição e honra entre as populações civis dos Darkhaven — mais pompa que necessidade prática. Mas tinha maior peso e significado aqui, sob o teto da Ordem, onde o combate e a guerra poderiam reivindicar qualquer um de seus membros em qualquer noite.

Lucan se levantou, sem saber que estava rangendo os dentes até que ouviu o forte estalo de suas mandíbulas. Suas mãos eram punhos em seus lados, as juntas brancas como osso.

O olhar de Tegan se estreitou nele.

—O que está acontecendo com você?

—Nada.

Quando Lucas começou a caminhar em direção à porta, Tegan entrou na frente dele.

—Nada, minha bunda. Não preciso te tocar para verificar que tem algo te apavorando. Não acho que tenha algo a ver com Chase ou esta nova ruga que Tavia Fairchild causou. Não acho mesmo que tenha muito a ver com Dragos. — O guerreiro olhou mais atento para Lucan agora, como se pudesse ver através dele. —O que está acontecendo com você e Gabrielle?

Lucan sentiu o queixo apertar em defesa, uma faísca fria em suas veias.

—Ela disse alguma coisa? Para Elise? Que porra ouviu, Tegan?

Tegan balançou a cabeça ruiva.

—Não ouvi nada. Mas presto atenção. Ela ultimamente parece ter um buraco em seu coração, e você parece prestes a perder seu melhor amigo.

Merda. Queria negar isso, mas não fazia sentido tentar se esquivar de Tegan agora. Não quando o rosto de Lucan dizia a Tegan o quanto estava realmente certo.

—Estou fodendo as coisas com ela. Desde a primeira vez que essa mulher entrou em minha sabia que merecia alguém que pudesse lhe dar uma vida digna. Uma vida segura, uma vida feliz. Não este levante interminável e essa guerra.

Tegan estreitou o olhar nele.

—Nunca me pareceu que Gabrielle fosse o tipo de entrar em qualquer coisa com os olhos fechados. Quando escolheu você, o fez sabendo exatamente onde estava se metendo. Todos sob o mesmo teto sabemos que não há nada que não faria por ela.

—Exceto lhe dar um filho. — Lucan sentiu as palavras escorregar para fora da boca antes que pudesse contê-las. Assim como o matava admitir, estava feliz por sua culpa finalmente sair. Mantê-la dentro era uma ferida inflamada que só entediava mais fundo em sua alma a cada segundo que a prendia. —Isso é o que ela quer de mim, Tegan: uma criança. E não posso dar a ela. Agora não. Não quando sei que esta guerra com Dragos poderia eventualmente arrancar nosso filho de seus braços. E quando não consigo ver um futuro claro que não esteja inundado de violência e corrupção. Isso não é a maldita hora de trazer outra vida inocente ao mundo.

Tegan estava muito quieto agora. Estudando Lucan. Refletindo sobre algo profundo dentro de si. Por fim, deu de ombros levemente.

—Talvez não seja, Lucan. Mas também talvez nunca houve um melhor momento. Talvez agora todos nós precisamos de um pouco de esperança.

Lucan o olhou estupefato, a percepção caindo sobre ele sutilmente como um trem de carga.

—Você e Elise?

—Sim. — A risada de Tegan estourou com ele, cheia de uma maravilha mistificada que Lucan nunca ouviu falar no guerreiro. Não nos cinco longos séculos que os dois se conheciam.

—Porra, T. Parabéns. — Ele estendeu a mão e bateu com a palma no ombro largo de seu amigo, em seguida, o puxou para um abraço breve e fraterno.

—De quanto tempo está?

O sorriso de Tegan apenas aprofundou.

—Não muito. Concebeu apenas algumas noites atrás.

Lucan pensou de novo na recente fase da meia-lua, o breve ciclo de fertilidade das Companheiras com vínculo de sangue. Enquanto ele afastava Gabrielle, Tegan e Elise estavam fazendo uma nova vida juntos.

Embora Lucan estivesse repleto de vergonha pelo medo que o impedia de santificar seu próprio vínculo com Gabrielle, não podia negar sua alegria por Tegan e sua amada companheira.

—Uma criança Raça não poderia esperar melhores pais, mais amorosos. De verdade, meu amigo. Estou realmente feliz por você e Elise.

O guerreiro acenou com a cabeça solenemente.

—Saber que nosso filho está a caminho só me dá mais motivos para fazer deste mundo um lugar melhor. Para todos os nossos filhos, Lucan.

Ele queria concordar, dizer que sentia a mesma esperança no futuro que nenhum deles podia prever, mas a língua de Lucan ficou presa no céu de sua boca.

Tegan assentiu. Entendia. Ele, de todos os guerreiros da Ordem — muitos ao longo dos séculos — desde sua formação inicial, sabia do medo que comia Lucan por dentro.

Tegan sabia — por que ele mesmo o sentia — e ainda assim encontrou forças para deixar de lado o medo e dar um enorme salto de fé.

Lucan queria acreditar nisso também.

Mas o medo era uma dor que se recusava a deixá-lo ir.

Tavia não estava de todo preparada para a atmosfera familiar que saudou Chase e ela em sua chegada na sede da Ordem. Com base nas armas e trajes de combate de suas escoltas para fora de Boston, esperava mais do mesmo, uma vez que pisasse dentro da fortaleza de pedra e madeira onde viviam.

Mas parecia uma casa mais que um subterrâneo de estilo militar que imaginou. Podia até mesmo ver um fogo crepitante na lareira da grande sala e na saída da entrada um enorme pinheiro, enfeitado com ornamentos artesanais, festivos laços de fita e guirlandas de pipoca. Não sabia o que a espantou mais: a festiva vibração do Natal do lugar, ou o fato que estava de pé no meio de meia dúzia de vampiros fortemente armados e suas companheiras, mas nunca se sentiu mais à vontade ou bem-vinda.

Renata fez apresentações rápidas dela, enquanto Nikolai e Hunter mantinham estreita vigilância em Chase por todo o vestíbulo. Tavia estava maravilhada com as belas mulheres que estavam acasaladas com alguns dos membros da Ordem: Dylan, com sua juba de cabelos cor de fogo e sardas pêssego, Alex, uma atleta de olhos castanhos e loira com um sorriso rápido e amigável; a pequena Corinne, cujo longo cabelo ébano e feições delicadas a fazia parecer frágil, não fosse pelo aço em seu olhar azul-esverdeado, e Jenna, a fêmea humana que Tavia ouviu falar na viagem ao norte.

A bonita morena entrou na sala há pouco, se inclinando um pouco no braço de seu companheiro, Brock. A Face escura do imponente macho Raça estava cheia de preocupação inconfundível, toda focada nela.

—Como foi esta noite? — Renata perguntou ao par depois que tiveram a oportunidade de conhecer Tavia. —Alguma sorte com Claire e o sonho?

Jenna deu um aceno ansioso.

—Temos algo novo desta vez. Não sei o que isso significa ainda, mas Claire e eu documentamos tudo. Por mais horrível que seja estar no pesadelo e vivê-lo como se fosse minha própria memória, também mal posso esperar para ir de novo e tentar trazer algo mais de volta.

Ao lado dela, Brock emitiu um grunhido calmo e murmurou algo sobre fêmeas cabeças-duras. Jenna colocou os braços ao redor dele e olhou em seus olhos cheios de pavor.

—Ele se preocupa — disse ela a Tavia e as outras, dando-lhe um sorriso secreto.

—Ele ama você — brincou o grande guerreiro de volta, sua voz tão solene como seu olhar.

—Tavia, posso olhar seus dermaglifos? — O pedido abrupto veio de Mira, uma criança de cerca de oito ou nove anos que foi uma das primeiras a cumprimentar Tavia em sua chegada e a olhava com interesse extasiado desde então.

—Ratinha — Renata a advertiu, balançando a cabeça em desespero. —Modos, mocinha.

—Desculpe. — O diabinho de cabelos louros bufou um suspiro arrependido. —Tavia, poderia, por favor, me deixar olhar seus dermaglifos?

—Isso não é exatamente o que quis dizer, Ratinha. — A expressão de Renata estava tão mortificada como qualquer mãe de uma criança precoce, mesmo que sua voz tivesse um tom de diversão. —Não é educado pedir algo assim a alguém. Ou olhar.

—Não — respondeu Tavia. —Está tudo bem, realmente. Não me importo.

Ela puxou a manga de sua blusa e deixou a criança tocar a teia de marcas na pele que acompanhava todo o braço. Não demorou muito para os outros meninos adolescentes, um jovem de cabelo ruivo e magro e outro com a cabeça totalmente raspada, e seu couro cabeludo coberto de dermaglifos e cujo rosto não mostrava emoção alguma — exceto por dar uma olhada também.

—São dermaglifos reais — disse o primeiro menino, seu olhar avelã desconfiado sob seu cabelo cor de bronze caído. —Então, é realmente Raça, então?

Tavia assentiu.

—Aparentemente sou.

Mira revirou os olhos coloridos de violeta.

—Eu avisei, Kellan. Ele não acreditou em mim.

O menino lançou um olhar sombrio.

—Queria ver por mim mesmo, isso é tudo.

—Disse que precisava de provas, por que pensou que eu estava tentando enganá-lo ou algo assim. — Havia uma nota de mágoa em seu tom. —Por que nunca acredita em qualquer coisa que eu diga?

Kellan pareceu desconfortável sob a acusação pública. Quando finalmente falou, sua voz era calma e defensiva.

—É estúpido simplesmente acreditar em qualquer pessoa.

—Até mesmo em seus amigos?

Ele não respondeu, e enquanto seu argumento desbotava num impasse silencioso, o outro rapaz, que ainda estudava os dermaglifos de Tavia, moveu-se mais perto. Empurrou sua própria manga, revelando um padrão semelhante que cobria os músculos magros e tendões do antebraço.

Seu nome era Nathan, e além de sua apresentação como filho de Corinne, o jovem adolescente inescrutável era um mistério. Tavia viu seus longos cílios cobrindo seus olhos acompanhando suas marcas na pele, as catalogando, uma por uma. Era sério e estranhamente solitário, parecendo muito mais velho que sua idade e nada parecido com qualquer outro rapaz que já tinha visto antes.

Quando ele olhou para ela, a cabeça inclinada de lado, seus olhos azul-esverdeados mostravam um desapego frio como uma lâmina.

—É Gen Um. Nasceu no Laboratório de Dragos.

Ela assentiu com a cabeça.

—Assim como eu.

A confissão suave provocou uma afinidade instantânea nela, e Tavia sentiu o desejo absurdo de abraçar a criança que também foi vítima do mal de Dragos.

Queria falar com Nathan um pouco mais, perguntar sobre sua experiência com o monstro que os criou, mas o assombro em seu olhar se aprofundou, em seguida, foi coberto pelos cílios escuros e desapareceu completamente quando olhou para ela novamente.

Naquele mesmo momento, de uma sala no corredor, Tegan e outro guerreiro surgiram e entraram na reunião no hall de entrada. Simplesmente por respirar, o homem de cabelos escuros com Tegan chamava atenção e respeito, e não havia dúvida que era o líder da Ordem, mesmo antes que Tegan o apresentasse como tal.

—Lucan, esta é Tavia Fairchild.

Ela aceitou a mão grande do guerreiro e sentiu-se imersa no escrutínio tempestuoso dos astutos olhos cinza de Lucan quando apertou os dedos firmes e calejados nos dela.

—Mathias Rowan nos forneceu os conceitos básicos, mas tenho certeza que vai entender que faremos perguntas a você, agora que está aqui.

—Claro. Tudo que eu puder fazer, — respondeu ela. —Preciso de algumas respostas para mim mesma.

Deu-lhe um aceno de cabeça triste quando soltou a mão dela. —Até então ficará aqui, sob a proteção da Ordem. Isso significa que deve permanecer nesta propriedade em todos os momentos, e não fará contato com ninguém além destas paredes sem minha autorização expressa.

—Certo. — Parecia muito com uma prisão, mas era difícil recusar a oferta, quando tinha tão poucas outras opções. Além disso, viveu a primeira parte de sua vida numa forma de prisão, agora, pelo menos, sabia a verdade. E tinha Chase também. Sentia-o perto dela agora, sua presença atrás de si um conforto quente, apesar da tensão que irradiava como uma fornalha.

Lucan enviou um olhar medido por cima do ombro para ele.

—Infelizmente, estamos apertados de quartos e resta apenas o último quarto não reclamado...

—Não preciso dele. — A resposta de Chase era sombria e defensiva, apesar do dar de ombros negligente que a acompanhou. —Tenho certeza que há uma cela bloqueada com meu nome em algum lugar aqui.

—Isso vai depender de você, Harvard.

—E pode discutir tudo isso mais tarde. — A suave voz feminina veio detrás do grupo na entrada, virando as cabeças por seu caminho. Tavia olhou para a beleza ruiva cujos olhos castanhos emotivos estavam fixos apenas em Lucan. Ela era sua companheira; energia palpável conectava o par sem dúvida. —Deve ser Tavia — ela disse, dando um passo à frente para cumprimentá-la com um sorriso acolhedor. —Sou Gabrielle.

—Olá.

Gabrielle se moveu para Lucan e enlaçou seus dedos com os dele.

—Tess e Dante estão aguardando no santuário com os outros. Vem?

Lucan inclinou a cabeça, roçando as costas de sua mão suavemente ao longo da sua bochecha. Um simples gesto, e ainda assim havia tanta devoção em seus olhos que roubou a respiração de Tavia.

—Tudo que quiser, amor. Realmente. Como acabou de dizer, podemos deixar o resto para mais tarde.

Ela olhou acima em seu olhar por um longo momento, uma pergunta não feita pairando entre eles. Em seguida, deixou que um sorriso agradável enchesse seu rosto, quente e alegre, e para ele apenas.

Quando se abraçaram calmamente, Mira veio e pegou a mão de Tavia na dela.

—Vamos. Tem que ver o bebê.

—Bebê? — Tavia olhou para o resto das mulheres pedindo explicação.

—O filho recém-nascido de Tess e Dante, Xander Raphael — Renata respondeu. —Não tem ainda uma semana, e esta noite está sendo apresentado oficialmente aos seus padrinhos. É uma tradição dentro da Raça.

—É bem-vinda a participar — disse Gabrielle. —Mas tenho certeza que deve estar exausta demais, por isso, se quiser ir descansar...

—Não. — Surpreendentemente, estava tudo menos cansada, mesmo depois de tudo que passou ultimamente. Seu corpo parecia mais forte, mais vital que nunca, sem dúvida graças aos seus genes sobrenaturais e à falta de medicamentos que mantinha uma parte dela reprimida. Tinha que admitir, estava mais que um pouco curiosa sobre este novo lado dela, incluindo os rituais que faziam parte do novo mundo estranho que subitamente foi imersa. —Se não acha que alguém vai se importar por eu estar lá, gostaria muito de participar.

—Vamos, então, vamos lá! — Mira deu um puxão ansioso em sua mão, já se colocando à frente do grupo quando começaram a sair do hall de entrada.

No entanto, apesar do próprio interesse de Tavia nessas pessoas e generoso acolhimento que estendiam, não pôde deixar de notar como Chase ficava para trás.

Na verdade, se era possível, parecia mais desconfortável agora do que na viagem ao norte. Sua inquietação arrepiava através de suas veias como pequenas agulhas sob sua própria pele.

Ela parou e virou para olhar para ele, esperando que se juntasse a ela. Não podia deixá-lo ali sozinho quando todo mundo estava se movendo para a outra sala, mesmo que parecesse ser exatamente o que queria que ela fizesse. Quando ele finalmente deu o primeiro passo em direção a ela, foi numa marcha lenta como de um homem caminhando em direção à forca.

 

Era o último lugar que queria estar.

A última merda que queria fazer era ficar próximo como o intruso que era e ver como Dante e Tess apresentavam seu filho a Gideon, seu padrinho nomeado. Não que Chase contestasse a escolha. Era a coisa certa a fazer por seu filho, a melhor coisa. Se algo acontecesse aos pais de Xander antes que atingisse a idade adulta, o jovem Raça não precisaria se preocupar. Gideon e Savannah forneceriam todo o amor e cuidados que precisasse.

Dante esteve louco ao supor que Chase poderia preencher esse papel. Felizmente para ele e Tess, Chase mostrou a eles que a escolha era pobre, antes mesmo que seu filho tomasse sua primeira respiração. E agora ficaria e tentaria não se sentir afetado — não sentir nada, exceto alívio — pela honra concedida a Gideon.

O pior era Tavia estar lá para testemunhar também.

Ela não conhecia a tradição ou política do ritual, ou a quantidade de cagadas e decepções que levou Chase a perder o privilégio de ser o tutor designado da criança. Mas quando todos entraram no santuário preparado para tomar seus lugares nos bancos de madeira, sabia que ela podia sentir sua vergonha, e isso era suficiente.

Ou assim pensava, até ver o olhar de Tavia fixo em Elise do outro lado da sala à luz de velas.

Ela conteve a surpresa, mas a sentiu ficar imóvel ao lado dele enquanto olhava para a mulher que foi parte de sua família. Parte de sua vida e da sua mais profunda vergonha.

Elise estava na frente da sala do pequeno santuário com Gideon e Savannah, Dante, Tess e o bebê. Esteve ajudando com as sedas a serem usadas na cerimônia, mas quando seu olhar lavanda pálido encontrou Chase e Tavia, ela sussurrou algo para os casais à espera e começou a se aproximar.

Tegan a interceptou no meio do caminho, envolvendo um braço protetor em torno dela, quando a acompanhou em direção a eles. Sua expressão era vigiada e vigilante, um macho preparado para derramar sangue de outra pessoa no meio do espaço sagrado se isso significasse manter sua companheira segura de danos.

Era de admirar que se sentisse assim com relação à Chase. Chase ainda podia sentir a mão aberta de Elise espalmada em seu rosto da última vez que a viu. Um golpe mais que merecido pelo que disse a ela nos dias que antecederam sua separação da Ordem.

Mas isso era algo diferente.

Ele observou o casal vir em sua direção — Elise beatífica e radiante, Tegan carrancudo e possessivo, e de repente soube.

Estava recém-grávida.

Deve tê-lo atingido mais duro do que fez. Talvez o fizesse, não fosse por Tavia estar de pé ao lado dele, calma, sem julgamento ao olhá-lo em silêncio compreensivo quando o casal se aproximou. Estava firme e serena, tranquila, quando ele estava tão acostumado a montar suas tempestades sozinho.

—Sterling — Elise sussurrou enquanto parava na frente dele. Ela começou a se aproximar, depois pareceu pensar melhor, apertando as mãos na frente dela. —Estou tão aliviada que está bem. A maneira que nos deixou em Boston no outro dia de manhã... todos tememos o pior.

—Sinto muito pela preocupação — ele murmurou. —Não foi minha intenção.

—Não — ela disse. —Quis nos salvar naquele dia. E fez. O que fez para todos nós naquele momento foi...

—Honorável — Tegan terminou por ela. —Fodidamente suicida também, mas isso não vem ao caso.

Chase deu um vago elevar de ombro, descartando sua gratidão. Um gesto nobre não podia trazer de volta tudo que jogou fora, não importa o quanto de repente queria pensar que podia. Levaria tempo para se provar totalmente aos seus irmãos novamente. Tempo que não tinha certeza se teria quando a fome o roia de dentro do poço de sua alma.

Suas mãos estavam inquietas em seus lados, suas veias começando a tilintar num impulso súbito de fugir do local, rápido e profundamente dentro da noite. Enquanto sentia o impulso sombrio crescendo dentro dele, sentiu Tavia roçar os dedos levemente contra os dele. Ela sabia o que ele estava sentindo, e sua mão oferecia a âncora que precisava. Seus dedos entrelaçaram, e ele limpou a garganta e fez as apresentações.

—Tavia Fairchild, este é a companheira de Tegan, Elise.

—Também sou ex-Sterling, cunhada. — disse ela, sorrindo com bondade genuína.

—Sim, eu sei — respondeu Tavia. —É bom conhecer você.

—Da mesma forma. — O olhar de Elise caiu em suas mãos unidas e uma luz terna entrou em seus olhos. —Talvez após a cerimônia, eu possa mostrar toda a casa e terras?

Tavia sorriu.

—Claro, gostaria muito.

—Tenho que voltar e me sentar agora. Estávamos prestes a começar.

Quando ela e Tegan começaram a se virar, Chase estendeu a mão para segurar levemente o braço de Elise.

—Espere.

O rosnado de resposta de Tegan foi baixo e sombrio, bem dentro de seus direitos. Seus olhos brilharam com faíscas âmbar. Chase a soltou e deu uma desculpa apressada.

—Só queria dar os parabéns. Para os dois. Pelo bebê. Fico feliz por vocês dois.

Elise olhou para Tegan, em seguida, virou alegre para Chase.

—Obrigada. Isso significa muito para mim, Sterling. Significa muito para nós dois.

Tegan grunhiu e pegou a mão oferecida de Chase num aperto firme. O guerreiro loiro hesitou, sem dúvida lendo a verdade emocional das palavras de Chase com o poder de seu toque. Chase não recuou sob a sonda extrassensorial, realmente não tinha nada a esconder. Tegan balançou a cabeça, em seguida, puxou a mão e bateu no ombro de Chase.

—É bom ter você de volta, Harvard.

O casal saiu para tomar seus lugares na frente do pequeno santuário.

Chase se voltou para Tavia.

—Ela e Tegan estão juntos a pouco mais de um ano. Deveria ter dito que ela era parte da Ordem agora.

—Está tudo bem. Fiquei surpresa ao vê-la, mas tudo bem. — Ela sustentou seu olhar, não com inveja ou raiva, mas com genuíno cuidado e preocupação. — E você? Está bem com Elise aqui, e acasalada a um de seus amigos?

—Sim, estou. — Ele balançou a cabeça, esfregando a ponta do polegar sobre o dorso da mão Tavia, seus dedos ainda entrelaçados. —Ela está bem acasalada. Ambos estão.

Por um momento insano, se imaginou acasalado e tão feliz como Tegan e Elise. Não era algo que já quis para si mesmo, mas agora, com a mão de Tavia envolvida na sua, sua mente foi inundada com pensamentos que seu futuro poderia existir se ela fosse sua companheira vinculada pelo sangue. Sonho impossível.

Sua esperança de qualquer tipo de futuro com Tavia seria vencida na primeira vez que deixasse sua sede dominá-lo.

Disse a si mesmo que não se importava com a cerimônia, e ele e Tavia encontraram seus lugares na última fila de bancos.

Com Gabrielle segurando o bebê na frente da sala agora, Elise e as outras Companheiras acenderam oito velas brancas dispostas num grande círculo em torno de Dante, Tess, Gideon e Savannah — um anel infinito para conectá-los neste momento. Não havia túnicas brancas com capuz para os quatro, sem dúvida não houve tempo para reunir grande parte do que precisavam entre a evacuação do complexo de Boston e hoje para cerimônia noturna. Mas tinham as oito longas tiras de seda branca virgem, e enquanto as velas eram acesas ao redor deles, Dante, Tess, Gideon e Savannah trançaram as peças juntas numa base de tecido que se mantinha suspensa entre eles, uma ligação simbólica entre pais e tutores.

Lucan ficou à frente e no centro, sóbrio em seu dever como oficiante da cerimônia.

—Quem traz esta criança diante de nós esta noite?

—Nós fazemos — Dante e Tess responderam em uníssono. —Ele é nosso filho, Xander Raphael.

Ao aceno de Lucan, Gabrielle levou o bebê nu até seus pais e o colocou nos braços de sua mãe. Com Dante segurando uma extremidade do tecido e Gideon e Savannah segurando outra, Tess levantou Xander para a assembleia reunida.

Ao lado de Chase no banco, podia sentir Tavia prendendo a respiração, observando em silêncio impressionado como a cerimônia se desenrolava.

—Este bebê é nosso — Tess e Dante recitaram juntos. —Com nosso amor o trouxemos a este mundo. Com nosso sangue e vida para sustentá-lo e mantê-lo seguro de todo mal. Ele é nossa alegria e promessa, a perfeita expressão da nossa ligação eterna, e temos a honra de apresentá-lo a vocês, nossos parentes.

—Você nos honra — veio à resposta singular de todos reunidos na sala.

Mesmo Chase se encontrou murmurando a resposta tradicional, antecipando o ritual ainda por vir. Testemunhou inúmeros ritos nos Darkhavens, para nascimentos, mortes e casamentos, mas a cerimônia entre seus irmãos guerreiros era uma coisa rara. E este — um bebe apresentado diante do complexo — era único. O que tornava ainda mais poderoso quando Tess voltou seu filho para os braços de Lucan e tomou seu lugar, mais uma vez ao lado de Dante. A voz profunda de Lucan cresceu pesada e sem pressa quando girou para Gideon e Savannah.

—Quem se compromete a proteger esta criança com sangue, ossos e o último suspiro em sua obrigação sobre ele?

—Nós fazemos — o par respondeu junto, as palavras um gosto amargo na boca de Chase quando as empurrou de volta em sua garganta silenciosa. Viu o olhar de Dante o procurando através da sala, e se forçou a oferecer um aceno de aceitação, de aprovação sincera, pela decisão de seu amigo, que a fez nos melhores interesses de seu filho.

A solidez dessa decisão atingiu Chase ainda mais incisivamente nesse instante, quando Lucan colocou Xander no centro do suporte de tecido e Gideon prosseguiu com a etapa final do ritual. Levando o pulso à boca, Gideon afundou suas presas em sua carne, então se virou e fez o mesmo com o pulso de Savannah.

Chase sabia o que estava chegando, mas tão logo o cheiro de sangue fresco permeou o ambiente, seu corpo apertou num violento tremor. Lutou para mantê-lo sobcontrole, mas a fome era feroz. Suas presas socaram fora das gengivas para encher sua boca.

—Chase? — Tavia sussurrou suavemente ao lado dele. —Está bem? — Ela chegou a tocar seu rosto, seu belo rosto contraído de preocupação e banhada pelo brilho de suas íris transformadas.

Na frente da sala, Gideon e Savannah seguravam seus pulsos acima de Xander, gotículas de sangue caindo sobre sua pele nua para significar seu voto de entregar suas vidas pela proteção da dele.

Chase não podia ficar lá. Não sem perder a cabeça e arruinar a cerimônia inteira.

Miserável consigo mesmo, Chase saiu do banco e do santuário tão silenciosamente como conseguiu. Tropeçou no corredor até a grande sala e as portas francesas que conduziam à plataforma exterior. Pulando para fora, correu para a escuridão profunda das árvores circundantes.

No momento que tomou seu primeiro suspiro de ar fresco à noite, estava doente, com fome, os pulmões arfando, o estômago parecendo desfiado em pedaços dentro dele. Largou-se nas mãos e joelhos na neve, se arrastando numa respiração ofegante após a outra.

—Chase?

Ah, Cristo. Tavia. Ela o seguiu. O matava deixá-la vê-lo assim, fraco e exigente como o viciado que era. Nunca se perdoaria se fizesse algo para machucá-la.

—Fique longe de mim, Tavia. Apenas volte para dentro.

—O que está acontecendo com você? Fale comigo, Chase.

—Saia, Tavia. Agora. — Ele se encolheu quando ela se abaixou para tocar suas costas. —Pelo amor de Deus, fique longe de mim!

Ela soltou um curto sopro pelo seu rosnado violento, mas não havia medo em seus olhos, nem piedade ou repulsa. Apenas preocupação.

—Precisa de ajuda. Vou lá dentro buscar alguém...

—Não faça isso. Por favor. Não eles. — As palavras saíram ásperas, cruas e desesperadas. Ele balançou a cabeça, miserável quando olhou para ela, sabendo como devia parecer agora. Tão fraco. Tão pequeno. Patético. Sem sombras para escondê-lo, sem bravatas ou fúria para mascarar a verdade do que se tornou. Ele gemeu, se de angústia por sua sede ou pela profundidade de sua humilhação, não tinha certeza. —Não quero que ninguém me veja assim.

Nem mesmo ela.

Principalmente ela, mas Tavia não estava partindo. Não, se ajoelhou ao lado dele na neve. Acariciou com sua mão suavemente através de suas costas até seus curtos cabelos umedecidos de suor.

—Posso sentir sua fome... e sua dor. Está tremendo com ela, Chase. Meu Deus, está morrendo de fome. Se precisa de sangue, tome-o.

—Não. — Ele sufocou a negação, assim que suas presas rasgaram mais de suas gengivas. Sua garganta estava seca pela sede de sangue, apertando como pregos sobre terra queimada. Seus olhos febris acesos no ponto pulsante na base do pescoço dela. A fome espetava, dura e exigente. —Por favor, Tavia. Volte para dentro. Antes que eu...

—Antes de beber de mim? — Seu olhar era firme sobre ele, sem medo. —Está tudo bem, Chase. Estou aqui para você. Eu deixaria...

—Não. — Ele sussurrou uma maldição forte e balançou a cabeça longe da tentação de sua garganta vulnerável. —Não. Nunca com você.

—Porque não deseja se vincular a mim.

Essa suposição calma estava tão longe da verdade que fez seu olhar âmbar selvagem voltar para ela.

—Porque uma vez tenha um gosto de você, não confio em mim para parar. Você não deve confiar em mim. — Sua voz era pouco mais que um grunhido animal e cru. —Estou doente, Tavia. Essa coisa tem suas garras em mim por um bom tempo. Não tenho certeza de quanto tempo posso lutar contra isso.

Ela olhou para ele, estudando a miséria que estava escrita em seu rosto e na fúria de seus dermaglifos se agitando. Perdeu um pouco da sua cor quando a compreensão chegou, fria e determinada.

—Está falando sobre a Sede de Sangue. É isso esta dor crua o rasgando que sinto em suas veias todo o tempo. É seu vício.

Não havia sentido em negar. Ela era a única pessoa que não podia esconder, a única pessoa cuja rejeição o cortaria no mais profundo.

Ele gemeu, lutando contra outra convulsão selvagem em suas entranhas. Suor estalou sobre sua pele e na testa, frio e úmido no frio ar de inverno. Quando o pior de tudo se apoderou dele, foram as mãos ternas de Tavia que o chamaram de volta de sua dor. Ela sentou no chão congelado ao lado dele e acariciou seu rosto com cuidado gentil, corajoso, apesar de sua condição selvagem.

—Quando isso começou, Chase? Quanto tempo está combatendo-a?

Seu toque dava força, e trouxe as palavras de sua garganta queimada como um veneno atraído pelo bálsamo numa ferida.

—Seis anos — admitiu com voz rouca. Tudo surgiu de uma vez agora, acre e cru. —Estive escondendo isso de todos desde a noite da morte de meu irmão.

Ela correu os dedos suaves ao longo da linha de sua mandíbula tensa.

—O que aconteceu naquela noite? Sei que escondeu algo quando me contou pela primeira vez sobre a morte de Quentin. Disse que não se lembra, mas você... você lembra de tudo, não é?

Ele balançou a cabeça, doente pela verdade de suas ações, mas incapaz de negar a ela. Lembrou-se de cada segundo daquelas horas encharcadas de sangue ao redor de Quent morto. Cada um dos Renegados que abateu em sua sede para vingar seu parente caído.

E lembrou-se da vergonha de suas ações depois também, quando sua culpa o levou ainda mais baixo.

—Eu fui o único que trouxe o Renegado que matou meu irmão. O filho da puta tinha drenado dois humanos na frente de um bar Gótico em Cambridge. Eu deveria os ter incinerado no local, mas era contra a política da Agência. — Ele zombou, ainda sentindo a mordida de fúria como ácido em sua língua. —Então eu o transportei, e Quent os colocou no gelo para interrogatório e processamento. Ele ficou só na sala com o filho da puta enlouquecido por sangue por alguns minutos. Até Quent ter tempo para alcançar o alarme, já estava sangrando pela ferida aberta em sua garganta.

—Oh, Chase. — A voz de Tavia era um sussurro na brisa da noite fria, cheia do mesmo choque e angústia que sentia correndo por ele agora enquanto revivia os momentos terríveis.

—Eu fiz uma revista sobre as armas do Renegado quando o trouxe, mas de alguma forma ele conseguiu uma lâmina improvisada para mim. Não para meu irmão. — Ele soltou uma maldição. —Eu poderia muito bem o ter apunhalou por minha própria mão.

—Não — disse Tavia, balançando a cabeça enquanto o acariciava. —Deus, não. Não pode culpar a si mesmo.

—Sério? — Sua voz era abafada, tão fria quanto à noite ao redor dele. —Sabe quantas vezes me perguntei o que seria viver sem o peso da sombra de Quent pairando sobre mim? Houve fodidos momentos que desejei isso para ele, Tavia.

Ela olhou para ele, sem dúvida chocada agora. Seus dedos se afastaram dele, seu ar exalou turvo no frio antes de ser varrido para o escuro.

—Não o matou, Chase. Todo mundo comete erros.

—Não um dos filhos de August Chase — respondeu ele, amargo pela autoaversão.

Ele se lembrou dos sussurros que seguiram o rescaldo da morte de Quentin. O horror de Elise foi o pior a suportar. Suas perguntas e confusão quando chegou à sede da Agência para ver seu companheiro morto ainda tocava sua cabeça: Como isso pôde ter acontecido, Sterling? Quem trouxe o Renegado? Quem foi responsável por revistá-lo procurando armas? Sterling, por favor, me diga que Quentin realmente não se foi!

—Eu queria acertar isso de alguma forma, mas não havia nada que pudesse fazer. Nem mesmo matar o Renegado que matou meu irmão fez minha culpa diminuir. — Ele xingou e cobriu com uma mão os ossos doloridos de seu rosto. Sua fome ainda andava com ele, mas quando puxou o frio invernal para os pulmões, um pouco da queimação começou a declinar. —Voltei para o clube Gótico onde peguei o Renegado antes naquela noite. Havia outro espreitando lá fora, esperando sua presa. Larguei um pouco da minha raiva sobre ele, então o obriguei a me dizer onde era seu ninho. Um grupo de Renegados ocupava um armazém no final do Rio Charles. Matei todos, brutalmente, praticamente me banhei em seu sangue. E não parei por aí. Não podia. A violência me tomou então. Quando o amanhecer começou a surgir, matei meu primeiro humano e estava à beira de uma sede que mal podia conter. Venho lutando desde então.

—Sede de Sangue — ela murmurou baixinho.

Ele balançou a cabeça.

—Perto o suficiente para prová-la. Há um ponto de inflexão nessa doença que não alcancei ainda. Se eu cruzar a linha e virar Renegado, estou perdido.

—Assim como o filho de Quentin e Elise? — Perguntou ela, franzindo a testa agora. —Me disse o que aconteceu com ele, antes de você...

—Antes de eu atirar nele — disse ele, a admissão amarga até hoje. —Sim. Mas com Camden foi diferente. Ele começou a usar uma nova droga num clube que frequentava, no ano passado, em Boston. Era chamada Carmesim. A merda era potente, um foguete projetado especialmente para a Raça. Um aroma ou sabor do pó vermelho e era tudo que podia fazer para não foder, lutar ou morder tudo ao seu alcance.

—Meu Deus — Tavia engasgou. —Parece terrível.

Chase grunhiu.

—Não, se é um jovem macho entediado e descerebrado dos Darkhavens. Eles comeram como doces, e alguns deles aprenderam que era a via mais rápida para a Sede de Sangue. Cam era um deles.

—Sinto muito.

Ele encolheu os ombros.

—Eu também. A Ordem destruiu o laboratório do traficante de Carmesim e destruiu todo o produto. Bem... quase tudo. Mantive um frasco para mim mesmo. Uma última dose, o suficiente para ser letal.

—O recipiente prata que encontrei em sua mesa em Boston — Tavia murmurou. —Por que quer manter algo assim?

Ele não teve que responder. Ela lia sua lógica claro o suficiente. A dose de carmesim era seu plano de fuga, sua bala de prata, se finalmente a Sede de Sangue o tomasse por inteiro. Que mais e mais não parecia tanto uma questão de se, mas quando.

Ele soltou uma maldição crua.

Fugir. Isso é o que deveria fazer — o que fazia cada outra vez que ficava muito real para ele, pesado demais para lidar. E havia uma parte dele agora que queria nada mais que desaparecer na noite e nunca olhar para trás. Bastava correr... até que encontrasse a luz do dia e todos os seus problemas, toda as suas condenáveis falhas, passadas, presentes e futuras fossem comidas pelo sol.

Isso seria a coisa mais fácil a fazer. Difícil era ficar sentado lá suando através dos estremecimentos que arrancavam do seu corpo de dentro para fora. Difícil era estender suas fraquezas e pecados mais feios e nus enquanto encarava o olhar suave de Tavia e esperava o momento que sua preocupação se transformasse em desprezo justificável. Ou pior, pena.

Mas os olhos de Tavia não o soltaram. Estavam claros, calmos e verdes como a primavera e o prendiam na escuridão, como uma carícia. Quando olhou para ela agora, percebendo que o brilho feroz de seu próprio olhar diminuiu. As íris já não a iluminavam no fogo âmbar. Até mesmo o pulsar faminto de suas presas diminuiu uma vez que ficou lá fora sozinho com ela.

—Não perdeu a luta ainda, Chase — disse a ele. —Não há nada que possa fazer para se sentir melhor? Talvez eu possa ajudá-lo ao longo do tempo. Gostaria de tentar, se me deixar.

Ele olhou para ela, tocado pela genuína compaixão — e profundidade do sentimento que mal podia imaginar — brilhando em seu belo rosto. Não pode resistir a traçar sua bochecha.

—Como pode ser tão carinhosa depois de tudo que acabou de ouvir? Quando não fiz nada, exceto fazer de sua vida um inferno desde o momento que a vi pela primeira vez?

—Não fez da minha vida um inferno. Dragos fez isso. — Suas mãos estavam quentes e suaves contra seu rosto enquanto o puxava perto e pressionava um beijo breve em seus lábios. —Você me deu a verdade, Chase. Desde o início. Abriu meus olhos. Posso não gostar de tudo que vejo, mas é real e honesto e sinto que estou finalmente viva. Você me deu tudo isso.

Ele xingou baixinho, imaginando como era possível que permitisse que esta mulher ficasse sob sua pele do jeito que fazia. Pior ainda, de alguma forma entrou em seu coração, em seu próprio sangue.

Irônico que a encontrasse agora, quando a última coisa que queria — a última coisa que merecia — era uma mulher tão extraordinária quanto Tavia Fairchild.

Quer a merecesse ou não, Chase não pode deixar de envolver a palma da mão em torno de sua nuca e puxá-la para perto de seu beijo. Ela tinha um gosto tão doce contra sua boca. Era tão boa e quente contra ele, quando se inclinou em seu abraço e seus lábios se separaram para aceitar a varredura de sua língua em sua boca.

Poderia a ter beijado a noite toda. Poderia, se não fosse a súbita algazarra e gritos de crianças correndo para fora de casa para brincar na neve. Chase girou a cabeça para ver Mira, Kellan e Nathan saindo do deck para o quintal de pinheiro do complexo acompanhados de dois cachorros — o majestoso lobo cinza e branco do Alasca de Alexandra e um vira-lata de terrier marrom que pertencia a Dante e Tess.

As crianças passaram direto, mal parando para observar Chase e Tavia envoltos nos braços um do outro. Kellan se abaixou para pegar um punhado de neve e fez uma bola. A arremessou em Mira, errando por poucos centímetros, enquanto ela desviava para a direita e revidava com seu próprio projétil. A bola de neve acertou o adolescente no centro do peito.

—Braço bom — Chase disse a ela, o que valeu um grande sorriso da diabinha loira.

Mais bolas foram trocadas entre Mira e os dois meninos, até que de repente Chase e Tavia se encontraram sob o fogo do trio. Levantaram-se, Tavia rindo quando Chase tentou puxá-la para a segurança atrás do tronco de um pinheiro grosso. Uma das bolas de neve de Nathan colidiu com sua nuca, chovendo pó gelado abaixo de sua nuca e na gola de sua camisa.

—Isso significa guerra — Chase gritou, agarrando um punhado de neve e enviando um tiroteio de bola nas crianças e nos cachorros latindo e pulando em volta deles.

O riso de Tavia era a coisa mais milagrosa que já tinha ouvido. Virou-se para ela, cheio de arrogância vazia.

—Acha isso engraçado, mulher? — Seu sorriso ficou mais amplo, mas seus olhos brilhavam com tanto calor quanto humor. Ele andou em sua direção, sorrindo agora. Mais quente que deveria estar, com as crianças brincando atrás deles na floresta. —Tem certeza que me quer?

O olhar de resposta de Tavia era devastadoramente convidativo.

—Acha que pode lidar com isso?

—Tente. — Ele a puxou para perto e a beijou como se não houvesse amanhã.

 

No fundo da floresta agora, Kellan, rindo, as bochechas ardendo por causa do frio, pegou um punhado de neve com as luvas e virou para jogar em Nathan.

O garoto estava sumido.

Os risos de Mira se perdiam vários metros à sua esquerda, os latidos dos dois cães atrás dela na cobertura densa da floresta. Kellan fez uma pausa, escutando, em silêncio. Buscando no escuro por Nathan, antecipando a súbita explosão do frio fogo inimigo de bolas de neve.

Esta era apenas uma guerra simulada; Kellan sabia disso. Mas havia uma centelha de competitividade dentro dele — uma afiada vontade de provar sua capacidade ao oponente — especialmente contra este recém-chegado estranho que foi criado e treinado pelo vilão responsável pelo assassinato da família de Kellan.

Seus sentidos se contorceram com a fraca agitação do ar. Nathan estava se movendo por entre as árvores agora. Os instintos de Kellan picaram, o enviando numa furtiva e baixa corrida em direção à ruptura sutil de movimento do menino à sua frente.

Encontrou Nathan, espreitando Mira em silêncio enquanto ela brincava com os cães. Nathan fez uma bola de neve na mão. No instante seguinte, a deixou voar em Mira.

Ele a atirou em sua direção como uma bala, atingindo suas costas no centro.

Ela caiu como se tivesse sido baleada, soltando um grito de surpresa quando a força do impacto a derrubou de rosto num desvio.

—Mira! — Kellan gritou, pulando de sua cobertura nos pinheiros.

Viu o olhar de surpresa no rosto de Nathan. Ele não tinha a intenção de machucá-la. Mas isso não fez nenhuma diferença para os instintos de Kellan. Acenderam como uma vela, uma inundação confusa de preocupação e agressão correndo por suas veias num instante. Com um rugido, arremessou seu míssil em Nathan, arremessando a bola de neve no atacante de Mira com deliberada força.

Nathan evitou o ataque e inclinou a cabeça em dúvida. Então se abaixou e respondeu o fogo. Lançou uma bola de neve após a outra, um granizo implacável que fez Kellan recuar com a força de uma centena de punhos.

A raiva de Kellan disparou. Seu senso de impotência acendeu uma fúria violenta dentro dele que explodiu de sua boca num berro rouco. Levantou e se arqueou para Nathan, o que significava dirigir o punho no rosto do pequeno e estoico assassino.

Nathan friamente desviou. Moveu-se tão rápido que Kellan nem sequer viu o movimento defensivo vindo até que ele se viu caindo no chão de costas, todo o ar saindo dos pulmões num chiado gigante.

Nathan o tinha preso, totalmente incapacitado.

Uma mão fria e úmida prendia a garganta de Kellan, um mero segundo longe de esmagar sua laringe. Kellan não conseguia respirar.

—Pare! — Mira chorou. Ela correu até eles, os olhos selvagens. Puxou os braços de Nathan, mas seu aperto permaneceu firme e constante no pescoço de Kellan. —Nathan, por favor pare! Vai matá-lo!

Sua interferência ardeu em Kellan de alguma forma. Constrangimento e humilhação, indignação impotente, correu em sua cabeça enquanto a pressão em sua garganta aliviava.

Nathan o soltou sem desculpas. Levantou, olhando sem remorso como Kellan tossia e engasgava, puxando o ar. O rosto de Mira estava inundado de preocupação, e ela se agachou ao lado dele e colocou uma mão hesitante em seu ombro. Kellan a empurrou, odiando que testemunhasse sua degradação.

Arrastou seu olhar até encontrar a expressão silenciosa, plácida do menino que provavelmente matou uma dúzia de homens, muitos deles adversários muito mais desafiadores do que Kellan jamais poderia esperar ser.

Kellan admirou esse tipo de capacidade letal. Precisava dela, se queria sobreviver neste mundo do mal que Dragos criou. Se queria vingar a morte de seus parentes, como um guerreiro da Ordem ou por conta própria, precisaria desse talento frio — até mesmo o distanciamento emocional — que via refletido nos olhos arregalados de Nathan.

Kellan esfregou o pescoço ferido. Convocou sua voz através da queimação ácida após sua humilhação diante de Mira e olhou para o menino que lidava tão eficazmente com a morte.

—Me ensine tudo que sabe.

Tavia estava num torpor de prazer afogado, seus membros enroscados com Chase no meio da cama king-size, em seu quarto no complexo da Ordem. Ela perdeu o controle todas as vezes que fizeram amor. Começaram após a luta de bolas de neve da noite anterior, então novamente depois de passar a maior parte do dia distante — Tavia foi com Elise e algumas das outras Companheiras dividir as refeições e partilhar uma agradável conversa; Chase ficou preso em reuniões privadas com Lucan, Gideon, Tegan e o resto dos guerreiros.

Agora, outra noite avançava para o amanhecer do outro lado das janelas venezianas e Tavia estava feliz, completamente acabada.

Os olhos fechados, num cochilo preguiçoso, saciada, sentiu que ele se mexia um pouco ao lado dela na cama. Ele beijou suas pálpebras, uma depois da outra, os lábios suaves mesmo enquanto sua excitação cutucava seu quadril em demanda flagrante.

—Mmm — ela gemeu, curvando sua boca quando levantou as pálpebras pesadas. —Bom dia. Acordou cedo.

—Se está perto de mim, com certeza, estou sempre a postos.

Ela olhou para seu olhar azul escuro e sorriu.

—Boa coisa eu ter genética Raça também. Caso contrário, nunca seria capaz de acompanhar você.

—Sim, mas eu tinha certeza que seria divertido tentar. — Ele a beijou, longo e lento, despertando seus sentidos numa corrida aquecida de vigília. —Feliz Natal, beleza.

—Natal? — Ela pensou nos dias anteriores e percebeu que realmente era. —Nunca em um milhão de anos poderia adivinhar que acordaria nua nos braços de um vampiro na manhã de Natal.

Ele sorriu.

—Papai Noel já esteve aqui e tudo mais. Quer ver o que trouxe para você?

Ela riu.

—É um grande presente?

Seus olhos brilharam diabolicamente, iluminados com faíscas âmbar. —Muito grande.

—Com um grande laço vermelho sobre ele?

Ele olhou para baixo e deu de ombros, sua boca se contorceu num sorriso sarcástico que mostrava estritamente as pontas de seus dentes.

—Que tal um capuz alegre em vez disso?

Ela ainda estava rindo quando a beijou novamente. Quando ele deslizou na fenda úmida de seu corpo, seus risos se transformaram em suspiros e depois gemidos de prazer.

Ele aprendeu a tocar cada centímetro seu até agora, e era implacável na sua sedução. Ela se rendeu totalmente, gritando quando a levou a um orgasmo rápido e febril.

—Meu Deus — ela ofegou, seus próprios caninos enchendo a boca, enquanto a levava para mais um lançamento arrasador. —Feliz Natal para mim.

Sua resposta rosnada era puro orgulho masculino.

—Deveria ver o que faço nos aniversários.

Ela riu sonolenta e olhou para ele. A visão dele próximo e íntimo parecia agora tão familiar, tão certa. A sensação de seu corpo nu pressionado contra o dela era tão natural para ela como sua própria respiração, seus próprios batimentos cardíacos.

E o nó quente que apertava com tanta força em seu peito, e ficava ainda menor em sua essência, era uma dor que esperava nunca perder.

No fundo, se perguntava se devia ter medo.

Porque de algum modo, percebeu que se apaixonou por Sterling Chase.

 

O sonho rugiu em Jenna a partir do nada.

Dormindo nos braços de Brock, entrava e saía da consciência, derivando de um sonho frágil para outro.

Depois veio o manto de nevoeiro cinza escuro. A varreu sem aviso prévio, levando-a longe de sua mente consciente, para a do outro ser.

O Antigo.

A parte estranha era a fusão com sua humanidade, fortalecendo a parte dela que era mortal. Criando alguma outra... coisa.

Era essa parte dela que comandava os olhos de sua mente agora, quando o nevoeiro a levou ao fundo da área de suas memórias. Ela o montou na sombria sombra de uma densa floresta primitiva rodeada por pináculos irregulares de rocha de arenito crescentes. À distância, grandes incêndios queimavam, sufocando a paisagem com fumaça e cinzas rolando.

Ela correu nessa direção, uma armadura de metal presa ao seu peito coberto de dermaglifos e coxas, tilintando a cada passo longo de seus pés nus e sujos de sangue.

Segurava na mão uma espada longa, um instrumento bruto do mundo da humanidade, com a lâmina de ferro batido e couro embrulhando o punho. Mas bastaria.

Ele cortou fora, hoje à noite, mais de uma cabeça do inimigo.

Em alguns momentos, se alimentaria novamente.

Terra solta rangia sob seus pés, enquanto ela corria em direção à fumaça de um acampamento em chamas. Alguns de seus irmãos já estavam lá, presos em combate com a legião que caçaram em todos os continentes e há muitos séculos.

O grito sobrenatural de batalha de Jenna balançou os pinheiros espigados e torres de basalto quando ela avançou, através da grossa cortina de fumaça preta e da carnificina sangrenta espalhada pelo chão.

Em resposta, a silhueta maciça de um guerreiro inimigo saiu agachada sobre um dos caídos. Ele girou para encará-la quando ela girou sua espada num arco poderoso, assassino. Os longos cabelos loiros, presos em tranças finas que estavam duras com sangue seco e suor, giraram longe de seu rosto enquanto se virava para enfrentar a ameaça que ela trazia.

Não usava placas de armadura sobre seu peito nu, só braceletes martelados de metal em seus braços musculosos. As calças brancas soltas do sentinela estavam sujas de sangue e sujeira, penduradas em farrapos irregulares acima de seus pés calçados em sandálias.

A lâmina deselegante de Jenna desceu sobre ele, um golpe que bloqueou numa resposta rápida com a dupla torção de punhos de sua lança polida. As armas encontravam uma a outra, a espada gritando um protesto metálico quando o equipamento desviou seu caminho e o fez cair.

Jenna sentiu o movimento da boca, a voz que não era dela falando palavras em uma língua morta há muito tempo que não pertencia ao antigo também.

—Sua rainha não pode se esconder para sempre, Atlante.

—Não — respondeu o guerreiro, os olhos ferozes estreitados com fúria. —Mas ela não precisa de sempre. Só precisa sobreviver a você e seus tipos selvagens. E vai.

Ele levantou o bastão longo e, no brilho das chamas lambendo o céu ao seu redor, a luz do fogo brilhou no símbolo que adornava o punho da lança e brilhou nos braceletes de metal em seus braços: era uma lua crescente, pronta para pegar a lágrima cadente que pairava sobre seu berço.

O mesmo símbolo que cada Companheira carregava como marca de nascença em algum lugar de seu corpo.

Jenna não teve tempo para processar a revelação sobrenatural ou as implicações deslumbrantes sobre o que poderiam significar.

O braço dela se moveu, a espada erguida.

Ela balançou, usando todo o poder sobrenatural a seu comando. Seu inimigo se esquivou. Uma mera fração tarde demais.

A lâmina de ferro cortou carne, osso e tendões, acertando seu ombro. O sangue brotou como uma fonte onde o braço do sentinela pendia inútil ao seu lado, todo cortado. No berço da palma da mão, uma luz brilhante começou a brilhar sob a forma do mesmo símbolo que usava em seu armamento e armadura. Estava ferido e enfraquecido agora, mas precisaria mais de um membro perdido para o fim da existência do guerreiro imortal.

Jenna respirou o perfume do sangue derramado do inimigo e sentiu a adrenalina correndo em alegria selvagem através dela.

Ela gritou com ele, vitoriosa. Conquistadora.

Irrefreável.

Ela puxou de volta a lâmina novamente e a deixou balançar, enterrando-a no fundo do pescoço do inimigo. A luz surgiu quando a cabeça se separou de seu corpo. O reflexo a cegou, um branco puro e leitoso como a lua cheia pendurada no céu noturno.

O feixe queimou brilhante, impossivelmente... e depois foi embora.

Uma chama imortal apagada para sempre pela espada que segurava na mão alienígena.

—Jenna! — A voz profunda a chamava através da fuligem ondulante e do choque das armas não longe de onde estava. Mãos fortes a pegaram, sacudiram forte.

—Jenna, pode me ouvir? Jenna, caramba, acorde!

Ela saiu do sonho ofegante, se segurando em Brock, que agora estava sentado na cama ao lado dela. Seus olhos estavam arregalados e preocupados. Suas grandes mãos percorriam seu rosto, empurrando de lado os fios de cabelos que se agarravam em sua testa úmida.

Ela olhou para ele, tentando dar sentido ao que acabou de testemunhar. No final, tudo que conseguiu foi um tremendo par de palavras.

—Puta merda.

 

Lucan passeava pelos limites de seu quarto, nervoso e inquieto, apesar da satisfação física de seu corpo. Era de manhã cedo fora do temporário complexo abrigado por paredes e janelas fechadas. Natal, pelo amor de Deus.

Não tinha vontade de celebrar. Sentia-se robusto pelas armas e equipamentos de combate, levando esta maldita guerra direto no rosto de Dragos. Queria que terminasse, de preferência com Dragos sangrando sob seu calcanhar, quebrado, implorando por misericórdia, que nunca receberia.

Queria isso com uma ferocidade que mal podia conter.

Tanto mais quando considerava a promessa que fez a Gabrielle nas horas que ficaram juntos, fazendo amor na cama onde ela dormia agora, doce e linda como um sonho.

No próximo ciclo da meia-lua, Lucan lhe daria um filho.

Por mais que lutasse com a ideia, havia uma parte dele que queria tanto quanto ela. Talvez mais. Durante nove longos séculos, caminhou sozinho por sua própria escolha. Tinha seus irmãos guerreiros, mas a família — a Companheira e crianças —não eram nada que ansiasse. Até que uma beleza ruiva com olhos castanhos e o coração sem medo de uma leoa entrou no seu mundo e transformou todas as suas intenções em resíduos num instante.

Nunca imaginou que pudesse amar tão plenamente, tão completamente. Seu temor de um futuro desconhecido era quase tanto como sua devoção pela mulher incrível que o tomou como seu companheiro.

E como Tegan disse, saber que o mundo pelo que estavam lutando ia pertencer aos seus filhos apenas fazia sua determinação queimar mais forte, para vê-lo prosperar em paz.

Lucan caminhou de volta para a cama e se inclinou para pressionar um beijo suave na bochecha dela. O roçar breve de seus lábios a fez agitar, depois sorrir, ainda presa num sono leve.

—Bom dia — ele murmurou baixinho. —Durma, amor. Não queria te acordar. Estou indo para o laboratório de tecnologia por um tempo para rever algumas das informações que vieram de Nova Orleans.

—É feriado — lembrou a ele, sua voz grossa e sonolenta. Muito convidativa, quando se esticou com graça felina e rolou de costas para enfrentá-lo.

—Volta para a cama?

Deus, estava tentado.

—Vou sair apenas por um par de horas. Quero ganhar algum tempo, enquanto o resto da casa dorme. Você descansa, e vou voltar logo.

Seu gemido de resposta foi lânguido e sem fôlego. O fez querer rastejar sob as cobertas e fazer tudo novamente. De preferência, com ela chegando ao clímax contra sua boca.

Ele se afastou da cama e vestiu uma camiseta e uniforme preto limpo. Gabrielle já estava dormindo mais uma vez, sua respiração suavemente ofegante entre os lábios entreabertos. Ele sorriu, contente, simplesmente de olhar para ela.

Cristo, ele foi mau com ela.

E não iria querer isso de nenhuma outra maneira.

Ainda estava sorrindo como um tolo golpeado pelo amor quando saiu para o corredor e fechou silenciosamente a porta do quarto atrás dele. Outra porta se abriu abaixo do corredor e Mira veio se esgueirando na ponta dos pés, sua camisola rosa dançando em torno de seus tornozelos enquanto corria até o salão.

Seu cabelo era um emaranhado selvagem na sua cabeça, os olhos semicerrados e turvos pelo sono. Ela correu na frente, praticamente cega pelo propósito quando caiu bem em cima Dele.

—Oh! — Ela engasgou quando ele a pegou com as duas mãos e a impediu de cair. —Pensei ter ouvido o Papai Noel aqui.

—Não o Papai Noel. — Lucan riu e se abaixou ao seu nível. —Apenas... eu...

Quando tirou o emaranhado de cabelo desgrenhado do rosto dela, os olhos de Mira encontraram os dele. Esperava ver o violeta opaco de suas lentes de contato feitas sobmedida. Lentes que foram especialmente criadas para silenciar o talento da jovem Companheira de prognóstico. Em vez disso, Lucan se encontrou olhando para as piscinas claras como espelhos do olhar poderoso da criança vidente.

Uma visão atingiu seu cérebro como uma bala.

Ensopada de sangue.

Horrível.

—Oh, não! — Mira chorou. Percebeu seu erro ao mesmo tempo em que erguia as mãos para protegê-lo do poder de seus olhos. —Minhas lentes. Esqueci de colocá-las, Lucan, me desculpe!

—Shh — Lucan a acalmou quando explodiu em lágrimas. Ele a puxou, oferecendo um abraço reconfortante enquanto a menina chorava com remorso. —Está tudo bem, Mira. Não fez nada errado.

Ela recuou, cuidadosa agora para manter o braço por cima dos olhos.

—O que viu, Lucan? Foi algo ruim?

—Não — ele mentiu. —Não foi nada. Não se preocupe, está tudo bem.

Mas mesmo enquanto falava, um poço de preto pavor bocejava rachado e aberto dentro dele.

O dom de Mira acabava de mostrar um vislumbre de um futuro mais sombrio que qualquer coisa que imaginou no pior dos seus cenários de incontáveis pesadelos.

 

—Mais um frasco e terminamos, Tavia — disse Gideon do outro lado de seu laboratório de tecnologia improvisado. —Como está ai, Harvard?

Chase grunhiu sua resposta, tudo que era capaz, enquanto observava o outro guerreiro retirar a última meia dúzia de amostras de sangue que recolheu do braço de Tavia. Chase sentia como uma merda sentado na sala durante o procedimento clínico, tentando não deixar que a visão daqueles frascos cheios despertassem seu lado selvagem. Suas presas irromperam de suas gengivas na primeira alfinetada que marcou sua pele, sua fome piorando a um pulsar febril com o aroma exótico do seu sangue.

Por mais difícil que fosse para ele estar lá quando seu corpo estava tenso e a beira da sede, sentar no corredor enquanto Tavia passava através de uma variedade de exames e amostras de tecidos estava fora de questão.

Felizmente, Gideon fez tudo de maneira rápida e eficiente.

—Tudo pronto — anunciou um momento depois.

Chase observou quando o guerreiro loiro tirou os recipientes de sangue e cotonetes com DNA para prepará-los para os testes.

—Está bem? — Ele perguntou à Tavia, os pensamentos de seu próprio bem-estar eclipsados pela preocupação com ela.

—Moleza — disse ela, desenrolando a manga longa sobre seu antebraço coberto de dermaglifos. —Passei os primeiros vinte e sete anos da minha vida dentro e fora de clínicas privadas e testes médicos. Estou acostumada a ser picada.

O sorriso de Chase estava preenchido com outro tipo de fome agora.

—Não quero que se acostume com alguém cutucando você, a menos que esse alguém seja eu.

Era uma coisa possessiva, e mesmo que não tivesse o direito de pensar — e muito menos deixar que as palavras saíssem de sua língua —não podia pedir desculpas por isso. As últimas horas que passou com Tavia — descobrindo sua alma para ela, rindo com ela, fazendo amor com ela, em seguida, fazendo amor um pouco mais —estabeleceu um gancho nele tão profundo, que se perguntava se nunca seria capaz de se soltar.

Não que quisesse.

E isso era o inferno para ele, ali mesmo.

Ansiava por esta mulher, se preocupava dela mais do que fez com alguém ou alguma coisa em toda a sua vida antes dela. Alguma parte desesperada, esperançosa dele se perguntava se o buraco em seu coração algum dia poderia crescer, para preencher o outro mais voraz, que ameaçava consumi-lo.

—Certo, crianças — Gideon anunciou quando voltou para a sala. —Vou fazer o exame de sangue e análise de tecidos mais tarde hoje. Devemos ter os resultados completos em alguns dias, mas baseado no que já vi aqui, juntamente com os dados encontrados nos registros do bom e velho Dr. Subordinado da clínica, acho que é bastante óbvio o que vão revelar. — Ele passou os dedos através das pontas loiras de seu cabelo cortado e exalou uma risada maravilhada. —Nunca sonhei que chegaria um dia em que estaria perto e pessoalmente com uma fêmea Raça, especialmente uma fêmea Gen Um com DNA de Companheira. Você pode se misturar com os humanos se quiser, pode subsistir com sangue ou comida, e pode caminhar à luz do dia sem ser assada depois de alguns minutos. Meu Deus, Tavia. Você é absolutamente notável.

Ela sorriu.

—Ei, vi você operando magia nesses computadores, Gideon. Não é tão ruim também.

Chase grunhiu, inclinando um olhar arqueado ao guerreiro.

—Sim, e parando para pensar nisso, já foi perto e pessoal o suficiente para um dia.

Gideon sorriu na direção de Tavia.

—O que posso dizer? Ele fica com muito ciúme quando eu flerto. É um problema para nós.

Ela riu junto com ele, tão consciente como ninguém até agora que o gênio residente da Ordem só tinha olhos para sua Companheira, Savannah.

Gideon estudou Tavia abertamente maravilhado, com a cabeça inclinada de lado agora, os braços cruzados sobre o Boondock Saints da camiseta cinza.

—Já pensou em descendência?

—Descendência? — Tavia disparou um olhar desconfortável para Chase. —Uh...

—Oh, não que eu esteja sugerindo — ele interrompeu rapidamente. —Só quero dizer, do ponto de vista puramente genético, as possibilidades são... bem, emocionantes. Intrigante, para dizer o mínimo. Não acha isso, Harvard?

Chase não poderia responder, se quisesse. O pensamento de Tavia grávida o feria tanto que o deixou mudo e estúpido. Não podia imaginar nada mais poderoso que a ideia de seu parto. O fato que seus filhos marcariam o início de uma geração inteiramente nova da Raça empalideceu em comparação com o sentimento que inundou Chase quando se imaginou como pai de seus filhos.

Ou, Cristo... Suas filhas.

Os olhos de Tavia estavam firmemente nos dele, e se perguntou se sua ligação com ele trairia a profundidade de sua reação. Não conseguia esconder o que sentia, e menos com ela.

E mesmo sem o laço de sangue para dizer como ela o afetava poderosamente, seu inabalável olhar cheio de calor o teria entregado.

Gideon limpou a garganta no silêncio ponderado da sala.

—Diz que não havia registros clínicos documentando outros casos como o seu, Tavia?

Ela assentiu com a cabeça.

—O Dr. Lewis tratava outros como eu, mas de acordo com os arquivos que encontramos, os pacientes morreram ao longo dos anos. Se havia arquivos de outros ainda vivos, não os vi quando procuramos na clínica.

—Mas pode haver outras pessoas como você lá fora — disse Gideon. —Conhecendo Dragos, definitivamente aposto que há outros. Mulheres incorporadas em vidas humanas normais como você estava. As mulheres que em breve ficarão sem seus remédios e começarão a se transformar para sua verdadeira natureza Raça, da mesma forma que você fez.

—Oh, meu Deus — respondeu ela. —Se isso for verdade... se algo assim acontecer...

Gideon assentiu.

—Será um desastre.

—E supondo que há outras — Chase colocou —não há como dizer como Dragos as está usando. No caso de Tavia, era sua memória fotográfica. Dragos a usava para coletar informações de vários governos humano através de seu trabalho para o senador.

Tavia inclinou a cabeça em concordância.

—Quando ia para os tratamentos na clínica, também usavam esse tempo para colher detalhes sobre os lugares que estive com o senador, a sensibilidade da segurança e coisas que estava a par como sua assistente. Não era suficiente me explorar como uma espécie de experimento científico secreto, ocuparam-se em estuprar minha mente também.

Chase ouviu a raiva na voz antes calma. Estendeu a mão e colocou seus dedos nos dela.

—Desejo como os diabos ter a chance de devolver um pouco disso àquele bastardo doente. Quanto mais doloroso, melhor.

—Você, eu, e o resto da Ordem — disse Gideon. Ele olhou para Tavia mais uma vez. —Suponho que não tem nenhum conhecimento, nem mesmo um pouquinho de informação sobre a operação de Dragos?

—Não. Nem sabia que ele existia até Chase tentar me avisar sobre ele. — Ela balançou a cabeça, a testa franzida. —Se pudesse ficar em qualquer lugar perto de Dragos, gostaria de usar minhas novas habilidades contra ele. Especialmente as mais letais.

Embora Chase entendesse sua necessidade, se irritou pela noção dela sequer considerar se aproximar de um mal como Dragos.

—Não vai acontecer enquanto eu tiver alguma coisa a dizer sobre isso. Dragos é mortal, Tavia. Nunca subestime o que está disposto a fazer.

—Harvard está certo — disse Gideon. —Tanto quanto concordo com ele, porém, tenho que admitir que ter um espião em sua operação seria condenadamente útil agora. — Ele apontou para um monitor de computador com um programa rodando em algum tipo de roteiro na tela dividida. —Os dados que Hunter e Corinne trouxeram de volta de Nova Orleans estão protegidos por senha e criptografados. Criei uma rotina para quebrá-los, mas a maldita coisa vem saindo em sequência de caracteres por um par de dias e não estamos nem no meio do caminho.

Chase olhou para o visor. Dos espaços reservados para 13 dígitos na tela, apenas seis deles estavam em seus lugares: 5, 0, 5, 1, 1, N.

A boca de Tavia se curvou num sorriso malicioso quando se virou para olhar para Gideon.

—Posso tentar?

Ele estendeu a mão em convite e a deixou tomar o assento na frente de um de seus computadores. Ele digitou alguma coisa no teclado, e a máquina apitou, surgindo um "Acesso Negado" na tela quando solicitada uma senha.

—Divirta-se.

Tavia entrou com os seis dígitos do programa de encriptação, e Chase e Gideon tomaram posição atrás dela para assistir seu trabalho.

Ela digitou outros sete números para completar a sequência: 1, 5, 2, 5, 1, 2, E.

E logo estava dentro.

—É a mesma senha que abriu os registros da clínica do Dr. Lewis — disse ela, parecendo bastante satisfeita consigo mesma.

Gideon deu uma tapa em Chase na parte de trás do seu ombro e soltou um grito.

—Bem, foda-se nós dois, Harvard. Ela é sangrentamente brilhante. — Ele girou longe de repente e pegou um bloco e uma caneta de sua mesa de trabalho. Entregou para Tavia. —Anote a coisa toda para mim novamente.

Ela o fez, e quando o devolveu, ele sussurrou uma maldição lenta.

—Droga. Poderia ter adivinhado que seria algo assim. — Ele puxou um navegador e a sequência digitada num mapa de busca. —São coordenadas de GPS.

Chase viu o monitor mostrar de perto uma área que reconheceu imediatamente.

—É uma região montanhosa na República Checa. Não é a área onde encontramos a caverna que o Antigo hibernou antes que Dragos o acordasse e o prendesse em seu laboratório?

—Ela mesma — Gideon confirmou. —E Dragos vem utilizando suas coordenadas como a senha para sua operação inteira. — Ele soltou uma incrédula risada. —Essa é a versão vilã megalomaníaca de usar o nome de seu animal de estimação, por Jesus. Talvez haja esperança de vencer este idiota ainda.

Gideon começou a digitar em três teclados, deslizando de monitor para monitor, abrindo arquivos de dados e laboratório e informações em vários computadores como um maestro conduzindo uma obra. Chase e Tavia ficaram imóveis, esquecidos no meio de sua excitação animada.

—Estou impressionado — Chase disse a ela, orgulhoso e um pouco mais ligado.

Ela deu um sorriso que foi direto para seu pau.

—Todos temos nossos talentos.

Estava prestes a perguntar se ela queria ver um de seus favoritos, quando o barulho de botas se aproximando soou no corredor lá fora. Lucan estava vestido com uniforme de combate e pesadas armas, o resto dos guerreiros vestidos de igual modo, direto atrás dele. Todos tinham expressões sombrias, olhares de aço que Chase reconhecia bem.

A Ordem estava se preparando para entrar em batalha.

—Estou dentro — disse Gideon, girando em sua cadeira para alcançá-los. —Tavia acabou de quebrar a segurança nas informações de laboratório. Estou com as duas mãos agora.

Os olhos cinzentos de Lucan foram para ela em aprovação.

—Bom trabalho.

Ela deu um aceno de cabeça fraco.

—O que eu puder fazer para ajudar.

—Obrigado — disse ele, em seguida, olhou para Chase e ofereceu um aceno de saudação neutro. —Acabei de falar com Mathias Rowan para que soubesse de nossos planos — disse a Gideon. —Vamos sair hoje à noite ao pôr do sol para varrer cada ponto de encontro da Agência de Execução, em Boston.

—Você quer dizer invadi-los? — Chase perguntou.

—Invadi-los. Arrasar com eles. Derrubar os filhos da puta no chão, se isso for preciso — respondeu Lucan, com sua voz grave vibrando com intenção violenta.

Chase xingou baixinho.

—Não pode estar falando sério. A trégua entre a Agência e nós é hesitante, na melhor das hipóteses. Sempre foi. Se invadir seu território com armas em punho, estará lutando não só com Dragos, mas com a nação vampiro inteira.

—Não começamos essa guerra — rosnou Lucan. —Mas estamos condenados se não vamos terminá-la. Mesmo se eu tiver que cortar através de todas as fileiras da Agência de Execução para finalmente colocar minhas mãos em torno da garganta de Dragos. No que me diz respeito, ele e a agência são duas cabeças da mesma cobra. Vou com prazer cortar qualquer uma. Deixo Mathias Rowan separar os corpos, após a poeira baixar.

Chase nunca viu Lucan tão virulento. A ameaça saia do líder da Ordem como uma corrente escura, o frio de sua fúria uma força palpável na sala.

—Temos táticas de patrulha para discutir.

Nós, disse ele, mas Chase podia ler o significado de Lucan no nível de comando em seu olhar. “Nós” significava a Ordem, o que não o incluía.

—Claro — ele disse, nenhuma animosidade em sua voz ou suas veias. Era uma responsabilidade da Ordem agora, num momento que não podiam arcar com isso. Ele provocou isso. E não podia culpar Lucan por deixá-lo fora desta missão.

Por mais que quisesse pensar que não perdeu completamente seus irmãos, Chase entendia que ainda tinha um longo caminho pela frente se quisesse se provar digno de sua confiança. Só esperava que um dia tivesse essa oportunidade.

Tavia andou com ele pelo corredor, sem dizer nada enquanto enfiava a mão na dele. Ela não precisava dizer nada. Entendia. Importava-se, e ele se perguntava pela centésima vez como podia pensar que ele a merecia.

—Ei, Harvard.

Uma voz masculina o chamou abaixo do curto corredor. Dante estava ali, os braços do guerreiro de cabelos escuros cruzados sobre o peito. Seus punhais curvos de titânio que derrubaram incontáveis Renegados e até encontrou seu caminho sob o queixo de Chase há não muito tempo, estavam revestidos como grandes garras em seu cinto de armas. Seus olhos cor de uísque se estreitaram sob suas sobrancelhas escuras. Apontou por cima do ombro com uma inclinação de seu queixo.

—Sobre o que aconteceu lá dentro...

—Esqueça isso — disse Chase. —Quero o que seja bom para a Ordem também. Agora, isso não é comigo.

Começou a ir embora, mas Dante se encontrou com ele. O acalmou com uma mão fraternal descansando em seu ombro.

—Só queria dizer que é bom ter você de volta no complexo novamente. Estou feliz por estar aqui.

Chase sentiu os olhos de Tavia sobre ele quando absorveu a oferta de trégua do guerreiro que foi seu aliado mais próximo na Ordem. Seu amigo mais próximo. Um irmão, em todos os sentidos da palavra.

—Obrigado. — A resposta era débil, mas tudo que conseguiu juntar em sua garganta subitamente seca.

—Ouça, Tess adoraria se você e Tavia fossem ao nosso quarto por algum tempo. Também gostaria. Gostaria de fazer uma apresentação adequada do meu filho.

—Claro. — Chase concordou. —Sim, claro. Claro.

—Ficaremos honrados em conhecê-lo — disse Tavia, falando as palavras que a faziam parecer mais espetacular naquele momento.

—Grande — disse Dante. —Isso vai ser ótimo. — Afastou-se então abruptamente, voltando de onde veio, um sorriso largo sobre seu rosto enquanto seus olhos acompanhavam Chase por toda a extensão do corredor. —Vá lá, Feliz Natal, idiota.

—Igual para você. — Chase riu, caindo de volta na camaradagem que tiveram uma vez. Deus, não percebeu o quanto perdeu até agora.

—Tente não ficar sem sua bunda hoje à noite em patrulha, sim?

Ainda sorrindo, Dante fez uma saudação de um dedo. Sua risada profunda retumbou quando voltou para se juntar aos outros guerreiros.

 

Passava muito da meia-noite desde que a Ordem saiu em patrulha até chegar em Boston. Nesse tempo, arrombaram as portas de uma dúzia de barzinhos da Agência de Execução e os locais conhecidos em torno da cidade.

Lucan não tinha a intenção de encerrar a noite até que invadissem até o último.

Alguns dos agentes interrogados confessaram não saber nada sobre traidores dentro de suas fileiras. Mas um nome surgiu dos agredidos lábios sangrentos mais de uma vez: Arno Pike.

—Seu Darkhaven fica em North End — Mathias Rowan relatou. Lucan ligou para o diretor da Agência para um rápido resumo sobre o bastardo enquanto Kade, Brock e Hunter limpavam a carnificina que deixaram no ataque mais recente.

—Qualquer parente nesse lugar?

—Nenhum — disse Rowan. —Pike vive sozinho, sem família direta. Tinha uma companheira até cerca de um ano atrás, mas ela morreu. Se diz aqui que foi atacada em Dorchester, estrangulada.

Lucan grunhiu.

—Conveniente. Endereço?

Rowan mencionou uma rua chique numa área de milhões de dólares em Brownstones. Lucan digitou um texto num segundo telefone que carregava e mandou-o para o resto da equipe da Ordem.

—Lucan, olhe. Sabe que estou a bordo do que julgar necessário para parar Dragos. E quero dizer pará-lo morto. Mas as linhas do meu escritório estão fora de controle. Civis ligando, aterrorizados pelo que estão ouvindo. A palavra entre a população Raça aqui em Boston é que você perdeu sua maldita cabeça. Estão dizendo que finalmente se partiu, que sob seu comando a Ordem está derrubando portas de Darkhaven e levando civis desarmados para as ruas com uma arma.

Lucan exalou uma maldição.

—Merda. O mesmo que vêm dizendo sobre a Ordem durante anos, décadas.

—Só que agora é verdade. — A voz de Rowan parecia cansada. —E é Natal, pelo amor de Deus. Quanto tempo pretende levar esta missão adiante?

—Até que arranque Dragos e todos os seus seguidores da clandestinidade de uma vez por todas.

O silêncio de resposta de Rowan se estendeu. Durante sua pesada contemplação, o celular de Lucas tocou com outra chamada. Disse ao agente para esperar e aceitou a outra linha.

A voz de Niko respondeu à sua saudação cortada.

—Lucan, temos Pike.

—Onde está?

—Southie, abaixo do Mystic. Rio e eu perseguimos o filho da puta num armazém vazio. Quer que a gente o segure para você, ou podemos começar a arrancar informação agora?

—Segure-o — Lucan rosnou. Já estava em movimento, indo para o clube da Agência chamar Hunter. —Estou a caminho agora. Vou levar apoio para o interrogatório. Se ferir Pike não nos levar a qualquer lugar, vou pedir a Hunter que sangre a verdade fora dele.

Ele desligou, em seguida, informou Rowan da situação enquanto ele e Hunter saltavam para o Rover esperando e corriam para Southie como um morcego saindo do inferno.

Embora Arno Pike não tivesse sofrido mais que alguns arranhões e hematomas em sua detenção, o homem parecia uma merda. Cheirava a isso também. Todo mijado, e um cheiro acre e amargo que ia além do medo. Lucan não podia suportar o mau cheiro que saiu do vampiro quando ele e Hunter entraram no armazém onde Nikolai e Rio esperavam com o Agente.

—Você é um cara popular, Pike — Lucan disse quando se aproximou do homem caído numa cadeira de metal enferrujada. —Ficaria chocado ao ouvir quantos agentes mencionaram seu nome esta noite quando perguntamos a eles quem tinha mais probabilidade de se transformar num traidor de sua própria raça. Você é o vencedor indiscutível. Parabéns.

—Não posso esperar para ver o que ele ganhou — disse Niko, seus dentes e garras brilhando na escuridão do prédio abandonado.

—Ultrapassou os limites desta vez — Pike respondeu, sua voz fina, mas ainda assim mal-intencionada. Gotas de suor cobriam seu rosto pálido e garganta. Suas bochechas estavam pálidas e macilentas, os lábios brancos, sem sangue, enquanto ele falava. —A Ordem fez muitos inimigos hoje à noite. A Agência de Execução não vai tolerar esses ataques injustificados e assédio incontestado.

—A Agência pode contestar tudo que quiser — respondeu Lucas. —Enquanto isso a Ordem pretende transformar essa organização do caralho de dentro para fora para peneirar os traidores.

Pike começou a rir, um pouco ofegante.

—Está muito atrasado, guerreiro. Nunca vai impedi-lo agora.

A mente de Lucan escureceu com a visão que Mira mostrou. Tanto sangue nas ruas. Inúmeras vidas Raça perdidas, e humanos. Os gritos de terror e luto, os gemidos dos moribundos enchendo a noite.

Antes que soubesse que deu o primeiro passo, Lucan estava em cima de onde Pike onde estava sentado.

—O que quer dizer, que é muito tarde? — Ele rosnou, fúria fervendo em suas veias. —Diga-me o que sabe sobre os planos de Dragos!

A mandíbula de Pike apertou mais forte. Seus olhos turvos eram rebeldes, teimosamente resistentes.

—Nunca vou te dizer. Vai ter que me matar.

—Não é problema — rosnou Lucan. —Mas, primeiro, você vai falar. Ou prometo a você, estará implorando pela morte.

Pike riu, maníaco agora.

—Nunca vai conseguir nada de mim. Nem de qualquer um de nós leais a ele.

Deus o ajudasse, Lucan não queria nada mais que rasgar a garganta do macho. Mas manteve sua raiva sobcontrole, ainda que apenas por uma fração.

—Há outras maneiras de conseguir o que precisamos de você, idiota.

Ele acenou para Hunter. O assassino Gen Um podia ler as memórias de um macho Raça através do sangue. Uma mordida e todos os segredos de Pike seriam conhecidos.

Hunter avançou, descobrindo suas presas enquanto se aproximava.

—Acerte-o — Lucan ordenou suavemente.

Hunter pegou o pulso de Pike e golpeou duro. Ele recuou um instante depois, cuspindo sangue com uma maldição. Olhou para Lucan, seus olhos dourado furiosos quando limpou as manchas vermelhas na boca.

—Tomou veneno.

—Filho da puta — Lucan assobiou.

Todos olharam para Pike, que estava rindo agora, mesmo enquanto caia no chão e começava a convulsionar. Espuma escoava em torno de sua boca, enquanto o veneno reforçava seu domínio sobre ele.

—Está muito atrasado, Lucan. Assim como eu disse. — Seu riso encurtou num gemido de dor. Ele começou a sentir falta de ar, já nos estertores da morte.

—Venha — Lucan disse, apontando para os outros o seguirem. —Vamos dar o fora daqui.

Quando saíram, Arno Pike estava se contorcendo e morrendo no meio do armazém vazio, as provocações do vampiro ecoando atrás deles.

—Está muito atrasado... Dragos já ganhou.

 

Tavia gritou de prazer quando se arqueou sob Chase, varrida pelo seu terceiro orgasmo em tantas horas. Sua felicidade era afiada e crua, temperada. Ela o montou com abandono, envolvendo os dedos nos músculos rígidos de seus ombros enquanto ele balançava em seu corpo num ritmo febril e animal.

Ela adorava a maneira como ele a fodia. Amava como era forte e poderoso, algo sobrenatural e sombrio. Adorava como a estimulava.

Amava como a presenteava com essa parte selvagem necessária dela, que não era nada humana. Exigia dela. E amava cada toque, beijo e impulso febril que a reivindicava como sua.

Ela era sua, seu coração sabia como certamente o sabia seu sangue fundido e corpo.

Um silvo escapou quando ele mergulhou profundamente em seu núcleo, enchendo-a, tocando num lugar que pertencia só a ele. Ela jogou a cabeça para trás sobre os travesseiros, os lábios se afastando de seus dentes e presas quando deu um grito áspero de clímax.

—Sim. Ah, porra, Chase ... mais forte. Não pare.

Com um rugido de ebulição entre os dentes cerrados, ele agarrou sua bunda em suas mãos e a puxou para si, levantando seus quadris para encontrar a intensidade de seus impulsos. A golpeava com fúria desenfreada. Seu pênis a esticava apertado em torno dele, duro como aço dentro dela, implacável, dominando.

Um rosnado rompeu solto quando impulsionou mais forte, mais profundo, seu olhar âmbar fixo no dela. Seus dermaglifos eram selvagens e vivos com cores escuras, todos os tons de desejo e necessidade. Nuances que cavalgavam sua própria pele nua quando a empurrou em direção à crista de outro orgasmo. Ele caiu sobre ela com apertados movimentos febris, suas presas enormes e reluzentes sob o toque áspero da sua boca linda.

—Tavia — respondeu asperamente, estremecendo contra ela com a força de sua liberação. A corrida quente de sua semente a inundou, e ela gozou com ele, ofegante e choramingando quando seu corpo explodiu em torno dele, seus sentidos quebrando em mil pedaços brilhantes.

E em seu rastro a fome.

Ela não se alimentava desde a primeira vez com ele. Agora, cada nervo estava vivo e eletrificado, ansiava por seu sangue com uma ferocidade que beirava a loucura. Não conseguia separar os olhos do pulso latejante ao lado do pescoço forte.

Sua boca era palha seca. Suas gengivas mostravam a base de seus caninos longos. Ela molhou os lábios ressecados, olhando para ele sob a pesada sede e inclinando as pálpebras.

Ele compreendeu sua necessidade. As íris âmbar queimaram brilhantes, as pupilas passaram a lascas enquanto miravam seu batimento cardíaco saltando.

—Cristo — sussurrou com reverência e profanação, tudo na mesma respiração.

Ela levantou da cama, apoiando a palma da mão contra o peito e o empurrando de costas. Seus pulmões arfaram quando se arrastou por cima dele, seu corpo quente e poderoso debaixo do dela. Ela se inclinou para frente, lambeu um caminho lento ao longo da coluna esticada de sua garganta, passando a ponta da língua sobre a veia inchada que assinalava tão deliciosamente sob a superfície de sua pele lisa.

Ela brincou com as pontas afiadas de suas presas, um gemido abafado torcendo nele um instante antes que ela afundasse seus dentes profundamente em sua carne.

Ela gemia enquanto seu sangue jorrava sobre sua língua, quente, formigando e escuro. Ela engoliu com avidez, saboreando o sabor picante, exótico dele. Enquanto se alimentava, ele se deitava rígido debaixo dela e acariciava seus cabelos e costas. Ela não sabia se sua alimentação trazia o mesmo contentamento que para ela. Tudo que sabia era que a batida do seu pulso vibrava contra os lábios e em seus ouvidos, o barulho de seu sangue correndo em seus músculos, ossos e células. Ele reprimia a selvageria de seus sentidos. Alimentava-se como se tivesse com fome dele toda a sua vida.

Quando ela encheu, com relutância, passou a língua sobre os furos para selá-los.

Não percebeu sua angústia até que arrastou o olhar saciado até seu rosto. Seus lábios estavam sem sangue, puxados atrás de seus dentes e presas numa careta torturada. Ele rolou para longe dela com uma maldição áspera, seu grande corpo trêmulo enquanto jogava as pernas pela beirada da cama e passava seus dedos trêmulos pelo seu cabelo úmido.

Sua fome o tomava. Ela se revolvia toda agora, a selvageria de sua sede de sangue eclipsando todo o prazer e conforto que tão egoistamente tomou de sua veia. Rasgou seu interior, levando consigo uma dor fria e vazia até o poço de sua alma.

Deus, como ele sofria agora.

Não sabia como ele podia resistir a tanta agonia. Apenas o eco no seu próprio sangue era suficiente para sugar o ar de seus pulmões.

Ela ofegou, apertando seu abdômen quando a sua dor a derrubou sobre a cama. Ela se contorceu com ele, seu corpo se dobrando ao meio quando a angústia da sua fome nadou através de seu gosto ácido e preto ardendo.

Ele a estava machucando.

O pensamento atingiu sua mente faminta antes mesmo que girasse para encontrar o corpo nu de Tavia apertado numa bola angustiado no meio da cama.

Ah, Cristo.

—Tavia?

O matava vê-la com tanta dor, saber que era sua agonia se agarrando nela. Sua aflição transferida para ela através da conexão de sangue de Tavia no vínculo com ele. Devido a esse vínculo, seu sofrimento era dela.

E seu arrependimento por que era insondável.

—Tavia, olhe para mim — ele murmurou, voltando em direção a ela na cama. Passou a mão sobre sua cabeça, sibilando quando sentiu o calor febril de sua pele quando passou os dedos pela testa coberta de suor. —Diga-me que está tudo bem.

Ela gemeu quando outra onda de fome queimou por ele como um incêndio. Quando ela abriu os olhos, viu a miséria pura nas piscinas âmbar brilhante de suas íris. Seus dermaglifos se agitavam furiosamente, mergulhados nos mesmos tons furiosos como os de sua própria pele.

Sua maldição ficou embargada como cinzas em sua língua. Nunca se sentiu tão indefeso, tão cheio de ódio por si mesmo e pela doença que sabia que um dia o destruiria.

Mas nem mesmo a Sede de Sangue se comparava a agonia de ver Tavia em perigo. Saber que ele estava causando isso.

Tinha que se alimentar.

A realidade o atravessou, fria e inegável.

Precisava de sangue para aliviar a dor para ela. Sua própria dor não significava nada, exceto pela dor infligida à mulher com quem se preocupava mais que a vida em si.

A mulher que ele amava.

Lágrimas marcavam as bochechas de Tavia quando olhou para ele de sua posição fetal apertada na cama. Sua respiração corria entre os lábios entreabertos em rápidas golfadas, seu corpo tremendo e se contorcendo.

Porra. E maldição também.

Não podia deixá-la assim para sair para caçar. Não havia como dizer quanto tempo teria que correr antes que encontrasse a presa, e, entretanto, Tavia estaria sofrendo sozinha.

—Ajude-me, Chase. — Sua voz era um sussurro baixo e frágil. Tão nua e confiante. Ela estendeu a mão para ele, deixando cair à mão aberta ante ele na cama. —Por favor... faça. Faça essa dor ir embora.

Ele olhou para ela, sentindo o último pedaço de sua honra questionável escapar quando seu olhar faminto se fixou no pulso que latejava entre os delicados ossos e tendões de seu pulso estendido.

Deveria recusar a tentação. Deveria encontrar outra maneira — qualquer coisa, exceto a solução que oferecida a ele agora. Uma que iria amarrá-lo a Tavia irrevogavelmente. Eternamente.

Mas, mesmo enquanto lutava para negar, seu coração ansiava por algo mais, e Chase viu-se posicionado acima dela na cama. Com o maior cuidado e as mãos trêmulas, levantou o braço acima em direção à sua boca. Passou as pontas afiadas de suas presas contra sua pele macia.

Xingou baixinho quando as afundou em sua veia e tirou o primeiro gosto do seu sangue.

Santo inferno, ela era doce.

O sangue dela atingiu sua língua como néctar de uma videira proibida. Ele a bebeu, sentindo uma onda de explosão elétrica e energia em cada célula faminta de seu corpo. A força o atingiu como um soco no peito. Uma explosão despertando os sentidos, os acendendo com a força de uma supernova.

Ouviu que o laço de sangue era uma coisa poderosa, mas não estava preparado. Nem mesmo próximo. Algo um pouco distante da lógica o lembrou que Tavia não só era Companheira, mas Raça, a intensidade dessa combinação aparecendo agora, quando sentiu seu sangue subir rapidamente através dele.

Os humanos dos quais se alimentou tantas vezes antes poderiam ser feitos de pó, por tudo que sabia agora. O sangue de Tavia era uma droga diferente de tudo que ele já provou antes.

Não conseguia o suficiente dela.

Sua boca estava presa firmemente em seu pulso, e ele bebia muito e profundo.

Não podia se obrigar a parar.

Nem mesmo quando a mão enrolou num punho e os tendões de seu braço se esticaram sob seus lábios. Nem mesmo quando ela deu um pequeno gemido, chamando seu nome num suspiro incerto.

Não foi até que sentiu o medo, profundo até os ossos e arrepiante, escoando através de seu vínculo que encontrou força para libertá-la. Muito pouca.

Seus olhos estavam arregalados, cheios de pavor quando o encarou agora. Não mais âmbar brilhante de prazer e desejo, mas verde brilhante e cheio de um terror que o rasgou por dentro.

Seu rosto estava pálido, seus dermaglifos drenados de sua cor. Ela segurou seu pulso sangrando no peito, o dedo enrolado em torno das feridas.

—Chase — ela sussurrou aos solavancos. —Sinto muito, entrei em pânico. Estava com medo. Estava tomando tanto e eu...

Jesus Cristo.

Mal podia suportar a ideia do que poderia ter feito se o vínculo de sangue não o alertasse de seu terror. Era seu maior medo, causar qualquer tipo de mal.

Nem percebeu o quão perto esteve de tomar mais do que deveria.

O pior de tudo era que almejava mais que qualquer coisa deitá-la embaixo dele mais uma vez e se perder no prazer do seu corpo enquanto se afogava na doce intoxicação de seu sangue.

—Não posso ficar perto de você assim — ouviu-se dizer a ela, embora sua voz estivesse quase irreconhecível, mesmo para seus próprios ouvidos. As palavras raspavam fora dele num emaranhado selvagem, áspero e cortante. —Não posso fazer isso nunca mais. Não vou.

—Chase — disse ela, estendendo a mão para ele com o braço ferido.

O cheiro do sangue dela o atingiu como uma bala. Encolheu-se longe, desviando o olhar quando recuou em direção à parede oposta. Tão longe dela quanto pôde conseguir. Olhou para a janela e viu o exterior antes do amanhecer. Um comando mental abriu o vidro, trazendo com ele uma corrente de ar invernal.

Tavia levantou da cama e começou a ir em sua direção.

—Chase, por favor. Não me deixe de fora... deixe-me ajudá-lo.

Ele se permitiu um último olhar para ela. Então girou fora da janela e desapareceu na escuridão.

 

Tavia levou seu tempo para tomar banho e se vestir, atenta ao retorno de Chase.

Mas passaram mais de duas horas. A alvorada seria em breve, e ele ainda estava desaparecido. Possivelmente de sua vida, para sempre.

Cambaleou sob o peso desse pensamento.

Era impossível pensar em sua nova vida, em que se basear, finalmente de verdade, e não imaginar Chase como parte dela. Estava colada a ele, não só pelo sangue. Preocupava-se com ele profundamente. O amava, e faria o mesmo sem a conexão inquebrável que o ligava a ela num nível visceral e sobrenatural.

E porque o amava, não podia ficar lá agora.

Ele estava certo, o que aconteceu entre eles antes nunca poderia acontecer novamente. Ela sentiu o poder de sua fome, a profundidade de seu vício o tomando.

Sentiu o quão intensamente reagiu ao seu sangue. Como seria fácil para ele perder o controle completamente e deslizar sobre a borda de um abismo do qual nunca poderia voltar.

Ela não podia suportar contribuir para sua luta.

Quando saiu para o corredor do quarto, ouviu algumas das mulheres da Ordem falando onde aparentemente se reuniam na cozinha.

Os aromas de café fresco e café da manhã deslizavam em direção a ela, juntamente com a conversa das Companheiras.

—Pense nisso por um minuto agora. Nunca se perguntou o que nos torna diferentes de outras mulheres? — A voz aveludada pertencia a Savannah. —E se o sonho de Jenna puder explicar algo?

—Atlantes? Não pode estar falando sério. — Esta era a companheiro de Rio, Dylan.

Gabrielle respondeu a ela.

—Não passou muito tempo desde que a maioria de nós dizia a mesma coisa sobre a Raça. Não que ache mais fácil quebrar minha cabeça em torno da ideia que as marcas de nascença que compartilhamos têm algum tipo de ligação a uma raça de guerreiros imortais.

Tavia deu alguns passos até o corredor e viu a Companheira de Hunter com cabelos de ébano sair da cozinha com pratos para a mesa de jantar. Corinne falou com ela enquanto arrumava os lugares.

—Fiquei órfã quando criança e fui acolhida por uma família num Darkhaven. Nunca soube dos meus pais desde meu nascimento. Nem o fez minha irmã adotiva, Charlotte.

—Isso é verdade para você, Elise, Renata e Mira — Dylan respondeu. —Mas como explica o resto de nós?

—Pode adicionar Eva e Danika nessa lista também — disse Savannah. —Ambas eram enjeitadas, criadas nos Darkhavens.

Tavia realmente não queria ser notada, especialmente saindo do quarto como um fantasma, mas não tinha como alcançar a porta da frente sem alguém vê-la. Fez uma pausa quando Elise saiu da cozinha com uma bandeja cheia de copos empilhados e pires.

—Na verdade, a maioria das Companheiras que conheci eram órfãs ou abandonadas quando bebês ou crianças pequenas. Foi assim que muitas de nós acabaram em Orfanatos ou abrigos para fugitivos.

Dylan saiu carregando uma caneca de café fumegante.

—Bem, eu conheci meu pai, e não era nada especial. Apenas uma variação de mascate, vigarista e bêbado que causou à minha família um monte de desgosto antes de se separar para sempre. O pai de Tess morreu num acidente de carro quando ela era adolescente. E não foi o pai de Alex que morreu de Alzheimer?

—Foi — A companheira de Kade, do Alasca, respondeu enquanto entregava a prataria para Corinne. —Hank Maguire foi o único pai que tive, mas não era meu pai de nascimento. Minha mãe nunca me disse quem meu pai verdadeiro era. Levou esse segredo com ela quando morreu.

—Nunca soube de meus pais também — Gabrielle entrou. —Minha mãe foi internada no Jane Doe quando era adolescente, logo depois que nasci. Todos os meus dados estão em arquivos do DCF em algum lugar de Boston.

—Não podemos esquecer do pai de Claire — acrescentou Dylan, obviamente não-convencida. —Ele e sua mãe foram mortos na África pela guerra rebelde. Assim está fora das regras como imortal.

—Olhe — disse Jenna, saindo da cozinha agora também. —Não estou tentando dizer que sei de tudo isso, com certeza, mas sei o que vi. O Antigo estava em guerra com uma raça de seres que eram outra coisa que não humana. Caçaram esses guerreiros ao longo dos séculos, em todos os continentes. E a única maneira de matá-los era cortando suas cabeças.

—Oi, Tavia. — Mira saiu de uma sala fora do corredor e caminhou direto por ela com um pequeno aceno de saudação. —Vai tomar café da manhã com a gente?

—Oh. Eu... — Ela olhou para cima para encontrar vários pares de olhos nela agora. Elise, Dylan e Gabrielle vieram para o corredor e a olhavam interrogativamente. —Eu apenas... Sai para caminhar um pouco, isso é tudo.

Mira deu de ombros.

—Certo. Mas não vai querer perder as panquecas de mirtilo com creme.

Quando a menina entrou na cozinha com as outras Companheiras, apenas Elise permaneceu. Seus olhos suaves eram simpáticos. Muito sábios para o conforto de Tavia.

—Alguma coisa aconteceu com Sterling. — Não era uma pergunta, mas uma declaração suave do fato. —Será que ele se foi de novo?

Tavia balançou a cabeça, não vendo sentido em negar.

—Duas horas atrás. Não sei se vai voltar.

Elise soltou um pequeno suspiro.

—Sinto muito. Vi como ele estava com você. Se saiu, não acho que seja uma questão de saber se ele se preocupa ou não com você. Está claro para mim — Para todos — que ele o faz.

Tavia encolheu os ombros, conseguindo um leve sorriso.

—Não posso ficar agora.

A expressão da mulher era um pouco cautelosa.

—Talvez devesse falar com Lucan primeiro.

—É uma maneira educada de dizer que não estou autorizado a sair? — Ela exalou um pedido de desculpas macio. —Quando Chase voltar, se voltar, não quero dificultar as coisas para ele. Ele precisa da Ordem.

—Sim — concordou Elise. —Acho que ele precisa de você também.

Tavia balançou a cabeça, desejando que fosse verdade.

—Tenho que ir.

—Fique para o café, pelo menos — Elise ofereceu. —Os guerreiros e Renata estarão aqui antes do nascer do sol. Talvez Sterling esteja de volta até lá também.

—Não posso — respondeu Tavia. Olhou para Elise quando Dylan colocou a cabeça vermelha ardente para fora da sala de jantar.

—Colocamos outro lugar na mesa?

—Isso é o que estamos discutindo... — as palavras de Elise ficaram inacabadas.

Porque no tempo que levou para girar sua cabeça loura para responder a Dylan, Tavia convocou a velocidade dada a ela pela genética Raça e desapareceu pela porta da frente.

Ele era um idiota.

Levou várias horas para chegar a essa conclusão. Várias dezenas de quilômetros de corrida como um animal selvagem através do deserto, frio e escuro para entender que nunca seria capaz de chegar longe o suficiente de seu maior problema: ele mesmo.

Tinha que enfrentar seus demônios, e esperar que pudesse superá-los ou negá-los.

Tavia o estava ensinando pelo exemplo desde o momento que primeiro colocou os olhos nela. Ele era muito estúpido para entender o conceito.

A machucou mais cedo, a apavorou, e precisava reparar esse dano, se ela deixasse.

Não sabia como viver com alguém, como amar alguém da maneira como uma mulher especial como Tavia merecia, mas queria tentar. Como não tinha certeza de como se provaria digno dela, não conseguia imaginar sua vida sem ela.

Ele a amava, e se precisasse se trancar no novo complexo da Ordem até arrancar a Sede de Sangue fora dele, então seria muito bom e estava pronto para começar.

Seus pés descalços voaram sobre a neve e o gelo do chão da floresta. Não sentiu o frio, só a promessa quente de um futuro que esperava convencer Tavia a compartilhar com ele como seu companheiro.

Mas, quando a maior parte do complexo de pedra e madeira apareceu na distância à frente dele, Chase percebeu que ela foi embora.

Sentiu sua falta antes mesmo que subisse de volta pela janela que ela deixou aberta no quarto onde fizeram amor. Onde ele caiu em cima dela como um animal se alimentando e até que chorasse apavorada. Seu sangue disse que não estava nem perto agora.

Pelo frio vazio de suas veias, adivinhou que estava facilmente a quilômetros de distância. Ele a perdeu, provavelmente para sempre.

Devia estar aliviado por ela, se não por si mesmo. Ela tirou a decisão dele. A mais segura. A única que não colocaria sua vida em perigo a cada vez que chegasse perto dele.

Sentou na borda da cama vazia, nu, desprovido.

A alvorada estava nascendo, enviando raios de luz rosa pálido através do dossel espesso de pinheiros lá fora. Ele observou por um momento, incapaz de convocar o desejo de fechar as persianas. A segurança eletrônica da casa teve o cuidado para ele, as venezianas de aço automatizadas fechando, apagando parte da manhã.

Não sabia quanto tempo ficou lá. Quando a batida dura soou na porta atrás dele, sua voz era um som enferrujado no fundo de sua seca garganta.

—Sim.

—Harvard. — Dante falou através da fechada porta de madeira talhada a mão. —Vocês dois estão decentes aí dentro, cara?

Chase soltou uma leve zombaria.

—Ela se foi — ele murmurou.

A porta abriu e Dante entrou.

—Jesus, está congelando aqui. O que quer dizer, ela foi embora?

Chase virou a cabeça para encontrar a carranca confusa de seu velho amigo, suas íris transformadas em âmbar sobre ele. O guerreiro ergueu o queixo, as sobrancelhas escuras subindo quando percebeu a aparência feroz de Chase.

—Ah, merda. Você não...

—Bebi dela — Chase admitiu. —As coisas ficaram... fora de controle. Eu a assustei muito. A machuquei, e agora ela se foi.

Dante olhou para ele por um longo momento, estudando-o.

—Se preocupa com essa mulher.

—Eu a amo. Isso deveria ser motivo suficiente para deixá-la ir, não é? — Ele balançou a cabeça lentamente, considerando como ela ficaria muito melhor sem ele.

—Sou a última coisa que ela precisa em sua vida.

—Mais que provável — Dante respondeu, grave. Sem piedade em sua voz ou nos olhos sóbrios que prendiam o olhar de Chase inundado de âmbar. —Ela não precisa de você em sua vida assim, meu amigo. Ninguém que se preocupa com você quer estar lá para assistir quando quebrar e queimar. Diria que ela menos ainda. Não quero ser duro. Você está tentando juntar sua merda, posso ver isso.

—Sim — Chase concordou. —Preciso. Quero provar para ela que posso superar isso.

Dante balançou a cabeça.

—Não, cara. Primeiro, tem que querer provar a si mesmo.

 

O amanhecer estava frio e frágil, nublando a respiração de Tavia enquanto ficava na varanda da pequena casa que considerava sua até cerca de uma semana atrás. Fita de Cena de Crime Amarela selava a porta da frente, que ainda estava enfeitada com uma guirlanda de Natal com fitas e sinos que soaram quando ela rompeu a fita e entrou.

A casa estava em silêncio, sepulcral. Uma concha agora tão vazia e estranha como a vida que viveu dentro de suas paredes.

As mentiras que viveu.

Tavia atravessou o lugar com um sentimento de desapego. Nada que estava aqui pertencia a ela. Nem os móveis ou utensílios alegres. Nem mesmo as fotografias nas paredes — colagens de instantâneos de outro tempo, uma cronologia dispersa de sua infância e adolescência. Tempo que foi cuidadosamente monitorado e fabricado, construído por falsidades e traições incontáveis.

Essas lembranças de seu passado pareceram tão reais uma vez. Sua vida parecia tão normal até uma semana atrás. Foi feliz em sua maior parte, desfrutando de sua vida em casa e sua carreira, aceitando que o mundo que vivia era aquele ao qual pertencia. Como podia ter parecido tão real por tanto tempo, e ainda ser nada mais que uma mentira monstruosa?

Não importava mais.

Deixaria tudo ir embora, aqui e agora.

Sem amargura, olhou em volta, com aceitação calma quando seu olhar se direcionou para a cozinha, o chão de cor creme marcado por uma medonha mancha de sangue marrom onde a subordinada fingindo ser sua tia caiu depois de tirar sua própria vida a comando de Dragos.

Era só quando pensava nele — Dragos, o orquestrador chefe de sua traição, que arruinou ou tirou tantas outras vidas através de suas impensadas ações — que Tavia sentia um surto de raiva inflamar seu intestino. Pelo que fez a ela e aos outros como ela, pelo que fez à Ordem durante sua missão de derrotá-lo, pelo mal que estava certa de estar perpetrando mesmo agora, esperava que seu fim chegasse em breve.

Sua parte escura — a poderosa predadora — estava se tornando mais familiar para ela do que aquela que conheceu durante os últimos vinte e sete anos — queria estar lá no dia que Dragos desse seu último suspiro. Rosnou pela necessidade de vingança, o sangrento final, seus dermaglifos se agitando com palpável fúria sob suas roupas.

Mas tanto quanto queria ver o fim de Dragos, não podia deixar uma necessidade pessoal de retaliar ficar no caminho da Ordem. Esta era sua batalha, não dela. Da mesma forma que a batalha de Chase com a Sede de Sangue era dele para lutar. Ele não pediu sua ajuda, nem queria. Um ponto que deixou muito dolorosamente claro para ela.

Ela tanto era parte do mundo de Chase ou da Ordem, como era parte dos limites apertados desta casa da subordinada morta.

Precisava encontrar seu próprio lugar agora, onde quer que fosse. O problema era, não importa como tentasse imaginar sua vida daqui para frente, era o rosto de Chase, bonito assombrado, que via na sua frente.

Ela o amava. Pertencia a ele em todos os sentidos, e o faria para sempre.

Mesmo que sua doença nunca o deixasse.

 

Um profundo pressentimento pairava sobre o complexo enquanto parte da manhã se arrastava. A notícia do conflito de Chase e Tavia e sua saída subsequente anterior ao dia era apenas outra complicação numa situação que deixava todo mundo sério e no limite.

Dragos planejava algo grande.

Ninguém tinha certeza exatamente do que tinha na manga, mas o interrogatório da Ordem de um de seus tenentes em Boston na noite passada deixou todos os guerreiros num estado de expectativa sombrio. Não ajudava que, sendo quase dez horas, o dia os manteria presos dentro da casa da Ordem pelas próximas cinco ou seis horas.

Enquanto a maioria estava recolhida noutro local para montar táticas de inteligência e patrulha com Lucan, Gideon e Lázaro Archer estavam sentados no laboratório de tecnologia improvisado junto com Dylan e Jenna. Com cerca de mil anos de idade, Archer era um dos mais velhos de sua raça, mais antigo ainda que Lucan. Não que qualquer um achasse que o belo macho Raça, de cabelos como a meia-noite e olhos azuis tivesse um dia além dos trinta anos.

Foi só quando falou que testemunhou a conquista normanda da Inglaterra e as Cruzadas cristãs, como se tivessem acontecido no ano passado que a disparidade entre sua incrível experiência de vida e aparência jovem surpreendeu a mente de Jenna.

—Então, acha que é possível que os Antigos talvez tenham ativamente caçado uma raça que não era humana? — Ela perguntou.

Archer considerou por um momento.

—Tudo é possível. Pode ajudar a explicar as muitas vezes que meu próprio pai e um dos oito originais outros mundos desapareceriam por meses a fio, quando era um menino. Ele falava de vez em quando de encontros com seus irmãos. Poderiam facilmente estar caçando em operações como você viu no sonho.

—Por que matá-los? — Jenna perguntou em voz alta. —Quero dizer, qual era o problema entre eles?

Archer levantou um dos ombros volumosos.

—Os Antigos eram uma raça conquistadora. Vimos em seus diários, na história que coletamos a partir de seu outro sonho. Meu pai e sua espécie não tinham humanidade neles, misericórdia menos ainda.

—Ele está certo — Gideon se colocou do outro lado da sala, onde estava digitando no teclado de seu computador, hackeando o que deviam ser milhares de registros recuperados do tenente morto de Dragos em Nova Orleans. —Antes de a Ordem os liquidar, os Antigos atacavam assentamentos humanos como gafanhotos. Alimentavam-se, estupravam, matavam. Resista à sua vontade, e iria aniquilá-lo.

Jenna acenou com a cabeça, lembrando-se do pesadelo onde a onda consumia toda uma população. A menção da rainha que escapou porque se recusou a se entregar aos Antigos. Sua cidade foi derrubada em resposta. Sua legião fugiu com uma perseguição proposital.

—Digamos que tudo isso seja verdade — acrescentou Dylan agora, girando em torno de sua cadeira. —Mesmo se houvesse outra raça não-humana de seres neste planeta e algum tipo de rancor sobrenatural correspondente entre eles e os pais da Raça, isso ainda não significa que cada Companheira tem um pai Atlante escondido no seu armário.

Gideon sorriu.

—Falando nisso, como foi o acesso que dei a Gabrielle no Departamento de Crianças e Famílias?

—Ela acessou seus registros, mas não havia muito a descobrir — Jenna respondeu. —Ambos os pais estão listados como J. O. Sua mãe adolescente estava mentalmente longe demais para fornecer qualquer detalhe específico, quando foi internada. Quanto ao pai de Gabrielle, é uma incógnita. Sua mãe mencionou um namorado, um trabalhador sazonal que desapareceu logo depois que ficou grávida.

Gideon levantou as sobrancelhas, os olhos azuis intrigados.

—Homem de origens desconhecidas que desapareceram depois de deixar uma jovem grávida?

—Oh, vamos lá — Dylan interveio. —Não me diga que realmente acha que isso é possível também? De todos, esperava que você fosse a voz da razão.

—Não há lógica na ideia. — Ele ergueu as mãos em sinal de rendição. —Só estou comentando.

—Claire está verificando em detalhes a morte de seus pais na África — Jenna acrescentou. —Foi a cerca de cinquenta anos, mas o grupo que sua mãe trabalhava mantêm bons registros. Ela acha que pode ter respostas em um par de dias.

Dylan o olhou, ainda cética.

—E há a questão do pai de Tess. Morrer num acidente de carro é uma maneira muito mortal para partir.

Jenna encolheu os ombros.

—Eu sei. Preciso conseguir mais algumas informações sobre isso antes que possa descartar algo.

Dylan deu uma sacudida no seu grosso cabelo vermelho.

—Enquanto isso, faz todo o sentido que esses guerreiros imortais — essa legião atlante que serve uma rainha exilada — andem ao redor do planeta sem serem detectados por milhares de anos.

Todo mundo olhou para ela agora, três pares de sobrancelhas levantadas em dúvida. Ela soltou uma rajada de ar exasperado e jogou as mãos para cima.

—Sim, sim, eu sei. Mas a Raça é diferente. A Raça se uniu, coalizou. Protegem os seus. Se há algum tipo de raça imortal lá fora, que gera descendentes e vai embora sem olhar para trás, então não quero fazer parte dela.

—Talvez seja mais seguro se eles partirem — Jenna adivinhou.

Dylan fez uma careta.

—Seguro para um imortal?

—Não — respondeu Lázaro Archer. —Seguro para suas filhas, se nunca souberem quem são seus verdadeiros pais. Pelo menos até o último dos inimigos imortais jurados estar morto.

Jenna olhou para ele.

—O último dos Antigos pode estar morto, mas suas memórias e história ainda estão vivas e bem dentro de mim. Possivelmente em algum lugar perto de para sempre, se Gideon estiver certo sobre as probabilidades da minha longevidade.

—Talvez esse seja o ponto. — Os olhos sem idade de Archer brilharam com inteligência perspicaz. —Ele era o último de sua espécie neste planeta. Por tudo que sabia, podia ser o último de sua raça inteira. Se o antigo entendeu que sua morte estava chegando, o ego o pode ter feito buscar alguma maneira de manter uma parte dele vivo.

—Então, por que me fazer escolher se queria que eu fosse sua continuidade, sua memória? — Jenna perguntou. —Ele me deu uma escolha entre vida ou morte naquela noite. O que quis dizer com isso?

Archer ficou mais sério, sombrio até.

—Talvez tenhamos muito a aprender sobre estes imortais. E através de você, o Antigo nos deu essa chance.

Enquanto a declaração pairava sobre a sala, um dos computadores de Gideon apitou. Ele se virou e digitou uma enxurrada de teclas.

—Deve estar brincando comigo. Pode realmente ser assim tão fácil?

Enquanto Jenna e os outros o olhavam, correu até uma mesa contendo meia dúzia de grossos colares pretos. Os colares de obediência Ultravioleta feitos pela Operação de Engenharia de Dragos e equipados em todos os seus assassinos Gen Um criados em laboratório. Hunter e Nathan os usaram enquanto serviam Dragos, e ambos tiveram a maldita sorte de ficar livre deles sem perder a cabeça no processo.

Quanto aos assassinos que uma vez usaram os muitos colares na mesa de Gideon? Não tiveram tanta sorte. Hunter recolheu os dispositivos de cada um do exército pessoal de Dragos que matou. A maioria dos colares de polímero estava detonado além da reparação — sem perigo de recuperação. Mas havia um par que Gideon fez reengenharia. Era um daqueles que buscava agora.

—Graças a Tavia, fui capaz de passar por alguns campos protegidos por senha dos arquivos criptografados — explicou ele, enquanto levava o colar até uma grande caixa com tampa ao lado de sua estação de trabalho e o colocava dentro. Então pegou um celular que improvisou como controle remoto. Começou a digitar uma sequência no teclado. —Se meus cálculos estiverem corretos, esse código deve redefinir o detonador para neutro.

O dispositivo na caixa emitiu um zumbido baixo, em resposta.

—Ah, merda. — A expressão de Gideon era tensa. —Archer, para o chão!

Antes de Jenna soubesse o que estava acontecendo, ela e Dylan foram empurradas para o chão protegidas pela massa dos dois machos Raça, exatamente quando um intenso feixe de luz UV explodiu sob a tampa da caixa de metal. Ele foi embora rapidamente, evaporando como um raio brilhante de sol encharcado pela sombra.

—Santo inferno — disse Gideon, levantando para soltar Jenna debaixo dele. A proteção era desnecessária para Dylan e ela, mas para Gideon e Archer a história era diferente. Gideon passou a mão pelo loiro cabelo espetado despenteado, dando ao seu visual de gênio nerd uma dose adicional de desarrumação. —Bem, que maldição. Essa é a primeira vez.

—Nunca viu uma de aquelas coisas detonarem antes? — Archer perguntou, dando a Dylan uma mão para levantar do chão ao lado dele.

Gideon grunhiu, balançou a cabeça.

—Não. Nunca estive errado antes. — Ele esboçou um sorriso torto, um segundo depois. —Mas agora sei como fundir esses otários sem piedade.

Só então Tess apareceu na porta aberta do laboratório de tecnologia. Olhou para todos, em seguida, olhou ao redor da sala como se sentisse algo recentemente errado.

—Savannah disse que queria me ver, Jenna?

—Sim — ela disse, encontrando o olhar água-marinha suave da Companheira. —Queria fazer algumas perguntas sobre seu pai.

—Claro, mas não há muito a contar. Morreu em Chicago, quando eu tinha quatorze anos.

—Acidente de carro — disse Dylan ao lado de Jenna.

Tess assentiu.

—É isso mesmo. Por que quer saber?

—Tem certeza que foi um acidente de carro? — Jenna pressionou.

—Positivo. Estava num conversível em alta velocidade. Meu pai sempre amou dirigir rápido demais. — Ela sorriu tristemente. —Ele era maior que a vida. Totalmente sem medo.

Jenna sentiu pena da jovem que perdeu um dos pais que obviamente adorava.

—Como aconteceu o acidente?

—Testemunhas disseram que desviou para evitar bater num cão que corria na frente dele. Desviou do tráfego. Vinha um trator-reboque no sentido oposto.

Jenna viu de frente o suficiente em colisões em seu trabalho como policial no Alasca. Podia imaginar o que aconteceu. Mas ainda precisava ouvir a resposta da Companheira por si mesma.

—Como ele morreu, Tess?

—Foi decapitado. Morreu na hora.

 

—Com certeza odeio ver uma mulher bebendo sozinha.

Tavia não se preocupou em olhar para cima quando o senhor de meia-idade num terno, mais abaixo do balcão no bar do hotel, finalmente teve coragem de se aproximar e tentar iniciar uma conversa. Sua bebida estava muito longe e o hambúrguer e batatas fritas mal tocadas na frente dela.

—Não estou procurando companhia.

—Eu te ouvi. Tive minhas decepções pessoais nos últimos dois dias também. Os feriados são uma merda assim. — Sua leve cerveja nacional balançou na garrafa longneck quando apontou a cadeira vazia ao seu lado. —Se importa se eu sentar?

Ela praticamente rosnou.

—Será que importa se eu dissesse que sim?

Ele riu como se isso fosse convite suficiente e sentou ao lado dela. Sem olhar para ele, ela o avaliou só pelo cheiro. Sabão de hotel e colônia barata em sua pele, que não mascarava o traço de almíscar de sexo recente, agarrado a ele. Amaciante de roupa e goma na branca camisa que usava sob seu terno comprado com desconto que ainda carregava o cheiro dos gases de combustível ao ser embalado em sua bagagem no voo. Não estava usando anel quando chegou, mas não tinha que verificar para saber que encontraria um esboço fraco contra o bronzeado que provavelmente pegou na Disney World com a família não muito tempo atrás.

—Está em Boston a negócios? — ela perguntou.

Ele pôs seu copo vazio no balcão e girou em sua cadeira para encará-la. —Convenção de vendas aqui no hotel pelos próximos dois dias. Só tenho esta tarde.

Tavia deu um sorriso tenso, mal resistindo ao impulso de mostrar um pouco de suas presas.

—Tenha certeza de não perder tempo. Sua esposa sabe que fode com ela quando está fora da cidade?

Ele ficou quieto, de repente.

—Minha... o que sabe sobre minha mulher?

Ela sorriu para seu prato quando ele deslizou ofendido para fora do banco e saiu se arrastando para se juntar a alguns outros homens.

Sozinha mais uma vez, Tavia não pôde evitar se sacudir de tanto rir. Seus sentidos aguçados se revelavam bastante divertidos nessa vida nova que viveria como uma da Raça.

Fez sinal pela conta e começou a procurar no bolso da calça jeans seu dinheiro. Antes que saísse de casa naquele dia pegou os 200 dólares em dinheiro para emergências da gaveta da cozinha. Não que alguém fosse usá-los, afinal de contas. Infelizmente, não duraria muito, e então teria que pensar em alguma outra coisa.

Já se sentia culpada o suficiente, tendo se apropriado sozinha de um quarto quando o hotel se recusou a lhe dar um sem um cartão de crédito e identificação adequada. Levou apenas algumas tentativas mentais para desbloquear um quarto vago perto da saída da escadaria. De fuga fácil, no caso de alguém abrir legitimamente a porta com uma chave e ela precisar sair de lá rapidamente.

—Precisa de mais alguma coisa aqui? — O garçom perguntou quando veio com a conta.

Tavia balançou a cabeça.

—É tudo. — Olhou para o total e deixou uma gorjeta, mais que pronta para ir embora do lugar, agora que o bar estava enchendo com mais uma dúzia de empresários que cheiravam a cerveja barata, cigarros e perfume ruim.

Ela saiu do banco e mal podia passar pela multidão que engrossava dentro do salão abarrotado. Moviam-se em massa para um monitor de tela plana montado no canto do lugar na outra extremidade do balcão. Pensou que talvez houvesse um grande jogo em andamento, até que cruzou pelos vários homens reunidos com os olhos arregalados, paralisados pela televisão.

—Puta merda — alguém murmurou sombriamente. —Aumente o volume, sim?

A barra de volume avançou até o fim e Tavia olhou, horrorizada, quando um noticiário ao vivo passava a partir de um link de satélite estrangeiro. O repórter estava falando em Alemão, mas não havia necessidade de compreender a linguagem, a fim de compreender o que estava sendo dito.

A cena que se desenrolava em vários feeds de vídeo simultâneo atrás dele era um caos total.

As pessoas correndo pelas ruas escuras da cidade, gritando, gemendo. Correndo por suas vidas. Fogo descontrolado aparecendo ao longe. Fumaça subindo pelas fachadas e arranha-céus. Carros abandonados no meio dos cruzamentos, portas deixadas abertas, metal retorcido e esmagado por uma força bruta diferente de tudo que a humanidade já viu antes.

E os corpos. Dezenas deles, espalhados como se fossem bonecas quebradas, ensanguentadas.

O repórter continuou, sua voz embargada pela emoção por tentar sufocar as lágrimas, enquanto sua cidade estava sendo saqueada na frente do mundo em geral.

No final, ele perdeu. Um soluço saiu dele, e um momento antes que ele se dissolvesse num uivo ininteligível de angústia e terror, uma palavra ecoou como um grito no coração de Tavia.

—Vampiros.

Lucan não conseguia sentir as pernas.

Pela primeira vez em sua vida se sentia totalmente impotente. Estava na grande sala do complexo improvisado, inadequadamente equipado e ouvia pelo viva-voz, com o resto da família da Ordem, enquanto Andreas Reichen se referia a Berlim.

Ao entardecer as instalações da Agência de Execução de reabilitação de toda a Europa foram abertas, soltando centenas de Renegados viciados em sangue na desavisada e despreparada multidão humana.

—É principalmente nas grandes cidades que estão vendo o pior da carnificina agora — Reichen disse, sua voz com sotaque triste e grossa. —Na Alemanha: Berlim, Frankfurt, Munique. França está relatando dezenas de mortes também. Polônia e a República Checa também. Mais relatórios estão sendo transmitido ao vivo a cada hora.

Lucan queria rugir de fúria. Queria destruir algo, esvaziar sua raiva até que a casa caísse em torno dele numa pilha queimada de entulhos.

Mas não podia sequer abrir as mãos crispadas. Mal conseguia formar as palavras na garganta, que parecia pó seco e grosso desde o momento que os primeiros noticiários falaram dos vampiros atacando no exterior, apenas alguns minutos atrás.

E agora Reichen confirmava o pior.

Dragos estava por trás de tudo. Este era seu movimento de xeque-mate. E Lucan não o viu chegando. O que nunca teria acreditado que Dragos fosse capaz, que era tão incompreensível. Tão final.

As palavras insultuosas de Arno Pike, ontem à noite, voltaram para ele como um soco no estômago.

Está muito atrasado... Dragos já ganhou.

Como podia a Ordem resolver isso?

Como podiam conter a situação quando o número de Renegados libertados os ultrapassava em dezenas e estavam espalhados por todas as várias regiões do globo?

Como alguém poderia esperar desfazer os danos que Dragos fez neste único ato de retaliação?

O véu do segredo da tentativa de paz que a Raça viveu por tanto tempo, durante milênios, foi arrancado. E isso nunca poderia ser colocado de volta.

Sua espécie foi exposta para o mundo humano da pior maneira possível.

Como monstros.

Como assassinos sem consciência, sem almas.

E o inferno que os ataques na Europa eram apenas o começo. Lucan conhecia Dragos bem o suficiente agora para esperar que a mesma carnificina e terror logo visitaria os Estados Unidos. Canadá e México também.

Menos de três horas de luz do dia.

A caída da noite chegaria depressa.

—Chame Mathias Rowan no telefone — disse Gideon. —Quero um bloqueio em cada clínica de reabilitação da Agência na América do Norte. Diga a ele para conseguir isso agora!

Enquanto Gideon corria para fazer a chamada, Lucan olhou para os guerreiros e suas Companheiras reunidas em torno dele agora. Dante e Tess, embalando seu filho recém-nascido.

Tegan e Elise, tristes pela consciência do mundo de trevas que seu próprio filho iria herdar. Rio e Dylan, as mãos apertadas com força, o rosto marcado por cicatrizes de Rio tenso e sóbrio. Niko e Renata, ambos postados numa frente corajosa enquanto agarravam Mira num abraço protetor. Kade e Alex, amontoados perto de onde estavam com Brock e Jenna, seus braços em volta dela enquanto ela chorava lágrimas silenciosas. Hunter e Corinne, estoicos, mesmo enquanto apertavam a mão um do outro até ficarem brancas, o par agrupado perto do filho de Corinne, Nathan, e os Archer. Savannah e Gabrielle estavam juntas do outro lado de Lucan, as duas mulheres com as costas retas e resolutas, corajosas como qualquer guerreiro.

E havia Chase também. Permanecia na beira da sala, sem ser convidado. No entanto estava vestido para a batalha com traje de combate noturno completo e botas. As armas apareciam do cinto em seus quadris magros e pelas correias que atravessavam seu peito.

Lucan inclinou a cabeça em reconhecimento. Com confiança e agradecimento. Iam precisar de todas as mãos nesta missão. Chase nunca teria melhor chance de provar a si mesmo. Lucan podia ver no olhar do guerreiro que pretendia fazer exatamente isso. Ou morrer tentando.

Cada par de olhos estava em Lucan à espera de sua decisão. Confiando que faria o melhor. Para liderar como nunca foi chamado a fazer antes.

Não podia falhar com eles.

Não faria isso.

Gideon voltou para a sala e entregou um celular para Lucan.

—É Rowan. Diz que todas as instalações norte-americanas estão fora de linha. As comunicações estão desligadas em toda a rede. Não há como fazer um bloqueio.

O que significava que Dragos se antecipou muito e já tinha coberto a base. Lucan lançou um olhar sério para seus irmãos reunidos. —Todo mundo uniformizado. Estamos saindo antes do anoitecer.

 

Tavia ainda estava tremendo quando atravessou a cidade no fim da tarde. Em todos os lugares as pessoas falavam sobre as atrocidades que ocorriam na Europa.

Países estrangeiros pediam ajuda de emergência e socorro a desastres, desesperadamente pedindo aos governos dos Estados Unidos e outras nações para oferecer apoio militar imediato.

Era horrível e surreal a forma do mundo, após apenas algumas horas de carnificina não provocada e derramamento de sangue.

E Tavia estava certo que Dragos estava no centro de tudo.

Ela viu mais de uma fotografia e vídeo de notícia que capturavam os selvagens rostos manchados de sangue de alguns atacantes. Os vampiros, como toda a humanidade já sabia que eram.

Eram Renegados, todos eles.

Pelo que não foi a primeira vez desde que soube dos ataques, pensou no que Chase disse antes sobre as instalações de reabilitação controladas pela Agência de Execução. Ele mencionou como a violência seria disseminada, a total carnificina, se os Renegados viciados em sangue de repente se libertassem no mundo humano.

E agora Dragos iniciou esse pesadelo no exterior, e Tavia tinha certeza disso.

Ele tinha que ser detido. Antes que tivesse a chance de causar mais terror ou deixar os habitantes do planeta em mais perigo.

Se ao menos pudesse encontrar uma maneira de chegar perto dele, encontraria uma maneira de matá-lo.

As sementes de um plano para fazer exatamente isso estavam se formando em sua mente nas últimas horas.

Correu para a área residencial de Back Bay a pé, o pôr do sol acabando de beijar a cidade em sombras frescas. A neve caia, silenciando um pouco do barulho das ruas congestionadas e ansiosas, os pedestres conversando nas calçadas e becos.

Tavia viu a mansão triplex familiar à frente do outro lado da rua. Esperou um ônibus passar, em seguida, entrou no sentido único da rua para atravessar.

Quando a grande nuvem de gás nocivo e vapor se dissipou, viu-se olhando para o rosto de um monstro.

O Renegado sombrio estava na calçada, vestido num esfarrapado macacão institucional manchado de sangue. Ele inclinou a cabeça, enquanto olhava para ela, seu rosto e pescoço manchado com sangue de uma matança fresca. As presas de Tavia latejaram ao sentir o cheiro fresco de glóbulos vermelhos, mas o pico de adrenalina correndo por ela não tinha nada a ver com fome. O medo alfinetou suas veias, correndo até sua espinha.

Oh, Deus.

A carnificina estava prestes a acontecer aqui também.

Com um espirro animal e um grunhido baixo, o Renegado saiu da calçada na direção dela. Tavia saiu de seu caminho e correu para o próximo beco. Olhou de volta, certificando-se que a seguia.

O nó de medo que se formou em seu estômago quando o viu galopando atrás dela com dentes arreganhados era frio como gelo — e colocou um frio em seu sangue. Correu para o beco mais profundo, alcançando a arma escondida na cintura da calça jeans.

Os passos do Renegado eram pesados, mastigando sobre a crosta de gelo no pavimento velho.

Tavia deslizou atrás da parede do canto de um prédio e esperou alguns segundos antes do volume pesado do vampiro aparecer. Então, golpeou —silenciosa e rapidamente.

A lâmina esfaqueou o peito do Renegado, o parando completamente. Ele resmungou algo ininteligível, levando as mãos até a ferida que florescia em seu coração.

O titânio já estava fazendo seu trabalho na corrente sanguínea do Renegado. Correndo pelas veias e artérias doentes, como veneno, como Chase disse que faria.

Foi graças a esse conselho que Tavia fez uma visita a uma casa de penhores da área mais cedo naquele dia, gastando metade do dinheiro restante dela na lâmina. Valeu a pena, ela pensou, observando a queda de Renegado de joelhos quando o metal fez um rápido trabalho nele.

Faca de caça utilizando titânio: sessenta e três dólares.

Valor: não tem preço.

Ela não esperou para ver o corpo do Renegado se desintegrar num monte de gosma escaldante, então cinzas. Em vez disso, limpou a lâmina e a guardou, e em seguida correu para o Darkhaven de Chase.

Quando chegou na porta da frente do prédio vazio, um grito de cortar a alma subiu de outra parte do bairro.

Mais Renegados à espreita.

Mais mortes humanas ocorrendo agora mesmo.

A noite estava chegando, e o terror que trazia já havia chegado.

O mundo estava em chamas e sangrando no escuro.

Chase olhou a paisagem devastada pelo terror do banco detrás do Rover preto da Ordem, em excesso de velocidade. Dante e Renata sentavam ao lado dele em silêncio. Rio estava com expressão sombria no banco alto atrás, a mandíbula do estoico Lucan apertada, enquanto segurava a arma ao lado de Nikolai na frente.

Deixaram quilômetros atrás deles, mais de cinco horas reduzidas a apenas três na velocidade vertiginosa de Niko. Brock seguia rápido no segundo veículo, levando o resto da equipe de missão da Ordem em direção a Boston. Até Lazaro Archer se armou e equipou para combate e acompanhava os guerreiros para a batalha da noite.

Deus sabia que iam precisar de toda ajuda que pudessem conseguir.

Pelas contas de Mathias Rowan, apenas a população Renegada solta das instalações de reabilitação ao longo da costa leste contava perto de uma centena. Levaria semanas para conter a todos, possivelmente mais. E isso sem contar as prováveis dezenas de outros soltos em outras partes da América do Norte hoje à noite.

As chances de sucesso da Ordem eram surpreendentes. Eventualmente, teriam que se dividir, resolver o problema de múltiplas direções.

Mas Boston era a preocupação imediata. Era lá que Dragos parecia atacar mais, sem dúvida, para esfregar seu poder na cara dos guerreiros, desencadeando um inferno profano no gramado da frente da Ordem.

Quanto mais perto chegavam da cidade, pior ficava o caos.

Incêndios espalhavam brilhantes chamas alaranjadas em direção ao céu de ambos os lados da rodovia. O trânsito estava enlouquecido em ambas as direções enquanto motoristas em pânico lutavam para abrir caminho dentro e fora das diferentes artérias da cidade. Sirenes soavam por toda parte. E nos bairros e ruas planas, multidões se apressavam numa confusão cega, os olhos selvagens, contorcidos de terror, fugindo de um perigo que nunca poderiam fugir.

Em todos os lugares que Chase olhava, a cena era de total loucura sangrenta.

—Cristo — Rio sussurrou no silêncio tumular do Rover. Em sua visão periférica, Chase viu o formidável guerreiro espanhol se benzer e levantar um pingente religioso de uma corrente fina ao redor de seu pescoço, pressionando o medalhão pequeno em seus lábios em oração silenciosa.

O horizonte de Boston apareceu à frente agora, fumaça preta subindo dos prédios em chamas e dos destroços amassado dos carros abandonados nas ruas por seus motoristas em fuga. Gritos enchiam o ar, aumentando a cacofonia de violência que pairava sobre toda a cidade.

O pensamento de Chase era Tavia. Ela não deixou sua mente por um instante desde que ele partiu com a Ordem para Boston. Sabia que ela estava perto, em algum lugar da cidade. Podia senti-la em seu sangue. Suas veias ainda vibravam com a pontada de medo que pegou dela não muito tempo após a Ordem sair para Boston. O abalo foi visceral, mas breve, e logo diminuiu. O conhecimento que estava segura agora — que estava viva e ilesa — era uma garantia em que se agarrou enquanto o resto do mundo se dissolvia em derramamento de sangue e ruína diante dele.

Ainda assim, o desejo de abrir a porta do veículo e correr para ela era forte. Esmagador. Mas seu dever era com a Ordem agora, mais do que nunca. Assim, desde que sabia que ela respirava, podia fazer o que precisava esta noite.

Tavia era uma mulher forte e capaz. Era antes mesmo da revelação surpreendente de sua linhagem Raça. Era inteligente e equilibrada. Sabia disso. Consolava-se por sua amada, sua companheira — que nunca foi digno dessa honra — ser a mulher mais extraordinária que jamais conheceu.

Mas também era corajosa e determinada. Duas coisas que colocavam um nó de preocupação em seu peito quando considerava o que ela poderia fazer se a violência que Dragos desencadeou aqui esta noite abrisse seu caminho para ela. Orou para ela ficar quieta até que ele e a Ordem pudessem colocar uma tampa sobre esta situação infernal e pudesse sair para encontrá-la.

Do banco de passageiro na frente, Lucan falou pelo rádio com os outros no segundo veículo.

—Tegan, leve sua equipe para o Fim da Norte. Comece sua varredura lá. O resto de nós começará em Southie, conduzindo os renegados de ambas as extremidades e derrubando o maior número possível.

—Certo — foi a resposta cruel do guerreiro.

Atrás deles, os faróis do Rover se afastaram quando Brock acelerou o SUV através de um caminho cheio de tráfego obstruído e caótico.

—Todos procurando — disse Lucas, lançando um olhar grave para o resto deles. —Será uma noite longa e sangrenta.

 

O terror continuou até o amanhecer.

Tavia não dormiu nada. Provavelmente, ninguém na cidade o fez. Provavelmente ninguém em toda a inteira nação sangrenta encontrou um minuto de descanso desde que os gritos e violência explodiram no que parecia uma noite infinita, sem esperança.

Apenas ao amanhecer os ataques dos Renegados fizeram uma pausa no terror. Com a manhã vieram os gritos aflitos e perdidos — o rescaldo de uma zona de guerra de um assalto que poucas mentes humanas podiam imaginar.

E ainda não tinha terminado.

Quando o sol se pusesse novamente, uma nova onda de carnificina viria.

Tavia sabia disso com um pavor em sua medula, quando abriu a porta da frente do Darkhaven de Chase e saiu para a luz do dia. Seu plano para procurar Dragos se solidificou durante a noite. Ela tomou as medidas necessárias, criou um método que usaria para se colocar em sua presença e, com oportunidade e um pouco de sorte, mataria o filho da puta.

A cena fora da mansão triplex quando Tavia saiu rapidamente era nada menos que o Armagedom. Carros desocupados espalhados por toda parte, faróis piscando, alarmes gritando numa sinfonia dissonante aos anéis musicais que pareciam ser milhares de telefones celulares sem resposta. Fumaça e cinzas subiam dos restos fumegantes de lojas saqueadas e residências que foram arrombadas durante o pior dos ataques. Enormes poças de sangue embebiam os pátios cheios de neve da vizinhança e calçadas vazias.

A cidade era uma cidade fantasma. Ninguém se arriscava a sair, exceto Tavia e os trabalhadores sombrios da emergência que patrulhavam as ruas, ou os médicos que sobriamente cobriam e recolhiam os muitos mortos.

Tavia correu para seu destino, a cabeça abaixada, os olhos ardendo pela visão de tanta feiura e destruição. Passou por toda a cidade, de volta ao Departamento do Xerife de Suffolk County, a mesma delegacia onde esteve apenas uma semana antes. Parecia que uma década se passou desde que foi convocada a reconhecer o atirador não identificado da festa do senador Clarence. Seu mundo não poderia ter girado mais fora de seu eixo do que no punhado de dias que se seguiram.

A realidade mudou, e agora quem ela achava que era louco era a pessoa que amava mais que qualquer outro. O que não queria viver sem. E estava determinada a se juntar com ele, uma vez que fizesse sua parte para destruir o inimigo comum.

—Srta. Tavia Fairchild? — A voz do Detetive Avery cruzou toda a delegacia movimentada no momento que ela entrou. Ela olhou para cima e o viu correndo em sua direção, seu rosto de meia-idade vincado e abatido. Ele a olhou com preocupação óbvia. —Meu Deus, está bem?

Ela estava, mas as contusões e lacerações no rosto e corpo indicariam o contrário. O que era seu objetivo, afinal de contas. Além de sua variedade de ferimentos autoinfligidos, a calça jeans e blusa de manga longa preta estavam rasgadas e esfarrapadas. Suas sapatilhas de couro sujas estavam encharcadas de sangue, o último efeito uma cortesia de sua caminhada na estação.

—Venha comigo. Vou encontrar alguém para cuidar de suas feridas — disse o detetive, obviamente tomando seu silêncio como choque. A levou mais fundo na delegacia, pelo meio da multidão de funcionários ansiosos entrando e saindo do local numa confusão coletiva.

—Pelo menos está viva. Graças a Deus por isso — prosseguiu ele, levando-a para uma cadeira vazia num canto vago. Suas mãos tremiam quando levantou o receptor do telefone preto da mesa e discou um número. Xingou e bateu a coisa de volta no gancho. —Sinal de ocupado. As linhas poderiam estar desativadas. A maldita cidade toda está caindo aos pedaços por aí. Não posso sequer compreender o que está acontecendo nessas últimas horas. Quer dizer, nada disso pode realmente estar acontecendo...

Tavia sentia pena do horror que este homem e os demais de sua espécie estavam sofrendo. Mas não tinha palavras de simpatia para oferecer. Nada era adequado de qualquer maneira. Sua mente estava focada completamente em seu propósito na delegacia, enquanto examinava as dezenas de rostos que passavam.

Ela descobriu o que estava procurando: frios olhos mortos encontraram seu olhar estreitado no mar de corpos agitados.

O subordinado a conhecia de vista, reconheceu o que ela era.

—Eu volto — Tavia murmurou para o detetive. —Preciso de um copo de água.

Avery não protestou ou se levantou para segui-la, já indo em outra direção, quando um policial uniformizado retransmitia as notícias mais cruéis das trincheiras.

Tavia fez o caminho mais curto para o Subordinado, passando rápido pelos humanos, até que estava de pé direto na frente do escravo de Dragos.

—Preciso ver seu Mestre.

Sua boca torceu.

—Não recebo ordens de ninguém, exceto dele.

—Acabei de vir do complexo da Ordem — ela apertou. —Acho que Dragos estará muito interessado em ouvir o que tenho a dizer.

O Subordinado de uniforme a olhou por um longo momento, pensando bem.

—Me siga.

Ela foi com ele pela porta traseira e ao estacionamento. O Subordinado discou um número, deixou tocar uma vez e depois desconectou. Um segundo depois, o celular tocou com uma chamada recebida. Tavia mal podia conter seu desprezo quando a voz de Dragos veio pela linha, exigindo saber por que estava sendo perturbado. O Subordinado informou que Tavia estava lá, então recebeu instruções expressas para procurar armas nela.

Ele embolsou o telefone com Dragos ainda na linha e começou a revistá-la. Encontrou a lâmina de titânio de imediato, a puxou dela com um desprezo presunçoso e a empurrou sob o cinto de couro de seu uniforme policial. Suas mãos eram ásperas sobre ela, deslizando pelas duas pernas e coxas antes de subir por seu torso. Demorou um pouco demais em torno de seus seios, e Tavia rosnou sua desaprovação, mostrando algo de suas presas no processo.

O Subordinado recuou e levou seu celular até a boca.

—Está limpa. O que gostaria que eu fizesse com ela, Mestre?

A voz de Dragos era ameaçadora, afiada com uma intriga que fez sua pele arrepiar.

—Mantenha a fêmea aí. Aguarde minhas instruções.

—O número de mortos confirmados em todo o mundo está na casa dos milhares.

Lucan balançou a cabeça quando Mathias Rowan deu a notícia séria naquela manhã em seu Darkhaven. A Ordem finalmente procurou abrigo lá depois da longa noite de combate. Nem mesmo o mal de Dragos podia vencer o sol nascente. Com o amanhecer, todos da Raça — guerreiros, civis e Renegados igualmente — eram forçados a se proteger.

No fundo, Tegan, Chase, e o resto dos guerreiros estavam saltando a cobertura televisiva dos ataques e suas consequências. Parecia impossível, não apenas o número de mortos e a destruição generalizada ao longo das últimas dezoito horas, mas a conversa aberta por imposição da lei humana e funcionários do governo sobre a existência indiscutível de vampiros.

E a humanidade, compreensivelmente, os considerava seus inimigos.

Selvagens.

Monstruosos.

Um flagelo mortal que exigia um extermínio focado e rápido.

Lucan viu a visão de Mira na cobertura em vídeo e fotografias sendo transmitidas de todo o mundo. A viveu na noite passada, quando teve suas botas encharcadas pelo sangue derramado, os corpos de humanos mortos e Renegados mortos espalhados na medida em que seus olhos podiam ver. Provou isso agora, no gosto amargo do lamento em sua língua — lamento por não colocar um ponto final em Dragos antes que desencadeasse tal inferno. Lamento pelo fato que o pesadelo estava apenas começando.

A Europa estava se preparando para o anoitecer novamente, chamando forças militares para ajudar a proteger as maiores cidades em caso de outro ataque. Todo mundo estava rezando para que não viesse, mas Lucan e o resto da Ordem sabia que viria. Embora nenhum dos guerreiros ou Mathias Rowan dissessem, tinham que estar se perguntando, como ele estava, como seriam capazes de combater outro ataque da magnitude vista ontem.

Eram cerca de uma dúzia reunidos aqui contra centenas soltas em dois continentes. Vinte contra centenas, se contasse Rowan e um punhado de Agentes que ele avalizou, homens bons, que imediatamente se comprometeram com a causa. No exterior a escassez era maior, liderados por Reichen. Mas a Ordem e seus novos aliados não podiam estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Precisariam de dez vezes seu número atual para erradicar os Renegados libertados antes que tomassem mais vidas inocentes.

Antes que os humanos decidissem passar à ofensiva.

—Os toques de recolher estão no lugar? — Lucan perguntou. Com os humanos num estado de terror e desconfiança, a nenhum macho Raça seria permitido se alimentar enquanto os Renegados ainda representassem uma ameaça. Para a humanidade agora não havia distinção entre um Raça cumpridor da lei civil e um Renegado. Para a segurança de todos os Raça, Lucan exigiu que os Darkhavens cumprissem um bloqueio noturno até novo aviso.

Rowan deu-lhe um olhar dúbio.

—Estamos fazendo nosso melhor para passar adiante, mas é um processo lento, com a maioria da infraestrutura da Agência desligada desde os primeiros ataques.

—Continue nisso — disse Lucan. —Temos nossas mãos cheias o suficiente sem ter que nos preocupar com civis apanhados no fogo cruzado.

Quanto à Agência de Execução, esta praticamente se desintegrou durante a noite. As comunicações estavam cortadas. A rede oculta de seguidores de Dragos —Incluindo dois diretores da Agência conhecidos, um em Seattle e outro na Europa —saíram das sombras para proclamar abertamente sua lealdade a ele e seus objetivos. Inúmeros outros funcionários da Agência desertaram também, seja para fazer suas apostas em Dragos ou se retirar do serviço por completo e se concentrar em ajudar suas famílias a atravessar este tempo sombrio.

O coração de Lucan estava várias horas ao norte, com Gabrielle. Temia por ela e pelo resto das Companheiras e seus filhos, a sós com Gideon através de toda esta agitação e caos. Não tinha dúvida que Gideon as manteria seguras, mas matava Lucan estar longe de sua companheira quando a profunda ansiedade o apertava como esporas. Todos os guerreiros estavam sérios hoje, contemplativos.

Especialmente Chase.

Lucan sentia por ele, provavelmente, mais agora. O guerreiro ficou sozinho na parte traseira da sala, estoico e controlado, uma alteração marcante do macho que esteve tão volátil nos últimos meses. Irresponsável e insubordinado. Irresponsável com seus parceiros de patrulha e consigo mesmo.

Restava pouco desse Chase no guerreiro frio e capaz, que lutou lado a lado com ele na noite passada, apesar de todo o sangue que foi derramado. Era um teste, uma noite cara para todos, mas para Chase em particular. No entanto, ficou forte. Não se partiu. Tampouco iria, Lucan adivinhou, encontrando o olhar do guerreiro, focado claramente em toda a sala agora.

Os olhos de Chase se mantinham estáveis, cheios de uma determinação férrea.

Um único propósito, firme, que deu a Lucan um vislumbre do líder que Sterling Chase nasceu para ser. O líder que poderia ser novamente um dia, no futuro, se algum deles sobrevivesse para ver esse futuro chegar.

Lucan inclinou a cabeça, um aceno de aprovação que dizia mais que poderia conseguir com qualquer quantidade de palavras.

Chase acenou de volta, compreendendo, sóbrio.

Lucan estava orgulhoso de ter Harvard ao lado da Ordem novamente. Orgulho de ser capaz de chamar Sterling Chase de seu irmão e amigo.

 

Jenna desligou o telefone e recostou na cadeira. Mesmo enquanto seu coração batia pela adrenalina da notícia que acabou de ouvir, um pesado cansaço caia como bigornas de chumbo em seus ombros.

—Como Claire está se virando lá em Newport? — Gideon perguntou, olhando por cima de suas experiências contínuas sobre os colares de UV por toda a sala no laboratório de tecnologia.

—Ela está bem. Está segura, e as coisas estão tranquilas, por enquanto.

Enquanto o resto do complexo estava colado à televisão relatando os ataques de Renegados, Jenna e Gideon se jogaram em seu trabalho. Após a detonação inadvertida do outro colar, continuou pressionando a tecla de programação com todas as sequências de ativação do colar. Gideon até conseguiu fazer um dos colares de sua coleção aparecer num mapa de GPS, o que o deixou muito animado. Ajudava ter algo a fazer além de esperar por notícias, e depois esperar mais um pouco.

Jenna esfregou a dor no pescoço marcado pelo dermaglifo, produto de muitas horas sem dormir e muita preocupação com Brock e o resto da Ordem.

Preocupação pelo mundo inteiro, na verdade. Nada mais parecia importante à vista das últimas vinte e quatro horas. Pelo menos todos que se importava estavam seguros e contabilizados.

—Lucan e Mathias Rowan enviaram um par de agentes até Newport para vigiar o Darkhaven enquanto Reichen está no exterior. Claire diz que está em boas mãos.

Gideon assentiu.

—Fico feliz em ouvir isso. Percebi que foi capaz de fazer algumas descobertas na questão da morte de seus pais antes do mundo desabar na última noite?

—Sim — respondeu Jenna. —Foi por isso que ligou, na verdade, além de nos deixar saber que está bem. Claire entrou em contato com a organização de ajuda que sua mãe trabalhava nos anos cinquenta e verificaram as informações sobre o ataque rebelde na aldeia. Acontece que várias pessoas foram mortas naquele dia, três da organização e mais quatro da aldeia.

—O pai de Claire era um deles? — Quando ela deu de ombros, Gideon largou o colar de polímero preto quebrado que vinha trabalhando. Com as sobrancelhas abaixadas, a observou sobre os pequenos aros dos óculos azuis claros empoleirados na ponta do nariz. —O pai de Claire não está morto?

—Ninguém parece capaz de dizer com certeza. De acordo com relatos na época, dos moradores que testemunharam o ataque, foi baleado várias vezes. Mortalmente ferido, como a mãe de Claire e os outros.

—Mas? — Gideon perguntou, carrancudo agora.

—Mas não há registro de seu corpo sendo recuperado.

—Puta merda.

—Sim. — Jenna sacudiu a cabeça, ainda um pouco anestesiada pela ideia. —Ele foi declarado morto como o resto das vítimas e simplesmente deixou de existir a partir daquele dia em diante. Por tudo que se sabe, poderia ter se levantada e partido.

—Não se era mortal — Gideon respondeu, seus olhos graves, sem dúvida.

—Certo. — Essa notícia de Claire só aumentava a certeza de Jenna que estava no caminho certo. Se não fosse pela insistência constante de Dylan que seu pai era apenas um humano mediano, imbecil e medíocre, todos os pontos de interrogação sobre a teoria de Jenna seriam eliminados.

—Jen? — Como se conjurada apenas pelo pensamento, Dylan estava na porta aberta do laboratório de tecnologia. Parecia em estado de choque e pálida. Em sua mão estava um amarelado pedaço de papel.

—Ei — Jenna disse, levantando-se para encontrá-la. Dylan parecia tão ferida e chateada que Jenna a puxou para um abraço apertado. —O que há de errado? Será que aconteceu algo?

Os olhos da Companheira estavam desfocados, um pouco perdidos.

—Com tudo que está acontecendo, acho que hoje estava sentindo um tipo de saudade de casa. Comecei a sentir falta da minha mãe. Depois que ela morreu no ano passado, tirei uma pequena caixa de lembranças de seu apartamento. Não tinha olhado tudo, apenas o suficiente para ver que continha algumas cartas e cartões postais, lembranças de suas viagens. Coisas bobas, realmente. Ela era sentimental, tinha o coração mais aberto e amoroso que já conheci.

Jenna puxou Dylan e a guiou para a cadeira vazia.

—Diga-me do que se trata.

—Só olhei por cima de tudo nessa caixa. No fundo, encontrei um envelope selado. Estava dentro dela. —Ela colocou o pedaço de papel sobre a mesa.

Algo estava manuscrito no canto superior direito: Zael. Mykonos, 75. Dylan olhou para Jenna significativamente.

—Nasci um ano após.

Não precisava perguntar onde queria chegar.

—Mas sua mãe e pai já estavam casados, imagino. Você tem dois irmãos mais velhos.

Dylan concordou.

—E em 1975, minha mãe o deixou por alguns meses. Foi para a Grécia sozinha, apenas se arrumou e saiu. Disse-me alguns anos atrás, que queria se divorciar do meu pai, mas ele pediu a ela que voltasse. Mas ela nunca me falou sobre isso. Nunca me falou sobre ele.

Dylan virou o pedaço de papel. Era uma foto de perto de um homem incrivelmente bonito, de peito nu e bronzeado, sentado numa praia de areia branca. Sua boca sensual se curvava num sorriso em ponto de fusão para a pessoa que tirou a foto, provavelmente a mãe de Dylan.

—Acha que ela teve um caso com esse cara?

—Sim — disse ela. —Diria que as chances são muito boas.

Jenna pegou a foto para que pudesse olhar mais de perto. Puramente para fins de esclarecimento, é claro. Olhou para o corpo imóvel, os músculos impecáveis e o cabelo loiro acobreado. Seu rosto era sem rugas, sem idade. Suas escuras pestanas cobriam olhos de penetrante azul, a cor das águas tropicais, azul-turquesa.

Sábios e sobrenaturais.

E pendurado em seu pulso forte estava uma faixa de couro trabalhada com um emblema de prata martelado fixado... uma lágrima suspensa sobre o berço de uma lua crescente.

O estômago de Tavia balançou quando o helicóptero negro desceu sobre a água iluminada pelo sol em direção a uma ilha isolada, sufocada por árvores a várias milhas ao largo da costa do Maine. Vinte minutos após o Subordinado na delegacia de polícia entrar em contato com Dragos, o piloto de terno escuro, também Subordinado, chegou para levá-la a uma empresa privada de heliporto no topo de uma colina em Boston.

Absorveu todos os detalhes da viagem, catalogando os monumentos e locais de trabalho, caso fossem necessários para passar a informação para a Ordem. Embora nenhum fosse importante se seu plano para matar Dragos falhasse e acabasse morta nas próximas horas.

O piloto desceu o helicóptero sobre uma laje de concreto apagada por trás de uma residência-fortaleza. Era o único edifício no ameaçador rochedo de granito e altos pinheiros. Sem saída da ilha por conta própria, a menos que quisesse nadar numa corrente congelada do Atlântico ou brotassem asas.

—Por aqui. — O subordinado saiu da cabine e esperou que ela o seguisse. Atravessaram o jardim contra um vento uivante, frágil, e em direção à parte de trás da extensa casa.

A porta abriu por dentro, e outro Subordinado, este armado com um rifle semiautomático em suas mãos, fez sinal para ela entrar.

Pensou que estava preparada para enfrentar Dragos, mas ao vê-lo esperando por ela dentro da casa sentiu o gelo em sua medula.

—Srta. Fairchild. Este certamente é um prazer inesperado.

Estava ladeado por quatro Gen Um assassinos, vestidos da cabeça aos pés de preto. Tinham armas também, armas e facas à mão, amarradas por seus peitos duros e apertadas em suas musculosas coxas. Mas não eram as armas que lhes davam o ar letal, nem suas sérias cabeças raspadas e os colares UV pretos fixados em torno de seus pescoços poderosos. Era a falta de misericórdia em seus olhos. A falta de qualquer emoção.

Eram máquinas de matar, e qualquer esperança que tinha de acabar com a vida de Dragos de maneira rápida em sua chegada acabou pela compreensão que estes quatro Hunters a matariam em menos de um minuto depois que fizesse o primeiro movimento.

Tão ameaçadora quanto o grupo, era a presença de Dragos na frente dela que colocou um tremor em seus ossos. Algo sobre ele a esfriou instintivamente quando o conheceu no escritório do senador. Agora, entendendo a profundidade de sua depravação e mal, estava fisicamente repelida. Usou o fraco tremor para encenar medo e alívio.

—Não tinha mais para onde ir. Obrigado por me permitir ver você.

Dragos a olhou, desconfiado.

—Esteve com a Ordem todo esse tempo.

Não era uma pergunta, mas uma acusação.

—Não achei que pudesse escapar.

—E eu aqui pensando que tinha ido de bom grado — respondeu ele, reservado, a examinando. —Pensei que talvez Sterling Chase houvesse encontrado uma maneira de seduzi-la.

—Me seduzir? — Ela forçou uma ofendida zombaria. —Me sequestrou. Interrogou-me. Bateu-me...

Ele estudou os hematomas e lacerações que já estavam se curando. As narinas dilataram, fungou um pouco, testando seu cheiro contra o que ela estava dizendo.

—Será que ele a seduziu?

Ela não podia esperar enganá-lo completamente. Ele podia sentir o cheiro da verdade em sua pele, sabia disso sem dúvida. Abaixou a cabeça como se estivesse com vergonha.

—Ele usou meu corpo contra mim. Fez-me beber seu sangue.

—Hmm. — Ele parecia satisfeito pela resposta dela, mas descontente com os fatos. —Isso é lamentável, Tavia. O vínculo é inquebrantável.

—Somente com a morte — ela respondeu, as palavras prendendo na garganta, mas não de arrependimento como esperava que ele fosse tentado a acreditar. Ele levantou seu queixo e ela forçou um ódio frio em seus olhos — não era tão difícil quando o ódio estava reservado ao vampiro diante dela. —Por que não me disse quem eu era? Por que fez da verdade das minhas origens um segredo para mim?

Afastou-se, fora do seu alcance. Seus olhos se estreitaram, gelados e calculistas, aquela centelha de suspeita os visitando novamente. Seu guarda Gen Um avançou, pronto para proteger seu criador.

O coração de Tavia acelerou enquanto lutava para manter Dragos envolvido, mantê-lo intrigado o suficiente para confiar nela. Esta era sua única chance, não podia dar espaço a qualquer dúvida.

—Por que me deixou fraca quando eu poderia o ter servido muito melhor se fosse forte? — A veemência de sua determinação para conquistá-lo fez seus olhos piscarem com âmbar quente. —Poderia ser mais alguma coisa para você, se me permitisse à verdade.

Suas sobrancelhas escuras levantaram ligeiramente. Um sorriso lento no toque leve de sua boca.

—Me serviu muito bem, Tavia. Era mais do que útil. E teria dito tudo: teria liberado essa parte gloriosa sua, quando fosse o momento certo.

—Em vez disso me deixou indefesa. Não me deu qualquer chance. — Ela jogou com seu ego, e pela atração óbvia que ela sentia irradiando dele quando seu desgosto por ele ergueu a natureza Raça à vida dentro dela. —Tinha que saber que a Ordem me prenderia. Tinha que saber que iriam me questionar sobre você, abusar de mim. Recusaram-se a acreditar em mim quando disse que não sabia quem era ou onde poderiam encontrá-lo.

—E se soubessem a verdade sobre você, a teriam matado por isso — ele respondeu de forma uniforme. —Eu teria, se fosse eles.

As palavras frias de um coração frio e escuro. Ela acreditou nele, e custou toda a sua força de vontade forçar as próximas palavras de seus lábios.

—Você foi a primeira pessoa em quem pensei depois que escapei. Busquei você porque é meu criador. O único a quem posso recorrer. É o único forte o suficiente para derrotar a Ordem.

—E sou mesmo — respondeu ele, sorrindo com autossatisfação. Ele a observou longamente e duro agora, seu interesse óbvio ao fazer sua pele arrepiar. —Estive fascinado por você desde o tempo que era criança, Tavia. É tão linda. Minha nativa, concebida pessoalmente. — Ele encolheu os ombros. —Ah, os outros têm seus encantos também, mas acho que me atrai especialmente por você.

Os outros, disse ele. Não no passado, mas no presente. Pensou de novo nos arquivos do Dr. Lewis, os que detalhavam os pacientes falecidos e os que não teve oportunidade de ler antes que a clínica fosse destruída. Então, havia outras mulheres Raça criadas em laboratório que sobreviveram aos prolongados ensaios médicos e tratamentos? Tinha que ter certeza. Se tinha irmãs, tinha que encontrar uma maneira de ajudá-las.

Dragos ainda a estava estudando, seus olhos como frios dedos mortos em sua pele.

—Quando eu for o rei e todos os humanos e Raça se dobrarem a mim — muito em breve agora — acrescentou, sorrindo com certeza arrogante —vou exigir uma rainha adequada.

Tavia engoliu a bile que subiu em sua garganta pela ideia.

—Acho que gostaria de ter você ao meu lado, na minha cama. — Ele resmungou, se divertindo com alguma coisa. —Meu presente para você será a Ordem em correntes. Pode matar Sterling Chase pessoalmente, se quiser.

As palavras — o próprio pensamento de Chase ou dos outros na Ordem caindo nas mãos de Dragos — a atingiram como uma bofetada. Ele estendeu a mão, acariciando levemente sua bochecha. Ela lutou para não vomitar, ciente do assassino Gen Um a observando como um falcão.

Podia mastigar a mão Dragos num instante, mas precisava matá-lo. E para isso, precisava chegar perto. Deus a ajudasse — ser íntima — se necessário.

—Venha — disse a ela. —É pôr do sol no exterior. Estava prestes a sentar e assistir o noticiário. Vai se juntar a mim, Tavia, e testemunhar o reino que está prestes a ser nosso.

 

O Renegado tinha uma mulher encurralada no vão da escada de seu luxuoso prédio de apartamentos quando Chase colidiu com ele no vestíbulo e incinerou o merdinha. A lâmina de titânio abriu toda a garganta do vampiro feroz e o mandou crepitando para o chão, numa pilha de carne e ossos escorrendo, queimando e se fundindo.

Chase parou sobre o Renegado morto, seus dedos pegajosos no punho da lâmina, seu uniforme preto e botas de combate terríveis pelo sangue dos outros que matou no par de horas desde o pôr do sol naquela noite. Olhou para a mulher atingida pelo susto que se encolhia no canto mais distante da escada. O brilho que seus olhos âmbar lançavam deixou seu rosto da cor do fogo. Seu cabelo castanho estava em desordem, caído fora do coque conservador em sua nuca. Seu escuro terno formal retorcido e a blusa branca desgrenhada, rasgada e manchada em vários locais pelas marcas de mãos sujas do idiota que a atacou.

—Está tudo bem — ele assegurou quando limpou a ponta de sua lâmina em suas calças. —O Renegado não pode te machucar agora.

Ela olhou para ele em horror. Sacudiu a cabeça freneticamente enquanto se encolhia mais atrás, os olhos arregalados e desconfiados.

—Você... oh, Deus, você é um deles também!

—Não — disse ele, em seguida, soltou uma maldição quando considerou o quão próximo realmente estava de ser a mesma besta voraz como aqueles derrubados numa faixa sangrenta durante a noite. —Não quero te fazer nenhum dano. Levante-se.

Ela puxou uma respiração entrecortada.

—Não entendo.

—Não há tempo para explicar — ele rosnou. —Agora comece a entrar na porra do seu apartamento e tranque a porta. Não saia até o amanhecer, entendeu? Vá. Agora!

Ela se arrastou para longe dele numa corrida desajeitada, mancando pelo salto alto perdido durante seu ataque. Quando correu para seu apartamento, achou uma maneira de puxar seu celular da bolsa e tirar uma foto rápida dele em toda sua glória vampira. Maravilhoso. Como se ele já não tivesse fotos suficientes no arquivo da polícia humana.

Saiu e respirou limpeza. Ou melhor, deveria ser limpeza. Mas o ar de inverno estava maduro pela corrente de células vermelhas derramadas, algumas frescas, outras coagulando no gelo crostoso em poças nas ruas e calçadas.

A presença de muito sangue, por tantas horas de cada vez, estava deixando-o louco.

Mas se forçou de alguma maneira, sua mente centrada na sua responsabilidade com a Ordem. Seu coração estava fundamentado em seu amor por Tavia.

O perturbava que não pudesse senti-la mais perto.

Queria vê-la, tocá-la. Ter uma prova irrefutável que estava segura. E queria que ela soubesse que a amava. Mais que tudo, queria que ela soubesse disso.

Maldito Dragos. E maldita guerra que finalmente explodiu no rosto da Ordem. Estavam fazendo seu melhor para limpar a situação, mas a batalha apenas começou. Tendo as ruas de Boston sob algum grau de controle antes que a Ordem esta noite se movesse para New York City, onde foram relatados de ataques violentos em Manhattan e cada bairro circundante. Entre a Ordem e os caras de Rowan, queimaram mais de trinta renegados nas últimas duas noites. Mas haviam muito mais. E mais cidades ainda sobpesado cerco, nos Estados Unidos e no exterior.

—Harvard. — A voz profunda de Dante cortou a escuridão. Ele se movimentou, as adagas curvas em suas mãos, seu rosto lambuzado pelo pó de combate recente.

—Achou o idiota que veio por aqui?

—Está morto — Chase respondeu. Sua visão ainda estava inundada com âmbar, as presas grossas em resposta ao cheiro de sangue que permeava a noite. —Incinerei o desgraçado quando estava se movendo para matar. A vítima saiu com sua carótida intacta e uma foto minha ao lado do corpo defumado.

Não era a primeira vez que os humanos que a Ordem tentava poupar pararam para tirar fotos ou fazer vídeos de celulares dos guerreiros que tentavam limpar essa bagunça. Nem seria a última.

Dante passou uma mão sobre o rosto imundo.

—Fodida tecnologia moderna. Inconveniente como o inferno, às vezes, hein? Bem, não é como se a Raça tivesse que se preocupar em manter um perfil oculto. Estamos tão expostos como podemos estar.

Chase balançou a cabeça e esfregou distraidamente o centro do peito.

—Está bem? — Dante perguntou, o estudando.

—Sim. É apenas...

—Tavia — disse o guerreiro, quando a voz de Chase parou.

—Odeio não estar com ela agora. — O laço de sangue retumbava através dele, mas a distância física dele deixava um vazio no peito. —Odeio não poder senti-la perto.

Dante acenou com a cabeça, compreensivo.

—Se ela estiver em apuros, saberá. E se esse dia chegar, vou estar com você. Toda a Ordem estará.

A promessa, o vínculo renovado de amizade e parentesco com a Ordem fez a garganta de Chase secar. O humilhava saber que Dante e os outros estavam prontos para aceitá-lo novamente. Dispostos a sangrar por ele, o mesmo que ele faria por qualquer um deles.

Ele encontrou sua família nestes bons e bravos homens.

Não correria o risco de perder isso por nada.

E não poderia conhecer sua verdadeira casa até que tivesse Tavia de pé ao seu lado.

Foi então que o celular de Dante começou a vibrar com uma chamada recebida. Ele o pegou, cumprimentou Niko, então xingou baixinho.

—Tem que estar zombando de mim. Sim, podemos saltar. Harvard e eu estamos a cinco minutos de você. Será ali mesmo. — Ele acabou a chamada e deu um olhar grave para Chase. —Hora de ir. A Ordem está saindo, o mais rápido possível.

—Problemas? — Chase perguntou, retoricamente, quando se aproximaram um pouco mais.

—Nova onda de Renegados varreram o DC. Estão incendiando o local, invadindo as embaixadas estrangeiras e arrastando as pessoas para fora de suas casas. Repercussões humanas muito mais que o normal.

Chase rosnou uma maldição, em seguida, saiu ao lado de Dante para atender seus irmãos na próxima rodada de batalha.

 

Ela nunca chegaria perto o suficiente para matá-lo.

Dragos mantinha seus Hunters próximos a todos os momentos. No entanto, tão cauteloso como era, não parecia vê-la como uma grande ameaça. Como poderia, quando chegar a ele primeiro exigiria que simultaneamente desativasse quatro soldados altamente treinados?

Agora, estava atrás das portas fechadas de seu escritório particular, conferindo com seus tenentes. Sem dúvida, estavam se regozijando sobre o terror mais recente que desencadearam — soltando ainda mais Renegados em áreas densamente povoadas, incluindo um ataque maciço em Washington, DC. Dragos estava vertiginoso pela perspectiva de mais morte e destruição vindo.

E Tavia foi forçada a conter seu horror quando a contagem de corpos começou a subir pela segunda noite consecutiva.

Nas horas desde que chegou ao seu covil, decidiu em sua mente que provavelmente havia apenas um lugar que teria a oportunidade de ficar sozinha com Dragos. Revirava seu estômago pensar em deixá-lo tocá-la, se colocar em qualquer lugar perto dele, muito menos em sua cama, mas o faria se fosse o único caminho.

Ela sentou num sofá em sua sala de estar muito bem decorada, ouvindo seu riso sádico e a animada conversa do outro lado da fechada porta. O Subordinado imóvel na sala mantinha um olho de águia sobre ela, o brilho opaco do seu olhar cruel enviando uma onda de desprezo subindo sua espinha. A inatividade e sensação de impotência sobre tudo que Dragos conseguia a estava deixando louca. Tinha que fazer algo para impedi-lo, já que seu plano para matá-lo teria que esperar.

Ela levantou abruptamente, fazendo o Subordinado atravessar toda a sala em estado de alerta.

—Estou sentada aqui há mais de uma hora. Preciso usar o banheiro.

O Subordinado hesitou, depois fez um gesto em direção a um cômodo do lado de fora, no corredor. Tavia andou num ritmo despreocupado, caindo contra a porta quando a fechou atrás dela. Sentia dentro de seu sutiã o item que estava carregando com ela desde que deixou o Darkhaven de Chase naquela manhã.

O frasco de prata de Carmesim estava quente contra sua pele, a rolha de cera selada ainda comodamente no lugar no topo da dose letal. Tudo que precisava era a chance de colocar o pó na garganta de Dragos. O fato que a droga o faria se contorcer, cheio de agonia pela morte, provavelmente não deveria dar a ela muita satisfação. Mas queria que ele sofresse. Por todo o mal que promulgou durante sua vida muito longa, queria que Dragos morresse lentamente e horrivelmente.

Guardou o frasco de volta no sutiã e cuidadosamente abriu a porta, olhando à volta da sala de estar. O Subordinado não se moveu. Geneticamente falando, era apenas humano, por isso não fez mais que piscar sobressaltado quando ela saiu do banheiro e abaixo para o salão com a rápida agilidade Raça.

Tavia seguiu a vibração eletrônica de equipamentos de informática que emanavam da escada no extremo do corredor. O centro de comando da operação de Dragos, adivinhou.

Alguém digitava num zumbido de teclado, quase imperceptivelmente. Tavia cobriu a distância silenciosamente, mais rápido que o técnico Subordinado poderia segui-la. Sua força aumentava todo dia agora, junto com sua velocidade desumana e destreza. Agarrou ambos os lados da cabeça e deu ao seu pescoço uma torção, dura e letal. Desceu seu volume morto abaixo, sem um som, em seguida, guardou seu corpo num armário de abastecimento nas proximidades.

Uma parede de monitores brilhava com alimentações de segurança e vários programas em execução. Tavia digitalizou todos eles, absorvendo o máximo do centro de comando de dados de Dragos que podia. Um dos computadores, o do Subordinado que estava digitando mostrava um banco de dados aberto, acessado por seu login. Tavia procurou o menu do sistema para aplicativos que podiam lançar mais luz sobre o funcionamento de Dragos.

Depois de algumas tentativas, puxou uma riqueza de informação, incluindo os registros de três outras Gen Um fêmeas ainda ativas no programa de Dragos. Leu seus nomes e localizações com uma dor no peito pelas três meias-irmãs, e nenhuma delas sabia da existência das outras.

—Vou encontrá-las —prometeu a todas agora num sussurro feroz. —Este será mais um dia.

Ainda mais dados abriram para ela quando procurou se aprofundar no disco rígido. Resmas de descobertas do Dr. Lewis e estudos, procedimentos de tratamento, bem como prescrição de fórmulas. Registros sobre o programa Hunter, incluindo dossiês sobre a população assassina inteira.

Meu Deus, tudo que a Ordem precisava para esmagar a operação de Dragos estava bem aqui na frente dela.

Tinha que encontrar uma maneira de chegar a eles. Chamá-los seria impossível. Havia simplesmente muita informação e muito pouco tempo. Tinha que haver um caminho melhor.

E lá estava, ela percebeu.

Puxou um prompt do DOS no computador e digitou um comando. A tela escura encheu linha após linha de códigos e parâmetros. Quando viu o que precisava, gravou em sua memória num instante.

Mas como enviar isso para a Ordem?

Ela correu até o Subordinado morto no armário e procurou por um celular. Encontrou no bolso da frente de suas calças. Seus dedos voaram sobre o teclado.

Mal terminou e enviou a mensagem, sentiu uma mudança de movimento no corredor acima. Empurrou o telefone no bolso do Subordinado e correu para cima... direto para Dragos e seus quatro guardas assassinos.

 

—Se perdeu, Tavia?

A expressão da fêmea não vacilou nem por um segundo quando Dragos olhou para ela. Se tivesse, teria ordenado a seus caçadores que a matassem no local.

Mas manteve seu olhar sem um pingo de culpa ou medo.

Não, o olhar que deu era no mesmo nível e imperturbável. Iluminado com intriga indescritível que o fez querer estudá-la um pouco mais. Poderia pensar em muitas maneiras divertidas que gostaria de estudar a bela Tavia Fairchild.

—Meu Subordinado disse que foi procurar o banheiro.

—Seu subordinado é um tédio. Cansei de esperar que concluísse sua reunião, então fui explorar. — Sua boca se curvou num sorriso fresco e confiante que foi direto ao seu pau. —A operação aqui é impressionante. Espero que não se importe com minha curiosidade.

Ele não tinha certeza se o fazia ou não, mas do jeito que olhava para ele agora— parte sedutora e disposta, parte predadora — se tornou fácil perdoá-la.

Além disso, estava muito exultante para se importar se estava tentando jogar com ele ou não. Tudo em que vinha trabalhando agora estava caindo no lugar.

Violentamente, sangrentamente, perfeitamente no lugar, exatamente como planejou.

—Quanto gostou do espetáculo contínuo de hoje? — Perguntou ele, avaliando sua reação com um olhar perspicaz.

—Incrível — ela respondeu sem inflexão. Mas ela se aproximou agora, seus claros olhos verdes fixos nele com o único propósito de espírito. —Ver tanto derramamento de sangue... — Ela estremeceu um pouco, e quando seus olhos brilharam, novamente, provocaram um incêndio com âmbar. —Faz algo para mim, ver esse tipo de potência. Estar perto dela me faz sentir coisas que realmente não posso explicar.

Seu rugido de aprovação prendeu na parte de trás de sua garganta.

—Excita você.

Ele entendia a reação. E não era surpresa ouvir essa mulher admitir para ele. Era uma Gen Um, com genes predadores quase puros.

Também foi criada da mesma linha do Outro-Mundo que ele, o mesmo Antigo usado para criá-la era o mesmo que gerou seu próprio pai Gen Um vários séculos atrás. Tavia Fairchild compartilhava sua genética, a ideia que pudesse compartilhar alguns de seus instintos obscuros e anseios era uma sedução que mal podia esperar para explorar.

—Esperava que pudesse me mostrar mais — disse ela, e em seguida, olhou para os quatro assassinos que o ladeavam como se fossem incômodos que não podia esperar para se livrar. —Em particular, quero dizer.

Dragos não viveu por mais de setecentos anos porque era um tolo. Também não tendia a deixar que o pau dele tomasse decisões. Havia uma parte calculista dele que sabia que se descesse para sua sala de controle, encontraria seu técnico Subordinado sem respirar mais e uma falha de segurança detectada em seus sistemas de computador.

Também sabia que o cativeiro de Tavia com Sterling Chase e a Ordem provavelmente não foi tão descompromissado como ela gostaria que ele acreditasse. Mas a Ordem já não importava para ele. Seus planos foram longe demais para ser interrompidos, e os guerreiros de Lucan tinham as mãos mais que cheias com os estragos sendo provocados em várias partes do mundo.

Tavia queria que achasse que ela não podia esperar que a levasse para sua cama. Não via nenhuma necessidade de decepcioná-la. A foderia de forma absurda e repetidamente — até que sangrasse e implorasse por misericórdia, mas não até depois que sua ascensão ao poder fosse assegurada.

Estendeu a mão para acariciar seu rosto aveludado.

—Pretendo mostrar-lhe muitas coisas, Tavia. Começando pelo momento que me tornarei dono e senhor de cada ser vivo neste planeta. — Teve o prazer de ver o lampejo de incerteza em seus olhos fixos. —Estamos partindo agora para Washington, DC. Se vai ser minha rainha, quero você comigo quando tomar a coroa.

A cena em DC fez os ataques em Boston e Nova York parecer um passeio no parque.

Renegados inundavam as ruas do centro e bairros periféricos de todas as direções. Muitas baixas com pesados danos colaterais além do normal. Para combater o ataque de dezenas de vampiros famintos liberados nas áreas urbanas densamente povoadas, a Ordem se dividiu em três equipes: duas no chão, com armas e facas; outra como franco-atiradores no topo de um alto edifício corporativo, derrubando renegados com rifles de alta potência, mantendo um olho sobre a situação das equipes a pé.

Tegan, Hunter, Brock e Kade cuidavam do trabalho em Columbia Heights enquanto Niko direcionava pelo rádio a equipe de Chase para um enxame de Renegados que derrubaram um Metrobus cheio de passageiros.

—Desça para a Pensilvânia Noroeste — aconselhou Niko empoleirado no último andar com Renata e Rio. —Merda, deve haver trinta pessoas a bordo. Vai ficar feio depressa.

—Vão para lá agora — Lucan disse, apontando para Chase, Dante e Archer —, a equipe já está saindo.

Estavam no local em questão de minutos, mas o massacre já havia começado.

O quadrado ônibus prata, vermelho, branco e azul estava de lado na rua, uma dúzia de Renegados o escalando, quebrando janelas e agarrando as pessoas aterrorizadas gritando lá dentro. Mais Renegados vinham das ruas circundantes e becos, atraídos pelo cheiro de sangue derramado.

A própria reação física de Chase foi rápida, bem como, quase esmagadora. Sua cabeça pulsava pela fome, as veias se iluminando pelo desejo de se alimentar, a garganta arranhando enquanto os animais loucos agarravam e rasgavam o ônibus tombado. Empurrou a resposta febril do seu corpo, saltando para a briga com o resto de sua equipe enquanto alcançavam o veículo caído e começavam a detonar os Renegados.

Lucan agarrou o maior dos atacantes e atirou o merdinha na calçada com um rugido. Dois tiros rápidos e o crânio do Renegado explodiu, matando-o mesmo antes que as rodadas de titânio pudessem fazer seu estrago. Lazaro Archer invadiu a cabine do ônibus naquele momento mesmo, explodindo fogo mortal sobre o par de Renegados que subia pelo meio do para-brisa estilhaçado, babando para se juntar aos outros quatro que já tinham conseguido entrar para se alimentar.

Chase e Dante se agacharam na parte traseira do ônibus juntos, uma equipe cortando com lâminas de titânio e fúria. Ceifaram três idiotas em meros segundos, em seguida, viraram para dentro do ônibus para lidar com os outros assaltantes enquanto Lucan abria caminho através dos que estavam no topo. Na frente, Archer limpava as ruínas do para-brisa quebrado e começava a puxar os humanos aterrorizados para a segurança.

Gritos e urros se misturavam aos estalos de tiros enquanto a batalha se desenrolava. Pessoas saíam do ônibus em histeria. Era um pandemônio, sangrento e selvagem. Quando a poeira finalmente baixou, apenas quatro vítimas humanas estavam mortas dentro do ônibus, outros dois caídos sem vida na rua próxima. As perdas dos Renegados foram maiores: os restos escorrendo de quase todos os viciados em sangue formavam poças de óleo negro no pavimento.

Assim que contiveram a situação, o celular de Lucan cantarolou com uma chamada recebida. O líder da Ordem andou para longe da sangrenta precipitação para responder. Sua voz profunda estava séria, silenciosa. Quando deslizou o telefone de volta no bolso do casaco e virou para olhar Chase sério, o rosto respingado de sangue.

—O que foi? — Dante perguntou de onde estava ao lado de Chase. Archer fez uma pausa ao lado dos outros guerreiros, também.

—Era Rowan. — Lucan deu uma sacudida sóbria em sua cabeça. —Ele recebeu um texto com informação para Gideon. Aparentemente temos o endereço IP do centro de comando de Dragos.

—Puta merda — Dante respirava. —De quem?

O olhar sóbrio de Lucan oscilou para Chase e ficou lá, fazendo seu coração saltar rápido e esfriar seu intestino.

—Foi Tavia. Ela enviou da Sede de Dragos. Ele está com Tavia.

 

O tijolo branco da mansão estilo rainha Anne e o jardim-parque ocupavam uma grande seção dedicada da propriedade do Observatório Naval dos Estados Unidos no coração de Washington, DC.

Tavia esteve dentro de seu esplendor de 33 salas mais de uma vez durante seu emprego como assessora do senador Clarence. À medida que as pás do helicóptero pilotado pelo Subordinado de Dragos rasgavam o céu noturno sobre a residência do vice-presidente, olhou pela janela para as árvores cheias de neve abaixo no chão e sentiu um pouco do ar deixar seus pulmões num suspiro de espanto deprimido.

Veículos do serviço militar e secreto estavam estacionados em seus postos ao redor da propriedade. Formas escuras imóveis no chão, sinais evidentes de luta — e conflito armado que terminou em perdas humanas — quando o helicóptero desceu lentamente numa clareira a várias centenas de metros da casa.

Os assassinos de Dragos já estiveram aqui.

Ela entendeu isso, mesmo antes de um par deles sair da cobertura das árvores para saudar seu comandante chegando.

—Tudo garantido — um dos enormes Gen Um vestido dos pés à cabeça de preto o informou. —O humano espera por você lá dentro.

—Excelente — Dragos respondeu. Com os dois Hunters liderando o caminho, Dragos pegou Tavia pelo braço num aperto não muito gentil quando saíram do helicóptero.

Seguindo de perto estava o assassino que fez a viagem com eles, observando cada movimento dela.

Se a cena fora da mansão fez seu coração apertar com medo doente, a realidade do que aconteceu no interior a golpeou ainda mais duro. O vice-presidente estava sob a mira de uma arma, sentado no sofá cor de marfim da sala de estar decorada com bom gosto. Atrás dele, na parede, a paleta verde pálido e creme de uma pintura abstrata estava pulverizada com sangue, sem dúvida pertencente ao Marine morto estatelado no chão a poucos passos de distância.

—Diga-me o que quer de mim, porra! — O funcionário grisalho do governo gritou para seus captores. —Por favor, me deixem, pelo menos, ver minha esposa e família. Os deixem ir.

—Relaxe — Dragos respondeu suavemente, atraindo toda a atenção do vice-presidente, enquanto andava pela sala. —Sua família está lá em cima, ilesa, com alguns dos meus homens. Não tenho nenhuma necessidade deles.

O rosto do homem afundou num olhar visivelmente incrédulo.

—Drake Masters? Pelo amor de Deus... e Tavia? — Moveu-se como se quisesse se levantar, mas o assassino em pé ao lado dele o convenceu de outro modo com uma cotovelada de sua pistola semiautomática. —O que é isso, Drake? Exijo saber o que diabos está acontecendo!

Dragos riu.

—Não exige mais nada. E pode me chamar de Dragos. Em poucos minutos estará me chamando de Mestre.

—Não entendo — disse o vice-presidente murmurando. —Não entendo nada do que está acontecendo nesses últimos dias.

—Não entende? — Dragos disse sombriamente, ao lado de Tavia. Caminhou para frente, irradiando uma ameaça fria. —Não entende finalmente o quanto sou poderoso? Agora que já viu o que posso fazer, agora que o mundo inteiro viu a magnitude da minha ira, talvez a humanidade finalmente perceba que não controlam nada. Este mundo pertence a nós agora. A mim.

Os olhos feridos ficaram um pouco maiores.

—O que está dizendo, que toda essa loucura de alguma forma é você quem está fazendo?

A resposta de Dragos foi um rosnado baixo que fez as veias de Tavia virar gelo.

—A Raça viveu nas sombras por muito tempo. Estou repondo a ordem das coisas. Estou colocando a Raça no topo da cadeia alimentar, onde pertencemos. E vai me ajudar a fazer isso.

Tavia apertou os punhos de seus lados. Ansiedade correu através dela como ácido enquanto sentia como o humor de Dragos ia de levemente divertido a perigosamente determinado.

—Hoje estou aproveitando meu lugar de direito como mestre de toda a humanidade e Raça por igual — Dragos continuou. —De sua parte, vai fazer a chamada para me ajudar a começar minha ascensão ao poder. Vai me entregar o presidente aqui e agora.

Com um olhar, Dragos solicitou que um dos assassinos de guarda arrancasse o celular do bolso do casaco do terno do humano. O Gen Um o estendeu para o vice-presidente, que apenas olhou para ele em recusa abjeta.

—Está louco — disse ele bruscamente. —Pode ter encontrado uma maneira de passar pela segurança e matar meu pessoal, mas mais virão. Estão a caminho agora, posso garantir isso. Acabou de derrubar todo o exército dos Estados Unidos em sua cabeça.

Dragos riu. O ar em torno dele vibrou com um frio sinistro quando seus olhos brilharam âmbar brilhante e suas presas surgiram de suas gengivas.

—Faça. A. Chamada.

—Não posso — protestou o humano. —Não vou fazer isso.

Na fração de um instante entre essas palavras contundentes e o pulo de Dragos para frente como uma víbora pronta para golpear, Tavia entrou em ação. Com um movimento super veloz, se colocou entre Dragos e sua vítima, o frasco de Carmesim recuperado de seu esconderijo em suas mãos.

Segurou um monte de pó vermelho na palma da mão, a única arma que tinha naquele momento. Exalou o ar que explodiria a dose maciça em seu rosto, orando para ser o suficiente para desativá-lo, se não o matasse numa explosão de agonia se contorcendo.

Mas nunca teve a chance.

Se movendo mais rápido do que podia controlar e reagindo mais rápido que podia imaginar, mesmo sendo presenteada com genes semelhantes quando os dois Hunters protegendo Dragos a agarraram.

Um puxou os braços dela para trás. O outro segurou o frasco de Carmesim. Com um único comando de Dragos, compreendeu com certeza fria que seria morta.

Sua expressão era suave demais para ser confiável, seus movimentos muito calmos quando pegou o Carmesim de seu guarda e o levou até o nariz. Ele deu uma leve cheirada, então zombou com malícia fria.

—Agora, isto foi um lance incrivelmente estúpido de sua parte, Tavia. Uma pena.

Antes que ela pudesse reagir, pulou para frente e empurrou o frasco aberto em sua boca. Ela engasgou com o pó seco quando atingiu o fundo de sua garganta. Tossindo, engasgando, caiu sobre os joelhos enquanto sua cabeça enchia com o zumbido de um milhão de abelhas picando.

Oh, Deus, pensou, desesperada pelo medo que o Carmesim atingisse sua corrente sanguínea e a agonia cortasse através de cada célula de seu corpo.

Ela falhou.

Falhou com Chase e a Ordem miseravelmente, e agora tinha certeza que Dragos acabaria de matá-la.

Os joelhos de Chase cederam embaixo dele na rua. Uma dor o apertou, tão violenta que parecia que seu peito estava se abrindo.

—Tavia.

Ah, Cristo.

Sua agonia estava por todo lugar dentro dele. Fogo, adagas e veneno, um sofrimento tão intenso que era uma maravilha que seu coração não deixasse de bater em seu peito.

Não, o órgão ferido queria explodir atrás de seu esterno.

A ferocidade do que ela estava sentindo naquele momento era a coisa mais terrível que já conheceu. Não só por causa da angústia crua de sua dor, mas devido ao fato que era ela quem a sentia.

Sua mulher, sua companheira, ferida — Deus me livre, morrendo — e não podia estar ao seu lado.

—Tavia! — O nome dela saiu de sua boca num rugido.

—Chase — gritou Dante, ao lado dele quando tropeçou sob o peso de sua agonia. —Jesus Cristo. Fale comigo, Harvard. O que está acontecendo?

—Ela está ferida. Ah porra... tenho que chegar até ela!

Seu desespero para alcançá-la depois de ouvir um momento atrás que estava com Dragos agora era primordial. Enquanto Niko e Brock estacionavam os dois SUVs da Ordem com o resto dos guerreiros, Chase partiu para os veículos. Dante, Lucan e Archer bem atrás dele.

Tegan estava no telefone com Gideon quando Chase e sua equipe se empilharam no Rover.

—Estamos saindo agora — disse ele, em seguida, olhou para Lucan e os outros. —Gideon conseguiu o endereço do IP que Tavia forneceu. É originário do Maine, uma ilha particular no meio da costa.

A agonia de Chase piorou, arranhando-o por dentro. Rosnou com a fúria de seu desamparo.

—Levem-me para ela. Por favor...

Os veículos começaram a rolar, rasgando as ruas enfumaçadas que cruzavam o DC.

—Gideon diz que tem mais informação nessas sequências de detonação para os códigos dos colares UV. Está tentando gradear os sinais de GPS, trabalhando em algum tipo de roteiro de todos os Hunters ativos — Tegan relatou.

Lucan grunhiu.

—Diga a ele que seria melhor acelerar. Podemos precisar desses códigos quando chegarmos ao covil de Dragos.

Quando se apressaram através do caos e carnificina da capital escura, a dor forte no peito de Chase se aprofundou. Seu laço de sangue com Tavia estava pulsando, bombeando através de seus sentidos como a batida de um tambor. A sentia perto o suficiente para ele tocá-la.

—Não vamos para o Maine.

O olhar questionador de Niko encontrou seu olhar triste no espelho retrovisor.

—Pare o carro! — Chase gemeu, dificilmente capaz de falar pela intensidade da trituração que o acometia agora. —Temos que voltar. Eu a sinto. Está aqui. Está em algum lugar desta cidade.

 

Ela mal podia suportar a dor.

Nadava por suas veias, através de sua mente, a drenando de toda a força. Mastigava sua sanidade com pequenos dentes, retalhando.

Esta era a morte.

Esta era uma agonia de verdade, um vício rápido e completo que a deixou se contorcendo no chão. Ofegante como se estivesse morrendo por ar.

Este era um inferno diferente de qualquer outro que poderia ter imaginado, sentindo seu corpo perdido para a fome — uma sede selvagem a consumindo que nenhuma quantidade de bebida poderia saciar.

Através dos olhos turvos, o rosto descansando pesadamente no chão, onde se contorcia em desespero impotente, viu quando o mais novo Subordinado de Dragos fez a chamada para o homem que uma vez serviu como seu leal vice. O pescoço do vice-presidente ainda sangrava das punções gêmeas que Dragos fez lá, mas não sentia mais dor. Apenas precisava agradar seu Mestre.

—O presidente está a caminho — o Subordinado disse, entregando o celular de volta para Dragos com um sorriso de homem morto. —Suspeitou do pedido. Virá com pesada guarda militar, Mestre. Atirarão para matar se ele sentir algo errado.

Dragos assentiu.

—Estamos preparados para isso. Tudo o que eu precisava era fazer com que ele se aproximasse. Em breve vou possuir a ele também. E com sua fidelidade virá o resto dos líderes mundiais, um por um. Acabou de ajudar a colocar o último prego no caixão do controle dos humanos sobre a Raça.

O Subordinado inclinou a cabeça numa curva servil.

Tavia tentou levantar, desesperada e com a esperança que algo — qualquer coisa —frustrasse as pretensões maléficas de Dragos. Não levantou muito a cabeça mais quando uma bota pesada desceu na parte de trás do seu pescoço, a imobilizando lá.

O calcanhar do Hunter prometia esmagar sua garganta se sequer pensasse em se levantar contra seu comandante.

Ela cedeu de volta abaixo e sentiu uma nova flor de agonia nascendo dentro dela. Era Chase. O sangue subia com o poder de seu medo e fúria dele por ela. Balançou até o seu núcleo o quanto ele desejava estar perto dela agora.

E estava vindo. Podia sentir isso também. Sentia cada milha que diminuía entre eles, quase podia o sentir pedindo para se segurar, para se manter viva, até que ele pudesse alcançá-la.

Foi só então que as lágrimas começaram a cair.

Chase estava vindo por ela, e Dragos e seu exército de assassinos estaria esperando por ele.

—Tem certeza disso? — Nikolai perguntou atrás do volante, enquanto se apressava em direção ao Observatório Naval dos Estados Unidos.

O sangue de Chase repicava duro com a resposta.

—Tenho certeza. Ela está em algum lugar aí.

—A casa do vice-presidente é aqui por esse motivo — disse Dante ao lado dele no banco traseiro do Rover. —Este lugar deve estar repleto de militares.

—Não se Dragos também está aqui. — A resposta de Lucan era uma mistura sinistra de mau agouro e ameaça mal controlada. —Bom Deus. Tavia nos trouxe direito ao filho da puta.

O celular de Lucan cantarolou com uma chamada e ele apertou o botão para colocá-lo no alto-falante. Era Gideon novamente. Estava mantendo um pulso na situação, como previram há alguns minutos atrás. Agora, sua voz era tensa, com uma intensidade ansiosa.

—Conseguimos descobrir esses sinais dos colares finalmente — relatou ele. —Tenho um mapa on-line e estou vendo um monte de sinais saindo da área do DC agora.

—Onde estão? — Lucan perguntou enquanto Niko pegava um rápido retorno, Brock logo atrás.

—Tenho literalmente dezenas de bips milhas a noroeste da Casa Branca. A área está iluminada como uma maldita árvore de Natal.

Lucan olhou para Chase e os outros guerreiros, as sobrancelhas escuras baixas sobre seus olhos cinzentos de aço. —Sabemos exatamente onde é. Estamos indo para lá agora.

—Puta merda, isso não pode ser bom — Gideon murmurou, passando a mão sobre o loiro cabelo desgrenhado quando caiu atrás em sua cadeira no laboratório de tecnologia. —Poderia ser uma armadilha, cara. Pode estar indo direto para as mãos de Dragos.

Um músculo marcava o maxilar de Lucan quando encontrou o olhar determinado de Chase.

—Acho que vamos descobrir isso em breve. A mulher de Chase está lá dentro. Não sairemos sem ela.

Um olhar para Niko e o pé do guerreiro afundou no acelerador.

Com um lamento estridente de borracha no asfalto, ambos os Rovers da Ordem subiram pelo gramado do complexo do vice-presidente.

Chase saltou na metade do pátio e correu em direção à mansão com toda a velocidade sobrenatural que possuía.

Dragos ouviu o grito repentino dos pneus parando do lado de fora da casa. Foi na direção do barulho, sabendo que o presidente e sua segurança não chegariam aqui nessa velocidade.

Era a Ordem.

Lançou um olhar a Tavia, recordando sua admissão que tirou sangue de Sterling Chase. Devia ter adivinhado que o ex-Agente meio-Renegado poderia também ter provado seu sangue. Estavam unidos, e quando Dragos viu as lágrimas cruzando o rosto contorcido da mulher, entendeu que Chase e ela estavam vinculados por mais que sangue. Ela o amava.

E Dragos estava apostando pela cacofonia de tiros e combate subindo do pátio exterior que Chase Sterling também a amava.

—Trouxe-os aqui. — Ele deixou sua risada explodir quando bateu as mãos num aplauso de simulação. —Parabéns, Tavia. Fez o que fui incapaz de fazer todo esse tempo. Trouxe a Ordem para mim, direto para suas mortes.

Ele deu um olhar duro para um dos Hunters ali perto, na sala de estar.

—Sem sobreviventes. Entendeu? Diga aos outros que façam o que deve ser feito. Quero Lucan e seus guerreiros mortos agora, porra!

À medida que o assassino corria para cumprir o comando, uma janela da frente da residência quebrou. Fogo rápido e uma enorme massa de fúria rugindo caiu dentro, levando o Gen Um para o chão numa confusão borrada de movimento e selvageria.

Dragos ficou boquiaberto pela invasão inesperada. Mergulhou para pegar uma arma quando seu Hunter caiu sob o ataque punitivo de Sterling Chase. O guerreiro estava enlouquecido pela violência puramente animal. Quase magnífico na sua letalidade.

Outro guerreiro agachou atrás de Chase, depois outro, a troca louca de tiros e força letal fazendo os dois assassinos virem pelo que parecia ser apenas pura aceitação do derramamento de sangue. A batalha era brutal, e Dragos mostrou uma pontada de incerteza quando viu seus assassinos altamente treinados levando uma surra de Chase, Dante e Rio, da Ordem.

Atrás dele, Dragos viu Tavia usando o momento de desatenção para se levantar do chão. A cadela estava em má forma, mas não estava prestes a cair sem uma luta. Seus olhos âmbar espetavam do outro lado da sala. Seus dentes eram afiados punhais brancos, pingando com a espuma do Carmesim que acabaria por consumir sua sanidade e sua vida.

Mas não cedo o suficiente.

Ela saiu de seu agachamento e saltou nos dedos dos pés em direção a ele. Dragos caiu debaixo dela, sua pistola deslizando fora do seu alcance enquanto a efervescente vampira se empoleirava em seu peito como uma mulher-dragão prestes a eviscerá-lo.

Não teve chance.

Antes que pudesse fazer seu pior, seu último Hunter remanescente na casa a arrancou e jogou contra a parede. Ela caiu no chão num monte quebrado, gemendo. Dragos estava lá quando tentou se levantar para mais uma rodada.

—Não tão rápido — a alertou, o cano da 9 milímetros semiautomática empurrada com força contra sua têmpora. Um aceno para seu Hunter e se viu puxada para seus pés. Dragos manteve sua pistola nivelada, pronta para explodir seus miolos por toda a parede se piscasse de uma forma que o desagradasse.

Do outro lado do quarto, Chase e os outros terminaram com seus dois assassinos. No jardim além, o combate se alastrava, tiros soando, sirenes à distância, enquanto o resto da cidade permanecia em estado de sítio ao comando do Dragos.

Dragos sorriu quando Chase percebeu que ganhou sua batalha, tanto quanto podia.

Os olhos do guerreiro brilharam âmbar quente quando olhou para a arma que poderia acabar com a vida de sua mulher a qualquer segundo.

—Você perdeu — disse Dragos para ele. —Você e a Ordem nunca ganhariam.

—Deixe-a ir. — Chase levantou sua própria arma agora, mirando sobre a cabeça de Dragos.

—Deixá-la ir? — Dragos zombou do comando tenso e da ameaça de bala que sabia que o homem jamais arriscaria. Não quando a têmpora de mulher podia tão facilmente comer uma bala, ao mesmo tempo. Não que precisasse de uma bala para matar Tavia Fairchild agora. —Ela já era, guerreiro. Olhe para ela. Formando espuma e arfando como um cão raivoso. Abaixe sua arma.

—Tavia — disse Chase agora, seu olhar triste de amor e preocupação. —Diga que está bem. Ah, Cristo... diga que não perdi você.

Dragos riu, apreciando o sentimento desperdiçado como o vilão que realmente era.

—Disse para baixar sua...

As palavras entupiram na garganta, em seguida, vazando sobre ele num grito sibilante quando um choque de dor rasgou seu crânio. Era debilitante. Algo cheio de fogo, que espetava seu cérebro e fazia todos os músculos do seu corpo convulsionar em agonia. A pistola caiu de sua mão. Suas pernas sumiram debaixo dele. Parecia que sua cabeça estava espremida num torno, a ponto de estalar sobpressão extrema e dor.

Quando Dragos caiu no chão, viu o esboço de uma mulher esbelta vestida em couro preto. A Companheira com cabelo preto no comprimento do queixo e penetrantes olhos verdes jade que o prendiam numa teia mental jateando poder extrassensorial.

Assim que o talento de Renata derrubou Dragos, Chase voou para ele num salto furioso.

Não podia conter sua selvageria.

Seu rugido era puramente animal quando fixou suas mandíbulas abaixo na garganta do vampiro e arrancou sua laringe com os dentes e presas arreganhadas. O grito de Dragos morreu junto com ele. O orquestrador de tanta violência e miséria, morto numa mistura sangrenta de tendões rasgados, artérias jorrando, e olhos arregalados, boquiaberto de medo.

Chase queria fazer o sofrimento durar. Desejava uma morte brutal punindo Dragos, mas não com a vida de Tavia na linha. Chase soltou o corpo de Dragos, lixo descartado sem um olhar para trás.

À medida que a vida deixava seu corpo, todos os seus Subordinados pereceriam também. Atrás de Chase, o humano que foi o vice-presidente caiu sem vida no chão.

Em outras partes do mundo, onde Dragos semeou as sementes da revolta, os humanos que possuía morreriam de forma semelhante: de repente, em silêncio, inexplicavelmente.

Menos seu exército de assassinos. Entre Dante, Rio e Renata, o último Hunter remanescente na casa não era mais uma ameaça, mas os que ainda lutavam contra a Ordem lá fora não cederiam, até realizar os desejos do comandante...

Chase sabia que seus irmãos precisavam dele lá fora.

Sabia, no entanto, tudo que podia fazer era correr para o lado de Tavia e puxar seu corpo devastado pelo Carmesim para seus braços.

—Fique com ela — disse Dante, nenhum julgamento nos seus olhos cor de uísque. Apenas amizade e compreensão de um macho acasalado que faria a mesma coisa se fosse Tess deitada lá agora. —Mantenha-a segura. Vamos lidar com o resto.

Chase abraçou Tavia perto quando Dante e os outros saíram para a briga.

No instante seguinte, a noite lá fora foi iluminada pelo intenso flash súbito, a luz queimando as retinas.

 

Lucan caiu no chão e protegeu os olhos junto com o resto da Ordem, logo que ouviram o repentino zumbido em conjunto dos colares UV sobre o exército de Gen Um assassinos.

Ainda assim, o impacto da sua detonação veio como um choque.

A luz emitida era tão brilhante — como um raio assaltando toda a ofensiva num só golpe.

Quando se foi, um momento depois, os restos mortais de dezenas de Hunters estavam onde caíram, com a cabeça separada limpamente de seus corpos pelo corte de energia dos colares que garantiram sua lealdade — e seu aprisionamento — a Dragos.

—Ele está morto. — Dante correu fora ao lado de Rio e Renata, esta última sendo arrastada para um abraço feroz por Nikolai assim que a viu. —Dragos está morto.

—Chase e Tavia? — Lucan perguntou, olhando para trás em direção a casa, quando nenhum deles saiu.

—Ela está mal, Lucan. — O tom de Dante não escondia um monte de promessas. —Pelo olhar dela, do jeito que está agindo, a saliva rosa em volta de sua boca... Só vi esse tipo de reação algum tempo atrás.

—Quando a Ordem foi solicitada para deter o revendedor de Carmesim, que estava arruinando a vida de todos aqueles adolescentes civis — Lucan terminou, recordando daquela noite e do Agente de Execução tenso que veio a eles relutantemente um ano atrás e, de alguma forma se tornou um membro integrante da Ordem. Um membro da família que Lucan protegeria com sua vida. Vendo o quanto profundamente Chase cuidava de Tavia Fairchild, reconhecendo seu vínculo, a fazia um membro da família agora também. —Precisamos levá-la de volta para o complexo, encontrar uma maneira de ajudá-la.

Dante acenou com a cabeça, mas havia preocupação em seu olhar, não só por Tavia, mas por Chase também.

—Se ela não conseguir...

—Então vamos nos assegurar que ela consiga.

O celular de Lucan começou a tocar. Gideon, telefonando da sede.

—Desde que está recebendo minha chamada, vou deduzir que meu corte de códigos de detonação funcionou.

—Funcionou — Lucan confirmou, acenando para Tegan e os outros que acabavam de testemunhar o milagre do gênio de Gideon e vinham para se juntar ao resto do grupo. —O pior da guerra com Dragos finalmente acabou. Agora temos que lidar com as consequências.

Enquanto falava, um grande SUV preto com faróis piscando e uma vanguarda militar que o escoltava, veio rugindo acima pelo caminho em direção a casa. Lucan sentiu seus irmãos tensos ao seu redor, se preparando para uma continuação da batalha.

—Calma — Lucan aconselhou friamente. —Temos que mostrar aos humanos que somos aliados, e não o inimigo. Esperemos que nos proporcionem essa chance apesar de tudo que Dragos fez para miná-la.

Dezenas de soldados prontos para combate cercaram a Ordem quando o SUV parou a poucos metros de distância dos guerreiros Raça reunidos. O rude homem em uniforme militar saiu do fundo e caminhou em direção a eles incisivo. Quatro estrelas desciam da insígnia bordada na frente de seu traje de camuflagem do exército, outro conjunto de estrelas corria pela lateral da viseira que cobria os curtos cabelos grisalhos. Quando o funcionário fez sua abordagem, os olhos astutos digitalizaram a destruição inexplicável e inúmeros corpos que cobriam o jardim.

—General — disse Lucas, dando-lhe um leve aceno de saudação.

O homem permaneceu em silêncio, avaliando a situação.

—Onde está o vice-presidente?

—Está morto. Encontrará seu corpo lá dentro, junto com o do responsável por tudo que aconteceu aqui esta noite. — Lucan deu ao alto oficial um olhar de avaliação. —O que orquestrou toda a carnificina na cidade e outras ao redor do mundo não vai fazer mais nenhum mal. Meus irmãos e eu o destruímos. Mas o mal ainda está correndo solto em suas ruas e há mais trabalho a ser feito para detê-lo. O trabalho que precisa ser feito por todos nós juntos, a humanidade e nossa espécie.

Os olhos do general se estreitaram.

—Sua espécie. Apenas o que é sua espécie? Selvagens. Vampiros matando nossos cidadãos. Derramando sangue por todo o mundo, se alimentando de nós como parasitas, pelo amor de Deus.

—Meu tipo é chamado de Raça — respondeu Lucan uniformemente. —Temos vivido entre vocês por muitas centenas de anos. Não somos monstros. Na verdade, parte de nós é humano, não muito diferente de você.

—Não vi nenhuma humanidade nos assassinatos ocorridos durante as últimas noites.

Lucan assentiu, incapaz de negar.

—Havia alguns entre nós que sentiam que a humanidade devia nos servir, em vez de compartilhar este mundo em paz. Seu líder está morto.

O general o olhou, quase convencido.

—Depois do que vimos, como podemos confiar em qualquer um de vocês?

Lucan deixou o desprezo e suspeita o cobrirem sem reação. Não tinha culpa, afinal de contas. O temor aberto nos corações dos humanos nos últimos dois dias poderia levar anos para se acalmar. Podia demorar séculos para reconstruir algum senso de ordem agora. Podia demorar mais ainda para alcançar qualquer tipo de convivência pacífica entre suas raças.

Mas tinha que tentar.

Pelo futuro de todos.

Pelo futuro de todos os nascituros Raça e da humanidade também.

—Sei que a confiança não será uma coisa fácil — disse Lucas. —Mas, para o bem de todos, temos que tentar.

O general começou a dizer algo, um protesto, a julgar pelo olhar duro nos olhos do velho soldado. Mas, naquele mesmo momento, parou para ouvir o dispositivo de comunicação colocado em sua orelha direita.

—Sim, senhor — ele murmurou baixinho. —Claro, senhor presidente.

Deu um passo para o lado para que a porta traseira do SUV abrisse e outro homem saísse. Lucan respirou, observando com cuidado, como os militares partiam para limpar o caminho para o homem mais poderoso dos Estados Unidos.

O presidente estava diante de Lucan, vestido com roupas casuais e um casaco de gola de lã oliva escuro. Parecia abatido, como se o peso do mundo repousasse sobre seus ombros. Lucan ofereceu um sorriso leve e conhecedor quando inclinou a cabeça em saudação.

—Diz que quem causou tudo isso está morto?

—Sim, senhor — disse Lucas com um aceno de cabeça, percebendo que o presidente devia estar acompanhando a conversa com o general de dentro de sua SUV.

—E você e estes homens, esta mulher também —o líder humano acrescentou, olhando para Renata, que parecia tão feroz como o resto dos guerreiros. —Dizem que o derrotaram?

—Nós fizemos — respondeu Lucas.

O comandante-chefe dos Estados Unidos ficou em silêncio, pensando.

—Vi relatos dispersos de um grupo de soldados — um grupo de vampiros — que salvaram vidas humanas, desde que a carnificina começou aqui há duas noites. Vi fotografias, clipes de vídeo. Sabe alguma coisa sobre esse grupo?

—São meus irmãos — respondeu Lucan, o orgulho inchando no peito. —Somos a Ordem. E sou seu líder, Lucan Thorne.

O presidente o observou agora, por tanto tempo que Lucan achou que uma nova guerra começaria aqui mesmo, nesse momento. Então o humano lentamente ergueu a mão a estendeu para Lucan em saudação. Em agradecimento.

—Temos uma dívida, Lucan Thorne. Com você e sua Ordem.

Lucan aceitou a mostra oferecida de confiança. Pressionou a mão coberta de sangue seco do combate na palma do outro humano e deu um aperto firme.

Tavia parecia muito quente em seus braços, febril mesmo quando estremecia.

O Carmesim tinha muita influência sobre ela, muito forte. Estava afundando, à deriva mais e mais fora de seu alcance.

—Fique comigo, bela. Não se deixe ir.

—Tão cansada — ela murmurou, os lábios rachados e ressecados, os cantos da boca revestidos pela espuma rosada. —Tão sedenta...

—Eu sei — ele sussurrou. —Sei que está, mas sangue não pode ajudá-la agora. Só vai piorar as coisas.

Ela gemeu, e nesse som quebrado e necessitava ele ouviu os ecos de sua própria luta. Como era irônico ver Tavia enfrentando a Sede de Sangue, quando ele sentia que podia realmente ter uma chance de vencer a sua.

Como era cruel pensar que estava sofrendo como ele fez, tudo por seu desejo de ajudá-lo e à Ordem a derrotar Dragos.

E ela ajudou.

Sem ela se arriscando tanto — sua própria vida — não havia como dizer o quão longe Dragos seria capaz de levar seus planos malucos.

Lá fora o barulho do combate cessou. A explosão de luz brilhante que Chase viu alguns minutos atrás deixou uma estranha calma em seu rastro. Não havia mais tiros próximos ou em combate. Não havia mais assassinos de Dragos, Chase sabia que devia ser verdade. Quanto aos Renegados que permaneciam em liberdade e soltos nas cidades ao redor do mundo, a Ordem continuaria a retirá-los até que o último fosse cinza na rua.

O mundo seria melhor amanhã, graças à coragem de Tavia e de seus irmãos.

Havia tanta coisa para olhar à frente, tanta esperança por um mundo melhor para todos. Não queria imaginar o mundo sem Tavia nele. Recusava-se a achar que poderia ser possível.

Cuidaria dela até ficar saudável, mesmo que precisasse se trancar com ela até que a febre de sua fome finalmente passasse. Se passasse.

Ele ficaria feliz em trocar sua vida pela dela agora, se pudesse voltar no tempo e tomar o Carmesim mortal em seu lugar.

—Não — ela murmurou, sua voz grossa em torno de suas presas. Mesmo com os estragos da droga, devia ter sentido a profundidade de sua emoção quando a segurou num abraço cuidadoso e desesperado. Ela olhou para ele, seus selvagens olhos âmbar tristes e úmidos com lágrimas. —Me deixe aqui, Chase. Vá com seus irmãos.

—Não. — Ele balançou a cabeça uma vez, então, novamente, mais ferozmente. —Não. Nunca vou te deixar. Nunca mais. — Sua voz falhou, cheio da emoção que sentia por esta mulher. Sua mulher. Sua companheira. —Eu te amo. Você é minha. Em meu coração, sabia desde o início. Você é minha amada, Tavia, a única.

—Chase — ela sussurrou. Suas lágrimas transbordavam agora, rolando por suas bochechas e queixo. —Eu te amo...

A convulsão a atormentava enquanto o Carmesim aprofundava em seu sangue. Chase a sentia, quente e fervendo em suas próprias veias. E sentia seu amor. Correndo sob a atual sede que comia seu corpo, Chase sentia a batida forte e constante do seu coração... e estava cheio de amor por ele.

Era tudo que precisava saber.

Era toda a esperança que exigia.

Ela ficaria melhor.

Ia se curar.

E era sua, para sempre.

Ele a recolheu em seus braços. Beijou a boca seca, em seguida, levantou com ela e a levou para fora de casa, longe da carnificina, e de volta aos guerreiros que eram seus parentes.

—Estou te levando para casa agora, Tavia.

 

                           Um ano depois. Dia de Ano Novo.

Chase cumpriu sua promessa de ficar ao seu lado até que estivesse bem novamente.

Tavia sentia sua força abraçá-la, protegê-la, ancorando-a durante o tempo que seu corpo lutou para voltar da beira de um abismo escuro.

Tess ajudou a curar os órgãos devastados pelo veneno do Carmesim, mas havia pouco que seu talento único de Companheira podia fazer pela fome que roia Tavia, mastigando sua vontade e sanidade hora após hora, dia a dia... Semana a semana.

Por isso tiveram que recorrer a uma fonte improvável: Dragos. Ou melhor, as fórmulas do seu médico Subordinado de tratamento e registros que documentava a supressão por 27 longos anos da natureza Raça de Tavia. Usaram o tratamento médico do Dr. Lewis para conter sua fome de sangue e acalmar a febre do seu corpo para que pudesse limpar a Sede de Sangue de seu sistema e descansar pelos meses necessários para se curar.

Irônico, e ainda assim, de alguma forma apropriado, que a mesma prática insidiosa que foi uma traição de sua confiança desde o momento do seu nascimento, no final, fosse a mesma coisa que a salvou.

Isso, junto com o amor de Chase.

Ele corria através dela agora de onde ele estava atrás dela, protegendo-a no círculo de seus braços. Seus batimentos cardíacos ecoando em seu próprio sangue, firme e forte, unidos e fortes. Ela se aninhou mais profundo em seu abraço, suspirando baixinho quando seu hálito quente deslizou ao longo do lado do pescoço.

—Já te disse hoje o quanto te amo? — Ele murmurou baixo, as palavras privadas destinadas somente a ela.

—Disse — ela sussurrou, sorrindo para o beijo breve abaixo da orelha e que enviou um formigamento de calor através dela. —Mas não acho que nunca vá me cansar de ouvi-lo.

Sua resposta rosnada vibrou contra sua espinha como um ronronar sensual.

—Ainda bem que tenho o para sempre. Já perdemos muitos dias.

Seis meses completos, que era o tempo que levou para Tavia fazer a viagem de volta à vida. Não foi fácil, mas foi um tempo de agonia que mal recordava agora, um alívio raro e misericordioso do poder de sua memória impecável. Mas, através de seu laço de sangue, Chase resistiu a tudo. Devia ser um inferno para ele, encontrar força para combater sua própria aflição, enquanto experimentava a dela também, mas de alguma forma ele fez isso.

Com a ajuda de seus irmãos da Ordem, sua família.

E agora sua família também.

Tavia olhou para as pessoas reunidas com eles hoje à noite na sala de observação mal iluminada, no Salão da Assembleia Geral da sede da ONU em Manhattan enquanto Lucan se preparava para lidar com a delegação.

Todos da Ordem e suas famílias estavam lá. Sentados na primeira fila da varanda da suíte privada estavam Gabrielle, Savannah e Gideon, Dante e Tess com o pequeno Xander Raphael. Tegan segurando seu filho recém-nascido no seu musculoso braço, o outro envolvido amorosamente em torno de Elise. Rio e Dylan, Kade, Alex, Brock e Jenna próximos da grande janela de vidro ao lado de Niko, Renata e Mira, Andreas Reichen e Claire, Hunter, Corinne e Nathan, Lazaro e Kellan Archer, olhando abaixo para a multidão de mil e oitocentos delegados de todo o mundo, que ocupavam os lugares seguintes.

A assembleia estava lotada, vibrando com empolgação e expectativa. Porque, hoje, quando a noite caísse sobre a América do Norte num nítido e claro 01 de janeiro, a coligação de 193 nações alteraria seu estatuto para admitir seu mais novo membro: A nação Raça.

O coração de Chase batia junto com o de Tavia pela antecipação compartilhada quando Lucan se moveu em direção ao microfone para aceitar a honra da noite. Ao lado dele estavam o presidente dos Estados Unidos e vários outros líderes mundiais.

—Meu nome é Lucan Thorne. — Seu olhar penetrante garimpou os rostos da delegação, e todos encaravam esse formidável homem em seu terno preto conservador, que fazia pouco para amenizar o ar de poder negro que irradiava dele. —Estou aqui, diante de vocês esta noite, abordando o mundo em nome dos meus amigos e parentes... de longa vida, chamados Raça.

Quando sua voz profunda encheu a sala, esta caiu num silêncio imediato e completo.

—Já existimos ao seu lado por um tempo muito longo. E nunca quisemos fazer mal, mas vai levar algum tempo para construir a confiança, quando estamos em solo manchado de sangue. — Ele fez uma pausa como se para deixar suas palavras serem absorvidas por todos na sala, ciente que sua mensagem sairia para muitos milhões de ouvidos em todo o mundo. —Houve mortes de ambos os lados ao longo dos últimos anos —humanos que foram atacados à noite por membros Renegados de nossa espécie, e muitos de nós sendo caçados de dia e arrancados dos nossos Darkhavens nas semanas e meses que seguiram as primeiras ondas de violência. Precisamos de um acordo para nos mover além deste começo escuro e definir o rumo para um novo caminho em frente. Isto não será fácil. Não poderá ser plenamente realizado nos próximos anos, nem sem mais algumas vidas perdidas.

Enquanto a multidão rugia com desconforto pela honestidade dura das palavras que poderiam ser concebidos como mais uma ameaça de advertência, Lucan olhou para o presidente e os outros líderes. —Das sombras temos visto como o homem ao longo dos séculos fez a guerra entre si ao longo das fronteiras e da desconfiança um do outro. Venho aqui hoje pedindo a unificação de todas as divisões, para o bem da humanidade e da minha própria espécie. Venho aqui hoje à noite com a esperança que todos os residentes do nosso mundo encontrem uma maneira de coexistir, conviver um com o outro. E venho aqui hoje porque acredito que vamos encontrar um terreno comum e que possa, eventualmente, forjar uma paz duradoura entre todos nós.

Gabrielle virou um sorriso, o olhar cheio de lágrimas para Chase e Tavia e os outros na sala.

—Quando conheci Lucan, me disse que era apenas um guerreiro, não um emissário de sua espécie. Mais tarde, quando Dragos esteve fazendo seu pior, Lucan se preocupou que não houvesse nenhuma esperança de futuro. — Ela olhou carinhosamente para o filho de três meses de idade, que confortavelmente se apoiava contra ela num sono tranquilo, os minúsculos punhos rosa sob seu queixo. —Nunca estive tão orgulhosa de ser sua companheira do que estou agora.

—Esse era o verdadeiro destino de Lucan — Tegan disse, o sério Gen Um olhando para seu líder, seu amigo, com respeitosos olhos de admiração. —Sempre esteve nele liderar, limpar o caminho para um futuro melhor. É o que fez desde o início. Honra bem sua espécie.

—Vocês todos o fazem — acrescentou Elise, se aconchegando em seu companheiro, enquanto seu bebê olhava a sala com olhos grandes e curiosos no mesmo tom lavanda como sua mãe.

Todos concordaram ou sorriram em resposta, sem dúvida o coração cheio de orgulho e esperança pelo futuro que estavam vendo ser forjado na sala esta noite.

Mas as palavras de Lucan de advertência eram verdadeiras.

Embora Tavia acordasse há seis meses, curada e mais forte do que nunca pelo amor que dividia com Chase, o resto do mundo ainda tinha feridas profundas pela violência e terror que Dragos desencadeou sobre eles.

Haveria muito que fazer nos próximos meses e anos vindouros. Havia ainda a desconfiança entre a humanidade e a Raça. Polos de agitação e violência ainda existiam de ambos os lados.

Com a ajuda de Andreas Reichen, Rowan Mathias e dezenas de agentes de execução que ficaram juntos na luta para acabar com o derramamento de sangue, a Ordem varreu as cidades e limpou toda a violência dos Renegados. Juntos, também erradicaram os Tenentes restantes de Dragos e seus cúmplices conhecidos. Mas não havia como dizer se as sementes da discórdia fincaram raízes em segredo em outros lugares.

Com os altos escalões da Agência de Execução neutralizados e seus membros em ruínas, era a Ordem quem se encarregava de fazer cumprir todas as leis Raça agora.

Havia muito a ser feito, muitas questões ainda a serem resolvidas, mas as coisas estavam num bom começo.

Havia esperança.

Tavia a sentia quando via os rostos sérios, preocupados de suas amigas Companheiras reunidas em torno dela. Sentia quando olhava para os guerreiros, de pé tão firmes e corajosos atrás da determinação de Lucan, todos preparados para embarcar nesta forma nova e desconhecida de vida. Um novo mundo a ser formado e compartilhado por todos os humanos e Raça igualmente.

Acima de tudo, sentia a flor da esperança dentro dela, quente e permanente, quando olhava acima para os olhos azuis constantes de Chase e sentia seu amor se movimentando através dela... crescendo dentro dela.

O amor que tomaria forma física quando seus gêmeos nascessem na primavera.

Tavia sentia a alegria, e quando seu olhar encontrou seu companheiro agora, sentiu uma paz perfeita inchar para enchê-la. Encontraram o amor entre si e um vínculo eterno que transcendia o que os ligava através de seu sangue.

Ela e Chase tinham, finalmente, encontrado seu lar.

 

                                                                                Lara Adrian  

 

                      

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