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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ESPIÃO CRUCIFICADO / Lou Carrigan
ESPIÃO CRUCIFICADO / Lou Carrigan

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Os dois homens já deviam ter mais de sessenta anos, mas ainda tinham a ilusão de poder realizar todas as atividades que desejavam e pudessem lhes proporcionar momentos agradáveis que compensassem os anos de trabalho e preocupação que já tinham vivido.

Uma de suas atividades prediletas era a pesca com caniço, que não provocava grandes desgastes físicos nem gastos excessivos, como viagens longas ou roupas sofisticadas.

Pescaria sempre foi um divertimento barato, onde a isca e a companhia de um amigo; para trocar algumas ideias são os ingredientes essenciais.

Só se precisa ligar o motor da lancha e percorrer o rio até encontrar um recanto agradável, aprazível. Ancorar a lancha, desembarcar e preparar-se para atravessar horas radiosas. Depois colocar o caniço na beira do rio e ficar esperando que o peixe decida morder a isca.

 

 

 

 

Amos Jones e Franklin Ashe pensavam que o dia ia ser agradável quando a lancha cortava as águas do rio Potomac. Mal começava a amanhecer e a luz ainda estava em lusco-fusco, querendo atravessar a névoa deixada pela noite. As águas continuavam escuras, quase negras e a visibilidade ainda era mínima.

 

Por isso, ambos aprovavam unânimes quando ouviram um sino badalar dentro do rio.

 

— Veja, Franklin, é assim que todos deviam fazer.

 

— Por quê?

 

— Ora, homem, estamos navegando com a neblina da noite e cercados pela névoa da manhã. A visão está prejudicada e aquele que se aproxima nos adverte de sua presença.

 

Franklin Ashe sorriu, levou alguns segundos pensativos e ironizou:

 

— Compreendo, talvez seja um daqueles barcos fluviais enormes, movidos a roda... Exatamente, como os que navegavam pelo Mississippi há mais de cem anos. Eles tinham uma história própria, pois sempre transportavam mulheres lindas e ladinas, além dos jogadores profissionais que viviam do pano verde. Pensando bem, quando a gente escuta este dang... dang, o cenário fica mais interessante.

 

— Você pode pensar e falar como quiser — riu Amos. — Mas eu pessoalmente, antes prefiro escutar o badalo monótono do que ser repentinamente abalroado por uma embarcação.

 

— Encarando-se o problema sob este prisma, o meu amigo tem toda a razão. Mas você está vislumbrando alguma coisa nesta cerração?

 

Ambos, há alguns minutos já estavam vasculhando o nevoeiro, tentando ver a embarcação que estava envolta pela névoa, mas não viam nada e só sabiam de sua existência por causa da campainha que agora, já devia estar bem próxima da lancha.

 

— Não vejo nada — respondeu Frank, finalmente. — Porém continuo ouvindo a campainha que parece vir em nossa direção. Coisa estranha!

 

— Acho que já sei o que é — murmurou Amos.

 

Dang-dang... Dang-dang... Dang-dang, o sino continuava soando ininterruptamente, mas os dois pescadores não viam a embarcação e já começavam a se sentir aborrecidos e inquietos.

 

De repente, Amos exclamou num murmúrio:

 

— Franklin, o que é aquilo?

 

O companheiro agora também estava vendo algo que, logicamente devia estar provocando o dang-dang... dang-dang. Aquela coisa estranha cada vez parecia ficar mais visível, clara e flutuava corrente abaixo. Parecia ser uma balsa plana com uma árvore no centro. Árvore? Não! Não era uma árvore. Era uma cruz.

 

Uma cruz enorme de quase três metros de altura, e... pregada na jangada!

 

Um homem estava preso a ela. O sujeito estava nu, tinha as carnes muito brancas e roliças. Os cabelos eram curtinhos, os ombros não muito desenvolvidos, mas as pernas rijas como as de um atleta. O ventre era avolumado para o tamanho do corpo, talvez tivesse crescido por uma boa vida que, agora, já tinha terminado: a cabeça pendia sobre o peito completamente sem vida e havia feridas grandes ensanguentadas espalhadas por seu corpo.

 

As mãos estavam cravadas com prego no pau horizontal da cruz e os pés estavam pregados na baste vertical.

 

Amos e Franklin ficaram mudos de estupor. Viam e não acreditavam. Ou não estavam vendo o que viam? Talvez estivessem sonhando com um homem em uma cruz cravada na jangada que deslizava pelas águas do Potomac.

 

Dang... Dang-dang... Dang-dang...

 

— Como é possível? Que coisa mais horrorosa! — sussurrou Franklin Ashe, quando a respiração tornou-se menos acelerada.

 

Um presente para Baby

 

Eram precisamente onze horas da manhã quando o helicóptero surgiu no ar. A situação já estava sob controle e a jangada se encontrava amarrada a uma lancha guarda-costas da marinha americana e ao redor desta, estavam outras embarcações devidamente autorizadas pelos agentes locais da CIA.

 

Esta exigência era lógica, uma vez que no alto da cruz haviam encontrado um pedaço de papel preso à madeira e rabiscado à mão:

 

Para Baby da CIA.

 

E finalmente, a mais famosa agente da CIA estava chegando de helicóptero, depois de ter sido recolhida no seu heliporto particular, no terraço do edifício luxuosíssimo, localizado na Quinta Avenida e onde a famosa jornalista e espiã tinha fixado residência no vigésimo sétimo andar.

 

— Quer que eu me aproxime um pouco mais? — perguntou o piloto.

 

— Sim, por favor — pediu Brigitte Montfort. — Aproxime-se o máximo.

 

O piloto concordou e baixou o aparelho lentamente até colocá-lo bem perto da balsa.

 

O morto ainda permanecia na cruz.

 

Brigitte Baby Montfort não tocou no cadáver, mas o examinou atentamente. Sabia que a CIA sempre colocava a sua disposição o melhor material e os melhores colaboradores, mas a espiã internacional já havia aprendido uma lição muito importante no decorrer de sua carreira: antes de confiar em quaisquer olhos que a pudessem ajudar, devia primeiro confiar nos seus próprios.

 

E seus olhos, naquele momento viam a coisa nitidamente; não tinham mais dúvida. Havia uma cruz encravada naquela jangada em posição vertical e no alto desta, um sino de tamanho reduzido, que badalava de acordo com o movimento das madeiras no jogo das ondas do rio. Um homem estava preso aquela cruz. Estava com as mãos e os pés perfurados por pregos ou cravos. Ele aparentava mais de cinquenta anos, era branco e tinha vários pontos ensanguentados pelo corpo: fora crucificado cruelmente.

 

— Conseguiram filmar tudo? — perguntou Brigitte.

 

— Evidente. E na jangada também havia um estojo de fita que foi encaminhado imediatamente à Central, para ficar a sua disposição — o piloto explicou. — Nosso pessoal só está aguardando instruções para tratar da remoção do cadáver e da obtenção de todas as fotos possíveis, bem como de alguns outros indícios que possam ser reveladores.

 

Brigitte sacudiu a cabeça concordando, depois olhou para o homem crucificado e murmurou:

 

— Pode me levar à Central. Aqui já vi tudo que precisava. Que a equipe técnica comece seu trabalho com urgência.

 

Quinze minutos mais tarde aterrissavam em um campo relvado, onde dois rapazes atléticos e também agentes da CIA aguardavam a espiã mais perigosa do mundo.

 

— Seja bem-vinda entre nós — disse um deles.

 

— O chefe pediu que nós a acompanhássemos — disse o outro.

 

Brigitte sorriu e se encaminhou com eles para o edifício que, segundo sua opinião, era o lugar onde estavam arquivados os projetos mais sujos do mundo.

 

Minutos mais tarde, entrava diretamente no escritório de Mr. Cavanagh, seu velho e querido amigo que já dirigia o Grupo de Ação da CIA há vários anos.

 

— Gostaria de oferecer-lhe champanhe como sempre costumo fazer, mas desconfio que a ocasião não é apropriada — disse Cavanagh. — Talvez prefira um cafezinho?

 

Brigitte o beijou no rosto e foi sentar-se em uma das poltronas que estavam perto de sua mesa de trabalho. Apanhou um dos processos que estavam em cima dela e olhou para a capa do mesmo. Havia apenas o nome de Norbert Hart e a sigla WA 0199.

 

Esta sigla WA 0199 demonstrava que Norbert Hart era o agente da CIA número cento e noventa e nove entre os recrutados diretamente em Washington, capital dos Estados Unidos. Brigitte Montfort era a agente NY 7117, isto é, a agente número sete mil cento e dezessete dos recrutados no Estado de Nova Iorque, desde que a CIA havia iniciado com esta série de siglas. Então Norbert Hart era o 199 de Washington!

 

— Era um veterano — murmurou Brigitte.

 

— De fato — confirmou Cavanagh. — Ele foi um dos primeiros, embora tivesse passado pouco tempo na ação direta.

 

— Por quê?

 

— Pode-se dizer que Hart era o oposto de Baby, que adora ação. Ele era um agente cerebral. Bem, uma ressalva: quando a CIA foi iniciada não havia pessoal especializado e todo agente ia a campo e colaborava nos serviços mais urgentes. Naquele tempo, Hart andou auxiliando os trabalhos de ação direta, até quando começamos a recrutar o pessoal com aptidões mais especializadas. Foi nessa época que Hart passou para o Departamento de Logística, atuando como conselheiro e supervisor dos assuntos mais diferentes entre si. Nós, da CIA, procuramos aproveitar não só sua relativa experiência em campo de ação, mas também a inteligência e o raciocínio claro que ele possuía. Ocupou cargos diversos entre os vários escalões onde atuou e há quase doze anos fora transferido para o Departamento de Assessoria Psicológica, de onde se aposentou há pouco mais de dois anos. Sempre foi um colaborador de toda confiança da CIA — discreto, cumpridor dos deveres, inteligente ao resolver os impasses que surgiam e digno de toda a confiança de seus chefes e companheiros. Nunca galgou um cargo especial, mas as grandes empresas só conseguem funcionar bem quando mantêm homens como Norbert Hart nos seus postos chaves.

 

Brigitte apanhou a xícara de café e o experimentou, depois folheou o dossiê de Norbert Hart — WA 0199. Continha várias fotografias, algumas já bem amareladas pelo tempo. Certamente, todos os dados de Hart já constavam do Mamãe, como comumente chamavam o computador geral, mas mesmo com seu auxílio ainda conservavam os antigos fichários de identificação do pessoal ativo.

 

Seu tipo físico era comum: estatura mediana, cabelos e olhos castanhos. Porém, em relação ao intelecto, tinha QI acima do normal e foi este que sempre lhe assegurou os cargos de destaque que teve.

 

— Interessante, ele nada fez de especial? — murmurou Brigitte.

 

— Nada — confirmou Cavanagh.

 

— E depois de estar aposentado há mais de dois anos, aparece morto, crucificado em uma balsa que navegava pelo rio Potomac? E com uma nota esclarecendo que o achado era para Baby, da Cia. Ele estaria executando um serviço especial nestes últimos dias?

 

— Que eu saiba nenhum. Simplesmente desapareceu de nosso convívio logo após ter-se aposentado.

 

— Bem, pelo menos temos o vídeo que foi deixado na balsa... já o assistiu?

 

— Não. Preferimos ficar esperando por você. Gostaria de vê-lo agora?

 

— Sim. O que sabe sobre os homens que encontraram a jangada?

 

— Dois sujeitos comuns, pacatos que naquele momento levaram o maior susto de suas vidas. Se você quiser, podemos investigar sobre eles, porém em minha opinião, somente perderíamos tempo. Aqueles homens são dois indivíduos aposentados, honrados e dignos que pensavam passar horas divertidas e agradáveis pescando.

 

— Percebo que há muitos aposentados no caso — quase sorriu a espiã mais bela do mundo, olhando intencionalmente para o chefe. — O que você tem para me dizer, Cavanagh?

 

— Só me aposento depois de duas coisas acontecerem: a primeira, que a CIA me dê essa ordem expressa e escrita; a segunda se refere a você. Impus-me essa condição sine qua non, e só peço aposentadoria quando minha amiga Baby abandonar a espionagem.

 

— Compreendo, você e tio Charles resolveram lutar contra mim.

 

— Exatamente.

 

— Acho melhor passarmos à gravação logo de uma vez — sorriu a espiã com charme.

 

Cavanagh já havia colocado o filme no monitor e o ligou em seguida. Depois, foi sentar-se ao lado de Brigitte, que já tinha acendido dois cigarros e lhe entregou um deles.

 

As imagens começaram a passar lentamente e inspiravam terror: Primeiro, apareceu Norbert Hart completamente despido e com sinais de golpes por todo o corpo. O nariz e a boca sangravam, estava aterrado e retrocedia como se quisesse fugir de alguma coisa, mas não tinha chance: havia um paredão às suas costas fechando-lhe o caminho. Não podia fugir e nem ir para a frente, era obrigado a permanecer onde estava, com as costas coladas à parede, morto de medo. Em seguida, apareceram quatro homens, quatro sujeitos altos, fortes, tipos de atletas que tinham olhos frios e cruéis, mas não obstante pareciam divertir-se à grande. Dois deles seguravam Norbert Hart com firmeza enquanto os dois outros socavam seu estômago até que perdesse os sentidos. Em seguida, jogaram-no no chão e o arrastaram, saindo do quarto e seguindo por um corredor estreito.

 

— Eles estão em um iate! — exclamou Brigitte.

 

— Foi o que também pensei — confirmou Cavanagh.

 

Dois dos agressores continuavam arrastando o homem desacordado e finalmente chegaram perto de uma escada ampla que sem dúvida ia dar no convés. Brigitte já não tinha mais dúvida, tudo tinha acontecido em um iate, principalmente depois que focalizaram duas vigias pelas quais ela pôde ver uma nesga de céu azul e pendurado à parede, um quadro que representava uma cena impressionante e de rara beleza: um vulcão em plena erupção cercado de ondas marinhas enormes, que iam quebrar-se no sopé da montanha cuspindo lava incandescente e que, ao se chocarem com a água, formavam gêiseres maravilhosos.

 

Um dos carrascos de Hart, o mais forte, levantou-o como se fosse um boneco sem vida e subiu ao convés, sempre seguido pelos outros comparsas. Lá, estava uma balsa que fora construída pela junção de tábuas, porém havia uma abertura no meio delas. No chão, a seu lado, estava uma cruz de madeira e foi em cima dela que deitaram o homem desmaiado. Abriram seus braços até que as mãos se encostaram ao extremo da peça horizontal. Um dos agressores falou alguma coisa e os companheiros riram. Um deles sumiu da tela, mas reapareceu quase em seguida com um balde cheio de água que derramou sobre Hart.

 

Este se agitou violentamente, tossiu e se sentou no chão, viu a cruz. sobre a qual estivera estendido e ficou atônito. Depois, olhou para os quatro com curiosidade e em seu rosto surgiu, primeiro, uma expressão de incredulidade e logo em seguida, espanto. Tentou reagir, levantando-se, mas antes que pudesse ficar totalmente de pé recebeu uma joelhada no baixo ventre que o fez perder os sentidos novamente.

 

Jogaram-no em cima da cruz e o despertaram a bofetadas. Abriu os olhos com dificuldade e os outros lhe mostraram pregos enormes. Novamente Hart pareceu ficar assustado e em seus olhos só aparecia o pavor.

 

A partir daí não deu mais trabalho, um homem segurou suas pernas e outros dois os braços. O quarto abaixou-se e apanhou um martelo, encostou um dos pregos na palma da mão direita de Hart e com apenas uma martelada, atravessou-a de ponta a ponta, para que o prego acabasse entranhado na madeira da cruz. Com mais três marteladas acabou de pregar as duas mãos. Hart gemia e gritava de dor, mas a fita cassete não tinha som e eles não podiam ouvir o que todos falavam.

 

Norbert Hart teve sorte de desmaiar antes que os carrascos fossem cravar seus pés na cruz. Depois aqueles homens a levantaram e a puseram em posição vertical, firmando-o na parte oca da balsa.

 

Brigitte e Cavanagh tinham assistido à fita em silêncio, mas pareciam preocupados com as cenas que assistiam.

 

Agora a cruz estava afixada na balsa e o homem crucificado àquelas duas hastes de madeira.

 

Pela coloração do sol sobre o mar, Brigitte calculou que os fatos estivessem acontecidos no meio da tarde. Depois o cinegrafista focalizou somente o azul diáfano do céu.

 

Era o fim do filme. Brigitte e Cavanagh continuaram em silêncio por alguns segundos mais e foi ele quem primeiro murmurou:

 

— Você tinha razão, eles estavam em um iate, subindo o rio Potomac. Crucificaram Hart. Nesta madrugada, ou quem sabe se não ontem de noite, desceram a balsa com a cruz até o leito do rio. Tudo foi muito fácil para eles. Agora já devem estar ancorados em qualquer recanto acolhedor ou em algum porto desportivo do estuário. Dificilmente poderemos localizá-los.

 

— Bem, o iate sim, mas nada nos impede de procurar Norbert Hart.

 

— Como podemos encontrá-lo? O que você está sugerindo, Brigitte?

 

— Parece evidente que aqueles homens o mataram ontem de noite e que depois desceram a jangada até às águas do rio; se a tivessem baixado algumas horas antes, alguém a teria encontrado bem mais cedo. Daí, eu acho que Norbert Hart foi assassinado durante a noite ou no decorrer da madrugada. Agora só quero descobrir como ele foi parar no iate!

 

— Compreendo, você está pensando que devemos reconstituir sua vida e todos os seus movimentos até encontrarmos alguma pista que nos conduza ao iate e aos homens que o assassinaram... buscar alguém que tenha um iate. Ou, alguém que tenha um amigo que seja proprietário de iate.

 

— Não compliquemos as coisas, Cavanagh. Comecemos pelo próprio Norbert Hart e os outros vão aparecendo normalmente. Onde ele morava?

 

Cavanagh arregalou os olhos e parecia surpreso.

 

— Então, você vai se encarregar do caso pessoalmente?

 

— Por que não?

 

— Você nunca encabeça sindicâncias. Eu até já havia escolhido uma equipe que ficaria responsável pelo assassinato de Hart...

 

— Parece que você se esqueceu de uma coisa, querido — disse a espiã com frieza. — O cadáver trouxe um recado dirigido a mim, bem, à Baby da CIA, está entendendo? Alguém matou e crucificou um homem que levou a vida toda sendo um Johnny e depois, encaminhou o cadáver a Baby... O que você achava que ela ia fazer?

 

— Qualquer coisa, menos o que eles esperavam.

 

— Certo. Eles nem sonham que a agente Baby vá dirigir pessoalmente as sindicâncias para elucidar o caso.

 

Pesquisas sobre uma vida

 

Norbert Hart sempre vivera uma vida comum e morara em apartamentos simples, quase modestos, mas bastante confortáveis. O último, por exemplo, estava localizado na Rua “D”, em Washington.

 

Aliás, a realidade de sua vida chegava a ser quase chocante. Era um homem considerado como dono de um QI excepcional, uma inteligência privilegiada e, no entanto, nunca conseguira alcançar os patamares mais altos durante a vida vulgar e rotineira.

 

A senhora de cabelos brancos, aparentando mais de setenta anos examinou tudo a sua volta e balançou a cabeça com consternação e ainda pensou:

 

— Como pôde ser um homem tão inteligente e não se destacar durante sua vida?

 

Fechou a ponta do apartamento e guardou as gazuas em sua maleta forrada de pano negro. Aqueles dois pedaços de ferro eram objetos de estimação para a senhora Kate. Sempre os costumava usar quando encontrava as fechaduras chaveadas.

 

Revistar apartamentos nunca lhe parecera tarefa fácil e agora parecia pior, pois um espião ou um ex-espião profissional sempre tem facilidade de usar infinidades de truques inovadíssimos, secretos, que dificilmente poderão ser descobertos.

 

A anciã tirou os óculos de lentes arredondadas. Não precisava deles para ver e quando queria enxergar tudo muito bem, era inevitável: tinha que retirar aquela droga de cima do nariz, embora fizesse parte do disfarce que usava naquele momento. Teve vontade de também tirar a peruca e até aquele vestido quente, arcaico e incômodo.

 

Tinha certeza que ia passar muitas horas remexendo em todos os cantos imagináveis; por isso, era muito bom pensar na sua comodidade.

 

Começava a tirar a peruca quando a campainha da porta soou. Ficou atônita e pensou que talvez Cavanagh não tivesse atendido ao pedido que lhe fizera. Queria tratar sozinha daquele assunto. Certamente o amigo mandara algum rapaz da CIA que estava acostumado àquele tipo de busca... Não, Cavanagh conhecia Brigitte e sabia que um desejo de Baby sempre era uma ordem para todos. Sendo assim, quem teria batido na porta do apartamento?

 

A anciã sacudiu os ombros, meteu a mão sob suas inúmeras saias rodadas e apanhou sua inestimável pistolinha encastoada de madrepérola. Rapidamente meteu-a no bolso da saia, bem ao alcance de sua mão direita. Soltou a maleta perto da porta e a abriu. Logicamente, depois de pôr os óculos novamente.

 

— Oh, perdoe-me... Pensei que...

 

— Está procurando Norbert? — perguntou a anciã, sorrindo amavelmente.

 

— Sim. Ouvimos o barulho da porta ao ser aberta e pensamos que fosse ele... Quem é a senhora? — perguntou a moça que estava parada no corredor.

 

— E você quem é? — perguntou a velhinha, olhando para ela com curiosidade.

 

— Norbert não está? — agora a moça procurava enxergar o interior do apartamento e fitava a anciã com desconfiança.

 

— Não sei, porque acabei de entrar e até agora ele ainda não veio à sala para receber-me. E se não apareceu é porque não está. A ausência de Norbert está me deixando preocupada porque eu lhe enviei um telegrama, avisando-o de minha chegada. Sou sua tia Kate.

 

— Ah... Oh! Bem, lamento.

 

— Ora, querida, não fique assim. Entre. Começo a perceber que você e Norbert são amigos e que também são vizinhos. Enganei-me?

 

— Não, senhora. Eu e minha tia Agnes moramos no apartamento aqui do lado e conversamos com Norbert frequentemente... Porém, não o temos visto com tanta frequência ultimamente. E agora, de repente, ele desapareceu há quatro dias, sem nos dizer para onde ia. Já estamos preocupadas.

 

— Preocupadas? Por quê?

 

— Chegamos a pensar que talvez tivesse sofrido algum acidente.

 

— Ah, sim, estas coisas costumam acontecer, lamentavelmente. Você falou quatro dias? Então, é quase certo que Norbert nem recebeu o telegrama e se não o recebeu, de forma alguma poderia ir esperar-me. Ainda bem que ele me deu a chave deste apartamento há algum tempo. Vocês dois costumam encontrar-se muitas vezes?

 

— Sim... Sim, senhora.

 

— Caramba — sorriu a velhinha com bom humor. — Francamente, querida, nem sei o que pensar a respeito. Como você se chama?

 

— Alice — respondeu a moça, um tanto contrafeita.

 

— Creio que meu sobrinho nunca comentou sobre você.

 

— Bem. Talvez... ele se... esquecesse. Porém, na realidade, não há um motivo. Talvez não quisesse comentar sobre mim.

 

A anciã não afastava os olhos de Alice e de repente, sua fisionomia se distendeu num amplo sorriso, virou-se e mostrou o interior do apartamento.

 

— Por que não vamos dar uma olhada lá dentro? Já pensou na possibilidade de continuarmos conversando aqui na saleta enquanto meu sobrinho tenha morrido por um infarto repentino? Não pense que eu seja uma velha agourenta, mas essas coisas costumam acontecer com frequência.

 

— Concordo. Na realidade todos nós estamos expostos a toda classe de acidentes.

 

A anciã penetrou na saleta e ficou atônita, contemplando a desordem tremenda que parecia ficar ainda maior porque os reflexos do sol penetravam pelas vidraças e iam incidir nos objetos espalhados pelo chão: no sofá e poltronas cortados a navalhadas, quadros que tinham sido arrancados das paredes e atirados em qualquer lugar, livros que também estavam espalhados por todos os lados, móveis abertos e gavetas todas remexidas, tapete totalmente deslocado sobre o assoalho... Um verdadeiro caos.

 

— Que coisa mais horrível! — murmurou a velhinha, virando-se para a jovem que havia parado às suas costas.

 

Respirou profundamente quando viu que ela tinha uma navalha reluzente na mão direita.

 

A anciã chegou a tremer de medo e Alice sorriu com sarcasmo.

 

— Vovozinha, não tente fazer tolices — recomendou com um sorriso que tentava ser meigo.

 

Kate sacudiu a cabeça, engoliu saliva diversas vezes; demonstrando vontade de falar alguma coisa, sem conseguir.

 

— Não se assuste, vovozinha — disse a moca. — Se se portar sensatamente, obedecer-me e colaborar comigo, prometo que nada de mal irá acontecer a você.

 

— Sim... Sim, sei. O que... tenho de fazer... para... para poder ajudar... você?

 

— Disse-me que tem a chave deste apartamento e isso significa que costuma vir aqui várias vezes, mesmo quando seu sobrinho não está em casa, não é verdade?

 

— Sim... Mas Norbert geralmente está em casa. Ele é meu único sobrinho e eu sou sua única família. Mas... quem é você? Por que está me fazendo tantas perguntas? Onde está Norbert?

 

— Não tenho dúvida de que você conhece seu sobrinho muito melhor do que eu. Pois bem, pense com calma e me responda: onde Norbert esconderia uma coisa que não desejava que alguém encontrasse?

 

— Que coisa?

 

— Uma fotografia.

 

— Não sei...

 

Alice quase encostou a ponta da navalha no pescoço de Kate.

 

— Vovozinha, eu estou aqui porque tenho de recuperar uma fotografia que estava com seu querido Norbert. Se você me ajudar, tudo bem, porém se bancar a espertinha, juro que a degolo! Não temos muito tempo e acho bom começarmos a revistar essa bagunça; mas se você me disser onde ele guardava a tal fotografia, tudo ficará mais fácil.

 

— Qual o tamanho dela?

 

— Tamanho comum, dez por dez centímetros, colorida. Uma foto tirada com polaroide. Entendeu?

 

— Sim. Você é uma espiã?

 

— Por que me pergunta isso?

 

— Bem, como Norbert andou trabalhando... para...

 

— Para a CIA? — Alice soltou uma risadinha irônica. — Não seja ridícula, vozinha. Isso nunca foi segredo, todo mundo sabia que ele trabalhava para a CIA.

 

— Você também trabalha para aquela organização?

 

— Talvez...

 

— E vive realmente no apartamento vizinho a este com sua tia?

 

— Ouça uma coisa, pare de fazer tantas perguntas e me diga o que sabe sobre a fotografia.

 

— O que há na tal fotografia? — perguntou Kate com interesse.

 

— O que está querendo, vovozinha? — irritou-se a jovem. — Está desejando que eu decepe sua cabeça?

 

— Não... claro que não. Venha comigo, acho que tive uma ideia, já sei onde podemos encontrar a foto.

 

Enquanto ia falando, a anciã também se virava como se se preparasse para se dirigir ao quarto. Mas não foi isso o que fez. Deu apenas um passo e se virou rapidamente para Alice de forma bem diferente do que vinha fazendo e com gestos que também já não estavam trêmulos. Aquela mudança pegou a moça desprevenida, pois até a navalha havia baixado confiantemente e naquele momento só pôde esbugalhar os olhos e abrir a boca como se fosse gritar. E isso foi tudo que pôde fazer.

 

A anciã lhe desferiu um golpe violento de caratê no peito, bem acima do coração.

 

O tsuki fez efeito imediato: os olhos de Alice ficaram mais esbugalhados, como os de um peixe morto e congelado. A moça escorregou e teria caído violentamente no chão se a velha não a tivesse segurado pelas roupas, a fim de lhe suavizar a queda. Em seguida, revistou-a minuciosamente para verificar se não estava carregando outras armas, mas nada encontrou.

 

Após esse exame não lhe concedeu cuidados especiais, pegou Alice pelos cabelos e a arrastou até encontrar a porta do banheiro; meteu a moça dentro da banheira. Pegou a ducha e a apontou para a cabeça da mulher que ainda continuava desmaiada. Abriu a torneira e por segundos, chegou a pensar que Alice não voltaria a si, mas repentinamente ela se mexeu, balbuciou algumas palavras sem sentido e começou fazer força para se sentar. Depois de muita luta conseguiu, tossiu um pouco e... ficou olhando para a anciã que a contemplava inexpressivamente, sentada na borda da banheira.

 

— Podia tê-la afogado ou mesmo estrangulado com minhas mãos. Também podia ter matado você com esta navalha. Inclusive poderia crucificá-la e depois deixá-la navegando ao sabor das águas do Potomac. Entendeu o que estou querendo dizer?

 

— Quem é você? — perguntou Alice.

 

— A pessoa que devia receber o cadáver do espião crucificado. Porque você já sabe que Norbert Hart foi assassinado e crucificado, ou não sabia? Embora eu pudesse dizer que ele foi crucificado e assassinado. Agora, creio que você já adivinhou quem sou...

 

— Baby da CIA — murmurou Alice.

 

— Nota dez para você! — sorriu a anciã. — Imagino que já estava me esperando.

 

— Sim, mas... pensávamos que você fosse mais jovem.

 

Baby entrecerrou os olhos. Aquela mulher seria na realidade tão idiota como procurava aparentar? Seria tão burra que não percebia que a espiã mais famosa da CIA estava disfarçada? Teria acreditado na história da tia Kate?

 

— Diga-me uma coisa, benzinho — falou com ironia — de que planeta você surgiu? Não pense em me enganar e me responda: Para quem você está trabalhando e qual foi o treinamento que recebeu? Vou lhe dizer uma coisa, encanto: só um louco ou um ingênuo iria esperar-me como você fez, pensando que estivesse com todos os trunfos na mão. Agora sabe que estava enganada, que os trunfos estavam do meu lado, não é?

 

Naquele instante, quando estava acabando de falar, a anciã pressentiu algo estranho às suas costas, como se alguém com respiração muito ofegante procurasse abafá-la para evitar ruído e ao mesmo tempo, captou uma leve mudança de expressão nos olhos de Alice.

 

Reagiu rapidamente e se deixou deslizar pela borda da banheira, enquanto girava o corpo, levantava a mão que segurava a navalha e a arremessava contra o homem parado na porta do banheiro. Ele soltou uma exclamação abafada, mas o dedo já estava apertando o gatilho.

 

Plop! A pistola com silenciador detonou no mesmo instante que a navalha cortava o espaço e ia penetrar profundamente no pescoço do desconhecido, Ele soltou a arma, gritou de dor e levou a mão ao pescoço. Agora, as paredes do banheiro estavam vermelhas do sangue da cabeça de Alice, que tinha sido praticamente destroçada.

 

Baby se levantou rapidamente e pegou a pistola no bolso da saia. Mas não precisou usá-la.

 

O homem estava descalço, deixou os braços caírem ao longo do corpo, enquanto o rosto ia se transformando numa máscara de dor. Quase em seguida, caiu para trás. Os dois estavam mortos. Alice com o rosto deformado, e o desconhecido, atravessado na porta do banheiro.

 

Haveria mais gente no apartamento?

 

A anciã, logicamente, preparou-se para enfrentar um possível agressor e saiu do banheiro Percorreu todos os compartimentos e se convenceu que não havia mais ninguém por perto. Junto da porta da entrada estavam os sapatos do desconhecido que viera para ajudar Alice.

 

Se realmente esse era seu nome.

 

A agente Baby, em poucos segundos, comprovou que todo o apartamento fora remexido. Certamente, mais de uma pessoa passara por lá, e fim de procurar a fotografia. Ou isso também era uma mentira que fazia parte de um plano muito bem elaborado?

 

Brigitte passou os olhos em volta e pensou: “De qualquer modo, é muito trabalho para uma só pessoa. Tenho certeza de que meus Johnnies ficarão encantados em colaborar comigo.”

 

Não perdeu tempo, simplesmente, pegou o rádio que também trazia no bolso e entrou em contato direto com Cavanagh. Comunicou-lhe como estavam as coisas. Saiu do apartamento de Norbert Hart e foi ao vizinho. Encontrou a porta apenas encostada. Empurrou e entrou, cautelosamente, de arma em punho, mas logo percebeu que ali nada tinha a temer. Ao entrar na saleta encontrou a dona do apartamento jogada no sofá, amordaçada, pés e mãos imobilizados.

 

A Sra. Kate se aproximou dela, sorriu amavelmente e se sentou numa das poltronas.

 

— Não se preocupe, já acabou tudo. A senhora está salva. Agora vou tirar essa mordaça de sua boca... desde que me prometa não gritar. Posso confiar na senhora?

 

Eram quase nove da noite quando um dos agentes da CIA encontrou a foto, depois de vasculhar o apartamento minuciosamente horas a fio com seus companheiros.

 

Imediatamente entregou-a a Baby; que continuava usando as roupas de tia Kate.

 

— Onde estava? — perguntou Brigitte.

 

— Entre as páginas cento e doze e cento e treze deste livro jogado no chão.

 

Brigitte apanhou o livro e franziu a testa quando viu que era uma biografia de Adolf Hitler. Depois examinou a foto atentamente.

 

Fora batida em uma marina e o fotógrafo apanhara os cascos dos iates, lanchas e também os mastros que apareciam em profusão para formar o fundo da foto. Porém, no primeiro plano, aparecia perfeitamente visível um homem que aparentava quarenta e poucos anos, vestindo-se esportivamente, mas com muita elegância. Mantinha um cigarro na mão direita e com a esquerda segurava uma bolsa esporte.

 

— E a polaroide? — perguntou Baby.

 

— Já pegamos.

 

— Quero saber quando, onde e quem a vendeu para Hart. Desejo que ampliem este retrato, principalmente o homem que aparece nele. Tratem de localizá-lo como também os que aparecem no videocassete que encontramos na balsa. Seria interessante localizar também este porto que tem tantos iates ancorados. Deve ser importante, cosmopolita, desconfio que nada tenha a ver com enseadas de clubes pequenos e privados. Minha impressão é que se trata de um porto importante, até mesmo internacional. Quero que todo o pessoal disponível trabalhe nestas averiguações, mas jamais nos devemos encontrar. Os dados que forem sendo levantados, deverão ser entregues aos chefes imediatos, que por sua vez deverão repassá-los para nosso chefe-geral e será com este que manterei comunicação.

 

— Tudo bem! — disse o rapaz.

 

Cavanagh também estava no apartamento da vizinha, fazendo companhia à idosa senhora Kate.

 

— Não abandonem o apartamento de Hart, continuem procurando algo que possa nos auxiliar — ele ordenou.

 

— Sim, senhor.

 

O agente saiu e Baby se virou para a vizinha de Norbert Hart, que continuava muito nervosa.

 

— Será que a senhora nada tinha observado de estranho até esta manhã, quando o homem e a moça entraram no seu apartamento e a ameaçaram de morte, para logo em seguida amordaçá-la e imobilizá-la? Nunca os tinha visto antes?

 

— Nenhum dos dois — respondeu a vizinha.

 

— Como eram as relações entre a senhora e o senhor Hart?

 

— O que está querendo insinuar? — perguntou a mulher com o rosto vermelho como uma papoula.

 

A idosa Sra. Kate sorriu amavelmente. A vizinha de Hart aparentava ter um pouco mais de cinquenta anos, já comentara que vivia sozinha naquele apartamento e Brigitte desconfiou que talvez houvesse uma relação mais íntima entre aquela mulher madura e Norbert Hart. Chegou a construir mentalmente um encontro dos dois vizinhos. Devia ser à noite, regado a champanhe, música romântica de Beethoven ou Mozart, intercalada de conversas agradáveis e no final, possivelmente, o estimulante mais adequado para uma noite a dois: momentos gratificantes passados na cama, sem os grandes arrebatamentos comuns da juventude, mas ambos aproveitando aqueles instantes de gozo com a calma e a sabedoria adquiridas com a idade.

 

— Não insinuei nada... Esqueça a pergunta, senhora. Na realidade só estou preocupada com sua segurança, embora saiba que no passado não estivesse ligada intimamente a Norbert Hart. Neste instante, porém, o presente está meio confuso e precisamos dissipá-lo. Por ora, apenas sabemos que alguém enviou a moça e o homem que a amarraram. Por isso, só podemos imaginar que as pessoas que os enviaram presumiam que a senhora tivesse escutado alguma conversa e agora estamos interessados em saber o que ouviu... Entende meu ponto de vista?

 

— Infelizmente, não muito bem.

 

— A senhora pode ter escutado as conversas que ambos mantiveram. Talvez não lhe parecesse importante na hora, mas as palavras podem ter algum significado para nós... Acho até natural que tenha medo de nos dar informações.

 

— A senhora desconfia que... tentarão me matar?

 

— Vamos levá-la a um lugar mais afastado, onde ficaria até que resolvamos o assunto. Certamente, se a senhora recordar de alguma coisa, deve se comunicar com os dois homens que deixaremos aqui para impedir que algo de mal possa lhe acontecer.

 

— Então desconfia que tentarão me liquidar?

 

— A senhora sabia que Hart foi um colaborador ativo da CIA até dois anos atrás?

 

— Não.

 

— Ele sempre foi um homem discreto — disse Cavanagh.

 

— É, mas hoje seria bem melhor para nós se ele tivesse sido um pouco mais comunicativo. Se fosse um tipo mais aberto, talvez tivesse comentado alguma coisa com a Sra. Dewey e no entanto... ele nunca fez alusão a nada.

 

— Não. Só nos víamos às vezes, quer dizer... nos encontrávamos para conversar um pouco e escutar música. Por tudo que é mais sagrado, eu jamais desconfiei que meu amigo fosse espião.

 

Kate sorriu docemente, olhou para a Sra. Dewey e prometeu:

 

— Fique descansada porque cuidaremos da senhora até esse caso ser resolvido. Obrigada por tudo, Sra. Dewey.

 

Brigitte levantou-se da poltrona e saiu do apartamento.

 

Emboscadas... emboscadas...

 

Quando a CIA decide levantar a vida pregressa de um sujeito, este pode ir pedindo perdão por todos os pecados cometidos, porque em questão de poucos dias, os mesmos deixam de ser secretos para reluzirem à luz do sol.

 

E foi isso exatamente o que aconteceu mais uma vez.

 

Às dez da manhã do dia seguinte, a agente Baby estava instalada em um dos escritórios da Central e examinava as informações que tinha recebido:

 

A jovem que tentara matá-la no apartamento de Norbert Hart se chamava Alice May Rawlings, vinte e seis anos, ex-prostituta, chantagista ligada a políticos e uma provável colaboradora de um grupo de extermínio que vinha se tornando cada vez mais perigoso e temido. Embora fosse conhecido por apelidos diversos, Hot Blood1 estava se tornando o mais usual.

 

O outro homem que apareceu no apartamento de Norbert Hart era um ex-presidiário e cafetão que vivia do que prostitutas ganhavam. Também era pistoleiro que já respondera a diversos processos e ultimamente, vivia envolvido com tóxico e baixo meretrício. Um tipo violento que brigava e agredia frequentemente...

 

— Uma verdadeira loucura! — exclamou Baby.

 

— Exato — retrucou Cavanagh. — Não são pessoas que tenham categoria suficiente para intervir em um caso que se originou da crucificação de um ex-colaborador da CIA.

 

— Que mais nos informaram?

 

— Também já estão identificados dois dos homens que apareceram no vídeo cassete que foi encontrado na balsa, aqueles que maltratavam Hart. Um deles é norte-americano e se chama Jefferson Craig. Foi boxeur e mais tarde, tornou-se um matador de aluguel; também andou trabalhando em seriados da televisão, sempre fazendo papéis de ação violentas.

 

O outro é um cubano que vive nos Estados Unidos desde os cinco anos de idade. Lorenzo Covarrubias agora já está com trinta e sete anos. É um dos suspeitos pelo assassinato de uma jovem que apareceu morta em Miami e que mantinha relações sexuais com ele. Depois disso, sumiu e até agora, ninguém sabia por onde ele andava.

 

— Isso até parece pagode! — irritou-se Brigitte. — Como pessoas tão ralés tentam envolver-se com o pessoal da CIA?

 

— Talvez o assunto principal nem esteja ligado à espionagem. Quem sabe se Hart não andava envolvido em outros negócios? Talvez até em negócios sem muita importância?

 

— Negócios tolos que lhe custaram a vida e que, ainda forçaram Baby receber o presente de um homem crucificado!

 

Cavanagh olhou para ela e apenas balançou a cabeça.

 

Já eram quase onze horas da manhã quando chegaram novas informações que se encaixaram perfeitamente àquele problema que tentavam solucionar: O homem da fotografia encontrada dentro da biografia de Adolf Hitler se chamava Meredith Cranston e por alguns anos havia colaborado no Serviço Secreto da Grã-Bretanha.

 

— Isso já me parece mais razoável — disse Brigitte. — Entremos em comunicação com nossos primos de Londres e vamos ver o que eles sabem sobre Meredith. Se o MI6 não demonstrar vontade de nos ajudar, ligarei diretamente para John Pearson.2

 

Mas o MI6 forneceu todos os dados que os primos americanos desejavam receber.

 

Meredith Cranston fora um agente considerado como bom no Serviço Secreto Britânico. Há mais de dois anos afastara-se das atividades alegando cansaço profissional e porque tinha planos de se dedicar a negócios mais tranquilos e melhor remunerados no setor de eletrônica. Até já estava contratado por uma firma particular.

 

— Cansaço profissional — repetiu Brigitte.

 

— É, pode ser aceitável. O que mais conseguiram saber sobre Cranston?

 

— Agora ele está em Nassau, nas Bahamas.

 

— Espere, um momento! — exclamou a espiã. — Nassau! O porto que se vê na foto...

 

— Tem razão — confirmou Cavanagh com um sorriso. — O porto que aparece na foto é realmente Nassau. Por favor, querida, não fique chateada, mas já mandei alguns rapazes pesquisarem aquela área. Imagino que quando você chegar às Bahamas, eles poderão apresentá-lo em uma bandeja de prata.

 

— Ótimo!

 

— Você não ficou aborrecida com nossa intromissão? — Cavanagh não conseguia esconder sua surpresa.

 

— Não. Apenas gostaria que você preparasse tudo para eu viajar o quanto antes. Espero chegar ainda hoje em Nassau.

 

— Está bem — respondeu, irritado. — Qualquer momento que você chegue, eles já a estarão aguardando... Não entendo os motivos para ter tanta pressa...

 

— Por que parece tão zangado?

 

— Compreendo perfeitamente que você se sinta muito satisfeita e quando você demonstra desagrado, fico logo imaginando que alguma coisa não está correndo como devia... O que é desta vez?

 

— Não se preocupe — riu Brigitte, carinhosamente. — Primeiro veremos de que modo eles costumam jogar e depois adaptaremos o jogo de acordo com as regras que costumo usar. Que nosso ex-colega Meredith Cranston vá colocando suas barbas de molho!

 

Meredith Cranston estava tomando um conhaque no Tabarin Club que ficava perto do edifício onde alugara um apartamento pequenino e acolhedor, logo depois de ter chegado a Nassau.

 

Um camareiro aproximou-se da mesa e lhe entregou um pacotinho pequeno, quase do tamanho de um maço de cigarros.

 

— O que é isto? — perguntou.

 

— Há poucos minutos um rapaz negro se aproximou do bar e pediu que eu entregasse esse pacote ao senhor. Depois se afastou quase correndo.

 

— Obrigado — agradeceu Cranston.

 

O camareiro se afastou e ele ficou contemplando o pacote. Alguém que o visse naquele momento, diria que era um homem charmoso, forte, ruivo, sardento, dono de um olhar perspicaz e inteligente.

 

Realmente o ex-espião era um tipo inteligente e reconhecia que quando se joga o jogo da espionagem, a vida fica exposta a todos os perigos. E naquele instante, ele próprio se expunha aos mesmos... Alguém poderia lhe ter enviado uma bomba pequena, acondicionada entre os cigarros do maço, quando ele bebia calmamente? Bem, só um louco arquitetaria um plano tão perigoso.

 

Rapidamente abriu o pacote e sorriu ao ver que a bomba era um maço de cigarros da marca mais afamada nos States.

 

Aliás o maço não estava completo... as feições de Cranston se crisparam quando percebeu a natureza do presente. Apanhou dinheiro do bolso da calça e o soltou em cima da mesa, levantou-se e saiu do Tabarin. Discretamente, retirou um dos cigarros, encostou a boca ao pacote e perguntou:

 

— O que há? Com quem falo?

 

— Com Baby. Caminhe até o carro e conduza para fora da cidade.

 

— E se eu não obedecer?

 

— Aja como quiser e aguente as consequências.

 

— Está bem. Para onde deverei me dirigir?

 

— Siga pela costa em direção a Sea Garden. Chegando lá, chame-me de novo.

 

Cranston cortou a ligação. Caminhou para onde deixara o carro que alugara em Nassau. A comunicação fora feita rapidamente e ninguém prestara atenção nela. Porém na calçada oposta da Main Street estavam dois homens encostados num muro e olhando fixamente para o bar. Estes também começaram a andar, sempre atrás de Cranston que apenas os olhou com o rabo de olhos, enquanto fazia um movimento rápido e discreto com a cabeça. Os homens sabiam o que ele procurava transmitir-lhes. Deviam manter-se atentos e segui-lo porque possivelmente havia chegado o momento de entrar em contato com Baby.

 

Meredith não se sentia muito tranquilo quando abriu a porta e entrou no carro. Durante todo seu tempo de espionagem sempre tinha ouvido comentários exaltando o nome de Baby como a espiã magnífica e a mais famosa do mundo. Uma mulher que ainda ninguém conseguira derrotar, embora seus adversários empregassem os ardis mais estapafúrdios.

 

E agora, ele ia conseguir isso, usando somente uma isca muito tola e aproveitando a ajuda que os companheiros lhe iam dar?

 

Por um momento, Cranston pressentiu que seria melhor abandonar aquela ideia maluca, mas o orgulho próprio o fez compreender que agora já era muito tarde para fugir. Tinha de continuar, precisava ir avante. Refletiu e resolveu seguir as orientações de seu bom senso.

 

Ligou o motor e o carro arrancou. Afastou-se lentamente e pelo espelho retrovisor viu que seus dois auxiliares o acompanhavam. E daí? Por que não podia acontecer naquele dia? Todas as coisas não acabam sendo resolvidas algum dia, mais cedo ou mais tarde? Certo, a lei era uma lei de vida e segundo ela a agente Baby também deveria perder a partida algum dia e por que este dia não poderia ser hoje?

 

Sacudiu a cabeça e sorriu. Continuou conduzindo, mas ainda estavam dentro da cidade. Apanhou o rádio e a chamou de novo:

 

— Explique-se — disse. — O que está querendo de mim concretamente?

 

— Pois bem, você teve alguma participação no assassinato de Norbert Hart?

 

— Não.

 

— Não? E como ele tinha uma foto sua guardada no apartamento? Dois bandidos que não tinham categoria ou preparo estiveram lá para procurá-la e como não a encontraram, esconderam-se no apartamento vizinho, onde ficaram esperavam novos acontecimentos.

 

— Você os pegou!

 

— Estão mortos e a foto está em meu poder. Londres nos deu algumas informações sobre você e meus Johnnies o encontraram facilmente. Tudo está parecendo muito fácil, Sr. Cranston.

 

— Por que fácil?

 

— Por nada, tudo está parecendo não ter sentido e chego achar um insulto a maneira como estão procedendo. Vejamos, você conhecia Norbert Hart?

 

— Claro. Fui eu quem sugeriu que ele fosse contratado como assessor psicológico da operação.

 

— Que operação?

 

— Na verdade eu a ignoro. Pediram-me que encontrasse um homem da CIA cuja ausência não fosse notada e que pudesse fornecer abundantes informações internacionais sobre o pessoal da organização e o modo como esta costuma agir fora dos Estados Unidos. Eu já conhecia Hart há mais de cinco anos; procurei-o, conversamos e soube que já estava aposentado há algum tempo, mas em plena forma mental e física. Pareceu-me o homem ideal para o cargo e foi então que o recomendei.

 

— A explicação parece lógica. O que aconteceu depois?

 

— Recebi ordens para procurá-lo de novo, combinarmos um encontro em Nassau e lhe oferecer uma boa remuneração. Foi o que fiz. Ele veio a Nassau e eu lhe expliquei o pouco que sabia sobre o assunto: ele devia participar como assessor psicológico e logístico numa operação que seria realizada na América Latina. Em troca, receberia cem mil dólares que poderiam ser pagos em ouro, dólares, cheques ou da forma como considerasse mais cômoda. Perguntou-me que operação era esta e eu lhe disse o que há pouco lhe falei. Ignorava sua natureza e nada sabia sobre a mesma. Ele me pediu uma noite para pensar e ficou hospedado no Alberta Hotel. Só nos encontramos novamente às dez horas da manhã seguinte quando então me comunicou que aceitava a oferta e me perguntou o que precisava fazer. Disse-lhe que devia voltar para casa porque mais tarde receberia instruções. Despedimo-nos, ele partiu para Oakes Field, a fim de tomar o avião de regresso. A partir de então, eu não o vi mais. Isso é tudo que sei.

 

— E não viu quando ele batia a fotografia?

 

— Claro que sim — resmungou Cranston. — O sem-vergonha trazia uma polaroide de revelação instantânea a tiracolo. Se tivesse usado uma microcâmara talvez eu não tivesse percebido quando me fotografava, mas o cretino utilizou aquela máquina enorme, simulando tomar uma fotografia do porto... Naturalmente quando informei a meus chefes que Hart havia aceitado a proposta, também lhes disse que havia batido a foto. Eles me mandaram ficar calmo porque se encarregariam de tudo.

 

Desta vez, Baby custou a responder. Cranston observou que estavam chegando ao limite da cidade e compreendeu que a espiã norte-americana estava refletindo. Olhou pelo retrovisor e viu os faróis do carro dos amigos. Só desejava descobrir de onde Baby lhe estava falando. Não estava interessado em contatos pelo rádio. Queria manter um contato direto e pessoal com ela... Se conseguisse isso, ia matá-la e receberia cem mil dólares que estavam sendo oferecidos por sua morte. Se não conseguisse matar a espiã e se caísse em suas mãos, ela nada iria fazer contra ele; porque tinha um trunfo guardado no hotel; era algo que certamente interessaria a mulher e quando ela soubesse o que era, trocaria sua vida por aquela informação secreta que a ajudaria elucidar o caso.

 

— Bem, parece que agora os fatos parecem ter mais sentido — falou Baby depois do silêncio prolongado. — Hart voltou a seu apartamento, escondeu a fotografia do homem que o convidara para participar do negócio e ficou esperando a provável chamada. Que mais aconteceu?

 

— Já falei tudo que sabia. Mandaram-me permanecer aqui em Nassau, onde deveria receber novas instruções e esperar a chegada do iate.

 

— O iate... Qual é o nome?

 

— O do iate? Ignoro. Alguém viria procurar-me no hotel quando ele chegasse a Nassau, ou então me avisariam por telefone. Isso é tudo que sei.

 

— Aliás, você não sabe de muita coisa, Cranston...

 

— Não sou adivinho. Só sei as coisas que me contam.

 

— Compreendo. Então Hart retornou a Washington, alguém deve tê-lo procurado e ele aceitou a proposta e foi reunir-se às pessoas que já estavam no iate. Porém ao invés de receber o dinheiro prometido, encontrou a morte. Por que fizeram isso com Hart?

 

— Não sei... Apenas posso pensar que talvez o pessoal não o tenha aprovado porque ele havia batido a fotografia. Ou talvez porque Hart não tivesse aceitado o trabalho que devia fazer... ou quem sabe quando ele se recusou em entregar a fotografia, pensaram que talvez ele os pudesse delatar e complicar a vida de todos?

 

— Seguindo-se seu raciocínio a coisa parece lógica — admitiu Baby. — Porém ainda não entendi por que o crucificaram.

 

— O quê? — desta vez a surpresa de Cranston era patente.

 

— Não sabia que Hart foi crucificado?

 

— Claro que não!

 

— Então só sabe o que aconteceu quando esteve com Hart. Não tem mais nada para me dizer?

 

— Já lhe disse tudo o que sei!

 

— Muito obrigada. Se já me falou tudo, chegamos à conclusão de nossa conversa e não necessito mais de sua ajuda. Não concorda comigo?

 

— E isso significa? — exclamou Cranston.

 

— Significa que você vai morrer — disse Brigitte, tranquilamente.

 

— Não creio que me vá matar — murmurou Cranston. — Escute, isso não seria justo. Apenas servi de intermediário, fazendo uma oferta a um colaborador, que já não trabalhava para a CIA. Não acredito que vá matar-me por isso.

 

— Não... Vou matá-lo porque planejou minha morte... Você e os dois homens que vêm seguindo seu carro têm ordens para matar-me e não vou ser tão estúpida a ponto de permitir que três assassinos perigosos e muito bem treinados continuem vivos.

 

Cranston não esperava por aquela reação e ficou furioso.

 

— Está bem! Para matar-me, terá de aproximar-se... e eu quero ver quem matará quem!

 

— Reconheço que realmente estou tratando com assassinos miseráveis... infelizes e desgraçados — riu a espiã americana. — Cranston, dê uma olhada pelo espelho retrovisor.

 

Obedeceu instintivamente e, naquele instante, o carro dos dois companheiros explodiu, envolto em labaredas que avermelharam a escuridão da noite. O carro se transformou numa bola de fogo e foi se chocar violentamente contra uma árvore à margem do caminho.

 

Meredith Cranston soltou um palavrão e freou o carro rapidamente quando viu outro automóvel aproximar-se em direção contrária.

 

— Não se detenha — ouviu a voz de Baby falando. — Prossiga avante e se parar novamente, terá um fim idêntico a de seus amigos, pois também colocamos uma carga de dinamite em seu carro. x

 

— Espere um momento — murmurou Cranston, agora com voz trêmula. — Posso oferecer-lhe algo que vai interessá-la muito.

 

— Não aceito chantagens. Você já disse que não sabia de mais nada.

 

— Menti! Sei de mais algumas coisas! Sei quais são os homens que estão preparando a operação, embora não conheça nenhum deles pessoalmente. Já consegui impressões datiloscópicas de dois deles, e também sei qual é o nome do iate!

 

— Bem, isso, sim, é saber das coisas... Qual é o nome do iate, senhor Cranston?

 

— Não o guardei de cor, mas o tenho escrito em um papel que está dentro de um envelope. Dentro dele também estão as impressões datiloscópicas. Porém, esse envelope está muito bem escondido.

 

— Como conseguiu as impressões?

 

— Consegui apanhá-las de outro envelope que me mandaram com dinheiro.

 

— Muito interessante. Você é um homem muito inteligente... Mas agora, diga-me o nome do iate e mais tarde, passaremos por sua residência, a fim de apanharmos ás impressões datiloscópicas dos criminosos.

 

— Só lhe entregarei as coisas quando tiver certeza que não irá matar-me!

 

— Dou-lhe minha palavra. Pensando friamente, reconheço que não merece perdão, mas também reconheço que é uma peça bem insignificante no tabuleiro do jogo e como me vai fornecer informações importantes que usarei para caçar os criminosos... Percebe-se claramente que você é conhecedor dos segredos do ofício, vê-se que é mais previdente.

 

— Quero sair deste carro! — exigiu Cranston. — Não quero ficar dentro dele nem mais um minuto!

 

— Não há necessidade de ficar tão nervoso. Sabe que a carga de dinamite só explodirá quando eu acionar o controle remoto. Por isso, procure acalmar-se. Afaste-se daqui e quando vir outro carro surgir atrás do seu, fazendo sinais com os faróis, estacione e abandone o veículo. Porém, preste muita atenção, Cranston e não tente fazer alguma tolice. Se eu desconfiar de alguma coisa, você será morto. Entendeu?

 

— Sim.

 

— Muito bem.

 

A comunicação foi cortada. Cranston arrancou mais uma vez e continuou rodando pela estrada que costeava a orla marítima. Nem por um momento tinha pensado no que teria acontecido com os companheiros, certamente o fogo consumira parte do carro porque as pessoas que transitavam pela estrada deviam ter apagado o fogo com seus extintores. Contudo, não acreditava que os homens pudessem estar salvos...

 

Não tinha mais dúvida, o MI-6 ia colaborar com os primos americanos, facilitando as informações que precisassem.

 

Subitamente, um carro surgiu atrás do seu, e em seguida acendeu os faróis. Cranston freou e saiu para o ar livre. Sentia-se nervoso em saber que em poucos minutos conheceria Baby... Se a matasse ganharia cem mil dólares e agora, nem precisaria dividir o prêmio com alguém, pois os companheiros já tinham passado para a outra vida, que muitos afirmam ser a melhor, mas que ninguém volta para dizer como é.

 

1 Sangue quente em inglês. (NT)

2 John Pearson, o Fantasma, é um velho companheiro de aventuras de Brigitte e atualmente ocupa cargo importante no Serviço Secreto britânico (NT).

 

O mistério do Tryplex

 

O carro parou abruptamente perto dele. Cranston percebeu que era ela quem estava dirigindo.

 

— Suba, Cranston — ordenou Baby.

 

Abriu a porta do carro e se sentou a seu lado. A noite estava escura, mas ele pôde ver que a moça era loura. Depois passou os olhos pelo interior do veículo e confirmou que ambos estavam sós, que o banco traseiro estava vazio... Olhou novamente para Baby e viu que ela continuava com as mãos no volante.

 

Tudo lhe parecia muito fácil. Só precisava apanhar a navalha que estava escondida na manga do casaco e degolar aquela garota. Podia executar o plano em frações de segundo.

 

De repente, ela virou o rosto em sua direção e só então, o inglês pôde ver a beleza de suas feições e os olhos grandes, negros, tão luminosos como brilhantes brilhando na escuridão.

 

— Cranston, se você tentar algo contra mim, meus Johnnies o pegarão vivo eu juro como há de lamentar o dia em que nasceu e todos os anos que viveu... Não se esqueça que já está avisado, entendeu?

 

O inglês novamente sentiu um friozinho na boca do estômago e um calafrio correu por todo seu corpo.

 

— Mulher maldita... você não pode ter tanta coragem, tanto poder!

 

— Não adianta se falar, pois você já me conhece há algum tempo e sabe o que posso fazer. Saiba que confio em sua inteligência, ou melhor, em seu instinto de conservação. Sabe que se me agredir, será atacado imediatamente.

 

— Sou mais forte e poderei matá-la.

 

— Força e coragem, nunca foram sinônimos de idiotice, Cranston — sorriu Brigitte. — Portanto, é hora de tomar uma decisão: ou fazemos um acordo e neste caso, sua vida será poupada ou então, começamos uma guerra sem tréguas. Decida-se logo de uma vez porque não tenho muito tempo para gastar com conversas.

 

Cranston se sentiu derrotado e murmurou:

 

— Está bem... Carrego uma navalha e poderia matá-la com facilidade, mas nem vou tentar isso.

 

Apanhou a arma que estava escondida na manga do casaco e a depositou nas mãos da loura. Esta soltou uma risada e ele esteve a ponto de esbofeteá-la, mas dominou-se a tempo. De nada adiantaria piorar uma situação que já estava bastante complicada.

 

Baby pisou no acelerador e o carro reiniciou a marcha. O inglês olhou espantado para ela e perguntou:

 

— Vamos deixar meu carro aqui?

 

— Pare de se preocupar com as coisas. A partir deste momento, sou eu quem controla tudo... e fique certo que não vou necessitar de suas orientações. Onde está o envelope?

 

— Na caixa-forte de meu hotel, em nome de Aldo Woodrock. Somente o entregarão a quem citar este nome quando for apanhá-lo.

 

— E o entregarão facilmente, sem outras exigências?

 

— Sim.

 

Baby apanhou o rádio e passou algumas instruções, solicitando que um dos Johnnies passasse na portaria do hotel para recolher o envelope. O carro continuou rodando e rodou quase duas milhas antes de se enveredar por um caminho curto e particular que ia terminar exatamente na frente de um chalé pequeno, localizado perto do mar e cercado de palmeiras. Um cenário encantador sob a luz das estrelas.

 

Baby apagou os faróis do carro, mas continuou dentro dele. Segundos mais tarde, aproximaram-se mais dois automóveis e de um deles saltaram dois agentes da CIA que se encaminharam diretamente para o chalé. Entraram e acenderam todas as lâmpadas que havia na casa.

 

Depois um deles apareceu na porta e fez sinal para os outros também entrarem. Os rapazes saíram rapidamente dos carros e novamente, Cranston sentiu um friozinho correr por sua espinha quando se viu cercado por cinco Johnnies.

 

Já estavam na saleta do chalé e ele notava como todos os agentes o fitavam com rancor. Só então entendeu que ainda continuava vivo porque Baby o estava protegendo e que, se fosse pela vontade dos Johnnies, ele já estaria morto e esquartejado.

 

— As impressões datiloscópicas poderão ficar para mais tarde — começou Baby. — O que preciso saber é o nome do iate.

 

Calou-se e olhou para Cranston.

 

— Tryplex — respondeu este.

 

— Muito bem, agora sente-se nessa poltrona e fique calado.

 

O inglês obedeceu e em poucos segundes percebeu que a CIA tinha recursos dentro daquele chalé. Facilmente podia ver o rádio, telefone e telex à disposição dos agentes. O nome do iate foi comunicado à Central, a fim de os chefes se encarregarem de providenciar as buscas que achassem necessárias. O iate devia ser procurado no mundo inteiro, se bem que Baby continuasse pensando que ele deveria estar, em águas próximas à costa leste dos Estados Unidos, considerando o trajeto feito pela balsa que navegava no rio Potomac, com o cadáver de Norbert Hart preso a uma cruz... A balsa só poderia ser arriada às águas se estivesse a bordo de um iate ou lancha.

 

Baby ficou calada por alguns instantes e depois comentou:

 

— A menos que eles estejam se utilizando de dois iates e não de um conforme estamos pensando.

 

Pouco depois receberam uma comunicação de Nassau, informando que um agente já havia apanhado o envelope que estava guardado no hotel, que efetivamente nele estavam algumas impressões datiloscópicas e outro papel que somente tinha a palavra Tryplex escrita.

 

A ordem de Baby foi rápida:

 

— Que um Johnny viaje imediatamente para a Central utilizando os voos mais rápidos, mesmo que tenha de fazer conexões com outras linhas. Quero que localizem os donos das impressões com urgência. E assim que os mesmos forem identificados, terão de me comunicar o resultado. Façam isso com rapidez, sem se preocuparem com a hora. Estou aguardando uma resposta. Precisamos reunir maior número de informações para chegarmos a um resultado positivo. Entendido?

 

A primeira notícia receberam às nove horas da manhã seguinte e na verdade, não chegou surpreender a espiã.

 

— O Tryplex foi localizado e está sob controle. Deverá chegar em Nassau dentro de poucas horas, salvo se mudar de rumo inesperadamente. Navega sob bandeira norte-americana e está registrado em nome de um tal Randolph Kimberley.

 

— O que descobriram sobre esse cidadão?

 

— Algumas coisas — retrucou o Johnny. — Ele é senador dos Estados Unidos...

 

— Droga!

 

— Ora, essas coisas costumam acontecer — retrucou o agente. — Agora, eu só gostaria de descobrir qual é a ação que está sendo preparada na América Latina por um senador americano, e quem são os dois indivíduos que o assessoram?

 

Baby sentou-se no sofá que estava em frente à poltrona ocupada por Cranston; a poltrona que ele estava usando desde o momento em que chegaram ao chalé; fora nela que tinha, passado uma noite insone, enquanto a espiã descansara profundamente, fechada em um dos quartos da casa.

 

— Cranston, o iate Tryplex está chegando a Nassau e pelo que me disse, os seus ocupantes deverão procurá-lo ou então chamá-lo por telefone. Por acaso combinaram algum meio pelo qual eles poderiam entrar em contato com você, se não pudessem localizá-lo pessoalmente no hotel?

 

— Não.

 

— Então eles simplesmente estão pensando que tudo está normal por aqui?

 

— Sim.

 

— Como podem continuar tão confiantes se foram informados que a CIA ia agir de forma atuante em Nassau?

 

— Eles não devem saber disso.

 

— Não? Mas você sabia que eu estava para chegar em Nassau, não é verdade? Tinha tanta certeza que eu viria que até se aliara a dois amigos a fim de ficarem de tocaia, esperando por um momento ideal para me matarem. Não foi isso que pensava fazer, colega? Como soube que a agente Baby ia passar alguns dias em Nassau?

 

Meredith Cranston olhou para ela, mas não respondeu. Um dos agentes da CIA postou-se à frente dele e quando menos esperava, recebeu uma patada no baixo ventre. O inglês gritou de dor e se encolheu na poltrona, branco como um defunto. Quando olhou novamente para a loura, percebeu que a diversão havia terminado e que agora a conversa seria diferente.

 

— Cranston, há coisas que não têm um mínimo de lógica — disse Brigitte. — Muitas vezes finjo desconhecê-las, mas jamais me passam desapercebidas, entende? Se você me esperava, esperava porque sabia que eu ia chegar. Se você sabia, seus amigos que estão viajando no Tryplex também deviam estar avisados de minha chegada e talvez por isso, estejam chegando a Nassau. Estou certa, colega?

 

— Não sei... Não sei!

 

— Vou acabar matando você, Cranston, não por estar se portando como um idiota, mas porque me trata como se eu fosse uma débil mental! Posso explicar como tudo aconteceu. Aquela foto que encontramos no apartamento de Hart foi colocada dentro daquele livro pelos caras que trabalham com você no continente. Fizeram tudo daquela maneira, pensando que se os dois não me matassem, eu e meus companheiros iríamos revirar os pertences de Hart, logicamente, encontraríamos seu retrato e o localizaríamos com facilidade. E foi o que aconteceu, não só porque sejamos espertos e tenhamos recursos a nosso dispor. Não senhor, nós o encontramos facilmente porque eles planejaram assim, no caso de eu sair viva do apartamento de Hart. E se eu tentasse matá-lo, já havia o lance das impressões preparado para salvaguardar sua vida. Isso prova que cada vez que eu consiga me safar de uma emboscada sempre haverá outra um pouco mais adiante, até que uma delas termine comigo. Compreendeu meu raciocínio, colega?

 

— Creio que sim...

 

— Pois é, o iate Tryplex é outra emboscada. Se eu cair nela, tudo bem, a agente Baby deixa sua vida de aventuras e perigos... Mas se eu sair ilesa, tenho certeza de que logo vou topar com mais armadilhas. Por que querem que eu morra?

 

— Não sei... Juro que não sei!

 

— Só pode ser pelo mesmo motivo que forçou seus companheiros me enviarem o cadáver de Norbert Hart pregado em uma cruz.

 

— Não sei...

 

— Contudo, deve compreender que quando seus amigos aportarem, no porto de Nassau e o procurarem no hotel e não conseguirem encontrá-lo em lugar algum, começarão a desconfiar que alguma coisa deve ter acontecido. O que acha, Cranston?

 

— Sim... Creio... que tem razão.

 

— Eles estão chegando sem aparentar temor. Agora, eu pergunto, se soubessem que Baby e o pessoal da CIA estão agindo, teriam coragem de vir?

 

— Não sei! — quase gritou o inglês.

 

Baby ficou calada por mais de quatro minutos, como se estivesse distante daquela sala, daquele chalé e daquele ambiente sórdido.

 

Todos respeitaram seu momento de abstração e não fizeram o menor gesto ou ruído, para não perturbá-la.

 

Quando voltou à realidade, olhou para o inglês e disse:

 

— Agora você só tem duas opções. Uma delas é que eu o mate pessoalmente, sem mais conversa. A outra, terá que fazer exatamente o que eu lhe disser...

 

Lili Mayflower inicia a ação

 

Pouco mais de vinte minutos que o iate Tryplex fora amarrado ao porto de esporte que ficava anexo ao Prince George, quando ela chegou no embarcadouro.

 

Lorenzo Covarrubias e seu companheiro Andrew Wells estavam debruçados na amurada e ficaram olhando para a mulher fenomenal.

 

O cubano chegou a assobiar com entusiasmo, pois nunca tinha visto outra mais sensacional.

 

— Puxa! Que negra! — exclamou em seguida.

 

A moça estava usando um vestido azul-claro e tinha uma flor amarela nos cabelos que estavam presos, formando um coque no alto da cabeça. Tinha o rosto perfeito, olhos enormes, negros e cintilantes e uma boca muito bem desenhada.

 

A fazenda do vestido era leve, transparente e, por baixo dela, os dois homens podiam ver seu corpo escultural, curvilíneo que despertava desejos esquecidos... Era uma fêmea apetecível, uma mulher que bem merecia que alguém se deixasse matar por ela.

 

Covarrubias estava pensando de que modo poderia aproximar-se dela, e chegou a sorrir quando viu a negra caminhando para a passarela que unia a embarcação ao ancoradouro. Em segundos, estava parada no convés e olhando para eles.

 

— Parece que você já encontrou o que andava procurando — falou o cubano para o companheiro. — Porém não podemos fazer aqui no convés o que estamos desejando... Talvez nem mesmo em qualquer canto do iate.

 

— Deixe de conversa — continuou Wells. — Sou capaz de apostar como você já sabe onde podemos ficar.

 

Enquanto isso, ela olhava de um para o outro e depois, apontou para a proa do iate.

 

— Vi que o nome desta embarcação é Tryplex... Preciso falar com o homem mais importante dentre os que estão a bordo.

 

— Acha que não somos importantes? — respondeu Covarrubias.

 

— Falando sinceramente, penso que não — sorriu a negra com ironia. — Estou aqui porque Meredith Cranston mandou-me entregar um bilhete para ele.

 

Apanhou um envelope de dentro da bolsa e o mostrou aos homens. O cubano fez menção de arrebatá-lo de sua mão, mas ela o afastou, sorrindo, divertida. Wells também procurou apanhar o envelope, dizendo:

 

— Pode deixar conosco porque nós nos encarregaremos dele.

 

— Não, não... — refutou a jovem. — O problema parece importante e Meredith recomendou que eu o entregasse pessoalmente.

 

Eles trocaram um olhar e Wells falou:

 

— Está bem. Espere aqui mesmo.

 

Desapareceu no interior do iate e reapareceu alguns minutos mais tarde, quando Covarrubias ensaiava um jeito para poder acercar-se da negra.

 

Wells fez sinal para ela segui-lo, quando passava perto do cubano este deu uma palmada em suas nádegas, rindo satisfeito. Lili não perdeu tempo, virando-se com uma agilidade incrível e deu uma joelhada no ventre do atrevido. O homem gritou de dor e se acocorou no chão, esperando que a mesma diminuísse.

 

— Ferinha gostosa! — riu Wells.

 

Ambos entraram no iate, na saleta já estava um homem esperando por eles. O sujeito era alto, louro, com físico de atleta. Aparentava quarenta anos mais ou menos e sua aparência seria muito agradável se não tivesse o braço esquerdo amputado. Seus olhos também não chegavam a ser agradáveis, eram penetrantes e frios.

 

— Quem é você — perguntou bruscamente.

 

A moça pareceu hesitar, mas depois de segundos mudou de tática, olhou para ele e sorriu.

 

— Meu nome é Lili Mayflower e trouxe uma encomenda para o senhor, a mando de Meredith Cranston.

 

Abriu a bolsa e apanhou um envelope que o entregou.

 

O amputado firmou-o de encontro ao corpo com a parte do braço esquerdo que lhe restava e o abriu com a mão direita. Depois desdobrou o papel e leu:

 

Ela chegou e eu a feri, mas a diaba conseguiu fugir depois de matar Amos e Lukas. Também consegui escapar, e estou escondido aqui em Nassau. Não me atrevo a sair à rua, pois estou cercado de homens da Agência. M. C.

 

Acabou de ler a mensagem e olhou novamente para a negra que o observava.

 

— Onde Cranston está escondido?

 

— Em meu apartamento.

 

— É? Por que o está protegendo?

 

— Porque somos amigos e o senhor já sabe quem sou.

 

— Deixe de bancar a tola. Não acredito que alguém possa ter um nome tão esquisito como o seu, Lili Mayflower.

 

— Bem... quer dizer... esse é o nome que uso no trabalho.

 

— O que você faz?

 

— Não sei como explicar... Faço amigos em clubes caros e luxuosos... Sempre encontro pessoas agradáveis que me pagam regiamente para usufruírem de minha companhia durante os dias que permanecem nas Bahamas. Digamos que sou uma aeromoça de luxo.

 

— Aeromoça? Você não passa de uma prostituta! — exclamou o maneta.

 

— Falei que sou aeromoça! — retrucou Lili, irritada. — Conheci Meredith há poucas noites atrás quando estive no Tabarin. Ele me convidou para tomarmos uma bebida... Divertimo-nos bastante e quando se despediu de mim, prometeu que ainda nos encontraríamos. Nesta madrugada quando voltei para casa, tive a surpresa de vê-lo sentado em minha sala, esperando-me. O espertalhão tinha aberto a fechadura com um pedaço de arame... Fiquei aborrecida e o chamei de aproveitador abusado, pois com que cara eu teria ficado se estivesse acompanhada por um amigo? Mandou-me calar e disse que devia passar a noite ali e que de manhã cedo, eu teria de fazer um servicinho para ele e que este me seria bastante rendoso. Pois bem, acedi e vim até aqui e agora estou esperando o pagamento que me foi prometido.

 

Quanto o senhor me dará pelo serviço? Quero que Meredith saia de meu apartamento o mais rápido possível. Não sou nenhuma ingênua e percebo quando as encrencas começam a se aproximar... Acho que o senhor entendeu o que tentei lhe dizer, não é?

 

Enquanto Lili falava, Covarrubias tinha chegado à companhia de outro personagem que devia ter saído dos camarotes. Era um homem que também devia ter mais de quarenta anos, alto, ruivo e estava de pijama. Lili reparou que este não tinha a perna direita, fora amputada um pouco acima do joelho e precisava de muletas para se locomover, além de ter uma cicatriz horrível no rosto, que ia do nariz até a orelha direita.

 

Ela se calou e os homens permaneceram em silêncio, por fim o maneta perguntou:

 

— O que Cranston está esperando? Você ficou de levar-lhe alguma resposta?

 

— Creio que está esperando nada; só me pediu que eu entregasse esse envelope.

 

O maneta mostrou o telefone que também funcionava como rádio e que estava colocado em cima de uma mesinha.

 

— Chame Cranston.

 

— Talvez ele não queira atender...

 

— Não custa nada se arriscar... Complete a ligação.

 

Lili Mayflower obedeceu. Todos podiam ouvir as chamadas do outro lado da linha, mas ninguém atendeu. O maneta deu ordens para ela tentar de novo, sem resultado. Somente quando fez a terceira tentativa, o telefone do apartamento teve o fone levantado, mas ninguém falou. Lili olhou para o homem sem braço e seus olhos refletiam medo. O amputado sorriu e sussurrou:

 

— Fale com ele, diga quem é.

 

— Meredith? Sou eu, Lili. Você me está ouvindo?

 

— Bodega! Claro que estou ouvindo. Onde você está?

 

— Estou no...

 

O maneta arrancou o fone de sua mão e assumiu o contato com o inglês.

 

— Cranston, aqui é Átila quem fala. Como pôde enviar essa mulher ao iate?

 

— Está bem. Permaneça aí e não faca nada. Não atenda nenhuma chamada telefônica, salvo se antes deixar o aparelho chamar cinco vezes seguidas. Entendido?

 

— Isso é tudo.

 

Átila desligou o aparelho e ficou olhando para a negra. Naquele instante, outro personagem entrava na saleta, igualmente de pijama e os contemplava em silêncio... enquanto Lili o fitava com pavor. Nunca tinha visto ninguém tão horrível. Aquele homem tinha a cabeça inteiramente coberta por cicatrizes, certamente provocadas por queimaduras e ainda lhe faltava a orelha esquerda. Somente os olhos pareciam ter vida naquela máscara de terror que contemplava o espécime negro com fascinação.

 

Repentinamente, Lili Mayflower percebeu que não era somente ele que a fitava com embevecimento, mas todos os homens que se encontravam na saleta. Sua perturbação foi evidente. Para despistar, desviou os olhos de todos e foi pousá-los no quadro que fora colocado entre as duas vigias redondas que havia na sala.

 

A tela representava um vulcão em plena erupção, enquanto ondas gigantes alcançavam a falda da montanha, as lavas desciam em borbotões pelas paredes escarpadas até se chocarem com as águas do mar, provocando gêiseres de rara beleza.

 

— Por onde andam Jefferson e Peter? — perguntou o último personagem que havia entrado em cena.

 

— Estão cuidando das provisões — disse Wells. — Não sabemos se vão demorar. Gio está com eles.

 

— Muito bem. Covarrubias e Wells deverão voltar para o convés! Permaneçam vigilantes!

 

Os dois lançaram mais um olhar para Lili e saíram imediatamente da saleta. Os três remanescentes agora a fitavam com grande interesse e a moça começou a se sentir inquieta e desassossegada.

 

O maneta falou quase em seguida:

 

— Como já deve ter percebido, eu sou Átila — depois apontou para os companheiros — eles são Calígula e Hitler.

 

Lili olhava para todos, espantada. Calígula era o coxo e Hitler o de cabeça queimada e sem a orelha esquerda.

 

— Você não tem nada para falar? — murmurou Calígula.

 

— Sim — respondeu Lili. — Quero que me paguem pelo serviço que prestei e que Meredith prometeu. Desejo sair daqui o mais rápido possível.

 

— Você não simpatizou conosco? — indagou Hitler.

 

— Não é isso, mas tenho coisas para fazer em Nassau — respondeu sorrindo. — Por isso eu...

 

Enquanto se aproximava de Lili, entregou a mensagem de Cranston a Calígula e Hitler se achegou para lê-la também. Depois disso Átila parou perto da negra e arrancou a bolsa que ela usava a tiracolo, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa Calígula a apanhou.

 

Abriu a bolsa e a esvaziou em cima da mesa. Nela não havia muitas coisas que pudessem interessá-los, pois Lili carregava somente o que as mulheres costumam guardar em uma bolsa. Somente sorriu quando viu uma pistolinha com cabo de madrepérola. Pegou-a e a guardou no bolso do pijama.

 

Calígula separou-a e a guardou no bolso do pijama, sorrindo.

 

— Dispa-se — ordenou, secamente.

 

— Esperem, assim não... Desse modo a gente não...

 

— Deixe de tolice e tire a roupa toda — interrompeu Hitler. — Tudo que esteja vestindo, entendeu?

 

Lili Mayflower não discutiu nem tentou dissuadi-los, começou a se despir, observando que os homens quase a engoliam com os olhos. Calígula, Átila e Hitler a contemplavam com prazer e quando retirou a última peça todos os três pareciam fascinados por sua beleza.

 

Depois de alguns segundos, Hitler se aproximou e apanhou as roupas que ela tinha jogado no chão e as colocou no sofá. Examinou-as cuidadosamente, sem pressa, apesar destas apenas serem um vestido, um sutiã e uma tanguinha.

 

— Tire os sapatos também — pediu Hitler.

 

A negra obedeceu e o homem os examinou com muito cuidado como se esperasse encontrar um tesouro dentro deles.

 

— Deite-se no sofá — ordenou novamente Hitler.

 

— Não poderíamos fazer as coisas de outra maneira? — protestou Lili com voz tensa. — Por que não me deixam fazer as coisas do meu jeito?

 

— Cale essa boca e se deite no sofá — insistiu Hitler.

 

A mulher titubeou por uma fração de segundo, depois sacudiu os ombros e um certo conformismo apareceu em seus olhos. Deitou-se no sofá e ficou esperando que um deles começasse a sessão de divertimentos, porém enganara-se.

 

Calígula parou perto do sofá e a mandou abrir as pernas. Lili mais uma vez obedeceu e fechou os olhos para não ver a cara do homem e se surpreendeu realmente ao pressentir que apenas examinava suas partes íntimas. Depois disso feito, ele lhe perguntou:

 

— O que prefere, um vomitório ou um laxante?

 

— O quê? — perguntou ela, perplexa, sem entender aquela pergunta sem nexo.

 

— Precisamos esvaziar seu estômago e você pode escolher qual método que prefere.

 

— Isso é uma sujeira! Mas dos males prefiro o menor: um laxativo — respondeu com submissão.

 

Os homens se entreolharam e se afastaram para o outro lado da sala onde passaram alguns segundos falando, trocando ideias com uma voz tão inaudível que Lili não conseguiu escutar uma palavra.

 

Hitler depois olhou para ela e mandou:

 

— Vista-se, sente-se aí no sofá e procure não nos aborrecer...

 

— Não estou entendendo nada... Quem são vocês e o que querem comigo?

 

— Pare de fazer perguntas estúpidas!

 

— Quero saber o que pretendem fazer comigo!

 

— Quer saber mesmo? — perguntou Calígula.

 

— Claro!

 

— Pois bem, você saberá de tudo. Só tomará o laxante um pouco antes de zarparmos esta noite e portanto, só fará efeito quando estivermos em alto mar. Talvez estejamos enganados e você não esteja transportando no estômago um pequeno transmissor eletrônico com capacidade para transmitir sinais eletromagnéticos que permitiriam que outros barcos nos seguissem a uma distância de trinta a quarenta milhas. Quando você expelir o transmissor, o mesmo será jogado ao mar e desse modo não poderá transmitir sinais aos prováveis perseguidores e nós também mudaremos nossa rota. Se contudo, você não tiver o transmissor, nem por isso mudaremos os planos que fizemos para você.

 

— Que... que planos são esses?

 

— Foi você que se esforçou para se envolver com este assunto e só poderia se salvar se fosse outra pessoa... Uma pessoa muito especial que sabemos estar nos procurando. Você por acaso é a agente Baby?

 

— Quem? — perguntou, espantada.

 

Os três camaradas levaram alguns segundos olhando fixamente para a negra que os fitava com surpresa. Depois eles a deixaram sozinha, como que desinteressados pela bela prisioneira.

 

Virou-se quando Calígula, Átila e Hitler retornaram. Agora já estavam vestidos. Hitler usava uma peruca comprida que escondia o espaço desorelhado e seu aspecto já não era tão pavoroso. Lili sentou-se no sofá e ficou olhando para eles.

 

— Temos uma má notícia para você — disse Calígula. — Decidimos que enquanto durar a viagem, todos os nossos homens poderão saciar-se de seu corpo.

 

— Muito bem. E vocês também não vão se aproveitar dele?

 

— Não. Não toleramos negras.

 

— Entendo. Do que gostam?

 

— Dormir satisfeitos.

 

— O que quer dizer com dormir satisfeitos? ?

 

— Apenas dormir satisfeitos, deitar com a satisfação de ter conseguido plenamente os desejos e todos os objetivos da vida.

 

— Agora já começo a entender um pouco melhor. E... quais são os desejos e objetivos da vida?

 

— Um deles, é abolir a BONDADE. Espere que vamos explicar-lhe as razões. A Maldade existe de forma natural no mundo, na vida e ninguém a especula hipocritamente. No entanto, o mesmo já não sucede em relação à Bondade, muitos a exploram hipocritamente e talvez por isso, ela permite que ocorram coisas horríveis que geram a Maldade pura e simples. Está compreendendo meu raciocínio?

 

— Sim.

 

— Muito bem, então, dê-nos um exemplo.

 

— A Maldade se delata por si mesma e portanto, também podemos lutar e nos prevenir contra ela abertamente. Porém a Bondade é enganosa e geralmente nos apanha desprevenidos e com isso, pode nos prejudicar mais profundamente quando a agente está preparada e à espera do ataque. Quer um exemplo? Se um homem me ataca a facadas, sei que devo defender-me, mas se esse mesmo homem finge ser meu amigo, poderá cravar a faca em um momento qualquer, sem dar chances para defender-me.

 

Os homens se conservaram em silêncio e agora, fitavam Lili Mayflower com muito interesse. Finalmente, Hitler fez um movimento de afirmação com a cabeça e comentou:

 

— Você está me parecendo uma mulher muito inteligente para ser apenas uma prostituta, Lili.

 

— E quem são vocês? Eu me atreveria a dizer que são três malucos que gostam de engendrar fantasias. A prova disso são os apelidos que escolheram para usar: Calígula, Átila e Hitler. No entanto, sei que não são loucos... melhor diria que mais se parecem com fanáticos que estejam tramando algo muito importante. Tão importante que se realizarem o que têm em mente poderão dormir satisfeitos. O que gostariam de fazer para poderem dormir satisfeitos?

 

— Pois bem, agora vou apresentar-lhe outro exemplo — disse Átila. — Suponhamos quê chegando ao clube, você encontre um cliente que a contrate para aquela noite. Vocês vão para seu apartamento e lá, você faz tudo que possa para agradá-lo, mostra-lhe que de fato é uma profissional, suportando e satisfazendo todas as coisas que ele solicite para ter mais prazer... E quando chega a hora do pagamento pelos seus serviços, ele diga que a prostituição está proibida, chama a polícia e ainda lhe dê uma surra violenta. Mas isso ainda não é tudo, você é presa e passa uma boa temporada na cadeia e, quando finalmente é posta era liberdade, fica sabendo que já existe uma nova lei que libera a prostituição. O que você pensaria de tudo que havia acontecido?

 

— Uma indignidade asquerosa.

 

— Sim? E acreditamos que nunca mais fosse apoiar a polícia e a justiça, não é verdade?

 

— Afinal o que aconteceu com vocês? — murmurou Lili Mayflower.

 

— Algo muito semelhante: também fomos condenados e depois de termos aguentado as consequências, soubemos que tudo fora uma boa rasteira de inimigos que tinham poder.

 

Ouviram pisadas no convés e em seguida, vozes abafadas. Pouco depois, três homens entraram na saleta. Um deles era Jefferson Craig e outro parecia ser Peter. Estes dois, o cubano e Wells formavam o quarteto que aparecia no vídeo torturando e crucificando Norbert Hart. O último sujeito, moreno gordo, calvo de olhinhos pequenos e esmirrados devia ser Gio.

 

Jefferson Craig parou perto de Átila e cochichou alguma coisa em seu ouvido. Átila ficou pensativo por instantes, depois olhou para Lili e disse:

 

— Ligue novamente para Cranston. Diga para ele abandonar seu apartamento e vir para cá. E vou lhe dizer mais uma coisa, Lili Mayflower, será melhor para todos nós que ele chegue são e salvo ao Tryplex.

 

Um seguro de vida

 

Faltava pouco para anoitecer quando Meredith Cranston chegou ao iate. Covarrubias e Peter Stewart o aguardavam na coberta e o levaram imediatamente para a sala onde estavam reunidos os outros.

 

Naquele mesmo instante o Tryplex também zarpava, o dia declinava e uma luz rósea penetrava pelas vigias da saleta.

 

Cranston olhou para os companheiros es exclamou:

 

— Consegui!.... Pensei que não fosse conseguir!... A coisa me parecia impossível!

 

— Talvez em Nassau não estejam tantos homens da CIA como você estava imaginando — disse Calígula.

 

— É, talvez eu estivesse enganado — admitiu o britânico.

 

— Você tem certeza que feriu Baby? Porque se isso aconteceu realmente, talvez todos seus companheiros estejam exclusivamente preocupados com ela e agora só pensam em protegê-la, enquanto os médicos da Agência fazem o impossível para salvá-la... Você tem certeza que a feriu?

 

— Claro. Eu a acertei bem no seio direito e vi como o sangue brotava do ferimento, embora não possa assegurar que o mesmo seja grave... Talvez a bala só tivesse passado de raspão, mas a região é vital e costuma sangrar muito. Não sei...

 

— E como é ela? — perguntou Átila.

 

— Jovem, bonita e muito loura...

 

— Então Baby é branca?

 

— Naturalmente — se surpreendeu Cranston.

 

— Como se encontraram e como tudo aconteceu? — quis saber Hitler.

 

— Eu saía do Tabarin Club, quando vi um automóvel estacionado pouco adiante do meu e em fila dupla. Quase em seguida, pude ver uma moça loura ao volante, mas só tive certeza que era Baby depois de entrar em meu carro e o pôr em movimento. Arranquei e ela começou a me seguir. Atrás de seu carro ia o de Amos e Lukas. Eu estava atento porque prevíamos que eles me cercassem e que ela procurasse se aproximar. Saímos da cidade e então, o carro de Baby se emparelhou com o meu. Ela apontou a arma em minha direção pela janela da porta. Amos e Lukas tiveram medo que eu reagisse de forma violenta e tentaram intervir. O carro deles explodiu no ato e foi estatelar-se em uma árvore. O carro da espiã americana bateu no meu, perdi a direção e na derrapagem acabei fora da estrada. Abri a porta e saí correndo, mas ela me perseguiu e gritou, mandando-me parar... Foi então que me virei para trás e disparei. Vi quando a loura caiu ajoelhada, perto dos faróis de seu carro, depois levou as mãos ao peito e vi como ficaram vermelhas. O homem que viajava com ela também disparou duas vezes contra mim antes de ver a companheira caída no chão. A partir de então, ele não se preocupou mais comigo e correu para perto dela, a fim de ajudá-la... Pensei que se chegasse mais gente as coisas só poderiam piorar para o meu lado... Aproveitei aquele momento para desaparecer... Só muito mais tarde consegui chegar à casa de Lili Mayflower que havia conhecido algumas noites antes no Tabarin. Foi só isso que aconteceu.

 

Hitler sorriu e disse:

 

— Apresentou-nos um relatório perfeito que ratifica nossa opinião de que todos os fatos que estão acontecendo ainda permanecem sob controle total da divina espiã. Por mais que eu pense, não posso admitir que um desgraçado como você pudesse escapar de uma perseguição organizada por Baby, a espiã mais eficiente do mundo. Portanto, a coisa fica tão clara como o cristal. Ela o está manuseando como se fosse um marionete. Não sabemos o que fazer para tirar você desse controle. Entende o que isso pode significar?

 

— Não... Não estou entendendo nada... — murmurou Cranston.

 

— Você não está entendendo? — Hitler olhou para a negra. — Lili Mayflower, está entendendo alguma coisa?

 

— Temo que sim.

 

O silêncio se adensou. Repentinamente, Calígula apanhou a pistola encastoada de madrepérola que havia retirado da bolsa de Lili, e antes que alguém tivesse tempo para impedir algo, ele disparou-a.

 

Plof, fez o silenciador e um orifício pequenino apareceu, na fronte de Meredith Cranston e o sangue começou a descer por seu rosto.

 

O inglês levou um segundo, se tanto, parado. Em seguida a cabeça pendeu para o peito e ele caiu ao chão.

 

Calígula virou a arma em direção de Lili. A moça falou rapidamente:

 

— Eu sou Baby.

 

— Não. Você deve ser alguma agente da CIA, mas está na cara que não e Baby. É qualquer outra que concordou em engolir o rádio, a fim dele continuar transmitindo sinais sobre a rota que iríamos seguir. Poderíamos matá-la em questão de segundos e o rádio que está em seu estômago emudecido para sempre.

 

— Dou minha palavra como sou Baby.

 

— Fala isso porque dissemos que só teríamos complacência com Baby e naquele momento você confessou que era uma outra pessoa, lembra-se?

 

— Bem, naquele instante a morte não estava tão próximo como agora.

 

— E tem mais, segundo as informações que obtivemos, Baby é uma mulher loura e muito bonita — disse Átila.

 

— Também sou da raça branca, mas antes de vir para o iate injetei por via subcutânea uma dose de um soro que escurece a pele por vinte e quatro horas. Vocês nunca ouviram falar no Blackcolor? Já o tenho usado várias vezes. Esperem até amanhã e poderão observar como minha pele fica branca de novo.

 

Calígula, Átila e Hitler olhavam fixamente para Lili Mayflower. À moça reconhecia que estava sendo o centro das atenções daqueles homens e continuou muito calmamente:

 

— Outra coisa, tal como vocês declaravam na nota, fui avisada a respeito da morte de Norbert Hart, tão logo seu corpo foi encontrado. Também já ouvi o Cassete que deixaram propositalmente na balsa e graças a ele, a CIA já identificou Jefferson Craig e Lorenzo Covarrubias, o cubano, Também identificamos Alice Rawlings e Nelson Travers que estiveram no apartamento de Hart. Com a colaboração do MI-6 identificamos Cranston com relativa facilidade. Já sabemos que este iate é de propriedade do senador Randolph Kimberley. E efetivamente, estou com um transmissor no estômago, que transmite ininterruptamente o posicionamento deste barco. É com prazer que me... desprenderei dele para o Tryplex ficar fora de controle das embarcações que o seguem em um raio de quarenta milhas e assim também sair do controle da CIA. Outra coisa, enquanto vocês me mantiverem viva e possam demonstrar isso a meus companheiros, terão algo assim como um seguro de vida... porém, se me matarem, creio que deverão se suicidar logo em seguida.

 

Os homens novamente se entreolharam em silêncio e depois Hitler falou como se fosse uma espécie de porta-voz dos miseráveis:

 

— Nós agora também lhe facilitaremos algumas informações. Em primeiro lugar, este iate não é do senador Kimberley, seria se esta embarcação realmente fosse o Tryplex. Simplesmente colocamos este nome na proa porque o achamos engraçado. Nós somos três e também... porque sabíamos que o senador tinha um iate com esse nome. Também pensamos que se o adotasse, teríamos chance de navegar com tranquilidade. Em segundo lugar, todas as armadilhas que fomos criando com auxílio de colaboradores eventuais só tinham o objetivo de facilitar pistas, a fim de Baby chegar até nós. E terceiro, agora que já temos Baby a bordo, sabemos sem dúvida alguma que nossa operação terá êxito total.

 

— Que operação? Que ligação existe entre ela e Baby?

 

— Acabaram-se as informações — disse Calígula. — Agora vá ao banheiro e despeje o transmissor... O laxativo já deve estar no ponto para fazer efeito. Depois o traga, porque queremos vê-lo... limpo, por favor.

 

Lili Mayflower abandonou a saleta e regressou minutos mais tarde. Colocou uma toalha de papel no centro da mesa e no meio dela estava o pequeno transmissor, ainda úmido.

 

— Já parou de transmitir... — falou num sussurro.

 

Átila levantou-se e avisou:

 

— É hora de se falar com Wells para alterar a rota, já podemos navegar, à noite, para nosso destino.

 

— Que destino? — quis saber Lili.

 

— Port-au-Prince, Haiti. Na realidade será apenas uma breve escala do contato. De lá seguiremos para a Jamaica.

 

— Por que a Jamaica?

 

O sorriso desapareceu do rosto de Átila, ficou pensativo por frações de segundo e perguntou:

 

— Você gostaria de ver algumas dúzias de agentes da CIA crucificados?

 

— Claro que não — retrucou Lili rapidamente.

 

— Pois bem, então pense nisso: permaneça tranquila, dócil e obediente durante a viagem para evitar desgostos maiores. Tenha certeza de uma coisa, se você nos causar contratempos podemos enviar vários de seus Johnnies, crucificados, para passearem pelo rio Potomac. Entendeu?

 

— Sim.

 

— E tem mais — falou Hitler, sorrindo amavelmente. — Você poderá aproveitar a viagem como desejar. Afinal de contas, é nossa convidada de honra e... também nosso seguro de vida.

 

— Espere, ela continuará sendo nossa convidada de honra se a pele clarear até amanhã à noite — interveio Átila. — Precisamos ter certeza de que realmente estamos tratando com a espiã mais famosa do mundo, a badaladíssima Baby. Porém vou lhe dizer uma coisa belezoca: Ai de você se nos estiver enganando...!

 

Às seis horas do dia seguinte, o assombro tomava conta dos tripulantes do iate Tryplex, que agora já deixara de se chamar assim, pois Calígula dera ordens para este nome ser retirado da proa, permitindo que o verdadeiro, se tornasse visível.

 

Lili procurava vê-lo, mas não conseguia, embora se debruçando na amurada.

 

Ela passara o dia inteiro observando os homens que viajavam no iate, incluindo o chamado Gio — este era o cozinheiro e seu nome completo era Giorgio Scranelli... Todos vinham à coberta para ver como a pele daquela negra sensacional ia clareando com o passar das horas até chegar a tom bronzeado-dourado maravilhoso, o que demonstrava que a convidada especial adorava tomar banhos de sol.

 

Aliás, gostava tanto que havia passado o dia inteiro estendida no tombadilho, completamente despida, indiferente às atenções masculinas a sua volta. Notava os olhares gulosos, esfomeados dos homens que vinham assistir seu relax e pressentia o que cada um gostaria de fazer com ela, mas continuava desinteressada de tudo e os fitava com desdém.

 

Não obstante, nenhum deles a importunou e pouco depois das seis, a convidada fumava aprazivelmente ha saleta quando Calígula apareceu na porta. Examinou-o mais atentamente e reparou que o defeito da perna era gritante, que andava com muita dificuldade, embora estivesse usando uma prótese para substituir a perna amputada. O aparelho estava encoberto pelas calças, mas a cicatriz do rosto continuava visível.

 

Ele parou perto dela e disse:

 

— Você é Brigitte Montfort.

 

— E você um agente da CIA — falou, suavemente.

 

Calígula continuou com os olhos nos dela que agora pareciam duas contas azuis, pois Lili já retirara as lentes de contato que havia usando.

 

— Vou pedir um favor, não nos obrigue a matá-la. Já deve ter compreendido que pensamos utilizá-la no plano. Talvez se sinta tentada a fugir deste barco quando aportarmos em terra firme... Por favor, não tente fazer isso para o bem de nós todos.

 

— Então estão pretendendo me usar?

 

Calígula apenas falou:

 

— Quando encostarmos atracarmos no porto, receberemos visitas importantes. Homens que não conhecem você e nem você tampouco os conhece. Se quiser, poderá usar quaisquer um de seus disfarces, para eles não reconhecerem a grande jornalista internacional.

 

— Agradeço. Como perdeu a perna?

 

Calígula apertou os lábios, deu meia-volta e saiu da sala mancando. Brigitte ficou sozinha e ficou imaginando qual disfarce usaria e optou por um bem simples: poria novamente as lentes escuras, deformaria o nariz com pequenos aros de plástico e ainda usaria algumas almofadinhas dentro da boca que seriam improvisadas com pedaços de pano.

 

De fato, assim que o iate aportou, as visitas chegaram. Quatro homens que Brigitte classificou de aventureiros ao primeiro olhar. Vestiam-se com elegância, falavam com voz socialmente agradável e olhavam para os lados como se esperassem encontrar algo que os interessava.

 

Entraram na saleta e viram a mulher morena, de olhos negros sentada no divã, ficaram parados olhando para ela com interesse relativo.

 

— Quem é? — perguntou um deles a Hitler.

 

— Sou amante de Calígula — respondeu Lili muito depressa. — Porém eles me dividem fraternalmente entre os três...

 

— Vá para o camarote — resmungou Hitler.

 

— Também vão dividir-me com esses cavalheiros?

 

— Cale-se, Lili! Vá para o camarote — disse Calígula.

 

Ela fez um gesto resignado e saiu da sala. Pouco depois o iate novamente singrava as águas. Estariam rumando para a Jamaica?

 

Covarrubias trouxe-lhe o jantar e ameaçou:

 

— Não pense que esqueci de seu golpe baixo. Ainda me pagará!

 

— Não tenho dinheiro — sorriu a espiã. — Contudo, posso oferecer cinco milhões de dólares, Lorenzo.

 

— Para quê?

 

— Desejo saber o que estão tramando com os tipos que estiveram a bordo do iate. Se você me ajudar a fugir quando chegarmos à Jamaica, receberá o dinheiro vinte e quatro horas mais tarde.

 

O cubano pareceu tentado com a proposta, mas saiu do camarote quase em seguida, sem falar mais uma palavra. Brigitte olhou para a comida e sorriu:

 

— Terei de cumprimentar Gio, é um cozinheiro excelente, embora tenha cara de assassino. Será que envenenou meu jantar?

 

Quando acabou de comer, reuniu todos os pratos e o resto das coisas na bandeja e a levou à cozinha. Gio não esperava por aquela visita e a fitava com surpresa.

 

— O que veio fazer aqui?

 

— Vim trazer-lhe o serviço e perguntar se deseja ajuda.

 

— Não, obrigado. Volte para o camarote.

 

— Certo. Poderia me arranjar uma garrafa de champanhe gelada?

 

O homem olhou para ela com desconfiança, abriu a geladeira e retirou a garrafa de champanhe, enrolou-a em um guardanapo branco e a estendeu para Brigitte.

 

— Obrigada. Um copo, por favor — pediu com um de seus sorrisos luminosos.

 

Voltou para o camarote trazendo o champanhe e ouvindo rumores da conversação na sala de refeições. Fingiu não estar interessada e calmamente se fechou novamente no camarote.

 

Abriu a garrafa e se serviu.

 

— Excelente, embora não seja Dom Perignon — murmurou ao provar a bebida. — Nada melhor do que o champanhe para alegrar a vida.

 

Estava dormindo e acordou quando alguém abria a porta do camarote. Ficou quieta, mas relaxou quando viu que quem entrava, procurava o interruptor para acender a luz. Se fosse um ataque este seria feito sob sigilo, e com muito mais cuidado. Deitou-se novamente e viu Átila parado no vão da porta.

 

— Por favor, venha comigo. Os outros a estão esperando.

 

— Que horas são?

 

— Quatro e vinte da madrugada. Dentro de duas horas chegaremos à Jamaica. Acompanhe-me.

 

Brigitte levantou-se da cama, estava completamente despida, apanhou suas roupas e se vestiu rapidamente. Pouco depois entravam na saleta onde já estavam os outros dois. Os aventureiros já se haviam retirado. Em cima da mesa estava um mapa da América Latina. Calígula indicou-lhe um lugar no sofá e Lili agradeceu, sorrindo.

 

— A operação será realizada na Nicarágua. Naturalmente você sabe como se comunicar com o pessoal da CIA na Jamaica.

 

— Sim, mas qual a ligação entre a Nicarágua e a Jamaica?

 

— Você vai usar o rádio de bordo para entrar em contato com a CIA da Jamaica e passar a ordem para todos os homens da CIA atualmente servindo na Nicarágua. Devem abandonar o país imediatamente.

 

— Por que abandonar a Nicarágua?

 

— Você não precisa dar explicações à CIA. Simplesmente passe a ordem e sabemos que será obedecida.

 

— Em circunstâncias normais, sim. No entanto, a CIA sabe que atualmente não estou atravessando um período muito normal e todos pensarão que transmito essa ordem pressionada por outras pessoas... Se desconfiarem de que me encontro em perigo, é lógico que não obedecerão ordem nenhuma.

 

— Você vai ter que dar um jeito para que sua ordem seja obedecida — disse Hitler. — Caso contrário, todos os agentes da CIA que estão na Nicarágua serão mortos e crucificados como foi Norbert Hart. Tal como estou dizendo, todos serão assassinados. Repare que não pensamos somente nos que servem no Grupo de Ação, mas também nos seus Johnnies queridos. Queremos que entenda que toda a rede da CIA composta por cidadãos americanos, será aniquilada!

 

— Quem lhes deu essa informação? Norbert Hart?

 

— Não.

 

— Foi por isso que o crucificaram? Tudo ocorreu como Cranston me explicou; primeiro entraram em contato com ele, ofereceram dinheiro para ele dar as informações sobre a rede da CIA na Nicarágua, mas nosso ex-companheiro não aceitou a oferta aviltante. Vocês o ameaçaram de todas as maneiras, torturaram-no brutalmente e...

 

— Ele não compreendeu que estávamos falando sério quando dizíamos que já estávamos fartos de heróis, de mártires e santos! Que todos eram hipócritas, embusteiros! Não entendeu que falávamos sério quando dizíamos que a Bondade devia ser abolida do mundo... Tampouco nos entendeu quando falamos que simbolicamente tínhamos sido crucificados... Chamou-nos de traidores e que, preferia morrer a ser desleal aos ideais que cultuara por mais da metade de sua vida... Nós bem que o advertimos e dissemos que ele poderia ser martirizado, crucificado, não simbolicamente como tínhamos sido... Sofreria na carne por não ter seguido nosso apelo. Foi então que nos ameaçou.

 

— Ele os ameaçou como? — interessou-se Brigitte.

 

— Disse que pagaríamos caro o que íamos fazer, porque a agente Baby nos encontraria e se vingaria por ele! Que nós ainda lamentaríamos ter começado esta operação. Foi isso que nos deu a ideia de capturarmos você e forçar que a agente Baby nos ajudasse.

 

— E não pensaram que podiam entrar em contato comigo sem sacrificar ninguém? — perguntou Brigitte.

 

— Você jamais teria colaborado conosco. Entendemos que só poderíamos ter sua colaboração se a forçássemos. Foi por isso, que enviamos Hart crucificado com o bilhete com destino marcado. Aquele papelzinho forçaria a mobilização de Baby, entende? Hart ganhou o que merecia por colocar-se ao lado da Bondade e por se negar a ajudar-nos. O que acontece com os adeptos da Bondade? Não são os mártires, os crucificados? Pois bem, transformamos Hart em mais um mártir crucificado, era o que merecia por sua vontade ferrenha de fazer frente aos nossos desejos. Por que não aceitou a ajudar-nos? Antes de qualquer coisa lhe expomos nossos planos elaborados para a operação.

 

— Em que consiste?

 

— Você já deve saber que o governo de Nicarágua e o Contra procuram uma paz definitiva...

 

— Sim, sei disso e acho esta iniciativa maravilhosa! Todo mundo devia aprovar esse movimento e... Esperem... não me digam que...

 

— Exatamente. Não!

 

A moça calou-se e ficou perscrutando os rostos daqueles homens estranhos, deformados pelas feridas, com corpos mutilados e sem dúvida alguma, recordações dolorosas. Foi então que se lembrou das palavras de Átila: Fomos condenados, aguentamos as consequências e... soubemos que tudo fora uma rasteira dos inimigos que tinham poder...

 

— Entendo... Compreendo perfeitamente e lamento por tudo — murmurou.

 

— O que você entende? O que lamenta? — perguntou Calígula.

 

— Vocês três são ou... foram agentes da CIA, meus Johnnies queridos que sempre acatavam ordens dos superiores. Estiveram lutando ao lado dos Contra enfrentando a Nicarágua. Foi lá que receberam esses ferimentos que os deixaram marcados para sempre, por dentro e por fora. Suponho que a direção da CIA os tenha afastado do serviço mediante uma indenização elevada... com a qual estavam mantendo-se materialmente e se deixando deteriorar pelo rancor que tomava conta de seus íntimos. Contudo, iam suportando o destino. A revolta ia crescendo e quando já não sabiam o que fazer com as vidas que consideravam inutilizadas, souberam que as duas facções que lutavam e haviam provocado esses ferimentos, agora desejam ser aliadas, amigas, como se nada tivesse ocorrido no passado... Esta situação vocês não conseguem aceitar e se perguntam: Por que lutamos e ficamos aleijados em um país estrangeiro que não nos interessava? Realmente sinto por vocês, mas assim é a vida...

 

— Não! Não, nada disso! Nós, os homens; somos os culpados por ela ser uma reverenda porcaria! — exclamou Hitler.

 

— Bem, o que vocês querem? Que dentro da Nicarágua todos continuem matando e morrendo, irmãos contra irmãos, a vida inteira? Inferno! Vocês não podem querer que dois bandos em guerra jamais cheguem à paz! Vocês não podem pretender semelhante coisa!

 

Os homens se entreolharam mais uma vez e Calígula murmurou:

 

— É isso precisamente o que pretendemos e se você não nos ajudar, terá sorte igual a de Norbert Hart... Se você preferir ficar do lado da Bondade, morrerá crucificada tal como aconteceu com os mártires do passado que pregavam a Bondade e o Amor. É este o fim que deseja, Baby? Teria coragem de aceitar essa sorte pacificamente?

 

— Suponhamos que eu conseguisse que todos os agentes da CIA fossem retirados da Nicarágua. O que poderia acontecer depois disso?

 

— Você viu os homens que subiram a bordo e que agora dormem nos camarotes? — respondeu Átila. — Eles não passam de vigaristas, de patifes desonestos que se apresentariam como sendo agentes da CIA, que estivessem dirigindo um atentado violento contra determinadas personalidades do governo nicaraguense, liderados por um grupo do Contra. Isso faria o sangue pulsar mais forte nas veias de muita gente e as guerrilhas prosseguiriam.

 

— Então, vocês preferem que o massacre continue entre os nicaraguenses? Não, não vou colaborar com vocês, Átila.

 

— Então sua escolha é a crucificação?

 

— Simplesmente não vou colaborar nesses planos. Por favor, nós ainda mantemos Baby muito nítida em nossas memórias... Não gostaríamos de magoá-la, só desejamos...

 

— Podem me crucificar mil vezes, não vou colaborar com vocês! Nem mesmo que me ameacem crucificar-me na Estátua da Liberdade! Passei a vida inteira lutando para evitar coisas como essas guerrilhas da Nicarágua e agora, não vou fazer nada para difundi-las! E se acreditam que vou aceitar semelhante barbaridade pacificamente...

 

Brigitte não disse mais nada e pulou em cima de Calígula, que caiu no chão, olhando para Átila que estava com o único olho refulgindo, enquanto tentava se defender, mas Brigitte foi mais veloz e deu-lhe um chute na barriga que o fez cair sem sentidos.

 

Naquele instante, pressentiu que Hitler ia golpear seu rosto, afastou a cabeça ligeiramente, e girou o corpo de modo que ficasse de costas para o agressor. Rapidamente jogou o braço dobrado para trás e deu com o cotovelo no estômago do adversário.

 

Hitler soltou um gemido abafado e caiu sentado, enquanto a peruca praticamente voava de sua cabeça.

 

— Fique onde está — ordenou uma voz seca.

 

Brigitte olhou para a porta e viu um dos quatro homens que embarcaram no iate em Jamaica. Ele estava armado com uma pistola munida de silenciador. Antes que ela pudesse pensar o que fazer, os outros três também entraram na saleta portando armas. O que havia aparecido em primeiro lugar somente vestia uma cueca.

 

— Vire-se de costas — ordenou à moça.

 

— Não precisam fazer nada comigo — murmurou ela. — Sei perfeitamente quando devo me dar por vencida.

 

— Muito bem. Acompanhe-me, ficará fechada em um dos camarotes, até que resolvamos o que fazer com você.

 

Brigitte aproximou-se do homem... mas antes que pudesse atacá-lo, recebeu uma coronhada na nuca que a fez voar para o mundo do silêncio.

 

Ameaças... ameaças

 

Recobrou o conhecimento e viu que estava solidamente amarrada, imobilizada e estendida no sofá. As primeiras luzes da aurora entravam pelas vigias, clareando as feições de Calígula que a observava atentamente.

 

— Como está se sentindo?

 

Brigitte não lhe respondeu. Estava com a cabeça pulsando, doendo horrivelmente e tinha a impressão que essas mesmas palpitações agitavam todo seu corpo.

 

— Se você não colaborar conosco, vai provocar a morte de vários Johnnies que estão na ativa, entendeu? Nós não temos somente quatro comandantes para chefiarem a ação, além desses, também temos um punhado de homens muito bem treinados que nos aguardam em Jamaica e nós já estamos quase chegando àquele porto, Serão quarenta homens liderados pelos quatro que estão viajando conosco. Com esses e mais os que estão sendo recrutados em Jamaica, podemos organizar um verdadeiro massacre de surpresa... Por que não colabora conosco? Pense, se isso acontecer, poderá salvar a vida de vários agentes da CIA.

 

Brigitte continuava calada e Calígula já começava a se impacientar.

 

— Dentro de dezoito horas um avião especial recolherá no aeroporto de Kingston os nossos quatro comandantes e mais os quarenta homens que agirão sob suas ordens, a fim de levá-los para Nicarágua. Lá serão lançados de paraquedas no local onde estamos com um acampamento formado. Deve compreender perfeitamente que o nosso plano foi muito bem elaborado e não deve falhar. Pense que sua teimosia não beneficiará ninguém e menos ainda, a você mesma. Não me diga que prefere ser crucificada!

 

Ela continuou calada e de olhos fechados, tentando relaxar a tensão para diminuir a dor da cabeça. Só abriu os olhos quando ouviu a voz de Hitler:

 

— Então? Ela continua pirracenta? Bem, já não podemos continuar esperando, devemos desembarcar antes que o dia clareie e apareçam embarcações por aqui.

 

— Está bem. Já recebemos alguma notícia deles?

 

— Ainda não, mas elas chegarão. O contato não deve tardar. Tudo está funcionando conforme o previsto.

 

— Exceto no que se refere a ela — disse Calígula, apontando para Brigitte. — Pensávamos que faria qualquer coisa para evitar mortes desnecessárias entre os Johnnies.

 

Hitler debruçou-se sobre a espiã e a fitou nos olhos.

 

— Você será levada para um acampamento, onde deverá ficar até o fim da operação. Não vamos matá-la de imediato, porque poderá servir-nos em caso de troca de prisioneiros. Enquanto isso, nós iremos a Kingston, a fim de nos entrevistarmos com algumas pessoas; não obstante, se mudar de ideia durante o dia, converse com Gustav e este entrará em contato imediato conosco. Entendeu?

 

— Quer dizer que há mais gente envolvida no caso, além desses quatro guerrilheiros?

 

— Acho que chega de papo — resmungou Calígula. — Se não quer aceitar nossa amizade, não precisa saber de mais nada.

 

Saíram da saleta. Só voltaram alguns momentos, mais tarde acompanhados por Átila e os quatro guerrilheiros. Um deste falou alguma coisa que ela não entendeu, todos riram. Outro a levantou e a jogou no ombro como se estivesse carregando um saco de batatas. Chegaram à coberta e a moça viu que uma lancha a motor estava encostada ao iate e que o condutor era um negro forte e atlético. Também reparou que este a olhava como se estivesse prometendo que a possuiria. A lancha deu partida assim que eles se acomodaram dentro dela e rumou para a costa.

 

A espiã olhou para trás e só então soube qual era o verdadeiro nome do iate: Little Jaw, ou Pequeno Tubarão.

 

Pelo posição do sol imaginou que estivessem rumando para o norte da ilha. Nenhuma praia da Jamaica estava visível, no entanto, aquela parte da costa era rica em coqueirais.

 

Momentos mais tarde, a lancha foi ancorada em uma pequena enseada de águas cristalinas que havia entre as rochas. Todos desembarcaram, o negro com Brigitte no ombro ria e fazia alguns comentários expressivos e maliciosos.

 

Facilmente chegaram ao alto do penhasco e apanharam um jipe Land Rover que estava estacionado à sombra das árvores. Tudo estava bem organizado e Brigitte temeu que a operação tivesse resultados positivos. Pudera! Fora organizada por três ex-agentes da CIA que conheciam Nicarágua muito bem.

 

Com que pessoas eles iriam entrevistar-se em Kingston? Alguém devia estar financiando o movimento porque três agentes aposentados da CIA não podiam ter meios para custear a compra de iates, armas e ainda pagar a remuneração aos homens que colaborassem com eles.

 

O acampamento apareceu logo depois. Não poderia ser catalogado como um acampamento propriamente dito, pois se resumia num extenso canavial e no meio deste, três cabanas e... por todos os lados, mais jipes, carros, lanchas e ferramentas.

 

Alguns homens se aproximaram e comentavam a presença da mulher. Pela primeira vez na vida ela estava com medo. Iriam conservá-la viva para ser usada na troca de reféns ou prisioneiros, até aí tudo bem... mas sentia medo só em pensar que aquelas bestas humanas pudessem violá-la.

 

Gustav era um sujeito alto que estava conversando com alguns outros homens e ela ouviu quando ele disse:

 

— Erik, precisamos providenciar um descanso reparador para aquela belezinha...

 

A seguir, deu algumas ordens aos negros que andavam por perto, quase comendo Brigitte com os olhos. Pouco depois, ela saberia qual a ordem que ele dera. Pois quando os negros voltaram, traziam duas madeiras sujas que amarraram em forma de cruz. Depois Gustav e o amigo também se aproximaram dela, sorrindo amavelmente.

 

— Disseram-me que você tem preferência por crucificações e nós vamos obedecer sua vontade. Se o sol se tornar muito quente avise-nos, porque a podemos transferir para a sombra — disse Erick.

 

As risadas e gestos obscenos surgiam de todos os lados e Brigitte pensou que nunca se vira em situação tão inquietante. Eles a despiram e amarraram na cruz.

 

Às obscenidades recrudesceram, um negro de cabeça raspada chegou a abaixar o calção, a mandando esperar. As risadas espocavam em todos os pontos do acampamento, até quando Gustav reapareceu novamente e mandou que colocassem a cruz sob o sol ardente da Jamaica.

 

Deixaram-na sozinha. O sol estava cada vez mais alto e mais quente. Ela sentia a pele ardendo e só às cinco horas da tarde, um dos negros entrou na cabana onde Gustav e Erik conversavam.

 

— Creio que a mulher está morta — avisou.

 

— Não! Se ela morrer, teremos complicações com ia CIA, Baby é quase considerada como uma deusa entre seus companheiros. Vão buscá-la imediatamente!

 

Minutos mais tarde, ela repousava no chão da cabana.

 

Erick ajoelhou-se a seu lado, passou a mão por todo seu corpo e murmurou:

 

— Parece que nos excedemos. Sua pele está fervendo. Tragam-me um cobertor. Acho melhor abafar a carne flagelada pelo sol, pois se derramássemos água fria, talvez ela sofresse um choque.

 

Depois observou que os homens a fitavam com curiosidade e sofreguidão.

 

Todos pareciam esfaimados a sua volta.

 

— Gustav, vá com eles, mais tarde nos encontraremos no avião. Todos já sabemos o que deve ser feito. Serei o último a abandonar o acampamento — falou Erick.

 

— Certo. Vou dar as ordens e não se descuide da moça para não termos complicações com a CIA. Ela ainda nos poderá ser útil.

 

— Vou cuidar dela até sair daqui. É forte e vai reagir.

 

— Linda ela é — sorriu Gustav. — E também deve ser gostosa...

 

— Espere, quem sabe se não terá oportunidade de prová-la? — riu Erick ao se despedir do amigo.

 

Os outros foram se retirando e no final Erick chamou alguns negros que deveriam vigiar o acampamento.

 

O mais alto e forte entrou e o rapaz apontou para Brigitte que continuava desacordada.

 

— Não a deixem sozinha. Que dois fiquem aqui dentro com ela enquanto os outros vigiam fora da cabana. Cuidem bem dessa mulher. É perigosa à beça!

 

O negro sorriu de uma orelha a outra. Erick teve vontade de demorar mais um pouco, mas se fizesse isso, talvez todo o plano caísse por terra.

 

O jipe se afastou. O negro soltou a submetralhadora e a faca no chão. Aproximou-se de Brigitte, afastou a manta e passou os dedos pela pele avermelhada da moça. Ela gemeu de dor e ele de prazer. Rapidamente despiu o calção que usava e separou as pernas da espiã. Quando ia ajeitar-se no meio delas, sentiu-se fulminado por seus faróis azuis.

 

O sangue lhe gelou nas veias. A espiã se remexeu sob seu corpo, mas o negro não teve chance para fazer mais nada, recebeu um direto no queixo que o deixou cambaleante.

 

Brigitte se levantou e passou os olhos pelo pequeno aposento. Ao lado da submetralhadora também estava um facão de caça. Não hesitou um instante, pegou-o e degolou o homem que ia estuprá-la.

 

Empurrou o corpo com o pé e se abaixou para pegar a submetralhadora. Naquele instante, o motor do jipe deu o primeiro arranque e começou a se distanciar lentamente.

 

Brigitte correu para a janela e viu o jipe se afastando com Gustav ao volante. Naquele momento, ele olhou para trás e a viu. Abriu a boca para avisar os companheiros, mas não teve tempo de falar. Antes disso, o caminho foi invadido por uma rachada de balas e uma penetrou em seu peito.

 

A cabeça do motorista ficou praticamente destroçada e o corpo sem vida pendeu por cima do guerreiro, que estava sentada a seu lado.

 

— Inferno! Era o que nos faltava! — exclamou Erick, quando o jipe acabou chocando-se contra a cruz que fora enterrada para o suplício da espiã. O motor deixou de funcionar e o veículo parou bruscamente.

 

Erick e Norton ocupavam o banco traseiro. O primeiro caiu no chão do jipe e o segundo foi lançado a vários metros de distância.

 

A submetralhadora continuava cuspindo fogo. Minutos mais tarde Erick era o único sobrevivente e percebia que o plano fora falho. Não sábia o que fazer e preferiu permanecer quieto onde estava.

 

O fogo parou de repente. O silêncio parecia falso, irreal, depois dos estrondos e estampidos. Diabos, onde poderiam estar os negros que permaneceram na cabana tomando conta de Baby?

 

Aquele ataque repentino demonstrava que a espiã norte-americana conseguira salvar-se e talvez, até estivesse com todo o canavial sob seu controle.

 

Erick levantou-se lentamente e gritou:

 

— Ei! Alguém me está ouvindo?

 

Silêncio. Porém quase em seguida, surgiu um dos homens que policiava a plantação de cana.

 

— Cuidado! — gritou Erick. — A espiã conseguiu se soltar! Está na cabana de comando!...

 

Depois o silêncio. Erick tinha vontade de afastar-se do jipe, mas não sabia, onde Brigitte poderia estar realmente.

 

Minutos depois, o homem que saíra do canavial avisou:

 

— Erick! Ela não está mais aqui! E Oscar está morto! E há mais dois mortos nas redondezas da cabana.

 

Erick falou, uma série de palavrões, saltou do jipe e correu para a cabana. Entrou nela e estacou ao ver Oscar nu em pelo, degolado e caído, em um charco de sangue.

 

— Ela não é uma mulher! É uma fera! — disse outro guerrilheiro que chegava naquele instante.

 

Debruçou-se na janela e só então compreendeu a jogada da espiã: enquanto eles perdiam tempo vindo para a cabana, ela corria para a enseada onde a lancha ficara ancorada.

 

— É filha de uma boa mãe! — resmungou entredentes. — Cretina! Ordinária! Vai fugir antes que tenhamos chance de apanhá-la!

 

Os três correram para o jipe. O motor pegou sem dificuldades.

 

— Vamos depressa, ainda podemos alcançá-la porque nosso Land Rover corre mais do que pernas de mulher!

 

Saíram em disparada, Erick dirigiu com raiva, insultando Brigitte o tempo todo e prometendo milhares de vinganças se conseguisse segurá-la a tempo.

 

Quase urrou de ódio quando viu a pedra no meio do caminho; não era grande, mas teriam de sair do jipe para empurrá-la. Freou o veículo e foi então que a espiã mais famosa do mundo apareceu por detrás dela.

 

Continuava nua e com a pele muito avermelhada pelo sol excessivo que recebera, mas os homens puderam admirar a perfeição de seu corpo sinuoso, bem feito e os seios altos e túrgidos. Ainda a olhavam embasbacados quando a divina gritou:

 

— Preparem-se!

 

Só então eles viram a granada. Quiseram gritar, mas ela explodiu quando se chocou no peito de Erick que estava ao volante. O Land Rover transformou-se em uma bola de fogo e os guerrilheiros tiveram morte instantânea.

 

Baby gastou alguns segundos assistindo a cena horrível, na qual as carnes assavam-se rapidamente. Depois sacudiu os ombros com desprezo e voltou para a cabana de comando, onde já tinha visto um rádio potente.

 

Certamente, Calígula, Hitler e Átila estavam certos ao afirmar que ela não teria problema algum ao se comunicar com o pessoal da CIA em Jamaica.

 

Mortes... mortes

 

Ela desceu pela escada de corda do helicóptero para a coberta do iate que regressava de Kingston. Dois homens se aproximaram para ajudá-la e Brigitte agradeceu com um sorriso. Eles eram agentes da CIA e viam a sua frente uma mulher muito loura, vestida como homem.

 

Imaginavam quem fosse porque quando Baby pedira reforços e ajuda ao pessoal de Jamaica, também havia pedido uma peruca loura.

 

— Então conseguimos apanhá-los! — disse ela alegremente.

 

— Estão lá dentro e muito bem controlados. Suponho que continuaremos rumo a Kingston.

 

— Claro. O Little Jaw continua sob vigilância?

 

— Ninguém poderá fugir daquele iate.

 

A loura sorriu novamente e olhou para o helicóptero que se afastava, quebrando a escuridão da noite com suas lampadazinhas.

 

Quando ela apareceu na saleta de jogo todos os homens a olharam surpresos. Quatro deles eram agentes da CIA que tinham chegado juntamente com outros, em um helicóptero, e invadiram o iate Snow Black de surpresa.

 

Os outros cinco homens, que naquele momento, jogavam calmamente, eram prisioneiros da CIA. Dois indiscutivelmente norte-americanos e os outros três latino-americanos.

 

A loura olhou para eles e riu com sarcasmo.

 

— Aposto como nenhum de vocês sabe exatamente o que está acontecendo.

 

— Sabemos, sim — respondeu um dos latinos. — Vocês são piratas.

 

— Não, não somos piratas, mas agentes da CIA. Os piratas são vocês que estão financiando uma operação desnecessária e sangrenta, evitando apenas que o governo nicaraguense e os Contra realizem reuniões a fim de nelas serem tratados os acordos de paz que se tornarão vigentes. Para poderem levar adiante esse projeto sujo, pediram ajuda a três indivíduos que se sentem sumamente infelizes e revoltados. Foram esses personagens que lhes indicaram ou recomendaram estes americanos que estão colaborando na operação. Felizmente, posso declarar-lhes que a dita operação fracassou, antes mesmo de ser iniciada.

 

— Quem é você? — perguntou um dos latinos.

 

— Creio que seus amigos ianques já sabem quem sou...

 

— Só pode ser a agente Baby — falou um deles como se estivesse amedrontado.

 

— É muito perspicaz. Agora, me diga mais uma coisa, sabe que sou Baby... Por acaso sabe quem sou na realidade?

 

— Ignoro.

 

— Ainda bem — sorriu a espiã. — Isso demostra que seus contatos com a CIA são apenas superficiais, pois nem conhece a identidade da agente Baby... Pois bem, agora devo fazer-lhes algumas perguntas e espero que as respondam sem fugir da verdade. Se colaborarem, tudo correrá bem entre nós, porém se não forem atenciosos... Entendem o que desejo dizer, não entendem?

 

Acendeu um cigarro e fumou por alguns segundos, em silêncio, para depois continuar:

 

— Estive no acampamento dos guerrilheiros e nada mais existe por lá. Aquele aglomerado de casinholas não tem mais utilidade para ninguém. Foi de uma delas que liguei para meus companheiros sediados na Jamaica. Pedi-lhes para vigiar o iate Little Jaw. Também avisei que o mesmo teria visitas esta noite e que as mesmas deveriam ser detidas quando saíssem e depois, colocadas a minha disposição porque desejava entrevistá-las. E foi isso exatamente o que aconteceu e agora, o Snow Black se encontra sob meu controle total. O avião de carga que levantaria voo de Kingston com guerrilheiros e armamentos continua retido no aeroporto por ordem das autoridades de Jamaica. Estas estão negociando com altos representantes da CIA para saber que destino dará àquele material e o que deverá acontecer com os homens que deliberadamente aceitaram auxiliar a luta. Por outro lado, os que seriam comandantes, dirigentes da operação na qual atacariam o governo nicaraguense, simulando forcas do Contra, também estão mortos. Tem mais alguma dúvida?

 

— O que você está querendo? — perguntou um dos ianques, entredentes.

 

— O que eu quero? — repetiu Baby com surpresa.

 

— Pensei que talvez pudéssemos chegar a um acordo...

 

Um dos Johnnies fez menção de partir contra o idiota, mas Brigitte o atalhou, colocando a mão em seu braço.

 

— Está falando em acordo econômico?

 

— Claro. Pensamos em oferecer-lhe uma fortuna que poderá dividir com o pessoal que a auxilia... Como já deve ter percebido, somos os mais implicados nesse complô especialmente criado para evitar que o governo da Nicarágua e os Contra se sentem a uma mesa de negociação... Pretendemos conservar as coisas como estão e continuar explorando a situação que nos dá lucros fabulosos.

 

— Já imaginava algo assim — sorriu a loura. — O que mais me aborrece no trabalho que faço, é que geralmente entro em contacto.com gente igual a vocês. Não passam de pequenos criminosos que cometem grandes crimes para ajuntarem fortunas. São pessoas que sempre ambicionam o poder e o dinheiro. Talvez algum dia eu encontre alguém que deseje ganhar algo diferente, como por exemplo, a obrigatoriedade da Bondade e Felicidade em todos os lugares. Seria formidável se alguém pudesse fazer a Felicidade tornar-se obrigatória! O que acham de minha ideia? — perguntou Baby.

 

— Deixe de falar tantas tolices — murmurou o outro americano. — Podemos oferecer dinheiro em tal quantidade que vocês poderão viver como reis pelo resto de suas vidas.

 

— Geralmente não costumo usar expressões pesadas, mas de vez em quando estas se tomam inevitáveis. Sabem o que eu e meus companheiros seríamos se aceitássemos o dinheiro que nos oferecem? Seríamos os maiores crápulas que podem existir no mundo. Posso ser muitas coisas, mas jamais serei uma canalha! E creio que meus companheiros também não se prestam a essa classificação.

 

— Vocês não têm nem ideia do que estão rejeitando... Por que não conversarmos um pouco mais sobre nossa oferta?

 

— Ela não nos interessa de modo algum. O que desejamos saber é quantos homens estão envolvidos nesse negócio e quem são eles!

 

— Pretende que delatemos nossos companheiros?

 

— Exatamente.

 

— Perca as esperanças porque jamais faremos isso...

 

A loura olhou para os agentes da CIA que estavam atônitos ao verem a coragem de Baby que já conheciam pelas muitas histórias que tinham ouvido, mas que na realidade ultrapassava a qualquer uma delas.

 

De repente, ela começou a rir e todos os Johnnies a acompanharam.

 

Nadou até o iate e não teve nenhum problema para chegar a bordo subindo pela corrente da âncora. O Little Jaw deslizava suavemente pelas águas negras que só ao longe ficavam prateadas pelos reflexos da iluminação de Kingston.

 

Abriu a bolsa de plástico, apanhou a pistola adaptada com silenciador e um pequeno rádio. Este colocou dentro da tanguinha do biquíni ínfimo que estava usando, porém continuou com a arma na mão direita.

 

O Little Jaw estava em silêncio, dando a impressão que não houvesse ninguém a bordo... As lâmpadas continuavam acesas. Como oito homens podiam manter-se em silêncio tão compacto?

 

Calígula, Átila e Hitler gostavam de falar e estavam sempre conversando, Gio parecia ser o mais caladão, também levava a maior parte do dia trancado na cozinha... E por onde andavam os quatro gigantes que haviam torturado Norbert Hart?

 

Não havia sinais de Andrew Wells, Jefferson Craig, Peter Stewart e Lorenzo Covarrubias no iate.

 

— Não estou gostando disso — murmurou, entredentes. Talvez fosse bom chamar os Johnnies pelo rádio, pois vários aguardavam suas instruções. Por que complicar a vida, quando esperava controlar a situação sem um único disparo, sem feridos ou mortos? Estava pensando que se conseguisse surpreender os três aleijados, a situação estaria praticamente resolvida...

 

O silêncio estava tão denso que talvez todos tivessem podido fugir... Brigitte andou pelo convés, entrou no iate e desceu a escadinha que ia dar na sala de estar.

 

Ali encontrou Hitler. Estava sentado em uma poltrona e parecia ter o olhar perdido no espaço: talvez estivesse vendo alguma coisa com os olhos do espírito... Reparou que o sangue brotava de seu peito.

 

Aproximou-se lentamente dele, mantendo-se atenta e ficou penalizada ao ver o ricto de dor que havia no rosto do cadáver que agora, estava sem peruca e tinha todos seus defeitos à mostra. Colocou a mão em sua fronte, estava quente. Sinal que fazia poucos minutos que morrera.

 

A espiã entrou no corredor dos camarotes e viu que um deles estava com a porta encostada. Empurrou-a e viu Calígula com duas perfurações à bala nas costas, caído sobre o leito.

 

Aproximou-se dele e verificou que seu corpo ainda estava quente, como se tivesse acabado de morrer.

 

— Não se mova — disse alguém atrás dela. — Permaneça de costas para a porta e deixe essa pistola cair.

 

Brigitte obedeceu e soltou a arma em cima da cama, ao lado do cadáver.

 

— Afaste-se daí e caminhe para esquerda.

 

Obedeceu de novo, mas agora já sabia quem estava as suas costas, pois havia reconhecido a voz de Giorgio Scranelli. Virou-se devagar e viu que ele a fitava com olhar perverso.

 

— Quer dizer que nada saiu como esperávamos? — sussurrou ele.

 

— Por que está falando assim?

 

— Ora, você voltou ao iate porque o restante da operação fracassou. Os guerrilheiros foram derrotados.

 

— Sinto-me feliz por poder confirmar suas suposições — sorriu Brigitte Montfort. — Você está sozinho a bordo? Bem, quero saber se só você continua vivo.

 

— Sim, estou sozinho.

 

— Onde estão Covarrubias e os outros três?

 

— Saíram para se divertir e não creio que cheguem muito tarde.

 

— E por que não saiu com eles?

 

— Não estou aqui para me divertir, mas para ter certeza de que as coisas continuam funcionando como devem.

 

— Pensei que fosse o cozinheiro. Aliás, você cozinha muito bem.

 

— Cozinhava como uma distração, enquanto vigiava o que devia vigiar. Você não gosta de cozinhar?

 

— Falando francamente, não muito — retrucou Brigitte. — Giorgio, foi você quem matou os três?

 

— Sim.

 

— Por quê?

 

— Quando vi você se aproximar a nado, compreendi que tudo ia mal. Portanto, precisava cumprir as ordens que recebi quando me contrataram para colaborar na operação.

 

— Creio que estou entendendo... Calígula, Átila e Hitler sabiam muito sobre tudo o que estava programado e os verdadeiros patrocinadores do movimento previam que talvez encontrassem alguns problemas e mesmo que houvesse algumas prisões... Se isso acontecesse, você teria de silenciá-los para sempre, não é?

 

— Exatamente.

 

— Essa sua parte em nada ajudou porque... — começou Brigitte.

 

— Posso receber as possíveis informações mais tarde. Agora não tenho tempo a perder e terei de ir.

 

— A lugar nenhum, Giorgio! Estou sozinha no iate, mas isso não significa que eu esteja só. Temos sob controle os cinco homens do Snow Black, os mesmos que os estiveram visitando no começo da noite. O avião que ia transportar os guerrilheiros e armamentos está retido no aeroporto de Kingston e os homens que iam dirigir a operação estão mortos... No embarcadouro estão vários agentes da CIA, apenas aguardando um chamado meu para subirem a bordo e controlar a situação aqui, também neste barco. Você não terá condições para fugir. Posso lhe assegurar que todos os envolvidos nessa operação não terão meios para escapar.

 

— Está mentindo! Se houvesse agentes da CIA em terra, eles não teriam permitido que Baby se enfrentasse sozinha com tantos inimigos.

 

— Giorgio, você somente tem uma chance de sobrevivência, fazer um acordo comigo. Sou eu quem oferece as condições porque só você está com possibilidades de ganhar algo, pois acabou de matar três homens que em dias remotos foram meus companheiros.

 

— Que acordo propõe?

 

— Trocar sua vida pela minha. Se você me matar, os agentes da CIA também o matarão Se me deixar viver, darei ordens para nenhum deles se envolver com você. Eles permitirão que se afaste daqui. Eu sempre cumpro minhas promessas, Giorgio!

 

A insegurança do homem era visível. Se ela estivesse falando a verdade, se houvesse agentes da CIA no embarcadouro, de forma alguma poderia sair com vida. Que adiantaria enfrentá-la para perder a coisa mais preciosa que foi dado ao homem? Qual o gozo que pode ser comparado com a vida?

 

Como se a própria natureza quisesse ajudar as decisões daquele miserável, alguns tiros quebraram a monotonia da noite e gritos ecoaram pelo iate. Em seguida, ambos ouviram passadas rápidas pelo tombadilho e logo, mais gritos... As pupilas de Giorgio se dilataram e ele apertou o gatilho um pouco mais, mas não tanto quanto devia para detonar a arma.

 

— Não posso... Quero viver... Aceito o trato.

 

Brigitte tirou o rádio minúsculo que ainda estava dentro da tanga que usava, em seguida fez a chamada e ouviu a voz de um de seus rapazes.

 

— Johnny?

 

Naquele momento mais estampidos e o barulho de um corpo chocar-se com a água. Em seguida a voz do Johnny:

 

— Está me ouvindo, Baby?

 

— O que houve?

 

— Acabamos com quatro homens que tentavam abordar o iate... Os quatro estão mortos. Como estão as coisas aí?

 

— Tudo sob controle. Vocês já podem vir.

 

Fechou o rádio, olhou para Giorgio Scranelli. Em seguida, com um rápido movimento, apontou a pistola com silenciador para o peito do mercenário e apertou o gatilho.

 

Plop.

 

Giorgio olhou para ela, em pânico e cambaleou ao receber o impacto do pedaço de chumbo na altura do coração.

 

— Infelizmente tenho que faltar com a palavra empenhada, Gio. Tenho certeza de que Átila, Hitler e Calígula estão cantando hosanas porque acabei seguindo suas ideias e abolindo a Bondade.

 

Um dia...

 

Minello olhava para a amiga e parecia não entender.

 

— Depois jogou os três cadáveres no mar? Por quê?

 

— Tive a impressão que eles preferiam assim. O que eu poderia fazer com eles? Trazê-los para casa e ficar sabendo quem eram realmente, conhecer suas famílias? Saber que tinham mãe, filhos e esposas? Depois eles seriam separados porque cada família ia escolher um cemitério diferente para enterrá-los.... Não desejei um final tão tristonho para elos e os jogamos no fundo do mar, enrolados em lençóis.

 

— Você é uma mulher muito especial — opinou Charles Alan Pitzer que estava com eles. — Fala dos homens como se os estimasse... parece esquecer-se que eles poderiam ter prejudicado a um monte de gente, impedindo que as conversações de paz fossem realizadas.

 

— Não me esqueço de nada — retrucou Brigitte. — Você é que esquece de muitas coisas, tio Charles.

 

— O que, por exemplo?

 

— Aqueles três homens lutaram por ideais elevados, estragaram suas vidas por causa deles ficaram defeituosos e se os dirigentes das duas facções se tivessem reunido para realizar as conversações desde o princípio, nada disso teria acontecido. O mundo não teria tantas mortes e nem a CIA veria um de seus ex-auxiliares crucificado por uma causa perdida. Alguns homens fazem coisas que poderão enlouquecer a humanidade. Os fatos ocorreram como poderiam acontecer agora, em meu apartamento. Eu e você iniciamos uma briga, uma luta que acaba em batalha corporal e, quando já estamos bastante machucados e meu apartamento já não tiver um móvel inteiro, resolvemos conversar para fazermos as pazes. Não seria mais razoável não termos começado a briga? O que me dizem?

 

— Digo que uma garrafa de champanhe viria muito bem — disse Minello.

 

Pitzer olhou para ele com um olhar irritado, mas Brigitte sorriu.

 

— O que podemos comemorar, Frankie?

 

— Muitas coisas... Eu, pessoalmente, gostaria, de brindar seu retorno à casa. Não precisa falar porque sei que sou egoísta, mas as coisas são como eu sempre digo: perfeito já nasce morto. Dizem que a humanidade foi a obra mais perfeita do Criador, mas os resultados não são os melhores.

 

— Vamos devagar, Frankie porque um dia ele chegará à Perfeição e então, todos os homens só visarão a Bondade e o Amor.

 

 

                                                                                                    Lou Carrigan

 

 

 

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